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Mirian de Freitas Da Silva Geraldo Márcio Timóteo

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SERVIÇO SOCIAL E POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: um debate necessário no

contexto do SUAS
Mirian de Freitas da Silva1
Geraldo Márcio Timóteo2

Resumo
Este artigo constitui parte da pesquisa de mestrado
desenvolvida pela mestranda no decorrer de sua experiência
como pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em
Políticas Sociais. Assim, o artigo em tela fundamenta-se a
partir de uma análise crítico-reflexiva do Serviço Social na
política de Assistência Social, com ênfase nas novas
requisições colocadas ao Assistente Social com a criação da
Política Nacional de Assistência Social e do Sistema Único de
Assistência Social – para isso, busca-se ressaltar velhos e
novos limites, bem como os desafios que são próprios do
cotidiano desse profissional no contexto da assistência.
Ergueu-se como metodologia a pesquisa qualitativa.

Palavras-chave: Assistência Social; Serviço Social; SUAS

Abstract
This article is part of the master's degree research developed
by the master's student in the course of her experience as a
researcher in the Graduate Program in Social Policies. Thus,
the article on canvas is based on a critical-reflexive analysis of
Social Service in the Social Assistance policy, with emphasis on
the new requisitions placed on the Social Worker with the
creation of the National Social Assistance Policy and the Single
Assistance System Social - for this, it is sought to emphasize
old and new limits, as well as the challenges that are typical of
the daily life of this professional in the assistance context.
Qualitative research was raised as methodology.

Keywords: Social assistance; Social Service; SUAS

1Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte


Fluminense Darcy Ribeiro – UENF.
Email (mirianfreitas23@hotmail.com)
2 Professor Associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) –

Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais (PGPS)


Email (geraldotiomoteo@gmail.com)
I. INTRODUÇÃO

A estrutura social contemporânea expressa na sua materialidade e conteúdo as


contradições do modo de produção capitalista, constituído de classes sociais antagônicas
cujos objetivos e ações variam no tempo e no espaço. Nesse contexto, a discussão e a
análise da prática de profissionais ligados a área social, em particular do (a) Assistente
Social, envolve embates acerca da configuração dessa realidade, que se apresenta no
Brasil também através das políticas públicas.
Nesse contexto, vale registrar a importância de construirmos análises crítico-reflexiva
do Serviço Social na política de Assistência Social, com ênfase nas novas requisições
colocadas ao Assistente Social a partir da criação da Política Nacional de Assistência Social
em 2004 e do Sistema Único de Assistência Social em 2005. Assim, buscou-se a partir da
pesquisa bibliográfica, somado ao instrumental de entrevista semiestruturada ressaltar
velhos e novos limites, bem como os desafios que são próprios do cotidiano desse
profissional no contexto da assistência. As entrevistas foram aplicadas com três Assistentes
Sociais que atuam na proteção social especial de média complexidade – CREAS II –
localizado no município de Campos dos Goytacazes/RJ. Como forma de resguardar a
identidade das profissionais, optou-se por denominá-las de: AS1, AS2 e AS3.
Vale frisar que o em tela, e 463.186 mil e com estimativa de que no ano de 2016
chegasse
Realizada esta etapa de coleta de dados, buscou-se transcrever na íntegra as
respostas dadas por cada uma das Assistentes Sociais e em seguida agrupou-se em cada
uma das perguntas as três respostas dadas pelas mesmas. Nessa análise terá o objetivo
buscar esclarecer e compreender a realidade de inserção e atuação do Serviço Social na
política de Assistência Social no município em tela.
Vale realçar que ao analisar essas questões, busca registrar a necessidade de
construir análises que rompam com o entendimento da assistência como ações vinculadas à
ajuda, ao assistencialismo e a negação de direitos, para que possamos contribuir para um
melhor entendimento a respeito do significado da gestão pública da política de Assistência
Social e de sua importância na defesa da cidadania, em específico, dos grupos sociais
vulneráveis.
II. A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL A PARTIR DE UMA ANÁLISE HISTÓRICO-
REFLEXIVA: entre avanços e desafios

Frente às transformações sociais em curso, a pobreza apresenta-se sob velhas e


novas expressões, e é inegável a necessidade de tratar e reconhecer suas metamorfoses
como questão social, produto da divisão social desigual firmada na sociedade brasileira,
sendo, portanto, preciso deixar de lado seu trato de forma privada e individualizada,
colocando como desafio responder as necessidades diversas como produtos históricos,
pensados a partir do campo do direito social. É importante frisar que historicamente a
Assistência Social tem sua gênese vinculada e compreendida a partir do processo de
conformação da identidade subalterna de seus usuários. Diante disso, um grande desafio
se coloca – “poderia a Assistência Social constituir-se em espaço de protagonismo para os
subalternos ou reiterava sua condição”. (YAZBEK, 2015, p. 11)
Como bem coloca Pereira (2011essa compreensão da Assistência está vinculada a
sua história, em que mesmo rompendo com o viés da dádiva ao campo do direito – ainda
assim, essa política “é comumente identificada como um ato subjetivo, de motivação moral,
movido espontaneamente pela boa vontade e pelo sentimento de pena, de comiseração”, ou
seja, mesmo com os avanços obtidos no campo do reconhecimento legal ainda assim, os
usuários da Assistência Social vivenciam na prática os estigmas do passado. Isso confirma
o que Schons coloca – “não é substituindo abstrata e apressadamente a assistência por
direito social que se dá o passo mágico de assistido para o de cidadão.”
Pode-se compreender que apesar dos avanços, a essência da política acaba sendo
desconsiderada por aqueles que detêm o poder de geri-las. “Logo, [...] opera a assistência,
[como] ação curativa, paternalista, permanecendo na postura conservadora.” Aliado a isso,
encontra-se a construção da naturalização da assistência como sendo política direcionada
àqueles que estão em situação de fragilidade extrema, levando ao que a autora denomina
de “situações constrangedoras”. (SCHONS, 2003, p. 44)
Do exposto, vale ressaltar que a regulamentação da assistência não tem se
mostrado suficiente para que essa política seja consolidada na perspectiva do direito, nesse
sentido, ao analisar a política de forma crítica percebe-se que seu processo de construção e
consolidação no contexto brasileiro “[...] foi atravessado por contradições, demarcadas por
profundas transformações societárias que se deram na lógica inversa ao projeto de
ampliação da cidadania”. (COUTO 2006, MONTEIRO, 2008 apud CARRERA; MONTEIRO;
CARVALHO, s/a, p. 3)
Nesse contexto, vale realçar que a Assistência Social é um dos campos mais visados
pelos Assistentes Sociais, pois “[...] com a implantação do Sistema Único de Assistência
Social (SUAS), muito se ampliou o campo de atuação para essa categoria, passando a
assistência a ser atualmente um dos setores que mais requisita [Assistente Social] [...]”, isso
se dá pela ampliação dos espaços de trabalho com a proteção social básica, especial de
média e alta complexidade, bem como pelo reconhecimento da NOB-RH/SUAS em que
estabelece o quantitativo de profissionais que cada equipamento vai comportar. (DELGADO,
2013, p. 141)
Todavia, frente a esse contexto de expansão do mercado de trabalho na área
assistencial, principalmente as prefeituras distantes das capitais, preenchem essas vagas
por meio de contratações precarizadas, segundo Mota (2010, p. 702) fatores como contratos
e terceirizações, contribuem para desprofissionalização, e “essa situação se agrava ainda
mais com o processo de interiorização do exercício profissional em municípios distantes das
grandes capitais, onde predominam práticas clientelistas”, conforme relatado no início desse
capítulo. Nesse contexto, a discussão e a análise da prática de profissionais ligados a área
social, em particular do (a) Assistente Social, envolve embates acerca da configuração
dessa realidade, que se apresenta no Brasil também por meio das políticas públicas. Dentro
dos espaços sócio-ocupacionais do serviço social, inclusive os espaços públicos, em
especial da política de assistência, vale destacar as interferências político-partidárias, seu
resultado reflete muitas vezes na não efetivação de uma intervenção competente.
Assim, entende-se que tanto o surgimento da profissão quanto da política de
assistência encontra-se intrinsecamente vinculadas as transformações sociais, econômicas
e políticas do novo modelo de acumulação, a intervenção profissional junto a sociedade
possuía características disciplinadora e assistencialista, sem nenhuma ação efetiva de
caráter político junto as novas contradições do modelo capitalista. Nesse sentido,
compreende-se o serviço social como uma profissão inserida na divisão social e técnica do
trabalho, sua intervenção é direcionada a partir das políticas socioassistenciais tanto na
esfera pública quanto na esfera privada.
Assim, a partir das falas a seguir, busca-se compreender a inserção do serviço social
na política de Assistência Social, especificamente no âmbito da proteção social especial de
média complexidade – CREAS II ao ter como referência a Política Nacional de Assistência
Social e o Sistema Único de Assistência Social.
A partir do roteiro pré-estabelecido, algumas categorias se evidenciaram no processo
de análise, são elas: Serviço Social e Assistência Social no contexto do SUAS, território,
matricialidade sociofamiliar, a articulação entre proteção básica e proteção especial,
intersetorialidade da rede, desafios no contexto de efetivação dos direitos, instrumentos de
mobilização e serviço social e influências político-partidárias.
Sabe-se que a partir da PNAS/2004 e do SUAS/2005 a política de assistência ganha
um novo norte, as ações começaram a ser pensadas de forma mais específicas – a partir
disso, questionamos as Assistentes Sociais – como o serviço social tem se apropriado
deste espaço de política, enquanto espaço de atuação profissional?

“Então, agora a gente tem como ver, tem como brigar mais pela universalização dos
direitos, por exemplo, quando identificado as necessidades dos usuários, você tem
uma lei que te respalda, você não vai dar alguma coisa ou fazer ao usuário
simplesmente pelo assistencialismo, mas fazer valer o direito, ver pelo víeis da
defesa dos direitos [...].” (AS1)
“Antes da política nacional de assistência e da nova gestão proposta pelo SUAS, a
Assistência Social era entendida como um assistencialismo, nem era considerada
uma política, era considerada um degrau para que houvesse a politicagem, o
assistencialismo, onde os usuários eram clientelas. Então com a política nacional
de assistência e o SUAS, o serviço social ganhou um destaque, passou a ser o
profissional que dá legitimidade a essa política e a atuar de forma a empoderar os
usuários [...].” (AS2)
“Eu acho assim, a gente teve um avanço muito grande, e isso é fato, a
descentralização advinda com o SUAS foi muito importante, o usuário consegue ser
melhor atendido a partir do momento que há essa divisão entre atenção básica e
especial.” (AS3)

A partir do exposto, pode-se compreender que com a criação da PNAS, o serviço


social tem se apropriado desse campo de política de forma crítica, de acordo com as falas
das AS1 e AS2, entende-se que antes havia certa dificuldade no que concerne o direcionar
da prática profissional, nesse sentido, vale realçar que o avanço pode ser percebido no
cotidiano desse profissional na política de assistência, ao buscar romper as ações
imediatistas e da negação do direito, entretanto, não se pode negar que romper plenamente
as velhas concepções permanece como desafio posto ao Assistente Social inserido na
assistência. Diante disso, deve-se considerar que –

O exercício profissional é necessariamente polarizado pela trama de suas relações e


interesses sociais. Participa tanto dos mecanismos de exploração e dominação,
quanto ao mesmo tempo e pela mesma atividade, da resposta às necessidades de
sobrevivência das classes trabalhadoras e da reprodução do antagonismo dos
interesses sociais. Isso significa que o exercício profissional participa de um
processo que tanto permite a continuidade da sociedade de classes quanto cria as
possibilidades de sua transformação. (IAMAMOTO, 2008, p. 12)

Assim, registra-se a condição de assalariamento desse profissional, bem como a


precariedade das políticas públicas como alguns dos fatores que influenciam diretamente a
intervenção profissional como uma ação eficiente e resolutiva no processo de garantia do
acesso aos direitos. Nesse contexto, tanto a PNAS/2004 quanto o SUAS/2005 destacam a
perspectiva do território como elemento importante não só para a gestão, mas na própria
materialização dos serviços – sobre isso, questionamos as Assistentes Sociais como o
território tem se apresentado enquanto espaço de intervenção para os Assistentes Sociais,
inseridos no contexto da proteção especial no CREAS?
“Então, temos alguns dados que identifica onde tem mais índice de pobreza, de
abuso, mas eu não vejo muito o serviço social utilizando estes dados. O serviço
social deveria utilizar mais esses dados para fazer relatórios, até para alguma coisa,
mas acabamos por nos sufocar em trabalhos e não utilizamos esses dados.” (AS1)
“Veja, para mim foi uma grande sacada, porque você acaba trazendo mais usuários
para perto de si, fazendo com que ele confie mais no seu trabalho, não é aquela
coisa mais de hoje eu sou atendido por um e amanhã eu sou atendido por outro, eu
conto a minha situação a um, eu conto a outro, ainda mais no CREAS, que as
situações já estão além da vulnerabilidade social e a pessoa já chega aqui muito
fragilizada e com isso toda hora tiver de contar sua situação para um e para outro.
Então essa questão da territorialidade da um norte, um caminho para que a gente
venha atuar e levar para o usuário maior segurança, de trabalho, de atuação do
profissional. O usuário acaba se sentindo mais próximo da assistência, não só na
questão de benefícios, mas também de uma acolhida. Essa é a grande sacada da
territorialidade. Porém, trabalhar a questão da prevenção é muito complicado,
porque não depende só do profissional, não depende só do usuário, são muitas
questões que acabam influenciando nessa atuação [...].” (AS3)
“Você está querendo dizer assim, a divisão territorial, como, por exemplo, o CREAS
II atende a região da ponte do lado para cá. Eu acredito que isso também foi um
grande avanço, que está contribuindo muito para que o usuário seja melhor atendido
e melhor recebido, infelizmente a nossa rede deixa muito a desejar. A gente acolhe,
a gente ouve, a gente faz toda escuta que demanda do profissional. Eu acredito que
a gente se apropria do modo de vida do individuo, mas infelizmente não temos como
estar dando um suporte maior, não têm condições nem estrutural, nós temos a
condição do carro, que demanda de um carro para estar indo a outro território, para
ver como está à situação e ver quais são as demandas.” (AS3)

De acordo com Yazbek (2014, p. 678) o papel do Serviço Social dentro dos espaços
sócio-ocupacionais e sua relação com as políticas sociais segmentadas e minimalistas
implementadas no momento histórico contemporâneo, deixa claro que é nesse contexto de
relações e interesses contraditórios que o Assistente Social deve buscar compreender esses
espaços como “âmbito privilegiado do exercício profissional e lugar onde a profissão
participa de processos de resistência e constrói alianças estratégicas na direção de um
outro projeto societário.”
A partir das falas acima, compreende-se que o serviço social no equipamento vem
num movimento de busca pelo novo, embora possam ser percebidas também às
contradições que são inerentes a assistência. Nesse sentido, registra-se que pensar a
prática do Assistente Social na política de assistência pressupõe entendê-la inserida no
contexto histórico social, contexto este que é movimento e vida, em que os conflitos são
pulsantes e seus embates serão sentidos por esse profissional em sua intervenção junto às
famílias e coletividades.
Diante disso, cabe ressaltar que o conceito de matricialidade sociofamiliar trazido
pela Política Nacional de Assistência Social e pelo Sistema Único de Assistência Social
evidencia a necessidade de romper de fato com a fragmentação do atendimento, de buscar
compreender esse sujeito para além da perspectiva individual, por exemplo, o usuário que
chega para ser inserido no PAEF, e ele é uma pessoa, mas por trás dessa pessoa existem
questões que precisam ser trabalhadas, existem questões de âmbito familiar que devem ser
questionadas e apreendidas –; frente a isso, questionamos de que forma o serviço social
compreende o conceito de matricialidade sociofamiliar presente na PNAS e no SUAS?

“Eu acho um ganho muito grande, porque até então se trabalha muito em
programas, em projetos separadinhos, uns viam crianças e adolescentes, outros
viam deficientes, outros viam idosos, e quando agora a gente trabalha a questão do
PAEF, a gente olha a família como um todo [...] nesse sentido, compreendemos que
a família é base de tudo, porque se você não estruturar a família não adianta.” (AS1)
“Então essa matricialidade sociofamiliar também é muito importante, porque acaba
inserindo a família nas atividades dos CREAS e dos CRAS. Essa família se torna um
foco central das nossas atuações. Não é mais só o individuo, a gente não trabalha
mais só o individuo, só a situação ali em si, mas fazemos com que a família seja
agregada em todas as nossas atividades e que essa família possa ser empoderada
como já falei anteriormente.” (AS3)
“Não me recordo muito dessa matricialidade. O que seria de fato?” (AS2)

As falas acima evidenciam que a institucionalização e legitimação da Assistência


Social enquanto espaço de atuação profissional ainda é um processo em construção para
alguns profissionais – compreender seus principais conceitos, como, por exemplo, a
matricialidade sociofamiliar tem se colocado como grande desafio aos profissionais da área
social, em especial para o Assistente Social.
Outra questão relevante pontuada pela Política Nacional de Assistência e pelo
Sistema Único de Assistência Social refere-se à articulação das redes de serviços,
principalmente as de proteção social básica e especial. Questionadas sobre essa
articulação no município de Campos dos Goytacazes, as respostas foram as seguintes –

“Eu analiso que a gente não consegue trabalhar em parceria, infelizmente, a gente
recebe ligação do CRAS dizendo que está com a mãe do adolescente, que já é
acompanhado por vocês, então vou desligar aqui para vocês acompanharem. Na
verdade a proposta não é essa. A gente tem que acompanhar junto, o CRAS e o
CREAS deveria trabalhar junto. Mas a gente não consegue se falar, nós nunca
conseguimos encaminhar um adolescente para cumprir no CRAS. Então fica uma
rivalidade entre proteção especial e proteção básica, a gente não trabalha muito
junto não.” (AS1)
“Eu penso que essa articulação ainda está um pouco fragilizada, precisa ser mais
intensificada, e mais definida o papel dos CRAS e dos CREAS, que ainda existe
uma confusão, uma duvida de quem faz o que. E isso não é algo só do município de
Campos, eu vejo essas questões em outros municípios, então seria a nível nacional.
Exemplificando, o que é violação de direito? Acho que isso é uma coisa que ainda
não está muito bem definida dentro do SUAS, para que a gente realmente possa
atuar como CRAS e como CREAS, ainda existe essa confusão. E essa articulação
entre CRAS e CREAS para mim está muito fragilizada, precisa haver uma harmonia
entre esses dois equipamentos, que são à base das funções do SUAS.” (AS3)
“A gente consegue ter uma troca de informações, de ideias, mas assim, resolver a
situação de fato eu acho que isso demanda de órgãos acima de nós, com coisas
maiores, muitas questões ficam paradas.” (AS2)

Vale destacar que a articulação da rede assistencial é muito importante, o próprio


nome já evidência essa importância – proteção básica – a denominação básica vincula-se
as ações preventivas, nesse sentido, se a proteção básica se mostrasse eficiente em sua
função, consequentemente o resultado disso seria sentido na proteção especial.
Nesse sentido, compreende-se que para romper a fragmentação das políticas, dos
serviços e dos atendimentos é preciso buscar as ações intersetoriais, a articulação da rede
como um todo, haja vista que o próprio SUAS prevê a intersetorialidade como um dos eixos
constitutivos da política. Questionadas sobre a intersetorialidade da rede como um todo, as
Assistentes Sociais responderam da seguinte maneira –

“A rede está totalmente fragmentada, nós não conseguimos a contra referencia.


Quando a gente fala muito da rede, é bom lembrar que a rede somos nós. Eu acho
que temos que fazer esse trabalho de ligar para os colegas, dizer que eu sou do
CREAS, me apresentar, pois assim a gente consegue alguns ganhos, mas é uma
coisa que requer uma mobilização da equipe. Os vínculos estão fragilizados. Mas
não é uma questão só da Política, mas sim do retorno do profissional.” (AS1)
“Nós encontramos muita dificuldade para que a interação com a rede aconteça. A
gente encaminha o usuário, chega a determinado setor, da habitação, por exemplo,
nós temos muitas demandas na questão habitacional, chega ao setor habitacional, e
a resposta é – a gente não tem como resolver essa situação agora, nós temos
outras prioridades. Eu acho bem complicado essa parceria com a rede, deixa muito
a desejar.” (AS2)
“Eu acho que a intersetorialidade ainda é um nó a ser desatado, também tanto
quanto a questão da articulação CRAS e CREAS, essa intersetorialidade deixa
muito a desejar. Não tem nem muito assim o que se falar, porque o grande “boom”
da assistência seria essa articulação CRAS e CREAS e essa intersetorialidade com
a rede funcionar de forma mais harmoniosa.” (AS3)

A partir do mencionado, cabe registrar que as falas das profissionais reafirmam um


dos grandes gargalos vivenciados pelas políticas sociais no contexto brasileiro, a fragilidade
da rede de serviços – a mesma pode ser compreendida como fruto de uma sociedade que
prima pelas ações individualizadas, em que o Estado é chamado a intervir apenas na
perspectiva de amenizar a questão social. Diante disso, questionamos as profissionais quais
os desafios, poderiam ser apontados no contexto do CREAS II para plena efetivação dos
direitos socioassistenciais – as respostas se deram da seguinte forma:

“Eu penso que é a interdisciplinaridade – fala-se muito em interdisciplinaridade, mas


hoje aqui no CREAS não se trabalha interdisciplinarmente, pois não se consegue.
Cada uma tem de vinte e cinco a trinta adolescentes para acompanhar e quem faz
isso é a técnica de referencia. A nossa equipe tem duas Assistentes Sociais e uma
psicóloga, cada uma acompanha 30 adolescentes, temos um advogado e uma
pedagoga para dar suporte, o serviço social só entra nos casos em que elas
identifiquem a necessidade de intervenção, nós não acompanhamos todos. A equipe
do CREAS não dá conta, a nossa equipe trabalha muito para o judiciário, nós temos
os prazos, para responder, para acompanhar, tem que fazer relatório mensal, como
que a Assistente Social que tem que acompanhar os 30 adolescentes pode dar
conta dos 30 adolescentes da minha colega psicologia. A interdisciplinaridade a
gente nem coloca mais, só estamos entrando onde é de suma necessidade,
costumo dizer só para apagar incêndio. E isso é reflexo da precariedade no âmbito
dos Recursos Humanos que continua sendo outra questão evidente.” (AS1)
“Bom, pra mim temos grandes desafios, um deles seria essa articulação da proteção
social básica e especial e essa intersetorialidade da rede. Nesse contexto, temos
vivenciado a judicialização da assistência, pelo menos aqui no território do CREAS II
– essa questão de responder ofício ao Ministério Público e a justiça. Eu não sei se
eles tem noção do que seja o CREAS, e eles tem confundido muito as nossas
funções, do Assistente Social, da psicóloga, da gestão. E tem trazido para o CREAS,
e tem imposto isto ao CREAS. A justiça, tem imposto questões que não tem nada a
ver com gente. O caderno do CREAS é muito claro, quando diz que nós não temos
função investigativa, muitas vezes chega esse papel para gente desempenhar. Nós
enviamos resposta e eles não aceitam e mandam novamente. Então essa
articulação com o judiciário tem que ser melhor trabalhada também, seria um grande
desafio para que eles entendam que o nosso papel não é o que eles acham que é.”
(AS3)
“Na questão da defesa e compreensão do direito, um desafio que eu vejo é trabalhar
a perspectiva política – ou seja, que o individuo passe a ter um pouco mais de
ciência dos direitos que eles têm. Muitas vezes os usuários vêm ao CREAS porque
alguém o encaminhou, mas não sabe se tem direito a isso, como que faz para
conseguir, aonde ir, o usuário ele fica perdido na rede. Eu acho que esse é um
grande desafio a ser trabalho pelo serviço social.” (AS2)

Sabe-se que os desafios são inúmeros, superá-los requer a mobilização coletiva dos
profissionais, gestores e usuários, nesse sentido, no que concerne ao serviço social, vale
registrar que o mesmo tem sua prática profissional fincada no trabalho educativo, o
Assistente Social exerce uma função pedagógica em sua intervenção profissional, pois pode
ditar valores e moldar comportamentos, seja na perspectiva de manutenção da ordem, seja
na perspectiva da renovação da mesma. Nesse sentido, questionou as profissionais – quais
os instrumentos estão sendo incorporados à prática do serviço social no equipamento
CREAS II, para potencializar a participação dos usuários nos espaços públicos de debates?

“Então, a gente tem a equipe do PAEF que faz um trabalho em grupo com as
famílias dos acolhidos, embora isso tenha sido uma determinação judicial, tudo
passa muito pelo víeis da justiça, então, há esse trabalho em grupo, está proposto,
mas nós não temos incentivos para estar fazendo esse trabalho em grupo. Nesse
ano eu comecei com minha estagiária, que fez um projeto para realizar trabalho em
grupo, com os adolescentes, e a gente pensou em fazer com as famílias também.
Mas o quê que a secretaria teria que dar para gente? O mínimo, um suporte, como
lanche, uma televisão, um retroprojetor caso precisasse. Então quando se pedia
essas coisas com antecedência, a resposta era que estava tudo certo, mas quando
chegava perto da reunião não tinha nada. E isso não é viável. Então nós não temos
esse apoio, eu sei que numa reunião não é o lanche a questão mais importante, mas
quando se faz um evento ao final tem que ter um atrativo. E o lanche é um momento
de confraternização de troca de experiência e de fortalecimento. Parece que tudo
que aqui vem fluindo, eles vem e minam (a equipe gestora). Diante a isto não
participamos de nada, não vamos a conselho, não levamos ninguém a nada.” (AS1)
“Eu considero a visita domiciliar como um instrumento muito importante, a gente tem
feito reuniões com famílias, principalmente de crianças e adolescentes que estão
acolhidas. Essa metodologia também é importante, porque normalmente a gente lida
muito só com as crianças e os adolescentes que estão acolhidos e o papel do
CREAS é a família, então a visita domiciliar é importante, as reuniões de família, os
grupos é uma dinâmica também que ajuda muito o nosso trabalho, em nossa
atividade e os outros instrumentos que a gente usa como os documentos que agora
no finalzinho do ano, foi incorporado para estar atuando junto.” (AS3)
“Eu fico o máximo de tempo com o usuário atendimento, tentando conversar,
tentando compreender a historia da pessoa, eu faço isto. Porque eu quero entender,
todo histórico daquela pessoa para ajudar. O usuário se sente valorizado, mais
respeitado.” (AS2)

A partir das falas fica claro que existe a clara necessidade de trabalhar a perspectiva
preventiva, a orientação, nesse contexto, a prática politizada muitas vezes se reduz a um
simples atendimento ou acompanhamento, o trabalho de mobilizar, a prática político-
pedagógica ainda parece estar bem estanque das intervenções profissionais do Assistente
Social, isso pode ser observado a partir das fragilidades apontadas pela (AS1). Em tempos
atuais os espaços de mobilização coletiva, participação e controle social no âmbito da
política de assistência estão vazios e se estão nessas condições tem um por quê? E é esse
porque que deve ser buscado, questionado e compreendido no sentido de buscar a
legitimação desses espaços que por mais que tenha a denominação de públicos não tem se
apresentado no contexto atual enquanto tais. E por fim questionamos as Assistentes Sociais
sobre as influências dos determinantes político-partidárias no trabalho da equipe no que diz
respeito à proteção especial no contexto do CREAS II – sobre isso as respostas dadas da
seguinte maneira –

“A gente vivenciou muito esta questão da interferência política quando começou a


entrar muitos funcionários novos, cada dia que chegava aqui tinha uma pessoa
diferente no administrativo, nós éramos pressionados a participar de reunião de
políticos [...]. A pressão política interfere muito, porque a gente fica muito
desmotivado, parece que isso é o mais forte, é o mais importante no momento e
você acaba entrando nessa e para instituição esse ano foi o ano de acontecimentos,
chegou aqui micro-ondas, fogão que nós não precisávamos, chegou bebedouro que
era necessário, chegou mesas, cadeiras, chegaram coisas e tudo nesse ano de
eleição.” (AS1)
“Essa influência ela ainda existe, é uma luta que a gente tem que travar, nós temos
que estar a todo tempo mostrando a legislação, para que a gente possa trabalhar
em cima e se afastar cada vez mais dessa politicagem. Existe ainda, e é muito
presente no nosso cotidiano, mas cabe a nós profissionais está sempre mostrando
que agora isso não é mais possível. Que essa prática ficou lá atrás, eu tenho essa
frase comigo, que a prática do assistencialismo, do toma lá, da cá, do favor, do
favorecimento, ficou lá atrás. Então o usuário precisa entender isso, que ele não é
mais aquele coitadinho, vamos dar isto para ele, vamos dar aquilo para ele, não, ele
tem que ser visto como cidadão.” (AS3)
“Olha, infelizmente aqui na nossa região de Campos, a gente vê isso bem claro. Não
tem como não vê. Em outros municípios a gente vê isso de uma forma um pouco
mais discreta, mas aqui é meio que uma guerra declarada. E acredito que isso
atrapalha nossa prática profissional sim.” (AS2)

A reflexão trazida pelas Assistentes Sociais deixa claro que a questão do direito
acaba se perdendo nesse jogo político-partidário e a política de assistência volta-se a sua
gênese de não política ao ser usada para esses fins – o de beneficiar o interesse particular
em detrimento do direito universal reconhecido constitucionalmente em 1988 e
posteriormente na Lei Orgânica da Assistência Social em 1993. Mesmo diante dos avanços
apontados no decorrer desse trabalho, percebe-se que são grandes as lacunas para que
aconteça a plena efetivação da Assistência Social no contexto brasileiro. Frente a isso,
registra-se que são lacunas que devem ser trabalhadas e pensadas, principalmente a partir
da equipe gestora no sentido de buscar compreender a política pelo viés legal, de apreender
o usuário como sujeito de direito, se essas concepções não se fazem presente em nível de
gestão, dificilmente se fará presente no cotidiano dos equipamentos e nos territórios de
referência.
III. CONCLUSÃO

A partir dos fatos mencionados, vale destacar alguns pontos que consideramos
importante para a análise pretendida.
Sabe-se que a Assistência Social historicamente se apresentou como rico campo de
atuação profissional para o Assistente Social, entretanto, como realçado ao longo deste
trabalho nem sempre o serviço social se apropriou desse espaço de política de forma crítica.
Com os avanços obtidos tanto pela profissão quanto pela política é possível observar no
contexto contemporâneo uma nova relação entre Assistente Social e Assistência Social,
entretanto, não negamos que algumas questões ainda permanecem em aberto e exigem
esforços coletivos para serem pensadas, questionadas, trabalhadas e superadas.
Nesse sentido, a partir das falas das profissionais AS1, AS2 e AS3, foi possível
identificar que os avanços legais são importantes não só para o reconhecimento da política
nacionalmente, mas também para respaldar a luta dos Assistentes Sociais pela
universalização do acesso aos direitos, assim, a perspectiva do assistencialismo até então
presente dar lugar a defesa intransigente dos direitos sociais dos usuários. Nesse contexto,
compreendemos que a discussão de território proposta para a assistência favorece o
reconhecimento social dos sujeitos –, assim, entendemos que o território deve ser
apreendido para além do espaço geográfico, mas como parte e modo de vida da população
que o habita, pois o território é espaço vivido e habitado, portanto deve ser pensado
enquanto tal pelos profissionais da assistência, inclusive, pelo Assistente Social.
No que concerne ao conceito de matricialidade sociofamiliar apontado para a política
de assistência – compreendemos que o mesmo deve ser apoderado de forma crítica pelos
profissionais da área assistencial, em especial, pelo serviço social – pois, o próprio nome já
diz – matricialidade sociofamiliar – perspectiva essa que reafirma a relevância que a família
assume na assistência. Sobre isso, compreendemos que o serviço social tem se apropriado
desses novos conceitos de forma crítica, porém não devemos negar que ainda existem
profissionais que enfrentam dificuldades em decifrá-los, conforme visto na fala da AS2. Além
disso, cabe destacar a necessidade de fortalecer a articulação das proteções básica e
especial, apenas a AS2 afirma que consegue visualizar na prática essa articulação.
No que diz respeito a intersetorialidade, a partir das falas foi possível identificar a
fragilidade da rede de políticas sociais no município, assim, compreendemos essa
fragilidade como característica presente nas políticas sociais contemporâneas de corte
neoliberal, a busca incessante pela quebra da universalidade tem dado lugar cada vez mais
as ações pontuais.
Sobre os instrumentos que são incorporados a prática do Assistente Social para
potencializar a participação dos usuários nos espaços públicos de debates –
compreendemos que o serviço social ainda caminha lentamente nesse aspecto, apesar do
profissional ter na sua formação forte característica político-pedagógica, na prática isso não
tem sido evidenciado para o bem coletivo. E essa é uma questão que deve ser encarada
pelos profissionais, pois a força e a mobilização pressupõem a articulação de diferentes
sujeitos, profissionais, usuários e movimentos sociais, é preciso buscar a luta coletiva como
instrumento para fortalecer a garantia de acesso a políticas públicas universais.
Assim, compreendemos que o Assistente Social exerce um papel fundamental na
política de assistência, em outros termos, esse profissional é o intermediador das questões
que se apresentam nesse espaço de política, conflitos que, muitas vezes vai exigir desse
profissional interlocução com outros âmbitos profissionais, articulação com os sujeitos de
sua ação e, principalmente buscar a interlocução política de resistência e enfrentamento aos
obstáculos que surgem no decorrer do movimento histórico social, que é de fato onde se
materializa a prática profissional do Assistente Social no enfrentamento das múltiplas
determinações da questão social.

REFERÊNCIAS

CARRARA, Virgínia Alves; MONTEIRO, Simone Rocha da Rocha Pires; CARVALHO, Patrícia
Miranda. ASSISTÊNCIA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: UM DEBATE NECESSÁRIO NO ATUAL
CENÁRIO DO SOCIAL-LIBERALISMO. Disponível em < http://www.cress-
mg.org.br/arquivos/simposio/ASSIST%C3%8ANCIA%20SOCIAL%20E%20SERVI%C3%87O%20
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DELGADO, Leila Baumgratz. Espaço sócio-ocupacional do assistente social: seu arcabouço


jurídico-político. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 113, p. 131-151, jan./mar. 2013.

IAMAMOTO, Marilda Vilela. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho
e questão social. São Paulo: Cortez, 2008.

MOTA, Ana Elizabete. O Mito da Assistência Social: ensaios sobre Estados, política e
sociedade. São Paulo: Cortez, 2010.

PEREIRA, Potyara A. Pereira. Sobre a Política de Assistência Social no Brasil.


Disponível em http://blogs.al.ce.gov.br/unipace/files/2011/12/08-Sobre-a-politica-de-
assistencia-social-no-Brasil.pdf. Acesso em: março de 2016.

SHONS, Selma Maria. Assistência Social entre a ordem e a “des-ordem”: mistificação


dos direitos sociais e de cidadania. São Paulo: Cortez, 2003.

YAZBEK, Maria Carmelita. Classes subalternas e Assistência Social. São Paulo: Cortez,
2015.

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