Leila de Andrade
Leila de Andrade
Leila de Andrade
LEILA DE ANDRADE
ETNOMATEMÁTICA
A MATEMÁTICA NA CULTURA INDÍGENA
FLORIANÓPOLIS - SC
Novembro de 2008
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LEILA DE ANDRADE
ETNOMATEMÁTICA
A MATEMÁTICA NA CULTURA INDÍGENA
FLORIANÓPOLIS/SC
Novembro de 2008
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AGRADECIMENTOS
Aos meus pais Valdeci Cândido de Andrade e Maria Hang de Andrade pela
minha vida, pela educação que me deram e por todo amor que têm por mim. Amo
muito vocês.
enriqueceram este trabalho, pelo seu carinho e sua paciência na realização deste
trabalho.
Cláudia Regina Flores, por terem aceito o convite para participar da banca.
Universidade.
Aos meus tios Alício e Josiane, por terem me dado moradia durante grande
Muito obrigada!
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RESUMO
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 08
2. ETNOMATEMÁTICA E EDUCAÇÃO................................................................. 09
2.1. A Definição................................................................................................... 09
2.2. Exemplos de Etnomatemática..................................................................... 14
2.3. O Programa Etnomatemática....................................................................... 15
2.4. Ensino atual da Matemática e Cidadania 19
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 42
6. BIBLIOGRAFIA.................................................................................................. 44
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1. INTRODUÇÂO
2. ETNOMATEMÁTICA E EDUCAÇÃO
2.1. A Definição
Cada etnia (grupo de pessoas de mesma cultura, mesma língua, etc.) possui
um modo particular de desenvolver sua ciência, cada etnia possui então sua ciência
própria, ou seja, os índios na Amazônia possuem uma ciência, o povo Maia possuía
a sua ciência e cada etnia deste planeta também possui a sua ciência própria.
Para que possamos entender melhor cada ciência desenvolvida por uma
determinada etnia existe a Etnociência, que tem por objetivo estudar e entender
melhor as diferentes ciências desenvolvidas.
Através dos estudos da Etnociência sabemos que, além de cada etnia
desenvolver a sua ciência própria, ou seu conhecimento próprio, cada etnia também
desenvolve uma maneira própria de representar este conhecimento, como, por
exemplo, através de pintura, de artesanato, de inscrições em árvores. Cada etnia
desenvolve, também, seu conhecimento Matemático, esse conhecimento é
apresentado de diferentes formas. Esta apresentação está relacionada ao tipo de
apropriação que cada etnia faz deste conhecimento, depende de como cada etnia
utiliza este conhecimento. E sendo que existem vários tipos de apropriações do
conhecimento matemático, existem então várias maneiras de se apresentar esse
conhecimento.
Sobre estas diferentes apresentações do conhecimento matemático,
podemos citar três exemplos:
Homens Mulheres
3. Os portugueses colonizadores no século XVI se depararam com muitos
conhecimentos matemáticos desenvolvidos pelos povos que moravam as
margens do rio Tiete, este conhecimento estava muito presente na
construção de canoas utilizadas para subirem ou descerem o rio. Esses
povos não tinham nenhum tipo de linguagem escrita desenvolvida, porém
possuíam um conhecimento matemático desenvolvido.
acadêmica, utilizando, quando se defrontar com situações reais, aquele que lhe
parecer mais adequado.
Knijnik entende que a matemática precisa ser compreendida como um tipo de
conhecimento cultural que todas as culturas geram, assim como geram linguagem,
crenças, rituais e técnicas específicas de produção.
D`Ambrósio (2002), acredita que a Etnomatemática possui várias dimensões
que na maioria das vezes estão interligadas, e para efeito didático as classifica deste
modo: dimensão conceitual, dimensão histórica, dimensão cognitiva, dimensão
epistemológica, dimensão política e dimensão educacional.
Sebastiani Ferreira tem se dedicado ao estudo da etnomatemática como uma
proposta metodológica, criando até mesmo uma proposta de ação pedagógica
impulsionada pela pesquisa etnomatemática, seguida da utilização da modelagem
matemática para alcançar os objetivos educacionais no grupo pesquisado.
Powell e Frankenstein (1997) sugerem que a Etnomatemática emerge de
discursos sobre Matemática, Educação, Cultura, Política e da relação entre eles.
Alan Bishop, em 1988, no seu livro “Mathematical Enculturation”, aconselha
uma certa prudência no falar deste conceito, já que ainda não há uma teoria.
E hoje, este conselho ainda vale já que estas discussões ainda continuam, e
a busca de uma epistemologia para a Etnomatemática ainda é tema de muitos
estudos.
A aventura da espécie humana é identificada com a aquisição de estilos de
comportamentos e de conhecimentos para sobreviver e transcender nos distintos
ambientes que ela ocupa, isto é, na aquisição de modos, estilos, artes, técnicas
(tica) de explicar, aprender, conhecer, lidar com (matema) o ambiente natural, social,
cultural e imaginário (etno). (D`Ambrósio, 2002).
Parafraseando D`Ambrósio (2002), a Etnomatemática privilegia o raciocínio
qualitativo. Um enfoque da Etnomatemática sempre está ligado a uma questão
maior, de natureza ambiental ou de produção de conhecimentos, e esta raramente
se apresenta desvinculada de outras manifestações culturais, tais como arte e
religião. A Etnomatemática se enquadra perfeitamente numa concepção multicultural
e holística, uma visão de sistemas emergentes de vida, de mente, de consciência e
de evolução.
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Mais atual ainda são os meios pelos quais as crianças de periferia, mesmo
com um conhecimento matemático limitado, constroem campinhos de futebol nas
mesmas dimensões de campos oficiais. Pedreiros utilizam-se de artifícios
matemáticos como o triângulo egípcio (3, 4, 5) ou seus múltiplos para garantir os
esquadros das paredes das casas que constroem.
No congresso internacional de etnomatemática ocorrido no ano de 2002, na
cidade de Ouro Preto, em seu depoimento, um índio chamado Ronaldo demonstrou
através de um exemplo bem simples como deve ser o ensino da matemática dirigido
às comunidades indígenas:
Perante um testemunho como este acima, devemos parar e refletir por alguns
momentos sobre a matemática que aprendemos e multiplicamos hoje. Esta
matemática ela nos é imposta pelos povos que a criaram como pré-requisito para
sobrevivência e sinônimo de desenvolvimento, mas será que não existe em nosso
país etnomatemáticas sendo utilizadas de maneira que produzem resultados
extremamente práticos e efetivos? Será que é certo, nós repreendermos uma
criança por um conhecimento etno que ela traz já de sua casa? Pergunto qual de
nós seria capaz de ensinar uma criança de 5 anos que nunca teve nenhum contato
com matemática a simples tarefa de contar. Difícil, não? Por isso é que os
educadores, enquanto tal, devem perceber estas etnos e fazer delas um
aprendizado a mais e valorizar este conhecimento para a criança.
casa. Para que isso ocorra, eles precisam associar em sua prática, o cotidiano dos
alunos, com os conteúdos a serem estudados. Portanto, os professores devem ser
pesquisadores e ter um trabalho voltado à formação do aluno e não a aula como
muitos acreditam.
O objetivo da Etnomatemática é o da valorização das várias matemáticas,
fazendo com que o aluno desenvolva um olhar crítico sobre a matemática. Para isso
o professor deve extrapolar significativamente a fronteira de sua disciplina e fazer
conexões e as inter-relações entre os diferentes temas matemáticos. A
Etnomatemática procura mostrar a possibilidade de valorizar o conhecimento do
aluno, sua cultura, para uma matemática significativa e crítica. Propõe uma
pedagogia viva, dinâmica, de fazer o novo em resposta a necessidades ambientais,
sociais e culturais, dando espaço assim, para a imaginação e para a criatividade.
A Etnomatemática, então, propõe esse outro modo de ver o mundo, vem nos
propor essa difícil missão de ver, aceitar e entender outros conhecimentos
matemáticos que não sejam característicos de nosso meio social, de nossa cultura.
Os educadores matemáticos adeptos a esses ideais, acreditam ser
fundamental essa mudança nas nossas concepções de Matemática. Eles acreditam
ser preciso entender que a matemática é muito grande e não é única. É preciso
compreender que em culturas diferentes a matemática se apresenta de formas
diferentes, e principalmente, é preciso respeitar esses diferentes modos de conceber
a Matemática. D‟Ambrósio expressa bem esse pensamento: “Não reconhecer que
um menino índio tem outra maneira de explicar, outra maneira de ordenar suas
percepções, é negar a riqueza da espécie humana”.
Para isso é necessário que as pessoas mudem o seu modo de ver a
matemática, ou talvez, é necessário que as pessoas “ampliem” o seu modo de ver a
matemática, que percebam e entendam esse aspecto cultural dessa ciência.
A proposta pedagógica da etnomatemática solicita dos agentes envolvidos no
processo educacional, em especial dos professores, um envolvimento político
pedagógico que lhes permita analisar o processo pedagógico com base em um
discurso crítico e fundamentado prática e teoricamente, possibilitando espaços de
reflexão para que os agentes envolvidos no processo educacional possam se
apropriar de maneira crítica e relativa dos discursos que fundamentam tal proposta.
O Estado necessita conscientizar-se de que não bastam cursos de 20 ou 30
horas que ofereçam apenas dicas de condução do processo pedagógico, mas sim
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Existem hoje no Brasil cerca de 200 sociedades indígenas diferentes, falando em torno
de 180 línguas e dialetos e habitando centenas de aldeias situadas em diferentes estados
da Federação. Remanescentes de um grande contingente populacional, cujas estimativas
históricas indicam estar em torno de 6 milhões de indivíduos quando da chegada dos
europeus no século XVII, as sociedades indígenas são portadoras de tradições culturais
especificas e vivenciaram processos históricos distintos. Cada um desses povos é único,
têm uma identidade própria, específica, fundada na própria língua, no território habitado e
explorado, nas crenças, costumes, histórias, organização social.
Por outro lado, as sociedades indígenas compartilham um conjunto de elementos básicos
que são comuns a todas elas e que as diferenciam da sociedade não-indígena. Assim, os
povos indígenas têm formas próprias de ocupações de suas terras e de exploração dos
recursos que nelas se encontram; têm formas próprias de vida comunitária, têm formas
de ensino e aprendizagem, baseadas na transmissão oral do saber coletivo e dos
saberes de cada indivíduo (MEC. 1993, P.1).
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Estas premissas nos levam a considerar que “as escolas indígenas, por
conseguinte, deverão ser específicas e diferenciadas, ou seja, as características de
cada escola, em cada comunidade, só poderão surgir de diálogo, do envolvimento e
do compromisso dos respectivos grupos, como agentes e co-autores de todo o
processo” (MEC,1993, P.11).
Surgem algumas perguntas quando falamos do trabalho em comunidades
indígenas: por que uma escola (de branco) numa aldeia indígena? É necessária uma
escola que vai ensinar em particular uma ciência desenvolvida pela sociedade
européia aos índios? Para responder essas inquietações, o caderno do MEC nos
traz o seguinte:
Para a autora, tais estratégias, comumente usadas pelas diferentes culturas, não
devem ser vistas como limitações ou carência de habilidades cognitivas, mas sim
como modalidades particulares ou coletivas de compreender o mundo.
Como indicam estas reflexões, a questão da educação indígena ainda se
mostra como um campo aberto para muitos estudos e pesquisas que possam
contribuir para a melhoria dos processos educativos indígenas, especialmente em
relação ao conhecimento matemático.
Acerca de que matemática o índio deve estudar, Borda & Costa (1996), fazem
uma reflexão sobre as várias formas de valores e de concepções de mundo,
resultado das diversas realidades que o homem enfrenta. Porém, mesmo quando o
homem se depara com situações e/ou problemas oriundos de uma mesma
realidade, estes são enfrentados de maneiras diferentes, resultando nas diferentes
culturas. Para os autores, o mesmo ocorre com a matemática, pois esta, sendo um
produto cultural, os vários grupos a interpretam de forma diferente, segundo suas
concepções de mundo.
Um ponto de reflexão que mereceu a atenção dos autores, refere-se à
distinção entre o trabalho intelectual e o trabalho manual. Segundo eles, para o índio
não há distinção entre o saber e o fazer, contrariamente ao que ocorre em nosso
meio, onde o trabalho manual e intelectual são pensados e vivenciados de maneiras
distintas. Para os autores, essa distinção é falsa e não se pode deixar de considerar
a eficácia e a adequação desses saberes, isto é:
Numa escola indígena, não se deve ensinar somente a matemática acadêmica; também
a matemática do saber-fazer deve ser contemplada. Não se trata, é claro, de estar na
escola do índio ensinando o que ele já sabe. Trata-se de considerar a escola como um
momento propício para a aproximação destes saberes. O saber matemático construído
no cotidiano indígena e o saber matemático acadêmico poderiam então ser pensados
como complementares, um não sendo visto como mais importante que o outro, ou um
estágio mais avançado que o outro. (Borba & Costa, 1996, p.89).
Aqui será dada atenção a uma pesquisa realizada por Diana Green, sobre
termos numéricos em mais de quarenta línguas indígenas do Brasil, o que é
suficiente para dar um panorama dos vários tipos de sistemas numéricos
encontrados nas mesmas.
Diana Green pesquisou durante doze anos a língua Palikúr (da família
lingüística Aruák), falada por um pequeno grupo do povo indígena que mora no
estado do Amapá no Brasil e ficou muito admirada com a riquíssima terminologia
numérica da língua. Os textos que colecionou estavam cheios de numerais, e cada
termo numérico apresentava mais de cem formas. Descobriu que as línguas
indígenas do Brasil apresentam uma variedade fascinante de sistemas numéricos.
Encontra-se nessas línguas sistemas numéricos de base um, dois, três, cinco, dez,
ou vinte, os quais demonstram diversos processos de raciocinar, alguns mais
holístico e outros mais analíticos.
Os termos numéricos também diferem muito quanto a sua precisão e a sua
flexão, principalmente na maneira com que eles se referem ao elemento que está
sendo contado. A língua Canela (da família lingüística Jê), por exemplo, não tem
termos numéricos específicos; limita-se a termos gerais tais como: „só‟, „um par‟,
„alguns‟ e „muitos‟ (Jack Popjes, c. p. 1983. Veja Popjes & Popjes, 1986). Mais
complexa é a língua Kadiwéu (família Guaikurú) que tem termos para numerais de 1
a 99 (Griffiths, 1975). Nesta língua existem dez formas do numeral 1, as quais
concordam em gênero com os substantivos a que se referem e também indicam a
sua posição referencial ou direcional (vertical, horizontal, sentado, saindo ou
chegando). Talvez o sistema mais complexo de todos seja o da língua Palikúr
(Green, 1994). Nesta língua muitos dos termos numéricos de 1 a 199 apresentam
afixos que caracterizam o substantivo ou o verbo a que o numeral se refere. Fixado
na raiz de todo termo numérico encontra-se um dos vinte classificadores, referentes,
em sua maior parte, ao formato ou agrupamento dos objetos que estão sendo
contados. Existem ainda outras flexões que qualificam o substantivo. Além disso,
é possível acrescentar nove sufixos distintos que se referem a conceitos aritméticos.
É por causa de tudo isso que existem tantas formas dos termos numéricos nesta
língua (Green; 1994).
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Com o intuito de mostrar como os termos numéricos são ligados aos sistemas
de contagem que têm por base um, dois, três, cinco, dez, e vinte, será descrito aqui
um pouco de cada um desses sistemas.
neste mundo tem dois lados, é lógico fazer cálculos tendo-se como referência as
duas metades que se fazem uma unidade inteira. Com este sistema, um homem
calculando o número de estacas para fazer a casa diz: “Vou cortar um par para a
parte da frente, e outro par para a parte de trás, mais outro par para o meio deles e
um par para sustentar o cume”. Para ele, não faria sentido pensar em oito estacas
individuais sem nenhuma relação entre elas; é claro que uma casa precisa ter
estacas nos dois lados, uma oposta à outra. Este sistema se manifesta
lingüisticamente, pelo menos de três maneiras diferentes: 1) pelo sentido literal dos
termos numéricos, 2) pela reduplicação dos numerais, ou 3) pelo uso só de duas
palavras em várias combinações, uma palavra par e a outra ímpar.
Na língua Xerénte (Jê), por exemplo, a palavra para o numeral 2, ponkwane,
significa „rastro de veado‟ devido ao fato do casco fendido do veado ser de duas
partes que estão sempre juntas (Rinaldo de Matos, c. p. 1987). Na língua Xavánte
(Jê) a palavra para 2, maparane, significa „como as patas da ema‟ porque a ema tem
um par de patas (Alec Harrison, c. p. 1990). O numeral 4 é maparane tsi’uiwana
„como as patas de um par de emas‟. O termo para o numeral 5 é imro tö, que
significa „sem o companheiro‟. O termo para o numeral 6 é imro pö „com o
companheiro‟. Os Xavánte começam a contar com o dedo mínimo terminando com o
numeral 5 no polegar que fica „só‟ (sem o companheiro). Os outros numerais na
língua são o numeral 1, mi-tsi „[um pedaço de] lenha-só‟, o numeral 3, tsi’ubdatõ
(que não tem outro significado além de „três‟), o numeral 10, danhiptomo bö „os
dedos da mão, todos‟, e o numeral 20, daparahi bö „os dedos do pé, todos‟ (McLeod
e Mitchell, 1977).
Outras línguas com termos referentes à idéia de uma outra metade ou
companheiro são as línguas Guaraní (Tupí-Guaraní; Dooley, 1982), Guajájara (Tupí-
Guaraní; Carl Harrison c. p. 1995), Tembé (Tupí-Guaraní; Lídia Corrêa c.p. 1996),
Asuriní do Trocará e do Xingú (Tupí-Guaraní; Nicholson, 1982), Parakanã (Tupí-
Guaraní; Gino Ferreira c. p. 1996), Kayabí (Tupí; Rose Dobson, c. p. 1995), Boróro
(Macro-Jê; Keith Barkman, c. p. 1995), e Kayapó (Jê; Isabel Murphy, c. p. 1994).
A língua do povo Akewere (auto-denominação dos Suruí do Pará; Tupí -
Guaraní) utiliza reduplicação. Os termos para os numerais ímpares são
reduplicações dos termos para os numerais pares. O numeral 2 é namucui; o
numeral 3 é namucui-mucui. O termo para o numeral 4 é tapisar; o numeral 5 é
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três. O povo pode contar até 9, que é `três três três‟. Nessa língua, todos os termos
numéricos acima de 2 começam com o numeral 3. Assim, em vez de pares, eles
utilizam conjuntos de três para fazer cálculos. Com este sistema, o homem
calculando o número de estacas para fazer a casa diz: “Vou cortar três estacas (para
um lado da casa) mais três (para o outro lado) mais duas”. Os numerais básicos são:
1, awenin (ou awini, awinini); 2, typytyna; e 3, takynyna, takynynapa. O numeral 4 é
typytypytyna (uma reduplicação de 2, semelhante aos sistemas de base dois acima
mencionados) ou takynynapa awenini (três mais um). O numeral 5 é takynynapa
typytyna (3+2); 6 é takynynapa takynynapa (3+3); 7 é takynynapa takynynapa
awenini (3+3+1); 8 é takynynapa takynynapa typytyna (3+3+2); e 9 é takynynapa
takynynapa takynynapa (3+3+3). Já que utiliza só três palavras em várias
combinações, os termos são ternários.
referentes a dezenas para formar todos os outros termos numéricos da língua, como
„trinta (três dezenas), trinta e um, trinta e dois‟. Outros sistemas decimais são
quaternários, isto é, só as palavras para 1 a 5 e 10 são distintas, e os numerais de 6
a 9 compõem-se dos mesmos termos utilizados de 1 a 4 acrescentados ao numeral
5. O dialeto Vainilla da língua Yágua (Peba-Yaguan), falada no Peru na fronteira
com Brasil, fornece um bom exemplo desse tipo de sistema decimal. Nesta língua os
numerais de 6 a 9 compõe-se dos mesmos termos utilizados de 1 a 4 com o
acréscimo do afixo - nijátaa „em cima de‟. O numeral 10 é vuyajúúy, 20 é anajúy
vuyajúúy (dois dez), 30 é mumuri vuyajúúy (três dez), etc. O termo para o numeral
999 significa „nove, em cima de nove-dez, em cima de nove-cem‟ (9+90+900)
(Payne, 1989; Powlison e Powlison, 1958).
Na língua Palikúr (Aruák), não são somente os termos para os numerais de 1
a 5 que são palavras distintas. Os termos para 6 e 7 também são. Estes termos são:
1, pahat, 2, pitana, 3, mpana, 4, paxnika, 5, pohowku, 6, pugunkuna, e 7,
ntewnenker. Os numerais 8 e 9 baseiam-se no numeral 7. O termo para o numeral 8
é ntewnenker akak pahat arawna, („sete acrescentado de um‟) e 9 é ntewnenker
akak pitana arawna, („sete acrescentado de dois‟). Em comum com os outros
sistemas, os termos para 5 e 10 referem-se às mãos. O termo para numeral 5, poho-
wku, significa „uma mão‟ e o termo para o numeral 10, madik -awku, significa „fim-
[das]-mãos‟. O numeral 20 é pina madikwa „duas dezenas‟, e o numeral 40 é paxnika
madikwa „quatro dezenas‟. A palavra „dezena‟ é madik-wa (fim [das] mãos). O termo
para o numeral 199 significa „dez dezenas, acrescentadas de sete dezenas,
acrescentadas de duas dezenas, acrescentadas de sete, acrescentadas de dois
(100+70+20+7+2).
amajkrut amajkrut ne ikjê kêt „par, par, par, ímpar‟ e o númeral 5 na língua Maxacali
(Macro-Jê) é 'øtix xi'tix xipxet „dois e dois e um‟.
Marshack (1974:266) sugere que seja provável que culturas não desenvolvam
sistemas que usem muitos números até que tenham muitos itens que precisem ser
contados. Isso não é completamente verdade, pois os grupos mencionados neste
artigo têm culturas materiais (casas, utensílios, enfeites, etc.) semelhantes e contam
o mesmo tipo de coisas. No entanto, uns têm sistemas com poucos números
enquanto outros têm sistemas com muitos números, ainda que o povo não utilize
com muita freqüência as possibilidades que existem.
Foi muito interessante o comentário de Costa de Souza (1994:2) sobre o povo
Arára. „Na contagem de objetos, a palavra torik „muito‟ é geralmente utilizada quando
o número é maior do que „cinco‟, principalmente ao referir-se à caça, pesca ou coleta
de frutos. Mas nem sempre é assim. Dependendo do interesse do indivíduo no
objeto, ele faz questão de uma contagem mais exata, como distribuição de tubos de
pólvora, lata de óleo, pilha, etc., todos os itens introduzidos pelo contato com a
sociedade majoritária.‟ Foi talvez por causa disso que recentemente durante uma
aula de matemática na aldeia, a numeração entre dez e quinze foi explicitada por
alguns Arára, usando os nomes de cada dedo da mão. Assim, o numeral 11 é
agomi,„dedo mínimo‟, 12 é ibo¿na agomi, „dedo anular‟, 13 é iroptaly „dedo médio‟, e
14 é iroptaly imy „dedo indicador‟. Esta tentativa de aumentar a quantidade de
numerais é reminiscente do tipo de numeração de alguns grupos da Nova Guiné
como os Kewa (Franklin, 1990) que ligam algumas quantidades7 às partes do corpo
como o punho, o ombro, o ouvido, etc.; que continua sendo um sistema global, só
que de um outro tipo.
Por outro lado, os termos numéricos de sistemas de base dez e vinte estão
ligados a um tipo de pensamento mais analítico e sintético, pois cada numeral
refere-se a uma quantidade exata e fixa que pode ser manipulada de várias
maneiras. Estes sistemas às vezes apresentam terminologia acima de cem. Os
números maiores nesses sistemas são formados não somente por meio de adição
de unidades (i.e. seis é „cinco mais um‟), mas também por meio de contagem de
conjuntos, ou seja, multiplicação (i.e. trinta é „três dezenas‟, ou „três vezes dez‟). As
grandes civilizações indígenas do México (Olmec, Mixtec, Aztec, Maya) utilizavam
um sistema de base 20. Os Incas do Peru (cujos descendentes são os Quechua)
utilizavam um sistema de base 10. Todos podiam contar em milhares. Talvez os
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
6. BIBLIOGRAFIA
FERREIRA, Mariana Kawall Leal. Com quantos paus se faz uma canoa! A
matemática na vida cotidiana e na experiência escolar indígena. Ministério da
Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental, Departamento de
Política Educacional, Assessoria de Educação Escolar Indígena. MEC-1994.