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Nomofobia

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Nomofobia & Imediatismo Digital.

Uma reflexão sobre o


vício 3.0
“Estou com saudade de mim. Ando pouco recolhida, atendendo demais ao telefone, escrevo
depressa, vivo depressa. Onde está eu? Preciso fazer um retiro espiritual e encontrar-me enfim –
enfim, mas que medo – de mim mesma.”

Clarice Lispector

Você já percebeu como as pessoas, especificamente as crianças, ficam irritadas e apreensivas quando não podem ter
imediatamente o que desejam? Esse comportamento, no entanto, não é mais tipicamente infantil: como você se sente
quando a internet está lenta, sua mensagem foi visualizada, mas não respondida, ou o delivery que você pediu demora?

Os recentes avanços tecnológicos nos ajudaram em diversos sentidos, mas de certa forma também fizeram
nossa inteligência emocional retroceder algumas décadas. O mundo está cada vez mais acelerado, e nós também.

Há quanto tempo você não desbloqueia o celular? Alguns minutos? Segundos? Ele está desbloqueado enquanto você
lê este artigo? A comunicação atual é extremamente diferente da que existia há 39 anos, quando a Motorola lançou o
primeiro celular – com ele, era finalmente possível se comunicar sem telefones com fios ligados a tomadas.

Em 2007, quando a Apple lançou o primeiro iPhone, as interações se tornaram ainda mais dinâmicas, e o processo foi
potencializado com a internet 3G e 4G. Rapidamente, bips passaram a ser ligações, que se tornaram mensagens de
texto, que, por sua vez, foram substituídas por aplicativos de mensagens instantâneas.

Na última década, a quantidade de pessoas com depressão aumentou 18,4%, ou seja, 4,4% da população mundial ou
320 milhões de indivíduos sofrem da doença. Na América Latina, o Brasil é o país em que essa taxa mais cresceu,
conforme a OMS (Organização Mundial da Saúde). Coincidentemente, ou não, somos um dos países com maior uso
de redes sociais no mundo (OMS, 2021).

Outro estudo, conduzido pela Deloitte, chegou aos seguintes números (Deloitte, 2020):

• Os brasileiros desbloqueiam diariamente o celular, em média, 78 vezes, e esse número sobe para 101
quando trata-se de jovens entre 18 e 24 anos;

• 30% dos entrevistados afirmam que perdem a hora de dormir porque ficam vagando sem rumo pelas redes
sociais;

• 42% deles se esforçam muito para limitar o uso do celular, mesmo que, na maioria das vezes, sem sucesso;

• Mais de 60% já utilizaram o celular para resolver problemas do trabalho fora do horário de expediente, ou
seja, no que teoricamente deveria ser o horário de repouso.

Em 2018, o Journal of Social and Clinical Psychology também realizou uma pesquisa que comprovou que redes como
Facebook e Instagram de fato pioram os sintomas de ansiedade e depressão. Dois grupos de pessoas foram
monitorados por três semanas: um podia utilizar o celular livremente e o outro tinha o acesso restrito. O segundo grupo,
que só podia acessar as redes sociais dez minutos diariamente, teve uma redução significativa nos sintomas de
depressão, além de reportar menos solidão (Guilford Press Periodicals, 2018).

Ora, mas aqueles com acesso ilimitado às plataformas não deveriam se sentir menos solitários? É verdade que pessoas
que se sentem socialmente isoladas recorrem mais às redes sociais; paradoxalmente, porém, a utilização cada vez
mais ostensiva dessas mídias as distancia ainda mais do mundo real.

Somos criaturas sociais, porém a vida contemporânea tende a nos isolar ao invés de nos unir. A internet e as redes
sociais de fato nos conectam instantaneamente com os outros, mas também tornam nossos relacionamentos cada vez
mais superficiais e imediatistas, alimentando sensações de desconfiança, abandono e traição. “Por que ele está
demorando tanto para responder? Será que está chateado comigo? O que fiz de errado?”, ou “Ah, fulana ainda não
respondeu minha mensagem, mas já postou uma porção de stories em uma festa para a qual não fui convidado” são
alguns exemplos de pensamentos frequentes.
Outros comportamentos típicos desse “imediatismo virtual” são a ansiedade para postar uma foto e o desejo de sair
apenas ou principalmente para conseguir novas fotos para mais postagens. Quando a vida pessoal, afetiva, social e
profissional gira em torno de likes, estamos diante de um vício: a nomofobia, ou o medo de ficar desconectado ou não
poder usar mais o aparelho. E, como já dizia o humorista Millôr Fernandes, fobia é medo com PhD.

Para saber mais:

O excesso de consumo digital pelas novas gerações é alarmante e começa cada vez mais cedo: a partir dos 2 anos,
as crianças dos países ocidentais acumulam diariamente quase 50 minutos diante da tela. Entre 2 e 8 anos, esse tempo
é de 2h45min. Entre 8 e 12 anos, os jovens passam cerca de 4h45min diante dela e, entre 13 e 18 anos, eles chegam
perto de 7h15min (Desmurget, 2021).

Enquanto muitos aplaudem os chamados digital natives (“nativos digitais”), cada vez mais especialistas denunciam os
profundos danos ao desenvolvimento psicológico e cognitivo causados pelo vício nos dispositivos. Dirigentes ilustres
dessa indústria, como Bill Gates e Steve Jobs, já expressaram publicamente preocupação em proteger sua prole das
ferramentas digitais e redes sociais que eles próprios comercializam. A moral da história é: deem telas aos seus filhos,
os fabricantes de telas continuarão dando livros aos deles.

Quando substituímos a leitura tradicional, com seus enredos com argumentos, começo, meio e fim, pela simplicidade
de stories e tuítes, nossa mente é condicionada a se comunicar por meio de fragmentos e brevidades. É como se
nosso cérebro se tornasse sedentário, sem fôlego nem paciência suficientes para ler além de 280 caracteres.

A neurociência aponta o maior responsável por esse e outros vícios: a dopamina, um neurotrasmissor envolvido com
a memória, a regulação do sono, a motivação e o sistema de recompensa.

Sistema de recompensa é o circuito mental ativado toda vez que você escapa de algum perigo, come, faz sexo ou
sobrevive a um susto. Nesses momentos, o cérebro te premia liberando altas doses de dopamina, que geram uma forte
sensação de bem-estar. É como se ele dissesse: “Excelente, parabéns! Vou te lembrar com frequência dessa ação para
que você a repita logo!”.

Esportes radicais, alimentos altamente calóricos, mídias sociais, cigarro, drogas... Tudo que nos proporciona muito
prazer induz liberação de dopamina, um círculo vicioso que deixa sempre aquela sensação de “quero mais”. O cérebro
humano, porém, busca equilibrar a liberação de dopamina e outros neurotransmissores – eles são reabsorvidos pelo
próprio neurônio que os liberou e, desse modo, a massa cinzenta consegue controlar melhor a cadeia de células
nervosas.

Quando esse equilíbrio é quebrado, no entanto, instala-se o vício. Um neurotransmissor não retorna para onde deveria
ou é liberado numa proporção muito superior à usual – eventos que podem ocorrer inclusive devido a uma predisposição
genética.

Todos os vícios, sejam em heroína ou TikTok, são fisiologicamente parecidos, ou seja, se concentram na mesma zona
cerebral e se baseiam em uma dependência bioquímica. Nas redes sociais, nos sentimos bem por fazer parte de um
grupo, especialmente se ele é formado por usuários com pensamentos similares aos nossos. Quando nossos posts
recebem um monte de visualizações e likes, nosso cérebro acredita que essa ação é digna de recompensa, e tome
dopamina!

A internet obviamente é útil em diversas situações, porém é essencial ser capaz de ressignificar essa experiência,
tornando as plataformas digitais ajudantes, e não protagonistas da nossa vida. Não se trata aqui de crucificar os novos
formatos de interação humana, mas sim de alcançar uma frequência expositiva adequada e um equilíbrio saudável.

O imediatismo, de certa forma, é um mecanismo patego que nosso cérebro elaborou para lidar com as toneladas
de dados e interações que recebe todos os dias.

Quem tem 30 anos de idade ou mais, porém, sabe o quanto valorizávamos as 12, 24 ou 36 poses dos antigos filmes
fotográficos. Naquela época, tirar uma foto exigia planejamento, cooperação e capricho. A tecnologia contemporânea
que nos permite tirar centenas de fotos de alta resolução por minuto é certamente maravilhosa, mas tanta facilidade
pode nos privar dos prazeres mais sutis da vida, se não ficarmos atentos.

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