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A Confiança Na Graça

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A CONFIANÇA NA GRAÇA:

Fundamento e guia principal da tarefa do psicólogo

DRA. ZELMIRA SELIGMANN

Tradução: Robert Barbosa Batista


Hoje em dia a Psicologia, cumprindo de alguma forma o projeto nietzschiano de
"senhora da ciência", aparece em todas as áreas por onde o próprio homem se move. É
por isso que nos referiremos à tarefa do psicólogo em sentido amplo, nas várias áreas
em que a sua presença é geralmente exigida, nas diferentes situações que enfrenta e nas
quais outros colocam expectativas exageradas quanto à resolução dos problemas.
A psicologia forjou, no mundo de hoje, para as pessoas comuns –e mesmo em muitos
campos acadêmicos– uma certa imagem de onipotência. E mesmo nos ambientes mais
religiosos ele penetrou, substituindo a verdadeira vida espiritual e o misticismo cristão.
Isso não nos surpreende, uma vez que é herdeira da filosofia moderna, e realiza seus
ideais antropocêntricos de superioridade à ciência humana e seu método. Por isso,
vemos que pretende dar orientações indiscutíveis de conduta: na educação, na saúde e
na doença, nas crises vitais, no discernimento vocacional, na escolha profissional, nas
relações familiares, institucionais, sociais, etc. E mais ainda, muitas vezes o psicólogo é
obrigado a fazer previsões precisas sobre toda a vida de uma pessoa, com uma projeção
futura mais típica de Deus do que dos homens.
Por isso, falaremos do psicólogo como aquele que se depara com um homem que
certamente não está no estado de natureza integral (onde a mente estava sujeita a Deus),
mas também não totalmente corrompido como alegam Lutero e o protestantismo, Freud
e a psicanálise, e também muitas correntes da psicologia de raiz moderna. Nossa
posição está localizada no reconhecimento do homem que possui uma natureza decaída,
com uma severa desordem em sua personalidade, mas que tem a possibilidade de ser
restaurada e curada pela graça.
O homem não pode alcançar sua plenitude como homem se não for pela graça. Ele não
pode se tornar totalmente "saudável" e psiquicamente ordenado, senão com a ajuda da
graça.
É por isso que o psicólogo em sua tarefa deve confiar na graça, isto é, deve ter fé na
realidade da graça de Deus, em sua ação efetiva na alma e em seu dinamismo, que o
eleva ao fim último sobrenatural. E isso também levanta uma questão controversa e
picante para muitos - mesmo entre os psicólogos católicos - e é se o psicólogo é melhor
se ele tiver fé, e mesmo se for bom, do que testemunhar sua fé. Um psicólogo com fé é
o mesmo que um sem fé? O psicólogo que confia mais na onipotência da psicologia é
melhor do que aquele que confia no poder da graça de Deus e tenta ser um bom
instrumento?
Mas vamos avançar no desenvolvimento dos temas e vamos desvelar essas questões.
1.O homem e a lei natural

O psicólogo deve procurar fazer com que a pessoa cumpra a lei natural e, assim,
conseguir sua própria movimentação e desenvolvimento saudável. Todo ser sente uma
inclinação natural para a operação do que é próprio a ele por sua forma. A forma
adequada do homem é a alma racional, e a inclinação natural é agir conforme com a
razão. Isso significa viver virtuosamente, como um homem normal e saudável, porque
segundo Santo Tomás (seguindo Aristóteles) “a virtude é a perfeição própria do
homem”. O homem é bom como homem na medida em que sua conduta é dirigida pela
reta razão, isto é, por uma razão que direciona suas ações corretamente até o fim.
A lei natural é uma participação da lei eterna na criatura racional. Embora todas as
coisas participem de algum modo da lei eterna, na medida em que tendam para seus
próprios atos e fins, o ser racional o faz de maneira especial, pois à luz da razão natural
discerne o bem e o mal. É precisamente a lei porque é algo próprio da razão, com a qual
o homem é capaz de perceber o que Deus gravou em sua mente e, assim, ordenar sua
conduta no final, para o bem que julga ser seu.
O homem tem uma inclinação natural para as coisas que são naturalmente apreendidas
pela inteligência como boas e praticáveis, e o contrário delas, como más e proibidas. As
inclinações nos mostram o bem conatural.
Em primeiro lugar, existe no homem uma inclinação para um bem comum para todos os
seres: a conservação conforme com sua natureza. E assim descobrimos que os preceitos
relativos à preservação da vida e evitar o que se opõe a ela pertencem à lei natural. Em
segundo lugar, existem inclinações para bens mais específicos, aqueles que ele tem em
comum com os animais. Assim, a relação entre homem e mulher, a educação dos filhos,
etc., pertencem à lei natural. E, finalmente e em terceiro lugar, há uma inclinação
especificamente racional, e é aquela pela qual o homem tende naturalmente a viver em
sociedade, a conhecer a verdade e mais especialmente as verdades de Deus. Todo
homem tem um profunda sede da verdade, da contemplação da verdade, que está ligada
ao anseio por Deus e ao desejo de felicidade. Devemos lembrar o que nos disse São
João Paulo II na Fides et Ratio: “O homem pode, portanto, ser definido como aquele
que busca a verdade”. Mas uma verdade que não é apenas especulativa, mas que a
compromete por completo, que se concretiza na prática na realização do bem esperado.
Assim, cada pessoa moldará toda a sua personalidade de acordo com a honestidade
dessa busca e a retidão de suas ações. E de acordo com isso poderíamos dizer - junto
com Santa Teresa - que a característica do homem psiquicamente sadio é “andar na
verdade”. O homem é capaz de Deus, o desejo de Deus está escrito em seu coração
porque há um desejo natural pela felicidade que é de origem divina, porque Deus é o
único que pode satisfazê-la e só Nele o homem encontrará a verdade e a felicidade que
anseia.
Mas essa busca pode ser frustrada. Estamos perante um mundo em que comportamentos
irracionais (e - pode-se dizer - até monstruosos) aparecem cada vez mais como
"normais", que se opõem às inclinações naturais e à razão: eutanásia, suicídio, aborto
(isso se nós considerar que a criança é algo dos pais, estamos perante um pseudo-
suicídio), relações homossexuais, vícios de toda a espécie, mentiras persistentes, vida
ficcional, a negação de Deus e o seu deslocamento absoluto de todos os âmbitos em que
o homem se move, etc... E não só vemos a proximidade desses problemas, mas eles até
pretendem ser “legalizados” pelo direito humano, para que esses atos contrários ao
direito natural possam ser cometidos com total tranquilidade, respaldados pela própria
sociedade.
Embora a lei natural esteja indelevelmente impressa no coração do homem, muitas
vezes seus comportamentos são contrários à natureza e aos ditames da razão. E esta é a
causa dos distúrbios psicopatológicos, doenças psíquicas ou doenças da alma.
É natural que o homem aja de acordo com esse ditame da razão, mas vemos que - na
prática - isso nem sempre acontece. Por quê? Porque a razão procede do mais universal
ao particular, e neste processo a razão prática que trata das ações humanas, quanto mais
desce ao particular e ao concreto, mais provável é que fracasse e mostre sua fraqueza.
Esse defeito é causado por impedimentos particulares, por motivos pervertidos pela
paixão ou maus hábitos. Nas obras concretas, a razão não aplica princípios comuns
devido à desordem interna que sofre, que a impede - como todo paciente - de mover as
partes da alma para o seu fim.
Antes do pecado de Adão, a mente humana estava sujeita a Deus e às partes da alma em
harmonia e ordem, o que significava a subordinação das potências inferiores à razão e
isso ao fim último. A natureza composta de muitos elementos, recebe uma certa ordem
em suas partes. Assim, o homem, no estado original de justiça, estava inclinado para a
virtude, sua razão dominava as potências inferiores e ela estava sujeita a Deus.
Com o pecado original e a perda da graça de Deus, essa harmonia é rompida e a alma
fica desordenada, e suas partes desintegradas tendendo a pólos opostos (pois cada um
busca o seu fim), com certa autonomia de sua força motriz, que é a razão. Assim
aparecem - nesta natureza decaída - muitas deformidades que são como o início de
desordens da personalidade. Perde-se a unidade hierárquica que o caracterizava no
estado integral de natureza, com todas as consequências que isso acarreta,
principalmente a insubordinação da vida sensível ao intelectual, para a qual falha nas
ações concretas.
Nesse sentido, podemos afirmar que o pecado original é, como o define Santo Tomás,
uma “disposição desordenada” que provém da ruptura dessa harmonia constitutiva da
justiça original. A natureza não está totalmente corrompida, mas diminui a inclinação
para a virtude, ou seja, a ação do homem enquanto racional, pois agir de acordo com a
lei da razão - como dissemos - é agir virtuosamente. A redução desta tendência natural
de seguir o ditame da razão, ocorre assim que são colocados obstáculos que a impedem
de agir corretamente.
A ferida da natureza, que faz com que a razão não se submeta a Deus e não domine as
potências inferiores, é intensificada pelo pecado pessoal. Como a personalidade se
estrutura a partir das escolhas sobre sua ação concreta, ela pode levar - devido a essa
profunda desordem - a disfunções já claramente definidas como patologias psíquicas.
Porque o vício, que é o oposto da virtude, contradiz a lei natural e a plenitude humana,
de tal forma que constitui a base estrutural da doença mental. É por isso que muitas
vezes se diz de alguém que "perdeu o juízo", isto é, ele não se comporta de maneira
razoável, pelo motivo de que ele não direciona mais consistentemente suas ações para o
fim.
Por causa dessa ferida da alma que resulta do hábito do pecado original (como nos
pecados pessoais), a razão perde sua agudeza (principalmente na ordem prática), a
vontade resiste ao fazer o bem, torna-se cada vez mais difícil fazer o bem, e a luxúria é
continuamente acesa. O livre arbítrio é impedido de fazer o bem. Tudo isso dispõe
negativamente com relação a agir de acordo com a lei natural e suas inclinações
saudáveis. Assim, o homem é como um doente, que não consegue desenvolver todas as
suas potencialidades, não consegue se mover com toda a vitalidade de uma pessoa sã,
que não consegue levar uma vida normal e plena.
Vemos então quão seriamente esse dinamismo dos desejos naturais é pervertido. É a
rebelião da carne que se afasta de agir segundo a razão e que se fortalece pelas escolhas
pessoais, tornando-se cada vez mais doente. É o que se denomina lei de fomes ou
concupiscência, no sentido de que todas as faculdades da alma tendem a trabalhar contra
o bem da razão, sujeita a apetites desordenados. Essa é a raiz profunda do egoísmo, que
é o princípio subjetivo dos distúrbios de caráter.
2. Necessidade da graça

Perguntamo-nos, então, diante dessa situação, pode o homem cumprir plenamente a lei
natural, ter inclinações saudáveis, alcançando a virtude e a normalidade psíquica? Pode
se desenvolver até a maturidade e perfeição pessoal? Nessas condições, devemos
responder não.
E o que pode fazer o homem cuja personalidade está tão seriamente desordenada e
doente? Certamente, ele pode conhecer algumas verdades proporcionais à sua razão
natural, e ele também pode fazer algum bem particular, como construir casas, plantar
vinhas ou semelhantes, de acordo com Santo Tomás. Mas ele não pode fazer todo o bem
conatural, ele não pode fazer o que é próprio de sua natureza; de tal forma que em cada
ato é de alguma forma deficiente. Ele não pode querer ou fazer o bem com suas próprias
forças naturais. Dissemos que é como o paciente que pode fazer algumas coisas, mas
não com a vitalidade e perfeição do saudável, a menos que se cure com algum remédio.
E este remédio vem de Deus, o único que pode curar e restaurar a ordem da natureza.
Por isso - nesta lamentável situação do homem e da qual muitas vezes ele não sabe - é
necessária a graça de Deus, dom ou dom imerecido que cura a personalidade
ordenando-a, curando desde as raízes as doenças psíquicas.
Como a graça habitual trabalhando na alma, e restaurando a ordem; o apetite inferior se
submete à razão, e a razão se submete a Deus, fixando Nele o fim de sua vontade. E
assim todos os atos humanos são regulados pelo fim, e os movimentos do apetite
sensível são regulados pelo juízo da razão, como convém à natureza do homem são.
Mas essa cura que produz graça, a restauração da natureza, é progressiva: ela ocorre
primeiro na mente, antes que o apetite carnal seja totalmente subordinado e ordenado a
ela. Por isso, com a graça habitual, o homem não agirá mais seriamente contra o juízo
da razão, embora ainda não possa se abster de todos os movimentos interiores da
sensualidade. Poderá dominar cada um em particular, mas não o tempo todo, e
especialmente quando eles escapam de sua vigilância.
A força da graça de Deus atua na alma seguindo uma certa evolução; ele cura de cima
para baixo. A razão está sujeita a Deus e a vontade deseja a Vontade de Deus, mas os
afetos continuam desordenados ou com certa desordem, até que sejam totalmente
submetidos. As potências inferiores, que estavam dispersas, são progressivamente
reunidas e unificadas até que a alma mais uma vez tenha sobre eles a força e o domínio
que havia perdido, direcionando seus comportamentos de forma consistente para o fim
último.
Essa é a verdadeira psicoterapia que o homem precisa, e o psicólogo pode ajudar muito
nesse processo, mas o trabalho principal é feito por Deus. É por isso que uma prática
correta da psicologia é impossível, se os dados da Teologia não forem considerados,
porque então o psicólogo estará impedido de captar a pessoa que evolui com essa
perfeição interior e que se dirige dinamicamente ao fim supremo sobrenatural, embora o
ordenamento da personalidade ainda não é total.
3. A realidade da graça

A graça de Deus coloca na alma uma realidade sobrenatural intrínseca e criada,


diferente da alma e suas potências. Isso realmente coloca algo em quem o recebe. Deus
ama o homem e com o seu Amor o cura e eleva, torna-o agradável e belo aos seus olhos.
As faculdades são elevadas e o dinamismo psíquico é potencializado porque é atraído
pelo Bem, que é o fim último, onde o homem encontrará a sua perfeição.
Ao contrário do amor humano, que ama alguém porque é bom, Deus o torna bom
porque o ama. O amor divino causa perfeição na pessoa amada. Em relação a isso,
vemos quantos psicólogos católicos usam a famosa frase atribuída a Santo Tomás (e que
Tomás de Aquino nunca a disse): "a graça supõe a natureza", para mostrar que a
ordenação feita pelo psicólogo atrairá então a benevolência de Deus. A verdade é que a
teologia nos ensina o contrário: que Deus nos olha com benevolência e nos aperfeiçoa
com sua graça é a causa da ordem e da saúde psíquica. Com isso não negamos que o
psicólogo é capaz de sustentar a graça e muitas vezes agir como um instrumento válido
da misericórdia divina.
Esta afirmação também marca uma diferença muito importante com a posição
protestante que Freud assume (e mais tarde a maioria das correntes da psicologia),
devido à filosofia moderna em que se baseia (Kant, Nietzsche, etc.), onde o homem é
irremediavelmente mau. e, portanto, deve alcançar o bem-estar mundano que equilibra a
infelicidade radical. Certamente esses autores veem o homem em sua natureza decaída,
naquele estado de corrupção e desintegração próprio do pecado. O verdadeiro sentido da
transformação interior - que ocorre dentro da alma e é dada pela graça divina - está
excluído do pensamento da psicologia contemporânea. Na melhor das hipóteses, a
psicologia atual considera que essa transformação é o resultado da ação do psicólogo e
da aplicação de seu método. A concepção pelagiana de acreditar que o homem pode
fazer tudo com suas próprias forças é introduzida aqui.
A graça é uma realidade que produz uma profunda mudança interior, que implica uma
nova relação: agora o homem é amigo de Deus e a ele se dirige com todas as suas
forças. Há um novo movimento pelo qual este homem se volta agora para Deus, com
todo o seu ser. Há uma renovação que ocorre na realidade interna do homem.
Acreditamos que a graça de Deus causa, nas pessoas por Ele queridas, uma participação
real, intrínseca e sobrenatural na sua vida e ser. Há uma verdadeira transformação na
pessoa em quem o Espírito Santo vem habitar como em seu templo. A criatura racional
adquire um novo relacionamento com Deus e com as Pessoas Divinas, e este novo
modo de relacionamento coloca o homem na posse de Deus como o fim último
sobrenatural. A restauração implica também um novo dinamismo que emana da graça,
especialmente da caridade, o que significa uma mudança de hábitos e operações, de
acordo com a demanda deste novo ser deificado.
A mente do homem que cresce na graça tem mudado progressivamente de tal maneira
que não é apenas muito diferente do momento do início do processo, mas é muito
diferente das pessoas comuns. Santa Teresa dirá que, ao olhar para trás, dificilmente se
reconhecerá; como a transformação que o horrível bicho da seda sofre e depois se
transforma em uma linda borboleta.
Porque a graça não só aperfeiçoa a natureza do homem tornando possível cumprir
plenamente com o bem conatural, mas também o eleva acima de sua condição natural,
para fazê-lo participar dos bens divinos.
A vida da graça é um caminho de firmeza - ao contrário da in-firmeza (doença) -
caminho seguro que afirma e confirma no ser, onde o homem encontra a verdadeira
saúde e, poderíamos mesmo dizer usando a metáfora de Santa Teresa, uma nova
fisionomia . É por isso que dizemos que a graça é criada, na medida em que os homens
são criados segundo ela do nada, isto é, não por seus méritos, mas constituídos em um
novo ser. A graça funciona como uma causa formal, como a brancura que torna mais
branco.
Santo Tomás mostra que o homem recebe a ajuda gratuita de Deus de duas maneiras: 1)
como movimento para obter o bem natural, assim a alma é movida para conhecer,
querer ou fazer algo; 2) como dom habitual, incutir qualidades sobrenaturais naqueles
que se move para alcançar o bem sobrenatural eterno, para que possam fazê-lo com
suavidade e prontidão. Essa segunda forma, que é graça ou "dom", coloca a pessoa em
relação ao seu objetivo final, e isso significa que ela está removendo os obstáculos dos
fins fictícios que a adoecem psiquicamente e a paralisam em seu desdobramento
pessoal.
E assim Deus move a mente do homem: internamente, porque primeiro ele quis o mal e
passa a querer o bem, movendo a vontade com uma dinâmica que inverte a inércia do
pecado; e externamente, porque o que a vontade quer agora atinge o ato externo, dando-
lhe a possibilidade de fazer o bem. É por isso que diz Santo Agostinho: “agimos para
que queiramos, e quando quisermos, coopera conosco para que consumamos a
operação”. Podemos avaliar o sucesso de uma psicoterapia que apoiou a graça de Deus
e nela confiou, com base no fato de que a pessoa não só se sente mais digna e valiosa
como imagem de Deus que é, mas também na sua obra desenvolve-se com um
dinamismo próprio da interioridade renovado e livremente ordenado ao fim último. A
pessoa que está sendo curada pode fazer uso de suas faculdades e mover-se mais
facilmente para o fim desejado. O Bem que a atrai realmente a comove.
Deus cura o homem e ajuda-o a querer o bem, depois o faz realizar com eficácia o bem
que deseja, perseverar nele e - graças a isso - alcançar a plenitude, a contemplação e a
alegria da Verdade, pela qual ele clamou do fundo de seu ser. Porque o homem, com a
ajuda da graça, tão logo faça o que deve com sua vontade, pode esperar a recompensa
prometida, que muda radicalmente seu modo de viver.
Quem faz o bem merece e cresce na esperança da recompensa eterna. Quem tem
esperança tem futuro, sabe que sua vida não termina no vácuo, e assim a realidade
presente se torna mais suportável, mais feliz. Entenda que sua vida é um compromisso
que responde a um chamado pessoal e único. Todos os eventos e vicissitudes da vida
começam a ser vistos do verdadeiro fim. É assim que você descobre sua própria missão,
que dá sentido e unidade à vida. Desse modo, pode-se dizer que o caminho da santidade
é o único alicerce firme da saúde mental, da personalidade integrada e hierarquicamente
ordenada.
4. O psicólogo, testemunha de confiança

A confiança na graça pressupõe fé em Cristo, que é o restaurador da natureza humana;


porque o Verbo Encarnado tem essa natureza como está na mente de Deus, e vem para
nos mostrar e dar plenitude. Não se pode consertar o que não se sabe como era em seu
estado normal. Não podemos saber como reconstruir uma casa, quando temos apenas
muitos escombros. E se soubéssemos ordenar perfeitamente o homem, não teríamos
forças para o fazer: por causa disso Cristo tinha que vir.
É por isso que a psicologia deve se basear em uma visão realista do homem, e isso pode
ser dado pela teologia. Porque o homem não existe em natureza pura; suas ações são
dinamicamente direcionadas ao fim ou contradizem-no. A alma não é estática, quem
não avança, retrocede. A teologia nos diz que o homem é a imagem de Deus e que para
se realizar - também como homem - ele precisa reparar e aperfeiçoar essa imagem
deteriorada pelo pecado. Para isso, ele precisa do próprio Deus que vem em seu auxílio.
Mesmo assim, o homem moderno aprendeu a confiar mais em si mesmo do que em
Deus. Acha que conhece bem o homem e nem mesmo entende o sentido de sua vida.
Ele considera que tem capacidade e métodos suficientes para diagnosticar e curar as
patologias que o afligem, e que há cada vez mais doentes mentais.
E isso não só porque vive imerso no “reino do homem” que tem todas as esperanças de
salvar a ciência, como afirma S. Bento XVI na Spe salvi, mas também porque não
percebe a gravidade desta desordem. Sua onipotência e fé na ciência humana - que
muitas vezes menospreza o poder de Deus - o cega e não permite que ele veja o quão
mau ele é. Ele julga a saúde e a doença de acordo com critérios totalmente superficiais,
e então busca soluções que lhe trazem apenas o bem-estar mundano e cada vez mais o
frustram em sua busca profunda pela felicidade. Sem dúvida, os sintomas dessa
insatisfação não demoram a aparecer nas sociedades que vemos se autodestruir: com
drogas, aborto, homossexualidade, violência, etc.
Um bom psicólogo e qualquer bom conselheiro sabe que penetrar no mistério da alma
humana - chamada a viver a vida trinitária divina - é uma tarefa que a supera
humanamente. Por isso, deve saber reconhecer os verdadeiros limites e abrir-se à
sabedoria da Igreja para enfrentar os problemas "desde as alturas".
No entanto, acredito que pode haver duas atitudes opostas aqui, mas que ambas devem
ser evitadas.
O primeiro é recuar das possibilidades concretas do que pode ser feito como
instrumento da graça e, por falta de confiança na providência divina, desistir de seguir
em frente porque não se vê que há uma mudança de personalidade, a qual só Deus sabe
quando isso vai acontecer. Não ver os resultados positivos de uma psicoterapia, às vezes
desanima não só o psicólogo, mas também aqueles que depositaram suas expectativas
nele. Esta situação também se aplica a muitos diretores espirituais, confessores e até
pais, que enviam pessoas a psicólogos quando não vêem progresso em sua tarefa, mas
acreditam na onipotência da psicologia, sem confiar nas graças dos sacramentos. E
daqueles que Deus dá para cumprir a vocação.
O segundo é o mais comum entre os psicólogos devido à formação que recebem, e é por
se considerar o autor da transformação que ocorreu na personalidade, e principalmente
quando envolveu uma mudança radical em comportamentos não naturais e pecados
mortais. Os psicólogos testemunharam muitas vezes conversões verdadeiras, onde a
vontade perversa se inverte e a pessoa volta a viver conforme com a reta razão. Em
muitos casos, quando as pessoas são católicas, na psicoterapia elas veem a necessidade
de voltar à confissão e enfrentar uma nova vida "na graça". Obviamente, o psicólogo
pode ser um bom instrumento da graça, mas talvez não o único, pois Deus coloca toda a
realidade a serviço da salvação dos homens.
Considero que a atitude correta é a do psicólogo que, fazendo tudo ao seu alcance para
sustentar a ação de Deus e com um desejo ardente pela salvação das almas, se coloca no
lugar de um "servo inútil" diante do desígnio redentor da Vontade Divina.
Mas, para isso, é necessário confiar no poder e na misericórdia de Deus, que é bom, que
não abandona as suas criaturas e que as amou até ao fim. Mas também é necessário
fazer uma experiência de graça, com uma experiência delicada daquela transformação
interior que é obra de Deus, e onde - sem dúvida - houve pessoas e acontecimentos que
foram também bons instrumentos do amor divino.
O Deus em que acreditamos deve informar nossa vida inteira. Não podemos combinar
nosso cristianismo com um ateísmo prático, que se manifesta quando trabalhamos e
cuidamos de nossos pacientes.
Por isso, é preciso considerar também que a nossa confiança num Deus Pai providente
pode servir de exemplo para os outros, e assim ajudar o desesperado e abatido pela cruz
que, muitas vezes, se torna demasiado pesada para eles.
Bento XVI nos lembra que há pessoas que foram verdadeiras estrelas em nossas vidas,
que nos mostraram a direção a seguir, que foram luzes de esperança no caminho pelo
mar de nossa história, muitas vezes "obscuro e tempestuoso".
É por isso que o Santo Padre nos diz que “também precisamos de luzes próximas,
pessoas que iluminem refletindo a luz de Cristo, oferecendo assim um guia para o nosso
caminho”.
E assim contemplamos Maria, Estrela do Mar, que com o seu "sim" cheio de confiança
mudou a história de todo o universo. Seu "sim" confiante desafiou todas as dores,
suportou todas as cruzes. Também na terrível noite do Gólgota ressoaram dentro dela
aquelas palavras do anjo da Anunciação: «Não temas, Maria, porque achaste graça de
Deus» (Lc 1,30). O seu coração trespassado pela espada e cheio de confiança, esteve
sempre unido ao Coração aberto do seu Filho, que derramou abundantes graças para dar
aos homens a verdadeira saúde da alma, a saúde psíquica.
Coloquemos nas mãos de Maria Santíssima, «cheia de graça», a obra que Deus nos
confiou.

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