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Educação Escolar Indígena E Diversidade Cultural: Francisco Edviges Albuquerque Severina Alves de Almeida (Sissi)

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Severina Alves de Almeida (Sissi) (orgs.

)
COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR
PROGRAMA DO OBSERVATÓRIO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA EDUCAÇÃO

Francisco Edviges Albuquerque


ESCOLAR
INDÍGENA E
DIVERSIDADE
CULTURAL

e Diversidade Cultural
Educação Escolar Indígena
Francisco Edviges Albuquerque
Severina Alves de Almeida (Sissi)
organizadores

EDITORA

2012
Educação Escolar Indígena
e Diversidade Cultural
Reitor: Márcio Antônio da Silveira
Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Assuntos Comunitários - PROEX: George França dos Santos
Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação - PROPESQ: Waldecy Rodrigues
Diretor do Campus de Araguaína: Luiz Eduardo Bovolato
Coordenação do Projeto de Educação Escolar Apinajé na Perspectiva Bilíngue e Intercultural: Francisco Edviges Albuquerque
Diretor de Educação Básica Presencial/DEB/CAPES: Carmem Moreira de Castro Neves
Coordenação Geral da CGV/DEB/CAPES: Helder Eterno da Silveira
Coordenadora de Apoio à Inovação e Pesquisa em Educação (CINPE/CGV/DEB/CAPES): Fernanda Litvin Villas Boas
Equipe Técnica/CAPES: Carine Pereira Mariani, Janaína Cássia Carvalho e Sílvia Helena Rodrigues
Coordenação Regional/FUNAI/ Palmas: Cleso Fernandes de Moraes
Chefe do NPPDS/FUNAI/ Palmas: Corina Maria Rodrigues Costa
Coordenação Técnica da FUNAI/ Tocantinópolis: Bruno Aluísio Braga Fragoso
Diretoria Regional de Ensino de Tocantinópolis/DRET: Luciana Gomes de Souza Pimentel
Supervisor Pedagógico Indígena/DERET/Tocantinópolis: João Joviano de Medeiros Neto

Grão Chanceler
Dom Washington Cruz, CP

Reitor
Prof. Wolmir Therezio Amado

Editora da PUC Goiás

Pró-reitora da Prope e Presidente do Conselho Editorial


Profa. Dra. Sandra de Faria

Coordenador Geral da Editora da PUC Goiás


Profa. Nair Maria Di Oliveira

Conselho Editorial
Aidenor Aires Pereira - Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Estado de Goiás
Edival Lourenço - União Brasileira de Escritores
Getúlio Targino - Presidente da Academia Goiana de Letras
Heloísa Helena de Campos Borges - Presidente da AFLAG
Profa. Heloísa Selma Fernandes Capel - UFG
Profa. Dra. Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante - Pontifícia Universidade Católica de Goiás
Profa. Dra. Márcia de Alencar Santana - PUC Goiás
Maria Luiza Ribeiro - Presidente da AGL
Profa. Dra. Regina Lúcia de Araújo - Pesquisadora
Prof. Ms. Roberto Malheiros - PUC Goiás
Francisco Edviges Albuquerque
Severina Alves de Almeida (Sissi)
o r g a n i z a d o r e s

Educação Escolar Indígena


e Diversidade Cultural

Goiânia
2012
Projeto: A Educação Escolar Apinajé
na Perspectiva Bilíngue e Intercultural
Esta publicação foi viabilizada com recursos do Programa do
Observatório da Educação Escolar Indígena/ CAPES/SECADI/INEP -
Edital 001/2009 - Projeto 014.

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

Apoio:

PROEX - Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários


PROPESQ - Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação
LALI - Laboratório de Línguas Indígenas / Campus de Araguaína
NEPPI - Núcleo de Estudo e Pesquisa com Povos Indígenas / Campus de Araguaína.

E24 Educação escolar indígena e diversidade cultural / Francisco Edviges Albuquerque,


Severina Alves de Almeida, organizadores. – Goiânia: Ed. América, 2012.
369 p.: 22 cm

ISBN 978-85-9921-883-9

1. Educação escolar indígena. 2. Alfabetização – índios Apinayé. I. Albuquerque,


Francisco Edviges (org.). II. Almeida, Severina Alves de (org.). III. Título.

CDU 37: 397

Todos os direitos reservados aos organizadores: Proibida a reprodução total ou parcial, por
qualquer meio de processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos,
reprográficos, fonográficos, videográficos, internet, notebook. A violação dos direitos autorais
é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal, cf. Lei no 6.895, de 17/12/80)
com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (art.
102, 103 parágrafo único, 104, 105, 106 e 107 itens 1, 2 e 3 da Lei nº 9.610 de 19/06/98. Lei dos
Direitos Autorais).
Professores Indígenas Rosana Dias Apinayé, José Durico Dias Apinayé,
Apinayé colaboradores Fernanda R. Apinayé, Maria dos Reis Pandy
do Projeto: Corredor Apinayé, Davi Wamimen. Apinayé, Ana
Rosa Ribeiro Salvador Apinayé, Edvaldo Ribeiro
Apinayé, Itamar Kant Apinayé, Silivam Oliveira
Apinayé, Iramar Dias de Sousa Apinayé, Jurandy
Pereira Ribeiro Katàm, Diana Apinayé, José
Eduardo Dias Pereira Apinayé, Maria Célia Dias
de Souza Apinayé, Josué Dias de Sousa Apinayé,
Moacir Xerente, Vilson Corredor Ribeiro Apinayé,
Francisco Ribeiro da Costa Apinayé, Valdir Hopor
Dias Apinayé, Juan Apinayé, Ivam Corredor Dias
Apinayé, Fernanda R. Apinayé, Eloíza Gretxo Dias
Pereira Apinayé, Maria Cipand Apinayé, Emílio
Dias de Sousa Apinayé, Júlio de Sousa Apinayé,
Júlio Kamêr Apinayé.
Professores Indígenas Isaias Cripô Krahô, Roberto Krahô, Ovídio Krahô,
Krahô colaboradores do Gelma Krahô, Célia Cukre Kurjj Krahô, Simone
Projeto: Croulay Krahô, Ataúlio Krahô, Júlio Inxicaprêc
Krahô, Cornélio Kõc Krahô, Paulinho Rõrhy
Krahô, Carlito Rõpar Krahô, Carlito Ajtá Krahô,
Elton Hiku Krahô, Simão Cajcar Krahô, João Lucas
Cahhi Krahô, Crimo Krahô, Edivaldo Wake Krahô,
Ivonete Y. R. Yows Krahô-Kanela, Aguinaldo Vieira
Hàka Krahô, Rogério Cõtetet Krahô, Augusto
Pruxum Krahô, Tais Rôcuhtô Krahô, José Dilson
Krahô, Anízio Capej Krahô, Marciana Amxykuyj
Krahô, Sara Crerõ Krahô, Ovídio Krahô, Carlito
Rõrpàr Krahô, Carlito Ajtà, Krahô, João Lucas
Cahli Krahô, Cornélio Kóc Krahô, Guimo Parhy
Krahô, Aguinaldo V. H Krahô, Elton Hiku Krahô,
Ely Kujj Tep Krahô,
Anízio Capej Krahô, Edivaldo Wake Krahô, Fábio
Inscycaprec Krahô, Tais Pocuhto Krahô,
Simão Cajcar Krahô, Guilherma Krahô, Rogério
Cotetel Krahô, Dilson Krahô, Dioclides, T. Krahô,
Marciana Krahô, Rubens Txuwo Krahô, Ariel P.
Krahô, Ataúlio Wathur Krahô, Roberto K. Krahô,
Gregório Huhte Krahô, Iramar Irroia Wew Krahô,
Edivaldo Paraty Krahô, Gilvan Hitopo Krahô, Ariel
Pepha Krahô, Otamir Kaxêt Krahô, Jucilene Muxà
Krahô, Edinaldo Krahô.
Assessoria Linguística: Francisco Edviges Albuquerque.
Equipe do Projeto:
Coordenação: Francisco Edviges Albuquerque.
Professores Miguel Pacífico Filho e Thelma Pontes Borges.
Colaboradores:
Bolsistas De Graduação: Ayrton Alves Brauna, Leilane Pereira da Costa,
Tatiane Pereira de Oliveira, Thais de Souza
Carvalho, Welison Portugal de Souza.
Bolsista de Mestrado: Jane Guimarães Sousa.
Professoras de Educação Ana Rosa Ribeiro Salvador Apinayé e Maria Célia
Intercultural Dias de Sousa Apinayé.
Bolsistas de graduação: Leilane Pereira da Costa
Ayrton Alves Brauna
Tatiane Pereira de Oliveira
Thais de Souza Carvalho
Welison Portugal
Capa: Félix de Pádua - Ed. da PUC Goiás
Diagramação e Wagner José Pires e Rhondhynele Alves Pereira
Digitação: Costa
Revisão: Francisco Edviges Albuquerque.
Adaptação Gráfica: Félix de Pádua - Ed. da PUC Goiás
Prefácio
Esta obra auxiliará professores, pesquisadores e alunos envolvidos com
a questão da Educação Escolar Indígena, contribuindo com a ampliação de
seu repertório, de modo crítico, criativo e autônomo, ao mesmo tempo em
que vem preencher uma lacuna, pois é a primeira publicação divulgando
a Diversidade Cultural do Estado do Tocantins, tendo como foco os povos
indígenas. É um produto do Projeto “A Educação Escolar Apinayé
na Perspectiva Bilíngue e Intercultural” viabilizado com recursos
do “Programa do Observatório da Educação Escolar Indígena/
CAPES/SECAD/INEP - Edital 001/2009 - Projeto 014”.
O Projeto faz parte de um Projeto maior denominado “Projeto de
Apoio Pedagógico à Educação Escolar Apinayé”, iniciado em 2000,
desenvolvido com o intuito de investigar fatores preponderantes na educação
escolar do povo Apinayé, e também oferecer apoio pedagógico às práticas
educativas das escolas de Mariazinha e São José, bem como construir e
organizar material didático com a participação efetiva de professores, alunos
e comunidade indígenas Apinayé.
Os trabalhos aqui apresentados foram produzidos por professores
indígenas e não-indígenas, alunos de graduação, pós-graduação,
pesquisadores e colaboradores envolvidos com o Projeto, e estão de acordo
com os objetivos do “Programa do Observatório da Educação Escolar
Indígena”, que é fomentar o desenvolvimento de estudos e pesquisas em
educação, que explorem ou articulem as bases de dados do Instituto Nacional
de Pesquisa em Educação INEP, visando a estimular a produção acadêmica e
à formação de recursos pós-graduados stricto sensu (mestrado e doutorado), bem
como fortalecer a formação de profissionais da Educação Básica Indígena,
Intercultural e Diferenciada, alcançando professores e gestores, tendo em
vista à implementação dos Territórios Etnoeducacionais.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 7


A coletânea se inicia com o artigo Ensino de Língua Materna
nas Escolas Apinayé de Mariazinha e São José, de autoria do Prof.
Francisco Edviges Albuquerque e das Professoras indígenas e bolsistas do
Programa do Observatório, Ana Rosa Salvador Apinayé e Maria Célia
Dias de Sousa Apinayé. De forma clara e precisa, o texto discorre sobre a
Educação Escolar Indígena Bilíngue das aldeias São José e Mariazinha,
descrevendo a situação atual do ensino de língua materna nas escolas Tekator e
Mãtyk. A partir de uma avaliação diagnóstica voltada para o domínio e uso da
língua materna escrita pelas crianças indígenas em fase de alfabetização, os
autores levantam alguns questionamentos quanto à formação dos professores
indígenas, e analisam criticamente a produção dos alunos que enfrentam o
desafio de uma alfabetização bilíngue e intercultural.
A Alfabetização Bilíngue das Crianças Indígenas Apinayé da
Aldeia São José: Aspectos Pedagógicos e Sociais é um artigo escrito
por Rosimar Locatelli, Francisco Edviges Albuquerque e Severina Alves de
Almeida (Sissi). O objetivo é entender como os alunos da Escola Mãtyk, da
Aldeia São José são alfabetizados, considerando o processo e os efeitos que
a Alfabetização Bilíngue produz nas práticas sociais das crianças Apinayé.
Os autores apontam para uma realidade onde a apropriação do português,
como segunda língua falada pela comunidade, materializa-se oralmente nas
relações sociais dentro e fora da aldeia, principalmente no contato com os
meios de comunicação e no convívio com os não-indígenas.
Já o texto Educação Cultura e Contato dos Apinayé com a
Sociedade Não Indígena escrito pela bolsista de mestrado Jane Guimarães
Sousa, em coautoria com os estudantes de graduação bolsistas: Leilane
Pereira da Costa, Ayrton Alves Brauna, Tatiane Pereira de Oliveira, Thais
de Souza Carvalho e Welison Portugal, apresenta as impressões e apreensões
dos mesmos acerca das ações desenvolvidas durante as atividades do Projeto.

8 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Com bastante propriedade, os autores relatam o estudo, discorrendo sobre da
Educação Indígena e Educação Escolar Indígena Apinayé, apresentando a
cultura desse povo, seus rituais e práticas cotidianas, como aspectos relevantes
no processo de aquisição do conhecimento.
Temos também o artigo Contexto Histórico da Educação
Escolar Indígena Apinayé, dos autores Cassiano Sotero Apinayé e
Francisco Edviges Albuquerque. Aqui os autores apresentam um estudo sobre
a Escola Estadual Indígena Mãtyk da aldeia São José, traçando também um
inventário acerca da implantação das escolas indígenas das outras aldeias.
Discutem, também, a educação indígena como ação que se desenvolve, a
partir dos ensinamentos dos mais velhos, através dos saberes tradicionais.
A contribuição maior do texto está no fato de ser escrito por um professor
indígena que, por viver cotidianamente a realidade de uma escola instalada
na aldeia, contribui significativamente com dados empíricos, validados pela
experiência e enfrentamento das questões que perpassam e permeiam sua
prática docente.
Outro artigo bastante relevante, escrito por Marinalva Dias de Lima
e Francisco Edviges Albuquerque, aborda os Aspectos Morfológicos
da Língua Apinayé. Ancorado numa pesquisa de iniciação científica, o
trabalho contribui com as práticas didáticas e pedagógicas dos professores
e alunos indígenas, uma vez que aborda aspectos morfológicos da língua
materna, enquanto disciplina da Educação Básica nas escolas das aldeias
Apinayé. A relevância do texto está também no fato de servir como apoio
para os professores não indígenas que atuam nas escolas Apinayé, numa
concepção interdisciplinar e intercultural, subsidiando as ações docentes nos
domínios sociais indígenas.
No artigo Aspectos Sintáticos da Língua Apinayé, também
resultado de uma pesquisa de iniciação científica, Loureane Rocha de Souza

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 9


e Francisco Edviges Albuquerque contribuem de forma decisiva para a
organização de material didático, voltado para os aspectos morfossintáticos
da língua Apinayé, especificamente, destinado para o ensino da língua
materna nas escolas das aldeias. Busca, também, colaborar para a construção
de uma Educação Escolar Bilíngue, Intercultural, Específica e Diferenciada,
atuando positivamente no processo de aquisição do conhecimento de alunos
e professores indígenas, numa tentativa de promover o fortalecimento e a
manutenção da língua e da cultura indígenas na realidade da fronteira étnica.
Com o artigo Etnografia e Observação Participante: O
Trabalho de Campo e a Pesquisa Qualitativa no Contexto Indígena
Apinayé, Severina Alves de Almeida (Sissi), Francisco Edviges Albuquerque
e Ana Paula Aoki fazem uma abordagem muito pertinente sobre os
procedimentos metodológicos para uma pesquisa com povos indígenas. O
texto delineia os trâmites metodológicos na condução de um trabalho de
campo realizado nas aldeias Apinayé de São José e Mariazinha. Através
de uma proposta metodológica interdisciplinar, os autores tomam por base
os pressupostos teóricos e práticos que tratam da pesquisa qualitativa e da
etnográfica com observação participante. Ênfase maior é dada à etnografia,
suas fases, procedimentos e técnicas de investigação. Nessa mesma direção, os
autores apresentam a entrevista semidirigida enquanto técnica que promove a
interação, e a microanálise etnográfica como aporte facilitador no momento
da análise, descrição e interpretação dos dados.
Vocabulário Bilíngue Krahô/Português: Uma Contribuição
Para o Ensino e Fortalecimento da Língua Krahô é um artigo escrito
por Jane Guimarães Sousa e Francisco Edviges Albuquerque. A pertinência
da proposta está na produção de um pequeno vocabulário bilíngue Krahô/
Português, a partir de algumas unidades lexicais da língua Krahô, que estão
presentes em um mito de origem Krahô, o “Mito de Tyrkrẽ”. Com isso os

10 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


autores pretendem auxiliar professores indígenas Krahô em aulas de língua
portuguesa, e também os alunos indígenas, desde que esta é uma segunda
língua falada pela comunidade e ensinada na escola. Também buscam
contribuir para um ensino diferenciado, bilíngue e intercultural nessa
sociedade indígena.
A Noção de Gênero Entre os Falantes Bilíngues Krahô: Uma
Análise Introdutória é um texto assinado por Marta Virginia de Araújo
Batista Abreu e Francisco Edviges Albuquerque. O objetivo dos autores é
apresentar um estudo de caso sobre a fala de uma professora indígena Krahô,
que leciona em uma escola localizada na aldeia Pedra Branca, situada no
município de Itacajá, estado do Tocantins. Os autores partem do pressuposto
de que os falantes da língua Krahô, ao realizarem a concordância do gênero
com o nome, evidenciam a relação existente entre o uso da língua portuguesa
e o sistema de referência da língua materna, e com isso pretendem cooperar
com a Educação Escolar Intercultural, Bilíngue e Diferenciada para esse
povo indígena.
No artigo denominado Educação Escolar Indígena Krahô
e o Ensino do Rito de pẽp Cahàc: Uma Didática Transversal e
Interdisciplinar, Jane Guimarães Sousa e Francisco Edviges Albuquerque
discutem a respeito dos Paradigmas Educacionais, da Educação Escolar
Indígena e da Interdisciplinaridade. A proposta discursiva centra-se na
perspectiva de apresentar a Interdisciplinaridade no âmbito da Educação
Escolar Indígena Krahô, com base no ensino do Rito de pẽp Cahàc, a partir do
ritual de passagem da fase da adolescência para a fase da vida adulta, a partir
de uma iniciação guerreira, onde os mais velhos repassam para os mais novos
ensinamentos sobre posturas para toda vida.
Também integra a coletânea o texto As Práticas Pedagógicas do
Professor de Ciências e Biologia das Escolas Karajá-Xambioá:

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 11


Perspectivas Transdiscipinares, dos autores Luismar Gomes Sousa,
Severina Alves de Almeida (Sissi) e Francisco Edviges Albuquerque. Aqui são
apresentados os resultados de uma pesquisa realizada com os Karajá-Xambioá,
grupo indígena que pertence à etnia Karajá e se autodenomina Inỹ. Os autores
socializam um estudo sobre as práticas pedagógicas do professor de Ciências
e de Biologia das escolas indígenas da Reserva Karajá-Xambioá. O intuito
é evidenciar que as práticas pedagógicas no contexto indígena promovem
a construção do etnoconhecimento, de forma integrada e contextualizada.
Também, constatam que os Karajá-Xambioá têm desenvolvido uma prática
educativa que valoriza os saberes tradicionais do grupo, e dessa forma, se
insere nos pressupostos teóricos da Transdisciplinaridade. Não obstante,
os autores acreditam que a aldeia e seu entorno oferecem ferramentas que
possibilitam uma aprendizagem contextualizada, desde que professores
indígenas e não indígenas, que atuam nas escolas das aldeias, se esforçam
no sentido de construírem, junto com estudantes e toda a comunidade, uma
Educação Escolar Diferenciada, Intercultural, uma Educação Indígena.
A Educação Escolar Indígena no Contexto do Paradigma
Educacional Emergente e da Transdisciplinaridade é outro artigo
bastante relevante, assinado por Marta Virginia de Araújo Batista Abreu e
Francisco Edviges Albuquerque. A finalidade dos autores é situar a Educação
Escolar Indígena dentro do Paradigma Educacional Emergente e da
Transdisciplinaridade. A partir de um breve histórico, os autores exploram
as concepções e teorias a respeito do Paradigma Educacional Tradicional, da
Transdisciplinaridade e do Paradigma Educacional Emergente, e colocam
no centro dessas abordagens a Educação Escolar Indígena, uma vez que esta
se materializa a partir da valorização dos saberes tradicionais, da língua
materna enquanto disciplina escolar, da cultura e de todas as suas expressões,
viabilizando um caminho para promover a autoafirmação destes povos.

12 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Outro texto assinado por Marta Virginia de Araújo Batista Abreu
e Francisco Edviges Albuquerque, intitulado Memória e História de
Vida: Uma Análise de Relatos Sobre Educação Escolar Indígena
e Formação de Professores Indígenas no Estado do Tocantins, é
muito importante, pois centra-se na análise da história de vida e memória de
professores indígenas do estado do Tocantins, corroborando a importância
desta história, enquanto aporte para a educação escolar e a formação de
professores indígenas. Os autores partem do pressuposto de que a formação
de professores é um processo que avança pela constituição do sujeito e, sendo
assim, retoma elementos da história, reestruturando-os em uma visão de
sentidos pessoais que orienta a prática docente. Ao analisarem as histórias
de vida dos professores, a partir dos depoimentos orais, os autores constatam
que esses professores se constituíram professores, também, a partir de suas
experiências de vida.
Com o título Prática Docente na Educação Superior Indígena:
Relato de Uma Experiência com Estudantes Xerente, a professora
Rosemary Negreiros de Araújo nomeia este artigo, apresentado suas
impressões sobre estudantes indígenas da etnia Xerente, enquanto docente
da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Campus de Miracema. Em
suas abordagens, a autora evidencia a insatisfação desse povo diante da
questão territorial, desde o momento em que as terras foram demarcadas
até os dias atuais. Levando em consideração o processo vivenciado no
cotidiano educacional e na realidade de um curso superior, notadamente
na interação entre docente-discente, a autora constata que aspectos outrora
desconhecidos, agora são revelados, resultando assim na construção e difusão
de conhecimentos cotidianos, salvaguardando os saberes tradicionais desse
povo, que precisam do reconhecimento, também, por parte do nosso sistema
de ensino.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 13


Tratando de uma questão atual muito pertinente, que é a relação dos
indígenas brasileiros com as novas tecnologias de comunicação e informação,
o artigo Os Índios e a Tecnologia: Uma Relação de Ressignificação
Possível, de autoria de Adailton Alves da Silva e Sinval de Oliveira, assume
uma posição de destaque na coletânea. Aqui os autores discutem a capacidade
que os povos indígenas brasileiros têm de lidar com fatores externos ao longo
da História, apontando que a evidência mais significativa dessa característica,
talvez seja, justamente, o fato de ao longo dos mais de 500 anos de contato
com a sociedade não indígena, terem sido marcados por intensos conflitos e
relações assimétricas, extermínio e genocídios de populações inteiras, mas que,
nem por isso, eles desistiram de lutar. Os autores discutem, também, algumas
questões mais recentes desse cenário, em particular, as alternativas de ação
por parte de algumas dessas sociedades indígenas frente às novas tecnologias
da informação e comunicação, tendo como objetivo dar visibilidade a algumas
iniciativas dos povos indígenas brasileiros em relação ao uso da tecnologia,
como instrumento de afirmação das suas ações políticas e educacionais.
Para finalizar a coletânea, temos o texto do Professor Dr. Francisco
Edviges Albuquerque, que traz um importante Relatório das Atividades
do Programa do Observatório da Educação Escolar Indígena UFT/
CAPES/Edital 01/2009 – Projeto 014. Neste texto o autor, que é também
o idealizador e coordenador do Projeto de Educação Escolar Apinayé
na Perspectiva Bilíngue e Intercultural, através do Programa do
Observatório da Educação Escolar Indígena, relata cronologicamente
as atividades dos dois anos de ações do Projeto.
O Professor Edviges, que há 16 anos vem desenvolvendo outros
trabalhos com esse povo, avalia positivamente as ações do Projeto, e informa
que todas as etapas foram cumpridas rigorosamente, de sorte que os Apinayé
se sentiram parte integrante de tudo que se realizou durante os trabalhos,

14 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


principalmente, por ter partido das próprias comunidades, a maioria das
ações do Projeto, que contou também com a colaboração dos professores e
alunos indígenas, que foram implementadas durante os anos de 2010, 2011
e 2012. Para o Professor Edviges, a cada ação cumprida, os indígenas se
sentiam entusiasmados, principalmente quando participaram da elaboração
dos textos, das gravuras que ilustram os livros, e das oficinas realizadas nas
escolas das Aldeias Mariazinha e São José, durante as visitas técnicas da
equipe do Programa do Observatório da Educação Escolar Indígena.
Acreditamos, ademais, que o fato de essa coletânea de textos
contemplar os povos indígenas do estado do Tocantins, abordando aspectos
gerais de cada povo, com destaque para os Apinayé, Krahô, Xerente e
Karajá-Xambioá, principalmente no tocante à educação escolar, apresenta-
se como uma material teórico muito relevante, tanto para professores a alunos
indígenas, quanto para professores não indígenas e pesquisadores de diferentes
instituições, estreitando as relações interculturais. Não devemos esquecer que
esse livro só foi possível, porque obstinadamente o professor Dr. Francisco
Edviges Albuquerque e sua equipe, ao lado dos professores e comunidades
indígenas, não mediram esforços no sentido de concretizar os objetivos do
Projeto, que teve o apoio financeiro da CAPES.

Severina Alves de Almeida (SISSI)

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 15


Sumário
Prefácio.................................................................................................. 7
O Ensino de Língua Materna nas Escolas Apinayé
de Mariazinha e São José............................................................. 21
Francisco Edviges Albuquerque
Ana Rosa Salvador Apinayé
Maria Célia Dias de Sousa Apinayé

A Alfabetização Bilíngue das Crianças Indígenas Apinayé


da Aldeia São José: Aspectos Pedagógicos e Sociais.................. 48
Rosimar Locatelli
Francisco Edviges Albuquerque
Severina Alves de Almeida (Sissi)

Educação Cultura e Contato dos Apinayé com a Sociedade


Não indígena................................................................................ 96
Jane Guimarães Sousa
Leilane Pereira da Costa
Ayrton Alves Brauna
Tatiane Pereira de Oliveira
Thais de Souza Carvalho
Welison Portugal

Contexto Histórico da Educação Escolar Indígena Apinayé.. 114


Cassiano Sotero Apinayé
Francisco Edviges Albuquerque

Aspectos Morfológicos da Língua Apinayé.............................. 131


Marinalva Dias de Lima
Francisco Edviges Albuquerque
Aspectos Sintáticos da Língua Apinayé.................................... 145
Loureane Rocha de Souza
Francisco Edviges Albuquerque

Etnografia e Observação Participante: O Trabalho de Campo


e a Pesquisa Qualitativa no Contexto Indígena Apinayé......... 156
Severina Alves de Almeida (Sissi)
Francisco Edviges Albuquerque
Ana Paula Aoki

Glossário Bilíngue Krahô/Português: Uma Contribuição


para o Fortalecimento da Língua Krahô.................................. 186
Jane Guimarães Sousa
Francisco Edviges Albuquerque

A Noção de gênero entre os falantes bilíngues Krahô: uma


análise introdutória................................................................... 201
Marta Virginia de Araújo Batista Abreu
Francisco Edviges Albuquerque

A Educação Escolar Indígena Krahô e o Ensino do Rito


de pẽp Cahàc: Uma Didática Interdisciplinar.......................... 218
Jane Guimarães Sousa
Francisco Edviges Albuquerque

As Práticas Pedagógicas do Professor de Ciências e Biologia


das Escolas Karajá-Xambioá: Perspectivas Transdiscipinares..... 240
Luismar Gomes Sousa
Severina Alves de Almeida (Sissi)
Francisco Edviges Albuquerque

18 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


A Educação Escolar Indígena: um paradigma educacional
emergente e Transdisciplinaridade........................................... 271
Marta Virginia de Araújo Batista Abreu
Francisco Edviges Albuquerque

A Educação Escolar Indígena: uma análise sobre a Formação


dos Professores Indígenas do Estado do Tocantins................. 293
Marta Virginia de Araújo Batista Abreu
Francisco Edviges Albuquerque

Prática Docente na Educação Superior Indígena: Relato


de Uma Experiência com Estudantes Xerente......................... 309
Rosemary Negreiros de Araújo

Os Índios e a Tecnologia: Uma Relação de Ressignificação


Possível....................................................................................... 330
Adailton Alves da Silva
Sinval de Oliveira

Relatório das Atividades do Programa do Observatório


da Educação Escolar Indígena UFT/CAPES/Edital 01/2009 –
Projeto 014................................................................................. 345
Francisco Edviges Albuquerque

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 19


O Ensino de Língua Materna nas Escolas
Apinayé de Mariazinha e São José
__________________________________________
Francisco Edviges Albuquerque1
Ana Rosa Salvador Apinayé2
Maria Célia Dias de Sousa Apinayé3

Resumo
Neste artigo, fazemos uma reflexão sobre a Educação Escolar Indígena
Bilíngue das escolas indígenas das aldeias de Mariazinha e São José, tendo
como objetivo descrever a situação atual do ensino de língua materna nas
escolas Tekator e Mãtyk. Para tanto, partimos de uma pesquisa bibliográfica
buscando estabelecer detalhadamente as bases teóricas e legais da Educação
Escolar Bilíngue e Intercultural, indispensável para análise de nosso estudo.
Para isso, consideramos os aspectos socioculturais e linguísticos dos Apinayé,
onde o trabalho se desenvolveu. Posteriormente, foi realizada uma avaliação
diagnóstica voltada para o domínio e uso da língua materna escrita pelas
crianças indígenas matriculadas na Primeira Fase do Ensino Fundamental.
Após os estudos, foram levantados alguns questionamentos quanto à formação
dos professores indígenas, contemplando também aspectos metodológicos, pois
foram encontrados indícios de dificuldades de aprendizagem, principalmente
em relação à língua materna, a primeira língua falada pelas crianças das
comunidades Apinayé.
Palavras-chave: Educação Escolar Apinayé; Crianças Apinayé;
Professores Indígenas; Língua Materna.
1. Professor Adjunto da UFT – Universidade Federal do Tocantins e Coordenador do Projeto do Observatório da
Educação Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue e Intercultural. email: fedviges@uol.com.br.
2. Professora Indígena da Escola Mãtyk da Aldeia Apinayé São José e bolsista do Projeto do Observatório da Educação
Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue e Intercultural.
3. Professora Indígena da Escola Tekator da Aldeia Apinayé Mariazinha e bolsista do Projeto do Observatório da
Educação Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue e Intercultural.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 21


Introdução
Ao longo dos anos da implantação da educação indígena Apinayé, os
relatórios da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), indicam que os primeiros
materiais escritos nessa língua foram elaborados e organizados pelos membros
do Summer Institute of Linguistics (SIL) a partir da década de 1970. Segundo
esses relatórios, à medida que os estudos do SIL avançavam, novos materiais
e novas versões das cartilhas já existentes foram elaborados. Este período
também marca a primeira edição da “Cartilha de História Apinayé”. Além
desta edição, foram publicados outros cinco livros: Livro de Lendas 1; Livro
de Lendas 2; Leitura Suplementar das Cartilhas e Introdução à Leitura e
Livro de Caligrafia. Após essas publicações, vieram outras cinco cartilhas de
alfabetização do número 1 ao número 5 (Pumẽ Kagà Pumu).
Atualmente, algumas escolas ainda utilizam essas cartilhas devido
ao pouco material didático disponível nas escolas indígenas do estado
do Tocantins. Diante dessa realidade, os indígenas fazem uma crítica
bastante contundente a esse tipo de material, pois ele não reflete a realidade
sociolinguística, histórica e cultural desses povos, visto que é um material
organizado por linguistas do SIL, sem a participação efetiva dos professores
nem da comunidade indígena de modo geral. Configura-se num material
didático mecanicista e dissociado da realidade do estado atual da língua
indígena Apinayé.
Segundo Albuquerque (1999), a situação escolar Apinayé, ao longo dos
anos de contato com a sociedade não indígena, vem acontecendo de modo
contrário aos anseios e interesses dos indígenas. Esse povo tem vivido um
processo de perda étnica, com seus valores culturais subjugados pela sociedade
nacional.
Fatos como esses são apontados por Braggio (1989, p. 155), apoiada
em Coelho dos Santos (1975, p. 43), afirmando que um dos mais incisivos

22 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


problemas com relação à educação indígena está no fato de que o processo
educacional utilizado nas comunidades indígenas se apresenta como um dos
principais vínculos de dominação de sociedade majoritária, já que as escolas
indígenas estão sujeitas a um sistema educacional concebido e inspirado pela
sociedade não indígena encontrando-se, portanto, carregado de seus valores
ideológicos.
Nos últimos anos os estudantes Apinayé têm tido a oportunidade de
estudar em escolas instaladas nas aldeias, uma vez que possuem duas escolas
com Ensino Fundamental e Médio, funcionando nas aldeias de São José e de
Mariazinha.
A partir de 2001, o Projeto de Apoio Pedagógico à Educação
Apinayé vêm promovendo nas escolas Apinayé, ações que envolvem os
conhecimentos sócio-históricos, culturais e linguísticos de suas comunidades,
com a participação efetiva dos professores, lideranças e alunos indígenas,
no sentido de definir as políticas linguísticas das escolas de suas aldeias.
Durantes as reuniões, e por ocasião das oficinas pedagógicas, os Apinayé
discutem temas referentes à língua, à cultura e à história do seu povo. Isto
acontece, especialmente, durante as atividades de elaboração e organização
dos materiais didáticos a serem utilizados nas escolas como, por exemplo,
no preparo dos livros pedagógicos de alfabetização, narrativas, músicas, e
do livro sobre a medicina tradicional Apinayé, Gramática Pedagógica,
Dicionário Escolar Apinayé, livros de Matemática, Ciências, História e
Geografia, além de vários outros livros utilizados nas escolas desse povo, que
ao longo desses anos, vêm contribuindo para a efetivação de uma educação
específica, diferenciada e de qualidade.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 23


O Ambiente de alfabetização Apinayé
Antes mesmo de frequentar a escola, as crianças indígenas Apinayé
já estão em contato direto com um importante meio alfabetizador, que é o
ambiente em que elas convivem no seu dia-a-dia, de várias formas, ouvindo
histórias de seu povo, caçando, pescando, fazendo artesanatos, confeccionando
colares, interagindo com todos os membros da comunidade, bem como
através das pinturas corporais, do repasse dos conhecimentos tradicionais,
pelas avós, mães e avôs, assim como os aspectos históricos e linguísticos. Desta
forma, para que esse ambiente se torne mais agradável e efetivamente um
instrumento de aquisição de novos conhecimentos, a criança precisa estar
preparada, uma vez que seu senso de observação encontra-se aguçado e a
sua curiosidade precisa ser despertada, o que a leva a perceber o valor da
comunicação, seja oral ou escrita.
As crianças indígenas Apinayé, de certa forma, convivem diretamente
com o ambiente escolar de suas aldeias mesmo antes de ir para a escola, seja
nos momentos de atividades culturais, nos horários de merenda ou em outras
situações em que a comunidade é convidada para participar de eventos,
envolvendo os aspectos culturais, como pinturas corporais, danças, cantigas,
corridas da Tora, ou relatos de mitos.
Partindo dessas premissas, a sala de aula deve servir também para
despertar os sentidos dos alunos indígenas, transformando-se num local
agradável e propício para aquisição de novos conhecimentos. Muitas vezes os
professores indígenas têm dificuldades em manter as salas de aulas arrumadas
e conservar os materiais que são usados, devido à falta de interesse que os
alunos indígenas têm em conservá-los, mas que precisam ser cuidados, uma
vez que eles poderão ser utilizados em outras aulas. Para evitar esse tipo de
problema, o ideal é que os professores indígenas elaborem seus materiais
juntamente com a participação dos alunos, para que eles possam contribuir

24 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


com esse processo e, consequentemente, possam valorizar esse material,
conservar e repassar para outras turmas para serem utilizados por outros
alunos.
De acordo com Russo (2010), o uso do alfabeto em sala de aula é um
material imprescindível, principalmente para os anos iniciais, visto que ele
constitui um material de apoio e consulta. A grafia das letras e a sequência
como está distribuída são meios de percepção, comparação e elaboração de
hipóteses. Para a autora, uso do alfabeto afixado nas paredes da escola, deve
conter letras impressas, cursivas e bastão, uma vez que esses tipos de letras
estão presentes em diversos de textos. Deve-se, portanto, dar maior ênfase à
letra de forma maiúscula, para facilitar as elaborações iniciais no processo de
construção do código de escrita alfabética.
Dessa forma, os alunos vão fazendo com frequência a relação entre
grafemas e fonemas, entre letras do alfabeto de sua língua materna com o
alfabeto da língua portuguesa. Mas para isso, é importante que o professor
indígena esteja sempre fazendo uso do alfabeto em suas atividades, para
favorecer esse tipo de comparação, visto que o ensino nas escolas Apinayé se
dá de forma bilíngue e intercultural.
Segundo Almeida e Albuquerque (2011), a alfabetização bilíngue e
intercultural, isto é, a aquisição da leitura e da escrita pelos povos indígenas
brasileiros, em sua maioria sociedades ágrafas, surgiu em razão da necessidade
de se estabelecer formas de comunicação entre estes povos e a sociedade
nacional, o que requer a formação de professores indígenas capazes de
sistematizar a transposição da oralidade para a escrita na fronteira étnica, ou
seja, exige profissionais com domínio de leitura e escrita nas línguas materna
e portuguesa.
Nas salas de aula das escolas Apinayé os alunos sempre estão
manuseando livros, revistas, cartilhas do Summer Institute of Linguistics (SIL),

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 25


textos e desenhos organizados pelos professores indígenas com a participação
dos alunos. Além dos livros, existem outros materiais organizados através
do Projeto de Apoio Pedagógico à Educação Escolar Apinayé, como suporte
didático-pedagógico utilizado nas escolas desse povo, sendo que esse material
foi produzido com a participação efetiva dos alunos e professores indígenas.
Todo esse material didático disponível nas escolas indígenas Apinayé
reflete a situação atual do estado da língua desse povo, levando em
consideração os aspectos sociolinguísticos, históricos e culturais Apinayé.
Assim, esse material tem contribuído significativamente como ferramenta
para uma educação escolar indígena específica, de qualidade e diferenciada.
Portanto esse fator, associado a outros de ordem cultural e histórica, favorece
a aprendizagem e transforma a falta de interesse dos alunos em motivação
para uma alfabetização de qualidade. Assim, a sala de aula deve promover
reflexão e ser motivadora de leitura e de escrita, tanto em língua materna
como em língua portuguesa, através do manuseio do material didático
disponível na escola.
Segundo Russo (2010), o professor não precisa esperar um momento
específico para expor o material escrito, usando como critério a possibilidade
de compreensão por parte do todos os alunos da classe. Todo e qualquer
material pode ser apresentado em qualquer fase do processo de aprendizagem.
Cada aluno assimilará o que sua fase de alfabetização permite, ou seja, o que
sua percepção possibilita e o que seu nível de compreensão comporta.
Nessa perspectiva Saber (1997) assegura que ao direcionar a atenção
para os processos de aprendizagem, em vez de focalizar os métodos de
alfabetização, o professor toma consciência de que ninguém precisa correr
atrás de nada nem de ninguém. Isso significa que professor e criança estão
caminhando juntos. Ele se orienta por aquilo que vê a criança realizar, e ela,
por sua vez, se deixa guiar pelos questionamentos, desafios e solicitações que

26 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


lhes são feitos. Com respeito aos processos de aprendizagem, a correção é
substituída pela ideia de autodeterminação.
Já em relação aos conteúdos curriculares das escolas indígenas Apinayé,
os professores estão utilizando um plano pedagógico elaborado e organizado
pelos professores indígenas com a participação do Coordenador do Projeto
de Apoio Pedagógico à Educação Escolar Indígena Apinayé. Esses conteúdos
fazem parte da rotina de discussão diária, em sala de aula dos professores e
alunos indígenas. Conhecendo seus objetivos e levando em consideração que
os professores indígenas precisam incentivar seus alunos a uma reflexão sobre
o sistema de escrita tanto em língua materna quanto em português, visto
que o professor indígena deve privilegiar em seus momentos voltados para
a prática de comunicação oral, a prática da leitura e escrita realizada pelo
professor e pelo aluno indígenas.
Portanto, a principal atividade desenvolvida pela escola para formação
dos alunos é a leitura. Para Cagliari (2003), é muito mais importante saber
ler do que saber escrever. O melhor que a escola pode oferecer aos alunos
deve estar voltado para a leitura. Se o aluno não se sair muito bem nas outras
atividades, mas for bom leitor, a escola cumpriu um importante papel de sua
tarefa, pois a leitura é a realização do objetivo da escrita.
De acordo com Cagliari (2003), quem fala uma língua com fluência e
rapidez é capaz de ler bem e rapidamente, mas quem fala com dificuldade irá
ler com dificuldade, porque o funcionamento dos mecanismos de produção de
fala ficará a todo instante comprometido com dúvidas e correções. Isso serve
não só para uma leitura em língua estrangeira, como também para pessoas
que falam um dialeto e aprendem a ler e escrever em outro.
Portanto, ensinar a criança a ler na própria língua é fundamental
para formar bons leitores. A criança que fala numa variedade do português
diferente da que a escola usa e que aprende que leitura deve necessariamente

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 27


ser feita no dialeto da escola, levará esse tipo de hábito para a vida e, quando
for ler, precisará fazer um esforço muito grande para conciliar velocidade de
leitura e compreensão.
Cagliari (2003) informa também que um leitor que não é falante
assume estratégias perante a língua diferente do que faz um falante. Cria de
certo modo uma “língua nova”, em grande parte baseada nas regras de sua
própria língua, misturando regras que ele inventa como estratégia pessoal ou
que erroneamente pensa que descobriu na língua estrangeira.

O uso do material para alfabetização Apinayé


Durante muitos anos, nas escolas Apinayé havia pouco material
escrito em língua materna, pois existiam apenas cartilhas organizadas
pelos membros do SIL. Esse material não refletia a língua indígena, uma
vez que na sua organização e confecção não havia a participação efetiva da
comunidade, professores e alunos Apinayé. Porém, numa tentativa de superar
essa prática pedagógica, os professores indígenas as crianças Apinayé estão
se alfabetizando em consequência de outros recursos didáticos usados pelos
professores indígenas.
Os professores indígenas vêm organizando suas aulas com uma
variedade maior de materiais específicos, ligados a uma reflexão sobre o meio
ambiente, as espécies da fauna e da flora da região, bem como as histórias
(relatos da história de seu povo), cantigas, danças, os mitos e outras partes de
sua tradição oral. Para isso, discutiram e organizaram um Plano Pedagógico
que contempla as disciplinas de Língua Materna, Arte e Cultura Apinayé,
Religião e Educação Física, para, a partir daí, organizarem suas aulas e suas
disciplinas, e os conteúdos programáticos voltados para as políticas linguísticas
de seu povo, tendo em vista a manutenção e revitalização da língua e da
cultura dentro e fora das escolas de suas aldeias.

28 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Nesse sentido, os professores indígenas, alunos e comunidade, desde
2001, vêm organizando e publicando materiais didáticos com a participação
efetiva de professores, lideranças, comunidade e alunos indígenas, através das
ações desenvolvidas pelo Projeto de Apoio Pedagógico à Educação Escolar
Apinayé e do Programa do Observatório da Educação Escolar Indígena
UFT/CAPES. Os materiais didáticos disponíveis nas escolas desse povo são
os seguintes: Livro de Alfabetização; Português Intercultural; Geografia,
História e Ciências; Gramática pedagógica Apinayé; Narrativas e Cantigas;
Dicionário Escolar Apinayé, que são utilizados na primeira Fase do Ensino
Fundamental (pré-leitura e alfabetização), e estão totalmente voltados para a
realidade sócio-histórica, cultural e linguística das crianças Apinayé. Como
resultado, a maioria das crianças indígenas que ultrapassa os estágios iniciais
de aprendizagem, ao se defrontarem com esses materiais, fica estimulada a
continuar seus estudos.
Na Educação Escolar Apinayé os professores indígenas, juntamente
com os alunos, vêm tentando construir processos de memorização aplicados
em diferentes situações, a partir das diferentes disciplinas, seja em Língua
Materna, Arte e Cultura, Educação Física e Religião, para obter resultados
favoráveis na aprendizagem, visto que cada vez mais esta tem se tornado um
processo lento e complexo.
Para isso, os professores Apinayé vêm utilizando como metodologia nas
suas aulas, o uso de livros e cartilhas de alfabetização, incentivando o uso da
língua materna, despertando nos alunos, de forma mais criativa, uma reflexão
crítica e individual com aplicação de atividades diferentes, mas adequadas ao
processo de alfabetização dos alunos em contextos indígenas.
De certa forma as cartilha e livros são usados pelos professores indígenas
para organizar novos livros, com trabalho de coordenação motora, atividades
de leitura e compreensão de texto, seja em língua materna, seja em português,

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 29


com recortes, utilizando palavras significativas e gravuras esclarecedoras
para os alunos.
Ao utilizarem cartilhas ou livros, em sala de aula, é possível trabalhar,
além da língua materna, conceitos de Língua Portuguesa, História, Geografia,
Matemática e Ciências, numa tentativa de ampliar os conhecimentos dos
alunos nas duas línguas trabalhadas em sala de aula, ou mesmo nas atividades
de língua portuguesa, como reconhecer as letras do alfabeto, formar frases,
redigir pequenos textos, sequenciar de forma diferente, dentre outras. De
acordo com Russo (2010), professores e alunos precisam entender a cartilha
não como modelo único de alfabetização, mas, sim, como um dos infinitos
meios de trabalhar palavras, o que contribui ao mesmo tempo para o
conhecimento de língua e de diferentes áreas do saber.
Com base nesses pressupostos, é importante que os professores
indígenas se mantenham também atualizados, participando de cursos de
formação de professores indígenas e de educação continuada, oferecidos
pela Secretaria de Educação do Estado do Tocantins (SEDUC-TO), para
conhecerem novas pesquisas e orientações em educação escolar indígena,
bem como para entender o novo conceito de livro de alfabetização e suas
propostas norteadoras.

Produção textual dos alunos Apinayé


A leitura e a escrita são produtos da cultura, que faz dela certos usos,
definindo seus modos de ensino e seus processos de aprendizagem. Elas são,
portanto, produzidas por relações sociais, por formas históricas e culturais
que delas se apossam e definem seus modos de transmissão e assimilação.
Desse modo, é importante também discutir as concepções sobre o
caráter universal de certos processos cognitivos envolvidos na assimilação
da leitura e da escrita pelos indivíduos da sociedade. É preciso considerar

30 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


também que as formas de ensino da língua escrita, que caracterizam o
trabalho escolar nesta modalidade (a cópia, o ditado, os exercícios, as formas
de compreensão do texto etc.) são uma construção teórica sobre a língua,
produzida pelos gramáticos, pelas relações de poder e interesses políticos. O
aprendizado da leitura e da escrita na escola é apenas uma das formas de
introdução das crianças ao mundo da cultura escrita.
As investigações sociais e históricas têm vindo questionar a existência
de certas constantes na apropriação da leitura e da escrita, revelando a
grande variedade histórica e social das práticas que implicam o ato de ler
e escrever, mesmo dentre aqueles que não dominam as técnicas de leitura e
escrita (CHARTIER, 1987). Desse modo, não se pode generalizar as formas
de relação com a escrita das crianças que vivem em diferentes contextos
sociais, antes da sua entrada na escola.
O ser humano, sem que perceba, está rodeado pelo mundo da leitura.
Para Albuquerque (2011), a criança, desde cedo, faz a leitura do mundo que a
rodeia, sem ao menos conhecer palavras, frases ou expressões, pois é próprio
do ser humano desejar conhecer, decifrar a curiosidade, de modo a apreender
novos conhecimentos. Assim, o processo de leitura e a escrita iniciam-se antes
da escolarização. A criança adquire no âmbito familiar e em seu convívio
no meio social o interesse pelo ato de ler e de escrever. Para tanto, elas são
inseridas no meio escolar, na verdade sem ao menos saber o porquê de ter que
frequentá-lo, ou seja, para elas é uma relação obrigatória, cuja escolha é feita
pelos adultos que as mandam passar grande parte de seu dia em um ambiente
até então desconhecido, onde tudo é planejado e organizado pelos adultos.
Quando se inicia a leitura, segundo Albuquerque (2011), todas as
instruções e referências são ministradas pelo professor e ao aluno cabe se
adaptar cumprindo as exigências e os processos de trabalho que lhe são
impostos. Isto causa desmotivação, pois os discentes não possuem opções para

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 31


construir uma leitura criativa que vise a inseri-los no fantástico mundo da
leitura e, consequentemente, no mundo da escrita. É lendo que nos tornamos
leitores e não aprendendo primeiro para poder ler depois: não é legitimo
instaurar uma defasagem nem no tempo, nem na natureza da atividade entre
“aprender a ler” e “ler”.
Não se ensina a ler só com a nossa ajuda. A ajuda vem do confronto
com as proporções dos colegas com quem se está trabalhando.
Porém é ela quem desempenha a parte inicial de seu aprendizado
( JOLIBERT, 1994, p. 14). Entretanto, os primeiros contatos da criança com
a leitura são de fundamental importância para suas percepções futuras, pois
interferem na formação do ser humano crítico, capaz de encontrar as possíveis
resoluções para os problemas advindos pela sociedade a que ela pertence.
Segundo Freire (1982), uma vez que a leitura é apresentada à criança,
ela deve ser minuciosamente decifrada, trabalhada, pois na maioria das vezes
as crianças têm um contato imediato com a palavra, mas a compreensão da
mesma não existiu. Para tanto se faz necessário apresentar o que foi descrito
por tal palavra, de forma que esse objeto proporcione sentido a ela, pois dessa
maneira, a busca e o gosto pelo mundo das palavras, isto é, da leitura e da
escrita, se intensifica. Logo, a leitura ganha vida, e a criança adquire o hábito
de sua prática.
Portanto, a criança indígena precisa ser incentivada a soltar sua
imaginação para escrever e revelar seu mundo interior, a transcrever as
experiências do seu dia-a-dia, relatar fatos de seu mundo cosmológico e de
seu povo, sem ter que se preocupar com correções e notas. A criança Apinayé
deve escrever o que lhe dá mais prazer, e com isso, está se comunicando,
exteriorizando seus sentimentos e emoções.
Desta forma, os professores Apinayé, ao lerem os textos produzidos
pelos alunos, mostram, em seguida, que é importante entender o que os

32 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


alunos quiseram transmitir, através do texto escrito, ou representado através
de gravuras, como é o caso de um desenho em que o professor solicitou de um
aluno do primeiro ano do Ensino Fundamental, que fizesse a representação
da reserva onde fica situada a aldeia dele.
Como era no início da alfabetização, a criança indígena estava
entrando em contato com a escola pela primeira vez, e mesmo assim conseguiu
transmitir seu pensamento através de rabiscos, gravuras e grafismos, uma
vez que ainda não tinha conhecimento das letras do alfabeto de sua língua
materna e estava passando pelo processo de alfabetização. Nesse período, a
atividade gráfica é caracterizada pelos simples prazer de rabiscar, ou seja,
de exercitar a coordenação motora, deixando marcas no papel, visto que a
escrita, paulatinamente, se tornará um complemento importante do desenho
ou rabisco.

Produção das formas gráficas iniciais


pelas crianças Apinayé
No início das atividades gráficas, as crianças Apinayé realizam formas
que envolvem curvas em direção contrária, mas combinando os mesmo
movimentos, isto é, fazem traços que são diferentes quanto ao sentido.
Segundo Saber (1997), ao mesmo tempo em que esses traços se diferem
na direção das primeiras figuras, a criança passa a atribuir significado àquilo
que produz e pode, inclusive, antecipar o que realizará posteriormente. Em
outras palavras, as realizações observadas no plano das condutas refletem
progressos internos indicativos de uma capacidade crescente de representar
coisas ausentes.
Para Braggio (1990), a fase da escrita pictográfica é crucial no
desenvolvimento da escrita pela criança, pois é o momento no qual ela começa
a atribuir significado à escrita, a atribuir ao signo escrito um significado
diferenciado, mesmo que os signos se apresentem ainda em forma de rabiscos.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 33


Portanto, para entender melhor como o progresso das atividades
gráficas acontece com as crianças Apinayé, apresentamos, a seguir, um texto
produzido por uma criança do primeiro ano do Ensino Fundamental da
escola da aldeia São José. A criança que produziu esse texto tem pouco tempo
que estuda, mas já começou a atribuir significados a seus traços e rabiscos.
Assim, no momento em que a criança indígena começa a interpretar
os rabiscos de forma mais sistemática, podemos perceber um aumento em
sua capacidade de realizar traços diferentes. Mas de certo modo isso não
significa uma conquista isolada, visto que o pensamento da criança indígena
está evoluindo na medida em que as primeiras gravuras estão aparecendo.

Texto: aluno do primeiro ano do Ensino Fundamental


(rabiscos)

Autor: Gôhkru Apinajé

34 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Os professores indígenas, na proporção em que percebem os avanços
nas atividades gráficas dos alunos, sugerem a eles a escrita de novos nomes
ou novas atividades que envolvem os aspectos culturais, visando à maior
familiaridade com a ortografia da língua materna ou da língua portuguesa,
visto que o ensino nas escolas desse povo se dá de forma bilíngue e intercultural.
Esse fator pode ser percebido no texto abaixo. Porém, de certo modo, os alunos
demonstram que ainda têm certa dificuldade em compreender a relação entre
os símbolos da escrita, as letras e os sons que elas representam na fala.

Texto: aluno do primeiro ano do Ensino Fundamental


(rabiscos com nomes)

Autor: Gôhkru Apinajé

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 35


Partindo desse pressuposto, o significado de um desenho ou rabisco
só se mantém quando a materialidade da gravura sugerir, para criança, que
ela fez algo que venha ao encontro daquilo que ela quis representar através
da gravura e manifestar sua intenção. Assim, os rabiscos devem ceder lugar
para as figuras ou gravuras feitas de forma a proporcionar e uma mesma
representação. Segundo Saber (1997), o desenho constitui, portanto, uma
atividade representativa, que evolui em direção de semelhanças progressivas
com os objetivos existentes no mundo da criança.
Com efeito, quando a criança indígena manifesta sua intenção em
escrever não sabe que a escrita é representação da fala, porém ao descobrir
isso, ela começa a perceber que a escrita convencional não é tão fonética,
ou seja, não se escreve exatamente como se fala. Após perceber esse fato,
a criança indígena pode corrigir os chamados “erros” que se refletem nas
características da língua materna ou da língua portuguesa escrita, que leva
em consideração o nível ortográfico.
Dessa forma, paulatinamente os conhecimentos do sistema de
representação da escrita em língua materna são construídos pela criança
indígena, mas é importante também salientar que é a partir do próprio
nome que as hipóteses são elaboradas e formuladas. É primordial frisar que
o entendimento da escrita pela criança indígena vai além do ato de copiar ou
de reproduzir nomes.
Nas salas de aula das escolas Apinayé pode-se encontrar vários objetos
que vão contribuir para a produção da escrita, tais como artesanatos, colares,
cofos, arco e flecha, esteiras, maracá, pinturas corporais e também nas paredes
das salas e colunas das escolas. De uma maneira ou de outra, a partir desse
material, os textos vão surgindo de forma assistemática, mas são reconhecidos
com o apoio das pistas apresentadas pelo professor, e as crianças indígenas
revelam o tipo de textos quando são indagadas.

36 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Texto: aluno do segundo ano do Ensino Fundamental

Autor: Xupẽ Apinajé

Nesse caso, a criança detecta a escrita dos nomes mediante um


grafismo facilmente identificável com a letra, levando em consideração a
precisão dos traçados, que compõem a regularidade das letras, tanto em
língua materna como em língua portuguesa. Assim, a regularidade nessa
etapa do desenvolvimento da escrita indica uma característica do processo de
aprendizagem, a partir do momento em que os nomes vão evoluindo no plano
de pensamento da criança Apinayé.
Na escrita, deve se levar em consideração também as noções de espaço,
que estão sempre presentes na composição das letras, das sílabas e dos textos,
por exemplo, nos traços e rabiscos para cima, para baixo, para a esquerda
e para direita. Portanto, na escrita, qualquer palavra é sempre formada por
partes em sequência da esquerda para direita e de cima para baixo.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 37


Muitas vezes pelo fato de o professor indígena desconhecer as conquistas
subjacentes à escrita, a primeira atitude dele é solicitar dos alunos cópias
e muitas cópias, imaginando que dessa forma o processo de alfabetização
avança sem atrasos.
Nesse sentido, Albuquerque (2011) informa que compreender as
peculiaridades presentes na aprendizagem da escrita pelas crianças indígenas
Apinayé, pode assegurar ao professor alfabetizador indígena, determinadas
intervenções pedagógicas. Assim, torna- se mais fácil para o alfabetizador
entender que a escrita infantil possui uma lógica própria, resultante de suas
experiências com o universo letrado, que não se coaduna com a lógica da escrita
ortográfica. A análise da lógica da escrita infantil pode mostrar ao professor o
caminho percorrido pela criança, evidenciando suas interpretações e hipóteses na
leitura e na escrita, bem como indicar a ação didática adequada a cada situação.
Na verdade, sem a adequada formação, na visão do professor, a lógica
infantil na escrita passa a ser percebida como erro, devendo ser corrigida
através de tarefas estereotipadas que envolvem apenas o treino, a repetição,
sem permitir uma relação dinâmica entre o sujeito que escreve, ou tenta
escrever. A esse respeito Soares afirma o seguinte:

Quanto às dificuldades enfrentadas pela criança nesse


processo, se, anteriormente, eram consideradas erros que
era preciso corrigir, e para isso os recursos eram, de novo,
os exercícios ou “treinos” de imitação, repetição, associação,
cópia; hoje, no quadro de uma nova concepção do processo
de aquisição do sistema de escrita os erros são considerados
construtivos (SOARES, 1999, p. 53).

Na prática tradicional da escola Apinayé, o professor alfabetizador, por


haver construído conhecimentos sobre a prática da escrita, de certa forma,
sente uma segurança no direcionamento de seu trabalho organizado dentro
da lógica do controle da aprendizagem dos alunos. Por essa razão, resiste, de

38 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


certo modo, a novas propostas. Essa resistência talvez se dê, também, como
resultado de uma formação inadequada ou como decorrência da falta de espaço
dentro da escola indígena para as discussões, estudo e reflexão sobre a prática
alfabetizadora, tanto de língua materna (Apinayé) com o de língua portuguesa.

Texto: aluno do terceiro ano do Ensino Fundamental

Autor: Valdir Apinajé

Com efeito, o contato com a realidade é de extrema relevância para


dar significado ao ato de ler, já que este se faz necessário no cotidiano de cada
indivíduo, pois através dele adquirem-se meios de combater as imposições
decretadas pela classe dominante, onde os dominados se encontram atados
perante tanta brutalidade intelectual, pois para a mesma é conveniente que
assim continue. Contudo, a prática cotidiana da leitura significativa é uma

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 39


das armas que o cidadão possui para lutar contra tantas injustiças por ele
sofridas. Enfim, eis a importância do ato de ler, a efetiva participação social.
A elaboração de textos em língua portuguesa escritos por indígenas
contribui também para que a sociedade não indígena conheça melhor
as sociedades indígenas e, assim se enriqueça culturalmente. Os textos
produzidos em Língua Portuguesa, na escola de Mariazinha, tem sido uma
forma de divulgação dos conhecimentos tradicionais e de afirmação para
a sociedade Apinayé. Esses materiais fornecem dados importantes sobre as
diferenças culturais indígenas e suas tradições permitindo que, através deles,
a diversidade cultural no Tocantins torne-se mais evidente e possa, assim, ser
mais respeitada.

Texto: aluno do quarto ano do Ensino Fundamental

Autor: Xupẽ Apinajé

Como se percebe, os textos foram explorados através de gravuras, onde


os professores indígenas solicitaram aos alunos que desenhassem sobre o que
leram e, em seguida, escreveram sobre o que desenharam. Alunos indígenas
iniciantes podem aprender a sequenciar fatos, localizar eventos e organizar
ideias. Desta forma, uma discussão oral, seja em língua Apinayé, seja em

40 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


língua portuguesa, deve sempre preceder o trabalho com leitura e produção
de texto. Assim, os alunos indígenas deverão, na escola, entrar em contato
com a maior diversidade de textos possíveis em ambas as línguas, para que
possam aprender, tirando deles o melhor proveito para suas necessidades e
interesses.
Exercícios desse tipo, além de despertar a vontade de aprender a ler
e escrever estimula o aluno indígena a observar melhor, a pensar, a tirar
conclusões e a verificar se tais conclusões estão corretas. Esses elementos são
muito importantes para que, mais tarde, o aluno seja capaz de compreender
textos mais complexos.
Com efeito, as crianças Apinayé de Mariazinha e São José estão se
alfabetizando em consequência de outros recursos didáticos usados pelos
professores indígenas. Estes, por sua vez, organizam suas aulas com uma
variedade de materiais específicos, ligados à reflexão sobre os aspectos
culturais, históricos e linguísticos, o meio ambiente, as espécies da fauna e
da flora da região, bem como as historias (relatos da historia de seu povo),
cantigas, danças, os mitos e outras partes de sua tradição oral.
Como se trata de sociedade indígena, que não tem tradição de escrita,
ou que tem uma tradição de escrita bem recente, perceber “por que” e “para
que” a leitura e a escrita existem, é algo que acontecerá mais lentamente.
Isso ocorrerá, especialmente, se essa escrita for realizada em língua
materna, e na proporção que as funções sociais importantes para a leitura
e escrita forem sendo criadas. Como no cotidiano nunca se leem ou se
escrevem palavras ou sentenças descontextualizadas, isto é, fora de contextos
específicos da escola ou da aldeia, os alunos da escola de Mariazinha poderão
perceber mais facilmente que a língua escrita pode ser útil e pode se tornar
importante para eles, se as atividades desenvolvidas nas escolas girarem em
torno da leitura e escrita de textos. Segundo o RCNEI (1998, p. 134-135),

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 41


independentemente de sua extensão, o texto deve ser entendido como:

[...] uma unidade linguística, oral ou escrita produzida em


determinado contexto com um objetivo comunicativo. Para
que a escrita faça sentido para os alunos, é preciso, pois,
que eles se envolvam em atividades em que a linguagem
escrita apareça contextualizada e sirva para comunicar
alguma coisa, como: apresentar-se e apresentar outra pessoa,
cumprimentar despedir-se, dar, pedir e entender informações
pessoais, convidar, aceitar ou recusar um convite, expressar
verbalmente, sentimentos e sensações de alegrias, tristeza, dor,
raiva etc.

Atualmente, nas escolas de Mariazinha e São José, o material didático


para alfabetização é produzido pelos próprios indígenas e apresenta a língua
de forma não fragmentada e contextualizada, de forma que as crianças se
apropriem do aspecto formal e convencional, bem como de estruturação
de forma gradual e inteligente. Os textos partem da realidade de cada
comunidade, permitindo o desenvolvimento pleno de personagens, temas,
tramas, conflitos, apresentando as estruturas textuais subjacentes. Assim,
a linguagem é vista como constitutiva de identidade do sujeito, do seu
pensamento, da sua consciência, pois, segundo Bakhtin (1995, p. 16), “a
consciência só adquire forma e existência nos signos criados por um grupo
organizado no curso de suas relações sociais, e só se torna consciência quando
se impregna de conteúdo ideológico (semiótico)”.

42 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Texto: aluno do quinto ano do Ensino Fundamental

Autor: Maricelia Apinajé

Evidencia-se, na gravura apresentada, reproduzida por uma aluna


indígena da escola da aldeia Mariazinha, a forma como os alunos indígenas
adquirem a linguagem escrita, que se materializa a partir do sentido, na
inter-relação com os aspectos formais, estruturais e convencionais, resultado
da percepção que eles têm a partir da apreensão das aulas ministradas por
professores indígenas.
De acordo com as possibilidades existentes em sala de aula, o professor
indígena pode contar histórias sobre os aspectos socioculturais e históricos,
sobre os animais, fauna e flora da reserva, nas proximidades das aldeias,
acompanhar os desenhos e rabiscos, através de ilustrações e ou cantar junto
com a turma, todas as cantigas indígenas que os alunos conhecem.
Nesse sentido, a produção de texto é um dos principais instrumentos de
avaliação de que dispõe o professor indígena, visto que esse tipo de avaliação é

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 43


mais fácil de ser feita quando o aluno indígena consegue se comunicar dentro
dos padrões da escrita quer seja em língua materna, quer seja em português;
nos casos em que só o aluno sabe o que escreveu ou o que pensa, o professor
indígena tem que procurar também entender o texto e, para isso, deve solicitar
ao aluno que faça a leitura de seu texto, direcionando para a escrita.
Por outro lado, quando o aluno indígena não consegue estabelecer uma
sequência lógica na escrita, ou não sabe expressar suas ideias com clareza e
coerência, torna-se necessário que o professor indígena trabalhe no sentido de
desenvolver tais habilidades. Assim, a expressão das ideias é de fundamental
importância para o desenvolvimento integral do aluno indígena, e deve
preceder a preocupação da escrita correta das palavras, tanto em português
como em língua materna, visto que a educação escolar Apinayé, acontece de
forma bilíngue e intercultural.
A esse respeito, Russo (2010), no que se refere aos elementos a serem
corrigidos, informa que duas questões distintas devem ser levadas em
consideração: a da macro e da microestrutura. A primeira envolve coerência
no sentido do texto e a segunda trata da coesão na forma, na estrutura física.
Compartilhando dessa ideia, Cagliari (1998), afirma que os erros que
as crianças cometem são frutos de uma decisão equivocada que tomaram.
Uma decisão é o resultado prático de um processo de reflexão sobre um
determinado assunto. Assim, ao tomar uma decisão, uma pessoa tem de optar
entre várias possibilidades. Através de um processo de reflexão, ela chega a
uma das alternativas, consideradas a mais adequada. Deste modo, a decisão
tomada nem sempre corresponde a uma verdade esperada.

44 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Considerações finais
Neste artigo, fizemos uma reflexão sobre a Educação Escolar Indígena
Bilíngue das escolas indígenas das aldeias de Mariazinha e São José, tendo
como objetivo maior descrever a situação atual do ensino de língua materna
nas escolas desse povo, mais especificamente, o trabalho com a língua indígena
escrita no ambiente escolar.
Sem a pretensão de esgotarmos tal assunto, visto que a temática
abordada é de grande complexidade, julgamos ser importante considerar
que a aprendizagem da escrita pela criança Apinayé não se limita apenas
ao exercício de grafias, mas também se caracteriza como um momento de
abertura e estímulo para que a criança indígena reflita sobre a escrita da
sua própria língua e atue sobre ela e sobre as formas socializadas de sua
representação. Portanto, é de fundamental importância que o professor
indígena conheça a realidade linguística da criança, para que essa abertura
aconteça. Assim, a variedade linguística usada por ela deve ser valorizada
como ponto de partida para reflexão sobre o funcionamento da língua.
Posteriormente foi realizada uma avaliação diagnóstica voltada, em
especial, para o domínio e uso da língua materna pelas crianças indígenas
Apinayé, matriculadas do 1º ao 5º ano da do Ensino Fundamental das escolas
das aldeias Mariazinha e São José. Após os estudos, foram levantados alguns
questionamentos quanto à formação dos professores indígenas que atuam
diretamente com estes alunos e também aspectos metodológicos, pois foram
encontrados indícios de dificuldades de aprendizagem principalmente em
relação à própria língua materna.
Por outro lado, é importante que se faça uma reflexão sobre a linguagem
falada, que a criança indígena já domina com segurança, para, a partir disso,
ensinar a escrita em língua materna ou em português que se apresenta, sem
dúvida, como o caminho mais seguro para o sucesso na alfabetização dessas

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 45


crianças. É primordial, pois, que se estabeleça uma forte conexão entre a
oralidade e a escrita, numa relação que marque as especificidades de cada
uma enquanto modos de significação verbal, não apenas com exercícios de
transcrição de expressões orais, mas, também, trabalhando com as unidades
mínimas da escrita em atividades que as contextualizem e as carreguem de
significação, como é o caso das modificações e reorganizações textuais.

Referências

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educação indígena Apinayé. (Tese de Doutorado). UFF – Universidade Federal
Fluminense. Niterói: 2007.

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de Mariazinha. In: ALBUQUERQUE, Francisco Edviges (Org.). A Educação
Escolar indígena Apinayé na Perspectiva Bilíngue e Intercultural. Goiânia: Ed. da PUC
Goiás, 2011

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ALBUQUERQUE, Francisco Edviges (Org.). A Educação Escolar indígena
Apinayé na Perspectiva Bilíngue e Intercultural. Goiânia: Ed. da PUC Goiás, 2011

ALMEIDA Severina, Alves de; ALBUQUERQUE Francisco Edviges.


Educação Bilíngue, Bilinguismo e Interculturalidade no Contexto Escolar
Apinayé: o professor de língua materna em perspectiva. In: ALBUQUERQUE,
Francisco Edviges (Org.). A Educação Escolar indígena Apinayé na Perspectiva
Bilíngue e Intercultural. Goiânia: Ed. da PUC Goiás, 2011.

BAKTHIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1995.

BRAGGIO, Silvia Lucia Bigonjal. Alfabetização como um processo social:


análise de como ela ocorre entre os Kaingang de Guarapuava, Paraná. In:
Trabalhos em linguística aplicada. Campinas: UNICAMP, v.3, n. 14, 1989.

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______. Aquisição da linguagem Escrita no Ambiente Social e
sua Relação com o Processo de Alfabetização. Letras em Revista. V. 1
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Goiânia-Go, 1990.

BRASIL . MEC/SEF, Referencial curricular nacional para a educação indígena.


Brasília: 1998

CAGLIARI, L. C. Alfabetização sem o Bá-Bé-Bi-Bó-Bu. São Paulo: Scipione,


1998.

______. Alfabetização & linguística. São Paulo: Scipione, 2003.

CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Lisboa: Difel,


1988.

FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São


Paulo: Cortez, 1982. 96 p.

JOLIBERT, J. Formando crianças leitoras. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.


219 p.

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Paulo: Saraiva, 2010.

SABER, Maria da Glória. A Escrita Infantil: o caminho da construção. São Paulo:


Scipione, 1997.

SOARES, M. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 1984.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 47


A Alfabetização Bilíngue das Crianças
Indígenas Apinayé da Aldeia São José:
Aspectos Pedagógicos e Sociais
__________________________________________
Rosimar Locatelli4
Francisco Edviges Albuquerque5
Severina Alves de Almeida (Sissi) 6

Resumo
O presente estudo tem como objetivo compreender como as crianças
Apinayé da Escola Mãtyk, da Aldeia São José, são alfabetizadas de
forma bilíngue. Igualmente, buscamos e identificar as dificuldades dessa
alfabetização no processo de aquisição da aprendizagem. Mediante esses
objetivos, traçamos algumas metas importantes para a presente reflexão, tais
como: conhecer o processo histórico do Povo Apinayé; apreciar o universo
infantil da criança Apinayé e suas relações sociais com a comunidade a partir
de um olhar sobre a educação bilíngue e como elas aprendem os conteúdos
escolares; estudar o processo e os efeitos que a alfabetização bilíngue produz
nas práticas sociais das crianças Apinayé. Os resultados apontam para uma
realidade onde a apropriação do português se configura oralmente na relação
sociais dentro e fora da aldeia, principalmente no contato com os meios
de comunicação e no convívio com os não indígenas. Já a codificação da
escrita é função da escola que vem sendo feita, de forma ainda precária, por
todos os fragmentos educacionais. Porém, na medida em que se compreende
4. Pedagoga formada pela UFT – Universidade Federal do Tocantins, Campus Tocantinópolis.
5. Professor Adjunto da UFT – Universidade Federal do Tocantins e coordenador do Projeto do Observatório da
Educação Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue e Intercultural e orientador do trabalho. email: fedviges@uol.
com.br.
6. Pedagoga, Mestre em Letras, curso de Mestrado em Língua e Literatura MELL – pela UFT - Universidade Federal
do Tocantins, Campus de Araguaína. Doutoranda em Teoria e Análise Linguística de Línguas Indígenas na UnB –
Universidade de Brasília e co-orientadora do trabalho. e-mail: sissi@uft.edu.br.

48 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


a necessidade de se aprimorar e valorizar essa educação, quando o poder
público não se eximir do dever de manter essas escolas com o mínimo de
qualidade, a escola cumprirá com o seu papel, sem esquecer-se da obrigação
maior para com esse povo, que é a valorização social e cultural na produção
do conhecimento direcionado às comunidades indígenas.
Palavras-chave: Alfabetização Bilíngue; Criança Apinayé; Língua
Materna; Práticas Pedagógicas; Práticas Sociais.

Introdução
Neste trabalho realizamos um estudo sobre a Alfabetização Bilíngue
no contexto da educação indígena, que se direciona para uma abordagem
“pedagógica” de como esse ensino vem sendo aplicado com as crianças da
Escola Estadual Indígena Mãtyk da Aldeia São José. Partindo do pressuposto
de que alfabetização se define não só como código de comunicação, mas
como parte constitutiva de valores e práticas culturais, entendemos que a
alfabetização bilíngue é um processo próprio de aquisição de conhecimento
multicultural que se materializa na apropriação e transmissão dos
conhecimentos indígenas e não indígenas por meio da escola.
Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é observar como esta prática
educacional bilíngue e, consequentemente, a alfabetização bilíngue vem
sendo desenvolvida na sala de aula, e de que forma as crianças Apinayé vêm
recebendo esta educação.
Com isso, estabelecemos algumas metas nos seguintes objetivos
específicos: 1) Refletir sobre o processo histórico do Povo Apinayé; 2)
Conhecer o universo infantil da criança Apinayé e suas relações sociais com
a comunidade a partir de um olhar sobre a educação bilíngue; 3) Estudar o
processo e os efeitos que a alfabetização bilíngue produz no aprendizado das
crianças Apinayé; 4) Identificar as principais dificuldades enfrentadas pelas
crianças no processo de aprendizado.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 49


Com efeito, a pesquisa versa sobre a alfabetização bilíngue na escola
Mãtyk da aldeia São José, com crianças em processo de alfabetização, tendo
em vista o contexto da sala de aula. Para isso se faz necessário compreender
o processo educacional e as práticas pedagógicas utilizadas no processo
de ensino e de aprendizagem. Igualmente, buscamos investigar o papel do
professor nesta relação, suas metodologias e práticas pedagógicas.
Trabalhamos com a hipótese de que neste processo de interação com
uma nova língua, a prática bilíngue também faz parte das relações sociais e se
efetiva também fora da escola. Pretendemos, ainda, refletir sobre os conflitos
e consensos dessa realidade, numa ótica de respeito ao sentimento infantil,
suas dificuldades e percepções no processo de interação com duas línguas,
Apinayé e português.

Os Apinayé: aspectos sócio-históricos


A história dos Apinayé, relatada inicialmente por Nimuendaju (1983),
apresenta um povo forte, conhecido como grandes guerreiros, poderosos
índios da região Norte do Brasil, determinados e abastados, pois viviam numa
região onde havia distintas espécies de peixes, os campos eram povoados
por caças, roças variadas e muitas terras para exploração. Porém, com a
colonização de suas terras tornaram-se frágeis e foram contaminados por
doenças, na região do Tocantins, por volta do ano 1816. Segundo Nimuendaju
(1983), houve também uma epidemia de varíola ocorrida no ano de 1817, que
matou muitos Apinayé. “Embora fossem índios guerreiros e tivessem sofrido a
epidemia de varíola, mesmo assim, era uma das maiores tribos da região com
uma população de 4.200 índios. Eles foram quase dizimados como nação,
chegando ao total de 150 índios em 1928” (NIMUENDAJU, 1983, p. 6).
Segundo Albuquerque (2007, p. 23) “o primeiro contato, historicamente
comprovado, entre os Apinayé e os ‘civilizados’, aconteceu em 1774”, fato que

50 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


trouxe muitas dificuldades aos povos Apinayé, quando tiveram suas terras
invadidas e foram submetidos aos maus tratos, tendo suas aldeias quase
tomadas pelos não indígenas.
Com a demarcação das terras em 19857, a vida deste povo teve uma
nova perspectiva, principalmente em termos de segurança, diminuindo os
conflitos com a sociedade majoritária. Mas isso não resolveu por definitivo
o problema, uma vez que surgiram novos, como é o caso da construção da
barragem de Estreito no Maranhão que tem interferido de forma negativa na
vida desses indígenas, conforme aponta Almeida (2011).
Atualmente em suas terras os Apinayé cultivam as roças de milho, feijão,
arroz, mandioca, cará, batata doce, abóbora, e outros legumes. Todavia, hoje,
segundo o representante8 , da aldeia São José, essa produção está cada dia
mais escassa e os indígenas estão se desprendendo de suas atividades agrícolas
e se submetendo à alimentação trazida da cidade.
Em nossa pesquisa constatamos que os Apinayé vivem em famílias
extensas, chegando a morar até seis famílias em uma mesma casa, ou seja,
moram juntos até a quarta geração de uma família9. Apesar de uma estrutura
familiar unida, as comunidades Apinayé enfrentam muitas dificuldades
e dependem das aposentadorias dos mais velhos e da ajuda do governo
que não são suficientes. Dessa forma, a sobrevivência dos Apinayé se dá
basicamente através da compra de bens industrializados no centro urbano de
Tocantinópolis, com o provento dos aposentados pelo Instituto Nacional de
Seguro Social (INSS), pelos Agentes Indígenas de Saúde remunerados pela
Fundação Nacional da saúde (FUNASA) ou professores indígenas do Estado.
Nesse sentido, é visível a influência gerada pela sociedade majoritária,

7. A área ocupada pelos Apinayé é de 141.904ha, e foi demarcada e homologada em 14 de fevereiro de 1985, pelo
Decreto da Presidência da República Nº 90.960 (ALMEIDA, 2011, p. 26).
8. Cacique da Aldeia São José em depoimento, para manter o anonimato dos entrevistados não citaremos nomes.
9. Na sociedade Apinayé existem dois tipos de família, a nuclear, formada pelos pais e filhos, e a extensa, que comporta
também o marido que se agrega à família da esposa, e sua “parentela” – (NIMUENDAJÚ, 1983; DA MATTA, 1976)
apud (ALMEIDA & MOREIRA, 2009).

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 51


que sem limites, num processo rápido e desmedido, vem invadindo a vida dos
indígenas, interferindo no modo de ser e de viver dessa sociedade (ALMEIDA
& ALBUQUERQUE, 2011). Ademais, essa é uma realidade enfrentada pelos
Apinayé, que de um povo forte e abastado, resta muito pouco atualmente.
As histórias que já não são mais contadas; jovens que não respeitam os mais
velhos; crianças que não aprendem mais a cultura; festas e rituais que já se
perderam no tempo. Nos relatos do Cacique, podemos perceber a frustração
de ver seu povo perdendo sua identidade, suas raízes sendo mortas, suas terras
não produzindo o sustento das famílias, os peixes que não são mais pescados,
pois no lugar de peixe temos larvas e poluição10. A água do córrego, na falta
do peixe, produz doenças, onde o banho torna-se um risco à própria vida.
Segundo Albuquerque (2007 p. 28):

[...] Atualmente, as terras indígenas Apinayé sofrem a


interferência direta de rodovias: TO 126 que liga os municípios
de Tocantinópolis e Maurilândia, seccionando toda a reserva
no sentido norte-sul; a TO 134, trecho Angico entroncamento
BR 230; e a Transamazônica, que ao longo de seu eixo, estão
localizadas nove aldeias: São José, Patizal, Cocalinho, Buriti
Comprido, Palmeiras, Prata, Serrinha, Cocal Grande e Boi
Morto. Já ao longo da BR 126, estão localizadas as outras seis
aldeias: Mariazinha, Riachinho, Bonito, Brejão, Girassol e
Botica.

Dada essa localização, de acordo com Albuquerque (2007), as


terras indígenas Apinayé têm suas fronteiras delimitadas com fazendas e
cidades próximas, que de alguma forma influenciam a vivência social das
comunidades. De acordo com o Cacique entrevistado, essa aproximação
com a cidade facilita a invasão e a circulação de forasteiros, como também o
acesso a outras sociedades não indígenas. Em seu relato ele diz que “pensa,

10. Situações encontradas durante a pesquisa de campo no convívio com os Apinayé.

52 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


em mudar a aldeia para outro espaço mais longe, nas chapadas, onde possa
garantir uma água limpa e animais para a caça, assegurando assim, a
continuação dos aspectos socio-históricos de seu povo”.
No entanto, a situação não é tão fácil, o interesse do Cacique é muito
admissível, porém, para que isso venha acontecer de fato, demanda um
interesse coletivo de toda a comunidade, mas não há uma hegemonia de
pensamento neste sentido.

Grupos sociais Apinayé


Os Apinayé têm uma organização social bastante complexa, conforme
evidencia Da Matta (1976). De acordo com Albuquerque (2007), os Apinayé
destacam três regiões ou domínios sociais muito importantes em sua sociedade:
o pátio (Ingó), a região das casas, ou periferia (ikré) e a região que fica fora dos
limites da comunidade, mas está em sua volta chamada (Atúk), que significa
atrás. Para os Apinayé, as aldeias são concebidas como estruturas concêntricas.
Para Albuquerque (2007), além do plano concêntrico das casas,
Da Matta (1976) afirma que é preciso levar em conta também seu aspecto
diametral, sendo assim, no plano concêntrico, os elementos fogo, pátio, casas,
aldeias, roças, índios mansos, água, índios bravos, civilizados, terra, céu,
aldeia dos mortos e, finalmente, o sol e a luz, se distribuem do centro para
a periferia. Daí as oposições diametrais, homem/mulher, cru/cozido, água/
fogo, dia/noite e sol/lua. É como se o dualismo concêntrico fosse destinado a
permitir o estabelecimento de gradações, ao passo que o diametral tende a ser
aplicado para dividir o mundo mais radical.
Ainda é de Albuquerque (2007, p. 36-37) a constatação de que os Apinayé
contrastam a forma de suas aldeias com a das cidades do interior que, para eles,
têm seu efeito urbano baseado em linhas de casas que crescem paralelamente
a uma estrada ou a um rio, como é, sem dúvida, o caso de Tocantinópolis e

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 53


dos povoados próximos às aldeias. Da Matta (1976, p. 67) apud Albuquerque
(2007, p. 37), informa que os Apinayé afirmam que enquanto as aldeias dos
indígenas enfrentam dificuldades para aumentar ou diminuir, as cidades dos
não indígenas crescem facilmente, pois trata-se apenas de colocar no final das
linhas mais uma casa. Dessa forma, as possibilidades de extensão são infinitas
aos olhos dos Apinayé, e sendo assim, a forma urbana brasileira é considerada
aberta, em oposição ao padrão Apinayé que é considerado fechado.

Aspectos linguísticos
No Brasil, além do Português, são faladas regularmente cerca de 180
línguas nativas (RODRIGUES, 1986), muitas línguas faladas por povos
minoritários já foram extintas pelo contato com o português. Os indígenas
Apinayé falam a língua designada com o próprio nome, “Apinayé” pertencente
à Família Linguística Jê, e ao Tronco Macro Jê (RODRIGUES, 1986). Dados
do relatório técnico da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA, 2010) apud
(ALMEIDA, 2011, p. 20) informam que a população Apinayé atual é de
aproximadamente 1.847 indígenas, distribuídos em 24 (vinte e quatro) aldeias.

Aspectos Relevantes do Atual Contexto Linguístico


do Povo Apinayé
Do contato entre indivíduos de línguas e culturas distintas podem
surgir uma série de situações, para os povos indígenas, ocasionando um
eminente processo de perda linguística, que ainda hoje as famílias indígenas
continuam passando. Muitos povos lutam para manter seus aspectos culturais
e linguísticos, e conseguiram preservar suas línguas. O povo Apinayé está
entre os grupos que lutam por essa identidade, e apesar das adversidades, a
língua tem sido entre os Apinayé um forte instrumento de preservação de seu
grupo e esperança de continuação de sua cultura.

54 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Para Almeida (2011, p. 64), os Apinayé, assim como os demais povos
indígenas brasileiros, antes do contato com a sociedade majoritária eram
monolíngues em sua língua materna, porém, após estabelecerem relações
com os não indígenas, passaram para uma situação de bilinguismo. Dessa
forma os Apinayé são bilíngues, pois falam a língua materna Apinayé, e a
língua portuguesa como segunda língua (ALBUQUERQUE, 2011). Segundo
Almeida (2011a), as representações que os Apinayé fazem da língua materna e
portuguesa no seu cotidiano são análogas, e a importância que a comunidade
dá às duas línguas anula qualquer hegemonia de uma ou outra nas relações
sociais estabelecidas dentro da aldeia.
Segundo Almeida (2011a, p. 7):

[...] Para trabalhar, para estudar, para comprar, para vender,


eles precisam falar português. Não bastasse isso, se impõe
a questão de pertencimento, que se apresenta como fator de
tensão na realidade da fronteira étnica. Ademais, falar a língua
portuguesa, principalmente para os jovens e adolescentes,
é uma forma de se sentirem aceitos, principalmente em
Tocantinópolis, espaço urbano aonde eles vão diariamente.
Para eles, dominar a língua portuguesa também na leitura,
é primordial, assumindo mesmo aspecto de status social. Isso
é possível constatar ao se verificar os inúmeros casamentos
de jovens Apinayé com não indígenas, o que favorece
sobremaneira conversações na língua portuguesa em locais
onde antes era de pleno domínio da língua materna, como é o
caso das reuniões culturais, por exemplo, as corridas de tora.

Evidencia-se, assim, que a situação de contato dos Apinayé com a


sociedade majoritária favorece o bilinguismo.

Segundo Albuquerque (1999, p. 33) apud Almeida (2011, p. 11), “como


as sociedades são dinâmicas e diferentes são os níveis e tipos de contatos

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 55


estabelecidos entre indígenas e não indígenas, assim, fazem-se necessários
analisar os problemas que advêm desses contatos”, e isso é importante para
que possamos definir um tipo linguístico de educação para as comunidades
indígenas, com implicação de mudança ou manutenção do estado linguístico.
O que observamos durante nossa pesquisa, foi que a língua é sem
dúvida um importante instrumento de sobrevivência dos aspectos étnicos de
uma sociedade. Constatamos que as crianças Apinayé iniciam sua educação
escolar na língua materna, e assim prosseguem até o quinto ano do Ensino
Fundamental. Assim sendo, elas conseguem manter, até os dez ou doze anos,
uma relação maior com sua língua de origem. A partir do sexto ano o ensino
é só em português, ou seja, os adolescentes e jovens Apinayé estão em contato
mais direto com a língua portuguesa, o que contribui para o enfraquecimento
da língua materna.
No entanto, esses indígenas estão se mobilizando para preservar
sua identidade linguística e a educação escolar, através do contato com
pesquisadores das universidades, estão contribuindo, a exemplo do importante
Projeto em andamento o “Programa do Observatório da Educação
Indígena” e o “Projeto de Educação Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue
e Intercultural” (CAPES 2010/2012) o qual, segundo Almeida (2011) tem
dado prosseguimento às ações do “Projeto de Apoio Pedagógico à Educação
escolar Indígena Apinayé”, iniciado em 2001.

Aspectos culturais
Ao falar da cultura indígena, nos referimos aos modos de ser, de viver, de
se organizar, próprio dos indígenas brasileiros que, de uma forma ou outra, se
misturam aos costumes da sociedade envolvente. São heranças indígenas que
não só a mandioca, milho, guaraná, palmito, o biju identificam. Eles também
estão entre outros, nos objetos, no vocabulário, nos hábitos diários como

56 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


tomar banho todos os dias. Estes constituem os valores éticos incorporados à
nação brasileira.
Portanto, estudar os aspectos culturais dos indígenas, pressupõe tomar
conhecimento, observar, analisar o seu jeito peculiar de ver a vida, seu mundo,
seu trabalho, modo de conviver e de lutar por sua dignidade11.
As fontes utilizadas para conhecer e a priori facilitar a interação do tema
cultura entre a comunidade indígena Apinayé, serão: Nimuendaju (1983) e
Da Matta (1976), autores que trazem uma vasta definição desta rica cultura,
a partir do trabalho desenvolvido pelos dois autores junto aos Apinayé. No
mais, a própria experiência junto à comunidade, ou seja, o resultado do
trabalho etnográfico, será de muita relevância no sentido de atualizar as
questões vivenciadas entre eles com relação aos costumes culturais praticados
na realidade da fronteira étnica.
Para falar da cultura Apinayé, a priori, é necessário identificarmos que
conceito de cultura quer se discutir. Pensando nas diversas peculiaridades
desse termo, vamos considerar a reflexão de Chauí (1995), quando chama a
atenção para a necessidade de alargar o conceito de cultura, tomando-o no
sentido de invenção coletiva de símbolos, valores, ideias e comportamentos,
“de modo a afirmar que todos os indivíduos e grupos são seres e sujeitos
culturais” (CHAUÍ, 1995, p. 81). Portanto, entender e valorizar o patrimônio
cultural imaterial - os modos de fazer, a tradição oral, a organização social
de cada comunidade, os costumes, as crenças e as manifestações da cultura
popular que remontam ao mito formador de cada grupo.
Segundo Botelho (2007):

[...] Vale nesta linha de continuidade a incorporação da


dimensão antropológica da cultura, aquela que, levada às
últimas consequências, tem em vista a formação global do
indivíduo, a valorização dos seus modos de viver, pensar e fruir,

11. Dignidade- “direito de ser distinto” de acordo com seus valores étnicos e de seu grupo.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 57


de suas manifestações simbólicas e materiais, e que busca, ao
mesmo tempo, ampliar seu repertório de informação cultural,
enriquecendo e alargando sua capacidade de agir sobre o
mundo. O essencial é a qualidade de vida e a cidadania, tendo
a população como foco (BOTELHO, 2007, p. 110).

Partindo do pressuposto de que cultura seja o patrimônio cultural


imaterial, os modos de fazer, a tradição oral, a organização social de cada
comunidade, os costumes e as crenças e uma determinada sociedade, temos
como ponto de partida para elencar elementos culturais entre os Apinayé,
suas características organizacionais.
Com efeito, a comunidade indígena Apinayé, como muitas outras, tem
suas complexidades e possui uma cultura extremamente rica, tanto do ponto
de vista material como imaterial. Roberto da Matta em sua obra “Mundo
Dividido” (1976) fala dessa riqueza cultural entre os Apinayé:

[...] quero defender os Apinayé com base no meu conhecimento


de sua riqueza cerimonial, do notável equilíbrio de suas
divisões internas, da profundidade dos seus modos de julgar
e perceber a comédia e a tragédia do homem. É preciso não
deixar que essa sociedade desapareça porque ela expressa uma
alternativa legítima para os problemas humanos. De fato, ela
expressa, em muitos momentos, uma alternativa superior já
que é capaz de preservar uma forma genuína de equilíbrio
entre homens e grupos sociais (DA MATTA, 1976, p. 10).

Nas palavras de Da Matta, podemos entender um pouco mais sobre


as relações sociais nesta sociedade, dado o momento histórico que enfrentam
com a aculturação12 e perda étnica. Buscar-se-á a compreensão do que ainda
se tem dessa tão vasta e inestimável cultura que ainda sobrevive.

12. Aculturação é um termo criado inicialmente por antropólogos norte-americanos para designar as mudanças que
podem acontecer em uma sociedade diante de sua fusão com elementos culturais externos, geralmente por meio de
dominação política, militar e territorial (SILVA, 2006).

58 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Corrida da Tora
Das muitas manifestações culturais ainda praticadas entre os Apinayé,
a mais conhecida é a “Corrida da Torra”, sendo esta muito assistida pela
sociedade não indígena. Esta festa começa inicialmente com a retirada e
preparação das toras pelos Pemb (guerreiros) e os Yiapê (homens maduros).
Essa atividade era feita no final dos rituais de inicial para os futuros
guerreiros, e também após uma grande colheita. Os participantes se dividem
em dois grupos de corredores “adversários”, cabendo apenas a um atleta de
cada grupo carregar a tora, revezando-se com o grupo até chegar ao destino
(NIMUENDAJU, 1983).
Segundo as informações fornecidas através dos diálogos com várias
pessoas da aldeia São José, atualmente entre os Apinayé a corrida da tora
é feita em quase todas as manifestações, e é realizada sempre com duas
toras praticamente iguais, que em media pesa cerca de 100 kg cada uma. As
toras prontas são sempre examinadas por um velho experiente que manda
cortar um pedaço, se estiverem pesadas demais, ou colocá-las na água, se
consideradas leves. Essa festa é feita seja por ocasião do encerramento do
luto pela morte de um adulto, por batizado, casamento, dia das crianças e
muitas outras, sendo que esta corrida faz parte de quase todas as festividades
desenvolvidas atualmente.

Cultura Espiritual
De acordo com Nimuendaju (1983) a riqueza cultural dos povos
Apinayé é muito grande, entre outras ele destaca a Cultura Espiritual:

[...] para eles seu Deus supremo é chamado Títum, o criador


do universo, do céu, da terra, da humanidade, dos animais,
dos peixes e das plantas, já Myt, é o deus responsável pela
multiplicação dos Apinayé, e quem rege o dia e o período
de estiagem, que compreende o período de derrubada da

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 59


roça, da queima, da capina e da colheita dos alimentos. Para
eles, quando cortavam as árvores para fazer a roça, se não
tivessem a proteção do deus Myt, não haveria meios para
o mato secar e não daria para se fazer a queima da roça.
Mytwrỳ, seria outro deus, o que rege a noite e o período
chuvoso, das enchentes, do crescimento e maturação dos
legumes e cereais, fertilização do solo, do nascimento das
plantas. Myt e Mytwrỳ têm relação de Kràmgêti, andavam
sempre juntos e viviam às margens do rio Mumbuca, até
subirem para reger o dia e a noite, respectivamente [...]
(NIMUENDAJU, 1983, p. 104).

Ainda em Nimuendaju, percebemos o conceito de alma para os


Apinayé, que difere muito do que conhecemos, de maneira peculiar ele fala
que para os Apinayé:

[...] A alma de um morto não vai para o céu ou para o inferno


ou mesmo para debaixo do solo, fica aqui mesmo na terra, nos
locais que a pessoa mais frequentava como na roça, na mata,
nos campos, na sua casa e também no local de sua sepultura.
A família de um morto, evita que durante o período de luto
as crianças andem na roça, com medo da alma do falecido.
As almas ou sombras são mortais, isto é, depois que passam
muito tempo na terra elas morrem ou transformam-se em
outra coisa como: tocos, cupins ou animais. Em vida, a alma
de uma pessoa pode se desligar do corpo, isso pode ocorrer
principalmente com as crianças, que ao levarem uma queda
ou um grande susto, sua alma poderá sair de seu corpo e ficar
perdida no mato, na roça ou no local que a criança estava
no momento da queda. Ninguém, com exceção do vayangá13,
vê a alma ou ouve o choro da criança, e, só este pode pegar
a alma da criança e reintroduzir nesta. [...] Quando uma
pessoa morre com fome ou desnutrido, sua alma precisa se
alimentar, nesse caso, faz-se uma cesta com frutas e coloca-
se na sepultura junto com o cadáver, pois se não matar-lhe a
fome sua alma pode aparecer em casa à procura de alimentos,

13. Vayangá (curandeiro).

60 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


assombrando os moradores. Quando isso ocorre, o vayangá
prepara uma comida muito saborosa e oferece para o morto,
que se alimenta e desaparece, deixando de perturbar os vivos
(NIMUENDAJU, 1983, p. 113).

Os Apinayé cultuam muitas crenças, simpatias e magias na sua cultura


espiritual, que reflete o caráter místico de suas manifestações religiosas.
Entre outras manifestações, o casamento é um dos mais belos rituais
entre os Apinayé, mas apesar de encontrar-se um pouco descaracterizado,
ainda é muito respeitado entre eles. A cerimônia é realizada no pátio no
meio da aldeia, onde são produzidos os bolos de mandioca e carne, chamado
paparuto14 , que durante o casamento é usado como símbolo de união, onde
é feita uma troca dos bolos entre os noivos. Durante essa cerimônia os mais
velhos falam sobre as regras do casamento, são dados os conselhos para que
tenham uma boa convivência e que se respeitem mutuamente enquanto casal.
Para Almeida & Moreira (2009), o casamento ainda é um ritual bastante
reverenciado pelos Apinayé muito embora esteja um pouco diferente, pois a
cerimônia que durava uma semana, atualmente se reduz a algumas horas, o
que na fala de Dona Josina Apinayé, uma senhora mãe, avó e bisavó – ela não
sabe quantos anos têm – é “culpa da televisão e do jogo de bola”15.
Segundo Nimuendaju (1983), após o casamento, se o noivo ainda não
tiver casa, o casal vai para a casa dos pais da esposa, mas apesar de morarem
juntos, cada casal tem seu quarto que normalmente é separado por uma
esteira formando uma parede. Enquanto o casal não residir em sua própria
casa, o pai da mulher é a autoridade máxima da família, persistindo até que
esta tenha o seu primeiro filho, tornando-se a partir daí, o marido totalmente
responsável pela esposa. Ao mudarem para sua própria casa, esta pertence
14. Bolo grande preparado com macaxeira e carne.
15. “Presenciamos um casamento num sábado à tarde na aldeia São José e a fala de dona Josina acontece no momento
da cerimônia quando, simultaneamente, as famílias estavam assistindo “Luciano Huck” e alguns moços jogavam
futebol num campo no centro da aldeia” (ALMEIDA & MOREIRA, 2009, p. 10).

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 61


ao homem, sendo que no caso de separação a mulher permanece na casa e o
homem retorna à casa dos pais.
As pinturas corporais
Em relação às pinturas, partindo do significado da pintura no rosto,
Lévi‑Strauss (1978) assegura que as pinturas do rosto conferem de início, ao
indivíduo, sua dignidade de ser humano; elas operam a passagem da natureza
à cultura, do animal estúpido ao homem civilizado. Em seguida, diferentes
quanto ao estilo e à composição segundo as castas, elas exprimem, numa
sociedade complexa, a hierarquia do status. Elas possuem assim uma função
sociológica.
Segundo Nimuendaju (1946, p. 54) apud Giraldin (2000, p. 144), as
pinturas corporais, em algumas situações, servem para marcar as unidades
sociais dos grupos. Eles distinguem as pinturas mais facilmente através de uma
classificação dualista entre as pinturas classificadas como Wanhmẽ (motivos
verticais) e Katàm (horizontais). No entanto, apesar de os Apinayé afirmarem
que cada conjunto de nomes possui uma pintura específica, atualmente
não conseguem fazer uma ligação entre pintura e nome correspondente
(GIRALDIN, 2000).
As pinturas são muito utilizadas principalmente nos dias de festa onde
envolve todos indígenas, onde se vê a união, a partilha, a divisão do trabalho,
pois, uns cuidam da comida, outros vendem artesanato, outros pintam o
corpo dos visitantes. Isso é muito comum nas festas onde têm convidados de
fora, na maioria, os visitantes se interessam muito em pintar o corpo com as
pinturas indígenas.
Deste modo, podemos concluir que a cultura indígena Apinayé
tem conservado sua singularidade, pois, ainda hoje, existem muitas
heranças tradicionais, principalmente em relação à medicina tradicional
(ALBUQUERQUE, 2007). Ademais, há muito material que não conhecemos

62 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


e que para eles é a consciência de uma cultura própria, que precisa ser
preservada, pois, na medida em que se mantém, promove a dimensão
universal étnica de seu grupo que em si, também é um ato libertador, cuja
necessidade maior é conseguir sobreviver diante da cultura opressora.
À sua maneira, os Apinayé ainda expressam o valor cultural e universal
de sua identidade, nas manifestações festivas conservam sua língua, a tradição
oral e os rituais com as manifestações artísticas. Com isso, a cultura Apinayé
resiste muitos aspectos.
Em entrevista com um dos poucos anciões da aldeia São José foi
perguntado sobre o que está acontecendo com a cultura de seu povo; ele deu
a seguinte explicação:

[...] De primeiro, agora é só gente novo, gente velho, hoje e


do panhí (índio) mesmo, mas agora já se foi tudo, agora gente
anda tudo vestido, velho não anda vestido, tô vestido por
causa do frio, porque tô com frio, com isso, esses pequenos
não respeitam gente velho. Eu sou filho daqui, mas nasci
no krahó, quando cheguei aqui cadê a alegria, acabou
tudo, agora o que temos é só a torra grande e a cantoria
grande. Que a gente nova, não quer aprender. Tem um
cantador que vem pra cá, e gente paga, ele trás alegria pra
nós e pras mulherzadas. Gente nova, não que saber de nada,
tem muitas cantigas que ninguém sabe nada. É só o velhos
que ainda sabe, quando morrem vai a cultura com ele.
(ENTREVISTA COM UM SENHOR INDÍGENA DE 80
ANOS, 26/10/2011).

Essa conscientização em torno do processo histórico de destruição


gerada pela sociedade majoritária e a ausência de uma consciência
conservadora que já não faz parte das preocupações dos mais jovens, descrita
em outras palavras pelo senhor idoso, que em si trás uma lição de vida, é sem
duvida uma perda gradativa dessa cultura.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 63


Sobre isso, de maneira mais contundente, o atual cacique demonstra
sua preocupação, quando nos diz que realmente essa é uma realidade
entre os Apinayé. Ele busca entender essa situação e acredita que falta
o incentivo dos pais no sentido de aconselhar e mostrar a cultura dos
mais antigos para seus filhos. É que ele, como jovem, busca de alguma
forma aprender essa cultura e tem os mais velhos como “biblioteca”, pois
sabe que, quando eles morrerem, todo o conhecimento que está neles vai
morrer também, tendo em vista que entre os Apinayé já é muito pouco o
número de idosos, em torno de quinze apenas. Todo esse conhecimento,
que esta só na memória desses poucos anciões, em curto espaço de tempo
não os mais existirá.
Uma das grandes perdas culturais, também descrita pelos dois
entrevistados, está na produção substancial, pois, entre eles a sobrevivência
e manutenção já não se caracterizam pela herança cultural da produção de
roças de toco, da plantação, de batata, inhame, milho. Hoje, são poucos os que
plantam, mesmo por que existem famílias que criam gado solto, dificultando,
assim, a plantação. Atualmente, as famílias se mantêm, na maioria, com os
programas sociais do Governo Federal, como a Bolsa Família, com os auxílios
maternidade, as aposentadorias dos mais velhos, e também os servidores
públicos, dos professores e os dos agentes de saúde.
É importante ressaltar que os Apinayé, ainda mantêm vivas muitas de
suas formas de educação tradicional. No entanto, a interferência dos valores
e instrumentos da sociedade majoritária vem ao encontro dos desejos dos
mais novos, como é o caso da televisão, e do futebol, que sendo estes um
entretenimento mais “agradável”, passa a ser mais desejado do que a roça,
as cantigas e a caça. Por fim, é quase natural se gostar do que é cômodo, em
detrimento do que é trabalhoso e cansativo, e assim a cultura cada dia mais
vem sendo desprezada e pouco valorizada pelos mais novos.

64 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Universo Infantil Apinayé da Aldeia São José: um olhar
sobre o processo de aquisição de conhecimento
O encanto pelos anos da infância é um fenômeno relativamente atual.
A definição do que é a infância passou por muitos conflitos no decorrer da
história, de sorte que muitas formas e conceitos equivocados foram surgindo,
inclusive disseminando a ideia de que a criança era um adulto imperfeito.
Todavia, “somente em épocas bem recentes surge o sentimento de que criança
é um ser especial e diferente, porém digna de ser estudada” (HYWOOD,
2004, p. 10).
A maneira como a criança é entendida na realidade atual, é mostrada
no Referencial Curricular para Educação Infantil (RCNEI), documento que
denomina o conceito de infância e suas especialidades, que vem afirmar que,
as crianças possuem uma natureza singular, que as caracterizam como seres
que sentem e pensam o mundo de um jeito muito próprio (BRASIL, 1998).
Partindo desse pressuposto, ou seja, de como hoje é considerada a
criança, suas relações socioculturais, o direito à educação e à dignidade,
é que nos propomos a falar da infância indígena, com um olhar acerca da
educação própria dos povos indígenas, e a importância dessa formação para
uma alfabetização bilíngue.

A Criança Indígena e a Infância


A primeira dificuldade em nosso trabalho se apresentou inicialmente
em função dos poucos registros e produções acadêmicas a respeito do tema
em voga. Para pesquisar a infância indígena, temos alguns documentos que
são os relatos dos religiosos, especialmente os jesuítas, que trabalharam com
a catequese indígena, exercendo seu papel no projeto colonizador português.
Outra fonte são os relatos de viajantes que percorreram o Brasil de norte a sul,
registrando em suas obras, detalhes do cotidiano de vários grupos indígenas,

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 65


não deixando de fazer referência às crianças diante da importância que elas
possuíam dentro da sociedade indígena.
De acordo com Priori (2001), nos relatos dos jesuítas se constata
que o contato com a criança indígena foi mais fácil através do processo de
catequese. Nessa abordagem aconteciam as trocas e a ampliação de traços
culturais das culturas submergidas na ação, pois a catequese designava-se a
uma transformação do indivíduo na sua condição de índio, passando a se
comportar como um homem civilizado. Os jesuítas aproveitaram a música
instrumental e teatralizada para atrair as populações indígenas. Sant-Hilaire,
apud Priori (2001) em seus registros de viagem, encontrou um grupo indígena,
quando:
[...] ouvindo-lhes os harmoniosos cânticos, as crianças
encantadas, e como que fascinadas, reuniam-se ao redor de
uma humilde capela e aprendiam a ler, cantar, escrever e a
amar a Deus e a seus semelhantes. Pouco a pouco os indígenas
renunciaram aos seus bárbaros costumes; reuniram-se em
aldeias e foram civilizados, tanto quanto o podiam ser [...]
(PRIORI, 2001, p. 38).

Essas ideias “civilizatórias” dos não indígenas foram incorporadas pelos


indígenas através do convívio com jesuítas e também com crianças europeias,
que conviviam nos mesmos espaços na sociedade brasileira. A respeito desse
convívio Priori (2001, p. 10) registra que “na história dos curumins e dos filhos
dos colonos, as escolas Jesuítas, o tempo corria entre brincadeiras, orações,
aulas de latim e banhos de rio”.
Não obstante, Priori (2001, p. 168) afirma que:

[...] Da tradição indígena ficou no brasileiro o gosto pelos jogos


e brinquedos infantis de arremedo de animais: o próprio jogo
de azar, chamado do bicho, tão popular no Brasil, encontra
base para tamanha popularidade no resíduo animista e
totêmico de cultura ameríndia reforçada depois pela africana.

66 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Podemos perceber nos relatos de Baldus (1970), que a construção do
mundo infantil da criança indígena era influenciada e proporcionada pela
mãe indígena, pois cabia a ela a responsabilidade de cuidar dos filhos na sua
primeira infância. As mães enquanto trabalhavam com barro para produzir
seus utensílios cerâmicos, usavam o barro não cozido para fazer brinquedos
com figura de corpo ou de animais. Os meninos indígenas brincavam com os
animais domésticos, as aves, cobras, pequenos lagartos, o macaco, etc., eram
companhias essenciais das crianças.
As crianças indígenas partilhavam das atividades com os adultos, até
mesmo nas atividades de trabalho. Como explica Baldus (1970, p. 287): “pode se
dizer então que as crianças indígenas aprendem brincando com aquilo que é o
trabalho dos adultos”. Nos principais relatos das brincadeiras do mundo infantil
das crianças indígenas registram- se os jogos e brincadeiras junto à natureza,
nos rios, com os bichos e em grupos. Como elas não têm o hábito do brinquedo,
esta atividade com a natureza é a mais forte característica do brincar indígena.
Compreendemos a partir dos relatos históricos do cotidiano das
crianças, que a infância indígena é muito diferente das sociedades não
indígenas, pois a característica da infância na historia é por vezes ignorada
e subordinada a regras tradicionais de uma sociedade que teve a criança por
muitos anos como “animal de estimação” desrespeitando sua liberdade e seu
poder de construção.
Nesse sentido, Almeida (2010), recorre a Lopes da Silva e Nunes
(2002), afirmando que em suas investigações mais recentes sobre a infância,
as autoras admitem a possibilidade de observar a incidência de pelo menos
quatro abordagens, que irão favorecer a emergência de uma teoria acerca
dos paradigmas para o estudo da fase inicial da vida da criança, o que
pode ser aplicado no universo infantil indígena, a partir da contribuição da
antropologia da infância.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 67


De acordo com Lopes da Silva e Nunes (2002), os paradigmas indicam:

1. A infância como construção social. Esta


abordagem desmonta conceitos até agora
dados como supostos e inquestionáveis, como
a universalidade da infância, defendendo sua
pluralidade e diversidade. Tem implícito um papel
político, libertando a criança do determinismo
biológico e inserindo uma epistemologia própria
da infância nos domínios do social.
2. O mundo social da infância como um mundo à
parte. É cheio de significados próprios e não um
mero mundo de fantasia e imitação, precursor
do mundo adulto. Esta abordagem enfatiza a
infância como socialmente estruturada, mas não
familiar para os adultos, e, portanto, passível
de ser revelada apenas por meio de pesquisa, e
recomenda que se faça muita etnografia.
3. As crianças como grupo minoritário. Esta
abordagem tem se desenvolvido no âmbito
de uma sociedade desigual e discriminatória,
de relações do poder adulto sobre os rumos da
infância. Considera a criança como um outro
silenciado e pretende dar-lhe voz, apelando para
que as pesquisas se façam “para” as crianças e
não apenas “sobre” as crianças.
4. A criança como categoria socioestrutural. Nesta
abordagem a criança volta a ter características
universais, emergindo de constrangimentos
específicos à estrutura social em que se inserem,
ou seja, sua manifestação pode ser considerada
um fato social que varia de sociedade para
sociedade, mas que é uniforme dentro da mesma
sociedade ( JAMES, JENKS E PROUT) APUD
(LOPES DA SILVA E NUNES 2002, p. 23).

Comentado esta citação, Almeida (2010, p. 37), discorre que, o que esses
autores estão demonstrando através do quadro apresentado, e que encontra

68 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


ressonância na pesquisa realizada com as crianças Apinayé, é o quanto os
atuais estudos sobre a infância estão sustentados por dicotomias presentes na
teoria social, concomitantemente a uma série de outros debates recorrentes da
atualidade, tais como: “agência-estrutura; universal-particular; global-local;
continuidade-mudança” (LOPES DA SILVA E NUNES, APUD ALMEIDA,
2010, p. 37), indicando o quanto é importante que se estudem crianças de
outras culturas em suas singularidades, para que a partir daí possa se
vislumbrar a emergência de uma educação que favoreça a convivência na
fronteira envolvendo diferentes culturas.

As Crianças Apinayé da aldeia São José e o processo


de aquisição do conhecimento
Assistir ao cotidiano das crianças Apinayé é, a priori, um processo
revitalizador. Durante a prática de observação é necessário ter consciência
dos preceitos doravante acumulados de outra realidade, sabendo que não
é possível se desligar do acúmulo de conhecimento cultural adquirido. No
entanto, para a pesquisa, se faz necessário essa consciência para não entrar
em declínio a um pensamento enraizado de (pré)conceitos.
A formação das crianças Apinayé é muito diferente da formação dada
às crianças urbanas. Tratando da educação das crianças Apinayé da aldeia
São José, Almeida (2010), afirma que as brincadeiras podem se constituir em
atividades pedagógicas importantes, e recorre a Câmara Cascudo (2004) e
Benjamin (1984), fazendo alusão a uma pedagogia lúdica, atestando a função
sócio-educativa das brincadeiras infantis, considerando o caráter atemporal e
universal dessas atividades.
Evidencia-se, segundo Almeida (2010, p. 39), que folguedos e brincadeiras
são construções socioculturais que se apresentam como possibilidade real
de aprendizagem e, sendo assim, o brincar na vida da criança é uma das
formas mais salutares de comunicação e, por conseguinte, uma ferramenta

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 69


a ser considerada nas práticas pedagógicas da educação infantil também das
sociedades indígenas.
Na realidade das crianças Apinayé, percebe-se a liberdade e o ar da
natureza, pois o mundo fora dos muros e dos perigos advindos da violência
urbana lhes permite um silêncio que a vida na aldeia lhes proporciona. As
crianças Apinayé dividem o tempo com as atividades escolares e com suas
brincadeiras, mas na maioria dos períodos estão expostos ao tempo e à natureza;
brincam no chão com a terra; inventam brinquedos com peças de pau, barro
ou ossos. Algumas têm acesso a brinquedos urbanos como bolas e bonecas.
Percebemos, ademais, um velho baralho, cuja brincadeira foi observada:

[...] na brincadeira com o baralho velho percebe-se que,


na maioria do tempo creio, não sabiam o direcionamento
do jogo, mas dentro de suas regras para entender certa
harmonia na ordem das cartas, não se entende a forma que
jogavam, mas para elas era divertido e nem se incomodaram
com minha presença, continuam brincando por muito
tempo [...]16 .

Há de se considerar o sorriso estampado no rosto de cada criança


nas rodas de conversa, pois o tempo passa e lá estão elas, rindo, dançando,
correndo, brincado. Quando não estão nas suas atividades livres participam
do cotidiano da casa, onde estão envolvidos com os trabalhos domésticos, que
na maioria do tempo estão ligados a cuidar dos mais novos, lavar a louça,
varrer a casa, buscar água no córrego, auxiliando assim, o trabalho da mãe.
Segundo Almeida (2010), constata-se que essas manifestações acontecem
naturalmente e se apresentam repletas de significados, sendo o peso da cultura
muito evidente. Para a autora, uma das mais sérias atividades no período que
compõe a infância de crianças de todas as idades e culturas, é a brincadeira.
Sendo assim, é possível identificar em suas formulações aspectos pedagógicos,

16 - Dados do Diário de Bordo dia 11/10/11- Aldeia São José.

70 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


o que favorece uma proposta metodológica por parte de professores/as em
suas atividades docentes.
Segundo Câmara Cascudo, apud Almeida (2010, p. 39) “a necessidade
lúdica, o desejo de brincar, o uso de jogo é uma permanente humana”, o que,
de acordo com Almeida (2010) se aplica de forma indiscutível ao universo da
criança indígena Apinayé. Para ela, as crianças Apinayé:

[...] em sua labuta cotidiana no pátio das aldeias, interagem


com elementos da natureza de forma que os incorporam em
seus folguedos, numa dinâmica que estabelece cumplicidade
e diálogo entre elas mesmas, sempre separadas por faixas
etárias e gênero. Meninos de um lado e meninas de outro.
Crianças mais velhas e crianças mais novas em atividades
bem específicas, não desconsiderando a importância dos mais
velhos que, ao conduzirem o processo educativo nessa fase da
vida, transmitem valores que serão determinantes nas demais
etapas da conduta de cada uma delas (ALMEIDA, 2010, p. 39).

É ainda de Almeida (2010), a constatação de que as atividades lúdicas


das crianças Apinayé incorporam aspectos da vida cotidiana, identificadas
nas mais simples formas de convivência, como é o caso das práticas sócio-
educativas monitoradas pelos mais velhos e passadas de geração em geração,
respeitando sempre as dinâmicas próprias dessa sociedade. Para Benjamin
apud Almeida (2010), isso nada mais é do que a evidência de atividades
corriqueiras próprias desta fase da vida da criança, nomeadamente dos
folguedos que se encontram presentes de diferentes formas. Sendo assim:

[...] comer, dormir, vestir-se, lavar-se devem ser inculcados no


pequeno irrequietante através de brincadeiras (...). Todo hábito
entra na vida como brincadeira, e mesmo em suas formas mais
enrijecidas sobrevive um restinho de jogo até o final. Formas
petrificadas e irreconhecíveis de nossa primeira felicidade, de
nosso primeiro terror, eis os hábitos. E mesmo o pedante mais

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 71


insípido brinca, sem o saber, de maneira pueril, não infantil,
brinca ao máximo quando ele é pedante ao máximo. Apenas
ele não se lembrará de suas brincadeiras; para ele somente
uma obra como esta permanecerá muda. Mas quando um
moderno poeta diz que para cada homem existe uma imagem
em cuja contemplação o mundo inteiro desaparece, para
quantas pessoas essa imagem não se levanta de uma velha
caixa de brinquedos? (BENJAMIN, 1983) APUD ALMEIDA
(2010, p. 39-40).

Como se percebe, as ideias desse autor convergem no sentido de se


entender a lógica da infância a partir da perspectiva de uma pedagogia lúdica, a
qual nos fala pelo prisma de uma linguagem que perpassa o aspecto intencional
contido em qualquer atividade envolvendo a criança e seus hábitos cotidianos.
A partir daí, se depreende uma prática educativa impregnada de ludicidade e
harmonia, o que favorece o processo de alfabetização intercultural, conforme
estabelecem os dispositivos que sustentam essa categoria educacional, o que
se aplica também aos componentes da sociedade Apinayé (ALMEIDA, 2010).
Realmente, muitas são as formas da criança Apinayé brincar e jogar,
visto que ainda guardam muito da tradição, porém, a maioria das brincadeiras
já recebe a influencia da nossa sociedade como o futebol, praticado tanto pelas
crianças, como pelos adultos.
Houve, entretanto, a preocupação de verificar a influência dos meios
de comunicação, já adquirido nas casas dessas crianças, e a necessidade
de entender se passam muito tempo assistindo os desenhos como as nossas
crianças, se tal fato acontece e se estão recebendo influência direta de outra
cultura. Essa questão se apresenta como fator preocupante, pois, se para nossa
sociedade a televisão já trás prejuízos incorrigíveis, quiçá a essas crianças.
Que destruição poderá causar a sua cultura, que no lugar de ouvirem as
histórias dos mais velhos, aprendendo com as mães a prática do artesanato,
cultivando as brincadeiras antigas e recebendo o conhecimento de seu povo,

72 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


estiverem submetidas à alienação informativa da manipuladora televisão,
que poderá instigar o desejo do brinquedo industrializado, aguçar a ideia do
consumo desenfreado, a vaidade, a aculturação e a irremediável interação
com o mundo do não indígena?
Diante do que observamos, verificamos que as crianças, diferentemente
dos adolescentes e jovens, não são tão influenciadas pela televisão, pois o
contato com tal instrumento é feito com o acompanhamento dos adultos. Pela
manhã elas não assistem à televisão a não ser que alguém ligue ou autorize,
mas geralmente assistem à noite junto com os adultos, principalmente as
novelas. Trata-se de um hábito entre eles, e de certa forma, também de um
ato de autoridade, regra, costumes e orientação dos adultos sobre as crianças
que de maneira eficaz, têm de alguma forma possibilitado um distanciamento
entre as crianças e a televisão.
Percebe-se que o desejo pela imagem, a influência degenerada que a
televisão passou a produzir nas crianças não indígenas, com a ação direta
nas atitudes, desejos, tradições, modos de se portar diante da sociedade e a
inevitável alienação, não tem a mesma relevância entre as crianças indígenas.
Não se trata de uma consciência reflexiva de conservação dos adultos,
nessa atitude de deixarem as crianças distantes da televisão, mas sem dúvida,
tal processo tem influenciado diretamente a condição e manutenção das
raízes culturais nessas crianças.
Desta forma, estão sempre aprendendo e formando sua consciência
enquanto indígenas, sujeitos provedores de uma rica cultura, que neste
processo educacional, ora tão relevante, advindo das relações com a família,
a escola e as interações sociais dentro da aldeia, promovem ainda hábitos
familiares de sua cultura.
Percebe-se que a educação para as crianças Apinayé não se trata de
uma responsabilidade somente da escola, mas que essa tarefa esta dividida

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 73


entre a escola, pai, mãe, todos os parentes, principalmente dos avós. É nesta
relação familiar que as crianças vão adquirindo o conhecimento, seja ele
sobre os costumes, as responsabilidades domésticas, o trabalho na roça, a
divisão de tarefas, ou mesmo o que chamamos de currículo oculto, que está
ligado à formação da criança em sua totalidade.
Todo esse conhecimento é repassado oralmente na língua materna, de
modo que, desde o nascimento, a criança Apinayé é envolvida nas relações
com os mais velhos e nas relações de parentescos, entre tios, padrinhos,
primos e principalmente o irmão mais velho, todos fazem papel de educador.
Ademais, o irmão mais velho tem papel fundamental nesta educação, pois
é ele quem carrega o filho caçula nos braços, que envolve o pequeno nas
brincadeiras, nas cantigas de roda, é quem, na verdade, ajuda a criança a
descobrir o mundo.
De acordo com Almeida (2010), uma das formas mais expressivas da
cultura da criança desse grupo indígena no exercício de suas atribuições
infantes, são as brincadeiras, as quais podem ser vistas como ferramenta
pedagógica que possibilita o diálogo entre as diferentes áreas do
conhecimento, tanto dentro da sala de aula quanto fora dela, desde que o
entorno da aldeia é considerado parte importante na formação das crianças
em idade escolar.
Não obstante, essa autora afirma que em sua pesquisa testemunhou
alguns momentos de socialização entre as crianças, quando foi possível
observar que para elas o dia-a-dia na aldeia vai se alternando entre a
convivência com crianças mais velhas e/ou suas mães e tias em suas tarefas
domésticas, tais como: lavar roupas e louças, tomar conta dos irmãos e irmãs
menores, dando-lhes banho e comida, ou mesmo enxotar as galinhas que
teimam em adentrar nas casas, sendo tudo transformado em momentos de
brincadeiras e aprendizagem.

74 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Segundo Nunes (2002) apud Almeida (2010), estas e outras
atividades produtivas que as crianças fazem, são de verdade, ou seja, elas
as desempenham utilizando instrumentos de verdade e o resultado final
também é verdadeiro, uma vez que tudo é permeado por um significado real
e tem uma aplicabilidade concreta. Entretanto, o fato de ser tudo de verdade
não impede a presença do componente lúdico, ainda que, por vezes, esteja
dissimulado pela responsabilidade que também é preciso assumir. Nesse
sentido, “enxotar as galinhas de dentro das casas é uma tarefa das crianças
menores que, frequentemente, transforma-se numa brincadeira de pega-pega,
com as galinhas, em que estas dificilmente levam a melhor”, aponta Nunes
(2002) apud Almeida (2010), obrigando-as, por vezes, a sair por uma abertura
proposital na palha da parede da casa junto ao chão.
Com efeito, o processo educacional entre os Apinayé está
intrinsecamente ligado aos ensinamentos que são repassados nestas relações
sociais do convívio familiar, em meio às brincadeiras, nas histórias de seres
ligados à natureza, nas cantigas. Isso é que dá suporte para uma preservação
dos valores culturais.

A Criança Indígena Apinayé e o papel social


na contribuição e manutenção da língua
e da cultura indígenas
O papel que as crianças Apinayé desenvolvem dentro de sua sociedade,
de maneira inconsciente, é a responsabilidade da reprodução e da sobrevivência
de seu povo, pois são considerados herdeiros de uma cultura, que levam o
conhecimento de geração a geração. Nessas linhas imaturas construtivas de
conhecimento, dada a experiência e o convívio diário e casual, subsequente
do dia a dia, elas estão reproduzindo e construindo uma nova historia, seja, na
reprodução do que aprendem ou as novas concepções da influência recebida.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 75


Com efeito, as crianças, de forma geral, são a continuidade futura de
qualquer nação, e entre as crianças indígenas pesa a responsabilidade de
uma cultura ameaçada e vulnerável, por todos os conflitos existentes entre
sociedade majoritária e as resistências culturais indígenas. Responsabilidade
esta que incide sobre o ombro dessas pequenas criaturas, que livres e ainda
inconscientes da realidade, não se remetem à profundeza de tal ação. São
hoje, crianças que brincam, falam sua língua, participam das atividades
culturais de seu povo, sem saber que amanhã serão os responsáveis únicos
pela proliferação desses costumes, que agora não passa de situações naturais
de sua modesta convivência. E amanhã serão os percussores de sua identidade
indígena, respondendo por uma nação que viva ou morta, depende do que
farão com os conhecimentos que recebem hoje.
Essa educação, ora transmitida, conforme os costumes indígenas têm
a responsabilidade de promover o conhecimento interno social e cultural.
No âmbito dessas relações, se mantém o diálogo inteiramente cultural, e se
percebe que as crianças são envolvidas nos rituais, nos hábitos da cultura
Apinayé, e se mantém no convívio cotidiano a língua materna para a
comunicação oral familiar e social entre a comunidade e as crianças. Isso de
forma mais intrínseca é visualizado nas relações entre as próprias crianças,
suas brincadeiras, como conversam e se socializam, de modo que estão sempre
reproduzindo sua cultura. Da forma como encontramos na literatura da
história contada do cotidiano das crianças indígenas, ainda entre os Apinayé,
as brincadeiras são de correr, jogar pedra, balar passarinho, tomar banho no
igarapé. Vê-se que da rotina de um passado bem distante ainda se preservam
muitos costumes entre as crianças.
Não obstante, esse conhecimento e convívio promovem o processo de
educação do ponto de vista de uma educação indígena, pois o maior desejo
dessa população é manter viva sua tradição.

76 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


A Educação Escolar Indígena e a alfabetização
bilíngue: o contexto da Aldeia São José
Uma forma de compreender como se dá o processo educativo no
contexto indígena, é percorrer a historia da educação e a luta permanente
dos povos indígenas por uma educação diferenciada. Entre os Apinayé, assim
como em outros grupos indígenas, sua historia é marcada por lutas, tanto
no que se refere à educação, como no reconhecimento de sua historia, no
direito à própria sobrevivência e principalmente na luta cotidiana em prol da
preservação de sua cultura.
O contato com a história e as poucas literaturas críticas que se ocupam
das análises sobre os avanços ou retrocessos no processo educacional dos povos
indígenas, é que implicou na ideia desse trabalho. Inicialmente o interesse
em pesquisar a alfabetização e a relação bilíngue entre os Apinayé, surgiu,
a partir de um trabalho de observação sobre a fase inicial da escrita durante
o processo de alfabetização, na disciplina de Alfabetização e Letramento
do curso de pedagogia. O lócus escolhido para efetivar a pesquisa foi uma
escola indígena, quando foi possível perceber a dificuldade de aprendizado
das crianças indígenas, quando submetidas a estudar em duas línguas. Num
primeiro momento percebemos que a referida dificuldade vai de encontro
às prerrogativas de uma educação bilíngue, que realmente precisa de uma
atenção especial. Portanto, buscamos realizar uma investigação sistemática
de como essa prática vem sendo desenvolvida de fato com as crianças em
processo de alfabetização, na realidade específica da aldeia indígena Apinayé
São José.
Retomando a história, no retrato das condições de vida dos povos
indígenas, é possível dizer que ao menos em parte, se têm algumas conquistas
em decorrência de muitas lutas. Quando pensamos nas demarcações, por
exemplo, depois de muito sangue derramado, o direito de ter suas terras

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 77


preservadas; quando falamos na área da educação, hoje já se tem escolas
construídas dentro das aldeias, algo que acarretou muitos benefícios aos
indígenas, que conquistaram também o direito de uma educação diferenciada,
uma formação intercultural e uma alfabetização bilíngue. É certo que tais
conquistas ainda percorrem um caminho incerto, pois estão num processo
de aquisição, mas na medida em que ganha visibilidade, proporciona ao
indígena a identidade étnica e a cidadania.
Não se trata, portanto, do ideal, mas já é um avanço significativo, no
que diz respeito à valorização de sua língua, de suas práticas culturais e seus
lugares de pertencimento étnico.
Falar em alfabetização bilíngue é reconhecê-la como um direito que
possibilita não só uma preservação linguística, mas também produz uma
autonomia na interação com a sociedade não indígena, tendo em vista
que hoje já não há mais espaço suficiente para uma vida segregada, uma
vez que o indígena, hoje, é obrigado a conviver e interagir com a sociedade
majoritária dada a necessidade de sobrevivência. Portanto, é indispensável o
conhecimento e domínio da língua majoritária.
Nas palavras de Almeida (2010, p. 25), a alfabetização, isto é, a
aquisição da leitura e da escrita pelos povos indígenas, em sua grande maioria
sociedades ágrafas, surge em função da necessidade de se estabelecer formas
de comunicação entre estes e a sociedade abrangente. A autora recorre à Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB 9394 de 20 de dezembro de
1996, que nas suas Disposições Gerais, dedica dois artigos à educação escolar
indígena. No artigo 78 (p. 33) determina que “O Sistema de Ensino da União
desenvolva ações integradas de ensino e pesquisa para a oferta de educação
escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas”. Tais proposições visam à
criação de um subsistema de ensino voltado exclusivamente para a educação
indígena, delegando autonomia “para que se edifiquem escolas nas aldeias

78 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


desvinculadas dos modelos tradicionais que prevalecem nas escolas urbanas”
(BRASIL, 1996, p. 33).
Essa escola proposta pela atual LDB aponta para a consecução de uma
educação diferenciada, aspecto largamente reivindicado pelas comunidades
indígenas, inclusive os Apinayé da aldeia São José.
De acordo com Almeida (2010), esta educação diferenciada é uma
conquista dos povos indígenas garantida tanto por instrumentos jurídicos
internacionais quanto brasileiros e tem apresentado avanços importantes.
Abordando este assunto, Grupioni apud Almeida (2010), afirma que:

[...] A diversidade das culturas e a riqueza de conhecimentos,


saberes e práticas a elas associada, tantas vezes negada pelo
saber hegemônico e pelo poder autoritário, hoje é reconhecida
e valorizada, abrindo espaço para o reconhecimento e a
aceitação da diferença e do pluralismo (GRUPIONI, APUD
ALMEIDA, 2010, p. 26).

Nesse sentido, é importante acrescentar que uma educação que


valorize a cultura das etnias indígenas brasileiras é um direito assegurado
pela Constituição (1988), que em seus artigos 210 e 215, faz alusão ao uso
da língua materna simultaneamente com a língua portuguesa, favorecendo
a construção de um projeto educativo que se constitua num instrumento
de valorização da cultura indígena, e não uma imposição dos costumes
e saberes concebidos segundo os interesses da sociedade abrangente
(ALMEIDA, 2010).
No que tange à educação infantil indígena, essa autora informa que as
recomendações seguem os mesmos parâmetros da que é ofertada às outras
crianças brasileiras, mas deve (ou deveria) seguir as instruções da legislação
que atende aos pressupostos da educação diferenciada e intercultural. Ou seja,
precisa ser considerado o contexto de cada etnia em geral e das crianças em

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 79


particular, desde que o universo infante nas sociedades indígenas é peculiar
devido à especificidade de cada cultura.
Com efeito, a educação de forma geral é reconhecida como mecanismo
de interação entre conhecimento e desenvolvimento, mas, no entanto, ao se
pensar em desenvolvimento, deve-se buscar primeiramente uma educação
eficaz. Para os povos indígenas a alfabetização bilíngue é sem dúvida um
grande passo no reconhecimento de seus valores étnicos e de respeitabilidade
às suas origens, contudo, essa educação deve ser especifica e direcionada de
forma qualitativa.
Ademais, na história da educação indígena há muitos fragmentos
no decorrer de muitas reformas, de acordo com o Relatório da FUNAI
(2006), foi só a partir de 1972 que algumas escolas indígenas começaram a
ser beneficiadas pelo projeto oficial de educação escolar indígena bilíngue,
e os primeiros povos a receber estes benefícios foram os Kaingang (RS); os
Guajarara (MA); os Karajá (GO e MG) e os Xavante (GO e MG).
De acordo com Albuquerque (2007, p. 86):

[...] A educação escolar indígena entre os Apinayé foi


introduzida na década de 1960, nas aldeias de São José e
Mariazinha, por Patrícia Ham, membro do SIL, no então
Estado de Goiás. Naquela época, as políticas educacionais,
voltadas para os Apinayé, não eram diferentes daquelas
oferecidas aos demais grupos indígenas, que eram compatíveis
às práticas pedagógicas desenvolvidas pelas escolas das
comunidades rurais brasileiras.

Esta educação oferecida aos Apinayé na década de 1960, não se tratava


ainda de uma educação bilíngue. Antes, a educação indígena entre os Apinayé
era a mesma dos modelos de escolas rurais17, que se transformou a partir das

17. “Educação Rural” tem um sentido amplo e complexo, portanto, não deve ser entendido apenas como sinônimo
de ensino. Este conceito fundamenta-se na prática educativa que se tem desenvolvido nos movimentos sociais, nas
diferentes organizações que atuam com educação.

80 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


mudanças ocorridas nas políticas oficiais para a população indígena, tendo
como marco a criação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em 1967,
fato que gerou algumas mudanças.
Em 1996 com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº
9394/96 instituiu-se uma educação intercultural e bilíngue que, em 1998,
passa a ser reestruturada através do Referencial Curricular Nacional para as
Escolas Indígenas (RCNEI, 1998), que determina como deve ser tal educação:

[...] as escolas indígenas deverão principalmente respeitar os


anseios dessas comunidades por uma educação que valorize
suas práticas culturais e promova o conhecimento geral, lhes
possibilitando a interação com outros grupos e sociedades,
principalmente ao conhecimento da língua majoritária
(RCNEI, 1998, p. 34).

Portanto, a escola indígena é pensada como instrumento amplo, no que


se refere à dinâmica de aprendizado, e é vista como ferramenta promissora de
libertação. Outro aspecto a ser considerado, é a revitalização dos saberes que
estão na memória de poucos idosos. A escola indígena, nestas circunstancias,
tem valor social que deve ser instrumento de valorização cultural, que respeite
as culturas nativas, mas que também promova a interação com a sociedade
não indígena.
De acordo com Albuquerque (1999 p. 86), “os Apinayé estão conscientes
da importância de se apropriar da língua portuguesa e de usá-la, não apenas
como instrumento de defesa e de interação com a sociedade majoritária,
mas como via de acesso a outros saberes”. Assim sendo, falar em educação
indígena é falar de uma educação bilíngue que retrata os saberes indígenas
num processo dialético com a diversidade intercultural. Essa dimensão de
saberes é um desafio para as escolas indígenas que só poderá ser construído
com a participação efetiva de todos.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 81


Processo de alfabetização bilíngüe: sujeito bilíngue
Alfabetização Bilíngue está diretamente ligada à produção
intercultural entre duas realidades, uma vez que se entende por educação
bilíngue a alfabetização em duas línguas. Esta, por conseguinte, se materializa
mediante a necessidade das diferenças linguísticas, que neste caso abrange
de forma mais ampla a questão da diversidade cultural e o reconhecimento
de uma nação, que na maioria das vezes é fadada à invisibilidade, como
é o caso das populações indígenas, que por muitos anos tiveram suas
culturas negadas e suas línguas maternas proibidas. Foi somente a partir
da Constituição Federal (BRASIL, 1988) que lhes foi garantido o direito a
uma educação de qualidade e diferenciada, que respeitasse sua diversidade
linguística e cultural, lhe proporcionando uma educação intercultural e
bilíngue.
De acordo com o Estatuto do índio Lei nº. 6001 19/12/1973, “a
alfabetização indígena far-se-á na língua do grupo a que pertençam, e em
português, salvaguardado o uso da primeira”.
Esse direito vem sendo gradualmente implementado, na expectativa de
garantir não só o direito humano destes povos, mas também a manutenção da
língua e da cultura indígenas, permitindo assim, o resgate de seus costumes
étnicos e culturais. De acordo com as análises de Silva (2001):

[...] A educação escolar indígena já está numa fase


de amadurecimento, pois já dispõe de amparo legais
institucionais. Porém ainda há grande distância entre projeto
de educação diferenciada e a realidade das escolas indígenas
principalmente no que se refere às especificidades como
calendários e regimentos de acordo com a necessidade do
grupo. Isso significa que existem de fato escolas indígenas
porém a escolarização diferenciada está longe de ser a
almejada (SILVA, 2001, p. 68).

82 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Certamente, se comparado ao que se tinha, devemos concordar com
Silva (2001). Se pensarmos da perspectiva documental, realmente hoje
podemos ver algumas mudanças em relação à educação indígena, podendo
citar o Referencial RCNEI, que afirma que “a educação escolar deve ser um
instrumento de afirmação da cultura indígena e também de preparação dos
índios para se relacionarem com a sociedade de fora conforme o interesse de
cada” (RCNEI, 1998, p. 8).
Esta educação não está apenas ligada às necessidades culturais, mas
necessariamente à interação e ao convívio com a sociedade não indígena.
Segundo Braggio (1997, p. 43-47), este modelo de educação:

[...] Não só reconhece e valoriza as culturas e línguas indígenas,


mas principalmente, visa à autonomia dos povos indígenas o
seu estabelecimento enquanto nações, e sua real dimensão
sócio-histórica e política, como partes constituintes de um país
plurilíngue e multiétnico.

Para chegar a esta configuração estabelecida hoje na educação


indígena, não foram poucas as lutas e reivindicações dos movimentos
indígenas. Entretanto, será que realmente chegamos ao que dizem as
Diretrizes Educacionais (1993), que definem claramente como deverão ser as
escolas indígenas, e qual educação deve ser oferecida, ou seja, uma educação
intercultural, bilíngue, específica e diferenciada, privilegiando os grupos e
seus interesses.
Neste sentido, precisamos entender as escolas indígenas como espaço
de fronteiras, onde a troca de conhecimento é enigmática e de definições
de identidades, neste processo de relação conflituosa entre indígenas e não
indígenas.
De forma mais ampla, devem ser promovidas ações que venham garantir
que os indígenas tenham direito de continuarem sendo o que são, sem serem

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 83


obrigados a se submeter a programas integracionistas, que são expressões de
uma atitude etnocêntrica e preconceituosa, que não levam em consideração
os valores indígenas, que não respeitam as suas crenças tradicionais, como era
feito até muito pouco tempo atrás. Deve-se entender que, por mais exóticos
que possa parecer, os indígenas brasileiros sobreviveram durante milênios,
mesmo diante do penoso contato com os homens brancos (LARAIA, 1995).
Portanto, a educação bilíngue não é apenas um direito, mais uma
obrigação que está além das necessidades, que atua como um reparo social,
mínimo, mas que precisa ser efetivado.
A educação bilíngue também se constitui em um movimento político. Não
se pode dizer que educação bilíngue está somente ligada às condições sociais de
preservação e manutenção cultural. Entre os Apinayé este confronto das línguas
(Apinayé e português) produz um ambiente de embate e de domínio, a partir
do qual, o sujeito falante da língua majoritária configura-se como “dominante”.
Esse espaço, portanto, que não é definido pelo empirismo geográfico,
mas sim por uma rede de conhecimento e domínio da própria língua opositora,
constitui-se num movimento político, que demanda autonomia linguística. Por
esse motivo, todos os caciques Apinayé dominam parcialmente ou totalmente
a língua portuguesa.
Com efeito, para os Apinayé, falar a língua portuguesa não significa
civilização, mas sim, condição necessária à integração do índio à sociedade
e a segurança de sua própria existência e, na concepção política, o poder e
liderança, ou seja, o domínio do português torna-se aspecto de superioridade,
que possibilita a troca, o comércio, a reflexão e a autossuficiência sobre a
sociedade opressora. Essa formação bilíngue está ligada diretamente às
demandas emancipatórias e essenciais à sobrevivência dos povos indígenas.
Portando, formar esse sujeito bilíngue não é tão fácil como parece,
principalmente no tocante à formação das crianças.

84 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Nesse sentido, Almeida (2011, p. 56) afirma que “para uma pessoa ser
designada como Bilíngue precisa falar mais de uma língua, e para tanto é
necessário um contexto interacional”. A autora recorre à Grosjean (1999)
para argumentar que:

Bilíngues interagem uns com os outros de forma consensual.


Primeiro eles adotam uma linguagem para usar juntos, o
que é conhecido como a “língua de base”, “acolhimento” ou
“matriz” da língua. Este processo é descrito pelo autor como
“escolha de linguagem”, e é regido por uma série de fatores dos
interlocutores envolvidos (ou seja, a sua linguagem habitual de
interação, a sua proficiência na língua, a língua de preferência,
status socioeconômico, idade, gênero, ocupação, educação,
relação de parentesco, a atitude para as línguas, etc.); a
situação de interação (localização, presença de monolíngues,
grau de formalidade e de intimidade); o teor do discurso (tema,
tipo de vocabulário necessário); e a função da interação (para
comunicar informações, criar uma distância social entre os
oradores, elevar o status de um dos interlocutores, excluir
alguém, pedir algo, etc.) (GROSJEAN, APUD ALMEIDA,
2011, p. 56).

Nesse sentido, Grosjean apud Almeida (2011, p. 56) afirma ainda


que a escolha da língua é um comportamento aprendido, mas é também
um fenômeno muito complexo na medida em que se vincula às práticas
sociais das comunidades em questão. No caso dos Apinayé da aldeia São
José, o bilinguismo, de acordo com Almeida (2011), é praticado em função
da situação de contato com a sociedade não indígena, mas que existe uma
sensibilização de toda a comunidade para que a língua materna continue
sendo a língua de instrução, inclusive na alfabetização das crianças, e o
português uma segunda língua, que deve ser introduzida simultaneamente
com a língua Apinayé na escola, promovendo uma alfabetização bilíngue e
intercultural.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 85


O Professor Bilíngue Apinayé e a relação
entre ensino e aprendizado
O papel do professor no processo de ensino bilíngue deve estar
comprometido em desenvolver o ensino-aprendizagem no reconhecimento de
duas línguas, sendo sempre reconhecedor de que ele não é o único detentor
do conhecimento, mas deve agir como facilitador nesta ação tão difícil de
reconhecimento de códigos diferentes.
Outra prerrogativa necessária a este professor bilíngue é o fato de ser
indígena. A importância de este professor ser também um sujeito indígena
recai sob a necessidade de estar ligado às práticas culturais, ao conhecimento
tradicional e ao convívio diário com os saberes comunitários com as crianças,
fator indispensável ao processo de apropriação da língua e da escrita.
O professor bilíngue deve favorecer um espaço de cultura e de
produção de conhecimento e de reflexão crítica, considerando a importância
de se valorizar a língua materna e entender a necessidade do domínio da
língua opositora. Para isso, é primordial que o professor se mantenha na
condição de professor pesquisador, sistematizando o conhecimento de forma
interdisciplinar, do ponto de vista linguístico, sociolinguístico, cultural e
socio-histórico de cada grupo.
Segundo Albuquerque (2007, p. 88):

A partir de 2001, com a implantação das ações do Projeto


de Apoio Pedagógico e Educação Indígena Apinayé. O
Projeto de Apoio Pedagógico à Educação Apinayé vêm
promovendo nas escolas Apinayé, no sentido de garantir aos
professores, aos próprios alunos e membros da comunidade,
ações que envolvem os conhecimentos sócio-históricos e
culturais dessas comunidades. Em tais ocasiões, os Apinayé
discutem temas referentes à língua, à cultura e à história do
seu povo. Isto acontece, especialmente, durante as atividades
de elaboração do material didático a ser utilizado na escola,

86 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


como, por exemplo, na elaboração das cartilhas pedagógicas
de alfabetização, narrativas, músicas e da cartilha sobre a
medicina tradicional Apinayé, além dos livros de Matemática,
Ciências, História e Geografia desses povos.

Atualmente a educação escolar indígena segue um programa de


formação dos professores, na qual, recebem as ações do Projeto de Formação
de professores Indígenas do Tocantins, tendo como suporte do Projeto de
Apoio Pedagógico que, frente ao número crescente das aldeias e à criação
de novas escolas, vêm contribuindo para minimizar os problemas relativos à
educação escolar Apinayé (ALBUQUERQUE, 2007, p. 89).
Nesse sentido, Almeida (2011a) contribui afirmando que os professores
bilíngues que atuam na escola Apinayé da aldeia São José são formados para
exercerem o magistério em consonância com a interculturalidade, e que isso
requer um preparo teórico e prático que favoreça uma pedagogia onde não
ocorra a fragmentação das atividades. Para a autora, essa não fragmentação
evidencia-se na educação a qual as crianças se expõem desde a mais tenra
infância, uma vez que as práticas educativas indígenas se realizam em todos
os momentos e em qualquer lugar. Por isso, o professor precisa ser formado
também na vivência que a comunidade estabelece como forma de educação.
É neste ínterim que as crianças adquirem os valores e as prerrogativas
necessárias para a vida na comunidade.
Não obstante, o desafio na formação do professor bilíngue se classifica
de forma muito complexa, que se configura em uma educação especifica e
direcionada, onde possam desenvolver competências e habilidades para
atuarem como mediadores na sistematização de novos saberes.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 87


A Realidade da escola Mãtyk de São José: a educação
bilíngue e o processo de alfabetização.
Segundo Almeida (2011), entre os Apinayé a educação escolar se inicia
no ano de 1962 quando Patrícia Ham e mais duas colaboradoras Helen Waller
e Linda Koopman visitam essa sociedade indígena e lá se instalam por seis
meses, estudando seus aspectos sociolinguísticos e produzindo os primeiros
materiais didáticos e pedagógicos sobre a educação e língua Apinayé.
De acordo com nossa pesquisa, na Escola Mãtyk da aldeia São José,
todos os professores indígenas são bilíngues, no entanto, a maioria das
disciplinas é ministrada por um professor não indígena.
Nossa pesquisa foi realizada numa turma de primeiro ano do Ensino
Fundamental, com as crianças na faixa etária entre 6 a 7 anos, que estão em
processo de alfabetização, onde investigamos o ensino bilíngue, no intuito de
perceber como as crianças vêm recebendo uma educação nas duas línguas,
Apinayé e português. A professora atuante nesta turma é Ana Rosa Salvador
Apinayé. As aulas em português são dadas uma vez por semana, sendo que
os outros dias da semana as crianças só recebem o ensino na língua materna.
É produto dessa pesquisa, a constatação de que as crianças, mesmo
recebendo esta aula em português uma vez por semana, não têm familiarização
com esta nova língua. Todo o conteúdo é revisto com o professor da língua
para que venham entender o que foi passado pelo professor não indígena.
Nesta turma não tem nenhuma criança bilíngue, todas só falam e entendem
o Apinayé. Pelo que colhemos durante as entrevistas com os professores, as
crianças só conseguem entender a língua portuguesa a partir do quinto ou
sexto ano, quando já estão alfabetizadas na língua, e com isso, posteriormente
vão assimilando o novo código linguístico do português.
Podemos constatar, então, que as crianças não são alfabetizadas nas
duas línguas, pois durante o primeiro ano esse processo de alfabetização

88 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


bilíngue é um processo evolutivo que se constitui tanto do processo escolar
como do convívio com os falantes da língua portuguesa.
A aquisição do português se estabelece principalmente do contato
com os meios de comunicação utilizados dentro da aldeia. Tanto o rádio
como a televisão, são meios favoráveis para a apropriação gradativa do
português. A escola tem grande responsabilidade na aquisição desta nova
língua, mas, chega-se a conclusão de que o contato nas relações sociais, nas
relações do comércio, onde as crianças participam sempre que vão à cidade
de Tocantinópolis acompanhando os pais, e nas demais relações sociais que
envolvem os não indígenas, são na maioria das vezes mais provenientes da
apropriação oral da língua portuguesa do que na escola. No entanto, a escola
é responsável pela codificação escrita desta língua.
De acordo com Almeida (2011), os Apinayé da aldeia São José são
conscientes de sua posição étnica e sabem da importância que atualmente é
dada à luta dos indígenas de todo o mundo no que tange à manutenção de
suas identidades linguísticas e culturais.
Para essa autora:

[...] Esforços são concentrados no sentido de efetivar uma


educação que atenda aos anseios das comunidades Apinayé:
uma Educação Escolar Intercultural, Bilíngue e de qualidade,
e que forme crianças e jovens para a vida numa sociedade
globalizada e o exercício consciente da cidadania. A luta por
este projeto educativo tem se intensificado com a mobilização
dos professores Apinayé que buscam uma formação que
os qualifique para o desempenho do magistério, de modo
que possa assumir as diretrizes das escolas de suas aldeias
(ALMEIDA, 2011, p. 46).

Concordamos com Almeida (2011), ao afirmar que um passo


importante está sendo dado em direção da efetivação de uma educação

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 89


bilíngue e intercultural, quando os indígenas Apinayé assumem seu papel
diante da sociedade envolvente, utilizando os meios que essa mesma sociedade
disponibiliza enquanto um direito, como é o caso das cotas em universidades
públicas e cursos de Licenciatura Intercultural.
Essa formação adequada ao professor bilíngue Apinayé vai dar
condições no sentido de se efetivar uma educação que atenda aos interesses
da comunidade, e que possa preparar a crianças Apinayé de hoje em
cidadãos conscientes de seu valor, atuando de forma crítica, impondo suas
reivindicações com autonomia, exercitando e usufruindo os benefícios que
todos os brasileiros têm direito, e dentre estes direitos está uma educação de
qualidade.

Considerações finais
Procurou-se neste trabalho, fazer uma descrição e análise da forma
como a alfabetização bilíngue vem sendo trabalhada na educação escolar,
bem como do processo de ensino bilíngue na aquisição do português para as
crianças Apinayé da Escola indígena da aldeia São José.
Ademais, buscamos explorar os aspectos históricos dos Apinayé, a
formação da criança neste contexto de construção de uma identidade e na
formação dos conhecimentos a partir de um convívio diário, percebendo
durante o desenvolvimento da pesquisa a necessidade de um olhar mais atento
às relações sociais acerca da construção desse sujeito bilíngue, considerando o
processo político relacionado a uma educação indígena e bilíngue.
Diante dos dados constata-se que no processo histórico dos Apinayé em
contato com a sociedade não indígena, há um modelo cultural não indígena que
vem sendo imposto socialmente, apresentando-se mesmo muito preocupante,
o fato dessa história originária de raiz Apinayé estar guardada nas memórias
dos poucos velhos, ainda existente, e que infelizmente essa cultura não está
mais sendo passada de forma necessária às crianças e adolescentes, pois não

90 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


se tem mais uma aceitação social entre eles, o que, consequentemente, acelera
o processo aculturativo e a hegemonia da sociedade opositora.
Durante o convívio com a realidade histórica da criança Apinayé, muitas
lições foram possíveis. Percebemos que sua trajetória é marcada pela liberdade.
A criança indígena, sempre teve seu espaço e seu mundo. Apesar de muitas
restrições, pode se perceber um mundo cheio de liberdade e respeitabilidade,
pelo fato de ser criança, tem condições de brincar, produzir e reinventar a sua
própria história e participar do universo cultural de sua sociedade.
Algo que se verificou, foram intervenções diárias da sociedade
majoritária com relação às brincadeiras e principalmente com o material
eletrônico dentro de suas próprias casas, sobretudo com o advento da
televisão. Constatou-se que as brincadeiras têm influência, mas muito pouco,
pois, as crianças possuem muito pouco brinquedo industrializado, a não
ser a bola que é muito influente, as outras brincadeiras ainda estão muito
arraigadas nas raízes tradicionais, e felizmente a intervenção da televisão é
muito pouca, as crianças não sofrem a influência tão degenerada causada
pela televisão; no momento que nossas crianças urbanas se estupram com as
imagens e informações que chegam sem regras nas suas casas, as crianças
Apinayé ainda desfrutam de uma liberdade de consciência, que a vida urbana
não mais desfruta.
A apropriação do português se configura oralmente nas relações
sociais dentro e fora da aldeia, principalmente no contato com os meios de
comunicação e no convívio com os não indígenas. Já a codificação da escrita
é função da escola que vem sendo feita, de forma ainda precária, por todos
os fragmentos educacionais. Porém, na medida em que se compreende a
necessidade de se aprimorar e valorizar essa educação, quando o poder público
não se eximir do dever de manter essas escolas com o mínimo de qualidade
a escola cumprirá com o seu papel, sem esquecer-se da obrigação maior para
com esse povo, que é a valorização social e cultural, aspectos tão importantes
na produção do conhecimento direcionado às comunidades indígenas.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 91


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Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 95


Educação Cultura e Contato dos Apinayé
Com a Sociedade Não Indígena
__________________________________________
Jane Guimarães Sousa18
Leilane Pereira da Costa19
Ayrton Alves Brauna20
Tatiane Pereira de Oliveira21
Thais de Souza Carvalho22
Welison Portugal23

Resumo
Neste trabalho são realizadas considerações acerca dos indígenas
Apinayé, habitantes na região do Bico do Papagaio, estado do Tocantins,
em terras homologadas no ano de 1985, totalizando, atualmente, 24 aldeias,
e uma população de aproximadamente 1.847 indígenas. O objetivo é
apresentar os resultados de nossa participação no Projeto do Observatório
da Educação Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue e Intercultural UFT/
CAPES, enquanto bolsistas. Os procedimentos metodológicos contemplaram
pesquisa bibliográfica e de campo, bem como nossa participação no grupo de
estudos do Laboratório de Línguas Indígenas LALI/UFT. A discussão versa

18. Graduada em Letras pela Universidade Federal do Tocantins, campus de Porto Nacional. Mestranda no Ensino de
Língua e Literatura do PPGL – Programa de Pós Graduação em Letras da UFT – Universidade Federal do Tocantins.
Bolsista do Projeto do Observatório da Educação Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue e Intercultural UFT/
CAPES. e-mail: jainegs@yahoo.com.br.
19. Estudante de Graduação e Bolsista do Projeto do Observatório da Educação Escolar Apinayé na Perspectiva
Bilíngue e Intercultural UFT/CAPES leilane.thegirl@hotmail.com.
20. Estudante de Graduação e Bolsista do Projeto do Observatório da Educação Escolar Apinayé na Perspectiva
Bilíngue e Intercultural UFT/CAPES ayrton.brauna@hotmail.com.
21. Estudante de Graduação e Bolsista do Projeto do Observatório da Educação Escolar Apinayé na Perspectiva
Bilíngue e Intercultural UFT/CAPES tatianegata.oliver_@hotmail.com.
22. Estudante de Graduação e Bolsista do Projeto do Observatório da Educação Escolar Apinayé na Perspectiva
Bilíngue e Intercultural UFT/CAPES thaizinha--carvalho@hotmail.com.
23. Estudante de Graduação e Bolsista do Projeto do Observatório da Educação Escolar Apinayé na Perspectiva
Bilíngue e Intercultural UFT/CAPES welison_portugal@hotmail.com.

96 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


sobre a Cultura Apinayé e o contato desse grupo indígena com a sociedade
não indígena. O estudo buscou também, mostrar como se dá a educação
escolar indígena no Brasil, discorrendo acerca da educação indígena Apinayé,
apresentando sua cultura, seus rituais, práticas cotidianas, como aspectos
relevantes no processo de aquisição do conhecimento.
Palavras-chave: Indígenas Apinayé; Cultura Apinayé; Educação
Indígena.

Introdução
Neste artigo apresentamos as impressões e apreensões de nossa
pesquisa enquanto alunos bolsistas do projeto “Educação Escolar Apinayé
na Perspectiva Bilíngue e Intercultural”, a partir dos encontros realizados
no Laboratório de Línguas Indígenas LALI/UFT Campus de Araguaina.
Esses encontros acontecem semanalmente e conta com discussões a respeito
da língua, cultura e educação escolar indígena do povo Apinayé. O projeto
do Observatório da Educação Escolar Indígena é desenvolvido e coordenado
pelo professor Dr. Francisco Edviges Albuquerque, e tem como objetivo
apresentar os aspectos econômicos, políticos, culturais e principalmente
educacionais dos indígenas Apinayé.
Neste projeto participam professores universitários (UFT), acadêmicos
de graduação dos Cursos de Gestão de Cooperativas, Licenciatura em Letras
e Matemática, bem como, uma aluna de mestrado responsável pela discussão
dos estudos. As habilidades específicas, e os saberes adquiridos por cada
integrante bolsista do Observatório, formam um conjunto de saberes para
tornar-se ferramenta contributiva na educação escolar Apinayé na perspectiva
bilíngue, intercultural e diferenciada.
As aldeias Apinayé, num total de 24, estão localizadas no norte do
estado do Tocantins nas proximidades das cidades de Tocantinópolis-TO e

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 97


Maurilândia, numa região conhecida como Bico do Papagaio. Os Apinayé
são falantes de uma língua do mesmo nome, pertencente ao tronco Macro-Jê,
da Família Linguística Jê, e são remanescentes dos Timbira (DA MATTA,
1976).
Segundo Almeida & Albuquerque (2011), os Apinayé vivem numa
área demarcada desde 1985, com 141.904ha, sendo que sua população é de
aproximadamente 1.847 indígenas. Através deste texto, vamos apresentar
nossa percepção sobre os Apinayé, adquirida a partir das leituras e discussões
realizadas em grupo, apresentando também um pouco da comunidade do
povo indígena Apinayé, focando desde o a língua, a cultura, aspecto étnicos,
e também a Educação Escolar Apinayé atual.

Cultura Apinayé e o contato com a sociedade


não indígena
Os Apinayé habitam a região chamada Bico do Papagaio ao norte do
estado do Tocantins, nas proximidades dos rios Araguaia e Tocantins, e se
dividem em várias aldeias, dentre estas, as mais populosas são Mariazinha e
São José.
Esse povo passou por inúmeros conflitos com a sociedade envolvente,
isso se deu devido às suas terras de origem, pois de acordo com os relatos de
alguns pesquisadores e historiadores, uma migração desta etnia veio do sul
do Maranhão, por motivos de grandes conflitos com fazendeiros e poceiros
criadores de gados em sistema de pastoreio extensivo24.
Segundo relatos dos próprios Apinayé, no final do século XVII
aproximadamente em 1793, foi Villa Real que teve os primeiros contatos com
eles, e mais tarde, no ano de 1797, o governo do Pará funda as margens do
rio Araguaia, um posto militar denominado São João do Araguaia. Nesse
período ocorreu uma luta sangrenta entre soldados e Apinayé. Devido aos
24. Maiores informações encontra-se em Nimuendaju (1983); da Matta (1976); Albuquerque (2007).

98 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


inúmeros conflitos, este povo migrou para a região onde hoje estão suas
aldeias e reserva permanente (ALBURQUERQUE, 1999; 2007).
Estudos como os de Albuquerque (1999, 2007, 2011), informam que
os Apinayé apareceram pela primeira vez, sob esse nome, em fins do século
XVIII, e data de 1793 as primeiras notícias sobre os Pinagé ou Pinaré. Índios
muito fortes e mais trabalhadores que os Karajá, dedicavam-se à lavoura
e tinham grandes plantações de mandioca. Consta que, naquela época, os
Apinayé viviam as margens do Araguaia, embora suas habitações não tenham
sido localizadas nas praias desse rio. Consta também que, durante o primeiro
contato com os não indígenas, os Apinayé possuíam embarcações próprias,
estando familiarizadas com as navegações dos rios (ALBUQUERQUE,
1999; 2007).
Os Apinayé são índios descendentes dos Timbira, o que evidencia
algumas características, como o formato da aldeia em circulo, fazendo com
que no meio fique o pátio local de reuniões e realização de rituais; e em volta
as casas com as ruas levando ao pátio central. As tradições como a nomeação
das crianças pelas madrinhas e a não permissão do casamento entre primos,
caracteriza sua cultura e seus aspectos socioculturais herdados dos Timbira
(DA MATTA, 1976).
De Acordo com Melatti, (1993) apud Albuquerque, (2011), a maioria
das tribos indígenas constrói aldeias em forma de circulo, como é o caso dos
Bororo, os indígenas do Alto Xingu, os Yanoâma da bacia do rio Negro e os
Timbira, dos quais os Apinayé fazem parte, e muitos outros. Os Bororo têm
no centro da aldeia uma casa destinada aos rapazes: a casa dos homens. Por
outro lado, a casa dos homens já não existe mais nas aldeias Timbira. Os
indígenas do Alto Xingu têm no centro a gaiola do gavião real. Há também
indígenas que não constroem as aldeias em forma de circulo, como é o caso
dos Xerente e dos Karajá-Xambioá (ALBUQUERQUE, 2011).

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 99


A riqueza cultural da sociedade Apinayé chama a atenção dos
antropólogos devido à sua forma de organização, diferente de outras etnias
que são conhecidas nacionalmente com fama de guerreiros. Segundo Da
Mata (1976) os Apinayé possuem uma forma diferenciada de se organizarem,
bastante sofisticada, porém com uma agricultura pouco desenvolvida e sem
cerâmica. Entretanto, o sistema matrimonial foi fator preponderante para
difusão desta cultura em âmbito literário antropológico.
Da Mata (1976) assinala que nesta sociedade há dois pares de metades
de grande importância, a saber: Kolti, associado ao sol e Kolre, associado à lua,
de modo que todos na aldeia se associem a um par de metades ou os dois ao
mesmo tempo. Esta relação com o sol e a lua está ligada à concepção indígena
de criação do universo, pois, para eles, o sol e a lua foram os criadores do
mundo, sendo o sol o principal elemento pela sua iniciativa de descer a terra
imersa no caos. Porém, essas metades são interdependentes e se completam
se tornando inconcebível uma sem a outra. As tradições como a nomeação
das crianças pelas madrinhas e a não permissão do casamento entre primos,
isso tudo caracteriza sua cultura e seus aspectos socioculturais herdados dos
Timbira.
Além dos pares de metades supracitados, coexistem outros dois
importantes, os Ipognotxoine e Krenotxoine que significam gente do centro ou
pátio e gente da casa ou periferia, respectivamente. Essas metades não se
fazem presente nos cerimoniais, ao contrário das congêneres Kolti e Kolre,
fundamentais nas corridas de tora e na organização dos rituais de iniciação
(DA MATA, 1976).
A vida cerimonial é considerada pelos índios como fator natural, onde
as relações sociais ocorrem entre parentes e afins, conforme aponta Da Mata
(1976). Para esse autor, os grupos da vida cotidiana Apinayé melhor definidos,
são a família nuclear constituída por marido, mulher e filhos, e família

100 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


extensa uxorilocal, composta por um casal, os maridos e filho de suas filhas.
As atividades na agricultura, como cercar e limpar o mato são realizadas pela
família nuclear ou pela família extensa.
Nas atividades diárias Apinayé, pode-se destacar a agricultura de
subsistência, a caça, a pesca e o extrativismo. Conforme Ladeira e Azanha
(2003), as roças pertencem às mulheres, sendo que estas participam da
derrubada e semeadura do milho, mandioca, inhame, batata doce, entre
outros. Enquanto os homens são responsáveis apenas pela “broca” (desbaste
da vegetação arbustiva). Esses autores afirmam ainda que as roças são feitas
em forma de consórcio, plantio intercalados de varias espécies, e as coletas
incluem as frutas, plantas medicinais e palha para confeccionar peças
para uso doméstico. A coleta do coco babaçu é também uma atividade
de grande relevância para economia Apinayé (DA MATTA 1976 apud
ALBUQUERQUE, 2007).
Albuquerque (2007) informa também que o território Apinayé começou
a ser ocupado por uma fronteira da expansão pastoril cuja população era
bastante rarefeita. Assim, a ocupação deve ter deixado abertos alguns bolsões
onde a população indígena conseguiu sobreviver, pois, segundo o autor, no
século XIX o babaçu começou a ser explorado mais intensamente, enquanto
que o gado e a lavoura passaram para um plano complementar.
Segundo Ladeira e Azanha (2003) apud Albuquerque (2007) a caça
não chama a atenção das novas gerações devido ao dispêndio de esforço em
função da escassez. Por conseguinte, nas festas se usa com mais frequência
carne bovina, pois se torna indispensável nas finalizações dos rituais. A caça
vem sendo substituída pela criação de animais de pequeno porte, prática da
sociedade envolvente. Contudo, essa atividade produtiva é realizada sem
demarcação de áreas, ou seja, os animais são criados soltos pela aldeia gerando
conflito entre os indígenas, pois acabam matando animal de terceiros; alem
dessas atividades, há também o artesanato, que gera trabalho e renda para
as famílias. Conforme dados divulgados no portal de informações e serviços
do governo do estado do Tocantins o artesanato é feito a partir de sementes
nativas e de palha de babaçu.
Os rituais Apinayé são características marcantes da cultura indígena,
possui uma riqueza extraordinária, as danças, cantigas, gestos é um meio
de revelar a identidade de um povo. Os povos Apinayé não são diferentes,
possuem práticas ritualísticas próprias, como o Párkape e Mẽkaprĩ, que significa
ritual de homenagem aos mortos e rituais para retorno do espírito do doente
ao corpo, respectivamente Segundo informações extraídas do site Jalapão
Tocantins, essas tradições Apinayé são repassadas de geração em geração.
Portanto, a preservação e revitalização desta cultura se tornam necessária,
uma vez que integra a diversidade cultural brasileira (DA MATTA, 1976).
Ao longo dos anos, pela interação com a sociedade não indígena, esse
povo vem perdendo suas tradições. Contudo, ainda há muitos costumes que
permanecem vivos entre eles, como a corrida de toras, a língua, as histórias
tradicionais, as cantigas e etc. A batalha agora é pela revitalização da
cultura deste povo, através da educação, Todavia, com todo esse processo
de aculturação ocorrido, sabe-se que o indígena não perde sua identidade,
apenas por praticar hábitos de outra cultura ou perda de tradições culturais
próprias.
Pode se destacar, que a interação com a sociedade envolvente se dá por
motivos políticos e sociais, sendo que os Apinayé foram obrigados a aderir
ao uso da língua portuguesa, tornando um povo bilíngue, tendo a língua
materna o Apinayé e o português como língua secundária para facilitar a
comunicação com a sociedade de seu entorno.

102 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Segundo Albuquerque (2011 p. 45):

[...] A aquisição da língua portuguesa pelos Apinayé se


dá através de contatos diretos ocasionais, frequentes, ou
mais permanentes com falantes da língua, na aldeia ou
fora dela. Esses contatos ocorrem de modo diferenciado
entre os membros dessas aldeias. Os homens adultos e os
estudantes se relacionam diariamente com habitantes das
cidades vizinhas. Já a interação dos demais membros com
moradores dessas cidades é menos frequente. Muitos deles,
principalmente as crianças e as mulheres, têm mais contato
com os diferentes tipos de falantes da língua portuguesa, tais
como pesquisadores visitantes e funcionários da FUNAI, do
IBAMA, da FUNASA/SEDUC/TOBASA etc.

Nesse sentido, torna-se evidente o índice de homens jovens e adultos


que tem usado com mais frequência a língua portuguesa nas suas conversas
diárias, sendo com grupos Apinayé ou não. Através de uma reflexão, percebe-
se que já existe uma problemática nesta língua, pois já não é frequente a
comunicação em Apinayé por parte dos homens da aldeia dificultando o
repasse para as novas gerações. Conforme Albuquerque (2011, p. 45):

Os Apinayé de Mariazinha entendem e falam a sua língua


indígena, embora porcentagem de homens que entendem e
falam fluentemente Apinayé em todas as faixas etárias seja
bem menor que as mulheres. Os homens falantes estão usando
mais o português do que o Apinayé nas suas interlocuções.
Já as mulheres desta aldeia, independente do gênero e idade
entendem e falam a língua indígena, Porém com relação a
língua portuguesa, a situação é um tanto diferente.

Outro fator crítico é a permissão de casamento com indígenas de


outras etnias e com não indígenas. Em função disso, o povo Apinayé teve
um enfraquecimento da sua língua materna, pois os homens não indígenas

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 103


e os homens indígenas que moram na aldeia se comunicam com a língua
portuguesa, induzindo as mulheres e as crianças a entenderem o português.
O mesmo acontece com a cultura, tornando ela cada vez mais frágil, sendo
esquecida pelos mais jovens por não praticarem algumas tradições de sua
cultura (ALBUQUERQUE, 2011).
Segundo Albuquerque (1999) apud Albuquerque (2011, p. 42):

Por permitir o casamento de indígenas com não indígena,


e devido á proximidade com as cidades de Tocantinópolis
e Maurilândia, esta aldeia vem a o longo dos anos, por
contanto com a sociedade envolvente, perdendo seus
aspectos socioculturais e linguísticos, pois não pratica
mais a corrida de tora, da flecha, festa da batata, do
milho, dentre outras. Apenas pratica o corte de cabelo,
a festa do “paparuto” (bolo de massa de mandioca com
carne vermelha) e a nomeação que das crianças, que e de
responsabilidade das madrinhas.

Pesquisadores e estudantes, por exemplo, Albuquerque (2011); Almeida


(2011); Locatelli (2012), afirmam com depoimentos dos próprios indígenas, que
na aldeia Mariazinha atualmente há casamento entre primos. Isso demonstra
uma abertura no relacionamento interconjugal na aldeia e uma quebra da
cultura deles. Os mesmo não permitiam este tipo de casamento, conforme
Locatelli (2012, p. 146):

Essa é uma realidade entre os Apinayé, a cultura está se


transformando a cada dia, no casamento, antigamente, não
era permitido o matrimonio entre primos, hoje, essa tradição
já não é respeitada e os primos casam-se entre si. Mesmo,
mantendo as tradições que começa pela escolha onde – O
rapaz escolhe sua noiva livremente, não necessita mais que
seu pai a escolha, ou que estes tenham dormido juntos desde
pequenos, ou ainda, que se tenha concluído a sua iniciação
de guerreiro. Os padrinhos marcam a data do casamento

104 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


e fazem a preparação do mesmo. Cabe ao cacique, fazer o
aconselhamento ao casal, falando de suas responsabilidades
e obrigações.

A proximidade das aldeias Apinayé com a cidade e o uso de tecnologia


como forma de entretenimento e lazer, está ocasionando a morte da cultura e
da língua materna, uma vez que as crianças e os jovens já não se interessam
mais em ouvir uma cantiga, um conto de um ancião mais velho, ou em
realizar alguns rituais tradicionais e antigos da cultura Apinayé.
Filho & Oliveira, (2011, p. 202) discorrem que:

[...] Podemos encontrar nas palavras de um dos mais velhos


habitantes da aldeia São José. Segundo ele, as praticas não
indígenas exerceram tal poder de influência entre os Apinayé
que se tornaram elementos de desconfiguração de seus
hábitos. Diz ele: “a questão da cultura é o seguinte: os novos
não querem mais saber é por isso que eu tava brigando com
os caciques, que os caciques que entraram não interessam
também de ativar a rapaziada, a mãe e o pai das pessoas, que
é para cantar no pátio, porque fizemos uma festa aí do dia do
índio, aí os mais novos não querem porque vocês já ensinaram
a cultura de vocês pra eles, aí eles querem acompanhar a
cultua de vocês, eles não querem acompanhar a nossa cultura,
eu tava cantando para um vizinho que se acabou, a eu disse
quando os mais velhos se acabar tudo, vocês não sabem nem
mais a cultura de vocês as cantigas de vocês vão ficar aí que
nem os Carajá”.

Os mais jovens e as crianças preferem ficar dentro de casas de tijolos


com telhas de barro assistindo TV, DVD ou escutando radio, demonstrando
a interferência de outra cultura em seu meio, fazendo com que eles optem as
coisas de outra cultura. Filho & Oliveira, (2011, p. 203) apresentam um relato
de um diretor indígena que diz o seguinte:

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 105


[...] “sempre tem conflito, através da descriminação,
preconceitos, sempre existe. Interfere, por que vemos todas as
aldeias têm energia, têm televisão, têm som, então com isso
interfere na cultura, por isso, a escola está buscando resgatar
o pouco que restou, para não perder. Por que se ficar só na
televisão, DVD, assistindo só essas coisas, perde a cultura,
perde a língua”. Referencias externos são vistos, a partir de
sua utilização exclusiva, como algo desestruturador (FILHO
& OLIVEIRA, 2011, p. 203).

Programas de TV, filmes e músicas da nossa sociedade, são produzidos


por pessoas altamente especializadas com conhecimento de mídia para
entreter e induzir ao consumo destes produtos por crianças, jovens e adultos.
Desta forma desperta interesse do indígena, provocando um desinteresse pela
sua própria cultura, como a festa da batata, cantos e contos antigos.
Percebendo o poder que a mídia tem para influenciar as pessoas a
comprar, gostar ou desejar certos bens e serviços, facilitam a percepção,
pelas quais as crianças indígenas e os jovens gostam tanto dos programas
de TV. Todas as suas escolhas estão sendo manipuladas pela mídia, direta
ou indiretamente, provocando o desaparecimento continuo da sua cultura
e língua.
Apesar dos desandes ocorridos, sabe-se que a interação indígena com
outra cultura é um meio de conhecer o mundo que os cerca, e serve como
instrumento de luta destas sociedades minoritárias. Neste sentido, a educação
intercultural propõe, com base em Quellet, apud Almeida & Albuquerque
(2011, p. 97-98), desenvolver uma boa compreensão das sociedades do
mundo moderno; obter uma grande capacidade em comunicar com povos
de diferentes culturas, além disso, aumentar a capacidade de participação na
interação social, dentre outros fatores.

106 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Educação Escolar Indígena no Brasil: algumas
considerações
A educação escolar indígena está presente na vida desses povos
minoritários desde a chegada dos portugueses ao Brasil, mas se deu
precisamente com a chegada dos padres Jesuítas. A educação ministrada
pelos padres não atendia às necessidades dessas sociedades indígenas, pois
desconsiderava suas culturas, saberes e língua própria. A educação jesuítica
tinha como foco o “processo de aculturação” e “civilização” indígena
(ALBUQUERQUE, 2011).
O inicio da educação indígena se concretizou com os padres Jesuítas,
com uma educação que objetivava inserir uma crença contraria a tudo que
o indígena vivia e conhecia. Com o passar dos anos, as organizações não
governamentais, juntamente com reivindicações dos próprios indígenas, se
mobilizaram na luta por uma educação que fosse realmente dos próprios
beneficiários, quais sejam, “os indígenas” (ALBUQUERQUE, 2011).
O Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI,
1998), foi elaborado a partir de um movimento feito pelos professores indígenas,
através de articulações, estudos, reflexões e proposta que desse uma educação
melhor para as comunidades. Neste documento constam todos os direitos
e deveres referentes a uma educação escolar indígena de qualidade, com
parâmetros curriculares que vão desde a constituição até a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional - LDB 9394/96 (ALBUQUERQUE, 2011).
De acordo Albuquerque (2011), a educação escolar indígena deve ser
“bilíngue, intercultural e diferenciada” e deve contemplar os valores culturais
de cada etnia. Segundo Braggio (1992) apud Albuquerque (2011), é importante
que os indígenas aprendam a segunda língua para adquirirem uma boa
comunicação com outras pessoas, ou seja, contextualizar a língua escrita
envolvendo diferentes atividades, contribuindo ao desempenho dos alunos

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 107


indígenas, a interação e a relação dos alunos no meio social. Atualmente há
aproximadamente 1.591 escolas indígenas e 76.293 alunos matriculados no
ensino da 1° ao 5° anos e de 6° a 9° anos (ALBUQUERQUE, 2011).
É importante destacar que nestas escolas há um grande número de
professores desqualificados, uma vez que, não passaram pala formação do
magistério, ou mesmo quando tem o magistério, os professores não índios não
possuem conhecimentos sobre a cultura indígena; outro fator preocupante é
o alto índice de evasão e repetência, devido a oferta de práticas educacionais
distanciadas da realidade da sua cultura, ou seja, o calendário da escola não se
encontra de acordo com as festividades que acontecem dentro dos parâmetros
culturais; os métodos avaliativos não correspondem às praticas educativas das
escolas indígenas (ALBUQUERQUE, 2011).
O processo das escolas indígenas ainda se encontra em andamento,
enfrentando problemas e buscando possíveis soluções. Ainda são inúmeros
os fatores que são responsáveis por essas dificuldades que rodeiam as escolas
dos povos indígenas. A sociedade brasileira vem buscando a construção de
escolas capazes de articular experiências inovadoras, repensando as novas
formas metodologias e as práticas pedagógicas em que os professores devem
atuar dentro da comunidade indígena, através de novos matérias didáticos,
tornando, assim, a educação escolar intercultural, bilíngue e diferenciada
(ALBUQUERQUE, 2011).

Educação escolar Apinayé


De acordo com Almeida & Albuquerque (2011, p.110), a educação
escolar indígena foi introduzida entre os Apinayé no ano de 1962 por Patrícia
Ham e mais duas colaboradoras Helen Waller e Linda Koopman.
Esses autores informam ainda que os Apinayé contam com duas aldeias
mais importantes, dentre elas: São José e Mariazinha, onde estão instaladas

108 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


as escolas que suprem as necessidades das escolas das demais comunidades. A
escola da aldeia São José tem instalações modernas, semelhantes das escolas
da zona urbana, conta atualmente com 416 alunos matriculados no ensino
fundamental e médio, os professores são bilíngues, possuindo o domínio das
duas línguas: indígena e portuguesa.
Almeida & Albuquerque (2011), informam que nesta escola está presente
um fenômeno chamado multisseriação, pois é muito comum nas escolas
indígenas pela falta de professores, mas não chega a ser um problema como
acontece em certas escolas não indígenas, pois os professores apresentam
interesse maior em saber lidar com esse tipo de situação. Enquanto na escola
da aldeia Mariazinha possui um total de 268 alunos no ensino fundamental e
médio, as condições desta escola são precárias, pois não possui salas suficientes
para os alunos.
Como aponta Albuquerque ET al. (2011, p. 16), a escola da aldeia
Mariazinha obteve o ultimo lugar no Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM), prova realizada no ano de 2008. A respectiva colocação obtida pela
escola de Mariazinha foi influenciada por inúmeros fatores, dentre eles, está
a estrutura física da escola, a má qualificação dos professores a falta de apoio
educacional e pedagógico. Dentre essas problemáticas, destacam-se também
a carência de material pedagógico adequado à realidade Apinayé, a ausência
de livros apropriados a essa sociedade, a locomoção dos estudantes de outras
aldeias para a escola da aldeia Mariazinha, o trabalho infantil, o alcoolismo
e as doenças sexualmente transmissíveis foram também identificados como
fatores de causa do mau desempenho desta escola (BORGES & FILHO,
2011).
Em função desses baixos índices no ENEM, alguns profissionais da
educação da Universidade Federal do Tocantins (UFT) buscaram identificar
quais seriam as problemáticas que culminaram neste resultado estarrecedor

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 109


da escola da aldeia Mariazinha. Segundo Borges & Filho (2011, p. 171) uma
equipe de profissionais multidisciplinar realizou uma visita à aldeia no intuito
de identificar as possíveis causas do mau desempenho dos alunos desta escola.
O estado do Tocantins tomou certas medidas para adoção da língua
materna relativa à educação dos povos indígenas, também incluíram no
cenário da Política da Educação Escolar indígena do Estado, reforma e
construção de novas escolas, cursos de formação continuada, realização de
concursos públicos a esses professores, além de infraestrutura de boa qualidade
às escolas das aldeias São José e Mariazinha, com isso os professores indígenas
estão se capacitando e se preparando para assumir as gestões de suas escolas
(BORGES & FILHO, 2011).
Com o programa do Observatório da Educação Escolar nas Aldeias
Apinayé, um grande passo foi dado no que se diz respeito a essas escolas
indígenas, aos materiais didáticos em língua materna, facilitando o
desenvolvimento dos professores para ensinar os alunos. É importante ressaltar
que uma educação escolar bilíngue intercultural e diferenciada fará da
educação escolar indígena um cenário oposto ao corrido em anos anteriores.
O projeto do Observatório Indígena existente na UFT trouxe muitos
avanços para educação escolar indígena Apinayé, e terá reflexos positivos
nos próximos anos se aliado a políticas públicas Estaduais e Municipais.
Dentre outros trabalhos realizados, os livros didáticos que foram publicados
adequados a este povo trouxeram um aporte significante para professores e
alunos (ALBUQUERQUE, 2011).
Podemos perceber que a metodologia adotada pelos professores Apinayé
é o diferencial em seu fazer pedagógico, pois a educação escolar indígena
é intercultural, bilíngue e diferenciada, uma vez que existe a interação de
duas culturas em um mesmo ambiente: indígena e não indígena, vencendo
barreiras linguísticas, sociais, políticas e econômicas.

110 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Considerações finais
Neste trabalho foram discutidas algumas questões sobre a Educação
Indígena no contexto Apinayé, onde o mesmo trata de questões referentes
à cultura, ao ensino bilíngue dos professores, tudo isso contextualizado na
realidade vivenciada pelos Apinayé das aldeias São José e Mariazinha, na
qual são observadas pela organização social e política dessa sociedade. É
importante ressaltar que o trabalho desenvolvido pelo Professor Dr. Francisco
Edviges fomenta aqueles que não conhecem e precisam conhecer um pouco da
história dos povos indígenas, tendo outra visão em relação ao povo Apinayé.
Com base no que foi exposto, acreditamos que o programa Observatório
é fator importantíssimo para a educação indígena, pois fortalece seus direitos
e deveres perante a sociedade não indígena subsidiando assim a elaboração
de programas educativos atendendo aos interesses e anseios das comunidades
Apinayé.
Esse breve relato propôs evidenciar a existência dos encontros que
acontecem no interior da UFT no Laboratório de Línguas Indígenas,
relacionados ao programa de Educação Escolar Apinayé na Perspectiva
Bilíngue e Intercultural/CAPES/SECAD/INEP do edital nº 001/2009,
através de um apanhado geral dos assuntos abordados e socializados durantes
os encontros.
Nota-se uma clara evolução de conhecimento dos envolvidos na pesquisa
relativa ao povo Apinayé, sobretudo na estrutura social, na educação Escolar
Bilíngue Intercultural. Uma grande contribuição neste processo de construção
de conhecimento é a experiência do Professor Dr. Francisco Edviges e de
uma aluna de Mestrado em Letras e dos demais bolsistas graduandos que
contribuem nas suas respectivas áreas de formação.
Este estudo buscou também, sucintamente, mostrar como se
deu a educação escolar indígena no Brasil, percorrendo pela Educação

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 111


Indígena Apinayé, apresentando sua cultura, seus rituais, práticas
cotidianas e percepção de criação do universo e etc.

Referências
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históricas Revista de Estudos e Pesquisas, FUNAI, Brasília, v.4, n.2, p.199-
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Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 113


Contexto Histórico da Educação Escolar
Indígena Apinayé
__________________________________________
Cassiano Sotero Apinayé25
Francisco Edviges Albuquerque26

Resumo
Este artigo faz parte do projeto de Trabalho de Conclusão de Curso
– TCC do Curso de Pedagogia do Campus de Tocantinópolis. Tem como
objetivo maior fazer uma discussão sobre a educação escolar indígena Apinayé
de São José, mas levando em consideração também a implantação das escolas
de outras aldeias que fazem parte da escola desta aldeia, que é considerada
como a referência para as demais aldeias Apinayé. Igualmente, discutimos
também a situação escolar Apinayé e a educação indígena repassada para
os mais novos, pelos mais velhos, através dos saberes tradicionais, visto que
esses conhecimentos são de suma importância para a formação das crianças,
enquanto povo pertencente a uma sociedade minoritária.
Palavras-chave: Educação Escolar Indígena; Situação Escolar
Apinayé; Sociedade Minoritária.

Introdução
Não se sabe exatamente a data precisa de quando foi implantada a
escola para os Apinayé. Dizemos isso por que temos conhecimento de que
não existe nenhum documento oficial que comprove a época da implantação
da educação escolar em nosso território. A informação que temos, através
de pequenos relatos de alguns indígenas mais velhos como: Moisés Apinayé

25. Professor indígena e Coordenador da Escola Mãtyk da aldeia São José.


26. Coordenador do Projeto A Educação Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue e Intercultural/ Programa do
Observatório de Educação Indígena, CAPES/SECAD/INEP do Edital nº 001/2009.

114 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


(Monhgô), Francisco Sotero (Kagro), Romão Sotero (Kakrô) e Terezinha (Amnhàk),
visto que esses indígenas fizeram seus relatos da história da educação escolar
Apinayé.
Esses anciões Apinayé informam que foi na década de 1960, quando o
Summer Institute of Linguistics se instalou em nossas aldeias, através de Patrícia
Ham que iniciou a educação escolar dos Apinayé. Por outro lado, segundo
relatos de cada um desses indígenas mais velhos, a educação escolar indígena
Apinayé se introduziu também a partir da iniciativa do Serviço de Proteção
ao Índio (SPI), que no ano de 1967 foi extinto, passando para a Fundação
Nacional do Índio (FUNAI) a condução da educação escolar nas aldeias
Apinayé.
Na verdade, a história da educação escolar Apinayé se configura mais
no contexto histórico da memória dos mais velhos, o que é mais aceito pelos
pesquisadores que já passaram por aqui. Todavia, as informações coletadas em
documentos e em outras fontes de pesquisa, são importantes para elaboração
de um histórico escolar de nosso povo, e especificamente, quando tratamos da
história da educação escolar indígena Apinayé.
Os Apinayé historicamente reconhecem a escola como algo muito
estranho, uma imposição, que os não indígenas (homens brancos) trouxeram
para o nosso meio. Com o passar do tempo, a escola vem causando
gradativamente mudanças no aspecto sociocultural dos Apinayé, uma vez
que nós adquirimos novos conhecimentos da sociedade não indígena, e aos
poucos nossos saberes tradicionais são substituídos por novos conhecimentos
e com novas atitudes comportamentais.
Como já falamos anteriormente, a escola entre os Apinayé, não nasceu
por incentivo próprio dos índios, mas sim por incentivo do SPI, conforme
afirmação dos velhos entrevistados, uma vez que todos os assuntos eram
tratados pelo órgão.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 115


A educação escolar indígena para os Apinayé, de um modo geral,
representava, naquela época, uma educação integradora de pluralidade
cultural pautada para a promoção de valores culturais e costumes da sociedade
branca. Essa educação não se preocupava com a valorização da cultura,
muito menos a língua indígena, pois, os próprios índios não têm noção da
escola diferenciada, ao passo que também não perceberam mudanças que
ocorreram com a implantação de escola em suas comunidades.
A educação escolar indígena dos Apinayé passou a ser vista como uma
política pública, apesar da resistência de alguns índios mais velhos das nossas
aldeias. De um lado outros membros da comunidade passaram a se organizar
e reivindicaram a escola como direitos e deveres para o pleno exercício de
cidadania.
A educação escolar indígena dos Apinayé ao longo dos anos vem
acontecendo contrário aos interesses das comunidades. Nós indígenas temos
vivido um processo de perda de nossos valores culturais, sendo mesmo
subjugados pela sociedade branca, na medida em que estamos adquirindo
novos conhecimentos para nosso meio social, e esses vão aos poucos se
incorporando à nossa cultura.
Segundo levantamento do Departamento de Educação da FUNAI,
antigamente as escolas indígenas Apinayé adotavam um programa de educação
escolar desenvolvido pelos professores indígenas que abrangia as seguintes
disciplinas: Pré-Leitura e Pré-Escrita (alfabetização), Matemática, Estudo
Sociais, Língua Apinayé, Língua Portuguesa e as atividades diversificadas
(desenho e pintura). Já o conteúdo programático referente à língua portuguesa
escrita, do 1º ao 4º anos, era de responsabilidade dos professores da FUNAI
e dos missionários. Segundo o mesmo relatório, esse programa era o mesmo
adotado pelo SIL, desde a implantação da educação escolar nas comunidades
Apinayé (ALBUQUERQUE, 1999, p. 13).

116 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


A princípio, a educação escolar Apinayé foi alvo de importantes estudos
para pesquisadores no campo educacional, no sentido de resgatar e valorizar
a cultura e os saberes tradicionais das comunidades indígenas, uma vez que se
apresenta como um caminho para se conhecer melhor a realidade das escolas.
Neste contexto histórico, os pesquisadores sempre colocaram os
indígenas em primeiro lugar como sujeito da história da pesquisa, pois, suas
contribuições e colaborações são de fundamental importância para a realização
dos trabalhos, conforme algumas pesquisas já realizadas que confirmam essa
afirmação. Mas, na nossa concepção, ainda não foi concretizado o verdadeiro
ensino de qualidade para nosso povo, pois infelizmente o que temos é a
continuidade da imposição de ensino que recebemos desde a implantação de
escola em nossas comunidades locais.
Assim, a educação escolar indígena Apinayé, vem resistindo
historicamente contra o modelo padrão de ensino do Estado, e ainda é um
desafio para as escolas indígenas, e sendo assim os próprios índios estão
lutando para construir suas escolas com ensino específico e diferenciado para
suas comunidades.
Percebemos que os Apinayé sempre lutaram pela melhoria de ensino e
lutam por um ensino de qualidade, resistindo contra o modelo padronizado
da escola dos não indígenas. Porém, isso representa um desafio no âmbito
da educação escolar Apinayé, tanto para as comunidades quanto para os
professores indígenas, desde a implantação de escola em nosso território,
uma vez que reconhecemos como ferramenta de mudança de nossos valores
culturais e linguísticos. Mas, com o passar do tempo, nós, os Apinayé, fomos
nos adaptando, e aos poucos, incorporando os conhecimentos da sociedade
nacional, como parte de nossa aprendizagem na escola.
Para compreender melhor essa questão é importante entender que os
Apinayé como falantes nativos da língua, especialmente os mais velhos, foram

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 117


resistentes contra a língua portuguesa, conforme foi citado no depoimento
de alguns deles, o que caracterizou uma guerra linguística que começou há
muitos anos e que continua até hoje.
Historicamente, os Apinayé tiveram seu primeiro contato com a
sociedade não indígena, em 1774, quando ainda éramos ágrafos, pois não
tínhamos escola e nenhuma comunicação escrita. Contudo, a chegada do
Curt Nimuendaju27, no início do século XX, mais precisamente a partir de
1930, marca o período de contato permanente dos Apinayé com a sociedade
não indígena (ALBUQUERQUE, 2007, p. 22). Este estudioso passou a
conviver entre os Apinayé e boa parte de sua experiência foi documentada,
pesquisando a organização social e política de nosso povo, e seu trabalho foi
um marco histórico, como registro importante para os Apinayé.
De acordo com depoimento dos anciões da comunidade da Aldeia
São José: Romão (Kakrôhti), Francisco (Kagro), Moisés (Mônhgô) e Teresinha
(Amnhàk), pudemos perceber que a escola sempre teve por objetivo de integrar
os indígenas à sociedade envolvente, pois a língua era vista como o grande
obstáculo para que isso pudesse acontecer e daí a função da escola era ensinar
os alunos indígenas a falar, a ler e escrever em português. Somente no decorrer
do tempo, se começou a ensinar na escola a língua materna como uma das
metas prioritárias.
É claro que as mudanças ocorridas na educação escolar indígena dos
Apinayé, não foram apenas por motivo linguístico, mas sim por uma série de
fatores que contribuíram como a disputa pela terra, pelos recursos naturais,
pela mão de obra e pelo reconhecimento de nossos direitos.
Mas, se a escola pode ajudar no processo de desaparecimento de
saberes tradicionais de uma comunidade indígena, por outro lado, pode ser
mais um elemento importante para incentivar e favorecer a manutenção ou
revitalização da língua e cultura (RCNEI, 1998, p. 119).

27. Nimuendajú, Curt (1883-1945), etnólogo brasileiro de origem alemã, um dos pioneiros nos estudos relacionados
às comunidades indígenas no Brasil. Nasceu Curt Unkel, em Jena, Alemanha, em 1883. Sem formação acadêmica,
chegou ao Rio de Janeiro, em 1903. Dois anos depois, fixou residência em São Paulo e começou a dedicar-se às
pesquisas sobre os povos indígenas (ALMEIDA, 2011).

118 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Situação atual das escolas
indígenas Apinayé

Atualmente as escolas Apinayé apresentam diferentes formas de


modalidade, quadro funcional e professores indígenas, não indígenas e
números de alunos, distribuídos em cada unidade escolar no território, sendo
que todas se encontram gerenciadas pela Secretaria de Educação do Estado.
Algumas escolas não se encontram legalmente, devido à falta de outras
modalidades, como no caso a Escola Katàmjaka da Mata Grande; a Escola
da Barra do Dia que não tem o nome definido e a Escola Amnhimykô da
Bacabinha. As três escolas possuem Somente Ensino Fundamental 1ª Fase.
Neste caso, os alunos que precisam cursar a 2ª fase, são lançados nas
escolas mais próximas como é o caso da Escola Katàmjaka, onde os alunos são
matriculados na Escola Pepkror na Aldeia Botica. Da Escola da Barra do Dia
os alunos são encaminhados para a Escola Tekator na Mariazinha e da Escola
Amnhimykô os alunos são encaminhados para a Escola Mãtyk na aldeia São José.
De acordo com a informação dada pela Diretoria Regional de Ensino
(DRE) de Tocantinópolis, 957 alunos são matriculados, distribuídos em
14 escolas em toda área Apinayé, sendo que a Escola Pepnhõrik da Aldeia
Riachinho encontra-se inativa devido à inexistência de crianças em idade
escolar, no início do ano de 2011.
Sabemos que os dados mostram que nem todos os alunos frequentam
a escola. Um dos motivos é o fato de muitos pais mudarem constantemente
sua morada. Indo residir em outras aldeias, muitas crianças terminam
abandonando a escola, e não conseguem terminar o ano letivo.
Outro fator que impede o estudo desses alunos, é que eles costumam
casar cedo na fase de adolescência, e seu compromisso é voltado mais no cuidar
da família, do que ir para a escola todo dia, e aí terminam desistindo do estudo.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 119


Mais da metade dos alunos Apinayé frequentam a escola em sua
comunidade, ou seja, 70% dos alunos estão estudando, conforme se percebe
na maioria das escolas Apinayé (DRE TOCANTINÓPOLIS, 2011).
Na concepção indígena, o modelo de educação que temos nas escolas
Apinayé é visto como imposição, pois, a princípio, era percebido dessa forma
pelos pesquisadores da questão indígena e pelos próprios Apinayé. Com o
passar do tempo, essa educação vem ocorrendo de forma gradativa, fazendo
uma série de mudanças culturais e linguísticas nas comunidades.
Hoje, entendemos que a visão dos Apinayé, em relação à escola no seu
meio social, especialmente para a juventude, é algo positivo, e que seu ensino
pedagógico serve para ampliar e enriquecer nossos conhecimentos. Em outra
discussão que fazemos aqui, esclarecemos que a escola representa o papel
social, com o objetivo de resgatar e revitalizar a cultura e a língua indígena,
pois, esse direito está assegurado na Constituição de 1988.
Antes da demarcação da área, os Apinayé possuem apenas duas escolas
em duas aldeias: São José e Mariazinha. Porém após a demarcação, os Apinayé
se distribuíram pelo território, formando novas aldeias e novas escolas,
aumentando a demanda para o Estado e, consequentemente, os indígenas
exigem do governo escolas em suas comunidades (ALBUQUERQUE, 1999).
Durante nossa pesquisa, podemos perceber que os Apinayé, ao longo
dos anos de contato com a sociedade majoritária, embora venham tentando
manter viva sua língua, cultura e identidade étnica, estão em permanente
conflito com a situação econômica e política da sociedade envolvente.
Nas escolas Apinayé a primeira língua adquirida continua sendo a
indígena. Essa língua ainda é dominante em quase todos os domínios sociais
dentro das escolas e de nossas aldeias. Todavia, a língua portuguesa, nos
últimos anos, vem ocupando espaço que antes era da língua indígena, como
na educação escolar, no trabalho, na troca de bens e em casa (no caso dos
casamentos mistos), conforme Albuquerque (1999).

120 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Entretanto acreditamos que o modelo de educação escolar pluralista/
intercultural entre os Apinayé possa contribuir significativamente para o
ensino das línguas indígena e portuguesa, no sentido de desfazer os mitos
relacionados ao bilinguismo, e de mostrar que falar diferente ou falar duas
línguas não é uma falha, e de que posturas mais justas sejam adotadas em
relação ao ensino nas comunidades indígenas, sejam elas bilíngues ou não
(ALBUQUERQUE, 1999).
Dessa forma, acreditamos na valorização das duas línguas para o
fortalecimento pela autodeterminação dos povos Apinayé, dentro dos princípios
de pluralidade cultural. Desta forma, a escola deixa de ser instrumento de
negação e exclusão, para ser instrumento positivo e de apoio às sociedades
indígenas, buscando melhor garantir os objetivos reais de existência para os
Apinayé, reintegrando as ações do ensino às da aprendizagem, evitando suas
descontinuidades e rupturas, evitando, sobretudo, as evasões e os fracassos
escolares (ALBUQUERQUE, 1999, p. 117).

Escolas Apinayé:
uma retrospectiva histórica
Nesta abordagem, trazemos um breve histórico de cada escola que se
encontra regularizada pela SEDUC/TO, com a Lei de criação, o quadro
funcional, o número de alunos e as modalidades por cada turma, conforme
os dados a seguir.

Escola Mãtyk
A Escola Estadual Indígena Mãtyk, localizada na Aldeia São José, no
município de Tocantinópolis, existe aproximadamente há 50 anos. A princípio
não se tem nenhum documento reconhecido que comprove isso, como já
relatamos anteriormente. A partir dos anos 1970, a escola recebeu o nome

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 121


Mãtyk, em homenagem a um grande líder indígena por quem os Apinayé
tinham prestígio e respeito, conhecido como José Dias Roxo. A Escola Mãtyk
até essa época, não era uma escola reconhecida muito menos regularizada,
mas já exercia suas atividades. Com o Decreto governamental nº 1.196 de 28
de maio de 2008, passou a ser uma escola regularizada, com plena atividade
escolar, segundo relatório da SEDUC/TO.
Atualmente a Escola Mãtyk é a maior de todas as escolas Apinayé. Seu
prédio foi construído com recurso do Ministério da Educação (MEC). Em 2011
havia 416 alunos matriculados, nas modalidades de Ensino Fundamental 1ª e
2ª Fases, e Ensino Médio, funcionando em três turnos: matutino, vespertino e
noturno. Possui 24 servidores, sendo 01 diretor; 01 secretário; 01 coordenador
pedagógico; 02 vigias; 03 merendeiras; 09 professores indígenas sendo 04
efetivos e 05 contratados.

Escola Katàm
A Escola Estadual Indígena Katàm, situa-se na localidade da Aldeia
Palmeiras, no município de Tocantinópolis. Criada pelo Decreto 1.196, de 31
de março de 2008, e até esse período não era legalizada pelo Estado, só com
a Portaria da SEDUC, nº 0653 de 28 de abril de 2011, é que a escola iniciou
suas atividades e se transformou em uma escola legalmente reconhecida.
A escola conta com 59 alunos matriculados, 02 professores indígenas, 02
não indígenas e 01 merendeira indígena, todos são contratados. Modalidade
oferecida é de 1ª e 2ª Fases do Ensino Fundamental, com horário de
funcionamento em dois turnos: matutino e vespertino. Segundo a Diretoria
Regional de Educação (DRE) de Tocantinópolis, está previsto a implantação
de pelo menos 1ª ano do Ensino Médio e a reivindicação dos indígenas já foi
encaminhada, só que está em fase de análise pela Secretaria da Educação.

122 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Escola Kunityk
A Escola Estadual Indígena Kunityk, está localizada na Aldeia Patizal,
no município de Tocantinópolis. Criada pelo Decreto 1.196 de 28 de maio
de 2001, posteriormente autorizado o seu funcionamento pela Resolução nº
101, de 21 de agosto de 2009. O prédio foi construído e inaugurado em 14 de
fevereiro de 1996.
Atualmente a escola possui 30 alunos matriculados, 03 professores
não indígenas 01 professor indígena e 01 merendeira indígena, todos eles
são contratados. O quadro de modalidade oferecido é de 1ª e 2ª Fases do
Ensino Fundamental e o Ensino Médio (extensão Escola Estadual Indígena
Mãtyk), que funciona em dois turnos apenas: vespertino e noturno (DRE DE
TOCANTINÓPOLIS, 2012).

Escola Amnhimykô
A Escola Estadual Indígena Amnhimykô, situada na localidade Aldeia
Bacabinha, no município de Tocantinópolis, ainda não tem o seu prédio
próprio, mas funciona em uma casa de palha construída pela comunidade.
No entanto, não foi possível encontrar um documento que comprove a data
de criação, mas já foi solicitada a construção do prédio e a regularização da
escola.
A escola conta com 13 alunos do Ensino Fundamental 1ª e 2ª Fases,
tendo 01 professor indígena contratado. Existem alguns alunos que estão
cursando o ensino médio, que funciona como extensão da Escola Estadual
Indígena Mãtyk da Aldeia São José (DRE DE TOCANTINÓPOLIS, 2012).

Escola Katàmkaàk
A Escola Estadual Indígena Katàmkaàk, situada na Aldeia Prata, no
município de Tocantinópolis, foi criada pelo Decreto 3.331 de 31 de março de

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 123


2008. Autorizado o funcionamento pela Resolução nº 198, de 27 de outubro
de 2009, com o início das atividades a partir desta data. Possui o prédio
construído com o recurso do Estado e funciona em dois períodos: matutino e
vespertino.
Esta Escola conta com 12 alunos matriculados, 02 professores
indígenas contratados pela Secretaria da Educação. Modalidade oferecida:
1ª fase do ensino fundamental, como atendimento básico para essa
comunidade. Os alunos que cursam 2ª Fase do Ensino Fundamental e no
Ensino Médio são lançados na Escola Estadual Indígena Mãtyk (DRE, DE
TOCANTINÓPOLIS, 2012).

Escola Kaxware
A Escola Estadual Indígena Kaxware, na localidade Aldeia Serrinha,
município de Tocantinópolis, foi criada por Decreto governamental 3.331 de
31 de março de 2008. Posteriormente iniciou suas atividades como escola
regularizada e reconhecida pela Resolução nº 197, de 27 de outubro de 2009.
O prédio foi construído com o recurso do Estado, a partir da necessidade da
comunidade indígena.
Atualmente a escola conta com 17 alunos matriculados, 02 professores
contratados, sendo 01 indígena e 01 não indígena. A modalidade oferecida é
a 1ª fase do ensino fundamental, funcionando em dois turnos apenas: manhã
e tarde (DRE, DE TOCANTINÓPOLIS, 2012).

Escola Gôhkruk
A Escola Estadual Indígena Gôhkruk, localizada na Aldeia Boi Morto,
no município de Tocantinópolis, funciona em local improvisado, numa casa
palha cedida pelo cacique, com a estrutura mais precária das escolas Apinayé.
Não foi possível encontrar um documento oficial que data a criação e a

124 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


regularização, mas já é reconhecida pela Secretaria da Educação do Estado.
Atualmente a escola possui 17 alunos matriculados, 02 professores indígenas
contratados. Modalidade oferecida: 1ª Fase do Ensino Fundamental, e os
alunos que estão cursando Ensino Médio são vinculados à Escola Estadual
Indígena Mãtyk na Aldeia São José. (DRE, TOCANTINÓPOLIS, 2012)

Escola Tekator
A Escola Estadual Indígena Tekator, situada na localidade da Aldeia
Mariazinha no município de Tocantinópolis, foi criada pelo Decreto
governamental 1.196 de 28 de maio de 2001, e posteriormente regularizada
pela Resolução n° 79, de 17 de junho de 2003, com o início de suas atividades.
Em 2007 houve ampliação do prédio com o recurso do MEC, através da
Secretaria da Educação do Estado o mesmo já existia, na época em que esta
educação estava sob a responsabilidade da FUNAI.
A Escola Tekator é a segunda maior escola da área Apinayé, com 218
alunos matriculados, composta por 15 funcionários, sendo: 01 diretor indígena
efetivo, 09 professores não indígenas, todos contratados, 05 professores
indígenas, três efetivos e dois contratados, 01 auxiliar de secretário, 01
coordenador, 02 vigias, 02 merendeiras.
Modalidade oferecida: 1ª e 2ª Fases do Ensino Fundamental e Ensino
Médio completo, funcionando em três turnos: matutino, vespertino e noturno.

Escola Pepnhõrik
A Escola Estadual Indígena Pepnhõrik da Aldeia Riachinho encontra-
se, no momento, inativa devido à falta de alunos em idade escolar. O motivo é
que a maior parte das famílias se transferiu para Aldeia Girassol, por conflitos
internos, e restaram duas famílias apenas. Em função disso, esta escola não
consta no senso escolar.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 125


Escola Kõkre
A Escola Estadual Indígena Kõkre, está situada na Aldeia Girassol, no
município de Tocantinópolis. Criada pelo Decreto: 3.331 de 31 de março de
2008 e regulamentada pela Resolução n°187, em 18 de dezembro de 2009. A
escola não tem o seu prédio, mas funciona em local improvisado, numa casa
de palha construída pela comunidade. Já foi reivindicada a construção do
prédio à Secretaria da Educação, e está sendo aguardada.
Atualmente a escola tem 42 alunos matriculados, 03 professores indígenas,
01 merendeira indígena, 01 professor não indígena, todos contratados. Possui
1ª Fase do Ensino Fundamental, funcionando em dois períodos: manhã e
tarde, As turmas do Ensino Médio consta como extensão da Escola Estadual
Indígena Tekator na Mariazinha (DRE, TOCANTINÓPOLIS, 2012).

Escola Tàmgàk
A Escola Estadual Indígena Tàmgàk está localizada na Aldeia Bonito,
no município de Tocantinópolis. Criada por Decreto: 1.196, de 28 de maio
de 2001 e posteriormente regularizada pela Resolução: n°189, em 18 de
dezembro de 2009, a escola tem o seu prédio construído, com o recurso do
MEC, através da Secretaria da Educação do Estado. Esta escola possui 33
alunos matriculados, 01 professora indígena, 03 professoras não-indígenas
e 01 merendeira indígena, todas são contratadas. Modalidade oferecida: 1ª
Fase do Ensino Fundamental. Funciona em dois períodos: manhã e tarde.
As turmas do Ensino Médio são lançadas na Escola Tekator da Mariazinha
(DRE, TOCANTINÓPOLIS, 2012).

Escola Kagàpxi
A Escola Estadual Indígena Kagàpxi está localizada na aldeia Brejão, no
município de Tocantinópolis. Criada por Decreto 3.331, de 31 de março de

126 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


2008, e regularizada pela Resolução n°188 em 18 de dezembro de 2009. Até
no ano de 2011 estava funcionando apenas com 05 alunos matriculados. Este
era o menor número de alunos entre as escolas Apinayé. Esta escola contatava
com 01 professor indígena contratado. Não tinha o prédio construído, mas,
estava funcionando em local improvisado, enquanto a espera a construção.
Modalidade oferecida: 1ª Fase do Ensino Fundamental e funcionava somente
no período da manhã. Devido à falta de alunos suficientes em idade escolar,
esta escola encontra-se inativa (DRE, TOCANTINÓPOLIS, 2012).

Escola Pẽpkror
A Escola Estadual Indígena Pẽpkror, está situada na Aldeia Botica,
no município de Maurilândia, mas pertence à jurisdição da DRE de
Tocantinópolis. Criada pelo Decreto 1.196 de 28 de maio de 2001 e só
recentemente legalizada pela Resolução nº 06 de janeiro de 2010. A escola
possui prédio próprio, com 20 alunos matriculados, 02 professores indígenas
sendo um efetivo e um contratado, 01 professora não-indígena, 01 merendeira
indígena, as duas contratadas. Modalidade oferecida: 1ª Fase do Ensino
Fundamental e funciona em dois turnos: matutino e vespertino. Os alunos
que estão cursando Ensino Médio são lançados na Escola Tekator da Aldeia
Mariazinha (DRE, TOCANTINÓPOLIS, 2012).

Escola Katàmjaka
A Escola Katàmjaka da Aldeia Mata Grande, no município de
Maurilândia, não está legalizada. Neste caso, a escola também se encontra
inativa, por falta de alunos, e as duas turmas foram transferidas para a Escola
Estadual Indígena Pepkror da Aldeia Botica.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 127


Escola da Aldeia Barra do Dia
A escola da Aldeia Barra do Dia no município de Maurilândia, que
não tem o nome definido, encontra-se inativa também na mesma situação das
outras já foram citadas. Também por falta de alunos suficientes para formar
uma turma, esta funciona como extensão a Escola Estadual indígena Tekator
da Aldeia Mariazinha (DRE, TOCANTINÓPOLIS, 2012).
Este foi um breve relato histórico de cada escola Apinayé, para
situarmos a atual realidade de cada escola e como elas se encontram.
Percebemos que há muita demanda na educação escolar Apinayé, tanto no
aspecto organizacional tanto na estrutura física dos prédios de cada escola e
na administração quanto no aspecto pedagógico.

Considerações finais
Neste artigo relatamos parte de uma pesquisa realizada visando ao
Trabalho de Conclusão de Curso – TCC do Curso de Pedagogia do Campus
da UFT Campus de Tocantinópolis. O objetivo foi discutir a educação escolar
indígena Apinayé de São José, bem como a implantação das escolas das
demais aldeias, que estão vinculadas à escola desta aldeia, que é considerada
como a referência para as demais aldeias Apinayé.
Discutimos também a situação escolar Apinayé e a Educação indígena
repassada para os mais novos, pelos mais velhos, através dos saberes
tradicionais, visto que esses conhecimentos são de suma importância para
a formação dessas crianças, enquanto povo pertencente a uma sociedade
minoritária.

128 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Referências
ALBUQUERQUE, Francisco Edviges. Contato dos Apinayé de Riachinho e
Bonito Com o Português: Aspectos Da Situação Sociolinguística. Dissertação
de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras e
Linguística da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás.
Goiânia: 1999.

_____. Contribuição da Fonologia ao Processo de Educação Indígena Apinayé. Tese


apresentada à Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do
título de Doutor em Estudos Linguísticos. Área de Concentração: Estudos da
Linguagem. Subárea: Estudos Linguísticos. Niterói: 2007.

ALMEIDA, Severina Alves de (SISSI). A Educação Escolar Apinayé na Perspectiva


Bilíngue e Intercultural: Um estudo Sociolinguístico das Aldeias São José e Mariazinha.
Dissertação de Mestrado. 2011. UFT – Universidade Federal do Tocantins.
197 p. Material impresso cedido pela autora.

BRASIL. Constituição da República Federativa promulgada em 5 de outubro de


1988.

______. Ministério da Educação e do Desporto. Referencial Curricular Nacional


para as Escolas Indígenas. Brasília: MEC/SEF, 1998.

______. FUNAI. Legislação. Brasília, p.5-16, 1975.

______. Parecer Técnico n. 001 de 28 de abril de 1997.

______. FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO. II Boletim nº 22 de julho


de 1982. Brasília.

NIMUENDAJU, Curt. Os Apinayé. Boletim do Museu Paraense Emílio


Goeldi, Belém, 1983.

SEDUC. SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO E CULTURA

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 129


DO TOCANTINS. Matriz Curricular, Lei n 9394/96, da Gerência de
Educação Indígena. SEDUC. Palmas-TO.

______. Relatório Geral da Coordenação de educação Indígena. SEDUC. 1997.


Palmas-TO.

______. Relatório Geral da Gerência de Educação Indígena 2005. SEDUC. Palmas-TO.

______. Relatório Geral da Diretoria Regional de Ensino de Tocantinópolis –


DRE 2012.

SIL - Summer Institute of Linguistics. Dados Gerais, Seção I. Museu Nacional.


Rio de Janeiro, 1956.

130 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Aspectos Morfológicos da Língua
Apinayé
__________________________________________
Marinalva Dias de Lima28
Francisco Edviges Albuquerque29

Resumo
Este trabalho faz parte do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica – PIBIC, através do projeto intitulado, “Aspectos morfológicos
da Língua Apinayé”, visando a contribuir com as práticas pedagógicas nas
escolas indígenas Apinayé, através de estudos dos aspectos morfológicos da
língua materna. O objetivo foi auxiliar, não somente os professores indígenas
nos suas práticas pedagógicas, mas também os professores não indígenas,
utilizando a interdisciplinaridade e a interculturalidade como subsídio
nas ações docentes em sala de aulas das escolas indígenas Apinayé. Nesse
sentido, os estudos dos aspectos morfológicos também se configuram como
o reconhecimento da língua e cultura indígenas, bem como pelo incentivo
à valorização e manutenção da língua indígena na escola, como forma de
fortalecimento das políticas linguísticas do povo Apinayé.
Palavras chave: Língua Apinayé; Morfologia; Educação Escolar
Indígena.

Introdução
A pesquisa que originou este trabalho teve como objetivo principal
contribuir com as práticas pedagógicas nas escolas indígenas Apinayé, através
de estudos dos aspectos morfológicos da língua materna falada por esse grupo

28. Graduanda em Letras na Universidade Federal do Tocantins, e bolsista do PIBC.


29. Coordenador do Projeto A Educação Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue e Intercultural/ Programa do
Observatório de Educação Indígena, CAPES/SECAD/INEP do Edital no 001/2009 e orientador da pesquisa.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 131


indígena. O intuito foi auxiliar, não somente os professores indígenas nas suas
práticas pedagógicas, mas também os professores não indígenas, utilizando a
interdisciplinaridade e a interculturalidade como subsídio nas ações docentes.
Segundo Albuquerque (2009), interdisciplinaridade e interculturalidade
oferecem-nos reflexões que nos permitem a adoção de outro olhar sobre
a transposição das barreiras que tendem a se reerguer diante da linha de
pensamento que caracteriza a especificidade de uma disciplina.
Na perspectiva da interculturalidade, a Lei 11.645 de 10 de março
de 2008, estende a obrigatoriedade do estudo da história e cultura afro-
brasileira e indígena, que serão ministrados no âmbito de todo o currículo
escolar, atuando principalmente nas áreas de educação artística, literatura
e histórias brasileiras, poderá nos proporcionar a utilização de conceitos da
língua indígena nas escolas da sociedade não indígena, em aulas de português
e inglês, construindo uma ponte, já que nas três línguas temos pontos
convergentes e divergentes.
Considerando que em alguns casos os professores indígenas que
trabalham nas escolas Apinayé do Ensino Fundamental e Médio, utilizam
conceitos da língua portuguesa para explicar conceitos em Apinayé, da
mesma forma, professores não indígenas podem utilizar os conceitos da língua
Apinayé para explicar aspectos gramaticais na língua portuguesa.
Nesse sentido, os estudos dos aspectos morfológicos configuram-se,
portanto, no reconhecimento da língua e cultura indígena e também no
incentivo à valorização e manutenção da língua indígena na escola, como
forma de fortalecimento das políticas linguísticas do povo Apinayé.

Objetivo geral
A pesquisa teve por objetivo geral analisar e descrever os Aspectos
Morfológicos Apinayé, como subsídios para a análise e avaliação do ensino
de aspectos gramaticais dessa língua, permitindo aos alunos e professores
Apinayé o conhecimento, de forma mais acurada, destes aspectos e refletir
sobre o uso dos mesmos no processo de análise morfológica da língua materna
e seu uso em sala de aula das escolas das aldeias Apinayé.

Objetivos específicos
Como objetivos específicos, elencamos:
1. Trabalhar na construção conjunta de material didático-pedagógico,
levando em consideração a sistematização das regras morfológicas
no uso da língua materna escrita em sala de aula.
2. Fazer um levantamento dos aspectos morfológicos da Língua
Apinayé, tais como estrutura dos nomes, verbos, formas longas
e formas curtas dos verbos, marcadores de plural e marcadores
de grau, para verificar todos esses aspectos nessa língua,
posteriormente, serem aplicadas nos conteúdos programáticos nas
escolas de suas aldeias pelos professores de língua materna;
3. Auxiliar o professor pesquisador, na organização da gramática
pedagógica da Língua Apinayé, numa perspectiva didática,
levantando em consideração as características morfológicas dessa
língua, bem como contribuir com os usos e funções da escrita da
língua indígena, pelas crianças nas escolas de suas comunidades.

Material e métodos
Através de uma abordagem comparativa, procuramos analisar e
descrever termos referentes à morfologia Apinayé, depois de termos feito um
levantamento bibliográfico contemplando autores que trabalham os aspectos
gramaticais dessa língua, especialmente, Ham e Albuquerque. Para Sautchuck
(2003, p.18) “a escrita não é um simples sistema de transcrição do oral, mas

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 133


constitui um código completo e independente, que desenvolveu funções
distintas e características de estruturação e elaboração muito próprias”. Desta
forma utilizamos lendas, cantigas e textos escritos pelos professores e alunos
indígenas, que se encontram catalogados nos arquivos do Laboratório de
Línguas Indígenas da UFT campus de Araguaína.
Realizamos também uma pesquisa bibliográfica de cunho
predominantemente qualitativo na análise dos nomes (substantivos e adjetivos),
seus usos e funções de acordo com as regras da gramática da língua Apinayé.
Além de termos feito duas visitas técnicas à aldeia, uma nos dias 21 e 22 de
junho de 2011, antes do período vigente da bolsa, para termos um contato
prévio com a língua e cultura que seriam estudados e depois, nos dias 21 e
22 de novembro de 2011, com intuito de enriquecer nossas experiências e
materiais de pesquisa.
Efetivamente a pesquisa foca os aspectos Morfossintáticos da língua
Apinayé, de acordo com as atividades propostas no cronograma do projeto,
tais como:
1. Levantamento bibliográfico sobre os autores que trabalharam os
aspectos da gramática da língua Apinayé, levando em consideração
os aspectos morfológicos dessa língua;
2. Estudo sobre os nomes da língua Apinayé, seus usos e funções de
acordo com as regras da gramática, tais como: substantivo, adjetivo,
verbo, forma longa e forma curta dos verbos e os marcadores de
grau.

134 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Aspectos morfológicos da língua Apinayé
Albuquerque (2011) afirma que de acordo com as categorias inerentes
à língua Apinayé, no que tange aos nomes (substantivos), existem as seguintes
categorias: a) estrutura de posse que pode ser vista tanto como inerente como
relacional; b) a flexão de numero; e (c), o marcador de grau.

Substantivo: conceitos fundamentais


O substantivo, em Apinayé, é uma classe gramatical que engloba
todas as palavras que “nomeiam os seres”. De acordo com Ham (1979, p.
15) apud Albuquerque (2011, p. 1561), os substantivos que indicam partes do
corpo ou pertences feitos pela própria pessoa, exigem um prefixo possessivo
e não um pronome ou adjetivo possessivo. Entretanto, os estudos realizados
por Wiesemann e Matos (1980, p. 70) apud Albuquerque (2011, p. 1561-2),
apontam as classes de nomes de posse obrigatórias, que se referem a termos
de parentesco ou parte do corpo; as facultativas se apresentam com objetos
pessoais alienáveis, Já as vedadas se referem a nomes próprios ou fenômenos
da natureza.

Classificação dos substantivos


Os substantivos podem ser classificados conforme: a) sua formação e
estrutura; b) sua extensão e significado.
Na formação e estrutura temos:
a. Substantivo primitivo: aquele que não se deriva de nenhuma
outra palavra dentro da própria língua. Ex.: Krĩ (aldeia), gô (água),
rop (cachorro), hagrô (porco), pyka (terra), tep (peixe).
b. Substantivo derivado: aquele que se deriva de outra palavra da
língua. Ex: Krĩrax (cidade), gôrax (rio), ropkror (onça pintada), hagrôre
(queixada), pykati (areia), tepwa (piau), teprã (piaba).

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 135


c. Substantivo simples: aquele formado de um só radical. Ex:
Pixô (banana), gô (água), krã (cabeça), gwra (buriti), hagrô (porco), rop
(cachorro), krĩ (aldeia).
d. Substantivo composto: aquele formado por dois ou mais
radicais. Ex: Gôrax (rio), krĩrax (cidade), pĩkupure (jumento), pixôrã
(bananeira), kagotykre (café).
e.  Na extensão e significado temos:
f. Substantivo comum (quanto à extensão): é quando se refere a
todos os seres de uma mesma espécie. Ex.: My (homem), ni (mulher),
myt (sol), mĩti (jacaré), priti (sapo), kagã (cobra), gô (água), wewere
(borboleta), noore (filhote de pássaro), krare (criança ou filhote de
animal).
g. Substantivo próprio (quanto à extensão): é utilizado quando se
refere a um único ser de uma mesma espécie. De modo geral, os
substantivos próprios, em Apinayé, se referem a nomes de pessoas
ou entidades mitológicas. Ex: Kamêr, Kosêt, Cipó, Krã, Kato, Sipãx,
Tirtũm.
h. Substantivo concreto (quanto ao significado): é quando designa
um ser de existência independente, real ou não.
i.  Ex: ahtor (jaó), gô (água), mekarõ (foto), wajãga (feiticeiro), amak (ouvido),
amnhô (rato), pàr (árvore), krĩ (aldeia), kên (pedra), kaprãn (tartaruga).
j. Substantivo abstrato (quanto ao significado): é aquele que
designa ação, sensação, estado ou qualidade do ser. Como em
português, os seres designados pelos substantivos abstratos, em
Apinayé, possuem existência dependente de outros seres. Ex: mex
(beleza), kaprĩ (tristeza), kinhtỳx (alegria), gryk (raiva), kãmkĩnh (amor),
kãmhapê (paixão).
k. Substantivo coletivo: é o substantivo comum que, no singular,
designa um conjunto de seres, ou seja, é uma forma singular que
envolve uma significação de plural.

136 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Ex.: Pixôxôrãhã – cacho de banana
Tepxàpir – cardume de peixe
Mẽmojxuxê – molho de chaves
Mẽohtôraxkumrẽx – multidão de pessoas
Krãhyrenorepôtraxnẽ – ninhada de pintos
Môxkrãptĩ – rebanho de gado
Kagàpumunhxwỳnhjaja – turma de estudantes
Gagrôkrãptĩ – vara de porco

Flexão
a) Gênero
Segundo Mattoso Câmara (1986), no português a flexão de gênero é
exposta de uma maneira incoerente nas gramáticas tradicionais, pelo fato, de
serem associadas intimamente ao sexo dos seres. Lembrando que o gênero,
no português, abrange todos os nomes substantivos, quer se refiram a seres
animais, providos de sexo, quer designem apenas coisas, como casa, ponte
(femininos) ou pente, sofá (masculinos).
Entretanto, em Apinayé, isso se dá de forma diferente, pelo fato de
as palavras não variarem em gênero e muito menos terem artigos como
indicadores de gênero. Em Apinayé, o artigo apenas define e indefine. Nessa
língua temos apenas marcadores como mostra adiante:
a) Masculino: Segundo Albuquerque (2011), em Apinayé, pertencem
ao gênero masculino as palavras que vierem acompanhadas da palavra my
(masculino / macho), bem como os nomes próprios de pessoas.
Ex.: Rop my (cachorro), kagãmy (cobra macho), tepmy (peixe macho).
b) Feminino: pertencem ao gênero feminino em Apinayé, os substantivos
que vieram acompanhados da palavra ni (feminino / fêmea), bem como os
nomes personativos. Ex: Rop ni (cachorra), kagãni (cobra fêmea), karàni (veado
fêmea), hagrôni (porca).

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 137


b) Número
De acordo com Albuquerque (2011, p. 1562):

[...] A flexão de número em Apinayé se da pelo acréscimo da


partícula mẽ antes de nomes para marcar plural, enquanto
que o singular é não marcado. Nesta língua, a flexão de
numero não se manifesta apenas nos nomes; atem-se também
a uma série de pronomes independentes e a prefixos anexados
ao verbo coreferente com argumentos nucleares. Assim os
prefixos flexionais de dual pa, pu e va, bem como a partícula
de plural mẽ anexam-se obrigatoriamente aos pronomes
pessoais e aos nomes substantivos (GRIFOS DO AUTOR).

Em Apinayé, assim como em português, a flexão de número trata


da oposição entre um único indivíduo e mais de um indivíduo: a) Singular:
estão no singular, os substantivos que indicarem um só ser. Ex: Myt (sol), hagrô
(porco), te (perna), par (pé), gra (paca). b) Plural: estão no plural os substantivos
que indicarem mais de um ser.
A Formação do plural: o plural na Língua Apinayé é feito da seguinte forma:
a) Partícula - jaja: para formação do plural dos substantivos simples
em Apinayé.
Ex.: Tônjaja (tatus), xorejaja (raposas), kôkôjaja (macacos), kôptijaja (moscas),
kôkãnjaja (bordunas).
b) Partículas pa e mẽ: Com substantivos, afirma Ham (1979), que
a primeira pessoa inclusiva (incluindo o ouvinte) é pa, ou seja, a partícula pa
é um prefixo pessoal incluso, para indicar o dual, diferente do que acontece
quando o pa acompanha o verbo, que no caso se torna exclusivo. Então
vejamos alguns exemplos do pa como prefixo pessoal inclusivo:
Ex: pano (nossos olhos – dual);
pahpar (nossos pés – dual);
panham (nossos queixos – dual).

138 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Já a partícula mẽ indica apenas plural, vinda prefixada ao substantivo.
Ex: Mẽpahpar (nossos pés – plural);
Mẽpano (nossos olhos – plural).
Com efeito, a língua Apinayé tem diversas particularidades, e uma delas
são os dois métodos para indicar o possessivo; Segundo Ham (1979), geralmente
usa-se o possessivo pronominal antes do substantivo. Os substantivos que
indicam partes do corpo ou pertences feitos pela própria pessoa exigem um
prefixo possessivo, e não um pronome ou adjetivo possessivo.
Ex: ixpa – meu braço; ixpar – meu pé; inhno – meu olho; apa – seu braço;
ixte- minha perna.
c) Grau
O grau nos substantivos da língua Apinayé pode ser expresso de duas
formas:
a) Forma analítica: em Apinayé, são utilizadas as seguintes formas
para indicar diminutivo ou aumentativo: rax, tỳx e ti, para aumentativo; grire
e re para diminutivo.
Exemplos: Aumentativo Analítico: gôrax – rio; Diminutivo Analítico:
gôgrire – riacho
b) Forma sintética: quando são utilizados os sufixos -ti e -re, para
aumentativo e diminutivo:
Exemplos: Aumentativo Sintético: tepti – peixão, ropkrorti – onçona;
Diminutivo Sintético: tepre – peixinho, ropkrore – onçinha.

Adjetivo: conceitos fundamentais


Para Albuquerque (2011), diferente dos nomes e verbos, os adjetivos
em Apinayé, assim como em outras línguas, ocupam sempre uma posição
intermediaria entre nomes e verbos, num processo de lexicalização de
propriedades e características variáveis ou indeterminadas. Assim, em Apinayé
a categoria lexical de adjetivo difere das categorias de nomes e de verbo.
[...] A língua Apinayé de modo geral, não distingue adjetivo

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 139


com função atributiva de adjetivos ou predicativos, uma vez
que nesta língua não existe verbo de copula. Portanto, como
atributos ou predicados geralmente vêm a direita do nome,
podendo ocorrer como modificadores de nomes, tanto nas
locuções nominais como predicadores (ALBUQUERQUE,
2011, p. 1567).

Ademais, o adjetivo é uma palavra variável que expressa característica,


qualidade, aparência, ou estado dos seres. Portanto, está sempre relacionado a
um substantivo. Exemplos: jakry (frio), mex (bonito/ bom), omnuj (ruim/feio), grá
(seco), gôj akry (água fria), ni mex (mulher bonita), my omnuj (homemm feio), mry grà
(carne seca). Em Apinayé, o adjetivo simples vem sempre proposto ao substantivo.

Classificação
Na língua Apinayé, o adjetivo pode ser classificado em primitivo,
derivado e simples. O adjetivo primitivo é aquele que não deriva de verbo
ou substantivo. Exemplos: jakry (frio), mex (bonito/bom), omnuj (feio/ruim), grà
(seco), hi (magro), karo (frouxo), kaxà (podre). O adjetivo derivado é o adjetivo
que provém de verbo ou substantivo ou adjetivo: Exemplos: hitỳx (forte), mexre
(bonitinho/bonzinho), mexti (bonitão/bonzão), twỳmrax (gorduroso), kuxware
(cheiroso), àne (doente), kamãmrytwỳmrax (oleoso), nokre (cego). Já o adjetivo
simples é o adjetivo formado por um só radical: Exemplos: nyw (novo), grãgrã
(verde), prĩre (baixo), rerek (mole), grire (pequeno).

Flexão
O adjetivo pode variar em gênero, número e grau.
a) Gênero
Herculano de Carvalho (1974) argumenta que a flexão de gênero, no
português, só ocorre nos adjetivos. Única classe em que é possível caracterizar
a relação de concordância (substantivo no masculino ou no feminino =

140 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


adjetivo no masculino ou no feminino). Como no Apinayé, os substantivos
não se flexionam em gênero, eles possuem apenas marcadores (my e ni), o
adjetivo de certa forma acaba concordando com o substantivo, pois da mesma
forma utiliza os mesmos marcadores de gênero, não possuindo assim adjetivos
biformes. Exemplos: omnuj (feio/a), mex (bonito/a), jakry (frio/a).
Formação do masculino: em Apinayé a formação do adjetivo masculino
se dá através da partícula my (masculino). Exemplos: Rop mymex (cachorro
bonito), kôkôjmyomnuj (macaco feio).
Formação do feminino: a formação do adjetivo feminino se dá através
da partícula ni (feminino). Exemplos: Rop niomnuj (cachorra feia).
b) Número
Na língua Apinayé, o adjetivo simples fica no singular ou plural,
concordando com o substantivo ao qual se refere. Nesse caso, é o adjetivo
que recebe o sufixo de plural - jaja. Exemplos: nimex (mulher bonita), ni mexjaja
(mulheres bonitas), my omnuj (homem feio), my omnujaja (homens feios).
c) Grau
Segundo Claudio Cezar Henriques (2008), no português, o gênero e
o número estão entre os processos flexionais de nossa língua, o que não é o
caso do grau, onde existe com nitidez um processo derivacional. Em Apinayé,
acontece praticamente da mesma forma. Na maioria das classificações, temos
partículas que acompanham o adjetivo e no caso do grau superlativo absoluto
sintético, alguns adjetivos aparecem com sufixo, como será mostrado adiante.
Lembrando que em Apinayé o adjetivo pode variar em intensidade, e pode
aparecer no grau comparativo ou superlativo.
Grau comparativo: resulta de comparação entre duas características
atribuídas ao mesmo substantivo ou da comparação da mesma característica
atribuída a substantivos distintos. Exemplos: Kamêr na twỳm (Kamêr é gordo),
Kâmer na tũmre (Kâmer é esperto).

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 141


a) Comparativo de igualdade: Ni na pigêxtỳx o kotmjênmẽwa o
axpẽnhpyràk (A mulher é tão velha quanto o marido).
b) Comparativo de superioridade: Ni na pigêxtỳx o kotmjênjakrenh (A
mulher é mais velha do que o marido).
c) Comparativo de inferioridade: Ni na kawaxpêpigêx o kotmjênjakrenh
(A mulher é menos velha do que o marido).
Grau superlativo: é o grau mais intenso da característica atribuível
a um substantivo. Essa característica pode estar relacionada a um único
substantivo sem referência a qualquer outro, como é o caso do grau superlativo
absoluto.
a) Superlativo absoluto: Quando a qualidade é intensificada sem
comparação explícita com outros seres e pode ser formado pelos processos:
sintético e analítico. Exemplos: Kuwênhna kimuxre (o pássaro é lindíssimo).
Kuwênh na mextỳxkumrẽx (o pássaro é muito lindo).
b) Sintético: Formado através da partícula Ki antes do adjetivo, que
vem na maioria das vezes, acompanhado do sufixo - re. Exemplos: Ki mexre
(belíssimo) Ki prêk (altíssimo); Kihakare (branquíssimo); Ki t ũmre (espertíssimo);
Kirax (grandíssimo); Ki prĩ (baixíssimo); Ki omnuj (feíssimo); Ki prêk (altíssimo).
Analítico: É usado através do advérbio de intensidade tỳx ou rax,
proposto ao adjetivo ou ao advérbio. O advérbio rax é usado quando se refere
a pessoa, coisa ou animal, ou seja, nem sempre ao lado de um substantivo,
já tỳx vem sempre ao lado de um adjetivo ou advérbio, conforme exemplos a
seguir:
Exemplos: Mry rax (caça grande); Krĩ rax (aldeia grande - cidade); Ni rax
(mulher grande); twỳm rax (muito gordo); mex tỳx (muito bem); ànht ỳx (muito
doce); kryt ỳx (muito frio); ahkagro tỳx (muito quente).

Locução adjetiva
Em Apinayé, existem expressões que equivalem a adjetivo (genitivo),

142 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


termos que dão ideia de posse. Assim, as locuções adjetivas se apresentam na
ordem indireta, conforme os exemplos: Môx krã – de boi/vaca cabeça (cabeça
de boi); kwỳr par – mandioca pé (pé de mandioca); mãti te – de ema perna
(perna de ema).

Considerações finais
Segundo Santos (2006), a língua indígena é um elemento cultural
importante para a autoestima e a afirmação identitária do grupo étnico, ao lado
de outros elementos culturais, como a relação com a terra, a ancestralidade,
cosmologia, as tradições culturais, os rituais e as cerimônias. É inegável a
importância da língua para um povo indígena e foi sabendo disso que fizemos
um breve levantamento dos aspectos morfológicos da língua Apinayé, para,
dessa forma, podermos contribuir com o fortalecimento linguístico desse povo.
Ainda de acordo com Santos (2006), o indivíduo que conhece sua
língua e sua cultura também se desenvolve melhor como pessoa, como
cidadão e como membro de uma coletividade, e mais facilmente conhece
o seu lugar e a sua responsabilidade na sociedade. Línguas, como formas
de vida, recortam o mundo, produzem e comunicam valores e constroem
perspectivas e sociedades. Elas expressam e organizam cosmologias,
racionalidades, temporalidades, valores, espiritualidades. Uma língua funda
e organiza o mundo, pois desta forma, é material constituído de culturas, de
sujeitos culturais, políticos e humanos.

Referências
ALBUQUERQUE, Francisco Edviges. Interdisciplinaridade x Intercultura-
lidade: uma prática pedagógica Apinayé. In: Revista cocar/Universidade do
estado do Pará v. 3, n. 6. Belém: EDUEPA, jul./dez.2009.

______. Gramática Pedagógica da Língua Apinayé. Goiânia: Ed. da PUC Goiás,


2011.141p.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 143


______. A ordem dos nomes, verbos e modificadores em Apinayé. Anais do
VII Congresso Internacional da Abralin. v. único, p. 1560-1570, 2011. http://www.
abralin.org/.

BRASIL. Lei nº11. 645, de 10 de março de 2008. Altera a lei no 9.394, de 20 de


dezembro de 1996, modificada pela lei número 10.639, de 9 de janeiro de
2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir
no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “história
e cultura Afro-brasileira e indígena. Disponível em: http://legislação. planal-
to.gov.br/legisla/legislação. acesso em: 02 fev. 2012.

CAMARA JR. Joaquim Mattoso. Estrutura da Língua Portuguesa. 16. ed.


Petrópolis, RJ, Vozes, 1970.

HAM, P. H. WALLER E L. KOOPMAN. 1979. Aspectos da Língua Apinayé.


Brasília: Summer Institute of Linguistics.

HENRIQUES, Claudio Cezar. Morfologia: estudos lexicais em perspectiva


sincrônica. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus / Elsevier, 2008. v. 1. 202 p.

SANTOS, L. G. S.O índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas
no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/ Museu Nacional, 2006.

SAUTCHUK, Inez. A produção dialógica do texto: um diálogo entre escritor


e leitor interno. IN: ALBUQUERQUE, F. E. Reflexões preliminares sobre
a aquisição da escrita alfabética Apinayé. IN: CADERNOS DE EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA – Faculdade Indígena Intercultural. Organizadores
Elias Januário e Fernando Salleri Silva. Barra do Bugres: UNE MATE, V. 7,
N.1, 2009.

144 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Aspectos Sintáticos da Língua Apinayé

Loureane Rocha de Souza30


Francisco Edviges Albuquerque31

Resumo
Este trabalho é o relato de um Projeto vinculado ao Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC, intitulado “Aspectos
Sintáticos da Língua Apinayé”. O objetivo foi realizar uma descrição dos
aspectos Sintáticos da Língua Apinayé, que faz parte do tronco Linguístico
Macro-Jê e da Família Linguística Jê, falada por aproximadamente 1847
indígenas. Esse trabalho também tem como meta contribuir significativamente
na organização de material didático, voltado para os aspectos morfossintáticos
dos Apinayé, especificamente, destinado para o ensino da língua materna
nas escolas desse povo. Busca também colaborar para a construção de uma
educação escolar bilíngue, intercultural e específica no processo ensino-
aprendizagem das crianças indígenas, numa tentativa de promover o
fortalecimento e a manutenção da língua e da cultura indígenas nas escolas
de suas aldeias.
Palavras-chave: Língua Apinayé; Sintaxe; Educação Escolar
Indígena.

Introdução
Neste trabalho apresentamos os resultados de uma pesquisa que teve
como objetivo descrever os aspectos Sintáticos da Língua Apinayé, atualmente
falada por aproximadamente 1.847 indígenas distribuídos em 24 aldeias,

30. Graduanda em Letras na Universidade Federal do Tocantins, e bolsista do PIBC.


31. Coordenador do Projeto A Educação Escolar Apenai na Perspectiva Bilíngue e Intercultural/ Programa do
Observatório de Educação Indígena, CAPES/SECAD/INEP do Edital no 001/2009 e Orientador da pesquisa.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 145


situadas no norte do estado do Tocantins, numa região conhecida como Bico-
do-Papagaio. A língua desse povo faz parte do tronco Linguístico Macro-Jê e
da Família Linguística Jê.
Esse trabalho se justifica, principalmente, pela contribuição
significativa, na organização e produção de material didático, considerando
os aspectos sociolinguísticos dos Apinayé, voltado, especificamente, para
o ensino da língua materna nas escolas desse povo. Contribui, também,
para uma educação escolar bilíngue, intercultural e específica no processo
ensino-aprendizagem das crianças indígenas, numa tentativa de promover o
fortalecimento e a manutenção da língua e da cultura indígena nas escolas de
suas aldeias, uma vez que a língua materna é a primeira a ser adquirida pelas
crianças, na sua modalidade oral e escrita, para, posteriormente, adquirir o
português como segunda língua.
Não obstante, a escola dispondo de um material didático específico,
elaborado com a participação efetiva dos professores indígenas, a educação
Apinayé será fortalecida e, consequentemente, poderá garantir uma educação
de qualidade, visto que considera os aspectos socioculturais e linguístico
indígenas.
Com efeito, nosso trabalho contribui de forma significativa para as
escolas Apinayé, visto que os professores indígenas dessas escolas há muito
tempo vêm trabalhando na organização doe um material didático que sirva
de suporte pedagógico para ser utilizado nas escolas de suas aldeias, uma vez
que a maior parte do material didático que há nas escolas indígenas Apinayé
reflete apenas os conhecimentos da sociedade não indígena.
Assim, nossa pesquisa visou especificamente a organização de material
didático que leve em consideração os Aspectos Sintáticos da Língua Apinayé,
como instrumento condutor de uma política linguística voltada para as aulas
de língua materna nas salas de aulas das escolas desse povo, com forma de
afirmação da língua e da cultura indígenas.

146 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Objetivo geral
O objetivo geral de nosso trabalho foi analisar e descrever alguns
aspectos sintáticos da língua Apinayé, como subsídios para a observação e
avaliação do ensino de aspectos gramaticais dessa língua, nas escolas desse
povo, permitindo aos alunos e professores indígenas o conhecimento, de
forma mais aprofundada, destes aspectos. Também buscamos refletir sobre
os usos e funções da língua materna no processo de aquisição da língua
indígena como a primeira a ser adquirida nos diversos domínios sociais desse
povo, permitindo assim, posteriormente, um maior domínio dos aspectos
gramaticais, tanto pelos professores como pelos alunos indígenas.

Objetivos específicos
1. Elaborar e organizar material didático-pedagógico, com a
participação dos professores indígenas, levando em consideração a
sistematização dos aspectos gramaticais, no uso da língua Apinayé
escrita em sala de aula.
2. Fazer um levantamento dos aspectos sintáticos da Língua Apinayé,
tais como: estrutura de orações, simples, complexas e negativas;
3. Descrever os aspectos sintáticos dessa língua, para posteriormente
serem aplicados em sala de aulas pelos professores Apinayé, como
forma de fortalecimento da língua materna na escola desse povo.

Materiais e métodos
O trabalho se realizou com o povo Apinayé, de modo que foram
selecionados autores diferentes que trabalharam/trabalham com a língua
em estudo, para verificarmos os aspectos sintáticos no estado sincrônico
dessa língua. Ademais, temos participado efetivamente da pesquisa sobre os
aspectos Sintáticos da Língua Apinayé, de acordo com as atividades propostas
no cronograma do projeto, tais como:

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 147


1. Levantamento bibliográfico sobre os autores que trabalharam os
aspectos da gramática da língua Apinayé;
2. Levantamento de dados sobre as orações na Língua Apinayé, tais
como orações simples, complexas e negativas;
3. Auxiliar na preparação e organização dos dados que comporão a
Gramática Pedagógica Apinayé;
4. Participação nos debates de análise de dados e produção dos
relatórios parcial e final.
Para isso, realizamos uma pesquisa predominantemente bibliográfica,
no sentido de criar e organizar um banco de dados com um número
significativo de arranjos da sintaxe da língua em estudo.

Sintaxe Apinayé
A sintaxe estuda as relações que as orações estabelecem entre si, formando
períodos, procurando detectar a maneira como as partes da linguagem se
estruturam para formar os enunciados comunicativos (INFANTE NICOLA,
1991).
Para Albuquerque (2011), a ordem gramatical da língua Apinayé é SOV
(Sujeito, objeto e verbo), diferente do Português que é SVO (Sujeito, verbo,
objeto). A ordem mais produtiva nessa língua é: Sujeito + Complemento +
Verbo. Como podemos constatar no exemplo:
Na pa pixô ku - eu comi banana.

A oração em Apinayé
De acordo com Han e Koopma (1979) e Albuquerque (2011), há dois
tipos principais de orações em Apinayé: diretas e oblíquas. As orações diretas
referem-se, geralmente, a uma ação específica como as atividades do dia-a-
dia:

148 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Na pa pixô japrô - eu comprei (uma) banana;
Ma tẽ nẽ omu - vá ver.
As orações oblíquas referem-se a uma condição ou a um costume, mas
não a uma ação específica:
Inhmã pixô xành - eu gosto de bananas;
Ixte pixô japrôr - eu compro (de costume) bananas;
Inhmã kaga - eu sou preguiçosa;
Xà ate kagà pumunh?- você sabe ler?
Esses autores afirmam que uma oração transitiva oblíqua sempre pede
uma palavra relacional, com o sujeito indicado por prefixo obrigatório. A
palavra relacional pode ser uma destas duas:
1. kãm/-mã
Inhmã pixô xành - Eu gosto de banana.
Amã pixô xành - Você gosta de banana.
Kãm pixô xành - Ele/ela gosta de banana.
2. kot/-te
Ixte pyka kapõnh - Eu (por costume) varro a terra.
Ate pyka kapõnh - Você (por costume) varre a terra.
Kot pyka kapõnh - Ele/ela (por costume) varre a terra.
Como se percebe, a oração se organiza em torno de um verbo, ou seja,
ela depende de um verbo. Ex: Inhmã pixo gõ – eu quero banana. Note-se que a
ordem sintática da oração acima é SOV.
Albuquerque (2001) afirma que as orações diretas são aquelas que
exprimem ideia de atividade especificamente diária, enquanto as oblíquas
expressam ideia de permanência, costume, condição, estado (permanente).
Essa particularidade está diretamente ligada aos aspectos cultural da língua
Apinayé.
Vejamos alguns exemplos:

Diretas Oblíquas
Pa ma pur mã tẽ – eu vou à roça Inhmã kaga – estou com preguiça

Na pa pixô ku – eu com banana Atõ na ra gõr – teu irmão está dormindo

A oração oblíqua transitiva em Apinayé tem uma especificidade


notável: elas sempre precisam de um prefixo relacional, e este exerce função
de sujeito.
Ex: Inhmã rãrãj xành – eu gosto de laranja.
Ate pyka kapõnh – você varre a terra.

A Oração imperativa em Apinayé


Em Apinayé há orações como sujeito inclusivo, visto que construção
desse tipo denota pedido, intenção, sugestão. Mas as orações imperativas nunca
serão construídas com sujeito explicito, podendo ocorrer de duas maneiras
diferentes, com VTD ou com VTI. No primeiro caso o verbo aparece sozinho
e no segundo, o verbo vem acompanhado de palavras relacionais. O VTI
sempre será acompanhado dos relacionais kãm/mã, conforme Ham (1979).
Vejamos alguns exemplos:

VTD VTI
Apy – pegue Inhmã haprô – compre (o/a)
Ama - escute Kãm hkuxô – descasque (o/a)

150 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Termos essenciais da oração em Apinayé

Sujeito
Esse é o termo sobre o qual recai uma determinada declaração,
conforme exemplo: Na pa pixô haprô - Eu compro banana. Pa é sujeito

Predicado
O predicado, nessa língua, também pode ser classificado em: verbal,
nominal e verbo-nominal.

Predicado verbal
O predicado verbal é aquele construído com verbos de ação, com no
caso de:
Na apkahti – o dia amanheceu.
Na gwara ho prõt - ele correu com a tora.

Predicado nominal
O predicado nominal é constituído por um verbo de ligação ou
estativo (cópula). Em Apinayé os verbos estativos têm forma simples, não são
conjugados e são regidos pelos prefixos relacionais. Um exemplo desse tipo de
construção tem-se nas orações:
Inhmã kry - estou com frio
Inhmã kaga - estou com preguiça.
Sobre os verbos estativos, é necessário destacar uma especificidade
dos verbos transitivos. Pode-se dizer que os seus objetos podem se apresentar
de duas maneiras distintas: explícita ou implícita. A forma longa ocorre
quando o verbo vier seguido de outras palavras (objeto implícito) e a forma
curta que aparece com objeto explícito. Geralmente na forma longa o verbo

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 151


vem acompanhado de uma palavra de sentido negativo como “nẽ” Quando
a oração é do tipo SOV, em que o verbo aparece sozinho no final esse é o
caso da forma curta onde o objeto, geralmente, está explícito por meio de um
prefixo ou pela mudança de raiz do verbo.

Predicado verbo-nominal
O predicado verbo-nominal é aquele que apresenta dois núcleos
significativos, sendo um verbo, que indica ação e um nome que indica
qualidade ou estado do sujeito ou do objeto (ALBUQUERUE, 2011).
Na à nẽ pôj – Ele/ela chegou doente

Termos integrantes da oração

Objeto direto e objeto indireto


Do ponto de vista morfossintático, os verbos em Apinayé ocupam
posição estrutural de dois tipos, dependendo do modo de indicar o objeto, se
estiver implícito ou explicito. Já do ponto de vista semântico, os verbos, em
termos de processo e definição, indicam em que estado ou ação os participantes
nomeados na cláusula tomam parte.
Para Albuquerque (2001), os verbos ativos apresentam as chamadas
formas longas e curtas, condicionados à categoria de tempo. A forma longa
ocorre quando o verbo é acompanhado por outras palavras na frase. Às vezes,
exige um prefixo glotal, que indica objeto implícito. Já a forma curta ocorre
com objeto implícito ou explícito, mas com as duas formas de prefixos, e o
verbo será a ultima palavra da oração, conforme exemplos:
Pa omu - eu o vejo ou;
Pa ja pumu - eu vejo isto.

152 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Vejamos, então, o caso do objeto direto. O objeto direto é o termo
integrante da oração que completa o sentido do ver transitivo direto, por
exemplo:
Rop pumu - veja o cachorro, na forma curta;
Pa omunh kêt nẽ - não o vejo, na forma longa.
O objeto indireto, por sua vez, é termo integrante da oração que
completa o sentido do verbo transitivo indireto:
Inhmã mry xành - eu gosto de carne.

Complemento nominal
O complemento nominal tem função de completar o um nome. Como
é o caso de:
Kãm ropkror pyma – medo de onça.

Agente da passiva
O agente da passiva, como próprio nome já diz, é agente da voz passiva.
Ocorre no caso de:
Ni na menh nhy guj rax - a mulher foi atacada pelas abelhas.

Termos acessórios da oração


Nessa língua indígena, os termos acessórios da oração são classificados
da seguinte forma: adjunto adnominal, adjunto adverbial e aposto. Os termos
acessórios não têm uma participação determinante no sentido da oração,
de modo que alguns gramáticos afirmam que, para identificá-lo dentro da
oração, basta testar a necessidade do termo dentro da construção.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 153


Adjunto adnominal
O adjunto adnominal vem junto do ao nome caracterizando-o,
determinando-o. Como exemplo:
My prêk- homem alto.
Já o genitivo, nessa língua, se apresenta na ordem inversa, por exemplo:
Par i - osso do pé
Tôn i - osso de tatu.

Adjunto adverbial
O adjunto adverbial modifica o sentido do verbo dentro da oração.
Geralmente o adjunto adverbial está associado a um verbo intransitivo,
conforme o exemplo:
Kuwênh na prãm kupĩ - o pássaro morreu de fome

Aposto
O aposto tem função explicativa em relação a um termo da oração.
Podemos citar como exemplo:
Kâmer, pahihti, na ma krĩ rax mã tẽ - Kamêr é o cacique da aldeia.

Vocativo
O vocativo pode ser definido como um chamamento, ou seja, funciona
como evocação de algum elemento a quem se dirige, conforme exemplo:
Pahihti amnẽ tẽ - Cacique venha cá.

Considerações finais
Neste artigo, apresentamos o resultado parcial das discussões de nossa
pesquisa, visto que ainda está em andamento, mas que, com certeza, trará uma
grande contribuição para as escolas indígenas Apinayé, bem como para as

154 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


pesquisas desenvolvidas com descrição das línguas indígenas brasileiras, tanto
para o estado do Tocantins, como para aquelas desenvolvidas em nosso País.
Finalmente, percebemos que será preciso um estudo mais aprofundado
da sintaxe Apinayé, uma vez que se faz necessário um maior espaço de
tempo, destinado para a pesquisa com a língua desse povo, mas acreditamos
que mesmo assim, nesse espaço de um ano, realizamos um trabalho de
fundamental importância para início da descrição da sintaxe Apinayé.
Com base na bibliografia disponível, fizemos um levantamento dos tipos
de oração nessa língua, para que pudéssemos contribuir com a elaboração de
material didático, que no futuro será disponível para as escolas desse povo,
visto que é um material votado para os aspectos da cultura e da realidade
linguística indígena, como aporte teórico, que irá contribuir para realização
de novos estudos e análises da língua indígena de maneira reflexiva.
Após a análise da gramática Apinayé é imprescindível catalogar esses
dados de modo sistêmico para contribuir com a elaboração de uma descrição da
gramática dessa língua, de forma mais contextualizada, com a participação efetiva
dos professores indígenas, conforme regem as políticas linguísticas brasileiras, que
lidam diretamente com a educação escolar indígena de nosso País.

Referências
ALBUQUERQUE, Francisco Edviges. Português intercultural. Fortaleza-CE-
Printcolor, 2008.

______.Gramática pedagógica da língua Apinayé. Goiânia: ED. Da PUC, Goiás,


2011.

HAM, Patricia; WALLER, Helen; KOOPMAN, Linda. Aspectos da Língua


Apinayé. Brasília: Summer Institute of Linguistics, 1979.

INFANTE, Ulisses; NICOLA José de. Gramática Contemporânea da Língua


Portuguesa. 7. ed. São Paulo: Scipione, 1991.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 155


Etnografia e Observação Participante:
O Trabalho de Campo e a Pesquisa
Qualitativa no Contexto Indígena
Apinayé
__________________________________________
Severina Alves de Almeida (Sissi)32
Francisco Edviges Albuquerque33
Ana Paula Aoki34

Resumo
Parte integrante de um projeto de pesquisa que visou a elaboração de
uma Dissertação de Mestrado, este artigo delineia os trâmites metodológicos
na condução de um trabalho realizado nas aldeias Apinayé de São José e
Mariazinha. Os Apinayé habitam em 24 aldeias situadas no extremo
norte do estado do Tocantins, numa zona de transição entre o Cerrado e a
Amazônia, numa região conhecida como “Bico do Papagaio”, e são falantes
da Língua Apinayé, pertencente à Família Linguística Jê e ao Tronco Macro
Jê. O objetivo da pesquisa foi estudar, descrever e analisar o processo de
formação dos professores indígenas de alfabetização intercultural e bilíngue
das escolas “Mãtyk e Tekator”, com ênfase no Professor de Língua Materna.
Através de uma proposta metodológica Interdisciplinar, tomamos por base
os pressupostos teóricos que tratam das pesquisas qualitativas e da etnografia
com observação participante, tanto no contexto da antropologia social quanto
da etnografia educacional. Discorremos sobre a pesquisa etnográfica, suas
32. Pedagoga, Mestre em Letras, curso de Mestrado em Língua e Literatura MELL – pela UFT - Universidade
Federal do Tocantins, Campus de Araguaína. Doutoranda em Teoria e Análise Linguística de Línguas Indígenas na
UnB – Universidade de Brasília. Apoio Financeiro: CAPES. e-mail: sissi@uft.edu.br.
33. PHD. Professor Adjunto da Universidade Federal do Tocantins – Campus de Araguaina orientador da pesquisa.
e-mail: fedviges@uol.com.br
34. Formada em Letras e Mestranda no MELL – Mestrado em Língua e Literatura do PPGL – Programa de Pós
Graduação em Letras da Universidade Federal do Tocantins – UFT – Campus Araguaina.

156 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


fases, procedimentos e técnicas, elegendo a observação participante como
um dos procedimentos da etnografia no contexto escolar (indígena) Apinayé.
Nessa mesma direção, agrupamos a entrevista semidirigida enquanto técnica
que promove a interação e a microanálise etnográfica como aporte facilitador
no momento da análise, descrição e interpretação dos dados.
Palavras Chave: Apinayé; Pesquisa Qualitativa; Etnografia;
Contexto Indígena Apinayé.

Introdução
A década de 1990 veio consolidar os dispositivos da Constituição
Federal (CRFB/88) quando foi promulgado um Decreto Lei que delegou ao
MEC - Ministério da Educação - a execução de políticas públicas voltadas
para a educação escolar indígena em substituição à FUNAI – Fundação
nacional do Índio, órgão responsável pelo setor até então no País, delegando
sua organização aos Estados e Municípios, a qual passa a figurar nos
documentos educacionais posteriores: LDB - Lei de Diretrizes e Bases para
a Educação Nacional (1996); PDE - Plano Nacional de Educação (1998) e no
RCNEI - Referencial Nacional para as Escolas Indígenas (2002).
Nesse sentido, e considerando a importância de se estudar a
educação escolar no contexto indígena Apinayé, bem como a necessidade de
compreender a ação e as práticas pedagógicas de professores bilíngues das
escolas Mãtyk e Tekator das aldeias São José e Mariazinha, em consonância
com o desenvolvimento de um projeto interdisciplinar que auxilie no processo
educativo intercultural, realizamos a pesquisa que originou este artigo, o qual
tem por objetivo descrever as bases metodológicas que norteiam a investigação.
O texto está estruturado da seguinte forma: primeiro fazemos uma
apresentação dos passos metodológicos, identificando seu teor. Em seguida
fazemos uma análise teórica da pesquisa etnográfica e da observação

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 157


participante, sendo estas associadas à pesquisa qualitativa enquanto excelência
da investigação científica no contexto indígena Apinayé. Outro tópico trata
dos fundamentos da etnografia aplicada à educação, bem como suas fases
de execução, com destaque para as entrevistas, a redação, a interpretação
e a análise dos dados, quando elegemos a microanálise etnográfica como
procedimento que viabiliza essa etapa da investigação.

Uma proposta metodológica interdisciplinar


A metodologia utilizada se apresenta como interdisciplinar,
fundamentando-se nos estudos de Vasconcelos (2009, p. 112), para quem
a pesquisa que se requer interdisciplinar “deve favorecer uma prática de
interação participativa que inclui a construção e pactação de uma axiomática
comum a um grupo de campo de saberes conexos”. Para Fazenda (2006, p.
7), “este tipo de pesquisa exige a busca da marca pessoal de cada pesquisador
- a busca de sua ‘marca registrada’. A pesquisa interdisciplinar distingue-se
das demais por revelar na sua forma de abordagem a marca registrada do
pesquisador”.
Com efeito, priorizamos os procedimentos da etnografia e da observação
participante por que estas ciências apresentam aspectos que possibilitam
investigar um fenômeno dentro de contexto indígena, observando-o, mas não
interferindo diretamente. Não obstante, estes tipos de pesquisa apresentam
um forte cunho descritivo, no qual o pesquisador não pretende intervir
sobre a situação detectada, mas conhecê-la, tal como ela surge, podendo
utilizar vários instrumentos e estratégias metodológicas. Entretanto, tais
procedimentos não precisam ser meramente descritivos. Antes, podem ter um
alcance analítico profundo, podendo interrogar a situação, confrontando-a
com outras já conhecidas e/ou com as teorias existentes. Pode também
contribuir para novas teorias e novas questões para futuras investigações
numa realidade específica.
As características ou princípios associados à etnografia e à observação
participante superpõem-se às particularidades gerais da pesquisa qualitativa
e, segundo Cardoso (2009), tais procedimentos são um meio de organizar os
dados, preservando do objeto estudado o seu caráter unitário. Considera a
unidade como um todo, incluindo o seu desenvolvimento (pessoa, família,
conjunto de relações ou processos etc.). Vale lembrar, de acordo com Cardoso
(2009), que a totalidade de qualquer objeto é uma construção mental, pois
concretamente não há limites se não forem relacionados com o objeto de
estudo da pesquisa no contexto em que será investigada. Portanto, por meio
da observação participante e da etnografia aplicados ao método qualitativo, o
que se pretende é investigar, como uma unidade, as características importantes
para o objeto de estudo da pesquisa.
Em relação ao corpus investigado, estudamos os professores indígenas
Apinayé e suas práticas pedagógicas nos anos iniciais do Ensino Fundamental
das Escolas Mãtyk e Tekator das aldeias Apinayé São José e Mariazinha,
contemplando:

1. Estudos Teóricos: Este procedimento, utilizado com bastante


propriedade, se caracterizou por revisão bibliográfica voltada
para os autores que se dedicam a estudos voltados para pesquisas
etnográficas e à educação escolar indígena de base específica,
bilíngue e intercultual, e se deu durante todo o período da pesquisa,
de forma que subsidiou as demais etapas da investigação. Ênfase
maior foi dada às produções etnográficas da Educação Indígena,
da Educação Bilíngue e Intercultural, da sociedade Apinayé e
da formação do professor indígena que atua nas escolas de suas
aldeias, bem como dos documentos legais e normativos que tratam
da educação diferenciada para os povos indígenas.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 159


2. Pesquisa Documental: Tal procedimento se fez necessário
uma vez que, para entendermos o universo do professor
indígena alfabetizador bilíngue e intercultural, precisamos
mapear historicamente o contexto em que o mesmo está
inserido, ou seja, a escola na qual leciona, levantando dados
que registram a trajetória da instituição e dos professores que
por lá passaram e também dos que lá atuam, estendendo-
se, também, aos indicadores relativos ao fluxo de alunos,
considerando que a categoria tempo pode elucidar
questionamentos importantes.
3. Pesquisa Etnográfica: Esta consistiu em nossa inserção no
ambiente da pesquisa, nas aldeias e em suas escolas, observando
os atores educacionais (diretores, coordenadores, professores,
alunos, etc.) em suas atividades cotidianas na sala de aula e
também fora dela. Isso porque consideramos o ambiente
externo e seu entorno parte importante para a edificação de
uma educação intercultural, e foi sistematizada por um diário
de campo com transcrições, anotações, gravações, fotografias
e filmagens.
4. Pesquisa de campo: Esta se realizou de forma exploratória,
por meio de um roteiro básico de entrevistas com questionários
aplicados nas escolas, alcançando: diretores, coordenadores,
professores e alunos indígenas. Quanto aos professores
indígenas, investigamos sua trajetória, nomeadamente em
relação ao bilinguismo. Dessa forma, os dados coletados e
as informações obtidas durante a pesquisa, foram analisados
e descritos à luz da pesquisa qualitativa, utilizando a
microanálise etnográfica.

160 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Além destes procedimentos, consultamos a Diretoria Regional de Ensino
de Tocantinópolis – DRET, no que tange ao monitoramento e avaliação das
escolas por esta entidade responsável e representativa no Estado que abarca
em sua jurisdição as escolas pesquisadas, bem como representações indígenas
local, considerando a cultura e o processo de contato desse povo com a
sociedade envolvente. Tais procedimentos e suas análises foram realizados
com rigor, e as conclusões sistematizadas em relatórios qualificados, além de
um descritor analítico das informações levantadas com os resultados obtidos.

Etnografia e observação participante: o contexto


indígena Apinayé
A etnografia, pesquisa qualitativa por excelência, e sua aplicabilidade
em educação, tem sido considerada como uma lógica de investigação por se
tratar de teoria orientadora e método investigativo da cultura de determinadas
comunidades sociais, sobretudo comunidades escolares (GREEN, DIXON &
ZAHARLIC, 1998).
A etnografia como método de pesquisa originária da antropologia,
poderia ser vista como estritamente descritiva. Entretanto, o método de
pesquisa concebido hoje propõe resultados interpretativos, de caráter crítico,
que lhe confere uma intencionalidade distinta de sua interpretação puramente
etimológica. A etnografia tem por vocação dar palavra aos humildes,
àqueles que, por definição, nunca têm a palavra: tribos isoladas em campo
exótico, povos colonizados, classes dominadas ou grupos em vias de extinção
nas sociedades desenvolvidas, ou seja, a etnografia pode ser vista como
metodologia característica de uma ciência calcada no concreto e arquétipo
do “qualitativo”, com ênfase no cotidiano e no subjetivo, o que favorece sua
utilidade na educação (FONSECA, 1998).

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 161


Com efeito, etnografia significa escrever sobre um tipo particular – um
etn(o) ou uma sociedade em específica - como é o caso dos Apinayé envolvidos
objeto de nossa pesquisa. Todavia, antes de pesquisadores iniciarem estudos
mais sistemáticos sobre uma determinada sociedade eles descreviam outros
povos por eles desconhecidos. A etnografia é, portanto, uma atividade da
Antropologia que tem por fim o estudo e a descrição dos povos, sua língua,
raça, religião, educação, cultura e manifestações materiais de suas atividades.
É a forma de descrição da cultura material de um determinado povo,
realizada geralmente por meio de informantes cuidadosamente selecionados
(MATTOS, 2001).
Geertz (1989, p. 15) assegura que praticar etnografia não é somente
estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar
genealogias, mapear campos, manter um diário. O que a define é o tipo
de esforço intelectual que ela representa: um risco elaborado para uma
“descrição densa”. Para esse autor, a maior preocupação da etnografia é
obter uma descrição densa, a mais completa possível, sobre o que um grupo
particular de pessoas faz e o significado das perspectivas imediatas que eles
têm e de como eles agem. Esta descrição é sempre escrita com a comparação
etnológica em mente. Portanto, o objeto da etnografia é esse conjunto de
significantes em termos dos quais os eventos, fatos, ações, e contextos, são
produzidos, percebidos e interpretados, e sem os quais não existem como
categorial cultural.

Os fundamentos da etnografia
Segundo Ezpeleta & Rockwell (1989), a etnografia tem seus indícios no
final do século XIX e início do século XX e tem sua origem na abordagem
qualitativa em pesquisa. Para as autoras, sua aplicabilidade na educação se
justifica pela constatação de que os métodos de investigação próprios das

162 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


ciências naturais não serviam ao estudo dos fenômenos humanos e sociais.
Surge, então, o interesse pelo desenvolvimento de metodologias mais
adequadas ao entendimento do complexo e dinâmico fenômeno humano,
considerado não como uma relação de causa/efeito, mas, sobretudo, como
relação que enseja a atividade interpretativa dos contextos nos quais se
concretizam. De acordo com Laplantine (2005) as origens da etnografia
estão nas investigações antropológicas realizadas no início do século XX,
período em que os pesquisadores começaram a se fazer presentes no campo
de investigação.
No tocante à pesquisa qualitativa, tal qual esta etnografia que
impetramos junto aos Apinayé, Filho & Gamboa (2009) informam que é um
tipo de pesquisa que busca entender um fenômeno específico em profundidade,
e que ao invés de dados estatísticos, regras e outras generalizações, trabalha-
se com descrições, comparações e interpretações. A pesquisa qualitativa é
mais participativa e, portanto, os pesquisadores podem direcionar o rumo
da averiguação em suas interações com o objeto pesquisado. O trabalho
adquire um caráter de parceria e a interação sujeito/objeto assume aspecto
primordial, favorecendo o diálogo necessário para o exercício da alteridade,
edificado nos fundamentos da observação participante.
No que tange aos fundamentos da pesquisa etnográfica aplicados à
educação, encontramos em André (2004) a base teórica que pode ser aplicada
ao contexto Apinayé. Isso porque, segundo essa autora, deve-se estar atento
para o fato de que o etnógrafo se ocupa da descrição da cultura de grupos
sociais, e quando ele se volta para o campo educacional, se detém sobre um
processo onde é possível identificar diferenças entre essas duas áreas – a
educação e a etnografia - razão pela qual, certos requisitos da etnografia não
precisam ser necessariamente cumpridos pelos investigadores das questões
educacionais.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 163


Em se tratando das pesquisas de abordagem qualitativa Gatti (2001, p.
73) entende que estas, aplicadas no campo da educação, podem materializar-se
por meio do uso de variados métodos e técnicas, sendo a pesquisa etnográfica,
metodologicamente, um dos caminhos possíveis. Sendo assim, as alternativas
apresentadas pelas análises chamadas qualitativas compõem um universo
heterogêneo de métodos e técnicas, que vão desde a análise de diversidade
de propostas, passando pelos estudos de caso, pesquisa participante, estudos
etnográficos, etc.
Todavia devemos estar atentos, sobretudo, à escolha metodológica,
momento em que o pesquisador deve ter definido o paradigma (KUHN,
1992) sobre o qual construirá sua investigação.
Em nossa pesquisa com os Apinayé, o paradigma fenomenológico está
presente, pois de acordo com Taylor & Bogdan apud, Filho & Gamboa (2009,
p. 39), na fenomenologia a realidade é socialmente construída por meio de
definições individuais ou coletivas da situação; concebe o homem enquanto
objeto e ator; enfatiza a centralidade do significado, considerando-o como
produto da interação social; entende a verdade como relativa e subjetiva e
aceita a teoria do conflito.

Etnografia e educação
Não obstante os primeiros registros etnográficos terem surgido no
período que compõe as ultimas décadas do século XIX e os primeiros anos
do século XX, (Ezpeleta e Rockwell, 1989), é só na década de 1970 que os
pesquisadores em educação começam a se interessar pela aplicabilidade da
etnografia na dinâmica que compõe o trabalho do professor na sala de aula.
Para André (2004, p. 36), tais estudos são realizados a partir de fundamentos
da psicologia comportamental, apresentando-se mesmo como “análises de
interação” e, nesse caso, objetivavam estudar as interações da/na sala de

164 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


aula, bem como treinar professores ou medir a eficiência de programas de
treinamento.
Essa mesma autora cita Stubbs & Delamont que publicaram em
1976 a obra “Explorations in classroom observation”35 (Apud, André, 2004, p. 36),
anunciando os pressupostos da etnografia, identificando as interações da sala
de aula como um lócus de cultura específica que deve ser apreendido por meio
de densas observações, (GEERTZ, 1989), impetrado por meio de entrevistas
e análises documentais da escola. Tal procedimento foi incorporado à
dinâmica investigativa nas escolas Mãtyk e Tekator das aldeias Apinayé São
José e Mariazinha, quando assumimos, nesta perspectiva, o objetivo de
descrever a cena que é observada, ao mesmo tempo em que buscamos revelar
suas múltiplas e variadas significações, além da realização de uma análise dos
documentos das escolas.
Com efeito, a partir da década de 1980, no âmbito da metodologia
do tipo etnográfica, se intensificam os estudos sobre as atividades de
observação dentro da sala de aula, nomeadamente em relação à interação e
à intersubjetividade. No entanto, nos anos que compõem a década de 1990,
se percebe um movimento que converge para uma produção “regular e
consistente”, anunciando a possibilidade de se “fazer um balanço crítico dessa
produção e identificar não só suas contribuições, mas também seus principais
problemas” (ANDRÉ, 2004, p. 40).
Nesse sentido, é possível identificar alguns pressupostos que
caracterizam o fazer etnográfico na educação e que se aplica ao contexto
das escolas indígenas Mãtyk e Tekator ora estudadas. Para tanto, recorremos a
André (2004), que estabelece conjecturas importantes acerca dos estudos da
etnografia que tem como objeto o complexo educacional. Essa autora elenca
um grupo de características relacionadas à etnografia aplicada à educação,
identificando seu teor etnográfico desde que:
35. Observação e exploração na sala de aula – tradução nossa.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 165


1. Faz-se uso de técnicas tradicionalmente associadas à etnografia,
tais como: observação participante, entrevista intensiva e análise
de documentos;
2. O pesquisador estabelece uma relação de diálogo e interação com
o objeto pesquisado, afetando-o e, por ele, deixando-se afetar;
3. O pesquisador é o instrumento principal na coleta e na análise dos
dados.
4. A ênfase do estudo encontra-se, não em seus possíveis resultados,
mas no processo, no continuum que se estabelece durante a
investigação;
5. Há uma evidente preocupação com o significado atribuído pelos
sujeitos a si próprios e às suas experiências no contexto em que
estão inseridos;
6. Desenvolve-se por meio de uma pesquisa de campo e assume um
caráter descritivo e indutivo;
7. Busca-se formular hipóteses, conceitos, abstrações, teorias e não a
testagem.
Todas estas peculiaridades que caracterizam o fazer etnográfico e sua
aplicabilidade na sala de aula podem ser identificadas na ação investigativa
que desenvolvemos junto à sociedade indígena Apinayé e suas escolas. Isso se
evidenciou nas atividades já concluídas desenvolvidas, uma vez que as ações
estão em consonância com a proposta de André, desde que utilizamos os
seguintes procedimentos:
1. Realizamos uma investigação a partir de pesquisa documental,
com entrevistas sistematizadas e observação participante;
2. Conduzimos as atividades a partir de uma postura dialógica, dando
vez e voz aos nossos interlocutores, sensíveis às suas carências,
construindo um trabalho pautado em solidariedade e afeto, cientes

166 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


que estamos do papel que assumimos ao interagir enquanto corpo
estranho em sua realidade;
3. Projetamos nossas expectativas na condução do processo
investigativo, em detrimento dos resultados a serem alcançados;
4. Por se tratar de uma realidade específica do universo indígena, a
ênfase se deu sobre os sujeitos e suas significações, considerando a
tênue fronteira das intencionalidades presentes com mais veemência
na fronteira étnica;
5. A pesquisa foi eminentemente um trabalho de campo, e os
resultados foram sistematizados através de documentos analítico-
descritivos;
6. Deu-se especial atenção às abstrações, formulações de hipóteses e
teorias, sempre atentos às subjetividades que permeiam as relações
entre sociedades de diferentes culturas.

Identificando as fases de desenvolvimento da


etnografia no contexto Apinayé
A investigação que se realizou nas escolas das aldeias indígenas
Apinayé São José e Mariazinha e, conforme afirmações anteriores é uma
etnografia. Sua execução pautou-se no modelo da observação participante
e se caracterizou especificamente pela presença do pesquisador no campo.
Assim sendo, e de acordo com as bases teóricas de Cardoso (2009), a pesquisa
etnográfica que realizamos compreendeu várias fases visando à coleta dos
dados para a efetivação do trabalho. Entretanto, durante todo o processo
investigativo, estivemos conscientes de que a interação entre o pesquisador e
o objeto deve acontecer de forma consensual, para que as singularidades da
sociedade que está sendo estudada sejam preservadas.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 167


O Contexto escolar indígena Apinayé: o universo da
pesquisa
As bases metodológicas expostas neste artigo têm o contexto indígena
Apinayé como objeto do estudo, sendo que a educação escolar foi o foco da
pesquisa. Nesse sentido é importante conhecermos um pouco desse grupo
indígena, pois segundo Albuquerque (2007), para que tenhamos sucesso
num trabalho que vise a contribuir para a prática de um modelo educativo
que reflita as necessidades e anseios da sociedade Apinayé, é imperativo o
conhecimento das comunidades que estão sendo estudadas, nesse caso,
as aldeias São José e Mariazinha. Para Albuquerque (2007, p. 45) este
conhecimento é de fundamental importância, já que ele fornece subsídios para
se conhecer as atuais situações dessas comunidades, uma vez que as sociedades
são dinâmicas, ao mesmo tempo em que estabelece diferentes níveis e tipos de
contato entre indígenas e não indígenas, resultando na integração entre estas
duas sociedades.
Ainda de acordo com Albuquerque (2007, p. 22), o primeiro contato
entre os Apinayé e os não indígenas aconteceu em 1774 quando Antônio Luiz
Tavares empreendeu uma viagem de Goiás ao Pará, pelo Rio Tocantins,
sendo que na Cachoeira das Três Barras viu-se rodeado por um grande
número de índios que disparavam flechas. Para esse autor, nesse primeiro
contato com os não indígenas os Apinayé já possuíam embarcações próprias,
estando familiarizados com as navegações dos rios Araguaia e Tocantins,
atestando a autonomia desse povo, o que favorecia sua empreitada frente aos
colonizadores. Nimuendaju (1983, p. 3) relata que os Apinayé eram a única
tribo Timbira a fabricar tais embarcações e que, provavelmente, aprenderam
a arte de navegar dos Karajá-Xambioá, sendo que, mais tarde, com a
colonização desses grandes rios, os Apinayé teriam recuado para as matas
ciliares, abandonando a navegação.

168 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


No tocante à integração dos Apinayé com a sociedade envolvente,
Albuquerque (2007, p. 8) informa que esse povo começou a ser integrado à
história do Brasil com a ocupação do sertão nordestino e com a intensificação
da navegação do rio Tocantins, de sorte que a ocupação do sertão do
Maranhão, da Bahia e do Piauí é consequência da criação extensiva de gado
que, no período Colonial, servia para alimentar as populações dos engenhos
litorâneos, sendo que esse gado avançou pelos sertões até chegar ao sertão
goiano, atual Tocantins, na região onde se achavam os índios.
Os indígenas Apinayé contemplados com a pesquisa habitam as
aldeias São José e Mariazinha, consideradas por suas lideranças como as
mais importantes, o que contribuiu para que essas duas comunidades fossem
escolhidas, dentre as 24 aldeias Apinayé, para objeto de estudo. A aldeia São
José é uma das mais antigas, pois Nimuendaju (1983) já a mencionava em seus
relatos com o nome “Bacaba”. Esta é, atualmente, uma das aldeias Apinayé
que mais apresentam aspectos da tradição e cultura do grupo, evidenciado
na confecção de artesanato, bem como da pintura corporal, elementos
significativos da identidade cultural dessa sociedade indígena.
No tocante à educação indígena no Brasil, esta tem seu início em 1549,
quando os Jesuítas iniciaram um trabalho de catequese visando à conversão
dos nativos ao cristianismo ou mesmo seu aliciamento para servir de mão de
obra escrava para os colonizadores. Em relação à educação escolar para os
Apinayé, seus indícios ocorrem na década de 1960, quando Patrícia Ham
realizou os primeiros trabalhos, produzindo os primeiros materiais didáticos
e pedagógicos que até hoje servem como referência para novos trabalhos. De
acordo com Albuquerque (2007), Patrícia Ham, que era membro do SIL,
introduziu a educação escolar entre os Apinayé nas aldeias de São José e
Mariazinha, sendo que naquela época, as políticas educacionais, voltadas
para os Apinayé, não eram diferentes daquelas oferecidas aos demais grupos

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 169


indígenas, compatíveis às práticas pedagógicas desenvolvidas pelas escolas
das comunidades rurais brasileiras.
Segundo Albuquerque (1999), ao longo dos anos de contato com a
sociedade majoritária a educação escolar Apinayé transcorria de modo
contrário aos anseios e interesses da comunidade. Todavia, nas últimas
décadas ocorreram avanços importantes, sendo que atualmente a situação
escolar desse povo pauta-se nos pressupostos da interculturalidade e a
educação bilíngue é uma realidade, o que vem ao encontro do que determina
a Constituição Federal do Brasil (CRF/88) que no Cap. III Seção I, Art. 210,
§ 2º determina que “o ensino fundamental regular será ministrado em língua
portuguesa, assegurado às comunidades indígenas também a utilização de
suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”.
Com efeito, nas escolas Mãtyk e Tekator das aldeias São José e
Mariazinha, os professores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental utilizam
um material de apoio pedagógico bilíngue (Apinayé/Português), elaborado
por eles mesmos, sob a coordenação do Prof. Francisco Edviges Albuquerque
da UFT – Universidade Federal do Tocantins - contemplando: Matemática
e Ciências Apinayé, História e Geografia Apinayé, Livro de Narrativas e
Cantigas Apinayé, Revista de Medicina Tradicional Apinayé e um Livro
de Alfabetização, trazendo conteúdos muito bem contextualizados, com
ilustrações dos próprios professores e também de pessoas da comunidade.
A etnografia realizada nas escolas indígenas Apinayé se efetivou
por meio da observação participante, favorecendo a interação nas relações
intergrupo (pesquisadora e indígenas), e se desenvolve em fases bem distintas,
por meio de técnicas e procedimentos, os quais que passamos a descrever a
seguir.

170 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Primeira fase: a escolha do tema e do campo
Segundo Cardoso (2009), a escolha do tema é um momento crucial,
capaz de interferir em todo o trabalho posterior. “Para alguns, será um
momento de perplexidade e de inquietação. Em qualquer caso é imperativo
assegurar-se de que seu tema de pesquisa possa ser abordado no contexto de
uma pesquisa de campo”, sustentam Beaud & Weber apud Cardoso (2009, p.
5). Nesse sentido, a escolha do tema aqui trabalhado assume relevância desde
que o estudo da educação bilíngue e intercultural é um direito dos povos
indígenas contemplado por instrumentos jurídicos nacionais e internacionais,
além de ser um tipo de pesquisa essencialmente de campo, pressuposto
indispensável para a investigação do tipo etnográfica aplicada à educação.
Além disso, as aldeias São José e Mariazinha, escolhidas para a pesquisa, são
as mais importantes e populosas, principalmente em relação às suas escolas,
desde que estas mantêm sob sua coordenação as escolas de outras 12 aldeias
Apinayé, funcionando mesmo como escolas-sede.
Não obstante, a escolha se deu também em função de termos um
histórico de estudo nesta sociedade, pois entre agosto de 2008 e julho de 2009,
realizamos uma pesquisa36 que estudou a Educação Infantil das escolas Mãtyk
e Tàngàk das aldeias São José e Bonito, numa concepção antropológica, a qual
foi sistematizada em forma de uma monografia para a conclusão do curso de
pedagogia. Assim sendo, nessa pesquisa atual, não passamos pelo “momento
de perplexidade e de inquietação” apontado por Beaud & Weber, citados por
Cardoso. Contudo, o fato de situarmos nossa pesquisa numa comunidade
indígena, e trabalharmos pautados nos pressupostos da etnografia, com
certeza teve no contexto da pesquisa de campo um aspecto primordial, e
fomos favorecidos por já conhecermos este campo, e sermos íntimos de alguns
professores, líderes e habitantes das aldeias, facilitando as demais etapas da
investigação.

36. Projeto de Pesquisa de Iniciação Científica CNPQ/UFT “Educação, Cultura, Infância e Ludicidade: Um estudo
da Cultura Apinayé”, desenvolvido entre agosto de 2008 e julho de 2009.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 171


Segunda fase: preparar a pesquisa: o trabalho de
documentação prévia
Após a elaboração do projeto37, passamos a sistematizar todo o
processo relativo à documentação prévia. Nesse momento fomos beneficiados
pela inclusão de nosso projeto num projeto maior38, e dessa forma toda
burocracia que envolve a inserção de um pesquisador numa aldeia indígena
já havia sido realizada, principalmente em relação à Fundação Nacional do
Índio (FUNAI), à Fundação Nacional da Saúde (FUNASA), à Secretaria
de Educação do Tocantins (SEDUC), e às lideranças da sociedade Indígena
Apinayé.
Nessa perspectiva, passamos então a nos preparar para irmos a campo
e o primeiro procedimento foi idealizar um “diário de campo”. Segundo
Beaud & Weber Apud Cardoso (2009, p. 65), “o diário de campo é a principal
ferramenta do etnógrafo”, sendo mesmo um elemento de vital necessidade.
É um diário de bordo, onde dia após dia o pesquisador anota os eventos e o
processo de coleta de seus dados O diário do etnógrafo se origina a partir de
suas preferências e escolhas e não existe um ‘modelo’ de diário de campo e
nem um tipo ideal de registro. Entretanto, há aquele modelo escolhido pelo
pesquisador a partir de sua forma de redigir suas experiências e sua forma de
perceber o fenômeno estudado. É, portanto, uma escolha pessoal.
No tocante às técnicas de pesquisa empregadas na pesquisa do tipo
etnográfica, identificamos aqueles que oferecem ao pesquisador possibilidades
de explorar o campo a partir dos sujeitos e das situações que surgem ao
decorrer da investigação. De forma recorrente, em nossa pesquisa são
utilizadas observação participante e entrevistas semidirigidas.

37. Projeto de Pesquisa do Mestrado: “Interculturalidade e Educação Escolar Apinayé: uma experiência bilíngue nas
escolas das aldeias São José e Mariazinha”, a partir do qual foi escrita a nossa Dissertação.
38. “Projeto de Educação Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue e Intercultural do Programa do Observatório de
Educação Indígena/CAPES”, sob coordenação de nosso orientador Prof. Dr. Francisco Edviges Albuquerque.

172 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Terceira fase: observação participante:
múltiplos olhares
A observação participante é uma fase da pesquisa etnográfica que se
caracteriza por permitir ao pesquisador um contato pessoal – face a face – com
o fenômeno pesquisado, mediante uma descrição detalhada da perspectiva
dos sujeitos, o que pressupõe uma estadia “longa” em campo. Nesse sentido, “é
interessante atentar para situações cotidianas que rompem com o cotidiano,
as quais irão orientar o delineamento metodológico” (VIÉGAS, 2007, p. 112).
Segundo Brandão (1982), a pesquisa participante é um importante
instrumento de trabalho na construção do conhecimento desde que tem
como objetivo compreender uma realidade. Para ele, o pressuposto é simples,
pois todo ser humano é em si mesmo e por si mesmo uma fonte original e
insubstituível de saber. Neste sentido, ela oferece um repertório de experiências
destinadas a superar a oposição sujeito/objeto, pesquisador/pesquisado,
conhecedor/conhecido no interior dos processos de produção coletiva do
saber, visando, geralmente, a ações transformadoras.
Sendo assim, a pesquisa do tipo etnográfica exige que se recorra aos
procedimentos da observação participante e é isso que fizemos em nosso
trabalho. Para sistematizar o evento damos prioridade à ida e permanência
nas aldeias, nos fixando em suas escolas e fazendo contato com seu entorno.
Ademais, por seu teor descritivo, esse tipo de investigação requer um cuidado
maior no que diz respeito à contemplação dos atores envolvidos, dos lugares
que se frequenta, das atividades corriqueiras, isto é, de todos que interagem
no seu interior. Isso porque, se estamos diante de uma realidade bem peculiar,
e se esta mesma realidade se reproduz mediante uma estrutura social onde
prevalecem valores intrínsecos à sua sociedade, precisamos estar atentos aos
seus costumes, ritos e cerimoniais para, a partir daí, estabelecermos o diálogo
necessário para a efetivação da investigação.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 173


Segundo Beaud & Weber apud CARDOSO (2009, p. 7) os eventos
públicos, os ritos e/ou cerimônias, funcionam como uma espécie de “abre-
te-sésamo” para o trabalho do pesquisador no campo – momento em que ele
poderá fazer contatos e observar postos. Para esses autores, observar interações
sociais sobre as quais os sujeitos estão postos é a estratégia de recolha de
dados do etnógrafo por excelência, desde que a observação continua sendo a
principal ferramenta da etnografia, sua melhor estratégia. Por isso, se justifica
a necessidade de se observar constantemente também o entorno, desvelando
o cotidiano dos sujeitos investigados por meio de um olhar atento.
Este olhar atento tem sido uma constante na etnografia que realizamos
com a sociedade Apinayé. Segundo Da Matta (1976, p. 68) “falar em sociedade
Apinayé, implica para esses indígenas tomar a aldeia como ponto de referência
e, posteriormente, fazer oposições entre grupos sociais e categorias, utilizando
um eixo diametral ou eixo concêntrico”, sendo que a ordem social é, pois,
obtida pelas oposições e o dinamismo do sistema é dado pela passagem de
uma a outra dimensão antitética. Falar sobre o grupo social Apinayé é de
certa forma, estabelecer tais divisões e revelar o significado das passagens de
um domínio a outro domínio do sistema.
Com efeito, a etnografia aplicada ao contexto escolar Apinayé, enquanto
base metodológica de nossa pesquisa foi sistematizada através de um diário
de campo com os relatos ampliados. Visando à eficácia das observações,
estamos, dentro do possível, anotando tudo que observamos. No entanto nem
tudo é possível anotar no momento em que está acontecendo. Segundo Viégas
(2007), há determinadas situações em que é melhor abrir mão das anotações
de campo e se dedicar integralmente à convivência com os participantes da
pesquisa, mesmo que sejam momentos fundamentais à pesquisa. E foi assim
que agimos.

174 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Não obstante, tão logo seja encerrado cada período de observação, “o
diário de campo, bem como os momentos vivenciados nos quais se abre mão
das anotações, devem ser transformados em relatos ampliados (recomenda-
se que a distância temporal entre a observação e o relato ampliado não
supere 48 horas)” (VIÉGAS, 2007, p. 113). Tais relatos, que tomam ao
menos o triplo do tempo da observação para serem feitos, englobam tanto
aspectos descritivos quanto reflexivos e comentários pessoais, ou seja, o
maior número de detalhes possível sobre as atividades e situações observadas,
incluindo as sensações atribuídas ao vivido. Em nosso trabalho, nem todos os
acontecimentos são registrados no ato. Isso porque, em muitas situações, para
evitar constrangimentos, optamos por fazer as anotações quando estamos de
volta ao alojamento.

Entrevista: diálogo entre iguais


A entrevista é uma técnica utilizada como complemento na pesquisa
etnográfica e está sendo um instrumento importante em nossa investigação.
Para André (2000), em trabalhos etnográficos em instituições educativas
geralmente são realizadas longas e sucessivas entrevistas com as pessoas que
trabalham nestes locais a fim de perceber suas concepções, de sorte que este
procedimento é bastante conhecido por parte dos pesquisadores. No caso da
pesquisa etnográfica que ora realizamos a entrevista não se caracteriza por
um esquema fixo, mas flexível, passível de transformações, onde nos tornamos
um interlocutor, nutrindo-nos de uma relação dialógica (FREIRE, 1997) -
entre iguais - desde que discorreremos sobre o tema a partir das próprias
informações e interesses de nossos entrevistados.
Sobre a entrevista no fazer etnográfico, Cardoso (2009, p. 8) entende
que “este é o momento em que os participantes da pesquisa refletem acerca
daquilo que foi ‘observado’ pelo pesquisador, deixando que ele se aproxime

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 175


de suas significações”. Todavia, a transcrição da entrevista simboliza a escuta
em detalhe e “é mister considerar, na transcrição, não apenas as falas, mas
também as hesitações, risos, silêncios, lapsos, interrupções, etc., muitas vezes
reveladores de conteúdos” (VIÉGAS, 2007, p. 114). Daí a importância do
engajamento do pesquisador, sua entrega, sua incondicional interação e
integração com ambiente pesquisado.
O tipo de entrevista que impetramos em nossa etnografia com
os Apinayé é a do tipo “semidirigida”. Para Viégas (2007), a entrevista,
principalmente a semidirigida, desempenha papel primordial na construção
da pesquisa etnográfica. Segundo Oliveira (2000), a entrevista semidirigida,
principalmente a que é gravada, é vista como um momento em que se
reflete acerca daquilo que foi observado pelo pesquisador, deixando que ele
se aproxime das significações dos entrevistados. Partindo do pressuposto
de que geralmente há assimetrias entre pesquisador e grupo pesquisado,
Oliveira (2000, p. 23) sugere “uma modalidade de relacionamento na qual
o pesquisado não seja um informante da pesquisa, e sim um interlocutor
com o pesquisador”, o que viria no sentido de tornar possível o verdadeiro
encontro etnográfico numa relação de diálogo efetivo entre iguais. E é assim
que procedemos na nossa pesquisa com os Apinayé.
Com efeito, na nossa interação com o corpo docente das escolas Apinayé
Mãtyk e Tekator, buscamos a primazia da qualidade do depoimento colhido,
dando voz e vez a todos os envolvidos, deixando-os falar sem interferir ou,
segundo Oliveira (2000), sabendo ouvir, isto é, estando aberto à compreensão
do sentido do que foi observado juto aos participantes da pesquisa, bem como,
quando for preciso, também ser ouvido. Com isso, tanto André (2004) quanto
Oliveira (2000) acreditam que existe uma relação de interação, na qual, a
influência entre quem pergunta e quem responde é recíproca. “Na entrevista
semidirigida não há imposição de perguntas; ao contrário, nela o depoente

176 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


é convidado a discorrer sobre o tema a partir de suas próprias informações
e interesses” (VIÉGAS, 2007, p. 113). Todavia, embora haja um esquema
básico, este não é aplicado com rigidez. Antes, permite transformações.

Fase final: redigir, interpretar


e analisar os dados
A redação se efetivou mediante a transcrição dos dados levantados,
em consonância com a interpretação e a análise que se deu na sequência.
Porém, redigir e interpretar dados de uma pesquisa etnográfica como esta que
realizamos é, segundo Beaud & Weber Apud Cardoso (2009, p. 7) “o momento
de retornar do campo e fazer um caminho do universo da pesquisa pra o seu
universo”. Para Cardoso, esta fase é identificada como propulsora de angústia,
pois o pesquisador diante de seus inúmeros materiais coletados pergunta-se
o que deve fazer. E, consciente que os dados que possui lhe são familiares
porque foram por ele colhidos, inicia a fase seguinte, onde a interpretação dos
dados possibilitará à redação de um texto capaz de publicizar a investigação.
Segundo Laburthe-Toira & Warnier (1997, p. 437), a apresentação dos
resultados de uma pesquisa visa, em geral, à produção de novos conhecimentos,
os quais devem ser apresentados na forma de relatórios de pesquisa, de tese,
de publicação, de filmes, de exposições, de romance etnográfico, de diário,
ou seja, sob a forma de um documento que também pode ser considerado
como um texto. Para os autores, este documento é um “artefato”, resultado
de um trabalho de produção, de escrita no sentido amplo. Em nosso caso,
além de artigos para publicações e relatórios qualificados, elaboramos uma
Dissertação para obtenção do título de mestre.
Nesta fase o pesquisador redige suas observações e origina um material
não mais de investigação, mas de constatação, assinala Cardoso. Segundo
a autora, neste ínterim, o pesquisador está de posse de um quebra-cabeça,

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 177


cujas peças (narrações de observações, análises de entrevistas) são mais ou
menos volumosas. Resta ao pesquisador associá-las elaborando um relatório
de pesquisa, não deixando o campo desaparecer sob os conceitos, mas, pelo
contrário, os conceitos devem iluminar o campo e fazer justiça aos casos
singulares.
Nessa perspectiva, acreditamos que uma das peculiares contribuições
da pesquisa etnográfica está no campo de pesquisa que dispõe e oferece o
tema; o pesquisador insere-se neste lócus e empenha-se em tornar-se nativo
daquele contexto. “Assim, as verdades para aqueles sujeitos poderão ser
apreendidas e relatadas, podendo-se constituir não uma lei universal, mas
uma generalização parcial onde o que importa não são as ações individuais,
mas a forma de relação interpessoal construída” (CARDOSO, 2009, p. 9).
Mas, afinal, como fazer para analisar e interpretar os dados colhidos
e recolhidos na árdua tarefa do etnógrafo em seu trabalho? Segundo Viégas
(2007), devemos estar atentos a alguns aspectos. Primeiro: a análise do material
construído a partir da pesquisa etnográfica é qualitativa e não se inicia apenas
ao final do trabalho de campo. Segundo: esta análise acontece ao longo de
toda a pesquisa, desde quando são realizadas a delimitação progressiva do
foco, a formulação de questões analíticas, o uso de comentários e até mesmo
as leituras e o aprofundamento da pesquisa bibliográfica.
No tocante ao nosso trabalho com os Apinayé, desde o início da pesquisa
este se revestiu de um cunho analítico, uma vez que cada ação desenvolvida
exigiu momentos de profunda reflexão. Porém, depois de concluída a fase de
campo, esse processo transcorreu com mais intensidade, pois alguns dados
levantados inicialmente foram analisados e descritos, o que proporcionou
novas reflexões. Acreditamos ser este um momento em que se retomam os
questionamentos que movimentaram a pesquisa, ao mesmo tempo em que
o pesquisador se abre para novas perguntas, sendo acrescentadas novas

178 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


informações e preenchendo lacunas que possivelmente são identificadas.
Para Viégas (2007), diferentemente da análise que apenas classifica
e/ou quantifica com base em categorias prévias, na análise etnográfica as
categorias decorrem do próprio processo de investigação. O foco não está
na confirmação e/ou refutação de hipóteses. Antes, estas são discutidas com
base na inter-relação das muitas peculiaridades do campo. “Não se trata de
montar um ‘quebra-cabeças’ cuja forma final conhecemos antemão. Está-se
a construir um quadro que vai ganhando forma à medida que se recolhem e
examinam as partes”, sustentam Bogdan & Biklen (1994, p. 50). Para André
(1995, p. 45), “as categorias de análise não podem ser impostas de fora para
dentro, mas devem ser construídas ao longo do estudo, com base em um
diálogo muito intenso com a teoria e em um transitar constante dessa para os
dados e vice-versa”.
Michelat (1980, p. 80) entende que neste momento o pesquisador precisa
ler e reler todo material, de sorte que se sinta “impregnado” por seu conteúdo.
Para esse autor, as leituras gradativas possibilitam a divisão do material em
seus elementos componentes sem, contudo, perder de vista a relação desses
elementos com todos os demais componentes do material coletado. Estes
mesmos procedimentos são recomendados por Viégas (2007).
De acordo com Viégas (2007), as categorias de análise na pesquisa
etnográfica são construídas a partir da própria pesquisa, e sendo assim devem
basear-se em aspectos recorrentes, mas que também podem se apresentar
contraditórios, ausentes, complementares etc. “Além do sentido manifesto,
também é considerado o sentido latente, que se refere não apenas ao contexto
psicológico, mas também sociológico, político ou cultural” (VIÉGAS, 2007, p.
119). Para Michelat (1980, p. 48) [...] “é preciso que a análise não se restrinja ao
que está explícito no material, mas procure ir a fundo, desvelando mensagens

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 179


implícitas, dimensões contraditórias e temas sistematicamente ‘silenciados’”.
Todavia, Viégas (2007, p. 119) acredita que determinados aspectos
que frequentemente se apresentam sob forma de detalhe, “se organizados
e interpretados, apresentam grande significação”. De acordo com Michelat
(1980, p. 203), “isso não quer dizer que esses detalhes podem ser considerados
isoladamente, como tendo uma significação fora de qualquer contexto, como
uma ‘chave dos sonhos’”. Antes, todos os elementos que compõem a acervo
de dados levantados durante a investigação, ao serem copilados, discutidos
e analisados, podem ser considerados “a anatomia” do trabalho, desde que
tudo tem uma função e tudo se inter-relaciona numa ordem sistêmica.

Microanálise etnográfica
Um dos momentos de maior preocupação no transcorrer da pesquisa
foi quando foi necessário determinar qual procedimento metodológico seria
utilizado para a análise e interpretação dos dados. Nesse sentido, encontramos
na “microanálise etnográfica” uma possibilidade. Sendo assim, buscamos em
Mattos (2001) as bases teóricas necessárias. Para essa autora, a microanálise
etnográfica é um instrumento da etnografia frequentemente utilizado nos
estudos sobre educação e linguagem, e é recorrente seu uso em estudos
sobre sociolinguística, análise de contexto, análise de discurso, análise da
conversação, etc., aplicados ao contexto educacional. “É considerada como
micro porque enfatiza particularmente um evento ou parte dele, ao mesmo
tempo em que se dá ênfase ao estudo das relações sociais em grupo como um
todo, holisticamente” (MATTOS, 2001, p. 5).
Em microanálise, ao mesmo tempo em que a ênfase incide sobre o
significado das formas de envolvimento das pessoas como agentes/atores,
exige-se do pesquisador um detalhamento criterioso na descrição do
comportamento através da transcrição linguística verbal e não verbal de

180 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


comportamento, por exemplo, olhares, pausas, tom de voz, etc., isto é, detalhes
da interação e o que isto significa. Sendo assim, enfatiza-se o significado da
interação como um todo; a relação entre a cena imediata da interação social
de um grupo e o significado do fato social ocorrido em grandes contextos
culturais, por exemplo: cultura da sala de aula, da escola, das escolas em geral
(MATTOS, 2001).
Nesse sentido, e ainda pensando junto com Mattos, depreendemos
que o pesquisador, utilizando-se de uma teoria crítica de análise aliada à
abordagem etnográfica, procura identificar o significado nas relações sociais
de classe, etnia, linguagem, bem como a cena imediata onde estas relações se
manifestam. “A microanálise etnográfica leva em consideração não somente
a comunicação ou interação imediata da cena, como também a relação entre
esta interação e o contexto social maior, a sociedade onde este contexto se
insere” (MATTOS, 2001, p. 5).
Para a autora, na microanálise etnográfica se procede assim quando
se estuda o professor na sala de aula. Observa-se, por um longo período de
tempo, uma escola, uma sala de aula, um professor, para depois particularizar
um processo interacional ou um fato que se considere microanaliticamente
relevante. Isto é, destaca-se um fato que numa micro-dimensão representa
o todo do processo estudado. Sendo assim, após um intensivo trabalho de
observação, como este que desenvolvemos nas escolas Mãtyk e Tekator, o desafio
do pesquisador é tentar organizar todos os dados como num quebra-cabeça.
Partindo do contexto maior, olhando a comunidade como um todo, até poder
destacar uma particularidade generalizável deste contexto que possa ser
estudada microanaliticamente. Este foi um dos nossos maiores desafios.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 181


Considerações finais
Neste artigo delineamos os passos metodológicos que nortearam
nossa pesquisa em direção a compreender a ação e as práticas pedagógicas
de professores das escolas Mãtyk e Tekator das aldeias Apinayé São José e
Mariazinha, que atuam nos anos inicias do Ensino Fundamental. Discorremos
sobre a pesquisa etnográfica, suas fases, procedimentos e técnicas, elegendo
a observação participante como um dos procedimentos vitais da etnografia
no contexto escolar Apinayé. Nessa mesma direção, agrupamos a entrevista
semidirigida enquanto técnica que promove a interação e a microanálise
etnográfica como aporte facilitador no momento da análise e interpretação
dos dados.
Por se tratar de um trabalho que envolve a ação participante de seus
atores, bem como uma pesquisa qualitativa e etnográfica com todas as suas
conotações subjetivas, o que neste texto foi delineado não é nada pronto
nem acabado. Antes, outras informações foram sendo incorporadas e/ou
subtraídas. Mas tais mudanças não interferiram no modelo da pesquisa. Sua
essência permaneceu. Afinal, esta é uma dinâmica de trabalhos etnográficos
como este que desenvolvemos no contexto indígena Apinayé.

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a partir do qual será escrita a nossa Dissertação.

PROJETO DE PESQUISA “Projeto de Educação Escolar Apinayé na Perspectiva


Bilíngue e Intercultural do Programa do Observatório de Educação Indígena/CAPES”, sob
coordenação de nosso orientador Prof. Dr. Francisco Edviges Albuquerque.

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Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 185


Glossário Bilíngue Krahô/
Português: Uma Contribuição para o
Fortalecimento da Língua Krahô
__________________________________________
Jane Guimarães Sousa39
Francisco Edviges Albuquerque40

Resumo
O povo Krahô vive em uma reserva indígena que ocupa uma área
de aproximadamente 3.200 km². Esta reserva situa-se entre os municípios
de Itacajá e Goiatins. Os Krahô são remanescentes dos Timbira e falantes
da língua Krahô, integrante da Família Linguística Jê vinculada ao Tronco
Linguístico Macro-jê. A proposta do nosso trabalho é produzir um pequeno
vocabulário bilíngue Krahô–Português, com algumas unidades lexicais da
língua Krahô. Estas unidades estão presentes em um mito de origem Krahô,
o “Mito de Tyrkrẽ”, que é também o corpus do nosso trabalho. Esse vocabulário
foi elaborado com o intuito de auxiliar os professores indígenas Krahô em suas
aulas de língua portuguesa, bem como os alunos indígenas Krahô aprendizes
dessa, que é uma segunda língua ensinada na escola. O intuito é contribuir
para um ensino diferenciado, bilíngue e intercultural dessa sociedade
indígena. O glossário apresentado neste trabalho compreende 19 entradas
39. Graduada em Letras pela Universidade Federal do Tocantins, campus de Porto Nacional. Mestranda no Ensino de
Língua e Literatura do PPGL – Programa de Pós Graduação em Letras da UFT – Universidade Federal do Tocantins.
Bolsista do Projeto do Observatório da Educação Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue e Intercultural UFT/
CAPES. e-mail: jainegs@yahoo.com.br.
40. Professor Adjunto da UFT – Universidade Federal do Tocantins e coordenador do Projeto do Observatório da
Educação Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue e Intercultural. email: fedviges@uol.com.br.

186 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


na língua Krahô. Essas entradas estão organizadas em ordem alfabética para
facilitar aos alunos e professores indígenas a procura das lexias presentes
no vocabulário, bem como transcrição fonética, tradução das entradas e
abonações. Consta, também, neste trabalho, um breve histórico sobre o povo
Krahô, a lexicografia bilíngue e considerações acerca de dicionários bilíngues
de línguas indígenas.
Palavras chave: Povo Krahô; Vocabulário Bilíngue; Krahô-
Português; Mito de Tirkrẽ; Línguas Indígenas.

Introdução
Este artigo apresenta um estudo das lexias41 da língua Krahô, da
Família Linguística Jê pertencente ao Tronco Linguístico Macro jê, a
partir de um vocabulário bilíngue Krahô–Português. O intuito é auxiliar
os professores indígenas no ensino da língua portuguesa e alunos indígenas
Krahô, aprendizes de uma segunda língua, nesse caso, o português. Para a
elaboração desse glossário bilíngue Krahô-Português foram extraídas as lexias
presentes no mito de Tirkrẽ, destacando os termos da fauna e de parentesco
(pai, mãe, sogra, nora e irmão, pássaros e peixes).
Inicialmente abordamos brevemente a história do povo Krahô
e descrevemos de forma sucinta o mito de Tyrkrẽ que constitui o corpus do
nosso trabalho. Realizamos também algumas considerações a respeito da
lexicografia e do fazer lexicográfico (produção de glossários), bem como,
relatamos um pouco da trajetória dos dicionários de línguas indígenas do
Brasil.
Este artigo possui quatro tópicos, além da introdução. O primeiro
momento apresenta aspectos relacionados à história do povo Krahô e ao
mito que constitui o corpus do nosso trabalho (Mito de Tyrkrẽ). No segundo
41 De acordo com Pottier (1974), o termo lexia refere-se a diferentes tipos de palavras e conjuntos de palavras.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 187


momento, fazemos uma pequena introdução acerca da lexicografia geral e
da lexicografia bilíngue. Como referencial teórico, destacamos alguns autores
que falam a respeito dos dicionários bilíngues com ênfase para Ferreira (2005),
Biderman (2001), Welker (2004) e Zgusta (1971).
Em seguida descrevemos brevemente a história dos dicionários de
línguas indígenas produzidos no Brasil, a trajetória dos missionários em terras
ameríndias, suas pretensões de querer aprender a língua minoritária e suas
publicações (gramáticas, dicionários e glossários). Na terceira parte, expomos
a metodologia do nosso vocabulário bilíngue Krahô-Português, público
alvo, proposta do vocabulário, ordem das entradas, tipografia do verbete
e estrutura do verbete. E no último momento, realizamos as considerações
finais a respeito dos assuntos abordados nos tópicos anteriores.

O Mito Krahô
Para a elaboração deste glossário bilíngue extraímos algumas unidades
lexicais presentes em um mito de origem Krahô (Mito de Tyrkrẽ42). Os mitos
Krahô geralmente são narrados pelos membros mais velhos das aldeias. Esses
mitos são retomados em seus respectivos rituais. Melatti (1978) discorre que o
mito é posterior ao rito e todo ritual remete a um mito. Assim, para podermos
entender o Rito de pẽp Cahàk é necessário conhecermos o Mito de Tyrkrẽ.
A escolha pelas unidades lexicais referentes à família e animais dá-
se pelo fato desses termos estarem mais presentes na construção do mito de
Tyrkrẽ, pois a narrativa se constrói a partir do momento em que Tyrkrẽ vai
ralar mandioca e uma formiga entra no ouvido dele. Os urubus avistam
Tyrkrẽ com dor e buscam ajuda, por meio de outros pássaros com bicos
finos e longos. Tyrkrẽ é levado para o céu pelos urubus e lá recebe poderes de
um pássaro Gavião. Ao receber poderes, Tyrkrẽ vê sua esposa tendo relações

42 Este mito foi descrito por Melatti (1978) em Ritos de uma Tribo Timbira.

188 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


com seu próprio irmão, desde então Tyrkrẽ rejeita ambos. Nesta narrativa
são arroladas várias unidades lexicais referentes à família, partes do corpo,
animais e outros.

Algumas observações
acerca da lexicografia
Para desenvolver nosso estudo, destacamos, neste tópico, alguns
princípios básicos acerca da lexicografia e do fazer lexicográfico.
Dapena (2000) define a lexicografia como um saber científico, uma arte
ou uma técnica de elaborar dicionários. Para esse autor, tanto a lexicologia
quanto a lexicografia são voltadas para o estudo do léxico. Barbosa (1990, p.
154), conceitua a lexicografia como ciência aplicada que tem por objetivo a
produção de dicionários, e define a prática lexicográfica, ou seja, a lexicografia,
como pesquisa fundamental, cujo objeto de estudo é as teorias e os modelos de
confecções de dicionários.
Nunes (1996, p. 42) postula que a “emergência da lexicografia no Brasil
é associada geralmente aos momentos em que os dicionários do português
passam a incorporar termos brasileiros”. Mas quais seriam esses termos?
Nunes (1996, p. 42) informa que esses termos estavam relacionados aos
termos indígenas, africanos e portugueses, modificados no Brasil. Com isso, a
lexicografia brasileira teria se iniciado com os dicionários de Moraes e Silva.
Mas e os instrumentos bilíngues produzidos no século XVI, Nunes (1996, p. 42)
postula que esses instrumentos bilíngues serviram apenas “para testar a origem
dos termos indígenas no português, favorecendo, apenas, o desenvolvimento
de estudos etimológicos”. Partindo destas premissas, nota-se que o a prática
lexicográfica bilíngue brasileira surgiu no período das colonizações e que seus
registros foram descartados por não serem considerados “língua empírica”.
Diferentemente dos dicionários gerais que englobam tanto o significado,

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 189


os adjetivos, sinônimos dentre outros aspectos gramaticais, os dicionários
bilíngues têm por objetivo servir de instrumento na tradução de uma língua
a outra, promovendo um melhor conhecimento de uma segunda língua
(CALDAS, 2009, p. 156).
Zgusta (1971) afirma que um dicionário bilíngue tem que ter como
proposta básica coordenar unidades lexicais de uma língua com unidades
lexicais de outra língua, chamada língua-alvo, as quais sejam equivalentes em
seus significados lexicais.
Para Landau (1989) apud Ferreira (2005, p. 50):

[...] a diferença entre um dicionário bilíngue e um dicionário


monolíngue não está relacionado apenas à quantidade
de línguas existentes em cada um, mas nas propostas [...]
o dicionário bilíngue consiste em uma série de palavras
ou expressões de uma língua (a língua fonte) para a qual,
idealmente, equivalências exatas são dadas em outras línguas
(a língua alvo).

Assim, o dicionário bilíngue tem como objetivo auxiliar o público que


entende uma língua, mas não a outra.

Breve histórico sobre a lexicografia bilíngue


das línguas indígenas
De acordo com Nunes (2006, p. 87) a partir da chegada dos Jesuítas,
em 1549, “os índios passaram a ser considerados como uma alteridade a
transformar”. E assim, foi por meio do léxico que os padres Jesuítas conceberam
a catequese e tentaram transformar as sociedades indígenas. Os padres tinham
a missão de falar bem a língua para poder aplicá-la em sala de aula. “A partir
de então os indígenas passaram a ser vistos como passíveis de civilização e lhes
foram atribuídas alma, escrita e política” (NUNES, 2006, p. 89).

190 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Segundo Nunes (2006, p. 90-92), a língua indígena ganhou status na
colônia como língua de catequese, pois, tornou-se objeto de conhecimento, de
descrição e de interpretação. Dessa forma, organizaram lições de doutrina cristã
em línguas indígenas e prepararam instrumentos linguísticos como gramáticas,
dicionários e vocabulários, para publicações distribuídas em grande tríade.
Na história da lexicografia brasileira, Anchieta é privilegiado e ocupa
um lugar de destaque. Esse missionário além de realizar descrições sobre a
fauna e a flora do nosso Brasil, foi autor de uma gramática Tupi e um dos
prováveis autores do Vocabulário na língua brasílica. O primeiro dicionário
relacionado a línguas indígenas foi escrito na língua espanhola no ano de
1555, mas os primeiros dicionários de línguas indígenas produzidos no Brasil
foram os dicionários bilíngues da língua brasílica43 e o Catecismo na língua
brasílica44. Existem diversas obras produzidas pelos missionários, mas boa
parte dos textos se perdeu, ora pela campanha contra os Jesuítas, de que
resultou sua expulsão, ora pela deterioração de seus manuscritos.
De acordo com Nunes (1996, p. 24), com a expulsão dos Jesuítas nos
meados do século XVIII, não somente no Brasil, mas em diferentes partes
do mundo, os materiais deixados por esses Missionários se acumularam nos
arquivos religiosos europeus. Desde então, iniciaram as publicações e as
análises destes materiais. Nunes (1996) relata que alguns estudiosos brasileiros
fizeram compilações dos dicionários feitos pelos jesuítas quando estavam no
Brasil, e assim faziam suas alterações, descrições e citações.

Questões metodológicas
As lexias que constituem o corpus do nosso trabalho foram extraídas
do livro de Melatti (1978) e estão relacionadas aos termos de: fauna (animais)
e parentesco (família). Neste tópico apresentaremos a metodologia utilizada
43. Este vocabulário foi publicado integralmente em 1938, com a edição de Plínio Ayrosa (Nunes, 2006, p. 94)
44. Obra impressa em 1618, com direção e correções do PE. Antônio de Araújo (1566-1632), na revisão desta obra
interviram outros padres Pero Correia,Leonardo do Vale e José de Anchieta (Magalhães, 1998, p. 146).

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 191


para a produção do nosso vocabulário bilíngue Krahô–Português, bem como
a macro e microestrutura.
As traduções das lexias presentes no mito de Tyrkrẽ foram coletadas
junto a dois professores Krahô (um homem e uma mulher). A coleta de dados
se deu em dois momentos: o primeiro no Curso de Magistério Indígena, e o
segundo momento na Aldeia Pedra Branca.
Objetivamos com vistas ao vocabulário bilíngue Krahô-Português,
a tradução das unidades lexicais dessa língua, pois consideramos o léxico
da língua Krahô uma parte importante que merece ser trabalhada, uma
vez que não existem materiais lexicográficos direcionados para a língua
desse povo.

Público alvo
Zgusta, apud Caldas (2005, p. 155) relata que o tamanho da proposta de
um dicionário está relacionado a uma gama de informações básicas sobre o
léxico a ser apresentado. Assim, o levantamento de dados surge para conferir
a que público será direcionado e por mais que seja uma obra científica, em
que aspectos ela poderá atender os usuários. Com base nesses pressupostos,
seguiremos as indicações de Zgusta (1971), apresentando o público alvo do
nosso trabalho.
Este vocabulário foi elaborado para auxiliar os professores indígenas
Krahô em suas aulas de língua portuguesa, bem como os alunos indígenas
Krahô aprendizes dessa, que é uma segunda língua. As entradas foram
elaboradas na língua Krahô para facilitar a procura das respectivas lexias.

Proposta de vocabulário
Para construção deste vocabulário seguiremos o modelo de
“organização” proposto por Caldas (2009) e o adaptaremos ao nosso

192 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


vocabulário. As unidades lexicais que constam neste vocabulário evidenciam
aspectos que denotam características da cultura Krahô, da história, da
mitologia, enfim, da cosmologia deste povo. Essas unidades lexicais estão
relacionadas à família e aos animais do mito de Tyrkrẽ.
Organização da macro e da microestrutura
As palavras do glossário bilíngue Krahô–Português seguem uma ordem
alfabética, acompanhada de transcrição fonética, tradução e abonações.

Macroestrutura
De acordo com Rey- Debove (1971), macroestrutura é definida como o
conjunto das entradas. No que se refere às entradas, usamos a grafia utilizada
pelos professores das aldeias Manuel Alves e Pedra Branca. Elas são seguidas
da transcrição fonética.
Microestrutura
Para Rey-Debove (1971), microestrutura corresponde ao conjunto das
informações ordenadas de cada verbete após a entrada. A microestrutura deste
vocabulário está dividida em palavra entrada (em língua Krahô), transcrição
fonética de cada entrada para descrever a pronúncia dos itens lexicais, tradução
(em língua portuguesa) e abonações (extraídas do Mito de Tirkrẽ).

A ordem das entradas


A ordem das entradas segue a seguinte disposição alfabética da língua
Krahô: a, à, ã, c, e, ẽ, ê, g, h, i, ĩ, j, k, m, n, o, õ, ô, p, q, r, t, u, ũ, x, w, y, ẏ, ỹ.

Tipografia do verbete
a) Negrito: entrada e forma fonética
b) Itálico: tradução
c) Sublinhado: abonações
d) Aspas: informação gramatical sobre o morfema mediador de posse.

Estrutura do verbete
A estrutura do verbete deste vocabulário seguirá a seguinte ordem:
ENTRADA + FORMA FONÉTICA + TRADUÇÃO +
ABONAÇÃO e (Caso haja alguma informação gramatical esta virá precedida
de aspas “ “ ) + “ “.
Vocabulário Bilíngue Krahô – Português
FAUNA ( ANIMAIS)
Axũn /a'ʧũn / Formiga ex: E Tyrkrẽ continuava com a orelha
inchada, doente, porque a formiga estava
dentro dela.
Capuhti /kapu'ʔti/ Jaó ex: O gavião pequeno chegou com um jaó
e o depenou.
Cuhkryti /kuʔkʰɾɨti/ Urubu da ex: (...) então os urubus de cabeça pelada,
cabeça disseram(...)
pelada
Hàcti: /'ɦʌkti/ Gavião. ex: Aí, o Gavião fez assim como o curador,
“fez jeito”, porque os bichos é que fazem os
curadores curarem.
Junre /'ɲunɾɛ/ Beija-flor. ex: O urubu então chamou o beija-flor(...)
Jõjẽnre /'ɲõɲẽnɾɛ/ Urubu rei. ex: Então o urubu rei falou para Tirkrẽ(...)

Kôpre / 'kopɾɛ/ Mosquito ex: depois o mosquito limpou os ouvidos de


Tyrkrẽ.
Krãnre /'Kɾãnɾɛ / Cará. ex: então veio o cará dentro d’água mesmo.
Krẏjre /'kɾɤjɾɛ / Papagaio. ex:Tirkrẽ estava com fome e pensou: “eu vou
virar outra coisa para poder comer” papagaio.

Mããti /mãӛti/ Ema. ex: O gavião pegou uma ema nova, pelou-
a, tirou carne e deu-a crua, outra vez, para
Tirkrẽ.
Pêphà /'Pepɦʌ / Formigão. ex: então o formigão saiu.
Tep /tɛp/ Peixe ex: Então, Tép´kriti foi buscar peixe (...)
Tutti /tutti / Pombo ex: (...) em seguida se transformou em
pombo.
Xônti /tʃonti/ Urubu ex: Os urubus aproveitaram o pus, comendo-o.

194 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


PARENTESCO (FAMÍLIA)
Hõxẽ /hõʧe/ mãe dele ou ex: Tyrkrẽ foi para a aldeia e já sabia onde era
mãe de a casa da mãe dele. “Hõxẽ= mãe dele ou de
alguém alguém/ axẽ= tua mãe” “prefixo de que
representa posse”

Hoxwẏjê /'ɦɔʧwɤje/ sogra dele ex: ela veio junto com sua mãe e a sogra dele
ou sogra de falou (...) (...) “H= sogra dele ou de alguém”
alguém prefixo de que representa posse.

Ihprõ /iʔprõ/ mulher dele ex: A mulher de Tyrkrẽ andava “vadiando”


ou mulher (...) “aprõ= tua esposa/ iprõ= minha esposa”
de alguém “prefixo de que representa posse”

Ihtõ /iʔtõ/ Irmão dele ex: Sua mulher “vadiava” com o irmão dele.
ou irmão de “Ihtõ = irmão dele ou de alguém” “prefixo de
alguém que representa posse”.
 

Classe de nomes dependentes: prefixo


mediador de posse
Ao compulsar de várias dissertações relacionadas à língua Krahô e à nossa
visita à aldeia Pedra Branca, pudemos perceber os seguintes prefixos de posse
sendo: i- meu, a- teu, ih- dele ou de alguém. Diante do que foi exposto, percebe-se
que na língua Krahô, sempre que alguém se referir à lexia relacionada a parentesco
“pai”, como foi exposto no nosso vocabulário, este necessitará obrigatoriamente
de fazer uso de um possuidor, seja ele, meu, teu, dele, etc.
De acordo com Miranda (2010, p. 28), no que diz respeito à parte
semântica e morfológica da língua Krahô, há duas classes existentes nesta
língua Jê, que são as classes de nomes independentes e dependentes. No
entanto, iremos nos pautar apenas na classe de nomes dependentes, ou seja,

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 195


que estão referidos a termos de parentesco, partes do corpo, etc. Estes termos
necessitam obrigatoriamente de posse. Para o referido autor, os possuidores
dessas classes de nomes, são codificados por meio de prefixos pessoais
específicos para esta função.
É importante destacar que o uso desses prefixos é constante nos atos de
fala do povo Krahô, e que eles são mencionados naturalmente ao se dirigir
a qualquer indivíduo que tenha essa relação de parentesco. Partindo do
que foi exposto, acreditamos que esse fato possa está ligado ao processo de
socialização entre os falantes dessa língua indígena.

Considerações finais
Observando oglossário bilíngue Krahô-Português apresentado,
percebe-se que este fazer lexicográfico possibilitou o levantamento de vários
aspectos relacionados ao léxico do Krahô e do Português, além de contribuir
para o ensino e o fortalecimento dessas línguas.
Andrade (2010, p. 106) assinala que o léxico, como repositório de
unidades lexicais e reflexo da cosmovisão de uma dada realidade, é o que
mais nitidamente, na leitura de Sapir, reflete o ambiente físico e social dos
falantes. Partindo dessas considerações, fica evidente que, ao se estudar o
léxico de uma língua, pode-se também apreender a realidade do grupo que
a utiliza: cultura, história, modo de vida e visão de mundo. As palavras que
constituem o sistema lexical de uma língua são como um espelho: refletem
os aspectos do mundo real de uma realidade. Utilizando-se do léxico, o ser
humano sempre atribui nome a tudo que o cerca: às coisas, aos animais,
às pessoas, ao espaço físico em que vive. Nomear é, para o homem, uma
necessidade de organização e de orientação.
Mais particularmente, o léxico de uma língua indígena é uma forma
de registrar e apresentar o conhecimento do homem no universo em que

196 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


vive. Neste artigo, a proposta foi apresentar de forma sucinta a história, a
língua e um pouco do universo mitológico Krahô. Durante a elaboração
deste vocabulário percebemos que não há trabalhos lexicográficos na língua
Krahô. Observação do curso de formação continuada e visitas à aldeia Krahô
foram de fundamental importância para o desenvolvimento deste glossário,
uma vez que desconhecemos a língua desse povo.
Com a elaboração deste vocabulário bilíngue, pretendemos contribuir
para os estudos lexicográficos da língua Krahô. Assim, esperamos que, a
partir deste trabalho, possamos despertar o interesse de estudiosos das línguas
indígenas a refletirem sobre a confecção de obras bilíngues direcionadas ao
povo Krahô, dessa forma possam contribuir para o fortalecimento da língua
e da cultura Krahô, por meio de produções lexicográficas.

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200 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


A Noção de gênero entre os falantes
bilíngues Krahô: uma análise
introdutória
__________________________________________
Marta Virginia de Araújo Batista Abreu45
Francisco Edviges Albuquerque46

Resumo
O presente artigo, parte integrante de uma pesquisa em andamento,
descreve um estudo sobre a língua Krahô, pertencente à Família Linguística
Jê e ao Tronco Linguístico Macro-Jê, falada por todos os habitantes das aldeias
que compõem a Kraholândia47. O povo Krahô reside às margens dos rios
Manoel Alves Grande e Manoel Alves Pequeno, localizados nos municípios
de Goiatins e Itacajá, noroeste do estado do Tocantins. A análise da Língua
Krahô nos permitiu um conhecimento prévio sobre o nível de bilinguismo
desse povo. O objetivo aqui é apresentar um estudo de caso sobre a fala de
uma professora indígena Krahô que leciona em uma escola localizada na
aldeia Pedra Branca, situada no município de Itacajá, Tocantins. Como
procedimento metodológico, realizamos uma entrevista, ancorada por uma
pesquisa bibliográfica. Para a fundamentação teórica, consultamos autores
que trabalham com a temática indígena, com destaque para Albuquerque &
Almeida (2011), Melatti (1972), Maher (2005) e Souza (2011). Sobre a Língua
Portuguesa trabalharemos com Travaglia (2002), Antunes (2007), Possenti
(2002), dentre outros. Os resultados indicam que, levando em consideração

45. Mestranda do MELL – Mestrado em Língua e Literatura do PPGL – Programa de Pós Graduação em Letras da
UFT - Universidade Federal do Tocantins - Campus de Araguaína.
46. Coordenador do Projeto A Educação Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue e Intercultural/ Programa do
Observatório de Educação Indígena, CAPES/SECAD/INEP do Edital no 001/2009.
47. Área habitada pelos indígenas Krahô que compreende as fronteiras entre os estados do Maranhão e Tocantins.
Fonte: www.wikipedia.org. Acesso em 21/03/2012.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 201


o contato entre povos falantes de distintas línguas, a expressão linguística
da ideia de gênero surge como consequência de relações semânticas, que
geram diversas formas de expressão linguística. Dessa forma, supõe-se que
os falantes da língua Krahô, ao realizarem a concordância do gênero com o
nome, evidenciam a relação existente entre o uso da língua portuguesa e o
sistema de referência da língua materna deste povo indígena.
Palavras chave: Língua Krahô; Povo Krahô; Bilinguismo.

Introdução
Esse trabalho traz parte dos resultados de um estudo sobre a língua
Krahô, que faz parte do Tronco Linguístico Macro-Jê e da Família Linguística
Jê, falada por um povo indígena de mesmo nome que habita no Estado do
Tocantins. Temos, neste artigo, o objetivo de estudar a questão do gênero a
partir da sintaxe do nome na língua Krahô.
O corpus é a fala de uma professora indígena pertencente à etnia Krahô.
Escolhemos o estudo de caso como metodologia porque, neste trabalho, nos
interessa estudar não somente a teoria, mas analisar a questão do gênero
também na prática.
A professora entrevistada mora e leciona em uma escola localizada
na aldeia Pedra Branca, situada no município de Itacajá, TO. A coleta de
dados foi realizada por meio de uma entrevista feita em Paraíso do Tocantins,
TO, durante o curso de Magistério Indígena coordenado pela Secretaria de
Educação do Estado do Tocantins.
Durante a realização da entrevista, algo que chamou muito a atenção
foi o uso variável da concordância nominal, principalmente no que diz
respeito ao gênero. Assim, buscamos investigar, por meio de um estudo de
caso, a noção de gênero no falar do povo Krahô, observando a influência da
língua portuguesa em seus discursos.

202 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


A nossa hipótese, baseada em estudos sociolinguísticos realizados por
autores que estudaram a língua Krahô, é que a partir do nível de bilinguismo
mais avançado, o falante consegue se aproximar mais do padrão estabelecido
pela língua portuguesa.

Os Krahô e sua língua materna


Os Krahô48 são um povo indígena que habita entre os rios Manoel
Alves Grande e Manoel Alves Pequeno, afluentes da margem direita do Rio
Tocantins. A Terra Indígena Kraholândia fica localizada entre os municípios
de Goiatins e Itacajá, no nordeste do Estado do Tocantins. Segundo dados
da FUNASA (2010), a população Krahô é constituída de aproximadamente
2.463 indígenas. A vegetação predominante da região é o cerrado, onde há
estreitas florestas que acompanham os cursos d’água49.
O povo Krahô planta mandioca, milho, banana, etc. Alguns criam
porcos, galinhas e ainda utilizam a caça para completar a alimentação. O
artesanato produzido pelos Krahô são cestas, bolsas, colares, brincos, pulseiras
e outros. Para isso, usam palhas de coqueiro e sementes de espécies variadas
do cerrado50. Contudo, Souza (2011) informa que os indígenas perderam o
manejo de suas atividades primárias de se autossustentarem e dependem,
por isso, de Instituições Federais, Estaduais, Municipais, Religiosas, ou de
organizações não governamentais para sobreviverem. Abaixo, no mapa,
encontra-se a localização da Terra Indígena Krahô – Kraholândia.

48. Krahô significa povo da ema.


49. Dados do portal do Sócioambiental disponível no site http://pib.socioambiental.org/pt/povo/kraho/440.
50. Dados disponíveis no portal over mundo disponível no site http://www.overmundo.com.br/overblog/aprendendo-
com-os-indios-krahos.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 203


Fig. I. Fonte: Centro de Trabalho Indigenista 51

Os Krahô falam uma língua de mesmo nome. Quanto à filiação


linguística, integra o complexo Timbira, pertencente à Família Linguística Jê
e ao Tronco linguístico Macro-Jê. O complexo linguístico Timbira é formado
também pelas línguas Canela Apãnjekra, Canela Ramkokamekrá, Apinayé, Gavião
Pykobyê, Gavião Parkatejê, Krinkati e Krejê (RODRIGUES, 1986). De acordo com
Melatti (1993), esses grupos se subdividem em Timbiras Orientais (situados
a leste do Rio Tocantins) e Timbiras Ocidentais (situados a oeste do Rio
Tocantins).
É imprescindível destacarmos que atualmente mais de 180 línguas e
dialetos são falados pelos povos indígenas no Brasil. Elas integram o acervo
de quase sete mil línguas faladas no mundo contemporâneo (ISA, 2009)52.
Acreditamos que a língua é o principal elemento cultural que comprova a
identidade de um povo, e, portanto, consegue representar tudo o que a cultura
51. http://www.trabalhoindigenista.org.br.
52. Dados do portal Instituto Sócio Ambiental disponível no site: http://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/
linguas/introducao.
possui. Mattoso Câmara (1979) assevera que a língua é a demonstração em
miniatura de toda a cultura de um povo. O autor explica que o conhecimento
produzido pelo estudo de uma língua indígena coopera terminantemente
para a solução de problemas educacionais, já que a língua é o caminho que
nos permite ter acesso a todo o universo cultural de uma sociedade.
Embora a população Krahô tenha adotado a língua portuguesa como
segunda língua na fala e na escrita, esta língua só é falada quando eles se
comunicam com a população não indígena. Esse contato se dá quando eles
realizam compras ou vendas, no trabalho, ao se relacionarem com técnicos
agrícolas e também na escola. Geralmente as aulas são dadas em língua
portuguesa quando o professor da disciplina é não indígena e, normalmente
quando o professor é indígena, ele ministra as aulas em língua portuguesa e
na língua materna (SOUZA, 2011).

Bilinguismo entre os indígenas Krahô


Segundo Almeida e Albuquerque (2011, p. 95), o termo bilinguismo
nos remete à ideia de que numa sociedade existem sujeitos capazes de
promoverem uma comunicação em duas línguas. Maher (2005a) também
corrobora com este conceito e afirma que “o bilinguismo, uma condição
humana muito comum, refere-se à capacidade de fazer uso de mais de uma
língua” (MAHER, 2005a, p. 105). A sociedade Krahô pode ser considerada,
portanto, bilíngue, pois eles têm um contato direto com duas línguas: a língua
materna e a língua portuguesa.
De acordo com D’Angeles (2007, p. 13), para muitos povos indígenas, o
bilinguismo é algo inevitável devido ao aumento do contato com a população
pertencente à sociedade majoritária e também da dinâmica das culturas
destes povos. Portanto, ao se veem sem alternativa, o povo indígena tem que
se “adequar” e adotar a língua da sociedade envolvente e ao mesmo lutar

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 205


para que sua língua materna não morra de fato. Segundo Guimarães (2002,
p. 46), “o que começa como uma situação de bilinguismo pode evoluir para
um quadro de monolinguismo na língua dominante”.
De acordo com Albuquerque (1999), quando falamos sobre a
sobrevivência das línguas indígenas, não podemos esquecer-nos das “armas”
usadas contra elas, que foram e são tão ameaçadoras quanto o genocídio.
O autor esclarece ainda que uma das formas usadas por falantes de línguas
dominantes para manter o seu poder linguístico é demonstrar aversão pelas
línguas minoritárias, ao mencioná-las como “dialetos”, “línguas pobres”
ou “línguas imperfeitas”. Outro risco que uma sociedade indígena sofre ao
ter contato com outra e, dessa forma, viver o bilinguismo, é o deslocamento
sociolinguístico. Conforme o RCNEI53 (1998) apud Albuquerque (1999), isso
acontece quando, “em situações de bilinguismo, a língua dominante vai,
pouco a pouco, ocupando os domínios sociais da língua dominada.” Isto é
comum ocorrer na Diglossia, que sobrevém quando duas línguas vivem em
situação de conflito. A este respeito, Meliá (1979) diz que:

A noção de diglossia serve para relativizar o chamado


bilinguismo, sobretudo quando este é apresentado dentro de
uma ideologia de equilíbrio histórico-social, assim como para
analisar a relação de duas línguas, conforme os seus diferentes
usos sociais, fazendo ver que os campos de aplicação são
diferentes e ordinariamente dependentes, numa relação de
dominante-dominado superior-inferior (MELIÁ, 1979, p. 68).

Para Jakobson (2001, p. 25), talvez o bilinguismo seja um dos principais


problemas da Linguística, pois ele incita a divisão dos domínios pessoais e
coletivos de duas línguas que se relacionam entre si. Podemos afirmar que
depende apenas dos falantes da língua materna, que essa diglossia não avance
ao ponto de a sociedade bilíngue se tornar monolíngue.
53. Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas.

206 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Ainda sobre o bilinguismo, Maher (2005a) entende que um falante
bilíngue, como é o caso dos Krahô, pode apresentar um melhor desempenho
em uma das línguas que ele domina. Isso vai depender de inúmeros fatores,
dentre eles a autora cita: a necessidade de uso desta língua, a exigência
estabelecida pelo povo e até mesmo por questões identitárias. Sobre isso,
D’Angeles nos alerta que:

A intensificação das relações também modifica as exigências


do domínio bilíngue, de modo que, de um primeiro momento
em que a comunidade basta ter um único “intérprete” chega-
se ao ponto em que todo membro da aldeia precisa ser bilíngue
(D’ANGELIS, 2007, p.13).

Para o povo indígena Krahô, é muito importante a manutenção da sua


língua materna, e isso demonstra a preocupação em valorizar e manter uma
identidade étnica. Nesse sentido, Mesquita (2009) adverte que a perda de uma
língua é equivalente à morte de um povo, tendo em vista que todo o universo
representativo de uma cultura singular deixa de existir, levando assim suas
particularidades, ou seja, uma forma única de enxergar e categorizar o mundo
que os rodeia. É imperativo ressaltarmos que a transmissão de uma cultura
se dá essencialmente por meio da língua, e dessa forma, a morte da língua de
um povo leva junto com ela a variedade cultural e intelectual daquele povo.
Por outro lado, o RCNEI (1998) defende a ideia de que o povo indígena
deve aprender a língua portuguesa como forma de conhecer a Lei e assim
poder lutar pelos direitos adquiridos. Ademais, neste mesmo documento
podemos observar a preocupação em garantir o respeito ao modo de falar
dos povos indígenas.

Os povos indígenas têm, cada um deles, o seu modo próprio


de falar a língua portuguesa. [...] Esses modos de expressão

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 207


devem ser respeitados na escola e fora dela. Já que também
dão atestados de identidade indígena (RCNEI, 1998, p. 123).

Também devemos considerar, segundo Naysmith (2002), que na escola,


o bilinguismo pode contribuir significantemente no aprendizado da criança, e
que as habilidades adquiridas na língua materna podem auxiliar na aquisição
de uma segunda língua.
Do ponto de vista de Maher (2005a, p. 100) a linguagem do falante
bilíngue admite e prediz o uso de mudança de código (code-switching) e
empréstimos linguísticos (borrowings) na estrutura de sua gramática. Na língua
Krahô, assim como nas demais línguas indígenas em contato com a língua
portuguesa, é muito comum encontrarmos elementos que não fazem parte
do léxico da língua materna. E há que se considerar, ainda de acordo com
Maher (2005, p. 100), que não existe um sujeito bilíngue que ao falar na
segunda língua não apresente elementos da estrutura de sua língua materna.
É fundamental compreendermos, como nos assegura Maher (2005a),
que para o sujeito ser um bom bilíngue ele pode e deve percorrer entre as
duas línguas, pois o mesmo possui tal capacidade. Assim, a autora conclui
que quando um falante realiza a alteração dos componentes de uma língua
para outra ele demonstra que tem domínio linguístico sobre aquelas línguas.
Acreditamos que ao falarmos sobre bilinguismo, temos que nos
reportarmos também à gramática internalizada, pois um falante bilíngue
internaliza conceitos da gramática ao longo do processo de aquisição tanto
da língua materna quanto da segunda língua.

Gramática internalizada
Iniciamos esta sessão considerando o argumento de Possenti (2002)
sobre o conceito de gramática, quando diz que os estudiosos nem sempre a
definem igualmente. Na mesma obra, o autor destaca três tipos de gramática:

208 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


o primeiro tipo, gramática normativa, que dita regras a serem seguidas.
O segundo tipo é a gramática descritiva, onde aparecem as regras que são
seguidas na realidade. E finalmente a gramática internalizada que apresenta
as regras que o falante já domina desde que adquiriu a língua. Nas palavras
do autor:

O que o aluno produz reflete o que ele sabe (gramática


internalizada). A comparação sem preconceito das formas
é uma tarefa da gramática descritiva. E a explicitação da
aceitação ou rejeição social de tais formas é uma tarefa da
gramática normativa. As três podem evidentemente conviver
na escola. Em especial, pode-se ensinar o padrão sem
estigmatizar e humilhar o usuário de formas populares como
‘nós vai’ (POSSENTI, 2002, p. 90).

Travaglia (2002), por sua vez, aponta que a gramática internalizada é


estudada pelos outros dois tipos de gramática, especialmente pela gramática
descritiva. Este autor afirma que podemos conceituá-la como “o conjunto de
regras que o falante de fato aprendeu e das quais lança mão ao falar” (p. 28).
A gramática internalizada, na concepção de Possenti (2002), é a soma
das regras internas pertencentes à língua que o falante domina e carrega
desde criança. Esse tipo de gramática está ligado à ideia de linguagem como
forma de interação.
Decerto, podemos afirmar que os falantes que dominam uma
determinada língua têm conhecimento sobre as regras da gramática
dessa língua, pois a gramática pode ser aprendida pelo contato com
a língua, sem precisar necessariamente que a pessoa frequente uma
escola.
De acordo com Ataliba Castilho (s/d), o trabalho da escola é levar
os alunos a explicitarem sua gramática implícita. A este respeito, Antunes
(2007), pondera que:

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 209


Se uma criança diz ‘minhas colegas e meus colegos’, ‘um
algodão’ e ‘um algodinho’, é porque já domina as regras
morfossintáticas de indicação do masculino e do feminino,
bem como as regras de indicação do aumentativo e do
diminutivo em português. Ou seja, já sabe esses pontos da
gramática (ANTUNES, 2007, p. 27).

Sob a ótica de Benites (2001, p. 1820), quando a criança vai para a


escola ela já domina várias habilidades como narrar uma história, pedir algo,
saber reclamar, convencer e até mesmo seduzir por meio da linguagem. Ela
é capaz de fazer tudo isso sem ter sido preparada formalmente. A autora
acredita que o conhecimento implícito sobre a língua materna que a criança
já traz, tem uma dimensão que não podemos imaginar. Esse conhecimento
implícito da língua adquirido pela criança foi obtido por meio da convivência
familiar.

Noção de gênero na língua portuguesa


Para Mattoso Câmara (1975), no gênero são compreendidos todos os
substantivos da língua portuguesa, sejam seres animais, providos de sexo, ou
sejam apenas “coisas”, como rua, praça que são femininos ou armário e sapato
que são substantivos masculinos. Contudo, sob a ótica desse autor, “a flexão
de gênero é exposta de uma maneira incoerente e confusa nas gramáticas
tradicionais” (1975, p. 88). Ele atribui isso à “incompreensão semântica”, que
está ligada ao sexo.
Nesse sentido,

[...] Na realidade, o gênero é uma distribuição em classes


mórficas, para os nomes, da mesma sorte que o são as
conjugações para os verbos. A única diferença é que a oposição
masculino/feminino serve frequentemente para em oposição
entre si distinguir os seres por certas qualidades semânticas,
como para as coisas as distinções como jarro — jarra, barco

210 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


— barca etc., e para os animais e as pessoas a distinção do
sexo, como em urso — ursa, menino — menina (CAMARA
JR., 1996, p. 88).

Segundo Evanildo Bechara (1999), a incoerência na classificação


do gênero dentro da gramática é bem visível ao fazermos um paralelo
com as demais línguas. Este fenômeno pode ser percebido até dentro de
uma mesma língua, se considerarmos os aspectos temporais, regionais
e sociais de uma determinada língua. A este respeito, ele diz que
“distinção do gênero nos substantivos não tem fundamentos racionais,
exceto a tradição fixada pelo uso e pela norma; nada justifica serem,
em português, masculinos lápis, papel, tinteiro e femininos, caneta, folha
e tinta” (BECHARA, 1999, p. 133). Ademais, as formas masculino e
feminino podem não deixar bem claro nos seres inanimados ou animais
irracionais a que sexo ele pertence.
Mattoso Câmara (1975) afirma que existe uma divergência entre as
definições do que venha a ser gênero e sexo e isto ocorre até com os substantivos
que referem a animais e pessoas. Segundo este autor “o gênero é uma
distribuição em classes mórficas para os nomes”, (MATTOSO CÂMARA,
1995, p. 16), e dessa forma, podemos considerar que há um método sistemático
de organização dos nomes por meio de um padrão estabelecido.

Noção de gênero na língua Krahô: breves


considerações
De acordo com Souza (2011) os trabalhos realizados sobre a Língua
Krahô trouxeram grandes contribuições para os estudos na área da fonologia,
morfologia e sintaxe de outras línguas. Ainda segundo a autora, esses trabalhos
propiciam o aprendizado e conhecimento de diversos aspectos linguísticos.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 211


Em relação à gramática, a língua Krahô aponta três classes de
palavras que sofrem variações: a classe dos nomes e a dos verbos, que são
classes abertas, e das preposições que é uma classe fechada. Os nomes dizem
respeito a entidades concretas e abstratas e os verbos traduzem processos ou
eventos (BHAT, 2000, apud MIRANDA, 2010). A sintaxe da língua Krahô
é caracterizada pela estrutura Sujeito-Objeto-Verbo (SOV). O verbo vem
sempre no final da frase, a não ser quando a frase é negativa.
Neste tópico fazemos algumas considerações a respeito do gênero
na língua Krahô, porém sem atermo-nos às discussões acerca do que
seja correto ou não. A este respeito, Ferreira Netto (1997) alerta para não
ficarmos procurando a estrutura de nossa língua nas línguas indígenas. O
autor argumenta que precisamos estar atentos para não cairmos no equívoco
de tentarmos lançar sobre as línguas indígenas uma imagem de pobreza
gramatical, pois ao realizarmos tal ação, poderemos desconsiderar as
características das estruturas que são próprias da língua indígena e ao mesmo
tempo supervalorizar a estrutura da língua portuguesa.
A estrutura da língua que um indivíduo usa, em regra, influencia o
modo como ele entende o seu ambiente. Bakhtin (2003) apud Sousa (2011)
coloca que a língua é a consciência real e prática do ser social. Esse ser assume
crescente consciência de suas necessidades históricas também através do
crescente reconhecimento da determinação histórica e social de sua voz.
Alguns autores já realizaram estudos sobre a sintaxe da língua Krahô.
Dentre os quais podemos citar Miranda (2010). Porém, podemos observar que
poucos são os trabalhos direcionados para o estudo do gênero na língua Krahô.
A esse respeito, algumas peculiaridades chamam bastante atenção. Por
exemplo, os falantes das línguas que integram o Macro-Jê, como no caso dos
Krahô, fazem diferenciação entre a fala do homem e a fala das mulheres e
crianças. Há expressões e alguns fonemas exclusivos para cada gênero, dando

212 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


uma entonação especial à grande divisão que há entre os deveres e obrigações
dos homens e das mulheres.54
Na língua Krahô, assim como em todas as outras línguas que integram
o complexo Timbira, os substantivos, os pronomes e os adjetivos não sofrem
diferenciação por gênero, como acontece na língua portuguesa, mas ao
substantivo pode ser acrescentado um sufixo feminino (-kahãy) ou masculino
(-tsu(n)m-re)55. Vejamos nesses trechos da conversa que tivemos com a professora,
como ela recorre a essas regras ao falar em língua portuguesa:
1. Cristiane56
“Não, eu nunca achei ruim dos meus professores passados.
Sempre eu gostei dos meus professoras e elas me gostava também. Que me
falaram que eu era a mais bom aluno era eu.”
2. Cristiane
“Quando eu chegar lá na minha casa eu vou contar o quê
que foi acontecer daqui, o quê que ela foi vou contar tudo para o meu
família, quando a aula começar vou contar tudo para os alunos.”
Dessa forma, Ferreira Netto (1997) nos adverte que do mesmo modo
que ocorre na língua portuguesa, na língua timbira também há um gênero
intrínseco que integra todos os objetos. A língua timbira tem classes nominais
que não possuem marcas morfológicas, estas estão diretamente relacionadas
à divisão étnica direcionada ao sol e a lua. Ainda segundo o autor, todos os
objetos que fazem parte do léxico da língua timbira fazem parte de uma dessas
duas classes de gênero, todavia não podemos afirmar ao certo de que forma
isso acontece na estrutura da língua, nem como essa nomeação é realizada.
Nas sequências discursivas que se seguem, podemos observar a falta de
concordância nominal no que diz respeito ao gênero.

54. Informações disponíveis no site: http://www.funai.gov.br/indios/jogos/etnias/etnias.htm. Acesso em 18/02/2012.


55. Informações disponíveis no site: http://pib.socioambiental.org/pt/povo/canela-ramkokamekra/2271 Acesso em
18/02/2012.
56. Como forma de preservar a identidade da pessoa entrevistada, foi empregado um pseudônimo.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 213


1. Cristiane
“Eu comecei na aula foi no premeira série que eu comecei.”
2. Cristiane
“Não, eu não tava no krin não, eu tava lá no cidade lá do
Brasil.”
3. Cristiane
“Ahãm, era só cupen (não indígena) mermo, mas lá no Manuel
Alves (aldeia) tinha mehi (indígena) também de línguas indígenas.”

Podemos observar que a professora, ao fazer a concordância em


língua portuguesa do nome com o gênero e conferir gênero aos nomes, acaba
exprimindo naturalmente a mesma estrutura que ela se vale para realizar tal
ação na sua língua materna. Acreditamos, portanto, que a relação entre o
uso da língua portuguesa e o sistema de referência da língua materna desta,
influencia diretamente na sua fala.

Considerações finais
Concluímos este trabalho ressaltando que não era nossa intenção
fazermos um estudo geral sobre a língua Krahô, tendo em vista que isto
necessitaria de pesquisas mais avançadas e aprofundadas para ser realizado.
Contudo, podemos afirmar que o estudo do gênero entre os povos indígenas
falante do Krahô, nos permitiu um conhecimento superficial da linguagem
bilíngue utilizada por esses povos.
Finalmente, levando em consideração o contato entre povos falantes de
distintas línguas, entendemos que a expressão linguística da ideia de gênero
surge como consequência de relações semânticas, que geram diversas formas
de expressão linguística. Dessa forma, supõe-se que os falantes da língua
Krahô, ao realizarem a concordância do gênero com o nome, evidenciam a

214 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


relação existente entre o uso da língua portuguesa e o sistema de referência
da língua materna deste povo indígena.

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e o Ensino do Rito de pẽp Cahàc:
uma Didática Interdisciplinar
__________________________________________
Jane Guimarães Sousa57
Francisco Edviges Albuquerque58

Resumo
O povo Krahô vive em uma reserva indígena que ocupa uma área de
aproximadamente 3.200 km². Esta reserva situa-se entre os municípios de
Itacajá e Goiatins. A língua do povo Krahô faz parte da Família Linguística
Jê e faz parte do Tronco Macro- jê. Este povo faz parte de uma sociedade
remanescente dos Timbira e destaca-se por suas diversidades socioculturais.
Aspectos como língua, corte de cabelo, ritos, mitos, cantigas e corridas de
tora, são algumas das particularidades desse grupo indígena, e se apresentam
como elementos constitutivos da identidade e do universo cosmológico dessa
sociedade. Neste artigo, discutimos a respeito dos paradigmas educacionais,
educação escolar indígena e interdisciplinaridade. A proposta discursiva
centra-se também na perspectiva de apresentar uma sugestão de trabalho
interdisciplinar no âmbito da educação escolar indígena Krahô, com base no
ensino do rito de pẽp Cahàc, a saber: ritual de passagem de uma fase da vida
à outra fase (fase da adolescência – fase da vida adulta), também de iniciação
guerreira, onde os mais velhos repassam aos mais novos conhecimentos
guerreiros e ensinamentos sobre posturas para toda vida. Assim, para a
elaboração deste trabalho fomos sustentados pelos pressupostos teórico-
metodológicos da interdisciplinaridade. Já para a análise e constituição
57. do Programa de Pós Graduação em Letras UFT Araguaina. E-mail: jainegs@yahoo.com.br.
58. Coordenador do Projeto A Educação Escolar Apinaye na Perspectiva Bilíngue e Intercultural/ Programa do
Observatório de Educação Indígena, CAPES/SECAD/INEP do Edital no 001/2009 e Orientador da pesquisa.

218 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


do corpus selecionamos o “Rito de pẽp Cahàc” narrado por Melatti (1978).
Os resultados indicam que a interdisciplinaridade surgiu para quebrar as
barreiras dos distanciamentos entre disciplinas e como forma de unificar o
“saber e o ser” em suas instâncias, suas realidades e suas atitudes.
Palavras chave: Interdisciplinaridade; Paradigma Educacional;
Educação Escolar Indígena; Rito de pẽp Cahàc.

A Interdisciplinaridade é uma nova atitude diante da questão


do conhecimento, de abertura à compreensão de aspectos
ocultos do ato de aprender e dos aparentemente expressos,
colocando-os em questão. [...] A interdisciplinaridade pauta-se
numa ação em movimento. Pode-se perceber esse movimento
em sua natureza ambígua, tendo como pressuposto a
metamorfose, a incerteza (FAZENDA, 2001, p. 11).

Introdução
Atualmente, há um anseio evidente pela desfragmentação do saber
e, não obstante, estamos em busca de um paradigma que reforce de forma
holística os problemas relacionados à fragmentação do conhecimento e das
práticas pedagógicas. Ademais, estamos numa era de buscas, erros e acertos,
na era da globalização, da autonomia59, da emergência do ser na sociedade e
na comunidade planetária. Moraes em sua obra “O Paradigma Educacional
Emergente” (2004) faz reflexões significativas acerca da importância do
aprender a aprender, da autonomia, da valorização do conhecimento, da visão
crítica do aluno e da falta de um paradigma que mude essa realidade complexa.

Com efeito, falar sobre “um novo conceito de educação” pode ser uma
temática um pouco repetitiva, mas para nós “educadores” nada mais é que
uma busca incansável por uma educação que privilegie uma nova era, ou seja,
59. Segundo Santos (2004, p. 22) “a autonomia é uma construção dependente das condições sociais e culturais, mas,
ao mesmo tempo, é independente, devido à característica auto-organizativa do homem na construção de seu mundo
interior (autorreferencialidade), elaborando suas próprias teorias para dar sentido a vida.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 219


a era das relações (uma era de autonomia, de auto/conhecimento crítico, de
fraternidade, espiritualidade e com novos ambientes educacionais).
Todavia, estamos à procura de um pensamento mais “complexo” que
una tanto o simplismo quanto a complexidade, que não exclua as partes, mas
que faça a junção das “partes ao todo e do todo às partes”. É a partir deste
pensamento complexo que esperamos encontrar uma educação ampla, que
privilegie o todo, o outro, o saber e o conhecimento.
Essa busca por uma “nova” educação se restringe a uma nova maneira
de pensar e agir, e para isto, devemos deixar de lado o antigo Paradigma
Educacional “Tradicional” e buscar um novo Paradigma Educacional
“Emergente” que vise ao saber, à cultura, ao conhecimento de mundo e à
autonomia do aluno.
Iniciamos nosso artigo apresentando, de forma breve, a história do
povo Krahô, descrevendo sucintamente o rito de pẽp Cahàc que constitui
o corpus do nosso trabalho. Em seguida, fazemos algumas considerações,
respondendo a um questionamento sobre “Paradigma”, “Paradigma
Educacional Tradicional” e suas implicações na educação indígena e
ocidental, bem como “Paradigma Educacional Emergente”. Abordamos,
também, os temas transversais dando ênfase a temática “pluralidade cultural”
e suas implicações, tendo como base teórica os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) e o Referencial Curricular nacional da Educação Indígena
(RCNEI). Para concluir, apresentamos uma proposta interdisciplinar para ser
trabalhada na escola indígena Krahô, que contempla um ritual tradicional
desta comunidade Indígena.

Os Krahô
O estado do Tocantins se caracteriza como sociocultural e multicultural
devido à diversidade linguística e cultural dos demais povos que em seu

220 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


território habitam, quais sejam: Xerente, Apinayé, Karajá, Karajá -Xambioá,
Javaé, Krahô e Krahô-canela.
Os Krahô60 falam a língua Krahô, da Família Linguística Jê e Tronco
Macro Jê. Segundo Melatti (1982)61, essa mesma língua é falada também
pelos ramcocamecrás (canelas), apaniecrás (canelas), crincatis e pucobiês
do Maranhão, pelos Parcateiê (Gavião) do Pará e pelos Apinayé de Goiás
(hoje na parte que ficou com o Tocantins), com diferenças dialetais. Todos os
grupos tribais citados, inclusive os Krahô, formam uma unidade do ponto de
vista linguístico e cultural.
A história do povo Krahô, em certa medida, relaciona-se com a política
de expansão e exploração do território brasileiro em direção ao interior do
Brasil, desencadeada a partir do final do século XVII (MIRANDA, 2010, p.
6-7). Os Krahô tiveram os primeiros contatos com os não indígenas no final do
século XVIII, passando por vários conflitos relacionados a invasões de terras,
escravidão, dentre outros. No final do século XIX, foram transferidos para as
margens do rio Tocantins, onde atualmente residem entre os municípios de
Itacajá e Goiatins62.
Atualmente o povo Krahô vive em aproximadamente 29 aldeias
distribuídas em uma reserva indígena de 3.200 km². De acordo com os dados
da Fundação Nacional da Saúde (FUNASA/2010), a população indígena
Krahô é de 2.463 pessoas entre homens, mulheres, jovens e crianças.
O povo Krahô tem a palha como um instrumento onipresente em seu
cotidiano, pois é através dela que são confeccionados cestos, balaios, esteiras
e a cobertura das casas. Esta sociedade é conhecida também pelo uso da

60. A partir de uma convenção entre linguistas e antropólogos, em 1953, ficou estabelecido que o substantivo gentílico,
referente ao nome de um povo indígena, seria grafado com maiúscula e nunca pluralizado: tal substantivo, além de
muitas vezes já estar no plural na língua indígena de referência, é designado de um povo, de uma sociedade, de uma
coletividade única – e não apenas de um conjunto de indivíduos. Daí nos referirmos aos Palikur, e não Palikures; aos
Guajajara, e não aos Guajajaras (MAHER, 2010).
61. Texto extraído do site de Melatti (http://www.juliomelatti.pro.br/artigos/a-muscra.htm), acessado em 27/01/2012
62. Os dados históricos sobre o povo Krahô mencionados neste texto foram obtidos na página eletrônica do Instituto
Socioambiental (ISA) (www.socioambiental.org), acessado em 06/01/2012.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 221


semente Tiririca na produção de colares e pulseiras, e pela caça, pesca, roça
e artesanato típico do povo Krahô.

O Rito de pẽp Cahàc: breve apresentação


Há inúmeros ritos Krahô, alguns relacionados ao ciclo anual, ciclo de
vida e outros de iniciação. Muitos possuem mitos que narram a origem do
mundo, dos seres humanos e de certos costumes. Segundo Melatti (1978), o
pẽp Cahàc é um ritual de passagem de uma fase da vida à outra fase (fase
adolescência – fase da vida adulta), também de iniciação guerreira, onde
os mais velhos repassam aos mais novos os conhecimentos guerreiros e
ensinamentos sobre posturas durante toda a vida. É importante destacar que
este rito é direcionado aos pẽp Cahàc, ou seja, “todos os indivíduos do sexo
masculino e sem filhos” (MELATTI, 1978, p. 232).

Paradigmas: uma breve introdução


Toda ciência é movida por teorias, crises, evoluções e paradigmas. Esses
traços são movidos pela necessidade de se procurar novos conhecimentos
seja pela vontade de buscar novas verdades, ou para solucionar antigas
problemáticas das sociedades que praticam a ciência.
Tomas Kuhn (1998) afirma que os grandes progressos científicos só
ocorrem quando os seus próprios paradigmas são desafiados e postos no lugar
novos paradigmas, sendo assim chamados de revoluções científicas. Para
esse autor, as ciências imaturas são aquelas que não possuem paradigmas,
e o estudo dos paradigmas é o que prepara basicamente o estudante para
ser membro da comunidade científica na qual atuará mais tarde. Em outras
palavras, o cientista terá o papel de fazer e praticar a ciência, podendo se
sustentar também em um paradigma para renovar a sua prática científica,
caso seja necessário.
Segundo Kuhn (1998, p. 13), paradigmas são “as realizações científicas
universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, oferecem problemas
e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”.
Partindo deste pressuposto acreditamos que o rompimento de um velho
paradigma surge quando a comunidade científica percebe que suas crenças
geram dúvidas e erros. Assim, novas teorias e soluções, ou seja, “paradigmas”
tendem aparecer, e tanto as revoluções científicas quanto a ruptura de
velhos paradigmas oferecem contribuições significativas para o processo de
desenvolvimento da uma prática científica.
Dessa forma, é possível perceber que saberes e teorias traçam o
horizonte das revoluções da ciência, e a quebra de paradigmas surge para
suprir antigas teorias e resolver antigos problemas, dando origem assim à
revolução da ciência.

Educação Escolar Indígena


Partindo das premissas anteriores, percebemos que a nossa educação
vive um momento de transição entre o velho e o novo paradigma, e que a
educação escolar indígena, também, enfrenta os mesmos desafios da nossa
educação ocidental, pois apesar das mudanças significativas no processo
educacional indígena, em alguns momentos o modelo “cartesiano” prevalece.
Para que tenhamos uma ideia da história da educação escolar indígena,
faremos um breve apanhado da trajetória desta educação e da luta desses
povos por seus direitos educacionais, linguísticos e culturais.
A educação escolar indígena se deu a partir do ano de 1549, com a
chegada dos padres jesuítas, tendo início, então, uma educação “catequizadora”.
A partir desse processo “educacional catequizador” os indígenas passaram
a ser vistos como passíveis de civilização e lhes foram atribuídas alma,
escrita e política (NUNES, 2006, p. 89). Essa educação “catequizadora”

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 223


prevaleceu por séculos e não se atentava para o desaparecimento da cultura
e da língua daqueles povos. Porém, após anos como pioneiros da educação
escolar indígena, os missionários foram expulsos pelo marquês de Pombal e
o que era uma educação “catequizadora” se inverteu para “civilizadora”. Ao
longo desses anos, muitos desastres aconteceram, posse de terras, massacres,
trabalhos escravos, dentre outros.

Na república a Constituição de 1891 ignorou a existência


de índios no país, tendo apenas um decreto que transferia
ao Estado a responsabilidade de “instrução dos indígenas”.
A situação dos índios tornou-se mais delicada e a imprensa
veiculava a idéia de que o progresso era incompatível com a
presença dos índios. Crescia também a disputa pelas terras
indígenas (VALENTINI, 2009, p. 7).

Diante de tantas tragédias, os povos indígenas continuaram lutanto


pelos seus direitos, tentando fugir do apagamento de suas culturas, do
autoritarismo da sociedade envolvente e buscando se firmar em uma educação
que valorizasse e respeitasse suas particularidades, “língua e cultura”.
Em 1910, surge o Serviço de proteção ao índio (SPI), cuja finalidade era
protejer e cuidar dos direitos dos povos indígenas. De acordo com Valentini
(2009) o SPI foi substituído pela Fundação nacional do Índio (FUNAI) durante
o regime militar, sob acusação de corrupção e maus tratos aos índios. Desde
1967 fica aos cuidados da FUNAI responder por todas as questões indígenas.
Refletindo sobre esses acontecimentos, acreditamos que não só a nossa
educação ocidental passou por um processo de influência do pensamento
“cartesiano-newtoniano”, mas a educação escolar indígena também, pois o
aluno era visto apenas como um receptor de informação e que “não podia
questionar, nem expressar o pensamento divergente e muito menos aceitar
passivamente a autoridade”(MORAES, 2004, p. 50).

224 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Apesar de tantos impasses gerados ao longo da história educacional,
a educação escolar indígena vem crescendo de forma positiva. Tal
mudança é visível principalmente depois do surgimento de leis que regem
os direitos educacionais, linguísticos e culturais dos povos minoritários.
Um exemplo desse crescimento é a Lei nº 6.001/73, Estatuto do Índio,
que cencede aos indígenas acesso ao sistema de ensino no país com as
necessárias adaptações. Igualmente, o artigo 210 da Constituição Federal
do Brasil (1988), assegura aos indígenas o uso da língua portuguesa e da
língua materna no Ensino Fundamental, o que possibilita uma educação
intercultural, bilíngue e diferenciada. Como se vê, estas leis rompem com
o paradigma educacional “tradicional”, caracterizado pela exclusão da
língua dos povos indígenas, para que somente a língua portuguesa pudesse
ser valorizada.
Por mais que a educação escolar indígena caminhe de forma positiva
rumo ao novo paradigma “educacional emergente” muitos problemas
continuam a mercê dessas escolas, o “projeto político pedagógico”, por
exemplo, é o mesmo usado nas escolas da cidade, os calendários não são
específicos para cada aldeia e seguem o cronograma cultural e específico da
sociedade majoritária.
De acordo com Albuquerque (1999, p. 18) é necessário pensar em
uma escola que parta das concepções do mundo, do homem e das formas de
organização social, política, econômica, cultural e religiosa desses povos, uma
vez que, as culturas e as línguas indígenas são frutos da herança de gerações
anteriores, mas estão sempre em eterna construção, reelaboração, criação e
desenvolvimento.
No ambiente escolar indígena, o currículo diferenciado, específico
e intercultural “significa o profundo respeito à identidade étnica e racial”
(SÁNCHEZ, 2006, p. 40) dos povos indígenas.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 225


A escola tem um papel fundamental na manutenção da língua e da
cultura de um povo, seja ele minoritário ou não. Os Krahô, através da escola,
têm mantido viva a língua e a cultura, como forma de autoafirmação de
seu povo e lutam por uma educação mais próxima de sua realidade, onde o
projeto político pedagógico atenda às necessidades da aldeia, e contemple um
calendário que respeite as festas culturais das comunidades, a publicação de
livros didáticos na língua materna, dentre outros anseios.

Da disciplinarização à interdisciplinaridade
Até meados do século XVII, embora houvesse uma disciplinarização do
conhecimento, que remontava aos gregos, ainda predominava o fazer científico
regido pelo “principio da mistura” (FIORIN, 2008, p. 33), mas esse movimento
regido pelo princípio da mistura é substituído pelo principio da triagem.
Japiassu (2006, p. 21) afirma que esse movimento de triagem se firma no século
XX. Todavia, na segunda metade do século XX, surge e rapidamente se impõe
a hiperespecialização, provocando a multiplicação indefinida de disciplinas e
subdisciplinas cada vez mais focadas em reduzidos objetos de estudo.
É nesta época que:

[...] a ciência deixa de ser guardiã de um código para se


transformar em cúmplices da ideia de progresso. É a partir da
criação das universidades de Berlim, que a ciência, tomando
distancia da teologia e da filosofia começa seu progresso de
fragmentação e compartimentação numa série divergente
de especialidades fechadas denominadas “disciplinas”
( JAPASSU, 2006, p. 24). (ASPAS DO AUTOR).

Estamos num momento de busca pela desfragmentação das ciências, e


sendo assim precisamos quebrar as fronteiras das disciplinas e dar um olhar
privilegiado para essa nova epistemologia chamada “interdisciplinar”.

226 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Interdisciplinaridade
De acordo com Kahmann (2004), a interdisciplinaridade está
relacionada a setores intelectuais anticapitalistas dos anos 1960, onde se
buscava a integração do conhecimento à prática, com o intuito de vislumbrar
a estrutura social em seu conjunto, com o pregado isolamento do trabalho
intelectual e com a hierarquização entre os profissionais.
Fazenda (1994) informa que esse período de surgimento da
interdisciplinaridade foi marcado por movimentos estudantis, que lutavam
por um ensino diferenciado. Neste sentido, a interdisciplinaridade surgiu
como “resposta a tal reivindicação, pois pelos grandes problemas da época,
eles não poderiam ser resolvidos por uma única disciplina ou área do saber”
(ALENCAR, TORRES & SANTOS, 2011, p. 38).
Para dar inicio a nossa reflexão a respeito dessa ciência Interdisciplinar,
que tal adentrarmos no seu mais profundo conceito?
Segundo Fiorin (2008, p. 38):

O termo [...] disciplina provém do latim disciplina, formada do


radical indo-europeu dek-, que significa “receber” e está na base
de discere, “aprender”, discipulus, “o que aprende”; disciplina,
“o que se aprende”. Modernamente, a palavra tem dois grandes
sentidos: a) ramo do conhecimento, principalmente entendido
como componente de um currículo; b) normas de conduta. O
sufixo - dade é formador de substantivos abstratos a partir de
adjetivos. Para definir os termos, a questão é pensar os prefixos,
todos de origem latina, sempre a partir das raízes indo-
europeias: [...] inter < en (denota “dentro de”, “entre” e ocorre,
por exemplo, em interior, íntimo, interno, entrar, intestino).

Partindo desta ótica, podemos observar que o termo


“interdisciplinaridade” recorre a diferentes significações, ora relacionadas aos

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 227


verbos “receber, aprender” ora aos ramos do “conhecimento” relacionados
ao “currículo”, tudo isso, “dentro e entre” diferentes ramificações
epistemológicas. É importante frisar que não estamos delimitando o conceito
de interdisciplinaridade, uma vez que, “como a própria palavra indica, não
é um conceito fechado em si mesmo, pois desta forma já não seria inter =
movimento” (YARED, 2008, p. 161).
Além de o termo interdisciplinaridade ser “utilizado para caracterizar a
colaboração existente entre disciplinas diversas ou entre áreas diferentes de uma
mesma ciência” (GONÇALVES, FERREIRA, RODRIGUES & HAUPUT,
2011, p. 15). Para os autores, esse mesmo termo visa, também, a um enriquecimento
mútuo, em que todos aprendam com essa nova experiência metodológica.
No entanto, pensar na amplitude de ser, fazer e tornar-se
“interdisciplinar”, nos faz perpassar por dois sentimentos um de “medo”,
pois o “novo” sempre nos causa um estranhamento, o outro sentimento é
o de “encantamento”, o de poder sair do movimento de triagem, onde
muitos “objetos preciosos, não se misturam” FIORIN (2008, p. 3), para um
movimento regido pelo princípio da mistura onde se “absorvem os valores de
universo, que são os valores de extensidade” FIORIN (2008, p. 32).
Assim, a interdisciplinaridade visa à ‘unidade do saber’ ou seja,
“unidade problemática, sem dúvida, mas que parece construir a meta ideal
de todo saber que pretende corresponder às exigências fundamentais do
progresso humano” ( JAPIASSU & MARCONDES, 1990, p. 18). Com base
no que foi exposto, podemos afirmar que, a interdisciplinaridade alcança
diferentes áreas do saber, seja científica, educacional ou humana, tudo com
um olhar diferenciado para o crescimento do conhecimento.
Japiassu (2006, p. 27) salienta que, ilustres autores como G. Gusdorf, G.
Palmade, E. Morin e outros defendem que:

[...] a Interdisciplinaridade precisa ser entendida como uma


atitude devendo, resultar, não de uma pura operação de síntese

228 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


(sempre precária e parcial), mas de um trabalho perseverante
de sínteses imaginativas bastante corajosas, sem ter a ilusão
de que basta a simples colocação em contato dos cientistas de
disciplinas diferentes para se criar a interdisciplinaridade.

Partindo desses fundamentos, notamos que para ser “inter” devemos ser
flexíveis, ter atitude, sair da “especialidade” e da fragmentação das disciplinas,
precisamos ser corajosos para encarar essa nova crise paradigmática, onde a
fragmentação do saber é substituída pela multiplicação do conhecimento.
Concluímos que, a interdisciplinaridade nasceu para “preencher
as lacunas de um pensamento científico mutilado por uma exagerada e
inevitável especialização e para que possam ser abordadas inteligentemente
as complexidades percebidas e exigidas pela ação” ( JAPIASSU, 2006, p. 27).

O ensino do rito de pẽp Cahàc: tema transversal


e interdisciplinar
Nosso currículo escolar necessita de temas que abordem as questões
sociais em que vivemos. Assim sendo, os PCNs aderiram a essa tendência,
incluindo-a dentro dos currículos escolares com o intuito de dar um novo
tratamento didático que contemple sua complexidade e sua dinâmica.
Dentro dessa proposta de se trabalhar a transversalidade na escola, os PCNs
destacam as seguintes temáticas: ética, pluralidade cultural, meio ambiente,
saúde, orientação sexual e temas locais.
Destacamos a temática Pluralidade Cultural, uma vez que de acordo
com Teixeira (1995, p. 291), há pelo menos 220 povos indígenas no Brasil,
divididos em quatro troncos (Tupi, Macro-jê, Karib e Aruák). Essa diversidade
linguística também faz do Brasil um país multilíngue e multicultural.
Optamos por esta temática, por haver um grande número de
professores não indígenas nas escolas indígenas Krahô. Acreditamos essa

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 229


discussão fará com que os professores- não indígenas aprendam mais sobre a
cultura tradicional deste povo, auxiliando no combate a certos preconceitos
pré-estabelecidos pela nossa comunidade ocidental.
“O compromisso com a construção da cidadania pede
necessariamente uma prática educacional voltada para a compreensão
da realidade social e dos direitos e responsabilidades em relação à vida
pessoal, coletiva e ambiental” (BRASIL, 1997). É a partir dessas questões
relacionadas à cidadania que os Temas Transversais tomaram forma para
dar seguimento a essa nova escola.
Como nossa pesquisa, voltamos o olhar para a Educação Escolar
Indígena, destacando o quê o Referencial Curricular Nacional para as escolas
Indígenas (RCNEI) informa sobre os temas transversais. Segundo esse
documento, temas transversais são temas que permitem um elo de discussão
entre as áreas de estudo, para que todas passem a servir um projeto social
definido pela comunidade. Este projeto se organiza através da discussão de
temas que estão relacionados a um contexto social específico, ancorado na
vivência histórica particular daquele grupo humano (RCNEI, 1998).
O RCNEI apresenta seis temas transversais sendo: Terra biodiversidade;
ética indígena; pluralidade cultural; educação e saúde.
De acordo com os PCNs, tanto a interdisciplinaridade quanto a
transversalidade “apontam para a complexidade do real”, mas é importante
destacar que ambas se diferem, pois a interdisciplinaridade está ligada a
abordagens epistemológicas dos objetos de conhecimento e a uma relação de
disciplinas. Já a transversalidade refere-se à dimensão didática e a inclusão de
saberes extraescolar (BRASIL, 1997).
De acordo com os PCNs, para realizarmos um trabalho Transversal
é necessário respeitar as singularidades e particularidades dos temas e das

230 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


áreas. Isso porque existem afinidades maiores entre determinadas áreas e
determinados temas, como é o caso de Ciências Naturais e Saúde ou entre
História, Geografia e Pluralidade Cultural, em que a transversalidade é fácil
e claramente identificável. Não considerar essas especificidades seria cair
num formalismo mecânico.
Assim, os Temas Transversais correspondem a questões importantes,
urgentes e presentes sob várias formas, na vida cotidiana. O desafio que se
apresenta para as escolas é o de se abrirem para este debate (BRASIL,1997).
É partindo desta premissa que, pensamos em elaborar uma proposta
“interdisciplinar” a ser trabalhada na Educação Escolar Indígena Krahô,
que contemple os Temas Transversais “pluralidade cultural” extraídos do
“Rito de pẽp Cahàc”.

Procedimentos Metodológicos
Apresentamos o Rito de pẽp Cahàc apenas como caráter cultural do povo
Krahô, mas a partir de agora o apresentaremos como um tema transversal e
interdisciplinar que pode ser trabalhado em sala de aula. Optamos por este
ritual, porque acreditarmos que seja uma temática de “urgência”, na escola,
e na comunidade indígena Krahô, pois este ritual não é realizado há mais de
10 anos na aldeia Manuel Alves63. Os jovens alunos com pouco menos de 15
anos nunca presenciaram esta cerimônia, certa vez questionei o diretor da
escola da Aldeia Manuel Alves o porquê desta cerimônia não acontecer. O
mesmo respondeu que para o desenvolvimento deste rito é necessário certa
quantidade de pẽp Cahàc (rapazes do sexo masculino sem filhos). É importante
destacar que ano passado muitas aldeias Krahô desenvolveram este ritual e
que o mesmo continua vivo na cultura deste povo timbira.
Como já foi dito, o Rito de pẽp Cahàc é um ritual de passagem (da

63. Destacamos apenas as aldeias Manuel Alves e Pedra Branca, por serem as únicas aldeias que iremos pesquisar
durante nosso trabalho de mestrado.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 231


adolescência para a vida adulta), este ritual é direcionado aos jovens pẽp Cahàc
e são passados ensinamentos guerreiros como (caça, pesca, agricultura e roça)
e as posturas a serem seguidas durante a vida. Esses saberes são repassados
pelos líderes, ou seja, os “velhos” da aldeia.
Para nos dar suporte de como realizar esta sugestão de trabalho
“transversal e interdisciplinar”, nos fundamentaremos em algumas
abordagens de Fazenda (2001, 2003), nos PCNs (Parâmetros Curriculares
Nacionais), RCNEI (Referencial curricular Nacional para as Escolas
Indígenas) e tomaremos como estrutura metodológica o trabalho de Sauthier
& Prochnow (2003), pois o mesmo apresenta uma proposta interdisciplinar a
ser aplicada na escola.
Gostaríamos de destacar que de início esta proposta será apenas um
“sonho”, pois não tivemos oportunidade de ir às aldeias Krahô para realizar a
mesma, mas esperamos que este trabalho possa ser desenvolvido “em breve”,
não por nós, mas pelo próprio grupo de professores indígenas e não indígenas
da aldeia Manuel Alves. Alguns poderão achar que esta proposta é um tanto
“difícil”, mas a interdisciplinaridade busca esses desafios e são esses desafios
que nos fazem educadores de uma realidade complexa.

Procedimentos
Nosso artigo se firma apenas em uma abordagem bibliográfica, uma
vez que não tivemos oportunidade de ir à aldeia para apresentar esta proposta
às lideranças da comunidade Krahô.
Segundo Santos (2004, p. 33), a forma de ensinar é consequência
das crenças que estruturam a mente do docente que, na sua grande
maioria assume a atividade do magistério por imitação e expressam os
fundamentos socioculturais da sociedade. Para que este trabalho “transversal
e interdisciplinar” seja realizado com êxito, deve-se em primeiro lugar

232 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


“dialogar” com professores indígenas e não indígenas, a respeito da mudança
de consciência e de posturas diante do saber “disciplinar e estanque”. A
nossa proposta visa um rico diálogo entre as diferentes áreas do saber:
Língua Materna, Língua Portuguesa, Geografia, História e Arte Cultura
(SAUTHIER & PROCHNOW, 2003, p.194).
Por ser uma temática relativamente nova na educação escolar indígena
Krahô, algumas oficinas sobre interdisciplinaridade deverão ser realizadas
com os professores indígenas e não indígenas, com a finalidade de ampliar
o “conhecimento interdisciplinar” desses profissionais (SAUTHIER &
PROCHNOW, 2003, p.194).
A partir dessas oficinas espera-se que os professores dialoguem entre
si e consigam “observar” que é capaz de realizar a interdisciplinaridade
“abordando um mesmo tema em um mesmo texto por meio do gênero textual
rito” (SAUTHIER & PROCHNOW, 2003, p.194).

Discussão
Um trabalho interdisciplinar não significa “sem disciplinas”, mas um
trabalho “entre” disciplinas que se comunicam entre si.
Dessa forma:

[...] A interdisciplinaridade não dilui as disciplinas, ao


contrário, mantém sua individualidade. Mas integra as
disciplinas a partir da compreensão das múltiplas causas ou
fatores que intervêm sobre a realidade e trabalha todas as
linguagens necessárias para a constituição de conhecimentos,
comunicação e negociação de significados e registro
sistemático dos resultados (BRASIL, 1999, p. 89).

O rito de pẽp Cahàc foi extraído do livro de Melatti (1978) “Ritos de


uma tribo timbira”. Nesta obra o referido autor descreve a forma como este

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 233


ritual é realizado, onde se iniciam as atividades festivas, que tipos de comidas
são oferecidos aos pẽp Cahàc, apontando como são repassados os ensinamentos
guerreiros e outros aspectos relacionados a este amkim64.
O rito de pẽp Cahàc será o ponto de partida para o diálogo entre as
diferentes áreas do conhecimento: Língua Materna, Língua portuguesa,
História e Geografia e Arte Cultura.

Língua materna
Como não existem textos na língua indígena Krahô que descrevam
este ritual, os professores indígenas poderão pedir ajuda de algum membro
da comunidade que conheça, e que já participou desta cerimônia, para poder
narrar o procedimento deste ritual aos alunos. A partir desta atividade, os
alunos deverão escrever na língua materna o ritual narrado e assim, passar
para a atividade de tradução bilíngue.

Língua portuguesa
Os RCNEI (1998) informam que os textos produzidos em língua
portuguesa, ou para ela traduzidos, nas escolas e comunidades indígenas, têm
sido uma forma privilegiada de divulgação dos conhecimentos tradicionais
e de afirmação ética. É importante destacar que a língua portuguesa pode
ser para os povos indígenas, um instrumento de defesa de seus direitos legais,
políticos, sociais, bem como um meio para ampliar o seu conhecimento e o
da humanidade.
De acordo com Sauthier e Prochnow (2003, p. 195), “o ensino do
Português tem como objetivo propiciar ao aluno oportunidades de vivenciar a
linguagem como uma prática social. Esse ensino deve utilizar-se de textos por
meio dos quais os alunos terão acesso aos diferentes gêneros textuais”. Dessa
forma, os alunos terão acesso à tipologia textual narrativa ao gênero “rito”.
64. Tradução: festa, ritual ou cerimônia.

234 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Como os alunos do ensino médio devem ter um contato maior com os
textos em língua portuguesa, isto em função do vestibular, nesta atividade
poderão ser realizadas atividades de escrita e de leitura, bem como destacar
os elementos que constituem um gênero textual “rito”. Vale ressaltar que nesta
atividade o professor não-indígena poderá auxiliar o aluno na estruturação de
uma frase, pois sabemos que a língua Krahô possui uma estrutura diferente
da nossa.

Geografia
De acordo com os RCNEI (1998), um dos objetivos didáticos da
Geografia é conhecer e valorizar o conhecimento tradicional de seu grupo
familiar, sua aldeia e seu povo sobre seu espaço e sua cultura (quanto às formas
de orientação espacial, à posição geográfica, aos sistemas de representação
espaciais, aos sistemas de classificação do relevo, do clima, dos solos etc.).
Diferentes espaços geográficos são apresentados no rito de pẽp Cahàc, ora
durante os ensinamentos passados, ora durante as danças, banhos e corridas
de tora. Todos esses elementos fazem parte da realização desta cerimônia.
Aqui podem ser estudados os espaços usados durante o ritual (o pátio, o rio,
a mata, os arredores das casas, dentre outros). Esta abordagem propiciará o
trabalho de orientação e conhecimento do aluno a respeito do espaço físico
onde o ritual é entoado.

História
Para os RCNEI (1998), os professores podem criar situações para que
o aluno possa recontar oralmente as narrativas sobre os outros tempos ou
informar aos seus colegas sobre os dados que obteve em uma pesquisa. Nesta
disciplina, os alunos podem realizar um estudo comparativo entre o rito
que Melatti (1978) presenciou e o rito narrado por algum membro de sua

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 235


comunidade. A partir desses dados os alunos poderão descrever e narrar as
modificações existentes entre o rito descrito e presenciado por Melatti em
1962 e o rito realizado nos últimos 10 anos.

Arte e cultura
Os RCNEI (1998, p. 288) afirmam que “nas sociedades indígenas a
arte está presente nas diferentes esferas da vida: nos rituais, na produção de
alimentos, nos locais de moradia, nas praticas guerreiras, além de expressar
aspectos da própria organização social”.
Nesse sentido, o professor de arte e cultura poderá destacar os elementos
que constituem o ritual: música, mito, dança, pintura corporal dentro outros
aspectos relacionados a esta cerimônia. Assim, os alunos poderão formar
pequenos grupos e apresentar cada um dos aspectos pertencentes a este ritual.

Considerações finais
Neste trabalho apresentamos algumas reflexões sobre a
interdisciplinaridade e educação escolar indígena, na busca por uma nova
escola que contemple a complexidade da atualidade. Apresentamos uma
proposta “transversal e interdisciplinar” que abarca algumas áreas do saber
como: Língua Materna, Língua Portuguesa, Geografia, História e Arte/
Cultura.
Esperamos que, essas abordagens apresentadas, rompam com os “muros
disciplinares” (DAMAS, 2009, p. 14) existentes na educação escolar indígena,
além de abrir uma visão ampliada para o contexto didático “interdisciplinar”.
A partir das reflexões a respeito desse campo interdisciplinar,
concluímos que a interdisciplinaridade surgiu para quebrar as barreiras dos
distanciamentos entre disciplinas e como forma de unificar o “saber e o ser” em
suas instâncias, suas realidades e suas atitudes. Afinal, a interdisciplinaridade

236 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


veio para fazer o ser buscar o seu interior e fazer de nós, educadores, seres
mais ligados ao mundo, ao outro e à natureza.

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Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 239


Práticas Pedagógicas do Professor
de Ciências e Biologia das Escolas
Karajá-Xambioá: uma abordagem
transdiscipinar
__________________________________________
Luismar Gomes Sousa65
Severina Alves de Almeida (Sissi)66
Francisco Edviges Albuquerque67

Resumo
Neste artigo apresentamos os resultados de uma pesquisa realizada
com os Karajá-Xambioá, grupo indígena que pertence à etnia Karajá e se
autodenomina Inỹ, e que secularmente se mantém na bacia do Rio Araguaia,
na região Norte, Estado do Tocantins, no município de Santa Fé do Araguaia.
Atualmente têm quatro aldeias: Xambioá, Kurehe, Wari Lỹtỹ e uma recém
formada, a Nova Kuherê, que ainda está em processo de reconhecimento.
Estima-se que sua população seja aproximadamente 350 indígenas. Os
Karaja-Xambioá falam o Xambioá, um dialeto específico da Língua Karajá,
pertencente ao Tronco Macro-Jê e à Família Linguística Karajá. O objetivo
foi realizar um estudo sobre as práticas pedagógicas do professor de Ciências e
de Biologia nas escolas indígenas da Reserva, com o intuito de evidenciar que
as práticas pedagógicas no contexto indígena Karajá-Xambioá promovem a
65. Licenciado em Biologia pela UFT, Araguaína – TO. É Professor de Ciências e Biologia nas escolas Karajá-
Xambioá. E-mail: luismargs@gmail.com.
66. Pedagoga, Mestre em Letras e Doutoranda em Teoria e Análise Linguística de Línguas Indígenas na UnB –
Universidade de Brasília. Apoio Financeiro: CAPES. e-mail: sissi@uft.edu.br
67. PHD. Professor Adjunto da Universidade Federal do Tocantins – Campus de Araguaina e co-orientador da
pesquisa. e-mail: fedviges@uol.com.br.

240 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


construção do conhecimento pertinente às comunidades (etnoconhecimento),
de forma integrada e contextualizada. Os resultados apontam que os Karajá-
Xambioá têm desenvolvido uma prática educativa valorizando os saberes
tradicionais do grupo, e se inserem nos pressupostos da Transdisciplinaridade.
E que a aldeia e seu entorno oferece as ferramentas que possibilitam uma
aprendizagem contextualizada. Ademais, os professores indígenas e não
indígenas que atuam nas escolas das aldeias se esforçam no sentido de
construírem, junto com estudantes e toda a comunidade, uma educação
escolar que seja verdadeiramente diferenciada e indígena.
Palavras-chave: Karajá-Xambioá; Prática Pedagógica;
Etnoconhecimento; Transdisciplinaridade; Aprendizagem Contextualizada.

Introdução
No Estado do Tocantins atualmente vivem sete povos indígenas, a
saber: Apinayé, Krahô, Krahô-Kanela, Xerente, Karajá, Karajá-Xambioá
e Javaé. Devemos considerar que todos têm suas especificidades linguísticas e
culturais próprias, as quais devem ser levadas em consideração pelas políticas
linguísticas e educacionais, cabendo à escola respeitar essas diferenças,
contribuindo assim para a manutenção e a revitalização da língua e da
cultura indígena (ALBUQUERQUE, 2011).
Com efeito, a Educação Escolar Indígena atualmente tem se
constituído em objeto de estudo de diferentes áreas do conhecimento. É
notável sua incidência em trabalhos desenvolvidos por pedagogos, linguistas,
historiadores, antropólogos, geógrafos, etc., envolvendo categorias como
gestão, currículo, avaliação e as relações pedagógicas que ocorrem dentro
e fora da sala de aula. Tudo isso favorece a percepção de uma pedagogia
transdisciplinar, na concepção do que afirma D´Ambrósio (2009), ou seja, que

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 241


em todas as culturas o conhecimento está subordinado a um contexto natural,
social e de valores, um contexto transdisciplinar.
Nesse sentido desenvolvemos este trabalho, que tem como objetivo
fazer um estudo sobre as práticas pedagógicas do professor de Ciências e
de Biologia nas escolas indígenas da Reserva Karajá-Xambioá. O intuito é
evidenciar que as práticas pedagógicas no contexto indígena Karajá-Xambioá
promovem a construção do conhecimento pertinente às comunidades, de
forma integrada e contextualizada. Também buscamos constatar que os
conteúdos curriculares têm real sentido na vida cotidiana e futura daquele
povo, através de metodologias e materiais pedagógicos relacionados com sua
própria cultura, geografia, língua, etc. Igualmente, pretendemos divulgar
algumas ações que vêm sendo implementadas nas Unidades Escolares
Indígenas do povo Karajá-Xambioá, através de nossa experiência como
professor das disciplinas de Ciências e de Biologia das escolas instaladas nas
aldeias.
Visando a atingir tais objetivos, partimos de dados empíricos, a
partir da prática docente que desenvolvemos nas escolas das comunidades
indígenas Karajá-Xambioá, bem como da ação de outros professores nas
comunidades pesquisadas. Também realizamos uma pesquisa bibliográfica,
quando levantamos as produções de alguns dos principais teóricos que
tratam de Educação Indígena, do professor que atua nesta realidade, e da
transdisciplinaridade enquanto aspecto resultante de uma prática pedagógica
contextualizada.
Portanto, a pesquisa deu-se também por meio de levantamento de dados
coletados na Diretoria Regional de Ensino de Araguaína, via supervisores de
Educação Indígena, assim como da observação in loco e do conhecimento
pragmático vivenciado por profissionais atuantes nas unidades escolares
pesquisadas. O estudo também ocorreu por meio da análise de documentos

242 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


legais como, Constituição Federal (BRASIL, 1988); LDB – Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) e Referencial Curricular
Nacional da Educação Indígena (BRASIL, 1998), que regulamentam esta
modalidade de ensino.
O artigo está estruturado da seguinte forma: primeiro apresentamos
um breve histórico do povo indígena Karajá-Xambioá, seus aspectos sociais,
linguísticos e culturais; em seguida o foco é a Educação Escolar Indígena,
quando descrevemos as escolas instaladas nas aldeias e as modalidades de
ensino que lá são ofertadas; na sequencia discutimos os dados empíricos,
incluindo relato de nossa experiência como professor das escolas indígenas
situadas nas terras dos Karajá-Xambioá.
Com efeito, o fato de os professores não indígenas praticamente
habitarem nas aldeias propicia uma integração dinâmica e intercultural
a ponto de se sensibilizarem no sentido de perceberem que não são donos
do conhecimento, mas um instrumento na busca da construção de novos
conhecimentos relacionados com os anseios e necessidades de cada
comunidade. Segundo Freire (2007) ensinar não é transmitir conhecimento,
mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.

Os Karajá-Xambioá: aspectos socio-históricos,


culturais e linguísticos
Existem poucos trabalhos publicados sobre os Karajá do Norte,
conhecidos como Karajá-Xambioá. O grupo foi visitado pela primeira vez
pelo etnógrafo alemão Paul Max Alexander Ehrenreich em 1888. O extenso
material dessa visita, dividido em cultura material, mitologia e danças de
máscaras, recolhido entre os Karajá do Norte e os Karajá, foi publicado em
Berlin em 1891. No Brasil foi publicado com o título “Contribuições para a
Etnologia do Brasil”, traduzido por Egon Schaden e publicado pela Revista

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 243


do Museu Paulista, nova série, volume II, São Paulo, 1948. A próxima
caracterização etnográfica do grupo vai aparecer em 1992, com a tese do
antropólogo paulista André Toral sobre os povos de língua Karajá. História,
população e organização social dos Karajá do Norte são abordados por meio
de bibliografia e pesquisas de campo realizadas em 1982. O trabalho intitula-
se “Cosmologia e Sociedade Karajá”, dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 199268 .

Localização69:
O povo Karajá-Xambioá, também denominado de Karajá do Norte,
reside na região Norte, Estado do Tocantins, às margens do Rio Araguaia,
no município de Santa Fé do Araguaia – TO. Atualmente têm quatro aldeias:
Xambioá, Kurehê, Wari Lỹtỹ e uma recém formada, a Nova Kuherê, que ainda
está em processo de reconhecimento. Juntas somam uma população estimada
em aproximadamente 350 indígenas.

68. Fonte: www.funasa.gov.br /Em cache - Similares. (2010). Acesso 21-fev-2012.


69. Fonte: http://pib.socioambiental.org/pt/povo/karaja-do-norte/print. Acesso 21-fev-2012.

244 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Fig. 1. Mapa do acesso à Terra Indígena Karajá–Xambioá (COSTA &
RATTS, 2010, p. 4).

Toral (2001) informa que o os Karajá do Norte são tradicionais


habitantes da região do baixo Araguaia e, especificamente, das proximidades
de seu trecho encachoeirado. As quatro aldeias, integrantes do município
de Araguaína, Estado do Tocantins, estão 100 km a montante da cidade de
Xambioá, a 150 km, por estradas de terra e asfalto, de Araguaína, e 70 km
de Santa Fé do Araguaia, os centros urbanos mais importantes para o grupo.
Em 1888, os Karajá do Norte possuíam quatro grandes aldeias
entre a corredeira Pau d’Arco (nas proximidades da atual cidade com esse
mesmo nome) e a grande cachoeira de São Miguel. Suas excursões de caça,
entretanto, os conduziram até as proximidades de São Vicente do Araguaia
(atual Araguatins), de onde foram expulsos pela colonização. Sua área de
ocupação, no início do século XX, ia dos 7° 30’ até 5° 50’ de latitude sul,
ou seja, por mais de 240 km ao longo do Araguaia. Por volta de 1920/1930,

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 245


a população Karajá do Norte encontrava-se espalhada em por volta de oito
aldeias (TORAL, 2001).
Além dessas, são mencionados outros locais, que não se sabe se
constituíam pontos tradicionais de aldeamentos ou se foram ocupados em
função do desejo de manter relações com os adventícios. É o caso, por exemplo,
dos arranchamentos estabelecidos por algum tempo junto ao garimpo Pedra,
no local denominado Karabitxana. Além da grande redução populacional, a
população remanescente encontrava-se dispersa em locais distantes uns dos
outros, como Araguanã e aldeia da foz do Cabiriru (TORAL, 2001).
Grande parte dos habitantes dessas aldeias foi reunida pelo Serviço de
Proteção ao Índio (SPI), nas proximidades do local denominado Água Fria,
nome de um tributário da margem esquerda do Araguaia, logo ao norte dos
limites da atual Terra Indígena, onde o órgão pretendia estabelecer um posto
para o grupo. A essa primeira tentativa de implantação do SPI no final da
década de 1940, teria se seguido outra, igualmente malsucedida, dessa vez na
aldeia Cabiriru (Kabiriry, que significa “estrada da bacaba”), localizada junto
à barra do rio homônimo, no limite sul da atual Terra Indígena (TORAL,
2001).
Ainda no início da década de 1940, o Posto do SPI e a população
Karajá ali reunida foram transferidos para o local onde se encontra hoje,
entre o rio Matinha e o córrego da Paca. Em seguida, se deu a definitiva
reunião dos habitantes das aldeias remanescentes e das famílias que viviam
juntas com a população regional ribeirinha. Aí permaneceram até o verão de
1985, quando pouco mais da metade de sua população se instalava em Kurehê
Hawa, a seis quilômetros do Posto Xambioá. A tendência verificada em 1987
era a de permanência dos dois grupos locais, com população equivalente,
paralelamente a um discreto crescimento de população que se registra
atualmente (TORAL, 2001).

246 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Território:
A Terra Indígena Karajá-Xambioá reúne toda a população Karajá do
Norte (fig. 2), mas representa, todavia, apenas um fragmento do território
tradicionalmente ocupado pelo grupo nas suas atividades de pesca, caça e
coleta de alimentos e materiais. Sua exiguidade faz com que os indígenas,
surpreendentemente, sejam considerados como “invasores” pelos alegados
proprietários das áreas que continuam a percorrer, como faziam no passado.
Para pescar, atualmente, dirigem-se às lagoas e outros pontos piscosos
localizados fora da Terra Indígena Xambioá. Fora dela também fazem
coleta de alimentos. Da mesma forma, para obterem materiais necessários à
elaboração de artesanato são obrigados a comprá-los da população regional
que ocupou seu território (TORAL, 2001).

Fig. 2. Territórios Indígenas da CLIFPI na “região” Araguaia – TO


(COSTA & RATTS, 2010, p. 3).

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 247


Nome:
Este grupo indígena pertence à etnia Karajá e se autodenomina Inỹ, que
secularmente se mantém na bacia do Rio Araguaia. Hoje se divide em três
subgrupos: os Javaé, os Xambioá (ou Norte) e os Karajá (Ilha do Bananal–TO
e Aruanã–GO). Suas áreas ocupadas seguem as margens do Rio Araguaia
passando por áreas geográficas diferenciadas ao longo da referida bacia
(TORAL, 1992) apud (COSTA & RATTS, 2010).
Os Karajá do Norte, como os demais grupos de língua Karajá, são
conhecidos como ixybiowa ou ainda de iraru mahãdu (“turma de baixo”), em
oposição aos demais, chamados de ibòò mahãdu (“turma do alto”), conforme
sua localização ao longo do Rio Araguaia. Os Karajá do Norte eram e ainda
são conhecidos como Xambioá na literatura etnológica. São chamados de
“Karajá”, simplesmente, pela população regional e de “Xambioá”, mais
frequentemente, ou “Karajá do Norte”, muito raramente, desde o século
passado, por viajantes, missionários e, mais recentemente, por funcionários
do SPI e da FUNAI. Os membros do grupo indígena quase nunca utilizam
a palavra Xambioá para se auto-referirem. “Xambioá” vem de Ixybiowa
(“amigo do povo”) que era como se chamava uma aldeia que existiu na foz do
rio de mesmo nome, a montante do atual Posto Indígena. Especulativamente,
pode se supor que o nome tenha sido aplicado a todos seus habitantes e,
posteriormente, a todos os Karajá do Norte. Mais comumente serve como
designação da atual região da cidade de Xambioá. A auto-designação Karajá
do Norte, e o desuso do termo Xambioá, indicam o desejo do grupo de se
identificar, prioritariamente, com a macro-etnia, com uma matriz cultural
comum a todos os grupos Karajá (TORAL, 2001).

Língua:
Os Karaja-Xambioá falam o Xambioá, um dialeto específico da

248 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Língua Karajá, pertencente ao tronco Macro-Jê e à família Linguística
Karajá. Segundo o linguista Aryon Dall’Igna Rodrigues (1986), a família
Karajá, pertencente ao tronco linguístico Macro-Jê, se divide em três línguas:
Karajá, Javaé e Xambioá. Cada uma delas tem formas diferenciadas de
falar de acordo com o gênero do falante. Apesar destas diferenças, todos se
entendem. Em algumas aldeias, como em Xambioá (TO) e em Aruanã (GO),
devido ao processo do contato com a sociedade nacional, o Português tem
sido dominante (TORAL, 2001).

Aspectos Culturais:
Fazendo uma abordagem sobre sua cultura, os Karajá-Xambioá
possuem uma diversidade cultural, característica do universo indígena,
onde a pintura, a dança e pratos típicos, ainda são praticados. Entretanto,
apesar de terem passado por um processo de quase perda desses aspectos
tradicionais, atualmente o povo Karajá-Xambioá está lutando para revitalizar
sua cultura, pois muitas atividades que não eram realizadas até tempos atrás,
agora estão visíveis nas festividades, como a festa do peixe, onde se têm várias
manifestações voltadas para o resgate dessa importante expressão cultural.
Um exemplo imponente é a luta corporal, uma forma de ver que o
indígena do gênero masculino está apto para assumir as atribuições mais
complexas dentro da comunidade, ou seja, simboliza uma transição da vida
da fase jovem para a fase adulta, e as apresentações de lutas corporais é um
marco na tradição cultural desse povo. A pesca, além de ser uma atividade
de sustentação alimentar dos habitantes das aldeias, também é um momento
singular, pois se reúne na festa do peixe todos os indígenas, desde crianças
até os anciãos, quando todos se confraternizam, cada um exercendo uma
importante função na comunidade.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 249


Artesanato70:
Para confeccionar seus artesanatos, os Karajá-Xambioá precisam
comprar o material dos regionais porque está fora da Terra Indígena.

Sociedade71:
Os Karajá-Xambioá vivem em famílias extensas. Durante o verão eles
de espalham em pequenos grupos para as praias e lagos para pescar.

Religião:
As suas crenças são relacionadas com as estações do Rio Araguaia, e
diversos heróis estão associados com a enchente, vazante, e a época de praias
quando as águas estão baixas e os Karajá mudam para acampamentos para
pescar, etc. Os Karajá se consideram seus ancestrais (os ijasò) ser mestres de
todos os animais no céu, da terra e das águas. A festa do ijasò anaràky comunica
com os ancestrais através dos Pajés. Os rituais, observados corretamente,
seguram contato com os ancestrais, os mestres dos animais e peixe, e assim
garantiam a continuidade do território e do alimento. Os Karajá do Norte
mantêm as suas festas de iniciação dos rapazes no dia do Índio, dia 19 de
abril, e os espíritos do Kayapó mortos em combate com os Karajá do Norte
“visitam a aldeia” (TORAL 2001).

História do contato com outros


grupos indígenas
Segundo Toral (2001), os Karajá do Norte tiveram contatos históricos
com diversos grupos: Kayapó (Xikrin, Metuktire e os atualmente extintos Irã-
amrãire, de Pau d’Arco), Timbira (sobretudo os Apinayé) e Akwen (Xerente,

70. Fonte: http://instituto.antropos.com.br/. Acesso: 03-mar-2012.


71. Fonte: http://instituto.antropos.com.br/. Acesso: 03-mar-2012.

250 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


principalmente no século XIX).
No século XIX, essas relações eram geralmente conflituosas,
com exceção de alianças de duração limitada com os Xerente contra as
guarnições militares, principalmente em função da alteração da localização
dos grupos indígenas devido à chegada da colonização. Há indícios seguros,
no entanto, que nos séculos anteriores houve considerável intercâmbio social,
principalmente com os grupos Kayapó, dentre os quais os Xikrin - que ainda
praticam rituais aprendidos com os Karajá do Norte - e os Metuktire, que
conservam inúmeras peças de sua cultura material, principalmente cestos
e palmarias, também “importados” dos Karajá do Norte. Ainda no século
XIX, mantiveram relações quase sempre conflituosas com os Tapirapé, grupo
de língua Tupi-Guarani, quando estes se deslocaram em áreas marginais ao
baixo Araguaia no seu movimento rumo ao sul (TORAL, 2001).

Breve Histórico do contato com a sociedade


não indígena
É provável que os Karajá do Norte tenham sofrido ataques de expedições
escravagistas oriundas de São Paulo no período colonial, mas não era seu alvo
preferencial. Chegaram ao início do século XIX relativamente preservados e
considerados como o mais numeroso dos grupos Karajá. Seu contato com não
indígenas se restringia apenas a traficantes, missionários e aventureiros que
atingiam o baixo Araguaia pelo Pará (TORAL, 2001).
Em 1813, iniciavam-se os conflitos desse grupo com as guarnições
militares que durariam até o final do século. Nesse ano, aliados a grupos
Akwen, provavelmente Xerente, destruíram o presídio de Santa Maria. A
partir da segunda metade do século XIX, diminuíram os ataques dos Karajá
do Norte às guarnições militares dos Martírios e Santa Maria, principalmente.
Foram também registrados choques armados na Missão de Xambioá, onde

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 251


um missionário capuchinho comandou a ação repressiva do destacamento ali
estacionado, que causou a morte de cerca de 30 indígenas (TORAL, 2001).
A maioria dos ataques dos Karajá do Norte foi dirigida contra os
militares por meio dos quais se tentou afirmar a presença brasileira no baixo
Araguaia: presídios, acampamentos, destacamentos e embarcações militares,
mesmo sob forte escolta. Os núcleos pioneiros, não militares, em função
de sua fragilidade frente à (relativamente) numerosa população indígena,
certamente não adotaram um comportamento declaradamente hostil perante
os indígenas (TORAL, 2001).
Nos últimos anos do século XIX e primeiras décadas do XX, os Karajá do
Norte sofreram enormes perdas populacionais, devido principalmente a doenças
e, numa escala muito menor, a choques armados com as guarnições militares.
Finalmente, deixaram de se apresentar como um obstáculo à navegação e
ao estabelecimento de núcleos pioneiros no baixo Araguaia. Ironicamente,
os planos para a navegação e colonização já se encontravam abandonados.
A principal consequência da política agressiva adotada em relação a eles é o
deserto populacional existente nos dias de hoje no baixo Araguaia, resultado da
extinção de suas aldeias. Estas, atualmente, encontram-se separadas por mais
de 250 km de rio da mais próxima aldeia Karajá (TORAL, 2001).

Material e métodos
A pesquisa que originou nosso artigo é de natureza etnográfica com
observação participante a partir das teorias de Erickson (1984), Ezpeleta
& Rockwell (1989) e Beaud & Weber (2007) apud Almeida (2011, p. 52). Os
autores advertem que a pesquisa etnográfica observacional participante,
deve obedecer a alguns critérios básicos. Primeiro precisa haver participação
intensiva e de longo prazo no contexto a ser pesquisado. Segundo, deve-se
registrar cuidadosamente tudo o que acontece no contexto analisado, através

252 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


de notas de campo e da recopilação de outros tipos de documentos (gravações
em áudio e vídeo, trabalhos acadêmicos, relatórios, dentre outros).
Ezpeleta & Rockwell (1989) apud Almeida (2011, p. 52-53), asseguram
que a pesquisa etnográfica, a partir da observação participante e sua
aplicabilidade na educação, justifica-se pela constatação de que os métodos
de investigação próprios das ciências naturais não serviam ao estudo dos
fenômenos humanos e sociais. Para as autoras, surge, então, o interesse
pelo desenvolvimento de metodologias mais adequadas ao entendimento
do complexo e dinâmico fenômeno humano, considerado não como uma
relação de causa/efeito, mas, sobretudo, como relação que enseja a atividade
interpretativa dos contextos nos quais se concretizam.
De acordo com Beaud & Weber (2007) apud Almeida (2011, p. 52),
a etnografia tem por princípio dar palavra aos humildes, àqueles que, por
definição, nunca têm a palavra: tribos isoladas em campo exótico, povos
colonizados, classes dominadas ou grupos em vias de extinção nas sociedades
desenvolvidas, ou seja, a etnografia pode ser vista como metodologia
característica de uma ciência calcada no concreto e arquétipo do qualitativo,
com ênfase no cotidiano e no subjetivo, o que favorece sua utilidade na
educação.
Nossa pesquisa deu-se também por meio de levantamento de dados
coletados na Diretoria Regional de Ensino de Araguaína via supervisores
de educação Indígena, assim como da observação in loco e do conhecimento
pragmático vivenciado por profissionais atuantes nas Unidades escolares
pesquisadas. O estudo também ocorreu via análise de documentos legais
como: LDB 9394 (BRASIL, 1996); Referencial Curricular Nacional da
Educação Indígena (BRASIL, 1998), Constituição Federal (BRASIL, 1988)
que, dentre outros, regulamentam tal modalidade de ensino.
Houve ainda entrevistas semi dirigidas direcionados aos profissionais

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 253


da área e com lideranças locais, além de debates específicos com alunos
atendidos pelo sistema estadual de ensino que ocorre nas comunidades
indígenas pesquisadas. Análise dos projetos ambientais já em andamento nas
aldeias, como: preservação das tartarugas, dos peixes, das matas, no sentido
de utilizá-los como referencial e material pedagógico, principalmente no
ensino de Ciências e Biologia. Também analisamos pesquisas realizadas pela
Universidade Federal de Goiás (UFG), na busca de um currículo específico
para as escolas indígenas (ROCHA, SILVA E BORGES, 2010).
Ênfase maior é dada a nossa experiência como professor de Ciências
e Biologia nas escolas dessas aldeias. A partir do planejamento das aulas,
bem como do desenvolvimento de uma prática pedagógica envolvendo
os alunos e a comunidade, foi possível apresentar a transdisciplinaridade
como uma teoria presente no cotidiano da educação indígena. Relevância
é dada também ao ambiente da aldeia e seu entorno, quando a natureza e
seus elementos, notadamente plantas, rios, animais e peixes são conteúdos
trabalhados durante os estudos.
Os dados coletados foram sistematizados, analisados e descritos
mediante reflexões qualitativas (ALMEIDA, 2011). Além destes, consultamos
a Diretoria Regional de Ensino de (DRET) de Araguaina, no que tange
ao monitoramento e avaliação das escolas por esta entidade responsável e
representativa no Estado que abarca em sua jurisdição as aldeias pesquisadas.
Não obstante, a trajetória metodológica aqui evocada considera a
realidade indígena no contexto do etnoconhecimento (RODRIGUES &
PASSADOR, 2011), isto é, o conhecimento concebido a partir das referências
socioculturais dos diferentes grupos étnicos que, ao longo do tempo, elaboram
padrões que possibilitam formas específicas de ler o mundo (FREIRE, 2007).
Atribuindo significados relevantes para aquele grupo, de tal sorte a conceber
o conhecimento como uma construção social que comporia uma parte do

254 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


conhecimento como um todo, rompendo com o eurocentrismo que marca
a epsitemologia e que tem contribuído para um processo de negação da
própria identidade dos grupos que acabam silenciados (RODRIGUES &
PASSADOR, 2011).

Os Karajá-Xambioá e a educação
escolar indígena
A educação escolar entre os Karajá-Xambioá segue a tendência dos
demais povos indígenas que sobreviveram no Brasil72, ou seja, está amparada
por uma vasta base legal: Constituição do Brasil (1988); Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional - LDB 9394 (1996), Referencial Curricular
Nacional da Educação Indígena - RCNEI (1998), e se efetiva mediante os
pressupostos do sistema de ensino da sociedade não indígena (ALMEIDA,
2011), regulamentado pelo Ministério da Educação - MEC.
Com efeito, no início da década de 1970, a FUNAI adotou um
programa educacional bilíngue e intercultural para alguns grupos, entre eles,
os Karajá. Este programa, sob a orientação do Summer Institute of Linguistics
(SIL), entidade que tem também objetivos religiosos, resultou na tradução da
Bíblia na língua Karajá. Na área Karajá-Xambioá existem quatro escolas:
Escola Indígena Tainá Hacky que oferta Ensino Fundamental primeira fase
de 1º ao 5º ano; Escola Indígena Manoel Achure; Escola Indígena Waxiho Bedu
Ensino Fundamental de 1º ao 9º ano e o CEMI Centro de Ensino Médio
Indígena Karajá Xambioá.
Segundo Giraldin (2008), decorridos mais de uma década do início da
universalização do acesso ao Ensino Fundamental, o crescimento da demanda
de alunos concluintes das séries iniciais (atualmente nono ano), faz surgir em

72 Segundo Maher (2006) e Grupioni (2002; 2006) quando os europeus invadiram o Brasil a população
indígena era estimada entre 6 a 10 milhões de pessoas, falando aproximadamente 1.500 línguas. Atualmente são 243
povos somando aproximadamente 817.000 indígenas (ALMEIDA, 2011), falantes de 170 línguas (RODRIGUES,
2002).

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 255


2008 a demanda para o Ensino Médio, atendendo as reivindicações das
lideranças (sobretudo aquelas ligadas à escola) para a oferta desta modalidade
nas aldeias indígenas do povo Karajá-Xambioá. Posteriormente, conforme a
Resolução nº 83, de 18 de junho de 2010, foi autorizado o funcionamento do
Ensino Médio, Curso Médio Básico, do Centro de Ensino Médio Indígena
Karajá-Xambioá, Santa Fé do Araguaia, estado do Tocantins.
No ano de 2011, aproximadamente 150 alunos estavam matriculados
regularmente nas escolas das aldeias Karaja-Xambioá. Quanto à formação
dos professores, de um total de dezessete professores, seis são graduados em
diferentes licenciaturas, oito cursam Licenciatura Intercultural, dois possuem
o Ensino Médio e dois estão se formando no Magistério Indígena.
A partir de nossos estudos e pesquisas, observamos que na comunidade
indígena Karajá-Xambioá persiste a necessidade de contextualização dos
conteúdos propostos pela Secretaria da Educação Estadual, através do
Referencial Curricular Nacional da Educação Indígena e outros instrumentos
que direcionam o andamento da escolarização dos alunos.
A iniciativa dessa contextualização partiu da necessidade latente
de promoção efetiva do cumprimento daquilo que estar estabelecido na
Constituição Federal (1988), onde especifica a responsabilidade das relações
do Estado para com as sociedades indígenas.
Dentre as responsabilidades é pertinente destacar a obrigação do
Estado em assegurar aos povos indígenas o direito a uma educação de
qualidade, seguindo os princípios da Educação diferenciada, bilíngue e
intercultural (ALMEIDA, 2011) podendo essa ser composta de mecanismos
próprios ao modelo de organização sócio cultural de cada povo indígena nas
mais diferentes localidades.
A título de respaldo no que se refere ao aparato legal, é importante
citar o artigo 210 da Constituição Federal do Brasil (1988), que regula os

256 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


conteúdos a serem ministrados para o Ensino Fundamental no sentido de
preconizar a valorização das culturas nacionais e regionais e o parágrafo 2°
que especifica o que diz respeito à educação escolar indígena, discorrendo da
seguinte maneira:

Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino


fundamental, de maneira a assegurar formação básica
comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais
e regionais.
§ 2.° O ensino fundamental regular será ministrado em língua
portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a
utilização de suas línguas maternas e processos próprios de
aprendizagem (BRASIL, 1988).

Ainda em conformidade com os textos constitucionais pode-se destacar


outro aspecto relevante que também pode ser utilizado como embasamento
legal para a implantação eminente dos modelos próprios de organização
das instituições incumbidas de desempenharem serviços nas comunidades
indígenas. No caso específico, a organização da Escola como ponte para
resguardar o direito à prática e manutenção da cultura que é, sobretudo, fator
de identidade da Nação brasileira. A Constituição garante através do Artigo
215: Art. 215 “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a
valorização e a difusão das manifestações culturais”. § 1º “O Estado protegerá
as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de
outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”.
Assim, é perceptível a possibilidade de reafirmação e proposição
de metodologias que contemplem a prática e incentivo à valorização e
reconhecimento dos valores culturais de um povo e o melhor espaço para
ocorrência dessas vivências também se constitui dentro do processo de
escolarização. Ademais, os avanços conquistados, referente à educação escolar,

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 257


vêm ganhando ao longo dos anos tratamento que atende às especificações e
detalhamentos nas leis subsequentes como a Lei 9394, LDB; Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional nos artigos 78 e 79, o PNE; Plano Nacional de
Educação; Parecer n°14, entre outras.

Práticas pedagógicas na Educação Escolar Indígena


Karajá-Xambioá: marcos transdisciplinares
Segundo Almeida (2011), a transdisciplinaridade está presente nos
domínios socioculturais indígenas, evidenciando-se na educação que as
crianças das aldeias recebem desde cedo. De acordo com Batista (2005) apud
Almeida (2011), por meio da educação advinda dos ensinamentos dos mais
velhos, os professores indígenas buscam incorporar às suas práxis pedagógicas
aspectos transdisciplinares, presentes na forma como os conteúdos são
abordados.
Todavia, como uma teoria tão complexa como a transdisciplinaridade
(ALMEIDA, 2011), pode ser percebida na prática pedagógica de um professor
indígena? Para elucidar esse questionamento, recorremos a Nicolescu (2008)
apud Almeida (2011), que afirma ser a transdisciplinaridade algo que perpassa
as diferentes disciplinas, indo além de todas as disciplinas que circulam na
esfera do conhecimento, sendo sua finalidade a compreensão do mundo atual,
para a qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento.
Para D´Ambrósio (1997) apud Almeida (2011), em todas as culturas o
conhecimento está subordinado a um contexto natural, social e de valores.
Portanto, indivíduos e povos criam, ao longo da história, instrumentos
teóricos de reflexão e observação. Associados a estes, desenvolvem técnicas e
habilidades para explicar, entender, conhecer e aprender, visando ao saber e
ao fazer. Dessa forma, teorias e práticas são respostas a questões e situações
diversas geradas pela necessidade de sobrevivência e transcendência.

258 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


D´Ambrósio (1997) apud Almeida (2011), entende que a transdisciplinaridade
é o reconhecimento de que não há espaço nem tempo privilegiados que
permitam julgar e hierarquizar (como mais correto ou verdadeiro) complexos
de explicações e de convivência com a realidade.
De acordo com Batista (2005) apud Almeida (2011), o educar numa
concepção transdisciplinar perpassa o campo interdisciplinar73, produzindo
modos de compartilhar saberes, reconhecendo os diferentes níveis de
realidade, ultrapassando o território científico, criando espaços de diálogos
multirreferenciais com as diversas culturas, com a vida de cada grupo
humano, abrindo possibilidades de visões plurais a respeito de um fenômeno
ou conceito, ou a respeito da complexidade da própria vida.

Práticas transdisciplinares realizadas nas escolas


do povo Karajá-Xambioá
Nesta seção são realizadas considerações acerca da transdisciplinaridade,
e descrevemos algumas práticas pedagógicas que se configuram como
transdisciplinares, e que são exercidas por professores das escolas indígenas
Karajá-Xambioá. Partimos, inicialmente, de nossa experiência como professor
de Ciências e de Biologia nas referidas escolares, bem como da ação de outros
professores que lecionam nas escolas pesquisadas.
Com efeito, para incutirmos o caráter transdisciplinar na educação
indígena do povo Karajá-Xambioá, partimos do pressuposto de que a
transdisciplinaridade é uma categoria que se justapõe quando se trata de educar
nos domínios sociais indígenas (ALMEIDA, 2011). Isso porque, segundo a
autora, a educação escolar indígena, assim como a transdisciplinaridade, está
em fase de construção, tanto conceitual quando epistemologicamente.
Segundo D´Ambrósio (2009) apud Almeida (2011), a educação indígena
73 Fazenda (2008, p. 65) afirma que a compreensão do conceito de interdisciplinaridade amplia-se a partir
de um novo olhar sobre as ciências, voltado para o entendimento da não fragmentação das atividades.
se movimenta num espaço intersubjetivo de contradições que imbricam para
a transdisciplinaridade. Almeida (2011) conclui que o ponto de intersecção
se dá quando, ao se analisar cada uma dessas categorias, se depara com
uma situação aparentemente caótica, identificada mediante um aparato
relacional presente num campo gravitacional onde interagem elementos,
simultaneamente, antagônicos e proximais. Mas um caos organizado, por
mais paradoxal que possa parecer, conclui a autora.
Apresentamos, a seguir, as ações desenvolvidas nas escolas das aldeias
Karajá-Xambioá, Kurehe, Wari Lỹtỹ e Nova Kuherê, ações estas identificadas
como transdisciplinares. A descrição se baseia em nossa experiência in
loco. Inicialmente descrevemos como se dá o planejamento de uma aula
contextualizada na realidade de uma aldeia indígena.

1. Seleciona-se o tema contextual;


2. Neste caso, aborda-se como tema contextual: o “lixo”, escolha que
ganha grande dimensão;
3. Inicia-se o estudo sobre toda área que possui lixo;
4. Aborda-se, a partir da temática, como se pode trabalhar matemática,
geografia, história, língua materna, língua portuguesa, ciências,
etc. discutindo, ainda, a relevância do tema para a comunidade e
também para os não indígenas;
5. A utilização do rio, das matas, a experiência dos velhos e suas
historias, a mudança de hábitos de geração em geração, o uso da
língua materna etc., são o material didático a ser empregado;
6. Finalmente, discutem-se como os estudantes indígenas podem
levar tudo isso para casa e, consequentemente, para a comunidade,
uma vez que os conteúdos didático-pedagógicos devem ser
relevantes para a comunidade, bem como precisam promover um

260 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


real conhecimento sobre o tema e que ele reflita na comunidade,
beneficiando seu povo. Alem de usar estes conhecimentos fora do
território indígena;

A seguir delineamos, passo a passo, os procedimentos da aula.


1° Momento – Este consiste, basicamente, na construção do tema que
será abordado. Esta construção se dá através da necessidade e da relevância
do mesmo para toda comunidade. A introdução de todas as disciplinas e
cultura local no mesmo tema tem por objetivo, apresentar o conhecimento de
forma ampla e sólida, e que faça real sentido aos alunos e à comunidade. Daí
os professores descreverem o que deve ser destacado dentro de sua área de
formação, inclusive os professores indígenas, que utilizam a língua materna e
outras ações culturais.

Aula de Ciências:
Tema: A água. A escolha dessa temática é muito relevante em função
da relação histórica, geográfica, ambiental e cultural que o povo Xambioá
tem com o Rio Araguaia.
Objetivo: O objetivo é tentar construir um conhecimento amplo sobre
a água que seja de fato relevante para as comunidades Xambioá.
2° Momento: metodologia. A princípio cria-se um diálogo
pouco formal com os alunos buscando integrá-los coletivamente. Busca-se,
inicialmente, o domínio do conceito das palavras que compõe o título, que
nesse momento já está explícito no quadro (a água e seus estados físicos).
Conceituando ÁGUA: O que é? Para que serve? Onde encontramos?
Quem precisa? Por que se precisa?
Algumas respostas obtidas: “É aquilo que corre no rio”. “É o que
bebemos para matar a sede”. “Serve para tomar banho”. “Serve para os peixes

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 261


morarem”. “Encontramos no rio”. “Encontramos na chuva”. “Na lagoa”. “No
suor”. “Nós precisamos”. “Os peixes precisam”. “As plantas precisam”. Etc.
Professor: Após exposição oral dos conhecimentos prévios dos alunos
o professor realiza a seguinte consideração: “Então podemos dizer que a água
é um elemento muito importante no surgimento e na manutenção da vida no
planeta Terra”.
Conceituando ESTADO: O que é? Como se percebe?
Algumas respostas obtidas: “É um pedaço do Brasil onde a gente
mora”. “É o estado do Tocantins”. “A gente percebe olhando”. “A gente
percebe na divisão pelos rios”. Etc.
Professor: A maneira como vocês definiram está correta,
principalmente para entendermos a divisão política do nosso país e até do
mundo. Mas há ainda o conceito de estado que vamos entender como: A
forma em que um objeto ou um corpo se encontra. A forma em que ele está.
(está + do => estado). Vamos exemplificar juntos. O estado em que a menina
e o menino se encontram na sala é diferente. Ela está quietinha observando
tudo o que estamos falando e ele está inquieto, não para em um lugar. Outro
exemplo: Se sua mãe manda você vir para a escola, mas você está muito sujo
ela dirá “olha o estado desse menino”.
Conceituando FÍSICO: O que é? Como se percebe?
Algumas respostas obtidas: “É quando o cara é forte”. “É quando
a gente faz física (ginástica)”.
Professor: “Ok. Agora vamos ver outro conceito de físico: é a forma
material como um corpo se encontra. É perceptivo na visão (olhar), olfato
(cheiro), tato (mãos, pegar), etc. Vou citar um exemplo e vocês ajudarão na
construção do entendimento, mas primeiro teremos que tentar entender um
outro termo: como nessa aldeia já tem energia elétrica e consequentemente
eletrodomésticos como a geladeira, vai ficar um pouco fácil compreender o

262 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


conceito de físico que estamos trabalhando. Acho que todos aqui sabem o que
é gelo, certo? Então, o gelo é a água em estado sólido, é consistente, duro, mas
é água e a água corrente no rio, a água que colocamos no copo para beber
está em estado líquido. Ao cozinhar o Bororó não sobe uma “fumaça” que
molha a tampa da panela? Aquilo é água no estado gasoso. Então, a água
“dura” está sólido, a água corrente “mole” está no estado líquido e a água em
forma de “fumaçinha” está no estado gasoso”.
É notável a abertura que o tema dá a todas as áreas de conhecimento:
como abordar geograficamente questões relacionadas à água, local, regional,
global e culturalmente. Usando a matemática para contar os animais e vegetais
que se relacionam direta e indiretamente com a água. A língua portuguesa
na escrita e produção de textos relacionados à pesquisa e a língua materna
na identificação e nomenclatura de tudo que for objeto de estudo, buscando
contribuir para revitalização da mesma. Em história, a relação histórica que
o povo Karajá-Xambioá tem com o rio e que outros povos têm com outros
rios do país. Enfim, um universo rico, contextualizado e transdisciplinar.
3° Momento: Exemplificar tudo que foi conceituado, em aula extra-
sala, aproveitando a proximidade das escolas com o Rio Araguaia, com as
plantas, os animais e as pessoas. Sempre frisando a relação entre tudo que for
observado com tema. Nesse momento a aula pode ser uma volta de barco no rio
com a turma com o acompanhamento dos professores indígenas e não indígenas,
no sentido de desenvolver também a interculturalidade, observando animais,
vegetais, os pescadores, as canoas, as praias, que são locais das atividades
reprodutivas das tartarugas, um dos principais alimentos dos Karajá-Xambioá.
De volta, uma visita ao tanque criatório de tartarugas que contém
muitos indivíduos da espécie. Observando a necessidade de trocar a água
periodicamente, e a importância da preservação ambiental como um dos
temas mais discutidos no mundo atual.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 263


Retornando à sala de aula, o professor coloca uma garrafa bem tampada
de água congelada sobre a mesa, no sentido de fundamentar um debate da
aula anterior. O questionamento ocorreu quando o professor afirmou ter água
no ar. Os alunos ficaram espantados “esse professor tá doido”, comentam.
Ao retomar o debate, o professor diz que aquela garrafa vai exemplificar o
a questão. Os alunos ficam fixados na garrafa e se perguntando o que vai
acontecer. O professor pergunta: “a garrafa está molhada”? Eles respondem
“sim”. O professor pergunta novamente: “de onde vem essa água”? Lembrem-
se de que a garrafa está bem tampada. Os alunos se amontoam em volta
da garrafa maravilhados com aquilo, e afogam o professor com inúmeras
perguntas e sugestões. O professor se afasta e diz que não vai revelar o
exemplo e os alunos se desesperam. Enfim, o professor pede ordem e diz
que aquela água é do ar. As minúsculas gotículas de ar que ficam no ar são
atraídas pela temperatura mais baixa, ou seja, pela água congelada dentro
da garrafa. Como não pode unir-se a ela acumula-se nas paredes externas da
garrafa. Os alunos ficam impressionados. Então o professor pede aos alunos
que procurem em casa ou nos diversos lugares da Aldeia outros exemplos.
Numa outra aula o professor que morava na cidade de Babaçulândia,
leste do estado do Tocantins, margem do rio de mesmo nome e divisa com o
Maranhão, conta aos alunos que está tendo dificuldades em se adaptar com
o Rio Araguaia. Os alunos perguntam o porquê da dificuldade. Ele diz que
estando em Babaçulândia pescando no rio Tocantins, a água corre da direita
para esquerda, levando a linha consigo. Já no rio Araguaia a água corre da
esquerda para a direita “não sei pescar assim” disse o professor.
Então o professor pergunta. “Geograficamente, como vocês explicam
essa confusão”? Os alunos logo respondem que os rios correm em direção
contrária. Mas o professor afirma que eles correm na mesma direção, sentido
sul norte. “E agora”? Pergunta o professor. Os alunos entram numa discussão

264 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


no objetivo de entender como os rios correm na mesma direção estando no
mesmo Estado e na divisa com o Maranhão, um corre para esquerda e na
divisa com o Pará corre para esquerda. O professor pede que eles utilizem
mapas. E eles confirmam que eles correm na mesma direção (sul–norte). Então
os alunos percebem que dependia de para onde o professor estava direcionado
para o oeste ou para o leste.
Nesse momento os professores língua portuguesa e língua materna
já estão ricos em ideias para serem trabalhadas pegando o fio da discussão,
como a escrita e significado de palavras, interpretação e produção de texto.
O professor de arte pede desenhos e pesquisa com os mais velhos das Aldeias,
no sentido de aprender histórias, cantos, artesanatos, pinturas e formas de
pinturas relacionadas com o Rio, ou de animais muito ligados a ele. No que
diz respeito à pintura, o professor explica que a pintura Karajá-Xambioá é
igual para todo o povo Iny, Javaé, Karajá e Xambioá.
Com efeito, a divisão da pintura acontece quando ela é masculina e
feminina. Para esses, a pintura pode ser escolhida diferente. A criança também
tem sua pintura especial. Toda a pintura tem seu significado, com nomes de
animais como, Haragie que significa Urubu Rei, Otubuny que significa jabuti e
todas as pinturas têm seu nome e significado.

Como usar a matemática nesse tema?


Os professores da escola Waxiho Bedu levaram os alunos para verem
que o Rio estava enchendo e subindo o barranco, e colocaram varetas para
medir a mudança de nível. No dia seguinte voltaram e viram que todas as
varetas estavam dentro do rio. Mediram a distância, separaram os alunos
em grupos e mandaram anotar as perguntas. Se o rio continuar enchendo
na mesma velocidade, quanto ele terá subido em cinco dias? E em dez dias?

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 265


A seguir os professores pediram que os alunos buscassem saber dos anciões
das comunidades até onde o rio já subiu, quem estava lá, quando foi, o que
causou, etc.

Recursos Didático-pedagógicos:
Aldeia, Rio, barco, mapas, quadro e giz, garrafas, varetas, cadernos,
criatório de tartarugas, lagoas que secam no período de estiagem, artesanatos
como: barcos, pescadores, arco e flecha, arpão, timbó, animais, etc.

Recursos Humanos:
Professores indígenas e não indígenas, alunos, anciãos, caciques,
coordenadores, pescadores, técnico em enfermagem, artesãos.

Avaliação:
A avaliação se dá de forma contínua, a partir da observação dos alunos
no desenvolvimento das práticas, do conhecimento cultural, da exposição de
ideias, semanários, atuação em campo, participação coletiva, domínio das
práticas e conteúdo, conceitualização dos objetos trabalhados, prática de
pronúncias na língua materna, atividades em grupo e individualmente.
Como podemos perceber, as práticas pedagógicas que exercemos
nas escolas instaladas nas aldeias do grupo indígena Karajá-Xambioá se
inserem na perspectiva da transdisciplinaridade. Contudo, temos observado
que na comunidade Xambioá algumas lideranças locais, bem como alguns
professores indígenas, indagam sobre o efeito que a educação escolar, oriunda
da sociedade não-indígena, pode causar no sentido de transformação social.
Por isso, estamos trabalhando em conjunto, envolvendo a comunidade que,
por sinal, tem se aproximado cada vez mais da escola, fazendo parte do

266 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


corpo escolar e preconizado atividades de grande relevância e que refletem
positivamente nas relações estabelecidas com organizações externas ao
território indígena.
Se partirmos do pressuposto de que o conhecimento não tem fronteiras,
ainda mais em se tratando das populações indígenas, uma vez que estas detêm
um conhecimento construído culturalmente de forma não disciplinar, ou seja,
não fragmentado, temos aí uma via de mão dupla. Isso porque, historicamente,
persiste um distanciamento do modo de ser e viver dos indígenas em relação
ao modelo ocidental, estabelecido nas relações entre estes e a sociedade
majoritária, que institucionalmente ocorrem de forma assimétrica.

Considerações finais
É perceptível o resultado das práticas pedagógicas direcionadas ao
alunado e às comunidades do povo Karajá-Xambioá, práticas estas, que
visam, de maneira transdisciplinar e coletiva, a construir e/ou aprimorar
conhecimentos pré-existentes que caracterizam e legitimam aquele povo.
Conhecimento da própria cultura como: da língua, dos rios, das matas, dos
animais, da culinária, das histórias, das pinturas e etc., servem de base para
um currículo específico e até como material didático para as escolas locais.
Além de aproximar toda comunidade da escola, dando assim uma
contribuição ao processo de revitalização da cultura Xambioá. Uma vez
que, no passado ela foi muito desgastada pela relação com o não-indígena,
que nem sempre foi amistosa, devido à luta pela terra e pela permanência
de suas tradições. Para isso tiveram que aderir a alguns conceitos do mundo
ocidental, bem como, fazer com que as aulas sejam atrativas e prazerosas a
ponto de serem disseminadas em todo cotidiano dos alunos. Afinal, a busca
por currículos relevantes na valorização dos conhecimentos prévios, formação
dos educandos e, consequentemente, na formação de uma sociedade melhor,

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 267


tem crescido cada vez mais, tanto em quantidade quanto diversidade nas
escolas ditas convencionais.
Nessa perspectiva, os Karajá-Xambioá têm buscado formas de
desenvolver uma prática educativa valorizando os saberes tradicionais do
grupo. Como percebemos neste trabalho, a aldeia e seu entorno oferece
as ferramentas que possibilitam uma aprendizagem contextualizada, e os
professores indígenas e não indígenas que atuam nas escolas das aldeias
se esforçam no sentido de construírem, junto com estudantes e toda a
comunidade, uma educação escolar que seja verdadeiramente diferenciada
e indígena.

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270 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


A Educação Escolar Indígena: um
paradigma educacional emergente
e Transdisciplinaridade
__________________________________________
Marta Virginia de Araújo Batista Abreu74
Francisco Edviges Albuquerque75

Resumo
Este artigo tem como finalidade situar a educação escolar indígena
dentro do paradigma educacional emergente e da transdisciplinaridade.
Por meio de um sucinto histórico, este trabalho tem a intenção de explorar
concepções e teorias a respeito do paradigma educacional, sua evolução e
transformação. No âmbito dos fundamentos procuramos contribuições
em autores que trabalham com transdisciplinaridade, com paradigma
educacional e educação indígena para, então, entendermos as possibilidades
e os desafios da educação escolar indígena na perspectiva do paradigma
educacional emergente e da transdisciplinaridade. Os resultados apontam que
o grande desafio da educação escolar indígena hoje, para que ela seja, de fato,
transdisciplinar e de acordo com o paradigma educacional emergente, está
na valorização dos saberes tradicionais, da língua materna, da cultura e de
todas as suas expressões. Indubitavelmente, este é um caminho para garantia
da libertação e transformação da realidade destes povos. Na escola, várias
atividades que ultrapassem os conteúdos pedagógicos podem ser realizadas
pelos professores, por meio das experiências escolares e experiências de vida.

74 Mestranda do MELL – Mestrado em Língua e Literatura do PPGL – Programa de Pós Graduação em Letras da
UFT - Universidade Federal do Tocantins - Campus de Araguaína. E-mail martavirginia@uft.edu.br.
75 Coordenador do Projeto A Educação Escolar Apinaye na Perspectiva Bilíngue e Intercultural/ Programa do
Observatório de Educação Indígena, CAPES/SECAD/INEP. Edital no 001/2009.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 271


Atividades em que haja uma interação entre os conteúdos específicos e a
realidade prática dos alunos, por meio de projetos de melhoria de vida e de
transformação da sua realidade.
Palavras-chave: Paradigma Educacional Emergente;
Transdisciplinaridade; Educação Escolar Indígena.

Introdução
A necessidade de uma mudança na educação escolar indígena é um
assunto muito abordado ultimamente. Uma mudança que dê novas forças
às definições que contemplem ações efetivas na prática dos professores. Estas
ações devem tornar o indivíduo apto para a vida e para o mundo do trabalho,
para conviver em grupo e contribuir com o crescimento do país. Desse modo,
a educação escolar tem sido apontada como uma alternativa para que estas
mudanças ocorram.
De acordo com informações do Ministério da Educação76, a Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), órgão
responsável pela modalidade de ensino educação escolar indígena, vem
desenvolvendo ações que visam à garantia de um de ensino de qualidade nas
escolas indígenas. Esta modalidade de ensino tem como meta oferecer um
ensino baseado em um novo paradigma, onde se garanta a interculturalidade,
a etnicidade e o multilinguismo.
Segundo dados da Fundação Nacional do Índio FUNAI77 ,e do Censo
2010, no Brasil vivem 817 mil indígenas, que corresponde a cerca de 0,4%
da população brasileira. Estes povos habitam as 688 Terras Indígenas e
algumas áreas urbanas. A categoria escola indígena foi constituída como
integrante do sistema educacional de ensino do nosso país, em 1999, quando
o termo educação escolar indígena se tornou oficial. O funcionamento desta

76. Dados do portal do MEC disponíveis no site www.mec.gov.br.


77. Dados disponíveis no portal da FUNAI disponível no site http://www.funai.gov.br/indios/fr_conteudo.htm.

272 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


categoria se deu por meio do parecer nº 14 e da Resolução nº 03 do Conselho
Nacional de Educação (CNE), sendo fundamentado nos dispositivos da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96) e da Constituição Federal
do Brasil (1988).
Os dados do Censo Escolar da Educação Básica, realizado em 2010
pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
INEP, nos mostram que existem 246.793 alunos indígenas matriculados na
educação básica em todo o Brasil, representando cerca de 0,5% do número
de alunos em todo o Território Nacional. Os dados disponíveis do Censo de
2008 indicam que há 2.698 escolas indígenas no Brasil, sendo que 94% delas
estão situadas em terras indígenas. Elas estão localizadas nos 26 estados, com
um número mais elevado na Região Norte, onde há 1.677 escolas. As escolas
indígenas da Região Norte representam 62% do total das escolas indígenas
do Brasil.
Neste artigo pretendemos situar a educação escolar indígena dentro do
novo paradigma, enfatizando alguns aspectos da transdisciplinaridade dentro
da educação própria do povo indígena. Essa abordagem transdisciplinar
inserida na educação escolar indígena coopera significativamente na
integração dos conhecimentos científicos com os conhecimentos dos povos
indígenas, pois sabe-se que não é somente no conhecimento científico que
estão as respostas para os problemas atuais.
A fundamentação teórica que dá sustentação a nosso trabalho está
voltada para os autores que realizaram pesquisas sobre Paradigma como
o físico Norte Americano Kuhn (2006), sobre o Paradigma Educacional
Emergente, dentre eles a doutora em educação Moraes (2003), sobre a
transdisciplinaridade com o sociólogo e filósofo francês Morin (1990) e como
também com um dos autores que mais realizou estudos sobre a educação
escolar indígena, o jesuíta e antropólogo espanhol Meliá (1979).

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 273


Antes, porém, de adentrarmos para a educação escolar indígena, faz-se
necessário conhecermos um pouco sobre paradigma. Logo após dissertaremos
sobre alguns conceitos básicos concernentes ao paradigma educacional e à
transdisciplinaridade, para finalmente nos dedicaremos à apresentação da
educação indígena no contexto do paradigma educacional emergente e da
transdisciplinaridade.

Paradigmas: breve histórico


Em 1962, o físico Thomas Kuhn publicou “A Estrutura das Revoluções
Científicas”, um texto que utilizava uma visão histórica para afirmar que a
ciência cria paradigmas que, muitas vezes, são substituídos por outros durante
o desenvolvimento científico. Esta obra, que foi lançada no Brasil em 1976,
introduz o conceito de paradigma aplicado ao fazer científico e discute também
como as ciências evoluem. O autor apresenta, ainda, sua compreensão acerca
do desenvolvimento científico e defende os principais conceitos de sua teoria:
ciência normal, paradigma e revolução científica (KUHN, 2006).
Kuhn definiu paradigmas como padrões ou modelos adotados por uma
comunidade e considera paradigmas as realizações científicas universalmente
reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções
modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência (KUHN,
2006). Considerando o conceito de paradigma como modelo, podemos dizer,
ainda, que a concepção de paradigma abarca o conjunto de teorias que
objetivam explicar certos fenômenos. Morin (2002, p. 264), nos alerta que “o
paradigma produz a verdade do sistema legitimando as regras da influência
que garantem a demonstração ou a verdade de uma proposição”.
Ainda de acordo com Kuhn (2006, p. 60) “[...] uma comunidade
científica, ao adquirir um paradigma, adquire igualmente um critério para a
escolha de problemas que, enquanto o paradigma for aceito, poderá considerar

274 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


como dotados de uma solução possível”. E há que se considerar, ainda de
acordo com Kuhn (2006), que existem paradigmas mais bem sucedidos na
questão de resolução de problemas, o que os tornam mais aceitáveis que os
outros. Embora o autor afirme que ser bem sucedido não garante que ele
seja totalmente bem sucedido, pois um paradigma nem sempre consegue
responder a todos os problemas que ele apresenta. Ele expõe um determinado
problema a respeito do mundo físico e pesquisa tentando encontrar a solução.
Santos (2003), por sua vez, aponta que paradigmas são construções humanas.
Elas não são perenes e estão circunscritas a um período histórico.
Devemos considerar, ainda, que a aprovação ou oposição a um
paradigma reflete no desempenho dos profissionais, tanto na abordagem
teórica, quanto na prática, em todas as áreas do conhecimento (BEHRENS
E OLIARI, 2007). Para estes autores o ser humano constrói seus paradigmas
e enxerga o mundo por meio deles, distingue entre o que é certo e errado, daí
a importância do olhar dos pesquisadores e professores em relação a eles.

O Paradigma educacional tradicional


Durante quatrocentos anos o paradigma newtoniano-cartesiano
influenciou a educação e continua influenciando muitas organizações,
inclusive a escola. Nas palavras de Capra (1996, p. 25), o paradigma tradicional
consiste:

[...] em várias ideias e valores entrincheirados, entre os quais


a visão do universo como um sistema mecânico composto de
blocos de construção elementares, a visão do corpo humano
como uma máquina, a visão da vida em sociedade como
uma luta competitiva pela existência, a crença no progresso
material ilimitado, a ser obtido por intermédio de crescimento
econômico e tecnológico.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 275


A docência conservadora nasceu no século XVIII e resultou de
uma visão reducionista que tinha como objetivo difundir os padrões da
educação. Segundo Behrens (2005), isto levou o homem a ver o mundo
de forma compartimentalizada, separando a ciência da ética, a razão do
sentimento, a ciência da fé, e, em especial, separando mente e corpo. A partir
daí emergiram os discursos dos que defendiam os métodos educacionais
fundamentados em bases essencialista-científicas que das quais surgiram a
educação centralizada no professor, a monodocência, o aluno como receptor
de conhecimento e a imposição curricular. Desse modo, as bases essencialista-
científicas influenciaram os sistemas de ensino, primeiramente na Europa
e depois influenciaram a estruturação do sistema educacional brasileiro.
Behrens (2005) assegura que o século XX tinha como característica marcante,
uma sociedade de produção em massa. De certa forma, a ciência contagiou
a educação com um pensamento racional, fragmentado e reducionista,
tomando por base o pensamento newtoniano-cartesiano.
Essa visão disseminou os modelos conservadores de ensino que
originaram a valorização da reprodução fiel do conhecimento. Moraes (2002)
argumenta que o pensamento cartesiano, exposto no Discurso do Método,
afirmava que era preciso decompor uma questão em outras mais fáceis até
chegar a um grau de simplicidade suficiente para que a resposta ficasse
evidente. Essa ideia foi propagada na educação tradicional e Mizukami
(1986), acrescenta que o ensino, em todas as suas formas, nessa abordagem,
era centrado no professor. A autora sustenta ainda que esse tipo de ensino
volta a sua atenção para o que está ao redor do aluno, ou seja, o currículo,
as disciplinas, o professor. O aluno apenas realiza as determinações que lhe
são dadas pelos superiores (MIZUKAMI, 1986). Nesse paradigma, segundo
Magalhães (2009) o professor tinha que ter sempre as respostas prontas para
dar aos alunos e dessa forma ele provava a sua capacidade e competência.
É possível afirmar que o paradigma educacional tradicional é alicerçado
no positivismo, e marcado por modelos educacionais que valorizam a educação
tecnicista. Ele disseminou princípios como: a fragmentação do conhecimento,
a educação mecanicista, a compartimentalização por disciplinas e a técnica
pela técnica. Na concepção de Kuenzer (2006), esse saber é distribuído
desigualmente segundo as necessidades relativas ao desempenho das tarefas,
determinadas pelo seu grau de complexidade, mediante agentes e mecanismos
diversificados.
De acordo com Teixeira (2000) foi a escola que instituiu que os alunos
deveriam memorizar as lições que os professores passavam, e que lhes
forneciam informações e saberes, que só mais tarde deveriam utilizar. A esse
respeito, Magalhães (2009) acrescenta que nesse paradigma, a qualidade do
ensino é medida pela quantidade de horas/aula que o aluno cumpre. Para a
escola baseada no paradigma tradicional, o melhor aluno era o que aprendia
com mais facilidade a disciplina e que se adaptasse mais fácil a esse processo
de se preparar para o futuro.

O Paradigma educacional emergente: um novo


paradigma para o ensino
Nos dias atuais, a sociedade vive em constante crise, em um ambiente
ameaçado que causa sérios transtornos psíquicos e sociais que acometem
o indivíduo. Com problemas cada vez mais globais; interdependentes e
planetários, complexos ( JAPIASSU, 2006), esta sociedade precisa pensar em
novos rumos para a educação para poder encontrar um caminho viável para
essa situação.
Quando falamos sobre educação, não há como não nos atentarmos
para a “Era das Relações”. Moraes (2003) afirma que os avanços da física nos
últimos anos demonstram que saímos de uma Era Material para uma Era das

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 277


Relações (HARMAN, 1996 apud MORAES, 2003). De acordo com Moraes
(2003), nesta era, a educação exige que haja um enfoque reflexivo na prática
pedagógica, que proporcione autonomia, cooperação e criticidade e que
forme para a cidadania global. A autora explica que preparar alguém para
fazer parte da Era Relacional requer que ele seja capacitado para viver numa
sociedade que se transforma constantemente. Isto implica prepará-lo para
uma interação com as redes, de onde emergem conhecimentos que viabilizam
o desenvolvimento do pensamento juntamente com a integração de novos
ambientes de aprendizagem. Estes novos ambientes devem possibilitar uma
ligação entre o conhecimento do homem e uma outra dinâmica na construção
deste, considerando sempre a ligação que existe entre as coisas do cérebro e os
instrumentos que a cultura oferece (MORAES, 1998).
Para Moraes (1998) um dos maiores entraves da educação nos dias de
hoje, é que as escolas não conseguem ajudar os alunos a aprenderem a pensar
e aprenderem a aprender. A comunidade escolar tem dificuldade em encarar
mudanças nos seus mecanismos, de atenuar a distância que há entre o aluno
e o professor e entre a escola e a comunidade.
Cunha e Leite (1996, p. 120) afirmam que no paradigma educacional
emergente, a educação:

[...] precisa enfocar o conhecimento como provisório e


relativo, preocupando-se com a localização histórica de sua
produção. Precisa estimular a análise, a capacidade de compor
e recompor dados, informações, argumentos e ideias. Além de
perceber o conhecimento de forma interdisciplinar, propondo
pontes de relação entre eles e atribuindo significados próprios
aos conteúdos, em conformidade com os objetivos acadêmicos.

Há que se considerar, ainda, que a visão de conjunto, de totalidade, oriunda


do paradigma educacional emergente, anula a ideia de uma política desarticulada e

278 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


compartimentada. As mudanças ocorridas trazem consigo a concepção do homem
dotado de sensações, razão, intuição e emoções. Em vista disso, na educação,
essas mudanças abarcam, também, o conhecimento de novas metodologias e de
novas tecnologias. Para Rocha e Pinho (2011, p. 82), a “educação e tecnologias são
questões indissociáveis”. Os autores afirmam, ainda, que “a educação poderá ser
utilizada para ensinar sobre tecnologias, assim como a sua utilização proporciona
a reflexão das bases dessa educação” (ROCHA; PINHO, 2011, p. 82). Isto é
muito importante, pois, por meio das interações professor-computador-aluno é
possível avaliar e examinar a ‘representação do conhecimento e a organização
do raciocínio’, o que faz o educando aprender a pensar e a aprender a aprender
(MORAES, 1998). Ainda de acordo com essa autora, para que isso se torne
realidade, são necessárias modificações na práxis pedagógica por intermédio
da criação de ambientes de aprendizagem informatizados onde o computador
dialoga e realiza trocas simbólicas com o aluno.
Sobre as novas metodologias, Santos (2003) pondera que a dificuldade
de se construir uma outra Didática, ainda enfrenta a organização do
mundo acadêmico sob o princípio da divisão das áreas de conhecimento.
Consequentemente, essa nova abordagem demanda um professor que
ultrapasse o paradigma tradicional, que almeje caminhos, metodologias
diferentes e que tenha uma visão sistêmica para agir de forma mais expressiva.
Assim, a atribuição do educador, nesse cenário, é colaborar, participar para
garantir que o aluno tenha uma formação integral e plena. Dessa forma, o
ensino deve ser focado no aluno, a aprendizagem deve ser interativa e ao mesmo
tempo individualizada, buscando a flexibilidade e o auto-desenvolvimento.

Transdisciplinaridade e educação
Em 1970, Jean Piaget, psicólogo e filósofo suíço, usou pela primeira vez,
em um colóquio sobre a interdisciplinaridade, o termo transdisciplinaridade

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 279


(NICOLESCU, 2001). Ele afirmou que à etapa das relações interdisciplinares,
podemos esperar ver sucedê-la uma etapa superior que seria transdisciplinar,
que não se contentaria em encontrar interações ou reciprocidades entre
pesquisas especializadas, mas situaria essas ligações no interior de um sistema
total, sem fronteira estável entre essas disciplinas78.
Na concepção de Morin (1990), a transdisciplinaridade que surgiu no
século XVI era direcionada apenas à teoria do conhecimento das ciências quanto
à objetividade, à matematização e à formalização. Por esse motivo é que foi
proposto se pensar novos modos transdisciplinares de construção de conhecimento.
Sommerman (1999), por sua vez, aponta mais três motivos: 1) para contrapor-se à
redução cada vez maior do real e do sujeito, 2) para contrapor-se à fragmentação
cada vez maior do saber, 3) para reencontrar a unidade do conhecimento.
É pertinente lembrar que a transdisciplinaridade procura estabelecer
relações entre os campos do saber que se encontram fragmentadas
em especialidades e disciplinas. De acordo com Nicolescu (2001) a
transdisciplinaridade está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através
das disciplinas e além de qualquer disciplina, no intuito de ultrapassar as
fronteiras das disciplinas e de ousar percorrer por elas. A transdisciplinaridade
tenta compreender o processo de construção de conhecimentos a partir de
um diálogo entre os múltiplos campos e tradições disciplinares. E, dessa
forma, discutindo os modelos fragmentados que alienam. Japiassu (2006, p.
67) concorda com Nicolescu ao assegurar que a transdisciplinaridade “ao
mesmo tempo ultrapassa, está além ou acima de toda disciplina e atravessa
ou perpassa todas as disciplinas possíveis”.
É importante destacarmos que a transdisciplinaridade, a
interdisciplinaridade e a multidisciplinaridade (ou pluridisciplinaridade) são

78. I Seminário Internacional sobre a Pluridisciplinaridade e a Interdisciplinaridade, realizado na Universidade


de Nice (França), de 7 a12 de setembro de 1970, organizado pelo Centro para a Pesquisa e a Inovação do Ensino
(CERI), e patrocinado pelo Ministério da Educação Francês e pela OCDE (Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico).

280 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


diferentes, embora todas elas trabalhem com a ideia de relação e de totalidade.
No entender de Fiorin (2008, p. 10) a interdisciplinaridade presume uma
convergência, dessa forma, de um lado há a transferência de teorias e de
metodologias e, de outro, a combinação de áreas, realizando assim a troca
de conhecimentos e informações dentre as disciplinas. Magalhães e Andrade
(2011, p. 142) nos alertam que:

[...] a interdisciplinaridade não pode ser vista apenas


como uma exigência da ciência, que percebe a vida como
essencialmente interdisciplinar, mas também como uma
necessidade metodológica no processo de aprendizagem,
considerando que o conhecimento se constrói segundo um
modelo rizomático, sendo, portanto, resultado de um processo
essencialmente interativo (MAGALHÃES; ANDRADE,
2011, p. 142).

Na multidisciplinaridade (ou pluridisciplinaridade) várias disciplinas


tomam um objeto e o analisam, sem que exista necessariamente uma ligação
entre essas abordagens disciplinares (FIORIN, 2008). O autor afirma, ainda,
que a multidisciplinaridade põe em paralelo diferentes maneiras de trabalhar
um tema, que são colocadas conforme o conhecimento de uma determinada
matéria.
A esse respeito Nicolescu (2001, p. 50) exemplifica:

[...] um quadro de Giotto pode ser estudado pela história da


arte, em conjunto com a da física, da química, da história das
religiões, da história da Europa e da geometria. Ou ainda, a
filosofia marxista pode ser estudada pelas óticas conjugadas
da filosofia, da física, da economia, da psicanálise ou da
literatura. Com isso o objeto sairá assim enriquecido pelo
cruzamento de várias disciplinas. A pesquisa pluridisciplinar
traz um algo a mais à disciplina em questão, porém este algo a
mais está a serviço apenas desta mesma disciplina.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 281


Enquanto isso, na transdisciplinaridade a escola propicia ao aluno
uma visão mais ampla do assunto abordado, permitindo, assim, que ele não
tenha acesso somente a frações de um determinado conhecimento, mas ao
conhecimento em sua totalidade. Pois as disciplinas escolares, geralmente, são
isoladas e apresentam apenas a percepção de uma parte da realidade. Weil et.
all. (1993, p. 30) acreditam que:

[...] no estágio das relações interdisciplinares, podemos


esperar o aparecimento de um estágio superior que seria
transdisciplinar, que não se contentaria em atingir as
interações ou reciprocidades entre pesquisas especializadas,
mas situaria essas ligações no interior de um sistema total de
fronteiras estáveis entre as disciplinas.

A partir dos dois congressos mundiais da transdisciplinaridade foram


estabelecidos os sete eixos básicos da evolução transdisciplinar na Educação.
De acordo com Sommerman (1999), os sete eixos básicos são: 1) a educação
intercultural e transcultural, 2) o diálogo entre arte e ciência, 3) a educação inter-
religiosa e transreligiosa, 4) a integração da revolução informática na educação, 5) a
educação transpolítica, 6) a educação transdisciplinar, 7) a relação transdisciplinar:
os educadores, os educandos e as instituições, e, a sua metodologia subjacente.
Por meio dos dois congressos supramencionados também tornaram-se
conhecidos os três os pilares da transdisciplinaridade: a Complexidade, a lógica
do Terceiro Termo Incluído e os níveis de Realidade. São eles que definem a
metodologia da pesquisa transdisciplinar. Surgem da mais avançada ciência
contemporânea, especialmente da física quântica, da biologia molecular
e da cosmologia quântica. Acreditamos que é de suma importância definir
brevemente estes pilares.
O primeiro pilar que é o da Complexidade surgiu por meio de
informações encontradas através dos avanços das ciências naturais e

282 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


das ciências humanas e é tida por Morin (2002) como uma tentativa de
interpretação dos fenômenos que ocorrem no mundo. Edgar Morin é um dos
interpretadores de todos esses dados novos, que os instituiu naquilo que ele
denomina pensamento complexo (SOMMERMAN, 1999). O pensamento
complexo, segundo Morin (2002), não leva em consideração um sistema de
acordo com a alternativa do reducionismo, no qual se pode compreender o todo
partindo das partes, nem também do holismo, que é igualmente simplificador
e que observa as partes para compreender o todo. Pelo contrário, para Morin
(2002, p. 456):

[...] a complexidade se impõe primeiro como a impossibilidade


de simplificar. O simples é apenas um momento arbitrário de
abstração arrancado da complexidade, um instrumento de
manipulação laminando um complexo.

Em relação ao segundo pilar, o Terceiro Incluído, Nicolescu (2001) afirma


que é a criação de uma lógica contrária e ao mesmo tempo complementar à
lógica aristotélica do Terceiro Excluído. A lógica do Terceiro Incluído surgiu
das ciências, mais precisamente, da física, e tem o filósofo e epistemólogo
romeno Stéphane Lupasco como seu formulador contemporâneo. Na lógica
do Terceiro Incluído há um terceiro termo que é ao mesmo tempo A e não-A,
mas em outro nível de realidade (NICOLESCU, 2002).
Sommerman (1999)79 afirma que os Diferentes Níveis de Realidade,
terceiro pilar da transdisciplinaridade, surgem das ciências modernas, da
antropologia, da história da filosofia e de todas as tradições religiosas da
história da humanidade. O físico teórico Basarab Nicolescu diz que um
Nível de Realidade é determinado por um grupo de sistemas que permanece
invariável sob a ação de certas leis (NICOLESCU, 1998). Desse modo,

79. Américo Sommerman – Pedagogia da Alternância: I Seminário Internacional, de 03 a 05 de novembro de 1999.


Centro de Treinamento de Líderes – Itapoan – Salvador – Bahia.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 283


quando as leis gerais que conduzem certos fenômenos são rompidas ocorre a
manifestação de outro nível de realidade.
Sob a ótica de Jantsch, apud Weil et. all. (1993, p. 31), a
transdisciplinaridade comprova a dependência que existe entre todos os
aspectos da realidade. Em suma, isto quer dizer que ela não estaria somente
no contato entre os segmentos do conhecimento especializado, mas também,
nas relações entre o indivíduo e o universo.
Tendo feito uma consideração geral a respeito da transdisciplinaridade,
passo a tecer, na próxima parte, comentários a respeito da educação indígena
no contexto da transdisciplinaridade.

A Educação Escolar Indígena no âmbito do paradigma


educacional e da transdisciplinaridade
A Constituição Federal do Brasil de 1988, as Diretrizes Curriculares
para a Educação Escolar Indígena e o Referencial Curricular para as Escolas
Indígenas garantem aos indígenas o direito a uma educação que valorize os
seus conhecimentos e seus processos de aprendizagem. Isso assegura o direito
a uma educação diferenciada e específica, intercultural e bilíngue (BRASIL/
MEC, 1993 e 1998). Apesar de sabermos que esses direitos ainda não são
uma realidade em todas as aldeias, devemos considerar que estes documentos
impulsionaram a educação indígena a pensar sobre um novo paradigma.
Grupioni (2004) por meio de Smith (s/d) nos afirma que:

[...] nos últimos anos, em toda a América Latina estão ocorrendo


inúmeras experiências positivas de educação bilíngue e
intercultural, que têm propiciado novas oportunidades educativas
para as crianças e os adolescentes dos povos indígenas, a partir
de um novo paradigma educacional, em que a escola valoriza a
cultura e as línguas indígenas, ao mesmo tempo em que fortalece
a identidade e a auto-estima desses indivíduos (SMITH, S/D
APUD GRUPIONI, 2004, p. 2).

284 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Grupioni esclarece que tudo isso é muito novo, que as transformações
neste cenário, aqui no Brasil, aconteceram há pouco tempo: data das últimas
três décadas do século XX, intensificando-se a partir da promulgação da
Constituição de 1988 (GRUPIONI, 2004, p. 4). É necessário frisar que a
Lei de Diretrizes de Bases (LDB 9394/96), a Constituição Federal de 1988
juntamente com o Plano Nacional de Educação (PNE), no que concerne
aos povos indígenas, são frutos das lutas destes. Com a elaboração dos
documentos supracitados, foi dado início a uma nova era no que diz respeito
à educação escolar indígena, o que possibilitou uma mudança de paradigma
nessa educação. Estes documentos objetivam garantir a defesa dos direitos de
uma educação indígena de qualidade, com escolas diferenciadas e bilíngues,
voltadas para a manutenção da língua e da cultura indígenas.
A Carta de Transdisciplinaridade do Primeiro Congresso Mundial
de Transdisciplinaridade80, em seu primeiro artigo diz que toda e qualquer
tentativa de reduzir o ser humano a uma definição e de dissolvê-lo no
meio de estruturas formais, sejam quais forem, é incompatível com a visão
transdisciplinar. Este pensamento nos leva a refletir sobre o dever que temos
de compreender e respeitar a visão do indígena sobre o mundo, sem esperar
que eles ajam ou pensem de acordo com nossas normas de conduta.

D’Ambrósio (1997, p. 80), a este respeito, afirma que:

[...] a transdisciplinaridade repousa sobre uma atitude mais


aberta, de respeito mútuo e mesmo humildade em relação a
mitos, religiões, sistemas de explicação e de conhecimentos,
rejeitando qualquer tipo de arrogância ou prepotência.

Não obstante, cada povo indígena tem seus mitos, ritos, conhecimento
empírico, conhecimento técnico e peculiar como também um pensamento
80. Convento da Arrábida, Portugal, 2 a 7 de novembro de 1994.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 285


racional e é nossa obrigação reconhecer esses saberes. Pois, ainda de acordo
com D’Ambrósio (1997, p. 80):

[...] o essencial na transdisciplinaridade e na educação


indígena reside na postura de reconhecimento de que não
há espaço nem tempo culturais privilegiados que permitam
julgar e hierarquizar como mais corretos [...] os mais diversos
complexos de explicações e de convivência com a realidade.

Devemos considerar, ainda, que a diversidade que existe entre os povos


indígenas:

[...] está presente em vários aspectos de suas vidas: língua,


história, demografia, organização política, social, econômica,
espiritualidade, historicidade, intensidade de contato com
não indígenas, ligação com a terra, relação com a água etc.
(BATISTA, 2008, p. 25).

Eles lutam por direito à vida, pelo direito de viver com dignidade. Há
uma luta constante por uma Educação Indígena e pelo fim da Educação para
o indígena. Segundo Meliá (1979):

[...] a educação indígena é certamente outra. Como vamos ver,


ela está mais perto da noção de educação, enquanto processo
total. A convivência e a pesquisa mostram que para o índio a
educação é um processo global. A cultura indígena é ensinada
e aprendida em termos de socialização integrante. O fato
dessa educação não ser feita por profissionais da educação,
não quer dizer que ela se faz por uma coletividade abstrata. Os
educadores do índio têm rosto e voz; têm dias e momentos; têm
materiais e instrumentos; têm toda uma série de recursos bem
definidos para educar a quem vai ser um indivíduo de uma
comunidade com sua personalidade própria e não elemento
de uma multidão (MELIÁ, 1979, p. 10).

286 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


De acordo com Meliá (1979), a educação indígena toma como base a
produção, a reprodução social do grupo e os saberes tradicionais e, bem como
se baseia nas transformações que o grupo passa, no que concerne à cultura,
à política, à espiritualidade, à vida em si. O Referencial Curricular para a
Educação Indígena (RCNEI) dispõe que a educação indígena possui sua
sabedoria para ser comunicada, transmitida e distribuída por seus membros;
são valores e mecanismos da educação tradicional dos povos indígenas que
podem e devem contribuir na formação de uma política e práticas educacionais
adequadas (BRASIL/MEC, 2005).
Os povos indígenas não querem uma educação que não contribua com
a sobrevivência deles, de seus valores, de seus princípios e de suas culturas,
tampouco uma educação que catequiza, inferioriza, que segrega e dizima as
diferenças (BATISTA, 2008). A transdisciplinaridade vem ao encontro de todos
esses anseios, tendo em vista que ela é uma abordagem científica que vem se
comprometendo em promover a integração dos conhecimentos. Esta visão está
centrada numa concepção que realça a importância do pluralismo epistemológico
e, sob nenhuma condição, a valorização de um conhecimento em detrimento do
outro. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI)81:

[...] os povos indígenas querem uma escola que ensine os


mecanismos da sociedade em volta mas que ao mesmo tempo
respeite sua cultura e tradições, forme e eduque seus jovens
para participar neste tipo de sociedade com a partilha, o
mutirão, a vida comunitária, e a simplicidade, onde as pessoas
e a comunidade são mais importantes que as coisas, onde o
bem-estar comum prevaleça (CIMI, 2001, p. 11).

A educação escolar indígena, de acordo com o novo paradigma da


educação, deve ser diferenciada e multicultural. D’Ambrósio (1997, p. 63),
81. CIMI é um organismo vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) que, em sua atuação
missionária, conferiu um novo sentido ao trabalho da igreja católica junto aos povos indígenas. (Fonte: site http://
www.cimi.org.br).

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 287


afirma que a educação multicultural é o caminho que o processo educativo
deve percorrer para enfrentar a complexidade de um mundo que se globaliza
gradativamente. Isto deve ocorrer para impedir que o processo de globalização
culmine em uma homogeneização, que resulte no fim de muitas expressões
culturais, inclusive as dos povos indígenas.
No entender de Velthem (2003, p. 50) “as produções artísticas
configuram, na vida indígena, uma expressão de conhecimento, de
sabedoria que se exerce em muitos campos”. A arte nas escolas indígenas
contribui para o desenvolvimento de potencialidades, bem como para a
disseminação e valorização da cultura e do conhecimento histórico dos
povos indígenas, conforme recomenda o paradigma educacional emergente.
A arte, como forma de expressar o conhecimento e sabedoria indígena,
traz a transdisciplinaridade para as diversas disciplinas que fazem parte do
currículo das escolas indígenas, pois o mesmo deve garantir a valorização da
cultura e promover a interação entre as atividades de ensino.

Considerações finais
Finalizamos este trabalho acreditando que a educação escolar indígena
é uma modalidade de ensino que mantém a tradição oral e vai além do
sistema disciplinar. Isso porque a proposta desta educação é promover a
transdisciplinaridade e estar de acordo com o paradigma educacional emergente.
Proposta esta, que ressalta valores, princípios e especificidades, pertencentes ao
contexto indígena e que, de fato, dialoga com o novo paradigma educacional
no que concerne à interculturalidade, ao multilinguismo e a etnicidade.
Porém, muito ainda tem que ser feito para que aconteça uma educação
transdisciplinar que venha ao encontro das perspectivas dos povos indígenas.
Somente por meio de uma avaliação aprofundada, repensando as teorias da
educação que compactuam com a prática segmentada que existe na cultura

288 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


das escolas, é que se poderá reconstruir um projeto que contemple todas as
demandas da educação escolar indígena.
O grande desafio da educação escolar indígena hoje, para que ela seja,
de fato, transdisciplinar e de acordo com o paradigma educacional emergente,
está na valorização dos saberes tradicionais, da língua materna, da cultura e de
todas as suas expressões. Indubitavelmente, este é um caminho para garantia
da libertação e transformação da realidade destes povos. Na escola, várias
atividades que ultrapassem os conteúdos pedagógicos podem ser realizadas
pelos professores, por meio das experiências escolares e experiências de vida.
Atividades em que haja uma interação entre os conteúdos específicos e a
realidade prática dos alunos, por meio de projetos de melhoria de vida e de
transformação da sua realidade.
Assim, demonstrando que o conhecimento produzido pelos indígenas
não é nem inferior, nem está separado dos conhecimentos ditos universais.
Mas que eles devem ser resgatados e colocados em situação de igualdade,
pois ao trazer para a escola aspectos da arte e da cultura indígena, ela está,
ao mesmo tempo, valorizando os conhecimentos indígenas, promovendo o
resgate da identidade e consequentemente respeitando as diversidades e
promovendo a vida em todas as suas possibilidades.

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292 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


A Educação Escolar Indígena: uma
análise sobre a Formação dos Professores
Indígenas do Estado do Tocantins
__________________________________________
Marta Virginia de Araújo Batista Abreu 82
Francisco Edviges Albuquerque83

Resumo
Este artigo tem por objetivo maior fazer uma análise da história da
formação dos professores indígenas do estado do Tocantins e a relevância
desta história enquanto memória para a educação escolar e a formação
de professores indígenas. Para isso, foram utilizados depoimentos orais,
recuperando elementos de história de vida, onde os professores relatam um
pouco sobre educação escolar, sobre sua formação e como esta influencia
na atuação profissional deles. A partir das entrevistas, levantamos dados
importantes sobre aspectos relacionados à educação escolar indígena e,
consequentemente, à formação dos professores indígenas no Tocantins.
Os resultados constatam que a formação de professores é um processo que
avança pela constituição do sujeito e assim retoma elementos da história,
reestruturando-os em uma visão de sentidos pessoais que orienta a prática
docente. Ao analisarmos as histórias de vida dos professores, a partir dos
depoimentos orais, pudemos perceber que esses professores se constituíram
professores, também, a partir de suas experiências de vida.
Palavras-chave: Memória; Análise do Discurso; Formação de
Professores Indígenas; Educação Escolar.

82. Mestranda do MELL – Mestrado em Língua e Literatura do PPGL – Programa de Pós Graduação em Letras da
UFT - Universidade Federal do Tocantins - Campus de Araguaína. E-mail martavirginia@uft.edu.br.
83. Coordenador do Projeto A Educação Escolar Apinaye na Perspectiva Bilíngue e Intercultural/ Programa do
Observatório de Educação Indígena, CAPES/SECAD/INEP. Edital no 001/2009.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 293


Introdução
Baseado na experiência de professores indígenas do Tocantins, este
artigo centra-se na análise da história de vida e memória destes e a relevância
desta história enquanto aspecto relevante para a educação escolar e a
formação de professores indígenas.
A estes professores foi propiciado um momento de reflexão,
reconstruindo o passado com o ponto de vista do presente, pois como assegura
Bosi (1998), memória não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar com
imagens e ideias de hoje, as experiências do passado. Dessa forma, a memória
nos permite entender as constâncias e as mudanças que ocorrem dentro da
comunidade. Portanto, os professores entrevistados ressaltaram a importância
da atualização da história/memória na reintegração em suas comunidades
como professores de uma escola indígena, pois é por meio dela que esses
professores encontram apoio e orientação para entender o momento presente.
Fundamentado nos dispositivos teóricos da Análise de Discurso da linha
francesa, nosso trabalho parte da análise de entrevistas semi-estruturadas,
realizadas com dois professores indígenas que trabalham em escolas de
aldeias indígenas do Tocantins. Para isso, foram utilizados depoimentos orais,
recuperando elementos de história de vida, onde os professores relataram um
pouco sobre educação escolar, sobre sua formação e como esta influencia na
atuação profissional deles. É relevante salientar que a história de vida dos
professores sujeitos de nossa pesquisa foi construída em um contexto onde a
história de seu povo e a de seus antepassados tinha que ser esquecida. Tudo
o que remetesse para antes do colonizador e que pudesse questionar o direito
colonial, deveria ser desprezado.
Como forma de preservar a identidade das pessoas entrevistadas, foram
empregados pseudônimos, observando, ainda, as questões éticas da história
oral.

294 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


A partir das entrevistas, levantamos dados importantes sobre aspectos
relacionados à educação escolar indígena e, consequentemente, à formação
dos professores indígenas no Tocantins. Ao analisarmos os depoimentos dos
professores, percebemos o quanto estes estão relacionados aos seus contextos
históricos e culturais, entendemos o quanto a cultura de cada professor está
inserida na sua prática e na concepção de educação escolar indígena de cada um.

Educação escolar e formação de professores indígenas


Ultimamente aconteceram muitos avanços no que diz respeito à
formação de professores indígenas. Neste artigo trazemos um breve histórico
sobre os processos que culminaram no direito do indígena à educação.
Inicialmente a educação indígena era de responsabilidade dos
missionários Jesuítas e tinha como um dos objetivos a evangelização. A
elaboração e execução de projetos educacionais, como asseguram Silva e
Azevedo (2004, p. 149), “[...] é quase tão antiga quanto o estabelecimento
dos primeiros agentes coloniais no Brasil. [...] a educação para os índios e o
proselitismo religioso são práticas que têm, no Brasil, a mesma origem e mais
ou menos a mesma idade”.
Segundo Freire (2004), na época em que a escola foi instalada em terra
indígena, a cultura, as línguas, a memória oral, o conhecimento e a arte dos
povos indígenas foram eliminados da sala de aula. O papel da escola era
fazer com que os alunos indígenas esquecessem suas culturas, deixassem de
ser indígenas e se integrassem à sociedade envolvente.
Porém, com a Constituição Federal do Brasil de 1988, esse quadro
tende a mudar, uma vez que esta garante aos indígenas o direito a uma
educação que reconheça suas línguas e culturas, que respeite seus modos
de pensar, e que valorize os seus conhecimentos. Isso assegura o direito a
uma educação diferenciada e específica, intercultural e bilíngue (BRASIL/

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 295


MEC, 1993 e 1998). Todavia, apesar de a Constituição Federal (BRASIL,
1988), as Diretrizes Curriculares para a Educação Escolar Indígena (INEP,
1994) e o Referencial Curricular para as Escolas Indígenas (BRASIL, 1998)
asseguraram a educação bilíngue e um profissional professor indígena para
ministrá-la, mas nem sempre isso é uma realidade nas escolas das aldeias.
Como podemos relatar que, a atual Constituição, no capítulo VII –
Dos Índios, em seu artigo 231, confirma que são reconhecidos aos Índios
sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Portanto,
a educação é um dos aspectos fundamentais a ser cuidado dentre muitas
responsabilidades que o Estado têm sobre as populações indígenas existentes
no nosso país. Configura-se uma possibilidade de desenvolvimento, sem
perder de vista aspectos culturais e identitários que permeiam a vida dos
povos indígenas.
Não obstante, é somente a partir do ano de 1970 que a educação
indígena passa a ser discutida, impulsionada por movimentos indígenas que
começaram a se articular no Brasil para discutir os problemas e pensar em
soluções para estes. Nessa época foi idealizada uma escola indígena com
modificações na visão e nas práticas da educação escolar, com normas
e regimentos que garantam seus direitos na sociedade. De acordo com
Albuquerque (2008), a educação escolar indígena em nosso país começa a se
efetivar quando iniciam os movimentos não só em prol da adoção da língua
indígena materna na escola, mas também de garantir a escolarização desses
povos.
O Estatuto do Índio, Lei 6001/73, consubstancia medidas nesse sentido,
preceituando no seu título V, Art. 48, que dispõe sobre educação, cultura e
saúde, assegurando que se estende à população indígena, com as necessárias
adaptações, o sistema de ensino em vigor no País. Certificando, tacitamente
a criação de um sistema de ensino direcionado exclusivamente para a

296 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


educação escolar indígena, que poderá estruturar-se de forma completamente
diferenciada dos sistemas de ensino dirigidos à sociedade dominante.
O Plano Nacional de Educação (PNE), publicado em 2001, tem como
meta sistematizar e universalizar a oferta de programas educacionais aos alunos
indígenas que cursam o ensino fundamental. Prevê, ainda, o reconhecimento
do magistério indígena, a criação da categoria específica do magistério e a
execução de programas de formação continuada aos professores indígenas.

A Memória como dispositivo teórico da Análise


de Discurso
Para Michel Pêcheux (1983), fundador da teoria análise de discurso
(AD) de linha francesa, discurso é efeito de sentidos entre locutores. Deste
modo, o discurso presume movimento, prática de linguagem. De acordo com
Orlandi (1999, p. 15), na análise de discurso, busca-se compreender a língua
fazendo sentido, como trabalho simbólico, parte do trabalho social geral,
formador do homem bem como da sua história. Essa autora afirma que a
análise de discurso compreende a linguagem como um elo necessário entre o
homem e a realidade natural e social, sendo que esse elo torna possível tanto
a permanência e a continuidade, quanto o deslocamento e a transformação
do homem e da realidade na qual vive.
Orlandi (1999, p. 66-67) argumenta que “a análise de discurso visa
compreender como um objeto simbólico produz sentidos. A transformação
da superfície linguística em um objeto discursivo é o primeiro passo para
essa compreensão”. Portanto, “o analista de discurso é o responsável pela
formulação da questão que norteia a análise” (ORLANDI, 1999, p. 27).
Todavia, é preciso que seja feito um percurso pelo dispositivo teórico que
baseia a reflexão do pesquisador.
A análise do discurso, de acordo com Pêcheux (1997, p. 57):

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 297


[...] supõe que somente, através das descrições regulares de
montagens discursivas, se possam detectar os momentos
de interpretações enquanto atos que surgem como tomadas
de posição, reconhecidas como tais, isto é, como efeitos de
identificação assumidos e não negados.

A análise de discurso da linha francesa define a memória, pois,


segundo Orlandi, esta se configura como “saber discursivo que faz com que,
ao falarmos, nossas palavras façam sentido. Ela se constitui pelo já-dito que
possibilita todo dizer” (ORLANDI, 1999, p. 64). A autora acredita, ainda,
que a memória é feita “de esquecimento, de silêncios. De sentidos não ditos,
de sentidos a não dizer, de silêncio e de silenciamentos” (ORLANDI, 1999,
p. 59). Segundo Thompson (2001), apud Ramos; Silva (2011, p. 4) “memória
é trabalho e não registro passivo capaz de remeter à reconstituição de um
passado inequívoco”.
Nesse sentido, o Dicionário de Análise do Discurso (CHARAUDEAU;
MAINGUENEAU, 2004) aponta no verbete sobre memória discursiva
que o discurso está ligado à memória de maneira essencial. De acordo com
esses autores, o discurso vai construindo gradativamente uma memória
intratextual. Os sujeitos do discurso, ao produzirem um enunciado, podem se
lançar a um enunciado já dito.
Conceber a memória discursiva como algo que sustenta todo dizer,
permite ao analista de discurso tomá-la como dispositivo teórico. Para
analisarmos a história de vida e memória dos professores e a relevância
desta história enquanto memória para a educação escolar e a formação de
professores indígenas, é necessário fazer uma ligação, uma identificação que
possibilite interpretar, ressignificar os sujeitos e sentidos do discurso.

298 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


História de vida, educação escolar e a prática docente:
as relações existentes entre si
A partir das entrevistas, buscamos compreender como a formação e a
educação escolar indígena atravessa as histórias de vida destes professores e
trazem elementos essenciais à aproximação desses sujeitos com a docência.
Estas entrevistas traçam um caminho contínuo de configurações e
reconfigurações subjetivas através da História de vida que singulariza cada
sujeito.
Os professores indígenas, que participaram desta pesquisa,
demonstraram em seus relatos que a importância da escola para eles foi
construída não somente nas relações de sala de aula, mas também no convívio
familiar:

1. Lúcia
“A escola para minha família era algo que sempre chamou
atenção, porque meu povo sofria muito e sabia que para sair desse
sofrimento era preciso estudo”;
2. Ronaldo
“Como minha mãe não teve oportunidade de estudar, o
que ela podia dar era estudo. Ela sempre pegava pesado em relação à
escola”.

Tardif e Raymond (2000, p. 216) afirmam que “uma boa parte do


que os professores sabem sobre o ensino, sobre os papéis do professor e sobre
como ensinar provém de sua própria história de vida”. Afirmam, ainda, que
compreender essas histórias é um caminho para entender a estruturação
dos saberes docentes. Dessa forma, “as experiências formadoras vividas na
família e na escola ocorrem antes mesmo que a pessoa tenha desenvolvido

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 299


um aparelho cognitivo aprimorado para nomear e qualificar o que ela retém
dessas experiências” (TARDIF; RAYMOND, 2000, p. 216).
Entendemos que essas experiências são vividas antes mesmo que os
professores possam identificá-las, nomeá-las e significá-las, pois, quando o
sujeito chega à formação profissional, ele já traz muitas experiências e saberes
de sua vida. Eles trazem uma “bagagem” que corresponde, na realidade, quem
eles são. Nem sempre eles entendem a importância dos seus aprendizados ou
não compreendem a dimensão de suas experiências de vida nos contextos
formativos e profissionais. Segundo Paulo (2006), é preciso pensar a formação
de professores levando em consideração a dinâmica em que sua identidade é
construída, como algo que tem a base nas experiências vividas e nas práticas
desenvolvidas. Vejamos agora estes relatos:

1. Lúcia
“Devo tudo à minha mãe, foi ela quem mais me abraçou
nessa carreira de estudo, hoje faço faculdade de Letras. Minha família
sempre teve aquela visão que eles na época deles, se eles tivessem tido
oportunidade, eles também teriam formado”;
2. Ronaldo
“Minha mãe tem nove filhos, cinco estão na faculdade.
A gente vê que é fruto da insistência dela, fazer com que os filhos
estudassem”.

Nas sequências discursivas (3) e (4) podemos observar que a ênfase dada
à família revela a especificidade do locus familiar como sendo o primeiro grupo
que mediará os elementos da concepção de escola e importância da formação.
No ambiente familiar é onde as primeiras aprendizagens são feitas e a partir
delas o sujeito constrói a si. A família é o local afetivo que acompanha o

300 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


desenvolvimento dos indivíduos, é a base onde se eternizam histórias, tanto
social quanto individual.
Cabe destacar, ainda, os princípios, as obrigações e os compromissos
que marcam de forma única a interação da família. São os primeiros
ensinamentos que inscrevem um modo de ser e que constituem subjetividades
em cada história. Os relatos abaixo se referem às expectativas da família em
relação à escola:

1. Lúcia
“Sem o estudo jamais chegaríamos onde a gente quer”;
2. Ronaldo
“A garantia que nós temos é a escola (...) para se ter uma
melhoria é preciso estudar, para ter algo no futuro”.

A entrada na escola e a relação com os professores da época em que


estudavam marcaram significativamente a vida destes professores. Sobre a
experiência enquanto aluno, eles se lembraram da personalidade marcante
de uns professores e com isso pudemos perceber que eles tiveram professores
significativos na vida deles. A relação professor x aluno nos faz refletir
conforme Bakhtin (2003, p. 141) quando afirma que “o fato de que o outro não
foi inventado por mim para uso interesseiro, mas é uma força axiológica que
eu realmente sancionei e determina minha vida [...] confere-lhe autoridade e
o torna autor interiormente compreensível de minha vida”.

1. Lúcia
“Posso dizer que a escola foi tudo pra mim. o que me marcou
foi a minha primeira professora. Ela era tudo pra mim. Ela era
carinhosa”.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 301


2. (8) Ronaldo
“Eu vou ter a oportunidade de voltar no colégio que fiz o
ensino fundamental [...] vai ser uma experiência que eu ainda nem
posso imaginar. Eu quero rever aqueles professores [...] mas teve
uma professora que ao descobrir que eu era indígena, começou a me
discriminar”.

Ao voltarem suas memórias sobre os tempos de escola e professores


que tiveram, lembraram-se dos que foram significativos: tanto os que lhes
proporcionaram aprendizagens, superação, desenvolvimento, quanto os que
lhes trouxeram lembranças desagradáveis. Nas sequências discursivas (7) e (8),
os professores são lembrados por sua personalidade e a forma como tratavam
os alunos na sala de aula. A representação produzida não está ligada aos
conteúdos trabalhados que se apresentam como vazios nos relatos, uma vez
que eles não relataram nem sobre o que foi ensinado e nem sobre a maneira
como foram trabalhados em sala de aula, comprovando que a ação feita pelo
sujeito é determinada por valores diversos. Orlandi (2001) argumenta que
há textos que têm ausência necessária, ou seja, existem coisas que não foram
ditas por que não são imprescindíveis ao ato do auto-informe-confissão, onde
os valores estão continuamente presentes.

A Docência e os programas de formação para o


magistério indígena
No cenário atual, os indígenas não estão mais isolados nas suas aldeias.
A educação é trabalhada em uma situação de contato, ou seja, intercultural.
Hoje em dia há uma necessidade de se pensar, também, o indígena fora da
aldeia. Não de um modo isolado, mas como uma forma atual, natural e
imprescindível criada pelo contato (ORLANDI, 1999, p.14-15).

302 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


No estado do Tocantins, os programas de formação voltados para
professores indígenas, em sua maioria, são realizados nas maiores cidades
do estado. Estes programas são de responsabilidade do Governo do Estado
e administrados pela Secretaria Estadual de Educação. Tais programas
capacitam e habilitam professores indígenas para o magistério e garantem a
valorização do profissional de educação das escolas indígenas.
Fazendo uma retrospectiva de alguns fatos que estes professores
consideram relevantes em suas vidas e que, de certo modo, poderiam
influenciar na escolha por uma determinada profissão, nos deparamos com
as seguintes afirmações:

1. Lúcia
“Eu recebi um convite para ser professora [...] na aldeia foi
feita uma seleção de voto para saber que iria ser (o professor) e eu fui a
escolhida”;
2. Ronaldo
“Foi por acaso. O professor tinha que viajar muito [...] e os
alunos dele ficavam sem aula, então eu resolvi dar aula pra eles”.

A este respeito, Ramos e Silva (2011, p. 7) acreditam que “haveria,


assim, uma “lógica” compartilhada pelos sujeitos a qual prevê que a docência
não seja uma escolha plausível, racional, consequente”. Pois ao analisarmos
estes relatos, podemos observar que “o modo como faz para dizer que não se
tratou de uma escolha efetiva [...], evidencia o quanto a escolha profissional
passou longe de uma determinação pessoal” (RAMOS; SILVA, 2011, p. 7).
Analisando os relatos dos professores indígenas entrevistados, fica
evidente a importância e o valor que eles dão a essa formação que eles recebem.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 303


1. Lúcia
“Esses cursos valorizam a nós mesmos e ao nosso povo [...] eu
vejo um curso muito dedicado para área indígena”;
2. Ronaldo
“A importância desses cursos é imensa porque muita gente
vem sem ter experiência nenhuma pra cá.”

Entendemos que isso é reflexo da formação específica para o magistério


indígena, que objetiva valorizar o saber local como forma de conhecimento
legítimo e eficaz para as comunidades indígenas.
Vale destacar a importância dos programas de formação voltados para
professores indígenas como um meio de transformar e manter a cultura dos
povos indígenas, reafirmando, neste contexto político, a sua identidade em
meio às diferenças:

1. Lúcia
“Traz para o meu povo algo que venha fortalecer desde
o pequeno até o adulto. Porque devido à discriminação muitos não
querem mais ser índios. É por isso que temos que esclarecer que o
branco tem a sua qualidade mas também temos a nossa. Então esse
é o motivo para continuar (o curso). Sempre buscando conhecimento
melhor para meu povo na área da educação”.

Segundo Orlandi (1999. p. 17), é impossível, sob a ótica


da linguagem, apropriar-se de um objeto cultural, aqui no caso,
conhecimento, sem sofrer uma transformação. É o que ela chama de
memória, e que é feita por ressignificação. De acordo com esta autora,
é no ato de ressignificação que as organizações que trabalham com

304 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


os programas indígenas podem intervir criando possibilidades que
beneficiem esse ato, qualificando-o.

Considerações finais
Os depoimentos aqui relatados demonstram que os professores percebem
que a memória do passado não é de fato passado, pois continua dando
sentido ao presente e, como tal, algo a ser recriado, como uma possibilidade
de vida. Dessa forma, estes depoimentos destacam a importância do desafio
de construir uma escola indígena, para a vida da própria comunidade e
dos próprios professores indígenas nele engajados. Consequentemente, isso
exige deles a revisão da sua concepção de história, construída com base nas
imposições do ambiente. Compreendendo que as experiências formativas são
vivências desenhadas em sentidos pessoais advindos da História de vida deles.
O desafio de pensar uma escola que seja voltada para os interesses
do seu povo leva-os a perceber o seu passado enquanto continuidade a ser
reorganizada, buscando recuperar e repensar, com imagens e ideias de hoje,
as experiências deste passado. E isso os levou a refletir sobre as vivências,
experiências, visões, pensamentos e ensinamentos, ou seja, elementos da
história de vida que são ligados à formação e à docência.
Sobre o processo de formação desses professores e suas experiências
formativas ao longo da vida, ainda há muito que entender. Principalmente
no que diz respeito às experiências de vida, pois cada vez que fazemos
uma reflexão, novos sentidos podem ser dados e novos desenhos podem se
desenvolver.
Podemos dizer que a formação de professores é um processo que
avança pela constituição do sujeito e assim retoma elementos da história,
reestruturando-os em uma visão de sentidos pessoais que orienta a prática
docente. Neste trabalho, não intencionamos formular ou discutir como

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 305


deve ser realizada uma formação para professores indígenas, mas somente
entender como esta formação se insere na história de vida dos professores e
como esta os direciona à prática docente. Ao analisarmos as Histórias de vida
dos professores, a partir dos depoimentos orais, pudemos perceber que esses
professores se constituíram professores, também, a partir de suas experiências
de vida.

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308 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Prática Docente na Educação Superior
Indígena: Relato de Uma Experiência
com Estudantes Xerente
__________________________________________
Rosemary Negreiros de Araújo84

Resumo
Este artigo apresenta uma reflexão a partir de uma experiência
docente vivenciada com estudantes indígenas da etnia Xerente, realizada na
Universidade Federal do Tocantins, Campus de Miracema. Tal experiência foi
fundamental para perceber-se que, conforme diz Paulo Freire (1996), educar
não é um ato isolado e deve ser construído através de um vínculo afetivo e de
respeito. Metodologicamente, utilizou-se como suporte teórico e referencial
de análise, as entrevistas contidas no Diagnóstico Etnoambiental das Terras
Xerente e Funil (2000), e os estudos de Silva (1992), Schroeder (2006) e Freitas
(2008). A partir desta perspectiva, e após avaliar-se o objetivo em pauta,
ficou evidente a insatisfação deste povo diante da questão territorial, desde o
momento em que as terras foram demarcadas (1976 e 1987), até a atualidade.
Levando-se em consideração o processo vivenciado no cotidiano educacional,
a interação entre docente-discente, foi de fundamental importância e,
portanto, reveladora de aspectos outrora desconhecidos, resultando assim na
construção do saber e difusão de conhecimentos cotidianos, numa dimensão
considerada “lúdica”, porém, real segundo os ensinamentos destes povos.
Palavras-chave: Experiência Docente; Território Indígena; Cultura
Xerente.

84. Professora da Universidade Federal do Tocantins, campus de Miracema.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 309


Introdução

Uma das grandes inquietações por parte de educadores, na atualidade,


qualquer que seja o grau de ensino, diz respeito à prática docente, na relação
dos professores com os alunos. Parafraseando Paulo Freire (1996, p. 25),
“não há docência sem discência”, pois, “quem ensina aprende ao ensinar e
quem aprende ensina ao aprender”. Tal afirmativa é uma das grandes ideias
de Freire e remete ao momento em que este educador, concebeu a relação
dialética como uma relação presente na prática docente, fugindo daquele
entendimento de que o ato de educar seria um ato isolado, e se daria por meio
da transmissão-assimilação de verdades prontas e acabadas.
Percebe-se, pois, que o autor nega uma relação “estática” da educação
em si mesma e acredita que a interação dialética professor-aluno, aluno-
professor, é o que propicia a construção de uma relação educacional, através
de um vínculo afetivo e de respeito, favoráveis ao processo de ensino-
aprendizagem.
O intuito neste trabalho não é tratar exaustivamente o tema da
prática educativa, mas fazer uma breve reflexão sobre os resultados de uma
experiência com estudantes indígenas universitários. Esta experiência retrata
os frutos de uma vivência cotidiana, ocorrida no ambiente da Instituição e
da aldeia indígena. Ademais, a forma pela qual foi conduzido este trabalho,
resultado de um cotidiano teórico-prático com uma interação educativa
proveitosa, permite afirmar que trata-se de uma ação/reação educativa, com
resultados expressivos.

Prática docente na educação superior indígena


Considerando-se que há poucos indígenas brasileiros, especificamente
no espaço em questão, que cursam uma Universidade, o tema relativo à sua

310 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


educação específica ainda é novo, porem é recorrente, quando se pensa sob
um ponto de vista abrangente. Tal abrangência diz respeito ao fato de que
em todas as comunidades ocorre uma determinada educação (ainda que seja
na forma do senso comum), e o viés analítico que norteou esta experiência se
embasa no processo educacional no qual não se deve considerá-lo somente
sob o ponto de vista do contexto da instituição (escolar), e sim, como parte de
um processo social e de uma prática social maior, que produzem o educativo.
Sendo assim, este trabalho tem como objetivo refletir sobre alguns
aspectos relativos ao povo Xerente (Akwẽ) e o seu território no Tocantins,
considerando uma experiência vivenciada no Campus Universitário da UFT
de Miracema. Neste sentido, copilamos algumas experiências cotidianas em
sala de aula com os alunos desta instituição, a UFT, sobre o povo Xerente.
Ressalta-se que a preocupação básica será tratar dos detalhes os quais
presenciamos, em sala de aula como docente desta instituição, convivendo
com a realidade indígena deste Estado. Evidencia-se que, por se tratar de um
relato e avaliação que envolve diretamente nossa atuação enquanto docente,
bem como a percepção do around, em alguns trechos poderá ser escrito na
primeira pessoa. Assim, inicio destacando que desde o começo dos trabalhos
desenvolvidos em sala de aula, percebi a riqueza dos “relatos” dos alunos
quando eram discutidos assuntos pertinentes aos indígenas daquela região,
mais especificamente, os Xerente. No tocante a estes assuntos, aspectos de
natureza histórica e cultural, que, por vezes se “contrapunham” a aspectos
conceituais já discutidos como, por exemplo, a ocupação dos seus territórios.
A experiência vivenciada com os discentes, indígenas e não indígenas,
mas que também vivem juntos destes povos por anos a fio favoreceu um
entendimento mais apurado sobre este povo, no que diz respeito às suas formas
de vida, aos traços culturais mais marcantes, às tradições, à expectativa e ao
“apego” às suas terras, permitindo assim um olhar “mais abrangente”, no
tocante à manutenção dos seus costumes e tradições.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 311


Embora não seja objeto desse estudo avaliar o sistema de cotas da
UFT, a título informativo e que poderá permitir entender melhor a realidade
destes povos, abordaremos brevemente a questão. Sabe-se que a Universidade
Federal do Tocantins, através da Resolução do Conselho de Ensino, Pesquisa
e Extensão – CONSEPE nº 3ª/2004 85 aprovou a implantação do sistema de
cotas para estudantes indígenas, oferecendo a estes 5% (cinco por cento) do
total das vagas em todos os cursos e campi da UFT, sendo direito do aluno
indígena usufruir do sistema de cotas, o que está vinculado à apresentação
de declaração da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), confirmando sua
origem étnica. Esta Resolução passou a vigorar a partir do dia 03 de setembro
de 2004.
Foi então, a partir do primeiro semestre de 2005, que os alunos
indígenas começaram a ter acesso ao ensino superior público nessa
instituição. Segundo informações obtidas pelo estudante indígena da
etnia Karajá, Amaré Gonçalves Brito86, a FUNAI, nos anos de 2005 e
2006, concedia bolsas para os alunos indígenas que ingressaram nesse
período. A partir do ano de 2007, as bolsas para novos ingressantes
foram suspensas. De acordo com dados da Diretoria de Programas e
Projetos Especiais da UFT, no período compreendido de 2005 a 2008,
a taxa média anual de candidatos inscritos e aprovados no vestibular
tem registrado aumento progressivo. Como não foi possível ter acesso
aos dados que apontem e ou demonstrem esse percentual, aventa-se
apenas que, em relação à etnia Xerente, a procura pelo vestibular
parece claramente ocorrer em todos os semestres que abrem vagas para
o vestibular. Estes estudantes indígenas pleiteiam vagas não apenas
para cursos do campus de Miracema, que é o mais próximo de onde

85. Anterior à Resolução do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão – CONSEPE nº 3ª/2004 para inserção de
estudantes indígenas no ensino público superior (UFT), na Universidade do Estado do Tocantins (UNITINS) já
estudavam possuía alguns estudantes indígenas.
86. Amaré é estudante da UFT/Palmas e trabalha na FUNAI.

312 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


residem, mas nos demais campus da Universidade federal, visto que o
sistema de cotas não se restringe apenas aos povos indígenas do estado
do Tocantins.
Conforme o exposto acima, os estudantes indígenas atualmente neste
Campus têm uma “certa” participação enquanto população universitária,
exigindo dos docentes da UFT atenção e entendimento quanto aos seus
“anseios” e sua forma de inserção no Campus. Foi a partir deste entendimento,
como docente, que foquei esforços e dedicação para compreender melhor a
cultura e vida dos integrantes desta etnia. Considerando este fato, desde que
assumi a docência em Miracema, em setembro de 2006, para trabalhar no
Campus da UFT, tenho presenciado conversas informativas sobre os Xerente,
geralmente em sala de aula.
Normalmente estas informações verbais e comentários dos alunos
retratam uma realidade “perdida”, quando se trata de averiguar a existência
real e atual deste povo. Há exemplos curiosos em relação à questão dos
territórios indígenas, e em pelo menos três ocasiões, ouvi fatos “marcantes”,
que relato a seguir: no primeiro, o aluno informou que, quando era criança,
olhava para o outro lado do rio Tocantins, e lá avistava “várias casinhas”
do povo Xerente. Um segundo fato, comentado pelos estudantes Xerente87
sobre suas terras, informa que as terras Xerente ficavam próximas ao “Morro
Perdido”, situado próximo à rodovia Belém Brasília, no sentido Miracema –
Araguaína. Noutra oportunidade, afirmaram ainda que o clã denominado
Dói88 de um dos colegas Xerente, habitava próximo ao rio Providência, que
hoje é município de Miranorte até a barra do Rio Providência no município
de Miracema do Tocantins (TO).
87. Os estudantes Xerente: Alexandre Shaparzane Xerente, Antônio Samuru Xerente, Pedro Cazé Xerente,
Lenivaldo Xerente e Vilmar da Mata de Brito Xerente, contribuíram com algumas informações para esse estudo. Este
último membro do grupo, foi escolhido pelos demais, para realização de uma leitura criteriosa deste texto, avaliando o
teor das informações específicas sobre os Xerente aqui contidas. Tal prática de “correção” por um membro do grupo é
também utilizada como estratégia de autorização e consentimento do grupo para a pesquisadora fazer uso do material
em textos e publicações diversas.
88. Os Xerente estão divididos em seis clãs; sendo eles : ĩsake – kuzâ – wahire – krito - krẽprehi e kbazi. A tradição
xerente é patrilinear com relação aos filhos, isto é, os filhos (as) pertencem ao clã do pai desde a gestação da mãe, do
casal, ou não. A criança automaticamente já pertence aos familiares do pai, cabendo assim aos familiares a educação;
a passagem dos conhecimentos tradicionais esta sob responsabilidade mais especificamente, da família do pai.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 313


A inquietação em relação a este estudo se deu também a partir de “falas”
originárias de pessoas, que em lugares públicos, argumentaram indignadas
sobre a extensão do território Xerente, tido por estes, como uma grande
extensão para a população indígena. Percebeu-se, portanto, que há um certo
mal estar nessa relação - do não-indígena para com o indígena - em cidades
próximas à reserva Xerente, como Tocantínia e Miracema do Tocantins e
demais cidades situadas no entorno da reserva. O ponto nevrálgico que afeta
tal relação, certamente, centra-se principalmente, na questão territorial, pois
se pode verificar, a partir de exemplos de contendas, envolvendo questões de
terras entre fazendeiros e indígenas, algumas narradas em textos sobre os
Xerente.
Além disto, um fato curioso é que parece haver opiniões diferentes
quanto se trata da questão “perceptiva” quanto ao seu território, entre os
anciões e os mais jovens do povo Xerente. Para ilustrar tal assertiva, merece
relatar um fato interessante que ocorreu em um evento que foi realizado em
agosto de 2008. Naquela época, como representante de um grupo de trabalho
e programa destinados à inserção e manutenção dos indígenas na IES em
questão, acompanhei os estudantes indígenas Xerente, durante o Seminário
de Experiências Institucionais com Povos Indígenas do Estado do Tocantins,
que ocorreu em Araguaína. O objetivo foi “fomentar o debate e a reflexão
acerca das demandas indígenas e o conhecimento das ações que estão sendo
desenvolvidas, no âmbito das terras indígenas, pela FUNAI e seus parceiros,
bem como pelos profissionais e acadêmicos da UFT”89. A tônica do evento visou
basicamente a celebração de parceria da UFT com a FUNAI, bem como com
as demais entidades dedicadas à questão indígena. Por esta razão, explica-se
o envolvimento das principais lideranças indígenas nesse importante evento,
quando foi possível observar que em se tratando da temática do território, a
concepção dos mais jovens difere da concepção dos anciões. Isto não significa
89. Portal da UFT notícia de <http://www.noticias.uft.edu.br/. Acesso em 30 de julho de 2011.

314 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


que os mais jovens abram mão do território, mas, certamente, por terem
outras “oportunidades” e outros “valores”, como a noção de educação e da
importância do ensino superior90 na vida dos Xerente, as quais começam a ser
experimentadas, se posicionam diferente dos mais velhos.
Assim, de tantas falas ouvidas e percebendo o quanto a prática
pedagógica em sala de aula e a vivência em programa e grupo que se destinam
aos estudantes indígenas guardam riqueza de detalhes sobre a história
de um povo, além das observações junto à comunidade não indígena, fui
motivada a reflexões desta natureza, as quais passo agora a transformá-las em
materialidade objetiva e escrita, fundamentado em pesquisas bibliográficas
e conversas “informais” com os próprios Xerente. Outras fontes de pesquisa
foram também aqui utilizadas, tais como: entrevistas retiradas do Diagnóstico
Etnoambiental das Terras Indígenas Xerente e Funil, realizado em 2000, o
qual contempla a fala de lideranças indígenas da etnia em foco.
Os dados apresentados pelas citadas fontes, possibilitaram o
levantamento de algumas questões, tais como: As informações comentadas
em sala de aula pelos alunos e/ou em outros espaços sociais, podem ser
fundamentadas em dados oferecidos pelas referências bibliográficas? E o que
dizem os “mais velhos” sobre estas proposições? Como se encontra a situação
atual destas terras, não somente em extensão, mas principalmente, em termos
de suas condições ambientais? Existem iniciativas visando à conservação de
suas potencialidades naturais? Há ações por iniciativa das reservas? O que
apregoam as atuais legislações sobre a questão das terras indígenas?
Estas e outras questões serão avaliadas, preliminarmente, na proposição
deste texto “experimental”. Considerando-se, no entanto, as limitações das
fontes que serão aqui utilizadas, o mesmo não se propõe a respondê-las ao

90. Dentre os Xerente, os pertencentes aos clãs ĩsake, wahire e dói, são os que mais se inseriram na educação formal,
inclusive na universidade.
A origem dos Kraô-Canela não é muito precisa, sabe-se que são uma mistura de Kraô (Tocantins) com os Canelas (do
Maranhão), que perderam sua identidade, sendo reconhecidos recentemente em 2002, pela FUNAI.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 315


final, porém, muito mais a apresentar comentários que suscite reflexões sobre
o tema. Destaca-se que, além da possibilidade de que sirva de base para outras
iniciativas da mesma natureza para docentes, tem-se como objetivo principal,
direcionar o presente artigo aos discentes, e, posteriormente, utilizá-lo como
suporte para os estudantes em disciplinas que contemplem o tema, a exemplo
de: Formação Histórica e Social da Amazônia e Cultura Brasileira e Questões
Étnico-Raciais, dentre outras deste Campus de Miracema do Tocantins.
A intenção é apresentá-lo como ponto de reflexão sobre algumas questões
relativas aos indígenas do Tocantins, mais especificamente, os Xerente. As
ações educativas promovidas pela Universidade, em diferentes situações de
suas atividades, poderão proporcionar um espaço dialético-interativo entre
educadores, educandos e o conhecimento.

Avaliando a problemática: um aspecto a ser destacado


- o território indígena
Para compreendermos o território indígena, temos que compreendê-lo
a partir de suas especificidades em relação ao território capitalista, o qual está
marcado pelas relações de poder que emergem do Estado-Nação.
Utilizamo-nos dos estudos de Elizeu Lira (2005), estudioso do território
Krahô, acreditamos que o territorio indígena não é formado apenas por
manifestação de relações de poder emanado pelo Estado sobre um dado
espaço, como se apresenta o território capitalista. O território indígena foge
dessa concepção, pois ele está representado fortemente no sistema simbólico,
mantido ao longo da história de um povo e de seu habitat.
Com efeito, tanto no território capitalista como no indígena, percebe-
se a presença do Estado-Nação, desde que o conceito de territorio conforme
afirma Lira (2005), não é próprio das sociedades indígenas, e as delimitações
territoriais são historicamente fixadas por meio de estrategias de poder e

316 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


controle político do Estado. Nesse sentido, os territórios e as terras indígenas
são espaços dominados que inevitavelmente, forçam os índios a firmar um
pacto eterno de dependência com o Estado. Mas o estudioso alerta que é
necessário discordar do caráter eterno dos pactos entre os índios e o Estado,
referente ao domínio de seus território. Acrescenta também, que a concepção
que se elaborou sobre território, é fruto da sociedade capitalista, o que
antecede ao território é visão de espaço.
O mesmo autor acrescenta que o território indígena é um espaço da
sobrevivência e reprodução de um povo, onde se realiza a cultura, onde se
criou o mundo, onde descansam os antepassados. Além de ser um local onde
os índios se apropriam dos recursos naturais e garantem sua subsistência física
é, sobretudo, um espaço simbólico em que as pessoas travam relações entre si
e com seus deuses (LIRA, 2005).
No caso específico do território indígena, a apropriação de recursos
naturais não se resume exclusivamente a produzir alimentos, mas consiste
em extrair matéria- prima para a construção de casas, para enfeites, para a
fabricação de arcos, flechas, canoas e, ainda, em retirar as ervas medicinais
que exigem determinadas condições ecológicas para vingarem. Para que
o povo possa sobreviver e se reproduzir, necessita de muito mais terras do
que as que utiliza simplesmente para plantar, as comunidades ocidentais. E
é justamente esse espaço da sobrevivência, com tudo que ela implica, que
denominamos território, afirma Lira (2005).
Enquanto o território capitalista prima pela propriedade privada, o
território indígena tem uma particularidade: o de ser coletivo e pertencer
igualmente a todo o grupo. Não existe a propriedade privada entre os índios.
Todos têm acesso à terra, e esse acesso é efetivado através do trabalho e da
ocupação de fato de uma determinada porção do território tribal.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 317


O conceito de território indígena é, assim, um espaço de sobrevivência
e de reprodução histórica de um povo, onde se realiza a cultura, onde se criou
o mundo, onde descansa os antepassados. Inicialmente já temos a dimensão
desse território e a compreensão de que o mesmo surge de uma relação
cultural da sociedade que o habita ou já o habitou. Portanto, não é produto de
uma relação de poder estatal e/ou privado sobre um espaço qualquer.
Dessa forma, como o território indígena surge das relações histórica-
culturais das sociedades para com as áreas geográficas em que se constituíram
como tal, dificilmente o conceito capitalista daria conta de traduzi-lo por
completo. Diante da complexidade entno-sócio-cultural, engedrada no
significado de habitat indígena, o conceito que mais aproximaria seria o de
terra indígena. Mas como já foi mencionado, este foi apropriado juridicamente
pelo Estado brasileiro, desde a Lei de Terra de 1850, e foi utilizado para os
atos demarcatórios da FUNAI.
Coube portanto, buscar no conceito de território, como uma categoria
acadêmica ligada fortemente à análise geográfica, concentrar as discussões
teóricas sobre território indígena de suas manifestações no espaço brasileiro.
Em estudo sobre os Akroá e outros povos indígenas do antigo Norte
Goiano, atual Tocantins, a historiadora Juciene Ricrate Apolinário (2006),
a qual se fundamentou a partir de importante documentação pesquisada
em arquivos brasileiros e portugueses, diz que na citada região, no século
XVIII, os indígenas, assim como os escravos negros, criaram estratégias de
sobrevivência diante da ação dos colonizadores que agiam sob os ditames
mercantilistas da Metrópole portuguesa. Enfoca ainda que o período que
antecede à ocupação de aventureiros em busca de descobertas auríferas, o
norte goiano era habitado por grupos étnicos, em sua maioria pertencente
ao tronco linguístico Macro Jê. Entre eles estavam: os Akroá, Xacriabá,
Xavante, Xerente, Javaé, Xambioá e Karajá e os Avá-Canoeiro, do tronco
linguístico Tupi.

318 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Os Xerente falantes da língua Akwê, habitavam e ainda habitam a
região a leste do Tocantins. Seu territorio confundia-se, em certos lugares, com
o dos Xavante, sendo os dois povos considerados como sendo uma unidade
étnica até princípios do século XIX. As fontes documentais revelam que os
Xerente ocupavam terras das duas margens do rio Tocantins desde próximo
ao arraial de Pontal (atualmente município de Porto Nacional), chegando à
região de Rio Sono e Pedro Afonso (GIRALDIN, 2002).
Ressalte-se que a primeira tentativa de se exercer um controle na
região dos Xerente, se deu em 1824, através de um aldeamento na foz do
ribeirão Taquarussu com o Tocantins, cujo criador foi o governador-geral
das armas da Capitania de Goyás, Raymundo José da Cunha Mattos. Na
ocasião, deu o nome ao aldeamento de Graciosa, uma homenagem à sua
filha. O aldeamento que não prosperou, foi alvo de ataque dos Nhyrkaãje. A
ruína desse aldeamento é associada à falta de recursos (GIRALDIN, 2002).
Para entendimento da ideia de territorio indígena convém lembrar que
a noção de territorio moderno remete às ideias de fronteira e divisa. Concebido
dessa maneira, enfatiza a dimensão de espaço em detrimento da dimensão de
tempo negando o processo histórico. Um estudo voltado para educadores do
ensino fundamental e médio, realizado sobre o território das etnias Guarani
e Kaingang, vai além desse pensamento e enfatiza:

Em contraponto semântico, as sociedades indígenas das


terras baixas da América do Sul tendem a representar seus
territórios como espaços-tempo indissociáveis da vida de seus
habitantes. Corpo e território se colam na imagem da terra
mãe, tão recorrente nas mitologias indígenas. O sentimento
de parentesco com a terra, por sua vez, abre espaço para a
afinidade potencial com todos os seres que nela vivem. [...] A
paisagem, por sua vez, figura fabulosa na memória narrada,
tornada mito, tornada história (FREITAS, 2008, p. 17).

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 319


Diante disso, na realidade brasileira, o que se constata é que as duas
dimensões, a moderna e a ameríndia, convivem numa espécie de diálogo e
tensão. Ressalte-se também que, no quadro de um Estado Democrático de
Direito, o qual deverá ter como meta equacionar o desenvolvimento nacional
e a diversidade cultural, se verifica um desequilíbrio histórico, no qual há
um desequilíbrio entre os projetos de desenvolvimento e os modos de vida
tradicionais.
Outro motivo de preocupação de autores, como Aracy Lopes da Silva,
é o de que as sociedades indígenas eram entendidas, pelos estudiosos, como
sociedades “sem história”. “Imaginava-se as como voltados para o passado
mítico, empregando sua criatividade no sentido de manter-se igual a si
mesma”. Esse equívoco é ainda vigente em algumas discussões acadêmicas. A
autora continua dizendo que tal fato nega o fluxo da história, “neutralizando as
transformações e reconhecendo, como processos, apenas os de recomposição
do modelo tradicionalmente seguido” (SILVA, 1993, p. 333).
Reportando-nos ao territorio Xerente, de acordo com o Diagnóstico
Etnoambiental das Terras Indígenas Xerente e Funil91 (2000, p. 18), os
Xerente (auto denominado – Akwẽ) se encontram em duas áreas, sendo a
primeira área conhecida como área grande demarcada em 08/01/1976
com 167. 542,105ha e a área FUNIL demarcada em 24/02/1982 com
15.703,797ha, totalizando 183.245,902ha. O reconhecimento dessas terras
em favor dos Xerente resultou de um conturbado processo, marcado por
tensões, violências e mortes. Ressalte-se, no entanto, que a área reconhecida
significa uma parcela ínfima do extenso território que eles ainda dominavam
em fins do século XIX.
Ivo Schroeder (2010, p. 29), comenta que o padre Estevão Gallais em
obra de 1942, faz um relato sobre os conflitos dos Xerente com os cristãos,
que se apoderavam de suas terras, em meados do século XIX, e informa que
91. A origem dos Kraô-Canela não é muito precisa, sabe-se que são uma mistura de Kraô (Tocantins) com os Canela
(do Maranhão), que perderam sua identidade, sendo reconhecidos recentemente em 2002, pela FUNAI.

320 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


“a questão teria sido levada ao tribunal do Imperador, que se pronunciou no
sentido de um acordo com os Xerente e lhe entregou uma vasta extensão de
terras”.
As entrevistas aqui utilizadas, resultado do Diagnóstico Etnoambiental
das Terras Xerente e Funil, foram escolhidas pela riqueza de dados e
informações sobre a questão do território Xerente e da forma como se deu
a sua demarcação, assim como o descontentamento por parte dessa etnia,
devido a perda de parte de seu território; considerando-se que, para os povos
indígenas, a terra possui um significado diferenciado do que é atribuído pelos
não indígenas. A terra representa para estes povos muito mais do que um
simples meio de subsistência, representa, portanto, o suporte da vida social
e está diretamente ligada ao sistema de crenças e conhecimento. Nesse
sentido, mas que um recurso natural importante, se constitui em um recurso
sociocultural.
Uma dessas entrevistas, contidas no Relatório Etno-Ambiental (2000,
p. 67), atribui ao padre Antônio de Ganges, o mapa de uma grande área
etnoambiental. Tal versão, presente na fala de Isaac Simnâkru Xerente,
ancião já falecido, da aldeia Vão Grande, diz o seguinte: “Desde quando o
Xerente existia, já existiu em Morro Grande, Araguaína. Foram tocados para
cá. Deu malária, deu sarampo. As aldeias eram grandes, foram se acabando.
Continuando, Isaac Simnâkru, diz ainda que “O padre (Antônio de Ganges)
deixou esse quadrado grande. Depois os fazendeiros invadiram. Se houver
uma pessoa que pensa no futuro, vê que não vai dar”. Afirma isso, se referindo
à redução da área de terras destinadas ao número de familias, que crescem
cotidianamente.
Em outra fala Simnãkru acrescenta, Está no mapa do Curt de 1930;
a aldeia do Esgoto ficou de fora. Se deixasse o Funil também ficava fora. O
diretor do Idago (da comissão de demarcação) disse que podia cortar onde

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 321


quisesse. Os velhos não sabiam. Todo mundo sabe que Tocantínia era aldeia.
Primeiro Lajeado, rio do Sono. Tinha o Paneiro do outro lado do rio do Sono,
e o ribeirão Perdida. Os mais novos (precisam), a família está aumentando
(Simnãkru – aldeia Vão Grande).
O mesmo relatório etnoambiental (2000, p. 67), apresenta a fala de
Manoel Sukë:

Nossa área era grande. O branco foi chegando perto. Agora


estamos espremidos. Nossa população agora está crescendo.
E os que vêm atrás de nós, nossas crianças? A área foi
delimitada sob pressão, meu avô e minha avó até apanharam.
Nós perdemos o trecho de Lajeado e Pau Ferrado. No caso
do Funil, eles perderam a Passagem de Pedra. Ficou para o
branco. Aqui o limite era o rio negro e a cabeceira das Porcas
(cabeceira do Piabanha); dali era para encostar no Miramata.
Era por aí. O Xerente perdeu as duas cabeceiras.

Nas falas de Simnãkru e de Suke, ficou perceptível a insatisfação


em relação a questões territoriais, quando se trata do desenvolvimento
proporcionado pelo progresso. O lugar aqui mencionado, denominado
Miramata, na atualidade corresponde hoje à cidade de Aparecida do Rio
Negro, no estado do Tocantins, próximo à Tocantínia.
Embora os índios detenham a posse permanente e o “usufruto exclusivo
das riquezas do solo, dos rios e dos lagos” existentes em suas terras, conforme
o parágrafo 2º do Art. 231 da Constituição, elas constituem patrimônio da
União. E, como bens públicos de uso especial, as terras indígenas, além de
inalienáveis e indisponíveis, não podem ser objeto de utilização de qualquer
espécie por outros que não os próprios índios. Porém, será que somente isto
basta para preservar os seus territórios?

322 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Os Xerente: relação entre cultura e território - o que
“aprendemos” com os discentes
Conforme o referido anteriormente, este tópico é dedicado diretamente
ao aprendizado mais específico, uma assimilação cognitiva dos “modos de
vida” dos Xerente, no estado do Tocantins. Foi em razão dos estudos realizados
para algumas disciplinas que, contribuíram sem dúvida, favoravelmente, na
fundamentação do aprendizado teórico e que, confrontado pelo conhecimento
empírico dos estudantes indígenas acerca dessa etnia, rendeu uma experiência
rica e significativa acerca dos Xerente. Frisa-se que as disciplinas são as
seguintes: Metodologia do Ensino de História, e de uma forma mais indireta,
Formação Histórica do Brasil, Formação Histórica e Social da Amazônia
e Cultura Brasileira e Questões Étnicos Raciais, as quais contemplam os
conceitos de cultura, cultura e permanência, território, espaço e tempo,
dentre outros. Tal aprendizado se deu também, em razão do convívio quase
diário, em atividades destinadas aos estudantes indígenas.
Os dados sobre a vastidão do território Xerente, sempre esteve presente
nas falas desses estudantes, os quais, em decorrência do pertencimento a um
grupo, em que a narrativa ainda se sobressai ao texto escrito, a estimulação
por meio de questionamentos, rendeu longas conversas “produtivas”. Vale
ressaltar que o teor das respostas, conforme os próprios estudantes foram
embasados pelas narrativas dos anciões: avôs, avós, tios e tias, pais e mães,
dentre outros parentes, e versaram sobre aspectos diferenciados, mas que
convergem, geralmente para questões de natureza, tais como: território,
cultura, invasão por parte do não indígena, nomadismo, dentre outros.

Permanências
Durante as narrativas, descreveram sobre os Xerente num passado,
quando ainda não existiam os aldeamentos, nem tampouco as reservas, como

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 323


se tem na atualidade. Descreveram esse povo como nômade, vivendo de lugar
para lugar. Sendo assim, permaneciam por um tempo num determinado
lugar, certamente alguns meses, porém, mesmo assim, eles cuidavam da
roça. Limpavam debaixo das árvores com muita dificuldade, pois não
tinham ferramentas apropriadas, como machado, facão, enxada, roçadeira
e plantadeira. Demoravam alguns dias e faziam a “queimada”, para
posteriormente, plantarem milho, amendoim, abóbora, inhame, cará, arroz,
mandioca e outras plantas comestíveis. Depois de algum tempo, continuavam
sua vida nômade e seguiam a caminhar, na procura de outro lugar, onde
pudessem desenvolver a coleta e a caça ou até mesmo ir à outra aldeia onde se
encontravam seus parentes próximos.
Noutra dessas narrativas, mencionaram que os Xerente viajavam muito
em busca de uma planta para utilizar na confecção de flechas, pois as flechas
eram venenosas por natureza. Esclareceram sobre o equívoco de se pensar
que os índios colocassem veneno nessas flechas, e que os xerente iam buscá-las
muito distante e faziam rituais de colheitas, quando faziam a coleta. Relatam
os mais velhos, que sempre se morria dois ou três deles, com o próprio veneno
dessa planta. Descreveram-no como uma espécie de taboquinha avermelhada,
existente apenas no agreste da Bahia. E que os mais velhos descreviam esse
local que eles iam, como sendo um lugar do agreste da Bahia. A descrição é
que se tratava de lugar em que os paus não tinham folhas, acreditam que fosse
provavelmente, a caatinga e as folhas quando tinham, eram avermelhadas, e
para baixo não tinha árvore nem capim. O nome dado por eles - Wapre – pode
ser no litoral da Bahia, lugar onde o sol nasce.
É importante destacar que, muitas vezes, ao ouvir a narrativa dos
estudantes Xerente, percebia-se o perfil de uma “espécie de desolamento”
por parte de alguns deles, quando focávamos em um assunto, cuja temática
envolvia a noção de território dos Xerente. Arrisquei perguntar se o motivo

324 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


de aparente tristeza teria a ver com a perda do território, que outrora era
tão extenso e hoje é ínfimo, diante do que já fora. Como resposta, um deles
respondeu que a causa de tal tristeza era muito mais devido à perda cultural
diluída ao longo do tempo, isso sim, era a causa maior para eles, (os Xerente);
a perda de elementos de sua cultura no tempo.
Referindo-se à origem desse povo, informa um deles que os Xerente e
Xavante eram o mesmo povo, ainda hoje a cultura é a mesma, os nomes, rituais,
festas e as histórias são as mesmas. A colonização provocou uma espécie de cisão
no passado, porque eles foram e não tiveram mais como voltar. Os colonizadores
entraram fazendo divisas ocuparam a área atual e eles não voltaram mais. Mas
quando um Xavante se encontra com um Xerente, há diálogo e se chamam de
parente, de irmão. Os Xavante habitam terras do Mato Grosso.
O cisma entre Xerente e Xavante, remonta ao século XIX, tema ainda
povoado de muitas dúvidas. Para ilustrar esta informação, recorre-se a tese de
doutorado de Ivo Schroeder (2006), o qual enfatiza que os dois povos ora são
citados lado a lado, ora como povos distintos, ou ainda como um subgrupo
do outro, mas sempre ocupando o mesmo território. Enfatiza ainda que, de
acordo com os Annaes da Província de Goyas, redigidos por José Martins
Pereira Alencastre, os Xerente habitavam nos começos do século XIX,
as caatingas e charnecas do Médio Tocantins, entre os rios Manuel Alves
Grande e Manuel Alves Pequeno, e eram ainda encontrados nos sertões do
Duro em 1810, quando submetidos pelo “capitão” que governou Goiás de
1809 a 1820. Faz menção ainda às memórias do padre Luiz Antônio da Silva
e Souza, o qual se referiu aos Xerente como uma Nação que existe acima
da cachoeira de Lageado, no Tocantins, e que a mesma se estenderia até os
sertões do Duro, entre o Rio Preto e Maranhão.
Ainda de acordo com Schroeder (2006), a partir dos relatos sobre o
território Xerente no século XIX, estes estariam sempre na região do Rio do

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 325


Sono, no sertão do Duro, nos Rios Manuel Alves Grande e Pequeno, região
onde estavam os Xacriabá e Akroá, e talvez um século antes nos Aldeamentos
de São José e São Francisco.
No entanto, a preocupação atual dos estudantes indígenas Xerente do
Campus de Miracema, parece estar diretamente ligada às questões pertinentes
a destruição da natureza pelos “brancos”. Explica um deles que isto, de alguma
forma afeta a cultura dos povos “ligados à natureza”, ou seja, os indígenas.
Exemplifica: Diretamente, a hidrelétrica Belo Monte92 vai destruir a natureza
e os povos Amazônicos, que perdem animais e território; o que se caracteriza
como uma grave situação, imposta àquele povo daquela região, conclui o aluno.
Segundo estes mesmos estudantes, entre os Xerente, alguns poucos
jovens falam em favor do progresso, mas quando falam, normalmente, são
incentivados por políticos, ou seja, são “induzidos” por não indígenas. Afirmam
que na visão dos mais velhos, eles não aprovam o progresso, especificamente,
próximo à reserva indígena, porque traz consequências negativas para a aldeia,
provocando impactos ambientais. No caso da barragem (Usina Hidrelétrica
do Lajeado), por exemplo, quando construída trouxe impacto aos Xerente, o
que segundo a concepção destes, a indenização, em forma de compensação
financeira acabou, enquanto o impacto ambiental irá se prolongar de geração
em geração e a cada dia que passa trará mais impactos e/ou miséria.
Compactuam com a ideia de que também a construção da capital
(Palmas) é do mesmo jeito, porque é bem próxima. E questionam: Qual é o
resultado positivo? Se nem para a cidade tem resultados positivos, por exemplo,
a capital passou por Miracema e não beneficiou a cidade. Desta forma, parece
que, na visão dos indígenas, aldeia não se beneficia com nenhum tipo de
progresso, imposto pelo homem “branco”.

92. Belo Monte é um projeto de construção de uma usina hidrelétrica previsto para ser implementado em um trecho
de 100 quilômetros no Rio Xingu, no estado brasileiro do Pará. Sua potência instalada será de 11.233 MW, o que fará
dela a maior usina hidrelétrica inteiramente brasileira. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Usina >. Acesso
em 30 de julho de 2011.

326 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Considerações finais
Entendendo-se a prática docente da maneira aqui já exposta, onde existe
interação entre docente-discente e levando-se em consideração o processo
vivenciado no cotidiano educacional, avaliou-se que ela pode ser reveladora
de aspectos outrora desconhecidos, resultando na construção e difusão de
importantes conhecimentos cotidianos. Estes conhecimentos construídos na
interação educativa, sob a égide dialética, ainda que estejam presentes no dia-
a-dia dos envolvidos no processo em questão, às vezes não eram “percebidos”
anteriormente, a exemplo do tema sobre o território Xerente. Alguns
aspectos aqui apontados não são conhecidos pela comunidade acadêmica e
comunidade em geral, e o resultado de um estudo mais minucioso sobre tais
questões elucida a importância do que poderia passar despercebido, embora
se destacando, cuidadosamente, que a intenção não tenha sido a de exaurir o
tema em pauta.
Sabe-se que o assunto é extenso e controverso e assim, tratá-lo em
poucas páginas certamente não daria conta de responder a tantas questões ou
mesmo de apontar alguma solução possível a esta problemática do território
indígena. A intenção, portanto, foi muito mais de sugerir um direcionamento
futuro de estudo e pesquisa e abrir um leque de questionamentos, através
de informações e avaliações oriundas da fala e experiência vivida com o
próprio povo Xerente, bem como as suas inquietações e insatisfações quanto
a ocupação dos seus territórios.
Das falas ouvidas, também se destaca o que estes indígenas pensam
sobre a “proximidade” dos brancos. Segundo eles, hoje a reserva vive sob
a ameaça de não indígenas em busca de um título de terras em área bem
próxima à reserva, são grileiros - essa questão está sob investigação. Nesse
sentido, questionam: o que o desenvolvimento poderá trazer aos seus filhos?
Há também os que entram na reserva para tirar a madeira e caça, em lugares

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 327


onde não moram indígenas. Esses “brancos” moram muito próximos da
reserva, no limite, e ocorre isso porque não há fiscalização. Desde que foi feita
a demarcação, não mais houve fiscalização nesta área. Não houve nenhuma
revisão e desta forma, sugerem que seja realizada uma fiscalização de forma
regular, obedecendo assim a um cronograma, onde todo ano se confira se
existem pessoas invadindo a área. Nas reservas existem muitas cercas antigas
deixadas por fazendeiros que as cercavam, assim os Xerente iam deixando
aquele lugar, pois eram expulsos de seu território.
Nesse sentido, foi devido ao surgimento da propriedade privada
próximas às aldeias que os indígenas foram, paulatinamente, sendo isolados.
A informação contida em seus relatos é de que os Xerente não são das matas
do Pará, e sim, do Cerrado; já foi um povo do litoral. Afirmam também
que recentemente, viram reportagens as quais atribuem que quem recebeu
Cabral foram os Pankararu, mas segundo a narrativa dos mais velhos destes
povos, quem viu os grandes navios aportarem foram os Xerente e que este
povo dominava do litoral baiano ao Rio de Janeiro – a aldeia no Rio de
Janeiro chamava-se Waîkainê – era nome de uma aldeia xerente na língua
indígena; na Bahia se chamava de Baihâ, os Xerente suspeitam que o nome
Bahia, veio daí.
Como se pode perceber, a riqueza das informações e do que se pode
“aprender” com este povo, em conversas informais, bem como nas falas em
sala de aula e em entrevistas e visitas as aldeias, comporta uma infinidade de
“acervo” empírico, que se for conduzido de forma sistemática em estudos sobre
estas questões, poderão contribuir significativamente, para a compreensão e
memória do Povo Xerente.
Esse “acervo” empírico acima mencionado, caso as informações
existentes sejam sistematizadas e organizadas, poderá, certamente, oferecer
ao corpo discente e docente, condições objetivas para estudos e pesquisas sobre

328 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


a temática indígena, especialmente, sobre os Xerente, conforme mencionado
ao longo deste artigo.

Referências
ARAÚJO, Rosemary Negreiros de & SANCHES, Abmalena Santos. Proposta
de Acompanhamento Acadêmico para o PIMI 2008. UFT/Campus de Miracema,
abril de 2008.

FREITAS, Ana Elisa de Castro. Territórios ameríndios: espaços de vida nativa


no Brasil Meridional. In: BERGAMASCHI, Maria Aparecida. Povos
Indígenas e Educação. Porto Alegre: Mediação, 2008. (Série Projetos e
Práticas Pedagógicas).

FREIRE, PAULO. Pedagogia da Autonomia – Saberes necessários à Prática


Docente. 19ª Ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GIRALDIN, Odair (org.). A (trans) Formação histórica do Tocantins. Goiânia


(GO): UFG, 2002.

LIRA, Elizeu Ribeiro. A Geografia, O Territórico Capitalista e o Território Indígena.


UFT, 2005. Disponível em: < http://pdf-esmanual.com/books/3897/a_
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GUIMARÃES, Suzana Martelli Grilo. A aquisição da escrita e diversidade


cultural: prática de professores Xerentes. Brasília: DEDOC, 2002.

RELATÓRIO FINAL. Diagnóstico Etnoambiental das Terras Indígenas Xerente e Funil.


Cuiabá: Operação Amazônia Nativa – OPAN, Núcleo de Estudos e Pesquisas do
Pantanal, Amazônia e Cerrado – GERA/UFMT e INVESTCO, junho de 2000.

SCHROEDER, Ivo. Política e Parentesco nos Xerente. São Paulo: Universidade


de São Paulo, 2006. Tese de doutoramento em Antropologia apresentada á
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 329


Os Índios e a Tecnologia: uma Relação
de Ressignificação Possível
__________________________________________
Adailton Alves da Silva93
Sinval de Oliveira94

Resumo
A capacidade dos povos indígenas brasileiros responderem a fatores
externos ao longo da História tem sido uma característica marcante
dessas sociedades. Possivelmente uma evidência mais significativa dessa
característica, seja justamente os últimos 500 anos de contato com as
sociedades não-indígena, os quais foram marcados por intensos conflitos e
relações assimétricas que exterminaram populações inteiras. Nesse artigo
discutem-se algumas questões mais recentes desse cenário, em particular, as
alternativas de ação por parte de algumas dessas sociedades indígenas frente
às novas tecnologias da informação e comunicação. Sendo assim, o objetivo
maior desse artigo é dar visibilidade a algumas iniciativas dos povos indígenas
em relação ao uso da tecnologia como instrumento de afirmação das suas
ações políticas e educacionais.
Palavras-chave: Cultura Indígena; Tecnologia; Sites Indígenas.

Introdução
Nesse artigo, pretendemos partilhar com a ampla comunidade de
educadores do país algumas de nossas inquietações decorrentes da nossa
experiência com a Educação Escolar Indígena, propondo algumas ações
93. Professor assistente da Universidade Estadual do Mato Grosso – UNEMAT e doutorando do Programa de Pós-
Graduação em Educação Matemática da Universidade Estadual Paulista – UNESP/Rio Claro.
94. Professor assistente da Universidade Federal do Tocantins – UFT e doutorando do Programa de Pós-Graduação
em Educação Matemática da Universidade Estadual Paulista – UNESP/Rio Claro.

330 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


passíveis de serem implementadas em sala de aula, nos diversos níveis de
escolarização, da Educação Infantil ao Ensino Superior.
Obviamente, não se trata de fórmula rígida que, de antemão, tornar-
se-ia infrutífera, pois ofereceria poucas possibilidades para o debate. Nossa
experiência profissional tem nos proporcionado transitar em três domínios
distintos do cenário educacional, a Educação Escolar, Educação Escolar
Indígena e a Educação Indígena, e temos percebido que existe um elevado
grau de desconhecimento das sociedades indígenas de nosso país, tanto pela
sociedade nacional, bem como também pela comunidade de educadores
e por vezes materializada em muitos dos livros didáticos que subsidiam as
discussões no terreno da sala de aula.
Nossas observações indicam que ainda está presente no cenário
educacional uma concepção genérica do “ser índio”, traduzida
superficialmente numa imagem de pessoas nuas, pintadas, que residem numa
mesma casa e que não desenvolvem atividades produtivas. Contrapondo-se
a essa visão etnocentrista, temos a compreensão de que os povos indígenas
conhecem as suas idiossincrasias e as diferenças mútuas de suas identidades, o
que lhes permite de forma consciente valer-se, mais recentemente, de artefatos
tecnológicos distintos da sua cultura como instrumento político para mostrar-
se nas suas singularidades. Do nosso ponto de vista, precisamos estar atentos à
alteridade para começar a discutir com mais propriedade a questão indígena
em nosso país.

Utilização de artefatos tecnológicos por parte de


algumas sociedades indígenas
Cada povo indígena ao longo de sua história desenvolveu, e ainda
desenvolve suas tecnologias de acordo com as suas necessidades, matéria
prima disponível e as condições geográficas e climáticas do lugar onde habita.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 331


Dessa maneira podemos dizer que toda tecnologia é resultado do esforço de
um determinado grupo social específico para resolver seus problemas e de
lhe proporcionar uma relação harmoniosa (convivência, sobrevivência e
transcendência) com o meio e com os demais grupos.

[...] As verdadeiras relações não são criadas entre “a”


tecnologia (que seria da ordem da causa) e “a” cultura (que
sofreria os efeitos), mas sim entre um grande número de atores
humanos que inventam, produzem, utilizam e interpretam de
diferentes formas as técnicas (LÉVY, 1999, p. 23).

Dentro dessa perspectiva, e considerando a existência de uma diversidade


de grupos sociais distintos, num total de aproximadamente 230 povos, podemos
dizer que esse sistema de produção de tecnologia é muito diverso no sentido
da sua utilidade e exequibilidade, pois o que pode ser útil e exeqüível para um
grupo não necessariamente é para outro, pois os problemas e desafios variam
de acordo com o seu nível de relacionamento com o meio e com os demais
grupos. Como por exemplo, a canoa que é um meio de transporte desenvolvido
com uma técnica muito elaborada, é confeccionada e utilizada pelos povos que
habitam as margens dos rios (Baniwa, Karajá, etc.), mas não é confeccionada
pelos os povos que moram no cerrado e nas matas (Xavante, Myky, Bororo,
etc.), pois suas necessidades de sobrevivências não são as mesmas.
Mas com o contato dos povos indígenas com a sociedade nacional
essas necessidades foram se alterando em consequência dos novos desafios
e problemas que foram encontrando nessa relação. Nesse processo podemos
perceber que as novas tecnologias têm sido ressignificada na busca de soluções
desses problemas atuais.

[...] Quando nós, os povos indígenas, tivermos acesso às


informações detalhadas de cada aldeia, evidenciando as
nossas diferenças, nos tornaremos mais resistentes para

332 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


preservar a nossa identidade das invasões. Estaremos
conversando entre nós e com os demais povos, por meio
de sistemas de comunicação mais atualizados sobre os
nossos negócios, nossas cerimônias, nossos cânticos e
sempre realizando estudos comparativos para que não
sejamos confundidos ou direcionados pelos sistemas
externos. Esta é a importância de ter as tecnologias
nas comunidades indígenas. [...] Nós precisamos desse
diálogo para contar novamente a nossa história [...]95.

O uso das novas tecnologias da informação nas aldeias é algo muito


recente, mas como podemos perceber na fala do Álvaro Tukano, a cada dia
que passa ela se faz mais presente nesses contextos.
Nesse processo de ressignificação percebe-se também que há uma enorme
variedade de níveis e estágios com relação ao uso da tecnologia pelos povos
indígenas. Aspecto este que nos limita ter uma visão completa dessa situação.
Dessa forma podemos adiantar que no presente artigo não será o nosso objetivo
explicitar o nível dessa relação que cada um dos 230 povos indígenas estabeleceu
com as novas tecnologias da informação. Por esse motivo, a seguir, abordaremos
alguns aspectos da utilização de artefatos tecnológicos por parte de algumas
sociedades indígenas, dentre eles, destacamos sites e blogs da internet. Nesse
momento, não possível inventariar todas as sutilezas decorrentes dessa utilização,
mas sim, apresentar ao leitor alguns exemplos dessa utilização de tal forma que,
o leitor possa situar-se de maneira mais segura e menos etnocêntrica com relação
aos ritos, mitos, danças, pinturas, aspectos sociais e culturais que distingue as
sociedades indígenas da sociedade nacional.
Uma preocupação nossa, e também das sociedades indígenas, pelo
menos daquelas que possuímos um maior contado, diz respeito ao impacto
que a utilização de artefatos tecnológicos tem desencadeado nas culturas
indígenas sob dois aspectos que consideramos fundamentais e podem ser
95. Trecho da entrevista de Álvaro Tukano, líder indígena da etnia Tukano, In Inclusão Social,Vol. 1, Nº 2 (2006).

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 333


apontados em linhas gerais como: reflexo interno e o reflexo externo.
Em linhas gerais podemos dizer que o reflexo interno se traduz pela
preocupação dos próprios povos indígenas que se utilizam, ou se apropriam
de novas mídias, novos artefatos tecnológicos no âmbito das atividades
cotidianas nas aldeias, de tal forma que a sua utilização e incorporação à
cultura não a corrompa ou degenere, contribuindo assim para a preservação
da identidade cultural de cada povo. Um exemplo pode ser esclarecedor para
os nossos propósitos. Scandiuzzi (1997) relata no seu trabalho de mestrado
que a adoção de enxadas pelo povo Kuikuro encurtou a jornada de trabalho
na roça. Ao contrário do que se pensa numa ótica capitalista/produtivista o
tempo extra não foi utilizado para se produzir mais, para ganhar mais ou
para comer mais, mas sim para se dedicar à aldeia, à família e aos filhos. Ou
seja, entre esses povos existe uma norma em que são as necessidades humanas
que definem a produção dessa tecnologia, e não as necessidades de produção
que definem as necessidades humanas. Inclusive essa é uma norma presente
em vários povos indígenas brasileiros.
O reflexo externo diz respeito à preocupação que as sociedades indígenas
têm para com o impacto dessas tecnologias com a sociedade envolvente,
as quais na maioria das vezes, são percebidas de maneira equivocada ou
limitada por parte da sociedade nacional. Poderíamos citar vários exemplos,
no entanto, apontaremos um, como forma de chamar a atenção do leitor, onde
a utilização da mídia digital trouxe, do nosso ponto de vista, prejuízo cultural.
O exemplo que estamos falando está disponível no site youtube96 e apresenta
por um lado aspectos belíssimos da cultura Kuikuro, a pintura, a dança,
depoimentos de lideranças indígenas, explicações e significados dos seus ritos
e mitos; mas por outro lado, quando o vídeo foi editado e disponibilizado na
internet, omitiu as músicas desse povo, descaracterizando assim o patrimônio
musical e cultural desse povo.
96. URL < http://www.youtube.com/watch?v=fJvkItqA7HU > Último acesso 29 abr 2012.

334 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


O exemplo que acabamos de citar também é oportuno para chamar a
atenção dos profissionais da educação sobre os cuidados que devemos ter ao
recortamos aspectos das culturas indígenas, e tratá-las de forma isoladas, ou
estanques. Muitas das sociedades indígenas brasileiras não concebem eventos ou
fatos de maneira desarticulada, isolada, mais sim, harmoniosamente, organizada
e articulada com o meio ambiente e a natureza, de acordo com a sua cosmologia.
Muitas comunidades indígenas mantêm-se vigilantes ao conteúdo das
informações que são vinculadas às suas aldeias, sendo comum encontrar
informações equivocadas, contraditórias ou incompletas na internet. Uma
forma encontrada por diversas lideranças indígenas para evitar essas
formas “desrespeitosas” tem sido a criação de seus próprios websites e blogs.
Apresentaremos a seguir alguns exemplos dessa utilização.

Os Xavante e o uso das novas tecnologias da


informação
O povo Xavante possui uma página na internet no seguinte endereço
eletrônico97: <http://wara.nativeweb.org/index.html>. Nessa página, o
leitor, o professor ou o aluno poderá conhecer algumas das singularidades
desse povo. Com alguns “cliques” é possível ter acesso a imagens da aldeia,
das casas, da roça, da caça, das cerimônias, acompanhadas de alguns textos
explicativos para o internauta. Além disso, também é possível conhecer os
projetos que estão sendo desenvolvidos pela comunidade. A luta do povo
Xavante pelos seus direitos, bem como denúncias de perseguição e assassinatos
de lideranças indígenas, também são disponibilizadas no site. Separamos a
seguir, duas imagens do conteúdo disponível na internet como forma do leitor
perceber a riqueza desse povo. A primeira imagem reflete alguns aspectos da
aldeia, enquanto que a segunda apresenta elementos do projeto de educação
diferenciada que vem sendo desenvolvido na aldeia Abelinha.
97. Último acesso: 29 abr. 2012.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 335


Fig. 1: Imagem do site Xavante – Aldeia

Fig. 2: Imagem do site Xavante: Projeto Educacional98


98. http://wara.nativeweb.org/dama.html. Último acesso: 29 abr. 2012.
Os Baniwa do Médio Içana e o uso das novas
tecnologias da informação
Os blogs também são outros exemplos de objetos tecnológicos que estão
sendo utilizados por diferentes comunidades indígenas. A seguir apresentamos
a imagem da plataforma do blog da Escola Pamáali, a qual fisicamente está
situada no extremo noroeste amazônico região conhecida como Médio Rio
Içana - Alto Rio Negro (fluente do Rio Negro). O Blog pode ser acessado
através do seguinte endereço eletrônico99: http://pamaali.wordpress.com/
about/. No Blog o leitor encontrará informações sobre a Escola Pamáali,
sua missão e objetivos, valores e crenças a visão de futuro pensada pelas
comunidades indígenas que estão utilizando esse espaço. Também é possível
ter acesso a outros blogs como dos alunos da escola e do povo Baniwa.

Fig. 3: Imagem do Blog: Escola Pamáali

99. Último acesso: 29 abr. 2012.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 337


O Blog apresenta um material riquíssimo para o professor utilizar
com seus alunos em sala de aula, permitindo que vários campos do saberes
possam ser explorados através dos saberes tradicionais indígenas. Por
exemplo, na medicina tradicional indígena, os princípios ativos de vários
medicamentos hoje utilizados pela sociedade nacional; o conhecimento
etnoambiental igualmente propício para subsidiar estudos de questões atuais
sobre o aquecimento planetário; a língua, a astronomia, a matemática, a arte
indígena, também apresentam-se potencialmente ricas para o aprendizados
(inter)disciplinares dos estudantes, contribuindo, também, para sua formação
humanitária, ao conhecer com mais propriedade o patrimônio cultural
indígena.
O professor que desejar, poderá ainda estabelecer um contato direto
com os indígenas através dos endereços de e-mail disponibilizados tanto nos sites
como nos blogs. O trecho a seguir é um pequeno exemplo dessa possibilidade
na comunicação que estabelecemos por e-mail com um dos professores dessa
escola, o professor Daniel Baniwa100, que nos relatou aspectos relacionados à
perspectiva e os desafios enfrentados com o uso da tecnologia como ferramenta
de fortalecimento da cultura do povo e das ações da escola.

Com a evolução da tecnológica nas sociedades envolvente,


este também chega às populações indígenas do rio Negro, mas
ainda em ritmo lento e na precariedade nos últimos anos devido
a carência de fonte de energia e aquisição de equipamentos
tecnológicos e acesso a internet. Um exemplo concreto cito em
síntese a do povo Baniwa, onde a informática e internet (curso
básico, avançado, manuseio, uso em atividades institucionais,
representações e pessoais) chegou nas comunidade com a
implantação da Escola Baniwa e Coripaco – Pamaali, que
em 2004 a qual adquiriu um dos primeiros pontos de Internet
via Satélite do programa GESAC no interior do município
de SGC/AM, a qual veio enriquecer as áreas de estudos e de
conhecimentos dos professores e alunos da escola, e mais tarde
influenciando outras escolas e aldeias, no grande interesse

100. Daniel Benjamim da Silva é professor da rede municipal de São Gabriel da Cachoeira AM, exercendo a função
de Assessor Pedagógico Indígena – API.

338 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


e curiosidade dos jovens Baniwa em fazer curso básico de
informática e internet, adquirir computador portátil (notebook).
Neste contexto consideramos-nos ainda grupo muito recente
no uso e conhecimento desta tecnologia, pois não passa de
10 anos (isso nas escolas e comunidade ou aldeias). Mas neste
pouco tempo, o povo teve uma “grande evolução” mediada
pela “educação escolar indígena”onde a informática foi
reconhecida pelo povo como uma das ferramentas tecnológico
muito útil para diversas atividades, pois ele dá subsídio
e grande potencial de sistematização e arquivamento de
documentos, divulgação e de comunicação, encaminhamento
e recebimentos de projetos, relatórios, produção de literários,
noticiários, fontes de pesquisa bibliográfica e etc. (trecho
retirado do e-mail recebido em 11/11/2009 23:40)101 .

Vídeos nas aldeias – olhando a história


por outro ângulo
Vídeos nas Aldeias é uma Organização Não Governamental ONG102
independente, fundada em 1987, que trabalha na produção audiovisual
indígena e que pode ser acessada através do seguinte endereço: http://www.
videonasaldeias.org.br/abertura/index.html. Nessa página o interessado em
conhecer um pouco das dezenas de histórias dos povos indígenas brasileiros
encontrará um rico material audiovisual que poderá ser explorado tanto em
sala de aula como também como formação pessoal. É um trabalho desenvolvido
por uma equipe de 34 indígenas [(Ashaninka(3), Guarani-Mbya(3), Hunikui/
Kaxinawá(5), Ikpeng(3), Kisêdjê(2), Kuikuro(5), Manchineri(1), Panará(2),
Waiãpi(1), Waimiri-Atroiari(6), Xavante(3)] e 12 não-indígenas.
Durante a sua trajetória já criou um importante acervo de imagens sobre
os povos indígenas no Brasil, produzindo uma coleção de aproximadamente
75 filmes, ou seja, mais de 3.000 horas de imagens. Nesse acervo abordam
101. O referido e-mail foi recebido em ocasião das discussões realizadas durante a disciplina de “A Utilização da
Informática na Educação matemática”, ministrada pela professora Drª Miriam Godoy Penteado no Programa de Pós
Graduação em Educação Matemática, IGCE, UNESP – segundo semestre de 2009. O texto na íntegra se encontra
disponível em http://baniwaonline.wordpress.com/, publicado por baniwaonline em 12/11/2009.
102. Criado em 1987, Vídeo nas Aldeias tem como objetivo principal apoiar as lutas dos povos indígenas para fortalecer
suas identidades e seus patrimônios territoriais e culturais, por meio de recursos audiovisuais e de uma produção
compartilhada com os povos indígenas com os quais o VNA trabalha.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 339


aspectos relacionados às seguintes temáticas: mitos, rituais, festas/danças,
cosmologia, patrimônio cultural e territorial, direitos indígenas, etc. Mas o
mais importante desses documentários é que são contados pelos próprios, o
que de certa forma enriquece muito mais as informações.

Fig. 4: Página inicial do site Vídeo nas Aldeias103

Apesar de ser uma instituição com fins lucrativos, a sua arrecadação


é destinada à promoção sustentável dos grupos envolvidos e é distribuída na
seguinte proporção: 35% da receita de distribuição ao realizador por direitos
autorais, 35% para a comunidade filmada por direitos de imagem e 30%
para o Vídeo nas Aldeias para ser revertido na capacitação de realizadores

103. http://www.videonasaldeias.org.br/2009/index.php

340 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


indígenas. A imagem a seguir é da guia “catálogo”, a qual permite ao
internauta o acesso a um rol de vídeos de mais de vinte e cinco etnias de todo
o país, cuja qualidade é indiscutível para subsidiar, por exemplo, o debate na
sala de aula.

Fig. 5: Catálogo de vídeos104

Informações na Internet

Internet é melhor que a televisão. Enquanto uma dá autonomia e


liberdade, a outra impõe, aliena. Yakuy Tupinambá (ÍNDIOS
ONLINE, 16/09/09).
A seguir apresentamos uma pequena relação de endereços eletrônicos105,

104. http://www.videonasaldeias.org.br/2009/video.php . Último acesso: 29 abr 2012.


105. Último acesso realizado em 29 de abril de 2012.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 341


onde o professor poderá ter acesso a diversos materiais produzidos por
sociedades indígenas, as quais trazem um rico conteúdo sobre alguns povos
indígenas brasileiros, suas danças, músicas, lutas políticas, seus conhecimentos
tradicionais e seu patrimônio cultural.
http://www.videonasaldeias.org.br/abertura/index.html
http://www.indiosonline.org.br/blogs/index.php?blog=1
http://www.youtube.com/watch?v=I3RcJ_94FGo
http://www.ethos.org.br/mostravirtual/_ecossistema/246/246.html
http://www.webbrasilindigena.org/
http://www.coiab.com.br/
http://www.trabalhoindigenista.org.br/
http://pamaali.wordpress.com/
http://www.socioambiental.org.br/nsa/detalhe?id=2565
http://ct.socioambiental.org/baniwanainternet#comment-210816
http://baniwaonline.wordpress.com/
http://wara.nativeweb.org/
Certamente o leitor interessado poderá encontrar outros endereços
disponíveis na internet, os que listamos anteriormente apontam apenas um
caminho inicial para obter informações de qualidades a respeitos dos povos
indígenas brasileiros.

Considerações finais
Uma questão central para a compreensão das sociedades indígenas
tem mostrado que, estas, desde a sua origem, estão desenvolvendo formas
genuínas de construir o seu conhecimento, à medida que ressignificam outros
códigos e artefatos para a manutenção das suas crenças e o equilíbrio das suas
relações com a natureza.

342 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Nesse processo de ressignificação de elementos externos à cultura de
um povo, o que pudemos perceber com os exemplos apresentados, a revisão
bibliográfica e também a partir das nossas observações in loco, é que as
novas tecnologias estão sendo utilizadas pelas comunidades indígenas numa
perspectiva de fortalecimento das suas ações, assim como também, como um
veículo que lhes possibilita contar suas histórias a partir da sua perspectiva/
ótica e de maneira a evitar a disseminação da versão, que de certa forma é
equivocada, contada pelo dominador. Dessa forma, o uso das novas tecnologias
pelos povos indígenas possibilita as novas gerações não-índias uma visão do
índio não romantizada/anedótica como tem sido feito na maioria das escolas
brasileiras, nos livros didáticos, no meio de comunicação em massa, etc.
Neste artigo, falamos tão somente de alguns artefatos tecnológicos,
como os sites e blogs utilizados por diversas etnias brasileiras, no entanto,
temos realizado algumas observações, ainda que empíricas, de outros
artefatos tecnológicos como, celulares, câmeras fotográficas digitais, câmeras
filmadoras, parabólica, MPs, e DVDs, sendo objetos de avaliação e utilização
por parte de algumas comunidades indígenas, como uma forma de proteger
a sua sabedoria.

Referências
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999 (Coleção TRANS).

SAMPAIO TUKANO, Álvaro Fernandez. Inclusão Social, Brasília, v. 1, n. 2,


p. 113-122, abr./set. 2006.

SCANDIUZZI, Pedro Paulo. A Dinâmica da Contagem de Lahatua Otomo e


suas Implicações Educacionais: uma pesquisa em etnomatemática. Dissertação
de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Estadual de Campinas – UNICAMP. Campinas, 1997.

ASSOCIAÇÃO WARÃ. http://wara.nativeweb.org/. Último acesso: 29 abr. 2012.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 343


ESCOLA PAMAALI. http://pamaali.wordpress.com/about. Último acesso:
29 abr. 2012.

YOUTUBE. http://www.youtube.com/watch?v=fJvkItqA7HU. Último


acesso: 29 abr. 2012.

344 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Relatório das Atividades do Programa
do Observatório da Educação Escolar
Indígena UFT/CAPES/Edital 01/2009 –
Projeto 014
__________________________________________
Francisco Edviges Albuquerque106

Resumo
Neste trabalho fazemos o relato das ações realizadas pelo Projeto de
Educação Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue e Intercultural, através
do Programa do Observatório da Educação Escolar Indígena UFT/CAPES/
Edital 01/2009 – Projeto 014. O objetivo é registrar todas as ações e visitas
técnicas realizadas durante os três anos de implantação do Projeto nas aldeias
Apinayé de Mariazinha e São José. O projeto faz parte de um projeto maior
denominado Projeto de Apoio Pedagógico à Educação Escolar Apinayé, cuja
meta é promover a garantia de que as escolas indígenas Apinayé tenham
professores da mesma etnia que seus alunos, bem como a efetivação do
acompanhamento pedagógico às escolas, dando apoio à condução escolar
de base bilíngue, específica e diferenciada, em que os próprios professores
indígenas sejam os autores do seu material didático.
Palavras-chave: Educação Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue
e Intercultural; Programa do Observatório da Educação Escolar Indígena;
Projeto de Apoio Pedagógico à Educação Escolar Apinayé.

106. Coordenador do Projeto A Educação Escolar Apinaye na Perspectiva Bilíngue e Intercultural/ Programa do
Observatório de Educação Indígena, CAPES/SECAD/INEP do Edital no 001/2009.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 345


Introdução
O Projeto “A Educação Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue e
Intercultural” deu continuidade às ações de extensão desenvolvidas através do
Projeto de Apoio Pedagógico à Educação Indígena Apinayé107. Sendo assim
faz-se necessária uma breve exposição do que vem a ser este último referencial
citado, sobretudo se considerarmos que o mesmo vem sendo desenvolvido ao
longo dos últimos nove anos e já resultou em diversas publicações.
O Projeto de Apoio Pedagógico à Educação Indígena Apinayé, foi
implantado nas escolas Apinayé e apresenta como objetivo principal a
escrita conjunta, entre o professor coordenador dessa proposta e membros
das comunidades Apinayé, elaboração de material didático de apoio à
educação indígena e a realização de curso de aperfeiçoamento que habilite
os professores indígenas a atuar nas escolas de suas comunidades como
professor do Ensino Fundamental e Médio. Tais ações surgiram a partir de
uma proposta dos próprios professores Apinayé, no sentido de contribuir para
minimizar as dificuldades que os professores e alunos indígenas vinham/
vêm enfrentando em relação à escrita ortográfica Apinayé, bem como na
elaboração do material didático pelos próprios professores Apinayé e alunos
indígenas, visando à revitalização e manutenção da língua e da cultura dos
Apinayé, numa perspectiva de educação bilíngue, intercultural e de base
diferenciada, levando em consideração os aspectos socioculturais, históricos
e linguísticos desse povo. O trabalho que vem sendo efetivado nas escolas
Apinayé já resultou na publicação dos livros: História e Geografia Apinayé,
Matemática e Ciências Apinayé, Narrativas e Cantigas Apinayé, Receitas da
Medicina Tradicional Apinayé, Inicia em Jaó e Finaliza em Raposa (de A a
X ) e Português Intercultural.

107. Projeto firmado pela UFT/ Araguaína, através do Laboratório de Línguas Indígenas, pela Coordenação de
Educação Indígena da Secretaria de Educação do Estado do Tocantins , FUNAI de Araguaína e pela Coordenação
Geral de Educação Indígena da FUNAI/Brasília.

346 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


A proposta atual busca ampliar o trabalho de extensão, já existente,
culminando com o de pesquisa e ensino, garantido assim aquilo que é o tripé
de qualidade da Universidade Pública. Dois fatores nos levam a apresentar
e defender a proposta aqui estruturada. O primeiro deles considera que a
Universidade Federal do Tocantins está geograficamente posicionada numa
região que sabidamente permaneceu por longos anos alheia às ações do
Estado, sustentando assim alguns dos mais baixos índices de desenvolvimento
humano observáveis no Brasil. O segundo, diz respeito à Escola da aldeia
Mariazinha que obteve a última colocação no Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM/2008).
Considerando o exposto acima podemos afirmar, então, que o projeto
tem como objetivos: auxiliar e investigar fatores preponderantes na educação
do povo Apinayé e oferecer apoio pedagógico à educação das escolas de
Mariazinha e São José; construir e organizar material didático e informações
que facilitem o processo educativo destas escolas; utilizar os indicadores
demográficos, educacionais e os resultados da provinha Brasil para auxiliar
nas análises dos resultados encontrados.
Dentro do objetivo geral, identificamos quatro objetivos específicos,
quais sejam:
1) Auxiliar a construção conjunta de material de apoio pedagógico,
incluindo um livro de alfabetização, sistematizando as dificuldades linguísticas
e gramaticais no uso da língua Apinayé escrita108);
2) Trabalhar com professores alfabetizadores Apinayé, numa perspectiva
psicopedagógica, levantando características próprias da aquisição da escrita
da língua materna e investigar famílias de crianças de até 2 anos de idade
para verificar o processo de aquisição de língua materna com pais que são
bilíngues/ multilíngues109;

108. Coordenado pelo Prof. Doutor em Linguística Francisco Edviges Albuquerque.


109. Coordenado pela Prof. Mestre em Educação Thelma Pontes Borges.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 347


3) Demonstrar as estratégias através das quais os povos Apinayé
constituem meios de resistência cotidiana a fim de preservar traços culturais
identitários frente ao contínuo processo histórico de contato com a sociedade
não indígena, e ao extermínio das línguas e das populações indígenas110.
O trabalho tem como público alvo as escolas das aldeias Mariazinha
e São José, do povo Apinayé, que fazem parte do PIN São José: Patizal,
Cocalinho, Buriti Comprido, Prata, Palmeiras, Serrinha, Boi Morto e do
PIN Mariazinha: Bonito, Riachinho, Brejão, Botica e Girassol, localizado
no norte do Estado do Tocantins, próximo aos municípios de Tocantinópolis,
Lagoa do São Bento, Riachinho e Maurilândia.
Nesse sentido, faz-se necessária uma breve descrição do processo de
implantação da Universidade Federal do Tocantins, no sentido de justificar
que, com a jovialidade da Universidade, não dispomos ainda, de um núcleo
formalizado e de um programa de doutorado nessa área específica, mas
mantém um curso de Mestrado, que já formou uma professora em Educação
Indígena Apinayé (2011), e tem outra em processo de formação.
A Universidade Federal do Tocantins (UFT) foi fundada no ano de
2004 com o auxílio da Universidade de Brasília. Seu primeiro concurso para
professores aconteceu no ano de 2005. Desde então, a Universidade vem se
estruturando em termos físicos e administrativos, somente este ano é que
iremos debater e aprovar nossa primeira estatuinte, pois a que está em vigor é
adaptada da UNB. Ainda assim, temos uma Universidade que em sete anos
de funcionamento conseguiu grandes avanços. Somos uma Universidade
multicampi, presente em sete cidades do estado do Tocantins (Araguaína,
Arraias, Gurupi, Miracema do Tocantins, Palmas, Porto Nacional e
Tocantinópolis); possuímos 12 cursos de graduação; Curso de Mestrado e
Doutorado em Ciências Animais; Mestrado em Ensino de Língua e Literatura;
Mestrado em Geografia; Mestrado em Tecnologias; Mestrado em Educação;
110. Coordenado pelo prof. Dr. em História. Miguel Pacífico Filho.

348 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Mestrado em Modelagem Educacional; Mestrado em Agroenergia; Mestrado
em Ciências e Tecnologia de Alimentos, dentre outros.
O Projeto se insere no âmbito do Laboratório de Línguas Indígenas
LALI/UFT/Araguaína, que se organiza no momento para se tornar um
núcleo. O coordenador do laboratório é fluente na língua Apinayé e Krahô
e trabalha há quatorze anos com estes povos indígenas, tendo inclusive
realizado seu trabalho de mestrado e doutorado com os Apinayé. Os dois
professores colaboradores tiveram contato nos últimos semestres com os
povos, tendo estabelecido contato com estas populações indígenas, auxiliando
na elaboração do livro de alfabetização Apinayé e no diagnóstico prévio da
escola da aldeia Mariazinha para identificação de fatores que auxiliem na
compreensão das dificuldades vividas por esta escola.

Breve histórico do projeto


Utilizamos os Indicadores demográficos, educacionais e os resultados
da provinha Brasil, com bases nos dados do INEP, que foram analisados e
serviram de suporte para a consolidação final da análise dos dados gerais da
pesquisa.
Além dos indicadores acima citados, apresentamos outros fatores que
justificam a implantação do projeto: a) consideramos que a Universidade
Federal do Tocantins está geograficamente posicionada numa região
que sabidamente permaneceu por longos anos alheia às ações do Estado,
sustentando assim alguns dos mais baixos índices de desenvolvimento
humano observáveis no Brasil. b) a Escola da Aldeia Mariazinha, localizada
nas terras Apinayé, obteve a última colocação no ENEM do ano de 2008. c)
O Laboratório de Línguas Indígenas, através de suas ações, vem efetivando
diversos trabalhos de Apoio Pedagógico às escolas das aldeias Apinayé. d) O
trabalho foi executado e sustentado pelo interesse dos próprios Apinayé.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 349


O projeto “A Educação Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue e
Intercultural” faz parte de um projeto maior denominado “Projeto de Apoio
pedagógico à Educação Indígena Apinayé”, que tem como objetivo a garantia
de que as escolas indígenas Apinayé tenham professores da mesma etnia
que seus alunos, bem como a efetivação do acompanhamento pedagógico
às escolas, dando apoio à condução escolar de base bilíngue, específica e
diferenciada, em que os próprios professores sejam os autores do seu material
didático.
Portanto, a realização deste projeto se justificou pela significativa
contribuição, que trará para os professores indígenas das comunidades
Apinayé, especialmente, para os professores das Aldeias São José e
Mariazinha, além daqueles que estão diretamente inseridos no Projeto de
Apoio Pedagógico à Educação Indígena Apinayé, no sentido de minimizar as
questões relacionadas às dúvidas com a escrita ortográfica Apinayé.
Nesse sentido, O Projeto do Livro de Alfabetização Apinayé, que faz
parte do Programa do Observatório de Educação escolar Indígena, surgiu
com o objetivo de aprimorar o nível de proficiência em língua materna, como
primeira língua, demonstrado por alunos indígenas, em provas orais e escritas
que testam as habilidades de compreensão e expressão orais e escritas. Assim,
as ações desenvolvidas pelo Programa do Observatório de Educação Escolar
Indígena não se restringem a exames de proficiência, razão pela qual se
buscou atender a outras solicitações – todas relacionadas ao ensino de língua
indígena – as quais serão pouco a pouco implementadas de acordo com os
aspectos socioculturais e linguísticos desse povo.

350 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Escola da Aldeia São José Escola da Aldeia Mariazinha

Estratégias de Desenvolvimento
Como estratégias adotadas para sensibilizar e mobilizar parcerias
internas e externas, para implementação das ações e implantação do
projeto, elencamos o público alvo destinado ao projeto, que são os
alunos e professores indígenas Apinayé das escolas de suas aldeias, que
fazem parte do PIN -São José, Patizal, Cocalinho, Buriti Comprido,
Prata, Palmeiras, Serrinha, Boi Morto e do PIN- Mariazinha, Bonito,
Riachinho, Brejão, Botica e Girassol que são atendidos pela coordenação
do projeto, pelos professores colaboradores, alunos de graduação, de
mestrado e pelos professores de Educação Intercultural, através do
Laboratório de Línguas Indígenas da UFT Campus /Araguaína, com
apoio logístico da SEDUC-TO e FUNAI.
Assim, a estratégia do trabalho contou com dez (10) visitas, sendo duas
a cada semestre, às escolas das aldeia São José e Mariazinha, com duração de
5 dias cada, efetivando os trabalhos propostos.
Os trabalhos se desenvolveram a partir de pesquisas inseridas no
Projeto, sendo que cada pesquisa contou com metodologias próprias, a saber:

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 351


Pesquisa 1) O trabalho será realizou tendo como suporte a pesquisa-
ação e envolveu todos os professores indígenas destas duas escolas, e se efetivou
através de reuniões coletivas em que se discutiu o formato, as características e
o conteúdo do material didático a ser elaborado.
Pesquisa 2) Os professores alfabetizadores foram convidados a
participar de oficinas psicopedagógicas com o pesquisador, com o objetivo
tanto de conhecer seu trabalho, quanto de auxiliá-los em termos teóricos-
práticos no processo de alfabetização. Tal pesquisa também se inseriu na linha
da pesquisa-ação. As famílias das crianças até dois anos foram entrevistadas
individualmente.
Pesquisa 3) A metodologia se deu em dois procedimentos. Primeiro,
foram convidados a participar da pesquisa lideranças e membros das aldeias
Apinayé, a saber, professores indígenas e caciques. O pesquisador realizou
entrevistas com tais sujeitos, buscando visualizar em suas falas atitudes
cotidianas que revelem preocupações no sentido de estruturar mecanismos de
resistência à descaracterização dos traços definidores Apinayé.
Pesquisa 4) Esta se efetivou mediante investigação sociolinguística por
uma aluna de Mestrado, e se deu a partir de uma etnografia com observação
participante. O objetivo foi estudar o bilinguismo entre os Apinayé,
identificando usos e funções das línguas Apinayé e Portuguesa de acordo
com os domínios sociais indígenas. Esse trabalho está sendo publicado em
forma de livro, se configurando como material de estudo para estudantes e
professores indígenas.
Com efeito, na prática pedagógica deste projeto, o material didático-
pedagógico estará sempre em permanente construção, levando em
consideração a sistematização do conhecimento socio-histórico, cultural e
linguístico das comunidades indígenas Apinayé.
Desse modo, a produção de textos escritos em língua indígena, acerca
do saber tradicional dos povos indígenas, desperta na comunidade atitudes
positivas em relação à sua língua e à sua cultura. Dessa forma, a criança terá
ampla liberdade para escrever de forma espontânea o que pensa e o que sente,
mesmo que esta forma de expressão seja desenho, pinturas ou rabiscos. Assim,
outros membros das comunidades também poderão participar na produção
de textos sobre o saber tradicional, que serão posteriormente utilizados
como material didático nas escolas. Ademais, foram utilizados textos escritos
pelos Apinayé em sala de aula, para incentivar os indígenas a adquirirem a
língua materna e a usá-la de forma funcional no seu dia-a-dia nas interações
intragrupos.
Participaram deste projeto todos os professores indígenas e não
indígenas e agentes de saúde que atuam nas escolas e nos postos de saúde das
referidas aldeias, bem como toda a comunidade Apinayé. Todo o material
produzido durante a aplicação das ações do Projeto, foi e está sendo publicado,
para ser utilizado, posteriormente, pelos professores, como suporte didático-
pedagógico nas escolas das comunidades em estudo.

Resultados
O Projeto foi implantado em 2010, inicialmente com duração prevista
para dois anos. Entretanto, no final de 2011, ao ser avaliado positivamente,
foi prorrogado por mais um ano, e assim sua conclusão está prevista para
dezembro de 2012.
Parte dos resultados das ações do Projeto está publicada nas seguintes
produções bibliográficas:
a) Livro de Alfabetização Apinayé; Gramática Pedagógica Apinayé;
Livro de coletânea de textos resultado das experiências vivenciadas pelos
pesquisadores e professores das aldeias; Livro didático de alfabetização
Apinayé;

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 353


Também foram realizadas oficinas Psicopedagógicas, com dois
professores alfabetizadores, com o objetivo de estudar a formação da
personalidade e a importância da aquisição da língua materna falada e
escrita para tal processo. Ademais, está em fase de produção, um livro com
textos produzidos por professores indígenas e demais componentes do Projeto,
incluindo uma aluna de doutorado, três alunas de mestrado e cinco estudantes
de graduação. Adiantamos que uma aluna de mestrado e os estudantes
de graduação são bolsistas do Projeto. Temos também, em andamento, a
publicação de um Livro, resultado da Dissertação de Mestrado de Severina
Alves de Almeida (Sissi), bolsista do Projeto no período de 2012/2011.
Deste modo, elencamos, a seguir, as atividades do Projeto “A Educação
Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue e Intercultural”, aprovado pelo
Programa do Observatório de Educação Indígena, ao longo de dois anos e
meio de implantação:
De 26 a 30 de abril de 2010. Viagem às aldeias Apinayé São José e
Mariazinha com a equipe do Programa do Observatório de Educação
Escolar Indígena.

Equipe na Aldeia São José Equipe na Aldeia Mariazinha

354 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Aldeia Mariazinha
Dia 26/04/2010 - Reunião com líderes da aldeia Mariazinha da escola
Tekator, com a participação do Cacique, do Diretor da Escola, professor
Júlio Kamêr Ribeiro Apinayé, com a professora de Alfabetização e Língua
Materna, e bolsista do Programa do Observatório de Educação Escolar
Indígena, Maria Célia Apinayé, além da participação dos professores de
Alfabetização e Língua materna, Wílson Apinayé e Emílio Dias Apinayé.
Durante esse período, foram realizadas observações nas duas turmas
de alfabetização, para catalogarmos dados referentes à pesquisa, de modo
que todos aos professores e alunos participaram de forma positiva para o bom
desenvolvimento das ações no Projeto.

Aldeia São José


Dia 27 a 30/04/ 2010, foi realizada uma reunião com todos os professores
indígenas, cacique e membros da comunidade, para apresentarmos o projeto
e falarmos da importância e da contribuição que o referido Projeto trará para
a Educação escolar Apinayé, principalmente com a publicação dos livros.
Foram observadas também as atividades pedagógicas na escola Mãtyk,
na sala de aula do primeiro ano do Ensino Fundamental com a professora
de Alfabetização e Língua Materna, Ana Rosa S. Apinayé, na sala dos 1ºs
anos: “A” e “B”, com 14 alunos, com faixa etária entre seis e sete anos. A
professora divide a sala com o professor Rogério Apinayé, que exerce a função
de auxiliar na condução dos trabalhos.
Além dessas atividades, fizemos reunião com líderes, professores,
membros da comunidade, e com o Corpo administrativo da escola Mãtyk.
Participaram o Diretor, Sr. Vanderlei Dias Sotero Apinayé, a Secretária
Rosana Teixeira de Aguiar, que é pedagoga e a Coordenadora, Francinete
Maria dos Santos.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 355


De 31/05 a 04/06/2010 - Viagem à aldeia Mariazinha com a equipe
do Programa do Observatório de Educação Escolar Indígena, e reunião com
líderes da aldeia, com o corpo administrativo da escola Tekator, tendo à frente
o Diretor, Sr. Júlio Kamêr Ribeiro Apinayé.
No período de 25/10 /2010 a 30/10/2010, viagem referente à visita
Técnica às aldeia Mariazinha e São José, para catalogar dados do Livro de
Alfabetização Apinayé, conforme cronograma do projeto.
No período de 29/11/2010 a 03/12/2010, viagem referente à visita
Técnica à Aldeia Mariazinha, para iniciar a revisão do Livro de Alfabetização
Apinayé, conforme cronograma de execução do projeto.
No período de 07/06 A 11/06/2010 - Ana Rosa Ribeiro Salvador
Apinayé, Professora Indígena da Escola Mãtyk e bolsista de Educação
Intercultural, realizou um mini-curso sobre Alfabetização Apinayé, na
Universidade Federal do Tocantins Campus de Araguaína.
No período de 18/10 a 22/10/2010, Maria Célia Dias Apinayé,
docente da Escola Tekator e bolsista de Educação Intercultural, ofereceu um
mini-curso sobre práticas pedagógicas de Alfabetização em Língua Indígena,
por ocasião da Semana Acadêmica de Letras do Campus Universitário de
Araguaína.

Outras Ações
1. Tática e sociabilidade na resistência cotidiana dos Apinayé:
subsídios para uma educação escolar bilíngue e intercultural:
No primeiro ano de trabalho, selecionamos os membros participantes
da pesquisa e realizamos diversas entrevistas e observações do
cotidiano durante as visitas nas duas aldeias. As primeiras análises
foram apresentadas no VII Encontro Macro-Jê, na Universidade de
Brasília, UnB.

356 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


2. Aquisição da Língua Materna e alfabetização das crianças
Apinayé:
Foram realizadas entrevistas e observações nas visitas realizadas
nas duas aldeias, tendo tido como foco principal o trabalho das duas
professoras alfabetizadoras. Numa análise preliminar percebemos a
grande dificuldade de se ensinar uma língua escrita para crianças que
vem de uma cultura oral, e a tentativa das professoras em superar as
dificuldades geradas pela própria cultura no processo de alfabetização.
Além dessas atividades, foram realizadas reuniões quinzenais com
os membros do projeto (alunos de graduação, mestrado e professores
colaboradores), no Laboratório de Línguas Indígenas, do Campus de
Araguaína, para avaliarmos e definirmos todas as ações do projeto,
desde as visitas Técnicas às aldeias, Leitura dos textos que compõem
a referência bibliográfica, elaboração dos textos, que fazem parte do
Livro da coletânea, correção da Gramática Pedagógica Apinayé, do
Livro de Alfabetização, bem como digitação dos textos e trabalhos
referentes à pesquisa.
O projeto ao longo de sua implantação cumpriu com todas as metas
previstas. Além das visitas Técnicas às aldeias Apinayé, tivemos:
1. Apresentação das quatro pesquisas na Semana de Letras da
Universidade Federal do Tocantins -Campus Universitário de
Araguaína;
2. Apresentação da Pesquisa na Semana Acadêmica Indígena da
UFT, no Campus de Palmas;

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 357


Oficinas para organização dos Livros: Livro de Alfabetização Apinayé,

Gramática Pedagógica Apinayé e do Livro de coletânea de textos

3) Oficina de Práticas de Alfabetização em Língua Indígena, ministrada


pela Professora de Educação Intercultural, Ana Rosa Apinayé, para os alunos
de Letras do Campus da UFT de Araguaína;

Oficina de Práticas de Alfabetização em Língua Indígena

4) A Professora Ana Rosa realizou uma oficina de pintura de jenipapo


e urucu, preparando os alunos para uma apresentação cultural na escola da
Aldeia São José;
5) Prof. Francisco Edviges Albuquerque, coordenador do Projeto, fala
sobre a importância do Projeto para os professores indígenas, comunidade,

358 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


alunos Apinayé, alunos do Curso de Letras da UFT e alunos bolsistas.
Professores Apinayé colaboradores do Projeto, Liderança, Diretor da escola
da aldeia São José, cantador e Romão Sotero Apinayé, líder e fundador da
Aldeia São José, falando sobre a implantação do Projeto e a importância dele
deste projeto para os Apinayé;
6) O Cantador, José Cabelo prepara as crianças para o início das
apresentações culturais de danças e cantigas Apinayé, organizadas pela
professora Bolsista do Programa do Observatório da Educação Escolar
Indígena, Ana Rosa Apinayé, da Escola da Aldeia São José;

Apresentações culturais de danças e cantigas Apinayé

7) Apresentações culturais com o cantador José Cabelo Apinayé, com


a participação do Professor Itamar Apinayé, Professora Ana Rosa e a Índia
Peti Apinayé. Essas cantigas representam os rituais de caça, alegria, como
é o caso da cantiga do macaco, que envolvem todas as crianças e jovens
Apinayé, visto que essas cantigas trazem alegria e satisfação para esse povo.
Já a cantiga do Kuati retrata um acontecimento passado, mas que traz um
futuro promissor para o povo Apinayé, por isso a importância da manutenção
e revitalização dessas cantigas, através da escola pelas crianças, através das
ações do Programa do observatório de Educação Escolar Indígena;
8) Professor Cassiano Apinayé informa aos alunos sobre a importância
dos nomes das plantas medicinais que existem no entorno da Aldeia São José
e sobre a importância da preservação dessas plantas;

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 359


Oficina de alfabetização em língua materna - Aldeia Mariazinha

9) Professora Maria Célia trabalha alfabetização em língua materna


com os alunos do segundo ano do Ensino Fundamental na aldeia Mariazinha;
10) Apresentação do Programa do Observatório da Educação Escolar
indígena pelo coordenador Prof. Francisco Edviges Albuquerque e alunos
bolsistas para a comunidade da aldeia Mariazinha;
11) Professores indígenas Maria Célia, Vilson e Valdir Apinayé levam
os alunos para aula de campo nas matas da reserva da Aldeia Mariazinha,
trabalhando as questões ambientais e informando o s alunos sobre a
importância do coco babaçu na vida dos povos Apinayé de Mariazinha;

Aula de campo nas matas da reserva da Aldeia Mariazinha

360 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


12) Professores Maria Célia, Valdir e Vilson Apinayé, trabalham
oficina de pinturas com Jenipapo, preparando os alunos para fazerem
apresentação cultural de dança, contribuindo para revitalizar a língua e
a cultura Apinayé, através do Programa do Observatório da Educação
Escolar Indígena, visto que nesta aldeia as crianças não estavam mais
praticando os rituais Apinayé e a Escola, através das oficinas do Projeto,
voltou a praticar esses rituais;
13) O Coordenador juntamente com a professora Bolsista Maria Célia
e os Professores colaboradores Vilson Apinayé e Valdir Apinayé, falam sobre
as ações que o projeto vem realizando nas escolas das aldeias Mariazinha e
São José ao longo de sua implantação e os livros que estão sendo publicados;

Coordenador falando sobre as ações que o projeto vem realizando nas


escolas das aldeias Mariazinha e São José

14) Oficinas de revisão e elaboração de material didático pelos


professores indígenas e revisão da gramática pedagógica Apinayé e aulas
de campo com os alunos da escola da Aldeia São José, pela professora de
Educação Intercultural e professores indígenas colaboradores;
15) Oficinas pedagógicas, aulas de campo e produção de material
didático pelos professores indígenas da Aldeia São José e equipe do Projeto;
16) Oficinas de revisão e elaboração de material didático Apinayé e
início da revisão da Livro de Alfabetização Apinayé;

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 361


17) Oficinas de pinturas corporais e aulas de campo co os alunos da
escola da Aldeia São José pela professora de Educação Intercultural e pelos
professores indígenas colaboradores;
18) Oficinas pedagógicas de pinturas corporais e produção de material
didático pelos professores indígenas da Aldeia São José e equipe do Projeto,
para fazer parte do Vídeo-Documentário;
19) As oficinas de produção de material para o Vídeo foram bastante
interessantes, visto que trará uma grande contribuição para Educação escolar
Apinayé e gravações de suas memórias tradicionais.
20) Visita Técnica à Aldeia São José – Lançamento dos Livros
Pedagógicos, produzidos pelo Programa do Observatório, bem com para
realizar oficinas corporais, para fazer parte dos dados que comporão o Video-
Documentário de Relatos e Experiências.
21) Reunião com a equipe do Programa do Observatório e com bolsista
de Educação Intercultural e professores indígenas Apinayé, professores não-
indígenas sobre o lançamentos dos livros, bem como as oficinas de pinturas
corporais e suas respectivas simbologias, para o Vídeo-Documentário;

Lançamento dos Livros didáticos - Aldeia São José

362 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


22) Lançamento dos Livros dos Livros didáticos Apinayé, na aldeia
São José: Alfabetização Apinayé, Gramática pedagógica Apinayé e Livro
de coletânea de textos, sobre a Educação Escolar Apinayé na Perspectiva
Bilíngue e Intercultural;
23) Oficinas de pinturas Corporais Apinayé para fazer parte das
gravações do Vídeo-Documentário;
24) Oficinas de pinturas corporais e aulas de campo co os alunos da
escola da Aldeia São José pela professora de Educação Intercultural e pelos
professores indígenas colaboradores;

Oficinas de pinturas corporais - Aldeia São José

25) As oficinas de produção de material para o Vídeo foram bastante


interessante, visto que trará uma grande contribuição para Educação escolar
Apinayé e gravações de suas memórias tradicionais;
26) Oficinas de pinturas corporais e aulas de campo co os alunos da
escola da Aldeia Mariazinha pela professora de Educação Intercultural
professores indígenas colaboradores e gravações que farão parte do Vídeo;

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 363


Oficinas de pinturas corporais – Aldeia Mariazinha

27) No dia 15 de dezembro de 2011, foi defendida a Dissertação de


mestrado da Bolsista do Programa do Observatório UFT/CAPES – Severina
Alves de Almeida (Sissi).

Defesa da Dissertação de mestrado da Bolsista do Programa do


Observatório UFT/CAPES – Severina Alves de Almeida (Sissi)

Ações e oficinas realizadas pelo Programa do


Observatório no ano de 2012
Com a prorrogação do Programa do Observatório para o ano de
2012, demos continuidade às ações, que vinha sendo desenvolvidas, nos
anos anteriores, nas escolas Apinayé de São José e Mariazinha. Estas ações
estão voltadas para a elaboração e organização de material didático, com
a participação dos professores indígenas, dos alunos bolsistas de graduação,

364 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Mestrado e das bolsistas docentes de educação intercultural (professoras
indígenas), conforme oficinas abaixo:
28) Reunião com a equipe do Programa do Observatório e com
as bolsistas de Educação Intercultural e professores indígenas Apinayé,
professores não-indígenas, para apresentarem das novas ações do Programa
do Observatório para o ano de 2012, uma vez que um dos livros a ser
publicado contém textos dos professores indígenas Krahô, visto que este livro
irá contribuir para uma educação escolar indígena Apinayé/Krahô, de base
intercultural e diferenciada.
29) Oficinas de revisão e elaboração de material didático pelos
professores indígenas e aulas de campo com os alunos da escola da Aldeia
São José, pela professora de Educação Intercultural e professores indígenas
colaboradores;
30) Oficinas pedagógicas, aulas de campo e produção de material
didático pelos professores indígenas da Aldeia São José e equipe do Projeto;
31) Oficinas de revisão e elaboração de material didático Apinayé e
Krahô 31) Oficinas e aulas de campo com os alunos da escola da Aldeia São
José pela professora de Educação Intercultural e pelos professores indígenas
colaboradores;
32) Oficinas pedagógicas de produção de material didático pelos
professores indígenas da Aldeia São José e equipe do Projeto
33) As oficinas de produção de material foram bastante interessantes,
visto que trará uma grande contribuição para Educação escolar Apinayé.
34) Visita Técnica à Aldeia São José: Lançamento dos Livros
Pedagógicos, produzidos pelo Programa do Observatório, bem com para
realizar oficinas pedagógicas, para fazer parte dos dados que comporão os
novos livros.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 365


35) Visita Técnica às Aldeias São José e Mariazinha para organização
e revisão do Livro TEXTO E LEITURA: Uma prática pedagógica das
escolas Apinayé/Krahô, pelos professores indígenas e bolsistas
36) Visita Técnica às Aldeias São José e Mariazinha para revisão
final dos Livros A Educação Escolar Apinayé de São José e Mariazinha: um
Estudo Sociolinguístico, TEXTO E LEITURA: Uma prática pedagógica
das escolas Apinayé/Krahô, pelos professores indígenas e bolsistas

Análise do Gestor
Apesar de a Universidade Federal do Tocantins ser uma Universidade
relativamente nova, está sempre preocupada em desenvolver projetos de
pesquisa e extensão, através de grupo de pesquisa e de Pós-graduação,
voltados para atendimentos aos povos indígenas do estado do Tocantins,
levando em consideração os aspectos socio-históricos, políticos, econômicos,
culturais, territoriais e linguísticos, respeitando a diversidade étnica de cada
povo, contribuindo para manutenção, revitalização da língua e da cultura
dos povos indígenas do estado do Tocantins.
Com a criação do sistema de cotas para alunos indígenas, a UFT tem
implementado essas políticas, através do sistema de Monitoria Institucional
Indígena -PIMI e dos Grupos de Trabalhos Indígenas- GTI, criando bolsas
permanentes para os alunos indígenas que ingressarem nos sues cursos, que,
atualmente, no Campus de Araguaína conta com um total de 23 alunos
indígenas matriculados nos diversos cursos.
Partindo desses pressupostos, no ano de 2004 foi criado e implantado
o Projeto de Apoio Pedagógico à Educação Escolar Indígena Apinayé,
que vem, ao longo de sua implantação, contribuindo para a elaboração
de material didático produzido pelos próprios professores indígenas como
suporte didático-pedagógico para as escolas desses povos, visto que o material

366 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


didático que existe nas escolas Apinayé, são todos escritos em português e não
reflete os aspectos sócio-culturais e linguísticos desses povos.
Nesse mesmo ano foi criado o Laboratório de Línguas Indígenas
do Campus Universitário de Araguaína, que alanvancou as bases e
potencialidades para a implantação do Programa do Observatório de
Educação Escolas Indígena, através do Projeto intitulado A Educação
Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue e Intercultural, que tem contribuído
significativamente para a consolidação do Laboratório e de novos Projetos
voltados para as questões indígenas na UFT- Campus de Araguaína, bem
como para a criação e implantação do Grupo de Estudos e Pesquisas com os
Povos Indígenas/CNPQ, Programa de Bolsas de Iniciação Científica PIBIC,
além do Aprovação do Programa de Educação Tutorial Indígena- PETI.
Todos esses projetos e ações foram implementados, criados e
desenvolvidos a partir da implantação do Programa do Observatório de
Educação Escolar Indígena/CAPES, na UFT/Araguaína.
Como impactos educacionais gerados pelo Programa do Observatório
de Educação Escolar Indígena implantado nas Escolas Apinayé de São José
e Mariazinha, queremos ressaltar a importância deste Programa para as
escolas dessas aldeias, visto que faz parte do Edital nº 001/2009, aprovado
pelo Campus Universitário de Araguaína/CAPES/SECAD/INEP, com
apoio logístico da SEDUC-TO, através da Gerência de Educação Indígena
e o Departamento de Educação Indígena da FUNAI/Araguaína, firmado
pelas duas Instituições. Será executado nas escolas das aldeias Mariazinha e
São José, de forma alternadas, nas suas várias etapas e as demais ações foram
e estão sendo realizadas, conforme o cronograma do projeto.
O Projeto A Educação Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue
e Intercultural, ao longo de sua execução pretende contribuir de modo
significativo e funcional com uma prática pedagógica que atenda aos anseios

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 367


dos povos indígenas Apinayé, que é o processo de revitalização da Língua
e da Cultura dos falantes das comunidades envolvidas, bem como voltado
para uma educação bilíngue intercultural, em que envolva toda a sociedade
Apinayé, garantindo o uso da língua materna como meio de instrução,
de acordo com a situação Sociolinguística, e como primeira língua a ser
adquirida pela criança na sua forma oral e escrita, e garantindo o uso do
português como segunda língua, no sentido de tornar possível a sua aquisição
significativa e funcional e não apenas a sua aprendizagem.
Com base nesses pressuposto, queremos ressaltar o impacto que a
educação escolar Apinayé sofreu, de forma positiva, após a implantação do
projeto, uma vez que tem se diferenciado, pelas ações que vem realizando, de
forma efetiva com a participação de todos os professores indígenas Apinayé,
caciques e lideranças, que atuam nas escolas de suas aldeias, no sentido
de elaborar e organizar todo o material didático, visto que organização e
elaboração desse material leva em consideração os aspectos históricos,
linguísticos, políticos, culturais dos Apinayé.
Assim, as lições aprendidas, após a implantação do Programa, são
todas positivas, pois os Apinayé se sentiram bastante gratificados, uma vez
que já havíamos desenvolvidos outros projetos, ao longo desses 15 anos, que
trabalhamos com esses povos, mas ainda não tinha sido desenvolvido um
projeto tão relevante, quanto o Programa do Observatório da Educação
Escolar Indígena, principalmente, com a participação de duas professoras
Indígenas. Fato este que os deixou cada vez mais entusiasmados com a
participação de todos os professores indígenas e comunidade em geral, na
elaboração dos textos, das gravuras e das oficinas realizadas nas escolas
das Aldeia Mariazinha e São José, durante as visitas técnicas da equipe do
Programa do Observatório da Educação Escolar Indígena.

368 Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural


Nosso Projeto cumpriu todas as ações e atividades previstas para
o ano 2010/2011, finalizando as produções dos livros Pedagógicos: Livro
de Alfabetização Apinayé, Gramática Pedagógica Apinayé e do Livro de
Coletânea de Textos e um Vídeo Documentário de relatos e experiências,
para produção, como uma das ações do projeto, prevista para o ano de 2011.
No dia 15/12/2011, foi defendida a Dissertação de Mestrado, intitulada
“A Educação Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue e Intercultural: Um Estudo
Sociolinguístico das Aldeias São José e Mariazinha”, da Bolsista do Programa do
Observatório da Educação Escolar Indígena/UFT/CAPES, Severina Alves de
Almeida.
Em 2012, O projeto cumpriu todas as ações previstas para esse período
e publicou os seguintes livros: A Educação Escolar Apinayé Bilíngue e Intercultural:
Um Estudo Sociolinguístico de São José e Mariazinha, Texto e Leitura: uma prática
pedagógica das escolas Apinayé e Krahô e Educação Escolar Indígena e Diversidade
Cultural.

Prof. Dr. Francisco Edviges Albuquerque


Coordenador do Projeto do Observatório da Educação Escolar
Indígena UFT/CAPES – Projeto 014/2009.

Educação Escolar Indígena e Diversidade Cultural 369


Os textos conferem com os originais, sob responsabilidade do autor.

ESTA PUBLICAÇÃO FOI ELABORADA PELA EDITORA


DA PUC GOIÁS E IMPRESSA NA GRÁFICA E EDITORA AMÉRICA LTDA

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