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Panofsky

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Nem sempre a obra de arte é criada com o propósito exclusivo de ser apreciada, ou, para usar

uma expressão mais academica, de ser experimentada esteticamente. A afirmação de Poussin


de que “la fin de l’art est la délectation” era inteiramente revolcuionária na época, pois
escritores mais antigos sempre insistiam em que a arte, por mais agradável que fosse, também
era, de algum modo, útil. Mas a obra de arte tem sempre significação estética (não confundir
com valor estético): quer sirva ou não a um fim prático e quer seja boa ou má, o tipo de
experiência que ela requer é sempre estético (p. 30).

[...] no caso do que se pode chamar de “um mero veículo de comunicação” ou “um mero
aparelho”, a intenção acha-se definitivamente fixada na ideia da obra, ou seja, na mensagem a
ser transmitida, ou na função a ser preenchida. No caso de uma obra de arte, o interesse na
ideia é equilibrado e pode até ser eclipsado por um interesse na forma (p. 31-2)

Como, porém, é possível, erigir a história da arte numa disciplina de estudo respeitada, se seus
próprios objetos nascem de um processo irracional e subjetivo?” (p. 35)

Quem quer que se defronte com uma obra de arte, seja recriando-a esteticamente, seja
investigando-a racionalmente, é afetada por seus três componentes: forma materializada, ideia
(ou seja, tema, nas artes plásticas) e conteúdo. A teoria pseudo-impressionista segundo a qual
“forma e cor nos falam de forma e cor, e isso é tudo” é, simplesmente, incorreta. Na experiência
estética realiza-se a unidade desses três elementos, e todos três entram no que chamamos de
gozo estético da arte (p. 36)

A experiência recriativa de uma obra de arte depende, portanto, não apenas da sensibilidade
natural e do preparo visual do espectador, mas também de sua bagagem cultural. (36)

Sobre os estudos da humanidade que se ocupam do passado: É impossível conceber nosso


mundo em termos de ação, apenas. (p. 43)

As humanidades, por outro lado, não se defrontam com a tarefa de prender o que de outro
modo fugiria, mas de avivar o que, de outro modo, estaria morto. Em vez de tratarem de
fenômenos temporais e fazerem o tempo parar, penetram numa área em que o tempo parou,
de moto próprio, e tentam reativá-lo. Fitando esses registros, congelados, estacionários, que
segundo disse, “emergem de uma corrente do tempo”, as humanidades tentam capturar os
processos em cujo decurso esses registros foram produzidos e se tornaram o que são (p. 44)

Iconografia é o ramo da história da arte que trata do tema ou mensagem das obras de arte em
contraposição à sua forma.

I. Tema primário ou natural, subdivido em fatual e expressional. É apreendido pela


identificação das formas puras, ou seja: certas configurações de linha e cor, ou
determinados pedaços de bronze ou pedra de forma peculiar, como representativos
de objetos naturais tais que seres humanos, animais, plantas, casas, ferramentas e
assim por diante; pela identificação de suas relações mútuas como acontecimentos;
e pela percepção de algumas qualidades expressionais, como o caráter pesaroso de
uma pose ou gesto, ou a atmosfera caseira e pacífica de um interior. O mundo das
formas puras assim reconhecidas como portadoras de significados primários ou
naturais pode ser chamado de mundo dos motivos artísticos. Uma enumeração
desses motivos constituiria uma descrição pré-iconográfica de uma obra de arte.
Formas e material
II. Tema secundário ou convencional: é apreendido pela percepção de que uma figura
masculina com uma faca representa São Bartolomeu, que uma figura feminina com
um pêssego na mão é a personificação da veracidade, que um grupo de figuras,
sentadas a uma mesa de jantar numa certa disposição e pose, representa a Última
Ceia, ou que duas figuras combatendo entre si, numa dada posição, representam a
Luta entre o Vício e a Virtude. Assim fazendo, ligamos os motivos artísticos e as
combinações de motivos artísticos (composições) com assuntos e conceitos.
Motivos reconhecidos como portadores de um significado secundário ou
convencional podem chamar-se imagens, sendo que combinações de imagens são
o que os antigos teóricos de arte chamam de invenzioni; nós costumamos dar-lhes o
nome de estórias e alegorias. A identificação de tais imagens, estórias e alegorias é
o domínio daquilo que é normalmente conhecido por “iconografia”. De fato, ao
falarmos do “tema em oposição à forma”, referimo-nos, principalmente, à esfera dos
temas secundários ou convencionais, ou seja, ao mundo dos assuntos específicos
ou conceitos manifestados em imagens, estórias e alegorias, em oposição ao
campo dos temas primários ou naturais manifestados nos motivos artísticos. (p.
50=51)

Alegorias podem ser definidas como combinações de personificações e/ou


símbolos

[O sufixo “grafia” vem do verbo grego graphein, “escrever”; implica um método de


proceder puramente descritivo, ou até mesmo estatístico. A iconografia é, portanto,
a descrição e classificação das imagens, assim como a etnografia é a descrição e
classificação das raças humanas; é um estudo limitado e, como que ancilar, que nos
informa quando e onde temas específicos foram visualizados por quais motivos
específicos. [...] Ela não tenta elaborar a interpretação sozinha. Coleta e classifica a
evidência, mas não se considera obrigada ou capacitada a investigar a gênese e
significação e significação dessa evidência: a interação entre os diversos “tipos”; a
influência das ideias filosóficas, teológicas e políticas; os propósitos e inclinações
individuais dos artistas e patronos; a correlação entre os coceitos inteligíveis e a
forma visível que assume em cada caso específico. Resumindo, a iconografia
considera apenas uma parte de todos esses elementos que constituem o conteúdo
intrínseco de uma obra de arte e que precisam tornar-se explicitos se se quiser que
a percepção desse conteúdo venha a ser articulada e comunicável (p. 53-54)

Assim, concebo a iconologia como uma iconografia que se trona interpretativa e,


desse modo, converte-se em parte integral do estudo da arte, em vez de ficar
limitada ao papel de exame estatístico preliminar (p. 54)

A análise iconográfica, tratando das imagens, estórias e alegorias em vez de


motivos, pressupõe, é claro, muito mais que a familiaridade com objetos e fatos que
adquirmos pela experiência prática. Pressupõe a familiaridade com temas
específicos ou conceitos, tal como são transmitidos através de fontes literárias, quer
obtidos por leitura deliberada ou tradição oral. * Com cautela (p. 58)

Por exemplo, na fachada da Catedral de São Marcos, em Veneza, vêem-se dois


grandes relevos de mesmo tamanho, sendo um obra romana do século III d.C. e o
ouotro executado em Veneza quase que exatamente mil anos depois. Os motivos
são tão parecidos que somos forçados a supor que o escultor medieval tenha
deliberadamente copiado a obra clássica a fim de fazer uma réplica, mas, enquanto
o relevo romano representa Hércules carregando o javali de Erimanto para o rei
Euristeu, o artista medieval, substituindo a pele do leão por um dragão e o javali por
um cervo, transformou a estória mitológica numa alegoria da salvação. Na arte
italiana e francesa dos séculos XII e XIII encontramos um grande número de casos
similares, ou seja, empréstimos diretos e deliberados dos motivos clássicos, sendo
que os temas pagãos eram transformados segundo as ideias cristãs. (p. 67)
Via de regra, tais interpretações eram facilitadas ou mesmo sugeridas por certas
afinidades iconográficas, como, por exemplo, quando a figura de Orfeu foi
empregada para representar Davi ou quando o tipo de Hércules puxando Cérbero
para fora do Hades foi usado para retratar Cristo tirando Adão do Limbo. Mas há
casos em que o relacionamento entre o protótipo clássico e sua adaptação cristã é
apenas composicional. (p. 67-8)

Isso é bem verdadeiro, e a tradição textual através da qual o conhecimento dos


temas clássicos, principalmente da mitologia clássica, foi transmitido à Idade Média
e persistiu em seu decurso é da máxima importância não apenas para o
medievalista como também para o estudioso da iconografia renascentista. Pois,
mesmo no Quatrocentos italiano, foi dessa tradição complexa e muitas vezes
corrompida, mais que das fontes genuinamente clássicas, que muitos artistas
hauriram suas noções de mitologia clássica e assuntos conexos.

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