A Confiança Na Graça
A Confiança Na Graça
A Confiança Na Graça
O psicólogo deve procurar fazer com que a pessoa cumpra a lei natural e, assim,
conseguir sua própria movimentação e desenvolvimento saudável. Todo ser sente uma
inclinação natural para a operação do que é próprio a ele por sua forma. A forma
adequada do homem é a alma racional, e a inclinação natural é agir conforme com a
razão. Isso significa viver virtuosamente, como um homem normal e saudável, porque
segundo Santo Tomás (seguindo Aristóteles) “a virtude é a perfeição própria do
homem”. O homem é bom como homem na medida em que sua conduta é dirigida pela
reta razão, isto é, por uma razão que direciona suas ações corretamente até o fim.
A lei natural é uma participação da lei eterna na criatura racional. Embora todas as
coisas participem de algum modo da lei eterna, na medida em que tendam para seus
próprios atos e fins, o ser racional o faz de maneira especial, pois à luz da razão natural
discerne o bem e o mal. É precisamente a lei porque é algo próprio da razão, com a qual
o homem é capaz de perceber o que Deus gravou em sua mente e, assim, ordenar sua
conduta no final, para o bem que julga ser seu.
O homem tem uma inclinação natural para as coisas que são naturalmente apreendidas
pela inteligência como boas e praticáveis, e o contrário delas, como más e proibidas. As
inclinações nos mostram o bem conatural.
Em primeiro lugar, existe no homem uma inclinação para um bem comum para todos os
seres: a conservação conforme com sua natureza. E assim descobrimos que os preceitos
relativos à preservação da vida e evitar o que se opõe a ela pertencem à lei natural. Em
segundo lugar, existem inclinações para bens mais específicos, aqueles que ele tem em
comum com os animais. Assim, a relação entre homem e mulher, a educação dos filhos,
etc., pertencem à lei natural. E, finalmente e em terceiro lugar, há uma inclinação
especificamente racional, e é aquela pela qual o homem tende naturalmente a viver em
sociedade, a conhecer a verdade e mais especialmente as verdades de Deus. Todo
homem tem um profunda sede da verdade, da contemplação da verdade, que está ligada
ao anseio por Deus e ao desejo de felicidade. Devemos lembrar o que nos disse São
João Paulo II na Fides et Ratio: “O homem pode, portanto, ser definido como aquele
que busca a verdade”. Mas uma verdade que não é apenas especulativa, mas que a
compromete por completo, que se concretiza na prática na realização do bem esperado.
Assim, cada pessoa moldará toda a sua personalidade de acordo com a honestidade
dessa busca e a retidão de suas ações. E de acordo com isso poderíamos dizer - junto
com Santa Teresa - que a característica do homem psiquicamente sadio é “andar na
verdade”. O homem é capaz de Deus, o desejo de Deus está escrito em seu coração
porque há um desejo natural pela felicidade que é de origem divina, porque Deus é o
único que pode satisfazê-la e só Nele o homem encontrará a verdade e a felicidade que
anseia.
Mas essa busca pode ser frustrada. Estamos perante um mundo em que comportamentos
irracionais (e - pode-se dizer - até monstruosos) aparecem cada vez mais como
"normais", que se opõem às inclinações naturais e à razão: eutanásia, suicídio, aborto
(isso se nós considerar que a criança é algo dos pais, estamos perante um pseudo-
suicídio), relações homossexuais, vícios de toda a espécie, mentiras persistentes, vida
ficcional, a negação de Deus e o seu deslocamento absoluto de todos os âmbitos em que
o homem se move, etc... E não só vemos a proximidade desses problemas, mas eles até
pretendem ser “legalizados” pelo direito humano, para que esses atos contrários ao
direito natural possam ser cometidos com total tranquilidade, respaldados pela própria
sociedade.
Embora a lei natural esteja indelevelmente impressa no coração do homem, muitas
vezes seus comportamentos são contrários à natureza e aos ditames da razão. E esta é a
causa dos distúrbios psicopatológicos, doenças psíquicas ou doenças da alma.
É natural que o homem aja de acordo com esse ditame da razão, mas vemos que - na
prática - isso nem sempre acontece. Por quê? Porque a razão procede do mais universal
ao particular, e neste processo a razão prática que trata das ações humanas, quanto mais
desce ao particular e ao concreto, mais provável é que fracasse e mostre sua fraqueza.
Esse defeito é causado por impedimentos particulares, por motivos pervertidos pela
paixão ou maus hábitos. Nas obras concretas, a razão não aplica princípios comuns
devido à desordem interna que sofre, que a impede - como todo paciente - de mover as
partes da alma para o seu fim.
Antes do pecado de Adão, a mente humana estava sujeita a Deus e às partes da alma em
harmonia e ordem, o que significava a subordinação das potências inferiores à razão e
isso ao fim último. A natureza composta de muitos elementos, recebe uma certa ordem
em suas partes. Assim, o homem, no estado original de justiça, estava inclinado para a
virtude, sua razão dominava as potências inferiores e ela estava sujeita a Deus.
Com o pecado original e a perda da graça de Deus, essa harmonia é rompida e a alma
fica desordenada, e suas partes desintegradas tendendo a pólos opostos (pois cada um
busca o seu fim), com certa autonomia de sua força motriz, que é a razão. Assim
aparecem - nesta natureza decaída - muitas deformidades que são como o início de
desordens da personalidade. Perde-se a unidade hierárquica que o caracterizava no
estado integral de natureza, com todas as consequências que isso acarreta,
principalmente a insubordinação da vida sensível ao intelectual, para a qual falha nas
ações concretas.
Nesse sentido, podemos afirmar que o pecado original é, como o define Santo Tomás,
uma “disposição desordenada” que provém da ruptura dessa harmonia constitutiva da
justiça original. A natureza não está totalmente corrompida, mas diminui a inclinação
para a virtude, ou seja, a ação do homem enquanto racional, pois agir de acordo com a
lei da razão - como dissemos - é agir virtuosamente. A redução desta tendência natural
de seguir o ditame da razão, ocorre assim que são colocados obstáculos que a impedem
de agir corretamente.
A ferida da natureza, que faz com que a razão não se submeta a Deus e não domine as
potências inferiores, é intensificada pelo pecado pessoal. Como a personalidade se
estrutura a partir das escolhas sobre sua ação concreta, ela pode levar - devido a essa
profunda desordem - a disfunções já claramente definidas como patologias psíquicas.
Porque o vício, que é o oposto da virtude, contradiz a lei natural e a plenitude humana,
de tal forma que constitui a base estrutural da doença mental. É por isso que muitas
vezes se diz de alguém que "perdeu o juízo", isto é, ele não se comporta de maneira
razoável, pelo motivo de que ele não direciona mais consistentemente suas ações para o
fim.
Por causa dessa ferida da alma que resulta do hábito do pecado original (como nos
pecados pessoais), a razão perde sua agudeza (principalmente na ordem prática), a
vontade resiste ao fazer o bem, torna-se cada vez mais difícil fazer o bem, e a luxúria é
continuamente acesa. O livre arbítrio é impedido de fazer o bem. Tudo isso dispõe
negativamente com relação a agir de acordo com a lei natural e suas inclinações
saudáveis. Assim, o homem é como um doente, que não consegue desenvolver todas as
suas potencialidades, não consegue se mover com toda a vitalidade de uma pessoa sã,
que não consegue levar uma vida normal e plena.
Vemos então quão seriamente esse dinamismo dos desejos naturais é pervertido. É a
rebelião da carne que se afasta de agir segundo a razão e que se fortalece pelas escolhas
pessoais, tornando-se cada vez mais doente. É o que se denomina lei de fomes ou
concupiscência, no sentido de que todas as faculdades da alma tendem a trabalhar contra
o bem da razão, sujeita a apetites desordenados. Essa é a raiz profunda do egoísmo, que
é o princípio subjetivo dos distúrbios de caráter.
2. Necessidade da graça
Perguntamo-nos, então, diante dessa situação, pode o homem cumprir plenamente a lei
natural, ter inclinações saudáveis, alcançando a virtude e a normalidade psíquica? Pode
se desenvolver até a maturidade e perfeição pessoal? Nessas condições, devemos
responder não.
E o que pode fazer o homem cuja personalidade está tão seriamente desordenada e
doente? Certamente, ele pode conhecer algumas verdades proporcionais à sua razão
natural, e ele também pode fazer algum bem particular, como construir casas, plantar
vinhas ou semelhantes, de acordo com Santo Tomás. Mas ele não pode fazer todo o bem
conatural, ele não pode fazer o que é próprio de sua natureza; de tal forma que em cada
ato é de alguma forma deficiente. Ele não pode querer ou fazer o bem com suas próprias
forças naturais. Dissemos que é como o paciente que pode fazer algumas coisas, mas
não com a vitalidade e perfeição do saudável, a menos que se cure com algum remédio.
E este remédio vem de Deus, o único que pode curar e restaurar a ordem da natureza.
Por isso - nesta lamentável situação do homem e da qual muitas vezes ele não sabe - é
necessária a graça de Deus, dom ou dom imerecido que cura a personalidade
ordenando-a, curando desde as raízes as doenças psíquicas.
Como a graça habitual trabalhando na alma, e restaurando a ordem; o apetite inferior se
submete à razão, e a razão se submete a Deus, fixando Nele o fim de sua vontade. E
assim todos os atos humanos são regulados pelo fim, e os movimentos do apetite
sensível são regulados pelo juízo da razão, como convém à natureza do homem são.
Mas essa cura que produz graça, a restauração da natureza, é progressiva: ela ocorre
primeiro na mente, antes que o apetite carnal seja totalmente subordinado e ordenado a
ela. Por isso, com a graça habitual, o homem não agirá mais seriamente contra o juízo
da razão, embora ainda não possa se abster de todos os movimentos interiores da
sensualidade. Poderá dominar cada um em particular, mas não o tempo todo, e
especialmente quando eles escapam de sua vigilância.
A força da graça de Deus atua na alma seguindo uma certa evolução; ele cura de cima
para baixo. A razão está sujeita a Deus e a vontade deseja a Vontade de Deus, mas os
afetos continuam desordenados ou com certa desordem, até que sejam totalmente
submetidos. As potências inferiores, que estavam dispersas, são progressivamente
reunidas e unificadas até que a alma mais uma vez tenha sobre eles a força e o domínio
que havia perdido, direcionando seus comportamentos de forma consistente para o fim
último.
Essa é a verdadeira psicoterapia que o homem precisa, e o psicólogo pode ajudar muito
nesse processo, mas o trabalho principal é feito por Deus. É por isso que uma prática
correta da psicologia é impossível, se os dados da Teologia não forem considerados,
porque então o psicólogo estará impedido de captar a pessoa que evolui com essa
perfeição interior e que se dirige dinamicamente ao fim supremo sobrenatural, embora o
ordenamento da personalidade ainda não é total.
3. A realidade da graça