Encarte Amarilis PDF1
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Contextualização da obra
aso,
ele,
Amarílis
Eva Furnari
m Ilustrações de Cárcamo
Organização pedagógica
Maria José Nóbrega
Ilustrações Cárcamo
De Leitores e Asas Sei que a andorinha está no coqueiro,
e que o sabiá está na beira-mar.
Maria José Nóbrega
Observo que a andorinha vai e volta,
mas não sei onde está meu amor que partiu e não quer voltar.
“Andorinha no coqueiro,
Sabiá na beira-mar,
O assunto da trova é o relacionamento amoroso, a dor
Andorinha vai e volta,
de cotovelo pelo abandono e, dependendo da experiência
Meu amor não quer voltar.”
prévia que tivermos a respeito do assunto, quer seja esta
vivida pessoalmente ou “vivida” por meio da ficção, diferen-
Numa primeira dimensão, ler pode ser entendido como
tes emoções podem ser ativadas: alívio por estarmos próxi-
decifrar o escrito, isto é, compreender o que letras e outros
mos de quem amamos, cumplicidade por estarmos distan-
sinais gráficos representam. Sem dúvida, boa parte das
tes de quem amamos, desilusão por não acreditarmos mais
atividades que são realizadas com as crianças nas séries
no amor, esperança de encontrar alguém diferente...
iniciais do Ensino Fundamental tem como finalidade desen-
Quem produz ou lê um texto o faz a partir de um certo
volver essa capacidade.
lugar, como diz Leonardo Boff*, a partir de onde estão seus
Ingenuamente, muitos pensam que, uma vez que a
pés e do que veem seus olhos. Os horizontes de quem escreve
criança tenha fluência para decifrar os sinais da escrita,
e os de quem lê podem estar mais ou menos próximos, assim
pode ler sozinha, pois os sentidos estariam lá, no texto,
como os horizontes de um leitor e os de outro. As leituras pro-
bastando colhê-los.
duzem interpretações que produzem avaliações que revelam
Por essa concepção, qualquer um que soubesse ler e
posições: pode-se ou não concordar com o quadro de valores
conhecesse o que as palavras significam estaria apto a di-
sustentados ou sugeridos pelo texto.
zer em que lugar estão a andorinha e o sabiá; qual dos dois
Se refletirmos a respeito do último verso “meu amor não
pássaros vai e volta e quem não quer voltar. Mas será que
quer voltar”, podemos indagar, legitimamente, sem nenhu-
a resposta a essas questões bastaria para assegurar que a
ma esperança de encontrar a resposta no texto: por que ele
trova foi compreendida? Certamente não. A compreensão
ou ela não “quer” voltar? Repare que não é “não pode” que
vai depender, também, e muito, do que o leitor já souber
está escrito, é “não quer”, isto quer dizer que poderia, mas
sobre pássaros e amores.
não quer voltar. O que teria provocado a separação? O amor
Isso porque muitos dos sentidos que depreendemos ao
acabou? Apaixonou-se por outra ou outro? Outros projetos
ler derivam de complexas operações cognitivas para pro-
de vida foram mais fortes que o amor: os estudos, a carreira
duzir inferências. Lemos o que está nos intervalos entre as
etc.? O “eu” é muito possessivo e gosta de controlar os pas-
palavras, nas entrelinhas, lemos, portanto, o que não está
sos dele ou dela, como controla os da andorinha e do sabiá?
escrito. É como se o texto apresentasse lacunas que deves-
Quem é esse que se diz “eu”? Se imaginarmos um “eu”
sem ser preenchidas pelo trabalho do leitor.
masculino, por exemplo, poderíamos, num tom machista,
Se retornarmos à trova acima, descobriremos um “eu”
sustentar que mulher tem de ser mesmo conduzida com
que associa pássaros à pessoa amada. Ele sabe o lugar
rédea curta, porque senão voa; num tom feminista, pode-
em que estão a andorinha e o sabiá; observa que as ando-
ríamos dizer que a mulher fez muito bem em abandonar
rinhas migram, “vão e voltam”, mas, diferentemente des-
alguém tão controlador. Está instalada a polêmica das mui-
tas, seu amor foi e não voltou.
tas vozes que circulam nas práticas sociais...
Apesar de não estar explícita, percebemos a compa-
Se levamos alguns anos para aprender a decifrar o es-
ração entre a andorinha e a pessoa amada: ambas parti-
crito com autonomia, ler na dimensão que descrevemos é
ram em um dado momento. Apesar de também não estar
uma aprendizagem que não se esgota nunca, pois para al-
explícita, percebemos a oposição entre elas: a andorinha
guns textos seremos sempre leitores iniciantes.
retorna, mas a pessoa amada “não quer voltar”. Se todos
esses elementos que podem ser deduzidos pelo trabalho * “Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés
do leitor estivessem explícitos, o texto ficaria mais ou me- pisam.” A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. 37ª ed.
Petrópolis: Vozes, 2001.
nos assim:
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Um pouco sobre Eva Furnari,
a autora de Amarílis
Eva Furnari nasceu em Roma, Itália, em 1948, e veio para o Brasil