Artigo Revista Científica Da UNIMONTES
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Gilmar Chagas
Anderson de Souza Sant’Anna
RESUMO
Este estudo tem como propósito investigar diferentes capitais - econômicos, sociais, culturais
e simbólicos - mobilizados por empreendedores em dois centros de compras da cidade de
Montes Claros (MG): o Quarteirão do Povo e o seu principal Shopping Center. O objetivo é
melhor compreender diferenças e semelhanças entre essas duas modalidades de centros
comerciais no que tange aos empreendimentos e perfis de seus empreendedores. Para tal, foi
conduzida pesquisa qualitativa por meio da realização de trinta entrevistas em profundidade
com empreendedores locais, contemplando as categorias teóricas do estudo, em particular as
noções de Campo, Habitus e Capitais de Boudieu (2008). Quanto aos achados do estudo,
constata-se uma diversidade de tipos de empreendimentos, bem como diferentes níveis de
experiência, de escolaridade, histórias e perfis de gestão dos empreendedores investigados.
Observa-se, também, a predominância de dois tipos de empreendedores: os Tradicionais e os
Modernos. No caso do Quarteirão do Povo, predominando ambos esses tipos, e no Shopping
Center, dominando o Empreendedor Moderno.
Palavras-chave: Empreendedorismo; Tipos de Empreendedores; Teoria da Ação Prática de
Bourdieu.
ABSTRACT
This study aims to investigate different types of capitals like economic, social, cultural and
symbolic mobilized by entrepreneurs in two shopping centers in the city of Montes Claros,
State of Minas Gerais, Brazil: the Quarteirão do Povo and its main Shopping Center. The
purpose of this research is to understand the differences and similarities between these two
purchasing center modalities in relation to their entrepreneur’s ventures and profiles including
of business models. For this, qualitative research was carried out by means of thirty in-depth
interviews with local entrepreneurs, contemplating the theoretical categories of the study, in
particular the notions of Field, Habitus and Capitals de Boudieu (2008). As for the findings of
the study, a diversity of types of entrepreneurship is verified, as well as different levels of
experience, schooling, histories and management profiles of the entrepreneurs investigated.
From the data set we can see the predominance of two types of entrepreneurs as proposed by
Sant'Anna et al. (2011): Traditional Entrepreneurs and Modern Entrepreneurs. In the case of
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the People Street Block there is a predomination of both types of entrepreneurs and in the
there is a domination of the Modern Entrepreneur type.
Keywords: Entrepreneurship; Types of Entrepreneurs; Practical Action Theory, Bourdieu.
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INTRODUÇÃO
Este artigo tem como foco apresentar resultados de pesquisa destinada a investigar a
composição de diferentes capitais - econômicos, sociais, culturais e simbólicos - mobilizados
por empreendedores instalados em shopping centers a céu-aberto e convencional, localizados
na cidade de Montes Claros (MG).
Com ruas estreitas, sem estacionamento, com comércios de todos os tipos, trânsito
intenso, diversidade de públicos e caráter eminentemente “bricoleur” (Baker & Nelson,
2005), a região central da cidade hospeda o Quarteirão do Povo, primeiro centro de compras a
céu aberto de Montes Claros. Já o segundo grupamento de empreendedores investigado
instala-se em bem montada estrutura, com ampla gama de requisitos e atributos favoráveis à
atração de clientes que visam experiências satisfatórias de compra.
De modo geral, os espaços da rua e do mercado têm sido submetidos a distintas lentes
de interpretação. Nesse contexto, as contribuições da sociologia de Pierre Bourdieu
apresentam-se exemplares, em particular ao permitir elementos concretos à leitura de
espacialidades, com seus jogos de competição e colaboração, os quais permitem evidenciar
relações entre diferentes agentes, contribuindo com elementos significativos à produção de
conhecimentos associados a ambientes negociais de diversidade, inovação e mudança
(Sant’Anna, Nelson & Oliveira; 2011; Sant’Anna, Oliveira & Diniz, 2012; Sant’Anna &
Nelson, 2013; Sant’Anna, 2016; Sant’Anna, Diniz & Oliveira, 2016). Isso, na medida em que
a produção da cidade, suas diversas espacialidades e dinâmicas encontram-se intrinsecamente
relacionadas à (re-)produção de discursos, relações e práticas sociais (Sant’Anna, 2016).
Sob tal ótica, o arcabouço teórico de Bourdieu (1994; 2009; 2010) oferece dispositivos
expressivos para a compreensão das arenas em que se inserem tais agentes e dos modos como
cada um mobiliza diferentes capitais tendo em vista a constituição de lugares distintivos em
seus respectivos campos de atuação.
Além das diferenças visíveis, do ponto de vista teórico, nossa proposta consiste em
melhor compreender as características desses atores - suas semelhanças e diferenças - no
processo de produção dos espaços em análise.
Há que se registrar que no Brasil sertanejo, as práticas, os habitus e os capitais
mobilizados adquirem coloridos intensos na “princesinha” do Norte: Montes Claros (MG).
Por suas vias se plasmam diversos modos rústicos de ser do brasileiro, distinguindo-os dos
sertanejos do Nordeste, caboclos da Amazônia, crioulos do litoral, caipiras do Sudeste e do
centro do país, gaúchos das campanhas sulinas, além do ítalo-brasileiros, teuto-brasileiros,
nipo-brasileiros. Esse conjunto de tipos, marcados pelo que têm em comum como brasileiros,
mas também pelas diferenças e adaptações regionais, funcionais ou de miscigenação e
aculturação emprestam fisionomia própria a uma ou outra parcela da população (Ribeiro,
1995).
Nessa seara, seu espaço é multipolarizado, submetido e pressionado por múltiplas
influências e diversidade. Ao exigir a formulação do postulado da conversibilidade das
diferentes espécies de capital, condição da redução do espaço à unidimensionalidade, a
construção de um espaço com duas dimensões permite-nos evidenciar que a taxa de conversão
das diferentes espécies de capital constitui significativo pretexto nas lutas entre as diferentes
frações de “classe”, cujo poder e privilégios estão relacionados com uma ou outra e, em
particular, à luta sobre o princípio de dominação (Bourdieu, 2008).
Para Bourdieu (2008) é essa relação entre as capacidades que se definem os habitus,
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Disso pode-se derivar que os estilos de vida são produtos sistemáticos do habitus, que
percebidos em suas relações mútuas e segundo seus esquemas tornam-se sistemas de sinais
socialmente qualificados - como “distintos”, “vulgares”, “sofisticados”. Em outros termos, a
dialética das condições e dos habitus é fundamento da “alquimia” que transforma a
distribuição do capital em sistema de diferenças percebidas, de propriedades distintivas, ou
seja, em distribuição de capitais.
Assim sendo, parte-se da premissa que um dado “ecossistema empreendedor” é
forjado por uma rede de agentes, com interesses plurais, operando em diferentes escalas e
mobilizando distintos capitais – econômicos, sociais, culturais e simbólicos –, que se
diferenciam, produzindo vantagens competitivas específicas (Sant’Anna, Nelson & Oliveira,
2011).
Sob tal perspectiva Sant’Anna, Nelson & Oliveira (2011), ao investigarem processo
contemporâneo de reconversão de funções econômicas vivenciado pela cidade histórica de
Tiradentes (MG), a qual se desloca de cidade “esquecida”, após exaustão de ciclo econômico
baseada na mineração aurífera, para configura-se em polo de turismo e da indústria criativa
aponta para uma diversidade de clusters de empreendedores, cada qual buscando o domínio
do campo empreendedor, por meio da mobilização de capitais disponíveis. Para a
categorização dos diferentes tipos de empreendedores emergentes, contribuição fundamental é
aportada pela “Teoria da Ação Social”, proposta por Bourdieu.
Isso posto, ampliar e dar sequência nos estudos desenvolvidos por tais autores,
envolvendo a investigação da dinâmica das relações que se estabelecem na comercialização
de produtos e serviços entre empreendedores em distintas espacialidades - a céu aberto e em
espaços privados - parece relevante. Afinal, como se dão as relações entre os agentes que
compõem esses grupamentos de empreendedores? O que os caracteriza e os distingue?
Disso deriva a pergunta central de investigação que orientou a condução da pesquisa
que subsidiou os resultados deste artigo: De que forma diferentes capitais - econômicos,
sociais, culturais e simbólicos - são mobilizados por empreendedores localizados em shopping
centers a céu-aberto e convencional, tendo por base tipologia desenvolvida por Sant’Anna,
Nelson & Oliveira (2011), com base no arcabouço teórico de Bourdieu (2008)?
Quanto à sua relevância, em nível teórico, o estudo justifica-se ao ampliar a produção
acadêmica nas áreas de empreendedorismo, articulando dois construtos importantes dentro do
campo da gestão “tipos de empreendedores” e “teoria da ação prática de Bourdieu”,
considerando, ainda, o impacto do espaço urbano no fenômeno investigado. Em consonância,
igualmente, ampliar os olhares e contribuições teórico-conceituais-metodológicas que
favoreçam a construção de espacialidades mais aderentes à noção de diversidade.
Já em termos práticos, o estudo se propõe a contribuir com subsídios ao
desenvolvimento de políticas públicas direcionadas ao espaço urbano estrategicamente
ocupado por agentes que visam interesses pessoais, coletivos e de diferentes tipos de capitais.
Outra contribuição é a possibilidade de aportar elementos a programas de desenvolvimento de
empreendedores, tendo em vista os espaços geográficos em que se inserem.
REFERENCIAL TEÓRICO
importante vertente na área das ciências sociais, influenciando pesquisas nos campos da
sociologia, antropologia, história e dos estudos organizacionais e urbanos em diversos países.
Isto, na medida em que o autor dá uma nova roupagem às relações entre os agentes sociais e a
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sociedade, estabelecendo uma mediação focada no produto das relações entre eles, que se
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[…] um espaço multidimensional de posições tal que qualquer posição atual pode
ser definida em função de um sistema multidimensional de coordenadas cujos
valores correspondem aos valores das diferentes variáveis pertinentes: os agentes
distribuem-se assim nele, na primeira dimensão, segundo o volume global do capital
que possuem e, na segunda dimensão, segundo a composição do seu capital – quer
dizer, segundo o peso relativo das diferentes espécies no conjunto das duas posses
(Bourdieu, 2010, p. 135).
Tipologia de Empreendedores
pela busca prioritária pelo lucro e, assim, tendem a preocupar-se mais com o desempenho de
seus negócios que com as questões mais coletivas.
Finalmente, os Empreendedores Pós-Modernos se distinguem em dois grupos: os
Vanguardistas e os Camaleões. Os primeiros são donos de ateliers de arte, pintores e outros
artistas, que se caracterizam por atributos como criação, novo, independência, contestação,
desprendimento e por estilos de vida peculiares. Já os Empreendedores Camaleões são,
geralmente, trabalhadores vindos dos grandes centros e cidadãos da cidade que perceberam,
no processo de transformação local, oportunidades de fazerem a vida. Com recursos
financeiros mais escassos, constituem seus negócios na base da improvisação. Boa parte deles
está inserida na economia informal.
Procedida à apresentação dos marcos teóricos do estudo, o próximo tópico apresenta
as escolhas metodológicas delineadas para a pesquisa de campo que subsidiou os resultados
apresentados.
METODOLOGIA
O Quarteirão do Povo
tradicional da cidade”, frequentada por figuras influentes do cenário local e nacional. O Café
Galo, por exemplo, seria o que mais se aproximaria do tipo bricoleur, na medida em que
anônimos de diversas cidades e espacialidades se confundem com políticos, empresários e
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jornalistas.
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Shopping Center
cidade, numa área privilegiada, próximo ao centro, ao lado do maior terminal rodoviário do
pluralidade de públicos.
A partir dos dados coletados, pode-se caracterizar os perfis de empreendedores do
Shopping, conforme a seguir: 67% mulheres; 53% com curso superior completo; média etária
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dos respondentes: 39 anos; tempo de atuação no local: 6,5 anos; principais atributos de valor
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
sustentando-se – laços sociais fortes, por meio de relações pessoais e vínculos afetivos.
A busca por “modernização”, a garra, a determinação, a jovialidade, o espírito de fazer
acontecer prevalece, no entanto, como características dos empreendedores de ambos os
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espaço, visando incorporar traços de dessa “modernidade” denota a similaridade quanto aos
capitais envolvidos. Diferentemente de outras espacialidades da região central, o Quarteirão
do Povo parece buscar - sem, no entanto, eliminar a tradição local - enfatizar o capital
cultural, bem como atributos associados ao simbólico.
O Quadro 9 sintetiza os principais significantes constantes nos relatos dos
respondentes em ambos os espaços investigados.
econômico. Essa mistura deve ser compacta. E, finalmente, a espacialidade deve contemplar
uma densidade suficientemente alta de pessoas, sejam quais forem seus propósitos. Isso inclui
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REFERÊNCIAS
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