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Escatologia Judaica

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Escatologia judaica

Entrevista com o Rabino Henry Sobel

A presente entrevista foi montada em cima de dois textos de autoria do Rabino Henry
I. Sobel, presidente do Rabinato da Congregação Israelita Paulista. O primeiro é a
palestra sobre Judaísmo e Messianismo, proferida no Congresso Judaico Latino-
americano, realizado em outubro de 1988. O segundo é o artigo Imortalidade,
reflexões às vésperas de Ion Kipur, publicado na revista Shalom, de setembro de
1990. Depois de tudo pronto, o Rabino Sobel examinou a exatidão do texto final e
autorizou a publicação.

Ultimato - O judaísmo ainda espera um Messias?


Sobel - A crença inabalável no Messias e a fervorosa expectativa de sua vinda
incorporam-se firmemente no pensamento judaico. Tanto assim que foram incluídas
entre os Treze Artigos de Fé, formulados pelo grande filósofo judeu Maimônides, no
século XII, e contidos até hoje em nossos livros de orações. O l2º destes princípios,
aquele que se tornou o hino dos mártires durante o Holocausto nazista, afirma:
"Acredito com plena fé na vinda do Messias. E, embora ele demore, esperarei
diariamente pela sua chegada" Não obstante a maioria dos judeus hoje em dia não
participem ativamente em movimentos messiânicos, o judeu carrega dentro de si
uma intensa e profunda convicção de que existirá de fato uma era messiânica. Nossa
crença na vinda do Messias tem nos dado força e coragem para enfrentar as
adversidades sofridas pelo povo judeu através dos tempos. O judaísmo seguramente
deve sua sobrevivência, em grande parte, à esperança infinita num futuro
messiânico.

Ultimato - Assim como vocês, a mulher samaritana tinha certeza de que o Messias
havia de vir (Jo 4.25). Mas, para ela e muitos samaritanos da cidade de Sicar, Jesus
foi reconhecido como o esperado Messias (Jo 4.42).
Sobel - Não aceitamos Jesus como o Messias. Acreditamos que ele foi um grande
homem, um grande mestre que pregou os ideais universais da fé judaica, um ser
humano dotado de grande sensibilidade e percepção, marcado pelo fervor
messiânico da sua época. Porém, não o aceitamos como Messias, porque o Reino
de Deus, que aguardamos com tanta ansiedade, ainda não se manifestou. É
importante frisar que não rejeitamos os conceitos de Jesus sobre Deus, pois eles são
essencialmente judaicos e derivam basicamente dos ensinamentos da Torá, com os
quais Jesus se criou. A questão crítica para os judeus é a doutrina cristã de que
Deus tornou-se homem e permitiu que seu único Filho sacrificasse a vida para expiar
os pecados da humanidade.

Ultimato - São muito fortes as diferenças entre judeus e cristãos?


Sobel - O fato de existirem diferenças entre judeus e cristãos não deve e não pode
impedir-nos de lutarmos juntos pelos grandes e nobres objetivos da existência
humana. Nós cristãos e judeus, temos dois pontos fundamentais em comum: nossa
crença em Deus como Criador e Pai de toda a humanidade; e os princípios, ideais e
valores morais que constituem a herança ética judaico-cristã. Não estamos aqui para
competir uns com os outros. Estamos aqui como aliados e parceiros na sagrada
tarefa de iluminar o mundo e construir o Reino Divino na Terra. Compartilhamos o
sonho sublime de um mundo no qual pessoas de todos os credos, todas as raças,
todas as ideologias, vão viver em harmonia e fraternidade, como filhos de Deus. Que
possamos continuar trabalhando juntos, sempre vislumbrando um futuro melhor, sem
jamais perdermos a fé messiânica. Porque messianismo, no sentido mais profundo, é
sinônimo de esperança.

Ultimato - O que o senhor chama de messianismo?


Sobel - A palavra "Messias" vem do hebraico Mashiach, que significa "ungido". Nos
tempos bíblicos, a unção com óleo santo era um ato de consagração. Assim,
encontramos na Bíblia referências sobre a unção de objetos sacros no Tabernáculo,
bem como a unção de sacerdotes, profetas, patriarcas e reis- inclusive um rei não
judeu, Ciro II, fundador do Império Persa. Estes "messias", no sentido original da
palavra, eram pessoas supostamente encarregadas por Deus para cumprir uma
missão especial, e sua unção expressava e inviolabilidade do seu status e o caráter
sagrado do seu cargo. Aliás, o costume da unção com óleo santo persiste até hoje,
na consagração de reis e rainhas contemporâneos. No sentido mais amplo, o termo
"messianismo" refere-se a teorias sobre um futuro melhoramento da condição
humana. A dimensão tempo é primordial no conceito do messianismo. O que se
espera é que o decorrer do tempo conduza a uma transformação radical, ou mesmo
a uma consumação final, em resultado da qual a humanidade atingirá um estado
melhor, mais feliz, mais perfeito. Neste contexto, o ponto de partida para as
aspirações messiânicas é uma avaliação negativa do presente. Justamente por ser o
mundo atual considerado insatisfatório, por ele estar assolado por tantos males - a
fome, a guerra, o sofrimento, o pecado, a morte - tornou-se imperioso transformar o
presente em um novo tempo. Embora os movimentos messiânicos tenham ocorrido
nas mais diversas civilizações, eles são especialmente característicos nas tradições
judaica e cristã.

Ultimato - O Rabino está enfatizando demais o aspecto social do messianismo.


Sobel - O messianismo judaico, apesar de suas conotações espirituais e místicas, é
essencialmente pragmático e voltado para a ação - aqui e agora. Nossas aspirações
messiânicas não são meros sonhos. São objetivos concretos que nos incentivam a
trabalhar ativamente por um mundo melhor, um mundo no qual reinarão os valores
morais e éticos da nossa tradição, um mundo no qual se concretizará o supremo
ideal profético de justiça e fraternidade. A ideologia sionista, como movimento de
libertação e reunião de todos os dispersos (Kibutz Galuyot), tem indubitavelmente
suas origens messiânicas. Mais ainda, a atuação maciça de judeus em tantos
movimentos progressistas e revolucionários no mundo inteiro é, na verdade, uma
visão secularizada do tradicional messianismo judaico. Nós achamos que, sejam
quais forem os aspectos espirituais e cósmicos da salvação, ela tem de estar
inserida no contexto histórico, político e social do mundo em que vivemos.

Ultimato - O que precisamente deverá acontecer quando o Messias vier?


Sobel - A pergunta tem de ser respondida sob dois pontos de vista: o ortodoxo e o
liberal. Ambos baseiam-se em passagens bíblicas, ensinamentos rabínicos e outras
fontes da literatura judaica. Os ortodoxos continuam aguardando a vinda de um
Messias, sob forma de pessoa, que, ao chegar à Terra, operará muitos milagres: os
cegos enxergarão, os surdos ouvirão, os paralíticos andarão, os mortos
ressuscitarão. Não haverá mais sofrimento, nem doença, nem pobreza, nem morte.
Os ortodoxos mantêm inalterada a doutrina do Messias como um descendente do rei
Davi, que reinará em Jerusalém e reconstruirá o Templo Sagrado. Por esta razão,
alguns judeus ultra-ortodoxos são contra o sionismo e a criação do Estado de Israel,
considerando-a uma pseudo-redenção puramente humana, uma interferência nos
planos divinos de enviar um mensageiro especial para restabelecer os exilados de
Sião. A maioria dos ortodoxos, entretanto, aceita a fundação de Israel como o início
da redenção, um ato preliminar executado sob orientação divina, e que será
futuramente consumado por Deus. Os liberais, por outro lado, mantêm a fé
tradicional numa redenção futura, porém não sob a forma de um mensageiro de
Deus. O que eles esperam é o advento de uma era messiânica, na qual reinarão a
justiça, a fraternidade e a paz, e todos os homens viverão segundo os ensinamentos
de Deus. Naquele dia será concretizada a profecia de Zacarias, a esperança do
monoteísmo para toda a humanidade: "O Eterno reinará sobre toda a Terra, o
Senhor será único Deus e só o seu nome será invocado". Sob ambos os pontos de
vista, tanto o ortodoxo quanto o liberal, o judaísmo não reconhece que o Messias já
tenha vindo. Simplesmente porque as profecias messiânicas nas quais depositamos
nossas esperanças não foram cumpridas. A opressão não terminou, a guerra não
acabou, o ódio não cessou, a miséria não findou. E, acima de tudo, a tão esperada
regeneração espiritual da humanidade certamente não ocorreu.

Ultimato - Os Rolos do Mar Morto trouxeram algo novo sobre o messianismo?


Sobel - A seita Qumran, um grupo monástico judaico, conhecido em tempos
modernos por ter preservado os Rolos do Mar Morto, pregava a doutrina de um par
messiânico: um Messias-sacerdote, representante da casa de Arão (irmão de
Moisés), e o Messias-rei, da casa de Davi. Este conceito mostra claramente que os
Meshichin, os ungidos, não eram considerados salvadores, no sentido cristão da
palavra, mas, sim, líderes ideais de uma ordem sócio-religiosa messiânica,
estabelecida por desígnios divinos. A destruição do Templo em Jerusalém pelos
romanos no ano 70, seguido de exílios, perseguições e sofrimentos, intensificou
ainda mais o messianismo judaico, com base na idéia de que um período de
turbulência e calamidade precederia a vinda do Messias - aquilo que em hebraico
chamamos de chevlei mashiach, as "dores de parto" da era messiânica. Ao longo da
história, todos os trágicos massacres que dizimaram nosso povo foram
compensados por um aumento do fervor messiânico entre os judeus.

Ultimato - O senhor considera a morte como um ponto final ou como uma vírgula?
Sobel - Quando sofremos a perda de um ente querido, faz uma diferença enorme se
consideramos a morte um ponto final, que encerra a frase da vida, ou se acreditamos
que a morte é apenas uma vírgula, após a qual a vida se eleva a um significado
maior. Nessa hora, importa profundamente se achamos que o nosso ente querido foi
totalmente apagado do Livro da Vida, ou se acreditamos que ele é tão imortal quanto
o próprio Autor da vida.

Ultimato - Então os que morrem não obstante continuam vivos?


Sobel - Acredito piamente que nossos entes queridos continuam vivos não só em
nossos corações, não só em nossas memórias, não só em nossas instituições, não
só nas nossas causas - mas, sim, sua própria essência continua viva. Eles passaram
pelo processo fisiológico que denominamos "morte", libertaram-se do corpo mortal,
mas estão mais vivos que nunca. A morte é uma mudança de condição, não de
essência. Tiros e enfartos e cânceres ferem o corpo, mas não destroem a alma. A
alma não morre jamais.

Ultimato - Essa certeza é pessoalmente sua ou faz parte da doutrina judaica?


Sobel - O judaísmo afirma categoricamente a doutrina da imortalidade, a vida após a
morte, aquilo que se chama em hebraico Olam Habá, literalmente "o mundo
vindouro". Três vezes por dia, durante o Amidá, dizemos: "Baruch Atá Adonai,
mechayei hameitim", que quer dizer: "Bendito sejas Tu, ó Eterno, que ressuscitas os
mortos".

Ultimato - A imortalidade é lógica?


Sobel - A própria racionalidade do universo exige a imortalidade. O Divino
Dramaturgo certamente não teria escrito um texto sem sentido. Ele não teria
preparado toda a paisagem resplandecente da Terra como cenário para o
personagem principal, o ser humano, para depois permitir-lhe somente uma fala
curta no palco da vida e, logo em seguida, fazê-lo sair de cena. Eu acredito que este
mundo é apenas um prólogo. Há muitos outros belos atos à espera do homem no
outro mundo.

Ultimato - Para onde vão os mortos?


Sobel - Imagine que estamos parados à beira do mar e vemos um navio partindo.
Ficamos olhando enquanto ele vai se afastando e afastando, cada vez mais longe,
até que finalmente pareça apenas um ponto no horizonte, lá onde o mar e o céu se
encontram. E dizemos: "Pronto, ele se foi". Foi aonde? Foi a um lugar que nossa
vista não alcança, só isto. Ele continua tão grande e tão bonito e tão imponente como
era quando estava perto de nós. A dimensão diminuída está em nós, não nele. E
naquele exato momento em que estamos dizendo "Ele se foi", há outros olhos
vendo-o aproximar-se e outras vozes exclamando com júbilo: "Ele está chegando!".
Isto é a morte. E isto é a vida eterna!

Justamente por ser o mundo atual considerado insatisfatório, por ele estar assolado
por tantos males - a fome, a guerra, o sofrimento, o pecado, a morte - torna-se
imperioso transformar o presente em um novo tempo.

Sejam quais forem os aspectos espirituais e cósmicos da salvação, ela tem de estar
inserida no contexto histórico, político e social do mundo em que vivemos.
A maioria dos judeus ortodoxos aceita a fundação do Estado de Israel como o início
da redenção, um ato preliminar executado sob orientação divina, e que será
futuramente consumado por Deus.
A morte é uma mudança de condição, não de essência. Tiros e enfartos e cânceres
ferem o corpo, mas não destroem a alma.
Acredito que este mundo é apenas um prólogo. Há muitos outros belos atos à espera
do homem no outro mundo.

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