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Comando de Válvulas

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Comando de válvulas: o maestro mecânico

do motor
RODRIGO PASSOS 13 JANEIRO, 2016 183 COMENTÁRIOS
Se o motor pode ser considerado uma orquestra afinada, um dos maestros
deste conjunto é o comando de válvulas. É ele quem determina quando, por
quanto tempo e com que intensidade o ar entra e sai dos cilindros. Mas como
em toda boa orquestra o regente deve trabalhar de acordo com o limite dos
seus músicos, para que nenhum deles desafine. Então meus amigos, vamos
descrever cada parte cada parte, as suas funções, como elas interagem entre
si e com o restante do motor. Hoje é dia de comando (que não é o Delta).

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Uma conversa sincera com sua caranga


Isso pode parecer repetitivo, mas é extremamente necessário. Antes de
qualquer decisão sobre qual perfil de comando escolher (ou qualquer outra
modificação), pare tudo e bata aquele papo cabeça com sua caranga. Pegue
algumas long necks sentem-se apenas vocês dois e faça a pergunta filosofal.

Afinal de contas o que você realmente quer?


Um daily mais esperto, um devorador de autoestradas, uma ratoeira para track
days, um recordista dos 402 metros ou qualquer outra opção mirabolante que
sua cabeça crie.

A resposta para essa pergunta é essencial para guiar a sua escolha.


Respondida a primeira pergunta, você olha pro seu amigo e pergunta com mais
intimidade.

O que você tem aí?

Para escolher o comando de válvulas nós temos que saber qual o diâmetro e
curso do pistão, relação R/L, diâmetros de válvulas, relação entre áreas, faixa
de rotação máxima atual e pretendida, taxa de compressão e nos casos
extremos outras informações ainda mais específicas são necessárias.

Todas essas respostas, aliadas as outras informações contidas aqui servirão


como Norte para que você escolha seu comando de forma mais consciente.
Muitos já estão familiarizados com os termos que envolvem um comando de
válvulas, mas para que não haja dúvidas vamos ver cada um deles.

1. Came ou lobe: É o ressalto excêntrico que, de maneira geral, converte o movimento rotativo do eixo em
alternativo para a válvula.
2. Círculo base:

Como o próprio nome sugere, é um circulo imaginário que compõe a parte


concêntrica do eixo de comando. É nessa área do came que a válvula
permanece fechada (também conhecida como calcanhar).

1. Levante:

É o resultado da subtração do círculo base pela altura total do came.

1. Rampas:

As áreas do came onde se inicia e finaliza a abertura e fechamento da válvula.

1. Flancos:

É a continuação da rampa, onde a taxa de aceleração fica claramente definida.

1. Nariz:

Nariz é o nome popular da parte mais elevada do comando, onde a válvula tem
menor aceleração e alcançará sua máxima abertura.

1. Simetria:

Refere-se aos perfis de abertura e fechamento do came. Há comandos onde


estes perfis são diferentes, por exemplo, um perfil que tem a rampa de
fechamento mais lenta que a de abertura. A esse tipo de perfil, chamamos
assimétrico.

1. Padrão:

Um comando pode ter cames com diferentes graduações para admissão e


escape. Quando isso ocorre, chamamos de padrão duplo, quando as
graduações são iguais chamamos de padrão simples.

1. Duração:

É o ângulo total de abertura e fechamento da válvula. E consequentemente o


ângulo total do lobe.
1. Linha de centro:

O ponto de maior levante no came determina a linha de centro do came. Que é


o ponto de mudança no movimento das válvulas. De descendente para
ascendente ou vice-versa. Pode ser encontrada na literatura como centerline.
1. Ângulo de separação:

É o valor em graus para a distância entre as linhas de centro de admissão e


escape. Também é conhecido como lobe separation angle (LSA) 
1. Cruzamento:

Chamamos de cruzamento o momento em que as válvulas de admissão e


escape estão abertas ao mesmo tempo. Isso ocorre porque a rampa de
fechamento do escape ainda não terminou e a rampa de abertura da admissão
já se iniciou. O cruzamento também é chamado de Overlap.
 

Dissecando o cérebro
Vocês devem se perguntar. Por que os valores de ângulo medidos no comando
são na verdade uma referência ao deslocamento do virabrequim? Isso
acontece para que se saiba a posição dos pistões, válvulas e em que tempo o
cilindro está durante os ajustes. Lembrando que todos os ajustes são feitos
tomando como referência o cilindro um.

A teoria dos motores de ciclo Otto diz que a válvula de admissão abre a 0° e
fechar a 180°, enquanto a válvula de escape abriria a 540° e fecharia a 720°.
Porém o mundo real traz algumas variáveis que complicam um pouquinho essa
teoria.

O conjunto de acessórios que dão suporte ao movimento da válvula assim


como ela própria possui uma massa considerável. Graças à inércia, todo esse
conjunto não pode sofrer aceleração instantânea, pois o risco de quebra é
imenso. Então o comando deve iniciar a abertura da válvula mais cedo e ter
uma menor aceleração para que as válvulas não flutuem. Também, na faixa
mais alta de rotações um motor que tenha uma relação pequena entre áreas
(área da válvula vs área do cilindro) apresenta uma maior resistência ao
enchimento dos cilindros. Por todos esses motivos a duração dos lobes deve
ser maior que os respectivos tempos de admissão e escape.

Então, com a influência de todos estes fatores entendemos que. Quanto maior
a duração do came de comando maior será a eficiência do motor. Certo? Não,
como diria o Yoda. “Quanto maior a duração do came for, para cima mais
deslocada a powerband será.” Ou seja, num comando de grande duração
encontraremos os picos de torque e potência nos regimes mais altos de
rotação. Em casos mais extremos, como motores preparados para provas de
arrancada, ocorre à reversão de fluxo na admissão e há perda completa da
dirigibilidade em baixas rotações. A duração do comando está diretamente
ligada ao diâmetro do círculo base e ao círculo do nariz. Sendo o círculo base a
referência, quanto menor o seu diâmetro em relação ao nariz. Maior será a
duração do came. Sendo inclusive essa relação o fundamento de uma das
mais antigas técnicas de preparação. O heel griding, que consiste em reduzir o
diâmetro do círculo base aumentando assim a duração do lobe de comando.
Por isso os motores produzidos com proposta urbana têm comandos de
válvulas com pequenos valores de duração. O para e anda, baixas velocidades
e constantes retomadas pedem que bastante torque esteja disponível nos
regimes mais baixos.

Para atender a necessidade de uma maior duração e ainda sim distribuir a


faixa de potência da melhor forma possível os fabricantes recorrem a outros
ajustes do perfil de comando.

Eventos de válvulas
Antes de falarmos sobre os outros elementos que compõem o perfil de um
comando, devemos que entender os eventos de válvulas e importância de cada
um.

Temos quatro eventos, válvula de admissão abre (IVO), válvula de admissão


fecha (IVC), válvula de escape abre (EVO) e válvula de admissão fecha (EVC).
Quando lemos as folhas de dados que acompanham os comandos elas
normalmente são organizadas desta forma, mas se seguirmos o sentido de
ocorrência dos eventos durante a sequência muda para EVO, IVO, EVC, IVC.
Daí você deve estar se perguntado. Que diferença essa sequência faz? Muita
diferença jovem.
O principal evento dentre os quatro é o fechamento da válvula de admissão.
Ele determina como a pressão de enchimento do cilindro ocorre. Então ele é
uma peça chave para determinar onde ocorrerá o pico de torque. Um IVC que
ocorre cedo aumenta o torque disponível em baixas rotações, porém limita a
potência nos regimes mais altos, pois limita o tempo de enchimento do cilindro.
Por outro lado, um IVC tardio permite um ótimo desempenho nas rotações mais
altas, mas compromete o enchimento do cilindro em baixa, pois o maior tempo
de “válvula aberta” combinado à baixa inercia do fluxo (saiba mais sobre fluxo
de admissão aqui) causa a reversão do fluxo quando o pistão inicia seu
movimento ascendente.
O segundo evento mais importante é a abertura da válvula de escape. É o
responsável por determinar Quanto de energia os gases de escape carregarão
durante o pulso inicial (falamos sobre ele aqui) e com isso também
determinamos indiretamente a fração de gases residuais que ficarão no
cilindro. Um EVO que ocorre cedo limita a quantidade de trabalho realizado
pelo pistão (e consequentemente o torque), pois a válvula abre ainda durante a
expansão dos gases. Porém essa mesma abertura precoce ajuda a gerar mais
potência em altas rotações pelo maior tempo disponível para a exaustão.
Estudos mostram que setenta e cinco por cento da energia de expansão dos
gases é liberada até os 100° após o PMS. Por esse motivo muitos comandos
voltados para o alto desempenho possuem um EVO bastante prematuro.
O evento de fechamento da válvula de escape (EVC) afeta o cruzamento de
válvulas, o overlap. Uma válvula que fecha cedo ajuda a manter uma boa
marcha lenta e a dirigibilidade em baixas rotações. Porém esse mesmo perfil
limita os ganhos a partir dos regimes intermediários, pois não permite uma boa
interação entre admissão e escape. Reduzindo assim a eficiência volumétrica
do cilindro.
Na ordem de importância o último evento é IVO. Este combinado ao EVC
determina o tempo total de overlap. Este evento também afeta a dirigibilidade,
ocorrendo cedo demais haverá contaminação da mistura ar/combustível. Pois
os gases de escape têm, relativamente, maior quantidade de energia nos
regimes mais baixos que a mistura nos dutos de admissão. Nos regimes mais
altos de giro a depressão gerada na câmara pela saída dos gases de
combustão em alta velocidade combinada à abertura precoce aumentam a
eficiência volumétrica do cilindro. Ao contrário uma abertura tardia cria uma
marcha lenta suave e constante, mas em altas rotações aniquila o efeito de
indução do cruzamento.
É baseado nesses quatro condicionantes que um projetista irá trabalhar para
atender o perfil de resposta pretendido para um motor. Desde um V8 com uma
montanha de torque pronta a mover uma pick up com uma lancha de duas
toneladas, a um minúsculo 3 cilindros sobrealimentado que participa de uma
prova de endurance.
 

Conceitos não muito corretos e o que realmente conta.


Quantas vezes vocês já devem ter ouvido alguém dizer, ou mesmo leram
enquanto buscavam informações na rede. “Este comando é bravo, é um X⁰ por
X⁰!” Pessoal, sendo bem sincero: esse tipo de informação não lhe diz
praticamente nada. A duração sozinha mostra apenas quanto tempo as suas
válvulas passarão abertas, mas não quando isso vai acontecer. Para descobrir
o “quando e onde”, você precisa de pelo menos duas informações.

A primeira é a linha de centro de pelo menos um dos lobes (preferencialmente


procure por ambas). Como dissemos no glossário a centerline é o ponto mais
alto da curva, mas não necessariamente é o centro da curva. A designação
realmente confunde, mas se você tiver um comando de perfil assimétrico, uma
rampa terá duração diferente da outra (Falaremos sobre simetria um pouco
mais abaixo). A linha de centro é informada em graus, como todas as outras
informações de deslocamento angular, e esta graduação é referente ao
deslocamento do virabrequim. Ou seja, o valor indicado no chart sempre será
expresso em graus depois PMS para o came de admissão e antes do PMS
para o came de escape. Veja a tabela abaixo com o exemplo de cálculo das
linhas de centro e ângulo de separação.

Com essa tabela podemos ver que as linhas de centro e o ângulo de


separação dos lobes possuem uma relação direta. O LSA é o ângulo formado
entre as duas linhas de centro, e seu valor é a metade da soma entre as linhas
de centro. Mas por que metade? Porque o valor do ângulo é referente ao
deslocamento do comando de válvulas, e como este gira com a metade da
velocidade do virabrequim, seu deslocamento automaticamente será metade
do deslocamento feito pela árvore de bielas.

Ok. Já sabemos o que é o ângulo de separação, mas como ele influencia o


comportamento do motor? Quando variamos o LSA automaticamente
mudamos o momento de ocorrência dos quatro eventos das válvulas falados
mais acima. Dessa forma, quanto maior for o ângulo de separação mais cedo
os picos de torque e potência irão acontecer. Quanto menor for o ângulo mais
tarde os picos ocorrem. O LSA é fixo em motores que possuem apenas um
comando de válvulas, mas podem ser variados quando o caso é de duplo
comando este ângulo pode ser alterado modificando a posição dos comandos.
E isso nos leva ao próximo tópico
 

Comando avançado ou retardado?


Avançar ou retardar (atrasar) o comando de válvulas consiste em modificar a
posição do comando em relação ao seu sincronismo original. Se o comando for
girado para frente no sentido de rotação do motor dizemos que ele está sendo
adiantado. Se o movimento é no sentido contrário ele está sendo retardado em
sua atuação. O objetivo é alterar o momento de ocorrência dos eventos. Como
mostra a animação mais acima, avançando o comando adiantamos os eventos
gerando ganhos nos regimes mais baixos. Retardando o comando atrasamos
os eventos e o efeito é contrário. Ou seja, esse artifício funciona como uma
gangorra. Se uma extremidade se eleva, a outra decresce.

Para se conseguir modificar a posição do comando é necessária uma polia


variável. Esta possui uma marcação para o zero grau (a posição original do
comando) e outras para o avanço e retardo. Normalmente as divisões são de
um grau, mas temos que lembrar que essa graduação é referente ao ângulo do
comando. Então cada grau deslocado do comando corresponde a dois graus
do virabrequim. O ajuste deve ser feito com um dos elementos travados (o
comando ou o virabrequim), após ambos serem sincronizados no PMS.

Sempre deve ser checada a folga entre as válvulas e o pistão, quando este tipo
de alteração for feita. Pois em excesso ambas podem gerar uma colisão. E
ninguém quer uma cena dessas em mãos.

Levante, rampas e nariz


Após os eventos de válvula os elementos mais importantes na criação de um
perfil de comando são o levante e a rampas de aceleração. Estes elementos
atuam em conjunto e determinam a área total de abertura das válvulas e
consequentemente a vazão máxima.
Porém a abertura máxima corresponde a uma porcentagem muito pequena do
tempo em que a válvula permanece aberta. O mais importante num perfil é o
levante médio e não o pico. É esta média de abertura quem nos dará noção da
faixa de rotação atendida pelo motor. Vou exemplificar para que tudo fique um
pouco mais claro.

Temos um comando com cames de 260° de duração e levante de válvula de


9,74 milímetros, numa aproximação simples o levante médio será
aproximadamente 6,4 mm. Se usarmos esse perfil em três motores com
deslocamentos diferentes, mas cabeçotes exatamente iguais com válvulas de
32,5 mm. Veremos que os motores apresentarão faixas de trabalho totalmente
diferentes, observe na tabela abaixo.

Vejam que o perfil fica superdimensionado para um motor pequeno (a não ser
que estejamos falando de um motor de pista). Caberia como uma luva num
motor médio esportivo. Mas ficaria um pouco aquém para os parâmetros atuais
de um motor com deslocamento maior. Isso mostra que um mesmo perfil pode
apresentar resultados totalmente antagônicos quando aplicado em motores
com características diferentes. Por isso não existe receita de bolo meu chapa.

Mas afinal, qual o fator que realmente limita a faixa útil de um comando? Como
cargas d’água eu cheguei a esses valores? Basicamente é a velocidade de
deslocamento da massa de ar. Quando este chega à condição sônica
(velocidade igual ou superior a do som) o fluxo estagna. Ocorre o chamado
estrangulamento de fluxo. Então é a combinação entre diâmetro de válvulas e
levante médio quem determina a área total de passagem e consequentemente
o fluxo máximo. Estes valores são baseados na área total disponível para a
passagem do fluxo. Que é a combinação entre o levante médio e a área da
válvula (área da tulipa menos área da haste). É esta área quem gera o
Princípio Bernouli (leia a bela explicação do Juliano aqui) e determina a
velocidade máxima do fluxo e consequentemente a sua vazão.

Observem a imagem acima, estes dois perfis possuem duração e levante


iguais, mas são extremamente diferentes devido a um fator. Aquele que
também determina o temperamento de um comando de válvulas. A sua taxa de
aceleração. Esta taxa é a razão entre o levante e a graduação do comando.
Trocando em miúdos, ela representa quantos décimos de milímetro a válvula
irá se deslocar a cada grau percorrido pelo comando. Mas a conta não é tão
simples quanto parece, não basta dividir a duração por dois e então dividir o
levante pelo resultado. Nesta equação também deve entrar o tamanho do nariz.
Não é uma piada, como dissemos no glossário, o nariz é a área onde está o
maior levante do comando. Então o tempo ou ângulo de permanência (dwell
time) dessa área influencia a taxa de aceleração. Quanto maior for o nariz
maior será a taxa de aceleração do comando e maior será o levante médio
deste.
Se tivermos uma maior média de levante consequentemente podemos ter um
fluxo maior para uma mesma duração. Por esse motivo os comandos mais
agressivos têm narizes maiores. Mas há consequências quando se utiliza uma
taxa de aceleração elevada. A primeira delas é a perda de torque e
dirigibilidade nas rotações mais baixas. Pois com uma maior abertura o fluxo
tem menos velocidade e pode levar a reversão em certos casos. A segunda e
mais grave é o aumento do risco de flutuação da válvula, o que pode levar mais
uma vez a colisão entre pistão e válvula.
Para evitar este comportamento em perfis mais agressivos os fabricantes
algumas vezes recorrem a cames assimétricos, onde as taxas de aceleração
de abertura e fechamento são diferentes. Nestes casos a taxa de fechamento é
menor para que este seja mais suave, evitando assim a flutuação da válvula. A
assimetria também pode ocorrer com diferentes durações para abertura e
fechamento, o que nos leva a outras características de perfil, normalmente
encontradas em motores sobrealimentados. E sobre ele falaremos no próximo
post.

Tem muito mais vindo aí


Esse catatau de parágrafos, termos e ideias nós chegamos a metade do
assunto. Sim, metade! Agora que vocês já sabem como funciona toda a
filosofia e estrutura de uma árvore de comando, estão prontos para a próxima
parte. Nós vamos abordar o conjunto acessório às válvulas, sistemas variáveis
e outros tipos de acionamento de comando de válvulas.

Então senhores até a próxima!

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