Do Primario Ao Primeiro Grau As Transformacoes Da Matematica Nas Orientacoes Das SEE-SME-1961-1979
Do Primario Ao Primeiro Grau As Transformacoes Da Matematica Nas Orientacoes Das SEE-SME-1961-1979
Do Primario Ao Primeiro Grau As Transformacoes Da Matematica Nas Orientacoes Das SEE-SME-1961-1979
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
São Paulo
2012
DENISE MEDINA DE ALMEIDA FRANÇA
São Paulo
2012
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO,
POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E
PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
Banca Examinadora
A Autora
RESUMO
The study of papers targeted to teachers, published by the official agencies of Education,
containing suggestions on how to do in the classroom, making up a blurry school literature,
appear as an effective instrument for deepening the studies of Mathematics Education History
in Brazil and the relationships between programs, contents and school practices. Given the
importance of these papers, this thesis aims to discuss how the proposals of methodological
changes to the teaching of numbers in the early grades of elementary school were built. I want
to understand how the representations were made of "modern education" based on the ideals
of MMM, in the publications of the Departments of Education of Sao Paulo and the ways of
production of these models. What transformation does the didactic teaching go through on the
concept of number in the analyzed period through the guidelines published to the teachers by
the Education Department? And more specifically, what reveals the papers of the Education
Departments in terms of ownership of the studies conducted by Zoltan Paul Dienes? I believe
that the questioning about what it was like to teach arithmetic and the methods suggested for
this teaching in the initial grades may contribute to the understanding of the process of
learning mathematics and how this process influenced - and continues to influence - the
teaching of mathematics in the current educational context. The historical period of the
research was determined by selected sources, after a survey of the existing publications
(Implementation of the eight year municipal school, of 1969, and the four volumes of the
MDC, of 1974, 1976, 1977 and 1979) in the Document Technical Memory of São Paulo and
APLB. The choice of these sources is related to the recognition of the value assigned to the
publications in the supplies of teachers for changes in a period of expansion and creation of
educational systems in Brazil, with changes in the structure, operations, programs and in the
Mathematics curriculum in accordance with the regulations imposed by BDL 4024/61 and
BDL 5672/71. The work also included the comparison between publications with LDB/61
and the LDB/71, considering the place where the production of the official papers was held
and the everyday of the production process, their dynamics and backstage. In order to
complement the analysis, it was necessary to discuss the difficulties of working with this
blurry school literature as a source. In articulating the issues, I use the approach of cultural
history and lean against the concepts of representation, ownership and strategies put by
Chartier (1991) and Certeau (1982). I conclude that during the studied period, the publications
produced by the Departments of Education were used as a strategy adapting to the
recommendations of the new fields of psychology and didactics. The survey also noted that
ownership of the ideas of Zoltan Dienes, advocating a structuralist approach to mathematics,
produced major reformulations in mathematics didactics, giving new meaning to teaching,
how to teach and for whom to teach.
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 12
CAPÍTULO 1
SOBRE AS ESCOLHAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS E FONTES............................. 24
CAPÍTULO 2
DO ENSINO PRIMÁRIO AO PRIMEIRO GRAU ...................................................... 41
CAPÍTULO 3
O MMM NAS SÉRIES INICIAIS ............................................................................ 59
CAPÍTULO 4
A APROPRIAÇÃO DAS IDEIAS DE DIENES PELAS SECRETARIAS DE
EDUCAÇÃO ..................................................................................................................... 129
INTRODUÇÃO
Como professora de Matemática desde 1986, com dois cargos efetivos na Prefeitura
do Município de São Paulo – um como professora de Matemática e outro como coordenadora
pedagógica –, tive a oportunidade de observar e problematizar algumas questões que
permeiam e angustiam o cotidiano escolar dos docentes. Constatei, em nossas reuniões
diárias, insatisfações em relação às suas práticas, as semelhanças em suas aflições e o
sentimento de impotência para resolvê-las, independentemente do segmento do ensino e
componente curricular ao qual pertenciam.
Com o intuito de atender às demandas dos professores em relação aos problemas
surgidos em sala de aula, procurei participar, periodicamente, de cursos de atualização e
capacitação pertinentes à minha área de atuação. A participação nesses cursos gerou alguns
questionamentos que, pressuponho, mereciam e merecem aprofundamento. Em nossas
reuniões diárias, pude observar que seria ineficaz continuar com a tentativa de resolver os
problemas cotidianos, que obstruíam nossa “saúde pedagógica”, somente com os saberes da
experiência, sem a pesquisa de suas origens, apropriações, contexto e processo de perpetuação
de tais questões, tidas como insolúveis dentro da cultura escolar.
Após muitos anos balizados na prática docente, era necessário outro tipo de ação: um
aprofundamento por meio de uma pesquisa de abordagem histórica, que investigasse também
a ausência das vozes dos professores nos processos de organização e mudança de propostas
curriculares, a perpetuação de práticas, os modelos prescritos, heranças, etc., com respaldo de
instrumentos conceituais capturados na universidade e em estratégias reveladas na teoria e nas
discussões que só o trabalho científico poderia propiciar.
Por que optar pela pesquisa numa perspectiva histórica? Segundo Marc Bloch (1988,
p. 40): “A ignorância do passado não se limita a prejudicar o conhecimento do presente,
compromete, a própria ação”.
Nessa perspectiva, procuro discutir para quê estudar a História da Educação
Matemática no Brasil? Minha resposta, muitas vezes, não convence colegas sobre a
importância deste estudo para o exercício consciente do ofício de ensinar. Apesar de não
admitirem, penso que os interesses são maiores por pesquisas que analisam experiências de
sucesso, utilizando novas formas de ensinar Matemática. Esquecem, contudo, que o “novo”
surge a partir do diálogo com o passado.
13
Acredito que este diálogo entre passado e presente, que procura compreender as
condições que permitiram produzir as representações sobre como ensinar e aprender
Matemática, postas a circular em publicações oficiais, pode subsidiar as problematizações
diárias sobre a prática e possíveis novas propostas, na medida em que auxilia na atribuição de
significados a situações de aprendizagem, às quais somos expostos a todo o momento e a que
respondemos muitas vezes com ações engessadas.
Nas últimas décadas, os documentos produzidos para a escola ou pela escola vêm
despertando o interesse de pesquisadores, no âmbito da educação, na tentativa de entender os
bastidores do cotidiano escolar. Segundo Valente (2004, p. 36), aos poucos, “novos tipos de
fontes vão ganhando importância como ingredientes fundamentais para a escrita do trajeto
histórico que o ensino de Matemática seguiu em nosso país”.
Desse modo, fontes como os impressos direcionados para professores, publicados
pelos órgãos oficiais de educação, que apresentam sugestões sobre os modos de fazer em sala
de aula, constituindo uma literatura cinzenta1 escolar, aparecem como um instrumento eficaz
para os estudos da História da Educação Matemática no Brasil e das relações entre programas,
conteúdos e práticas escolares. A importância desses impressos, para este estudo, relaciona-se
ao reconhecimento do valor atribuído às publicações elaboradas num período de expansão e
criação dos sistemas de ensino no Brasil, com transformações na estrutura, no funcionamento,
nos programas e no currículo de Matemática, de acordo com as normativas impostas pelas
Leis de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) 4.024/1961 e 5.672/1971. Por isso, pode
fornecer subsídios para problematizar o contexto atual e propor alternativas.
Assim, esta pesquisa tem como objetivo problematizar de que modo foram construídas
as propostas de alterações metodológicas para o ensino de Aritmética nas séries iniciais do
Ensino Fundamental e como foram produzidas as representações de ensino moderno de
Aritmética, fundamentadas no ideário do Movimento da Matemática Moderna (MMM), nas
publicações2 das Secretarias de Educação do Estado de São Paulo, no período de 1961 a 1979,
e, com isso, indagar sobre seus possíveis efeitos. O período histórico da pesquisa foi
determinado pelas fontes selecionadas, após um levantamento das publicações existentes
(implantação da escola municipal de oito anos, de 1969, e os quatro volumes do Modelo de
Desenvolvimento do Currículo – MDC –, de 1974, 1976, 1977 e 1979) na Memória Técnica
1
Considero a expressão literatura cinzenta, conforme a definição de Almeida (2000, p. 3): “documento não
convencional, semipublicado, documento escuro, invisível, informal, fugitivo, efêmero, subterrâneo –
caracteriza-se por ter circulação restrita, assim como acesso e disponibilidade limitados. O referido material não
está submetido a um processo de sistematização; apresenta dificuldade de controle bibliográfico e, portanto, é de
difícil localização, razões pelas quais se encontra penalizada, economicamente, sua aquisição”.
14
2
As publicações analisadas podem ser conferidas em CD, que segue anexado a este trabalho.
3
De acordo com Oliveira Filho (2010), os maiores recursos financeiros foram cedidos pela Fundação Ford e
Fundação Rockefeller, com a colaboração da National Science Foundation e Pan American Union.
15
Porque em nosso mundo, onde muda a memória coletiva, onde o homem, o homem
qualquer, diante da aceleração da história, quer escapar da angústia de tornar-se
órfão do passado, sem raízes, onde os homens buscam apaixonadamente sua
identidade, onde procura-se por toda parte inventariar a preservar os patrimônios,
constituir bancos de dados, tanto para o passado como para o presente, onde o
homem apavorado procura dominar uma história que parece lhe escapar, quem
melhor do que a história nova pode lhe proporcionar informações e respostas?
Nesse mundo descrito por Le Goff, a análise do MMM com certeza auxilia na reflexão
do professor sobre sua prática, na medida em que pode esclarecer permanências e mudanças,
colocando o professor em uma de suas funções principais, de crítica e problematização sobre
sua prática. Ao utilizar o diálogo do presente com o passado, consegue perceber que a
problemática de sua prática é fator inerente ao seu ofício.
A História do Ensino opera entre o conhecido e o conhecer. Conhecer as
representações do Movimento; problematizá-lo; desconstruir suas representações; construir
sua significação, por meio de vários olhares; oferecer oportunidades para o homem relacionar-
se com seu passado; construir sua identidade, além de ampliar seus olhares e análises por
meio dessa discussão.
Penso que o historiador traduz o passado com as representações do hoje, toma o
passado problematizável, cria comparáveis e compara representações. Assim, penso que a
pesquisa que estude o MMM e analise as representações de como ensinar Matemática de
modo tradicional e moderno, problematizando o que já foi vivido, possibilita dar
inteligibilidade e sentido para o hoje.
Além disso, o historiador esclarece que há heranças presentes no ofício do professor,
que ele traz de outros tempos, heranças que atravancam a prática atual. Cabe ainda ao estudo
problematizar essas representações, trazê-las para o presente, criando comparáveis e possíveis
diálogos para mudanças.
Desse modo, considerando os aportes teóricos de Michel de Certeau (1982) e Roger
Chartier (1990), entre outros, busquei construir o meu objeto de pesquisa, por meio da análise
dos impressos pedagógicos relacionados com as mudanças no tratamento da Aritmética para
crianças, na tentativa de apontar como ocorre a emergência de novas propostas pedagógicas
no curso primário, pelas publicações oficiais.
Dentro dessa temática de pesquisa, elaborei as seguintes interrogações: que
transformações sofre a representação didático-pedagógica do conceito de número, no período
analisado (1961-1979), nas orientações publicadas pela Secretaria de Educação aos
professores? E, em especial, que estratégias estão nos impressos destinados aos professores,
17
4
Sobre o GHEMAT: <http://www.unifesp.br/centros/ghemat/paginas/about_ghemat>.
18
Nesse grupo, procurei ler autores ligados à área da História da Educação, que
permitissem acesso à base teórico-metodológica utilizada por historiadores da educação, de
modo a responder coerentemente as questões por mim levantadas, e tornar essas informações
disponíveis, com credibilidade e consistência históricas, para futuros pesquisadores.
Minha pesquisa, iniciada no mestrado, é consequência de inquietações ainda não
respondidas sobre a Educação Matemática nas séries iniciais do Ensino Fundamental.
Pretende preencher lacunas referentes à vigência, implantação e dinâmica da introdução do
ideário do MMM, nas novas metodologias para o ensino de Aritmética nas séries iniciais e,
assim, subsidiar discussões sobre novas propostas de mudança.
Por esse motivo, desde o ingresso na USP, participo de disciplinas e grupos de
pesquisas que discutam textos de historiadores da cultura, visando complementar minha
formação, quase exclusivamente matemática. Busco entender como historiadores da educação
operam com suportes teóricos, no intuito de compreender as questões que emergem da
pesquisa.
Ressalto que a participação no Grupo de Estudos sobre Discursos/Práticas da
Educação (GEDisPE) e no Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em História da
Educação (NIEPHE) proporcionou discussões e leituras fundamentais para a reelaboração do
projeto inicial da minha tese, em um campo ainda em construção da História da Educação
Matemática.
Os seminários em que foram discutidos textos de Michel de Certeau, Roger Chartier e
Michel Foucault, entre outros, fizeram-me perceber as possibilidades de inteligibilidade que
os conceitos postos por estes autores poderiam dar à minha pesquisa.
Assim, depois de muitas reflexões sobre as dificuldades que enfrentaria com o
deslocamento da pesquisa, assumo, finalmente, o papel de pesquisadora em História da
Educação Matemática, mas consciente de que a opção em tomar as ferramentas utilizadas em
estudos de outros campos do conhecimento, posicionando-me em um local de produção ainda
indefinido, caracterizado como fronteiriço, exigiria cada vez mais diálogos e novas conexões
com outras áreas e, consequentemente, maiores leituras.
Vale destacar que a busca por parcerias e possibilidades de conexões direcionaram a
minha participação em muitos congressos e seminários na área de História da Educação.
Esses intercâmbios reafirmaram o meu interesse em continuar a pesquisa, nessa perspectiva
cultural.
As revisões bibliográficas, elaboradas por meio de pesquisas que trabalharam com
conceitos postos por historiadores da cultura, proporcionaram vivências com a dinâmica dos
19
procedimentos de análise, que operam com esses conceitos. Durante as aulas das disciplinas
cursadas, pude observar como historiadores da educação utilizam as ferramentas
disponibilizadas por Michel de Certeau e Roger Chartier, para responder suas questões.
Percebi as novas possibilidades metodológicas que, com um maior estudo dos conceitos por
eles postos, poderiam melhor tratar e abarcar minhas questões de pesquisa. Com persistência
em aprofundar a compreensão da operacionalização desses conceitos, por meio das leituras
recomendadas, pude vislumbrar a oportunidade de também utilizá-los como suporte na tarefa
de analisar as alterações didáticas propostas para o ensino de Aritmética.
Certeau (1982) afirma que o fazer do historiador deve ser problematizado, discutindo
seus procedimentos e limitações, decorrentes do lugar social onde está vinculado e as regras
de sua escrita. É fato que esse lugar implica passos da maior importância: da definição de
métodos, da topografia de interesses, das séries documentais, das questões priorizadas, etc.
Tudo isso está ligado à relação que o historiador mantém com o lugar em que se encontra.
20
5
Chamarei de Ensino Primário, ou educação primária, ou instrução primária, o primeiro estágio da educação
escolar obrigatória, normalmente realizado por crianças com idade dos 7 aos 10 anos. Hoje, denominado Ensino
Fundamental I.
21
Completo o contexto de mudanças com o texto de Perez (2000), que analisa a política
educacional de São Paulo e aponta dados sobre ações da Secretaria para a capacitação
docente, no período de consolidação e ampliação da rede pública do estado, possibilitando
inferências sobre a produção dos impressos expedidos pela Secretaria, contendo normativas
para o ensino de Aritmética.
Quanto à análise das publicações, procurei construir o estudo, norteada pelas
recomendações indicadas pela historiadora da educação Maurilane Biccas (2008), referentes
aos aspectos relacionados à materialidade das publicações, às prescrições para o ensino de
aritmética nelas veiculados, às mudanças ocorridas e à produção de sentidos desencadeada por
suas formas físicas. Nesse processo, priorizei a análise da forma e do conteúdo utilizados
como instrumentos de ordenação legal, de produção de consentimentos e de ordenação e
instituição das práticas educativas, que desejavam ver divulgados os grupos dominantes (no
caso, a Secretaria de Educação).
Assim, levando-se em conta esses aportes teórico-metodológicos, busquei constituir o
meu objeto de pesquisa, por meio da análise dos impressos pedagógicos relacionados às
mudanças no tratamento da Aritmética para crianças, procurando apontar como ocorre a
emergência de novas propostas pedagógicas no curso primário. Nessa temática, surgiu a
seguinte indagação: o que revelam os impressos da SME, em termos das apropriações
realizadas dos estudos de Zoltan Paul Dienes?
Diante do exposto, estruturei o texto da seguinte maneira:
Na Introdução, relato a construção do objeto de pesquisa e anuncio os fundamentos
teóricos elaborados nos estudos de historiadores contemporâneos.
No primeiro capítulo, explico as minhas escolhas teórico-metodológicas e descrevo o
material empírico tomado como fontes para a pesquisa. No capítulo seguinte, relato a
necessidade de mudanças no ensino primário em São Paulo, a fim de entender a dinâmica das
reformas educacionais e relacioná-las com as reorganizações curriculares que consideraram o
ideário do MMM. Subsidia a construção do panorama de expansão do sistema paulista de
ensino, a reflexão sobre a escola primária, proposta em cada uma das reformas
governamentais, compreendidas no período estudado.
Assim, em virtude do cenário de mudanças, com a implantação, expansão e
reorganização dos sistemas de ensino do Brasil, no período em questão, faz-se necessário, em
primeiro lugar, compreender os processos de modificação, organização e expansão do ensino
primário, principalmente em São Paulo, por ser o primeiro sistema de ensino a ser organizado,
22
No terceiro capítulo, busco apresentar o que sabemos hoje sobre o MMM e suas
propostas para o ensino primário, por meio da análise de como ele se consolida em várias
partes do mundo e como chega ao Brasil, buscando caracterizar alguns de seus aspectos
referentes à vigência, metodologia, protagonistas e mecanismos de implantação. A
caracterização adotada foi fundamentada em revisão bibliográfica de leitura de teses e
dissertações referentes ao nosso campo de pesquisa e ao cotejamento com os textos de Zoltan
Dienes, publicados no Brasil.
Essa análise será balizada nos trabalhos sobre o processo de ensino e aprendizagem
matemática de Zoltan Paul Dienes. O objetivo é analisar as apropriações de suas ideias pelos
elaboradores das publicações da SME de São Paulo. Dessa forma, busco caracterizar de que
maneira são construídas as representações de “ensino moderno” e “ensino tradicional”
utilizadas pelo autor como justificativas no momento em que anuncia suas novas propostas
didáticas. Para isso, apresento uma breve explanação sobre a teoria e as propostas para o
6
A Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961, fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Representa o marco
inicial da descentralização educacional e administrativa. Atribui responsabilidades aos estados, para organizar
seus sistemas de ensino e autorizar o funcionamento dos estabelecimentos de Ensino Primário e médio, não
pertencentes à União.
23
Acredito que o olhar proposto sobre o tema provoque novas discussões, que podem
servir de ponto de partida para outras problematizações sobre o ensino de Aritmética na
escola primária. Para além, pretendo estudar as publicações selecionadas, entrecruzá-las com
outras fontes disponíveis, a fim de tentar responder às questões de pesquisa, destacando,
ainda, a representação construída para “ensino de Aritmética”, no período estudado. Qual a
metodologia mais adequada posta nas publicações? Qual a sequência didática sugerida? Como
introduzir o conceito de número? Como Dienes pensa número? Quais metodologias foram
construídas para atender a essas novas formas de tratar a matemática?
24
CAPÍTULO 1
SOBRE AS ESCOLHAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS E FONTES
7
Contidas no banco de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes) e inventariadas pelo GHEMAT.
26
A organização desse conjunto, formado até aqui, não facilitaria uma análise mais
profunda, tendo em vista a diversidade de temas abordados, como apostilas sobre a
divulgação de ideias no campo educacional: psicologia, sociologia, filosofia, teorias de
aprendizagem, etc.
As publicações preocupavam-se, também, em normatizar o trabalho docente,
padronizando os instrumentos de registro unificados, a fim de modernizá-lo, com instruções
de como operacionalizar objetivos, elaborar planejamento, controlar as atividades
pedagógicas e aplicar métodos e técnicas de avaliação. Outras, mais ligadas à prática do
professor, divulgavam artigos de autores com grande repercussão na época, modelos de como
ensinar, modos de organizar a aula, utilização de tecnologias de ensino, modelos de atividades
com materiais manipuláveis, relatos de experiências bem-sucedidas, etc. Outro tipo, muito
comum na época, eram as de formação teórica em conteúdos específicos, por exemplo, a
teoria dos conjuntos.
Ciente desses fatos, eu precisava reagrupar novamente as publicações e selecionar
aquelas que realmente permitiriam um estudo das representações e apropriações para o ensino
de Aritmética, conforme as questões de pesquisa.
O novo agrupamento determinou a urgência de instrumentos conceituais que
pudessem nortear o trabalho. Tratava-se de refletir um pouco mais sobre o fazer
historiográfico, as fontes utilizadas e os protocolos mais adequados para analisá-las e, assim,
balizar a pesquisa, conforme metodologia científica. Para isso, recorri à disciplina História da
Educação: Arquivos e Fontes8, que objetiva oferecer subsídios teóricos e metodológicos para
os alunos com estudos na área de História da Educação e Historiografia, no desenvolvimento
de suas pesquisas. A disciplina proporcionou discussões referentes à escrita da História da
Educação no Brasil, relacionando a utilização de diferentes tipos de fontes com o tratamento
teórico metodológico específico para analisá-las.
Aprendi com Certeau (1982) que considerar a História uma operação significa tentar,
de maneira limitada, compreendê-la como uma relação entre um lugar, procedimentos de
análise e a construção de um texto. Amparada nas considerações elaboradas por esse autor,
aproveito para retomar a proposta de investigação. Nesse sentido, em razão das mudanças nos
procedimentos adotados, oriundas dos momentos de problematização sobre os processos de
construção da produção, a trajetória da pesquisa pôde adquirir uma característica flexível,
sujeita a muitas alterações. Com o autor, também percebi a necessidade de explicitar ao leitor
8
Ministrada pela Profa. Maurilane Biccas, na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP).
27
lugar de produção. No meu caso, explicito, detalhadamente, onde elaboro a narrativa sobre as
alterações didáticas metodológicas para o ensino de Aritmética e as limitações decorrentes
dessas mudanças. Esse lugar, ainda fronteiriço, perpassa a Educação Matemática, mais
especificamente a sua História, utilizando os protocolos de historiadores da Educação.
Definindo a História da Educação, mais especificamente a História da Educação Matemática
como o lugar de produção, sugiro problematizar o conjunto das publicações expedidas pela
Secretaria de Educação de São Paulo, usando ferramentas oferecidas pelos historiadores da
cultura.
Foi então que visitei outros acervos – o Centro de Referência em Educação Mário
Covas, o Centro de Memória da Educação da Universidade de São Paulo e o Centro de
Memória da Prefeitura do Município de São Paulo –, para coletar impressos, com o objetivo
de ampliar o universo das fontes e tentar contemplar a maioria das instituições elaboradoras
das publicações, fonte de minha pesquisa.
Além disso, considerei os assuntos tratados como critério de seleção. Restringi aos
seguintes temas: traduções de artigos de autores com grande repercussão na época;
considerações sobre a psicologia da aprendizagem e as fases do desenvolvimento infantil;
sugestões de atividades com materiais manipuláveis; relatos de experiências bem-sucedidas;
formação teórica em conteúdos específicos (teoria dos conjuntos e outros novos conteúdos
inseridos no programa); textos informativos sobre novos métodos; e técnicas de como ensinar
aritmética. Ou seja, temáticas intimamente relacionadas às novas propostas didáticas,
29
9
Grupo fundado em 31 de outubro de 1961, tendo os professores Sangiorgi, como presidente, e George Springer,
como colaborador.
30
É preciso lembrar que não há texto fora do suporte que lhe permite ser lido (ou
ouvido) e que não há compreensão de um escrito, qualquer que seja que não
dependa das formas pelas quais atinge o leitor. Daí a distinção indispensável entre
dois conjuntos de dispositivos: os que provêm das estratégias de escrita e das
intenções do autor, e os que resultam de uma decisão do editor ou de uma exigência
de oficina de impressão.
“[...] optei por analisar a Revista na sua materialidade, como suporte material de práticas de
leitura e de seus usos escolares, procurando abordar seus aspectos de produção, circulação,
distribuição na perspectiva de formação de professores” (BICCAS, 2008, p. 27).
Com o objetivo de oferecer elementos para a percepção de diferentes aspectos
informados, explícita ou implicitamente, pelas características físicas da Revista, a autora
afirma que a análise material das publicações pode revelar vestígios que ajudem a entender os
dispositivos mobilizados, investigando suas intenções em sua constituição, isto é, construindo
novos significados.
Biccas (2008) propõe a discussão, na perspectiva de sua produção e distribuição como
produto de estratégias pedagógicas e editoriais determinadas para a formação de professores.
Assim, com um enfoque menos amplo, procurei utilizar as publicações oficiais como
mediadoras para explicar e divulgar as alterações metodológicas propostas para o ensino de
Aritmética, durante as reformas veiculadas pelos governos paulista e paulistano aos
professores da rede pública.
O pesquisador, ao optar por trabalhar com impressos, nesse sentido, não pode
prescindir do conceito de estratégia de Michel de Certeau, que remete às práticas, cujo
exercício pressupõe um lugar de poder. Sobre isso, Biccas comenta que:
10
Certeau (2002, p. 99) chama de estratégia, “o cálculo (ou a manipulação) das relações de forças que se torna
possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército, uma cidade, uma
instituição científica) pode ser isolado. A estratégia postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo
próprio e ser a base de onde se podem gerir as relações com uma exterioridade de alvos ou ameaças”.
32
com base em um lugar de poder, um lugar de previsão e antecipação, para fazer circular
alterações metodológicas fundamentadas no ideário do MMM.
Pode-se também problematizar e relacionar os discursos sobre a nova Matemática,
postos a circular principalmente pelos protagonistas do MMM, e as estratégias utilizadas pela
Secretaria, na contratação de membros desse grupo para elaboração das publicações.
Para os procedimentos de investigação e análise, adotei instrumentos conceituais
elaborados por Roger Chartier. O estudo de seus textos (1990, 1991, 1996, 1999, 2002, 2007)
confirmou a minha intenção de tratar os impressos coletados e já selecionados como fonte e
também como objeto.
Para o trabalho, é imperativo trazer o conceito de representação de Chartier (2002), a
partir do qual busca-se compreender as lutas de representação postas nas publicações e de que
maneira foi construída pela Secretaria a representação de ensino tradicional e de ensino
moderno, no anúncio das novas propostas de como abordar o conceito de número.
Chartier (1991, p. 16) define o conceito de representação como:
[...] toda a tradução e interpretação mental de uma realidade exterior percebida. [...],
as representações coletivas constroem o próprio mundo social: [...] construções que
os grupos fazem sobre suas práticas e que não existem práticas que não seja
representada. [...] A história cultural, tal como a entendeu, tem por principal objeto
identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada
realidade social é construída, pensada, dada a ler. Uma tarefa deste tipo supõe vários
caminhos. O primeiro diz respeito às classificações, divisões e delimitações que
organizam a apreensão do mundo social como categorias fundamentais de percepção
e de apreciação do real. Variáveis consoantes às classes sociais ou os meios
intelectuais são produzidos pelas disposições estáveis e partilhados, próprios do
grupo. São estes esquemas intelectuais incorporados que criam as figuras graças às
quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser
decifrado.
A apropriação, a nosso ver, visa a uma história social dos usos e das interpretações,
referida a suas determinações fundamentais e escrita nas práticas específicas que a
produzem. Assim, voltar à atenção para as condições e os processos que, muito
concretamente, sustentam as operações de produção do sentido (na relação de
leitura, mas em tantos outros também) é reconhecer, contra a antiga história
intelectual, que nem as inteligências nem as ideias são desencarnadas, e, contra os
pensamentos do universal, que as categorias dadas como invariantes, sejam elas
filosóficas ou fenomenológicas, devem ser construídas na descontinuidade das
trajetórias históricas (CHARTIER, 1991, p. 180).
Durante as primeiras leituras na busca pela criação do cenário para a pesquisa, pude
perceber que seria necessário compreender o momento histórico de consolidação e
organização da educação das séries iniciais no Estado de São Paulo, iniciada na década de
1960.
Precisava dimensionar aspectos referentes a esta reformulação: a extensão do
atendimento realizada pela rede de ensino existente, ou seja, a capacidade do sistema de
absorver a nova demanda de educação formal, os recursos materiais disponíveis para o
atendimento e os modos planejados para fazer funcionar as novas prescrições para o ensino de
matemática.
Como selecionar as publicações coletadas de acordo com sua relevância e
abrangência, sem conhecimento da estrutura organizacional dos órgãos responsáveis pela
elaboração das publicações e das assessorias técnicas privadas contratadas? Além disso, quais
os recursos disponíveis oferecidos para a implementação? Quais as estratégias utilizadas?
Quais os critérios usados para elaborar um plano para responder às reivindicações dos
professores?
Como já disse, tais fatores, antes não considerados, mudaram a trajetória da pesquisa.
Apoiada em Certeau (1982), experienciei uma constante problematização de métodos e
caminhos escolhidos. Revi meu plano inicial e retomei o levantamento bibliográfico,
procurando teses e dissertações que focassem o MMM no Brasil e se referiam a subsidiar
professores. Após a leitura, constatei a inexistência de investigações com o tema, apesar de,
indiretamente, os autores citarem os vários cursos e treinamentos de professores sobre
Matemática Moderna.
Outro ponto a considerar é que, nas primeiras leituras desse material, havia citação de
muitas modalidades em relação à dinâmica de capacitação de professores para introdução das
propostas de renovação do currículo de Matemática, porém sem destaque para sua
abrangência, suas responsabilidades e seu âmbito de ação.
Do conjunto de fontes selecionadas para análise, com origem diversa, sem autoria
explícita, expedidas por diversos órgãos da Secretaria, com diferentes siglas, tornou-se difícil
a compreensão das estratégicas utilizadas para elaboração das obras pela Secretaria.
Considerei necessário, mais uma vez, fazer uma catalogação das publicações, agora
especificando a instituição elaboradora e suas funções na estrutura da Secretaria de Estado de
Educação (SEE) e da SME. Para isso, e enfrentando impasses referentes à inexistência de
arquivos com catalogação e armazenamento de publicações desse tipo, retornei aos acervos, a
fim de investigar as instituições responsáveis pela produção dos impressos e buscar identificar
35
de São Paulo para expandir e democratizar seu sistema de ensino. Com as pressões sociais da
população paulista pela extensão do maior número de anos de escolaridade, quais as ações do
governo para tal?
A revisão bibliográfica foi feita, buscando, agora, levantar um arquivo de apoio, que
auxiliasse tanto o entendimento da dinâmica de produção das publicações expedidas pelas
Secretarias, como as intencionalidades das alterações metodológicas nelas propostas.
Buscando no banco de dados publicado pelo GHEMAT11 não encontrei trabalhos que
esclarecessem estrutura, organização e competências dos cursos de formação oferecidos pelas
Secretarias de Educação. Voltei, então, à pesquisa do banco de dissertações e teses da USP e
avalio ser importante destacar a tese de José Roberto Ruz Perez, A política educacional do
Estado de São Paulo (1967-1990), apresentada em 1994, na Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), como um dos únicos trabalhos que
sistematizam o modo de organização e funcionamento da Secretaria de Educação de São
Paulo e, por isso, citado pela maioria dos pesquisadores do campo da História da Educação. O
autor analisa a ação da Secretaria em 23 anos, e procura compreender as propostas
implementadas, verificando os processos de reestruturação organizacional, elaborados e
efetuados no período de 1967 a 1990, apontando os principais indicadores relativos à
eficiência e à efetividade das reorganizações realizadas.
Ora, o cenário da minha narrativa é a educação pública em São Paulo, com suas
diferentes modalidades de ensino, entidades mantenedoras e fatores que impulsionaram a
política de ampliação do número de vagas. Devemos considerar ainda as metas do Plano
Estadual de Educação de São Paulo (PEESP), de 1967, e as ações decorrentes, para melhor
entender a demanda por publicações e subsídios aos professores das redes municipal e
11
Disponível em: <http://www.ufjf.br/ixseminariommm/>.
38
estadual de ensino. Dessa forma, o contexto pulsante do Brasil, na época, emoldura a urgência
na construção de uma estrutura organizacional, por parte do poder público, responsável por
gerir as ações para expandir o número de vagas no Estado de São Paulo. Os processos de
modificação, organização e expansão da escola primária, principalmente em São Paulo, são
fatores relevantes para indicar as condições que permitiram a dinâmica de implantação das
propostas de alterações metodológicas, que levaram em conta o ideário do MMM.
Para complementar a montagem do cenário, trago também o trabalho de Sposito
(1992), que analisa a oferta e ampliação do sistema de ensino paulista, com foco na questão
da democratização do acesso como uma conquista das classes populares. A autora, centrada
na educação paulista e nas relações que esta estabelece com o contexto que a cerca, traça um
breve histórico da crise do ensino elementar e as ações do poder público na década de 1960,
permitindo entender por que a educação toma importância política nesse período histórico.
De posse dessas informações, pode-se relacionar a política de formação de pessoal
docente adotada e a representação construída pelo governo das propostas de alterações
metodológicas como mais científicas, adequadas, modernas e veiculadas por meio das
publicações para professores.
Outro fato a considerar é a existência de muitas publicações com prescrições sobre as
novas maneiras de ensinar. Isso pode sinalizar a dupla função atribuída pelas Secretarias aos
documentos expedidos: são utilizados como estratégia para implementar a reformulação
curricular e divulgação das novas diretivas para o ensino de Aritmética, na escola primária
paulista e, também, para fazer circular a representação de que a nova maneira de ensinar
Aritmética seria a mais adequada. Destaco que a contextualização da produção das
publicações foi fundamental para poder dimensionar aspectos referentes a essa reformulação
do ensino no Estado, como a extensão do atendimento realizado pela rede de ensino existente,
ou seja, a capacidade do sistema de absorver a nova demanda de educação formal, os recursos
materiais disponíveis para o atendimento e os modos planejados para fazer funcionar as novas
prescrições para o ensino de Matemática.
É preciso ainda considerar que o MMM ocorreu num passado recente, por esse
motivo, pude realizar 14 entrevistas12 – oito delas entre 2006 e 2007, e seis, entre 2008 e 2010
–, com alguns elaboradores das publicações e com professores participantes dos cursos
decorrentes das publicações analisadas como fontes, a fim de entender a representação posta
12
Bastos (2006, 2007); Bechara (2007, 2008, 2009); Liberman (2007, 2007, 2008, 2009); e Amabile (2010).
Entrevistas concedidas a Denise Medina. Disponíveis em:
<http://www.unifesp.br/centros/ghemat/paginas/teses.htm>.
39
Por fim, a construção de uma narrativa, tal como descrita por Certeau (1982), é uma
interpretação, ou seja, uma intervenção criativa do historiador sobre os seus materiais. Para
ele, a narrativa é um gesto criativo, e o ato de interpretar incorpora ações para encontrar um
sentido além da aparência e pensar a sua estrutura em função das relações que mantém com
seus supostos e com seus suportes. O autor também afirma que a história que escrevemos não
serve para fornecer uma, mas múltiplas respostas. Articula-se um saber dizer a respeito
daquilo que o outro se cala, mas garantindo a cientificidade da interpretação.
CAPÍTULO 2
DO ENSINO PRIMÁRIO AO PRIMEIRO GRAU
Hilsdorf (2005) afirma que, a partir de tal fato histórico, começa uma era de grandes
transformações sociopolíticas e culturais, consideradas fatores importantes para o
entendimento da demanda por educação e expansão dos sistemas de ensino brasileiros. A
autora auxilia a compreensão da História da Educação quando relaciona a escola com as
necessidades da sociedade na organização dos sistemas de ensino.
13
Em 29 de outubro de 1948, foi encaminhado à Câmara Federal o projeto de Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. (RIBEIRO, 1986, p. 129)
14
Durante o Estado Novo (1937-1945), a regulamentação do ensino foi levada a efeito, a partir de 1942, com a
Reforma Capanema, sob o nome de Leis Orgânicas do Ensino, que estruturou o ensino industrial, reformou o
ensino comercial e criou o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), como também trouxe
mudanças no ensino secundário. Gustavo Capanema esteve à frente do Ministério da Educação durante o
governo Getúlio Vargas, entre 1934 e 1945 (RIBEIRO, 1986, p. 120).
43
Podemos dizer que, para um país como o Brasil, na época sem recursos para atender a
toda a sua demanda educacional, era um absurdo o desvio de recursos para o setor privado e,
por esse motivo, mais de 50% da população em idade escolar ficava sem acesso à escola.
Em prosseguimento aos objetivos referentes à Educação, pressionado pela sociedade e
diante do exorbitante crescimento da demanda, o governo cria, em 1962, o Conselho Federal
de Educação, que aprova o Plano Nacional de Educação para o período de 1962-1970.
O Plano consistia, basicamente, em um conjunto de metas quantitativas e qualitativas a
serem alcançadas num prazo de oito anos. Entre elas, para o segmento das séries iniciais,
podemos citar: “Matrícula até a 4a série de 100% da população escolar de 7 aos 11 anos de
idade e matrícula na 5a série e 6a série de 70% da população de 12 a 14 anos”. (BRASIL,
1961).
Romanelli (1982, p. 185) relaciona o fracasso dessas metas a dois fatores: à
impossibilidade da escola primária de atender a toda a população e aos seus altos índices de
retenção. A autora pressupõe que deveriam ser priorizados os recursos para esse segmento de
ensino e não à concessão de bolsas de estudos, o que favorecia apenas o setor privado e
aqueles que conseguissem competir dentro do esquema seletivo vigente. “De cada mil (1000)
alunos que entraram na 1a série no ano de 1963, quatrocentos e quarenta e nove (449) passam
para a 2a série do 1o grau”. (BRASIL. Ministério de Educação e Cultura, 1964).
15
Até 1971, o ensino obrigatório e gratuito era de apenas quatro anos – o então chamado curso primário. Após,
passou a ser de oito anos. (HILSDORF, 2005).
44
16
A teoria do capital humano foi importada dos Estados Unidos como diretriz de política social para países em
desenvolvimento. Baseia-se na ideia de que a educação seja considerada investimento para aumento da
produtividade; logo, aumento dos lucros. Na educação, a teoria introduziu a concepção tecnicista sobre o ensino
e sobre a organização da educação, deslocando o âmbito individual dos problemas da inserção social, do
emprego e do desempenho profissional, e fez da educação um “valor econômico”. Disponível em
http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/glossario/20do_capital_humano.htm. Acesso em: 22 mar 2012.
45
A característica mais marcante dessa lei era tentar dar à formação educacional um
cunho profissionalizante. Dentro do espírito dos "slogans" propostos pelo governo,
como "Brasil grande", "ame-o ou deixe-o", "milagre econômico" etc., planejava-se
fazer com que a educação contribuísse, de forma decisiva, para o aumento da
produção brasileira.
Ora, se, antes, a Lei 4.024/1961 fundamentava-se em princípios liberais, a Lei 5.692,
de 11 de agosto de 1971, passa a enfatizar a linha tecnicista, com o propósito de atender à
demanda por técnicos de nível médio e conter a pressão sobre o ensino superior. Delibera que
o ensino de 1o e 2o graus, hoje chamados de Ensino Fundamental e de Ensino Médio, teria
como objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de
suas potencialidades: autorrealização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício
da cidadania; criação de uma única escola, com um 1o grau voltado à sondagem vocacional e
iniciação para o trabalho, além da educação geral, e um 2o grau, com vistas à habilitação
profissional de grau médio.
O discurso utilizado para sustentar o caráter de defesa da formação de técnicos,
construiu-se sob o argumento da "escassez de técnicos" no mercado e pela necessidade de
evitar a "frustração de jovens" que não ingressavam nas universidades, nem no mercado de
trabalho, por não apresentar uma habilitação profissional.
Isso seria solucionado pelo princípio de terminalidade expresso na lei, que reformula o
ensino em importantes aspectos, tornando obrigatórias a escolaridade para crianças entre 7 e
14 anos, e a realização do Ensino Fundamental em oito anos, com extinção do Exame de
Admissão. Desse modo, procurou-se diminuir um dos pontos de estrangulamento do antigo
sistema, representado pela transição do primário para o então ginásio17.
Assim, a educação geral definiria o princípio de continuidade, a formação especial, a
terminalidade dos estudos. A reforma instituiu a escola de 1o grau, para ministrar um curso
único, seriado, obrigatório e gratuito de oito anos de duração e definiu o 2o grau como
profissionalizante, para formar técnicos para as indústrias, mas com o objetivo, não explícito,
de diminuir a pressão por vagas no ensino superior (HILSDORF, 2005).
O extinto Exame de Admissão ao Ginásio era constituído, entre outras, por provas de
Aritmética e perdeu sentido, ao serem eliminados os antigos primário e ginásio, bem como a
seleção de alunos para acesso à 5a série, realizada por meio desse exame. Destaca-se que, em
São Paulo, o “Exame de Admissão foi legalmente suprimido em 1967” (HILSDORF, 2005, p.
17
Atualmente, o Ensino Fundamental tem nove anos, e a nomenclatura correta para o que chamamos no texto de
primário é Ensino Fundamental I (1 o ao 5o ano) e para ginásio é Ensino Fundamental II (6o ano ao 9o ano).
47
115), antecipando uma medida que seria tomada posteriormente, com a criação da escola
única de oito anos, pela reforma de 1971.
A tendência tecnicista implantada pela Lei 5.692/1971 surge, então, com ênfase nas
tecnologias do ensino, tirando o centro do processo de ensino-aprendizagem do professor e do
aluno, focando-o nos objetivos instrucionais e nas técnicas de ensino, com divisão do trabalho
pedagógico entre os especialistas da educação. Há preocupações com a economia de
pensamento e o raciocínio rápido, demandados pela sociedade em desenvolvimento. Em
grande medida, a lei corroborava o ideário do MMM, em um período em que se encontrava
bem consolidado no Ensino Primário.
Busco mostrar que o conjunto de ideias propagado pelo MMM adequava-se
perfeitamente à política econômica adotada pelo País e à concepção tecnicista da nova LDB,
de 1971. Esse fato pode ter impulsionado o privilégio na divulgação dessas ideias nas
publicações oficiais destinadas a professores nesse período.
Hilsdorf, em seu livro História da Educação Brasileira, utiliza um quadro
comparativo sobre as características das LDBs:
Qualidade Quantidade
Do ponto de vista da execução das determinações, a lei estava baseada nos princípios
organizacionais de uma grande empresa capitalista, com a divisão do trabalho pedagógico,
encarregados de aplicar e controlar as novas técnicas e os métodos adotados.
Todas essas condições políticas, sociais e econômicas podem ser consideradas
facilitadoras para a aceitação oficial do ideário do MMM introduzido nos currículos da escola
primária em expansão.
Diante dessa conjuntura, a proposta é analisar as publicações da Secretaria de
Educação decorrentes das LDBs e verificar as reformulações no currículo de Matemática,
bem como as mudanças metodológicas propostas para o ensino de número nas séries iniciais.
ESTIMATIVA DE
ANO
MATRÍCULAS
1945 834.000
1950 731.000
1954 931.000
1960 1.272.000
1968 2.021.000
1970 2.047.000
1971 2.137.000
1972 2.213.000
1973 2.242.000
1976 2.254.000
1981 2.385.000
Fonte: Dados colhidos em Sposito (1992), IBGE (2007) e São Paulo (1975).
Autores como Haidar (1998), Sposito (1992), Perez (2000), entre outros, defendem
que o aumento da preocupação com a expansão do número de vagas na escola pública é
incrementado também com a mudança do trabalho escravo para o assalariado, o que
determina uma forte emigração para São Paulo e torna o estado o novo polo econômico da
nação. Além disso, as reflexões e transformações sobre a educação no mundo repercutiam
também no Brasil, e a sociedade emergente já sinalizava a carência de adaptações em todos os
campos, inclusive exigindo alterações na escola.
Segundo Sposito (1992), a ampliação da rede pública de São Paulo aparece como
demanda desde a década de 1930, quando o problema de atendimento em escolas públicas se
agrava, e as ações governamentais para o alargamento do número de vagas não são suficientes
para abranger a população em idade escolar.
[...] número de ginásios públicos no Estado de São Paulo passou de três, em 1930, e
41, em 1940, para 465, em 1962, sendo que apenas nos anos de 1956 e 1957, no
governo Jânio Quadros, foram criados 61 novos ginásios, 42 deles na forma de
secções.
As ações estatais em relação à criação de uma rede física que comportasse a população
infantil foram paliativas, tornando mais precárias as instalações das unidades escolares. “Em
1960, para um total de 84 estabelecimentos em funcionamento, 70 ocupavam edifícios de
grupos escolares da Capital.” (SPOSITO, 1992, p.76).
Também podemos trazer Perez (2000, p. 29), para auxiliar no entendimento da
situação. O autor afirma que a expansão do número de matrículas ocorreu:
Antunha enumera algumas razões para não terem sido suficientes as iniciativas do
Estado nesse período:
18
A SEE estimava em 30 mil, o número de crianças que não conseguiriam matrículas por falta de vagas, em
1956. (SPOSITO, 1992).
52
Tabela 3 – Matrículas nas escolas públicas do Estado de São Paulo, por dependência
administrativa
Entidade Mantenedora
TOTAL NO
ANO ESTADUAL MUNICIPAL ESTADO DE
SÃO PAULO
1950 135.572 - 673.927
Entidade Mantenedora
ANO ESTADUAL MUNICIPAL OUTROS
1968 71% 15% 14%
1969 68% 18% 14%
1970 64% 23% 11%
1971 62% 26% 12%
1972 60% 29% 11%
POPULAÇÃO
ANO POPULAÇÃO
ATENDIDA
1940 7.180.316 7,7%
1967 16.470.000 11,5%
19
A SEE apresentou, no IV Encontro Nacional de Planejamento, em Porto Alegre, promovido pelo MEC
(PEREZ, 2000, p. 56), um anteprojeto substitutivo, que delegava mais autonomia aos estados para a elaboração
dos Planos de Educação.
55
A melhoria qualitativa do ensino é tarefa mais complexa ainda, porque sob essa
expressão não se pode entender apenas a renovação de métodos, mas esforço mais
amplo que abranja todas as dimensões do processo educativo. Para isso, é necessário
o rompimento com uma concepção das funções sociais da escola primária, que
insiste em ver nesta instituição, a agência realizadora de uma tarefa que, na verdade,
supera as suas efetivas possibilidades de atuação. Pretender, por exemplo, que, num
contexto urbano-industrial em elevado estágio de desenvolvimento, a escola
primária forme a personalidade integral do educando não é, de maneira alguma,
valorizar-lhe as funções. É, antes, uma colocação ingênua e até certo ponto
prejudicial (SÃO PAULO, 1969b, p. 129).
Os conceitos trabalhados por Certeau parecem ser apropriados para nos ajudar a
entender os mecanismos de implantação da reestruturação do sistema estadual de ensino. O
Plano produzido pelo Estado (de um lugar de poder) é utilizado como estratégia de imposição
e divulgação de suas diretivas para o Ensino Primário. Esse discurso faz circular a nova
política educacional, fundamentada nas ideias do capital humano, na concepção da
necessidade de criar recursos humanos e tecnológicos, conforme o modelo de
desenvolvimento econômico subordinado ao capital estrangeiro adotado no País.
Percebe-se a clara intenção de Azanha em diminuir as expectativas em relação à
escola primária. Era preciso limitar as funções conferidas à escola e, assim, viabilizar a
entrada de um enorme contingente de crianças no Ensino Primário, contando com os mesmos
instrumentais disponibilizados até então. É fato que, com o ingresso de uma grande população
heterogênea, a escola primária não poderia continuar com as mesmas perspectivas de antes.
Da mesma forma, era encarada a melhoria da qualidade, relacionada à reformulação de
expectativas quanto à escola primária, justificada pela diminuição de seu poder na formação
da criança. Pode-se notar, também, a intenção do Estado de dividir com outros segmentos da
56
sociedade responsabilidades que antes eram suas; em outras palavras, com uma demanda por
vagas tão grande, o Estado não é capaz de cumprir com seus deveres. O diferencial proposto
refere-se à flexibilidade do Plano, com insistência na possibilidade de existência de vários
caminhos para o sucesso da reestruturação pretendida, não sendo conveniente que o Ensino
Primário se organizasse segundo um único modelo e abrindo espaços para tentativas
experimentais. Na continuidade de seu discurso, Azanha reforça o papel da escola primária
como base para os outros níveis de ensino, devendo, por isso, reformular-se pedagogicamente,
diante das novas demandas da sociedade brasileira e do desenvolvimento das teorias de
aprendizagem infantil. Destaca-se que a escola primária paulista, em 1965, atendia cerca de
10% da população total do Estado, sendo o poder público responsável por 90% das matrículas
na escola elementar (SPOSITO, 1992, p. 27). Em 1969, de acordo com o relatório do Plano
Estadual de Educação, 95% da demanda foi atendida. Conforme a cobrança da população, por
vagas em escolas municipais integradas, que funcionavam de maneira experimental, desde
1965, integrando o primário e o ginásio, a Administração municipal, considerando a Lei
7.037, de 13 de junho de 1967, que previa a implantação do ensino municipal em diversos
níveis, impinge a urgência de um plano para a implantação da escola integrada de oito anos,
distribuindo recursos. Por meio do Decreto 7.834, de 12 de dezembro de 1968, funda o IMEP,
com diversas atribuições na implantação do Plano. A professora Lydia Lamparelli20, grande
defensora e divulgadora das propostas de renovação do ensino de Matemática, autora de
livros didáticos e sócia-fundadora do Grupo de Estudos do Ensino em Matemática (GEEM),
20
É mestre em Educação, pela Universidade de São Paulo; professora de Matemática da rede pública do Estado
de São Paulo, desde 1961; autora de livros didáticos; e coordenadora de projetos de ensino de Matemática.
Possui uma trajetória profissional, marcada pela multiplicidade, atuando em diversos campos. Começa a
lecionar, como contratada, até prestar concurso em meados de 1961, classificando-se em primeiro lugar. Por sua
formação, é afastada do cargo de professora no Departamento de Educação da Secretaria, para prestar serviços,
em 1963, no projeto desenvolvido pelo convênio entre o Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura
(IBECC) e a United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO), fazendo parte da
equipe de Matemática, em parceria com o professor Lafayette de Moraes, que traduzia os textos do School
Mathematics Study Group (SMSG) para o Brasil. Concomitantemente ao cargo ocupado no IBECC, presta
serviços em vários órgãos governamentais, como na Fundação Brasileira para o Desenvolvimento de Ensino de
Ciências (FUNBEC), no Centro de Treinamento para Professores de Ciências Exatas e Naturais de São Paulo
(CECISP), no IMEP, na Divisão de Assistência Pedagógica (DAP), no Centro de Recursos Humanos e Pesquisas
Educacionais Prof. Laerte Gomes de Carvalho (CERHUPE) e na Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas (CENP). Em 1972, é contemplada com uma bolsa de estudos pelo Consulado Francês para estagiar
no Institut National de Recherches et Documentation Pédagogiques (INRDP), onde participa da equipe nacional
que coordenava algumas ações dos Institutos Regionais de Ensino da Matemática (IREMs), especialmente na
escola elementar. De volta ao Brasil, com novas ideias adquiridas, durante a vivência nos projetos franceses,
ministra vários cursos para formação de professores, além de produzir publicações dirigidas a todos os
professores da rede pública e desenvolver, na CENP, a elaboração das Atividades Matemáticas 1 e 2, publicação
considerada referência no ensino de Matemática. É uma das autoras dos Guias Curriculares do Estado de São
Paulo, e da administração, para sua implantação, em 1975 (LAMPARELLI, 2011).
57
Destaco aqui o fato de que, nessa época, as ideias defendidas pelo MMM estavam
sendo muito questionadas no mundo. Por outro lado, ainda eram as apropriações desses
pensamentos que alimentavam as produções dirigidas às séries iniciais. Podemos atribuir esse
fato à necessidade de atender às determinações decorrentes das leis nacionais de Educação,
que exigiam mudanças nas séries iniciais para a adequação às reformulações.
59
CAPÍTULO 3
O MMM NAS SÉRIES INICIAIS
Nesse capítulo, procuro apresentar o que sabemos, hoje, sobre o MMM e suas
propostas para o ensino de Matemática para crianças. Inicio, com a análise de como ele se
consolida em várias partes do mundo e como chega ao Brasil, buscando caracterizar alguns de
seus aspectos referentes à vigência, metodologia, protagonistas e mecanismos de implantação.
A caracterização adotada foi fundamentada em revisão bibliográfica de leitura de teses e
dissertações referentes ao campo de pesquisa.
Abordo, ainda, um contexto de sustentação fundamental para que o projeto modernista
para o ensino de Matemática tenha sido adotado como oficial; procuro reconstruir os
bastidores das equipes de Matemática, responsáveis pela elaboração das propostas de
implementação de reorganização e reformulação dos Programas, ou seja, criar o cenário em
que foram produzidas as publicações e, assim, possibilitar a compreensão das condições que
permitiram a circulação das novas intenções de alterações metodológicas e melhor
compreender as estratégias do Estado de São Paulo para expandir e democratizar seu sistema
de ensino.
Também considero necessário, para o cotejamento das ideias postas nas publicações
oficiais com as de Zoltan Dienes, analisar os trabalhos desse autor, sobre o processo de ensino
e aprendizagem de Matemática. Busco caracterizar de que maneira ele constrói as
representações para “ensino moderno” e “ensino tradicional”, utilizadas como justificativas,
no momento em que anuncia suas novas proposições didáticas. Para isso, apresento uma breve
explanação sobre sua teoria e propostas para o ensino de Matemática, veiculadas em seus
livros publicados no Brasil, da rede de relações produzidas com o MMM, e exemplifico como
o autor sugere que seja introduzido o conceito de número para crianças.
Finalmente, analiso a proposta de programa de Matemática para a escola elementar,
que traduzido e publicado pelo GEEM foi, em grande medida, o norteador utilizado pelas
equipes de Matemática responsáveis pelos projetos oficiais de reformulação curricular.
Assim, mais adiante, posso tentar compreender a apropriação de suas ideias pelos
elaboradores das publicações expedidas pelas Secretarias de Educação de São Paulo, no
período de 1969 a 1980.
60
Nos anos 60, segundo Duarte (2006), o ensino de Matemática no Brasil, e também em
outros países, sofre a influência do chamado Movimento da Matemática Moderna, que
buscava aproximar a Matemática desenvolvida na escola básica daquela produzida pelos
pesquisadores da área. Como consequência, as ideias defendidas pelo Movimento enfatizam
as estruturas algébricas, a teoria dos conjuntos, a topologia, as transformações geométricas,
entre outras.
Como já dito, muitas são as representações sobre o MMM, contudo, é unânime a ideia
de que, ao apresentar uma nova forma de entender e trabalhar o ensino e a aprendizagem de
Matemática, com a divulgação de uma nova proposta de ensino, ela marca um momento de
ruptura, desencadeando mudanças nas práticas tradicionais em sala de aula.
De modo geral, esse Movimento refere-se a um conjunto de ações, em âmbito
mundial, originadas pelo descompasso entre o desenvolvimento da disciplina Matemática e o
ensino. Foram muitas as proposições de mudanças divulgadas, sobretudo na década de 1960.
Os adeptos, de um modo geral, objetivavam modernizar o ensino de Matemática, alterando e
atualizando os conteúdos e métodos, e incentivando a participação de professores em
eventos21 em que se discutia o tema.
Sou de Bragança Paulista, interior de São Paulo, e como a maioria das jovens da
época, fiz o curso normal, mas também o colegial. Em seguida ingressei na
PUCAMP [Pontifícia Universidade Católica de Campinas]. Lá tive a honra de ter
Ubiratan D’Ambrosio como meu professor. Assim que terminei, ingressei no
magistério público e muito se falava que algo deveria ser feito em relação ao ensino,
mas não havia, ainda, meios de articulação e comunicação eficazes entre os
professores. A discussão já fazia parte do cotidiano, e todos queriam participar,
contudo as notícias eram vagas sobre os movimentos que defendiam transformações.
Além disso, a bibliografia e material trazido de congressos no exterior, por alguns
privilegiados, não era traduzida nem divulgada. Sabíamos que estava acontecendo
alguma coisa, que havia alternativas, o que aguçava a cada dia nossa curiosidade
(BECHARA, 2007).
21
No I Congresso Nacional de Ensino da Matemática, realizado em Salvador (BA), em 1955, as mudanças
sugeridas foram pouco significativas em termos de currículo, com algumas alterações relativas à mudança de
tópicos, de um ano para o outro. O II Congresso ocorre em 1957, em Porto Alegre e, para o nível secundário,
Ubiratan D’Ambrosio e o Major Emmanuel Jorge F. Barbosa defendem a introdução da Matemática moderna no
ensino secundário. Em 1959, no Rio de Janeiro, acontece o III Congresso Nacional, no qual foi sugerido que
algumas escolas desenvolvessem experimentos de implementação da Matemática moderna, em nível secundário.
O Congresso seguinte ocorre em Belém, em 1962; alguns de seus artigos aparecem nas publicações de
Matemática moderna para o ensino secundário do GEEM. Em 1966, acontece em São José dos Campos, o V
Congresso Nacional, cuja agenda encontra-se totalmente baseada nos preceitos da matemática moderna.
61
Hilsdorf (2005, p. 121) acrescenta que, desde 1930, foi sendo moldado no País um
modelo político-econômico nacional desenvolvimentista, com base na industrialização, em
que todos os outros setores ficaram em segundo plano.
A política corroborou esta perspectiva e a orientação político-educacional capitalista,
adotada pelo governo, objetivava a preparação de um maior contingente de mão de obra para
ingresso imediato ao novo mercado de trabalho. As novas funções disponíveis exigiam o mais
rápido possível adaptação dos cidadãos a essa nova dinâmica da vida social e ao novo
mercado de trabalho.
Como já visto no capítulo anterior, a aceleração no ritmo do crescimento econômico e
a demanda social de educação, após 1950, agrava a crise do sistema educacional brasileiro
que há muito tempo já vinha deficiente, justificando os vários acordos de colaboração técnica
e financeira entre o MEC e a AID, que tinham o objetivo de diagnosticar e solucionar
problemas da educação brasileira, na perspectiva de desenvolvimento do capital humano.
Com base em orientações técnicas da USAID, o governo brasileiro passa a adotar
medidas para ajustar o sistema educacional ao novo modelo econômico. Os argumentos para a
nova política educacional fundamentavam-se na necessidade de criar recursos humanos e
tecnológicos conforme o desenvolvimento econômico.
Assim, as mudanças no ensino defendidas pelo MMM eram as mais adequadas a esse
novo contexto sociopolítico-econômico. Mesmo com toda diversidade de interpretação, o
ideário propagado pelo MMM adequava-se perfeitamente à política econômica adotada pelo
País, impulsionando o privilégio na divulgação dessas ideias nas publicações oficiais,
destinadas a professores nesse período.
A demanda em relação à formação técnica e de cientistas, “capacitando-os para o
trabalho”, pressionava a escola: o ensino de Matemática precisava adequar-se e modernizar-
se. A sociedade exigia acesso às novas descobertas e obrigava pesquisadores e professores a
problematizarem o ensino de Matemática, numa dimensão mais utilitária, com a possibilidade
da compreensão da disciplina por um número maior de cidadãos. Muitos acreditavam que a
resolução dos novos problemas sociais e econômicos, surgidos com o desenvolvimento
industrial, viria pelo aumento da qualidade e da quantidade de cientistas e técnicos e com a
qualificação mínima científica para os cidadãos comuns. Assim, o ensino da Matemática
deveria ser uma ferramenta que contemplasse tais objetivos.
Cotejando os trabalhos de Baraldi (2003), Lima (2006) e Nakashima (2007) com as
entrevistas de protagonistas do MMM, verifica-se que, apesar da origem europeia, foram os
investimentos do governo norte-americano, no ensino de Matemática, os grandes responsáveis
62
pela divulgação do Movimento de reforma pelo mundo, que desencadearam a proliferação dos
congressos, a formação de grupos de estudos, as experiências em novas metodologias, e
agregaram mais adeptos e multiplicadores. Contudo, autores como Medina (2007), Villela
(2009), entre outros, afirmam que este foi apenas um, entre muitos outros fatores.
Com base na Conferência de Royaumont22, o mundo ficou mais receptivo a novas
ideias de educadores matemáticos, que defendiam a modernização do ensino. Podemos citar
George Papy (Bélgica), John Fletcher (Inglaterra), Krygowska (Polônia), Zoltan Dienes
(Canadá) e o grupo Bourbaki (França), visto que o encontro representou um ponto de
culminância de alguns anos de iniciativas isoladas. Financiado pela UNESCO, o encontro
incrementou a veiculação do MMM e deu credibilidade a seus participantes.
As evidências apontadas nos registros dos objetivos da Conferência demonstram as
semelhanças e a gênese nos ideais dos movimentos para reformulação do ensino, decorrentes
deste evento. De cada nação participante surgiu um nome, que ficou encarregado de veicular
as ideias em seu país. Mais tarde, este movimento fica conhecido como Movimento da
Matemática Moderna.
Em síntese, pode-se definir o MMM como uma série de movimentos de reformas,
ocorrida em várias partes do mundo, que denotou a tendência à reflexão e à busca de
alternativas para o ensino de Matemática, em decorrência das novas demandas de uma
sociedade em transformação.
Os defensores das mudanças pretendiam abordar o ensino da Matemática como uma
estrutura, por meio da linguagem da teoria dos conjuntos e da introdução de novos conteúdos,
mas sem abandonar os antigos. Entre os conteúdos introduzidos, pode-se citar: teoria dos
conjuntos; conceitos de grupo, anel e corpo; espaços vetoriais; cálculo diferencial e integral;
matrizes; álgebra de Boole; funções; e bases de sistemas de números.
O professor Osvaldo Sangiorgi23 é considerado um dos protagonistas do MMM, no
Brasil. A base de pesquisa utilizada sobre ele é a dissertação de Lima (2006), que fez uso do
Arquivo Pessoal de Osvaldo Sangiorgi (APOS), organizado pelo GHEMAT, para seus
estudos.
22
Na Europa, em 1958, em consequência das polêmicas surgidas em relação ao ensino e da constatação da
necessidade de modificações, a Organização Europeia de Cooperação Econômica (OECE) criou um setor
responsável pela modificação do ensino de Ciências e Matemática, e um dos seus primeiros encaminhamentos
foi a promoção da Conferência Internacional de Royaumont, na França (MEDINA, 2007, p. 38).
23
Sangiorgi licenciou-se em Física, pela USP, em 1943; é mestre em lógica pela Universidade de Kansas,
Estados Unidos, desde 1961; doutor em Matemática, pela USP, desde 1973; e livre-docente pela Escola de
Comunicação e Artes (ECA), da USP, desde 1977. Foi professor do magistério secundário oficial do Estado de
São Paulo e da Universidade Presbiteriana Mackenzie (LIMA, 2006, p.18).
63
Sangiorgi conseguia muitos financiamentos para organizar cursos. Ele sempre foi
uma pessoa muito política. Por isso, ele ou é muito amado ou muito odiado, como
toda pessoa forte. Ele sempre foi uma pessoa muito influente, conseguia dispensa de
ponto para os professores da rede pública frequentar seus cursos. Nos eventos que
promovia, convidava autoridades, estava sempre rodeado de políticos. (BECHARA,
2006).
De volta de seus estudos em Kansas, onde participou do Summer Institute for High
School and College Teachers of Mathematics, no período de junho a agosto de 1960,
Sangiorgi, influenciado pelas ideias de seus professores e entusiasmado com o novo
movimento de renovação curricular, divulga a nova Matemática em artigos e palestras. Com
isso, consegue aglutinar vários adeptos, para a formação de grupos de estudo.
Para compreender a função conectora atribuída, aqui, ao professor Sangiorgi, em
relação à introdução do MMM nas discussões docentes, é interessante abordar suas relações
com a imprensa e as parcerias originadas com os órgãos oficiais. Para isso, trago o trabalho de
Nakashima (2007), que trata do importante papel da imprensa na divulgação do MMM, no
Brasil, ao enfatizar a vasta quantidade de notícias, publicadas, em grande parte, no jornal
Folha de S. Paulo. O autor afirma que a ligação de amizade entre Sangiorgi e José Reis,
diretor do periódico, parece ter facilitado o acesso e a veiculação do ideário do MMM, nesse
meio de comunicação.
Em suas entrevistas e cursos, Sangiorgi repetia o discurso do governo sobre a
necessidade de desenvolvimento de capital humano, por meio de cooperação de instituições
financeiras, a fim de viabilizar a existência, no Brasil, de cursos semelhantes ao de Kansas,
que atendessem aos anseios de professores e da comunidade no tocante às reformas no ensino.
Aqui no Brasil, como de resto em qualquer país, onde ao professor secundário cabe
uma grande parcela na formação dos jovens, é mister a realização de cursos
análogos, que permitirão aos docentes – para melhor desempenho de sua altruística
função – a vivência com os últimos progressos do campo educacional, que, a nosso
ver, é o mais importante de todos. (SANGIORGI apud LIMA, 2006, p. 41).
eminente autor de livros didáticos e por suas ideias de reforma, fazendo parte da elite de
professores da rede estadual de São Paulo.
D’Ambrosio (2006), em depoimento, lembra que, antes do curso para professores da
rede estadual, Sangiorgi promove, em Santos, em julho de 1961, outro, com tópicos
relacionados à Matemática Moderna. Articulado e planejado por ele, o curso foi financiado
pela Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário24 (CAES) e teve como
professores George Springer, Jacy Monteiro e o próprio Sangiorgi.
Logo após, em agosto de 1961, os professores efetivos da SEE foram convidados a
participar de um curso semelhante:
Iniciar-se-á no próximo dia 1o, nesta capital, um curso de aperfeiçoamento em
Matemática para professores do ensino secundário, com duração de oito semanas. O
curso será ministrado por professores da USP, do Mackenzie e pelo Sr. George
Springer, do Departamento de Matemática da Universidade de Kansas, Estados
Unidos. (O ESTADO DE S. PAULO, 1961, apud NAKASHIMA, 2007).
A partir desse momento, pode-se dizer que foi oficializada a entrada do ideário do
MMM, na rede pública de São Paulo, e impulsionada a formação de grupos de estudo sobre as
novas ideias.
Éramos quase 30 professores. Saiu uma nota no jornal convocando os professores
em período integral, no mês de agosto, com dispensa de ponto. Éramos poucos
naquele tempo. A escola pública era elitista. A única necessidade é que soubéssemos
inglês. Não precisava comprovar; as aulas eram em inglês. (LIBERMAN, 2006).
Foi um período com grandes investimentos. Nessa perspectiva de expansão, São Paulo
implanta os Ginásios Vocacionais25 e financia cursos para professores.
Eu prestei o concurso no final de 1958, e vivia muito inquieta, tinha um sentimento
ruim, pois a impressão, naquela época, era de que o professor, para ser bom, deveria
reprovar. Vivia questionando sobre o que nós estávamos fazendo: ensinando ou
reprovando? Foi quando começou essa agitação de inovação. Na Matemática
Moderna, minha primeira inserção deveu-se à oportunidade de participar do curso
sobre Lógica, Teoria dos Conjuntos e Álgebra Moderna, com os professores George
Springer, Alesio de Carolli e Jacy Monteiro. Ao mesmo tempo, participei de um
curso preparatório para os ginásios vocacionais, ministrado por Joel Martins e Maria
Nilde Mascellani. Eu era professora em Conchas e, em 1961, fiquei afastada durante
um semestre para fazer estes cursos. Vim para São Paulo, assim como a Elza Baba,
pois queríamos saber sobre os novos métodos de ensino. (BECHARA, 2008).
24
Fundada em 1953, a CAES tinha como objetivo a “elevação do nível e a difusão do ensino secundário no
país”. A instituição deveria promover cursos de aperfeiçoamento para professores, técnicos e administradores do
ensino secundário, produzir material didático, avaliar o crescimento educacional, entre outras funções
(BARALDI, 2003, p. 152).
25
Os Ginásios Vocacionais foram escolas pioneiras na rede pública de São Paulo, nos anos 60. Apresentavam
uma proposta pedagógica revolucionária, que possibilitava a implementação de uma série de inovações em
relação à escola tradicional, com experiências na metodologia e no desenvolvimento de novos métodos,
processos de avaliação do aluno, currículo e vínculo da comunidade com a escola. Foram extintos pelo governo
militar, em 1969.
65
Com a repercussão e o entusiasmo dos participantes nos cursos oferecidos, foi fundado
o GEEM.
A maioria dos participantes do grupo dedicou sua vida profissional à divulgação do
ideário da Matemática Moderna. Alguns deslocaram seus interesses para a escola primária,
produzindo livros didáticos, cursos de formação, documentos oficiais, subsídios para
professores, etc. Entre eles, estavam Manhucia P. Liberman, Lucília Bechara, Ana Franchi e
Maria Amábile Mansutti.
A ideia do Movimento seria tratar a Matemática de maneira unificada, como uma
estrutura. Defendiam a abordagem, com o argumento de que os alunos, ao compreender a
estrutura do conceito, teriam acesso mais fácil aos conteúdos. Além da linguagem da teoria
dos conjuntos, usada para a unificação dos conteúdos, os matemáticos defendiam uma
abordagem axiomática e dedutiva para a disciplina.
Esse ideário defendido pelo MMM foi divulgado, por meio de documentos e cursos
para professores, a toda a rede de ensino paulista. Isto pode ser explicado, em grande medida,
pela rede de sociabilidade trançada entre os professores defensores do Movimento, com o
patrocínio da SEE, que adotou tal discurso como o oficial.
Para além da consulta aos relatórios de eventos, buscando referências sobre as séries
iniciais, dispõem-se ainda de poucos trabalhos que podem ampliar horizontes sobre o
processo de apropriação da nova Matemática pelos sistemas educacionais nas séries iniciais.
Destaco, pois, os estudos de Medina (2007), Borges (2009), e Villela (2009), para melhor
compreender o Movimento nas séries iniciais.
Em seu estudo, Medina (2007) procura ressignificar as representações postas sobre a
vigência do MMM no ensino primário, na medida em que analisa as alterações curriculares e
a legislação de ensino que lhes deu origem, por meio dos documentos oficiais de orientação
curricular, direcionados para o ensino de Matemática, na escola primária paulista, no período
de 1960 a 1980.
Aponta, ainda, as condições emergentes para a reforma do ensino de Matemática, nas
séries iniciais, e as Leis nacionais 4.024/1961 e 5.692/1971 como a concretização das
negociações entre os sujeitos sociais. Também, anuncia a especificidade da implantação e
66
vigência do MMM no ensino primário, indicando de que modo foi oficializado o Movimento
nesse nível de ensino, em razão de apropriações do ideário, realizadas pela equipe da SEE, de
São Paulo.
A autora examinou teses, dissertações, e coletou documentos relacionados ao tema,
como o Programa da Escola Primária do Estado de São Paulo, de 1969; os Guias Curriculares
para o Ensino de 1o Grau, de 1975; e os Subsídios para a Implementação dos Guias
Curriculares de Matemática − Álgebra e Geometria, de 1981. O processo também englobou o
cotejamento de documentos escolhidos, como as Leis de Diretrizes e Bases, relativas ao
período em foco (LDB/1961 e LDB/1971). Complementando essas informações, acrescentou
entrevistas realizadas com protagonistas do MMM, tendo suas memórias como fontes e, por
isso, tratadas como um conhecimento produzido, reconstruído através da crítica e da
reinterpretação do passado, sob o olhar do hoje. Na articulação das questões, fez uso da
abordagem da História Cultural, apoiada nos conceitos de representação, apropriação e
estratégias postas por Chartier (1991) e Certeau (1982).
Medina (2007) concluiu que, no período estudado, os documentos oficiais foram
utilizados como estratégia produzida pelo Estado, visando à reformulação curricular e
divulgação, a fim de implementar as novas diretivas para o ensino de Matemática na escola
primária paulista. Comprovou, também, a oficialização do ideário do MMM no ensino
primário, por meio desses documentos, relacionando-os com as transformações na estrutura
do currículo de Matemática com as normativas impostas pelas LDBs 4.024/1961 e
5.672/1971.
Para a pesquisadora, no período compreendido entre 1960 e 1980, todos os esforços da
Secretaria de Educação visavam à expansão da rede de ensino, com racionalização e eficácia
na aplicação de recursos, numa lógica empresarial caracterizada pelo desenvolvimentismo,
produtividade, eficiência, controle e repressão, obedecendo a regras determinadas, conforme
as orientações dos técnicos, indicados pelos acordos MEC-USAID e seus princípios
tecnicistas.
A autora ainda relaciona as reestruturações curriculares, propostas pelo governo
paulista, às mudanças ocorridas nos anos 60 (demanda social, desenvolvimentismo, novos
conteúdos, tecnicismo), em que a Matemática vem com novas ideias e tentativas de adequar o
currículo a uma nova demanda da sociedade. Verifica-se, nesse período, a valorização dos
conteúdos das áreas tecnológicas, com predominância de financiamentos e treinamentos por
parte do governo. Nesse quadro político de expansão e pressão da sociedade por aumento de
vagas, foi-se traçando um cenário propício a reformulações e estruturação do sistema público
67
de ensino paulista. Essas considerações me permitiram colocar uma questão: Como o ideário
do MMM foi incorporado na produção de documentos oficiais que buscaram parametrizar o
ensino de Matemática nas séries iniciais das escolas paulistas?
propostas curriculares, quer dos livros didáticos, apropriou-se do que era possível, elencando
um rol de prioridades sobre o que realmente poderia ser inserido em sala de aula.
26
Periódico pedagógico, editado por professores da Universidade de São Paulo, especificamente da antiga
Cadeira de Didática Geral e Especial da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, no período de 1955 a 1957,
contendo discursos acerca do ensino da Matemática Moderna, dirigidos aos professores primários. Em seu
estudo, Borges (2010) analisou quatro artigos de autoria de Rosenbaum, Onofre de Arruda Penteado Junior e do
professor Scipione Di Pierro Netto, publicados nos anos 1961, 1963 e 1968. Busquei identificar nos discursos
dos professores, autores características das propostas reformadoras, trazidas pelo MMM, no âmbito do ensino
primário.
70
a lógica desse movimento de expansão, seus protagonistas e ações. Também afirma que a
consolidação da Secretaria no governo, ocorre concomitantemente com transformações
sociais e políticas, num cenário marcado por mudanças relacionadas ao crescimento
demográfico, ao desenvolvimento da indústria paulista e urbanização interna.
Tal conjuntura traz consigo uma nova classe média, exigindo do governo, políticas
sociais para acesso à educação. Um ponto importante defendido pelo autor, diz respeito à
ideia de que o governo estadual tenta consolidar um campo educacional independente do
governo central, em face das especificidades de seu cenário, com demandas mais urgentes,
que outros estados.
Para fazer cumprir as novas demandas em relação à educação, segundo Perez (2000),
São Paulo construiu um sistema educacional caracterizado pela intervenção estatal no setor,
que se consubstanciou, por meio da formulação e implementação de políticas com objetivos
bem claros de ampliação e extensão da escolarização, com montagem de uma estrutura
organizacional e burocrática. Pode-se inferir que os investimentos em experiências
metodológicas vêm dessas demandas.
Tanto é assim que o Estado monta, no final do século 19, uma estrutura que abrigava a
maioria das crianças matriculadas; em 1893, ele já era responsável por 80% das matrículas, no
Ensino Primário. (PEREZ, 2000, p. 39)
A organização dos treinamentos e capacitação de pessoal, para a implantação das
reformas do sistema de ensino do Estado, em decorrência às deliberações da Lei 4.024, de
1961, perpassaram diferentes estratégias. Como já visto, esta foi a primeira legislação a tratar
de todos os níveis da Educação, válida para todo o território nacional, e que deu passos
importantes para a unificação dos sistemas de ensino na descentralização e flexibilização
curriculares. A partir dessa possibilidade, São Paulo, implanta várias diretrizes.
Foram aprovadas diretrizes de reforma para um ensino industrial, pela Lei 6.052/1962
e, segundo Tamberlini (2001), o governo de São Paulo, valendo-se de uma brecha, cria os
Ginásios Vocacionais e Pluricurriculares, com classes experimentais, regulamentados pelo
Decreto 38.643/1961, e um órgão denominado SEV, subordinado à Secretaria de Educação,
72
27
Na época (1960-1980), encontramos diferentes denominações para cursos direcionados a professores pelo
poder público. Eram denominados de cursos de capacitação, treinamento de professores, de formação em
serviço, entre outros.
73
qual a estrutura organizacional montada, os novos órgãos instalados com suas respectivas
competências, a política de formação e capacitação do pessoal envolvido na implementação
das propostas de reorganização e reformulação dos programas, no âmbito da SEE?
28
Somente a unidade da capital possuía o ensino primário.
74
Muitas propostas metodológicas foram criadas nas reuniões do vocacional, que, a cada
dia, recebia visita de professores interessados em aprender novas abordagens para os novos
conteúdos sugeridos para a Matemática.
O professor Sangiorgi era frequentador dessas reuniões, preocupado com as respostas
dos professores às novas proposições, já veiculadas em seus livros didáticos. O primeiro curso
ocorreu no segundo semestre de 1961, para preparação das três primeiras unidades do
Vocacional. (FCC, 1972).
29
Em 1958, iniciam-se os trabalhos do SMSG. O grupo foi fundado a partir de deliberações em Conferências
promovidas pela National Science Foundation (NSF), em que a baixa qualidade do ensino elementar e
secundário foi apontada como um dos fatores responsáveis pela escassez de matemáticos pesquisadores. De
acordo com D’Ambrósio (2006), o SMSG produziu textos para todos os graus de ensino, traduzidos para 15
línguas diferentes e tiveram grande aceitação e penetração na América Latina.
75
Anna Franchi, professora muito atuante durante o MMM, com muitas produções para
o ensino primário, conheceu Liberman e Bechara nos espaços de estudo criados pelo GEEM,
Vocacional do Brooklin e Experimental da Lapa.
Nessa época, Franchi trabalhava como professora primária no Experimental da Lapa,
aplicando, em sua classe, as atividades criadas nos grupos de estudo. Mais tarde, licenciada
em Matemática pela USP, foi designada como Supervisora de Matemática do Grupo
Experimental Dr. Edmundo de Carvalho.
Após as reuniões de estudos no Vocacional, as atividades eram elaboradas e testadas
nas classes experimentais. Depois, avaliadas e registradas em unidades pedagógicas30. As
reuniões passaram a constituir-se em um espaço de troca de experiências, interessado em
novas maneiras de ensinar e divulgador de novas metodologias.
A ideia original do Movimento seria propiciar aos alunos instrumentos matemáticos
úteis no novo cotidiano e de acesso mais fácil aos conteúdos. Além da linguagem da Teoria
dos Conjuntos, usada para a unificação dos conteúdos, os matemáticos defendiam uma
abordagem axiomática e dedutiva para a disciplina.
De acordo com os entrevistados, o entusiasmo era grande. Quando o professor
Sangiorgi conseguiu financiamento para o “primeiro curso” do GEEM, realizado no
Mackenzie, os professores que faziam o curso do Vocacional também optaram pelo curso do
GEEM, encarando jornada dupla.
30
As unidades pedagógicas desenvolviam-se, em linhas gerais, da seguinte forma: partindo-se do levantamento e
discussão de problemas, eram propostos assuntos para estudo, depois se procurava sintetizar as conclusões. Na
fase do estudo, utilizavam-se textos, livros, material das unidades e as estratégias adotadas. (FCC, 1972, p. 11)
77
Figura 1 – Participantes do Curso Mackenzie (28/9/1961). Esq. para a dir., de pé: a 2a, Sueko Yassuda, ao
lado de Lucília Bechara; a 6a, Manhucia Liberman, ao lado de Renate Watanabe. O professor de pé, na
extrema direita, é Alesio de Caroli. Agachados: Rui Madsen e, o último à direita, Alcides Boscoli.
Essas ideias defendidas pelo MMM foram divulgadas, por meio de documentos e
cursos para professores, a toda rede de ensino paulista. Isso pode ser explicado, em grande
medida, pela rede de sociabilidade trançada entre os professores defensores do Movimento,
com o patrocínio da SEE de São Paulo, adotando-o como discurso oficial. Dessa forma, as
publicações da época, podem ser caracterizadas, também, como estratégia indireta de
formação de professores em serviço, ao novo currículo.
Considerando as leituras sobre o Movimento e suas representações, pode-se relativizar
e buscar identificar similitudes, adotando a seguinte caracterização como referência para o
ideário do MMM na pesquisa:
– A Matemática é o estudo das relações, o estudo de ideias abstratas e de como estas
se relacionam umas com as outras;
– Propostas divulgadas na imprensa como mais utilitária, ligada ao cotidiano e
preocupada com a democratização do acesso à disciplina;
– Base no estruturalismo e no rigor algébrico, na linguagem Matemática, na
terminologia e simbologia;
– Destaque para a unidade entre os ramos da Matemática e no uso dos conceitos
unificadores, tais como conjunto e função (Bourbaki);
– A metodologia deveria ser adequada à especificidade da disciplina. Matemática
tratada de forma abstrata, numa abordagem lógico-dedutiva, privilegiando o método
axiomático;
78
31
Disponível em: <http://www.dienes.hu/page_biographies_DZ.html>. Acesso em 31 out. 2010.
81
Regionais de ensino de Matemática (IREMs), por exemplo, originava maior interesse para
este segmento de ensino.
Um exemplo da circulação das ideias reformistas pode ser observado pelo “trânsito
profissional” de um desses docentes. Lamparelli, professora da rede pública de ensino, exercia
seu cargo, prestando serviço em várias instituições, como no projeto IBECC/UNESCO, na
FUNBEC, no Centro de Treinamento para Professores de Ciências Exatas e Naturais de São
Paulo (CECISP) e no IMEP, que, coincidentemente, funcionavam no mesmo prédio. Este fato
possibilitava várias parcerias, intercâmbios e contato com o DAP e depois com o CERHUPE,
sendo constantemente chamada a colaborar com os cursos de formação e elaboração de
publicações referentes ao ensino e aprendizagem de Matemática, expedidas tanto pelo
Município como pelo Estado.
Da rede estadual as professoras Ana Franchi, Manhucia Libermam e Lucília; na rede
privada, Maria Antonieta, Bechara e Liberman; todas estavam sempre presentes nas sessões
de estudo organizadas no Instituto, divulgando experiências de sucesso na aplicação das novas
didáticas.
Vindo o ano de 1964, começa no Brasil o governo militar. De acordo com Piletti
(2006), educadores passaram a ser perseguidos por conta de posicionamentos ideológicos
divergentes ao regime, que espelhou na educação o caráter antidemocrático de sua proposta
ideológica de governo. Com a promulgação do AI5, os educadores ficaram impossibilitados
de se posicionarem em relação às leis e decretos sobre a Educação.
Ao relacionar as ideias de desenvolvimento a qualquer custo, num curto tempo, a
necessidade de democratização do ensino pode auxiliar a compreender por que as mudanças
no ensino, defendidas pelo MMM foram eleitas como as mais adequadas a um novo contexto
sociopolítico-econômico, na medida em que o MMM prometia uma Matemática mais ajustada
aos novos tempos, acesso aos novos avanços da disciplina, oferecendo instrumentos para o
acesso a uma nova sociedade tecnológica e mais científica.
Entendo que, com isso, protagonistas do MMM obtiveram privilégios e
financiamentos, podendo mais facilmente fazer circular suas propostas de alterações para o
ensino e seu ideário ser prontamente apoiado pelo governo, por meio de financiamentos.
Os componentes do GEEM tinham a facilidade de frequentar cursos nacionais e
internacionais, muitas vezes com bolsa de estudos, e contavam com financiamentos oficiais
para cursos de capacitação de professores, o que aumentava o prestígio do grupo em todo o
Brasil.
82
O trabalho dos SERAPs e os SEROPs objetivavam montar uma estrutura que pudesse
subsidiar permanentemente ao professor da escola. Foram criados em 1968, e seu objetivo
maior era consolidar as mudanças estruturais e pedagógicas introduzidas.
Desde a sua criação em 1970, o DAP realizava trabalho centralizado de treinamento e
aperfeiçoamento de pessoal técnico, administrativo e docente nas escolas que realizavam
experiências de renovação. Ao contrário dos SEROPs e SERAPs, que voltaram o trabalho
para as escolas comuns, o DAP priorizou a atuação em escolas de regime especial. A ideia
geral era que tais treinamentos deveriam ser realizados em serviço e, consequentemente,
acompanhados e executados em etapas.
32
Grosso modo, uma estrutura matemática se origina quando se definem certas funções, relações ou coleções de
conjuntos, a partir de certos conjuntos básicos de dados (ABE, 1989). Uma estrutura matemática
(metaforicamente) é similar a uma escada: não importa a aparência, sua estrutura e a organização dos degraus,
são muito parecidas.
33
Obras elaboradas a partir dos trabalhos realizados nos projetos sobre aprendizagem matemática, em Leicester
(1958-1959) e em Adelaide (1962-1964).
83
34
Disponível em: <http://www.dienes.hu/page_biographies_DZ.html>. Acesso em 31 out. 2010.
84
35
Título original: Building Up Mathematics..
36
Em dezembro de 1951, as Faculdades de Educação, Engenharia e Artes Liberais e Ciências, estabelecidas na
Universidade de Illinois, criaram uma Comissão de Matemática Escolar (UICSM), para investigar uma nova
pedagogia para a Matemática do ensino médio. Desde então, UICSM desenvolveu materiais didáticos para uso
em crianças de 7 a 12 anos, para uso experimental em todo o país. Disponível em:
<http://www.library.illinois.edu/archives/archon/index.php?p=creators/creator&id=173>. Acesso em 11 de fev.
2011.
85
37
SRIRAMAN & LESH (2007). Título original: Thinking in structures [by] Z. P. Dienes & M.A. Jeeves.
38
Um jogo de blocos lógicos é um conjunto constituído de 48 peças de madeira ou plástico, que apresenta os
seguintes atributos: cor (vermelho, azul e amarelo), tamanho (grande e pequeno), forma (quadrado, retângulo,
triângulo e círculo) e espessura (fino e grosso).
39
O material é constituído de peças de madeira de formas geométricas de duas e três dimensões. Quando
manipuladas, evidenciam as etapas de construção do sistema de numeração em diferentes bases, possibilitando a
visualização de algumas propriedades das potências e o mecanismo que permite contar e fazer operações
aritméticas elementares.
40
Confeccionado em madeira, é composto por cubos, placas, barras e cubinhos. O cubo é formado por dez
placas; a placa por dez barras; e a barra por dez cubinhos. Elaborado por Maria Montessori, é destinado a
representar os números em forma geométrica em atividades que auxiliam o ensino e a aprendizagem do sistema
de numeração decimal-posicional e dos métodos para efetuar as operações fundamentais (ou seja, os algoritmos).
Disponível em: <http://educar.sc.usp.br/matematica/m2l2.htm>. Acesso em 31 out. 2010.
41
Jean Piaget (1896-1980), em sua teoria, explica como o indivíduo, desde o seu nascimento, constrói o
conhecimento. Especializou-se em Psicologia Evolutiva e no estudo de Epistemologia Genética. Seus estudos
sobre Pedagogia, em grande medida, revolucionaram a educação, pois derrubou várias visões e teorias
tradicionais relacionadas à aprendizagem. Disponível em: <http://www.piaget.com>. Acesso em 19 out. 2010.
86
genético, cuja teoria pressupõe que exista continuidade entre os processos biológicos, a
adaptação ao meio ambiente e a inteligência.
Piaget voltou alguns de seus interesses para descrever o processo de aprendizagem e a
construção do conhecimento, partindo do principio de que este ocorre por uma ação do
sujeito, em razão da necessidade de adaptação a uma nova situação. Daí, o conhecimento
surge (se desenvolve) a partir das interações do indivíduo com o meio. Considera ainda que a
inteligência está relacionada com a construção de conhecimento, uma vez que sua função é
estruturar as interações do sujeito com o meio.
Nesse sentido, concordo com Becker (2010, n. p.), ao afirmar que o conhecimento
surge
[...] de um longo e trabalhoso processo de construção que haure sua substância das
ações do sujeito: ações sensório-motoras, ações simbólicas (fala, imitação diferida,
brinquedo simbólico, imagem mental), ações interiorizadas em sistemas cada vez
mais complexos que coordenam as ações externas, limitadas primeiramente pela
concretude das operações construídas pelo sujeito, expandindo-se depois pelas
ilimitadas possibilidades das operações formais que constituem as condições da
criação artística, científica, ética e estética.
Outro ponto em que o autor se apoia nas teorias piagetianas, refere-se às ideias de
“bagagem hereditária” e “necessidades de provocação para a construção do conhecimento”.
Em seus estudos, o autor ainda afirma que o conhecimento começa a ser construído
desde o momento em que o recém-nascido age, absorvendo alguma coisa do meio físico ou
social. Em um segundo momento, provoca perturbações ou desequilíbrios, na medida em que
carrega novidades para a estrutura assimiladora. Então, o sujeito reformula seus processos de
assimilação, em razão do novo repertório, movimentando-se, para novamente atingir o
equilíbrio que havia perdido. A partir daí, em outro nível, usa os novos instrumentos. Tal
processo, segundo Becker (2010 n. p.), é mais consistente que o anterior:
Desse modo, o conhecimento criado é uma síntese do que existia, com o que foi
produzido da sua ação com o meio social.
O autor enfatiza que qualquer proposta de ensino de Matemática deve nortear-se por
princípios psicológicos e pedagógicos. Para tal, é exigido uma implantação acompanhada de
mudanças também nas maneiras de entender o ensino, a aprendizagem, o papel dos currículos,
livros didáticos, etc.
Quando uma criança houver efetivamente formado um conceito por meio de suas
próprias experiências, terá criado algo que não estava lá antes, e esse algo será
elaborado em sua personalidade, no sentido psicológico, do mesmo modo que as
substâncias essenciais de seu alimento são elaboradas em seu corpo. (DIENES,
1967c, p. 29).
88
Para Piaget, (BELLO, 1995), a noção de número envolve o domínio de três estruturas
cognitivas básicas, sem as quais a construção do número não é possível: conservação
(invariância do número), seriação (relação de ordem entre os elementos) e classificação
(inclusão de um elemento num outro mais amplo que o contenha). Sendo assim, para
compreendê-la, é necessário que a criança já tenha domínio dessas três estruturas
fundamentais.
42
Nicolas Bourbaki é o pseudônimo sob o qual um grupo de matemáticos, na maioria francesa, escreve uma
série de livros, onde expõem a Matemática moderna, que começam a ser editados em 1935. O grupo difundia,
em livros e artigos, mudanças no ensino da Matemática, numa concepção estruturalista e abstrata, pregando a
utilização de uma abordagem lógico-dedutiva, e defendia uma revolução interna na Matemática com base no
desenvolvimento e estudo da noção de estrutura. (VITTI, 1998, p. 55).
43
As estruturas matemáticas fundamentais são: 1) Algébricas: dado um conjunto inicial de objetos, uma
operação (algébrica) é um conjunto de pares em que o primeiro termo é ele mesmo, um par de objetos (os termos
da operação) e o segundo é outro objeto (o resultado da operação). Somar e multiplicar são operações nesse
sentido. Numa estrutura algébrica, respondemos a perguntas do seguinte tipo: dado um par de objetos (a, b)
obtemos um terceiro objeto c; 2) Ordem: dado um conjunto inicial de objetos, uma ordem é um conjunto de
pares sujeitos a certas restrições: assim, por exemplo, se o par (a, b) pertence à ordem, então (b, a) não pertence à
ordem (a não ser que a e b sejam o mesmo objeto). Numa estrutura de ordem, respondemos assim a perguntas
sobre pares de objetos: para cada dois objetos distintos como a e b, uma estrutura de ordem deve responder se
vale (a, b) ou se vale (b, a), ou se a e b são incomparáveis; 3) Estruturas topológicas: são modelos da noção de
proximidade, no mesmo sentido em que estruturas de ordem modelam escolhas e estruturas algébricas modelam
operações. Então, dados dois objetos (a, b), em uma topologia (que tenha uma métrica), sabemos qual é a
distância entre eles. Com a topologia ganham sentido noções de inclusão, proximidade, fronteira, limite,
continuidade e descontinuidade. (ALMEIDA, 1999).
90
ponto de vista genético, que servem de ponto de partida para a construção de todos os
conhecimentos matemáticos relacionam-se às três estruturas-mãe, descritas por Bourbaki.
Em seu artigo “Novelles Perspectives, Dèlachaux et Niestlé”, de 1965, Piaget
considera que as estruturas-mãe44 são também as estruturas básicas que iniciam o
desenvolvimento da inteligência da criança. Identifica semelhanças entre as estruturas
matemáticas fundamentais e as estruturas elementares do ponto de vista genético, bem como
indica uma preocupação da maioria dos estudos da psicologia genética:
44
A estrutura algébrica caracteriza-se por sua composição operatória, reversibilidade, associatividade e
existência de elemento neutro, ou resumidamente, é um conjunto associado a uma ou mais operações
satisfazendo certas propriedades; as estruturas de ordem, ou seja, constituídas de relações de ordem, são sistemas
formados por um conjunto sobre o qual está definida uma relação binária que goza de certas propriedades; as
estruturas topológicas se constituem sobre a noção de fronteira, vizinhança, fechamento. Logo, anteriormente à
introdução ao conceito de número, estas estruturas devem ser concretizadas em situações observáveis, já que são
estruturas básicas para a construção de todo conhecimento matemático.
91
genético, pode ser o último do ponto de vista da análise, isto é, podemos saber o resultado de
uma operação antes mesmo de tomarmos consciência da sua existência. Em outras palavras,
certas construções matemáticas surgidas historicamente em primeiro lugar são, de fato,
anteriores na ordem genética de construção. Trago como exemplo a topologia que, como parte
da matemática, aparece historicamente há pouco tempo, e é para Piaget anterior na ordem
genética da construção do pensamento.
Segundo Dienes (1967a, p. 33), Piaget “foi o primeiro a perceber que o processo de
formação de um conceito toma muito mais tempo do que se supunha anteriormente”, visto
que a construção conceitual, relaciona-se ao desenvolvimento das estruturas elementares que
compõem sua produção.
Das afirmações de Piaget decorreram estudos sobre a didática da Matemática,
originando propostas de reformulação da Pedagogia, tomando como ponto de partida
estruturas lógicas elementares e suas combinações, de modo a adequar a Matemática
Elementar, ao desenvolvimento da construção do pensamento da criança. Essa nova
concepção de construção de conhecimento gera uma nova ideia de ensino, baseado no
“método da descoberta”.
Os trabalhos de Dienes, à luz de Piaget, propõem atividades didáticas que contribuam
para a “tomada de consciência da embriologia das noções elementares de Matemática”
(LIMA, 1980, p. 52). Dito de outro modo, Dienes concretiza as ideias de Piaget em forma de
uma nova metodologia. Produz uma extensa literatura, demostrando como ensinar
Matemática.
Assim como para Piaget, Dienes acredita que o conhecimento matemático resulta de
uma ação interativa e reflexiva do homem com o meio em que vive, possibilitando a
construção e combinação de estruturas lógicas de complexidade crescente. Dienes (1967a, p.
33) sugere maneiras de ensinar, com atividades que corroboram com as teorias piagetianas
sobre a construção do pensamento: ”As fontes de onde sairá nosso esboço de teoria são as
bem conhecidas pesquisas de Piaget, o trabalho de Bruner, a fascinante obra de Bartlett e
alguns de meus próprios resultados”.
O autor também incorpora de Piaget diversas problemáticas relacionadas à
aprendizagem. Essa nova concepção sobre a construção do conhecimento gera novas noções
sobre o significado de aprender Matemática e como ensinar. Insere-se, pois, nesse cenário,
aprofundando seus estudos, e propõe alterações didáticas, com preocupações com o
desenvolvimento psicológico e a construção do pensamento da criança, em que a direção da
aprendizagem é exatamente contrária à proposta de organização tradicional:
92
45
Jerome Bruner, nascido em 1915, psicólogo americano, acredita que a aprendizagem é um processo que ocorre
internamente, mediado cognitivamente, e não um produto direto do ambiente, das pessoas ou de fatores externos
àquele que aprende. Bruner pesquisou o trabalho de sala de aula e desenvolveu uma teoria da instrução que
sugere metas e meios para a ação do educador. Sua teoria leva em consideração a curiosidade do aluno e o papel
do professor como instigador dessa curiosidade, daí ser denominada teoria (ou método) da descoberta. Trata-se
de uma teoria desenvolvimentista, que tenta explicar como a criança, em diferentes etapas da vida, representa o
mundo com o qual interage. Obteve grande visibilidade no campo educacional, em razão de sua participação no
movimento de reforma curricular nos EUA, na década de 1960.
93
A matemática não deve ser considerada como um conjunto de técnicas, embora tais
técnicas sejam claramente essenciais para a utilização efetiva da Matemática. Esta
deve ser vista antes como uma estrutura de relações. O simbolismo formal é somente
um meio de comunicar partes da estrutura de uma pessoa para outra. (DIENES,
1967a, p. 30).
É fato que, ao propor mudanças, o autor traz a análise do passado em seu auxílio, e
divulga a nova didática, contrapondo-a a uma representação de ensino tradicional, construída
a partir do diálogo com o passado, num discurso, em grande medida, maniqueísta.
Para classificar como urgente as alterações propostas, traz declarações de juízo sobre o
“ensino antigo”:
46
Para Dienes, há aprendizagem quando o sujeito consegue modificar seu comportamento em relação ao meio.
Dessa forma, processo de aprendizagem significa, ao mesmo tempo, processo de abstração, de generalização e
de transferência.
94
Valente (2010) pondera que o anúncio do “novo” é quase sempre precedido de uma
análise do passado, que justifique a necessidade da mudança. Dienes vale-se desse recurso, ao
rever o passado recente do ensino de Matemática, buscando caracterizar o ensino tradicional
como “uma metodologia meramente repetitiva, autoritária, formal” e o ensino moderno como
aquele que possui a característica de “oferecer o verdadeiro entendimento das efetivas
conexões estruturais entre conceitos ligados à ideia de número, ao mesmo tempo em que suas
aplicações a problemas tais são postos como na realidade”. (DIENES, 1967a, p. 15)
O autor lança mão da crítica incisiva sobre a situação atual do ensino de Matemática, a
qual considera “produto do equivocado sistema de difundir informação matemática”, para
construir e justificar a representação por ele posta (DIENES, 1967a, p. 15).
Chartier pode auxiliar na compreensão desse movimento “antigo x moderno” dos
textos de Dienes. De acordo com o primeiro, as representações não são discursos neutros,
produzem estratégias e práticas, de modo a impor uma autoridade, uma deferência, e mesmo a
legitimar escolhas. Nessa perspectiva, posso compreender o cuidado de Dienes na construção
da representação do “antigo”, utilizada para produzir um discurso de convencimento às suas
propostas, legitimando-as a partir de críticas ferozes ao “antigo”. Nas lutas de representação,
no caso, “antigo x novo”, tenta impor sua concepção de mundo social: “Conflitos que são tão
importantes quanto às lutas econômicas são tão decisivos quanto menos imediatamente
materiais”. (CHARTIER, 1991, p. 17)
As representações não se opõem ao real, necessariamente; elas constituem os
contextos de sustentação, que permitem que se tornem critérios de classificação e ordenação
do próprio mundo real. Assim, dialogando com Valente (2010, p. 10):
porém, nessa perspectiva, tal conceito, aos 6 anos, não é concreto, ou seja, ainda não existe
mentalmente.
Dienes publicou muitos de seus livros no Brasil, exemplificando a metodologia
proposta, com muitas sugestões de atividades nessa linha. Muitos foram traduzidos, em um
primeiro momento, do original em inglês e, mais tarde, das versões em francês. Abaixo
apresento um levantamento de algumas de suas publicações:
PUBLICAÇÃO PUBLICAÇÃO
TÍTULO
CIDADE BRASIL
Building up Mathematics.
Aprendizado Moderno de Rio de Janeiro: Zahar 1967.
Londres: Hutchinson
Matemática Tradução do inglês
Educational, 1960.
Mathematics in the
São Paulo, Rio de Janeiro: Ed.
A Matemática Moderna no primary school.
Fundo de Cultura S.A., 1967.
Ensino Primário Melbourne: Macmillan,
Tradução do francês.
1964.
As seis etapas do processo de São Paulo: Herder, 1969.
Paris: OCDL, 1967.
aprendizagem Tradução do original francês
Thinking in Structures.
São Paulo: EPU, 1974. Tradução
Pensando em estruturas Harlow: Hutchinson
do francês.
Educational, 1965.
Harlow, Eng.:
Exploração do espaço e
Educational Supply São Paulo: Herder, 1969.
prática de medição
Association, 1966.
Primeiros passos em
Matemática 1ª edição. São Paulo: Editor
First Years in
Herder, 1967, com supervisão do
Vol.1 - Lógica e jogos lógicos Mathematics. Harlow:
GEEM-Tradução do Inglês,
Vol.2 - Conjuntos, números e Hutchinson Educational,
1969.
potências 1966.
São Paulo: EPU, 1974. Tradução
Vol.3 – Exploração do OCDL: Paris, 1967
do francês.
espaço
Geometria pelas São Paulo: 1ª edição: Editor
transformações: Geometry through Herder, 1967 (com supervisão do
transformations. Harlow: GEEM)
Vol.1 Hutchinson Educational, São Paulo: EPU, 1975. Tradução
Vol.2 1967. do francês: La geométrie par les
Vol.3 - Grupos e coordenadas transformations
São Paulo: 1ª edição: Editor
Frações com fichas de Nova York: Herder and
Herder, 1969.
trabalho Herder, 1967.
São Paulo: EPU, 1979.
Fonte: APLBS; Biblioteca IME-USP; Editoras Herder; EPU; OCDL; entre outras.
98
entre eles e utilizar, de modo a permitir o início de um outro processo, para a compreensão de
um novo conceito.
Denomina a primeira etapa do processo de aprendizagem matemática de “jogo livre”,
cujo objetivo é propiciar oportunidades em que as crianças, ao manusearem um material
concreto, adaptem-se a uma nova situação proposta. A fase se resume basicamente em uma
atividade lúdica, em que a criança interage com o ambiente. Esta adaptação do sujeito ao
meio, segundo Dienes (1969a, p. 2), ocorre durante toda a vida: “Se alguém se propõe a
ensinar lógica a uma criança, parece necessário que a faça defrontar-se a situações que a
levem a formar conceitos lógicos”.
Como o universo infantil não comporta atributos lógicos, há necessidade de oferecer
um meio artificial, que permita a formação de conceitos lógicos, em grande medida, de forma
sistemática. O meio sugerido pelo autor foi o universo dos blocos lógicos:
Quando a criança estiver talvez com sete anos, alguns conceitos ainda não estão à
mão. Temos de dar grandes meios para o ciclo de maturação por meio de
experiência real, que conduzirá a outros conceitos e a sua eventual integração. Tais
experiências são raramente (se o forem) encontradas na vida real e, portanto, têm de
serem artificialmente montadas na sala de aula. (DIENES, 1969a, p. 50).
Essa primeira etapa refere-se, pois, ao momento do contato inicial da criança com o
material – qualquer que seja –, que o explora, de maneira espontânea, tomando, mesmo que
indiretamente, contato com o meio artificial criado, para desenvolver uma determinada noção
matemática. As propostas de atividades são colocadas sem comandos, regras ou restrições;
são desafiadoras e provocam uma ação, isto é, brincar livremente com o material, conversar,
tatear e, muitas vezes, construir formas que retratam o dia a dia (carrinhos, bonecos, etc.).
Na etapa seguinte, numa segunda fase de abstração, após a adaptação à situação
proposta, ou seja, da “brincadeira com o material”, presume-se que as crianças estejam aptas a
aceitar a imposição de algumas restrições. As regras, ditadas pelo professor, conforme o
conceito matemático a ser desenvolvido, são denominadas de “regras do jogo”, por Dienes,
cujo desafio é tornar a adaptação possível, combinar e construir novas estruturas, a fim de
dominar as novas situações, utilizando as estruturas já formadas, as regularidades descobertas
e as limitações do meio.
Liberman (2010) lembra que Dienes, em seus cursos, exemplificava como proceder:
“Repetia, muitas vezes os comandos: arrume esse material de maneira organizada ou coloque
junto o que você acha que pode ficar junto”.
100
Em seus livros, o autor dirige, muitas vezes, sua fala ao professor leitor, fazendo
muitas recomentações sobre possíveis entraves ao trabalho. Especialmente, na terceira etapa,
adverte que não é suficiente apenas brincar com jogos estruturados, conforme as leis
matemáticas inerentes a uma estrutura matemática qualquer. Para identificar a natureza
abstrata é necessário, inicialmente, oferecer oportunidades de busca por regularidades em
diferentes materiais e propostas: “Para desapegar a criança do material e chegar a um conceito
abstrato – não uma associação formada pela criança – devemos introduzir outro material, que
deve parecer o mais diferente possível, mas ter a mesma estrutura matemática essencial”.
(DIENES, 1969a, p. 50). Lembra que, para que se forme um grande número de abstrações é
necessário muito tempo, e de certos conceitos matemáticos podem acontecer somente no final
da escola elementar.
Os jogos propostos são de tal natureza que todos os quatro encarnam a mesma
estrutura matemática.O autor acredita que as crianças, após terem assimiladao as regras e as
estruturas, passem a descrevê-los por meio de tabelas, desenhos ou gráficos que traduzam o
resultado das operações. Então, depois de um certo número de jogos semelhantes, em variadas
formas, elas tomam consciência das semelhanças, da analogia entre os elementos, apesar das
representações diferentes, ou seja, trata-se, no fundo, do mesmo jogo e, assim, nasce uma
abstração, a do Grupo de Ordem 2.
Que atividades de simbolização Dienes sugere para desenvolver a linguagem
Matemática, e o que ela representa? Após a formação de conjuntos, o desenvolvimento da
noção de pertinência e os conceitos orientados em cada etapa, é interessante, segundo ele, que
a professora proponha um exercício que haja necessidade de um registro. Por exemplo: como
nos lembraremos de um acontecimento amanhã? Como a maioria delas não escreve, pode ser
que sugiram vários tipos de registros diferentes para representar uma mesma situação.
102
Fonte: Elaborada pela autora, a partir do livro As seis etapas do processo de aprendizagem (DIENES, 1969a)
103
Como Dienes pensa ensinar o conceito de número para crianças? Que metodologias
foram elaboradas para didatizar o conceito, atendendo a novas formas de tratar a Matemática?
Para responder a essas questões, é necessário recorrer às orientações do autor sobre a sua
abordagem do conceito de número, o qual ele define como “uma propriedade dos conjuntos”
(DIENES, 1967b, p. 54).
As recomendações mais específicas de Dienes sobre a conduta pedagógica mais
adequada para a introdução dessa ideia no ensino da Aritmética é encontrada em seu livro
Conjunto, números e potências47, publicado no Brasil em 1967, pelo editor Helder, com
supervisão do GEEM e divulgada amplamente nos cursos organizados pelo Grupo48.
Apesar de a primeira edição brasileira ter sido baseada na original inglesa First years
in mathematics: sets, numbers and powers, é interessante observar que a partir da segunda
edição, a versão francesa Premier pas en mathématique: ensembles, nombres et puissances,
lançada em 1969, traduzida por Euclides Jose Dotto, revisada e adaptada por Irene Torrano
Filisetti e editado pelo editor Herder, foi tomada como base, de acordo com D’Ambrosio
(2006), embora o MMM no Brasil tenha tido originalmente maiores influências americanas,
fortalecidas pelas relações construídas a partir de conexões mantidas entre o professor
Osvaldo Sangiorgi e o SMSG.
Em grande medida, posso inferir que a opção pela versão francesa indica talvez a
influência didático-pedagógica dos autores franceses, que, na época, predominavam nos
cursos e bibliografias recomendados. O fato pode ser entendido, quando observamos o
deslocamento de interesse de intercâmbios de educadores brasileiros com o grupo ISGML na
França49.que, na época, já problematizava os exageros cometidos e pensava em mudanças
curriculares, enfatizando a metodologia. Segundo Mansutti (2010), educadores brasileiros
envolvidos com o MMM buscaram, nas ideias de Dienes e desse Grupo, alternativas de
operacionalizar a nova abordagem sugerida para as séries iniciais. Com o intuito de buscar
47
Obra da Coleção Primeiros Passos em Matemática (1966). Os três volumes (I - Lógica e jogos lógicos; II -
Conjunto, números e potências; e III - Exploração do espaço) trazem sugestões didático-metodológicas para a
introdução de conceitos elementares nas séries iniciais.
48
Ver bibliografia recomendada: nos livros publicados pelo GEEM (Grupo de Estudos do Ensino da
Matemática), Guias Curriculares - SP (1977), Curso Moderno de Matemática (1967), Subsídios - SEE (1977),
entre outros. “A constituição e atuação desse Grupo (1961) foram de extrema importância para a implantação e
divulgação do MMM no Brasil, por meio de cursos e similares”. (LIMA, 2006, p. 42).
49
Participaram de estudos na França, com intuito de buscar novas formas de abordagem, as professoras Ana
Franchi, Lydia Lamparelli, Maria Amábile Manzutti, Manhucia Liberman, dentre outros. (MANSUTTI, 2010).
104
Como oferecer e concretizar ideias abstratas para crianças? Para isso, Dienes se vale
da teoria de conjuntos e da possibilidade de concretizar conceitos abstratos, utilizando
material. Várias são as razões evocadas por ele, para convencer o leitor da necessidade de
uma nova proposta didática coerente, com necessidades atuais, realista e aplicável às crianças.
Oferecida por ele, esta seria a mais adequada, dada a maneira com que conduz as crianças a
abstraírem ideias antes não concretizadas, considerando os avanços da Matemática e o
desenvolvimento da psicogênese.
Como estratégia, a meu ver, para não recair em erros já ultrapassados pelo MMM,
cobrando excessos, rigor na linguagem e demonstração, quando utilizam as estruturas
matemáticas, Dienes recomenda cuidado no uso do simbolismo para expressar experiências
realizadas com material concreto.
Usa a psicologia da aprendizagem para explicar a lacuna existente entre a experiência
concreta e a representação desta, visto que em Matemática a criança utiliza outra linguagem.
Como a linguagem é uma forma complexa, com muitas regras e a experiência que estes
símbolos trazem, ainda são muito estranhos e novos em suas representações, deve ser
introduzida sem pressa.
Dienes oferece vários exemplos de como fazer. Sugere situações em que a criança
vivencie experiências, artificialmente construídas, utilizando materiais concretos, fornecendo
a possibilidade de ela caminhar do concreto para o abstrato, no seu próprio modo e tempo, e
registrando de maneira individual.
Apesar de a criança, nessa fase da escola elementar (aproximadamente dos 7 aos 10
anos), já ter condições de simbolizar experiências realizadas com materiais, ainda não é uma
linguagem, pois o desenvolvimento desta se estende por vários anos, como consequência da
formação de conceitos. Por esse motivo, o autor sugere paciência para esperar que o sistema
de linguagem esteja completo, antes que o simbolismo matemático assuma toda a
significação.
Sem se alongar em muitos argumentos, justifica que o estudo de Aritmética, por esse
caminho, é didaticamente mais adequado, visto que facilita a compreensão do conceito de
número e os seus diferentes aspectos. Argumenta que sendo “o número um conceito muito
complexo, para aprender a harmonizar entre si os elementos conceituais que os constituem, é
indispensável, antes de tudo, conhecer estes elementos” (DIENES, 1967b, p. 1).
Ao revisitar sua literatura, podemos resgatar outras razões para a proposta do ensino
de Aritmética, por meio da teoria de conjuntos. Ora, fazendo uso dessa ideia, pode-se
construir e concretizar as estruturas lógicas, com materiais estruturados para este fim. Depois
106
Para a construção do conceito de número, Dienes indica os jogos de multi base como
os mais adequados, já que o material ilustra concretamente as propriedades das potências.
Ressalta, ainda, que sempre é possível criar meios artificiais que permitam a aprendizagem de
um conjunto qualquer de noções matemáticas, com a utilização de materiais concretos
adequados ao objetivo que se tem em mente.
enumeração, agrupar na mesma classe todos os conjuntos de conjuntos dos quais “pode-se
dizer alguma coisa”.
As atividades sugeridas abordam de classificações simples até muito complexas.
Inicialmente, Dienes orienta as que priorizam a exploração de propriedades físicas dos
objetos, talvez com o objetivo de possibilitar a observação de novos atributos, adquirindo
maior repertório para critérios. Em todos os estágios, as tarefas devem ser planejadas em
sequência crescente de dificuldade, ou seja, primeiramente reconhecendo, pelo menos um
atributo em objetos, até o reconhecimento de propriedades comuns a objetos de diferentes
conjuntos.
Para exemplificar a proposta de atividades adaptadas a cada estágio de
desenvolvimento e às seis etapas do processo de aprendizagem, trazemos exemplos
elaborados por Dienes e Tellier (1973), para serem trabalhados em fichas individuais ou em
grupos.
Para as primeiras atividades de comparação, Dienes sugere os jogos que envolvem a
identificação e adoção de um critério de preferência, agrupamentos e jogos de organização de
conjuntos de objetos, de acordo com um critério de preferência adotado.
A tarefa sugerida para as primeiras etapas tem como objetivo possibilitar a exploração
do material, a fim de perceber e descrever os atributos dos objetos, conduzindo a criança a
estabelecer relações entre eles. Numa primeira fase, são priorizados os jogos de exploração de
características físicas dos objetos, de aquisição de vocabulário, percepção de objetos por meio
de pistas e, depois, aumentando o grau de dificuldade, passa-se a realizar atividades em que a
criança possa assinalar semelhanças e diferenças e perceba que os objetos podem ser
relacionados com o que têm de semelhante.
Vencidas as primeiras fases de reconhecimento dos objetos, a criança passa a trabalhar
representações gráficas com diversos materiais. As situações propostas exigem organização
de materiais variados, em espaços determinados. O objetivo é classificar objetos, de acordo
com um critério e verificar se este pode ser representado no diagrama dado. É preciso oferecer
situações em que se produza a necessidade de um registro gráfico, claro para todos.
É interessante ressaltar que os modelos de atividades oferecidos por Dienes, em suas
obras, em grande medida, eram indicados tanto para serem realizados individualmente, em
grupos pequenos ou com toda a classe, apesar de defender sempre o trabalho em grupo.
Apresento alguns exemplos de fichas de trabalho, em que os símbolos (Figura 2) na parte
superior indicam: se a atividade proposta é para ser realizada individualmente ou em grupo; o
material a ser utilizado; os conceitos a serem abordados.
110
Determinação de subconjuntos,
reconhecendo critério adotado para Organização de classes de objetos com
formação, relação de pertinência, inclusão delimitação de representação gráfica
entre subconjuntos, formação de classes
Possibilitar o uso da
Verbalizar o critério de organização
propriedade recíproca
Consideram-se as tarefas de sequência como aquelas que são uma “sucessão regular e
linear de objetos que mantém entre si a mesma relação de vizinhança, formando um padrão
que se repete” (SÃO PAULO, 1982, p. 97). Nelas, são sugeridos jogos de organização de
objetos, considerando uma grandeza não quantificável, como o principal atributo de formação
(forma, cor, desenho, etc.).
O autor ainda sugere outros tipos de atividades, como: situações em que a criança,
interagindo com o meio, estabeleça padrões, criando novas sequências, ou que descreva com
símbolos, o mesmo critério definidor de uma sequência. Depois, a criança, já acostumada ao
trabalho com os objetos dos conjuntos, é estimulada a operar com os conjuntos de objetos.
50
O jogo pode ser realizado utilizando os blocos lógicos. Consiste em primeiramente estabelecer o universo
como o conjunto dos blocos lógicos, distribuir as peças entre as crianças e estabelecer dois conjuntos bases: o
conjunto das peças que tenho e o conjunto das peças que não tenho. Assim, a criança percebe que se uma peça
está em seu conjunto não pode estar no conjunto das peças dos colegas.
115
Da forma como foi exposto, posso garantir que as atividades enfatizam vários tipos de
reprentação, contudo , não aparece a representação de quantidades utilizando algarismos indo-
arábicos. O autor aconselha que antes da representação convencional, para o sistema de
numeração decimal, as crianças explorem muitas outras maneiras de representar quantidades.
Quanto à antiga “tabuada”, Dienes (1969a) argumenta que “saber fazer a tábua não é
suficiente”. Usando a estratégia de trazer sua representação de passado para justificar a
implantação da nova proposta, o autor afirma que, sabendo como funciona, as crianças podem
desenvolver por si só os fatos fundamentais básicos53, ou “tábua operatória”. Assim, sugere
51
Estudo das relações entre atributos determinantes dos conjuntos, enquanto expressos pelos conectivos “e”,
“ou”, “não” e outros, e o estudo das relações entre esses conectivos. (MDC, 1979).
52
Por exemplo, conjuntos que tenham a propriedade numérica “quatro”, isto é, todos os conjuntos que tenham a
propriedade quatro, ou melhor, ainda, conjuntos que possuam quatro objetos, ficando claro que nenhum objeto
tem a propriedade quatro, pois o conjunto de objetos é que possui essa propriedade.
53
São considerados fatos fundamentais de uma operação, aqueles em que pelo menos dois de seus termos são
números menores que 10. Exemplo: 2 + 4= 6, 2 x 4= 8, 4 x 3= 12, 6 – 2= 4, 8: 2.
116
que os fatos fundamentais sejam construídos a partir do emprego intuitivo das propriedades
das operações e combinados, de modo a formar outros.
Em síntese, Dienes propõe atividades abrangendo o desenvolvimento das estruturas
lógicas elementares, numa sequência de acordo com o desenvolvimento cognitivo da criança,
construindo novas estruturas a partir das já existentes. Considera ainda que, seguindo estas
orientações quanto à sequência de lições e jogos, a compreensão do conceito de número pela
criança pode ser facilitada.
Finalmente, podemos problematizar a produção os contextos de sustentação, que
permitiram a apropriação, circulação e institucionalização das propostas de Dienes na rede
pública do Estado de São Paulo. A análise das publicações pode fornecer indícios para
entender a construção e eleição das ideias do autor como a proposta oficial.
encarregadas de produzir material de orientação aos professores das séries iniciais, de como
ensinar.
Vários fatores podem ter contribuído para a escolha dessa referência. Entre eles, o
prestígio dos autores junto aos professores e o sucesso de sua implementação em classes
experimentais, em diversas partes do mundo. Tudo indica que foi utilizado como estratégia de
convencimento aos professores sobre a adequação da nova proposta, na medida em que o
texto demonstrava como concretizar, para crianças, a nova abordagem estrutural da
Matemática.
O artigo em que divulgam a nova proposta de Programa foi originalmente publicado
em 1969, no Bulletin de l’Association Mathématique du Québec (AMQ)54, produzido por
Zoltan Dienes, Claude Gaulin et Dieter Lunkenbein, integrantes do Centro de Pesquisas
Psicomatemáticas, da Université de Sherbrooke. Segundo o texto, o novo Programa foi
produto de experiências, coordenadas por Dienes, durante dez anos, em classes experimentais
de Sherbrooke, Austrália. A ação aglutinadora do ISGML incentivou a colaboração de seus
membros, simpatizantes das ideias de mudanças, possibilitando a experiência com o Programa
em várias partes do mundo.
54
Disponível em <http://newton.mat.ulaval.ca/amq/archives/titre.html>. Acesso em 10 de nov. 2011.
118
consumo das representações do ideário, pelas equipes responsáveis pela elaboração das
publicações analisadas.
Para tanto, de início, procuro, sintetizar as considerações dos autores sobre a
necessidade de um novo Programa de Matemática para as séries iniciais, procurando
caracterizar as estratégias utilizadas para anunciar a nova proposta como a alternativa mais
adequada e os princípios subjacentes.
Considero por hipótese que as propostas oficiais de alteração didático-metodológicas
são produto das apropriações do Programa pelas equipes das Secretarias de Educação,
responsáveis em preparar os professores para as mudanças. Dessa forma, cotejando as
publicações com o Programa, pretendo identificar o produto das apropriações e caracterizar a
abordagem oficial adotada para o ensino de Aritmética, em tempos do MMM, alimentando a
reflexão sobre as práticas do professor, hoje.
No artigo, o Programa exposto é estruturado da seguinte maneira:
I Introdução
II Concepções Subjacentes ao Programa
1 Concepções matemáticas
1.1 Conteúdos do Programa
2 Princípios psicológicos
3 Princípios pedagógicos
A que fatores se deve essa situação atual do ensino de matemática? Sem dúvida, à
ignorância de muitos matemáticos sobre os problemas psicológicos inerentes à
aprendizagem da matemática. Sem dúvida também, ao conhecimento muito
superficial dessa disciplina por numerosos psicólogos. (GEEM, 1969, p. 1).
120
nessa perspectiva, a elaboração de um programa moderno, não admite solução única”. “[...] O
programa é moderno e em contínua construção, sendo uma entre várias maneiras adequadas
de ensinar matemática.” (GEEM, 1969, p. 1).
Percebe-se, nessa afirmação, diferenças em relação à maneira com que Dienes
apresenta suas propostas metodológicas, em outras obras, anunciando-as como sendo a única
alternativa adequada. Tudo indica que o lugar de produção do artigo, periódico com
distribuição em várias partes do mundo, determinou a mudança. Diferentemente, as críticas ao
antigo são mais brandas e admitem a possibilidade da existência de outras propostas, também
pertinentes.
Na segunda parte do texto, os autores passam a descrever os pressupostos que
norteiam o Programa e os conteúdos a serem abordados. Finalmente, na parte seguinte,
ilustram como operacionalizar a proposta, descrevendo algumas aplicações práticas realizadas
em pesquisas sobre o assunto.
Os autores determinam três eixos norteadores para um programa “moderno”:
concepções matemáticas, psicológicas e pedagógicas, justificando a adoção de cada um deles,
separadamente. Tudo leva a crer que os argumentos e justificativas sobre a ênfase dada à
Psicologia e Pedagogia sejam respostas às críticas postas em discussão em encontros
internacionais55, principalmente na Conferência de Hamburgo, em 1966.
As concepções matemáticas subjacentes ao programa é o primeiro eixo trazido à
discussão. Descrevem um cenário carente por reformas nos programas de Matemática e
informam ao leitor algumas condições que permitiram as ações para mudanças, em classes
experimentais. Citam os avanços da disciplina, principalmente decorrentes aos trabalhos do
Grupo Bourbaki, como determinantes para a nova concepção da disciplina, a qual, apoiada na
teoria dos conjuntos, tratada como uma estrutura única, enfatizando as estruturas matemáticas,
possibilitou melhor visualização de suas aplicações e possíveis relações com outras
disciplinas.
Essas considerações permitem entender as discussões iniciadas sobre a inadequação
dos programas antigos e a necessidade de mudanças. Pouco a pouco, segundo os autores, as
ações, visando à reforma dos programas de Matemática do ensino secundário, foram
efetivadas.
55
Mathematics in Primary Education; International Studies in Education (UNESCO); Institute for Education,
Hamburgo, 1966; Mathématique Nouvelle (OECE), 1961; Goals for School Mathematics (Relatório da
Conferência de Cambridge); Houghton Mifflin, Boston, 1963. Disponível em
<http://newton.mat.ulaval.ca/amq/archives/titre.html>. Acesso em 10 de nov. 2011
122
Tudo indica que a discussão, trazida pelos autores, deve ser proveniente das lutas de
representação, nos debates sobre reformas nos programas de Matemática na escola elementar,
ocorridas em congressos:
123
A criança deve aprender estruturas matemáticas tão cedo quanto possível? Em caso
afirmativo, por quê? [...] Noções matemáticas simples e básicas deveriam sempre ser
introduzidas como preparação para as mais complexas, ou devem essas noções
básicas, às vezes, ser introduzidas após as mais complexas? (UNESCO, 1966).
Para isso, os conteúdos são distribuídos em cinco caminhos, que devem ser explorados
paralelamente e com aprofundamento gradativo, interligados, mantendo sua integridade, por
meio da presença, em todos eles, de conceitos, estruturas e elementos unificadores, expressos
no Caminho 1.
CAPÍTULO 4
A APROPRIAÇÃO DAS IDEIAS DE DIENES PELAS SECRETARIAS DE EDUCAÇÃO
Abacateiro,
Enquanto o tempo não trouxer teu abacate
Amanhecerá tomate e anoitecerá mamão.
(Refazendo, Gilberto Gil).
ideias de Dienes, que construiu sua teoria a partir dos estudos de Piaget. Segundo Lima (1980,
p. 25): “Piaget mostrou que a noção de número é tardia na evolução do pensamento da
criança, sendo precedida de complexas elaborações que as geram (categorias, funções,
classificações, seriações, etc.)”.
Além da referência explícita a Piaget, merece destaque o cenário de produção do
Primeiro Programa da Escola Primária do Estado de São Paulo. O período, caracterizado por
inúmeras transformações na dinâmica social e política do Estado, impingiu ao documento um
caráter político, envolvendo questões além da escola que acabou tornando a expansão da rede
e o atendimento da demanda por vagas, os eixos centrais do Programa. Em um segundo
momento, o Programa tratou de questões mais específicas referentes à nova estrutura de
funcionamento da escola, tendo como questão de fundo a melhoria da qualidade do ensino,
assunto presente nas discussões da época.
Nesse momento, o desejo de reformulação do ensino era expresso de diversas
maneiras, como rádio, TV, jornal, etc.; além disso, as discussões eram direcionadas mais
especificamente para as disciplinas científicas, principalmente em Matemática, visto a
tendência de valorização à Ciência, vigente na época.
O período de transformação, vivido pela sociedade, coincidiu com o de aglutinação de
educadores matemáticos, facilitados pelo oferecimento de cursos para professores, em
decorrência de investimentos, visando à criação dos sistemas de ensino brasileiros e à
reformulação de currículos e programas. As reuniões e cursos frequentados por professores de
todas as áreas e regiões do Estado possibilitou a divulgação das ideias de renovação,
defendidas pelos participantes do MMM, que recebiam convites para apresentar as sugestões
de atividades produzidas, em diferentes lugares e ambientes, a fim de auxiliar o docente na
prática em sala de aula.
Os encontros organizados pelo MMM, ou por outros grupos de estudos ou ainda
instituições contratadas, permitiram grandes intercâmbios entre grupos de professores, com
diferentes histórias de vida e de ideias. Os trabalhos com projetos experimentais aumentavam
a cada dia, em razão das facilidades de operacionalização, proporcionada pelos
financiamentos, e exigiam maior dedicação ao estudo e à pesquisa e, consequentemente, uma
grande e diversificada produção de materiais, contendo sugestões de atividades ou traduções
de textos de autores em destaque, expondo e discutindo suas ideias sobre ensino e
aprendizagem de Matemática.
A procura dos professores pelo material produzido era constante, o que pode ter
qualificado as propostas inovadoras, defendidas pelos participantes do MMM, como
131
56
Lima (2006, p. 42) atribui o sucesso do MMM à atuação do professor Sangiorgi, principalmente na fundação
do GEEM, que foi de extrema importância para a implantação e divulgação do MMM no Brasil, por meio de
cursos oferecidos, similares aos que o professor participou na Universidade de Kansas e organizou e ministrou
na Universidade Presbiteriana Mackenzie
132
Quadro 6- Publicações das Secretarias de Educação de São Paulo categorizadas para análise
MOMENTO PUBLICAÇÕES
oferecido na proposta da escola primária como o mais adequado, coerente, eficaz, legitimado
por estudos científicos contemporâneos, como aquele que:
Acompanha a época que vivemos e por isso não nos permite improvisações em
nenhuma área da cultura, especialmente na da educação. Para o trabalho educacional
integrado faz-se necessária, pois, uma fundamentação filosófica e psicopedagógica
que possa garantir seu êxito. (SÃO PAULO, 1969b, p. 29)
para a elaboração dos textos. Trata-se, talvez, de atribuir um valor moderno, científico e
eficaz a reforma.
Durante o período de 1961 a 1969, o SEV realizou nove treinamentos com cinco
meses de duração cada um. Os treinamentos tinham a finalidade de informar sobre o
trabalho realizado por ele aperfeiçoar técnicas e metodologias aos docentes
ingressantes. (FCC, 1972, p. 10).
57
Em 1956, Benjamin Bloom escreveu a Taxonomia dos Objetivos Educacionais, dividindo os objetivos
educacionais em três partes: cognitiva, afetiva e psicomotora. O domínio cognitivo é dentre eles, o mais
frequentemente usado; e, desde então, sua descrição em seis níveis do raciocínio foi amplamente adotada e usada
em inúmeros contextos. Sua lista de processos cognitivos é organizada do mais simples, que é ter a informação,
ao mais complexo, que implica julgamento sobre o valor e a importância de uma ideia. Os processos
caracterizados pela taxonomia devem representar resultados de aprendizagem, ou seja, cada categoria
taxonômica representa o que o indivíduo aprende, não aquilo que ele já sabe, assimilado do seu contexto familiar
ou cultural. Estes processos são cumulativos, ou seja, uma categoria cognitiva depende da anterior e, por sua vez,
dá suporte à seguinte. As referidas categorias são organizadas num gradiente, em termos de complexidade dos
processos mentais. (RODRIGUES, 1994).
140
Figura 8 – Curso para professores sobre a taxonomia dos objetivos, 1969. Fonte: SEE (1968)
141
Outro tema recorrente nas publicações era a apresentação e discussão a propósito das
contribuições da teoria psicogenética na Educação. Isto pode ser explicado pelo interesse
gerado pela circulação dos textos escritos por Piaget sobre a compreensão e a aprendizagem
em Matemática, adequada a cada etapa do desenvolvimento infantil. Além disso, muitos
142
pública, caracterizada pela heterogeneidade. Nesse novo cenário, muitas mudanças seriam
necessárias, ou seja, novas ideias para dar conta das diferenças individuais. Em outras
palavras, a expansão da rede exigia novos pensamentos sobre ensino, aprendizagem, material
didático, mobiliário, papel do professor, aluno, etc., ou melhor, construção de novas
representações para todos os elementos do processo ensino aprendizagem.
As apropriações dependem de fatores que alimentam e direcionam o processo de
resignificação de ideias e, por isso, considerado muito complexo, dependendo de muitas
variáveis. Nesse caso, os contextos de sustentação que permitiram sua produção foram
favoráveis, em razão da emergência por mudanças, para adequar novos alunos a novos
tempos.
Assim, considero as ações governamentais como um desses contextos de sustentação.
Do mesmo modo que o governo estadual incrementou ações estratégicas, de modo a
instrumentalizar seu professor para as mudanças, a SME também procurou facilitar a leitura
de seus professores para acompanhar as novas diretivas para o funcionamento da escola
primária. Faz isso em um momento de implantação da Escola Municipal Integrada, de oito
anos, em 1969.
A grande pressão exercida pela sociedade paulista pela ampliação do ensino
obrigatório para oito anos leva o Município a assumir maiores responsabilidades em relação
ao atendimento da demanda por vagas e a ampliar a oferta, além das já oferecidas desde 1965,
em suas três escolas experimentais integradas58.
A SME distribui uma publicação, constituída por um conjunto de documentos,
contendo propostas e medidas necessárias para subsidiar a reformulação e expansão da
Renovação do Ensino Municipal, já prevista pela Lei 7.037, de 13 de junho de 1967.
A publicação IMEP - Execução do Plano de uma Escola Integrada de oito (oito) anos
é parte de uma coleção59, de três volumes. Para esse momento, privilegio analisar o primeiro
volume, com 463 páginas, constituído majoritariamente por textos teóricos, didáticos e
58
A escola municipal de oito anos acabou como o exame de admissão ao ginásio. Ampliou o ensino obrigatório
para oito anos. O período escolar foi estruturado em quatro níveis, cada um deles com a duração de dois anos.
Nível I - 7 e 8 anos; Nível II - 9 e 10 anos; Nível III - 11 e 12 anos; Nível IV - 13 e 14 anos. (SÃO PAULO,
1970, p.15).
59
A coleção objetiva preservar a memória do IMEP. De maneira informal, a professora Leny Basso, chefe
substituta da sessão de Orientação Educacional, na época, juntou e encadernou diversos tipos de documentos
produzidos ou relacionados ao Instituto no período de 1968 a 1970 (Acervo da Memória técnica Documental da
Prefeitura de São Paulo). Tudo indica a intenção de preservar a memória do ensino municipal. Nos volumes da
coleção encontramos diferentes temas e sessões correspondentes às matérias do currículo da escola primária,
procurando construir a representação da necessidade de mudanças, por meio da informação sobre as inovações
no campo da teoria pedagógica, das metodologias de ensino, das reformas políticas com suas respectivas
propostas curriculares.
145
pedagógicos, elaborados pelo IMEP e expedidos pela SME para toda a rede de ensino. O
volume contém, ainda, a documentação administrativa, que sustenta e controla as reformas
propostas para organização e controle do processo de implantação. A coletânea, em grande
medida organizada cronologicamente, abrange documentos produzidos entre 1961 e 1970,
período de emergência do MMM.
O volume 1 foi estruturado em três partes, em conformidade com as diretivas da SEE:
Introdução, contendo argumentos de convencimento para a nova proposta, ora utilizando
textos de teóricos como Piaget, ora criticando a situação atual; a segunda parte, dedicada à
formação teórica dos professores, nos novos conteúdos matemáticos; finalmente, apresentam-
se modelos de atividades para explorar os conteúdos, anteriormente explanados, acomodados
em uma tabela contendo assunto, objetivos, sugestões de atividades, com pequenas
orientações para o professor e material necessário para a realização.
A fim de melhor entender como, historicamente, foi construída a representação de
escola primária, tanto na rede estadual de ensino como na municipal, é interessante trazer os
pressupostos que sustentaram a proposta de implantação da Escola Integrada de oito anos para
a discussão, de modo a identificar como foi produzida a necessidade de alterações no ensino
de Matemática.
Tendo em vista as publicações já analisadas, anteriormente, é fato que aquelas
oriundas da SEE, contendo subsídios para professores, eram retratadas pela SME. A produção
do IMEP seguia as diretrizes postas pela política educacional do Estado para a implantação
das reformulações previstas, consequência da rede de relações construídas pelos professores
que formavam as equipes de elaboradores. Ocupando cargos de comando, em esferas da rede
pública e privada, participantes do MMM tinham liberdade de convidar seus pares para
diferentes assessorias e parcerias, independentemente da rede de ensino à qual pertenciam,
implicando em um maior espaço de divulgação de suas ideias.
Outro ponto que merece destaque relaciona-se com a representação construída para a
escola primária, norteada por uma tendência tecnicista, misturada a diferentes correntes
pedagógicas, que a priori seriam conflitantes.
A ênfase nesse período foi para os estudos sobre currículo, objetivos
operacionalizados, teorias sobre aprendizagem e divulgação de escrituração escolar, de modo
a homogeneizar registros escolares.
Dessa forma, ao cotejar as informações ofertadas pelas publicações categorizadas
como Primeiro Momento, é possível fazer algumas considerações: as publicações divulgavam
a representação da Secretaria para a escola primária de São Paulo e as justificativas para suas
146
escolhas; além disso, ofereciam ferramentas teóricas, nos novos conhecimentos para que os
professores pudessem lidar com as mudanças; acreditavam que a familiaridade com esses
novos conceitos, agilizaria a implementação da reforma.
Destaco, ainda, que a grande circulação das obras de Zoltan Dienes entre professores,
e a aplicação de suas sugestões metodológicas em muitas escolas públicas e privadas,
alimentavam a produção de uma representação de mudança urgente no ensino.
147
Figura 12 – Capas da primeira e da segunda edição do Programa (1968). Fonte: Biblioteca FEUSP
Outro ponto que deve ser considerado é o perfil profissional da professora Liberman,
designada para coordenar a equipe, que definiu o que e como seria o ensino de Matemática
para as séries iniciais no Estado e, mais tarde, reproduzido para todo território nacional.
Tentando situar o leitor no cenário, destaco, que, de maneira geral, a escola primária
do período compreendido entre as décadas de 1950 e 1960 se propunha a ensinar Aritmética e
Geometria, sem a participação efetiva de professores de Matemática na elaboração de seus
planos, currículos ou propostas.
A equipe designada para desenhar a reformulação curricular no Estado de São Paulo,
coordenada por uma Matemática, pretendia que o Ensino Primário adquirisse uma nova
mentalidade sobre o que deveria ser aprendido, corroborando as novas ideias de educação da
época. Por outro lado, também tinha o “dever” de instrumentalizar a criança para o trabalho,
exigindo a aprendizagem de conteúdos inadequados para a faixa etária atendida e
enfraquecendo a intenção explicitada nas propostas do Programa.
Liberman, professora de Matemática efetiva do Estado, desde sua inserção no GEEM,
optou por atuar nas séries iniciais. Sócia-fundadora do grupo, publicou artigos e livros
didáticos para a formação de professores, considerada a bibliografia básica nos cursos
148
oferecidos à rede pública. Suas primeiras obras enfocam a exploração da teoria de conjuntos,
depois passa a discutir usos de material concreto em sala de aula e, finalmente, foca interesse
na elaboração de modelos didáticos, oferecendo sugestões de atividades apropriadas à nova
abordagem da disciplina, de fácil aplicabilidade e de acordo com as orientações de Dienes.
Seus trabalhos mais marcantes, conhecidos e utilizados pela grande maioria dos
professores das séries iniciais, são aqueles que oferecem sugestões metodológicas para
abordagens de conceitos matemáticos, buscando facilitar o cotidiano dos professores. Utilizou
seu livro didático como veículo de divulgação de novas práticas, fazendo circular propostas
inovadoras para a abordagem dos novos conteúdos em sala de aula, apesar das limitações
impostas pelo suporte de leitura.
A edição oficial do Programa da Escola Primária do Estado de São Paulo foi uma
publicação destinada a todo o Estado, no governo de Abreu Sodré, sendo fruto do trabalho
realizado por um grupo designado, a fim de projetar as reformas na estrutura e organização
educacional da rede paulistana, além de subsidiar a estruturação e expansão do sistema de
ensino municipal também em expansão, dividindo a responsabilidade com o Estado em
atender a demanda crescente por vagas.
A publicação, além da proposta de Programa, trazia outras informações e instruções
sobre a reformulação de ensino no Estado. Conforme o novo Programa, o Ensino Primário
não seria mais organizado por séries anuais, mas em dois níveis. É sugerida uma organização,
como apresentada na tabela.
Destaco que a programação foi expandida e, em seguida, aplicada nas turmas
experimentais do IMEP:
GRAU PRIMÁRIO
Idade 7 8 9 10
Séries 1a 2a 3a 4a
Níveis I I II II
não é concretizado na escrita que representa a referida fundamentação, visto que não há
exemplo de como seria essa articulação entre os seis temas. O mesmo pode ser dito sobre os
critérios psicogenéticos subjacentes ao grau de aprofundamento, utilizados na redistribuição e
agrupamento dos conteúdos a cada um dos temas.
No tocante às tentativas de justificar a reorganização, utilizando as ideias de Piaget
como argumento, não convencem, dada a superficialidade como são tratadas, sem
aprofundamento da discussão, nem esclarecimento ao professor sobre essa “nova” teoria, e
“como ela ajuda o professor”, ou melhor, e como poderia ser aplicada no ensino.
No Tema I, é sugerida a exploração da estrutura do sistema decimal, com suas
propriedades e relações; o objetivo das primeiras séries e a construção do número, as relações
de ordenação, comparação, seriação, etc.
Para tratar diretamente dos conteúdos e estruturação didática, trago o quadro de
conteúdos, propostos para o Nível I - Tema I.
TEMAS
I Conjuntos numéricos
Operações: adição, subtração, multiplicação e divisão nos conjuntos estudados (N
II
e Q+)
Operações: adição, subtração, multiplicação e divisão nos conjuntos estudados (N
III
e Q+)
IV Fração
V Medidas
VI Geometria
Fonte: Elaborada a partir do Programa para a Escola Primária (1968)
1a SÉRIE 2a SÉRIE
Fazer correspondência entre conjuntos.
Ordenar quantidades
Ler e escrever numerais de 1 a 9.
Dezenas
Não há um projeto efetivo elaborado para a implantação do novo modelo de escola primária e
a SEE não esclarece se há recursos financeiros destinados a concretizar a representação de
escola primária da SEE.
De forma mais limitada, ainda, é tratado o projeto para implementação. A SEE não
apresenta planos específicos efetivos; não verifiquei preocupações com o planejamento
detalhado, contendo o conjunto organizado de ações pensadas para enfrentar os desafios da
implantação da reforma anunciada. Somente no relatório inserido no final do Programa há
informações sobre as metas já alcançadas e em andamento, sem descrever os critérios de
acompanhamento e avaliação utilizados. Diante da maneira como o relatório foi elaborado,
com base na interpretação subjetiva dos relatores quanto ao cumprimento ao plano de metas,
pode-se admitir a inexistência de uma sistemática na elaboração de um plano de metas para a
implantação da reformulação da escola primária.
Algumas considerações podem ser feitas, a fim de problematizar a escola primária da
época. A leitura do Programa demonstra a representação desse ensino relacionada com o
princípio da terminalidade. A preocupação maior, expressa pela quantidade de conteúdos
previstos a ser desenvolvidos em apenas quatro anos, revela que o desenvolvimento cognitivo
das crianças não era um dos fatores determinantes. Prosseguindo nesse raciocínio, supõe-se
que, naquela época, não havia muitas chances de que a maioria das crianças pudesse ter
continuidade de estudos; logo, a escola primária deveria tentar proporcionar o máximo de
conteúdo possível no pequeno período em que a escolarização era obrigatória e gratuita.
Até aí, não havia indícios de grandes novidades em relação à metodologia nem à
introdução de materiais didáticos. O foco ainda era somente nas estruturas, nos fatos
matemáticos, nos conteúdos de ensino. Nos temas II e III, as operações eram tratadas por
meio da teoria dos conjuntos, com foco nas relações e aplicações das propriedades, nas
sentenças. Assim, não há valorização da experiência acumulada. O objetivo é o
reconhecimento da terminologia, com pouca relação com a leitura do mundo físico. É não
experimental e não exploratória. “Aí ainda a abordagem é mais de forma lógica e não
psicológica. A psicologia educacional estava mal começando nessa época”. (LIBERMAN,
2007).
Percebe-se a intenção de fundamentação na Psicologia da aprendizagem. Contudo, não
há aprofundamento, nem esclarecimento ao professor sobre essa “nova” teoria, nem sobre
como poderia ser aplicada no ensino, com atividades em que os alunos tivessem participação
ativa.
156
O Programa não traz a proposta de Dienes, como referência. Sugere-se cinco eixos
interligados, mantidos em constante relação (caminho algébrico, aritmético, lógico,
geométrico, estatístico e probabilístico), possibilitando um trabalho paralelo envolvendo todos
os temas e com aprofundamento gradativo, mantendo sua integridade, por meio da presença
em todos os caminhos dos conceitos e estruturas unificadores.
Quanto à afirmação sobre a flexibilidade do programa, a meu ver, indica as
inseguranças na sua implantação. A característica superficial, presente em todos os textos da
publicação, tanto de autoridades como de especialistas, pode ter sido gerada pela falta de
autonomia da SEE para prover os recursos financeiros à implantação. O fato pode ter
suscitado cautela por parte da equipe de autores, para propor e oficializar as mudanças
metodológicas em toda rede.
Como explicar a falta de ousadia do Programa quanto a proposições de alterações
metodológicas, se considerei o perfil profissional de Liberman? Como mencionei, a equipe de
autoras participava ativamente de grupos de estudos que defendiam mudanças metodológicas,
propondo novas maneiras de ensinar Matemática, a fim de tornar a abordagem estrutural
adotada aplicável para crianças. Então, por que a opção pela generalidade e falta de clareza na
proposta?
No Programa não aparece material similar ao produzido pela equipe em projetos
experimentais ou em cursos que organizavam e ofereciam a professores da rede, cujo
diferencial era a originalidade dos modelos de atividades propostos, de acordo com a nova
abordagem estrutural da Matemática, por meio da utilização de materiais estruturados e,
consequentemente, diferentes procedimentos na abordagem de conceitos. A ausência de
inovações causou estranhamento, pois o programa não trouxe essa experiência já legitimada
pela maioria de professores. A equipe de elaboradores já era conhecida pelos professores da
rede, em virtude da atuação profissional de cada um deles em vários espaços de discussão
sobre o ensino de Matemática. Talvez, por esse motivo, esperava-se um Programa com
propostas mais desafiadoras e significativas, trazendo inovações reivindicadas pela
comunidade escolar.
O fato permite a formulação de algumas hipóteses para explicar o tom generalista
adotado pelo Programa. Liberman (2007) justificou a opção de omissão adotada pela equipe,
157
argumentando que a despeito das ideias do grupo sobre aprendizagem Matemática, o processo
para implantação de um projeto com tantas variáveis controladas, para toda a rede do Estado,
era inviável.
Não foi possível à equipe produzir da mesma forma que faziam, procurando seguir as
orientações de Dienes, na elaboração de um Programa para a escola elementar. Caso
tomassem o de Dienes como referência, a implantação seria árdua e, possivelmente, inócua,
uma vez que dependia da aprovação e liberação de recursos por vários departamentos
governamentais. Além disso, seriam grandes investimentos na contratação de pessoal
especializado para a formação dos novos e antigos professores, criação de espaços de
discussão sobre o papel do aluno, do professor, investimentos específicos para experiências e
novas práticas, etc., ou seja, mudanças de atitudes e investimentos previstos para resultados
em longo prazo. Não eram interessantes, politicamente, investimentos em projetos desse tipo,
em uma sociedade com necessidades de urgência.
texto volta-se mais para a construção e divulgação de um discurso que qualifica as mudanças
no ensino como inevitáveis, imprescindíveis à nova escola primária.
Atenta-se ainda para o fato de que, nesse período, os livros didáticos e impressos
pedagógicos já circulavam com os novos modelos de atividades, principalmente com a teoria
de conjuntos, deixando lacunas sobre sua utilização para crianças. Dessa forma, os cursos de
formação eram reivindicação constante dos professores.
Essas lacunas, tanto em relação aos novos conteúdos como a metodologia para abordá-
los, pressionava o professor, uma vez que exigia conhecimentos que não foram mencionados
em seus cursos de formação. Esse descompasso originou grande demanda por esses cursos.
O que era ensinar número nesse material? A discussão, durante todo o texto de análise
desse Programa, pretendia subsidiar a compreensão da representação de como ensinar o
conceito de número da equipe de elaboradores. Contudo, essa dificuldade pode significar que
ela ainda não estava totalmente construída, talvez produto da insegurança da equipe em
elaborar uma proposta numa abordagem abstrata, realmente aplicável para crianças e
acessível também aos professores. Suponho que, ingenuamente, a equipe tentou a
aproximação com diversos pontos e, diferente da representação, inclusive utilizando conceitos
que já são consensuais, não aplicava a crianças em idade da escola elementar. A discussão,
nesse tom superficial, é característica de todo o Programa de Matemática.
O comportamento adotado pela equipe difere totalmente do modo ousado como
anunciavam as inovações, nos cursos que ministravam para professores e nos projetos
experimentais que coordenavam. Lembrando que, num programa fundamentado em Piaget, os
objetivos pedagógicos necessitam estar ligado ao aluno, o que não verifiquei no material
estudado, que ainda prioriza os conteúdos matemáticos considerados fins em si mesmos.
De todo modo, novas referências postas no Programa circularam entre professores da
rede. Os espaços para discussão e, consequentemente a troca de conhecimento, bem como
transformações ocorreram. O produto desses intercâmbios produziram novos conhecimentos,
que, novamente, dispararam a produção de outros conhecimentos.
Percebei também algumas semelhanças com o ensino secundário, em relação à
abordagem estruturalista e à teoria de conjuntos como linguagem unificadora. No entanto, há
muito mais interesse na evolução psicológica da criança, na adequação e no aprofundamento
de conteúdos do que com o rigor matemático enfatizado no secundário. Até então, não havia
indícios de grandes novidades em relação à metodologia, nem à introdução de materiais
didáticos. O foco ainda era somente nas estruturas, nos fatos matemáticos, nos conteúdos de
ensino.
Novamente, a apropriação do ideário do MMM por parte dos elaboradores pode ser
mais bem compreendida quando observei a fundamentação nas ideias de Piaget, mas com a
linguagem específica. As noções de inclusão, de conjunto universo, de união, diagrama de
Venn, oriundas da teoria dos conjuntos, são levadas para as crianças, por meio de atividades e
de jogos.
Merecem ainda destaque o fato de que a preocupação central do Programa da Escola
Primária do Estado de São Paulo era relacionada à expansão da rede, e num segundo
momento, à melhoria da qualidade do ensino, o que coincidia com as promessas dos
“modernistas”, que ofereceriam uma Matemática de alta qualidade e de fácil acesso a todos.
160
Sugestão para entrosamento entre os conteúdos Conteúdos estanques, que não sugerem
e as áreas. entrosamento entre as áreas.
Sistematização do conteúdo com base no Sistematização do conhecimento desde a 1ª
desenvolvimento individual de cada criança. série.
É inevitável entender que esta fase não tem um início bem determinado, em virtude da
diversidade de instituições elaboradoras e das demandas dos professores sob sua
responsabilidade.
As publicações dessa fase pressupõem a precariedade da formação docente sobre os
novos conteúdos inseridos nos programas de Matemática, dedicam grandes espaço à formação
teórica aos novos assuntos introduzidos no Programa de Matemática e, também, procuram
esclarecer como o ensino se adapta aos pressupostos da reforma.
As Secretarias tomaram como base a ideia de que poderiam dar conta da formação dos
professores, para atuarem de acordo com a nova representação para ensino de Matemática.
Contudo, para a implementação de um Programa, como o proposto por Dienes, era
imprescindível o conhecimento profundo de Matemática pelo professor e exigido o domínio
da teoria dos conjuntos. Só o conhecimento das estruturas matemáticas pode possibilitar a
percepção das relações entre os vários conteúdos, dando segurança e autonomia ao professor
para propor situações apropriadas para a exploração adequada do conceito desejado.
Por esse motivo, isto é, em virtude da necessidade de instrumentalizar o professor para
atuar na nova representação de ensino dessa disciplina, mais uma vez, as Secretarias procuram
facilitar a leitura do professor, e como estratégia firmam diferentes convênios com diversas
instituições para atender toda a rede, facilitando a implementação da proposta a um maior
número de professores.
Nesse momento, as publicações passam a ser veiculadas por área. No caso da
Matemática, sigo a premissa de que foi elaborada por especialistas, com a intenção de
legitimar a nova proposta da disciplina, de acordo com a representação de escola primária,
evitando prováveis argumentos contrários à proposta.
Em consonância, as equipes de elaboradores das publicações constroem a nova
representação dos programas de Matemática. De um modo geral, o objetivo da nova escola
primária corrobora com a política educacional posta pelo Estado para a ampliação do número
de vagas. Assim, anunciam que todos podem e têm o direito de aprender Matemática: “A
educação neste nível não pode ser dirigida a fim de formar futuros cientistas. O objetivo é
educar, todas as crianças em geral, independentes das futuras aspirações da vida profissional.”
(SÃO PAULO, 1969, p. 1)
163
Ainda posso inferir que, nessa fase, as publicações propõem uma série de questões
sobre o que é a nova Matemática, quais os conteúdos a serem ensinados nesta nova
perspectiva, e a justificativa para a inclusão de cada um deles no programa. Citam as ideias de
vários teóricos como argumento para afirmar que este é mais adequado às demandas atuais.
Contudo, os argumentos utilizados para o convencimento do professor são retirados da
própria estrutura da disciplina, talvez incompreensíveis para professores que não têm
conhecimento profundo da Matemática:
Quais seriam os conceitos unificadores? Penso que para entender e poder julgar a
proposta, seria necessária uma formação teórica nos conceitos que a fundamentam. Talvez o
processo de apropriação e ressignificação da proposta, pelos professores, tenha sido acelerado
em razão do tom acadêmico da proposta.
Assim, a Matemática abordada na universidade chegou à escola básica. Em grande
medida, a adoção de reformas educacionais após a década de 1950 pretendeu capacitar para o
desenvolvimento tecnológico. Nesse quadro, essa disciplina a ser ensinada deveria enfatizar a
abstração, a lógica considerada a partir das estruturas e a linguagem matemática com sua
simbologia própria, a fim de retratar e interpretar o ambiente. Dessa forma, a assessoria de
especialistas era imprescindível para elaborar um novo currículo adequado às novas
exigências.
e organização educacional da rede paulistana, mais tarde utilizado como referência para todos
os novos sistemas de ensino criados no Brasil.
Considero a publicação como mais uma das estratégias de divulgação da reforma do
ensino de Matemática, utilizadas pelo Estado para fazer circular amplamente suas normativas,
com o intuito de padronizar o ensino, tornando sua implantação mais rápida, apesar do
discurso construído pelos autores sobre a necessidade de atender as diferenças individuais.
Em forma de apostila, com 11 páginas, incluindo capa e contracapa, foi produzido
para ser utilizado como norteador, para a implantação das novas prescrições, ao programa de
Matemática, na escola primária de São Paulo.
Ao ser publicado e veiculado, ainda havia diferentes modelos de estrutura e
organização dentro da mesma rede do Estado, sendo necessárias normatizações para
unificação dos currículos em consonância com o Programa oficial do Estado, lançado em
1969. “Em 1971, as escolas mantidas pelo Estado totalizam cerca de 17.309, das quais 14.667
(84%) são escolas isoladas, 2.189 são Grupos Escolares (GESC), 183 são Escolas Agrupadas,
179 são Cursos Primários Anexos e apenas 91 constituem GEGs”. (SÃO PAULO, 1971, p.
11).
No texto inicial, os autores denominam o documento como um relatório que apresenta
um resumo dos recentes movimentos na Europa e na América, em relação à reforma da
Educação Matemática. Apontam as referências bibliográficas em que está baseado,
demonstrando interesse em ser identificado como moderno e acadêmico: “Embora tendo
problemas, os países desenvolvidos devem rejeitar qualquer programa obsoleto do século 20,
e seguir semelhante ao prescrito nesse relatório.” (SEE, 1969, p. 1).
Posso supor que o deslocamento da bibliografia para a primeira página, referindo-se a
autores de grande prestígio na área, intencionava legitimar o relatório, caracterizando-o como
mais moderno e adequado para o ensino de Matemática, e evitando futuras resistências, na
visto na tentativa de convencer o professor que este era o caminho mais certo a seguir.
A característica diretiva e normativa do texto pode indicar que os autores partiram da
hipótese de multiplicidade de sentido sobre as propostas “modernistas” de reforma, entre os
professores, e procuraram esclarecer o pensamento que deveria nortear os temas abordados de
maneira específica, não dando margem a diferentes interpretações.
Na análise da publicação também verifico várias características decorrentes de
diferentes interpretações desse ideário, aplicadas ao Ensino Primário, concretizadas em
prescrições de como introduzir conteúdos matemáticos nas séries iniciais, diferentemente
daquelas para o ensino secundário.
165
Embora seja verdade que a estrutura formal, com base postulacional e demonstração
de teoremas, faz parte da Matemática escolar, é também verdade que antes destas
estruturas serem entendidas, deve haver um armazenamento de experiências
Matemáticas, nos quais conceitos, exercícios e relações operacionais tenham sido
desenvolvidos e aplicados. (SÃO PAULO, 1969, p. 1)
necessidades diferentes dos atendidos antes pela escola. A democratização do acesso à escola
elementar exigia outras práticas de respeito às fases do desenvolvimento cognitivo e a
individualidade de experiências trazidas por cada um. Consequentemente, mudanças drásticas
nas práticas de sala de aula.
Observando tais recomendações, não fica difícil entender a razão da grande demanda
por cursos de capacitação e subsídios para professores. Posso imaginar a insegurança do
professor ao lê-las. Os autores talvez superestimassem a adaptação e a possibilidade de dar
conta da formação dos professores para trabalharem na nova concepção. Ao que parece, não
dimensionaram as dificuldades que os não matemáticos poderiam apresentar, na compreensão
de conceitos tão complexos em um tempo escasso.
Para a implantação dessa proposta, apropriações foram necessárias e podem ser
percebidas nas orientações para professores, em manuais pedagógicos publicados
anteriormente.
É impossível dar aqui com pouco espaço, como ensinar (...), entretanto serão
suficientes para ilustrar a estrutura e o método da descoberta. Os fundamentos da
aritmética podem ser ensinados de diversas maneiras, mas na escola elementar
iniciaremos com conjuntos. (SÃO PAULO, 1969, p. 4).
Pelo que se pode depreender da leitura, posso dizer que os professores, ao terem
acesso ao impresso, produzido especialmente para orientá-los sobre como deveriam atuar em
sala de aula, passaram a ter informações sobre o que a Secretaria de Educação esperava deles.
A publicação anuncia como deve ser introduzido o conceito de número, nessa
abordagem, corroborando as sugestões de Dienes: “[...] o número é uma propriedade dos
elementos de um conjunto”. (SÃO PAULO, 1969, p. 4). A ideia de conjunto é básica para
explorar grande parte dos conteúdos matemáticos e atribuir à disciplina uma estrutura
unificada.
As ideias abstratas da Aritmética seriam os números e os meios pelos quais
relacionamos um número ao outro; as relações, tais como igualdade, desigualdade, sucessão; e
relações mais específicas entre pares de números, como somas, diferenças, produtos e assim
por diante. “[...] Essa propriedade comum aos conjuntos, sua quantidade, sua pluralidade, sua
numeralidade, ou sua potência, vamos chamar de número do conjunto”. (SÃO PAULO, 1969,
p.4).
Rapidamente, comentam que, sem exemplificar como que antes de associar o número
como propriedade, é necessário que as crianças sejam expostas a situações, manipulando
diferentes conjuntos em jogos de correspondência termo a termo, classificando os conjuntos
com base na equivalência entre eles, estabelecendo uma correspondência biunívoca.
Em apenas algumas linhas os autores tentam sistematizar toda uma teoria que justifica
a representação para o tratamento a ser dado para a abordagem do conceito de número como a
mais adequada. Em outras palavras, supõem que os leitores, estando familiarizados com o
trabalho com conjuntos, sejam capazes de estabelecer relações entre eles, abstrações e
generalizações, como a de conjuntos equipotentes, que dão a ideia de número.
172
60
Lamparelli no INRDP em 1972; Liberman em 1969, nos EUA (Universidade de Kansas), entre outros.
175
Um ponto importante a destacar nessa fase, nas publicações selecionadas para análise,
refere-se à contradição no discurso dos elaboradores que afirmavam que a intenção da
reforma era oportunizar a compreensão da Matemática por leigos; porém, a leitura das
publicações que tratam do Programa de Matemática revela o contrário. “Para uma maior
eficiência e economia em nosso ensino dever-se-á encará-la de maneira mais ampla e geral e
usar mais conceitos gerais unificadores, os quais, todavia, devem estar ao alcance dos alunos.”
(SÃO PAULO, 1968, p. 5).
Cito como exemplo os conteúdos sugeridos no planejamento de ensino da área de
Matemática para as primeiras séries (SÃO PAULO, 1971). A observação indica uma proposta
de ensino de Matemática formal, lógica, sem contextualização e de difícil compreensão por
leigos, tendo finalidades em si mesma.
As publicações, distribuídas gratuitamente a todas as escolas públicas de São Paulo,
objetivavam iniciar a uniformização dos programas de Matemática e organização do sistema
de ensino do Estado. Entre elas, destaco Planejamento de ensino da área de Matemática para
as primeiras série do curso fundamental. Caderno VI (1971), que, a meu ver, representa as
publicações dessa fase e apresenta um modelo de programa de Matemática para as séries
iniciais.
A proposta é estruturada por conceitos a serem desenvolvidos: “Deve-se dar maior
ênfase à formação de conceitos. Os problemas devem estar relacionados com conceitos e
técnicas.” (SÃO PAULO, 1971). Para a 1a série, os conteúdos foram distribuídos em sete
conceitos: I - Conjuntos, Quantidade, Ordem; II - Base Decimal, Valor Posicional, Algoritmo;
III - Reunião, Complementação, Correspondência; IV - Operação; V - Comutação, Operação
Inversa; VI - Conjuntos Equipotentes; VII - Espaço, Ponto e Curva.
É fato que a maioria das publicações e eventos didáticos da época como os divulgados
em cursos, periódicos e livros didáticos já seguiam a orientação tecnicista; logo, não foi
surpresa a publicação possuir tal característica. Nessa perspectiva, as orientações retratam
uma representação em que o professor é considerado um sujeito técnico que domina as
aplicações do conhecimento científico, produzido por outro. Esse papel, mais uma vez pode
ser constatado pelo fato de que a coordenação das equipes de projetos experimentais e a
elaboração de propostas oficiais de mudanças eram entregues e assinadas somente por
especialistas com prestigio na área. A grande preocupação do professor, nessa concepção,
seria executar as sugestões de maneira correta, seguindo os modelos prescritos.
Tanto é assim que na capa já se percebe essa representação, na medida em que são
destacados os nomes dos autores, em letras maiúsculas, ao lado do título: “EQUIPE DE
177
O discurso usado como justificativa para a adoção dos novos objetivos e abordagem,
remete àqueles da literatura da época, ou seja, a necessidade de desenvolver novas
habilidades, vistas às exigências do mundo em pleno desenvolvimento. Assim, o novo
cidadão deveria saber organizar informações disponíveis, de modo a resolver as novas
situações surgidas, com criatividade e flexibilidade para mudar situações e meios de ação, por
conta de diferentes demandas.
178
momento, trago Valente para nos auxiliar a entender a necessidade da crítica ao passado no
momento do anúncio do novo. Mais uma vez, as publicações utilizam-se deste recurso: rever
o passado recente do ensino de Matemática, buscando caracterizar a maneira anterior de
ensinar como inadequada, ultrapassada, que possui um currículo fragmentado, sem integração
entre as áreas do conhecimento.
Estes exemplos dos cursos de formação constituem referência para dimensionar o grau
de aprofundamento nos conteúdos matemáticos exigidos do professor.
Tais exemplos remetem às expectativas em relação aos professores. Em cursos
rápidos, pretendiam que os professores adquirissem domínio das operações com conjuntos, de
maneira a representar e resolver problemas, operações entre conjuntos, produto cartesiano,
além de utilizar esses novos conteúdos como ferramentas para ensinar em outra abordagem
para a Matemática.
Pelo o que se pode notar, é fato que os elaboradores da reforma não dimensionaram de
que maneira e quanto tempo seria necessário para que os professores absorvessem tantos
novos conteúdos e mais, enxergar a utilidade didática de ensinar nessa concepção. Nesse
ponto, já posso dizer, de certa maneira, que a representação construída pelos elaboradores, até
aqui, para os conteúdos matemáticos era de conteúdos retirados da universidade, refletindo os
desejos da cultura acadêmica formal, lógica, sem relações com outras disciplinas, enfatizando
a utilização de simbologia e linguagem própria.
Diante disso, a demanda por formação pelos professores era enorme. Como ensinar
um conteúdo para as crianças nunca visto, em grande medida, nos cursos de formação inicial
de professores?
Pela análise das publicações dessa fase, fica clara a intenção da equipe de Matemática
das Secretarias de Educação: usar as publicações como estratégia de formação em serviço, em
uma Matemática.
4.1.2.4 O IMEP
decorrentes das leis nacionais de educação, que exigiam mudanças nas séries iniciais para
adequação às reformulações; como ainda não havia grande divulgação de experiências com
novos métodos e técnicas, específicos para as séries iniciais, os elaboradores das publicações
veiculadas pelo IMEP procuraram adaptar as experiências realizadas no ensino secundário.
Ao que se pode entender, apenas após a divulgação das discussões sobre a didática,
nas séries iniciais, realizadas por grupos como os IREMs, ISGML, e os estágios de
professores brasileiros nesses grupos, ocorreram maiores propostas de alterações
metodológicas nas publicações da SME.
Cabia também à equipe do IMEP, elaborar, distribuir e supervisionar a documentação
de controle e divulgação das experiências metodológicas realizadas nas classes-piloto, por
meio de publicações dirigidas a todos os professores da rede municipal, que tinham como
objetivo capacitá-los para ampliar o projeto em outras escolas da rede, conforme as metas do
plano de implantação. Concomitante à realização das experiências metodológicas nas classes-
piloto, a equipe ainda deveria divulgar e demonstrar em todas as escolas da rede, métodos e
técnicas de ensino renovado, isto é, elaborar uma metodologia para as ideias de ensino
propostas e capacitar os professores para utilizá-la.
É interessante lembrar a estrutura de conexões existentes entre as equipes de
especialistas de Matemática das redes estadual e municipal. De maneira geral, o intercâmbio
entre membros da equipe e das ideias por eles defendidas era muito grande; contudo, havia
hegemonia da rede estadual, em decorrência de sua maior abrangência e experiência, visto
que a municipal ainda estava em processo de ampliação de sua rede de ensino.
O processo de seleção para a equipe foi realizado por meio de entrevistas, após
participarem de um curso de capacitação para professores regentes de classes-piloto. Para a
coordenação do grupo de Matemática, como já mencionado, foi designada a professora Lydia
Lamparelli (professora efetiva do Estado, emprestada à Prefeitura, para exercício de cargo no
IMEP). Na época, ela também trabalhava no IBECC/UNESCO, na FUNBEC e no CECISP,
que funcionavam no mesmo prédio. De acordo com ela, os cargos ocupados permitiam
contatos diretos com o DAP – que, mais tarde, foi reestruturado e denominado CERHUPE –,
e por esse motivo era constantemente chamada a colaborar com os cursos de formação e
elaboração de publicações do Estado.
Identifico na equipe de professores docentes e ministrantes dos cursos oferecidos no
IMEP muitos participantes e divulgadores do ideário do MMM, além de professores oriundos
da escola de aplicação do Estado-Ginásio Vocacional, que, depois do fechamento, elegeram o
IMEP como novo espaço de debates.
187
61
Lucília Bechara, Manhucia Liberman, Ana Franchi, Antonieta Moreira Leite, entre outros. (MANSUTTI,
2010).
188
Ocupando cargos de comando, em esferas das redes pública e privada, participantes do MMM
tinham liberdade de convidar seus pares para diferentes assessorias e parcerias,
independentemente da rede de ensino à qual pertenciam, implicando em um maior espaço de
divulgação de suas ideias. Assim, podemos dizer que, em grande medida, as publicações
oriundas da SEE, contendo subsídios para professores, eram retratadas pela SME.
As apostilas analisadas tinham como objetivo imprimir uma linha comum de
renovação pedagógica à rede municipal de ensino. Foram usadas nos cursos de capacitação de
professores ocorridos em fevereiro e agosto de 1969. Na parte especifica de Matemática,
divulgava as experiências realizadas nas classes-piloto, com atividades que utilizavam a teoria
de conjuntos e a introdução do conceito de números por essa abordagem, apresentando
sugestões de tarefas, sem comentários sobre metodologia. A ênfase da publicação é a
sensibilização do professor sobre a necessidade da reformulação curricular, adequando
conteúdos ao desenvolvimento intelectual da criança, com destaque para a formação teórica
do professor na teoria de Piaget e na teoria de conjuntos.
As metodologias divulgadas nessas publicações foram uma das primeiras tentativas da
PMSP em se adequar à concepção estrutural da Matemática, de modo a torná-la exequível
para crianças. Talvez, por isso, ainda não haja clareza na metodologia adotada na publicação;
embora seja anunciada a urgência de uma nova didática para o ensino, não observo sugestões
de aplicação:
Pelo exposto na publicação, é possível também concluir que não há atividades cuja
intenção didática principal refira-se à lógica e não há relação explícita da adequação da
atividade com as etapas de aprendizagem, definidas por Dienes, divulgadas com a publicação
de seu primeiro livro no Brasil, em 1969, e aplicadas em escolas experimentais.
Como já mencionado, a maior parte das tarefas sugeridas nessa publicação é do tipo
perguntas e respostas. Para exemplificar tal afirmação, trago um exemplo da publicação do
IMEP de atividade, que pretende introduzir da noção de conjuntos, na qual se pede ao aluno
que coloque sobre a mesa um conjunto de caixinhas de fósforo e responda a várias perguntas:
– Que você vê sobre a mesa? – Muito bem, um conjunto de caixinhas. – Agora, tire
uma caixinha, e depois mais uma, até que fique uma caixinha. – Agora tire mais
uma. Prosseguir até que fique apenas uma caixinha. – Ficou com um conjunto de
quantas caixinhas? – E se tirar a última caixinha? Como ficou o conjunto? (SÃO
PAULO, 1969d, p. 119).
Os elaboradores acrescentam que “Com esta atividade, os alunos irão concluir que o
conjunto pode representar diferentes quantidades.” (SÃO PAULO, 1969d, p. 119).
A metodologia sugerida não se assemelha à aprendizagem por descoberta, por meio de
jogos, como propõe Dienes (1969), e já é utilizada pelos próprios elaboradores em outros
projetos experimentais.
Afirmam que a “ideia de número é conseguida através de atividades de
correspondência entre conjuntos” (SÃO PAULO, 1969, p. 121), o que retrata uma
representação de ensino de número ainda indefinida, visto que anunciam a utilização da teoria
de conjuntos para articular os conceitos matemáticos. Contudo, ainda não usam como um
facilitador, mas sim como mais um conteúdo no programa.
Especificamente nessa publicação há indícios da representação de como abordar o
conceito de número para esse segundo momento. Dividem a introdução do sistema de
numeração em cinco etapas (noção de conjuntos, correspondência, enumeração, ordenação,
identificação), que devem ser exploradas por meio de atividades organizadas em três outras
etapas (preparatórias, fixação e verificação).
Na primeira, para a aprendizagem do conceito de número, são propostas tarefas que
exploram a formação de conjuntos com objetos de sucata, concomitantemente à noção de
quantidade; e seguem com o objetivo de associar o nome do número a uma quantidade. Na
segunda etapa, são exploradas correspondências e logo a seguir, atividades de enumeração,
com a finalidade de levar o aluno a perceber que o último número cantado, corresponde ao
número de elementos do conjunto.
193
verdadeiros da realidade. É também originada por lutas entre entidades que vão construindo
as divisões e significados para o que seja ensino e aprendizagem.
Na análise das publicações, importa destacar como a sugestão de programa de Dienes
circulou, como foi lida pelos elaboradores, o que foi publicado e as várias maneiras de ler, no
decorrer do processo, que dão sentido aos textos de Dienes.
O objetivo das publicações desse período é subsidiar os professores, tendo em vista
desenvolver as atividades prescritas com maior segurança. Em geral, fazem circular as
representações de como ensinar Matemática, à luz do quadro da teoria dos conjuntos, da
psicologia do desenvolvimento psicológico e da evolução das estruturas cognitivas,
procurando propor atividades, nessa perspectiva, em diálogo direto com a atuação prática em
classe.
Outro marco dessa fase é que a implantação da proposta de reformulação curricular foi
sustentada na distribuição de material didático-pedagógico para o professor, contendo
sugestões de como atuar, objetivos operacionalizados, distribuição de conteúdos com
sequência estipulada e maneiras de como avaliar o aluno.
Posso inferir que as publicações foram elaboradas pressupondo a precariedade da
formação docente nos novos conteúdos e na nova concepção de ensino aprendizagem, e, por
isso, a adoção de estratégia de ações centralizadas e de possível homogeneização das práticas.
A necessidade emergente da implantação padronizou, de certa forma, as publicações,
na medida em que a maioria das apostilas foi estruturada da seguinte maneira: uma
introdução, contendo argumentos de convencimento para a nova proposta, ora utilizando
textos de teóricos como Piaget, ora criticando a situação atual; a segunda parte com prescrição
de modelos de atividades para explorar com os alunos, tudo isso, diagramado, de forma a
facilitar a leitura e uso do professor. Para tal, as informações foram acomodados em tabelas de
fácil visualização, contendo assunto, objetivos, sugestões de atividades com detalhamento
minucioso, com orientações para o professor intervir e material necessário para a realização
da atividade.
Outra característica dessa fase refere-se ao papel do professor adotado nas
publicações, como um executor de modelos, ou seja, repetidores de propostas elaboradas por
especialistas, consequência intrínseca dos acordos financeiros entre Brasil e as agências
internacionais. Nessa perspectiva, o professor ficou quase sem alternativas, em relação à sua
autonomia para selecionar conteúdos e metodologias. Com isso, novas práticas podem ter sido
produzidas nesse processo de resistência às prescrições impostas.
197
62
De acordo com Libâneo (1984), a tônica comum da Pedagogia Tecnicista inclui a racionalidade, a eficiência, a
produtividade, o controle a objetivação operacional do que se pretende alcançar, como se dá nos moldes do
sistema empresarial.
198
63
A taxonomia dos objetivos educacionais, também popularizada como taxonomia de Bloom, é uma estrutura de
organização hierárquica de objetivos educacionais. Foi resultado do trabalho de uma comissão multidisciplinar
de especialistas de várias universidades dos EUA, liderada por Benjamin Bloom, na década de 1950. Disponível
em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Taxonomia_dos_objetivos_educacionais>. Acesso em 30 jun. 2011.
199
colorido, com o texto impresso também em cores, numa edição reduzida. Nele estão presentes
as intervenções do secretário de Educação, Paulo Gomes Romeo; da diretora do Centro de
Recursos Humanos e Pesquisas Educacionais Professor Laerte Ramos de Carvalho
(CERHUPE), Therezinha Fram, e da coordenadora da Equipe de Currículo, Delma Conceição
Carchedi. Mais tarde, foi feita uma nova edição, em papel menos sofisticado e impresso em
preto e branco. As duas edições foram feitas, com o intuito de divulgar para as autoridades e
também para as bibliotecas.
64
Adotam nova nomenclatura: matéria, área de estudo, atividades e disciplinas. Consideram matéria como
“todo campo de conhecimentos fixado ou relacionado pelos Conselhos de Educação e, em alguns casos,
acrescentado pela escola, antes de sua representação, nos currículos plenos, sob a forma didaticamente
assimilável de atividades, áreas de estudo ou disciplinas”. Já nas áreas de estudo, formadas pela integração de
conteúdos afins, as situações de experiência deveriam equilibrar-se com os conhecimentos sistemáticos e nas
disciplinas as aprendizagens se fariam predominantemente sobre conhecimentos sistematizados.
201
Expressão, Integração Social e Iniciação às Ciências, como educação geral, desenvolvida com
duração e intensidade exclusiva nas séries iniciais. Nessa perspectiva, o documento foi
estruturado em duas seções.
A primeira contém informações gerais da proposta de reformulação curricular,
constituída por Introdução, Apresentação e Considerações gerais. A segunda seção é
reservada às disciplinas, distribuídas conforme sua grande linha. O plano foi balizado pela
ideia de uma base de currículo centralizado nas disciplinas, com objetivos gerais e específicos
a serem alcançados em 720 horas mínimas, composto por sete guias como referência. A cada
disciplina acompanha um texto de Introdução, Objetivos, Conteúdos e Sugestões de
Atividades.
No texto de apresentação geral, o então secretário de Educação considera como
princípios fundamentais da escola a unidade e a continuidade. Segundo ele: “Os Guias
Curriculares deveriam estar acordados à necessidade de estruturação da escola fundamental
em oito anos de escolarização” (SÃO PAULO, 1975b). Dessa forma, tinham como objetivo
servir de elemento renovador do ensino de 1o grau, fundamentando-se na Lei 5.692/1971, que
consagrava a extensão da educação básica obrigatória de quatro para oito anos. Da mesma
forma, ressalta o princípio democrático de oferecer maior oportunidade para todos, por meio
dos princípios de continuidade, gratuidade e obrigatoriedade.
As evidências mostram a intenção do Estado em dividir responsabilidades com o
professor na implementação da nova proposta curricular. Isso pode ser visualizado no
momento em que o secretário finaliza o texto, em nome da Secretaria da Educação, confiando
aos professores a tarefa de auxiliar na implantação da nova lei educacional no Estado de São
Paulo, com a qual a responsabilidade do Estado em relação à Educação passa a contemplar
todo o primeiro grau, com duração de oito anos, porque obrigou todo Estado a investir e fazer
cumprir a lei federal.
À medida que a análise do texto avança, aparecem indícios que podem interpretar
como uma concepção populista no discurso do secretário, apregoada e justificada pela
demanda de matrículas e o direito de todos ao acesso à escola. Configura-se também o
excesso de responsabilidades atribuídas ao professor, dividindo com o Estado a
responsabilidade de possibilitar uma educação de qualidade, conforme a obrigatoriedade
exigida pela lei federal.
Ainda na Introdução do documento, Therezinha Fram justifica a necessidade de
elaboração dos Guias Curriculares. Para construir a representação de ensino moderno e
adequado aos novos tempos, afirma que:
202
Todo discurso do Guia é apoiado nas ideias de Piaget e reforça a necessidade de uma
correspondência simétrica entre os três estágios do desenvolvimento, defendidos por ele. As
três grandes linhas curriculares adotadas no documento consideram também as diretrizes
divulgadas pela psicologia da aprendizagem.
Dentro do cenário traçado, a publicação dos Guias Curriculares do Estado de São
Paulo, em 1975, implementa uma política de produção de materiais de orientação curricular,
de sugestões de atividades e de informações sobre a teoria de aprendizagem, direcionadas a
professores primários, posto que os novos conteúdos e metodologias adotados nos guias eram
desconhecidos para a maioria do professorado paulista.
O documento é estruturado com base em um currículo, centralizado nas disciplinas, e
dividido em sete guias-modelo, compostos por: Apresentação; Introdução; Considerações
Gerais; Objetivos Gerais; Temas Básicos; Esquemas de Conteúdo (por temas e por séries);
Especificação de Conteúdos; e Sugestões de Atividades.
Diante das Considerações, segundo os propositores, seria necessária uma reformulação
nos métodos, nas estratégias utilizadas, e os conceitos deveriam ser obtidos por meio da
participação ativa do aluno, durante a manipulação de materiais didáticos, em situações
predominantemente concretas, passando ao abstrato de maneira gradativa, atendendo ao
desenvolvimento cognitivo do aluno. Fica evidente a influência da psicologia do
desenvolvimento, remetendo à teoria piagetiana. Tal discussão, sobre a abordagem adequada,
denota uma ruptura velada, com a recomendação divulgada pelos “modernistas” para a ênfase
na abordagem lógico-dedutiva.
Muitas problematizações sobre a inserção do ideário do MMM nas reformas
curriculares, propostas para o ensino primário, têm origem ao considerar que esse conjunto de
ideias já era conhecido pelos professores, pelos cursos de formação oferecidos pelo GEEM,
em convênio com o Estado, ou pela grande divulgação nos livros didáticos; porém, a sua
efetiva implementação ainda era pontual.
É fato que a imagem do Movimento, divulgada em publicações65da época, foi um dos
vários fatores facilitadores para a oficialização do ideário do MMM, divulgando uma
representação em que os problemas educacionais poderiam ser solucionados com a
modernização dos métodos de ensino, isto é, fazia-se necessária uma nova didática que
privilegiasse a experimentação, racionalização e exatidão, acompanhada de um planejamento
adequado aos novos tempos.
65
Artigos de periódicos brasileiros das áreas de Educação Matemática, como a Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos, a Revista da ANDE, AMAE Educando, entre outras.
205
novos materiais manipuláveis, utilizados por Dienes, e que se apoiava, com bastante
frequência, em citações de Piaget.
Os departamentos de formação subordinados aos órgãos superiores tinham como
maiores trabalhos a formação dos professores na nova concepção de currículo, “planejamento
realizado em atividades, áreas de estudo e disciplinas, e nos princípios da psicologia evolutiva
fundamentada em Piaget. Desse modo, estaremos atendendo as recomendações de
matemáticos de todo mundo que, nos últimos anos, vem se preocupando com a Pedagogia da
Matemática” (SÃO PAULO, 1975b, p. 209).
Outro fator a considerar, na montagem dessa conjuntura, em que foram elaborados os
Guias, é que grande parte da bibliografia publicada para o ensino primário, durante a vigência
oficial do MMM, como periódicos e comunicações em congressos, cursos de capacitação,
entre outros, priorizava os relatos de experiência sobre novas metodologias e sugestões de
atividades para a introdução dos novos conteúdos e utilização do material concreto em
consonância com os pressupostos do aluno piagetiano.
Na década de 1970, muitas propostas didáticas para o ensino de Matemática,
fundamentadas na psicogênese de Piaget, oficializaram-se em muitos documentos oficiais,
principalmente por meio dos Guias Curriculares propostos para as matérias do núcleo-comum
do ensino do 1o grau. Como mostrado, a orientação neles presente trouxe, para as séries
iniciais, a concepção estrutural da Matemática, com implicações na organização e introdução
de conteúdos, além de alterações metodológicas exigidas para o trabalho nessa abordagem:
Para tal, os Guias orientam que essa perspectiva implica na construção prévia da
lógica das classes e das relações, dos elementos fundamentais da Matemática, antes da
introdução dos conceitos aritméticos da Matemática escolar tradicional. Consequentemente,
exige a exploração de novos modelos de atividades que desenvolvam essas estruturas, agora
consideradas imprescindíveis para a compreensão do conceito de número. Convém registrar
que os defensores do MMM procuraram fundamentação que relacionasse as ideias de
Bourbaki com a teoria de Piaget para ensinar Matemática, com base nas estruturas
fundamentais, numa abordagem lógico-dedutiva. Acreditavam que isso levaria ao
entendimento de todo o resto, de uma maneira natural. A diferença percebida nos Guias
207
Esses autores foram mobilizados muitas vezes e usados como suporte teórico para a
priorização das sugestões metodológicas contidas nos Guias, construindo, assim, a
representação sobre o ensino de Matemática Moderna.
66
A partir de 1971, Dienes visita o Brasil, várias vezes, ministrando cursos e divulgando seus livros, traduzidos e
publicados no País, a partir de 1969.
208
Não atinge a unidade completa que consideramos ideal, mas que pode ser sentida
principalmente no primeiro tema, que indiscutivelmente é o fator unificador da
Matemática.
A divisão foi feita em quatro temas enumerados a seguir:
I. Relações e Funções;
210
Bastos67 (2007) afirma que os autores não pretendiam determinar o que deveria ser
feito e como deveria. Os elaboradores, segundo ele, apenas tentavam mostrar que a
Matemática é uma coisa só, não existindo a separação entre a Geometria e a Álgebra. “Era
esse o enfoque nos Guias. Muitos não entenderam. Nós queríamos destacar a unidade da
Matemática e muita gente não entendeu”.
Outra apropriação dos elaboradores do pensamento dos “modernistas” pode ser
observada quando estes defendem a unificação da disciplina através da Teoria dos Conjuntos,
garantindo o agrupamento de todos os assuntos a serem ensinados em Matemática,
principalmente os conceitos de função e relação, que são destacados em todas as situações. A
utilização da linguagem da teoria dos conjuntos foi sugerida no tratamento de todos os temas,
o que, segundo eles, poderia contribuir para alcançar os objetivos do programa.
O primeiro tema, Relações e Funções, constituído por dez conteúdos, tinha como
objetivo a aquisição de linguagem e conceitos que se constituíssem em elementos
unificadores da Matemática, para aplicá-los sempre que necessário. O espaço dado à Teoria
dos Conjuntos (recomendada a exploração implícita em todas as quatro séries iniciais) e
Relações (aconselhado a ser explorado explicitamente em todas as séries), na grade de
distribuição de conteúdos, demonstra a nova abordagem estruturalista adotada na proposta de
reformulação curricular e a importância de tais conteúdos para o ensino, nessa perspectiva.
Para exemplificar a relação entre os temas, os autores elaboraram uma representação
em forma de esquema, causando grande polêmica quanto à sua interpretação. É possível
imaginar que o esquema, apesar de autoexplicativo para matemáticos que há muito já vinham
estudando a Matemática dessa maneira, tenha sido extremamente difícil de ser compreendido
pelos professores primários, que não tinham a vivência do todo da disciplina.
67
Professor de Matemática, licenciado pela USP. Ingressou Na rede estadual de ensino de São Paulo em 1955,
trabalhando em várias escolas até ser efetivado na CENP. Coordenou a elaboração dos Guias Curriculares do
Estado de São Paulo, e os Subsídios de Álgebra e Geometria. Também participou da elaboração de vários
documentos oficiais de orientação a professores, além de organizar e ministrar cursos referentes ao ideário do
MMM.
211
Figura 20 – Esquema explicativo. Fonte: Guias Curriculares (SÃO PAULO, 1975b, p. 219).
Outro diferencial dos Guias está relacionado à distribuição dos temas. Todos os quatro
ocupam igual espaço, inclusive Geometria, que é tratada como um conhecimento
imprescindível para a compreensão do mundo físico. Os conteúdos referentes à Geometria
têm distribuição e presença em todas as séries. Espera-se que os alunos adquiram habilidades
em construções geométricas e processos de medida, e desenvolvam a intuição geométrica.
Este tema é dividido em: figuras geométricas, transformações geométricas e medidas. Para o
ensino nas séries iniciais, são priorizadas noções topológicas; em todas as séries, noções
projetivas e de área; nas 3a e 4a séries, noções de paralelismo, semelhança e comprimento; e
na 4a série, noções euclidianas.
Fica evidente que, para efetivar uma reformulação nesses moldes, seria necessário o
envolvimento de vários outros elementos de toda comunidade escolar para efetivá-la, tendo
em vista as rupturas propostas.
Citamos como exemplo o Tema I - Conjunto e Funções, no qual os autores colocam
como objetivo das atividades sugeridas a aquisição de uma bagagem de experiências
concretas, que permitam desenvolver os mecanismos presentes no método indutivo. Advertem
que essa unidade do currículo deve ser desenvolvida exclusivamente por meio de atividades,
sendo o professor responsável em ampliar as sugestões contidas. As noções de conjuntos e
suas relações devem ser exploradas, dinamicamente, em situações que permitam explicitar
noções espaciais, ou seja, a didática agora exigia a participação ativa do aluno em situações
que permitissem o desenvolvimento dos conceitos aprendidos. A proposta dependia da
mudança na prática do professor que, naquele momento, não tinha as condições de colocar em
uso as alterações, pois muitos deles aprenderam Matemática nessa abordagem, exigindo, além
da capacitação metodológica, a formação teórica.
Na comparação com o Guia anterior, são muitas as rupturas. Em relação aos
conteúdos, há alterações na distribuição, que diferem da tradicional. Alguns conteúdos foram
redistribuídos, suprimidos ou remanejados para outras disciplinas. A mudança, de acordo com
os autores, visa adequá-los numa distribuição coerente com o desenvolvimento da criança e às
novas possibilidades decorrentes da expansão escolar para oito anos.
Outro diferencial foi a introdução de atividades lógicas envolvendo o domínio de três
estruturas cognitivas básicas, sem as quais a construção do número não é possível:
conservação (invariância do número), seriação (relação de ordem entre os elementos) e
classificação (inclusão de um elemento num outro mais amplo que o contenha).
São considerados grandes diferencias da proposta: a recomendação dos autores para o
desenvolvimento dos conteúdos propostos de maneira totalmente intuitiva, das primeiras até a
última série; a construção dos conhecimentos geométricos, proposta pela observação e
exploração do espaço físico, com a manipulação de materiais didáticos convenientes; a
utilização da linguagem de conjuntos como um meio auxiliar na resolução de problemas
específicos; e o incentivo à experimentação de métodos, além dos conhecimentos
geométricos, para a resolução de problemas.
Eles sugerem que o papel do professor é criar oportunidades para os alunos
empregarem conjecturas intuitivas, deduzindo propriedades geométricas, sem grandes
formalismos e rigor. Também demonstram a preocupação na formação do aluno para
enfrentar novas situações, sejam elas problemáticas referentes ao conteúdo ou não. Para tanto,
214
conjunto a propriedade comum aos conjuntos, sua quantidade, sua pluralidade, sua
numeralidade ou sua potência.
Outra inovação decorrente dessa abordagem, foi a exploração das operações como
funções. A ênfase deslocou-se para a compreensão das estruturas do sistema de numeração,
propriedades e fatos fundamentais. Dessa forma, uma aprendizagem estruturada começa com
uma coleção de objetos, estabelecimento de correspondências entre eles, ordenação de acordo
com o número de elementos, e a criação de um sistema de símbolos para nomear a quantidade
de elementos do conjunto. Assim, parte-se do conjunto para a correspondência biunívoca, ao
número cardinal e ao ordinal.
Trago Piaget para compreender a proposta. Na idade escolar, posso pressupor que as
crianças já possuem o conceito de classes: primeiro fazem pequenas coleções justapostas,
depois coleções encaixadas, reconhecem a inclusão e efetuam sucessão. A partir daí
introduzem-se as correspondências. Com materiais concretos, formam conjuntos em que
podem acrescentar um novo elemento e obter um novo conjunto maior, além de inventar um
nome ou símbolo para o número desse conjunto.
A decisão cabe ao bom senso de cada professor, ao selecionar, diante das condições
peculiares de sua escola, de seus recursos materiais e humanos, quais as partes e
quais as características do programa que podem ser abordados com maior ou menor
destaque. (SÃO PAULO, 1975b, p. 210).
Havia grande expectativa em relação aos professores na divulgação dos novos métodos de
ensino e esperava-se que algumas horas de treinamento bastassem para que se tornassem
técnicos em procedimentos que facilitariam a aprendizagem na nova abordagem adotada.
Foram convocados, inicialmente, dois ou três professores de cada uma das 18 Divisões
Regionais de Ensino, existentes no Estado, que vieram à cidade de São Paulo com todas as
despesas pagas para participarem do treinamento. Além da abordagem dos novos conteúdos
contidos no Guia, eram explanadas as orientações metodológicas sobre o desenvolvimento em
sala de aula desses conteúdos, com a utilização dos materiais concretos.
Esses professores reproduziriam o treinamento nas suas divisões regionais, pois foram
treinados para servirem como monitores nessas ocasiões, o que atingiria todos os professores
da rede estadual. Podemos pensar que isso introduziu mais um elemento complicador no
processo de expansão e divulgação das novas propostas, que eram os novos conteúdos
matemáticos (teoria dos conjuntos) no programa e a maneira de explorá-los.
Tudo leva a crer que o tema Matemática Moderna nas escolas primárias teve
características peculiares, em relação aos outros segmentos de ensino, provenientes do
consumo das orientações oficiais impostas. As táticas utilizadas pela exigência de
implantação dos novos conteúdos e a metodologia considerada como única “verdade”,
solução para os problemas de aprendizagem na época, produziram novas práticas para o
ensino de Matemática que poderiam ter sido perpetuadas na cultura escolar, e verificadas
ainda hoje.
O movimento imposto pelas alterações propostas nos Guias pode ter incrementado
grande insistência dos professores por sugestões de modelos para trabalhar na nova
perspectiva, isto é, a tradução dos preceitos teóricos em prescrições técnico-pedagógicas. Tal
fato pode ter promovido a profusão de muitas outras publicações, relatando experiências, que
considero, aqui, como táticas, indicando que o ensino primário estava mais ligado a uma
proposta experimentalista, beneficiada pelo uso e ênfase dos materiais manipuláveis, usados
na introdução dos novos conteúdos.
218
Outra estratégia utilizada pelo Estado para o consumo tácito das alterações impostas
nos Guias, foi o incentivo dado à realização de experiências metodológicas com os novos
materiais sugeridos e posterior divulgação. A participação de protagonistas do Movimento na
elaboração e no processo de implementação, legitimava e fomentava os relatos de
experiências bem-sucedidos, com a utilização dos materiais manipuláveis pelos professores.
O cargo ocupado pelas professoras protagonistas do MMM na Secretaria de Educação
permitiu grande circulação das novas práticas e a aceitação delas pelos professores primários,
posto que, como já dito, eram muito conhecidas e respeitadas nesse segmento de ensino.
Numa primeira análise desses documentos, apesar do período político autoritário,
foram criadas várias oportunidades para discussões e reflexões sobre a reforma. Na época,
merecem destaque algumas inovações trazidas pelo tecnicismo para o ensino, que
contribuíram para a evolução das concepções do processo ensino-aprendizagem em nossas
escolas. Dentre elas, a introdução das provas objetivas, do planejamento anual elaborado
pelos professores de acordo com a realidade de sua escola e expressos de maneira organizada,
originando a chamada avaliação quantitativa, que passou a fazer parte da cultura escolar.
O caráter ideologizado dos Guias Curriculares não retira o mérito de ter possibilitado
a aglutinação de educadores em torno das discussões do ensino da Matemática e o
comprometimento dos elaboradores com a defesa de suas convicções, demonstrando profundo
conhecimento e participação, em todas as etapas da elaboração.
Não obstante o documento ter sido elaborado após a divulgação maciça em livros e
periódicos de críticas, referentes às propostas do MMM e seu suposto fracasso, a análise do
Guia revela que o ideário do Movimento continua vivo, embasando as propostas feitas,
embora com restrições ao rigor axiomático.
4.1.3.2 Número: Como ensinar, nas Orientações Metodológicas, nas publicações da Secretaria
Municipal de São Paulo?
Lembro que a análise dos MDCs (1974, 1976, 1977, 1979) visa buscar compreender a
representação construída de como ensinar números, bem como revelar o processo de
construção dos argumentos de convencimento, produzidos pelos elaboradores para a
utilização de nova metodologia para a introdução do conceito, ao anunciarem as mudanças
propostas. Dito de outra forma, que transformações sofre a representação didático-pedagógica
219
É fato que as orientações para o ensino de Matemática foram apropriadas das ideias de
Dienes, que, nessa época, já havia publicado muitos de seus livros no Brasil, nos quais
exemplificou a metodologia proposta e os resultados de seus estudos sobre como a criança
aprende, trazendo muitas sugestões de atividades nessa perspectiva. Talvez, por isso, suas
ideias foram amplamente utilizadas por professores participantes do MMM, que, além de
divulgarem a nova metodologia em cursos para professores da rede pública do Estado de São
Paulo oferecidos pelo GEEM, programaram estudos nessa nova perspectiva para o ensino de
Matemática em escolas privadas, em que desenvolviam projetos68.
68
Lucília Bechara, na Escola Vera Cruz; Antonieta Moreira Leite, no Colégio Nossa Senhora das Graças; dentre
outros.
69
Partindo-se do princípio de que a construção do conhecimento se dá por uma ação do sujeito, em razão da
necessidade de adaptação a uma nova situação, ele surge (se desenvolve) a partir das interações do indivíduo
com o meio. O autor ainda considera que a inteligência está relacionada com a construção de conhecimento, na
medida em que sua função é estruturar as interações do sujeito com o meio. Pensando assim, podemos dizer que
o conhecimento surge de um longo e trabalhoso processo de construção que haure sua substância de diversas
ações do sujeito: ações sensório-motoras, simbólicas (fala, imitação diferida, brinquedo simbólico, imagem
mental) e interiorizadas em sistemas cada vez mais complexos, que coordenam as ações externas, limitadas
primeiramente pela concretude das operações construídas pelo sujeito, expandindo-se depois pelas ilimitadas
possibilidades das operações formais que constituem as condições da criação artística, científica, ética e estética.
(BECKER, 2010,n .p.).
220
lembra que a realidade social, para existir concretamente, precisa ser significada, cabendo às
representações sociais o papel de dar sentidos às práticas; por exemplo, fazer desaparecer os
interesses específicos pelo recurso à universalização dos propósitos inscritos em toda e
qualquer prática social. Dessa forma, a leitura que os elaboradores fazem do passado e das
propostas de Dienes, produzindo uma representação de ensino “antigo” e “moderno”,
compõem um contexto de sustentação, de forma a legitimar e implementar suas propostas.
Como seria essa nova abordagem, produto de apropriações por parte dos elaboradores,
diante das novas teorias da aprendizagem? Qual o novo modelo de atividade “oficial” para a
aquisição das mais elementares noções de Matemática?
Para tentar buscar a representação de como ensinar número, os enfoques da análise das
atividades sugeridas nas publicações foram: objetivos, organização, sequência, priorização e
distribuição dos conteúdos, metodologia, materiais utilizados como suporte e avaliação para
alunos da primeira série do Ensino Fundamental.
70
Curso Moderno de Matemática, de Liberman et al.; Matemática - ensino de 1o grau, de Lamparelli et al., entre
outros.
221
Paulo, que apresenta o seu conteúdo programático a ser desenvolvido em três níveis,
competindo o Nível I à 1a e 2a séries”. (SÃO PAULO, 1976, p. 1)
As atividades analisadas fazem partes das publicações, cada uma contendo em torno
de 300 páginas, e trazem normatizações didáticas às séries inicias da rede pública do
Município, acompanhado de prescrições já veiculadas pelos Guias. Considero que as
publicações também são estratégias da Secretaria de Educação para a implantação do novo
programa de Matemática na escola primária de São Paulo, em consonância com os Guias
Curriculares do Estado de São Paulo, divulgados em 197571. Todas as publicações analisadas
contêm detalhes minuciosos quanto aos novos procedimentos escolares a serem adotados.
71
O recém-criado Sistema Municipal de Ensino da Cidade de São Paulo, naquela época ainda não tinha currículo
próprio e, por esse motivo, acompanhava as diretrizes da Secretaria de Educação do Estado.
222
A apropriação dos elaboradores pode ser observada nas orientações sobre a graduação
da abordagem dos conteúdos em cada série: “Na medida do necessário, o professor retomará
conceitos já dados, mesmo que não estejam explicitados nos objetivos da aula que está sendo
desenvolvida.” (SÃO PAULO, 1977, p. 3). Nesse ponto, posso inferir que, apesar das
tentativas de formação teórica do professor, o tempo foi insuficiente para que este absorvesse
os conceitos teóricos referentes a grupos, anéis, corpos, necessários à construção de conexões
entre os conteúdos, por meio da teoria de conjuntos.
Apesar de todo o discurso das publicações serem apoiadas em Piaget e Dienes, não
encontrei vestígios que pudessem indicar a proposta de ensino de grupos sugeridos pelo autor.
INFORMAÇÕES AO PROFESSOR
Os conjuntos podem ser definidos em extensão e em compreensão. Um conjunto é
definido "em extensão" quando são colocados nele, todos os elementos a que
estamos nos referindo. Exemplo: {a, e, i, o, u}, {1, 2, 3, 4}.
Para definir um conjunto "em extensão", basta um ato de vontade: consideram-se
todos os elementos que se quer. Um conjunto é definido “em compreensão" quando
seus elementos são implícitos ao conjunto, sem que estejam nomeados ou
desenhados. Exemplos: {x ∕ x é vogal. Lê-se x, tal que x é vogal}; {y ∕ y é dia da
semana}; {n ∕ n é número natural}.
(SÃO PAULO, 1977, p. 51).
Operação:
A associação que se estabelece entre um par ordenado de números e um terceiro
número chama-se operação. Quando ao par ordenado (6,3) associamos o:
9, realizamos operação adição;
3, realizamos operação subtração;
18, realizamos operação multiplicação;
2, realizamos operação divisão.
Todas essas operações são binárias, pois para efetuá-las usamos um par ordenado.
A adição não é uma correspondência binária, pois o número 6 é o correspondente
dos seguintes pares (1,5), (2,4), (3,3), (4,2), (5,1).
(SÃO PAULO, 1979, p. 159)
72
As professoras entrevistadas afirmam que a bolsa de estudos na França, oferecidas a educadores brasileiros,
possibilitou maior influência da didática francesa, disseminada pelos grupos de estudos. (MANSUTTI e
BECHARA, 2010).
226
AULA MARÇO
1 Reconhecimento de atributos
2 Reconhecimento de atributos comuns
3 Negação de atributos
4 Utilização de informações
5 Ideia de ordenação
6 Identificação de uma diferença entre os atributos de dois objetos
7 Identificação de uma diferença entre os atributos de mais de dois objetos
8 Conjunto – conjunto e elemento
9 Pertinência
10 Definição de conjunto universo – conjunto unitário
11 Representação gráfica (diagrama de Venn)
12 Conjunto pela negação de atributos
13 Relação
14 Correspondência entre os elementos de dois ou mais conjuntos
15 Relação entre os conjuntos
16 Numeral 1 e 2
17 Fixação dos numerais 1 e 2
18 Numeral 3 e 4
19 Fixação dos numerais 1, 2, 3, e 4
20 Numeral 5
AULA ABRIL
21 Conjuntos de dois ou mais atributos
22 Subconjuntos
23 Conjunto vazio
24 Família dos números 1, 2 e 3
25 Família dos números 4 e 5
26 Fixação das famílias anteriores
27 Relação “maior que” entre quantidades de 1 a 5
227
AULA MAIO
41 Recuperação
42 Recuperação
Fonte: MDC, 1976.
Pensando como Dienes (1969), posso afirmar que a aprendizagem ocorre à medida
que são oferecidas situações artificiais, com conjuntos de objetos físicos que permitem a
concretização de conceitos matemáticos. A ação de observar, manipular e refletir sobre
conjuntos de objetos em jogos propostos resulta na formação de relações matemáticas,
fazendo com que o aluno descubra as estruturas matemáticas envolvidas. Para isso, a
metodologia deve utilizar diferentes tipos de materiais estruturados, com regras determinadas
de acordo com a ideia abstrata que se planeja concretizar.
229
publicações, de maneira geral, restringem-se a sugerir jogos somente com blocos lógicos, ou
com as próprias crianças, como no exemplo abaixo:
Ao observamos as duas primeiras aulas, nota-se que o modelo sugerido indica que
propostas preveem a participação ativa dos alunos em atividades variadas, com complexidade
crescente, explorando conceitos de classificação, predominantemente, atendendo aos
comportamentos reconhecidos. Verifica-se, ainda, que o material estruturado73 adotado
majoritariamente para a concretização das estruturas propostas são os blocos lógicos, que
aparecem desde a primeira aula em atividades que exploram noções de comparação,
73
Os autores apresentam um breve comentário sobre a possibilidade de substituição ou criação de variáveis de
um material estruturado, de acordo com a disponibilidade de recursos da escola. O material manipulável, de
acordo com os elaboradores, pode ser substituído por outro, construído com outro tipo de material pelos próprios
alunos. Dependendo dos recursos disponíveis em cada escola para confecção, há necessidade de substituição de
algumas variáveis do material estruturado por outras. Liberman (2008) relata que nas escolas com poucos
recursos, os blocos lógicos eram construídos pelos alunos em papelão ou cartolina. Nesse caso, era necessário
substituir o atributo espessura (grosso, fino) por outro. Na maioria das vezes, os alunos substituíam a variável
“espessura” pela “com/sem furo”..
231
realizar a atividade investigativa. Nota-se, pois, que a maneira como foram propostas,
confirmam a hipótese da fundamentação da publicação nas ideias de Dienes sobre a
aprendizagem Matemática e a metodologia adequada.
também por atividades que utilizam materiais diferenciados, procurando levar a criança a
descobrir intuitivamente propriedades nas formas.
Outro exemplo de atividade presente nessa etapa pode ser observado na figura 4, que
corresponde à aula 4, em que é explorada a seriação, e a criança é desafiada a completar uma
sequência de acordo com um critério. Nessa perspectiva, a publicação dialoga com Dienes e,
continuando na mesma ótica, propõe atividades que supostamente desenvolvam as estruturas
lógicas do pensamento.
pensadas por Dienes, tendo em vista a insegurança dos professores, em relação a essa nova
forma metodológica, o que desestimulava a circulação deste modelo de exercício.
Em grande medida, as publicações se limitaram a utilizar as representações de
conjuntos com diagramas de Venn, tabelas, esquemas, sem a preocupação de encontrar
semelhanças entre as representações das estruturas dos jogos. Logo, posso dizer que há pouca
exploração de atividades que possibilitassem a descoberta de isomorfismos entre diferentes
jogos, visto a escassez de atividades que abordassem uma mesma estrutura em diferentes
jogos e suas representações.
Dienes também sugere que na quinta etapa do processo de aprendizagem as crianças
deveriam ser expostas a situações artificialmente criadas de modo a possibilitar a discussão da
adequação das representações de estruturas por elas elaboradas. Porém, o planejamento de
situações para esta etapa também é muito difícil e precisou ser reformulada. Para facilitar a
operacionalização, as representações que poderiam ser utilizadas eram limitadas em tabelas,
diagramas de Venn e, mais tarde, o próprio numeral, para representar a propriedade numérica
dos conjuntos equipotentes. Tanto a comunicação da representação criada para os colegas
como a da sua adequação não foram abordadas na publicação. Penso que a solução encontrada
pelos elaboradores para contemplar a quarta e quinta etapas foi utilizar representações
simples, adotadas por todos, em lugar de cada criança construir e discutir a pertinência de sua
própria representação. As autoras atribuem a supressão desse tipo de atividade às dificuldades
decorrentes ao pouco tempo do horário escolar.
Como já mencionei, conforme as orientações “modernas”, o conceito de número é
tratado como uma propriedade de um conjunto de elementos. Para a sua introdução como uma
propriedade dos elementos de um conjunto, deve ser respeitada uma sequência lógica e
psicológica. As atividades abordam, inicialmente, o estudo dos conjuntos de diferentes
tamanhos pelas crianças, que logo se acostumam também a “descobrir” a propriedade
numérica desses conjuntos e a associar um símbolo fixo a todos os conjuntos do mesmo
tamanho.
Geralmente é recomendado começar o estudo de números com uma sequência de
atividades, explorando uma coleção de objetos; o estabelecimento de correspondências entre
objetos; a ordenação de acordo com o número de elementos; e a criação de um sistema de
símbolos para nomear a quantidade de elementos do conjunto. Dessa forma, parte-se do
conjunto (formação e manipulação de objetos para a formação de conjuntos com atributos
comuns; descrição de um objeto por um atributo e pela negação de um atributo; elemento de
um conjunto; identificação de elementos de um conjunto; relação de pertinência; noção de
235
Com a análise das publicações, percebo que os elaboradores atentam para essa
orientação: percebe-se a preocupação de contemplar, pelo menos uma atividade para cada
conceito de classificação, ordenação e conservação com blocos lógicos, antes de associar o
número como propriedade. Contudo, a simbolização convencional da propriedade numérica
dos conjuntos é apresentada concomitantemente a essas atividades. Apesar dos “modernistas”
afirmarem que é necessária a vivência anterior da criança em situações em que possam
manipular diferentes conjuntos em jogos de correspondência termo a termo, classificando-os
com base na equivalência entre eles, estabelecendo uma correspondência biunívoca, e só
depois introduzir a simbolização, as publicações não seguem esta orientação.
pode ser entendida pela criança, após ter domínio das estruturas fundamentais do pensamento,
apresentadas em complexidade crescente e de diferentes maneiras, se possível,
concomitantemente.
74
A partir de um conjunto de objetos dados, a criança deve construir um conjunto equivalente e depois
acrescentar uma peça ao conjunto que acabou de construir. A próxima criança constrói um conjunto equivalente
ao último conjunto formado e em seguida acrescenta uma peça a ele. E assim continua o jogo até o término das
peças.
237
Aqui, cabe mencionar que a propriedade numérica era indicada por jogos de
correspondência, utilizando blocos lógicos. Para essa representação, usavam-se os numerais já
conhecidos pela criança, em lugar da criação de novos símbolos, visto que não aparecem
atividades que incentivem tal possibilidade.
a) O professor deverá elaborar uma ficha diagnóstica para cada bimestre, na qual
será controlado o alcance dos alunos dos objetivos, conforme a listagem bimestral
em anexo.
b) Cada objetivo será avaliado através de vários instrumentos, tais como: conversa
dirigida, representação, gráficos, trabalho em gripo, observação do professor,
provas, etc.
c) O alcance dos objetivos deverá ser registrado conforme a legenda:
– Objetivos atingidos: assinalar
– Objetivos não atingidos: deixar em branco
240
d) Se por uma eventualidade um dos objetivos propostos para o bimestre não for
trabalhado, ele deverá ser retomado no início do bimestre seguinte. (SÃO PAULO,
1978, p. 213).
Além dos modelos de avaliação individual para serem aplicadas bimestralmente, havia
uma ficha de acompanhamento para cada aluno, em que o professor deveria registrar a
situação do aluno em relação aos objetivos propostos.
Chama a atenção os itens a serem avaliados na ficha individual de cada aluno, cujo
formato apresenta uma listagem de objetivos operacionalizados a serem alcançados no
período, demonstrando a preocupação excessiva com o desenvolvimento das estruturas
lógicas, ditas essenciais para aprendizagem Matemática, o que provoca uma nova forma de
avaliar. Podemos supor que esse tipo de avaliação pretendia registrar e permitir concluir quais
alunos poderiam prosseguir, visto que os itens avaliados enfatizavam a aquisição de
habilidades referentes à classificação, conservação e seriação.
10 - Representou graficamente a
6 - Representou simbolicamente
8 - Representou graficamente a
5 - Representou graficamente
intersecção de conjuntos?
2 - Identificou relação de
conteúdo desenvolvido?
4 - Adquiriu a noção de
NOME DO ALUNO
(diagrama de Venn)
subconjuntos?
subconjuntos?
subconjunto?
pertinência?
conjuntos?
conjuntos?
de Venn)
1- José
2- Maria
adotados. Como garantir que o aluno atingiu aos objetivos propostos? De que maneira o
professor observava e atribuía nota? Os critérios muito subjetivos inviabilizavam o
preenchimento, de maneira a auxiliar o aluno com dificuldades, já que não avaliava o
processo, mas sim o resultado, impossíveis de medir.
Em suma, algumas das apropriações das ideias de Dienes, nas publicações, podem ser
indicadas:
242
Manipulação e exploração das regras de jogos Manipulação e exploração das regras do jogo que
que encarnem as estruturas matemáticas encarna as estruturas matemáticas escolhidas a
escolhidas a serem desenvolvidas, serem desenvolvidas com a classe inteira.
individualmente ou em grupos.
Descoberta de isomorfismos entre jogos; fazer Não há propostas para atividades de isomorfismos;
correspondências entre elementos e as ausência de atividades que abordem o jogo do
propriedades análogas, em diferentes jogos. dicionário.
A solução encontrada pelos elaboradores para
contemplar a quarta etapa do processo de
Diferentes jogos representando a mesma
aprendizagem foi utilizar representações simples,
estrutura.
adotadas por todos, em lugar de cada criança uma
própria.
Sem espaço para representações individuais;
Estímulo à criação de representação própria introdução imediata de uma representação coletiva
para representar estruturas e discutir a da estrutura, geralmente, diagrama de Venn, tabelas
pertinência desta representação. e, no caso da propriedade numérica, os numerais
convencionais.
Em todos os estágios as atividades devem ser As atividades não contemplam todas as seis etapas;
planejadas em sequência crescente de ênfase nas três primeiras etapas com foco nos
dificuldade; as propostas de atividades exercícios de relacionamento entre conjuntos e suas
obedecem a uma sequência rígida. propriedades numéricas.
Professor elabora e organiza e a aula de maneira
Professor segue modelo prescrito.
flexível.
Primeiro consideram a propriedade comum aos
Relacionam a quantidade com a representação
elementos do conjunto, sem relacioná-los com
convencional.
sua cardinalidade.
Acompanhamento individual da aprendizagem
dos alunos, seguindo a evolução por meio de
Avaliação subjetiva por objetivos, no final do
fichas de aprendizagem; exercícios individuais
bimestre; com nota.
em forma de jogos ou fichas, no lugar de provas
para sanar dificuldades individuais; sem nota.
Recuperação contínua trabalhadas em fichas Previsão de recuperação nas últimas aulas do
individuais ou em grupos. bimestre.
Atividades de agrupamento em diferentes bases Trabalho somente no sistema de numeração
de numeração. decimal.
Fonte: Elaborada pela autora, a partir da analise do conjunto das publicações.
244
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo dessa tese foi problematizar de que modo foram construídas as propostas
de alterações metodológicas para o ensino do número nas séries iniciais do Ensino
Fundamental, no período entre 1961 e 1979, de modo a tentar compreender como foram
produzidas as representações de “ensino moderno”, fundamentadas no ideário do Movimento
da Matemática Moderna (MMM), nas publicações das Secretarias de Educação de São Paulo.
Também, os modos de produção desses modelos, ou seja, a transformação na representação
didático-pedagógica do conceito de número no período analisado, nas orientações publicadas;
e, mais especificamente, como se deu a apropriação dos estudos de Zoltan Paul Dienes nesses
impressos.
Acredito que o estudo que explore o diálogo entre passado e presente, que procura
compreender as condições que permitiram a produção das representações sobre como ensinar
e aprender Matemática, postas a circular em publicações oficiais, pode subsidiar as
problematizações diárias sobre a prática e possíveis novas propostas, na medida em que
auxilia na atribuição de significados a situações de aprendizagem, às quais somos expostos a
todo o momento e a que respondemos muitas vezes com ações engessadas. Nessa perspectiva,
o exame dos impressos poderá alargar a compreensão dos diferentes processos de apropriação
de um mesmo ideário. Isso implicou seguir e procurar desvendar os processos de apropriação
utilizados pelos elaboradores das publicações, além de caracterizar e diferenciar o MMM no
Ensino Primário.
No Brasil, foram assinados doze acordos MEC-USAID, entre 1964 e 1968 – período
inicial da ditadura militar –, que pressionaram e exigiram racionalização e eficácia na
aplicação de recursos. Os técnicos agiam segundo uma lógica empresarial, marcando toda a
política educacional da época, caracterizada pelo desenvolvimentismo, produtividade,
eficiência, controle e repressão.
Dessa forma, pude relacionar as reestruturações curriculares propostas pelo governo paulista
às mudanças ocorridas a partir dos anos 60 (demanda social, desenvolvimentismo, novos
conteúdos, tecnicismo), em que a Matemática aparece com novas ideias e tentativas de
adequar o currículo a uma nova demanda da sociedade, com a valorização dos conteúdos das
áreas tecnológicas, manifestada na predominância de financiamentos e treinamentos por parte
do governo. Além disso, as reflexões e transformações sobre a Educação no mundo
repercutiam também no Brasil, e a sociedade emergente já sinalizava a carência de adaptações
em todos os campos, inclusive exigindo transformações na escola.
A tendência tecnicista implantada pela Lei 5.692/1971 surge, então, com ênfase nas
tecnologias do ensino, tirando o centro do processo de ensino-aprendizagem do professor e do
aluno e focando-o nos objetivos instrucionais e nas técnicas de ensino, com divisão do
trabalho pedagógico entre os especialistas da Educação. Notam-se preocupações com a
economia de pensamento e o raciocínio rápido, demandados pela sociedade em
desenvolvimento. Em grande medida, a lei corroborava o ideário do MMM, em um período
em que este estava bem consolidado no Ensino Primário.
Destaco aqui o fato de que, nessa época, as ideias defendidas pelo MMM estavam
sendo muito questionadas no mundo. Por outro lado, ainda eram as apropriações desses
pensamentos que alimentavam as produções dirigidas às séries iniciais. Posso atribuir esse
fato à necessidade de atender às determinações decorrentes das leis nacionais de educação,
que exigiam mudanças nas séries iniciais para a adequação às reformulações.
Quanto ao MMM, as pesquisas revelam que são muitas as representações sobre ele,
porém é unânime a ideia de que, ao apresentar uma nova forma de entender e de trabalhar o
ensino e a aprendizagem de Matemática, divulgando uma nova proposta de ensino, esse
Movimento marcou uma ruptura, desencadeando transformações nas práticas tradicionais em
sala de aula. Foram muitas as propostas de mudanças divulgadas, sobretudo na década de
1960. Os adeptos do Movimento, de um modo geral, objetivavam modernizar o ensino de
Matemática, alterando e atualizando os conteúdos e métodos de ensino, incentivando a
participação de professores em eventos em que se discutia o tema.
250
A união indissociável do global com o local levou alguns a compor a noção de glocal,
que designa com correção, senão com elegância, os processos pelos quais são apropriadas as
referências compartidas. Os modelos impostos, os textos e os bens que circulam na escala
planetária para cobrar sentido em um tempo e um lugar concreto (CHARTIER, 2007). Nessa
perspectiva, concordo com Chartier, considerando o MMM um movimento global, que
circulou em várias partes do mundo, porém ressignificado em cada lugar onde foi implantado.
No Brasil, como no mundo, também era grande a pressão por mudanças no ensino da
Matemática. Este processo pode ser explicado, em certa medida, pelo desenvolvimento
interno da disciplina, aliado ao chamado “período áureo – os anos de 1956 a 1961 – do
desenvolvimento econômico do Brasil, aumentando as possibilidades de emprego”
(RIBEIRO, 1986, p. 135).
A política corroborou essa perspectiva e a orientação político-educacional capitalista,
adotada pelo governo, objetivava a preparação de um maior contingente de mão de obra para
ingresso imediato ao novo mercado de trabalho. As novas funções disponíveis exigiam o mais
rápido possível a adaptação dos cidadãos a essa nova dinâmica da vida social e ao novo
mercado de trabalho.
Assim, as mudanças no ensino defendidas pelo MMM eram as mais adequadas a essa
nova conjuntura. Mesmo com toda diversidade de interpretação, o ideário propagado pelo
MMM adequava-se perfeitamente à política econômica adotada pelo País, impulsionando o
privilégio na divulgação dessas ideias nas publicações oficiais destinadas a professores do
período.
A demanda em relação à formação técnica e de cientistas, “capacitando-os para o
trabalho”, pressionava a escola: o ensino de Matemática precisava adequar-se e modernizar-
se. A sociedade exigia acesso às descobertas e obrigava pesquisadores e professores a
problematizarem o ensino de Matemática numa dimensão mais utilitária, com a possibilidade
da compreensão da disciplina por um número maior de cidadãos. Muitos acreditavam que a
resolução dos novos problemas sociais e econômicos, surgidos com o desenvolvimento
industrial, viria pelo aumento da qualidade e da quantidade de cientistas e técnicos, e com a
qualificação mínima científica para os cidadãos comuns. O ensino da Matemática deveria ser
uma ferramenta que contemplasse tais objetivos.
Estudando o Movimento e cotejando os trabalhos de Baraldi (2003), Rosa (2006) e
Nakashima (2007) com as entrevistas de protagonistas do MMM, indiquei que, apesar da
origem europeia, foram os investimentos do governo norte-americano no ensino de
Matemática os grandes responsáveis pela divulgação do Movimento de reforma pelo mundo,
251
Dessa forma, as ideias defendidas pelo MMM foram divulgadas, por meio de
documentos e cursos para professores, a toda a rede de ensino paulista. Isto pode ser
explicado, em grande medida, pela rede de sociabilidade trançada entre os professores
defensores do Movimento, com o patrocínio da SEE, que adotou o discurso.
Algumas pesquisas como as de Medina (2007) e Villela (2010) contribuíram para a
formulação de algumas considerações sobre o MMM nas séries iniciais. As autoras constroem
um cenário, no qual a Matemática vem com novas ideias e tentativas de adequar o currículo a
uma nova demanda da sociedade. Verifica-se, nesse período, a valorização dos conteúdos das
áreas tecnológicas, com predominância de financiamentos e treinamentos por parte do
governo. Assim, posso inferir que nesse quadro político de expansão e pressão da sociedade
por aumento de vagas, foi-se traçando um momento propício a reformulações e estruturação
do sistema público de ensino paulista. Essas considerações me permitiram compreender
porque o ideário do MMM foi incorporado na produção de documentos oficiais, que
buscaram parametrizar o ensino de Matemática nas séries iniciais das escolas paulistas.
O Plano Estadual de Educação de São Paulo deu início às reformas necessárias. O
Estado, obrigado a ampliar sua rede de ensino, incorporou cerca de 30 mil novos professores
entre 1960 e 1970. Tudo indica que a necessidade de adequação dos conteúdos às fases de
desenvolvimento da criança, ao atendimento da nova clientela, aos novos professores e à
abordagem estruturalista da Matemática, incentivaram a contratação de protagonistas do
Movimento, como as professoras Anna Franchi, Lucília Bechara e Manhucia P. Liberman,
entre outros membros, para a implementação das reformas pretendidas, visto que estas já
trabalhavam nessa perspectiva.
Outro componente que mostra as apropriações do ideário e caracteriza o Movimento
no ensino nas séries iniciais é a presença explícita das ideias de Zoltan Dienes na
fundamentação da metodologia proposta. Segundo Medina (2007), pode-se observar um
diferencial nas propostas dos “modernistas” para o Ensino Primário, após a visita deste
matemático ao Brasil e a tradução de seus livros. Os documentos oficiais publicados
revelaram a consistência em relação a essas novas teorias e demonstraram o objetivo de
informar as novas metodologias disponíveis aos professores.
Depois de reler e analisar as pesquisas sobre o MMM nas séries iniciais, entrecruzando
com as entrevistas realizadas, publicações e aprofundamento nos estudos sobre a expansão e
reestruturação do Ensino Primário, no período entre 1960 e 1980, em São Paulo, pude indicar
alguns fatores que levaram às apropriações do ideário do MMM, realizadas pela equipe de
elaboradores desses documentos. Para isso, considerei as reformas do ensino, por sua vez,
253
Destaco também como fator primordial para o consumo tácito das alterações impostas
nos documentos, o incentivo à realização de experiências metodológicas com os novos
materiais sugeridos nos documentos. A participação de protagonistas do Movimento na
elaboração dos impressos, deliberações e normatizações para o Ensino Primário, legitimava e
incrementava os relatos de experiências bem-sucedidos com a utilização dos materiais
manipuláveis, propagados por Dienes e pelos professores.
Chamou-se a atenção para a dificuldade encontrada pelos professores primários ao
tentar compreender e operacionalizar a proposta de tratar a Matemática como uma estrutura
única, uma vez que nunca tinham vivenciado a disciplina como tal. Assim, viu-se que a
divulgação das experiências de sucesso, realizadas em cursos de capacitação para professores,
projetos-pilotos como a da escola Vera Cruz, fundamentados nas ideias de Dienes, das
classes-pilotos do IMEP, Experimental da Lapa, entre outros, para os professores da rede
pode ser considerada como estratégia para implantação das propostas.
Lembra-se que, nessa época, grande parte da bibliografia publicada para o Ensino
Primário, como periódicos e comunicações em congressos, cursos de capacitação, etc.,
priorizavam os relatos de experiência sobre novas metodologias e sugestões de atividades
para a introdução dos novos conteúdos e utilização do material concreto. Logo, a divulgação
das atividades de projetos experimentais que desenvolviam a nova metodologia também pode
ser entendida como estratégia das Secretarias de Educação, numa tentativa de adequar de
maneira mais rápida e cômoda, os professores ingressantes na rede, complementando sua
formação com as novas ideias sobre aprendizagem infantil e uso de materiais manipuláveis
com destreza e eficiência.
Posso ainda inferir que os elaboradores das publicações traduziram preceitos teóricos
em metodologias aplicáveis em sala de aula. A maior parte das metodológicas sugeridas para
as séries iniciais foi constituída a partir das redes de relações estabelecidas pelos autores em
intercâmbios e contatos originados da apropriação das ideias de Dienes, retiradas dos vários
congressos e leituras que circulavam pelo mundo.
Não posso deixar de mencionar as visitas de Dienes, ao Brasil, que deixou uma grande
quantidade de seguidores e muito material, além de ter ministrado vários cursos. A partir de
suas ideias, o MMM começou a ter uma nova visão. Seus trabalhos foram considerados como
solução para os exageros que se cometiam em nome do Movimento, principalmente nas séries
iniciais.
Quando os trabalhos do autor chegam ao Brasil, trazem consigo uma crítica à maneira
como foram implantadas as ideias “modernistas”, isto é, de maneira muito formalista e
257
abstrata. A ideia, segundo ele, deveria estar relacionada em tornar vivas as estruturas
matemáticas, e trazer os materiais estruturados para as aulas da disciplina.
É importante ressaltar também que as obras de Dienes publicadas no País, a partir da
década de 1960, foram amplamente divulgados por educadores matemáticos pertencentes a
grupos de estudos que corroboravam com o ideário do MMM. A apropriação das ideias de
Dienes por estes professores participantes destes grupos que elaboraram as publicações
expedidas pela SME e SEE, como Manhucia Liberman, Lucília Bechara, Anna Franchi e
Amábile Mansutti, educadores brasileiros envolvidos com o MMM, produziram o contexto de
sustentação de modo a buscar nas ideias de Dienes alternativas de operacionalizar a
abordagem estruturalista para a introdução do conceito de número para crianças.
Convém ainda notar o deslocamento do olhar do educador das séries iniciais
provocado pelas sugestões metodológicas postas nas publicações. Antes a preocupação
voltava-se para o currículo e o ensino de Matemática. Após a divulgação das idéias de Dienes,
por meio principalmente das publicações com orientações aos professores, há ênfase para a
aprendizagem das crianças e, consequentemente para maneira de ensinar, isto é, os interesses
de aprofundamento dos estudos de como as crianças aprendem de acordo com as fases de
desenvolvimento cognitivo e da metodologia mais adequada para cada uma delas.
É fato que todo esse movimento de preocupação e aglutinação dos professores das
séries iniciais, em torno de alterações em sua prática pedagógica, foi originado, em grande
medida, pela veiculação e circulação de novos modelos nas publicações destinadas a
professores das séries iniciais, sugerindo novas maneiras de ensinar.
O estudo das publicações revelou, de modo geral, que a opção pela metodologia
defendida por Dienes intencionava tornar o currículo proposto pelo MMM mais próximo das
práticas do professor e possibilitar a utilização de materiais concretos, pelas crianças, na
construção de conceitos abstratos, sugerindo caminhos para a renovação, não nos conteúdos
dos programas de ensino, mas na forma com que os professores ensinavam nas primeiras
séries escolares. A preocupação, pois, deslocava-se para o “como” o conteúdo era ministrado
ao aluno.
Há um diferencial nas propostas dos “modernistas” para o Ensino Primário, após a
visita de Dienes ao Brasil e a tradução de seus livros. Os documentos oficiais publicados
revelam a consistência em relação a essas novas teorias e demonstram o objetivo de informar
os professores as novas metodologias disponíveis. Talvez as ideias de Dienes sobre os
processos de aprendizagem tenham alimentado os argumentos oficiais de convencimento dos
professores a aceitarem a nova realidade da rede em expansão. A inserção da nova clientela,
258
caracterizada pela heterogeneidade, exigia novas ideias sobre ensino, aprendizagem, material
didático, mobiliário, professor, aluno, etc., em outras palavras, mudanças de todos os
elementos do processo ensino aprendizagem.
É fato que as sugestões metodológicas propostas por Dienes tentavam mostrar ao
professor como trabalhar as estruturas matemáticas para crianças. Foi construída uma
representação para obter sucesso, atrelada à realização das atividades sugeridas nas
publicações. Assim, seguindo as orientações metodológicas, quanto à sequência de lições e
jogos com o uso de materiais variados, de acordo com as possibilidades de abstração de
conceitos matemáticos em cada fase de desenvolvimento, a compreensão do conceito de
número pela criança seria facilitada.
Cotejando os documentos oficiais, as publicações com subsídios para professores e as
entrevistas realizadas, foi possível mostrar que os livros As seis etapas da aprendizagem e
Aprendizado Moderno da Matemática fundamentaram todas as propostas de reformulação
curricular do período estudado, fazendo circular a representação de como ensinar, construída
por Dienes, como sendo a metodologia recomendada pelos órgãos oficiais de ensino.
Uma das novidades trazidas pelo autor para a didática da Matemática é a revelação da
necessidade de uma “Matemática anterior” à escolar, do ponto de vista pedagógico. Trata-se
de uma “pré-Matemática”, que explora atividades condizentes com o período de
desenvolvimento psicológico da criança.
Dienes concretiza as ideias de Piaget em forma de uma nova metodologia e produz
uma grande literatura, demostrando como ensinar Matemática. Assim como Piaget, ele
acredita que o conhecimento matemático resulta de uma ação interativa e reflexiva do homem
com o meio em que vive, possibilitando a construção e combinação de estruturas lógicas de
complexidade crescente. Dienes (1967) sugere maneiras de ensinar com atividades que
corroboram as teorias piagetianas sobre a construção do pensamento.
O estudo também indicou que as ideias de Dienes trouxeram implicações na maneira
de conceber o número, que incidem na forma de como se deve ensinar Aritmética. A
metodologia de ensino sugerida, como atividades com jogos em grupo, pouco usuais na
época, distinguia-se do método tradicional e, por isso, foi utilizado como um diferencial,
divulgado como fator de sucesso na representação construída pelo autor. Posso também
considerar que as propostas do autor impeliram muitas mudanças: na organização dos
conteúdos escolares, na espacial da classe, no mobiliário escolar, material escolar, etc.
Outro contexto de sustentação para implementação das inovações, muito utilizado na
época, foram os cursos oferecidos aos professores, cuja repercussão, aliada ao entusiasmo
259
75
PMSP - Coletânea de apostilas para 1ª série, 1969. PMSP - MDC, de 1973, 1974, 1977, 1978, entre outros.
260
fortaleciam a representação construída pelo Movimento para suas propostas como sendo a
melhor alternativa para todas as escolas de São Paulo, cidade em pleno desenvolvimento.
Assim, os professores que atuavam profissionalmente, fundamentados no ideário do
MMM, foram incorporados às equipes governamentais, designadas para elaborar guias e
currículos para orientar professores da rede para as mudanças pretendidas.
Após a publicação do novo programa da escola primária (1969), fazia-se urgente a
implantação da reorganização do currículo e programas do Estado. O programa trouxe as
novas diretrizes governamentais de democratização da escola primária paulista e, também, a
“nova Matemática”, defendida pelo MMM, tanto que a equipe da Secretaria responsável pela
elaboração era formada exclusivamente por membros do GEEM.
Nota-se que este programa procurou anunciar as mudanças sem alarde, visto que uma
nova representação de Escola Primária pretendida exigiria mudanças significativas. Assim, as
teorias educacionais trazem novidades sobre currículo, planejamento, objetivos gerais e
específicos, adequação às fases de desenvolvimento infantil e o tratamento estrutural para a
Matemática, com novos conteúdos para o ensino. Muitas vezes, o programa insinua a
necessidade de novas práticas, trazendo influências piagetianas, porém a extensa lista de
conteúdos contradiz essa afirmação.
Relativamente às tentativas de justificar a reorganização utilizando as ideias de Piaget
como argumento, estas não convencem, dada a superficialidade de como é tratada, sem
aprofundamento da discussão, nem esclarecimento ao professor sobre essa “nova” teoria e
“como ela ajuda o professor”, ou como poderia ser aplicada no ensino. De maneira geral, a
nova organização retrata a mesma fragmentação dos programas anteriores, criticada pelos
autores, na medida em que não há discussão sobre como utilizar os conceitos unificadores
para explorar os conteúdos paralelamente, com aprofundamento gradativo e interligado.
Nota-se que a equipe elaboradora, em sua maioria divulgadora das propostas de
Dienes, não utiliza suas orientações nesse primeiro programa. Não há sugestões de atividades
utilizando materiais concretos como suporte; preferem não trazer os materiais estruturados,
para o programa, talvez para evitar debates desgastantes, que prejudicassem a implementação
das reformas.
Quanto à abordagem do conceito de número, esse programa não traz grandes
novidades. Nas 1a e 2a séries, a ampliação dos campos numéricos está ligada às propriedades
de conjuntos, muito implicitamente, enquanto no nível II, a teoria dos conjuntos pode permear
todos os conteúdos, se o professor tiver repertório para tal; isto é, o trabalho já se inicia pelas
relações de operadores numéricos.
262
ideário original do MMM, praticada no ensino secundário, o que pode ser explicado pela
exigência de uma metodologia alternativa para o ensino para crianças.
Outra diferença dos Guias é a distribuição dos temas, que ocupam igual espaço,
inclusive a Geometria, que é tratada como um conhecimento imprescindível para a
compreensão do mundo físico. Mas não é só. Na comparação com o Guia anterior, são muitas
as rupturas. Em relação aos conteúdos, há alterações na distribuição, que difere da tradicional,
o que, de acordo com os autores, visa adequá-los numa distribuição coerente com o
desenvolvimento da criança e às novas possibilidades decorrentes da expansão escolar para
oito anos.
Destaca-se, também, a introdução de atividades lógicas envolvendo o domínio de três
estruturas cognitivas básicas, sem as quais a construção do número não é possível:
conservação (invariância do número), seriação (relação de ordem entre os elementos) e
classificação (inclusão de um elemento num outro mais amplo que o contenha).
Há, ainda, a recomendação dos autores para o desenvolvimento dos conteúdos
propostos de maneira totalmente intuitiva, das primeiras até a última série, com a manipulação
de materiais didáticos convenientes, a utilização da linguagem de conjuntos como um meio
auxiliar na resolução de problemas específicos e o incentivo à experimentação de métodos,
para a resolução de problemas, o que também é considerado um grande diferencial da
proposta.
Caracterizam os Guias, a importância atribuída ao uso de materiais didáticos, além do
pressuposto de que o sucesso no alcance dos objetivos propostos depende do uso correto dos
materiais manipuláveis, possibilitando a passagem de um nível de abstração mais elevado de
forma mais segura.
Além disso, a “Matemática nova”, proposta nesses documentos, baseia-se no emprego
dos conjuntos, operações com conjuntos e nas estruturas lógicas, abordados em linguagem
informal, intuitiva e concreta. Fica subtendido que a ênfase deve ser na estrutura dos novos
conceitos e não nos novos símbolos.
Indica-se que os fundamentos da Aritmética na escola elementar devam iniciar com a
formação e manipulação de coleções, grupos, classes ou coleções de objetos pelas crianças em
atividades de observação para determinação de características comuns entre eles; adota-se o
conceito de número como uma propriedade comum aos conjuntos; e chama-se de número do
conjunto a propriedade comum aos conjuntos, sua quantidade, sua pluralidade, sua
numeralidade ou sua potência.
266
Outra inovação decorrente dessa abordagem foi a exploração das operações como
funções. A ênfase deslocou-se para a compreensão das estruturas do sistema de numeração,
propriedades e fatos fundamentais. Dessa forma, uma aprendizagem estruturada começa com
uma coleção de objetos, estabelecimento de correspondências entre eles, ordenação de acordo
com o número de elementos e a criação de um sistema de símbolos para nomear a quantidade
de elementos do conjunto. Assim, parte-se do conjunto para a correspondência biunívoca, ao
número cardinal e ao ordinal. Também é posta a ideia de que a introdução do sistema de
numeração decimal deve partir de atividades de manipulação e observação de coleções de
objetos, generalização por seleção, abstração e depois conceituação.
Na idade escolar, posso pressupor que as crianças já possuem o conceito de classes:
primeiro fazem pequenas coleções justapostas, depois coleções encaixadas, reconhecem a
inclusão e efetuam sucessão. A partir daí, introduzem-se as correspondências. Com materiais
concretos, formam conjuntos em que possam acrescentar um novo elemento em um conjunto
e obter um novo conjunto maior, além de inventar um nome ou símbolo para o número desse
conjunto.
Observando as sugestões das atividades sugeridas para exploração das operações
percebo uma sequência, que é também respeitada nos Subsídios: a conduta pedagógica
adotada intenta propor situações em que as crianças compreendam o sentido cardinal e ordinal
de número. A noção de ordinal está implícita na contagem mecânica e a noção de cardinal
será construída a partir da formação de conjuntos, das classes de coleções equipotentes
representados pelos diagramas. A união dessas duas noções é constatada pela criança quando
percebe que a cada coleção ou classe de coleções ela pode associar um elemento da contagem
mecânica. Então, surgem as escritas (aditiva, associada à união; subtrativa, associada ao
complemento; etc.); depois, vem a aprendizagem do cálculo, quase sempre apoiada na
exploração de materiais, com destaque para as técnicas operatórias. As operações são
abordadas, por meio das operações entre conjuntos; a progressão adotada separa nitidamente o
estudo da adição e da subtração; e a multiplicação aparece intercalada entre eles.
E quanto às publicações da SME? Qual a representação de como ensinar números, que
transformações sofre a representação didático-pedagógica do conceito de número, no período
analisado (1961-1979), nas orientações publicadas aos professores?
De maneira geral, as estratégias dos impressos destinados aos professores, de modo a
garantir as transformações, assemelham-se às utilizadas em todas as publicações desse
momento. O estudo apontou que, em grande medida, as transformações metodológicas,
oficializadas primeiramente nos Guias, já circulavam entre os professores, por meio da
267
literatura cinzenta e dos livros didáticos. Percebo ainda uma mistura de tendências, que posso
compreender como uma apropriação não só das ideias de Dienes, como também da circulação
de estudos sobre ensino e aprendizagem.
Levando-se em consideração que a implantação dos Guias mostrou-se complexa para
os professores, as publicações da SME procuravam facilitar sua leitura, apresentando
exemplos concretos de aplicação em sala de aula. Além de confirmar as finalidades dos
Guias, forneciam informações teóricas e considerações gerais sobre a metodológica sugerida
para cada conteúdo.
Os argumentos para convencimento encontram-se, na maioria das vezes, na Introdução
das publicações, na qual os autores procuram produzir a urgente necessidade de mudanças no
ensino, de modo a abarcar as demandas contemporâneas e superar problemas do “ensino
antigo”. A estratégia para convencimento da pertinência da nova proposta e novos métodos de
ensino sustenta-se na crítica ao antigo, indicando limitações e enaltecendo o novo.
Nesse sentido, o discurso argumentativo foi balizado na ideia de modernidade
necessária ao ensino, na representação de um programa com base psicogenética, nos mais
recentes estudos em relação à reforma da Educação Matemática, e na necessidade
contemporânea da abordagem estruturalista adotada para a Matemática.
É interessante ressaltar que o Estado não deu conta de cumprir as promessas de
formação teórica de todos os professores, preparando-os para as mudanças. Apesar das
tentativas de formação teórica do professor, o tempo foi insuficiente para se absorver os
conceitos teóricos referentes a grupos, anéis, corpos, necessários à construção de conexões
entre os conteúdos, por meio da teoria de conjuntos. Fato que pode explicar o consumo,
utilizado pelos professores, em relação às prescrições. Em geral, a tática utilizada, foi explorar
a teoria de conjuntos, como um conteúdo isolado, reproduzindo os modelos disponibilizados e
não como um facilitador, de modo a tratar a Matemática como uma estrutura única.
Na visão estrutural da Matemática, a nova proposta sugere uma sequência de
atividades, enfocando, inicialmente, atividades que explorem as noções de classificação,
conservação, seriação. Assim, pode-se dizer, grosso modo, que os elaboradores apropriam-se
das ideias consideradas “modernas”, que defende uma pedagogia ativa. Antes da introdução
do conceito de número, são organizadas atividades lógicas, em situações artificialmente
criadas, utilizando-se materiais estruturados que possibilitem a ação do aluno, de modo a
chegar à descoberta de novas estruturas.
A abordagem do conceito de número é iniciada com a construção das estruturas
lógicas simples, sem as quais, os “modernistas” acreditam não haver possibilidade de
268
e as relações entre eles. De maneira geral, as atividades sugeridas com os blocos lógicos são
de lógica ou para a concretização da propriedade numérica dos conjuntos. A principal
intenção didática desse tipo de atividade é a familiarização da criança com os protocolos da
nova metodologia.
Tudo leva a crer que há uma preocupação didática na proposição de atividades,
respeitando as etapas do processo de aprendizagem, conjugada à sequência recomendada para
o ensino, revelando as apropriações das ideias de Dienes. Chama ainda a atenção a
preocupação em planejar atividades, seguindo as seis etapas do processo de aprendizagem,
definidas pelo autor. Contudo, as publicações não deram conta de prescrever atividades para
todas as seis etapas do processo de ensino e aprendizagem.
Em grande parte, as publicações propõem atividades que exploram basicamente as três
primeiras etapas do processo de ensino e aprendizagem. Quanto àquelas referentes à quarta
etapa, as propostas limitam-se a utilizar as representações de conjuntos com diagramas de
Venn, tabelas, esquemas, sem a preocupação de encontrar semelhanças entre as
representações das estruturas dos jogos. Logo, posso dizer que há pouca exploração de
atividades que possibilitassem a descoberta de isomorfismos entre diferentes jogos, visto a
escassez de atividades que abordassem uma mesma estrutura em diferentes jogos e suas
representações.
Tanto as atividades que exploram a representação criada pelas crianças e a da sua
adequação não foram abordadas nas publicações. Penso que a solução encontrada pelos
elaboradores para contemplar a quarta e quinta etapas, foi utilizar representações mais
simples, adotadas por todos, em lugar de cada criança construir e discutir a pertinência de sua
própria representação. Em entrevistas, as autoras atribuem à supressão desse tipo de atividade
às dificuldades decorrentes do pouco tempo do horário escolar.
Em suma, o conceito de número é tratado como uma propriedade de um conjunto de
elementos. Para a introdução do conceito como uma propriedade dos elementos de um
conjunto, deve ser respeitada uma sequência lógica e psicológica. Dessa forma, as atividades
abordam inicialmente o estudo dos conjuntos de diferentes tamanhos pelas crianças, que logo
se acostumam também a “descobrir” a propriedade numérica desses conjuntos e a associar um
símbolo fixo a todos os conjuntos do mesmo tamanho.
Em quase todas as publicações analisadas, é recomendado começar o estudo de
números com uma sequência de atividades, explorando uma coleção de objetos, o
estabelecimento de correspondências entre objetos, a ordenação de acordo com o número de
elementos, e a criação de um sistema de símbolos para nomear a quantidade de elementos do
270
conjunto. Analisando essas recomendações, posso inferir que as publicações atentam para
essa orientação. Percebe-se a preocupação de contemplar, pelo menos uma atividade para
cada conceito de classificação, ordenação e conservação com blocos lógicos, antes de associar
o número como propriedade.
A representação didático-metodológica do conceito de número sofre várias mudanças.
Nas publicações, os elaboradores pressupõem que, didaticamente, o ensino, por meio da teoria
dos conjuntos, proporciona facilidade para construir e reproduzir concretamente as estruturas
lógicas, com materiais estruturados para este fim. Em tese, depois da vivência das crianças em
atividades explorando as estruturas lógicas, pode-se combiná-las, transformando-as em outras
mais complexas e, mais tarde, facilmente aplicá-las nos conjuntos numéricos. Uma grande
referência metodológica para essa representação é o uso de materiais concretos nas atividades.
Assim, gradativamente, conforme as recomendações do “ensino moderno”, a
manipulação dos materiais concretos é deixada de lado, passando à concretização por
raciocínio operatório, chegando à simbolização, usando linguagem ou símbolos numéricos,
isto é, a representação simbólica das propriedades abstratas.
Aqui, cabe mencionar que a propriedade numérica era indicada por jogos de
correspondência, utilizando blocos lógicos. Para a representação dessa propriedade numérica
usavam-se os numerais já conhecidos pela criança, em lugar da criação de novos símbolos,
visto que não aparecem atividades que incentivem tal possibilidade.
Outro modelo de atividade muito recorrente que marca a concepção de ensino,
fundamentado no ideário do MMM, envolve a ênfase dada à diferenciação entre número e
numeral. É solicitado à criança representar a propriedade numérica de conjuntos, de diferentes
maneiras e combinações. Nota-se que, intuitivamente, são exploradas as propriedades das
operações por meio da prática, baseado na compreensão da estrutura do sistema de numeração
adotado. As elaboradoras argumentavam que as crianças, aprendendo a contar de maneira
concreta, manipulando intuitivamente a estrutura do sistema de numeração, poderiam
empregar números, mais inteligentemente em situações subsequentes.
Uma diferença a ser destacada dos trabalhos de Dienes nas publicações é o papel
assumido pelas escritas aditivas, subtrativas, etc., no trabalho com as operações, que antes
eram abordadas apenas por meio de conjuntos.
Tudo indicou que o detalhamento minucioso de um plano de cada aula, contendo
inclusive possíveis intervenções do professor, acompanhado do respectivo procedimento de
avaliação, pode refletir a necessidade de controle da implantação do programa da rede
pública. É fato que a maneira de avaliar o aluno, subjetivamente como proposto no modelo
271
era muito diferente do utilizado pelos professores, o que pode ter produzido mais uma
resistência na implantação.
Chamam a atenção os itens a serem avaliados na ficha individual de cada aluno. O
formato da ficha, com a listagem de objetivos operacionalizados a serem alcançados no
período, demonstra a preocupação excessiva com o desenvolvimento das estruturas lógicas,
ditas essenciais, para a aprendizagem Matemática, provocando uma nova forma de avaliar.
Posso supor que esse tipo de avaliação pretendia registrar e permitir concluir quais alunos
poderiam prosseguir, visto que os itens avaliados enfatizavam a aquisição de habilidades
referentes à classificação, conservação e seriação.
Posto assim, a nova perspectiva de avaliação sobre a aprendizagem do conceito de
número exigia do professor uma imparcialidade impossível. O preenchimento da ficha era um
ato muito subjetivo, em virtude da falta de precisão e clareza dos critérios que deveriam ser
adotados. Logo, a avaliação da metodologia ficou prejudicada em razão da imprecisão da
avaliação da aprendizagem dos alunos.
Finalmente, posso dizer que a publicação forneceu material de natureza didática e
formativa, na medida em que oferecia ao professor, para cada conteúdo proposto, o modelo de
organização e a maneira de como abordá-los dentro do programa oficial de Matemática,
procurando facilitar seu trabalho e, ao mesmo tempo, controlar o andamento do plano.
Em síntese, cotejando as sugestões dos modelos de atividades com a bibliografia
aconselhada e os objetivos a serem alcançados, podemos atribuir a Dienes a fundamentação
para a produção da representação adotada de como ensinar, com ênfase na metodologia, por
meio de jogos estruturados, com a criança agindo em situações criadas artificialmente, de
acordo com seu desenvolvimento psicológico, explorando concretamente a construção de
conceitos, processos de formação do pensamento abstrato e o desenvolvimento das estruturas
Matemáticas.
Posso indicar que a orientação para a introdução do conceito de número, de forma
geral, seguia a seguinte sequência nas publicações: parte-se de atividades que explorem
conjuntos, elementos de um conjunto, identificação de elementos de um conjunto, relação de
pertinência, noção de subconjunto, relação de inclusão, para a correspondência biunívoca, ao
número cardinal e ao ordinal.
Ainda, posso inferir que a mistura de tendências de como ensinar, presentes nas
publicações durante o terceiro período, aliados à apropriação das ideias de pedagogos e
psicólogos, pode ser compreendida ao considerar a necessidade de atender à nova clientela
inserida na rede pública, caracterizada pela heterogeneidade. Nesse novo cenário, muitas
272
mudanças seriam necessárias, ou seja, novas ideias para dar conta em atender diferenças
individuais. Ou seja, a expansão da rede exigia novas ideias sobre ensino, aprendizagem,
material didático, mobiliário, papel do professor, aluno, etc., ou melhor, construção de novas
representações para todos os elementos do processo ensino aprendizagem.
Os processos de apropriação são frutos de diversos fatores. No caso das séries iniciais,
além dos contextos de sustentação mencionados, a participação de professores na elaboração
da prática de sala de aula, como Manhucia Liberman, Ana Franchi, entre outros,
possibilitaram a ressignificação de algumas ideias do MMM, já questionadas por diversos
grupos de estudos. Embora as reformas curriculares em tempos do MMM tenham sido
organizadas, conforme diretrizes da comunidade acadêmica de Matemática, as publicações
analisadas mostram a tentativa de adequação da proposta às crianças.
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Primária do Estado de São Paulo. São Paulo: SEE, 1969.
______. Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. Grupo escolar experimental Dr.
Edmundo Carvalho. 3ª Delegacia de ensino elementar – Capital. Problemas de organização do
290
______. Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. Grupo escolar experimental Dr.
Edmundo Carvalho. 3ª Delegacia de ensino elementar – Capital. Planejamento de ensino.
Curso primário. Área de matemática, São Paulo: SEE, 1971b.
SÃO PAULO (Município). Decreto Lei no 306, de 4 de fevereiro de 1956. Dispõe sobre a
criação do ensino elementar do Município de São Paulo, 1956.
______. Estatísticas escolares básicas – Ensino de 1º e 2º Grau. São Paulo: SEE, 1975d.
ANEXOS (CD)
Anexo 1
DIENES, Z. P.; GAULIN, C.; LUNKENBEIN, D. Un programme de mathématique pour
Le niveau Élementare (1ère partie). Bulletin de l’ A. M. Q., v. 11, n. 1, p. 42-44, jan.
1969d. Disponível em: <http://newton.mat.ulaval.ca/amq/archives/1969/1/1969-1-
part10.pdf>. Acesso em: 22 jul. 2012.
Anexo dois
SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Educação. Departamento de Educação. Chefia do
Ensino Primário. Programa da Escola Primária do Estado de São Paulo – Versão
preliminar. São Paulo, 1968. 74 p.
Anexo 3
SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Educação. Departamento de Educação. Chefia do
Ensino Primário. Programa da Escola Primária do Estado de São Paulo - Nível 1. São
Paulo, 1969. 160 p.
Anexo 4
SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Educação. Grupo Experimental Dr. Edmundo
Carvalho. Curso de matemática. São Paulo, 1968a. 3 p.
Anexo 5
SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Educação. Grupo Experimental Dr. Edmundo
Carvalho. Taxionomia dos objetivos operacionais. São Paulo, 1969a. 9 p.
Anexo 6
SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Educação. Matemática na escola elementar:
instrução Matemática. São Paulo, 1969. 11 p.
Anexo 7
SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Educação. Grupo Escolar Dr. Edmundo de Carvalho.
Objetivos operacionais. Matemática I. São Paulo, 1970. 3 p.
Anexo 8
SÃO PAULO (Estado). 10ª Delegacia de Ensino Básico da Capital. SOP - Setor Regional
de orientação Pedagógica. SEROP. Matemática - Multiplicação e divisão no conjunto dos
números Naturais, 1970. 13 p.
Anexo 9
SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado dos Negócios da Educação. Coordenadoria do
Ensino Básico e Normal – Divisão de Assistência Pedagógica. Planejamento de ensino
da área de Matemática para as primeiras serie do curso fundamental. Caderno VII,
1971. 22 p.
Anexo 10
SÃO PAULO. SME. IMEP. Execução do Plano de uma Escola Integrada de oito (oito)
anos. São Paulo, 1971/1972.
Anexo 11
SÃO PAULO. SME. Divisão de Orientação Técnica. Fundamentação Psicológica para o
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