Estado-Nação, Educação e Cidadanias em Transição
Estado-Nação, Educação e Cidadanias em Transição
Estado-Nação, Educação e Cidadanias em Transição
net/publication/26496321
CITATIONS READS
14 2,212
2 authors:
Some of the authors of this publication are also working on these related projects:
“Identidad europea, identidades fronterizas e identidades locales en Andalucía y Algarve” View project
All content following this page was uploaded by Emilio Lucio-Villegas on 21 May 2014.
Resumo
Começando por chamar a atenção para a pluralidade de processos históricos
e sentidos que subjazem às ideias de nação e de Estado, os autores
convocam algumas perspectivas que ajudam a esclarecer as suas diferenças
conceptuais e a perceber a construção das suas eventuais convergências,
frequentemente designadas pela expressão Estado-nação. Com o contributo
da escola pública e dos processos de violência simbólica (e até, em muitos
casos, do uso da violência física), a construção da cidadania ocorre
inicialmente em função daquele binómio político e identitário, mas vai sendo
alterada à medida em que se desenvolvem outros processos históricos,
económicos e sociais, e de democratização política e cultural. Perante as
mutações contemporâneas em curso e as suas implicações em termos
educacionais, os autores propõem a designação de cidadanias em transição
para mostrar a actual instabilidade do conceito de cidadania, agora marcado
pela redefinição do papel do Estado e pela eventual desarticulação do
binómio Estado-nação, bem como pelos processos de globalização e
transnacionalização.
Palavras-chave
Estado-nação; Globalização; Educação; Redefinições de cidadania
78 Almerindo Janela Afonso & Emílio Lucio-Villegas Ramos
global". Esta, porém, do mesmo modo que as sociedades civis nacionais, não
será uma sociedade homogénea porque conterá tendências autoritárias,
racistas, sexistas, antidemocráticas, assim como conterá também tendências
democratizadoras. Neste sentido, acrescenta esta mesma autora, interessa
sobretudo dar ênfase à acção daqueles movimentos democráticos cujas
dinâmicas representem um terreno de disputa, não somente frente às lógicas
excludentes dos espaços globais oficiais mas também frente aos traços
excludentes e autoritários da sociedade civil global em formação:
Obviamente, as cidadanias globais e a formação das sociedades civis globais
não estão desligadas das dinâmicas de poder e dos hegemonismos existentes
no interior dos países e entre os países a nível global.[…] As formas que pode
assumir a cidadania global relacionam-se quer com as formas como os
homens, mulheres e colectividades se inserem nos espaços globais, quer com
as formas através das quais as exclusões e subordinações nacionais se
expressam e visibilizam no espaço global. Os efeitos ambivalentes da
globalização, que ao mesmo tempo excluem e integram, também modificam,
potenciam ou renovam estas dinâmicas de exclusão/inclusão.
É neste contexto que nos parece também ser urgente assumir a escola
como lugar de confronto de hegemonias. Na linha de Gramsci, vários autores
como H. Giroux (1990) e Williams (2004) chamam a atenção para os espaços
onde se confrontam aspectos decisivos das nossas vidas quotidianas. Aliás,
para Giroux, o essencial é considerar a escola como um espaço público de
democracia e de cidadania, sendo que estas não somente se ensinam como
também devem praticar-se. Por outro lado, para Williams, se a escola é
construtora de significados, a partir dos quais compreendemos a sociedade e
damos sentido ao mundo, então é necessário mudar a estruturação da escola
e os significados que ela produz. Assim, muitas das experiências e
concepções modernas de democracia participativa e de educação para a
cidadania continuam a fazer sentido. Como assinala Williams, "se o homem e
a mulher são essencialmente seres que aprendem, criam e comunicam, a
única organização social adequada à sua natureza é a democracia
participativa" (Williams, 2004: 194). Neste sentido, o modelo educativo
coerentemente ético parece ser aquele que conduz à autonomia, na linha da
educação libertadora de Paulo Freire. De alguma forma, trata-se de resgatar
modelos anteriores que voltem a colocar no centro o desenvolvimento e a
emancipação das pessoas e das comunidades. Ou seja, devemos olhar para
trás para ver o futuro. E é também aqui que ganha sentido o papel e o lugar
da educação e da alfabetização no século XXI. O paradigma dominante é
cumulativo, aquele que Freire (1985) designava de "bancário". Trata-se de um
modelo que, na linha da actual proposta de aprendizagem ao longo da vida,
visa acumular conhecimento (e não saberes) — conhecimentos que são
claramente instrumentais, funcionais e adaptativos porque supostamente
direccionados para aumentar a empregabilidade. Neste sentido, algumas
perspectivas dominantes, como refere Licínio Lima,
parecem ignorar que, em última instância, não há vida sem aprendizagem,
incorrendo no risco de denegar a substantividade da vida ao longo da
aprendizagem e de abandonar os objectivos da transformação da vida,
individual e colectiva, em todas as suas dimensões (2007: 19).
a educação deve assumir uma função muito mais difícil mas muito mais justa:
deve promover a convicção de que a vida pessoal só adquire valor e plenitude na
medida em que o homem e a mulher participarem na edificação de uma autêntica
vida social, e esta, por sua vez, só prospera e se fortalece quando consegue
penetrar nas motivações mais profundas da acção individual (1975: 51).
Por outro lado, numa dimensão mais ampla, também é necessário criar
outros pólos democráticos a nível nacional e global, e isso só será possível se
os processos de "múltiplas democratizações" (Vargas, 2001) se converterem
em parte fundamental das agendas dos movimentos sociais e,
acrescentaríamos nós, em eixos estruturantes das políticas educativas. Na
sequência dos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, as análises mais
lúcidas têm vindo a relembrar que muitos dos problemas que alimentam os
ressentimentos e as hostilidades entre povos e culturas derivam da "opressão
das identidades" e de muitas outras graves desigualdades sociais,
económicas e educacionais que ocorrem em muitas regiões do mundo.
Inscritas no âmbito das novas formas de regulação (a que neste texto
não dedicámos espaço), as políticas educativas (ocidentais e
ocidentalizantes) têm também a sua cota parte de responsabilidade,
sobretudo quando favorecem os processos de acumulação e de controlo, o
predomínio das exigências cientificistas ou técnico-instrumentais e a
despolitização da educação, a competição meritocrática baseada numa mera
igualdade formal de oportunidades, a obsessão avaliativa pretensamente
neutra e homogeneizante, a emulação individualista e a selectividade
darwinista e discriminatória, esquecendo outros valores, conhecimentos,
experiências, culturas e visões do mundo que é urgente e necessário
aprender a convocar e a confrontar criticamente para que seja possível
aprofundar e ampliar a democracia e perceber melhor as cidadanias em
transição.
Sem essa consciência, a democracia que temos continuará a adaptar-
se facilmente às mudanças contemporâneas, mesmo que para isso se
esvazie de conteúdo para melhor se articular com o capitalismo e com as
novas formas de regulação nacional e transnacional. As cidadanias em
transição incluem concepções, percursos e projectos muito ambivalentes e
contraditórios, tanto regulatórios como emancipatórios. Não se trata apenas
de repensar o Estado, a nação ou as identidades em contexto de
94 Almerindo Janela Afonso & Emílio Lucio-Villegas Ramos
Referências
AFONSO, Almerindo J. (1999). Educação Básica, Democracia e Cidadania: Dilemas e
Perspectivas. Porto: Afrontamento.
AFONSO, Almerindo J. (2001). A redefinição do papel do Estado e as políticas
educativas: elementos para pensar a transição. Sociologia, Problemas e
Práticas, nº 36, pp. 33-48.
AFONSO, Almerindo J. & ANTUNES, Fátima (2001). Educação, cidadania e
competitividade: algumas questões em torno de uma nova agenda teórica e
política. Cadernos de Ciências Sociais, nºs 21-22, pp. 5-31.
ALMEIDA, Lúcio Flávio (1998). Estado, nação, transnacionalização: reflexões em torno
do Manifesto do Partido Comunista. Lutas Sociais, nº 4, pp. 19-26.
ANDERSON, Benedict (1993). Comunidades Imaginadas. Reflexiones sobre el Origen
y la Difusión del Nacionalismo. México: Fondo de Cultura Económica.
ANTUNES, Fátima (2001). Os locais das escolas profissionais: novos papéis para o
Estado e a europeização das políticas educativas. In S. R. Stoer; L. Cortesão &
J. A. Correia (orgs.), Transnacionalização da Educação. Da Crise da Educação
à ‘Educação’ da Crise. Porto: Afrontamento, pp. 163-208.
APPADURAI, Arjun (1997). Soberania sem territorialidade: notas para uma geografia
pós-nacional. Novos Estudos Cebrap, nº 49, pp. 33-46.
BAUMAN, Zygmunt (2005). Identidade. Madrid: Losada.
BECK, Ulrich (1998). La Sociedad del Riesgo. Hacia una Nueva Modernidad.
Barcelona: Paidós.
BRESSER-PEREIRA, L. Carlos (2007). Globalização e Estado-nação [em linha],
[consultado em 30. Mar. 2007, disponível em http://www.bresserpereira.com.br].
Estado-nação, educação e cidadanias em transição 95
CENTENO, Rui & NOVAIS, Rui (orgs.) (2006). Timor Leste – da Nação ao Estado.
Porto: Afrontamento.
COOK-GUMPERZ, Jenny, org., (1988). La Construcción Social de la Alfabetización.
Barcelona: Paidós.
CROWTHER, Jim (2006). Social Movements, praxis and the profane side of lifelong
learning. In J. Crowther & P. Sutherland (eds.), Lifelong Learning. Concept and
Contexts. Londres: Routledge, pp. 171-180.
DALE, Roger (1989). The State and Education Policy. Milton Keynes: Open University
Press.
FARSAKH, Leila (2007). Chegou a hora de um Estado binacional. Le Monde
Diplomatique, nº 5, II Série, Março, p. 7.
FRAGOSO, António & LUCIO-VILLEGAS, Emilio (2003). Local development and social
change: some reflections on an ongoing research. In AA.VV., Wider Benefits of
Learning. Lisboa: Edições Lusófonas, pp. 197-201.
FRASER, Nancy (1995). From redistribution to recognition? Dilemas of justice in a ‘post-
socialist’ age. New Left Review, nº 212, pp. 68-93.
FREIRE, Paulo (1985). Pedagogía del Oprimido. Madrid: Siglo XXI.
GIROUX, Henry (1990). Los Profesores como Intelectuales. Barcelona: Paidós.
GÓMEZ, José Maria (2000). Política e Democracia em Tempos de Globalização.
Petrópolis: Vozes.
HABERMAS, Jürgen (1995). O Estado-nação europeu frente aos desafios da
globalização. Novos Estudos Cebrap, nº 43, pp. 87-101.
HABERMAS, Jürgen (1999). The european Nation-State and the pressures of
globalization. New Left Review, nº 235, pp. 46-59.
HATTERSLEY, Roy (2006). The Edwardians. Londres: Abacus.
HOBSBAWM, Eric (2000). Entrevista sobre el Siglo XXI. Al Cuidado de Antonio Polito.
Barcelona: Critica.
HELD, David (1997). La Democracia y el Orden Global. Barcelona: Paidós.
HIRSCH, Joachim (2000). Estado nacional, nacionalismo y conflicto de clases. Revista
Herramienta, nº 10 [em linha], [Consultado em 14.Out.2006, disponível em
http://www.herramienta.com.ar].
HIRSCH, Joachim (2001). El Estado Nacional de Competencia. México: Univ. Autonoma
Metropolitana.
LIMA, Licínio C. (2007). Educação ao Longo da Vida – Entre a Mão Direita e a Mão
Esquerda de Miró. São Paulo: Cortez.
LUCIO-VILLEGAS, Emilio & FRAGOSO, António (2003). Literacy, adult education and
social change in Southern Europe: A case study. In D. Flowers (ed.), AERC 2003
Proceedings. San Francisco: San Francisco State University, pp. 261-266
O'CONNOR, James (1977). USA: A Crise do Estado Capitalista. Rio de Janeiro: Paz &
Terra.
OFFE, Claus (1984). Contradictions of the Welfare State. Londres: Hutchinson.
96 Almerindo Janela Afonso & Emílio Lucio-Villegas Ramos
Abstract
Starting by calling attention to the plurality of historical processes and
meanings that underlie the idea of nation and State, the authors deal with
some approaches that help to clarify conceptual differences and to understand
the construction of possible convergences often referred by the expression of
nation-State. With the contribution of the State funded school (public school)
and the processes of symbolic violence (and even, in many situations, of the
use of physical violence), the construction of citizenship initially occurs
depending on that political and identitarian binominal; however it has been
changing as far as other historical, economic and social processes and
political and cultural democratization are under development. Facing
contemporary shifts in progress and considering its implications in educational
terms, the authors propose the expression citizenships in transition to stress
the present instability of the concept of citizenship, now framed by the
redefinition of the role of the State and the possible disarticulation of the
binominal nation-State, as well as by the processes of globalization and trans-
nationalization.
Keywords
Nation-State; Globalization; Education; Citizenship redefinition
98 Almerindo Janela Afonso & Emílio Lucio-Villegas Ramos
Resumen
Comenzando por llamar la atención sobre la pluralidad de procesos históricos
y de significados que subyacen a la idea de nación y de Estado, los autores
señalan algunas perspectivas que ayudan a esclarecer sus diferencias
conceptuales y a percibir la construcción de sus eventuales convergencias,
normalmente designadas por la expresión Estado-nación. Con la aparición y
desarrollo de la escuela pública y de los procesos de violencia simbólica (e
incluso, en muchos casos, el uso de la violencia física) la construcción de la
ciudadanía se desenvuelve inicialmente en función de aquel binomio político
e identitario, pero va siendo alterada en la medida en que van desarrollándose
otros procesos históricos, económicos y sociales, y de democratización
política y cultural. Ante los cambios actuales y sus implicaciones en términos
educacionales, los autores proponen la noción de ciudadanías en transición
para mostrar la actual inestabilidad del concepto de ciudadanía, sujeto, en
este momento, a la redefinición del papel del Estado y a la eventual
desarticulación del binomio Estado-nación, así como a los procesos de
globalización y transnacionalización.
Mots-clé
Estado-nación; Globalización; Educación; Redefiniciones de ciudadanía
Toda a correspondência relativa a este artigo deve ser enviada para: Almerindo Janela Afonso,
Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga,
Portugal. E-mail: ajafonso@iep.uminho.pt