Reabilitao 19 08
Reabilitao 19 08
Reabilitao 19 08
Baseada
em
Sistemas
Complexos
David Mascena
Fortaleza - 2020
Cadeias lineares causais, extraídas de fenômenos
que envolvem vínculos entre múltiplos fatores,
expressam uma simplicidade, que não é real.
Michael Turvey
Índice
Apresentação 9
Prefácio 11
Abordagem ecológica e a expressão
do movimento em contexto real 15
6. Design de um programa
de reabilitação 46
Fase 1: Proteção 47
Fase 2: Mobilidade (amplitude
de movimento) 48
Fase 3: Coordenação intramuscular
(adaptações a nível de músculo) 50
Estabilidade da ação múscular,
na prática 53
A Single Leg Roman Chair é
um exercício seguro? 55
Fase 4: Ações elásticas 57
Fase 5: Transferência 60
Fase 6: Retorno ao Jogo 65
Variabilidade 66
Bibliografia 71
David Mascena | 9
Apresentação
© PowerCorePerformance
Prefácio
despeito dos vários esforços da ciência e dos profissionais que
Abordagem ecológica e a
expressão do movimento
em contexto real
E
m sua essência, a abordagem ecológica gibsoniana, é caracte-
rizada pela rejeição as representações mentais, no tocante as
explicações sobre cognição incorporada. O centro fundamental
da teoria gibsoniana é a organização das propriedades ambientais (affor-
dances) e da forma como elas restringem o comportamento motor. O
mutualismo O-A é o ponto de partida para entender como os atletas se
movimentam, como eles selecionam rotas, como decidem com quem
cooperar e como competem com adversários no ambiente real.
Seleção de ações incorporadas ou cognição incorporada, significa
que ela é moldada pela habilidades e características do corpo, sendo
peça fundamental no entendimento dos efeitos online da tomada de
decisão. Para Gibson, esta decisão de como agir, não esta ligada a
uma parte do sistema O-A, como o cérebro ou as propriedades mate-
riais dos objetos, mas sim ao sistema como um todo, sendo assim,
a cognição é incorporada em um corpo e em um contexto.
A ação é influenciada pelo ambiente fisico e social, assim como
pelas próprias habilidades do indivíduo. As decisões de ação, são
transições em um curso temporal de ação, onde os processos cogni-
tivos são necessariamente limitados pelo sistema O-A em evolução
(WOODS et.al.,2020). O estado atual desse sistema é o resultado de
interações que restringem a ação imediata, isto é, o desempenho é
moldado pela memória (sem representação mental) e pela experiência
anterior.
A história motora de um indivíduo canaliza a ação para um cená-
rio de possibilidades de comportamento oferecidas por um ambiente
16 | Reabilitação Baseada em Sistemas Complexos
1
Lesões como um
sistema complexo
P
redição de lesões no esporte permanece um problema não
resolvido. Apesar da evolução na maneira de pensar, a partir
de modelos não lineares, “machine learning”, heurística e
identificação de fatores multidimensionais que aumentam o espectro
de investigação sobre o fenômeno lesão, ainda não encontramos
uma ferramenta prática consistente para lidar com esta questão.
STERN et.al, 2020 (veja figuras e vídeo no post), traz uma
perspectiva dinâmica sobre o modelo da rede de determinantes
com algumas questões bem interessantes para se discutir. Entender
a lesão como um fenômeno não linear traz a necessidade de lidar
com mudanças em escalas temporais muito reduzidas trazendo uma
maior necessidade de informação a curto prazo, testes de controle para
status diário de tolerância ao estresse e adequação do planejamento
a curto prazo podem ajudar muito nisso (algo como a proposta da
Agile Periodization) .
Outro ponto a ser discutido é o entendimento da dinâmica dessa
rede de determinantes e o que podemos considerar como determi-
18 | Reabilitação Baseada em Sistemas Complexos
nantes. Aqui vai uma crítica pessoal a esses modelos, eu acredito que
investigar coisas como valgo dinâmico, extensão torácica, força de
um músculo qualquer (paravertebrais ou isquiotibiais p.ex) e etc. com
testes indiretos e inferir sobre sua potencial causalidade no processo
da lesão é totalmente inútil. Todos esses fatores são subjugados a
técnica, não me interessa isola-los, correlaciona-los por inferência
ou soma -los para entender a lesão (em um fenômeno não linear o
todo é maior que a soma das partes).
As lesões em esportes coletivos por exemplo, tem uma grande
relação com questões relacionadas ao sprint e a desaceleração, são
esses fatores que importam, os “fatores de risco” e a performance
convergem para essas habilidades e para a forma na qual elas podem
ser adaptadas e flexibilizadas na interação com o ambiente de jogo,
sendo assim, me interessa avaliar essa habilidade e a forma como
ela se desenvolve no jogo e não se existe valgo dinâmico, extensão
torácica ou se um músculo é forte ou resistente em uma tarefa, sem
relação alguma com sprint e desaceleração.
David Mascena | 19
Progressão de micro
para macro lesão
stabilidade do sistema músculo esquelético, define a responsi-
Figura: progressão de micro para macro lesão, baseada na relação entre carga
de treinamento e recuperação. Restrições apresentadas ao longo do tempo,
modificam a estabilidade do sistema músculo esquelético e a susceptibilidade
a lesões ( referência: BALAGUÉ et.al., 2018)
David Mascena | 23
O fator de risco
individual
A
questão do fator de risco individual é um tema muito relevante
quando falamos sobre lesões no esporte. Historicamente, a
ideia de termos um fator que apresenta uma correlação com
a presença da lesão, vem sendo, não só um importante “aliado”, na
tomada de decisão clínica, como também, um tema recorrente, de
publicações científicas e discussões acadêmicas. Sobre lesões de joe-
lho, temos publicações, mostrando a correlação de lesões ligamentares,
com a perda de alinhamento do membro inferior, o conhecido “valgo
dinâmico” ou com uma maneira específica de aterrissar em um movi-
mento de salto (HEWEET et.al.,2016). A dor patelofemoral, segundo
algumas publicações tem correlação com a fraqueza dos abdutores e
roteadores externos do quadril (MEIRA e BRUMITT, 2011), enquanto
outras mostram que o aumento da força nos abdutores, aumenta sua
chance de desenvolver a dor patelofemoral (NEAL et.al.,2018). Outros
estudos focam a atenção no quadríceps, determinando que a “fraqueza”,
deste grupo muscular, como um fator determinante no agravamento da
dor no joelho (GLASS et.al.,2013 e SEGAL et.al., 2010) e definindo se
um músculo é forte ou não, com base em um dinamômetro isocinético,
uma métrica pouco válida, quando pensamos em representatividade
contextual.
Estudos como estes, normalmente trazem uma interpretação
linear para a ocorrência da lesão. Por linear, entenda, entender o
“todo”, ou seja, a lesão, a partir de uma de suas “partes”, no caso,
o fator de risco. Neste caso o raciocínio fica algo como “o fator de
risco “x”, tem correlação (estatística), com a lesão “y”, então,
se eu quero tratar ou reduzir o risco do aparecimento, desta
lesão, devo fazer alguns exercícios para lidar (fortalecer, um
determinado grupo muscular, por exemplo), com esse fator”.
Em um raciocínio linear, o fator de risco e o seu controle, ganham
uma grande importância, na decisão clínica, tomando boa parte do
24 | Reabilitação Baseada em Sistemas Complexos
Movimento dependente
da tarefa ou movimento
dependente do contexto?
C
om o passar do tempo e com a popularização de abordagens
baseadas em restrições de tarefa, o termo movimento tarefa -
dependente, é constantemente cunhado, no entanto cabe aqui
uma reflexão. Baseado na ideia de acoplamento, a destreza é alcançada
acoplando algum aspecto do movimento a uma fonte perceptiva de
David Mascena | 31
3
Fase de transição e
reabilitação
A
Abordagem tradicional de reabilitação, normalmente considera
uma progressão linear e gradual, de baixa força e controle
por pequenos grupos musculares, para alta força e controle,
prioritariamente, realizado pela ação de grandes grupos musculares.
Está progressão, vem sendo contestada, baseado no conceito de fase
de transição, que consistem em uma mudança qualitativa abrupta, na
ação muscular ou no comportamento motor, em resposta a alteração
de um parâmetro de controle. A partir da alteração de um parâmetro
de controle, alguns músculos, pouco relevantes no controle de movi-
mento em baixa carga, aumentam a relevância, a partir da informação
contida, em um ambiente de alta carga.
Um caso clássico, em reabilitação, foi creditar a ação de músculos
locais, o controle do tronco em movimentos em ambiente esportivo,
que normalmente, existe em cenários de altas cargas, com grandes
quantidades de forças externas, atuando sobre o corpo do atleta. Em
contextos como estes, a influência de pequenos grupos musculares
como o transverso abdominal e o multifido, são mínimas e a maior
parte do controle é realizado a partir das propriedades mecânicas dos
David Mascena | 33
4
Foco de Atenção em
reabilitação
A
discussão sobre foco de atenção, não é recente, no entanto,
alguns pontos de sua aplicação prática ainda estão confusos.
Aqui discutiremos a luz de dois conceitos “conhecimento de
performance” (KP) ou foco interno e “conhecimento de resultado”
(KR) ou foco externo.
Cada um dos tipos de foco pode te ajudar em diferentes ques-
tões relacionadas ao programa de treinamento, no entanto, para o
efeito final, eles não geram os mesmos resultados quando o assunto
é performance. Para entender isso, temos que diferenciar efeito de
aprendizagem de retenção de aprendizagem, o primeiro significa um
efeito dentro da sessão, isto é, uma aprendizagem a curto prazo, você
inicia a sessão com uma tarefa que não atinge os plenos objetivos
e sai dessa sessão realizando bem a tarefa motora. Já o segundo, se
refere ao efeito a longo prazo, isto é, o quanto você consegue reter
consistentemente o aprendizado de uma tarefa, possibilitando que
está tarefa pode te dar suporte como solução motora em contextos
David Mascena | 37
Foco externo e
resiliência da
habilidade motora
A
s evidências que mostram, o foco externo como a melhor
estratégia de aprendizagem, no momento são bem consistentes.
Habilidades adquiridas explicitamente, isto é, através de foco
interno, são menos resistentes quando os indivíduos se encontram em
estados de fadiga fisiológica ou psicológica (BEILOCK e CARR,2001
e POOLTONet.al.2007), além disso, também são menos robustas
quando uma resposta rápida é necessária (WULF,2013).
Aprendizagem implícita, via foco externo, se mostra mais
eficiente para uma grande quantidade de atividades e condições
contextuais, sendo eficiente para melhorar tanto a eficácia (atingir
resultados satisfatórios), quanto a eficiência do movimento (atingir
resultados com o menor custo), dentre os benefícios estão: maiores
níveis de força para um determinado grau de ativação muscular
(lembrando que ativação muscular (EG) é diferente de força (dina-
mômetros), maior resiliência a fadiga, maior velocidade de ajuste
(adaptabilidade) e padrões coordenativos mais eficientes na escala
de músculo.
O modelo tradicional de ensino, claramente necessita de uma
revisão, devemos nos concentrar em desenvolver estratégias baseadas
em foco de atenção externo, direcionado a componentes relevantes
do ambiente e não nos movimentos do corpo. Wulf e Prinz, destacam
a teoria da ação restrita, que afirma que quando usamos foco interno
de atenção, isto explicitamente restringe o sistema motor, para a
interrupção da aprendizagem automática e incentivo dos processos
David Mascena | 39
com a variável relevante para prever onde ele deve encontrar a bola
(variável τ de tempo para contato)
Affordances e
seu papel central
no controle do
movimento
E
m sua essência, a abordagem ecológica gibsoniana, é caracte-
rizada pela rejeição as representações mentais, no tocante as
explicações sobre cognição incorporada. O centro fundamental
da teoria gibsoniana é a organização das propriedades ambientais (affor-
dances) e da forma como elas restringem o comportamento motor. O
mutualismo O-A é o ponto de partida para entender como os atletas se
movimentam, como eles selecionam rotas, como decidem com quem
cooperar e como competem com adversários no ambiente real.
Seleção de ações incorporadas ou cognição incorporada, significa
que ela é moldada pela habilidades e características do corpo, sendo
peça fundamental no entendimento dos efeitos online da tomada de
decisão. Para Gibson, esta decisão de como agir, não esta ligada a
uma parte do sistema O-A, como o cérebro ou as propriedades mate-
riais dos objetos, mas sim ao sistema como um todo, sendo assim, a
cognição é incorporada em um corpo e em um contexto.
A ação é influenciada pelo ambiente fisico e social, assim como
pelas próprias habilidades do indivíduo. As decisões de ação, são
transições em um curso temporal de ação, onde os processos cogni-
tivos são necessariamente limitados pelo sistema O-A em evolução
(ARAUJO et.al.,2019). O estado atual desse sistema é o resultado
David Mascena | 41
5
Modelo do estressor
único
A
reabilitação, deve ser pensada, em termos de um gradual
aumento de carga, no entanto, esses aumentos devem con-
siderar as necessárias fases de transição, isto é, as mudan-
ças qualitativas súbitas, nas escalas intra organismo, aplicadas pelas
alterações em parâmetros de controle. As perdas funcionais advindas
de uma lesão, são categorizadas como estressores, que podem ser de
naturezas diversas, dependendo do tipo de lesão e do nível de aptidão
a ser recuperado no processo de reabilitação.
Uma lesão de tornozelo, pode comprometer a amplitude de movi-
mento da articulação, a capacidade de co- contração dos músculos,
ao redor da articulação, o transporte de energia, pelos músculos
biarticulares, a distribuição de carga no eixo axial do pé, as ações
elásticas de músculos importantes para a função e as estratégias de
movimento, em termos de estabilidade e adaptabilidade. Esses fato-
res, em conjunto são os estressores, perdidos com a lesão e durante
o processo de reabilitação, devemos, restaura-los, com base nos
conceitos, anteriormente discutidos.
44 | Reabilitação Baseada em Sistemas Complexos
6
Design de um
programa de
reabilitação
O
programa de reabilitação, proposto aqui, tem como base o
modelo descrito por Bosch e Ranson (2016), com algumas
alterações, baseadas em nossa experiência prática, com o
modelo e com particularidades envolvidas em nossos contextos. Nossa
ideia aqui, não é oferecer um modelo fechado, mas sim, um exemplo
genérico, que é possível de ser manipulado, de acordo com as parti-
cularidades e decisões individuais. Em essência, o importante aqui é
o respeito aos princípios básicos que regem a abordagem, dentre eles,
o de formar uma ponte, entre o movimento contextual de alta intensi-
dade e a reabilitação, o mais cedo possível.
Em termos gerais, o programa inicia, no momento imediato pós-
-lesão e se encerra, no retorno do atleta ao treinamento e contempla,
desde técnicas de proteção e controle de sintomas, até uma recupe-
ração funcional, baseada em uma tríade de princípios básicos: (i) a
dinâmica coordenativa e os princípios que regem a transferência de
David Mascena | 47
Fase 1: Proteção
O
primeiro momento do programa de reabilitação, envolve a
preocupação com a proteção e com os sinais e sintomas, envol-
vidos na lesão. O relato de dor, normalmente é a preocupação
e a limitação primária aqui, sendo muitas vezes, usado como parâme-
tro de decisão, sobre que estratégias podem ou não ser usadas nesse
momento. A despeito, de todas as relevantes discussões, em torno da
complexidade do fenômeno dor e de sua pobreza, quanto marcador de
dano tecidual ou progressão de carga, o relato e a visão disso, como
resultante de múltiplos vínculos, torna este parâmetro, particularmente
útil, nesse momento.
Nos primeiros momentos pós ocorrência da lesão, o atleta apre-
senta uma série de sinais característicos como aumento da tempe-
ratura local, rubor e em alguns casos, edema visível e hematomas,
associados a um relato de dor e o gerenciamento dessas questões é o
objetivo imediato. Protocolos, como o RICE, acrônimo, para repouso
(rest) - gelo (ice) - compressão - elevação e o POLICE, acrônimo, para
proteção - carga ótima (optimal load )- gelo - compressão -elevação,
são especialmente úteis em um primeiro momento. Neste momento
da reabilitação, ainda não há uma preocupação funcional envolvida,
mas sim, o objetivo, de solucionar questões imediatas, que possam
permitir, o mais cedo possível, a inserção do primeiro estressor.
48 | Reabilitação Baseada em Sistemas Complexos
Fase 2: Mobilidade
(amplitude de
movimento)
A
qui reside o tópico mais controverso abordado aqui, pois
temos uma forma não - convencional de abordar essa questão,
baseada em aspectos relacionados ao controle motor. Para
início, é importante deixar claro, que em momento algum, cogitamos
negligenciar a importância da amplitude de movimento em progra-
mas de reabilitação ou para o desempenho esportivo. As diferença de
pensamento está, apenas, no pensamento metodológico e nos meios
usados, para atingir esse objetivo.
Classicamente, usamos técnicas como alongamentos ativos ou
passivos, “liberação miofascial” e técnicas passivas ou ativas, que
envolvem, mobilizar a articulação. Em nossas práticas, não usamos
nenhuma dessas técnicas, mas nem por isso, deixamos de conquistar
os precisos resultados, relacionados a amplitude de movimento.
O raciocínio que nos leva a aplicação prática aqui, possui uma
base diferente da utilizada nessas técnicas. Partimos das leis das leis
da aprendizagem, para explicarmos nossa intervenção no desafio do
ganho de amplitude de movimento. Neste ponto, já fica claro que, em
última instância, o sistema de movimento é um sistema de aprendi-
zagem e como tal, opera, através de determinadas, leis de controle.
O organismo, não retém, aspectos do movimento, como incidentes
isolados, mas, sempre que possível, como um “todo coerente”. Um
princípio de movimento irá ser aprendido e automatizado, se for
universalmente válido e puder ser aplicado a diferentes padrões de
movimento. Em um sistema de aprendizagem, aprendemos aquilo
David Mascena | 49
que nos será útil e descartamos aquilo que é incidental, isto é, que
não nos é, constantemente útil.
A amplitude de movimento é um aspecto do movimento, que
deve ser retido em um sistema de aprendizagem, no caso, nosso
sistema de movimento. Em técnicas como alongamentos, tanto pas-
sivos, como ativos, buscamos posturas e amplitudes articulares, com
baixa representatividade, normalmente baseamos, os resultados em
testes de amplitude em potencial, que tem como um “bom score”,
uma amplitude pouco representativa para padrões de movimento,
usados em contextos reais. Sendo assim, o sistema de aprendizagem,
identifica a amplitude do alongamento ou do exercício de mobilidade
(feito normalmente para atingir amplitude extrema), como algo inci-
dental e não a retém, explicando o alto índice de recalcitrancia desse
tipo de técnica. Nesse ponto, sempre surgem dúvidas, como explica-
ções sobre amplitudes de movimento de bailarinas ou lutadores de
artes marciais, no entanto, a resposta é simples, pois, nestes casos,
a amplitude extrema é representativa e universalmente aplicável, a
uma ampla gama de soluções, necessárias a estes contextos, por isso,
o sistema de aprendizagem tende a reter estas amplitudes.
Amplitude de movimento universal ou qualquer aspecto rele-
vante do movimento, não é um conceito estático e esta intimamente
envolvido com o controle dos graus de liberdade de tarefas relevantes,
em um nicho específico. Amplitudes que favorecem ações elásticas
em movimentos de alta intensidade ou que permita menor custo
energético, em tarefas de locomoção, são universais, na maioria
dos casos, no entanto, em outros, como na ginástica, nas lutas ou
na dança, amplitudes extremas podem ser, consideradas universais,
pois serão constantemente usadas, como soluções, por estes atletas.
Com um raciocínio baseado em leis que regem a aprendizagem,
e não, em mecânica clássica, obviamente, nossa intervenção frente ao
estressor de mobilidade, tem diferenças marcantes, estando sempre
associadas a interpretação dos componentes inseridos no movimento
esportivo de alta intensidade e a representação destes, no exercício.
50 | Reabilitação Baseada em Sistemas Complexos
Figura: Kneeling Hip Lock. Exercício que incorpora co- contrações ao redor do quadril. A
amplitude de movimento gerada, representa uma ação motora representativa, para gestos em
alta intensidade. Um atrator intermuscular, chamado “hip lock position”, definido, como uma
co- contração, dos músculos, ao redor do quadril, que leva a uma elevação da crista ilíaca, do
lado da perna de balanço, é um sub-movimento universal, presente em vários gestos espor-
tivos, por isso o sistema de aprendizagem, tende a reter sua amplitude.
Fase 3: Coordenação
intramuscular
(adaptações a nível de
músculo)
O
estressor de coordenação intramuscular e a função dos mús-
culos biarticulares, começa com uma discussão localizada no
conceito de estabilidade de ação muscular. Neste momento, é
pertinente, que façamos uma diferença entre magnitude de contração
e estabilidade de contração. A magnitude de uma contração muscular,
normalmente é vinculada a uma grande quantidade de recrutamento
David Mascena | 51
Estabilidade de ação
muscular, na prática
M
úsculos biarticulares, são especialmente aptos a permitirem
a transferência de energia, facilitando a forma, como o atleta
lida com as forças externas. A arquitetura muscular, o ângulo
de penação e a elasticidade do tecido conjuntivo adjacente ao mús-
culo, determinam a capacidade do músculo, para tolerar perturbações,
isto é, maior estabilidade e menor variabilidade, durante a contração.
Evidências mostram que quando o movimento transita para um estado
de maior intensidade (fase de transição), pelas mudanças nas forças
externas, há uma maior tendência a regularidade e uma menor tendência
a variabilidade (evidenciado, por entropia), sendo assim, estratégias
que permitam ao músculo, uma maior capacidade de operar em força
máxima, são interessantes, neste momento.
Mecanicamente, os músculos biarticulares, são capazes de pro-
duzir o máximo de força, quando operam em comprimento ótimo,
isto é, na posição mais favorável para o acoplamento de pontes cru-
zadas, na escala molecular do sarcômero e em condições isométri-
cas. Quando observamos, as relações entre a produção de força e a
velocidade, temos uma proporção inversa, para este fatores. Sendo
assim, 100% de produção de força, ocorre quando a velocidade é
igual a zero, assim como 100% de velocidade, é alcançada, quando
a força é igual a zero. Estas relações, são explicadas pela dinâmica,
a nível do sarcômero e pela formação de pontes cruzadas, sendo
determinante na escolha dos exercícios, usados nessa fase da reabi-
litação
Para alcançarmos o objetivo de restaurar/ otimizar a transfe-
rência de energia, pelos músculos biarticulares, devemos considerar
a escolha de exercícios isométricos de alta intensidade (com tempos
de isometria, por volta de 3 segundos) e realizados em comprimento
ótimo, permitindo assim, o desenvolvimento de ações musculares
estáveis.
54 | Reabilitação Baseada em Sistemas Complexos
Figura: Single Leg Roman Chair, exercício útil para desenvolver uma ação muscular
estável para os Isquiostibiais. Observe que o exercício é unilateral, sua variação bilateral,
tem função diferente.
M
uitos colegas, se assustam quando observam alguém fazendo
esse exercício, talvez seja a ideia de que carga é perigosa,
talvez seja a ideia de proteção excessiva da coluna lombar
ou talvez seja só porque querem reclamar de alguma coisa para a vida
fazer sentido. Enfim, não sei o motivo exato, mas observo que é um
exercício que causa estranheza em alguns profissionais.
O fato é que a despeito dessa estranheza, alguns elementos pre-
sentes nesse exercício, o torna seguro e eficiente.
Usamos esse exercício em um período do programa, que temos
o objetivo de oferecer, prioritariamente, sobrecarga e para que pos-
samos torná-lo seguro, a produção de força deve ser máxima.
Para que a produção de força possa ser máxima, o músculo pre-
cisa operar em uma zona de comprimento que conhecemos como
“comprimento otimo”, que essencialmente significa que o músculo
funciona em uma zona de comprimento onde há uma maior pos-
sibilidade de formação de pontes cruzadas (lattice Spacing, consi-
derando modelos 3D para contração muscular) e isso possibilita o
desenvolvimento do máximo de força possível ( propriedades F-L).
Outro fator a ser considerado é a “engrenagem muscular “ que
em músculos penados, como os Isquiostibiais (HAM), devido a
torção em torno da linha de ação do músculo durante a contração
e a consequente formação do ângulo de penação,operam em baixa
velocidade ( baixa distância de encurtamento), isto é, devido a sua
arquitetura, os HAM se tornam mais aptos e trabalham em maior
segurança em baixa velocidade e alta força ( propriedades F-V ).
No gráfico da figura, temos o cruzamento da curva comprimento-
tensão e da curva Força - Velocidade e temos um ponto vermelho em
destaque. Esse ponto, representa a forma como os HAM operam na
SLRM, eles operam em relação F/L ótima e máxima força (máxima
56 | Reabilitação Baseada em Sistemas Complexos
Q
uando os tecidos elásticos (m.m, fáscias e tendões) do corpo
são tensionados, eles armazenam energia potencial e desta,
uma parte é convertida em trabalho gerando propulsão e
outra parte é dissipada na forma de calor. O percentual de energia que
cumpre cada uma dessas funções é determinado pela qualidade do
movimento e pela forma que organizamos o movimento com base na
função desses tecidos. A hipotética perda total da capacidade do tecido
conjuntivo em armazenar energia potencial, tornaria o movimento o
custo energético de qualquer tarefa, inviável.
O calor é um subproduto da contração muscular, que demanda
mais energia para os processos termoregulatórios que irão resfriar
o corpo. A iminência de um nível crítico de aquecimento é um dos
fatores que levam a redução do desempenho. Altas velocidades
permitem uma maior quantidade da energia potencial como gerador
de trabalho devido ao uso aprimorado das propriedades do tecido
conjuntivo, em contrapartida, baixas velocidade reduzem o efeito
do recuo dos elementos elásticos e uma maior parte da energia é
convertida em calor e consequentemente um maior custo energético
relativo ao resfriamento.
Cadência, definida como o número de passos por segundo, é
uma variável extremamente influenciada por esses fatores, ritmos
mais baixos, mesmo acima da velocidade da fase de transição estão
vincularas a um estresse muscular e isso é mais exacerbado em
situações onde os tecidos responsáveis por esta função, não estão
estruturalmente aptos a realizá-la. Tendões com grau significativo
de degeneração, sedentários, indivíduos com baixa aptidão e indiví-
duos ativos mas que treinam com taxas de passadas mais altas, tem
prejuízos na capacidade de reduzir o muscle slack por coativação e
consequentemente, são menos elásticos.
58 | Reabilitação Baseada em Sistemas Complexos
Fase 5: Transferência
T
ransferência é o caminho pelo qual um padrão de movimento
influencia no outro. A expressão de força e potencia (consegui-
das no treino de força convencional) no padrão de movimento
não possui relação direta, por isso apresentamos altos níveis de força
em uma tarefa, ao mesmo tempo que em outras, a força não é expressa
plenamente. Somos fortes para algumas tarefas e para outras, não e o
que define esta questão é nossa capacidade de organizar o movimento
através de coordenação.
Basicamente 5 fatores influenciam o grau em que um movimento
treinado, influência um outro movimento, para o qual esperamos
transferência:
Figura: Clean to Box, exercício que representa a similaridade de intenção, observe o “end
point”, semelhante ao “toe off” (fase propulsiva) da corrida. Componentes como a trans-
ferência de energia joelho- tornozelo, atratores como o Hip Lock Position e o reflexo de
extensão cruzada, também estão representados no exercício
Figura: exercício com objetivo de otimizar a tração do solo para trás ( força Y negativa),
durante a fase de apoio, através de um atrator, chamado “Foot plant from above”
David Mascena | 65
A
última fase da reabilitação, gira em torno, da restauração
completa da capacidade do atleta, para lidar com as demandas
reais da competição. Nesta fase, grande parte das questões
relacionadas a produção de força, tanto na escala de músculo, quanto
na escala de movimento, estão resolvidas e o importante é desafiar
o atleta em condições reais. O monitoramento e o controle de carga,
devem ser feitos em todo o programa de reabilitação, mas neste ponto,
devemos ter uma atenção especial a este detalhe. A despeito das conhe-
cidas limitações, dos métodos de monitoramento e controle de carga,
alguns deles, podem ser úteis, no controle longitudinal do programa.
De acordo com o método utilizado, podemos obter diferentes
tipos de métricas, úteis para o programa. O cálculo da carga de
treinamento, a partir do produto da percepção subjetiva do esforço
( PSE), pelo tempo da sessão, em minutos, vem se mostrando muito
útil, como forma de acompanhar as variações temporais, na carga
de treinamento. Além disso, o acompanhamento de variáveis como
quantidade e qualidade do sono, relato de estresse diário e nível de
prontidão diária, são importantes métricas complementares. Em
conjunto, estas métricas formam um registro diário, sobre a forma
que o atleta lida com a carga imposta, no programa.
Contando com a disponibilidades de recursos como GPS ( Glo-
bal Positioning System), podemos obter uma grande quantidade de
dados relevantes. Normalmente, estes dados são obtidos em paralelo
e em tempo real, o que nos permite acessar valiosas informações
sobre o comportamento do atleta, no contexto real de jogo. A grande
quantidade de dados e a representatividade deles, juntamente com
ferramentas de análises de “big dates”, como, Machine Learning,
são grandes aliados, no aumento da acurácia do controle, sobre o
66 | Reabilitação Baseada em Sistemas Complexos
Variabilidade
A
variabilidade é um importante componente, em programas
que tem como objetivo, reduzir o risco ou reabilitar um atleta
lesionado. Variabilidade, está, intimamente, ligada à solução
dos problemas de Bernstain, conceitos clássicos, do estudo do movi-
mento. Aqui, estamos falando sobre variar trajetórias, em busca para
a melhor solução, para a situação, como evento no tempo e isso nos
leva a uma importante e profunda discussão, no âmbito pratico.
Historicamente, variabilidade foi entendida como algo nega-
tivo, variar trajetórias, era fugir da trajetória ideal, pré estabelecida
e, quando observada, foi chamada de disfunção de movimento. Em
abordagens de avaliação de movimento, tão comum, nos últimos anos,
a busca por um alinhamento padrão, normalmente vinculado à um
score quantitativo, fazia com que, qualquer observação, fora desse
entendimento, fosse nominado como “ disfunção” ou “compensação”
e rapidamente associado ao dogma de que “ atleta que compensa,
tem mais risco de lesões”. Esta visão, traz em si, diversos pontos
discutíveis. Atletas, habitam o ambiente de prática esportiva, não
David Mascena | 67
Bibliografia
Della Villa F, Mandelbaum BR, Lemak LJ. The Effect of Playing Position on
Injury Risk in Male Soccer Players: Systematic Review of the Literature and
Risk Considerations for Each Playing Position. Am J Orthop (Belle Mead NJ).
Balagué, N., Pol, R., Torrents, C. et al. On the Relatedness and Nestedness of
Constraints. Sports Med - Open 5, 6 (2019).
Hewett TE, Myer GD, Ford KR, Paterno MV, Quatman CE. Mechanisms,
prediction, and prevention of ACL injuries: Cut risk with three sharpened and
validated tools. J Orthop Res. 2016;34(11):1843-1855. doi:10.1002/jor.23414
Meira EP, Brumitt J. Influence of the hip on patients with patellofemoral pain
syndrome: a systematic review. Sports Health. 2011;3(5):455-65
David Mascena | 73
Segal NA, Glass NA, Torner J, et al. Quadriceps weakness predicts risk for
knee joint space narrowing in women in the MOST cohort. Osteoarthritis
Cartilage. 2010;18(6):769-775. doi:10.1016/j.joca.2010.02.002
Glass NA, Torner JC, Frey Law LA, et al. The relationship between quadri-
ceps muscle weakness and worsening of knee pain in the MOST cohort: a
5-year longitudinal study. Osteoarthritis and Cartilage. 2013 Sep;21(9):1154-
1159. DOI: 10.1016/j.joca.2013.05.016.
DeMers MS, Hicks JL, Delp SL. Preparatory co-activation of the ankle
muscles may prevent ankle inversion injuries. J Biomech. 2017;52:17-23.
doi:10.1016/j.jbiomech.2016.11.002
Turvey MT, Fonseca ST. The medium of haptic perception: a tensegrity hypo-
thesis. Journal of Motor Behavior. 2014;46(3):143-187
Neilson PD, Neilson MD, Bye RT. A Riemannian geometry theory of human
movement: The geodesic synergy hypothesis. Hum Mov Sci. 2015;44:42-72.
Stern BD, Hegedus EJ, Lai YC. Injury prediction as a non-linear system. Phys
Ther Sport. 2020;41:43-48.
David Mascena | 75
O Autor
76 | Reabilitação Baseada em Sistemas Complexos
David Mascena | 77
powercoreperformance
powercoreperformance
78 | Reabilitação Baseada em Sistemas Complexos
David Mascena | 79
Copyright 2020
© PowerCore Performance
Todos os direitos reservados
Capa
pikisuperstar
Freepik
Rebeca Gadelha
ohmybecka
powercoreperformance
powercoreperformance