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Alto Xingu p3-38 Franchetto

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http://etnolinguistica.org/xingu

Alto Xingu
uma sociedade multilíngue

organizadora
Bruna Franchetto

Rio de Janeiro
Museu do Índio - Funai
2011
coordenação editorial, edição e diagramação
André Aranha
revisão
Bruna Franchetto
capa
Yan Molinos
imagem da capa
Desenho tradicional kuikuro

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Alto Xingu : uma sociedade multilíngue /


organizadora Bruna Franchetto. --
Rio de Janeiro : Museu do Indio - FUNAI, 2011.

Vários autores.
ISBN 978-85-85986-34-6

1. Etnologia 2. Povos indígenas - Alto Xingu


3. Sociolinguística I. Franchetto, Bruna.

11-02880 CDD-306.44

Índices para catálogo sistemático:


1. Línguas alto-xinguanas : Sociolinguística
306.44
edição digital disponível em

www.ppgasmuseu.etc.br/publicacoes/altoxingu.html

Museu do Índio - Funai

Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional


Universidade Federal do Rio de Janeiro
bruna franchetto

Evidências linguísticas para o entendimento


de uma sociedade multilíngue
o alto xingu

Bruna Franchetto
UFRJ, CNPq

Introdução
Este livro reúne a versão revisada e atualizada da maioria dos
trabalhos apresentados em workshop realizado de 17 a 22 de março
de 2008 no Museu Nacional-UFRJ, no Rio de Janeiro, contendo os
resultados do Projeto ‘Evidências linguísticas para o entendimento de uma
sociedade multilíngue: o Alto Xingu’ apresentado para o Edital Universal
2006 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico/CNPq.
Apresentamos aqui resultados não conclusivos, mas já suficientes
para lançar as bases de uma nova visão comparativa e global do sistema
nativo regional multilíngue e multiétnico conhecido como Alto Xingu1,
objeto privilegiado, há mais de um século, das atenções dos que procu-
raram entender a história indígena, antes e depois da Conquista.

1 
O Alto Xingu é uma área de transição entre a savana e a floresta densa amazônica, localizada ao
norte do altiplano central brasileiro e os limites meridionais da bacia amazônica. A região apre-
senta características ecológicas únicas.

3
evidências linguísticas para o entendimento de uma sociedade multilíngue

No sistema alto-xinguano convivem, ainda hoje, falantes de:


• a que nós chamamos de língua Karib alto-xinguana com as suas
duas variantes principais: Kuikuro e Uagihütü, de um lado, Kalapalo e
Nahukwa/Jagamü/Matipu, do outro;
• Wauja e Mehinaku, variantes de uma mesma língua Arawak;
• Yawalapiti, outra língua Arawak;
• Kamayurá, uma língua tipicamente Tupi-Guarani;
• Aweti, língua às margens da família Tupi-Guarani;
• Trumai, língua isolada.
Estamos diante de um sistema regional histórica e etnografica-
mente complexo, com tradições de origem distinta, línguas genetica-
mente distintas e variantes internas a cada língua, um amálgama que
articula semelhanças e diversidade, com processos de tradução nas di-
ferentes línguas de conceitos e ‘objetos’ compartilhados.
Os resultados obtidos graças ao projeto CNPq são também indi-
cativos das direções que a pesquisa deverá seguir. Trata-se de dar impul-
so ao trabalho comparativo entre as línguas do Alto Xingu, um sistema
nativo ainda vigoroso para o qual são vitais a convivência de línguas
distintas e o compartilhamento de uma mesma cultura. O Alto Xingu
nos coloca, ainda, questões instigantes, sobretudo quando procuramos
compreender a sua formação histórica e a confluência de distintas lín-
guas e tradições. Para este fim, é necessário abrir o empreendimento
para a colaboração efetiva dos outros pesquisadores que se dedicam ao
estudo dessas línguas, sobretudo das mais cruciais para o entendimento
do sistema alto-xinguano em diversas escalas temporais e espaciais.
Este projeto mobilizou um trabalho coletivo e solidário entre
linguistas investigadores de um caso exemplar da história indígena das
terras baixas da América do sul, com abertura interdisciplinar e experi-
mentação de metodologias ainda novas no contexto brasileiro.

1. A questão
Os primeiros resultados da pesquisa interdisciplinar entre os Kuikuro
do Alto Xingu, integrando linguística, etnologia e arqueologia come-
çam a clarear o processo pelo qual povos falantes de línguas perten-

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bruna franchetto

centes aos três maiores agrupamentos linguísticos da América do Sul


(Arawak, Karib e Tupi) e de uma língua isolada (Trumai) chegaram a
criar um sistema social único e vivo até hoje: o complexo sociocultu-
ral do Alto Xingu (Mato Grosso, periferia da Amazônia meridional). A
pergunta fundamental que nós nos colocamos é: como surgiu este sis-
tema, num longo período que se estende de século IX D.C. até o pre-
sente e formado por povos de culturas e línguas distintas? Tendo como
pano de fundo esta pergunta, outra se impõe e nos interessa mais de
perto: qual tem sido o papel da(s) língua(s) e do multilinguismo nesse
processo, que resultou em uma sociedade onde a diversidade linguística
tem sido uma das principais condições de sua reprodução? Começa-
mos a responder a estas perguntas no artigo ‘Language, ritual and histo-
rical reconstruction: towards a linguistic, ethnographical and archaeological account
of Upper Xingu Society’ (Fausto et al, 2008), onde foram articuladas dife-
rentes escalas temporais e diferentes abordagens, focando a vida ritual,
bem como a linguagem e a(s) língua(s) a ela associadas, como porta de
entrada para a exploração das conexões que delinearam o sistema alto-
xinguano no tempo e no espaço.

2. A perspectiva arqueológica


O que diz a pesquisa arqueológica realizada de 1993 até agora por
Michael Heckenberger no território dos Kuikuro, um dos grupos karib
alto-xinguanos? No último capítulo deste livro, Heckenberger nos ofe-
rece um balanço atual de seu caminho investigativo e de suas descober-
tas. Este texto introdutivo contém apenas os preâmbulos necessários
para uma sua leitura mais fundamentada.
A primeira evidência de ocupação data do século IX D.C. A co-
lonização inicial foi marcada por aldeias circulares e uma indústria ce-
râmica comparável àquela produzida hoje pelos povos arawak do Alto
Xingu, o que leva à hipótese de que os primeiros colonizadores devem
ter sido arawak (Heckenberger, 2005). A família linguística Arawak é a
mais amplamente dispersa, geograficamente, na América do Sul, se es-
tendendo das ilhas caribes, ao norte, até a periferia meridional da Ama-
zônia, ao sul. Parece altamente provável que os primeiros colonizadores

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evidências linguísticas para o entendimento de uma sociedade multilíngue

do Alto Xingu foram povos arawak que migraram para o norte e para o
sul a partir da Amazônia central (cerca de 3000 anos atrás), para então
chegar à Amazônia meridional e se dispersar num eixo leste-oeste, das
planícies da Bolívia ao Alto Xingu. Os povos arawak, conhecidos histo-
ricamente e etnograficamente, além de pertencerem a uma mesma fa-
mília linguística, apresentam elementos culturais recorrentes (Schmidt,
1917; Heckenberger 2002): hierarquia, espaços político-rituais defini-
dos, participação em sistemas regionais pluriétnicos e multilíngues, re-
des extensas de troca, sedentarismo e práticas agrícolas elaboradas.
Esta hipótese supõe que haja uma associação estreita entre um de-
terminado agrupamento (genético) línguístico e um ‘tipo cultural’, assim
como uma gramática cultural perpetuada através de séculos. Tal hipóte-
se demanda, contudo, uma boa dose de precaução analítica e necessita
ser avaliada a partir de novos dados e de uma investigação interdiscipli-
nar aprofundada. Seja como for, a população alto-xinguana colonizadora
chegou à região com uma gramática cultural estabelecida: aldeias circu-
lares com a sua ‘praça’, seu centro político-ritual. Ela cresceu até mea-
dos do século XIII e, por volta de 1250, tinha alcançado proporções im-
pressionantes superando de muito os limites habitualmente atribuídos às
sociedades indígenas das terras baixas. O período de ‘boom’ demográ-
fico e cultural durou até meados do século XVII, com aldeias dez vezes
maiores do que as atuais, caracterizadas por estruturas defensivas, como
revelam as escavações de 12 sítios, até o momento. Os sítios ‘pré-históri-
cos’ (complexos formados por aldeias principais e aldeias satélites) eram
conectados por amplos caminhos, indicando uma densa interação social
(Heckenberger et al 2003, 2008). A presença de pontes, barragens, ca-
nais, assim como uma transformação significativa da cobertura vegetal,
revelam um sistema complexo e uma ocupação e exploração do territó-
rio surpreendentemente profunda e extensa. Essa escala ‘monumental’ se
deve não tanto a demandas econômicas, mas, sobretudo, indica uma fun-
ção político-ritual: prestígio (em competição) das aldeias e de seus chefes.
Quem conhece o Alto Xingu reconhece aqui a razão de ser do sistema
atual, embora em menor escala.
Em meados do século XVII, o sistema alto-xinguano entra em co-
lapso por causa dos efeitos diretos e indiretos da Conquista. As grandes

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bruna franchetto

aldeias desaparecem, a população é drasticamente reduzida por sucessi-


vas epidemias (Heckenberger, 2001b). Este foi o quadro encontrado pelo
primeiro etnógrafo e testemunho da sobrevivência desse sistema pluriét-
nico e multilíngue, o alemão Karl von den Steinen (1886, 1894).
Segundo Heckenberger o sistema alto-xinguano se formou
pela absorção, assimétrica, de povos e tradições distintos num mode-
lo arawak pré-existente. Não é fácil, contudo, definir quão assimétrico
ou simétrico foi o processo que resultou em identidades construídas a
partir de uma rede de diferenças. Se há evidências consistentes de uma
proeminência e de uma precedência arawak, é não menos claro que o
pluralismo cultural e linguístico enriqueceu o sistema como um todo.

3. A perspectiva etnológica


A pesquisa etnológica procura responder à questão seguinte: que tipo
de formação sócio-política é o sistema alto-xinguano?
É muito diferente das estruturas reticulares, sem centro,
fortemente igualitárias, formadas por grupos locais ligados por trocas
e conflitos. No Alto Xingu, a ‘guerra’ foi substituída por outras
práticas sociais. O confronto foi ritualizado em eventos intertribais
(Gregor 1990:113; 1994).
Este complexo cultural se define por uma ética alimentar, um
comportamento estritamente regrado, a ritualização do poder político
dos chefes, esferas de troca, exposição e transmissão de riquezas sim-
bólicas. Precisa observar que o caso xinguano não é uma exceção na
Amazônia, onde encontramos paralelos, em outras áreas, apesar de hoje
bastante transformados.
O ritual é o locus do que os Kuikuro, por exemplo, chamam de
tisügühütu, ‘a nossa (tis-, 1a pessoa plural exclusiva) maneira de ser’, e
tisakisü, ‘a nossa palavra/língua’. A vida cerimonial é objetivada e é
um dos mecanismos chaves para a produção da identidade do todo
e, ao mesmo tempo, da autonomia política dos grupos locais. Tal au-
tonomia só se torna real, efetiva, a partir do momento em que uma
aldeia satélite de outra, da qual se separou, pode receber e enviar
mensageiros-convidadores para as ‘festas’ intertribais. No Alto Xin-

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evidências linguísticas para o entendimento de uma sociedade multilíngue

gu, existem cerca de 15 diferentes rituais, estruturados em torno de


conjuntos de cantos, uma ou mais narrativas míticas e uma rotina
coreográfica precisa. Há rituais intra e intertribais. Estes últimos in-
cluem confrontos cerimoniais entre anfitriões e hóspedes: hoje, a luta
corporal, no passado, jogos de bola e competições entre corredores.
Sem poder entrar em detalhes, nos limites desta apresentação, pode-
se afirmar que os rituais alto-xinguanos compartilham de uma mes-
ma estrutura organizacional, bastante complexa, que chega a envolver
a maioria dos moradores de uma aldeia durante longos períodos do
ano e a transmissão de papéis, prerrogativas e responsabilidades. Há
rituais ligados à chefia e rituais que mediam entre humanos e não-
humanos (itseke em Kuikuro). O ritual media sócio-politicamente en-
tre humanos e cosmo-politicamente entre humanos e não-humanos
(Barcelos Neto, 2004).2
A configuração espacial descrita pela perspectiva arqueológica
codifica, hoje, um universo de ‘donos’ e ‘chefes’ que produz uma for-
te integração ritual, intra e inter-aldeias, e o controle de conhecimen-
tos rituais. As ‘festas’ alto-xinguanas servem, também, para a constru-
ção de estruturas comunais e para a produção de surplus alimentar.
Os dados do presente indicam que um sistema relativamente se-
melhante ao atual poderia explicar muitos dos registros arqueológicos.
Todavia, nos faltam dados suficientes para compreender a continuida-
de dessa combinação de assimetrias locais e simetrias inter-locais. Ou
formas de agrupamento hierarquizado teriam operado (e operariam)
também regionalmente? Seja como for, estamos diante de um sistema
amazônico, embora se encontrem, hoje, apenas os restos de redes re-
gionais em outros cantos das Terras Baixas. Qual era afinal o panora-
ma humano amazônico às vésperas da Conquista?

2 
Novas pesquisas etnográficas no Alto Xingu estão acrescentando dados e análises, tornando
ainda mais complexo o quadro e contribuindo para um debate em torno do modelo proposto por
Heckenberger. Em 2010, Marina Vanzolini defendeu tese de doutorado no PPGAS/Museu Na-
cional/UFRJ intitulada ‘A flecha do ciúme: o parentesco e seu avesso segundo os Aweti do Alto
Xingu’; João Veridiano Franco Neto concluiu a dissertação de mestrado em antropologia ‘Xama-
nismo Kalapalo e assistência médica no Alto Xingu: estudo etnográfico das práticas curativas’, na
UNICAMP; Antonio Guerreiro Junior desenvolve projeto de doutorado na UnB sobre chefia e
estética política a partir de uma etnografia do Kwaryp entre os Kalapalo.

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bruna franchetto

4. A perspectiva linguística


O que diz, finalmente, a pesquisa linguística?
Do ponto de vista linguístico, o modelo até o momento propos-
to pela arqueologia e, mesmo com uma flexão crítica, pela etnologia,
apresenta um razoável número de problemas. Por outro lado, é preciso
lembrar que se o Alto Xingu tem sido objeto de muitos estudos antro-
pológicos, há pelos menos 60 anos, a pesquisa arqueológica vive um
reflorescimento nos últimos 15 anos e a pesquisa linguística, tão antiga
como a antropológica, tem se intensificado apenas recentemente. Os
estudos linguísticos, todavia, são ainda fragmentários.
Temos apenas duas gramáticas de referências, uma publicada (Seki,
2000, para o Kamayurá), outra ainda inédita (Guirardello, 1999, para o
Trumai). Três projetos de documentação exaustiva foram realizados no âm-
bito do Programa DOBES (Documentação de Línguas Ameaçadas, Institu-
to Max Planck e Fundação Volkswagen, Alemanha) para as línguas Kuikuro,
Aweti e Trumai. Além da obra importante de Ellen Basso, uma antropóloga
norte-americana que tem se dedicado a uma fina análise de parte do acervo
de narrativas dos Kalapalo, há um conjunto de estudos pontuais ou prelimi-
nares praticamente para cada uma das línguas alto-xinguanas (ver a biblio-
grafia linguística alto-xinguana no final deste capítulo). O artigo de Corbera
Mori neste livro oferece um novo estudo no âmbito da morfossintaxe do
Mehinaku, uma das línguas Arawak, ainda incipientemente documentada.
Este livro oferece mais um estudo comparativo inédito, en-
tre as duas línguas Tupi alto-xinguanas, Aweti e Kamayurá, realizado
por Sebastian Drude. Os estudos comparativos anteriores são apenas
dois: Seki & Aikhenvald (1994) sobre as línguas Arawak alto-xinguanas
(Yawalapiti, Mehinaku, Wauja) e Meira & Franchetto (2005).
Estes dois últimos autores vasculharam o vocabulário básico de
línguas Karib setentrionais e de três línguas Karib meridionais (Ikpeng,
Bakairi e Kuikuro) em um pormenorizado trabalho de cunho histórico-
comparativo, propondo a existência de dois ramos karib meridionais, re-
sultado de duas migrações independentes, provavelmente vindo do norte
do rio Amazonas e subindo o rio Xingu: o ramo alto-xinguano e o ramo
‘pekodiano’, este incluindo Bakairi e Ikpeng/Arara.

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evidências linguísticas para o entendimento de uma sociedade multilíngue

4.1. Notas sobre a língua karib alto-xinguana

Introduzimos através desta seção um resumo dos resultados alcan-


çados até o momento pela investigação histórica da língua ou ramo
Karib alto-xinguano em seu contexto sul-amazônico.
A família Karib é uma das maiores da América do Sul, com lín-
guas faladas no Brasil, nas três Guianas, na Venezuela e na Colômbia.
Nas classificações anteriores ao trabalho de Meira & Franchetto, as
línguas meridionais – Arara-Ikpeng, a língua alto-xinguana e Bakairi
– são quase sempre incluídas num mesmo grupo (Derbyshire 1999,
Kaufman 1994, Durbin 1977). É possível hoje avaliar mais precisa-
mente o grau de parentesco entre as línguas meridionais com o obje-
tivo de apresentar melhores argumentos a favor ou contra a hipótese
de um único agrupamento meridional. Vejamos um breve histórico.
Foi Karl von den Steinen (1886, 1894) o ‘descobridor’ das lín-
guas Karib meridionais: Bakairi, Nahukwa, Apiaká (Tocantins). Ele
chamou todos os grupos karib alto-xinguanos de ‘nahuquá’, ciente de
que este era somente um rótulo provisório que subsumia uma consi-
derável variedade dialetal. Krause (1936), a partir de materiais trazidos
para a Alemanha pelo primo de Steinen e os coletados por Hermann
Meyer, afirmava que um grupo chamado de Yarumá habitava a área
ao leste e sudeste do rio Culuene, entre o Xingu e o Araguaia. Os
‘Nahuquá’ (Nahukwa) e os ‘Calapalu’ (Kalapalo), grupos karib da ba-
cia do Alto Xingu, tinham relações descontínuas e não sempre pací-
ficas com os Yarumá ao longo do rio Yarumá (talvez o rio Tanguro)
e do rio Paranayuba (hoje Suyá-Missú). Finalmente, Krause publicou
uma comparação entre Yarumá, Apiaká do Tocantins, os ‘dialetos
Nahuquá’ e o Bakairi (baseado em Steinen 1892). Concluiu que havia
relações linguísticas estreitas entre Yarumá e Apiaká, e mais distantes
com os ‘dialetos Nahuquá’.
Retomando as hipóteses decorrentes da pesquisa arqueológica de
Heckenberger, na primeira metade do século XVII, o rio Culuene sepa-
rava os Karib ao leste das grandes aldeias arawak a oeste. É possível que
grupos karib tenham atravessado o Culuene do leste para oeste, forçan-
do grupos arawak a se deslocarem para o norte e para oeste. Estes re-
cém-chegados karib teriam se tornado os Karib alto-xinguanos de hoje

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bruna franchetto

(Kuikuro, Kalapalo, Nahukwa, Matipu). Na figura acima, Heckenberger


identifica os sítios arqueológicos em volta da lagoa Tahununu (no alto
à direita, ao leste do rio Culuene) e os conjuntos Kuhikugu e Ipatse dos
antepassados karib já a oeste do rio Culuene.
Outros grupos karib teriam dado origem aos Yarumá-Apiaká,
ocupando as áreas em que Meyer os encontrou. No começo do séc.
XX, os Yarumá já tinham desaparecido da região entre o alto Xingu
e o Araguaia, assim como não existiam mais os Apiaká do rio Tocan-
tins, por epidemias e ataques de outros grupos.3

3 
Ver as narrativas kalapalo sobre os Yaruma ou Jaguma em Basso (1995); há ainda descendentes
de cativos Yarumá entre os Suyá, povo jê que vive na Terra Indígena do Alto Xingu, ao leste do
Posto Diauarum (Patrick Menget, comunicação pessoal).

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evidências linguísticas para o entendimento de uma sociedade multilíngue

Quais as mudanças compartilhadas pelas três línguas Karib meridionais?


Meira e Franchetto (2005) reconstruíram os segmentos proto-karib,
comparando cognatos de três línguas do sul (Kuikuro, Bakairi, Ikpeng)
com cinco línguas setentrionais (Yukpa, Tiriyó, Hixkaryana, Makuxi,
Panare). Os cognatos encontrados na lista Swadesh foram contados e ta-
bulados. Os resultados sugerem que as três línguas meridionais (Bakairi,
Ikpeng e Kuikuro) não formam um grupo claramente definido. Apesar de
Ikpeng e Bakairi serem mais próximos entre si do que de qualquer outra
língua Karib, a porcentagem de cognatos compartilhados entre Kuikuro e
Bakairi não é maior daquela entre Kuikuro e Tiriyó e o compartilhamento
é bem menor entre Kuikuro e Ikpeng.

Yukpa

39 Tiriyó

34 55 Hixkaryana

36 56 48 Makuxi

32 50 45 48 Panare

32 44 37 44 39 Bakairi

26 46 37 41 39 51 Ikpeng

30 42 36 40 41 44 45 Kuikuro

Porcentagens de cognatos encontrados na lista Swadesh (100 termos)

A reconstrução dos proto-segmentos foi usada para determinar as


mudanças que poderiam ser definidas para as línguas meridionais e es-
sas mudanças foram comparadas de modo a estabelecer a possibilidade
de que pelos menos algumas delas pudessem ter sido compartilhadas. A
conclusão é que há bons argumentos a favor de um sub-grupo que com-
preende Bakairi e Arara-Ikpeng, mas não Kuikuro. Este, com seus co-
dialetos (Matipu, Kalapalo, Nahukwa), deveria ser visto como um ramo
totalmente independente dentro da família Karib. Resumimos as mudan-
ças históricas mais significativas:

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bruna franchetto

• *p > h em Hixkaryana e Kuikuro; > w /V__V em Bakairi e


Ikpeng; preservado nas outras línguas.
• *n (também outros possíveis proto-fonemas como *) >  em
Kuikuro (e no Karib alto xinguano em geral); velarização em todos os
ambientes, exceto nos grupos consonantais ou em casos de empréstimos.
• *r > flap uvular em Kuikuro, mudança não compartilhada pe-
las outras línguas Karib meridionais; no ramo Bakairi-Ikpeng, temos *l
como inovação compartilhada, mas não no ramo meridional (Kuikuro l
parece ter sido um fenômeno independente).
• *e > Kuikuro i em todos os ambientes, mas nenhuma mudança
correspondente em Bakairi ou em Ikpeng.
• *o > Kuikuro o, e, i.
• *ô > Kuikuro e, i.
• * foi conservado ou perdido através de redução silábica no
Karib alto-xinguano (Kuikuro).
Meira e Franchetto propuseram, então, a existência de dois ramos
meridionais independentes na família Karib: um inclui somente o Kuikuro
e os seus co-dialetos alto-xinguanos e o outro inclui Bakairi e Ikpeng. No-
meamos o último sub-ramo, de Pekodiano, das palavras Bakairi pekodo
e Ikpeng petkom, ‘mulher’. Atribuímos as afinidades entre os dois ramos,
especialmente entre Bakairi e Kuikuro, a empréstimos, já que um grande
número de Bakairi viveu, até 1920, ao longo dos rios Culiseu e Batovi, pró-
ximos dos Nahukwa. Estudos comparativos são ainda necessários para re-
velar outros traços compartilhados. Por exemplo, as três línguas meridionais
possuem um sufixo de aspecto-tempo verbal com a forma -l ou -, não
encontrado nas línguas Karib setentrionais. Não é claro se estamos diante
de uma inovação compartilhada ou de empréstimo, talvez um traço areal.
De qualquer maneira, os resultados tendem a enfraquecer a hipóte-
se de uma origem sul-amazônica da família Karib, hipótese apresentada
por Steinen, entre outros.

4.2. Encontros linguísticos

Seki (1999) é autora do único trabalho com visão abrangente do sis-


tema alto-xinguano. Neste livro, ela nos apresenta uma nova versão

13
evidências linguísticas para o entendimento de uma sociedade multilíngue

de artigo anterior (Seki, 1999). Sua hipótese de que o Alto Xingu seria
uma ‘área linguística incipiente’ é fundamentada e instigante e precisa
ser retomada e avaliada à luz dos dados de novas pesquisas, sobretu-
do no que concerne a influência arawak. O trabalho de Seki é um dos
raríssimos estudos comparativos que possam dialogar com a etnologia
e a arqueologia. Como vimos, alguns avanços foram possíveis graças à
experiência multidisciplinar do Projeto DOBES de documentação da
língua Kuikuro (KKDP). Por isso, só podemos avançar algumas ideias
e alguns resultados a partir do KKDP, abrindo o leque de possibilida-
des que o Projeto se propus a explorar.
A reconstrução do passado alto-xinguano e a etnografia do pre-
sente pressupõem dois processos opostos no que diz respeito à relação
entre língua(s) e cultura(s). De um lado, pressupõe um sistema extre-
mamente estável entre um modelo cultural específico e uma população
linguisticamente diferenciada (os Arawak). Por outro lado, pressupõe
uma considerável plasticidade dessa mesma relação quando se che-
ga aos grupos tupi e karib. Como explicar isso? Se a hipótese é corre-
ta, porque os Arawak teriam retido um modelo cultural desenvolvido
3.000 anos atrás na Amazônia Central, enquanto Karib e Tupi teriam
sido moldados por este mesmo modelo, abandonando suas característi-
cas singulares com exceção da língua?
Esta pergunta poderia ser respondida se estivéssemos diante de
uma expansão ‘imperial’, mas não é este o caso. Conflitos belicosos pon-
tuaram a história das relações entre os povos alto-xinguanos. Ao invés da
“predação familiarizante”, uma expressão de autoria de Carlos Fausto (1999,
2001), em sua análise da guerra e do xamanismo na Amazônia, a estra-
tégia no Alto Xingu foi a produção de relações cada vez mais cordiais,
construindo uma identidade mais forte do que o conjunto das diferenças,
através de trocas, festas, visitas, casamentos. A arte do envolvimento alto-
xinguana é uma mistura de diplomacia e manipulação que acaba domesti-
cando o outro. É um jogo de poder não centralizado, difuso e reticular.
A construção do complexo alto-xinguano, que começou no final
do primeiro milênio e continua até hoje, mostra que, apesar da Con-
quista, permaneceu um processo histórico dinâmico de transformação e
adaptação, de contatos e mudanças.

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bruna franchetto

As narrativas míticas e de história oral, coletadas e analisadas ao


longo do KKDP e a investigação comparativa conduzida pelos res-
ponsáveis dos Projetos DOBES, de documentação das línguas alto-
xinguanas Kuikuro, Aweti e Trumai (ver item II), já trouxeram algu-
mas evidências interessantes. Hoje, os grupos que se auto-identificam
como autóctones são os Wauja e os Mehinaku (Arawak), junto com os
Kuikuro, Kalapalo, Nahukwa e Matipu (Karib). Os restantes são con-
siderados ‘recém-chegados’ que adentraram a região em tempos histó-
ricos e que se adaptaram aos valores e ao modo de viver ‘xinguano’.
Kamayurá e Aweti (Tupi) teriam chegado depois do século XVIII, as-
sim como Yawalapiti (Arawak) e Trumai (isolada)4.
Mesmo hoje, a distinção entre ‘originais’ e ‘recém-chegados’ é
um elemento básico na política e na socialidade alto-xinguana, onde
o prestígio dos primeiros não é o mesmo dos segundos. 5 Mesmo
si a fronteira entre registro mítico e registro histórico é fracamen-
te marcada, já que as narrativas míticas incorporam frequentemen-
te eventos ‘históricos’, um estudo das modalidades epistêmicas nas

4 
A versão arqueológica desta história coincide apenas parcialmente com as narrativas lo-
cais. Como foi dito, o núcleo inicial parece ter sido uma população falante de ‘Arawak’ ho-
mogênea. Os falantes ‘karib’ teriam chegado depois, talvez entre os séculos XVI e XVII.
Heckenberger localizou pequenos aldeamentos não fortificados próximo do lago Tahununu
(extremo leste do território kuikuro) com estruturas circulares (2005:103-112). A semelhan-
ça formal destas estruturas com as casas coletivas dos povos karib da região guianesa (e o
fato de que os Kuikuro consideram Tahununu como seu território original) sugere que estas
pequenas aldeias, compostas de uma única casa multifamiliar circular, poderiam ter sido de
fato erguidas pelos antepassados dos Kuikuro, Kalapalo, Matipu e Nahukwa. Assim, a incor-
poração dos Karib teria se dado depois ou durante o colapso do sistema das grandes aldeias
fortificadas, deslanchando a formação do sistema pluriétnico e multilíngue alto-xinguano.
5 
Na língua Karib alto-xinguana, os povos ‘autóctones’ são chamados de kuge, distintos de
ngikogo (‘não-xinguanos’) e kagaiha (‘não-índios’). A palavra kuge é, possivelmente, uma forma
contraída do pronome livre kukuge, ‘nós’ inclusivo. Kukuge é formado pelo proclítico de 1a
pessoa inclusiva ku(k)- e o pronome livre uge, 1a pessoa singular, ambos com cognatos em
outras línguas Karib. Em Bakairi, outra língua Karib meridional, falada por grupos que par-
ticiparam do sistema alto-xinguano, kurâ é tanto a forma livre de 1a pessoa inclusiva plural e
sua auto-denominação. Nas línguas Arawak alto-xinguanas, esses povos ‘originais’ são chama-
dos de putaka, ‘povo de aldeia’, um termo oposto a muteitsi (Ireland 2001:257). Em Kamayurá
e Aweti, línguas Tupi, os povos ‘originais’ são chamados de hawa’yp (em oposição a kawa’yp)
(Bastos 1977:58) e mo’at (em oposicão a waraju) respectivamente, enquanto em Trumai são
chamados de yaw (em oposição a adis).

15
evidências linguísticas para o entendimento de uma sociedade multilíngue

narrativas e no discurso kuikuro (Franchetto, 2007) aponta para uma


distinção entre ‘tempo mítico’ e ‘tempo histórico’. Aliás, os Kuikuro
chamam o primeiro de “quando nós éramos Bichos-espíritos” (it-
sekei gele kukatamini) e o segundo de “quando já éramos gente” (ver
também Ireland 1988, para os Wauja).
Se os povos ‘originais’ foram criados diretamente pelos heróis
míticos, os outros se fizeram ‘xinguanos’. É o que contam os Aweti
e os Trumai, por exemplo: um processo de transformação de ‘índios
bravos’ em ‘gente de verdade’, adotando o cerimonialismo e o paci-
fismo alto-xinguano, valores éticos e estéticos, a adoção de uma die-
ta alimentar específica. Os Kuikuro se referem a esta ‘xinguanização’
através do verbo ukugetilü (tornar-se gente), termo usado para referir-
se também à domesticação de um animal selvagem. Aweti e Trumai
adotaram a visão hegemônica ao falar de seu passado. Para os Aweti
contemporâneos, seus ancestrais (os Enumania e os Awytyza), chega-
ram na região provavelmente em meados do século XVIII. No relato
de um de seus chefes atuais, sua antiga condição de waraju se define
pelo constante guerrear. Sua repentina transformação em ‘xinguano’
é descrita como uma mudança da guerra para a paz, condição depen-
dente da presença de grandes chefes (Coelho de Souza 2001 e narrati-
vas coletadas por Sebastian Drude no âmbito do Projeto DOBES).
Para Aweti e Trumai, ‘tornar-se gente’ significou incorporar a éti-
ca e a estética alto-xinguana. No caso dos Trumai, sua chegada ao Xin-
gu não foi antes da metade do século XIX. As narrativas trumai, coleta-
das por Raquel Guirardello em seu Projeto DOBES, contêm referências
detalhadas aos seus antigos costumes, totalmente diferentes dos atuais.
Aqui, a ênfase é menos na aceitação do pacifismo alto-xinguano e mais na
adoção da estética corporal alto-xinguana (ver também Monod-Becquelin
& Guirardello 2001). Guirardello contribui ao presente volume com um
artigo rico em novas informações que resultam de uma análise etno-lin-
guística do léxico trumai, onde o processo histórico de ‘xinguanização’
parece estar consubstanciado em vários domínios.
Não obstante essas origens desiguais, os povos do Alto Xingu re-
conhecem as contribuições e as inovações atribuíveis a cada um. As nar-
rativas que contam as origens dos vários rituais, tanto as que constam

16
bruna franchetto

das etnografias, como as coletadas no âmbito dos Projetos DOBES, são


evidências disso. A chegada dos Tupi e dos Trumai enriqueceu e ampliou
a vida cerimonial. A festa do Javari, por exemplo, seria de origem Trumai
e Aweti, mas foi difundida através dos Kamayurá e muitos de seus cantos
são em Kamayurá ou outra língua Tupi-Guarani próxima. Os Kamayurá
contribuíram com o ritual das máscaras Aga (em Kuikuro), e, talvez,
das Jakuikatú. O quinteto de flautas Takwaga (em Kuikuro) é considera-
do como sendo de proveniência bakairi, grupo karib que habitou o Alto
Xingu até o começo do século XX.
A análise das ‘rezas’ kuikuro (kehege, fórmulas de cura em fala
cantada) mostra um amálgama linguístico instigante. Em todas elas,
há uma primeira parte em língua Arawak, parcialmente compreensível,
na qual se pontua a associação com o mito de origem (a primeira exe-
cução), e uma segunda parte em língua Karib, hoje ainda plenamen-
te compreensível, pela qual é pronunciada a fórmula performativa e
simbolicamente eficaz. Os cantos do Kwaryp, o ritual intertribal mais
importante e comemoração dos chefes falecidos, contêm palavras e
expressões tupi e karib, com alguns cantos provavelmente arawak. O
ritual Kwaryp, tão central e cujas origens míticas remontam à origem
da ‘humanidade’ e suas espécies, é um exemplo claro do processo his-
tórico de hibridização que se deu ao longo dos últimos séculos.
A tabela que se segue resulta de uma revisão da originalmente
elaborada por Carlos Fausto6; nela, cada um dos rituais kuikuro é ca-
racterizado pela natureza intertribal ou intratribal de sua execução, par-
ticularmente do desfecho final do ciclo ritual, pelos conjuntos de can-
tos associados, pelos rituais menores que o acompanham (‘os que vão
com’7, companheiros), pela identificação de gênero de sua temática e de
seus executores e, enfim, pelas línguas em que seus cantos são cantados.

6 
Novas pesquisas aprofundam a descrição de rituais, como a dissertação de Isabel Penoni so-
bre o Hagaka kuikuro, ritual mais conhecido como Javari (termo tupi), defendida no PPGAS/
MN/UFRJ em 2010. Novas pesquisas etno-musicólogicas serão cruciais, como a de Tommaso
Montagnani e de Didier Demolin para gêneros de música instrumental e vocal Kuikuro e a de
João Carlos Albuquerque Souza de Almeida entre os Yawalapiti (MUSA/UFSC).
7 
Ikongo, em Kuikuro, resulta de processos morfofonológico a partir de i-ake-ngo (3-COM-
NMLZ) > ike-ngo > ikongo. COM glosa a posposição comitativa ake; -ngo é sufixo derivacional,
que forma nome de advérbios e sintagmas posposicionais.

17
evidências linguísticas para o entendimento de uma sociedade multilíngue

Expressões Ikongo Categoria


Ritual Temática Língua(s)
musicais ‘companheiro’ Gênero

Egitsü Karib/
Memória de Vocal
Kwaryp auguhi igisü Arawak/
chefes mortos Masculino
Intertribal Tupi

Vocal
ahogi igisü
Masculino

atanga igisü
Instrumental
Flautas uruá

Tiponhü
Vocal Arawak/
furo da orelha tiponhü igisü
Masculino Karib
Intertribal

Homenagem a um
Hagaka
chefe, um especialista Vocal
Javari Hagaka igisü Tupi
ritual, um mestre Masculino
Intertribal
do arco, falecidos

Jamugikumalu Revolta das mulheres;


Jamugikumalu Vocal Arawak/
Intratribal com festa origem das Itaõ Kuegü
igisü Feminino Karib
final intertribal (Hyper-mulheres)

Cantos Vocal
Karib
jocosos Feminino

Tolo
cantos femininos Amor e saudade
correspondentes cantos femininos Vocal
Tolo igisü Karib
às músicas jacuí correspondentes Feminino
Intratribal com festa às músicas kagutu
final intertribal

Nduhe
Arawak/
Tawarawanã
Karib
Intratribal

18
bruna franchetto

Expressões Ikongo Categoria


Ritual Temática Língua(s)
musicais ‘companheiro’ Gênero

Nduhe hekugu Vocal


Arawak
Festa verdadeira Masculino

Kanga unduhugu Vocal


Arawak
festa dos peixes Masculino

Vocal
Hugoko Arawak
Masculino

Kuaku igisü
Vocal
canto do Arawak
Masculino
papagaio

Takwaga
Instrumental
Intratribal com festa
Masculino
final intertribal

Kagutu igisü
Kagutu Cantos das Instrumental
flautas Jacuí flautas/ espí- Masculino
ritos kagutu

Vocal
Jokoko
Masculino

Pagapaga Vocal
Karib
‘sapo’ Masculino

Hugagü
Vocal Arawak/
festa do beija-flor Estação do pequi Kuaku kuegü
Masculino Karib
Intratribal

Vocal
Tsitsi Arawak
Masculino

Hüge oto Vocal Arawak/


‘dono da flecha’ Masculino Karib

Gipugape Vocal Arawak/


‘o que foi o topo’ Masculino Karib

19
evidências linguísticas para o entendimento de uma sociedade multilíngue

Expressões Ikongo Categoria


Ritual Temática Língua(s)
musicais ‘companheiro’ Gênero

Aga
Vocal
tipo de máscara Tupi
Masculino
Intratribal

Tahaku Vocal
Tupi
‘arco’ Masculino

Jakui katu
Vocal Arawak/
Tipo de máscara
Masculino Karib
Intratribal

Kuãbü Crítica social e Vocal


Tipo de máscara comentários sobre Masculino e Karib
Intratribal a vida cotidiana Feminino

Kuigi igisü
Vocal Arawak/
‘cantos da mandioca’
Masculino Karib
Intratribal

Apesar de uma história razoavelmente longa de convivência e de


tráfego de pessoas, rituais e ideias entre os diversos povos do sistema
alto-xinguano, as diferenças linguísticas se mantiveram e a língua, inclu-
sive no nível das variantes dialetais, continua sendo o diacrítico básico
que mantém as diferenças dinamizando o sistema como um todo. O
multilinguismo diacrítico levou a uma impressionante reflexividade me-
talinguística, tópico já abordado por Franchetto (2001, 2003, 2006).
Três níveis distintos de identidade linguística estão presentes
no discurso nativo no interior do sistema alto-xinguano: a) ser, por
exemplo, Kuikuro (ou Kalapalo, Wauja, etc.) é ser único na singula-
ridade linguística de seu próprio ótomo (grupo local, oto-mo, mestre/
dono-PL); (b) ser um ‘outro igual’ (otohongo) em relação à aldeia em
que se fala um dialeto da mesma língua; (c) ser telo ‘outro diferente’,
em relação aos que falam uma língua geneticamente distinta.
Não é este o caso dos Yawalapiti, cuja língua está à beira do
desaparecimento, falada por menos de dez pessoas, embora seja

20
bruna franchetto

‘Yawalapiti’ a aldeia em que dominam outras línguas Karib, Arawak


e Tupi. Provavelmente não foi assim nos Kamayurá e nos Aweti do
passado, grupos ‘étnicos’ que surgiram do amálgama de povos tupi
diferentes que deixaram, até pouco tempo atrás, os vestígios de va-
riantes dialetais em suas aldeias, como sustenta Drude no capítulo de
sua autoria neste livro.
Com exceção dos Yawalapiti e dos Trumai, grupos internamen-
te multilíngues por histórias específicas de dispersão e de casamentos
intertribais, os povos alto-xinguanos são linguisticamente conserva-
dores. Não há multilinguismo interno. Quando um indivíduo mora na
aldeia do esposo ou da esposa falante de outra língua, ele não usará a
sua própria língua em situações públicas, mas sim no dia a dia dentro
do espaço doméstico; seus filhos serão bilíngues, mas continuarão a
usar predominantemente a língua da aldeia em que nasceram e vivem.
Os ‘misturados’ (em Kuikuro, tetsualü) são às vezes criticados por não
serem falantes ‘puros’ da língua da aldeia em que moram.8
Retomemos a questão da reflexividade meta-linguística, fruto
de um sistema multilíngue. Kuikuro, Kalapalo, Nahukwa e Matipu
(Karib) são ditos falarem ‘na garganta’, ‘para dentro’, enquanto
Wauja e Mehinaku (Arawak) falam ‘para fora’, ‘na ponta dos dentes’.
A comparação ressalta qualidades articulatórias, como a preponde-
rância de sons dorsais (velares e uvulares) nas línguas Karib e de
coronais e palatais nas Arawak.
As variantes dialetais também operam como diacríticos de
identidades sócio-políticas diferenciadas. A história oral que conta a
origem dos Kuikuro como povo distinto fala de processos internos
de fissão que resultaram na constituição de um novo grupo a par-
tir de uma aldeia mãe original (oti, ’campo, savana’), da qual tam-
bém se originaram os Matipu. Uma destas narrativas, coletadas pelo
KKDP, se conclui com comentários do narrador e de seu interlocu-
tor sobre a cisão dialetal: as palavras (aki) e a fala (itaginhu) muda-

8 
A dissertação de Mutuá Mehinaku, filho de mãe kuikuro e pai mehinaku, a ser defendida em de-
zembro de 2010 no PPGAS-MN-UFRJ, será certamente uma contribuição decisiva para a discus-
são da ‘mistura’ linguística no Alto Xingu, já que seu objeto é o encontro entre línguas e dialetos
na gênese e não presente desse sistema.

21
evidências linguísticas para o entendimento de uma sociedade multilíngue

ram, a fala dos Kuikuro se tornou reta (titage), enquanto a fala dos
Matipu ‘caiu’ (isamakilü). Por outro lado, o dialeto Karib falado pelos
Kalapalo e pelos Nahukwa é descrito como sendo falado ‘em curvas’
(tühenkgegiho) ou ‘no fundo’ (inhukilüi) (Franchetto 1986). Observe-se
a sensibilidade metalinguística às diferenças prosódicas entre as va-
riantes Karib alto-xinguanas. Contudo, tais diferenças rítmicas não
impedem que os grupos karib se vejam, um ao outro, como otohon-
go (outro igual), falantes de variantes de uma mesma língua. Para
os Kuikuro, telo (‘outro diferente’) são os que falam línguas geneti-
camente distintas, Arawak ou Tupi (Franchetto 1986).9 Neste livro,
Romling, Franchetto e Colamarco apresentam um estudo em foné-
tica experimental que procura ‘traduzir’ as diferenças dialetais Karib
alto-xinguanas, rotuladas e comentadas pelos seus falantes, nos pa-
râmetros acústicos e perceptivos relevantes, descobrindo uma dis-
tinção rítmica ‘dramática’ que resulta de padrões de distintas inter-
pretações fonológicas de constituintes de uma mesma sintaxe frasal.
Os autores concluem que os rótulos diferenciadores são um jogo de
espelhos, em que cada dialeto é ‘reto’ para seus falantes, como bem
explicou Kaman Nahukwa durante uma oficina realizada na aldeia
matipu de Ngahünga em fim de outubro de 2009 (ver nota 9):
Kitaginhu ügühütu
Matipu, Kalapalo, Nahukwa kingalü Kuikuro akisü heke, iheigü (ihotagü).
Üleatehe titsilü itaginhuko heke: iheigü (ihotagü), tühenkgegihongo. Inke tsapa
tandümponhonkoki ugupongompeinhe küntelü, anha inhügü gehale tükenkgegiko,
nügü hungu igei.
Sagage gehale Kuikuroko heke tisitaginhu tangalü, iheigü gehale, tühenkgegiko gehale.
Inhalü gitage ínhani anümi.
Sagage gehale titsilü ihekeni, inhalü gitage itaginhuko anümi.

9
Um maior conhecimento da diversidade dialetal karib em sua gênese histórica e em sua rea-
lidade atual será a contribuição de dois projetos em andamento em 2010. O primeiro é o pro-
jeto ‘Levantamento Sócio-Linguístico e Documentação da Língua e das Tradições Culturais
das Comunidades Indígenas Nahukwa e Matipu do Alto Xingu, financiado pelo Fundo de
Direitos Difusos da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, desenvolvido
de abril 2009 a junho 2010, sob a coordenação de Bruna Franchetto e executado no Museu
Nacional/UFRJ. O segundo projeto está sendo desenvolvido por Gélsama Mara Ferreira dos
Santos, pós-doutoranda com bolsa CNPq.

22
bruna franchetto

Sobre línguas
Matipu, Kalapalo, Nahukwa falam da relação deles com a língua Kuikuro:
iheigü (ihotagü).
Por isso falamos que a língua deles é iheigü (ihotagü), tühenkgegikongo.
Significa como se estivesse descendo de um morro ou como quando tem
curvas no caminho.
Da mesma forma os Kuikuro escutam a nossa fala: iheigüi, tühenkgegiko
também. Eles ouvem diferente do que a língua deles.
Nós também falamos e escutamos as falas deles diferente do que a nossa
língua (principalmente a música da língua).

Chama a atenção, no Alto Xingu, a inexistência de uma língua


franca, se não considerarmos a difusão do Português nos últimos 60
anos. Isto mostra que os povos ‘chegados de fora’ não foram absor-
vidos numa posição de submissão. Ao invés de criar uma comunidade
linguística, o processo geral de incorporar, transformar, para criar o
sistema alto-xinguano, implicou na criação de uma comunidade moral.
A língua serviu para preservar as diferenças, mas um complexo siste-
ma de rituais e etiquetas foi cimentando uma identidade englobante.
É este o tema do capítulo que Christopher Ball escreveu para este vo-
lume: a pragmática (comportamental e discursiva) alto-xinguana per-
mite ultrapassar as fronteiras propriamente linguísticas e com estas
mantém uma dialética contínua. O que acontece quando ela se depa-
ra com outro ‘outro’, outro encontro, aquele entre ‘gente xinguana’ e
‘gente não-xinguana’? Entre kuge e kagaiha, como diriam os Kuikuro?
O equívoco irrompe e um profundo desentendimento se instaura.
O Projeto ‘Evidências linguísticas para o entendimento de uma
sociedade multilíngue: o Alto Xingu’ partiu deste chão empírico e
analítico, multidisciplinar, para ampliar e aprofundar o estudo do sis-
tema alto-xinguano, em sua processualidade histórica e em sua situa-
ção atual, do ponto de vista especificamente linguístico, chamando a
contribuição sistematizada e refletida dos pesquisadores que hoje se
dedicam ao estudo de suas línguas. O Projeto foi realizado ao lon-
go de dois anos, de dezembro de 2006 a dezembro de 2008, dando
continuidade, continuando o empreendimento iniciado em 2001 pelos
três Projetos brasileiros incluídos no Programa internacional de Do-
cumentação de Línguas Ameaçadas (DOBES). Ao mesmo tempo, ele
abriu caminhos para novas possibilidades investigativas. No capítulo

23
evidências linguísticas para o entendimento de uma sociedade multilíngue

que se segue, Sebastian Drude apresenta a metodologia usada no Pro-


jeto e desenvolvida a partir daquela primeira experiência dos projetos
DOBES Kuikuro, Aweti e Trumai.

5. Pesquisadores e autores
Do Projeto ‘Evidências linguísticas para o entendimento de uma socie-
dade multilíngue: o Alto Xingu’ participaram os seguintes pesquisadores,
muitos dos quais contribuíram para este livro:

Bruna Franchetto: coordenadora; doutora em Antropologia e pro-


fessora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social,
Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coorde-
nou o Projeto “Documentação linguística, histórica e etnográfica
da língua Karib do Alto Xingu ou Kuikuro” (DOBES, 2001-2005).
Pesquisadora responsável pelo Projeto CNPq ‘Documentação de
línguas indígenas: exploração de fatos gramaticais, históricos e etno-
linguísticos a partir de arquivos multimídia’.

Lucy Seki: doutora em Linguística e professora do Instituto de Estu-


dos da Linguagem da UNICAMP; atualmente pesquisadora responsá-
vel pelo Projeto CNPq ‘Documentação e análise da língua Kamayurá:
léxico e textos narrativos’. Iniciou suas pesquisas sobre o Kamayurá em
1968 e é autora de uma gramática da mesma língua; coordenou vários
projetos e orientou dissertações e teses sobre línguas do Alto Xingu.

A ngel C orbera M ori: doutor em Linguística e professor do Insti-


tuto de Estudos da Linguagem da UNICAMP; pesquisador respon-
sável pelo Projeto CNPq ‘Análise e descrição da língua Mehinaku
(Arawak, aldeias Uwatana e Ipiaipioco)’, desde 2004.

Raquel G uirardello-Damian : doutora em Linguística, professora


da University of the West of England/UWE e pesquisadora asso-
ciada do Museu Paraense Emílio Goeldi; coordenou o Projeto ‘Do-
cumentação da língua Trumai’ (DOBES, 2001-2005). Autora de uma
gramática de referência da língua Trumai.

24
bruna franchetto

S ebastian D rude : doutor em Linguística pela Universidade Livre


de Berlin, pesquisador associado do Museu Paraense Emílio Goel-
di. Coordenou o Projeto ‘Documentação da língua Aweti’ (DOBES,
2001-2005).

C hristopher Ball: doutor em Antropologia e Linguística da Uni-


versidade de Chicago (EUA). Na época da vigência do Projeto, de-
fendeu tese de doutorado na Universidade de Chicago, sobre gêne-
ros de fala, registros verbais e contextos de comunicação entre os
Wauja e no Alto Xingu. É hoje professor do Dartmouth College,
nos Estados Unidos.

Gélsama M ara Ferreira dos S antos: na época do Projeto, ainda


doutoranda em Linguística, UFRJ; concluída sua pesquisa de dou-
torado sobre a morfologia kuikuro em 2007, é hoje pós-doutoranda
(CNPq) com projeto de investigação comparativa das variantes da
língua Karib alto-xinguana (Kuikuro, Kalapalo, Nahukwa, Matipu).

6. Colaboradores
Michael J. Heckenberger: professor da Universidade da Flórida (EUA);
etno-arqueólogo, conduz pesquisas em arqueologia pré-histórica e histó-
rica no território kuikuro desde 1992; pesquisador principal do Projeto
“Southern Amazonia Ethnoarchaeological Project” (com o MN/UFRJ e
o Museu Goeldi, National Science Foudation 2004-2005).

Carlos Fausto: doutor em antropologia pelo PPGAS/MN/UFRJ e pro-


fessor nesta mesma instituição, coordena projetos de pesquisa sobre ri-
tual, economia e política entre os Kuikuro desde 2003 e foi curador da
exposição Tisakisü: tradição e novas tecnologias da memória.

Kristine Sue Stenzel: pós-doutoranda no PPGASMN/UFRJ sob a


supervisão da Dra. Franchetto, hoje docente do Departamento de Lin-
guística da UFRJ; linguista com PhD na Universidade de Colorado, espe-
cialista em línguas da família Tukano, noroeste amazônico, região carac-
terizada por um sistema indígena multilíngue e multiétnico.

25
evidências linguísticas para o entendimento de uma sociedade multilíngue

Sérgio Meira de Santa Cruz Oliveira: professor da Universidade de


Leiden (Holanda), pesquisador associado do Museu Paraense Emílio
Goeldi; linguista com doutorado na Universidade de Rice (EUA). Es-
pecialista em estudos descritivos e histórico-comparativos das línguas
Karib e Tupi. Coordenou o Projeto DOBES “Documentação das lín-
guas Bakairi (Karib meridional), Kaxuyâna (Karib setentrional) e Sa-
teré-Mawé (Tupi)”.

Glauber Romling da Silva: bolsista de Iniciação Científica/CNPq-UFRJ


até fevereiro 2007, continua desenvolvendo, sob a orientação de Bruna
Franchetto, projeto de documentação e análise da língua Paresi-Haliti
(Arawak meridional); concluiu o mestrado em 2009 e é agora doutorando
no Programa de Pós Graduação em Linguística-UFRJ

Aline Varela: bolsista de Iniciação Científica (PIBIC-UFRJ) e hoje mes-


tranda em linguística na UFRJ com projeto sobre marcadores epistêmi-
cos na língua Kuikuro.

Referências Bibliográficas
Esta bibliografia não pretende ser exaustiva no que concerne a litera-
tura existente sobre o Alto Xingu, seja ela linguística ou etnográfica.
Aqui estão não apenas os títulos e autores citados no presente capí-
tulo, como também os incluídos no Projeto CNPq ‘Evidências lin-
guísticas para o entendimento de uma sociedade multilíngue: o Alto
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RESUMO
Este capítulo é uma introdução ao livro e ao conjunto de textos que o com-
põem. O projeto que deu origem ao workshop realizado em 2008 e a esta pu-
blicação, todos com o mesmo título, partiu do capital acumulado por experi-
ências anteriores e foi um empreendimento multidisciplinar. O objetivo de um
grupo de pesquisadores, sobretudo linguistas, foi o de ampliar e aprofundar as
respostas hoje possíveis a uma questão central para o conhecimento das socie-
dades e das línguas nativas das terras baixas da América do Sul, em particular
da Amazônia meridional: quais foram (e quais são hoje) os processo de gênese
e reprodução do sistema indígena multilíngue e multiétnico conhecido como
Alto Xingu. Procurando respostas em um trabalho de montagem de uma es-
pécie de quebra-cabeça basicamente histórico, são abordadas sucessivamente
e, em seguida, de modo interligado, as contribuições da arqueologia, da etnoló-
gica e da linguística. Esta última mereceu um detalhamento maior e específico,
dado que a perspectiva linguística, entre os possíveis olhares sobre o fenôme-
no, foi eleita como o foco de interesse para lançar uma ponte com outros cam-
pos de produção de conhecimentos.
Palavras-chave: Alto Xingu; Multilinguismo.

ABSTRACT
This chapter is an introduction to the book and the set of texts that have
gone into its making. The multidisciplinary project leading to the workshop
held in 2008 and to this publication, all with the same title, stemmed from
the experience accumulated through earlier research projects. The objective of
the group of researchers, primarily linguists, was to broaden and deepen the
answers that we can now obtain to a question central to the understanding of
the native societies and languages of the South American lowlands, especially
southern Amazonia: namely, what were (and what are today) the processes
of genesis and reproduction responsible for the multilingual and multiethnic
indigenous system known as the Upper Xingu. Seeking responses within an
enterprise that basically resembles piecing together a historical jigsaw puzzle,
the book successively examines in interconnected form the contributions of
archaeology, ethnology and linguistics. The latter receives more detailed and
specific attention, since the linguistic approach, among the various possible
ways of exploring the phenomenon, was chosen as the focal point for building
bridges with other fields of knowledge production.
Key-words: Upper Xingu; Multilingualism.

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