Outmatched - Kristen Callihan & Samantha Young
Outmatched - Kristen Callihan & Samantha Young
Outmatched - Kristen Callihan & Samantha Young
Meu pai uma vez me disse que a maioria das pessoas não tem a
intenção de arruinar as próprias vidas; elas simplesmente
fizeram uma série de escolhas estúpidas. Ele estava em sua
cadeira de couro maltrapilha, com os ombros largos curvados
sobre a mesa executiva feita de madeira de jacarandá que tinha
sido o orgulho em seu escritório. A mesma cadeira em que me
afundo agora, de frente para a mesma mesa ampla.
Preguiçosamente, traço um dedo ao longo da borda, a
madeira outrora brilhante agora era opaca e cortada. Quando
eu era criança, parecia estranho para mim que meu pai quisesse
essa mesa ornamentada que era mais adequada para um
escritório de advocacia, como a peça central do escritório de
uma pequena academia de boxe e artes marciais. Quando eu
perguntei a ele sobre isso, ele sorriu daquele jeito tímido dele.
— Lights Out é meu orgulho e alegria, garoto. — Ele
estendeu suas mãos grandes e cheias de cicatrizes sobre a mesa
brilhante. — Aqui é onde eu demonstro isso. Goste ou não, as
aparências importam.
Ações e palavras contavam em igual medida em seu mundo.
Aja de forma decisiva, diga a verdade e faça boas escolhas.
O que ele pensaria das minhas escolhas?
— Nada de bom. — Eu murmuro, então pressiono as
pontas dos dedos nos meus olhos doloridos. No momento, eu
também não estava pensando muito nas escolhas do meu pai.
Meu pai se foi há quatro anos. A dor diminuiu um pouco,
mas o vazio permanece. Era a raiva sutil e quente que sentia por
ele que me assustava. Papai nunca foi perfeito. Eu sabia disso
há muito tempo. Depois que minha mãe morreu, ele caiu em
um buraco criado por si mesmo. Mas essa bagunça caótica que
ele deixou em minhas mãos era outra história e tornava difícil
perdoar e esquecer.
Merda, eu não tinha permissão para esquecer. O banco não
deixaria isso acontecer.
Eu não sabia que minhas finanças e a academia estavam com
tantos problemas até o dia em que encontrei meu pai
debruçado sobre a mesa. O dia em que papai me disse que havia
administrado mal o meu dinheiro – uma mistura tóxica de
maus investimentos e jogos de azar – e que havia hipotecado
novamente a academia para tentar cobrir.
Um mês depois, meu pai estava morto. Um ataque cardíaco,
o estresse e a vergonha do que ele fez o alcançou da pior
maneira. E eu me tornei o novo dono da Lights Out, e de uma
montanha de dívidas.
Minha mandíbula travou com força, a raiva me atingiu
novamente. Eu queria me levantar, ir embora e nunca mais
olhar para trás. Do lado de fora das paredes de vidro do
escritório vinha o som de risadas juvenis. O grupo júnior
praticava capoeira, uma das novidades da academia. As aulas
estavam todas cheias, mas apenas metade dos meninos podia
pagar. E embora fosse meu direito mandá-los embora, eu sabia
que nunca faria isso. Esta academia era a tábua de salvação deles
em um mundo que facilmente drenaria suas alegrias e os
deixariam vazios em suas essências.
— Essa sua expressão é muito desagradável. — Carlos estava
parado ao lado da porta, que eu cometi o erro de deixar aberta.
Um sorriso dividia seu rosto. — Você encontrou uma erupção
cutânea ou algo assim?
— Sim, bem debaixo das minhas bolas — respondi sem
vontade. — Você quer dar uma olhada?
— Vou deixar isso para suas amigas.
Carlos sabia que eu não tinha estado com nenhuma amiga,
como ele nomeou, por um bom tempo. Não me interpretem
mal – as oportunidades estavam lá, eu só não queria aproveitá-
las. Eu não tinha estômago para... Bem, nada ultimamente.
Primeiro com as malditas dívidas do meu pai, depois com Jake
– eu não queria pensar em Jake.
Carlos se afastou da porta e largou a bunda na cadeira em
frente à minha mesa.
— Então — ele perguntou —, por que está com essa cara?
Eu esfreguei a parte de trás do meu pescoço dolorido.
— O de sempre. Dinheiro.
Carlos se inclinou para a frente, apoiando os braços nos
joelhos, seu sorriso fácil já tinha ido embora. A maioria das
pessoas nunca via Carlos sem um sorriso. Entre nós, Carlos era
considerado o feliz, aqueles grandes olhos castanhos de
cachorrinho atraindo mulheres assim como o mel e as abelhas.
Ele desempenhava o papel com facilidade, escondendo um
interior mais sombrio que quase ninguém conhecia. Que ele
confiava em mim o suficiente para mostrar seu verdadeiro eu
de vez em quando era algo que eu nunca iria subestimar.
— Nenhuma mudança? — Ele perguntou.
— Não o bastante. Estou atrasado no pagamento da
hipoteca há alguns meses. O banco está respirando no meu
pescoço.
— E quanto a Kyle Garret?
Seis meses atrás, um cara chamado Kyle Garret me abordou
sobre a compra da academia. Depois de investigá-lo, Carlos e
eu descobrimos que ele era um grande magnata do setor
imobiliário, comprando propriedades em Boston e na Costa
Leste e transformando-as em condomínios e conjuntos
habitacionais sofisticados.
— Não estou tão desesperado. — Ok, eu estava. Mas este
lugar tinha sido tudo para mim enquanto crescia. Estava cheio
de fantasmas do meu passado e, embora alguns deles fossem
dolorosos, outros me mantinham em movimento. Tudo o que
tinha que fazer era andar pela academia e eu me lembrava: o
balcão de sucos no saguão onde mamãe cumprimentava Jake,
Carlos e eu depois da escola com shakes de banana e um grande
sorriso. O studio B, onde Jake e eu demos nossos primeiros
socos e realmente aprendemos porque o boxe era a Doce
Ciência1.
Eu e meu irmão Dean costumávamos nos esconder embaixo
da mesa do papai e brincar de “espiões”. O que significava que
Dean bancaria o espião e eu fazia suas vontades. Isso aconteceu
até o dia em que meus pais entraram no escritório para uma
rapidinha e não sabiam que estávamos lá embaixo. Algumas
lembranças não são bonitas, mas eram minhas e eram tudo o
que me restava. Eu não estava prestes a perder isso também.
Carlos suspirou.
— Sabe, se você voltar a lutar, eu poderia marcar uma luta...
— Não. — Não foi um grito, mas quase pareceu com um
na minha cabeça. Um suor frio surgiu na parte inferior das
minhas costas enquanto eu olhava para Carlos. Ele sabia muito
bem que eu tinha deixado o boxe. De vez.
Sua expressão era empática.
— Olha, cara, eu sei. Mas não acho que Jake iria querer...
— Eu disse não.
Só de pensar em Jake, abria um buraco no meu peito.
Melhores amigos desde o berço, mais próximo de mim do que
meu próprio irmão idiota, nós cuidávamos um do outro.
1
O termo "Doce Ciência", traduzido de forma literal, foi cunhado pelo
escritor esportivo britânico Pierce Egan em 1813, que o usou para descrever
como os lutadores são obrigados a ser científicos em sua abordagem, buscando
criar estratégias de como derrubar seu oponente de forma feroz, tática e
antecipando os movimentos do adversário, sendo até mesmo comparado com o
xadrez algumas vezes.
Ambos lutadores. Ambos destinados à grandeza. Inferno, nós
tínhamos tudo para ser os melhores. Até que um golpe infeliz
na têmpora acabou com sua vida.
Um caroço grande de horror e vergonha deslizou pela minha
garganta. Perdê-lo já foi bastante difícil; saber que meu pai
perdeu um monte de dinheiro porque apostou em Jake e
perdeu, manchou todas as lembranças que eu tinha de ambos e
do boxe.
Jake havia deixado para trás sua esposa Marcy e sua filhinha,
Rose. Inferno, eu cresci com Marcy, e não via ela e Rose há
meses. Toda vez que eu fazia isso, a culpa e a dor me
paralisavam por dias.
— Eu coloquei um ponto final nas lutas — eu disse a Carlos,
embora eu não precisasse. Ele sabia disso.
A vontade de esfregar minha pele tomou conta de mim.
Tomei banho duas horas atrás, mas me sentia sujo, pegajoso
com arrependimento e raiva. A vergonha do meu pai de alguma
forma foi transferida para mim e eu não conseguia me livrar
dela.
Seu sorriso era cansado.
— Sim, eu sei. Mas esta academia é tudo o que tenho
também. Se ela acabar, todos nós perdemos nossa casa.
Eu não conseguia mais ficar sentado aqui. Me levantando,
andei pelo pequeno espaço.
— Precisamos jogar o anzol e atrair mais pessoas. Não, o que
precisamos é de um patrocinador. — E um maldito milagre.
Carlos esfregou o queixo e me observou andar de um lado
para o outro.
— Isso pode funcionar, mas o que seria a isca?
— Porra, como se eu soubesse. — Meu peito cedeu com um
suspiro. — Desconto nos impostos? As alegrias de ajudar os
jovens da cidade?
O humor sombrio iluminou os olhos de Carlos.
— Sua falta de entusiasmo não está exatamente me
convencendo.
— Porque eu não sou bom com essas besteiras. Eu sou um
vendedor ruim pra caramba.
— Isso você é, mano — disse uma voz da porta.
Dean, meu irmão mais novo e especialista em enrolação,
estava parado na porta. Eu honestamente não sabia como
diabos éramos parentes. Em primeiro lugar, em vez de usar
jeans e uma camisa como qualquer outro cara aqui, ele estava
vestido com um terno de três peças que eu sabia que custava
mais do que o aluguel dele – aluguel que eu pagava. Aquele
merdinha.
Em segundo lugar, ele era bonito pra caralho. Desde a escola
primária, as meninas bajulavam seus olhos azuis e cabelos cor
de areia. A porra do Príncipe Encantado. Afastei o pensamento
de que ele se parecia com minha mãe. Eu sentia a falta dela
diariamente.
Isso era o inferno. Eu sentia falta de muitas pessoas.
— O que tem de errado com você? — Dean perguntou,
entrando no meu escritório. Ele parou e me deu um sorriso
largo e falso. — Hoje, quero dizer.
Eu atirei a Carlos um olhar rápido que dizia: não fale uma
maldita palavra. Ele piscou, e eu sabia que ele entendeu. Eu
mantive Dean longe dos problemas dos negócios. Ele tinha
potencial para ser alguém grandioso – se algum dia conseguisse
um emprego.
Carlos se levantou e alongou o pescoço.
— Rhys tem um caso sério de pau broxado.
Dei uma cotovelada em Carlos com força suficiente para
desequilibrá-lo.
— Dê o fora daqui com essa merda. Você quer me dar azar
falando isso ou algo do tipo?
Carlos bufou e olhou para Dean.
— Tem algum conselho para isso, universitário?
— Pensamentos e orações?
— Vocês dois são hilários. — Mas nossa conversa fiada
funcionou. Dean estava distraído.
Assim que Carlos saiu, eu me inclinei contra a borda da
minha mesa e olhei para Dean.
— Por que está de terno? Você vai a uma entrevista?
Por favor, que seja isso. O menino era formado em ciência da
computação pela Universidade de Boston, conseguiu nota
máxima no teste de admissão em faculdades de medicina e tinha
várias ofertas de pós-graduação em todo o país, mas estava se
afundando, trabalhando como garçom e passando seu tempo
livre transando com mulheres.
Ele sorriu como se fosse manhã de Natal.
— Algo parecido.
Esse garoto.
— Ou é uma entrevista, ou não é.
— Ah, eu consegui o emprego. — Seu sorriso não morreu.
— Esta noite é mais como um teste.
Lutadores confiam em seus instintos, e o meu ficou em
alerta.
— Teste? De que porra você está falando, Deanie?
Seu sorriso caiu. Ele odiava quando eu o chamava de
Deanie.
— Que tipo de trabalho trambiqueiro é esse que precisa usar
terno para fazer testes? — Eu pressionei quando ele ficou sério.
— Ou que começa às... seis da tarde?
— Olha, eu estava realmente animado para contar a você
sobre isso porque é incrível para caralho. Mas se você vai me
falar merda...
— Fale. Agora.
— Tudo bem. — Dean pegou seu telefone e veio em minha
direção. — Encontrei este aplicativo muito legal onde você
coloca sua foto, algumas habilidades e encontra pessoas que
estão contratando.
— Isso é bom. — E, no entanto, meus nervos despertaram.
Havia algo suspeito em seu jeito.
— Então eu pensei, que diabos, ninguém está me
contratando para o que eu tenho formação agora. Mas sou
bom em outras coisas.
— Que outras coisas? — Esse maldito garoto. Apenas nove
anos mais novo que eu e eu jurava que ele me envelhecia uma
década a cada maldito ano que eu tinha que lidar com ele.
Ele encolheu os ombros.
— Como encantar mulheres, fazer com que se sintam bem.
Lentamente, eu me levantei ocupando toda a minha
estrutura.
— Fazer as mulheres se sentirem bem.
— Sim — ele disse como se eu fosse estúpido. — Eu sou
ótimo com as mulheres.
— Qual é o trabalho, Dean?
Alheio, ele digitou algo em seu telefone.
— Então, este aplicativo me colocou em contato com a
linda, Parker, que... veja bem... vai me pagar para ser seu
acompanhante. — Seus olhos se iluminaram. — Isso não é
incrível? Eu não posso acreditar. A quantia que ela está disposta
a me pagar é absurda. Dinheiro fácil e tudo que preciso fazer é
algo tão natural para mim. Melhor parte? É um acordo sem
previsão de término.
Todo o sangue na minha cabeça correu para os dedos dos
pés antes de voltar a inundar em uma onda de calor sombrio.
— Você está se prostituindo? É isso que estou ouvindo?
Onde é que eu errei?
— O quê? — Suas sobrancelhas loiras se juntaram. — Não!
Eu sou um acompanhante. Vou levar Parker para sair, vou com
ela a eventos e festas. Coisa assim. Quer dizer, não vou dizer não
se ela me pedir...
— Não. De jeito nenhum, porra. — Um rosnado saiu de
mim e eu cerrei os punhos. — Eu não gastei oitenta mil dólares
na sua educação para você se tornar um garoto de aluguel para
uma garota esnobe e rica...
— Oh, claro, mencione o fato de que você pagou por tudo.
De novo. — Ele olhou para mim com mágoa nos olhos.
— Porque eu paguei! — Passo a mão pelo meu cabelo e
agarro as pontas curtas. Eu seria capaz de arrancá-las neste
momento. — Eu investi cada centavo que me restava nesta
academia e em você. Eu estava feliz em fazer isso.
Entusiasmado. — Era o mínimo que eu podia fazer; Dean
precisava de direção, uma educação, uma saída. — E Deus me
livre se meus esforços forem jogados no vaso sanitário por causa
dos caprichos de alguma fútil e sem cérebro...
— Ei, Parker é muito inteligente. Olha isso. — Ele
empurrou o telefone na minha cara. — Ela foi para o MIT...
Eu bufei.
— Imaginei.
— E a família dela está em dezenas de conselhos de caridade
diferentes.
— O que significa nada para mim. — Peguei o telefone –
era isso ou tê-lo enfiado no meu nariz – e estudei o artigo que
ele tinha aberto. Uma garota docemente bonita, do tamanho
do meu polegar, com grandes olhos castanhos sob sobrancelhas
severamente retas, sorria para mim. Era um sorriso forçado,
nada parecido com os sorrisos radiantes e felizes que o casal
mais velho ao lado dela exibia. O casal era obviamente seus pais,
e todos estavam parados em um gramado com vista para o
oceano, uma enorme mansão estilo Cabo Cod ao fundo.
— Jesus — eu murmurei. — Eles são nova-iorquinos, Dean.
— E? — Ele riu. — O que você tem contra os nova-
iorquinos?
— Os nova-iorquinos ricos são idiotas.
O artigo dizia algo sobre como o Sr. e a Sra. Charles Brown
estavam “passando o verão” em Cabo e arrecadando fundos
para uma campanha de alfabetização infantil. O que era bom,
mas não significava que eles eram boas pessoas.
— Não pensei que você fosse esnobe, irmão.
Enrolei minha mão em torno do telefone.
— Você sabe quantos desses tipos eu conheci quando estava
no circuito? Eles querem retribuir aos pequeninos, querem ser
seus amigos. Na realidade, eles veem pessoas como nós como
carne fresca. Somos divertidos na melhor das hipóteses. E
quando deixamos de entretê-los, somos descartados.
Basta perguntar a todos os supostos amigos que
desapareceram quando Jake morreu e eu larguei o negócio.
— Parker não é assim. Ela é doce. Tímida, na verdade. — O
queixo de Dean levantou. — E se ela quiser me usar como seu
fantoche pessoal em troca de um barco cheio de dinheiro, eu
vou deixar.
— Dean...
— Eu te disse porque pensei... Não importa o que eu pensei.
A questão é que esta é a minha vida e o meu negócio. Eu vou te
devolver o dinheiro do meu jeito.
Finalmente, meu irmãozinho estava desenvolvendo
algumas garras. Eu fui mais um pai para ele do que o nosso pai
por anos. Com essa responsabilidade veio uma certa dose de
dizer a ele o que fazer. Mas eu queria que ele revidasse, tomasse
conta da própria vida. Só não desta forma. Ele era muito
esperto para isso. Era eu quem rolava na lama. Dean precisava
ficar limpo.
Eu conhecia aquele olhar em seu rosto. Ele estava falando
sério. Nada o convenceria do contrário. Apesar de todas as
nossas diferenças, nós éramos parecidos – ambos teimosos até
o âmago.
Ele se virou para ir, mas eu estendi a mão.
— Espera.
Dean endureceu, mas esperou.
Coloquei seu telefone no bolso, o movimento tão casual
que ele não percebeu.
— Se você insiste em fazer isso...
— Eu vou fazer isso.
Meus dentes de trás se encontraram com um clique. Relaxe.
Vá com calma.
— Então você provavelmente deveria conhecer ela com os
dentes limpos.
O olhar de horror de Dean teria sido engraçado se eu não
estivesse tão irritado.
— Tem algo nos meus dentes? — Ele estendeu os braços.
Seus dentes estavam limpos, mas Dean comia
constantemente. A ameaça era bastante real.
— Sim. Você não percebeu. — Inclinei minha cabeça em
direção ao banheiro particular do escritório. — Vá se limpar.
Ele não esperou que lhe dissessem duas vezes, mas correu
para o pequeno banheiro.
Eu o segui, agarrando uma das cadeiras de madeira do lado
da mesa enquanto avançava. Ele estava distraído demais para
perceber.
— Então, onde você vai encontrar essa garota?
— No Yvonne.
— Uma ostentação. — Eu tinha passado por lá uma vez. O
lugar parecia um clube social para quem é muito rico.
Dean riu.
— Não é como se eu fosse pagar.
Revirei os olhos.
— Nós vamos jantar e beber em trinta minutos, então eu
vou ter que me apressar. — No espelho, ele fez uma careta,
inspecionando seus dentes dignos de comercial de pasta de
dentes. — Não estou vendo nada...
Eu não ouvi o resto. Rapidamente, fechei a porta, virei a
maçaneta para baixo e coloquei a cadeira sob ela. Bem na hora
exata. A porta sacudiu ferozmente.
— Rhys! Que caralho? Abra a porra da porta!
É, não será possível. A cadeira aguentaria até que alguém o
soltasse. Eu avisaria Carlos... Em uma hora.
— Rhys! — O grito abafado de Dean me seguiu para fora
do escritório. — Isso não é engraçado. Você está brincando
comigo? — Um baque forte soou. — Seu filho da puta!
Eu era. Mas não senti um pingo de remorso. Dean era bom
demais para isso. Ele podia me odiar o quanto quisesse. Mas eu
deixaria bem claro para essa Parker Brown que ela não iria se
aproximar do meu irmão novamente.
Uma fúria clara correu pelas minhas veias quando subi na
minha moto. Parker Brown. Ela não saberia o que a atingiu.
Parker
Rhys
Parker
Rhys
Rhys
A vida era estranha. Uma parte dela poderia estar indo muito
bem, enquanto outras partes eram só problemas de merda. Pela
primeira vez em anos, eu me sentia feliz. Era estranho. Ela me
deixava verdadeiramente feliz de uma forma que eu não sabia
como lidar; eu nunca estive assim com uma mulher. Eu passava
pelo meu dia como um idiota apaixonado, sorrindo
continuamente, minhas entranhas revirando e contraindo com
a expectativa de vê-la novamente. Assim que eu colocava
minhas mãos nela, era apenas felicidade. A porra da pura
felicidade.
Parker era divertida. Ela me fazia rir. E ela me deixava com
tesão pra caramba. Eu me tornei um poeta safado. Dean se
divertia com a minha “transformação”.
Eu aceitava suas provocações com bom humor – como
disse, estava feliz demais para me importar.
E então, havia o resto da minha vida. Eu tinha um plano. Eu
seguiria o plano. Mas eu não estava exatamente feliz com isso.
Era muito perto do passado.
Toda vez que eu entrava no ringue para treinar, era atingido
por uma euforia ousada, uma sensação de total certeza e
confiança. E, ao mesmo tempo, me sentia vagamente enjoado.
O cheiro de suor, sangue e o fedor das luvas de boxe traziam
tudo de volta. Eu me lembrava instantaneamente da expressão
de Jake, o vazio em seus olhos, a porra do choque de tudo.
Tive costelas quebradas, nariz quebrado, nós dos dedos
quebrados e tive duas concussões. Dor é vida. O verdadeiro
horror da morte era o vazio dela. Nada iria trazer Jake de volta.
Ele se foi.
Era um refrão enquanto eu pulava corda, indo cada vez mais
rápido.
Ele se foi.
Ele se foi.
— Pode fazer o dobro, Morgan! — O rosnado de Jimmy me
trouxe de volta ao momento. Seu rosto enrugado se contorceu
em um olhar feio. — Você não está aqui para sonhar acordado.
— Farei isso no meu tempo livre, chefe — respondi com um
sorriso. Eu treinei com Jimmy desde que me tornei
profissional. Quando perguntei a ele sobre fazer uma partida
beneficente, o velho ficou com os olhos marejados.
Aparentemente, ele esperou anos para que eu voltasse.
A culpa era uma cadela.
— Se você vai sonhar — disse ele —, então sonhe em mover
essa sua bunda gorda e preguiçosa. Jesus, você não se manteve
em forma?
Jimmy era um cara engraçado pra caralho.
— Aparentemente não, chefe.
Não para seus padrões, de qualquer maneira. Eu pensei que
estava em boa forma. Nada como voltar ao esporte para
lembrar a um homem o quanto ele se iludiu.
— Se você consegue sorrir assim — disse Jimmy —, então
pode cantar enquanto faz isso.
Horror me atingiu. Ai, porra.
— Vamos lá, Jimmy — implorei. Sim, implorei. — Tenha
um coração.
Seus olhos pretos e redondos brilhavam sob as sebes cinzas
de suas sobrancelhas.
— Cante. A. Música.
Porra.
Com um suspiro, eu comecei.
— “Eu sou o próprio modelo de um General moderno, eu
tenho informação vegetal, animal e mineral...”
O bastardo sádico acenou com as mãos como um maldito
maestro enquanto eu pulava corda e cantava a música do
general de Os Piratas de Penzance.
O suor escorria pela minha espinha e minhas pernas
pareciam macarrão. Mas meu peito estava limpo, meu sangue
bombeava forte e minha voz continuava alta.
— “Estou muito bem familiarizado, também, com questões
matemáticas, eu entendo equações, tanto simples quanto
quadráticas...”
Na verdade, eu não tinha ideia de como resolver equações
quadráticas. Talvez eu soubesse no ensino médio. Parker
saberia.
Deus, Parker. Se ela me visse agora, ela iria rir e gargalhar.
Seu lindo rosto se iluminaria de alegria. Aqueles lábios rosados
se curvariam em um sorriso.
Deus, aqueles lábios. Eles, de fato, se encaixaram em volta
do meu pau no outro dia. Ela tinha essa técnica, um pequeno
movimento rápido da língua ao longo da ponta quando ela
tirava meu pau da boca que era alucinante. Eu quase proclamei
minha devoção eterna quando fez isso.
Os pensamentos de Parker me chupando me levaram
através da música e do aquecimento. Mas Jimmy, homem mau
que era, sabia perfeitamente bem que minha mente estava em
outro lugar.
— Você perdeu o foco — ele resmungou depois, quando
estava passando fitas nas minhas mãos. Eu poderia fazer isso
sozinho, mas ele insistiu. — Não vai te servir bem no ringue.
Eu olhei para minhas mãos. Elas estavam mais macias agora,
não tão danificadas.
— Eu sei. Eu não consigo... — Dei de ombros, não
querendo admitir, mas confiando em Jimmy o suficiente para
saber que eu tinha que fazer isso. — Estou tentando. Mas é
difícil.
Ele fez uma pausa e olhou para mim. Pequeno como um
gnomo e igualmente curvado, Jimmy sempre me fez pensar que
ele era metade mágico. Cada cara que ele treinava parecia ser
muito melhor do que os outros. Eu tive muita sorte de tê-lo ao
meu lado.
— Seu coração não está nisso.
— Não como era. Eu perdi alguma coisa quando Jake... —
Eu parei com um aceno de cabeça.
Jimmy terminou de prender minhas mãos.
— Eu vi a luz morrer em seus olhos naquela noite também.
Sabia que tinha acabado para você. — Ele se sentou sobre os
calcanhares e esfregou a barba grisalha no queixo. — Olha,
rapaz, o que você está fazendo é uma coisa boa. E se isso livrar
você do banco e daquele babaca bilionário, melhor ainda.
Eu sabia de tudo isso. Eu contei a Jimmy. Estranhamente,
ainda era bom ouvir. Eu balancei a cabeça e flexionei minhas
mãos, testando a fita. Havia algo reconfortante em estar
usando-as, bom e familiar.
Fechei os dois punhos e me levantei.
Jimmy seguiu. Sua cabeça vinha até a parte de baixo do meu
esterno. Eu me sentia estranhamente protetor com o velho,
como se talvez um dia ele também se fosse, se eu não cuidasse
dele.
— Então seu coração não está nisso — ele disse
sucintamente. — Isso é um problema.
— Eu sei. — Eu simplesmente não sabia o que fazer sobre
isso. A ideia de perder me irritava; eu era muito competitivo
para não fazê-lo. A ideia de perder na frente de Parker era uma
humilhação que eu realmente não conseguia suportar. Eu
queria que ela visse o meu melhor, não uma versão desbotada.
Eu queria que ela visse o que eu poderia fazer.
Jimmy assentiu como se conhecesse meus pensamentos.
— Encontre algo pelo qual lutar, seja sua garota ou sua
academia. Seja o que for, procure e segure, certo?
Algo pelo que lutar. Droga, isso foi o que mexeu comigo.
Eu lutaria por Parker, mas ela era minha. Eu sentia dentro de
mim. Ganhando ou perdendo, ela não usaria isso contra mim.
Claro, seria uma decepção se eu perdesse, mas não a perderia.
Esse conhecimento interno tornou difícil para mim encontrar
a motivação adequada ali.
Lutar pela minha academia? Eu tenho feito isso o tempo
todo. Por que, então, era tão difícil fazer meu sangue ferver
quando se tratava dessa luta? Talvez porque quando eu lutava
no passado, lutava pela alegria, pela emoção da vitória. Isso foi
o suficiente para mim. Agora a alegria era uma pálida cópia do
que costumava ser.
Algo pelo que lutar. Porra, eu precisava descobrir isso.
Revirando o pescoço para aliviar as tensões, consegui dar a
Jimmy o que esperava ser um olhar reconfortante.
— Vou pensar sobre isso.
Ele bufou e murmurou baixinho sobre boxeadores cabeça
dura. Eu sorri.
Jimmy olhou ao redor da academia.
— Onde está o Carlos? — Ele era meu parceiro de treino.
Éramos iguais em potência, mas eu era mais rápido. Carlos, no
entanto, era um filho da puta astuto que tinha um jeito de me
fazer manter a cabeça no jogo ou corria o risco de levar uma
pancada forte no rosto.
— Provavelmente assistindo pornô no escritório — eu disse,
delatando Carlos.
Jimmy murmurou mais palavras bem escolhidas e saiu
pisando duro para buscá-lo. Eu não disse uma palavra; não era
tolo o suficiente para ficar entre Jimmy e uma bronca.
Rindo baixinho, fui até o pequeno saco de pancadas e me
mantive aquecido.
Algo pelo que lutar?
Eu tinha a academia.
Eu tinha Dean.
E... Parker. Eu tinha Parker.
Eu deveria me sentir bem com tudo isso. Em êxtase, até. Mas
ainda havia algo errado, algo em cima de mim. Eu precisava de...
absolvição. Eu precisava tirar todo esse peso de culpa e
ansiedade do meu peito.
Sexo com Parker aliviava muita tensão. Estar com ela me
fazia sentir completo. Mas Parker não podia ajudar com esse
tipo particular de expiação. Eu não podia resolver isso me
perdendo em seus braços.
Eu precisava de outra pessoa para isso. Por um segundo,
pensei em contar a Parker, confessar. Mas eu não podia. Eu
tinha que fazer isso ou nunca seria capaz de lutar bem. Ela
entenderia. Ela entenderia, mesmo que pensasse menos de
mim.
Ela precisava entender. Porque eu não poderia fazer essa luta
de outra maneira.
Parker
Rhys
Parker
— Sei que não devo falar sobre isso — disse Parker no dia
seguinte, enquanto ela se aconchegava ao meu lado na cama. A
luz do sol entrava pelas janelas e tornava sua pele um mel
profundo e brilhante. — Mas ver você lutar foi sexy pra... —
Ela mordeu o lábio inferior rosado.
— Pra caralho? — Eu forneci com um movimento de
sobrancelha.
Suas bochechas se abriram em um sorriso, e ela estendeu a
mão sobre meu abdômen.
— Bem, sim.
Eu ri, mas parei quando uma pontada de dor subiu pela
minha lateral.
— Merda, não me faça rir.
— Pobre bebê — ela murmurou, inclinando-se para beijar
meu peito. Eu estava coberto de hematomas e tinha entrado e
saído de banhos de gelo para aliviar a dor. Mas seus beijos eram
de longe o melhor remédio. Ela me levou para a cama e passou
horas me acariciando e cuidando de mim. Por mais que meu
pau quisesse brincar, eu não estava pronto para isso ainda e
permaneci contente apenas por estar com ela.
Acariciando seu cabelo sedoso, eu me deitei e suspirei
quando ela beijou meu peito e então parou para pressionar um
beijo suave bem em cima do meu coração. Ela se afastou com
um pequeno sorriso satisfeito, como se o simples ato de poder
me tocar fosse tudo o que precisasse. Minha respiração
engatou, calor irradiando para fora de onde ela me beijou.
— Eu te amo. — Minhas palavras roucas pulsaram entre
nós, e os olhos de Parker se arregalaram. Com uma mão trêmula
e maltratada, segurei seu rosto. — Esqueci de te dizer isso.
Eu fiquei afetado pelo nocaute e depois da luta, quando
todos queriam um pedaço de mim. Mas aqui e agora, eu não
conseguia mais me conter. Eu não queria.
Parker lambeu os lábios rapidamente.
— Você não precisa dizer isso só porque eu disse...
Meu polegar tocou seu lábio inferior.
— Eu disse porque eu quis. Com todo o meu coração,
Parker. — Eu a puxei para perto. — Eu te amo. Tanto, que me
assusta. Tanto que me preenche e não me faz pensar em mais
nada. Amar você é como respirar. É impossível não fazer.
Seu sorriso floresceu, e ela se inclinou para o meu toque.
— Eu também te amo.
— Às vezes, eu ainda não consigo acreditar — eu disse
suavemente.
— Por quê?
Dei de ombros.
— Ninguém nunca me amou.
— Então eles nunca conheceram o verdadeiro você.
Esta mulher.
— Eu nunca me preocupei em mostrar a ninguém até você.
Parker cantarolou, seus dedos deslizando sobre minha
mandíbula, evitando os hematomas.
— Talvez você estivesse apenas esperando por mim.
Gostei da ideia e sorri.
— Talvez eu estivesse. — Eu a beijei, um simples encontro
de lábios, então recuei. — Acho que soube no segundo em que
me enxotou no bar.
— Ah! — Seu nariz enrugou com humor. — Você não me
suportava antes.
— Não é verdade. Eu achava que você era gostosa e tinha
uma boca esperta. — Eu beijei a tal boca novamente. — Uma
combinação perfeita. Eu tenho um bom rosto neutro, só isso.
— É um bom rosto. — Sorrindo, ela atacou meu rosto com
beijos. — Eu amo esse rosto. Eu te amo.
Eu nunca me cansaria de ouvir isso. Meus dedos deslizaram
por seu cabelo enquanto eu segurava sua cabeça e olhava em
seus olhos.
— Vai ser tão bom, Parker. Nós dois.
— Eu sei — disse ela, a emoção em seu sorriso combinando
com o que eu sentia correndo por mim. — Porque nós já
somos.
Rhys