Revista Cda 2021-2-Ce
Revista Cda 2021-2-Ce
Revista Cda 2021-2-Ce
Carta ao Leitor
gravitacionais existem. A astronomia e a física têm agora uma nova janela para perscrutar o
universo, e a observação direta de ondas gravitacionais começa já a dar seus frutos, corrobo-
rando com a existência dos buracos negros, por exemplo, outra notável predição da teoria da
relatividade geral.
Encontraremos também, neste número dos Cadernos de Astronomia, artigos versando sobre
a astroquímica, ramo científico interdisciplinar e que tem vivido hoje um grande dinamismo,
em conexão com a disciplina de astrobiologia, assunto também de grande importância na atu-
alidade e que ganhou uma nova perspectiva com a descoberta dos exoplanetas. No que tange à
cosmologia, o artigo sobre o modelo de universo de Gödel traz uma importante reflexão sobre
nossa descrição do cosmo: o modelo cosmológico padrão seria uma simplificação excessiva, ig-
norando a complexidade e riqueza do universo em que vivemos? Chamamos a atenção também
para a tradução do artigo original que narrou a descoberta da classe de estrelas cefeidas, de
grande importância em astrofísica e cosmologia.
Por fim, esta edição traz também outros artigos referentes aos projetos vencedores na Mostra
de Astronomia do ES, a MAES 2020. Estes trabalhos mostram, ao mesmo tempo, que esse
evento se consolida como uma atividade importante no ambiente acadêmico e educacional, e
que a astronomia começa a se tornar uma linguagem habitual para os estudantes e professores
do Ensino Básico. Esperamos que isto gere impactos positivos tanto do ponto de vista científico
quanto cultural a curto e médio prazos.
Os Editores
Seção Temática
Apresentação
Júnior Diniz Toniato e Riccardo Sturani . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
Química e astronomia
Sérgio P. J. Rodrigues . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
3
Sumário
Artigos
A equação do equilíbrio estelar em teorias modificadas da gravitação
Túlio Ottoni et al. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
Ensino
Uma jornada pela vida no cosmos: relato de experiência de ensino de astro-
biologia na escola
Felipe Sérvulo Maciel Costa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142
Textos Clássicos
As estrelas cefeidas enquanto velas padrão: a relação período-luminosidade
tal qual apresentada por sua descobridora
Daniel Iria Machado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 170
Ondas Gravitacionais
A teoria da relatividade geral foi proposta em 1915 e, cem anos depois, foi confirmada uma
de suas predições mais notáveis: a existência das ondas gravitacionais. Ondas gravitacionais
são flutuações na geometria do espaço-tempo que se propagam com a velocidade da luz. São
oscilações muito fracas, reflexo do fato que a gravidade é a interação mais débil entre as quatro
conhecidas. Para que haja um sinal detectável, é preciso que processos extremamente energé-
ticos ocorram. E foi o que aconteceu com o evento observado em 2015: a fusão de dois buracos
negros, cada um com massa de dezenas de vezes a massa do Sol. A quantidade de energia
liberada corresponde a um dos fenômenos mais enérgicos já observado pelo ser humano. No
entanto, o sinal detectado corresponde a uma oscilação muito menor que o tamanho de uma
partícula nuclear.
Ainda assim, a detecção ocorreu, resultado de um esforço conjugado da ciência básica, en-
genharia e análise de dados. Este feito coroou 50 anos de esforços, desde as primeiras barras
ressonantes, concebidas na década de 1960, até os sofisticados interferômetros LIGO e VIRGO
(e agora também o KAGRA). As dificuldades para detectar um sinal de onda gravitacional
eram consideráveis e muitos pensavam que ainda tardaríamos talvez muitas décadas antes de
se ter resultados positivos. Não é por acaso que o Nobel de Física de 2017 premiou este sucesso
técnico e científico.
Desde 2015 novos eventos associados às ondas gravitacionais têm sido detectados. Com a
captação de sinais de ondas gravitacionais se tornando mais e mais frequente, esperamos que a
astronomia das ondas gravitacionais abram novas janelas observacionais que nos permitam obter
informações tanto sobre objetos astrofísicos compactos quanto sobre fenômenos cosmológicos,
inclusive relativos ao universo primordial. Isto implica a caracterização das fontes de ondas
gravitacionais para todos estes fenômenos. Um grande esforço científico está em curso com
o potencial de revolucionar a física e astronomia do ponto de vista teórico e observacional,
sem esquecer o impacto tecnológico resultante de todos os sofisticados detectores de ondas
gravitacionais em operação e projetados.
Os textos que compõe esta seção temática dos Cadernos de Astronomia retratam a riqueza
que o tema ondas gravitacionais contém. Abordam a teoria da relatividade geral, objetos
astronômicos como estrelas de nêutrons e buracos negros e as fontes cosmológicas. Junta-se
a isto o conceito de astronomia multimensageira, onde diversos tipos de sinais contribuem
para definir a fonte de uma onda gravitacional observada. Estes textos foram escritos por
especialistas em astrofísica, cosmologia, física, que participam ativamente deste esforço científico
e tecnológico e com uma linguagem acessível a um amplo espectro de leitores. Esperamos que a
riqueza e qualidade dos textos aqui veiculados encontrem ressonância em todos os interessados
pela física e astronomia.
Resumo
Neste artigo, iremos revisar, de maneira não técnica, conceitos chaves para o entendimento do que são ondas
gravitacionais. Com intuito de abarcar um amplo público, vamos discutir o que são ondas sonoras, ondas
eletromagnéticas, a natureza da gravitação e ondas gravitacionais propriamente ditas. Abordaremos também
alguns aspectos da detecção da primeira onda gravitacional e as consequências dessa grande conquista para a
ciência e nosso conhecimento do universo.
Abstract
In this article we review, using a non-technical language, key concepts for understanding what gravitational
waves are. Intending to reach a wide audience, we will discuss what characterizes sound waves and electromag-
netic waves, the nature of gravitation and the gravitational waves. We also cover some aspects of the process
of detection of the first gravitational wave and the consequences of this great achievement for science and our
knowledge of the universe.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v2n2.35952
Figura 1: Os ganhadores do prêmio Nobel de Física de 2017, por contribuições decisivas na observação das ondas
gravitacionais. Créditos: Bengt Nyman. Fonte: Wikimedia Commons. Licensa CC-BY 2.0.
uma forma de força que atua sobre todos os cor- ficuldade de se desenvolver um aparato tecnoló-
pos massivos e sempre de forma atrativa. gico que fosse sensível o suficiente para perceber
A gravitação é a interação mais fraca que uma onda gravitacional. A sensibilidade necessá-
existe, mas também a de maior alcance. Assim, ria para isso é equivalente a conseguir enxergar
quando as massas e as distâncias envolvidas em um fio de cabelo a 40 trilhões de quilômetros.
um sistema de estudo são muito grandes, a gra-
vitação se torna a interação dominante. Isso é o A longa busca pelas ondas gravitacionais aca-
que ocorre no estudo dinâmico de satélites pla- bou em 2015, quando o primeiro sinal desse fenô-
netários, do sistema solar, galáxias e do universo meno pode ser detectado. A importância cientí-
como um todo. fica e tecnológica desse feito foi tão significante
A interação eletromagnética também tem al- que o Prêmio Nobel de Física de 2017 foi dado a
cance longo, mas nos exemplo citados anterior- três cientistas que desempenharam um papel de-
mente, todos esses corpos são, em geral, eletroni- terminante nessa tarefa, Barry C. Barish, Kip S.
camente neutros ou fracamente carregados. Mas Thorne e Rainer Weiss (Figura 1).
em algumas situações se torna importante consi-
derar as interações eletromagnéticas, como no es-
tudo da dinâmica interna do Sol, onde seu campo Uma janela para o universo se abriu quando
magnético desempenha relevante papel [1]. Os nos tornamos capazes de detectar ondas gravita-
Cadernos de Astronomia, em seu número inau- cionais. Inicia-se uma nova era para a astrono-
gural, publicou uma seção temática inteiramente mia. Para melhor entendermos os impactos desse
dedicada à gravitação [2]. avanço científico vamos apresentar nesse artigo o
Como dissemos inicialmente, a teoria física vi- conceito de ondas, os diferentes tipos de ondas,
gente para descrever os fenômenos gravitacionais para assim compreendermos o que são ondas gra-
é a relatividade geral, formulada em 1915 por Al- vitacionais, como podemos detectá-las e quais são
bert Einstein (e colaboradores) e que substitui a suas origens.
gravitação universal de Newton. Dentro dos vá-
rios novos fenômenos previstos pela relatividade O texto que se segue consiste de uma apre-
geral, as ondas gravitacionais foram um dos que sentação do tema de ondas gravitacionais sem
mais intrigaram os cientistas. Isso porque, desde especificidades técnicas do assunto, visando um
a primeira previsão teórica da existência dessa amplo público simpatizante da ciência. Nos de-
nova forma de onda, em 1916, levou-se 99 anos mais artigos dessa seção temática dos Cadernos
para que a primeira onda gravitacional fosse de- de Astronomia o leitor e a leitora encontrarão um
tectada, comprovando sua existência. maior aprofundamento nas diversas questões téc-
Essa demora se deu, em grande parte, pela di- nicas que circundam as ondas gravitacionais.
Figura 2: Padrão de onda em diferentes situações. (a) Ondas em um corda: movimentando uma das extremidades para
cima e para baixo produz um padrão de onda que se propaga ao longo da corda (Fonte: Explicatorium). (b) Ola: cada
pessoa se levanta e torna a sentar, a repetição desse movimento por cada pessoa em uma arquibancada forma um padrão
de onda (Fonte: Enem, 2013). (c) Onda em um lago: qualquer perturbação na água produz ondas que se propagam
sobre a superfície do lago (Crédito: Roger McLassus, via Wikimedia Commons).
(a) (b)
Figura 5: Linhas de força do campo elétrico de um dipolo (uma carga positiva e outra negativa). (a) Previsão teórica
das linhas de força do dipolo elétrico (Créditos: Sharayanan, licenciada sobre CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons.).
(b) Materialização das linhas de força. Os círculos em preto estão carregados eletronicamente com sinais opostos e postos
sobre um óleo onde contém limalha de ferro. As partículas metálicas tendem a se alinharem sobre as linhas de campo,
permitindo sua visualização (Créditos: SVGguru, licenciada sobre CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons.
Figura 6: Espectro de frequências das ondas eletromagnéticas. A frequência, medida em unidades de Hertz (Hz),
aumenta da esquerda para direita, conforme ilustrado pelo padrão de onda na parte inferior da figura. O espectro visível
diz respeito às frequências que o olho humano consegue capitar. Abaixo dele temos a radiação infravermelha, emitida
pelo corpo de animais por exemplo, micro-ondas, usada nos eletrodomésticos de mesmo nome para aquecer alimentos, e
ondas de rádio e TV. Acima do espectro visível, temos os raios ultravioletas, raios X e raios gama, prejudiciais à saúde
humana por serem muito energéticos (Créditos: DrSciComm, licenciada sobre CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons).
(e) (f ) (g)
Figura 7: O Sol observado em diferentes frequências. (a) Luz visível branca. (b) Luz visível azul. (c) Infravermelho.
(d) Raio X. (e) Extremo ultravioleta. (f ) Ultravioleta. (g) Rádio. (Créditos: NASA/Solar Dynamics Observatory).
Na mesma época em que o conceito de onda como as quedas de corpos e as órbitas planetá-
eletromagnética surgiu, a teoria gravitacional vi- rias, Newton relegou às futuras gerações a resolu-
gente era a gravitação universal de Isaac New- ção dessa inconsistência da ação à distância ins-
ton (1643 - 1727). Essa teoria também define tantânea.
um campo gravitacional, de forma semelhante ao A questão foi enfim solucionada com advento
campo eletromagnético: uma massa cria no es- da teoria da relatividade geral, cuja formulação é
paço à sua volta um campo gravitacional e, sem- atribuída principalmente a Albert Einstein (1879
pre que outra massa qualquer entra em contato - 1955), mas tendo sido fruto também da con-
com este campo ela passa a sofrer a ação da força tribuição de vários outros cientistas como Mar-
gravitacional correspondente. No entanto, a teo- cel Grossmann (1878 - 1936), Tullio Levi-Civita
ria de Newton da gravitação é inconsistente com (1873 - 1948), Gregorio Ricci-Curbastro (1853 -
a ideia de ondas gravitacionais. Ela prevê que 1925) e David Hilbert (1862 - 1943). A relativi-
a interação gravitacional é transmitida instanta- dade geral mudou por completo a forma como nós
neamente, ou seja, se o Sol perdesse metade da entendemos a interação gravitacional. Na gravi-
sua massa de uma forma mágica, exatamente no tação de Newton, todo objeto massivo exerce uma
mesmo instante as órbitas planetárias seriam rea- força gravitacional atrativa sobre outros corpos
justadas a essa nova massa, sem que houvesse um massivos. É dessa forma que se explica os movi-
tempo para que as mudanças fossem percebidas mentos orbitais como, por exemplo, o movimento
pelos planetas. Portanto, a gravitação universal da Lua em torno da Terra, ou da Terra em torno
de Newton não permite prever a existência de on- do Sol. Na relatividade geral, a interação gravi-
das gravitacionais, ao contrário da teoria eletro- tacional deixa de ser entendida como uma força e
magnética de Maxwell. passa a ser vista como um fenômeno geométrico.
O próprio Newton sabia que isso representava Vamos explicar melhor isso a seguir.
um problema. Não por que sua teoria não prevê a Na física newtoniana, o espaço tridimensional
existência de ondas gravitacionais, mas pelo fato e o tempo são quantidades absolutas. Em ou-
de a interação gravitacional nela ocorrer de forma tras palavras, eles são imutáveis, principalmente
instantânea. Isso implica dizer que a informação o tempo, que é considerado ser o mesmo para to-
no campo gravitacional viaja a uma velocidade dos. Na relatividade geral, o tempo não é mais
infinita. E físicos não gostam de infinitos, pois absoluto, ele depende da velocidade com que cada
representam algo não mensurável. No entanto, pessoa se movimenta e, quanto mais rápido uma
vendo que sua teoria funcionava muito bem para pessoa se movimenta, mais lentamente para ela o
explicar os fenômenos observados no dia a dia, tempo passa. Consequentemente, o espaço tam-
Figura 8: Gravitação como uma consequência da curvatura do espaço-tempo. Um objeto deforma o espaço-tempo de
forma semelhante ao que ocorre em uma cama elástica. A trajetória de outros objetos pode ser alterada se eles passarem
suficientemente próximos à região curvada do espaço-tempo.
bém não é absoluto, e cada pessoa pode medir que atravessa a cama elástica. Essa são as on-
distâncias diferentes, dependendo da sua veloci- das gravitacionais: a propagação de oscilações no
dade de movimento. Por isso, tempo e espaço espaço-tempo.
deixam de ser grandezas independentes e passam Ondas gravitacionais, portanto, são emitidas
a formar o chamado espaço-tempo, a estrutura por objetos massivos em movimento (acelerado).
geométrica do universo. Dentro desse conceito de Os planetas ao orbitarem em torno do Sol, es-
espaço-tempo, a interação gravitacional é enten- tão emitindo ondas gravitacionais continuamente.
dida da seguinte forma: toda forma de matéria e No entanto, como dito anteriormente, a interação
energia deforma o espaço-tempo, e qualquer ob- gravitacional é a mais fraca que existe e, com isso,
jeto terá sua trajetória modificada em consequên- as ondas gravitacionais, no geral, são extrema-
cia dessa deformação. mente fracas, o que praticamente impossibilita a
Uma forma lúdica de se visualizar o conceito de detecção de ondas gravitacionais proveniente do
espaço-tempo curvo é imaginar o espaço tempo movimento orbital de planetas, por exemplo. É
como uma cama elástica. Se não há nenhum ob- necessário sistemas com muita massa, e se mo-
jeto nele, a cama elástica se mantém plana e, uma vendo a altas velocidades, para que sejam emiti-
pequena bola pode atravessar essa cama elástica das ondas gravitacionais fortes o suficiente para
rolando em linha reta. Agora, imagine um objeto serem detectadas na Terra. Isso torna os sistemas
pesado no centro dessa cama elástica, como uma binários de buracos negros ou estrelas de nêutrons
bola de boliche. A cama irá se curvar nas proxi- as principais fontes de ondas gravitacionais passí-
midades da bola de boliche e, a pequena bola não veis de detecção, devido a alta densidade de ma-
mais poderá atravessar a cama elástica em linha téria envolvida.
reta, pois sua trajetória mudará ao passar perto Esses objetos astronômicos, que mutualmente
da deformação causada pela bola de boliche. A orbitam um ao outro, à medida que vão emitindo
Figura 8 ilustra essa ideia. ondas gravitacionais vão também perdendo ener-
Além da concepção da gravitação como uma gia, e a distância média entre eles vai diminuindo.
consequência da curvatura do espaço-tempo, a Estando cada vez mais próximo um do outro, a
relatividade geral também prevê que a informa- intensidade da interação gravitacional se intensi-
ção no campo gravitacional viaja como uma onda. fica, aumentando gradualmente a amplitude das
Seguindo o exemplo da cama elástica, não deve ondas gravitacionais emitida. O sistema binário
ser difícil imaginar que, à medida que os obje- vai espiralando até que uma colisão ocorre, res-
tos se movem no espaço-tempo, eles produzem tando um único buraco negro como produto final
oscilações que se propagam como ondas. É como dessa coalescência.
se fizéssemos a bola de boliche oscilar, pertur- A primeira detecção de uma onda gravitacio-
bando ainda mais a trajetória da pequena bola nal, ocorrida em 2015, correspondeu a uma situ-
Figura 11: Massas das fontes dos sinais de ondas gravitacionais já detectados. Cada detecção provém do processo de
coalescência e colisão de um sistema binário, originando um buraco negro como resultado. Esse processo está indicado
através das setas brancas que ligam dois objetos no quadro acima até o buraco negro final. Em azul estão representados
os buracos negros observados através das detecções do LIGO e Virgo; em roxo os buracos negros previamente conhe-
cidos através de sinais indiretos de ondas eletromagnéticas; em amarelo as estrelas de nêutrons conhecidas também de
observações de ondas eletromagnéticas; e em laranja as estrelas de nêutrons observadas com as detecções do LIGO e
Virgo. O eixo vertical à esquerda mostra os valores das massas desses objetos em unidades de massas solares (Crédi-
tos: LIGO-Virgo / Frank Elavsky, Aaron Geller / Northwestern University, licenciada sobre domínio público, via Ligo
Caltech).
somente através das ondas gravitacionais pode- tíficos são sempre um ato conjunto e que, ainda
mos obter informações específicas sobre massa e que o objetivo seja específico, os ganhos são sem-
tamanho de buracos negros. pre amplos e até imprevisíveis. Uma descoberta
Inaugura-se, assim, a chama era da astrono- da ciência, seja ela em qualquer área do conheci-
mia de multimensageiros, onde um mesmo evento mento, representa sempre uma infinidade de pos-
pode ser estudado a partir de distintas fontes de sibilidades para toda a humanidade.
dados. Nesse sentido, as observações das colisões
envolvendo estrelas de nêutrons são de particular
importância por permitirem uma contrapartida Sobre o autor
no campo das ondas eletromagnéticas.1
A constante detecção de ondas gravitacionais Júnior Diniz Toniato (ju-
também nos permitirá enxergar o que é conside- nior.toniato@ufop.edu.br) é Doutor em Física
rado “invisível” para telescópios que captam si- pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas
nais eletromagnéticos. Por interagir fracamente (CBPF), tendo recebido o prêmio de Melhor
com a matéria, as ondas gravitacionais podem Tese de Doutorado defendida em 2014 no CBPF.
viajar por longas distâncias no universo, atraves- Atualmente é professor efetivo do Departamento
sando regiões altamente massivas, sofrendo pouca de Física da Universidade Federal de Ouro Preto,
atenuação. Isso não acontece com as ondas ele- onde também desenvolve pesquisas científicas na
tromagnéticas que, ao atravessarem estrelas e ga- área de gravitação e cosmologia.
láxias, são absorvidas e re-emitidas de uma forma
que dificulta a extração de informação sobre suas
fontes emissoras. Assim, ondas gravitacionais po- Referências
dem nos permitir obter informações de sistemas
[1] C. Fioravanti, Efeitos dos campos magnéticos
altamente complexos, como o núcleo de uma ex-
do sol (2019), Pesquisa FAPES. Disponível
plosão supernova ou nebulosas estelares, além dos
em https://revistapesquisa.fapesp.br/
binários de buracos negros que têm sido observa-
efeitos-dos-campos-magneticos-do-
dos.
sol/, acesso em mai. 2021.
Resumo
Em Setembro de 2015, os dois conjuntos de espelhos mais perfeitos do mundo moveram-se simultaneamente e da
mesma forma, apesar de separados por milhares de quilômetros. Chegara ao fim uma das mais longas buscas da
história da ciência. Pela primeira vez a humanidade capturara na Terra uma onda gravitacional. Esta onda foi
produzida por um par de buracos negros muito antes do nascimento de Einstein e até de qualquer ser humano.
O mundo da física prepara-se agora para uma nova era, em que a astronomia gravitacional nos vai desvendar
os segredos sobre as entidades mais misteriosas de todas: os buracos negros.
Abstract
On September 2015, two sets of the most perfect mirrors in the world moved simultaneously and in a similar
way, despite being thousands of kilometers apart. The longest quest in the history of science had come to an
end. Mankind had captured a gravitational wave on Earth. This wave – also known as Einstein’s messenger
– was generated by a pair of black holes, long before Einstein was born, long before mankind appeared. The
scientific community is now getting ready for a new era, when gravitational wave astronomy will unlock the key
to the most puzzling objects of all, black holes.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v2n2.35943
nós. Num dia como estes, todos estes sistemas e De cada vez que agitamos uma carga elétrica,
muitos mais conspiram: um ser humano repousa produzimos “luz”, que não é nada mais do que
em cima da crosta terrestre, que orbita em torno outra partícula, o fotão. Portanto, as cargas co-
do Sol, que orbita em torno do centro da galá- municam trocando luz/fotões entre si. E é assim
xia. A luz que o Sol emite está a ser interpretada que o ser humano se apercebe do que o rodeia,
pelo leitor para apreender os pensamentos de ou- através do estudo da luz enviada por cargas, quer
tro corpo, o de quem escreve, noutra parte do sejam de lâmpadas na mesa de um laboratório,
Espaço, noutro instante do Tempo. quer sejam de estrelas a milhões de quilômetros
É extraordinário que toda a nossa percepção da
Na realidade, a Máquina do Mundo é extre-
natureza seja baseada praticamente numa única
mamente rica em fenômenos de uma (aparente)
interação, o que também explica porque temos
diversidade e complexidade. Desde corpos flui-
ainda tanto por descobrir.
dos como a água ou o oxigênio, a corpos sólidos
como as pedras ou seres vivos, ou até manifes-
tações envolvendo estes mesmos objetos como o
vento, o som, ou as ondas do mar. Cada um 2 A gravidade
de nós tem ligações nervosas que estabelecem a
Apesar da ubiquidade do eletromagnetismo, a
comunicação entre cérebro e músculos, e entre di-
primeira percepção que temos do que é uma lei
ferentes seres humanos. Compreender e descrever
física dá-se quando em bebés, percebemos que ao
tudo isto é uma tarefa hercúlea. Contudo, repa-
largarmos um brinquedo, ele cai para o chão. En-
ramos desde há uns séculos que todos estes fenô-
xugadas as lágrimas, repetimos a experiência com
menos complexos – na realidade todo o universo
brinquedos diferentes e concluímos então que, re-
conhecido - poderiam ser explicados e fabricados
gra geral, as coisas caem. Nesse momento, fi-
com um número muito pequeno de ingredientes.
camos a conhecer a gravidade, a interação fun-
O primeiro destes ingredientes é a matéria - as
damental sobre a qual nos iremos debruçar com
peças que formam a Máquina - constituída por
mais afinco, e que afeta não só os nossos brin-
cópias (trilhões de trilhões) idênticas de partícu-
quedos de bebé mas também planetas, estrelas
las elementares, como o próton ou o elétron. Es-
e qualquer outro objeto nos lugares longínquos
tas podem aglomerar-se em átomos, que juntos
do cosmos. Para perceber a gravidade, temos de
podem formar moléculas e assim sucessivamente
responder a duas questões fundamentais: como é
até conjuntos como seres humanos, montanhas,
que as coisas caem e porque é que as coisas caem?
planetas, ou estrelas. O outro ingrediente são as
interações fundamentais - aquilo que liga e oleia
as peças da Máquina - que regem a comunicação 2.1 A universalidade da queda livre
entre as partícula elementares. Estas interações Uma das primeiras observações sistemáticas,
são a gravidade, a eletricidade e o magnetismo (o feita na Grécia antiga, pode ser repetida por qual-
“eletromagnetismo”), a força forte e a força fraca. quer um de nós: objetos inanimados com tama-
O eletromagnetismo controla praticamente to- nhos e formas diferentes, como uma caneta ou
dos os fenômenos que vemos, desde o acender de uma pedra, caem da mesma forma quando livres
uma lâmpada, ao funcionamento de uma célula. de outras forças. Isto é, deixando cair um navio
Um elétron “fala” com um próton ou com outro ou uma boia da mesma altura, simultaneamente,
elétron através desta interação, sendo a intensi- eles chegam ao chão ao mesmo tempo. Como
dade desta “conversa” determinada por uma pro- dissemos, isto só se verifica na ausência de outras
priedade da matéria chamada carga elétrica. A forças como o atrito, e portanto estamos também
experiência mostra que a carga elétrica possui de alguma forma a definir o que é o atrito e gra-
duas facetas diferentes: umas cargas são “nega- vidade com esta descrição.
tivas” e outras “positivas”. Por convenção, ao O filósofo bizantino Ioannes Philoponus de Ale-
elétron atribui-se carga negativa, ao passo que xandria parece ter sido uma das primeiras pessoas
o próton tem carga positiva. Cargas negativas a testar este fenômeno, deixando cair objetos di-
repelem-se, mas atraem cargas positivas. Assim, ferentes da mesma altura. A conclusão que ti-
o elétron atrai eletricamente um próton, mas re- rou é que “a diferença de tempo com que caem
pele um outro elétron. ao chão é muito pequena”. Devido às suas inter-
velocidades finitas, com a relação causa e efeito, Como postulamos que a velocidade da luz é cons-
e portanto com qualquer tentativa de harmoniza- tante em todas as direções, então a luz emitida na
ção com a relatividade restrita, como iremos ver. dianteira demora menos tempo a chegar à Alice
do que a emitida na traseira. Logo para ela, as
4.1 A luz é o limite duas explosões não são simultâneas.
A teoria da relatividade restrita era capaz de
A resposta a este aparente paradoxo seria dada explicar o movimento dos corpos e tinha as mes-
por Albert Einstein em 1905 [7]. Neste ano, Eins- mas propriedades de transformação entre dife-
tein publicou 4 artigos revolucionários. Em dois rentes observadores inerciais que o eletromagne-
deles, introduziu a teoria da relatividade restrita, tismo de Maxwell. Este conjunto de transforma-
que tornava a dinâmica dos corpos compatível ções chamam-se transformações de Lorentz. Es-
com o eletromagnetismo de Maxwell. Para tal, tas tinham já sido descobertas pelo físico holan-
assumiu dois postulados: dês Hendrik Lorentz (1853-1928), poucos anos an-
• Princípio da relatividade: as leis da física são tes da publicação de Einstein. Para além de Lo-
as mesmas para qualquer observador não su- rentz, também o matemático francês Henri Poin-
jeito a uma aceleração (também chamados caré assumiu um papel preponderante na formu-
de observadores ou referenciais inerciais); lação dos alicerces da relatividade restrita. Ainda
assim, ambos tiveram dificuldades na interpreta-
• Invariância da velocidade da luz : a veloci- ção física dos seus resultados, que só foi conse-
dade da luz é a mesma para qualquer obser- guida por Einstein.
vador, independentemente do movimento da A confusão é compreensível já que a relativi-
fonte de luz em relação a este. dade restrita vai contra o “senso comum”. Imagi-
nemos um relógio formado por dois espelhos em
Ao combiná-los, Einstein concluiu que o tempo paralelo um com o outro, entre os quais reflete
não tinha um caráter absoluto. O tique-taque um raio de luz. Os espelhos têm uma separação
de um relógio depende do seu estado de movi- L e um tique-taque deste relógio corresponde à
mento. Eventos simultâneos para um certo obser- viagem de ida e volta entre espelhos. Para um
vador não são necessariamente simultâneos para observador em repouso em relação aos espelhos,
outro. Como exemplo, Einstein imaginou a se- o raio de luz percorre uma distância 2L num in-
guinte experiência conceptual : o Roberto está tervalo tempo t = 2L/c. Agora imaginemos um
sentado numa paragem a ver o trem chegar. No outro observador que se move em relação aos es-
momento exato em que o Roberto está a meio do pelhos a uma velocidade constante v. Para este,
trem, dá-se uma explosão de luz em cada ponta os raios de luz vão descrever uma trajetória com
deste. Como a velocidade da luz é constante em um certo ângulo, percorrendo uma distância 2D,
todas as direções, e a distância que cada flash tem como indicado na Figura 4.
de percorrer é a mesma até chegar ao Roberto, a Como a velocidade da luz é constante, para este
luz emitida durante ambas as explosões demora observador o raio demora um intervalo de tempo
o mesmo intervalo de tempo a chegar o Roberto. t0 = 2D/c na viagem de ida e volta entre es-
Logo, ele vê as explosões ao mesmo tempo e para pelhos. Pelo teorema de Pitágoras, temos que D
si elas são simultâneas. é maior que L e por isso t0 é maior que t,
Já a Alice está dentro do trem e sentada exa- ou seja, o tique-taque do relógio do observador
tamente a meio dele. Como o trem está em mo- em movimento é maior do que o do observador
vimento, no intervalo de tempo que decorre entre em repouso. Como o tique-taque de um relógio
as explosões e a luz que delas emana chegar à determina a passagem do tempo, concluímos que
Alice, o trem e a Alice já se moveram um pouco para um observador em movimento o tempo di-
relativamente aos dois pontos em que ocorreram lata em relação a outro em repouso, segundo a
as explosões. Neste intervalo de tempo a Alice relação
aproxima-se do ponto onde se deu a explosão na t
frente do trem e afastou-se do ponto onde se deu t0 = p . (5)
1 v 2 /c2
a explosão na traseira. Consequentemente, a luz
que é emitida nas traseiras tem que viajar uma E o que acontece ao espaço? Tomemos uma ré-
distância superior à que é emitida na dianteira. gua de comprimento L, e ponhamos um relógio a
(a) (b)
Figura 4: Um relógio composto por 2 espelhos nos quais reflete um raio de luz. Um tique-taque do relógio é dado
pelo tempo que a luz demora no percurso de ida e volta de um dos espelhos. A Figura 4a é a perspectiva de um
observador parado relativamente aos espelhos, que mede um tique-taque de t = 2L/c. A Figura 4b é a perspectiva de
um observador que se move relativamente aos espelhos com uma velocidade v. Como a velocidade
p da luz é constante,
este observador mede um tique-taque de t0 = 2D/c. Pelo teorema de Pitágoras, temos que D = L2 + (v t0 /2)2 , ou
seja D > L e por isso t0 > t.
percorrer a régua de uma ponta à outra a uma ve- mundo é extremamente complexo e, invariavel-
locidade v. Para um observador que acompanhe o mente, qualquer teoria falha na descrição precisa
relógio, este demorará um certo tempo t a fina- de um certo fenômeno Nesse momento, é necessá-
lizar o percurso, o que significa que para este ob- rio construir uma outra teoria, mais geral, que es-
servador a régua tem um comprimento L = t v. tenda o paradigma vigente, numa espécie de ma-
Já para um observador sentado na régua, o reló- trioska intelectual. Parece frustrante admitir que
gio demorará um outro intervalo de tempo t0 a nunca iremos conhecer o que nos rodeia na sua
percorrer a régua. Para este, a régua deverá ter totalidade, mas esta é a motivação base que faz
um comprimento L0 = t0 v. Mas acabamos de um cientista levantar-se da cama todos os dias -
ver na equação (5) como é que t e t0 estão explorar o nosso conhecimento até ao seu limite,
relacionados. Desta relação, concluímos que L e na certeza e ânsia de que há sempre algo mais por
L0 se relacionam segundo desvendar.
p
L = 1 v 2 /c2 L0 . (6) No segundo artigo onde apresentou a teoria
da relatividade restrita, Einstein descreveu ou-
Para um observador em movimento, a régua é tra gedankenexperiment, onde concluía que um
mais curta do que para o observador em repouso corpo, ao emitir luz com uma certa energia E,
em relação a esta, ou seja, o espaço contrai rela- perde uma parte m da sua massa correspondente
tivamente a um outro observador em repouso. a E/c2 . A partir daqui inferiu que uma equiva-
Pensando desta forma, a relatividade parece lência entre massa e energia, o que deu à luz a
uma brincadeira de crianças. É, porém, de real- famosa igualdade E = mc2 . Ora, da experiên-
çar que estas brincadeiras vão contra a mecânica cia comum, quanto mais leve é um objeto menor
de Newton. Ainda que Newton tenha assumido é a sua inércia, ou seja quanto menor a massa
(implicitamente) o princípio da relatividade, não de um objeto, mais fácil é acelerá-lo. Por outro
tomou em consideração a invariância da veloci- lado, quanto maior a velocidade de um objeto,
dade da luz. Sem este último ingrediente, os re- maior é a sua energia. Como, segundo Einstein,
sultados das nossas experiências seriam distintos. energia é sinônimo de massa, que por sua vez é
Os efeitos previstos pela relatividade só são rele- sinônimo de inércia, então quanto maior é a ve-
vantes quando as velocidade relativas entre obser- locidade de um objeto, mais energia lhe temos
vadores são próximas da velocidade da luz, o que que fornecer para aumentar esta velocidade. Isto
não acontece à escala humana. No limite em que explica a dificuldade que há em atingir velocida-
as velocidades entre observadores são muito me- des próximas da luz. Atualmente, o máximo que
nores do que a velocidade da luz, a relatividade conseguimos atingir é no acelerador de partículas
restrita recupera a mecânica de Newton. LHC no CERN, na Suíça, onde prótons são acele-
Este é o destino de qualquer teoria física. O rados até uma velocidade de 99,999999% da velo-
cidade da luz. Caso conseguíssemos acelerar um livre vê o mundo ao seu redor como se não
astronauta até estas velocidades, um ano para ele houvesse gravidade.
corresponderia a 2236 anos terrestres! Para que
um objeto com massa atinja a velocidade da luz, Apliquemos o princípio a uma situação mais in-
é necessária uma quantidade infinita de energia. teressante. O Roberto atira-se de novo do morro
Invertendo o raciocínio, concluímos que a luz, por do Corcovado e enquanto cai acende uma lanterna
viajar à velocidade da luz, não pode ter massa. que emite luz com frequência f0 . A sua amiga
A velocidade da luz c define um limite máximo Alice ficou no topo do morro a ver o Roberto cair.
para quão rápido algo no universo se consegue À medida que o Roberto cai, a sua distância e ve-
propagar, ou seja, um limite para a velocidade de locidade aumentam em relação à Alice. Quando a
transmissão de informação. distância entre eles é z, o tempo que a luz emi-
Apesar de romperem drasticamente com o pa- tida pela lanterna demora a ir do Roberto à Alice
radigma vigente, estes novos conceitos sobre re- é t = z/c. Já durante este intervalo, o Roberto
latividade e equivalência massa-energia foram ra- adquire uma velocidade v = gt = z/c. Como
pidamente aceites pela comunidade científica de há uma velocidade relativa entre o Roberto e a
então. Ainda assim, o debate em torno das situa- Alice, a frequência f da luz que ela mede está re-
ções contraintuitivas que a teoria parecia permi- lacionada com f0 pela expressão para o efeito de
tir durou alguns anos. A contribuição definitiva Doppler. Para velocidades muito menores que a
para a sua compreensão foi dada por Hermann velocidade da luz, a expressão (4) simplifica para
Minkowski. Em 1908, este matemático alemão ✓ ◆
g z
construiu uma interpretação geométrica da rela- f= 1 f0 , (7)
c2
tividade restrita. Em vez de olhar para o uni-
verso como um conjunto de 3 dimensões espaciais ou seja a Alice vê luz com uma frequência me-
- comprimento, largura e altura - que evoluem no nor, e por isso mais vermelha que a emitida pelo
tempo, Minkowski considerou que o tempo podia Roberto.
e devia ser posto em pé de igualdade com as res- Ao olhar para esta expressão, Einstein
tantes coordenadas espaciais. O universo passava apercebeu-se de que o termo que provoca o des-
a ser constituído por 4 dimensões interligadas en- vio para o vermelho, g z/c2 , podia ser escrito
tre si, 1 temporal e 3 espaciais. Estava criado o como /c2 , em que é a diferença do po-
espaço-tempo de Minkowski, um espécie de lençol tencial gravítico sentido pela Alice e o Roberto.
completamente liso. O potencial gravítico descreve quão intensa é a
gravidade num determinado ponto do universo,
4.2 A mais bela das teorias independentemente do corpo que esteja sujeito a
Apesar da sua elegância e eficácia, a relativi- essa gravidade. A expressão (7) pode então ser
dade restrita não dizia nada em relação à gra- generalizada para
vidade. Por isso Einstein começou a pensar em ✓ ◆
como incluir a gravidade nesta descrição. A ideia t= 1+ 2 t0 , (8)
chave surgiu-lhe logo em 1907. Como vimos, Ga- c
lileu verificou que a aceleração gravítica a que um em que é um potencial gravítico arbitrário e
corpo está sujeito é independente da sua massa, em vez de escrevermos em termos da frequência
forma ou composição. Então imaginemos o se- da luz escrevemos em termos do seu período.
guinte: o Roberto deixa cair algumas pedras do Mas estes períodos podem ser simplesmente o
topo do morro do Corcovado, no Rio de Janeiro, e tique-taque de um relógio, portanto a passagem
imediatamente a seguir atira-se com elas. As pes- do tempo também é sensível à gravidade! Quanto
soas no topo do morro vêm tanto o Roberto como mais intensa é a gravidade (quanto maior ),
as pedras a irem em direção ao chão. Já para o maior é o tique-taque de um relógio em compara-
Roberto as pedras estão a flutuar em relação a si. ção com o de outro onde a gravidade é mais fraca.
Este raciocínio conduziu Einstein ao [8] Isto é o desvio gravitacional para o vermelho.
• Princípio da equivalência: um campo gravi- Por exemplo, como o potencial gravítico da
tacional uniforme é equivalente a uma acele- Terra diminui com a distância ao seu centro, en-
ração constante. Um observador em queda tão os nossos pés experienciam o tempo a passar
mais devagar que a nossa cabeça. Como o campo habita o espaço-tempo. Citando o físico John
gravitacional é relativamente fraco à superfície da Wheeler, “o espaço-tempo diz à matéria como se
Terra, esta diferença não é significativa. Mas o mover, e a matéria diz ao espaço-tempo como se
desvio gravitacional para o vermelho é fundamen- deformar”.
tal para o bom funcionamento do sistema GPS, De uma forma simplificada, um tensor é uma
do qual dependem os nossos smartphones, televi- generalização a várias dimensões do conceito de
sões e outros aparelhos. Este sistema de locali- vetor. Da mesma forma que a lei da gravitação
zação é constituído por 31 satélites em órbita a universal é uma equação vetorial para as 3 com-
uma altura de 20 180 quilômetros face à superfí- ponentes do vetor aceleração (as 3 dimensões es-
cie terrestre. Para que funcione bem, é necessá- paciais), as letras gregas µ e ⌫ representam índi-
rio calcular com grande exatidão o intervalo de ces que percorrem as 4 coordenadas do espaço-
tempo que decorre entre o sinal emitido por es- tempo. Apesar de poderem ser condensadas em
tes satélites e antenas receptoras à superfície da apenas uma linha, as equações de Einstein são
Terra. Para tal, os satélites possuem relógios atô- 10 equações não independentes entre si (10 ao in-
micos muito precisos, cujo tique-taque é diferente vés de 4 ⇥ 4 = 16 já que por razões de simetria
dos relógios à superfície da terra devido ao des- Gµ⌫ = G⌫µ , logo algumas equações são repeti-
vio gravitacional para o vermelho. Caso não se das). Por esta razão, é extremamente complicado
considerasse este efeito, ao fim de um dia de fun- arranjar uma solução geral para as equações de
cionamento, o GPS teria um erro acumulado de Einstein e muita da investigação feita hoje recorre
cerca 30 quilômetros nas posições que indica. É ao auxílio de supercomputadores. Ainda assim,
fascinante como uma ideia tão abstrata como o quando compreendida, é impossível não nos des-
princípio da equivalência acabaria por se tornar lumbrarmos, e são recorrentes considerações es-
tão necessário para o funcionamento do mundo téticas sobre a relatividade geral. Para quem as
como o conhecemos hoje. estuda, elas são tão belas como uma sinfonia de
Einstein também percebeu que era impossível Beethoven ou um quadro de Picasso.
representar o desvio gravitacional para o verme-
lho usando o espaço-tempo de Minkowski. Por 4.3 A relatividade geral posta à prova
esta razão, ele imaginou que a gravidade deveria
deformar a geometria do espaço-tempo da mesma A relatividade geral foi uma disrupção total do
forma que ao nos deitarmos num lençol esticado e paradigma científico e a comunidade científica re-
liso, ele afunda-se em torno de nós. Para falar de agiu com cepticismo. Era necessário comparar as
gravidade, é necessário um espaço-tempo curvo ideias de Einstein com experiências antes de se-
que distorça distâncias e intervalos de tempo. rem adotadas como a descrição certa da gravi-
Para descrever a gravidade como um efeito ge- dade.
ométrico, teve de recorrer à geometria diferencial, Como a gravidade deforma a geometria do
que tinha sido desenvolvida no séc. XIX por Carl espaço-tempo, na presença de massa, a linha mais
Gauss e seu aluno Bernhard Riemann. Esta disci- curta que une dois pontos deixa de ser uma reta.
plina da matemática é tecnicamente complexa, e Por exemplo, como a Terra é uma esfera, a linha
Einstein passou vários anos a tentar formalizar as mais curta que une o Rio de Janeiro a Lisboa é
suas ideias. Teve de recorrer até à ajuda de mate- uma curva ao longo da superfície terrestre. A es-
máticos como Marcel Grossmann e David Hilbert tas linhas de comprimento mínimo que unem dois
e diz-se que durante este período passava os dias pontos do espaço-tempo chamamos de geodésicas
fechado no quarto, abrindo a porta apenas para e são a generalização para geometrias não-planas
receber as refeições. Somente em 1915, já após do conceito de reta. As trajetórias que os aviões
algumas tentativas falhadas, Einstein apresentou descrevem são geralmente geodésicas, de forma a
as equações baptizadas com o seu nome [9]: minimizar o gasto de combustível. A luz também
obedece a uma propriedade de “minimização de
Gµ⌫ = 8⇡ Tµ⌫ . (9)
combustível”, já que como é a substância que se
O símbolo Gµ⌫ é o tensor de Einstein, e descreve propaga mais rapidamente no Universo, encon-
a geometria do espaço-tempo em cada ponto. Já tra sempre o caminho mais curto entre dois pon-
Tµ⌫ é o tensor de energia-momento, que está re- tos. Mas devido à deformação do espaço-tempo
lacionado com as propriedades da matéria que por objetos com massa, este caminho pode tam-
bém ser curvo, como as geodésicas à superfície é extremamente complexa, e esconde tesouros em
da Terra ou feitas pelos aviões. Este fenômeno é situações mais gerais.
conhecido como deflexão da luz.
Quanto maior a massa de um corpo maior a de-
flexão da luz que pode provocar. Um ser humano 5 Eles existem
é demasiado leve para que esta deflexão seja rele-
vante. Mas um planeta ou uma estrela possuem O próprio Einstein disse ser impossível chegar
massa suficiente para provocar um efeito obser- a uma solução geral destas equações, sem a ne-
vável. O objeto mais massivo próximo da Terra cessidade de recorrer a uma qualquer aproxima-
é o Sol. Segundo Einstein, um raio de luz a rasar ção. Demorou apenas meses a ser desmentido.
a superfície do Sol, emitida por uma estrela que Em 1915, Karl Schwarzschild obteve uma solução
esteja atrás deste, deveria defletir segundo 1,75 exata das equações de Einstein, na ausência de
segundos de arco (1 segundo de arco é uma me- matéria. A solução de Schwarzschild descrevia o
dida de ângulo correspondente a 1/60 de 1 grau), campo gravitacional no exterior de um corpo esfe-
o suficiente para ser observado com a tecnologia ricamente simétrico. Porém, nas coordenadas es-
disponível na altura. féricas de Schwarzschild, existiam patologias em
duas localizações distintas: uma na origem, e ou-
Em 1916, os astrônomos Frank Dyson e Arthur
tra em RSchw = 2GM/c2 - estranhamente o valor
Eddington aperceberam-se da oportunidade para
do raio das estrelas negras de Michell. Patolo-
medirem a deflexão da luz durante um eclipse so-
gias normalmente significam algo de errado, com
lar previsto para 29 de maio de 1919. Este eclipse
o modelo ou com a teoria. Durante os 50 anos
era particularmente propício para esta observa-
seguintes os físicos debruçaram-se sobre o signi-
ção, já que o Sol estaria à frente do agrupamento
ficado desta solução. Como iremos ver, ela des-
de estrelas Hyades, um dos agrupamentos estela-
creve um buraco negro sem rotação, e o raio de
res mais próximos da Terra e por isso mais lumi-
Schwarzschild é o horizonte de eventos, uma es-
nosos e melhor estudados. O eclipse seria obser-
pécie de “superfície” que delimita uma região do
vável ao longo de um percurso de 12 mil quilô-
espaço-tempo onde a gravidade é tão forte que
metros desde a costa este da América do Sul até
nem a luz consegue escapar. Nada de errado se
à costa oeste de África. Foram organizadas duas
passa no horizonte de eventos, é apenas uma su-
expedições para observar o eclipse, uma em So-
perfície que separa duas regiões completamente
bral no Brasil, encabeçada pelos astrônomos An-
diferentes, e que impossibilita comunicação do in-
drew Crommelin e Charles Davidson, e outra em
terior com o exterior. Já a patologia na origem,
Sundi na ilha de Príncipe do arquipélago de São
essa continua lá...e é necessário um censor cós-
Tomé e Príncipe, liderada pelo próprio Edding-
mico para a curar, como falaremos.
ton. Durante o eclipse, que durou 5 minutos e
2 segundos, as duas expedições fotografaram a
posição das estrelas de Hyades no céu. Depois, 5.1 Formação de buracos negros
levaram estas fotografias de volta para Inglaterra Inicialmente, pensou-se que a patologia em
e compararam-nas com fotografias recolhidas à RSchw não teria sentido físico, porque nenhum as-
noite, quando o Sol não influenciaria os raios de tro poderia ser tão compacto. Para um objeto es-
luz emitidos por Hyades. Após 5 meses de aná- tar dentro do seu raio de Schwarzschild, teria que
lise, os resultados foram anunciados a 6 de novem- ter uma densidade muito maior do que as densi-
bro de 1919 numa reunião da Royal Society em dades então. Na Tabela 1, apresentamos o raio
Londres [10, 11]: a previsão da relatividade geral de Schwarzschild e respectivas densidade para di-
confirmava-se. Os jornais da época anunciavam ferentes massas. Estas densidades são tão mons-
uma “revolução na ciência,” e assim foi. truosas que a primeira reação é simplesmente ig-
A teoria de Einstein foi testada exaustivamente norar tais soluções. Até cerca de 1920, pensava-se
durante décadas, e sucessivamente confirmada ser impossível comprimir matéria até densidades
com experiências cada vez mais sofisticadas...mas muito maiores do que a da água. Portanto, uma
sempre em situações onde o campo gravitacional estrela com um raio de Schwarzschild seria uma
/c2 era pequeno (em particular /c2 . 10 6 no solução curiosa do ponto de vista intelectual, mas
sistema solar). Mas a teoria da relatividade geral que não deveria existiria no Universo. Em 1914-
Tabela 1: Raios de Schwarzschild e densidades correspondentes para estrelas com diferentes massas. A massa do Sol é
aproximadamente M ⇠ 2 ⇥ 1030 kg.
1915, chegou a primeira contradição destes pres- complicado, mas grosso modo isto parece aconte-
supostos. Ao estudar a luz emitida por várias es- cer a estrelas como o Sol. Ao diminuir de tama-
trelas, o astrônomo Walter Adams concluiu que nho, a densidade destas estrelas vai se tornando
duas delas – Sirius B e 40 Eridani B, respecti- cada vez maior, e os átomos que as constituem
vamente - eram extremamente densas. Estas es- estão cada vez mais próximos. Neste momento,
trelas tinham massas semelhantes à massa do Sol um novo mecanismo de pressão entra em jogo.
mas estavam comprimidas num raio semelhante Para além de uma revolução na gravidade, a
ao raio da Terra. Isto corresponde a densidades primeira metade do século XX ficou marcado pelo
da ordem de dez a cem mil vezes a densidade da advento da mecânica quântica, a teoria que expli-
água. Uma colher de chá com material destas cava a natureza a escalas muito reduzidas, como
estrelas pesaria 10 toneladas! Estas estrelas são as do átomo. Com a mecânica quântica desco-
hoje conhecidas como anãs brancas e são o estado brimos que os átomos são constituídos por um
final de estrelas semelhantes ao nosso Sol. núcleo à volta do qual existe uma “nuvem” de
Mas o que suportaria estas estrelas tão densas? partículas com carga elétrica negativa: os elé-
A estrutura e forma dos astros, como a Terra e trons. Percebeu-se que estas partículas são férmi-
o Sol, é ditada pela gravidade. Para que o equi- ons, isto é, são partículas que obedecem ao prin-
líbrio seja atingido é necessário que haja forças cípio da exclusão de Pauli. Este dita que dois fér-
de pressão que contrariem a gravidade do próprio mions não podem estar no mesmo estado quân-
astro, da mesma forma que o ar nos nossos pul- tico. Como consequência, ao esmagarmos dois
mões previne que o nosso peito colapse. No caso elétrons, tentando obrigá-los a ocupar o mesmo
da Terra, a pressão no seu centro é garantida pe- estado, eles exercem uma pressão contrária. Esta
las forças eletromagnéticas e agitação térmica dos é a pressão de degenerescência e é o mecanismo
constituintes do núcleo de ferro. Esta é 4 milhões que confere a estabilidade às anãs brancas.
de vezes maior que a pressão atmosférica. A pres- Ainda assim, seria a pressão de degenerescência
são e temperaturas são tão altas que liquefazem imbatível? Após trabalhos preliminares de Ed-
o centro da Terra. Mas para uma estrela como mund Stoner e Wilhelm Anderson, o físico indi-
o Sol, as pressões são tão altas que o material ano Subrahmanyan Chandrasekhar provou a exis-
da estrela é reduzido aos seus constituintes fun- tência de um limite máximo para a massa de uma
damentais: átomos, elétrons e prótons, em agi- anã branca [12]. Eles encontraram o mesmo as-
tação térmica num um gás a altas temperaturas pecto curioso, resumido na Figura 5: existe um
chamado de plasma. A pressão é fornecida sobre- limite máximo para a massa das estrelas. Este
tudo pelo movimento do plasma e por radiação é o limite de Chandrasekhar e vale cerca de 1,4
eletromagnética, ou seja, luz. Esta é alimentada vezes a massa do Sol. Ao ultrapassar esta massa,
por reações nucleares, nomeadamente a combina- uma anã branca não é capaz de ser suportada
ção de átomos de hidrogênio para formar átomos pela pressão de degenerescência e colapsa sobre
de hélio. São estas reação que geram a luz que si mesma.
vemos na Terra. Apesar de vir a ser agraciado com prêmio No-
O que acontece quando os ingredientes necessá- bel de Física em 1983, os resultados de Chandra-
rios para as reações nucleares nas estrelas, como o sekhar não foram tidos em grande consideração
hidrogênio, se esgotam? Nesse caso, a pressão que pelos seus colegas. O próprio Eddington argu-
advém da radiação eletromagnética deixa de exis- mentou que “deveria existir uma lei da Natureza
tir, a estrela começa a arrefecer e deveria colapsar que previne a estrela de se comportar de forma
sobre si mesma. O processo é ligeiramente mais absurda”. De fato, havia ainda mais física a ser
14
12
20
10
Raio (1000 km)
Raio (Km)
8
RTerra 40 Eri B
6 Sirius B 10
PSR 1913+16
4
0
0 1 2
0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 1.2 1.4
Massa(M/M )
Massa(M/M )
(a) (b)
Figura 5: O diagrama massa-raio para anãs brancas (suportadas por pressão de elétrons, à esquerda) e estrelas de
nêutrons (suportadas por pressão dos nêutrons, à direita). A massa do Sol está representada como M . A espessura
da linha traduz a incerteza na composição exata da estrela. O diagrama mostra algumas estrelas conhecidas. O raio
das anãs brancas é comparável com o da Terra, mas a sua massa é milhares de vezes superior, da ordem da massa do
Sol. Para as estrelas de nêutrons, o raio é da ordem de apenas alguns quilômetros Em ambos os casos, e usando a física
conhecida hoje, a estrela não pode ter mais do que a massa de três sóis.
considerada. Em 1932, James Chadwick provou o desvio gravitacional para o vermelho era infi-
experimentalmente a existência do nêutron, uma nito, ou seja um observador no infinito veria a
partícula de carga elétrica neutra presente no nú- superfície da estrela a congelar nesse raio. Isto
cleo dos átomos, muito mais pesada que um elé- era uma propriedade análoga à das estrelas ne-
tron [13]. O nêutron também é um férmion e por gras de Michell. Por esta razão, chamaram a es-
isso também obedece ao princípio da exclusão de tes objetos de estrelas congeladas. Hoje em dia,
Pauli, pelo que apresenta o mesmo tipo de pres- chamamos-lhes buracos negros.
são de degenerescência que o elétron. Assim, uma Em suma, existe um mecanismo padrão para
anã branca que ultrapasse o limite de Chandra- formar buracos negros no Universo. As estrelas
sekhar pode continuar a colapsar até atingir den- nascem e vivem milhões de anos a queimar com-
sidades da ordem da densidade nuclear, momento bustível nuclear. Quando este se esgota, se fo-
em que os elétrons se combinam com os prótons rem suficientemente massivas, dão origem a uma
livres para formar nêutrons e a pressão de degene- estrela de nêutrons que facilmente pode resultar
rescência destes é capaz de suportar uma estrela num buraco negro se estiver a captar material de
de nêutrons. Estas estrelas têm densidades 1014 outra estrela. Um buraco negro é uma solução
vezes maior que a densidade da água, com mas- das equações de Einstein, tal como um planeta
sas semelhantes à massa do Sol comprimidas em como a Terra o é, e é a solução que descreve o
apenas uma dezena de quilômetros fim de todas as estrelas suficientemente velhas e
O que acontece a uma destas estrelas, quando massivas. Logo, os buracos negros devem ser ob-
no limite de massa, lhe adicionamos uma pitada jetos muito comuns no nosso Universo.
de sal? Em 1939, Robert Oppenheimer e George Apesar destes resultados serem robustos, tanto
Volkoff mostraram que também há um limite má- estrelas de nêutrons como buracos negros conti-
ximo de massa que uma estrela de nêutrons con- nuaram a ser tomados como uma curiosidade in-
segue suportar [14]. Ultrapassado este limite - o telectual, pouco plausível de realmente existir no
limite de Tolman-Oppenheimer-Volkoff - ela tam- mundo. Com o deflagrar da 2ª Guerra Mundial,
bém colapsa sobre a sua própria gravidade. O a investigação na gravitação desacelerou de so-
próprio Oppenheimer em colaboração com o seu bremaneira e muitos dos intervenientes referidos
aluno Hartland Snyder obteve uma solução exata envolveram-se no Projeto Manhattan para o de-
das equações de Einstein que descrevia uma es- senvolvimento da bomba atômica
trela sem pressão a colapsar [15]. Compreende- O interesse da comunidade científica nestas
ram que quando a estrela era comprimida para matérias foi reavivado em 1967, quando Jocely
um raio menor que o seu o raio de Schwarzschild, Bell Burnell, uma estudante de doutoramento em
cia mostra porque é impossível provar realmente que não se possa provar a existência do horizonte
que buracos negros existem: qualquer aparelho de eventos, podemos fazer testes à teoria com-
que enviemos para fazer o teste demora, segundo parando a previsão da relatividade geral para a
os nossos relógios, um tempo infinito a atraves- trajetória da luz com as imagens obtidas pelos
sar o horizonte de eventos. . . nós e toda a nossa telescópios.
civilização estaríamos mortos antes de saber o re-
sultado de tal experiência. O horizonte de even- 5.3 Cisne X-1: a aposta
tos representa, de uma certa maneira, um fim do
tempo como o conhecemos. As propriedades que descrevemos são o nosso
Agora é fácil de entender o que acontece a uma guia na busca de buracos negros no universo
estrela a colapsar. O seu brilho diminui progres- usando telescópios normais. O primeiro objeto
sivamente, até que se extingue. Não é que a luz a ser identificado como um excelente candidato a
volte necessariamente para trás, como na pers- buraco negro foi uma fonte de raios-X a apenas 6
pectiva de Michell. Simplesmente, é desviada anos-luz de distância, batizada de Cisne X-1. Os
para frequências cada vez mais baixas e cada vez raios-X foram detectados pela primeira vez du-
com menos energia, ou seja, menos brilhantes. rante os anos 60 usando contadores de Geiger em
mísseis lançado para o espaço, já que os raios-X
Como vimos, a gravidade consegue defletir a
não penetram na atmosfera terrestre [17].
luz. Este efeito pode ser dramático ao pé de bu-
Já em 1971, diferentes grupos anunciaram a
racos negros: um feixe de luz emitido tangen-
descoberta de uma estrela brilhante a emitir on-
cialmente ao círculo claro da Figura 6, o cha-
das de rádio mais ou menos na mesma posição
mado anel de luz que está localizado a um raio
da fonte de raios-X. Outras estrelas semelhantes
RLuz = 3GM/c2 , permanece em órbita circular!
a essa não emitem raios-X, portanto supôs-se que
A teoria de Newton também permite anéis de luz,
a estrela teria um companheiro que causa essa
só que prevê que este se encontra precisamente a
emissão. Pela análise da luz emitida pela estrela
meio caminho entre o centro e o ponto de não
brilhante ao longo do tempo, é possível estudar
retorno da luz, ou seja nunca seria visível. Na te-
a sua órbita. Conclui-se que ela tem um período
oria de Einstein o anel de luz é responsável pela
orbital de 5.6 dias e uma massa de cerca de 20
aparência dos buracos negros.
sóis, enquanto o companheiro invisível teria uma
Apesar da luz poder percorrer órbitas circu- massa de cerca de 20 sóis. Isto levou o físico
lares à volta do buraco negro, esta órbitas são Kip Thorne a apostar com Stephen Hawking, em
instáveis. Qualquer pequena perturbação leva-as 1974, que o companheiro seria um buraco negro.
a cair no buraco negro ou a escapar para zonas Porquê? Em primeiro lugar, este companheiro é
distantes. Esta é a grande diferença para a te- muito pequeno e escuro. Tendo uma massa su-
oria de Newton, onde todas as órbitas circulares perior a 3 sóis, não pode ser uma anã branca ou
do problema de dois corpos são estáveis. Isto sig- uma estrela de nêutrons. Em segundo lugar, a
nifica que não esperamos observar nenhuma ma- emissão dos raios-X é periódica, variando em es-
téria junto ao buraco negro. Órbitas circulares calas de tempo de 0.001 segundos. Neste inter-
estáveis para objetos com massa são apenas pos- valo de tempo a luz só percorre 300 quilômetros
síveis na zona cinzenta da Figura 6. A fronteira A explicação mais razoável para tudo isto é que
dessa zona corresponde a um raio R = 6GM/c2 , o companheiro é um buraco negro, com material
o raio da última órbita estável. Se um buraco em órbita, perto da última órbita estável, e este
negro fosse iluminado, toda a luz que penetra no material emite raios-X ao ser acelerado. Stephen
anel de luz seria absorvida. Portanto, a sombra Hawking deu-se por vencido ao saber as caracte-
de um buraco negro é ditada pelo anel de luz, e rísticas de Cisne X-1. Contudo, a surpresa maior
não pelo horizonte de eventos. estava para vir. . .
A famosa imagem do buraco negro M87* apre-
sentada em 2019 - um buraco com uma massa 5.4 Sagitário A*: o centro da galáxia
de 6 bilhões massas solares - é na verdade uma
imagem de luz que orbita em torno deste objeto Durante mais de vinte anos, astrônomos na
e vai escapando para longe dele. Por definição, Alemanha e Estados Unidos estiveram à espreita
é impossível fotografar um buraco negro! Ainda do centro da nossa galáxia, a fotografar pacien-
cada dedo, braço ou perna, quantos cabelos tem, dade - a chamada condição de energia nula - en-
que penteado usa, o traço dos lábios... uma lista tão sempre que se forma um horizonte de eventos,
infindável de variáveis. Já se dois buracos ne- as geodésicas para a luz são incompletas para o
gros tiverem a mesma massa, a mesma carga e futuro, isto é têm um ponto onde terminam e a
rodarem ao mesmo ritmo, então são gémeos exa- partir do qual não podem ser estendidas para o
tamente idênticos. Nenhuma experiência feita no futuro. Este ponto final é justamente a singulari-
exterior do buraco negro os conseguiria distinguir. dade. Esta é inexplicável pelas leis da Natureza
Para os maquiavélicos, podíamos tentar enga- que hoje conhecemos. Isto é, eles abrigam a falha
nar a Natureza deixando cair uma bola de futebol da descrição clássica da gravidade, a mesma que
no buraco negro. Todos nós distinguimos um rel- prevê a existência dos próprios buracos negros. A
vado com uma bola de outro sem. Isto também importância deste resultado foi reconhecida pelo
é verdade para buracos negros: enquanto a bola Comitê Nobel em 2020, ao atribuir a outra me-
cai, é claramente possível dizer que aquele buraco tade do prêmio Nobel de Física a Penrose. Foi a
negro é diferente de um outro sem bola a cair. primeira vez na história que este prêmio foi atri-
Mas à medida que esta se aproxima do horizonte buído devido a um trabalho puramente matemá-
de eventos, então toda a informação que resta é tico.
apenas e unicamente a da massa, carga e rotação As singularidades impedem-nos de ter uma te-
do buraco negro que engoliu a bola. A cor da oria plenamente funcional, que necessita, prova-
bola, o material que a constitui, se é ligeiramente velmente, de ser corrigida com efeitos quânticos.
achatada ou não, perde-se irremediavelmente no Mas para que serve então a teoria, se o nosso uni-
interior do buraco negro. Isto é, o horizonte de verso está populado com buracos negros? Aqui
eventos de todos os buracos negros em equilíbrio entra o horizonte de eventos: dado que nada pode
é uma “superfície” (na realidade não existe super- sair de um buraco negro, as singularidades den-
fície, estamos a lidar com o vácuo) perfeitamente tro destes não afetam a causalidade fora do ho-
polida. Não existem montanhas em buracos ne- rizonte de eventos, onde vivemos. Portanto os
gros. É costume por isso dizer-se que os buracos buracos negros protegem-nos das falhas da relati-
negros não têm cabelo, onde “cabelo” representa vidade geral, por assim dizer. O que acontece se
a informação que normalmente associamos a ob- houver uma singularidade que não esteja prote-
jetos terrestres. gida por um horizonte de eventos, isto é que seja
nua? Pode estar nesta folha, por exemplo? Então
5.6 Censura cósmica toda a região do espaço-tempo que esteja causal-
mente relacionada com este ponto, ou seja que
A singularidade no interior dos buracos negros possa ser atingida por um raio de luz que saia
é um problema: a descrição da gravidade não desta singularidade, deixa de ser determinística
pode ser a correta se prevê campos gravitacionais Não poderíamos inferir, com base nas condições
infinitos, ou se as próprias equações deixam de fa- atuais, o que aconteceria no futuro. O princípio
zer sentido porque não conseguem fazer previsões. indutivo no qual assenta o método científico cai-
De fato, até aos anos 60 pensava-se que a singula- ria completamente. Esta situação levou Penrose a
ridade que aparecia no centro de um buraco negro tentar salvar a teoria, conjecturando que em geral
se devia às simetrias que eram assumidas para o não há singularidades nuas no Universo, ou seja
sistema. Por exemplo, o colapso de Oppenheimer elas estão todas escondidas por detrás de um ho-
e Snyder descrevia uma estrela com simetria esfé- rizonte de eventos. Esta é a conjectura da censura
rica, ou seja igual vista de todos os ângulos. Mas cósmica e no dia em que escrevemos permanece
talvez se a estrela tivesse a rodar ligeiramente, a sem resposta definitiva [25–27].
força centrífuga inerente a essa rotação poderia
prevenir o aparecimento de patologias.
Porém, em 1965, o matemático britânico Ro-
6 Ouvir buracos negros
ger Penrose deitou por terra esta ideia ao provar
o seu teorema da singularidade [18, 23]. Numa E agora voltamos à Máquina do Mundo. Pense-
linguagem matemática, este teorema afirma que mos no sistema Terra-Sol. A informação, trans-
se no Universo os raios de luz forem sempre con- portada pela luz, demora cerca de 8 minutos a
centrados e nunca afastados entre si pela gravi- chegar do Sol ao nosso planeta. A relatividade
presentes em binárias, onde os dois constituintes parte dos sistemas astrofísicos. À medida que va-
orbitam em torno um do outro. Consideremos mos considerando objetos com mais massa e a
o caso mais simples de dois corpos com massa mover-se a velocidades mais elevadas, a energia
M a descreverem trajetórias circulares em torno aumenta e a teoria de Newton dá lugar à rela-
de um centro comum, a uma distância R entre tividade geral. Como vimos, esta prevê as suas
si. Estando sujeitos à gravidade um do outro, es- próprias limitações ao admitir singularidades no
tes corpos aceleram, e por isso alteram a direção espaço-tempo. A crença geral é que deverá exis-
do seu movimento. Consequentemente, a binária tir uma teoria ainda mais geral, que englobe a
emite ondas gravitacionais, que para além de de- relatividade geral e descreva a gravidade a dis-
formarem o espaço-tempo, também transportam tâncias muito pequenas de forma a explicar as
energia. A potência P associada a esta emissão, singularidades, ou seja a escalas de energia ainda
ou seja, a energia que é transportada por uni- maiores. Para a conseguirmos obter, precisamos
dade de tempo pelas ondas emitidas, obedece à de dados experimentais que nos permitam testar
chamada fórmula do quadrupolo a relatividade geral em situações extremas. Por
esta razão, há a expectativa de observar novos
64 G4 M 5
P= . (12) fenômenos com ondas gravitacionais.
5 c5 R 5 Estas ondas praticamente não interagem com
Existem dois aspectos importantes acerca deste o meio onde se propagam, ao passo que a radi-
resultado. Para que a emissão em ondas gravi- ação eletromagnética é muito mais susceptível a
tacionais seja relevante, a distância R entre os perturbações ao longo da sua viagem, como por
corpos deve ser o mais pequena possível, e a sua exemplo o bloqueio por poeira interestelar. As-
massa o maior possível. Temos que ter muita sim, as ondas gravitacionais que chegam à Terra
massa em pouco espaço...precisamos de buracos trazem consigo informação pura sobre o sistema
negros, ou estrelas de nêutrons. Em segundo lu- onde foram criadas.
gar, este resultado só se refere a órbitas circula-
res. Contudo, a emissão de ondas gravitacionais 6.3 Hulse-Taylor
tende a “circularizar” a órbita de binárias, pelo
que o resultado acaba por ser bem mais geral. A interação tão fraca entre ondas gravitacio-
Tomemos dois buracos negros, cada um com nais e a matéria é um problema quando quere-
massa semelhante ao nosso Sol, que estejam pres- mos detectar estas ondas. Como sabemos que
tes a colidir um com o outro. Neste, caso pode- elas existem? Como é que as apanhamos?
mos tomar como massa M = 5M e a distância Um dos princípios fundamentais da física é o
entre eles é duas vezes o seu raio de Schwarzschild. da conservação da energia. Se as ondas gravita-
Substituindo na fórmula do quadrupolo, obtemos cionais transportam energia, então ela tem de ser
uma potência de 5 ⇥ 1050 Watts, um valor muito extraída de algum lado. Como a única fonte de
maior que a luminosidade do Sol. Sabendo que energia no sistema é a própria binária, a energia
há cerca de 1011 estrelas na nossa galáxia, e cerca total é a soma da energia cinética devido ao mo-
de 1010 galáxias no Universo visível, então po- vimento dos dois corpos e da energia potencial
demos estimar que a potência emitida por todas associada à interação gravítica entre eles,
as estrelas no Universo visível deverá ser da or-
1 GM
dem de 1010 ⇥ 1011 ⇥ L = 3 ⇥ 1047 Watts. Um EBin = . (13)
2 R
simples par de buracos negros a orbitar perto um
do outro emite mil vezes mais energia em ondas Se nenhum dos corpos estiver a perder massa e
gravitacionais que todas as estrelas conhecidas! sendo G uma constante, então a única quanti-
Esta libertação monstruosa de energia torna o dade variável é a distância R entre os dois cor-
estudo de ondas gravitacionais um dos tópicos pos. Portanto, a separação entre os corpos vai
mais excitantes da física moderna. O Universo evoluir devido à emissão de ondas gravitacionais.
pode ser separado em diferentes escalas de ener- Em particular, R tem de decrescer, os corpos
gia. No caso da gravidade, a teoria de Newton aproximam-se. Assim, a atração gravitacional en-
descreve bem o Universo a baixas velocidades e tre eles torna-se mais forte, e os corpos orbitam
campos gravitacionais fracos, o que corresponde a velocidades cada vez mais elevadas, radiando
a baixas energias. Este regime é válido na maior ainda mais ondas gravitacionais. O destino desta
dança, caso nenhum dos corpos seja destruído por a percorrê-los é diferente. Este é o princípio de
forças de maré, é uma colisão. Esta evolução está funcionamento subjacente aos interferômetros de
mostrada na Figura 8. ondas gravitacionais. Enquanto o interferômetro
Em 1974, os astrônomos americanos Russell de Michelson-Morley tinha apenas alguns metros,
Hulse e Joseph Taylor Jr. detectaram um pul- os detectores de ondas gravitacionais estendem-
sar a 21 mil anos-luz da Terra, com um período se por quilômetros, já que a variação da distân-
de rotação muito bem definido de 59 milissegun- cia é proporcional ao tamanho do detector [ver
dos Porém, este pulsar apresentava um compor- Eq. (11)]. Mesmo assim, as ondas gravitacionais
tamento distinto dos observadas até então. Às que atingem a Terra provocam uma variação no
vezes, os pulsos chegavam mais cedo e outras ve- comprimento dos seus braços de uma fracção do
zes mais tarde. Estas variações pareciam ser pe- tamanho de um elétron. Estes instrumentos têm
riódicas no tempo, repetindo-se a cada 7,75 ho- por isso de ser extremamente precisos, o que obri-
ras. Hulse e Taylor acabaram por concluir que gou ao desenvolvimento de lasers potentes, e es-
este comportamento era consistente com a pre- pelhos perfeitos capazes de refletir a luz sem per-
sença do pulsar numa binária. Esta é constituída das. Esta tecnologia está já a ser aplicada na
pelo próprio pulsar e por outra estrela de nêu- indústria, o que é mais um exemplo dos dividen-
trons (não magnetizada, logo não emite os pulsos dos que a sociedade pode retirar do investimento
de luz periódicos característico do pulsar), ambas em ciência fundamental.
com uma massa de 1,4 massas solares. Como os
pulsares funcionam como relógios muito precisos, Em 1994, já após a construção de vários protó-
Hulse e Taylor conseguiram medir a diminuição tipos e feitos os devidos testes, o consórcio LIGO
no período da binária devido à emissão de ondas (do inglês Laser Interferometer Gravitational-
gravitacionais. Ao fim de 4 anos, publicaram os Wave Observatory) assegurou um financiamento
primeiros resultados, e a diminuição do período de 395 milhões de dólares para a construção de 2
da órbita - 76,5 microssegundos por ano - concor- interferômetros. Um foi construído em Livings-
dava com a prevista pela fórmula do quadrupolo. ton, Louisiana, no sudeste dos EUA enquanto
Esta foi a primeira detecção (ainda que indi- o outro foi colocado em Hanford, Washington,
reta) de ondas gravitacionais, e deu direito ao prê- 30000 quilômetros a noroeste. Cada um é consti-
mio Nobel de Física em 1993. Segundo os dados tuído por dois braços de 1 metro de diâmetro e 4
mais recentes, a diminuição do período corrobora quilômetros de extensão, que fazem um ângulo de
a relatividade geral com uma possível discrepân- 90º entre si, e que são percorridos por lasers em
cia de apenas 0,16 %. vácuo. Quando uma onda gravitacional atinge a
Terra, os dois braços variam ligeiramente o com-
primento de forma distinta, o que pode ser de-
6.4 A detecção direta de ondas
tectado a partir do tempo de chegada dos lasers.
gravitacionais
A diferença entre a distância percorrida pelos la-
As forças de maré induzidas pela passagem de sers é recolhida ao longo do tempo e comparada
uma onda gravitacional, alteram as distâncias en- com as previsões da relatividade geral, num pro-
tre corpos (como forças que são). Como vimos, cesso semelhante ao que é efeito para a verificação
mesmo para corpos livres esta alteração é mi- de assinaturas. Apesar de se tratar de instru-
núscula. Apesar de existirem eventos cataclísmi- mentos muito precisos, estão sujeitos a ruído que
cos no Universo que geram uma enorme quanti- perturba o sinal. A baixas frequências (menores
dade de ondas gravitacionais, a amplitude des- que 10 Hz) o sinal é dominado pela vibração da
tas é inversamente proporcional à distância que Terra. Já a altas frequências (maiores que 1000
percorrem. Assim, as ondas gravitacionais che- Hz), o ruído é causado pelo chamado shot noise,
gam à Terra com amplitudes fracas. Precisamos que ocorre devido a flutuações aleatórias na in-
de um instrumento que detecte variações de dis- tensidade dos lasers. Assim, há uma banda de
tância de forma muito precisa: o interferômetro frequências de 10-1000 Hz onde estes aparelhos
de Michelson-Morley. Como vimos, esta experi- podem operar. Havendo mais do que um, torna-
ência permite comparar o tempo que a luz de- se muito improvável que um evento semelhante
mora a percorrer dois percursos. Se os percur- detectado por ambos não se deva a uma onda gra-
sos forem diferentes, o tempo que a luz demora vitacional, ou seja, previnem-se falsas detecções.
Sabendo a separação entre os interferômetros e só. As ondas gravitacionais geradas nesta dança
que as ondas gravitacionais viajam à velocidade começaram então uma viagem pelo espaço e pelo
da luz, é também possível prever a diferença no tempo.
tempo entre os sinais detectados nos dois instru-
No entanto, num planeta longínquo, a física,
mentos. Quando este é suficientemente parecido
a química e a biologia conspiravam para formar
com um sinal previsto pela teoria, e é detectado
sistemas vivos cada vez mais complexos. Há 85
em ambos os interferômetros, diz-se que houve a
milhões de anos apareciam os primeiros prima-
detecção de um evento.
tas, que eventualmente deram origem ao Homo
Apenas em setembro de 2015 o LIGO detec-
Sapiens. Nutridos de uma curiosidade inata, os
tou o primeiro evento. Após análise dos dados,
humanos tentavam compreender o mundo que os
conclui-se que este tinha sido criado por uma co-
rodeia. Arranjaram uma linguagem - a Matemá-
lisão entre 2 buracos negros de 29 e 36 massas
tica - para descrever os fenômenos físicos. Per-
solares a 1,3 bilhões de anos luz de distância, que
ceberam que as coisas invariavelmente caíam no
formaram um buraco negro com 60 massas sola-
chão e quiseram perceber o como e o porquê. Há
res. O sinal deste evento durou 0,2 segundos e
300 anos atrás, quando as ondas formadas na tal
está representado na Figura 8.
colisão estavam a 3 ⇥ 1015 quilômetros de dis-
A produção e detecção de ondas eletromagnéti- tância da Terra, Newton formalizava a primeira
cas foi feita por Hertz no laboratório, uma década teoria da gravidade. Volvidos 100 anos, Michell
depois de Maxwell as ter previsto. A detecção di- descrevia um protótipo dos buracos negros que
reta de ondas gravitacionais demorou um século, tinham colidido. Mais um século passado, Eins-
e foi celebrada em todo o mundo como um acon- tein corrigia as falhas de Newton e previa a exis-
tecimento científico sem precedentes. Era a pri- tência destas ondas gravitacionais, que estavam
meira oportunidade na história para testar a te- agora a apenas 100 anos de chegar à Terra. Há
oria da relatividade geral em regimes de campos 50 anos, iniciavam-se esforços para construir um
gravitacionais muito fortes. A experiência LIGO instrumento que permitisse detectá-las. Apenas
foi recompensada com o prêmio Nobel de Física uns dias antes destas chegarem à Terra, este ins-
de 2017, atribuído a três físicos profundamente trumento era finalmente ligado para cumprir o
envolvidos na experiência: Rainer Weiss, Barry seu objetivo. O sucesso que foi a detecção direta
Barish e Kip Thorne. Desde 2015, foram cons- de ondas gravitacionais não pode ser atribuído
truídos mais interferômetros e à data foram de- apenas a Newton, Einstein ou outras individua-
tectados 50 eventos de ondas gravitacionais. Até lidades. É o culminar dos esforços de toda uma
agora, nenhum deles evidenciou algo que a rela- espécie, cuja racionalidade veio acompanhada de
tividade geral não pudesse explicar. Mesmo após uma fome incessável de fazer perguntas. É um
100 anos e sujeita a testes cada vez mais preci- percurso feito a partir da morte e vida de estre-
sos, a teoria de Einstein permanece de pedra e las, teorias e acima de tudo pessoas.
cal como o paradigma científico para descrever a
gravidade. Nas próximas décadas, os interferômetros em
operação vão ser melhorados e novos instrumen-
tos, com melhor tecnologia vão ser construídos.
Em 2034-2040, a Agência Espacial Europeia pla-
7 Uma nova era de ouro
neja lançar a experiência LISA (do inglês Laser
A história da gravidade não começou a ser for- Interferometer Space Antenna). A LISA será um
jada no século passado, nem no anterior. Nem interferômetro no espaço, constituído por 3 saté-
sequer neste milênio. Esta história é anterior à lites a orbitar a Terra, à mesma distância desta
própria humanidade. Começou a ser escrita com que do Sol. As vantagens de ter um instrumento
o nascimento do Universo, e continuou com as pri- destes são óbvias. No espaço não há sismos a in-
meiras estrelas, que gastaram o seu combustível, troduzirem ruído na experiência, logo esta torna-
colapsaram sobre si mesmas e formaram buracos se muito mais precisa. Para além disso, o próprio
negros. Há 1,3 bilhões de anos, dois destes ob- espaço é vácuo pelo que os braços do interferô-
jetos bailavam em torno um do outro, perdendo metro não têm que ser construídos fisicamente,
energia devido à emissão de ondas gravitacionais, o que permite que sejam muito mais compridos.
o que os fez aproximarem-se, até se unirem num Em vez de 4 quilômetros, estes satélites vão estar
separados por milhões de quilômetros, formando • A descrição de Einstein captura todas as ob-
um triângulo equilátero. Os satélites funcionam servações?
como os espelhos do interferômetro de Michelson-
Morley, e entre eles estarão a ser emitidos lasers, Esta lista não é de todo exaustiva, mas ilustra
para monitorizar as variações na distância entre a riqueza que a física dos buracos negros e ondas
os satélites. gravitacionais trará nas próximas décadas. Mas
Estes “braços” tão longos tornam o interferô- não conseguimos prever o imprevisível. É pos-
metro sensível a frequências mais baixas, entre os sível que vejamos fenômenos inesperados, coisas
10 5 1 Hz, o que permite detectar uma binária novas em que pensar. Serão tempos de desco-
muito mais cedo no seu processo de evolução e por berta e interrogação, onde provavelmente muito
isso acompanhá-las durante muito mais tempo. do que hoje consideramos serem verdades inaba-
A primeira fase da experiência LISA terá um láveis passarão a ser um pouco menos verdade,
tempo de vida de 4 anos, mas algumas binárias apenas mais um piso na nossa torre de Babel da
podem ficar na banda de frequências detectáveis Ciência. Uma nova era de ouro, onde a única
pela experiência durante milhões de anos! Tendo certeza é que com as respostas que alcançaremos,
um sinal mais limpo (porque há menos ruído) e virão ainda mais perguntas por responder.
muito mais longo irá permitir fazer testes muito
mais precisos à relatividade geral. Esta gama de
frequências permite olhar para sistemas mais va- Agradecimentos
riados para além da simples binária composta por Agradecemos à Ana Carvalho por ter feito
2 objetos com massas de poucos sóis que até agora uma revisão cuidadosa do texto e por produzir
tem sido estudada. Com a LISA, iremos observar todas as figuras para nós. Devemos também
ondas gravitacionais vindas da colisão de dois bu- um agradecimento ao Conselho Europeu de
racos negros supermassivos, ondas emitidas du- Investigação, por apoio à investigação através
rante a morte de uma estrela numa supernova, do programa H2020 ERC Consolidator Grant
ondas emitidas durante o início do nosso Uni- “Matter and strong-field gravity: New frontiers
verso... existem perguntas para as quais vamos in Einstein’s theory” acordo no. MaGRaTh–
ter resposta, ainda que parcial, 646597. Este projeto foi também apoiado pelo
programa europeu Marie Sklodowska-Curie grant
• Qual a origem dos buracos negros supermas-
agreement No 690904, e GWverse COST Action
sivos que se encontram no centro das galá-
CA16104, “Black holes, gravitational waves and
xias? Como é que nasceram e cresceram?
fundamental physics.” Finalmente, agradece-
mos à Fundação para a Ciência e Tecnologia
• Os buracos negros só têm realmente os 3 “ca-
pelos projetos No. SFRH/BD/143657/2019,
belos”: massa, carga e rotação?
UIDB/00099/2020, PTDC/MAT-APL/30043/
• Nós vimos mesmo buracos negros? 2017 e PTDC/FIS-AST/7002/2020.
Superior Técnico da Universidade de Lisboa, [8] A. Einstein, On the relativity principle and
Portugal, onde desenvolve pesquisas sobre the conclusions drawn from it, Jahrb Radio-
buracos negros e ondas gravitacionais. aktivitat Elektronik 4, 411 (1907).
[6] J. Michell, VII. on the means of discovering [16] A. Hewish, S. J. Bell et al., Observation
the distance, magnitude, & c. of the fixed of a rapidly pulsating radio source, Nature
stars, in consequence of the diminution of the 217(5130), 709 (1968).
velocity of their light, in case such a diminu-
tion should be found to take place in any of [17] S. Bowyer, E. T. Byram et al., Cosmic X-ray
them, and such other data should be procured sources, Science 147(3656), 394 (1965).
from observations, as would be farther neces-
sary for that purpose. by the Rev. John Mi- [18] R. Schodel et al., A star in a 15.2 year or-
chell, B.D. F.R.S. in a letter to Henry Ca- bit around the supermassive black hole at
vendish, Esq. F.R.S. and A.S, Phil. Trans. the center of the Milky Way, Nature 419,
R. Soc. 74, 35 (1784). 694 (2002). ArXiv:astro-ph/0210426.
[7] A. Einstein, On the electrodynamics of mo- [19] D. Robinson, Uniqueness of the Kerr black
ving bodies, Annalen Phys. 17, 891 (1905). hole, Phys. Rev. Lett. 34, 905 (1975).
[20] J. D. Bekenstein, Black hole hair: 25 - years [24] R. Penrose, Gravitational collapse: The role
after, in Proceedings of the Second Internati- of general relativity, Riv. Nuovo Cim. 1,
onal A.D. Sakharov Conference on Physics: 252 (1969).
Moscow, Russia 20-24 May 1996, editado
por I. M. Dremin e A. M. Semikhatov (World [25] V. Cardoso, J. a. L. Costa et al., Quasi-
Scientific, 1997). ArXiv:gr-qc/9605059. normal modes and strong cosmic censorship,
Phys. Rev. Lett. 120(3), 031103 (2018).
[21] P. T. Chrusciel, J. L. Costa e M. Heus- ArXiv:1711.10502.
ler, Stationary black holes: Uniqueness and
beyond, Living Rev. Relativ. 15, 7 (2012). [26] R. Emparan, Predictivity lost, predictivity
ArXiv:1205.6112. regained: a Miltonian cosmic censorship
conjecture, Int. J. Mod. Phys. D 29(14),
[22] V. Cardoso e L. Gualtieri, Testing the 2043021 (2020). ArXiv:2005.07389.
black hole ‘no-hair’ hypothesis, Class. Quant.
Grav. 33(17), 174001 (2016). ArXiv: [27] S. Hollands, R. M. Wald e J. Zahn, Quantum
1607.03133. instability of the Cauchy horizon in Reis-
sner–Nordström–deSitter spacetime, Class.
[23] R. Penrose, Gravitational collapse and space- Quant. Grav. 37(11), 115009 (2020). ArXiv:
time singularities, Phys. Rev. Lett. 14, 1912.06047.
57 (1965).
Resumo
Neste artigo explicamos o que são as ondas gravitacionais previstas pela teoria da relatividade geral de Einstein,
falamos de suas fontes astrofísicas e cosmológicas e dos detectores que foram utilizados para a sua busca.
Completamos o artigo com a menção aos detectores futuros, que estão sendo projetados para dar uma nova
dimensão à astronomia de ondas gravitacionais e à astronomia multimensageira envolvendo ondas gravitacionais.
Abstract
In this article we explain what are the gravitational waves predicted by Einstein’s theory of general relativity,
we talk about their astrophysical and cosmological sources and the detectors that were used for their search. We
completed the article with the mention of future detectors, which are being designed to give a new dimension
to gravitational wave astronomy and multimessenger astronomy involving gravitational waves.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v2n2.35942
A razão entre o quanto o diâmetro do círculo bita em relação à Terra, que não fosse edge on ou
varia e o próprio diâmetro do círculo é igual à face on, as ondas gravitacionais observadas te-
amplitude da onda gravitacional, e é um número riam polarização elíptica, cujas componentes de
adimensional. É esta amplitude, h ⌘ L/L, que amplitude podem ser quaisquer e a diferença de
os detectores de ondas gravitacionais procuram fase entre as duas componentes lineares é dife-
detectar. Uma onda gravitacional composta por rente de 0 e 90 .
essas duas polarizações tem a sua amplitude igual Então, vemos que se a polarização da onda gra-
à raiz quadrada da soma quadrática das amplitu- vitacional observada for determinada, obteremos
des nas duas polarizações. a orientação do plano de órbita, em relação ao
q sistema de coordenadas no sítio do detector, do
h= h2+ + h2⇥ . (1) sistema binário que a produziu.
cas em elétricas. Quando a onda gravitacional meias barras de alumínio de 300 kg de massa total
passasse, parte da energia da onda era convertida e 155 cm de comprimento total, 30 cm de diâme-
em energia mecânica de oscilação da barra. A tro, cimentadas por meio de transdutores PZT,
conversão era maximizada se a onda chegasse per- ressonantes em 1020 e 1100 Hz [16];
pendicular à barra e tivesse polarização mais (+), - Reading-Rutherford Lab, Inglaterra: dois de-
considerando que o eixo da barra estava alinhado tectores barra separados por 30 km de distância,
com o eixo x (ou y). Utilizando este princípio, es- compostos por duas meias barras de liga de alu-
sas barras de Weber chegaram a ter sensibilidade mínio de 625 kg de massa total e 150 cm de com-
para medir uma onda com amplitude adimensi- primento total, 46 cm de diâmetro, cimentadas
onal h da ordem de 10 16 , o que, infelizmente, através de transdutores PZT, ressonantes a 1200
não foi suficiente para uma detecção, apesar de Hz [17];
Weber ter sempre afirmado que havia detectado
ondas gravitacionais em 1968 [8] e 1969 [9]. - Univ. Tóquio, Tóquio, Japão: duas antenas
quadradas de 1,4 ton, 165 cm × 165 cm × 19
Motivados pelos resultados de Weber, 18 gru- cm feitas de liga de alumínio, ambas no edifício
pos se formaram, principalmente na década de de física, ressonantes a 145 Hz, equipadas com
70, para detectar ondas gravitacionais utilizando transdutores dc capacitivos [18](posteriormente,
barras. Eles foram os grupos de: uma dessas antenas foi mecanicamente sintoni-
zada a 60,2 Hz para se tornar CRAB II [19]),
- Moscou, na Rússia: dois detectores a 20 km de
com sensibilidade h < 8, 4 ⇥ 10 21 para ondas
distância um do outro, compostos por duas bar-
contínuas; uma antena quadrada de 400 kg, 110
ras de liga de alumínio de 1,2 toneladas, 150 cm
cm × 110 cm × 12 cm, feita de liga de alumínio,
de comprimento e aproximadamente 60 cm de di-
ressonante a 60,2 Hz , equipada com transdutores
âmetro, ressonantes em 1640 Hz e equipadas com
dc capacitivos (CRAB I) [20], com sensibilidade
transdutores capacitivos [10];
h < 1, 1 ⇥ 10 19 para ondas contínuas e algumas
- BTL (Bell Labs), New Jersey, EUA: uma barra outras antenas pequenas (M < 40 kg) [21, 22];
de liga de alumínio de 3,7 toneladas, 357 cm de
- Grupo Munich-Frascati: dois detectores separa-
comprimento, cerca de 70 cm de diâmetro, res-
dos por cerca de 700 km de distância (mais tarde,
sonante em 710 Hz, equipada com transdutores
apenas 10 km, quando o detector de Frascati foi
PZT-8 [11];
movido para Garching) composto por duas bar-
- Rochester, em Rochester (NY), EUA: outra ras de liga de alumínio 6061-O de 1,2 tonelada,
barra de liga de alumínio de 3,7 toneladas, dis- 154 cm de comprimento por 62,5 cm de diâme-
tante 420 km da do grupo BTL acima, com 357 tro, ressonante em 1654 Hz, equipado com trans-
cm de comprimento, 70 cm de diâmetro aproxi- dutores piezoelétricos e que pretendia reproduzir
madamente, ressonante em 710 Hz, equipada com a precisão do experimento de Weber, com algu-
transdutores PZT-8 [12]; mas melhorias de sensibilidade [23–25], e definir
- IBM, Yorktown Heights (NY), EUA: uma barra os limites superiores mais baixos para as taxas
de liga de alumínio de 118 kg, 150 cm de compri- de pulsos de ondas gravitacionais na década de
mento e 19 cm de diâmetro, ressonante em 1695 70 [26]. Eles pegaram um material piezoelétrico
Hz, equipada com transdutores PZT-4 [13, 14]; com melhores propriedades mecânicas e elétricas
e organizaram os piezos de maneira diferente (or-
- Bristol, Inglaterra: duas barras divididas e pa-
ganizando a deformação e a polarização em pa-
ralelas na mesma câmara de vácuo compostas por
ralelo), proporcionando assim um melhor acopla-
duas meias barras de alumínio. Cada barra tinha
mento. Por causa do novo arranjo topológico dos
seu próprio transdutor (feito de material piezoelé-
piezos, eles foram capazes de gerenciar um ca-
trico de niobato de lítio) e amplificador, mas eles
samento de impedância entre a “fonte” do sinal,
compartilhavam uma câmara de vácuo comum e
os piezos e a entrada do amplificador. Assim, o
o mesmo sistema de isolamento de vibração. Os
detector foi visivelmente melhorado em compara-
sinais das duas barras eram monitorados separa-
ção com a configuração de Weber. Além disso, o
damente e também correlacionados [15];
processamento do sinal foi realizado com os dois
- Glasgow, Escócia: dois detectores barra separa- graus de liberdade no espaço de fase, equivalente
dos por 50 m de distância, compostos por duas
desejáveis.
[6] J. Weber, Detection and generation of [19] K. Oide, H. Hirakawa e M. Fujimoto, Search
gravitational waves, Phys. Rev. 117(1), for gravitational radiation from the Crab pul-
306 (1960). sar, Phys. Rev. D 20(10), 2480 (1979).
[31] S. Feng et al., in Third Marcel Gross- [42] N. F. Oliveira Jr e O. D. Aguiar, The Mario
mann Meeting on General Relativity (Sci- Schenberg gravitational wave antenna, Braz.
ence Press and North-Holland Publ., Ams- J. Phys. 46, 596 (2016).
terdam, 1983), 707.
[43] LIGO Scientific Collaboration. Disponível
em https://www.ligo.org, acesso em jun.
[32] S. Bonazzola e M. Chevreton, Possible im-
2021.
provements of gravitational antennas, Phys.
Rev. D 8, 359 (1973). [44] The Virgo Collaboration. Disponível em
https://www.virgo-gw.eu, acesso em jun.
[33] D. G. Blair, Progress in the development of 2021.
high sensitivity gravitational radiation an-
tennas, Austral. J. Phys. 33(5), 923 (1980). [45] Geo600 gravitational-wave detector. Dispo-
nível em https://www.geo600.org, acesso
[34] G. Papini, Gravitational radiation and its em jun. 2021.
detection, Canadian Journal of Physics
52(10), 880 (1974). [46] KAGRA Observatory. Disponível em https:
//gwcenter.icrr.u-tokyo.ac.jp/en/,
[35] R. Barton et al., The regina cryogenic experi- acesso em jun. 2021.
ment to detect gravitational radiation, in Ge-
[47] LIGO India. Disponível em https://
neral Relativity and Gravitation - GR8 (In-
www.ligo-india.in, acesso em jun. 2021.
ternational Society of General Relativity and
Gravitation, Waterloo, 1977), 43. [48] The Einstein Telescope. Disponível em
http://www.et-gw.eu, acesso em jun. 2021.
[36] V. N. Rudenko, V. K. Milyukov et al., The
status of the gravitational wave setups at [49] Cosmic Explorer. Disponível em https://
Moscow University, Astronomical and As- cosmicexplorer.org, acesso em jun. 2021.
trophysical Transactions 5(1), 93 (1994).
[50] Finding nemo: The future of gravitational-
[37] M. F. Bocko, M. W. Cromar et al., The Ro- wave astronomy, OzGrav (2020). Disponível
chester gravitational wave detector, Journal em www.ozgrav.org/news/funding-nemo-
of Physics E: Scientific Instruments 17(8), building-100m-black-hole-detector-
694 (1984). not-pie-in-the-sky, acesso em jun. 2021.
[54] Big Bang Observer, Wikipedia. Dispo- [58] R. Abbott, T. D. Abbott et al., GWTC-
nível em https://en.wikipedia.org/wiki/ 2: compact binary coalescences observed by
Big_Bang_Observer, acesso em jun. 2021. LIGO and Virgo during the first half of
the third observing run, Phys. Rev. X 11,
[55] International Pulsar Timing Array. Disponí- 021053 (2021).
vel em http://ipta4gw.org, acesso em jun.
2021.
[59] B. P. Abbott, R. Abbott et al., GW170817:
[56] J. T. Sayre, C. L. Reichardt et al., Measu- observation of gravitational waves from a bi-
rements of B-mode polarization of the cos- nary neutron star inspiral, Phys. Rev. Lett.
mic microwave background from 500 square 119, 161101 (2017).
degrees of SPTpol data, Phys. Rev. D 101,
122003 (2020). [60] B. P. Abbott, R. Abbott et al., Multi-
messenger observations of a binary neu-
[57] N. Aggarwala e al., Challenges and opportu-
tron star merger, The Astrophysical Journal
nities of gravitational wave searches at MHz
848(2), L12 (2017).
to GHz frequencies, a ser publicado no Living
Reviews in Relativity.
Resumo
Estrelas de nêutrons são astros absolutamente fascinantes. Em seu interior, a matéria está sujeita a condições
extremas, manifestando-se em formas muito diversas daquelas encontradas em nosso planeta, ou mesmo aces-
síveis experimentalmente; assim, sua observação abre uma janela para uma maior compreensão das interações
nucleares. São abarcadas por intensos campos gravitacionais, permitindo que comportamentos intrigantes da
gravitação se manifestem. Cumprem um papel importantíssimo na evolução química das galáxias, com seu
nascimento e fusão estando ligados à produção de vários elementos químicos que encontramos no nosso dia a
dia. Estrelas de nêutrons são hoje observadas em todas as faixas do espectro eletromagnético e também em
ondas gravitacionais. A combinação da pletora de informações carregadas por esses mensageiros tem ajudado a
compor uma imagem cada vez mais nítida e coerente da física que envolve esses astros, oferecendo chaves para
o aprofundamento do nosso conhecimento sobre a natureza.
Abstract
Neutron stars are fascinating objects. In their interior, matter is subject to extreme conditions, manifesting
itself in forms unlike those found on our planet, or even accessible by experiments; thus, their observation opens
a window to a better understanding of nuclear interactions. Neutron stars are embraced by strong gravitational
fields, allowing the manifestation of intriguing properties of gravity. They play an important role in the chemical
evolution of galaxies, with their birth and merger being linked to the production of various chemical elements
found in our daily lives. Neutron stars are now observed in all bands of the electromagnetic spectrum and also
in gravitational waves. The combination of the plethora of information carried by these messengers has helped
us to compose an increasingly clearer and more coherent image of the physics surrounding these stars, offering
us keys to deepen our knowledge about nature.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v2n2.35937
pesados. A energia de ligação (por núcleon) tipi- A física de supernovas é riquíssima, com im-
camente aumenta com a massa do elemento quí- plicações inclusive para a vida no nosso planeta
mico formado, alcançando um máximo no ferro (veja, por exemplo, a Ref. [11] para uma descri-
56 Fe, e daí passa a diminuir. Sendo assim, a for- ção abrangente do fenômeno). No entanto, nosso
mação de núcleos mais pesados do que o ferro não foco vai para o coração do evento: a estrela de
libera, mas sim absorve energia. Nesse ponto, a nêutrons recém-formada.4
fusão deixa de sustentar a temperatura da estrela
e a gravidade sobrepuja as pressões internas. A
estrela então evolui seguindo rotas diferentes de-
3 Objetos extremos
pendendo de sua massa. Tipicamente, estrelas
com massas entre 8 e 40 vezes a massa do Sol Estrelas de nêutrons são objetos extremos. Va-
são as progenitoras de estrelas de nêutrons. As mos contemplá-las sob dois aspectos, um macros-
menos massivas em geral se recolhem como anãs cópico, outro microscópico.
brancas, depois de ejetar suas camadas mais ex-
ternas, e as mais massivas colapsam totalmente,
3.1 Olhar macroscópico
formando buracos negros [8].
O colapso do núcleo da estrela progenitora em Já nos deparamos com uma propriedade ma-
uma estrela de nêutrons é extremamente rápido, croscópica importante dessas estrelas: sua rápida
ocorrendo em menos de 1 segundo. A forte com- rotação, que está por trás dos curtos intervalos
pressão provocada pela força gravitacional favo- entre os pulsos recebidos de pulsares. Seu pe-
rece o processo conhecido como decaimento beta ríodo é da ordem de segundos ou milissegundos,
inverso, em que um próton (p+ ) e um elétron (e ) em contraste gritante com a Terra ou o Sol, que
se combinam formando um nêutron (n) e um neu- demoram 24 horas ou cerca de um mês, respecti-
trino (⌫): vamente, para dar uma volta completa em torno
p+ + e ! ⌫ + n. de seus eixos. A análise do sinal emitido por pul-
sares também nos permite estimar a magnitude
Com isso, a matéria, que tipicamente tem uma dos campos magnéticos que aceleram as partícu-
quantidade comparável de prótons e nêutrons, se las responsáveis pela emissão. São tipicamente da
“neutroniza”; como contrapartida, uma quanti- ordem de 1011 a 1013 G; ao passo que o campo
dade incrível de neutrinos é liberada. Essas par- magnético da Terra é inferior a 1 G.
tículas subatômicas, que interagem muito fraca- Estrelas de nêutrons são objetos extremamente
mente com a matéria, são emitidas em tamanha compactos. Sua massa é da mesma ordem da
quantidade que aquecem as camadas mais exter- massa solar, variando entre uma e duas ou três
nas da estrela, começando a ejetá-las. Serão os vezes a massa do Sol (M ). No entanto, em con-
primeiros mensageiros observados na Terra da es- traste com o Sol, no qual essa massa encontra-se
trela de nêutrons nascente.2 Nas horas, dias e distribuída em uma região de centenas de milha-
semanas seguintes à formação da estrela de nêu- res de quilômetros, estrelas de nêutrons possuem
trons, ondas eletromagnéticas em diversas faixas raios na faixa de 10 a 15 km! Veremos à frente
do espectro iluminarão nossos telescópios (e, por como é possível ter acesso a essas informações.
vezes, nossos olhos) refletindo a dinâmica com- É conveniente mensurarmos a compacidade (C)
plexa do material que colide com a superfície rí- de um astro pela razão entre sua massa (M ) e ta-
gida da estrela de nêutrons, rebate e se difunde manho (R) característicos, multiplicada por cons-
pelo espaço.3 A supernova é lançada.
com uma supernova.
2 4
Neutrinos são de dificílima detecção. Foram observa- O mecanismo que pincelamos acima é conhecido como
dos pela primeira (e, por enquanto, única) vez, associados supernova de tipo II. Há outros mecanismos possíveis para
com uma supernova, no caso do evento SN1987A. Algumas a formação de estrelas de nêutrons. Um deles, conhecido
dezenas de neutrinos viajaram do coração da supernova, como supernova de tipo IA, envolve o colapso de uma anã
na Grande Nuvem de Magalhães – uma pequena galáxia branca, que, devido à contínua acreção de matéria – geral-
que orbita a Via Láctea – colidindo com detectores como mente de uma companheira com a qual forma um sistema
Kamiokande e IMB, em 1987 [9, 10]. binário – supera o limite máximo de massa possível para
3
Se suficientemente assimétrico, o colapso também essas estrelas, cerca de 1,4M . O núcleo colapsa em uma
pode provocar a emissão de ondas gravitacionais; no en- estrela de nêutrons, em uma explosão violenta, visível a
tanto, estas até hoje não foram detectadas em conexão grandes distâncias.
Figura 2: (Esquerda) Pressão em função da densidade, como previsto por várias equações de estado, listadas à direita
(a pressão está em “atm” para compararmos com a nossa experiência na Terra!). (Direita) Massas e raios previstos por
cada equação de estado. Sobrepostas ao gráfico, mostramos também barras de erro que indicam, aproximadamente, o
intervalo medido para a massa [14] e o raio [15] do pulsar PSR J0740+6620, bem como para uma das componentes do
sistema binário que deu origem ao evento GW170817 [16].
bilidade do aparecimento de híperons (partículas tanto, observamos apenas uma pequena fração
com quarks estranhos), da condensação de píons delas, da ordem de 2500. A maioria são pulsa-
e káons e, inclusive, de uma transição de fase para res isolados, como aquele observado por Bell e
matéria pura de quarks [17]. Além disso, embora Hewish. Da população de pulsares, existem ainda
a temperatura em estrelas de nêutrons seja tipi- alguns especiais: estrelas de nêutrons existem aos
camente alta (de milhões de graus ou mais!), a pares.
matéria tão densamente comprimida deve exibir Após a descoberta de Bell e Hewish, radioteles-
propriedades impressionantes, como superfluidez cópios em todo o mundo passaram a perscrutar
e supercondutividade [18]; ambas associadas, em o céu em busca de mais e mais pulsares. Um de-
escalas de laboratório, a baixíssimas temperatu- les era o telescópio norte-americano de Arecibo,
ras. localizado em Porto Rico. Com uma antena de
Determinar o estado da matéria nuclear no nú- mais de 300 metros de diâmetro, era na época o
cleo de estrelas de nêutrons é um problema ex- maior radiotelescópio do mundo. Em 1974, Rus-
tremamente desafiador do ponto de vista teórico. sel Hulse e seu orientador de doutorado Joseph
Diferentes modelos, com hipóteses variadas sobre Taylor analisavam os dados coletados quando se
a sua constituição, dão origem, portanto, a di- depararam com algo inusitado. Ao contrário dos
ferentes equações de estado, como exemplifica a pulsares conhecidos até então, o intervalo entre
Figura 2 (à esquerda). Algumas das equações de pulsos de PSR 1913+16 (ou “pulsar de Hulse-
estado utilizadas para a construção dessa figura, Taylor”) não era regular, mas apresentava mudan-
como APR ou MPA1, incluem apenas nêutrons, ças periódicas. O título do trabalho publicado em
prótons, elétrons e múons na composição da es- 1975, “Descoberta de um pulsar em um sistema
trela, enquanto outras incluem híperons (como binário” [21], deixava clara a conclusão: o pul-
H4) ou uma transição para matéria de quarks sar não estava isolado, mas orbitava uma estrela
(como QHC19).8 De posse dessas equações de companheira, também identificada como uma es-
estado, podemos voltar à equação de equilíbrio trela de nêutrons, dando uma volta completa a
hidrostático (2) e resolvê-la, obtendo as previsões cada 7h45min. O movimento orbital era a causa
de cada modelo para propriedades macroscópicas da modulação no período observado. Já no tra-
da estrela, como sua massa e raio. A Figura 2, à balho de divulgação da descoberta, Hulse e Tay-
direita, mostra tais previsões; fica clara a discre- lor estimaram os parâmetros da órbita descrita
pância entre os vários modelos. pelos astros, como seu período e excentricidade,
Estrelas de nêutrons são, portanto, ponto de tomando como base do cálculo a mecânica new-
contato direto entre a astrofísica e a física nu- toniana. Mas a verdadeira riqueza desse sistema
clear. Se, por um lado, modelos de física nuclear se manifestaria com o passar do tempo.
são necessários para prever as propriedades ma- Como o sinal de rádio emitido por pulsares
croscópicas desses astros, por outro, a observação é muito fraco, é necessário acumular medições
direta de tais propriedades pode ser usada para para se formar uma imagem acurada do compor-
informar, excluir ou aprimorar tais modelos, aju- tamento médio dos pulsos [22]. Por outro lado,
dando na resolução de enigmas da física nuclear. medidas de pulsares monitorados por longos pe-
No restante deste artigo, vamos discutir algumas ríodos de tempo se tornam progressivamente mais
dessas observações. precisas; em muitos casos, sua precisão se torna
comparável à dos melhores relógios atômicos pro-
duzidos pela humanidade. Para o sistema de
4 Aos pares Hulse-Taylor, esse aumento de precisão possibi-
litaria algo inédito: a determinação precisa das
Estima-se que cerca de duas supernovas explo- massas dos componentes. E mais: provaria que
dam a cada século em nossa galáxia [20]. Se essa tais sistemas são verdadeiros laboratórios para
taxa se manteve constante ao longo da vida da testes da própria teoria da relatividade geral.
Via Láctea – estimada em 10 bilhões de anos –
chegamos à conclusão que ela deve conter cente-
4.1 Medindo as massas
nas de milhões de estrelas de nêutrons! No en-
8
Todas foram implementadas por meio de uma para- As leis da mecânica newtoniana fornecem ape-
metrização politrópica por partes [19]. nas uma descrição grosseira para o movimento
do pulsar e de sua companheira. Assim como na massivo é PSR J0740+6620, que orbita uma anã
determinação da estrutura de uma estrela de nêu- branca e tem massa estimada de 2.14M [14].
trons, os detalhes mais finos do movimento orbi- Como pode-se ver na Fig. 2, cada equação de es-
tal só encontram explicação completa dentro do tado prevê uma massa máxima (distinta) para
arcabouço teórico da relatividade geral. Com a estrelas de nêutrons. O fato de que, para muitos
observação continuada do pulsar de Hulse-Taylor modelos, a massa máxima é menor do que aquela
e o consequente aumento na precisão das medi- medida para PSR J0740+6620 os desfavorece for-
das, efeitos relativísticos se tornariam observá- temente. A observação de pulsares massivos ofe-
veis. rece vínculos importantes a serem satisfeitos por
Um deles é o avanço do periastro da órbita. É modelos microscópicos realistas.
bem sabido que, na relatividade geral, dois cor-
pos que se movem devido à atração mútua não 4.2 Testando a relatividade geral
descrevem órbitas elípticas, fixas no espaço, mas
Com a informação sobre as massas e os parâme-
trajetórias mais complicadas.9 Em particular,
tros keplerianos (como período e excentricidade)
duas passagens sucessivas pelo periastro não se
da órbita, qualquer outro parâmetro relativís-
dão após a varredura de um ângulo de 2⇡, mas
tico fica completamente determinado pela relati-
2⇡ + !, com ! = !T ˙ , onde [23]
vidade geral. Assim, uma medição independente
3(2⇡)5/3 [G(mA + mB )]2/3 de parâmetros adicionais possibilita um teste da
!˙ ⇡ . (3)
c2 (1 ✏2 ) T 5/3 teoria. Em especial, um deles foi detectado pela
primeira vez no sistema de Hulse-Taylor, ofere-
Na expressão acima, ✏ e T são a excentricidade e o
cendo uma confirmação categórica da teoria da
período da órbita kepleriana que melhor ajusta o
relatividade: a diminuição do período orbital de-
movimento, parâmetros esses acessíveis pela aná-
vido à emissão de ondas gravitacionais.
lise dos pulsos. Já mA e mB , as massas dos dois
Ondas gravitacionais são uma previsão-chave
componentes do sistema binário, tipicamente não
da teoria da relatividade geral. Da mesma forma
são elas próprias mensuráveis. Portanto, a me-
que cargas elétricas aceleradas produzem ondas
dida de !˙ – que no caso de PSR 1913+16 é de
eletromagnéticas, a relatividade geral prevê que
4,226598 graus por ano [24] – estabelece uma re-
massas aceleradas, como as duas estrelas de nêu-
lação entre as massas, via a Eq. (3). Com a me-
trons no sistema de Hulse-Taylor, também deve-
dição de mais um parâmetro relativístico, seria
riam emitir ondas gravitacionais. A amplitude
possível determiná-las.
hij das ondas emitidas é proporcional, em ordem
No caso do sistema de Hulse-Taylor, outro pa-
dominante, à segunda derivada temporal do mo-
râmetro relativístico observável é o atraso tem-
mento de quadrupolo da fonte (Qij ):11
poral de Einstein ( ), que traduz como o tempo
próprio do pulsar é dilatado na perspectiva de um 2G @ 2 Qij
observador externo, tanto devido à sua velocidade hij = , (4)
rc4 @t2
relativa, quanto ao campo gravitacional da com-
panheira [25]. Assim como !,˙ depende das mas- onde r é a distância da fonte ao observador.
sas das estrelas e de parâmetros da órbita como Essas ondas gravitacionais carregam energia do
período e excentricidade: = (m1 , m2 , T, ✏), sistema, fazendo com que a órbita do sistema bi-
sendo medido nesse sistema como 4,2992 ms [24]. nário diminua com o passar do tempo. As es-
Isso é suficiente para determinar as massas do trelas progressivamente se aproximam, em um
pulsar e da companheira; a precisão do resul- movimento de translação cada vez mais rápido.
tado é impressionante: mpulsar = 1,4398 M e Em 1978, Taylor e seus colaboradores mediram
mcomp = 1,3886 M [24], um erro (0,0002 M ) se encontram em sistemas binários, ao passo que a maior
de menos de uma parte por mil. parte das estrelas existe nessa configuração. Isso se deve
Hoje, cerca de 250 pulsares já foram localiza- ao fato de que um sistema binário pode não sobreviver à
dos em sistemas binários.10 Entre eles, o mais explosão de supernova que transforma um de seus compo-
nentes em uma estrela de nêutrons. Em uma supernova,
9
Esse é um efeito relativístico celebrado, sendo respon- a maior parte da massa da estrela progenitora é perdida,
sável por explicar a precessão anômala de 43 segundos de o que afeta a dinâmica do sistema binário.
11
arco por século observada no periélio de Mercúrio. Ambos em uma escolha específica de coordenadas, co-
10
Note que apenas cerca de 10% dos pulsares observados nhecida como calibre transverso de traço nulo [23].
1.0 T
esforços para a construção de protótipos de de-
r tectores interferométricos, sensíveis à passagem
0.5 s dessas ondas. Décadas de trabalho experimen-
R tal e teórico culminariam na configuração atual
dos detectores gêmeos do Laser Interferometer
0.0
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 Gravitational-Wave Observatory (LIGO), locali-
mA [M⊙ ] zados em Hanford e Livingston, nos Estados Uni-
Figura 3: Diagrama massa-massa para o sistema J0737-
dos, e do observatório Virgo, em Cascina, Itália.
3039. As linhas sólidas, com diversas cores, mostram Esses equipamentos extremamente precisos pos-
quantidades medidas para esse sistema [27]: a taxa de sibilitaram, em 2015, a primeira detecção direta
avanço do periastro !,
˙ o atraso temporal de Einstein , a de ondas gravitacionais, o evento GW150914, in-
taxa de variação do período orbital Ṫ , os parâmetros r e s
do atraso temporal de Shapiro e a razão entre as massas,
terpretado como devido à fusão de dois buracos
R = mB /mA , medida nesse sistema devido ao fato de am- negros [28].
bas estrelas serem pulsares. Linhas tracejadas indicam as Uma vez que já se verificou (indiretamente)
barras de erro para os vários parâmetros. O fato de que a emissão de ondas gravitacionais pelo sistema
todas as curvas convergem em um mesmo ponto é uma
de Hulse-Taylor, poderíamos nos perguntar quão
verificação importante da relatividade geral.
difícil seria observar diretamente essa radiação.
Podemos estimar a amplitude das ondas emiti-
pela primeira vez o efeito da emissão das ondas das por um sistema binário, partindo da Eq. (4),
gravitacionais sobre o movimento do pulsar PSR como
1913+16 – uma taxa de Ṫ = 2,423 ⇥10 12 – GM v 2
h⇠ , (5)
demonstrando seu acordo com a previsão da re- rc4
latividade geral [26]. onde v é a velocidade típica de translação. Para
A Figura 3 mostra a surpreendente adequação o pulsar de Hulse-Taylor, com uma velocidade de
da relatividade geral para a descrição do movi- cerca de 300 km/s, a uma distância de 5 kpc
mento de pulsares. Nela, ilustramos o caso do de nós, encontramos h ⇠ 10 23 . A frequência
pulsar duplo, J0737-3039, um sistema binário em das ondas gravitacionais emitidas é duas vezes a
que as duas estrelas são pulsares, em um movi- frequência de rotação, ou seja, 2T 1 ⇡ 10 4 Hz.
mento orbital veloz com período curto, de 2,5 ho- Por outro lado, os detectores modernos são capa-
ras [27]. Nesse sistema, não só !˙ e são obser- zes de medir amplitudes h & 10 22 com frequên-
váveis, mas um total de cinco parâmetros relati- cias entre 1 – 103 Hz, sendo, portanto, insensíveis
vísticos, entre eles a taxa de variação do período à emissão desse sistema.
orbital (Ṫ ) e o atraso temporal de Shapiro, ca- No entanto, quando, daqui a centenas de mi-
racterizado pelos parâmetros r e s, e que traduz lhões de anos, as duas estrelas de nêutrons do
o efeito do campo gravitacional da estrela com- sistema de Hulse-Taylor estiverem a ponto de se
panheira sobre a propagação da radiação emitida fundirem, alcançando velocidades da ordem da
pelo pulsar. O fato de que as curvas previstas velocidade da luz, inundarão nosso sistema solar
pela relatividade geral para cada um desses parâ- com ondas gravitacionais de amplitude altíssima
metros, como função das massas, se interceptam (da ordem de h ⇠ 10 19 ), justamente na faixa
em um mesmo ponto é uma verificação contun- de dezenas a milhares de hertz. A coalescência
dente da própria teoria de Einstein. e fusão de estrelas de nêutrons é, portanto, uma
fonte promissora para a geração de ondas gravi-
tacionais observáveis na Terra.
Já vimos que a taxa de nascimento de estrelas
5 Ondas gravitacionais e a astronomia
de nêutrons na nossa galáxia é pequena quando
multimensageiro
comparada ao nosso tempo de vida; portanto,
A detecção indireta de ondas gravitacionais no claramente a probabilidade de um evento de fu-
sistema de Hulse-Taylor, por meio de seus efei- são dessas estrelas na Via Láctea é ainda menor:
[4] A. Hewish, S. J. Bell et al., Observation of a [18] V. L. Ginzburg, Superfluidity and supercon-
rapidly pulsating radio source, Nature 217, ductivity in the universe, Journal of Statisti-
709 (1968). cal Physics 1(1), 3 (1969).
[5] F. Pacini, Energy emission from a neutron [19] M. F. O’Boyle, C. Markakis et al., Parame-
star, Nature 216(5115), 567 (1967). trized equation of state for neutron star mat-
ter with continuous sound speed, Phys. Rev.
[6] T. Gold, Rotating neutron stars as the ori-
D 102, 083027 (2020).
gin of the pulsating radio sources, Nature
218(5143), 731 (1968). [20] R. Diehl, H. Halloin et al., Radioactive 26Al
[7] J. M. Comella, H. D. Craft et al., Crab from massive stars in the Galaxy, Nature
nebula pulsar np 0532, Nature 221(5179), 439(7072), 45 (2006).
453 (1969).
[21] R. A. Hulse e J. H. Taylor, Discovery of a
[8] A. Heger, C. L. Fryer et al., How massive pulsar in a binary system., The Astrophys.
single stars end their life, The Astrophysical J. 195, L51 (1975).
Journal 591(1), 288 (2003).
[22] D. R. Lorimer, Handbook of pulsar astro-
[9] K. Hirata, T. Kajita et al., Observation of a nomy (Cambridge University Press, Cam-
neutrino burst from the supernova SN1987A, bridge, 2005).
Phys. Rev. Lett. 58, 1490 (1987).
[23] E. Poisson e C. M. Will, Gravity: New-
[10] R. M. Bionta, G. Blewitt et al., Observation tonian, Post-Newtonian, Relativistic (Cam-
of a neutrino burst in coincidence with super- bridge University Press, Cambridge, 2014).
nova 1987A in the Large Magellanic Cloud,
Phys. Rev. Lett. 58, 1494 (1987). [24] J. M. Weisberg, D. J. Nice e J. H. Taylor,
[11] A. Alsabti, Handbook of supernovae (Sprin- Timing measurements of the relativistic bi-
ger International Publishing, Basel, 2019). nary pulsar PSR B1913+16, Astrophysical
Journal 722(2), 1030 (2010).
[12] B. Schutz, Gravity from the Ground Up: An
Introductory Guide to Gravity and Gene- [25] R. Blandford e S. A. Teukolsky, Arrival-time
ral Relativity (Cambridge University Press, analysis for a pulsar in a binary system., The
Cambridge, 2003). Astrophys. J. 205, 580 (1976).
[30] B. P. Abbott, R. Abbott et al., GW170817: photons from a neutron star merger, Science
Observation of gravitational waves from a bi- 358(6370), 1559 (2017).
nary neutron star inspiral, Phys. Rev. Lett.
119, 161101 (2017). [36] D. Kasen, B. Metzger et al., Origin of the
heavy elements in binary neutron-star mer-
[31] B. P. Abbott, R. Abbott et al., GW190425:
gers from a gravitational-wave event, Nature
Observation of a compact binary coalescence
551(7678), 80 (2017).
with total mass ⇠ 3.4 M , The Astrophysical
Journal 892(1), L3 (2020).
[37] J. M. Ezquiaga e M. Zumalacárregui, Dark
[32] A. Maselli, V. Cardoso et al., Equation-of- energy after GW170817: Dead ends and
state-independent relations in neutron stars, the road ahead, Phys. Rev. Lett. 119,
Phys. Rev. D 88, 023007 (2013). 251304 (2017).
[33] B. P. Abbott, R. Abbott et al., Tests of ge-
neral relativity with GW150914, Phys. Rev. [38] T. Baker, E. Bellini et al., Strong constraints
Lett. 116, 221101 (2016). on cosmological gravity from GW170817
and GRB170817A, Physical Review Letters
[34] B. P. Abbott, R. Abbott et al., Multi- 119(25) (2017).
messenger observations of a binary neu-
tron star merger, The Astrophysical Journal [39] P. Creminelli e F. Vernizzi, Dark energy af-
848(2), L12 (2017). ter GW170817 and GRB170817A, Physical
Review Letters 119(25) (2017).
[35] M. M. Kasliwal, E. Nakar et al., Illuminating
gravitational waves: A concordant picture of
Resumo
Buracos negros podem ser estudados de diferentes maneiras. A partir das equações da relatividade geral geral,
passando por observações em raios X e ondas gravitacionais, podemos tentar entender diferentes aspectos destes
objetos astrofísicos. Também é possível que existam objetos ainda mais exóticos disfarçados de buracos negros
no universo.
Abstract
Black holes can be studied in different ways. From the mathematical equations of general relativity, to X-rays
and gravitational waves, we can try to understand their different aspects. There are also potentially more exotic
astrophysical objects masquerading as black holes in the universe.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v2n2.35941
Assim, parte dos astrônomos passa agora a se estágio de evolução da estrela, pode haver trans-
preocupar com temas tão “teóricos” e matemá- ferência de massa da estrela para o buraco ne-
ticos quanto a propagação de perturbações no gro, formando um disco de acreção. A matéria
espaço-tempo. Ao mesmo tempo, parte dos re- no disco de acreção dissipa energia enquanto cai
lativistas começa a se interessar por tratamento em direção ao buraco negro no centro, e emite
estatístico de dados e viés observacional. Quando radiação em raios X. Essa radiação é observada
comunidades diferentes precisam aprender a falar por satélites como Fermi, Swift, NuStar, Nicer,
a mesma língua, acontecem desentendimentos e XMM, e-Rosita (entre outros) e nos permite in-
surgem ideias novas. Viva o progresso da ciência! ferir as massas desses buracos negros, estimadas
no intervalo aproximado de 5 20 massas solares.
Os buracos negros de tamanho “G” são chama-
2 Buracos negros dos de buracos negros supermassivos e possuem
milhões ou bilhões de massas solares. Eles são
Como sabemos que buracos negros existem?
encontrados no centro de galáxias e não são for-
Nesta seção vamos ver alguns exemplos de ob-
mados diretamente pelo colapso de uma estrela.
servações e de resultados teóricos que auxiliam
As observações de estrelas em órbita do buraco
no estudo dos buracos negros.
negro central da Via Láctea (chamado de Sa-
gitarius A*), permitem determinar a sua massa
2.1 Observados por astrônomos em aproximadamente 4 milhões de massas sola-
A característica mais importante de um buraco res. Os pesquisadores responsáveis por essas me-
negro é a sua massa, que determina também o dições dividiram recentemente o prêmio Nobel de
raio do seu horizonte de eventos (veja mais de- Física em 2020. A foto do buraco negro apre-
talhes na seção 2.2 abaixo). Curiosamente, os sentada pela colaboração Event Horizon Teles-
buracos negros observados até hoje existem em cope em 2019 representa o buraco negro central
tamanhos “P” e “G”, mas a existência de buracos da galáxia M87, de aproximadamente 6 bilhões
negros de tamanho “M” (o termo técnico é massa de massas solares. Os buracos negros supermas-
intermediária) ainda não foi comprovada. sivos também são observados como quasares, ou
Os buracos negros de tamanho “P” são chama- núcleos ativos de galáxias. Nem todas as galáxias
dos de buracos negros de massa estelar. Eles são são ativas, mas a minoria que apresenta esse tipo
formados no fim da vida de uma estrela de massa de atividade emite radiação em todas as frequên-
maior do que aproximadamente 20 30 massas cias, de ondas de rádio a raios gama, gerada pela
solares (o valor exato ainda é bem incerto). Uma matéria (estrelas, gás, etc) que cai no buraco ne-
estrela de 30 massas solares passa aproximada- gro central.
mente 6 milhões de anos na sequência principal, Ainda não sabemos como esses buracos negros
estágio durante o qual a estrela realiza o pro- supermassivos são formados. Nunca houve estre-
cesso de fusão nuclear que transforma hidrogê- las tão grandes no universo que pudessem colap-
nio em hélio (para comparação, o nosso Sol fica sar para formar esses gigantes. Simulações indi-
aproximadamente 9 bilhões de anos na sequên- cam que é difícil fazer uma única nuvem de gás
cia principal!). Após a sequência principal, essa grande o suficiente colapsar sem se quebrar em
estrela passa por uma fase de gigante vermelha, pedaços menores. Por outro lado, colidir mui-
gigante azul, explosão de supernova, e finalmente tos buracos negros menores até formar um bu-
o colapso gravitacional do remanescente da su- raco negro supermassivo levaria mais tempo do
pernova forma um buraco negro de aproximada- que a idade do universo! Neste ponto o leitor
mente 5 10 massas solares (tudo isso é relati- pode se perguntar: como sabemos que são bura-
vamente “rápido” e leva menos de um milhão de cos negros, e não uma coleção de muitas estrelas
anos). no centro das galáxias? A resposta tem a ver com
Sabemos que esses buracos negros existem, pois a massa determinada pela observações, e com o
eles são observados quando se encontram em sis- tamanho da região ocupada por essa massa. No
temas binários. Cada um desses sistemas biná- centro da Via Láctea, seriam necessárias 4 mi-
rios é formado por um buraco negro e uma es- lhões de estrelas como o sol dentro de um raio
trela. Dependendo da distância entre eles e do igual ao do sistema solar (até a órbita de Plu-
tão) e esse sistema gravitacional de muitos cor- não temos acesso ao que se passa no interior do
pos seria dinamicamente instável: as estrelas se horizonte de eventos. Podemos cruzar o horizonte
dispersariam em alguns milhares de anos. de eventos (uma vez só), mas se o fizermos não
É claro que essa não é toda a história a respeito podemos mais voltar. Lá dentro, de acordo com
das observações astronômicas de buracos negros. a teoria, existe uma singularidade: um ponto de
O leitor interessado pode aprender mais a res- densidade infinita.
peito de observações de buracos negros de massa Definimos a compacidade (adimensional) como
estelar em [2] e sobre observações de buracos ne-
gros supermassivos em [3]. GM
C⌘ . (2)
c2 R
2.2 Descritos pela relatividade geral
Portanto, temos C = 1/2 para um buraco ne-
Agora vamos deixar de lado as observações por gro. Nenhum corpo pode ser mais compacto do
um instante. Na seção anterior discutimos exem- que um buraco negro; se tentar, ele se torna um
plos de observações que são interpretadas como buraco negro nesse processo. A luz é desviada
buracos negros. Mas, afinal, o que são buracos fortemente pelo seu campo gravitacional (ou pela
negros? Aqui precisamos de algumas noções da forte curvatura do espaço-tempo). O movimento
teoria da relatividade geral de Einstein, mas é de um sistema binário de buracos negros gera a
importante avisar que o estudo dessa teoria é ra- propagação de oscilações na curvatura do espaço-
zoavelmente complexo para alunos de graduação. tempo. Essas perturbações se propagam com a
Existem diversos livros-texto apropriados para ní- velocidade da luz e são detectáveis na Terra como
vel de graduação e pós-graduação em física; para ondas gravitacionais (ver mais na seção 2.4).
alunos do ensino médio, uma boa leitura é a re- É difícil acreditar que todas essas característi-
ferência [4]. cas são necessariamente verdadeiras para os bura-
Primeiramente, no âmbito da teoria da rela- cos negros astrofísicos (observados) descritos na
tividade restrita, espaço e tempo se tornam um seção anterior. As observações indicam objetos
espaço-tempo 4-dimensional. Medidas de tempo bastante compactos, com uma certa massa ob-
e distância e a noção de simultaneidade passam servada. Mas serão realmente os buracos negros
a depender do observador, pois nada se propaga descritos pela teoria? Uma certa dose de ceti-
mais rápido do que a velocidade da luz no vácuo. cismo é saudável em geral, e também para físicos
É aqui que aparece a famosa equação E = mc2 . e astrônomos em particular. Como podemos ter
Passando da relatividade restrita para a re- certeza da existência do espaço-tempo curvo, do
latividade geral, incluímos a gravitação – que horizonte de eventos, da singularidade e das on-
se torna equivalente à aceleração. A noção de das gravitacionais?
força da gravidade é substituída por geodésicas Uma possível resposta pode ser obtida mate-
no espaço-tempo curvo. A luz de estrelas distan- maticamente, com os chamados modos quasinor-
tes não se propaga mais em uma linha reta. Bura- mais do buraco negro [6]. Para defini-los, va-
cos negros se tornam possíveis, e trazem consigo mos inicialmente relembrar um pouco de física
muitos desafios conceituais. básica. O leitor, se for estudante de física (ou
O horizonte de eventos de um buraco negro é mesmo aluno do ensino médio), já estudou sis-
uma superfície matemática, uma esfera com raio temas massa-mola. Uma massa m ligada a uma
dado por mola de constante k oscila com uma frequência
2GM p
R= , (1) k/m em torno da sua posição de equilíbrio, na
c2 situação idealizada em que não existe atrito ou
onde G é a constante da gravitação universal, c é a outras formas de dissipação de energia. A função
velocidade da luz e M é a massa do buraco negro, horária x(t) que descreve a posição da massa em
que resultou por exemplo do colapso gravitacional função do tempo é uma senoide com a frequência
p
subsequente a uma explosão de supernova, como k/m (quanto maior a massa, menor a frequên-
descrito na seção anterior.1 Nós, do lado de fora, cia e maior o período da oscilação). Se houver
1
Na discussão simplificada deste artigo, omitimos os
dissipação de energia, a função horária será uma
efeitos do spin do buraco negro. Para aprender como são senoide exponencialmente amortecida (no caso de
medidos os spins dos buracos negros, ver [5]. amortecimento subcrítico).
O que isso tem a ver com buracos negros? fonte do campo gravitacional, obtemos a curva-
É possível perturbar matematicamente o espaço- tura do espaço-tempo em todo ponto. É possível
tempo que descreve um buraco negro. Uma pe- escrever essas equações no chamado formalismo
quena perturbação de um buraco negro causa 3+1, que separa o tempo das dimensões espaci-
uma onda gravitacional que se propaga pelo ais. Assim, podemos resolver um problema de va-
espaço-tempo e oscila ao redor do equilíbrio lor inicial: dadas as condições no tempo inicial, a
(como no sistema massa-mola). A onda perde solução pode ser evoluída no tempo.
energia que cai no horizonte de eventos do bu- Nenhuma dessas etapas é muito fácil. Encon-
raco negro ou é dissipada no infinito. Qualquer trar o formalismo apropriado foi difícil, e trans-
que seja a perturbação inicial, a oscilação pode ser formar pela primeira vez as equações em um pro-
descrita como uma soma de senoides exponenci- grama de computador que rodava e convergia
almente amortecidas (chamadas modos quasinor- para a solução correta foi um avanço excepcio-
mais), sendo que cada uma é caracterizada por nal. Mas finalmente foi possível [7]: as chamadas
uma frequência ! e um tempo de decaimento ⌧ : simulações de relatividade numérica nos possibi-
litaram obter o sinal esperado.
! = !(M, a) ⌧ = ⌧ (M, a) , (3) O sinal é composto de três partes: inspiral,
merger e ringdown,2 como pode ser visto na Fi-
cujos valores dependem somente da massa M do gura 1. Durante o inspiral, os dois buracos ne-
buraco negro e do seu spin J (a ⌘ cJ/cM 2 é o pa- gros orbitam o centro de massa do sistema biná-
râmetro adimensional de spin e |a| < 1). Quanto rio, chegando cada vez mais perto. O merger é
maior a massa, menor a frequência e maior o a colisão dos dois buracos negros. O ringdown é
tempo de decaimento. Cada buraco negro possui a fase final, quando sobrou somente um buraco
um conjunto discreto de pares de (!, ⌧ ), como as negro, resultante da colisão dos dois buracos ne-
diferentes notas que podem ser tocadas em uma gros iniciais do binário. Uma das características
corda de violão. Os modos quasinormais são as mais interessantes é o fato do ringdown apresen-
frequências naturais do buraco negro (ou seja, a tar os modos quasinormais descritos na seção an-
sua assinatura), como veremos nas próximas se- terior. Após o processo extremamente complexo
ções. do merger dos dois buracos negros, recuperamos
os resultados do regime de pequenas perturba-
2.3 Simulados numericamente ções. Portanto, o ringdown fornece um sinal que
é característico do buraco negro gerado após a co-
A detecção das ondas gravitacionais menciona- lisão dos dois buracos negros do sistema binário.
das na seção anterior é uma das medidas mais
Ainda existem desafios. Um sistema binário de
desafiadoras que já foram realizadas. Isso por-
buracos negros com massas m1 = m2 é mais fá-
que a amplitude dessas ondas é muito, muito
cil de simular do que sistemas com m1 > 10 m2 .
pequena. O tamanho característico esperado é
Além disso, os buracos negros podem ter spin,
( h)/h ⇠ 10 21 , que é ridiculamente pequeno.
cujas amplitudes e orientações adicionam 6 di-
Por esse motivo, parte do trabalho de detecção é
mensões no espaço de parâmetros. Efeitos sutis
entender (muito bem) as fontes de ruído no de-
na forma de onda podem ser mascarados por er-
tector. Não vamos discutir esse aspecto aqui, mas
ros numéricos. E quem quiser estudar as con-
o leitor interessado pode aprender mais no artigo
sequências de teorias alternativas à relatividade
de O. Aguiar, que também integra esta Seção Te-
geral precisa praticamente começar do zero, mo-
mática.
dificando o formalismo e os programas que já exis-
Outra parte tão ou mais importante é a mode-
tem.
lagem do sinal esperado. Como o sinal é muito
Finalmente, um parêntesis. Essas simulações
pequeno, as chances de detecção aumentam se
também podem ser feitas para sistemas binários
soubermos com precisão a forma da onda espe-
de estrelas de nêutrons, cujas ondas gravitacio-
rada. Mas como fazer isso?
nais também são detectáveis na Terra, como pode
As equações de Einstein que descrevem a rela-
ser lido no artigo de R. Sturani, também publi-
tividade geral são equações diferenciais acopla-
das de segunda ordem na métrica do espaço- 2
Não existem boas traduções em português para inspi-
tempo. Resolvendo essas equações para uma ral e ringdown. Merger é fusão, ou neste contexto, colisão.
2
Tamanho característico
−2
Figura 1: Representação dos três estágios da onda gravitacional emitida por um sistema binário de buracos negros: ins-
piral, merger e ringdown. A curva cinza indica a onda calculada em uma simulação de relatividade numérica compatível
com a primeira detecção de ondas gravitacionais, GW150914 [1]. A linha vermelha tracejada mostra a senoide exponen-
cialmente amortecida que descreve o modo quasinormal do buraco negro formado após o merger. Figura preparada por
Iara Ota (UFABC).
cado nesta Seção Temática. Mas agora temos o quinto evento anunciado. Em 2019, o detec-
mais uma grande fonte de incerteza, na forma da tor KAGRA entrou em funcionamento no Japão.
equação de estado (pressão em função da densi- (Outros detectores estão atualmente em constru-
dade) que descreve a matéria nessas estrelas. No ção/planejamento, ver seção 5.) Até o presente
fim das contas, buracos negros estão longe de ser momento, temos 50 eventos detectados [8, 9]!
os objetos mais complexos do universo. Podemos
As tomadas de dados não acontecem o tempo
até dizer que são os mais simples!
todo, mas sim em campanhas de observação (cha-
madas O1, O2, O3, etc) intercaladas por interva-
2.4 Observados em ondas gravitacionais los para manutenção e desenvolvimento adicio-
nal dos detectores. Os resultados divulgados até
Já temos quase 50 detecções de eventos de co-
agora pertencem às campanhas O1, O2 e O3a
alescência de sistemas binários de buracos negros
(primeira metade da O3). Ainda estamos espe-
(e alguns eventos que envolveram estrelas de nêu-
rando os resultados da O3b serem divulgados, e
trons) observados em ondas gravitacionais. É um
a O4 deve começar em junho do ano que vem.
sucesso fenomenal, não só pelo desafio técnico e
A pandemia de Covid19 impactou até mesmo as
científico que essas detecções representam, como
observações de ondas gravitacionais: a campanha
também pela quantidade de novas informações
O3b teve que terminar antes do esperado, e a O4
que estamos conseguindo.
teve seu início adiado.
Primeiramente, um pouco do histórico. A pri-
meira detecção de ondas gravitacionais de um sis- Os resultados das observações atestam o su-
tema binário de buracos negros aconteceu em 14 cesso da teoria e das simulações. As ondas gravi-
de setembro de 2015, e foi realizada pela colabo- tacionais observadas correspondem perfeitamente
ração LIGO, nos Estados Unidos [1]. Em agosto ao esperado. Com um número cada vez maior de
de 2017, o detector Virgo entrou em funciona- observações, acumulamos resultados e aprende-
mento na Itália, e participou da primeira detec- mos mais sobre os buracos negros: quais as suas
ção tripla de um evento, GW170814 (a colabo- massas e spins? Onde eles se encontram, quão
ração LIGO possui dois detectores). Esse já era distantes estão de nós e como se distribuem no
150
Massa final(M )
100
GWTC-1
GWTC-2
50
0
0 1 2 3 4
Distância(Gpc)
Figura 2: Buracos negros detectados em ondas gravitacionais pela colaboração LIGO/Virgo. Em vermelho, os dados das
campanhas observacionais O1 e O2, disponíveis no catálogo GWTC-1 [8]; em azul, os dados da campanha observacional
O3a, disponíveis no catálogo CWTC-2 [9]. As massas indicam a massa do buraco negro final gerado após o merger
(colisão) do sistema binário de buracos negros. As distâncias são dadas em Gpc; para comparação, o raio da Via Láctea
é aproximadamente 16 kpc e 1 pc ⇡ 3.26 anos luz. Figura preparada por Luís F. L. Micchi (UFABC).
(cenário de evolução do sistema binário). A se- descobrir qual a fração de eventos que ocorrem
gunda possibilidade é que os dois buracos negros através de cada processo? Talvez as orientações
nasceram “longe”: duas estrelas massivas isoladas dos spins dos buracos negros no sistema binário
evoluem separadamente e se tornam buracos ne- possam trazer informações. No cenário de evolu-
gros isolados (porém com velocidade); por sorte, ção do sistema binário, espera-se que os buracos
os dois buracos negros acabam se encontrando um negros possuam spins alinhados, enquanto no ce-
dia e formam o sistema binário (cenário de forma- nário dinâmico as orientações dos spins podem
ção dinâmica). ser arbitrárias.
Além disso, as perguntas acabam se confun-
Tudo muito simples, não é mesmo? Que o lei-
dindo. Se for observado, por exemplo, um buraco
tor não se engane, sempre há complicações possí-
negro no mass gap, isso quer dizer que não en-
veis. (Uma discussão mais aprofundada pode ser
tendemos a física da pair instability supernova,
lida em [12].) Por exemplo, no primeiro cenário
ou quer dizer que esse buraco negro foi formado
(evolução do sistema binário), temos uma grande
anteriormente pela colisão de dois buracos negros
dificuldade: o sistema binário precisa sobreviver à
menores?
explosão de duas supernovas para formar os dois
buracos negros. Essas explosões podem romper
o sistema binário, pois o buraco negro formado
após a supernova é acelerado por causa da explo- 4 Indo além da teoria
são e pode escapar da estrela companheira. No
Além de aprender sobre as características, his-
segundo cenário (formação dinâmica), é preciso
tórias e ambientes dos buracos negros, existe tam-
que os buracos negros existam em ambientes com
bém interesse em testar se a natureza dos bu-
quantidade e densidade suficientes de buracos ne-
racos negros observados corresponde àquela pre-
gros para que eles tenham chance de se encontra-
vista pela teoria da relatividade geral de Einstein.
rem, como por exemplo em aglomerados globula-
Como ainda não existe uma teoria quântica da
res ou no centro de galáxias.
gravitação, sabemos que a teoria ainda não está
Uma vez que não conseguimos observar todo o completa, por mais bem sucedida que tenha sido
processo acontecendo, como saber qual foi o canal até agora. Então talvez o objetivo não seja pro-
de formação de um determinado evento? E como curar saber se Einstein estava errado (da mesma
Fundo
estocástico
Tamanho característico
Binários Massivos
Binários de objetos
compactos
Frequência / Hz
Figura 3: Curvas de sensibilidade de diferentes detectores de ondas gravitacionais atuais e futuros, incluindo estimativas
para a amplitude dos sinais de diferentes fontes. Os sinais são detectáveis quando estão acima da curva do detector.
Figura preparada usando o Gravitational Wave Sensitivity Curve Plotter criado por Christopher Moore, Robert Cole e
Christopher Berry, disponível em http://gwplotter.com (ver também [10]).
maneira que Newton não estava errado), mas pro- tais sobre o número de dimensões do universo e
curar o que há além da sua teoria. existência de universos paralelos são arrebatado-
Existem muito modelos teóricos que generali- ras.
zam a relatividade geral, seja através da inclu-
são de novos campos ou novas forças, que atuam
como pequenas correções da teoria original. As
mudanças não podem ser muito grandes: as te-
orias alternativas têm que passar em todos os
testes observacionais que já foram realizados nos Se pudermos mostrar que buracos negros reais
mais de 100 anos da relatividade geral. Mas, se as são diferentes (mesmo que muito pouco!) daque-
alterações precisam ser muito pequenas, o leitor les previstos pela teoria, teremos as pistas inici-
pode se perguntar: qual é o objetivo dessa busca? ais para começar a desvendar os segredos mais
Por que não podemos nos contentar com a teoria profundos da natureza. Por enquanto, a forma
que já existe? mais promissora de fazer esse teste é usando on-
A resposta para essa pergunta pode ser filosó- das gravitacionais. Os modos quasinormais são
fica (busca do conhecimento), ou pragmática (os uma assinatura dos buracos negros e da teoria
pesquisadores precisam de trabalho), ou interme- da relatividade geral. Se a teoria for alterada,
diária entre esses dois extremos. O fato é que ou se substituirmos os buracos negros por outro
ainda há muito o que aprender sobre o universo. objetos mais exóticos, as frequências e tempos de
Pense em energia escura e matéria escura, que decaimento dos modos quasinormais mudam. Pa-
constituem quase 95% da matéria e energia do rece fácil! Mas essas medidas são difíceis de reali-
universo, e nós não sabemos do que são feitas! zar com precisão, e outros efeitos podem aparecer
Ainda não sabemos em qual escala de energia as quando temos objetos exóticos disfarçados de bu-
correções quânticas da gravitação serão relevan- racos negros, como pode ser lido no artigo de V.
tes, e quais possíveis aplicações poderão ser en- Cardoso, que também compõe esta Seção Temá-
contradas. Por outro lado, questões fundamen- tica.
[9] R. Abbott, T. Abbott et al., Gwtc-2: Com- [13] M. Punturo et al., The Einstein Teles-
pact binary coalescences observed by ligo and cope: a third-generation gravitational wave
virgo during the first half of the third obser- observatory, Classical and Quantum Gravity
ving run, Physical Review X 11(2) (2021). 27(19), 194002 (2010).
Resumo
Neste artigo são revistos os principais eventos que teriam ocorrido nas primeiras fases de evolução do universo,
quando o plasma cósmico é opaco à radiação eletromagnética. Neste caso, a informação sobre tais eventos
não pode provir de fótons mas somente de ondas gravitacionais, detetadas pela primeira vez em 2015. Serão
revisitados os espectros do fundo de ondas gravitacionais gerados durante o período inflacionário e as transições
de fase eletrofraca e quark-hádron. Além disso, são examinados os espectros do fundo de ondas gravitacionais
gerados em cenários alternativos ao big bang, sugeridos por teorias efetivas de campo.
Abstract
In this article the main events expected to have occurred in the early universe are reviewed. In these primitive
evolutionary phases the universe is opaque to the electromagnetic radiation and photons cannot be used as
messengers to carry out information about those events. Since gravitational waves interact weakly with matter,
the early universe can be probed only by those waves that were detected for the first time in 2015. The
stochastic gravitational wave background generated during inflation or during the electroweak or quark-hadron
phase transitions will be revisited as well as the background generated in alternative big bang scenarios.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v2n2.35940
a temperatura do gás diminui e ocorre a recombi- se dilatar (ou contrair), o que explica a expansão
nação do He e em seguida do H. A densidade de observada do Universo. O espaço pode ser de-
elétrons é drasticamente reduzida e o meio passa formado – por exemplo, o movimento de rotação
de opaco a transparente. Nessa transição ocorre de um corpo massivo provoca o arrasto do espaço
o chamado último espalhamento. Quando isso circundante. Este efeito extremamente sutil foi
ocorreu? Para o chamado modelo ⇤CDM, isto é, medido pelo satélite da NASA, Gravity Probe B,
constituído por matéria bariônica, matéria escura lançado em 2004 e cujos resultados foram anunci-
e incluindo uma constante cosmológica ⇤, os pa- ados em 2007. A precessão medida está em exce-
râmetros medidos pela sonda europeia PLANCK lente acordo com as previsões do arrasto causado
indicam que o universo tornou-se transparente pela rotação da Terra. Perturbações no espaço-
quando possuía uma idade de aproximadamente tempo causadas pelo movimento de massas po-
300 mil anos. Isto significa que não podemos dem se propagar e é este processo que chamamos
obter informações sobre eventos anteriores a tal de ondas gravitacionais. Enquanto ondas elec-
data, pois os fótons perderam completamente a tromagnéticas propagam-se no espaço-tempo, as
memória. ondas gravitacionais são propagações das defor-
mações do próprio espaço-tempo. A previsão de
Estamos condenados a ignorar o que se pas-
1916 feita por Einstein foi comprovada recente-
sou antes da data fatídica mencionada anterior-
mente pela detecção, em 2015 [19], destas ondas
mente? A resposta é não se, ao invés de fótons
pela antena gravitacional LIGO (Laser Interfero-
utilizarmos um outro mensageiro. Em 1916, nos
meter Gravitational-Wave Observatory). Neste
primórdios do desenvolvimento da Relatividade
caso, a fonte de tais ondas foi a fusão de um par
Geral, Albert Einstein [1] previu a existência de
de buracos negros massivos que formavam um sis-
ondas gravitacionais que, devido a sua fraca in-
tema binário.
teração com a matéria, poderiam ser um mensa-
geiro ideal. Ondas gravitacionais interagem fracamente
com a matéria e podem se propagar através de
Mas o que são ondas gravitacionais (que, em hi-
um meio opaco à radiação, como é o caso do uni-
pótese alguma devem ser confundidas com ondas
verso antes do desacoplamento dos fótons. Assim,
de gravidade)? A teoria da relatividade geral (da-
podemos sondar o universo primitivo através des-
qui por diante, simplesmente RG) pode ser igual-
tas ondas.
mente considerada como uma teoria do espaço-
tempo. Ao contrário das concepções newtonia- É preciso salientar aqui um fato fundamental.
nas, onde tempo e espaço são conceitos distintos, As ondas gravitacionais detectadas até o presente
Einstein considera que tempo e espaço são en- são a consequência de processos envolvendo obje-
tidades que descrevem a geometria do Universo. tos compactos como estrelas de nêutrons e bura-
Para Newton o tempo flui continuamente e in- cos negros. Portanto, tratam-se de fontes pon-
dependentemente do observador, enquanto o es- tuais que perturbam localmente o espaço-tempo.
paço, onde se situam e se movem os corpos mate- Ondas gravitacionais eventualmente produzidas
riais, é imutável. Na RG o tempo depende do ob- na fase opaca envolvem componentes do universo
servador: um relógio nas vizinhanças do Sol anda que determinam sua dinâmica. Logo, são geradas
mais devagar que um relógio na Terra ou, em ou- em todo universo, constituindo um fundo cosmo-
tras palavras, o tempo depende da curvatura lo- lógico tal qual o fundo de fótons da chamada ra-
cal do espaço-tempo. Este efeito já foi observado diação de 3 K, (re)descoberta em 1964 por Arno
através do estudo do deslocamento para o ver- Penzias e Robert Wilson (prêmio Nobel de Fí-
melho de linhas presentes no espectro de estrelas sica de 1978). Devido a expansão do universo,
anãs brancas. Os leitores cinéfilos deste artigo, as frequências que constituem o espectro se des-
apreciadores do gênero ficção científica, devem locam para o vermelho e as amplitudes decaem.
reconhecer que este efeito foi utilizado no filme Em geral, para cada componente matéria-energia
Interestelar, onde o tempo passa a escoar lenta- que constitui o universo, define-se um parâmetro
mente a medida que os astronautas se aproximam de densidade ⌦ que mede a razão atual entre a
do buraco negro. Na teoria einsteiniana, o espaço densidade de energia da substância considerada e
não é imutável mas tem propriedades que se as- a densidade total de energia devido a todas com-
semelham às de um meio elástico. O espaço pode ponentes. Da mesma forma, define-se o parâme-
tro de densidade ⌦gw para as ondas gravitacionais 10 35 10 33 s. Neste estágio evolucionário, a di-
mas considerando-se a densidade de energia das nâmica do universo é suposta ser dominada por
mesmas por um intervalo logarítmico de frequên- um campo escalar, comumente denominado ín-
cia, isto é, flaton. A energia do ínflaton é composta de dois
termos: um cinético, que depende da derivada
1 d⌦gw (⌫) temporal do campo e outro potencial, que define
⌦gw = . (1)
⇢cr d ln ⌫ as interações do campo e que predomina durante
Por razões diversas devemos esperar que ⌦gw ⌧ 1 o período inflacionário. Nesta fase, o potencial
e, portanto, as ondas gravitacionais não afetam varia muito pouco, propiciando uma expansão ex-
de forma significativa a expansão do universo. ponencial do universo.
A teoria da RG não inclui os processos físi- Embora o ínflaton seja um campo clássico, está
cos que ocorrem no universo mas descreve es- sujeito à flutuações de caráter quântico. Como
sencialmente sua dinâmica. Assim, as equações a dinâmica e, portanto a geometria do universo,
de estado das diferentes componentes que consti- está dominada pelo campo escalar, tais flutua-
tuem o universo são consequência de teorias físi- ções perturbam o espaço-tempo. As perturba-
cas independentes. Desta forma, os processos que ções de tipo escalar são as que deixaram impres-
poderiam ter ocorrido na época “opaca” do uni- sas na radiação de fundo suas características que
verso são apenas conjecturas baseadas nessas teo- observamos sob forma de flutuações de tempe-
rias que representam o nosso conhecimento atual ratura. No entanto, existem flutuações de tipo
da natureza. No momento, dispomos unicamente tensorial, que representam ondas gravitacionais
das ondas gravitacionais para sondar estas fases com frequências determinadas pela escala do ho-
evolutivas iniciais do universo. Como mencionado rizonte cosmológico na época da inflação. Devido
anteriormente, estas ondas devem constituir um a expansão do universo, as frequências observa-
fundo cosmológico de carácter estocástico, que se das hoje são extremamente baixas e estendem-se
espera seja estacionário, isotrópico e não polari- ao longo de um amplo intervalo.
zado. O espectro das ondas gravitacionais geradas
Nas seções que se seguem deste artigo serão durante a era inflacionária depende do modelo de
discutidas algumas das etapas pelas quais o uni- potencial adotado para as interações do campo,
verso deve ter passado nos seus primórdios e nas devendo obedecer aos vínculos impostos pelas ob-
quais se espera uma produção significativa de on- servações da radiação cosmológica de fundo. Tais
das gravitacionais. limites referem-se a amplitude do espectro de flu-
tuações escalares e a razão entre as amplitudes
dos espectros tensorial e escalar. O primeiro fixa
2 O período inflacionário o parâmetro de Hubble (ou, de forma equivalente,
o valor do potencial do ínflaton) e o segundo, li-
Apesar dos sucessos alcançados pelo modelo
mita o valor da amplitude do espectro tensorial.
“padrão” da cosmologia, o chamado modelo
⇤CDM mencionado anteriormente, possui uma Os detalhes dos cálculos do espectro estão des-
série de dificuldades que, entre outras, podemos critos, por exemplo, em um artigo recente de re-
mencionar: porque o universo atual possui uma visão do presente autor [5] e o espectro resultante
geometria plana? Porque a radiação cosmológica é mostrado na Figura 1.
de fundo é tão homogênea? Porque não observa- O espectro gerado durante a inflação e mos-
mos hoje monopolos magnéticos? trado na 1 possui, como esperado, uma amplitude
As questões acima podem ser respondidas se, ⌦gw ⌧ 1 e distribui-se ao longo de um grande
logo no seu início, o universo passou por uma fase intervalo de frequências. Apresenta um máximo
de rápida expansão, na qual o fator de escala va- para f ⇠ 2 ⇥ 10 19 Hz cuja amplitude é da or-
riou de forma quase exponencial. Esta ideia foi dem de ⌦gw h2 ⇠ 10 12 (note que, como é comum
proposta, entre outros, por A. H. Guth e A. D. na literatura, o parâmetro de Hubble-Lemaître
Linde no início dos anos 80 [3, 4]. foi normalizado tal que h = H0 /100 km/s/Mpc).
A inflação é um processo não previsto pela RG Para frequências mais elevadas, a amplitude do si-
e é inserida manualmente na evolução do uni- nal decresce lentamente aproximadamente como
verso quando a idade do mesmo é da ordem de ⌦gw h2 / f 0.0084 . Notar que oscilações estão
log Ωgw h2
-20
estimado através da LQG, isto é, ⇢max ⇡ 4 ⇥ 1092
g.cm 3 , um valor inimaginável. Tal modelo é ca- -25
paz de explicar a homogeneidade, a planura es-
pacial e as flutuações de densidade responsáveis -30
pelas estruturas da teia cósmica observadas hoje
-35
no Universo.
No cenário cíclico podemos identificar diferen- -40
tes estágios evolutivos: 1) o atual, no qual o uni- 0 2 4 6 8
verso se encontra em expansão e o potencial do log f (Hz)
campo escalar age como a componente energia es- Figura 2: Espectro do fundo de ondas gravitacionais ge-
cura, responsável pela aceleração da expansão; 2) radas em um universo cíclico. As curvas magenta e preta
o termo cinético do campo torna-se importante, correspondem respectivamente à temperaturas de reaque-
iniciando-se uma fase de desaceleração até que cimento de 1011 GeV e 1013 GeV. O corte do espectro
em altas frequências ocorre por volta de 11 GHz para o
o parâmetro de Hubble-Lemaître fique negativo, caso de Trea = 1011 GeV e por volta de 2,5 GeV quando
iniciando a fase de contração; 3) flutuações de Trea = 1013 GeV. Como veremos adiante, não existem
densidade aparecem antes do máximo de densi- atualmente projetos de antenas gravitacionais sensíveis em
dade e da subsequente expansão; 4) fim do pe- tais frequências
ríodo no qual a dinâmica do universo está domi-
nada pelo termo cinético e início das eras radi-
conservação CP (carga – paridade) e c) que os
ativa e da matéria; 5) a expansão prossegue até
processos físicos tenham ocorrido fora do equilí-
que o termo potencial torne-se dominante, recu-
brio termodinâmico. Uma hipótese suplementar,
perando o estágio (1).
muito discutida nestes últimos anos, pode ser adi-
Ondas gravitacionais são geradas na fase (3)
cionada às anteriores – ocorrência de uma forte
e o espectro é fortemente atenuado em baixas
transição de fase eletrofraca (EW) de primeira
frequências mas acentuado em altas frequências,
ordem que viola a conservação CP, um processo
onde se concentra essencialmente toda energia
também conhecido como bariogênese EW.
[10]. A amplitude do sinal depende, além de
outros parâmetros, da temperatura de reaqueci- A completa simetria entre as forças fraca e ele-
mento discutida anteriormente. Na Figura 2 são tromagnética é esperada ocorrer em temperaturas
mostrados os espectros esperados para o fundo de superiores a 100 - 200 GeV. Em altas temperatu-
ondas gravitacionais geradas no cenário cíclico [5] ras espera-se que o universo se encontre em um es-
para dois valores da temperatura de reaqueci- tado simétrico metaestável. Conforme o universo
mento. se expande e se resfria, há uma probabilidade de
tunelamento quântico no qual o universo passa
do estado metaestável para o vácuo verdadeiro,
quebrando a simetria original. Tal transição se
4 Ondas gravitacionais geradas na
efetua via a nucleação de bolhas do estado assi-
transição de fase electrofraca
métrico que se desenvolvem no fundo constituído
Um aspecto importante da descrição dos pro- pelo estado simétrico (metaestável). Tais bolhas
cessos físicos que teriam ocorrido no universo pri- surgem, expandem e coalescem até que o universo
mitivo concerne a hipótese de uma perfeita sime- fique completamente no estado assimétrico. A ex-
tria entre matéria e antimatéria Neste caso, como pansão e o movimento das bolhas geram ondas
explicar o universo atual dominado amplamente gravitacionais.
pela matéria? Para explicar tal assimetria várias Tanto o estado simétrico como o assimétrico
possibilidades tem sido consideradas : a) violação são descritos por um potencial efetivo V ( , T ),
da conservação da carga bariônica; b) violação da que depende tanto do campo como da tempe-
as sacolas hadrônicas coalesçam, liberando assim quarks “s”, além dos quarks ”u” e “d”, foram consi-
os quarks e os glúons. derados no cálculo da equação de estado por [11].
O processo de coalescência acima mencionado é Nestas condições, segundo [5], a transição de fase
comumente interpretado como uma transição de QCD ocorre a uma temperatura T = 174 MeV.
fase de primeira ordem, que ocorre quando a ener- O processo de confinamento dos quarks se ini-
gia livre de ambas as fases se iguala. No entanto, cia com o aparecimento de bolhas de hádrons no
a equação de estado para o plasma quark-glúon plasma cósmico, que crescem e coalescem até que
é ainda bastante incerta. No modelo do MIT, a todos os quarks estejam confinados. Tal cená-
densidade de energia e a pressão são calculadas rio é similar ao que ocorre na transição EW des-
pelas expressões bem conhecidas de um plasma crita anteriormente. Assim, deve-se esperar que
relativístico às quais se anexa a energia de con- o movimento e as colisões de bolhas gerem ondas
finamento da sacola B. Assim, temos respecti- gravitacionais mas os parâmetros envolvendo tais
vamente para a densidade de energia e a pressão processos dependem agora das condições físicas
(em unidades naturais ~ = c = k = 1), que prevalecem na transição QCD.
Na Figura 4 é mostrado o espectro esperado
⇡ 2 gef 4 do fundo de ondas gravitacionais gerado durante
⇢ = T + B, (3)
30 a transição QCD, destacando a contribuição de
⇡ 2 gef 4 cada mecanismo. O espectro total apresenta um
p = T B. (4)
90 pico na frequência de 0,33 µHz com uma ampli-
Nas expressões acima a temperatura T é, em tude ⌦gw h2 ⇡ 8, 9 ⇥ 10 11 . Tal amplitude é cerca
geral, dada em MeV, gef é o número efetivo de de três ordens de grandeza superior ao valor ob-
graus de liberdade do plasma quark- glúon e B tido para o fundo gerado na transição EW mas
é a densidade de energia associada ao confina- ocorre em frequências mais baixas. Convém sali-
mento, que é da ordem de 60 MeV.fm 3 . Face entar que estes resultados dependem fortemente
a não-linearidade da teoria cromodinâmica quân- da equação de estado adotada para descrever o
tica (QCD) vários métodos têm sido propostos plasma de quarks e glúons.
para o cálculo da equação de estado da fase “des- A massa do quark “s” (strange) é incerta e as-
confinada” como a teoria de treliças (lattice, em sim é geralmente parametrizada. No entanto, vá-
inglês). Tal método representa uma excelente rios estudos mostram que existe um valor crítico
ferramenta para cálculos não perturbativos em da massa dessa partícula acima do qual a tran-
QCD, permitindo determinar uma equação de es- sição QCD é dita de crossover, isto é, o confi-
tado mais realista do que o modelo da sacola. namento ocorre suavemente sem a formação de
Um resultado importante derivado dos cálculos bolhas. Neste caso, ondas gravitacionais podem
pelo método de treliças corresponde ao fato que ser geradas somente se o plasma cósmico tiver
a transição QCD é efetivamente de primeira or- um grau relativamente elevado de turbulência.
dem. Em [12] os autores consideram esta possibilidade,
O método de treliças fornece, em geral, a arguindo que a baixa viscosidade do fluído cós-
chamada anomalia do traço do tensor energia- mico pode manter a turbulência gerada nos pri-
momento, isto é, I(T ) = (⇢ 3p), que satisfaz mórdios do universo. Um sinal apresentando
a seguinte equação um pico largo em torno de frequências da or-
dem de 0, 1µ Hz e com amplitude da ordem de
✓ ◆
5 d p ⌦gw h2 ⇡ 3 ⇥ 10 9 foi obtido por aqueles autores,
I(t) = T . (5)
dT T 4 admitindo turbilhões turbulentos com velocida-
des da ordem de 300 km/s.
Assim, sendo conhecida a anomalia I(T ), a pres-
são pode ser calculada por integração da equação
acima e, em seguida, calcula-se a densidade de
6 Detecção de ondas gravitacionais
energia. Usando-se a equação de estado calcu-
lada pelo método de treliças na referência [11] e A procura de um sinal do fundo de ondas gra-
representando-se os hádrons pelos mésons ⇡ e K, vitacionais está baseada na hipótese que o mesmo
podemos calcular os parâmetros físicos da tran- seja isotrópico, estacionário e Gaussiano. Nestas
sição. Os kaons (K) devem ser incluídos porque condições, o sinal fica completamente especificado
Figura 4: Espectro do fundo de ondas gravitacionais ge- Figura 5: Esquema da configuração orbital proposta
rado durante a transição QCD (ver detalhes em [5]). Em para a maioria dos projeto espaciais visando a detecção
azul claro a contribuição das colisões entre bolhas, em do fundo de ondas gravitacionais, seja de origem cosmoló-
amarelo a contribuição da turbulência gerada pelas bo- gica, seja de origem astrofísica.
lhas, a cor magenta indica contribuição de ondas sonoras
e a curva em preto, a contribuição total.
inflação, requerendo, portanto, uma alta sensibi-
lidade.
pelo seu espectro. Não vamos aqui discutir tais A configuração básica destas antenas gravita-
premissas mas podemos afirmar, por várias ra- cionais está esquematizada na Figura 5. Os dete-
zões, que são plenamente justificadas. tores são constituídos por conjuntos de satélites
O problema maior é que a intensidade do sinal dispostos em uma configuração triangular e em
do fundo de ondas gravitacionais, independente- uma órbita em torno do Sol a uma distância de
mente do seu mecanismo de geração, é muito pe- aproximadamente 1 UA. No caso do projeto BBO
quena e, neste caso, o ruído intrínseco do detetor versões 1 e 2, que se distinguem pelo número de
é dominante. Mesmo assim é possível detectar o satélites envolvidos) a separação dos satélites em
sinal se efetuarmos a correlação das medidas de cada conjunto é de 50.000 km. Para eLISA, a
vários detetores, considerando-se que o ruído de separação é de 2, 5 ⇥ 106 km enquanto que DE-
cada um é independente. Como as técnicas de de- CIGO terá uma separação de apenas 1000 km e
tecção e o princípio dos detetores, principalmente ALIA uma separação de 5 ⇥ 105 km.
das antenas interferométricas laser, serão aborda-
dos em outro artigo deste volume, não entraremos
aqui nos detalhes dos mesmos.
7 Conclusões
Conforme o visto anteriormente, os sinais do
fundo de ondas gravitacionais gerados por dife- As ondas gravitacionais são o único mensageiro
rentes processos que teriam ocorrido no universo capaz de sondar o universo primitivo, verificando
primitivo, ocorrem em baixas frequências (inferi- ou não processos que supomos ter ocorrido com
ores a 1 Hz). Isto implica na utilização de dete- base nas teorias físicas atuais. A maioria destes
tores interferométricos com braços extremamente processos gera um fundo estocástico de ondas gra-
longos e baseados no espaço para escaparem do vitacionais, caracterizados unicamente pelos seus
ruído sísmico terrestre, dominante para frequên- espectros.
cias abaixo de 10 Hz. A inflação, não prevista pela teoria da relati-
Nesse sentido vários projetos tem sido propos- vidade, é um processo importante pois as flutua-
tos, merecendo destaque o projeto europeu eLISA ções do campo gerador da mesma são responsá-
(Evolved Laser Interferometric Space Antenna), veis pela estrutura em grande escala do universo.
o projeto chinês ALIA (Advanced Laser Interfe- Infelizmente, no domínio de frequências onde os
rometer Antenna) e o projeto japonês DECIGO detetores planejados seriam sensíveis para detec-
(Deci-Hertz Interferometer Gravitational Wave tar o sinal gravitacional gerado por tal processo,
Observatory). No entanto, o mais ambicioso pro- o fundo estocástico astrofísico, devido aos siste-
jeto é certamente o BBO (Big Bang Observer) mas binários constituídos por objetos compactos,
destinado a detectar o sinal produzido durante a é dominante e submerge o sinal cosmológico.
Resumo
As detecções de ondas gravitacionais geradas de sistemas binários coalescentes deixaram um marco na física,
começando a nova ciência da astronomia de ondas gravitacionais e abrindo novas linhas de pesquisa em física
fundamental e cosmologia. Aqui expomos as consequências dessa nova forma de enxergar, ou ouvir, objetos
astrofísicos para a compreensão das leis fundamentais da gravitação e da história do Universo.
Abstract
The detections of Gravitational Waves from coalescing binaries represent a landmark in physics, they started
the new science of gravitational wave astronomy and opened new lines of research in fundamental physics and
cosmolgy. Here we expose the consequences of this new way to look at, or rather listen to, astrophysical objects
for the understanding of the fundamental gravitational laws ane the history of the Universe.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v2n2.36126
p3
crever a fase inspiral de um sistema binário de ob- p3+p4
trela de nêutrons. Uma parcial explicação quali- logamente ao que acontece com o efeito Doppler
tativa pode ser dada observando a deformação de no caso do som emitido por uma fonte em movi-
um objeto astrofísico, deformações de maré, natu- mento. A relação entre a distância e o redshift é
ral para uma distribuição de matéria, como para um dos pilares de qualquer modelo cosmológico,
uma estrela de nêutrons, mas não acontece no es- mas infelizmente relaciona duas quantidades difí-
paço vazio que corresponde a um buraco negro. ceis de serem medidas.
Ao contrário da deformação de maré, a absorção
É relativamente fácil medir a frequência da luz
de uma parte da radiação gravitacional produ-
que chega em um observatório. Para estimar o
zida pelo sistema binário é desprezível para es-
redshift é preciso saber qual era a frequência da
trelas de nêutrons mas pode ser importante para
luz na época da emissão. Para sinais provenien-
buraco negros: o horizonte de eventos de um bu-
tes de galáxias conhecidas essa medida é possível,
raco negro se comporta como uma esponja com-
identificando frequências associadas a fenômenos
pletamente absorvente. Toda radiação criada su-
específicos cuja frequência é conhecida. Mas para
ficientemente perto dele não consegue escapar e
fontes não padrões, como gamma ray burst, a es-
vem a ser capturada pelo buraco negro.
timativa do redshift é possível somente se a fonte
Além da medida de uma não desprezível de-
puder ser associada a uma galáxia conhecida.
formação das estrelas de nêutrons no evento
GW170817 [12], esse efeito de deformação e ab- Para medir a distância não é suficiente observar
sorção não foram ainda observados. Em particu- a luz de um objeto, é necessário também conhecer
lar uma observação desse fenômeno nos casos de sua luminosidade intrínseca, ou seja, a calibração
buracos negros poderia dar mais uma confirma- da radiação emitida para comparar com a lumino-
ção da teoria da relatividade geral ou, em caso sidade medida e então inferir a chamada distância
de incompatibilidade com a previsão da teoria de de luminosidade. É esse o caso, por exemplo, de
Einstein, uma indicação a favor das teorias alter- um certo tipo de supernova, chamadas Ia, que
nativas da gravitação. se distingue das outras pela ausência de hidrogê-
nio e pela presença de silício, visíveis no espectro,
e que são velas padrões, ou seja, elas têm uma
emissão padronizada e, com base na intensidade
3 Cosmologia
da luz detectada, a distância até elas pode ser
A astronomia gravitacional não só permitiu en- medida. Quando é possível determinar o redshift
xergar os objetos mais enigmáticos da natureza, também, graças à identificação da galáxia hos-
os buracos negros e as estrelas de nêutrons, como pedeira, eis que temos os dois ingredientes para
também abriu a possibilidade de enxergar o Uni- determinar a relação distância-redshift. Essa re-
verso através de um mensageiro novo, ou escutá- lação pode ser expandida em uma série de Taylor,
lo, como se diz metaforicamente. É assim possí- e o coeficiente da primeira ordem é a constante de
vel ter informações complementares àquelas que Hubble-Lemaître H0 , cujo valor foi determinado
os mensageiros tradicionais (ondas electromagné- de várias formas. Em particular a determinação
ticas, neutrinos e raios cósmicos) generosamente de H0 obtida pela analise da radiação cósmica
nos enviaram e já são detectados pelos observató- do fundo não confere com o valor obtido através
rios existentes desde antes da implementação dos das velas padrões. É de fundamental importân-
detectores de ondas gravitacionais. cia, então, ter uma nova e independente determi-
Focando nossa atenção na cosmologia, um jeito nação de H0 , e isso pode ser obtido através das
padrão de investigar o Universo é relacionar a ondas gravitacionais emitidas por binárias coa-
distância entre objetos astrofísicos e o redshift lescentes, ou sirenes padrões. Nesse caso, quando
(termo em inglês para desvio para o vermelho) a medida gravitacional da distância de luminosi-
correspondente da luz recebida. O Universo está dade é complementada pelo redshift, identificando
em expansão, com a velocidade de recessão das a galáxia hospedeira por exemplo, é possível de-
galáxias próximas à nossa sendo proporcional à terminar a constante de Hubble-Lemaître. Por
distância relativa até nós. Quando uma fonte enquanto existe só uma detecção de onda gravi-
em movimento em relação a um observador emite tacional proveniente de uma sirene padrão com
luz, esta chega ao observador com uma frequên- redshift associado e, por consequência, a medida
cia diferente daquela com que foi emitida, ana- de H0 é acompanhada de uma incerteza muito
grande. Mas é esperado que com várias dezenas abrem portas rumo a novas direções de investiga-
de novas detecções a precisão necessária para re- ção sobre o Universo.
solver o desacordo entre as medidas de H0 hoje
existente seja atingida.
O único evento caracterizado de uma emissão Sobre o autor
conjunta de ondas electromagnéticas e gravita- R. Sturani (riccardo.sturani@ufrn.br) é Doutor
cionais é hoje conhecido como GW170817, na em Física pela Scuola Normale Superiore de Pisa
parte gravitacional, GRB170817A, pela parte de (Itália) e pesquisador do Instituto Internacional
gamma ray burst, e AT 2017gfo pela parte de de Física da Universidade Federal do Rio Grande
transiente óptico [13]. Ele aconteceu a uma dis- do Norte (Natal, RN). Especialista em métodos
tância de cerca de 120 milhões de anos-luz de nós, de teoria de campos aplicados ao problema a dois
e o sinal dos raios gama chegou somente 1,7 se- corpos em relatividade geral e membro da cola-
gundos depois de passado o pico da onda gravita- boração LIGO/Virgo/KAGRA.
cional, o que mostra que as duas radiações, gravi-
tacional e electromagnética, viajam com a mesma
velocidade com ótimo grau de aproximação. Referências
Outra consequência inesperada do evento
GW170817 foi a compreensão dos fenômenos que [1] and J Aasi, B. P. Abbott et al., Advan-
acompanham a fusão de duas estrelas de nêu- ced LIGO, Classical and Quantum Gravity
trons, que induzem, entre outras coisas, a forma- 32(7), 074001 (2015).
ção de uma quantidade importante de elemen-
[2] F. Acernese, M. Agathos et al., Advanced
tos pesados como ouro e prata, resolvendo um
Virgo: a second-generation interferometric
quebra-cabeça existente de longo tempo, já que
gravitational wave detector, Classical and
as fusões nucleares que ocorre no interior de ou-
Quantum Gravity 32(2), 024001 (2014).
tras estrelas só dão conta de formar o ferro ou
elementos mais leves. [3] T. Akutsu, M. Ando et al., Overview of KA-
GRA: Detector design and construction his-
tory, Progress of Theoretical and Experi-
mental Physics 2021(5) (2020), 05A101.
4 Conclusões
[4] L. Lehner, Numerical relativity: A review,
Estamos no começo de uma verdadeira revolu- Class. Quant. Grav. 18, R25 (2001). ArXiv:
ção no campo da astronomia, com repercussões gr-qc/0106072.
esperadas também no campo da física fundamen-
tal e da cosmologia. [5] A. Pound e B. Wardell, Black hole per-
O interesse despertado pela detecção de on- turbation theory and gravitational self-force
das gravitacionais, dado o tipo de fonte particu- (2021). ArXiv:2101.04592.
larmente fundamental (tanto que já foi denomi- [6] T. Regge e J. A. Wheeler, Stability of a
nado o átomo do hidrogênio da gravidade), per- Schwarzschild singularity, Phys. Rev. 108,
mite uma descrição fundamental da dinâmica das 1063 (1957).
fontes que está nos ensinando novas lições sobre a
gravitação em condições extremas e nunca antes [7] F. J. Zerilli, Gravitational field of a parti-
observadas. cle falling in a schwarzschild geometry analy-
Também na cosmologia as ondas gravitacio- zed in tensor harmonics, Phys. Rev. D 2,
nais nos dão acesso a novas informações, como 2141 (1970).
uma medida independente da relação distância-
[8] M. Isi, M. Giesler et al., Testing the no-hair
redshift.
theorem with GW150914, Phys. Rev. Lett.
Mas além dos desconhecidos esperados, os 123(11), 111102 (2019). ArXiv:1905.00869.
eventos registrados mostraram como as novas de-
tecções são fontes de informação sobre os desco- [9] P. C. Peters, Gravitational Radiation and the
nhecidos inesperados, que além de responder a Motion of Two Point Masses, Phys. Rev.
antigas perguntas, até então sem respostas, nos 136, B1224 (1964).
[10] W. D. Goldberger e I. Z. Rothstein, An Ef- [12] B. P. Abbott et al., Properties of the binary
fective field theory of gravity for extended neutron star merger GW170817, Phys. Rev.
objects, Phys. Rev. D 73, 104029 (2006). X 9(1), 011001 (2019). ArXiv:1805.11579.
ArXiv:hep-th/0409156.
[11] S. Foffa e R. Sturani, Conservative dy- [13] B. P. Abbott et al., Multi-messenger Ob-
namics of binary systems to fourth Post- servations of a Binary Neutron Star Mer-
Newtonian order in the EFT approach I: Re- ger, Astrophys. J. Lett. 848(2), L12 (2017).
gularized Lagrangian, Phys. Rev. D 100(2), ArXiv:1710.05833.
024047 (2019). ArXiv:1903.05113.
Resumo
Esse artigo discute a questão temporal em cosmologia, em particular a crítica de Gödel ao uso de um tempo
cósmico global. Examina também os sistemas de coordenadas que permitem a separação da variedade espaço-
tempo em três dimensões de espaço e um tempo único comum. Descreve a possibilidade de usar um sistema
gaussiano que permite tal separação, e examina ainda as condições em que um tempo cósmico não pode ser
usado para cobrir toda a variedade, como no modelo de Gödel.
Abstract
This paper discuss the temporal question in cosmology, specially the Gödel’s cristicism about the global cos-
mological time. It is also examined coordinate systems that allows one to separate spacetimes in tridimensional
spaces with a single time coordinate. We describe the possibility to use a Gaussian system which allows such
separation, and analysis the conditions in a which a cosmical time cannot be used to cover the whole manifold,
as in the case of Gödel’s model.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v2n2.36050
lha conveniente, útil e que permite uma descrição constante cosmológica ⇤. O fluido não mostra de-
dentro do antigo cânone pré-relativista de estudo pendência temporal, mas possui uma propriedade
do Universo. que o singulariza: ele está dotado de uma rota-
ção local. Isto é, em cada ponto do espaço onde
a matéria inerte se apresenta, existe um eixo de
rotação em torno do qual a matéria gira. Esta
3 Revolução dentro da revolução
rotação é local, isto é, não se trata de uma rota-
Gödel executa um novo movimento crítico, ção global do Universo como um todo, posto que
uma mudança de paradigma que nem mesmo isto seria impossível de ser observado. A intensi-
Einstein havia ousado, e produz uma verdadeira dade desta rotação é determinada pela densidade
revolução dentro da revolução relativista, indo de energia local do fluido. As equações da teo-
muito além do que a ciência convencional pode ria impõem uma relação direta entre este valor
aceitar. Ele começa por arguir que a representa- da rotação e o valor da constante ⇤. Este eixo
ção que usa um tempo global pode ser conveni- de rotação local permite associar naturalmente
ente, mas não deve ser alçada à condição de abso- uma direção privilegiada em cada ponto, de tal
luta e que, ao contrário, deve sair do território ne- modo a definir naturalmente um sistema de co-
buloso do apriorismo3 . Deve-se investigar se seu ordenadas cilíndricas. Podemos então descrever,
uso pode ser globalmente possível em qualquer so- neste sistema de coordenadas, a situação espe-
lução das equações da teoria da relatividade geral. cial desta geometria. Gödel mostrou, analisando
Isto é, mesmo que escolhamos localmente uma or- o comportamento de uma classe de observado-
dem temporal capaz de exibir - e para todos os res livres que eles poderiam girar em torno deste
observadores - uma distinção clara e operacional eixo realizando uma trajetória fechada sobre si
entre passado e futuro, mesmo que todos os ob- mesmo. O ponto crucial, e que produz toda a
servadores coincidam na caracterização desta or- estranheza deste modelo, consiste na propriedade
dem, Gödel se pergunta se é indispensável que a de que esta trajetória fechada ocorre na estru-
universalidade desta ordenação seja extrapolada tura completa do espaço-tempo, isto é, trata-se
para além das observações locais, isto é, seja en- de uma curva na qual um viajante que por ela
tendida como global, típica do universo, com to- caminhasse poderia passar mais de uma vez pelo
das as consequências que uma tal extrapolação mesmo ponto. Nesta trajetória, ele poderia rea-
induz. A resposta que ele oferece é um veemente lizar a experiência que chamaríamos de "volta ao
não! Enquanto não possuirmos meios materiais passado".
para decidir através da observação, todas as dife-
rentes alternativas possíveis, compatíveis com as
leis da física, devem ser consideradas e a estrutura 5 Observadores gaussianos no universo de
gaussiana de um tempo global - como qualquer Gödel
outra escolha - deve ser entendida como provisó-
ria. É o que Gödel nos ensina. Para mostrar que também no modelo de Gö-
del é possível produzir, para uma classe de ob-
servadores especiais, um tempo único, que funci-
onaria para estes observadores como um tempo
4 O modelo cosmológico de Gödel cósmico, podemos proceder como o matemático
Gauss ensinou e produzir de modo prático este
A geometria desse modelo parte da hipótese de
tempo global. Talvez fosse conveniente nos de-
que as equações que descrevem o comportamento
dicarmos um pouco a essa questão, para que ela
da gravitação no universo são dadas no interior
e outras que lhe estão associadas, fiquem mais
da relatividade geral contendo, como no caso do
claramente compreendidas.
modelo de Einstein, uma fonte de matéria identi-
Na escolha de um sistema gaussiano de coor-
ficada a um fluido perfeito incoerente (isto é, sem
denadas, na qual um tempo único e comum é
interação entre suas partes) além da resposta glo-
estabelecido, devemos começar por construir a
bal do universo, consubstanciada na expressão da
classe de observadores privilegiados que irão uti-
3
É o mesmo procedimento adotado por Einstein ao em- lizar este tempo. Como sobre estes observado-
preender sua crítica ao apriorismo da física newtoniana. res nenhuma força deve ser exercida, pois eles
são caracterizados como observadores livres, de- pois ele depende de cada observador e de cada
vemos começar por procurar este conjunto parti- ponto P onde a caracterização do sistema gaussi-
cular de observadores sem aceleração. Sabemos ano foi estabelecido – é simples de descrever: ele
que uma tal propriedade é típica de curvas ge- se torna singular, isto é, ele não caracteriza as dis-
odésicas. Assim, o primeiro passo consiste em tâncias entre pontos deste universo por números
conhecer as curvas geodésicas na geometria de reais finitos. Tudo se passa como se chegásse-
Gödel. Ademais, como queremos que estas cur- mos, em R(P), a uma fronteira, além da qual o
vas sejam caminhos reais, pelas quais observado- universo não mais existiria: chegaríamos a uma
res reais possam se locomover, elas devem ser do barreira intransponível, às bordas que delimita-
tipo tempo. Realizada esta etapa (ver referên- riam este universo. Entretanto, não se trata de
cia [4] para maiores detalhes técnicos), escolhida um impedimento verdadeiro, real, pois nada mais
uma classe de observadores especiais, definimos é do que uma propriedade desta particular classe
para estes, um tempo único, pela sincronização de descrição do universo de Gödel. Outras carac-
de seus relógios. A partir desta classe construí- terizações, não gaussianas, podem ir além deste
mos uma estrutura espacial, que nada mais é do ponto crítico R(P). Mas como é isso possível? O
que uma mera imitação do que ocorre na geome- que está afinal de contas, acontecendo naquele
tria euclideana, e como estamos acostumados a ponto? Para melhor e mais facilmente entender-
fazer na geometria de Minkowski. Segue então mos isso, é conveniente fazermos um pequeno in-
que para cada observador pode ser atribuído um tervalo nesta análise e examinarmos uma situação
tempo (que será o mesmo para todos os observa- semelhante – mas bem mais simples – que acon-
dores desta classe) e, perpendicularmente a esta tece em uma geometria mais elementar, a geome-
curva especial no quadri-espaço que caracteriza tria de Minkowski.
o movimento destes observadores gaussianos (as
geodésicas), associa-se um correspondente espaço
tridimensional, que chamamos simplificadamente 6 Geometria de Minkowski, observadores
de "espaço". Dessa forma, um sistema de coor- de Rindler
denadas (tempo e espaço) capaz de caracterizar
cada acontecimento do mundo, se estabelece. O Uma escolha de sistema de coordenadas, isto
próximo passo é crucial, pois trata-se de respon- é, o modo pelo qual se representam os pontos
der à questão: até onde podemos estender, a par- ou eventos no espaço-tempo quadridimensional,
tir de um dado ponto qualquer P na geometria é arbitrária. Alguns sistemas podem ser esten-
de Gödel, um tal sistema gaussiano de coorde- didos para todo o espaço-tempo, e outros têm
nadas? Pois é precisamente neste momento que seu domínio de aplicação limitado a uma dada
a geometria de Gödel se distancia radicalmente região. Esta escolha depende de várias motiva-
das demais conhecidas. Ao tentarmos realizar a ções e até mesmo seu alcance pode fazer parte dos
extensão deste sistema, uma análise matemática critérios desta escolha. Poder-se-ia pensar que a
(ver referência [5]) mostra que ele não pode ir escolha normal fosse aquela no qual o sistema de
além de uma determinada região; que ele se inter- coordenadas pudesse ser estendido sobre toda a
rompe em um dado lugar, que além deste lugar, variedade. Entretanto, por diferentes razões, às
ele se torna inaceitável como um sistema de coor- vezes, é mais conveniente usar uma dada repre-
denadas regular. E qual é este ponto ou conjunto sentação, mesmo que ela não seja global, isto é,
de pontos, além dos quais este sistema gaussiano mesmo que ela possua uma fronteira a partir da
em Gödel não pode se estender? O que ocorre de qual este sistema não seja mais utilizável. Um
especial ali e de tal modo que, além deste ponto, exemplo bastante esclarecedor desta situação na
se encontra um território para o qual este sistema qual o sistema de representação usado é restrito
gaussiano, gerado a partir de P, não é mais apli- a uma parte limitada da geometria é o sistema
cável? E o que ocorre com este sistema para que de coordenadas de Rindler. A origem de um tal
deixe de ser aplicável? sistema está no fato – ditado por alguma conve-
niência local – de que se escolhe para representar
Muitas questões, que iremos responder agora. o espaço-tempo, uma classe particular de obser-
O que impede este sistema de ser estendido além vadores privilegiados aos quais um sistema de co-
de um raio crítico – que chamaremos de R(P), ordenadas está associado, uma classe especial de
observadores não-inerciais. Isto é, seleciona-se, que estariam no espaço associado a um tempo an-
por algum critério, um conjunto de observadores. terior ao escolhido no sistema de Milne como seu
No caso de Rindler, escolhe-se observadores não tempo inicial, não poderiam ser atingidos pelos
livres, aos quais uma força é aplicada continu- observadores de Milne. Consequentemente, eles
amente, gerando uma aceleração constante. As- representariam eventos, acontecimentos do pas-
sim, ao se estabelecer um sistema de coordenadas sado que estariam fora desta descrição. Entende-
mais adaptado a estes observadores, descobre-se se assim, a razão pela qual o sistema de coorde-
que este sistema só pode descrever um quarto da nadas de Milne só é capaz de descrever uma parte
totalidade do espaço-tempo convencional de Min- da totalidade da geometria de Minkowski: trata-
kowski. Neste caso, uma simples inspeção em sua se de uma consequência direta do modo de forma-
interpretação, mostra que as fronteiras que deli- ção deste sistema. Os observadores de Milne ao
mitam o domínio da validade do sistema de coor- começarem sua descrição do universo, postulam
denadas de Rindler são determinadas pelo valor que toda a história passada está definitivamente
máximo da correspondente aceleração. apagada para eles, ou, para usar a palavra cor-
reta associada a esta definição: este passado não
existiu, não pode fazer parte de sua representa-
7 Geometria de Minkowski, observadores ção do universo. E, no entanto, trata-se de des-
de Milne crever o bem-comportado espaço-tempo de Min-
kowski. Sabemos que é possível, escolhendo outra
Um outro sistema especial de coordenadas foi classe de observadores fundamentais, estabelecer
caracterizado pelo astrônomo inglês Milne. Ele um sistema gaussiano completo, capaz de repre-
pode ser entendido como constituindo uma espé- sentar toda esta geometria. Isso nos mostra cla-
cie de sistema complementar ao de Rindler, em- ramente que a limitação do sistema gaussiano de
bora sua origem seja totalmente distinta. Com Milne não é uma propriedade inerente ao espaço-
efeito, enquanto os observadores de Rindler cons- tempo que ele descreve, mas sim uma limitação
tituem sistemas acelerados, e consequentemente do alcance dessa particular escolha de represen-
não possuem um tempo único gaussiano, a classe tação (o leitor interessado pode ver mais detalhes
dos observadores de Milne constituem observado- na referência [3]).
res inerciais, livres, e que descrevem um só tempo
global comum a todos estes observadores. Isto é,
como em Gödel, este sistema gaussiano é limi-
8 Sistema gaussiano na geometria de
tado. Mas então, de onde vem o horizonte, esta
Gödel
fronteira que impede que este sistema cubra todo
o espaço-tempo? Para entendermos isso, devemos Depois deste pequeno desvio para entendermos
conhecer o modo pelo qual o sistema de Milne é como se estrutura, em geral, um sistema de obser-
gerado, como se descreve sua criação, como pode vadores gaussianos, e como se pode limitar e es-
ele ser construído. Com efeito, o sistema de Milne tender sua descrição, podemos voltar ao caso que
é gerado fixando-se arbitrariamente um momento nos interessa aqui. Vamos proceder de modo se-
singular de criação artificial e formal do espaço- melhante. Suponhamos que na geometria de Gö-
tempo minkowskiano. Tudo se passa, para este del um conjunto de observadores geodésicos são
sistema de coordenadas como se, a partir de um enviados para todas as direções a partir de um
dado momento previamente selecionado e arbi- ponto qualquer 0. Cada um destes observadores
trário, caracterizado por um valor que convenci- irá descobrir que ao se aproximar de um certo
onamos chamar de tempo zero, uma quantidade valor de distância D de seu ponto original (va-
infinita de observadores inerciais são hipotetica- lor este que depende somente da intensidade de
mente enviados para todas direções, a partir de rotação existente neste modelo) aparece uma bar-
um ponto central do espaço, escolhido para cons- reira impossibilitando a extensão daquele sistema
tituir a origem espacial deste sistema de coorde- além de D. E qual a origem dessa barreira, dessa
nadas. Assim, a partir deste centro, todo o espaço curiosa propriedade de confinamento? Por que
seria atingido. Entretanto, como os observadores este sistema limita ao raio D a possibilidade de
só podem se movimentar para o futuro, o passado construção de um tempo único, do tempo gaus-
deste ponto e, consequentemente todos os pontos siano, nesta geometria? Um exame mais deta-
lhado mostra o que se passa na fronteira: além organizar uma ciência convencional, semelhante
de D é possível o aparecimento de curvas do tipo à construída na relatividade especial, que guar-
tempo fechadas. Isto é, um observador real po- daria muitas – se não todas – características com
deria, em princípio, voltar a seu passado e, con- as quais se descreve o mundo. Em particular,
sequentemente, um tal sistema de coordenadas por exemplo, uma física de campos seria possível
gaussianos se torna impossível de ser estendido ser construída, semelhantemente ao que ocorre na
além de D. Notemos, entretanto, que a situação geometria de Minkowski, transportando-a para o
na geometria de Gödel é diferente do caso ante- cenário de Einstein. Nada semelhante na geo-
rior de Minkowski. Tanto na representação de metria de Gödel. Com efeito, embora seja pos-
Milne quanto na de Rindler, a limitação de que sível instituir um sistema gaussiano local nesta
tratamos é artificial, está associada a uma escolha geometria, o fato de que ele não possa ser esten-
especial de observadores. Podemos passar para dido globalmente produz resultados estranhos e
outra categoria de observadores — os inerciais, inesperados. Só para citar um exemplo, podería-
por exemplo, — que podem realizar a tarefa de mos considerar as dificuldades quase insuperáveis
descrever a totalidade do universo de Minkowski. de produzir uma física convencional de campos
A diferença entre esta limitação de alguns obser- nesta geometria e construir um problema de Cau-
vadores gaussianos desta geometria e aquela, bem chy para eles. Isto significa, de um modo simbó-
mais dramática, existente na geometria de Gödel, lico e preciso, a impossibilidade de que um corpo
reside precisamente nesta característica que deve- material, uma partícula, possa ser descrita como
mos repetir e enfatizar: enquanto em Minkowski uma estrutura única e permanente. Uma partí-
trata-se de uma escolha de observadores que não cula, vista por um observador nesta geometria,
podem utilizar um tempo cósmico global, único, poderia não ser reconhecida como tal por outro
para toda a geometria, no caso de Gödel, trata- observador. Como é isso possível?
se de uma proibição inerente a esse modelo que Não entrarei em mais detalhes neste texto, en-
independe de qualquer escolha especial de obser- caminhando o leitor interessado para os artigos
vadores. citados abaixo.
Sobre o autor
9 Uma comparação dos modelos de
universo de Einstein e Gödel Mário Novello (novello@cbpf.br) é Pesquisador
Emérito do Centro Brasileiro de Pesquisas Físi-
No modelo de universo de Einstein não há di-
cas (CBPF). Mestre em Física pelo CBPF, sob a
nâmica, o universo é estático. Isso é afirmado ao
orientação de José Leite Lopes e Doutor em Fí-
começo de sua caracterização e isso pôde ser feito,
sica pela Université de Genève (Suíça), sob a ori-
pois existe um tempo global de referência ao qual
entação de Josef-Maria Jauch (1972). Em 2004
os observadores fundamentais gaussianos podem
recebeu o título Doutor Honoris Causa pela Uni-
comparar as diferentes propriedades desta geome-
versité de Lyon (França) por seus estudos sobre
tria. Nada semelhante em Gödel. Não somente a
modelos cosmológicos sem singularidade. Autor
dinâmica aqui não existe, mas nem mesmo aquele
de vários livros técnicos e de divulgação científica,
tempo global de referência em relação ao qual
dentre os quais Cosmos et Contexte (Ed. Masson,
nos questionamos sobre esta dinâmica, não existe.
Paris), O que é Cosmologia (Ed. Zahar). Publi-
Ademais, torna-se extremamente difícil – e, em
cou mais de uma centena de artigos científicos e
certas situações, mesmo impossível examinar pro-
orientou dezenas de dissertações de mestrado e
priedades convencionais da física nesta geometria.
teses de doutorado.
Vamos dar um exemplo simples, mas esclarece-
dor.
Como vimos, a geometria de Einstein admite a
Referências
construção de um sistema gaussiano no qual este
universo pode ser separado em uma estrutura tri- [1] K. Gödel, An example of a new type of cos-
dimensional chamada “espaço” e um tempo. Uma mological solutions of einstein’s field equations
tal construção é global, isto é, pode ser estendida of gravitation, Reviews of Modern Physics 21,
sobre todo este universo. Desta forma, é possível 447 (1949).
[2] M. Novello, O que é cosmologia: a revolucao motion and confinement in gödel’s universe,
do pensamento cosmológico (Jorge Zahar Edi- Phys. Rev. D 27, 779 (1983).
tor, Rio de Janeiro, 2010).
[5] M. Novello, N. F. Svaiter e M. E. X. Gui-
[3] M. Novello, Maquina do tempo: um olhar ci- marães, Synchronized frames for Gödel’s uni-
entífico (Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, verse, General Relativity and Gravitation
2005). 25(2), 137 (1993).
[4] M. Novello, I. D. Soares e J. Tiomno, Geodesic
Química e astronomia
Sérgio P. J. Rodrigues
Universidade de Coimbra, Portugal
Resumo
Desde tempos imemoriais que os seres humanos olham e tentam perceber o céu. Não sabiam bem o que eram
aquelas luzes a brilhar e que se movimentavam de forma repetida. Hoje em dia parece muito fácil, mas demorou
muito tempo a consolidar-se a imagem que atualmente temos do céu. E sobretudo, a sabermos qual era a sua
composição química. Este artigo pretende fazer uma revisão de divulgação do conhecimento químico que temos
do céu e mostrar que as informações químicas são indissociáveis do entendimento que temos hoje do universo.
Abstract
Since immemorial times, human beings have looked and tried to understand the sky. They didn’t quite know
what those lights were, shining and moving repeatedly. Today it seems very easy, but it took a long time to
consolidate the image we have today of heaven. And above all, to know what its chemical composition was.
This article intends to review the dissemination of chemical knowledge that we have of the sky and show that
chemical information is inseparable from the understanding we have today of the universe.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v2n2.35752
ção das manchas solares e outros dados sobre o Tabela 1: Compostos encontrados no espaço (adaptado
de [18] e [19] - moléculas não presentes em [18] aparecem
Sol com base no espectro do hidrogênio [16]. em negrito).
Na região da radiação visível é possível obser-
var muitas coisas, como a galáxia de Andrômeda # Moléculas ou íons
(a que está mais perto de nós), mas o espectro de 2 H2 , CO, CSi, CP, CS, NO, NS, SO,
micro-ondas ou de infravermelho dão informações
HCl, NaCl, KCl, AlCl , AlF, PN,
precisas sobre a temperatura. Por exemplo, pode
SiN, SiO, SiS, NH, OH, C2 , CN,
usar-se a distribuição dos isótopos 12 e 13 do car-
HF, FeO, LiH, CH, CH+ , CO+ ,
bono no monóxido de carbono para medir esta
temperatura. Por isso se faz necessário conhecer SO+ , SH, N2 , O2 , CF+ , ArH+
meira molécula a ser detectada no espaço) ou a 5 CH4 , SiH4 , CH2 NH, NH2 CN,
acetona (ver a Tabela 1). Pensa-se no espaço CH2 CO, HCOOH, HC3 N, HC2 NC,
como sendo uma grande fonte de moléculas or- C3 H2 , CH2 CN, H2 COH, C4 Si,
gânicas e relacionadas com a vida [19, 23–28] e C5 , HNC3 , C4 H, CH3 Cl
todo esse conhecimento pode ser usado nas sa-
6 CH3 OH, CH3 SH, C2 H4 , H(C2 )2 H,
las de aulas do ensino fundamental e médio (bá-
CH3 CN, CH3 NC, HC(O)NH2 , HC3 (O)H,
sico e secundário em Portugal) [18, 29]. É curi-
HC3 NH+ , HC4 N, C5 N, C5 H,
oso que, embora tenha sido sugerido e que os en-
contremos em cometas e asteroides, ainda não se H2 C4 , C2 H2 C(O), H2 C2 NH, CH5 S
base infinita são, nesse contexto, muito importan- CH3 C4 H, HC7 N, C8 H, CH3 C(O)NH2
tes ( [30, 31]). 10 CH3 )2 CO, HOCH2 CH2 OH, C2 H5 C(O)H,
Os desafios colocados pela identificação das CH3 (C2 )2 CN, (CH2 OH)2
moléculas e das reação químicas que lhe dão ori- 11 HC9 N, CH3 C6 H, CH2 H5 OCHO
gem podem ser enfrentados utilizando os métodos 12 C6 H6 , C3 H5 N, C2 H5 OCH3
de cálculo de estrutura eletrônica [11, 28, 32–35].
13 HC11 N, C6 H5 CN
Embora seja necessário meios de cálculo muito
24 C14 H10
precisos, podemos também fazer alguns desses
cálculos através de programas disponíveis na in- 60 C60 , C60+ ,
[6] A. Arnau, I. Tuñón e E. Silla, The discovery [19] C. R. Arumainayagam, R. T. Garrod et al.,
of the chemistry among the stars, J. Chem. Extraterrestrial prebiotic molecules: pho-
Educ. 72, 776 (1995). tochemistry vs. radiation chemistry of in-
terstellar ices, Chem. Soc. Rev. 48(8),
[7] E. Hebst, Chemistry in the interstellar 2293 (2019).
medium, Annu. Rev. Phys. Chem. 46,
27 (1995). [20] S. Iglesias-Groth, A. Manchado et al., A
search for interstellar anthracene towards
[8] K. Lodders, Solar system abundances and the Perseus anomalous microwave emission
condensation temperatures of the elements, region, Mon. Notices Royal Astron. Soc.
Astrophys. J. 591, 1220 (2003). 407(4), 2157 (2010).
[21] B. A. McGuire, R. A. Loomis et al., Detec- [34] C. Puzzarini e V. Barone, The challenging
tion of two interstellar polycyclic aromatic playground of astrochemistry: an integrated
hydrocarbons via spectral matched filtering, rotational spectroscopy – quantum chemis-
Science 371(6535), 1265 (2021). try strategy, Phys. Chem. Chem. Phys. 22,
6507 (2020).
[22] A. Arnau, I. Tuñón et al., HCn N: The lar-
gest molecules in the interstellar medium, J. [35] J. A. M. Porto e S. P. J. Rodrigues, Análise
Chem. Educ. 67, 905 (1990). computacional da estabilidade de compostos
atípicos de carbono aplicada à astroquímica,
[23] The organic universe, Nature Astron. 1(10),
Cad. Astr. 2(1), 149 (2021).
641 (2017).
[24] E. Herbst e E. F. van Dishoeck, Complex or- [36] J. R. Schmidt e W. F. Polik, WebMO enter-
ganic interstellar molecules, Annu. Rev. As- prise. Disponível em www.webmo.net, acesso
tron. Astrophys. 47(1), 427 (2009). em jun. 2021.
[25] Z. Martins, H. Cottin et al., Earth as a tool [37] L. Wallace, P. Bernath et al., Water on the
for astrobiology — A European perspective, Sun, Science 268(5214), 1155 (1995).
Space Sci. Rev. 209, 43 (2017).
[38] O. Polyansky, N. F. Zobov et al., Water
[26] E. Herbst, The synthesis of large interstel- on the Sun: Line assignments based on
lar molecules, Int. Rev. Phys. Chem. 36(2), variational calculations, Science 277(5324),
287 (2017). 346 (1997).
[27] S. A. Sandford, M. Nuevo et al., Prebiotic
[39] J. Tennyson e O. L. Polyansky, Water on
astrochemistry and the formation of mole-
the Sun: the Sun yelds more secrets to
cules of astrobiological interest in interstel-
spectroscopy, Contemporary Phys. 39(4),
lar clouds and protostellar disks, Chem. Rev.
283 (1998).
120(11), 4616 (2020).
[28] C. Puzzarini e V. Barone, A never-ending [40] G. Tinetti, A. Vidal-Madjar et al., Water va-
story in the sky: The secrets of chemical evo- pour in the atmosphere of a transiting extra-
lution, Phys. Life Rev. 32, 59 (2020). solar planet, Nature 448, 169 (2007).
Resumo
No presente artigo fazemos uma introdução ao estudo do equilíbrio estelar na teoria newtoniana. Usando uma
forma politrópica para a equação de estado chegamos em uma única equação para a estrutura estelar: a famosa
equação de Lane-Emden. Ao fazermos um estudo geral dessa equação somos capazes de discutir a física das anãs
brancas, estrelas colapsadas cuja matéria se sustenta contra sua própria gravidade devido a efeitos puramente
quânticos. Em seguida fazemos também uma breve introdução às teorias de gravitação modificada e como a
equação de Lane-Emden newtoniana pode ser alterada nesse contexto. Ilustramos a diferença entre os casos
fazendo um estudo de uma estrela com densidade constante. Apesar de ser um caso bem simples, serve para
ilustrar as modificações oriundas de teorias alternativas da gravidade, onde somos capazes de escrever uma
solução analítica simples.
Abstract
In this article we introduce the study of stellar equilibrium in Newtonian theory. Using a polytropic equation
of state we derive a single equation for the stellar structure: the famous Lane-Emden equation. By making a
general study of this equation we are able to discuss the physics of white dwarfs, collapsed stars whose matter
sustains itself against its own gravity due to purely quantum effects. Then we also give a brief introduction
to modified theories of gravity and how the Newtonian Lane-Emden equation can be affected. We illustrate
the difference between the cases by studying a star with constant density. Despite being a very simple case, it
serves to illustrate the modifications arising from alternative theories of gravity, where we are able to write a
simple analytical solution.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v2n2.35939
(a) (b)
Figura 1: (a) Elemento de volume em uma esfera de raio R função de r e ✓. (b) A condição de equilíbrio hidrostático
~ seja igual à força volumétrica, i.e., igual à densidade de matéria ⇢ multiplicada pela
é de que o gradiente da pressão rp
aceleração da gravidade g [6].
vamente, as características essenciais que surgem Como estamos lidando com um sistema esferi-
em situações mais complexas. O presente tra- camente simétrico, todas as quantidades relevan-
balho pretende sobretudo expor àqueles que se tes terão somente uma dependência na variável
iniciam no estudo de teorias de gravitacionais as radial independente r. Por exemplo, a massa da
suas aplicações à descrição das estrelas, realçando estrela contida em um raio r é dada por
alguns aspectos de pesquisa nesta área. Z r
Procuraremos fazer uma exposição do pro- M (r) = 4⇡ ⇢(r0 )r02 dr0 , (1)
blema do equilíbrio estelar de uma forma geral 0
na próxima seção, depois descreveremos o pro- onde ⇢(r) é a densidade da estrela, uma das quan-
grama de gravidade modificada e suas consequên- tidades de interesse no equilíbrio estelar. Para
cias para o equilíbrio estelar, Seções 3 e 4, apre- escrever essa equação para a massa consideramos
sentando por fim nossas conclusões na Seção 5. somente a simetria esférica do problema e a rela-
ção direta entre massa e a densidade integrada no
volume, ou seja, ela representa a conservação da
matéria. No centro da estrela temos M (0) = 0 e
2 Equilíbrio estelar
na superfície M (R) = M é a massa gravitacional
Podemos pensar em uma estrela como um sis- total da estrela.
tema gasoso auto gravitante, ou seja, que mantém A equação (1) pode ser posta em forma dife-
sua estrutura devido à sua própria gravidade. Na rencial, que será mais útil para um tratamento
verdade as estrelas não são exatamente gasosas, numérico completo,
uma vez que as altas temperaturas em seu interior
dM (r)
são capazes de ionizar a matéria formando um = 4⇡r2 ⇢(r). (2)
plasma de elétrons e núcleos atômicos. De forma dr
geral, tratamos esse material como um fluido. A equação (2) será nossa primeira equação fun-
Como uma primeira aproximação mais simples, damental da estrutura estelar.
podemos considerar uma estrela esférica e está- Consideramos agora a pressão do fluido no in-
tica. Com isso estamos desconsiderando efeitos terior da estrela. A diferença entre a pressão em
de rotação, pulsação e oscilação que acabam mo- um raio r e um raio r + dr será dada pelo peso
dificando a geometria esférica da estrela. Além da casca esférica entre esses dois raios, conforme
disso, desprezamos possíveis efeitos de campos ilustrado na Figura 1, levando em conta a acele-
eletromagnéticos. ração gravitacional local,
de estado. Assim, consideremos uma equação de e ✓(r) é uma variável adimensional tal que, por
estado chamada barotrópica, onde construção, ✓(r = 0) = 1.
Substituindo essas quantidades na equação
P = P (⇢), (8) (10) obtemos
Conseguimos obter uma expressão para o inte- ocupar o mesmo estado quântico, o Princípio da
grando acima multiplicando a equação de Lane- Exclusão proíbe.
Emden (14) por ⇠ 2 e integrando de 0 a ⇠1 Sendo assim, temos elétrons que ocupam níveis
Z quânticos cada vez mais energéticos. A pressão
⇠1
2 d✓ que sustenta a anã branca é devido ao gás dege-
⇠ = ⇠ 02 ✓n d⇠ 0 . (19)
d⇠ ⇠=⇠1 0 nerado de elétrons e seu comportamento quântico
“claustrofóbico”. Para incluir um novo elétron
Assim conseguimos escrever a seguinte expressão nesse sistema, precisamos fornecer uma grande
para a massa gravitacional total da estrela energia a ele, uma vez que todos os estados menos
energéticos já estão ocupados até um dado valor
d✓
M = 4⇡r0 ⇢c ⇠ 2
3
de energia, chamada Energia de Fermi (EF ). É
d⇠ ⇠=⇠1
por isso que mesmo a alta temperatura no inte-
3 n 3/2 rior da anã branca não é capaz de perturbar essa
⇢c 2n (n + 1)K d✓
= p ⇠2 . (20) distribuição eletrônica (EF KB T , onde kB é a
4⇡ G d⇠ ⇠=⇠1 constante de Boltzmann), de forma que negligen-
ciamos na equação de estado a dependência na
Podemos encontrar uma relação Massa x Raio
temperatura.
para estrelas politrópicas eliminando a depen-
Um cálculo detalhado, envolvendo a função de
dência em ⇢c nas duas equações (20) e (17).
distribuição dos férmions, mostra que para um
Para isso, basta elevar a equação (17) à potên-
gás de elétrons degenerado não-relativístico te-
cia (3 n)/(1 n), de tal forma que temos a
mos [7]
relação 5
3 n P = K1 ⇢ 3 , (23)
M / R1 n . (21)
onde K1 é uma constante que depende de quan-
2.2 Anãs brancas e a massa de tidades fundamentais, tais como h, c, me . Esse é
Chandrasekhar o caso de um polítropo de índice n = 1,5. De
acordo com a relação Massa ⇥ Raio (21), temos
O que significa dizer que o fluido da estrela
obedece uma equação politrópica? Ao assumir- M /R 3
, (24)
mos uma forma politrópica para a equação de
estado, estamos dizendo que em todo o interior o que indica que quanto mais massiva a estrela
da estrela, desde a superfície até o centro, vale a menor o seu raio. Porém, quanto mais compacta
relação global a estrela, maior será o momento dos elétrons (pela
P = K⇢ , (22) incerteza quântica), de forma que entraremos no
limite relativístico. Nesse caso, um cálculo deta-
com uma única constante K e um único expoente lhado mostra que [7]
. Isso em geral não é verdade para estrelas reais.
Anãs brancas são estrelas em que podemos usar 4
P = K1 ⇢ 3 , (25)
uma aproximação politrópica com segurança. Es-
sas estrelas pertencem à classe dos objetos com- que corresponde a um polítropo de índice n = 3.
pactos, um objeto de dimensões planetárias po- Ora, o caso politrópico n = 3 é especial e
rém com a massa da ordem da massa solar. Tais de grande importância. Ao usarmos a relação
objetos não produzem mais reações nucleares em Massa x Raio (21) vemos que a dependência no
seu centro, sendo a pressão que entra no balanço raio desaparece. Pela equação (20) que fornece a
gravitacional de origem totalmente diversa. massa da estrela, vemos que a dependência com a
O que ocorre, é que tendo densidades tão al- densidade central também desaparece, de forma
tas, a matéria é fortemente comprimida. Porém a que todas as configurações estelares possuem a
mecânica quântica impede que as partículas cons- mesma massa.
tituintes estejam todas juntas, devido ao Princí- Sendo assim, essa é uma massa limite, uma
pio da Incerteza que as força a se moverem de vez que a matéria já se encontra no estado re-
forma violenta. Além disso, ao considerarmos que lativístico. A estrela não se mantém em equilí-
essas partículas são férmions (caso dos elétrons, brio para uma massa além desse limite, indicando
nêutrons e prótons), temos que elas não podem que se atingiu um regime de instabilidade. Essa
massa limite é conhecida como Massa de Chan- o fator de compacidade C, definido como
drasekhar, em homenagem ao grande físico indi-
ano que primeiro derivou tal relação [9]. Para se GM
ter uma ideia, essa massa é da ordem de C= , (27)
c2 R
MCH = 1,46M . (26)
onde M e R são a massa e a dimensão típica do
Uma estrela de nêutrons é um objeto com- sistema sob estudo, enquanto G e c são a cons-
pacto assim como uma anã branca, porém com tante gravitacional e a velocidade da luz, duas
densidades mais elevadas, cujo valor no centro das constantes fundamentais da física. Observem
da estrela atinge algumas vezes a densidade nu- que a presença de G nesta expressão indica que
clear [10]. Como primeira aproximação para a estamos falando de um sistema gravitacional, en-
descrição microscópica da matéria dessas estrelas, quanto a presença de c caracteriza o regime re-
podemos utilizar um gás de nêutrons não intera- lativista Quando C ⌧ 1, a teoria newtoniana é
gentes. Como os nêutrons também são férmions, aplicável; quando C ⇠ 1, como nas estrelas de
teremos um fluido politrópico com os mesmos ín- nêutrons por exemplo, não é possível ignorar efei-
dices das anãs brancas (n = 1,5, n = 3), porém tos típicos da teoria da relatividade geral. Para
com a constante K agora tendo outro valor, de- o Sol, C ⇠ 10 6 , e a equação de Lane-Emden
pendente da massa do nêutron. pode ser usada, muito embora, no caso do Sol,
Acontece que tal aproximação é muito pobre um modelo mais realista deva levar em conside-
para descrever os estados da matéria no interior ração as equações de transporte de energia. Mas
de uma estrela de nêutrons, uma vez que preci- para uma estrela de nêutrons, C ⇠ 0,3, enquanto
samos levar em conta detalhes da física das in- parra um buraco negro C = 1/2 e, nesses dois ca-
terações fortes a medida que a densidade atinge sos, devemos tratar o problema usando a teoria
valores nucleares. Uma aproximação melhor que da relatividade geral. A generalização da equação
podemos usar é considerar a estrela formada por de Lane-Emden para o caso relativista é a equa-
um fluido politrópico, porém por partes. Dessa ção TOV que é, obviamente, mais complexa [7].
forma podemos dividir a estrela em várias regiões, A existência de um setor escuro no modelo cos-
cada uma com sua própria constante K e índice mológico padrão, baseado na teoria da relativi-
politrópico , de forma que podemos captar os dade geral, que é composto de matéria e energia
diferentes nuances de comportamento termodi- escura, motivou a busca de extensões da teoria
nâmico, à medida que aumentamos a densidade. relativista. Tanto a matéria quanto a energia es-
Para o leitor interessado, tal formalismo está ilus- curas resistem a qualquer detecção direta, sendo
trado em [11]. suas evidências oriundas de seus efeitos gravita-
cionais unicamente. Isto leva à suspeita que, a
partir de certas escalas em astrofísica e cosmolo-
3 Teorias modificadas da gravitação gia, a teoria da relatividade geral deixaria de ser
A análise da maior parte das estrelas pode ser válida e uma outra teoria (possivelmente baseada
feita em um contexto newtoniano, como foi de- também na geometrização da interação gravitaci-
senvolvido acima. A equação de Lane-Emden de- onal) deve substituí-la. Estas seriam as teorias de
duzida anteriormente utiliza diretamente a me- gravidade modificada. Vamos discutir um pouco
cânica e a gravidade newtoniana. No entanto, a essas propostas e suas consequências para o es-
moderna teoria da gravitação é a teoria da re- tudo de estruturas estelares.
latividade geral que substitui a noção de força Como podemos modificar a teoria da relativi-
gravitacional pela de curvatura do espaço-tempo dade? Um aspecto importante em qualquer ex-
quadridimensional. No entanto, a teoria newtoni- tensão de uma teoria física que é bem testada
ana, que é obtida da teoria da relatividade geral mas que apresenta problemas específicos é que
no regime de baixas velocidades e campo fraco, a generalização teórica proposta deve guardar os
tem ainda um amplo regime de aplicação e pode sucessos da teoria original e ao mesmo tempo so-
ser usada para estudar a maior parte das estrelas. lucionar os problemas que ela apresenta. Isto é
O que indica a aplicabilidade ou não da teoria seguramente uma tarefa não trivial.
newtoniana em um dado sistema gravitacional é A teoria da relatividade geral é baseada na la-
que integrando duas vezes nos leva à Somos assim levados a uma equação de equilí-
brio modificada. As equação de equilíbrio hidros-
⇠ 2 C1 tático e conservação da massa se tornam
✓= + + C2 , (37)
6 ⇠
dP (⇠) G⇢c ✓n ⌥G⇢c ✓n d2 M(⇠)
onde C1 e C2 são constantes de integração. = M(⇠) , (43)
d⇠ r0 ⇠ 2 4r0 d⇠ 2
Usando as condições de contorno que caracteri-
zam a equação de Lane-Emden (✓(0) = 1; ✓0 (0) = dM (⇠)
= 4⇡⇢c r03 ⇠ 2 ✓n (⇠). (44)
0) fixa-se C1 = 0 e C2 = 1. Dessa forma, a solu- d⇠
ção para n = 0 é
Combinando as equações acima é possível obter
⇠2 ✓ ◆
✓0 = + 1, (38) 1 d ⌥n⇠ 2 ✓n 1 2 d✓ ⌥⇠ 3 ✓n
6 1 + ⇠ +
⇠ 2 d⇠ 4 d⇠ 2
e o primeiro zero desta
p função, ✓(⇠1 ) = 0, é en-
contrado em ⇠1 = 6. O caso n = 0 caracte- = ✓n , (45)
riza uma esfera de densidade constante, ⇢ = ⇢c ,
que é a equação de Lane-Emden modificada. No-
como afirmado anteriormente. Tal configuração
tamos que no limite em que ⌥ = 0 recuperamos
caracteriza um fluido incompressível, i.e., que não
a equação de Lane-Emden (14) usual, de forma
pode ser comprimido. Para densidade constante
que ⌥ codifica a modificação da gravidade, ad-
a equação de conservação da massa (1) é facil-
vinda dessas teorias beyond-Horndeski.
mente integrada de 0 a r, resultando em
No caso n = 0 a equação de conservação da
4⇡ 3 massa é a mesma da teoria newtoniana, dada em
M= r ⇢c . (39)
3 (39). Já a equação de equilíbrio hidrostático mo-
Assim, a equação de equilíbrio hidrostático se dificada é dada por
torna dP 4
= ⇡G⇢2 r 2⇡G⌥⇢2 r, (46)
dP 4⇡ 2 dr 3
= G⇢c r, (40) ✓ ◆
dr 3 2
= + ⌥ 2⇡G⇢2 r, (47)
que podemos integrar de 0 a r, de forma a obter 3
[22] P. Banerjee, D. Garain et al., Constrai- vity inside astrophysical bodies, Everything
ning modified gravity from tidal phenomena about Gravity: Proceedings of the Second
in binary stars, The Astrophysical Journal LeCosPA International Symposium 398–
910(1), 23 (2021). 403 (2017).
Resumo
A investigação dos buracos negros – objetos astronômicos cuja densidade tende ao infinito e que são capazes
de produzir marcante deformação no espaço-tempo – tem experimentado grande impulso nos últimos anos. De
fato, em 2015, a equipe do LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory) obteve a primeira
detecção das ondas gravitacionais, produzidas a partir de um sistema binário de buracos negros, o que levou à
concessão do prêmio Nobel de Física aos pesquisadores Rainer Weiss, Barry C. Barish e Kip S. Thorne. Em abril
de 2019 foi publicada a primeira imagem direta de um buraco negro e, no ano de 2020, três cientistas – Roger
Penrose, Andrea Ghez e Reinhard Genzel – também receberam o prêmio Nobel de Física por suas significativas
contribuições para esse campo de pesquisa. Os sucessos obtidos, desde a proposição de tais estruturas até a
lendária “foto”, têm dependido de decisivas contribuições da matemática à física e à astronomia, permitindo,
em última análise, que tais ciências empíricas saibam o que (e onde) procurar. Desde esta perspectiva, a
apreciação de aspectos da abordagem matemática dos buracos negros – a partir da apresentação da métrica de
Schwarzschild – é o objetivo do presente artigo.
Abstract
The investigation of black holes – astronomical objects whose density tends to infinity and which are capable
of producing marked deformation in space-time – has experienced a great impulse in recent years. In fact, in
2015, the LIGO team (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory) obtained the first detection of
gravitational waves, produced from a binary black hole system, which led to the awarding of the Nobel Prize in
Physics to researchers Rainer Weiss, Barry C. Barish and Kip S. Thorne; in April 2019 the first direct image of
a black hole was published; and, in the year 2020, three scientists – Roger Penrose, Andrea Ghez and Reinhard
Genzel – also received the Nobel Prize in Physics for their significant contributions to the field of research. The
successes obtained, from the proposition of such structures to the legendary “photo”, have depended on decisive
contributions from mathematics to physics and astronomy, allowing, ultimately, such empirical sciences to know
what (and where) to look for. From this perspective, the appreciation of the mathematical approach to black
holes – from the presentation of the Schwarzschild metric – is the objective of this article.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v2n2.34640
vitacionalmente), mas não “vistos” (pois, a luz negros depende, desde suas origens, do uso fer-
não chegaria a um eventual observador). Doze ramentas matemáticas, as quais permitem a pre-
anos mais tarde, Pierre Simon Laplace propôs dição dos comportamentos, pressuposto para a
ideia similar, ao considerar que corpos particular- investigação empírica de tais corpos celestes. De
mente massivos do universo seriam provavelmente fato, citam-se, por exemplo, o pioneiro trabalho
invisíveis, pela impossibilidade da luz escapar de de Karl Schwarzschild de solução das equações
sua superfície [3]. Ambos os autores, Mitchell e de campo de Einstein (cuja consequência foi a
Laplace, propuseram o conceito de “corpo escuro” previsão do buraco negro de Schwarzschild), as
– para os quais a velocidade de escape é superior à investigações de Stephen Hawking e Roger Pen-
velocidade da luz – no bojo da teoria newtoniana. rose [17, 18], os estudos que permitiram a detec-
Todavia, ainda que tal propriedade seja associada ção das ondas gravitacionais em pela equipe do
aos buracos negros, estes últimos somente serão LIGO – Laser Interferometer Gravitational-Wave
formulados – com uma estrutura causal particu- Observatory [19]) – e a produção da primeira ima-
lar e um horizonte de eventos – a partir da TRG, gem do objeto M87*, um buraco negro supermas-
como será discutido adiante. sivo situado na região central da galáxia Messier
Tais proposições caíram em certo ostracismo, 87 [20].
em virtude da preeminência adquirida pela te- A partir dessas breves considerações, o ob-
oria ondulatória da luz, em detrimento da pro- jetivo do presente artigo é a apresentação de
posta corpuscular, no século 19, cenário modifi- aspectos da abordagem matemática dos bura-
cado a partir da formulação do contínuo espaço- cos negros estelares [21–23] – enfatizando a mé-
temporal – no contexto da já referida TRG, em trica de Schwarzschild e comentando-se, sucinta-
1915 [4] e dos trabalhos de Subrahmanian Chan- mente, os desenvolvimentos de métricas posteri-
drasekhar, físico que demonstrou que uma estrela, ores (Reissner-Nordström, Kerr e Kerr-Newman)
após a exaustão do “combustível estelar”, tende- – a qual será precedida pela apresentação (1) dos
ria ao colapso caso apresentasse uma massa supe- conceitos chaves para o entendimento de tais ob-
rior a cerca de 1,4 vezes a massa do sol, número jetos astronômicos e (2) por breves considerações
que passou a ser denominado Limite de Chandra- acerca da teoria da relatividade geral de Albert
sekhar [5, 6]. Einstein.
Contemporaneamente, considera-se a existên-
cia dos seguintes tipos de buracos negros: 1) ul-
tramassivos, com massas superiores 10 bilhões de
massas solares [7, 8]; 2) supermassivos, com mas- 2 Conceitos Básicos
sas da ordem de 100 mil a um bilhões de mas-
sas solares, origem ainda controversa e localiza- 2.1 Singularidade
dos nos centros das galáxias [9, 10]; 3) estelares,
os quais são oriundos de “morte das estrelas” de Localizada no “centro” do buraco negro, re-
grande massa (em geral, dezenas de massas so- presenta um “ponto” infinitamente denso, con-
lares), ou seja, provêm do colapso desses corpos forme demonstração publicada por Roger Penrose
celestes ao final de seu “ciclo de vida” [11], como e Stephen Hawking, obtida a partir da TRG [17].
antevisto por Chandrasekhar [12]; 4) primordiais, Nesse âmbito, as leis da física, conhecidas, não
os quais teoricamente se formaram nos momen- seriam aplicáveis à descrição da realidade [24].
tos iniciais do próprio universo, na “Era do Big
Bang”, com destaque para a possibilidade de se-
2.2 Horizonte de eventos
rem dotados de massas bastante variáveis, o que
segundo alguns autores colocam-nos como candi- Refere-se aos limites da região do espaço-tempo
datos à matéria escura [13, 14]; e (5) miniburacos a partir dos quais nada, nem mesmo a luz, pode
negros, hipotéticos, cujo limite seria a massa de escapar. O que quer que ultrapasse o horizonte
Planck, ou seja, cerca de 2 ⇥ 10 8 kg e nos quais de eventos “cairá” no buraco negro, sem jamais
os efeitos da mecânica quântica seriam essenci- poder retroceder, ou seja, é impossível fazer o ca-
ais [15, 16]. minho de volta, dada a intensidade da força gra-
O conhecimento produzido acerca dos buracos vitacional nas vizinhanças da singularidade.
solução não trivial das ECE [cf.(3)] no vácuo (ou pode ser denominado correção de Schwarzschild.
seja, quando Tµ⌫ = 0 e, portanto, Rµ⌫ = 0) foi O resultado expresso na equação (7) pode ser de-
obtida por Karl Schwarzschild, em 1916, naquilo rivado a partir do chamado limite newtoniano,
que posteriormente convencionou-se nomear estudando-se a geodésica de uma partícula mas-
como métrica de Schwarzschild [30]. A referida siva no campo gravitacional da fonte – a massa M
solução descreve o campo gravitacional exterior a – como apresentado nas Seções 4 e 5 do Capítulo
uma determinada massa (M 6= 0), com simetria 3 do livro citado na referência [32]. Na mencio-
esférica, momento angular zero (J = 0) e carga nada seção 4, onde se considera o limite newtoni-
elétrica nula (Q = 0), em um espaço plano. Com ano, adota-se a aproximação linearizada para se
efeito, a métrica pode ser descrita do seguinte relacionar a componente puramente temporal da
modo, perturbação da métrica ao potencial newtoniano.
✓ ◆ Entretanto, nesta etapa, aparece o fator de dila-
2 2GM tação temporal, que é tomado igual a 1, já que
ds = 1 c2 dt2
rc2 se está trabalhando na aproximação linearizada
✓ ◆ 1
2GM na perturbação da métrica. Por outro lado, na
+ 1 dr2 + r2 d⌦2 , (5)
rc2 referida seção 5 – do Capítulo 3 de [32] – o fa-
tor de dilatação está associado à raiz quadrada
onde M é a massa do corpo e d⌦2 é o ele- do componente g00 da métrica, tendo em vista
mento de ângulo sólido da esfera, dada por d⌦2 = a derivação da dilatação temporal. Para se che-
d✓2 + sen2 ✓d 2 . Ao se considerar as coordenadas gar à equação (7) foi, então, introduzido o fator
(x0 , x1 , x2 , x3 ) = (ct, r, ✓, ), a métrica poderá ser de dilatação completo na equação do potencial
descrita como uma matriz diagonal 4 ⇥ 4, de ca- (dada pela relação (3.4.2) da seção 4, Capítulo
ráter lorentziano, uma vez que possui elementos 3 de [32]). Assim, abrindo mão da aproximação
positivos e negativos na diagonal principal (res- linear, o fator de dilatação temporal corrige a ace-
pectivamente = g00 , g11 , g22 e g33 ) [31]: leração da gravidade, exatamente como dado na
2 3 2 3 equação (7). Tal expressão – contida de forma
g00 g01 g02 g03 1 0 0 0
6g10 g11 g12 g23 7 6 0 1 0 07 implícita, como descrito acima, na referência [32]
g=6 7 6
4g20 g21 g32 g33 5 = 4 0 0 1 05 (6)
7 – não é muito frequente na literatura, o que jus-
tifica sua apresentação nesta seção do artigo.
g30 g31 g32 g33 0 0 0 1
Ao se considerar 2GM/rc2 próximo de 0 (li-
A métrica, Eq. (6), refere-se ao espaço-tempo mite em que r 2GM/c2 , o que corresponde
(plano) de Minkowski da teoria da relatividade a distâncias muito afastadas da origem) o resul-
especial (TRE). No caso da solução de Schwarz- tado do termo (8) aproxima-se 1 e, desse modo,
child, o tensor métrico adquire a forma dada a a expressão (7) se reduziria à (2), o que é perfei-
seguir: tamente compatível com a descrição newtoniana.
2 3 Sem embargo, ao se considerar distâncias tais que
2GM
(1 rc2 ) 0 0 0 o valor da fração 2GM/rc2 seja próximo de 1, o
2GM 1
6 0 (1 rc2 ) 0 0 7 denominador do termo (8) se aproxima de zero
gµ⌫ =4 5
0 0 r2 0
2 2 e, assim, a aceleração da gravidade tenderia ao
0 0 0 r sen (✓)
infinito. Desse modo,
A partir do entendimento da expressão acima e 2GM
da equação (5), pode-se reescrever a equação (2), = 1, (9)
rc2
referente ao cálculo da aceleração da gravidade
da mecânica de Newton, do seguinte modo, define o raio de Schwarzschild,
GM 1 2GM
ag = q , (7) rs = . (10)
r 2 c2
1 2GM
rc 2
Nesse caso, se um objeto esférico qualquer apre-
onde o termo sentar um raio R < rS – ou seja, menor do que o
raio de Schwarzschild – a equação (7) descreverá
1
q , (8) uma singularidade, ou seja, o corpo será um bu-
2GM
1 rc2 raco negro, do qual nenhuma informação poderá
sair (uma vez que nada, no universo, é capaz de um buraco negro. Outras soluções possíveis para
viajar mais rapidamente do que a velocidade da abordar o problema da existência de uma singu-
luz, c, a qual, por sua vez, não consegue “esca- laridade em rS foram organizadas em termos dos
par” da gravidade da singularidade). Nesse sen- diagramas de Finkelstein [36] e dos diagramas de
tido, pode-se considerar que a solução obtida por Kruskal-Szekeres [37, 38].
Schwarzschild: O trabalho de Finkelstein [36] apresenta ar-
“(...) descreve o campo gravitacional de uma par- gumentos acerca da solução encontrada por
tícula pontual massiva (sem carga e sem rotação) Schwarzschild, os quais permitem considerar os
e apresenta em sua formulação duas singularida- buracos negros como dotados de significado em
des: uma na origem do sistema de coordenadas, termos astrofísicos (e não apenas de um ponto
onde a massa se concentraria, e uma radial, o de vista matemático). Em relação aos diagra-
raio de Schwarzschild, que na época acreditava-
mas de Kruskal-Szekeres [37, 38], estes revelam
se delimitar uma região para qual a solução não
mais seria válida” [33].
a estrutura espaço-temporal clássica completa da
solução de Schwarzschild, a partir da descrição
Reescrevendo as consequências da solução de de um sistema de coordenadas capazes de cobrir
Schwarzschild em termos contemporâneos (veja a toda a variedade do espaço-tempo, com extensão
Seção 2), torna-se possível enunciar que o “centro” máxima. Esses resultados corroboraram a ideia
do sistema de coordenadas seria a singularidade de que os buracos negros deveriam ser considera-
propriamente dita e que o “raio de Schwarzschild” dos, muito mais do que uma simples possibilidade
representaria, em última análise, o “horizonte de matemática, como genuínos objetos físicos.
eventos” [34].
Os resultados obtidos por Schwarzschild foram,
no início, considerados uma “curiosidade matemá-
tica” (por Einstein e, inclusive, pelo próprio au- 5 Outras métricas: desenvolvimentos
tor). De fato, a existência de um objeto pontual posteriores
massivo era vista como uma mera idealização,
O buraco negro de Schwarzschild é um caso
pois, nesse momento, não se considerava possí-
considerado simples – em termos das possibilida-
vel a existência de um corpo esfericamente simé-
des de solução das ECE – por ser estático e sem
trico com dimensões inferiores às descritas pelo
carga. Situações mais complexas – e quiçá con-
raio de Schwarzschild [35]. Ademais, à época,
dizentes com a realidade física – dizem respeito à
reconhecia-se igualmente a existência de outras
existência de buracos negros com momento angu-
forças que poderiam atuar sobre objetos esféricos,
lar não nulo (J 6= 0) e com carga (Q 6= 0), para os
em contraposição à gravidade, evitando – assim
quais foram apresentadas as soluções comentadas
– a emergência de objetos com raio menor que
a seguir.
rS [33].
Vale ressaltar que do modo segundo o qual a A solução exata das ECE para a descrição do
métrica foi proposta, o limite de rS também seria espaço-tempo na vizinhança de um corpo com
uma singularidade, o que não faz sentido. Para massa e carga elétrica diferentes de zero – ou
resolver tal situação, o autor substituiu a coorde- seja, com a produção de campos gravitacional e
nada radial r por outra coordenada, considerada elétrico, respectivamente [39] – foi proposta de
melhor, e definida como modo independente pelo físico, matemático e en-
genheiro Hans Jacob Reissner [40], em 1916, e
r̄ = (r3 rS3 )1/3 , (11) pelo físico Gunnar Nordström, em 1918 [41]. A
Desse modo, de acordo com o próprio Schwarzs- métrica de Reissner-Nordström é dada pela se-
child, a descontinuidade se move para o ponto guinte equação,
r̄ = 0, ou seja, rS deixa de ser entendido como ✓ ◆2
uma singularidade “física” e passa a ser consi- 2 rS rQ
ds = 1 + c2 dt2
derado uma “singularidade de coordenada”, con- r r
✓ ◆2 1
forme apresentado em detalhe no artigo citado na rS rQ
1 + dr2
referência [29]. Isso explica o porquê de não ser r r
possível, a um observador qualquer, notar o mo-
mento no qual é cruzado o horizonte de eventos de r2 (d✓2 + sen2 (✓)d 2
), (12)
Q2 G H = r2 + a2 cos2 ✓, (19)
2
rQ = , (13)
4⇡✏0 c4
e
destacando-se que 1/4⇡✏0 é a constante de Cou-
lomb. = r 2 + a2 + Q2 2M r. (20)
As situações nas quais o corpo possua carga
zero (Q = 0) e esteja em rotação (dotado, com Nas expressões acima, Q é a carga elétrica; M
efeito, de momento angular, ou seja, com J 6= 0) a massa; J o momento angular; e a = J/M .
podem ser descritas pela equação obtida por Roy Observa-se que ao se definir Q = 0 e Aa = 0,
Kerr, em 1963 [42], a qual pode ser apresentada obtém-se a métrica de Kerr (14); distintamente,
nos seguintes termos [43], ao se delimitar Q 6= 0, encontra-se a solução
✓ 0 ◆ de Reissner-Nordström (12); ao se caracterizar
2 a2 sen2 ✓ J = 0, a solução obtida é, precisamente, a de
ds = dt2
H0 Schwarzschild (5).
0 As métricas de Reissner-Nordström, de Kerr e
2a sen2 ✓ r2 + a2
+ dtd de Kerr-Newman representam soluções para as
H0 ECE capazes de descrever buracos negros e re-
⇥ 2 0 a2 sen2 ✓
⇤
(r + a2 )2 presentaram genuínos avanços, ao longo do século
+ sen2 ✓d 2
H0 XX, desenvolvidos a partir da solução originária
H0 elaborada por Schwarzschild. Nessa perspectiva,
+ 0
dr2 + H 0 d✓2 , (14) contribuíram para o trabalho de investigação teó-
rica e empírica dirigido à detecção destes corpos
onde, celestes.
H 0 = r2 + a2 cos2 ✓, (15)
e, 6 Considerações Finais
0
= r 2 + a2 2M r. (16) A breve exposição acerca das “origens mate-
máticas” dos buracos negros representa o núcleo
Cerca de dois anos após, em 1965, Ezra Theo- temático do presente ensaio. De fato, após su-
dore Newman [44, 45] descreveu as equações para cinta introdução ao problema, passou-se à expo-
um caso ainda mais geral, considerando um corpo sição dos conceitos chave e dos aspectos formais
com carga elétrica e momento angular distintos de da teoria da relatividade geral – enfocando as
zero (Q 6= 0; J 6= 0). A equação que descreve a equações de campo de Einstein – e da métrica de
então denominada métrica de Kerr-Newman pode Schwarzschild (desenvolvida para um corpo mas-
ser assim apresentada [43], sivo, sem carga e sem momento angular). Alguns
✓ ◆ desdobramentos foram mencionados, ato contí-
a2 sen2 ✓
2
ds = dt2 nuo – soluções de Reissner-Nordström, de Kerr
H
e de Kerr-Newman – cujas implicações históricas
2a sen2 ✓ r2 + a2 e conceituais poderão ser analisadas em trabalhos
+ dtd posteriores.
H
⇥ 2 ⇤ A descrição dos resultados originais obtidos
(r + a2 )2 a2 sen2 ✓
+ sen2 ✓d 2 por Schwarzschild permite que se conjecture, com
H certa segurança, sobre a potência preditiva da
H matemática, a qual tem se mostrado bastante útil
+ dr2 + Hd✓2 . (17)
para a descrição dos mais díspares fenômenos da
natureza. Tal afirmativa poderá soar como lu- SISSA, na Università degli Studi di Trieste e
gar comum, mas, é sempre oportuno reavivá-la no CBPF. Atualmente, é pesquisador titular do
na memória, especialmente ao se reconhecer que CBPF, alocado na Coordenação de Astrofísica,
a investigação dos buracos negros tem potencia- Cosmologia e Interações Fundamentais; membro
lidade para levar a um melhor entendimento (1) efetivo e coordenador científico do Grupo de Fí-
da realidade – tendo em vista as possibilidades sica Teórica José Leite Lopes (GFT-JLL), cola-
de proposição de uma teoria quântica da gravita- borando, como voluntário, na Coordenação Ci-
ção (unificação da TRG e da mecânica quântica) entífica da Aprendanet, Petrópolis/RJ. Tem ex-
– e (2) das próprias origens do universo, ao se periência/interesse na área de física, com ênfase
considerar sua promissora relevância para o en- em teoria geral de partículas elementares e cam-
tendimento do big bang. pos, concentrando-se principalmente nos tópicos:
teorias de Yang-Mills, física das interações funda-
mentais, supersimetria-supergravidade e exten-
Sobre os autores sões não-maxwellianas do eletromagnetismo.
galaxies: mbh versus mbh rb , Astrophys. [19] B. P. Abbott et al., Observation of gravita-
J. 908(2), 134 (2021). ArXiv:2012.04471. tional waves from a binary black hole mer-
ger, Phys. Rev. Lett. 116(6), 061102 (2016).
[8] W. Ishibashi e A. C. Fabian, Ultramassive ArXiv:1602.03837.
black hole feedback in compact galaxies, Mon.
Not. Roy. Astron. Soc. 472(3), 2768 (2017). [20] K. Akiyama et al., First M87 Event Hori-
ArXiv:1709.01551. zon Telescope results. I. The shadow of the
supermassive black hole, Astrophys. J. Lett.
[9] A. King, How big can a black hole grow?, 875, L1 (2019). ArXiv:1906.11238.
Monthly Notices of the Royal Astronomical
Society: Letters 456(1), L109 (2015). [21] H. I. Baltazar, Métricas críticas do funcio-
nal volume e não-existência de múltiplos bu-
[10] O. T. Matsuura, A primeira imagem de um racos negros em espaço-tempo estático, Tese
buraco negro, Cadernos de Astronomia 1(1), de Doutorado, Departamento de Matemá-
52 (2020). tica, Universidade Federal do Ceará, Forta-
leza (2017).
[11] A. Celotti, J. C. Miller e D. W. Sciama, As-
trophysical evidence for the existence of black [22] R. R. D. V. de Oliveira, Caos homoclinico
holes: Topical review, Class. Quant. Grav. no sistema buraco negro + halo em relati-
16, A3 (1999). ArXiv:astro-ph/9912186. vidade geral, Tese de Doutorado, Programa
de Pós-Graduação em Matemática Aplicada,
[12] S. Chandrasekhar, On stars, their evolu-
Campinas (2001).
tion and their stability (nobel lecture), An-
gewandte Chemie International Edition in [23] C. R. Santos, Buracos negros e a conjectura
English 23(9), 679 (1984). da censura cósmica, Tese de Doutorado, Uni-
versidade Federal de Goiás, Jataí (2019).
[13] B. J. Carr e S. W. Hawking, Black ho-
les in the early universe, Monthly Notices [24] C. M. G. G. Franchi, R. G. Reis e M. F. Bor-
of the Royal Astronomical Society 168(2), ges Neto, Breve história dos buracos negros,
399 (1974). Revista UNILAGO 11(41), 41 (2012).
[14] J. García-Bellido, Primordial black holes and [25] R. V. Wagoner, Relativistic and newtonian
the origin of the matter-antimatter asym- diskoseismology, New Astronomy Reviews
metry, Phil. Trans. Roy. Soc. Lond. A 51(10), 828 (2008), jean-Pierre Lasota, X-
377(2161), 20190091 (2019). ray Binaries, Accretion Disks and Compact
Stars.
[15] B. J. Carr e S. B. Giddings, Quantum
black holes, SA Especial Editions 17(1s), [26] Seção Temática: A gravitação, Cadernos
20 (2012). de Astronomia 5(1), 5 (2020). Dis-
ponível em https://periodicos.ufes.br/
[16] J. R. Muñoz de Nova, K. Golubkov et al., astronomia/issue/view/1212, acesso em
Observation of thermal hawking radiation jul. 2021.
and its temperature in an analogue black
hole, Nature 569(7758), 688 (2019). ArXiv: [27] A. J. Kox, M. J. Klein e R. Schulmann
1809.00913. (eds.), The Collected Papers of Albert Eins-
tein (Princeton University Press, 1997).
[17] S. W. Hawking, R. Penrose e H. Bondi,
The singularities of gravitational collapse [28] A. Einstein, A Teoria da Relatividade Espe-
and cosmology, Proceedings of the Royal So- cial e Geral (Contraponto, Rio de Janeiro,
ciety of London. A. Mathematical and Phy- 1999).
sical Sciences 314(1519), 529 (1970).
[29] C. H. Coimbra-Araújo, Carter-Penrose dia-
[18] R. Penrose, Gravitational collapse: The role grams in general relativity: black holes and
of general relativity, Riv. Nuovo Cim. 1, other explicit examples, Rev. Bras. Ens. Fis.
252 (1969). 38(3), e3305 (2016).
[30] K. Schwarzschild, Über das gravitationsfeld [39] J. P. B. Brito, R. P. Bernar et al., Movi-
eines massenpunktes nach der Einsteins- mento de partículas-teste no espaço-tempo
chen theorie, Sitzungsberichte der Königlich de Reissner-Nordström, Rev. Bras. Ens. Fis.
Preuszischen Akademie der Wissenschaften 42, e20200015 (2020).
(Berlin 189–196 (1916).
[40] H. Reissner, Über die eigengravitation
[31] D. Soares, From Schwarzschild to Newton,
des elektrischen feldes nach der Einsteins-
Rev. Bras. Ens. Fís. 42, e20190262 (2020).
chen theorie, Annalen der Physik 355(9),
[32] S. Weinberg, Gravitation and Cosmology: 106 (1916).
Principles and Applications of the General
Theory of Relativity (Wiley, New York, NY, [41] G. Nordström, On the energy of the gravi-
1972). tation field in einstein’s theory, Koninklijke
Nederlandse Akademie van Wetenschappen
[33] C. R. Almeida, A pré-história dos Proceedings Series B Physical Sciences 20,
buracos negros, Rev. Bras. Ens. Fis. 1238 (1918).
42(e202001) (2020).
[42] R. P. Kerr, Gravitational field of a spinning
[34] R. Stannard, Relatividade (L&PM, Porto
mass as an example of algebraically spe-
Alegre, 2013).
cial metrics, Phys. Rev. Lett. 11, 237 (1963).
[35] C. R. Almeida, Buracos negros: mais de 100
[43] E. Gausmann, Termodinâmica de buracos
anos de história, Cadernos de Astronomia
negros, Dissertação de Mestrado, Universi-
2(1), 93 (2021).
dade Estadual Paulista, Instituto de Física
[36] D. Finkelstein, Past-future asymmetry of the Teórica, São Paulo (1996).
gravitational field of a point particle, Phys.
Rev. 110, 965 (1958). [44] E. T. Newman e A. I. Janis, Note on the kerr
spinning-particle metric, Journal of Mathe-
[37] M. D. Kruskal, Maximal extension of matical Physics 6(6), 915 (1965).
schwarzschild metric, Phys. Rev. 119,
1743 (1960). [45] E. T. Newman, E. Couch et al., Metric of
[38] G. Szekeres, On the singularities of a Rie- a rotating, charged mass, Journal of Mathe-
mannian manifold, Publicationes Mathema- matical Physics 6(6), 918 (1965).
ticae Debrecen 7 7, 285 (1960).
Resumo
Este trabalho objetiva analisar o espectro de emissão na região entre 5 e 15 µ m do antraceno, uma espécie
química de relevância astroquímica, obtido por modelagem computacional. E também comparar resultados
obtidos com conjuntos de bases diferentes. A classe molecular escolhida possui características que permitem sua
presença abundante em ambientes hostis do espaço, despertando interesse acerca de suas propriedades físico-
químicas. A estrutura molecular foi desenhada na plataforma Gabedit e os cálculos da abordagem quântica
realizados pelo software ORCA. Foram utilizadas duas funções de base, 6-31G* e 6-31G**, para comparação
entre resultados. Para a análise dos métodos e inferências de semelhanças e diferenças, foi utilizado o NASA
Ames PAH IR Spectroscopic Database (PAHdb), como banco de dados de referência. Os resultados obtidos
apresentam um avermelhamento nas bandas vibracionais, mesmo utilizando a função descrita pelos autores do
PAHdb, expondo a direta relação entre complexidade e eficácia dos métodos comparados. Ainda assim, os
resultados obtidos foram satisfatórios. Uma vez que as bandas de emissão desta molécula, em comparação com
dados espectroscópicos, permitem inferir a presença da mesma em galáxias ativas, como Seyfert 1, Seyfert 2 e
Starburst.
Abstract
This work aims to analyze the emission spectrum in the region between 5 and 15 µ m of anthracene, a chemical
species of astrochemical relevance, obtained by computational modeling. And also to compare the results
obtained with different sets of bases. The chosen molecular class has characteristics that allow its abundant
presence in hostile space environments, arousing interest in its physicochemical properties. The molecular
structure was designed on the Gabedit platform and the calculations of the quantum approach were performed
by the ORCA software. Two base functions, 6-31G* and 6-31G**, were used to compare the results. For
the analysis of methods and inferences of similarities and differences, the NASA Ames PAH IR Spectroscopic
Database (PAHdb) was used as a reference database. The obtained results show a reddening in the vibrational
bands, even using the function described by the authors of the PAHdb, exposing the direct relationship between
complexity and effectiveness of the compared methods. Nevertheless, the obtained results were satisfactory.
Since the emission bands of this molecule, in comparison with spectroscopic data, allow us to infer its presence
in active galaxies, such as Seyfert 1, Seyfert 2 and Starburst.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v2n2.35751
ORCA input
Especificação de Trabalho
Tipo de Trabalho Frequências
Tipo de Método Funcionais Híbridos
Método B3LYP
Estado excitado Não
Bases 6-31G* / 6-31G**
Figura 4: Espectro IR de PAHs. Fonte: NASA Ames PAH IR Spectroscopic Database (PAHdb).
resultados também serão comparados com dados desconsiderado. Ainda, a aproximação realizada
espectroscópicos de galáxias, a fim de verificar a pelo B3LYP desconsidera a anarmonicidade, ou
presença do PAH antraceno nessas regiões. Uma seja, reduz um sistema de 24 átomos, o antraceno
vez que encontra-se na literatura o uso desse tipo em questão, a um oscilador harmônico.
de modelagem para tal fim [19]. A Figura 7 mostra o espectro PAHdb contra-
posto ao resultado obtido com a função de base
6-31G**. É possível perceber uma maior seme-
3 Resultados e discussões lhança entre ambos, com bandas de emissão mais
próximas, em 11,7 µm e 13,9 µm. Utilizar uma
A Figura 5 apresenta os espectros no IR do
função mais complexa contribuiu para um melhor
PAH antraceno, obtidos com as diferentes funções
resultado.
de base. É possível perceber os picos de emissão
em regiões próximas às bandas de emissão associ- Os métodos de cálculos numéricos realizam
adas aos PAHs interestelares. Notamos leve dife- aproximações que permitem a resolução para sis-
rença entre as posições e também na intensidade temas complexos, como moléculas de PAH. Em-
de bandas. A comparação entre os dados disponí- bora a espécie escolhida seja pequena e simples,
veis na biblioteca de referência permite notar um comparada à complexidade das emissões interes-
avermelhamento nas bandas vibracionais, mesmo telares, é necessária a inclusão de funções que des-
utilizando a função de base 6-31G*, descrita pelos crevam propriedades moleculares e mantenham
autores do PAHdb [7–9]. semelhança com dados experimentais já conhe-
A Figura 6 mostra os resultados obtidos pela cidos.
nossa modelagem do antraceno e da modelagem Para isso, constatou-se a necessidade da inclu-
realizada pelo PAHdb da mesma molécula. Po- são de funções que permitam maior aproximação
demos perceber que a modelagem realizada neste dos resultados [6]. Essas funções são classificadas
trabalho possui um desvio para o vermelho nas em dois tipos principais: funções de polarização
bandas de emissão, especialmente nos compri- e funções difusas. As funções de polarização des-
mentos de onda de 11,9 e 14,1 µm. crevem distorções na nuvem eletrônica. Já as fun-
Uma possibilidade para essa ocorrência é o fato ções difusas são indicadas para sistemas iônicos,
de existirem estados de excitação muito baixos na pois descrevem a expansão da nuvem eletrônica
molécula em questão, o que em nosso trabalho foi desses sistemas.
Figura 5: Espectros obtidos com as função de base 6-31G* e 6-31G**, utilizando FWHM = 5. Fonte: Gabedit
Figura 6: Comparação entre espectro PAHdb e simulado Figura 7: Comparação entre espectro PAHdb e simulado
com a função de base 6-31G*. com a função de base 6-31G**.
Os dois conjuntos de base utilizados neste tra- ção. Já o segundo conjunto, 6-31G**, aplica fun-
balho foram sugeridos por Pople e colaborado- ções de polarização em todos os átomos do sis-
res [6], e os símbolos (* e **) indicam a inclusão tema, contribuindo para um melhor resultado.
de funções de polarização somente para átomos A Figura 8 apresenta os resultados obtidos em
diferentes de hidrogênio ou a inclusão em todos paralelo com dados espectroscópicos de galáxias
os átomos do sistema, respectivamente. Esse fato do tipo Starburst, Seyfert 1 e Seyfert 2, disponí-
justifica os resultados obtidos, uma vez que a es- veis na amostra do Projeto Spitzer/ATLAS [5].
pécie escolhida possui 10 átomos de hidrogênio Percebe-se que as emissões dos espectros simula-
que foram desconsiderados na primeira simula- dos podem prever as bandas de PAH presentes
Figura 8: Análise dos resultados com dados espectroscópicos de galáxias Seyfert 1, Seyfert 2 e Starburst.
dated content and the introduction of multi- Acta Part A: Molecular and Biomolecular
ple scaling factors, The Astrophysical Jour- Spectroscopy 181, 286 (2017).
nal Supplement Series 234(2), 32 (2018).
[14] S. Langhoff, Theoretical infrared spectra for
[8] C. Boersma, C. W. Bauschlicher et al., The polycyclic aromatic hydrocarbon neutrals, ca-
NASA Ames PAH IR Spectroscopic Data- tions and anions, The Journal of Physical
base version 2.00: Updated content, web Chemistry 100(8), 2819 (1996).
site, and on(off )line tools, The Astrophysical
Journal Supplement Series 211(1), 8 (2014). [15] Science citation index expanded - scie. Dis-
ponível em https://www.webofscience.com,
[9] A. L. Mattioda, D. M. Hudgins et al., The acesso em jul. 2021.
NASA Ames PAH IR Spectroscopic Data-
base: The laboratory spectra, The Astrophy- [16] A. G. G. M. Tielens, The Physics and Che-
sical Journal Supplement Series 251(2), mistry of the Interstellar Medium (Cam-
22 (2020). bridge University Press, 2005).
[10] P. A. M. Dirac e R. H. Fowler, Quantum
[17] D. A. Sales, M. G. Pastoriza et al., Polycy-
mechanics of many-electron systems, Proce-
clic aromatic hydrocarbon in the central re-
edings of the Royal Society of London. Series
gion of the Seyfert 2 galaxy NGC1808, Mon.
A, Containing Papers of a Mathematical and Not. Roy. Astron. Soc. 429(3), 2634 (2013).
Physical Character 123(792), 714 (1929). ArXiv:1212.1357.
[11] P. Hohenberg e W. Kohn, Inhomogeneous [18] Matthew J. Shannon e Christiaan Boersma,
Electron Gas, Phys. Rev. 136, B864 (1964). Organic molecules in space: Insights from
[12] R. T. Santiago, Novas parametrizações de the NASA Ames Molecular Database in the
funcionais híbridos para uso em cálculos re- era of the James Webb Space Telescope, in
lativísticos, Dissertação de Mestrado, Uni- Proceedings of the 17th Python in Science
versidade de São Paulo, São Paulo (2014). Conference, editado por Fatih Akici, David
Disponível em https://doi.org/10.11606/ Lippa et al. (2018), 99 – 105.
D.75.2014.tde-27012015-093530, acesso em
[19] B. M. A. Miranda, D. A. Sales et al.,
jul. 2021.
Estudo da emissão do benzeno em galá-
[13] A. Mattioda, C. Bauschlicher et al., In- xias usando a teoria do funcional de den-
frared spectroscopy of matrix-isolated neu- sidade, Rev. Mundi Eng. Tecnol. Gest. 4,
tral polycyclic aromatic nitrogen heterocy- 136 (2019).
cles: The acridine series, Spectrochimica
Resumo
Nos últimos anos, uma nova ciência vem se destacando entre as áreas de conhecimento científico: a astrobiologia,
um campo multidisciplinar derivado da astronomia e que ainda é raramente abordado em livros didáticos
ou até mesmo na sala de aula. O presente artigo descreve uma experiência pedagógica com alunos de uma
disciplina eletiva, dentro da parte diversificada do currículo do ensino médio/técnico da Escola Cidadã Integral
Técnica Estadual Melquíades Vilar, localizada no município de Taperoá, Paraíba, Brasil. Os alunos tiveram
a oportunidade de conhecer parte do arcabouço teórico da astrobiologia, realizaram experimentos, oficinas, e
participaram de aulas de campo. Ao final da aplicação do projeto da disciplina, foram alcançadas melhorias no
índice de aprendizagem dos alunos nas disciplinas da área de ciências da natureza e matemática, especialmente
aquelas associadas à astronomia. Especificamente, durante a aplicação do projeto, houve um crescimento nas
médias das disciplinas de física, química, biologia e matemática (todas elas abordadas direta e indiretamente no
projeto) o que refletiu, por sua vez, no interesse geral dos alunos nestas componentes curriculares. O projeto,
portanto, forneceu resultados pedagógicos positivos.
Abstract
In recent years, a new science has stood out among the areas of scientific knowledge: astrobiology, a multidisci-
plinary field derived from astronomy and which is still rarely addressed in textbooks or even in the classroom.
This article describes a pedagogical experience with students of an elective class, within the diversified part
of high school/technical school curriculum of the Escola Cidadã Integral Técnica Estadual Melquíades Vilar,
located in the city of Taperoá, Paraíba, Brasil. The students had the opportunity to know part of the theo-
retical framework of astrobiology, conducted experiments, workshops, and participated in field classes. At the
end of the application of the subject’s project, improved results were achieved in the students’ learning index
in the subjects in the area of Natural Sciences and Mathematics, especially those associated with astronomy.
Specifically, during the application of the project, there was an increase in the averages of the subjects of Phy-
sics, Chemistry, Biology and Mathematics (all of them addressed directly and indirectly in the project) which,
in turn, reflected in the general interest of students in these components curricular. The project, therefore,
provided positive pedagogical results.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v2n2.34052
que ainda cercam o imaginário popular. gia, o que leva a expandir o problema dentro do
Etimologicamente, a astrobiologia é uma ciên- ambiente escolar. Diante do exposto, o projeto
cia que estuda a possibilidade de vida no Uni- de disciplina intitulado Uma jornada pela vida
verso. Ela surgiu da necessidade de sabermos se no cosmos foi criado e executado na Escola Ci-
estamos ou não sozinhos na imensidão do Uni- dadã Integral Técnica Estadual Melquíades Vilar,
verso, se há alguma forma de vida lá fora, como no município de Taperoá, Paraíba, Brasil, no pe-
ela pode se parecer, como ela pode evoluir, se ríodo de fevereiro a outubro de 2019, como com-
comunicar e, eventualmente, extinguir-se. A as- ponente curricular dentro da parte diversificada
trobiologia possui caráter multidisciplinar e in- do modelo da Escola Cidadã Integral do estado
terdisciplinar, tornando-se uma “empreitada” que da Paraíba.
envolve diversos campos de conhecimento e, por A disciplina teve como objetivo apresentar so-
consequência, uma força-tarefa que reúne diver- luções para introduzir conteúdos de astrobiologia
sos cientistas em um só objetivo [1]. A astrobio- no currículo do ensino médio, através de uma pro-
logia também esbarra em questões éticas e de im- posta inter e multidisciplinar, apresentando con-
portância ímpar para a humanidade nos dias de ceitos introdutórios de astrobiologia, realizando,
hoje, como o futuro da raça humana no espaço, a também, atividades práticas, associando-as aos
questão ética de colonizar outros planetas que já conteúdos programáticos dentro da componente
tem alguma forma de vida, e nossa responsabili- curricular de física no ensino médio. A proposta
dade para com nosso próprio planeta dentro das também buscou envolver outras disciplinas da
questões socioambientais que estão sendo larga- Base Nacional Comum Curricular, como biologia,
mente discutidas nos dias de hoje [2]. geografia, história, sociologia, filosofia, química,
matemática, e até mesmo disciplinas da grande
Diante do exposto, é inquestionável a impor-
área de linguagens e suas tecnologias.
tância do estudo da astrobiologia na sociedade.
Os educandos tiveram a oportunidade de estu-
Entretanto, a sua difusão no meio social ainda é
dar a origem do Universo, a formação dos plane-
escassa, e isto inclui o âmbito educacional. Uma
tas, a origem da vida no planeta Terra e sua evo-
das formas de contornar essa escassez é a introdu-
lução biológica, a possibilidade de vida em outros
ção do estudo da astrobiologia dentro de conteú-
planetas, ademais, eles também participaram de
dos programáticos de disciplinas como a física e a
atividades práticas. O projeto ainda buscou di-
biologia, vinculadas aos conteúdos de astronomia,
minuir a evasão e o êxodo escolar, melhorando,
uma vez que esta última já faz parte da Base Na-
por sua vez, os índices de aprendizagem dos edu-
cional Comum Curricular (BNCC) [2], já incluída
candos dentro das componentes estudadas e, pa-
nos itinerários formativos e das competências es-
ralelamente, além de trabalhar as competências
pecíficas da área de ciências da natureza e suas
e habilidades de diversas disciplinas, poderá en-
tecnologias. Na educação básica, a astronomia,
riquecer os conhecimentos prévios dos subtemas
por exemplo, passou a ser abordada dentro do
abordados dentro da astrobiologia, refletindo po-
currículo, fazendo parte dos conteúdos didáticos
sitivamente ms melhoria do desempenho do aluno
das componentes curriculares de geografia e ci-
na escola.
ências (no ensino fundamental), e em conteúdos
como os modelos cosmológicos, gravitação, leis de
Newton, leis de Kepler, relatividade geral, entre 1.1 A importância do estudo introdutório
outros, na componente curricular de física (no en- da astrobiologia no ensino médio
sino médio). Entretanto, a realidade é outra, uma O estudo da origem, evolução e o destino da
vez que pouquíssimas escolas, ou até mesmo pro- vida na Terra é um dos conteúdos mais impor-
fessores que não estão familiarizados com o tema, tantes no âmbito escolar. No entanto, um tema
têm interesse de abordá-los, ou até mesmo não pouco abordado - mas que é derivado da investi-
estão preparados para trabalhar o tema em sala gação da vida na Terra - é a busca por vida ex-
de aula. traterrestre, bem como a caça por planetas como
Essa escassez é refletida também na falta de a Terra e como a vida como conhecemos pode se
material didático necessário e adequado para a desenvolver em ambientes exóticos. Isto inclui,
prática pedagógica do ensino de astronomia, se também, o futuro da raça humana e sua sobrevi-
estendendo também para o estudo da astrobiolo- vência. Uma das formas de abordar essa temática
é através do estudo da astrobiologia que, por sua Universo e a si próprio. A astrobiologia também
vez, pode ser iniciada no ensino básico através se configura como uma experiência de autorre-
das disciplinas que envolvem o estudo dos cor- flexão e de responsabilidade socioambiental. A
pos celestes, a formação do planeta Terra e a ori- descoberta recente de centenas de planetas seme-
gem da vida, que são abordados, respectivamente, lhantes à Terra levou a humanidade a uma nova
nas disciplinas de física, geografia e biologia. En- perspetiva: de um planeta que era o centro do
tretanto, tais relações não são discutidas, ou são Universo, na antiguidade, a um frágil e pequeno
pouco apresentadas, no âmbito escolar. Especifi- objeto entre a imensidão cósmica. A astrobiologia
camente, a relação entre a física e a biologia, por também nos faz refletir sobre a responsabilidade
exemplo, é pouco ou quase nunca explorada de de cuidar do único lar que conhecemos - e, até
forma interdisciplinar. O intuito da disciplina foi o momento, o único que sabemos que sustenta
despertar questões filosóficas a respeito da possi- a vida - que aumentou a partir deste ponto de
bilidade de estarmos ou não sozinhos no Universo, vista. Além disso, a noção do seu lugar na imen-
da probabilidade de planetas ou luas habitáveis e sidão do cosmos é uma experiência de responsabi-
de como a humanidade poderá usar estes locais lidade ambiental, humildade e autonomia, e pode
como um refúgio ou colônia em um futuro dis- refletir diretamente como uma motivação para o
tante. ensino-aprendizagem de física e das outras disci-
plinas que envolvem a astronomia.
Desta forma, fica evidenciada a importância do
aluno de conhecer a sua própria origem, compre- A disciplina também abordou temas transver-
ender o destino da raça humana e a obrigação de sais (arqueologia, geologia, astrofísica, paleonto-
preservar o planeta para as atuais e futuras ge- logia), conceitos teóricos básicos de física dentro
rações. O estudo da astrobiologia ajuda a escla- da grande área da astrobiologia, assim como das
recer e sondar estes conhecimentos que, por sua outras disciplinas envolvidas e atividades práticas
vez, também permitem fazer uma ponte com dis- que envolvem o estudo da vida no cosmos.
ciplinas indicadas na Base Nacional Comum Cur-
ricular (BNCC), através das componentes curri- 1.2 Astrobiologia: os fundamentos, a
culares física (surgimento dos planetas, tempera- abrangência e as perspectivas de uma
tura das estrelas, gravitação), biologia (origem da ciência em ascensão
vida, evolução biológica), matemática (distância A ideia por trás da possibilidade de vida extra-
entre planetas e estrelas, cálculo da zona habi- terrestre surgiu desde que o primeiro ser humano
tável, equação de Drake), química (origem dos começou a questionar-se a respeito de nossa soli-
elementos químicos que formam a base para a dão cósmica. A resposta para sabermos se esta-
vida, datação por carbono 14 ou radiocarbono, mos ou não sozinhos no Universo pode ser rastre-
origem dos elementos químicos, nucleossíntese), ada desde os primórdios do pensamento humano.
além de conhecimentos de história (a origem e Há 4000 anos, os povos da antiga Mesopotâmia
evolução da civilização humana na Terra, eras acreditavam que o Universo seria tudo aquilo que
geológicas), geografia (separação dos continen- a visão conseguiria alcançar, uma abóboda ce-
tes, mudanças climáticas), filosofia (perspectiva leste repleta de estrelas com uma Terra plana no
empirista a respeito da vida em outros plane- centro, rodeada pelos astros sol e lua [4].
tas), sociologia (relações adaptativas da espécie
Na Idade Média, em 1584, o filósofo italiano
homo). Ademais, o estudo da astrobiologia tam-
Giordano Bruno foi um dos primeiros a, histori-
bém conecta-se com o estudo das linguagens, in-
camente, idealizar a existência de outros sóis com
troduzindo noções de arte rupestre, por exemplo,
outros mundos, que seriam, assim como a Terra,
mostrando como formas de vida inteligente po-
repletos de vida, tentando o que seria a resposta
dem comunicar-se usando a linguagem e a arte,
para a pergunta “estamos sozinhos no Universo?”.
assim como fez a raça humana, e isto pode ser
Bruno pagou um alto preço por ter vivido na era
abordado através do estudo de figuras rupestres,
da Inquisição e foi morto em praça pública, acu-
por exemplo.
sado de heresia. Apesar disso, Bruno foi um pre-
O estudo da formação da vida na Terra e no cursor do pensamento e das ideias que levaram ao
Universo deixa a humanidade mais próxima de surgimento da ciência que hoje conhecemos como
responder questões como a origem da vida, do astrobiologia.
Antes de a astrobiologia ser conhecida como ci- contexto interdisciplinar, mostrando que a astro-
ência propriamente dita, diversos grupos e asso- nomia está presente nas relações do homem com
ciações já vinham utilizando termos como “exo- o meio onde ele surgiu e evoluiu e é vivenciada
biologia”, “bioastronomia” e “cosmobiologia” ou até os dias de hoje.
“astrobotânica”, que, apesar de estarem, hoje,
Já a multidisciplinaridade, segundo Nicolescu
caindo em desuso, ainda são encontrados com sig-
et al. [10], corresponde à busca da integração de
nificados muito similares ao da atual astrobiolo-
conhecimentos por meio do estudo de um objeto
gia [2, 5].
por uma mesma e única disciplina ou por várias
“A expansão da exobiologia para a atual as- delas ao mesmo tempo. Este tipo de pesquisa
trobiologia se deu exatamente quando a comu- traz contribuições significativas a uma disciplina
nidade científica percebeu que a busca de vida específica, uma vez que ultrapassa as disciplinas,
fora da Terra deveria ser orientada pelo melhor entretanto, sua finalidade continua inscrita na es-
conhecimento da vida no próprio planeta. Por trutura da pesquisa disciplinar.
exemplo, para entendermos se a vida pode se ori-
ginar em outro planeta, temos que estudar am- Entretanto, segundo Pilco et. al [11], até 1988,
plamente o caso terrestre, considerando o meio a astrobiologia não era considerada como uma ci-
astronômico, a geologia do planeta, os eventos ência interdisciplinar. Entretanto, após décadas
atmosféricos e as reações químicas que poderiam
de exploração espacial, a consolidação da busca
ocorrer. Da mesma forma, para sabermos o que
procurar em outro planeta, tomamos como base por vida extraterrestre na agenda científica glo-
a vida como a conhecemos na Terra e tentamos bal através da colaboração de biólogos, químicos,
extrapolar nosso conhecimento biológico para as astrônomos e engenheiros, a astrobiologia, hoje,
condições ambientais extraterrestres” [2, p. 30]. se tornou uma área inter e multidisciplinar.
Segundo Cockell [6], o termo astrobiologia foi
primeiramente utilizado pela União Soviética, du- “[...] até 2003, astrobiologia era multidiscipli-
nar, mas com o avanço das missões espaciais,
rante a Corrida Espacial em 1953, para descrever
desde 2008, tornou-se uma ciência com execu-
a busca por vida em outros mundos. ção interdisciplinar. Seu sucesso depende criti-
A astrobiologia é uma área recente de pes- camente da coordenação próxima de várias disci-
quisa científica inter e multidisciplinar. Segundo plinas e programas científicos, incluindo missões
Blumerg [7], a astrobiologia é definida como um espaciais planejadas para o futuro” [11, p. 03].
campo de pesquisa dedicado a entender a origem,
a evolução, a distribuição e o futuro da vida, na A astrobiologia, por seu caráter multidiscipli-
Terra ou fora dela. Ela é uma ciência relativa- nar, possuiu um grande potencial para enrique-
mente nova, e foi motivada a partir das famosas cer o ensino-aprendizagem e é uma das poucas
perguntas que os astrobiólogos tentam responder, ciências que conseguem conectar todas as gran-
e que se baseiam nos principais questionamentos des áreas de conhecimento, das ciências naturais
feitos pela humanidade desde os seus primórdios: e exatas, passando pelas ciências humanas e che-
“como a vida se originou e evoluiu na Terra?”, gando às linguagens.
“existe vida em outros planetas?” e “como a vida É possível utilizar diversos processos para en-
se adaptou a um planeta em constante mudança sinar astrobiologia, bastando, para isso, compor
e como ela o fará no futuro?” [8]. um quadro criativo de aprendizado, agregando
Paulo Freire, em sua obra Pedagogia da Au- recursos didáticos corretos e aplicando estraté-
tonomia [9], ressalta que a interdisciplinaridade gias de multidisciplinaridade. As estratégias de
é o processo metodológico de construção do co- ensino-aprendizado utilizadas durante a elabora-
nhecimento pelo sujeito com base em sua relação ção e aplicação do projeto buscaram levar o aluno
com o contexto, com a realidade, com sua cultura. a compreender o contexto histórico onde se dá
Segundo ele, a expressão “interdisciplinaridade” é a evolução e a construção dos conceitos científi-
a caracterização de dois movimentos dialéticos: a cos, uma vez que estes são elaborados pelo ser
problematização da situação, pela qual se desvela humano, a partir de suas necessidades concretas
a realidade, e a sistematização dos conhecimentos de existência, tomando como base o método ci-
de forma integrada [9]. Assim, o projeto visa uma entífico, associando a prática pedagógica com a
abordagem contextualizada dos conteúdos em um experimentação e a ludicidade.
Figura 1: Réplica de um tardígrado (fora de escala) apresentada durante a aula introdutória de astrobiologia.
Figura 4: Apresentação teórica da equação de Drake e atividade prática onde os alunos puderam estimar a quantidade
de civilizações na galáxia, usando suas habilidades em matemática e trabalhando a interdisciplinaridade.
Figura 5: Visita às Itacoatiras de Ingá e aula de campo no Museu de História Natural de Ingá.
Figura 8: Gráficos exibindo a evolução da média geral da turma do 2º ano A para as disciplinas de física, química,
biologia e matemática durante os três bimestres do ano letivo de 2019. É possível perceber que o terceiro bimestre (em
verde) - período no qual o projeto foi encerrado - foi o que apresentou as maiores médias. Fonte: Sistema Saber/Secretaria
de Estado da Educação da Paraíba.
ologia e matemática, e até mesmo de outras áreas e às Itacoatiaras, apoiando e contribuindo direta-
ou temas transversais como astronomia, Arqueo- mente com a execução da última ação do projeto;
logia e Paleontologia durante as atividades que se à Profa. Me. Isabelle Mayara Ramos, pela valo-
sucederam do primeiro momento até a culminân- rosa contribuição e compartilhamento de experi-
cia. Ademais, o interesse dos alunos durante as ências no campo da história e educação patrimo-
atividades foi visível, tanto na apresentação teó- nial; à professora de biologia Maria Rosângela Di-
rica, quanto nos experimentos práticos. Pedago- niz, pela parceria junto ao projeto de disciplina,
gicamente, a proposta interdisciplinar do projeto e a todos os colegas professores, gestores e funci-
mostrou aos alunos que é possível integrar dis- onários da Escola Cidadã Integral Técnica Esta-
ciplinas em uma só abordagem científica. Isso é dual Melquíades Vilar que contribuíram direta e
possível com o estudo da astrobiologia. O projeto indiretamente para a execução deste projeto.
também ajudou a contribuir com a diminuição da
escassez do ensino, divulgação e popularização da
astrobiologia nas escolas públicas, contribuiu com Sobre o autor
a alfabetização científica, e proporcionou uma sig-
nificativa melhoria nas notas da disciplina de fí- Felipe Sérvulo Maciel Costa (felipe.costa1
sica. Diante do exposto, é possível concluir, por- @professor.pb.gov.br) é Mestre em Física, com
tanto, que o projeto cumpriu com seus objetivos. ênfase em cosmologia, pela Universidade Fede-
ral de Campina Grande (UFCG) e licenciado
em Física pela Universidade Estadual da Paraíba
(UEPB). Atua como professor de física na Escola
Agradecimentos
Cidadã Integral Técnica Estadual Melquíades Vi-
O autor agradece à equipe do Museu de His- lar (ECIT Melquíades Vilar), onde ministra aulas
tória Natural de Ingá, que gentilmente recebeu para o ensino médio. É astrônomo amador asso-
a escola e ofereceu uma visita guiada ao museu ciado à Sociedade Astronômica Brasileira (SAB)
e divulgador científico, atuando como redator de distribution of life in the universe, Annual
artigos de divulgação. Review of Ecology and Systematics 30(1),
397 (1999).
[4] W. G. Lambert, Babylonian creation myths [13] C. Sagan, Cosmos (Francisco Alves, Rio de
(Eisenbrauns, Winona Lake, 2013). Janeiro, 1980).
[5] F. Rodrigues, D. Galante et al., Astrobio- [14] C. Darwin, A Origem das Espécies (Martin
logy in Brazil: early history and perspectives, Claret, São Paulo, 2014).
International Journal of Astrobiology 11(4),
189 (2012). [15] S. Gould, The flamingo’s smile : reflections
in natural history (W.W. Norton & Com-
[6] CS. Cockell, Astrobiology - a new opportu- pany, New York, 1985).
nity for interdisciplinary thinking, Space po-
licy 18(4), 263 (2002). [16] M. J. Burchell, W(h)ither the drake equa-
tion?, International Journal of Astrobiology
[7] B. S. Blumberg, The nasa astrobiology insti- 5(3), 243 (2006).
tute: Early history and organization, Astro-
biology 3(3), 463 (2003). [17] R. T. Almeida, A arte rupestre nos Cariris
Velhos (Editora Universitária, João Pessoa,
[8] D. J. D. Marais e M. R. Walter, Astrobio- 1979).
logy: Exploring the origins, evolution, and
rede de difração utilizadas. Os alunos que assinam o artigo, estudaram conceitos de física
quântica e óptica física, para explicar as linhas de absorção. Este tipo de prática, traz uma
alternativa para o ensino de fundamentos de física moderna para alunos do ensino médio.
Resumo
Quando um eclipse solar e lunar ocorre, a mídia faz uma intensa divulgação, porém pouco explica sobre as
condições científicas que envolvem este fenômeno e o porquê do corpo celeste ficar encoberto. Este trabalho
tem o intuito de apresentar uma sequência didática relacionada aos eclipses, que foi aplicada a um aluno do 9º
ano do ensino fundamental II. Nessa sequência didática foi proposta a pesquisa sobre o que são, quais os tipos
possíveis e as condições necessárias para que um eclipse ocorra. Para que este estudo pudesse ser realizado e
as imagens obtidas, foi utilizado o Stellarium, que consiste em um planetário de código aberto que pode ser
utilizado no computador. Além desse estudo inicial foi proposta, também com o uso de Stellarium, a criação de
um calendário de possíveis datas de futuros eclipses. A terceira etapa da sequência didática foi a da divulgação
científica, dentro do ambiente escolar e, para isso, foi realizado um seminário científico virtual sobre o tema
proposto. O resultado da aplicação da sequência didática foi suprir a falta de explicação pela mídia e a falta de
conhecimento, por parte dos alunos participantes do seminário virtual, das condições científicas necessárias para
que ocorram os eclipses. Com a apresentação desta proposta de trabalho na III MAES, obtivemos o primeiro
lugar na categoria 9º ano do ensino fundamental II.
Abstract
When a solar or lunar eclipse occurs, the media makes an intense publicity of these events, but explains very
little about the scientific conditions involving such phenomena and the conditions why the celestial body in
question has been covered up. The goal of this paper is to present a teaching sequence related to eclipses, which
was applied to a student in the last year (9o ) of elementary school. In this teaching sequence, a research was
proposed about what eclipses are, the possible types of eclipses and the necessary conditions. To perform this
research, the images were obtained with the use of Stellarium, which consists of an open planetary code that
can be used with a computer. Besides this initial study, the creation of a calendar for future eclipses was also
proposed. The third step of the teaching sequence was the scientific outreach within the school environment and,
to do that, a virtual scientific seminar was organized. The result of applying the teaching sequence proposed here
was to suppress the lack of explanation by the media and the lack of knowledge by the students on the necessary
conditions for eclipses to occur. With the presentation, at III MAES, of the teaching sequence proposed in this
work, we obtained first place in the category 9th year of elementary school.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v2n2.35776
2 Metodologia
A sequência didática proposta pela professora
da Escola Municipal de Ensino Infantil e Funda-
mental Élson Garcia, localizada no bairro Ubú,
município de Anchieta-ES, foi aplicada a apenas
um aluno de 9º ano do ensino fundamental II.
A realização da SD foi proposta para o aluno do
9º ano, devido a MAES ter uma categoria espe-
cífica para alunos desta série, e o tema escolhido
foi eclipses, devido o interesse do aluno pelo tema
central desse trabalho.
Por mais que a sequência didática tenha sido
realizada por apenas um aluno, ela pode ser dis-
Figura 1: Imagens representativas dos eclipses solar e lu- seminada em todo o ambiente escolar, sendo re-
nar, mostrando a posição dos astros para que os fenômenos alizada por mais de um aluno ou até mesmo por
aconteçam. Esta imagem foi retirada da referência [5]. várias turmas.
O início do trabalho se deu por uma abrangente
pesquisa, por parte do aluno, sobre os eclipses.
Neste estudo, o educando levou em considera-
tivamente. ção as diferenças e tipos, tanto de eclipses solares
quanto lunares, bem como as condições necessá-
Quando analisamos o tema eclipse junto à Base rias para que os eclipses ocorram. Nessa pesquisa
Nacional Comum Curricular (BNCC) [2], implan- o aluno teve conhecimento que os eclipses solares
tada em 2018 em todas as escolas brasileiras, ve- e lunares são diferentes devido ao posicionamento
mos que ele deve ser abordado no 8º ano do en- dos astros, e também de acordo com a fases da
sino fundamental II. É interessante que os alunos lua. Foi visto que os eclipses podem ocorrer de
já cheguem com pré-requisitos sobre o assunto, maneiras diferentes, de acordo com a parcela do
para que entendam com mais facilidade a temá- astro que é encoberto. Desta forma os eclipses
tica proposta. são classificados como:
Pensando em facilitar o entendimento do con- - Eclipse solar total: é o fenômeno que ocorre
teúdo relacionado aos Eclipses e apresentar o pro- quando o Sol é encoberto totalmente pela Lua e,
jeto na III Mostra Estadual de Astronomia do Es- assim, a luz não consegue chegar a Terra trans-
pirito Santo (MAES), foi elaborada uma sequên- formando o dia em noite, durante o período da
cia didática (SD) relacionada ao tema. A SD teve ocultação.
o intuito de propor uma pesquisa sobre o que são, - Eclipse solar parcial: é o fenômeno que ocorre
quais os tipos possíveis e as condições necessárias quando a Lua encobre apenas uma parte do Sol e,
para que um eclipse ocorra. Para auxiliar no es- nesse caso, a variação da luminosidade da Terra
tudo e na obtenção das imagens de eclipses, re- praticamente não é alterada.
corremos ao uso do Stellarium, que consiste em - Eclipse solar anular ou anelar: é o fenômeno
um planetário de código aberto que pode ser uti- que ocorre quando o tamanho aparente da Lua
lizado no computador. não é suficiente para encobrir toda a projeção so-
lar, formando um anel em torno da Lua. Este
Além desse estudo inicial foi proposta, também fato ocorre quando a Lua está a uma distância
com o uso de Stellarium, a criação de um calen- maior da Terra.
dário de possíveis datas de futuros eclipses. Um - Eclipse lunar total: fenômeno no qual toda
seminário on-line, visando a divulgação científica, a superfície da Lua é encoberta pela sombra da
dentro do ambiente escolar, sobre o tema pro- Terra, ficando o satélite natural do planeta por
posto também foi realizado. A opção virtual foi cerca de uma hora na escuridão total. O processo
escolhida pois toda a SD teve de ser realizada re- completo pode levar várias horas de duração.
motamente devido à pandemia, fato que foi mais - Eclipse lunar parcial: fenômeno no qual ape-
um desafio para que atingíssemos nosso objetivo. nas uma parte da Lua é encoberta pela sombra
da Terra.
- Eclipse lunar penumbral: fenômeno que
ocorre quando a Lua é encoberta por uma parte
mais clara da sombra da Terra, chamada de pe-
numbra.
Um dos principais pontos verificados na pes-
quisa é que o mesmo eclipse pode ser visto de
diferentes formas, dependendo da posição do ob-
servador.
Figura 2: Eclipse solar ocorrido em 29/03/2006, visto na
Esta primeira etapa teve o objetivo de aumen- região Nordeste (à esquerda) e eclipse lunar ocorrido em
tar o grau de conhecimento do aluno sobre a te- 28/09/2015 (à direita). Fonte: Stellarium.
mática. As informações obtidas pelo aluno nessa
pesquisa foram utilizadas no seminário virtual re-
alizado.
Em um segundo momento foi proposta a re-
produção de eclipses, tanto solares quanto luna-
res. Para que este estudo pudesse ser realizado
foi utilizado o Stellarium. O Stellarium consiste
em um simulador do céu em três dimensões, que
utiliza código aberto e pode ser baixado no com-
putador ou utilizado de forma on-line.
Com o auxílio deste software pudemos simular
e fotografar eclipses que ocorreram desde o ano de
2006 até o ano de 2020. Essa simulação pode ser
realizada pois o Stellarium possibilita escolher a
data e hora específica do céu que será projetado.
É possível também fixar o corpo celeste escolhido
e analisar o movimento das outras estruturas em
torno dele.
As etapas para simular um eclipse utilizando o
Stellarium são:
Figura 3: Tabela dos eclipses solares que aconteceram
entre os anos de 2006 a 2021, retirada da referência [5].
1. Escolher a data e local do eclipse; Nela é apresentada a data e o tipo dos eclipses. Destaca-
mos em amarelo aqueles que puderam ser observados do
2. Localizar o corpo celeste escolhido para vi- Brasil.
sualização do eclipse;
foi vencedor da III Mostra de Astronomia do Es- Física, São Paulo, 2017).
pírito Santo, na categoria ensino 9º ano do ensino
fundamental II.
[2] Brasil, Ministério da Educação, Base nacio-
nal comum curricular (2017). Disponível em
Referências basenacionalcomum.mec.gov.br, acesso em
jun. 2021.
[1] K. S. Oliveira Filho e M. F. O. Saraiva, As-
tronomia e Astrofísica (Editora Livraria de
Resumo
Neste trabalho, os monitores do Observatório Astronômico do Ifes Guarapari (OAIG), que são alunos do Ensino
Médio, construíram um espectroscópio baseado no trabalho [1]. Como a proposta era desenvolver um instru-
mento de baixo custo e acessível, foram feitas algumas modificações no modelo. Essas alterações consistiram
na substituição da rede de difração por um DVD e também na troca do dispositivo de captura de imagem por
uma webcam. O aparato construído foi utilizado para coletar o espectro solar. Apesar das limitações impostas,
devido a faixa de sensibilidade da webcam e ao poder de resolução do DVD, os resultados obtidos mostraram
que algumas linhas de Fraunhofer coincidem com aquelas presentes na literatura, com destaque para o Fe I e Mg
I. Apesar desta limitação, o aparato cumpre seu objetivo didático e possibilita a abordagem de temas ligados à
física quântica e a óptica física. Por outro lado, o uso da CCD e de uma rede de difração comercial com mais
ranhuras, melhorariam significativamente os resultados obtidos, do mesmo modo que, aumentaria o custo de
construção.
Abstract
In this work, the monitors of OAIG, who are students of high school, constructed a spectroscope based in
reference [1]. Here the proposal was to develop a cheaper instrument, thus some modifications were made to
the model. We changed the diffraction grating to a DVD and replace the image capture device by a webcam.
With this instrument we obtained the solar spectrum. Though of limitations of instruments, that generated a
little gap of sensibility and a low resolution power, the results show some Fraunhofer’s line in agreement with
the literature, specially for Fe I and Mg I. The instrument meets with its educational goal and it makes possible
the teaching of quantum and optical physics in high schools. On the other hand, using CCD and a commercial
diffraction grating could improve significantly the results, although the cost would increase too.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v2n2.35774
nominou de spectrum. Esse foi o início do estudo A obtenção de espectros estelares, como o do
do espectro eletromagnético que vai além da faixa Sol, por exemplo, passa pelo entendimento de
visível observada por Newton, englobando tam- conceitos de óptica geométrica e mecânica quân-
bém o infravermelho, ultravioleta, raio-X, micro- tica, visto que envolve conceitos como corpo ne-
ondas, raios gama e ondas de rádio. Posterior- gro, difração e Lei de Planck. Destaca-se que tais
mente, Joseph von Fraunhofer (1787-1826) des- conceitos estão previstos nos currículos do ensino
cobriu que bandas escuras surgem em meio ao es- básico, na graduação de física, astronomia e afins.
pectro quando a luz é suficientemente dispersada. Assim, neste trabalho, o estudo destes conceitos
Mais que isso, ele realizou a caracterização dessas será motivado pela construção de um espectros-
linhas e observou similaridades entre o espectro cópio com material alternativo [1] e a obtenção
solar e o de outras estrelas próximas. Contudo, do espectro solar. Neste sentido, este trabalho
tais bandas só puderam ser compreendidas após torna-se uma ampliação do que foi proposto no
os trabalhos de Gustav Kirchhoff (1834-1887) e referido artigo, tendo como diferencial os testes
Robert Bunsen (1811-1899), que propuseram que do espectroscópio na obtenção do espectro do Sol
as linhas escuras estavam ligadas à absorção se- e sua comparação com a literatura. Isso possi-
letiva do espectro contínuo produzido pelas altas bilita uma análise de confiabilidade do aparato
temperaturas no interior do Sol pelas camadas de construído e permite a verificação de suas limita-
gases mais externos. A partir disso, Kirchhof de- ções, que no nosso caso, em particular, ocorre nas
terminou três leis que explicam a formação dos es- proximidades do infravermelho e do ultravioleta.
pectros: i) O espectro contínuo é emitido por um A restrição a faixa do visível está ligada à câmera
corpo opaco quente (muito denso), sendo sólido, utilizada para capturar as imagens, uma vez que
líquido ou gasoso; ii) Um gás transparente (pouco os filtros (de fábrica) da câmera não foram reti-
denso), produz um espectro de linhas brilhantes rados. Além disso, o poder de resolução limita
(de emissão). O número e a cor dessas linhas de- as linhas de absorção obtidas, uma vez que são
pendem dos elementos químicos presentes no gás; restringidas pela rede de difração “improvisada”
iii) O espectro de absorção é produzido quando com um DVD, impossibilitando a distinção de al-
um espectro contínuo passar por um gás a tem- gumas linhas dentro da faixa de sensibilidade da
peratura mais baixa, o gás frio causa a presença webcam.
de linhas escuras (de absorção). Assim como no Com a finalidade de difundir este tipo de ativi-
espectro de emissão, o número e a posição dessas dade como prática de ensino, nos diversos níveis,
linhas dependem dos elementos químicos presen- descrevemos a forma como os alunos do ensino
tes no gás [5]. O primeiro espectro estelar foi médio, participantes da MAES 2020 com este tra-
observado por Fraunhofer e Angelo Secchi (1818- balho, construíram o espectroscópio e obtiveram
1878) [6]. os dados utilizados aqui para fazer um paralelo
com a literatura. Os alunos que assinam este ar-
Dentro deste contexto, no século XX, Willi- tigo, atuaram como protagonistas em todo o pro-
amina Fleming [7] e outras nove colaboradoras jeto, cabendo ao professor apenas a orientação e
mudaram a forma de se fazer astronomia. Elas o direcionamento, acerca do que deveria ser estu-
abriram caminho para o uso da fotometria e es- dado. Destaca-se que este tipo de prática pode
tudos espectrais, indo muito além das atividades contribuir significativamente para a formação dos
atribuídas à área, que até então se resumiam em discentes, visto que desde o dimensionamento dos
determinar a posição e os movimentos de corpos itens utilizados para construção do equipamento,
celestes. Neste contexto, astrônoma Annie Jump até a fundamentação teórica necessária para com-
Cannon, identificou e catalogou os espectros de preender e interpretar as linhas de absorção, estão
mais de dez mil estrelas, além de contribuir com presentes nos currículos da formação básica e dos
novas classificações espectrais, ampliando o mo- cursos de graduação da área de exatas.
delo de Secchin para 16 tipos e usando como re-
ferência as linhas de absorção do Hidrogênio. O
sistema desenvolvido, que divide as estrelas em
2 Construindo o espectroscópio
ordem decrescente de temperatura, foi publicada
como Catálogo Henry Draper e continua sendo Os alunos utilizaram como base, para a cons-
utilizado. trução do instrumento de captura de imagens, a
Figura 4: Sobreposição do espectro obtido sobre o es- Figura 5: Espectro Solar: Esta figura ilustra o espectro
pectro de referência para a lâmpada fluorescente, retirado solar obtido utilizando o aparato construído pelos alunos
de [14]. Neste estão demarcadas algumas das diversas li- (em preto), o espectro solar obtido por um aparato pro-
nhas de emissão coincidentes, sendo que duas destas, cor- fissional (em cinza) [20] e as linhas de Fraunhofer, linhas
respondentes aos comprimentos de onda 546 nm e 611 nm, de absorção (em azul) retiradas de [21]. A figura foi re-
respectivamente, foram escolhidos como pontos de calibra- cortada para destacar a faixa do visível, por isso as linhas
ção. correspondentes aos elementos presentes na atmosfera não
aparecem.
[5] K. S. Oliveira e M. F. O. Saraiva, Astrono- [18] Fluorescent lamp, Wikipedia – The Free
mia e Astrofísica (Editora Livraria de Física, Encyclopedia (2021). Disponível em https:
São Paulo, 2017), 4ª ed. //en.wikipedia.org/w/index.php?title=
Fluorescent_lamp&oldid=1035565638,
[6] P. Massey e M. M. Hanson, Astronomical acesso em jul. 2021.
Spectroscopy, in Planets, Stars and Stellar
Systems, editado por T. D. Oswalt e H. E. [19] R. Balachandran e K. P. Davis, Using CDs
Bond (Springer, Dordrecht, 2013), 35–98. and DVDs as diffraction gratings (2009).
Disponível em https://www.nnin.org/
[7] J. A. C. Almazán, A empregada domés- sites/default/files/files/
tica que descobriu 10.000 estrelas, El Karen_Rama_USING_CDs_AND_DVDs_AS_DIFFRACTION_GRA
País (2015). Disponível em https: acesso em jul. 2021.
//brasil.elpais.com/brasil/2015/10/
28/ciencia/1446051155_519282.html, [20] C. B. Honsberg e S. G. Bowden, Stan-
acesso em jul. 2021. dard solar spectra (2019). Disponível em
http://www.pveducation.org/pvcdrom/
[8] S. Chandrasekhar, An Introduction to the appendices/standard-solar-spectra,
Study of Stellar Structure (Dover Publica- acesso em jul. 2021.
tions, 1958).
[21] C. E. Moore, M. G. J. Minnaert e J. Hout-
[9] A. C. Phillips, The physics of stars (John gast, The Solar Spectrum 2935 Å to 8770 Å:
Wiley & Sons, Ltd, Chichester, 1999). Second Revision of Rowland’s Preliminary
Resumo
A relação entre o período e a luminosidade das estrelas cefeidas está na base de um método fundamental para
a determinação de distâncias a galáxias próximas. Neste artigo, apresenta-se uma tradução do inglês para
o português do trabalho de Henrietta Swan Leavitt no qual a relação período-luminosidade foi originalmente
proposta.
Abstract
The relation between the period and the luminosity of Cepheid stars is at the basis of a fundamental method
for the determination of distances to nearby galaxies. In this paper, I present a translation from English
to Portuguese of the work of Henrietta Swan Leavitt in which the period-luminosity relation was originally
proposed.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v2n2.34906
mentos de onda, que atravessa uma área unitária acordo com o modelo cosmológico padrão, fornece
perpendicular à direção de propagação da luz por a rapidez com a qual o universo está se expan-
unidade de tempo [4]. Se duas fontes de luz pos- dindo atualmente. Essa constante está envolvida
suem luminosidades idênticas, aquela que estiver nos cálculos de diversas grandezas cosmológicas,
mais distante do observador será vista com um tais como a idade e o tamanho do universo obser-
brilho mais fraco. vável [6].
Para uma fonte puntiforme cuja luz se propaga A medição direta de H0 com maior exatidão
sem ser espalhada ou absorvida, pode-se consi- demanda, dentre outros aspectos, a obtenção de
derar que, a uma distância r, a energia emitida distâncias até galáxias mais remotas, cujo movi-
se distribui uniformemente sobre uma superfície mento devido à expansão do universo predomina
esférica de área 4⇡r2 . Nestas condições, deduz- em relação a outros tipos de deslocamento [6].
se que o fluxo radiante F decresce de acordo
Com este propósito, pode-se inicialmente ob-
com uma lei do inverso do quadrado da distân-
servar cefeidas clássicas em um grupo de ga-
cia, relacionando-se com a luminosidade L por
láxias mais próximas, usar a relação período-
meio da equação F = L/4⇡r2 [4]. Desse modo,
luminosidade para calcular o quão afastadas elas
medindo-se o brilho de uma cefeida clássica a par-
se encontram e, com esta informação, calibrar ou-
tir da Terra, torna-se factível, em princípio, cal-
tros indicadores de distância, dentre os quais so-
cular a distância a que ela se encontra, caso sua
bressaem as supernovas do tipo Ia [6].
luminosidade seja conhecida.
Por se originar de uma explosão estelar extre-
A possibilidade de utilizar as cefeidas clássicas
mamente energética, uma supernova pode ser en-
enquanto velas padrão abriu caminho para novos
xergada em galáxias muito distantes. Nas super-
progressos na cosmologia observacional. Por se-
novas do tipo Ia, resultantes da detonação de es-
rem muito luminosas, as cefeidas clássicas podem
trelas anãs brancas, a luminosidade alcança um
ser vistas mesmo em outras galáxias. Isto per-
valor máximo que não difere muito de um caso
mitiu a Edwin Powell Hubble (1889–1953) esti-
para outro e, além disso, pode ser correlacionada
mar a distância até Andrômeda aplicando a rela-
com sua taxa de declínio após o pico, tornando
ção período-luminosidade descoberta por Leavitt
tais objetos celestes excelentes velas padrão [3].
e calibrada por Harlow Shapley (1885–1972). Na
época, ainda era debatido se objetos celestes si- Os indicadores de distância secundários, cali-
milares a Andrômeda integravam ou não a Via brados a partir das cefeidas clássicas, facultam
Láctea, e o resultado de Hubble, publicado em então estabelecer distâncias até galáxias mais lon-
1925, foi decisivo para a aceitação da ideia de que gínquas. Esses dados, analisados em conjunto
existiam outras galáxias além da nossa, situadas com as velocidades de recessão das galáxias de-
a imensas distâncias [5]. rivadas de seu desvio para o vermelho, permitem
revelar o valor da constante de Hubble [6].
Dispondo dos valores das velocidades de afas-
tamento de diversas galáxias em relação à Terra, A primeira medição precisa de H0 , que con-
medidas por meio da análise do desvio para tou com o auxílio do Telescópio Espacial Hub-
o vermelho (redshift) de suas linhas espectrais, ble para observar cefeidas clássicas, foi realizada
e empregando novamente a relação período- pela equipe liderada por Wendy Laurel Freed-
luminosidade para encontrar distâncias, Hubble man (1957 -) e teve seu resultado divulgado em
chegou a outra descoberta marcante. Em 1929, 2001 [6, 7].
ele verificou a existência de uma relação linear Tendo em vista a relevância do trabalho ori-
entre as velocidades de recessão das galáxias (v) ginal de Leavitt e suas aplicações, apresenta-se,
e suas distâncias à Terra (d), que passou a ser a seguir, uma tradução do inglês para o portu-
conhecida como lei de Hubble-Lemaître. Essa lei guês do artigo contendo a primeira formulação
costuma ser expressa na forma v = H0 d, em que precisa da relação período-luminosidade [8], pu-
H0 é a chamada constante de Hubble. Com base blicado em 1912. Embora o artigo tenha sido assi-
nessa lei e em análises teóricas, os cosmólogos nado por Edward Charles Pickering (1846–1919),
concluíram que o universo estava em expansão [5]. diretor do Observatório da Faculdade de Harvard,
As cefeidas clássicas também tiveram um pa- ele reconheceu no texto que o trabalho havia sido
pel importante na determinação de H0 , que, de de fato desenvolvido por Leavitt.
[2] C. Sterken e C. Jaschek (eds.), Light curves [8] J. D. Fernie, The period-luminosity relation:
of variable stars: a pictorial atlas (Cambridge A historical review, Publications of the Astro-
University Press, Cambridge, 2005). nomical Society of the Pacific 81, 707 (1969).
H. Máx. Min. Época Período Res. M Res. m H. Máx. Min. Época Período Res. M Res. m
d. d. d. d.
1505 14,8 16,1 0,02 1,25336 0,6 0,5 1400 14,1 14,8 4,0 6,650 +0.2 0,3
1436 14,8 16,4 0,02 1,6637 0,3 +0,1 1355 14,0 14,8 4,8 7,483 +0,2 0,2
1446 14,8 16,4 1,38 1,7620 0,3 +0,1 1374 13,9 15,2 6,0 8,397 +0,2 0,3
1506 15,1 16,3 1,08 1,87502 +0,1 +0,1 818 13,6 14,7 4,0 10,336 0,0 0,0
1413 14,7 15,6 0,35 2,17352 0,2 0,5 1610 13,4 14,6 11,0 11,645 0,0 0,0
1460 14,4 15,7 0,00 2,913 0,3 0,1 1365 13,8 14,8 9,6 12,417 +0,4 +0,2
1422 14,7 15,9 0,6 3,501 +0,2 +0,2 1351 13,4 14,4 4,0 13,08 +0,1 0,1
842 14,6 16,1 2,61 4,2897 +0,3 +0,6 827 13,4 14,3 11,6 13,47 +0,1 0,2
1425 14,3 15,3 2,8 4,547 0,0 0,1 822 13,0 14,6 13,0 16,75 0,1 +0,3
1742 14,3 15,5 0,95 4,9866 +0,1 +0,2 823 12,2 14,1 2,9 31,94 0,3 +0,4
1646 14,4 15,4 4,30 5,311 +0,3 +0,1 824 11,4 12,8 4 65,8 0,4 0,2
1649 14,3 15,2 5,05 5,323 +0,2 0,1 821 11,2 12,1 97 127,0 0,1 0,4
1492 13,8 14,8 0,6 6,2926 0,2 0,4
Fig. 1. Fig. 2.
e ao mínimo, mostrando assim que há uma rela- emissão de luz,10 conforme determinado por sua
ção simples entre o brilho das variáveis e seus pe- massa, densidade e brilho superficial.
ríodos. O logaritmo do período aumenta de apro- A tenuidade das variáveis nas Nuvens de Ma-
ximadamente 0,48 para cada aumento de uma galhães parece impedir o estudo de seus espec-
magnitude no brilho.9 Os resíduos do máximo tros com nossos atuais recursos. Diversas variá-
e do mínimo de cada estrela em relação às linhas veis brilhantes possuem curvas de luz similares,
na Figura 2 são dadas na sexta e sétima colunas como UY Cygni, e devem recompensar um estudo
da Tabela 1. É possível que os desvios em relação cuidadoso.11 A classe espectral deve ser deter-
a uma reta se tornem menores quando uma escala minada para tantos objetos semelhantes a estes
absoluta de magnitudes for usada, e eles podem quanto possível. É de se esperar também que as
até mesmo indicar as correções que precisam ser paralaxes de algumas variáveis desse tipo sejam
aplicadas à escala provisória. Deve-se notar que medidas.12 Duas questões fundamentais sobre as
a variação média, tanto para estrelas brilhantes 10
Nota do tradutor: A expressão “real emissão de luz”
quanto para tênues, é de cerca de 1,2 magnitu-
pode aqui ser entendida como a luminosidade da estrela.
des. Visto que as variáveis estão provavelmente Esta conclusão indicou o caminho para a utilização das
a quase a mesma distância da Terra, seus perío- cefeidas clássicas na determinação de distâncias.
11
dos estão aparentemente associados com sua real Nota do tradutor: A estrela UY Cygni é uma variável
do tipo RR Lyrae.
9 12
Nota do tradutor: Sendo P o período da cefeida clás- Nota do tradutor: A mensuração das paralaxes de al-
sica e m sua magnitude aparente no máximo (ou no mí- gumas cefeidas clássicas tornaria possível descobrir o quão
nimo), a relação encontrada por Leavitt pode ser escrita afastadas tais estrelas estavam. Conhecendo-se também os
na forma log P + 0,48 m = constante. brilhos dessas cefeidas clássicas, por meio de observações
quais luz poderá ser lançada por tais investiga- 3 de março de 1912.
ções são se há limites definidos para a massa de
estrelas variáveis do tipo aglomerado13 e se os es-
pectros de tais variáveis possuindo períodos lon-
gos diferem daqueles de variáveis cujos períodos
feitas a partir da Terra, a lei do inverso do quadrado da
são curtos. distância para a luz levaria ao valor das luminosidades de
Os fatos conhecidos a respeito destas 25 va- tais estrelas. Desse modo, a relação período-luminosidade
riáveis sugerem muitas outras questões quanto à poderia ser calibrada, para que fosse útil na determinação
distribuição, relações com aglomerados de estre- de distâncias a outras cefeidas clássicas. Uma primeira
tentativa de calibrar a relação período-luminosidade foi
las e nebulosas, diferenças nas formas das curvas realizada por Ejnar Hertzsprung (1873–1967), analisando
de luz e os limites extremos da duração dos pe- um grupo de 13 cefeidas da Via Láctea. Hertzsprung foi
ríodos. Espera-se que o estudo sistemático das capaz então de utilizá-la para obter uma estimativa inicial,
mudanças da luz de todas as variáveis – em nú- ainda imprecisa, da distância até a Pequena Nuvem de
Magalhães. Os resultados de Hertzsprung foram publica-
mero de quase duas mil – nas duas Nuvens de
dos no volume 196 da revista Astronomische Nachrichten,
Magalhães possa em breve ser empreendido neste em novembro de 1913.
Observatório. 13
Nota do tradutor: As estrelas RR Lyrae costumavam
ser denominadas variáveis do tipo aglomerado ou variáveis
EDWARD C. PICKERING. de aglomerado.