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4 A Memoria Emocional Ancorada No Corpo

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

VOLPI, José Henrique. A memória emocional ancorada no corpo. In: VOLPI, José
Henrique; VOLPI, Sandra Mara (Org). Curso de Extensão O corpo revela os traços
de caráter. Curitiba: Centro Reichiano, 2021.

A MEMÓRIA EMOCIONAL ANCORADA NO CORPO

José Henrique Volpi

RESUMO

Ainda enquanto psicanalista Reich descobriu que o corpo contém a história de cada indivíduo e
é por meio dele que devemos buscar resgatar as emoções mais profundas. Reich passou a
observar não apenas o caráter do paciente, demonstrado por meio de gestos, postura, tom de
voz, etc, como também sua postura corporal, podendo "ler" o caráter do paciente inscrito no
corpo, nas tensões, nas couraças. Por meio da manipulação direta das couraças (tensões
corporais), conseguiu alcançar memórias "aprisionadas" nas couraças de forma a liberá-las,
mobilizando juntamente a energia retida na musculatura. O corpo sente, aprende, se disciplina,
se condiciona e toda vez que isso acontece, as células do cérebro sofrem uma alteração e
essa alteração irá refletir em nosso comportamento. Portanto, é a manipulação dessas
couraças como forma de atingir os bloqueios emocionais inconscientes que a vegetoterapia se
propõe.

Palavras-chave: Couraças. Reich. Vegetoterapia.

Mente e corpo são permeáveis às impressões físicas, cognitivas e psicológicas e


interagem entre si. A mente agrupa as informações intelectuais e “mesmo em suas
manifestações mais abstratas, não é separada do corpo, mas sim nascida dele e moldada por
ele” (CAPRA, p. 79). O corpo, por sua vez, contém a história de uma pessoa de forma que
mudanças na personalidade e no caráter, são condicionadas pelas mudanças nas funções
corporais.
No século XVIII, houve a época do dualismo professado por Descartes que impetrava
que as funções mentais eram separadas do corpo e tidas como entidades isoladas,
influenciando uma à outra, sem estarem diretamente relacionadas. Essa idéia acabou sendo
substituída pela afirmação de que o corpo é o receptáculo das experiências físicas e
emocionais vividas pela criança durante as etapas do desenvolvimento psico-afetivo que
atravessa, que vão sendo moldadas em seu corpo, desde a gestação até a adolescência
(VOLPI & VOLPI, 2002). Daí, a explicação para as diferentes posturas corporais e distintos
comportamentos encontrados nas pessoas, onde cada um possui uma forma muito particular
de ser e de agir, definida por Reich (1995) de caráter.
Mesmo que Freud (1976) tenha afirmado que o ego é “antes de tudo e principalmente
um ego corporal” (p. 98), afastou-se dos estudos do corpo e enveredou-se para o estudo da
mente e seus conflitos psíquicos. Não obstante, essa primeiras idéias induziu inquietos

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pesquisadores da época a buscarem a compreensão dos conflitos psíquicos relacionados ao


corpo e das interferências deste sobre a mente. Dentre esses pesquisadores, destaca-se
Wilhelm Reich, um impiedoso adversário do dualismo cartesiano.
O corpo sente, aprende, se disciplina, se condiciona e toda vez que isso acontece, as
células do cérebro sofrem uma alteração e essa alteração irá refletir em nosso comportamento.
A prática enquanto psicanalista, levou Reich (1995) a perceber que o corpo retinha todos os
conflitos emocionais e possuía uma linguagem própria, comunicada através de gestos, postura,
tom de voz, movimentos, vestimentas, etc, negligenciada pela psicanálise. Optou, então, por
acreditar mais no que via do que no que ouvia e passou a ler no corpo de seus pacientes as
angústias, ansiedades, medos, desejos e repressões, encontrando a chave para a
compreensão dos mecanismos psíquicos e das defesas com a qual a psicanálise ortodoxa se
debatia. Na época em questão, a psicanálise estava em busca da solução do problema das
resistências, porque era grande o número de pacientes que não conseguiam seguir com a
regra básica psicanalítica da livre associação, sendo, então, considerados resistentes ao
tratamento e, portanto, impossíveis de serem analisados. Reich concluiu que essa resistência
estava diretamente ligada ao caráter. Mas como a incursão do corpo dentro do processo
psicanalítico não era permitida, Reich abandonou a psicanálise, deixando de lado o método
tradicional de analisar apenas o sintoma isolado e passou a usar seu próprio método que
chamou de técnica da analise do caráter, obtendo assim, resultados mais rápidos, profundos e
eficazes.
O conceito de caráter é muito antigo e pode ser definido como “a expressão do
funcionamento do indivíduo tanto no âmbito psíquico quanto no somático” (Lowen, 1977, p.
118). A teoria analítica do caráter havia demonstrado clinicamente que a formação do caráter
nada mais era do que o produto do choque entre os impulsos naturais da criança e as
frustrações impostas a ela por uma educação moralista e repressora. A análise do caráter
revelava que essas atitudes demonstradas pela pessoa, como gestos, posturas, tom de voz,
etc, haviam se formado durante as etapas do desenvolvimento. Portanto, é o bloqueio na etapa
do desenvolvimento que define o tipo de caráter de uma pessoa.
As etapas do desenvolvimento emocional representam momentos de passagem que
induzem à incorporação de experiências vividas pela criança. Cada uma dessas etapas é
caracterizada por fenômenos específicos que desde o início trazem consigo, na bagagem
genética da célula, valores biofisiológicos, emocionais-afetivos e intelectivos, que serão
transmitidos para todas as demais células do corpo durante todo o processo de

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desenvolvimento. Ao se completarem as etapas do desenvolvimento emocional, na


adolescência, o que sucede é o estabelecimento definitivo do caráter que é a forma do
indivíduo agir e reagir perante todas as situações que o mundo lhe impõe. (VOLPI & VOLPI,
2002).
Se a criança passar por todas as etapas sem sofrer comprometimentos entre seus
impulsos naturais e as frustrações impostas a ela por uma educação moralista e repressiva,
será capaz de chegar ao que Reich (1995) denominou de caráter genital, auto-regulado, sem
bloqueios. No entanto, se os impulsos dessa criança forem frustrados, reprimidos de forma
severa, sua energia permanecerá fixada, propiciando o aparecimento de um caráter neurótico,
que irá se defender, agindo e reagindo de forma peculiar, em conformidade com a etapa em
que o bloqueio ocorreu.
O trabalho sistemático de Reich (1995) com a análise do caráter levou-o a perceber que
o conflito psíquico possui um equivalente somático, uma couraça muscular, ou seja, o ser
humano é afetado por seu corpo, mesmo quando os problemas pertencem à esfera do
psíquico. O caráter de uma pessoa, tal como se manifesta em seu padrão típico de
comportamento, também se revela a nível somático nas formas e nos movimentos do corpo
(LOWEN, 1977).
As defesas do caráter funcionam como uma forma estratégica de sobrevivência e
ocultam um falso self (eu), que foi ameaçado na infância. Portanto, a singularidade de uma
pessoa está fundamentada em seu físico e corporificada em seus tecidos, refletida na
qualidade do tônus muscular, expressões faciais, ritmo respiratório e organização dos
estímulos que recebe do mundo externo, modificando seu corpo a partir das demandas do
meio, uma condição imposta pela couraça muscular.
O tônus muscular de uma pessoa pode estar desequilibrado em dois sentidos:
hipotonus (flacidez, fraqueza, falta de carga energética), ou hipertônus (sobrecarga, tensão,
contração). A couraça está relacionada à disposição dos líquidos dos tecidos e a eficácia do
bombeamento de sangue, o que por sua vez provoca um distúrbio na distribuição dos fluidos
corporais e, conseqüentemente, a tendência às doenças (BOADELLA, 1986). Experimentos
fisiológicos revelaram que o músculo é capaz de fixar e metabolizar lentamente uma carga
emocional ou catabolizá-la instantaneamente. Caso ocorra a fixação, haverá uma hipertonia,
uma couraça; se a metabolização for rápida, haverá um movimento.
O processo de encouraçamento se desenvolve como uma tradução somática da
repressão. Segundo Reich (1986), todo neurótico é muscularmente distônico e cada tipo de

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caráter possui traços musculares diferentes, o que nos dá diferentes posturas corporais.
Apesar de Reich (1995) referir-se ao corpo como sendo moldado de acordo com as
experiências vividas, foi Alexander Lowen (1977) quem aprofundou essa relação mostrando ser
possível ler no corpo o caráter de uma pessoa. Nosso corpo registra todos os acontecimentos
vividos durante a nossa vida, principalmente aqueles ocorridos na primeira infância, quando as
formas que encontramos para nos defender ainda são precárias. Esses acontecimentos muitas
vezes deixam no corpo marcas profundas e irreversíveis.“A imagem egóica molda o corpo por
meio do controle exercido pelo ego, sobre os músculos voluntários” (LOWEN, 1982, p. 125). O
cérebro detecta uma ameaça, mas as alterações também se registram no corpo (DAMÁSIO,
1996). Diz Capra (2002) que “toda a estrutura do organismo participa do processo cognitivo,
quer o organismo tenha um cérebro e um sistema nervoso superior, quer não” (p. 53). E
completa:
Os estudos recentes empreendidos no novo campo da `lingüística cognitiva´
nos fornecem fortes indícios de que a raça humana, ao contrário da crença de
boa parte dos filósofos ocidentais, não transcende o corpo, mas é
fundamentalmente determinada e formada por nossa natureza física e nossas
experiências corpóreas (CAPRA, 2002, p. 74).

Toda a contração consciente e voluntária demanda um investimento energético que não


pode ser mantido por muito tempo e, se por algum motivo for necessário inibir os sentimentos
visto que exprimi-los é algo inaceitável pelo mundo externo, o ego abandona o controle da
situação sobre o ato proibido e retira a energia do impulso fazendo com que a pessoa não sinta
mais o desejo inibido, mas o impulso suprimido permanece adormecido, ancorado no corpo,
em um ponto em que não venha a incomodar a consciência. Entretanto, numa extrema
condição de tensão ou provocação, o impulso pode novamente tornar-se ativo irrompendo o
bloqueio. “Todas as tensões musculares bloqueiam a busca direta da pessoa em direção do
prazer existente fora de si” (LOWEN, 1982, p. 127). Estas manobras do ego para evitar que os
impulsos proibidos sejam satisfeitos ou que conflitos emocionais inconscientes tornem-se
conscientes, formam a chamada couraça muscular, cuja função é impedir o impulso de atingir
sua satisfação e proteger o caráter do indivíduo (REICH, 1995).
A compreensão da couraça muscular fez com que Reich (1995) propusesse um
mapeamento do corpo em sete níveis ou segmentos de couraça, que contém a história de cada
pessoa e estão ligados entre si e articulados funcionalmente como anéis de um organismo
primitivo segmentado: ocular, oral, cervical, torácico, diafragmático, abdominal e pélvico.

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Encontram-se dispostos de forma horizontal e perpendiculares à coluna vertebral e englobam


órgãos, vísceras e anexos.
O primeiro segmento, ocular, diz respeito à toda região que engloba os olhos, ouvido,
nariz e para o qual também incluímos a pele e o sistema nervoso. É o segmento ligado ao
medo e ao contato. Aí a expressão de olhos arregalados ou as alergias como, por exemplo, a
urticária, quando estamos temerosos ou assustados por algum motivo.
O segundo segmento, oral, diz respeito à toda região da boca. É onde encontramos a
raiva, característica do bruxismo.
O terceiro segmento, cervical, encontra-se na região do pescoço, é onde se localiza a
arrogância e o controle e por isso, pessoas narcisistas ou controladoras apresentam um
bloqueio nessa região e como manifestação somática encontramos, por exemplo, o torcicolo.
O quarto segmento, peitoral, engloba órgãos vitais como pulmão e coração. É a região
do afeto e é onde se localizam as emoções do amor e do ódio que quando entram em conflito,
trazem a angústia que por sua vez contribui para a manifestação dos problemas cardíacos e
pulmonares.
O quinto segmento, diafragmático, engloba vários órgãos e vísceras como fígado e
vesícula, pâncreas, baço, estômago, rins, plexo solar. É onde encontramos a ansiedade, típica
de pessoas agitadas, trazendo como manifestações somáticas a gastrite, úlcera, problemas
renais, etc.
O sexto segmento, abdominal, engloba o intestino delgado e grosso, região onde
encontramos a impulsividade e como manifestação somática os problemas intestinais.
O sétimo e último segmento, a pelve, é a região do prazer, cujo bloqueio responde pela
impotência, frigidez, vaginismo, etc.
A couraça pode se manifestar em forma de uma contração muscular ou de uma
perturbação energética em um desses anéis que por sua vez, irá alterar o funcionamento do
organismo em sua totalidade ocasionando perturbações funcionais de ordem física e/ou
psíquica.
No decorrer de toda a nossa vida, nosso corpo armazena sensações que estão ligadas
a sentimentos e vivências afetivas, de cunho positivo e negativo. Algumas dessas sensações
irão desaparecer com o passar dos tempos; outras, irão se sedimentar, deixando uma
impressão gravada em nosso corpo e em nossa mente, de forma consciente ou inconsciente.
Essa memória irá reagir frente a ações e impactos sofridos no dia a dia, principalmente ao
estresse e por conseqüência, irá despertar em forma de sensações e/ou lembranças, ou, o que

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é comum acontecer, em forma de doença. Portanto, constantemente somos confrontados com


dois caminhos: ouvir nosso corpo e deixá-lo falar em seus desejos e expressar suas angústias
ou submetê-lo aos estresses físicos e psicológicos diários que a vida nos traz, formando assim
as couraças.
O corpo não esquece. Tudo o que foi vivido durante a infância, através de sensações,
permanece registrado. A somatização é uma forma de comunicação desses registros
ancorados no corpo.

REFERÊNCIAS

BOADELLA, D. Biosynthesis. In Energy & Character. Schweiz: International Journal of


Biosynthesis, vol. 17/2, 1986.
CAPRA, F. As conexões ocultas. Ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Cultrix,
2002.
CAPRA, F. As conexões ocultas. Ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Cultrix,
2002.
DAMÁSIO, Antonio. O erro de Descartes: emoção, razão e cérebro humano. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996
FREUD, S. Caráter e erotismo anal. In Obras completas psicológicas de Sigmund Freud.
Edição Standard. Rio de Janeiro: Imago, vol. IX, 1976.
LOWEN, A. O corpo em terapia. São Paulo: Summus, 1977 .
REICH, W. Análise do Caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
VOLPI, J. H. & VOLPI, S. M. Crescer é uma aventura! Desenvolvimento emocional segundo a
psicologia corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2002.

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