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Amida Taero Lupande

Hélio Narciso de Ernesto


Irene da Eulália Rajabo
Patrício Paulo Bandali
Romário Alfredo Agostinho
Sadaca Jossubo Salimo

Teoria Educacional de José Castiano


(Licenciatura em Ensino de Química com Habilitações em Gestão de Laboratório)

Universidade Rovuma
Lichinga
2023
Amida Taero Lupande
Hélio Narciso de Ernesto

Irene da Eulália Rajabo


Patrício Paulo Bandali
Romário Alfredo Agostinho
Sadaca Jossubo Salimo

Teoria Educacional de José Castiano

Trabalho a ser apresentado no


Departamento de Ciências
Tecnologia, Engenharia e
Matemática referente a cadeira de
Filosofia da Educação de carácter
avaliativo, sob orientação do Dr:
Salvador Ângelo

Universidade Rovuma

Lichinga

2023
Índice
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 3
1.1. Objectivos..................................................................................................................... 3
1.1.1.Geral ................................................................................................................................. 3
1.1.2.Específicos ....................................................................................................................... 3
1.2.Metodologia ........................................................................................................................ 3
2.TEORIA EDUCACIONAL DE JOSÉ CASTIANO .................................................................. 4
2.1. Engajamento por uma Educação global ............................................................................. 4
2.2. Escola como Espaço Global ............................................................................................... 8
2.3. Da Escola como Espaço sem Violência ........................................................................... 10
2.4. Perigos da Educação Global ............................................................................................. 11
3.CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 15
4.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 16
3

1. INTRODUÇÃO
A filosofia da educação vem sendo uma ciência indispensável para analises dos sistemas
de educação pois nos leva a reflectir e a criticar, buscando melhores formas de alcançar
uma educação de qualidade que possibilite o desenvolvimento da educação no país, é
fundamental ter essa ciência pois trata de todos os aspectos ligados a educação,

No presente trabalho pretendemos abordar sobre a teoria educacional de José Paulino


Castiano, um filósofo moçambicano autor de várias obras e nesta perspectiva daremos
mais destaque para o pensamento dele como deve ser a educação e como deve ser vista
na sociedade.

1.1. Objectivos

1.1.1.Geral
 Compreender a teoria educacional de José Castiano.

1.1.2.Específicos
 Descrever a teoria educacional de José Castiano;
 Identificar o principal objectivo da teoria;
 Caracterizar a Educação Global em todos os aspectos;

1.2.Metodologia
Para a elaboração deste trabalho para além dos conhecimentos práticos que possuímos,
baseou-se na pesquisa bibliográfica onde trouxe interpretações sólidas e fundamentadas
por diferentes autores que debruçam sobre o tema em alusão e também recorreu-se em
pesquisa documental para recolher informações em relatórios, monografias e teses de
doutoramento.
4

2.TEORIA EDUCACIONAL DE JOSÉ CASTIANO

2.1. Engajamento por uma Educação global


Qualquer projecto de educação fundamenta-se na concepção predominante sobre o
homem. Pois, o homem é o ponto de partida e de chegada da acção educativa. Ele é o
ponto de partida porque a educação parte da imagem que temos do homem que
queremos construir. O mesmo homem é o ponto de chegada porque a finalidade do acto
educativo é a de desenvolver as faculdades deste. Será assim na educação global que,
quanto a mim, inicia com a introdução do currículo Local em Moçambique? Sob que
fundamentos ela assentaria?
Para empreender qualquer acção educativa partimos, no entanto, da crença que este
homem tem condições (faculdades) potenciais para ser educado, (Castiano,2011).

A educabilidade do homem, isto é, a capacidade do homem ser educável, assenta no


facto de ele ser um ser racional; um ser que, segundo Sartre em Ser e Nada, se
fragmentou do ser entanto que tal, para ser em si possuidor de uma consciência. Dizer
que o homem é um ser racional significa, no fundo, que este homem é potencialmente
capaz de usar as suas faculdades de pensar e julgar para poder decidir sobre a sua acção
sobre factos e artefactos com os quais entra em contacto. Por outras palavras, cada
homem usa a sua faculdade de pensar, isto é de usar a sua razão, e de julgar para poder
agir ou emitir juízos sobre os fenómenos que o rodeiam.
Por isso, a primeira fundamentação para a educação é a de libertação: libertar as
faculdades do homem poder pensar sobre si mesmo e de poder formular seus próprios
juízos. De fazer o uso público da sua razão, diria o filósofo de Koenisberg, Immanuel
Kant. Este é o sentido profundo quando dizemos que a educação é um instrumento de
libertação do homem, (Castiano,2011).

Refere-se portanto a uma libertação no sentido de o homem ser capaz de pensar


correctamente e de emitir juízos de valor de forma autónoma e sem contrições positivas.
Dissemos antes que a educação se deve centrar no homem. O seguinte problema
educativo começa, entretanto, quando temos como pressuposto que todos os homens são
iguais, todos os homens são diferentes. Como garantir assim que todos sejam tratados
de forma igual e de forma diferente ao mesmo tempo? Daqui infere-se a segunda
fundamentação da educação que é a de garantir a igualdade de todos porque todos são
5

educáveis; ao mesmo tempo, porém, a educação deve reservar espaço para que as
diferenças entre os homens e grupos sociais não morram dado que ela deve, por
exemplo, garantir que cada utente dos serviços educacionais possa desenvolver a sua
própria cultura. Formulado mais concretamente: podemos perguntar-nos se cada aula
providencia a ocasião institucional no qual se concretiza a ideia de que todos são iguais,
mas diferentes ao mesmo tempo. É possível o professor atender a todos de forma igual
ao mesmo tempo que trata a todos de forma diferenciada?

Daqui deriva a terceira fundamentação para a educação que é a de cultivar um homem


universal (isto é, que possa viver na base do saber e valores universais) mas ao mesmo
tempo que conheça e pratique as suas tradições familiares e culturais. Ela deve permitir
que a criança entre no mundo global com os pés firmes, apontamos já algures30 .
A educação é um caminho que começa na família – onde a criança nasce – até ao
sistema-mundo, passando pela comunidade e pela nação, (Castiano,2011).

Ora, o caminho da criança ao sair do seu meio familiar para um em que as autoridades
comunitária e estatal se acrescentam à autoridade familiar, não deve ser percorrido de
uma forma violenta. Na entrada para ser um membro de pleno direito da sua
comunidade e depois para cidadania, a criança não deve ser nem fisicamente, nem
simbolicamente violada.
Até agora já se conseguiu, pelo menos formalmente, fazer com que a criança não seja
fisicamente agredida; no entanto ainda resta muito por fazer para eliminar aquilo que se
considera como sendo violência simbólica, se emprestarmos um termo muito usado por
Bourdieu. É desta forma que o professor tem a gloriosa responsabilidade de fazer com
que a marcha da criança da família para a sociedade e para o sistema-mundo não seja
nem corporalmente e nem simbolicamente (espiritualmente) violenta (Castiano,2011).

Chegados aqui urge perguntar em que medida a introdução do currículo local no sistema
do ensino moçambicano vem responder a estes fundamentos da educação?
O currículo local é uma parte do currículo do ensino básico (20% do tempo alocado
para cada disciplina) que deve ser preenchida por conteúdos que os membros da
comunidade abrangida por uma certa escola, de uma forma organizada, acham ser
relevantes para a criança inserir-se na sua própria comunidade, após ou mesmo durante
o período da sua frequência na escola.
6

Portanto, não se trata de conteúdos que são determinados centralmente pelo Instituto
Nacional de Desenvolvimento (INDE) ou pelo ministério moçambicano de educação,
embora ambas instituições, por serem de carácter e dimensão centrais, possam de certa
forma influenciar na determinação dos conteúdos. Trata-se sim de conteúdos que devem
ser produzidos pelos professores com a ajuda da comunidade, dos próprios alunos e das
instituições locais como as da saúde, da agricultura, do meio ambiente, etc.

No entanto, para que estes conteúdos se tornem ensináveis, ou seja, para saírem da
cabeça dos membros das comunidades e dos papéis das instituições locais para a sala de
aulas, é necessário que o professor os adeqúe à idade, à classe/ciclo dos alunos e
atendam às competências localmente necessárias para a vida da criança na comunidade.
Para além disso, o professor deve produzir textos (brochuras do currículo local) e
materiais didácticos. Assim, os professores devem ser capazes de trazer para a sala de
aulas os factos e artefactos culturais do local onde uma certa escola se encontra inserida.
Em relação ao levantamento dos conteúdos relevantes para serem abordados pelos
professores na sala de aulas já se fez muita coisa embora reste ainda muito por fazer,
(Castiano,2011).

Foram, neste âmbito, levantados conteúdos sobre a história local da escola e da


comunidade, sobre a proveniência do nome da escola, sobre as principais culturas
locais, sobre os recursos locais, sobre a vegetação e a fauna, sobre as estruturas
administrativas e tradicionais locais, sobre os principais pratos, sobre as profissões
locais, sobre os hábitos e costumes das localidades, sobre as crenças colectivas, etc. O
desafio agora é trazer estes conteúdos para a sala de aulas repartidos em ciclos e classes
assim como elaborar materiais de ensino e de aprendizagem na base desses conteúdos
para que a criança possa efectivamente aprender aspectos ligados à sua cultura e que
sejam relevantes para a aprendizagem.

Muitos conteúdos, portanto, dizem respeito às tradições e aos costumes levantados pelos
professores nas comunidades. No entanto, como educadores, a nossa tarefa não termina
na recolha e na sistematização dos conteúdos considerados relevantes localmente, e nem
deve por aí terminar. Pôr um ponto final aqui seria continuar a condenar aos alunos a
7

meros elementos que se destinam a absorver as tradições e os costumes ancestrais;


estaríamos a perpetuar, usando a educação, aquilo que alguns filósofos africanos
chamaram de anthropological mess, ou seja, a ensinar um conjunto de conteúdos não
relevantes para a vida do estudante hoje e aqui. É necessário, portanto, fazer mais do
que isso, mais do que o INDE fez até agora. É preciso passarmos para o passo seguinte:
o de fazer justiça ao sentido da palavra educação usando, naturalmente, esses conteúdos
recolhidos, (Castiano,2011).

Dissemos antes que a primeira fundamentação da educação é a de desenvolver a


faculdade de cada aluno pensar por si mesmo e de julgar. No que diz respeito a uma
Educação Global, é muito importante que desenvolvamos nas crianças não só o
conhecimento dos conteúdos e tradições locais como os que demos exemplos acima; é
ainda mais importante desenvolver, e só assim faz sentido falarmos de educação, a
faculdade de cada criança julgar, ou seja, de formular seu próprio juízo sobre estes
mesmos hábitos e tradições que o professor recolhera das cabeças das comunidades e
das instituições tradicionais locais.

Portanto, a maior forma de inserir a criança numa determinada tradição viva não é só
dizendo-a sobre o quê (conhecimento dos factos e artefactos), mas sobretudo o porquê
desses factos e artefactos locais (faculdade de julgar). Aliás, esta é a missão da educação
para o futuro.
Um parêntesis: quando falamos de factos locais referimo-nos aos eventos próprios de
um local, sejam eles ligados com a história de um determinado local como a batalha de
Manhiquene; sejam eles de carácter cultural, como por exemplo o M´saho (festival de
timbilas de Zavala ou de Varimbas de Sena). E quando falamos de artefactos culturais
referimo-nos aos produtos materiais que são fabricados nas diferentes comunidades
culturais de Moçambique. Por exemplo, o vestuário tradicional da Ilha de Moçambique
é diferente do vestuário tradicional de uma outra parte qualquer, (Castiano,2011).

Cultivar a faculdade de pensar significa, portanto e no âmbito do currículo local, que


nos esforçamos para que o aluno conheça e aprenda os factos (eventos do passado e
presente), artefactos (produção material específica) da sua cultura assim como a vida
espiritual da zona. Portanto, uma implementação correcta do currículo local vai permitir
8

inserir ao aluno e à aluna na vida económica, social, política e espiritual da comunidade


em que ele está inserido ou inserida.
Por outro lado, cultivar a faculdade de julgar significa, no âmbito do currículo local, que
o professor deve proporcionar ao aluno e à aluna os instrumentos teóricos necessários
para ele se confrontar criticamente, isto é, argumentativamente, com os mesmos factos,
artefactos e a vida espiritual da comunidade onde vive. Isto vai fazer crescer, sem
dúvida, o espírito de engajamento pela coisa pública na comunidade por parte dessas
crianças, uma vez conhecerem do que se trata e, por isso mesmo, poderem defender ou
argumentar com propriedade sobre aquilo que se pode considerar como tradição local e
sobre os acontecimentos de natureza política, porque é disso que se trata,
(Castiano,2011)

2.2. Escola como Espaço Global


Na definição que demos acima sobre o currículo local vimos que este é preenchido por
conteúdos pedagogicamente considerados como sendo relevantes para a aprendizagem
do aluno a partir da comunidade segundo a definição que nos é dada pelo Instituto
Nacional de Desenvolvimento da Educação, uma instituição moçambicana ligada à
pesquisa de base na educação.

Parte-se portanto da ideia que cada escola está inserida num determinado meio cultural
e que se deve dar oportunidade a cada aluno e aluna para poder explorar as
potencialidades educativas que este meio oferece a fim de melhorar a qualidade da
aprendizagem dos alunos e das alunas, (Castiano,2011).
Entretanto, ao fazermos o levantamento das questões locais, é muito bem possível que
surjam conteúdos que podem ferir os Direitos Humanos, podem ser discriminatórios
com base ao género ou à raça ou ainda que possam ir contra o ideal da dignidade
humana. É esta a oportunidade educativa para humanizar a educação. Para isso é
importante estarmos vigilantes para que este tipo de conteúdos seja efectivamente
retirado dos programas de ensino.

O currículo local não tem o objectivo de instigar a qualquer forma de discriminação


racial, cultural ou em termos de género; também não pretende e nem deve ser uma fonte
9

do divisionismo baseado em pertenças étnicas ou mesmo contra a dignidade de qualquer


ser humano. O espírito do currículo local é que as crianças se confrontem racional
e criticamente com o meio natural, social, cultural, epistémico e político no qual vivem
e que o professor seja o facilitador desta confrontação com o respectivo meio. Quando
usamos o termo confrontação não nos referimos somente ao conhecimento das danças,
das lendas, das profissões, da história local, das tradições, dos hábitos e dos costumes,
etc.
O que é ainda mais importante é desenvolver o saber fazer e o saber estar com outros na
comunidade e sociedade. Por exemplo, não basta que a criança saiba como é que
tradicionalmente os seus pais e tios sempre construíram e constroem uma palhota
africana, mas é necessário dar ferramentas para que a criança possa melhorar essa
mesma palhota, isto é, torná-la mais segura e confortável, sem no entanto deixar perder
a estética e arquitectura básica da casa africana (normalmente redonda, principalmente o
seu tecto/cobertura). E esta tarefa (desenvolver a nossa civilização africana) é da
educação e é educativa.

O que queremos dizer com este exemplo é que o levantamento e o conhecimento das
tradições ou dos valores que governam a vida local não é e nem pode ser um objectivo
em si e terminal da educação com base nos conteúdos locais. Esse levantamento e
conhecimento são apenas um ponto de partida necessário para podermos efectivamente
desenvolver as nossas tradições, enfim as nossas civilizações africanas. Porque um
verdadeiro desenvolvimento só se pode basear no conhecimento profundo das tradições
culturais e valores locais. Mas, por outro lado, nós podemos desenvolver estas tradições
e valores somente na medida em que eles oferecem respostas alternativas válidas para
resolver os problemas sociais, económicos, políticos e espirituais da actualidade. Na
globalização só podemos estar firmes na medida em que oferecemos soluções locais
para os problemas que nascem do interior desta mesma forma de existência global
(Castiano,2011).

Por via do currículo local abrimos a porta ao aluno e à aluna para que eles mesmos se
inspirem na cultura local para poderem encontrar soluções localmente fundados aos
problemas globais.
Na prática, porém, para conhecer as tradições, não basta (embora seja importante) que o
aluno ou a aluna seja levado a observar factos e artefactos na sala de aulas ou através de
10

uma visita de estudo. É necessário que o professor elabore textos onde descreva estes
eventos históricos ou os artefactos culturais; os textos devem ser escritos por formas que
sirvam de apoio ao próprio professor e sirvam também como meio de aprendizagem ao
aluno e à aluna. Para isso, o professor precisa de registar minuciosamente os eventos e
artefactos no acto da recolha dos conteúdos junto à comunidade e às instituições locais.

O professor precisa de reunir o maior número de informações possível, não só sobre o


passado mas também sobre o presente de que ele deve ser um testemunha atento.
Pensamos que para poder recolher as informações e registá-las correctamente, o
professor precisa de um apoio concertado das autoridades da educação e das instituições
do Ensino Superior, particularmente da Universidade Pedagógica. Este poderia muito
bem constituir também um dos campos ainda virgem para muitas investigações dos
estudantes do nível de mestrados (Castiano,2011).

2.3. Da Escola como Espaço sem Violência


Em que medida uma educação Global, como a que viemos fundamentando, é uma
oportunidade para construir uma escola sem violência, sobretudo a simbólica?
Todos sabemos que quem tem poder, se não tiver o devido cuidado, estará sempre
tentado a usá-lo em seu benefício violando os direitos dos outros. O professor ou a
professora têm, no contexto da sala de aulas, demasiado espaço, no contexto legislativo
educacional actual, para exercerem o seu poder sobre os alunos ou as alunas; e isto pode
conduzir ao uso da violência física e simbólica.

No tempo colonial, por exemplo, um aluno que não fosse capaz de assimilar uma
determinada matéria na aula era batido com reguadas na mão ou noutra parte do corpo
qualquer. Esta prática constituía uma violência corporal ou física que inculcava a
dimensão do medo na aprendizagem. Este tipo de atitude, por parte dos professores, não
é educativo e constitui uma violação aos direitos da criança. Também não podemos
insultar a criança ou submetê-la aos castigos corporais de qualquer espécie. A criança
merece o nosso respeito para que ela nos possa também respeitar (Castiano,2011).

Mas há um outro tipo de violência mais subtil, a que chamamos de simbólica ou


espiritual. Quando uma criança entra pela primeira vez na escola e lhe é praticamente
11

vedada a possibilidade de comunicar-se e desenvolver a língua com a qual cresceu no


seu ambiente familiar, estaríamos, no fundo, a dizer à criança duas coisas muito graves:
que a língua com que se comunica em casa não serve para adquirir conhecimentos
científicos na escola e, o que é ainda pior, estamos a dizer que aquela língua é inferior
em relação àquela que se usa na escola. Assim, estamos a violar um símbolo importante
que a criança trás de casa. Mas também estamos a fazer uma violência simbólica e
espiritual quando, ao invés de ensinar a tocar a timbila na escola, ensinamos somente a
tocar uma viola. Fazemos violência simbólica quando classificamos de dialectos em vez
de língua, de feiticeiro/curandeiro em vez de médico tradicional, de droga em vez de
remédio, de seitas em vez de religião.

2.4. Perigos da Educação Global


Há certos perigos que podem espreitar ao tentarmos implementar uma Educação Global,
onde uma das bases é o currículo local. Em primeiro lugar é preciso alertar para o
perigo do folclorismo ao introduzir os conteúdos ou temas do currículo local. É preciso
ter em atenção que, ao introduzir-se o currículo local estamos a tentar implementar dois
princípios de cada ser humano não negociáveis por via da educação: o do direito à
diferença e ao mesmo tempo o da igualdade de oportunidades (Castiano,2011).

O princípio do direito à diferença exige uma atenção muito especial aos processos de
produção e valorização das culturas e do ambiente social em que cada escola se
encontra e exige, como disse, que se aproveitem todas as possibilidades e
potencialidades naturais, sociais, culturais, históricas e políticas locais para a
aprendizagem da criança. Todos os aspectos locais têm um valor educativo em potência.
Por seu lado, o princípio da igualdade de oportunidades exige que a educação possa
oferecer as mesmas oportunidades de progressão a todas as crianças no sistema de
educação, independentemente do lugar onde estudam dentro do país. O perigo que
correm as pedagogias que tentam valorizar as culturas locais no contexto da educação
global é o de usar os elementos das culturas locais como uma espécie de folclore, ou
seja, que só sirvam para embelezar o currículo nacional com alguns elementos da
tradição sem no entanto tomar a sério estes elementos em todas as fases da actividade
pedagógica.
12

Geralmente, em nome da igualdade sacrifica-se a diferença. Não se trata pois de


desenvolver o que se pode designar por um currículo para turistas, ou seja, o tipo de
currículo que admite esporadicamente e de forma fragmentada temas de natureza local
cultivando nos alunos atitudes exóticas e folclóricas quando estão perante as suas
próprias tradições. Trata-se, pelo contrário, de fazer com que os alunos reconheçam e se
confrontem com a sua tradição viva, promovendo um olhar do diferente como algo de
estranho e de exótico, numa atitude comparativa que tem, muitas vezes, o efeito
perverso de separar o nós dos outros e de realçar as diferenças, reforçando os
estereótipos entre as gerações e povos (Castiano,2011).

Em segundo lugar é necessário alertar para o perigo da mistificação das tradições ou dos
conteúdos locais. O objectivo último da introdução de conteúdos locais não é só para ter
em conta a função reprodutiva da escola (como uma instituição que deve espelhar o que
a sociedade/comunidade tem como valores e tradições), mas também se deve olhar para
a função produtiva/inovadora da escola, i.e. a responsabilidade desta instituição em
melhorar a vida das pessoas que vivem nas comunidades. A inovação só pode ser
possível se se der a oportunidade às gerações mais novas de se confrontarem
criticamente com os valores e as tradições locais (o que não significa não respeitá-las).

Lemos em várias escolas a tendência de mistificação das tradições e costumes em lugar


de se mobilizar, através da escola, um esforço intelectual para compreender a
racionalidade que está por trás delas. Como manifestação desta mistificação pode
observar-se a tendência de só considerar-se os velhos da comunidade como informantes
ou pessoas de recurso.
O terceiro perigo que pode matar o processo de implementação do currículo local é o
que diz respeito à preparação teórica (mediar uma confrontação argumentativa e não
contígua de saberes de natureza e lógica de fundamentação diferente), pedagógica
(elaboração de textos didácticos a partir de conteúdos locais) e ética (humildade
intelectual para aprender com os membros das comunidades escolares) dos professores
(Castiano,2011).

Embora tenha encontrado muitos professores que se mostram entusiasmados com a


possibilidade de abordar na sala de aulas aspectos do mundo da vida dos alunos e da
comunidade circundante, este entusiasmo porém é insuficiente. Sob o ponto de vista
13

teórico é preciso preparar os professores para mediarem uma confrontação


argumentativa entre os saberes de natureza argumentativa diferente. Sob o ponto de
vista pedagógico torna-se necessário preparar os professores a tornarem os saberes,
temas e conteúdos que recolhem das comunidades ensináveis, ou seja, destrinçar os
conteúdos em objectivos e competências assim como fragmentá-los em tempos lectivos
e de aprendizagem. Há muitos conteúdos relevantes que já foram recolhidos do seio de
personalidades das comunidades diferentes deste país, mas o problema parece
prevalecer em como levá-los à sala de aulas (definir objectivos e competências,
enquadrar, dosificar, etc.). Sob o ponto de vista ético os professores devem ser
preparados para tratar os assuntos muito sensíveis da vida da comunidade. São assuntos
que dizem respeito aos tabus, às crenças, à medicina tradicional, etc. com que o
professor se vê pela primeira vez confrontado em abordar na sala de aulas. Ainda sob o
ponto de vista ético os professores deverão ser preparados para exercerem a sua função
investigativa dos saberes locai com a necessária humildade intelectual, isto é, de serem
capazes de deixarem-se ensinar conteúdos, valores e saberes por parte dos membros da
comunidade (mulheres, homens, jovens, velhos, etc.).

Estas matérias deverão fazer parte dos módulos tanto de formação inicial assim como
das capacitações (formação em exercício). Também temos que considerar que o papel
do professor passa a ser, no contexto de uma educação global, não só o de transmitir
conhecimentos (que vêm nos livros escolares) mas também o de produzir os mesmos
através da sua própria investigação e dosificação para serem ensinados. Este último
aspecto dá matéria suficiente para se repensar nas estratégias pedagógicas nas
formações (inicial e em exercício) dos professores, ou seja, em buscar novas estratégias
de formar um professor-investigador. Teremos que baixar alguns conteúdos
metodológicos que, no contexto da educação actual, são ensinados somente ao nível
superior universitário, para a formação de professores primários, se apostarmos numa
educação global de qualidade (Castiano,2011).

A escola é uma instituição de transmissão de conhecimentos e saberes. O quarto perigo


reside na possibilidade de se introduzir na escola conteúdos ou valores de qualquer tipo
(ex: de natureza supersticiosa, boatos ou anticonstitucionais). Por isso é necessário,
numa primeira fase, desenvolver mecanismos de selecção (não confundir com censura)
dos conteúdos relevantes.
14

É uma responsabilidade social das estruturas de educação garantir que estes conteúdos
sejam veiculados pela escola de forma mais científica (no sentido de um conhecimento
fundamentado) possível. Uma das formas de certificar-se desta cientificidade é
garantindo que o professor tenha material didáctico de consulta (livros) em relação ao
currículo local, o que actualmente não existe. Por isso propomos que esta grave lacuna
de falta de material seja minimizada na base de temas gerais de nível de cada Província
as autoridades provinciais de educação se encarregariam por elaborar brochuras
didácticas em redor aos temas provinciais propostos.
Um último perigo diz respeito à exclusão dos alunos e jovens na definição dos
conteúdos de aprendizagem. Como nos referimos acima, a tendência das consultas que
se fazem às comunidades e instituições locais quando se elaboram as brochuras
escolares do currículo local é a de abrangerem somente ou quase que exclusivamente às
pessoas idosas das comunidades, deixando os jovens e os próprios alunos à margem. De
facto é preciso recordar permanentemente que não há ensino possível sem o seu
reconhecimento, por parte daqueles a quem o ensino é dirigido.

De tudo o que foi abordado, pensamos, porém, que o maior desafio ao nível da
formulação de uma educação global que se impõe ao nível teórico, é o da formulação de
um discurso lógico que mostre que este tipo de educação se enquadra num âmbito mais
amplo de uma utopia social. A nossa utopia social é a de construir um Moçambique
mais justo. Pois, se ontem o paradigma da nossa acção deveria ser julgado na medida
em que ela se aproxima à liberdade dos moçambicanos contra o jugo colonial, hoje a
nossa utopia deve ser formulada em termos do que a liberdade conquistada comporta
como responsabilidade; pensamos que o eixo desta responsabilidade está num
engajamento pela justiça social. Lutar pela liberdade hoje significa lutar por uma justiça
social, é o que queremos dizer. Uma educação global deve estar em condições de avaliar
os aspectos do passado, dos hábitos culturais, dos saberes locais a partir do ângulo em
que eles se aproximam ao ideal da justiça social. Este é, se assim quisermos, um fim
pelo qual vale a pena engajar o nosso pensamento e engajarmo-nos.
15

3.CONCLUSÃO
Com o presente trabalho concluiu-se que a capacidade do homem ser educável, assenta
no facto de ele ser um ser racional, educação parte da imagem que temos do homem que
queremos construir. No que diz respeito a uma Educação Global, é muito importante
que desenvolvamos nas crianças não só o conhecimento dos conteúdos e tradições
locais como os que demos exemplos acima; é ainda mais importante desenvolver, e só
assim faz sentido falarmos de educação, a faculdade de cada criança julgar, ou seja, de
formular seu próprio juízo sobre estes mesmos hábitos e tradições que o professor
recolhera das cabeças das comunidades e das instituições tradicionais locais.
O professor precisa de reunir o maior número de informações possível, não só sobre o
passado mas também sobre o presente de que ele deve ser uma testemunha atento. É
preciso ter em atenção que, ao introduzir-se o currículo local estamos a tentar
implementar dois princípios de cada ser humano não negociáveis por via da educação
16

4.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Castiano, J.P., & Nguenha, S.E. (2011) Pensamento Engajado, Ensaios sobre filosofia
Africana, Educação e Cultura Politica, Educar Editora, Maputo, p. 85-96.

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