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Dissertacao Fernanda Piletti

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO


ÁREA DE CONHECIMENTO DAS HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO

FERNANDA PILETTI

MEMÓRIAS DE ESCOLARIZAÇÃO NO MEIO RURAL DE FARROUPILHA/RS:


O GRUPO ESCOLAR JANSEN (1937-1958)

CAXIAS DO SUL
2018
FERNANDA PILETTI

MEMÓRIAS DE ESCOLARIZAÇÃO NO MEIO RURAL DE FARROUPILHA/RS:


O GRUPO ESCOLAR JANSEN (1937-1958)

Dissertação apresentada junto ao


Programa de Pós-Graduação em
Educação, Curso de Mestrado da
Universidade de Caxias do Sul, como
requisito para obtenção do título de mestre
em Educação.

Linha de pesquisa: História e Filosofia da


Educação.

Orientador: Prof. Dr. José Edimar de Souza.

CAXIAS DO SUL
2018
AGRADECIMENTOS

No decorrer desta pesquisa, pude perceber como o trabalho do investigador


pode ser extenuante e solitário. Finalizada esta etapa, tenho muitos agradecimentos
a fazer, e os faço com lágrimas.
Aos meus pais, Marlene Agnoletto Piletti e Celso Piletti. Quanto carinho e
auxílio neste caminhar! Só vocês sabem o quanto trabalharam incansavelmente, a
vida toda, para que nós pudéssemos estudar, por crerem que essa seria a maior
herança que poderiam nos deixar. Exprimo minha gratidão por tudo que são e
representam para mim. Mãe, você é a luz no meu caminho; agradeço-lhe pela
oportunidade de viver, e pelo incentivo para estudar, e por sempre me desejar o
melhor.
Ao Celso Roman Júnior, meu amor, por estar sempre me incentivando e
ajudando, escutando minhas angústias e me apoiando. Sem você, esta dura jornada
não seria possível, agradeço a constante ajuda.
Ao professor José Edimar, pela orientação. Professor, quanta paciência,
incentivo e comprometimento, sempre com o olhar atento. O senhor é um grande
mestre e exemplo de dedicação.
Aos colegas do mestrado: o percurso foi difícil, não há como negar; mas todas
as vitórias implicam abdicação.
Às amizades tecidas ao longo do curso: Cristian Giacomoni, Deise da Silva
Santos e Gisele Alves. Meu obrigada pelo ombro amigo, pelo auxílio e pela escuta
sensível em todos os momentos.
Aos entrevistados que compartilharam suas memórias e seu tempo comigo:
Ernilda Maria Cavalli Tocchetto, Therezinha Ana Mangoni, Waldeni João Mangoni e
Edejalme José Mangoni.
À secretária e professora da E. E. E. M. Júlio Mangoni, Karen Megui de Bona,
que sempre esteve disposta a compartilhar seu tempo para a ajudar na busca de
documentos para complementar minha pesquisa.
À professora Caroline Nichetti, por intermediar as entrevistas, sempre muito
solícita, prestativa e comprometida.
A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade de Caxias do Sul.
Às professoras doutoras Eliana Rela, Valesca Brasil Costa, Tatiane Ermel e
Margarete Panerai Araújo, por generosamente aceitarem o convite para estarem
presentes na banca e por contribuírem com seus olhares a esta pesquisa.
Por fim, a todos que, de alguma forma, estiveram presentes neste percurso e
contribuíram para a produção desta dissertação.
“A representação do mundo, como o próprio
mundo, é operação dos homens; eles o descrevem do
ponto de vista que lhe é peculiar e que confundem com
verdade absoluta.”
“Todas as vitórias ocultam uma abdicação.”

(SIMONE DE BEAUVOIR, 1972. p.175)


RESUMO

Esta dissertação investigou o processo de constituição do Grupo Escolar Jansen,


instituição localizada no 2° distrito de Farroupilha/RS. O trabalho teve como recorte
temporal o período entre o ano de 1937, no qual a escola foi fundada, e o ano de 1958,
momento em que a escola se institucionaliza, instalando-se em um prédio específico.
Os pressupostos teóricos e metodológicos foram orientados pela História Cultural,
utilizando-se das contribuições dos autores como Burke (1989), Chartier (2002),
Halbwachs (2006), e Pesavento (2006). A metodologia considerou as memórias como
documento, a partir de Grazziotin; Almeida (2012), e valeu-se da análise documental.
Foram entrevistados três alunos egressos e uma professora, que também exerceu a
função de direção da escola pesquisada. Além das memórias organizadas a partir da
metodologia da História Oral, outros documentos foram analisados, como: fotografias,
Livro de Inspeção e Visitas, Livro de Ponto, Livro de Atas, entre outras fontes
localizadas nos arquivos da secretaria da E. E. E. M. Júlio Mangoni. O estudo foi
dividido em cinco capítulos. O primeiro refere-se às considerações iniciais, nas quais
se contextualiza a perspectiva teórica e se problematiza o objeto de pesquisa. O
segundo capítulo teve como propósito abordar os percursos metodológicos para
realização da pesquisa. O terceiro capítulo caracteriza aspectos de escolarização em
Farroupilha, indicando como ocorreram as relações de contexto nessa localidade.
Nesse sentido, destaca-se ainda a chegada dos imigrantes à região, o
desenvolvimento formal da educação primária no meio rural, a institucionalização das
escolas étnicas e o movimento de nacionalização da educação. O quarto capítulo
enfatizou a constituição da instituição a partir dos vestígios da cultura escolar,
expressa por meio de práticas e representações, destacando: as condições de
instalação e funcionamento dos primeiros tempos da escola; o modo como os
professores realizavam as aulas e estruturavam seu planejamento; e as orientações
da inspeção escolar, que defendia o higienismo e o civismo como uma possibilidade
de “modificar” as práticas e os valores de uma comunidade. O quinto capítulo, das
considerações finais, retoma aspectos que perpassam a pesquisa desenvolvida.
Conclui-se, com esta investigação, que os grupos escolares implantados no meio rural
de Farroupilha/RS, como é o caso da instituição de Vila Jansen, preservaram aspectos
das antigas aulas isoladas, as quais constituíam o formato de escola predominante no
município. Além disso, a pesquisa possibilitou compreender, a partir da análise, as
representações sobre a cultura desse lugar, indicando como a presença da escola
contribuiu para que determinado tipo de ensino praticado perpetuasse memórias
sobre a cultura escolar.

Palavras-chave: Farroupilha/RS. Grupo Escolar. Grupo Escolar Jansen.


Escolarização. Ensino Rural.
ABSTRACT

This dissertation investigated the process of constitution of School Group Jansen, an


institution located in the 2nd district of Farroupilha/RS. The work had as a temporal cut
in the year 1937, the year in which the school was founded, until the year of 1958,
when the school installs on the building-specific work to the institution. The theoretical
assumptions and methodological approaches guided by Cultural History, using the
contributions of authors such as Burke (1989), Chartier (2002), Halbwachs (2006), and
Pesavento (2006). The methodology considered the memories as a document, from
Grazziotin; Almeida (2012) and used the documentary analysis. Were interviewed
three students are graduates and a teacher who also held the function of the direction
of the school searched. In addition to of the memories are organized according to the
methodology of Oral History, other documents were analyzed such as: photo,
Inspection Book and Visits, Book Point, Book of Minutes, among other sources located
in the archives of the secretariat of the E. E. E. M Júlio Mangoni. The study produced
was divided into five chapters, the first refers to the initial considerations, where it is
explained the theoretical perspective and analysis of the research object. The second
chapter aimed to address the pathways methodological, to conducting the research.
The third chapter characterizes the aspects of schooling in Farroupilha and as they
occurred, the relations of the context. In this sense, stands out the arrival of immigrants
in the region, development of formal primary education in rural areas, the
institutionalization of the schools of the ethnic, the movement of nationalization of
education. The fourth chapter emphasized, the constitution of the institution from the
remnants of the school culture is expressed through practices and representations,
highlighting the conditions of installation and operation of the first days of school. As
the teachers performed the classes and structuring their planning. Highlighting the
guidelines of the school inspection, which was defending the higienismo and civics as
a possibility to “modify” the practices and values of a community. The fifth chapter, of
the final considerations, I come back to aspects that underlie the research conducted.
It is concluded with this research that the school groups located in rural areas of
Farroupilha/RS, as is the case of the institution of Vila Jansen has preserved aspects
of the old classes and isolated that was the form of the school predominant in the
municipality. In addition, the research made it possible to understand from the analysis
of the representations about the culture of this place, as well as the presence of the
school has contributed to a type of teaching practiced perpetuasse memories about
the school culture.

Keywords: Farroupilha/RS. Group the School. School Group Jansen. Schooling.


Education Rural.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Mapa do município de Farroupilha no Estado do Rio Grande do Sul ....... 13


Figura 2 - Mapa de Farroupilha: divisão por distritos ................................................ 41
LISTA DE FOTOGRAFIAS

Fotografia 1 - Prédio construído – GEJ (1958) .......................................................... 19


Fotografia 2 - Livro de ponto dos professores (1938) ................................................ 25
Fotografia 3 - Sujeitos entrevistados para a pesquisa ............................................... 28
Fotografia 4 - Linha Jansen (1918) ........................................................................... 43
Fotografia 5 - Desfile da Semana da Pátria (1939) ................................................... 47
Fotografia 6 - Fundos do prédio do Grupo Escolar Jansen (1958)............................ 63
Fotografia 7 - Sala de Aula no GEJ ........................................................................... 65
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Designação do GEJ nos séculos XX e XXI ............................................. 18


Quadro 2 - Documentos pesquisados no Acervo da Secretaria da Escola Júlio
Mangoni .............................................................................................................................. 24
Quadro 3 - Sujeitos entrevistados da pesquisa ......................................................... 26
Quadro 4 - Professoras que exerceram a função de diretoras de 1938 a 1958 ........ 27
Quadro 5 - População da Colônia Dona Isabel (1883) .............................................. 42
Quadro 6 - Escolas Municipais do 2º Distrito de Farroupilha/RS .............................. 53
LISTA DE SIGLAS

ASPHE Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da


Educação
BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
GEJ Grupo Escolar Jansen
EEEMJM Escola Estadual de Ensino Médio Júlio Mangoni
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação
PME Plano Municipal de Educação
SUMÁRIO

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................................................................. 12


2 OS PERCURSOS METODOLÓGICOS NO DESENVOLVIMENTO DA
PESQUISA ................................................................................................................ 23
3 ASPECTOS DE ESCOLARIZAÇÃO EM FARROUPILHA: RELAÇÕES DE
CONTEXTO .............................................................................................................. 34
3.1 A ESCOLARIZAÇÃO NA VILA JANSEN: RELAÇÕES DE CONTEXTO............. 38
3.3.1 A localidade de Vila Jansen e a imigração ................................................... 39
3.3.2 Aspectos da escolarização............................................................................ 43
4 MEMÓRIAS EM TORNO DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DE UM GRUPO
ESCOLAR ................................................................................................................. 50
4.1 VESTÍGIOS DE UMA CULTURA ESCOLAR: AS REPRESENTAÇÕES SOBRE
AS AULAS ................................................................................................................. 58
4.1.1 Civilizar o rural: civismo e higienismo ......................................................... 70
4.2 SER PROFESSORA NO MEIO RURAL: MEMÓRIAS SOBRE DOCÊNCIA E
FORMAÇÃO.............................................................................................................. 74
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 81
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 85
APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA O PROJETO ......................... 93
APÊNDICE B – MODELO DE TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO (TCLE)............................................................................................ 94
APÊNDICE C – PRIMEIRA PÁGINA DA ORGANIZAÇÃO DAS MEMÓRIAS ......... 95
APÊNDICE D – PRIMEIRA PÁGINA DA ORGANIZAÇÃO DO LIVRO DE
VISITAS .................................................................................................................... 96
ANEXO A – ATA DE INSTALAÇÃO DO GRUPO ESCOLAR DE LINHA JANSEN 97
12

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Esta pesquisa fundamenta-se no aporte teórico da História Cultural, que


possibilita analisar o passado pelos sentidos e significados culturais atribuídos às
práticas e representações dos diferentes sujeitos que compõem um determinado
grupo social. Entendo que, por intermédio da cultura, os sujeitos dão sentido ao
mundo. Assim, por meio de memórias, é possível compor histórias de distintos lugares
referentes a aspectos específicos atinentes a esses espaços:

Investigar a história, as memórias, as instituições escolares, os sujeitos, as


práticas, as culturas e suas representações são uma possibilidade de
conhecer um pouco do passado para refletir as ações realizadas no presente.
Dessa forma, o conhecimento de nossa história surge, em algum momento,
como uma necessidade para os humanos, porque entender nosso passado é
(re)fazer uma descoberta do que somos no presente (SILVA; SILVA, 2012).

Meu interesse em desenvolver esta pesquisa se deu em função dos poucos


estudos encontrados, durante a elaboração da revisão de literatura, sobre os grupos
escolares1 no Rio Grande do Sul – em especial em Farroupilha. Além disso,
identifiquei a inexistência de trabalhos científicos sobre os grupos escolares rurais no
interior do município de Farroupilha, mais especificamente, sobre o Grupo Escolar
Jansen.
A partir dessas constatações, tracei o objetivo desta dissertação, que consiste
em analisar e compreender os processos e práticas de escolarização que contribuíram
para a constituição do Grupo Escolar Jansen, situado no meio rural de Farroupilha/RS,
entre os anos de 1937-1958.
Para cumprir com esse objetivo geral, a problemática desdobra-se em objetivos
específicos, a saber:

a) Identificar e conhecer como ocorreu o processo de escolarização em Linha


Jansen2, bem como as relações que se estabeleceram a partir dos aspectos
atinentes ao contexto em que o local está inserido;

1 Como abordarei na dissertação a partir dos trabalhos de referência no Rio Grande do Sul,
Peres (2000), Grazziotin e Almeida (2016).
2 Esta questão será desenvolvida no capítulo 3, p. 48-49.
13

b) Identificar e compreender, a partir de documentos e narrativas, as culturas e


práticas desenvolvidas nessa instituição de ensino, bem como construir uma
narrativa sobre a história da escola a partir de tais representações.

Farroupilha3, Figura 01 a seguir, é um município brasileiro pertencente ao


Estado do Rio Grande do Sul. Está 116 quilômetros distante da capital, Porto Alegre,
e localiza-se na microrregião de Caxias do Sul. Abaixo, apresento o mapa de
localização do município.

Figura 1 - Mapa do município de Farroupilha no Estado do Rio Grande do Sul

Fonte: Marchetto (2016, p. 31).

Esta dissertação está inserida no campo da Educação e reflete o meu interesse


em investigar os processos de escolarização em uma instituição de ensino pública.
Além disso, minha trajetória pessoal e profissional se relaciona com a história desse
educandário: além de eu ter cursado o ensino fundamental e médio em escolas

3 Atualmente, o destaque produtivo do município está concentrado na produção de kiwi, bem como na
expansão das atividades industriais, com enfoque para empresas coureiro-calçadistas e malharias.
14

públicas, também trabalho atualmente em uma dessas instituições. Dessa forma, a


partir de minha motivação, no contexto deste estudo, pretendo contribuir com
pesquisas sobre a história das instituições escolares, em nível local e regional.
As instituições escolares podem ser estudadas pelo viés da História Cultural,
pelo fato de essa área se constituir num rico campo de pesquisa. A História Cultural
busca interrogar e observar o cotidiano de instituições, verificando suas práticas.
Importa pontuar que, além de se situarem em determinado espaço físico, as
instituições escolares

[...] se constituem de um conjunto de relações sociais, as quais se instauram


a partir de uma base material. Sendo assim, a análise do funcionamento da
instituição escolar, através dos seus aspectos materiais e administrativos,
como também das práticas, dos interesses e das categorias de interpretação
dos diversos grupos de agentes, é fundamental para explicar a evolução da
escolarização (WERLE; BRITTO; COLAU, 2007, p. 152).

A partir dessa visão a respeito da escola, pelo viés da História Cultural, pode-se
investigar a formação das instituições escolares. Nessa perspectiva, passa-se a
contemplar a história do dia a dia escolar, considerando que uma escola se compõe de
sujeitos, de práticas e de culturas produzidas em um determinado lugar. Por meio de
todos esses indícios, é possível traçar um panorama de como as instituições escolares
se constituíram e evoluíram, analisando-se as transformações ocorridas, tendo como
produto final a cultura produzida na comunidade em que a escola está inserida.
Viñao Frago (2002) argumenta que a cultura escolar pode ser compreendida
como toda a vida escolar, os acontecimentos, os fatos, as ideias, os objetos, os modos
de fazer, dizer, agir e pensar ali construídos. Ao mesmo tempo em que cada instituição
escolar tem uma cultura singular, no seu interior, coexistem culturas. Desta maneira,
essas instituições evocam uma

Ideia de coesão, de aglutinação em torno de determinados procedimentos


(método); de determinados elementos distintos formando uma unidade
(sistema); de certas ideias compartilhadas escola, aqui, no sentido deum
grupo de indivíduos reunidos em torno de um mestre ou orientação teórica
[...] (SAVIANI, 2005, p. 28).

Culturas escolares ainda são definidas, consoante Julia (2001, p. 10), como
“um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar,
e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a
15

incorporação desses comportamentos”. Giacomoni (2018, p. 122) acrescenta que as


culturas escolares

São formadas e desenvolvidas pelos sujeitos escolares, nas instâncias


sociais, nos espaços e tempos escolares, pois a escola enquanto instituição
educativa possui como uma de suas funções transmitir os conhecimentos e
saberes da humanidade. Porém, ao mesmo tempo em que esses
conhecimentos humanos e sociais influenciam a escola na formação de
culturas, essa também produz a sua própria cultura, através de suas práticas
educativas.

A perspectiva das culturas escolares é importante para as investigações sobre


as instituições, por abranger questões cotidianas que envolvem essas práticas, bem
como as representações em torno de uma escola, um grupo social, um modo como
uma comunidade se organiza. Sendo a cultura escolar produzida pelo homem, ela se
transforma no decorrer do tempo e constrói permanências e mudanças, que, por fim,
resultam no processo histórico de sua constituição.
As funções que as instituições desempenham são amplas. Elas se constituem
como uma criação material do homem (estrutura material) e têm por função atender
uma necessidade transitória do ser humano. Desse modo, “Sua transitoriedade se
define pelo tempo histórico e não, propriamente, pelo tempo cronológico”. (SAVIANI,
2005, p. 28). Instituições escolares, mais especificamente, constituem-se como um
sistema de práticas, com agentes, meios e instrumentos estipulados para atender à
sociedade que servem. Assim, “[...] o processo de criação de instituições coincide com
o processo de institucionalização de atividades que antes eram exercidas de forma
não institucionalizada [...].” (SAVIANI, 2005, p. 29).
Particularmente, a educação se desenvolveu nas sociedades humanas de
maneira desigual, espontânea e informal. A partir de tais formas de educação,
originaram-se as instituições educativas escolares. Werle (2004), ao investigar o
processo histórico de criação e funcionamento das instituições escolares, argumenta
quanto à possibilidade de se compreender o contexto social, político e histórico da
comunidade do entorno da escola, verificando-se como esses aspectos de contexto
podem contribuir para elucidar as práticas e as culturas.

As instituições produzem, pela proposta formativa, pelo disciplinamento e


coação, pela interiorização da lei através da obediência e submissão, uma
adesão em seus membros. Há, em sua origem, uma pessoa principal que
lhes dá uma paternidade a qual está vinculada ao saber fundador da
instituição (WERLE, 2004, p. 3).
16

Estudar a história das instituições escolares é abordar de forma mais


abrangente aspectos sobre a escola, seus espaços, tempos, rituais e símbolos, além
dos sujeitos que fazem parte da sua constituição. Assim, analisam-se as relações que
constituem a vida escolar, de modo que a união desses elementos nos faz perceber
como se dá a formação das práticas e representações acerca das culturas escolares.
As instituições escolares são capazes de produzir culturas específicas, próprias
e originais. São constituídas por sujeitos envoltos na ação educativa, entre eles,
professores, alunos, funcionários e outros. Muito além da sua constituição, tais
entidades possuem modos de fazer, práticas e elementos de uma cultura material que
compõem o espaço escolar.
No contexto das práticas, podemos perceber, segundo Chartier (2002), como
instituições foram se organizando em uma incipiente rede de escolarização. A
escolarização é aqui entendida, a partir de Faria Filho (2004), como uma forma de
conhecer e compreender, por meio de narrativas e documentos, os processos, as
normas, os valores e condutas que perpassaram a institucionalização da escola em
um espaço e em um tempo específicos. Além disso, acrescenta Escolano Benito
(2017), mediante o reconhecimento do passado, é possível entender as
transformações, as permanências e as mudanças dos espaços e materiais das
primeiras experiências formativas.
As práticas educativas fazem parte da constituição dos processos formativos.
Para Souza (2015, p. 152),

São as práticas que, entre outros elementos, possibilitam perceber a


materialidade da cultura, de como determinados grupos pensam e estruturam
seus projetos de mundo e vida em sociedade. Esses elementos remetem a
ideia de processos de transformação e apropriações realizadas pelos sujeitos
em suas relações com meio.

O meio rural, no qual se situava a instituição que é objeto desta pesquisa, é


abordado neste estudo como um elemento de contexto. Nesse sentido, a presente
dissertação distancia-se das pesquisas que discutem o campo ou a educação do/no
campo. Além disso, baseia-se no argumento de Souza (2015) quanto ao fato de que
interessa, no âmbito do estudo do meio rural, compreender a história, as práticas e o
17

modo como a população nesse espaço produz, em um determinado tempo, uma


trajetória de vida, compartilhando experiências e saberes
No meio rural, no contexto do Brasil da primeira República – em que a
população urbana analfabeta girava em torno de 50%, e a população rural chegava a
80% de analfabetismo –, as culturas escolares puderam oferecer aos alunos o
aprendizado básico. Desta forma, “uma educação no espaço rural possibilitou a
construção de uma identidade específica de valor étnico, cultural e agrícola nas
diferentes comunidades rurais. ” (SOUZA, 2012, p. 41). Nesse âmbito, com a
instituição das escolas rurais, buscava-se uma maneira de combater o analfabetismo
que reinava no País. Na localidade estudada, para atender a essa necessidade,
contou-se com o “auxílio da sociedade na instalação e manutenção de escolas
primárias, por meio de contribuições mensais, anuais ou do patrocínio de uma das
escolas. ” (RIBEIRO, 2011, p. 223).
No plano histórico, uma instituição educativa reflete uma complexidade
pedagógica e organizacional, que relaciona e agrega elementos materiais e humanos.
Além disso, a constituição de uma instituição escolar apresenta um espaço de
disputas, de tensões, pois essas entidades são projetos arquitetados e desenvolvidos
a partir de quadros sociais e culturais (MAGALHÃES, 1998). Mais especificamente,
as instituições escolares denominadas grupos escolares, para Souza e Duarte (2016),
representam um símbolo de progresso e civilidade. São marcas de uma política
influenciada pelo pensamento e pelas práticas do positivismo da Primeira República.
No que concerne à escola na Vila Jansen, objeto deste estudo, observo que a
instituição foi criada em 1937. E iniciou como Grupo Escolar Linha Jansen e,
posteriormente, recebeu o nome de Júlio Mangoni, um dos principais investidores da
região4. No decorrer dos séculos XX e XXI, o GEJ foi denominado de outras formas,
que são descritas no Quadro 1, a seguir. A título de explicação, observo que, nesta
dissertação, utilizo a sigla GEJ (Grupo Escolar de Jansen). Vale ressaltar que, assim
como tantas outras escolas da região, o GEJ apresenta uma trajetória de mudanças

4 Nesse sentido, os investimentos de Júlio Mangoni na Vila Jansen ocorreram nos setores do comércio
e serviços. A Casa de Negócios Mangoni abrigava um comércio de secos e molhados. Segundo
relatos de Leocindo Possa, “O comércio tinha um coberto que cobria toda a estrada de lado a lado,
este coberto servia de garagem para as carroças quando carregavam e descarregavam mercadorias”.
(GÜLDEN et al., 2000). A comunidade contava também com uma Serraria, onde havia um engenho
que possibilitava o corte da madeira para a construção das moradias da localidade. O local foi de
grande importância, pois, anteriormente à instalação, as tábuas eram cortadas a cunho. Por fim, com
a ajuda do moinho, foi instalada uma usina hidroelétrica que fornecia energia aos moradores da
localidade, potencializando a economia local.
18

no seu espaço físico, desde sua criação até o projeto de instauração da escola em
prédio próprio.

Quadro 1 - Designação do GEJ nos séculos XX e XXI

Denominação Data de início da Data final da


denominação denominação
Grupo Escolar de Jansen 24/09/1937 10/03/1970
Grupo Escolar Júlio Mangoni 11/03/1970 10/08/1971
Escola de 1° grau Incompleto Júlio 11/08/1971 21/10/1979
Mangoni
Escola de 1° grau Júlio Mangoni 22/10/1979 13/12/2000
Escola Estadual de Ensino Fundamental 14/12/2000 07/09/2005
Júlio Mangoni
Escola Estadual de Ensino Médio Júlio 08/09/2005 Até o presente
Mangoni momento.

Fonte: Elaborado pela autora.

As atividades do Grupo Escolar de Linha Jansen iniciaram em 01 de agosto de


1938. Sua sede era no Clube Recreativo Farroupilha, onde funcionou provisoriamente
até 1941. No ano de 1941, o grupo escolar transferiu-se para as dependências da
subprefeitura da localidade, onde funcionou até o mês de maio de 1958. No dia 23 de
junho de 1958, procedeu-se à inauguração do novo prédio5.

5 No ano 1971, foi alterada a designação da instituição, passando a se chamar Grupo Escolar Júlio
Mangoni, em homenagem ao fundador da Vila Jansen e um dos homens de maior destaque na
comunidade – comerciante, industrialista e benfeitor, que doou as terras onde a escola foi implantada.
A escola sofreu uma ampliação e, com isso, passou a ministrar o ensino de 1º grau incompleto. Anos
mais tarde, foi autorizado o funcionamento da 5ª, 6ª, 7ª e 8ª série, nos anos 1976, 1977 e 1978,
respectivamente. Em 1979, a primeira turma de alunos concluiu o 1º grau em sua própria comunidade.
19

Na Fotografia 1, a seguir, está representado o GEJ no ano da inauguração do


prédio próprio, em 1958.

Fotografia 1 - Prédio construído – GEJ (1958)

Fonte: Arquivos do GEJ (1958).

A institucionalização de uma escola na localidade possibilitou elaborar alguns


questionamentos que foram perseguidos no decorrer desta dissertação, no sentido de
procurar compreender como se organizavam as aulas no espaço escolar rural.
Ressalto que é necessário considerar que o ensino rural nesta localidade está inserido
no contexto da imigração. Esse aspecto é importante porque

As iniciativas para o desenvolvimento da instituição escolar precisam ser


compreendidas dentro do contexto histórico e cultural em que se processou
a ocupação da citada Região: a educação dos indivíduos era concebida como
responsabilidade e ação dos princípios familiares, religiosos e escolares. A
família era tomada como referência para os ensinamentos mais necessários
para a vida (LUCHESE, 2007, p. 118).

Neste sentido, reafirmo o objetivo desta pesquisa: compreender os aspectos


da cultura escolar em Linha Jansen, a partir de representações sobre essa instituição
escolar e do seu contexto histórico. Apoiando-me em Burke (1989), entendo que os
homens são seres culturais, inseridos em uma dada sociedade. Desse modo,

O termo cultura tendia a referir-se à arte, literatura e música [...] hoje, contudo,
seguindo o exemplo dos antropólogos, os historiadores e outros usam o
termo "cultura" muito mais amplamente, para referir-se a quase tudo que
pode ser apreendido em uma dada sociedade, como comer, beber, andar,
falar, silenciar e assim por diante (BURKE, 1989, p. 25).
20

Cada cultura é única e variável, produzida por meio das práticas sociais vividas
pelo grupo ou pela comunidade. Dessa forma, o conceito de cultura pode ser
entendido de forma bastante ampla e refere-se a tudo que pode ser aprendido em
dada sociedade. Além disso, define-se como conjunto de ideias, hábitos e crenças. A
união de tais elementos é que dá significado às ações caracterizadas como cultura.
A cultura produz e reproduz pensamentos e comportamentos, sendo passada
de geração em geração. Os elementos que a constituem determinam a
chamada identidade cultural – ou seja, o indivíduo pertencente àquele grupo se
identifica com os fatores que determinam sua cultura. (BURKE, 1989).
A História Cultural é um dos modos de fazer história. De acordo com Chartier
(2002, p. 16-17), tem como proposta “[...] identificar o modo como em diferentes
lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada
a ler”. Assim, o campo constitui-se com a mobilização de instrumentos teóricos e
metodológicos para a investigação histórica. Nesse sentido, a História Cultural
desencadeia uma nova forma de se olhar para a História da Educação. Entre tais
áreas, estabelece-se uma relação que amplia as possibilidades do historiador-
pesquisador e vai além dos aspectos formais da Educação, tendo como objeto novos
campos do conhecer, sujeitos e elementos ainda não abordados, buscando, assim,
compreender os diferentes processos educacionais e escolares.
A expansão da História Cultural se associa a movimentos influenciados pelos
Annales6. Desse modo,

As noções que se acoplam mais habitualmente à de “cultura” para constituir


um universo de abrangência da História Cultural, são as de “linguagem” (ou
comunicação), “representações", e de “práticas” (práticas culturais,
realizadas por seres humanos em relação uns com os outros e na sua relação
com o mundo [...]) (BARROS, 2010, p. 59).

Entre as modalidades da história que se desenvolveram no século XX, está a


Nova História Cultural. Contudo, a História Cultural tem sua origem há mais de dois
séculos, na Alemanha, onde já era praticada; e seu ressurgimento é datado da década
de 1970. Esse viés da história trata de conflitos, dissonâncias e debates entre

6 De acordo com Souza (2012), o movimento dos Annales ficou conhecido como uma nova maneira de
conceber a história, com forte influência de fundadores da revista Annales (1929), como Lucien Febvre
e a Marc Bloch.
21

tradições compartilhadas por diferentes culturas e tem como prioridade a construção


histórica oriunda das ocorrências da expressão de culturas plurais.
Pesavento (2005, p. 51) argumenta que, “no campo da história cultural, o historiador
sabe que a sua narrativa pode relatar o que ocorreu um dia, mas que esse mesmo fato
pode ser objeto de múltiplas versões”. O historiador organiza, recorta e escolhe elementos,
diante dos documentos e do modo como vai compondo a história que estrutura sua
narrativa. Nesse sentido, utilizando-me da História Cultural como perspectiva de análise,
busco investigar os processos e práticas de escolarização no GEJ.
Para compreender esse processo histórico, faço uso de narrativas orais. Em
relação a tal aspecto, concordo com Souza (2012, p. 11), quando o autor argumenta que:

No reavivamento da memória de um lugar, a possibilidade de construir


uma História identificando – nos relatos de memórias individuais, nos
documentos coletados, nos objetos recolhidos, nos lugares visitados – os
indícios, as marcas, as pegadas que determinam caminhos a serem
seguidos na historicização de educação rural de uma localidade, nas
diferentes dimensões apresentadas (SOUZA, 2012, p. 11).

Sendo a memória subjetiva, a possibilidade de sua construção histórica pode


ocorrer a partir de um ponto de vista. Essa interpretação permite escrever uma
narrativa possível, que advém da oralidade e também da análise de documentos
oficiais, imagens, fotografias, entre outros. Segundo Souza, (2012, p. 10), “[...] são
essas memórias individuais que na coletividade produziram um sentido à história da
educação de um lugar”. Tais fontes nos remetem as memórias de sujeitos que
fazem ou fizeram parte da comunidade.
Halbwachs (2006) criou o conceito de memória coletiva, que se refere à
recordação e à localização das lembranças, as quais devem estar inseridas num
contexto social para que ocorra a construção histórica a partir da memória. Segundo o
autor, ao rememorarem algum episódio, os sujeitos lembram fatos do passado a partir
de suas experiências no tempo presente em que se situam suas narrativas. Assim,

[...] para que a nossa memória se aproveite da memória dos outros, não basta
que estes nos apresentem seus testemunhos: também é preciso que ela não
tenha deixado de concordar com as memórias deles e que existam muitos
pontos de contato entre uma e outra para que a lembrança que nos fazem
recordar venha a ser constituída sobre uma base comum (HALBWACHS,
2006, p. 39).
22

Para Halbwachs (2006), a memória é um processo de construção, não se


tratando apenas de repetição linear dos acontecimentos e vivências. Por isso,
memórias são localizáveis em dado tempo e espaço, estando envoltas em um
contexto. Ainda segundo as ideias do mesmo autor, para que ocorra a lembrança, é
necessário convívio social em grupo, pois a lembrança individual do sujeito está
atrelada à lembrança do grupo no qual ele está inserido.
Nesse âmbito, a memória social é uma construção realizada em grupo, pois o
sujeito da lembrança está inserido na sociedade. Assim, a lembrança é o produto final
de um processo coletivo num dado contexto. Em outras palavras, mesmo que apenas
um indivíduo tenha vivenciado determinado acontecimento, sua lembrança será
sempre coletiva, pelo fato de estar inserido em um dado contexto social. Desse modo,
a memória compartilhada pode fornecer bases para elaborar relatos consistentes,
auxiliando na construção da história das instituições escolares.
Ao encontro disso, para Alberti (2005), o relato oral do cotidiano pode contribuir
de forma significativa para a história das instituições. Contudo, é preciso que se tenha
cuidado para que esse relato se mantenha fiel à realidade. Para que isso ocorra, é
preciso ter cuidado com o modo como as narrativas serão lidas.
Neste capítulo, busquei abordar a temática, os objetivos e a perspectiva teórica
utilizada no desenvolvimento da pesquisa. Quanto à estrutura da dissertação, no
capítulo dois, abordo o percurso metodológico deste estudo. No capítulo três, discuto
as relações de contexto. No capítulo quatro, analiso as representações sobre as
culturas e práticas do período no processo de escolarização da Linha Jansen. Por fim,
exponho as considerações finais desta investigação.
23

2 OS PERCURSOS METODOLÓGICOS NO DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

Este capítulo aborda os percursos metodológicos adotados neste trabalho.


Como referido na introdução, a presente dissertação, inserida na área da Educação,
fundamenta-se na perspectiva teórica da História Cultural e vale-se das metodologias
da História Oral e da análise documental. Nesse sentido, é importante ressaltar que a
História Cultural, com o auxílio da História Oral como metodologia científica, ordena
os procedimentos de análise e cria o elo entre a teoria e a prática:

A história oral [...] pode contribuir, por meio de entrevistas para registrar
indícios de práticas escolares e das tensões entre normas e práticas. Os
alunos, professoras e diretoras da escola, em todas as épocas, realizam
apropriações para dar conta das normas e práticas escolares, o que, muitas
vezes ficou registrado apenas na memória (BELUSSO, 2016, p. 25).

Mais especificamente, esta dissertação busca analisar e compreender os


processos e práticas de escolarização que contribuíram para a constituição do Grupo
Escolar Jansen, a partir de fontes orais e escritas. Para isso, realiza uma pesquisa
histórica sobre a constituição de tal instituição escolar no meio rural, analisando as
relações estabelecidas no período, além de apresentar um novo olhar a respeito da
história da escola, por meio de fontes documentais disponíveis e de relatos orais de
alunos e de uma professora do GEJ.
Nesse sentido, as memórias de uma professora e de alunos são as fontes
principais desta investigação, que considerou ainda documentos como: leis, decretos,
fotografias, livros de atas, livro de matrículas e de inspeção e visitas de autoridades,
entre outros. Os documentos encontrados durante pesquisa na escola estão listados
no Quadro 2 a seguir.
24

Quadro 2 - Documentos pesquisados no Acervo da Secretaria da Escola Júlio Mangoni

N° Nome do Documento Fonte/Autor Ano do Documento


1 Livro de Inspeção e Visitas GEJ 1939
2 Livro de Ponto GEJ 01 de agosto de 1938
3 Livro de Atas do Caixa Escolar GEJ 04 novembro de 1938
4 Ata de Criação do Grupo Escolar GEJ 01 de agosto de 1938
5 Livro de Matrícula, Professores e GEJ Abril de 1946
Aparelhamento Escolar
6 Registros de Frequência Diária GEJ 1946
Fonte: Elaborado pela autora.

Vale destacar que, no decorrer da pesquisa, identifiquei que os mais variados


documentos da escola foram descartados, os quais eram de diferentes naturezas:
administrativos, pedagógicos (cadernos de alunos e professores, diários de classe,
livros didáticos, trabalhos escolares), plantas e decretos. Observo que o fato de a
instituição ter funcionado em diferentes lugares foi um dos aspectos que talvez tenha
contribuído para o descarte dessa documentação.
Durante a busca por documentos que auxiliassem nesta investigação, pude
contar com os arquivos que resistiram ao tempo. Além do arquivo da escola e dos
arquivos pessoais dos sujeitos entrevistados, procurei informações sobre a instituição
em outros espaços, como, por exemplo, a 16ª Coordenadoria Regional de Educação
e a Secretaria Municipal de Educação de Farroupilha.
Entre os documentos encontrados, que estavam arquivados na escola Júlio
Mangoni, estão os livros de ponto7, nos quais se registrou, na primeira folha, seu termo
de abertura, assinado pela diretora, Joanna Maria Dal Pont, no ano de 1938. Conta
com 100 folhas numeradas, que servem de livro de ponto para os professores até
março do ano de 1944. Esses livros estão arquivados desde o ano de 1938 e
registrados na Fotografia 2.

7
Os livros de ponto são parte do material analisado neste trabalho.
25

Fotografia 2 - Livro de ponto dos professores (1938)

Fonte: Arquivos do GEJ.

Para Bacellar (2011), a análise documental exige do pesquisador não


considerar o documento como uma verdade absoluta. O uso de documentos em
pesquisas de cunho histórico se constitui a partir de uma forma de organizar, de
classificar, de ordenar as informações. Nesse sentido, há de se fazer perguntas para
os registros escritos – que, de forma alguma, são isentos de uma intencionalidade
discursiva e de jogos de poder, como argumenta Luchese (2014).
Pimentel (2001) acrescenta que o documento representa uma interpretação feita
pelo pesquisador, a partir do objetivo e das questões elaboradas diante das fontes
documentais reunidas para o estudo. Nesse sentido, Souza (2012) endossa que os
documentos não devem ser encarados como uma descrição objetiva e neutra desses
fatos: a análise é sempre um processo interpretativo e construído historicamente.
No decorrer da pesquisa, para compor a dissertação, fui buscando fontes
diversas para elaborar o campo empírico. Para tanto, foi necessário recorrer a uma
dada metodologia. Mais especificamente, durante esse processo, foi necessária a
utilização da História Oral como procedimento metodológico, que faz parte de um
26

território interdisciplinar e valoriza as lembranças. Em relação a esse aspecto, Errante


indica que “existe uma tendência em legitimar a história oral como fontes de
documentação”. (ERRANTE, 2000, p. 142). Desse modo, tendo escolhido como
procedimento metodológico o uso da memória como documento, valendo-me da
metodologia da História Oral, passo a descrever como se delineia essa metodologia
a partir do viés da História Cultural.
Nesta dissertação, a História Oral é muito mais do que um simples
procedimento técnico de coleta de dados. Sua preocupação está na construção de
uma historicidade, que prevalece nas representações, de maneira a entrelaçar as
memórias dos entrevistados com as memórias sociais da comunidade em que estão
inseridos, visto que, em relação às narrativas pessoais, existe uma articulação entre
a experiência individual e a coletiva.
No âmbito dos trabalhos embasados metodologicamente na História Oral, ocorre
o processo de gravar entrevistas com pessoas que testemunharam acontecimentos e
estiveram ligadas à instituição. Assim, valendo-me da metodologia da História Oral, as
narrativas foram obtidas tendo por base um roteiro pré-estruturado com questões que
guiaram a realização das entrevistas, como se pode identificar no Apêndice A.
No Quadro 3, a seguir, identifico os sujeitos envolvidos nesta pesquisa. Nesse
quadro, apresento a relação dos entrevistados, sua ligação com o GEJ, sua idade,
data de nascimento, período de envolvimento com o Grupo e lugar social. Todos
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido sobre os fins e usos de
seus depoimentos, como consta no modelo do Apêndice B.

Quadro 3 - Sujeitos entrevistados da pesquisa

Entrevistado (a) Idades Data de Período de Lugar social


Nascimento envolvimento com o no GEJ
Grupo
Ernilda Maria 90 14/01/1927 12/11/1947 – Professora
Cavalli Tocchetto 20/12/1961
Therezinha Ana 82 18/05/1935 1943-1949 Aluna do
Mangoni primário
Waldeni João 79 29/08/1938 1946-1950 Aluno do
Mangoni primário
Edejalme José 87 12/10/1931 1938-1943 Aluno do
Mangoni primário
Fonte: Elaborado pela autora.
27

Para chegar a esses participantes, num primeiro momento, realizei a análise


dos documentos disponíveis na escola, observando as assinaturas contidas no
documento Livro de Ponto do GEJ, cujos registros foram feitos a partir de 01 de agosto
de 1938. No mesmo livro, encontra-se a assinatura dos demais professores que
fizeram parte do quadro docente no período referido.
O passo seguinte foi conversar com ex-diretora da escola, Nelva Ana Moroni
Raimundo, e com algumas docentes da instituição, inquirindo qual dessas professoras
eram conhecidas por elas, a fim de saber quais dos sujeitos relacionados se
encontravam vivos e, em caso afirmativo, tentar contato para a realização entrevista.
O Quadro 4, abaixo, é elaborado a partir dos registros encontrados no Livro de Ponto
do GEJ.

Quadro 4 - Professoras que exerceram a função de diretoras de 1938 a 1958

Sujeito Ano que esteve na direção do GEJ


Joanna Maria Dal Pont Agosto de 1938 – março de 1940
Isolda Alda Pauletti Abril de 1940 – agosto de 1940
Elidia Biasiori Agosto de 1940 – novembro de 1941
Cely Conte Abril de 1942 – dezembro de 1943
Iracy Casagrande Março de 1944 - junho de 1944
Lucy Maria Courtois Junho de 1944 – dezembro de 1945
Dejanira Tereza Mangoni Março de 1946 – outubro de 1948
Adinha Ana Mandelli Outubro de 1948 – março de 1949
Setembro de 1952 – dezembro de 1952
Junho de 1954 – setembro de 1957
Ernilda Maria Tochetto Abril de 1949 – dezembro de 1950
Julho de 1951 – setembro de 1952
Março de 1953 – junho de 1954
Setembro de 1957 – dezembro de 1958
Dejanira Tereza Mangoni Março de 1951 – junho de 1951
Fonte: Elaborado pela autora, a partir dos registros do livro de ponto dos professores.

O Quadro 4 teve por função auxiliar na compilação das informações


encontradas. Como afirma Souza, o conjunto de participantes, situado “[...] dentro de
uma base comum, garante a possibilidade de analisar, de forma ampla, os diferentes
aspectos a serem estudados.” (SOUZA, 2015, p. 38).
A partir dos nomes constantes no Quadro 4, os colegas professores apontaram
os sujeitos que poderiam vir a contribuir com a pesquisa. Essa sistematização também
serviu para orientar a análise documental, mais especificamente nos momentos em
que o nome dessas professoras era citado nos documentos pesquisados. Também
28

ressalto que não foi possível localizar e entrevistar as demais diretoras elencadas no
Quadro 4, ou porque já se encontravam falecidas, ou porque já não residiam mais na
comunidade e/ou não consegui contatá-las.
Na Fotografia 3, apresento os sujeitos entrevistados que, de alguma maneira,
fizeram parte da constituição do GEJ: uma ex-professora e membros da comunidade da
época. O grupo de ex-alunos é composto por Therezinha Ana Mangoni, Waldeni João
Mangoni e Edejalme José Mangoni; são egressos das décadas de 1930, 1940 e 1950.

Fotografia 3 - Sujeitos entrevistados para a pesquisa

Ernilda M. C. Tocchetto Therezinha A. Mangoni

Waldeni J. Mangoni Edejalme J. Mangoni

Fonte: Elaborada pela autora.


29

Para proceder com as entrevistas, fiz o primeiro contato por telefone. As


sessões foram então previamente marcadas e posteriormente transcritas. As
questões que nortearam as conversas foram elaboradas cuidadosamente, com o
intuito de guiar a entrevistas. As interações ocorreram de forma natural e flexível, a
fim de propiciar momentos agradáveis para que os entrevistados dessem vazão às
possíveis lembranças.
No decorrer das entrevistas, utilizei-me dos pressupostos de Antoinette Errante
(2000, p. 149). A autora, durante as entrevistas, buscou ter a seguinte postura:

Eu queria que minha voz fosse minimamente ouvida durante o evento da


história oral, e minha abordagem era fazer as mínimas perguntas possíveis
que solicitassem a informação que eu estava procurando. Eu estava
interessada em como os narradores organizavam suas experiências e, por
isso, eu lhes permitia falar tanto quanto quisessem sobre algo que eles
queriam lembrar, mesmo quando isso não parecia particularmente relevante
para o meu estudo.

Saliento que percorrer essa trilha metodológica é ir além do simples relato; é uma
maneira de chegar a uma possível compreensão histórica por meio de memórias, as
quais se entrelaçam com documentos escritos, dando sentido ao contexto. Souza (2015)
reflete sobre esses lugares tanto individuais quanto coletivos relacionados à memória:

A memória coletiva é sempre plural, constituída por lembranças do passado


que transcendem a individualidade e é compartilhada socialmente no domínio
da vida comum. Encontra-se ancorada na história individual e vai emergindo
à medida que são feitos os encadeamentos e as relações do que é
manifestado nas lembranças. A memória torna-se, portanto, o caminho pelo
qual a existência retorna esculpindo a história (SOUZA, 2015, p. 33).

A memória não se constitui apenas de um depósito de lembranças; é com ela


que nos inserimos na coletividade a que pertencemos. Sobre as narrativas de
memória, Errante (2000) relata:

"Caçando" memórias, eu pensava, não era diferente do trabalho no arquivo:


se eu cavasse bastante, eu poderia eventualmente encontrar qualquer
memória e soltar qualquer voz. Ultimamente, tenho descoberto que, afinal, há
memórias e vozes que eu não posso coletar. Historiador e narrador podem
negociar uma estória, mas algumas estórias ficam além do evento da história
oral porque seja o historiador seja o narrador podem acabar por não fazer
parte do contexto de rememoração no qual uma estória particular é contada
(ERRANTE, 2000, p. 143-144).
30

Assim, os sujeitos entrevistados relataram as suas memórias; contudo, importa


ressaltar que “memória não é a história, mas sim uma representação do fato ocorrido
apropriado pelos sujeitos que vivenciaram essa experiência”. (BELUSSO 2016, p. 105).
A primeira entrevista ocorreu com a ex-diretora Ernilda Maria Cavalli Tocchetto,
que esteve em exercício no GEJ durante os anos de 1947 a 1961. Aconteceu por
intermédio de sua cuidadora, uma pessoa que é moradora na comunidade de Vila
Jansen e que contribuiu para que a entrevista ocorresse. Ela me informou que não
mais estava trabalhando na residência, porém prontamente se ofereceu para fazer
contato e explicar sobre o pedido para realizar a entrevista. Após o primeiro contato,
liguei diretamente para a entrevistada, e marcamos o dia da entrevista para uma tarde
do mês de setembro de 2017. Chegando à casa da entrevistada, ela prontamente me
recebeu. Expliquei a ela o meu interesse em entrevistá-la e qual seria tema da
entrevista – o período em que ela foi diretora e professora no GEJ. Expliquei-lhe
também o meu objetivo com a pesquisa. A senhora Ernilda aceitou participar, porém
ficou receosa de não lembrar detalhes a respeito do período em que fez parte do
quadro de professores da escola. Diante disso, tentei tranquilizá-la e deixá-la
confortável, explicando que se tratava de uma conversa e que qualquer informação
que ela lembrasse poderia vir a ser de grande importância.
A entrevistada recorrentemente fazia pausas para pensar sobre as respostas
aos questionamentos feitos por mim. Em relação a esse aspecto, é possível entender
que “o passado é e deve ser claramente uma seleção particular de infinidade daquilo
que é lembrado ou capaz de ser lembrado [...].” (HOBSBAWN, 1998, p. 23). Assim,
geralmente ocorre a lembrança dos eventos positivos, que prevalecem sobre os não
tão agradáveis ou penosos.
O decorrer da entrevista se deu em 1 hora e 20 minutos, tendo como base o
roteiro com questões semiestruturadas, como se identifica no Apêndice A. Essa
narrativa possibilitou chegar a novos sujeitos que, no período destacado no Quadro
3, foram alunos da referida professora.
Posteriormente, a partir dos relatos da primeira entrevista e com a mediação
de uma professora da escola – Caroline Nichetti, que é sobrinha dos sujeitos
entrevistados –, foi realizada a entrevista com a senhora Therezinha e o com senhor
Waldeni. A entrevista ocorreu de maneira simultânea, sendo esta uma condição para
que ocorresse, pois um dos sujeitos alegava pouco lembrar do período, e o outro
sujeito, que possuía mais lembranças, desenvolveu problemas auditivos. Portanto,
31

eles consideraram por bem realizar a entrevista juntos. A sessão teve duração
aproximada de 1 hora 30 minutos.
Fui recebida na casa do senhor Waldeni. Sentamo-nos ao redor da mesa de
jantar; expliquei o objetivo do meu trabalho e a necessidade das entrevistas para
elucidar aspectos, até então não registrados oficialmente, sobre a escolarização, a
cultura escolar e as práticas desenvolvidas naquele grupo escolar. De modo geral, os
entrevistados prestaram auxílio entre si para construir as respostas aos
questionamentos. Entregaram-me um livro escrito sobre a comunidade e um material
memorialístico8, que foi elaborado no ano de 1999 pelos alunos da escola – entre eles,
o filho do casal –, que continha informações que julgavam poder ajudar na elaboração
da dissertação.
A quarta entrevista também foi intermediada pela professora Caroline Nichetti9,
para que fosse possível conversar com o senhor Edjalme J. Mangoni, ex-aluno e
atualmente morador de Porto Alegre.
Essas entrevistas tiveram importante papel para descolar as camadas da
memória. Para Souza (2015),

[...] se pode lembrar e esquecer, ou até mesmo reinventar certos aspectos de


nosso passado pessoal e/ou coletivo. Esse aspecto é o que se conhece como
“memória vicária”, caracterizada pela prática de tornar as memórias dos
outros como parte da realidade para aqueles que ouvem as memórias, mas
não possuíam a experiência da mesma. Essas memórias, ao serem
compartilhadas, se transformam em memórias de um grupo social e que
passam a ser assimiladas como uma memória coletiva (SOUZA, 2015, p. 43).

É importante pontuar que as “histórias orais acrescentam uma dimensão não


oficial inestimável para a história educacional” (ERRANTE, 2000, p. 146). Nesse contexto,
é possível cruzar as estórias individuais narradas com documentos provenientes dos
arquivos. Assim, por meio da oralidade que constitui as narrativas e dos documentos, é
possível reconstruir locais onde a história aconteceu, entendendo os processos, as
práticas e as culturas vividas por esses sujeitos, percurso que permite “desdobrar as
reflexões sobre o tempo vivido nesse espaço, produzindo uma historicidade possível dos
indícios encontrados nos diferentes documentos.” (SOUZA, 2011, p. 21).

8 Infelizmente, não foi possível utilizar esse material. Tratava-se de desenhos e outras formas de recolha
de informações sobre a escola. Contudo, as informações presentes nos documentos do arquivo da
escola eram mais precisas e amplas, de modo que foram mais adequadas para esta pesquisa.
9 Registro minha gratidão à professora Caroline Nichetti, que desempenhou o papel de pessoa-fonte,

como cita Souza (2015) em sua investigação, por ter sido a intermediadora para que eu chegasse
aos sujeitos que foram entrevistados nesta pesquisa.
32

Para explicar o sentimento que esse processo despertou em mim, utilizo-me


novamente das palavras de Errante:

O trabalho de história oral deixa-me sentindo que estou perpetuamente a


receber “prendas” e eu nunca me esqueci do quão privilegiada me sentia
porque as pessoas quase que completamente estranhas estavam partilhando
suas vidas comigo. Por um breve momento, cada possibilidade conduziu-me
a concluir que não havia experiência individual ou coletiva - nenhuma voz –
que uma boa história oral não captasse (ERRANTE, 2000, p. 143).

As narrativas, sejam elas orais ou escritas, pessoais ou coletivas, oficiais ou


não oficiais, são narrativas de identidade que revelam o alinhamento dos narradores
com certos indivíduos, grupos e ideias (ERRANTE, 2000, p. 142). Essas narrativas
servem para revelar uma forma de memória social. Nesse sentido, no campo da
Educação, as histórias orais acrescentam uma dimensão não oficial inestimável para
a história educacional, por meio da rememoração e do contar:

Todas as entrevistas são eventos que contam. Quando distinguimos história


oral de outros tipos de entrevistas ou narrativas orais, é que esta dinâmica é
também e, principalmente, mediada pela natureza e pelo contexto da
rememoração. Memória não é simplesmente um exercício de lembrança; há
muitas formas de rememorar e diferentes razões por que nós queremos (ou
não queremos) rememorar (ERRANTE, 2000, p. 143).

Reitero que as narrativas aqui apresentadas não têm a pretensão de serem


verdades absolutas e nem serão utilizadas para estabelecer conclusões, mas servem
como um horizonte de possibilidade para reflexão a respeito do conjunto de fontes.
Busco compreender, por meio da análise dos relatos, as representações apresentadas,
as quais formam um conjunto que, segundo Chartier (2002, p. 28), consiste em práticas
“complexas, múltiplas, diferenciadas, que constroem o mundo como representação”.
Desta forma, o campo empírico desta pesquisa, constituído das narrativas que
refletem a história de cada sujeito participante, bem como dos documentos impressos,
é permeada de representações – tanto de quem escreveu/produziu esse material quanto
de quem os lê. Nesse contexto, para Chartier (1988), representação é a presentificação
do passado, que está presente na memória de um sujeito e que apresenta duas
possibilidades de sentido. Desta maneira, uma representação pode expressar um objeto
ausente e substituí-lo por uma figura semelhante para reconstruir a memória, ou pode
também revelar uma presença. Ao encontro disso, para Pesavento (2006, p. 49), “[...]
representações são presentificações de uma ausência, onde representante e
representado guardam entre si relações de aproximação e distanciamento. ”
33

Desse modo, podemos considerar que as situações são particularmente


vivenciadas por cada sujeito de maneira diferente, mesmo que dividam o mesmo
espaço, durante o mesmo tempo – por exemplo, em dada aula, com o mesmo
professor. Portanto, cada narrativa vem carregada de representações, que são partes
constituintes de uma mesma história.
Neste capítulo, busquei descrever a metodologia realizada no percurso da
pesquisa – sobretudo, a metodologia da História Oral –, que tem como base
memórias. No próximo capítulo, realizo a análise do contexto de imigração atinente
ao local investigado e suas relações com o objeto de estudo, bem como abordo as
culturas escolares e à docência no meio rural.
34

3 ASPECTOS DE ESCOLARIZAÇÃO EM FARROUPILHA: RELAÇÕES DE


CONTEXTO

Este capítulo visa a apresentar aspectos de contexto referentes à chegada da


imigração italiana. Faz também uma análise relativa ao panorama político no período
do Brasil Império e República. Além disso, apresenta como se desenvolveram os
espaços formais de educação, mais especificamente o espaço rural do 2° distrito de
Farroupilha/RS10. Tem, com isso, o intuito de compreender como a educação formal
se desenvolveu no País e qual é a contribuição da educação na preservação da
cultura relativa a imigração. Também busca compreender as relações existentes entre
o sistema formal de ensino e a colonização italiana na localidade investigada.
Para compreender como ocorreu o processo de institucionalização da
educação no munícipio de Farroupilha, nas suas linhas e picadas, é necessário
realizar uma retrospectiva a respeito do processo de colonização do estado e da
organização da educação.
O ano de 1875 marca o início da imigração italiana no sul do País, que foi
possibilitada pelo governo imperial, o qual concedeu terras, em 1870, na Encosta da
Serra, ao então presidente da Província do Rio Grande do Sul, João Sertório. Tais
terras posteriormente deveriam ser loteadas e ocupadas pelos imigrantes. Cabe
salientar que esse território ocupado pelos imigrantes era constituído de “[...] terras
menores em área e de pior qualidade para plantio do que aquelas dos alemães”.
(PESAVENTO, 1992, p. 168).
No que se refere às questões educacionais no período do Brasil Imperial, vale
ressaltar que “A educação popular no Rio Grande do Sul, como, de resto, em todo o
Brasil, teve desenvolvimento minguado, não atingindo uma porcentagem significativa
dos seus habitantes”. (RIBEIRO, 2004, p. 154). Sem verbas necessárias para tal, o
governo provincial deixou para a iniciativa privada a busca por uma solução para o
problema da educação.
No ano 1889, ocorre uma reforma política; e, a partir de um golpe de estado,
Marechal Deodoro da Fonseca instaura um novo sistema político, a República. No
período republicano, os grandes centros iniciaram o processo de industrialização e

10 Até 1934, a localidade era identificada como 3º Distrito de Bento Gonçalves. Passou, com a
emancipação, a ser identificada como 2º Distrito de Farroupilha.
35

urbanização, com a ampliação da indústria; como consequência, ocorre o


desenvolvimento das ciências e das áreas técnicas.
Segundo Souza (2012), durante período republicano, ocorreu um intenso
processo de mudanças estruturais; entre as citadas, estão: trabalho assalariado,
melhorias urbanas e início da industrialização. Em contrapartida, havia

Pouco investimento do Estado em educação e de modo geral, uma educação


no espaço rural, possibilitou a construção de uma identidade específica de
valor étnico, cultural e agrícola nas diferentes comunidades rurais. As
políticas educacionais atinham-se nos estudos iniciais, bastando, portanto,
ensinar a decifrar códigos de leitura e escrita (SOUZA, 2012, p. 41).

Quanto ao acesso à educação pela população a partir da instauração da


República, apenas o ensino superior cabia ao governo federal. Os outros níveis de
educação eram delegados às secretarias no interior dos estados. Em meio a todas
essas divergências a respeito de quem deveria assumir cada grau de instrução,
apresenta-se um novo olhar para a educação, de caráter público e universal: é durante
o “[...] regime republicano que a escolarização no Brasil se consolida, e atinge parte das
camadas populares, e se afirma então como vetor de homogeneização cultural da
nação”. (VEIGA, 2006, p. 238). Nesse contexto, mostra-se de fundamental importância

[...] a instituição escolar, neste período, era vislumbrada como possuidora de


todas as forças necessárias para a formação do novo homem, o cidadão
republicano. Uma formação que garantisse sanidade mental, higiênica e
moral para o convívio social, em que higiene e saúde, vícios e
comportamentos, deveriam se alinhar para o progresso da sociedade
(ERMEL, 2018, p. 333).

Mesmo sendo de fundamental importância para o desenvolvimento intelectual


da nação, essas escolas inicialmente estiveram localizadas em espaços improvisados
e, ao longo do século XX, passaram a ser planejadas para um fim específico: o da
educação. Seu foco principal era “oportunizar a (re)construção de saberes do próprio
grupo (comunidade), de outros grupos, e [...] ser também a criação de novos saberes.”
(RIBEIRO; POZENATO, 2004, p. 148).
Mesmo sem possuir as verbas necessárias para investir na educação, no ano
de 1892, no estado de São Paulo, o ensino primário passou a ser organizado nos
níveis preliminar ou elementar (para as crianças dos 7 aos 12 anos) e complementar,
que estava entre o elementar e o secundário, sendo o ensino enciclopédico e
36

graduado (SOUZA, 2008). Já no ano de 1893, ocorre a Reforma Caetano de Campos,


que institui, em São Paulo, os Grupos Escolares.
Durante o período do Brasil República, ocorreram reformas educacionais. No
estado do Rio Grande do Sul, as instituições escolares começaram a ser instaladas
no século XX, como parte de tal projeto educacional. Segundo Souza (2015, p. 93),
nesse período, “[...] prevaleceram as representações sustentadas no discurso de um
ensino leigo, livre e gratuito que incluía o ensino elementar e complementar”.
Ainda no que concerne à escolarização no Rio Grande do Sul, os Colégios
Elementares têm sua criação datada de 1909. A denominação de grupo escolar foi
adotada no RS, a partir de 1915 e a partir do ano de 1939, todos os colégios elementares
passaram a ser intitulados de grupos escolares (SOUZA, 2016). Vale pontuar que

A implantação desta nova modalidade escolar teve implicações profundas na


educação pública do Estado e na história da educação do país. Introduziu
uma série de modificações e inovações no ensino primário, ajudou a produzir
uma nova cultura escolar, repercutiu na cultura da sociedade mais ampla e
encarnou vários sentidos simbólicos da educação do meio urbano, entre eles
consagração da República (SOUZA, 1998, p. 30).

Essas instituições denominadas de Grupos Escolares eram diferentes das


antigas Escolas Isoladas e das Escolas Reunidas.
As Escolas Isoladas eram assim chamadas, segundo Souza (2015), pelo fato
de que, em parte delas, havia um só professor que ensinava todas as disciplinas,
indiferentemente do grau de conhecimento dos alunos. Essas escolas podiam estar
localizadas tanto no espaço urbano quanto no rural. Tinham habitualmente como sede
a casa do professor que ministrava as aulas, ou um local improvisado, funcionando
de forma unitária.
As Escolas Reunidas eram assim denominadas por agruparem as Escolas
Isoladas em um mesmo prédio. Esse modelo de organização classificava os alunos
pelo seu nível intelectual e unia dois ou mais anos em uma única classe. Assim, pode-
se observar que os Grupos Escolares buscavam ser mais desenvolvidos. Nesses
espaços, o ensino primário era desenvolvido em quatro anos e dividido por séries. Cada
uma das séries tinha seu próprio professor, que organizava os saberes nos referidos
programas de ensino. Desta forma, pode-se perceber que os Grupos Escolares
37

[...] foram criados para serem instituições de referência, que deveriam


colocar em prática a edificação de um prédio escolar próprio, o uso de
matérias didáticos, de uma metodologia de ensino inovadora, mobiliário
escolar adequado, entre outros aspectos que marcaram os grupos
(AMORIN, 2015, p. 208).

Apesar de todas a mudanças ocorridas com o intuito de padronizar a educação,


dados relativos às questões educacionais no Brasil, em 1920, apontam que
aproximadamente 75% da população era analfabeta. Segundo Carvalho (2003), no
Rio Grande do Sul, 38,8% da população era analfabeta nesse mesmo período. Isso
mostra que era necessário continuar avançando com as reformas educacionais.
Ainda quanto às questões educacionais, em 1930, o então presidente Getúlio
Vargas criou o Ministério da Educação e Saúde. A partir de então, traçou-se um
projeto nacional de educação, e várias reformas relacionadas ocorreram. Contudo,
antes da formação dos ministérios, os Estados já efetivavam reformas educacionais.
Entre as décadas de 1920 e 1930, iniciaram-se os debates sobre a Escola
Nova. Na década de 1930, a educação, em âmbito nacional, passa ser direito de todos
e obrigação do poder público. De 1930 até 1971, as reformas atingem um patamar
nacional. Ressalto que, apesar das reformas e da aprovação de leis, isso por si só

[...] não é o suficiente para obter as transformações desejadas, pois a sua


aplicação no campo prático é dependente da eficácia e integração das
esferas políticas, econômicas e sociais que constituem uma unidade
nacional. Além disso, faz-se necessário compreender também os contextos
locais, as condições de infraestrutura existentes bem como as necessidades
sociais (GIACOMONI, 2018, p. 49).

Embora a educação, a partir de 1930, tenha se tornado de caráter público, é


importante salientar que, mesmo que tenha havido um progresso no ensino público
do País, esse ensino ainda se mostrava de qualidade duvidosa, fator que contribuiu
para as altas taxas de evasão e de repetência (ASSIS, 2012). Nesse contexto, no Rio
Grande do Sul, em 1933, o número de alunos atendidos era de 220.000 mil, que
correspondia a 9% da população. Ocorreu um pequeno acréscimo nas décadas
seguintes, e, em 1950, chegou a 13%. Nesse período, apresenta-se “grande
desenvolvimento do ensino particular, mercê da ação de ordens religiosas e de outras
instituições de caráter profissional.” (RIBEIRO; POZENATO, 2004, p. 154). Assim, é
possível observar que as realizações pedagógicas não ocorreram de forma concreta,
conforme expectativas da população no que se referia ao ensino público.
38

De modo geral, o processo de escolarização pública foi um projeto republicano


que foi se intensificando no início da década de 1940. Nesse sentido, houve uma
tentativa de substituição das escolas comunitárias pelas aulas e os Grupos Escolares,
com propósito de intensificar o programa de nacionalização do governo Vargas. A
partir do decreto nº 7.247, de 23 de abril 1938, que trata de uma legislação particular
para a nacionalização do ensino, foi instituída a criação de novas escolas públicas em
substituição às escolas étnicas. Suas aulas deveriam ser ministradas no idioma
nacional (GERTZ, 2005).
Assim, a nacionalização do ensino ocorreu de duas formas: primeiramente de
maneira compulsória, entre 1937 e 1945. Contudo, houve uma preocupação do
governo para com as escolas étnicas. Não obstante, mesmo preocupados com essas
pontuais necessidades de ensino, os governantes pretendiam estabelecer uma
uniformização cultural. Desse modo, os professores, a partir da nacionalização
compulsória do ensino, passaram a ensinar os alunos obrigatoriamente em língua
portuguesa. Em decorrência disso, grande parte do aspecto cultural de cada etnia foi
se perdendo, dando espaço à edificação do projeto nacional (GERTZ, 2005).
Em relação a esse aspecto, Kreutz (2010) reflete acerca do lugar da pluralidade
étnica nas políticas educacionais:

A população brasileira caracteriza-se pela pluralidade étnica, o que foi e


continua sendo um desafio para as políticas educacionais: como conjugar a
pluralidade de culturas e a polifonia de línguas com a formação do Estado
Nacional de raízes histórico-culturais lusas? A dimensão étnica não se dá no
abstraio, mas ocorre nas relações sociais, num jogo de poder (KREUTZ,
2010, p. 72).

3.1 A ESCOLARIZAÇÃO NA VILA JANSEN: RELAÇÕES DE CONTEXTO

Para abordar aspectos da escolarização nessa região do município de


Farroupilha, é necessário contextualizar como se desenvolveu o processo de
colonização em tal localidade. Nesse sentido, como mencionado anteriormente, a
presença de diferentes tipos de instituições desde o século XIX antecedeu a
implantação dos Grupos Escolares. Para tratar de tal temática, esta seção está
subdivida em duas partes. A primeira parte procura abordar aspectos históricos sobre
a constituição do distrito de Jansen. A segunda parte discute elementos sobre a
escolarização, a presença das aulas e o grupo escolar.
39

3.3.1 A localidade de Vila Jansen e a imigração

A origem da Linha Jansen se deu com a demarcação das terras da Encosta


Superior Nordeste, onde um militar mercenário alemão, “Brummer”11, de nome
Jansen, destacou-se. Os Brummer foram combatentes contratados pelo império
brasileiro para lutar na Guerra Contra Rosas, na Argentina, em 1852 (KREUTZ, 2000).
A presença desses “soldados imigrantes” contribuiu para o desenvolvimento da
região. Eles vieram para a América com intuito de auxiliar o governo do Império.
Para contextualizar a origem da Linha Jansen, faz-se necessário voltar um
pouco no tempo. Em 1868, alguns colonos alemães se dispuseram a desmatar aquele
pedaço de selva, mas acabaram desistindo. O governo provincial, em 1870, assinou
um ato de criação. Desse ato, originaram-se as Colônias Dona Isabel e Conde d’Eu.
Em 1871, o governo provincial deliberou que essa região fosse povoada; entretanto,
antes que isso ocorresse, os franceses designados para tal também recuaram.
A Colônia Dona Isabel foi fundada em 1870, porém sua ocupação é datada,
segundo registros, do final do século XIX e do início do século XX. Mais precisamente,
no ano de 1875, chegaram os primeiros imigrantes, os quais, com muita luta,
enfrentando diversas dificuldades, buscaram formas de vencer o isolamento e, nesse
terreno inóspito, instalaram-se, visando a prosperar. Tais imigrantes “deixaram para
trás uma sociedade repressiva e uma política econômica precária. ” (SOUZA;
GRAZZIOTIN, 2016, p. 271).
Documentos oficiais apontam que a vinda dos imigrantes italianos para essa
região ocorreu devido à crise política que assolava a Itália. Segundo Tartarotti (2014),
corria um boato de que o “Governo Italiano pretendia promover a migração de
trabalhadores rurais para a América do Sul”. Nesse contexto, “o Brasil era o país que
oferecia atrativos especiais: grandes extensões de Terra e a possibilidade de ter sua
própria propriedade.” (TARTAROTTI, 2014, p. 15). Assim, os imigrantes seriam
contemplados com uma nova vida em uma terra que, aos olhos dos propagandistas,
mostrava-se tão próspera.

11Após a luta contra Rosas, em torno de 1.800 deles se estabeleceram no Rio Grande do Sul e tiveram
rápida ascendência sobre os demais imigrantes, pois tinham formação acadêmica e participação em
eventos sociais mais marcantes. Representam um “fermento” entre os imigrantes para o
desenvolvimento material e cultural. Receberam esse apelido “Brummer” porque eram
questionadores – os que faziam “zunido”. (SOUZA; GRAZZIOTIN, 2016, p. 280).
40

A população da colônia foi formada basicamente por etnias oriundas da Europa,


como austríacos, franceses e alemães. Por sua vez, os italianos que iniciaram sua
chegada em 1875, na região da Serra Gaúcha, eram provenientes da província
Vicenza, na Itália, e fizeram paragem em Nova Milano (atual sede do 4º Distrito de
Farroupilha). Nesse local, eles foram recebidos por autoridades governamentais,
identificados e enviados a seu destino – porém não sem antes de “assumirem o
compromisso do pagamento das terras recebidas, em parcelas anuais, de acordo com
as colheitas.” (TARTAROTTI, 2014, p. 16).
Os imigrantes que iniciaram a ocupação da Colônia de Dona Isabel se
estabeleceram na Linha Geral – nesse contexto, linhas consistem em estradas vicinais
da via geral, paralelas entre si, que efetuam a marcação, quase sempre à frente do
lote. Os colonos que vieram posteriormente passaram a habitar outros lotes
designados nas linhas e picadas. Para esse pedaço de terra, também se usou a
designação de colônia ou lote colonial. Essas foram as unidades básicas de
sociabilidade do sistema, geralmente organizadas em torno de uma capela, um
cemitério e uma casa comercial. Para Seyferth,

[...] pelas normas legais o colono precisava residir no lote


recebido – daí a importância social (e étnica) da linha colonial (termo
designativo da picada ou atalho, aberta ao longo dos cursos d’água, a partir
da qual os lotes eram marcados), cuja organização comunitária praticamente
substituiu a aldeia camponesa do país de origem (SEYFERTH, 2000, p. 156).

No ano de 1877, a população da Colônia Dona Isabel era de 929 colonos. Eles
ocupavam 6 linhas, dentre as quais estava localizada a Linha Jansen. Já no censo de
1882, a população havia aumentado consideravelmente e, na referida linha, passou a
ser de 945 habitantes. Em 1885, a colônia foi emancipada e passou a ser uma vila.
Em 1890, as Colônias Dona Isabel e Conde d’Eu foram unidas e elevadas ao patamar
de município de Bento Gonçalves, pelo Decreto n° 47, de 11/10/1890, assinado pelo
General Cândido Costa, governador do Estado na data.
A Linha Jansen, anteriormente à sua emancipação, pertencia ao município de
Bento Gonçalves. Em 11 de dezembro de 193412, passou a pertencer ao município de
Farroupilha.

12 Até 1934, a localidade era identificada como 3° Distrito de Bento Gonçalves, passando, com a
emancipação, a ser identificada como 2° Distrito de Farroupilha.
41

O segundo distrito de Farroupilha, Jansen, tem sede na Vila de mesmo nome.


É o distrito situado no extremo norte do município, fazendo limites ao Norte
com os municípios de Nova Roma do Sul e Flores da Cunha, ao sul com o 1º
distrito de Farroupilha, a leste com o município de Caxias do Sul e a Oeste
com o município de Bento Gonçalves. Antes da emancipação política de
Farroupilha, Vila Jansen era o 3º distrito da colônia Dona Isabel (atual Bento
Gonçalves). A principal atividade econômica é a viticultura. A Cooperativa
Vinícola São João é um dos estabelecimentos mais antigos da região. A
primeira igreja foi construída em 1909, na sequencia surgiram botequins,
casas de secos e molhados, alambiques e serrarias. A primeira estrada de
acesso às comunidades mais desenvolvidas foi construída pelos próprios
colonos. A abertura da Estrada Júlio de Castilhos, iniciada em 1910, propiciou
o desenvolvimento de atividades econômicas acelerando o desenvolvimento
da região (GÜLDEN et al., 2000, p. 55).

Com relação à delimitação geográfica, a Linha Jansen está localizada mais


precisamente no 2º Distrito do município de Farroupilha, situado na Encosta Superior
do Nordeste. Sua área é de 393,45 km² (FARROUPILHA, 2015). A divisão municipal
é organizada em distritos administrativos, em número de quatro, da seguinte maneira:

Figura 2 - Mapa de Farroupilha: divisão por distritos

Fonte: Farroupilha (2015).


Segundo os dados do censo do ano de 1883, a parte da localidade que era
habitada estava dividida em 14 linhas ou distritos coloniais: Palmeiro, Argemira,
Armênia, Estrada Geral, Zamith, Jacinto, Faria Lemos, Leopoldina, Sede, Lima
Fernandez, Eulália, Alcântara, Paulina e Jansen. Cada linha possuía, em seus
domínios, uma igreja, uma capela e um cemitério. O Quadro 6, a seguir, apresenta os
números populacionais da época, atinentes às localidades pertencentes à Colônia
42

Dona Isabel. Nesse quadro, está apresentado o número de habitantes com distinção
de sexo, o estado civil desses imigrantes, a nacionalidade e as idades.

Quadro 5 - População da Colônia Dona Isabel (1883)

Fonte: Costa (1992, p. 26).

No contexto da imigração, os registros assinalam que as primeiras famílias a


desbravarem essas terras foram as de Tomazo Radaelli, Stefano Crippa e Luigi
Sperafico, que encontraram as terras públicas sem uso e praticamente não exploradas
na região, com grande quantidade de mata nativa. Essas terras, anteriormente à chegada
dos imigrantes, eram habitadas por índios Caingangues divididos em tribos. Eles
ocupavam algumas áreas como as barrancas do Rio da Antas e o interior de Nova Milano.
Segundo os códices existentes no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, a
Linha Jansen tem registro de concessão de lotes para os colonos vindos da Europa a
partir de 1884. Por exemplo, Giovanni Mangoni, avô de Júlio Mangoni, patrono da
escola, chegou à Linha Jansen no ano de 1894. Ele recebeu o lote n° 74, com 242.000
m² de área. A seguir, reproduz-se uma fotografia da Linha Jansen no ano de 1918.
43

Fotografia 4 - Linha Jansen (1918)

Fonte: Luchese (2007, p. 92).

Os imigrantes que chegaram a essa região instalaram-se 12 km ao norte do


povoado de Barracão, em um local que chamaram de “Nova Vicenza”. Tão logo
chegaram, começaram a ocupação das novas terras. Como consequência desse
processo de desenvolvimento e devido ao progresso estabelecido, em 1934, a região
deixou a condição de domínio agrícola e passou à condição de município.

3.3.2 Aspectos da escolarização

Tendo as comunidades étnicas seu desenvolvimento normalmente localizado


em áreas rurais, em função do interesse do governo em povoar essas regiões, nasce
a necessidade de ensino e, com isso, emerge uma nova forma de educação. Assim,
anteriormente à instalação dos Grupos Escolares, criaram-se as escolas étnicas, que
eram de fundamental importância para o desenvolvimento da região de colonização
italiana. Sua necessidade se deu em função da vinda dos imigrantes: não tendo
escolas públicas disponíveis, os imigrantes, inspirados na tradição de seus países,
“[...] começaram a organizar escolas étnico-comunitárias nas áreas rurais, que foram
assumidas pelos imigrantes e retratavam aspectos culturais importantes da etnia,
como língua e costumes. ” (KREUTZ, 2010, p. 75).
44

Os relatórios sobre a Colônia Dona Isabel, datados de 1877, informam que, na


sala da diretoria da colônia, funcionava uma sala de primeiras letras. A escola da sede
servia de moradia para os encarregados responsáveis pelo recebimento dos
imigrantes. Esse prédio estava localizado onde atualmente está construído o prédio
da prefeitura de Bento Gonçalves. Nessa aula, estavam matriculados 61 alunos;
entretanto, somente uma escola era insuficiente para as necessidades e as distâncias
da localidade. Desta forma, nasce a demanda da instauração de uma escola em cada
linha pertencente à Colônia.
No relatório de Manuel Buarque de Macedo datado de 1880, na Colônia Dona
Isabel, existia uma escola elementar, com 62 alunos do sexo masculino e 39 do sexo
feminino, num total de 101 alunos. Nessa mesma localidade, segundo registros
datados de 1883, constava uma escola pública na Linha Palmeiro, mantida pelos
colonos. O professor designado para essa escola era Santo Bolzoni.
O Cônsul Real Eduardo dos Condes Compans de Brichanteau escreveu em
seu relatório, datado 1892, que, na Linha Jansen, havia uma pequena sociedade
italiana, “Sociedade Artística de Mútuo Socorro”, fundada em 1889, que tinha por
finalidade mútuo socorro e instrução dos filhos dos colonos. Contava com 50 sócios,
que pagavam uma dada quantia mensal e que podiam enviar seus filhos à escola para
que aprendessem a instrução elementar. Os não sócios também podiam enviar seus
filhos para a escola, mediante o pagamento do dobro do valor que os sócios pagavam.
No relatório, ainda é apontado que as escolas brasileiras eram menos
frequentadas e que os pais italianos desejavam escolas italianas. Para isso,
efetuavam pagamentos de taxas mensais. Importa ressaltar que, no seio das famílias
italianas, falava-se o dialeto italiano, mesmo morando-se no Brasil. Nesse mesmo
documento, menciona-se ainda que se contava, na colônia, com 7 escolas públicas –
2 delas na sede, e 5 distribuídas entre as linhas. Mostra-se importante salientar que
significativa quantidade de escolas da Região de Colonização Italiana (RCI) se
mantinha com a assistência do Consulado Italiano (LUCHESE, 2007), que ajudava
com o material didático, auxiliando professores e alunos.
Sobre a escola italiana no Brasil, no relatório datado de fevereiro de 1905,
escrito pelo Cônsul Francesco de Veluttis, consta a seguinte informação: “[...] na sede
funciona a escola Luigi Petrocchi, dirigida pelo agente consular italiano: nas linhas
contam-se cerca de 20 pequenas escolas coloniais, onde se ensina, da melhor
maneira possível a ler e escrever. ” (COSTA, 1992, p. 100).
45

A importância da escola italiana no Brasil, segundo relatório de Luigi Petrocchi,


está na manutenção do culto às memórias pátrias, bem como da difusão da língua e
da cultura italiana: “[...] respondia à missão regeneradora da juventude, a qual se
instrução, acabaria por viver uma existência brutalizada, e não constituiria um povo
orgulhoso de bom nome de sua pátria de origem. ” (COSTA 1992, p. 81).
O relatório do Intendente Joaquim Marques de Carvalho Júnior, do ano de
1907, aponta que, nas linhas, existiam aulas públicas. 2 dessas aulas estavam
localizadas na Linhas Jansen e na linha vizinha Jacinto. Na Linha Jansen, no lote n°
46, sob a tutela do mestre Francisco Tochetto, funcionou uma escola mista. Entidades
como essa, em grande parte dos casos, funcionavam na própria capela e estavam
localizadas onde houvesse maior concentração de famílias.
Grosso modo, é possível afirmar que a história da educação no interior de Farroupilha
se relaciona à sensibilidade da comunidade e das famílias que cediam compartimentos em
suas residências para que fossem ministradas aulas, como argumenta Souza (2012).
Contudo, em alguns casos, a figura do professor leigo e a estrutura improvisada para as
aulas eram a realidade educacional da região nesse período.
Nas primeiras décadas do século XX, associado ao republicanismo positivista,
emergiu um movimento nacionalista. Para Gertz (2005), esse aspecto se relaciona ao
intenso projeto “civilizatório e patriótico” proposto a partir da década de 1930, no
governo Vargas. Em relação a essa questão, como explica Kreutz,

Em período histórico de formação do Estado/Nação, a tendência


predominante, nos países do Ocidente, foi a de acionar políticas educacionais
que convergissem com a formação de uma nação uma, com um só povo e
uma só língua (KREUTZ, 2005, p. 1).

Assim, até meados do ano de 1914, era permitido ensinar os alunos no idioma
italiano. Posteriormente a essa data, devido ao processo de nacionalização do ensino,
ocorreu a proibição do uso de idiomas não nacionais nessas localidades. A partir de
então, só o português deveria ser ensinado, mesmo que os professores falassem o
dialeto italiano.
Ainda quanto à educação no Brasil, no período da década de 1930, o País
passava por mudanças políticas e sociais. A fotografia do presidente deveria estar
exposta nas escolas; o hino deveria cantado diariamente; e o espírito nacionalista era
exaltado. “Assim, entre outras estratégias empregadas pelo governo com o objetivo
de nacionalizar as novas gerações, destacam-se as festas escolares cívicas, como
46

práticas que buscavam cooperar com a construção e com a propagação de uma


memória nacional. ” (FERNANDES, 2015, p. 138).
Nesse sentido, friso que a educação rural do GEJ no contexto investigado estava
inserida no âmbito de um governo que havia se instalado em 1937 e que perdurou até
1945, no Estado Novo. Nesse âmbito de nacionalização do ensino, a educação
funcionou como forma de propaganda, servindo também para nacionalizar estrangeiros,
com o intuito de integrá-los aos habitantes do interior do País. Segundo Capelato,

As imagens e os símbolos eram difundidos nas escolas com o objetivo de


formar a consciência do pequeno cidadão. Nas representações do Estado
Novo, a ênfase no novo era constante: o novo regime prometia criar o homem
novo, a sociedade nova e o país novo. O contraste entre o antes e o depois
era marcante: o antes era representado pela negatividade total e o depois
(Estado Novo) era a expressão do bem e do bom (CAPELATO, 2006, p. 123).

Assim, pode-se compreender que as relações que acontecem no âmbito


escolar não estão deslocadas, pois são reflexos da sociedade em que se inserem.
Ilustrando esse período histórico, na Fotografia 5, identificam-se as professoras
Amanda Mangoni, Elidia Biasiori e Joanna Maria Dal Pont, com alunos no Desfile da
Semana da Pátria em Farroupilha, datado do ano de 1939.
47

Fotografia 5 - Desfile da Semana da Pátria (1939)

Fonte: Arquivos do GEJ.

É possível perceber que tais comemorações são de fundamental importância


para analisarmos elementos que nos possibilitam compreender a cultura escolar, pois
trata-se de um momento de partilha de vivências relacionadas às festividades alusivas
à Semana da Pátria. Cunha (2009) argumenta que, nesse contexto de nacionalização,
esperava-se que a professora fosse exemplo de “amor à pátria”, à ordem e ao civismo
para os alunos.
Um aspecto rememorado pelos sujeitos entrevistados neste trabalho se refere
ao modo como percebiam a presença do exército na comunidade. Nesse sentido, as
representações sobre tal questão figuram nas lembranças de Waldeni: “[...] o exército
de Bento, tinha lá uns quarenta, cinquenta soldado, os fuzil, tudo…marchava... bah,
nós tremia, ficava lá, não conhecia [...].” (Waldeni, entrevista, 2017). Tais memórias
também estão presentes nas brincadeiras escolares rememoradas por ela.
Já a professora Ernilda relembra que, na década de 1940, as ações mais
amplas do cenário histórico nacional impactavam no cotidiano das aulas. Assim se
refere ao fim do governo Vargas:

“[...] em quarenta e cinco, em maio de quarenta e cinco, eu não me lembro


o dia, eu estava na escola municipal, meu pai saiu a cavalo de casa, quase
quatro quilômetros longe a escola para vir me avisar que era para mandar
suspender os alunos, que fossem para casa para comemorar que a guerra
tinha acabado.” (Ernilda, entrevista, 2017).
48

Ainda em se tratando da nacionalização, conforme supra referido, não era permitido


falar o idioma italiano. Segundo relatos de um dos entrevistados, quando a professora os
escutava falando o dialeto italiano durante as aulas, os alunos eram punidos.
Os estudantes ingressavam na escola com 7 anos, e era importante uma
frequência mínima. Os pais normalmente se importavam com a assiduidade e
mandavam os filhos para a escola; porém, alguns dos mais velhos necessitavam ficar
em casa, abrindo mão de sua instrução formal para auxiliarem nas tarefas domésticas
e cuidarem dos irmãos mais novos.
Sobre a organização didática das escolas rurais, o professor, por trabalhar
sozinho em grande parte das escolas, exercia as funções de diretor, professor e
encarregado da limpeza, sendo polivalente nas funções. Geralmente, nas comunidades
rurais, os prédios escolares eram construídos em madeira e ficavam localizados no
entorno da igreja. Muitas escolas funcionavam somente em uma sala, com classes
multisseriadas até o 5° ano. Depois de concluírem o nível primário, para que pudessem
prosseguir com os estudos, os jovens deveriam se deslocar para a cidade. Dada a
dificuldade de deslocamento, muitos desistiam e encerravam seus estudos no 5° ano.
No que concerne à escolarização em Farroupilha, é pertinente destacar alguns
estudos acadêmicos que procuraram historicizar as práticas e culturas escolares entre as
décadas de 1930 e 1950, tais como Fernandes (2015); Belusso (2016); e Santos (2018).
A dissertação de Fernandes (2015) abordou a história do Grupo Escolar
Farroupilha, enfatizando as festas e o civismo escolar. Além disso, apresenta
importante contribuição sobre a institucionalização e a construção dos prédios
escolares, que figuravam em destaque na paisagem cultural do município.
Por sua vez, Belusso (2016) investigou a história de instituições particulares de
ensino em Farroupilha, destacando a influência religiosa, sobretudo do catolicismo,
bem como a presença das irmãs Scalabrinianas nessa comunidade, a partir de
instituições escolares como: o Colégio Nossa Senhora de Lourdes, a Escola Santa
Cruz e o Colégio Nossa Senhora de Caravaggio.
Já para Santos (2018), a escolarização em Farroupilha nesse período
compreendia as escolas e aulas particulares13, as Escolas Isoladas ou multisseriadas,
as aulas subvencionadas e os Grupos Escolares. O ensino primário figurava como
principal possibilidade de escolarização para a comunidade. Santos (2018, p. 73)

13 Havia ainda as escolas particulares italianas apoiadas pelo governo italiano e as escolas paroquiais
(SANTOS, 2018, p. 68).
49

acrescenta ainda que, “embora os registros não salientem a igreja protestante [...],
houve relação com a igreja luterana, já atuante na comunidade desde o princípio do
século XX”. Ainda em relação às instituições escolares, Santos (2018) argumenta que,
entre 1937 e 1942, havia, no Rio Grande do Sul, 170 Grupos Escolares. Além do grupo
escolar Farroupilha, havia outros dois na localidade: o Grupo Escolar Cajuru e o
Grupo Escolar da Linha Jansen.
Neste capítulo, busquei caracterizar aspectos de contexto que contribuem para
compreender os processos de escolarização e institucionalização educacional na
localidade de Jansen, município de Farroupilha. Para isso, foram abordadas suas
práticas, as relações entre as escolas dos imigrantes e o modo como elas
influenciaram a implantação dos Grupos Escolares. No próximo capítulo, analiso
memórias e representações sobre as culturas e práticas da época no processo de
escolarização da Linha Jansen.
50

4 MEMÓRIAS EM TORNO DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DE UM GRUPO ESCOLAR

Neste capítulo, apresento as memórias em torno do processo da


institucionalização de um grupo escolar no meio rural. No primeiro subcapítulo, realizo
a análise das categorias que emergiram neste estudo, valendo-me dos documentos e
memórias, ou seja: dos vestígios de uma cultura escolar e as representações sobre
as aulas. No subcapítulo seguinte, evidencio o processo que decorre para civilizar o
rural, mediante as práticas de civismo e higienismo. Por fim, abordo como era ser
professora no meio rural, por meio das memórias sobre formação e docência da
professora Ernilda Maria Cavalli Tochetto.
Em relação aos hábitos locais, no que se refere aos primeiros movimentos de
escolarização no município de Farroupilha, Belusso (2016) argumenta:

Em Nova Vicenza, havia em funcionamento, desde 1899, a quinta aula de


Nova Vicenza, escola pública, mista. Essa escola ou aula foi solicitada pela
comunidade a Caxias, em 1897 [...]. Essa aula, com o passar do tempo,
também se deslocou para Nova Vicenza “nova” e, junto com a vigésima
segunda aula isolada, atendida pela professora Maria Mocellini, próxima à
Estação Férrea, passou a denominar-se, em 1927, de Grupo Escolar Nova
Vicenza. Quanto aos Grupos Escolares, sabe-se também da existência do
Grupo Escolar Cajuru, aberto através do Decreto de criação n° 6.917, de 14
de dezembro de 1937, uma de suas primeiras professoras foi Lidia Shulke. E
havia ainda o Grupo Escolar da Linha Jansen, aberto no mesmo ano com 38
alunos (BELUSSO, 2016, p. 51).

Esses primeiros movimentos de escolarização ocorrem num contexto em que


os Grupos Escolares estão ligados aos grandes centros; contudo, investigar
instituições de ensino no meio rural significa, como argumenta Souza (2015, p. 28),
reconhecer o espaço rural como contexto “[...] em que as práticas e representações
locais produziram os elementos culturais que moldaram o modo como foram sendo
instituídas as escolas nesta comunidade. ”
Para se compreender a educação rural, é necessário, num primeiro momento,
conceituar o termo rural. Souza (2012) considera esse âmbito como um espaço em que
os processos e práticas, as experiências, vivências e valores são construídos e
possibilitam estabelecer relações com o meio, com o espaço, com o contexto em que os
sujeitos e as instituições estão inseridos. Como explicam Graciano e Canas (2014), o
Decreto-Lei n. 311, de 2 de março de 1938, define rural como não urbano; desta maneira,
tudo o que “sobra” das cidades e não corresponde a área urbana é tido como rural.
Contemporaneamente, área rural define-se pelas “distintas formas de relacionamento
51

dessas áreas com os centros urbanos, com os quais mantêm relações diferenciadas de
interdependência e complementaridade”. (GRACIANO; CANAS, 2014, p. 71).
No ano de 1937, em função de uma demanda da comunidade, foi criado o GEJ,
um grupo escolar situado no espaço rural do município de Farroupilha, e sua criação está
relacionada ao desenvolvimento da educação rural. Contudo, as escolas das localidades
rurais nem sempre eram assistidas com recursos pelo governo da República. Devido à
falta de recursos e de estrutura, as aulas funcionavam em espaços improvisados. Diante
dessas intercorrências, mostra-se de fundamental importância o papel das subvenções,
que, segundo Souza (2015), pretendiam atender às necessidades de instrução pública
na localidade. Com essa ajuda, eram fornecidos subsídios para estruturação das escolas
étnicas, que tinham, com isso, orientação patriótica e nacional.
Mesmo diante da carência de recursos, Souza (2015) mostra a importância da
educação rural para a criação de identidades, num momento em que, nessas
localidades, educação tinha pouco ou quase nada de auxílio governamental:

Nesse sentido, o pouco investimento do Estado em educação e, de modo


geral, uma educação no espaço rural, possibilitou a construção de uma
identidade específica que entrecruzou experiências e valores: étnico, cultural
e agrícola nas diferentes comunidades rurais, associados à Escola Isolada
(SOUZA, 2015, p. 93).

Não podendo contar com significativo auxílio desde o século XIX e não
recebendo apoio das políticas públicas, o modelo de educação rural que se
desenvolveu nas escolas, na maioria das vezes, era constituído de classes
multisseriadas do 1° ao 5° ano, sendo os Grupos Escolares, a priori, ligados aos centros
urbanos. Em vista disso, pode-se dizer que a partir da década de 1930 os Grupos
Escolares se tornaram escolas modelares no Rio Grande do Sul, antes, são colégio
elementares. Destaco que, nas zonas rurais, existiram Grupos Escolares em número
bastante reduzido. Por esse motivo, Souza e Duarte (2016) acrescentam que a temática
dos Grupos Escolares no meio rural é um campo de estudo com poucas investigações.
Souza (2012) acrescenta que a educação rural tinha um papel importante e foi
vista como um instrumento capaz de formar e instruir o homem do campo sob a luz
de um pensamento urbano. “Ou seja, a cidade é quem apresentava as diretrizes para
formar o homem do campo, partindo daí os ensinamentos capazes de orientá-lo,
civilizá-lo a bem viver nas suas atividades [...]”. SOUZA (2015, p. 53). Essa
escolarização seria a responsável pela formação do novo homem do campo, capaz
52

de trabalhar e enfrentar as adversidades propostas pelas inovações científicas que a


modernidade desenhava no Brasil, entre as décadas de 1930 e 1950.
Sobre a educação rural na localidade de Linha Jansen, 2° distrito de
Farroupilha, além do GEJ, para atender os filhos dos imigrantes nas linhas, foram
criadas outras escolas, que tinham como função suprir a demanda de ensino. Tais
entidades facilitaram o acesso aos alunos das linhas, que anteriormente tinham de se
deslocar a pé para estudarem em escolas centrais – como fica evidente na memória
de Ernilda, professora do grupo escolar: [...] tinha alguns alunos vinham de longe,
queridos, estudar, quatro quilômetros, às vezes” (Ernilda, entrevista, 2017).
As escolas que também pertenciam à localidade – todas apresentadas no
Quadro 6, a seguir – constituíram-se como entidades municipais, fundadas após a
emancipação do município de Farroupilha, em 1934. A única exceção é a Escola
Municipal Treze de Maio, que, num dado momento, foi nomeada de Aula n° 18 ou
Escola n°13 e teve sua criação datada do ano de 192014. Dados de Monserrat (1950,
p. 28) apontam que Farroupilha, no fim dos anos 1940, contava com: 47 escolas
municipais, 5 estaduais e 5 particulares, atendendo um montante de 2.154 alunos;
nesses dados, estão inseridos os números referentes ao GEJ, bem como os das
escolas listadas no Quadro 6. Com o decorrer dos anos, a população de Farroupilha
cresceu, e foi necessária a criação de mais escolas para suprir a demanda referente
à educação na Linha Jansen e nas linhas vizinhas.
Quanto às instituições que atendem a comunidade escolar, atualmente
localizadas no 2º Distrito, os dados revelam que a demanda por ensino não se mostra a
mesma, pois, no ano de 2017, foram encerradas as atividades em três escolas. Somente
a Escola Municipal de 1° Grau Incompleto Eugênio Ziero, localizada na Linha República,
continua em atividade, atendendo os alunos do 1° a 5° ano do ensino fundamental.
As escolas listadas a seguir pertencem ao sistema municipal de ensino. Sua
municipalização se deu por intermédio da prefeitura, no ano de 1979. Essas
instituições iniciaram suas atividades a partir dos anos de 1920. Atualmente, apenas
uma delas continua em funcionamento.

14 A partir da década de 1930 que os grupos escolares se tornaram modelares no Rio Grande

do Sul, antes, haviam os Colégios Elementares, como já foi referido anteriormente.


53

Quadro 6 - Escolas Municipais do 2º Distrito de Farroupilha/RS

Denominação Localização Fundação/Início Encerradas as


das atividades atividades
Escola Municipal de 1° Linha 80 02 de março de Encerradas as
Grau Incompleto Denominação 1961 atividades em
Albertina Cibelli religiosa Capela 1994
Sagrado Coração de
Jesus
Escola Municipal de 1° Linha Rio Branco 01 de março de Encerradas as
Grau Incompleto 1935 atividades em
Barão de Rio Branco 1994
Escola Municipal de 1° Linha República 01 de março de Em funcionamento
Grau Incompleto 1963
Eugênio Ziero
Escola Municipal de 1° Linha Amadeu 03 de março de Encerradas as
Grau Catulo da Paixão 1947 atividades em
Cearense 198215.
Escola Municipal de 1° Linha Jacinto – 18 de setembro de Encerradas as
Grau Incompleto Luiz Denominação 1960 atividades em
Busetti religiosa Capela São 26/12/2017
Luiz
Escola Municipal de 1° Linha Amadeu 01 de março de Encerradas as
Grau Incompleto 1935 atividades em
Princesa Isabel 1994
Escola Municipal de 1° Linha Jacinto- 06 de março de Encerradas as
Grau Incompleto Denominação 1966 atividades em
Segundo Biasoli religiosa Santo André 26/12/2017
Escola Municipal de 1° Linha 47 – 05 de janeiro de Encerradas as
Grau Incompleto Denominação 1920 atividades em
Treze de Maio religiosa Nossa 26/12/2017
Senhora da Saúde
Fonte: Elaborada pela autora.

Essas entidades dividiram as funções educacionais na área rural com o GEJ.


A partir de tal cenário, como explica Belusso (2016), pode-se compreender as
iniciativas educacionais do governo municipal farroupilhense, que

[...] inaugura diversas escolas, reinaugura outras, estabelece parcerias com


a comunidade e, dessa forma, estabelece uma nova dinâmica no campo da
educação. O Almanaque ilustrado de 1940 anuncia que o município dispunha
de 40 aulas municipais, 4 Grupos Escolares e três colégios particulares
(BELUSSO, 2016, p. 60).

15 Em 1982, para beneficiar um maior número de alunos, a escola transferiu-se para uma sala da Casa
Canônica do Santuário de Nossa Senhora de Caravaggio – Farroupilha/RS. Assim, a Linha Amadeu
– 2° Distrito – deixa de ser a sede da escola.
54

Na Linha Jansen, desde o ano de 2003, a comunidade conta com uma


instituição que oferece os níveis de Ensino Fundamental e Ensino Médio: a Escola
Estadual de Ensino Médio Júlio Mangoni, o antigo GEJ, que se constitui em uma
unidade polo, por ser a única instituição que oferece ensino médio na localidade.
Dentre as escolas citadas no Almanaque Ilustrado, estão contabilizados o GEJ
e as escolas municipais pertencentes ao 2° distrito. No Rio Grande do Sul, os Grupos
Escolares receberam a nomenclatura de Colégios Elementares inicialmente. No
interior do Estado, foram instalados nove colégios, localizados nos municípios de
Montenegro, São Jerônimo, São Sebastião do Caí, Santa Maria, Santa Cruz do Sul,
Bagé, Rio Pardo, Encruzilhada e Bento Gonçalves.
Após a instalação dos Grupos Escolares no Rio Grande do Sul e com a
aprovação do Decreto nº 7.929, de 30 de agosto de 1939, passa-se então a se regular
o ensino das escolas primárias do Estado. A forma de organização das escolas,
segundo Werle (2005), dava-se em função da legislação educacional vigente. Tais
entidades estavam categorizadas segundo uma ordem espacial, tendo como
referência a cidade.
Mais especificamente, no âmbito do processo de institucionalização da
educação, a partir do ano de 1939, a educação primária no País passa a ser exercida
por dois tipos de escolas. O primeiro tipo concernia às instituições consideradas
comuns (elementares e isoladas), onde um só professor trabalhava com várias
crianças de diferentes faixas etárias, num prédio normalmente improvisado,
geralmente com poucos recursos. Recorrentemente, essa situação remetia às escolas
de roça ou escolas rurais:

Importa ressaltar que, ao lado do modelo escolar proposto pelos colégios


elementares, mantiveram-se as Escolas Isoladas e foram instituídos os
Grupos Escolares no Rio Grande do Sul, uma vez que, para estar na condição
de grupo escolar, a escola deveria contar com uma matrícula de até 200
alunos e já no caso dos colégios elementares, era necessário legalmente o
número de 200 ou mais alunos matriculados (FERNANDES, 2015, p. 16).

Outro tipo de escola era chamado de escolas especiais (agrupadas ou Grupos


Escolares). Nessas entidades, os prédios ofereciam melhores condições de conforto
e higiene; as classes eram menos numerosas, e os alunos se dividiam por grau de
adiantamento. Importa pontuar que as Escolas Isoladas surgiram em contraposição
55

aos Grupos, mas sua necessidade era incontestável. Conforme Souza (1998), as
Escolas Isoladas

[...] sobreviveram as sombras dos Grupos Escolares nas cidades, nos bairros
e no campo. Apesar de elas serem consideradas tão necessárias, os grupos
foram mais beneficiados, e nela continuou predominando a carência de tudo:
materiais, livros, cadernos, salas apropriadas e salário para os professores
(SOUZA, 1998, p. 15).

Com o excerto acima, é possível compreender que as Escolas Isoladas


estavam à sombra dos Grupos Escolares, dado que, a partir de 1913, os Grupos
figuraram como instituições escolares no Estado (GIL; CALDEIRA, 2011). Essa nova
forma de organização da escolarização buscava, conforme Bencostta, “[...] esboçar
uma escola que atendesse aos ideais que propunham construir uma nova nação
baseada em pressupostos civilizatórios europeizantes [...]” (BENCOSTTA, 2008, p.
68). Tais pressupostos eram provenientes de uma nação com uma cultura letrada,
contexto no qual já havia uma preocupação com o processo de escolarização da
população, com vistas a combater o analfabetismo, dar sentindo a uma identidade
nacional e expandir o idioma pátrio.
Além disso, importa observar que as Escolas Isoladas possuíam uma
infraestrutura mais precária e desfavorável em relação às condições de ensino. Assim,
com o tempo, elas foram sendo substituídas pelas agrupadas ou pelos Grupos Escolares:

Exemplo típico está no movimento estatístico do estado do Rio Grande do


Sul. No ano de 1937, esse estado possuía 902 unidades de ensino primário,
das quais 170 Grupos Escolares e 732 Escolas Isoladas, com 300.237
alunos. Em 1942, o número de unidades baixava para 807, por agrupamento
de Escolas Isoladas. Nesse ano, os Grupos Escolares já se elevavam a 518,
regredindo, em consequência, o total das Escolas Isoladas para 360 (GIL;
CALDEIRA, 2011, p. 171).

Para compreender o fenômeno de redução das aulas isoladas, bem como o


aumento e a expansão dos Grupos Escolares no Brasil, é importante ressaltar que
eles tinham como proposta serem modernos, diferentes da escola do Império, que se
mostrava precária. Nos Grupos Escolares, a educação deveria ter um caráter popular
e universal, com espaço físico específico e com uma pedagogia moderna. Tais
instituições seriam uma forma superior de organização, em detrimento das escolas
preliminares que existiam até então. Esse novo modelo trouxe vantagens para os
diversos segmentos da sociedade, conforme Amorin (2015).
56

Importa ressaltar que os Grupos Escolares tinham, nesse contexto histórico,


uma finalidade definida:

Sua criação era defendida não apenas para organizar o ensino, mas,
principalmente como uma forma de “reinventar” a escola, objetivando tornar
mais efetiva a sua contribuição aos projetos de homogeneização cultural e
política da sociedade [...] Reinventar a escola significava, dentre outras
coisas, organizar o ensino, suas metodologias e conteúdos; formar, controlar
e fiscalizar a professora, adequar espaços e tempos ao ensino; repensar a
relação com as crianças, famílias e com a própria cidade (FARIA FILHO,
2014, p. 38).

Mesmo sendo superiores em qualidade de ensino, condições físicas e


pedagógicas, a implantação dos Grupos Escolares não ocorreu de maneira
homogênea em todos os estados do País. Inicialmente, tais entidades foram
implantadas nos grandes centros – São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais:

Vale destacar que os primeiros Grupos Escolares foram instalados nas


capitais e nas cidades com um maior desenvolvimento econômico, uma vez
que a sua organização depreendia de investimentos significativos por parte
do poder público. Nesse sentido, ao historiar um grupo escolar, deve-se ter
ciência do contexto social da época em que foi organizado, atentando para
as especificidades regionais e municipais, bem como para as particularidades
de cada escola (FERNANDES, 2015, p. 15).

No decorrer do tempo, os Grupos expandiram-se aos demais estados. Quando


implantados, possuíam um arranjo parecido entre si, com prédios e equipamentos
distintos, direção e inspeção central. A instalação dessas instituições propiciou
modificações e inovações no ensino primário, tendo profundo impacto no cenário
nacional. Com isso, tal iniciativa auxiliou na produção das culturas escolares.
Quanto à produção dessas culturas, os Grupos possuíam uma forma de organização
pedagógica que se mostrava bastante diferenciada para os padrões disponíveis na época
de sua criação, apresentando algumas inovações básicas, que incluíam:

[...] a organização das classes em séries, cada série numa sala, um professor
para cada série, organização das séries em etapas sucessivas e grupos de
quatro ou cinco séries reunidas no mesmo prédio. Observa-se que um grupo
escolar deveria ainda ter funcionários com funções específicas (VEIGA, 2007,
p. 242).

Por se organizarem em um único prédio e por possuírem uma sequência


metodológica e sistemática de ensino, de modo que os alunos passariam por classes
57

e graus para irem aperfeiçoando seu ensino, esse sistema mostrou-se vantajoso,
tanto para os cofres públicos como para os professores e alunos, não sendo assim
necessário aluguel de casas isoladas para esse fim.
Nessa nova forma de organização, o ensino estava dividido em três classes e
duas seções, compreendendo seis anos de escolarização. Essa constituição tinha um
fim específico, conforme Amorin explica: “escola republicana tinha como objetivo
primordial agrupar em um só prédio e sob uma única direção todas as Escolas
Isoladas de uma determinada localidade de acordo com o crescimento da população
escolar. ” (AMORIN, 2015, p. 211).
Muito além das inovações pedagógicas, também foram pensados para essas
instituições padrões referentes à arquitetura dos Grupos Escolares. Segundo Veiga,

À medida que se disseminaram, os Grupos Escolares marcaram de forma


significativa a paisagem urbana, especialmente dos grandes centros, quer
devido a seu estilo arquitetônico neoclássico e à imponência dos prédios,
quer pela presença dos estudantes nos desfiles e festividades cívicas
(VEIGA, 2007, p. 247).

Mesmo os Grupos Escolares sendo considerados escolas modelares nas


localidades rurais, ainda dividiam espaço com as Escolas Isoladas de classes
multisseriadas, que contavam com um só professor (o qual desempenhava todas as
funções dentro da escola, incluindo as de professor, diretor, encarregado da limpeza).
Além disso, havia as Escolas Reunidas, que se organizavam por meio da junção de
várias classes das Escolas Isoladas de organização seriada, ou de duas classes na
mesma série. Nessa forma de organização, o professor também exercia a função de
diretor.
Em relação a questões estruturais atinentes ao GEJ, essa prática também se
repetia. As salas de aula eram compartilhadas pelos diferentes níveis, conforme
explica Waldeni: “[...] cinco, pera, três por três salas, uma ‘pro’ primeiro, segundo,
terceiro e quarto, acho que tinha quatro [professores] [...].” (Waldeni, entrevista, 2017).
Estudar o cotidiano da ação educativa envolve um fluxo permanente que
abrange por inteiro a vida dos seus protagonistas (BOTO, 1994). Assim, neste
subcapítulo, busquei contextualizar o processo de institucionalização dos Grupos
Escolares, que estavam ligados ao processo de escolarização em âmbito municipal e
também à institucionalização da educação no âmbito rural. Tal processo levou em
conta as culturas conhecidas e construídas em favor da escolarização.
58

Para Souza (2015, p. 28), “[...] o processo de escolarização [...] está


engendrado e faz parte de uma complexa engrenagem cultural e social”. Nesse
sentido, reconhecendo a complexidade cultural na prática de compor e de
compreender os diferentes processos educativos do passado, por meio de memórias
de professores e alunos, é importante analisar representações de memórias sobre o
processo de institucionalização, as culturas e as formas de ser professor no local
investigado. Assim, no capítulo a seguir, abordo os vestígios da cultura escolar do
GEJ e como esses vestígios produziram representações.

4.1 VESTÍGIOS DE UMA CULTURA ESCOLAR: AS REPRESENTAÇÕES SOBRE


AS AULAS

Esta seção trata dos vestígios da cultura que produziram representações a


respeito das aulas do GEJ. Para isso, valho-me de Julia (2001), que, em síntese,
entende cultura escolar como:

Um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a


inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses
conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas
coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas - finalidades
religiosas, sociopolíticos ou simplesmente de socialização (JULIA, 2001, p. 10).

Julia (2001) destaca elementos que são efetivos na constituição da cultura


escolar, como: espaço próprio, cursos de graus em níveis e profissionais. A cultura
escolar está relacionada intimamente a outras formas de cultura, como a política, a
religiosa e a social. Para além dessas relações, segundo Vinão Frago (2001), a cultura
escolar está relacionada com o fazer diário da escola, as ideias e as ações cotidianas,
e se apresenta como

[...] um conjunto de teorias, ideias, princípios, normas, pautas, rituais,


inércias, hábitos e práticas (formas de fazer e pensar, mentalidades e
comportamentos) sedimentadas ao largo do tempo em forma de tradições,
regularidades e regras de jogo que não são postas em dúvida e que são
compartilhadas por seus atores no centro das instituições educativas (VINÃO
FRAGO, 2001, p. 29).
59

Compreendo, assim, que a cultura escolar é composta por objetos concretos e


por elementos imateriais que emergem do contexto de funcionamento da escola.
Conforme Ermel (2017) apoiada em Vinão Frago (2002), a cultura escolar é vista
como:

[...] algo que permanece ao longo do tempo, e que engloba os sujeitos ou


atores que estão envolvidos na educação (alunos, professores, funcionários,
pais, religiosos); os discursos, as linguagens e os modos de comunicação
utilizados no contexto escolar; os aspectos organizativos e institucionais e,
por último, mas não menos importante, a cultura material que compõe o
espaço escolar (ERMEL, 2017, p. 35).

Assim, é possível compreender que, independentemente da instituição


educativa, todas elas possuem, em seu meio, culturas escolares próprias, com
características peculiares, visto que a cultura não se constitui de forma homogênea
em todos os educandários. Por entre novos olhares voltados à cultura escolar, é
possível aumentar o campo de investigação sobre as instituições escolares e as
questões recorrentes nas suas práticas e representações.
Neste trabalho, entendo por representação a evocação da lembrança. Para
Chartier (1988), trata-se da presentificação do passado presente na memória do
sujeito. Como explica Selau (2014, p. 221), “a história reconhece a existência do
passado, mas ela não é uma vivência, e sim uma representação desse passado”.
Nesse sentido, a memória não figura como história, mas serve de elemento na
composição da pesquisa.
Chartier (1991) ainda argumenta que existem as formas institucionalizadas e
objetivadas, originadas das representações, que podem ser constituídas tanto de
maneira individual quanto coletiva e que marcam a existência dos sujeitos nas
instituições escolares. Nesse sentido, reitero a importância da representação na
constituição das culturas escolares.
Sendo as representações lembranças sobre as aulas, é importante considerar
aspectos como os lembrados por Waldeni: “eu aprendi bastante, eu era inteligente,
não devo incomodar na aula”. Segundo Souza (2015), essas representações são
construídas ao longo do tempo e absorvidas pelo senso comum.
No contexto de Grupos Escolares como o GEJ, para que as aulas pudessem
decorrer de forma harmônica, fazia-se necessária uma forma de organização, que
ocorria por meio do planejamento das aulas. Esse aspecto se constitui em importante
60

fonte para se compreender a cultura escolar. Educar, nesse âmbito, era muito mais
que instruir; segundo Souza,

[...] pressupunha um compromisso com a formação integral da criança que ia


muito além da simples transmissão de conhecimentos úteis dados pela
instrução e implicava essencialmente a formação do caráter mediante a
aprendizagem da disciplina social (SOUZA, 2004, p. 127).

Para que a educação se desdobrasse da melhor forma possível, como relembra


dona Ernilda, assim era o planejamento das aulas: “nós fazíamos planos, a delegacia
de ensino dava exemplos, como é que se diz, um guia ‘né’, ali eles te apresentavam
por exemplo um plano sobre, para um mês”. Esse planejamento se desenvolvia com
o auxílio dos materiais que haviam pertencido a sua mãe, conforme ela relembra: “ela
ficou só dois anos, porque ela foi nomeada em trinta e seis, [...] ela ficou dois anos só
lecionando, minha mãe era assim, ela aprendia e aí ela passava para os outros”.
Quanto a essa lembrança, vale observar que as memórias sugerem que o saber da
experiência e as lembranças dos seus tempos de alunas eram considerados no
momento em que as professoras iniciavam a vida docente.
Essa forma de transmitir o conhecimento vai além, para Fischer (2005), pois,
ao transmitir saberes, a professora primária era um ser “quase divino”, que assumia o
compromisso e a missão da transcendência como propagadora de verdades
relacionadas à moral e aos bons costumes. Desse modo, a docente era incumbida de
expressar uma moral que deveria servir de exemplo para os alunos e para a
comunidade na qual estava inserida.
Ainda em se tratando do planejamento segundo as memórias da professora
entrevistada, ao que tudo indica, nas aulas, o plano se constituía de forma muito
simples, e incluíam-se as atividades de oração e chamada. Quanto ao desenrolar das
aulas, ela lembra que se trabalhava com a realização de lições, atividades e exercícios
de caligrafia. Essa mesma estrutura de planejamento foi utilizada por outras
professoras, segundo Ernilda:

“[...] eu não tenho mais os planos, pois a filha da dona da Malharia Panes,
ela lecionou e veio aqui e me pediu se eu tinha alguma coisa para mostrar
para ela, eu, aquilo que eu tinha eu dei tudo para ela, dei livros, dei os
planos”. (Ernilda, entrevista, 2017).
61

Para a realização do planejamento proposto pela professora, Therezinha


relembra que possuíam “[...] quadrinho pequeno, assim, que era tipo uma lousa,
assim, que escrevia e apagava, escrevia e apagava”. Esse aspecto está em
conformidade com a memória de Waldeni, que acrescenta: “[...] tinha que poupar
papel ‘né’ [risos]”. Nesse processo de revisitar as memórias, o entrevistado ainda
relembra que se faziam atividades de caligrafia: “tinha, (caligrafia) ‘pra’ nós aprender
a fazer direito as letras”. Essas memórias podem ser analisadas mediante a
perspectiva do tempo social. Nesse sentido, para Halbwachs (2006), por meio das
memórias, é possível conhecer e compreender as características históricas, políticas
e sociais que identificam um determinado grupo, as quais vão sendo construídas por
intermédio das interações e experiências que os sujeitos vinculam às suas histórias.
Tanto a aluna Therezinha quantos os alunos Waldeni e Edjalma lembram como
se constituíam as aulas e as práticas relacionadas à Educação Física: “tinha ginástica,
apito, tudo” (Therezinha, entrevista, 2017). Waldeni, revistando as memórias,
referindo-se às aulas de Educação Física, complementa: “bom, a única coisa que tinha
que fazer era exercício essas coisas, agora não chuta a bola, que era castigo uma
semana”. Além da prática da ginástica na Educação Física, o entrevistado ainda
adiciona: “tinha o caçador16, essas coisas, mas às vezes dava uma ‘vontadezinha’ e
dava um chute na bola”.
Desse modo, é possível pontuar que as práticas realizadas nas aulas de
Educação Física construíram uma cultura e serviram de elemento de expressão
individual e de integração social. Segundo Giacomoni (2018),

No Brasil, a Educação Física geralmente esteve ligada, ou rememorada,


pelos seus ideais de saúde corporal vinculados ao campo da medicina. Esses
são os preceitos inicialmente assumidos no interior da escola, por entender
que, através de hábitos saudáveis provenientes dos exercícios físicos, os
alunos teriam maior desenvolvimento físico, moral e intelectual
(GIACOMONI, 2018, p. 63).

Ainda quanto a esse aspecto, vale ressaltar que, no período investigado nesta
pesquisa, conforme Corrêa (2009), a Educação Física recebeu maior atenção das
políticas educacionais de âmbito nacional, passando a ser contemplada nos
documentos constitucionais e nas reformas do ensino.

16 Ao usar o termo “caçador”, Waldeni se refere à brincadeira que tinha como objetivo atingir com a bola
o maior número possível de jogadores adversários, até não restar nenhum.
62

Além das aulas de Educação Física, o tempo escolar estava dividido em outras
disciplinas, conforme rememora a professora Ernilda: “tinha que dar todas as disciplinas,
português, matemática, história, geografia, era ciências, estudos sociais, religião,
desenho, educação física”. Essas disciplinas compreendem aquilo que a legislação
educacional do período exigia, bem como o que era previsto pelos exames de avaliação
final para aprovação dos alunos, como explicam Souza e Grazziotin (2014).
Em relação à divisão do tempo no interior das escolas formais, existiam
algumas características que eram comuns a todas as instituições,

[...] como a separação de turmas por graus de ensino e com emprego do


tempo. Também começam a ocorrer avanços nas metodologias didáticas,
nas relações professor-aluno, na separação das disciplinas, mesmo que
ainda fossem ministradas por apenas um único professor, formado em
Magistério ou no curso Normal sob a tutela de um diretor, e ainda um sistema
de avaliação institucionalizado (GIACOMONI, 2018, p. 45).

Outro fator considerado relevante para o desenvolvimento das aulas nos


Grupos Escolares eram os espaços, conforme Ermel (2017):

Partindo da perspectiva da cultura escolar, que entende a materialidade como


um dos elementos essenciais para a compreensão da história da educação,
os espaços escolares e, mais especificamente, a sua arquitetura, são objetos
dessa investigação. Como concretização de propostas e realizações
pedagógicas de diferentes tempos e espaços, ao edifício escolar estão
implicadas questões de funcionalidade e representações da educação, que
permanecem no cenário das cidades (ERMEL, 2017, p. 37).

Contudo, nos Grupos Escolares rurais, essa nem sempre era a realidade. No
ano de sua criação, o GEJ funcionava em um espaço improvisado, junto ao Clube
Recreativo Farroupilha. Anos depois, foi transferido para um local junto à subprefeitura
da localidade. Somente no ano de 1958, a instituição instalou-se em prédio próprio.
Nesse sentido, a professora Ernilda contribuiu com suas memórias a respeito da
edificação do prédio da escola:

“[...] meu marido fez muitas vezes a Porto Alegre, por causa da construção
da escola. Mas depois lá a gente que escolhia os trabalhadores para fazer
as coisas ‘né’, a empresa que ia... Para construir aquela escola os pais
vinham até a escola para saber sobre os filhos, foi criado um círculo de pais
e mestres, eles vinham, sim, mas com dinheiro não ajudavam muito não. ”
(Ernilda, entrevista, 2017).
63

Outra memória trazida referente à estrutura física da escola pertence a


Waldeni: “[...] era uma escolinha pequena, nos fundos um potreiro, as vacas
passavam ‘pro’ lado de lá e tudo [...] tinha um policial que morava dentro do potreiro
também [...]” (Waldeni, entrevista, 2017). O local é apresentado na fotografia a seguir.

Fotografia 6 - Fundos do prédio do Grupo Escolar Jansen (1958)

Fonte: Acervo da Secretaria da Escola Júlio Mangoni, Farroupilha/RS.

A fotografia acima mostra as instalações que eram utilizadas pelos alunos como
pátio e para a prática de Educação Física. Como se pode notar, não havia estrutura e
nem recursos para que as práticas se efetivassem adequadamente. Observo que, após
o estabelecimento em prédio próprio, a estrutura do GEJ era constituída de quatro salas
de aula e um banheiro localizado fora do prédio escolar, chamado de patente.
Além do espaço físico dos Grupos Escolares, é de fundamental importância
considerar os elementos da cultura escolar material. Objetos e utensílios, segundo
Souza (2015), são meios criados pelos sujeitos, de um modo geral, para promover
situações de aprendizagem. Portanto, eles incluem diferentes materiais encontrados
nas escolas. Quanto à mobília, por exemplo, é possível identificá-la como:
64

[...] um dos símbolos da educação moderna, uma vez que ele se localizava
no centro dos debates e documentos que tinham como objetivo fazer da
escola um aparelho modelar, capaz de instruir as classes menos abastadas
e ensinar hábitos e condutas higiênicas (SOUSA, 2016, p. 7).

Ainda no que se refere ao mobiliário, conforme Bencostta (2013, p. 3), vários


profissionais de diversificadas áreas, como arquitetos, médicos e educadores,
conceberam objetos que estivessem higienicamente adequados ao bem-estar dos
alunos em sala de aula. Em relação a esse aspecto, segundo as memórias de
Therezinha e Ernilda, nas salas de aula do GEJ, “As classes eram aquelas de madeira
que levantava o tampão e o banco tinha encosto [...] era fixa, tipo o da igreja, assim,
tem encosto, mas atrás tem mais gente [...]”. (THEREZINHA, entrevista, 2017). Além
disso, Ernilda também rememora que havia “[...] bancos compridos, as classes, as
classes eram mais ou menos separadas, não eram tão juntas, mas o banco era junto
e de madeira. ” (Ernilda, entrevista, 2017).
Em consonância com tais memórias, é possível compreender que os objetos
da cultura escolar são oriundos de uma produção social e carregam as marcas de seu
tempo, bem como das relações estabelecidas. Além disso, há sempre uma relação de
dependência entre os objetos e as ações desenvolvidas nas instituições escolares
(KINCHESCKI; SOUSA, 2017, p. 2).
Na fotografia a seguir, está ilustrada uma sala de aula do GEJ. Apesar de a foto
não possuir um registro de data, acredita-se que pertença à década de 1950.
65

Fotografia 7 - Sala de Aula no GEJ

Fonte: Acervo da Secretaria da Escola Júlio Mangoni, Farroupilha/RS.

Para Bencostta (2013), com o decorrer do tempo, o mobiliário dos Grupos


Escolares foi se modernizando. Em relação à estrutura do GEJ, Ernilda (2017) relembra
que os bancos das classes eram de madeira, mas eram juntos e comportavam mais de
um aluno, o que contribuiria para o desenvolvimento do trabalho coletivo entre os
estudantes. Já Therezinha, que foi sua aluna na década de 1940, relembra que os
bancos já eram separados, conforme a Fotografia 7, e dispostos um atrás do outro.
Essa diferença evidencia que as memórias das entrevistadas pertencem a períodos de
tempo diferentes. Mais especificamente, é possível pressupor que a memória de Ernilda
remeta ao tempo em que ela estudava, e não ao período no qual foi docente no GEJ.
Já as memórias de Therezinha são as mesmas representadas na Fotografia 7.
Conforme ilustra a imagem, no ambiente da sala de aula, em frente às classes,
estava o quadro negro, acima do qual se encontrava afixado o crucifixo. Em relação a
essa disposição espacial, como ressalta Boto (2014), a escola foi utilizada pelo Estado
e pela Igreja para desenvolver controle. Na comunidade de Linha Jansen, não foi
diferente, como relembrado por Waldeni, no que se refere à doação do terreno por
seu pai Júlio Mangoni para a construção da Igreja e da Escola:
66

“[...] se faz a igreja aqui eu dou o terreno de graça [pra Igreja e para Escola],
era o… Como é que era o padre, aquele, era de Nova Roma, eles tinham
a igreja ali embaixo, que era tudo plano, acho meu pai tinha preguiça descer
ali embaixo né [...]”. (Waldeni, entrevista, 2017).

Para a comunidade, a orientação religiosa estava intimamente ligada à


orientação educacional. Conforme Souza (2015), ao que tudo indica, os professores
eram responsáveis por propiciar aos alunos a orientação cristã católica, instituída
como religião oficial do Estado. Além de se expor o crucifixo na sala de aula,
estabelecia-se que os alunos tivessem a prática diária de rezar antes do início das
aulas e da hora do lanche.
Quanto aos objetos que compunham a cultura material, além o mobiliário das
salas de aula, que era constituído de quadro negro, classes e cadeiras para os alunos
e para o professor, havia a bandeira do País, forte indicativo do nacionalismo, visto
que esse elemento estava

[...] carregado de simbologia, rememorava a “Pátria amada”. Cumpre


ressaltar que, além de serem afamados nas solenidades, esses símbolos
eram cultuados diariamente na escola como forma de manter vivas as
tradições e de fomentar os sentimentos cívicos (FERNANDES, 2015, p. 140).

Na década de 1930, a escola assumiu caráter estratégico para a reconstrução


nacional, devendo contribuir para o projeto de nacionalização que, segundo Souza
(2015), tinha por função “[...] diminuir ao máximo o índice de analfabetismo, imprimindo
uma identidade aos currículos escolares, uniformizando valores e sentimentos da
cultura nacional, especialmente no meio rural. ” (SOUZA, 2015, p. 109).
Apesar de precisarem ajudar nas tarefas de casa e na roça, os alunos
frequentavam a escola. Mas, devido às intercorrências de clima, nas diferentes épocas
do ano, eles recorrentemente faltavam, por terem a locomoção dificultada pelas chuvas
e pelo frio, de modo que não conseguiam, nessas condições, percorrer vários
quilômetros a pé para chegar à escola. Outras vezes, tinham de ficar em casa para
auxiliar na colheita de produtos sazonais. Sobre as memórias a respeito da frequência
escolar, Therezinha relembra: “[...] tinha que ir para a escola, o pai obrigava. [...] tinha
que levantar às três ‘pra’ fazer pão, fazer pão no forno, dava comida para a família, tinha
uns trinta, minha mãe trabalhou [...]”. (Terezinha, entrevista, 2017).
67

Mesmo vivendo em um período marcado por inúmeras dificuldades para


frequentar a escola, foram evocadas memórias que remetem à seguinte consideração
de Maranhão: “a escola rural não terá apenas a função de alfabetizar, ou melhor, de
formar o espírito do aluno. Será, em sua zona de atividade, um berço de civilização”.
(MARANHÃO, 1952, p. 5). Nesse sentido, os ex-alunos e a docente têm boas
lembranças da escola, das aulas e das brincadeiras. Um dos episódios ocorridos
durante uma aula foi relatado pela professora Ernilda:

[...] uma vez me aconteceu uma que, tinha o Eleu Giacomelli, depois ele
faleceu jovem ainda, que ele tinha um passarinho no bolso, eu não sabia
de nada, então veio um aluno na minha mesa com o caderno para corrigir
coisas, sei lá se era português, matemática, não sei te dizer, ‘professora, o
Eleu tem um passarinho no bolso’ e aí o que que eu fiz, eu disse, agora eu
não vou falar nada porque senão todo mundo vem com passarinho, depois
‘né’. [...] me parecia, eu ‘né’, ai eu disse ‘Eleu, é verdade que tu tem um
passarinho no bolso?’, ele me olhou, se assustou, eu disse - não fica com
medo, não fica com medo, tu me pede licença, tu vai lá pra fora, vai no
banheiro, porque o banheiro era uma casinha lá fora ‘né’, com o buraco lá,
sabe [...] patente, lá fora, longe, no fundo do pátio e eu disse ‘tu solta ele,
‘tá’, porque senão depois todo mundo vem com passarinho’, eu disse, ‘né’,
ele vai criar problemas e ele foi, foi e pronto, [risos] queridos.” (Ernilda,
entrevista, 2017).

A partir do excerto acima, pode-se refletir sobre as práticas cotidianas


relacionadas às aulas e sobre como a professora, de maneira a não causar tumulto,
conduziu a situação para que o ato de “soltar o passarinho” passasse desapercebido
pelos alunos. Em relação a esse aspecto, Souza (2015) afirma que a construção das
identidades desses professores perpassa os discursos que normatizam as práticas e
formas de agir desses sujeitos. Assim, eles puderam, ao longo do exercício de
docência, agregar conhecimento às formas de aprendizagem decorrentes das
relações que foram estabelecidas no contexto da região, do espaço e da sociedade
na qual estavam inseridos. Ao encontro disso, para Certeau (2011), as práticas são
constituídas de diferentes maneiras de expressão das estratégias e táticas.
Um fator a ser considerado, em relação à disposição dos alunos na sala de
aula, relaciona-se com a separação por turmas, dado que a classe se compunha de
maneira multisseriada. Essa divisão era apenas conceitual; não havia uma separação
física, com paredes. Assim, as classes eram mistas, constituídas de meninos e
meninas, conforme a memória de Terezinha: “[...] as salas não eram divididas em
meninos e meninas, era tudo junto.” (Therezinha, entrevista, 2017). Esse aspecto
68

precisa ser considerado, uma vez que as instituições recebiam o nome de Grupo
Escolar; mas, na prática, tais entidades não possuíam as características previstas
para as “suntuosas e imponentes instituições” que figuravam na paisagem da cidade,
como pontua Souza (2008).
Portanto, o que fica evidenciado a partir das memórias em torno da
institucionalização escolar é que as práticas moldaram as representações
relacionadas à educação nesse Grupo Escolar situado na área rural, atendendo à
demanda por ensino em uma localidade pouco assistida pelo governo em termos de
recursos financeiros.
Vale ainda pontuar que, nesse período ao qual se referem as memórias dos
entrevistados, disseminaram-se as ideias pedagógicas influenciadas pela Escola
Nova, movimento que contribuiu para as reformas referentes ao ensino público, as
quais estavam ligadas às políticas educacionais em domínio regional. Nesse sentido,
Souza (2015) explica:

Em janeiro de 1946, foram instituídas as Leis Orgânicas Federais de Ensino


Primário e do Ensino Normal. Ambas pertencem ao conjunto de leis baixadas
de 1942 a 1946 que ficou conhecida como Reforma Capanema. Com estas
reformas, a estrutura educacional brasileira foi reorganizada na tentativa de
estabelecer uma política nacional única para a educação no país (SOUZA,
2015, p. 109).

A Escola Nova pregava a modernização do ensino. De acordo com Gadotti


(1999), é o movimento mais representativo na busca por transformações na educação.
No Brasil, emerge na década de 1920, mas retoma questões do século XIX,
ressignificando métodos e materiais. Segundo Santos (2018),

Além da centralidade na criança (criança assume o centro do processo de


aquisição escolar: alteração de ensino por aprendizagem), há o respeito às
normas higiênicas do corpo, busca por cientificidade, exaltação do observar,
intuir na construção do conhecimento (SANTOS, 2018, p. 91).

Outras características evidenciadas pela Escola Nova são: a defesa do ensino


laico, a afirmação da garantia do ensino gratuito ofertado por intermédio da escola
pública e o debate pela igualdade de oportunidades (GERTZ, 2005). Essas
transformações no ensino são também uma resposta às demandas da sociedade,
buscando na escola um instrumento para a formação dos trabalhadores. Tais fatores
ficam evidentes na forma de planejar dos professores e na sua preocupação com a
formação integral de seus alunos. Nesse sentido,
69

As práticas das Culturas Escolares estão inseridas não só no modo como os


alunos apropriam-se dos saberes, valores, normas e condutas, mas também
está presente nos métodos pedagógicos que se mesclam nas estratégias
escolhidas pelos professores (SOUZA, 2015, p. 196).

Para além do fazer pedagógico do professor, havia as orientações que eles


recebiam das instâncias superiores de educação. Uma visita relacionada a tais
diretrizes consta no Livro de Atas de Inspeção e Visitas do GEJ. A primeira visita é
datada de 12 de maio de 1939; contudo, o livro recebeu registros de visitantes ilustres
até o ano de 2017. Nesse documento, está registrado que, nos anos abrangidos por
esta pesquisa, o GEJ recebeu visitas periódicas do Delegado Regional de Ensino, das
Orientadoras de Educação Elementar e das Orientadoras de Ensino Primário. As
visitas tinham como função instruir a equipe e verificar o bom funcionamento do Grupo
Escolar. Como está representado no excerto abaixo, datado de 1948, o GEJ recebeu
a Orientadora de Ensino Primária, Wanda A. Jaconi. No texto escrito por ela na Ata,
estão indicados os vários aspectos abordados durante a visita:

Visitei este Grupo Escolar, orientando sobre: 1. Ensino da Composição. 2.


Sistematização do ensino da adição. 3. Organização do material didático. 4.
Instituições Escolares – funcionamento e relatório. 5. Boletins mensais. 6.
Livros de chamada. 7. Legislação escolar. 8. Planos de lição. 9. Plano de
direção. (LIVRO DE INSPEÇÃO E VISITAS, 28/09/1948)17.

O registro em ata apresenta a preocupação com a educação, quando menciona


o Ensino da Composição e a Sistematização do ensino da adição. Além disso, o
excerto traz os outros aspectos referentes à organização da escola, atinentes à
secretaria e a questões burocráticas, como boletins mensais, livros de chamada e
planos de lição. O registro seguinte indica ainda outros propósitos das visitas:

Nesta data, estive, em visita de orientação, neste Grupo Escolar. Foram


tratados os seguintes assuntos: Necessidade do conhecimento da legislação
do ensino, pelas professoras – seus direitos e deveres. Planejamento do
trabalho escolar. Organização da escola. Gráfico de aproveitamento dos
alunos. Distribuição do tempo – horários. Funcionamento das instituições

escolares e sua documentação. (LIVRO DE INSPEÇÃO E VISITAS,


09/10/1947).

17 Dada a importância das informações atinentes ao período de ocorrência de cada registro constante
no Livro de Inspeção e Visitas do GEJ, neste trabalho, todas as citações ao documento estão
acompanhadas da respectiva data de registro.
70

Nesta seção, busquei analisar as memórias associadas à cultura escolar do


GEJ, elementos que possibilitaram compreender como o processo de escolarização
aconteceu nessa região do município de Farroupilha, entre as décadas de 1940 e
1950. Guardadas as singularidades das memórias dos entrevistados, é possível inferir
sobre o ensino realizado no meio rural à época, compreendendo-se aspectos
atinentes às dificuldades iniciais para institucionalizar a escola, às práticas
pedagógicas e ao modo como as experiências escolares da professora Ernilda
refletiam uma forma de ensinar nesse contexto.

4.1.1 Civilizar o rural: civismo e higienismo

Esta seção está dividida em dois momentos de discussão, no contexto atinente


a civilizar o rural. A partir delas, abordo conceitos e práticas de ensino relacionadas
aos aspectos do civismo e do higienismo.
Desde 1915, no Brasil, desenvolveram-se campanhas que tinham por função
minimizar o analfabetismo, ampliar a abrangência da educação primária e defender o
patriotismo, a fim de difundir a educação no País. Durante a República, ampliou-se o
acesso à educação, e ocorreram mudanças estruturais relacionadas ao trabalho
assalariado, bem como melhoramentos urbanos associados ao início do processo de
industrialização. No meio rural, a educação foi vista como uma forma de
instrumentalização para o homem do campo. Conforme Cunha (2009), esperava-se
da escola e do professor que desenvolvessem a educação das crianças pelo seu
próprio exemplo de civilidade, de maneira que os professores, para expressar essas
marcas, deveriam apresentar características como paciência, vocação e afetividade.
Quanto a esse aspecto, vale pontuar que

As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros:


produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a
impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezada, a legitimar
um projeto reformador ou justificar, para os próprios indivíduos, as suas
escolhas e condutas [...] (CHARTIER, 2002, p. 17).

A professora Ernilda Maria Cavalli Tocchetto e outros docentes do GEJ


exerceram com primazia essa função, a qual remete a práticas pedagógicas que
associaram o magistério ao sentimento de “servir” o público, a nação, construindo uma
“legião de soldados” para a pátria. (FISCHER, 2005). Em registro no Livro de Atas de
71

Inspeção e Visitas, atinente à visita do Delegado Regional de Ensino Luiz Antônio


Dallecen e da Orientadora de Ensino Primária Ivany E. Marchioro, em 1951, encontra-
se o seguinte depoimento: “Visitando este grupo, encontrei-o em excelente estado,
uma demonstração viva de dedicação da Direção e Corpo Docente.” (LIVRO DE
INSPEÇÃO E VISITAS, 09/11/1951, grifo nosso).
É possível constatar, com o registro acima, que, para obter êxito na edificação
desse projeto de educação pautado no civismo e no higienismo, mostrou-se de
fundamental importância a dedicação dos profissionais envolvidos na escola, de forma
que as políticas fossem implementadas. Desta maneira, tal aspecto evidencia que

[...] a escola vem sendo, recorrentemente, chamada a oferecer sua poderosa


colaboração para o sucesso de campanhas que visam ao combate de
endemias e epidemias, como também para a difusão de meios de prevenção
e preservação da saúde. Campanhas essas pautadas em representações
sobre a saúde, a doença, a infância e, ao mesmo tempo, em uma inabalável
crença no poder modelador da educação e da escola (ROCHA, 2003, p. 40).

Com a influência do movimento da Escola Nova, os espaços escolares


ganharam uma nova forma de organização. As salas deveriam ser amplas, arejadas
e iluminadas, características que eram primordiais às práticas higienistas. Além disso,
dever-se-ia

Eliminar atitudes viciosas e inculcar hábitos salutares, desde a mais tenra


idade. Criar um sistema fundamental de hábitos higiênicos, capaz de
dominar, inconscientemente, toda a existência das crianças. Modelar, enfim,
a natureza infantil pela aquisição de hábitos que resguardassem a infância
da debilidade e das moléstias (ROCHA, 2003, p. 40).

Quanto às práticas do higienismo no período compreendido entre as décadas


de 1940 a 1950, a educação fez-se presente no amplo projeto de intervenção
formulado pela corporação médica (ROCHA; GONDRA, 2002, p. 494). Era importante,
naquele momento, que na escola se ensinasse a

[...] cuidar da saúde, da alimentação, do corpo, da alma, evitar doenças,


vícios, influências malsãs, ensinar preceitos de higiene, de comportamentos,
influenciar os gostos e as decisões, incutir regras de economia, de civismo,
de bondade, incentivar a fraternidade local e mundial, entre outras, foram
funções atribuídas à escola (PERES, 2000, p. 155, grifos da autora).
72

É pertinente considerar que a origem dos conhecimentos relacionados ao


civismo e ao higienismo tem como base o Programa de Ensino de 1939, marcado por
ideias renovadoras; de acordo com Peres (2000),

[...] podemos perceber que a normatização era no sentido de que a moral e o


civismo deveriam ser “vividos” e a sua aprendizagem deveria ser feita através
da vida diária da escola. Mais que uma matéria escolar, a moral e o civismo
eram dois princípios básicos da escola primária (PERES, 2000, p. 306).

Nas escolas primárias, de maneira geral, eram instituídos programas básicos


que estabeleciam o que deveria ser ensinado. Nesse âmbito, o currículo deveria incluir
aspectos atinentes a moralidade, civismo, religiosidade, higiene e economia, fatores
influenciados pela urbanização e pela modernização do ensino à época.
Em registro já supracitado, concernente a uma visita realizada ao GEJ em 1951,
uma dessas características higienistas fica evidente: “Visitando este grupo, encontrei-o
em excelente estado de limpeza, uma demonstração viva de dedicação da Direção e
Corpo Docente”. (LIVRO DE INSPEÇÃO E VISITAS, 09/11/1951, grifo nosso).
No que se refere à manutenção da escola para que permanecesse em
excelente estado de limpeza, os registros nem sempre guardam as mesmas
impressões. No ano de 1952, um registro de visita da Orientadora do Ensino Primário
na ata já revela outra percepção, conforme descrito a seguir:

Nesta data, visitei este Grupo Escolar. Foram observados os trabalhos de


classe e recomendado especial cuidado com a correção dos cadernos dos
alunos. Foi recomendado, também, seja melhor atendida a limpeza do prédio
e do material escolar. (LIVRO DE INSPEÇÃO E VISITAS, 10/10/1952).

Fazendo uma análise do Livro de Ponto do mesmo mês e ano, os


acontecimentos registrados no dia 18 do mês de setembro apontam que professora
Dejanira Terezinha Mangoni entrou em licença, em consonância com o Artigo 16618
da Lei Nº 1.751, de 22 de fevereiro de 1952. Na semana seguinte, a professora Ernilda
Maria Cavalli Tocchetto também entrou em licença, em conformidade com o artigo
14519 da mesma lei. Portanto, os indícios levam a crer que a escola estava sendo
assistida somente por uma professora, Adinha Anna Mandelli, a qual tinha de assumir

18 Artigo 166 - A apuração do tempo de serviço normal, para efeito de promoção, aposentadoria
gratificações adicionais será feita em dias.
19 Artigo 145 - À funcionária gestante será concedida licença por três meses, mediante inspeção
médica.
73

as funções docentes e administrativas. Assim, restava-lhe pouco tempo para as


atividades que supostamente estaria relegando.
Registros das visitas seguintes abordam outros aspectos, como horas cívicas,
civismo, distribuição do tempo e das tarefas escolares, além de Educação e Instrução:
“Visitei este estabelecimento de ensino, orientando: a) Distribuição do tempo-horários.
b) Tarefas escolares. c) Hora Cívica. d) Educação e Instrução”. (LIVRO DE
INSPEÇÃO E VISITAS, 26/07/1943).
Quanto aos momentos cívicos, de acordo com Bencostta (2004), os desfiles
patrióticos dos Grupos Escolares serviam como transmissores de uma linguagem
coletiva, capaz de expressar múltiplos planos simbólicos que os identificavam como
uma grande festa. As memórias referentes às comemorações cívicas também estão
presentes nos relatos dos alunos do grupo escolar estudado. “[...] faziam a Semana
da Pátria, uma vez ganharam de Farroupilha o desfile, é nos ia desfilar lá embaixo no
campo, tinha o fogo simbólico, a banda, mas que bonito que era [...].” (Therezinha,
entrevista, 2017). A lembrança de Therezinha mostra como os desfiles cívicos
também faziam parte substancial nas práticas escolares no GEJ.
Nos relatos dos alunos referentes às memórias sobre os ensaios para a marcha
do 7 de Setembro, destacou-se que a professora da turma era responsável pelo
ensaio. Tais ensaios eram realizados com antecedência e bastante rigor, comumente
na aula de Educação Física e orientados ao som do apito. Nesse âmbito, o dia do
desfile representava a ordem estabelecida na instituição escolar e apresentada à
comunidade.
Mesmo esse momento sendo marcado por forte espírito de disciplina, não era
visto como algo punitivo, pois foi lembrado com alegria e saudosismo pelos
entrevistados. Por exemplo, Therezinha indica que, junto às festividades decorrentes
da data, às crianças, eram proporcionados momentos de recreação e lazer: “[...] tinha
a corrida do ovo em cima da colher [...] tinha da agulha correndo [...] as corridas no
saco”. (Therezinha, entrevista, 2017).
Nesse sentido, dentro do grupo escolar e na comunidade onde ele estava inserido,
existiu um somatório de conhecimentos e práticas escolares centrados na “moralidade,
no civismo, na religiosidade, na higiene, na economia, na ordem, na devoção à natureza,
que sustentavam um projeto social: a regulação das condutas e dos comportamentos
para a construção de uma ordem social harmônica. ” (PERES, 2000, p. 305).
74

Trabalhava-se de modo a se cumprir com os preceitos do civismo e do


higienismo, pois a escola, com o advento da República, buscava universalizar culturas
e práticas. Acima de tudo, a educação buscava desenvolver um sentimento de
pertencimento – tudo isso orquestrado por mestres engajados em fazer o melhor para
o aluno, para a escola, para a comunidade, para o País e para a nação.
No subcapítulo a seguir, abordo como era ser professora no meio rural,
explorando aspectos como docência e formação.

4.2 SER PROFESSORA NO MEIO RURAL: MEMÓRIAS SOBRE DOCÊNCIA E


FORMAÇÃO

Ao revisitarem suas memórias, professora e alunos voltaram a outro tempo e


retrataram aspectos da escolarização no espaço rural do GEJ, indicando dificuldades
e adversidades encontradas durante o processo ensino e aprendizagem. Em relação
a essas experiências, como pontua Grazziotin,

A especificidade está no vivido, na experiência de vida de cada sujeito que


rememora. A universalidade está nos pontos de contato entre essas e outras
memórias, de outras culturas, nas práticas adotadas, nas formas de contornar
os problemas relativos à educação, que, ao longo do tempo, se instituíram,
permanecendo durante décadas em diferentes espaços (GRAZZIOTIN, 2008,
p. 145).

Para García (2009, p. 19), a formação docente representa “[...] uma função social
de transmissão de saberes, de saber-fazer, ou do saber ser que se exerce em
benefício do sistema socioeconômico ou da cultura dominante”. Trata-se de um
processo de desenvolvimento que acontece permanentemente. No caso do GEJ,
mesmo com pouca escolarização, as professoras do Grupo participavam de cursos e
reuniões formativas, além de receberem visitas da Orientadora do Ensino, como
referido na seção anterior.
A partir das narrativas da professora Ernilda e dos documentos encontrados nos
arquivos escolares, é possível ter acesso, mesmo que indiretamente, à compreensão
de como ocorriam a formação continuada dos professores e o processo da construção
de sua identidade por meio das práticas pedagógicas. Além disso, é possível refletir a
respeito da perspectiva do professor sobre os alunos e das relações que se
desenvolveram no contexto escolar, de modo a perceber qual era o papel do docente
perante a comunidade estudada.
75

Em seu estudo, Souza (2012) explica que, ao narrarem as suas histórias, os


professores voltaram no tempo, rememorando seu próprio processo de escolarização,
mostrando o valor que a família tinha para a sua formação. Suas trajetórias se
reconstruíram a partir das referências escolares, durante as situações de aprendizagem
dos saberes cotidianos e no modo de fazer e de se expressar. (SOUZA, 2012, p. 86).
Já no contexto do trabalho de Bastos (1994), quando docentes relataram suas
trajetórias, importantes aspectos relacionados com a condição de ser professor no
espaço rural vieram à tona, inclusive as dificuldades de formação. Segundo a análise
da autora, o ofício do magistério, para as professoras primárias, tinha uma missão
especial: “o professor era conclamado a participar da obra de reconstrução nacional
como fator decisivo do fortalecimento da civilização brasileira.” (BASTOS, 1994, p. 136).
A formação de professores é o momento no qual ocorre a socialização e a
configuração do profissional. Nesse sentido, a professora entrevistada Ernilda
relembra os momentos de estudo formais e não formais que ergueram bases para que
ela pudesse se constituir como professora. Um fator que fica evidente em seus relatos
é a herança cultural familiar – nesse caso, em específico, pelo vínculo docente familiar:
“[...] Minha mãe era professora municipal, ‘né’, de Nova Roma. [...] é que ela teve um
pouco de anos no colégio das irmãs em Pinto Bandeira, a passionista de Pinto
Bandeira, ainda jovem, ‘né’”. (Ernilda, entrevista, 2017).
Em relação a esse processo de formação da identidade docente, pontua Nóvoa:

A formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos


professores os meios de um pensamento autónomo e que facilite as
dinâmicas de autoformação participada. Estar em formação implica um
investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os
projectos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também
uma identidade profissional (NÓVOA, 1995, p. 13).

O pensamento de Nóvoa (1995) menciona a pertinência da construção da


identidade profissional docente e de um trabalho de reflexão crítica sobre as práticas.
Mas, antes disso e de acordo com o mesmo autor, ser professor constituiu-se em
profissão graças à intervenção do Estado, que substituiu a Igreja como entidade de
tutela do ensino. (NÓVOA, 1991, p. 2). Assim, anteriormente à institucionalização do
ensino público, gratuito e laico, a educação estava fortemente ligada às instituições
privadas e confessionais, além de ser privilégio de poucos.
76

Nas décadas de 1920 e 1930, um aspecto importante a ser lembrado diz


respeito à formação de professores e à circularidade das ideias sobre a nova
“pedagogia científica”, ou seja, o movimento escolanovista, considerando que o “[...]
espírito norteador desse movimento foi a intenção de modernizar a sociedade
brasileira por intermédio da educação” (CUNHA, 2003, p. 455).
Nesse sentido, as professoras que se formaram entre as décadas de 1930 a
1950 estavam inseridas num contexto de mudanças políticas no Brasil:

Com a implementação de uma nova Constituição em 1937 a educação passa


a visar o trabalho manual, implementando nas escolas primárias, secundárias
e normais disciplinas de trabalhos manuais, mantém a obrigatoriedade do
ensino primário e sua gratuidade (INÁCIO; RIBEIRO, 2009, p. 1).

Tal política educacional tinha por função formar mão de obra para o mercado.
Porém, esse tipo de educação era destinado às classes menos favorecidas, pois a
elite continuava tendo acesso a um ensino voltado ao intelecto.
No que se refere à educação em nível nacional, em um momento em que a
população brasileira era composta por um elevando número de analfabetos, era
necessário criar uma política para que, gradativamente, esses índices fossem
reduzindo. Para que isso se efetivasse, em janeiro de 1946, foi instituído o Decreto de
Lei n° 8.530, por meio do qual o currículo destinado à formação de docentes primários
foi unificado nacionalmente.
A professora Ernilda realizou o curso primário em Castro Alves/RS. Após o
falecimento da sua mãe, por necessidade de acompanhar seu pai, ela se estabeleceu
juntamente com a família no município de Vacaria, onde cursou o Complementar, no
Colégio São José. O ensino Complementar tinha por objetivo preparar os professores
para a escola primária elementar e pública. Segundo o presidente do Estado à época,
Borges de Medeiros, as escolas complementares tinham duplo fim: desenvolver o ensino
elementar e, concomitantemente, preparar profissionais para a carreira do magistério.
No que se refere a essa formação, é provável que muitas práticas utilizadas
nas aulas de Ernilda tenham sido influenciadas pela instrução recebida no Colégio
São José. Não obstante, nas localidades rurais, a formação não era tão exigida para
o exercício da docência. Conforme o relato da professora Ernilda, ela assumiu a
função de professora e diretora do CEJ da seguinte forma:
77

[...] a Dejanira, a filha da minha madrasta se formou, ela também lecionou


no municipal, na escola, e ela casou depois lá pelo fim do ano, e a escola
municipal ficou pra mim depois ‘né’. [...] depois eu peguei a mesma escola
que a dela. [...] lá em Castro Alves, municipal, setenta e cinco alunos e eu
não sabia o que fazer lá dentro. [...] assumi como diretora, dezessete anos,
em janeiro eu completei dezoito. (Ernilda, entrevista, 2017).

Mesmo relatando que não sabia o que fazer, as representações acerca de ser
professora adquiridas em casa, por meio da educação que a mãe oportunizava, bem
como os anos em que frequentou a escola, deram-lhe subsídios para desenvolver a
profissão docente. Outro fator decisivo para que professores, mesmo sem
experiência, assumissem o posto de docentes nos Grupos Escolares rurais era a
escassez de professores para atender essas localidades. Assim, ter realizado curso
complementar, como foi o caso de Ernilda, era algo que nem sempre se concretizava
em todas as comunidades. O mais comum era encontrar professores leigos, como
explica Bergozza (2010), quando aborda essa carência de recursos humanos nas
localidades rurais: “Nos Travessões e nas Léguas, geralmente o professor era
escolhido pela comunidade pelo conhecimento que demonstrava possuir”.
Como abordado na seção anterior, a influência do movimento Escola Nova e a
importância dada às aulas de Educação Física, bem como a forma de estruturar o
planejamento da aula, compõem aquilo que Julia (2001) define como constituição de
uma cultura escolar específica, entendida também como elemento que consolida a
formação de uma cultura profissional. Nesse sentido, rememora Ernilda: “[...] eu
estudava com a mãe também e eu sei que eu tinha uma letra muito bonita como minha
mãe [...]”. (Ernilda, entrevista, 2017). Segundo Stephanou e Bastos (2008), a
caligrafia é a arte de escrever com letra bela e bem formada. Além disso, é uma
atividade usual, com função de produzir uma escrita homogênea, harmônica e
elegante. Vidal (1998) explica as diferentes práticas utilizadas pelos professores para
ensinar caligrafia aos alunos:

Nos 1º e 2º anos da Escola Primária, o aprendizado da escrita dava-se por


simples imitação, sendo introduzidos os primeiros exercícios caligráficos. Nos
3º, 4º e 5º anos, reforçava-se o trabalho com a caligrafia [...]. Diariamente, 15
a 20 minutos, nos dois anos iniciais, e 20 a 25 minutos, nos três anos finais
do curso primário, eram dedicados ao trabalho com a escrita. Reconhecia a
diretora, entretanto, como ideal o começo do exercício caligráfico desde o
segundo ano do curso (VIDAL, 1998, p. 2).
78

Independentemente do nível de adiantamento dos alunos, a importância da


caligrafia estava ligada à formação, pois “[...] desenvolver a boa escrita era realçada
pelo imperativo de formar o senso estético da criança, precioso à sua educação
sentimental. O ensino da técnica, ainda, deveria proporcionar ao/à aluno/a hábitos de
ordem e asseio e disciplina mental”. (VIDAL, 1998, p. 2). Além disso,

A caligrafia serve a um currículo, mais do que isso, traz um discurso que


produz seu próprio objeto, selecionado a partir do contexto histórico, com
interesse em formar uma determinada identidade, de aluno e de cidadão
(GRAZZIOTIN; GASTAUD, 2010, p. 223).

Apesar de ser um exercício fastidioso, tratava-se de um saber socialmente


construído e aceito, estando o professor atento para contribuir com o desenvolvimento
do aluno nesse processo. Ainda quanto a essa prática, vale pontuar que, no que
concerne aos materiais usados para escrever, gradativamente, foi-se substituindo a
ardósia por papel.
Junto à caligrafia, desenvolviam-se fundamentos necessários para a
integralização do aluno à comunidade, pois, ao ser alfabetizado, era possível aprender
a fazer contas, saber utilizado para fazer feira. Nesse âmbito, recorrendo aos
ensinamentos relacionados à matemática, o estudante podia evitar que o lograssem.
No GEJ, conforme referido na seção anterior, outra prática comum eram as
visitas do Delegado Regional de Ensino e das Orientadoras de Educação. As visitas
realizadas ao Grupo Escolar tinham como intenção garantir a qualidade do ensino
mediante a orientação do professor, bem como servir como instrumento de vigilância
e fiscalização, com vistas a supervisionar desde o trabalho do docente até as
condições físicas da escola (CATANI, 1995, p. 18). Um exemplo de registro é
transcrito a seguir:

Acabo de inspecionar o grupo escolar desta vila. Aqui há alunos de todos os


adiantamentos e pude constatar o real esforço das professoras deste
estabelecimento. Verifiquei que os trabalhos se processam num ambiente de
harmonia e prazer. São dignas, portanto, de aplausos e louvores as dignas
professoras Rosalina Pereira, Amanda F. Mangoni e sua diretora Cely B.
Conte. (LIVRO DE INSPEÇÃO E VISITAS,17/07/1942).

Por meio desses registros, o produto do exercício do trabalho de controle e


orientação pedagógica realizado pelos inspetores encontra-se fartamente
documentado nos relatórios apresentados pelos órgãos responsáveis pela educação
(CATANI, 1995).
79

Outras representações estavam relacionadas ao fazer pedagógico e à


organização dos serviços de ensino, como relatado pela Orientadora de Educação
Elementar a seguir. Pode-se perceber, com o excerto, a preocupação vinculada ao
trabalho docente, à divisão dos tempos escolares, à organização e ao planejamento.
Assim, as orientações eram dadas de modo a subsidiar as ações pedagógicas e
auxiliar a escola a cumprir com o acordado:

Nesta data, estive, em visita de orientação, no Grupo Escolar de Jansen.


Foram devolvidos os seguintes trabalhos: a) Aprimoramento do tempo. b)
Organização dos recreios. c) Preparo dos planos de aula. d) Funcionamento
da “Hora da leitura”. e) Preparação do ambiente para o funcionamento do
“Círculo de Pais e Mestres”. f) Funcionamento da “Caixa Escolar” e
aprimoramento da mesma nas atividades de aula. g) Hora do Brasil – sua
organização. (LIVRO DE INSPEÇÃO E VISITAS, 05/11/1942).

Após o fornecimento de orientações, nas visitas seguintes, era elaborado novo


texto de reconhecimento pela ordem e eficiência no cumprimento das prescrições,
indicando-se que o GEJ atendia com presteza, atenção e dedicação aquilo que a
Delegacia de Ensino prescrevia, de modo que as docentes mostravam-se atenciosas
com alunos e eram serenas e inteligentes, formadoras de bons cidadãos para a pátria:

Com satisfação acabo de verificar que este educandário está pondo em


prática as medidas sugeridas pela Delegada Regional de Ensino em seu
plano de orientação. É louvável o trabalho sereno, inteligente e seguro que
vem desenvolvendo a Direção e Côrpo Docente. Chama a atenção o espirito
de ordem, respeito e que reina neste educandário. Os meus aplausos às
jovens educadoras Celí B. Conte e Arací Casagrande. Os meus aplausos à
experimentada mestra Amanda Mangoni. (LIVRO DE INSPEÇÃO E VISITAS,
29/09/1943).

Essas são as representações construídas acerca dos méritos dessas


professoras, reforçando a convicção de que elas iriam manter a ordem e de que
reinava na escola um ambiente de paz e harmonia: “Levo boa impressão da visita por
ter encontrado tudo em ordem”. (LIVRO DE INSPEÇÃO E VISITAS 06/06/1939).
Os registros de visitas ainda apontam outros momentos de transição,
relacionados a mudanças administrativas na escola. No que concerne a tais aspectos,
relata-se o esforço e o empenho dos sujeitos envolvidos no GEJ em continuar
mantendo o bom funcionamento do educandário:

Mudou a Direção deste grupo escolar. Seu corpo docente também já não é
mais o mesmo. Contudo reina aqui a mesma ordem, mesmo capricho e
aquele mesmo interesse pelas questões educativas que em outras visitas,
80

me deixaram a melhor impressão. Com que, pois, à jovem educadora Luci


Maria Courtois, inteligente e dedicada Diretora desta casa, e à sua digna e
talentosa colega, Celina Zugno, os meus louvores sinceros. (LIVRO DE
INSPEÇÃO E VISITAS,18/11/1944).

Mesmo havendo repetidos elogios ao Grupo Escolar, por meio da análise dos
documentos, constatei recorrente falta de professores no GEJ. Os atestados
comumente estavam atrelados à licença-gestante das professoras. Por se tratar de
um grupo escolar localizado na área rural, havia muita dificuldade em conseguir
docentes substitutas. Ao encontro disso, a professora Ernilda, em entrevista, reportou
que teve 6 (seis) filhos e que cada licença lhe dava o direito de permanecer por três
meses em casa. Segundo a memória de Therezinha, “[...] que eu me lembro da Dona
Ernilda, porque cada pouco tinha um filho, ‘né’ e as outras, a cada pouco tirava licença
que ‘tava’ grávida [...]”. (Terezinha, entrevista, 2017). Mesmo tendo este período como
resguardo legal, as professoras normalmente não eram substituídas por outras
profissionais, havendo sobrecarga para a professora que administrava a escola e
exercia outras funções no momento.
De modo geral, as representações dos entrevistados sobre aquele tempo, bem
como as informações contidas nos documentos analisados, evidenciam as
orientações prescritas ao GEJ e o modo como a educação pretendia conduzir a
população daquele lugar para uma determinada “civilidade”. Costumes e modos de
ser de aluno e professor eram pautados pela visão pedagógica da época, sobretudo
por uma intencionalidade atinente ao ensino da “boa moral e dos bons costumes”,
como pontua Cunha (2009).
Neste capítulo, realizei a análise das memórias e dos documentos que
possibilitaram compreender como se desenvolveu o processo de escolarização em
Jansen. A presença do Grupo Escolar, juntamente com outras entidades do local,
como as escolas multisseriadas, procurou conduzir o lugar ao pretenso progresso que
se almejava entre as décadas de 1940 e 1950. Além disso, as memórias dos primeiros
tempos e das instalações provisórias da escola indicam que havia um desejo da
comunidade quanto à presença da instituição nesse lugar.
81

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pesquisar sobre a instituição de ensino em que trabalho, a mesma que me acolheu


no início do meu fazer pedagógico, motivou-me a realizar a busca por elementos que
fizeram parte da constituição da sua história, contribuindo para a escrita de uma narrativa
a respeito de sua criação – trabalho que até então ninguém havia realizado. Esse
processo foi se desenvolvendo pelo encadeamento das narrativas dos entrevistados e
da análise dos documentos coletados. Assim, a pesquisa, as leituras e o desenvolvimento
da escrita desta dissertação fizeram com que eu também refletisse sobre como me
constituí como docente.
Com o estudo, tive o propósito de compreender os processos e práticas de
escolarização que contribuíram para a constituição do Grupo Escolar Jansen, situado
no meio rural de Farroupilha/RS, entre os anos de 1937 e 1958. Nesse sentido, a partir
de representações de memórias e documentos sobre esse período, foi possível realizar
algumas considerações acerca da trajetória de professoras e alunos nessa instituição.
O GEJ foi criado a fim de atender a demanda por escolarização, no interior do
munícipio. O povoamento dessa localidade esteve vinculado aos processos
migratórios. Por sua vez, a institucionalização da educação estava fortemente ligada
ao desenvolvimento das escolas étnicas, que tinham por função ministrar o ensino
primário e prover conhecimentos práticos para o desenvolvimento da agricultura.
Embora esta pesquisa tenha sido realizada junto a uma instituição de nível
primário e de caráter local, suas práticas estão relacionadas a um sistema mais amplo,
em nível de estado e de nação. Assim, ao analisar o sistema no qual a instituição
estava inserida, foi possível perceber as influências relacionadas ao ensino, às
práticas e às culturas escolares emergentes, visto que as relações que ocorrem no
meio escolar são reflexo da sociedade em si. Por isso, reitero que a criação do GEJ,
no ano de 1937, está ligada ao desenvolvimento do Estado Novo, sendo a educação
nesse período utilizada como propaganda política, por meio da qual o governo
evocava a função de tutela do povo. A educação nesse período também servia como
intermédio para melhorar a vida da população de maneira geral, não somente da elite.
Outro fator importante a ser lembrado refere-se à oportunidade de ensino gratuito às
crianças da comunidade, em um momento no qual a oferta de escolas era escassa.
Esse era um incentivo às crianças para estudarem e progredirem por intermédio do
82

trabalho, mesmo que houvesse a contribuição de algumas famílias para a Caixa


Escolar.
Ao pesquisar determinada instituição de ensino, o pesquisador recorre as
fontes documentais. No caso específico do GEJ, poucas fontes foram preservadas,
provavelmente que em função da mudança de sede por repetidas vezes até a
construção de seu prédio próprio. Além disso, no decorrer do processo educacional,
o Grupo Escolar teve troca de nomenclatura para homenagear o patrono da escola e
doador de terras onde o prédio foi construído, no ano de 1958.
As evidências deste estudo levam a crer que, a partir da instalação do GEJ na
nova sede, a escola passou e vivenciar de outra maneira seu processo histórico
educacional, com a produção de uma cultura escolar própria, por meio de novas
práticas. Nesse sentido, compreendo que a institucionalização da educação está
ligada ao desenvolvimento da localidade. No caso do GEJ, sua criação serviu à
nacionalização da educação, principalmente na área rural, devido à maior
concentração de imigrantes e seus descendentes na região.
Dentre os questionamentos iniciais desta pesquisa, estão aspectos atinentes a
sujeitos, práticas e representações acerca da cultura escolar da instituição. Para
investigar tais aspectos, o Livro de Inspeção e Visitas, o Livro de Ponto e outros
documentos foram cotejados com as memórias dos sujeitos entrevistados, análise que
possibilitou inferir sobre vestígios dessa cultura produzida na localidade de Jansen.
O estudo mostrou que, desde o início de suas atividades, mesmo não tendo
sede própria, o GEJ esteve destinado prover uma formação primária, oferecendo
ensino aos filhos dos agricultores e comerciantes. Os alunos da comunidade eram de
orientação religiosa católica, filhos de pais quase sempre analfabetos, como consta
nos registros, e alguns poucos com formação primária. Boa parte dos alunos era
composta por moradores próximos à instituição; entretanto, outros residiam em
localidades distantes, de modo que, em determinadas épocas do ano, devido às
condições climáticas e à necessidade de trabalho, constantemente se afastavam da
escola. Mas todos estavam interessados no desenvolvimento tanto individual do aluno
quanto comunitário da localidade.
Nesse sentido, o cotidiano das práticas evidencia que os sujeitos precisavam
conciliar seu tempo de escola com as atividades relacionadas aos trabalhos domésticos
e rurais. Sobre essa questão, o trabalho também abordou a importância da escola num
contexto em que 80% da população rural era composta por analfabetos.
83

Outro ponto a ser destacado refere-se à formação das professoras. Por vezes,
elas assumiam à docência muito jovens e sem uma formação específica. Ressalto
que, embora a professora entrevistada, Ernilda, tenha realizado o curso complementar
em Vacaria, ao rememorar sua vida de docente, evocou representações do seu tempo
de aluna em escolas geralmente multisseriadas. Nesse âmbito, com base nos
documentos analisados e na entrevista com a professora Ernilda, fica evidente a
importância da professora no seio da comunidade, além da representação construída
a respeito do professor como um exemplo a ser seguido, marcado pela seriedade e
pela simplicidade.
Além desses aspectos referentes à maneira de ser do professor, outro ponto
importante se refere à formação docente em serviço. Esses momentos foram
importantes para o aprendizado e para a discussão de novas ideias com base nos
princípios, finalidades, ideais, práticas e métodos fundamentados pelas concepções
da Escola Nova – aspecto que vai ao encontro da dissertação de Fernandes (2015),
desenvolvida sobre outro grupo escolar de Farroupilha.
A partir dessas análises, pude compreender que, nas instituições localizadas no
meio rural, devido à escassez de recursos humanos, era comum a professora acumular
para si a função de direção da escola. Assim, em determinadas épocas, apenas um
docente administrava a vida pedagógica e burocrática da instituição, a quem cabiam
atividades como escrituração da escola, envio de relatórios, matrículas e, quando se
podia contar com um corpo docente, inspeção do trabalho dos professores.
Outro aspecto considerado no que concerne às práticas efetivadas nas
instituições escolares diz respeito ao civismo, que foi instituído nas escolas étnicas
num período em que pouco ou nada se aprendia sobre língua, história e cultura
nacionais. A partir de 1938, com a nacionalização compulsória das instituições de
ensino, na escola primária, o desenvolvimento de ações ligadas às práticas do civismo
se iniciou. Tratava-se de um dos princípios básicos da escola, estabelecido para que
os alunos pudessem reconhecer as estruturas do Estado e da Nação, sua origem e
formação, os direitos e deveres, a definição de pátria e o culto aos símbolos nacionais.
Nesse período, a bandeira era exposta no interior das salas de aula; ensinavam-se
hinos do Brasil e o respeito à nação brasileira. Além disso, desfiles cívicos
complementavam as atividades escolares relacionadas à prática do civismo.
Ao terminar a escrita desta dissertação, percebo que a produção deste estudo
contribuiu para a minha formação pessoal e profissional. Pude repensar as práticas
84

propostas aos alunos enquanto docente, refletindo sobre o quanto carrego de minha
formação em serviço para a sala de aula. Também tive a oportunidade de rememorar
aspectos relativos à minha educação primária, como a prática da caligrafia, bem como
pensar sobre como ocorre a constituição da profissão de professor. Além disso, por
meio da análise das fontes documentais e memorialísticas e das narrativas de história
oral, foi possível compreender como as práticas pedagógicas sustentam a elaboração
das representações acerca do objeto estudado.
De modo geral, esta investigação permitiu-me perceber a importância da
educação no meio rural para a formação integral dos sujeitos, bem como o valor de
cada indivíduo na composição de uma história coletiva. Embora esteja ciente de que
esta é uma contribuição singela para a história dessa instituição, construída a partir
das memórias de escolarização no meio rural de Farroupilha/RS, concluo esta
pesquisa consciente de que realizei um trabalho relevante de lembrança relativa a
memória sobre o GEJ, bem como busquei contribuir para reflexões a respeito da
História da Educação – uma história que é fragmentada e que, portanto, carece
sempre de novos olhares e novas pesquisas.
85

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93

APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA O PROJETO

1- Como foi a infância? Onde estudou? Como era a escola? O que a professora
ensinava?
2- Você estudou para ser professora, como foi o estudo, qual o grau de instrução?
3- Como foi o começo da vida de professora, em quem se espelhou?
4- Como ela organizava as aulas, como eram os alunos, como lembra do período? Como
eram as turmas? Qual a relação com o meio rural?
5- Quais os objetos que utilizava para dar aula, caderno, caneta, lápis, material escolar,
condições da sala de aula?
6- Guarda algum material, possui fotos, registros, sabe onde está?
7- Professores que atuavam juntamente, como eram ministradas as disciplinas, classes
eram separadas por sexo?
8- Quanto tempo ficou como diretora da escola, como era a escolha da direção?
9- Como a escola foi fundada, quem enviava verbas?
10- Como era a relação da escola com a comunidade local?
94

APÊNDICE B – MODELO DE TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E


ESCLARECIDO (TCLE)
95

APÊNDICE C – PRIMEIRA PÁGINA DA ORGANIZAÇÃO DAS MEMÓRIAS


96

APÊNDICE D – PRIMEIRA PÁGINA DA ORGANIZAÇÃO DO LIVRO DE VISITAS


97

ANEXO A – ATA DE INSTALAÇÃO DO GRUPO ESCOLAR DE LINHA JANSEN


98

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