O Conceito de Representação e Os Estudos Latino
O Conceito de Representação e Os Estudos Latino
O Conceito de Representação e Os Estudos Latino
Resumo
Neste artigo, pretendemos analisar as obras de Flávio Filostrato, de Filostrato, o Antigo, de
Filostrato, o Jovem e de Calistrato, intituladas respectivamente Vida dos sofistas, Descrição de
quadros, Imagens e Descrições, importantes trabalhos para o conhecimento acerca da arte e de
sua observação pela sociedade romana. Trata-se de obras produzidas entre o segundo e o
terceiro séculos d.C., portanto durante os governos dos Imperadores Antoninos e Severos, nas
quais se percebe como a realidade e a imaginação se unem para a formulação de um conceito
Palavras-chave
Arte; Romanos; Representação.
Abstract
With this paper, we aim to analyse the works of Flavius Philostratus, Philostratus, the Ancient,
Philostratus, the Young and Calistratus, entitles The Life of Sofists, Description of Pictures, Images
and Descriptions, some important works for art knowledge and its observation for the roman
society. This books date of passage the second to third century A.D., during the Antonines and
Severans Governments. In this works, reality and imagination one join for the formulation of the
concept of representation adequate for the latin world. In the pictures and statues descriptions,
the observer provides a direction to leave from look to the images.
Keywords
Art; Romans; Representation.
Apolônio – Que dizes das coisas que se veem no céu, quando as nuvens
se mesclam umas nas outras, centauros e cervos, assim como, por Zeus,
lobos e cavalos, não seriam produtos da imaginação (phantasía)?
Damis – Parece.
Sem dúvida, para que nosso livro não seja um relato de uma só pessoa,
devemos acreditar que tem alguém ao lado de quem se dispõe a explicar
todos e cada um dos detalhes das pinturas, afim de que o discurso tenha
coerência (FILOSTATO, O JOVEM. Imagens, III. 7).
Esta obra não tratará dos pintores nem de suas vidas, mas pretendemos
descrever diversos tipos de pinturas, na forma de conversas destinadas
aos jovens, para que sejam capazes de interpretar e de apreciar o valioso
da arte pictórica (FILOSTRATO, O ANTIGO. Imagens, I. 3).
37 que são vistos e como eles podem ser interpretados, ele conta que o leitor e/
ou ouvinte de sua obra realize em sua mente o mesmo trabalho do pintor, que
precede à própria pintura, ou seja, que se imagine a cena mitológica descrita
pelo observador.
Nesse entrelaçar de imagens e palavras, Filostrato, o Jovem ressalta que
tanto a pintura de painéis quanto a escrita de textos visam a uma sobrevivência,
uma perenidade, o ingresso no campo da memória. Diz Filostrato, o jovem:
fica garantido pela importância dos temas tratados, que eles compartilham, ao
tratarem de seres exemplares e dignos de recordação. Tanto os painéis quanto
os textos servem de suporte para a rememoração constante de feitos que
deveriam auxiliar no processo pedagógico do homem antigo. A verdade da
cena retratada, no texto ou no painel, era garantida pela harmonia das formas
e pelo ordenamento dos personagens, que permitiam o reconhecimento pela
verossimilhança com o que era retratado.
Essa mesma percepção pode ser encontrada na obra Ekfráseis ou
Descrições de Calistrato, que desde a edição feita por Aldo Manuzio, em 1503,
em Veneza, encontra-se acoplada às obras dos Filostratos (CUENCA 1987, p.
170). Mesmo tendo sido composta posteriormente e tratando de esculturas
(são descritas quatorze estátuas), como o autor promove um exercício retórico
de descrição de estátuas, as obras são sempre postas numa mesma edição.
Como nas obras filostratianas, Calistrato raramente menciona as técnicas
empregadas e só cita o nome de três escultores, considerados os delineadores
dos cânones escultóricos: Escopas (CALISTRATO. Descrições, 2), Lisipo
(CALISTRATO. Descrições, 6) e Praxíteles (CALISTRATO. Descrições, 3, 8 e
11). Para ele, esses escultores produzem no bronze e no mármore um tipo de
imitação da natureza similar a que é feita pelos pintores. Muda o material
empregado e a técnica utilizada, mas continua-se reafirmando a importância
da destreza do técnico e a necessidade da busca da verdade, vista como a
imitação (mimesis) da natureza. Afirma Calistrato: “Escopas, apesar de esculpir
figuras sem vida, era um artesão da verdade (alethéia) e operava prodígios em
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corpos de matéria inanimada” (CALISTRATO. Descrições, 2. 5). O autor sempre
indica o material no qual foi produzido a estátua e o local onde a mesma se
encontra, sublinhando a relação do objeto artístico com o ambiente no qual
está introduzido.
Na relação que se estabelecia entre o observador da estátua, que
reconhecia o tema tratado pela destreza do escultor em dar a ela forma
verossímil com os mitos conhecidos, e a obra em si, a interpretação do que era
visto se misturava às sensações garantidas pela imaginação. A obra de Calistrato
é farta em exemplos de momentos nos quais o observador podia garantir ter
gravado em sua mente fenômenos como ouvir o som de instrumentos talhados
na pedra, dançarinos que adquiriam movimento, Bacantes que pareciam estar
tomadas pelo transe dionisíaco. Por exemplo, na descrição da estátua de uma
Bacante, o autor afirma:
Sendo assim, a verdade parece estar no que não é visto, mas apenas
imaginado, pois o que é visto parece ao observador incrível. Ao descrever a estátua
imagem quanto escrever um texto (ELSNER 1996, p. 1). A arte era antes de
tudo mimética e seu potencial de credulidade vinha de seu reconhecimento
diante do que participava da natureza. E existiam muitas obras espalhadas pela
cidade, para apreciação dos passantes. Como ressalta Catherine Edwards, existia
uma “segunda população” em Roma, formada pelas muitas estátuas espalhadas
pela cidade e, possivelmente, pelas comunidades conquistadas (EDWARDS 2004,
p. 44).
Dessa maneira, ao analisarmos os diversos tipos de construções públicas
e privadas que foram sendo feitas no limes imperial, ao longo da República e do
Império, devemos ficar atentos como essas edificações correspondiam aos
interesses do promotor da obra, à destreza técnica do construtor e/ou artista,
do material empregado e disponível, do tema escolhido para ser retratado,
entre outros fatores que são destacados, por exemplo, por Catherine Johns
(2003, p. 9), no capítulo intitulado “Art, Romanisation and Competence”, no
livro Roman Imperialism and Provincial Art, editado por Sarah Scott e Jane
Webster. Nessa obra, podem-se encontrar vários artigos nos quais se discutem
conceitos, como os de romanização, emulação, resistência, negociação, como
no capítulo “Art as Resistence and Negotiation”, de Jane Webster, também
integrante da obra supracitada.
Tonio Hölscher, no livro The Language of Images in Roman Art, propõe
que se entenda a arte romana como um sistema semântico, no qual se aliam
formas artísticas e mensagens ideológicas. Por isso, diferentes formas estilísticas
deveriam ser usadas pelos romanos para passar diferentes temas e mensagens,
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respondendo às necessidades de compreensão por parte de uma população
multicultural. Hölscher também defende que essas formas deveriam ser
constantemente repetidas e integrar um acessível sistema de comunicação
visual, permitindo aos habitantes de diferentes regiões entrarem em contato
com formas artísticas muito parecidas, o que garantiria uma identidade cultural
aos integrantes do Império (HÖLSCHER 2004, p. 1-2 e 125-126).
Alain M. Gowing, no livro Empire and Memory: The Representation of the
Roman Republic in Imperial Culture, relembra que, para os romanos, história
sempre foi menos um gênero e mais a definição de um tema: o passado, e que
os textos estabeleciam, mas também criavam memórias (GOWING 2005, p.
10-11). Acreditamos que o mesmo possa ser dito das obras de arte. Ao escolher
um tema, o artista usava sua técnica para estabelecer um padrão de recordação,
mas cabia principalmente ao observador captar a intenção da produção da
obra.
Sabemos que nas várias províncias romanas, os autóctones souberam
mesclar os cânones romanos com as necessidades e disponibilidades de seu
tempo e espaço. Gostaríamos de acrescentar a esta discussão apenas, como
já alertou Paul Zanker, no livro Augusto y el Poder de las imágenes, que “o
poder das imagens se materializa na interação; nas relações entre as imagens
e seu efeito no observador” (ZANKER 2005, p. 20).
É na relação estabelecida no tripé autor-obra-observador que, segundo os
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