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Capitulo06 Horvath

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Capítulo 6

Astrofísica dos objetos compactos

Os eventos de formação de objetos compactos. Estatísticas

Teoria e observações de anãs brancas.


Os primórdios. A matéria no regime de alta densidade (𝝆 ≿ 𝟏𝟎𝟑 𝒈 𝒄𝒎−𝟑 ).Estrutura
das anãs brancas. O limite de Chandrasekhar. As observações das anãs brancas.
Esfriamento e cristalização de anãs brancas.

Estrelas de nêutrons e pulsares: estrutura e evolução.


As idéias iniciais. A matéria no regime da neutronização (𝝆 ≿ 𝟏𝟎𝟏𝟏 𝒈 𝒄𝒎−𝟑 ).
Equações de estrutura relativísticas (TOV) e estrelas de nêutrons. Modelos estelares
e comparação com as observações. Pulsares e outras estrelas de nêutrons.

A física básica dos buracos negros e suas manifestações observacionais.


A construção do conceito do buraco negro. O quê observamos afinal dos buracos
negros?

Os eventos de formação de objetos compactos. Estatísticas

A teoria da Evolução Estelar discutida no Capítulo 4 deu subsídios para o


problema que agora nos ocupa: os remanescentes compactos. Discutimos a
evolução das estrelas de massa intermediária (tipo solar) e a transição para as
estrelas chamadas "de alta massa", as quais procedem a explodir depois de uma
rápida evolução final. É importante notar que a existência dos dois tipos separados
pela massa de ~8 𝑀ʘ deve ser também complementada com uma avaliação do
número relativo de estrelas que chegam a produzir os objetos compactos
respectivos (anãs brancas e estrelas de nêutrons/buracos negros). A Fig. 6.1
mostra a chamada função inicial de massas (IMF em inglês), ou seja o número de
estrelas por unidade (logarítmica) de massa como função da massa determinada
em estudos vários do entorno local, aglomerados e outros sistemas.
Fig. 6.1. A função inicial de massas em vários trabalhos indicados. A queda no
número de progenitores que devem explodir respeito daqueles que produzirão
anãs brancas (na faixa marcada como "massa intermediária") é evidente.

O número de progenitores é geralmente expressado como sendo proporcional a


𝑀 −𝛼
( ) , e desde o trabalho pioneiro de E. Salpeter (1955), o valor do expoente
𝑀ʘ
apropriado na faixa intermediária é de ~2.3. Isto quer dizer que a quantidade de
estrelas que produzem anão brancas é pelo menos 50 vezes maior que aquelas que
explodem. Assim, mais do 95% das estrelas visíveis devem formar anãs brancas no
fim da sua evolução. E (levando em conta uma série de fatores complexos na
evolução da galáxia), chegamos à conclusão que existem pelo menos 1 bilhão de
anãs brancas para serem estudadas por nós.

Já as estatísticas da fração relativa de estrelas de nêutrons e buracos negros são


bem mais incertas. O número de estrelas que devem explodir é bastante bem
conhecido, mas não é claro se há um valor mínimo a partir do qual a produção de
buracos negros é inevitável. Isto decorre do fato de que a física das explosões para
cada caso não oferece uma resposta clara. Para piorar, é possível que o momento
angular inicial do caroço em colapso seja muito importante, até fundamental para
determinar a explosão. Existe um certo consenso em que os buracos negros se
formariam em explosões de progenitores acima de umas 25 𝑀ʘ , pelo colapso do
caroço depois da ejeção quando a matéria que não conseguiu se desligar cai de
volta encima deste (no processo denominado fallback) ou diretamente,
implodindo estrelas de ~40 𝑀ʘ ou mais (Woosley, Heger e Weaver, 2002). O fato é
que nas binárias de raios X conhecidas (vide abaixo e Capítulo 7) não há evidência
nenhuma para buracos negros de mais de ~15 𝑀ʘ , nem para os "muito leves"
(acima do limite de Rhoades-Ruffini mas abaixo de ~5 𝑀ʘ ), o que foi sugerido
como um impedimento determinado pelo mecanismo da explosão. No caso das
explosões que formam estrelas de nêutrons, não é claro quais são exatamente os
canais de formação, por exemplo, o colapso induzido pela acresção de uma anã
branca aparece como possibilidade recorrente, mas não há prova nenhuma da sua
efetividade. Todo isto dificulta muito uma avaliação das populações, embora
normalmente encontremos ~107 como indicativo do número de estrelas de
nêutrons na galáxia (pulsares e outras) e algo como 1 milhão para os buracos
negros produzidos pela Evolução Estelar (Shapiro e Teukolsky, 1983). Teremos
um panorama mais acurado desta e outras questões ao analisar cada tipo de
remanescente logo a seguir.

Teoria e observações de anãs brancas.

Os primórdios

A longa história do estudo das anãs brancas começou com uma observação
de F. Bessel em 1844. Ao determinar cuidadosamente as órbitas de Sirius e
Procyon, Bessel constatou que existiam desvios periódicos sistemáticos, e propôs a
existência de "companheiras escuras" não detectadas. Nas décadas seguintes,
algumas candidatas a "companheira escura" foram finalmente detectadas, com
magnitudes bastante elevadas. Em particular, 40 Eridiani B foi objeto de estudo
aprofundado e, para surpresa geral, Russell, Pickering e Fleming mostraram em
1910 que esta estrela era do tipo espectral A (ou seja, com temperatura efetiva
entre 7500-10000 K, muito "branca"). Isto não correspondia em absoluto à
expectativa para uma estrela de magnitude muito fraca (Holberg, 2009).

A conclusão mais evidente é que essas estrelas resultavam enormemente densas,


com densidades estimadas de milhares de vezes a da água. Somente assim poderia
ser compatível uma luminosidade muito baixa (lembramos que 𝐿 ∝ 𝑅 2 𝑇 4 ) e uma
temperatura muito alta, o preço a pagar era o de diminuir muito o raio R. Em 1927
A.S. Eddington expressou este estranhamento com seu humor característico:

"...a mensagem da companheira de Sirius quando decodificada diz: "Estou


composta por matéria 3000 vezes mais densa que qualquer outra que você possa
encontrar. Uma tonelada do meu material seria um pequeno caroço que caberia em
uma caixa de fósforos." Que resposta poderíamos dar para essa mensagem? A
resposta da maioria de nós em 1914 foi: "Cala a boca. Não fala mais besteiras"."

Eddington reconhece implicitamente em este parágrafo a necessidade que houve


de aplicar idéias novas para estudar o comportamento da matéria a essas
densidades. Evidentemente a aproximação de gás clássico não pode funcionar em
essa situação, e foi o trabalho de R.H. Fowler em 1926 o qual sentou as bases para
o tratamento desse problema da estrutura de Sirius B (Fig. 6.2) e outras anãs
brancas, nome sugerido pela temperatura e raio necessários. É importante apontar
que a moderna Mecânica Quântica tinha sido completamente formulada somente
dois anos antes (1924). Temos assim uma perspectiva do revolucionário que foi o
estudo inicial das anãs brancas, laboratórios "naturais" da matéria densa que
resultam uma das melhores realizações físicas dessa nova abordagem quântica.

Fig. 6.2. Imagens contemporâneas do sistema Sirius A e B na faixa óptica


(esquerda) e raios X (direita)

A matéria no regime de alta densidade (𝝆 ≿ 𝟏𝟎𝟑 𝒈 𝒄𝒎−𝟑)

Como dissemos anteriormente, a inferência de valores muito altos para a


densidade, nos quais um gás ideal não resulta um modelo viável, forçou a
consideração do comportamento da matéria no regime já apresentado nas Figs.
4.17 e 4.18 do Capítulo 4. Veremos agora como é possível obter e justificar uma
equação de estado válida para esse regime a partir de considerações elementares.

Consideremos mais uma vez a situação de termos N elétrons confinados em um


volume V. O espaço físico acessível para cada um deles é (em uma dimensão) da
𝑉 1/3
ordem de ∆𝑥~ . A hipótese dos elétrons estarem no regime quântico
2𝑁
equivale a dizer que estão agora sujeitos ao Princípio de Incerteza ∆𝑥 ∆𝑝 ≥ ℏ ,
e assim seu impulso típico será da ordem de

ℏ ℏ 𝑁 1/3
∆𝑝 ≥ ~ . (6.1)
2∆𝑥 22/3 𝑉 1/3

A energia cinética média 𝐸𝐾 , por sua vez, resulta

∆𝑝 2 ℏ2 𝑁 2/3
𝐸𝐾 = ~ . (6.2)
2𝑚 27/3 𝑉 2/3 𝑚
Por tanto, a energia interna U é simplesmente

ℏ2 𝑁 5/3
𝑈 = 𝑁 𝐸𝐾 = . (6.3)
27/3 𝑉 2/3 𝑚

Esta última relação é importante pelo fato seguinte: de forma totalmente geral, a
Termodinâmica nos permite encontrar a pressão (variável de estado do gás)
diferenciando a energia interna U respeito do volume a entropia constante, já que a
energia interna é um dos potenciais termodinâmicos do sistema. Em soma
𝜕𝑈
𝑃 = − 𝜕𝑉 . Temos assim
𝑆=𝑐𝑡𝑒

ℏ2 𝑁 5/3
𝑃 = 24/3 3𝑉 5/3 𝑚 (6.4)

ou seja, 𝑃 ∝ 𝑛5/3 (já que 𝑛 = 𝑁/𝑉) como antecipamos no Capítulo 4. Vemos


também um fato importante: como no denominador aparece a constante de Planck
ao quadrado ℏ2 , a pressão de degenerescência não existiria sem a Mecânica
Quântica. Tudo isto está presente no trabalho de Fowler de 1926.

Podemos observar que o cálculo é simples e completamente geral. Se houvéssemos


considerado elétrons ultra-relativísticos com 𝐸𝐾 = 𝑝𝑐, teríamos obtido 𝑃 ∝ 𝑛4/3 .
Estas duas formas são os limites de alta e baixa densidade do gás de elétrons
degenerado e serão de utilidade no cálculo de estrutura das anãs brancas como
veremos a seguir.

Estrutura das anãs brancas

Conforme discutido no Capítulo 4, e supondo que a matéria degenerada que


constitui a anã branca não produz energia por meio de reações nucleares, a
estrutura destas decorre simplesmente de integrar simultaneamente as equações
de continuidade da massa e do equilíbrio hidrostático. A equação do transporte de
energia resulta também dispensável, já que os elétrons degenerados têm uma
𝑑𝑇
condutividade muito alta e assim = 0. Supõe-se que a temperatura interior é
𝑑𝑟
constante por esta razão, a menos das camadas mais externas onde a
degenerescência acaba e o gás volta a ser "normal", onde a temperatura tem uma
queda até atingir o valor da superfície que emite como corpo negro.

Como em qualquer sistema de duas equações de primeira ordem, podemos


𝑑𝑀 𝑑𝑃
combinar a e a 𝑑𝑟 para obter uma equação de segunda ordem equivalente. Esta
𝑑𝑟
única equação diferencial é
1 𝑑 𝑟 2 𝑑𝑃
= −4𝜋𝐺𝜌. (6.5)
𝑟2 𝑑𝑟 𝜌 𝑑𝑟

Vemos que, a exemplo dos casos mais gerais, é necessária uma relação entre P e 𝜌
(a equação de estado), tal como as obtidas para o gás degenerado. Para efeitos de
um tratamento geral, costuma-se definir uma forma politrópica 𝑃 = 𝐾𝜌Γ , caso
geral que compreende os limites 𝑃 ∝ 𝑛5/3 e 𝑃 ∝ 𝑛4/3 relevantes para nosso caso.
Algumas manipulações matemáticas deixam o problema mais simplificado e
tratável: por exemplo, o expoente Γda equação de estado politrópica pode ser
substituído por outro escrevendo Γ = 1 + 1 𝑛, este último chamado de índice
politrópico𝑛.

Definimos a seguir uma troca das variáveis na eq.(6.5) segundo

ρ = 𝜌𝑐 Θ𝑛
𝑟 = 𝑎𝜉 (6.6)
1 1/2
𝑛 + 1 𝐾𝜌𝑐 𝑛 −1
𝑎=
4𝜋𝐺

Chegamos assim à forma adimensional da eq. (6.5), ou seja

1 𝑑 𝑑Θ
𝜉 2 𝑑𝜉 = −Θ𝑛 (6.9)
𝜉 2 𝑑𝜉

que leva o nome de equação de Lane-Emden em homenagem aos cientistas que a


estudaram. Além do problema formal de encontrar as soluções, não devemos
esquecer que estamos à procura de uma descrição das anãs brancas. Assim, as
condições de contorno impostas pela física do problema para a função solução
Θ(ξ) são bastante simples

Θ ξ=0 =1
Θ′ ξ = 0 = 0

𝑑𝑃
A primeira advêm do fato que 𝜌 𝑟 = 0 = 𝜌𝑐 , e a segunda descreve que 𝑑𝑟 = 0 no
centro, caso contrário teríamos gradientes de pressão (forças) onde 𝑀 ≈ 0.

De um modo geral as soluções da eq.(6.9) decrescem desde um valor central até


um ponto que cruza o eixo horizontal, onde Θ ξ1 = 0. Esseponto é de interesse
para nós, já que o identificamos com o raio estelar R (já que é onde 𝑃 = 0). O raio
estelarR pode ser expressado em termos de 𝜉1 com generalidade como
(1−𝑛 )
𝑛+1 𝐾 1/2
𝑅 = 𝑎𝜉1 = 𝜌𝑐 2𝑛 𝜉1 (6.10)
4𝜋𝐺

e a massa para esse raio resulta

𝑀 = 4𝜋𝑎3 𝜉12 𝜌𝑐 |Θ′ (ξ1 )| (6.11)

A construção explícita das soluções da equação de Lane-Emden é possível só para


alguns valores particulares do índice 𝑛, por exemplo para os valores 𝑛 =
3
−1, 0, 1, 2 , 3, 5 e ∞, e ainda assim somente para 𝑛 = 0,1 e 5 podem as soluções ser
construídas analiticamente. Em alguns casos a condição de existência do zero em
𝜉 = 𝜉1 não é satisfeita e não é possível construir modelos estelares viáveis, já que
estes carecem de "raio" se Θ não corta o eixo horizontal. No caso geral, os perfis de
Θ são muito concentrados no centro, isto é, diferem bastante de aproximações
com 𝜌 = 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑡𝑎𝑛𝑡𝑒. Um tratamento detalhado e explícito de todos estes casos e
outras questões relacionadas pode ser visto na referência clássica Chandrasekhar
(2010), e sua generalização relativística em Tooper (1964).

Fig. 6.3. As soluções exatas da equação de Lane-Emden (6.9) para equações de


3
estado politrópicas, parametrizadas pelo índice politrópico n = 0, 1, 2 , 3, 5.

Em posse das soluções gerais da equação de Lane-Emden, e por ora supondo que
as funções Θ são bem comportadas e possuem um zero em 𝜉 = 𝜉1 para qualquer
valor do índice 𝑛; podemos, manipulando as fórmulas (3.10) e (3.11), achar a
relação geral entre massa e raio do modelo politrópico

𝑛+1 𝐾 𝑛/(𝑛−1)
(3−𝑛 )
𝑀 = 4𝜋𝑅 (1−𝑛 ) 𝜉1 |Θ′ (ξ1 )| (6.12)
4𝜋𝐺

Ou seja, em posse das soluções construímos toda a seqüência de modelos estelares.


Nos casos limites de interesse (elétrons não-relativísticos e ultra-relativísticos)
temos

5 3
𝛤=3 𝑛=2 ; 𝜉1 = 3.65375 ; 𝜉12 Θ′ 𝜉1 = 2.71406 (6.13)
4
𝛤=3 𝑛=3 ; 𝜉1 = 6.89685 ; 𝜉12 Θ′ 𝜉1 = 2.01824 (6.14)

Quando restituídas as unidades físicas, temos para as anãs brancas de baixa


densidade os resultados

𝜌𝑐 −1/6 𝜇 −5/6
𝑅 = 1.122 × 104 𝑒
𝑘𝑚 (6.15)
10 6 𝑔 𝑐𝑚 −3 2
𝜌𝑐 1/2 𝜇 −5/2 𝑅 −3 𝜇 −5
𝑒 𝑒
𝑀 = 0.4964 𝑀⊙ = 0.7 𝑀⊙ (6.16)
10 6 𝑔 𝑐𝑚 −3 2 10 4 𝑘𝑚 2

e para o caso de alta densidade

𝜌𝑐 −1/3 𝜇 −2/3
𝑅 = 3.347 × 104 𝑒
𝑘𝑚 (6.17)
10 6 𝑔 𝑐𝑚 −3 2
𝜇 𝑒 −2
𝑀 = 1.457 𝑀⊙ (independente de R !) (6.18)
2

A comparação dos modelos politrópicos de Chandrasekhar, cujos limites


correspondem às equações de estado desta seção, se mostra na Fig. 6.4.

Fig. 6.4. As seqüências estelares obtidas com a integração da equação de Lane-


Emden. Em azul, a seqüência de modelos estelares construída com o limite não-
relativístico do gás de Fermi de elétrons que satisfaz 𝑃 ∝ 𝑛5/3 . Como esperado, os
desvios são cada vez mais importantes conforme a massa aumenta. Em algum
ponto intermediário (𝑀 ~ 0.6 − 0.7 𝑀⊙ ) se faz necessário passar para a descrição
no limite ultra-relativístico com 𝑃 ∝ 𝑛4/3 (curva verde), que resulta cada vez mais
acurada até atingir o valor onde sua derivada passa a ser vertical (linha de pontos
vermelha). Não há modelos estáveis a partir desse valor, o limite de
Chandrasekhar.

Temos então modelos analíticos para as anãs brancas que nos dizem que os raios
aumentam conforme a massa considerada se reduz (!), fato que decorre do caráter
degenerado da matéria e que está quantificado na relação (6.16). Além disso, no
limite de alta densidade atingimos um máximo da massa para as estrelas desta
seqüência, e para esta massa máxima o mínimo do raio (já que a massa máxima
corresponde à máxima densidade, eq. 6.17). As anãs brancas mais massivas têm
raios comparáveis ao raio terrestre, e "empacotam" quase uma massa solar e meia.
Uma comparação gráfica é mostrada na Fig. 6.5. Não resulta estranho que a
emissão de fótons (∝ 𝑅 2 ) seja fraca, como observado.

Fig. 6.5. Uma idéia gráfica do tamanho relativo de uma anã branca de alta
densidade respeito do Sol, em escala aproximadamente correta.

Como comentário final temos que, pelas relações (6.17) e (6.18), se 𝜌𝑐 → ∞ a


massa da estrela tende ao valor máximo 1.457 2/𝜇𝑒 2 𝑀⊙ conhecido como limite
de Chandrasekhar (Horvath, 2011). Interpretamos que esse valor e a massa
máxima que pode ter uma estrela suportada pela pressão dos elétrons
degenerados. Este resultado da existência de um máximo (bastante
surpreendente) não foi aceito sem dificuldades pelos pesquisadores no começo do
século 20 (em particular por A.S. Eddington), mas hoje está muito bem
estabelecido e constitui um dos pilares da astrofísica contemporânea, e resulta
desejável compreendermos o seu amplo significado.
O limite de Chandrasekhar

Pelas suas múltiplas aplicações o chamado limite de Chandrasekhar (de


novo, não confundir com o limite de Schoenberg-Chandrasekhar do Capítulo 4 que
se refere a outra situação física) é um dos resultados mais importantes obtidos no
século 20 para a teoria da Evolução Estelar. Também resulta altamente
significativo que depende de forma fundamental das idéias da Mecânica Quântica,
muito novas na época do trabalho original de Chandrasekhar. Já vimos no Capítulo
4 que o conceito de degenerescência é fundamental para a evolução dos caroços
das estrelas do tipo solar, sem este estado não haveria flash de hélio, por exemplo.
O físico teórico Lev Landau raciocinou que como o limite de massa de
Chandrasekhar é muito fundamental, deveria poder se demonstrar com
argumentos muito simples (ou seja, estaria espantado com as simulações
numéricas 3D etc. que são feitas hoje justamente com o intuito de descobrir
resultados fundamentais...). Apresentaremos agora o argumento de L. Landau que
permite entender a massa de Chandrasekhar de forma qualitativa e simples
(Shapiro e Teukolsky, 1983).

Consideremos 𝑁 férmions contidos em uma esfera de radio 𝑅. A densidade


numerica dos férmions é 𝑛~𝑁/𝑅 3 , assim, pelo princípio de Heisenberg o impulso
de cada férmion deve ser 𝑝~ℏ/𝑉 1/3 = ℏ𝑛1/3 , já que estão confinados a esse
volume. A energia de Fermi correspondente é𝐸𝐹 ~𝑝𝑐 ≅ ℏ𝑐𝑁1/3 /𝑅 no limite não-
relativístico. Cada férmion possui também uma energia gravitacional 𝐸𝑔 ≅
𝐺𝑀𝑚𝐵 /𝑅 ≅ 𝐺𝑁𝑚𝐵2 /𝑅, produto da atração gravitacional que sobre ele exerce toda a
distribuição de massa.

Como em todo sistema físico, o estado de equilíbrio da configuração é atingido


num mínimo da energia total 𝐸 = 𝐸𝐹 + 𝐸𝑔 , ou seja

2
ℏ𝑐𝑁 1/3 𝐺𝑁𝑚 𝐵
𝐸= − (6.19)
𝑅 𝑅

deve ser minimizada. Mas há uma diferença substancial na existência deste


mínimo ligada ao número de férmions 𝑁: se 𝑁 é pequeno, o primeiro termo
domina (já que 𝑁1/3 > 𝑁) e a𝐸 é positiva. Assim, pode-se diminuir a energia
aumentando 𝑅. Quando a bola se expande para diminuir a energia, em algum ponto
𝑝2 1
os férmions viram partículas não-relativísticas (𝐸𝐹 → 2𝑚𝐹 ∝ 𝑅 2 ) e o segundo termo
passa agora a dominar fazendo com que a 𝐸 → 0− (tenda a zero desde valores
negativos) se 𝑅 → ∞, assim, deve haver um ponto de equilíbrio para um valor
finito do raio 𝑅. Mas se consideramos um𝑁 suficientemente grande, a 𝐸 é negativa
e → −∞ se 𝑅 → 0, isto é, a configuração colapsa porque assim consegue
diminuircada vez mais a energia, e não há equilíbrio possível. A divisa entre o N
"pequeno" e o N "grande" que separa estes dois casos corresponde a um valor
máximo de férmions 𝑁𝑚𝑎𝑥 determinado precisamente pela condição 𝐸 = 0 na eq.
(6.19), e que pode ser calculado facilmente

ℏ 3/2
𝑁𝑚𝑎𝑥 ≅ 2 ~ 2 × 1057 (6.20)
𝐺𝑚 𝐵
A massa máxima associada (ou seja, 𝑀(𝑁max ⁡) ≡ 𝑀𝑚𝑎𝑥 ) é

𝑀𝑚𝑎𝑥 ≅ 𝑁𝑚𝑎𝑥 × 𝑚𝐵 ~ 1.5 𝑀⊙ (6.21)

Note-se que 𝑁𝑚𝑎𝑥 e 𝑀𝑚𝑎𝑥 dependem essencialmente de constantes universais, não


da composição que nunca apareceu no argumento. Podemos mostrar que o raio de
equilíbrio vem determinado pela condição de estabelecimento da degenerescência
relativística

𝐸𝐹 ≅ 𝑚𝑐 2 (6.22)

onde 𝑚 é a massa da partícula cuja pressão suporta a estrela. Substituindo 𝑁𝑚𝑎𝑥


1/3
em 𝐸𝐹 ≅ ℏ𝑐𝑁𝑚𝑎𝑥 /𝑅𝑚𝑎𝑥 , se tem (usando a condição (6.20))

ℏ ℏ 1/2
𝑅𝑚𝑎𝑥 ≅ 𝑚𝑐 2 (6.23)
𝐺𝑚 𝐵

Este resultado sugere dois regimes distintos: se 𝑚 = 𝑚𝑒 (anãs brancas),


o𝑅𝑚𝑎𝑥 ≈ 5 × 108 𝑐𝑚, mas se 𝑚 = 𝑚𝑛ê𝑢𝑡𝑟𝑜𝑛 = 𝑚𝐵 (ou seja, os próprios nêutrons
entram em degenerescência), o valor será 2000 vezes menor 𝑅𝑚𝑎𝑥 ≈ 3 × 105 𝑐𝑚
(estrelas de nêutrons). Portanto temos dois regimes de objetos estáveis: o menor
3𝑀 4.5 2×10 33 𝑔 𝑔
deles atinge a condição de instabilidade para 𝜌𝑐 ≈ = 4𝜋(125)10 24 𝑐𝑚 3 ≅ 108 𝑐𝑚 3
4𝜋𝑅 3
(ordem de grandeza para a densidade máxima para anãs brancas) e o mais denso
𝑔
fica instável acima de 𝜌𝑐 ≈ 1015 𝑐𝑚 3 (ordem de grandeza para adensidade máxima
para estrelas de nêutrons), mas devemos lembrar que em este último os efeitos da
Relatividade Geral e das interações entre partículas são importantes e nossa
estimativa básica não é muito confiável. De fato, deve-se notar que obtivemos
como resultado a existência de uma massa máxima sem utilizar conceitos da RG,
enquanto nas altas densidades vamos ter que lidar com a instabilidade
relativística, verdadeira causa da massa máxima de um objeto compacto. Porém,
podemos dizer que a massa máxima deve ser aproximadamente a mesma para os
dois regimes (eq. 6.21), dentro de um fator numérico pequeno que não pode ser
determinado com este cálculo simples.

As observações das anãs brancas

O fato das anãs brancas terem sido detectadas nos começos do século 20 é
outra prova da afirmação feita no começo do Capítulo a respeito da sua abundância
na galáxia. Sirius B, 40 Eridiani B e outras anãs brancas em binárias são apenas
exemplos da presença destes objetos nas vizinhanças da Terra. Existem muitas
outras, boa parte delas isoladas, e algumas com magnitudes <12, acessíveis a
qualquer telescópio amador. Não é nada difícil encontrar e observar anãs brancas.

Mas evidentemente o estudo sistemático de anãs brancas precisa de amostras


grandes e o mais completas possíveis. Assim, além das anãs brancas vizinhas e "de
campo", existem estudos de populações estelares velhas, cada uma de idade
aproximadamente idêntica,responsável pela produção de anãs brancas: os
aglomerados estelares, os quais são laboratórios especialmente adequados (Kepler
et al., 2017).

A Fig. 6.6 mostra o caso do estudo do aglomerado NGC 6791, onde as cores e
luminosidades são utilizadas para identificar as anãs brancas nascidas dos
progenitores do tipo solar que já completaram sua evolução. Com amostras deste
tipo é possível estudar as anãs brancas e problemas conexos, por exemplo, a
determinação da própria idade do aglomerado através da amostra das anãs
brancas.

Fig. 6.6. As anãs brancas pertencentes ao aglomerado globular NGC 6791. Com
imagens de alta qualidade a identificação é bastante simples (as candidatas são os
pontinhos nos círculos) e pode-se estender o estudo obtendo espectros
complementares.

Todas estas propriedades (cores, espectros) precisam ainda de um tratamento


detalhado das atmosferas das anãs brancas, região totalmente ignorada na nossa
discussão da estrutura pelo fato de se tratar de uma fração insignificante da massa
total, mas responsável pela emergência da radiação emitida. A Fig. 6.7 mostra a
situação graficamente.

Fig. 6.7. Um esquema da estrutura completa de uma anã branca. O tratamento


politrópico apresentado acima é válido para a maior parte da massa, mas não para
a atmosfera, que quase não contribui para esta mas que é onde a degenerescência
dos elétrons acaba e existe uma transição para um gás clássico. Além da
composição mais comum (H/He) veremos que ha mais possibilidades relevantes
observacionalmente.

A observação das anãs brancas tem o potencial de determinar várias


características importantes para sua estrutura, por exemplo, o raio estelar
calculado teoricamente. Se chamarmos 𝐹(𝐷) ao fluxo luminoso observado, a
4
inversão da equação básica 𝐿 = 4𝜋𝑅 2 𝜍𝑇𝑒𝑓𝑓 permite, em princípio, obter o raio
estelar segundo

𝐿 𝐹𝐷 2
𝐹 𝐷 = 4𝜋𝐷 2 → 𝑅2 = 𝜍 𝑇 4 . (6.24)
𝑒𝑓𝑓

Vemos da eq.(6.24) que, além da distância 𝐷, é necessário determinar a


temperatura efetiva 𝑇𝑒𝑓𝑓 . Embora isto não é impossível, existem complicações
várias, tal como exemplificado na Fig. 6.8. Os espectros de muitas anãs brancas
apresentam linhas de absorção pronunciadas que distorcem o espectro respeito do
ideal, e assim dificultam o cálculo do valor de 𝑇𝑒𝑓𝑓 . Vemos aqui outra vantagem do
estudo dos aglomerados: a distância D é a mesma para todos os objetos.
Fig. 6.8. Um espectro de uma anã branca mostrando múltiplas linhas identificadas
(esta absorção se denomina blanketing no jargão astronômico) que resultam em
uma incerteza na determinação da temperatura efetiva 𝑇𝑒𝑓𝑓 . Este espectro
corresponde à primeira anã branca com oxigênio na atmosfera (Kepler, Koester e
Ourique, 2016)

Fig. 6.9. Os diagramas M-R teóricos vs. os dados das anãs brancas próximas. A
curva superior corresponde a uma composição de carbono, e a inferior de ferro.
Segundo a teoria da Evolução Estelar, é impossível ter anãs brancas de ferro,
embora empiricamente esta parece ser a solução indicada. Por esta razão se faz
imprescindível uma reavaliação das distâncias, já que se espera que os pontos
observados migram verticalmente e correspondam às expectativas teóricas (Suh e
Mathews, 2000).
Com a construção de bases de dados crescentemente completas, foi possível
classificar as anãs brancas utilizando seus espectros. Esta classificação é mostrada
na Tabela 6.1. Existem complicados mecanismos evolutivos que resultam na
transformação de alguns tipos em outros, mas não serão aqui discutidos, já que
envolvem a física da difusão de elementos químicos e outros problemas que
extrapolam o alcance deste texto.

Contudo, gostaríamos de destacar algumas novidades e uma importante


contribuição brasileira para este problema: a classe DQ com linhas de carbono
somente foi descoberta recentemente, embora se esperasse sua existência. Mas
encontrar uma anã branca com oxigênio e sem hidrogênio ou hélio não era
esperado em absoluto. Este é o caso da SDSS J124043.01+671034.68, descoberta
por Kepler, Koester e Ourique (2016), e que deve resultar dos progenitores mais
massivos que ainda não consigam explodir. De fato, a detecção de neônio e
magnésio na atmosfera rica em oxigênio aponta para que a anã branca advêm
desse tipo de caroço, muito próximo daqueles que produzirão supernovas tipo II
(Capítulo 5). Ainda não há uma denominação espectral para este objeto incomum.

Tabela 6.1. Classificação espectral empírica das anãs brancas. O esquema é


conceitualmente similar à classificação em tipos espectrais criado para as estrelas
"normais", e revela o histórico evolutivo prévio de cada objeto.

Como produto dos estudos mencionados podemos destacar a confirmação da


massa dos progenitores que produzem anãs brancas, a exemplo da discussão
acima. NGC 2751 é um aglomerado aberto que tem como membro uma anã branca.
Esta pertencia é bem razoável para uma anã branca com atmosfera de hidrogênio.
O dato importante é que o aglomerado tem estrelas bastante massivas que ainda
estão na Seqüência Principal. Assim, a progenitora da anã branca devia ser mais
massiva que aquelas que ainda estão para iniciar sua evolução final (Fig. 6.10)

Fig. 6.10. A Seqüência Principal no aglomerado NGC 2751. A superposição com as


seqüências teóricas mostra que estrelas de ~ 7.5 𝑀ʘ ainda estão nela. Desta forma,
sabemos que o progenitor da anã branca tinha mais de 7.5 𝑀ʘ (Giorgi et al. , 2002).

Este trabalho é indicativo de que as idéias básicas da Evolução Estelar não estão
terrivelmente erradas. Outros casos de (múltiplas) anãs brancas em aglomerados
tem sido publicados, e implicam limites algo menores para a massa do progenitor
na Seqüência Principal (mas certamente acima de 6 𝑀ʘ ). Uma grande fonte de
incerteza em este problema é o da perda de massa no Ramo das Gigantes e/ou o
AGB, fator que poderia fazer com que estrelas que deveriam explodir formem anãs
brancas (talvez até umas 10 𝑀ʘ ). Por outro lado, se a maior massa que forma anãs
brancas fosse muito baixa, haveria conflito bastante sério com o número de
supernovas observado.

Outra questão de importância no estudo das anãs brancas é a sua distribuição de


massas. Espera-se que a composição interna e a massa aumente conforme anãs
brancas que descendem de progenitores mais massivos são consideradas. Porém,
na faixa de baixa massa não resulta possível produzir anãs brancas de hélio, já que
os caroços fusionam este em carbono (Capítulo 4), desta forma existe um consenso
em favor da produção de anãs brancas de hélio mas em sistemas binários. E, como
já dissemos, as de maior massa devem estar compostas de oxigênio com frações de
neônio e magnésio, com massas próximas da massa de Chandrasekhar.
A Fig. 6.11 mostra a distribuição de massas obtida por Kepler et al. (2007). O
máximo em torno de 0.57 𝑀ʘ é muito similar ao obtido em outros trabalhos.
Existem outras máximos secundários, tentativamente associados a diversos canais
de formação, tal como as anãs brancas leves de 𝐻𝑒 formadas em binárias já
mencionadas. No extremo direito do histograma pode-se ver uma anã branca com
massa de ~ 1.33 𝑀ʘ , bastante próxima ao limite de Chandrasekhar. Existem
outros casos de massa ainda maiores, mas estão sujeitos a confirmação.

Fig. 6.11. A distribuição de massas obtida por Kepler et al. (2007). Vários máximos
possivelmente associados com cada canal de formação estão presentes.

Esfriamento e cristalização de anãs brancas

A ausência de reações nucleares nas anãs brancas indica que desde seu
nascimento somente devem se desfazer do conteúdo de energia térmica. Assim é
necessário formular uma teoria do esfriamento, com o intuito de estudar a
população da galáxia como um todo. Felizmente, e graças à simplicidade da
estrutura, a teoria elementar do esfriamento resulta muito simples. Começamos
com a definição da luminosidade estelar, identificada com a variação da energia
térmica interna 𝐸𝑡 , e a utilização da regra da cadeia para fazer aparecer a
temperatura do caroço isotérmico 𝑇𝑐

𝜕𝐸𝑡 𝜕𝑇𝑐
𝐿=− (6.25)
𝜕𝑇𝑐 𝜕𝑡

o primeiro termo entre parêntese é o calor específico do reservatório. Embora já


vimos que são os elétrons os que mantém a estrutura, sua contribuição para o
conteúdo térmico é muito pequena. O reservatório térmico está longamente
3 𝑁𝐴 𝑘 𝐵
dominado pelos íons clássicos, e assim escrevemos 𝑐𝑉𝑖𝑜𝑛 = . Substituindo
2 𝐴
temos que

1 𝑀 𝜕𝑇𝑐
𝐿 = 6.4 × 107 𝐴 𝑀 (6.26)
ʘ 𝜕𝑡

Agora a luminosidade está em função da variação da temperatura central 𝑇𝑐 , a qual


precisa ser avaliada. Para isto vamos considerar o envelope da anã branca, o qual
contém uma massa muito pequena mas é a região onde a temperatura cai desde o
valor interior 𝑇𝑐 até o valor da fotosfera. Com a hipótese de que a massa do
envelope é 𝑀𝑒 ≈ 0, ou seja, que não contribui à massa total, podemos dividir a
equação do transporte pela equação do equilíbrio hidrostático para obtermos

𝑑𝑇 3 𝐿 𝜅
= 4𝑎𝑐 4𝜋𝐺𝑀 𝑇 3 (6.27)
𝑑𝑃

No envelope, na região da interfase que mencionamos, a matéria deixa de ser


degenerada e sua opacidade está dominada pelos processos que tem uma forma de
Kramers (Capítulo 4)

𝜅 = 𝜅0 𝜌𝑇 −7/2 (6.28)

É nesse ponto supomos que a pressão degenerada e a pressão do gás normal são
iguais, porque queremos achar as condições da transição. Isto permite encontrar
5/2
uma relação entre a pressão e a temperatura, que resulta em 𝑃𝑐 ∝ 𝑇𝑐 .
5/2
Substituindo (6.28) e 𝑃𝑐 ∝ 𝑇𝑐
na (6.27) podemos separar variáveis e integrar
membro a membro, com o resultado

𝐿 𝑀 𝜇 4×10 23 𝑇𝑐 7/2
= 1.7 × 10−3 𝑀 (6.29)
𝐿ʘ ʘ 𝜇 𝑒2 𝜅0 10 7 𝐾

O último passo é de voltar a substituir a eq.(6.29) na (6.26) e integrar no tempo,


para obter quanto é necessário para obter uma dada luminosidade

12 𝜇 𝑒 4/3 𝑀 5/7 𝐿 −5/7


𝑡𝑐𝑜𝑜𝑙 = 9 × 106 𝜇 −2/7 𝑎𝑛𝑜𝑠 (6.30)
𝐴 2 𝑀ʘ 𝐿ʘ

Este resultado se deve a L. Mestel (1952) e constitui a teoria mais simples do


esfriamento. Podemos observar duas características bem interessantes da
expressão obtida. A primeira é que o tempo de esfriamento 𝑡𝑐𝑜𝑜𝑙 é inversamente
proporcional ao número atômico dos íons, ou seja, as anãs brancas mais leves
esfriam mais lentamente para massa fixa. Mas se consideradas anãs brancas de
massas crescentes, estas esfriam mais lentamente (já que têm maior conteúdo
térmico e são mais compactas para uma dada temperatura, daí que a superfície de
emissão seja menor). Note-se que não foram incluídos efeitos que podem ficar
importantes, tais como a emissão de neutrinos do interior em adição à
luminosidade de fótons da superfície. Existe uma incerteza de ~20% devido a estes
fatores e outras simplificações no tempo da eq.(6.36).

Existem vários testes possíveis do esfriamento, um dois mais interessantes


consiste em encontrar a seqüência de esfriamento em um aglomerado, para termos
essencialmente o mesmo tempo de vida. A Fig. 6.12 mostra os dados do
aglomerado M4. As anãs brancas estão claramente separadas abaixo da Seqüência
Principal. As magnitudes mais fracas observadas correspondem a luminosidades
~10−4 𝐿ʘ . Um ponto importante é que aparentemente não poderia haver anãs
brancas mais fracas, já que o disco da galáxia não é velho o suficiente quanto para
isto acontecer. Assim, uma série de trabalhos tem proposto calcular a idade do
disco da galáxia utilizando precisamente o esfriamento das anãs brancas. Os
resultados são variados, mas oscilam em torno de 6 − 8 𝐺𝑎𝑛𝑜𝑠, o qual é
consistente com outros argumentos independentes.

Fig. 6.12. A seqüência de anãs brancas em M4. Uma magnitude absoluta mínima de
𝑀𝑉 ~ 16.5 sugere um limite para a idade do disco, limite absoluto para a idade da
anã branca mais velha na amostra.

Para finalizarmos destacamos um aspecto do esfriamento que não entrou na


discussão acima, mas para o qual existe evidência substancial: trata-se da chamada
cristalização do material do caroço, esperada a baixas temperaturas. Esta
cristalização de deve a que para temperaturas elevadas, a agitação térmica
mantém os íons em estado fluido (denominado "gás" na Fig. 6.13). Mas se a
temperatura baixa, as interações de Coulomb dos íons carregados podem localizar
os íons em sítios de uma rede cristalina. Um critério quantitativo, obtido do estudo
de simulações numéricas da cristalização, é que o quociente das duas quantidades
chegue a um valor ~180, ou seja

1/3
𝜌
(𝑍𝑒 )2 / 𝑟 𝑍2 10 6 𝑔 𝑐𝑚 −3
Γ= = 2.3 𝑇𝑐 ≈ 180 (6.31)
𝑘 𝐵 𝑇𝑐 𝐴 1/3
10 7 𝐾

quando atingida esta condição, o regime de esfriamento muda, já que a


cristalização libera calor latente (Shapiro e Teukolsky, 1983). Este calor latente faz
com que o tempo 𝑡𝑐𝑜𝑜𝑙 aumente, já que contribui para a 𝐸𝑡 da eq. (6.25). Desta
forma, as anãs brancas em processo de cristalização (de dentro para fora) quase
não esfriam.

Fig. 6.13. As regiões no plano 𝑇 − 𝜌 onde o estado da matéria muda quando o


esfriamento avança. Desde o seu nascimento o caroço da anã branca esta a
temperaturas altas, e assim resulta um "gás" (com correções às expressões ideais,
mas ainda assim um fluido). Abaixo da curva vermelha o parâmetro Γ ultrapassa o
valor crítico e o carbono, oxigênio ou até o magnésio cristalizam. Ainda não é claro
se a geometria do cristal é análoga a do diamante (rede cúbica) ou algo muito mais
exótico (rede triangular, nunca vista nos laboratórios).

Cabe perguntar qual é a evidência desta cristalização. Os estudos das oscilações


das anãs brancas permitem, indiretamente, explorar seu interior (tal como é feito
com a sismologia terrestre). Em particular, as oscilações da anã branca BPM 37093
de somente 4 milimagnitudes (!) foram utilizadas, depois de um ajuste aos cálculos
teóricos, para argumentar que pelo menos 50% do seu interior está cristalizado
(Kanaan et al., 2005). Outros exemplos existem deste fenômeno extremo que
acontece em um dos lugares mais escondidos do Universo.

Estrelas de nêutrons e pulsares: estrutura e evolução


As idéias iniciais

As estrelas de nêutrons "nascem" com uma intuição do L. Landau em 1931,


em um trabalho que ele não publicou até depois da descoberta do nêutron, mas
que de fato a precede. No trabalho "On the theory of stars" Landau especula a
respeito da possibilidade que a gravitação comprima a matéria e forme assim
estrelas que parecem uma espécie de núcleo atômico gigante (vide Yakovlev et al.
para uma avaliação desta contribuição). Em esse trabalho, publicado em 1932,
meses depois que Chadwick anunciasse a descoberta do nêutron, Landau já
apresenta a eq. (6.32) e estima a massa máxima desses objetos compactos. Outra
contribuição inspiradíssima a respeito deve-se a W. Baade e F. Zwicky, que em
1934 associam pela primeira vez as supernovas com o lugar de nascimento das
estrelas de nêutrons, indicando um lugar específico para a compressão que Landau
precisava. Baade e Zwicky escreveram:

"...com todas as reservas avançamos a visão que as supernovas representam a


transição das estrelas ordinárias para estrelas de nêutrons, as quais no estado final
estão constituídas de nêutrons empacotados de forma compacta."

Pouco tempo depois Landau refina sua visão deste assunto, mostrando que as
densidades envolvidas devem superar às do núcleo atômico e que a massa máxima
estaria limitada, para o caso de um gás de nêutrons degenerado livre, pelo valor
0.7 𝑀ʘ , um fator ~2 menor que o originalmente previsto. A exemplo das anãs
brancas, as estrelas de nêutrons constituem um exemplo extraordinário do papel
da Mecânica Quântica na Astrofísica contemporânea, agora no regime de alta
densidade (e pouco antes de produzir buracos negros...). Estes cálculos foram
repetidos posteriormente com o auxílio das equações de estrutura relativística de
Tolman, Oppenheimer e Volkoff (ou TOV, obtida em 1939) e confirmados na sua
totalidade. A exemplo da equação de equilíbrio hidrostático (4.4), estes três
pesquisadores conseguiram uma versão que inclui as correções da Relatividade
Geral

𝑃 𝑃
𝑑𝑃 𝐺 (𝜌+ 2 )(𝑀+4𝜋𝑟 3 2 )
=− 𝑐
2𝐺𝑀
𝑐
(6.32)
𝑑𝑟 𝑟 2 (1− )
𝑟𝑐 2

𝑃
a qual se reduz à versão newtoniana desde que os termos da pressão (que não
𝑐2
contribui para a o campo gravitacional em aquela, mas que o faz na RG) sejam
2𝐺𝑀
descartados e na aproximação não-relativística ≪ 1. É precisamente aqui
𝑟𝑐 2
onde vemos a razão pela qual se faz necessário utilizar a RG: enquanto para uma
estrela ordinária, ou até para uma anã branca a quantidade adimensional
2𝐺𝑀 2𝐺𝑀
≤ 10−4 , para uma estrela de nêutrons em geral ≈ 0.1 e este fator precisa
𝑟𝑐 2 𝑟𝑐 2
𝑑𝑀
ser levado em conta. A equação da conservação da massa = 4𝜋𝑟 2 𝜌 tem a
𝑑𝑟
mesma forma na RG. Naturalmente a (6.32) é bem mais difícil de resolver que a
(4.4), já que esses termos dificultam muito a matemática, além de também
precisarmos uma equação de estado 𝑃(𝜌). Contudo, existem alguns modelos
simples que respeitam todo o que é "desejável" para uma solução fisicamente
relevante (finitude na origem, existência de um zero para a coordenada radial, etc.)
e que foram estudados pelo próprio R. Tolman e um grande número de
pesquisadores ao longo de quase um século (Delgaty e Lake, 1998).

A matéria no regime da neutronização ( 𝝆 ≿ 𝟏𝟎𝟏𝟏 𝒈 𝒄𝒎−𝟑 )

A questão da equação de estado pode ser abordada em uma primeira


aproximação da mesma forma que Landau o fez, utilizando a expressão para uma
gás degenerado (6.4). No regime de alta densidade, a degenerescência
corresponde aos próprios nêutrons, já que quase todos os elétrons foram
capturados pelos prótons e a matéria está fortemente neutronizada. Porém, o fator
1/𝑚 indica que quando substituirmos a massa do elétron pela massa do nêutron a
pressão deve cair muito, e com ela a massa máxima. Mas no regime de alta
densidade, com a estrutura descrita pela (6.32), há outra característica muito mais
importante que a degenerescência: a presença da pressão na equação de TOV
produz uma instabilidade relativística quando a massa da estrela considerada
cresce. Assim, existe também uma massa limite, mas que não está em absoluto
relacionada à massa de Chandrasekhar. Esta massa máxima deve ser denominada
massa de TOV. E resulta possível ver que há uma diferença muito grande entre
esses dois conceitos: para densidades acima da saturação nuclear 𝜌0 = 2.7 ×
1014 𝑔 𝑐𝑚−3 os nêutrons estão tão próximos que as interações nucleares não
podem ser ignoradas. Assim, a matéria de nêutrons na maior parte da estrela é
muito mais "dura" (isto é, exerce mais pressão para a mesma densidade de
energia) que o gás livre de nêutrons, e são assim as interações as que determinam
o valor da massa de TOV mencionada. Este valor precisa atingir pelo menos 2𝑀ʘ
para ser compatível com algumas massas observadas, como veremos a seguir.
Assim, a questão da equação de estado passa a ser a principal, e precisamos
discutir o estado da matéria de forma realista, indo além do simples gás de
nêutrons.

A descrição da matéria além da densidade do centro das anãs brancas é


crescentemente difícil, já que as incertezas aumentam no regime ultra-denso.
Como já apontamos no Capítulo 5, se a densidade ultrapassar o valor de
𝜌𝑑𝑟𝑖𝑝 ≈ 4 × 1011 𝑔 𝑐𝑚−3 , resulta favorável para os nêutrons estarem desligados
dos núcleos e não como uma componente destes. Este ponto (de drip ou
gotejamento) marca o início da presença de um gás de nêutrons e a equação de
estado começa então a sentir a contribuição dos nêutrons livres, os quais já
contribuem substancialmente para a pressão para 𝜌 > 1012 𝑔 𝑐𝑚−3 , e a dominam
além de ~1013 𝑔 𝑐𝑚−3 . A equação de estado nesse regime é tipicamente modelada
começando com uma função de massa semi-empírica para os núcleos, baseada no
modelo da gota líquida, do tipo 𝑀𝑐 2 ≡ 𝐸 = −𝜖0 𝐴 + 𝜖𝑆 𝐴2/3 + 𝜖𝐶 𝑍 2 𝐴−1/3 . Nesta
abordagem o núcleo é considerado uma "gotinha" de matéria e sua energia
(massa) se supõe composta de um termo de volume (o primeiro, proporcional ao
número de núcleons 𝐴), outro associado à superfície (o segundo, proporcional a
𝐴2/3 ), correções coulombianas (terceiro termo) e outros efeitos não mostrados de
menor importância. O trabalho consiste em ajustar uma expressão para reproduzir
massas de núcleos conhecidos e daí obter os coeficientes 𝜖0 , 𝜖𝑆 , 𝜖𝐶 . O passo
seguinte é o de calcular o quê acontece nas altas densidades incluindo estes
núcleos, o gás de nêutrons etc. A equação de estado (EoS) é obtida minimizando
primeiro respeito de 𝐴 e 𝑍, e impondo equilíbrio químico e mecânico entre o gás de
nêutrons e os núcleos. Estas quatro condições permitem expressar a densidade de
energia total 𝜖 em função de uma única variável (geralmente a densidade bariónica
𝑛𝐵 ), para depois obter a pressão ao fazer

𝜕 𝜖
𝑃 = 𝑛𝐵2 𝜕𝑛 = 𝑃𝑛 + 𝑃𝑒 + 𝑃𝐿 (6.33)
𝐵 𝑛𝐵

O protótipo deste cálculo é o trabalho de Baym-Bethe-Pethick (BBP) utilizado para


descrever a matéria em esta faixa de densidades, válida até o valor de densidade de
saturação aproximadamente (Shapiro e Teukolsky, 1983). No ponto da saturação,
a estrutura nuclear se dissolve, e a matéria está composta de fluidos de nêutrons,
prótons e elétrons na primeira aproximação. Ai começam a ser importantes as
interações n-p, p-p e n-n mencionadas. Uma possível abordagem (não relativística)
que pretende tratar as forças núcleon-núcleon da maneira mais simples possível,
consiste em escrever uma generalização do potencial de Yukawa

𝑒 −𝑗𝜇𝑟
𝑉𝐵𝐽 = 𝑗 𝐶𝑗 + 𝑉𝑇 (6.34)
𝜇𝑟

onde, 𝜇 é relacionado com o inverso da massa da partícula (chamada


genericamente de méson) trocada entre os núcleons (Capítulo 1), e 𝑉𝑇 são termos
adicionais do potencial. No trabalho clássico de Bethe-Johnson (1974), alem das
interações atrativas devidas à troca de píons, foi considerado o efeito dominante
do méson vetorial𝜔, responsável em grande parte pelo caroço repulsivo
𝑒 −𝜇 𝜔 𝑟 2
𝑔𝜔
aocontribuir com um termo 𝑉𝜔 = 𝑔𝜔2 com ~ 29, tal como derivado dos
𝑟 ℏ𝑐
dados de espalhamento em laboratório. A forma da EoS de Bethe-Johnson
(denominada modelo I) é obtida de combinar

𝜖 𝑀𝑒𝑉
= 236 𝑛1.54 𝑝𝑎𝑟𝑡 í𝑐𝑢𝑙𝑎 + 𝑚𝑝 𝑐 2 (6.35a)
𝑛
𝜕 𝜖 𝑀𝑒𝑉
𝑃 = 𝑛2 = 364 𝑛2.54 (6.35b)
𝜕𝑛 𝑛 𝑓𝑚 3

Para densidades ainda mais elevadas (2 − 3 𝜌0 ), a idéia de "potencial" falha (já que
é bem clássica), e resulta necessário calcular a energia por núcleon com técnicas
𝜖 𝜕 𝜖
sofisticadas para obter e logo a seguir a pressão segundo 𝑃 = 𝑛2 𝜕𝑛 . Esta
𝑛 𝑛
dificuldade provoca que, segundo a inclusão de espécies mais massivas (híperons
Λ e muitas outras) conhecidas do laboratório, e o tipo de tratamento executado,
existam diferenças substanciais nas equações de estado no regime mais denso, que
detém > 90% da massa da estrela. Esta situação se ilustra na Fig. 6.14.

Fig. 6.14. Um exemplo da diferença entre equações de estado calculadas no regime


ultra-denso. A curva superior é decorrente de considerar somente 𝑛, 𝑝, 𝑒 −e 𝜇 −. A
de baixo, com a inclusão do Λ (que é uma espécie de nêutron massivo) e o Σ −. Para
a mesma densidade, a segunda produz muito menos pressão. A densidade de
saturação se indica com a flecha.

Por último, resulta possível que nas densidades relevantes os graus de liberdade
nem sejam aqueles que conhecemos da Física Nuclear convencional. Existem fortes
evidências, tanto teóricas quanto experimentais, de uma transição de fase onde os
núcleons liberam seus constituintes fundamentais, quarks e glúons, em condições
de temperatura e pressão extremas. Enquanto os experimentos do RHIC e LHC
exploram principalmente a região "quente" de alta temperatura e baixo potencial
químico (e conseqüentemente baixa densidade, já que em primeira aproximação
𝜌 ∝ 𝜇 4 para a matéria relativística), o domínio da astrofísica é uma região "fria"
próxima do eixo dos 𝜇, devido a que nem as maiores temperaturas possíveis (~
dezenas de MeV) nos colapsos de supernovas são ainda muito pequenas quando
comparadas com a energia de Fermi 𝜇. Por várias décadas houve melhoras nos
experimentos para atingir a região do QGP, e finalmente esta fase foi
aparentemente detectada nas colisões de íons pesados. Não sabemos até que ponto
estes quarks são necessários para explicar os interiores das estrelas de nêutrons
(Weber, 1999).

Equações de estrutura relativísticas (TOV) e estrelas de nêutrons

Da mesma forma que o argumento de Landau do Capítulo 3 permitiu


compreender a existência da massa de Chandrasekhar sem entrar em detalhes,
podemos apresentar uma discussão análoga que permita visualizar por quê existe
um novo ramo de estrelas estáveis depois das anãs brancas, e de passagem, por
que não há nenhum objeto intermediário entre elas. O argumento é baseado no
comportamento da EoS estudado anteriormente, e no conceito de equilíbrio
hidrostático que norteia a estrutura estelar. Já vimos que o equilíbrio hidrostático
é essencialmente o balanço das forças gravitacionais e as forças associadas à
pressão que suporta a estrutura, ou seja 𝑃𝐺 = 𝑃𝑀 , onde temos utilizado o nome de
“pressão gravitacional” para designar a derivada da energia gravitacional respeito
do volume (ou seja, uma quantidade formalmente análoga à pressão da matéria).
Se adotarmos para a energia gravitacional a expressão correspondente à energia
3 𝐺𝑀 2
de uma esfera homogênea, 𝐸𝐺 = − 5 e a expressarmos em função do volume
𝑅
4
𝑉 = 3 𝜋𝑅 3 , temos que para massa constante que

3 4𝜋 1/3 𝐺𝑀 2
𝐸𝐺 = − 5 . (6.36)
3 𝑉 1/3

𝜕𝐸𝐺
Segue-se da (6.36) que a 𝑃𝐺 = − = 𝐶 × 𝑀2/3 𝜌4/3 , onde 𝐶 é uma constante.
𝜕𝑉
Observamos que esta “EoS gravitacional” tem a mesma dependência com a
densidade que um gás ultra-relativístico. Assim, 𝑃𝐺 = 𝑃𝑀 é impossívelquando as
partículas que fornecem a pressão ficam ultra-relativísticas (!), já que aí as
pressões são paralelas. No caso concreto das anãs brancas, a EoS dos elétrons
começa como 𝑃 ∝ 𝜌5/3 , e então existem soluções para cada massa constante (Fig.
6.15). Porém, quando a massa aumenta e os elétrons ficam mais relativísticos,
deixa de haver soluções em algum ponto já que 𝑃𝐺 e 𝑃𝑀 têm a mesma inclinação.
Somente quando acontece a neutronização e os próprios nêutrons fornecem a
pressão é que a EoS ganha inclinação de novo, e com isto as soluções de equilíbrio
voltam a existir. Isto, porém, acontece para 𝜌 ≥ 𝜌0 , e assim o ramo das estrelas de
nêutrons é estabelecido sem que haja nenhuma solução (estrela) no meio caminho
em densidade. Vemos que da análise puramente newtoniana é possível inferir as
características fundamentais desta classe de objetos.
Fig. 6.15. A existência de soluções em equilíbrio é possível somente quando a
inclinação da EoS fria e da “EoS gravitacional” são diferentes. A passagem do gás de
elétrons não relativísticos para o gás de elétrons ultra-relativísticos provoca o fim
da seqüência de modelos estáveis. Não é até depois de atingida a densidade de
saturação que a matéria, agora dominada pelos nêutrons, consegue mudar de novo
a inclinação e estabilizar as estrelas de nêutrons (Horvath, 2011).

Da mesma forma que as equações newtonianas do Capítulo 3, é imprescindível


uma EoS da forma 𝑃 𝜌 para integrar a TOV com as condições de contorno
𝑀 0 = 0, 𝑃 𝑅 = 0 em conjunto com a equação da continuidade da massa
𝑑𝑀
= 4𝜋𝜌𝑟 2 . Em geral, dada a forma da eq. TOV, isto requer uma integração
𝑑𝑟
numérica, mas existem alguns casos onde uma solução analítica completa é
possível. O conjunto de soluções exatas de utilidade para modelar estrelas tem sido
discutido por Lake (2003), e contém as soluções de densidade constante, Tolman
V, e outros sete casos.

Um caso particular de grande interesse leva ao chamado limite de Rhoades-Ruffini


(1974), diretamente ligado à aproximação de densidade constante. O raciocínio
para este cálculo é o seguinte: a maior massa possível de ser suportada pela
matéria densa deve acontecer quando esta é o mais “dura” possível, ou seja,
𝑑𝑃
quando = 𝑐 2 (de fato um cálculo variacional confirma esta expectativa). Se a
𝑑𝜌
EoS é considerada conhecida abaixo de uma certa densidade de transição 𝜌𝑇
𝑑𝑃
(descrita, por exemplo, pela EoS de BBP ou similar), e também , 𝑑𝜌 ≥ 0 localmente
para evitar instabilidade frente ao colapso, então a massa máxima da seqüência de
estrelas frias é

1/2
4.6×10 14 𝑔 𝑐𝑚 −3
𝑀 = 3.2 𝑀⊙ (6.37)
𝜌𝑇

Este valor pode então ser considerado um limite absoluto, desde que não há como
introduzir nenhum ingrediente físico que faça a EoS violar a causalidade.
Obviamente os efeitos da rotação, por exemplo, podem aumentar levemente o
valor do máximo, mas na casa de 10 − 20%. Veremos que os modelos realísticos de
estrelas de nêutrons efetivamente mantém a massa máxima da seqüência abaixo
deste valor.

Fig. 6.16. A relação massa-raio das anãs brancas e estrelas de nêutrons na mesma
escala. As 3 massas limite definidas no texto estão indicadas com linhas vermelhas.

Modelos estelares e comparação com as observações

Os modelos realistas das estrelas de nêutrons precisam ir muito além da


simplicidade inicial, já que existem inúmeros desenvolvimentos na física hadrônica
a serem incorporados, e também tratar em detalha as camadas mais externas, onde
o campo magnético está ancorado (vide abaixo) e a superfície emite fótons. Um
corte que representa um modelo típico se mostra na Fig. 6.17.
Fig. 6.17. Perfil de um modelo de estrela de nêutrons. À esquerda, as densidades de
cada interfase, e à direita, o raio (em km) desde o centro para o qual cada camada
da lugar à seguinte.

Em geral todos os modelos apresentam uma "atmosfera" desde 𝜌 = 0até


uns~106 𝑔 𝑐𝑚−3 , composto por elétrons não relativísticos e núcleos cuja
composição depende da queda de material na supernova ao momento do
nascimento. Esta característica é importante já que virtualmente todos os
observáveis (incluídos os espectros) têm lugar em esta superfície, onde fortes
campos magnéticos podem afetar o estado fundamental e produzir núcleos muito
deformados e influir em estas quantidades observadas.

Abaixo de ~106 𝑔 𝑐𝑚−3 , e antes do valor 4 × 1011 𝑔 𝑐𝑚−3 a matéria consiste em


elétrons relativísticos e uma rede sólida de núcleos regida pelas forças
eletrostáticas de Coulomb (a chamada crosta externa). Já vimos que além de ponto
de gotejamento dos nêutrons 4 × 1011 𝑔 𝑐𝑚−3 um gás destes convive com a rede,
até a densidade de saturação nuclear𝜌0 ~2.4 × 1014 𝑔 𝑐𝑚−3 . Os nêutrons (sem
carga) são superfluidos nessa condição, ou seja se emparelham entre eles e se
movimentam sem resistência.

Depois da densidade da saturação 𝜌0 e até as maiores densidades atingidas no


centro, a matéria uniforme pode ser descrita primeiro com uma EoS do tipo
potencial, para logo ficar incerta, já que as possibilidades da composição vão desde
híperons, condensados de mésons e/ou quarks. Este caroço líquido permanece
como uma grande incógnita da estrutura, e contém mais de 90% da massa da
estrela (Weber, 1999).

Os modelos estelares são construídos integrando numericamente,as equações de


estrutura para cada EoS supranuclear escolhida, para cada faixa de densidades
conforme os pontos de densidade de transição sejam atingidos, e isto produz
seqüências de modelos como as representadas na Fig. 6.18. Os modelos são mais
compactos quanto maior for a sua massa, e aqueles que superem o limite causal
devem ser excluídos (ou seja, não podem entrar na faixa cinza diagonal). Isto
acontece porque próximo da massa limite a velocidade do som na matéria pode
exceder a velocidade da luz, e assim o cálculo resulta inconsistente. Conforme a
EoS é mais "dura" ou "mole" (ou seja, produzem mais ou menos pressão para uma
dada densidade de energia), as massas dos modelos de massa máxima resultam
maiores ou menores, respectivamente, enquanto os raiosrespectivos seguem a
tendência inversa. Assim pode-se construir o diagrama 𝑀 − 𝑅 apresentado aqui.
Fig. 6.18. O diagrama massa-raio para as estrelas de nêutrons. As faixas horizontais
indicam as maiores massas medidas, até ~𝑀 = 2 𝑀⊙ . As equações de estado mais
"duras" estão à direita, onde as massas máximas são maiores e os raios grandes. O
contrário acontece com as equações de estado "moles", à esquerda. As três
equações de estado que contém quarks se comportam diferentemente, as massas
menores têm os raios menores. Alguns dos modelos desta figura são chamados de
híbridos (matéria normal + caroço de quarks).

Para comparar os modelos e as massas reais, ométodo mais utilizado e bem-


sucedido para obter as massas das estrelas de nêutrons tem sido a aplicação da
terceira lei de Kepler em binárias que contém ao menos uma NS. As observações
fornecem diretamente a chamada função de massas

3
𝑀2 𝑠𝑒𝑛 2 𝑖 𝒯𝑣 3
𝑓 𝑀1 , 𝑀2 , 𝑖 = 2 = 2𝜋𝐺∥ . (6.38)
𝑀1 +𝑀2

já que o período da binária 𝒯e a projeção da velocidade orbital de 𝑀1 na linha de


visada 𝑣∥ podem ser medidos. Às vezes é possível estimar o ângulo de inclinação 𝑖 a
partir, por exemplo, da observação de eclipses ou de combinar dados em outras
bandas, e conseguir uma determinação das massas 𝑀1 e 𝑀2 . Os melhores
resultados até hoje correspondem a sistemas onde as duas estrelas são de
nêutrons, mas existem outros nos quais a companheira 𝑀1 é uma anã branca, uma
estrela evoluída ou até da MS.
Fig. 6.19. Massas de estrelas de nêutrons determinadas em sistemas binários
(extraído do site http://stellarcollapse.org/nsmasses). As melhores determinações
são as que correspondem a sistemas de duas estrelas de nêutrons, com mais de
um exemplo de “pulsar binário”. Note-se que a distribuição não é consistente com
uma massa única de ~ 1.4 𝑀⊙ como aparece nos livros anteriores do ano 2000. Há
sistemas onde a estrela de nêutrons deve ter sofrido acresção de Δ𝑀 ≥ 0.3 𝑀⊙ e a
distribuição é pelo menos bimodal, com uma escala em torno de 1.4 𝑀⊙ e outra em
~1.8 𝑀⊙ ( Valentim, Rangel e Horvath, 2011). Um "terceiro pico" em 1.25 𝑀⊙ está
presente com significação alta nos dados mais atuais, possivelmente associado à
produção de estrelas de nêutrons pelos progenitores "leves" (8 − 10 𝑀⊙ na MS)
que desenvolvem caroços degenerados de 𝑂 − 𝑀𝑔 − 𝑁𝑒 que colapsam por
captura eletrônica.

Outra possível forma de obter informação é a de extrair das observações a


temperatura efetiva, e com uma avaliação da distância, calcular o raio usando a
relação eq. (4.1). Mas ainda que os espectros parecem realmente térmicos, com
temperaturas associadas de ~1 − 10 𝑘𝑒𝑉 os raios obtidos são muito pequenos
(~2 − 5 𝑘𝑚). O consenso é que a temperatura obtida não é realmente a
temperatura de toda a estrela, mas somente de uma "mancha" quente (por
exemplo, calotas polares) e que por esta razão não se deve afirmar nada a respeito
da estrutura esférica, embora houve trabalhos que argumentaram em favor de
uma estrela de quarks, com raio muito menor que os ~10 𝑘𝑚 "canônicos". Outras
técnicas várias para tentar obter simultaneamente raio e massa estão em
andamento, mas sem resultados concretos e aceitos.

Pulsares e outras estrelas de nêutrons

A primeira aparição "real" (isto é, não especulativa) das estrelas de


nêutrons na Astrofísica aconteceu em 1967, quando os pesquisadores do
observatório Mullard da Universidade de Cambridge (Hewish et al., 1968)
detectaram pulsos temporalmente periódicos de uma fonte cósmica. Embora
primeiramente se considerasse uma anã branca pulsando como modelo mais
viável, os pulsos foram posteriormente associados por T. Gold e F. Pacini (1968) a
uma estrela de nêutrons em rotação, modelo que prontamente ganhou adeptos por
ter relação direta com a velha proposta de Baade e Zwicky (1934) a respeito dos
remanescentes compactos das supernovas, quando a detecção direta do pulsar do
Caranguejo foi anunciada pouco depois, com um período insustentável para uma
pulsação de uma anã branca.

A idéia básica de Pacini e Gold é a de atribuir os pulsos à passagem de um feixe de


emissão pela linha de visada do observador, e desta forma o período dos pulsos
resulta diretamente da rotação, mas também precisa de campo magnético para
acontecer. Longe do objeto somente o dipolo deve ser importante,um dipolo em
rotação deve levar ao torque exercido pela radiação que sai e vai freando a estrela.
Como a fonte de energia disponível é a própria rotação, as perdas devem ser iguais
à variação da energia de rotação, levando à equação dinâmica de um "pião" estelar
magnetizado
2
𝐼ΩΩ = − 3𝑐 2 𝐵 2 𝑅 6 Ω4 (6.39)

2
onde o coeficiente corresponde a radiação emitida por um dipolo rotante em
3𝑐 2
vácuo. Pesquisas posteriores alertaram para o fato que o campo elétrico induzido
por este dipolo rotante é tão gigantesco que um vácuo não é possível em torno da
estrela de nêutrons: elétrons e prótons são arrancados da superfície pelo campo
elétrico induzido, e formam uma região em torno ao pulsar onde a dinâmica das
partículas é dominada pelo campo magnético, que recebe assim o nome de
magnetosfera.

Este problema (clássico) do dipolo rotante e as correntes induzidas leva 40 anos


sem ser resolvido, contudo, existem soluções aproximadas. Não é possível calcular
nem o coeficiente da eq.(6.39), nem outras quantidades relevantes com precisão
(Michel, 2002). Em particular, não podemos calcular nem a estrutura detalhada do
campo magnético, nem o fluxo de partículas (não da radiação) que escapam pelas
linhas abertas da magnetosfera, na forma de um vento relativístico, visível
claramente em raios X (Fig.6.20).
Fig.6.20. Esquerda: imagem em raios X do pulsar do Caranguejo, casualmente
orientado de forma similar à figura de esquerda no plano do céu. Direita: esquema
de um pulsar mostrando a co-rotação das partículas com o objeto até o cilindro de
luz (linha indicada com a flecha) e a emissão na direção do observador.

Contudo, supondo que somente o dipolo contribui para frear a rotação, e que o
campo magnético não muda ao longo da vida da estrela, podemos integrar no
tempo a eq.(6.39) com o resultado

Ω Ω 𝑛 −1
𝑡 = − (𝑛−1)Ω 1 − Ω 𝑛 −1 (6.40)
𝑖

ondeΩ𝑖 é a velocidade de rotação inicial do pulsar e 𝑛 é o chamado braking index,


que mede a frenagem do objeto conforme a radiação dipolar escoa. Se o pulsar
nasceu rodando muito mais rapidamente que hoje, o termo entre parêntese é 1 e
𝑃
podemos definir a idade característica 𝜏 = 2𝑃 como a escala de tempo típica para
conseguir diminuir a rotação. Um dipolo puro leva ao valor 𝑛 = 3, mas é possível
Ω|Ω|
formalizar a definição do 𝑛 = como uma quantidade observável diretamente
Ω2
se medidas a velocidade de rotação e suas duas primeiras derivadas (Shapiro e
Teukolsky, 1983). Desta forma, medindo os valores para 6 pulsares onde foi
possível determinar a 3 quantidades (especialmente a minúscula segunda derivada
Ω de algo que quase nem muda...) diferem do valor esperado, em alguns casos
substancialmente (Tabela 6.2). Esta diferença indica que a perda de energia não é
puramente da radiação de dipolo, e que existem outros fatores envolvidos. Esta
discrepância não é nova, o pulsar do Caranguejo, por exemplo, emite ~1031 𝑒𝑟𝑔 na
radiação pulsada, enquanto 𝐼ΩΩ > 6 × 1038 𝑒𝑟𝑔, ou seja, embora assumido, a
radiação dipolar não leva mais que uma fração pequena da energia total. A
presença de outros fluxos de energia é necessária, e particularmente existe a
detecção inequívoca de fluxo de partículas (vento), os quais colidem com o
material circumstelar para produzir raios X tal como observado na Fig.6.20.

Tabela 6.2 . Alguns dos braking indices medidos até hoje.

Pulsar 𝑃(𝑠) 𝑃 (10−13 𝑠 𝑠 −1 ) 𝑛


PSR B0833-45 (Vela) 0.089 1.25 1.4(2)
PSR B0540-69 0.050 4.79 2.140(9)
PSR J1846-0258 0.324 71.0 2.16(3)
PSR B0531+21 (Caranguejo) 0.033 4.23 2.51(1)
PSR J1119−6127 0.408 40.2 2.91(5)
PSR B1509-58 0.151 15.4 2.839(3)
PSR J1734-3333 1.17 22.8 0.9(2)
PSR J1833-1034 0.062 2.02 1.8569(6)
PSR J1640-4631 0.207 9.72 3.15(3)

A pesar destas incertezas, a equação dinâmica (6.39) é amplamente utilizada para


obter uma estimativa do campo magnético 𝐵 em função dos observáveis 𝑃 e 𝑃, na
forma
𝑃 𝑃
𝐵 = 1013 𝐺 (6.41)
1𝑠 10 −13 𝑠 𝑠 −1

que resulta da inversão direta da (6.39), e da hipótese que 𝑠𝑒𝑛2 𝛼~ 1. Com a


eq.(6.41) e a idade característica 𝜏 da (6.40) podemos calcular as trajetórias dos
pulsares no diagrama 𝑙𝑜𝑔𝑃 − 𝑙𝑜𝑔𝑃, as quais resultam linhas retas para cada
𝐵 = 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑡𝑎𝑛𝑡𝑒. Embora fosse esperado que o campo decaísse pela dissipação
ôhmica na crosta, a existência de um grupo numeroso de pulsares com valores
muito altos de 𝜏 e campos muito intensos fez com que o decaimento do campo
fosse desacreditado.
Fig. 6.21. O diagrama 𝑙𝑜𝑔𝑃 − 𝑙𝑜𝑔𝑃 para pulsares e objetos similares. As linhas de
𝐵 = 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑡𝑎𝑛𝑡𝑒 se mostram explicitamente. Os pulsares ordinários se agrupam na
"mancha" central. Outras estrelas de nêutrons povoam este diagrama fundamental,
os magnetares no canto superior direito (AXP-SGR. em vermelho) e os pulsares de
milissegundo (reciclados) no canto inferior esquerdo. A linha diagonal azul é
chamada "linha de morte", e marca onde os pulsares são lentos demais ou
desmagnetizados demais quanto para produzir emissão. Note-se o conjunto de
pulsares associados com um remanescente de supernova, marcados com a elipse.

A presença de pulsares detectados somente nas bandas de alta energia e não em


rádio merece um aparte. Enquanto a emissão de rádio pulsada é incoerente, as
emissões na banda óptica, X e 𝛾 precisam ser coerentes, e resultam assim
proporcionais a densidade de partículas emissoras. Existem vários mecanismos
que podem explicar estas emissões, o mais interessante e a presença de radiação
térmica da superfície resíduo do conteúdo do nascimento, já que leva informação
sobre os processos de esfriamento e, portanto, do estado do interior. As partículas
carregadas na magnetosfera e os ventos podem produzir emissão incoerente, em
particular, existe uma série de detecções importante nas bandas 𝛾 que deve ajudar
a explicar a classificação dos pulsares no que diz a emissão presente, mas o teor da
emissão nas altas energias permanece em aberto.

Em relação aos "outros" tipos de estrelas de nêutrons que apontamos na Fig. 6.21,
o tipo mais extremo é chamado de magnetar. Nas décadas seguintes à descoberta
foram identificadas algumas fontes que, além de apresentar uma emissão em raios
X ≫ 𝐼ΩΩ (ou seja, que não podem obter a energia da emissão observada da sua
energia rotacional, a qual resulta insuficiente), têm períodos longos≥ 1 𝑠 e valores
das derivadas bem acima daquelas dos pulsares ordinários (~10−10 𝑠 𝑠 −1 ). Assim,
a eq.(6.41) mostra que seus campos magnéticos devem ser 1014 − 1015 𝐺, e por
esta razão ficaram conhecidos como magnetares. Esta classe de fontes também é
observada em raios 𝛾, muitas vezes na forma de surtos e intensa atividade (Fig.
6.22). A idéia do modelo do magnetaré que a dissipação súbita da energia
magnética é a responsável por esta fenomenologia. O modelo se aplicou ao grupo
chamado de Soft-Gamma Repeaters e Anomalous X-Ray Pulsars (SGR-AXP),
considerados manifestações diferentes de estrelas de nêutrons com campos
magnéticos extremos (Woods e Thompson, 2006). Porém, existem detecções
recentes como a do SGR 0418+5729, com campo magnético estimado de
7.5 × 1012 𝐺, bastante inferior aos outros, e são às vezes detectados em rádio. Isto
faz repensar o cenário dos magnetares, já que com um campo tão baixo assim não
seria possível extrair suficiente energia rotacional para explicar a emissão X
observada.

Fig. 6.22. O surto do magnetar SGR 1806-20 do 27 de Dezembro de 2004,


observado pela sonda RHESSI. A energia em raios gama é equivalente a toda a
emissão solar em 1 milhão de anos (!), liberada em fótons "duros" em
~ 300 segundos. É melhor não estar no espaço próximo à fonte quando isto
acontece...

A associação de pulsares e remanescentes de supernovas é hoje uma idéia muito


firme, embora seja confirmada em ~10% dos > 200 SNR conhecidos na galáxia.
Estas associações são um problema importante, a maior parte dos remanescentes
não deveria ter nenhum pulsar associado, já que não só as supernovas tipo Ia não
produzem pulsares, e também deve haver casos onde o produto foi um buraco
negro estelar (Capítulo 5). Outro fator de importância é que os pulsares nascem
(em média) com alto movimento próprio decorrente do processo, e atingem
velocidades ~400 𝑘𝑚 𝑠 −1 . Assim, muitas vezes os pulsares "furam" a borda do
remanescente natal em expansão e escapam. Por último, o feixe de emissão pode
apontar para longe da Terra (em 70 − 80% dos casos), e a própria identificação
dos SNR fica quase impossível depois de > 105 𝑎𝑛𝑜𝑠 (Capítulo 5). Vários
remanescentes foram associados aos magnetares, mas os problemas para
confirmar estas associações são muito grandes. A tentativa de associar magnetares
a aglomerados de estrelas massivas que possam ter sido suas progenitoras
também apresenta problemas: embora um número de casos parecesse indicar
progenitores de ≥ 40 𝑀⊙ (criando, de passagem, problemas para saber por que
estrelas tão massivas não formaram buracos negros...), existe pelo menos um caso
no qual o aglomerado ainda tem estrelas com ~17𝑀⊙ na MS, lançando dúvidas a
respeito das massas maiores (Davies et al. 2009).

Finalmente temos no diagrama da Fig. 6.21 os pulsares de ms, classe que


inclui o objeto mais rápido conhecido hoje, PSR J1748-2446ad no aglomerado
Terzan 5, com 𝑃 = 1.4 𝑚𝑠 (ou freqüência de 716 Hz). Este objeto é mais um
representante de uma classe detectada há mais de 20 anos, e que contém um
número importante de pulsares em aglomerados globulares. Como os aglomerados
não tem sofrido um numero expressivo de supernovas de colapso, um canal
alternativo de formação pela acresção de matéria encima de uma anã branca foi
postulado (o chamado Accretion Induced Collapse, onde a captura eletrônica deve
ser mais rápida que a ignição do carbono, Capítulo 5). Mas o mais importante dos
pulsares de ms é que se acredita que seus períodos ultracurtos são possivelmente
devidos à reciclagem (Bisnovatyi-Kogan e Komberg, 1974), ou seja, ao processo no
qual a acresção da companheira "normal" transfere momento angular e assim
acelera a rotação. As condições para a existência destes sistemas são bem
favoráveis em aglomerados, e assim a maior parte dos pulsares detectados neles
são da classe de ms, embora possam existir alguns com a rotação original, sem ter
passado por reciclagem.

Fig. 6.23. O aglomerado globular 47 Tuc no óptico (esquerda) e em raios X


(direita). Alguns dos pulsares pertencentes a este sistema estão marcados com
estrelas vermelhas. Na imagem de X podemos ver estes pulsares e outros
sistemasde alta energia que emitem intensamente (Grindlay et al., 2001).
A última descoberta de uma classe inteiramente nova de estrelas compactas é a da
chamada Rotating Radio Transient Sources (ou RRATS), que emitem pulsos de
rádio esporádicos em fase, separados por várias horas e podem constituir a
população dominante do disco, dadas suas idades características e dificuldades de
detecção. Em outras palavras, os RRATs seriam a população majoritária enrustida,
quase totalmente silenciosa, das estrelas de nêutrons que continuarão como um
tópico de pesquisa de fronteira pelas próximas décadas, ainda mais depois da
primeira detecção da fusão de duas em ondas gravitacionais e todo o espectro
eletromagnético (Capítulo 10).

A física básica dos buracos negros e suas manifestações observacionais

A construção do conceito do buraco negro

A longa história da idéia de buraco negro tem dois precursores ilustres bem
no fim do século 18 (!). Com intervalo de poucos anos, o inglês J. Michell e o francês
Pierre-Simon de Laplace discutiram a possibilidade de estrelas escurasbaseados
em idéias newtonianas a respeito da velocidade de escape de corpúsculos de luz
desde a superfície estelar. Note-se que estes argumentos se baseiam no conceito
newtoniano da natureza corpuscular da luz, caso contrario não haveria como a
gravitação de Newton atraí-la. Mas apesar desta característica enviesada, o
raciocínio de Michell e Laplace abriu a porta para o estudo moderno dos buracos
negros e merece uma discussão (Horvath e Custódio, 2013).

Como é bem sabido, a conservação da energia serve para escrever a condição


crítica com a qual uma partícula pode escapar desde a superfície de um corpo de
massa 𝑀 e raio 𝑅
1 𝐺𝑀𝑚
𝑚𝑣 2 = . (6.42)
2 𝑅

Se fizermos 𝑣 = 𝑐, aplicável à luz em esta abordagem corpuscular, vemos que se o


2𝐺𝑀
raio atingir o valor crítico 𝑅 = o campo gravitacional não permitira o escape.
𝑐2
Assim, o objeto compacto que atinja esta condição será "escuro", invisível aos
observadores externos.
Fig. 6.24. Os pioneiros da idéia do buraco negro. À esquerda, John Michell, membro
da Royal Geological Society inglesa. À direita Pierre Simon, o Marquês de Laplace.

Dois séculos depois, quando formulada a Teoria Geral da Relatividade, foram


descobertas soluções onde, em vez de considerar uma superfície física para a
emissão da luz, existe uma superfície imaginária, chamada de horizonte de
eventos, a partir da qual o exterior não pode receber nenhum sinal do interior. O
exterior e o interior ao horizonte ficam desconectados causalmente. Isto é
conseqüência da forte curvatura induzida pela concentração da massa. Mais ainda,
bem no centro existe uma singularidade, impossível de ser descrita com as
equações clássicas, que aparece coberta pelo horizonte. Esta solução básica, sem
adicionar momento angular, carga elétrica nem outros ingredientes, é a chamada
solução de Schwarzschild, obtida pelo físico alemão do mesmo nome enquanto
combatia nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial na frente russa (qualquer
semelhança com a alegada falta de tempo dos alunos para fazer as listas seria
maldosa e deve ser rejeitada...). Um esquema da estrutura de um buraco negro de
Schwarzschild se mostra na Fig. 6.25.
Fig. 6.25. Um diagrama em duas dimensões de um buraco negro. A singularidade
está recoberta pelo horizonte, o qual separa o "interior" do resto do Universo.

Com a idéia física da compacticidade como causa da formação de um buraco negro


podemos ir além e construir um diagrama geral (conhecido como diagrama de
Carter, Fig. 6.26) que contém todos os possíveis buracos negros do Universo
(incluído ele próprio...). Já vimos que o raio da configuração tem um valor crítico
2𝐺𝑀
para 𝑅 = ≡ 𝑅𝑆 que por um acaso é exatamente o valor do chamado raio de
𝑐2
Schwarzschild obtido rigorosamente na Relatividade Geral, e que marca a posição
do horizonte. Podemos ganhar alguma compreensão do 𝑅𝑆 observando que na eq.
2𝐺𝑀
(6.32) o parêntese no denominador é (1 − ), e enquanto nas estrelas de
𝑟𝑐 2
2𝐺𝑀 2𝐺𝑀
nêutrons tínhamos que ≈ 0.1, os buracos negros com 𝑅𝑆 = fazem com que
𝑟𝑐 2 𝑐2
este seja zero, e a descrição de TOV deixa de ter sentido. Fisicamente podemos
pensar que as estrelas de nêutrons são "empacotadas" mas a pressão resiste à
gravitação, os buracos negros chegam ao máximo "empacotamento" e toda a
matéria some atrás do horizonte. Assim, não precisaremos impor nenhuma
equação de estado, já que os buracos negros resultam "pura gravitação".
Fig. 6.26. O diagrama de Carter. A região cinza é o domínio dos BH, ou seja, a massa
selecionada ao ser comprimida além da densidade inversamente proporcional a 𝑅𝑆3
forma o chamado horizonte de eventos (ver abaixo). Note-se que conforme a
massa aumenta, a densidade efetiva diminui. O buraco negro de Michell-Laplace
está indicado, já que eles imaginavam que a densidade era mantida constante
= 1 𝑔 𝑐𝑚−3 como no Sol. O próprio Universo poderia entrar no seu raio de
Schwarzschild e formar um buraco negro sem que percebêssemos.

O diagrama de Carter tem no eixo vertical a "densidade" dos objetos. Isto parece
um pouco estranho, já que acabamos de dizer que a matéria não está presente e
que colapsou dentro do raio de Schwarzschild. Mas sempre resulta possível definir
3𝑀 2𝐺𝑀
uma densidade formal 𝜌𝐵𝐻 = 4𝜋𝑅 3 , a qual combinada com a definição 𝑅𝑆 =
𝑆 𝑐2
1
implica que 𝜌𝐵𝐻 ∝ . Os buracos negros de massas ≫ 106 𝑀⊙ , chamados de
𝑀2
supermassivos (como aquele do centro da nossa galáxia em Sgr A*) são muito
menos densos que a água, enquanto um mini-buraco negro de massa ≪ 𝑀⊙ é
muito mais denso que uma estrela de nêutrons.

Até a segunda metade do século 20 esperava-se que buracos negros isolados não
fossem muito interessantes. Já aqueles que sofrem acresção de uma companheira
(caso estelar) ou do meio circumstelar (caso dos supermassivos) apresentam um
grande interesse, como veremos a seguir. Mas mesmo aqueles que não possuem
companheira foram estudados e um resultado muito interessante foi obtido a
respeito deles: o campo gravitacional muito intenso perto do horizonte tem a
propriedade de provocar que as flutuações do vácuo (Fig. 1.2 do Capítulo 1) se
assimetrizem, e uma das partículas do par seja às vezes absorvida atrás do
horizonte, enquanto a companheira "órfã" escapa do sistema. Somando todas as
contribuições se tem que o espectro total é térmico, com uma temperatura (de
Hawking) inversamente proporcional à massa do buraco negro (Fig. 6.27)

Fig. 6.27. As flutuações do vácuo como origem da radiação de Hawking. Na maior


parte das vezes o par de partículas se aniquila sem grandes conseqüências, tal
como acontece na ausência de gravitação.Outras vezes o par cai detrás do
horizonte. Mas também acontece que somente uma das partículas seja capturada
enquanto a outra escapa. A soma destas partículas tem a cara de um corpo negro, e
indica que os buracos negros emitem radiação (de Hawking).

Com o auxílio dos conceitos do Capítulo 1 podemos fundamentar estas afirmações


e obter a temperatura de Hawking. A emissão de um fóton próximo do horizonte
implica que a incerteza na sua posição é da ordem do raio 𝑅𝑆 , ou seja

2𝐺𝑀
∆𝑥 ≈ 𝑅𝑆 = (6.43)
𝑐2

com a (6.43) calculamos de imediato a incerteza no impulso ∆𝑝

ℏ ℏ ℏ𝑐 2
∆𝑝 ≈ ∆𝑥 = 2𝑅 = . (6.44)
𝑆 4𝐺𝑀

ℏ𝑐 3
A energia do fóton típico resulta assim 𝐸𝛾 = ∆𝑝𝑐 = 4𝐺𝑀 . Associando uma
temperatura 𝑇𝐻 a esta energia característica temos que (a menos de um fator
numérico 4𝜋 que não pode ser facilmente obtido)
ℏ𝑐 3
𝑇𝐻 = (6.45)
8𝜋𝐺𝑀

Ou seja, a temperatura da emissão de corpo negro depende do inverso da massa do


buraco negro. Numericamente podemos expressar todo em 𝑜 𝐾

𝑀⊙ 𝑜
𝑇𝐻 = 10−7 𝐾 (6.46)
𝑀

Da eq. (6.46) fica evidente que a radiação de Hawking é muito fraca e totalmente
inobservável, a menos que o buraco negro que evapora esteja próximo do sumiço
total. Esta foi uma das sugestões do próprio Hawking, quem propôs monitorar
surtos de raios gama muito breves como sinal do final da evaporação.

Porém, existe outro contexto no qual a radiação de Hawking pode ser muito
importante: no destino dos buracos negros primordiais, produzidos muito cedo na
história do Universo. Existem vários mecanismos possíveis para que os buracos
negros se formem, no mais simples (colapso de grandes flutuações da densidade),
∆𝜌
o mecanismo candidato deve ser capaz de criar flutuações ≥ 1/3 na matéria
𝜌
primordial quase-homogênea. As flutuações hoje detectadas em uma variedade de
escalas através do monitoramento da radiação cósmica de fundo (isto é, as
flutuações da temperatura são as observadas, e estas refletem flutuações na
densidade na época) são da ordem de 10−5 , é possível que existam flutuações
como as requeridas mas permanecem "escondidas". Independentemente disto,
podemos discutir como seria a evaporação dos buracos negros no contexto
cosmológico. A emissão Hawking, identificada com a de um corpo negro com
temperatura 𝑇𝐻 provoca uma perda de energia do buraco

𝐸 = −4𝜋𝑅𝑆2 𝑇𝐻4 . (6.47)

Como já vimos anteriormente, 𝑅𝑆 ∝ 𝑀 e 𝑇𝐻 ∝ 1/𝑀, e a taxa de perda de massa


(energia) do buraco é então

𝑑𝑀 𝐴
= − 𝑀2 . (6.48)
𝑑𝑡

Por outro lado, os buracos negros primordiais estão em um meio muito energético
e absorvem partículas e radiação do ambiente. Um cálculo completo da seção de
choque (que leva em conta que a gravitação do buraco negro aumenta a seção
27𝜋
geométrica) resulta em 𝜍 = 𝑅𝑆2 . Este efeito de absorção somente pode ser
4
importante na chamada era da radiação, quando a matéria começa a dominar a
expansão o fluxo de energia que cai no buraco negro é insignificante. Utilizando a
4
seção de choque e usando que 𝐹 ∝ 𝑐𝜌𝑟𝑎𝑑 ∝ 𝑇𝑟𝑎𝑑 temos, supondo que os buracos
negros são diluídos e não dominam a dinâmica do Universo, a equação mais
completa

𝑑𝑀 𝐴 4
= − 𝑀 2 + 𝐵𝑀2 𝑇𝑟𝑎𝑑 (6.49)
𝑑𝑡

para a evolução da massa do buraco com o tempo, com 𝐴, 𝐵 constantes calculáveis


dependentes da época considerada e 𝑇𝑟𝑎𝑑 = 𝑇𝑟𝑎𝑑 (𝑡) que decorre das equações de
Friedmann da evolução do Universo. Note-se que conservando somente o primeiro
termo de Hawking, podemos integrar para obter a massa inicial do buraco negro
que estaria evaporando precisamente hoje

𝑀 ≡ 𝑀𝐻 ≈ 5 × 1014 𝑔 (6.50)

correspondente a um objeto pontual, mas com a massa similar à de um asteróide.

A inclusão da energia absorvida nos leva a definir uma curva chamada de massa
crítica 𝑀𝐶 𝑡 que separa as regiões onde o buraco negro absorve energia ou
𝑑𝑀
evapora (Fig. 6.27), que resulta de fazer = 0 na eq.(6.49) (Custódio e Horvath,
𝑑𝑡
1998). A massa crítica é uma propriedade do meio e, na era da radiação, tem o
valor

𝑇0
𝑀𝐶 𝑡 = 1026 𝑔 (6.51)
𝑇𝑟𝑎𝑑 𝑡

Estes desenvolvimentos continuam até hoje, e servem, por exemplo, para


identificar quais épocas e mecanismos teriam dado origem a buracos negros
primordiais que evaporassem hoje ou contribuam para os fundos de radiação IR,
rádio, etc. observados. Um panorama completo pode ser consultado em Carr,
Kuhnel e Sandstad (2016).
Fig. 6.28. Evolução de um buraco negro no Universo primordial. Se formado acima
da massa crítica da época, o buraco negro mantém sua massa quase constante
(trajetória horizontal) até atingir o valor instantâneo de 𝑀𝐶 num tempo futuro, e
evaporará daí em adiante. Zel'dovich e outros estavam preocupados pela
possibilidade do buraco negro crescer explosivamente, engolindo uma fração
substancial do Universo, fato que não acontece na prática. A demora para o buraco
negro começar a evaporar pode ser substancial (Custódio e Horvath, 2002).

O quê observamos afinal dos buracos negros?

Até meados do século 20 as pesquisas a respeito dos buracos negros tinham


um caráter bem diferente das atuais. Discutiam-se aspectos matemáticos e formais
das soluções, teorias alternativas, experimentos imaginários e outros problemas
do tipo. Mas jamais eram cogitados aspectos da observação dos buracos negros. A
moderna idéia da produção de buracos negros em colapsos de estrelas de grande
massa não existia, nem o conceito de buraco negro supermassivo (à direita do
diagrama de Carter) tinha sido formulado atrelado a qualquer observação.

O fato que alavancou o estudo empírico dos buracos negros foi a descoberta dos
quasares nos anos de 1960 (mais detalhes no Capítulo 8), já que a fonte de energia
apontava para um mecanismo altamente eficiente de emissão. Os buracos negros
de massas gigantescas foram então seriamente considerados. Foi por esta época
que o físico John Archibald Wheeler protagonizou um importante "golpe
publicitário" quando, em uma palestra no ano de 1967 chamou às soluções com
horizonte de eventos de black hole (embora houvesse antecedentes para este
nome) em vez de "estrelas congeladas" como se denominavam na Rússia. O nome
mudou totalmente o conceito destes objetos, e a consideração dos quasares os
trouxe para o domínio da realidade, sem que deixassem de ser interessantes para a
matemática.

Um aspecto particular do estudo dos buracos negros "reais" é o comportamento da


luz quando emitida por fontes próximas ao horizonte, já que sabemos que a
curvatura produzira distorções muito importantes respeito da propagação usual.
Imagens simuladas dos efeitos de um buraco negro na luz têm sido produzidas
desde então (Fig. 6.29)
Fig. 6.29. A distorção das imagens pela gravitação (lente gravitacional). Acima: a
deflexão da luz pelo campo gravitacional de um objeto de grande massa (galáxia ou
aglomerado de galáxias) produz múltiplas imagens de uma fonte dependendo da
geometria exata (𝑟𝐿𝑆 , 𝑟𝐿 , etc.). Abaixo, um exemplo da imagem em arco quase
completo de uma galáxia de fundo distorcida por um aglomerado no meio do
caminho. A passagem da luz perto do horizonte de eventos de um buraco negro é
um caso extremo deste fenômeno já comprovado em outros sistemas
extragalácticos.

Enquanto este livro é redigido está em andamento uma iniciativa ambiciosa que
pretende imagear as vizinhanças do horizonte de eventos de um buraco negro.
Assim seria possível observar diretamente as distorções das imagens e até
comparar várias possibilidades que decorrem das diferentes teorias da gravitação
contra a predição da RG. É evidente que isto requer uma enorme resolução
angular, já que um buraco negro é pouco mais que um ponto. Estas observações
são conduzidas pela rede chamada Event Horizon Telescope com a maior linha de
base possível, da ordem do diâmetro terrestre (Fig. 6.30, vide o site
https://eventhorizontelescope.org/ ). A resolução angular pretendida de
≈ 𝜇𝑎𝑟𝑐𝑠𝑒𝑐 é necessária para produzir imagens do tipo da mostrada na mesma
figura, permitindo estudar, por exemplo, eventos de entrada de gás/estrelas no
horizonte de eventos com precisão.

Fig. 6.30. Esquerda: O Event Horizon Telescope com alguns dos instrumentos
indicados, com o objetivo de produzir imagens com resolução de ≈ 𝜇𝑎𝑟𝑐𝑠𝑒𝑐,
suficiente para "enxergar" o buraco negro supermassivo no centro da nossa galáxia
em Sgr A* em 1-2 anos.

Em abril de 2019 a colaboração EHT anunciou o primeiro resultado concreto, isto


é, a primeira imagem do horizonte de um buraco negro (o do centro da galáxia
M87 (Fig. 6.31). A imagem mostra um anel brilhante que decorre da distorção da
luz pelo campo gravitacional do buraco negro, e a região escura que é produzida
pela captura de fótons pelo horizonte, também conhecida como a "sombra" do
buraco negro. O horizonte é, de fato, bem menor que a região escura, mas esta
última "sombra" está no limite do que pode ser imageado. A comparação com
simulações numéricas indica que a Relatividade Geral reproduz muito bem a
distorção medida, e que há pouca ou nenhuma evidência para uma teoria
alternativa, resultado que deve ser confirmado em este e outros casos futuros.
Fig. 6.31. A imagem do buraco negro central em M87 mostrando o anel de radiação
produzido pela dobra no campo gravitacional e a "sombra" central. Fonte:
https://eventhorizontelescope.org/

Passamos agora a descrever as duas categorias de buracos negros das quais temos
uma quantidade de informação (a primeira, já discutida, é a dos primordiais mas
permanece sem confirmação). A mais próxima espacialmente e abundante é a dos
buracos negros remanescentes das estrelas de grande massa, possivelmente
aquelas que tinham umas ~25 𝑀ʘ ou mais. Embora este limite inferior é incerto,
existe um forte consenso para acreditar que, acima de um valor limiar, o caroço de
ferro e a dinâmica da explosão decorrente não poderão sustentar uma estrela de
nêutrons e o resultado será um buraco negro de massa estelar. Do ponto de vista
observacional, a própria natureza dos buracos negros sugere que somente haverá
possibilidades de observá-los com sucessos quando membros de sistemas binários.
Estes podem ou não estar em estados de acresção, dependendo da evolução da
companheira e da órbita. Mas para aqueles sistemas nos quais é possível
determinar uma massa para o objeto compacto, o limite de Rhoades-Ruffini eq.
(6.37) fornece um teste bem confiável para sabermos se aquele é uma estrela de
nêutrons ou um buraco negro. A Fig. (6.32) mostra um diagrama de um conjunto
de binárias onde esta determinação foi possível. Os objetos listados são os
candidatos a buraco negro, já que ultrapassam com folga o valor de Rhoades-
Ruffini (explicitamente indicado) e ficam assim identificados.
Fig. 6.32. Candidatos a buraco negro em sistemas binários (extraída de
https://stellarcollapse.org/bhmasses). Todos os sistemas têm massas inferidas
superiores à massa limite de Rhoades-Ruffini (linha vertical azul), daí sua
identificação. Note-se a ausência de candidatos de baixa massa, e o valor máximo
de ~15 𝑀ʘ para os objetos galácticos.

Um dos exemplos notórios da identificação dos sistemas binários da Fig. 6.32 é a


binária de raios X extragaláctica M33 X7 (Fig. 6.33). A cada 3.45 dias a
companheira, uma estrela de ~70 𝑀ʘ , sofre eclipses pelo disco que passa enfrente
da linha de visada. Isto permite determinar com boa precisão a inclinação 𝑠𝑒𝑛 𝑖 na
eq. (6.38), e com ela a massa do objeto escuro primário que resulta de
15.65 ± 1.45 𝑀ʘ . Assim, este resulta identificado como um buraco negro. Esta
determinação corresponde à última linha que aparece na Fig. 6.32 e também uma
das mais confiáveis, graças à presença dos eclipses.

Fig. 6.33. A binária extragaláctica M33 X-7 em raios X. À esquerda, a emissão


normal da binária. À direita, o eclipse pelo disco (não zera totalmente porque algo
da radiação X se espalha para fora do disco). Note-se que para reproduzir a curva
de luz o semi-eixo da órbita é ≤ 1/2 daquele da órbita de Mercúrio

Existem outras formas de determinar a presença de buracos negros em sistemas,


que vão além da Terceira Lei de Kepler. Por exemplo, várias binárias de raios X
apresentam surtos X, onde a contagem de fótons "duros" sobe muito rapidamente
e decai em ~𝑚𝑖𝑛𝑢𝑡𝑜𝑠 (Fig. 6.34, esquerda). A interpretação mais aceita é que o
hidrogênio acretado acumula-se na superfície da estrela até atingir a densidade e
temperatura de ignição termonuclear. As binárias de raios X podem ser analisadas
de várias formas, mas um diagrama revelador é o da luminosidade vs. período
orbital. Quando colocadas em esse plano, observa-se um hiato entre dois grupos,
um mais luminoso e outro muito menos luminoso nos estados estacionários. A
observação chave é que somente o grupo mais luminoso (parte superior da direita
da Fig. 6.34) apresenta surtos X, enquanto o grupo menos luminoso nunca o faz.
Isto levou à interpretação que, desde que os surtos precisam da existência de uma
superfície para acumular o hidrogênio, o grupo mais luminoso continha estrelas de
nêutrons. E por não ter superfície alguma, o grupo de menor luminosidade estava
composto de buracos negros onde o surto não poderia acontecer. Esta hipótese
também explicaria por quê a diferença na luminosidade estacionária: o disco de
acresção na sua parte mais interna cairia dentro do horizonte de eventos e é
precisamente aí onde a maior parte da energia é radiada (Narayan, 2003). Vemos
aqui como é possível propor testes para descobrir a presença de buracos negros
em sistemas estelares reais.

Fig. 6.34. Surtos de raios X como teste da presença de buracos negros. Esquerda:
um surto típico , onde a contagem aumenta pelo menos um fator 10 e volta ao
estado inicial depois de uns 2 minutos. Direita, o diagrama 𝐿 − 𝑃𝑜𝑟𝑏 para um
conjunto de fontes. A separação em dois grupos de luminosidade diversa é
evidente, e acontece com independência do 𝑃𝑜𝑟𝑏 . Os da parte inferior são
identificados como buracos negros.
Além da classe de buracos negros de massa estelar, temos agora evidência da
presença no Universo de buracos negros chamados de supermassivos, com massas
≥ 106 𝑀ʘ . Esta classe não era cogitada antes dos anos 1960, e foi precisamente a
descoberta dos quasares a que provocou seu estudo. Estes desenvolvimentos serão
analisados no Capítulo 8, mas vamos tratar aqui brevemente um desses monstros
cósmicos que apresenta grande interesse por estar localizado no centro da nossa
própria galáxia.

O estudo do cetro da nossa galáxia não é nada fácil, já que a região está fortemente
obscurecida por poeira e gás. Existem algumas "janelas" de baixa extinção nas
quais a observação é mais simples e efetiva, e naturalmente resulta possível
utilizar comprimentos de onda infravermelhos e ondas de rádio para estas
pesquisas. Com o acúmulo de informação ao longo do tempo ficou claro que o
parsec central contém uma população estelar muito interessante, além de objetos
compactos e remanescentes de supernova. Precisamente o estudo do movimento
das estrelas mais centrais permitiu identificar a presença de um objeto compacto
supermassivo utilizando o método já explicado da Terceira Lei de Kepler. A Fig.
(6.35) mostra as órbitas de duas estrelas particularmente úteis (S0-2 e SO-102),
pois têm períodos relativamente curtos e foram bem determinadas depois de mais
de 15 anos de observações (Ghez et al., 2008). A aplicação direta da Lei de Kepler
mostra que praticamente no foco das elipses (marcado com uma estrela) um
objeto de massa calculada em 3.5 × 106 𝑀ʘ . Não há qualquer sinal em nenhum
comprimento de onda que revele a presença deste objeto, e por isto acredita-se
que é um buraco negro de massa gigantesca. Existem outras propostas que
resultam, por sua vez, mais exóticas que a do buraco negro. Como esta presença de
buracos negros supermassivos existe em um número enorme de galáxias, o
consenso em favor desta hipótese fundamentada nas observações cinemáticas é
muito grande.
Fig. 6.35. O centro da Via Láctea (chamado de Sgr A*), indicado com a estrela
branca, e várias órbitas de estrelas em torno dele.

Estes habitantes dos centros galácticos revelam-se muitas vezes ativos, dando
origem aos chamados AGNs (Capítulo 8). Mas é claro que o centro da Via Láctea
não é um núcleo galáctico ativo. Isto se deve a que a queda de matéria é somente
esporádica, em contraste com os seus parentes cosmológicos. Contudo, foi possível
imagear diretamente alguns centros de galáxias externas e conferir que os buracos
estão presentes, em alguns casos até formando sistemas múltiplos (Fig. 6.36).

Fig. 6.36. Um exemplo de buracos negros binários em galáxias externas (NGC


6240). A história da formação é ainda um mistério (vide Capítulo 8)
Outros casos onde efeitos diretamente associáveis com a presença de um objeto
supermassivo foram observados incluem a chamada linha 𝐾𝛼 do ferro, identificada
com a fluorescência da camada K. Esta linha de emissão está presente nos raios X,
com energia de 6.4 keV. Seu perfil é bem conhecido e estudado. Mas em ao menos
dois sistemas extragalácticos, a linha presente está fortemente distorcida de forma
assimétrica (Fig. 6.37). A interpretação é que o material emissor participa da
acresção em torno de um buraco negro de grande massa, e assim a "puxada"
gravitacional em direção ao centro aparece com clareza no espectro. É importante
apontar que, apesar das campanhas para procurar mais exemplos, estes são
escassos. Não é claro o por quê desta raridade, já que o fenômeno da acresção é
muito comum e deve estar associado à atividade galáctica (Capítulo 8).

Fig. 6.37. O perfil observado da linha 𝐾𝛼 do ferro em NGC 4151. A distorção


(assimetria) é evidente, mas há poucos sistemas assim.

Finalmente vamos discutir uma classe de fontes descobertas em 1994 por L.F.
Rodríguez (UNAM, México) e F. Mirabel (IAFE, Argentina) e que trouxe uma
perspectiva completamente diferente dos buracos negros mais próximos. Mirabel e
Rodríguez observaram Cyg X-1, um objeto que mostrou a presença de jatos
relativísticos e lóbulos de rádio similares aos observados nos AGNs (Fig. 6.38,
esquerda), mas com uma escala muito menor. A distância inferida para Cyg X-1 é
de uns 8 kpc. Logo a seguir, os mesmos pesquisadores conseguiram mostrar que
uma segunda fonte (GRS 1915) apresenta o chamado movimento superluminal
(Fig. 6.38, direita) do jato, no qual as estruturas deste parecem se afastar com
velocidades > 𝑐 por um efeito de projeção. Desta forma, ficou demonstrado que os
jatos eram relativísticos e que, em linhas gerais, os objetos de massas estelares
(GRS 1915 contém um buraco negro de massa estimada em ~33 𝑀ʘ ) se
comportavam em boa medida como seus "primos" gigantescos os AGNs. Daí o
nome de microquasares com o qual se conhecem até hoje.

Fig. 6.38. Esquerda: a imagem de Cyg X-1 com os jatos e lóbulos de rádio próximo
do centro da nossa galáxia. Direita: o movimento superluminal dos jatos do GRS
1915. O intervalo entre a primeira e a última imagem é de menos de 1 mês, e a
distância aparente percorrida pelo material é de umas 8000 UA.

A Fig. 6.39 mostra o paralelo entre a morfologia de um quasar e de um


microquasar. Enquanto no caso dos AGNs a acresção é "fóssil", do meio
circundante, os microquasares são alimentados por uma companheira doadora. É
importante apontar que, devida à diferença de escalas espaciais e temporais,
podemos ver fenômenos que de outra forma seriam muito lentos ou distantes, por
exemplo, a expansão superluminal análoga à da Fig. 6.38 leva muitos anos no caso
de um AGN. Temos assim sistemas muito próximos que se comportam como
aqueles muito distantes, e como isso a possibilidade de aprendermos mais a
respeito dos objetos centrais que são identificados com buracos negros.
Fig. 6.39. O quasar e o microquasar. Á esquerda, uma comparação identificando os
principais elementos de cada sistema. À direita, uma analogia biológica que
enfatiza a identidade da estrutura e os processos, mas em escalas bem diferentes.

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