ANDRADE, L. o Quebra-Cabeça Das Modalidades Organizativas (Nova Escola) PDF
ANDRADE, L. o Quebra-Cabeça Das Modalidades Organizativas (Nova Escola) PDF
ANDRADE, L. o Quebra-Cabeça Das Modalidades Organizativas (Nova Escola) PDF
https://novaescola.org.br/conteudo/7387/o-quebra-cabeca-das-modalidades-
organizativas
Sala de aula
Você já sabe o que ensinar ao longo do ano com base nas expectativas de aprendizagem de cada
disciplina. Falta agora saber como colocar tudo isso em prática no dia-a-dia da sala de aula. A
pesquisadora argentina Delia Lerner classificou o trabalho em classe em três grandes blocos -
atividades permanentes, sequências didáticas e projetos didáticos -, que hoje são conhecidos como
modalidades organizativas. Como em um jogo de encaixar peças, planejar o uso dos três ao longo do
ano exige visão global do processo e capacidade de projetar cenários e encadear situações, pois eles
são módulos complementares que podem ser interligados ou usados sepa- radamente, em montagens
que devem levar em consideração os objetivos e os conteúdos a trabalhar.
"Toda essa rede de atividades tem de estar desenhada antes mesmo de começar o ano letivo. De
preferência, numa tabela. O ideal é começar do todo e ir aos poucos, criando as ramificações. Fazer
esse tipo de previsão ajuda a guiar os passos, evita a sobreposição de assuntos e clareia o ponto de
partida e o de chegada", explica Andrea Guida, coordenadora pedagógica do Centro de Educação e
Documentação para Ação Comunitária.
Para ela, esse tipo de organização deve ser compartilhado por todos os professores,
independentemente de série ou disciplina. "Planejar dessa forma ajuda a pensar o progresso dos
alunos e favorece a retomada consciente de conteúdos durante a vida escolar. Se determinada turma
leu muitos contos de fadas no 1º ano, vai realizar mais facilmente um projeto de produção de um livro
quando chegar ao 2º", exemplifica. "Mas estabelecer esse tipo de rotina não significa criar uma camisa
de força. A ideia é programar cada detalhe, com materiais e abordagens pré-analisadas e estudadas,
mas saber que imprevistos podem surgir."
As definições e especificidades de cada uma das modalidades organizativas são bem claras. As
atividades permanentes devem ser realizadas regularmente (todo dia, uma vez por semana ou a cada
15 dias). Normalmente, não estão ligadas a um projeto e, por isso, têm certa autonomia. As atividades
servem para familiarizar os alunos com determinados conteúdos e construir hábitos. Por exemplo: a
leitura diária em voz alta faz com que os estudantes aprendam mais sobre a linguagem e desenvolvam
comportamentos leitores. Ao planejar esse tipo de tarefa, é essencial saber o que se quer alcançar, que
materiais usar e quanto tempo tudo vai durar. Vale sempre contar para as crianças que a atividade em
questão será recorrente - ao longo do semestre ou mesmo do ano todo.
Já a sequência didática é um conjunto de propostas com ordem crescente de dificuldade. Cada passo
permite que o próximo seja realizado. Os objetivos são focar conteúdos mais específicos, com começo,
meio e fim (por exemplo, a regularidade ortográfica). Em sua organização, é preciso prever esse tempo
e como distribuir as sequências em meio às atividades permanentes e aos projetos. É comum
confundir essa modalidade com o que é feito no dia-a-dia. A questão é: há continuidade? Se a resposta
for não, você está usando uma coleção de atividades com a cara de sequência.
Por fim, temos o projeto didático, modalidade que muitas vezes se confunde com os projetos
institucionais (que envolvem a escola toda). Suas principais características são a existência de um
produto final e objetivos mais abrangentes. Os erros mais comuns em sua execução são certo descaso
pelo processo de aprendizagem, com um excessivo cuidado em relação à chamada culminância.
"A feira de ciência ou a olimpíada escolar são exemplos marcantes. É comum encontrar muita torcida
nas quadras sem que os estudantes tenham de fato aprendido Ciências ou desenvolvido habilidades
esportivas. A proposta não é fazer algo bonito, mas conduzir uma série de tarefas que resultem em
algo concreto", orienta Andrea. "A integração com outros professores é indicada em alguns projetos
por permitir a troca de experiências. Mas é essencial sempre envolver a coordenação pedagógica."
Nos projetos de ensino, há ainda a pretensão de atingir propósitos didáticos e sociais. Um exemplo é o
projeto de leitura e escrita em que a classe produz um livro de receitas (além de aprender a ler e
escrever, a criança tem a oportunidade de mostrar aos familiares como aproveitar melhor os
alimentos). Confira abaixo alguns exemplos de como conciliar as modalidades organizativas em cada
uma das disciplinas do Ensino Fundamental.
Arte
No 1º e 2º ano do Ensino Fundamental, as aulas de Arte podem ser planejadas com se-quências
didáticas. A que trata da pintura, com duração de aproximadamente um mês, pode iniciar o trabalho.
Antes de mais nada, o professor apresenta a proposta, os objetivos e os materiais a ser utilizados (tipos
de suporte, ferramentas e tintas). O pincel é o primeiro instrumento abordado. "O educador conta um
pouco sobre a história dele e mostra algumas imagens de telas de diferentes estilos, de autoria de
Monet, Seurat, Van Gogh e Nuno Ramos, por exemplo", sugere Mariza Szpigel, selecionadora do Prêmio
Victor Civita - Educador Nota 10.
O docente pode propor que as crianças observem variados tipos de pincelada: as pequenas, as
grossas, as imperceptíveis, os pontinhos etc. O próximo passo é colocar a turma para testá-las, mas
ainda somente com uma cor de guache. Na segunda aula, a proposta é aumentar a dificuldade,
trabalhando com o rolinho e o pincel e cores diferentes. Após a realização dessas pinturas, o ideal é
selecionar resultados bem distintos para a análise. Como a turma procedeu em relação ao uso das
cores? Fez mistura? Quais foram usadas? Não fez? Adotou justa ou sobreposição? "É importante que os
alunos discutam as formas de utilização das ferramentas e digam quais acharam melhor para pintar
áreas grandes e quais para figuras", diz.
Na terceira e última etapa, a tarefa é usar rolinho e pincel grosso e fino. O momento seguinte é
dedicado à reflexão sobre as variáveis estudadas no processo. "Se um aluno disser que o rolinho é
bom para pintar o fundo, vale solicitar que todos procurem um trabalho em que isso aconteceu",
sugere Mariza. Apesar da diversidade analisada, é importante que uma atividade permanente de
pintura permeie a sequência. "A turma coloca em prática as técnicas de que mais gostou. Ajuda a
individualizar a criação."
Língua Portuguesa
A leitura e a produção de textos são conteúdos a ser trabalhados durante todo o ano. Textos
jornalísticos, especificamente, podem ser abordados em um projeto anual com alunos de 8º e 9º anos.
O produto final é o jornal da classe. Uma atividade permanente de leitura desse tipo de mídia é
essencial para permear todo o primeiro semestre. "O professor ou os estudantes podem trazer diária
ou semanalmente jornais para serem lidos e debatidos em conjunto", sugere Heloisa Ramos,
formadora do projeto Letras de Luz, da Fundação Victor Civita. Dessa forma, os estudantes vão
aprender os jargões jornalísticos e as particularidades dessa produção, como o uso de legendas,
subtítulos e olhos de página.
No segundo semestre, Heloisa sugere tratar de diferentes gêneros: notícia, entrevista, crônica ou
editorial. A ordem pode variar desde que se assegure que as etapas não sejam feitas em paralelo.
"Cada uma pode levar cerca de dois meses. O importante é ter consciência de que elas são
independentes e têm seu fim", argumenta. Para que os alunos aprendam efetivamente a escrever os
quatro tipos de texto, é necessário planejar diversas sequências didáticas em que são abordados os
perfis de cada um.
No estudo sobre as notícias, por exemplo, a sequência pode começar com uma discussão sobre o que
os estudantes já sabem sobre o gênero. Em seguida, o ideal é, com base nesses diversos modelos,
analisar as características do gênero e elencá-las. Depois, vêm as produções textuais com esse modo
de escrita jornalística, em que são trabalhados conteúdos, como a pontuação. "A avaliação é primordial
para saber se houve avanço." Depois de sequências sobre os outros tipos de texto a ser abordados, os
alunos devem estar aptos a compreender os formatos e propósitos e produzir dentro de suas
características. A montagem do jornal, produto final do projeto serve para comunicar o que foi
aprendido.
Matemática
Ao trabalhar o cálculo mental com turmas de 4º ano, o professor precisa ter em mente que é
necessário organizar o tempo em atividades permanentes e sequências didáticas. Na primeira
modalidade, entram situações que favorecem a memorização de resultados - como as tabuadas - e
ajudam o aluno a responder, rapidamente, os resultados de algumas contas.
No momento da atividade permanente, o professor pode organizar, por exemplo, situações que
envolvam a multiplicação por 10. "Para as crianças, é mais simples realizar cálculos com números que
tenham a unidade seguida de zeros, os chamados números redondos", explica Priscila Monteiro,
formadora de professores e selecionadora do Premio Victor Civita Educador Nota 10. É importante
deixar, por um tempo, os resultados desses cálculos disponíveis para a consulta depois fazer atividades
que permitam sistematizá-los e organizá-los, procurando sempre a memorização.
Simultaneamente, trabalhe com sequências didáticas de cálculo mental. Esse tipo de cálculo depende
de alguns resultados de memória, que devem ser trabalhados permanentemente. Por exemplo, para
calcular 525 + 325, os alunos usam resultados parciais conhecidos: 500 + 300 = 800 e 25 + 25 = 50, logo,
525 + 325 = 850. "O aluno não precisa decorar tudo. Cabe ao professor trabalhar uma sequência
didática que o ajude, por meio do cálculo mental, a encontrar resultados que não foram
memorizados", afirma Priscila. Nesse sentido, o arredondamento pode ser bastante útil. "Se um aluno
precisa calcular 6 x 9 e não sabe quanto é, pode pensar em 6 x 10 e subtrair 6", exemplifica.
Para desenvolver essa estratégia, são necessárias cerca de oito aulas. Em seguida, inicia-se o trabalho
com outro conteúdo específico, em uma nova sequência que desenvolva outras formas de
arredondamento, por exemplo.
O cálculo mental pode ser trabalhado com turmas de 4º série em diversas sequências
didáticas com duração de oito aulas, que vão se sucedendo com a abordagem de conteúdos
específicos. Atividades permanentes de memorização ajudam por permitir que as crianças
respondam rapidamente
História
Debate e eleição simulada para compreender o que é democracia
Muitas escolas aproveitam para simular uma votação para prefeito, governador ou presidente entre os
alunos ou mesmo para eleger um representante da classe junto ao conselho. Flavia Aidar, consultora e
selecionadora do Premio Victor Civita Educador Nota 10, afirma que essas iniciativas são válidas, porém
não é preciso forçar uma situação de eleição se ela não se justificar: "Cabem como produto de um
projeto sobre o tema um debate sobre plataformas de governo ou uma eleição".
Como atividade permanente, ocupando de 20 a 30% de cada aula, Flavia indica a leitura de textos de
pensadores de diversas correntes que tratem de conceitos de representatividade e ideologia. Em
períodos eleitorais, o acompanhamento no noticiário é outra excelente forma de o professor mostrar
como são construídas as plataformas dos partidos e compará-las.
Sequências didáticas devem ser reservadas para tratar de conteúdos específicos, como o conceito de
democracia e suas modalidades, sistemas de governo (parlamentarismo, presidencialismo etc.), tipos
de poder (aristocracia, ditadura etc.), classes de estado (colônia, federação etc.), divisão de poderes
(Legislativo, Judiciário e Executivo) e de processos (eleição, golpe, revolução, plebiscito, referendo, lobby
etc.).
Na organização da eleição ou do debate, é preciso prever como uma das etapas a elaboração de
plataformas políticas a ser expostas, assim como a confecção de urnas, cédulas e material de
campanha.
A leitura regular de textos teóricos e do noticiário político, junto com sequências didáticas
para aprofundar conceitos como sistemas de governo e divisão de poderes, ajuda a turma
de 8º e 9º anos a entender assuntos importantes da disciplina, num projeto sobre a
democracia com duração bimestral
Educação Física
A etapa das vivências pode ser planejada em três blocos - com as modalidades corrida, salto e
arremesso. Use cinco aulas para cada um. Assim, é possível explorar todas as variantes: revezamento,
corrida com obstáculos, arremesso de peso, salto com vara etc. "Quando a moçada realiza as
atividades, aprimora as habilidades motoras específicas." Em paralelo, com as pesquisas e o painel de
registros, todos são incentivados a conhecer mais sobre o esporte.
No fim do projeto, organize um minifestival. Divididos em comissões (de divulgação, inscrições, tabelas
etc.), os alunos ganham mais uma chance de ser avaliados - agora por indicadores atitudinais, como
responsabilidade e comprometimento, que, junto com o painel coletivo, ajudam a aferir se a turma
aprendeu sobre o atletismo.
Geografia
Na primeira etapa da sequência, deve-se pedir que os alunos desenhem o bairro, incluindo os
elementos principais. O que eles conhecem ao redor da escola? Registrar a impressão deles sobre o
tema após um debate é essencial. Na segunda aula, os alunos são levados a uma excursão pelos
arredores. Vale chamar a atenção para os pontos citados na primeira aula e também para as
localidades desconhecidas. Ao voltar para a sala, os estudantes registram o que viram no passeio e
verificam se isso se relaciona de alguma forma ao que foi lido ou contado nas entrevistas.
Na terceira aula, introduz-se o ensino da cartografia. Com a ajuda dos registros, os estudantes
desenham as ruas visitadas e traçam itinerários. Sueli Furlan, formadora de professores e
selecionadora do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10, diz que na hora de desenhar, por exemplo, é
preciso ensinar que, se a rua é vista de cima, as casas devem aparecer só com o telhado.
Na quarta aula, dividem-se os alunos em grupos de quatro. Eles devem escrever um texto relacionando
as informações obtidas com a atividade e o desenho realizado por um dos colegas. Na última aula da
sequência, cada equipe apresenta seu desenho e o que aprendeu sobre o bairro. Comparar o registro
da atividade inicial com o texto final é uma boa forma de avaliação.
Ciências
Cada etapa pode durar de quatro a seis aulas. Para começar, leve informações sobre o assunto: um
mapa do Brasil para apontar a extensão desse bioma, com destaque para o relevo e a vegetação.
Textos sobre os problemas mais comuns vão ajudar a garotada a se interessar pelo tema. "Muitos
alunos podem não ter informações sobre esses fatos, daí a necessidade de apresentá-los", explica
Pricila Melo, coordenadora de unidade de séries iniciais da Sangari Brasil.
O próximo passo é pesquisar em jornais, livros e sites informações sobre a região escolhida. A seguir,
promova uma apresentação coletiva dos dados colhidos e divida a turma em duplas para que seja feito
um registro por escrito do que for debatido. Terminada cada etapa, passe para outro bioma (mata
Atlântica, cerrado etc.). E, durante o semestre, compare as características com a das regiões já
estudadas.
Como em Ciências o estudo do meio é valorizado, organize uma excursão a um dos biomas. Pricila
lembra que a atividade é muito mais que um passeio. Por isso, é essencial preparar um roteiro que
ajude a orientar o olhar das crianças. Além de tudo o que já foi pesquisado nas aulas anteriores,
prepare perguntas. Como são as árvores? Grandes ou pequenas? E as copas? Como é seu tronco? Há
sinais visíveis de degradação do ambiente? E desmatamento? Além de um caderno para registrar tudo,
a turma pode fotografar a área. No fim, reserve algumas aulas para montar cartazes com textos e
fotos. Em grupos, os jovens podem apresentar tudo o que aprenderam.
Língua Estrangeira
O conto A Bela e a Fera em inglês pode ser estudado durante um bimestre por meio de uma
combinação de modalidades organizativas. A leitura da obra é trabalhada como uma atividade
permanente, em capítulos. Em cada encontro, o professor chama a atenção para recursos e expressões
diferentes - as pistas dadas pelas ilustrações e por ele, que deve responder em inglês às intervenções
da garotada, ajudam no aprendizado sobre o vocabulário e sobre a estrutura linguística. Vale utilizar
diferentes estratégias para contar a história. "Ler e só mostrar as ilustrações à turma, distribuir
exemplares para todos ou atuar como narrador enquanto os estudantes leem as falas dos
personagens", exemplifica Andrea.
Ao longo da atividade, é possível intercalar sequências didáticas, com duração de várias aulas, que
abordem o uso cotidiano da língua. No caso de A Bela e a Fera, a cena do jantar entre os protagonistas
serve de base para uma sequência sobre como pedir um prato em um restaurante. Nessa situação, o
professor trabalha o vocabulário relacionado à comida, as construções gramaticais para realizar
pedidos e a forma educada de falar nessas ocasiões.
Fotos: Marcos Lima, Tamires Kopp, Gustavo Lourenção, Paulo Santos/Interfoto, Tatiana Cardeal e Marina Piedade
Ilustração: montagem de Danielle Bidóia com fotos de Gustavo Lourenção e Tatiana Cardeal e ícones de Cássio
Bittencourt