3 Prometida - Um Amor Selado Com Sangue - Kamila Paes Leme
3 Prometida - Um Amor Selado Com Sangue - Kamila Paes Leme
3 Prometida - Um Amor Selado Com Sangue - Kamila Paes Leme
Ele viria até mim, eu sabia que viria. Por isso não me dei o
trabalho de procurá-lo.
No dia seguinte, ao entardecer, caminhei pelo campus sozinha
e procurei por um lugar longe dos olhares curiosos, onde sabia que
ele me encontraria. Não compareceu às minhas aulas naquele dia,
desde a palestra e meu encontro com Viktor no corredor, mantive-
me trancada em meu quarto, absorvendo tudo, lidando com os
meus pensamentos conflitantes. Se William tinha mesmo seus olhos
sobre mim o tempo todo, ele soubera daquilo e, com certeza, havia
ficado intrigado. Por isso ele viria até mim, quando notasse que eu
estava fora do meu quarto e andando sozinha pelo campus antes do
anoitecer. Não sabia como funcionava aquela ligação entre nós e
esperava fortemente que nossos pequenos encontros e míseros
contatos físicos não tivessem alimentado aquele vínculo, não de
forma significativa pelo menos.
Em uma parte mais ampla do campus, existia um salgueiro-
chorão. Ele era enorme, arriscava dizer que tinha de 20 a 25 metros
de altura. Ele ficava perto do pequeno lago que havia naquela parte
da propriedade. Seus rebentos eram delgados, longos e muito
flexíveis, formando uma copa arredondada. Seus galhos eram
longos, coberto de folhas verdes que traziam um caimento natural,
chegando a encostar no solo. Não era segredo algum que alguns
universitários o usavam para dar amassos e fazer outras coisas,
aproveitando-se do esconderijo perfeito que aquelas folhas
proporcionaram. Nesse momento, eu o usaria para ter um pouco de
privacidade com o meu prometido.
Caminhei determinada até ele, não arriscando um único olhar
por cima do ombro, para conferir se estava sendo seguida. Estendi
minhas mãos, surpresa por ver ambas firmes, afastando os galhos e
folhas afrontosas, à medida que eu adentrava a parte debaixo da
árvore. A coloração alaranjada do crepúsculo passava pelas
pequenas aberturas das folhas, iluminando o suficiente a parte de
dentro do salgueiro, causando um efeito assombreado. Olhei ao
redor, encantada com as pequenas flores brancas que brotavam por
ali. Era lindo, um lugar ideal para se ter um tempo sozinha. Devia
haver pássaros pousados nos galhos mais altos que formavam a
copa do salgueiro, eu podia ouvir seus cantos ressonantes e
harmônicos dali debaixo. A grama embaixo de mim era um pouco
mais alta, provavelmente quem cuidava de mantê-la aparada por
todo campus, esquecia-se com frequência daquela parte.
Senti a aproximação de William, sem de fato precisar vê-lo. Sua
presença era marcante, principalmente para mim, que de uma forma
curiosa sempre conseguia detectá-la. Provavelmente uma
habilidade gerada pela conexão.
— Você pretendia me contar? — questionei quando ouvir o
farfalhar daquela cortina de folhas se fechar atrás dele.
O silêncio se perpetuou entre nós durante longos segundos,
segundos que não me atrevi a me virar para encará-lo.
— Como você descobriu? — contrapôs.
Ri amarga, balançando minha cabeça em negativa.
— Então é assim que vai ser? Eu faço uma pergunta e você me
responde com outra? — objetei, finalmente me virando para
enfrentá-lo.
Esforcei-me em me manter firme, em passar pelas minhas
feições e olhos o quanto estava irritada com ele, não permitindo me
deixar amolecer diante de sua proximidade. Ele estava lindo, como
de costume. Sua altura intimidante, suas expressões suaves e
aquele olhar paciente, eram tudo que eu não queria ver naquele
momento. Não queria sua compassividade e nem sua calma
inquietante.
Suas mãos estavam cruzadas nas costas, naquela pose cordial,
que deixava bem claro que ele vinha da nobreza. William não me
respondeu, manteve seus olhos em mim, estudando-me e isso
alimentou ainda mais a minha frustração.
— Na palestra de terça. Quando eles falaram a respeito da
profecia das destinadas, coisas que não sabia, eu... fui capaz de
juntar as peças, mas foi seu irmão e as insinuações dele que fez
elas se encaixarem completamente — disse, sabendo que se não o
respondesse, ele não falaria.
Vi uma surpresa feroz cintilar em seus olhos azuis. Citar Viktor
cumprira seu propósito, eu podia ver perfeitamente sua pose
inabalável oscilar.
— Descobri por uma maldita palestra que você era meu
prometido, então agora responda a droga da minha pergunta. Você
pretendia me contar? — Havia perdido minha compostura e aquilo
estava claro em meu tom duro e exigente.
William piscou, empertigando-se, e ergueu seu queixo nobre,
como se estivesse lutando para não deixar suas verdadeiras
emoções transparecerem.
— Não — sua resposta escapara de seus lábios facilmente,
com uma sinceridade que me atingiu como um soco.
Fechei minhas mãos em punhos, deixando minha mágoa e
raiva nítidas. Sentimentos que naquele momento pareciam exalar de
mim com intensidade, atingindo-o como adagas. Ele podia sentir
tudo aquilo não só por estar ligado a mim, mas porque os vampiros
podiam farejar emoções como ninguém, mesmo quando prometidos
faziam de forma muito mais profunda, como pude confirmar em
minhas pesquisas.
— Existem muitas coisas que você não sabe a respeito da
profecia, de nós, das regras e etapas. Não pretendia te contar, pois
não podia e não por vontade própria. É uma regra, devemos
descobrir por nós mesmos a quem estamos ligados. Dependendo
do que Viktor disse a você ou como disse, pode haver
consequências — ele prosseguiu, saindo de sua pose e arriscando
um passo para mais perto de mim, que respondi com um recuar. —
Eu sei que está com raiva e, provavelmente, tirando um monte de
conclusões precipitadas a meu respeito, que espero ter a chance de
mudá-las se você me permitir me explicar. Sei o que parece, mas
eles saberiam, eles sempre sabem quando regras são quebradas,
assim como sabem quando predestinados se encontram. Quando
eles vêm até nós, exigindo saber a escolha da destinada, o fazem
por um motivo. É um conselho feito não só de vampiros, como
bruxas, bruxas oráculos, que não tem visões apenas dos nossos
nascimentos, como de momentos específicos de nossas vidas —
revelou, fazendo-me fechar os olhos e me virar, tentando me manter
centrada. Não podia permitir que ele me manipulasse de novo com
seus olhos gentis e cheios de intensidade.
— Nada disso foi dito a mim, nem mesmo os palestrantes
comentaram sobre algo parecido ou minhas pesquisas — refutei,
ouvindo seus passos se aproximarem pelas minhas costas.
Eu tivera tempo para pesquisar sobre tudo relacionado as
destinadas, tudo que consegui achar na internet. Algo que nunca fiz
antes, por viver presa a ignorância de que meus pais tinham me dito
tudo que deveria saber. Eu estava tão errada.
— Existe muito da profecia que poucos sabem. O conselho não
se preocupa em contar, pelo menos não o que seja realmente
necessário. Seus pais não foram capazes de compartilhar com você
tudo o que sabiam, tudo que ocultaram de você propositalmente,
quem dirá isso — ele pontuou, havia acusação em seu tom, o
primeiro traço de irritação que identifiquei nele. — Minha família
sabe de coisas que muitos não sabem, isso inclui até a família real e
os Queen’s, nossos aliados. É por isso que ocupamos o segundo
lugar na hierarquia, não somos só responsáveis pela saúde e
educação do mundo, como temos em nossa posse livros, registros e
escrituras antigas, coisas que não são encontradas em nenhum
outro lugar. Quando algo precisa ser confirmado, estudado, é a nós
que o rei chama. — Virei-me bruscamente, quase me chocando
contra seu peito, estava farta daquele assunto.
Ele queria se explicar, então teria sua chance. Eu precisava
entender outras coisas, coisas realmente importantes.
— Desde quando? — inquiri com aspereza.
William piscou novamente, dando um passo para trás,
mostrando-se confuso com meu questionamento por um segundo,
até que o entendimento pareceu cintilar naquele mar azul.
— Não sei se você está pronta ou aberta para essa resposta. —
Tentou me dissuadir.
Uma risada irônica e anasalada escapou de mim.
— Assim como você deduziu que eu não estava pronta para
entender todos os seus discursos vagos e manipulativos? Me diga,
William, você também acha que não estou pronta para saber que
você orquestrou tudo isso desde o início? Que comprou minha vaga
nesse lugar, fazendo seu pai pagar por minha bolsa para que eu
pudesse estar por perto, dentro de seu território, indefesa e
vulnerável o suficiente para você encontrar seu caminho até mim?
— Praticamente rosnei aquelas palavras para ele, vendo o choque
atingir seu rosto ao mesmo tempo em que minhas palavras eram
disparadas. — Eu trabalhei duro por esses méritos, para ter notas
exemplares que me fariam ser aceita em qualquer universidade. Eu
me orgulhava delas, até você aparecer e destruir meu orgulho
próprio, comprando um lugar para mim aqui, aproveitando-se de sua
influência. — Eu estava ensandecida, como ele se atrevia a
pressupor coisas sobre mim depois de tudo?
O motivo da minha revolta finalmente ficara claro para ele, tão
claro que pude ver a compreensão se estabelecer por todo seu
rosto.
— Viktor. — A constatação deixou seus lábios com amargor, vi
um meio-sorriso entristecido se formar em sua boca, à medida que
ele desviava seu olhar de mim para longe. — Meu pai não pagou
pelo seu curso, eu paguei. A bolsa premiada foi um pretexto para
ninguém ou seus pais serem capazes de descobrir, ou questionar a
legitimidade da sua vinda para universidade — elucidou, passando
as mãos por seus cabelos, fazendo as curtas mechas castanhas
ganharem um leve tom de loiro sobre a luz do entardecer. — Seus
pais odeiam vampiros, Seline, eu nunca conseguiria me aproximar
de você com eles por perto. Não depois de eles passarem grande
parte da sua vida envenenando sua cabeça contra minha espécie,
ou contra seu prometido. — Franzi o cenho, surpresa por ele saber
daquilo.
Ele tinha um ponto, seria realmente difícil ele se aproximar caso
o cenário fosse outro, mas isso não melhorava a situação, isso não
o justificava suas manipulações.
— Sim, eu orquestrei tudo isso para te ter por perto, para ter a
chance de me aproximar e conhecê-la. Mas isso não tira seus
méritos, se você não fosse minha destinada, fatalmente teria sido
selecionada e cotada para estar aqui do mesmo jeito. Foi seu
histórico perfeito que facilitou tudo, na verdade. Como fiz as coisas,
não muda isso, não muda seu valor. — Bufei, ele não tinha como
saber daquilo. — Eu ia te contar sobre a bolsa ocasionalmente,
quando tudo viesse à tona, quando você descobrisse o que éramos.
Não sou o vilão que está presumindo que sou. Nunca foi minha
intenção te manipular, reconheço que meus discursos foram um
tanto enigmáticos, mas estava instigando sua curiosidade, não
tentando exercer algum tipo de controle sobre você. Eu poderia ter
me aproveitado das sensações que causamos um ao outro, para
provar um ponto, mas não o fiz, pelo contrário, evitei o máximo de
contato possível quando tudo o que eu queria era te tocar em cada
maldito segundo. — Encarei-o mais fixamente, sentindo meu
coração errar uma batida após suas palavras.
Ele fez uma pausa, como se não fosse capaz de prosseguir,
como se o errar da batida de meu coração tivesse o distraído.
Tomei um fôlego profundo, tentando não me deixar abater por
sua confissão, que aquecera algo dentro de mim, algo que estava
negando existir. Não podia confiar nele, não depois de tudo. Sua
presença e suas palavras tiveram controle sobre mim desde o início,
se ele estava fazendo de propósito ou não, não importava, não
mais. O que William era, a influência que ele tinha, eu queria
distância daquilo e do seu mundo. Se eu me deixasse levar, seria
arrastada para aquela bagunça pelo que éramos um para o outro e
não por vontade própria. A ligação, ela era a força maior que nos
regia e não nosso coração. Não seria manipulada por minha marca,
ou por uma profecia. Quando amasse alguém, queria que esse
sentimento viesse de mim e não porque fui programada para aquilo.
— Eu sempre soube das consequências que vinham
acompanhadas dos toques, do que isso significaria para mim e não
para você. A ligação é sempre pior para nós, por isso evitei ao
máximo. Você não precisa se preocupar com o estágio que
estamos, mesmo que eu tivesse o costume de te tocar, isso só teria
danos colaterais para mim. Destinadas podem se sentir mais
atraídas por seus prometidos com toques e beijos, mas é só quando
ela realmente o escolhe, que isso muda algo significativo nela. A
coceira, a queimação e todas as outras sensações são só reações
que uma destinada tem quando está próxima ou sendo tocada pelo
vampiro com quem compartilha a mesma marca — ele tratou de
explicar, como se soubesse que aquela era uma das minhas
preocupações. — Eu estava tentando te dizer, mesmo que do meu
jeito, quem eu era. A intenção era que você conseguisse interpretar
pelas minhas palavras e por essa força que sempre nos puxava um
para o outro, quem você era para mim, assim como quem eu era
para você. — Desviei meu olhar dele, estava sendo demais lidar
com suas palavras, com o peso de seu olhar.
William abandonara de vez sua pose inabalável, a passividade.
Ele estava deixando tudo vim à tona, tudo ficar visível para mim. Eu
o vi em meus sonhos a vida toda, mas faz apenas algumas
semanas que tive a oportunidade de realmente conhecê-lo, mas
William agia como se me conhecesse há mais tempo, como se
tivesse sentimentos reais por mim. Se eram alimentos pela nossa
ligação ou não, era um mistério, mas estava se tornando demais
lidar com ele naquele momento, com tudo o que ele estava
despejando em mim.
— Além disso, era o mínimo que eu podia fazer. Ajudá-la a
realizar seu sonho de cursar medicina, depois do que seu pai fez, a
bagunça que ele causou na sua vida. Ele usou seu fundo
universitário para corrigir os impulsos que sua ambição causou.
Você não merecia isso, ter seu sonho destruído pelos erros de
outros — completou, atraindo bruscamente meu olhar para ele, algo
que estava evitando até aquelas palavras deixarem seus lábios.
— Como você... — balbuciei, desconcertada por ele saber
daquilo, saber de algo tão pessoal.
— Você me perguntou desde quando. — Ele trouxe meu
questionamento à tona, hesitando por um segundo antes de
continuar. — Desde que você era apenas um bebê. — A revelação
me atingiu como um carro em alta velocidade, fazendo-me dar
passos trôpegos para trás.
Arfei, levando uma de minhas mãos à boca.
Não, não, aquilo não era possível.
— Eu era jovem, ainda não havia alcançado a maturidade
quando nossos caminhos se cruzaram anos atrás, há 19 anos para
ser mais específico. Estava vagando pelo parque, após uma
discussão idiota com Viktor quando te vi com seus pais. Eles te
tiraram do carrinho e eu me perguntei por um segundo o que me fez
refém daquela cena tão mundana, até que eu vi sua marca. A
estrela em sua nuca, idêntica à minha. — Ele ergueu a mão,
tocando em seu peito esquerdo, antes de puxar a gola de sua blusa
para baixo, expondo aquilo que não queria ver, aquilo que só
reafirmara o que já sabia.
Em seu peito esquerdo – diferente do lugar onde a minha se
encontrava –, estava a estrela de cinco pontas, com traços tribais,
perfeitamente gravada em sua pele pálida.
Ofeguei, incapaz de dizer qualquer coisa, incapaz de desviar
meu olhar daquela prova incontestável.
— Pertencemos um ao outro, Seline — ele sussurrou,
aproximando-se mais do que eu permitiria caso não estivesse tão
submersa na avalanche de emoções que me atingira. — Depois que
te vi naquele parque, não consegui me manter longe. Passei a
observar você de longe, acompanhei todo seu crescimento, sem
ousar fazer um único contato. Aprendi tudo sobre você, fiz parte de
sua vida como um telespectador, vivendo nos bastidores dela. —
Suas mãos envolveram meu rosto, arrancando um gemido meu.
Uma corrente elétrica percorreu meu corpo, trazendo todas
aquelas sensações inebriantes consigo. A ardência e coceira
estavam lá, fazendo-se presente, confirmando mais uma vez o que
já sabia, o que a marca reafirmara.
— Tive todo o tempo do mundo para me apaixonar por você,
para ter certeza de que esse sentimento que aumentava a cada dia,
não era só causado pela ligação. — Estremeci, arregalando meus
olhos quando me dei conta do que ele acabara de dizer, do peso
daquelas palavras. — É você, sempre foi você. A profecia, nossas
marcas, são só consequências. Isso é real, você é real. — Seu
hálito bateu contra meu rosto, deixando-me bem ciente do quanto
ele estava perto.
O anseio queimou ardentemente dentro de mim, aquele que
implorava para eu fechar aquela distância e beijá-lo. Cada pequena
cavidade em mim implorava por mais, por mais toque, por mais
dele. Fechei os olhos com força, lutando contra aqueles
sentimentos, contra aquela névoa de desejo que seu toque
despertava em mim. A coceira estava piorando, a queimaram
beirava já o insuportável. Eu precisava me afastar, precisava dele
longe, não conseguia pensar claramente com ele tocando em mim.
“Tive todo o tempo do mundo para me apaixonar por você.”
Suas palavras se repetiram em minha mente, reverberando por todo
meu corpo.
— Não! — Neguei a ele, neguei os sentimentos que ele estava
me causando, o mais alto que consegui, antes de me lançar para
longe, cambaleando alguns passos. — Você não pode fazer isso,
não pode me tocar enquanto diz essas coisas — declarei,
severamente, sentindo as lágrimas se acumularem em meus olhos.
Negá-lo daquela forma, atingiu-o profundamente. Pude ver isso
em seu olhar lânguido, na postura derrotada que ele assumira.
— Seline, tente compreender — ele tentou dizer, mas foi
subjugado quando eu o interrompi.
— Não parece real quando você me toca, parece algo
programado e parece que você se aproveita disso para conseguir
entrar, para colocar abaixo minhas defesas. É invasivo, porque não
consigo raciocinar direito quando você o faz. Seu toque me tira a
razão e isso não é natural, não é certo — murmurei, meu tom
estrangulado deixava bem claro o quanto estava lutando para não
chorar na frente dele.
Eu odiava isso, odiava me afogar nas incertezas do que era real
e o que não era. Desde nova sempre gostei do controle, dos fatos,
do que podia afirmar e confirmar com provas e certezas. Mas
quando se tratava disso, da ligação e daquelas reações, eu não
conseguia discernir o que vinha de mim e do que era provocado por
ele, pela marca.
— Para você pode ser real, porque teve tempo de desenvolver
seus sentimentos por mim sem me tocar primeiro, sem estar
próximo o suficiente para ser afetado por essas sensações. Não foi
o mesmo comigo, não sem essas reações causadas por nossas
marcas no meio. Já não sei o que é real, pois você manipulou tudo,
William. Não foi o destino, foi você. Plantou essas dúvidas e agora
não sei se serei capaz de acreditar em você e no que quer que
posso sentir em relação a nós — confessei, finalmente liberando
minhas emoções, minhas dúvidas.
— Seline, por favor. — Seu tom débil, seus olhos que lutavam
para segurar as lágrimas que começavam a se tornar visíveis para
mim, me faziam me sentir pior.
Estava machucando-o e não sabia se negá-lo na cerimônia de
escolha seria pior do que estava fazendo naquele momento.
— Estou indo embora, William, estou saindo dessa
universidade, vou me afastar de você antes que isso o destrua. Não
vou ser responsável por levá-lo à loucura ou por matá-lo — decretei,
reunindo o pouco de força que havia em mim para dizer aquelas
palavras, para trazer firmeza a elas.
— Não, por favor. Seline, você está confusa, eu entendo, mas
você nem sequer está me dando uma chance. Sei que tudo isso te
chateou, plantou dúvidas em sua cabeça, mas... — Seu desespero
era evidente, o que só piorava mais a situação, a forma como
estava me sentindo.
William tentou se aproximar de novo, mas me afastei, erguendo
uma mão para ele em aviso, um aviso que foi o golpe final na estaca
que estava cravada em seu peito. Ele viu, viu em meus olhos que eu
não queria mais ouvir nada daquilo e que o queria distante. Pior, que
não queria que ele me tocasse. Consternado, ele fechou os olhos
por um momento, forçando-me a testemunhar as duas lágrimas
solitárias que rolaram por suas bochechas.
— Irei te respeitar, não vou mais me aproximar ou forçar uma
conversa, mas fique, termine seu curso. Você merece isso. — Seus
olhos se abriram e ele me encarou fixamente. — Completarei esse
semestre, depois vou trancar o meu curso e sair da universidade. O
motivo de eu estar aqui sempre foi você, mas já que deixou bem
claro sua decisão, não há mais nada que me mantenha aqui —
anunciou, derrotado.
Toda aquela dor, a sua dor, estava me afogando. Ele abrira
mão, fosse lá o que ele viu em meu rosto, quando me afastei dele, o
levou ao limite. Ele não seguiria implorando, não mais.
— Está tudo quitado de qualquer maneira, seria um desperdício
— acrescentou, empertigando sua postura, fechando-se
completamente para mim.
Digerir suas palavras por um momento... Se tudo já estava
quitado, não havia muito o que fazer. Apesar das atitudes de William
terem sido em benefício próprio, ele me dera algo inestimável como
consequência, a oportunidade de realizar meu sonho, um sonho que
pensei estar perdido quando meu pai cometeu aquele crime. Me
formar me dava também a chance de finalmente quebrar o controle
deles sobre mim, que havia me ferido mais do que o vampiro em pé
diante de mim.
Eles também não sairiam isentos da minha raiva e mágoa.
— Eu vou pensar — sibilei, tirando de mim mesma a obrigação
de chegar a um veredito naquele instante.
Foram coisas demais por um dia, eu precisava estar calma e
longe dele para tomar uma decisão. William deve ter visto isso em
meu olhar, como aquilo o atingiu, não sabia dizer, ele estava
trancado para mim. Seu rosto era tomado por uma máscara
impenetrável, seu maxilar estava trincado e suas mãos cruzadas
atrás das costas de novo. Seus olhos azuis estavam obscurecidos e
sua postura rígida. O vampiro de pé diante de mim não era mais
aquele que chorou e implorou que eu o escutasse, era filho de
Vladmir Vlad, o futuro conde. Quem ele sempre esteve destinado a
ser.
William não me respondeu, apenas acenou cordialmente,
concordando com meus termos. Então ele se virou e caminhou até
as folhas, prestes a afastá-las de seu caminho para ele se retirar
dali o mais rápido possível, no entanto, antes que pudesse de fato o
fazê-lo, ele hesitou.
— Você decidindo ficar ou não, se precisar de alguma coisa,
qualquer coisa, não hesite em me procurar. Saiba que tudo o que eu
fizer por você, Seline, nunca vai ser esperando algo em troca e sim
porque me importo com você. Quando amamos, ver a felicidade da
pessoa já é a maior recompensa que podemos querer, mesmo
quando não estamos incluídos nessa felicidade — dito isso, ele se
foi, sem olhar para trás e sem se despedir.
Eu o quebrara, isso estava evidente. Mas o que estava
realmente me perguntando naquele momento, enquanto fechava
meus olhos e me abraçava, permitindo que as lágrimas rolassem
por minhas bochechas livremente, era se tinha tomado a decisão
certa. Se ao quebrá-lo, não quebrei a mim mesma...
Eu conhecia os riscos, sempre estive ciente de cada um deles.
Sabia que encontrar minha destinada mais cedo do que os outros
prometidos, poderia ser uma dádiva ou maldição. Tive tempo para
pensar em tudo, no entanto, isso não diminuiu as chances de
cometer um erro.
Fui refém da frustração de não poder tocá-la durante muitos
anos, frustração que pareceu triplicar quando mantive minhas mãos
para mim com mais frequência do que gostaria quando nossos
caminhos finalmente se cruzaram. Com afinco, eu me segurei para
não agir como um louco, necessitado e faminto por ela. Seu sangue
nunca me atingira tão fortemente antes, como foi nessas últimas
semanas. Seu cheiro era intoxicante, doce e cantava para mim
como uma maldita canção de sereia, atraindo-me cada vez mais
para fundo, instigando-me a me afogar nela, no seu toque, na sua
presença. Estar ao lado dela era como lutar inúmeras batalhas
diferentes em uma fração de segundos e todas elas colocavam em
questionamento o autocontrole que sempre julguei possuir.
Entendi sua revolta, fora coisas demais para se lidar. A imagem
que ela tinha construído de seus pais estava desmoronando
gradativamente há muito tempo. Seline sempre fora subserviente,
não via o que estava à sua frente ou talvez não quisesse ver. Seus
pais sempre mantiveram um pulso firme sobre ela, sobre suas
escolhas, do que era tolerado ela gostar ou não. Os lugares que
frequentava e os amigos que tinha, com exceção de Jude, que eles
nunca conseguiram afastar dela. Não contar a ela partes
importantes da profecia, de sua marca, foi só mais um de seus
artifícios para manter o controle sobre sua escolha, a escolha que já
haviam feito por ela. Seline fora empurrada para aquela borda
pouco a pouco, presumia que saber quem eu era e o que fiz para tê-
la por perto, foi o ápice que a levou a cair em queda livre.
Eu não fizera pior que seus pais, minhas intenções sempre
foram as melhores, mas reconhecia que não pesei o fato de que
facilitando sua entrada aqui e cercando-a de enigmas, poderia fazê-
la se sentir manipulada, muito menos que isso fosse de fato atingir
seu orgulho próprio. Pensando bem, seus pais provavelmente
também julgavam suas atitudes e intenções boas, era por isso que
seguiram fazendo tais coisas. Isso, o que eu fiz, não me tornava
diferente deles. Havia tirado de certa forma algo dela. Eu sabia mais
do que qualquer outro que grande parte de sua vida, Seline se
dedicou as suas notas e para onde elas a levariam no futuro. Aquilo
sempre foi algo que ela nunca deixou ninguém tirar dela, seus
méritos. Seline sabia exatamente quem era e no que era boa, sabia
que com seu histórico perfeito, não existiria nenhuma universidade
no mundo que seria louca em não a aceitar. Algo que só foi
reforçado com a pequena mentira que criara para trazê-la para cá,
algo que desmoronou e a atingiu fortemente quando descobriu o
verdadeiro motivo de sua presença aqui.
Seline me odiaria por um tempo, mas tinha esperanças de que
se ela resolvesse ficar, conseguiria inverter essa situação. Não
importava quanto mais tivesse que esperar, eu esperaria por ela,
lutaria por ela.
Foi egoísta, eu fui egoísta. A trouxe para cá pensando em mim
e, por um momento, me esqueci de algo muito importante. Para um
prometido, a felicidade e bem-estar de sua destinada era prioridade,
e eu falhara terrivelmente em proporcionar isso a ela. Não seria
mais egoísta. Desse momento em diante, tudo se trataria dela, se
tivesse a chance de conquistá-la, faria isso de outra forma, nem que
tivesse que prometer que nunca mais a tocaria, não sem
consentimento. Não queria que Seline pensasse novamente que eu
estava usando as sensações que causávamos um no outro para
manipulá-la. Sua rejeição quase me colocara de joelhos embaixo
daquele salgueiro. Lutei para não ceder àquela dor que crescera em
meu interior, lutei para não demonstrar nem uma pequena fração
dela antes de me virar e partir. Ainda não podia senti-la com
precisão – não sem mais contatos íntimos estabelecidos –, ainda
não conseguia determinar seus sentimentos com clareza, apenas
farejá-los e ler os seus sinais corporais, como qualquer outro
vampiro, mas, ainda assim, pude ser capaz de julgar que tal
situação não estava sendo fácil para ela também. Havia mágoa, dor
e raiva em seus olhos, exalando de seus poros. Não gostei de
assistir aquilo, não gostei de ser a causa de seu sofrimento, mesmo
que tivesse sido só uma parcela.
Seline não fazia ideia, mas nunca fui o manipular e sim o
manipulado. Ela sempre esteve no controle, nunca eu. Seline era o
captor e eu o cárcere. Não me incomodava nenhum pouco estar à
sua mercê. Ela tinha poder sobre mim, tinha meu coração morto em
mãos e nem imaginava. Eu não era capaz de machucá-la – não de
propósito –, ela, por outro lado, tinha o poder de me destruir. Isso
ficou ainda mais claro quando o fez, com míseras palavras, embaixo
daquele salgueiro. Eu estava deliberadamente apaixonado por ela e
isso, seria minha ruína caso não conseguisse fazê-la me perdoar.
Estava saindo da universidade por alguns dias, precisava estar
longe dela para pensar, para colocar minha cabeça no lugar.
Ninguém se importaria de todo jeito. Perder algumas aulas não
mudariam nada para mim, esse era o benefício de ser quem eu era,
mesmo quando não me agradava usar tal influência. Todavia,
agarraria tais privilégios sem hesitar naquele momento. Ficar ali, só
me levaria a travar outra batalha, uma que perderia se não
conseguisse me recompor. Não podia ir atrás dela, não ainda.
Estava deixando meu quarto quando meus olhos caíram sobre
a figura que estava me aguardando no corredor. Estive a sua
procurando desde que Seline me contou sobre o que ela fez, mas
Hilary esteve fora da universidade desde então. Analisando-a,
trajando um vestido justo e curto, encostada na parede ao lado da
minha porta, olhando-me como se eu fosse sua próxima refeição,
não demorei para constatar que ela fora informada sobre isso e
deduzira algo completamente diferente das minhas reais intenções.
Não era um bom momento, percebi, mas, infelizmente, não
tinha escolha. Hilary não deixaria passar, eu tinha que fazer aquilo,
resolver aquela situação de uma vez por todas, assim Seline ficaria
segura enquanto estivesse fora.
— Soube que estava me procurando, você precisa de algo de
mim, Will? — Seu tom arrastado e sedutor combinava com seu olhar
coberto de malícia e segundas intenções.
Encarei-a, cerrando meus molares, mas mantendo minha raiva
fora dos meus olhos e de minhas feições. Algo que só pareceu
incitá-la ainda mais, dando coragem a ela para se aproximar e tocar
meu peito como se tivesse liberdade para isso.
Olhar para Hilary me lembrava de uma época em que cometi
um erro, um erro em me deixar levar por suas artimanhas de
sedução e manipulações. Transei com ela em uma noite que estava
frustrado, frustrado por ter que esperar por Seline. Ela ainda era
muito nova, mas velha o suficiente para me atrair como nenhuma
outra mulher foi capaz. Seline tinha apenas 15 anos na época e eu
me sentia sujo por desejá-la arduamente. Meus sentimentos por ela
sempre foram ternos quando ela era uma criança, guiados pelo
respeito e proteção. Pelo que ela significava para mim e o que
significaria ainda mais no futuro. No entanto, esses sentimentos
mudaram quando ela começou a amadurecer, mais rápidos do que
eu desejava, do que achava permitido e isso, por um momento, me
frustrou tremendamente. Então, Hilary apareceu. Seu pai estava
tratando de negócios no andar debaixo com o meu e ela aproveitou
a oportunidade para se esgueirar até o meu quarto e me tentar. Fora
uma única vez, um momento de fraqueza. Foi rápido e sujo. Ela não
fez barulho e nem eu, sabíamos que isso só nos apontaria como
culpados para nossos pais e eu não queria dever nada a Hilary, nem
que seu pai se aproveitasse de qualquer situação para amarrá-la
mim, meu status de prometido não era algo que todos sabiam e eu
preferia dessa forma. Ele podia não saber das indulgências dela,
mas eu sabia muito bem que não era seu primeiro e, dificilmente,
seria o último.
— Estive, mas não pelos motivos que você acha — respondi,
contido, pegando em seu pulso com mais firmeza do que o
necessário e o empurrando para longe. Um ato que fez sua postura
desabar.
Seus olhos se arregalaram levemente e pude ver Hilary assumir
uma postura cautelosa.
— Eu sou um cavaleiro, Hilary, mas não pense que vou te
poupar de minha ira caso descubra que você foi atrás da Seline de
novo. Você não quer comprar uma briga comigo. — A aspereza em
meu tom soara tão afiada, que era capaz de cortar aço.
Hilary teve o bom senso de estremecer diante de minhas
palavras e dar um passo para trás, totalmente ciente da minha
ameaça, de que eu era o tipo de inimigo que ela deveria temer em
ter. Infelizmente, o medo e o choque presente em seu rosto duraram
pouco e logo a consternação a consumiu. Sendo guiada pela
incredulidade e a raiva, Hilary se empertigou e fechou as mãos em
punhos, pronta para dar o bote.
— Ela é a porra de uma bolsista, uma humana inferior. Ela não
está no seu nível, Will — pontuou, como se aquilo fosse tão óbvio
que chegava a ser insultante da minha parte estar a defendendo. —
Nós nos conhecemos há muito tempo, nossos pais fizeram
inúmeros negócios...
— Exatamente, seu pai e meu pai sendo ótimos negociadores
sabem perfeitamente que não se mistura negócios com prazer —
cortei-a, incisivo. — Não tenho interesse em você, Hilary, e não use
os privilégios que sua família tem para chegar à minha cama. Não
vai acontecer, não novamente. Aquilo foi um erro que não voltei a
cometer em todos esses anos e não vou. Então, estou te avisando
mais uma vez. — Vi o medo cruzar seu olhar, quando dei um passo
em sua direção, fechando completamente a distância entre nós,
encurralando-a contra a parede.
Não precisava me olhar no espelho para saber que veias
negras subiam pela parte de baixo de meus olhos e os injetaram
com uma fúria letal, deixando o azul deles mais escuro e minhas
presas quase completamente à mostra. Podia sentir as pontas
afiadas delas rasparem em meu lábio inferior, servindo de alerta,
uma ênfase de que não estava brincando.
— Não olhe para ela, não chegue perto dela e muito menos fale
com ela de novo — ordenei, glacialmente. — Se você atravessar
esse limite, eu mesmo vou atrás de você e acredite, o fato de seu
pai ter negócios com o meu, não vai me impedir de quebrar seu
pescoço e arrancar seu coração. Eu fui claro? — Praticamente
rosnei aquelas últimas palavras, tão perto de seu rosto, que pude
assistir em tempo real o terror e a mágoa oscilarem, brilhando em
seus olhos.
Hilary não respondeu, mas manteve meu olhar. Ela não estava
dobrando, queria provar algo a si mesma, ainda estava certa de que
eu não a machucaria para defender uma humana. Ela estava tão
malditamente errada. Eu morreria e mataria por aquela humana.
— Eu fui claro, porra? — vociferei com altivez, agarrando seu
pescoço com uma de minhas mãos, depositando a força necessária
para provar meu ponto.
Dessa vez, minhas presas estavam completamente expostas
para ela, prontas para estripá-la se eu achasse preciso, se
deduzisse que ela representaria um mísero risco ao bem-estar de
minha destinada.
Hilary viu isso, apesar de todo ceticismo de antes, finalmente
sua ficha havia caído, não a deixando apenas mais assustada,
como descrente.
— Cristalino — ela murmurou, entredentes, a contragosto,
depois de longos segundos em silêncio, onde pude ver seu conflito
interno se desenrolar por seu olhar e expressão.
— Estamos entendidos então — decretei, soltando-a
rapidamente e me retirei dali, sem me preocupar em olhá-la
novamente ou me despedir.
Aquele assunto estava encerrado.
— Você precisa ser sábio, meu filho. Sabíamos que ela poderia
não lidar muito bem com a situação, quando a descobrisse — meu
pai pontuou, reticente.
Sim, nós sabíamos disso, mas eu estava seguro de que
conseguiria lidar com a situação se tivesse tido um pouco mais de
tempo para alcançá-la, para conquistá-la devidamente.
Mas a verdade era que, havia errado em supor tal coisa, não
existia e nem nunca existiu nenhuma garantia – em quaisquer
aspectos –, quando se tratava da vida ou do amor, principalmente
nenhuma que confirmaria que teria conseguido tal coisa.
— Eu esperava que quando ela descobrisse, as coisas entre
nós estivessem mais evoluídas — confessei, movendo minha mão
de forma que o líquido âmbar dentro do copo que segurava se
agitasse.
Já faz quase uma hora que estava sentado naquela poltrona,
de frente ao meu pai, em nossa sala, ao lado da lareira, afogando-
me em meu Bourbon. O álcool era bom ao nosso paladar,
infelizmente seus efeitos eram paliativos. Mestiços podiam ficar
bêbados, mas nós, vampiros puros, não éramos capazes nem se
tomássemos uma tonelada daquele Bourbon, por exemplo.
Entretanto, eu apreciava o sabor e a mentira que contei para mim
mesmo de que cada gole daquele líquido – que era normalmente o
maior inimigo dos humanos –, pudesse me relaxar.
— Viktor não tinha o direito de fazer as coisas como as fez, vou
me certificar de dizer isso a ele e repreendê-lo devidamente. Ambos
sabemos que isso poderia ter gerado um problema ainda maior com
o conselho das destinadas — salientou, claramente mais perturbado
com a atitude do meu irmão, do que com a ameaça do conselho se
envolvendo naquela situação.
Meu pai realmente achou que lecionar na universidade daria a
ele algo mais para pensar, que seria bom para mantê-lo ocupado e
na linha. De certa forma foi, por um curto período.
— O senhor vive dizendo que ele não me odeia, que seus
ataques não são direcionados a mim e sim a você. Que me
atingindo, ele está te atingindo, mas nunca me explicou o motivo —
disse com placidez. — Sinceramente, faz muito mais sentido ele se
ressentir de mim, do que do senhor.
Os olhos azuis de meu pai, antes límpidos, rapidamente se
tornaram enevoados. Ele parecia distante e mais frio do que o
comum, como se meu comentário tivesse desencadeado uma
memória infeliz.
— Existem coisas que devem ficar no passado, William. — A
neutralidade controlada dele, era claramente falsa. Constatei isso
quando vi seu agarro sobre o copo de bebida que também tinha em
mãos, se intensificar. — Você não deve se preocupar com seu
irmão, ele é minha responsabilidade, não sua. Vou cuidar disso,
foque em sua destinada e em tentar reverter essa situação. — Não
era um conselho, seu tom austero, dirigido a mim naquele momento,
acompanhado de um olhar firme e altivo, deixou bem evidente que
aquilo era uma ordem.
Eu amava meu pai, ele não era cruel como a maioria pensava,
não como meu avô e meu bisavô. Ele quebrara o ciclo da crueldade,
era um conde honrado e honesto, no entanto, a perda da minha
mãe, o desempenhar do seu papel e criar dois filhos sozinhos, o
endureceu. Ele era racional, objetivo e tentara me moldar à sua
imagem e semelhança. Com Viktor não foi diferente, mas um dia,
algo nele mudou, algo que ainda não conseguia entender. A
hereditariedade e o título, apesar de ser uma boa justificativa, não
parecia ser o bastante para explicar suas atitudes. Houve um tempo
em que fomos bons amigos, até isso mudar repentinamente. Meu
pai podia continuar me dizendo que Viktor não era minha
responsabilidade, mas ele não era só perigoso em relação a Seline,
como para todos nós. Talvez meu pai soubesse disso ou apenas
não quisesse enxergar, mas algo mais estava movendo meu irmão
adotivo. Ele não estava mais apenas sendo rebelde e querendo
chamar atenção. Existia algo estratégico e meticuloso em suas
atitudes, em sua maneira de agir, como se já tivesse um alvo
específico marcado e esse não era minha destinada, mas ele a
usaria para atingir seu objetivo se fosse necessário, usaria a todos
nós.
— Confio em seu julgamento, meu pai, no entanto, lembre-se
bem de que não somos mais apenas eu, você e Viktor nessa
equação — alertei-o, mantendo meu tom controlado, mas firme o
bastante para fortalecer meu ponto. — Seline está envolvida agora
também, então não espere me ver sentado, aguardando uma atitude
sua ou sua permissão se ele representar algum mísero risco a
integridade dela. — Minha implicação era clara e ele estava bem
ciente disso quando me levantei, deixando meu copo vazio sobre a
mesinha de centro, antes de me retirar dali, sem esperar por sua
resposta.
Abotoei meu blazer com calma, conforme me dirigia até o
jardim. Era noite e o céu noturno estava iluminado pela enorme lua
cheia e as inúmeras estrelas. Eu não precisava respirar, mas
gostava de fazê-lo ali, para sentir o cheiro de ar fresco e orvalho,
que pareciam estranhamente me acalmar.
Retirei meu telefone do bolso da minha calça jeans, fazendo a
ligação que debati comigo mesmo durante um longo tempo se
deveria. O toque soou três vezes, antes das duas vozes soarem do
outro lado.
Ótimo, eles haviam atendido ao mesmo tempo. Isso facilitaria
as coisas.
— Preciso de um conselho. — Fui direto ao ponto, sabendo que
quando se tratava deles, a enrolação não funcionava.
— Que merda você aprontou, Vlad? — A voz grave e
acusatória de Lucian ecoou do outro lado, fatalmente deduzindo o
pior, como ele sempre o fazia.
— Por que você acha que ele aprontou algo? — Lucius o
retrucou, não porque estava esperando o melhor, mas por gostar de
contradizê-lo sempre que podia.
Aqueles dois viviam se implicando mais do que eu gostaria e
mais do tinha paciência para lidar.
— Ele está fazendo uma ligação conjunta e iniciou ela pedindo
um conselho com um tom que diz claramente que ele aprontou algo
— Lucian indicou como se fosse óbvio. — Fora que você fez a
mesma coisa quando descobriu que a Megan era sua destinada e
não sabia como lidar com a situação, porque achava que já tinha
estragado tudo com ela quando a ameaçou e a aterrorizou na época
em que se conheceram. — O desgraçado tinha uma boa memória,
sempre teve, assim como sempre conseguiu nos ler facilmente.
— Você tem tão pouca fé em nós, Queen — Lucius desdenhou,
provocando-o sem reservas.
— O que você fez, William? — Ele voltou a perguntar,
ignorando completamente nosso amigo, que era nada mais, nada
menos que o rei.
— Eu gostaria de saber — confessei, passando minha mão livre
por meus cabelos, nervosamente, tão perturbado com toda aquela
situação, que começava a me questionar se sabia de fato a resposta
para todas as perguntas que me fiz desde a minha última conversa
com a minha destinada.
— Bom, pela sua voz deprimente vou deduzir que o Lucian está
perto de ganhar nossa aposta — Lucius constatou, fazendo-me por
um momento esquecer de toda aquela droga.
— Você realmente apostou contra mim? — questionei,
dirigindo-me diretamente ao meu amigo mais taciturno.
— Não, eu apostei contra o destino — corrigiu-me, fazendo-me
bufar.
Soltei uma risada vazia, anasalada, sem qualquer vestígio de
alegria.
É claro que ele o fez.
— Quer saber, não me importa. De todo modo, acho que
estraguei as coisas tentando fazer o que julguei ser o certo —
confidenciei, com cuidado para que minhas palavras soassem mais
forte do que estava realmente me sentindo.
— Deixa eu adivinhar, a Seline finalmente descobriu que é sua
destinada e que você praticamente comprou a vaga dela na
universidade para ela estar perto de você? — Lucian deduziu, tão
seguro de seu chute que, de repente, me senti muito tentado em
viajar até a Inglaterra e socá-lo, já que ele não estava mais na
Rússia.
— Eu não comprei, facilitei. É diferente — contrapus, ouvindo
uma gargalhada sarcástica soar do lado dele da linha.
— Não para ela. — Ele estava claramente se divertindo com a
situação.
Lucian era um idiota e, infelizmente, eu me esquecia disso com
frequência.
— O Lucian tem um ponto, mas eu faria o mesmo se estivesse
em seu lugar — Lucius finalmente se pronunciou, saindo em minha
defesa, tentando me consolar.
Desde que Megan entrara em sua vida, ele começara a se
tornar mais compassivo. Ainda era um idiota com um humor
irritante, mas graças a sua destinada e de tudo o que passaram,
Lucius começou a ver muitas coisas de forma diferente e com mais
empatia, principalmente a minha situação. Tinha que me lembrar de
agradecê-la novamente por fazer dele alguém melhor, não só nos
aspectos pessoais, mas como líder. Lucius vinha se mostrando um
bom rei naqueles dois anos, não só por ter tido Chris como espelho,
mas por ter uma rainha como Megan ao seu lado. Ela era calma e
sábia, enquanto ele era a força bruta e a mente brilhante, fosse em
fatores políticos ou estratégicos. Eles se completavam de uma
maneira que sempre desejei que eu e Seline pudéssemos nos
completar um dia.
— O que explica porque a Megan te odiou no início e a Seline
está, provavelmente, odiando-o agora. Mulheres não gostam de
mentiras e nem de se sentirem manipuladas — Lucian ressaltou,
fazendo-me suspirar.
— Diz o Romeu que prefere estar no campo de batalha do que
nos braços daquela que foi destinada a ele — Lucius alfinetou,
fazendo uma risada ficar presa em minha garganta.
Era óbvio que ele não perderia a oportunidade de levantar
aquele assunto de novo, para cutucá-lo. A destinada de Lucian,
assim como sua marca, fora um assunto que ele exigiu ser abolido
entre nós, mas Lucius era... bem, Lucius. Ele não era bom em
receber ordens, muito menos ter alguém dizendo a ele o que fazer.
Pelo menos não alguém que não fosse sua esposa. Ele também
não perderia a chance de usar a situação como piada, em especial
para provocar Lucian com ela.
— Eu prefiro estar em um campo de batalha e foder muitas
mulheres, obrigado. Me recuso a aceitar que algo ou alguém já
tenha decidido com quem eu deva passar a minha eternidade e
como farei isso. Já tenho meu pai me obrigando a aceitar o meu
título e minha herança para isso e já é mais que o suficiente. Uma
mulher que terei de seguir um monte de regras idiotas e completar
etapas como se estivesse em um maldito jogo, para transar com ela,
é ridículo. — A objeção de Lucian viera de forma firme e resoluta.
Ele estava bem certo do que queria e isso era ficar bem longe da
humana com quem compartilhava uma marca.
Entretanto, Lucian se esquecera de que a relação de
predestinados não se tratava de algo apenas carnal. Ele esteve
tanto tempo em campos de batalha, dedicando-se em ser o melhor
guerreiro que esquecera a importância de ter sentimentos que não
fossem aqueles que ele usava para desempenhar seu papel. Para
ele, mulheres eram apenas ferramentas para aplacar suas
necessidades básicas. Às vezes eu julgava que meu amigo era mais
animal, do que, bem, não éramos humanos, mas éramos capazes
de adquirir princípios e até humanidade, se nos importássemos o
suficiente. Mas Lucian, ele parecia longe de se sentir assim quando
não se tratava de sua família e das pessoas com quem se
importava.
— Você sabe que a relação de predestinados não se limita só
sexo, não é? — perguntei, tentando estabelecer um ponto.
— Sexo bom para caralho, tenho que ressaltar — Lucius
acrescentou, fazendo-me rir por um momento. Ele era impossível.
— Mas, sim, não se define a só isso. Trata-se de ter alguém para
dividir algo único. Ter aquele vazio, que carregamos desde que
nascemos, preenchido.
— Pensei que o foco aqui era o William e sabe lá a merda que
ele fez. Não eu e minha maldita marca — Lucian retrucou, seu tom
impaciente deixava bem claro o quanto ele achava tudo aquilo uma
baboseira e perda de tempo.
— Sabe, Lucian, eu vou me deliciar em acompanhar a batalha
que você travará contra sua cabeça-dura e esse coração que finge
não ter quando sua destinada, enfim, aparecer. — Lucius, não
satisfeito, empurrou mais um pouco, provavelmente atingindo um
nervo.
— Com todo o respeito, vossa majestade — Lucian iniciou,
arrastando as palavras com todo o escárnio que era capaz de reunir
— Vá se foder! — rosnou, arrancando uma gargalhada estrondosa
de Lucius.
Balancei minha cabeça em negativa, eu não sabia dizer como
aqueles dois ainda eram amigos. Sabia que apesar de Lucian ser
um velho turrão e mal-humorado, ele morreria por nós, lutaria
nossas batalhas sem pestanejar. Ele fizera por Lucius, apesar de
todas as implicâncias. Quando soube que a filha dele tinha sido
levada e que Lucius precisava dele para resgatá-la, mantê-la segura
e liderar sua guarda contra seu tio e seu exército, ele voou da
Rússia até a Inglaterra imediatamente após desligar o telefone. Ele
não o fizera porque o futuro rei havia pedido, mas por ser Lucius e
ele precisava dele. Eu queria ter estado lá para ajudá-los, mas
Lucius não permitiu. Ele me assegurou que tinha as coisas sob
controle e quando tudo finalmente acabou, voei para me juntar a
eles. Sua família era a nossa, Megan e Lucy se tornaram tão
importantes para nós, como eram para ele. Morreríamos para
protegê-las, principalmente a nossa garotinha, que a cada dia
estava mais linda, crescendo mais rápido do que gostaríamos.
— Sou um vampiro puro, meu coração não bate e só está ainda
dentro de mim, porque preciso dele — ele complementou, após a
risada de Lucius se extinguir.
— Vocês são ótimos amigos — murmurei, irônico, percebendo
que o real motivo para ligar para aqueles idiotas se perdera no meio
de suas provocações infantis.
— A gente tenta. Agora nos conte, que merda aconteceu? —
Lucius inquiriu, deixando de lado seu passatempo preferido que era
perturbar Lucian, voltando-se para mim.
Lucian, por outro lado, sabiamente se manteve em silêncio, ele
não falaria até eu ter acabado de explicar aquela bagunça e Lucius,
com certeza, faria o mesmo.
Existia um motivo para eu ligar para eles. Lucius havia passado
por algo parecido com Megan no início, ele melhor que ninguém
sabia o que eu estava passando. Com sua experiência, ele poderia
me dizer o que fazer, me apontar uma direção. Já Lucian, apesar de
não ser muito adepto a ideia de ser um prometido, ele seria único
que poderia olhar para aquela situação de maneira imparcial. Sem o
interesse de prometido envolvido. Seu conselho seria estruturado
em uma base neutra e racional. Com isso, eu teria uma combinação
perfeita entre a experiência de um e a sabedoria de outro.
Todavia, a pergunta que ecoava em minha mente era frustrante
e perturbadora.
Por onde eu começava?
Eu liguei para meus pais quando a minha discussão com
William não foi o suficiente para aplacar a tempestade dentro de
mim. Minha mãe me atendeu da mesma forma como sempre fazia,
suas palavras foram doces e acolhedoras nos cumprimentos, até a
pergunta rotineira que fazia parte de todas nossas conversas ao
telefone soar.
“Como esses sanguessugas estão te tratando? Você sabe que
não precisa ficar aí se não quiser, não é mesmo, querida?”
Achei que estava sob controle, até aquelas palavras escaparem
de seus lábios e, então, explodi. Não foi bonito, papai teve que tirar
o telefone das mãos da mamãe e colocar no viva-voz, para que
assim os dois tentassem combinar suas forças para justificar suas
ocultações de mim.
“Fizemos isso para o seu bem, Seline. Não queríamos que
esses pontos específicos sobre essa maldita profecia e a essa
marca amaldiçoada a fizesse titubear, seja por pena ou por
deslumbramento. Não se trata de destino, isso é magia, não é certo
ou normal. É maligna.”
Meu pai não era diferente da minha mãe, para ele, alguns fins
justificavam os meios, mas para mim isso não era certo ou justo.
Meus pais não ficaram felizes em saber que depois da palestra
que me abriu os olhos para suas mentiras, eu andei pesquisando
mais sobre a marca que carregava e a profecia a qual fazia parte.
Os inervou mais ainda descobrir que havia encontrado meu
prometido – que optei por não revelar seu nome e identidade –,
principalmente que ele estava aqui, na universidade. Eles sentiram o
poder deles sobre a coleira que colocaram em meu pescoço desde
que nasci, escorregar e isso aflorou um lado neles que nunca tinha
visto até então.
“Você vai trancar seu curso nessa maldita universidade e vai
voltar para casa, Seline. Não tem mais nossa permissão para se
manter nesse lugar.”
A exigência veio tão afiada como a ponta de um punhal
corrosível como ácido.
A perda de um controle imposto por muito tempo, pôde ser
esclarecedora. Percebi isso quando eles se tornaram mais
agressivos ao telefone comigo, não só exigindo que eu abrisse mão
do meu sonho por motivos mesquinhos, como me diminuindo para
alcançarem alguma razão naquela situação distorcida.
“Você é ingênua e burra demais, seu coração mole a guiará
para um caminho sem volta, Seline. Por isso contamos o que
julgamos ser necessário para que nem você e nem nós fôssemos
punidos, pois sabíamos o quanto você era facilmente manipulável.
Está com raiva de nós por isso? Fique! Não nos importa, desde que
você faça o que estamos te ordenando. Não terei uma puta de
vampiro como filha.”
Minha mãe não tentou ser gentil, não tentou apelar para
chantagens emocionais e pressões psicológicas como sempre fazia,
com intenção de me fazer me sentir mal pela situação onde eu não
era a culpada, mas, sim, eles. Ela estava com raiva e esse
sentimento sempre fora um combustível para alimentar o fogo de
seu temperamento dominante. Ela não toleraria minha rebeldia, não
aceitaria que eu fosse contra eles. Todavia, eles se esqueceram de
que eu não era mais uma criança. Meu curso estava quitado e
mesmo que odiasse o que William fez, isso me deu autonomia o
suficiente para romper o controle e destruir tudo que meus pais
poderiam usar contra mim. Morando e comendo na universidade,
facilitava as coisas para mim, principalmente porque a bolsa que
ganhei da universidade cobria todas as minhas despesas,
disponibilizando-me também uma espécie de auxílio estudantil que
se agregaria às minhas economias guardadas do tempo que
trabalhei para ajudar em casa. Isso me daria tempo para decidir o
que faria com a minha vida, pelo menos até me formar. Não era
mais uma criança, era uma mulher de 19 anos que não aceitaria
mais ser manipulada e controlada por ninguém.
Eu poderia ainda estar com raiva de William e de como ele fez
as coisas, mas, no fim, ele havia respeitado a minha decisão,
William não se forçou sobre mim, não voltou a me procurar nos dias
que se sucederam ao nosso último encontro. Eu amava meus pais,
mas isso não dava a eles o direito de fazer aquilo comigo, ainda
mais por serem quem eram. Se naquele momento eu tivesse que
escolher um deles, escolheria aquele que me desse a autonomia de
tomar as minhas próprias decisões. William agira errado, mas
depois de algumas pesquisas, descobri muito sobre ele, sobre como
o povo o via.
O filho do conde era conhecido por seu altruísmo e nobreza.
Não duvidava disso, não quando o vi se afastar de mim
completamente despedaçado após eu negá-lo, entregando-me o
controle. Diferente dos meus pais, ele não tentaria me controlar ou
forçar. Ele era o mal menor que estava escolhendo, não para ficar
ao seu lado, mas para aceitar o recurso que me ofereceu, para
permanecer na universidade.
“Não, não vou trancar o meu curso, não vou voltar para casa.
Não agora pelo menos. Ainda pretendo ir buscar mais roupas e
conversar melhor sobre isso com vocês, pessoalmente, mas não
será hoje, nem amanhã e muito menos nos próximos finais de
semana. Peço que me deem espaço para lidar com a bagunça
criada pelas mentiras contadas por vocês a vida inteira. Já está na
hora de eu pensar por mim mesma, tomar o controle da minha vida
e fazer minhas próprias escolhas. Eu amo vocês e apesar de tudo o
que me disseram, isso não mudou. Entretanto, meus sentimentos e
respeito por vocês não influenciarão mais no que penso e faço. Isso
não é amor, é controle. E eu cansei de ser controlada e
manipulada.”
Quando a sentença final deixou os meus lábios, não esperei
uma resposta, apenas desliguei o telefone e, finalmente, fui capaz
de respirar. A tempestade dentro de mim se acalmou e com ela
extinguida, comecei a traçar planos do que faria a seguir.
A boate estava lotada, como das outras vezes que vim aqui
com Jude. Foram poucas, infelizmente, a antiga eu não curtia muito
o ambiente misto, que tanto humanos, quanto vampiros podiam
frequentar. Ela sempre se sentia como se estivesse traindo a
confiança dos pais, sempre subserviente demais para fazer as suas
próprias escolhas com base no que queria e não o seus pais. Retirei
meu sobretudo, sentindo a temperatura daquele lugar nas alturas,
devido ao acúmulo de pessoas e provavelmente ao aquecedor do
lugar. Caminho até o bar, pedindo uma bebida ao bartender que não
se preocupou em ser sutil, enquanto flertava descaradamente
comigo, à medida que preparava meu drink. Limitei-me a ser apenas
educada. Antes de pegar meu drink, deixei meu sobretudo e bolsa
em um lugar seguro e me dirigi até a pista, a fim de descarregar
toda minha frustração na dança.
Havia pequenas comportas, que pareciam armários onde
podíamos trancar nossas coisas para curtir a noite livremente. Cada
nicho possuía uma comporta dupla, uma para introduzir e outra para
retirar. A tecnologia gerava uma senha que durava pelo tempo que
suas coisas ficassem lá dentro. Uma senha que lhe era oferecida
em forma de uma pulseira neon que poderia ser descartada após o
uso, já que a senha seria trocada novamente assim que você
recolhesse seus pertencesses. A pulseira era gerada e entregue por
um orifício lateral. Bastava só encostar seu código de barra no leitor
da porta e pronto, ela abriria e você poderia recolher suas coisas.
Ao fechar, ela selaria automaticamente, pronta para ser usada por
outra pessoa. Era uma tecnologia um tanto promissora e
supernecessária, ao meu ver. Não conseguia imaginar um mundo
onde as pessoas vinham a lugares como esses e tinham que ficar
carregando suas coisas de um lado para o outro, com medo de
serem roubadas.
A música alta explodia em meus ouvidos, reverberando pelo
meu corpo e forçando meus quadris a se moverem em seu ritmo.
Quanto mais eu tomava do meu drink, mais leve eu me sentia. Voltei
ao bar mais duas vezes para pedir mais bebida. Dancei até que tudo
ao meu redor sumisse, até que meus pés doessem e minha última
bebida acabasse. Estava quase me virando para abastecer meu
copo, quando duas mãos fortes me seguraram pelos quadris,
prensando-me contra um corpo sólido e frio. Não precisava me virar
para saber que era um vampiro, aquilo estava claro pela
temperatura corporal dele, em contraste com a minha. Tomei um
fôlego profundo, sentindo o suor escorrer por minhas têmporas. Era
estranho ser tocada por um vampiro que não era o William, por
alguém que não despertava as sensações que ele me causava, na
verdade, era quase como se tal contato fosse vazio e oco quando
ele não provocava nada além das reações normais que um toque
causava.
— Eu me pergunto o que meu irmão pensaria ao ver sua
destinada frequentando um lugar como esse, sozinha, levemente
alcoolizada e tão suscetível a qualquer um que desejasse fazer
coisas com ela, e com seu belo corpo, trajando esse projeto de
vestido vermelho. — Enrijeci ao reconhecer instantaneamente a voz
que sussurrou tais coisas em meus ouvidos.
— Viktor. — Seu nome escapou de meus lábios com peso,
seguido de um arrepio que subiu por minha coluna, um arrepio que
ele sem dúvidas sentiu quando meu corpo estremeceu contra ele.
— Olá, Seline — ele murmurou em saudação contra a base de
minha orelha esquerda, roçando seus lábios naquela região em uma
clara provocação.
Tentei me virar, tentei fugir de seu aperto, mas ele me manteve
exatamente onde eu estava, com minhas costas coladas em seu
peito e suas mãos segurando com firmeza meus quadris, forçando-
me a voltar a dançar, a seguir o ritmo que ele estava ditando.
— Eu gosto de você, Seline. Como meu irmão tive muito tempo
para o fazê-lo, para te estudar e é por isso que estou te oferecendo
algo aqui, agora, um aviso de quem gosta de você e não a quer ver
machucada — alertou, ainda mantendo aquela cadência arrastada e
sedutora. — Tentei te assustar, tentei te mostrar a verdade da pior
forma possível achando que você seria inteligente o suficiente para
correr, mas você não foi, então tentarei ser claro e direto desta vez.
— Minha respiração se tornou mais pesada diante da ameaça
velada que continha em suas palavras. — Se afaste do meu irmão,
negue a ligação, corra para longe e não olhe para trás. Eu odiaria
ver você se tornando um dano colateral, pagando por erros que não
são seus e caso isso aconteça, não poderei te ajudar, mesmo que
eu queira muito fazê-lo.
Meu cérebro, levemente alcoolizado, demorou não só para
registrar as palavras, como para entender a magnitude delas. Viktor
estava preparando algo, algo contra seu irmão e quem sabe, seu
próprio pai.
— Queria que as coisas fossem diferentes para nós, que eu
pudesse me provar para você e demonstrar de várias maneiras o
quanto eu poderia ser melhor que meu irmão, mas é tarde e estou
sem tempo. Há coisas maiores que nós em jogo, maiores que você,
doce veneno. — Sua voz estava mais profunda naquele momento,
esfumaçada, mortal. — Você sabe por que te considero um veneno?
— ele perguntou por fim, descendo seus lábios que se mantiveram
até aquele momento colados contra a base da minha orelha,
chegando até curvatura do meu pescoço, onde aspirou meu cheiro
profundamente, deliciando-se com ele.
Fechei minhas mãos em punhos, travando meu corpo, parando
de dançar. A vontade de afastá-lo era gigantesca, tão grande que
estava fazendo lágrimas se acumularem em meus olhos e estava
lutando bravamente para impedir que escorressem por minhas
bochechas. Seu aperto sobre mim era como aço, não para
machucar, mas para me manter refém dele.
Viktor esperou por minha resposta, conforme depositava beijos
pela extensão do meu pescoço. Sabendo que ele não pararia,
enquanto não tivesse de mim o que queria, balancei a cabeça,
quase imperceptivelmente, negando.
— Porque é exatamente o que você e seu sangue é para mim,
um veneno mortal, aquele que me levará a ruína se eu a escolher
acima da minha missão. — Franzi o cenho, confusa demais com
suas palavras e com a mudança repentina de seu tom, que se
tornou urgente e amargo. — Vá para casa, Seline, antes que se
machuque — dito aquilo, eu senti a pressão de seu agarro, que me
mantinha refém, desaparecer.
Virei-me às pressas, perscrutando ao redor, à procura dele,
encontrando apenas corpos de estranhos em movimento ao meu
redor. Suspirei, parecia que minha tentativa de relaxar fora arruinada
completamente.
O que mais poderia acontecer de ruim naquele dia?
Determinada a ir embora, movi-me para fora da pista, em
direção do lugar onde minhas coisas foram guardadas. Recolhi-as
rapidamente e caminhei para fora da boate, seguindo até o lugar
onde meu carro estava estacionado com um único pensamento
insistente se repetindo em minha mente.
Jude estava certa quando levantou todas aquelas coisas a
respeito de Viktor. Ele estava tramando algo, assim como assumiu
que me manipulou. Viktor era perigoso e eu estava extremamente
preocupada com o que ele estava orquestrando contra o irmão
adotivo ou pior, contra toda sua família.
Quando voltei para a universidade no domingo, depois de
deixar a casa dos meus pais quando o sol mal havia nascido,
surpreendi-me ao encontrar William esperando por mim sentado no
corredor, bem ao lado da porta do meu quarto. Eu levara mais
tempo do que o esperado para chegar, devido a algumas paradas
que fiz no caminho. Já passara da hora do almoço e era exatamente
por isso que me assustei em encontrá-lo ali. Ele usou palavras como
pressentimento e intuição para me explicar como sabia que eu
precisaria de alguém para conversar e desabafar naquele momento,
alguém que eu soube que não teria quando estava a poucos
quilômetros daqui, após ler a mensagem que Jude deixara para
mim. Ela estava fora, divertindo-se na festa de uma colega de
classe para qual foi convidada de última hora. Ela não sabia que eu
estava voltando e nem imaginava o que se sucedeu a minha visita
aos meus pais, tinha decidido não contar para ela por mensagem,
assim não estragaria seu momento de distração. Eu estava
conformada que chegaria e teria um tempo para mim mesma para
lidar com tudo que tinha acontecido – sozinha –, mas ao virar o
corredor onde meu dormitório se encontrava, encontrei a última
pessoa que imaginaria, à minha espera, pronta para me ouvir se eu
precisasse.
Larguei as duas malas de rodinhas e a mochila que estava em
minhas costas no corredor, as únicas que consegui trazer sozinha,
decidida a deixá-las no quarto e depois voltar para buscar as outras
duas que restaram no carro, no entanto, ver William ali atrasou
meus planos. Não sabia que precisava desesperadamente
desabafar, até que ele me ofereceu seus ouvidos para me ouvir e
sua completa atenção em apoio. Sentei-me ao seu lado naquele
corredor, mantendo uma distância segura entre nossos corpos,
enquanto despejava sobre ele todas as minhas frustrações e
mágoas, a respeito do que aconteceu entre mim e meus pais
durante aquela bendita visita. William me ouviu por um longo tempo,
em silêncio, sem demonstrar uma única reação negativa sequer
referente às atitudes dos meus pais, uma coisa que sabia que exigiu
de todo o seu autocontrole para isso. Não era nenhum segredo –
não quando ele mesmo me confessara –, que William não era um
grande fã dos meus pais. Mesmo assim, ele respeitou meu
momento, sabendo que aquilo se tratava exclusivamente de mim e
não dele ou do que ele pensava a respeito deles e de suas atitudes
de merda.
William não forçou nenhum contato, nem quando chorei com
meu rosto afundado em minhas próprias mãos. Ele não atravessou
a linha e sabia que não o faria, não sem a minha permissão, mesmo
quando eu via a luta que ele travava contra seu corpo para manter
suas mãos longe de mim, visível em seus olhos. Ele apenas me
ofereceu seu lenço – que nem sabia que ele tinha costume de
carregar consigo – para que pudesse secar minhas lágrimas e
trabalhou para melhorar meu humor quando meu choro se acalmou,
tentando me fazer rir com piadas idiotas que nunca pensei que
ouviria dele.
E foi naquele momento que passei a olhá-lo com outros olhos.
Senti-me um pouco culpada depois por ter omitido a parte de Viktor
dele, mas sabia que era o certo a se fazer. Eu precisava repassar
todo o ocorrido com calma, para ter certeza de que o álcool que
ingeri não havia potencializado ou deturpado toda a situação,
precisava estar com a mente no lugar e certa cem por cento de tudo
o que foi falado por ele, antes de jogar aquela bomba em William,
sabendo que era um assunto sério demais para ser tratado com
banalidade.
Depois do desabafo e do choro, William se prontificou em ir até
meu carro e pegar o restante de minhas bagagens para mim,
dando-me a liberdade de tomar um banho e trocar de roupa. Estava
exausta da viagem e não havia me dado conta de que estava tão
faminta, até sair do banheiro e encontrar os meus venenos favoritos,
à minha espera, em cima da minha cama. Hambúrguer, batatas
fritas e um grande milkshake de morango.
— Como você sabia? — perguntei a ele, mesmo sabendo a
resposta para aquela pergunta.
William me conhecia, teve muito tempo para o fazê-lo, era por
isso que ele sabia que eu sempre precisava daquela combinação de
porcarias gordurosas após um dia ruim.
Ele se sentou na beira da minha cama, assistindo-me devorar
tudo aquilo em minutos, com um sorriso satisfeito no rosto.
Conversamos amenidades por horas e eu pude sentir meu humor
melhorar consideravelmente, assim como o que restou do
desconforto entre nós, desaparecer.
Quando William foi embora, mesmo quando eu disse que ele
não precisava, tive tempo de sobra para pensar em como nossa
relação havia dado um salto gigantesco em frações de poucas
horas. Não esperava sua atitude, não quando o laço de nossa
ligação não fora alimentado o suficiente para ele ser capaz de
pressentir aquele tipo de coisa e, mesmo assim, ele o havia feito, o
que me fez me perguntar se me conhecer há tanto tempo e me
estudar de longe durante anos, deu a ele aquela habilidade fora do
vínculo que compartilhávamos e que, por enquanto, estava
completamente adormecido. Pensar naquilo me fez constatar algo
que antes não via claramente, por estar muito chocada com a
revelação de que ele era meu prometido, envenenada pelas
insinuações de Viktor. Desde que cheguei aqui e o conheci, William
não havia me tocado com frequência. A verdade era que ele mal me
tocara – antes de eu saber a verdade –, para eu ter o acusado tão
injustamente de ter se aproveitado das reações que me causava
como meu prometido. Ele me tocou no nosso primeiro encontro, no
dia em que eu recebi a bolada, e na noite da fogueira, mas não o fez
na biblioteca e não voltou a fazê-lo desde que estipulei a restrição
de toques entre nós. Nesse momento, entendo que no dia de nossa
briga, William não me tocou daquela forma com pretensão de me
manipular, de usar aqueles sentimentos provocados por nossas
marcas para me fazer mudar de ideia, mas, sim, por desespero. Ele
se desesperara com a ideia de me perder para sempre, de minha
decisão ter sido de alguma forma decisiva. Ele se desesperou com a
negação.
Percebi no dia seguinte e nos próximos que se sucederam –
quando voltamos a nos encontrar e fazer daqueles pequenos
momentos de conversas triviais e risadas, uma rotina diária – que
aquela restrição de toques não me impediu de me sentir da forma
como me sentia antes e mais ainda recentemente, como me sentia
todas as vezes que estava com ele... Não impediu que aqueles
sentimentos se aprofundassem, de forma que se tornasse quase
impossível de se negar e ignorar, após sua atitude no domingo.
William não precisou me tocar para se apaixonar por mim, ele o
fez pouco a pouco, enquanto me observava de longe,
acompanhando meu crescimento, minha vida, conhecendo-me e o
fez melhor do que qualquer outra pessoa, mesmo quando não
estava inserido da forma correta na minha vida. Entender todas
essas vertentes, foi como constatar algo que estava negando e nem
sabia. Seu toque não mudaria o que estava começando a sentir por
William também, que começou bem antes de tê-lo tocado, nos
sonhos que tive com ele por toda a minha vida. Talvez o laço que
compartilhávamos não nos influenciasse da maneira como eu
acreditei que o fazia, talvez ele só existisse para ampliar aquilo que
o destino sempre soube que cresceria entre nós naturalmente.
Assim como qualquer outro humano e vampiro, que não continham
uma marca para provar que pertenciam um ao outro, eu e William
estivemos destinados a nos encontrar desde que nascemos, com ou
sem marca.
— Seline, Seline. — Estava distraída, andando pelos
corredores da universidade, tentando encontrar meu celular na
bagunça do interior de minha bolsa, quando pude ouvir Jude me
chamando ao longe de uma maneira quase histérica.
Virei-me, vendo-a driblar os alunos que estavam em seu
caminho, enquanto corria até mim. Naquele momento, eu não sabia
se ria da situação que era um tanto cômica ou me assustava com
sua atitude.
— Me diga, por favor, que o William não te contou sobre isso.
Porque se ele contou e você esqueceu de me informar, eu vou
matá-la, aqui mesmo. — Franzi meu cenho, ainda desnorteada com
a maneira que ela me alcançou e confusa com as suas palavras.
Jude parecia agitada, tão agitada quanto seu tom.
— Contou o quê? Do que você está falando? — indaguei,
segurando-a no lugar pelos ombros, para que ela parasse de saltitar
na minha frente como um grilo enlouquecido.
— Sobre a vinda do rei, Seline. Ele foi visto passeando pela
universidade há poucos minutos, ao que parece veio conhecer o
lugar e William estava bem ao seu lado, acompanhado do reitor —
Jude anunciou, havia um brilho quase maníaco em seus olhos, o
tipo de brilho que ela adquiria sempre que estava prestes a ficar
cara a cara com algum de seus ídolos.
Digeri suas palavras, sentindo-me de repente, estranhamente
nervosa. Não pela presença do rei em nossa universidade e sim
pelo que ele representava para o William. Lucius Black era seu
amigo e se ele sabia sobre mim, fatalmente tentaria me conhecer, o
que esperava estar muito enganada. Não estava pronta para aquilo,
não estava pronta para encarar o rei e melhor amigo do meu
prometido, que também era um prometido.
— Ele não... — tentei dizer, mas o pânico começou a me
consumir com a ideia de continuar parada no meio daquele corredor,
onde William e o rei poderiam passar a qualquer momento.
Eu preciso sair daqui.
— Pela sua expressão, vou assumir que ele não te contou —
minha amiga observou, mudando rapidamente de postura, olhando-
me preocupada.
— Não acho que ele teve oportunidade, ele teria falado se
tivesse. Estou deduzindo que o rei o tenha feito uma surpresa —
supus, tentando normalizar minha respiração que começou a se
tornar desregulada.
Ele o teria feito, não arriscaria correr o risco de me chatear, não
depois de tudo. William havia adquirido o hábito de compartilhar
comigo tudo sobre seu dia e sua vida em nossos encontros diários.
Era como se ele quisesse me provar que estava deixando tudo às
claras entre nós. Sem mais omissões e segredos. Passei a achar
aquilo fofo, ainda mais quando ele simplesmente resolvia se sentar
comigo e Jude no refeitório de vez em quando, respondendo,
pacientemente e com diversão, as perguntas e curiosidades da
minha melhor amiga sobre os vampiros.
— Ok, você não está pronta para esse encontro, eu entendi.
Vá, se esconda no quarto, te dou cobertura e envio uma mensagem
quando ele já tiver ido embora — Jude demandou, fazendo-me
abraçá-la agradecida, antes de fugir o mais rápido possível dali.
Infelizmente, o destino parecia ter outros planos, porque antes
que pudesse chegar ao prédio onde se localizava os dormitórios,
deparei-me com William e o rei conversando sobre a sombra de
uma das árvores espalhadas pelo campus.
Droga!
Qual era a chance de eu conseguir passar por eles sem ser
vista?
Nulas.
Sabia bem disso, pois não existiu um único momento que
consegui passar despercebida por William. Seu radar de prometido
era infalível quando se tratava de mim e pude comprovar mais uma
vez isso, assim que seu rosto se virou, olhando ao redor como se
pressentisse minha presença. Não demorou para seus olhos me
encontrarem, fazendo-os se iluminarem de imediato e um sorriso se
curvar em seus lábios.
Se eu pude notar aquilo em uma distância significativa, seu
amigo também notaria.
Petrificada no lugar, pude assistir quando o rei se virou,
buscando o que atraiu a atenção do amigo, fixando seus olhos em
mim no mesmo minuto.
Merda, aqui vamos nós.
Tudo o que tinha visto dele, eram de fotos espalhadas pela
internet. Sabia que Lucius Black era bonito, mas percebi que as
fotos não faziam totalmente jus a sua beleza. Na minha humilde
opinião, elas não poderiam mesmo se tentassem, mesmo que
fossem feitas de uma tecnologia de ponta. Nada seria capaz de
capturar o impacto de ver aquele que era metade humano e metade
vampiro, ao vivo e em cores, como estava vendo naquele momento.
Pisquei, ainda petrificada no lugar, vendo-os se moverem, vindo
até mim. Contudo, surpreendentemente, não fora William que deu o
primeiro passo e sim o rei, com um sorriso desconcertante –
aparentemente endereçado a mim –, estampado em seus lábios.
Os cabelos dourados como o próprio sol e os olhos marcados
por uma coloração de âmbar viva, que muito se assemelhavam a
ouro derretido, só tornavam suas outras características faciais e
físicas uma extensão de sua beleza total e gritante. Como Jude
diria: “Por drácula! Ele era lindo.” Lindo demais para ser um mestiço
e talvez esse era o verdadeiro mistério por trás de sua aparência.
Ele possuía o melhor dos dois lados.
Lucius era bem mais forte que o William, perdendo apenas em
quesitos físicos para o outro herdeiro que representava a terceira
família suprema vampírica que governava o novo mundo. Se Lucius
era forte, de uma forma um tanto chamativa, Lucian era um armário
ambulante, pelo que pude ver nas fotos que encontrei dele na
internet. Lucian também aparentava ter uma aparência bem
diferente de Lucius e de William. Ele era bonito, mas de uma forma
selvagem e indomável que me assustava mais do que me atraia.
Em todas as fotos que vi dele, havia um olhar glacial presente em
seus olhos e uma máscara de irritação estampada em seu rosto. Ele
olhava para câmera como se quisesse matar o fotógrafo, como se
sua impertinência, ao fotografá-lo, fosse motivo o suficiente para ele
o fazê-lo. Ele era bonito, sem dúvidas, mas me causava arrepios
profundos que eram o suficiente para me fazer constatar que eu
nunca ousaria entrar no caminho daquele vampiro.
— Seline Constantin, é bom finalmente conhecê-la. — A voz do
rei era tão bonita quanto ele, aveludada, esfumaçada e sedutora.
Dava para ver que ele não forçava tal impacto, era natural.
Corei, vendo-o parar a poucos centímetros de distância de mim,
com William a reboque. Ele vestia um terno – aparentemente bem
caro – de três peças, todo preto, o que fazia seus cabelos e olhos
dourados se destacarem.
— Rei Black — cumprimentei-o, finalmente acordando de meu
torpor paralisante.
Ainda sem graça com a situação e me sentindo muito
intimidada com a presença de Lucius, me inclinei em uma pequena
mesura, abaixando um pouco o rosto para que ele não pudesse ver
o rubor em minhas bochechas.
— Você não precisa se curvar para mim, Seline. Sem
formalidades, me chame apenas de Lucius, afinal, ouvi falar tanto de
você que já a considero alguém próxima — Lucius gracejou,
olhando para William e piscando para ele, que respondeu ao amigo
com um revirar de olhos.
É claro que ele ouviu.
— Pare de constrangê-la, seu idiota — William atirou, fazendo-
me arregalar os olhos, enquanto ajeitava minha postura.
Ele acabou de chamar o rei de idiota?
Lucius, por outro lado, pareceu não se importar com a atitude
do amigo. Ele apenas soltou uma gargalhada alta e contagiosa,
antes de me enviar um olhar de quem estava se desculpando.
— Eu sinto muito, Seline. William me fez prometer que me
comportaria, mas infelizmente, alguns impulsos são mais fortes do
que eu. Em outras palavras, ele me fez prometer que evitaria
piadinhas idiotas em sua presença — comentou, sorrindo
largamente, um sorriso que se estivesse realmente chateada com
ele, não me lembraria do porquê e decerto não me manteria do
mesmo jeito.
Vampiros e suas belezas convidativas, resmunguei
mentalmente.
— Já tinha um tempo que Lucius estava programando uma
visita a universidade, mas ele resolveu me fazer uma surpresa hoje,
vindo sem avisar. Tenho certeza de que se o reitor não fosse um
vampiro, teria tido uma síncope — William esclareceu a situação,
enviando um olhar enviesado para o amigo, que apenas deu de
ombros.
— Eu gosto de surpreender, pergunte à minha esposa quando a
vir no jantar amanhã à noite. Ela está ansiosa para conhecê-la
também — Lucius declarou, fazendo todo o sangue do meu rosto
sumir.
Desviei meu olhar assustado para o William, que praguejou
baixinho.
— Eu não sei por que ainda perco meu tempo fazendo-o
prometer coisas, para assisti-lo quebrar sua promessa logo em
seguida. Eu te pedi para me deixar conversar com ela primeiro,
Lucius — William protestou, encarando o amigo seriamente, que
mais uma vez deu de ombros.
— Aposto que ela negaria o seu pedido quase que
imediatamente. Diferente do meu, não é mesmo, Seline? — Lucius
questionou, divertindo, lançando-me um olhar vitorioso e
convencido.
Merda, ele era bom.
Lucius sabia que eu titubearia ao negar um pedido feito pelo
próprio rei, o que eu não faria com William.
— Convite? — indaguei, forçando minhas palavras a saírem
dos meus lábios, torcendo para que elas não soassem gagas.
Lidar com William já era desconcertante o suficiente, mas com
Lucius e ele juntos, era quase enlouquecedor. Sentia como se
estivesse muito perto de ter a síncope que o reitor não era capaz de
ter.
— Minha esposa e filha estão me acompanhando na viagem e
Vladmir, gentilmente, ofereceu sua casa para que ficássemos
durante nossa estadia aqui. Ele também fará um grande jantar
amanhã à noite e, então, todos nós concordamos que seria
maravilhoso se você pudesse se juntar a nós — Lucius explicou.
Novamente, meus olhos se arregalaram. Busquei pelo olhar de
William, que levou uma das mãos ao rosto, provavelmente frustrado
com a atitude do amigo, que passou sua frente ao explicar a
situação.
— Você não precisa aceitar, Seline. Não deixe esse idiota de
palavras mansas e charme real te convencer se não é isso que você
quer. Desde que meu pai te conheceu, ele vem insistindo para ter
sua presença para um jantar em nossa casa e, obviamente, meu
amigo aqui e sua esposa, que estão ansiosos para ter um tempo
com você, alimentaram ainda mais essa ideia na cabeça dele,
mesmo depois de eu insistir que esperassem — William explicou.
— Ei! Cadê o respeito pelo seu rei? — Lucius questionou,
virando-se para o amigo e fingindo um olhar ultrajado.
William não o respondeu, apenas revirou os olhos para ele
novamente.
Apesar de ter sido surpreendida por toda aquela situação, não
podia negar que vê-los interagindo era muito divertido.
— Ok, William não vai confessar que está louco para que você
aceite o convite. O lado cavalheiresco dele o impede disso. Como
também sou um cavalheiro, não tentarei persuadi-la usando meu
título e autoridade de rei, caso contrário teria que sofrer não só a
fúria de William, como de minha esposa e acredite, entre os dois, eu
tenho muito mais medo dela — confessou a última parte como se
fosse algo sigiloso, o que arrancou de mim uma risada.
De repente, o choque e o desconforto haviam passado. Lucius
sabia como deixar alguém confortável, o que era um tanto curioso
vindo de um rei. Acreditava que as provocações entre eles também
ajudaram a quebrar qualquer clima pesado.
— No entanto, volto a repetir que gostaríamos muito de poder
contar com sua presença, amanhã à noite. Megan está realmente
ansiosa para conhecê-la — proferiu, sorrindo genuinamente para
mim, o tipo de sorriso que me fazia ser incapaz de negar aquele
convite a ele.
Encarei William, que me observava com seus lindos olhos
azuis, cobertos daquela intensidade que sempre causava
sensações estranhas na boca do meu estômago. Em seu olhar eu
encontrei tudo o que precisava, principalmente a liberdade de tomar
aquela decisão sem me preocupar com nada. William não me
forçaria a ir e por mais que ele quisesse muito que eu aceitasse o
convite, não ficaria chateado se eu o negasse. Olhando para Lucius,
constatei a mesma coisa. Ele tinha um humor envolvente, que
combinava com seu charme. Ele podia me impor aquele jantar,
como o poder e autoridade que possuía como rei, mas não o faria.
Apesar de gostar de provocar o amigo e ter medo de sua esposa,
ele também era um cavalheiro.
— Claro, seria uma honra. — As palavras que escaparam dos
meus lábios não pareceram só surpreender ao William, como a mim
mesma.
Mas não Lucius, havia algo naquele olhar que me dizia que ele
sabia perfeitamente qual seria minha resposta no fim, desde o início.
Aprendi naquele dia que Lucius Black era um manipulador
engenhoso e muito inteligente. Um ótimo estrategista e,
principalmente, muito convincente. Pensei que isso me faria odiá-lo,
mas, de maneira surpreendente, havia gostado dele. Lucius era real,
sincero, não fingia ser alguém diferente do que era e não pedia
desculpas por fazer de tudo para conseguir o que queria.
Eu realmente estava fazendo aquilo? Estava dentro do carro de
William, indo passar um final de semana em sua casa, com seu pai,
o rei, a rainha e sua filha?
Estou enlouquecendo... Onde estava com a cabeça quando
aceitei aquele convite?
— Parece que você vai vomitar a qualquer momento — William
comentou com divertimento, fazendo-me encará-lo, ele estava
lindamente acomodado no banco do motorista, segurando o volante
com uma das mãos, enquanto a outra se encontrava repousada
despreocupadamente em sua coxa.
— Eu sinto que vou vomitar a qualquer momento — confessei,
engolindo minha própria saliva com dificuldade.
— Parece que há uma corrida de cavalos acontecendo em seu
peito, tem certeza de que quer seguir com isso? Todos entenderiam
se você desistisse, eu entenderia. Dá tempo de voltar ainda —
sugeriu, como o perfeito cavalheiro que eu sabia que ele era e que
sempre colocava minhas necessidades em primeiro lugar.
Aspirei profundamente, fechando meus olhos por um segundo,
tentando alguns exercícios de mentalização e respiração para me
recompor em seguida.
Não era como se eu não quisesse ir, eu sabia que era uma
oportunidade única para ver mais de William em seu próprio
ambiente, de conhecer alguém que era como eu e que poderia me
ajudar com as inúmeras dúvidas que tinha. Eu só estava nervosa e
insegura, ainda mais nervosa do que qualquer outra coisa.
— Não, está tudo bem. Eu... eu quero fazer isso — tratei de
tranquilizá-lo, deixando aquela verdade jorrar de meus lábios,
enquanto abria meus olhos e me deparava com aquelas lindas
órbitas oceânicas, cobertas de emoção, fixas em mim.
Um sorriso lindo se curvou nos lábios de William, como se
minha resposta fosse o que ele precisava para demonstrar o quanto
estava feliz com minha decisão, ou com a ideia de me ter em sua
casa. Sorri de volta, incapaz de não o corresponder.
Algo dentro de mim pulsava com uma certeza quase enervante
de que tudo entre nós mudaria naquele final de semana, se era para
bom ou ruim, eu não saberia dizer.