Aimé Césaire
Aimé Césaire
Aimé Césaire
Fundou diversas revistas e jornais que deram visibilidade ao pensamento negro no século
XX. Em 1934, ainda como estudante, funda L’étudiant noir (“O estudante negro”) e em 1947
“Presences Africaines “(Presença Africana), ambas fundadas em Paris. L’étudiant noir foi co-
fundada com outro estudante, Leopold Senghor (do Senegal) que se tornaria um parceiro de
toda a vida nos escritos e nos combates políticos.
Em 1935, no terceiro número de L’étudiant noir, Cesaire cunhou pela primeira vez o conceito
de negritude – que falava da condição de opressão do negro produzida pela diáspora africana.
Esse conceito foi amplamente usado em literatura, poesia e na política africana. Um dos
grandes entusiastas e contribuidores foi Leopold Senghor, que mais tarde seria o presidente
do Senegal (1960-1980).
Senghor era de família aristocrática. O pai, serere, era um rico comerciante de nobre
descendência; a mãe era peul (ou fulani) povo de pastores nômades. Sua infância, em Joal, a
aldeia senegalesa onde nasceu, foi sem maiores problemas.
Ganhou uma bolsa de estudos e foi para Paris, sendo o primeiro africano a obter o título de
“agregé” numa universidade francesa.
Em 1983 foi eleito para a Academia Francesa de Letras. Os últimos anos de sua vida passou
entre a Normandia, Paris e Dakar.
Senghor visitou o Brasil mais de uma vez, tendo recebido, em 1964, o título de Doutor em
Honoris Causa pela UFBa.
Sua obra foi traduzida para uma infinidade de idiomas: japonês, alemão, sueco, russo,
italiano, português…
Seus prêmios literários se somam aos que ganhou como político e estadista.
Contudo, ela influenciou definitivamente o grupo que surgiu a seguir e fundou outra revista
L’étudiant noir (o Estudante Negro). Além da revista, o grupo desenvolveu intensa atividade.
Organizando reuniões, exposições, assembléias, publicando artigos e poemas em outras
revistas, conseguiu fazer o mundo enxergar que existia, sim, uma cultura, uma civilização
africana.
O impacto foi tão forte que Aimé Césaire — o primeiro a usar a palavra negritude em um
poema — destruiu tudo o que tinha escrito até então. Para ele e para Léon Damas, foi uma
surpresa maravilhosa ouvir Senghor falar de uma África jamais sonhada pelos negros da
diáspora, África dos doutores de Tumbuctu, do império Ashanti, das amazonas do Daomé.
África cuja música não era feita somente de tambores, mas de sofisticados instrumentos como
o khalam e o korá.
Mas já Aimé Césaire procura um campo mais positivo de entender os fenómenos do mundo
negro, pois, como diz L. Sédar Senghor, «para Césaire, o «branco» simboliza o capital, tal
como o negro o trabalho... através dos homens de pele negra da sua raça, é a luta do
proletariado mundial que ele canta». Como compreender, em tal caso, a recusa obstinada que
opõe às formas técnicas, que permitem uma melhor racionalização das formas de produção?
A recusa de Césaire não se dirige às próprias técnicas, mas sim às formas de desumanidade
que elas possibilitaram e, ao recusá-las, pretende também recusar para as sociedades negras
qualquer parcela de responsabilidade no infame tráfico da escravatura, e nas formas de
antropotecnia que foram as de alguns povos que dos escravos fizeram um dos seus principais
negócios. O que assim podemos entender, na condenação de Césaire, é que qualquer forma
de posse, contém em si uma exclusão, enquanto tais bens possuídos não forem pertença única
do proletariado.
Porque, como convém ainda recordar, «na contribuição social da sua existência, os homens
entram em relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade; estas relações
de produção correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das suas forças
produtivas materiais.
Aliás, para compreendermos com maior amplitude o papel desempenhado pelas burguesias
capitalistas e mer- 44 (20) K. Marx, Manifesto Comunista. cantilistas na destruição dos
valores sociais da África negra, devemos verificar que, onde quer que conquistou o poder, «a
burguesia destruiu as relações feudais, patriarcais, idílicas.
Todos os laços complexos e variados que unem o homem feudal aos seus superiores naturais,
foram por ela impiedosamente destroçados, para só deixar subsistir o frio interesse nos laços
entre o homem e o homem» (20). Não podem restar dúvidas, portanto, aos proletariados,
tanto brancos como negros, que todas as formas idealistas ou espiritualistas tradicionais, são,
perante a sua experiência prática, formas de alienação que, provocadas como são pelos meios
de produção, encerram em si próprias a negação sistemática das essências do proletariado.
E isto, quer se trate do trabalho agrícola mais tradicional, efectuado por meio de técnicas
ultrapassadas, quer daquele que se realiza no âmbito das grandes indústrias que se baseiam
num conhecimento científico cada vez mais amplo.
Porque o progresso das forças produtivas só pode atingir o seu plano máximo por via do seu
completo desen- 45 volvimento, sem entraves artificiais determinados pela necessidade de
criar, pela rarificação, preços de venda que permitam garantir um grande juro aos capitais
empenhados nas formas de industrialização e comercialização dos produtos.
Mas logo que se atinja um estádio onde seja possível proceder a uma apropriação das formas
de actividade produtora, sem qualquer exclusão, há-de desaparecer toda e qualquer tentativa
de impor a alienação através da produção da mais valia. Só alcançado este plano nos
poderemos encontrar perante um homem novo, quer se trate do homem africano quer do
europeu. Para isso é necessário fazer progredir os vários mercados existentes no mundo, até
se chegar à criação de um mercado mundial, única forma de alcançar a integração da
totalidade dos produtores numa única forma de trabalho comum.
Porque caminhamos hoje para formas de produção idênticas, graças a um tipo de máquinas
iguais, fabricadas ou pela mesma empresa ou por empresas congéneres, e que, naturalmente,
funcionam da mesma forma, estejam onde estiverem.
Decerto ainda não atingimos neste momento um plano em que se possa entrever uma
absoluta identidade das técnicas e dos sistemas de produção, se bem que, por exemplo, a
distribuição de máquinas e ferramentas fabricadas por um país para muitos outros, suponha,
desde logo, uma 46 identidade nas formas de fabrico e, por consequência, uma identidade das
formas de trabalho. E não podemos dizer que tais identidades sejam esporádicas, pois a
libertação do homem das tarefas mais grosseiras (tanto na agricultura como na indústria) e o
cada vez mais amplo surto da automação, forçam a essa aproximação.
Neste momento ainda se não chegou a um ponto de saturação que leve a sentir a necessidade
inelutável de um mercado único. Pelo contrário, as burguesias capitalistas procuram reforçar
o seu aparelho de produção que, embora vá fazendo algumas concessões ao proletariado
(melhoria de salários, de assistência médica, social e outras), pretende defender as suas
formas de produção, com o seu poder alienatório.
O Mercado Comum, longe de pretender chegar à criação de um mercado único, convida antes
ao domínio de uns quantos países mais poderosamente equipados em detrimento de outros,
com menores possibilidades, ou com inferior armadura técnica; o caso da Grécia, associada
ao Mercado Comum em condições especiais, mostra que, realmente, este tipo de mercados
pretende apenas salvaguardar as estruturas capitalistas de uma rápida socialização. Trata-se,
acima de tudo, de ver como as relações de produção objectivam o movimento das forças
produtivas e, consequentemente, qual a posição, que podem ocupar no plano de distribuição,
tanto no mercado interno como nos mercados externos.
Examinados assim os problemas com que se defronta a África negra, não podemos deixar de
reconhecer que, embora sob formas peculiares, se apresentam eles bastante idênticos aos do
proletariado e campesinato europeus como aos da Ásia, aos das Américas, aos de todo o
mundo, enfim, porque estamos longe de poder chegar a uma forma de reconciliação
universal. Esta forma de reconciliação pressupõe, como é óbvio, a desaparição absoluta de
quaisquer formas de distinção entre os homens, incluindo as que se baseiam nas cores, isto é,
propugna a chegada a um estádio onde o homem não possua cor, seja apenas um homem, ou
mais amplamente o homem. E tal forma de reconciliação é a única que pode permitir a
realização humana da humanidade, sem a qual não será possível, de resto, a existência de
uma realidade integralmente humana.
Isto é o que deseja o humanismo negro, seguindo caminho idêntico aos humanismos branco
ou amarelo, que mais não procuram, afinal, do que chegar a uma conjugação directa destes
humanismos, para atingirmos um único humanismo.