Acórdão Do Supremo Tribunal de Justiça - Art.º 800.º
Acórdão Do Supremo Tribunal de Justiça - Art.º 800.º
Acórdão Do Supremo Tribunal de Justiça - Art.º 800.º
Processo: 136/12.5TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RESPONSABILIDADE MÉDICA
RESPONSABILIDADE HOSPITALAR
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
ACTOS DOS REPRESENTANTES LEGAIS OU AUXILIARES
ATOS DOS REPRESENTANTES LEGAIS OU AUXILIARES
DEVER ACESSÓRIO
NEXO DE CAUSALIDADE
DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
PRESUNÇÃO DE CULPA
Data do Acordão: 28-01-2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA DO RÉU HOSPITAL; CONCEDIDA A REVISTA DO RÉU CC
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES /
RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS /
MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO /
CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / FALTA DE
CUMPRIMENTO IMPUTÁVEL AO DEVEDOR / RESPONSABILIDADE DO DEVEDOR
PELOS ACTOS DOS AUXILIARES ( RESPONSABILIDADE DO DEVEDOR PELOS
ATOS DOS AUXILIARES ) / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO BIOMÉDICO - RESPONSABILIDADE MÉDICA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / PARTES / LEGITIMIDADE DAS
PARTES - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 2009, p. 763.
- Álvaro Gomes Rodrigues, “Reflexões em torno da responsabilidade civil dos médicos”, in
Direito e Justiça, 2000, T.3, p. 209.
- André Dias Pereira, Direitos dos pacientes e responsabilidade médica, 2015, p. 684 e ss..
- Carlos Ferreira de Almeida, “Os contratos civis de prestação de serviço médico”, in Direito
e Saúde e da Bioética, 1996, p. 75 e ss..
- Carlos Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, reimp, 1982, p. 337 e ss..
- Carneiro da Frada, Contrato e deveres de protecção, 1994, pp. 44 e ss..
- Henriques Gaspar, “A responsabilidade civil do médico”, in C.J., 1978, T.I, p. 344 e ss..
- Maria da Graça Trigo, Responsabilidade civil delitual por facto de terceiro, 2009, p. 242 e
ss., 688.
- Menezes Cordeiro, Da boa fé no direito civil, Vol. II, 1984, p. 586 e ss; Tratado de Direito
Civil, Vol. VI, 2012, p. 498 e ss..
- Rute Teixeira Pedro, A responsabilidade civil do médico – Reflexões sobre a noção da perda
de chance e a tutela do doente lesado, 2008, p. 80.
- Sónia Fidalgo, Responsabilidade penal por negligência no exercício da medicina em equipa,
2008, p. 196 e ss..
- Vaz Serra, “Responsabilidade do devedor pelos factos dos auxiliares, dos responsáveis legais
ou dos substitutos”, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 72, p. 270.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, N.º1, 494.º, IN FINE, 496.º, N.ºS 1 E 4, 563.º, 762.º,
N.º 2, 799.º, N.º1, 800.º, N.º1, 1154.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 26.º, N.º3, 30.º, N.º1, 566.º, Nº 3, 634.º,
N.º 2, AL. C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
Cumpre decidir.
10. Em síntese, dá-se como provado que a cirurgia foi causa dos
danos. Esta conclusão não tem, porém, relevância idêntica para efeitos
da determinação da responsabilidade do R. BB Hospital e do R. CC.
Com efeito, o R. BB Hospital é, como se disse, responsável pela
conduta de todos os envolvidos no processo cirúrgico, que são
auxiliares de cumprimento das obrigações a que se encontra adstrito
(art. 800º, nº 1, do CC). Viu-se já que nesta categoria se compreendem
tanto os médicos como os enfermeiros e demais profissionais
envolvidos.
Assim, dando-se como provado que a cirurgia foi a causa dos danos,
o R. BB Hospital é responsável desde que se verifiquem os demais
pressupostos da responsabilidade civil.
Quanto ao R. CC é ele responsável pelas consequências da sua
própria conduta quanto à cirurgia em sentido estrito (isto é, a
intervenção no pé direito da A.), assim como pela conduta dos seus
auxiliares de cumprimento das obrigações emergentes do contrato (art.
800º, nº 1, do CC), isto é, enfermeiros e outro pessoal auxiliar da
equipa cirúrgica
E quanto à conduta da anestesista? É do conhecimento geral que, do
ponto de vista científico e técnico, o médico anestesista não está
dependente do cirurgião, nem se encontra sujeito às ordens deste (cfr.,
por exemplo, Sónia Fidalgo, Responsabilidade penal por negligência
no exercício da medicina em equipa, 2008, págs. 196 e segs.). Não é de
excluir, em absoluto, a possibilidade de responsabilizar o cirurgião pela
conduta da anestesista se se apurar que esta última era, em concreto,
uma auxiliar, ainda que independente, de cumprimento das obrigações
de que aquele é devedor. Contudo, no caso em apreciação, os factos
provados (sabe-se apenas que R. CC “contactou com a Interveniente,
médica anestesista que presta serviço regular junto do BB, a qual é
experiente, nomeadamente em cirurgias ortopédicas, para a mesma
realizar a anestesia à A.”) são insuficientes para definir com clareza e
rigor a relação entre o R. CC e a Interveniente DD, de modo a
qualificar a segunda como auxiliar de cumprimento da prestação do
primeiro.
Assim, o R. CC é responsável, desde que se prove que os danos foram
causados pela sua conduta ou pela conduta daqueles que são seus
auxiliares de cumprimento. Mas não é responsável pela conduta da
Interveniente anestesista, por não ser esta sua auxiliar de cumprimento.
Ora, se as instâncias deram como facto provado que “Da cirurgia
resultou para a A. uma lesão medular após anestesia epidural”, e se,
no acórdão recorrido, se afirma que, “na fase imediatamente
subsequente à cirurgia, a Apelada ficou a padecer de lesão medular,
perdendo capacidade motora, com parésia do membro inferior
esquerdo, e também capacidade para realizar funções fisiológicas”,
então está dado como provado que a lesão medular com paralisia da
perna esquerda da A. foi causada pela cirurgia.
O juízo de causalidade de facto feito pelas instâncias, que – reafirma-se
mais uma vez – não pode ser sindicado pelo Supremo Tribunal, permite
concluir que a lesão medular da A. pode ter emergido da anestesia,
ainda que as instâncias não tenham dado como provado (ou não
provado) que assim fosse. O mesmo juízo de causalidade de facto
permite concluir que, se não tiver sido a anestesia a causar a lesão, terá
forçosamente de ter sido a intervenção do próprio cirurgião ou a
conduta de algum dos membros da equipa cirúrgica pelos quais ele é
responsável.
Em concreto, não se sabe qual foi a causa directa e imediata da lesão
medular. Em abstracto, e segundo o curso normal das coisas, é mais
provável (art. 563º, do CC) que tenha sido causada pela anestesia com
epidural do que por outra conduta, positiva ou negativa, ocorrida
durante a intervenção cirúrgica.
Em conclusão, não se provando qual a causa directa e imediata da
lesão, se ela se deveu ao médico-cirurgião, ou a algum dos seus
auxiliares, ou se se deveu à anestesista, não pode o R. CC ser
responsabilizado.
João Bernardo