Capitulo06 Horvath
Capitulo06 Horvath
Capitulo06 Horvath
Os primórdios
A longa história do estudo das anãs brancas começou com uma observação
de F. Bessel em 1844. Ao determinar cuidadosamente as órbitas de Sirius e
Procyon, Bessel constatou que existiam desvios periódicos sistemáticos, e propôs a
existência de "companheiras escuras" não detectadas. Nas décadas seguintes,
algumas candidatas a "companheira escura" foram finalmente detectadas, com
magnitudes bastante elevadas. Em particular, 40 Eridiani B foi objeto de estudo
aprofundado e, para surpresa geral, Russell, Pickering e Fleming mostraram em
1910 que esta estrela era do tipo espectral A (ou seja, com temperatura efetiva
entre 7500-10000 K, muito "branca"). Isto não correspondia em absoluto à
expectativa para uma estrela de magnitude muito fraca (Holberg, 2009).
ℏ ℏ 𝑁 1/3
∆𝑝 ≥ ~ . (6.1)
2∆𝑥 22/3 𝑉 1/3
∆𝑝 2 ℏ2 𝑁 2/3
𝐸𝐾 = ~ . (6.2)
2𝑚 27/3 𝑉 2/3 𝑚
Por tanto, a energia interna U é simplesmente
ℏ2 𝑁 5/3
𝑈 = 𝑁 𝐸𝐾 = . (6.3)
27/3 𝑉 2/3 𝑚
Esta última relação é importante pelo fato seguinte: de forma totalmente geral, a
Termodinâmica nos permite encontrar a pressão (variável de estado do gás)
diferenciando a energia interna U respeito do volume a entropia constante, já que a
energia interna é um dos potenciais termodinâmicos do sistema. Em soma
𝜕𝑈
𝑃 = − 𝜕𝑉 . Temos assim
𝑆=𝑐𝑡𝑒
ℏ2 𝑁 5/3
𝑃 = 24/3 3𝑉 5/3 𝑚 (6.4)
Vemos que, a exemplo dos casos mais gerais, é necessária uma relação entre P e 𝜌
(a equação de estado), tal como as obtidas para o gás degenerado. Para efeitos de
um tratamento geral, costuma-se definir uma forma politrópica 𝑃 = 𝐾𝜌Γ , caso
geral que compreende os limites 𝑃 ∝ 𝑛5/3 e 𝑃 ∝ 𝑛4/3 relevantes para nosso caso.
Algumas manipulações matemáticas deixam o problema mais simplificado e
tratável: por exemplo, o expoente Γda equação de estado politrópica pode ser
substituído por outro escrevendo Γ = 1 + 1 𝑛, este último chamado de índice
politrópico𝑛.
ρ = 𝜌𝑐 Θ𝑛
𝑟 = 𝑎𝜉 (6.6)
1 1/2
𝑛 + 1 𝐾𝜌𝑐 𝑛 −1
𝑎=
4𝜋𝐺
1 𝑑 𝑑Θ
𝜉 2 𝑑𝜉 = −Θ𝑛 (6.9)
𝜉 2 𝑑𝜉
Θ ξ=0 =1
Θ′ ξ = 0 = 0
𝑑𝑃
A primeira advêm do fato que 𝜌 𝑟 = 0 = 𝜌𝑐 , e a segunda descreve que 𝑑𝑟 = 0 no
centro, caso contrário teríamos gradientes de pressão (forças) onde 𝑀 ≈ 0.
Em posse das soluções gerais da equação de Lane-Emden, e por ora supondo que
as funções Θ são bem comportadas e possuem um zero em 𝜉 = 𝜉1 para qualquer
valor do índice 𝑛; podemos, manipulando as fórmulas (3.10) e (3.11), achar a
relação geral entre massa e raio do modelo politrópico
𝑛+1 𝐾 𝑛/(𝑛−1)
(3−𝑛 )
𝑀 = 4𝜋𝑅 (1−𝑛 ) 𝜉1 |Θ′ (ξ1 )| (6.12)
4𝜋𝐺
5 3
𝛤=3 𝑛=2 ; 𝜉1 = 3.65375 ; 𝜉12 Θ′ 𝜉1 = 2.71406 (6.13)
4
𝛤=3 𝑛=3 ; 𝜉1 = 6.89685 ; 𝜉12 Θ′ 𝜉1 = 2.01824 (6.14)
𝜌𝑐 −1/6 𝜇 −5/6
𝑅 = 1.122 × 104 𝑒
𝑘𝑚 (6.15)
10 6 𝑔 𝑐𝑚 −3 2
𝜌𝑐 1/2 𝜇 −5/2 𝑅 −3 𝜇 −5
𝑒 𝑒
𝑀 = 0.4964 𝑀⊙ = 0.7 𝑀⊙ (6.16)
10 6 𝑔 𝑐𝑚 −3 2 10 4 𝑘𝑚 2
𝜌𝑐 −1/3 𝜇 −2/3
𝑅 = 3.347 × 104 𝑒
𝑘𝑚 (6.17)
10 6 𝑔 𝑐𝑚 −3 2
𝜇 𝑒 −2
𝑀 = 1.457 𝑀⊙ (independente de R !) (6.18)
2
Temos então modelos analíticos para as anãs brancas que nos dizem que os raios
aumentam conforme a massa considerada se reduz (!), fato que decorre do caráter
degenerado da matéria e que está quantificado na relação (6.16). Além disso, no
limite de alta densidade atingimos um máximo da massa para as estrelas desta
seqüência, e para esta massa máxima o mínimo do raio (já que a massa máxima
corresponde à máxima densidade, eq. 6.17). As anãs brancas mais massivas têm
raios comparáveis ao raio terrestre, e "empacotam" quase uma massa solar e meia.
Uma comparação gráfica é mostrada na Fig. 6.5. Não resulta estranho que a
emissão de fótons (∝ 𝑅 2 ) seja fraca, como observado.
Fig. 6.5. Uma idéia gráfica do tamanho relativo de uma anã branca de alta
densidade respeito do Sol, em escala aproximadamente correta.
2
ℏ𝑐𝑁 1/3 𝐺𝑁𝑚 𝐵
𝐸= − (6.19)
𝑅 𝑅
ℏ 3/2
𝑁𝑚𝑎𝑥 ≅ 2 ~ 2 × 1057 (6.20)
𝐺𝑚 𝐵
A massa máxima associada (ou seja, 𝑀(𝑁max ) ≡ 𝑀𝑚𝑎𝑥 ) é
𝐸𝐹 ≅ 𝑚𝑐 2 (6.22)
ℏ ℏ 1/2
𝑅𝑚𝑎𝑥 ≅ 𝑚𝑐 2 (6.23)
𝐺𝑚 𝐵
O fato das anãs brancas terem sido detectadas nos começos do século 20 é
outra prova da afirmação feita no começo do Capítulo a respeito da sua abundância
na galáxia. Sirius B, 40 Eridiani B e outras anãs brancas em binárias são apenas
exemplos da presença destes objetos nas vizinhanças da Terra. Existem muitas
outras, boa parte delas isoladas, e algumas com magnitudes <12, acessíveis a
qualquer telescópio amador. Não é nada difícil encontrar e observar anãs brancas.
A Fig. 6.6 mostra o caso do estudo do aglomerado NGC 6791, onde as cores e
luminosidades são utilizadas para identificar as anãs brancas nascidas dos
progenitores do tipo solar que já completaram sua evolução. Com amostras deste
tipo é possível estudar as anãs brancas e problemas conexos, por exemplo, a
determinação da própria idade do aglomerado através da amostra das anãs
brancas.
Fig. 6.6. As anãs brancas pertencentes ao aglomerado globular NGC 6791. Com
imagens de alta qualidade a identificação é bastante simples (as candidatas são os
pontinhos nos círculos) e pode-se estender o estudo obtendo espectros
complementares.
𝐿 𝐹𝐷 2
𝐹 𝐷 = 4𝜋𝐷 2 → 𝑅2 = 𝜍 𝑇 4 . (6.24)
𝑒𝑓𝑓
Fig. 6.9. Os diagramas M-R teóricos vs. os dados das anãs brancas próximas. A
curva superior corresponde a uma composição de carbono, e a inferior de ferro.
Segundo a teoria da Evolução Estelar, é impossível ter anãs brancas de ferro,
embora empiricamente esta parece ser a solução indicada. Por esta razão se faz
imprescindível uma reavaliação das distâncias, já que se espera que os pontos
observados migram verticalmente e correspondam às expectativas teóricas (Suh e
Mathews, 2000).
Com a construção de bases de dados crescentemente completas, foi possível
classificar as anãs brancas utilizando seus espectros. Esta classificação é mostrada
na Tabela 6.1. Existem complicados mecanismos evolutivos que resultam na
transformação de alguns tipos em outros, mas não serão aqui discutidos, já que
envolvem a física da difusão de elementos químicos e outros problemas que
extrapolam o alcance deste texto.
Este trabalho é indicativo de que as idéias básicas da Evolução Estelar não estão
terrivelmente erradas. Outros casos de (múltiplas) anãs brancas em aglomerados
tem sido publicados, e implicam limites algo menores para a massa do progenitor
na Seqüência Principal (mas certamente acima de 6 𝑀ʘ ). Uma grande fonte de
incerteza em este problema é o da perda de massa no Ramo das Gigantes e/ou o
AGB, fator que poderia fazer com que estrelas que deveriam explodir formem anãs
brancas (talvez até umas 10 𝑀ʘ ). Por outro lado, se a maior massa que forma anãs
brancas fosse muito baixa, haveria conflito bastante sério com o número de
supernovas observado.
Fig. 6.11. A distribuição de massas obtida por Kepler et al. (2007). Vários máximos
possivelmente associados com cada canal de formação estão presentes.
A ausência de reações nucleares nas anãs brancas indica que desde seu
nascimento somente devem se desfazer do conteúdo de energia térmica. Assim é
necessário formular uma teoria do esfriamento, com o intuito de estudar a
população da galáxia como um todo. Felizmente, e graças à simplicidade da
estrutura, a teoria elementar do esfriamento resulta muito simples. Começamos
com a definição da luminosidade estelar, identificada com a variação da energia
térmica interna 𝐸𝑡 , e a utilização da regra da cadeia para fazer aparecer a
temperatura do caroço isotérmico 𝑇𝑐
𝜕𝐸𝑡 𝜕𝑇𝑐
𝐿=− (6.25)
𝜕𝑇𝑐 𝜕𝑡
1 𝑀 𝜕𝑇𝑐
𝐿 = 6.4 × 107 𝐴 𝑀 (6.26)
ʘ 𝜕𝑡
𝑑𝑇 3 𝐿 𝜅
= 4𝑎𝑐 4𝜋𝐺𝑀 𝑇 3 (6.27)
𝑑𝑃
𝜅 = 𝜅0 𝜌𝑇 −7/2 (6.28)
É nesse ponto supomos que a pressão degenerada e a pressão do gás normal são
iguais, porque queremos achar as condições da transição. Isto permite encontrar
5/2
uma relação entre a pressão e a temperatura, que resulta em 𝑃𝑐 ∝ 𝑇𝑐 .
5/2
Substituindo (6.28) e 𝑃𝑐 ∝ 𝑇𝑐
na (6.27) podemos separar variáveis e integrar
membro a membro, com o resultado
𝐿 𝑀 𝜇 4×10 23 𝑇𝑐 7/2
= 1.7 × 10−3 𝑀 (6.29)
𝐿ʘ ʘ 𝜇 𝑒2 𝜅0 10 7 𝐾
Fig. 6.12. A seqüência de anãs brancas em M4. Uma magnitude absoluta mínima de
𝑀𝑉 ~ 16.5 sugere um limite para a idade do disco, limite absoluto para a idade da
anã branca mais velha na amostra.
1/3
𝜌
(𝑍𝑒 )2 / 𝑟 𝑍2 10 6 𝑔 𝑐𝑚 −3
Γ= = 2.3 𝑇𝑐 ≈ 180 (6.31)
𝑘 𝐵 𝑇𝑐 𝐴 1/3
10 7 𝐾
Pouco tempo depois Landau refina sua visão deste assunto, mostrando que as
densidades envolvidas devem superar às do núcleo atômico e que a massa máxima
estaria limitada, para o caso de um gás de nêutrons degenerado livre, pelo valor
0.7 𝑀ʘ , um fator ~2 menor que o originalmente previsto. A exemplo das anãs
brancas, as estrelas de nêutrons constituem um exemplo extraordinário do papel
da Mecânica Quântica na Astrofísica contemporânea, agora no regime de alta
densidade (e pouco antes de produzir buracos negros...). Estes cálculos foram
repetidos posteriormente com o auxílio das equações de estrutura relativística de
Tolman, Oppenheimer e Volkoff (ou TOV, obtida em 1939) e confirmados na sua
totalidade. A exemplo da equação de equilíbrio hidrostático (4.4), estes três
pesquisadores conseguiram uma versão que inclui as correções da Relatividade
Geral
𝑃 𝑃
𝑑𝑃 𝐺 (𝜌+ 2 )(𝑀+4𝜋𝑟 3 2 )
=− 𝑐
2𝐺𝑀
𝑐
(6.32)
𝑑𝑟 𝑟 2 (1− )
𝑟𝑐 2
𝑃
a qual se reduz à versão newtoniana desde que os termos da pressão (que não
𝑐2
contribui para a o campo gravitacional em aquela, mas que o faz na RG) sejam
2𝐺𝑀
descartados e na aproximação não-relativística ≪ 1. É precisamente aqui
𝑟𝑐 2
onde vemos a razão pela qual se faz necessário utilizar a RG: enquanto para uma
estrela ordinária, ou até para uma anã branca a quantidade adimensional
2𝐺𝑀 2𝐺𝑀
≤ 10−4 , para uma estrela de nêutrons em geral ≈ 0.1 e este fator precisa
𝑟𝑐 2 𝑟𝑐 2
𝑑𝑀
ser levado em conta. A equação da conservação da massa = 4𝜋𝑟 2 𝜌 tem a
𝑑𝑟
mesma forma na RG. Naturalmente a (6.32) é bem mais difícil de resolver que a
(4.4), já que esses termos dificultam muito a matemática, além de também
precisarmos uma equação de estado 𝑃(𝜌). Contudo, existem alguns modelos
simples que respeitam todo o que é "desejável" para uma solução fisicamente
relevante (finitude na origem, existência de um zero para a coordenada radial, etc.)
e que foram estudados pelo próprio R. Tolman e um grande número de
pesquisadores ao longo de quase um século (Delgaty e Lake, 1998).
𝜕 𝜖
𝑃 = 𝑛𝐵2 𝜕𝑛 = 𝑃𝑛 + 𝑃𝑒 + 𝑃𝐿 (6.33)
𝐵 𝑛𝐵
𝑒 −𝑗𝜇𝑟
𝑉𝐵𝐽 = 𝑗 𝐶𝑗 + 𝑉𝑇 (6.34)
𝜇𝑟
𝜖 𝑀𝑒𝑉
= 236 𝑛1.54 𝑝𝑎𝑟𝑡 í𝑐𝑢𝑙𝑎 + 𝑚𝑝 𝑐 2 (6.35a)
𝑛
𝜕 𝜖 𝑀𝑒𝑉
𝑃 = 𝑛2 = 364 𝑛2.54 (6.35b)
𝜕𝑛 𝑛 𝑓𝑚 3
Para densidades ainda mais elevadas (2 − 3 𝜌0 ), a idéia de "potencial" falha (já que
é bem clássica), e resulta necessário calcular a energia por núcleon com técnicas
𝜖 𝜕 𝜖
sofisticadas para obter e logo a seguir a pressão segundo 𝑃 = 𝑛2 𝜕𝑛 . Esta
𝑛 𝑛
dificuldade provoca que, segundo a inclusão de espécies mais massivas (híperons
Λ e muitas outras) conhecidas do laboratório, e o tipo de tratamento executado,
existam diferenças substanciais nas equações de estado no regime mais denso, que
detém > 90% da massa da estrela. Esta situação se ilustra na Fig. 6.14.
Por último, resulta possível que nas densidades relevantes os graus de liberdade
nem sejam aqueles que conhecemos da Física Nuclear convencional. Existem fortes
evidências, tanto teóricas quanto experimentais, de uma transição de fase onde os
núcleons liberam seus constituintes fundamentais, quarks e glúons, em condições
de temperatura e pressão extremas. Enquanto os experimentos do RHIC e LHC
exploram principalmente a região "quente" de alta temperatura e baixo potencial
químico (e conseqüentemente baixa densidade, já que em primeira aproximação
𝜌 ∝ 𝜇 4 para a matéria relativística), o domínio da astrofísica é uma região "fria"
próxima do eixo dos 𝜇, devido a que nem as maiores temperaturas possíveis (~
dezenas de MeV) nos colapsos de supernovas são ainda muito pequenas quando
comparadas com a energia de Fermi 𝜇. Por várias décadas houve melhoras nos
experimentos para atingir a região do QGP, e finalmente esta fase foi
aparentemente detectada nas colisões de íons pesados. Não sabemos até que ponto
estes quarks são necessários para explicar os interiores das estrelas de nêutrons
(Weber, 1999).
3 4𝜋 1/3 𝐺𝑀 2
𝐸𝐺 = − 5 . (6.36)
3 𝑉 1/3
𝜕𝐸𝐺
Segue-se da (6.36) que a 𝑃𝐺 = − = 𝐶 × 𝑀2/3 𝜌4/3 , onde 𝐶 é uma constante.
𝜕𝑉
Observamos que esta “EoS gravitacional” tem a mesma dependência com a
densidade que um gás ultra-relativístico. Assim, 𝑃𝐺 = 𝑃𝑀 é impossívelquando as
partículas que fornecem a pressão ficam ultra-relativísticas (!), já que aí as
pressões são paralelas. No caso concreto das anãs brancas, a EoS dos elétrons
começa como 𝑃 ∝ 𝜌5/3 , e então existem soluções para cada massa constante (Fig.
6.15). Porém, quando a massa aumenta e os elétrons ficam mais relativísticos,
deixa de haver soluções em algum ponto já que 𝑃𝐺 e 𝑃𝑀 têm a mesma inclinação.
Somente quando acontece a neutronização e os próprios nêutrons fornecem a
pressão é que a EoS ganha inclinação de novo, e com isto as soluções de equilíbrio
voltam a existir. Isto, porém, acontece para 𝜌 ≥ 𝜌0 , e assim o ramo das estrelas de
nêutrons é estabelecido sem que haja nenhuma solução (estrela) no meio caminho
em densidade. Vemos que da análise puramente newtoniana é possível inferir as
características fundamentais desta classe de objetos.
Fig. 6.15. A existência de soluções em equilíbrio é possível somente quando a
inclinação da EoS fria e da “EoS gravitacional” são diferentes. A passagem do gás de
elétrons não relativísticos para o gás de elétrons ultra-relativísticos provoca o fim
da seqüência de modelos estáveis. Não é até depois de atingida a densidade de
saturação que a matéria, agora dominada pelos nêutrons, consegue mudar de novo
a inclinação e estabilizar as estrelas de nêutrons (Horvath, 2011).
1/2
4.6×10 14 𝑔 𝑐𝑚 −3
𝑀 = 3.2 𝑀⊙ (6.37)
𝜌𝑇
Este valor pode então ser considerado um limite absoluto, desde que não há como
introduzir nenhum ingrediente físico que faça a EoS violar a causalidade.
Obviamente os efeitos da rotação, por exemplo, podem aumentar levemente o
valor do máximo, mas na casa de 10 − 20%. Veremos que os modelos realísticos de
estrelas de nêutrons efetivamente mantém a massa máxima da seqüência abaixo
deste valor.
Fig. 6.16. A relação massa-raio das anãs brancas e estrelas de nêutrons na mesma
escala. As 3 massas limite definidas no texto estão indicadas com linhas vermelhas.
3
𝑀2 𝑠𝑒𝑛 2 𝑖 𝒯𝑣 3
𝑓 𝑀1 , 𝑀2 , 𝑖 = 2 = 2𝜋𝐺∥ . (6.38)
𝑀1 +𝑀2
2
onde o coeficiente corresponde a radiação emitida por um dipolo rotante em
3𝑐 2
vácuo. Pesquisas posteriores alertaram para o fato que o campo elétrico induzido
por este dipolo rotante é tão gigantesco que um vácuo não é possível em torno da
estrela de nêutrons: elétrons e prótons são arrancados da superfície pelo campo
elétrico induzido, e formam uma região em torno ao pulsar onde a dinâmica das
partículas é dominada pelo campo magnético, que recebe assim o nome de
magnetosfera.
Contudo, supondo que somente o dipolo contribui para frear a rotação, e que o
campo magnético não muda ao longo da vida da estrela, podemos integrar no
tempo a eq.(6.39) com o resultado
Ω Ω 𝑛 −1
𝑡 = − (𝑛−1)Ω 1 − Ω 𝑛 −1 (6.40)
𝑖
Em relação aos "outros" tipos de estrelas de nêutrons que apontamos na Fig. 6.21,
o tipo mais extremo é chamado de magnetar. Nas décadas seguintes à descoberta
foram identificadas algumas fontes que, além de apresentar uma emissão em raios
X ≫ 𝐼ΩΩ (ou seja, que não podem obter a energia da emissão observada da sua
energia rotacional, a qual resulta insuficiente), têm períodos longos≥ 1 𝑠 e valores
das derivadas bem acima daquelas dos pulsares ordinários (~10−10 𝑠 𝑠 −1 ). Assim,
a eq.(6.41) mostra que seus campos magnéticos devem ser 1014 − 1015 𝐺, e por
esta razão ficaram conhecidos como magnetares. Esta classe de fontes também é
observada em raios 𝛾, muitas vezes na forma de surtos e intensa atividade (Fig.
6.22). A idéia do modelo do magnetaré que a dissipação súbita da energia
magnética é a responsável por esta fenomenologia. O modelo se aplicou ao grupo
chamado de Soft-Gamma Repeaters e Anomalous X-Ray Pulsars (SGR-AXP),
considerados manifestações diferentes de estrelas de nêutrons com campos
magnéticos extremos (Woods e Thompson, 2006). Porém, existem detecções
recentes como a do SGR 0418+5729, com campo magnético estimado de
7.5 × 1012 𝐺, bastante inferior aos outros, e são às vezes detectados em rádio. Isto
faz repensar o cenário dos magnetares, já que com um campo tão baixo assim não
seria possível extrair suficiente energia rotacional para explicar a emissão X
observada.
A longa história da idéia de buraco negro tem dois precursores ilustres bem
no fim do século 18 (!). Com intervalo de poucos anos, o inglês J. Michell e o francês
Pierre-Simon de Laplace discutiram a possibilidade de estrelas escurasbaseados
em idéias newtonianas a respeito da velocidade de escape de corpúsculos de luz
desde a superfície estelar. Note-se que estes argumentos se baseiam no conceito
newtoniano da natureza corpuscular da luz, caso contrario não haveria como a
gravitação de Newton atraí-la. Mas apesar desta característica enviesada, o
raciocínio de Michell e Laplace abriu a porta para o estudo moderno dos buracos
negros e merece uma discussão (Horvath e Custódio, 2013).
O diagrama de Carter tem no eixo vertical a "densidade" dos objetos. Isto parece
um pouco estranho, já que acabamos de dizer que a matéria não está presente e
que colapsou dentro do raio de Schwarzschild. Mas sempre resulta possível definir
3𝑀 2𝐺𝑀
uma densidade formal 𝜌𝐵𝐻 = 4𝜋𝑅 3 , a qual combinada com a definição 𝑅𝑆 =
𝑆 𝑐2
1
implica que 𝜌𝐵𝐻 ∝ . Os buracos negros de massas ≫ 106 𝑀⊙ , chamados de
𝑀2
supermassivos (como aquele do centro da nossa galáxia em Sgr A*) são muito
menos densos que a água, enquanto um mini-buraco negro de massa ≪ 𝑀⊙ é
muito mais denso que uma estrela de nêutrons.
Até a segunda metade do século 20 esperava-se que buracos negros isolados não
fossem muito interessantes. Já aqueles que sofrem acresção de uma companheira
(caso estelar) ou do meio circumstelar (caso dos supermassivos) apresentam um
grande interesse, como veremos a seguir. Mas mesmo aqueles que não possuem
companheira foram estudados e um resultado muito interessante foi obtido a
respeito deles: o campo gravitacional muito intenso perto do horizonte tem a
propriedade de provocar que as flutuações do vácuo (Fig. 1.2 do Capítulo 1) se
assimetrizem, e uma das partículas do par seja às vezes absorvida atrás do
horizonte, enquanto a companheira "órfã" escapa do sistema. Somando todas as
contribuições se tem que o espectro total é térmico, com uma temperatura (de
Hawking) inversamente proporcional à massa do buraco negro (Fig. 6.27)
2𝐺𝑀
∆𝑥 ≈ 𝑅𝑆 = (6.43)
𝑐2
ℏ ℏ ℏ𝑐 2
∆𝑝 ≈ ∆𝑥 = 2𝑅 = . (6.44)
𝑆 4𝐺𝑀
ℏ𝑐 3
A energia do fóton típico resulta assim 𝐸𝛾 = ∆𝑝𝑐 = 4𝐺𝑀 . Associando uma
temperatura 𝑇𝐻 a esta energia característica temos que (a menos de um fator
numérico 4𝜋 que não pode ser facilmente obtido)
ℏ𝑐 3
𝑇𝐻 = (6.45)
8𝜋𝐺𝑀
𝑀⊙ 𝑜
𝑇𝐻 = 10−7 𝐾 (6.46)
𝑀
Da eq. (6.46) fica evidente que a radiação de Hawking é muito fraca e totalmente
inobservável, a menos que o buraco negro que evapora esteja próximo do sumiço
total. Esta foi uma das sugestões do próprio Hawking, quem propôs monitorar
surtos de raios gama muito breves como sinal do final da evaporação.
Porém, existe outro contexto no qual a radiação de Hawking pode ser muito
importante: no destino dos buracos negros primordiais, produzidos muito cedo na
história do Universo. Existem vários mecanismos possíveis para que os buracos
negros se formem, no mais simples (colapso de grandes flutuações da densidade),
∆𝜌
o mecanismo candidato deve ser capaz de criar flutuações ≥ 1/3 na matéria
𝜌
primordial quase-homogênea. As flutuações hoje detectadas em uma variedade de
escalas através do monitoramento da radiação cósmica de fundo (isto é, as
flutuações da temperatura são as observadas, e estas refletem flutuações na
densidade na época) são da ordem de 10−5 , é possível que existam flutuações
como as requeridas mas permanecem "escondidas". Independentemente disto,
podemos discutir como seria a evaporação dos buracos negros no contexto
cosmológico. A emissão Hawking, identificada com a de um corpo negro com
temperatura 𝑇𝐻 provoca uma perda de energia do buraco
𝑑𝑀 𝐴
= − 𝑀2 . (6.48)
𝑑𝑡
Por outro lado, os buracos negros primordiais estão em um meio muito energético
e absorvem partículas e radiação do ambiente. Um cálculo completo da seção de
choque (que leva em conta que a gravitação do buraco negro aumenta a seção
27𝜋
geométrica) resulta em 𝜍 = 𝑅𝑆2 . Este efeito de absorção somente pode ser
4
importante na chamada era da radiação, quando a matéria começa a dominar a
expansão o fluxo de energia que cai no buraco negro é insignificante. Utilizando a
4
seção de choque e usando que 𝐹 ∝ 𝑐𝜌𝑟𝑎𝑑 ∝ 𝑇𝑟𝑎𝑑 temos, supondo que os buracos
negros são diluídos e não dominam a dinâmica do Universo, a equação mais
completa
𝑑𝑀 𝐴 4
= − 𝑀 2 + 𝐵𝑀2 𝑇𝑟𝑎𝑑 (6.49)
𝑑𝑡
𝑀 ≡ 𝑀𝐻 ≈ 5 × 1014 𝑔 (6.50)
A inclusão da energia absorvida nos leva a definir uma curva chamada de massa
crítica 𝑀𝐶 𝑡 que separa as regiões onde o buraco negro absorve energia ou
𝑑𝑀
evapora (Fig. 6.27), que resulta de fazer = 0 na eq.(6.49) (Custódio e Horvath,
𝑑𝑡
1998). A massa crítica é uma propriedade do meio e, na era da radiação, tem o
valor
𝑇0
𝑀𝐶 𝑡 = 1026 𝑔 (6.51)
𝑇𝑟𝑎𝑑 𝑡
O fato que alavancou o estudo empírico dos buracos negros foi a descoberta dos
quasares nos anos de 1960 (mais detalhes no Capítulo 8), já que a fonte de energia
apontava para um mecanismo altamente eficiente de emissão. Os buracos negros
de massas gigantescas foram então seriamente considerados. Foi por esta época
que o físico John Archibald Wheeler protagonizou um importante "golpe
publicitário" quando, em uma palestra no ano de 1967 chamou às soluções com
horizonte de eventos de black hole (embora houvesse antecedentes para este
nome) em vez de "estrelas congeladas" como se denominavam na Rússia. O nome
mudou totalmente o conceito destes objetos, e a consideração dos quasares os
trouxe para o domínio da realidade, sem que deixassem de ser interessantes para a
matemática.
Enquanto este livro é redigido está em andamento uma iniciativa ambiciosa que
pretende imagear as vizinhanças do horizonte de eventos de um buraco negro.
Assim seria possível observar diretamente as distorções das imagens e até
comparar várias possibilidades que decorrem das diferentes teorias da gravitação
contra a predição da RG. É evidente que isto requer uma enorme resolução
angular, já que um buraco negro é pouco mais que um ponto. Estas observações
são conduzidas pela rede chamada Event Horizon Telescope com a maior linha de
base possível, da ordem do diâmetro terrestre (Fig. 6.30, vide o site
https://eventhorizontelescope.org/ ). A resolução angular pretendida de
≈ 𝜇𝑎𝑟𝑐𝑠𝑒𝑐 é necessária para produzir imagens do tipo da mostrada na mesma
figura, permitindo estudar, por exemplo, eventos de entrada de gás/estrelas no
horizonte de eventos com precisão.
Fig. 6.30. Esquerda: O Event Horizon Telescope com alguns dos instrumentos
indicados, com o objetivo de produzir imagens com resolução de ≈ 𝜇𝑎𝑟𝑐𝑠𝑒𝑐,
suficiente para "enxergar" o buraco negro supermassivo no centro da nossa galáxia
em Sgr A* em 1-2 anos.
Passamos agora a descrever as duas categorias de buracos negros das quais temos
uma quantidade de informação (a primeira, já discutida, é a dos primordiais mas
permanece sem confirmação). A mais próxima espacialmente e abundante é a dos
buracos negros remanescentes das estrelas de grande massa, possivelmente
aquelas que tinham umas ~25 𝑀ʘ ou mais. Embora este limite inferior é incerto,
existe um forte consenso para acreditar que, acima de um valor limiar, o caroço de
ferro e a dinâmica da explosão decorrente não poderão sustentar uma estrela de
nêutrons e o resultado será um buraco negro de massa estelar. Do ponto de vista
observacional, a própria natureza dos buracos negros sugere que somente haverá
possibilidades de observá-los com sucessos quando membros de sistemas binários.
Estes podem ou não estar em estados de acresção, dependendo da evolução da
companheira e da órbita. Mas para aqueles sistemas nos quais é possível
determinar uma massa para o objeto compacto, o limite de Rhoades-Ruffini eq.
(6.37) fornece um teste bem confiável para sabermos se aquele é uma estrela de
nêutrons ou um buraco negro. A Fig. (6.32) mostra um diagrama de um conjunto
de binárias onde esta determinação foi possível. Os objetos listados são os
candidatos a buraco negro, já que ultrapassam com folga o valor de Rhoades-
Ruffini (explicitamente indicado) e ficam assim identificados.
Fig. 6.32. Candidatos a buraco negro em sistemas binários (extraída de
https://stellarcollapse.org/bhmasses). Todos os sistemas têm massas inferidas
superiores à massa limite de Rhoades-Ruffini (linha vertical azul), daí sua
identificação. Note-se a ausência de candidatos de baixa massa, e o valor máximo
de ~15 𝑀ʘ para os objetos galácticos.
Fig. 6.34. Surtos de raios X como teste da presença de buracos negros. Esquerda:
um surto típico , onde a contagem aumenta pelo menos um fator 10 e volta ao
estado inicial depois de uns 2 minutos. Direita, o diagrama 𝐿 − 𝑃𝑜𝑟𝑏 para um
conjunto de fontes. A separação em dois grupos de luminosidade diversa é
evidente, e acontece com independência do 𝑃𝑜𝑟𝑏 . Os da parte inferior são
identificados como buracos negros.
Além da classe de buracos negros de massa estelar, temos agora evidência da
presença no Universo de buracos negros chamados de supermassivos, com massas
≥ 106 𝑀ʘ . Esta classe não era cogitada antes dos anos 1960, e foi precisamente a
descoberta dos quasares a que provocou seu estudo. Estes desenvolvimentos serão
analisados no Capítulo 8, mas vamos tratar aqui brevemente um desses monstros
cósmicos que apresenta grande interesse por estar localizado no centro da nossa
própria galáxia.
O estudo do cetro da nossa galáxia não é nada fácil, já que a região está fortemente
obscurecida por poeira e gás. Existem algumas "janelas" de baixa extinção nas
quais a observação é mais simples e efetiva, e naturalmente resulta possível
utilizar comprimentos de onda infravermelhos e ondas de rádio para estas
pesquisas. Com o acúmulo de informação ao longo do tempo ficou claro que o
parsec central contém uma população estelar muito interessante, além de objetos
compactos e remanescentes de supernova. Precisamente o estudo do movimento
das estrelas mais centrais permitiu identificar a presença de um objeto compacto
supermassivo utilizando o método já explicado da Terceira Lei de Kepler. A Fig.
(6.35) mostra as órbitas de duas estrelas particularmente úteis (S0-2 e SO-102),
pois têm períodos relativamente curtos e foram bem determinadas depois de mais
de 15 anos de observações (Ghez et al., 2008). A aplicação direta da Lei de Kepler
mostra que praticamente no foco das elipses (marcado com uma estrela) um
objeto de massa calculada em 3.5 × 106 𝑀ʘ . Não há qualquer sinal em nenhum
comprimento de onda que revele a presença deste objeto, e por isto acredita-se
que é um buraco negro de massa gigantesca. Existem outras propostas que
resultam, por sua vez, mais exóticas que a do buraco negro. Como esta presença de
buracos negros supermassivos existe em um número enorme de galáxias, o
consenso em favor desta hipótese fundamentada nas observações cinemáticas é
muito grande.
Fig. 6.35. O centro da Via Láctea (chamado de Sgr A*), indicado com a estrela
branca, e várias órbitas de estrelas em torno dele.
Estes habitantes dos centros galácticos revelam-se muitas vezes ativos, dando
origem aos chamados AGNs (Capítulo 8). Mas é claro que o centro da Via Láctea
não é um núcleo galáctico ativo. Isto se deve a que a queda de matéria é somente
esporádica, em contraste com os seus parentes cosmológicos. Contudo, foi possível
imagear diretamente alguns centros de galáxias externas e conferir que os buracos
estão presentes, em alguns casos até formando sistemas múltiplos (Fig. 6.36).
Finalmente vamos discutir uma classe de fontes descobertas em 1994 por L.F.
Rodríguez (UNAM, México) e F. Mirabel (IAFE, Argentina) e que trouxe uma
perspectiva completamente diferente dos buracos negros mais próximos. Mirabel e
Rodríguez observaram Cyg X-1, um objeto que mostrou a presença de jatos
relativísticos e lóbulos de rádio similares aos observados nos AGNs (Fig. 6.38,
esquerda), mas com uma escala muito menor. A distância inferida para Cyg X-1 é
de uns 8 kpc. Logo a seguir, os mesmos pesquisadores conseguiram mostrar que
uma segunda fonte (GRS 1915) apresenta o chamado movimento superluminal
(Fig. 6.38, direita) do jato, no qual as estruturas deste parecem se afastar com
velocidades > 𝑐 por um efeito de projeção. Desta forma, ficou demonstrado que os
jatos eram relativísticos e que, em linhas gerais, os objetos de massas estelares
(GRS 1915 contém um buraco negro de massa estimada em ~33 𝑀ʘ ) se
comportavam em boa medida como seus "primos" gigantescos os AGNs. Daí o
nome de microquasares com o qual se conhecem até hoje.
Fig. 6.38. Esquerda: a imagem de Cyg X-1 com os jatos e lóbulos de rádio próximo
do centro da nossa galáxia. Direita: o movimento superluminal dos jatos do GRS
1915. O intervalo entre a primeira e a última imagem é de menos de 1 mês, e a
distância aparente percorrida pelo material é de umas 8000 UA.