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Protegida Pelo Cowboy Intensa Tentação Thatyanne Tenório

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Copyright © 2024 Thatyanne Tenório

FICHA TÉCNICA:
REVISÃO: T. T. Editorial
DESIGN CAPA: Designer T. Tenório
@autorathatyanne
autorattenorio@gmail.com
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais, é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.
Todos os direitos reservados.
É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa
obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o
consentimento escrito da autora.
Esse é o primeiro livro que escrevo em primeira pessoa, então virou meu
mais novo amor. Espero que a história conquiste seus corações, assim como
conquistou o meu.
Protegida pelo Cowboy – Intensa Tentação, é proibida para menores de
18 anos, por conter: violência explícita, gatilhos, conteúdo sexual e palavrões.
Após ler deixe uma avaliação, é muito importante para que outras pessoas
vejam e se sintam incentivadas a fazer o mesmo.
Àqueles que se aventuram nas páginas deste livro, que encontrem nas
linhas e entrelinhas um refúgio, uma paixão e, acima de tudo, uma jornada
inesquecível pelo coração humano. À Jessica D. Santos que de coração imenso,
me ajudou quando me vi perdida. Muito obrigada!
Com carinho e gratidão, Thatyanne Tenório.
NOTA DA AUTORA

DEDICATÓRIA

SINOPSE

CAPÍTULO 1

CAPÍTULO 2

CAPÍTULO 3

CAPÍTULO 4

CAPÍTULO 5

CAPÍTULO 6

CAPÍTULO 7

CAPÍTULO 8

CAPÍTULO 9

CAPÍTULO 10

CAPÍTULO 11

CAPÍTULO 12

CAPÍTULO 13

CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15

CAPÍTULO 16

CAPÍTULO 17

CAPÍTULO 18

CAPÍTULO 19

CAPÍTULO 20

CAPÍTULO 21

CAPÍTULO 22

CAPÍTULO 23

CAPÍTULO 24

CAPÍTULO 25

CAPÍTULO 26

CAPÍTULO 27

CAPÍTULO 28

CAPÍTULO 29

CAPÍTULO 30

CAPÍTULO 31

CAPÍTULO 32

CAPÍTULO 33

CAPÍTULO 34

CAPÍTULO 35

CAPÍTULO 36

EPÍLOGO
Aos 23 anos, Isobelle Monteiro é uma jovem professora recém-formada
que ainda morava com a mãe e o padrasto, mas desde criança sentia a
indiferença que a mãe tem por ela, e mesmo assim, por ter um coração bondoso,
tentava ter a aprovação dela para uma boa convivência.

Ela sempre notou os olhares maldosos do homem que a criou e que sempre
a quis controlar, jamais imaginou que a sua vida poderia desmoronar.

Em uma noite tudo mudou. Ela precisou se defender de um ataque e para


isso, sujou as suas mãos de sangue e mesmo sendo inocente, a pessoa mais
importante que deveria ficar ao seu lado se voltou contra ela.

Uma fuga.
Uma nova cidade.

Isobelle precisava se esconder, e embora Vassouras não fosse a sua


escolha, acabou sendo o seu refúgio, que talvez pela obra do acaso, ali poderia
ser o seu recomeço.

Aos 34 anos, Mattias Ferreira é um cowboy reservado e um tanto


grosseiro, que desde criança trabalha no campo para ajudar a mãe.

Ele prefere cuidar dos animais e lidar com eles, do que com pessoas, e
principalmente ter o controle de tudo ao seu redor. Porém, a chegada de uma
jovem em suas terras pode mudar todos os seus ideais, e sem que percebesse, o
instinto protetor surgiu de uma maneira como nunca havia acontecido.
Isobelle
Do meu quarto conseguia ouvir as vozes abafadas dos amigos do marido
da minha mãe. Todo domingo era sempre o mesmo: eles se reuniam aqui em
casa, bagunçavam tudo e depois iam embora deixando a sujeira de presente.
Assim que saí do quarto, pude ouvir melhor a gritaria dos primatas. Ao
parar no topo da escada vi a minha mãe ir à cozinha, enquanto segurava algumas
latas de cervejas vazias. Soltei um rápido suspiro e me dirigi a ela.
Já na cozinha, ela abriu quatro cervejas com um sorriso bobo. No fogão
havia algumas panelas e na mesa petiscos.
— Leve essas cervejas para eles – mandou minha mãe assim que me viu.
— Rápido!
— Mãe, eu estava pensando em...
— Márcia! – Ao olhar para trás vi o meu padrasto e os amigos olhando em
nossa direção. — Cadê as cervejas?
— Já está indo, meu amor. – O sorriso da minha mãe era o mais
apaixonado que eu já tinha visto. — Isobelle!
Ao ouvir o tom de bronca, peguei as quatros cervejas e me encaminhei
para a sala. Assim que os amigos do meu padrasto me encararam de cima a
baixo, me senti constrangida. Parecia que eles podiam me despir somente com os
olhos e aquela sensação não era legal. Entreguei as cervejas para cada um e
quando estendi a de Jorge, os seus dedos tocaram nos meus. Recolhi a mão com
rapidez e, antes de desviar o olhar, vi o sorriso de lado que ele mantinha.
Apressadamente saí da sala e me dirigi para a cozinha.
Podia ser coisa da minha cabeça, mas não era a primeira vez que Jorge
fazia aquilo, sempre que podia ele me tocava de alguma forma ou me olhava tão
intensamente que eu me sentia invadida.
— Me ajude no almoço. Você só passa o dia naquele quarto.
Sem responder, fui até a panela. Ao destampá-la senti o aroma delicioso
do feijão.
Eu trabalhava a semana inteira, sem descanso, em uma butique no
shopping, mas como minha mãe falava dava a entender que eu não fazia nada.
— Prepare as fatias para assar na churrasqueira – mandou e logo
continuou: — Depois vá trocar esse short, estamos com homens em casa.
Assim que ouvi aquilo, parei o que fazia para olhar minha mãe.
— E não me olhe desse jeito – disse se aproximando, o dedo em riste na
minha direção. — Quando você estiver morando sozinha na sua casa, pode andar
até pelada, mas não quero que use esses tipos de roupas perto do Jorge.
— E o que tem as minhas roupas, mãe? – questionei, observando-a colocar
as mãos na cintura.
— O que tem? – repetiu incrédula. — Anda feito uma qualquer, se
exibindo... eu não quero isso!
Incrédula, balancei a cabeça e desviei o olhar.
Talvez eu devesse mesmo ir embora, morar em minha casa, ter minha
privacidade. Voltei a minha atenção para a pia e busquei os pedaços de frango.
Eu trabalhava há cinco meses na butique, tinha juntado um pouco de dinheiro
que poderia me ajudar caso eu decidisse alugar um apartamento. Um que fosse
barato. Na verdade, bem barato.
— Se os jovens escutassem os pais evitariam muitas coisas – minha mãe
voltou a falar me tirando do devaneio. — Por que acha que tanta desgraça
acontece nas famílias? Principalmente com essas jovens sem nada na cabeça.
Um pouco nervosa com aquele pensamento da minha mãe, me virei para
ela e cruzei os braços.
— O que está querendo insinuar? Que a culpa por essas coisas
acontecerem são das vítimas? Mãe, pelo amor de Deus! Como pode pensar dessa
forma?!
— Como se o que eu estivesse falando fosse mentira – retrucou abrindo a
geladeira. — No meu tempo essas coisas não aconteciam, sabe por quê? Porque
cada um sabia o seu devido lugar. Cada mulher sabia se valorizar, mas hoje?
Muitas estão aí se envolvendo com quem não presta, se vestindo dessa forma...
como se respeita uma mulher que não se veste mais composta?
— No tempo da senhora tudo era encoberto, mãe. Os maridos podiam trair
sem serem julgados e nós mulheres tínhamos que ficar caladas e submissas. Mas
hoje os tempos são outros. Estamos lutando para sermos ouvidas e respeitadas.
Nós...
— Isso é besteira! Não vem com essa ladainha de sempre.
Cansada demais, lavei as minhas mãos na torneira e logo em seguida
passei por minha mãe.
— Para onde vai?! – perguntou-me indo até a entrada da cozinha. —
Isobelle, volte aqui! Isobelle!
— Isobelle!
Ao ouvir a voz de Jorge, parei no meio da escada e me virei em direção à
sala. Estava amedrontada com a forma que ele me encarava, mas não
demonstraria.
— Não está ouvindo a sua mãe falar com você?
Olhei para a minha mãe e a vi com uma expressão furiosa.
— Eu não sou surda – respondi.
E percebi que os amigos dele riram, fazendo-o respirar fundo.
— Volte agora mesmo e peça desculpas para a sua mãe.
Revirei os olhos ao ouvir aquela frase e continuei andando em direção ao
meu quarto. Eu poderia estar sendo infantil? Sim, mas quando a minha mãe
começava com aqueles pensamentos tão machistas, eu preferia sair de perto,
antes que uma briga maior acontecesse. Já no quarto fechei a porta e suspirei.
Qual era o meu problema? Eu tinha vinte e três anos, e estar naquela casa não
era tão saudável como antes.
Eu não gostava de brigar com a minha mãe, nem quando Jorge se
intrometia nessas discussões achando que tinha algum poder sobre mim. Então,
certa do que eu deveria fazer, fui até meu guarda-roupa e busquei a minha
mochila. Assim que parei em frente as gavetas, respirei fundo e comecei a pegar
algumas peças.
Em um rompante minha porta foi escancarada.
— O que está fazendo?
Ignorando minha mãe, voltei ao guarda-roupa e peguei minhas calcinhas e
sutiãs.
— Eu vou embora – falei e me xinguei ao sentir que estava soando
infantil. — Eu a amo muito, mas parece que faz de tudo para que eu a odeie.
— Você me odeia? – indagou incrédula. — Como pode dizer isso?
Nervosa, deixei a mochila na cama e me virei totalmente para a minha
mãe.
— Mãe, eu não a odeio – digo e balanço a cabeça —, mas a senhora faz
tudo parecer que eu sou a culpada de alguma coisa. Como se as roupas que eu
visto fosse para me exibir para alguém. Eu visto o que eu gosto, o que eu me
sinto bem.
— Você se veste como uma putinha! Isso lá é short de se vestir em uma
casa onde há um homem? Um que não é o seu pai?
Com o cenho franzido e sentindo meus olhos arderem, voltei minha
atenção para a mochila.
— Éramos mais felizes quando o Jorge não estava aqui – disse me
sentando na cama. — A senhora está completamente diferente.
De cabeça baixa, vi pelo canto do olho minha mãe ir até o guarda-roupa.
— Se quer ir embora, pode ir! – exclamou jogando algumas roupas em
mim. — Eu não vou deixar o homem que me dá o que preciso e que me ama, por
um capricho malcriado seu! Não consegue ver que eu estou feliz com ele?! Por
que insiste em ser como o maldito do seu pai?
— O meu pai não era um maldito!
— Não. – Negou com a cabeça apontando o dedo para mim. — O seu pai
foi um desgraçado que arruinou a minha vida quando me engravidou! Não era
para eu estar aqui, Isobelle, se eu estou é por culpa dele.
Magoada com o que tinha escutado, desviei o olhar e senti as minhas
lágrimas caírem livremente. Não queria mais falar, eu só queria ficar sozinha e
pensar para onde eu iria. Saber que fui um erro na vida de alguém, me
machucava bastante.
— Então se quiser, pode ir! Não dou dois dias você volta com o rabinho
entre as pernas. Não consegue viver sozinha, não vai conseguir se manter
sozinha, sabe por quê? Porque sabemos que você é fraca, Isobelle. E ser fraca
desse jeito está no gene do seu pai.
Meu coração doía e as minhas lágrimas caíam sem eu impedir. Não era
justo minha mãe falar aquelas coisas do meu pai. Ele sempre fez de tudo para
nos dar conforto e, foi pelo esforço do trabalho dele que tínhamos essa casa. Ao
ficar sozinha, encarei a mochila com as roupas. Cansada demais, deixei meu
corpo cair para trás, e fechei os olhos. Amanhã mesmo procuraria um lugar para
ficar, minha mochila não seria desfeita, porque se eu fizesse isso não teria
coragem para fazê-la novamente.
Na intenção de esquecer um pouco o mundo, busquei meu celular no
móvel ao lado da cama e meus fones. Havia perdido a fome e não queria ver
mais ninguém. Ao abrir o aplicativo de música, procurei o álbum que me
acalmava e me ajudava a dormir relaxada. Assim que dei play e ouvi a voz calma
ao fundo de um toque relaxante, respirei fundo.
— Sinto tantas saudades, pai – murmurei baixinho. — O melhor pai do
mundo.
Automaticamente, virei para o lado e me encolhi em posição fetal.

Um pouco confusa, abri os meus olhos e franzi o cenho. Ainda estava


deitada na cama. Ao meu lado, o celular e os fones estavam jogados de qualquer
jeito no colchão. Foi quando voltei a escutar a discussão vindo do andar de
baixo, o que provavelmente me acordou. Apressadamente saí do quarto e me
encaminhei em direção aos gritos. A cada tom de voz aumentado entre a minha
mãe e o marido dela, eu sentia o meu medo multiplicar.
Eu não aguentava mais aquela situação.
Não aguentava ter que conviver mais um dia com aquele homem, não
aguentava os xingamentos desferidos a minha mãe, era tudo muito insuportável.
Ao me aproximar da cozinha de forma sorrateira, vi Jorge com uma garrafa de
cerveja em mãos enquanto minha mãe se mantinha encostada à pia.
— Eu quero saber quando é que você vai me obedecer e ser uma boa
esposa. – A voz de Jorge soou tão raivosa quanto da última vez que eles
brigaram. — Eu trabalho naquela maldita usina tendo que ouvir a porra do meu
chefe falar no meu ouvido! Banco você e a sua filha, e o que ganho em troca?
Desobediência? Ingratidão?
Um pouco nervosa, vi minha mãe tentar tocá-lo, mas ser impedida com
ignorância.
— Como você me pede isso e acha que vou aceitar de bom grado? O que
pensa que eu sou, Jorge? Eu não aceito e não vou fazer isso! Apesar de tudo...
ela é minha filha.
— Você não me ama, Márcia. Se amasse, faria isso por mim – ele disse
ficando de costas para ela. — Se não quer fazer, sugiro que escolha. Ou ela, ou o
nosso casamento.
Assustada, olhei para minha mãe e tentei entender o que eles falavam.
Seria por hoje à tarde? Tensa com o silêncio repentino, esperei uma resposta. Os
segundos se passaram e minha mãe nada falou. Afastei-me lentamente de onde
estava escondida, dei meia volta e subi as escadas. Tentava me acalmar
afirmando que em breve eu iria embora e não presenciaria mais brigas que só me
faziam mal.
Já no meu quarto, andei até a cama e me joguei no colchão. Esfreguei os
olhos e me lembrei da fala de Jorge. A raiva logo se apossou em meu peito.
Apesar de não ter um emprego dos meus sonhos, eu trabalhava e ajudava nas
despesas da casa — com o que eu podia —, mas ainda, sim, ajudava. Sentindo-
me ansiosa, peguei o meu caderno de mão e busquei o lápis que sempre usava
para o desenho. Após alguns minutos olhando a folha em branco, decidi praticar
o desenho realista. Não conseguia desenhar perfeitamente, mas se eu continuasse
praticando faria belos desenhos.
— Isobelle?
Tirei os olhos do papel e engoli em seco ao ver minha mãe adentrar o
quarto, as palavras de hoje à tarde ainda martelavam na minha cabeça.
— Você não pode ir – disse e, ao ouvir aquilo, senti um alívio no peito,
mas achei estranho quando vi minha mãe engolir em seco como se fosse
obrigada a continuar. — Você é minha filha e precisa ficar do meu lado. Somos
uma família.
Eu queria questioná-la sobre o motivo da briga, mas algo em meu coração
me impedia. Talvez o medo por saber a resposta que ela não tinha dito.
— O que está fazendo?
— Desenhando – murmurei por fim.
Os olhos de íris castanhas passaram rapidamente pelos traços que eu havia
feito.
— Deveria focar no que realmente importa – bronqueou e suspirou
enquanto passava a mão nos cabelos castanhos com alguns fios brancos. —
Como arrumar um trabalho de verdade... tantos anos naquela faculdade para no
fim você não conseguir um emprego.
— Eu já trabalho, mãe – retruquei a observando. — Pode não ser um
emprego dos meus sonhos, mas é o que consegui no momento. Não é tão fácil
como parece.
Minha mãe suspirou e cruzou os braços.
— Você ainda é jovem, é bonita... talvez devesse...
Com o cenho franzido, esperei que ela continuasse, mas ela apenas
balançou a cabeça e esfregou a têmpora.
— Talvez o quê?
— Nada. – Negou alisando o vestido que usava. — Vá dormir, não quero
que se atrase amanhã.
— Mãe! – a chamei antes que ela saísse e quando nossos olhares se
encontraram percebi a impaciência. — A senhora me ama?
O olhar da minha mãe ficou confuso, mas logo voltou ao olhar de antes.
— Por que está perguntando isso? Que pergunta besta, menina. Vá dormir.
Sentada na cama, com uma sensação ruim no peito, vi a porta ser fechada.
Talvez eu ainda estivesse assustada pela briga de tarde e a de minutos atrás, e
precisasse ouvir palavras de carinhos, mas esperar que isso partisse da minha
mãe?
Ser carinhosa não era com ela.
E eu a entendia.
Márcia Serra era a filha mais velha de cinco irmãos e sempre foi mais mãe
para eles do que irmã. Ela precisou ser responsável muito cedo e muito nova se
casou com o meu pai para poder sair de casa. Saí da cama, fui ao banheiro e tirei
a roupa para tomar banho. Às vezes me pegava pensando como seria minha vida
se meu pai ainda estivesse vivo. Me lembro de poucas coisas e aquilo era
frustrante. Ele morreu quando eu tinha três anos e minha mãe nunca gostou de
falar sobre aquilo.
Então, quando completei cinco anos, ela conheceu Jorge Serra.
Nunca o chamei de pai, mas sempre mantive o respeito. Não queria
desapontar minha mãe, que nunca estava satisfeita com os meus feitios. Lembro-
me do dia em que contei que havia ganhado uma bolsa de estudos, mas ela
sequer esboçou alegria. Afinal, eu tinha conseguido uma chance de estudar em
uma boa faculdade, onde uma pessoa com a renda que eu tinha não conseguiria
tão fácil pagá-la. Foram noites, e mais noites em claro, estudando, chorando por
não me achar suficiente. Tentando dar o melhor de mim, e no fim consegui me
formar.
Ignorando o sentimento ruim que se apossou em meu coração, deixei que a
água gelada caísse sobre meu rosto. Após alguns minutos parada, apenas
sentindo a água fria, busquei o sabonete. Enquanto esfregava meu corpo,
formava alguns planos que pretendia colocar em prática. Eu precisava da minha
privacidade, minhas responsabilidades, e estando ali nunca cresceria. Mesmo
que a minha mãe me quisesse por perto, eu iria. Era o certo a fazer. Ao fundo
ouvi meu celular tocar, e no susto virei em direção à porta. Não sei se havia sido
coisa da minha cabeça, mas tive a impressão de ter visto um vulto passar
rapidamente.
— Mãe?
Quando não obtive nenhuma resposta, me enxaguei retirando quaisquer
resquícios de sabão e, enrolada na toalha, saí do banheiro. A porta do quarto
estava aberta. Engoli em seco e fui até ela para trancá-la. O celular tocou
novamente, me chamando a atenção.
Corri até ele, o peguei e vi que Vitória me ligava.
— Alô?
— Me fala, vai ou não para a festa amanhã à noite? Te mandei mensagem
e você não me respondeu.
Retirei o celular do ouvido e puxei a barra de notificações. Havia vinte e
cinco mensagens, todas questionando o que ela tinha me perguntado. Voltei a
chamada e caminhei em direção ao guarda-roupa.
— Não sei, não gosto muito dessas festas onde a maioria mal lembra o
próprio nome – respondi pegando uma calcinha e um vestido. — Você vai?
— Você nunca vai para nenhuma festa que eu te chamo – retrucou. — Eu
soube que o Roger perguntou se você ia.
— Vitória, eu não sei.
Ao terminar de falar, coloquei o celular na cama e rapidamente vesti a
calcinha e o vestido. Quando peguei o celular de volta, percebi que Vitória
reclamava.
— ... você precisa esquecer aquele episódio. Ele estava bêbado, com
certeza se estivesse sóbrio ele não faria aquilo.
Indecisa, soltei os meus cabelos e me sentei na cama. Roger era um colega
nosso do tempo da faculdade e em uma dessas festas que topei ir, fiquei com ele.
Era para ser apenas beijos, mas ele queria mais e não pensou duas vezes em
tentar me forçar naquele quarto escuro.
— Vitória, não acho uma boa ideia. Eu não quero estar no mesmo lugar
que ele e...
Ouvi quando ela bufou e encerrou a ligação. Com um suspiro dei de
ombros e fui pentear os cabelos. No relógio do móvel ao lado da cama marcava
exatas nove e meia da noite. Deveria estar no meu segundo sono, acordaria cedo
para pegar o primeiro ônibus que me deixava no centro da cidade. Morava em
Marsilac, na Zona Sul de São Paulo. Um distrito esquecido que a maioria não
sabia de sua existência, nem parecia ser pertencente à grande São Paulo.
Aqui tudo era muito distante e não era um lugar ao qual eu desejava ficar
por muito tempo. Ao terminar de pentear os meus cabelos, me deitei no colchão
e fitei o teto. Sempre no final do dia, quando entrava em meu quarto, me
perguntava o que estava fazendo da vida. Me sentir um estorvo ou incapaz não
era bom. Sem querer pensar mais nisso, decidi ir até a cozinha pegar algo para
comer.
Na sala vi a TV ligada no jornal, e nenhum sinal do meu padrasto ou
minha mãe. Agradecida por isso, me dirigi até a cozinha. Prepararia dois
sanduíches mesmo sabendo que não é bom comer tanto pela noite. Fui ao
armário, peguei um prato e o coloquei na pia. Na geladeira busquei os
ingredientes e comecei a montar os sanduíches. Concentrada no que fazia, me
assustei quando senti uma palmada no meu traseiro.
Virei bruscamente para trás e vi Jorge perto demais com um maldito
sorriso.
— Ficou louco? Se encostar em mim eu vou chamar a polícia!
Sem se sentir intimidado, Jorge se aproximou mais e apoiou as mãos na
pia, me deixando encurralada a ele.
— Não vai fazer isso – disse. — Você é uma menina muito desobediente...
precisa me respeitar. Eu sou o provedor dessa família... e hoje você me
envergonhou bastante na frente dos meus amigos.
Nervosa e amedrontada com aquela aproximação, o empurrei e pesquei
dentro da pia um garfo.
— Se você encostar em mim – repeti lentamente. — Eu vou furar você.
Pouco me importa se ficou envergonhado ou não – retruquei e vi quando o
semblante dele mudou. — Não ouse me tocar, eu não sou uma menina que não
sabe se defender.
— Veremos.
Após falar aquela única palavra em um tom de ameaça, ele foi em direção
às escadas. Trêmula, voltei a encarar o pão fatiado e apoiei as mãos na pia.
Estava completamente enojada das intenções de Jorge, e com medo. Querendo
me isolar, guardei o que havia pegado e em seguida corri para o meu quarto.
Assim que passei pela porta a tranquei e corri até a cama.
E sim, amanhã eu procuraria outro lugar para morar.
Isobelle

Após ajustar o cinto dourado do meu uniforme, olhei-me no espelho e


estiquei a mão até pegar o batom vermelho que fazia parte da minha vestimenta.
Trabalhava em uma butique chique do principal shopping de São Paulo, e como
norma da empresa todo o fardamento deveria ser completo. Próximo a minha
cama vi minha mochila ainda com algumas roupas dentro. Quando voltasse,
arrumaria melhor o que eu iria levar. Olhei o relógio e vi que dariam 5:10.
Rapidamente calcei minhas sapatilhas, peguei meu casaco, que estava pendurado
em um gancho ao lado da porta, e por último minha bolsa.
Assim que desci as escadas, ouvi a voz de Jorge vir da cozinha. Antes de
adentrar o cômodo, respirei fundo e agarrei a bolsa com mais força. Minha mãe
estava lavando alguns utensílios na pia, já Jorge me encarou de cima para baixo
antes de voltar os olhos para o jornal que tinha em mãos. Em silêncio, caminhei
até a mesa e peguei um pedaço de bolo. O ônibus passava no ponto às 6:00, se
eu demorasse mais um pouco o perderia.
— Hoje eu vou resolver umas coisas, Isobelle. Volte cedo para casa, fará o
jantar para Jorge.
Ao ouvir aquilo encarei o meu padrasto, mas logo desviei o olhar. Queria
retrucar, e negar. Não queria ficar sozinha com ele. Fiquei boa parte da noite
pensativa se falava ou não para a minha mãe o que havia acontecido, mas o
medo por ela dizer que aquilo era minha culpa era grande. Então, sem falar
nada, saí da cozinha. Já na calçada, comi o pedaço de bolo e vi alguns vizinhos
saírem prontos para mais um dia de trabalho. Ao passar pela vizinha do lado,
sorri e acenei educadamente. Desviei o olhar e a passos apressados me dirigi ao
ponto. Ainda teria que andar meia hora até chegar na pequena placa que indicava
a parada de ônibus.
O frio da manhã fazia com que sentisse saudades da minha cama e
cobertor quentinho. Enquanto andava, pensava no pedido de minha mãe sobre
voltar cedo para casa, como se eu tivesse um transporte próprio e não
dependesse do ônibus. Assim que adentrei a outra rua, vi o ônibus ao qual eu
precisava pegar, parar no ponto e algumas pessoas subirem. Segurei a bolsa
firmemente, e corri gesticulando para o motorista me esperar. Ao subir no
transporte, vi o motorista me encarar com o cenho franzido e acenar.
— Bom dia.
Após isso, com a passagem eletrônica, paguei a minha e escorei no ferro
que tinha na minha frente. Havia me formado fazia quatro meses, e quando
estava estagiando nos colégios pensei que seria chamada para lecionar em um
deles, mas me enganei. Nada do que imaginei aconteceu, e mesmo tentando me
convencer de que não era minha culpa, aquele sentimento no peito me dizia que
sim.
Horas depois pude ver finalmente o trânsito da cidade de São Paulo. Ao
olhar para o céu, vi as cores do amanhecer e me imaginei em um lugar longe o
bastante dali. O pensamento de morar em outra cidade era tentador demais, mas
eu não tinha muito dinheiro, não conhecia ninguém que pudesse me ajudar nessa
mudança e não arriscaria meu emprego dessa forma. Talvez nesse quesito eu
fosse fraca e medrosa. Ao sentir o vento frio entrar pela janela do ônibus, me
abracei no casaco fino que usava e esperei que meu ponto chegasse logo.

Assim que desci do segundo ônibus, bufei e segurei minha bolsa com a
força do ódio enquanto andava rapidamente até a entrada do shopping. Por
pouco não o havia perdido, e se isso tivesse acontecido eu com certeza teria que
ir andando. Enquanto andava, senti o celular dentro da minha bolsa vibrar, mas
sem dar muita atenção para aquilo, praticamente corri até o meu trabalho. Ao
estar próxima, avistei o segurança parado em frente a fachada.
Educadamente sorri e o cumprimentei.
Dentro da butique, minha gerente estava em pé ao lado do balcão. A
expressão era a costumeira seriedade, em todos os quatro meses que trabalhava
ali, nunca presenciei um sorriso em Gabriela. Ao passar por ela, vi o dedo de
unha vermelha apontar para o relógio de parede. Eram quase 8:20.
— Bom dia, Isabelle.
Quando meu nome foi proferido errado, segurei a vontade de revirar os
olhos. Não era complicado demais falar meu nome corretamente, mas não
entendia como ainda, sim, erravam.
— Bom dia, Gabriela.
Me encaminhei até os fundos onde no quartinho dos funcionários trocaria
as sapatilhas pelos saltos. Assim que entrei, vi Bruno e Michele com expressões
de seriedade. Sem entender, acenei e me aproximei.
— Bom dia, que caras são essas?
— Está rolando um boato de que a butique vai demitir alguns
funcionários.
Após o susto inicial, balancei a cabeça e o encarei.
— O quê? – franzi o cenho. — Por quê? Quem disse isso?
Bruno no mesmo instante levantou o dedo.
— Eu ouvi a Gabriela falando com dono da loja – respondeu me deixando
tensa. — Corte da empresa.
Sem acreditar naquilo, neguei com a cabeça e observei os dois. Aquilo não
poderia ser verdade, se eu perdesse aquele emprego seria o meu fim. Eu teria
como me manter nos primeiros dias, mas o dinheiro não duraria para sempre e eu
já estava convicta de que iria, sim, embora. Antes que eu pudesse falar, Michele
fechou a portinha do armário dela e alisou o vestido que usava.
— Bom, isso é uma merda – proferiu e ajeitou os cachos negros —, mas se
for verdade mesmo pelo menos vamos receber nossos direitos. Me entregando
tudo o que é meu, não causo briga.
Em silêncio fui até o meu armário, guardei minhas coisas e peguei meus
saltos.
— Eu tenho uma sorte enorme – falei irônica. — Quero me mudar e isso
acontece?
— Por que quer se mudar? – Bruno quis saber parado próximo da porta. —
Sua mãe? Ou seu padrasto?
Michele e Bruno sabiam das minhas discussões com minha mãe e
padrasto, eles eram meus amigos. O que não havia contado eram as investidas
que recebia de Jorge.
— Eu quero morar sozinha – respondi por fim. — Não quero passar o
resto da minha vida na casa da minha mãe. Eu sinto que ela quer ficar sozinha
com o Jorge.
— Que merda Belle – Michele lamentou enquanto se aproximava de mim
—, mas eu tenho certeza que se você sair hoje desse trabalho, você consegue
outro. Quando algo assim acontece, é para que outra melhor possa surgir. Minha
avó sempre fala isso.
— Espero que sim.
Sorri um pouco esperançosa.
— Agora vamos trabalhar.
Concordei e fechei meu armário.
Assim que saímos vi Gabriela no telefone, e alguns clientes ao redor.
Sorridente me encaminhei até uma senhora que me chamou, precisava focar no
meu trabalho e deixar os problemas de lado.
— Minha querida, preciso que me ajude na escolha de um vestido – a
senhora falou com um pequeno sorriso. — É um presente para minha neta.
— Claro. – Sorri acompanhando-a. — Qual o estilo da sua neta?
Assim que ouvi a resposta, a levei até uma seção onde havia lindos
vestidos. Cada um ali valia metade do meu salário, e outros mais caros que isso.

No fim do dia, estava com as minhas pernas doendo e com medo de


realmente ser demitida. Pronta para ir tirar os saltos, vi Gabriela chamar todo
mundo para uma conversa e ao ter noção do que era me senti triste. Parei ao lado
de Michele e cruzei os braços. Realmente não estava preparada para ser
demitida.
— Então pessoal – Gabriela começou — chamei vocês, pois tenho um
comunicado a fazer. – Ao falar olhou para cada um de nós. — Infelizmente a
empresa não está indo muito bem, estamos passando por pequenas turbulências e
por isso encerraremos as atividades no final desta semana. Eu sei que é uma
situação chata, mas infelizmente é isso.
— E os nossos direitos? – Michele perguntou. — Quando vamos receber?
— Ainda não sei te informar – Gabriela voltou a falar —, mas ninguém
sairá no prejuízo. Não se preocupem e nem fique pensando muito nisso. Ainda
temos a semana toda pela frente, então bola para frente.
Após ela terminar de falar deu as costas indo para os fundos. Frustrada
com aquela situação, passei a mão nos meus cabelos, e me dirigi ao quarto dos
funcionários. Parecia que haviam colocado vários pesos nos meus ombros, me
sentia cansada e chorosa. Queria apenas me deitar na minha confortável cama e
dormir até o outro dia. Sem querer falar com ninguém, troquei os saltos pelas
sapatilhas, minha bolsa e acenei para os meus amigos. Os dois estavam tristes,
diferente de antes.
Assim que saí da butique, me surpreendi ao ver Roger parado com as mãos
nos bolsos.
— Oi.
— Oi – respondi me aproximando dele. — O que faz aqui?
— Fiquei esperando dar o horário da sua saída – disse me encarando. —
Você uma vez me disse que largava às 20:00? Então fiquei esperando aqui.
— Mesmo?
— Sim. No horário do almoço eu vi quando você saiu com os seus colegas
– voltou a falar. — Vocês conversavam, então não quis atrapalhar.
Totalmente surpresa, observei os olhos de íris castanhas à minha frente.
Os cabelos escuros de Roger estavam cortados e penteados para o lado. Ainda o
analisando notei a barba por fazer adornando o lindo rosto dele e quando ele se
aproximou mais, senti o perfume forte.
— Eu nem sei o que dizer – murmurei por fim. — Não acho que temos
algo para falar.
— Eu queria me desculpar por aquele dia – proferiu e eu pude notar que
ele estava sem graça. — Eu estava bêbado, e cheio de tesão por você.
Envergonhada, olhei para os lados e respirei fundo em alívio quando
percebi que não tinha ninguém ouvindo.
— Roger...
— Me desculpa por aquele dia? Fui um completo babaca, não vou negar. É
difícil quando você pensa com a cabeça de baixo.
Me afastei um pouco e cruzei os braços.
— Tudo bem, não precisa se esquentar com isso.
Roger concordou e indicou a saída.
— Vamos indo? Te dou uma carona, estou de moto, chegamos rápido na
sua casa.
Pensativa o fitei, mas logo desviei o olhar.
— Eu não vou ficar com você. – Fui direta e quase sorri quando ele levou
a mão ao peito. — Então, se está fazendo isso para tentar...
— Só quero dar uma carona – me interrompeu. — E talvez poderíamos
parar em algum lugar para jantarmos. O que tal? Fiquei aqui te esperando e mal
comi, não queria te perder de vista.
— Jantar?
— Ou comer um lanche – deu de ombros e quando notei estávamos
chegando ao estacionamento. — Vamos? Não faça essa desfeita, ou vou achar
que não me perdoou.
— Eu estou cansada – falei parando em frente a ele. — E...
— Com fome? – indagou me entregando o capacete. — Vai ser rápido, por
favor?
Suspirei e encarei o capacete.
— Eu estou de vestido – apontei e no mesmo instante ele tirou o casaco
que usava e amarrou em minha cintura. — Promete que só vamos comer?
— Prometo – disse com seriedade. — Eu não sou um homem ruim, deixa
eu te provar isso?
Com aquela pergunta eu soltei um suspiro, mas por fim concordei. Talvez
eu pudesse estar enganada com Roger, e ele fosse realmente uma boa pessoa. No
dia da festa ele estava um pouco alterado, de uma forma que eu jamais tinha
visto. Em silêncio o observei me ajudar a colocar o capacete, e logo em seguida
se sentar na moto. Com a ajuda dele, me sentei na garupa e rodeei meus braços
na cintura dele. O vento estava frio, e quando Roger deu a partida me agarrei
mais a ele com medo de cair.
Próximo à avenida o sinal fechou e um pouco nervosa respirei fundo.
Andar de moto não era para mim, meu coração estava acelerado e eu conseguia
sentir a adrenalina correr em minhas veias.
— Vamos a um barzinho aqui próximo – Roger falou alto, mas o som saiu
abafado pelo capacete. — Música ao vivo, o que acha?
— Legal – respondi ainda agarrada a ele.
Após alguns segundos o sinal abriu e Roger pegou a direita.
O frio da noite estava castigando os meus pobres braços, o que reforçou a
minha vontade de estar deitada na minha cama e enrolada no meu lençol. Roger
me esperando na saída do meu trabalho me pegou totalmente desprevenida.
Fiquei tão surpresa que apenas aceitei vir com ele, esperava não me arrepender.
A moto foi estacionada em frente a um estabelecimento onde eu podia ver
muitas pessoas.
Então ele não tinha mentido quando disse que iríamos jantar.
— Estou morrendo de fome – Roger falou enquanto me ajudava a descer
da moto. — Prometo que não vamos demorar, eu sei que você trabalha cedo
amanhã.
— Obrigada – agradeci quando me vi sem o capacete. — É um pouco
cansativo minha rotina, mas um mal necessário.
— É. – Concordou andando ao meu lado. — Não sei se está sabendo, mas
eu vou trabalhar com o meu tio lá no escritório.
— Mesmo? – franzi o cenho. — Nossa, que legal. – Sorri com aquilo. —
Você vai se sair bem, parabéns.
— Valeu – murmurou e olhou ao redor. — Vamos sentar ali.
Com o casaco dele em mãos, e minha bolsa no ombro, segui em direção ao
que ele tinha dito. Ao me sentar, prendi meus cabelos no alto da cabeça e
busquei o cardápio. Olhei para Roger e notei que ele me encarava.
— O que foi?
Antes de responder, ele sorriu e balançou a cabeça.
— Você é muito linda.
Sem graça, dei um pequeno sorriso e me encostei na cadeira.
— Não gosta de elogios?
O olhar dele era risonho, e eu sabia que ele esperava uma resposta. Engoli
em seco e cruzei os braços. Não queria parecer uma boba na frente dele.
— Gosto, mas você me deixa sem graça.
Então ele sorriu mais abertamente enquanto colocava o braço apoiado na
outra cadeira.
— Quer dizer que eu tenho o poder de te deixar sem jeito?
— Não seja bobo – pedi e olhei para o lado. — O que você vai pedir? –
quis saber para mudar um pouco o foco de mim.
Ao olhar para ele vi o sorriso de lado, mas logo a atenção para o cardápio.
— Acho que esse x-morte – riu após ler. — Muita calabresa, três
hambúrguer, bacon e molho cheddar. Parece pesado.
— Parece? – arqueei uma sobrancelha, Roger sorria enquanto chamava o
garçom. — Eu vou pedir algo mais leve.
O garçom logo se aproximou, e um pouco indecisa fitei a imagem
do rocambole de carne abrasileirado e da lasanha, mas por fim pedi a primeira
opção. Nunca tinha comido, e pela aparência podia julgar ser muito gostoso.
— Mais alguma coisa?
— Dois refrigerantes, por favor – Roger respondeu com um pequeno
sorriso. Ao ficarmos sozinhos, voltou a me encarar. — Agora me fala, o emprego
de professora? Vai rolar?
Incomodada com aquele assunto, sorri e balancei a cabeça.
— Não vamos falar disso.
— Tudo bem – falou inclinando o corpo para frente. — Então sobre o que
quer conversar?
Pega de surpresa, dei de ombros e observei os olhos dele.
— Sobre você. – Assim que disse aquilo, Roger sorriu e concordou. — Por
que não foi para a festa?
— Eu iria, mas eu precisava falar com você e se não sabe... sua companhia
é mil vezes melhor que uma festa sem graça.
— Você só está falando isso por falar – o acusei e sorri quando ele negou.
— Tudo de caso pensado.
O sorriso ainda não tinha abandonado os lábios dele, e o olhar estava fixo
no meu. Tinha uma sobrancelha arqueada, e o dedo acarinhava
inconscientemente a mesa. A camisa que ele usava, marcava com perfeição os
músculos adquiridos pela vivência na academia.
— Isso é você que está dizendo – retrucou após também me avaliar. — Só
estou sendo sincero – deu de ombros — a vida é muito mais que festas, Isobelle.
Eu sei apreciar uma boa companhia, tudo tem o seu tempo.
Com a chegada do garçom, eu agradeci mentalmente e fitei o meu pedido.
Roger, sendo sincero daquele jeito, era algo que eu não sabia lidar. Na faculdade
não nos falávamos muito, apenas às vezes. Pois tínhamos amigos em comum, e
eu sempre fui educada. Uma parte minha pedia para ficar alerta, mas a outra
dizia que ele estava sendo cem por cento sincero. Não queria perguntar, e quem
sabe dar a entender que estava caindo na conversa dele e o encorajando.
Mas gostaria de poder entendê-lo.
Talvez se eu tivesse experiências na área de namorados, eu saberia
identificar sem problemas. Enquanto comia me vi imaginando o fim daquele
encontro. Um pouco confusa, fitei Roger e vi que ele comia.
Eu estava em um encontro com ele?
Sem ter uma resposta, peguei o garfo e a faca, começando a comer. Assim
que senti o sabor da carne, fechei os olhos e sorri minimamente. Eu estava
morrendo de fome, no almoço não havia comido muito e aquele sempre era meu
erro. Colocava pequenas porções no prato, e sempre no fim não ficava saciada.
— Você tem namorado?
Pega de surpresa com aquela pergunta, neguei com a cabeça.
— Mesmo? A Vitória comentou algo sobre você estar com alguém.
Bebi um pouco do refrigerante, e parti mais um pedaço do rocambole.
— Não tenho tempo para namoro – falei e vi que ele acenou interessado.
— Meus objetivos são outros.
Após uma mordida, Roger apontou o dedo para mim e piscou.
— É segredo?
Antes de responder, coloquei uma mecha atrás da orelha e sorri.
— São planos que eu pretendo colocar em prática.
— Misteriosa.
Estranhamente estava me sentindo mais à vontade com ele. Ao olhar para
o lado, vi um grupo de rapazes se acomodarem no palco e cada um segurar um
instrumento. Então a música de antes foi substituída pelo show ao vivo.
Os minutos se passaram e eu já tinha outra visão de Roger. Em nenhum
momento ele forçou a barra ou me deixou constrangida com algum
questionamento. Até que estava gostando de passar aquelas horas conversando
com ele.
No final, eu estava com mais sono e satisfeita com a noite que tinha tido.
Na hora de pagar, tentei dar minha parte que foi recusada por ele. Alegando que
como ele tinha convidado então ele pagaria, mas que eu poderia depois pagar na
próxima. Deixando bem claro que queria me ver novamente.
Quando a moto estacionou em frente à minha casa, olhei para cima e vi a
janela do meu quarto fechada. Desci da moto e quando fui acompanhada, sorri.
Entreguei o capacete, e o casaco que antes estava amarrado em minha cintura.
— Obrigada pela noite. – Agradeci e virei na intenção de ir, mas logo
parei quando senti minha mão ser agarrada. — Roger...
— Espera – pediu e me puxou para mais perto. — Gostei da sua
companhia, obrigado por aceitar.
— Também gostei – respondi sentindo as mãos em minha cintura. — Eu
vou entrar.
Encostado na moto, ele me encarou e me trouxe para o espaço dele. No
mesmo instante prendi a respiração e senti o nervosismo se apossar do meu
corpo.
— Eu queria te dizer que... eu vou ser paciente com você. E se isso te
deixa mais calma, você não é a primeira, eu sei ser cuidadoso.
Assenti, mas logo franzi o cenho sem compreender aquelas palavras. E
talvez ele tenha entendido a minha confusão, pois, com delicadeza, colocou uma
mecha atrás da minha orelha e sorriu.
— Eu sei que você deve estar com medo de se entregar para mim, e eu
compreendo que sua primeira vez precisa ser especial.
Após ele dizer aquilo, eu finalmente compreendi e me afastei. Sem
acreditar, franzi o cenho e balancei a cabeça.
— O quê?
— Eu sei que você nunca transou – Roger murmurou tentando me puxar de
volta. — E eu...
— Por que acha isso?
Um pouco confuso, ele me encarou.
— Você não quis ficar comigo, então achei que esse era o motivo: você ser
virgem.
— Você é muito idiota – o acusei pegando-o de surpresa. — Olhe aqui –
apontei o dedo em direção ao rosto dele. — Se eu sou ou não, isso não é da sua
conta. E por que acha que eu tenho a intenção de transar com você?
Assim que ele se desencostou da moto, eu dei um passo para trás.
— E por que não iria querer?
— Você está falando sério? – questionei, mas logo percebi que não valia a
pena. Então revirei os olhos e dei as costas a ele. Porém, minha mão foi
agarrada mais uma vez. — Me solta! Qual o seu problema? O mundo não gira em
torno de você, Roger. Eu até pensei que poderia estar enganada no meu
julgamento, mas agora estou percebendo quem você realmente é.
— O que realmente sou? – repetiu e sorriu ironicamente. — Quer saber?
Foda-se! Eu queria ser um cara legal que te ajudaria com a sua primeira vez,
mas é perder tempo demais. Você é uma perda de tempo.
— Você seria o último homem da face da terra ao qual eu me deitaria.
— Vai se foder, vadia.
E com aquele xingamento, Roger saiu em disparada. Eu era uma idiota
mesmo, só uma perfeita imbecil para cair no papo de desculpas daquele. Com
vontade de chorar por ser tão tola, entrei em casa. Tudo estava em silêncio e
escuro. Assim que olhei para a cozinha, me lembrei do pedido da minha mãe e
praguejei. Jorge com certeza armaria uma briga por eu não ter chegado cedo.
Querendo tomar uma ducha fria, me encaminhei para o meu quarto, e
assim que cheguei nele joguei minha bolsa em uma cadeira. Exausta demais, fui
até o banheiro e retirei minhas roupas. Ao ficar debaixo do chuveiro – sentindo a
água fria descer por meu rosto – pensei em Roger e com amargura esfreguei o
rosto.
Tinha sido muito burra.
Desliguei o registro, e busquei o sabonete começando a me ensaboar.
Eu não era virgem como Roger tinha dado a entender. Na verdade, tinha
perdido minha virgindade com vinte anos, ou seja, há três anos. Minha primeira
vez não tinha sido com um namorado, ou com alguém mais especial. Não.
Vitória me convidou para uma festa na casa dela, e eu aceitei. Bebidas ao som
de músicas eletrônicas, e pessoas desconhecidas se pegando por toda a casa. A
única coisa que me lembro foi de acordar nua em uma cama.
Quando notei a mancha de sangue no lençol e nas minhas pernas... foi
como se eu tivesse feito algo muito errado. Não era como se eu esperasse um
príncipe encantado, mas minha primeira vez foi com um homem que eu não
conhecia, e boa parte das minhas memórias são borrões.
Um desastre total.
Não querendo mais lembrar daquele triste dia, retirei o sabão do corpo e
terminei de me enxaguar. Com a toalha em mãos comecei a me secar, estava
louca para me deitar no meu colchão macio. Antes que eu pudesse me enrolar na
toalha, fui surpreendida pelas mãos que me agarraram por trás. No susto deixei a
toalha cair e senti meus cabelos serem puxados.
— Agora você vai me pagar por sua desobediência, sua putinha.
— Me solta! Mãe!
O riso nojento ecoou em meus ouvidos, e enquanto tentava me soltar fui
levada para o quarto. Ao chegar perto da cama, Jorge nos jogou no colchão me
deixando por baixo presa com o corpo dele.
— Mãe!
— Ela não está, Isobelle – falou rente ao meu ouvido. — Ela deixou a
noite todinha para podermos aproveitar.
Ao escutar aquilo não acreditei, e na tentativa de me ver livre dele,
estiquei meu braço para trás e o atingi no olho. Quando senti o peso sair de cima
de mim, saí da cama aos tropeços e agarrei o lençol para cobrir minha nudez.
— Você enlouqueceu? – perguntei. Podia sentir meu coração frenético e o
medo que estava sentindo foi o suficiente para me fazer chorar. — Se você não
sair agora do meu quarto, eu vou ligar para a polícia.
Jorge sorriu sem se deixar abalar, e mantendo o contato visual começou a
tirar a blusa que usava, logo em seguida o cinto.
— Você não tem noção de quanto tempo estou me segurando... – disse
desabotoando a calça — quanto tempo venho tentando satisfazer meu tesão por
você usando a sua mãe.
Enojada com aquela confissão, me abracei mais ao lençol, e tentando sair
dali, corri até a porta do meu quarto. Minhas lágrimas caíam desenfreadas
embaçando minha visão, ao conseguir abrir a porta suspirei em alívio, mas Jorge
rapidamente me agarrou pelos cabelos.
— Era para você ter chegado mais cedo – rugiu rente ao meu ouvido. —
Teríamos aproveitado.
— Me solta! – gritei novamente. — Não, por favor!
Eu podia sentir o aperto nos cabelos aumentar, e o corpo de Jorge
imprensar o meu contra a porta. Não poderia me render daquele jeito. Então,
quando a mão tocou o meu traseiro e desceu rumo a minha intimidade, tentei me
soltar mais uma vez. Jorge apenas empurrou minha cabeça contra a porta, e ao
fazer isso, senti minha testa arder.
— Se você não parar, eu vou te machucar pra valer! – ameaçou e me
puxou pela cintura, me deixando inclinada. — Seja sincera... você também
desejou esse dia... isso fique paradinha – murmurou enquanto levantava o lençol
que cobria minha nudez — você vai gostar.
Quando meus cabelos foram soltos, e o corpo de Jorge se afastou
minimamente do meu, não pensei, apenas agi. Ainda de costas joguei minha
cabeça para trás, minha cabeça doeu, mas funcionou. Assim que Jorge me soltou,
abri a porta e corri do jeito que estava. Ao chegar na cozinha, ainda agarrada ao
lençol, fui até a gaveta de talheres e procurei uma faca. Ouvia as exaltações de
Jorge, e aquilo só me deixava mais amedrontada.
— Sua vadia! – Me virei para ele que segurava o cinto. — Você vai
apanhar para aprender a ser mais obediente.
Empunhei a faca e o encarei trêmula.
— Se você se aproximar... eu vou te furar.
— Você não teria coragem – desdenhou aproximando-se. — Se você fizer
isso... irá presa, é isso que quer? Ser presa? Fazer sua mãe passar essa
vergonha?
Em um movimento, Jorge avançou em mim para segurar meu braço, mas
fui mais rápida e usei a faca nele o cortando. Pude ver a surpresa nos olhos dele,
porém a raiva de antes voltou e antes que ele pensasse em se reaproximar, ergui
a faca e avancei.
O grito foi doloroso.
Estava cega pelo medo, e trêmula demais, mas eu conseguia ver a faca que
minha mãe usava para cortar carne coberta de sangue. Conseguia ver Jorge soltar
o cinto e levar a mão a barriga descrente do que tinha acontecido. Sentia as
lágrimas caírem dos meus olhos, e minha pele ficar arrepiada. Eu tinha
esfaqueado Jorge. E ele estava nesse exato momento gritando por ajuda, e eu só
conseguia pensar que seria presa.
A porta da sala foi aberta e sentindo um rápido alívio vi minha mãe entrar
rapidamente.
Assim que ela me viu enrolada no lençol ensanguentado, segurando a faca
ensanguentada e Jorge caído no chão, correu em socorro a ele. Sem entender a
observei tocar no rosto do marido e deixar algumas lágrimas caírem.
— O que você fez, Isobelle? – gritou avançando em mim, mas levantei
rapidamente a faca em direção a ela. — Vai me matar também? Você nunca me
enganou, sempre ficava dando em cima dele, você...
— Cala a boca! – exclamei nervosa. — Vocês se merecem.
Ao terminar de falar, larguei a faca na pia e corri para o meu quarto.
Sentia-me tão confusa, mas de uma coisa eu tinha certeza: eu precisava ir. Já no
quarto limpei minha mão ensanguentada na toalha, e me encaminhei até o
guarda-roupa. Rapidamente peguei uma calça jeans, uma blusa e meu tênis.
Olhei em volta à procura do meu casaco e praguejei quando lembrei que havia
deixado no trabalho.
Minha mochila com algumas roupas dentro estava onde eu tinha deixado, e
antes de sair peguei o dinheiro que guardava na primeira gaveta, meus
documentos e o celular.
Desci as escadas e ao passar pela cozinha vi minha mãe agarrada a Jorge.
— Está tudo bem, meu amor – murmurou com carinho — Você vai ficar
bem...
— Aquela putinha me esfaqueou.
— Você não fez nada – disse e me encarou. — Sempre foi ela, você é uma
vítima.
No lado de fora deixei minhas lágrimas caírem enquanto andava a passos
rápidos pela calçada. Meu coração doía, e a sensação de traição assolava em meu
interior. O vento frio da noite fez com que me abraçasse na intenção de me
sentir mais confortável. Saber que minha mãe sabia o que estava acontecendo em
casa, e compactuar com aquilo. Era demais para mim.
Na rua não tinha ninguém, e aquilo fazia meu medo triplicar.
Isobelle

Ao atravessar a rua sequei minhas lágrimas e decidi ir para o ponto de


ônibus. Peguei meu celular na mochila e disquei os números da minha amiga
Michele. Eu precisava desabafar, precisava que alguém me ajudasse. Após
alguns segundos a ligação foi aceita e em alívio fechei os olhos.
— Belle?
— Desculpa te ligar agora – falei sentindo meus olhos se encherem
novamente de lágrimas —, mas eu esfaqueei o Jorge e a minha mãe está do lado
dele, eu vou ser presa, Michele. Eu não sei para onde ir, mas eu preciso ir... eu...
— Espera! O quê? Belle, o que aconteceu? Esfaqueou o Jorge?
Por um momento eu balancei a cabeça e fiquei com medo dela não ficar do
meu lado.
— A minha mãe sabia o que o Jorge queria fazer comigo – murmurei
observando ao redor. — Eu preciso ir, preciso me esconder... eu não quero ser
presa.
— Belle, você não vai ser presa – retrucou e eu senti que ela estava
nervosa. — Vem aqui para casa, vamos conversar. Você já viu que horas são?
Isso não é hora para você ficar pelas ruas. Pega um táxi e vem aqui para casa.
Concordei, mas logo imaginei a polícia indo atrás de mim. Eu não poderia
ficar e arriscar ser pega. Minha mãe com certeza ficaria ao lado do marido, e
aquilo eu não suportaria.
— Belle, por favor, vem aqui para casa – pediu mais uma vez. — Não
pode ficar perambulando por essas ruas.
— Eles vão me achar. – Chorei enquanto caminhava apressadamente. — A
minha mãe está do lado dele, Michele...
— Belle, me escuta com atenção – pediu e eu percebi que ela estava
nervosa. — Me fale onde você está! Você está em casa?
— Não, eu vou embora – respondi e ao me aproximar do ponto vi um
ônibus vindo. Era melhor do que ficar perambulando pelas ruas. — Eu preciso
desligar, em breve eu te ligo. Não fala para ninguém que eu te liguei.
— O quê? Belle...!
Ao finalizar a chamada corri em direção ao ônibus. Estava trêmula, mas
eu precisava ir. Ao me sentar em uma cadeira próxima ao motorista, encostei a
minha cabeça no vidro da janela e fechei os olhos, deixando as lágrimas caírem.
Minha mãe havia me traído da pior forma possível e a essa hora ela já teria
informado aos policiais o que eu tinha feito.
— Você precisa parar de chorar, Isobelle – falei tentando manter a calma.
— Preciso ser forte.
Assim que olhei para frente, vi que o ônibus seguia em direção ao centro.
— Moço – chamei o motorista que me olhou de lado. — Qual o próximo
destino?
— Terminal Rodoviário Tietê.
Voltando a me encostar no assento, sequei os vestígios das lágrimas e
busquei o dinheiro que tinha na mochila. Com a mão trêmula contei mil reais.
No banco eu tinha uma poupança, que poderia me auxiliar por algumas semanas,
talvez dias. Tudo iria depender do lugar que conseguisse ficar.
Abracei minha mochila e esperei pacientemente que o ônibus chegasse ao
destino. Pela janela vi o céu estrelado, e senti meu coração doer por tudo o que
tinha acontecido. Estava sozinha e amedrontada. Ao encarar minhas mãos, senti
novas lágrimas surgirem e dessa vez me deixei chorar.

Quando o ônibus parou próximo ao meu destino, desci e rapidamente me


encaminhei até a entrada. Por conta do frio senti meus dedos gelados, e o vento
ricochetear minha pele sem dó. Esfreguei minhas mãos na calça e me dirigi até o
salão de embarque. Para o meu desespero havia uma única cabine aberta, e
estava sendo fechada.
— Espera! – gritei e a atendente parou me encarando. — Por favor, eu
preciso de uma passagem.
— Já estamos fechados.
Ao parar em frente a funcionária, apoiei minhas mãos no balcão e respirei
fundo.
— Eu quero uma passagem.
— Nós já estamos fechados.
— Por favor... não pode me ajudar? – questionei observando-a ponderar na
resposta. — Por favor! Uma passagem.
Assim que terminei de falar, busquei na mochila o dinheiro e o coloquei
em cima do balcão. O olhar dela foi para o dinheiro, em seguida para mim. Após
isso voltou-se para a tela do computador.
— Qual o seu destino?
Tensa a encarei e dei de ombros. Eu não tinha a mínima noção de onde
poderia ir.
— O próximo ônibus sai em dez minutos com o destino Valença no Rio de
Janeiro.
— Tudo bem – concordei e vi quando a atendente digitou rapidamente no
computador.
— Fica por R$ 153,00.
Rapidamente separei o valor e repassei a ela. Segundos depois, me foi
entregue um bilhete.
— Boa viagem, é só seguir até a plataforma 04.
— Obrigada!
Após agradecer, praticamente corri até o salão de embarque. Ao chegar no
local, observei algumas pessoas abraçadas a pesados casacos enquanto
esperavam o ônibus. Assim que cruzei os braços, por conta do frio, me xinguei
por esquecer meu casaco no trabalho. Meu celular dentro da mochila começou a
vibrar e um pouco temerosa, o peguei. Na tela havia 10 chamadas perdidas de
Michele e Bruno.
Sem querer falar com ninguém, desliguei o aparelho e o coloquei no
bolso. Bem ao longe ouvi a sirene da polícia e isso me deixou em alerta. Ao
respirar fundo para me manter calma, vi o ônibus se aproximar e as pessoas se
arrumarem para adentrá-lo. Passei a mão nos meus cabelos castanhos e vi no
letreiro o destino VALENÇA – RJ. Por um momento parei e pensei no que estava
prestes a fazer. Se eu ficasse, minha mãe me acusaria, sem pensar duas vezes.
Mas talvez, se eu ficasse, teria uma chance?
Trêmula me lembrei dos momentos de puro horror que passei em casa, e
após balançar a cabeça subi no ônibus e me sentei na primeira cadeira vaga. Eu
poderia ser presa amanhã, mas eu precisava tentar fugir.
Ao sentir um solavanco, abri os olhos assustada e percebi que o ônibus
havia parado. Pela janela vi o amanhecer aparecer e um pouco confusa esfreguei
os olhos. Sonolenta, notei que algumas pessoas desciam rapidamente, mas outras
permaneciam sentadas. Ajeitando-me melhor na cadeira, deixei que meus olhos
vagueassem até o lado de fora. Podia enxergar uma barraquinha com lanches e
logo atrás uma porta com uma plaquinha escrito banheiro. Segurei a alça da
minha mochila e saí do ônibus. Meu corpo agradeceu automaticamente por estar
em movimento, minhas costas doíam bastante.
Assim que entrei no banheiro, fui até uma cabine e me tranquei.
Saquei meu celular do bolso, e o liguei. Estava com medo, mas precisava
saber se havia alguma coisa na internet sobre o acontecido. Quando finalmente a
tela acendeu, vi algumas mensagens e ligações perdidas na barra de notificações.
Antes que pudesse clicar no ícone da internet, o celular apitou avisando que
estava descarregado e desligou.
Sem acreditar, tentei ligá-lo novamente, mas nada aconteceu.
A buzina do ônibus me assustou e guardei nervosamente o celular e fiz
minhas necessidades. Após lavar as mãos, saí do banheiro e vi os passageiros
entrarem no ônibus. Minha barriga roncava, mas eu não gastaria dinheiro agora.
Primeiro veria o lugar que ficaria, então pensaria em comer.
Ao me acomodar na mesma cadeira de antes, peguei novamente o celular e
o tentei ligar. Quando não obtive resposta, respirei fundo e fechei os olhos. Não
havia pegado o carregador, nem sequer pensei nisso. Um pouco desgostosa,
guardei o celular e me inclinei em direção ao motorista.
— Onde estamos? Falta muito para chegar no destino?
— Estamos em Vassouras – respondeu enquanto observava os outros
passageiros subirem. — Antes do almoço chegamos à Rodoviária.
Com aquilo me sentei, abracei minha mochila e observei a paisagem pela
janela.
Como ainda era bem cedo, havia poucas pessoas nas ruas. Podia notar que
algumas casas estavam com as pinturas conservadas, e deixando um pequeno
sorriso escapar me senti nos anos 60. Além das casas eu conseguia ver os
campos cobertos de vegetação, e mais além o que pareciam ser criações de
gados.
Ainda na minha exploração, vi que a maioria das ruas era íngreme. Não se
parecia em nada com minha cidade Marsilac. Ao me lembrar do motivo de ter me
levado até ali, senti meus olhos arderem. Havia sido impulsiva, mas tudo havia
acontecido rápido demais. Só senti necessidade de me proteger e não deixar que
Jorge me tocasse. Só as lembranças me deixavam amedrontada e desconfortável.
Com a testa encostada no vidro, vi as casas ficarem para trás e a vegetação se
fazer presente. Cercas de arames farpados por toda a extensão do lugar,
resguardavam os animais da pista de barro.
Por alguns minutos fechei meus olhos e tentei relaxar.
Quando o ônibus parou pela segunda vez, olhei para frente e vi alguns
carros parados, e mais adiante carros de polícias. Com o coração aos pulos,
percebi que eles estavam revistando os passageiros. Nervosa, segurei a mochila
e fiquei de pé. Algumas pessoas ao meu redor me encararam, mas não disseram
nada.
— Motorista – o chamei recebendo a atenção. — Eu esqueci meu celular
naquele banheiro. Tem como voltar?
— Não. – Negou como se fosse óbvio. — Mas se esqueceu não deve estar
mais lá. Muitas pessoas transitam por ali.
Após balançar a cabeça, olhei para onde os policiais estavam e engoli em
seco.
— Então eu quero descer – falei, deixando-o confuso. — Pode abrir a
porta?
— A cidade ficou há alguns quilômetros daqui – comentou me encarando.
— Se descer vai ter que pagar uma nova passagem e esperar o próximo ônibus.
— Não tem problema – retruquei nervosa. — Pode abrir a porta, por
favor?
Assim que fui atendida, agarrei minha mochila, e sem olhar para trás desci
do ônibus. A passos rápidos me dirigi de volta à cidade. Não tinha muita noção
do que estava fazendo, mas sabia que na cidade havia como alugar algum quarto.
Olhei para os lados e vi que havia estradinhas estreitas. Talvez fossem caminhos
para propriedades particulares.
Alguns minutos se passaram, a minha fome aumentou e eu não sabia mais
para onde estava indo. Queria chorar porque naquele horário estaria no trabalho,
junto aos meus amigos. Ao passar a mão nos fios castanhos, que estavam
desalinhados, vi uma caminhonete se aproximar no outro lado. Nervosa, vi
quando o motorista diminuiu a velocidade e parou ao meu lado.
— Dia – saudou me encarando. — Sozinha por essas bandas? Não é muito
seguro, dona – disse com um sotaque carregado.
— Bom dia – respondi educada. — Estou voltando para a cidade, passei de
ônibus alguns minutos.
— Cidade? – repetiu com o cenho franzido, então concordei. — Deve ter
entrado errado, a direção da cidade fica na outra pista. Essa leva até a fazenda
da família Menzzotti.
— Mesmo? – indaguei e observei o caminho. Não havia percebido que o
ônibus havia pegado outra direção. — Sabe me dizer se estou muito distante da
cidade?
Vi quando ele encostou o braço na janela aberta, e me encarou com
curiosidade.
— A pé demora uns 55 minutos – respondeu e apontou para frente. — A
fazenda fica uns 10 minutos daqui. Lá tem telefone caso queira ligar para
alguém... quer uma carona até lá? Sozinha por essas estradas é bem perigoso.
Muitos assaltos.
Ao engolir em seco deixei minha atenção ir até a estrada a frente, mas
logo encarei o motorista. Ele tinha a pele bronzeada, o chapéu de cowboy cobria
alguns fios pretos que escapavam pelos lados de forma desgrenhada. A barba era
negra e desgrenhada. Ele me observava como se querendo descobrir quem eu
era, pois até agora não havia me apresentado, nem ele.
— Não quero incomodar. – Neguei agarrando as alças da mochila. — Vou
voltar para a cidade antes que fique muito quente.
— Eu insisto – disse e para o meu desespero, ele desceu vindo em minha
direção. — Na fazenda você pode pedir ajuda ao Sr. Menzzotti. – Avisou abrindo
a porta da caminhonete. — Não posso deixá-la sozinha aqui na estrada. Entre.
A forma como ele falava deixava claro que não queria contestações.
Vencida pelo cansaço, me acomodei no assento e observei o cowboy voltar para
o lugar do motorista. Em silêncio, fitei os movimentos dele e quando a
caminhonete voltou a andar, deixei um suspiro sair. Talvez na tal fazenda eu
poderia usar o telefone e ligar para Michele. Queria ligar para minha mãe, mas
ainda me sentia traída por ela.
Pelo canto de olho notei a mão masculina ir até o painel e ligar o rádio.
Um sertanejo começou a tocar baixinho, em seguida a voz masculina cantarolou
a canção.
— Então... – A voz dele soou rouca. — Você é uma visitante. – Aquilo me
fez engolir em seco. — De onde é?
Fiquei uns segundos em silêncio, mas logo o respondi.
— Da cidade.
Rapidamente recebi a atenção.
— Isso eu percebi – retrucou e pelo tom percebi que ele não havia gostado
da minha resposta. — Quero saber a cidade, seu sotaque é diferente.
— Não tenho sotaque – desmenti e agarrei minha mochila. — Você
trabalha na fazenda?
— Trabalho – respondeu esquecendo da pergunta anterior. — Sou o
capataz. – Sorriu ao dizer aquilo e por dentro me questionei o que um capataz
fazia. — E você está sem rumo?
— Não. – Neguei arriscando um olhar para ele. — Estou de passagem,
meu destino é outra cidade.
Do bolso da camisa, ele tirou um cigarro diferente e isqueiro. Um pouco
desconfortável pelo fedor da nicotina, abri a janela e inspirei o ar puro. Na
mesma hora minha barriga roncou, estava faminta. Esperava poder comer algo
nessa tal fazenda.
— Qual o seu nome?
Com a pergunta repentina, fiquei sem saber se respondia meu nome
mesmo, mas por fim optei pelo mais sensato.
— Fernanda – respondi, fazendo-o sorrir, para meu alívio, ele apenas
concordou.
Não podia ficar falando demais, ou fugir até ali não serviria de nada.
Pronta para perguntar se demoraria para chegar, vi surpresa a grande
propriedade a frente. Havia mais gado no grande pasto e alguns funcionários
trabalhando. Quando a caminhonete adentrou as propriedades, fiquei encantada
com a mansão. Assim que passamos por um peão, vi o que parecia um cabo de
uma pistola na barra da calça dele. Assustada, voltei a me encostar no banco e
engoli em seco.
Havia pessoas armadas naquele lugar?
Temerosa, encarei o motorista e inspecionei o corpo dele. Não parecia
esconder uma arma. Ao olhá-lo nos olhos, percebi que ele me fitava
intensamente. Desviei o olhar e prestei atenção no caminho que seguia.
A caminhonete parou em frente a um canteiro de rosas, e trêmula o vi
descer e apontar para a porta da casa aberta. Uma mulher de meia-idade
apareceu enxugando as mãos em um avental, e com curiosidade me encarou.
— Quem é essa moleca?
Ao ouvir o questionamento, desci da caminhonete e coloquei a mochila
nas costas. Me aproximei lentamente e parei próximo a ela.
— Estava na estrada. – O peão respondeu apontando para mim. — Estava
perdida e sozinha.
Olhei para ele e percebi o sorriso que me lançava. Incomodada, voltei meu
olhar para a mulher e agarrei mais a alça da mochila.
— Sozinha na estrada? – repetiu e eu acenei. — Quase meio-dia... comeu
alguma coisa? O almoço está nas panelas, entra, bora comer.
— Obrigada – agradeci e lancei um último olhar ao capataz. — O dono da
casa não vai brigar?
— O Sr. Menzzotti está na cidade vizinha – respondeu e indicou a porta
atrás de si. — Venha, menina, chegue comer. Olha só esses sapatos sujos. –
Apontou quando viu meus tênis melados da estrada. — Se quiser pode tomar um
banho antes de comer.
— Vou aceitar o almoço – falei enquanto passava por ela. Então vi uma
cozinha ampla, parecia que eu estava no cenário de uma novela. — Não quero
demorar, preciso voltar para a cidade antes que fique muito tarde.
Atrás de mim ouvi uma parte da porta de madeira ser fechada.
— Voltar para a cidade ainda hoje? — Concordei e vi quando ela apontou
para à mesa. — A pé vai demorar muito, vou pedir para o Ernesto te levar.
— Quem? – indaguei enquanto me sentava à mesa.
— O que lhe trouxe aqui – murmurou com o prato em mãos —, mas acho
que hoje ele não vai voltar para a cidade. Talvez amanhã bem cedo. Para onde
você vai?
Após engolir em seco a observei.
— Eu estava indo para Valença.
— Valença? – Franziu o cenho me olhando. — Tem família por lá?
— Não.
O prato foi colocado à minha frente e ao sentir o perfume delicioso de
comida caseira, minha barriga roncou vergonhosamente. De forma tímida,
encarei a mulher e sorri minimamente.
— Obrigada. – Agradeci e dei a primeira colherada no arroz e feijão. A
combinação me deixou em êxtase. — Está muito gostoso.
— Obrigada. – Sorriu me observando. — Qual o seu nome?
— Fernanda – disse e recebi um aceno. — E o da senhora?
— Demétria, mas os rapazes me chamam de Tia. Trabalho nesta fazenda há
um bom tempo, vi o Sr. Menzzotti e outros meninos daqui crescerem.
Sem saber o que falar, coloquei mais uma colherada na boca. Demétria
parecia ser uma senhora bem simpática. Ela ainda falava, e eu apenas
concordava. Aquela comida era uma das melhores que já havia provado.
— Você tem filhos? – a pergunta veio de forma curiosa. — É casada?
— Não. – Neguei depositando o garfo no prato. — E não sou casada. Me
formei recentemente, sou professora.
— Professora? – repetiu com um pequeno sorriso. — É uma profissão
linda.
Sorrindo, agradeci quando um copo de suco foi colocado à minha frente.
Após terminar de comer me senti cheia e sonolenta. Olhei a Demétria e
percebi que ela guardava alguns pratos no armário. Ao lançar um olhar para o
lado, vi um corredor que com certeza levava para os outros cômodos da casa.
— Eu preciso ligar para uma pessoa – disse fazendo Demétria me olhar —,
mas meu celular descarregou... teria como usar algum telefone?
— Tem um na sala de descanso — respondeu se aproximando. — Pode ir
sozinha, fica no fim do corredor à direita.
— Obrigada.
Ao me levantar senti os membros do corpo reclamarem e o cansaço da
viagem aparecer. A cada passada que eu dava, recordava dos acontecimentos
passados. Parecia que eu não esqueceria aqueles momentos de terror e isso me
deixou angustiada. Com as instruções da Demétria, cheguei à sala e logo vi o
telefone. Assim que o peguei, disquei os números de minha amiga e esperei
pacientemente que ela atendesse. Quando ouvi o quinto toque, suspirei. Talvez
Michele não tivesse saído para o almoço e, bem provavelmente, quando
retornasse à ligação eu não estaria mais ali.
Enquanto tentava mais uma vez falar com Michele, vi pela janela uma
caminhonete preta estacionar no caminho de pedras, em seguida um homem
corpulento sair do lugar do motorista. Usava uma camisa preta social, calça
jeans de lavagem escura e botas. Nas mãos trazia um chapéu estilo cowboy e um
chicote. Após encerrar a ligação, me dirigi de volta para a cozinha. Se o dono da
casa me pegasse ali, poderia não gostar.
Antes de me aproximar ouvi a voz masculina conversar com Demétria,
parecia zangado. No instante em que apareci na entrada da cozinha, vi o recém-
chegado se calar e me olhar de cima a baixo.
— E você quem é?
A curiosidade era nítida nos olhos dele.
O homem à minha frente era muito bonito. Os cabelos pretos com os
poucos fios brancos, denunciavam sua idade. No entanto, ele bem poderia dizer
que tinha 36 anos. Ninguém seria contra.
— Ernesto a encontrou na estrada - Demétria respondeu quando eu não o
fiz. — Estava sozinha e perdida.
— Perdida? - perguntou aproximando-se lentamente de mim. Por um
momento senti um tremor percorrer meu corpo. — Qual o seu nome?
— Is… Fernanda.
Por alguns segundos ele me analisou, mas logo estendeu a mão.
— Benício Menzzotti - disse. O sobrenome era o mesmo que Demétria
dissera ser o dono da fazenda. — Sou o proprietário dessas terras.
— Legal - respondi sem muito entusiasmo. Após o cumprimentar, Benício
ainda me observava me deixando totalmente desconfortável. — Eu acho que já
vou.
— Por que não passa a noite aqui? Amanhã cedo um dos meninos te leva.
Sem jeito, fitei o dono da casa que se mantinha calado mesmo após o
convite de Demétria. Parecia não se importar, ou não tinha prestado a atenção.
— Eu não quero incomodar, mas agradeço o almoço. Eu estava faminta.
Demétria sorriu e se aproximou de mim. Carinhosamente me tocou nos
cabelos e falou: — Não é seguro sair sozinha por essas estradas. A gente vê
muita notícia ruim disso. Passe essa noite aqui, está segura.
Ainda indecisa, desviei o olhar para a minha mochila e a saída.
— Arrume o quarto de visita e a acomode - Benício mandou tirando os
olhos de mim. — Volto para o jantar.
— Sim senhor.
Mais à vontade com a saída dele, soltei a respiração de modo tenso e fitei
Demétria. Ela observava o caminho feito pelo patrão, em seguida me encarou
risonha.
— Vem descansar, você está com uma carinha de sono. Quantos dias de
viagens?
Abraçada a minha mochila, segui Demétria.
— Um dia, aconteceram uns imprevistos, por isso não cheguei no meu
destino.
— A vida tem dessas, não é?
Acenei sem querer falar e observei o caminho até o quarto de hóspedes. A
casa era enorme, parecia ter realmente saído de uma cena de novela.
— Essa casa é muito bonita. Quantas pessoas moram aqui?
— Só o Sr. Menzzotti - respondeu, mas ao ver minha surpresa continuou:
— Antes a mulher dele morava aqui, ela era da cidade e, não gostava da vida no
campo. Passou uns meses e ela não aguentou.
— Ela foi embora?
— Ela morreu.
Esperei que continuasse, mas ela apenas se calou. Estava curiosa para
saber mais sobre a esposa do Sr. Menzzotti, mas eu sabia que se eu questionasse,
daria brechas para perguntas às quais eu não queria responder. Finalmente
paramos em frente a uma porta, e a abrindo e dando espaço para eu passar, vi um
quarto bem mobiliado. A janela dava acesso a uma lindíssima visão, que
rapidamente apreciei mais de perto.
Conseguia ver muitos trabalhadores ocupados em seus serviços e, mais ao
longe, Sr. Menzzotti próximo do cercado. Ernesto estava com ele, conversavam
sobre alguma coisa, talvez assuntos relacionados a fazenda.
— Demétria - chamei me virando em direção a ela. — O que um capataz
faz?
— Capataz? - franziu o cenho, mas logo sorriu quando confirmei. — Ele é
responsável por chefiar os trabalhadores da fazenda. Quando tem algum
problema ele é o encarregado de resolver.
Satisfeita com aquela resposta, olhei mais uma vez na mesma direção de
antes e ao perceber Benício olhar para mim, fiquei sem jeito. Afastei-me da
janela e me sentei na cama, Demétria se aproximava com alguns lençóis.
— Demétria…
— Me chame de Tia - pediu andando em minha direção. — A noite faz
muito frio, então já deixe esses separados para você.
— Obrigada.
— O que iria dizer?
Com um pequeno sorriso, mas com uma imensa vontade de chorar, eu a
observei.
— Obrigada pelo convite de passar a noite aqui. Me sinto muito
agradecida.
— Não precisa agradecer - disse sentando-se ao meu lado. — Ficaria
preocupada caso você fosse desse jeito. Sua carinha está de cansaço puro.
— Eu não consegui dormir.
Por alguns segundos ela me analisou, mas logo suspirou.
— Terá tempo para descansar. - Sorriu. — O banheiro fica ali - apontou
para uma porta próxima do guarda-roupa. — Tome um banho, troque essa roupa
e durma. Quando der a hora da janta, eu te chamo caso esteja dormindo.
— Muito obrigada.
Com a saída dela, deixei meu corpo cair para trás e fechei os olhos.
Automaticamente me lembrei do momento exato em que esfaqueei Jorge, e de
minha mãe o protegendo como se eu fosse realmente a grande culpada. As frases
“você não fez nada. Sempre foi ela, você é uma vítima.”, ecoavam em minha
mente me deixando mais triste do que estava. Voltando a me sentar, tirei o tênis
e assim que me livrei deles, estiquei os dedos. Eles estavam avermelhados e
doloridos.
Ao ficar de pé, prendi os cabelos e em seguida tirei minha blusa. A cada
passo que eu dava em direção ao banheiro, meu corpo reclamava pedindo
descanso e eu repetia mentalmente que logo estaria deitada naquela confortável
cama. Já dentro do banheiro, tirei minha roupa por completo e me encaminhei
até o registro do chuveiro. De olhos fechados, deixei que a água fria caísse em
meu rosto, como se aquela ação pudesse retirar meus problemas e jogá-los direto
no ralo.
Estar sem saber o que acontecia era horrível, mas o medo por descobrir
era maior. Não imaginava como Jorge estava, mas em meu íntimo desejava que
ele morresse. Eu sabia que isso me tornava uma pessoa má, no entanto, eu não
me importava. Me doía saber que minha própria mãe havia sido conivente com
aquelas ações tão maldosas do marido.
Mesmo sabendo que meu nascimento não foi algo desejado, não passava
pela minha cabeça que minha mãe me odiava tanto.
Então, como se tudo fizesse sentido, lembrei da discussão deles pela
noite. Dele afirmando que ela não o amava por não fazer o que ele tinha pedido
e, ela tentando explicar tão obviamente que eu era filha dela. Quando entendi,
me senti traída novamente e com o coração totalmente destruído.
Eu não tinha ninguém e aquilo me desesperou.
Ali, sozinha, me permiti chorar.
E ainda em meio ao choro, prometi que lutaria por mim. Provaria a minha
mãe e a quem quer que seja, que eu era forte e muito corajosa. Decidida a não
chorar mais, esfreguei o rosto e continuei meu banho.
Enrolada em uma toalha, com o cheirinho de amaciante, me dirigi ao
quarto. Dentro da minha mochila tirei uma calcinha limpa, sutiã, uma blusa com
mangas longas e uma calça jeans. Ao terminar de me vestir, me deitei na cama e
me aconcheguei entre os travesseiros.
Isobelle

Com a sensação de que iria cair, eu abri meus olhos. Ainda sonolenta
rodei para o outro lado da cama e surpresa encarei a porta que se encontrava
entreaberta. Sentindo o coração disparar, me sentei lentamente e notei alguém
parado me olhando em meio a escuridão. Ao olhar para o chão vi uma poça de
sangue se formar e aquilo me assustou ainda mais. Prestes a me levantar, a porta
foi aberta com ignorância e dela, Jorge adentrou correndo em minha direção.
Paralisada de medo, não tive nenhuma ação quando ele se jogou sobre mim.
As mãos ensanguentadas exerciam forças em meu pescoço, fazendo o ar
faltar em meus pulmões.
— Fernanda!
Em desespero, tentei me soltar, mas não consegui.
— Menina! Acorde!
Então, em um susto, eu me sentei com as mãos em frente ao corpo. Tremia
com a respiração irregular, fitei Demétria e percebi que ela me encarava de
forma preocupada.
— Calma - pediu sentando-se ao meu lado. — Foi um pesadelo. Meu Deus,
olhe o seu estado. Venha cá.
Quando Demétria me abraçou, não consegui segurar o choro. O pesadelo
tinha sido tão real, que por um momento eu pensei que Jorge tinha me
encontrado. Abraçando-a mais intensamente, senti um carinho em meus cabelos.
— Shh, você deve ter passado por mal bocados. Está tudo bem, agora está
tudo bem.
— O-Obrigada.
Com delicadeza, ela colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha e
sorriu.
— Vá se arrumar para o café - me pediu e um pouco confusa olhei para a
janela, o sol estava radiante. — Eu vim ontem à noite te chamar, mas você virou
para o outro lado da cama e continuou dormindo.
Apesar de ela sorrir descontraída, eu me senti envergonhada.
— Me desculpe, eu estava muito cansada. Eu saí pela madrugada e, apesar
do ônibus ser confortável, não é como uma cama.
— Você saiu pela madrugada?
Tensa, me xinguei mentalmente por falar demais. O olhar era de extrema
curiosidade, era como se eu conseguisse ler os questionamentos.
— Sim.
— Você está fugindo de alguém? – me perguntou enquanto me analisava,
talvez para descobrir se o que eu iria responder era verdade ou não.
— Sim – concordei por fim —, mas não quero falar sobre isso.
Após concordar, Demétria inclinou o corpo para o lado e pegou um par de
botas que eu não tinha visto.
— Tomei a liberdade de pegar os seus sapatos e lavá-los. Estavam muito
sujos.
— Obrigada, mas não precisava ter trabalho com isso – disse secando os
vestígios de lágrimas do meu rosto. — A senhora deve ter tanto o que fazer.
— Imagina – deu de ombros e me entregou as botas. — Tome, pode ficar
com esses.
— Mesmo? – indaguei os segurando. Eram botas bem bonitas, um pouco
pesadas, mas ainda, sim, bonitas. — Muito obrigada. Bem, acha que o Sr.
Menzzotti se importaria de me levar até a cidade?
— Não pense nisso agora – pediu ficando de pé. — Estarei na cozinha
esperando você para o café.
Antes de sair, ela me sorriu fazendo com que eu retribuísse. Após ficar
sozinha no quarto, olhei ao redor à procura da minha mochila. Ao encontrá-la
meio aberta próxima à janela, franzi o cenho e fui até ela. Com uma sensação
ruim se alastrando em meu corpo, abri o zíper e fucei por dentro. Parecia que
tudo estava por ali, mas ainda assim me senti um pouco estranha.
Soltei um suspiro e fitei além da janela.
Alguns trabalhadores estavam por ali e, mais afastado, estava Ernesto. Ele
mantinha os braços cruzados enquanto falava com os peões. Me aproximei mais
um pouco do vidro, e tentei encontrar Benício, mas não o vi.
Se eu tinha a intenção de ir cedo, precisava agir agora. Então, com a
mochila em mãos, fui até o banheiro. Após escovar os dentes e molhar o corpo,
vesti a mesma roupa que tinha ido dormir, e já no quarto calcei os pés com a
bota que tinha ganho.
Ao fechar a porta atrás de mim, ouvi uma música antiga soar pelo
ambiente. Curiosa, andei até a origem do som. Próxima da entrada da cozinha,
ouvi a voz de Demétria cantarolar a canção que tocava no rádio. Ela não tinha
percebido minha presença, pois estava empenhada em cantar afinadamente a
melodia. Parecia transportada para o passado, talvez em um bom momento que a
marcou de uma forma boa. Fiquei a observando sem saber se a interrompia, ou
não.
— Na minha juventude tinha o sonho de ser cantora.
Com aquela deixa, me aproximei com a alça da mochila no ombro.
— A senhora canta bem – comentei me sentando. — Imagino que tenha
sido difícil abrir mão desse sonho.
— Demais. – Concordou aproximando-se com o bule de café. — Se eu
fosse um homem poderia até andar sem as calças pelas ruas – brincou enquanto
me entregava uma xícara —, mas como deve saber tudo era mais complicado
para a gente.
— Sim.
— Me casei nova, acho que eu tinha quinze anos. Meu pai arranjou meu
partido.
— Quinze anos? – Mesmo sabendo que naquela época era normal casar
com essa idade, ouvir de Demétria, me deixou incomodada. — Como a senhora
se sentiu?
Assim que ela me deu um sorriso, me endireitei na cadeira. Dessa vez, ela
tinha colocado uma fatia de bolo na minha frente.
— Você é muito educada. Estou curiosa – murmurou sentando-se ao meu
lado — o que achou do Sr. Menzzotti?
— Como assim? – perguntei recebendo um sorriso contido. — Fiquei
agradecida pela hospitalidade. Ele poderia ter me mandado embora ontem.
— Poderia, e, aliás, se fosse outra pessoa, ele faria. O Sr. Menzzotti não
gosta de forasteiros por aqui, mas eu acho que ele ficou interessado.
Nervosa com aquele assunto, eu neguei com a cabeça, fazendo-a parar de
sorrir.
— Eu não estou interessada.
— E por que não? – franziu o cenho, ela parecia não ter gostado da minha
resposta. — Ele é bonito, viúvo, tem muito dinheiro, tem algumas mulheres por
aí, mas se ele se casar com a mulher certa talvez mude.
— Eu não quero soar rude – falei tentando controlar as batidas
desenfreadas do meu coração —, mas eu não quero me envolver com ninguém.
Por uns segundos ela me observou, mas logo anuiu e se afastou.
— Você não pensa em casar? É tão nova e bonita.
— Não, eu só quero recomeçar a minha vida. – Assim que eu disse, ela me
olhou e sorriu. — Eu não estou pronta para casamento.
— Eu compreendo. – Sorriu indo até o fogão, onde tinha algumas panelas.
— Você poderia me ajudar aqui? Os meninos comem bastante no almoço.
Ao terminar a fatia de bolo, bebi um gole do café e me levantei. Demétria
tirou a tampa de uma das panelas, e na mesma hora senti o perfume delicioso do
feijão.
— Acha que depois do almoço um deles poderia me levar à cidade?
— Você quer muito ir – falou e me olhou. — Por que não fica? O Sr.
Menzzotti não vai te mandar embora.
Surpresa com aquele convite, a observei atentamente.
— Eu não posso ficar. Já incomodei demais, e meu destino é Valença.
— Você mesmo disse que não tem família por lá – disse enquanto mexia a
panela de galinha. — Você não conhece ninguém, não sabe onde vai ficar ou
comer. Aqui você tem um quarto, pode comer à vontade. Aqui é seguro.
Assim que ela finalizou, senti meus olhos arderem.
— Por quê?
Demétria parou o que estava fazendo e voltou-se para mim. Com carinho
segurou minhas mãos e deu um pequeno sorriso.
— Porque você precisa de ajuda – murmurou e por dentro me senti
emocionada. — Então por que não fica e deixa ser ajudada? Não custa nada.
— O Sr. Menzzotti...
— Se você tivesse no jantar, saberia que ele concorda comigo.
Envergonhada, desviei o olhar, e ouvi Demétria rir.
— Eu não sei se posso ficar, não quero ser um incômodo.
— Fique pelo menos alguns dias. – Retrucou gentilmente. — A fazenda é
imensa, você pode conhecê-la se quiser. Tem um rio depois do pasto, ele é muito
bonito. A água pelo dia chega ser cristalina, mas a noite muda totalmente. –
Sorriu, e logo segurou uma das minhas mãos. — Fique, você vai gostar.
Após alguns segundos, a encarei e sorri.
— Se não for mesmo problema eu fico.
Me sentia aliviada, talvez aquilo fosse um sinal para que eu ficasse. No
entanto, minha mente me lembrou de que a qualquer momento a polícia poderia
me encontrar. Se eu explicasse a situação para Demétria, ela poderia me ajudar.
— Ótimo! Vou colocar no seu quarto algumas roupas para você, antes que
me esqueça – disse empolgada. — Tem uns vestidos no fundo do baú, que tenho
certeza de que cabem em você.
Sem saber o que responder, apenas sorri enquanto a observava ir.
Demétria sem dúvidas era uma boa pessoa, havia algo nela que me transmitia
bondade e me fazia sentir bem. Com a colher de pau que achei próximo ao
fogão, mexi o feijão fazendo o aroma delicioso se espalhar pela cozinha. De
forma curiosa destampei as outras panelas e vi que havia arroz, galinha, mais
feijão de outro tipo e macarrão.
— Dia!
Com o susto levei a mão ao peito, e tentando me acalmar vi Ernesto
parado na porta da cozinha. Segurava uma bituca de cigarro, nos lábios mantinha
um pequeno sorriso. Hoje ele não usava o chapéu de cowboy.
— Bom dia.
Após colocar a colher onde tinha pegado, me dirigi a cadeira.
— Vai hoje? – me questionou enquanto empurrava a porta. — Se quiser
carona pode vir comigo. Vou até a cidade comprar uns remédios pra os cavalos.
Encostado a porta, ele me observou à espera de uma resposta. O cigarro
que antes ele segurava, foi jogado por cima do ombro, mas ainda assim o fedor
do fumo ficou por alguns minutos no ar. Sua atenção não saía de mim, então
cruzei os braços e o encarei.
— Vou passar uns dias na fazenda, mas obrigada pelo convite.
— Mesmo? – perguntou interessado. — Sr. Menzzotti te convidou?
Antes que eu pudesse respondê-lo, Demétria voltou com um pequeno
sorriso de lado. Ao ver Ernesto ali, franziu o cenho e se aproximou da mesa.
— O que faz na minha cozinha?
— Tô indo à cidade – respondeu finalmente desviando os olhos de mim. —
Vim ver se a Fernanda aceitava carona pra ir embora.
— Ela não vai mais embora – disse e se encaminhou para o fogão. — E eu
já disse que não quero esse fedor de cigarro na minha cozinha.
Sentada onde estava, vi Ernesto suspirar e voltar a me olhar. Parecia
querer me desvendar, e eu até conseguia perceber os questionamentos. Então, em
silêncio, ele acenou em minha direção e foi embora. Com a saída dele, respirei
mais aliviada e fitei Demétria.
— A senhora tem filhos?
— Tenho cinco – respondeu me deixando surpresa —, mas eles estão na
capital. Resolveram ganhar a vida na cidade grande, quase ninguém prefere a
roça. – Assim que terminou de falar, me observou. — Fico feliz que tenha
aceitado passar esses dias por aqui.
— Espero que o Sr. Menzzotti não se incomode – disse e quando vi
Demétria juntando os pratos sujos me levantei. — Eu ajudo a senhora.
— Você era acostumada a fazer os serviços domésticos?
— Sim, desde a minha adolescência. – Falei enquanto colocava os pratos
sujos na enorme pia. — Eu trabalhava fora, mas sempre ajudei minha mãe.
— É dela que você está fugindo? – Demétria me observava e um pouco
nervosa engoli em seco. — Só estou curiosa, porque, não é sempre que uma
jovem tão linda como você aparece por essas bandas.
— Bem... a minha mãe se casou de novo – comecei a falar um pouco
relutante. — E aparentemente ela não me vê como filha.
— Oh querida, eu sinto muito. E o seu pai?
— Ele faleceu quando eu ainda era pequena – respondi sentindo a tristeza
se apossar de mim. — Eu não me lembro muito bem dele, mas eu sinto saudades
todos os dias.
— Eu sinto muito – repetiu e logo me sorriu. — Verá que esses dias aqui
vão te fazer muito bem.
Assim que ela terminou de falar, me virei a pia começando a lavar os
pratos. O rádio, que antes tocava canções antigas, deu espaço para as notícias do
que acontecia. Em alerta esperei que algo sobre o acontecido a Jorge fosse
noticiado, mas os minutos se passavam e nada foi comentado. Talvez Jorge não
tivesse morrido, e a polícia não sabia do que eu tinha feito.
No entanto, mesmo assim, eu não poderia voltar.
Minha mãe me odiava, e provavelmente Jorge se vingaria. Voltar para
Marsilac seria minha sentença de morte.
Olhei para Demétria e notei que ela falava sobre estar feliz por eu estar
ali. Queria poder desabafar sobre meus pensamentos, mas me sentia travada.
Queria poder ouvir de outra pessoa que eu não seria presa e que tudo ficaria
bem. Como uma confirmação para que os maus pensamentos fossem embora.
— Alguns são casados e moram em pequenas terras que o Sr. Menzzotti
deu. – Sorriu e me olhou. — Ele tem um bom coração.
— Bem generoso da parte dele.
— Os solteiros que não moram com os pais, moram nas casinhas que
ficam depois do celeiro.
Eu me sentia péssima.
Demétria queria manter uma conversa, mas eu queria poder me afundar em
pensamentos, na tentativa de traçar um plano para o que eu faria para
sobreviver. Mesmo com o convite de passar uns dias ali, não era como seu
pudesse ficar minha vida toda. Eu precisava ir, precisava arrumar um emprego,
um lugar para dormir. Quem sabe alugar uma casa? Eu ainda não sabia. Não
sabia se ficava nessa cidade, ou tentaria a sorte em outra.
Por um momento parei o que fazia.
Por que Rio de Janeiro? Por que não tentei ir para outro estado mais
distante?
— Fernanda?
Ao ouvir a voz de Demétria a olhei.
— Sim?
— O que foi? Ficou com uma carinha de preocupada. Ainda tem alguma
coisa que você queria falar?
Assim que coloquei a esponja na pia, e me virei para Demétria pronta para
falar. Travei ao ver que logo atrás dela, Benício me encarava. Não sabia dizer se
ele tinha chegado agora, ou se já estava há alguns minutos me observando. Seu
olhar de intensa seriedade me fez encolher os ombros e engolir em seco. Benício
era intimidante demais, e isso me deixava desconfortável. Ao olhar para o que
ele trazia em mãos, me questionei por que ele andava com um chicote.
Rapidamente Demétria virou em direção a ele.
— Onde está o Ernesto?
— Ele disse que iria na cidade, já deve estar lá.
— Espero que ele não se esqueça dos antibióticos – falou enquanto se
sentava à mesa. — Não posso perder mais nenhum puro-sangue.
— Puro-sangue? – perguntei um pouco confusa. — São os seus cavalos?
— Sim – concordou e após colocar o chicote em cima da mesa, acenou
para Demétria. — Ainda tem café?
— Sim senhor.
Peguei novamente a esponja e voltei ao que fazia antes dele chegar. Não
arrisquei a olhá-lo, mas era como se eu pudesse sentir o olhar penetrante em
minha nuca.
— Senhor, ela aceitou passar uns dias aqui.
No mesmo instante virei a cabeça em direção a Benício. Ele me olhava por
cima da xícara de café, não tinha esboçado nenhuma reação, me deixando sem
saber o que ele achava. Já Demétria não conseguia disfarçar a felicidade.
— Faz tanto tempo desde que tive uma companhia aqui – Demétria
continuou: — Eu disse que ela poderia andar pela fazenda para conhecer os
caminhos.
— Só tome cuidado com o velho poço – Benício murmurou chamando
minha atenção. — Não vai querer ir lá.
Ao finalizar os pratos, franzi o cenho, mas em seguida acenei e olhei para
Demétria.
— Bom... – falou após beber o café em um gole. — Preciso resolver uns
assuntos no escritório, não quero ser incomodado.
— Claro senhor – Demétria concordou, em seguida pegou a xícara suja. —
Quando o almoço estiver pronto o chamo.
Benício anuiu com a cabeça e se retirou da cozinha. Voltei meu olhar para
Demétria, que agora guardava alguns temperos usados na preparação do almoço,
e me imaginei contando o que tinha acontecido. No entanto, eu já tinha mentido
o meu nome e sobre o motivo de ter me levado até ali. Não aguentaria caso eu
contasse, e ela não acreditasse e colocasse a culpa em mim como minha mãe
havia feito. Talvez eu estivesse me precipitando nos julgamentos, mas eu não
queria arriscar.
Após suspirar e analisar bem o que eu faria, vi quando Demétria me
observou.
— O que te deixa aflita, menina? – quis saber aproximando-se. —
Continua com fome? – Quando neguei, o olhar mudou para um mais preocupado.
— Aquele cabeça de vento do Ernesto fez alguma coisa com você quando eu
estava fora?
— Não. – Neguei rapidamente, o olhar dela era minucioso. — Não estou
com fome e o Ernesto não fez nada. São só uns pensamentos.
— Pensando na sua mãe?
Assim que ouvi aquela pergunta, travei. Minha mãe àquela altura não
queria me ver nem em sonhos, e por mais que eu condenasse a decisão dela em
apoiar o marido, eu só queria a minha mãe. A minha mãe de anos atrás, de
quando eu ainda era criança e pelo menos ela se importava um pouco comigo.
— Pensando em como irei trabalhar – respondi me sentindo cansada
mentalmente. Pois, mesmo após uma noite de sono, eu me sentia destruída. —
Eu não posso ficar parada.
— Fale com o Sr. Menzzotti. – Sorriu de forma esperançosa. — Eu garanto
que ele te ajuda.
— Eu não quero abusar – balancei com a cabeça. — Ele já está sendo bem
generoso me deixando ficar uns dias e não me sentiria confortável.
— Não seja boba – proferiu carinhosa. — Você disse que é professora, vez
outra sempre aparece vaga na escolinha próxima à igreja. O Sr. Menzzotti pode
falar com o diretor de lá, eles são conhecidos. – Antes que eu pudesse falar, ela
gesticulou com a mão. — Não pense nisso agora, aproveite que está aqui. Vá dar
uma olhada por aí, mas depois volte para o almoço.
— Tudo bem.
No instante que recebi um sorriso, acenei e fui para o lado de fora. Mesmo
sendo dia, senti o vento frio me tocar a pele. Abraçando-me, parei na soleira da
porta e observei os trabalhadores espalhados pela fazenda. Alguns trabalhavam
concentrados em seus serviços, mas outros ao me verem ali lançavam olhares
questionadores.
Um pouco incomodada comecei a andar pela estradinha de pedra, parecia
levar para algum lugar. O ar era totalmente diferente ao da cidade grande, o
cheiro de terra e estrume eram predominantes. Enquanto caminhava vi uma parte
do pasto com alguns cavalos, e a outra com muitas vacas. Queria poder me
aproximar, mas não sabia se teria problemas em ir até eles. Em minha divagação,
vi ao longe dois trabalhadores segurarem um grande saco marrom e o jogar em
um carrinho de mão. Um deles gesticulou e guiou rapidamente o caminho para o
outro colega.
Por um momento parei e os observei.
O lugar que eles saíram parecia ser o celeiro, curiosa para saber o que
tinha dentro me encaminhei até lá. Já próxima da entrada, notei vários sacos –
talvez de rações – e na outra parede no chão muitos fenos. Pronta para voltar em
minha exploração à fazenda, senti um cheiro diferente, como se fosse algo
podre. Observei atentamente na tentativa de encontrar a origem do fedor, e
quando finalmente encontrei parei tentando entender.
No chão, ao lado de uns sacos empilhados, havia uma corda
ensanguentada e uma mancha avermelhada.
— O que faz aqui?
Assustada com aquela voz, me virei e vi Benício parado na entrada do
celeiro. Trazia em mãos o chicote.
— N-Nada! Eu só...
— Estava bisbilhotando. – Me interrompeu com seriedade enquanto se
aproximava. — Não quero você procurando o que não perdeu.
Envergonhada com aquela chamada, engoli em seco e desviei o olhar.
— Me desculpe, eu não estava bisbilhotando. É que eu nunca vi um
celeiro.
Quando ele não me respondeu rapidamente, voltei a encará-lo. Benício
estava parado em minha frente, tão perto que eu conseguia sentir o perfume forte
emanando dele. Automaticamente dei um passo para trás e olhei para o chão
manchado.
— Então você matou?
— O quê?
Meu olhar assustado foi diretamente nas íris negras, aquele olhar intenso
me deixou mais nervosa.
— Sua curiosidade sobre o celeiro – murmurou e olhou para onde minutos
atrás eu estava encarando. — Aqui não é um lugar para visitas. Poderia ter um
animal perigoso, como a sucuri que os peões encontraram bem ali.
Ele apontava para o chão manchado.
— Uma sucuri?
Como resposta ele me sorriu e por um instante fiquei surpresa, era a
primeira vez que o via sorrir. Um pouco incomodada por estar sozinha com ele,
dei um passo para frente na intenção de Benício me dar passagem. No entanto,
ele continuou parado me olhando. Meu coração estava frenético, mas decidi não
demonstrar o nervosismo que eu estava tendo.
— Em uma fazenda tão grande como essa – voltou a falar, a voz era rouca.
— Seria estranho não aparecer de vez em quando uma dessas. Elas vêm na
intenção de comer alguma coisa que se mova.
— Deve ser complicado então – respondi sem saber o que dizer. — Elas
são perigosas.
Ele sorriu e cruzou os braços.
— Estou curioso para conhecê-la – disse sem tirar os olhos de mim. — De
qual cidade você disse que veio?
— Eu não disse – murmurei e engoli em seco ao vê-lo franzir o cenho. —
Eu não quero atrapalhá-lo. Vou voltar para a cozinha.
Benício ainda me encarava quando deu um passo para o lado. Agradecida,
me encaminhei em direção à saída, mas antes vi um dos peões se aproximarem.
Por dentro me sentia envergonhada pela bronca que Benício me deu, afinal, eu
não estava procurando nada. Apenas conhecendo o lugar.
Ao chegar na entrada da cozinha, olhei uma última vez para trás e vi
Benício andar rapidamente ao lado do peão.
— Já voltou?
Demétria estava próxima do armário.
— É, eu fui ao celeiro – falei e por um momento vi o olhar assustado em
minha direção. — Tinha uma poça de sangue no chão.
— Não se preocupe – disse enquanto me olhava. — Foi do potro que
nasceu, o parto foi complicado.
Um pouco confusa me aproximei da mesa, Demétria me sorria, mas logo
desviou o olhar.
— O Benício me disse que tinha sido uma sucuri – retruquei e percebi
quando ela parou em frente ao fogão, mas logo me olhou. — Ele disse que os
peões a encontraram lá. Acho que está morta, pela quantidade de sangue que vi
no chão.
— Sim, que cabeça a minha. – Sorriu ao me encarar. — Foi uma sucuri, às
vezes recebemos essas visitas perigosas.
— Eu nunca vi uma, deve ser assustador.
— Muito, então tenha cuidado.
Acenei e sorri, em seguida a observei trabalhar.
Quando deu o horário do almoço, ajudei Demétria a levar as panelas para
fora, aonde tinha uma mesa enorme de madeira. Os peões logo se aproximaram
para comer, após terminar de ajudar naquela parte, voltei para a cozinha onde
Demétria e eu comemos. Benício não estava na fazenda, tinha saído com o peão
e não tinha retornado.
No fim da tarde, já com o céu escurecendo, ele adentrou a cozinha. Seu
olhar foi em minha direção, mas logo andou em direção ao corredor.
— O senhor vai querer jantar?
— Sim – respondeu enquanto passava por ela. — Vou me refrescar, depois
leve o jantar para a sala de jantar. Fernanda e eu comeremos lá.
— Claro senhor. – Sorriu, em seguida me fitou. — Vá, ande! Vá lavar o
corpo e desça rápido.
Nervosa, me levantei e andei até ela.
— A senhora também vai estar lá, não é?
— O convite só foi para você – era nítido o olhar de apreciação em dizer
aquilo. — Use um dos vestidos, ficará tão linda. Não demore, por favor. Vá.
Mesmo querendo negar, fui em direção ao quarto. Assim que entrei nele,
me encostei à porta e respirei fundo. Eu sabia que era apenas um jantar normal,
mas tinha plena noção de que Benício me faria perguntas que eu não estava
disposta a responder. Ao olhar para cama, vi alguns vestidos dobrados. Me
aproximei e peguei um deles, era de renda branca, apesar de estar guardado no
baú – como Demétria me disse – ele estava cheiroso.
Coloquei de volta a cama, e em seguida prendi meus cabelos. Amanhã com
mais calma eu formaria um plano para poder organizar a minha vida, mas por
uns segundos imaginei como seria minha vida se meu pai estivesse vivo, talvez
eu estivesse morando com ele e sendo mais feliz. Afinal, se fui tão indesejada
como ela deu a entender, acho que minha mãe me entregaria ao meu pai. Com
aquele pensamento me encaminhei até o banheiro e sem pressa me lavei. Não
queria jantar com Benício, porque não queria mais mentir, mas não queria fazer
mais uma desfeita com as pessoas que me ajudaram.
Quando finalmente terminei o banho, busquei a toalha e me sequei. No
quarto coloquei o vestido e acarinhei o tecido macio. Após respirar fundo, calcei
meus pés com o par de botas e me encaminhei para a sala de jantar.
Benício estava adentrando a sala quando me viu e parou. Seu olhar
iluminou, como tivesse recordado de algo, mas rapidamente ele pigarreou e se
aproximou de mim. O perfume masculino instantaneamente adentrou meu
olfato.
— Sente-se, por favor – murmurou enquanto puxava a cadeira para mim,
um gesto um tanto cavalheiro.
— Obrigada – agradeci um pouco nervosa, estava preparada para as
perguntas dele. — Noite passada eu dormi, estava muito cansada. Por isso não
apareci, não foi por querer.
— Tudo bem – me respondeu sentando-se à ponta da mesa. — Ontem eu
não estava muito bem, não seria uma boa companhia de qualquer forma. –
Acenei e olhei em direção à cozinha. — Soube que não tem parentes por perto, é
uma jovem professora... o que a trouxe para cá?
Tentando manter a calma, eu concordei levemente com a cabeça.
— Sou professora. – Ao perceber que ele ainda esperava mais de mim,
voltei a falar. — Bom, sempre quis conhecer algumas cidades. Eu estava de
passagem, na verdade, eu errei em ter vindo para cá. Eu confundi as duas pistas,
quando eu desci do ônibus não tinha percebido que ele tinha feito um desvio.
— Você desceu do ônibus no meio da estrada? Tão longe de tudo –
comentou, o olhar era analítico. — Veio com alguém?
— Não.
Benício me encarou, mas logo concordou. Em seguida, Demétria apareceu
na sala de jantar empurrando um carrinho com os dois pratos já preparados.
Após servir o patrão, se dirigiu até mim e depositou o prato em minha frente.
— Senhor, não pude deixar de ouvir. A Fernanda está em busca de
emprego, talvez o senhor pudesse falar com o diretor da escola.
— Não precisa se preocupar com isso – falei rapidamente. — Eu não
quero incomodar o senhor de forma alguma.
— Não é incomodo – retrucou, em seguida cortou um pedaço da carne. —
Quantos anos tem?
— Vinte e três.
— E a sua família? De onde é?
— Da capital – respondi e em seguida coloquei um pouco de carne na
boca. Uma boa desculpa para pensar em uma resposta, ou impedir que ele
continuasse com o assunto.
— Qual capital? – indagou, e pelo tom de voz dele, eu percebi que não
tinha gostado da minha resposta. — Não avisou a sua mãe ou seu pai sobre onde
está. Acho que eles estão preocupados, ou estou enganado?
O olhar dele era intenso, me deixando acanhada e com vontade de ir.
— O meu pai faleceu quando eu era pequena e a minha mãe... – parei
lembrando-me da cena dela ajudando Jorge todo ensanguentado. — Bom, tem a
vida dela com o novo marido.
— Entendo, tem irmãos?
— Não, filha única. – Ao perceber que ele diria mais alguma coisa,
encarei o jantar. — A comida está uma delícia. Demétria deveria ter um
restaurante só dela, faria sucesso.
Benício concordou comigo e voltou a comer, talvez entendendo que eu não
queria mais falar de mim. Já no fim do jantar, Ernesto apareceu na entrada da
sala. As mãos seguravam o chapéu de cowboy preto, o olhar era cauteloso.
— Boa noite, senhor. Aconteceu um imprevisto com – pigarreou um pouco
tenso — um dos cavalos.
Assim que terminou de falar, me encarou, mas logo voltou a atenção para
o patrão.
Sem entender, olhei Benício que já se levantava com uma expressão
furiosa.
— Boa noite, Fernanda, obrigado por jantar comigo. Foi bem esclarecedor.
Então rapidamente ele saiu com Ernesto em seu encalço. Ainda sem
compreender, mas um pouco curiosa, me levantei e fui em direção a uma das
janelas. Benício caminhava pela estradinha de pedra, enquanto arregaçava as
mangas da camisa social preta. Encostei-me mais um pouco no vidro e vi que a
luz do celeiro estava acesa.
— O que está fazendo?
No susto me virei para dona da voz e vi Demétria se aproximar com um
olhar de repreensão.
— Nada, eu só...
— Estava espiando o patrão?! – indagou um pouco nervosa. — Vamos saia
daí.
Mesmo sem entender me afastei da janela, Demétria balançava a cabeça
em negação. Aquilo me deixou desconfiada.
— Eu não estava espiando, foi curiosidade.
Demétria suspirou e se aproximou pegando em minhas mãos.
— Me desculpe, não quero te assustar. Eu... – parou ao perceber meu olhar
confuso. — Vamos esquecer isso. – Sorriu e me tocou na bochecha. — Você
ficou tão linda com esse vestido. Muito linda. Ele falou alguma coisa?
Ainda tentando entender o comportamento dela de segundos atrás,
balancei a cabeça.
— Não disse nada – murmurei recebendo um aceno. — Eu vou ajudar a
senhora com os pratos.
— Não precisa, vá descansar – mandou me empurrando em direção ao
corredor. — Eu demoro para pegar no sono, sou acostumada. Tenha uma boa
noite, menina.
— Tudo bem. – Sorri minimamente, querendo mesmo me afastar. — O
jantar estava uma delícia. – Demétria me sorriu ainda parada. — Boa noite.
Me virei e andei até o corredor, mas uma última vez voltei meu olhar para
Demétria. Ela me encarava, parecia tensa, no entanto, me sorriu e acenou.
Devolvi o aceno e em alerta me encaminhei para o quarto. Ao adentrá-lo fechei a
porta, e antes que pudesse me afastar a tranquei com a chave.
Eu não sabia explicar o motivo, mas aquilo tinha sido um pouco
assustador. De braços cruzados, parei no meio do quarto e o observei
atentamente. Não sei bem o que eu procurava, mas tudo estava exatamente igual,
nada parecia fora do lugar. Andei até a janela, e olhei em direção ao celeiro no
momento em que um dos peões fechavam a grande porta de madeira. Com o
cenho franzido, me afastei e fui em direção à cama. Me sentei na beirada e
retirei o par de botas.
Talvez eu estivesse imaginando coisas onde não existia. Pois, por um
momento, senti que aceitar ficar ali tinha sido um erro.
Isobelle

Ainda meio sonolenta, olhei para a janela e vi a luz da lua invadir o


quarto. O silêncio era absoluto, quase relaxante, se não soasse tão calmamente
assustador. Na tentativa de voltar a dormir, me aconcheguei mais no lençol
quentinho e antes que pudesse fechar os olhos, vi pela fresta no chão da porta
quando alguém parou em frente a ela e girou a maçaneta. Já desperta, me sentei
na cama e fiquei olhando a maçaneta ser girada mais uma vez. Lentamente e com
o olhar vidrado na porta, me belisquei – talvez eu estivesse dormindo –, mas
para meu completo horror não estava.
E naquele exato ouvi quando uma chave foi colocada e a maçaneta girada.
Rapidamente me deitei e fingi dormir. Meu coração parecia que a qualquer
momento explodiria, eu queria abrir meus olhos e saber quem estava ali me
olhando dormir. No entanto, por dentro, estava cheia de medo. Me mexi para o
lado e respirei fundo, fingindo que ainda dormia.
— Por que você trancou a porta?
Ouvi quando Demétria indagou.
Não parecia ser uma pergunta direcionada a mim, pois hipoteticamente eu
estava dormindo, mas sim um questionamento em voz alta. Controlando a
vontade de abrir os olhos, ouvi perfeitamente quando ela andou e segundos
depois senti o lado do colchão afundar. Os minutos se passaram, e finalmente
Demétria se afastou. Quando a porta foi fechada, abri os olhos e vi que estava
sozinha no quarto.
A chave que trancava por dentro não estava mais na porta.
— Que merda foi essa?!
Assustada com aquela situação, me sentei na cama e olhei em direção a
porta. Vários questionamentos rondavam minha mente, e o que mais me deixava
inquieta era: por que Demétria entrou no quarto só para me ver? Noite passada
estava morta de cansada, então meu sono foi pesado. Teria Demétria entrado no
quarto mais uma vez sem o meu consentimento? E se sim, por quê?
Eu não conseguia compreender.
E de repente, eu só queria ir para bem longe. Então assim que sai da cama,
peguei uma calça jeans e a vesti. Tentaria ligar novamente para Michele,
avisaria onde estava e talvez, ela pudesse me dizer se a polícia estava atrás de
mim. Pois, até aquele momento, não sabia o que tinha acontecido. Assim que
terminei de calçar os pés, me levantei e andei até a sala de estar.
O corredor mal iluminado parecia cena de filme de terror, e ao julgar o
estado em que me encontrava – por culpa de Demétria – me sentia exatamente
em fuga do meu carrasco. Ao chegar finalmente na sala, vi que a iluminação da
lua invadia o cômodo. Meus olhos percorreram o local, e um pouco confusa me
questionei se estava na sala certa.
O telefone que antes descansava em cima de um móvel próximo à parede
não estava mais lá. Pronta para voltar para o quarto, ouvi quando um barulho de
um automóvel chegou em meus ouvidos. Mesmo algo dentro de mim quase
gritando para eu voltar a dormir, andei até uma janela. Era a mesma caminhonete
que Ernesto usou quando me trouxe, mas havia algo na parte de trás. Um grande
saco marrom, igual ao que eu tinha visto sendo retirado do celeiro.
Ernesto logo saiu do lugar do motorista, e com a ajuda de mais dois peões,
desceu o saco. De onde estava consegui ouvir um grunhido abafado, e o que quer
que fosse dentro do saco se mexer. Antes que eu fosse pega ali, andei de volta
para o quarto.
De braços cruzados, parei no meio do quarto e observei ao redor.
Cautelosa, andei até a janela, e escondida pela cortina, encarei o celeiro.
A luz estava acesa, e em pé – como se protegesse a entrada – estava um peão
com uma espingarda.
Mesmo com o coração cheio de medo, respirei fundo e me afastei da
janela.
Sair agora como se estivesse fugindo, talvez levantasse alguma suspeita
ao qual eu não queria passar. Então, com aquilo em mente, peguei minha
mochila e verifiquei se tudo estava ali dentro. Ao constatar que sim, me sentei
na cama e pacientemente esperei que amanhecesse logo.
Pela manhã saí do quarto com a mochila nas costas, e após respirar fundo
me dirigi a cozinha. Tinha acordado de botas, no meio da cama. Não me
lembrava quando o sono tinha me vencido, mas acordei já sabendo que precisava
ir.
Ao adentrar a cozinha, vi Demétria fatiando alguns legumes. Ela assim
que me viu sorriu, mas ao perceber a mochila, franziu o cenho.
— Para onde pensa que vai, mocinha?
— Bom dia. – Tentei sorrir, mas me sentia tensa. — Bom, eu pensei
melhor e acho que vou voltar para casa.
Disse a primeira coisa que pensei, e talvez aquele foi o meu tiro no pé.
Pois, Demétria me encarou sem compreender enquanto se aproximava de mim.
— Como assim? Até ontem você estava fugindo da sua mãe. Toda
amedrontada, e agora você quer ir?
Por uns segundos fiquei em silêncio, mas logo desviei o olhar e tentei soar
mais convincente.
— É, eu estava um pouco confusa. Agi por impulso, eu deveria ter
pensado melhor. Bom, obrigada pela comida e pelo abrigo.
— Eu não posso deixar que saia assim – murmurou enquanto retirava a
mochila das minhas costas. — Não tem nem cabimento, mal se levantou, não
comeu. Até parece que está fugindo mais uma vez.
No instante em que falou aquilo, me olhou de forma questionadora. Um
pouco tensa, não consegui encará-la por muito tempo. Era como se ela
conseguisse notar a mentira em meus olhos, como se soubesse que eu estava
tentando fugir por algum motivo.
— Sente-se, vou guardar sua mochila.
— Demétria – chamei fazendo-a me encarar. — Eu agradeço a
hospitalidade, mas eu preciso mesmo ir.
O olhar que antes transmitia um carinho e compreensão, tornou-se sério.
— Claro – concordou me endereçando um sorriso forçado —, mas sente-
se, vou pedir para Ernesto lhe levar até a cidade.
— Obrigada.
Peguei a mochila de volta e me sentei a mesa. Assim que chegasse à
cidade, procuraria um lugar para dormir por uns dias. Talvez, como ali era um
lugar pequeno, as hospedagens fossem mais baratas. Olhei o caminho que
Demétria fez, e a observei parar do lado de fora da porta da cozinha. Vi quando
acenou para alguém, e segundos depois Ernesto apareceu parando em frente a
ela.
Os dois falaram rapidamente, e quando Ernesto me encarou, engoli em
seco. Ele concordou e me lançou um olhar que não consegui compreender. Ao
ver que Demétria voltava, esperei que ela dissesse algo. O semblante era de
alguém que não estava contente, e eu realmente não entendia o motivo dela estar
assim.
— O Ernesto está ocupado, e a caminhonete está na oficina. Deu problema
ontem.
— Deu problema? – repeti e recebi um aceno junto a um rápido sorriso. —
Eu posso ir a pé sem problemas.
— Querida – murmurou se aproximando de mim. — Amanhã sem falta ele
te leva. – Ao ver que suspirei, ela continuou: — Por que quer ir embora?
Aconteceu alguma coisa?
Por um momento me vi concordando e dizendo que a tinha visto no quarto.
Que aquela ação dela, somado as cenas que vi na madrugada, me deixou
amedrontada sem saber quem são realmente aquelas pessoas. No entanto, eu
apenas neguei.
— Eu só pensei melhor. Eu saí quase sem roupa e com pouco dinheiro. Só
isso.
Demétria me encarou e balançou a cabeça. Não sei se tinha acreditado, ou
apenas aceitado aquela desculpa. Afinal, nem eu acreditava no que estava
falando.
— Achei que tivesse gostado de mim – falou voltando ao serviço de antes.
— Gostado de ficar aqui, estava tão feliz com sua chegada.
— E-Eu gostei – disse e recebi um aceno. — É que, agora pensando
melhor, eu acho que fiz besteira.
— Ficar aqui seria uma boa oportunidade para você.
Sem saber o que responder, apenas desviei o olhar. Então algo passou por
minha cabeça, e eu não perderia a oportunidade de perguntar.
— Com o que realmente o Benício trabalha?
No mesmo instante, Demétria me encarou confusa, mas logo sorriu.
— Ele é dono de muitas cabeças de gado e outros animais – murmurou
como se fosse óbvio. — Tem vários frigoríficos espalhados pelo mundo, sem
falar nos puros sangues que ele tem, que valem uma fortuna. Ele trabalha disso.
— Entendo – respondi e fiquei em silêncio. Tentava pensar em uma
pergunta que faria ela me responder, mas sem levantar suspeitas. Eu não podia
simplesmente perguntar “O que era aquilo que Ernesto trouxe na madrugada? E
o que estava acontecendo no celeiro?”
— Você parece nervosa. Tem algo que a perturba?
— Não. Eu estou bem. – Após um aceno, ela me deu as costas e foi em
direção ao armário. — Demétria, eu poderia usar o telefone?
— Ele quebrou – falou sem me olhar. — Estava velho.
— Não tem outro?
— Acho que não. – Deu de ombros, e quando voltou a me olhar sorriu
minimamente. — O Sr. Menzzotti usa um celular moderno, então não faz tanta
falta assim. Eu não ligo para ninguém, e quem quer falar com o patrão, ligam
direto para ele.
— Certo. – Concordei enquanto me encostava na cadeira. — É que, no dia
que cheguei, liguei para uma amiga. Não consegui falar com ela, e não sei se ela
retornou à ligação.
Assim que terminei de falar, percebi quando Demétria franziu o cenho
como se tentasse recordar de algo.
— Não retornou, você queria ligar para essa amiga?
— Sim, o meu celular está sem bateria e eu esqueci o carregador. Minha
amiga deve estar preocupada.
O sorriso direcionado a mim, me fez suspirar baixinho. Demétria parecia
não querer muita conversa, totalmente diferente do outro dia. Relanceei o olhar
para a porta da cozinha, e me lembrei da madrugada. O tamanho do saco retirado
da caminhonete era grande, cabia facilmente um animal ou uma pessoa. Então
aquilo me deu um estalo na mente, e minha curiosidade falou mais alto.
— O Ernesto... ele é de confiança, né? Deve trabalhar há muito tempo
aqui na fazenda.
— Sim, e é de confiança – deu de ombros. — Ele é um bom capataz, só
não gosto quando vem fumar na cozinha – falou e me olhou. — Vou à horta
pegar algumas verduras, e você tome café. Tem bolo de milho nessa travessa.
— Está bem, obrigada.
Com a cesta em mãos, Demétria saiu e me deixou sozinha na cozinha.
Rapidamente coloquei a mochila nas costas e saí. Em pé na soleira da porta,
olhei ao redor e achei estranho quando não vi tantos trabalhadores espalhados
como ontem. Após respirar fundo comecei a andar pelo caminho de pedras,
queria saber o que tinha depois do celeiro.
Ao olhar para a estrada de barro, notei uma trilha feita por pneus e sem
pensar duas vezes segui o mesmo caminho. Já próxima do celeiro, vi que haviam
trancado com uma corrente e cadeado.
Assim que a estradinha de pedras acabou, olhei para o lado e vi ao longe
Demétria arrancando algumas cenouras da terra. Me escondi com medo de ser
pega, e quando a fitei de volta percebi que ela tinha se afastado. Então,
aproveitando aquela oportunidade, corri em direção à cerca de madeira. A trilha
saía da fazenda, indo em direção ao meu lado esquerdo. Por um momento pensei
em voltar, mas eu queria saber o que tinha acontecido na madrugada.
E poderia ser loucura minha, mas minha intuição me dizia para seguir
aquele caminho. Tirei a mochila das costas e a joguei pela brecha do meio da
cerca. Em seguida consegui passar sem nenhum problema. O caminho íngreme
me fazia andar com cuidado para não cair, as botas estavam sujas de lama e isso
me fez lembrar do meu tênis. Após uns minutos andando, vi um poço enorme,
coberto de raízes e mato. Próximo a ele tinha uns sacos de cimento ainda
fechados e uma corda amarrada.
Me aproximei lentamente e analisei a borda do poço. Havia muito lodo por
sua extensão, e quando inclinei o corpo em direção ao buraco quase vomitei. Um
forte fedor de podridão saía dali, mas não conseguia ver o motivo do fedor, já
que tinha algumas pedras cobrindo algo. No entanto, enquanto tapava meu nariz,
forcei a vista e vi um pano xadrez manchado de algo.
— Fernanda! – Ao ouvir me chamarem tão perto, me assustei, me
desequilibrando e quase caindo dentro do buraco. Voltei meu olhar para o dono
da voz e vi Benício ao lado de Ernesto que me fulminava com os olhos. — O que
faz aqui?
— N-Nada, só...
— Demétria me disse que ela queria ir hoje pela manhã – Ernesto me
interrompeu. — Tia me disse que ela estava agitada para ir até a cidade. Talvez,
quisesse fugir para encontrar alguém.
O tom utilizado por Ernesto, parecia querer me acusar de algo. Engoli em
seco e voltei minha atenção para Benício, que se aproximava de mim com uma
feição irritada. Automaticamente meu medo multiplicou, e quando meu braço foi
agarrado com agressividade, tentei me soltar.
— Quem mandou você aqui?
— Ninguém! – respondi sentindo o aperto aumentar. — Me solta!
— Desde que você chegou na minha fazenda – murmurou deixando o rosto
próximo do meu. — Só contou mentiras! Me diga agora quem a mandou aqui!
Foi o Alvaréz? Tibério? Me diga!
Juntando todas as minhas forças, consegui me soltar, mas Benício
habilmente agarrou meu braço e o torceu, me fazendo gritar de dor.
— Se não me disser por bem – sussurrou rente ao meu ouvido, ainda
torcendo o meu braço. — Eu vou fazer você falar por mal, me
entendeu? Isobelle.
Assim que meu braço foi solto, me virei com dificuldade e totalmente
assustada. Ernesto me encarava com um sorriso de lado, logo atrás dele a
caminhonete preta se aproximou e do lugar do motorista, saltou um peão.
— Ernesto, termine o serviço aqui. Vou voltar com a Isobelle, temos muito
o que conversar.
Benício mais uma vez agarrou o meu braço e começou a caminhar. Com o
coração aos pulos, tentei me desvencilhar do agarre, mas não consegui. O pânico
que tomava conta de mim naquele momento, me fez chorar e tremer. Quando a
porta do carro foi aberta, Benício me jogou de bruços no banco de trás e buscou
uma corda do banco da frente. Minhas lágrimas caíam quando senti o corpo
pesado em cima do meu, e meus braços serem amarrados.
Enquanto chorava baixinho, Benício colocou minhas pernas para dentro e
fechou a porta com força.
Naquele momento eu me sentia a pessoa mais estúpida do mundo. Pois,
deveria ter ido assim que percebi que algo não estava certo. Eu não tinha mais
voz, apenas um medo enorme do que aconteceria comigo.
Os minutos se passaram e quando a caminhonete parou, vi Benício sair
rapidamente e ir até meu encontro. Foi com grosseria que ele me puxou para
fora, e como se eu fosse um saco de batatas me jogou em seu ombro e caminhou
para dentro de casa.
A passos largos Benício tomou um corredor diferente, e finalmente ao
parar, ouvi quando abriu uma porta e a fechou com o pé. Sem esperar fui jogada
sem cuidado algum, mas ao sentir o colchão macio embaixo de mim respirei
menos tensa. Olhei ao redor e vi que era um quarto, maior ao qual eu estava com
toda certeza, Benício me encarava enquanto arregaçava as mangas da camisa
social azul-escuro.
— Agora vamos começar de novo – disse e puxou uma cadeira para se
sentar. — Quem é você? E quem a mandou para cá?
Com medo, apenas balancei a cabeça e deixei que mais lágrimas caíssem.
Eu não imaginava de quem Benício pudesse estar falando, ou pensando. No
entanto, sabia que ele queria uma resposta que o satisfizesse. Por outro lado,
Benício não gostou do meu silêncio e com uma agressividade genuína avançou
em mim. A grande mão agarrou os meus cabelos e os puxou.
— Bater em você não será um problema – proferiu me encarando
intensamente. — Agora me responda. Quem a mandou para cá?
— P-Por favor! Ninguém me mandou! Eu só errei de estrada, eu queria
voltar para a cidade. Eu n-não sabia que a estrada era caminho da sua fazenda.
Benício me observou, talvez pensando se acreditaria.
— Por que mentiu o seu nome? E por que estava xeretando nas minhas
terras?
— Eu não conheço você – falei uma pequena verdade. — Por que diria
meu nome?
Me soltando, ele respirou fundo e levou as mãos a cintura.
— Você disse para alguém que estava aqui?
Assim que ouvi aquele questionamento, engoli em seco, mas logo tratei de
responder de forma confiante.
— Sim, minha amiga sabe que estou aqui.
Sem eu esperar, ele sorriu e se aproximou de mim. Trêmula de medo, o
observei tocar meu rosto e quando a mão desceu em direção aos meus seios, o
chutei, fazendo-o se desequilibrar. Então, em seguida, senti meu rosto arder e
Benício subir em cima de mim.
— Sabe o que vai acontecer com você? – indagou agarrado ao meu rosto.
— Ficará no meu quarto até que eu me decida o que vou fazer com você. E sobre
sua amiga, não precisa se preocupar, ela ligou e perguntou sobre Isobelle
Monteiro. – Ao ouvir aquilo o olhei surpresa. — Mas a deixei avisada de que
você pediu ajuda para ir até a rodoviária, e só.
— Você não tinha esse direito! – gritei sentindo o medo dar lugar a raiva.
— Quando eu não der notícias, ela vai descobrir que algo está errado e vai
informar a polícia meu último contato: aqui na fazenda, e quando descobrirem as
coisas estranhas que acontecem aqui, você será preso!
O sorriso que Benício tinha se apagou, e a feição furiosa se fez presente.
— Então eu estava certo, afinal. Espero que se acostume com esse lugar,
pois será sua casa por um bom tempo.
E dizendo isso saiu do quarto.
Ao me sentar na cama, ouvi a porta ser trancada e os meus olhos se
encherem de lágrimas. Meus braços estavam dormentes, e minha face dolorida
pelo tapa. Não acreditava que tinha escapado de um problema, para entrar em
outro. Se Benício tinha realmente falado com Michelle, e mentido daquela
forma, tinha grandes chances de ela ter acreditado.

Ainda sonolenta, abri os olhos e vi que ainda estava onde Benício tinha
me deixado. Ali, sozinha, analisei minuciosamente o recinto e vi que além do
grande guarda-roupa, tinha uma porta em frente a cama, que poderia ser do
banheiro. Sentando-me com uma pequena dificuldade, tentei mover os braços.
Eles estavam doloridos demais, e a mochila que ainda estava comigo, fazia um
peso extra.
Ao ouvir que alguém abria a porta, olhei com medo para a entrada. No
entanto, deixando-me surpresa, vi Demétria entrar com uma bandeja.
Calmamente a colocou em cima da escrivaninha e me encarou.
— Por favor, me ajuda!
Antes de falar, Demétria em encarou e suspirou. Não parecia assustada por
me ver naquela situação, o que me deixou sem compreender.
— O que você queria fazer? Por que não ficou na cozinha?
Não acreditando, balancei a cabeça e a observei fechar a porta.
— Eu não queria fazer nada! Por favor, me solta!
— Eu não posso fazer isso – me respondeu sentando-se do meu lado. —
Por que mentiu o seu nome? Fiquei profundamente magoada quando soube da
verdade.
Ainda incrédula, a observei respirar fundo e levar a mão aos meus cabelos
na tentativa de fazer um carinho. Repudiando aquele toque, percebi a mágoa e
compreensão ser direcionada a mim.
— Seja sincera com ele – comentou e ficou de pé. — E talvez ele a solte.
Eu acredito que isso tudo possa ser um mal-entendido, mas suas ações trouxe a
desconfiança para o patrão. Isso de ficar xeretando o celeiro, o poço velho, ter
mentido sobre o seu nome.
De súbito tive vontade de retrucar com raiva, aquela situação estava me
levando ao limite. Mas o medo que eu sentia por estar naquele quarto, amarrada
e indefesa, me fez tentar agir de outra forma.
— Eu fui sincera, não quero problemas com ninguém. Só quero recomeçar
em paz.
Demétria sorriu parecendo bem satisfeita com o que eu tinha dito.
— Aqui é um bom lugar para isso. – Afirmou pegando um prato que
parecia ter mingau dentro. — Agora coma, já está quase na hora da janta e fui
encarregada de lhe alimentar. Você não pode sair do quarto.
— Meus braços doem e eu quero fazer xixi. Por favor!
— Não posso soltá-la.
Mesmo com dificuldade segurei a vontade de chorar, e com medo daquela
ser minha última refeição, abri lentamente a boca para a primeira colherada. Ao
me lembrar que na semana passada estava junto aos meus amigos, totalmente
despreocupada e feliz. Permiti que algumas lágrimas escapassem.
— Não chore – pediu secando meu rosto. — Vai perceber que Benício
pode ser um bom homem.
— Ele me bateu e me deixou amarrada. Não quer me deixar ir e não sei o
que pretende me mantendo nesse quarto.
Parecendo envergonhada, Demétria apenas desviou o olhar e continuou me
alimentando.
Alguns minutos se passaram e a porta foi aberta. A primeira coisa que
notei, foi o costumeiro chicote na mão de Benício. Meu corpo automaticamente
se tensionou, e acompanhei o caminhado dele, que só parou ao ficar em frente a
cama.
— Ela já está alimentada, Demétria. Pode ir e não quero ser incomodado.
Com o olhar suplicante, balancei a cabeça e a vi sair rapidamente do
quarto. Voltei a encarar Benício que me analisava enquanto apertava o chicote.
— Você disse que errou o caminho, que, na verdade, queria voltar para a
cidade. Mas o que você fazia na estrada a pé?
— E-Estava voltando para a cidade.
O sorriso de escárnio veio assim que terminei de falar.
— Parece que você não quer colaborar – murmurou dando a volta na cama
—, mas eu gosto de amansar uma égua desobediente. Até prefiro.
Assim que ele parou bem próximo de mim, encostou o chicote na minha
bochecha no lugar que tinha me batido e sorriu.
— Estou curioso para saber quem de fato a enviou para cá – comentou sem
tirar os olhos do meu rosto —, mas caso esteja mesmo falando a verdade sobre
errar o caminho, não vai adiantar de nada. Você viu demais, tem a língua solta e
afiada. Não gosto disso.
— Então vai me manter presa aqui? – quis saber sentindo os dedos dele
me tocar o queixo. — Eu exijo que me deixe ir! Você não tem o direito de me
privar a liberdade.
— Não, não tenho. Mas, você está na minha fazenda e pelo que me
lembro, eu mando em todos aqui. Incluindo você.
— Desgraçado! Você é um maldito desgraçado!
No instante em que recebi outro tapa, senti um gosto estranho na boca. E
ao notar o sangue em meu lábio, procurei o rosto de Benício. Ele parecia não
ligar para o que estava fazendo comigo, então, naquele momento, permiti que
minha raiva tomasse conta de mim. Eu não tinha escapado de Jorge, para que
Benício pudesse fazer o que quiser comigo. Em meu excesso de fúria, o chutei
com todas as minhas forças e por um momento ele ficou surpreso. Mas em
seguida me colocou de bruços e se deitou por cima de mim.
— Você é uma égua chucra – sussurrou em meu ouvido —, mas eu vou
adorar amansá-la. – Ao dizer aquilo pressionou o corpo pesado no meu. —
Cheirosa.
Apavorada, era como me sentia. Benício me cheirava e deixava que curtos
beijos passeassem por meu pescoço.
— Por favor, não! Por favor!
— Por favor, não o quê? – Ele riu enquanto juntava meus cabelos para o
lado, expondo meu pescoço por completo. — Não estou fazendo nada que você
não queira, ou estou errado?
— E-Eu não me sinto bem – disse sentindo o corpo dele diminuir a
pressão no meu. — Eu vou vomitar.
Com um suspiro exasperado, ele se afastou e começou a soltar as minhas
mãos. Ao ter meus braços livres, respirei mais aliviada, sentindo a dormência
aos poucos irem sumindo.
— Não quero que vomite na cama. Vá se banhar, irei esperar aqui. Não
tente fugir, você não tem chances.
Me afastei da cama e quase cai por me sentir um pouco tonta. Já de pé, o
encarei com raiva e o vi sorrir. Rapidamente corri para o banheiro, ali sozinha
eu pensaria como faria para fugir daquele lugar. Dentro do banheiro tranquei a
porta e me sentei na privada, com as mãos trêmulas, peguei a mochila e a abri.
Procurei meus documentos e fiquei aliviada ao encontrá-los.
Olhei ao redor e não notei nada que pudesse usar em minha defesa. Não
deixaria que Benício encostasse em mim, não sem lutar com todas as minhas
forças. Então, após respirar fundo, fui até o chuveiro e o liguei. Em seguida fui
a pia e procurei alguma coisa dentro das gavetas. Tentava fazer o mínimo de
barulho para que não pudesse chamar a atenção de Benício.
Foi então que fitei o lixeiro e mesmo com nojo, me abaixei e joguei todo o
conteúdo no chão. Em meio aos papéis vi uma lâmina pequena, mas que já me
ajudaria. Antes que eu pudesse me levantar, Benício bateu com força na porta.
— Saia logo daí! – Vociferou me fazendo pular de susto. — Não vai
querer que eu coloque essa porta abaixo!
Me recompus e tentei manter a respiração normal, não queria demonstrar
que estava com medo. Enquanto segurava a lâmina entre os dedos, com a outra
mão a molhei e passei no cabelo. Ao tomar mais uma respiração, abri a porta e o
vi em pé em frente a porta. Em movimento, Benício puxou minha mochila e a
jogou no chão próximo da cama. Apertava a lâmina entre os meus dedos, com
medo de perdê-la.
— Tomou banho ou só molhou os cabelos? – questionou e me encarou
atentamente. — Você é muito bonita, Isobelle. E acho que sabe disso, e tenta
usar isso ao seu favor.
— Não sei do que está falando – respondi. Benício logo me puxou para
junto do corpo dele e por um momento deixei, até que eu pudesse agir. — Eu não
fiz nada.
Os dedos traçaram o contorno do meu rosto, e mesmo querendo afastá-lo,
deixei que continuasse.
— Eu percebi que tentou me seduzir. Usando aquele vestido que não é seu,
como me olhava... eu sou um homem vivido, eu sei entender bem o seu
joguinho.
O aperto em minha cintura aumentou, e amedrontada vi o rosto de Benício
bem próximo do meu. Conseguia sentir o hálito de álcool sair dos lábios dele,
me trazendo ânsia. Agi rapidamente, segurei a lâmina firmemente e avancei no
pescoço a minha frente.
No susto, Benício me afastou e levou a mão ao pequeno corte. Ao ver o
sangue nos dedos, o rosto se contorceu em uma careta. E como um animal, me
atingiu com um tapa que me fez cair desorientada. Meu rosto doía, e quando
senti um chute em minhas costelas foi como se o ar estivesse se esvaindo de
mim completamente. Ao sentir mais um chute, me curvei de dor.
— Vagabunda! Vai se arrepender por ser desobediente.
E dizendo isso me puxou pelos cabelos, sob meus protestos e gritos. Sem
delicadeza nenhuma, voltou a me jogar na cama. Só que dessa vez ficando entre
minhas pernas, me deixando sentir sua ereção contida pela calça jeans. As mãos
puxaram o tecido da minha blusa e sutiã, rasgando-os como se fossem nada.
Com apenas uma mão, ele agarrou meus braços para o lado e com a outra
puxou o cós do meu jeans para baixo. Não sei como consegui me soltar, mas
assim que pude, ergui o braço com a lâmina em direção ao rosto dele. O sangue
respingou em mim, e Benício caiu para o lado com a mão ensanguentada no olho
esquerdo. Em câmera lenta, o observei se curvar enquanto gritava. Então me
senti como no dia em que esfaqueei Jorge.
Sai da cama rapidamente e busquei minha mochila. A porta do quarto se
abriu e Demétria parou horrorizada olhando Benício, que ainda se contorcia na
cama.
— O que você fez? – gritou e avançou em mim.
Utilizando uma força que eu mal sabia ter, a empurrei, fazendo-a se
desequilibrar e cair perto da cama.
Então, em disparada, corri em direção a uma das janelas da sala de
descanso. Aquela era minha oportunidade e não deixaria escapar.
Isobelle

Enquanto corria sentia o vento frio ricochetear em minha pele. Eu mal


sabia para onde estava correndo, mas tinha certeza de que estava longe o
bastante da fazenda. Agarrava a frente da minha blusa com força, meu
pensamento me traía me levando há momentos atrás em que eu estava no quarto
de Benício. Ao sentir uma dor fina na costela, finalmente parei e me apoiei em
uma árvore. Estranhamente, enquanto corria para longe, não vi Ernesto, nem
mesmo outro peão. O que me leva a crer que eles não estavam ali, talvez no
poço?
Enfim, eu não queria mais saber de Ernesto, Demétria, nem se quer
Benício. Mas eu sentia lá, no fundo, que ele viria atrás de mim. Olhei ao redor e
não vi ninguém, apenas um pasto enorme. Sentando-me escondida atrás da
árvore, abri minha mochila e procurei outra blusa. Ao vestir a nova por cima da
que eu estava, senti uma dor absurda quando levantei um braço.
Me coloquei de pé, com um pouco de dificuldade e dessa vez andei. Agora
que a adrenalina tinha deixado meu corpo, eu conseguia sentir as dores dos
chutes e tapas. Continuei andando, até ver um cercado feito de arames farpados.
Parei um momento e tentei enxergar além dali, mas só conseguia ver um imenso
pasto vazio. Com medo de ser pega na pista, joguei a mochila por cima do
cercado e com cuidado passei entre os arames.
Logo em frente consegui perceber uma casa e mais afastada, do outro
lado, um celeiro. Muito diferente do enorme que tinha na fazenda. Ao me
aproximar sorrateiramente, vi que as luzes da casa estavam apagadas. Na
varanda, tinha uma cadeira de balanço e no chão alguns troncos cortados. Olhei
o celeiro e me encaminhei até ele. Lentamente puxei a porta e ela se abriu.
Espiei por dentro e vi alguns sacos de rações e fenos. Parecia seguro, e mesmo
tendo vontade de voltar para a minha fuga. Sentia meu corpo todo dolorido.
— Antes do amanhecer eu vou embora – murmurei tentando acreditar no
que dizia. — Eu só preciso de uma boa noite de sono.
Entrando de vez no celeiro, fechei a porta e me encaminhei para os
fundos. Olhava a tudo atentamente, não queria surpresas como de alguma cobra
ou outro bicho. Com extremo cansaço me sentei entre algumas palhas que tinham
no chão e suspirei de dor. Joguei a mochila do meu lado, para ser meu
travesseiro e notei um caixote tampado.
Curiosa, puxei o pano que o cobria e sorri ao ver algumas bananas. Sem
pensar, peguei duas e comecei a comer uma, em seguida a outra. Após um
suspiro me deitei e fechei os olhos que pareciam pesados demais.

Ao rolar para o lado choraminguei assim que senti a dor na minha costela.
No entanto, mesmo com aquela dor, me abracei e me encolhi. Conseguia notar o
vento frio, mas diferente um pouco do frio da noite.
— Não, Brutus – ao ouvir aquela voz infantil, abri meus olhos
rapidamente e me sentei ignorando a dor. Uma menina loirinha me encarava com
os olhinhos arregalados, mas o que me assustou mesmo foi o grande cachorro ao
lado dela. — Ele não vai te morder não, viu?
O sorriso tão lindo e inocente sendo direcionado para mim, me deixou sem
reação. Porém, antes que eu pudesse pensar em falar algo. Ouvi outra criança
gritando “ela está aqui tio”, e um menino – que lembrava a menina – apontar em
minha direção. Totalmente assustada, vi o tal tio parar ao lado das crianças e me
encarar com o cenho franzido. Usava uma camisa azul xadrez, calça jeans e
botas meladas de lama. Os cabelos loiros estavam desarrumados, como se ele
tivesse passado as mãos várias vezes nele. Os braços descobertos, me dava uma
visão dos músculos e algumas veias salientes. Ele parecia no mínimo ter uns
1,90 de altura.
— Quem é você? – perguntou com a voz grossa, e quando me viu puxar a
mochila agiu rapidamente e me segurou me levantando como se eu fosse um
pedaço de papel. — Ow, calminha aí.
— Me solta! – exigi, e com medo de que ele fizesse algo o estapeei no
rosto fazendo-o me xingar. — Me solta! – mandei novamente, e sem que eu
conseguisse me conter, comecei a chorar.
— Mattias, meu filho! O que está fazendo? Largue a mulher.
Abraçada a minha mochila, me afastei do tal Mattias e continuei o
encarando até sentir minhas costas baterem na madeira. Sendo empurrado para o
lado, vi quando ele resmungou e passou a mão no rosto. A mulher de meia-idade
me olhou assustada, e se aproximou lentamente.
— Por favor! Não me machuca.
— Oh, meu Deus. Não, ninguém vai te machucar. – Assim que disse
aquilo, se voltou para o homem ao lado e o estapeou no braço. — Você a
assustou!
— Ela ia pegar alguma coisa na mochila – retrucou com a expressão
zangada, mas ao receber outro tapa abaixou a cabeça. — Para de me bater.
— Bato sim! Foi assim que criei você? Para assustar mulheres?
— O tio ainda apanha da vovó – o menino riu fazendo a outra menina
também rir. — Vovó coloca ele de castigo também, que nem a mamãe faz com a
gente. Né Maria?
— É vovó, sem tomar suco de morango. Só depois de pedir desculpa.
Por um breve segundo me deixei sorrir, mas logo voltei a atenção para
Mattias que me encarava de braços cruzados.
— Você não está bem – a avó murmurou se aproximando lentamente de
mim. — Você está um caos. Venha, vamos até a casa. Você vai poder ligar para
polícia se quiser.
— Não, a polícia não. Eu só p-preciso ir.
— Tudo bem – anuiu e me tocou na bochecha. Ao sentir aquele carinho
senti mais lágrimas caírem. Aquela senhorinha parecia ser tão boa, mas Demétria
também era assim e no fim mostrou ser horrível. — Não quer limpar esse rosto?
Tirar esse sangue, essa sujeira.
Olhei as crianças que me observavam agora curiosas, eu deveria estar
assustadora. Encarei Mattias e ele parecia preocupado, talvez com a mãe tão
próxima de mim.
— Não quero incomodar, e-eu só preciso ir.
— É bem capaz de você assustar outras pessoas – riu e me fitou, eu
poderia estar louca, mas era como se eu conseguisse ver a bondade genuína em
seus olhos. — Venha, não tenha medo. Ninguém vai te machucar aqui. Me chamo
Maria Rosalinda Ferreira, esses são os meus netos João Pedro e Maria Alice.
Esse paspalho que te assustou se chama Mattias.
— Me chamo Isobelle – respondi e fiquei assustada quando falei meu
nome verdadeiro.
— Seu nome é lindo – Elogiou e passou um braço em minha cintura, mas
logo me esquivei gemendo de dor. — Me perdoe, te machuquei?
— Minhas costelas doem.
Rosalinda confirmou como se pudesse compreender e me guiou para fora.
Olhei para trás e vi Mattias pegando João Pedro e o colocando nos braços de
cabeça para baixo. As risadas nos seguiram até que saímos do celeiro, e do lado
de fora, vi alguns peões se afastarem pela estrada de terra e outros me encararem
com curiosidade.
— Está segura aqui, Isobelle – falou enquanto me afagava o braço. —
Moramos apenas eu e meu filho Mattias. Tenho mais dois que são casados,
Matheus e Marcos. Os dois pequenos são filhos do Marcos.
— Eles são lindos.
O sorriso que Rosalinda me direcionou, me fez retribuir.
— Eles são os meus tesouros, foi com muita felicidade que descobri que
seria avó. Na verdade, meu filho e nora não sabiam da gravidez. – Sorriu
subindo as escadinhas que dava acesso à varanda. — Mas eu sou bem sagaz,
descobri rápido.
Ao abrir a porta, observei a sala com dois sofás e uma tv. Ao lado vi uma
pequena parede que dividia a sala da cozinha. Andamos por um corredor, e ao
pararmos em uma porta vi que era o banheiro.
— Pode se limpar e não tenha medo. Ninguém vai te machucar, se precisar
ir até a cidade o Mattias vai te levar.
Sem conseguir formular uma boa resposta, apenas concordei e entrei no
banheiro. Ao me olhar no espelho, vi alguns respingos de sangue pelo meu rosto
e sujeira do chão do celeiro. Meu rosto estava com alguns hematomas pelos
tapas. Em meus cabelos, removi algumas palhas que estavam agarradas. Eu
parecia um zumbi.
Abri a torneira e enchi as mãos com água. Lavei meu rosto, pescoço e
braços. Queria poder tomar um banho, mas não iria me demorar assim. Antes de
sair, levantei as blusas e notei os hematomas das botas em meu corpo. Levei os
dedos ao local e apertei, doeu um pouco, mas não parecia que tinha quebrado
nada.
Um pouco melhor pela minha aparência não estar tão assustadora, saí do
banheiro. Enquanto andava conseguia ouvir as vozes infantis perguntando quem
eu era, e se poderiam comer mais do bolo. Ao chegar na sala vi Mattias parado
na porta, me analisava sem falar nada. Com medo dele, e me sentindo péssima
por isso, fui até a cozinha. Rosalinda tinha um prato com comida em mãos,
minha barriga logo roncou.
— Tome, coma antes que vá – falou colocando na mesa. — Já que você
tem intenção de ir, vou preparar algumas marmitas para você levar.
— Obrigada.
Eu não queria mais chorar, mas ver aquele cuidado, como se fosse uma
mãe para com o filho. Me deixou abalada, e o que me restou foi chorar.
— Titia, não chora não – Maria Alice falou enquanto abraçava as minhas
pernas. — Vovó, eu acho que ela quer o bolo também. Quando eu tô chorando
assim a mamãe dá bolo. Né João?
Em meio as lágrimas encarei João que estava sentado à mesa, os olhos não
saíam do bolo coberto.
— E dá suco também.
Não consegui evitar o riso.
— A corda e a caçamba – Rosalinda murmurou rindo comigo. — Vamos
sente-se, quando você terminar vamos conversar um pouco. Tudo bem?
Meu olhar automaticamente seguiu para a sala, onde Mattias estava. Ao
perceber meu medo, Rosalinda me segurou a mão.
— Meu filho não vai te machucar – Garantiu com sinceridade. — Mattias
você já pode ir, está tudo bem.
Olhei novamente para ele e o vi bufar e pegar um chapéu de cowboy que
estava pendurado atrás da porta. Com a saída dele, me senti mais a vontade e me
sentei pronta para comer.
— A senhora não vai comer também?
— Eu já comi – respondeu ao mesmo tempo que separava algumas fatias
de bolo. — Comemos cedo, já são quase 13h. Eles chegaram com o nascer do
sol, Marcos foi para a plantação e a Alessandra foi a cidade.
— É a mãe deles?
— Sim. – Concordou e me encarou com preocupação. — Tem certeza de
que não quer chamar a polícia? Você parece que foi assaltada, ou... – No meio da
frase ela parou e fitou os netos. Os pequenos estavam entretidos no bolo. — Vão
comer na sala, podem ligar a TV, mas não em desenhos feios. – Quando ficamos
sozinhas, voltou a me olhar. — Alguém machucou você?
Meus olhos se encheram de lágrimas novamente, e eu acenei.
— Certo. Foi alguém da cidade? Algum pretendente?
— Eu não sei se posso dizer – murmurei sincera. — Eu também o
machuquei, eu não sei quando ele vai me achar. – Dei de ombros me sentindo
cansada. — Eu não sei se quando eu voltar para a cidade ele vai estar lá me
esperando. Eu não sei.
— Tudo bem – proferiu com carinho. — Não precisa falar agora. Se você
quiser um lugar para dormir, podemos nos arrumar aqui. A casa não é grande,
mas é bem aconchegante. – Ao perceber meu olhar incerto continuou: — Meu
filho vai te respeitar, ele não é um cafajeste. Criei meus três meninos sozinha
depois que meu marido morreu, criei e ensinei os três a respeitar as mulheres.
Nunca tive problemas em relação a isso. O Marcos se casou com a primeira
namorada, e o Matheus casou tem uns meses. Se bem que o Marcos tinha um
bocado de assanhadas atrás dele, todo mulherengo. Mas não agressivo.
— Ele é o mais velho?
— É. – Sorriu sentando-se ao meu lado. — Matheus é o meu caçula.
Minha gravidez dele foi diferente dos outros, fiquei adoentada. Tempos difíceis,
tinha a roça toda para ajeitar, mas quase não conseguia parar em pé. Marcos e
Mattias me ajudaram muito. Trabalham desde pequenos, mas eu disse que eles
precisavam estudar.
— E eles estudaram? – quis saber me sentindo mais a vontade e curiosa
para saber mais sobre eles.
— O Marcos e o Matheus só estudaram em colégio, mas o Mattias sempre
gostou dos animais, então estudou para ser médico deles.
— Medicina veterinária? – indaguei e recebi um sorriso enorme. Um
sorriso orgulhoso. — É uma profissão tão linda.
— É, meu menino trabalha em algumas fazendas vizinhas. Na do
Forasteiro, Albuquerque e...
— Menzzotti? – arrisquei por curiosidade, mas logo vi o olhar dela mudar.
— Jamais! Aquele maldito! Tal pai, tal filho. O velho Menzzotti não
prestava nada, o filho piorou. Família de gente ruim, que não se importam de
pisar em outras pessoas para conseguir o que quer.
Ao ouvir aquilo senti meu sangue gelar, e por uns instantes encarei o
prato. Eu precisava mesmo ir, na intenção de falar aquilo parei ao ouvir gritos e
barulhos de cavalos se aproximando. Assustada, vi Rosalinda me pedir para ficar
ali e ir em direção à entrada da casa. Me levantei lentamente e observei o lado
de fora. Então foi quando vi Ernesto se aproximando em galopadas rápidas.
No mesmo instante me escondi ao lado do sofá.
Olhei pela cortina e vi outros peões com ele. Eu tinha que fugir, mas
minhas pernas não me obedeciam.
— Boa tarde, Sra. Ferreira.
— Tarde – ouvi Rosalinda responder, de onde eu estava podia ver que ela
estava com os braços cruzados. — Posso saber o que perderam nas minhas
terras?
— Estamos atrás de uma moça, ela está fugida das terras do patrão –
Ernesto falou em voz alta. — Parece que ela surrupiou algumas coisas da
fazenda. Estamos atrás dela.
Por um momento não ouvi a resposta de Rosalinda e isso me assustou.
— É melhor vocês saírem das minhas terras.
Não consegui ver a expressão no rosto de Ernesto, mas podia jurar que ele
não tinha gostado da resposta. Estava morrendo de medo deles invadirem a casa
e me arrastarem de volta para a fazenda. Então vi Mattias se aproximando com
Brutus ao lado e outros peões. O cachorro ao se aproximar dos cavalos começou
a latir ferozmente, nem parecia o mesmo dócil que estava no celeiro ao lado da
pequena Maria Alice.
— Tudo bem, mãe? – questionou ficando ao lado dela. Meu coração logo
se acalmou, pois eu sabia que Mattias não deixaria Ernesto avançar. Afinal,
Mattias protegeria a mãe e os sobrinhos.
— Eles estão procurando não sei quem e decidiram invadir nossas terras.
— É melhor irem – mandou com a voz imponente. — Quem quer que seja
não está aqui.
— Acho que meu patrão gostaria que olhássemos por aí – Ernesto
retrucou. — Se não se importarem...
— Nos importamos sim – Mattias o interrompeu. — Não vamos nas terras
daquele maldito, por que acha que deixaria vocês entrarem aqui? Da próxima
vez que aparecerem sem serem convidados, serão recebidos de outra forma.
— Está nos ameaçando?
Meu coração no mesmo instante errou uma batida, e eu tive mais medo
daquilo tudo se transformar em algo maior. Eu precisava ir, mas minhas pernas
não me obedeciam.
— Não fui claro?
— Mattias! – Rosalinda o agarrou pelo braço. — Vão logo embora, e por
favor, não voltem.
Ao ver que os peões e Ernesto davam meia volta, respirei aliviada e deixei
que meu corpo desabasse no chão. Eu estava oficialmente em sérios apuros! Eu
não sabia se a polícia estava atrás de mim, então não tinha como ir pedir ajuda a
eles. Não tinha ninguém em que eu pudesse confiar, que pudesse me ajudar a
ficar em segurança.
Como um furacão, Rosalinda adentrou a residência e andou até a cozinha.
Mas ao me ver junta a parede, chorando, correu até mim e se abaixou, ficando na
mesma altura.
— É do Menzzotti que você está fugindo? – questionou, e eu logo acenei.
Mattias parou na sala e me encarou. — Você roubou alguma coisa dele?
— Não. – Neguei recebendo um aceno. — Eu estava fugindo e acabei
parando na fazenda dele – contei tendo a atenção de todos em mim. — Eu vi... –
Parei sem saber exatamente o que dizer. Afinal, eu não tinha visto nada, apenas
suspeitas de que algo grave acontecia por lá. — Eu passei dois dias lá, e quando
eu quis ir, ele não deixou.
— Foi ele que te machucou? – a voz de Mattias soou grave, me fazendo
engolir em seco. O modo como ele me olhava, me deixava com um frio na
barriga e envergonhada.
— Foi – respondi e voltei a olhar a matriarca. O olhar dela era
compreensível. — Ele me deixou trancada no quarto dele.
Sussurrei essa última frase, não queria que as crianças ouvissem.
— Aquele filhote de coisa ruim! – Rosalinda esbravejou e me segurou as
mãos. — Venha, você precisa de um banho. Se está muito machucada, precisa de
remédios.
— E-Eu não posso ficar – murmurei me sentindo amedrontada. — A
senhora disse que ele não se importava em pisar nas pessoas para conseguir o
que quer.
— Mas você precisa de ajuda – falou como se fosse óbvio. — Se Ernesto e
os outros vieram até aqui a sua procura, pode ter certeza de que na cidade os
peões dele também estão.
Cansada demais, fechei os olhos e me permiti chorar. Ultimamente era o
que eu mais fazia, e não gostava de me mostrar tão fraca assim.
— Eu sinto muito, querida. Mas se quer tanto ir, o Mattias pode te levar
até a rodoviária. Talvez a noitinha, na hora do jantar.
— Obrigada.
— Até lá preparo mais algumas coisas para você levar.
— Muito obrigada!
Rosalinda sorriu e me abraçou. Um abraço tão quentinho, que transmitia
tanta segurança. Eu nunca tinha experimentado tal sensação com um simples
abraço.
Ao me afastar, ela enxugou meu rosto e me puxou para cima.
— Vem, você pode tomar banho e descansar no meu quarto. É bem
simples, mas vai dar para você dormir até a hora de ir.
— Obrigada.
Eu me sentia totalmente agradecida. Quando chegasse na rodoviária, eu
poderia comprar uma passagem para a cidade mais longe que tivesse. E seria
adeus Benício, adeus Jorge e minha mãe. Lá, aonde quer que fosse, eu compraria
um carregador e falaria com Michele. Talvez, para ela, eu poderia confidenciar o
que tinha acontecido na fazenda e minhas suspeitas.
Agarrada a Rosalinda, andei em direção ao outro corredor e observei as
paredes que tinha alguns quadros antigos.
— São parentes da senhora?
Ao seguir meu olhar, ela parou em frente a um quadro e sorriu.
— São os pais da minha mãe – murmurou sorrindo. — Eles estão mortos,
mas viveram até os noventa anos. Pelo menos minha avó sim.
— Ela era tão linda – falei com sinceridade. — A senhora lembra um
pouco a sua avó.
Rosalinda concordou e voltamos a caminhar. Assim que paramos em um
quarto, observei a cama de casal com os lençóis bordados. O grande guarda-
roupa estava na parede oposta, e além dele tinha um espelho na penteadeira.
— Aqui é o meu quarto – disse e me sorriu. — Vou pegar uma toalha
limpa e um sabonete para você. Quando você tomar banho, se você deixar, posso
dar uma olhada nos seus machucados.
— E-Ele só me chutou nas costelas – respondi olhando-a. — Ele
aproveitou quando caí no chão e me chutou.
O olhar que recebi me deixou acanhada, e um pouco sem jeito desviei o
olhar. Mas ao sentir a mão quente sobre a minha, voltei a atenção para
Rosalinda.
— Não precisa se envergonhar. O único que tem que ter vergonha, é
aquele crápula. Foi uma pena você ter topado no caminho dele.
Assim que falou foi até o guarda-roupa, e eu fiquei no meio do quarto.
— Eu não queria ter ido até a fazenda, mas o Ernesto me achou na pista e
disse que o Benício poderia me ajudar. A Demétria também confirmou, então
fiquei na esperança de ser ajudada. No outro dia ela me convidou para ficar lá, e
eu só aceitei.
— Não culpo você, filha. Eles agiram de má-fé. Nem quero imaginar o que
aquele homem fez com você, ele é muito covarde.
Sem querer responder, apenas fiquei em silêncio. Em seguida fui até o
banheiro e tomei um banho por completo. Não demorei muito, pois queria
dormir um pouco antes de ir. Rosalinda, com um bom coração, cuidou dos meus
hematomas no corpo. Era estranho demais, mas eu sentia que ela era diferente de
Demétria e por um momento lamentei por não ter a encontrado primeiro. Quando
me deitei na cama, abraçada a minha mochila, senti meu corpo todo relaxar e
antes de pegar no sono vi Rosalinda fechando as cortinas do lugar.

Antes de acordar, senti uma carícia nos cabelos. Ao abrir meus olhos
lentamente, vi Maria Alice em pé com um pequeno sorriso em minha direção.
Automaticamente retribuí o sorriso e me sentei. Em pé na porta, Rosalinda me
sorria.
— Titia, eu peguei essa flor que tava nas outras flores da vovó.
— É para mim? – perguntei, em seguida recebi um aceno. Carinhosamente
peguei a flor, e me inclinei dando um beijo em sua bochecha. — Ela é tão linda,
muito obrigada.
Envergonhada, a pequena correu até a avó e pediu colo.
— Vamos, Isobelle. Mattias vai te levar até a rodoviária.
Meu estômago na mesma hora começou a doer. Talvez por medo, ou parte
do nervosismo em sair dali. Mesmo sem coragem, me levantei e passei a mão
nos cabelos. Eu queria chorar, mas tinha prometido ali sozinha no quarto, que
não faria mais isso. Demonstrar fraqueza. Eu era uma jovem de 23 anos, que
tinha feito minhas escolhas e precisava lidar com as consequências.
Ao sair do quarto junto a Rosalinda e a pequena, tentei manter a mente
positiva. Se eu conseguisse passar despercebida na cidade, seria um passo para a
fuga perfeita.
Na sala vi Mattias de braços cruzados enquanto assistia o sobrinho brincar
com o cachorro. Quando ele me notou ali, mudou a postura e me encarou dos pés
a cabeça. De perto, ele era ainda mais intimidador. A barba loira adornava boa
parte do rosto dele, e mesmo não querendo, notei detalhadamente os lábios
carnudos.
— Isobelle – Me virei para olhar a matriarca que me olhava preocupada.
— Se você notar que não consegue ir, por favor, pense em voltar para cá. Será
mais que bem-vinda, tudo aqui é simples. Mas o essencial não vai faltar, tudo
bem?
— Obrigada – agradeci sentindo-me tão vulnerável. — Isso tudo que a
senhora está fazendo – engoli em seco. — Eu sinto que agradecer é tão pouco.
— Não pense assim. – Sorriu e pegou uma bolsa de pano. — Tome, aqui
tem algumas frutas, água e comida.
— Obrigada.
Rosalinda me sorriu, logo após voltou-se para o filho.
— Cuide dela no trajeto e não seja mal-educado.
— Tá bom, mãe. Volto logo.
Abraçada a bolsa o observei, pegar o chapéu de cowboy, um casaco e sair
da sala deixando a porta aberta.
— Vá com ele e não fique com medo do meu filho. Mattias é um bom
homem.
Concordei, e tentei sorrir. A passos rápidos saí sem olhar para trás, não
queria perder a coragem e ficar. Mattias já estava acomodado no lugar do
motorista em uma caminhonete prata, me olhava sem falar nada. Não querendo
atrapalhá-lo, corri até o carona e me acomodei. Ao ver Rosalinda parada na
porta me dando adeus, senti meus olhos se encherem de lágrimas e sem me
importar chorei.
Minha mãe tinha razão.
Eu era fraca.
Ainda abraçada a bolsa, observei a janela e repassei meu plano pela
vigésima vez na mente. Mattias dirigia ao meu lado em pleno silêncio, com a
feição séria. Talvez por não querer estar me levando à cidade aquele horário, ou
por toda a situação que eu estava causando.
— Me desculpe pelos tapas – pedi e o olhei. — Eu só estava com medo.
Ele me olhou e balançou a cabeça.
— Tudo bem – respondeu atento a pista. — Eu te assustei, normal sua
reação. – Após alguns segundos voltou a falar. — Aliás, você tem a mão muito
pesada.
— Que bom para mim.
Com a minha resposta ele me olhou com o cenho franzido, mas em seguida
deixou um sorriso de lado escapar. Muito breve.
Ficamos em silêncio, e eu tentava perceber se estava muito longe da
cidade. No entanto, tudo parecia igual para mim.
— Se você usar a mão fechada assim – Mattias falou enquanto mostrava o
punho fechado. — Pode machucar ainda mais. Um soco no nariz, talvez não dê
para desmaiar, mas te dá tempo para escapar.
Por um breve segundo fiquei sem saber o que dizer, mas logo concordei.
— Acho que posso fazer isso. Obrigada.
Um pouco surpresa encarei Mattias, mas desviei assim que ele me olhou
de volta. O comichão em minha barriga novamente se fez presente e eu
imediatamente exigi que aquilo sumisse. Me sentia uma adolescente
envergonhada na presença do popular, e aquilo não era hora de ter aquelas
sensações. Pelo canto de olho percebi a forma largada que Mattias dirigia, com
apenas uma mão no volante e a outra tamborilando na parte de cima do lado fora
do carro.
Ele era realmente um homem bonito. E pensar nisso, me fez lembrar das
coisas que a mãe dele me falou.
— Sua mãe me disse que você é médico veterinário.
— Conversaram somente uns minutos e você já sabe sobre minha vida?
Totalmente sem graça, mordi o lábio e balancei a cabeça.
— Não é como se eu tivesse perguntado sobre você.
— Até porque seria estranho demais – retrucou e me olhou —, mas
adiantando: não estou disponível.
Pega de surpresa, o olhei e esperei que ele sorrisse para demonstrar que
aquilo era uma brincadeira. Porém, Mattias me encarou com o ar confuso.
— E o que faz achar que eu quero saber essa informação?
— Não sei – deu de ombros. — Por que falava de mim com a minha mãe?
— Não falávamos de você.
Voltei meu olhar para a janela e notei a fazenda de Benício ao longe. As
luzes estavam acesas, mas só a da mansão. Por um momento quis saber se
Benício estava muito machucado, e ter a noção de que ele estava enfurecido
comigo. Me deixava com as estruturas abaladas.
Quando finalmente vi as cercas que tinha no caminho da cidade, senti
minhas esperanças se renovarem. Até ali tudo tinha dado certo, e eu esperava
conseguir comprar a passagem. As casas apareceram em meu campo de visão,
fazendo meu sorriso aumentar. Havia poucas pessoas na rua, mas contanto que
eu fosse rápida nada daria errado. Agarrada a minha mochila e a bolsa de pano,
esperei que Mattias estacionasse para que eu pudesse sair.
Assim que parou, olhou ao redor, em seguida destravou a porta.
Com uma respiração profunda, olhei a rodoviária. Aquele era meu
momento, e eu precisava ser ágil. Fitei Mattias, e sorri agradecida por ter me
levado até ali. Eu tinha noção de que ele só estava fazendo isso, porque a mãe o
tinha obrigado.
— Muito obrigada.
— Tudo bem.
Acenei, e saí da caminhonete. Ele rapidamente foi embora.
A noite estava tão fria, que me xinguei novamente por esquecer meu
casaco no trabalho. Com a mochila nas costas, e a bolsa de pano em mãos. Me
encaminhei para dentro da rodoviária. Ao ver tantas pessoas ali, me senti mais
aliviada. Pois, sabia que seria mais complicado me achar no meio da multidão.
Assim que vi uma farmácia, lembrei-me de que precisava comprar alguns
produtos de higiene básica.
Após guardar as compras na mochila, fui rapidamente até as cabines onde
vendiam as passagens. Enquanto estava na fila, observava em volta para me
certificar de que não estava sendo seguida. Quando finalmente chegou minha
vez, decidi escolher uma cidade mais distante da qual estava. Naquela altura eu
só tinha medo do Benício me encontrar, voltar para Marsilac poderia ser um
risco, então não voltaria.
Com a passagem em mãos, me dirigi ao guinche informado.
Assim que entrei onde esperava os ônibus, vi Ernesto com alguns peões
andarem pela plataforma. No instante que ele me viu, apontou em minha direção
e correu. Rapidamente voltei pelo mesmo caminho, desesperada para escapar.
Enquanto corria, e esbarrava em outras pessoas, sentia meus olhos se encherem
de lágrimas.
Benício me mataria com toda a certeza se me pegasse.
Na intenção de despistá-los, atravessei o salão e corri para uma das lojas
que tinha ali. Meu coração estava aos pulos, e mais ainda quando entrei e me
joguei no chão. Encostando-me a parede, vi a atendente me olhar sem
compreender e se afastar com medo.
Tentando acalmar meu choro e respiração, fechei os olhos com força.
Parecia que eu estava em um pesadelo sem fim, então eu ouvi as botas pesadas
entrarem na loja. Sem coragem de me mexer ou abrir os olhos, só esperei a
violência.
— Ei, está tudo bem agora.
Ao ouvir aquela voz abri meus olhos e me senti aliviada. Mattias estava
agachado em minha frente, parecia preocupado. Sem conseguir me conter o
abracei, e meio surpresa, senti os braços dele em minha volta. O perfume que
exalava dele, o abraço, tudo me transmitia segurança. Eu não queria me afastar,
mas precisava. E assim que o fiz, encarei o rosto tão próximo do meu. Ali eu
percebi que os olhos dele eram azuis, mas estavam escuros.
— Vamos embora – murmurou enquanto me olhava. — Dona Rosalinda vai
me matar se eu te deixar aqui.
Sem esperar por uma resposta minha, ele retirou o casaco e me fez vestir
por cima da mochila, em seguida colocou o chapéu de cowboy em minha cabeça.
Delicadamente me fez levantar, e pegou a bolsa de pano das minhas mãos. Antes
de sair, me conferiu pela última vez e acenou.
Ao sairmos da loja agarrei sua cintura e olhei para Mattias.
— Calma, não precisa ter medo.
Já do lado de fora vi a caminhonete estacionada logo a frente.
Rapidamente Mattias abriu a porta do carona e me acomodou. Olhei uma última
vez para a entrada da rodoviária, e vi quando ele entregou a bolsa com comida a
um senhor que estava sentado no chão. Coloquei meu cinto de segurança e
observei Mattias correr até o lugar do motorista.
Pelo espelho retrovisor observei a rodoviária enquanto nos afastávamos.
Sequei minhas lágrimas, e encarei Mattias que dirigia com o semblante sério.
Ele deveria estar me odiando por estar levando tanta confusão para casa, e eu me
sentia péssima por ser tão fraca e dependente assim.
— Obrigada por me salvar – falei chamando a atenção para mim. — Eu sei
que é culpa minha toda essa situação e que você não queria me ajudar. Também
não quero que haja um mal-estar entre você e sua mãe. Então...
— Então no seu entendimento eu sou um canalha desgraçado da espécie do
Menzzotti?
— O quê? – questionei sem entender. — E-Eu não o igualei a ele.
— Se eu não quisesse te ajudar, não tinha ajudado – respondeu e me olhou
com raiva. — Porque teria um mal-estar entre minha mãe e eu?
— Por que ela praticamente o obrigou a me ajudar?
Com o ar de ofendido, Mattias balançou a cabeça.
— Tenho trinta e quatro anos, não preciso seguir as ordens de minha mãe.
Voltei a olhar para o retrovisor, sem coragem para retrucar. Eu me sentia
exausta, mentalmente e fisicamente. Não tinha sido minha intenção ofender
Mattias, só queria dar uma solução para aquele problema. No fundo, eu me
sentia culpada, porque estava aliviada.
A volta, a meu ver, parecia estar mais longa. Mattias não tinha falado mais
nada, e eu tinha respeitado aquele silêncio. Talvez no outro dia, quando ambos
estivessem mais calmos, eu poderia me desculpar pelo mal-entendido. A
caminhonete entrou em um caminho de lama e terra, mais a frente vi a casa.
Tinha outra caminhonete estacionada em direção à saída. Então Rosalinda saiu
na companhia de um casal que seguravam os pequenos.
Quando me viu saindo da caminhonete, Rosalinda com preocupação em
seu olhar se aproximou da gente.
— Oh, minha filha – murmurou e me tocou no rosto. — Você voltou.
— Ernesto me encontrou e eu fugi dele – falei e fui abraçada. — Mattias
me salvou e me trouxe.
Ao terminar de falar olhei para a varanda onde o casal me encarava. O
homem que segurava João Pedro, lembrava Mattias. Então aquele só poderia ser
Marcos.
— Venha, vamos entrar e sair desse sereno. – Com cuidado me levou para
dentro, mas antes de entrar vi Maria Alice levantar a cabeça e me olhar.
— Titia – a voz soou sonolenta. — Mamãe, ela é a titia que eu disse.
Sorri ao ouvir “titia”. Olhei para os pais dos pequenos e enderecei um
pequeno sorriso. Não queria soar mal-educada.
— Oi, me chamo Alessandra. – Sorriu e me estendeu a mão. A
cumprimentei, em seguida acarinhei os cabelos loiros de Maria Alice. — Assim
que cheguei, ela só falou de você.
— Ela é uma linda.
— Obrigada. Esse é o meu marido, Marcos. É o irmão do Mattias.
Recolhi a mão que ainda alisava os cabelos da pequena e observei João
Pedro. Esse dormia agarrado ao pescoço do pai.
— É um prazer te conhecer, Isobelle.
Acenei e fitei Rosalinda que me sorria.
— Bom, agora vocês vão indo que eu vou arrumar um lugar para Isobelle
dormir. Ela precisa desse descanso.
Alessandra e o marido acenaram e se encaminharam para a caminhonete.
Olhei Mattias que acenava para o irmão e cunhada, quando ele se desencostou da
caminhonete e andou em minha direção, desviei o olhar.
— Vamos entrar – Rosalinda me puxou pela mão. — Quer me dizer o que
aconteceu lá?
Nos sentamos no sofá, e eu suspirei.
— Eu comprei uma passagem para Minas Gerais – falei e notei a surpresa
no olhar dela. — Estava indo para a plataforma quando vi Ernesto com alguns
peões. Ele me viu e correu atrás de mim.
Ao ouvir a porta ser fechada, me virei e fitei Mattias.
— Aquele desgraçado – Rosalinda praguejou. — Precisamos ir à polícia
e...
— Não – a interrompi, estava começando a ficar nervosa. — Eu... – parei
sem saber se falava a verdade. Eu já tinha dito meu nome, mas ainda me sentia
receosa em dizer o motivo da fuga até aqui. — Não quero envolver a polícia, eu
acho que o Benício vai me esquecer e me deixar em paz.
Era mentira, mas talvez se fosse dito em voz alta se tornasse verdade.
— Quando se sentir mais confiante, pode conversar comigo. – Sorriu me
fazendo retribuí-la. — Agora, vejamos. Você dorme no quarto do Mattias e ele
dorme aqui na sala.
Rapidamente encarei Mattias, no mesmo instante que ele olhou para mãe.
Não tinha dito nada, mas era óbvio que não tinha gostado.
— Não, não precisa disso. Eu posso me virar aqui na sala. Durmo nesse
sofá se não for problema.
— Então você fica no meu quarto, e eu...
— Não! Por favor – neguei segurando-a pelas mãos —, eu fico aqui na
sala. O sofá é grande para mim. Só da senhora ter me ajudado e me deixado ficar
aqui hoje, já é de imensa ajuda.
— Pode ficar quantos dias quiser e quando decidir ir de novo o Mattias te
leva. Ele se comportou?
Quase ri da pergunta.
A frase que ele havia dito sobre ter trinta e quatro anos, e não precisar
seguir as ordens da mãe, me vieram a mente. Olhei para ele, e parecia que
pensávamos o mesmo. O olhar dele era do tipo “Não diz o que falei”.
— Ele foi bem respeitoso.
Rosalinda sorriu orgulhosa, e me acariciou os cabelos.
— Vou buscar uns lençóis para você – disse enquanto ficava de pé. —
Aqui faz um baita frio. Você tem roupa de frio?
— Não – respondi um pouco envergonhada.
— Volto já.
Após dizer isso foi em direção ao corredor. Sentada no sofá, retirei o
casaco de Mattias e o chapéu que ainda estavam comigo. Suspirei e relanceei
p a r a a cozinha, ele assim que me viu encará-lo, desviou o olhar. Imitando-o,
encarei minhas mãos sobre as coxas. Talvez se eu fosse amanhã, poderia arriscar
encontrar Ernesto mais uma vez. Ao me lembrar da passagem comprada, quase
chorei. Tinha me sobrado, acho que uns R$ 700,00. No entanto, eu tinha
dinheiro em uma conta. Eu só precisava sacá-lo.
— Prontinho. – Rosalinda murmurou enquanto se aproximava com alguns
lençóis bem grossos. — Você pode trocar sua roupa por essas – me entregou uma
calça e blusa de moletom. — Era do Matheus, mas não se preocupe, estão
limpas. Era para doar, ele não usa mais.
— Obrigada.
— Que isso – deu de ombros e foi até o sofá. — Vou deixar seu cantinho
aqui bem confortável.
Agradecida, peguei a roupa de frio e me dirigi ao banheiro. Assim que
entrei, tranquei a porta e suspirei. Por uns minutos me observei no espelho. A
mancha ao lado do meu rosto estava começando a sumir, e lembrar de como a
adquiri, me deixou enjoada. Benício teria mesmo a coragem de me violentar? Ao
perceber que sim, engoli em seco e retirei a roupa que estava.
Estar trancada no quarto e amarrada, me deixou amedrontada demais.
Talvez, se eu não tivesse agido e fugido. A essa hora estaria morta, ou ainda
sofrendo nas mãos daquele homem sem que ninguém me ajudasse.
A calça e blusa ficaram grandes em mim, mas logo me senti aquecida.
Com cuidado, dobrei minhas roupas e a coloquei dentro da mochila. Abraçando-
me a mochila fui em direção à sala, ao chegar lá, vi as janelas fechadas e
Mattias fechando a porta da frente. Me olhou dos pés a cabeça, em seguida foi
até a mãe, a beijou na cabeça e sussurrou alguma coisa.
— Deus o abençoe meu menino.
Sem falar comigo, passou em direção ao corredor.
Rosalinda, ao me ver, sorriu e apontou para o sofá.
— Veja se está bom para você – me pediu, e rapidamente obedeci. Assim
que me deitei no sofá, senti meu corpo relaxar e sorri minimamente. — Quer
mais um travesseiro?
— Não precisa. – Sorri me aconchegando entre os lençóis. — Assim está
ótimo, obrigada.
— Por nada, tenha bons sonhos. Amanhã conversamos mais.
Antes de ir, e de forma carinhosa, Rosalinda me cobriu bem e sorriu.
Quando a luz da sala foi apagada, fechei os olhos e não foi difícil de
dormir.
Isobelle

Ao fundo ouvi um cacarejo, em seguida senti lambidas em meu pé.


Sorrindo ainda sonolenta, abri os olhos e vi Brutus parado ao lado do sofá.
Querendo pará-lo, recolhi meus pés para dentro do lençol e o vi se sentar
olhando fixamente para mim. Ao me sentar, passei a mão nos cabelos e olhei
para a janela. Já era dia, mas não saberia dizer se muito tarde. No chão próximo
ao móvel da TV estava minha mochila, eu precisava ir ao banheiro, mas o frio da
manhã me fazia querer voltar a dormir.
A porta da frente foi aberta e Rosalinda, ao me ver acordada, sorriu. Ela
segurava uma bacia vazia.
— Bom dia! Dormiu bem? – me perguntou, então eu acenei. — Fui
estender umas roupas que lavei. Tem café na garrafa, bolo de milho, cuscuz e
galinha.
Olhei em direção à cozinha e só de saber que tinha tanta comida, minha
barriga roncou. Mas logo me senti culpada por estar ali, eu não poderia ficar.
— Dona Rosalinda, eu...
— Me chame de Rosa – me interrompeu com um pequeno sorriso. — Olhe,
eu entendo que depois de passar por mal bocados na fazenda daquele coisa ruim,
você tenha medo de confiar de novo. – Assim que terminou de falar a olhei
surpresa. — Eu vejo a indecisão no seu olhar, o medo. Não vamos te fazer mal.
— Eu sei – murmurei envergonhada. — É que... – Parei e a observei. Por
que era tão difícil falar em voz alta o que eu estava sentindo?
— Você quer ir?
— Eu não quero colocar vocês em risco – falei em um fôlego só. — O
Benício... eu sei agora que ele não é boa pessoa. E eu tenho medo de que ele
faça algo, que ele machuque vocês por me ajudarem.
— Não se preocupe com isso – disse e se sentou ao meu lado me
segurando a mão. — Temos alguns trabalhadores nas nossas terras, que ajudam
na segurança. São homens de confiança. Se você quiser ficar por uns dias, até
que se sinta pronta para ir, tudo bem. Estará protegida. Assim você pensa melhor
em para aonde ir, ou o que pretende fazer.
— Me desculpe por essa confusão.
— Não se desculpe, imagina. Você não tem culpa. Você está segura aqui.
Sentindo o coração mais leve, a abracei.
— Muito obrigada.
— Não precisa agradecer. Agora vai trocar essa roupa e vamos tomar café.
— Eu posso tomar banho? – quis saber sem jeito. Com o banho eu
despertaria de vez.
— Claro! Nem precisa pedir. Você tá em casa. – Me sorriu, em seguida
acariciou minha bochecha. — Não consigo imaginar o que te aconteceu até aqui,
mas de uma coisa eu sei, você é muito corajosa.
Eu não sabia que precisava ouvir aquilo, até ser dito por Rosa. Sem me
conter, senti meus olhos se encherem de lágrimas.
— Obrigada.
Rosa me olhou emocionada, mas logo ficou de pé.
— Agora vamos cuidar na vida. Já já dá a hora do almoço.
Concordei e a vi se afastar.
Me levantei e encarei Brutus, que ainda estava ali na sala. Ele parecia me
analisar, como se tentasse descobrir quem era a intrusa que estava na casa. Sorri
com o pensamento, em seguida comecei a dobrar os lençóis da minha confortável
cama improvisada. Assim que finalizei, peguei minha mochila e fui até o
banheiro.
Os produtos que tinha comprado ontem, ainda estavam dentro da sacola.
Na hora da minha fuga, nem se quer pensei em pegar muita coisa. Estava tão
assustada com o que tinha feito, que só queria ir para bem longe.
De dentes escovados, tirei uma calça jeans, blusa com mangas da cor preta
e peças íntimas. Em seguida fui para o chuveiro. Com um sorriso bobo, peguei o
shampoo que tinha comprado e coloquei um pouco na mão. Não iria demorar,
então comecei a lavar os cabelos. Terminado aquela parte, me ensaboei toda e ao
ligar o chuveiro deixei que a água caísse retirando toda a espuma.
Já vestida, saí do banheiro e fui até a sala. Depositei minha mochila no
chão, escondida ao lado do sofá e a roupa de dormir com os lençóis. Andei até a
cozinha e observei a mesa com o café da manhã. No armário procurei uma xícara
e um prato, o bolo de milho estava convidativo demais.
Me servi com um pedaço dele e me sentei. Ao dar a primeira mordida,
senti o delicioso gosto cremoso do milho se espalhar me fazendo fechar os
olhos. Fazia tanto tempo que não comia algo tão bom assim. Dei mais uma
mordida, em seguida coloquei um pouco de café na xícara.
— Está gostoso?
Sorri para Rosalinda que adentrava a cozinha e acenei.
— Eu amo bolo de milho – respondi e dei mais uma mordida. — Esse está
uma delícia.
— Os gêmeos amam, mas não deixo que comam muito.
— Eles vêm hoje?
— Acho que não – murmurou enquanto abria a geladeira. — A Alessandra
costuma ficar em casa com eles. Só se ela for resolver alguma coisa fora, aí ela
traz. Sair com criança é complicado demais.
Dei um sorriso.
— Imagino que sim.
Com curiosidade, ela me observou comer. Mas eu sentia que ela queria
perguntar alguma coisa, mas não o fazia. Já imaginando o que pudesse ser, me
adiantei.
— Não. – Neguei e recebi um olhar confuso. — Eu não sou casada e nem
tenho filhos.
— Que bom, você me parece ser bem novinha para já ter filhos.
Um pouco surpresa, bebi um gole de café sem tirar meus olhos dela.
— Me desculpe perguntar – falei tendo um aceno —, mas com quantos
anos a senhora teve o Marcos?
Ela sorriu me fazendo retribuir, e ainda sorrindo se sentou em minha
frente.
— Eu tive o meu primeiro filho com dezoito anos – respondeu e notando
minha surpresa continuou: — Eu era muito tímida na época. O meu marido, que
Deus o tenha, era o mais saidinho. Mas eu disse a ele que só faríamos se ele se
casasse comigo.
— E ele se casou com a senhora?
— Meu pai quase o matou com a velha espingarda quando ele fez o pedido
– riu com a lembrança. — Meu pai achava que o Espedito tinha tirado minha
inocência.
— Então? – perguntei realmente curiosa com aquilo. — Se casaram?
— Sim, em uma grande cerimônia. Foi tudo tão lindo, depois eu pego as
fotografias para você ver. – Concordei com um pequeno sorriso. — Bom, agora
vou terminar aqui. Ainda tenho que ir ver se a vaca deu leite.
— Eu posso fazer isso – me prontifiquei terminando de comer a fatia do
bolo. — Quero ajudar enquanto estiver aqui.
Assim que bebi o café, levei o prato e xícara a pia. Com a bucha e sabão
lavei os utensílios.
— Me ajudaria bastante – comentou e pegou um galão branco. — Aqui, o
Mattias te ajuda com isso.
— O Mattias? – repeti e recebi um aceno. — Ele está lá com a vaca?
— É, semana passada ela estava amuada. Acho que triste porque perdeu a
cria.
— Coitada, o que aconteceu?
— Achamos que ele se perdeu e foi comido por alguma coisa.
— Tipo uma sucuri?
Rosa riu e balançou a cabeça.
— Sucuri? – franziu o cenho ao me olhar. — Por aqui não tem sucuri.
Geralmente elas são encontradas na região do Pantanal, por essas regiões de rios
e pântanos. Aqui, no máximo, é uma cobra normal dessas que ficam em árvores.
Quando ela terminou de falar, me lembrei de Benício falando sobre a
sucuri que estava no celeiro dele. Se aquilo fosse verdade mesmo, todos ali
saberiam, ou não? Afinal, uma cobra enorme que pode matar até uma pessoa,
seria motivo de comentários.
— Eu vou ver a vaca – disse e recebi um aceno. — Onde fica?
— Depois do chiqueiro e galinheiro – falou me levando até a porta. —
Assim que você passar por eles, você vai ver o curral.
Olhei na direção que ela apontava, e pela primeira vez notei o chiqueiro e
galinheiro. Sem acreditar na minha falta de observação, acenei e sorri. Nem
quando cheguei ali, ou ontem, eu não tinha percebido aqueles animais. Então,
com o galão de leite em mãos, andei o caminho de terra. Já próxima do
galinheiro vi algumas galinhas penduradas em um tronco que estava coberto.
Do outro lado do pasto, vi os peões trabalharem colocando cercas.
Enquanto um segurava uma tora de madeira em pé, o outro martelava para fixar
no chão. Estava surpresa, pois não sabia que era feita daquele jeito.
O chiqueiro tinha alguns porcos que comiam em uma grande bacia.
Continuei meu caminho, e ainda seguindo reto consegui ver a paisagem dos
morros e montanhas. Parecia um quadro ao ar livre, a noite tudo ficava mais
bonito. Andei por mais alguns minutos e vi ao longe o que parecia ser o curral.
Me aproximei e vi um cavalo amarrado a cerca. Respirei fundo e andei até a
entrada.
Mattias estava apoiado em uma portinha enquanto anotava alguma coisa
em uma prancheta. Ciente de que ele não tinha me visto, pigarreei chamando sua
atenção. Ele logo parou o que fazia e me encarou de cima a baixo.
— Bom dia – murmurei ao me aproximar.
— Dia. Sem leite por enquanto.
Ao terminar de falar, voltou a escrever. Acenei e me aproximei da vaca.
Ela parecia triste, e eu não duvidava disso. Com delicadeza a acariciei sentindo
o pelo curto e macio.
— Ela não pode ficar lá fora?
— Ela não quer estar lá fora.
Olhei Mattias que terminava de escrever.
— Como sabe disso?
— Eu a conheço bem.
— Claro.
Sorri com aquela resposta dele, mas talvez Mattias tinha a razão. Afinal,
eu que não entendia nada sobre aquele universo. Após encerrar o carinho, olhei
para o chão e vi uma maleta com alguns equipamentos médicos.
— Você est...
— Eu estou ocupado – me interrompeu, a expressão era de um puro
incômodo. — Então se você puder ir.
— C-Claro! – murmurei envergonhada. — Me desculpe.
Querendo sumir das vistas dele, andei rapidamente para a saída. Era nítido
que Mattias não gostava de mim, talvez ainda tivesse suas desconfianças e eu
não o julgava por isso. Fiz o caminho de volta, e mesmo ao longe, notei a
caminhonete de ontem e uma moto preta. Sorri ao pensar em Maria Alice e João
Pedro. A passos rápidos fui em direção à casa, já bem próxima da varanda, ouvi
vozes alteradas.
E com receio, subi o primeiro degrau. A porta estava aberta, então pude
ver Marcos e outro rapaz. Esse, quando me viu, saiu da cozinha e andou até
minha direção. Em mãos trazia minha mochila.
Assustada, dei um passo para trás, e soltei o galão quando ele jogou a
mochila para eu pegar.
— Vai embora! Qual o seu problema? – indagou me pegando de surpresa.
— Sabe que o maldito está a sua procura e fica aqui? Colocando minha mãe em
risco? Você não se importa com ninguém?
— Matheus! – Rosalinda se aproximou rapidamente agarrando o braço do
filho. — Matheus! Pare com isso!
— Mãe – Marcos se aproximou com o semblante preocupado. — Ele tem
razão. É perigoso demais, não sabemos do que aquele desgraçado é capaz.
As frases tão duras, mas verdadeiras, me atingiram com força. As lágrimas
caíam dos meus olhos sem que eu me importasse, e por um momento, enquanto
os três falavam ao mesmo tempo. Eu olhei a saída, e senti o medo assolar meu
corpo. Talvez eu conseguisse chegar à delegacia e dar minha versão. Afinal, eu
só me defendi de Jorge e Benício. Eles tentaram me machucar, e eu apenas me
defendi.
— Eu sou a mãe aqui! – vociferou fazendo-os se calarem. — Quando foi
que vocês ficaram tão insensíveis assim?
Após respirar fundo, toquei no braço de Rosalinda.
— Eles têm razão. Me desculpe, eu sabia dos riscos e mesmo assim fiquei.
— Não, querida – negou segurando minha mão trêmula. — Olhe...
— Obrigada por me acolher – a interrompi juntando minhas últimas
forças. — E por tudo. Eu vou conseguir dar um jeito.
Terminei de falar e a abracei. Ao olhar para o caminho que dava no curral,
vi Mattias se aproximando a cavalo. Fitei Marcos e Matheus que me encaravam.
— Eu me importo, sim, com a mãe de vocês.
Então coloquei a mochila nas costas e andei rapidamente para longe. Com
o meu próprio cabelo o prendi, e tomei mais uma profunda respiração. O sol já
estava bem alto no céu, dando a entender que estava quase na hora do almoço.
Enquanto andava olhei para as minhas botas já sujas de poeira, botas aquelas
que não eram minhas.
Querendo chegar na cidade, apressei o passo novamente. Logo atrás de
mim, ouvi barulho de um automóvel se aproximando. Fui para fora da pista e
olhei para trás. Forcei a vista, e percebi que tinha mais de uma pessoa na
caminhonete. Quando ela estava próxima, vi que um dos homens que estava na
carroceria, ficou de pé como se só esperasse o momento certo para pular.
Ao notar aquilo, corri até o cercado de arame farpado, e passei pelo meio
sentindo minha pele arder. Voltei a olhar para trás, no exato momento que dois
homens atravessavam a cerca indo em minha direção. Totalmente amedrontada,
corri, mas logo senti um corpo ser jogado por cima do meu. Ele era pesado, e
fazia questão de exercer o peso todo em cima de mim.
— Olhem só o que temos aqui – ele falou com deboche enquanto o outro
parava ao lado. — Potranca arisca. Quase deixou o chefe cego.
No mesmo instante gelei e tentei me virar, mas sem sucesso.
— Por favor! Me deixem ir – pedi não me importando de chorar na frente
deles. — Por favor!
— E o que você vai nos dar em troca? Hein belezura?
Ao compreender o que ele dizia, engoli em seco. Com rapidez fui colocada
de pé, e assim que vi os olhares de pura cobiça. Senti meu corpo tremer.
Balancei a cabeça enquanto era levada para a caminhonete.
— O que está fazendo? – o outro indagou. — Vamos levar essa
mulher pra o patrão. Não viu como ele está possesso atrás dela?
— Cala a boca! Ele não vai saber se a gente brincar um pouco com ela.
Enojada, me remexi tentando soltar o agarre que havia em meus braços.
— Eu não sei não... – murmurou olhando-me detalhadamente. — Está de
dia, aqui, alguém pode ver.
— Então vamos até aquele depósito abandonado. O que me diz? – Sorriu.
— Toda gostosinha, não vamos perder a oportunidade.
— Se ela falar?
— Quem vai acreditar? – perguntou e eu chorei ainda mais. — Ela quase
matou o patrão, e se algo der errado, isso nunca aconteceu.
Meus braços doíam pela força exercida, e minha costela já começava a
doer. Com dificuldade passei pela cerca de arame, olhei para cada um ali e senti
meu ódio aumentar. Ninguém estava disposto a me ajudar, mas eu não poderia
me entregar tão fácil. Pensando assim, tentei me soltar e como resposta levei um
soco na barriga. Em seguida fui empurrada contra a lataria.
Ao longe outro automóvel se aproximava.
— Não fale nada ou será pior.
Trêmula, encarei o chão enquanto os dois peões tentavam ocultar minha
presença ali. Ouvi quando um deles praguejou, e curiosa para saber quem estava
ali, olhei para o lado. Para a minha surpresa, Mattias segurava uma espingarda e
seus irmãos dois pedaços de madeira.
— Soltem a moça.
— Está tudo bem, Sr. Ferreira. Ela é convidada do Sr. Menzzotti, só
estamos acompanhando num passeio.
Com medo de uma represália contra Mattias e sua família, decidi fingir
que não os conhecia.
— E-Está tudo bem, não precisa se preocupar, senhor.
Mattias me analisou, acenou e respirou fundo. Então apontou a arma em
direção a um dos peões.
— Ou solta a moça, ou eu atiro – falou com a voz firme. Ao sentir o
agarre no meu braço diminuir, me abracei e encarei sem entender para Mattias.
— Venha Isobelle, não tenha medo.
— O nosso patrão vai ficar sabendo disso, Ferreira.
Ainda confusa, olhei para Mattias que mantinha o semblante sério. Por
que ele tinha vindo atrás de mim? E por que estava me defendendo? No mesmo
instante imaginei o que Benício faria com ele. Meu coração se apertou.
— Ótimo! Ele sabe onde fica minha fazenda – murmurou e me chamou
com a cabeça. Sem perceber, comecei a andar na direção dele. Marcos, ao me
ver, abriu a porta traseira e indicou que eu entrasse. — Mas acho bom avisar,
não sou muito receptivo com intrusos a minha propriedade.
De onde estava sentada, vi os irmãos entrarem. E me sentindo tão culpada,
observei Mattias tomar o lugar do motorista. Rapidamente ligou o carro e saiu
dali. Enquanto dirigia de volta, percebi as mãos apertarem o volante com força.
Meu coração ainda bombeava em um ritmo frenético.
— Mattias... – Matheus, que estava ao meu lado, tentou falar, mas ao
receber um olhar furioso se calou.
Os acontecimentos ainda passeavam por minha mente. O medo por Benício
fazer algo com aquelas pessoas, por minha culpa, me deixava devastada. Marcos,
no banco do carona, tinha a mesma expressão do irmão. E por dentro, me sentia
péssima por criar um desentendimento entre eles.
Quando a caminhonete tomou o caminho conhecido por mim, vi Rosalinda
parada com as mãos na cabeça. Próxima a ela, consegui contar sete peões.
— Mattias? – o chamei e quando ele me olhou pelo retrovisor, apontei
para a minha preocupação. — Eles...
— Trabalham para mim – respondeu e manobrou o carro. — Não precisa
se preocupar com eles.
Assim que estacionou, saiu do lugar do motorista e abriu a porta para
mim. Rosalinda rapidamente me abraçou apertado, depois se afastou e me olhou
atentamente.
— O que aconteceu com você? – indagou, e sem esperar uma resposta,
esfregou a mão no meu rosto. — Está toda suja.
— A Isobelle é convidada aqui – Mattias falou alto chamando a atenção de
todos. — Eu exijo que vocês a respeitem e quem achar ruim – murmurou
olhando agora para os irmãos. — Que venha até mim e fale – encarou Matheus
que balançava a cabeça —, mas não quero saber que a destrataram. Fui claro?
Todos concordaram, o que me deixou mais surpresa. Eu não conseguia
compreender, afinal, Mattias se sentia incomodado com minha presença. Então
por que estava fazendo tudo aquilo?
Ao sentir um carinho no rosto, olhei Rosalinda. Ela me sorria, mas em seu
olhar tinha um vestígio de culpa.
— Vamos entrar – disse me puxando para dentro. — Deixe que eles
conversem sozinhos.
Cansada demais, apenas concordei. Eu realmente me sentia péssima por
trazer tantos problemas para aquelas pessoas tão boas. Era nítido que os filhos
só se preocupavam com o bem-estar da mãe, e eu os compreendia. O jeito
carinhoso, e amoroso em cada gesto e fala da Rosalinda. Me deixava com inveja,
pois não lembrava da minha mãe ser assim comigo.
Já na sala, me sentei no sofá, sendo seguida por Rosalinda. Querendo mais
um pouco de carinho, a abracei e senti meus cabelos serem acariciados.
— Queria poder conhecer sua história – murmurou ainda me abraçando —,
mas não quero ser invasiva.
— S-Se eu contar, talvez a senhora não goste mais de mim.
Fui afastada e fitei o olhar confuso em minha direção.
— Por que acha isso? Olhe, pense sobre falar com a polícia. O Benício
não pode te machucar se você fizer isso.
Após engolir em seco, a observei. Me sentia com medo e preocupada, mas
estava certa do que eu precisava fazer.
— O meu pai morreu quando eu era pequena – falei tendo a atenção dela.
— Então a minha mãe se casou de novo, e ela está casada com esse homem até
hoje. – Parei nervosa, e como Rosalinda não disse nada, continuei: — Eu sou de
São Paulo, Marsilac. Bom, desde que eu era pequena, mesmo com o casamento
da minha mãe. Eu tinha uma vida normal, mas... tinha umas coisas que estavam
acontecendo.
— O seu padrasto tentou alguma coisa?
Com os olhos cheios de lágrimas concordei. Me recordei de Jorge me
agarrando e falando aquelas coisas nojentas.
— Quando eu voltei do trabalho na segunda, ele tentou me... – Interrompi
envergonhada. — Violentar. Ele entrou no meu quarto, e tentou.
— Oh, minha querida – lamentou enquanto apertava as minhas mãos. —
Eu sinto muito. O que a sua mãe fez? Ela deve estar preocupada com o seu
sumiço.
— E-Ela sabia, ela deixou que ele fizesse isso.
Horrorizada era como Rosalinda estava, era tão perceptível que por um
momento desviei o olhar sem coragem para continuar.
— Me desculpe pelo que vou dizer agora – proferiu com a voz raivosa. —
Mas que mulherzinha ruim essa sua mãe. Como pode permitir que te machuquem
assim? Só não entendi por que não pode ir à polícia.
Tensa, respirei fundo e continuei.
— Eu consegui correr até a cozinha e lá eu esfaqueei o meu padrasto. – Ao
terminar de dizer, vi a surpresa no rosto a minha frente. — Eu fiquei com medo
depois que fiz isso, porque minha mãe ficou do lado dele. Ela falou que eu dava
em cima dele, mas eu nunca fiz isso. Eu não queria que ele encostasse em mim,
e já tinha o repelido algumas vezes. Só que...
— Não precisa se explicar, filha – me interrompeu. — Eu acredito em
você, não precisa provar nada para mim. O que me dói é você ter passado por
tudo isso sem uma mãe de verdade por perto. Acredite, se eu tivesse lá para te
proteger, eu teria arrancado as bolas desse desgraçado.
Um pouco aliviada, relaxei o corpo que até então estava tenso.
— Eu fugi de lá e eu não sei se a polícia está atrás de mim.
— Agora eu compreendo – murmurou e alisou minha bochecha —, mas eu
creio que a polícia não está a sua procura. Você é a vítima de tudo isso.
— Mas a minha mãe ficou do lado dele.
— Eu não vi nenhuma notícia na TV sobre isso – falou, e isso me deu
esperanças. — Pense com calma sobre ir falar com a polícia. Não precisa ser
agora, nem amanhã. Só pense. Você não está mais sozinha.
— Os seus filhos n...
— Vamos esquecer esse episódio – retrucou com firmeza. — Eles acham
que podem mandar nessa velha aqui, mas eu que mando nesse lugar.
Concordei não querendo retrucar.
Então Mattias tinha ido atrás de mim porque ela tinha mandado. Não sei
por que, mas saber que tinha sido aquele o motivo, me deixou com uma sensação
estranha. Olhei para a janela e vi Mattias passar com Brutus e mais dois peões.
— Olha seu braço como está arranhado – Rosalinda murmurou chamando
minha atenção. — Eu fiquei tão culpada e preocupada quando você saiu.
— A senhora não tem culpa.
Com um suspiro, Rosalinda me sorriu carinhosa. Em seguida ficou de pé.
— Vamos almoçar.
Assim que concordei, fui com ela até a cozinha. Comemos apenas nós
duas, pois nem Mattias e os irmãos apareceram. Após o almoço, ajudei com os
pratos e depois – já noitinha – Rosalinda me mostrou os álbuns de fotografias.
Fiquei encantada com todos os momentos, enquanto eu observava, ela narrava os
acontecimentos. Era como se eu estive lá, conversando e conhecendo os
familiares.
Quando ela me mostrou Mattias e Marcos crianças, sorri. As fotos eram
em preto e branco, mesmo assim dava para ver que os cabelos dos dois era de
um loiro pálido.
— Isso aqui é mesmo um boi? – perguntei confusa quando passei para a
outra imagem. A fotografia era recente, e nela, Mattias estava montado no
animal.
— É um touro – me corrigiu e negou com a cabeça. — Isso foi uma
brincadeira dele com os irmãos. Marcos apostou que o Mattias não ia conseguir
montar no bicho.
— É muito difícil?
— Quando não se é castrado, sim – respondeu e pegou outro álbum. —
Esse aqui tem as fotos do Matheus. Estão com melhor qualidade.
Passei para outra imagem e vi os três irmãos juntos a Rosalinda. Em
comparação aos filhos, ela era mais baixa de todos. Observei cada um, e tive a
certeza de que Mattias era o mais bonito. Ao constatar isso, engoli em seco e
fechei o álbum.
Da entrada da sala, ouvi quando a porta foi aberta e Brutus passou
correndo indo se deitar no tapete. Logo atrás dele estava Mattias, segurava o
chapéu de cowboy, mas logo o pendurou atrás da porta. A passos decididos parou
na soleira da cozinha, olhou para mãe e em seguida me observou. Ao ver os
álbuns em cima da mesa, arqueou uma sobrancelha e se aproximou.
— Mostrando o casamento?
— Só algumas lembranças. – Sorriu e ficou de pé. — Você não vai comer?
— Vou tomar banho – respondeu e abriu um dos álbuns. Surpresa, o vi
sorrir minimamente. — Pode colocar minha comida?
— Ué, perdeu as mãos? – indagou me fazendo prender o riso. Mattias no
mesmo instante me encarou, então desviei o olhar. — Quando você voltar do
banho pode muito bem colocar sua comida.
Peguei o álbum do Matheus para olhar, enquanto tentava não encarar
Mattias. Não compreendia por que me sentia tão envergonhada na presença dele.
Talvez fosse pelo fato dele ser um pouco intimidador, e por já demostrar um
certo incômodo para comigo. Ao vê-lo se afastar, engoli em seco e voltei a olhar
as imagens.
— Uma coisa que eu vou te dizer – Rosalinda murmurou olhando-me. —
Você pode levar para a sua vida se quiser. – Concordei e então ela continuou: —
Às vezes é preciso ser firme com eles. Quando eles eram pequenos, me deixavam
louca. O Mattias quando tinha uns 16 para 17 anos, tinha mania de pegar uma
moto maldita e ir para Massambará.
— Massambará? – repeti um pouco confusa. — O que é isso?
— É uma cidadezinha próxima daqui. Lá tem muitas festividades, o
prefeito adora colocar algumas apresentações.
— Ele ia escondido?
— Ele e o Marcos – proferiu e sorriu, acho que com as lembranças. —
Quando eu descobria, colocava os dois de castigo. – Riu, mas suspirou. — Não
castigava por ir, era mais por mentir. Eu ficava com medo, por que se
acontecesse alguma coisa como eu saberia? Acho que eles entendem o que fiz.
— Entendem sim. – Sorri para tranquilizá-la. — E posso garantir que a
senhora foi e é uma excelente mãe.
Ver o olhar grato em minha direção, me deixou completamente
emocionada. Era tão nítido ler Rosalinda, e quanto mais eu conversava com ela,
mais me sentia bem e estranhamente em casa. Ao ouvir um pigarro, vi Mattias
adentrar a cozinha e ir até o armário. Voltei meu olhar para Rosalinda, que me
piscou e sorriu.
— Bom, vou guardar essas lembranças e descansar. O dia foi puxado.
Ao terminar de falar, pegou os álbuns e saiu me deixando sozinha com
Mattias. No mesmo instante, me senti nervosa.
— Ouvi vocês falarem de mim – ele comentou e eu mordi o lábio. — Não
sei se gosto disso.
— Sua mãe só comentou algumas coisas sobre você.
O observei se sentar em minha frente com uma grande quantidade de
comida.
— E imagino também que você não perguntou, não é? – indagou com um
sorriso de lado.
— Sou uma boa ouvinte – disse e cruzei os braços. — É quase um dom.
Mattias deu uma colherada no arroz com feijão e me encarou
intensamente. O olhar penetrante fez um arrepio percorrer meu corpo, me
deixando momentaneamente sem jeito. Automaticamente, engoli em seco e não
consegui controlar minha respiração, que ficou um pouco nervosa.
— E-Eu vou tomar banho.
Então, sem esperar uma resposta, saí da cozinha praticamente correndo.
Na sala peguei minha mochila, e a roupa que tinha dormido ontem. Ali,
principalmente pela madrugada, era bem frio. Mas não importava muito, pois eu
tinha um bom lugar para dormir. Assim que entrei no banheiro, o tranquei e já
tirei a roupa. A água fria em contato com minha pele quente, me fez encolher e
ter o banho mais rápido da vida.
Ao finalizar tudo, agarrei a mochila e fitei a porta.
Por dentro me sentia sem jeito, Mattias deveria me achar uma boba. Eu já
era maior de idade, mas me comportava como uma garotinha perto dele? E não
era como se eu precisasse que ele me visse como uma mulher, eu só não queria
dar a entender outra coisa.
— Que droga.
Eu me sentia confusa com aqueles pensamentos, mas a partir dali eu não
soaria mais tão boba. Seria firme como Rosalinda tinha dito. Pronta para aquela
nova fase, abri a porta e dei de cara com Mattias.
— Preciso usar o banheiro.
— Claro – murmurei e quase sorri ao conseguir falar sem gaguejar. —
Você pode usar.
Então ele sorriu abertamente, dando a mim a visão dos dentes alinhados e
brancos. Eu não estava preparada para aquele sorriso. Um sorriso genuíno de
divertimento.
Mattias era um homem lindo.
— Muito obrigado por deixar – disse com a mão no peito. — É realmente
um ato muito bondoso da sua parte.
Ao perceber o tom sarcástico, empinei o nariz e passei por ele. Sem
conseguir me segurar, olhei para trás e vi que Mattias ainda me olhava risonho.
Apressei o passo e cheguei à sala, minha cama estava feita, o que me deixou
confusa. Brutus dormia no chão em frente ao sofá.
— Você me faz companhia, está bem? – indaguei, fazendo-o levantar a
cabeça. — Só não fique lambendo os meus pés.
Sorri e me inclinei para afagá-lo. Após isso, peguei o lençol grosso e me
deitei no sofá, enrolando-me toda. Me aconcheguei mais ao travesseiro, e
relembrei da cena na estrada. Eu não sabia o que pensar, mas tinha certeza de
que algo ruim estaria por vir.
Isobelle

Assim que saí do banheiro já pronta para começar o dia, coloquei minha
mochila no lugar de sempre e fui até a cozinha. Olhei ao redor procurando a
chaleira para o preparo do café, quando Rosalinda acordasse tudo já estaria
pronto.
— Acordou antes das galinhas?
Com o susto me virei e vi Rosalinda parada na entrada da cozinha. Usava
uma camisola composta e um casaco.
— Bom dia. – Sorri e a vi se aproximar. — Não quis ficar dormindo até
tarde como ontem, quero poder ajudar a senhora quando estiver aqui.
— Oh, minha querida. – Sorriu surpresa. — Mas está muito cedo ainda, e
não tem problema você acordar no seu tempo.
— Não tem problema – disse observando-a pegar a chaleira e enchê-la de
água. — Quando eu ia para o meu trabalho, acordava às 4h10. Se eu demorasse
um pouco, perdia o ônibus.
— Mesmo? E com o que você trabalhava?
— Eu era vendedora em uma butique no shopping – respondi encostada a
pia. Rosalinda agora buscava o pote de café. — Mas eu sou uma professora, me
formei há um tempo. Só não consegui um emprego na área. É um pouco
complicado.
— Eu imagino, filha. Se está difícil para quem não tem estudo, imagine
para quem tem.
Concordei um pouco surpresa. Minha mãe não pensava daquela forma, e
ver que aquela mulher a minha frente compreendia o meu dilema, me deixou com
o coração confortado.
— Posso preparar o café – falei ficando ao lado de Rosalinda. — Enquanto
a água esquenta, o que posso fazer para adiantar o serviço?
Rosalinda me sorriu e apontou para a geladeira.
— Guardei uma massa de pão para preparar hoje – disse e logo me virei
abrindo a geladeira. — Você sabe fazer pão?
— Não, mas eu posso aprender.
— Ótimo. – Sorriu e me olhou. Parecia realmente feliz. — A massa fica
descansando um pouco, e quando a água ferver você prepara o café?
— Sim, não se preocupe.
— Eu vou me banhar, assim podemos começar a preparar os pães.
Concordei e a vi se afastar.
No relógio de parede marcavam 4:55. Mesmo após meu banho, sentia um
leve frio arrepiar toda minha pele. Me abracei e me aproximei mais do fogão, a
água aos poucos começava a ferver. Olhei o corredor que levava aos quartos e
pensei quando Mattias iria acordar. Só de saber que daqui a algumas horas, eu o
veria, senti meu baixo ventre formigar.
Ao ouvir a chaleira apitar, sai do devaneio e desliguei o fogo. Em seguida
busquei a garrafa de café e o coador. Faria da mesma forma que eu tinha
aprendido, e esperava que Rosalinda não se importasse. Após terminar o preparo
do café, fechei bem a garrafa e a coloquei em cima da mesa. Voltei a pia e lavei
o que tinha sujado, estava ansiosa para preparar os pães.
Com a volta de Rosalinda, colocamos a mão na massa.
A todo momento mantínhamos uma boa conversa, e ela sempre me
explicava algo que eu não entendia. Descobri que já na próxima semana,
começariam com as festividades em homenagem à paróquia da igreja que
completava cento e cinquenta anos. Rosalinda também me falou sobre o prefeito
que havia sumido, e o deram como morto.
— Mas como sabem que ele está morto?
— Ele desapareceu tem alguns meses – Rosalinda murmurou enquanto
colocava um pouco de café para si. — Não pediram resgate e a primeira-dama se
nega a pensar que ele fugiu com outra. O carro foi todo quebrado a machadada.
— E a polícia não fez nada? – indaguei e enrolei a massa deixando-a em
um formato de pão. — Ele era o prefeito.
— A polícia passou boa parte procurando ele, mas não encontraram.
— Não pensaram na possibilidade de ele estar machucado e sem condições
de pedir ajuda?
Rosalinda me olhou e sorriu minimamente balançando a cabeça.
— São três meses procurando. A viúva merece um fim para poder
descansar e seguir a vida.
Entendendo, eu apenas concordei e finalizei com o último pedaço de
massa.
— Prontinho. – Sorri observando meu belo trabalho, me senti uma
padeira. — Estou ansiosa para comer esses.
Levantei-me e fui até o forno. Sob as indicações de Rosalinda, acertei a
temperatura do forno e cronometrei o tempo.
— Mãe, eu... – Assim que me virei para a entrada, vi Mattias só de botas e
calça jeans. Me olhava surpreso, enquanto eu fazia o mesmo. O peitoral todo
descoberto me deixou hipnotizada, e ainda o olhando engoli em seco sem
conseguir disfarçar. Mattias tinha uma fileira de pelos loiros que iam do umbigo
para dentro da calça. Em mãos trazia uma camisa social listrada. — Bom dia,
Isobelle, pensei que ainda estava dormindo.
— Ela acordou mais cedo, preparou o café e me ajudou com os pães. –
Olhei para Rosalinda que me sorria. — Mas o que foi com a sua blusa?
— Caiu dois botões e eu não achei a agulha e linha.
— Não achou ou você não procurou? – indagou com a sobrancelha
arqueada já ficando de pé. — Você tem outras camisas.
— Poderia dar um jeito nessa aqui? – perguntou quando a mãe parou em
frente a ele. — Por favor? – Sorriu e entregou.
Ao me ver sozinha com ele na cozinha, olhei para os grandes braços
musculosos e suspirei. Lembrei do dia que fui abraçada protetoramente por ele,
do perfume que ele exalava. Eu sabia que estava sendo boba com aqueles
pensamentos, mas era quase impossível não ter. Não querendo mais cobiçá-lo
como estava fazendo, encarei seu rosto e notei o olhar intenso em minha
direção.
Acanhada, me virei de costa e fingi lavar as mãos.
— Aceita um café?
— Se eu estiver permitido – a voz soou irônica, o que me fez encará-lo. —
Eu aceito.
— Então pode se servir. – Sorri, e logo o vi se apoiar na cadeira, nunca
desviando o olhar do meu. — Ou espera que eu coloque na xícara para você?
Mattias me sorriu e andou até mim.
Ao ficar na minha frente, prendi a respiração e o encarei nos olhos. Ver
aqueles azuis tão de perto me deixou enebriada, e com o coração acelerado.
Então o braço dele passou por mim, e eu acompanhei. Quando a mão agarrou
uma xícara, mordi o lábio inferior e voltei a observá-lo.
— Parece nervosa.
— Estou normal – retruquei e recebi um aceno. — É impressão sua.
No instante em que ele se afastou, Rosalinda apareceu com uma agulha já
fincada no tecido. Olhou o filho, em seguida a mim.
— Está tudo bem?
— Sim – falamos ao mesmo tempo. Na intenção de mudar o assunto,
continuei: — Após o café, o que eu posso fazer para ajudar?
— Hum – Rosalinda parou o que fazia com uma expressão pensativa. —
Você pode ir alimentar as galinhas. Um dos peões vai aumentar o chiqueiro, e
trocar a comida deles. Então não precisa se preocupar com eles.
— Você poderia ver se elas botaram ovos – Mattias comentou e sorriu
enquanto bebericava o café.
— Certo – concordei desconfiada. — Eu vi que estavam colocando o
cercado.
— É pra proteger as vacas – murmurou concentrada. — Afasta outros
bichos. – Ao terminar de costurar, suspirou e entregou ao filho. — Pronto, agora
coloque logo essa camisa.
— Obrigado, mãe. Hoje vou ao Sebastião e na fazenda do Albuquerque.
Vou ver se a égua melhorou.
— Tá bem. Leve a Isobelle – mandou, e surpresa olhei para os dois. —
Assim ela conhece os lugares.
— Não, dona Rosalin...
— Talvez eu demore, mãe. – Mattias me interrompeu. — Acho que não
seria um bom passeio para ela.
Olhei para Mattias, mas assim que ele virou para mim, desviei o olhar.
— Por que não perguntamos o que ela quer? – Rosalinda propôs e me
fitou. — Então filha, você quer ir?
Sem graça, engoli em seco e logo neguei.
— Eu não quero atrapalhar, acho que é melhor eu ficar.
Após um suspiro, Mattias terminou de abotoar a camisa e me encarou.
— Se quiser ir, por mim tudo bem. Eu vou ao curral e quando voltar
podemos ir.
E assim, sem esperar uma resposta minha, saiu da cozinha. Por uns
segundos fiquei parada olhando para onde ele esteve, eu não queria mesmo ser
um incômodo para Mattias. Atrás de mim, o forno apitou me tirando do
devaneio. Com um pano de prato em mãos, abri a tampa e vi os pães crescidos.
— Acho que eles já estão bons – murmurei, ao meu lado, Rosalinda
apareceu com uma faca e começou a espetar as massas. — Estão bons, né?
— Sim, pode tirar. E estão com boa aparência.
Sorri e os coloquei em uma cesta que tinha em cima da mesa.
Esperei que eles esfriassem, e depois experimentei um. Estava tão macio,
e gostoso. Me sentia orgulhosa, e parecia que Rosalinda também. Após isso, fui
até o lado de fora e olhei para cima. Já tinha amanhecido por completo, o sol ao
tocar em minha pele me deixou mais aquecida.
Os peões já estavam ali prontos para começarem os trabalhos.
Com a cesta vazia e um balde com alguns legumes em mãos, fui até o
galinheiro. Ao entrar, fechei rapidamente a portinha e observei as galinhas se
juntarem. Me aproximei de onde estavam os ninhos, mas logo parei ao ver uma
galinha avançar em mim.
— Se você as alimentar primeiro vai conseguir pegar os ovos.
Me virei e vi Mattias parado do outro lado da tela.
— Eu ia fazer isso – menti e o vi levantar as mãos em desculpa.
Em cada gesto meu, sentia que Mattias me observava e mesmo tímida com
sua presença. Eu mostraria que sabia o que estava fazendo. Ao jogar o que tinha
no balde no chão, e trocar a água por uma mais limpa. Fui até as caixas do
ninho, e comecei a pegar os ovos.
Assim que terminei, peguei o balde com uma mão e segurei a cesta cheia
de ovos com a outra. Ao passar pela portinha, Mattias a fechou para mim e me
acompanhou de volta para a casa.
— Mattias – o chamei fazendo-o me olhar. — Eu realmente não quero ser
um incômodo para você. Não precisa aceitar eu ir se não quiser.
— Por que na sua visão eu obedeço a tudo o que minha mãe impõe? –
arqueou uma sobrancelha.
— Eu não quis ofendê-lo, Mattias.
Parei na escada e o encarei. Ele estava no chão de terra, e eu um degrau a
mais que ele. Estávamos na mesma altura, e ali sob a luz do dia, eu conseguia
perceber alguns questionamentos nos olhos dele.
— Você quer um convite para ir comigo?
Surpresa com aquela resposta, ponderei no que responder. O que fez
Mattias respirar fundo.
— Isobelle irei passar boa, parte do tempo de hoje fora da fazenda –
começou de braços cruzados. — Caso queira me fazer companhia, será bem-
vinda.
— Isso é um convite? – indaguei, mas ao vê-lo me fuzilar com os olhos,
sorri. — Tudo bem, se não for mesmo problema, eu te faço companhia.
Sorri de forma doce, e o vi engolir em seco, desviando os olhos. Mattias
pigarreou e apontou para a caminhonete.
— Vou manobrar e te espero. Não demore.
Concordei e o observei ir.
Com pressa para não o atrasar, fui até Rosalinda que estava na cozinha.
Depositei a cesta em cima da mesa, e o balde no chão.
— Eu estou indo com o Mattias – comentei e vi Rosalinda sorrir e
concordar. — Ele disse que vai passar o dia todo fora. Então não sei se voltamos
para o almoço.
— Tudo bem, tome. Leve esses pães para o Sebastião. Ele sempre gosta
deles.
— Certo. – Sorri segurando o embrulho. — Até depois.
Ao sair novamente, vi Brutus se aproximar e se deitar na varanda. Desci
com cuidado as escadas e me encaminhei até a caminhonete. Já acomodada no
banco do passageiro, coloquei o cinto e fitei Mattias. Após buzinar para a mãe
que estava na varanda, deu a partida em direção a saída.
— O que é isso aí? – perguntou com o cenho franzido. — Cheiro bom.
Sorri orgulhosa.
— São pães para o Sebastião – respondi e recebi uma olhada. — Sua mãe
que mandou.
— É, dona Rosalinda adora paparicar aquele paspalho.
Ao ouvir aquele xingamento, ri e o observei mais atentamente.
— Você tem ciúmes da sua mãe?
Mattias riu e balançou a cabeça. Quando percebeu que eu ainda esperava
uma resposta, confirmou.
— Não diria ciúmes, mas sim cuidado.
Desviei o olhar para a janela e mesmo sem querer me lembrei de Benício.
Desde que Mattias tinha me salvado na estrada, eu não tive a oportunidade para
agradecer. Talvez porque lá, no fundo, me sentia envergonhada por toda a
situação.
— Eu sinto muito por você ter se envolvido – disse e o notei confuso. —
Sobre o Benício e eu. Agora ele sabe onde estou, e provavelmente vai atrás de
mim. Na verdade, quando você apareceu com aquela espingarda, e eu fingi que
não te conhecia. Esperei que você só aceitasse e fosse embora.
— Você achou mesmo que eu não te ajudaria?
— É que por onde eu ando só levo o caos – falei um pouco cansada. — E
vocês são boas pessoas, a sua mãe é maravilhosa. – Sorri com sinceridade e
carinho. — Se algo acontecer, vou me sentir muito culpada.
Meus olhos no mesmo instante arderam, mas eu não queria mais chorar.
— Não se preocupe – murmurou com firmeza. — Não é como se, eu e ele
fôssemos amigos. Não estamos indefesos, e não temos medo dele e de ninguém
da laia dele. – Concordei, mas algo em meu olhar denunciou como eu me sentia.
Então ele continuou: — A única coisa que o mantém protegido, são os capachos
que ele chama de peões. Tirando isso dele, só o que sobra é um homem covarde
e ladrão.
— Ladrão?
— A fortuna que ele esbanja não foi por mérito – proferiu e negou com a
cabeça. — O pai dele era um ladrão, que se aproveitava das outras pessoas. Foi
assim que ele ficou rico.
— Eu não sabia.
— Aquela fazenda ao qual ele mora, era do meu pai. – Ao terminar de
dizer adentrou outra estrada. — A fazenda onde moramos, foi um presente do
meu avô materno.
— Mas como isso aconteceu?
Mattias suspirou e crispou os lábios. Logo a frente eu vi uma grande
porteira, e do outro lado dela, um peão. Mattias buzinou e acenou, rapidamente a
passagem foi aberta. Voltei meu olhar para ele, eu queria saber o que tinha
acontecido. Mas não queria insistir no assunto.
— Meu avô paterno era um homem ignorante – falou e me olhou. — Ele
não pensava no futuro, ou no que ele poderia deixar para o filho, ou seus netos.
Acho que nunca passou pela cabeça dele, de que a fazenda poderia ser um bem
que traria tranquilidade ao meu pai. Então certo dia, ele apostou com o velho
Menzzotti que conseguiria capturar o filho do diabo e colocá-lo em uma garrafa.
Caso não conseguisse, o Menzzotti poderia pedir o que quisesse.
— O quê? – franzi o cenho sem acreditar no que tinha escutado. — O filho
do diabo? Em uma garrafa?
— Os dois estavam bêbados.
— Então o pai do Benício pediu a fazenda? E o seu avô aceitou?
— Não tente entender a cabeça de um velho ignorante.
Olhei para frente e fiquei pensando no que tinha escutado. Perder uma
fazenda assim, por ignorância, era algo que eu não conseguia compreender. Mas
eu sabia que poderia ser mesmo verdade.
— Por que o Menzzotti não queria te deixar sair? – perguntou e me olhou.
— Se não for me intrometer muito.
Neguei e respirei fundo.
Mattias acreditaria em mim caso eu contasse o que tinha visto pela
fazenda?
— Eu estava indo para Valença, mas aconteceu um imprevisto e eu fui
parar na fazenda dele. Eu menti o meu nome para eles – falei e notei a surpresa
em Mattias. — E o Benício descobriu. Achou que alguém me enviou para lá. Ele
disse uns nomes... Alvaréz e Tibério. Ele achou que um desses me mandou até
lá.
— Alvaréz e Tibério? – repetiu e quando concordei, ele respirou fundo. —
Você mentiu o seu nome para a gente também?
— Não! Eu me chamo Isobelle Monteiro.
— Monteiro – falou e me encarou com o cenho franzido. Em seguida
voltou a prestar atenção na estrada. — Ainda não entendo. Só por causa disso ele
te prendeu?
— Ele é homem desconfiado demais – respondi. — E muito agressivo,
mesmo eu explicando que ninguém tinha me mandado, que, na verdade, eu tinha
parado ali por acaso – parei para tomar uma respiração. — Ele me bateu e me
deixou presa na cama dele. Foi assustador.
Ao terminar de falar sequei algumas lágrimas que escaparam e olhei para
a janela.
— Como eu disse antes, não precisa se preocupar. Está segura na minha
fazenda.
Sorri para ele agradecida e olhei para frente. Finalmente vi a fazenda ao
longe, pelo enorme pasto vi muitas vacas e bezerros. Me acomodei melhor no
assento e voltei meu olhar a Mattias. Ele estava com a feição séria, parecia
zangado e eu fiquei sem entender. Até alguns minutos atrás ele estava normal,
teria eu dito algo que o zangou?
— Estamos na fazenda do Albuquerque. Eu ando tratando dos animais
dele, semana passada a égua se machucou em uma armadilha. Uma ferida bem
feia.
— Coitada – murmurei e olhei o grande jardim a frente. — Ela deve ter
sofrido muito.
— É – respondeu e estacionou o carro em uma vaga. — Eu volto logo.
— Tudo bem.
Após pegar a maleta, o observei ir pelo caminho de cascalho. Retirei o
cinto, e coloquei o embrulho de pães no banco de trás. Em seguida, abri mais a
janela e fiquei olhando a paisagem dali. Dava para ver o extenso pasto, e
montanhas com o grande céu azul. Aproveitando a sensação boa de estar ali,
fechei os olhos e encostei a cabeça na porta. O vento forte assoprava em meu
rosto, deixando meus cabelos um emaranhados de fios castanhos.
— Bom dia. – Ao ouvir o recém-chegado, me assustei e me sentei ereta. —
Tudo bem?
O senhor parecia ter uns sessenta e poucos anos. Se vestia todo arrumado,
parecia ter saído de um filme de cowboy.
— Bom dia. Tudo bem, e com o senhor?
— Bem, esse é a caminhonete do Mattias. Ou estou errado?
O olhar dele era de curiosidade.
— É, eu vim o acompanhando. Ele veio ver uma égua do Sr. Albuquerque,
só estou o esperando aqui.
Eu queria ficar ali sozinha, mas não queria soar tão rude. Então, sem eu
esperar, ele se apoiou na janela e me observou por inteira.
— Vamos até ele, não sabe se ele vai demorar lá.
— Não, obrigada. Vou esperar aqui, e eu também não quero irritar o dono
da casa. Entrar assim, sem a permissão dele.
— Não se incomode – murmurou com um grande sorriso, e abriu a porta
para mim. — Vamos indo, eu insisto.
Não querendo ser mal-educada, concordei e desci da caminhonete. Sorri
para o senhor que me encarava e começamos a andar pelo mesmo caminho que
Mattias tinha ido. Enquanto andava, percebia que o senhor me analisava.
— Gosta de fazenda? Morar no interior?
— Está sendo uma boa experiência – respondi e rezei para chegar logo
onde Mattias estava. — Sempre morei na cidade, então estou gostando bastante
da roça.
Sorri e fui retribuída.
Ao chegar em um pátio enorme, vi Mattias ao lado de uma égua.
Acariciava a crina negra, enquanto conversava com uma mulher ruiva. Me
aproximei deles, e ao ver os sorrisos sendo trocados. Senti uma sensação ruim.
— Mattias, meu rapaz – o senhor ao meu lado o chamou, fazendo os dois
nos encarar. — Conheci essa bela moça, estava sozinha na sua caminhonete.
— Bom dia, Sr. Albuquerque – proferiu, e surpresa o encarei. — É a
Isobelle, ela está hospedada na minha casa.
— Ela é um achado – Albuquerque afirmou e me fez olhá-lo. — Você é
uma jovem muito bonita.
— Bondade do senhor.
— Essa é a minha filha, Carolina Albuquerque.
Assim que fomos apresentadas, Carolina me olhou dos pés a cabeça e
arqueou uma sobrancelha. Não sei se foi pela forma como me olhou, com
desdém puro, ou por ainda estar tão próxima de Mattias, que me fez retribuir o
mesmo olhar.
Quando ela percebeu que eu não diria nada, sorriu e cruzou os braços.
— Meu pai quando quer ser simpático acaba exagerando demais. – Riu,
mas logo fez uma expressão de culpa. — Não que eu esteja dizendo que você é
feia. Espero que não tenha se ofendido.
— Imagina, não fiquei.
Sorri e olhei Mattias que me encarava risonho.
— Não fui simpático, só sincero. – Sorriu e concordei. — Então Mattias,
Isobelle é alguma parente? Amiga? Namorada?
Envergonhada era como me sentia com aquele questionamento todo. Não
queria que Mattias dissesse sobre Benício.
— É uma amiga da família – respondeu e começou a juntar os materiais.
— Sr. Albuquerque, sobre a égua, ela ainda vai precisar ficar de repouso. Não
pode fazer esforço.
— Eu estou cuidando dela, Mattias – Carolina falou e sorriu para ele. —
Me preocupo muito com a saúde da Flora. Ela é especial para mim.
— Certo – respondeu e colocou o chapéu na cabeça. — Daqui a duas
semanas eu voltarei para ver a égua.
— Obrigado, Mattias. Se não fosse por você, talvez teríamos que
sacrificar o animal. Seria uma grande perda.
— Para tudo tem um jeito, Sr. Albuquerque – disse e deu dois tapinhas no
ombro dele. — Vamos, Isobelle?
— Sim – concordei e sorri para o dono da fazenda. — Foi um prazer
conhecer o senhor.
— Igualmente, minha jovem.
Então andei até ficar ao lado de Mattias.

No caminho para ida até a fazenda de Sebastião, me mantive calada e de


braços cruzados. Eu não estava com raiva, mas quando me lembrava da cena da
Carolina e Mattias. Sentia um embrulho no estômago. Ou talvez eu não tivesse
simplesmente gostado dela.
— Qual o problema?
Olhei Mattias, ele parecia realmente confuso.
— Não tem nenhum problema.
— E por que está emburrada? – quis saber e me olhou. — Eu consigo
ouvir daqui os seus resmungos.
Respirei fundo e neguei com a cabeça.
— Eu não estou emburrada, nem resmungando.
Ao ouvir o riso dele, franzi o cenho. Ele estava rindo de mim?
— Não deveria ligar para o que a Carolina fala – disse despreocupado. —
Você sabe que não é.
— Não sou o quê?
— Feia. Você não é feia.
O tom afirmativo, me deu vontade de sorrir.
— Eu não ligo para isso. – Dei de ombros, mas sem conseguir encará-lo
naquele momento. — Você me pareceu ser bem amigo da Carolina.
— Eu só trabalho para o pai dela.
Não querendo mais entrar naquele assunto “Carolina”, descruzei os braços
e ajeitei meus cabelos. Já a nossa frente vi as porteiras da fazenda aberta, e mais
a frente um homem desmontando da sela de um cavalo. Olhei ao redor de forma
curiosa, tudo parecia ser tão aconchegante e bem cuidado. Quando Mattias parou
pela segunda vez, notei que o homem olhou em nossa direção e sorriu.
Saltei do banco do carona e peguei o embrulho de pães.
— Com problema na porteira? – Mattias questionou. — Ali é um convite
para qualquer um entrar.
— Sou aberto a novas pessoas – respondeu e quando me viu sorriu de lado
um pouco curioso. — Bom dia, moça. Sou o Sebastião, ao seu dispor.
Estendeu a mão e pegou a minha. Com o toque, percebi alguns calos na
mão áspera.
— Bom dia, me chamo Isobelle.
— Ao meu dispor? – riu, e quando me viu calada balançou a cabeça. — É
brincadeira.
— Ah, bom... – fitei Mattias, mas logo voltei a olhar Sebastião. — A dona
Rosalinda me pediu para trazer para você. São pães, eu ajudei a fazer.
Interessado, ele abriu os panos de pratos e pegou um pão dando uma
grande mordida. Sebastião era um homem bonito, tinha os cabelos negros
cacheados, uma barba grossa que adornava seu rosto, pele bronzeada,
corpulento. Mas ainda, sim, não me atraía como Mattias.
Ao ter aquela linha de raciocínio, engoli em seco.
— Está delicioso. – Sorriu e terminou de engolir. — Estou curioso, o que
uma moça tão bonita faz com esse chucro? Nunca te vi por aqui.
— Estou hospedada na casa dele.
— Ah – murmurou e olhou para o amigo. — Espero que ele esteja te
tratando bem.
No mesmo instante olhei para Mattias, ele tinha os braços cruzados.
— Sim, ele está.
Sebastião anuiu e lançou um olhar questionador a Mattias. Era como se eu
pudesse ler as perguntas, e na intenção de deixá-los a sós pedi para ir ao
banheiro. Fui sem olhar para trás, e ao chegar dentro da casa me direcionei ao
banheiro. Diferente da casa de Mattias, aquela era maior e com muitas portas.
Demorei um pouco dentro do banheiro espaçoso, mas logo decidi voltar.
Na entrada da porta vi Mattias falar algo com o semblante sério, e
Sebastião de braços cruzados ouvindo atentamente. Me aproximei lentamente, e
assim que os dois me notaram mudaram as posturas.
— Eu estava indo ver os coelhos – falou e me encarou. — Tem alguns dias
que umas coelhas deram crias.
— Sério? – Sorri me aproximando dele. — Eu nunca vi filhotes de
coelhos.
Sorrindo abertamente, Sebastião me indicou o caminho, mas antes de
segui-lo olhei para Mattias. Ele, sem falar nada, se colocou ao meu lado, e
começamos a andar o caminho de terra. A casinha que tinha diante a meus olhos,
era mediana, e toda fechada. Mas como a portinha estava aberta, eu consegui ver
algumas gaiolas.
Apressei o passo e sorri ao ver tantos coelhos juntos.
— Eles são tão lindos – falei encantada com todos. — E os filhotes? Eu
posso segurá-los?
Sebastião me sorriu e concordou.
Ansiosa, o vi abrir uma das gaiolas e pegar um filhote. Ele era tão
pequeno, indefeso e fofinho. Assim que o segurei, o meu sorriso ficou maior.
Olhei Mattias e ele me observava com um pequeno sorriso.
Aproximei meu rosto do coelhinho e observei seus olhos rosas. Eu estava
realmente encantada por ele, meu olhar seguiu para os outros e vi que os irmãos
dele estavam mamando. Mesmo querendo segurá-lo mais um pouco, o coloquei
de volta na gaiola.
— Eles são tão fofos, Sebastião. Por que você tem tantos?
De braços cruzados, ele franziu o cenho e lançou um olhar para Mattias.
Como se procurasse uma ajuda, então eu entendi.
— Você os vende?
— É um bom comércio – respondeu e se aproximou —, mas se quiser pode
ficar com um deles. Quando ele estiver desmamado.
Sorri com a possibilidade, mas logo a realidade pairou sobre mim. Eu não
sabia o que faria da vida, e estava de favor na casa do Mattias. Então, não tinha
como.
— Eu bem-queria, mas não posso.
Me afastei da gaiola e andei até ficar ao lado de Mattias. Sebastião
suspirou, mas logo voltou a me olhar. A impressão que eu tinha, era que, mesmo
que eu não tivesse o olhando. Ele mantinha os olhos sob mim.
— Ficam para o almoço? Eu mesmo cozinhei – falou enquanto saíamos da
casinha. — Sou um excelente cozinheiro. – Se gabou e sorriu me fazendo
retribuir. — Eu sei que a comida da mãe Rosalinda é maravilhosa, mas tenho
esse dote. A mulher que se casar comigo vai ter um cozinheiro de mão cheia.
— Isso é legal. – Ri e fitei Mattias. Ele olhava com seriedade para
Sebastião. — Bom, eu não sei se ficamos. Mattias?
— É, podemos comer. Depois vamos para casa.
Andamos em direção à casa, e eu percebia que Mattias estava incomodado
com alguma coisa. Mas não dizia o que. Já Sebastião, a todo momento me
envolvia em uma história sobre ele e alguma de suas caçadas. Ele parecia
extremamente empolgado em relatar tudo nos mínimos detalhes, e eu como uma
boa curiosa agradecia por isso. O almoço foi basicamente eu e Sebastião
conversando, e Mattias calado. Vez outra concordava com alguma coisa, e eu já
estava começando a ficar preocupada.
Não sabia se eu tinha dito algo que o magoou, mas não lembrava de ter
mencionado nada de mais.
No fim da tarde, nos despedimos e nos acomodamos na caminhonete.
O silêncio entre nós, era como se houvesse uma barreira invisível. E
aquilo me deixou mal, pois, pela manhã conversamos bastante.
Ao chegar na fazenda, ele estacionou perto do celeiro e saiu sem falar
nada. Esperei que ele entrasse na casa, mas ao invés disso, caminhou em direção
ao curral. Fiquei alguns minutos parada ao lado da caminhonete, eu sabia que
deveria ir para casa e falar com Rosalinda.
Mas quando dei por mim estava andando logo atrás dele.
A noite estava fria, obrigando-me a ficar abraçada em busca de calor. Na
metade do caminho, consegui ver Mattias apoiado no cercado e algumas vacas
dentro do curral. Me aproximei tentando não fazer tanto barulho, mas quando ele
virou a cabeça para trás e me viu.
Esperei que ele dissesse algo, mas ele apenas voltou a olhar para frente.
— Mattias? – o chamei e ouvi um suspiro. — Eu fiz alguma coisa que te
chateou?
— Não.
Não tendo mais respostas, me aproximei dele e me encostei no cercado
observando as vacas deitadas.
— Obrigada por me ajudar. Eu sei que você está fazendo muito por mim, e
talvez impor minha presença seja demais.
Mattias dessa vez me encarou, e ao perceber que me abraçava por conta do
frio. Retirou o casaco que usava e me cobriu. Ao sentir o cheiro dele, não
consegui evitar em cheirar o tecido. Meus olhos automaticamente se fecharam, e
quando voltei a abri-los, Mattias estava em minha frente.
— Talvez eu não tenha gostado dos seus sorrisos para o Sebastião – falou
quase em um sussurro, me deixando arrepiada. — Na verdade, eu não gostei dos
seus sorrisos para ele.
Pega de surpresa, e me sentindo tão nervosa com ele próximo de mim.
Mordi o lábio, os olhos dele seguiram minha ação.
— Eu só estava sendo educada.
— Ele estava flertando.
Engoli em seco, e encarei os lábios dele. Estavam tão próximos dos meus,
que nossas respirações se misturavam. Meu baixo ventre formigava, e assim
repentinamente um calor subiu por meu corpo. Mattias estava tão
tentadoramente perigoso, que ali naquele momento, eu implorei mentalmente por
um beijo.
Um beijo intenso, e possessivo, como o tom de voz que ele usou minutos
atrás.
Eu não sentia medo, nem nojo, mas uma intensa tentação de agarrá-lo e
beijá-lo.
Era pura loucura.
— Sinto muito por ele.
Então o sorriso de dentes brancos apareceu, e eu amoleci. E pronta para
pedir um beijo, um latido surgiu atrás de Mattias. Assim que ele olhou o
cachorro, continuei o observando. O pescoço tão másculo, que eu adoraria
morder e encher de beijos, e o pomo de adão que toda vez que ele falava se
movia.
Por que aquilo era tão sexy?
— Isobelle? – me chamou e eu notei que a sobrancelha estava arqueada.
— Estava me comendo com os olhos?
— N-Não.
Os olhos percorreram meu rosto e se fixou nos meus lábios. Eu conseguia
ver a guerra interna nele, e para meu lamento, ele se afastou. E quando isso
aconteceu, meu corpo esfriou e ainda o olhando me abracei mais no casaco dele.
— Melhor voltarmos, e sinta-se à vontade para andar pela fazenda. Só não
se afaste muito.
Concordei e quando ele deu espaço para eu passar, respirei fundo e
caminhei de volta para a casa.
Mattias

De braços cruzados, ouvia atentamente ao que José e Leôncio falavam


sobre as mortes na fazenda do Forasteiro. Os ataques aos animais me preocupava
bastante, pois eu sabia que se estava acontecendo com as fazendas vizinhas. Não
demoraria para chegar as minhas terras. Olhei para o fim do cercado, e suspirei.
Eu deveria pensar em colocar armadilhas, mas em locais estratégicos.
— Mattias, talvez se aumentar o curral e reforçar a entrada. Vai impedir
que o bicho entre.
— Quanto tempo você acha que terminamos? As vacas não podem ficar ao
relento.
— Um mês dá certo – Leôncio respondeu. — Mas tem que ser boa
madeira, a mesma do celeiro.
— Um mês – repeti e balancei a cabeça. — É o jeito, não posso perder
nenhuma vaca. Quando terminarem aqui, vamos começar com o curral. Tudo
bem?
— Certo patrão – José concordou, em seguida me bateu no braço. — A
patroa vindo.
Confuso, olhei para aonde ele apontava e senti meu coração bater mais
forte. Isobelle se aproximava com uma caneca em mãos, mas o que me deixou
desnorteado foi o vestido que usava. O tecido da cor azul marcava a cintura fina,
e o decote contornava com perfeição os seios medianos.
Desci meu olhar e inconformado observei seu comprimento.
— Seca essa baba, patrão – Leôncio debochou, mas ao receber um olhar
sério se afastou ficando mais próximo de José.
Ao vê-la próxima da cerca, engoli em seco e tentei disfarçar o quão
afetado estava.
— Oi. – Sorriu e estendeu a caneca. — Sua mãe disse que você não tomou
café. Então eu trouxe para você.
— Obrigado.
— Ei, mocinha. – José a chamou recebendo a atenção para si. — Ficou
sabendo que o chupa-cabra atacou o gado do Forasteiro? É o que estão
comentando.
Quando ele terminou de falar, vi a confusão genuína no olhar dela.
— Um o quê? – indagou, o que me fez rir. — O que foi?
— Chupa-cabra é uma lenda.
— Não é não – retrucou José, revirei os olhos ao perceber que voltaríamos
a discussão inicial. — O meu tio por parte de mãe já lutou com ele e sobreviveu.
— Então é um homem? – Isobelle perguntou se apoiando no cercado.
Sem conseguir evitar, observei o decote, mas logo desviei o olhar. Não era
certo, eu sabia, mas estava sendo difícil me controlar.
— Não.
— Sim.
Enquanto bebia do café, notei Isobelle interessada no assunto. Pois olhava
os dois marmanjos a minha frente com expectativa.
— Ele consegue andar como um homem – Leôncio murmurou e retirou o
chapéu para secar o suor da testa. — É como se fosse um lobisomem.
— Lobisomem que não existe.
Ainda segurando a caneca, me sentei no cercado e observei os dois.
Isobelle sorria, o que a deixava mais bonita.
— O lobisomem existe, não se lembra que na última lua cheia uns
fazendeiros reclamaram das galinhas mutiladas?
— Quem não garante que não foi o chupa-cabra?
— Porque não foi.
— O chupa-cabra é a criatura mais temível que existe. – José voltou a
falar olhando para Isobelle, logo atrás dele Leôncio negou com o dedo. — Ele
arranca a cabeça das vítimas e chupa o sangue delas. Ninguém sobrevive para
contar história.
— Mas o senhor falou que o seu tio sobreviveu.
Ri achando engraçado da expressão de José pego no pulo.
— Esse era outro chupa-cabra.
Sem conseguir se segurar, Isobelle riu e balançou a cabeça. Rapidamente
pulei do cercado e parei ao lado dela.
— Certo, agora vamos deixar que terminem aí.
Caminhamos em silêncio até a casa.
Desde o dia em que tivemos aquele momento no curral, não me atrevi a me
aproximar de Isobelle. Eu tinha escutado, sem querer, o motivo dela ter fugido
da cidade natal para cá. Quando a ouvi falando sobre o maldito do padrasto, e o
medo na voz, me destruiu por completo. Eu só queria protegê-la, e no curral, eu
senti o desejo de beijá-la, de possuí-la ali mesmo. Mas me lembrei de suas
dores, e não pude seguir adiante.
Eu não podia me envolver, não queria assustá-la.
Não queria machucá-la.
Então me mantive distante, para o meu bem e o dela.
— Não ligue para o que eles falam. – Puxei o assunto fazendo-a me olhar.
— Tudo bem. Só fiquei confusa sobre o que é um chupa-cabra.
Ri e andei até a varanda.
— Nunca ouviu falar?
— Não era algo que eu conversava no meu dia a dia.
Me sentei no degrau da escada sendo acompanhado.
— Vai depender da sua imaginação, sobre como o chupa-cabra é. Uns
falam que é um animal quadrupede, outros que parecem um bicho com dentes
afiados, mas que consegue andar como nós.
— Você nunca viu?
— Eu já vi lobo do mato.
Ao ouvir um barulho se aproximando, vi a caminhonete preta adentrar a
propriedade e Isobelle se aproximar de mim. Olhava nervosa para a entrada.
— É o Marcos.
O suspiro de alívio me deixou incomodado. Eu sabia que a menção da
palavra Benício Menzzotti, trazia o extremo medo para Isobelle e tudo que eu
mais queria. Era poder dar um basta naquela situação. Saindo do meu devaneio,
vi Marcos estacionar e descer com o semblante abatido. Meu irmão estava
passando por alguns momentos difíceis no casamento. No instante em que abriu
a porta traseira, Licinha pulou nos braços dele e riu alto quando foi jogada para
cima. João Pedro, assim que saiu, correu em nossa direção.
— Tio! Tio! O papai disse que a gente vai ficar hoje aqui com a vovó.
Sorri e o abracei. Olhei para Marcos e notei que ele observava
atentamente Isobelle.
— Bom dia, irmão – murmurou, como resposta acenei. — Isobelle.
— Bom dia. Oi, Maria, tudo bem?
— Titia, que saudades eu fiquei – falou enquanto descia do colo do pai. —
Eu trouxe meu caderno rosa que é da escola. Eu já aprendi a fazer o a, e, i, o, u.
— Eu também aprendi – João Pedro falou, e como resposta Maria Alice
mostrou a língua. — Tio cadê a vovó? Vou dizer pra ela que a Maria mostrou a
língua pra mim.
— Não João!
Então, como dois furacões, os pequenos correram para dentro de casa a
procura da avó.
— Sem correr! – Marcos gritou não sendo obedecido. Por fim, suspirou e
esfregou o rosto. — Bom, eu já vou indo. Qualquer coisa você me avisa.
— Certo, se cuida.
Após acenar, colocou as mochilas no chão ao lado de Isobelle e voltou
para a caminhonete. Sem tirar minha atenção dele, o vi sumir assim que passou
pelas porteiras. De onde estava conseguia ouvir os latidos de Brutus, e as
crianças gritarem ao mesmo tempo. A casa ficava um caos quando os pequenos
apareciam, mas eu gostava. Me virei para analisar melhor, ao mesmo tempo que
Isobelle.
O sorriso lindo me atingiu diretamente no peito, e sem entender bem, senti
um formigamento em minha barriga. Percebendo que eu a encarava, ela mordeu
o lábio mais uma vez e me analisou. Os olhos pareciam compreender o que se
passava na minha mente, e eu tinha quase certeza que ela sabia sim.
— O que foi? – a voz tão melodiosa e doce chegou aos meus ouvidos.
Dei de ombros, sem ter confiança em minha voz naquele momento. Eu
queria questionar se ela tinha noção de como me deixava, mas em um local mais
particular. Como o meu quarto.
— Só um pouco curioso.
— Com o quê?
Às vezes ela se mostrava mais confiante, respondona – como na cozinha
no outro dia – e eu apreciava aquilo.
— Titia! – Desviei meu olhar para a entrada, Maria Alice segurava o tal
caderno rosa. — Quer ver agora meu a, e, i, o, u?
Isobelle parecia realmente interessada, e isso me fez sorrir. Era nítido que
ela gostava de dar atenção a Maria Alice, e não fingia.
— Esse aqui é o meu “a”, aqui nessa tem o “b”. Mas não é família do “a”.
— Ele é lindo. – Elogiou e passou para outra folha. — Foi você que fez
esse também?
— Foi titia! A tia Clau que me disse. Eu tenho duas tias lá na escolinha. –
Falou me fazendo sorrir. Quando meu irmão avisou que seria pai, no dia, eu
senti inveja. Também sonho em ter minha família. — A tia Clau e tia Lô.
— E você gosta bastante das duas?
— Sim sim, titia, hoje eu vou dormir aqui com você. A mamãe foi embora.
Surpreso por ela dizer aquilo, vi Isobelle me olhar assustada. Suspirei e
balancei a cabeça. Com carinho, toquei nos cabelos lisos e loiros. Pronto para
falar algo que pudesse fazê-la sorrir, parei ao ver Isobelle tocar na bochecha
gordinha.
— Eu fico feliz que você durma aqui comigo. Eu também fiquei com
muitas saudades de você.
Maria Alice sorriu e a abraçou.
E eu fiquei ali, apenas observando-as.
Entretido com as duas, ouvi galopes ao longe.
Ao olhar para frente vi Sebastião a cavalo. Quando ele se aproximou e
parou a uma distância segura. Notei o sorriso que ele direcionava a Isobelle.
Automaticamente lembrei da minha cena ridícula de ciúmes.
— Bom dia, Isobelle – saudou tirando o chapéu. — Licinha.
— Oi tio Tião, olha meu caderno.
— É muito bonito. – Sorriu, em seguida me encarou. — Podemos falar?
Antes de responder, olhei para Isobelle e fiquei de pé.
Ao vê-la segurar a pequena e fechar a porta, voltei meu olhar para
Sebastião, que praticamente a devorava com os olhos. Soltei uma respiração
pesada, odiando novamente o ciúmes que senti e indiquei em direção ao celeiro.
A cada passo que eu dava, tentava controlar o sentimento possessivo que criava
em meu peito. Eu sabia que Isobelle não era nada minha, que só estava ali por
um acaso do destino.
Mas era impossível colocar aquilo na minha maldita cabeça.
Voltei minha atenção para Sebastião que descia do cavalo.
— Nem vou perguntar o que aconteceu para estar com essa cara – disse e
cruzou os braços. — Dei uma checada no que me pediu, e descobri que o
Menzzotti não está na fazenda.
— E onde ele está?
— Pelo que me disseram lá no bar, ele está internado – respondeu me
deixando surpreso. — Ele foi assaltado e o ladrão o atingiu no olho, o
desgraçado parece que perdeu um pouco da visão.
Sem conseguir disfarçar, olhei em direção à casa. Isobelle tinha feito
aquele estrago nele? Então lembrei quando ela falou que Benício a tinha
prendido no quarto dele. Só de imaginar no que ela passou nas mãos daquele
desgraçado, sentia meu sangue ferver.
— Então a fazenda está sozinha?
— O Ernesto está lá. Por que pediu para ver isso? Desde quando se
importa com o que acontece com o Menzzotti?
Suspirei e cruzei os braços.
— Ele está atrás da Isobelle – falei o deixando surpreso. — Aconteceu
alguma coisa que ele não quer que ela fale.
Sebastião me olhou desconfiado.
— Como sabe disso?
— Eu a encontrei no celeiro – respondi recebendo um aceno. — Ela estava
assustada, e fugindo dele. O Ernesto e outros peões a procuraram aqui. Estavam
na cidade de tocaia, por que ele moveria os capangas dele para pegá-la?
— Por que ela é gostosa? Talvez ele tenha se interessado.
Respirei fundo com aquele comentário.
— Então ele é psicopata filho da puta.
— Você ainda duvida? – riu e olhou em direção a casa. — Outra coisa –
voltou a me olhar. — Você e ela... Estão tendo alguma coisa?
Fiquei em silêncio, tentando manter minha calma no lugar certo. Sebastião
ainda me encarava em busca de uma resposta. Na hora quis dizer sim, e exigir
que ele ficasse longe. Mas eu não tinha aquele direito, e mesmo a contragosto
respirei fundo.
— Eu acho melhor você não tentar nada.
— Por quê? – quis saber com um sorriso de lado. — Qual é? Somos
amigos, mas se ela está solteira e quiser. O que tem de mal? Talvez até ela
queira passar uns dias na minha fazenda.
— Acho melhor você ir.
Minha voz saiu mais ameaçadora do que eu esperava, mas não me
importei. Sebastião revidou com um olhar sério.
— Mattias...
— Ei! – Ao olhar para o lado, vi Isobelle se aproximar com um pequeno
sorriso. — Vocês continuam aí – murmurou e observou a nós dois. Um pouco
relutante me encarou. — Não quis atrapalhar, é que dona Rosalinda pediu para
você entrar, Sebastião.
— Queria poder ter um bom apelido para você me chamar dele.
— A Maria Alice te chamou de Tião.
— Mas ela me chama de Tio Tião – retrucou com o sorriso estúpido de
lado. — E eu não quero que você me chame assim. Não tenho idade para ser seu
tio, devo ser uns cinco anos mais velho.
Um pouco acanhada, concordei e apontei para a casa. Mattias sem falar
nada, se afastou, indo na outra direção. Eu até poderia imaginar o motivo dele
estar furioso daquele jeito, mas eu não seria grossa com Sebastião só para deixar
Mattias satisfeito. Todas aquelas sensações estavam indo de zero a cem muito
rápido.
— Um chucro – Sebastião comentou e sorriu, mas eu apenas suspirei. —
Então, você ficou muito bonita com esse vestido.
— Foi a dona Rosalinda que fez.
Sorri educada, quando recebi aquele presente e mais outro vestido. Fiquei
um pouco relutante em vestir, mas eu sabia que Rosalinda estava fazendo aquilo
de coração aberto, sem segundas intenções. E até que gostei dele. A calça jeans
me incomodava um pouco, tanto pelo calor e por ser muito justa ao corpo. Era
quase uma libertação poder tirá-la e esticar as pernas.
— Você parece uma fazendeira.
Risonha encarei Sebastião, mas logo voltei meu olhar para onde Mattias
havia ido. Há alguns dias eu percebi que ele me evitava, e eu não queria deixá-lo
desconfortável de forma alguma. Ao entrar na casa, Rosalinda sorriu para
Sebastião e veio em sua direção.
— Olha só você como está mais magro – falou enquanto colocava as duas
mãos no rosto dele. — Não anda se alimentando direito?
— Tô trabalhando muito. – Deu de ombros. — E como não tenho uma
esposa para tomar conta de mim, fica tudo mais complicado.
Ao terminar de dizer me olhou e deu um pequeno sorriso.
No mesmo instante desviei o olhar e me sentei ao lado de Maria Alice que
desenhava no caderno.
— Ah, menino, você vai encontrar alguma moça. É todo bonitão e
trabalhador, pretendente não deve faltar. Vamos, se sente que vou colocar um
café bem quente pra você.
— Obrigado, mãe Rosalinda. O café da senhora é o melhor.
Rosalinda sorriu contida e foi até o fogão. Ao voltar meu olhar para
Sebastião, engoli em seco com a intensidade direcionada a mim. Com a porta da
sala aberta, vi a caminhonete do Mattias ir em direção a saída. E por dentro me
perguntei para onde ele iria, ou se demoraria muito para voltar. Talvez Rosalinda
também não soubesse, pois franziu o cenho e foi até a porta.
— Ué, pra onde esse menino foi?
Respirei fundo e a observei voltar.
— Sabe Isobelle – Sebastião começou a falar. — Próxima semana vai ter
umas festas na cidade. Se você quiser ir, eu posso te levar.
Ele me olhava com um pequeno sorriso, e de onde eu estava sentada
conseguia sentir o perfume que ele tinha colocado. A blusa era de um jeans já
gastos, aberto dois botões da frente. Me dando a visão do peito largo com alguns
cabelos. Os braços descobertos, tinham algumas cicatrizes, mas que não
interferiam em sua beleza.
— Obrigada, mas eu acho melhor não. É que... – Parei e olhei para
Rosalinda na esperança de que ela me ajudasse a negar. Benício não tinha ido
atrás de mim, mas não queria ter a má sorte de me encontrar com ele ou com os
peões na cidade. — Eu acho melhor ficar.
— Estará segura comigo – falou com a voz firme. — Ninguém vai mexer
com você.
Quando ele terminou de falar, eu acenei. Mattias deve ter contado a ele
sobre mim. Era tão óbvio. Por um momento fiquei envergonha, não sabia o que
ao certo o que ele sabia.
— É bom você sair um pouco – Rosalinda me sorriu. — O Sebastião é um
bom homem. Conheço ele desde que era criança e corria com os meus meninos.
— Eu era o que mais obedecia à mãe Rosalinda.
— Imagino que sim – murmurei, em seguida minha mão que estava em
cima da mesa foi acolhida pela dele. Sem querer ofendê-lo, recolhi a mão e
sorri. — Eu acho que ainda vou pensar um pouco no seu convite. Espero que não
fique chateado.
— De forma alguma, só vai me deixar mais ansioso.
— Titia, olha meu desenho. É uma vaca.
O desenho se consistia em uma bola enorme sendo o corpo, uma menor
formando a cabeça e quatro traços com bolas pequenas nas extremidades.
— Está tudo muito lindo – falei e acariciei o rostinho que me sorria. — E
você João o que desenhou?
— Um trator bem grande – respondeu sem tirar os olhos do papel. — Que
nem o do Tio Tião.
Me estiquei para ver e sorri com os traços feito por ele.
— Quando você for rapazinho vai poder dirigir ele.
— Eu já sou rapazinho, tio – João exclamou com os olhos arregalados. —
Vovó eu já sou rapazinho?
— Para dirigir um trator, não. Só quando tiver o tamanho do seu pai.
João Pedro suspirou triste e voltou a desenhar. Queria poder interagir mais
com Sebastião, mas meu pensamento estava em Mattias. Em como eu estava me
sentindo ficando ali aqueles dias, das conversas que tive com ele, do momento
no curral em que quase ganhei um beijo.
Tudo estava embaralhado em minha mente, mas eu sabia que queria um
beijo dele. Pela forma como Mattias agia, pelo que notei, ele era bem mandão e
um pouco sem paciência. Talvez, se acontecesse de trocarmos um beijo, ele
quisesse mais do que eu poderia oferecer.
Envergonhada por ter tais pensamentos na presença de duas crianças,
mordi o lábio e voltei a olhar para o lado de fora.
— Bom, eu vou indo. Preciso voltar para a roça, reforçar a segurança de
lá. Estão falando do chupa-cabra de novo.
Rosalinda cruzou os braços e o encarou.
— Espero que só sejam falácias desses peões.
— Sendo ou não, se ele se aproximar vai levar facãozada – disse e segurou
o facão que carregava na cintura. Me olhou e sorriu. — Até breve, pense no meu
pedido.
— Certo. – Sorri educada e o observei ir. — O Sebastião me parece uma
boa pessoa.
— Ele é – Rosalinda confirmou e foi até o armário. — Infelizmente perdeu
os pais têm uns anos. Foi um baque para todos nós.
— Imagino – murmurei, em seguida soltei um suspiro. — O Mattias saiu,
e já, já dá a hora do almoço.
— Ele deve ter ido à cidade – respondeu, e quando a olhei recebi um
sorriso. — Bem deve ter esquecido de comprar algum material. Esses dias ele
está com a cabeça nas nuvens.
— E tudo está tão normal, né? – falei um pouco tensa. — Sem visitas
inesperadas.
Rosalinda me olhou e percebeu como eu estava. Não precisou eu falar
mais nada, ela já tinha entendido ao que me referia. Benício só poderia estar
aprontando alguma coisa, ou talvez, só tivesse entendido que não valia a pena
vir atrás de mim.
— Que bom que tudo está assim. É a sua chance de recomeçar, e por mim,
você fica aqui para sempre. Meu sonho era ter uma filha, mas só tive meninos.
Sorri me sentindo feliz por estar ali.
Eu já tinha aprendido a cuidar das galinhas, dos porcos e até vi Mattias
cuidando do cavalo que ele tinha. Era um enorme, bem robusto. Nunca tinha
andado a cavalo, mas tinha vergonha de me oferecer a uma cavalgada. Estar ali,
me fez sentir uma nova mulher. E mesmo sabendo que eu precisava ir, não tinha
coragem para isso.
— Por enquanto que ainda estou aqui – comecei chamando a atenção dela
para mim. — Eu quero poder ajudar a pagar algumas contas, ajudar a comprar
mantimentos.
— Não, imagina se vou aceitar isso – Rosalinda negou me sorrindo. —
Você já me ajuda demais aqui.
— Eu quero poder ajudar mais. É que, às vezes, sinto que preciso
agradecer mais por tudo o que tem feito por mim. Abrigar uma estranha, saber
que o Benício está furioso comigo e mesmo assim se colocarem em risco. Vocês
são realmente boas pessoas.
Observei-a arrodear a mesa e parar em minha frente. Minhas mãos foram
seguradas, e com um sorriso carinhoso, Rosalinda me olhou.
— Não precisa se preocupar com isso. – Balançou a cabeça. — Não quero
que gaste a sua economia assim. Aqui não nos falta nada, e se precisar comprar
algo o Mattias compra. Onde come dois, comem três, quatro, cinco, seis...
Ri e concordei. Eu realmente me sentia muito bem ali.
— Vovó, eu quero bolo – João Pedro murmurou recebendo nossos olhares.
— O papai disse que aqui tinha.
— Não disse não, João.
Maria Alice tinha o olhar confuso em direção ao irmão.
— Disse sim. – Ele retrucou encarando a irmã. — Vovó, ele disse sim.
— Mentira vovó, o João tá mentindo.
Apoiei minha mão sob o queixo e ri. Os irmãos mais uma vez voltaram a
falar ao mesmo tempo, olhei Rosalinda que suspirava com as mãos na cintura.

No final da tarde, quase noitinha, estava sentada no sofá com Maria Alice
ao meu lado e João Pedro deitado na ponta do sofá. Os pequenos tinham acabado
de tomar banhos, e assistíamos a um desenho quando da janela vi Mattias
retornar. Respirei fundo e o observei descer da caminhonete e começar a retirar
algumas coisas da carroceria.
Após guardar tudo no celeiro, o vi se aproximar da varanda, e isso foi
motivo para sentir um comichão na barriga. Tentei não ligar para sua presença,
mas foi impossível quando ele parou na soleira da porta e bateu as botas.
Nossos olhares se cruzaram, e por mais que eu quisesse desviar. Mantive o
contato, fazendo com que ele desviasse. Atenta a ele, o olhei tirar o chapéu e o
casaco, pendurando-os no gancho atrás da porta. Em silêncio foi até a cozinha
onde Rosalinda estava, e a abraçou.
Era tão nítido o carinho que ele tinha pela mãe, sorri para a cena.
Ouvi ele falando que tinha ido a um depósito e demorado mais que o
necessário. Pega pelo olhar dele, desviei para a TV e tentei manter a respiração
normal. Pela visão periférica vi Mattias ir até o corredor, talvez para tomar
banho. Já tínhamos jantado por conta das crianças, e estávamos demorando ali
para ir dormir.
Morar no campo era tão diferente, e eu preferia mil vezes a tranquilidade
da roça à cidade grande.
Maria Alice se espreguiçou ao meu lado.
— Titia, eu posso sentar no seu colo?
— Claro – respondi e a puxei para mais perto. — Está com uma carinha de
sono.
— Mas eu não tô com sono não – retrucou sonolenta. Olhei para João
Pedro e o notei cochilando. — Eu só vou dormir quando você for.
Enquanto a conchegava no meu colo, vi Rosalinda me sorrir e gesticular
que arrumaria a cama para colocá-los. Os dois iriam dormir com a avó, pois a
cama dela cabiam os três. Delicadamente comecei a balançar Maria Alice e após
alguns minutos ela já dormia nos meus braços. Sorri e a toquei na bochecha.
Lembrei-me sobre o que ela tinha dito sobre a mãe, e, no fundo, esperava
que tudo se resolvesse. Eles eram tão pequenos, que senti medo por eles.
Me levantei com cuidado, ao mesmo tempo que Mattias aparecia na sala.
Os cabelos loiros estavam molhados, e ele usava uma roupa limpa. Rosalinda se
aproximava logo atrás dele.
— Mattias, pegue o João Pedro – mandou enquanto o tocava no braço. —
Vem Isobelle, já arrumei o cantinho deles.
Anuí e andei atrás dela.
Ao chegar no quarto, fitei surpresa uma rede que protegia a cama. Sem
entender, olhei para Rosalinda, aquilo não estava ali antes.
— É pra proteger dos mosquitos. – Sorriu e abriu espaço para eu adentrar.
Coloquei Maria Alice deitada, e me afastei. Em seguida, Mattias fez o mesmo.
Cruzei meus braços e sorri observando-os. Eles eram tão lindinhos
dormindo calmos como agora. Notando que Rosalinda cobria aos dois com o
lençol, me afastei indo até a sala. Mattias passou por mim e foi direto para a
cozinha. Querendo entender o que tinha acontecido com ele, fui em sua direção.
— Você desapareceu hoje. Sua mãe se preocupou com você.
Sim, menti descaradamente e tentei parecer que tinha sido apenas um
comentário para puxar assunto.
Ele me olhou e sem responder observou meu vestido novo. Rosalinda tinha
uma máquina de costura e tecidos de sobra para me fazer alguns vestidos. Falei
que não precisava, mas ela insistiu. Diferente do que usei pela manhã, aquele
era da cor preta com pequenas girassóis.
— O curral vai ser aumentado – respondeu e foi até o armário. — Fui
comprar os materiais e acabei não notando a hora.
Concordei e o vi ir até as panelas para se servir.
A cozinha era pequena, e Mattias ali dava a impressão de ocupar muito do
espaço. Fiquei uns segundos observando os braços fortes, mas logo parei com
aquilo e me aproximei da mesa. Peguei a garrafa, uma xícara e assim que a
enchi, ofereci para Mattias que sorriu de lado.
— Obrigado pela gentileza.
Não sei o motivo, mas a voz soou sarcástica, o que me fez cruzar os
braços. Então, antes que ele pudesse beber, peguei a xícara de volta e levei aos
lábios. Ele me encarou surpreso, mas logo arqueou uma das sobrancelhas.
— Achei que era minha.
— Achou errado. – Dei de ombros e o observei pegar outra xícara e se
servir. Atrás de mim ouvi um suspiro e me virei. Rosalinda se aproximava,
aparentemente cansada.
— Esses dois até dormindo brigam – comentou e foi até a porta. — Puxou
ao pai. Cadê o Brutus?
Da cozinha ouvi Rosalinda assobiar, e minutos depois o cachorro latiu e
apareceu correndo.
— Ele estava na porta do galinheiro.
— É bom deixar ele pra dentro – Rosalinda falou para o filho. — Bom, eu
vou tomar banho. Esse vestido ficou tão lindo em você, filha. Não perdi a mão,
fazia tanto tempo que não costurava um assim.
— Ele poderia ser maior.
Nós duas olhamos para Mattias. Rosalinda foi a primeira a falar.
— E o que você entende de vestidos? Por acaso já usou algum? Você sabe
fazer? Num tô dizendo mesmo. Folgado.
Com a saída dela, voltei meu olhar para Mattias que comia enquanto me
olhava.
— Isso foi rude da sua parte – disse e o vi encostar na cadeira. — Sua mãe
fez para mim com muito carinho.
— Só quis dizer que está muito curto.
— Ele é um vestido normal, Mattias. Só recebi elogios dele.
— Deixa eu adivinhar – murmurou de braços cruzados, o imitei. — Do
Sebastião?
— Na verdade, sim. Ele disse que fiquei bem bonita como uma fazendeira.
Mattias respirou fundo.
— Que doce da parte dele.
— Sim, muito gentil. Ele sabe ser bem-educado.
Não esperando uma resposta, peguei minha xícara e fui para a sala. Brutus
ao me ver se aproximou e se deitou aos meus pés. Olhei para a cozinha, e neguei
com a cabeça. Mattias era mesmo o chucro que Sebastião dissera. Enquanto
bebericava meu café, observei o jornal que tinha começado. Nada de anormal era
noticiado, e por dentro eu me perguntava o que estava acontecendo.
Desde que tinha chegado ali, não liguei para Michele. E eu sabia que
deveria, mas ainda não tinha feito. Talvez porque eu não quisesse que aquele
meu mundo que eu tinha criado, desmoronasse.
Brutus, que estava deitado próximo, levantou a cabeça e rosnou baixinho.
Sem entender o observei ir até a porta que estava fechada, e ficar meio
escondido olhando alguma coisa. Curiosa para saber o que era, me levantei e
olhei pela janela. Tudo parecia normal para mim. O galinheiro fechado, o celeiro
e o chiqueiro recém-reformado do mesmo jeito. Prestes a me sentar, vi um bicho
esguio correr de quatro em direção à saída.
Não consegui distinguir o que era, mas logo lembrei do chupa-cabra.
Com o coração aos pulos, corri até a cozinha, Mattias lavava o que tinha
sujado.
— Mattias! – o chamei fazendo-o virar em minha direção. — Eu o vi!
— O quê? – perguntou se aproximando com a expressão preocupada. —
Viu o quê?
— O chupa-cabra! – falei, e então o vi rir. — É sério, ele correu para a
pista. O Brutus também viu.
Por ele perceber meu medo, ele anuiu e foi até a entrada. Antes que
abrisse a porta, o agarrei pelo braço e neguei com a cabeça. O que ele estava
pensando? Ir enfrentar o chupa-cabra assim sem mais nem menos?
— Só vou dar uma olhada.
— É perigoso.
— Isobelle – parou e sem eu esperar, agarrou delicadamente meu rosto. —
Chupa-cabra não existe.
Engoli em seco e fitei seus olhos.
O polegar, em minha pele, fazia um leve carinho. O que me fez fechar os
olhos, mas logo abri-los. Mattias conseguia prender minha atenção apenas me
olhando daquele jeito. Lentamente ele levou a carícia até meu lábio inferior, e o
tocou. As borboletas em meu estômago se agitaram, e por uns segundos fiquei
com medo do que fazer caso ele me beijasse.
Eu era praticamente virgem de beijos e outras coisas. Minha primeira vez
nem deveria contar como uma boa experiência. Afinal, eu estava praticamente
inconsciente. Não gostava de tentar lembrar, não eram boas lembranças.
Delicadamente pousei minha mão sobre a de Mattias e movi o polegar em
uma carícia. Ele estava tão próximo, os lábios tão pertos dos meus, que se eu
inclinasse um pouco. Poderia beijá-lo, e eu queria muito.
A porta do banheiro foi aberta e Rosalinda murmurou algo.
Me afastei lentamente e o vi engolir em seco. Mas logo esfregar a mão na
barba. Assim que me virei, vi Rosalinda aparecer já vestida com o casaco em
mãos. Primeiro ela olhou para mim, em seguida o filho.
— O que foi?
Encarei Mattias, mas logo me afastei por completo.
— Eu vi um chupa-cabra – respondi olhando-a se aproximar com o cenho
franzido. — Ele passou para a pista, mas ele estava por perto.
— Chupa-cabra não existe – Mattias voltou a falar. — Eu ia dar uma
olhada.
— Mas nem pensar – Rosalinda cruzou os braços. — Vai enfrentar um
bicho daqueles assim?
— Mãe...
— Vá dormir, não quero saber de você lá fora.
Contrariado, Mattias cruzou os braços e respirou fundo.
— Mãe, eu...
— Para o quarto – o interrompeu. — Tenha uma boa noite.
O olhei e cruzei os braços.
Mattias claramente queria retrucar, mas apenas suspirou e a beijou na
testa.
— Sua benção, mãe.
— Deus o abençoe. – Sorriu e o beijou na bochecha. — Vá descansar,
amanhã é um novo dia.
Antes de sair, ele me olhou e acenou com a cabeça.
As borboletas no meu estômago ainda estavam ali, eufóricas. Me fazendo
ter arrepios pelo corpo, pois eu sabia que se Rosalinda não tivesse aparecido.
Teríamos nos beijado.
— E você também – Rosalinda me abraçou pela cintura. — Descanse bem,
hoje o dia foi puxado. Os gêmeos não te deram sossego.
— Eu gosto de crianças – falei e me dirigi ao sofá. — Uma vez fiz estágio
em uma escola, foi bem desafiador. As crianças me chamavam de Tia Belle.
Rosalinda sorriu e me cobriu quando eu me deitei no sofá.
— As crianças daqui teriam sorte de ter você como professora – murmurou
e eu sorri. — Boa noite.
— Boa noite.
Suspirei e me aconcheguei mais entre as cobertas. Meu olhar seguiu até a
janela, dava para ver o céu estrelado e se não fosse o chupa-cabra lá fora, eu
bem ficaria alguns minutos sentada na varanda olhando as estrelas.
Automaticamente a voz de Mattias falando que aquilo não existia surgiu em
minha mente, e eu sorri. Talvez não fosse mesmo um chupa-cabra, mas o que
poderia ser?
E com aquele questionamento, fechei os olhos e decidi dormir.
Isobelle

Fazia algumas horas desde que Rosalinda tinha se recolhido. E mesmo me


obrigando a dormir, eu não conseguia. Com um suspiro me sentei ainda
enrolada, e observei Brutus, que dormia agora deitado no outro sofá. Me sentia
inquieta, e minha mente me traía enviando imagens minha e de Mattias próximos
da porta. Da carícia na bochecha e lábios.
Só de lembrar do toque em minha pele, me deixava com uma sensação
estranha. Levei os dedos aos lábios e fechei os olhos. Não era o mesmo quando
Mattias me tocava.
Suspirei e me levantei do sofá.
Assim que meus pés tocaram o chão frio, me abracei e me dirigi a
cozinha. Tudo estava escuro, mas a luz externa clareava o ambiente por conta
das janelas de vidro. Ao chegar no armário, abri uma porta e peguei um copo.
Um copo de água me deixaria mais calma e relaxada.
— Sem sono?
Assustada me virei e vi Mattias na entrada da cozinha. Usava apenas uma
camiseta sem mangas e um short escuro. Se aproximava lentamente, e só parou
quando estava a um braço de distância.
— Você me assustou – falei e me virei para encher o copo com água do
filtro. — É, sem sono. Acho que fiquei impressionada com o chupa-cabra.
Brinquei e voltei a olhá-lo.
— José vai adorar saber que você acredita nessas coisas.
Dei de ombros e bebi um gole de água.
— Não entendo por que você não acredita – disse e o observei
atentamente. — Acho que seus avós, ou até sua mãe mesmo, deve conhecer
algumas histórias.
— Eu só acredito no que eu posso ver – respondeu e pegou o copo que eu
segurava. — Nessa minha vida nunca vi um bicho desses, então...
Ao terminar de falar bebeu toda minha água, em seguida esticou o braço
para colocar o copo na pia. No instante em que senti um cheiro bom vindo dele,
fechei os olhos e inspirei. Então uma mão tocou em minha cintura, e ao abrir
meus olhos. Fitei Mattias se aproximar e encostar o corpo no meu. Com o
contato, resfoleguei e mordi os lábios.
— Mattias...
— Toda vez que você morde o lábio assim – me interrompeu encostando o
nariz no meu. Nossos lábios se encostaram de leve, mas logo ele voltou a falar.
— Eu sinto ciúmes, e um desejo de tomar todos os seus beijos.
Enebriada com o momento, esfreguei minha bochecha na dele. A barba
grande em contato com o meu rosto, me fez imaginá-la sendo esfregada em outro
lugar. Só de pensar, me senti envergonhada. Toquei nossos lábios lentamente e
Mattias tentou aprofundar o beijo, mas eu o afastei e com o dedo indicador o
toquei nos lábios.
Seus olhos demonstravam o desejo nu e cru que ele sentia.
Voltei a encostar nossos lábios em um selinho, que Mattias mais uma vez
tentou aprofundar o beijo. No entanto, dessa vez ele foi mais rápido. O braço na
cintura me abraçou, me trazendo para mais perto e a grande mão foi até meus
cabelos da nuca. Os agarrando com possessividade, impossibilitando que eu me
movesse.
Minhas pernas tremeram, e um arrepio delicioso percorreu por meu corpo.
Minha respiração estava desregular, podia sentir meu coração frenético e
naqueles segundos olhei em seus olhos.
— M-Mattias...
— Essa é a sua hora de me parar – falou com a voz tão rouca de desejo,
que eu mal pude ouvir. — Eu me contive, porque não quero assustá-la. Mas Deus
sabe o quanto está sendo difícil para mim esses dias.
Surpresa com aquela confissão, engoli em seco e deixei que meus olhos
descessem pelo rosto dele.
— Achei que eu incomodava você – disse e notei o olhar confuso.
— Você está longe de ser um incômodo – murmurou e puxou meus
cabelos, expondo meu pescoço para ele. — Vamos, Isobelle. Ou me afasta agora,
ou me deixe beijá-la como venho fantasiando.
Ao sentir os beijos e mordidas pelo meu pescoço, gemi baixinho e
inconscientemente esfreguei minha perna em Mattias. Eu sentia meu corpo em
chamas, e uma deliciosa inquietação entre as pernas. Eu queria falar, mas apenas
suspiros e gemidos saíam dos meus lábios. E tudo se intensificou quando Mattias
lambeu meu pescoço, e me apertou em seus braços.
— Aah...
— Vou tomar isso como um sim – sussurrou perto da minha orelha.
Então seus lábios tomaram os meus com fome.
A língua ao tocar na minha em uma carícia erótica, me fez gemer e levar
as mãos aos cabelos loiros. Não conseguia controlar meu corpo, que inquieto, se
remexia em busca de um alívio. Em alguns segundos de beijo eu já tinha pegado
o jeito que ele fazia. Às vezes mordendo os meus lábios, outras chupava me
fazendo repetir os mesmos movimentos. Enquanto era beijada, conseguia sentir
perfeitamente algo duro roçar em meu ventre. E eu sabia exatamente o que era
aquilo, o que me deixou mais acesa. A mão, que apertava minha cintura, deslisou
até minha coxa desnuda e a puxou para cima.
Parecia que Mattias iria me devorar bem ali, encostada a pia.
Afastando-o para poder respirar, não me mexi quando a mão subiu
lentamente até o meu seio e o dedão esfregou no mamilo intumescido. Foi com
extremo desejo que observei Mattias apertar meu seio, em seguida deslisar o
decote para baixo. A todo momento ele me encarava, talvez em busca de algum
vestígio meu de insegurança.
Com o seio desnudo, mordi o lábio e esperei uma ação de Mattias.
O braço forte agarrou em minha cintura, e rapidamente me impulsionou
me deixando sentada na pia. Puxei Mattias pela camisa, querendo sentir
novamente os beijos e apertões em meu corpo.
— Que isso não seja um sonho…
Ao terminar de falar, vi Mattias sorrir e retirar a camisa.
— Não é – confirmou, em seguida tomou meus lábios em um delicioso
beijo. — Sem saber, você vem me tirando o sono.
Sorri com aquilo e antes que eu pudesse falar algo.
Os lábios se fecharam em meu seio, chupando e mordendo o mamilo. Sem
conseguir me segurar, gemi mais alto, e Mattias rapidamente tapou meus lábios
com a mão. Fiquei tensa com a possibilidade de Rosalinda acordar, mas logo
voltei a relaxar quando a língua lambeu meu seio. A minha calcinha estava
completamente molhada, e tudo o que eu mais queria era que Mattias me tocasse
ali.
O calor inquietante estava me deixando louca, e ao olhar para baixo vi a
língua migrar para o outro seio.
— M-Mattias... – o chamei em um sussurro e ele me olhou, ainda com os
lábios em meu seio.
Busquei a mão dele, mesmo com vergonha, e o levei até minha calcinha.
Ele, por sua vez, soltou meu seio e sorriu de lado. Eu nem queria imaginar como
eu teria coragem para encará-lo amanhã, mas naquele momento eu aproveitaria.
Abri mais as minhas pernas e esperei que ele fizesse algo.
Os dedos esfregaram no tecido da calcinha lentamente, e na intenção de
aumentar a carícia. Mattias enfiou dois dedos, me fazendo morder o lábio para
evitar que o gemido saísse muito alto. Totalmente rendida a ele, aproximei meus
lábios e o beijei. Ele esfregava com maestria meu clitóris.
— Tão molhada – sussurrou contra os meus lábios. — Você está me
levando a loucura.
A cada pressão exercida pelos dedos de Mattias, eu sentia que meu corpo a
qualquer momento explodiria de prazer. Agarrada aos cabelos dele, joguei minha
cabeça para trás e me deliciei quando Mattias me penetrou com os dois dedos.
Ter aquelas sensações novas, me fez choramingar de prazer. Eu já tinha me
tocado algumas vezes no banho, mas ali era totalmente diferente.
— A minha vontade é de foder você aqui – avisou com o rosto próximo do
meu. — Foder até deixar você rouca de tanto gritar.
— A sua m-mãe pode aparecer – respondi sentindo os dedos me
penetrarem mais rápido. — M-Mattias...
Abraçada a ele, levei minha mão aos lábios e o tampei enquanto sentia os
espasmos percorrem o meu corpo. Ainda conseguia sentir os dedos serem
apertados, quando Mattias me pegou no colo e me beijou. Eu estava sensível
demais, e assim que meus seios tiveram contato com o peitoral descoberto. Eu
gemi. O calor que emanava de Mattias, estava reacendendo o fogo em mim.
— Acho melhor pararmos – falou e me fitou nos olhos. Sem conseguir
falar, apenas concordei. — Se bem que dormir é a última coisa que eu quero.
Ao ser colocada no chão, minhas pernas fraquejaram, mas rapidamente
Mattias me segurou. Lentamente ajeitei o meu vestido e esfreguei minhas
pernas. Estava tão ensopada que me causava incômodo. Sem conseguir evitar,
olhei para o short que Mattias usava e engoli em seco assim que notei a ereção
grossa marcada.
Minha vontade era de ficar de joelhos e colocá-lo na boca, mas eu me
sentia envergonhada. Em silêncio o vi se abaixar, pegar a camisa que tinha
tirado e vesti-la. Por fim, Mattias me encarou e me tocou na bochecha.
— Eu...
— Boa noite, Mattias – o interrompi recebendo um olhar confuso. — É
melhor você ir para o seu quarto.
Mattias ainda me observava, e por dentro eu me sentia totalmente
acanhada. O meu normal não era me entregar daquela forma, mas me senti tão
bem nos braços dele que só quis sentir e retribuir as sensações. Algo passou em
seus olhos, e quando pensei em me explicar melhor. Ele concordou com
seriedade e me deu as costas.
Brutus, que estava no sofá, andou até mim, e parou na minha frente.
Com um suspiro me voltei para a pia e balancei a cabeça. Amanhã eu
esperaria uma oportunidade para falar com ele, e explicaria a situação. Não
queria que ele se chateasse, ou que ficasse estranho o convívio entre a gente. E
de forma alguma queria desrespeitar Rosalinda que desde que cheguei ali, foi
como uma mãe para mim.
Passei por Brutus e fui ao banheiro me limpar.
Ao me olhar no espelho, encarei meus lábios vermelhos por conta dos
beijos e levei os dedos ao pescoço. Balancei a cabeça e liguei a torneira,
conversaria com Mattias e tudo ficaria bem.

Naquela manhã, após acordar, ajudei Rosalinda com o café da manhã e as


crianças. Mattias assim que acordou falou com todos, menos comigo. Bebeu uma
xícara de café, em seguida saiu sem falar nada. A expressão no rosto dele de
aborrecimento, não me saía da mente. Eu deveria ter explicado o que se passava
na minha cabeça, ontem mesmo quando as palavras saíram.
— Vovó, eu quero a mamãe – Maria Alice falou sentada na varanda, João
Pedro estava com um carrinho brincando. — E o papai.
Rosalinda, que descascava uma batata, parou e me olhou.
— O seu pai vem já – disse sorrindo. — Achei que gostava de ficar aqui
com a vovó.
— Eu gosto vovó – João Pedro murmurou. — A Maria é chata.
— Não sou não. – Negou com a carinha de choro. — Vovó eu não sou não?
— Não é não. Você é a princesa da vovó.
Sorrindo, vi quando Mattias apareceu pelo caminho do curral com mais
dois peões. Ainda mantinha a face aborrecida, e na mesma hora quis ir até ele.
Mas me segurei. Voltei a varrer a varanda, mas ainda o observava. Com pressa
ele abriu o celeiro e junto aos peões, colocaram alguns materiais na carroceria.
Ao fundo eu ouvia os pequenos falarem com a avó, mas meu foco era em Mattias
que carregava um saco de cimento no ombro.
Assim que colocou na caminhonete, um dos peões tomou o lugar do
motorista e quando Mattias subiu na parte de trás e bateu na lataria. O peão
dirigiu em direção ao curral.
— Parece que um bicho mordeu ele.
Me virei e fitei Rosalinda.
— Ele quem?
— O Mattias – respondeu e ficou de pé. — Homens são assim, do nada
ficam com a cara enfezada e depois a gente que é louca. Eu não tenho paciência.
Meu falecido era assim quando eu não fazia o que ele pedia.
Voltei meu olhar para o caminho do curral e suspirei.
— Talvez ele esteja chateado.
— Com o quê? – indagou e olhou por cima do meu ombro. — Agora essa.
– Curiosa, me virei e vi uma picape da cor vermelha entrar e estacionar perto da
varanda. Ao ver a condutora, respirei fundo. — Bom dia!
— Bom dia Rosalinda – falou e retirou o chapéu de cowboy. — Oi –
murmurou para mim, apenas acenei. — Então, eu vim falar com o Mattias.
— Hum – Rosalinda a olhou e se aproximou. — Veio falar o quê?
— Sobre a égua que ele está tratando – respondeu e arqueou uma
sobrancelha em minha direção. — Você está uma fofa com esse vestido, Raquel.
— É Isobelle – retruquei fazendo-a sorrir e levar a mão a testa.
— Que cabeça minha, não sou ótima com nomes. Então, onde ele está?
— No curral – Rosalinda avisou, o que me fez encará-la. — Ele está com
os peões fazendo uma reforma por lá.
Carolina sorriu e olhou o caminho que Mattias tinha seguido há pouco
tempo.
— Então eu vou lá, até Rosalinda. – Se despediu enquanto caminhava para
o automóvel. — Tchau Isabel.
Sentindo um gosto amargo na boca, a observei ligar o carro e ir atrás de
Mattias. Ainda com a vassoura na mão, apertei o cabo tentando acalmar o
estresse que estava sentindo.
— Diabo ruivo.
Ao ouvir o xingamento, me voltei para Rosalinda que entrava na casa,
indo atrás dela vi as crianças no sofá assistindo. Ao chegarmos na cozinha,
cruzei os braços para parecer despreocupada.
— Ela deve estar mesmo preocupada com a égua – comentei. — Para ter o
trabalho de vir aqui.
— Quem? A Albuquerque? – franziu o cenho ao me olhar, mas logo
voltou-se para a pia. — Acho que não. Ela gosta do Mattias, teve um tempo que
os dois ficaram de namorinho.
Pega de surpresa, descruzei os braços e engoli em seco.
— Mas ele me disse que não tinha nada com ela. – Na mesma hora,
Rosalinda me olhou interessada. — Digo... – Pigarreei e dei de ombros. — Ele
comentou que só trabalhava para o pai dela. Lá com os animais.
Ela me olhou por alguns segundos, mas logo sorriu. O que me deixou
confusa.
— É, talvez eu esteja aumentando um pouco. Qualquer coisa já acho que é
namoro.
Tentei sorrir, mas, no fundo, eu me sentia mal e eu sabia que não tinha o
direito de estar assim. Eu não era nada do Mattias, e nem ele meu. O que
tínhamos feito foi apenas uma troca de carícias totalmente consensual.
— Está tudo bem?
— Sim. – Concordei e me aproximei dela. — Eu terminei de varrer a
varanda. O que posso fazer aqui?
— O Marcos ainda não deu notícias – falou e olhou as crianças que
estavam na sala. — Você poderia ir até o curral e pedir para que o José venha
aqui?
— E o Mattias?
— Ele está estressado, o José vai rapidinho e volta.
— Tudo bem. – Sorri e alisei meu vestido. Usava as botas que Demétria
tinha me dado. — Eu volto logo.
Antes de sair, vi Rosalinda me sorrir.
Já no lado de fora me encaminhei pela estradinha. Talvez Marcos não
tinha aparecido ainda, porque estava fazendo as pazes com a esposa. No fundo,
eu queria saber o que tinha acontecido, mas não queria ser tão intrometida. De
longe consegui ver a picape vermelha e Carolina ao lado de Mattias que
mantinha os braços cruzados.
As vacas estavam em uma área cercada, enquanto alguns peões
trabalhavam em outra. Mattias assim que me viu parou de sorrir e acompanhou
meus passos. Desviei meu olhar dele e fui até um grupo de peões. Ao parar no
cercado, sorri educada e chamei um deles.
— Opa, patroa! Algum problema? – perguntou apoiado na cerca.
Estava surpresa como ele tinha me chamado, mas talvez só o tivesse feito
por não saber meu nome.
— Me chamo Isobelle – falei e recebi um aceno. — Eu quero falar com o
José, por favor.
— José? – repetiu e então virou para onde os outros estavam. — Ei mané
mentiroso – riu quando um deles o olhou de cara feia. Era o mesmo que tinha me
falado do chupa-cabra ontem. — A patroa tá chamando.
Automaticamente olhei para Mattias e o vi se aproximar com a feição
séria. Carolina mais atrás tinha um ar ofendido, mas estava parada no mesmo
lugar. Voltei meu olhar para José que sorria.
— Mandou me chamar?
— É, a dona Rosalinda que pediu para eu vir te chamar.
— Vou agora mesmo – respondeu e pulou o cercado. — Vou só pegar o
meu cavalo.
Acenei e pronta para voltar para a casa, senti minha mão ser agarrada. Me
virei e vi Mattias com o cenho franzido.
— O que faz aqui? – questionou, mas ao perceber que havia soado rude,
tentou de novo. — Aconteceu alguma coisa?
— Não, só vim falar com o José.
— Falar o quê?
Após soltar um suspiro, olhei por cima do ombro dele e vi que o peão nos
observava.
— Nada de mais – murmurei e recolhi minha mão. — Pode voltar a dar
atenção a sua amiga.
Ao perceber que minha voz saiu com um tom de puro ciúmes, me virei
para ir. Só que mais uma vez, Mattias segurou minha mão e me puxou para mais
perto.
— Qual o problema?
— Não há problema algum – respondi, no fundo, eu queria chorar e exigir
o que não podia. No entanto, apenas balancei a cabeça me sentindo uma boba. —
Desculpa, não é nada. Não quero atrapalhar a sua conversa.
Cruzei os braços para evitar que ele me puxasse, e ao me virar vi José em
cima do cavalo me olhando.
— Quer carona até a casa?
— Não!
— Não. – Olhei para Mattias que praticamente fuzilava o peão com os
olhos. — Obrigada José, mas eu não sei montar assim. Vou logo atrás de você.
Voltei meu olhar para Mattias, me surpreendendo ao ver que ele tinha me
dado as costas e voltado em direção a Carolina. Me sentindo magoada com
aquela ação dele, andei de volta para casa. No entanto, demorou alguns segundos
e escutei uns galopes próximos. Ao olhar para trás vi Mattias montado em um
cavalo negro. Assim que parou bem ao meu lado, saltou do cavalo e o segurou
pelas rédeas.
— Precisamos conversar.
— E a sua amiga?
Mattias suspirou e sorriu.
— Sabia que você ciumenta assim acaba comigo?
— Eu? Com ciúmes de você? – retruquei vendo-o sorrir mais. — Eu não
estou com ciúmes.
— Não, imagina. Você só não gosta que “minha amiga” fique por perto.
Com aquela acusação, cruzei os braços e balancei a cabeça.
— Assim como você não gosta quando o Sebastião me elogia.
Mattias no mesmo instante parou de sorrir e respirou fundo.
— Vai, sobe – mandou e assustada olhei o cavalo. — Quero conversar com
você em um lugar mais calmo.
— Eu estou de vestido – falei e fitei a sela. Do chão para onde colocava o
pé, era uma altura consideravelmente assustadora. Pelo menos para mim. — Vai
ficar curto.
— Ué – franziu o cenho e com o tom irônico voltou a falar: — É um
vestido normal. Quem está sendo rude agora?
— Você! – o acusei recebendo um sorriso maior. — Eu tenho medo de cair.
Então os dedos tocaram meu queixo com delicadeza.
— Eu não vou deixar você cair.
Fiquei uns segundos o olhando, mas por fim concordei. E com a ajuda de
Mattias, coloquei o pé no apoio da sela e impulsionei meu corpo para cima.
Logo senti um incômodo por estar sentada em algo tão duro, mas tentei
disfarçar. Olhei para Mattias, e o vi subir no cavalo com maestria, ficando
colado atrás de mim. Um braço contornou minha cintura, me puxando para mais
perto dele e a outra puxou as rédeas para outro caminho.
A cada galope eu me remexia na sela, aquilo era muito desconfortável. Me
mexi mais uma vez, e senti o braço de Mattias me apertar. A voz rouca, proferida
bem pertinho da minha orelha, me deixou arrepiada.
— Vai nos derrubar se continuar com isso.
— É um pouco desconfortável, não acha? – retruquei e empinei o traseiro
tentando achar uma posição boa.
— Assim – falou e apertou os dedos em meu quadril me deixando parada.
— Estamos chegando.
Satisfeita com aquela resposta, decidi aproveitar que estava praticamente
nos braços de Mattias e me encostei em seu peitoral. Quando finalmente ele
apontou para frente, sorri ao visualizar a cachoeira e o lago tão cristalino que
dava para ver as pedras por dentro.
— Aqui é tão lindo, Mattias. Não é perigoso?
O observei saltar do cavalo, e me segurar pela cintura, ajudando a descer.
Ao pisar no chão, andei até a margem do rio e mergulhei minha mão. A água
estava fria, e tão convidativa para um mergulho. Sorri e me voltei para Mattias,
ele se aproximava lentamente.
— Aqui é um lugar calmo – me respondeu, em seguida me puxou pela mão
até pararmos embaixo de uma árvore. — Escute, Isobelle... sobre ontem...
— Eu só fiquei envergonhada. – O interrompi, ele parecia surpreso. — É
que, eu só fiz uma vez. Na verdade, não foi tão bom, eu não me lembro. Eu
estava bêbada, mas eu não costumo fazer isso. É que eu não queria ofender você
de alguma forma, ontem. – Eu estava parecendo uma idiota não sabendo me
expressar, mas agradecia por Mattias me ouvir calado. — Depois do que
fizemos, eu fiquei envergonhada. Queria evitar o embaraço.
— Tudo foi consensual, certo? – indagou e eu prontamente acenei. — Que
bom – respirou fundo enquanto alisava a barba. — Eu pensei que tinha
ultrapassado algum limite, que pudesse ter entendido errado e que você tivesse
me igualado a ele.
Nossos olhares se conectaram, e eu soube de quem ele falava.
— Não – murmurei desviando o olhar. — Você foi o mais cavalheiro que
eu já conheci – disse com sinceridade. — O que mais me respeitou e não tentou
forçar nada.
Na mesma hora me lembrei de Roger, Jorge e Benício. Não conseguia
entender como eles eram tão maldosos, e se acharem no direito de machucar
outras pessoas assim.
Carinhosamente, os dedos tocaram meu rosto.
— Sinto muito por tudo o que você passou, mas eu garanto que ninguém
nunca mais vai te machucar. Eu não vou deixar.
Na mesma hora sorri de lado e assenti.
Eu não sabia explicar, mas Mattias me transmitia proteção e um
sentimento diferente. Deixei que meu olhar descesse pelo pescoço, e parasse nos
botões da camisa que estavam abertos. Mattias tão perto de mim daquele jeito,
me deixava com lembranças de ontem. No entanto, eu precisava de respostas
antes de acontecer mais coisas.
— Sua mãe comentou comigo que você e a Carolina ficaram de
namorinho.
Mattias sorriu e desviou o olhar, mas logo voltou a me encarar.
— Eu já desisti de entender se você pergunta ou não sobre mim.
Conhecendo Maria Rosalinda Ferreira, aposto que é a segunda opção.
— Às vezes você é muito convencido – proferi fazendo-o rir. — Eu não
fico perguntando sobre você, mas aparentemente você, dos filhos, foi o que mais
deu trabalho.
Me agarrando pela cintura, Mattias me encostou no tronco da árvore e
negou com a cabeça.
— Agora isso é uma calúnia.
Após morder o lábio, indecisa se perguntava ou não, pousei minhas mãos
em seu peito.
— Mas... vocês têm alguma coisa? – questionei e me sentindo tão
estúpida, continuei: — Não que seja da minha conta, mas eu não me sinto
confortável de ficar entre vocês.
— Não tenho nada com ela – respondeu, e em seus olhos notei a
sinceridade. — Não gosto de misturar prazer e trabalho.
Levei minha mão até o rosto dele e o vi se aproximar. Fechei meus olhos,
e senti os lábios nos meus. Aquele contato fez minha pele ficar arrepiada, e mais
ainda quando fui apertada ao encontro do corpo dele. Com um impulso, Mattias
me pegou no colo e me deixou com rosto na mesma altura que o dele. Ali, com
as pernas entrelaçadas no quadril dele, eu estava sendo praticamente devorada
com o beijo. E a cada aperto na cintura eu me remexia como podia na tentativa
de aplacar o desejo.
Quando o ar faltou, parei o beijo e puxei uma respiração. Mattias logo em
seguida desceu os beijos pelo meu pescoço, e o mordeu.
— Você é tão cheirosa – murmurou em meu pescoço. — Me deixa
completamente louco.
Gemi e sorri, meu corpo vibrou com aquela confissão.
— A-Alguém pode nos ver – falei e tentei olhar ao redor, mas o que só vi
foram vegetações. — Me trouxe para me atacar assim? – Sorri fazendo-o me
olhar.
Mattias retribuiu o sorriso, o que o deixou mais atraente.
— Eu fui dormir ontem com o pau duro – avisou com a sobrancelha
arqueada, me fazendo desviar o olhar. — E hoje tive que ouvir piadinhas dos
peões sobre minha patroa ter me colocado de castigo. Eu mereço um beijo, ou
estou errado?
No instante em que ele terminou de falar, senti as várias borboletas no
meu baixo ventre. Tive vontade de sorrir mais, porém me contive. Era como se
estar ali, fosse o certo e parte de mim. Mattias mantinha o olhar sobre meu
rosto, estudando minhas reações e quando acenei, o sorriso dele aumentou.
— Só um – respondi sentindo a mão descer até o meu traseiro. — Estava
aborrecido comigo, mas cheio de sorrisos para a Carolina.
— Não era com você, era comigo. E eu já expliquei sobre a Carolina.
— Hum. – Dei de ombros, e o puxei para um beijo.
Com uma mão, Mattias segurou um lado do meu rosto e retribuiu o beijo.
A sensação da barba loira em meu rosto, transformava a experiência do beijo
única e a língua acariciando a minha deixava tudo ainda mais erótico. Ao fundo
ouvi um barulho de vozes e galopes. Assustada com quem pudesse ser, afastei
Mattias.
Em alerta, ele olhou para onde as vozes vinham e suspirou. O corpo
protegeu o meu das vistas de quem quer que fosse, e amedrontada me aproximei
das suas costas. Olhei por cima do ombro dele e vi os dois peões montados nos
cavalos.
— Ah, é o Ferreira – o primeiro peão falou. — Bom dia, moça.
— B-Bom dia.
— Algum problema? – Mattias perguntou. — Não acho que invadi as
terras do seu patrão.
— Não, não invadiu. A gente só tá olhando por aí.
— Aí a gente viu o cavalo – o outro peão comentou —, mas não viu quem
era o dono. Nos aproximamos pra saber se tava tudo bem – murmurou e olhou
diretamente para mim. — E se a moça precisava de ajuda.
— Está tudo bem sim – Mattias respondeu, e para confirmar que ele falava
a verdade. O abracei pelo braço, entrelaçando nossos dedos. — Sem
preocupação.
O segundo peão anuiu e foi embora. Já o primeiro me olhou com o cenho
franzido, mas logo balançou a cabeça.
— Até Ferreira. Moça.
Quando eles já estavam distantes, me voltei para Mattias que me abraçava
pela cintura.
— Quem eram eles?
— Peões do Alvaréz – falou e ao ver meu olhar assustado continuou: —
Ele não é um problema para nós.
— O Benício perguntou se tinha sido esse Alvaréz que tinha me mandado
para lá – murmurei tensa. — Ele pareceu não gostar dele.
— Os dois não se gostam – respondeu e me tocou na bochecha. — Não é
difícil odiar aquele cara. Os dois estavam de olhos em uma terra leiloada depois
dos cafezais do Alvaréz.
— Mas aconteceu alguma coisa a mais?
— Como assim?
Engoli em seco e dei de ombros. Era estranho como antes eu estava
sentindo um desejo arrebatador, e agora medo. Olhei na direção que os peões
tinham vindo.
— Vamos para casa?
— Por que o Benício estava atrás de você? – indagou me olhando nos
olhos. — Não quero dizer que você seja mentirosa, mas ele ir atrás de você por
que mentiu o seu nome? Aconteceu algo mais? – perguntou, e eu desviei os
olhos, não conseguindo encará-lo. — Você viu alguma coisa que não devia?
Isobelle

Nervosa era como eu me sentia, e mais ainda quando Mattias me tocou no


queixo, obrigando-me a olhá-lo. Engoli em seco e ponderei, eu nem se quer
tinha dito a ele o motivo que havia me levado a fugir na primeira vez. Antes de
começar a falar, eu respirei fundo.
— Eu não sei o que vi – respondi e o notei confuso. — É que... – Parei e
franzi o cenho. — Foram algumas situações que presenciei, que foram suspeitas.
— Como assim? Sobre o Benício?
Concordei e o vi levantar a aba do chapéu. Em seguida, escorar uma mão
ao lado da minha cabeça. Mattias estava atento ao que eu tinha a dizer.
— Quando eu fui conhecer a fazenda, eu vi uns peões saindo do celeiro
com um saco ensanguentado. Lá dentro eu vi uma poça enorme de sangue no
chão – falei me lembrando da cena. — O Benício me disse que foi uma sucuri,
mas antes tinha brigado comigo porque eu estava xeretando a fazenda dele.
— E você estava?
— Não. – Neguei me sentindo um pouco ofendida. — Eu nunca estive em
um celeiro. Como eu disse antes, Benício é um homem desconfiado. Na cozinha
a Demétria me falou que o sangue era do potro que tinha nascido. Um parto
complicado.
Na mesma hora, Mattias mudou o peso da perna para o lado do corpo e
suspirou.
— Duas conversas desiguais. Uma sucuri seria um assunto para semanas
por aqui.
— E no jantar ele ficou me fazendo muitas perguntas sobre quem eu era.
Acho que me testando. O Ernesto apareceu e disse que estava com um problema
com um cavalo, o Benício ficou bem bravo com isso. E quando fui olhar pela
janela a Demétria brigou comigo. Porque ela disse que eu estava espiando o
Benício.
— O que você acha que estava acontecendo? – Me perguntou com o rosto
próximo do meu. Ele parecia preocupado. — Você comentou isso com alguém?
— Eu não sei, e eu só falei isso para você – proferi sentindo um carinho
no meu queixo. — Eu fiquei assustada com algumas atitudes da Demétria e
tranquei a porta do quarto para me sentir segura. Mas na madrugada ela
destrancou e entrou, não sei se para me vigiar. Eu fiquei com muito medo, e
depois fui até a sala que tinha o telefone para ligar para minha amiga. Só que o
telefone tinha sumido, e pela janela eu vi o Ernesto tirando um saco grande com
alguma coisa se mexendo da caminhonete.
— Grande como? Do tamanho de uma pessoa?
— Eu acho que sim, ou um bicho. Acontecia alguma coisa no celeiro,
porque eu vi um peão armado protegendo a entrada. Quando amanheceu eu
decidi ir, me sentia com medo de ficar ali e arrependida por aceitar o convite,
mas aí tudo desmoronou – murmurei frustrada. — Eu fui até aquele maldito poço
fedorento, o Benício me encontrou lá, me bateu, me amarrou e me levou para o
quarto dele.
— Ele bateu em você e te amarrou? – repetiu, e percebi que o olhar
preocupado se transformou em raiva. — Quando eu pegar aquele desgraçado
filho de uma...
— Mattias – o interrompi e levei os dedos aos lábios dele. — Você não vai
fazer nada, ele é muito perigoso. Eu só não entendo por que ele ainda não veio
atrás de mim. Naquele dia na estrada, o peão falou que eu quase o matei.
Mattias concordou e tocou em uma mecha do meu cabelo.
— Ele não está na fazenda – avisou, o que me deixou surpresa. — Ele está
internado.
Minha boca se abriu e o meu medo triplicou dentro de mim. Benício com
toda a certeza do mundo queria me matar. Sem que eu conseguisse me controlar,
deixei algumas lágrimas caírem.
— Ele vai me matar – disse e olhei Mattias que negava com seriedade. —
Quando ele conseguir me pegar, vai me matar.
— Ele não vai! – retrucou enquanto acolhia meu rosto com as mãos. — Eu
não vou deixar que encostem um dedo em você.
— Eu só me defendi... por que a minha vida está assim? – indaguei para
ninguém em especial. — A minha mãe se importa mais com aquele crápula que
tentou me... – Interrompi envergonhada, Mattias observava meu descontrole
calado. — Eu fugi com medo, e eu só queria uma chance para me esconder e
recomeçar. Então vem o Benício, que também tentou me machucar, e eu mais
uma vez me defendi. Eu não queria que eles me tocassem sem a minha
permissão.
Ao ser abraçada, senti o resto das minhas forças se esvaírem. Mattias me
tinha em seus braços tão protetoramente, como eu nunca estive. Meus braços
rodearam sua cintura, e eu fechei meus olhos. Eu não queria sair daquele abraço,
eu não queria me afastar de Mattias.
— Eu prometo a você, por minha vida – murmurou, e ali encostada em seu
peito senti as vibrações das palavras. — Que nunca mais, ninguém nesse mundo
irá machucá-la. E o desgraçado que se atrever, vai morrer por minhas mãos.
Me afastei para olhá-lo nos olhos.
— Eu tenho medo de que algo possa te acontecer...
— Nada vai me acontecer – falou sério. — Nem a você, Isobelle. Você
confia em mim?
Sorri minimamente em meio ao choro e acenei. Delicadamente, Mattias
secou as minhas lágrimas e me beijou nos lábios. Apenas um selinho.
— Não se preocupe com nada – pediu e eu concordei. — Agora, acho que
devemos ir. Se minha mãe souber que te fiz chorar...
Após fungar, o olhei e sorri.
— Está com medo de apanhar?
— O quê? Eu não apanho dela. – Negou e me puxou em direção ao cavalo
que bebia água do lago. — Mas seria interessante você me proteger da fúria
Rosalinda Ferreira.
Concordei e andei ao seu lado. Olhei na direção que os peões vieram e vi
bem ao longe uma mansão branca. Me perguntava se não teríamos mesmo
problemas com esse Alvaréz, mas confiara na palavra de Mattias. Assim que
voltei minha atenção a ele, o analisei em silêncio.
Ele alisava a crina negra enquanto segurava as rédeas. Ao me olhar, sorriu
de lado e estendeu uma mão.
— Pronta para montar?
Quando ele terminou de perguntar, não consegui evitar meus olhos que se
direcionaram ao corpo dele. Mattias no mesmo instante me olhou interessado, e
lambeu os lábios. Desviei o olhar e me agarrei a sela. Respirei fundo, e com a
ajuda fui impulsionada para cima. Ao me sentar ereta, mordi o lábio inferior e
olhei para Mattias. Aquilo realmente era muito duro e desconfortável.
— Acho que com o tempo fica mais fácil de sentar, né? – indaguei
diretamente para Mattias, e franzi o cenho ao vê-lo respirar fundo. — O que foi?
— Nada.
— Não vai subir? – perguntei e recebi um negar. — Eu deixo você
cavalgar comigo – falei em um tom de brincadeira. — Você quer um convite? –
questionei usando a mesma frase que ele usou comigo.
— Quem sabe hoje a noite? – Sorriu de lado, começando a andar, guiando
o cavalo a pé. — Mas pode fazer o convite, adoraria cavalgar.
— Hoje à noite? – repeti confusa, mas concentrada a minha frente. — Não
é perigoso andar a cavalo pela noite?
— Eu não quero andar a cavalo, Isobelle.
O olhei sem entender e recebi um sorriso de lado que me fez retribuir.
Voltei a observar o caminho, tentando não cair para os lados e pensando na
resposta dele. Mattias me deixava confusa, como ele queria cavalgar a noite,
mas não queria andar a cavalo?
Me remexi na sela e suspirei. Tudo era questão de adaptação, eu sabia,
mas esperava que não demorasse muito para isso. Pois estar sentada ali, com o
vento batendo em meus cabelos, trazia uma sensação tão boa de liberdade. Os
minutos se passaram, e logo reconheci o caminho da fazenda. Quando passamos
pela estradinha de terra e a casa ficou visível. Notei a moto preta estacionada
perto da varanda.
Uma sensação ruim tomou conta de mim, pois da última vez o irmão do
Mattias tinha me expulsado dali. E tudo o que eu menos queria, era que eles se
estranhassem mais uma vez.
No instante em que Mattias parou próximo da varanda, Matheus apareceu
na porta. Os braços cruzados e o olhar em nossa direção, me deixou um pouco
intimidada. Com a ajuda de Mattias desci do cavalo, e olhei para Matheus.
— Eu acho que vou ficar um pouco aqui – murmurei e fitei Mattias. —
Depois eu entro.
— Por quê? – indagou com as mãos no quadril. — Já deve passar da hora
do almoço e você não comeu nada. Se for pelo Matheus, ele vai se comportar.
Sem graça, desviei o olhar.
— Tudo bem.
Puxando uma respiração, andei ao lado de Mattias e subimos a escadinha
da varanda.
— A mãe contou que você está aumentando o curral – Matheus falou
olhando o irmão. — Pensei em fazer o mesmo com o meu.
— É, os animais ficam mais seguros – comentou e deu um tampinha no
ombro dele. — Tudo certo por lá? Precisando de algo?
Matheus me encarou de cima a baixo, mas logo voltou a atenção para o
irmão.
— Não, tudo certo. Só vim ver como a mãe estava, aproveitei e trouxe a
Liliane que reclama que não aguenta mais ficar em casa.
Mattias concordou e empurrou o irmão para dentro de casa.
Assim que entrei, vi uma moça sentada no sofá. Essa quando me viu sorriu
e acenou vindo até mim.
— Oi Mattias! – Acenou sendo retribuída. — Oi, você deve ser a Isobelle?
— Isso, e você a Liliane.
— Sim. – Sorriu e me puxou pela mão em direção à cozinha. — Dona
Rosalinda, bem que a senhora falou que ela era bonita.
Rosalinda me olhou e sorriu enquanto enxugava as mãos no pano de prato.
— Uma moça formosa – disse e encarou Mattias que parou ao meu lado.
— Onde os dois estavam? José veio aqui e disse que você estava vindo logo
atrás. Fiquei preocupada quando não chegou.
— Desculpe – pedi e lancei um rápido olhar para Mattias. — O Mattias se
ofereceu para me ensinar a andar a cavalo.
— Mesmo? – Rosalinda franziu o cenho e nos observou. — Sem paciência
do jeito que é.
Com medo de ter sido pega na mentira, olhei para Mattias que disfarçava
destampando uma panela que estava na mesa.
— Quem vê a senhora falando assim, acham logo que sou um chucro.
— Oh, meu bem – Rosalinda sorriu cruzando os braços. — Não
disse pra te chatear. É que hoje você estava aborrecido, sabe-se lá pelo que
e pra descontar em quem não merece é rapidinho.
— Eu sou educado.
— É sim – riu observando-o.
— Puxei a senhora.
Sem esperar, vi Rosalinda jogar o pano de prato em Mattias que ria.
Também ri e olhei ao redor, Matheus estava na sala sentado olhando em minha
direção. Voltei para a cena que se seguia em minha frente e cruzei os braços.
— Cadê a Maria Alice e o João Pedro?
— O Marcos passou aqui e levou eles. A Alessandra foi mesmo embora, o
Marcos tentou falar com ela, mas foi em vão.
— E os pequenos? – indaguei preocupada.
— Bom...
— Mãe – Matheus a interrompeu se aproximando. — Isso é assunto de
família, não deveria falar para qualquer pessoa.
Na mesma hora me senti envergonhada, mas antes que eu pudesse pensar
em dizer algo, Mattias tomou a frente. Pegando Matheus de surpresa, e todos ali,
Mattias segurou o ombro do irmão e com a feição séria proferiu.
— Eu disse que exigia respeito com a Isobelle.
— E o que eu disse demais?
— Mattias, por favor não...
— Ela não é qualquer pessoa – continuou olhando fixamente para o irmão.
— Se ela está aqui, então também faz parte da família. Agora, eu fui mais claro
dessa vez?
Matheus negou com a cabeça e bufou.
— Foi – respondeu e fitou Liliane. — Vamos indo. Tchau mãe.
— Tchau meu filho – falou e suspirou ao vê-lo saindo rapidamente. —
Liliane, meu amor. Esse seu marido é um cabeça dura.
— Eu bem sei, dona Rosalinda. – Sorriu e se virou para mim. — Não liga
para ele, Matheus é chato assim mesmo com qualquer pessoa. Precisava ver no
início do namoro. – Riu para descontrair, e ao fundo ouvimos uma buzina de
moto. — Vou lá amansar a fera. Tchau, Mattias.
Após eles saírem cruzei os braços e me virei para Mattias.
— Eu não quero que você brigue com o seu irmão por minha causa.
— Se ele obedecesse não precisaria brigar.
Franzi o cenho e neguei com a cabeça.
— Na realidade as coisas não são assim, Mattias.
Ele suspirou e me imitou cruzando os braços.
— Quando eu exijo uma coisa deles – retrucou me encarando. — Eu
espero ser obedecido, Isobelle.
— Ser obedecido na base do medo?
— Se do jeito educado não funcionar – murmurou dando de ombros. —
Sim.
Respirei fundo e percebi que ele me olhava desafiadoramente.
— Eu espero que você se desculpe com ele – disse e recebi um sorriso
sarcástico. — Agradeço por você me defender, mas não quero criar um mal-estar
entre vocês. Fui clara?
Mattias me observou por uns segundos, em seguida bufou e concordou.
Sorri pela minha vitória e voltei para Rosalinda. A expressão dela era de
surpresa, e o sorriso de aprovação.
— Vou ao curral saber se estão precisando de algo – avisou e eu me virei
em sua direção. — Devo voltar daqui a pouco.
— Você não vai almoçar? – indaguei e recebi um negar. — Mas você só
comeu no café da manhã.
— Eu volto logo – respondeu e sorriu de lado. — Vou aproveitar e colocar
umas armadilhas para pegar o chupa-cabra.
De braços cruzados, neguei com a cabeça e o observei ir. Era tão óbvio
que ele estava rindo de mim, mas se ele tivesse visto o bicho como eu vi. Não
estaria rindo. Rosalinda tinha colocado um prato em minha frente e os talheres.
— Parece que vocês estão se dando bem – comentou e se sentou. — Isso é
bom.
— C-Como assim? – franzi o cenho me sentando também. — Nos dando
bem?
Rosalinda sorriu e apoiou os braços na mesa.
— É que quando você chegou estava com medo dele – falou e eu acenei.
— Fiquei apreensiva de que vocês não se dessem bem. Que você não se sentisse
à vontade aqui.
— Ah – fitei o prato. — É que eu estava assustada. Na noite anterior eu
tinha fugido do Benício.
— Eu sei.
— Eu só consegui por pura sorte – proferi e senti a tristeza se apossar do
meu coração.
— Oh, meu amor – Rosalinda estendeu o braço e segurou minha mão. —
Eu não queria fazer você lembrar, me desculpe.
— Não, está tudo bem. É que... – respirei fundo e a olhei. — Se eu não
tivesse encontrado aquela lâmina no lixeiro, e acertado o olho dele. Eu não teria
conseguido fugir, e ele me tocaria e sabe-se lá o que faria comigo.
— Ele vai pagar muito caro por tudo o que fez com você – disse com a
voz séria. — Tudo de ruim que a gente faz, volta pra gente. Pode demorar um
pouco, mas volta.
Soltei um suspiro e tentei dar um pequeno sorriso. Mas agora só conseguia
imaginar as várias possibilidades que teria acontecido comigo. Todas me faziam
querer chorar. Olhei Rosalinda e notei que ela continuava a falar, e eu apenas
concordei. Eu seria uma vítima perfeita para Benício, pois ninguém estaria a
minha procura. Mordi o lábio e fiquei observando Rosalinda que ainda falava.
No entanto, meu pensamento insistia em me levar de volta para Benício, dele
falando que eu queria seduzi-lo por usar o vestido que não era meu.
Com o cenho franzido, tentei me recordar se Demétria havia dito algo
sobre a dona do vestido. Então lembrei que Benício era viúvo.
— Dona Rosalinda – a interrompi. — A Demétria me disse que o Benício
era viúvo, a senhora sabe o que aconteceu?
— Sim, todos na cidade só sabia falar do acontecido. Não me lembro do
nome dela, mas era uma jovem muito linda dos cabelos negros e enormes. Muito
formosa, que só vivia na fazenda. Diziam que ela era proibida de sair de lá.
— E como ela morreu?
Rosalinda suspirou e começou a colocar comida no meu prato.
— Em um acidente de carro, ele capotou e caiu da ribanceira. Foi uma
morte trágica.
Concordei e peguei o garfo. Eu não conseguia sentir fome, mas não faria
aquela desfeita com Rosalinda. Comecei a comer e mesmo não querendo pensei
em Benício e em sua esposa. Eu não a conhecia, mas sentia muito por ela ter se
casado com um homem tão mal como Benício. Não querendo mais falar dele, me
encostei na cadeira e fitei Rosalinda.
— Quando Mattias e eu estávamos perto de um lago – falei fazendo
Rosalinda me encarar. — Dois peões do Alvaréz nos encontraram.
— Hum, o que faziam no lago? – perguntou interessada, mas logo
continuou: — Nunca tivemos problemas com o Alvaréz, ele é um homem
tranquilo. Quase não sai da fazenda, ele tem cafezais. O barão dos cafés.
Riu e dobrou o pano de prato.
— Ele e o Benício não se gostam, né? – indaguei, ignorando por hora a
primeira pergunta dela. — Mattias comentou algo comigo.
— A maioria dos fazendeiros não gosta do Menzzotti. Não dá pra fazer
negócios com ele, sempre ocorre brigas.
— E eu até imagino o motivo.
Fiquei uns segundos olhando para a comida.
— Você pensou sobre ir falar com a polícia?
A olhei e neguei envergonhada.
— Eu acho que... Talvez seja melhor eu ficar na minha. Eu tenho medo de
fazer alguma coisa e estragar a calmaria de agora. Eu estou tão feliz de estar
aqui com vocês.
Assim que recebi um sorriso e um aperto na mão, observei Rosalinda ficar
de pé.
— Tudo bem, não quero te pressionar com isso. Eu vou costurar os tecidos
que separei, estou gostando de criar os seus vestidos.
Sorri e a observei ir.
Sozinha na cozinha olhei cada espacinho dela. Guardaria na memória todo
o lugar e todas aquelas pessoas quando eu fosse embora. Pensar em partir, me
deu um aperto no peito. Pois, eu mal cheguei ali, mas já me sentia em casa. Eu
precisava de coragem para resolver todos os assuntos pendentes, no entanto, me
sentia tão incapaz. Ao terminar de comer, lavei os utensílios usados e fui até a
varanda. Brutus, que estava deitado perto da porta, me olhou e se aproximou.
Carinhosamente esfreguei os pelos negros, e me sentei em um cepo de
madeira. Naquele momento, sozinha, me deixei pensar em minha mãe e Jorge. A
preocupação em saber se ela estava bem me atingiu forte, junto a tristeza de
como nos separamos. Senti várias lambidas de uma língua áspera na mão e sorri
olhando para Brutus.
— Você é tão lindo – elogiei com a voz fofa. — Ontem você viu o chupa-
cabra, né? Uma pena você não falar, talvez o Mattias acreditasse em mim se
você confirmasse.
Fiquei ali sentada por algumas horas, com Brutus me fazendo companhia.
Já no fim da tarde, o céu começava a escurecer. As cores alaranjadas deixavam o
cenário mais aconchegante, e mesmo que eu já tivesse visto o céu daquele jeito
antes. Na roça tudo era mais bonito e intenso. O céu, o vento, o frio.
Cruzei as pernas e encostei a cabeça no batente da varanda enquanto
olhava para o céu de forma hipnotizada.
Atrás de mim ouvi quando a porta foi aberta, me virei e vi Rosalinda
sorrir em minha direção.
— Pensativa?
— Um pouco – respondi e me abracei. — Olhando esse céu bonito, nem
percebi a hora passar.
— A primeira-dama marcou uma missa em homenagem ao prefeito –
murmurou e me sorriu. — Eu tinha me esquecido, mas o José me lembrou hoje
pela manhã antes de ir. Ele vem me buscar umas 18h, se você quiser ir comigo
será bem-vinda.
— Ah – balbuciei e pensei no que responder. — Eu agradeço o convite,
mas eu não sou muito de ir à igreja. Desculpa.
— Tudo bem. – Sorriu e cruzou os braços. — Eu só vou porque prometi a
dona Juvena que ía com ela. Mas você não vai ficar chateada por ficar sozinha
com o Mattias, não né?
Só de me imaginar sozinha com Mattias, senti meu corpo arrepiar. As
lembranças dos nossos beijos ainda estavam em minha memória. Rosalinda ainda
esperava uma resposta, então pigarreei e dei um pequeno sorriso.
— Não, imagina. Eu não vou ficar chateada.
— A missa geralmente dura uma hora e meia – avisou encostada a porta.
— Faz um tempinho que não vou. Bom, vou preparar o jantar antes de ir.
— Eu ajudo a senhora – falei já me levantando. — Se quiser pode ir tomar
banho que eu cuido do jantar.
— Me ajudaria bastante – comentou e pegou uma cesta com aipim
colocando-a em cima da mesa. — Descasque umas oito dessas, o Mattias adora.
Eu não como muito, e você... – Parou com as mãos na cintura. — Mal come.
— Pequenas porções para mim já bastam. – Sorri e busquei uma faca. —
Nunca fui de comer muito.
Rosalinda me sorriu e acenou, em seguida saiu da cozinha. Enquanto
trabalhava ali, me questionava onde Mattias estava que até agora não tinha
chegado. Com um suspiro olhei para a porta da frente e vi Brutus sentado na
soleira da entrada.
Assim que coloquei a última armadilha, me levantei e limpei as mãos na
calça. Tinha protegido a área ao redor do curral, se qualquer bicho tentasse se
aproximar seria pego. Andei para onde Leôncio estava e parei ao lado.
— Por enquanto é o que dá para fazer – comentei e recebi um aceno. —
Vamos voltar, vou dispensar os outros por hoje.
— Depois da missa vai ter música ao vivo no bar – respondeu e sorriu. —
Vou levar minha mulher pra dançar agarradinho.
Sorri e comecei a andar de volta para o curral.
— A missa em memória ao prefeito? – indaguei, e ao olhar para Leôncio o
vi concordar. — A polícia não falou mais nada a respeito do que aconteceu com
ele? Não soube de nada a mais pela cidade?
Eu não conseguia tirar da cabeça o que Isobelle tinha me dito sobre
Benício. As duas conversas sobre o que estava no celeiro, o peão protegendo a
entrada, as desconfianças... Talvez fosse por esconder alguma coisa naquela
fazenda, que Benício estava com medo de Isobelle falar algo. Por isso estava
atrás dela.
— É aquela coisa, né patrão? Se souberem não vão falar. O prefeito não
era flor que se cheire. Aprontava muito, mas como era o prefeito conseguia
escapar sem ser prejudicado.
— É muita gente por aqui que apronta e consegue sair ileso.
— É verdade – concordou, mas logo voltou a falar. — O patrão soube do
Menzzotti? Aquele desgraçado é tão ruim que nem se quer morreu depois do
assalto.
Respirei fundo e automaticamente me lembrei de Isobelle chorando
amedrontada. Lembrei-me da confissão de ter sido agredida e amarrada. E aquilo
só fez meu ódio por Menzzotti aumentar. Quando eu estivesse cara a cara com o
maldito, eu mesmo o mataria. Olhei para o céu e vi as estrelas começarem a
surgir.
— O senhor vai para a missa na cidade?
— Não, você vai?
Deu de ombros com uma expressão azeda.
— A mulher que ir então sim.
Ri e balancei a cabeça. De onde estávamos já conseguia ver alguns dos
trabalhadores juntando os materiais. Apressei os passos e me aproximei do
cercado. Rapidamente dei o dia por encerrado, confirmando a chegada deles
amanhã cedo. Após isso fui até a caminhonete e me sentei no lugar do motorista.
Esperei que alguns dos peões subissem na carroceria, e quando ouvi baterem na
lataria dei a partida e dirigi pelo caminho de terra. Queria chegar logo em casa,
e tomar Isobelle em meus braços.
Sentir os beijos e o perfume delicioso que desprendia do corpo dela. Tudo
nela era delicado, mas, ao mesmo tempo, intenso. Só de lembrar do convite
inocente para uma cavalgada, deixava meu corpo arrepiado. Isobelle me tinha
em mãos e parecia não perceber aquele poder.
Ao ver a casa com a luz da varanda acesa, manobrei e parei em frente ao
celeiro. Desci e acenei para os peões que andavam em direção à saída. Alguns
deles moravam ali próximos.
Subi as escadas da varanda e franzi o cenho ao ver tudo vazio.
Retirei o chapéu e casaco.
— Mãe? Isobelle? – chamei e adentrei. Ao parar no meio da sala, vi
Brutus sentado na porta do banheiro. — Ei, rapaz – bati palma e me agachei
fazendo-o ir até mim. — De guarda na porta?
— Mattias? – era a voz de Isobelle que vinha do banheiro. — É você?
— Sim – confirmei e andei até parar ao lado da porta. — Cadê minha
mãe?
Ouvi o barulho da porta ser destrancada e quando Isobelle apareceu em
minha frente. Notei o olhar assustado, aquilo me deixou alerta.
— Ela foi para a missa.
— O que aconteceu? – quis saber e toquei em sua bochecha.
A pele era tão macia ao meu toque, que quando eu percebia já tinha a
tocado.
— Eu tinha saído do banho – respondeu e olhou em direção da sala. —
Então eu vi um homem a cavalo lá fora. Eu não o reconheci, então corri e me
escondi no banheiro.
— Isso agora? – questionei com o cenho franzido. Afinal, não tinha visto
ninguém ali.
— N-Não, foi há umas duas horas, eu acho. A sua mãe saiu no finalzinho
da tarde, e eu fiquei fazendo o seu jantar.
Olhei atentamente seu rosto e notei o medo em seus olhos. Não poderia
ser capacho do Menzzotti, ou ele teria invadido a casa quando não me viu ali.
Então só conseguia pensar que tinha sido outro peão. Puxei uma respiração e na
intenção de tranquilizar Isobelle, sorri de lado.
— Deve ter sido algum peão do Albuquerque me procurando.
— Será? – indagou e segurou minha mão. — Ele nem desceu do cavalo, só
ficou olhando para dentro da casa. Eu não tive coragem de ficar na sala te
esperando, então fiquei aqui.
Franzi o cenho com aquele final. Eu não queria que ela ficasse se
escondendo para sempre, então eu precisaria agir.
— Depois eu vou lá no Albuquerque – disse e a vi suspirar. — Se fosse
outro saberíamos.
— É, acho que sim – murmurou e desceu o olhar para minha blusa. —
Você está todo sujo.
— Mais um dia de trabalho na roça.
— Isso é uma desculpa? – perguntou e sorriu de forma atrevida. Meu
coração no mesmo instante bateu mais forte. — Eu ainda não jantei porque
estava te esperando.
Assim que ela terminou de falar, não consegui controlar o meu sorriso. Eu
não conseguia compreender, eu não era de sorrisos, mas Isobelle tinha um jeito
tão fácil de me arrancá-los.
— Vai colocar a minha janta também?
De braços cruzados, ela negou com a cabeça e arqueou uma sobrancelha.
— Você não acha que é muito folgado?
— Não. – Balancei a cabeça e juntei nossos corpos. Na mesma hora a vi
engolir em seco. — Mas ou eu tomo banho, ou coloco o meu jantar. Não posso
fazer duas coisas ao mesmo tempo.
Isobelle riu e eu a acompanhei, me sentindo tão leve.
— Você toma o seu banho – retrucou apoiando as mãos no meu peito. — E
depois de limpo, vai até a cozinha e coloca o seu próprio jantar.
Concordei com um pequeno sorriso e observei o lindo rosto a minha
frente. Delicadamente aproximei os nossos lábios e a beijei. A sensação de ter
aquele toque tão íntimo, me deixou sedento por mais. No entanto, quando pensei
em aprofundar o contato, fui afastado.
Isobelle mordia o lábio inferior, em seguida me encarou.
— Vou esperá-lo na cozinha.
E dizendo isso passou por de baixo do meu braço que estava apoiado na
parede. Enquanto se afastava, encarei o vestido que ela usava naquela noite e
sorri. Alisei a barba e fui em direção ao meu quarto. Tomaria logo o banho, e
tentaria ao máximo aproveitar aquela noite com Isobelle.
E se tudo desse certo, um de nós iria cavalgar.
Mattias
Assim que terminei de abotoar a camisa, andei para fora do quarto indo
em direção à cozinha. Me sentia um pouco nervoso, mas tentei não demonstrar
para Isobelle. Não era um encontro, no entanto, eu sentia como se fosse. Parei
no batente da cozinha e cruzei os braços ao ver Isobelle terminando de arrumar a
mesa.
— De banho tomado – falei, fazendo-a me encarar e sorrir. — O que
achou?
— Parabéns por fazer o básico da higiene – brincou e se apoiou em uma
cadeira. — Era isso que queria ouvir?
— Na verdade, esperava um elogio sobre eu estar mais bonito de banho
tomado. Essas coisas que ajudam na autoestima.
— Ah, desculpa – pediu, mas seu olhar demonstrava a diversão. — Sou um
pouco insensível.
Passei a língua em meus lábios, e vi a atenção dela na minha ação. Me
aproximei atento a Isobelle, que rapidamente engoliu em seco.
— Você está muito bonita.
Ela sorriu, e surpreso a percebi sem jeito.
— Obrigada – murmurou e apontou para a mesa. — E então, vamos
comer?
Anuí e esperei que ela se sentasse primeiro. Após isso me acomodei na
cadeira de frente para ela, e começamos a nos servir. Isobelle de onde estava
observava meus movimentos, mas não falava nada. Sutilmente colocou uma
mecha dos cabelos, atrás da orelha e sorriu de lado.
— Leôncio me ajudou a colocar as armadilhas para capturar o chupa-
cabra.
No mesmo instante a vi arquear a sobrancelha.
— Espero que você consiga pegá-lo – comentou e me olhou rapidamente.
— Só assim para você levar o que eu disse a sério.
Sorri e me servi um pouco de café.
— Eu estou sim – retruquei vendo-a cruzar os braços. — Por que acha que
coloquei as armadilhas?
— Não sei – deu de ombros. — Você não acreditou em mim.
— Eu não disse isso – murmurei e cortei um pedaço do aipim. — Então,
Isobelle – falei recebendo a atenção dela —, o que você fazia antes?
— Eu trabalhava no shopping – respondeu e sorriu de lado —, mas eu sou
professora. Me formei tem uns meses.
— E quantos anos você tem? – indaguei um pouco preocupado. Talvez ela
tenha entendido, pois me olhou risonha. — Você é maior de idade, né?
— Sou, vou fazer vinte e quatro daqui a três meses. – Com alívio, me
encostei na cadeira e balancei a cabeça. — Ficou com medo?
— Não quero ser preso.
Isobelle sorriu mais e levou a xícara aos lábios.
— Eu consegui uma bolsa de estudo em uma boa faculdade. Tudo grátis,
fiquei até surpresa. Mas a bolsa me ajudou bastante, porque mesmo trabalhando
eu não conseguiria dar conta de tudo sozinha.
— A sua mãe... – Parei ao notar o semblante dela mudar. — Me desculpe,
eu só quero te conhecer mais.
— Não, tudo bem. – Balançou a cabeça e suspirou. — É que não tem
muito o que falar. – Deu de ombros. — A minha mãe já falou que a vida dela
acabou quando engravidou de mim, que eu me insinuava para o marido dela... –
Ao dizer aquilo vi como ficou constrangida. — Ela nunca foi feliz comigo por
perto. Acho que nem quando meu pai era vivo ela foi feliz. Ela e o Jorge se
merecem.
Assim que ela terminou de falar, respirou fundo. Em seguida voltou a
comer.
— Eu sinto muito.
— Antes de tudo acontecer, eu já estava pensando em ir – comentou e
focou a atenção no meu rosto. — Eu não queria mais ficar lá, eram muitas
brigas, muitas situações. – Parou, e desviou rapidamente o olhar. Eu não
conhecia a mãe e o tal padrasto, mas já sentia raiva deles. — Agora sobre você,
me fale algo.
Soltei uma respiração, tentando me acalmar pelo que tinha escutado antes.
— Tipo o quê?
— Sei lá. Por que decidiu estudar medicina veterinária? Por que ainda é
solteiro? Por que não se casou?
Me encostei preguiçosamente na cadeira e alisei a barba.
— Prefiro lidar com os animais, eles são menos complicados. – Isobelle
sorriu e anuiu. — Casamento para mim é um passo importante no
relacionamento. Quero alguém para vida toda, porque quando isso acontecer ela
será o meu mundo.
Nossos olhares estavam conectados, e eu conseguia perceber a respiração
dela alterada. Seria precipitado da minha parte em afirmar sobre já ter
encontrado quem eu nem se quer procurava? Eu sabia disso, mas algo dentro de
mim gritava que era Isobelle.
Era ela que eu queria.
No entanto, se eu dissesse agora, com certeza seria chamado de louco.
— E ela teria que passar por dona Rosalinda – voltei a falar desviando o
olhar. — Ela é bem difícil de ser conquistada.
— A sua mãe é um amor de pessoa – respondeu fazendo meu sorriso
aumentar. — Sua futura esposa teria sorte em tê-la como sogra.
Um pouco confuso, vi um resquício de tristeza em sua fala, mas ela logo
sorriu de lado.
— E eu também sonho em ser pai. Três filhos, ou quatro.
— Quatro filhos? – Riu surpresa, eu apenas concordei. — Meu Deus.
— Não pensa em ter filhos?
Pensativa, ela demorou alguns segundos antes de responder.
— Acho que dois. Ia depender do meu futuro marido.
— Como assim? – indaguei cruzando os braços.
— Concordo com você sobre ter alguém para vida toda. Um bom
casamento, onde há respeito mútuo e amor. Se eu tiver a sorte de encontrar
alguém que me respeite e queira fazer dar certo... Eu posso pensar sobre em ter
mais filhos.
Ali parado, eu a observei voltar a comer. O pensamento dela casada com
outro, e até mesmo grávida de outro me deixou com ciúmes. Olhei para o prato e
suspirei, minha fome tinha ido embora. Voltei a olhar Isobelle, e decidi que eu
poderia tentar conquistá-la. Mas não queria que ela achasse que eu estava
tentando me aproveitar dela e de toda a situação.
Ficamos em silêncio, cada um perdido em pensamentos. No fim do jantar,
a ajudei a recolher os pratos e a lavá-los. Sentindo falta dos beijos, toques, a
abracei por trás e afastei os cabelos do pescoço. Beijei da nuca até o ombro
desnudo, e deixei que minhas mãos descessem pelos braços de pele arrepiada.
— O convite para cavalgar continua de pé?
No mesmo instante, Isobelle virou-se para mim e pude ver o olhar de
desejo junto a confusão.
— Mas não é a cavalo que você está falando, né?
— Não. – Neguei e levei minha mão ao rosto macio. — Estou te
assustando?
Então, após ficar nas pontas dos pés, ela me abraçou pelo pescoço e me
deu um selinho. Ao separar lentamente, me olhou diretamente nos olhos e senti
como se ela pudesse me ler perfeitamente.
— Não, mas eu não sei muito bem – balançou a cabeça e por uns segundos
vi o embaraço em seu rosto. — Você está falando de sexo?
— Fui pouco sutil?
Ela riu e olhou para minha camisa. No entanto, eu precisava que ela me
olhasse e dissesse se estava pronta. Toquei seu queixo e o levantei, fazendo-a
me encarar.
— Um pouco, é que... Eu não sei. Eu não sou experiente.
— Isso é um problema para você?
Isobelle pareceu surpresa, mas logo negou.
— Eu nunca pensei em fazer de novo – murmurou e deu um pequeno
sorriso. — Não quero que me ache uma boba.
— Isso jamais passou por minha cabeça.
Meus dedos tocavam o queixo com delicadeza. E mesmo que não
fizéssemos nada naquela noite, só de estar ali com ela, me sentia satisfeito. A
mão me tocou por cima da camisa, e desceu lentamente até o cinto que eu usava.
— Podemos ir aos poucos? – indagou e aconchegou mais o corpo no meu.
— Quer dizer, não precisamos fazer as pressas. Né?
— Por mim tudo bem. – Sorri com sinceridade. Isobelle pareceu aliviada,
então aproximei meu rosto do dela. — Você está no controle.
Lentamente os nossos lábios se encostaram.
Automaticamente a abracei e a trouxe mais para perto. A língua ao tocar
na minha em movimentos lentos, mas intensos, me deixou sedento por mais. E
por um momento desejei que estivéssemos com menos roupas. Pois queria muito
sentir os seios mais uma vez sendo esfregados em meu peito, mas respeitaria o
desejo dela de ir aos poucos.
Quando o ar nos faltou, a afastei minimamente e a observei morder os
lábios. E me empurrar até me deixar em frente a cadeira. Entendendo o que ela
queria, me sentei e a puxei para se sentar em meu colo. O olhar foi até a minha
ereção marcada sob o jeans, em seguida meu rosto. Isobelle respirou fundo, e se
sentou com cuidado de frente para mim.
Ao senti-la se aconchegar, e a visão da expressão de prazer tão nítida em
Isobelle.
Me fez gemer, e forçar o corpo dela para baixo. Assim que ela fechou os
olhos e gemeu, eu me permiti fazer o mesmo. Abri mais as pernas e senti com
prazer, Isobelle mover o quadril para frente. Bem em cima do meu pau, que
começava a latejar.
— E-Eu o sinto tão duro, Mattias... – sussurrou perto dos meus lábios.
— Me deixe tocá-la, Isobelle. Me deixe senti-la, por favor.
A olhei e quando a vi concordar, e em seguida me beijar. Desci minhas
duas mãos ao traseiro macio, onde o apertei e desferi uma palmada fazendo-a
pular. Como resposta, recebi uma mordida no lábio, e os braços ao redor do meu
pescoço. Toquei no tecido da calcinha e tentei colocá-la para o lado. Mas ao
perceber que não estava dando certo, segurei a renda com as duas mãos e forcei
até ouvir o rasgo.
Isobelle parou o beijo e ainda abraçada a mim, olhou para trás notando o
que eu tinha feito. Sabendo que ela diria alguma coisa, levei os dedos até as
dobras entre suas pernas e a toquei. Esfregava em movimentos lentos a entrada
pequena, e às vezes deixava que a ponta do meu dedo a penetrasse.
A puxei de volta para o beijo, e enquanto a acariciava intimamente.
Recebia de bom agrado os puxões em meus cabelos, e alguns arranhões na nuca.
Ela gemia manhosamente, e inconscientemente rebolava em meus dedos. Tê-la
tão entregue assim, só fazia meu desejo multiplicar. Com a outra mão dei mais
uma palmada, em seguida de um aperto no traseiro.
— Eu p-posso tocá-lo?
Surpreso com o pedido, a penetrei com os dois dedos e a fitei.
Ela arfou e gemeu fechando os olhos. A língua passou lentamente pelo
lábio inferior, e com aquela visão eu gemi e intensifiquei as penetrações.
— Achei que iriamos aos poucos.
— Eu sei – concordou e me beijou os lábios —, mas não é justo só você
não sentir prazer.
Ao terminar de dizer, desceu uma mão até o meu cinto.
— Quem disse que eu não estou sentindo prazer? – questionei e levei os
dedos até o clitóris. E sem desviar nossos olhares fiz movimentos circulares. —
Estou duro por você.
Desci meus olhos pelo corpo dela, e percebi os mamilos eretos sob o
decote. Prestes a prová-los, ouvi ao longe barulho de um automóvel se
aproximar e vi quando os faróis passaram pelos vidros das janelas. Isobelle
rapidamente me afastou e ficou de pé. Ainda sentado, na tentativa de me
acalmar. Olhei para a entrada e segundos depois vi minha mãe se despedir de
alguém, mas logo adentrar sorridente. Segurava uma rosa-vermelha, o que me
deixou confuso.
— Voltei – falou e andou até a cozinha. Assim que ela me olhou, franziu o
cenho. Em seguida encarou Isobelle que estava virada em direção à pia. — A
igreja ficou lotada. Sorte que fui mais cedo e me sentei na primeira fileira.
Após me recompor, me voltei para Rosalinda e sorri. Meu corpo ainda
estava febril, e me sentia muito sensível entre as pernas. Relanceei meu olhar
para Mattias, e o percebi muito calmo. Me perguntava como ele conseguia
disfarçar. Porque eu estava em chamas por ele, e apostava que se Rosalinda não
tivesse chegado, a essa hora Mattias e eu avançaríamos mais um pouco nas
carícias.
— Isso prova que o prefeito era muito querido – disse e agradeci
mentalmente por minha voz ter saído normal.
— A primeira-dama só sabia chorar – comentou e se aproximou de mim,
quando ela me estendeu a rosa sorri. — O Sebastião mandou para você. Acho
que está interessado.
Riu de forma travessa e virou-se para o filho que me olhava com uma
expressão zangada. Retribui o olhar, e Mattias cruzou os braços olhando agora
diretamente para a rosa.
— Foi gentil da parte dele – respondi e fitei Rosalinda, que sorria —, mas
ele não precisava se incomodar.
— Ele queria ver você – continuou indo até o armário. — Me perguntou
por que não foi.
— E isso é da conta dele? – Mattias indagou, era tão nítido ver o
aborrecimento em sua face. — A senhora não está o ajudando a tentar algo, ou
está?
— Eu? – Vi Rosalinda levar a mão ao peito e negar. — Claro que não. Só
entreguei a rosa porque ele me pediu, e fiquei sem jeito de negar.
— A senhora sem jeito?
Querendo evitar uma possível discussão, me intrometi.
— Mattias, não precisa disso tudo. Foi só uma rosa. – Quando terminei de
falar, vi a atenção dele em minha direção. — Uma rosa sem intenções.
— Você sabe muito bem que é com intenções. Então não deveria aceitar,
ou quem sabe esclarecer as coisas com ele.
Cruzei os braços e mantive meu olhar no dele.
— Esclarecer exatamente o quê?
No mesmo instante o vi respirar fundo, e ficar em silêncio. Eu nem queria
olhar para Rosalinda, pois tinha uma leve impressão de que ela descobriria em
meus olhos o que realmente estava acontecendo ali.
— Prefere iludi-lo?
— Não, mas não serei grossa com ele que foi tão educado comigo.
— Ah, meu bem. Quase esqueci – Rosalinda falou, e Mattias foi o
primeiro a olhá-la. — Amanhã ele vem aqui para te ver e saber da sua resposta.
— Resposta para o quê?
Mattias e a mãe me olhavam, e um pouco constrangida por Rosalinda estar
presenciando aquele ciúme do filho, encarei a rosa. Então quando percebi que
Mattias estava com ciúmes, sorri e me encostei a pia. Ele ao ver minha reação,
respirou fundo e continuou com os braços cruzados.
— Ele me convidou para sair – respondi e vi Rosalinda sorrir contida.
Parecia conhecer uma piada que só ela sabia. — Eu disse que iria pensar.
— Sério? – Mattias indagou e inclinou o corpo para frente. — E o que vai
dizer a ele?
Sutilmente mordi o lábio para evitar que meu sorriso aumentasse. Na
verdade, eu esperava que Mattias me convidasse para ir às festas da cidade. No
entanto, ele não comentou nada sobre. Então talvez não fosse, e eu não queria ir
sem ele. Mas não diria aquilo em voz alta.
— Não sei. – Dei de ombros e desviei o olhar. — Ainda não pensei, talvez
amanhã eu tenha a resposta.
Ele pareceu não gostar da minha fala, mas não retrucou. Ao invés disso,
desviou o olhar e ficou pensativo. Entre as minhas pernas senti o incômodo por
estar tão molhada, e querendo dar um jeito naquilo depositei a flor em cima da
mesa e sorri para Rosalinda.
— Vou me preparar para dormir – falei para ela que anuiu. Sutilmente
olhei Mattias que agora me observava.
No sofá peguei o moletom limpo, uma calcinha e me direcionei ao
banheiro. Assim que tranquei a porta, me encostei nela e desci minha mão até o
meio das minhas pernas. Lentamente toquei entre minhas dobras e mordi o lábio.
Eu estava tão ensopada e sensível, a calcinha rasgada me tirou um sorriso
nervoso.
Na hora eu iria reclamar, mas então Mattias me beijou tirando meu
raciocínio. Eu sei que tinha dito que iriamos com calma, mas a cada vez que nos
beijávamos e ele me tocava tão intimamente. Era como se eu não controlasse a
libido, e meu corpo queimava em busca de mais.
Meus dedos esfregaram o clitóris, e eu gemi contida. Minha pele ficou
arrepiada, e sob o vestido pude ver meus mamilos eriçados. Os toquei e me
lembrei dos lábios de Mattias neles, me dando prazer. Eu precisava de mais,
então certa do que fazer. Respirei fundo e lavei o corpo para tentar me acalmar
por hora. Em seguida me sequei, vesti o moletom limpo, e escovei os dentes.
Após esconder minha calcinha rasgada no lixo, fui em direção à saída.
Me abracei por conta do frio e andei até chegar na sala. Então surpresa vi
Mattias sentado no sofá, enquanto arrumava o travesseiro. Usava agora uma
camisa sem mangas, e um short.
— O que está fazendo?
— Me preparando para dormir – respondeu e me olhou de corpo inteiro. —
Pode dormir no meu quarto.
Antes que eu pudesse falar, vi Rosalinda sair do quarto dele abraçada a
alguns lençóis.
— Pronto, troquei o forro de cama por novos. Se precisar de um lençol
mais grosso é só falar.
— Obrigada, mas não precisava se incomodar. Não quero tirá-lo do seu
quarto, Mattias. – Murmurei olhando agora para ele. — Eu me viro no sofá.
— Nada disso – negou encostando-se para trás. — A minha cama é mais
confortável, eu insisto que fique nela.
Franzi o cenho ainda abraçada ao meu vestido.
— Você mal cabe no sofá, Mattias. – Sorri ao perceber aquilo. — Por
favor, não precisa se incomodar.
— Isobelle, não se preocupe comigo. Eu vou ficar bem aqui.
Continuei o olhando, e só desviei quando Rosalinda parou ao meu lado e
me tocou no braço.
— Venha e me diga se precisa de outro lençol.
Mordi o lábio sutilmente e antes de sair da sala, lancei um olhar para
Mattias que me sorria de lado. Brutus estava deitado no chão do quarto, e
quando o adentrei olhei para tudo curiosa. A cama era de solteiro e estava
encostada a parede do lado direito. Havia uma janela coberta por uma cortina, e
em frente a ela um pequeno móvel com duas gavetas. No outro lado estava um
guarda-roupa, e assim que olhei para o meu lado notei uma pequena estante com
livros.
Andei até ela e vi o diploma emoldurado logo acima.
— É tudo tão organizado.
— Meu Mattias não é bagunceiro – disse e eu sorri minimamente ao ouvi-
la. — Ele também sabe cozinhar, só é um pouco chucro às vezes, mandão e
ciumento demais. – Ao ouvir aquilo, me virei para ela e a vi sorrir. Notei algo
em seu olhar, e no mesmo instante me senti como se tivesse sido pega. — Mas é
um bom homem, você já deve ter percebido isso.
— Sim – concordei fazendo-a sorrir mais. — Quando a senhora o mandou
ir atrás de mim, lá na estrada e depois de tudo, notei que ele tem um bom
coração.
— Eu não o mandei ir atrás de você – falou baixinho e confusa, mas com
um pequeno sorriso. — Quando ele soube o que Matheus fez, discutiu com os
irmãos, pegou a espingarda e foi atrás de você.
Eu me sentia surpresa com aquela confissão, e mais ainda por saber que
ele tinha ido atrás de mim por querer. Afinal, ele poderia ter ignorado e seguido
a vida. Eu não era o problema dele.
Então, sem saber o que responder, fui até a cama e me sentei. Soltei um
suspiro e me deitei, meu corpo automaticamente relaxou me fazendo sorrir e me
aconchegar mais no colchão. Rosalinda pegou o lençol que estava dobrado e me
cobriu gentilmente.
— Obrigada – agradeci e senti um carinho nos cabelos. — A senhora
também é uma boa pessoa. Obrigada por me acolher, serei eternamente grata.
— Não precisa agradecer, fico muito feliz por você estar aqui. – Sorriu me
fazendo retribuir. — Bom, agora boa noite, vou molhar o corpo e me deitar. É
cansativo ir pra cidade assim. Vamos Brutus.
— Boa noite.
Assim que a luz foi apagada, fitei o teto e a primeira coisa que pensei foi:
Mattias tinha ido atrás de mim por querer me ajudar. Sorri sem perceber e senti
um frio na barriga. Me virei de lado e observei um pouco a claridade sob a
cortina. O colchão era macio, o que me fez questionar se Mattias estava
confortável no sofá.
Suspirei e fechei os olhos.
No entanto, eu só sabia pensar em Mattias. Nos beijos, apertões pelo
corpo e no convite indecente para cavalgar. Sorri com aquele último e mordi o
lábio.
Na teoria eu entendia sobre sexo, mas, na prática, eu tinha medo de não
ser tão boa e me sentia totalmente sem jeito só de imaginar nua na frente dele.
— Como se ele já não tivesse me tocado, né Isobelle? – resmunguei e me
sentei no colchão.
Fiquei alguns minutos analisando e pronta com a coragem renovada,
retirei o lençol do corpo e andei em direção à porta.
Isobelle
Lentamente saí e olhei para o quarto de Rosalinda que ficava no fim do
corredor. A porta estava trancada, então me sentindo ansiosa, andei até a sala. O
sofá estava vazio, mas ao olhar para a cozinha vi Mattias de braços cruzados.
Me aproximei e notei que ele olhava com o cenho franzido em direção à flor que
ainda estava em cima da mesa.
Ao me ver parada na entrada, percebi a surpresa em seu rosto.
Então me aproximei dele.
— Achei que estivesse dormindo – falou apoiando as duas mãos para trás
na pia. — Não gostou da cama?
— Ela é confortável – respondi e toquei na rosa. — E você o que faz
acordado?
— Quer a sinceridade? – indagou e um pouco surpresa concordei. — Não
gostei nenhum pouco de saber do convite que recebeu ou dessa rosa.
— O Sebastião só foi gentil – murmurei e o vi respirar fundo. — Ele não
está interessado em mim, Mattias.
— Ele veio me perguntar se você estava disponível, e isso quer dizer que
ele está interessado.
Ao ouvir aquilo fiquei pensativa. Pois, eu desconfiava, mas não queria ser
egocêntrica ao ponto de afirmar com todas as letras que Sebastião estava
querendo algo a mais comigo. Mattias ainda me olhava contrariado, não
consegui evitar o sorriso.
— Eu não estou interessada nele – disse e me aproximei mais. — Talvez
eu deva mencionar isso ao Sebastião.
— Concordo plenamente.
Sorri mais com aquela fala e o toquei por cima da camisa.
— Não sabia que você era tão ciumento assim.
Mattias suspirou e me abraçou pela cintura. Minha pele ficou arrepiada
por baixo do moletom, e eu não sabia muito bem como dizer o que eu queria.
Mas eu desejava ardentemente que Mattias me tomasse, e cumprisse com aquela
promessa de me fazer ficar rouca de tanto gemer.
Envergonhada, desviei nossos olhares.
— Eu sou ciumento – respondeu e me tocou no queixo. — Um pouco
possessivo... – Sorriu de lado me fazendo arquear uma sobrancelha. — Tento me
controlar, mas não consigo. – Me analisou por alguns segundos e continuou: —
O que faz acordada?
Dei um pequeno sorriso e fitei em seus olhos. Me sentia extremamente
nervosa.
— Eu estou me sentindo uma boba.
— Por que se sente assim? – indagou com um sorriso de lado. — Por
causa do Sebastião?
Ao vê-lo com o cenho franzido, neguei e fiquei nas pontas dos pés.
— Por sua causa – respondi e o beijei no canto da boca. — Eu estava
pensando e acho que tudo bem se cavalgarmos um pouco.
Mattias sorriu abertamente, em seguida lambeu o lábio inferior.
— Tem certeza? Eu vou respeitar o seu tempo.
Naquele momento meu coração estava aos pulos. Tinha uma sensação
estranha em meu peito que eu não sabia bem o que era, mas era algo bom. Então,
para confirmar que eu tinha certeza, encostei nossos lábios e o beijei. Fui
puxada para cima e o abracei com as minhas pernas em seu quadril.
Enquanto o beijava percebi que ele andava para algum lugar. Parei o beijo
e vi que estávamos indo para o quarto. Assim que entramos, mordi o lábio ao
ouvir a porta ser trancada e tentei me manter calma. No entanto, minha
ansiedade triplicou quando fui colocada na cama, e em minha frente Mattias
retirou a camisa, a jogando no chão.
Me ajoelhei no colchão e esperei que o short tivesse o mesmo destino.
Porém, ele se aproximou e juntou nossos lábios. Delicadamente a minha blusa de
moletom foi puxada para cima, e separando minimamente o beijo senti um
arrepio quando meus seios ficaram a mostra. O olhar de Mattias era de puro
desejo, e mesmo envergonhada não me cobri. Com expectativa o observei
inclinar o rosto ao meu seio, e o colocá-lo na boca.
A língua lambeu o mamilo enrijecido, e de forma gulosa, Mattias o
chupou. Meu corpo tremulou, e enebriada com as sensações me agarrei aos
cabelos loiros. Ainda abraçada a ele, fui deitada no colchão e abri as pernas para
acomodar o grande corpo por cima do meu. A cada mordida e chupão, eu puxava
Mattias para mais perto. As sensações eram tão intensas, nunca provadas por
mim.
Quando o outro seio recebeu a mesma atenção, eu gemi e ondulei meu
quadril.
— M-Mattias...
O calor do corpo no meu, estava me enlouquecendo. Então, querendo que
ele avançasse mais um pouco, desci minhas mãos até o short dele e tentei tirá-lo.
Mattias riu e me encarou nos olhos.
— Parece apressada...
— Você está muito vestido – respondi e o vi sair da cama. Meus olhos
fixaram na ereção marcada no short, e sem esperar senti ser puxada até a beirada
do colchão. — Mattias?
— Antes eu quero chupar essa boceta.
Assim que ele falou, senti meu rosto arder de vergonha. Seu olhar não
dava brechas para contestação, e mesmo não falando em voz alta. Eu queria ter
aquela primeira vez com Mattias. A calça que eu usava foi puxada para fora, e
logo vi minha calcinha de renda preta velha. Se eu soubesse que ele me veria
daquele jeito, teria colocado uma mais apresentável.
Os dedos me tocaram por cima da renda, e meus olhos quase fecharam. Eu
estava tão sensível, mas não queria perder aquela visão. Com a respiração
sôfrega, o observei se ajoelhar e abrir bem minhas pernas.
— Não r-rasga a minha calcinha.
Mattias parou, então ainda me olhando forçou o tecido rendado. Ao ouvir
o rasgo, arqueei uma sobrancelha e o vi sorrir de lado. Me sentia excitada com
aquela selvageria, mas não diria, ou ele poderia fazer isso sempre. As grandes
mãos subiram por minhas coxas, me deixando completamente arrepiada e quando
pensei em dizer algo.
Recebi uma generosa lambida seguida de uma chupada no meu clitóris.
Meu corpo arqueou em resposta, e minha mão se fechou nos cabelos de Mattias.
Era com maestria que a língua me lambia, e a cada movimento que ele fazia,
apertava minhas coxas. Eu gemia contida, com medo de Rosalinda ouvir. Mas a
cada segundo que passava a vontade era de gemer mais alto, e deixar que as
sensações tão surpreendentes novas saíssem para todos ouvirem.
Voltei a olhar Mattias, e mesmo pela pouca iluminação no quarto.
Conseguia notar perfeitamente as feições de desejo. Os dedos encontraram a
abertura entre minhas pernas, e ao ser penetrada gemi e senti uma contração se
iniciar.
Tentei me manter de olhos abertos, mas no instante que meu corpo
tremulou por completo. Meus olhos se fecharam, e eu me vi flutuando mesmo
estando com o corpo mole. Totalmente sensível, fechei as pernas quando Mattias
voltou a me tocar, então o olhei. Ele estava de pé, e abaixava o short. Por um
momento não consegui esconder a surpresa ao descobrir que ele era grande e
grosso. A fileira de pelos loiros do umbigo, descia por um caminho de pelos
aparados até a base da ereção.
— Estou ficando sem jeito com esse olhar – murmurou e sorriu ao se
aproximar. Eu não conseguia desviar de seu pau, que parecia apontar para mim.
— Está tudo bem? – indagou enquanto retirava o resto da minha calcinha.
— Você é muito bonito – falei e recebi um sorriso. Um pouco nervosa o vi
se ajeitar entre minhas pernas, e esfregar a cabeça rosada nas minhas dobras. —
M-Mattias, eu acho que vai doer.
— Quer ir por cima dessa vez? – indagou e um pouco confusa o vi se
deitar. — Você comanda, e me mostra até onde consegue ir.
Engoli em seco, e me apoiei em seu peito, montando de forma cautelosa.
— Estou no comando?
— Vou deixar só dessa vez. – Avisou e fechou a mão no próprio pau o
acariciando. — Então não se acostume.
Após um aceno, respirei fundo e o segurei. Lentamente imitei os
movimentos dele de antes, e engoli em seco ao vê-lo soltar um gemido. Sem
saber muito bem o que fazer, inclinei meu corpo para frente e levei a ereção até
o meio das minhas pernas. Ao sentir a cabeça forçar na entrada, mordi o lábio
inferior e fechei os olhos. Não chegava a ser uma dor, mas aos poucos que fui
deixando-o entrar arfei em desconforto.
Olhei para Mattias que estava de olhos fechados e cenho franzido, e
permiti que ele me penetrasse mais um pouco.
— Se você relaxar – murmurou e desceu as mãos até o meu traseiro. — Eu
vou conseguir entrar por completo.
Mesmo em dúvida, tentei ao máximo seguir aquele conselho. No entanto,
era impossível quando eu sabia que algo tão grande e largo estava abrindo
espaço em mim. Soltei um suspiro e fixei em seu olhar, eu não estava
conseguindo ficar calma. Talvez notando isso, ele me puxou para um abraço e
me beijou.
Ao ter o corpo quente ao encontro do meu, e os lábios me tomando com
posse. Senti contrair em volta do pau de Mattias, e com uma única estocada me
penetrar por completo. Interrompi o beijo e fiquei ereta. E por uns segundos
fiquei parada, mas logo remexi lentamente o quadril, adorando a sensação de
preenchimento.
— Coube certinho – murmurou e agarrou meus seios. — Não sabe como é
linda a visão daqui – disse e levou os dedos a língua, em seguida esfregou no
meu clitóris. O arrepio no meu corpo foi inevitável, e eu ondulei o quadril. —
Vamos, Bel... Quero você cavalgando no meu pau.
— V-Você é tão safado – gemi e apoiei minhas duas mãos no peito largo.
— Fica falando assim essas coisas.
Ele sorriu e para minha surpresa, me deu um tapa na bunda que ecoou no
quarto.
— Na cozinha você queria pegar no meu pau. – Acusou me olhando nos
olhos. — Não sou safado sozinho.
— Não faz barulho! Já pensou se sua mãe acorda?
Colocando as mãos em meu quadril, ele me mostrou como eu deveria
fazer. Movendo para frente e para trás. Meus olhos se fecharam, e eu continuei a
me remexer. Eu conseguia sentir tão perfeitamente a ereção me tocando em áreas
sensíveis que eu não sabia ter, e a pressão indescritível se espalhar me enviando
mais estímulos. Já acostumada com a espessura de Mattias, me apoiei melhor
nele e tentei cavalgar. Primeiro com cuidado, mas à medida que ia pegando jeito
decidi aumentar a velocidade.
Minhas unhas arranhavam o peitoral maciço, e Mattias parecia não se
importar. Pois ele gemia baixinho acompanhando as estocadas com o quadril, e
sem conseguir me segurar gemi completamente cheia de desejo. Tapei os lábios
com medo de fazer muito barulho, e o observei se sentar e me ajudar a deixar as
pernas flexionadas com os pés em cima do colchão.
Os braços circundaram minha cintura possessivamente, e aproveitando que
nossos rostos estavam próximos. Eu o beijei.
As nossas línguas se esfregavam, ao mesmo tempo que Mattias me puxava
para baixo, me penetrando lentamente. A cada vez que o membro se movia, eu
sentia minha lubrificação aumentar, facilitando o vai e vem. O arrepio subiu por
minha espinha, e mesmo não querendo separei nossos lábios e arfei. Os beijos e
mordidas desceram por meu pescoço, expandindo ainda mais o desejo e arrepio
por meu corpo.
Meus dedos se enfiaram nos fios loiros e os puxaram. Eu estava tão perto
do precipício, que eu conseguia perceber em cada parte do meu corpo os sinais.
Como se eles me gritassem em busca de um alívio, e atendendo aquilo, eu
rebolei friccionando propositalmente meu clitóris em Mattias.
Quando meu corpo entrou em combustão, eu tremi e amoleci sentindo os
espasmos me deixarem fraca. Ainda agarrada ao corpo suado de Mattias, sorri ao
ser depositada no colchão e o encarei. Os lábios dele estavam entreabertos, e o
olhar estava fixo em meu rosto.
Desviei meu olhar para a ereção dele que ainda estava ali, e usufruindo de
uma coragem momentânea. O agarrei e o esfreguei em meu clitóris, eu ainda
estava sensível, mas o queria novamente. Mattias me sorriu e aproximando mais
o corpo do meu, juntou minhas pernas para cima e as segurou. Pronta para me
entregar mais uma vez para ele, respirei fundo e em seguida abri lentamente
meus lábios ao ser penetrada.
Inclinei a cabeça para o lado na intenção de fitar Mattias e gemi baixinho
ao ver sua expressão de prazer. Os lábios que antes eu beijava, estava sendo
mordido fortemente. A respiração alterada era perceptível, e descendo mais um
pouco notei o suor por seu peitoral.
Os dedos tocaram em meu clitóris sensível, e mesmo me contorcendo,
Mattias o esfregou no mesmo ritmo rápido que me penetrava.
Fechei os olhos e gemi contida ao sentir mais uma vez os espasmos se
multiplicarem pelo meu corpo. Ainda tremia quando Mattias rapidamente se
afastou de mim, então sem entender abri meus olhos para questioná-lo e o vi se
masturbando e gozando em cima do meu clitóris. Lambi os lábios com a visão e
abracei minhas pernas trêmulas.
Mattias mantinha a cabeça jogada para trás, mas a mão ainda se movia
lentamente para frente e para trás. Assim que ele me olhou, sorriu e se enfiou
entre as minhas pernas. O nariz esfregou no meu, e com as mãos apoiadas ao
lado da minha cabeça. Ele me beijou, apenas um encostar de lábios.
— Tudo bem?
Sussurrou e eu notei o olhar cuidadoso, aquilo me encheu de sentimentos
bons. Mattias realmente se preocupava comigo, e sem conseguir me conter sorri
e acenei.
— Obrigada por ter sido paciente – murmurei e recebi um carinho na
bochecha. — Essa será oficialmente a minha primeira vez.
Ele sorriu e concordou.
— Acho que gosto disso – falou e olhou para baixo. — Fiz uma bagunça
em você, desculpe. Quer ir primeiro até o banheiro?
No mesmo instante esfreguei minhas pernas e senti os fluidos do que
acabamos de fazer. Juntei meus braços em frente ao corpo, escondendo
estrategicamente meus seios.
— Fecha os olhos?
Risonho, Mattias me encarou sem compreender.
— Vai se esconder de mim?
— Não. – Ri e observei os olhos azuis. — É que eu estou com vergonha.
Eu me sentia uma boba, mas quando ele sorriu de lado e tampou os olhos
com a mão. Sorri agradecida.
Vesti rapidamente a parte de cima do moletom, e segurei a calça. Assim
que abri a porta, fitei a de Rosalinda e fiquei aliviada quando a vi fechada. Corri
até o banheiro e o adentrei. No espelho quase me assustei ao ver meu reflexo. O
pescoço estava com algumas marcas vermelhas, minhas pupilas ainda estavam
dilatadas e eu sorri. Ao me lembrar de algo, virei e notei um lado do meu
traseiro avermelhado. No mesmo lugar em que Mattias o bateu.
Continuei sorrindo feito boba e abri a torneira para começar a me limpar.
Eu queria tomar banho, mas não queria que Rosalinda soubesse. Por um
momento me senti mal por fazer aquilo as escondidas, talvez até desrespeitando
Rosalinda. Após me secar com papel higiênico, vesti a calça e respirei fundo.
Amarrei os cabelos em um coque, e fui em direção da saída.
No instante em que abri a porta, vi Mattias do outro lado vestido com o
short de dormir. Em seu peito os arranhões que eu tinha feito estavam
avermelhados, sorri minimamente e foquei em seu rosto. Ele me sorria, então se
aproximou e parou em minha frente.
— Posso usar o banheiro?
— Acho que eu posso deixar sim – respondi e dei um passo para o lado.
Mattias aumentou o sorriso e adentrou o recinto.
Eu me sentia uma boba completa, mas era tão inevitável. Nunca tinha
sentido todas as sensações que vivenciei com Mattias, e bem lá, no fundo, eu
imaginava que não conseguiria me entregar a um homem outra vez. Achei que
pudesse ser ruim, e assustador.
Porém, tudo foi tão intenso e incrivelmente bom.
Já no quarto, encarei a cama que estava uma bagunça e involuntariamente
esfreguei minhas pernas. As cenas estavam tão frescas em minha mente, e eu
tinha certeza de que ficariam ali por muito tempo. Me aproximei da cama e a
arrumei, eu queria tanto que Mattias dormisse comigo aquela noite. Mas não
queria chamá-lo e parecer uma grudenta ou que ele me achasse muito chata.
— Está tudo bem?
Com a pergunta me virei e o vi encostado no batente da porta.
— Sim – concordei e tentei sorrir. — E você está bem?
Mattias me analisou e acenou. Em seguida entrou e fechou a porta.
— Tudo bem, eu dormir essa noite com você? – No mesmo instante soltei
um suspiro de alívio e sorri. — Acho que se ficarmos bem coladinhos vamos
caber na cama.
Meu olhar foi para a cama, em seguida Mattias.
— Acho que pode dar certo.
Ansiosa para estar nos braços dele, me deitei próxima à parede e o
observei se aconchegar ao meu lado. Sem falar nada, ele abriu os braços, e eu
rapidamente me juntei a ele. Por alguns segundos fechei os olhos e senti o
perfume que era tão característico a Mattias.
— Boa noite, Bel.
Sorri com o apelido e antes de responder, deixei que minha mão
escorregasse pelo peitoral em uma carícia.
— Boa noite, Mattias.

Assim que me virei na cama, abri os olhos lentamente e percebi o lugar


que Mattias tinha dormido vazio. Os raios de sol adentravam pela resta da
janela, demonstrando que já era dia. Me espreguicei e automaticamente senti um
leve incômodo entre as pernas, meu sorriso veio em seguida. Eu tinha realmente
me entregado a Mattias daquela forma? Mesmo ainda um pouco cansada e
sonolenta, me sentei e olhei para o chão.
Eu tinha cavalgado em Mattias e só de lembrar me sentia envergonhada,
mas louca por mais.
A porta do quarto foi aberta lentamente, e curiosa observei quem era.
Rosalinda segurava minha mochila, e alguns vestidos que tinham sido lavados.
— Bom dia – saudou carinhosa. — O que é essa felicidade no seu rosto?
Tímida, arrumei meus cabelos e balancei a cabeça.
— Bom dia. – Sorri e segurei a mochila. — Como assim?
Rosalinda arqueou uma sobrancelha e se sentou ao meu lado.
— Dá para perceber que você está feliz – murmurou e segurou uma das
minhas mãos. — Eu me alegro por ver você assim, muito mesmo.
Após ela dizer aquilo me senti mais culpada por estar mentindo, mas o que
eu poderia dizer? Eu não poderia falar que tinha transado com Mattias, e talvez
criar falsas esperanças para ela e para mim também. Engoli em seco e encarei os
vestidos.
— Está muito tarde?
— São quase 10:00 – falou e me surpreendi —, mas está tudo bem. Você
estava naquele sofá duro e desconfortável, precisava descansar bem. Como
passou a noite? Sentiu muito frio?
Na hora me lembrei da forma como me senti ao ser penetrada por
completo. Das mãos pelo meu corpo, dos apertões, das deliciosas sensações, dos
beijos. Eu mal tinha acordado, e já estava ansiosa para ter Mattias mais uma vez.
— Passei bem – murmurei e recebi um sorriso. — Eu dormi feito uma
pedra, e a senhora? Não ouviu nenhum barulho a noite? Alguma coisa?
— Tipo o quê? – indagou com o cenho franzido, e na mesma hora eu quis
me bater por ter perguntado. — Você ouviu?
— Não! – respondi rápido demais, o que fez Rosalinda me analisar. — É
que, não sei, às vezes escutamos algum barulho bobo pela noite.
Ela ficou um tempo balançando a cabeça enquanto ainda me olhava, mas
logo desviou o olhar e ficou de pé.
— Ontem eu estava muito cansada. Fui para a cidade, voltei. Tô ficando
velha, filha, não tenho mais o pique de antes. Quando me deito na cama, eu só
acordo se a casa estiver pegando fogo. – Riu e foi até a janela onde afastou as
cortinas. — Bom, vou lá na hortinha. Eu ainda não limpei a mesa porque você
não tomou café.
— Eu vou me aprontar, comer e arrumo tudo.
— Tá bem – concordou e andou até a saída, mas antes parou e me olhou.
— O Sebastião ainda não chegou.
— Tudo bem.
— Eu não quero que ache que estou te empurrando para ele. Então se você
não se sente confortável, é só me falar que eu dou um jeito nele.
O olhar direcionado a mim era cuidadoso, e aquilo me tocou por dentro.
Rosalinda era tão maravilhosa.
— Não, tudo bem. Eu não acho isso, e de qualquer forma não estou
interessada nele. Hoje quando ele estiver aqui vou falar mais abertamente, não
quero criar uma situação chata.
Com um aceno e sorriso, ela saiu me deixando sozinha no quarto. Me
voltei para a mochila e peguei uma calcinha, então ali eu me lembrei da outra
que Mattias tinha rasgado. Rapidamente a procurei pelo chão, e até embaixo da
cama. No entanto, não a encontrei, tentei buscar na memória se eu tinha me
livrado dela. Mas não tinha nenhuma lembrança.
Deixando aquilo de lado por um momento, peguei um dos vestidos e o
analisei. Um vestido era mais prático que uma calça, e eu gostava de como o
tecido ficava no meu corpo. Sem falar que das últimas vezes que Mattias me
tocou, eu usava vestido. Então, com um sorriso de lado, peguei o vestido azul,
uma calcinha, as botas e fui até o banheiro.

Já de banho tomado, vestida e cheirosa. Coloquei os cabelos repartidos de


lado, e fui até a cozinha. A mesa estava como Rosalinda tinha me dito, então fui
em busca de uma xícara para beber um pouco do café. Olhei na direção da porta
aberta, e vi Brutus brincando com alguma coisa do lado de fora. Me perguntava
onde Mattias estava, mas tinha uma leve impressão de que ele estivesse no
curral. Ao me sentar na cadeira que dava para a saída, vi Mattias aparecer na
varanda e me sorrir.
Devolvi o sorriso e fiquei de pé.
— Bom dia – falou enquanto se aproximava. — Achei que só acordaria
depois do almoço.
— Eu não sou tão preguiçosa nesse nível – respondi e o observei parar em
minha frente. — Achei que estivesse no curral.
O polegar tocou em meu queixo, mas logo escorregou por minha
mandíbula e sem se importar com quem pudesse ver. Lentamente ele se
aproximou e me beijou nos lábios. E diferente dos outros que eram mais
famintos, aquele beijo foi o mais carinhoso que ele me deu. Quando ele se
afastou, me olhou no fundo dos olhos e sorriu.
— Você está muito bonita.
Sorri e tentei disfarçar, por dentro eu estava eufórica.
— Eu estou do mesmo jeito que os outros dias.
Mattias sorriu de lado, e tocou na mecha do meu cabelo.
— Essa é a primeira vez que vejo seus cabelos desse lado – murmurou e
eu arqueei uma sobrancelha. — Sou um bom observador – disse e olhou para a
mesa. — Vou deixar que tome café. Queria ter acordado com você, talvez
pudéssemos continuar o que não acabamos ontem. Mas não queria que dona
Rosalinda me visse saindo do quarto.
— O que não acabamos ontem? – repeti confusa e o vi pegar uma banana.
— Mas não acabamos ontem? Eu vi que você... gozou – sussurrei a última
palavra, foi então que ele riu confuso. — Ou não?
— Por mim passaríamos a madrugada toda transando – comentou, e eu
fiquei surpresa. — Mas não queria te deixar muito cansada. Ou você aguentaria?
Você ainda me deve uma cavalgada.
Estava raciocinando uma resposta quando Rosalinda adentrou a casa.
— Está tão abafado lá fora – avisou e andou até o filtro de barro. —
Tomara que chova bem muito.
— Espero que o curral fique pronto antes que isso aconteça – Mattias
retrucou e se sentou —, mas acho que até o fim do mês dá certo.
Ao terminar de falar começou a comer a banana. Em minha cabeça só
conseguia imaginar nós dois na cama. Ele aguentaria mesmo transar a
madrugada toda? Ou só estava falando aquilo para me impressionar?
— Isobelle? – Me virei para Rosalinda e sorri. — Não vai comer? –
apontou e eu acenei. — Toda pensativa, acordou feliz que notei, e está bem
bonita – comentou enquanto apontava para os cabelos grisalhos. — Não é
mesmo, Mattias?
Olhei para ele e recebi um aceno.
— É, acho que sim. – Deu de ombros, e desviou o olhar. Ele não queria
mesmo que a mãe soubesse o que estava acontecendo. — Não sou de reparar
nessas coisas.
Voltei meu olhar para Rosalinda, e vi quando ela negou com a cabeça
ainda olhando para ele. Segundos depois me encarou e sorriu minimamente.
— Não ligue para ele, Mattias quando quer se chucro é disso para pior.
— Ei!
— Agora coma, filha – Rosalinda o ignorou e se aproximou de mim. —
Acho que o Sebastião vai chegar depois do almoço. Já sabe o que vai dizer a
ele?
— Ah, eu não sei – respondi e enchi a xícara. — Eu não me sinto
confortável em sair daqui.
— Eu sei, mas seria tão bom para você. Iria conhecer um pouco mais a
cidade, as festividades, espairecer. Você precisa se divertir, e o Sebastião disse
que cuidaria de você. Eu confio nele.
Incerta, olhei rapidamente para Mattias que tinha o semblante fechado.
— Ela não precisa ir com ele – retrucou fazendo a mãe o encarar. — Eu
posso te levar.
— Mesmo? – Rosalinda cruzou os braços. — É assim que se convida uma
jovem moça para sair?
Não consegui segurar o riso. Então levei a xícara aos lábios e fitei
Mattias, ele parecia não gostar daquela cobrança. Querendo dar um ponto final e
salvá-lo da situação, me vi na obrigação de dizer algo.
— Mattias, não precisa fazer isso – falei recebendo um cenho franzido. —
Você deve estar muito ocupado, e eu não quero te prender a isso.
— Você quer ir com o Sebastião?
Respirei fundo e depositei a xícara a mesa.
— Você estava pensando em ir às festividades?
De braços cruzados, ele continuou.
— Na verdade, a Carolina tinha me chamado para ir com ela.
No mesmo instante senti minha garganta fechar e meus olhos arderem,
mas eu não choraria.
— Então vá com ela – respondi e o vi suspirar com o semblante
arrependido. — Eu vou com o Sebastião.
Desviei o olhar para o café, a minha frente, me sentindo magoada. Se a
intenção dele era me causar ciúmes, tinha dado certo. Ele ainda ficou ali me
olhando, talvez pensando no que dizer, quando um dos peões apareceu na
entrada.
— Dia! Patrão, o peão do Forasteiro, está no curral a sua procura.
— O quê? – Mattias indagou, mas ficou rapidamente de pé.
Preocupada o olhei ir até o chapéu de cowboy, em seguida sair sem falar
nada. Me voltei para Rosalinda, que parecia confusa, mas não preocupada.
— Quem é esse Forasteiro?
— É o Alvaréz – respondeu e pegou a casca de banana. — O que será que
ele quer?
— Acha que é por minha causa? Ou por que estávamos naquele lago?
— Porque seria por sua causa, filha? – questionou com um sorriso de lado.
— Deve ser algum problema com um dos bichos. Eu te disse que o Mattias cuida
dos animais dele.
— Ah – balbuciei e me encostei na cadeira mais calma. — Eu acho que
estou preocupada à toa, né?
— Sim. – Sorriu e se encostou na pia. — Então? O que faziam no lago?
Com a pergunta engoli em seco e tentei pensar no que dizer.
— Só conversando – respondi e desviei o olhar, me sentia péssima por
mentir. — O Mattias me mostrou a cachoeira e conversamos.
Rosalinda me sorriu cruzando os braços.
— Sobre o que conversaram? – indagou, e quando me viu um pouco sem
graça continuou: — Só estou curiosa, meu menino não é de muito papo.
Após ouvir aquilo, fitei Rosalinda e engoli em seco, mas tentei disfarçar.
— Só estávamos nos conhecendo, ele me deixou cavalgar. Eu nunca tinha
andado a cavalo, e eu adorei a sensação.
Assim que terminei de falar, mordi um pedaço de pão, e para minha
surpresa, ela apenas aceitou. No entanto, antes que pudesse se virar para a pia,
vi que sorria. Era como se ela soubesse exatamente o que estava acontecendo, e
bem lá, no fundo, eu queria muito me abrir e pedir conselhos.
Mas tinha medo de como tudo seria depois disso.
Mattias

Rapidamente adentrei a caminhonete e quando Joaquim subiu na


carroceria, dei a partida até o curral. Após alguns minutos já conseguia ver meus
trabalhadores, e o peão em cima do cavalo. Estacionei de qualquer jeito e saltei
do lugar do motorista.
— Bom dia, Ferreira. Desculpe por ir entrando assim na sua fazenda,
estava por perto.
Coloquei as mãos na cintura e me aproximei.
— O que o trouxe aqui?
— Não vou ficar de rodeios – falou e eu acenei. — Quero saber o nome
daquela moça que estava em sua companhia no lago.
Totalmente confuso, cruzei os braços e o fitei.
— E o que isso tem a ver com você? Por que quer saber?
Por um momento ele me analisou, e olhou os outros peões que o encarava.
— Ela não parece ser daqui, Ferreira – respondeu enquanto ajeitava o
chapéu que usava. — Ela é realmente sua convidada?
Respirei fundo, me sentindo irado por não entender o que ele estava
querendo.
— Foi o seu patrão que o mandou até aqui? – perguntei e logo recebi uma
negativa. — Então é melhor você ir – disse e vi quando o olhar dele foi em
direção ao caminho que levava a casa. Logo me lembrei do desconhecido no
cavalo na noite passada. — Você veio ontem a noite em minha residência?
— Queria poder ter conversado com a moça, mas ela se escondeu dentro
da casa. Não iria invadir, porque você é conhecido do patrão – murmurou com o
tom de voz sarcástico —, mas eu bem poderia.
Ao ouvir aquilo senti o corpo vibrar em uma raiva genuína.
— Leôncio e José – os chamei vendo-os se aproximarem. — Acompanhem
nosso convidado até a saída. E eu espero que você, ou qualquer outro, se
mantenha longe da minha fazenda.
No mesmo instante os dois subiram nos cavalos e se posicionaram ao lado
do peão do Alvaréz. Minha preocupação era única e exclusivamente com
Isobelle, não era possível que mais uma pessoa estivesse atrás dela. Então
imaginei que poderia ter o dedo de Menzzotti, mas ele e Alvaréz não se davam
bem.
Após um suspiro, esfreguei minha barba e notei que os peões me
observavam.
— Vamos continuar – falei o fui obedecido. — Quando acabarmos aqui vai
adiantar muito nos outros afazeres.
Assim que terminei de falar, tomei o lugar do motorista e manobrei a
caminhonete na direção da casa. Arrumaria um momento a sós com Isobelle e
tentaria arrumar a minha idiotice. Carolina realmente tinha me chamado para
acompanhá-la nas festividades, mas neguei educadamente o convite. Não queria
problemas com o Albuquerque.
Ao ver o cavalo de Sebastião perto da varanda, praguejei e puxei o freio
de mão. Sai do lugar do motorista e me encaminhei para dentro da casa, já na
varanda ouvi a voz alegre de minha mãe. Sebastião estava sentado ao lado de
Isobelle, e com grande desgosto vi mais flores nos braços dela.
— Bom dia, amigo – Sebastião sorriu enquanto me olhava.
— Antigamente você tinha mais serviços em sua fazenda – falei e lancei
um olhar para Isobelle que me ignorava. — Deve estar ganhando muito dinheiro
para ficar jogando conversa fora.
Sebastião sorriu e se encostou na cadeira.
— Ora, Mattias. Falando assim parece até que não gostou de me ver, não
me sinto bem-vindo dessa forma.
Segurei a vontade de revirar os olhos, e me aproximei mais.
— Não ligue para ele, Sebastião. – Minha mãe murmurou servindo-o com
uma xícara de café. — Essas flores são bem lindas, né Isobelle? Melhor colocar
na água, se não ficam murchas.
— Realmente são lindas – proferiu suavemente —, mas não precisava se
incomodar.
— Não foi incômodo, mas então o que me diz? Vai sair comigo? Saiba que
não vou deixar que ninguém se aproxime de você. Estará segura.
Por dentro eu me sentia fervilhando em ciúmes, minha vontade era de
arrancar Sebastião de perto dela e explicar que Isobelle não estava disponível
para as malditas investidas dele. Olhei para minha mãe, e a vi de braços
cruzados enquanto sorria de lado olhando em minha direção. Então, sem
entender, a vi arquear as sobrancelhas e indicar em direção a Isobelle.
Franzi o cenho, e quase ri quando a vi respirar fundo com a falta de
paciência.
— Acho que seria tão bom os três irem juntos. O que acham? Como
antigamente, quando vocês saíam para as farras e me deixavam preocupada em
casa. Aí a Isobelle não ia precisar escolher entre os dois pedidos.
— Dois pedidos? – Sebastião repetiu, então me olhou entendendo. — Você
também a convidou?
— Sim.
— Mas você já tem alguém para ir, Mattias – Isobelle finalmente falou,
mas eu conseguia ver que estava magoada. — Ou esqueceu que vai com a
Carolina?
— Eu disse que ela me convidou, não que aceitei – retruquei vendo-a
sustentar meu olhar. — E acho que minha mãe tem razão, vamos os três juntos.
Afinal, Sebastião, você estava sendo apenas um bom amigo. Não é mesmo?
Ele ficou alguns segundos calado, então sorriu e ficou de pé.
— Sim, Mattias. Acho que será bom para Isobelle sair um pouco, e não
ficar tanto tempo trancada em um lugar. – Alfinetou com um sorriso de lado. —
Por mais que a companhia de mãe Rosalinda seja maravilhosa.
Cruzei os braços e sorri observando Sebastião parar em minha frente.
— Então nos vemos no sábado.
— É – concordou e colocou o chapéu na cabeça. — Nos vemos lá.
Quando ele finalmente saiu, voltei meu olhar para Isobelle e ficamos
momentaneamente em silêncio. Seu olhar queria me dizer alguma coisa, mas eu
não conseguia distinguir.
— O que o peão queria?
Olhei para minha mãe, em seguida para Isobelle que nos observava. O
medo era palpável em seu olhar.
— Ele veio me avisar que tinha um problema com um dos animais – menti
e a vi suspirar, talvez em alívio. — Ele também veio ontem a noite, não me
encontrou, então veio hoje. Depois eu dou uma passada lá, antes preciso ir dar
uma olhada na égua do Albuquerque.
— Que bom – minha mãe falou indo até a panela. — E espero que essa
égua fique boa logo.
— É, eu também – murmurei e voltei a olhar Isobelle que juntava os
pratos sujos. — Eu estou indo à cidade. Quer ir comigo?
— O que vai fazer lá?
Na verdade, eu não precisava ir à cidade. Mas eu queria poder ter um
tempo a sós com Isobelle.
— Resolver uns assuntos.
— Eu não quero atrapalhá-lo.
— Isobelle – a chamei e me aproximei mais. — Você não me atrapalha em
nada.
Então quando ela sorriu, eu retribuí me sentindo mais leve.
— Aproveite e compre uma roupa bem linda para a festividade – a voz de
minha mãe nos fez encará-la. — Você disse que tinha um pouco de dinheiro? As
coisas por aqui não são tão caras. Quero te ver bem bonita nesse dia.
Isobelle mordiscou o lábio inferior e concordou meio incerta. Um ato tão
sem pretensão de seduzir, mas que me deixava fascinado.
— Tudo bem pararmos em alguma loja?
— Claro – concordei e a vi sorrir mais. — Vamos agora, podemos almoçar
por lá. Tem um restaurante perto da igreja que vale a pena conhecer.
— Mas a sua mãe está fazendo o almoço.
— Não, não estou não – Minha mãe negou me deixando confuso. — Na
verdade, eu vou tomar um banho e ir à casa do seu irmão. Quero ver como o
Marcos e as crianças estão.
No instante que terminou de falar, sorriu para Isobelle.
— Eu deixo a senhora lá.
— Não precisa, podem ir.
Isobelle me fitou e sorriu sem entender por que minha mãe estava
praticamente nos expulsando.
— Vou buscar meu dinheiro.
A observei se afastar, e quando meus olhos focaram no balançar sensual
do quadril. Recebi um tapa na cabeça, zangado, olhei para o lado e respirei
fundo.
— Por que estou apanhando?
— Porque você é burro e não enxerga um palmo a sua frente.
— Não enxergo o quê? – retruquei e sem conseguir desviar ganhei mais
um tapa no braço. — Mãe!
— Espero que você não seja tão bocó.
— Como assim?
Antes que ela continuasse, Isobelle saiu do quarto segurando uma carteira.
Quando viu minha mãe tão próxima de mim, parou incerta.
— Interrompi vocês?
— Não, ela só estava me batendo. – Avisei e a vi sorrir. — E eu não fiz
nada.
— Se ela estava fazendo isso mesmo – murmurou e andou até ficar do meu
lado. — Aposto que você mereceu.
— E mereceu mesmo! – Ao ouvir aquilo, revirei os olhos e cruzei os
braços. — Agora vão, aproveitem bastante e juízo.
Isobelle no mesmo instante engoliu em seco e desviou o olhar. Fingi que
não ouvi aquele último, e me direcionei para fora. Antes que eu adentrasse a
caminhonete, vi Leoncio e José se aproximarem montados nos cavalos. Os dois
conversavam, mas ao pararem próximo se calaram.
— Bom dia, Sra. Ferreira – José saudou, Leôncio apenas balançou com a
cabeça. — Patroa.
Olhei para Isobelle e pude ver que estava sem graça, mas ainda assim
acenou.
— Ele foi embora sem problemas – Leôncio avisou —, mas ele pareceu
apressado.
— Ele quem? – Isobelle questionou cruzando os braços. — O peão do
forasteiro? – indagou e logo recebeu um aceno positivo. — Ele causou
problemas?
— Nada aconteceu – retruquei evitando que Leôncio respondesse. —
Vamos indo – falei e a vi ponderar. — Isobelle e eu estamos indo até a cidade,
antes do anoitecer voltamos.
— Certo patrão, se o senhor não voltar antes disso posso liberar os
outros?
— Claro, você fica resolvendo tudo – concordei e os observei se
afastarem. Olhei rapidamente para minha mãe, estava em pé na varanda e
continuei. — A senhora quer carona para a volta?
— Não, o seu irmão me traz. Vão logo.
Suspirei e tomei o lugar do motorista.
Ao meu lado, Isobelle se acomodava e colocava o cinto. Assim que me
dirigi para a saída, toquei em sua coxa sentindo a pele macia.
— Não precisa ficar preocupada com nada.
— Ele veio por minha causa? – indagou junto a um olhar cansado. — Eu
estou sendo um problemão para você, né?
— Bel, você não é um problemão – murmurei, em seguida sorri de lado. —
Então não quero que pense assim. Tudo bem?
Ela ficou alguns minutos calada, mas então sorriu fazendo meu coração
bater mais forte. Voltei a olhar para frente e me obriguei a colocar as duas mãos
no volante. Era tão inevitável tocá-la, que eu não percebia quando já tinha feito.
Automaticamente lembranças da nossa primeira noite vieram em minha mente e
eu respirei fundo tentando acalmar o desejo. O modo como o corpo correspondeu
ao meu, tão entregue e intenso. Estavam vivos em minha memória.
Os beijos, os toques, os sussurros e suspiros de prazer.
Tudo me deixava com vontade de mais.
— Não acha estranho, ou sei lá, não fica incomodado com os rapazes me
chamando de patroa?
Com a pergunta, a olhei e percebi que estava sem jeito.
— Você fica incomodada?
— Não é isso – respondeu juntando as mãos em frente ao corpo. — É que
eu não sei por que eles me chamam assim e eles me chamaram na frente da sua
mãe. Ela pode pensar que estamos juntos.
— E não estamos? – questionei confuso. Então notei que ela estava da
mesma forma. — E eles te respeitam, por isso te chamam de patroa.
No instante que terminei de falar percebi que a deixei mais confusa. O que
eu queria dizer era que, após o meu comunicado no dia em que discuti com
Matheus, os peões entenderam que Isobelle e eu estávamos juntos. Na primeira
vez que se referiram a ela como “patroa”, não percebi de imediato e depois não
achei necessário corrigi-los.
Soou natural, como se fosse algo corriqueiro.
Como se Isobelle estivesse na minha vida desde sempre.
— Só não quero que sua mãe fique chateada comigo de alguma forma –
proferiu desviando o olhar para a janela. — Ela é tão maravilhosa.
— Acho difícil ela ficar chateada com você.
Pelo canto de olho notei o sorriso contido, e me sentindo muito bem na
companhia dela, relaxei enquanto dirigia.
— Mattias... – Curioso pelo tom que ela usou, a olhei, mas logo voltei a
atenção para o caminho. — Sobre aquilo que você disse na cozinha, você falou
sério?
— O que eu disse? – indaguei sem compreender. No entanto, ela sorriu. —
Vai fazer eu adivinhar?
— Sobre transar comigo a madrugada toda – respondeu e mesmo que
tentasse soar despreocupada, eu notava o embaraço. — Fiquei me perguntando se
você disse aquilo só para me impressionar.
— Você acha que eu não aguento? – questionei tentando não ficar
ofendido com aquela pergunta. — Podemos tirar a prova sem problemas.
Arqueei uma sobrancelha, em troca recebi um pequeno sorriso.
— Acho que podemos sim – falou e eu sorri. — Afinal, estou te devendo
uma cavalgada. Não é mesmo?
Respirei fundo com o pensamento dos nossos corpos juntos, mas em
seguida sorri adorando o tom desafiador usado por ela. Apenas a lembrança dela
me cavalgando cheia de vontade, fazia minha pele arrepiar de um desejo ardente.
Ao passar pela estrada ao lado a que dava caminho a do Menzzotti, lancei um
olhar na esperança de quem sabe encontrar aquele desgraçado.
Eu não queria estragar aquele encontro com perguntas sobre o maldito.
Mas algo dentro de mim, estava inquieto, como se eu tivesse deixado passar
alguma coisa. Voltei meu olhar para ela, e percebi que Isobelle contava algumas
notas com o semblante sério.
— Se precisar de uma ajuda – murmurei fazendo-a me olhar. — Pode falar
comigo.
— Sobre o quê? – quis saber, e quando indiquei a carteira. Recebi um
negar. — Não, não precisa. Eu tenho uma poupança, e sem falar no dinheiro do
meu antigo emprego.
Acenei.
— Você não tinha amigos?
— Tenho dois – respondeu com um pequeno sorriso. — A Michele e o
Bruno. Trabalhavam comigo, no dia que fugi avisei a Michele e depois tentei
ligar para ela da casa do Benício. Quando ela ligou de volta, o Benício falou que
fui embora, mas eu estava lá. Presa.
— Aquele desgraçado! – proferi apertando o volante. — Quando puser
minhas mãos nele.
— Ele é perigoso, Mattias. Eu só queria poder voltar no tempo e não ter
aceitado aquela carona. – Após um suspiro, ela ajeitou os cabelos e me encarou.
— Não vamos falar mais dele, espero que ele me esqueça porque eu vou fazer o
mesmo. – Apenas acenei, pois minha mente me trairia se eu abrisse a boca. — O
que vai fazer exatamente na cidade?
Fiquei alguns segundos calado, mas logo a respondi.
— Almoçar com você, vamos em algumas lojas ver o que te agrada. Não
sei, o que você quer fazer mais?
— Mas você tinha algo para resolver.
— Eu só queria ter um tempo a sós com você.
Então assim que a olhei, notei um brilho diferente em seu olhar. E sem
esperar, Isobelle se aproximou e me beijou na bochecha. Sorri com aquela ação e
feito um tolo, tentei aplacar o comichão que sentia na barriga.
— Vou comprar um carregador para o meu celular. A Michele deve estar
bem preocupada, ela queria que eu fosse para a casa dela, quando tudo
aconteceu, mas fiquei com medo. Foi tudo tão rápido.
— Você pode convidá-la para vir passar uns dias na fazenda.
— Na sua fazenda? – indagou surpresa, como resposta eu acenei. — Eu
sinto saudades dela, e do Bruno.
— Ele é o namorado da sua amiga?
— Não. – Ela riu como se recordasse deles. — São apenas amigos, ele é
um bom amigo.
— Hum, legal.
Pelo canto de olho percebi que ela me encarava. Então rapidamente a olhei
e a vi sorrir.
— O que foi?
— Nada – respondeu e se aconchegou mais no assento.
O resto do caminho fizemos em silêncio, e quando finalmente chegamos
na entrada da cidade, Isobelle inclinou o corpo em direção à janela e sorriu.
Passamos pela estrada de pedra, e na intenção de cortar caminho peguei um
atalho.
— Vê ali na frente? – Apontei e rapidamente ela olhou. — Ali fica a Igreja
Matriz de Nossa Senhora da Conceição.
Assim que adentrei a rua da direita, Isobelle conseguiu ver a fachada da
Igreja.
— Ela é tão enorme – comentou fascinada, em seguida observou a praça
que ficava em frente. — Acho que quando tem casamento deve ser tudo tão
lindo.
— Quando tem a sorte de pegar uma data disponível sim. – Isobelle me
fitou surpresa, mas sorriu voltando a olhar a cidade. — Ali fica o cartório da
cidade, e do lado fica o centro histórico. O centro cultural também fica próximo.
— Depois poderíamos visitá-lo?
— Claro. – Sorri, me sentia ansioso para apresentar tudo. Talvez se ela
gostasse da pequena cidade, poderia gostar da minha fazenda e assim, ela ficaria
por lá permanentemente. — Ali naquela rua já foi filmado a cena de uma novela.
— Mesmo? Uau! E as casas são tão bonitas, quando vi pela primeira vez
me senti em uma novela. A arquitetura conservada é algo realmente muito
inspirador.
— É, é uma cidade boa para morar – murmurei e olhei ao redor em busca
de uma vaga para estacionar —, mas prefiro a fazenda.
— A fazenda é maravilhosa – a certeza na voz dela me fez sorrir
orgulhoso. — Apesar do chupa-cabra.
— Não sente saudade da cidade grande?
Curioso para a resposta, estacionei próximo a um bar. Voltei minha
atenção para ela que retirava o cinto de segurança.
— Não, passar esses dias na fazenda me fez perceber que eu gosto da
calmaria da roça. É tudo tão mais simples e bom.
— Então não teria chances de você voltar?
Após minha pergunta, ela franziu o cenho e me olhou acanhada.
— Se eu estiver incomodando...
— Não – a interrompi alarmado ao perceber que ela tinha entendido
errado. — Você não incomoda, eu só estou curioso porque você foi criada em
uma cidade maior que essa. – A segurei pela mão carinhosamente. — Eu só... –
Eu só não queria que ela me deixasse. Parei observando o rosto delicado, por um
momento era como se eu conseguisse ouvir meu coração bater forte. Eu deveria
me abrir, e dizer como me sentia. No entanto, não queria que fosse ali na
caminhonete. — Eu não sei.
Esperei que ela dissesse algo, mas Isobelle apenas concordou e fitou
nossas mãos juntas. Ficamos ali absortos em pensamentos, então ela soltou
minha mão e tentou sorrir. Eu era um chucro como minha mãe dizia.
Saímos do carro e quando fiquei ao lado dela, deixei que meu braço
arrodeasse em sua cintura.
— Eu esqueci de dizer, talvez você não tenha notado – comecei tendo a
atenção dela para mim —, mas eu posso ser um pouco chucro às vezes e mal
interpretado. Uma injustiça, não acha?
A toquei na bochecha, e quando ela sorriu senti meu coração mais leve e
relaxei.
— Eu acho que sim – concordou, e acarinhou em minha barba —, mas só
às vezes que você é um pouco chucro?
Ri e a puxei para um beijo.
Isobelle me abraçou pelo pescoço me puxando para mais perto. Meu corpo
reagiu, e sem me importar de quem pudesse estar assistindo a agarrei. O beijo
era lento, e a cada vez que Isobelle arranhava minha nuca. Vários arrepios eram
enviados pelo meu corpo, e todos se concentravam no meu pau.
— Beijar você é tão bom – falei e a vi sorrir envergonhada. — O que quer
fazer agora?
— Não sei – respondeu enquanto olhava ao redor. As mãos agarravam
minha camisa, e ela ainda não tinha se afastado. — Talvez ir até alguma loja.
— Tem um shopping center ao lado do cartório – proferi e juntei nossas
mãos. — Vamos até lá.
Isobelle me sorriu e entrelaçou nossos dedos. Andávamos pela estradinha
que atravessava a praça, e era tão notável ver a felicidade no rosto dela. Fitei
nossas mãos juntas e deixei que um sorriso bobo escapasse.
— Sua mãe estava um pouco estranha – comentou agarrada ao meu braço.
— Você percebeu?
— O que vi foi ela empurrando o Sebastião em cima de você.
— Ela não estava fazendo isso. – Negou, me fazendo encará-la. — Não
estava.
— Se você diz – dei de ombros.
Atravessamos a pista e em frente a entrada da galeria, observei Isobelle.
Ela sorriu e me puxou para dentro. Assim que passamos pela porta de vidro, o ar
gelado do ar-condicionado nos atingiu. Ajeitei o chapéu em minha cabeça, e
olhei em volta. No instante em que vi uma farmácia, me lembrei de uma coisa.
— Veja nessa loja alguma coisa – disse e a vi acenar. — Eu vou ali na
frente, encontro você aqui.
— Está bem. – Sorriu, em seguida me beijou na bochecha.
Ali, parado feito um bobo, acompanhei seus passos para dentro da loja.
Então rapidamente fui até a farmácia que tinha no outro lado. Ontem havíamos
transado sem camisinha, e quase no último momento não consegui gozar fora. Eu
queria filhos, mas não seria tão inconsequente de engravidar Isobelle sem ela
querer. Iria com calma, e quando ela me aceitasse teríamos muito tempo para
pensarmos em filhos.
Isobelle

— Nossa, esse macacão vai ficar lindo em você.


Olhei para a atendente e sorri. Eu não fazia ideia do que iria escolher, mas
certamente não seria aquele macacão. O coloquei de volta no gancho e me virei
para ela.
— Ele é bonito, mas acho que uma calça jeans ou um vestido seria melhor.
— É para as festas de agora? – indagou, e eu logo acenei. — O que mais
sai são os vestidos, a gente pode encontrar um para você.
— Certo – andei ao lado dela. — Você sabe se por aqui tem algum banco
ou caixa eletrônico?
— Caixa eletrônico fica lá no outro lado. Já os bancos, só no centro, é
pertinho. – Sorriu e me levou até a outra seção. Tudo era muito bem-organizado,
e notei que a loja era maior ao qual trabalhava. — Esses vestidos são lindos!
Chegaram ontem, aqui sempre vendem rápido.
— Eles são realmente lindos – elogiei e peguei um. — E o tecido é macio.
— Macio e superconfortável, além de ficar bonito no corpo. Qual o seu
número?
— Bom... – Ri e levei automaticamente a mão a barriga. — Acho que
agora é 38.
— Ai meu Deus! Parabéns!
— O quê? – franzi o cenho, mas ao perceber o que ela tinha entendido
balancei a cabeça. — Não, eu não estou grávida. É que faz pouco tempo que
estou morando na fazenda, estou comendo demais.
— Ah, sei como é. – Sorriu simpática. — Uma comida caseira feita na
roça é tudo de bom.
— Sim – concordei e toquei em um vestido preto. As alças eram de
correntes finas em dourado. — Nossa, esse aqui é lindo.
— Oi Isabel.
Me virei com o vestido em mãos, e fitei Carolina, que se aproximava com
outra atendente que segurava algumas sacolas. Controlei a vontade de revirar os
olhos, e quando ela me fitou dos pés a cabeça com um maldito sorriso de puro
deboche. Respirei fundo para não fazer uma cena.
— É Isobelle.
— Que cabeça a minha – riu e cruzou os braços em minha frente. — Um
conselho de amiga, esse vestido não é adequado para ficar cuidando dos porcos
lá na fazenda. Mas acho que você já sabe.
Respirei fundo sem conseguir disfarçar, e odiei quando o sorriso dela
aumentou.
— Na verdade, é para a festa da cidade – retruquei também cruzando os
braços. — Mattias me convidou e eu pensei em comprar uma roupa bem bonita
para acompanhá-lo.
No mesmo instante vi o sorriso dela desaparecer, e ali foi a minha vez de
sorrir. Eu sei que poderia estar sendo bem infantil, mas ela tinha começado.
— O Mattias vai comigo – falou com seriedade. — Ele me convidou lá no
curral.
— Sei – a olhei dos pés a cabeça, depois voltei para a atendente. — Só
tem esse modelo dessa cor?
A atendente me olhou surpresa, mas logo acenou.
— Você se acha muito esperta – Carolina continuou, a olhei sem ânimo. —
Ou é muito sonsa. Você é nova aqui, não sabe com quem está se metendo. Eu
acho bom você ficar longe do meu caminho, para o seu próprio bem.
Então, após a ameaça, me deu as costas indo em direção à saída.
— Ela é desse jeito por ser filha de quem é.
A atendente me olhava desconfortável.
— Você conhece o pai dela?
— Todo mundo aqui conhece, ele era amigo do prefeito.
Querendo mudar de assunto, peguei mais dois vestidos e os segurei.
— Onde posso prová-los?
A acompanhei até um corredor com as cabines, e agradeci quando um me
foi indicado. Os outros dois vestidos que peguei também eram bonitos, mas eu
tinha gostado do preto com as alças de correntes. Fechei a cortina, e vesti
primeiro o vermelho, mas assim que olhei as botas em meus pés lembrei que não
tinha uma sandália adequada para usar. Retirei as botas e sorri para o meu
reflexo.
— Então como ficou?
— Acho que ficou bom – murmurei e saí. A atendente assim que me viu
sorriu concordando, atrás dela vi Mattias aparecer. — Oi, esse é o primeiro
vestido que estou provando.
Educadamente Mattias falou com a atendente, em seguida me olhou. Com
um sorriso dei uma volta completa, e quando o encarei deixei que meu sorriso
aumentasse. Mattias claramente não tinha gostado.
— Um pouco mais curto que aquele outro.
— Bonito, não é? – Sorri alfinetando-o.
Como resposta, Mattias cruzou os braços.
— Vou deixá-los à vontade – a atendente avisou me olhando —, mas se
precisar de qualquer coisa é só me chamar. Meu nome é Verônica.
— Obrigada – a observei se afastar, e sozinha com Mattias o analisei. —
Para onde você foi?
— Farmácia – respondeu e se aproximou. — Quer ajuda aí dentro?
— O que foi fazer na farmácia? – questionei o barrando na entrada. — E
você não pode entrar aqui.
— Precisei comprar uma coisa – falou e tentou espiar o que tinha atrás de
mim. — Tem algum outro vestido maior que esse?
— Espero que não – disse e sorri ao sentir os braços em minha cintura. —
Mattias, aqui não.
— Eu vi a Carolina saindo lá na frente... ela estava aqui? Aconteceu
alguma coisa?
Na mesma hora neguei, e quando ele franziu o cenho, desviei o olhar. Não
queria ter que falar da Carolina, e estragar aquele momento. O empurrei e
apontei para um banco estofado que tinha no outro lado.
— Você fica sentado ali, prometo que não vou demorar aqui.
Mattias retirou o chapéu e obedientemente se sentou no banco. Me enfiei
novamente dentro da cabine e retirei o vestido. O outro era preto, brilhoso no
comprimento, as alças rendadas caídas davam um ar mais fofo. Enquanto o
vestia, ouvi ao fundo a voz de Mattias falar com alguém. Curiosa, espiei pela
fresta da cortina e vi Verônica concordar com alguma coisa e sair.
Na parte das costas tentei fechar o zíper até em cima, mas não consegui.
Do jeito que estava puxei a cortina e apareci para Mattias, ele por sua vez
f r a n z i u um pouco o cenho e girou o dedo. Dei uma volta e o vi negar com a
cabeça.
— Aqui – Verônica apareceu segurando algumas caixas. — Essas sandálias
combinam com os vestidos. Você prefere uma bolsa ou carteira?
Me sentei no banco e abri uma das caixas. O salto era preto, e nas correias
tinham pequenos strass.
— Não preciso de bolsa ou carteira – disse e calcei o par. Fiquei de pé e
tentei subir o zíper do vestido, Verônica rapidamente me ajudou. — Faz tanto
tempo que não uso um salto.
Verônica sorriu e se afastou. Me olhei no espelho que estava dentro da
cabine e sorri. A combinação estava bonita, mas minha ansiedade maior era
provar o primeiro vestido que tinha visto. Voltei para Mattias e ele tinha os
braços cruzados. Parecia pensativo, então quando percebeu que era encarado
deixou um sorriso de lado escapar.
Devolvi o sorriso, mas curiosa para saber o que ele pensava.
— Vou provar o último vestido, acho que vai ser ele.
— Estou ansioso para ver.
— Se for ele, você só vai ver no dia.
Lhe enderecei uma piscadela e adentrei a cabine.
Deslizei o zíper com cuidado, e assim que o tirei do corpo o coloquei
pendurado no gancho. O vestido, da mesma forma como os outros, não precisava
de sutiã. Ajeitei meus seios no decote, e sorri só de imaginar a reação de
Mattias. Virei de costas e fitei as correntes finas se cruzarem formando um
grande x.
— Não vai sair para eu ver?
— Não – neguei e após uma última analisada, coloquei a cabeça para fora.
Mattias estava de pé e braços cruzados. — Será esse que estou vestindo. Ficou
muito lindo. – Olhei para o lado e vi Verônica mais afastada. — Vou ficar com
aquele primeiro vestido que as alças são de correntes.
— As alças são de correntes? – Mattias repetiu completamente confuso.
— Aquele vestido é lindo – Verônica falou ignorando Mattias. — E a
sandália? Será essa ou quer testar as outras?
— Será essa mesmo, obrigada. – Voltei para dentro, e troquei de roupa.
Pela brecha da cortina, entreguei o vestido e as sandálias para Verônica. —
Mattias, agora podemos ir até o restaurante que você disse. – Avisei enquanto
calçava as botas. — Mattias? – chamei quando não tive respostas. Então peguei
minha carteira e saí da cabine. Ao me ver sozinha, franzi o cenho e saí a procura
dos dois. — Mattias!
Verônica estava atrás do balcão e ria enquanto embalava as compras.
Mattias falava alguma coisa, ao mesmo tempo que guardava a carteira no bolso
de trás. Lentamente ele se virou e me observou com um sorriso.
— Podemos ir?
— O que está fazendo? – quis saber, e fitei Verônica pegar a nota fiscal.
— Não era para você ter pago. Eu tenho dinheiro.
— Eu sei disso – respondeu pegando rapidamente a nota e a colocando no
bolso —, mas paguei mesmo assim. Vai brigar comigo? Eu disse que ela gosta de
mandar em mim.
Verônica riu e me encarou.
— Eu não faço isso – me defendi e peguei as duas sacolas que me foram
oferecidas. — Obrigada, tenha um bom dia.
Após isso saímos e Mattias no mesmo instante entrelaçou nossos dedos.
Tentei acalmar meu coração, mas foi impossível. Eu estava feito boba, sentia as
inúmeras borboletas em meu estômago, e meu sorriso parecia que tinha vida
própria. Olhei para Mattias, e suspirei ao vê-lo de perfil.
— Agora vai negar que está me comendo com os olhos – disse me pegando
de surpresa. Desviei o olhar e observei as outras lojas. — Estou curioso para ver
você vestida com esse... vestido.
— Eu garanto que vou ficar bem bonita com ele.
— Disso eu tenho certeza.
Meu sorriso aumentou e me agarrei mais em seu braço. Enquanto
andávamos, meus olhos percorriam pelas lojas e mesmo que aquele shopping não
fosse como os outros. Todas as lojas eram bem chamativas e organizadas. No
meio do pátio, havia algumas mesas ocupadas. Ficamos por mais alguns minutos,
e antes de sairmos lembrei de comprar o carregador para o meu celular.
Estava ansiosa, pois queria conversar com os meus amigos e falar que eu
estava bem. No fundo, me sentia culpada por não ter ligado antes, mas eu
esperava que eles entendessem. Após guardarmos as sacolas na caminhonete,
fomos até o restaurante para almoçarmos.
— Eu pago nosso almoço – falei antes que ele dissesse algo. — Sem
contestação.
— Tudo bem – deu de ombros e colocou o chapéu na outra cadeira. — O
que vai pedir?
— Não sei – respondi analisando o cardápio. — O que você sugere?
Mattias sorriu e encarou o cardápio.
O olhar dele era analítico, e eu não sabia explicar, mas o achava tão mais
charmoso. Segundos depois ele fez um gesto, e rapidamente um moço se
aproximou para anotar os pedidos. Enquanto Mattias falava, olhei ao redor e
inspirei o ar fresco. Aquela cidade era realmente agradável.
— Ah, poderia trazer antes uma porção de bolovo e suco de laranja? –
pediu e se encostou na cadeira. Então ele me encarou. — Está gostando do nosso
encontro?
— Estamos em um encontro?
— Eu achava que sim – riu e cruzou os braços. — O que me diz?
O imitei cruzando os braços.
— Podemos dizer que isso é um encontro – concordei fazendo-o arquear
uma sobrancelha. — Mattias, eu posso mesmo convidar a Michele para vir me
visitar?
— Claro, pode convidar o seu amigo também. Bruno, não é? Quero
conhecê-lo.
— Por que quer conhecê-lo?
— Por nada – respondeu, e quando viu o garçom se aproximar com uma
bandeja e dois copos de suco, agradeceu. — Isso é um bolovo – me apresentou
pegando-o um com o guardanapo. — Ele é bem temperado e apimentado.
— Parece uma coxinha – comentei e o peguei. — Nunca vi um desse lá em
Marsilac.
— Marsilac?
— É a minha cidade lá em São Paulo – murmurei e após dar uma generosa
mordida. Fechei os olhos ao sentir o gosto do ovo cozido combinado com a
crosta crocante, bem temperada e apimenta. — Muito bom.
Também se servindo, Mattias deu uma enorme mordida.
— Meu pai antigamente me trazia aqui, ele adorava.
— Sua mãe me falou um pouco dele – dei mais uma mordida, enquanto
Mattias comia o segundo bolovo. — Queria ter o conhecido.
— Ele era um homem bom, trabalhador.
— Aposto que sim – Bebi um gole de suco e limpei os lábios com o
guardanapo. — Do meu pai, eu não tenho muitas lembranças com ele – revelei
tendo a atenção de Mattias. — Mas tenho de uma que estou cama, e ele lendo
uma história. Não lembro o que era, mas tinha uns desenhos coloridos. Eu acho
que era um tatu e uma tartaruga, me lembro dele dizendo “boa noite, abelhinha”.
Assim que falei, senti meus olhos arderem.
Naquela época, mesmo eu sendo uma criança. Foi a melhor da minha vida,
mas então meu pai morreu e eu não entendia.
— Eu sinto muito, Bel.
Dei um pequeno sorriso, e em seguida dei mais um gole no suco.
— Eu sinto saudades dele sempre – falei e peguei mais um bolovo. —
Acho que minha vida seria diferente se ele estivesse aqui. Quando eu fiquei
maiorzinha, perguntei a minha mãe onde estava meu pai e ela falou sem
paciência alguma que ele tinha morrido. Acho que porque eu sempre perguntava
e ela ignorava. – Parei e fitei Mattias que me ouvia. — Às vezes eu tenho medo
de ser como ela para os meus filhos.
— Eu vejo o carinho que você tem com a Licinha e o João Pedro. E tenho
certeza de que você não será como a sua mãe.
Sorri agradecida, sentindo meu coração reconfortado.
Então ali eu notei que seria difícil para mim quando Mattias encontrasse
uma pretendente, e pensar nessa situação me deixou com uma sensação ruim. Eu
estava me apaixonando por ele, e eu sabia que mais cedo ou mais tarde tudo iria
ruir. Desviei o olhar para a praça ao lado de modo pensativo.
Talvez eu pudesse conquistá-lo. Pois, já tínhamos ido para a cama e
claramente nos dávamos bem. Sem falar que ele tinha me ajudado com Benício,
me protegido e era tão carinhoso.
— Não quer compartilhar os pensamentos?
O olhei alarmada e mordi levemente o lábio inferior.
— Coisa de mulher – avisei atenta ao olhar curioso dele. — Você é muito
curioso.
Antes que ele pudesse retrucar, o garçom apareceu com o almoço.
Enquanto almoçávamos, Mattias me falava sobre as histórias da cidade. Quando
ele mencionou a “Broadway” fiquei surpresa, porque eu nunca tinha ouvido
falar. No fim do almoço, paguei a conta e sorri vitoriosa para Mattias. Me sentia
completamente cheia, feliz e uns quilinhos a mais.
— Acho que não como mais nada hoje.
— Vai precisar de forças para mais tarde – Mattias mencionou me fazendo
encará-lo. — Não esqueci que você duvidou de mim.
— Não quis ofendê-lo. – Sorri agarrada a ele. — Só fiquei surpresa.
Atravessamos a rua e paramos ao lado da porta do passageiro. Mattias me
abraçou juntando nossos corpos, o perfume amadeirado inebriava meus sentidos.
O puxei pela gola da camisa e deixei nossos rostos próximos. Eu estava
completamente louca para que ele me beijasse logo.
— Ontem eu precisei de muito controle – sussurrou, deixando minha pele
arrepiada. — Só de lembrar como você me aguentou por completo, e me montou
cheia de desejo sem recuar. – Continuou e eu engoli em seco. — Eu sinto meu
corpo pedir por mais, para que eu siga meus instintos e meta com força. Sem me
conter dessa vez.
— Mattias...
— Eu vou poder? – indagou apoiando um braço na caminhonete. — Eu sei
que você aguenta.
Imaginar a cena me fez esfregar as pernas involuntariamente e lamber os
lábios. Mattias me olhava fixamente, sem dar brechas para eu desviar.
— M-Meter com força? – repeti e logo tive um aceno. — Você e-estava se
contendo?
— Um pouco – riu e olhou ao redor. — O que me diz?
— Quer mesmo falar disso aqui ao lado da igreja?
Mattias rapidamente olhou para o lado e endireitou o corpo. No entanto,
não se afastou.
— Não tenho culpa se você me faz ter pensamentos impuros.
Ri e me inclinei até que nossos lábios se tocassem. Me afastei
minimamente, e o toquei na barba. Delicadamente Mattias me puxou da porta, e
a abriu em um gesto cavalheiro. O beijei uma última vez e em seguida subi para
me acomodar no assento. Coloquei o cinto e observei Mattias correr até o lugar
do motorista.
Meter com força, sem se conter.
Só de pensar nisso meu corpo reagiu ficando ouriçado, e sem me conter
pensei em algumas posições que poderíamos praticar. Sorri minimamente me
sentindo completamente devassa. Tudo culpa do Mattias. O carro estava em
movimento, e quando foi manobrado para a direita. Outra caminhonete adentrou
a rua de supetão, por pouco causando um acidente. Mattias praguejou, e eu
nervosa o toquei no braço.
O outro motorista buzinou impaciente, e eu franzi o cenho.
— O que ele quer, Mattias?
— Quer que eu passe por cima dele – retrucou também buzinando. Então,
para o meu desespero, ele fez menção de retirar o cinto.
— Ei! Você não vai descer. – Neguei amedrontada. — Dá a ré e deixa ele
ir.
— Ele que está na contramão – falou e buzinou. — Esse imbecil!
Trêmula, vi o outro motorista descer, retirar o óculos escuro, e cruzar os
braços. Ele usava uma camisa branca, jeans e coturnos. Olhei para Mattias e o vi
sem o cinto, já saindo da caminhonete. Mais que depressa também desci, e fui
até ele.
— Qual é meu irmão atrapalhando o caminho, não sabe dirigir, Ferreira?
Fitei o encrenqueiro que se aproximava com seriedade. Então os dois se
conheciam?
— Quem está trancando a rua é você, playboy – Mattias exclamou fazendo
o outro rir. — Tira essa merda do meu caminho.
— Mattias! – bronqueei agarrando-o pelo braço. — Vamos embora.
— É melhor você ouvir a princesa aí, peão – riu, mas assim que ele me
fitou, franziu o cenho. — Espera... eu conheço você? – questionou apontando
para mim. Dava para ver que ele procurava na mente a informação.
— Eu acho que não – discordei, e puxei Mattias que não tirava os olhos do
outro. — Mattias, vamos embora. Todo mundo está olhando.
Então ao perceber aquilo, ele suspirou e balançou a cabeça.
— É melhor sair da frente! Se não sabe dirigir por aqui, não inventa!
Naquele momento senti uma vontade imensa de bater em Mattias, mas
assim que ele foi para de trás do volante fiquei mais calma. Corri para o meu
lugar e vi o outro voltar para a caminhonete e dar a ré em seguida saindo dali.
— Você é muito irresponsável!
— O quê? – franziu o cenho manobrando o veículo. — Ele quase causa um
acidente e eu sou irresponsável?
Sem querer retrucar, apenas cruzei os braços e fitei a janela. Decidi ficar
em silêncio até voltarmos para a fazenda, e agradeci quando ele também ficou.
Chegamos em casa quase no final da tarde, e ainda em silêncio desci da
caminhonete com as sacolas, e passei por Mattias.
— Bel...
— Eu não quero ser chata – o interrompi —, mas se ele estivesse armado?
Ou fosse alguém do Benício? Ou sei lá? Eu acho que você às vezes entra em
discussões desnecessárias.
— Se eu estivesse errado, seria o primeiro a ceder. – Retrucou, eu apenas
suspirei e tentei passar por ele. — Espera... – pediu e me tocou no braço com
delicadeza. — Desculpa, é que aquele playboy se acha o dono de tudo e me tira
do sério. Ele é o enteado do Alvaréz, mora na capital, mas parece que voltou.
Ao terminar de falar me tocou na bochecha, um toque carinhoso. Eu queria
reclamar mais um pouco. No entanto, deixei um suspiro escapar e logo dei um
pequeno sorriso.
— Você é muito brigão – o acusei e ele sorriu. — Isso não foi um elogio.
— Me desculpa – pediu novamente e me beijou nos lábios. — Vou tentar
não perder a minha curta paciência.
— Está bem, você vai ver como se sentirá melhor – falei e em troca recebi
mais um beijo. — Vou guardar isso aqui, e tentar ligar para a minha amiga.
— Certo. Acho que minha mãe ainda não chegou. – Olhei para a casa que
estava fechada. Então Mattias continuou: — Se ela não voltar, teremos a casa
inteira para você gemer à vontade.
Minha mente logo formulou a cena, e eu desci meus olhos pelo corpo dele.
Eu poderia ousar e fazer o que não tinha feito ontem. Retribuir sensações que
ele tinha me proporcionado.
— E-Eu vou entrar – respondi ansiosa para mais tarde. — Estou louca para
tomar banho, e ficar bem cheirosa. – Mattias sorriu e empurrou o chapéu para
cima. — Não me olha assim.
— Vou ao curral dar uma olhada, mas volto logo.
Concordei e o beijei. Enquanto me afastava, o observei entrar na
caminhonete e seguir até o curral. Andei rapidamente para dentro de casa, e
assim que abri a porta Brutus se aproximou. O acarinhei entre as orelhas e segui
até o quarto de Mattias. Depositei as sacolas em cima da cama, e peguei minha
mochila. Busquei meu celular, o carregador e o conectei. Após colocar na
tomada, o liguei e esperei alguns segundos.
No instante em que a tela ligou, respirei fundo e me encostei a parede.
A minha foto no wallpaper apareceu, e quando o celular ficou com área
recebi inúmeras mensagens. Em seguida vi milhares de ligações perdidas.
Cliquei nas notificações de mensagens, e comecei a ler.
“Belle, vem aqui para casa. Vai dar tudo certo, não some não.”
“Belle, me atende por favor! O Bruno está aqui na minha casa, vem pra
cá!”
“Isobelle Monteiro cadê você?! Como você some desse jeito e não atende
a porra do celular?”
Fiquei um pouco tensa, mas decidi resolver logo aquela situação. Então,
prestes a ligar, me surpreendi quando na tela vi a ligação da minha amiga.
Rapidamente o atendi.
— Michele!
— Ai, meu Pai Amado! Meu Deus, Belle é você mesmo?
— Oi Michele, sou eu... eu...
— Isobelle! Você sumiu! Tem noção disso? Sumiu! Meu Deus, eu passei
os dias ligando para você! – a enxurrada me atingiu em cheio. — Belle! Eu fui
no dia seguinte na sua casa, e estava vazia. Eu praticamente invadi e fui ao seu
quarto para saber se tinha alguma pista sobre o seu paradeiro, e nada! – a voz
soou chorosa e aquilo me fez chorar. — Eu vi uma chamada perdida no meu
celular depois que você foi, e pensei que podia ser você. Quando retornei, uma
mulher me atendeu e disse que ninguém tinha ligado. Insisti e um cara super
grosso avisou que você tinha tentado contato, mas já tinha ido.
— Michele...
— Cadê você? Olha, há uns dias eu voltei na sua casa na esperança de
você estar lá. O Bruno foi comigo, eu estava pronta para dar na cara daquele
desgraçado do seu padrasto. Que, aliás, está muito vivo. E na vagabunda da sua
mãe se ela falasse bosta, e lá estava um fazendeiro velho que está atrás de você
e eu fiquei desesperada sem saber onde você estava. Ele foi bem rude, viu?
Quem é ele? Cadê você? Me fala onde você está! Está machucada? Precisando de
dinheiro? Me responde! Eu vou avisar o Bruno que você deu notícias, ele
também está tão preocupado com você.
— Michele! – exclamei fazendo-a parar. — Eu estou bem, eu...
aconteceram tantas coisas.
— Me fala onde você está? Eu fiquei preocupada com você. – Michele
fungou, em seguida respirou fundo. — Eu vou fazer minha mala e ir até você.
Por favor, me fala onde você se enfiou?
Enxuguei minhas lágrimas e tentei manter a calma.
— Eu estou em uma pequena fazenda, na casa do Mattias. Aqui em
Vassouras, no Rio.
— Você está no Rio? Quem é Mattias? Você está trabalhando aí nessa
fazenda?
— Eu estou ficando aqui na fazenda dele... olha, vem para Vassouras no
Rio. Eu vou te encontrar na rodoviária, aqui eu te explico tudo. Eu estou com
tantas saudades, desculpa não ter ligado antes. Eu esqueci meu carregador no
quarto, consegui comprar um novo hoje.
Na outra linha ouvi Michele gritar com alguém, mas logo falar comigo.
— Quando chegar aí você vai ouvir, viu? Se prepare, porque o tanto que
chorei esses dias. Eu não fui à polícia, porque fiquei com medo de encrencar
você. O Bruno ficou no meu ouvido me limitando, porque a vontade que eu tinha
era de denunciar a sua mãe e o nojento do seu padrasto. Aquele porco, sonso,
nojento! O Bruno vai comigo. Ele vai defender a gente se precisar.
Emocionada, me permitir chorar mais.
— Aqui onde estou é um bom lugar – disse com um pequeno sorriso. — A
dona Rosalinda, que é a mãe do Mattias, ela é maravilhosa. Ela fez alguns
vestidos para mim, e é tão carinhosa comigo. Como uma mãe de verdade.
— Se ela for boa assim já tem meu coração, mas quero conhecer primeiro.
— Está bem – funguei e me desencostei da parede. — Quando você e o
Bruno decidirem quando vem, me avise. Vou manter o celular sempre carregado.
— Aí Belle, estou tão mais calma agora que você me ligou. Fica bem, tá?
Você está precisando de dinheiro? Roupas? Alguma coisa?
— Se você puder me trazer roupas, eu peguei algumas.
— Não esquenta, lá no seu quarto eu peguei uns documentos que tinha seu
nome e roupas.
— Obrigada, muito obrigada.
— Não precisa agradecer – disse e com a voz macia continuou: — Só não
some, tá? Pode me ligar qualquer horário.
— Está bem, Michele. Obrigada por não desistir de mim.
— Se cuida, Belle e por favor, não some.
Sorri e encerrei a ligação. Parecia que tinha tirado um peso das costas, e
com o alívio em meu corpo me joguei na cama. Então rapidamente me sentei no
colchão ao lembrar de algo que Michele comentou. Um fazendeiro tinha ido a
minha procura na minha casa? No mesmo instante pensei em Benício, mas ele
estava internado.
— Ou ele mentiu e tinha ido atrás de mim – murmurei em voz alta. —
Quando esse pesadelo vai acabar?
Fechei os olhos frustrada e passei as mãos nos cabelos. Jorge também
estava bem, e aparentemente não tinha ido à polícia. Pensativa e em silêncio,
consegui ouvir ao fundo chamarem do lado de fora. Saí do quarto lentamente e
assim que cheguei no fim do corredor olhei sorrateiramente para a porta.
Automaticamente soltei um suspiro de alívio ao ver que era José, um dos peões
de Mattias.
— Patroa! – Saudou da varanda, sorri e acenei em sua direção. — A dona
Rosalinda pediu pra avisar que vai passar essa noite na casa do Sr. Marcos. Vim
de lá agora.
— Obrigada por avisar – disse e o vi sorrir contido. — O Mattias foi no
curral.
Avisei e em questão de segundos, ouvi a caminhonete se aproximar. Me
apoiei na varanda e observei Mattias estacionar bem próximo, em seguida
descer.
— Pelo que vi no curral já tem muita coisa adiantada.
— Talvez antes do fim do mês tudo vai tá acabado, patrão – comentou e
em um impulso montou no cavalo. — Eu vim avisar que a dona Rosalinda ficou
na casa do seu irmão, eu tinha levado ela pela manhã.
Mattias me olhou sugestivamente, e um pouco acanhada desviei o olhar.
Quando José se despediu e tomou o rumo da saída, vi Mattias andar em minha
direção e parar logo atrás de mim. Os braços arrodearam minha cintura, e ao
ouvir o timbre rouco perto do meu ouvido não consegui segurar o suspiro de
deleite.
— Que tal começarmos no banho? – indagou puxando meu corpo ao
encontro do dele. — Vamos aproveitar o máximo do nosso tempo.
Me virei e lentamente desabotoei um dos botões da camisa dele. Mattias não
tirava os olhos de mim, e quando abri mais um pouco de sua camisa depositei
um beijo ali. Em seguida fiquei nas pontas dos pés, e juntei nossos lábios.
Estava disposta a comandar naquela noite, e colocar meu plano de conquistá-lo
em prática.
Isobelle

Assim que senti uma das mãos descerem até o meu traseiro o beijei com
mais afinco, e quando ele o estapeou com força em seguida de um aperto; gemi
rente aos lábios de Mattias. Rapidamente fui pega no colo e agarrada a ele soltei
um gemido dengoso quando a mão se moveu sob o meu vestido; parando sobre a
minha calcinha.
— Se você ficar rasgando as minhas calcinhas, eu vou ser obrigada a
andar nua por aí.
No mesmo instante ele franziu o cenho, e como se eu não pesasse nada.
Andou calmamente para dentro de casa.
— Então vamos fazer assim – respondeu retirando o chapéu, o jogando no
sofá sem parar de andar até o banheiro. — A cada calcinha que eu rasgar, te dou
duas de presente.
Ri daquilo e vi Brutus passar correndo para a sala.
— Então você já me deve quatro.
Já dentro do banheiro fui colocada no chão, e sob meu olhar de pura
cobiça, Mattias desabotoou por completo a camisa, e sem me conter passei
minha mão por seu peitoral. Ao vê-lo colocar as mãos no cinto, o parei e
continuei com aquela tarefa. Eu me sentia extremamente ousada e poderosa.
Joguei o cinto no chão e após respirar fundo, abri o botão da calça. Era tão
visível a ereção sob o tecido.
— Vai me dar banho também?
— Vou! – Afirmei pegando-o de surpresa. — Hoje vou colocar em prática
algumas coisas que quero fazer.
Mattias acariciou minha bochecha.
— Me dar banho é uma delas?
Sorri ao notar o sorriso dele.
— Eu vou comandar nessa noite – falei e o vi arquear uma sobrancelha. —
E espero que você não atrapalhe. Ou será castigado.
— Uau! Não sabia desse seu lado agressiva – murmurou, então o olhei.
Seu sorriso era malicioso. — Eu gostei.
Puxei a calça para baixo e engoli em seco ao ver a ereção sob a cueca
preta. O toquei por cima, mas logo enfiei a mão e o segurei. Olhei para Mattias
que me observava, e mordi o lábio. O semblante era de puro desejo, e querendo
aumentar as sensações para ele, comecei a fazer os movimentos de vai e vem.
Da ponta vi quando um líquido incolor saiu, então o apertei fazendo
Mattias gemer mais alto. O soltei alarmada, mas ele logo pegou minha mão e a
fez segurá-lo repetindo os mesmos movimentos. Enquanto o masturbava, o puxei
para um beijo que Mattias prontamente retribuiu. As nossas línguas se
esfregavam eroticamente, e a cada vez que os lábios se fechavam no meu, o
arrepio no meu corpo aumentava.
— Você está muito vestida, Bel...
Ao término daquela frase, retirei as botas, a calcinha e puxei meu vestido
o retirando. Com expectativa observei Mattias me imitar e retirar os restos das
peças de roupas. O banheiro era pequeno, mas aquilo não impediria de nós dois
nos enfiarmos embaixo do chuveiro.
De frente para Mattias, o vi esticar o braço e ligar o chuveiro. Assim que
a água caiu em mim, fechei os olhos e desci as mãos pelo meu corpo. Eu sabia
que estava sendo analisada, e mesmo que estivesse envergonhada, continuei.
Apertei meus seios, e no momento que abri os olhos, percebi que Mattias se
tocava.
— Assim você vai me matar, Bel.
Sorri e saí de baixo do chuveiro colocando Mattias no meu lugar.
— Eu gosto quando me chama de Bel. – Avisei o fazendo sorrir. — Vou
pensar em um para te chamar, você gosta?
— Se for você, eu aceito qualquer um.
Meu coração no mesmo instante bateu mais forte.
Talvez ele não soubesse como me deixava, mas cada fala carinhosa que ele
soltava, fazia o misto de sentimentos ficarem ouriçados e tudo o que eu queria
era dizer como eu me sentia. Dizer que eu estava completamente apaixonada,
pelo chucro Mattias Ferreira. Ao final do pensamento, deixei um mínimo sorriso
escapar. Estava sendo um pouco injusta, Mattias era um completo príncipe.
Olhei para o seu pau, e senti um súbito desejo de prová-lo.
Mas antes eu queria que ele implorasse, pois eu estava muito má. Então
peguei a barra de sabonete e comecei a esfregar no peito largo, em seguida desci
até sua ereção.
— Você realmente vai me dar banho?
— Não está gostando? – indaguei e deixei que ele pegasse o sabonete.
— Vê como estou completamente duro? – questionou enquanto retirava o
sabão de si. — O que eu mais quero nesse momento é ter você.
— Então peça – falei pegando de volta o sabonete, passando-o
sinuosamente por todo o meu corpo. — Por favor, Bel. Me deixe tê-la.
Mattias riu, mas ao ver que eu falava sério me puxou para de baixo do
chuveiro. A água retirava o sabão de nossos corpos, e aproveitando aquilo me
virei de costas sentindo as mãos alisarem minha cintura, e descerem até o meio
das minhas pernas.
— Bel, Bel... – Murmurou rouco em meu ouvido. — Por favor, me deixe
tê-la. Aqui no banheiro, no sofá, e em minha cama. Eu vou ficar louco se eu não
sentir seu corpo no meu.
Enebriada com as sensações, abri um pouco as pernas, e empinei me
esfregando descaradamente em Mattias. Enfiei o braço entre nossos corpos, e
forcei a ereção em minha entrada. Gemi e empinei mais, ficando quase nas
pontas dos pés.
— Droga!
— O que foi? – Olhei para trás, ele fechou rapidamente o registro.
— Eu esqueci da caixa de camisinhas na caminhonete.
Fiquei surpresa, e logo me lembrei que ele tinha ido comprar algo na
farmácia. O certo seria me afastar e pedir para que ele fosse buscar. No entanto,
meu corpo não me obedecia.
— Fazemos sem – propus sentindo os dedos longos esfregarem em meu
clitóris —, mas na hora de gozar... – minha voz saiu completamente manhosa. —
Você goza fora como ontem.
Vi que Mattias pensou a respeito, e enquanto esperava por uma resposta
remexi o quadril, sentindo-o entrar mais um pouco. As mãos logo exerceram
força em minha cintura, e com um impulso fui penetrada por completo. A
sensação de preenchimento me tomou fazendo com que eu fechasse meus olhos e
gritasse.
— Você me deixa completamente louco! – proferiu e com a outra mão
livre agarrou meus cabelos molhados, puxando-os para trás.
Mordi o lábio e quando os movimentos foram retomados, gemi mais alto
sem conseguir me segurar. Os nossos quadris se chocavam com selvageria, e a
cada minuto a pressão nos meus cabelos aumentavam. Assim como as deliciosas
sensações pelo meu corpo.
Atrás de mim eu ouvia perfeitamente os suspiros, e as respirações pesadas
de Mattias. Meu baixo ventre formigava, e eu conseguia sentir que meu primeiro
orgasmo estava próximo. Então abri mais minhas pernas, e me agarrei ao braço
que envolvia minha cintura. Eu a todo momento gemia sem me preocupar com a
exposição, afinal estávamos apenas eu e Mattias.
— Que boceta gostosa – o sussurro chegou em meu ouvido. — Eu disse
que você aguentava.
Sem conseguir formular uma frase, peguei a mão dele e coloquei entre
minhas dobras encharcadas. No instante que meu clitóris foi esfregado com
habilidade, minhas pernas fraquejaram e só não caí porque fui segurada. Em
questão de segundos, os lábios de Mattias se fecharam no meu pescoço, onde ele
mordeu ao mesmo tempo, em que aumentou as estocadas.
O arrepio percorreu meu corpo, e quando senti o acumulo de tensão e
excitação. Finquei as minhas unhas nos braços de Mattias e contraí a ereção que
ainda se movia, me arrancando as últimas forças naquele momento.
Amoleci nos braços de Mattias, sentindo os espasmos e sensibilidade pelo
corpo. Tentei acalmar meu coração que batia desenfreadamente, mas era uma
tarefa difícil quando eu o tinha me acariciando os seios.
Por um segundo ele separou nossos corpos.
— N-Não... – gemi manhosa tentando puxá-lo para perto. — Eu quero
mais...
— Vamos para o quarto – falou com a voz risonha, e em um movimento
inesperado me pegou no colo. — Quero você gemendo na minha cama.
Como resposta o abracei pelo pescoço e com fome o beijei nos lábios. Os
novos estímulos estavam sendo enviados por cada pedacinho do meu corpo, me
deixando completamente cheia de desejo.
Saímos do banheiro rapidamente, e molhados do jeito que estávamos,
Mattias me deitou na cama ficando por cima. Os olhos azuis me encaravam tão
profundamente, que a impressão que me dava era de que ele queria falar alguma
coisa. No entanto, quando ele não disse nada, eu apenas o toquei no rosto de
forma carinhosa.
Nos beijamos mais uma vez, um beijo mais lento.
— Fica de bruços?
— O quê? – indaguei confusa e o vi sair de cima de mim. — O que
pretende?
— Minha vez de cavalgar – disse sorrindo e me ajudou a virar no colchão.
— Agora fique bem empinada.
Mordi o lábio envergonhada, mas obedeci. Joguei os meus cabelos para o
lado e me abracei ao travesseiro. Olhei por cima do ombro e gemi quando os
dedos me tocaram no clitóris. Mattias acariciava a ereção, mas não tirava os
olhos das minhas dobras. Ainda o encarando, fiquei em expectativa ao vê-lo
puxar meu quadril mais um pouco e inclinar o corpo para frente.
Senti primeiro uma lenta lambida em minha entrada, o que me fez gemer e
remexer o quadril em busca de mais. Em seguida, inesperadamente, um dos
dedos me estimulou na outra entrada. Assustada, tentei me virar, mas Mattias
segurou meu quadril com mais firmeza.
— Mattias...
— Calma... – pediu e me lambeu mais uma vez. — Eu só...
— E-Eu nunca fiz assim – o interrompi totalmente alarmada. — Não estou
p-pronta.
Então, como se querendo me deixar mais tranquila, ele beijou o caminho
das minhas costas e em um movimento se deitou por cima de mim.
— Serei paciente em relação a isso – murmurou rouco em meu ouvido,
automaticamente empinei em sua direção. Ele esfregava o pau entre minhas
dobras, às vezes forçava a entrada, mas não continuava —, mas espero que pense
a respeito. No seu tempo.
— Você é... – Parei ao senti-lo entrar completamente. Ele era tão grande e
grosso. — Muito safado.
Os movimentos eram longos e lentos, nossos corpos estavam tão
conectados que pareciam um só. Com a sensação de sufocamento, tirei o
travesseiro de baixo de mim e o joguei no chão. Os braços de Mattias se
mantinham apoiados ao lado de minha cabeça, e mesmo enebriada de desejo
percebi as veias tão salientes pelo esforço.
— Por favor... mais...
A minha voz saiu sussurrada e manhosa. O suor de Mattias se misturava
com o meu, deixando nossos corpos mais escorregadios. Com um pequeno
esforço, consegui apoiar os joelhos trêmulos no colchão e gemi ao senti-lo bem
fundo.
— Você é muito corajosa – me elogiou em um sussurro. — A forma como
sua boceta aperta o meu pau... me leva a loucura!
O apertei propositalmente; fazendo-o gemer e agarrar os meus cabelos
firmemente. Mattias se afastou, e quando ouvi a cama ranger pelo peso; apoiei
os braços no colchão e me virei em direção a ele. As pernas torneadas estavam
em cada lado do meu corpo, e a ereção de Mattias ainda permanecia dentro de
mim. A visão que eu enxergava me deixou mais molhada só de saber que eu
conseguia com perfeição mantê-lo acolhido entre minhas pernas.
Ele sorriu malicioso e após uma palmada em minha bunda começou a se
mover como se estivesse galopando. Gemi formando um perfeito “o” com os
meus lábios, e levei uma das minhas mãos até meu traseiro o agarrando.
Eu não conseguia falar; meu corpo estava quente e suado. A cada segundo
a chama do desejo aumentava, espalhando-se e enviando fagulhas no centro de
minhas pernas, seios e nuca. Os bicos intumescidos, quando eram friccionados
no colchão, me arrancavam os gemidos que mesmo se eu quisesse contê-los não
conseguiria.
Ficamos alguns bons minutos naquela posição – que sem dúvidas alguma
era uma das minhas preferidas agora –, mas logo ele mudou ficando em pé ao
lado da cama. Meu corpo reclamava em busca de um descanso, minha cintura e
quadril estavam doloridos pelos inúmeros apertões que recebi. No entanto, assim
que fitei a ereção com a ponta rosada; lambi os lábios faminta para prová-lo.
Eu não me reconhecia realmente.
Lentamente me sentei sobre os joelhos e estendi a mão até agarrar o
membro a minha frente. Mattias se aproximou, e me acariciou no rosto. Encarei
seus olhos, e sem desviar movi minha mão e aproximei meus lábios de sua
glande. Primeiro o chupei, e deixei minha língua conhecer aquela parte; me
surpreendendo por ser macia. Com as duas mãos segurei o comprimento grosso e
o masturbei. Nossos olhares nunca se desviavam, e ser observada daquela forma
estava me deixando envergonhada.
— Use a língua – Mattias mandou e prontamente o obedeci. — Isso... –
gemeu, em seguida agarrou os meus cabelos em um rabo de cavalo. — Você me
surpreende sempre, Bel.
Lhe enderecei um rápido sorriso, mas logo voltei a chupá-lo. O fato de
não conseguir colocá-lo por completo em meus lábios; me instigava a continuar
até que ele gozasse. Não sabia muito bem como agiria depois, só tinha certeza
de que seguiria meus instintos. Enquanto o mantinha entre os lábios, senti uma
pressão insuportavelmente prazerosa em meu clitóris; o que me fez gemer mais
alto.
O afastei e deixei que uma mão descesse em minha intimidade.
— Vem cá. – Olhei para Mattias que tinha os braços abertos e prontamente
me levantei, o abraçando. — Não quero gozar nos seus lábios – murmurou
enquanto passava um braço por debaixo do meu joelho, me deixando exposta. —
Melhor se segurar em mim.
Meus braços arrodearam o pescoço dele, e pega de surpresa fui beijada ao
mesmo tempo que o membro teso me invadiu. Gemi manhosa rente aos lábios
dele, e fitei os olhos azuis.
— Você é tão lindo.
Mattias sorriu e com um impulso para cima, segurou a minha outra perna
juntando nossos corpos. Eu me sentia em combustão, e pronta para o orgasmo
que se construía em meu ventre.
— Você é mil vezes mais linda – falou mantendo o ritmo forte. Eu mal
conseguia sentir minhas pernas. — Linda e gostosa.
Mordi o lábio ao fim do elogio, e quando Mattias gemeu rouco e me
penetrou forte uma última vez. Senti as explosões; meu corpo ficar rígido, mas
logo dar lugar ao êxtase.
Fui colocada rapidamente na cama, e de pernas abertas fitei Mattias se
masturbar com rapidez e finalmente gozar entre minhas dobras – totalmente
sensíveis – me arrancando um arrepio. Após um suspiro, ele pincelou o pau por
toda minha intimidade e me encarou. Eu mal conseguia ficar de olhos abertos
tamanho meu cansaço, mas ainda sorri quando Mattias se aproximou e me tocou
na bochecha de forma carinhosa.
E antes de fechar os olhos para descansar alguns minutos, vi os lábios que
antes eu beijava se mover em uma frase.
Quando por fim acordei, me sentei sonolenta na cama e esfreguei os olhos.
O lençol cobria minha nudez, e no quarto não havia nenhum sinal de Mattias.
Relanceei para a janela e percebi que já era noite. Bocejei completamente
cansada, mas curiosa para saber onde Mattias estava; me levantei.
Após pegar um vestido feito por Rosalinda e uma calcinha, me encaminhei
ao banheiro. A casa estava em um completo silêncio, nem se quer ouvia Brutus
andar pelo assoalho como de costume. Com certa calma escovei os dentes,
depois lavei meus cabelos e ensaboei meu corpo; as lembranças tão vivas em
minha memória me fez sorrir.
No fim de tudo, e já devidamente pronta; procurei Mattias. Não fui muito
longe, pois assim que apareci na varanda o vi sentado em uma cadeira. Ele
bebericava uma caneca de café, mas assim que me viu sorriu e estendeu uma
mão.
A segurei no mesmo instante e sorri de lado.
— Achei que só acordaria amanhã – Mattias murmurou enquanto eu me
sentava em seu colo. — Posso jurar que ouvi você roncar.
— Eu não ronco – retruquei recebendo um carinho na bochecha. — O que
faz aqui fora? – indaguei e vi Brutus se aproximar.
Olhei para o céu e vi as estrelas por toda a extensão do azul-escuro.
— Estava pensando – respondeu e me olhou por alguns segundos, mas
logo desviou. — Fazendo alguns planos.
Meu coração no mesmo momento falhou uma batida, e sem entender muito
bem eu senti um pouco de medo. Queria muito saber quais esses planos, e se eu
fazia parte de algum. No entanto, decidi ficar calada. Talvez a reposta não seria
a que eu estava esperando.
— Isso é bom – disse por fim, por dentro tentava me manter calma. —
Naquela hora eu consegui ligar para a minha amiga, ela disse que viria me ver.
— Fico feliz. – Sorriu minimamente. — A casa não é tão grande, mas
daremos um jeito para que ela fique confortável.
— O Bruno também vem.
— Ele dorme na sala comigo.
Sorri com a resposta rápida, parecia até que ele já tinha pensado nisso
antes. Ainda o observando, senti um comichão no pé da barriga quando Mattias
se inclinou em minha direção e me beijou nos lábios. Em primeiro momento foi
apenas um selinho, mas logo a língua dele pediu passagem entre os meus lábios.
O abracei e permiti que o beijo fosse aprofundado.
Mattias inclinou o corpo para o lado, em seguida me circundou com os
dois braços. Uma mão desceu até o meu traseiro, e o apertou. Me afastei
minimamente e gemi, dando a deixa para os beijos descerem por meu pescoço.
Eu já conseguia sentir meu corpo ficar quente de desejo, e quando os lábios
pararam a um centímetro do meu seio; meu estômago roncou.
— Acho melhor alimentar você antes de qualquer coisa.
— Isso foi embaraçoso – comentei o vendo sorrir. — Eu vou preparar
alguma coisa.
— Eu já preparei – avisou e ao me ver surpresa, arqueou uma sobrancelha.
— O quê? Eu sou um bom dono de casa.
— A sua mãe me disse que você sabe cozinhar.
Desconfiado, ele inclinou o corpo para o lado novamente e pegou a
caneca.
— O que mais ela disse?
Sorri com a pergunta.
— Bom, ela me disse que você é organizado – disse recebendo total
atenção. — Um pouco chucro, mandão, ciumento...
— Fiquei tocado com tantos bons adjetivos. – Interrompeu me fazendo rir.
— Ela só sabe falar bem do Sebastião.
Balancei a cabeça.
— Você nem me deixou terminar – retruquei, então ele levantou uma das
mãos como desculpa. — Um pouco chucro, mandão, ciumento – repeti
observando a careta dele —, mas com um bom coração. E não era preciso ela ter
me falado isso, porque eu já tinha percebido. Não vou mentir, mas no início eu
fiquei com um pouco de medo de você.
— Eu percebia, por isso me mantinha afastado.
O olhei surpresa, mas logo continuei.
— Você me salvou duas vezes, se expondo. Lá na estrada, se você não
tivesse ido atrás de mim, eu não o teria julgado.
— Eu não deixaria que te levassem – afirmou com seriedade, os dedos
tocando meu queixo. — Ninguém nesse mundo nunca mais vai te machucar.
A certeza na voz dele, me deixou emocionada. Meu coração estava tão
reconfortado, cuidado... amado. Sem que eu conseguisse me controlar, deixei
algumas lágrimas caírem. Rapidamente Mattias as secou, e me beijou
carinhosamente.
— Agora vamos comer – falou e eu prontamente desci do seu colo. — Já
passam da meia-noite.
— Eu dormi tanto assim?
— Você estava cansada – respondeu me abraçando pelos ombros. — Foi
por isso que roncou.
Ri mais uma vez, e o encarei que tinha o ar risonho.
— Eu já falei que não ronco, mas estava cansada.
— Acho que peguei muito pesado com você.
O observei parar ao lado da mesa e depositar a caneca. Apoiei minhas
mãos no encosto da cadeira, e respirei fundo ao analisá-lo. Ele usava uma
camisa branca; por cima uma de xadrez, calça jeans gasta e os coturnos.
— Na verdade – comecei fazendo-o me olhar —, eu gosto quando você é
mais... intenso.
Mattias sorriu.
— Muito bom saber.
Também sorri, mas logo desviei o olhar. Em cima da mesa havia arroz,
feijão, carne assada, purê e suco. Um verdadeiro banquete, e saber que o próprio
Mattias tinha preparado tudo; deixava tudo ainda mais especial.
Comemos e conversamos sobre alguns assuntos. Ele me falou sobre a vaca
que perdeu o filhote, quando ela estava junto das outras apresentava
comportamento agressivo. Por isso ele a mantinha longe, mas ainda não sabia o
que fazer. Mattias não queria sacrificá-la. No fim do jantar, o ajudei com os
pratos e depois demoramos um pouco na sala. Em meio a conversa, falei mais
um pouco sobre os meus amigos e em seguida o questionei sobre os amigos dele.
— Meus colegas de faculdade estão casados, alguns se mudaram daqui e
estão na cidade. Outros vivem por aqui, mas não tenho contato.
— E o Sebastião? – indaguei me aconchegando mais nele.
— Conhecemos ele há um bom tempo. As nossas mães eram amigas – após
falar aquilo pigarreou. — Sabe, há uns três anos eu comprei um bom terreno em
um leilão.
— Sério? Para plantar?
— Também – respondeu e me tocou nos cabelos. — Estava por um bom
preço, eu achei que poderia ser algo bom. Afinal, isso tudo aqui é da minha mãe.
Esperei que ele continuasse, mas Mattias simplesmente parou e quando o
olhei. A feição estava indecisa.
Por alguns segundos fiquei sem entender.
— E então? – questionei e naquele momento eu consegui ver a guerra
interna em seus olhos. — Você está pensando em se mudar?
— Não. – Negou por fim, mas ele ainda estava indeciso. — Deixa para lá,
foi só... é que lembrei dele. Antes de pensar em morar, a casa precisa ser
reformada. Eu diria que derrubada para ser construída do zero.
Concordei e voltei a apoiar minha cabeça em seu peito. Tentava
compreender o que ele queria ter dito de verdade, mas nada passava por minha
cabeça. No entanto, eu imaginava que aquele investimento poderia ser para um
planejamento do futuro. Talvez um casamento? Ou quem sabe, apenas morar
sozinho.
Com aqueles pensamentos, deixei que minha mão descesse pelo tecido da
camisa branca.
— O que eu posso esperar da festividade?
— Shows ao vivo – respondeu e me encarou. — Bebidas, muitas pessoas.
Geralmente o pessoal das cidades vizinhas vem aproveitar por aqui.
Em um movimento rápido me sentei em seu colo, com as pernas em cada
lado dele. Vi quando seus olhos fixaram em meus seios, mas logo focaram em
meu rosto.
— Faz muito tempo que não saio assim – falei com sinceridade. Afinal, a
última vez que saí para uma festa não tinha sido uma boa ideia. — O vestido
ficou muito lindo.
— Eu aposto que sim.
— Estou curiosa para te ver todo arrumado.
As mãos de Mattias desceram por minha cintura, então ele me puxou para
mais perto, deixando meus seios esmagados contra o peitoral maciço. Me
aconcheguei mais em cima dele, e lentamente me remexi na tentativa de aplacar
a inquietação. No mesmo instante, Mattias abriu mais as pernas, e desferiu uma
palmada em meu traseiro.
— Eu não consigo tirar da mente a imagem de você me chupando lá no
quarto.
A frase dita em voz alta me deixou completamente envergonhada, mas, ao
mesmo tempo, excitada.
— Você gostou? – indaguei e assim que ele assentiu, senti os dedos
adentrarem minha calcinha e esfregarem entre os grandes lábios. — Foi a minha
primeira vez. – Mattias sorriu, e em resposta revirei os olhos.
Homens.
— Fico feliz em saber essa informação.
— Aposto que sim – retruquei. O dedo logo me penetrou, me arrancando
um gemido. — N-No quarto você não me deixou terminar.
— Posso deixar agora – falou e levou os lábios ao meu pescoço. —
Prometo que não vou pará-la.
Mordisquei o lábio inferior e rebolei sentindo o arrepio pelo meu corpo.
Extasiada pelas sensações, o empurrei com as duas mãos e saí do colo dele. Sob
o olhar de pura cobiça, me ajoelhei entre as pernas de Mattias e comecei a
desafivelar o cinto. Me sentia tão ansiosa que minhas mãos tremiam enquanto
abria o botão, e logo em seguida descia o zíper da braguilha.
Ao ver o contorno do membro semi ereto, lambi os lábios e puxei a cueca.
Com a ajuda dele desci a calça jeans até a metade das coxas, fazendo o
mesmo com a cueca.
Minhas mãos percorreram pelas coxas torneadas, e após uma rápida
verificada em Mattias, notei que ele me encarava fixamente. Sorri sendo
retribuída, e sem mais enrolação o segurei. Meus movimentos eram acanhados, e
totalmente fascinada percebi que quanto mais eu o masturbava; mais a ereção
ficava aparente. Aproximei meus lábios, e o lambi fazendo-o arquear o quadril.
Agarrei a ereção com mais firmeza e comecei a chupar a ponta, como se fosse
um delicioso pirulito. A todo momento eu sentia a necessidade de abocanhá-lo
mais, no entanto, me sentia frustrada por não conseguir por completo.
— Estira a língua.
Assim que o obedeci, Mattias segurou os meus cabelos com apenas uma
mão e com a outra esfregou a glande ritmadamente; para logo em seguida
adentrar em minha boca. Firmei minha mão em seu entorno, e voltei a movê-la
rapidamente. Os gemidos que Mattias soltava, me instigava a continuar até ele
gozar.
Eu queria saber como era. Pois descobrir aquelas coisas com Mattias,
tornava tudo aquilo especial.
Fiquei alguns minutos o chupando, e quando ele impulsionou o quadril
para cima; eu soube que ele estava próximo de gozar. Então soltei um gemido
dengoso, e o encarei enquanto movia a mão para cima e para baixo. A mão em
meus cabelos forçou o agarre, e segundos após; senti os jatos fortes em meu
rosto me deixando lambuzada.
Mattias tinha o cenho totalmente franzido, a respiração descompassada e
dos lábios carnudos saíam fortes suspiros que só de ver a cena; me senti mais
molhada. Toquei em meu clitóris por cima da calcinha, e soltei um gemido
estrangulado. Eu estava tão sensível, necessitava com certa urgência que Mattias
saciasse meu desejo.
Ao me ouvir, ele me olhou, sorriu preguiçosamente e retirou a camisa
xadrez. Delicadamente limpou meu rosto, e quando o deixou limpo; me puxou
para cima.
Os dois braços fortes circundaram minha cintura.
— Tudo bem se eu a fizer minha mais uma vez?
Acenei freneticamente e sorri em antecipação.
— Estou um pouco dolorida, mas quero de novo. Espera – pedi e removi
minha calcinha. Não arriscaria perder mais uma peça. — Não vai rasgar essa.
Nossos olhares estavam conectados, o ar denso pelo desejo sexual estava
impregnado na sala. Os lábios de Mattias tocou os meus, e em ato totalmente
erótico; senti a língua adentrar os meus lábios. O retribuí da mesma forma, em
seguida a chupei. Meu corpo foi erguido, e compenetrada nos lábios de Mattias;
gemi quando a glande foi esfregada em minha entrada.
— Sabe o que eu acho incrível? – questionou enquanto se enfiava em mim.
— O q-quê? – Arfei sentindo-o bem fundo.
Em um movimento calculado, Mattias desceu mais o corpo no sofá me
deixando ereta em cima dele.
— A forma como sua boceta – murmurou e me lambeu o pescoço. — Se
encaixa com perfeição no meu pau.
Sorri com aquela fala, e apoiei as duas mãos no peito largo; empurrando-o
até o encosto do sofá. Assim que movi o quadril para frente, fechei os olhos,
tamanho o prazer que se alastrou por toda a minha pele. O vestido que eu ainda
usava estava me deixando inquieta, mas assim que levei as mãos a barra para
retirá-lo; Mattias me impediu.
— Fica com ele – pediu ao mesmo tempo que elevava o quadril. — Não
sabe como é a intensa tentação de te ver assim.
— Achei que você não gostava dele por ser curto demais.
Ele sorriu, e após lamber os dedos; os levou até o meu clitóris, começando
uma carícia. Segurei a barra do vestido e olhei a cena. Os dedos lambuzados de
saliva se misturavam com os nossos fluidos.
— Quem disse que você poderia parar? – quis saber com a voz rouca,
depois me estapeou o traseiro. — Rebola!
Com cuidado, mas cheia de tesão, apoiei minhas mãos para trás em suas
coxas e o obedeci. Joguei a cabeça e gemi completamente excitada com os
estímulos que recebia. Fitei Mattias que mantinha uma expressão de puro desejo
– e mordi o lábio quando ele removeu a camisa branca. Sem conseguir me
conter, levei as unhas até o peitoral dele e o arranhei. Após alguns segundos as
marcas vermelhas apareceram, e eu sorri.
Já Mattias me agarrou pela cintura como resposta, juntando nossos corpos,
e me esbofeteou com força no traseiro. Gemi mais alto e finquei as unhas em seu
abdômen.
— Você gosta quando sou mais intenso, não é? – perguntou e apertou no
mesmo lugar que tinha batido. — Gosta quando faço isso?
Para demonstrar me bateu mais uma vez, só que do outro lado. Apostaria
com toda certeza, que no outro dia eu estaria completamente vermelha e
dolorida.
— S-Sim, mais...
Após falar, baixei meu decote me expondo para ele. Prontamente Mattias
entendeu o que eu queria, e ainda sorrindo abocanhou um seio. A sequência de
lambidas, mordidas e sucções estava me levando ao delírio. E tudo se
intensificou quando a mão pesada começou a me esbofetear, intercalando de um
lado para o outro.
Passados alguns minutos, meus gemidos ficaram mais altos e não
querendo fazer tanto barulho; tomei os lábios de Mattias para mim e o abracei.
Quando eu finalmente gozei, senti as explosões se alastrarem por todo o meu
corpo, e um arrepio delicioso no pé da barriga.
— Gostosa! – gemeu e puxou rapidamente a ereção para fora. Segundos
depois senti quando ele gozou em meu traseiro.
Eu me sentia completamente exausta e com partes do corpo sensíveis. Ao
ouvir Mattias soltar um riso, me afastei lentamente e notei que ele olhava para
algo acima do meu ombro. Me virei e vi Brutus sentado olhando nós dois.
— Ele ficou esse tempo todo parado aí?
— Eu não sei – respondeu e puxou uma longa respiração. — Preciso me
deitar um pouco, você acaba comigo. – Assim que ele disse aquilo, arqueei uma
sobrancelha. — Toma um banho comigo?
— Somente banho?
— Por enquanto só.
Sorri e juntos nos encaminhamos ao banheiro. Lá trocamos alguns beijos,
mas não nos demoramos. Já no quarto nos deitamos na cama, e de forma
manhosa me aconcheguei nos braços de Mattias. Dentro de mim havia uma
felicidade, que me fazia querer sorrir e compartilhar o que sentia. No entanto,
quando pensava em falar, me sentia impedida. Estava prestes a fechar os olhos
quando me recordei de algo.
— Mais cedo aqui no quarto – comecei fazendo-o me olhar. — Você falou
alguma coisa para mim?
Ele me olhou por alguns segundos.
— Você não ouviu?
— Não – neguei envergonhada. — Eu estava exausta, mal conseguia ficar
com os olhos abertos. Desculpa. O que era?
Delicadamente os dedos tocaram em meu rosto, e após engolir em seco,
ele balançou a cabeça negativamente.
— Não era nada.
— Tem certeza? – retruquei e sorri ao notar o sorriso dele. — Eu acho que
você está mentindo.
— Estou muito cansado – falou fechando os olhos. — Deveria fazer o
mesmo.
O encarei, e notando isso, ele abriu os olhos em minha direção e sorriu
minimamente. Suspirei, vencida pelo cansaço, e após o beijar nos lábios me
aninhei em seu abraço.
Rosalinda

Após um suspiro, levei as mãos, as costas e me sentei na cadeira. Assim


que olhei para a porta da sala, vi João Pedro e Maria Alice correndo com Brutus.
Meu pensamento foi em Marcos, e senti meu peito se apertar em preocupação.
Não gostava nenhum pouco de ver qualquer filho meu sofrendo, e me sentia
péssima por não conseguir ajudá-lo. A separação de Alessandra e Marcos me
deixou totalmente surpresa. Pois eu sequer tinha visto os indícios de que algo
não estava bem. Peguei a xícara de chá que antes descansava em cima da mesa, e
tomei um gole.
Tinha alguns dias que minha preocupação tomava conta da minha cabeça.
— Voltei!
Isobelle apareceu da entrada da sala, carregava um galão de leite.
— Conseguiu? – indaguei recebendo um grande sorriso.
— Mais que ontem – respondeu colocando o galão ao lado da pia. — É um
pouco difícil no começo, fiquei com medo de machucar a vaca.
Ri e a observei lavar as mãos, em seguida pegar um pano de prato. Vestia
um dos vestidos que eu tinha feito, e parecia tão mais feliz desde que chegou
aqui. Isobelle se mostrou uma moça forte, e mesmo depois de tudo o que já tinha
passado; sempre mantinha o jeito caridoso e educado. Não conseguia entender
como uma mãe pudesse fechar os olhos e não se importar com o bem-estar de
sua própria filha.
— Com o tempo você pega jeito – comentei e bebi mais um pouco do chá.
— Acredita que quando eu estava grávida do Matheus, uma vaca quase me pega
no pasto?
— Mesmo? – Isobelle me olhou assustada. — Nem imagino o medo que a
senhora sentiu.
— Foi terrível, mas depois eu só sabia rir.
A observei sorrir começando a enxugar alguns pratos que estavam na pia.
— O único contato com animais vim ter aqui – falou e me olhou. — Se
soubessem como o interior é bom de morar, tenho certeza de que a maioria
optaria por virem para cá.
— Concordo, eu não trocaria minha terrinha para morar na cidade.
Ao fundo ouvi baterem as botas na soleira da porta, e ao me virar vi
Mattias completamente sujo se aproximar. Seu olhar foi primeiro em Isobelle,
para em seguida me sorrir. Me encostei na cadeira e tentei adivinhar qual
desculpa ele usaria dessa vez: banheiro ou água de novo?
— Morrendo de sede – falou e eu sorri.
Ultimamente Mattias passava mais tempo em casa, do que cuidando das
coisas; e eu não estava reclamando. Sempre me perguntei quando seria a vez do
meu menino encontrar o amor, e quando eu menos esperava Isobelle apareceu.
Bebi o restante do chá e observei a cena a minha frente.
Isobelle mantinha um pequeno sorriso enquanto segurava o jarro de água
gelada, Mattias a observava e bebia a água de pouquinho e pouquinho. Eu não
queria me intrometer entre os dois, mas se eu não o fizesse, Mattias com certeza
deixaria Isobelle escapar. Em relação a isso, ele era tapado igual ao pai. Pois, se
eu não tivesse dado o primeiro passo, não teríamos nos casados.
Eu tinha minhas desconfianças de que os dois estavam se envolvendo, e
não era de agora. Às vezes conseguia pegar alguns olhares e sorrisinhos. Ou
como na vez que Isobelle ficou com ciúmes do diabo ruivo, e Mattias descontou
os ciúmes no pobre Sebastião. Me perguntava qual incentivo maior ele precisaria
para agir e oficializar de vez aquele relacionamento.
Fazia dois dias que tinha voltado da casa do Marcos com os pequenos, e
nesses dois dias que se seguiram eu consegui ver uma troca de carinho entre os
dois. Era a primeira vez que eu o pegava sendo carinhoso com ela. Eles achavam
que eu não tinha percebido, mas eu não era boba nada. Sem falar que ontem, na
madrugada, fui ao banheiro e na volta passei na sala para saber se Mattias
precisava de mais cobertor.
E para a minha surpresa ele não estava ali.
— Você estava se embolando no pasto com as vacas?
Mattias me encarou e bebeu a água em um gole.
— Eu nem estou tão sujo assim – retrucou e voltou a olhar Isobelle. — Eu
vou à fazenda do Albuquerque ver a égua e vou aplicar algumas injeções que já
devem ter chegado, depois volto para casa.
— Hum, tudo bem.
— Saímos às 20h.
— Estou ansiosa – comentou dando um pequeno sorriso enquanto
guardava o jarro na geladeira. — Não vai querer comer alguma coisa antes de ir?
— Não, eu volto logo.
— Vovó, vovó – João Pedro entrou correndo, logo atrás dele estava Maria
Alice e Brutus. — A Maria Alice disse que ia bater em mim.
— Mentira vovó, eu não disse não!
Mattias a pegou rapidamente, e a colocou de cabeça para baixo, fazendo a
pequena rir.
— Que menina mais briguenta – falou enquanto a fazia cócegas em sua
barriga. — Princesas não batem nos outros.
— Titio! – riu ao mesmo tempo que se contorcia. — Eu não bati não.
Assim que parou, a segurou normal e a beijou na bochecha. Meu sorriso
aumentou quando Alice o abraçou de volta, meu filho era um bobão quando o
assunto era criança. Isobelle os observava com um sorriso contido.
— Pronto, agora eu vou indo. Se comportem os dois e obedeçam à vovó.
— Tio, depois posso dirigir o carro?
— Claro.
— Nem pensar – retruquei e vi Mattias rir saindo. — Posso saber por que
você disse que ia bater no seu irmão, mocinha?
— Ele disse que ia brigar comigo, vovó.
— A Maria Alice queria brincar onde a vovó disse que não podia.
Franzi o cenho, mas logo me recordei. Uma vez tinha pegado os dois na
estrada de terra, e mesmo com a placa de velocidade mínima que tinham
colocado próximo; muitos motoristas não obedeciam.
— Vocês só podem brincar onde eu possa ver – falei com seriedade. —
Como vou ver vocês se passarem da porteira? Vocês só podem sair se tiver ou
com o papai, a vovó e o titio.
— E a titia?
Olhei para Isobelle que estava surpresa, então sorri.
— Com a titia podem – murmurei e vi João Pedro olhar para a irmã. —
Agora vão aquietar o fogo, que já já vou dar banho em vocês.
Então, como dois foguetes, eles correram para a varanda e se sentaram
nela. Me voltei para Isobelle, ela se mantinha em pé ao lado da pia.
— Ela parece ser mais danada que o João.
— E ela é – ri e me levantei. — Vai dar trabalho quando estiver maior.
Espero que eu ainda esteja aqui para ver isso acontecer.
— Claro que vai – Isobelle franziu o cenho. — A senhora ainda vai ver os
dois crescerem e terem seus próprios filhos. Vai ver o seu caçula lhe dando
netos, e o Mattias...
Por um momento ela parou e percebi a dificuldade dela em continuar.
Então ali decidi dar um empurrãozinho.
— Quantos netos vocês vão me dar? – indaguei e vi o exato momento em
que ela ficou tímida, mas não negou. Sorri com a sua reação. — Desculpe. Não
quero me intrometer, mas é que eu tô observando vocês e fico me perguntando
até quando vão fingir para mim que nada está acontecendo?
— Me desculpe.
— Não, não se desculpe – pedi e a puxei para as cadeiras. — É que a cada
dia que passa eu espero o momento que vocês vão falar que estão juntos.
— Bom... é que não estamos juntos – respondeu, e eu fiquei confusa. —
Estamos nos conhecendo, eu nem sei se deveria afirmar isso para a senhora. Não
falamos disso, apenas nos beijamos e... – Parou de falar repentinamente e
desviou o olhar. — Meu Deus, a senhora deve estar pensando coisas de mim.
Ri e a toquei na mão.
— Não estou, eu já fui jovem. Ou acha que nasci velha?
Isobelle sorriu, mas logo ficou séria.
— Eu só não quero que tenha uma impressão ruim minha – murmurou
cautelosa. — Quer dizer, a senhora foi tão boa comigo e ainda é. Me deu abrigo,
conforto, segurança... não foi minha intenção em nenhum momento desrespeitá-
la.
— Nunca pensaria isso de você – murmurei me sentindo feliz. — Você é
maravilhosa, filha. Qualquer mãe ficaria muito contente em ter você como nora.
— Obrigada – agradeceu ainda acanhada —, mas estava tão assim na cara?
Ri achando graça da inocência.
— Isobelle, meu Mattias é cabeça dura e não é de obedecer a qualquer
pessoa. Naquele dia, aqui mesmo nessa cozinha, eu vi meu menino nem se quer
tentar retrucar logo após você ter dado a última palavra.
Por um momento vi que ela estava se lembrando desse dia.
— Mattias é um pouco cabeça dura mesmo – confirmou me fazendo rir —,
mas ele é bem carinhoso comigo.
Sorri abertamente e sem me conter a puxei para um abraço.
— Eu fico muito feliz – Assim que nos separamos vi seu lindo sorriso
envergonhado. — Estou torcendo para que ele veja a mulher incrível que você é.
— Obrigada, eu nem sei o que falar.
— Só me diga se está feliz ficando aqui – murmurei vendo-a anuir com a
cabeça. — Se meu filho te faz feliz.
Isobelle suspirou e sorriu de lado, então eu percebi seu jeitinho
apaixonado. No mesmo instante senti vontade de novamente abraçá-la bem
apertado.
— Eu sinto que estou em um sonho – respondeu e olhou para fora aonde
as crianças estavam. — Toda vez que estou perto dele sinto algumas borboletas
em meu estômago, me sinto completamente rendida.
— Eu aposto que ele está do mesmo jeito.
Por alguns segundos eu vi a dúvida em seus olhos, antes dela desviar.
— Eu até pensei em dizer como me sinto – confidenciou com o jeito
indeciso —, mas fiquei com medo de ele achar que foi muito rápido, ou não sei,
se sentir obrigado a falar algo só para me agradar.
— Entendo, mas talvez se você for sincera... ele também seja. – Assim que
terminei, ela me olhou como se estivesse matutando sobre o assunto. — Hoje,
quando estiverem sozinhos e se sentir mais confiante… pense na possibilidade.
Mattias não é leviano, se ele se sentir da mesma forma que você, ele vai dizer.
Após alguns segundos de silêncio, ela suspirou e me encarou.
— Tudo bem – murmurou e sorriu. — Obrigada.
— Não precisa agradecer, patroa – Ri quando ela ficou mais
envergonhada. — Agora vamos cuidar na vida, não quero que você se atrase para
mais tarde.
Me levantei e fui até a varanda. Os pequenos corriam com Brutus, riam
totalmente despreocupados. Levei a mão ao peito e pensei em Marcos. Ele tinha
ido atrás da Alessandra para tentar conversar e fazer com que ela voltasse. No
fundo do coração eu esperava que os dois se acertassem, porque toda vez que
Maria Alice perguntava da mãe; eu não sabia o que falar.
Voltei para a cozinha e observei Isobelle guardar os pratos no armário.
— Eles não param um minuto – falei chamando a atenção para mim.
— O bom deles brincarem agora, é que mais tarde dormem feitos dois
anjinhos.
Sorri concordando e busquei uma vasilha. Com a ajuda de Isobelle separei
um pouco do leite, e o restante guardei na geladeira. Faria pudim para o lanche
da tarde, pois Mattias e as crianças amavam. Comecei o preparo do almoço, e
com metade de tudo em andamento deixei Isobelle na cozinha e fui chamar as
crianças para o banho.
João Pedro foi o primeiro, e Maria Alice a próxima.
Ela sempre era a mais faladeira, e me contava sobre exatamente tudo o
que já tinha aprontado na escolinha. No final do banho, e já arrumada, se
encaminhou até a cozinha. Isobelle colocava os pratos na mesa enquanto
conversava com João Pedro.
— Vovó, o papai vem hoje?
— Amanhã – falei observando-o suspirar e se sentar. — Ele foi resolver
uns assuntos na cidade, então amanhã bem cedo ele chega.
— Eu tô com saudades da mamãe – Maria Alice resmungou ficando ao
lado do irmão. — Quando ela vem?
Após um suspiro, fui até ela e alisei uma mecha loira. O semblante de
tristeza me deixou com o coração completamente devastado.
— Eu não sei, meu amorzinho.
— O papai chorou uma vez.
Ao ouvir aquilo, olhei para os dois e suspirei. Por que era tão complicado
dar uma desculpa qualquer? Então ali eu desejei que Alessandra aparecesse, pois
queria eu mesma dizer umas poucas e boas que estavam entaladas em minha
garganta. Em nenhum momento ela pensou nos filhos? Duas crianças que não
tinham culpas de nada dos problemas dela com Marcos.
— A vovó vai fazer pudim daqui a pouco – Isobelle falou chamando a
atenção dos dois. — Vocês gostam de pudim?
— Sim! – Os dois disseram ao mesmo tempo. — Vovó, eu vou querer
pudim.
— Eu também, vovó – João Pedro levantou a mão me fazendo sorrir. Eles
eram tão fofos. — Assim, desse tamanho.
Então o observei medir no prato que estava em cima da mesa. Em seguida,
sorrir e encarar a irmã que estava de joelhos na cadeira, na tentativa de pegar
uma colher. Isobelle a ajudou, e com zelo ajeitou os fios loiros de Maria atrás da
orelha. Quando por fim o almoço já estava servido, comemos em meio a
conversa dos pequenos e após isso comecei a preparar o pudim.
Isobelle observava meus movimentos como se memorizasse a receita. Os
gêmeos estavam na sala assistindo ao filme, totalmente envolvidos na história.
— Você já fez pudim alguma vez?
— Não – negou, e logo suspirou. — Eu costumava fazer o jantar para o
marido da minha mãe quando ela não estava, e sempre quando era minha folga
ou eu saía com a Michele, ou ficava no quarto.
Por um momento notei a angústia em seu olhar, talvez pelas más
lembranças.
— Pudim é bem fácil de fazer – falei querendo mudar o assunto. —
Mattias devora tudo, uma formiga.
— Mesmo? – indagou e eu acenei. — E o que mais ele gosta de comer?
— Deixa eu pensar – murmurei analisando bem. — Ele come de tudo, mas
a preferida dele é escondidinho de frango com purê de batata. Sempre quando
faço ele come tudo, não me admira ele não ser gordo do jeito que come tanto.
Isobelle arqueou uma das sobrancelhas e riu contida.
— A senhora poderia me ensinar a fazer esse prato?
Quando o açúcar derreteu por completo, parei de mexer, desliguei o fogo e
encarei Isobelle.
— Quer conquistar meu filho pelo estômago? – quis saber e sorri quando a
notei sem jeito. — É claro que eu ensino, podemos fazer amanhã.
— Seria ótimo – sorriu e juntou os utensílios sujos. — Quando é o
aniversário dele?
— Foi no começo do ano, em março. Fizemos um almoço com todo
mundo, foi um dia muito feliz. Acredita que o Albuquerque e o forasteiro quando
souberam que era aniversário do meu menino fizeram questão de enviar
presentes.
— O que eles enviaram?
— O Albuquerque deu duas vacas e o forasteiro deu o puro-sangue.
— Aquele cavalo? – franziu o cenho, e eu concordei. — Eu conheci o Sr.
Albuquerque, ele me pareceu ser bem legal.
— Ah, ele é. Só não gosto muito do diabo ruivo, é alguma coisa no jeito
dela. Não parece ser verdadeira.
Após misturar a massa do pudim no liquidificador, indiquei a travessa que
estava no armário. Isobelle rapidamente o pegou e me entregou.
— Ela parece gostar do Mattias.
— Que bom que meu filho nunca deu trela pra ela.
— Naquele dia a senhora falou que os dois já ficaram de namorinho.
Sem conseguir me conter, soltei um sorriso e a vi cruzar os braços.
— Eu só queria saber sua reação – confidenciei e percebi a surpresa em
seu rosto. — Estou velha, mas não boba.
Ficamos alguns minutos em silêncio, mas logo Isobelle voltou a falar.
— Por que chamam o forasteiro assim?
— Porque ele não é daqui – respondi enquanto colocava um pouco de água
em outra panela. — Ele se casou com a filha do velho barão há alguns anos, e se
não fosse ele tomando a frente de tudo, eles teriam perdido a fazenda e os
cafezais. Quando ele chegou por aqui, era meio desconfiado com tudo.
— Aí o apelidaram assim? Ele não se incomodou?
— Não, todo mundo o conhece por forasteiro. O nome dele me foge da
mente, é muito grande.
— Nome de gente rica – brincou parada ao meu lado. — A esposa dele
ainda é viva?
— É, Agnes Alvaréz. É uma mulher muito bonita e educada. Ela estava na
missa, mas o forasteiro não. Parece que ele tinha feito uma viagem. – Assim que
embrulhei a travessa, a coloquei dentro da panela com a água. — Acho que o
nome dele é Antônio Alvaréz alguma coisa.
— Antônio? – repetiu, e então a olhei. — Meu pai se chamava Antônio.
Um nome bem comum, né?
Concordei e deixei o fogo baixo.
De onde estava observei os gêmeos que riam olhando para a tv,
automaticamente sorri. Me voltei para Isobelle, e a notei com o pensamento
longe.
— Lembrando do seu pai?
Ela sorriu e confirmou.
— É, muitas saudades... eu tenho uma foto dele no meu celular. Eu
pequena e ele me segurando nos braços.
— Eu adoraria ver você pequena.
No mesmo instante, Isobelle sorriu e fez um gesto para eu esperar. Com o
garfo em mãos, afastei um pouco o papel alumínio e espetei o pudim.
— Aqui, é uma imagem antiga. Eu tirei foto de uma fotografia que minha
mãe escondia. Ele era bem bonitão, né?
Olhei a tela do aparelho, e a afastei um pouco para poder ver melhor.
Isobelle usava um vestidinho branco, os cabelinhos curtos presos com duas
marias xuxinhas e nos pés sapatinhos brancos fechados.
— Era no seu batizado? – indaguei e a vi dar de ombros. Então olhei o pai
dela e franzi mais o cenho. — Esse é o seu pai?
— É.
— Ele tem irmão?
— Eu acho que não – murmurou olhando para a tela. — Não conheci os
familiares do meu pai, por quê?
— Mas ele é a cara do...
O barulho de moto se aproximando me fez calar. Alguns minutos depois vi
Liliane passar pela porta, trazia algumas sacolas e uma mochila.
— Boa tarde – saudou e colocou rapidamente as sacolas no chão. Os
gêmeos correram para abraçá-la. — Tão cheirosos, o que estavam fazendo?
— Assistindo o filme, tia – João Pedro respondeu. — Cadê o tio?
— Ele precisou dar uma saidinha, mas volta daqui a pouco.
— Titia, a vovó fez pudim.
— Mesmo? – Liliane fez um carinho em Maria Alice, em seguida ficou de
pé. — Cheguei em hora boa.
Assim que Liliane estava próxima, abraçou Isobelle e me sorriu. Enquanto
as duas conversavam, voltei a pensar na fotografia. Mas por hora decidi não
voltar a falar sobre a semelhança que achei.
— Eu adoraria, Liliane. Eu não trouxe maquiagem, nem se quer pensei
nelas quando estava comprando a roupa de hoje.
— A dona Rosalinda que me pediu para vir – falou e se aproximou de
mim. — O pudim está pronto?
— Quase – respondi e sorri observando o rosto corado. — E o Matheus?
— Ele vem me buscar daqui a pouco, tem algumas coisas para fazer na
roça.
Concordei e observei Isobelle testar alguns brincos. Era uma moça tão
bonita, e educada. Então ali eu decidi que arranjaria um tempo com Mattias, e
abriria os olhos dele.
— Mas você irá se arrumar aqui comigo?
— Sim, trouxe também chapinha e secador. Eu queria ter comprado um
vestido, mas o Matheus reclamou e para evitar uma discussão decidi comprar um
macacão.
Não gostando daquilo, cruzei os braços.
— E desde quando ele está assim? Proibindo você de usar alguma roupa?
— Ele não me proibiu – retrucou indo se sentar. — Ele só reclamou
porque andamos de moto. – Assim que terminou de falar, me observou. — Ele é
um marido maravilhoso, sogrinha. Não precisa se preocupar.
— Não é porque ele é meu filho que vou passar a mão na cabeça dele –
murmurei e a vi sorrir. — Então qualquer coisa você me fale.
— Obrigada. – Sorriu, em seguida continuou: — Eu sei bem como deixar
ele mansinho.
Sorri e neguei com a cabeça. Liliane era completamente louquinha da
cabeça.
— Esses homens, espero que o Mattias não implique com a sua roupa. –
Me virei para Isobelle que retirava os brincos. — Não criei filho assim.
— Por que ele implicaria com a sua roupa? – Liliane indagou. — Vocês
estão namorando?
— Não, só nos conhecendo.
— Eles já se beijaram – revelei, deixando Liliane surpresa e Isobelle sem
graça —, mas o Mattias está sendo muito lerdo.
— Não acredito! Finalmente uma namorada. – Sorriu. — Posso te chamar
de cunhada?
— Os peões já a chamam de patroa – voltei a falar, Isobelle parecia querer
sumir.
Aquilo me fez sorrir.
— Patroa hein? Que danada!
— Na primeira vez que fui chamada assim, também fiquei surpresa. Não
foi algo que pedi a eles.
Liliane sorriu e me encarou.
— Agora só falta o Mattias oficializar.
— Você também trouxe hidratantes – Isobelle murmurou em uma clara
tentativa de mudar de assunto. Pisquei para Liliane que sorriu e abriu mais a
mochila. — Um dia de beleza?
— Exato, e trouxe também esmaltes. Não esqueci de nada. Pronta?
— Vamos levar essas coisas para o quarto do Mattias.
Observei as duas saírem da cozinha, em seguida arrumei o pudim na
assadeira. Lavei os utensílios que tinha usado e após isso fui me sentar ao lado
dos pequenos. Pela porta aberta vi Brutus deitado na varanda, e de onde estava
conseguia ouvir as risadas de Liliane. Eu estava feliz com a família que tinha
conquistado, mas ainda assim meu coração de mãe não estava cem por cento
satisfeito. Como queria que meu primogênito fosse feliz, Marcos não merecia
aquela tristeza.
Fiquei ali com os meus netos, e quando o filme finalmente acabou, já no
final da tarde me levantei e andei até a porta. O céu alaranjado estava tão lindo,
suspirei e cruzei os braços.
— Vovó, eu quero pudim.
Sorri para Maria Alice e concordei.
— Vovó vai colocar para os dois.
Assim que entrei, Brutus me seguiu e parou ao lado da tigela de ração.
Após encher a tigela, busquei dois pratinhos e duas colheres. Separei as fatias e
entreguei aos gêmeos. Curiosa para saber o que Isobelle e Liliane faziam, me
direcionei até o quarto.
— Meninas, posso entrar?
— Sim!
No mesmo instante abri a porta e vi Isobelle pintando as unhas dos pés.
Liliane tinha os cabelos presos em rolos, e concentrada terminava de pintar a
unha.
— Querem pudim?
— Eu sou louca pelo pudim que a senhora faz.
Sorri para Liliane, em seguida olhei para Isobelle que nos encarava.
Conseguia perceber que estava pensativa, e eu esperava que hoje Mattias desse o
primeiro passo. Acenei e recebi um sorriso. Assim que sai me dirigi até a
cozinha e separei as fatias. Após entregar os pratinhos para as duas, andei até a
varanda e observei ao redor.
Passaram alguns minutos e vi a caminhonete de Mattias se aproximar.
Sorri e o observei estacionar, em seguida descer. Me olhava curioso, mas com
um pequeno sorriso.
— De guarda?
— Queria falar com você, filho – murmurei recebendo um aceno, junto de
um olhar preocupado. — Não é nada grave.
— Cadê a Isobelle? – indagou e fez menção de entrar na casa, mas o
segurei pelo braço. — O que aconteceu?
— Ela está bem, vamos até o celeiro. – Pedi e após uma olhada por cima
do meu ombro, ele suspirou e concordou. — Ela está no quarto com a Liliane,
estão se preparando para daqui a pouco.
— Mas ainda faltam 2 horas para sairmos.
Ri e me enganchei em seu braço.
Assim que paramos na entrada do celeiro, me coloquei em sua frente.
Mattias me observava de braços cruzados, tão mais alto que eu. Sorri e o toquei
no rosto.
— Você sempre foi o meu orgulho.
Ele sorriu e buscou minha mão onde depositou um beijo.
— Eu me orgulho de ser seu filho.
— Eu sempre me perguntei quando você me apresentaria a alguma
pretendente. – No instante que falei o vi suspirar e olhar para a casa. — Eu não
quero me intrometer na sua vida, porque você está bem grandinho, mas se você
demorar demais vai perdê-la.
Olhei para a casa, em seguida voltei a encará-lo. Mattias rapidamente
entendeu e sorriu.
— Ela contou?
— Mattias, eu não sou boba. Eu vejo vocês, como você a olha, a trata. O
que está esperando? O Sebastião conquistá-la? Ou ela precisar fugir de novo?
— É um pouco complicado.
— Complicado como? Você não quer nada com ela?
— Eu a quero em minha vida – proferiu e eu vi a sinceridade em seu olhar
—, mas não quero assustá-la e afastá-la de mim.
Por um instante não soube o que dizer, mas logo percebi o porquê daquela
indecisão: Mattias estava completamente apaixonado. Assim como Isobelle
estava por ele. Dois tontos que tinham medo de se declararem. O meu sorriso
aumentou, e eu o vi confuso.
— O que o seu coração diz? Talvez você não esteja o ouvindo. Filho, às
vezes a resposta tá tão na nossa frente que depois fica o questionamento
de porque eu não fiz isso antes? Só faça, sem medo. Certo?
Ele me olhou, mas logo desviou para a casa.
— A senhora estava a empurrando para o Sebastião?
— Ele me pareceu interessado e está correndo atrás. – Quando terminei de
falar o vi cruzar os braços em desagrado. — Eu te amo, meu amor. Só quero que
seja feliz, não quero ter que ver depois você triste pelos cantos porque não agiu
enquanto podia.
Mattias sorriu e me abraçou.
— Obrigado, mãe. Só me prometa que não vai dar corda para o Sebastião.
— Isso vai depender de você – ri e me afastei. — Ela é maravilhosa, filho.
Muito.
— E ela gosta da senhora – falou e me abraçou ombros. — Estava
preocupada porque não queria que ficasse chateada com ela.
Sorri ainda mais e começamos a caminhar em direção à casa.
— Eu vou separar a sua roupa – murmurei e o olhei rapidamente. — O seu
irmão ainda não me deu notícias, estou tão preocupada com ele.
— Mãe, não precisa se preocupar com ele. – Mattias parou em minha
frente. — No fim, esse tempo sozinho vai ser bom para ele espairecer e colocar
a cabeça no lugar.
— Eu me preocupo muito.
Suspirei e senti um carinho no rosto.
— Ele não vai fazer nenhuma besteira. – Afirmou e sorriu. — Dos filhos
ele é o mais sensato, tenho que admitir.
O puxei para um abraço.
— E você é o meu ogrinho chucro. – O ouvi rir e apertar o abraço. — Eu
só quero que todos vocês sejam felizes.
Assim que nos afastamos, ouvimos alguém aparecer na entrada da casa.
Isobelle tinha o celular em mãos e sorria, parecia feliz.
— A Michele e o Bruno disseram, que se tudo bem para vocês, eles
chegam na rodoviária na segunda pela manhã.
— Diga que vamos buscá-los – Mattias murmurou, os olhos a observava
com atenção.
Isobelle sorriu, então me olhou.
— Tudo bem para a senhora? Eles são os meus melhores amigos, e...
— Eles serão bem-vindos, filha – a interrompi e me aproximei recebendo
um lindo sorriso. — Estou ansiosa para conhecer esses dois.
— Obrigada, é importante para mim que os conheçam. Eles são os irmãos
que eu nunca tive.
— Então já são da família – falei e a vi olhar rapidamente para Mattias. —
Não vai terminar de se arrumar?
— Vou, só queria confirmar – respondeu e seguida encarou Mattias. —
Que horas você vai começar a se aprontar? Não vai atrasar hein.
— Eu só preciso de 30 minutos para ficar pronto.
Com aquela resposta, Isobelle cruzou os braços e concordou. Em seguida
se virou em minha direção e sorriu.
— O pudim da senhora estava uma delícia.
— Tem pudim? – Mattias indagou, mas já adentrando a casa.
Parada ao lado de Isobelle, observei meu menino buscar um pratinho e
uma faca. Olhei sutilmente para o lado e peguei Isobelle com um pequeno
sorriso enquanto olhava Mattias. Era tão palpável o bom sentimento ali, aquilo
me encheu de alegria.
— Vou passar a roupa dele ir – avisei fazendo-a me encarar. — Se deixar
por ele vai todo amassado.
— Depois que a Liliane sair do banheiro será a minha vez – falou e olhou
rapidamente as unhas. — Faz tanto tempo que não tinha uma tarde tão divertida
como essa.
Sorri e a abracei pelos ombros.
Entramos em casa e a acompanhei até o quarto. Busquei a roupa de
Mattias e a levei para o meu quarto. Após terminar de passar a camisa preta e a
calça jeans, deixei a camisa estirada em cima da cama e sorri contida. Lembrei
da vez em que passei a primeira roupinha de bebê dele, e no mesmo instante
senti que tudo passou tão depressa. Olhei para a fotografia que tinha em cima da
minha cômoda, e me aproximei.
Era a nossa foto de casados.
Espedito tinha sido meu primeiro amor, um bom companheiro, bom
marido, bom pai.
— Está tudo bem, mãe? – Ao ouvir a voz do meu menino me voltei para
ele. Mattias estava parado na entrada do quarto. — Com saudades do pai?
— Queria tanto meu velho aqui comigo – falei, em seguida soltei um
suspiro. — Se não fosse por você e seu irmão, nem sei como conseguiria dar
conta dessa fazenda.
— Eu tenho certeza de que se sairia bem.
Sorri contida e indiquei a roupa em cima da cama.
— Cuidado para não amassar quando for vestir. Vou preparar o café da
noite.
— Obrigado, mãe.
O acariciei na bochecha e me dirigi para fora do quarto. Ao passar pela sala vi
os pequenos sentados no sofá, assistindo agora a outro filme. Brutus dormia em
frente a porta da sala. Após pegar a chaleira, a enchi de água, me ocupei no que
deveria fazer.
Isobelle

Parada em frente ao móvel que tinha ao lado da cama, depositei alguns


produtos que iria usar no corpo, joias e a maquiagem. Me sentia agradecida por
Liliane ter pensado naqueles detalhes, e gentilmente ter me emprestado tudo.
Fazia um bom tempo que não cuidava da minha pele como ela merecia.
Liliane ainda estava no banho, o que me deu mais alguns minutos para
separar o que usaria. Uma batida bem fraca na porta me fez virar em direção ao
som de forma curiosa, e quando ela abriu foi com surpresa que vi Mattias entrar
rapidamente. Seu olhar foi para o vestido na cama, em seguida meu rosto.
— O que faz aqui? – perguntei com um sorriso bobo. Meu coração parecia
que sairia pela boca. — A sua mãe está em casa.
— Vim pegar uma cueca – falou e se aproximou de mim. — Ou você quer
que eu vá nu?
— Então pega a sua cueca e sai – mandei, o que o fez sorrir. — Mattias é
sério.
Não dando a mínima, ele me puxou para junto do corpo e me tomou os
lábios. Quando a língua tocou meu lábio inferior, eu prontamente permiti que ele
avançasse no beijo. As mãos desceram pelo meu corpo fazendo os deliciosos
arrepios se alastrarem como chamas, e sem forças alguma para empurrá-lo, o
agarrei mais.
Ao sentir o aperto na minha coxa, arfei e fiquei nas pontas dos dedos.
— Bel... – Mattias se afastou minimamente. Nossos olhares estavam
conectados, e nossas respirações se misturavam. Tinha algo em seu olhar, algo
além do desejo. Parecia que ele se decidia sobre algo. — Eu quero você, Bel.
— A-Agora?
— Não, não assim – balançou a cabeça. — Quer dizer, assim também –
murmurou rápido com o cenho franzido. — Só que agora eu quero de outro jeito.
Na verdade, eu já queria antes.
— O quê? – indaguei sorrindo completamente confusa.
No entanto, antes que ele pudesse se explicar melhor, Liliane entrou já
vestida com a roupa de ir. O olhar era de surpresa, mas logo um sorriso de canto
apareceu em seus lábios.
— Atrapalhei?
— Não – neguei rapidamente e alisei o vestido que usava. — Só
estávamos conversando.
— Sei – murmurou enquanto cruzava os braços. — O banheiro está livre.
Acenei e rapidamente me afastei de Mattias indo em direção à saída. Já
dentro do banheiro comecei a tirar a roupa, e quando fiquei completamente nua
me recordei de segundos atrás. O frio em minha barriga era tão inevitável, eu me
sentia uma completa boba apaixonada. Permitindo que a água caísse em meu
corpo, fiquei pensativa sobre o que Mattias queria dizer. Ele me queria, mas me
queria de outro jeito?
— Esse homem vai me deixar louca – ri sozinha e comecei meu banho.
Não demorei tanto, afinal boa parte eu já tinha feito pela tarde com
Liliane. Então, depois de alguns minutos, me enrolei em uma toalha, peguei
minha roupa suja e abri lentamente a porta. Ouvi a TV ligada, e a voz do João
Pedro falando com Mattias na sala. Aproveitando aquilo, praticamente corri para
o quarto ao lado. Liliane, que se maquiava me olhou, mas logo desviou.
— Você e o Mattias, hein? Pelo jeito se pegam a toda hora.
— Ele só veio buscar uma cueca para se arrumar – retruquei fazendo-a
sorrir mais. — E não nos pegamos toda hora.
No mesmo instante, Liliane parou e arqueou uma sobrancelha.
— Sério que vai mentir assim? – questionou voltando ao que fazia. — Não
me entenda mal, é que eu estou feliz por vocês. Sem falar que é a primeira vez
que eu vejo o Mattias envolvido assim.
Sorri com aquilo sem conseguir disfarçar.
— E é a primeira vez que me envolvo assim com alguém.
— E vocês já transaram?
Pega de surpresa com a pergunta, fiquei alguns segundos em silêncio e
quando não respondi de imediato. Liliane me encarou maliciosamente, meu rosto
parecia queimar de tanta vergonha.
— E eu achava que eu era curiosa – comentei tentando fugir da pergunta.
— Você vai daqui para a cidade ou ainda vai passar em casa?
— Direto para a cidade – respondeu aceitando a troca de assunto. — Vai
demorar mais se ainda for passar em casa.
Concordei e comecei a me enxugar.
Seca o bastante, busquei a calcinha mais apresentável que eu tinha e a
vesti rapidamente. Não conseguia me compreender, pois ficava nua na frente de
Mattias, mas me sentia acanhada na frente de Liliane?
— Ah, Liliane – a chamei, ela soltava com cuidado os cabelos. — Meus
amigos vêm na segunda, estou tão ansiosa para reencontrá-los.
— Nossa, que bom. Deve ter sido bem complicado para você até agora,
vai ser bom esse tempo com eles. – Acenei, então ela continuou: — Sabe,
Isobelle... você é bem corajosa por dar esse passo de ir até a cidade. Eu ficaria
completamente amedrontada com a possibilidade de encontrar o Benício por lá,
ou aquele cão de guarda dele.
No mesmo instante parei de esfregar o hidratante no braço e a encarei. Eu
tinha, sim, esse medo, mas ali naquele momento ele triplicou e eu senti uma
sensação ruim. Uma parte sensata minha dizia que Benício ou Ernesto não
fariam nada na frente de ninguém; mas a outra medrosa me pedia para ficar ali
protegida.
— Você vai modelar os cabelos? – Liliane indagou, e eu ainda sem saber o
que falar, fitei o vestido em cima da cama. — Essa sua cor de cabelo é linda
demais. Acho que todo ondulado vai ficar bonito. Já pensou em cortar? O
Matheus gosta do meu grande.
— Tem policiamento nessas festividades?
— Tem, mas quase não tem confusão. Só às vezes. Vai querer ajuda com
os cabelos?
— Não, obrigada. – Neguei e a vi sorrir. Os cabelos dela estavam
repartidos no meio, e cheios de ondulações. — Eu me viro sozinha.
— Tá bem, eu vou à cozinha ver se consigo mais um pouco de pudim.
Finalmente, sozinha no quarto, me sentei na cama e fiquei pensando se
minha decisão tinha sido correta. Olhei novamente para o vestido e suspirei. Eu
iria, sim, e tentaria não ficar preocupada com nada. Afinal, eu estava ali há um
bom tempo e nada tinha acontecido. Por que aconteceria agora?
Logo voltei a passar o hidratante pelos braços e pernas, em seguida retirei
a toalha e coloquei o vestido. A porta do quarto foi aberta, e vi Liliane com um
pratinho e pouco de pudim nele.
— O Mattias já está pronto – avisou me deixando surpresa. — Ele está lá
na sala dizendo que você está atrasada.
— Mas eu não estou atrasada, e como ele pode estar pronto se eu mal saí
do banheiro?
Liliane riu e se sentou na cama cruzando as pernas.
— Homens – deu de ombros. — Esse vestido ficou muito lindo em você.
— Obrigada, você também está muito bonita. – E ela realmente estava, o
macacão era bem elegante na cor preta. — Vou terminar de me arrumar.
Enquanto Liliane comia, eu comecei a próxima etapa que seria a
maquiagem. Após alguns minutos ali, ouvimos quando Matheus chegou
buzinando. Nos despedimos por hora, e eu voltei para o meu serviço. Assim que
finalizei a maquiagem, peguei a modeladora e preparei para uso.
Em minha mochila busquei um perfume e desodorante.
Logo após, calmamente fui separando algumas mechas e modelando-as.
Quando estava na última ouvi baterem na porta e a abrir. Me virei e vi Rosalinda
segurando um pano de prato, sorri fazendo-a retribuir.
— Tudo bem por aqui?
— Falta calçar os pés – respondi e desliguei a modeladora. — O Mattias
está mesmo pronto?
— Está, tomou banho feito foguete – riu e se aproximou cruzando os
braços. — Você está muito linda. Me lembrou quando eu era mais jovem, mais
bonita.
— Mas a senhora é toda bonitona – retruquei, Rosalinda riu mais. — Falo
sério. Uma mulher madura e muito bonita.
Rosalinda tocou em uma mecha do meu cabelo e me olhou agradecida.
— Vou deixar que termine de se arrumar – murmurou, então acenei. — E
não ligue para o Mattias, vocês não estão atrasados.
Sorri e peguei os saltos.
Já pronta para sair, me olhei uma última vez para o espelho e passei os
dedos entre as mechas; soltando os cachos. Busquei os brincos em cima do
móvel, e enquanto os colocava fui em direção à sala. Mattias estava parado em
frente a porta com os braços cruzados, o perfume me atingiu assim que me
aproximei. Ele vestia uma camisa social preta com uns detalhes em branco – as
mangas estavam dobradas até os cotovelos deixando os braços musculosos a
mostra –, uma calça jeans de lavagem escura, as botas que ele usava claramente
eram novas e um cinto de fivela grande.
O olhei dos pés a cabeça o achando extremamente sexy, e sem conseguir
me conter me imaginei correndo até ele e pulando em seus braços.
— Estou pronta apressadinho – brinquei e sorri, no entanto, ele ainda me
olhava sem falar nada. — O que foi?
Me aproximei dele e notei quando ele engoliu em seco, mas logo respirou
fundo.
— Esse era o vestido de corrente?
Um pouco confusa, sorri e acenei.
O vestido era de um tecido preto, bem confortável que moldava com
perfeição minhas curvas. Atrás as costas eram nuas, tendo apenas duas correntes
finas em dourados formando um X.
— Você está bonito.
Mattias olhou para a cozinha onde a mãe estava, e rapidamente me
encarou.
— Meu coração quase parou quando eu te vi – falou e eu sorri. — Sinto
que o sangue do meu corpo está concentrado em um único lugar.
Inevitavelmente fitei o contorno do pau sob a calça e respirei fundo.
— Você é muito safado.
— Dá uma voltinha para mim? – pediu com a voz rouca, então
sensualmente o obedeci e quando voltei a olhar seu rosto notei o sorriso
malicioso.
— O que tanto vocês cochicham? – Rosalinda indagou ao se aproximar. —
Vejam como estão bonitos, se divirtam bastante. Não vou pedir para chegarem
cedo, mas tomem cuidado com tudo.
— Certo, sua benção mãe.
— Deus te abençoe, meu menino. Cuidado, dirija bem e não beba demais.
Lembre-se que você vai voltar dirigindo e está com a Isobelle.
O observei pegar uma jaqueta jeans, e um chapéu de cowboy na cor preta.
Era completamente diferente da outra que ele usava. Me despedi de Rosalinda, e
agradeci o gesto cavalheiro de Mattias ao me deixar passar na frente. Já do lado
da caminhonete, Mattias abriu a porta para mim e sorriu. Meu coração àquela
altura já estava totalmente entregue, e eu tinha aceitado o conselho de
Rosalinda. Naquele noite eu abriria meu coração, e esperava que nada desse
errado.
Ao me aconchegar e colocar o cinto de segurança, observei Mattias fazer o
mesmo e em seguida dar a partida. Enquanto saímos deixei meu olhar vagear
para fora da janela, a paisagem era um pouco assustadora se não fosse a luz do
luar iluminando o grande campo.
— Ansiosa para rever os seus amigos?
Sorri com a pergunta e acenei.
— Michele também está do mesmo jeito.
— Você falou da gente para ela?
Por alguns segundos fiquei em silêncio, mas logo o respondi.
— Não, não sei bem como explicar.
Ele riu e me olhou um pouco confuso.
— É muito difícil?
O encarei e tentei compreender aonde ele queria chegar. Agíamos como
namorados, e ele se quer tinha feito algum pedido. E mesmo que uma parte
minha estivesse com medo de estragar aquele “relacionamento”, eu estava ciente
do que deveria fazer e seria honesta em relação aos meus sentimentos com
Mattias.
— Você me deixa confusa, Mattias.
— Eu? – franziu o cenho enquanto eu acenava. — Mesmo quando sou tão
transparente com você?
— Comigo?
— Quando estamos juntos, eu sou completamente verdadeiro com você,
Bel.
Mattias me olhou por alguns segundos, mas logo desviei o olhar. Eu me
sentia uma completa burra, o que ele queria dizer? Afinal, quando estávamos
juntos, ele me tratava bem e era completamente carinhoso. Então era isso? Ele
ser carinhoso e cavalheiro, queria dizer que ele gostava de mim? Meu coração,
quase ao mesmo tempo, daquele pensamento bateu mais forte.
Eu não tinha experiência alguma, quando o assunto era homens, ou
amores. Quando me imaginava amando alguém, na minha cabeça tudo seria mais
simples.
— Amando?
— O quê? – Mattias perguntou, e quando percebi estávamos chegando na
entrada da cidade. — Armando? Quem está armando?
— Eu não disse nada – dei de ombros. — O céu está com jeito de que vai
chover, não é?
No mesmo instante ele olhou para o céu pela janela e ficou em silêncio.
A caminhonete seguia por uma estrada asfaltada, mas diferente da rua que
Mattias adentrou na última vez que fomos a cidade, ele seguiu direto. Com
curiosidade observei as luzes que enfeitavam o caminho e assim que vi uma
avenida completamente enfeitada, sorri. Eu conseguia ver alguns carros
estacionados, e muitas pessoas pelo caminho. Assim que Mattias parou em uma
vaga, retirei o cinto e desci.
Ao longe eu ouvia uma banda que parecia estar ao vivo, mas não
reconheci quem era.
Antes de afastar da caminhonete, me olhei no espelho retrovisor e ajeitei
os cabelos. Mattias rapidamente se colocou ao meu lado, e entrelaçou nossos
dedos. Andamos pela calçada, e meu olhar vasculhava o local em uma pura
curiosidade. A praça estava enfeitada com algumas luzes, tudo estava realmente
lindo. Algumas crianças e adultos faziam filas em um carrinho de algodão-doce.
Sorri com a cena e me aconcheguei mais em Mattias.
— Vamos procurar o Sebastião.
Acenei, e olhei ao redor mais uma vez.
Havia muitas pessoas, e várias mesas espalhadas em locais estratégicos.
No meio da rua, mais afastado, estava o palco e o cantor em cima cantando um
sertanejo. Sorri achando tudo aquilo maravilhoso e fitei Mattias, ele ainda
procurava Sebastião. Então quando ele finalmente o achou, indicou o caminho.
No instante em que ele nos avistou, ficou de pé e sem disfarçar me olhou dos
pés a cabeça.
— Nossa Senhora do céu! Você está muito bonita, mais que nos outros
dias.
Sorri um pouco sem jeito.
— Obrigada, Sebastião. Você também está muito bonito.
— Bondade sua.
Ele usava uma camisa azul-escura – com as mangas arregaçadas até os
cotovelos –, os dois botões da frente abertos davam uma visão do peitoral com
os poucos cabelos. Também estava muito cheiroso, mas minha surpresa maior foi
quando ele retirou o chapéu de cowboy mostrando que havia cortado os cabelos.
— Você também mudou o corte – murmurei e ele acenou. — Combinou
com você.
Ao meu lado, Mattias pigarreou, então o olhei. O ciúme era tão nítido no
olhar dele, aquilo me fez sorrir de lado.
— Podemos nos juntar à sua mesa?
— É claro, amigo – Sebastião respondeu e em um gesto cavalheiro puxou
uma cadeira para mim. — Primeiro as damas.
— Obrigada – me sentei e olhei ao redor. — Você viu a Liliane? Ela saiu
da fazenda antes da gente.
— Ela e o senhor simpatia foram se sentar para lá – apontou para o lugar
mais afastado. — Mas e aí? Quer uma cerveja? Uma cachaça?
— Não, obrigada. – Nunca mais beberia nada alcoólico. — Pelo que vejo
começou cedo nas bebidas.
Na mesa tinham duas garrafas de cervejas.
— Mas estou 100% sóbrio – retrucou e gesticulou para alguém atrás de
mim. — E você, Mattias, está autorizado pra tomar uma?
Olhei para Mattias que estava sério, mas logo sorriu de lado.
— Uma cerveja não vai fazer mal a ninguém – respondeu, em seguida me
olhou. — Você quer alguma coisa? Um suco, água ou refrigerante?
— Acho que um refrigerante. – Quando nossos olhares se conectaram
automaticamente senti um comichão no pé da barriga. Por que era tão inevitável
me sentir assim? — Depois vamos dançar?
— Eu não danço muito bem – riu e agradeceu quando o garçom colocou
mais dois copos em cima da mesa. — Poderia trazer refrigerante e uma porção
de tira gosto?
Prontamente o garçom concordou e saiu. Enquanto ouvia Mattias e
Sebastião conversarem, deixei que meus olhos vageassem pelo recinto. Então foi
quando o vi, e meu coração acelerou de medo. Ernesto estava parado embaixo de
uma árvore no outro lado da rua, mantinha os braços cruzados, mas ao perceber
que eu o tinha visto moveu a mão em minha direção como se fosse uma arma e
fingiu atirar. Meu corpo ficou tenso, e senti como se o ar tivesse me
abandonado. Rapidamente desviei o olhar e tentei manter a calma.
Olhei para Mattias que bebericava a cerveja, mas decidi não falar nada
para não estragar a noite.
Minutos depois o garçom voltou com os pedidos, e Mattias logo colocou
um pouco de refrigerante para mim. Tomando coragem resolvi olhar novamente
para Ernesto, mas ele havia sumido.
— Isobelle – Ao ouvir a voz de Mattias me chamar, o olhei alarmada. — O
que foi?
O olhar dele seguiu a mesma direção que antes eu olhava.
— Nada – balancei a cabeça e decidi mudar o assunto. — Eu não conheço
essa banda.
— Ela não é tão conhecida, só em algumas cidades do interior – Sebastião
respondeu enquanto pegava um pedaço de carne. — Mês passado teve uma festa
em uma fazenda próxima, eles foram contratados pra tocar lá.
Acenei e olhei alguns casais dançando mais a frente.
O clima era contagiante e apesar da rua ser um pouco estreita, parecia que
ninguém se importava realmente com a falta de espaço. Tomei um gole da bebida
gelada, e peguei um pedaço de carne. Ao sentir o gosto se espalhar pelo meu
paladar, peguei mais um pedaço. O tempo passou e enquanto estávamos ali
sentados, alguns conhecidos de Mattias e Sebastião se aproximaram para
cumprimentá-los. Uns colegas e fazendeiros que os dois já prestaram serviços.
Quando a banda se despediu, e outra começou a tocar, me virei para
Mattias.
— Vamos dançar agora?
— Eu não sei dançar, Bel – Mattias riu arqueando uma sobrancelha.
— Eu também não sei dançar – respondi com um pequeno sorriso. —
Vamos lá.
Ele me encarou e quando fez menção de se levantar, Sebastião tomou a
frente e se aproximou com a mão erguida.
— Eu danço com você – falou e segurou minha mão. — Não aceito uma
negativa.
Eu sabia que se eu aceitasse, Mattias ficaria cheio de ciúmes. Então, após
tomar um gole da minha bebida, fiquei de pé. Antes de nos afastarmos, me virei
para Mattias e ele estava como eu suspeitei.
Paramos perto dos outros casais, e um pouco sem jeito depositei minhas
mãos nos braços masculinos.
— Dançar assim fica difícil, não acha? – indagou e me abraçou pela
cintura, juntando nossos corpos. — Pode se aconchegar mais, eu não mordo. Só
se você pedir.
— Sebastião – neguei com a cabeça enquanto posicionava minha mão em
seu ombro. — Você é um cara legal, mas...
— Não, não continua – riu e começamos a nos mexer. — Eu até sei o que
vai dizer, mas sinceramente não quero ouvir.
Olhei para onde Mattias estava, e ele nos encarava com a feição zangada.
— Eu quero ser sua amiga, assim como você é amigo do Mattias. Não
quero estragar a amizade de vocês.
Sebastião franziu o cenho, mas ao perceber que eu falava sério suspirou.
— Certo, se você quer assim, tudo bem por mim.
— Obrigada – agradeci, e em um movimento ele me afastou e rodopiou.
Em seguida me puxou ao encontro do corpo duro. — Você dança bem.
— Anos de muitos treinos com ótimas parceiras – respondeu brincalhão.
— Sinto que se pudesse ele arrancaria meus braços agora mesmo. – Evitei olhar
para o lado, pois eu sabia claramente de quem ele falava. — Vocês estão
namorando?
— Bom, ainda não teve pedido.
Assim que falei o braço em minha cintura me envolveu mais.
— Somos amigos agora, certo? – questionou, e eu concordei. — Então,
como amigo dessa nossa amizade iniciada pra valer agora, vou fazer um
favor pra vocês.
— Como assim? – ri sem entender, mas quando o rosto dele se aproximou
do meu o afastei surpresa. — Sebastião!
— Vamos fingir um beijo.
— Não – balancei a cabeça, ele apenas sorriu. — Eu quero ser sua amiga,
Sebastião.
— Beijo de amigos, ou você não sabia que amigos se beijam? – quis saber,
mas eu notei o tom brincalhão em sua voz. — A maldade está na sua mente.
— Então você já beijou o Mattias?
No mesmo instante, Sebastião negou com a cabeça e continuou:
— Como disse, a maldade está na sua mente.
Sorri e ao olhar por cima do ombro dele, vi Mattias se aproximando. Parei
com a dança, e os observei.
— Acho que já deu a dança de vocês – murmurou com a voz
estranhamente calma. — Que tal ir procurar outra parceira pra isso?
— Acho que não, amigo – retrucou e me encarou com um sorriso. —
Isobelle é boa demais. – Rapidamente cruzei os braços. Ele não percebia que só
alimentava mais ainda o ciúmes do Mattias?
— Isso não foi um pedido, Sebastião. Foi um conselho.
Na mesma hora o braço que ainda estava em minha cintura se afastou.
Sebastião sorria, enquanto Mattias mantinha uma feição completamente séria.
Antes de se afastar, ele me fitou e piscou. Ainda de braços cruzados esperei
Mattias falar alguma coisa, mas ao sentir os dedos deslizarem por minhas costas
nuas, foi inevitável o arrepio delicioso que percorreu por meu corpo.
Era incrível como eu reagia somente ao toque dele, sempre queria mais.
O abracei pelo pescoço e observei a expressão zangada sumir aos poucos.
— Não suporto ver outro te tocando.
A voz soou rouca, e os olhos nunca me abandonavam.
— Eu falei para ele que queria ser uma amiga – avisei fazendo-o sorrir. —
Eu não quero que vocês briguem por minha causa, Mattias. Ele é o seu amigo.
— Que quer você.
Mesmo de salto, eu ainda era uns centímetros mais baixa que Mattias.
Então, fiquei nas pontas dos pés e encostei nossos lábios. A intenção era apenas
um selinho, mas Mattias desejava mais e sem forças para negar, retribuí o beijo.
Quando por fim ele foi cessado, senti um carinho na bochecha e ri ao ver os
lábios dele manchados do batom vermelho.
— Eu só quero você – falei enquanto limpava os lábios masculinos. — Ele
sabe disso e vai respeitar minha decisão.
Após alguns segundos me olhando, ele concordou.
— Eu também só quero você, Bel. – Afirmou, o que me fez sorrir. —
Lembra quando eu falei aquilo lá no quarto? – questionou, e eu prontamente
acenei. — Bom, eu acho que não consegui me expressar direito.
— É, eu acho que sim – confirmei recebendo um sorriso —, mas você
pode tentar de novo agora.
— Vamos até a praça? – indagou e olhou ao redor. — Lá tem menos gente,
vai ser melhor para conversar.
Olhei também, e percebi alguns curiosos em nossa direção.
— Tudo bem – concordei, e Mattias me colocou em sua frente quase
andando colado atrás de mim. — Você viu que lá tem um carrinho de algodão-
doce?
— Você quer um?
Olhei para ele e acenei.
Não sei se pela falta de tempo em usar o salto, mas meus pés logo
reclamaram pela curta caminhada. Já na praça nos aproximamos do carrinho de
algodão-doce, e Mattias escolheu um rosa para mim. Olhei ao redor em busca de
um banco vazio, quando voltei para Mattias o observei guardar algo no bolso
rapidamente e em seguida pagar ao moço. O puxei pela mão, e assim que nos
sentamos bem juntinhos, experimentei o algodão, sentindo-o se desfazer em
minha língua.
— Isso é tão bom – comentei e olhei para Mattias —, quer provar?
Como resposta, ele concordou e segurou o meu queixo. Os lábios tocaram
os meus de forma lenta, e quando a língua encostou na minha, senti um ímpeto
de puxá-lo para mais perto. Então lembrei de onde estávamos, e mesmo não
querendo encerrei um beijo.
— Uma delícia – respondeu e sorriu. — Bel, eu queria poder ter preparado
algo mais apresentável, do que falar aqui nessa praça.
Meu coração no mesmo instante acelerou com as batidas.
— Eu também queria falar uma coisa.
Ao término da minha fala, notei seu olhar tenso.
— Eu posso falar primeiro? – questionou. Acenei que sim, então ele
continuou: — Não quero assustá-la, mas serei o mais sincero possível.
— Tudo bem – concordei quase em um sussurro.
Após ele respirar fundo começou.
— Antes de você chegar em minha vida, eu só pensava no trabalho e em
dar um conforto a mais para a minha mãe. Sem planos de me envolver com
alguém, então você chegou e me deixou curioso, confuso e culpado.
— Culpado? – questionei sem conseguir me segurar. — Por quê?
— Você me deixou curioso para saber quem era e de quem estava fugindo.
Depois, com os dias que nos aproximamos, fiquei confuso sobre o que estava
sentindo. Então veio a culpa, porque não quis te desejar. Não queria que você
pensasse que eu estava tentando me aproveitar de você.
— E-Eu jamais pensaria isso de você, Mattias.
— Esses dias que passamos juntos, foram os melhoras da minha vida e eu
tive a certeza de que eu quero você – murmurou e eu o olhei surpresa. — Quero
você em minha vida, Isobelle. Não é sobre sexo, é mais que isso. Parece que
nascemos um para o outro, e tudo bem se não estiver apaixonada por mim. Mas
se você deixar, eu posso conquistá-la e te fazer feliz por toda a sua vida. Eu não
quero te perder, e se eu demorar muito para dizer que estou completamente
apaixonado... talvez seja tarde. – No fim, ele engoliu em seco e me tocou na
bochecha. — Eu quero ficar com você, quero que você seja minha. – Assim que
terminou, levou a mão ao bolso e retirou um anel rosa de plástico. Percebi que
estava tenso. — Você aceita?
Senti meus olhos se encherem de lágrimas, mas me obriguei a não chorar
agora.
— Eu tinha um plano, Mattias.
— Como assim?
Sorri e o toquei no rosto sentindo a barba maior. Ainda sorrindo, peguei o
anel e o coloquei em meu anelar.
— Eu fiquei pensando, no caminho até aqui, como diria que estou
apaixonada por você, mas sem parecer uma louca porque nos conhecemos tem
pouco tempo. – Quando ele sorriu, eu continuei. — Eu também sinto que
nascemos um para o outro, e só de imaginar você com outra, meu coração dói.
Eu aceito ser sua se você for meu.
— Eu sou completamente seu – afirmou e em seguida tocou os nossos
lábios. — Você me conquistou, Isobelle. Tem o meu coração como nenhuma
outra teve, e eu não me vejo sem você.
Meu sorriso aumentou e eu o puxei para mais um beijo. Em estar
apaixonado para me amar, não faltaria muito e aquilo me fez ter mais esperanças
de que um dia ele pudesse nutrir aquele sentimento por mim. Nos separamos
minimamente e nos fitamos. Aquele olhar me atingiu com força.
— Eu tenho outra coisa para falar – murmurei com um pequeno sorriso. —
A sua mãe sabe sobre nós, mas eu não disse nada. Ela só percebeu.
— Eu sei, ela falou comigo. Disse que se eu demorasse demais te perderia.
– Delicadamente ele colocou uma mecha atrás da minha orelha. — Eu não sei o
que faria se isso acontecesse.
Eu sentia meu coração bater rapidamente, parecia que ali só existia eu e
Mattias. Mais uma vez o beijei, em seguida voltei a comer meu algodão-doce.
Olhei para a minha mão e sorri para o anel improvisado. Mal podia esperar para
falar com dona Rosalinda e meus amigos.
Me abracei mais em Mattias, e senti o braço circundar meu corpo.
— Precisamos comemorar – falou e eu o olhei. — Quero que todo mundo
saiba que estamos juntos.
— Você está doido por isso. – Sorri sendo retribuída. — Amanhã eu tenho
uma surpresa para você.
— Mesmo? – indagou com o olhar desconfiado. — O quê?
Me virei em sua direção e terminei o algodão-doce.
— É algo que você gosta de comer.
Ele sorriu e olhou para o meu decote.
— É uma comida?
— É claro, Mattias – ri enquanto cruzava os braços. — O que mais seria?
No mesmo instante ele arqueou a sobrancelha.
— Se estivéssemos mais longe um pouco da igreja, eu diria que você –
proferiu me deixando tímida. — ter o seu corpo delicioso com o meu, ouvir os
seus gemidos... não sabe como fico extremamente duro em ouvir você gemer.
Balancei a cabeça tentando conter o sorriso, meu rosto estava quente e
Mattias conseguia ver isso.
— Você não tem jeito, alguém pode ouvir você. Sabia disso?
— Mas eu não disse nada de mais – deu de ombros adotando uma
expressão falsa de confuso. — Vai me dizer que eu sou safado sozinho? Assim
me magoa.
Ri sem conseguir me segurar e fiquei de pé. Mattias me olhou dos pés a
cabeça, mas não se moveu. Então estendi a mão em sua direção e o chamei.
— Vamos andar um pouco, ainda está cedo para voltarmos para casa –
pedi e ele rapidamente segurou minha mão, ficando ao meu lado. — Acha que
seus irmãos vão aceitar bem em saber que estamos juntos?
— Espero que sim, mas de qualquer forma eu sou adulto e não ligo para as
opiniões deles. – Avisou e então me abracei em seu braço. — A única que eu
poderia me preocupar era a minha mãe, e ela gosta muito de você.
— Eu também gosto muito da sua mãe – afirmei recebendo um sorriso —,
mas vou me sentir culpada se houver mais uma briga entre você e seus irmãos.
— Não sinta – retrucou e começamos a andar a estradinha meio íngreme.
— Não vai haver brigas, eu já dei o meu recado para eles.
Desviei o olhar para frente, para outra parte que havia pessoas dançando e
vi Sebastião com uma moça bem bonita. Os dois dançavam bem agarrados, os
passos sincronizados como se eles já soubessem a coreografia da música. Sorri,
pelo menos ele tinha encontrado outra companhia para a noite.
— Vamos até aquele restaurante comprar água – Mattias avisou, e quando
olhei notei que era o lugar do nosso encontro. — Você quer comer alguma coisa?
Mal comeu lá na mesa, estava muito ocupada querendo me fazer ciúmes.
— Eu? – indaguei entre surpresa e envergonhada. Porque eu tinha feito
exatamente isso. — Eu só queria dançar.
— Mentindo para mim?
Antes de atravessarmos, parei em sua frente, e o beijei. Em seguida
mostrei o meu anel, o fazendo sorrir.
— Agora sou uma mulher comprometida, acha mesmo que eu vou ficar
fazendo ciúminhos bobos?
De primeira ele não me respondeu, mas logo passou a mão na barba e
concordou. Delicadamente me tocou no queixo, e juntou nossos lábios. Um beijo
lento, mas intenso que instigou todas as partes do meu corpo. Querendo mais das
boas sensações o abracei, e prestes a aprofundar o beijo, o afastei quando senti
um pingo em meu rosto. Um pouco confusa olhei para cima sendo imitada, e não
demorou muito para que mais pingos caíssem.
Mattias me segurou pela cintura, e juntos corremos para o restaurante.
Abrigados embaixo do toldo, observei as pessoas correrem procurando abrigos.
— Eu acho que vai chover a noite toda, né? – perguntei e me abracei
quando o vento se fez presente. Frio e molhado. — É perigoso voltar assim?
— Não – Mattias negou enquanto retirava a jaqueta e me cobria. — Não se
preocupe, esperamos estiar um pouco antes de irmos. Está com sede?
— Sim.
Me aconcheguei melhor na jaqueta, sentindo o perfume de Mattias que era
tão marcante, e o observei se espremer entre as pessoas e entrar no recinto. Ao
perdê-lo de vista, me aproximei mais da parede e olhei para frente.
— Droga!
Praguejei assim que o vi correndo em minha direção.
Isobelle

Tentei não o encarar, e não o encorajar a nada. No entanto, assim que ele
parou de baixo da tenda, andou em minha direção. Sorria de lado, enquanto
passava a mão entre os fios negros. Vestia uma blusa branca desabotoada, os 3
botões, uma calça jeans e coturnos.
— Ora, ora, nos encontramos de novo – a voz saiu arrastada. — Por que
não abre essa jaqueta e me deixa ver melhor o vestidinho sexy que está usando?
O olhar junto do sorriso malicioso me deixou enojada. Ele tinha dito alto
suficiente, fazendo algumas pessoas próximas olharem em nossa direção.
— Por que você não some daqui? – retruquei começando a entender o
motivo do Mattias não gostar daquele playboy. — Eu não quero conversar com
você.
— Nossa! Isso foi um pouco rude, princesa.
— Vai embora.
O playboy sorriu e deu mais um passo em minha direção, quando ele
invadiu meu espaço pessoal o parei com a mão em sua barriga.
— Não quer me tocar em outro lugar?
— Você está me incomodando.
Voltei a cruzar os braços, torcendo para que ele fosse antes que Mattias
aparecesse. Porém, assim que olhei para o caminho que ele tinha pegado, o vi se
aproximar com uma expressão nada boa. Assim que ele ficou na minha frente, o
segurei pelo braço na tentativa de contê-lo. Mesmo sabendo que se ele quisesse
se soltar, e começar uma briga ali, eu não conseguiria pará-lo.
— Se eu pegar você de novo perto dela – murmurou sem vacilar. — Eu
vou fazer você se arrepender de ter cruzado o nosso caminho. Está me ouvindo?
— Calma, peão! Às vezes eu acho que você esquece com quem está
falando. Eu só vim me apresentar formalmente.
— Eu acho que você se esquece de que eu não me importo com isso.
Quebro a sua cara sem nenhum pingo de remorso. Entre no meu caminho, e sofra
as consequências. – Mesmo não sendo direcionado para mim, senti uma pontinha
de medo pelo tom usado. — Agora se manda.
Os dois ficaram se encarando por alguns segundos, mas logo o playboy
sorriu e olhou em minha direção.
— Me chamo Javier Alvaréz, princesa. Agora sei de quem aprendeu ser tão
malcriada assim, mas isso é fácil de corrigir. – Quando ele terminou de falar,
segurei com mais força o braço de Mattias. — Até logo.
Então, rapidamente, Javier atravessou a rua sem ao menos olhar para os
lados, ou se importar com a chuva. No instante em que ele sumiu de nossas
vistas, Mattias se virou em minha direção.
— Eu achei que vocês iriam brigar aqui.
— Eu bem queria – falou e me ofereceu uma garrafinha —, mas para o
azar dele, prometi a uma pessoa que tentaria manter a calma.
Automaticamente sorri.
— Uau, ela deve ser bem importante – murmurei tirando a tampa. — Para
você conseguir manter a promessa. Logo você, sendo tão brigão.
Mattias sorriu e me tocou no queixo.
— Ela é muito importante para mim, e muito respondona. Mas eu aprecio
isso.
Arqueei uma sobrancelha, e permiti que ele me beijasse. Nos separamos
minimamente, e Mattias deslizou o polegar pelo meu queixo. A chuva ainda caía
sem demonstrar que cessaria, mas de qualquer forma eu já tinha tido bons
momentos naquela noite. Mattias se declarando para mim, em seguida me
pedindo em namoro, tinha me deixado surpresa e feliz.
Falamos que estávamos apaixonados, mas eu sabia que também o amava e
aquilo tudo era bem louco. Pois não esperava sentir aqueles sentimentos, não
agora. Não quando minha vida tinha se transformado em um caos. Mas eu
poderia viver aquele amor em paz? Tinha medo de tudo ruir, mas eu faria dar
certo.
Tomei um gole da água, e o observei beber metade da garrafinha em
poucos segundos. O pomo de adão se movia a cada gole, e não sei explicar, mas
achei tão sexy aquela cena. Em silêncio, desci meu olhar para o peitoral, e me
lembrei de quando o usava de apoio para cavalgá-lo. Ele era tão duro e gostoso
ao mesmo tempo. A mão que segundos atrás me tocava tão carinhosamente, fazia
um belo trabalho quando me batia no traseiro.
Ao perceber que ele me analisava, desviei o olhar e tomei mais um gole.
— Às vezes queria saber o que se passa na sua mente.
Sorri e dei de ombros.
— Se passam muitas coisas, mas diferente de você – falei fazendo-o
apoiar um braço na parede ao lado. — Eu consigo mantê-los seguros, e só falar
no momento certo.
— Qual momento certo?
Me abracei mais na jaqueta e me encolhi quando percebi a chuva
engrossar.
— Um momento em que esteja apenas nós dois – respondi e senti mais um
carinho na bochecha. — Eu acho que não vai mesmo parar de chover.
— E aqui não tem um lugar para se sentar – murmurou olhando ao redor.
As pessoas se espremiam para se manterem secas. — É o que dá ser o melhor da
região.
Assim que ele sorriu, meu corpo inteiro ficou ouriçado. Lentamente deixei
meu dedo descer pelo peitoral e só parar na fivela do cinto. Mattias me
observou, e lambeu o lábio.
— Acho então que podemos ir, quando parar um pouco – afirmei com
segundas intenções. — E está tão frio.
Mattias sorriu e concordou.
— Posso deixar você quentinha – falou bem próximo do meu rosto. No
mesmo instante mordi o lábio, Mattias não tinha jeito. — O que me diz?
— Para isso precisamos estar sozinhos.
Sensualmente deixei que meu dedo percorresse o cós da calça jeans que
ele usava, e fixei meu olhar em seu rosto. Quando ele percebeu as intenções em
meus gestos, me beijou rapidamente, em seguida levantou um dedo em um
pedido para eu esperar. Sorri e o encarei correr até onde a caminhonete estava
estacionada. Mordisquei o lábio e esperei pacientemente enquanto Mattias
manobrava para deixar o lado do passageiro virado para a calçada.
Finalmente conseguindo, ele parou e abriu a porta para mim. Antes que ele
pudesse descer, retirei a jaqueta e protegi a cabeça. Corri com cuidado e quando
me sentei no banco ri sem conseguir me segurar.
— Parecemos dois adolescentes – murmurei não perdendo o olhar
malicioso que recebi.
Coloquei a minha garrafinha no suporte que tinha ao lado e em seguida
ajustei o cinto de segurança.
— Agora que estamos juntos, vamos poder ficar no mesmo quarto –
proferiu dando a partida, e logo saindo dali. — O que acha?
Fiquei um pouco surpresa porque até então não tinha pensado nisso, mas
logo balancei a cabeça.
— Eu não sei – falei recebendo um olhar surpreso. — Eu acho que vou
ficar sem graça.
— Sério? – indagou com um sorriso de lado. — Ficamos todas as noites,
mas você vai ficar sem graça agora que estamos juntos?
— A sua mãe vai saber o que fazemos no quarto.
Ok, eu poderia estar soando muito hipócrita, mas só em saber que a
Rosalinda tinha descoberto minha relação com Mattias, tudo mudava. E sim, eu
estava muito sem graça. O olhei e ele sorria sem se conter.
Virei em direção à janela e observei o caminho de volta. No entanto, achei
estranho quando não reconheci a estrada.
— Não estamos indo para a fazenda?
— Eu queria te mostrar um lugar – respondeu e me sorriu. — Vai valer a
pena.
Sorri e fiz um carinho em seu rosto. Mattias em seguida pegou minha mão
e a beijou. Meu coração bombeava freneticamente, um sentimento intenso que
aquecia meu peito e fazia com que as borboletas em meu estômago ficassem
agitadas. Pelo para-brisa vi que a chuva começava a acalmar, e conseguia ver
também a estrada coberta de lama.
O cheiro de terra molhada era predominante.
Após alguns minutos a caminhonete adentrou um caminho, mais a frente
vi a porteira fechada e uma enorme casa. Retirei o cinto e observei Mattias parar
em frente, ajeitar o chapéu na cabeça, descer e correr até a porteira. Quando ele
voltou e tomou o lugar do motorista, sorri, pois eu já imaginava onde estávamos.
Enquanto nos aproximávamos vi que algumas janelas estavam quebradas,
e ao redor da casa havia muitos matos. No instante em que Mattias estacionou a
caminhonete dentro da garagem aberta, não esperei um convite e de forma
curiosa desci.
— O que achou?
Me voltei para Mattias e sorri.
— É uma casa bem grande – comentei e ao lado dele me dirigi a porta. —
Foi esse o terreno que você comprou?
— Foi – confirmou com um pequeno sorriso. — É como eu disse, talvez
será preciso demolir tudo e construir do zero.
Assim que entrei senti um pouco do fedor de mofo. A casa precisava
realmente de um trato, uma boa reforma, limpeza e tintura. Ao chegar na sala
percebi que ela era extremamente espaçosa, me aproximei da porta que dava
visão para a entrada da propriedade.
— Ela é realmente bem grande – murmurei para Mattias. — Quantos
quartos têm?
— Quatro – respondeu e eu o olhei surpresa. — Quatro quartos, essa sala,
tem a cozinha que também é bem espaçosa, dois banheiros e a garagem. Aqui era
uma pousada.
— Nossa. – Sorri e andei em busca dos quartos. — Por que não se mudou
com a sua mãe para cá?
— Aos poucos eu estou reformando a fazenda da minha mãe – respondeu.
Então me segurou pela mão, tendo a minha atenção. Ele estava ansioso, era tão
nítido. — Em breve eu vou reformar a casa dela, deixar mais aconchegante para
a minha mãe.
— Você é um bom filho, Mattias. Tenho orgulho de você, assim como a
sua mãe também tem.
Ele sorriu, e juntou lentamente os nossos lábios. Ao se afastar, colocou
uma mecha minha atrás da orelha, e continuou com a mão em meu rosto. Ele ser
tão carinhoso assim comigo, só aumentava mais o meu sentimento por ele.
— Eu não me mudei para cá, porque eu estava esperando o momento certo.
Eu quero que essa casa seja um lar, com a minha futura esposa e com os meus
filhos correndo por aqui. Uns quatro ou cinco.
Sorri minimamente, e por dentro senti um aperto no peito. Eu não estava
incluída nesses planos?
— Para isso você vai precisar de uma esposa – falei quase em um
sussurro.
Mattias franziu o cenho, mas logo sorriu como se soubesse de algo
engraçado.
— Na verdade, eu já tenho uma, mas parece que ela ainda não se deu
conta disso. – O sorriso nunca o abandonava, e eu já não conseguia segurar a
vontade de chorar. — Você realmente não entendeu?
— Que você quer uma esposa? – perguntei e sequei a lágrima que caiu. —
Eu entendi, e espero que encontre. Você é uma boa pessoa, merece alguém legal
e que queira ter quatro ou cinco filhos com você. – Quando terminei de falar, ele
começou a rir. — E qual a graça?
— Bel – Mattias proferiu assim que parou de rir, os dedos secavam as
minhas lágrimas. — Por que está chorando? Quem você acha que eu quero como
esposa?
— Eu não sei – funguei e sequei as novas lágrimas, eu parecia uma boba
na frente dele. — Não ri de mim.
— Me desculpe – pediu e me beijou os lábios. — Bel, a única que eu
quero é você. É você que eu quero como esposa. – Assim que ele falou, o olhei
sem acreditar. Em seguida, eu sorri e o abracei. — Foi para você que eu me
declarei, você tem o meu coração. Por que achou que seria outra?
— Você não disse meu nome, achei que eu não estava inclusa nesses
planos.
Em um movimento rápido, Mattias me pegou nos braços, e sorriu.
— E eu aqui nervoso com medo de você falar que estou indo rápido
demais – Mattias disse sincero, ainda me segurando como se eu fosse leve. —
Então, o que me diz?
— Sobre o quê?
Mattias riu e começou a andar pelo corredor.
— Sobre ser minha esposa, quatro ou cinco filhos? Ou agora estou indo
rápido demais?
No mesmo momento senti um comichão no baixo ventre. Antes de o
responder, mordisquei o lábio inferior e o analisei.
— Você nem me pediu em noivado.
Então Mattias parou com o cenho franzido.
— O seu anel provisório me diz outra coisa.
— Achei que era de namoro – falei surpresa, Mattias me colocou no chão
e apontou para atrás de mim. Me virei e encarei o espaço vago, no outro lado
tinha uma porta. Talvez o banheiro. — Uau, é enorme.
Os braços fortes logo me abraçaram, e quando a voz rouca soou em meu
ouvido fechei os olhos automaticamente.
— Se você aceitar, esse será o nosso quarto. O lugar que vou fazer você
gemer todas as noites das nossas vidas.
Ainda de olhos fechados, imaginei com perfeição a cena, e aquilo me fez
sorrir. Eu sentia meu corpo febril, e uma vontade louca de fazer amor
exatamente onde estávamos. Sensualmente me virei para Mattias, e deixei que
minhas mãos alisassem o corpo dele.
— Eu aceito – sussurrei e o puxei para mim. — Eu serei a mulher mais
feliz do mundo.
— E eu vou proteger você e não vou deixar que nunca te falte nada.
Ao final daquela fala sorri, mas por dentro ainda tinha o medo de algo der
errado. Não querendo pensar tão negativamente, juntei os nossos lábios e gemi
ao ter o seio apertado. Delicadamente Mattias jogou os meus cabelos para trás, e
depois puxou meu decote para baixo. Assim que meu seio ficou amostra, me
encolhi com frio.
Com expectativa observei Mattias abocanhar meu seio e o chupar. Sem
forças me segurei nos braços fortes como pude, e gemi com a língua lambendo
meu bico intumescido.
— Mattias...
Entre as minhas pernas eu tinha minha calcinha ensopada, junto a uma
inquietação que só aumentou quando Mattias intercalou entre mordidas e
sugadas.
— Gostosa! Você não sabe como eu me segurei hoje a noite. Esse vestido
te deixa extremamente sexy.
Sorrindo de lado, me afastei dele e me virei. Mattias me olhava cheio de
desejo, e ao me ver apoiar as mãos na parede e empinar sedutoramente. Ele
soube na mesma hora o que eu queria, e sem perder tempo levantou meu vestido
e espalmou a mão no meu traseiro. Gemi de forma dengosa com a força exercida
e empinei mais ainda. O olhar que ele me lançava me deixava a beira do ápice.
E sem desviar, Mattias arredou minha calcinha para o lado e se abaixou.
— Mat... – Ao sentir a língua me lamber profundamente, deixei o nome
dele morrer em meus lábios. Automaticamente abri as pernas e inclinei mais o
quadril querendo sentir mais das sensações.
A língua esfregava lentamente em meu clitóris, descendo por entre meus
pequenos lábios. As duas mãos agarravam com força cada lado do meu traseiro,
expondo cada vez mais para as investidas da língua quente. Meu orgasmo estava
tão próximo, que eu mal conseguia falar, apenas gemia encorajando Mattias a
continuar.
Inconscientemente eu rebolava como podia na língua dele, e então após
alguns segundos meu corpo entrou em combustão. Minhas pernas tremiam sem
forças para se manterem de pés, mas já sabendo disso Mattias me segurou com
um braço. Ainda tremia e latejava quando senti a cabeça robusta forçar a entrada
entre minhas dobras.
— Apertada – gemeu enquanto me penetrava mais um pouco. — Estou te
machucando?
— Não... – Praticamente choraminguei, ao mesmo tempo que forçava meu
quadril para trás. — Mais... Por favor!
Meu coração bombeava freneticamente, era como se eu conseguisse sentir
a eletricidade do desejo percorrer por minhas veias. Chovia lá fora, mas ali com
Mattias eu pegava fogo e só cessaria quando os nossos desejos estivessem
saciados.
Ao ser penetrada por completo, gemi e finquei minhas unhas no braço que
me circundava.
— Abra mais as pernas.
Obedecendo-o no mesmo instante, mordi o lábio com a primeira estocada.
Voltei a apoiar as duas mãos na parede e baixei a cabeça. No chão sujo eu
conseguia ver alguns pingos de fluidos meus, e aquilo me excitou. Pois o
culpado de tudo era Mattias, só ele conseguia me deixar naquele estado tão
caótico.
Mesmo tão frágil de desejo, tentei me virar para Mattias e ele notando
minha intenção. Abriu as próprias pernas para ter equilíbrio, segurou com uma
mão minha cintura e a outra segurou minha perna colocando-a apoiada no ombro
dele. Eu estava extremamente exposta, e sensível; a qualquer momento eu sentia
que explodiria.
Embargada de desejo, aproximei nossos rostos e tomei os lábios
masculinos. Mesmo enquanto me beijava, ele não parava de se mover. Tão
rápido, tão forte e intenso. Ao sentir o meu gosto na língua dele não senti nojo,
mas sim uma luxúria que me acometeu com força, fazendo com que eu chegasse
ao ápice. Meu corpo todo ficou tenso, e Mattias notando isso, afastou nossos
lábios e sorriu.
— Você fica tão linda gemendo manhosa desse jeito.
— Mattias... – o chamei e mordi o lábio. — Eu gosto quando você me dá
umas palmadas.
Ele me olhou surpreso, mas logo sorriu maliciosamente.
— Então quando você disse que gostava quando eu era mais intenso –
murmurou cessando os movimentos, e delicadamente soltou minha perna. —
Você se referia a isso?
— T-Também.
Eu estava completamente envergonhada, mas não desviei nossos olhares.
Eu queria que ele notasse que eu estava segura no que eu dizia, para que assim
ele não tivesse dúvidas.
— Você é uma mulher muito safada.
— Você é mais safado! – o acusei recebendo um grande sorriso. — Eu
queria uma coisa, mas aqui não tem cama e não quero que você se suje nesse
chão.
Sem demora, agarrei o pau, que ainda estava ereto, e comecei a acariciá-
lo.
— Tudo o que você quiser eu dou. – Afirmou e me puxou para um beijo.
Ao se afastar, tocou em meu queixo. — Me diga.
Mesmo sem jeito e morrendo de vergonha, me aproximei de sua orelha e
sussurrei: — Eu quero cavalgar.
No instante em que tentei me afastar, senti os braços ao meu redor e ser
impulsionada para cima. Minhas pernas se entrelaçaram ao redor de Mattias, e
sorrindo observei o caminho que seguíamos. Ao chegar no lado de fora, olhei ao
redor preocupada com medo de que alguém pudesse nos ver, mas logo me
acalmei quando Mattias me colocou no chão e abriu a porta detrás da
caminhonete.
Rapidamente entrei e sorri quando o vi se sentar e fechar a porta. Sob o
olhar faminto, retirei as sandálias, e esperei que ele puxasse a roupa de baixo
até deixá-los na altura dos joelhos. Lentamente me aproximei dele, e o aguardei
enquanto ele se sentava melhor no assento. Como agora que ele tinha as pernas
separadas, e o corpo descido, deixando-o quase deitado.
— Sou todo seu.
Apesar da caminhonete ser grande, Mattias ocupava um bom espaço. Sorri
e cuidadosamente o montei. Aproveitando que os nossos rostos estavam
próximos, o beijei e segurei a ereção pela base, levando-a para onde eu mais
precisava. Para me ajudar, Mattias afastou minha calcinha para o lado, e assim
que a glande esfregou entre minhas dobras, forçando a entrada, a agarrei com
mais vontade e desci com força, arrancando um gemido de Mattias.
— Caralho!
— Te machuquei? – perguntei assustada, mas logo relaxei quando notei o
sorriso malicioso.
— Você me levou ao inferno e ao céu ao mesmo tempo – respondeu e eu o
olhei confusa, mas com um pequeno sorriso. — Agora nada de moleza, você
queria cavalgar, então é melhor começar.
As grandes mãos, no instante em que me acertaram dois tapas, me
arrancaram um longo gemido. Foi inevitável meu sorriso safado, e querendo
mais comecei a subir e descer com força. Sempre quando chegava ao limite com
ele dentro de mim, sentia uma dorzinha fina, mas não era algo que me impedia
de continuar. Em meio ao desejo, senti os lábios se fecharem em meu seio e as
palmadas aumentarem.
Como podia aquelas combinações ser tão gostosas?
— M-Mais forte!
Após eu mandar, Mattias sorriu e me abraçou a cintura com um braço. O
quadril, que até então estava inerte, começou a acompanhar meus movimentos
com mais força e rapidez. Ao sentir as sensações multiplicarem, gemi e joguei a
cabeça para trás, expondo meu pescoço para os lábios de Mattias.
A caminhonete inteira balançava, e o calor sexual tomava conta de nós
dois. Os barulhos das nossas pélvis se encontrando, e das palmadas que eu ainda
recebia eram como músicas para os meus ouvidos. Olhei Mattias e me deliciei
com uma expressão genuína de prazer, e sem conseguir me segurar deixei que o
orgasmo tomasse conta do meu corpo. Enquanto contraía, ouvi Mattias gemer de
forma rouca e me apertar com força a cintura.
Parei de me mover e senti o pau latejar ainda dentro de mim.
Respirávamos como se tivéssemos corrido uma maratona, e após os
espasmos abandonar meu corpo, encostei nossas testas e sorri.
— Eu não sinto o meu corpo.
Mattias sorriu e encostou a cabeça no encosto do assento.
— Fiz um bom trabalho então? – Acenei extremamente cansada, soltei um
suspiro e o abracei. — Gostou da cavalgada?
Sorri e me afastei para olhá-lo nos olhos.
— Sim, e mal posso esperar para a próxima.
— Que insaciável – brincou e me deu mais uma palmada seguida de um
apertão. — Vamos voltar para a fazenda?
— Podemos ficar mais alguns minutinhos aqui? – indaguei recebendo um
sorriso e aceno. — Preciso digerir todos os acontecimentos dessa noite.
Me ajeitei ainda sentada em Mattias deixando o pau sair lentamente.
De namorada passei a ser noiva, e aquilo me enchia de alegria. Em
nenhum momento achei que tudo estava precipitado, mas tinha medo de algo dar
errado. Pois, tudo estava indo bem demais.
Carinhosamente ele me tocou a bochecha, e me olhou minuciosamente.
— Você se arrependeu em ter aceitado o meu pedido de casamento?
— Não. – Neguei com um pequeno sorriso. — Eu quero me casar com
você. – Assim que respondi, Mattias sorriu abertamente. — E você? Tem certeza
de que me quer como esposa?
Sem demora, ele buscou minha mão e a colocou em seu peito. Eu sentia
perfeitamente o coração acelerado.
— Eu fico assim toda vez que você está por perto – murmurou, nunca
desviando os nossos olhares. — Eu nunca tive tanta certeza na minha vida, como
eu tenho agora. Eu quero você para sempre, Bel.
Eu sentia meu peito aquecido, e sem forças para segurar as lágrimas
deixei que elas caíssem. Mattias notando isso as secou e juntou nossos lábios.
Então um beijo romântico se iniciou, primeiro apenas um encostar de lábios,
mas logo a língua dele me pediu passagem. Automaticamente concedi, e gemi
assim que nossas línguas se tocaram. O abracei mais sentindo um arrepio se
alastrar pelo meu corpo, e quando o percebi endurecendo, me remexi em busca
de mais contato.
— E depois eu sou insaciável – brinquei quando paramos o beijo, Mattias
esfregava a ereção entre meu traseiro. — Não é mesmo?
Ele riu e forçou entre as minhas dobras, mas logo voltou a esfregar como
antes.
— Sabe o que poderíamos tentar agora?
A forma maliciosa e sugestiva me fez morder o lábio.
— O quê? – indaguei, e no mesmo instante senti a glande fazer pressão na
outra entrada. — De jeito algum. – Neguei, sentindo o comichão e uma vontade
louca para ele continuar. — Você já viu o seu tamanho? É loucura.
— Só um pouquinho? – pediu e eu neguei sorrindo nervosa. Toda vez que
ele forçava na outra entrada, meu corpo arrepiava por completo e eu fechava
meus olhos. — Não seja medrosa.
— Eu nunca fiz nada aí – avisei e em seguida recebi vários beijos pelo
pescoço.
— Então vamos fazer na nossa lua de mel? – perguntou e eu o encarei. —
Promete pensar a respeito?
— Vamos ter uma lua de mel? – questionei surpresa, e ele sorriu
acenando. — Vamos nos casar na igreja?
— Mas é claro, vestida de noiva com véu e grinalda.
Sorri, mas notei que ele falava sério.
— Eu nem sou mais virgem.
— O padre não vai saber disso – retrucou e me puxou para mais perto.
Ainda sem desviar nossos olhos, senti os dedos me tocarem entre as dobras. — E
eu quero te receber no altar. Você não quer?
— Quero! – Afirmei e assim que segurei sua espessura o levei para dentro
de mim. Ao ser penetrada, gemi e aproximei nossos rostos. — Eu quero muito,
Mattias.
O beijei enquanto nos movíamos, e sem desgrudar nossos lábios, comecei
a abrir a camisa que ele ainda usava. Em meio a minha tarefa, Mattias puxou
meu vestido para cima e assim que fiquei sem ele, consegui finalmente abrir os
botões. Rapidamente juntei nossos corpos, e arfei com o calor emanando do
peitoral maciço. Despudoradamente esfregava meus seios em Mattias, ao mesmo
tempo que remexia o quadril.
Em um movimento rápido, Mattias me segurou pela cintura e mudou a
nossa posição. De forma desajeitada, ele me colocou deitada no banco e ao
tentar ficar por cima, ri quando ele praguejou. Ele estava completamente torto,
mas assim que conseguiu uma posição que favorecesse me puxou para mais perto
e sorriu.
Pelo visto não sairíamos dali tão cedo.
Mattias

Assim que terminei de alimentar as vacas, retirei as luvas grossas e as


coloquei no bolso da calça. Procurei João Pedro e sorri ao vê-lo juntar o feno
espalhado no chão com as mãos. Desde cedo ele me ajudava com os afazeres da
fazenda, mas eu estava sempre atento a ele para que nada acontecesse.
Assobiei chamando sua atenção e o chamei. Assim que ele parou do meu
lado, o levei até a pequena torneira que tinha na entrada e esperei que ele
lavasse as mãos primeiro.
— Tio, o que vamos fazer agora?
— Falta arrumar o lugar das galinhas – respondi vendo-o ajeitar o meu
chapéu em sua cabeça. — E lavar a caminhonete.
— Eu vou também?
Sorri e enquanto lavava as mãos, acenei.
— Claro, você é o meu ajudante – murmurei e ele sorriu. Um sorriso que
lembrava meu irmão. — Vamos indo?
— Sim!
E em disparada correu até a caminhonete.
Antes de sair, fechei a porta, e vistoriei uma última vez as vacas, me
certificando de que tudo estava em seu lugar. Em seguida andei até parar ao lado
do carona, onde abri a porta e ajudei o João Pedro a se sentar. Ele sorriu e me
observou arrodear, e tomar finalmente o lugar do motorista.
— Tio, quando eu vou dirigir também?
— Você precisa ser grande – falei nunca tirando a atenção da estrada. —
Assim do meu tamanho.
— A vovó fala isso.
— A vovó sabe das coisas – confirmei e o olhei rapidamente, então ao
olhar para frente vi Isobelle vindo do caminho da horta segurando uma cesta
pequena. Os cabelos castanhos soltos chegavam até os ombros, usava um vestido
azul, e assim que percebeu que eu me aproximava parou. — Que tal uma pausa
para você lanchar? Está com fome?
— Não.
— Tem certeza? – indaguei estacionando ao lado de Isobelle. — Tem
pudim na cozinha. Vai lá pedir pra vovó, você fala vovó, eu quero pudim.
— Tá bem.
Assim que desci e ajudei João Pedro, esperei até ele correr para dentro de
casa. Sozinho com Isobelle, a puxei com um braço, deixando nossos corpos
j u n t o s . Na cesta tinham alguns legumes que não dei tanta importância, meu
pensamento era outro.
— Pelo jeito você perdeu um ajudante.
Sorri e juntei nossos lábios. Ao me afastar lembrei de ontem, dos nossos
momentos de prazer.
— Ele é um bom rapazinho – falei e a vi acenar. — Faz muitas perguntas,
mas eu não me importo com isso. E você? O que está fazendo?
— Eu vim buscar esses legumes que faltavam para a preparação do
almoço. Sua mãe me ensinou a fazer seu prato favorito.
A olhei com interesse e sorri, Isobelle rapidamente riu e tentou me afastar.
No entanto, a puxei mais para perto.
— Hoje vamos anunciar para ela que estamos juntos – quando terminei de
dizer, ela me olhou ansiosa e encarou o anel na mão direita. — Está tudo bem?
— Sim. Na verdade, a sua mãe ficou olhando o meu anel, mas ela não
perguntou nada.
A toquei no queixo e quando me inclinei para beijá-la, ouvi João Pedro me
chamar. Me afastei e o vi com um pratinho de pudim. O encarei confuso, em
seguida olhei para Isobelle. Antes que pudesse falar algo, minha mãe apareceu
na entrada. Tinha as mãos na cintura.
— Aqui tio.
— Quando você quiser pudim, é só vir pegar, Mattias – minha mãe
murmurou brincalhona. — Formiga!
— Usando o próprio sobrinho para pegar pudim? – Isobelle riu enquanto
se afastava. — Que feio, Mattias!
Sem conseguir me conter, observei o balançar do quadril feminino, mas
logo lembrei que minha mãe nos encarava. Então olhei para o pudim, João Pedro
e minha mãe. Dona Rosalinda agora mantinha os braços cruzados, sorria
enquanto me julgava silenciosamente.
— Eu não pedi.
— E eu não te conheço, né? – retrucou e me deu as costas.
Soltei um suspiro e entreguei o pratinho a João Pedro, que o pegou e
começou a comer. O levei até a varanda, e depois fui em direção ao galinheiro.
Olhei para trás e vi Brutus se deitar ao lado do João.
Quando finalmente consegui reforçar os poleiros das galinhas, o sol estava
completamente alto, e eu já conseguia sentir o fedor de suor sair de mim. Me
voltei para a saída e vi Licinha sentada onde antes o irmão estava. Sorri e me
aproximei.
— Aprontando aí sozinha?
— Eu não apronto não, titio – riu e ajeitou os fios loiros. —
Eu tô sentada.
— Não apronta? – franzi o cenho e me sentei ao lado dela. — E o que faz
sentada aí?
O olhar se dirigiu para a saída, e eu percebi sua tristeza.
— Eu quero o papai, ele não vem nunca.
Engoli em seco com medo de que ela chorasse, então fiz um carinho em
sua cabeça.
— O seu pai já está vindo para casa – murmurei, e quando os grandes
olhos azuis me encararam me senti um pouco mal. Eu não sabia realmente
quando Marcos voltaria. — E quando ele chegar aqui você precisa dar um abraço
bem forte nele. Porque ele também está com muitas saudades de você e do seu
irmão. Tá bem?
— Tá – Assim que ela suspirou, voltou a olhar para a saída.
Pensei em falar alguma coisa, então ouvi a voz de Isobelle chamando por
Licinha. Me virei para observá-la, e sorri quando notei um copo e uma
mamadeira de suco.
— Aqui para você, meu amor – entregou a mamadeira para Licinha e me
encarou. — O que foi?
— Não ganho suco?
Em resposta, ela me sorriu e me ofereceu o copo, mas logo sua atenção
voltou-se para Alice.
— Assim que o João Pedro terminar o banho é a sua vez, está bem?
— Eu quero banho – murmurou e voltou a beber. Olhei para Isobelle e
recebi um sorriso. Sozinhos novamente, continuei a beber o suco. — Eu gosto da
titia.
— Mesmo? – quis saber, Maria Alice confirmou entretida no suco. — Ela
vai morar aqui para sempre.
— Com a vovó? – franziu o cenho confusa, mas logo sorriu. — Queria ela,
minha mamãe.
— O quê? – perguntei incrédulo.
— Vou pedir – avisou e correu para dentro de casa. Mais que depressa fui
atrás dela. Eu não acreditava no que tinha escutado.
Ao chegar na sala vi Isobelle agachada e Maria Alice cochichando algo em
seu ouvido. Cruzei os braços e observei a cena em silêncio. No instante em que
Isobelle riu, e olhou para a pequena de forma surpresa, eu soube que o pedido
tinha sido feito. Eu sei muito bem que não deveria ficar enciumado daquela fala
tão inocente de minha sobrinha, mas era inevitável.
Quando Isobelle cochichou algo para Licinha, vi quando a surpresa tomou
conta do rostinho e então ela me encarou.
— Então você não vai ser minha mamãe?
— Eu posso ser a sua amiga – respondeu com um pequeno sorriso. — Você
quer ser a minha amiga? Porque eu quero que você seja minha amiga.
— Eu também, titia.
Sorri para a cena e me aproximei. Após o abraço, Maria Alice sorriu e
correu em direção ao corredor.
— Ela é um amor demais.
— É.
Isobelle arqueou uma sobrancelha e me puxou pela camisa branca.
— Não vai me dizer que você ficou com ciúmes da fala de uma garotinha
de cinco anos?
— Eu?! – bufei negando com a cabeça. — Acha que sou tão ciumento
assim?
Então ela riu me deixando completamente encantado, e sem conseguir me
segurar a acompanhei.
— Eu te conheço bem, sabia? Você não me engana.
Meu coração parecia que sairia pela boca, e assim que meu dedo tocou
com carinho o rosto tão macio eu senti algo em meu peito. Enquanto nossos
olhares se conectavam, eu senti a necessidade de falar que a amava. Por que eu
não tinha dito isso ontem? Eu a amava e era tão nítido. O que eu sentia por ela
era mais que uma simples paixão.
— Pensando em uma desculpa? – riu e me tocou no rosto retribuindo o
carinho. — Consigo ver a fumacinha saindo da sua cabeça.
— Você é incrível, Bel.
Ela me olhou sem entender, mas logo acenou.
— É, eu sei. – Sorri com a resposta e a abracei.
Nossos lábios se encontraram, e somente aquele contato foi motivo
suficiente para atiçar o meu desejo por ela. As unhas arranhavam minha nuca, e
instigado a continuar, desci uma mão e a coloquei sob o tecido do vestido.
Apertava com força a carne que enchia minha mão, ela era tão macia e gostosa
de apertar. Ao sentir a língua esfregar na minha, arfei e a apertei em meus
braços.
— Eca! Vovó vem ver!
Rapidamente nos afastamos no susto.
Maria Alice estava só de calcinha e os cabelos molhados de sabão. Em
seguida minha mãe apareceu correndo, assim que parou ao lado dela, a segurou
pela mão e nos encarou. João Pedro vinha logo atrás todo arrumado.
— O que foi sua sapeca?
— Eles tavam assim, vovó – murmurou e gesticulou com a mãozinha o
beijo. — Que nem o papai e a mamãe uma vez amanhã.
— Mattias...
— Isobelle e eu estamos juntos – a interrompi, e antes que ela continuasse
terminei: — E estamos noivos.

Rosalinda nos olhava surpresa, e eu me mantinha tensa ao lado de Mattias.


Olhei rapidamente para ele, e arqueei as sobrancelhas em uma pergunta muda.
Ele tinha que ser tão direto? Então, sem esperar, Rosalinda levou a mão ao peito
e andou em minha direção. Os olhos estavam cheios de lágrimas, e quando ela
me abraçou falando que estava muito feliz, eu comecei a chorar. A abracei de
volta, eu me sentia tão acolhida por ela.
— Seja muito bem-vinda a família! Meu Deus, estou tão feliz. As minhas
orações funcionaram, finalmente.
— O-Obrigada, a senhora me aceitar significa muito. Eu tenho um carinho
i-imenso pela senhora.
— Oh, meu bem – murmurou e separou delicadamente o abraço. —
Quando desconfiei de vocês dois, eu já tinha dado a minha benção. Eu só estava
esperando o tapado do meu filho perceber.
— Ei.
Ao ouvir Mattias, sequei as lágrimas e eu ainda queria chorar, mas não
contive o sorriso.
— Vocês vão casar mesmo? – Concordei e mostrei a aliança provisória. —
Essa é a aliança do pedido? Oh meu filho, você não tem vergonha não?
— Era a que o vendedor de algodão-doce tinha.
— Mattias...
— Não, dona Rosalinda, o anel não importa muito – falei fazendo-a me
encarar. — A declaração e o pedido foram lindos.
Ela sorriu e me abraçou mais uma vez.
— Eu desejo toda felicidade para vocês.
— Obrigada.
— E você trate de arrumar um anel decente pra ela – mandou assim que
parou na frente dele. Mattias acenou prontamente. — E parabéns, meu filho.
Estou orgulhosa por você, ela é uma mulher de ouro.
— Eu sei, mãe. Obrigado.
Rosalinda, antes de sair com Maria Alice, me sorriu e parecia realmente
contente. A observei ir, e ao sentir o toque em minha cintura me voltei para
Mattias. Era tão nítido que ele estava feliz com a reação da mãe, no fundo, ainda
me preocupava com o que os irmãos diriam. Antes que ele me puxasse para um
beijo, o afastei lentamente e indiquei o fogão.
— Eu vou preparar a salada, o escondidinho está no forno. Dá tempo de
você ir, tomar banho e vir comer.
— Escondidinho de frango?
— Com purê de batata. – Sorri quando ele me olhou surpreso. — Eu
mesma fiz, a sua mãe me auxiliou. Espero que goste.
— Eu vou – afirmou e me puxou para perto. — Que tal um beijo?
— Que tal um banho? – retruquei arrancando um sorriso dele. — Bem
caprichoso.
— Não estou cheiroso? – indagou e eu torci o nariz em brincadeira. — Me
dá um beijo?
— Mas eu já te dei um – murmurei, me fazendo de difícil. Mattias
rapidamente me encostou na pia, e me cheirou no pescoço. — Mattias...
— Mais tarde eu pensei em te levar até aquele lago. – Assim que ele falou,
se afastou um pouco para me olhar. — Um banho de rio. O que acha?
— Eu nunca tomei banho de rio – respondi e o toquei pela barba. — Acha
que é seguro? Naquela vez apareceram os peões do forasteiro.
Delicadamente Mattias juntou nossos lábios. Apenas um encostar, mas que
me deixou de pernas bambas. Ao se afastar minimamente, ajeitou uma mecha do
meu cabelo atrás da orelha.
— Eles só estavam ali por acaso, o lago não faz parte das terras dele.
Confirmei, e quando senti o cheiro delicioso vir do forno, eu prontamente
peguei um pano de prato e fui verificar se já estava pronto. O arroz, feijão
estavam nas panelas em cima do fogão e um pouco do purê que tinha sobrado.
Sem falar que dentro da geladeira tinha o suco de laranja que eu mesma tinha
feito. Minha ansiedade era enorme para saber a opinião de Mattias, mesmo que
Rosalinda me afirmasse que tudo estava delicioso.
Após verificar o escondidinho decidi deixá-lo mais alguns minutinhos. Ao
me virar para Mattias, percebi que ele me observava com um olhar safado. Ainda
segurando o pano de prato, cruzei os braços e arqueei uma sobrancelha.
— Vou preparar a salada e não quero você aí parado me olhando.
— Que mulher mais mandona – murmurou levando as mãos na altura do
quadril. — Vai me bater se eu ficar?
Sorri e o empurrei em direção ao corredor. João Pedro estava deitado no
sofá enquanto assistia um desenho, nos olhou rapidamente, mas logo voltou a
atenção a tv.
— Você me desconcentra, Mattias – avisei arrancando um sorriso dele. —
Então vai procurar outra coisa para fazer.
Assim que paramos, Rosalinda saiu do banheiro com Maria Alice toda
enrolada com uma toalha. As duas sorriam, e quando fomos notados por elas, vi
a pequena cochichar algo para a avó que sorriu.
— É, sim, meu amor. A sua titia é toda linda.
Maria Alice acenou em minha direção, rapidamente correspondi. Ela era
tão fofa, e o pedido para que eu fosse sua mamãe tinha me pegado de surpresa.
No fundo, eu me sentia lisonjeada, pois demonstrava que ela tinha muita
confiança e carinho por mim. Olhei para Mattias e apontei para o banheiro, ele
antes de sair me deu um selinho e foi.
Sorridente e me sentindo nas nuvens, voltei para a cozinha.
Enquanto desligava o forno, pensei nos meus amigos. Eles ficariam
surpresos quando descobrissem que eu estava noiva, mas sabia que me
apoiariam. Eu tinha plena certeza do que queria, e faria dar certo.
Fiz a salada, e horas depois estávamos sentados à mesa.
Sob os olhares atentos, cortei uma generosa fatia do escondidinho de
frango e coloquei no prato. Em seguida servi Mattias que me sorriu, após isso
servi Rosalinda e as crianças, por último coloquei um pouco para mim. Me
sentei e o observei fatiar o pedaço com o garfo e o levar a boca.
— E então? – questionei quando ele comeu mais um pedaço. — Não vai
falar nada?
— Está uma delícia – murmurou de boca cheia. — Realmente muito
gostoso.
— Não fale de boca cheia – Rosalinda brigou enquanto enchia os copos de
suco. — Falar de boca cheia é feio – disse para os pequenos que olharam o tio.
— O titio é engraçado, né titia?
— É sim. – Sorri e peguei um pouco da salada. — Quer alface e tomate?
— Não não.
— E como vocês dois vão crescer saudáveis se não comerem salada? –
perguntei e ri quando os irmãos se olharam. — Só um pouquinho. O titio
também come salada.
— Eu nã... – Antes que ele terminasse, coloquei um pouco no prato dele.
Mattias rapidamente me encarou, e eu arqueei uma sobrancelha. — Obrigado.
Para evitar o riso, comecei rapidamente a comer. João e Maria observavam
o tio como se querendo confirmar o que eu tinha dito. Então Mattias levou
algumas fatias de tomate a boca, encorajando os pequenos a fazerem o mesmo.
Olhei para Rosalinda e ela me sorria. Conversamos o almoço inteiro, e eu me
sentia tão parte daquela família como se eu sempre pertencesse àquele lugar.
No fim dele, Rosalinda e eu juntamos os utensílios sujos e Mattias foi
para o lado de fora com as crianças. Pronta para começar a lavar os pratos, senti
minha mão ser segurada e Rosalinda sorrir.
— Eu estou muito feliz por vocês dois, eu sempre me perguntei quando
meu menino construiria a vida dele... – falou e por um momento a vi sem jeito.
— Sendo sincera, até me sentia culpada, porque eu sei que ele ainda está aqui
por minha causa.
— Ele ama muito a senhora e ele ama estar aqui.
— Eu sei – concordou e olhou para a porta aberta. Conseguíamos ver os
pequenos em pé na varanda —, mas como mãe eu me sentia assim. Quando ele
era adolescente, só vivia em festas. Depois ficou mais caseiro, e quando eu
perguntava quando ele iria me apresentar uma pretendente sempre mudava de
assunto.
— Uma vez ele me disse que a pretendente dele teria que passar pela
aprovação da senhora – contei fazendo-a sorrir. — E mesmo que eu estivesse
com um pouco de ciúmes por pensar nele com outra mulher – Rosalinda riu de
braços cruzados. — Eu sabia que ela teria sorte de ter a senhora como sogra.
— Oh, minha querida. – Rosalinda sorriu e me tocou no rosto. — Você que
é um amor, não tem como não gostar de você. – Sorri, mas então
inconscientemente pensei em minha mãe. No entanto, tratei de mudar o
pensamento. — Às vezes eu sou bem difícil de lidar. Acho até que o Mattias
puxou isso de mim, mas não diga isso a ele.
— Pode deixar. – Afirmei e fingi passar um zíper nos lábios.
— O almoço estava divino – elogiou me arrancando um grande sorriso. —
Agora eu vou ver o que os três estão aprontando.
Ri e olhei sobre o ombro, Mattias ria enquanto jogava um pouco de água
em João Pedro com a mangueira. Me voltei para os pratos e comecei a trabalhar.
Entretida ouvi quando meu celular tocou, lavei rapidamente as mãos de sabão e
peguei um pano de prato. Sequei as mãos e corri em direção ao quarto, assim
que peguei o aparelho e vi quem me ligava; senti meu sangue gelar.
Me sentei na cama e observei a chamada ser encerrada, mas segundos
depois tocar novamente. Olhava para a tela sem conseguir me mexer, a chamada
parou e reiniciou, então eu respirei fundo e atendi.
— Você me decepcionou – Aquela afirmação da minha mãe foi como uma
facada no meu peito. — Depois de tudo o que fiz por você, das oportunidades
que perdi por sua causa, você me dá as costas.
— Mãe...
— Cale a boca! Você vai me ouvir! – Eu sentia a raiva na voz dela, e sem
forças eu comecei a chorar. — O meu casamento acabou. O Jorge me deixou, por
sua culpa. Por que você o esfaqueou? Sua maldita! Eu fiz o sacrifício de aceitar
o que ele pediu... por que você não fez o mesmo? Por que uma vez na vida você
não foi uma boa filha? Só pensou em você. Feito uma maldita egoísta! Como
aquele maldito do seu pai foi! Um desgraçado egoísta que só pensou nele.
Sem entender, eu fechei os olhos e me forcei a encerrar a ligação.
— Nunca ninguém pensou em mim, em como eu iria me sentir. É muito
fácil para vocês me darem as costas, não é? Se acontecer alguma coisa comigo,
saiba que você terá culpa. Está me ouvindo Isobelle? Você será a culpada e isso
vai ficar marcado para sempre em você! Sua egoísta! Me arrependo de não ter
me livrado de você enquanto pude. Eu deveria ter deixado você ir com...
Rapidamente encerrei a ligação e me entreguei ao choro. Ao ver que ela
me ligava de novo, decidi desligar o aparelho. Eu não queria ouvir aquelas
palavras duras, eu não queria que minha mãe me odiasse. Ao fundo ouvi Mattias
me chamar, e quando ele apareceu na entrada do quarto sorria, mas ao me ver
chorando se aproximou rápido.
— Ei, o que foi? – questionou e notou o celular próximo. — Seus amigos
não vêm?
A espera de uma resposta minha, ele se abaixou e me tocou a bochecha. O
olhar era angustiado, e tentei parar o choro para não o preocupar, mas não
conseguia.
— A m-minha mãe ligou – avisei e percebi a surpresa. — Ela me ligou...
ela disse que o Jorge foi embora, que eu fui culpada pelo c-casamento acabar.
Que eu sou egoísta.
— Não Bel, não foi sua culpa. Os únicos culpados são eles.
— Ela disse que... – Parei sem jeito, mas logo continuei. — Que eu
deveria ter aceitado o Jorge. Eu não queria que ele me tocasse, ele é nojento,
ficava me tocando, me olhando, me encurralando. Eu não queria, e nunca
correspondi, eu juro!
— Ei, eu acredito em você – falou e me abraçou apertado. — Você fez o
que precisava ser feito para se proteger e está tudo bem. Você não é uma pessoa
egoísta! Você é forte. – A mão passeava por minhas costas na tentativa de me
acalmar. — Eu tenho orgulho de você por ser essa mulher forte, corajosa e
determinada, você me ouviu? – Me afastou minimamente e secou algumas
lágrimas minhas. — Eu tenho orgulho de você, muito mesmo.
— Eu n-não queria acabar com o casamento da minha mãe.
— Não foi sua culpa! – Afirmou com seriedade. — Eles são culpados por
serem tão fracassados, pessoas vazias, ruins. Não tome essa culpa para você, não
lhe cabe a esse mérito.
Sem saber o que falar, o puxei de volta para o abraço. Eu me sentia
agradecida pelas palavras, mas ainda assim chorava. Ficamos alguns minutos ali
abraçados, eu chorando e ele me consolando.
— Obrigada Mattias.
— Não precisa agradecer, Bel – murmurou e me olhou nos olhos. — Eu
não gosto de te ver chorando assim. Você é incrível Isobelle, forte e muito
corajosa. Precisa ter isso em mente, pessoas amarguradas tendem a jogar as
frustrações nos outros. Porque é mais fácil para eles acharem alguém para
culpar, do que assumir que são uns bostas.
Sequei as lágrimas e funguei.
Mattias tinha a expressão séria, e a mandíbula travada. Ele parecia se
segurar para não estourar, talvez ele quisesse xingar Jorge e minha mãe, mas se
segurava. Ao notar aquele cuidado, o toquei no rosto. Fiz menção de me
levantar, e minha visão ficou turva. Mattias rapidamente me segurou antes que
eu caísse e me ajudou a deitar. Fechei os olhos e levei uma mão a têmpora.
— Melhor você descansar – falou enquanto retirava minhas botas. — Você
sente alguma dor?
— Minha cabeça está doendo um pouco, mas eu só fiquei tonta. Não
terminei de lavar os pratos.
— Eu lavo – retrucou não deixando eu me sentar. — Consegui três
ajudantes para lavar a caminhonete – brincou e me observou. — Vou buscar um
comprimido para dor de cabeça e você descansa.
— Não precisa, Mattias. Eu...
— Vai descansar e dormir um pouco. Quando acordar estará melhor.
O segurei pela mão e sorri de lado. Eu precisava falar que eu o amava,
mas queria que fosse um momento mais especial.
— Ainda vamos até o lago?
— Podemos deixar para outro dia – respondeu. O olhar percorria por meu
rosto, talvez em busca de uma expressão de dor. — Teremos muito tempo para
visitar o lago.
— Não quero que isso estrague nosso encontro.
No instante em que terminei de falar, ele sorriu e concordou. Em seguida,
beijou minha mão e ficou de pé.
— Vou buscar o seu remédio, e dependendo de como estará daqui a pouco,
saímos.
Sorri e o observei se afastar, após alguns segundos ele voltou com um
comprimido e um copo d’água. Tomei a medicação sob o olhar de Mattias, e
quando me aconcheguei melhor no colchão, senti um beijo na testa. O olhei
seguir em direção à saída, e antes de sair deixou a porta encostada. Sozinha no
quarto, fechei os olhos e tentei relaxar. Obriguei meus pensamentos a me levar
para um local seguro, um em que Mattias estivesse: Como a nossa futura casa.
Pensar assim me fez sorrir, e me abraçar ao travesseiro que continha o cheiro
dele.
Eu realmente iria me casar com ele.
Então, após um suspiro, senti meu corpo relaxar e o sono finalmente me
tomar.

Com a sensação de que iria cair, eu me acordei, mas ao perceber que


estava deitada na cama de Mattias, fiquei calma. Pela janela do quarto eu
conseguia ver que era noite, e assim que sentei me perguntei onde Mattias
estava. Querendo saber dele, saí da cama, e andei para fora do quarto. A TV
estava ligada, e o cheiro delicioso do café me deu vontade de uma xícara.
No instante em que apareci na sala, vi os pequenos deitados. Maria Alice
foi a primeira a me ver.
— Titia, acordou?
— Oi, meu amor, acordei. – Sorri e a toquei no rosto. — Você e o seu
irmão já comeram?
— Aham, a vovó deu.
Acenei, e me virei para a cozinha. Rosalinda estava em pé com um pano
de prato, me olhava de forma amorosa. Me aproximei dela e fui abraçada, após
alguns minutos me afastei.
— Como você está? O Mattias me disse que sua mãe ligou.
— É, ela me ligou para falar que o casamento acabou e me culpou por
isso.
Rosalinda negou com a cabeça e acarinhou a bochecha.
— Não foi sua culpa, então não fique pensando nisso.
Suspirei e concordei, olhei para a mesa e vi a garrafa de café.
— Cadê o Mattias?
— Ele foi até a fazenda do Albuquerque – respondeu enquanto se afastava.
— Uma vaca foi atacada, mas foi salva por um dos peões que tava armado.
— Atacada? Por quem? O chupa-cabra?
— Eu não sei – murmurou, em seguida buscou uma xícara para mim. —
Foi na boca da noite, ele estava com os gêmeos. Aí o peão apareceu rápido
chamando por ele.
Enchi a xícara com o café, e sob o olhar atento de Rosalinda assoprei e
beberiquei.
— Iriamos até o lago, mas acho que não é tão seguro ir, né?
— É, é melhor vocês ficarem por aqui mesmo. Sair a noite é perigoso, é
mais seguro pela manhã. Porque aí qualquer coisa dá pra ver. – Concordei e
continuei a beber aos poucos. — Você quer comer alguma coisa? Ainda tem um
pedacinho de pudim se você quiser.
— Pensei que o Mattias tinha comido tudo – ri sendo correspondida. Então
Rosalinda buscou o último pedaço e me ofereceu. — Obrigada.
— Por nada, meu bem.
Comecei a comer e observar Rosalinda que lavava alguns utensílios.
Fiquei alguns minutos em silêncio, apenas ouvindo a TV ligada junto das risadas
dos pequenos. Ao terminar de comer, ouvi quando a caminhonete se aproximou.
Bebi o último gole do café, e olhei na direção da entrada da sala.
Brutus foi o primeiro a passar, em seguida Mattias com o semblante sério.
Como sempre retirou o casaco e o chapéu pendurando-os atrás da porta. Ele
olhou para os sobrinhos, e logo após me percebeu sentada na cozinha.
— E então, meu filho? O que aconteceu?
— Eu não consegui salvar a vaca – respondeu e se sentou ao meu lado. —
E você como está? Se sente melhor? – Balancei a cabeça que sim, sentindo os
dedos me tocarem o queixo. Eu amava quando ele me tocava tão carinhoso como
agora. — Tem certeza? Nenhuma tontura? Dor de cabeça?
— Estou melhor – murmurei com um pequeno sorriso, e o segurei pela
mão. — Sinto muito pela vaca.
Mattias suspirou e me beijou a mão.
— Ela estava muito machucada, quando eu cheguei estava agonizando.
Não tinha muito o que fazer, só parar o sofrimento dela.
— E eles viram o bicho que fez isso?
— O peão só viu as vacas agitadas, fazendo barulho e os cachorros latindo
lá no meio – falou se encostando na cadeira. — Ele atirou para cima achando
que ajudaria. O Sr. Albuquerque me chamou para olhar nas câmeras, o bicho
conseguiu passar por baixo de uma cerca quebrada.
— O chupa-cabra?
Ele sorriu e negou.
— Pelas feridas que vi, e as filmagens... eu acho que pode ser uma onça.
— Uma onça? – repeti surpresa.
— Mas como uma onça vem parar aqui? – Rosalinda quis saber com o
cenho franzido. — É um bicho que não tem como esconder.
— Eu não sei, mas acho que o que vem atacando os animais dos
fazendeiros é essa onça.
O observei pegar minha xícara e colocar um pouco do café. A barba estava
maior, dando um aspecto de mais velho para ele, o deixando mais lindo ainda. E
como sentindo que eu o estava encarando, Mattias se virou para mim.
— Acha que o chupa-cabra que vi naquele dia pode ser essa onça?
Então ele tomou um gole da bebida quente e me analisou.
— É possível, como ele era?
— Ele parecia um borrão correndo para fora – murmurei tentando me
lembrar de mais detalhes. — Como estava escuro, eu não vi direito, mas era
esguio e rápido.
Ao meu lado senti um toque na coxa, no susto me virei e vi Maria Alice
segurando um pequeno lençol.
— Titia, eu quero sentar aqui – falou e apontou para o meu colo. Sorri e
afastei a cadeira, com cuidado a peguei nos braços. Ela cheirava a bebê, era tão
fofa. — Titia, eu fiquei com saudades.
— E de mim? – Mattias perguntou enquanto fazia cócegas nos pezinhos
cobertos pelas meias.
Alice riu e se encolheu.
— Eu também fiquei, mas a titia eu não vi depois.
Sorri e a abracei carinhosamente.
— Eu dormi um pouco, mas soube que você ajudou o seu titio a lavar a
caminhonete.
— O Brutus também.
Rosalinda riu e após terminar o que fazia enxugou as mãos no pano de
prato, em seguida andou até parar em frente a neta.
— Vamos dormir, meu bem. Já passou da hora de você estar acordada. Seu
irmão já está dormindo.
— Não, vovó, eu quero dormir com a titia.
— Mas a sua titia não vai dormir agora – Rosalinda respondeu o que fez a
pequena a me olhar. — Venha, a vovó conta uma história para você.
Ao ver a carinha de tristeza, me senti um pouco mal. Então decidi fazer
algo.
— Tudo bem, eu a faço dormir.
— Certeza? – Rosalinda questionou, e eu acenei. — Certo, eu vou levar o
João Pedro.
Mattias estava ao meu lado e sorria quando o encarei. Delicadamente ele
me beijou os lábios, depois o topo da cabeça de Alice.
— Eu vou tomar banho.
Com a saída dele, me levantei ainda a segurando em meus braços e
caminhei até o quarto. João Pedro dormia serenamente na cama, e para evitar
que ele caísse, Rosalinda tinha colocado algumas almofadas sob o colchão. Me
deitei ao lado com cuidado, e aconcheguei Maria Alice entre os lençóis.
— Titia – sussurrou me tocando no rosto. — Quero uma história de uma
princesa.
— Tudo bem – concordei e a cobri. — Eu vou contar de uma princesa que
se chamava Maria Alice.
— Meu nome? – indagou com o rostinho surpreso.
Na mesma hora eu sorri e balancei a cabeça afirmando. Assim que voltei a
contar a história, percebia que, ao mesmo tempo, em que ela estava curiosa para
saber mais, o sono se mostrava presente. Quando ela finalmente dormiu, ajeitei a
coberta dos dois e saí da cama. Antes de sair, dei uma última olhada e vi Alice
levar a mãozinha até os cabelos e permanecer ali.
Fechei a porta e procurei por Mattias.
Ao chegar na sala a tv ainda estava ligada, e do lado de fora ouvi
Rosalinda e Mattias conversando. Me aproximei lentamente da porta, e quando
fui percebida vi que Mattias sorria.
— A dengosa dormiu? – Sorri e acenei, Rosalinda se aproximou e me fez
um carinho. — Ela gosta muito de você.
— Eu também gosto muito dela – respondi. — O João Pedro é mais na
dele.
— Ele gosta de mim – Mattias comentou chamando nossa atenção. — Eu
sou o super tio, fazer o que né?
Cruzei os braços e sorri.
— Sabia que a Maria Alice me pediu para eu ser a mamãe dela – contei
para Rosalinda, na mesma hora Mattias parou de sorrir. — Ela fez o pedido hoje
antes do almoço.
— Oh meu Deus, tão inocente.
— Ela é, e eu espero que tudo se acerte entre o Marcos e a Alessandra. Me
preocupo com os gêmeos.
Rosalinda suspirou e acenou. Ela como mãe também deveria estar super
preocupada.
— Eu vou tomar um banho e dormir. Amanhã os seus amigos vêm, não é?
– indagou e eu concordei. — Estou ansiosa para conhecer os dois.
— Eu também, garanto que a senhora vai gostar deles.
Ela sorriu carinhosamente e adentrou a casa.
Olhei para Mattias e sorri enquanto me aproximava. Sem falar nada, ele
me segurou pela mão, e me puxou para sentar no colo. O abracei e senti uma das
mãos me tocar a coxa, automaticamente me arrepiei.
— Você vai ficar lembrando sempre do pedido da Maria Alice?
— E qual o problema? – ri deixando meus dedos percorrerem a barba dele.
— Você não gosta?
— Nenhum problema – deu de ombros e me puxou para mais perto. — Só
que eu tenho a leve impressão de que você usa isso para me causar ciúmes.
Sem conseguir disfarçar, eu sorri e desviei nossos olhares.
— Desculpa – pedi envergonhada. — Foi mais forte que eu.
Mattias sorriu, mas logo enfiou a mão no bolso e me mostrou. Era uma
caixinha em veludo da cor azul-escuro, e surpresa o encarei.
— Não achou que eu deixaria que seus amigos vissem esse anel
improvisado? – quis saber, e assim que ele abriu, eu vi um anel lindo com uma
pedrinha de brilhante em cima. — Eu achei que ele combinaria com você.
Engoli em seco e com a mão trêmula deixei que ele colocasse em mim.
— Vamos mesmo nos casar, né?
— É claro, eu quero você Bel – murmurou com firmeza. — Quero
construir uma vida com você, e os nossos cinco filhos.
Ri e sem conseguir segurar soltei algumas lágrimas. Eu me sentia tão
estranha, mas tão feliz ao mesmo tempo. Ao juntar nossos lábios foi como se
uma corrente elétrica estivesse passando por meu corpo, e a fricção da barba em
meu rosto me instigava a continuar.
— Eu queria ter ido com você até o lago – confidenciei bem próximo do
rosto dele. — Eu nunca nadei em um lago.
— Podemos ir próxima semana – Mattias me respondeu enquanto ajeitava
algumas mechas minhas para de trás da orelha. — O Sr. Albuquerque ficou de
avisar as autoridades sobre a possível onça.
Me ajeitei melhor em seu colo e o toquei pela barba.
— Onde ela se esconderia? Se você fosse uma onça, qual seria o local para
se esconder?
Mattias riu e me observou pensativo. Após alguns segundos ele suspirou e
olhou a porteira que estava fechada.
— Elas gostam de ficar em densas florestas, onde há meios de se camuflar.
Subir em árvores. Talvez ela esteja escondida em lugares abandonados, ou até
mesmo na fazenda de alguém.
— Mas ela não comeria uma pessoa, né? – indaguei fazendo-o me olhar.
— Quer dizer, eu sei que ela pode matar, mas humanos não estão em sua cadeia
alimentar.
— Eu não confiaria nisso – respondeu, em seguida me beijou os lábios. —
Não precisa se preocupar, não vou permitir que nada te aconteça.
Sorri derretida pelo tom protetor, Mattias era tão maravilhoso.
— Você me deixa mais apaixonada quando fala isso.
— Mesmo? – franziu o cenho. — E o que mais?
— Hm, vejamos – fingi estar pensativa. Mattias me observava com
interesse. — Quando você é carinhoso comigo, ou quando é mais intenso – nos
rimos, pois agora ele sabia bem o que isso significava. — Meu coração parece
que vai sair pela boca... É um sentimento tão puro, e tão... Inexplicável. Eu só
sei que estar com você, me faz sentir coisas que eu nunca senti. É como se eu
tivesse finalmente encontrado o que eu não esperava encontrar, ou não sabia que
precisava encontrar. – Parei quando o vi surpreso. — Talvez eu não saiba
explicar, na minha cabeça faz sentido.
— Eu entendo – falou rapidamente. — Eu me sinto assim, Bel. Você
chegou e eu só soube que era você. Me contive porque fiquei com medo de te
assustar e consequentemente te afastar. Eu não queria, e não quero te perder.
No instante seguinte, ele secava as minhas lágrimas. Eu estava tão
sensível, e aquelas palavras eram tão lindas proferidas por ele. O abracei e
inspirei o delicioso perfume tão característica de Mattias. Eu poderia naquele
momento falar que o amava, mas tinha um plano de me declarar quando
fôssemos até o lago. Seria tudo lindo, e talvez pudéssemos fazer um piquenique.
Me afastei lentamente sentindo o dedo tocar em meu queixo.
— Vamos dormir? Amanhã os seus amigos vem, confirmou com eles?
— Eu esqueci de ligar meu celular – respondi e recebi um aceno —, mas
vou confirmar com a Michele.
— Certo, vamos para o quarto?
Envergonhada, fiquei de pé e olhei para dentro da residência, tudo estava
em silêncio.
— Está bem, mas vamos só dormir.
— Tudo bem – Mattias sorriu maliciosamente e indicou o caminho.
Desconfiada por ele aceitar bem rápido, cruzei os braços e andei até o
quarto. No caminho vi Brutus deitado no sofá, já dormia. Mattias atrás de mim
fechou as portas e janelas. Dentro do quarto fui até o celular e após respirar
fundo o liguei. Vi algumas chamadas perdidas de minha mãe, e duas de Michele.
Abri o aplicativo de mensagens e enviei um breve texto para minha amiga.
Na manhã, quando ela acordasse me responderia. Depositei o aparelho em cima
do móvel e me virei para Mattias. Ele retirava os coturnos, meias, a camisa e
depois a calça. Engoli em seco ao ver o peitoral definido, e para disfarçar me
sentei na cama. Fiquei descalça e o vi ficar só de cueca. Eu conseguia ver
nitidamente o contorno dele sob o tecido.
— Parece que o dia passou voando hoje.
— Mais um domingo na roça – falou e se deitou na beirada, deixando o
espaço do canto para mim. — Você não vem?
Respirei fundo e senti um comichão no pé da barriga. Mattias estava uma
tentação deitado só de cueca preta, e eu apostava que ele sabia disso. Acenei e
engatinhei por cima dele até me deitar no pequeno espaço do colchão. Ao olhar
para ele, percebi o sorrisinho safado, então em uma tentativa de enaltecer o “só
vamos dormir”. Me virei em direção à parede e quase no mesmo instante, o
corpo grande me abraçou.
— Mattias...
— O quê? – indagou e me puxou pelo quadril, me fazendo sentir algo duro
roçar em minha bunda. — Só estou encontrando uma posição para dormir.
Automaticamente empinei e abri mais as pernas. O calor do corpo no meu
estava começando a fazer efeito, e quando os lábios se fecharam em meu
pescoço, eu soltei um pequeno gemido. A língua me lambeu a pele, e sem forças
para negar, deixei que ele retirasse minha calcinha.
Ainda com os lábios em meu pescoço, Mattias passou um braço por baixo
de mim e a outra agarrou minha coxa. Totalmente exposta, mordi o lábio inferior
ao sentir a ereção roçar entre minhas dobras.
— Você está pronta para mim, Bel?
Sem demora levei meus dedos, a minha abertura e senti meus fluidos
presentes. Ao constatar aquilo, segurei o pau de Mattias e o ajudei a entrar. O
gemido em meu ouvido me deixou arrepiada e involuntariamente eu contraí. Em
uma única estocada ele entrou por completo.
— S-Só um pouquinho, Mattias.
Sussurrei dengosa, mas eu sabia que não seria um pouquinho. Com
Mattias tudo era sempre diferente, novas sensações, novas posições e por mais
que meu corpo pedisse um descanso, eu sempre estaria preparada para ele.
Mattias

Assim que estacionei a caminhonete em frente a rodoviária, desci e


esperei os amigos de Isobelle do lado de fora. Ajeitei o chapéu na minha cabeça
e em seguida cruzei os braços. Pelo que a Michele informou, o ônibus chegaria
em cinco minutos. Os dois tinham pegado no horário da manhã, mas por conta de
uma falha mecânica, só conseguiram um novo transporte pela tarde. Me encostei
na lataria e esperei pacientemente pelos dois, estava curioso para conhecê-los.
Após os cinco minutos vi o ônibus se aproximar e parar no local indicado.
Assim que todos desceram, e o ônibus se foi, vi dois jovens com duas mochilas.
A mulher tinha os cabelos cacheados, pele morena, parecia ansiosa. Já o homem
ao seu lado mantinha-se sério. Era magro, cabelos pretos cortados baixo e um
pouco mais alto que a outra.
Ela foi a primeira a me notar, então acenou.
Rapidamente atravessei a rua e fui de encontro aos dois. Ao parar em
frente a eles, estendi a mão.
— Michele e Bruno?
— Você quem é? – indagou sem me responder.
Olhei para o rapaz ao seu lado e o vi suspirar.
— Mattias Ferreira, vou levar os dois até a Isobelle. Ela não pôde vir.
— Oi, Mattias, tudo bem? – me cumprimentou enquanto apertava a minha
mão. — Por que a Belle não veio?
Indiquei a caminhonete, e mesmo relutante Michele nos acompanhou.
— Ela almoçou, mas estava muito ansiosa para o encontro de vocês.
Acabou passando mal, minha mãe achou melhor ela esperar por lá.
— A Belle passando mal assim? – Michele retrucou, então a observei. —
Muito estranho.
— Michele!
— O quê?
Parei com a porta aberta para eles entrarem, então vi os dois se encararem
em silêncio.
— Tente ser menos desconfiada – pediu sem se importar que eu ouvisse.
— A Belle falou do Mattias para você.
A olhei curioso.
— Conhecemos a Belle há bastante tempo, e quando foi que ela passou
mal a ponto de não nos encontrarmos?
— Eu entendo o motivo da desconfiança, Michele – murmurei tendo a
atenção para mim. — Não nos conhecemos, mas pode ter certeza de que ela está
sendo bem tratada. Vamos indo, ela pode confirmar e sanar todas as suas
dúvidas.
Michele me encarou de cima a baixo, e depois de alguns segundos
confirmou e junto ao Bruno se acomodaram na parte de trás. Contornei a
caminhonete e me sentei no lugar do motorista, coloquei o cinto e em seguida
dei a partida. Olhei pelo retrovisor e vi o olhar minucioso de Michele. Pelo visto
o caminho de volta seria longo.

Quando finalmente adentrei minhas propriedades, notei Isobelle parada na


varanda junto com Brutus. Ao me aproximar percebi os cabelos molhados, e ela
usava um novo vestido. Mal estacionei e Michele desceu rapidamente, sendo
seguida por Bruno. Desci da caminhonete e observei os amigos se abraçarem.
— Meu Deus, Belle! Eu fiquei tão preocupada com você! Como você some
desse jeito?!
— Desculpa – pediu secando as lágrimas. — Eu fiquei com medo, eu
estava tão assustada.
— Belle... – o tal Bruno a abraçou, eu apenas observava sem me
intrometer. — Você está bem?
— Sim, agora sim. – Sorriu e me olhou agradecida. — Vamos entrar, quero
apresentar todos.
Assim que entramos, minha mãe se aproximou com os gêmeos. Isobelle se
sentou no sofá com os amigos, e eu fiquei em pé ao lado da porta.
— Antes de tudo me fala, Belle. Por onde você andou? Quando eu vi duas
ligações perdidas no meu celular, só pensei em você. Eu liguei de volta,
uma senhora atendeu e disse que ninguém tinha ligado, tentei de novo e um cara
atendeu falando que tinha te levado até a rodoviária.
No instante que ela terminou de falar, olhou para mim e minha mãe.
— Não foram eles – Isobelle respondeu e em seguida tomou uma
respiração. — Antes de chegar aqui e ser bem acolhida pela Rosalinda e o
Mattias – indicou fazendo a amiga nos olhar. — Eu fui parar na fazenda de um
homem, eu pensei que eles eram boas pessoas.
— Ele fez alguma coisa com você?
Isobelle parecia sem jeito.
— Então, um dia após a minha fuga eu fui parar lá. O capataz dele me
encontrou na pista, e disse que ele poderia me ajudar – contou o que já
sabíamos. — A cozinheira foi bem-educada comigo, e eu confiei neles. Só que
no outro dia aconteceram umas coisas, a Demétria me disse que eu poderia olhar
pela fazenda, mas o Benício me disse para não ir até o velho poço. – Assim que
ela falou, vi minha mãe franzir o cenho. — Eu vi umas coisas estranhas, e no
celeiro tinha uma poça de sangue.
— Quais coisas estranhas? – Michele perguntou confusa.
— Eu não sei, é que quando eu saí para dar uma olhada, eu vi que uns
peões saíam do celeiro segurando um saco marrom manchado. Eu fui olhar, e o
Benício me disse que no celeiro tinha uma sucuri, por isso o sangue no chão. Eu
acho que ele não gostou de me ver por lá. Já a Demétria me falou que tinha sido
um parto complicado de um potro. No jantar, nesse mesmo dia, o Benício me fez
algumas perguntas. Eu só estava com medo dele descobrir que a polícia estava
atrás de mim, então falei o mínimo possível e menti o meu nome.
— A polícia não soube do que aconteceu, Belle. E mesmo se soubesse,
poderiam ir atrás de você para te ajudar. Você foi a vítima, e estaríamos do seu
lado. Sempre.
Isobelle suspirou e encarou as mãos.
— No jantar, o Ernesto, o capataz do Benício, apareceu. Ele parecia
nervoso com algo, e o Benício demonstrou um pouco de raiva. Era alguma coisa
no celeiro, a Demétria brigou comigo quando me viu olhando pela janela.
— Só de você falar essas coisas fiquei com medo. O que acha que estava
acontecendo?
— Não sei dizer, eu fiquei com mais medo quando na madrugada a
Demétria entrou no quarto onde eu estava. Eu tinha trancado à chave, e ela
entrou. Ela ficou uns minutos me olhando, eu mantive os olhos fechados, mas eu
sentia que ela me olhava. – Franzi o cenho ao ouvir aquilo, não me lembrava
dela ter mencionado isso. — Foi assustador, então eu me levantei para ligar para
você e ir embora. O telefone da casa tinha sumido, eu acho que foi escondido.
— Eles bem podem ser uma dupla de assassinos. Eu não duvido.
Vi quando Isobelle engoliu em seco e me olhou.
— Eu vi também quando eles chegaram pela madrugada, eles tinham um
saco marrom que se movia. Uns grunhidos, eu fiquei assustada. Aí quando
amanheceu mesmo, eu já estava pronta para ir, a Demétria não quis que eu fosse.
Só que eu não ia ficar depois de tudo.
— E você está certa! – Michele afirmou agarrando as mãos de Isobelle. —
Então você saiu de lá e veio parar aqui?
— É, mas... – Isobelle parou, claramente nervosa. Suspirei inquieto, eu
não queria que ela revivesse tudo aquilo. — Antes de ir, eu fiquei curiosa para
saber que poço era aquele que eu não poderia ir. Eu não sei, foi mais forte que
eu. O poço era grande e bem fundo, só que ele fedia muito.
— O poço fedia? – Minha mãe questionou confusa. — Que poço é esse?
— É um poço que fica em um caminho íngreme, distante um pouco da
fazenda. – Respondeu e naquele momento eu franzi o cenho. Ela tinha me falado
desse poço, mas não tinha prestado a atenção. — Ele me encontrou lá, e não
gostou.
— Filho, você se recorda desse poço?
— Não – neguei e cruzei os braços. — Era um poço velho?
— Acho que sim, não tinha água, só umas pedras por dentro. Um fedor de
podridão, e eu acho que ele estava sendo reformado. Tinham sacos de cimentos
pelo chão.
Na mesma hora olhei para minha mãe, e notei o olhar tenso em minha
direção. Ela parecia estar desconfiada como eu, mas não disse nada. Um poço
com pedras e fedor de podre? O cimento certamente era para tampar e esconder
alguma coisa. Voltei a prestar atenção na conversa, e sorri quando vi Maria
Alice agarrada a Isobelle.
— Ele me prendeu, e queria saber quem tinha me enviado até a fazenda
dele. Foi assustador, e eu não acreditava que tinha escapado do Jorge para entrar
em outro problema. Quando eu consegui machucar ele, e escapar, eu corri, e
corri mais um pouco... Minhas pernas doíam, foi quando eu vi essa fazenda e me
escondi no celeiro. Mesmo com medo de encontrar alguma cobra. – Sorriu de
forma triste, seu olhar procurou o meu. — Foi aí que no outro dia eu conheci o
Mattias, a Rosalinda e os gêmeos.
— Belle – Michele murmurou e a abraçou rapidamente. Maria Alice
olhava para ela de forma curiosa. — Esse Benício é um desgraçado! Se eu pego
esse homem, eu arranco as bolas dele e faço ele engolir.
— Michele! – Bruno bronqueou e indicou sutilmente a cabeça. — As
crianças.
— E o que falei de mais? – indagou com o cenho franzido. Isobelle sorria
enquanto negava com a cabeça, era nítido que ela estava feliz por ter os dois
amigos ali. — Olha Belle, é visível que você está diferente. Parece mais feliz,
mais corada e bem alimentada e isso me deixa feliz. Muito mesmo. – Afirmou
segurando-a pela mão. — Você sabe que eu sempre quis o seu bem, e eu não
quero soar chata ou sei lá – deu de ombros soltando um suspiro —, mas eu fiquei
muito preocupada com você. Por que não me ligou antes?
Naquele momento eu quis abraçar Isobelle e secar suas lágrimas.
— Eu fiquei com medo, porque eu não sabia se a polícia estava atrás de
mim. E eu não queria que os momentos bons que passei aqui desmoronassem.
Me desculpa.
— Está tudo bem, Belle – Bruno murmurou. — No seu lugar eu faria o
mesmo, e está tudo bem. Você precisava do seu tempo, e a gente te entende sim.
Ficamos felizes por você, aqui parece ser um bom lugar com boas pessoas.
Minha mãe sorriu e se aproximou de mim.
No começo eu não tinha gostado do Bruno, por puro ciúme, mas agora eu
tinha percebido que ele era um bom amigo. Assim como Michele.
— Eles são maravilhosos. – Isobelle sorriu e olhou em nossa direção. — A
Rosalinda é super carinhosa comigo, me acolheu sem segundas intenções. Foi e é
como uma mãe para mim.
— Se ela te faz bem, eu já gosto dela – Michele sorriu para minha mãe,
em seguida me olhou. — E o bonitão parado na porta?
Um pouco sem jeito, com a franqueza dela, olhei para Isobelle.
— Bom, o Mattias e eu...
— Ah, espera! – a interrompeu com o olhar assustado. — Eu te falei que
fui à casa da sua mãe, me segurei bastante porque minha vontade era de dar na
cara dela e naquele desgraçado do seu padrasto. Aquele porco nojento, maldito,
filho da...
— Michele!
— Enfim, eu vi um fazendeiro lá. Ele parecia possesso, fui até rude
comigo. Mal-educado! Ele queria saber de você. A sua mãe estava bem nervosa,
já o cretino do Jorge pareceu não gostar do tal fazendeiro.
Surpreso eu me aproximei.
— Como assim? Era o Benício? – quis saber olhando para Isobelle, ela
não tinha me dito aquilo. — Ele sabe onde você mora?
— N-Não, eu não sei. – A resposta veio nervosa. — Como ele era? Ele
tinha um machucado no olho?
— Não, mas ele me pareceu familiar – comentou com o cenho franzido. —
Era alto, barba grisalha com preto, era meio branco, meio bronzeado, os olhos
castanhos, não era feio e sim um tipão. Se ele for o Benício e eu perdi a
oportunidade de ter batido nele, eu vou ficar chateada.
— Como você sabe que ele é fazendeiro? – perguntei sério. — Ele disse o
nome dele?
— Ele se vestia como você e eu não perguntei nome nenhum, fui só buscar
algumas coisas da Belle. E eu só sei que ele procurava por você, porque a sua
mãe disse que não sabia onde você estava.
Isobelle me olhou assustada, e prestes a falar algo, ouvimos uns galopes
próximos. Sem entender fui até a porta e vi alguns peões aparecerem, logo atrás
uma 4x4 surgiu. Ao reconhecer quem era, cruzei os braços e observei o playboy
descer do lugar do motorista, e ao lado dele o forasteiro o acompanhar.
Tinha o semblante raivoso enquanto se aproximava.
— Onde ela está?! – gritou furioso fazendo os peões descerem dos
cavalos. — Vasculhem por todos os lugares! Achou que eu não iria descobrir?
— O quê? – retruquei sentindo meu sangue ferver, e ao olhar para o
playboy o vi sorrir. — É melhor mandar os seus cachorros ficarem na coleira!
Não admito que invadam minhas terras!
— Eu quero a minha filha! – gritou me deixando pasmo, mas sua
expressão raivosa mudou ao ver algo por cima do meu ombro. Olhei para trás e
vi Isobelle pálida, olhava sem acreditar. — Minha filha...
Assustada, ela deu um passo para trás e negou com a cabeça.
— N-Não pode ser...
— Meu bem – murmurou enquanto se aproximava cautelosamente —, eu
vim levá-la. Estará segura comigo, venha.
Incrédulo, voltei o meu olhar para o forasteiro. Ele era o pai de Isobelle?
— Foi esse velho mal-educado que estava na sua casa, Belle. Era ele que
conversava com a sua mãe.
Atordoada era como eu me sentia, meus olhos se encheram de lágrimas e
sem saber o que falar eu corri para dentro. Assim que adentrei o quarto me
tranquei nele, meu pai estava vivo. Esse tempo todo vivo, eu não queria
acreditar que ele tinha me abandonado. Por todos os anos eu chorei com
saudades dele, e ele estava vivo.
— Bel, sou eu. Abre a porta.
Trêmula, abri e deixei que Mattias entrasse. Eu precisava de um abraço, e
quando fui acolhida protetoramente, eu chorei mais. Em minha mente só
conseguia pensar nos momentos em que chorei por não ter meu pai. Mattias não
falou absolutamente nada, só me acalentou e eu agradecia por isso. Eu não
saberia responder nada, mas eu precisava de respostas.
Alguns minutos se passaram e mesmo no quarto, eu conseguia ouvir as
vozes que vinham da sala. Me afastei minimamente de Mattias, e senti um
carinho na bochecha.
— Se você quiser ficar por aqui, eu o mando embora.
Balancei a cabeça, eu me sentia uma confusão.
— Eu q-quero conversar com ele.
— Aqui no quarto? – indagou e eu logo neguei, não queria ficar sozinha
com ele. Eu me sentia com medo, insegura, confusa. — Tudo bem, vamos até a
sala.
— Fica comigo?
— É claro, não precisa pedir – respondeu e me beijou os lábios. —
Quando estiver pronta vamos.
Sequei o rosto e respirei fundo. Eu me sentia perdida, mas me forcei a
manter o foco. Agarrada a Mattias saí do quarto, Rosalinda, que estava em pé no
corredor, me encarou preocupada. Ao chegar na sala vi meus amigos sentados no
sofá, Javier de braços cruzados e ao lado dele, meu pai.
Ele não tinha mudado muito, o rosto ainda era o mesmo de antigamente,
com algumas rugas é claro. No entanto, ele estava como na minha última
lembrança. Ele me notou ali e rapidamente se aproximou para me tocar o rosto,
mas parou. Minhas lágrimas caíam sem que eu conseguisse parar.
— Minha abelhinha – sussurrou com carinho, mas ao analisar meus dedos
entrelaçados com os de Mattias, me encarou confuso. — Eu não entendo... Você
está aqui por que quer?
— E por que acha que não? – Mattias retrucou, eu só conseguia encarar
meu pai.
Ele estava vivo.
— Meu capataz falou que viu vocês no lago – respondeu e por dentro me
senti envergonhada. — Ele não a reconheceu logo de cara, mas quando soubemos
que você tinha sumido sem deixar pistas – continuou com o olhar em mim. —
Era óbvio que tinha acontecido algo, um sequestro. Geraldo voltou aqui para te
ajudar, filha, mas ele disse que você estava presa dentro de casa.
Sequei novamente as lágrimas e neguei.
— Não, o Mattias é um bom homem.
Meu pai respirou fundo e olhou Mattias. Após passar a mão na barba,
olhou para todos na sala.
— Eu sei que você não quer me ver – falou me deixando confusa —, mas
eu fiquei preocupado com você. Apesar de não termos contato, e eu respeito a
sua decisão, mas eu sou seu pai e fiquei louco sem notícias suas.
— E-Eu não quero te ver? Minha decisão? – perguntei deixando mais
lágrimas caírem. — Todos esses anos eu chorei porque eu sentia saudades,
porque eu queria meu pai vivo e comigo.
— O quê? – O olhar dele era de incredulidade. — A sua mãe disse que eu
estava morto? – No final do questionamento, quando eu acenei, ele levou as
mãos a cabeça e ficou de costa. — Desgraçada! Eu me mantive longe porque ela
não me deixou ver você, e quando você ficou maiorzinha eu tentei me
reaproximar, mas ela me disse que você não queria falar comigo, que me odiava.
– Ele também chorava, e eu senti a sinceridade vindo dele. — Eu queria me
afastar da sua mãe, mas nunca de você. Isobelle, você foi o meu melhor
presente. Quando você nasceu, foi o melhor dia da minha vida.
Emocionada com aquelas palavras, eu o abracei. Eu me sentia vivendo em
um sonho, e se tudo fosse um sonho eu não queria acordar. O abraço ficou
apertado em volta de mim, e assim que olhei por cima do ombro dele, vi
Rosalinda secar as lágrimas.
— Eu senti tanto a sua falta, pai!
— Me perdoe, filha. Eu não sabia que sua mãe tinha mentido, ela não...
— Ah, fala sério! – Ouvi a voz de Michele, ao me virar para ela a vi de
pé, visivelmente nervosa. — Foi casado uma vida toda com aquela bruaca velha,
e não sabia que ela era ruim?
— Pelo amor de Deus, Michele! – Bruno a puxou de volta para o sofá. —
Tenha um pouco de respeito, compreensão.
— Não, você mais do que ninguém deveria concordar comigo. Quantas
vezes a Belle apareceu no trabalho triste e chorando porque a mãe ou o padrasto
tinha aprontado? – após murmurar, voltou a encarar meu pai. — Se você a ama
tanto, por que não levou a Belle com você?
— A Márcia não aceitou bem o nosso divórcio, ela não queria ficar sem a
Isobelle e por eu não ter estabilidade concordei que ela ficasse. Na minha
cabeça, uma filha não deveria ficar longe da mãe. – Respondeu, e me olhou. —
Quando eu me casei de novo, e consegui alavancar os negócios, eu fui atrás de
você e mesmo que você não quisesse me ver... eu sempre soube de você, filha.
Eu queria estar por perto, mesmo que de longe. Eu paguei a sua faculdade –
avisou, me deixando surpresa. — Eu fui à sua formatura, foi linda. Assim como
o seu discurso. Todos os meses eu mandava um bom dinheiro para você. Nunca
quis que te faltasse nada.
— Mas eu ganhei uma bolsa na faculdade.
— Eu sei, eu que pedi que fosse assim. Não queria que você negasse ao
saber que era eu. – Engoliu em seco, mas logo suspirou. — Agora eu vejo que se
eu tivesse aparecido antes, tudo seria diferente.
— Isso é verdade! – Michele mais uma vez falou, dava para ver os olhos
cheios de lágrimas. — Se você fosse mais presente na vida dela, o Jorge e a mãe
dela não teriam feito tanto mal a ela.
— Como assim? O que aconteceu?
— Fala para ele, Belle. Fala tudo porque se ele não sabe, vai precisar
saber.
Respirei fundo e olhei para o meu pai que esperava eu começar. Sem saber
por onde, desviei o olhar e notei Javier que me encarava. Ele sorriu e se
aproximou com os braços abertos.
— Faltou o meu abraço, irmãzinha.
Antes que ele se aproximasse demais, Mattias se colocou na frente dele e
o empurrou.
— Não brinque comigo.
— Que isso, peão? – riu e cruzou os braços. — Ela é minha irmãzinha, vai
me proibir de chegar perto?
— Você quer pagar pra ver?
— Mattias! – Rosalinda e eu falamos ao mesmo tempo. Olhei rapidamente
para o meu pai que nos observava em silêncio. Voltei meu olhar para Javier que
sorria debochado. — Você sabia quem eu era?
— Só no nosso segundo encontro – respondeu e me olhou dos pés a
cabeça, então ali ele percebeu meu anel. — O que é isso? Você vai se casar?
Com esse peão? Fala sério.
Meu pai rapidamente pegou minha mão e me olhou alarmado.
— Vocês vão se casar? Mas como assim?
Notando o meu silêncio, Rosalinda se aproximou.
— Eu acredito que vocês querem uma conversa a sós? – indagou com um
pequeno sorriso. — Bruno, Michele e você – apontou para Javier que a olhou
desinteressado. — Vamos até a cozinha, eu fiz bolo.
— O Javier vai voltar para a fazenda e avisar a Agnes que minha filha está
aqui. – Meu pai avisou. — Vá com a caminhonete e peça para que um dos peões
deixe um cavalo.
De forma obediente que até me surpreendeu, vi Javier acenar e ir. Olhei
para os meus amigos, e Michele moveu os lábios com “fale tudo”. Acenei e
observei os dois irem para a cozinha com Rosalinda. Naquele momento vi os
gêmeos sentados à mesa, comiam do bolo.
Mattias agarrou a minha mão e indicou o sofá que antes eu dormia. Me
sentei e encarei meu pai, que estava muito vivo. Eu realmente não acreditava.
— Me conte tudo, filha. Por favor, eu estou aqui e nunca mais vou me
afastar.
Ele me olhava ansioso, e um pouco preocupado. Era um pouco estranho
estar em frente a ele, eu sabia que era meu pai, mas, ao mesmo tempo, parecia
um desconhecido. As roupas, o relógio que ele levava ao pulso não combinavam
com ele. Após respirar fundo, acenei e comecei a contar. Desde o começo até ali,
esclarecendo também o motivo do meu sumiço.
Quando parei de falar por um minuto, vi a face revoltada dele. Pensei em
parar, mas queria falar tudo de uma vez para não ter que relembrar depois.
— A Márcia sabia o que estava acontecendo? – quis saber quando eu falei
sobre ter esfaqueado Jorge. — Ela me falou que não tinha ideia onde você
estava.
— Sabia, ela permitiu porque não queria perdê-lo. Ela chegou quando o
Jorge estava caído… Ela disse que era minha culpa, por isso eu fugi. Fiquei com
medo de ser presa.
Carinhosamente, Mattias alisou o meu braço.
Meu pai soltou um suspiro, em seguida baixou a cabeça, mas rapidamente
voltou a me encarar.
— Como você chegou até aqui? Vocês já se conheciam?
— Não, na verdade, eu fui parar primeiro na fazenda do Benício.
O olhar veio surpreso em minha direção.
— Benício? O maldito Benício Menzzotti?
Acenei, e mais uma vez eu revivi aqueles momentos terríveis que passei
com Benício. No final de tudo, o semblante de raiva genuína tomou conta do
rosto dele.
— Eu vou acabar com aquele desgraçado!
— O que o senhor vai fazer?
Sem me responder logo, ele negou com a cabeça.
— Não se preocupe com isso, agora, como é isso entre vocês? – Franziu o
cenho. — Casar? Você tem certeza?
Olhei para o meu anel, em seguida para Mattias. Eu não me via longe dele.
— Tenho – afirmei e sorri para Mattias. — Já tenho aliança.
Mostrei o anel, meu pai apenas suspirou e olhou para Mattias. Ele parecia
não gostar da novidade, mas eu não ligaria para a opinião dele. Eu já estava
certa do que queria.
— Mattias, eu conheço você há muito tempo – falou com seriedade. —
Nunca passou por minha cabeça que você poderia se interessar por minha filha.
Mattias entrelaçou nossos dedos, e sorriu minimamente para mim.
— Ela me conquistou com esse jeito mandona. – Riu quando eu franzi o
cenho. — E eu não sabia que ela era sua filha.
Meu pai maneou a cabeça e me olhou de forma carinhosa.
— Eu não sou mandona – retruquei para ele que sorriu. — O Mattias
exagera um pouco.
Voltei o meu olhar para o meu pai, e ele me encarava minuciosamente.
Quando algumas lágrimas caíram dos olhos dele, senti um aperto no peito.
Rapidamente ele as secou e se sentou ao meu lado. Carinhosamente pegou as
minhas mãos.
— Minha filha, eu sinto muito por tudo. A sua mãe nunca a maltratou
quando estávamos juntos, nunca que eu pensaria nessa possibilidade. Se eu
soubesse que ela colocaria um maldito na sua casa, eu teria entrado na justiça
para ficar com a sua guarda. Eu jamais permitiria que você sofresse, jamais...
Você é minha princesinha, minha abelhinha... Eu não vou conseguir me perdoar,
mas se você conseguir... Por favor, me perdoe.
O abracei sentindo um carinho nos cabelos.
— O senhor não teve culpa, foi enganado assim como eu fui.
— Eu vou recompensar por todos esses anos – falou e sorriu enquanto me
fazia um carinho no rosto —, mas antes eu vou resolver essa situação com a sua
mãe, o maldito marido dela e o Benício.
— O Benício? – repeti nervosa. — Acha que é uma boa ideia?
— Ele bate em você, te machuca e fica por isso mesmo?
Engoli em seco e encarei Mattias. Ele tinha o semblante sério, parecia
concordar com meu pai.
— Ele tem peões armados.
— Espero que tenha – murmurou, mas ao me ver tensa, suspirou. — Eu
não vou deixar isso ser passado em branco, Isobelle. Ninguém bate na minha
filha e fica por isso mesmo.
Respirei fundo e olhei para Brutus, que se mantinha deitado na porta.
— Ele achou que tinha sido o senhor que me enviou para lá, ou o Tibério.
— Conhece o Tibério?
— Não.
Meu pai maneou a cabeça.
— Há muito tempo ele aprontou comigo – respondeu. Os dedos colocaram
uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. — Não tenho como provar que foi
ele, mas ele sabe que eu sei e por isso é desconfiado com tudo.
— Está no sangue dele ser canalha – Mattias falou fazendo meu pai
acenar. — Aquele maldito covarde.
Em meio a conversa ouvimos uns galopes, e segundos depois Leôncio
apareceu na porta. Ao ver meu pai ali na sala, ficou levemente surpreso.
— Patrão, patroa – acenou me fazendo sorrir. — Forasteiro.
Olhei para meu pai e ele tinha um sorriso de lado.
— Algum problema, Leôncio?
— A gente tava juntando as vacas no pasto e na contagem faltaram duas. A
cerca tava partida.
Preocupada olhei para Mattias, ele estava confuso. Então ele me encarou e
eu sorri.
— Tudo bem, você pode ir resolver isso.
No mesmo instante, Mattias suspirou e relanceou para meu pai.
— Eu volto logo – prometeu e me beijou os lábios. — Eu espero conversar
com o senhor com mais calma. Responder a qualquer pergunta que tenha.
— Isso seria bom, Mattias.
Antes de ir, ele me beijou mais uma vez e avisou a mãe que sairia. O
observei ir, e quando voltei para meu pai, notei que ele me observava. Sorri um
pouco tímida e em seguida respirei fundo. Eu não sabia mais o que falar, me
sentia sem jeito.
— O senhor aceita um café?
— Eu queria ouvir você falar mais sobre sua vida – respondeu e eu acenei.
— Há tantas coisas que eu não sei.
— Ah – balbuciei um pouco perdida. — Bom, eu trabalhava em uma
butique no shopping. Acordava às 4h todos os dias, porque eu pegava dois
ônibus. A Michele e o Bruno – apontei para a cozinha — trabalhavam comigo.
— Mesmo? Você gostava?
— É, era legal. Mas eu queria mesmo ter conseguido um emprego na
minha área – continuei, ele sempre prestando a atenção em mim. — É um pouco
complicado, e eu precisava de dinheiro para ajudar na casa. Quando eu estava
sem emprego, o Jorge reclamava porque eu não ajudava financeiramente e ele
nos sustentava. Isso me consumia. Então peguei o primeiro emprego que fui
aceita.
A expressão do rosto dele mudou, aquilo me fez calar.
— Eu enviava todo mês 30 mil para você – avisou e eu me surpreendi. —
Você nunca pegou nesse dinheiro?
— Não. – Meu pai esfregou o rosto e soltou uma respiração. — Mas
obrigada. – Assim que falei, ele me olhou confuso. — Por pagar a minha
faculdade, e por ir a minha formatura.
— Não precisa agradecer, eu faço qualquer coisa por você, filha. – Sorriu,
mas seu olhar fixou em minha mão. — Eu não acredito que você vai se casar.
— Eu gosto do Mattias, e ele gosta de mim. – Falei recebendo um aceno.
— Meio que, aconteceu de repente, e parece que nos conhecemos há bastante
tempo. Ele me respeita bastante, e é carinhoso.
— Ele é um bom homem – proferiu e se aconchegou mais no sofá. — Eu
tenho uns animais lá na fazenda e ele é o veterinário. Nunca tive problemas com
ele, faz um bom serviço, é honesto..., mas eu sinto que vou perdê-la de novo.
— Pai, eu...
— Passe uns dias na minha fazenda – pediu e eu engoli em seco. — Quero
que conheça a Agnes, ela sempre teve o desejo de te conhecer pessoalmente.
Você vai gostar de lá, você pode andar a cavalo quando quiser, tem os cafezais
que você pode conhecer. Recentemente a Agnes quis reformar a casa, e
colocamos uma grande piscina. Tem uma cachoeira bem perto, é seguro. O que
me diz?
A ansiedade dele me atingiu com força, e mesmo sem jeito eu desviei o
olhar.
— É que eu estou um pouco confusa – respondi e me senti péssima quando
ele adotou uma expressão de tristeza. — Eu estou feliz por saber que está vivo, e
que se importa comigo, mas... eu não sei explicar. Eu me sinto confortável aqui,
sem falar que os meus amigos chegaram hoje para me visitar e eu queria passar
esse tempo com eles. Desculpa.
— Tudo bem. – Sorriu compreensível. — Eu entendo, é que eu estou muito
feliz. Eu sempre achei que você tinha raiva de mim, e eu sempre sonhei com o
momento que seria perdoado.
Desviei o olhar.
Foram tantos anos perdidos, tantas mentiras, tantas dores. Eu queria
aceitar o pedido dele, afinal, eu sempre quis que meu pai estivesse vivo. No
entanto, agora era diferente.
— Eu não sei o que falar.
Ele riu, e uma lembrança daquele mesmo sorriso me acertou em cheio. Me
segurei para não voltar a chorar.
— Diga que aceita ir a um jantar lá na fazenda – murmurou ansioso. — A
Agnes quer muito te conhecer, ela só te conhece por fotos.
— Um jantar?
— Isso. Você, o seu noivo – suspirou ao olhar para o meu anel. — A Sra.
Ferreira, todos. Quero poder agradecer por ela ter lhe ajudado. Conversar um
pouco, conhecê-los mais. Bom, faz anos que os conheço, e nunca os convidei
para um jantar. Não tínhamos um motivo, até agora.
— Certo – acenei mais tranquila. — Também quero conhecer a Agnes,
imagino que ela seja uma boa pessoa.
— Ela é maravilhosa – reforçou e eu sorri. — O Javier vocês já conhecem,
mas pelo que percebi o Mattias e ele não se dão bem?
— Os dois têm uma personalidade forte – respondi não querendo falar mal
de ninguém. — Nos vimos duas vezes na cidade.
Assim que terminei de falar, notei Maria Alice parada na entrada da
cozinha. Olhava para mim de forma curiosa, então assim que sorri e a chamei,
ela veio correndo. Rosalinda no mesmo instante apareceu atrás dela.
— Titia quem é ele? – perguntou quando a coloquei no colo. Sorri, pois, a
intenção dela era falar baixinho, mas meu pai tinha claramente escutado.
— É o meu papai.
Ela me olhou surpresa e sorriu.
— Sr. Alvaréz – Rosalinda o chamou. — Fica para o jantar?
— Não, mas agradeço. – Negou e sorriu para mim. — Eu queria, mas
preciso voltar. Agnes deve estar curiosa, vai me bombardear de perguntas. Esse
fim de semana, se for bom para todos, quero que vão até minha fazenda. Um
jantar em família.
Rosalinda me olhou e sorriu.
— Será uma honra.
— Eu agradeço por acolher minha filha, eu fiquei muito preocupado.
— Não precisa disso, Isobelle é um amor demais. Tão carinhosa, amorosa
e educada.
— Mesmo assim agradeço.
Assim que ele ficou de pé, também me levantei ainda segurando Maria
Alice. Ela me abraçou, e encarou meu pai. O olhar dele seguiu para a pequena
em meus braços, mas logo me observou.
— Ela ama a Isobelle.
— É compreensível – falou e se aproximou de mim. — Fique bem, filha.
Você tem o meu número? – perguntou, mas logo fechou os olhos e balançou a
cabeça. — É lógico que não.
— Eu vou pegar meu celular.
Após um aceno, fui até o quarto e quando voltei entreguei a ele. Meu pai
rapidamente anotou e me devolveu. Nos abraçamos, e nos despedimos por hora.
O acompanhei até a porta, e parecia que eu ainda estava em um sonho. Em um
movimento rápido, ele montou no cavalo e acenou. Rosalinda parou ao meu lado
e me abraçou.
— Seu pai vivo – murmurou e sorriu. — Você deve estar tão feliz.
— Estou sem acreditar.
Antes de entrarmos, ela me tocou no braço.
— Quando você me mostrou a foto dele no celular, eu achei parecidos,
mas não quis criar falsas esperanças.
A olhei surpresa, se ela tivesse dito algo eu não teria acreditado. Sorri
minimamente e olhei para a cozinha. Michele sorria enquanto conversava com
João Pedro.
— A sua amiga me bombardeou de perguntas – avisou e me encarou. — Eu
gostei dela, bem protetora com você.
— Ela é.
Assim que ela entrou, Maria Alice pediu para descer e a acompanhou. Fiquei
alguns minutos parada na entrada, eu me sentia estranha. Tudo estava indo muito
bem demais, e, no fundo, eu senti que algo iria acontecer.
Isobelle

Enquanto jantávamos, ouvia Michele falar sobre como estava sendo no


novo emprego em uma loja de artigos infantis. Ela e Bruno tinham colocado
currículos em algumas lojas, lá mesmo no shopping. Bruno ainda não tinha sido
chamado, mas enquanto não conseguia nada, ajudava o tio em uma oficina.
Rosalinda parecia feliz com eles ali, e aquilo me enchia de gratidão. Era
importante para mim que todos se dessem bem. Me encostei na cadeira e deixei
que minha mente voltasse para horas atrás. Eu ainda não acreditava que meu pai
estava vivo, não conseguia acreditar que por todos os anos eu vivi uma mentira.
Em meio ao devaneio me lembrei da ligação de minha mãe. Ela tinha dito que
todos a abandonaram, incluindo meu pai. Eu tinha imaginado que ela se reveria a
ele ter morrido, mas não.
Tudo não passou de uma mentira dela.
— Mas então Belle? – Michele me chamou. Sorri quando a observei, ela
era tão linda. — Que reviravolta, hein?
— Pois é.
Concordei e olhei para cada um da mesa. Os pequenos comiam entretidos.
— Você some e quando nos reencontramos esta noiva.
— Se me dissessem, eu não acreditaria, mas é o que eu quero – falei
voltando a pegar o garfo. — Eu me sinto feliz aqui. Rosalinda é um amor
comigo, e o Mattias é muito carinhoso.
— O seu pai não gostou do relacionamento de vocês? – Bruno indagou, ele
estava ao lado de Michele. — Não acredito que sua mãe mentiu esse tempo todo.
Anuí com a cabeça e olhei para a porta da frente. Me perguntava por que
Mattias estava demorando tanto?
— Ele não esperava me encontrar noiva – ri e busquei o copo do suco. —
E sobre a minha mãe, eu me sinto um pouco burra por não perceber que ela
mentia. Era que ela não gostava quando eu perguntava dele, e eu só respeitei
essa decisão.
Após beber o suco, e soltar um suspiro. Senti um leve enjoo, eu estava
completamente cheia.
— Ela é uma pessoa horrível – Michele murmurou e eu voltei a olhar meu
prato —, mas e o que o seu pai faz?
— Ele é fazendeiro – respondi, e com isso Michele riu. — Na verdade, eu
não sei muito bem. – Fui sincera, então voltei meu olhar para Rosalinda. — A
senhora me disse que ele tinha cafezal?
— Cafezais – me corrigiu. — Ele é o Barão do café, mas ele também
trabalha com outras coisas.
— Barão do café? – Michele repetiu surpresa, então sorriu. — Nossa
Belle, você é milionária.
— Não, ele é. Eu nem emprego tenho – ri, eu não iria querer nada do meu
pai. Eu não precisava de nada. — Mas eu espero arrumar logo, não quero que o
Mattias arque com tudo sozinho no nosso casamento.
Rosalinda me sorriu.
Eu estava realmente feliz com as minhas decisões, e agora que eu sabia
que meu pai estava vivo, deixaria que ele fizesse parte da minha vida.
— Mas então, Michele – Rosalinda a olhou. — Você falou do seu
emprego, de como conheceu a Isobelle, mas não falou nada se é solteira.
Assim que a pergunta foi feita, vi Bruno encarar Michele e sorrir de lado.
Ela, por sua vez, devolveu o sorriso e cruzou os braços.
— Então, sobre isso... – Michele suspirou e me encarou. — Eu não sei
bem como falar isso, Belle.
— Por quê?
— Eu estou saindo com uma pessoa – falou, e ali notei que ela estava sem
jeito. — Faz alguns meses, acho que uns cinco, por aí.
— Cinco meses? – indaguei confusa. Olhei para Bruno e ele me encarava
tenso. — Então quando ainda trabalhávamos juntos, você estava com essa
pessoa?
— É. – Afirmou, então suspirou. — Belle... – parou enquanto me olhava,
mas logo respirou fundo e continuou: — Eu estou saindo com o Bruno.
Franzi o cenho um tanto confusa, mas percebendo isso, Bruno entrelaçou
os dedos dele com os de Michele. A minha ficha caiu, e minha cara era de
espanto. Porque eu nunca percebi nada entre eles, Michele nunca mencionou
nada sobre gostar daquela forma do Bruno.
— Nós iriamos contar. – Ele falou e me sorriu. — É que ficamos em
dúvida se daria certo ou não. Não queríamos deixar a amizade estranha.
— Uau – murmurei sem saber ao certo o que falar. — Eu nem imaginava.
— O Bruno foi a pessoa que ficou do meu lado quando você sumiu, eu
passava as noites preocupada com você. Foi desesperador, eu imaginava tantos
cenários.
— Ela ficou mais irritante que o normal – Bruno riu, mas logo ficou sério.
— Estávamos muito preocupados com você.
Ouvir aquilo me deixou sensível, porque eu realmente era importante para
eles. Sem conseguir me segurar deixei algumas lágrimas caírem, Michele saiu
rapidamente de onde estava para me abraçar.
— Eu estou feliz por vocês – falei e vi Bruno sorrir — e me desculpem
pelo sumiço. Eu só pensei em mim, não imaginava que ficariam preocupados.
— A gente ama você, Belle. Você é nossa melhor amiga.
Nos abraçamos mais uma vez, e ao fundo ouvi o barulho da caminhonete
se aproximando. Me afastei de Michele e andei até a porta da frente. O vento
frio me atingiu, fazendo com que eu me abraçasse. Do lado do motorista,
Mattias desceu, tinha uma expressão séria, mas ao me ver sorriu minimamente.
Antes de se afastar pegou um tecido vermelho, e quando vi o que ele embrulhava
sorri.
— Oi, você demorou – murmurei e assim que ele parou em minha frente,
sorri mais ao ver os dois filhotes de gatos. — Que lindos, Mattias.
— Estavam jogados em uma caixa na mata – respondeu e me deixou
segurá-los. — Demorei porque fui ver o cercado e arrumá-lo.
— E as vacas?
— Nenhum sinal delas – suspirou e olhou por cima do meu ombro. — E
aí? Como foi com o seu pai? E os seus amigos?
Os gatinhos miavam e estavam tão quentinhos. Um era da pelugem cinza e
outro branco com preto. Eram fofinhos demais.
— Conversamos mais um pouco depois que você foi, mas ele não demorou
aqui. Ele nos chamou para um jantar no fim de semana, e os meus amigos
aceitaram bem que estou noiva.
— Já o forasteiro não?
Sorri sem jeito, ele me observava atentamente.
— Ele só ficou surpreso.
Com a minha resposta, Mattias respirou fundo e me tocou na bochecha.
— E você como está em relação a tudo isso?
No momento em que o olhei, vi quando ele engoliu em seco. Talvez ele
estivesse com medo de pôr algum acaso eu ter voltado atrás, mas isso não iria
acontecer.
— Surpresa e feliz por saber que meu pai não está morto – respondi e
recebi um aceno. — E ansiosa para me casar com você.
Rapidamente ele sorriu e se inclinou para me beijar os lábios. Ao se
afastar, acariciou os gatinhos e indicou a porta.
— Titio! – Maria Alice se aproximou correndo, e quando viu o que eu
segurava, me olhou com olhinhos arregalados. — Me dá?
Sorri e me agachei até ficar da altura dela. Delicadamente entreguei os
dois gatinhos que estavam enrolados, mas não me afastei. Ela sorriu e ficou
observando os filhotes. Logo atrás Rosalinda e os outros se aproximaram, João
Pedro acariciou entre as orelhinhas e riu com a irmã.
— Dois gatos? – Rosalinda indagou enquanto pegava os dois da neta. —
Como eles estão judiados.
— Eu achei os dois na mata – respondeu e acenou para os meus amigos. —
Pensei que eles poderiam ser companhias para os gêmeos.
No fim da frase, vi quando Rosalinda o encarou balançando a cabeça
negativamente, mas por fim sorriu.
— Vamos limpar eles e arrumar um lugar para passar a noite.
Com a saída de Rosalinda e os pequenos, ficamos apenas Mattias, meus
amigos e eu. Olhei para Michele e ela me observava com um sorriso de lado, eu
sabia exatamente o significado daquele sorriso.
— Bom, esse é o Mattias, meu noivo – falei apresentando-os. — E
Mattias, esses são Michele e Bruno. Eles são os meus melhores amigos.
— Apresentados formalmente – Michele murmurou apertando a mão de
Mattias. — Acho bom você cuidar bem dela.
Olhei para Mattias que afirmava com seriedade.
— Não se preocupe com isso.
Sorri o abraçando pela cintura.
— Estávamos jantando – avisei fazendo-o olhar para a cozinha — quer se
juntar a nós?
— Vou tomar um banho primeiro – respondeu e eu acenei. — Não vou
demorar.
— Tudo bem.
Antes de se afastar, Mattias me beijou os lábios e pediu licença. Ao fundo
eu ouvia Rosalinda conversando com os gêmeos no quarto, Maria Alice era a
mais falante. Voltamos para a cozinha e nos sentamos, Michele voltou a falar
sobre ela e Bruno. Contou que a avó ficou superfeliz sobre o relacionamento
deles, decidiu até fazer um almoço para comemorar. Ri quando a vi revirar os
olhos enquanto relatava. Eu sabia que ela estava, sim, feliz com tudo aquilo.
Após alguns minutos, Mattias se juntou a mesa e se serviu.
Os cabelos loiros estavam penteados para trás, e maiores de quando eu o
conheci. Fazia parecer que eram meses e meses, mas não chegava a tanto. Assim
que ele me pegou o encarando, sorriu. Desviei o olhar me sentindo
envergonhada, aquele olhar me trazia um frio na barriga, umas palpitações que
eu se quer imaginava que poderia sentir.
— Queríamos tanto conhecer as pessoas daqui – Michele murmurou. —
Uma pena que eu só consegui dois dias de ausência.
— Vocês vão embora depois de amanhã? – indaguei com o cenho franzido.
— Mas é tão pouco tempo.
— É, eu sei. – Ela suspirou, então sorriu minimamente. — É que falei que
uma tia tinha morrido, e eu precisaria ir para o enterro. Só que eu estou há
pouco tempo nesse trabalho, e a gerente me deu dois dias.
Saber que eles logo iriam me deixou triste, mas por dentro eu estava feliz
pela presença dos dois. Voltei a prestar atenção na conversa, agora Mattias
respondia sobre o emprego dele. Ali, calada, eu me permiti analisá-lo
minuciosamente, eu ouvia meus amigos rirem e engatarem na conversa, mas eu
me sentia absorta. Só conseguia pensar em como o nariz afilado, combinava
perfeitamente com o rosto quadrado que ele tinha. Na forma como os lábios se
moviam, ou como era tão atraente aquele pomo de adão no pescoço musculoso.
Ele parecia interessado no que meus amigos tinham para dizer, e até sorriu
quando Bruno falou algo.
— Foi mesmo, Belle? – Com a pergunta me voltei para o Bruno. —
Acertou um tapa no Mattias?
— Foi – respondi com um pequeno sorriso. — Ele me assustou.
— Ela nunca pediu desculpas pelo tapa – Mattias falou, o que me deixou
surpresa. — Nem acho que vai.
Por fim ele sorriu, me fazendo entender que ele estava brincando. Devolvi
o sorriso e desviei nossos olhares, eu tinha certeza de que havia me desculpado,
mas talvez eu pudesse utilizar outra forma de desculpas. Tal pensamento fez
minha pele ficar ouriçada, e vários comichões se iniciarem no pé da barriga.
No fim do jantar, arrumamos a cozinha e mesmo querendo ficar mais um
pouco com Mattias; decidimos nos deitar. Michele ficou comigo no quarto, e
Bruno na sala com Mattias. Rosalinda, que já tinha colocado os gêmeos para
dormir, voltou para arrumar duas camas improvisadas para os meus amigos.
Após todos estarem confortáveis, me despedi de Bruno com um abraço, e
um beijo em Mattias. Assim que fechei a porta do quarto, vi Michele sentada
sobre as pernas em cima da cama, e um malicioso sorriso.
— Belle do céu! Com todo o respeito – pediu e eu me aproximei —, mas
que noivo gostoso é esse? Que loucura é essa? Você some solteira e quando te
reencontro esta noiva de um agroboy gostoso loiro?
— Acho que não gosto quando você fala assim – murmurei e sorri quando
ela revirou os olhos, mas logo gesticulou para eu me sentar em frente a ela. —
Eu o amo, Michele. – O olhar foi de espanto, mas então notei a compreensão. —
E eu sei que parece uma loucura, mas é tão inexplicável. Nos beijamos pela
primeira vez na cozinha, e eu quase me entreguei para ele por lá mesmo.
— Vocês já transaram? – questionou, e eu concordei. — Quem é você e o
que fez com a minha amiga tímida?
Ri e encarei meu anel. Então, sem esperar, as mãos dela seguraram as
minhas, Michele sorria.
— Você merece toda a felicidade do mundo, Belle. Eu me sinto orgulhosa
por você, pelo que está construindo com o loiro gostoso e espero que me chame
para o casamento.
— Está brincando? Você vai ser a minha madrinha e o Bruno meu
padrinho.
— Aí Belle – em um movimento rápido, Michele me abraçou apertado. —
Eu só não posso dar presentes caro, não estou muito boa de grana.
— Nem se preocupa com isso – respondi e sorri. — Eu nem sei também
quando vamos nos casar, talvez nem esteja próximo de acontecer.
— Não é como se você estivesse grávida, precisando que ele se case
contigo para proteger sua honra.
No instante que ela terminou de falar, eu sorri, mas então algo passou por
minha cabeça. Já fazia um bom tempo que eu estava ali, e não tinha menstruado.
Enquanto Michele, alheia ao meu devaneio, falava sobre alguma coisa que eu se
quer prestei atenção. Minha mente tentou lembrar a última vez que eu tinha
ficado naqueles dias. Eu ainda morava com minha mãe, e antes da minha fuga.
Então já era para ter acontecido.
Na minha primeira vez com Mattias, eu lembro claramente dele ter gozado
fora, mas depois daquela noite transamos algumas vezes sem proteção.
— Belle? – Michele gesticulou a mão em frente ao meu rosto. Engoli em
seco e tentei passar tranquilidade. — O que foi?
— Nada – dei de ombros, e passei a mão na testa. — O dia hoje foi
intenso.
— Imagino, sua cabeça deve estar uma bagunça só. Vamos dormir, amanhã
conversamos mais. Boa noite.
Ela rapidamente desceu da cama, e se deitou em um colchão no chão que
Rosalinda improvisou com alguns lençóis mais grossos. Me aconcheguei melhor
sob a coberta e levei as duas mãos ao ventre. Eu deveria compartilhar com
Mattias que suspeitava sobre a gravidez? Por um momento me preocupei, mas
então eu percebi que talvez Mattias ficaria feliz com a notícia. Ou ele esperava
ter filhos após alguns anos de casamento? Mordi o lábio um pouco tensa e
respirei fundo.
Eu poderia até mesmo nem estar grávida, meu ciclo menstrual não era algo
organizado e como eu não tinha uma vida sexual ativa nunca me importei.
Naquele exato momento, eu me sentia uma completa burra.
Com aquelas suspeitas e dúvidas, fechei os olhos e me ordenei a dormir.
Naquela manhã eu acordei ao mesmo tempo que Michele, e quando saímos
do quarto, todos já estavam de pé. Na sala, Mattias segurava um dos gatinhos
enquanto o dava de mamar com uma mamadeira pequena. Maria Alice não saía
do lado dele, Rosalinda sentada no outro sofá dava mamadeira ao outro gatinho.
Ao me ver parada na entrada do corredor, Mattias sorriu e voltou a prestar
atenção no filhote quando Maria Alice perguntou algo.
Com a saída de Michele do banheiro, foi a minha vez. Escovei os dentes
de forma pensativa, e me banhei sem pressa. Mesmo após finalizar o banho e já
estar pronta, me sentei na privada para pensar um pouco por alguns minutos.
Tentei fazer as contas de quantas vezes fizemos sem proteção, e então lembrei
que em algum momento eu tinha pedido e permitido que fizéssemos sem
camisinha.
Soltei um suspiro e esfreguei as mãos no rosto.
— Está tudo bem, Bel?
— Sim! – falei rápido e me encaminhei até a porta. Ao abrir vi Mattias
com um dos braços apoiados no batente da porta e a outra mão na cintura. —
Bom dia.
Ele me olhou de cima a baixo e estranhou por me ver de calça jeans.
— Sem vestido dessa vez? – indagou e eu sorri fechando a porta atrás de
mim, me encostei nela. — Gosto dos seus vestidos.
— Ué. – Sorri e deixei que ele juntasse os nossos corpos. — Achei que
eram curtos demais.
— Minha mãe fez com todo carinho... e você fala isso? Que grosseria,
Bel.
Neguei com a cabeça e o vi sorrir.
Mattias me abraçou com mais afinco e juntou os nossos lábios. O beijo era
exigente, e mesmo sabendo que Rosalinda e os outros estavam logo na cozinha.
Eu não me importei de demonstrar aquele carinho íntimo. Mattias tinha o dom de
me deixar com as pernas bambas e o corpo quente. Assim que nos afastamos
minimamente, os lábios tocaram os meus uma última vez. Os braços ainda me
seguravam, me deixando na mesma altura que ele e ao abrir meus olhos, dei de
cara com o par de olhos azuis.
— Você está linda.
Sorri e deixei que minha unha descesse pelo pescoço dele.
— Você também está bem lindo – falei e fui colocada no chão. — Você já
tomou café?
— Bem cedo – avisou, e sem me conter levei a mão à barba dele. — Seu
amigo foi comigo até o curral, gosto dele.
— Isso me deixa feliz, ele e a Michele estão juntos.
— Ele me disse. – Desconfiada o encarei, então ele sorriu como se tivesse
sido pego. — Eu só perguntei se ele te conhecia há muito tempo. Só isso.
— Vou fingir que acredito – respondi, e quando ouvi risadas virem da
cozinha, olhei para o lado. — Você vai sair para algum lugar hoje?
— Hoje finalmente se encerra a reforma do curral – murmurou e começou
a andar comigo. — Se quiser sair com os seus amigos e um deles souber dirigir,
podem ir com a caminhonete até a cidade.
O encarei surpresa, e quando paramos na entrada da cozinha vi Maria
Alice ao lado do irmão, em frente a Michele que segurava um dos filhotes. Me
voltei para Mattias, e entrelacei nossos dedos.
— Você poderia vir com a gente, assim poderíamos passar mais tempo
juntos. Se não for te atrapalhar.
Prestes a me responder, ouvimos o barulho de um automóvel se
aproximando. Mattias foi ver quem era, em seguida Rosalinda. Curiosa, fui atrás
e, ao ver a caminhonete preta e seu condutor, respirei em alívio. Marcos desceu
do lugar do motorista, e se aproximou em passadas rápidas. Ao parar em frente
ao irmão o abraçou, e repetiu o gesto com Rosalinda. Ficou alguns segundos
agarrado a mãe, e quando se afastou deu um pequeno sorriso.
Ao me olhar acenou com a cabeça, e parou na porta.
— Papai! – Maria Alice gritou, correu até ele e chorou. João Pedro correu
logo atrás da irmã, e foi abraçado. — Papai, que saudade que fiquei, não vai
embora mais não.
— Não, eu não vou mais embora – murmurou e segurou os dois filhos ao
mesmo tempo, nos braços. — Eu fiquei com muitas saudades dos dois. Vocês se
comportaram?
— Sim, papai.
— Obedeceram à vovó? – perguntou e recebeu vários acenos. O olhar dele
se direcionou para a cozinha. — Bom dia.
— Eles são os meus amigos, Michele e Bruno – falei, então Marcos me
encarou e depois acenou para os visitantes. — Que bom que voltou.
— É – respirou fundo e colocou os pequenos no chão. — Resolvi o que
precisava resolver, agora é voltar para a nova vida. Deixei as plantações
sozinhas, não sei como estão as coisas.
— Eu tomei conta, irmão – Mattias avisou de braços cruzados. — Nada
ficou desamparado.
— Obrigado – agradeceu, e era notável que ele se sentia realmente
agradecido. — Bom, eu preciso ir para casa arrumar as coisas e...
— Papai, olha o que o titio me deu – Maria Alice se aproximou com os
dois gatinhos nos bracinhos. — Eles não são lindinhos? Eles dormiram no quarto
da vovó, lá no chão da vovó. Olha, esse é o gatinho e essa a gatinha.
Mattias se aproximou de mim e me abraçou. Marcos pareceu não gostar
dos filhotes, mas então após um suspiro, sorriu e acariciou a bochecha da filha.
— Eles são lindinhos mesmo. Você agradeceu ao seu titio?
— Eu agradeci, papai – João Pedro falou rápido.
— Mentira, papai – Maria Alice retrucou e entregou os gatos ao pai, que
mesmo sem jeito segurou os filhotes. Em seguida, feito um foguete, correu até
Mattias e esticou os braços. — Titio, eu vou poder levar os gatinhos?
— Só se prometer cuidar bem deles – falou enquanto a segurava nos
braços —, eles são bebês e precisam de cuidados.
— Eu cuido.
Mattias sorriu e a beijou na bochecha. A observei ser colocada no chão, e
correr até o pai.
— Mãe, eu não sabia que a senhora estava com visitas – proferiu
baixinho, mas então pigarreou. — Queria saber se depois a senhora poderia ir
passar uns dias comigo, só para me ajudar a reorganizar as coisas. Sendo
sincero, eu não sei por onde começar.
— Claro, filho – Rosalinda afirmou e o tocou no rosto. — Eu posso sim. –
Ela sorriu e encarou a vestimenta dele. — Porque você não vai tomar um banho,
trocar essa roupa e descansa por aqui? Conversa um pouco com as visitas,
espairece.
— Papai, a titia disse que vai casar com o titio.
Olhei assustada para Maria Alice, Marcos nos encarou e procurou minha
mão. Eu estava tensa, afinal, ele não me queria ali e ficou do lado do Matheus
quando fui mandada embora. Talvez notando minha tensão, ele deu um pequeno
sorriso.
— Casamento? Há um bom tempo que não temos casamento. Espero que
você seja feliz, irmão. Os dois.
— Obrigado, Isobelle é importante para mim.
Marcos me encarou por alguns segundos, parecia querer dizer algo, mas
ele apenas respirou fundo e voltou a olhar os filhos que estavam sentados no
chão entretidos com os gatos.
— Eu vou aceitar o banho – falou por fim. — Passei a noite e a madrugada
dirigindo de volta. Tudo bem se eu dormir no quarto da senhora por alguns
minutos?
— Claro, meu amor. Vamos, enquanto você toma banho, eu arrumo a cama.
Você comeu? Tá tão abatido.
Observei os dois se afastarem, e quando Marcos entrou no banheiro, olhei
para Mattias. Ele tinha o cenho franzido, mas ao me olhar sorriu.
— Ele sempre foi preferido.
— E você o que mais aprontava – retruquei fazendo-o sorrir mais. —
Mattias, aproveitando eu queria falar com você, só que em um local mais
reservado.
— Quer falar agora? – perguntou e eu neguei indecisa. — Certo, é alguma
coisa grave?
Engoli em seco e não soube exatamente o que falar.
— Depende do ponto de vista.
— É sobre o seu pai? – indagou e eu neguei mais uma vez. — Sobre o
nosso casamento? Nosso relacionamento? Eu falei alguma coisa que você não
gostou?
— Não, Mattias. – Sorri com as tentativas, então ele relaxou. — Não é
nada disso, eu só queria conversar um pouco.
Mattias sorriu e olhou por cima do meu ombro. Segui seu olhar e vi
Michele nos observando com um sorriso de lado, Bruno negava com a cabeça.
Talvez condenando a sutileza da namorada. Sorri e me voltei para Mattias, sem
falar nada o puxei em direção à cozinha. Até a noite eu saberia como entrar no
assunto com ele.

No fim da tarde, Marcos e os gêmeos foram embora. Rosalinda iria até a


casa dele após Michele e Bruno voltarem depois do almoço, então, talvez aquele
seria o momento que eu poderia falar minhas suspeitas.
Estaríamos somente Mattias e eu.
Já de banho tomado, me sentei ao lado de Michele no sofá, e encarei a TV
ligada. Depois do almoço os gêmeos e eu, mostramos um pouco da fazenda para
os meus amigos, iríamos até a cidade, mas como Marcos havia chegado eu
pensei que Rosalinda e Mattias quisessem um momento a sós com ele.
Eu queria ter mostrado o lago, mas ainda não tinha decorado o caminho
até lá. No fim, nos divertimos bastante com o nosso passeio e quando voltamos,
Marcos já estava pronto para ir.
Agora eram quase 20h30, já tínhamos jantado, e eu me sentia
completamente estufada. Não sei se pela ansiedade de falar minhas suspeitas, ou
outra coisa, mas eu tinha comido muito horas atrás. Ninguém percebeu, o que
agradeci, se Michele percebesse com certeza comentaria. Lancei um olhar para a
cozinha onde Mattias conversava alguma coisa com Bruno, e a mãe. Falavam
baixo, pois eu não conseguia ouvir nada.
— Eu gostei daqui Belle – Michele falou e me olhou sorrindo. — Só acho
que não me acostumaria, sinto saudades dos barulhos e da poluição de Sampa.
Ri com aquilo e voltei a olhar a tv. Foi então que gelei assim que o vi, a
foto de Jorge estava estampado no noticiário.
— Puta merda! – Minha amiga exclamou. — Tia Linda, Bruno, Mattias!
Na manchete dizia que uma câmera de segurança havia flagrado o
momento em que cinco homens espancaram o Jorge em frente a um bar na noite
de ontem, chegando a deixá-lo inconsciente. A polícia foi acionada, e na
consulta dos documentos, eles descobriram que eram falsos e que Jorge Serra, na
realidade se chamava Alexandre Oliveira. Com mandado de prisão em aberto,
pelo crime de estupro vulnerável.
A cena cortou e eu vi Jorge passar algemado para dentro da delegacia.
Um pouco desorientada olhei para Mattias, e o vi encarar a TV com
seriedade, mas logo se aproximar de mim.
— Ele era o padrasto da Isobelle.
Bruno explicou para Rosalinda que estava assustada, só que ao saber quem
era, respirou fundo e anuiu com a cabeça.
— Pois ele teve o que mereceu – proferiu e me fitou. — E não foi sua
culpa, a única culpada não está aqui.
— É isso aí, tia. Concordo com a senhora.
Mattias se sentou ao meu lado, e em silêncio me abraçou. Jorge se
chamava Alexandre? Me sentia completamente confusa, como não descobrimos
que Jorge fugia da justiça? Eram tantas perguntas que rondavam minha cabeça,
que me deixou tonta. Meu mal-estar aumentou, e eu respirei fundo baixando a
cabeça na tentativa de fazer aquela sensação passar.
— Você está se sentindo bem?
— Sim. – Afirmei e o encarei, ele parecia preocupado. — Só estou sem
acreditar.
— Era de se esperar mesmo – Michele proferiu de braços cruzados. —
Esse nojento, espero que ele apodreça na cadeia.
Senti Mattias me acariciar a mão, e sem conseguir pensei em minha mãe.
Aquela altura ela sabia o que tinha acontecido, e com toda certeza me odiava
ainda mais. Querendo receber mais carinho, abracei Mattias e fechei os olhos.
Eu só queria que minha mãe fosse realmente uma mãe para mim.
— Tudo vai se acertar – Mattias murmurou enquanto me acalentava. —
Sua mão está gelada.
Automaticamente esfreguei os dedos e me afastei minimamente para
encará-lo. Ele parecia tão preocupado, assim como Michele ao lado dele. Neguei
com a cabeça, e respirei fundo.
— Só foi a surpresa – falei recebendo um carinho na bochecha. — Eu não
imaginava que ele era procurado por isso. Ele nunca disse nada...
— E nem iria dizer, Belle – Michele me interrompeu. — A sua mãe é a
culpada disso tudo, colocar qualquer um dentro de casa. – Assim que ela disse
aquilo, me olhou em seguida e suspirou. — Eu sei que ela é sua mãe, mas não
consigo me segurar. Tudo é culpa dela, e me causa mais raiva saber que em
algum momento, ela culpou você.
Encarei minhas mãos, e ouvi quando o canal de TV foi trocado.
— Vamos mudar de assunto – Rosalinda pediu e se sentou no outro sofá.
— Vamos viver o agora, temos muito o que comemorar. Marcos voltou para casa,
você e Mattias estão juntos, seu pai está vivo, os amigos leais que você tem. São
tantos motivos, filha. Só felicidade.
Sorri minimamente em concordância.
Rosalinda tinha razão, eu não podia ficar me martirizando por conta de
terceiros. Eu tinha tantas pessoas boas ao meu redor, pessoas que me queriam
bem, amigos de verdade. Enquanto ouvia os três conversarem, entrelacei meus
dedos aos de Mattias e me aconcheguei mais nele.
Meio sonolenta, me sentei na cama e retirei o lençol que me cobria.
Rapidamente desci da cama, tendo o cuidado de não acordar Michele que estava
no chão e rumei para fora do quarto. A madrugada estava fria, e se não fosse a
vontade de ir ao banheiro, eu com certeza não acordaria.
Após alguns minutos saí do banheiro, e andei lentamente até a esquina do
corredor. Bruno dormia todo coberto próximo do sofá, já o lugar de Mattias
estava vazio. Cruzei os braços e caminhei até a porta. Mattias estava sentado na
cadeira, e mantinha uma coberta nos ombros. Parecia pensativo enquanto bebia
uma caneca, que eu deduzi ser de café.
Tentando não acordar Bruno, abri a porta e me encolhi quando o vento frio
me atingiu.
— O que faz acordada? – Mattias perguntou e abriu a coberta em um
convite. — Você pode pegar um resfriado aqui fora.
— E você não? – retruquei enquanto me aconchegava no colo dele. Eu
usava a calça e a blusa de moletom, mas ainda assim me sentia com frio. — Você
está tão quentinho.
Mattias riu e me ofereceu a caneca. A peguei e tomei um gole do líquido
quente, descobrindo no mesmo instante que, na verdade, era chá.
— Acho que não consigo dormir longe de você – Mattias avisou me
fazendo sorrir. — Falo sério, sinto falta do seu corpo.
— Amanhã estaremos juntinhos – respondi e o vi sorrir. — Dá para
acreditar em tudo o que aconteceu por esses dias? Meu pai, meus amigos por
aqui, o Jorge preso. Eu tento não pensar, mas fico lembrando da minha mãe.
Dela falando que eu sou culpada por...
— Você não é culpada – Mattias me interrompeu com seriedade. — Eu não
quero ouvir você falando isso.
— Desculpa.
— Não – negou e me beijou os lábios. — Não precisa se desculpar, você
tem um coração bom, Bel. Por isso você se preocupa tanto com essas coisas.
— É automático – falei e me aconcheguei mais no colo dele. — Vou tentar
não pensar tanto.
— Faz bem – comentou e pegou a caneca das minhas mãos, dando um gole
em seguida. — Estava pensando, eu conheço o seu pai há bastante tempo. Ele
nunca me falou que tinha uma filha.
— Eu aposto que você mantinha um relacionamento extremamente
profissional com ele – respondi fazendo-o me encarar. — Talvez fosse normal
ele não me mencionar.
— Ele era bem na dele, quando você me disse seu sobrenome me lembrei
dele. Só não imaginava que você pudesse ser a filha do Forasteiro.
Mattias parou e observou o chá. Ele parecia em dúvida no que queria
realmente falar, então dei uma força.
— É um problema para você, eu ser filha dele?
— Não! – Negou rapidamente, os dedos me tocaram o rosto. — É que você
pode ter uma vida melhor. Eu não posso te oferecer a vida que ele leva.
Um pouco alarmada me virei para ele e franzi o cenho.
— Eu não quero a vida que ele leva – balancei a cabeça. — Eu quero estar
com você, Mattias. Eu sei que não tenho emprego ainda, mas está nos meus
planos arranjar um e te ajudar no que for preciso.
— Não é sobre isso, Bel.
— E é sobre o quê? – indaguei sem entender o que ele queria. — Você se
arrependeu?
— Não, jamais! – exclamou rápido e depositou a caneca ao lado. —
Conhecer você e tê-la em minha vida, me mudou. Eu quero você, quero construir
uma vida nossa.
— E então? – quis saber, meu coração batia desenfreadamente. — Não me
dá susto assim. Eu quero você, Mattias.
— Desculpe, fiquei um pouco inseguro – riu e me abraçou —, mas não em
relação a nós.
Agarrada a ele deixei algumas lágrimas caírem, assim que me afastei e ele
viu que eu chorava, secou as minhas lágrimas.
— Não, chora. Me desculpa.
— Vou dizer a sua mãe que me fez chorar – brinquei, a angústia de antes
se dissipava. — Amanhã mesmo.
— Isso é golpe baixo – Mattias falou com um sorriso de lado. — Ela bate
em mim, sabia disso?
— E você merece.
Mattias sorriu abertamente e me beijou no pescoço, em seguida subiu os
beijos para minha mandíbula. Fechei os olhos com a sensação boa se alastrando
por meu corpo, e mordisquei o lábio quando a mão subiu sob o moletom que eu
usava. Assim que meu seio foi agarrado, abri os olhos e o observei.
— Mattias...
— Não quero nunca mais dormir separado – avisou e me beijou de leve os
lábios. — É um castigo imenso quando penso em ir até o quarto e lembro que
você não está sozinha. Então eu preciso me contentar com a imaginação apenas.
— Coitadinho – murmurei com um pequeno sorriso. — Eu posso fazer
alguma coisa por você?
— Você pode fazer tantas coisas – respondeu e sob meu olhar atento, ele
levou a mão para dentro do calção e sem qualquer vergonha, puxou a ereção para
fora. — Vê?
— Mattias – sussurrei assustada, olhei para os lados e vi o terreno vazio.
Ainda era madrugada. — Se alguém nos pega assim?
— Sabe o que eu queria? – questionou ignorando minha pergunta. — Um
carinho no meu pau.
Ainda o observando, salivei quando ele mostrou mais da ereção para mim.
Da ponta rosada saía o líquido pre-gozo, e mesmo com medo de alguém nos
flagrar, o agarrei e senti o bico do meu seio ser apertado por Mattias.
— Você pode apertar com mais força. – Pude ouvir o sussurro dele, e
aquilo me atiçou. — Como eu queria estar sozinho com você. Te daria umas boas
palmadas.
Sorri e aproximei nossos rostos.
Primeiro encostei nossos narizes, em seguida tomei os lábios dele em um
beijo de desejo e necessidade. Minha mão continuava a se mover no ritmo vai e
vem, e nossas línguas sincronizadas se esfregavam em uma luxúria que a todo
momento aumentava. Meu corpo aquela altura estava febril, e eu sentia uma
inquietação no meio das pernas. Já Mattias mantinha o semblante de puro
desejo, e quando separei o beijo, ele rapidamente atacou meu pescoço; dando
mordidas e chupões.
Olhei para seu pau, e mordi o lábio cheia de vontade. Ele tinha uma veia
que se sobressaía, me chamava a atenção. O meu corpo vibrou de tesão, e em
meu íntimo desejei que estivéssemos apenas nós dois.
— Deixa eu colocar só a cabecinha dentro? – indagou com a voz rouca, e
eu neguei. — Por favor, Bel.
— Alguém pode aparecer – falei baixinho, e logo completei. — Quando
estivermos sozinhos, eu serei completamente sua.
Mattias sorriu, e colocou a mão por cima da minha, forçando os meus
movimentos a ficarem mais rápidos. Com a outra mão, ele agarrou os meus
cabelos – os juntando em um rabo de cavalo – e levou os lábios ao lóbulo da
minha orelha. Fiquei alguns minutos movendo a mão da forma que ele havia
imposto, e quando ele gozou, mordeu meu pescoço.
Gemi e observei o sêmen vir em jatos fortes. Minha mão ficou
completamente melada, e Mattias assim como eu, puxava a respiração. Sorri e
movi minha mão lentamente ainda assistindo a última gota do sêmen sair.
— Daqui a pouco quando estivermos sozinhos – Mattias falou e sorriu. —
Você não escapa.
Acenei e engoli em seco.
Amanhã, se tudo desse certo, eu falaria sobre minhas suspeitas da possível
gravidez. Esperava ter a coragem para dizer.
Isobelle

Quando acordei no outro dia, Michele, assim que bateu os olhos em mim,
viu as marcas que Mattias tinha deixado em meu pescoço. Após algumas
perguntas constrangedoras como “você transou com o loiro gostoso aqui na casa
com todo mundo dormindo?” e “não acredito que não ouvi vocês ontem”, ela me
ajudou a esconder os chupões. Já estava constrangedor demais Michele ver e
soltar os comentários, se Rosalinda visse e soubesse o que tinha acontecido, eu
com certeza morreria de vergonha.
Ajudamos na cozinha, e quando olhamos o relógio, estava quase na hora
dos meus amigos irem.
Entretida com Rosalinda, Bruno e Michele, ouvimos quando Mattias
retornou. Para minha surpresa, a barba que antes grande agora estava aparada.
Ele me encarou e sorriu se aproximando.
— Bom dia.
— Bom dia, meu filho. Não se esqueça que daqui a pouco você vai levar
Michele e Bruno até a cidade.
— Tudo bem. – Sorriu e me chamou. — A senhora vai querer carona para
ir até a casa do Marcos?
Me aproximei dele e o segurei pela mão.
— Vou sim – respondeu e me olhou. — Vou passar uns dias com o Marcos
até ele conseguir dar conta de tudo sozinho, tem muita coisa que precisa ser
colocada no lugar.
— Que bom que tudo ficou bem no fim – falei e a vi sorrir concordando.
Mattias acenou para os meus amigos e me puxou para fora. Assim que
paramos na varanda, longe da porta da frente, senti os braços ao redor da minha
cintura.
— Voltou com os vestidos?
Ri e me aproximei mais dele.
— Você quase chorou quando me viu de calça – respondi com uma
sobrancelha arqueada. — E como eu sou uma boa noiva, decidi usar esse
vestido. Foi o mesmo do nosso primeiro beijo.
Ele olhou para o meu decote e sorriu de lado.
— Viu que teremos a casa só pra gente hoje?
— Estou ansiosa – revelei e o toquei pela mandíbula. — Você ficou mais
charmoso assim. – O elogiei e ri quando ele passou a mão na barba loira. —
Então, queria me dizer alguma coisa?
— Só queria um beijo. – Riu e levantou a aba do chapéu. — Nunca está
sozinha, nunca posso te beijar onde te encontro.
— Que chorão – brinquei e o puxei pela camisa. — Nem parece o ogrinho
chucro brigão que eu conheço.
— Quando vai entender que eu estou rendido por você?
Sem o responder, juntei os nossos lábios e o beijei com amor. Eu queria
tanto que ele entendesse que eu o amava, mas já tinha notado que eu precisaria
falar. No entanto, se eu falasse agora e depois dissesse minhas suspeitas. Ele
poderia confundir e achar que eu estava falando por falar? Não. Mattias sabia
que o que eu sentia por ele era algo verdadeiro, mesmo sem ter dito exatamente
o eu te amo.
Ao finalizar o beijo, encostei nossas testas.
— Mattias, eu tenho uma coisa para falar.
— Pode falar.
Respirei fundo e antes que eu pudesse dizer algo, ouvimos os galopes
virem da entrada. Era Leôncio, e assim que ele parou perto da varanda retirou o
chapéu.
— Dia, patrão, patroa – saudou com um pequeno sorriso, sorri de volta. —
O Sr. Herculino pediu para o senhor dar uma passada lá, um dos cavalos tá com
uma ferida perto do casco.
— Certo, Leôncio. Eu já vou indo. – Após avisar, se voltou para mim e me
beijou os lábios. — Eu prometo que na volta vamos conversar, ou você quer
falar agora?
— Pode ser na volta. – Sorri e fitei aqueles lindos olhos azuis. Eles me
transmitiam carinho. — Não tem problema.
— Diga a minha mãe que volto para dar a carona, vou ver que ferida é
essa.
Acenei, e antes de me afastar o beijei de novo.
O observei correr até a caminhonete que estava perto do celeiro, tomar o
lugar do motorista, em seguida buzinar e ir. Toquei com as pontas dos dedos os
lábios e me encaminhei para dentro. Meu pensamento estava longe, mas assim
que parei na entrada da cozinha, estranhei quando vi os três me encararem em
silêncio.
— O que foi?
— Você está com cólica ou dor de barriga? – Michele perguntou, então
percebi que minha mão estava no ventre. Retirei rapidamente e neguei. — Dor
de barriga, então?
— Não, e não estou com cólica. O Mattias foi até a fazenda do Sr.
Herculino, mas ele disse que vem para levar vocês.
— Tudo bem, dá tempo de sobra para terminar o pudim – Rosalinda falou
para Michele que sorriu. — Quando vocês vêm de novo? Precisam passar mais
dias aqui, eu gosto quando a casa está cheia. Em breve não vou ter mais ninguém
morando comigo.
— Mas ainda vamos morar com a senhora – afirmei e ela sorriu contida.
— Não vai estar sozinha.
— Oh, meu bem, vocês vão casar e vão querer o cantinho de vocês. O que
é o normal de recém-casados.
— A senhora só teve três meninos? – Michele perguntou enquanto
observava o que Rosalinda fazia. — Me dá medo pensar em ter um filho,
imagina três.
Rosalinda riu e balançou a cabeça.
— Eu também fiquei com medo, é normal sentir medo. Afinal, ser mãe é
algo totalmente novo – murmurou e então me encarou —, mas quando você
descobre, você se sente tão maravilhada e agraciada. Uma junção sua e da
pessoa que você escolheu para a vida. Meu falecido ficou tão eufórico, eu me
senti tão feliz. Ele queria muito ser pai, foram os melhoras anos da minha vida.
— E como a senhora descobriu que estava grávida? Naquele tempo não
existia teste de farmácia, né?
No mesmo instante Rosalinda voltou a me fitar interessada, então com
medo dela conseguir me ler, desviei o olhar para a xícara a minha frente.
— Eu não sangrei nos dias que deveria, e eu já tinha notado algumas
mudanças. Quando engravidei do Marcos, senti enjoos e fraqueza nas vistas.
Fiquei um bom tempo sem conseguir andar de carroça, aquele movimento todo
me deixava enjoada. Do Mattias e Matheus o mesmo, mas eu já estava
acostumada.
— Eu já fiquei enjoada quando adoeci – Michele voltou a falar. — Não foi
legal.
Quando a minha mãe me ligou, eu passei mal, mas poderia ser emocional e
não hormonal. Ainda na minha divagação, lembrei que no jantar eu me senti
enjoada, só que eu tinha comido bastante. Talvez tudo não passasse de ansiedade
e estresse pelas descobertas. Após um suspiro levantei o olhar e vi Rosalinda me
analisando. Sorri e comecei a limpar a mesa para colocar os pratos do almoço.
Eu precisava falar realmente com Mattias, precisava saber se realmente
estava grávida. Meu coração dizia que sim, mas minha consciência implantava a
dúvida.
As horas se passaram e Mattias retornou. Almoçamos e conversamos mais
um pouco, então chegou a hora de todos irem. No quarto, eu estava sentada na
cama enquanto Michele terminava de se aprontar.
— Não fica triste, Belle. Quando marcar o casamento, ou antes, disso, eu
volto. Agora que você está bem, e eu estou vendo isso, me sinto mais tranquila.
— Vou sentir saudades.
— Eu também. – Afirmou e se sentou do meu lado. — Se cuida bastante, e
você sabe que se precisar de mim é só me ligar que eu venho correndo. Já
decorei como chegar.
Sorri e a abracei.
Automaticamente o choro veio, e eu não consegui pará-lo. Ficamos
abraçadas por alguns minutos, mas logo nos afastamos. Sorrimos e nos
levantamos. Na sala, Bruno conversava com Mattias e eu queria muito saber o
que tanto eles cochichavam.
— Estou pronta, vamos?
Bruno ficou de pé, e eu rapidamente o abracei.
— Fica bem, Belle. Qualquer coisa você sabe que estaremos aqui por
você.
— Obrigada, Bruno. Fica bem também, e tenha paciência com a Michele.
Como resposta, Michele fez uma careta e pegou a mochila indo para fora.
Mattias se aproximou de mim, e sorriu.
— Você não vem?
— Não, vou te esperar aqui. Não quero me despedir deles por lá. – Antes
que ele se afastasse, o puxei de novo. — Me traz bolovo?
— Bolovo? – indagou confuso. Após um aceno, ele sorriu e me beijou. —
Tudo bem, eu volto logo.
Concordei e o vi caminhar até o lado do motorista. Rosalinda parou em
minha frente e sorriu.
— Vou tentar não demorar tantos dias, mas lá no Marcos tudo deve estar
tão bagunçado – avisou e me tocou no rosto. — Se você estiver precisando de
algo, é só me falar. Depois peça para que o Mattias te leve lá. Você vai gostar.
— Está bem, obrigada. Eu vou cuidar de tudo para a senhora.
— Eu sei, meu bem. Bom, vou indo. Não volto hoje para casa, então...
juízo.
Acenei um pouco tímida e sorri ao ver Brutus sentado no banco da frente.
— Qualquer coisa me liga, Belle! A gente te ama! – Michele gritou, e eu
chorei em meio ao sorriso.
Fiquei em pé na varanda até que a caminhonete saiu pela porteira.
Suspirei e enxuguei as lágrimas, em seguida fui para a cozinha. Lavaria os
pratos sujos, e quando Mattias voltasse conversaríamos. Após também secar e
guardar os utensílios, tive o pensamento de ir até o quarto.
— Patrão!
Ao ouvir a voz do Leôncio, andei rapidamente até a varanda.
— Oi Leôncio, ele foi até a cidade e depois vai levar a mãe até a casa do
Marcos.
— Ah, então vou esperar ele voltar lá no curral com os outros. A senhora
pode dizer a ele que vim aqui?
— Claro, pode deixar. – Afirmei e olhei para a entrada, ao ver a picape
vermelha respirei fundo. Era como Mattias havia dito uma vez, deixar as
porteiras abertas era um convite para qualquer um entrar. Me voltei para
Leôncio, que olhava a recém-chegada, mas logo me encarou e acenou.
A picape parou em frente a varanda, e de braços cruzados encarei a
visitante.
— Oi Isobelle – Carolina murmurou com um pequeno sorriso, e só o fato
dela ter acertado meu nome, me deixou inquieta. — Vim falar com você, está
sozinha?
— O que você quer? – indaguei sem conseguir disfarçar meu desconforto.
Carolina sorriu e se aproximou. Usava uma calça jeans de lavagem escura,
botas, a blusa era uma regata colada, os cabelos ruivos estavam soltos e em seu
rosto trazia uma maquiagem leve. Sem disfarçar, ela olhou por cima do meu
ombro e logo me encarou.
— Eu acho que começamos errado – comentou e eu a olhei surpresa. —
Vim te convidar para dar uma volta.
— Dar uma volta?
— É. – Sorriu e olhou ao redor. — Quase não tenho companhia da minha
idade, seria interessante você vir comigo.
Mais uma vez ela olhou ao redor, e quando me olhou dessa vez parecia
impaciente. Me senti mais desconfortável ainda, então dei um passo para trás e
respondi.
— O Mattias está no curral, foi falar uma coisa com um dos peões, mas já
está voltando. Porque não espera mais um pouco, assim você pergunta da sua
égua.
Carolina cruzou os braços e sorriu.
— Está com medo?
— Medo? De você?
Ri, então ela continuou.
— É, se está mentindo, é porque está com medo. – Deduziu e eu a imitei
cruzando os braços. — Eu sei que o Mattias não está em casa, eu vi quando ele
passou com a mãe e mais alguém na caminhonete.
Fiquei momentaneamente surpresa e com um pouco de medo, então tentei
passar tranquilidade.
— Se sabia disso porque perguntou se eu estava sozinha? Quis confirmar?
Por quê?
Carolina respirou fundo.
— Você se acha esperta, não é? Aparentemente fisgou um bom partido,
não é daqui e sabe-se lá quem é de verdade. Pode ser uma fugitiva, ou uma
prostituta. Eu acho que é os dois.
— É melhor você sair daqui, antes que eu te jogue naquele chiqueiro e
acredite, eu jogo sem esforço algum.
Ela me olhou de cima a baixo e sorriu.
— Vai se arrepender.
O tom de ameaça em sua voz me deixou levemente arrepiada. Era só o que
me faltava, ter problemas com Carolina também. Adentrei novamente na casa,
fechei a porta e fui até o quarto. Ao chegar lá peguei minha mochila e a abri, o
pacote de absorvente permanecia no fundo da bolsa e estava intacto. Se eu
comprei era porque sabia que em algum momento ele iria descer, e já era para
ter acontecido. Guardei o pacote novamente, e ouvi quando a porta da sala foi
aberta.
O barulhinho típico dela era como um alarme.
Não poderia ser Mattias, pois não tinha escutado a caminhonete se
aproximar. Poderia ser o Leôncio? Mas ele nunca tinha entrado assim, ele
sempre chamava. Cautelosamente abri a porta do quarto e olhei para o corredor,
não ouvi nenhum barulho. Então veio a dúvida, eu tinha realmente fechado a
porta ou encostado?
Caminhei rapidamente até a porta e a fechei, dessa vez passando a chave.
No instante em que me virei, vi Ernesto sair da cozinha e avançar em mim.
Gritei, mas ele rapidamente me tapou a boca e nos jogou com agressividade
contra a parede.
— O patrão quer dar algumas palavrinhas com você.
Sem chances de me mover, vi com desespero ele tirar um pano do bolso e
colocar em meu nariz. O cheiro forte de alguma substância invadiu meu olfato.
Aos poucos minhas forças se esvaíram, e antes de fechar os olhos vi o sorriso do
capataz.
Dirigia de volta para a fazenda ansioso para encontrar Isobelle. No banco
do carona estava Brutus que mantinha um pouco da cabeça para fora da janela.
Havia demorado mais algumas horinhas na cidade, pois o bolovo estava sendo
preparado e enquanto estava lá, ouvia a novidade do chupa-cabra-onça que
estava na boca do povo.
Passados alguns minutos me aproximei da fazenda, e assim que entrei,
olhei com o cenho franzido para a casa. Tudo estava fechado.
Estacionei em frente a varanda e deixei Brutus sair, logo o segui. Ao abrir
a porta da frente, estranhei o silêncio.
— Bel?
A chamei e fui até a cozinha depositar o saco de bolovo. Voltei e fui em
direção ao banheiro, a porta estava aberta, no quarto não tinha ninguém.
— Isobelle? – chamei mais uma vez e fui até o quarto da minha mãe,
estava vazio.
Impaciente, andei para fora e me dirigi até a caminhonete. Peguei o
caminho do curral, totalmente nervoso. Ao chegar em frente a cerca, desci e
olhei ao redor. Isobelle não estava lá.
— Patrão, eu...
— Você viu a Isobelle?
— A patroa está na casa – respondeu confuso. — Eu fui até lá falar com o
senhor, e ela me disse que tinha ido até a cidade e na casa do seu irmão.
— A Isobelle não está lá – falei nervoso. — Ela me disse que esperaria em
casa.
Retirei o chapéu da cabeça e esfreguei meus cabelos.
— A menina do Albuquerque veio até a casa do senhor.
— A Carolina? – repeti totalmente confuso. — O que ela queria?
— Eu não sei senhor, antes de eu sair eu vi o carro da menina do
Albuquerque entrar pelas porteiras.
Soltei um suspiro e acenei.
— Eu vou até o Albuquerque, talvez ela esteja lá. O que não faz nenhum
sentido. Eu volto logo.
Rapidamente subi no lugar do motorista e dei a partida. Ao passar de volta
no caminho da casa, vi Brutus cheirando o chão da entrada. Não me liguei nisso,
e acelerei até a fazenda do Albuquerque. Passados alguns minutos adentrei a
propriedade, os peões assim que me viram permitiram minha entrada.
Albuquerque estava fumando um charuto em um banquinho branco. Ao me ver
sorriu.
— Mattias, que surpresa sua visita. Veio ver a égua? Ela já está bem
melhor.
Confuso, neguei e olhei para a mansão.
— Eu vim buscar a Isobelle.
— Isobelle? – indagou também confuso, o que me fez respirar fundo. —
Ela não está aqui.
— A Carolina está?
— Está lá dentro – respondeu e ficou de pé. — Vamos entrar, você parece
nervoso. – Fiquei em silêncio tentando manter a calma, mas não estava
conseguindo. — Glória, vá chamar minha filha.
Após um aceno, a governanta subiu as escadas de forma apressada.
Segundos depois, vi Carolina aparecer no topo da escada. Ela assim que me viu
não conseguiu disfarçar a surpresa.
— Mandou me chamar, pai?
— Bom...
— Cadê a Isobelle?
Albuquerque me encarou com o cenho franzido, talvez por não gostar da
interrupção.
— Quem é Isobelle? – Carolina perguntou e cruzou os braços.
Travei a mandíbula engolindo uma resposta atravessada, e tentei mais uma
vez soar calmo.
— Isobelle, a minha noiva. Você estava lá com ela, deveria saber.
— Não sei sobre o que está falando, Mattias – retrucou, mas seu olhar
dizia outra coisa. — Não tenho motivos algum para ir conversar com a sua
noiva.
Fiquei alguns segundos a encarando.
— Meu peão disse que viu você chegando na minha fazenda.
— Então ele mentiu – deu de ombros, e com descaso observou as unhas.
— Já parou para pensar que ela pode ter ido embora?
Sem dar importância para o que ela dizia, me virei para o Albuquerque
que encarava a filha.
— Sinto muito pelo inconveniente, Sr. Albuquerque. Peço que se
souberem de alguma coisa me avisem
— Podemos procurá-la com você.
— Não precisa senhor, vou até a casa do pai dela. Talvez ela possa estar
lá.
— O pai dela? – Carolina perguntou confusa. — Quem é o pai dela? Achei
que ela não fosse daqui.
— Ela é filha do Alvaréz – falei e a vi ficar pálida. — Eu não sabia, foi
uma surpresa.
— Não imaginava que ela era filha dele. – Sr. Albuquerque murmurou. —
Se eu puder ajudar, por favor, não hesitem em me chamar. Devo muito ao
Antônio.
— Certo, eu vou indo.
Sai de lá sem olhar para trás, começava a sentir uma pressão no peito, um
pressentimento ruim. A culpa logo me atingiu por ter a deixado sozinha. Com
raiva soquei o volante assim que me sentei, em seguida dei a partida e me dirigi
até a fazenda do Alvaréz.
Sentia meu corpo pesado, mas em algo macio, minha cabeça parecia que
iria explodir e quando tentei mover os braços, não consegui. Mesmo ainda tonta,
abri meus olhos e tentei me situar. No entanto, assim que reconheci a janela e os
móveis, senti o choro vir. Totalmente amedrontada, neguei com a cabeça e tentei
me sentar. Foi então que percebi que meus pés também estavam amarrados.
— Meu Deus! Por favor, meu Deus, não! Eu não posso ter voltado para cá.
Ao final do meu lamento, a porta foi aberta.
Benício adentrou o quarto e em suas mãos trazia o chicote de antes. A face
estava retorcida de raiva, e naquele momento eu esqueci como se respirava,
tremia sem conseguir disfarçar. Estava um pouco mais magro, e no lugar que eu
o tinha machucado, usava um tapa olho.
— Não sabe o quanto eu esperei por esse momento – murmurou e se
aproximou. — Você quase me deixou cego, sua vagabunda! Mas teremos
bastante tempo para você me pagar por tudo. – Assim que terminou, olhou
lentamente meu corpo e sorriu. — E dessa vez, vou ter mais cuidado com você.
Eu te subestimei uma vez, mas isso não vai se repetir.
— E-Eu só me defendi – falei baixinho, meu corpo estava completamente
amedrontado. Era como se eu sentisse o ódio emanando dele. — Se você não
tivesse tentado me machucar...
Em um movimento rápido, Benício agarrou o meu pescoço com apenas
uma mão e apertou. Desesperada, tentei me debater, pois não conseguia respirar.
Então, da mesma forma que ele agiu antes, me soltou.
— Eu acho melhor você ficar calada, ou da próxima vez vai levar uma
cintada na boca para aprender a me respeitar.
Fechei os olhos deixando mais lágrimas caírem. Eu tentaria manter a
calma, pois quando Mattias retornasse e percebesse que eu havia sumido, com
certeza iria me procurar aqui.
— Eles vão me encontrar.
Benício respirou fundo, mas logo franziu o cenho. Então, me deixando
completamente confusa, ele começou a rir. Andou para o outro lado da cama, e
do chão puxou minha mochila.
— Tem certeza de que vão mesmo? – Debochou e se sentou bem próximo
de mim. — Eles podem te encontrar, mas até lá, sua carne estará apodrecida.
Assim como dos outros curiosos que viram o que não deviam. – A mão subiu por
minha barriga e parou no decote do vestido. — Ernesto me disse que você estava
na fazenda do Mattias, interessante. Você o seduziu assim como fez comigo? –
indagou e com agressividade agarrou meu seio. — Pelas marcas no seu pescoço
eu acho que sim. Me fale Isobelle... você deu para ele?
— Não encoste em mim!
Meus cabelos foram agarrados, e sem esperar senti a mão pesada em meu
rosto. O tapa me deixou um pouco desnorteada, e Benício parecia se divertir
com o que fazia. Não se importando com a minha recusa, ele ficou por cima de
mim, começando a beijar meu pescoço. Em meio ao meu desespero de fazê-lo
parar, ouvi um celular tocar, mas não era o toque do meu. A contragosto, Benício
saiu de cima de mim, e puxou o aparelho do bolso.
A expressão do rosto foi de desagrado, e mesmo achando que ele
encerraria a chamada, ele atendeu.
— Eu disse para não me ligar! – retrucou assim que atendeu, ficou alguns
segundos em silêncio, mas rapidamente continuou: — Eu não a obriguei a me
ajudar! Você foi porque você quis! – No instante que ouvi aquilo franzi o cenho,
com ele estava falando? Quem o ajudou? Então, após alguns minutos pensando,
minha ficha caiu: Carolina tinha o ajudado. Por isso tinha aparecido por lá, e as
perguntas se eu estava sozinha. — O que foi que você disse? Você tem certeza
disso? – Benício me encarou e sem se despedir, encerrou a chamada. — Você
não cansa de surpreender! Ninguém me mandou aqui, eu errei o caminho. – Me
imitou com nojo, e sem cuidado me puxou pelos cabelos. Gritei de dor, e com
brutalidade foi jogada no chão. — Você é a filha do Alvaréz?
— P-Por favor, eu não sabia. – Neguei me sentindo com medo. Assim que
o olhei, vi quando a mão do chicote pegou impulso e me atingiu na perna. A dor
foi dilacerante, eu nunca tinha sentido aquela dor. — Por favor!
— Você não sabia que ele era seu pai? - gritou descontrolado e me atingiu
na outra perna. Me encolhi tentando me proteger. — Você não cansa de mentir?
Pois vai apanhar pra aprender.
Em posição fetal, tentava proteger minha barriga e cabeça. Meu corpo
estava dolorido, e Benício só parou quando a porta do quarto foi aberta.
Do chão, vi quando Demétria apareceu, e me olhou sem demonstrar
qualquer sentimento. Eu chorava em silêncio, sentindo algumas partes do corpo
arderem.
— Peça para que o Ernesto arrume a acomodação dela no celeiro. Sinto
que em breve teremos visitas.
Após um aceno, Rosalinda saiu e Benício me agarrou pelos cabelos. Em
seguida me jogou na cama, meus braços estavam doloridos, assim como partes
do meu corpo ardiam. Chorei mais, e quando Benício se deitou por cima de mim.
Prendi a respiração e desviei o olhar.
— Sabia que você é muito bonita – a voz soou tão maliciosa que me deu
ânsia. — Pele macia, você é a personificação do que os homens mais desejam.
— Você me dá nojo! Nojo e raiva! – proferi sentindo uma força vir de
dentro. — Você, Benício, é a personificação do que há de ruim nos homens
maus.
Ele levantou a mão para me bater, mas no mesmo instante parou e respirou
fundo. Ficou alguns segundos me encarando, e sorriu.
— E hoje serei aquele que te marcará pelo resto da sua vida – falou e eu
engoli em seco. — Espero que esteja preparada, porque você vai se tornar minha
puta.
Neguei com a cabeça.
Eu jamais deixaria que ele me tocasse daquela forma. Ainda sorrindo,
Benício buscou um pedaço de pano e tapou os meus lábios. Chorei em desespero,
e quando ele me puxou para fora da cama e me jogou nos ombros feito um saco
de babatas, comecei a me debater. Não conseguia ver para onde estávamos indo,
mas reconhecia o chão ao qual ele pisava. Parecia sair da casa e ir para algum
lugar.
Os minutos se passaram e notei o caminho de pedra, o mesmo que levava
até o celeiro. Ele me esconderia lá? Ou estaria me levando para o poço
fedorento? Com medo comecei a resmungar e debater.
— Que potranca arisca – aquela era a voz de Ernesto. — Pelo que vi,
aproveitou bem com aquele peão metido.
— Ela vai ficar calminha quando chegarmos – Benício riu. — Deu as
ordens aos peões?
— Sim, senhor.
No fim da conversa, percebi quando as portas do celeiro foram abertas,
mas logo fechadas. Com certa ignorância, Benício me tirou dos ombros e me
segurou pelo braço. Alarmada, olhei ao redor e vi que era realmente o celeiro.
Caminhamos até o fundo dele, no mesmo lugar onde antes tinha a poça de
sangue.
Sem compreender, observei Ernesto empurrar o feno do chão e puxar uma
espécie de alçapão. Quase no mesmo momento ouvi um barulho estranho.
— Se eu fosse você não faria barulho – Benício sorriu e me empurrou para
frente. — Ou isso pode deixá-lo agitado, e fazer o sedativo passar.
Ernesto rapidamente me pegou e com brutalidade me indicou o caminho. O
alçapão dava acesso a uma pequena escada, e mesmo sem querer comecei a
descer.
— Ele está uns bons-dias sem comer – Ernesto sussurrou rente ao meu
ouvido. — Então é melhor seguir o conselho do patrão, ou vai acabar como o
prefeito.
Meu corpo estava travado, assim como os meus olhos não saíam da onça-
preta que estava acorrentada e deitada mais a frente. Ernesto me colocou sentada
no fim da escada e sorriu quando bateu as botas no chão, fazendo a onça abrir os
olhos e me encarar. O medo me deixou estática, e quando fiquei sozinha com a
onça, chorei em silêncio.
Mattias

Assim que estacionei de qualquer jeito em frente a casa, corri até meu
quarto. Empurrei a porta com força e observei atentamente ao redor. A mochila
tinha sumido, mas o celular de Isobelle estava na estante. Abri as gavetas e vi
alguns dos vestidos e peças íntimas. Se ela tivesse ido, não teria deixado o
celular e aquelas roupas para trás.
Com a raiva e preocupação assolando meu peito, saí do quarto e fui buscar
a espingarda. Verifiquei as balas que tinham e me dirigi para o lado de fora.
Desci as escadinhas da varanda e antes que pudesse entrar na caminhonete, vi o
forasteiro aparecer na 4x4.
Mostrei a espingarda, e recebi um aceno. Sem falar nada, tomei o lugar do
motorista e segui o forasteiro. Ele assim que soube do sumiço da filha, afirmou
com toda certeza de que tinha sido Benício e eu concordava com aquilo.
Afinal, ele era o único que tinha um problema com Isobelle. Mal prestava
atenção no caminho, meu pensamento era única e exclusivamente em Isobelle.
Me sentia um idiota por ter a deixado sozinha, e confiado de que nada daria
errado.
— Se ele encostar em você, meu amor. Eu prometo que vou matá-lo.
Com raiva soquei o volante e fitei a espingarda. Eu faria questão de usá-la
em Benício.
Quando a 4x4 adentrou finalmente as propriedades do maldito, acelerei
mais. Para minha surpresa, alguns peões estavam pelos pastos e quando paramos
perto da casa, vi quando uma senhora saiu com um pano de prato em mãos. Ela
nos olhava com seriedade, e quando menos esperei vi Benício passar pela porta.
Usava um tapa olho, e estava mais magro.
Alvaréz rapidamente se aproximou, ficando cara a cara com ele. Meu
olhar seguiu até o celeiro.
— Que surpresa desagradável – Benício murmurou enquanto cruzava os
braços. — O que perderam em minha fazenda?
— Você sabe muito bem, seu crápula! – Alvaréz proferiu com a voz
raivosa. Benício respirou fundo. — Não é inteligente me ter como um inimigo,
você sabe muito bem disso.
— Eu vou dar uma olhada no celeiro.
Assim que avisei, Ernesto e mais dois peões se colocaram em minha
frente. Um deles retirou um revólver que estava por baixo da camisa, e me
encarou. Sem me deixar intimidar, segurei a espingarda e dei mais um passo.
— É melhor ficar onde está, Ferreira – Ernesto aconselhou, mas ao invés
de parar, continuei a andar. Vi quando Benício gesticulou com a mão, e os peões
se afastaram.
— Poderiam pelo menos me informar o motivo dessa invasão hostil, antes
que eu chame a polícia?
No instante que ouvi a voz debochada, lembrei que aquele homem foi
responsável por causar dor em Isobelle. Em um movimento rápido me virei e o
acertei no nariz com o cabo da espingarda. Quase logo em seguida Ernesto
avançou em mim, mas foi impedido por um dos peões do Alvaréz.
— Chame a polícia e vamos ver o que tanto você teme! Seu desgraçado!
A passos largos me encaminhei até o celeiro, e com nervosismo abri a
porta. Caminhei até o final do recinto, e respirei fundo quando não a encontrei.
— Cadê a minha filha? – Ouvi quando o forasteiro perguntou.
— Você tem uma filha?
Ao ouvir a voz debochada, e em um excesso de fúria, apontei a espingarda
em direção a Benício e engatilhei. Alvaréz rapidamente me olhou com seriedade.
— Eu preciso de você ao meu lado para encontrar a minha filha – falou
com calma me encarando, mas eu não conseguia tirar os olhos do Menzzotti. —
Se você for preso por matar esse desgraçado, não vai me ajudar de nada!
Precisamos encontrar a Isobelle.
Fiquei alguns minutos em silêncio, mas logo praguejei, e olhei mais uma
vez ao redor. Só havia alguns materiais e fenos. Respirei fundo, e no instante
que inspirei, senti o perfume característico de Isobelle. Puxei mais uma vez o ar,
e tive a certeza de que era dela.
— Mande os peões revistarem a casa – mandei tentando controlar a raiva.
— Ela esteve aqui, eu sinto o perfume dela.
— Isso é ridículo! Não conheço quem vocês procuram! E se vocês querem
revistar minha casa – Benício murmurou ao mesmo tempo que limpava o nariz
de sangue. — Então arrumem um mandado, já fui muito receptivo em deixar que
invadam minhas propriedades. Se eu quisesse poderia atirar em vocês, mas não
sou eu quem quer briga aqui.
— Se você quiser chamar a polícia, fique à vontade! – rugi o encarando
com raiva. — Eu só saio daqui quando eu revistar a casa, e se alguém tentar me
impedir, vai levar um tiro.
Benício sorriu e buscou o celular no bolso da calça.
Após bufar passei por ele, e antes de sair do celeiro ouvi Benício falar
com o que parecia ser a polícia. Corri de volta para a casa do maldito, e a
senhora de antes tentou me barrar. Não foi tão difícil passar por ela, e quando
consegui ignorei os xingamentos.
— Isobelle! – gritei. Abri a primeira porta, e não a encontrei. Empurrei as
seguintes portas e nada de encontrá-la. — Isobelle!
— Ela não está aqui! – a senhora murmurou, me olhava com uma raiva
genuína. — Agora saia da casa!
— Eu não quero ser grosseiro com a senhora! – Deixei claro fazendo-a
parar. — Então, por favor! Não se envolva nisso!
Invadi um dos quartos e fui até uma porta que havia ali. Ao abrir vi que
era o banheiro, e nada de Isobelle. Olhei para a saída do quarto e vi Alvaréz
analisando o ambiente.
— Ela não está aqui – avisou e eu respirei fundo. — Os peões já olharam
nos outros quartos, nenhum sinal dela.
Me aproximei rapidamente dele.
— Eu senti o perfume dela no celeiro, ela está aqui! Precisamos olhar o
poço, vasculhar cada centímetro desse lugar.
Alvaréz me observou um pouco confuso, mas logo acenou. Ainda sob o
olhar atento, me abaixei para procurar embaixo da cama e bufei quando não a
encontrei. Saí do quarto e me encaminhei para fora da mansão. Alguns dos peões
do Benício me encaravam, e minha vontade era de interrogar todos eles.
— A polícia já está vindo – Benício avisou, o olhar de superioridade fazia
com minha vontade de socá-lo voltasse. — Saibam que vou prestar queixas
contra vocês. Não pago impostos para me sentir ameaçado em minha própria
moradia.
Com raiva, passei os dedos entre meus cabelos e olhei o caminho que ia
depois do celeiro. Sem falar nada, fui até minha caminhonete e coloquei a
espingarda no banco da frente. Alvaréz me chamava ao lado da porta do
motorista, mas eu não queria ouvir. Eu queria Isobelle!
Dei partida e segui o caminho de pedra que levava até outra porteira. Ao
me aproximar da porteira fechada avancei destruindo tudo. Me guiando pelas
lembranças do que Isobelle me falou, cheguei ao caminho íngreme, e mais a
frente um pouco vi o tal poço. Estacionei perto, e desci. Encostado na boca do
buraco tinha uma porta redonda de madeira, talvez para fechá-la. Apoiei minhas
mãos na beirada e inclinei o corpo para frente.
Até onde eu conseguia ver estava tampada de cimento e entulhos.
— Caralho! Cadê você, Bel?
Puxei a respiração e tentei pensar com mais calma.
Isobelle não sabia onde Marcos morava, então não tinha uma possibilidade
de ela estar por lá e caso isso acontecesse, algum dos peões seriam avisados. Ela
não sairia sem avisar, afinal ela estava me esperando, pois queria me falar
alguma coisa. Então ao notar isso franzi o cenho. O que ela queria me falar? Se
passaram alguns minutos e ouvi alguns veículos se aproximarem.
Olhei para trás e vi uma viatura da polícia, a 4x4 do forasteiro e outra
caminhonete. Cruzei os braços observando cada um dos recém-chegados. Um dos
policiais passou pela minha caminhonete e notou a espingarda.
— Ferreira, vou me aproximar, então não faça movimentos bruscos. – O
olhar percorreu por meu corpo. — Está armado?
— Só estou com a espingarda na caminhonete.
— Certo – murmurou e caminhou em minha direção, ao parar ao lado
pediu para eu levantar a camiseta. Após obedecer, encarei Benício que sorria. —
O senhor quer se explicar? Invasão e ameaça são acusações sérias.
— Precisamos vasculhar essa fazenda, a minha noiva sumiu e eu tenho
certeza de que ela está aqui.
O policial me olhou surpreso, em seguida encarou os outros.
— Podemos conversar com mais calma? Vamos até...
— A cada minuto que passa – o interrompi com grosseria. — A minha
mulher está presa, sabe-se lá onde, correndo perigo. Não me peça para ter
calma! Esse desgraçado – apontei para Benício — já a machucou uma vez e ele
fez de novo!
— Invasão, ameaça e calúnia – Benício sorriu de braços cruzados. — Seus
crimes só aumentam, Ferreira.
Com um gesto de mão, o policial pediu silêncio e me encarou.
— Vamos conversar, eu preciso entender o que está acontecendo. Ou então
não vou poder ajudar adequadamente.
No fim da fala, ele inclinou o corpo e franziu o cenho ao ver o poço.
Concordei e ao lado de Alvaréz comecei a relatar desde o começo. No fim
do meu “depoimento”, o mesmo policial foi falar com Benício. Os dois
conversaram por 3 minutos, e quando o vi falar pelo rádio preso a roupa,
respirei em alívio. Ele pedia para que os outros policiais checassem o perímetro.
Estranhamente Benício tinha adotado uma expressão neutra, já Ernesto se
mantinha inquieto com o olhar para a fazenda.
Quase no fim da tarde, os policiais se reuniram e para o meu desespero;
Isobelle não tinha sido encontrada. Era como se ela nunca esteve por lá, mas eu
sabia que ela estava.
Contrariado e sob ameaça de passar uma noite na prisão, voltei para a
minha fazenda. Alvaréz me acompanhou em silêncio, não tinha falado
absolutamente nada desde que a polícia tinha chegado.
Passei pelas porteiras e vi minha mãe e meus irmãos em pé na varanda.
Leôncio e José estavam parados por perto. Assim que desci, peguei a espingarda
e fechei a porta da caminhonete com força. Minha mãe me olhou alarmada e
correu até mim. Ao me abraçar, começou a chorar me deixando mais nervoso.
— Meu Deus! O que aconteceu? Onde está Isobelle, meu filho?
— Eu não sei, mãe. Quando cheguei ela não estava mais, nem a mochila
dela. Ela não foi embora, mãe. Eu tenho certeza disso! Ela não me deixaria.
— Meu amor! – Se afastou de mim e encarou Alvaréz ao meu lado. — E
onde vocês estavam? E essa espingarda?
— Estávamos na fazenda do maldito! Ela esteve lá. Eu não a achei, mas
ela esteve lá. Eu senti o perfume, era Isobelle.
Ao lado de minha mãe me dirigi para dentro de casa. Ao chegar na sala
estranhei quando não vi os gêmeos, e talvez notando isso, Marcos falou.
— A Liliane ficou com eles, como você está?
— Com raiva de mim! Com ódio do Benício! Eu deixei que isso
acontecesse, eu não deveria ter a deixado sozinha. Não deveria! Eu prometi e
falhei.
— Você não tem culpa. Ela não disse nada se iria sair? – Matheus
perguntou de braços cruzados. — Talvez ela tenha saído.
— Ela não saiu! – esbravejei, mas logo suspirei. — Ela não saiu, ela
queria falar comigo. Me pediu para trazer bolovo, disse que quando eu chegasse
iríamos conversar.
— Sobre o quê? – Dessa vez foi Alvaréz a questionar. — Você não me
falou isso. Você não tem ideia sobre o que ela queria falar?
Respirei fundo e me joguei no sofá. Eu me sentia cansado, culpado e com
uma sensação ruim no peito.
— Talvez... – minha mãe começou, mas logo parou. Então levou a mão ao
peito.
— O quê? Ela disse algo para a senhora?
Minha mãe ficou de pé e se encaminhou até a porta para olhar para fora.
— Eu não sei, meu filho, mas eu acho que...
— Que o quê? – indaguei nervoso, ficando de pé, quando ela parou. —
Pelo amor de Deus, mãe. O quê?
— Talvez ela esteja grávida? – falou rápido, aquilo foi como um golpe em
mim. — Você acha que isso é possível? Que ela estava com essa dúvida? Hoje no
almoço estávamos conversando sobre isso, e eu notei ela um pouco aérea, bem
pensativa.
Me sentei novamente no sofá, e de repente não sabia mais o que pensar.
Eu via Alvaréz exclamar para mim alguma coisa com a face raivosa, enquanto
meus irmãos também gesticulavam. Minha mãe se aproximou de mim, e me
tomou as mãos. No entanto, eu só conseguia ouvir a palavra gravidez em minha
mente. Havia grandes chances de aquilo acontecer, transávamos sempre e em
nenhum momento lembrei da camisinha. Apoiei meus cotovelos nas coxas e
franzi o cenho.
Eu não queria acreditar que Isobelle tinha me deixado por causa disso.
— Ela não me deixou, mãe.
— Não, meu amor. Ela te ama demais.
Ao ouvir aquilo, não consegui segurar as minhas lágrimas. As minhas
forças estavam se esvaindo, meu coração estava totalmente devastado. Eu me
sentia tão pequeno e indefeso. Eu não gostava de me sentir assim.
— Eu também a amo – murmurei e minha mãe sorriu em meio as lágrimas.
— Eu a amo demais! E eu não disse isso, eu falei que estava apaixonado, mas eu
a amo. Eu não sei viver sem ela.
— Vamos encontrá-la, e você vai poder dizer tudo isso a ela. – Afirmou e
sorriu enquanto secava as lágrimas. — Precisamos ir até a polícia.
— Já falamos com a polícia, e, aliás, Mattias está proibido de se
aproximar da fazenda do desgraçado. Se ele fizer isso será preso. Era tudo o que
precisávamos.
Minha mãe franziu o cenho e me encarou em dúvida.
— Eu não fiz nada de mais!
— Eu vou entrar em contato com um amigo da capital – Alvaréz falou com
o celular em mãos. — Ele é da polícia e vai saber nos auxiliar com mais
precisão. Por favor! Não faça nenhuma besteira! E quando isso tudo passar,
vamos conversar sobre você ter engravidado minha filha.
Eu o olhei e percebi que ele falava sério, como se não tivesse gostado de
saber daquela novidade.
O observei ir, e quando ficamos apenas nós, fechei os olhos e esfreguei o
rosto.
— Meu filho, o Leôncio disse que você foi até a fazenda do Albuquerque.
O que eles disseram?
Ao lembrar daquele detalhe, fiquei de pé rapidamente e corri até o lado de
fora. José e Leôncio ainda estavam por perto, conversavam entre si.
— Leôncio! – o chamei fazendo-o me encarar. — Você tem certeza de que
a Carolina veio aqui?
— Tenho patrão, eu reconheço aquela picape, a cor chamativa. A patroa
até pareceu não gostar da visita.
— Ela disse que não veio aqui.
— Então ela mentiu, patrão. Não tem ninguém nessa região com aquele
carro. Só ela mesmo.
Totalmente confuso com as informações, fui até a varanda e apoiei os
braços na madeira. Se Carolina veio mesmo aqui, por que mentiria? Com
desgosto olhei para o céu que já se tornava escuro e praguejei.
Eu já não sabia mais quanto tempo fiquei ali embaixo do celeiro com
aquela onça. Desde que ouvi a voz de Mattias, meu pai e Benício, ninguém veio
me buscar. Eu me sentia culpada, pois eu deveria ter feito algum barulho, algo
que chamasse a atenção. Estava com tanto medo da onça fazer força e se soltar,
que enquanto Mattias estava no celeiro e as vozes alteradas se faziam presente,
eu fechei os olhos deixando as lágrimas caírem. Um choro sofrido e repleto de
medo. O que Benício faria comigo?
Tentei mexer minha perna que estava dormente, e no instante que fiz, a
onça mudou a posição. O rabo enorme e negro balançava de um lado para outro,
o olhar penetrante não saía de mim. Lentamente olhei para a corrente, e percebi
que ela era curta. Talvez a onça não conseguisse avançar, mas se ela estivesse
com muita fome, aquilo seria um empecilho para ela? Em meu devaneio lembrei
da fala de Ernesto.
Benício foi o culpado da morte do prefeito? Eram tantos os
questionamentos, que por um momento esqueci da onça e tentei me virar para
olhar a escada. Então foi quando tudo aconteceu muito rápido. A onça rosnou
alto e tentou avançar, mas antes que pudesse pular em mim, a corrente a
impediu. Gritei mesmo com a mordaça na boca, senti meu corpo tremer e sem
que eu conseguisse me segurar, fiz xixi na calcinha.
Me encolhi contra a parede de barro, ao mesmo tempo que ouvia a onça
rosnar junto aos barulhos das correntes. Os minutos se passaram, a talvez pela
exaustão e medo, adormeci. Quando abri os olhos novamente, tudo estava
completamente escuro, meu corpo reclamava de frio, e o fedor da minha urina no
chão de terra começava a me incomodar. Prestes a fechar novamente os olhos,
ouvi vozes ao fundo de forma abafada. Me sentindo mais desperta, olhei para o
final da escada e engoli em seco.
Com a porta aberta, vi Benício se agachar e sorrir.
— Como passou a noite? – indagou e eu fiquei confusa. — Você foi tão
obediente ontem que merece um presente.
Ernesto desceu as escadas de madeiras, e quando me puxou pelos braços
amarrados, franziu o nariz.
— Ela está fedendo – avisou, em seguida começou a rir enquanto cortava
as cordas dos meus pés, em seguida removeu a mordaça. — Parece que ela se
mijou.
Benício me olhou surpreso, mas logo riu.
Eu me sentia completamente humilhada, amedrontada, com raiva. Eram
tantos sentimentos, eu queria conseguir xingar e exigir que me soltassem. Mas,
eu só consegui chorar mais. De forma bruta fui arrastada para dentro do celeiro,
ao sentir o chão de madeira abaixo de mim, respirei em alívio.
— Vamos indo, temos muito o que conversar.
Após isso me deu as costas e começou a caminhar para fora. Minhas
pernas tremiam, e a cada fraquejada que eu dava, Ernesto apertava o meu braço.
Já do lado de fora, consegui ver quatro peões que me observavam sem conseguir
disfarçar os olhares maliciosos. Em meio a eles, vi um que parecia não estar
muito confortável. Como se não concordasse com o que estavam fazendo.
— Por favor! – gritei para ele, que me olhou assustado. — O meu pai é o
forasteiro! Eu...
Rapidamente fui puxada e recebi um tapa forte que me fez cair. Um pouco
desorientada, e dolorida, senti quando algo escorreu por meu nariz. Olhei para o
chão e vi que era sangue. Fui puxada novamente com grosseria, ato que me fez
gemer de dor. Meus braços doíam, assim como meu corpo todo. O vento
ricocheteava minha pele parecendo agulhas finas, o céu ainda estava escuro e
isso me deixou em dúvidas sobre se era o mesmo dia que Mattias tinha ido até
ali.
Ao chegar dentro de casa vi Demétria saindo de outro quarto. No instante
em que me viu, cruzou os braços e redirecionou o olhar para Benício.
— Demétria, dê um banho nela. Depois a deixe na minha cama.
— Sim, senhor. – Sorriu e observou Ernesto me levar até o banheiro. —
Separei a camisola que o senhor me pediu.
— Ótimo, quando terminar me chame.
Fui colocada em cima de uma cadeira, e enquanto tentava me manter
calma, vi Demétria se aproximar. Meu rosto doía, e assim que abaixei a cabeça,
o enjoo me atingiu, fazendo minha boca encher de saliva. Meus olhos se arderam
em lágrimas, e por ainda sentir os braços doloridos, comecei a chorar.
— Não precisa fazer cena – Demétria murmurou ao fechar a porta do
banheiro. — Não vou machucar você.
Balancei a cabeça, olhei em seus olhos.
— Meus braços estão doloridos – Ela me olhou e suspirou. — Por favor,
eu...
— Dá última vez que confiei em você, me empurrou e eu machuquei a
coluna. Sem falar que o patrão ficou internado, perdeu um pouco da visão.
Baixei novamente a cabeça e após alguns segundos senti meus cabelos
serem acariciados. Sem falar nada, ela começou a me soltar. Não consegui falar,
mas o alívio em ter os braços livres me fez chorar. Demétria agarrou meu
vestido e o puxou para baixo. Eu poderia tentar sair dali, mas eu tinha plena
certeza de que não conseguiria dar um passo para fora.
Eu me sentia fraca, dolorida, cansada, com medo. Então apenas aceitei o
banho, mal conseguia me mexer, mas parecia que Demétria não se incomodava
com isso. Quando ela finalmente terminou, a segurei pela mão, os olhos se
fixaram em meu rosto.
— Por favor... Por favor, me ajuda.
— Não percebe que está sendo boba, menina? – murmurou enquanto me
enrolava com a toalha. — Sabe quantas matariam para estar em seu lugar? O
patrão é um bom partido, você só precisa ser mais obediente. Ele está com raiva,
mas acredito que tudo vai se acalmar.
Com medo de cair, me agarrei a Demétria e a passos hesitantes andei até o
quarto. Ao chegar na cama fui colocada sentada, minhas pernas tremiam e eu só
queria ir. Olhei para baixo e encarei as marcas do chicote em minha pele.
Demétria pareceu ler meus pensamentos, pois com cuidado passou a toalha nos
machucados.
— Isso vai sumir – comentou, em seguida pegou a camisola rendada da
cor branca. — Agora essas manchas no seu pescoço, não são de agora.
— Demétria... me ajuda, por favor. Eu não posso ficar aqui, o Benício vai
me...
— Você não sabe obedecer – me interrompeu com um pouco de
impaciência. — A antiga esposa do patrão também era assim, um gênio difícil.
Foi isso que separou os dois. Se você obedecer, ele não vai te machucar.
— Eu acho que estou grávida! – falei rápido, fazendo-a me olhar
assustada. — Se ele me machucar... o meu bebê...
— Grávida?
Concordei com a cabeça e engoli em seco.
Sem falar mais nada, Demétria me vestiu e segurou a toalha junto ao
peito.
— O bebê é do Benício? – Confusa, neguei e a observei ir até a porta. —
Você tem certeza? Porque você e o Benício...
— O pai do meu bebê é o Mattias! Nunca me deitei com o Benício.
Demétria negava com a cabeça, e me encarava sem conseguir esconder a
felicidade. Então, sem falar mais nada, saiu do quarto e trancou a porta por fora.
No instante em que fiquei sozinha, me levantei e andei até a janela. Ao olhar
pelo vidro, vi que era noite e alguns peões estavam espelhados pela área externa.
Tentei ver o caminho da porteira, mas não consegui. Como eu iria escapar?
Mattias já tinha vindo até aqui, e talvez por não me encontrar ali, não voltaria
mais. Sem saber o que fazer, levei a mão ao peito, eu me sentia tão nervosa, com
medo. Olhei meu anel que ainda estava comigo e deixei algumas lágrimas
caírem.
Atrás de mim a porta se abriu, ainda encostada no vidro da janela, vi
Benício entrar com o chicote em mãos. Ele ia me bater de novo? Enquanto ele se
aproximava, eu me afastava indo em direção do banheiro.
— Pelo que vejo já está ótima – comentou e me olhou dos pés a cabeça. —
Essa camisola foi feita para você.
— O que pretende me mantendo aqui? – indaguei e sutilmente olhei para o
lado, estava próxima do banheiro. — O meu pai e o Mattias não vão descansar
até me encontrar. Não vê o problema enorme que está causando?
— Mattias Ferreira – murmurou e começou a desabotoar a camisa que
usava. — Me diga... você gostou de ter se deitado com ele? – me ignorou
completamente, na mesma hora respirei fundo.
As mãos desceram para o cinto, e aproveitando aquela deixa tentei correr
para dentro do banheiro, mas antes Benício conseguiu me agarrar e com extrema
violência me jogou na cama.
— Por favor! Não me toca!
— Isobelle – balançou a cabeça, ficando com a calça pendurada no
quadril. — Por sua causa eu quase morri, tive uma infecção forte. Fiquei boa
parte dormindo, internado, e esse tempo todo, eu não tive uma mulher.
Me encolhi na cama e me abracei ao travesseiro.
— Eu não quero que me toque!
Benício riu e deu a volta na cama, a mão agarrou minha perna e não
querendo ser tocada, comecei a me debater. Meus braços foram contidos, e ao
sentir o perfume masculino tão perto de mim foi inevitável o enjoo.
— Ele te provou – sussurrou perto do meu ouvido. — O que custa ser
minha puta por hoje antes que eu te mate?
Ao fim da pergunta não consegui evitar o enjoo, e sem me importar com
nada vomitei em Benício. Ele rapidamente saiu de cima de mim, e era nítido o
nojo em sua face. Trêmula, o vi gritar para Ernesto, que rapidamente abriu a
porta. Ao lado dele, Demétria apareceu e ficou calada.
— Parece que ela gostou de ficar com a onça – Benício murmurou
enquanto se limpava com a camisa. — Se ainda não deram o sedativo, nem
façam. Vamos ver até quando essa desobediência de Isobelle continua.
— Sim senhor.
— Patrão! – Demétria finalmente falou, parecia nervosa. — A Isobelle me
contou que está grávida. – Assim que ela disse, os olhos raivosos de Benício
caíram sobre mim. — Talvez, por hoje, o senhor tenha piedade e a deixe dormir
aqui na casa.
— Grávida? – Repetiu, e como se só agora percebesse, fitou meu anel na
mão direita.
— Isso senhor – Demétria continuou, em seguida deu um passo a frente.
— Sabe como essas jovens são cabeças de vento, gostam de contrariar. Ela deve
ter passado mal, não comeu nada desde que chegou. Eu sou mulher e entendo
como esses enjoos são terríveis e incontroláveis.
Me encolhi na cama ainda recebendo o olhar de Benício, e para minha
surpresa ele apenas maneou com a cabeça e gesticulou com a mão. No mesmo
momento, Ernesto me agarrou pelo braço, e me arrastou para fora. Demétria
passou em nossa frente como um foguete, e enquanto caminhava pelo corredor
tentei analisar para onde estávamos indo.
Uma porta foi aberta, e me sentindo mais aliviada vi que era um quarto.
Ernesto me colocou sentada na cama, e sem cuidado apertou meu rosto com uma
das mãos.
— Você tem muita sorte! Mas saiba que estou de olho, e pode ter certeza
que se você aprontar algo, vai se arrepender amargamente.
Com ignorância soltou meu rosto, e esticou a mão até pegar um pedaço de
corda que Demétria segurava. O observei amarrar minhas mãos, e logo após sair
do quarto.
— Eu poderia trocar essa roupa suja, mas vou deixar que passe essa noite
assim como forma de castigo. Espero que pense bem no que está fazendo. Onde
já se viu? Vomitar no patrão? Perdeu mesmo o juízo, menina?
Querendo apenas ignorá-la, encarei o teto. Demétria se comportava como
se eu fosse a grande culpada de tudo, e mesmo não querendo, me fazia lembrar
de minha mãe. Não conseguia notar diferença entre as duas.
Como não a respondi, ela apenas suspirou e antes de sair removeu a chave
de dentro. Enquanto ouvia a porta ser trancada, chorei me sentindo realmente
amedrontada.
Mattias

Em pé ao lado de minha mãe, eu me mantinha de braços cruzados. A nossa


frente, um dos amigos de Alvaréz, que trabalhava na polícia, falava sobre não
terem encontrado nenhuma notícia sobre Isobelle. Nas câmeras da rodoviária não
tinha nada sobre ela, e aquilo me fez respirar fundo. Era lógico que não teria
nada, ela não tinha ido embora, Benício estava por trás de tudo isso.
Olhei para Alvaréz que esfregava a mão no rosto.
— O Benício está com ela – voltei a falar fazendo ele e os outros me
encararem. — Procurar Isobelle em outro lugar só é perda de tempo.
— Sr. Ferreira, fui informado de que a guarnição disponível no dia
verificou todo o perímetro e nada foi encontrado. Se o senhor mantiver a calma,
vamos...
— Faça-me o favor! – Gesticulei nervoso, o policial respirou fundo. — A
fazenda é extensa! Cinco policiais não dão conta de verificar por todo o lugar!
— Filho...
— Já se passou um dia e nada! – Vociferei ignorando minha mãe e sem
desviar o olhar do policial a minha frente. — Ou vocês fazem alguma coisa, ou
deixem que eu faça!
— Basta! – o grito me chamou a atenção. — Se isso aconteceu foi sua
culpa, Mattias! – Alvaréz proferiu se aproximando de mim. — Você sabia dos
riscos! – Gritou enquanto apontava o dedo para mim. — Você deixou que isso
acontecesse! Se ela tivesse aceitado ficar na minha fazenda como eu pedi, ela
estaria mais segura! Se minha filha morrer...
— O senhor está sendo injusto! – Minha mãe retrucou me defendendo. —
Não foi culpa do meu filho! O único culpado é aquele maldito do Menzzotti. Ele
que machucou a sua filha. Então não admito que venha a minha casa, e despeje
sua raiva no meu Mattias. Não pense que é só o senhor que está preocupado com
ela.
Eu sentia a raiva que Alvaréz emanava, e mesmo que eu estivesse nervoso,
eu sabia que ele tinha razão. Eu prometi que a protegeria e falhei. A culpa me
consumia, e tudo o que eu mais queria era Isobelle em meus braços.
— Pessoal, vamos ficar calmos – o policial voltou a falar. — Sr. Alvaréz,
no momento não podemos fazer nada em relação ao Benício Menzzotti. Não
consta nenhuma denúncia da sua filha contra ele, nada em aberto com relação a
isso. Não podemos simplesmente invadir a fazenda sem provas concretas. O que
podemos fazer estamos fazendo, acredite.
— Tipo o quê? – indaguei. — Ela não foi embora, ela foi sequestrada.
Benício Menzzotti a sequestrou, ele tinha motivos, ela esteve na fazenda dele e
viu coisas que claramente ele não queria que ela visse.
— O que ela viu, Sr. Ferreira? Por que não denunciou?
— Ela estava com medo, por isso não quis denunciar o Menzzotti. –
Minha mãe respondeu fazendo-o encará-la. — Ela estava machucada, sozinha,
tão assustada.
— Infelizmente isso não nos ajuda em nada, então o que podemos fazer
agora é esperar algum contato que possam fazer. Se ela aparecer na cidade
vamos saber.
— Isso é sério? – perguntei sem acreditar no que tinha escutado. — É isso
que vão fazer? Falaram com a Carolina Albuquerque?
— Ela negou ter passado aqui.
Com uma raiva genuína, saí da sala sem falar com ninguém, e me dirigi
até a caminhonete. Ouvia minha mãe me chamar aflita, e Alvaréz falar alguma
coisa, mas apenas os ignorei. Da porteira vi quando meus irmãos chegaram,
ignorando-os, dei a partida em direção ao curral.
As vacas estavam soltas no pasto, José e Leôncio conversavam quando
cheguei. Buzinei para chamar a atenção dos dois e gesticulei, rapidamente eles
se aproximaram.
— Leôncio, você vem comigo – proferi fazendo-o acenar e correr até o
banco do carona. Assim que ele se acomodou o olhei. — Quero ver se Carolina
vai mentir na sua presença.
Ele apenas acenou e colocou o cinto de segurança. Leôncio estava em
minha fazenda há muito tempo, eu conhecia sua família e ele a minha, eu
confiava nele e se ele afirmava que tinha visto Carolina por lá, então ele não
mentiu. Agora por que ela mentiria?
Após alguns minutos, que mais pareciam horas, adentrei as propriedades
do Albuquerque. Estacionei no caminho de pedras, e estranhei quando vi
Carolina descer as escadas segurando uma mochila. Olhei para a picape
vermelha e vi mais malas.
— Carolina! – A chamei e no mesmo instante a vi ficar pálida. — Vai se
mudar? Ou está fugindo? – quando não obtive resposta, a vi correr e sem pensar
duas vezes fui atrás dela. — Carolina!
Antes que ela pudesse entrar no lugar do motorista, a agarrei pelo braço.
— Me solta! Ficou maluco?
— Você não vai a lugar algum antes de me esclarecer algumas coisas.
— Pai! Socorro! – Gritou escandalosa, rapidamente a soltei, mas fiquei em
frente a porta impossibilitando a fuga. Sr. Albuquerque apareceu no topo da
escada, e ao me ver andou em nossa direção. — Ele não quer me deixar ir, pai.
Me apertou o braço e está me ameaçando.
Franzi o cenho e olhei para Leôncio, que tinha a mesma expressão que a
minha.
— Ficou maluco, Ferreira? Afaste-se da minha filha!
— A sua filha é uma mentirosa, Sr. Albuquerque – avisei, e recebi um
olhar atravessado. — Ela disse que não estava com Isobelle ontem, mas ela
estava, e meu peão confirma que a viu chegando.
Albuquerque olhou para Leôncio como se querendo confirmar.
— Eu tinha ido atrás do patrão quando vi que sua filha estava entrando lá
na fazenda, a patroa estava na porta.
— Isso é mentira! Seu peão mentiroso!
— A senhorita vai me desculpar, mas eu não minto não.
Eu a olhava meticulosamente, Carolina parecia amedrontada, a respiração
alterada, se ela fosse inocente não estaria daquele jeito.
— Você disse que ia até a cidade depois do almoço – Albuquerque falou
de braços cruzados. — Você mentiu, Carolina?
— Pai...!
— E foi depois do almoço mesmo que vi a picape vermelha entrar na
fazenda.
— Cala a boca, seu peão maldito! – rugiu, em seguida se virou para o pai.
— Pai, eu não sei sobre o que ele está falando. Eu não tenho nada a ver com esse
sequestro, eu...
— Sequestro? Em nenhum momento eu disse sequestro – murmurei
surpreso, então algo passou em minha mente, mas não quis acreditar. — Se você
o ajudou, Carolina, pode ter certeza de que vai parar na cadeia.
No mesmo instante ela engoliu em seco e agarrou o braço do pai.
— Pai! Eu não fiz nada, agora manda ele sair da frente. Eu preciso ir, ou
não vou conseguir pegar o voo.
Ao fim da frase, neguei com a cabeça e encarei Albuquerque. Ele olhava
em silêncio para a filha, e eu já estava pronto para impedir que ela fosse,
quando ele proferiu:
— Vá para o seu quarto, você não vai sair até que tudo seja esclarecido.
— Mas pai...!
— Silêncio e obedeça!
Agradecido, anuí com a cabeça.
— Eu odeio você, pai! E você também Mattias! Eu espero que ela apanhe
muito!
Irado com aquela fala, me segurei para não fazer besteira. Olhei revoltado
para o Sr. Albuquerque e o vi suspirar enquanto observava a filha adentrar a
mansão.
— Mattias, eu sei que você está nervoso – murmurou com um tom ameno
—, mas peço que deixe que eu fale com ela. Não precisa envolver a polícia
nisso.
Sem entender, balancei a cabeça.
— A minha mulher está desaparecida, a sua filha sabe provavelmente o
que aconteceu e omitiu isso no depoimento. Espera mesmo que eu não envolva
as autoridades?
— Patrão.
Ao ouvir Leôncio me chamar, me virei e vi a viatura adentrar rapidamente.
Do banco do carona, notei meus irmãos Marcos sair e Matheus o acompanhar.
Suspirei e encarei o policial amigo do Alvaréz descer e me olhar com seriedade.
— A Carolina vai falar a verdade sobre ontem – falei antes que o policial
dissesse algo. — Peço que por gentileza escutem tudo o que ela tem para dizer.
O policial suspirou e encarou o Sr. Albuquerque.
— Me chamo soldado Teixeira, podemos entrar?
— Minha filha não vai falar nada sem um advogado presente.
Senti uma mão em meu ombro, olhei para o lado e vi Marcos. Me olhava
com o cenho franzido, talvez por saber exatamente como eu estava me sentindo.
— Não pode sair assim feito um furacão – proferiu enquanto os outros iam
para dentro. — A mãe ficou preocupada, com medo de que você fizesse alguma
besteira.
Neguei com a cabeça e esfreguei os cabelos.
— Quer saber? Estou farto! – rugi e me dirigi até a caminhonete. — Não
vou ficar aqui de braços cruzados enquanto a minha mulher está correndo
perigo!
— Irmão! Irmão! – Matheus me puxou pelo braço, o encarei com raiva. —
O que pensa em fazer? Invadir as terras do Menzzotti e depois?
— Vou encontrar a Isobelle! – proferi e quando o vi abrir a boca
continuei: — Eu sei que eles procuraram, e que eu também procurei e não a
encontrei. Mas eu sinto, Matheus... ela está lá. Ela estava feliz na fazenda, ela
não iria embora, ela não tinha motivos para fugir de mim.
Cansado demais, andei até parar e abrir a porta do motorista.
— Você não pode ir sozinho até a fazenda dele. – Marcos falou, então o
olhei. — Se você acredita que ela está lá, então eu vou ajudá-lo.
— Marcos...
— Eu não vou deixar que vá sozinho – continuou com o olhar sério. — E
isso não está em discussão.
— É um pecado – Leôncio falou entrando na conversa —, mas eu posso
incendiar aquela plantação de milho. Monto no cavalo e tiro da metade até o
fim.
— É uma boa distração. A espingarda tá aí?
Sem acreditar, observei os dois a minha frente. Eles sorriam um para o
outro, mas eu não poderia colocá-los no meio disso, eu sabia que aquela invasão
era muito arriscado.
— Eu fico feliz com a iniciativa e ajuda, mas não posso permitir que se
coloquem em perigo assim.
Marcos apertou o meu ombro e se aproximou, então para minha surpresa
Matheus tomou a frente.
— Ela agora é da família. – Afirmou me deixando levemente surpreso. —
Eu sei que não fui legal antes – suspirou, e continuou —, mas devo isso a você
irmão, devo a ela.
— E ela é a patroa – Leôncio proferiu e cruzou os braços. — E eu não me
importo de lascar com o Menzzotti.
Após um suspiro, senti que um pouco do peso nos meus ombros saíram.
— Obrigado.
— Não precisa disso – Marcos balançou a cabeça e me puxou pelo braço.
— Agora cadê a espingarda?
— A mãe escondeu.
— Vamos precisar dela – Retrucou me fazendo respirar fundo. — Seria de
grande ajuda se o forasteiro soubesse.
— Ele não acredita que a Isobelle está na fazenda do Menzzotti.
Assim que me sentei no banco do motorista, olhei uma última vez para a
mansão do Albuquerque. Marcos se sentou ao meu lado, já Leôncio no banco de
trás com Matheus.
— Ele está nervoso – murmurou e me olhou. — Não é fácil para um pai
descobrir que sua filha sumiu e que possivelmente ela pode estar grávida.
Dei a partida em direção a minha fazenda. A suspeita da gravidez, Isobelle
sumida, tudo estava me levando a loucura.
— Acha mesmo?
— O quê? – questionei sem entender e um pouco impaciente.
— Que ela está grávida?
Voltei a olhar para frente, e após alguns segundos suspirei.
— É possível, eu não sei. Ela queria me falar alguma coisa, mas eu não
sei.
Ficamos em silêncio, mas logo Marcos decidiu falar.
— Vamos trazê-la de volta. Vai dar certo.
Aquela certeza na voz dele me fez pensar. Eu queria muito ter filhos, mas
tinha medo de lá no fundo Isobelle não estar de acordo. Talvez por achar muito
cedo, ou não ter certeza. Então não conseguia estar feliz cem por cento. Eu
precisava saber de Isobelle, e lembrar que eu tinha falhado em protegê-la, me
deixava com a sensação de perdedor.
Ao chegar na minha fazenda, percebi que só a caminhonete do Alvaréz
ainda estava ali. Desci e a primeira pessoa que apareceu na porta foi minha mãe,
soltei um suspiro e me aproximei.
— Filho, não vai assim. Me deixa tão aflita, pra onde você foi?
— Eu não vou ficar de braços cruzados sem fazer nada – respondi
enquanto adentrava a casa. Alvaréz e a esposa estavam na sala, passei em
direção ao quarto de minha mãe. A espingarda só poderia estar lá. — E ninguém
vai me impedir de ir atrás da Isobelle.
— Meu filho! Pelo amor de Deus! Eu também estou preocupada com a
Isobelle, mas o Menzzotti é perigoso.
Sem dar ouvidos, comecei a abrir as gavetas e portas do guarda-roupa. Eu
sabia que deveria respeitar minha mãe, e não a deixar nervosa, mas eu não
conseguia me controlar. Não achando no guarda-roupa, me virei e olhei por todo
o quarto. Tentava pensar onde minha mãe teria escondido, quando olhei para a
cama, minha mãe deu um passo a minha frente. O olhar era assustado, então eu
soube onde estava.
— Mattias, não! Deixe que a polícia vá de novo na fazenda daquele
maldito!
— Mãe, por favor! – Pedi cansado demais para tentar explicar. — Eu
preciso, por favor... eu não posso esperar mais.
Deixando algumas lágrimas caírem, ela acenou lentamente e segundos
depois levantou o colchão. A espingarda estava com algumas partes enrolada, a
peguei e conferi se estava municiada. Antes de sair do quarto, vi minha mãe se
sentar no colchão, o olhar era triste.
Me ajoelhei em sua frente tocando-a pela mão.
— Eu vou tomar cuidado. – Prometi me sentindo péssimo por fazê-la
chorar. — Sua benção, mãe.
— Deus te abençoe – sussurrou me tocando no rosto. — Tome cuidado,
meu filho.
Concordei e saí do quarto, já na sala me virei para Alvaréz.
— Eu estou indo até a fazenda do Menzzotti – falei recebendo um olhar
surpreso. — Então se quiser me ajudar.
— A Isobelle não está lá! – exclamou ficando em minha frente. — Sabe o
que aconteceu e você não quer admitir? Você se aproveitou de um momento de
fraqueza da minha filha e ela foi embora quando finalmente percebeu. Se
aproveitou, e tem medo, ou vergonha de admitir.
Respirei fundo, a vontade era de socar a cara dele. Pronto para retrucar,
ouvi quando galopes se aproximaram, e em questão de segundos meu irmão me
chamou apavorado. Sem entender, olhei para fora e vi meus irmãos carregando
alguém com parte do braço sangrando, mas o que me deixou alarmado foi aquele
peão estar carregando a mochila de Isobelle.
Minha mãe, ao ver parte do peão com o braço dilacerado, gritou
horrorizada. Marcos rapidamente o colocou em cima do sofá, e me entregou a
mochila. Abri e vi algumas peças de roupas da Isobelle.
— Onde você achou isso aqui? – perguntei fazendo-o me olhar. —
Onde...?
— Menzzotti, a mulher está com ele – falou e puxou uma respiração com
expressão genuína de dor. Marcos com agilidade retirou o cinto que usava e
envolveu no braço na parte de cima, do que parecia ser uma mordida. — Ela
estava de baixo do celeiro, com a onça.
— O quê? – Meu coração no mesmo instante acelerou, eu não poderia ter
perdido Isobelle. — Ela...
— Está viva, o patrão a levou pra dentro da casa. Ele tem a onça, eu não
quero ser preso.
Olhei para Alvaréz que tinha o semblante assustado, mas assim que me
fitou engoliu em seco e acenou com a cabeça.
— A onça está solta.
— Eu vou até lá – falei olhando diretamente para Alvaréz. — Não deixe a
minha mãe sozinha aqui.
— Eu vou ligar para o Teixeira.
— Faça isso.
Sem olhar para trás, saí em disparada. No lado de fora vi Leôncio galopar
para longe, ele já sabia o que precisava ser feito. Logo atrás de mim ouvi a voz
de Alvaréz falar no celular, estava completamente nervoso. Tomei o lugar do
motorista e observei Marcos correr até o lugar do passageiro. Pelo retrovisor vi
Matheus correr e subir na carroceria.
— Vamos acabar com aquele maldito.
Assim que me virei na cama, tentei preguiçosamente mover os braços. No
entanto, quando não consegui, abri os olhos e notei que ainda estava amarrada.
Os raios de sol invadiam as frestas da janela, anunciando um novo dia. Me
sentei rapidamente e logo praguejei quando fiquei tonta. Lentamente me sentei
na beirada do colchão e quando me senti melhor, me levantei e fui até a janela.
Tentei empurrá-la para cima, mas não consegui abrir de forma que eu pudesse
passar por ela.
Ainda tentando, escutei quando começaram a destrancar a porta.
Rapidamente andei até a cama e me sentei no colchão macio. O primeiro a entrar
foi Benício, logo em seguida Demétria, ela trazia uma bandeja com suco e
torradas.
— Já acordada? – Benício sorriu e parou em frente a cama. — Como
passou a noite?
— Se não vai me deixar ir, o que eu ainda faço aqui? Você não percebe
que a polícia vai me procurar? Você está sendo muito burro.
Com o coração aos pulos o observei respirar fundo, e me ignorar. Ainda o
encarando, percebi que Demétria colocou a bandeja em minha frente.
— Coma filha, você precisa se alimentar. Ficou sem comer um bom tempo,
não é bom para o bebê.
Desviei o olhar para ela, em seguida a bandeja. O cheiro das torradas me
deu água na boca, e mesmo a contragosto peguei uma. Dei uma mordida
generosa, sentindo a crocância e o delicioso gosto se espalhar em meu paladar.
Peguei o suco e dei um gole, mas ao olhar para Benício vi que ele sorria. Então,
alarmada, parei de mastigar quando pensei em algo, e sem cerimônia alguma
cuspi no prato.
— Está envenenado? – questionei e no mesmo instante senti o tapa arder
em minha face.
Demétria me encarava com um olhar triste.
— Acha que eu teria coragem de envenenar você? – devolveu com uma
pergunta. — Você só vem me decepcionando.
Após falar pegou a bandeja e me deu as costas. Com a sua saída, Benício
se aproximou e se sentou na ponta do colchão. Me olhava meticulosamente, me
deixando totalmente constrangida. Esfreguei a mão onde Demétria havia me
batido e deixei que algumas lágrimas caíssem. Eu queria estar nos braços de
Mattias, longe de Benício. Por que minha vida tinha que ser dessa forma?
— Sabe o problema de quem mente uma vez? – indagou e se colocou mais
próximo de mim. Automaticamente me encolhi na cama. — É que mais ninguém
acredita em você. Ninguém vai te procurar aqui, se eu tivesse me negado...
talvez aí eles desconfiassem, mas não fiz isso.
— Me deixa ir – sussurrei e quando notei que ele não entendeu, repeti: —
Por favor, me deixa ir. E-Eu morava com a minha mãe, em Marsilac, eu fugi de
casa porque eu esfaqueei meu padrasto. – Benício me observou atentamente. —
Eu fiquei com medo, não queria ser presa. Tinha uma blitz na estrada, por isso
eu desci e sem querer, vim parar aqui. Eu não sabia que meu pai estava vivo,
minha mãe sempre me falou que ele estava morto. Ninguém me mandou te
espionar, ou sei lá. – Chorei me sentindo cansada. — Eu menti meu nome,
porque pensei que a polícia estava atrás de mim. Quando estava aqui e decidi ir,
foi porque fiquei com medo de ser morta. Eu fiquei assustada.
Benício me encarou por alguns minutos, mas logo sorriu.
— Uau, você realmente é perigosa. Tentou matar o seu padrasto, me
matar... Sua história de vida é muito comovente – murmurou e continuou sem
tirar os olhos do meu corpo —, mas o que espera que eu faça? Que eu tenha
pena? Você quer um abraço? – questionou e riu mais. — Por que acha que está
aqui? Por mentir seu nome? Ou pelo fato de ter me deixado quase cego! – Gritou
me deixando trêmula. — Isobelle, eu vou ensinar a você o que acontece quando
alguém cruza no meu caminho.
Benício ria como se estivesse contando uma piada. Assustada, olhei para a
porta do quarto, e notei que ela estava encostada. Voltei minha atenção para
Benício, no mesmo momento em que ele seguiu meu olhar. Rapidamente fitei
minhas mãos, que estavam trêmulas, e engoli em seco quando ele me segurou
pela corda.
— Se você tivesse me aceitado, nada disso aconteceria. Tudo isso é culpa
sua. – Os dedos me tocaram o rosto, e com raiva desviei de seu toque. — Vou
pedir para que Demétria venha lhe dar um banho, você está lamentável.
— Você não tem o direito de fazer isso comigo.
— Você agora é minha, Isobelle. E como minha propriedade posso fazer o
que quiser com você.
Em um momento de fúria, avancei contra Benício e o estapeei o rosto,
conseguindo retirar aquele tapa-olho ridículo. Após a surpresa inicial, ele me
conteve e antes que pudesse se afastar, me acertou um murro. Caí encolhida na
cama, e chorei ao sentir uma dor insuportável próximo do olho.
— Sua vadia ardilosa!
Com agressividade, Benício agarrou o meu braço e me puxou para fora do
quarto. Antes que chegássemos até a cozinha, Ernesto apareceu com o semblante
assustado. Atrás dele havia mais três peões.
— A onça se soltou lá embaixo e feriu um dos peões.
— O quê? – Benício indagou, mas logo adotou uma expressão raivosa. —
Como isso aconteceu?
— A corrente deve ter se partido, o peão não viu e a onça conseguiu
abocanhar parte da perna dele. Tinha outro peão, mas ele sumiu.
— Porra!
— Patrão... a onça está solta dentro do celeiro.
Ao ouvir aquilo, minha pele arrepiou de medo. Eu poderia ter morrido se
ainda estivesse por lá, com isso em mente não falei nada quando Benício me
puxou pelo braço de volta para o quarto.
— E o sedativo?
— O peão deixou cair a caixa lá dentro.
Fui empurrada em direção à cama, onde rapidamente me encolhi.
— Mas que inferno! – O grito me deixou nervosa. — Quem foi?
— Ouvimos os gritos do Jesuíno de dentro do celeiro – respondeu, ele
parecia realmente assustado. — Disseram que viram o Nuno montar no cavalo e
sair. Parecia que ele estava machucado.
— Inferno! Tragam-no de volta! O que aquele imbecil pensa que vai
fazer? Chegar no hospital pedindo ajuda?
Ao ficar sozinha no quarto, fui até a janela e tentei ver o que estava
acontecendo lá fora. Muitos dos peões do Benício estavam espalhados pelo
pátio, e dentre eles, consegui ver Demétria. Sem pensar muito, corri em direção
à porta, e quando testei abrir vi que estava destrancada. Cheguei até a cozinha, a
porta estava aberta e algumas panelas no fogo. Me aproximei lentamente da
entrada e percebi que não conseguiria correr até a saída.
Com um suspiro sofrido, voltei a olhar para onde todo mundo estava perto
do celeiro. Um peão segurava a porta de madeira, e parecia dar alguma ordem.
Demétria apontou na direção da cozinha e deu meia volta, fazendo Ernesto
acompanhá-la. Desesperada, pensei em voltar para o quarto, mas antes vi a faca
prateada em cima da mesa.
Meu coração parecia que sairia pela boca.
Apressadamente adentrei o quarto, fechei a porta, e me sentei no meio do
colchão. A faca sem ponta escondi embaixo do travesseiro, torcendo para que
ninguém a descobrisse.
Assim que a porta foi aberta de supetão, olhei para Ernesto, que me
encarava surpreso. Então ainda me olhando, apontou o dedo em minha direção e
falou:
— O patrão está no limite, então é melhor você obedecer.
— Os meus braços doem – falei fazendo-o parar em pé na porta. — E eu
quero ir ao banheiro.
Por um instante ele me analisou, em seguida foi até o banheiro. Ali
sentada, ouvi que ele abria as gavetas, como se procurasse alguma coisa. Quando
ele voltou para o quarto, andou em minha direção.
— Acredite, aqui é o lugar mais seguro pra você – murmurou enquanto
soltava os meus braços. — Não seja estúpida.
Engoli em seco, em seguida acenei.
— Por que o Benício tem essa onça? – Indaguei antes que ele saísse. —
Ela conseguiu sair do celeiro?
— Isso não é da sua conta.
Após a resposta rude me deixou sozinha no quarto.
Mais que depressa me levantei e fui até a porta, estava trancada. Bufei e
andei até a janela, de onde eu estava não conseguia ver mais ninguém pela área
externa. Eu precisava pensar em algo, talvez eu pudesse sair pelos fundos e
seguir o mesmo caminho até a fazenda do Mattias.
— Mas e se a onça conseguiu sair do celeiro? – questionei em voz alta.
Me sentindo frustrada, voltei para a cama.
Todos estavam ocupados demais com o assunto onça, aquele era o meu
momento de tentar fugir. Vamos Isobelle! Decidida do que deveria fazer, desci
da cama e fui até a porta. Tentei abrir novamente, e quando não consegui
suspirei, mas logo uma ideia maluca me passou pela cabeça. Me agachei e tentei
ver pelo buraco do trinco, a chave ainda estava lá. Então estiquei o braço até a
cama e puxei o lençol. Esparramei o tecido no chão e o empurrei por de baixo da
porta.
Meus dedos tremiam, mas eu não conseguia parar.
Busquei a faca e após respirar fundo tentei empurrar a chave pelo buraco
do trinco. Estava quase perdendo as esperanças, quando por fim consegui fazer a
chave cair. Sem demora puxei o tecido com calma, e sorri ao ver a chave ali. Me
levantei mais que depressa, joguei o lençol na cama e abri a porta. Segurei a
faca com uma mão, e saí no corredor. Conseguia ouvir vozes alteradas vindo da
cozinha, parecia a voz do Benício. Tranquei a porta novamente e deixei a chave
no mesmo lugar.
A passos cautelosos andei até o final do corredor e segui até a janela que
eu tinha pulado antes. Com medo de ser ouvida, comecei a abrir a janela de
forma lenta, mas no instante que ouvi alguém praguejando e gritando que eu
tinha sumido, esqueci daquele zelo e a abri rapidamente.
— Ela está aqui, Ernesto! – Olhei para trás e vi Demétria correr em minha
direção.
Arfei em um puro medo, e pulei de qualquer jeito indo diretamente ao
chão. Assim que caí gritei de dor, no entanto, eu não pararia. Mesmo com os
olhos cheios de lágrimas, pela dor insuportavelmente fina que sentia no
tornozelo, comecei a correr. Diferente daquele dia que fugi, naquele momento o
sol estava bem alto no céu, o calor e o chão quente estavam presentes. A minha
frente vi quando um peão apareceu e correu em minha direção.
Assustada corri na direção contrária, sem que eu pudesse desviar trombei
com Ernesto. Os braços tentaram me segurar, e em um esforço de me soltar
desferi um golpe de faca no braço dele.
— Filha da puta! – Gritou raivoso, e quando o outro peão se aproximou
conseguiu tomar a minha faca. — Desgraçada!
A mão pesada me atingiu no rosto, e cheia de ódio comecei a gritar e a
puxar os braços. O peão ainda me segurava enquanto Ernesto ia na frente,
praguejava ao mesmo tempo que apertava o próprio braço. Andamos o caminho
de pedra que levava até a cozinha, então eu vi uma fumaça preta no céu. Os
poucos peões que estavam em frente a porta do celeiro, correram e montaram em
cavalos indo na direção do fogo. Sem entender vi Ernesto os acompanhar.
Benício apareceu no batente da porta e me olhou, parecia mais raivoso.
Sem falar nada, ele me segurou o braço e me puxou para perto.
— Patrão, ela...
— Silêncio Demétria! – exclamou sem tirar os olhos de mim. — Sua puta!
– Me xingou com o rosto próximo do meu. — Vou mostrar qual o seu lugar aqui!
E a quem você deve respeito!
Ele me puxava sem esforço algum, enquanto eu tentava me soltar. Com as
minhas unhas eu arranhava a mão dele, mas parecia uma rocha ao redor do meu
pulso. Comecei a dar socos por onde eu alcançava, porém, nada fazia efeito. No
quarto ele me jogou na cama e começou a retirar o cinto que usava.
— Eu fui muito educado com você, mas como sempre você não soube
apreciar.
— Eu não vou deixar que me toque! – falei e fiquei de pé ao lado da cama.
— Faça isso – murmurou e sorriu mais. — Eu gosto quando elas lutam
comigo.
Me sentindo enojada e, ao mesmo tempo, assustada. Fitei o móvel que
tinha ao lado da cama, e sem pensar puxei a gaveta para jogar em Benício. Ele
riu e com agressividade me impeliu de continuar.
— Não! Socorro!
— Depois que eu usar você – sussurrou em meu ouvido. — Vou te jogar
dentro do celeiro, esconder seus pedaços será mais fácil para mim.
Neguei com a cabeça e quando ele se aproximou para me beijar, ouvimos
um barulho de algo se quebrar parecia vir da cozinha. Benício não se importou e
tentou mais uma vez me beijar, virei o rosto sentindo com nojo a mão descer e
adentrar a camisola que eu usava.
— Me solta! Socorro!
— Isso! Grita mais alto! Me deixa mais duro!
Me contorci tentando sair de onde estava, eu gritava por ajuda, minhas
lágrimas embaçavam minha vista e quando pensei em desistir... A porta do
quarto abriu e eu vi Mattias com a espingarda.
Eu estava alucinando?
— M-Mattias?
Mattias

Ao estacionar a caminhonete perto da porteira, desci e engatilhei a


espingarda. Andamos de forma cautelosa para dentro da fazenda, não havia
nenhum peão e ao longe vi a fumaça preta banhar o céu azul. Com aquele calor
demoraria até que eles conseguissem apagar o fogo.
Assim que nos aproximamos da casa, nos escondemos entre os arbustos
quando vimos dois peões correrem em direção ao milharal. Com o caminho livre
avançamos mais um pouco e já na estradinha de pedra, notei que um peão
segurava a porta do celeiro. No entanto, assim que ele nos percebeu, correu na
direção oposta.
Segurei a espingarda com mais firmeza e liderei o caminho.
A porta da cozinha estava aberta, e eu ouvia nitidamente uma voz
feminina cantarolar uma canção. Adentrei o cômodo sorrateiramente, e apontei a
arma para a cozinheira que estava de costas para mim. Quando por fim ela
percebeu nossa presença, derrubou o prato que enxugava. Levei o dedo a boca
em um pedido de silêncio, foi então que ouvi ao fundo a voz desesperada de
Isobelle.
— Me solta! Socorro!
Rapidamente e com o coração batendo desenfreado, me guiei pelos gritos
de socorro. Eu estava a ponto de explodir de ódio, apertava a espingarda com
raiva e tudo piorou quando abri aquela porta. Benício imprensava Isobelle contra
um móvel, ele ria enquanto ela tentava se soltar. Quando ela me olhou parecendo
desacreditada e aliviada, eu me senti mais culpado.
— M-Mattias?
No mesmo instante, Benício a agarrou pelo pescoço, se mantendo atrás
dela.
— Ferreira – murmurou e sorriu. — Chegou em boa hora, estava prestes a
ver Isobelle nua.
— Solta ela – mandei, minha raiva era extrema. — Você vai se arrepender,
Menzzotti.
— Se você não soltar essa espingarda, eu quebro o pescoço dela. –
Ameaçou, e para demonstrar que ele faria mesmo apertou fazendo Isobelle
fechar os olhos. — Então?
Travei a mandíbula, mas lentamente abaixei e coloquei a espingarda no
chão.
— Solta ela – mandei mais uma vez, sutilmente dei um passo na direção
deles. — Você não tem como escapar dessa, Menzzotti. Acabou para você.
— Será? – indagou de forma sarcástica, em seguida cheirou os cabelos de
Isobelle. — Ela é uma verdadeira delícia, Ferreira. Espero que não se importe,
mas precisei corrigi-la em alguns momentos. Ela é muito teimosa, respondona,
não gosto muito.
Olhei para Isobelle e vi as marcas arroxeadas pelas pernas, o rosto
marcado.
— Eu vou matar você.
Assim que falei e quase ao mesmo tempo, tiros foram ouvidos ao fundo
junto a uma gritaria de vozes masculinas. Menzzotti assustado olhou para trás, e
soltou o pescoço de Isobelle por reflexo.
Então aproveitei aquele momento para avançar.
O afastei dela, e acertei um soco em seu rosto. Desviei habilmente quando
ele tentou revidar, e deixando a raiva me dominar o agarrei e corri até a janela
nos jogando nela. O barulho do vidro se partindo foi alto, eu ouvia Isobelle me
chamar e chorar, mas eu precisava extravasar aquele ódio que eu estava
sentindo. O segurei pelo colarinho da camisa semiaberta, e o soquei fazendo
mais sangue espirrar de seu nariz.
Ao ver o resquício do sorriso sarcástico, me emputeci e o soquei diversas
vezes.
Meu braço foi segurado por alguém, mas logo me soltei e voltei ao que
fazia.
— Ei irmão! Calma! – fui puxado de cima do corpo inerte. Eu respirava
com dificuldade, meus nódulos estavam ensanguentados e minhas mãos tremiam.
— Isobelle precisa de você. Você já acabou com ele.
Me soltei do agarre firme de Marcos, e tentei me acalmar. Eu ainda queria
socar Menzzotti, ele merecia mais. Foi então que encarei Isobelle chorosa e
encolhida entre a cama e o móvel. Soltei um suspiro e fui em sua direção, eu não
sabia o que falar, não sabia se ela estava com medo de mim ou chateada. Bem
próximo a ela, olhei seu rosto machucado e engoli em seco. Ela tinha sido ferida
por minha causa.
— Me desculpe, Bel.
Como resposta, ela me abraçou apertado, me pegando de surpresa. Então
ali eu finalmente consegui respirar em alívio, o peso em meu coração se
dissipava aos poucos que sentia o calor de Isobelle em meus braços. Meu irmão
ainda estava em frente a porta, nos observava com atenção.
— Um dos peões atirou, e correu para longe – avisou e se agachou para
pegar a espingarda. — Vou buscar a caminhonete.
Após uns segundos de sua saída, me voltei para Isobelle.
— Vamos embora – murmurei e me afastei minimamente dela.
Delicadamente sequei suas lágrimas. — Agora está tudo bem, eu estou aqui.
— E e-ele?
Benício continuava desacordado no chão.
— A polícia está vindo – respondi, e no meu íntimo eu torcia para que ele
estivesse morto. — Vamos.
Indiquei o caminho, mas assim que ela deu o primeiro passo, gemeu se
encolhendo. Rapidamente a peguei no colo com cuidado, deixando que os braços
arrodeassem meu pescoço. Assim que adentrei a cozinha, vi Matheus segurando
a espingarda.
— Merda! – praguejou assim que viu Isobelle em meus braços. — Vamos
embora, irmão.
Acenei e sem dirigir um olhar para a cozinheira, caminhei para o lado de
fora sentido o aperto dos braços ao redor do meu pescoço aumentar. O celeiro
estava com as portas abertas, e logo me lembrei da onça. Matheus pareceu ter o
mesmo pensamento, pois levantou a espingarda e observou atentamente ao redor.
— Mattias!
Olhei na mesma direção que meu irmão e praguejei. A onça estava parada
há uns 10 metros de distância entre os canteiros de flores em nossa frente, nos
olhava fixamente. O rabo balançava lentamente, e eu sabia que a partir dali o
que fizéssemos, a onça poderia atacar.
— Irmão... eu atiro?
— Não – neguei e senti Isobelle me apertar trêmula. — Você pode errar,
fique quieto e não tire os olhos dela. – No instante que senti Isobelle querer
mover a cabeça, sussurrei: — Não olhe.
Sutilmente relanceei para Matheus que mantinha a mira na onça.
Da porta da cozinha, Benício saiu cambaleando e segurando uma arma.
— Eu vou matar vocês! Seus desgraçados! – Gritou e riu. — Vou matar
vocês dois e mijar nessa puta!
Eu poderia ter avisado, mas no exato momento em que a onça se levantou
e tomou impulso para correr. Eu vi quando Benício franziu o cenho e virou para
trás. Ele não teve tempo para agir, em um ataque rápido a onça pulou em cima
dele o abocanhando no pescoço. Os gritos estrangulados, se misturavam com os
rosnados da onça. Quando por fim ele parou de se mover, eu respirei fundo e
observei a onça – ainda agarrada no pescoço do Benício – o puxar na tentativa
de sair dali.
Ao fundo eu ouvi sirenes, e quando olhei para trás a caminhonete já se
aproximava. Marcos desceu do lugar do motorista e observou incrédulo a onça
arrastar praticamente 100kg como se fossem nada.
Em silêncio esperei que Matheus abrisse a porta de trás, e assim que ele o
fez me inclinei para colocá-la sentada, mas logo fui agarrado.
— Fica comigo, Mattias!
— Eu não vou te deixar, meu amor – respondi e olhei meu irmão. — Eu...
— Vai com ela – Marcos me interrompeu com a espingarda em mãos. —
Eu falo com a polícia. Matheus dirige.
Grato com aquela ajuda, acenei com a cabeça, e mesmo com dificuldades
me sentei aconchegando Isobelle em meu colo. Matheus rapidamente se sentou
no lugar do motorista e manobrou a caminhonete. Fechei os olhos e quando senti
a mão me acarinhar a barba, usei a outra mão livre para tocar os fios castanhos.
— Eu estou aqui para você, meu amor. Ele nunca mais vai te machucar.
Olhei para frente e vi algumas viaturas passarem rapidamente por nós.
Mais a frente um peão a cavalo se aproximou, reconheci sendo trabalhador do
Alvaréz. Assim que nos reconheceu, parou em frente a caminhonete e se
aproximou da janela.
— O patrão pediu pra vocês levarem ela até o hospital da capital. Ele e a
sua mãe foram pra lá.
Matheus me olhou pelo retrovisor como se querendo confirmar, eu apenas
acenei. Voltei minha atenção para Isobelle que tinha os olhos fechados, e foi
inevitável não notar o roxo em seu olho. Meu sangue na mesma hora esquentou,
e eu desejei ter mais 10 minutos com Benício. Com toda certeza do mundo, eu
faria o trabalho da onça.
Ficamos alguns minutos na estrada, Matheus praticamente voava no
volante e quando finalmente vi a fachada do hospital me preparei para sair.
Alvaréz estava na entrada de braços cruzados, mas assim que nos
visualizou correu para dentro. Matheus estacionou, em seguida uma equipe de
enfermeiros se aproximaram com uma maca. Desci e com cuidado coloquei
Isobelle deitada, ela rapidamente me agarrou o braço.
— Mattias!
— Eu estou aqui – falei enquanto caminhava para dentro, sempre
segurando sua mão. — Você precisa ser examinada, saber se quebrou alguma
coisa.
— Minha filha! – Alvaréz murmurou e sorriu se colocando do outro lado
da maca. — Meu bem, eu estava preocupado com você. Agora está segura, vou
cuidar de você.
Sem o responder, ela apenas me encarou parecendo nervosa.
— Está tudo bem, meu amor. – Enderecei um sorriso e beijei com carinho
sua mão. — Eu vou estar aqui.
— Eu amo você – sussurrou enquanto chorava.
Meu coração no mesmo momento falhou uma batida, meus olhos nunca a
abandonavam, então eu sorri mais.
— Eu também amo você, Bel. Tem o meu coração para sempre.
Depois que falei, deixei que eles atravessassem as portas de correr. Pelo
vidro redondo observei o caminho que eles seguiram, e quando a perdi de vista
me encostei na parede. Meus olhos se encheram de lágrimas, e eu me permiti
chorar em alívio por finalmente Isobelle estar ali.
Senti uma mão me tocar o ombro, e só ali eu notei minha mãe. Ela também
me olhava com lágrimas.
— Oh meu Mattias – murmurou me puxando para um abraço. — Ela está a
salvo agora, vai tudo ficar bem. Você a salvou, meu filho.
— Ele a machucou, mãe – sussurrei me sentindo tão culpado. — Eu falhei
com ela, eu...
— Não repita isso! – Bronqueou com seriedade. — Você não falhou! O
único culpado será preso.
— Aquele lá virou comida de onça – Matheus respondeu se aproximando.
— Parecia cena de filme. Eu vou voltar para casa, a Liliane ficou com aqueles
pestinhas. Sem falar que ela deve estar preocupada sem notícia.
Concordei e em um movimento o abracei.
— Obrigado irmão, eu não sei o que posso fazer para agradecer.
— Não precisa disso – murmurou retribuindo o abraço. — Eu fico feliz
que ela esteja segura. Vê se agora tenta descansar, comer alguma coisa.
— Obrigado.
Nos afastamos e o vi abraçar nossa mãe.
— Vou pedir para depois trazerem a caminhonete.
O observei se afastar, e em seguida fui me sentar para aguardar alguma
notícia de Isobelle. Minha mãe me acompanhou, e assim que se sentou ao meu
lado, agarrou minha mão.
— O seu irmão tem razão, você deveria comer alguma coisa e descansar.
— Quando tiver notícias dela, eu prometo que vou comer algo.
Alvaréz que até então estava afastado no celular, se aproximou.
— A polícia prendeu o capataz, dois dos peões que estavam com ele e a
cozinheira. Acharam o corpo do Benício atrás da casa. – Avisou e se sentou a
nossa frente. — A tal onça ainda não foi pega.
— Ela precisa ser resgatada – falei mesmo não querendo conversar com
ele. Sua acusação de que eu tinha me aproveitado de Isobelle ainda estava
martelando minha cabeça. — Sabe se lá quantos dias ela estava sem comer, ou se
estava sendo maltratada.
— É, mas que bom que tudo foi resolvido. Agnes está ansiosa para a
chegada de Isobelle.
Sem entender, franzi o cenho.
— O quê? A chegada?
— Isobelle vai ficar na minha fazenda até que decida o que quer fazer.
Tomado pela fúria, fiquei de pé, sendo imitado.
— Você só vai levá-la por cima do meu cadáver!
— Meu filho!
— Eu acho bom você não me enfrentar, rapaz! – retrucou com seriedade.
— A minha filha vai ficar comigo. Ela não está mais sozinha.
— Eu já disse que não, forasteiro.
— Os dois querem parar?! – Minha mãe proferiu em tom de bronca. —
Isso não é hora de vocês cantarem de galo! Eu exijo respeito aqui. O momento
é pra nos unirmos pelo bem da Isobelle. Então os dois se comportem!
Bufei e voltei para o lugar de antes.
Esfreguei o rosto, em seguida cruzei os braços. Eu não discutiria com
Alvaréz, mas de uma coisa eu tinha certeza: não permitiria que ele se
intrometesse daquela forma. Só me afastaria se Isobelle me pedisse
pessoalmente.
Fiquei por ali sentado, sempre que via uma enfermeira perguntava sobre
Isobelle e sempre recebia a mesma resposta: O doutor vem falar com vocês.
Já no final da tarde, quando eu já estava a ponto de explodir, vi o médico
se aproximar com a prancheta em mãos.
— Familiares de Isobelle Monteiro?
Rapidamente fiquei de pé e o encarei.
— Sim! Como ela está?
— A paciente está bem, e fora de perigo. – Sorriu enquanto lia o
prontuário. — Enquanto era examinada ela estava lúcida, e muito falante, nos
informou sobre o tornozelo e a preocupação com a gravidez. – Após ele falar,
suspirou e nos encarou. — Ela tem algumas escoriações pelo rosto, partes do
corpo, tornozelo lesionado e apesar das circunstâncias ao qual foi trazida, o feto
também está bem.
— Graças a Deus! – Minha mãe sorriu e segurou o meu braço. — E cadê
ela? Podemos ficar com ela um pouco?
— Ela está medicada – respondeu. — Demos um calmante, ela estava
chorando e muito nervosa. Vou recomendar que ela passe a noite em observação,
posso deixar que uma pessoa fique com ela.
— Eu fico! – Avisei, nem se quer olhei para Alvaréz. — A gravidez está
fora de perigo?
— Bom, deu para perceber que ela passou por grandes apuros – murmurou
com o cenho franzido. — Na avaliação que fizemos, não encontramos nada de
anormal no feto. Não houve sangramento, nem nada que possa ser prejudicial no
momento. Vou levá-los até ela, mas peço que quem não for ficar, não demorem.
Acenei e juntos seguimos o mesmo caminho feito por Isobelle.
Assim que paramos em frente a uma porta branca, o médico a abriu e
então eu a vi. Isobelle dormia de forma tão serena, uma mão descansava em seu
ventre enquanto a outra se mantinha estirada ao lado do corpo. Havia um acesso
intravenoso no dorso de sua mão esquerda.
Adentrei o quarto e relanceei para a enfermeira que dosava a quantidade
de soro.
— Por favor, não demorem aqui. Qualquer coisa é só chamar a enfermeira.
Me aproximei de Isobelle e lhe toquei delicadamente o rosto.
— Oh meu Deus! Pobrezinha! – Minha mãe murmurou ao se aproximar. —
Queria tanto estar aqui quando ela acordar, mas acho melhor voltar e deixar a
casa arrumada para ela.
— Sra. Ferreira – Alvaréz falou com a voz cansada. — Não quero me
desfazer da sua casa, mas sob os meus cuidados ela terá o conforto e médico à
disposição.
Respirei fundo e voltei minha atenção para Isobelle.
Delicadamente coloquei minha mão sobre a dela que descansava em cima
do ventre. Saber que ela estava grávida, e que ela tinha preocupações sobre a
gravidez, me fez ter um resquício de felicidade. Talvez ela estivesse de acordo
com aquilo, mas como eu iria questionar? Seria o caso de esperar até que ela se
sentisse confortável em falar? Eu realmente não sabia como abordar aquele
assunto.
Saí do meu devaneio com os dois falando baixinho.
— Quando ela acordar e se for da vontade dela eu mesmo a levo até sua
fazenda. – Murmurei e o vi suspirar. — Só peço que nesse momento nos deixe a
sós.
Eu conseguia ver nitidamente o impasse nos olhos dele, mas por fim ele
apenas acenou e se aproximou. Beijou na testa de Isobelle e em seguida saiu.
— Meu menino, vá comer alguma coisa. Eu vou ficar preocupada em ir se
você não comer nada. Eu fico aqui com ela.
— Eu estou sem fome, mãe. – Respondi ainda fazendo um carinho na pele
macia. — Prometo que quando a fome bater, eu compro alguma coisa.
— Quando a Isobelle acordar vou fofocar que você não quis comer –
falou, então sem conseguir segurar eu sorri. Minha mãe mantinha os braços
cruzados, mas sorria. — Pode acreditar que vou contar.
— Eu só quero ser a primeira pessoa que ela vai ver quando acordar –
murmurei e me sentei na poltrona que tinha ao lado da maca. — Eu prometi que
não sairia perto dela.
Ouvi um suspiro e me virei para minha mãe.
— Então vou ver se consigo trazer alguma coisa para você – avisou e eu
concordei. — Agora tudo vai dar certo, meu filho.
De forma carinhosa minha mãe me beijou a testa, em seguida se foi. Voltei
minha atenção para Isobelle e me senti tão incompetente ao ver o rosto tão lindo
marcado. Após mais um suspiro me encostei na poltrona e fiquei a observando
dormir tranquila.

Ainda sonolenta, abri os olhos e vi o quarto parcialmente escuro. Olhei


para o lado e percebi Mattias dormir sentado com os braços cruzados.
Automaticamente me lembrei de como ele me viu tão vulnerável nos braços do
Menzzotti, e mesmo não querendo me senti envergonhada.
Querendo despistar aqueles pensamentos, fixei meu olhar no meu pé
imobilizado em seguida para a mão que descansava em meu ventre. Mesmo
depois de todo o horror que passei na fazenda daquele monstro, meu bebê estava
bem e aquilo me fez sorrir. Meu bebê estava bem, e eu não sabia como falar
aquilo para o Mattias. Se eu tivesse dito minhas suspeitas antes, seria mais fácil
falar agora.
Como ainda estava de noite, e eu não fazia ideia do horário, decidi voltar
a dormir. Puxei mais do lençol que me cobria e com o rosto virado para o
Mattias, fechei os olhos.

Assim que acordei pela segunda vez, eu estava sozinha no quarto. Tentei
me sentar, mas não consegui. Foi então que ouvi uma descarga ser acionada, e
após uns segundos a porta – que eu só percebi agora dentro do quarto – abrir.
Mattias enxugava as mãos na blusa que usava, e no instante que me viu
acordada, andou rapidamente até mim.
— Oi. – Acenei um pouco tímida. — Pensei que você tinha ido.
— Não, meu amor – respondeu e, no fundo, me derreti quando ele me
chamou de meu amor. — Eu passei a noite toda por aqui velando seu sono, mas
acho que em algum momento eu dormi.
Sorri, permitindo que ele pegasse minha mão e levasse aos lábios.
— Eu acordei antes, ainda estava tudo escuro. Você dormiu sentado.
Ele me olhou surpreso, mas logo acenou e levou carinhosamente os dedos
ao meu rosto.
— Eu passei boa parte do tempo, pensando sobre tudo. – Falou e se sentou
no colchão. — Eu sinto muito, Bel. Me desculpe, por favor.
— Pelo quê?
Mattias suspirou e parecia sem jeito.
— Eu prometi que nada aconteceria a você – murmurou, ele olhava nossas
mãos. — Me descuidei e tudo isso aconteceu. Eu nunca vou me perdoar.
— Não, Mattias! Não foi sua culpa, eu não quero que fique falando isso.
— Bel...
— Não foi sua culpa, Mattias. – O interrompi fazendo-o me encarar. — Se
você for pensar assim, então eu sou culpada pelo Ernesto ter me levado, porque
eu não fui quando você me chamou. Eu que decidi ficar.
— Não, é lógico que não foi sua culpa, Bel.
— Então, nada de culpados aqui – falei e o vi acenar ainda incerto. —
Tudo bem? Eu quero recomeçar com você, Mattias. Esquecer Benício, Ernesto e
Demétria. Só a gente e... bom, tem uma coisa que eu queria falar. – Mattias me
olhou atento. — Eu queria ter falado antes, mas eu não sabia bem como começar.
Não era bem assim que eu queria falar.
— Você não sabia como começar porque não tinha certeza? Ou estava com
medo?
Sem compreender bem, tentei me sentar, mas dessa vez Mattias me ajudou.
— Eu não tinha certeza, e eu fiquei com medo da sua reação – respondi e
ele me olhou surpreso. — Sei lá, por achar muito cedo. Ou não sei, eu...
— Bel, o que você está sentindo em relação a isso?
Fiquei alguns segundos calada, e levei lentamente a mão dele até meu
ventre. Mattias não esboçou nenhuma reação de surpresa, então ele já deveria
estar sabendo.
— Eu não sabia se estava mesmo grávida, não sabia qual seria sua reação.
Se você ia ficar feliz, porque conversamos sobre ter filhos, mas talvez você
pudesse querer só depois de alguns anos de casados. – No instante que terminei,
ele sorriu. — Quando cheguei aqui, eu fiquei com medo de ter perdido o nosso
bebê. Eu não sabia que queria tanto ele, eu quero, Mattias.
O sorriso dele aumentou, e aquilo me deixou mais calma.
— Construir uma família com você é tudo o que eu mais quero, Bel. Não
sabe o tamanho da minha felicidade ao ouvir de você que está de acordo com o
nosso bebê.
Acenei com a cabeça e me permiti chorar. Mattias rapidamente me
abraçou, e de olhos fechados senti o perfume tão característico dele.
— Aquilo que falei é verdade – murmurei, e então ele se afastou para me
olhar. — Eu amo você, eu percebi antes, mas com a possível gravidez fiquei
receosa em falar e você achar que...
Delicadamente ele tocou o meu lábio, e carinhosamente me deu um
selinho.
— Eu também amo você, Bel. Amo você, mais que tudo. Lá na cozinha,
quando eu disse que você era incrível – relembrou, foi no mesmo dia que ele
avisou a mãe que estávamos juntos. — Eu também queria ter dito que eu amo
você, mas eu queria que fosse um momento especial, talvez em um jantar ou um
momento só nosso..., mas eu não disse e quase te perdi...
O olhar dele de dor atingiu meu coração, e sem saber o que falar voltei a
chorar. Os braços logo me abraçaram de forma protetora, e ali agarrada a ele, foi
inevitável não lembrar das cenas que passei. Eu só queria esquecer tudo e
recomeçar.
— Bom dia! – Ao ouvir a voz estiquei o pescoço para ver quem era. Em pé
na entrada estava uma enfermeira com um carrinho. — O seu café da manhã,
quando você terminar de comer, eu voltarei para te examinar.
Enxuguei as lágrimas e me separei de Mattias.
— Sabe informar se o médico está por aqui? – Ele indagou indo até ela. —
Ele disse que ela passaria a noite apenas.
— Vou dar uma verificada para o senhor.
— Obrigado.
Assim que ficamos sozinhos de novo, Mattias se aproximou e posicionou a
bandeja a minha frente.
— Você tomou café? – quis saber enquanto o observava me entregar a
colher e um pratinho com frutas picadas. — Tem suficiente para nós dois aqui.
Sorri e dei uma colherada generosa. Os sabores das frutas juntas me
deixou levemente extasiada, a maçã era o sabor que mais se sobressaía.
— Eu tomei um café que a enfermeira ofereceu.
No mesmo instante o encarei. Mattias estava sentado na poltrona, o corpo
todo inclinado para frente.
— Ela ofereceu?
— É, os acompanhantes ganham um café da manhã mais cedo.
— Ah! – balbuciei, e quando ele sorriu fiquei levemente constrangida.
— Não me olha assim!
Mattias sorriu mais.
— Ciumenta.
Neguei com a cabeça e fitei meu pé com aquela bota preta. Na minha
tentativa de fuga torci o tornozelo, e lembro muito bem de alguém ter dito que
ficaria com o pé imobilizado por algumas semanas.
— E sua mãe? Ela vem hoje? O meu pai? – Continuei comendo, foi então
que o vi pensar a respeito. — O que aconteceu depois que eu sumi?
— Bom, eu cheguei e não te encontrei. Fui até o curral, a sua procura, e o
Leôncio me disse que você estava na casa, que a Carolina tinha passado lá.
— Ela o ajudou – falei e o vi respirar fundo. — Ela apareceu na fazenda e
me convidou para sair. Ela sabia que você tinha saído... e quando eu estava no
quarto do Benício, ela ligou para ele e depois... – Parei quando percebi a feição
dele mudar. — Mattias, eu sei que o Sr. Albuquerque é um cliente seu, e eu não
quero de forma alguma prejudicar a relação de vocês. Então...
— Não! Se ela ajudou o Benício, então vai responder na justiça. Você é
minha prioridade, Bel. Não eles.
Acenei lentamente.
Após alguns minutos terminei de comer a salada de frutas, tomei um gole
do suco de laranja e deixei que meu olhar observasse o quarto por completo,
tudo era tão chique, parecia ser um hospital muito caro.
— Ainda estamos em Vassouras, né?
— É, aqui é quase no limite da cidade. É um bom hospital, foi o forasteiro
que pediu para te trazer para cá.
No fim daquela fala, Mattias olhou ao redor e respirou fundo. Parecia
incomodado com alguma coisa, mas assim que seus olhos me fitaram, ele deu um
mínimo sorriso.
— Eu ainda quero me casar com você. – Avisei. — E eu não trocaria o que
a gente tem por nada.
Ao ver o sorriso aumentar, eu senti meu corpo relaxar.
— Mal posso esperar para tê-la como minha esposa. Futura Sra. Ferreira.
Sorri totalmente boba, e deixei que ele me tocasse de forma carinhosa na
bochecha. De olhos fechados apreciei o toque em meu rosto, tive tanto medo de
não ter mais aquele contato. Abri novamente os olhos e levei a minha mão ao
rosto dele. Alisei a barba por fazer, e quando pensei em lhe dar um beijo, vi
Rosalinda aparecer na entrada. Trazia uma bolsa de pano, e logo atrás dela vi
meu pai junto a uma mulher muito bonita.
Mattias ao perceber a presença de mais pessoas, ficou de pé.
Aquela mulher só poderia ser a Agnes: usava um vestido até a altura dos
joelhos, saltos, e poucas joias. Os cabelos cacheados e pretos, chegavam até os
ombros. Os olhos eram verdes, e ela me sorria de forma tímida. Mesmo sem jeito
por não estar tão apresentável, retribuí.
Rosalinda foi a primeira a me abraçar.
— Oh, minha querida! Eu senti tanto medo, que bom que você voltou.
Você dormiu bem?
Nos afastamos do abraço e eu percebi que ela chorava. Sem conseguir me
segurar também chorei, eu estava tão sensível.
— Dormi, estou ansiosa para voltar para casa. Acho que não gosto de
hospital.
— Deixei tudo pronto pra você. – Comentou, em seguida encarou o filho.
— E você comeu ou vou ter que falar pra Isobelle que você não come direito e
nem dorme?
Mattias tinha os braços cruzados, não tinha dito nada e eu bem devia ter
desconfiado. Ele parecia que não dormia a um bom tempo. Voltei o meu olhar
para meu pai que também não tinha falado nada, nem se quer um bom dia. Algo
tinha acontecido entre eles.
— Oi Isobelle, sou a Agnes – se apresentou e sorriu. — Eu sei que esse
pode não ser o momento ideal para a gente se conhecer, mas eu fiquei
preocupada com você. Posso te abraçar?
— C-Claro. – Afirmei e quase no mesmo segundo fui abraçada. — A
senhora é muito bonita.
— Você também é muito bonita.
Sorri de forma simpática e observei meu pai. Ele ainda em silêncio me
abraçou, e acarinhou meus cabelos.
— Eu pensei que tinha te perdido mais uma vez. Estou tão mais calmo
agora.
— Finalmente o Benício vai nos deixar em paz – respondi e olhei
rapidamente Mattias que tinha a feição séria. — Foi tudo tão aterrorizante.
— Imagino, meu bem – Agnes murmurou com um pequeno sorriso. —
Você precisa de descanso, relaxar e esquecer tudo isso. O seu quarto está a sua
espera, caso você queira passar uns dias na nossa fazenda.
— Ah... – balbuciei, e então vi meu pai encarar Mattias de uma forma não
tão amigável. — Eu agradeço, mas nesse momento eu quero ficar com o Mattias
e a dona Rosalinda.
— Filha – meu pai se sentou na beirada do colchão. — Você não está mais
sozinha, eu estou aqui para você. Para cuidar e proteger.
Em seguida, ele buscou minha mão e me olhou no fundo dos olhos.
— Eu posso conversar com o senhor a sós?
Isobelle

Mattias foi o primeiro a acenar, e antes de sair me beijou no topo da


cabeça. Rosalinda depositou a bolsa de pano na poltrona e seguiu o filho. Agnes
foi a última a sair, e eu esperava que ela não tivesse se chateado com o meu
pedido, ela parecia ser realmente uma boa pessoa.
— Há algo que você queira me falar, filha? Você parecia um pouco
confusa... Eu estou aqui para o que você precisar.
Franzi o cenho e juntei as mãos em frente ao corpo.
— Eu só queria entender o que está acontecendo.
— Como assim?
Após o meu suspiro, eu o encarei.
— Eu não sei, mas parece que aconteceu alguma coisa entre o senhor e o
Mattias.
— Ele disse alguma coisa?
— Não, mas é tão nítido. O que aconteceu? Vocês brigaram?
Ele ficou alguns segundos calado, mas logo respirou fundo.
— Você sumiu, filha. A gente foi até a fazenda do Benício, mas não a
encontramos. A polícia te procurou por lá, e não tinha rastros seus.
— Ele me escondeu de baixo do celeiro com uma onça.
— Agora sabemos disso – retrucou, ele parecia desconcertado. — Antes o
que tínhamos era uma suspeita de que você tivesse fugido.
— Mas porque eu fugiria? – indaguei sem entender aquele pensamento. —
O senhor me visitou, viu que eu estava feliz e noiva.
Em um movimento rápido, ele ficou de pé e balançou a cabeça.
— A Sra. Ferreira avisou sobre as suspeitas de que estivesse grávida –
confidenciou, e aquilo me pegou de surpresa. — Então eu deduzi o resto.
— Deduziu?
Eu estava completamente confusa.
— Filha, você tinha acabado de fugir de dois crápulas, e eu não estou
querendo lhe culpar de nada – falou rápido quando me viu estreitar o olhar —,
mas o Mattias sabia que você estava frágil, vulnerável.
— Ele não se aproveitou de mim! – retruquei quando entendi o que ele
estava insinuando. — Não acredito que disse isso a ele.
— Filha...
— Não! O Mattias não se aproveitou de mim. – Neguei vendo-o suspirar.
— Ele sempre foi respeitoso comigo e...
— Você queria estar grávida agora? – questionou e eu engoli em seco. Eu
não conseguia acreditar que meu pai estava falando aquelas coisas. — Era isso
que você queria?
— O senhor não sabe nada sobre mim! – Assim que falei, ele me olhou
surpreso. — Não sabe sobre o que eu quero ou não, e eu não admito que fale mal
do Mattias ou do nosso bebê como se ele fosse um erro.
— Isobelle...
— Eu vou me casar com o Mattias e vou ser a mãe dos filhos dele! –
Continuei com a voz séria, mas eu queria chorar. — E eu não quero que meus
filhos cresçam em um lar desestruturado como eu cresci. Então o senhor tem
duas opções: ou respeita o Mattias e o que temos ou se afasta de vez.
Meu pai tinha o olhar surpreso.
— Eu fiquei preocupado com você – murmurou sem tirar os olhos de mim.
— Eu estava louco sem notícias suas.
— Então decidiu culpar o Mattias por algo que ele não fez? Eu me
entreguei a ele, porque eu quis – falei, mesmo que estivesse morta de vergonha.
— Ele nunca me forçou a nada. Essas marcas no meu rosto, não foi ele quem
fez. O Mattias sempre me tratou bem, como uma princesa, ele é um homem
íntegro. O senhor deveria saber disso.
Sem conseguir me segurar mais, deixei algumas lágrimas caírem, mas logo
as sequei.
— Me perdoe, filha, eu...
— Não é a mim que o senhor tem que se desculpar.
Continuei enxugando as lágrimas teimosas, enquanto ele ficava em pé me
observando. Eu não voltaria mais naquele assunto, mas esperava que meu pai
fizesse a coisa certa. Não tinha cabimentos as insinuações dele contra o Mattias,
e eu só conseguia imaginar como ele reagiu com tantas acusações sem
fundamentos.
Naquele momento eu só queria que ele fosse embora, e como se sentisse,
alguém bateu a porta. O médico com o Mattias adentraram o quarto, os dois
conversavam baixinho, mas logo pararam.
— Bom dia, Isabelle – o médico murmurou, mas logo Mattias o corrigiu:
— Isobelle, muitos nomes. – Sorriu para descontrair. — Como se sente hoje?
— Bom dia, bem. Pronta para ir.
Ele deu mais um sorriso e se aproximou.
— Imagino, ninguém gosta de hospital – comentou enquanto puxava uma
máquina de pressão que estava ao lado. — Sentiu alguma tontura? Desconforto?
Enjoo?
— Não – neguei e estirei o outro braço para ele. — Eu só quero voltar
para casa.
— Entendo.
Encarei Mattias que se mantinha de braços cruzados, nem se quer dirigia o
olhar ao meu pai. Assim que o médico finalizou, me sorriu e buscou a prancheta
agarrada a minha cama. O observei anotar alguma coisa, em seguida voltar a me
encarar.
— Bom... – o médico parou de falar e fitou Mattias e meu pai — eu queria
poder falar com você a sós.
Engoli em seco e notei meu pai acenar e sair, Mattias logo o imitou, mas
rapidamente agarrei sua mão.
— Fica comigo?
— Claro.
O sorriso, mesmo que mínimo, em minha direção me deixou mais calma.
— Certo, Isobelle. Antes que eu lhe dê alta, preciso falar algumas coisas.
– No instante que ele disse aquilo, soltou um suspiro. — Ficará algumas
semanas com o pé imobilizado, não foi algo grave, mas é preciso um cuidado
para que a lesão não se torne uma dor de cabeça a mais.
— Tudo bem – respondi e automaticamente agarrei mais a mão de Mattias.
— E o meu bebê? Ele está bem mesmo?
— O seu bebê está bem. – Sorriu fazendo a tensão se dissipar. — Peço que
comece logo o pré-natal, ele é essencial nesse momento. Aqui no hospital temos
bons profissionais, incluindo psicólogos que podem te ouvir e conversar. Temos
alguns planos de terapia, em grupo ou se preferir, sozinha.
Após falar retirou alguns panfletos do jaleco e me entregou.
— Obrigada.
— Não está sozinha, Isobelle – continuou com um sorriso. — Então é isso,
vou assinar a sua alta e em breve a enfermeira vem retirar os acessos.
— Obrigado – Mattias agradeceu estendendo a mão em um cumprimento.
Olhei os panfletos, mas logo os deixei de lado. O médico já tinha saído,
Mattias voltava a se aproximar.
— O que tem na bolsa?
— Acho que suas roupas – respondeu enquanto ia até ela. — Minha mãe
voltou para casa ontem. O Leôncio veio com a caminhonete, todo mundo está
feliz com a sua volta.
Sorri e segurei a bolsa.
Também estava muito feliz, e com saudades dos gêmeos, então me lembrei
e o olhei rapidamente.
— Eu não quero que o João Pedro e a Maria Alice me vejam assim.
— Eu imaginei – murmurou e se sentou ao meu lado. Os dedos tocaram
com carinho minha bochecha. — Eles acham que você está muito gripada e não
pode receber visitas por enquanto.
Concordei e o segurei pela mão. Fiquei alguns minutos só o observando e
sendo correspondida.
— Eu amo você, Mattias. Eu sei que o modo como apareci em sua vida,
foi um pouco diferente, mas eu tenho certeza do que eu quero. Como eu disse
antes: eu não trocaria isso por nada.
— Eu também não trocaria você e o que temos por nada. – Sorriu e
inclinou lentamente o rosto em minha direção. Nossos lábios se tocaram
suavemente, mas rapidamente ele se afastou. — Eu amo vocês.
Ao final da frase, a mão tocou o meu ventre e eu sorri.
— Estou atrapalhando? – Olhamos para a porta onde a enfermeira de antes
estava. — Soube que já está de alta.
Acenei e esperei que ela retirasse o acesso do meu braço. Quando por fim
ela finalizou, perguntou se eu precisava de ajuda para me trocar, mas logo
neguei. Com a saída dela, retirei o lençol das minhas pernas e tentei sair da
maca.
— Eu te ajudo – Mattias rapidamente me pegou nos braços com cuidado.
— Quer que eu chame a minha mãe para te ajudar no banho?
— Não quero que sua mãe me veja nua – respondi abraçada a ele. — Tem
problema você me ajudar?
— Não, Bel. – Negou enquanto adentrava o banheiro. Um pouco surpresa
observei o recinto, tudo era tão chique e bem-arrumado. Fui colocada sentada
em um banco que tinha ali, e encarei Mattias. — Vou buscar a sua roupa.
Acenei e o vi sair.
Aproveitando aquela deixa, inclinei meu corpo para frente e removi com
cuidado a bota que estava no pé imobilizado. Não tinha como tomar banho com
aquilo. Em seguida removi a bata do hospital e com um pequeno esforço abri o
registro, fazendo com que a água caísse em mim. Meus olhos se direcionaram
até minhas pernas, onde as manchas esverdeadas estavam sumindo, marcas do
horror que passei sob o mesmo teto que Benício.
Levantei o rosto na intenção de não pensar mais naqueles dias, e ali
parada senti a água retirar todas as minhas impurezas. Ouvi a porta ser fechada,
e Mattias depositar a bolsa em cima da pia. Em silêncio, ele arregaçou as
mangas da camisa e abriu uma das portas que tinha embaixo da pia.
— Aqui parece um hotel – comentou enquanto pegava duas embalagens
compridas. — Sabonete e shampoo.
Sorri e fechei o registro do chuveiro. Em seguida, estendi a mão aberta
para que o sabonete líquido fosse colocado. Eu me sentia um pouco estranha
com aquele silêncio, deveria falar alguma coisa, mas não sabia exatamente o
quê. Passava com calma as espumas pelo corpo, e a todo momento Mattias me
analisava.
Parecia preocupado.
— Eu mal posso esperar para contar sobre a gravidez para os meus
amigos.
Mattias sorriu e cruzou os braços, ele ainda segurava o shampoo.
— O que acha que eles vão dizer?
— Sinceramente eu não sei. – Sorri e quando fui me inclinar para lavar as
pernas, Mattias me parou. — Mas posso confirmar que eles não vão soltar
comentários maldosos.
Assim que falei, ele me encarou confuso.
— Alguém fez isso? – indagou enquanto colocava o sabonete na palma da
mão, e foi naquele momento que ele pareceu entender e negou com a cabeça. —
O seu pai, não foi?
— Mattias, eu sei sobre as acusações dele contra você – falei fazendo-o
respirar fundo. — Não foi justo o que ele fez, conversamos e espero que ele se
desculpe logo.
— Eu não quero que isso seja um mal-estar, Bel – murmurou concentrado
em esfregar minhas pernas com carinho. — Ele não gosta da ideia de estarmos
juntos, talvez não tenhas sido esse o partido que ele queria para você. Ele é o
seu pai, só pensa no melhor para você.
— Eu sei o que é melhor para mim, e eu quero você. Ele não tem o direito
de te acusar. – Respirei fundo quando senti a mão passar pelo meu tornozelo. —
Afinal, a ideia de te seduzir foi minha – confidenciei e sorri quando ele também
o fez. — Estou errada?
Mattias ficou alguns segundos calado, mas logo acenou.
— Você tirou a minha pureza.
— Agora você está mentindo.
Rimos, e querendo terminar logo coloquei um pouco do shampoo na palma
da mão, para em seguida esfregar em meus cabelos. Sutilmente observei Mattias
que agora abria a bolsa, e dela puxou um vestido e calcinha. Do mesmo lugar
que ele pegou o sabonete e shampoo, ele buscou uma toalha.
Me enxaguei por completo, e quando me vi completamente limpa, retirei o
excesso de água dos cabelos. Assim que fiquei de pé, segurei a toalha e a enrolei
no corpo. Tentei dar o primeiro passo, mas Mattias logo me pegou no colo e me
levou até o sanitário.
— Você vai ficar cansado de me segurar nos braços.
Brinquei, Mattias arqueou uma sobrancelha e ficou agachado em minha
frente.
— Que homem eu seria se não desse conta de segurar minha mulher nos
braços? – respondeu com um pequeno sorriso. Então, sem sair da posição que
estava, estirou o braço e buscou outra toalha. — Acha que meus músculos são
para enfeites apenas?
— Me desculpe super-homem – devolvi brincalhona, deixando que ele
secasse minhas pernas. Por um momento vi o olhar dele percorrer as marcas. —
Posso dizer que seus irmãos me aceitaram na família? – indaguei querendo que
ele não pensasse mais no Benício. — Ou ainda é precipitado?
Mattias respirou fundo, em seguida me olhou. Ele parecia tão culpado, e
aquilo me deixou nervosa por dentro.
— Bel, me desculpa...
— Não, Mattias... por favor!
Fechei os olhos na tentativa de não chorar. Carinhosamente senti os
braços, e o corpo grande me abraçar. Ficamos ali parados, agarrados, com os
pensamentos longe. Me perguntava em como fazer com que Mattias não se
culpasse mais. Não era culpa dele, e me matava por dentro saber que ele se
martirizava daquela forma.
Lentamente comecei a mexer nos fios loiros. Eles eram tão macios ao
toque, por um instante pensei no nosso filho e sorri.
— Será que o nosso bebê vai ser loirinho assim como você? – questionei
fazendo-o me encarar. — Você quando bebê tinha os cabelos de um loiro pálido.
— Eu era o mais bonito – falou e me tocou no queixo. — E o que mais
obedecia.
Sorri no mesmo instante, Rosalinda tinha me dito que Mattias sempre
aprontava.
— Bom, espero que nosso primogênito não nos deixe de cabelos brancos
antes da hora. – Mattias me olhou curioso, então sorri mais. — Dos nossos cinco
filhos, pelo menos um tem que ser o responsável que vai aconselhar os irmãos.
— Cinco filhos? – O sorriso me atingiu. Desviei tímida, mas concordei. —
Eu sou o homem mais feliz do mundo. Obrigado, Bel.
Os lábios tocaram os meus em um selinho.
— Mattias... – o chamei enquanto segurava o botão da blusa dele, não
permitindo que ele se afastasse demais. Ao olhá-lo vi que estava atento. — Eu
gostei quando você me chamou de amor, mas aí depois me chamou só de Bel.
— Achei que gostava quando eu te chamava assim.
— Gosto dos dois jeitos.
— Tudo bem, dengosa – murmurou me tirando um sorriso. — Agora vamos
terminar aqui, quero poder te levar logo para casa.
— Antes de irmos, podemos passar naquele restaurante e comprar bolovo?
— Tudo o que você quiser.
— Vou ficar mal-acostumada desse jeito.
Ele sorriu e me deu um último selinho.
Segurei a calcinha e passei pelo tornozelo dolorido, em seguida o outro.
Fiquei de pé, e apoiada em Mattias, consegui vesti-la. O vestido foi o mais fácil,
assim que terminei deixei que Mattias me colocasse a bota. Com a bolsa em
cima das coxas, peguei o desodorante, perfume e um pente.
Já finalmente pronta, observei Mattias abrir a porta, para logo me pegar
nos braços. Assim que saímos do banheiro, Rosalinda abriu a porta do quarto.
— Vamos indo? – indagou e eu concordei. — Fiz umas mudanças em casa,
espero que goste.
— A senhora não precisava se incomodar.
— Ah, filha. Não foi incômodo. – Negou enquanto segurava a minha
bolsa. — Só troquei os lençóis e o lado do colchão.
Olhei confusa para Mattias, percebendo que ele também estava.
Andávamos pelos corredores até a saída, e por estar nos braços de Mattias,
algumas pessoas me encaravam sem disfarçar. Próximo da saída tentei procurar
meu pai, mas ele não estava ali. Do lado de fora, vi Leôncio encostado na lataria
da caminhonete.
Esse assim que nos avistou sorriu e se endireitou.
— Bom dia, patroa!
— Bom dia, Leôncio. – Sorri um pouco acanhada. — Como está?
— Bem, senhora. Feliz por agora está segura – respondeu e abriu a porta
do passageiro para Rosalinda, em seguida do banco de trás. — Direto para a
fazenda, patrão?
— Vamos passar antes no restaurante do Constantino.
Mattias me ajudou a ficar acomodada no assento, logo após deu a volta
para se sentar no outro lado. Como havia pedido antes, Mattias comprou uma
porção de bolovo e sem cerimônia nenhuma comi duas no caminho de volta. Não
sei como, mas em algum momento após ter comido os bolovos, eu cochilei.
Os minutos se passaram, e quando a caminhonete parou, eu abri meus
olhos e vi que tínhamos chegado.
Um pouco sonolenta me espreguicei e me preparei para descer. Mattias
rapidamente foi ao meu socorro, e quando fui pega novamente por ele; foi
inevitável o meu sorriso que logo foi percebido.
E comigo ainda nos braços, ele parou ao lado da caminhonete.
— Que sorriso é esse?
— Quando te contei que vou ficar mal-acostumada – murmurei baixinho
só para ele. — Não estava brincando.
— Eu sou seu, meu amor – sussurrou de volta, deixando as borboletas
loucas no meu estômago. — Não vou me importar com isso.
Sorri com aquela fala e encostei minha cabeça na curva do pescoço dele,
sentindo-o voltar a andar. Dentro de casa, Rosalinda estava a nossa espera.
— Vocês vão ficar no meu quarto, lá é mais espaçoso – avisou, eu a olhei
entre surpresa e envergonhada. — Depois, com mais calma, o Mattias vê uma
cama maior para o quarto dele.
— Mas dona Rosalinda – a chamei enquanto íamos para o quarto. — Nós
dois no mesmo quarto? Tudo bem, para a senhora?
— Oh, minha querida. – Sorriu em minha direção. — Eu já sei sobre
vocês, e também sei como os bebês são feitos.
Mattias me colocou sentada no colchão, ele tentava segurar o sorriso, e eu
estava totalmente sem jeito pela franqueza de Rosalinda.
— Eu...
— Não precisa ficar tímida. – Sorriu e se sentou ao meu lado. — Estou tão
feliz por você estar aqui. Feliz demais em saber que vai se casar com meu
Mattias, por estar carregando meu neto. – Rosalinda parou emocionada, a
abracei sendo retribuída. — Eu sempre quis ter muitos netos. Meu caçula não
fala nada sobre ter filhos, e o Mattias só queria saber dos bichos.
— A senhora tem dois netos, ou esqueceu? – Mattias retrucou de braços
cruzados.
— Meus dois anjinhos – proferiu me fazendo sorrir. Carinhosamente
Rosalinda enxugou minhas lágrimas. — Eu também esperava que o Marcos me
desse mais um neto. Eu gosto da casa cheia, não é pedir demais.
— A Isobelle quer ter cinco filhos. – Olhei rapidamente para Mattias, ele
queria me matar de vergonha? — Essa sua nora vai acabar comigo.
— Mattias! Dona Rosalinda, ele está brincando.
Meu rosto queimava de tanta vergonha, já ele sorria adorando aquilo tudo.
— Pare de deixar ela sem graça, menino – bronqueou, e então foi minha
vez de sorrir. — Ela precisa de descanso. Eu vou cuidar no almoço, e daqui a
pouco você come. Se quiser posso trazer o seu almoço para cá.
— Não precisa – falei rápido, meu coração estava tão quentinho, era tão
nítido o carinho da Rosalinda. — Quando eu acordar eu vou até a cozinha,
obrigada.
— De nada, minha querida. O que eu puder fazer por você, eu faço. –
Murmurou carinhosa. — Agora descanse um pouco, qualquer coisa é só chamar.
— Muito obrigada. – Com a saída dela, me voltei de braços cruzados para
Mattias. — Você é impossível! Como que você fala aquilo para a sua mãe?
— Aquilo o quê? – questionou levemente confuso. — Sobre os cinco
filhos? Você disse.
— Sim, mas não fala assim – pedi observando-o se ajoelhar em minha
frente. — Não quero que sua mãe ache que sou uma safada e fico te atacando. Eu
tenho vergonha.
Mattias sorriu mais e pegou minhas duas mãos.
— A minha mãe ama você, Bel. E não tem nada que você faça, que vai
mudar esse sentimento dela por você.
Sorri me sentindo melhor com aquela fala. Eu gostava bastante de
Rosalinda, a forma carinhosa que ela me tratava deixava meu coração aquecido.
— Ela é maravilhosa. – Afirmei recebendo um aceno. — Fica aqui
comigo?
— Claro – concordou colocando uma mecha do meu cabelo atrás da
orelha. — Só vou ver com minha mãe se ela precisa de alguma coisa.
Me aconcheguei entre os travesseiros e suspirei.
Antes de se afastar, Mattias me beijou na testa e sorriu.
Sozinha naquele quarto, voltei a suspirar e por alguns segundos encarei as
telhas. Eu estava em casa, e segura, e mesmo não querendo pensei no que
aconteceria com Demétria, Ernesto e Carolina. Afinal, ela tinha ajudado Benício.
Eles seriam presos? Talvez Carolina não fosse presa, pois o pai era um
fazendeiro importante, mas e os outros?
— Isso não é seu problema, Isobelle – falei para mim mesma. — Eles não
se importaram com você, então se preocupe com eles.
Ajeitei melhor o travesseiro e fechei os olhos.

Quando acordei não sabia que horas eram, e um pouco sonolenta olhei ao
redor. O quarto estava escuro, mas a fresta da janela invadia o ambiente: era
noite. Esfreguei os olhos e com um pouco de preguiça me sentei no colchão.
Assim que vi meu pé sem a bota de antes, franzi o cenho. Não lembrava de ter
tirado, ou tinha sido o Mattias?
— Mattias? – o chamei, então ouvi a porta ser aberta lentamente. No
mesmo instante me senti nervosa, e quando fiz menção de chamá-lo novamente,
parei quando mais da porta foi aberta.
De onde eu estava consegui ver a porta ser aberta por completo,
mostrando o corredor completamente escuro. Eu não conseguia me mexer, minha
respiração estava lenta como se o simples fato dela sair mais forte fosse algo
perigoso, tentava entender o que estava acontecendo, mas parecia que minha
mente estava em pane.
Da escuridão do corredor, eu vi quando um olhar brilhante fixou em mim.
Engoli em seco e sem perceber inclinei o corpo para frente na tentativa de
enxergar melhor. O som de algo afiado sendo riscado no chão me fez franzir o
cenho, e no instante que coloquei uma perna para fora da cama, na tentativa de
ir fechar a porta: eu a percebi.
O rugido rasgou a noite tão rápido quanto o ataque da onça, e quando ela
pulou em cima de mim, eu acordei.

Me sentei trêmula e chorosa na cama. A porta do quarto foi aberta


rapidamente, mas dessa vez era Mattias com o olhar assustado. Tapei o rosto
com as mãos e me permiti chorar.
— Ei, calma – Mattias sussurrou me abraçando. — Está tudo bem, meu
amor. Você está segura. Eu estou aqui.
— A o-onça... ela me pegou, ela estava aqui.
— Shhh... foi um pesadelo, Bel. Ninguém vai entrar aqui para te
machucar.
O abracei completamente assustada, por cima do ombro dele vi Rosalinda
com a mão no peito.
— A onça...?
— Ela foi pega no finalzinho da tarde – me respondeu. — Não precisa se
preocupar. Após alguns exames, ela será reinserida no habitat natural dela. Bem
longe daqui.
Fechei os olhos.
— Eu fiquei com t-tanto medo! Lá com ela... quando você foi atrás de
mim, eu desejei que você fosse embora... eu fiquei com medo dela ficar com
raiva do barulho e me atacar. – Me afastei para encará-lo. — Eu estava com
medo! – Voltei a falar, ele concordou. Parecia se segurar para não desmoronar.
— Eu poderia ter feito algum barulho, mas eu travei. Ela estava tão perto de
mim, eu não podia me mexer, eu não conseguia...
Continuei chorando, me sentia tão frágil.
— Agora está tudo bem – murmurou, podia ser coisa da minha cabeça, mas
a voz dele parecia embargada. — Você não precisa mais ter medo.
Fiquei abraçada a ele, até me sentir mais calma e quando isso aconteceu
me afastei para secar o rosto, olhei para o meu pé e a bota ainda estava lá.
— Desculpa.
— Não tem que se desculpar – falou segurando meu rosto com as duas
mãos. — Eu não devia ter saído de perto. Fui só beber água, o seu grito me
assustou.
— Eu pensei que tinha acordado. – Comentei levando uma mão aos
cabelos. — Eu assustei a sua mãe.
— Não tem problema – falou de forma compreensível. — Que tal ir
comer? Já são 19h.
— Eu quero ir ao banheiro primeiro – respondi e me arrastei até a beirada
do colchão. — Acha que eu preciso mesmo usar essa bota?
— Só por enquanto. – Confirmou e me pegou nos braços. — Sem ela você
com certeza esqueceria e tentaria forçar o pé.
Ao chegarmos no banheiro, entrei sozinha e após alguns minutos saí.
Quando Mattias fez menção de me pegar, eu o parei e tentei sorrir.
— Vou te dar uma folga.
— Eu gosto de tê-la em meus braços – retrucou e passou um braço em
minha cintura. — O que custa me deixar mimá-la?
Antes que eu o respondesse, chegamos à cozinha, Rosalinda bebericava o
que parecia ser chá. Ela ao me ver sorriu, e depositou a xícara na mesa.
— Mais calma?
— Sim, foi só um pesadelo. – Dei de ombros, e pigarreei. — Descansei
mais do que o esperado.
Rosalinda sorriu e ficou de pé.
— Descansar bem é o que importa. Vou fazer o seu prato, precisa se
alimentar direito. – Prontamente concordei e me sentei a mesa. Observei
Rosalinda pegar um prato, e destampar algumas panelas. — Eu fiz um pudim de
chocolate, era para você comer quando acordasse pela tarde.
— Obrigada, a senhora é muito gentil comigo.
Sorri recebendo um rápido sorriso.
— Ela não me deixou comer uma fatia – Mattias comentou sentado ao meu
lado. — E quase me bateu quando tentei pegar escondido.
— Não deixei mesmo – Rosalinda retrucou se aproximando com o prato de
comida. — Eu fiz para a Isobelle, você se chama Isobelle?
Olhei para Mattias que tinha os braços cruzados, olhava para a mãe com o
cenho franzido, mas eu sabia que ele não estava chateado de verdade. Assim que
senti o cheiro da janta, busquei o garfo para começar a comer.
— Obrigada. A senhora vai voltar para a casa do Marcos?
— Vou só depois – respondeu sentando-se a minha frente. — Ele entende
que eu preciso estar aqui para ajudar você. A Liliane por enquanto não está
trabalhando, então ela disse que poderia ajudar a ficar com os gêmeos.
Me encostei mais na cadeira e analisei toda a informação. Todo mundo
estava empenhado a ajudar, e aquilo me deixou emocionada.
— Dona Rosalinda, eu agradeço muito o carinho e cuidado – falei tendo
um aceno —, mas não quero que a senhora pare seus planos por minha causa. Eu
vou saber me cuidar caso a senhora precise ir ajudar o Marcos.
— Não precisa se preocupar, filha. Não é o sacrifício do mundo todo
cuidar de você.
Sorri contida e voltei a comer. Mattias que estava ao meu lado se
levantou, e foi até a geladeira tirando de lá uma jarra de suco. Prestes a encher
meu copo, ouvi quando um carro se aproximou. Curiosa para saber quem era me
virei, e vi pela porta da frente que era uma viatura. Mattias rapidamente foi até
o recém-chegado e parou na varanda.
— Um policial veio conversar com você pela tarde – Rosalinda murmurou
chamando minha atenção. — Você estava dormindo, então ele foi embora.
— Eu não queria falar com ele – avisei. — Não agora.
— Eu sei, mas quanto mais rápido for, mais rápido acaba tudo.
Respirei fundo, eu sabia que ela tinha razão e tudo o que eu mais queria
era que aquilo tudo acabasse. Então acenei e a vi ficar de pé na intenção de ir
até Mattias.
Quando por fim terminei de comer, e com a ajuda de Mattias, fui até a sala
onde o policial estava conversando com Rosalinda. Estávamos apenas nós ali, e
eu agradeci por não ter tanta gente. Comecei a relatar como tudo aconteceu,
desde a chegada da Carolina ali até o momento em que fui salva por Mattias e
seus irmãos. Todo o meu depoimento foi gravado, e após alguns questionamentos
por parte do policial, agradeci quando tudo acabou.
— O Benício está morto – murmurei fazendo-o me encarar. — Como vai
ser esse julgamento?
— O capataz e alguns peões confessaram que participaram de alguns
crimes – falou enquanto guardava o gravador. — Sendo eles: sequestro, e
cárcere privado, ocultação de cadáver, visto que eles assassinaram o prefeito e
mais dois empresários que estavam desaparecidos. Com o que a senhorita
relatou, sobre as agressões que sofreu do capataz, mais um crime será imputado
a ele.
— E a cozinheira? Ela já é uma senhora.
— Mas ela ajudou o Benício – Mattias falou com o cenho franzido. — Ela,
assim como a Carolina, vão responder por isso.
Me voltei para o policial que já estava de pé.
— Ela confessou, e não negou nada. Ela também será julgada, talvez não
pegue a pena que os outros terão, mas será julgada. Bom, eu já vou indo. Caso
se lembre de mais alguma coisa, pode ligar para esse número. Obrigado por me
atenderem agora.
Segurei o cartãozinho e acenei. Fiquei ainda sentada no sofá enquanto
esperava Mattias voltar. Rosalinda estava ao meu lado pensativa.
— Que instinto ruim daquele homem – disse baixinho, mas logo me olhou.
— Não tenha pena de quem não teve com você. – Ao terminar de falar, suspirou
e ficou de pé. — Preciso do meu chá. Quer uma xícara?
— Não, obrigada. – Rosalinda me beijou o topo da cabeça e andou até a
cozinha. Olhei para Mattias que trancava a porta. — Cadê o Brutus?
— Ficou com o Marcos – respondeu e se sentou ao meu lado. — Na
verdade, ficou com os gêmeos. O Marcos não gosta muito de cachorro, e nem de
gato.
— E você deu os dois filhotes, a Maria Alice e o João Pedro.
— Sim. – Sorriu enquanto me abraçava carinhosamente. No mesmo
instante eu retribuí o sorriso e neguei com a cabeça. — Está com sono?
— Não. – Neguei, mas logo o encarei. — Você está?
— Não – suspirou e começou a fazer um carinho em meus cabelos. — Eu
estava pensando, você quer se casar antes do nosso bebê nascer ou depois?
Com aquela pergunta me afastei dele para o observá-lo melhor. Eu sorria
sem nem me conter, só da menção do nosso casamento.
— Se a gente for se casar na igreja mesmo, eu não quero ir com um
barrigão. O padre vai me julgar por eu engravidar antes do casamento.
— Você não é a primeira noiva grávida, Bel – riu colocando uma mecha do
meu cabelo atrás da orelha. — Então não acho que ele faria isso.
— Não vou arriscar – brinquei adorando o carinho que eu recebia. — Eu
tenho umas economias, vou poder ajudar para não deixar tudo em cima de você.
— Não precisa se preocupar com isso – falou em seguida, me analisou. —
Por onde começamos?
Ficamos em silêncio, e então Rosalinda que estava na cozinha se
aproximou.
— A Isobelle precisa começar o pré-natal, fazer tudo direitinho, depois
vocês podem contratar alguém para ajudar com os preparativos do casamento.
São muitas coisas.
Ao terminar de falar, se sentou no sofá e ligou a TV, deixando o volume
baixinho.
— Próxima semana, então vamos à procura do seu pré-natal – Mattias
respondeu e me sorriu. — Você vai precisar de descanso antes de engatarmos
nisso.
— Fiquei ansiosa só de imaginar – murmurei levando a mão ao ventre. —
O vestido de noiva e... – Parei ao lembrar de algo. Me voltei para o Mattias. —
Os gêmeos podem ser a nossa daminha e o pajem. Acha que o Marcos aceitaria?
— Aí, meu Deus, eles vão ficar tão lindinhos – Rosalinda sorriu
demonstrando a minha empolgação. — Temos que falar logo com o Marcos, mas
acredito que ele vai deixar. Precisamos organizar tudo, porque com a data certa
vamos até a igreja e falamos com o padre.
— A senhora vai comigo ver os vestidos de noiva?
— É claro, vai ser um prazer ajudar.
— Eu também posso ajudar se quiserem.
— Não!
— Não. – Mattias nos encarava. — O noivo não pode ver o vestido da
noiva – falei me aconchegando nele. — Dá azar.
— Vocês realmente acreditam nisso?
Antes que eu voltasse a falar, Rosalinda ficou de pé enquanto resmungava
um: mas eu num tô dizendo mesmo?
Sozinhos novamente, eu ri e quando senti a mão do Mattias – que estava
em minha cintura – descer em um carinho e parar no meu quadril, minha pele
ficou arrepiada. Mattias sorria despreocupadamente enquanto ainda ouvia a mãe
resmungar da cozinha. Sem falar nada, me aninhei mais a ele e fechei os olhos.
Ficamos mais uns minutos na sala, e não demorou para um filme começar. Eu
bem queria ter assistido, mas peguei no sono na segunda parte. Em algum
momento eu acordei na madrugada, e diferente de antes, Mattias estava deitado
ao meu lado. De forma manhosa, me acomodei em seu peito e fui abraçada
automaticamente. Suspirei em deleite, e voltei a dormir.
Mattias

Ao sentir uma mão descer por meu peito e parar no cós da bermuda que eu
usava, me deixou em alerta. Abri rapidamente os olhos, e vi que Isobelle ainda
dormia com praticamente metade do corpo em cima do meu. Algumas mechas lhe
cobriam o rosto, e caíam espalhadas por meu peito. Acarinhei com delicadeza a
bochecha macia, e respirei fundo. A sensação de tê-la em meus braços, era
indescritível. Com cuidado para não a acordar, me desvencilhei e sorri quando
ainda dormindo, Isobelle tateou o colchão e buscou meu travesseiro o abraçando
logo em seguida.
Do quarto eu conseguia ouvir o som da TV ligada, e as vozes do Leôncio e
os outros. Antes de sair do quarto, dei uma última olhada em Isobelle, e apreciei
a visão dela dormindo tão serena.
Já no corredor a voz de minha mãe cantando uma música antiga me fez
sorrir. Parei no batente da cozinha e cruzei os braços.
— Bom dia, mãe.
— Bom dia, meu filho. – Sorriu em minha direção. — E a Isobelle?
Dormiu bem a noite? – o olhar dela era de preocupação. — Teve pesadelos?
— Ela dormiu bem – respondi e me virei para a porta da sala que estava
aberta. — Tudo certo por aqui? Eu ouvi umas vozes passando do lado de fora.
— Foi o fofoqueiro do Leôncio – riu e pegou a água quente para passar no
café. — Ele veio avisar que ouviu por aí que a fazenda do Benício vai ser
leiloada. Não sei quem disse isso a ele, mas já tem compradores de olho.
— Entendi – comentei pensando a respeito. — Vou tomar banho antes que
a Isobelle acorde.
Recebi um aceno, em seguida fui até meu quarto buscar roupa limpa. No
banheiro, escovei os dentes e logo após fui para de baixo do chuveiro. Tomava o
banho de forma pensativa no casamento e nas consultas que Isobelle precisava
fazer. Após o casamento eu já começaria a reformar a casa ao qual moraria com
Isobelle e nossos filhos. E depois que ela estivesse pronta para morar,
conversaria com minha mãe, e já engataria na reforma que essa casa sofreria.
Trabalharia dobrado, mas valeria a pena.
Assim que finalizei o banho, vesti a cueca, calça e em seguida fui em
direção ao quarto de minha mãe. Abri a porta lentamente e para minha surpresa,
Isobelle estava sentada na cama, retirava a bota. Franzi o cenho com aquela
cena, e ela me sorriu como se soubesse que estava aprontando.
— Meu pé coçou – falou e demonstrou. — Essa bota incomoda muito,
sabia?
— Mas é necessário – respondi indo até a cômoda onde estava o
desodorante. — Uma vez eu desloquei o ombro, precisei ficar de tipoia por uns
dias.
— Sério? E quando foi isso?
Acenei e comecei a vestir a blusa.
— Foi na faculdade. Eu namorava uma colega, e uma vez fui subir na
árvore que dava acesso à janela dela. – Falei enquanto fechava os botões. — Eu
me desequilibrei e caí. Perdi algumas provas práticas, mas no fim deu certo.
Quando terminei de falar, e voltei minha atenção para Isobelle. Não
entendi quando a vi de braços cruzados, com um olhar confuso.
— “No fim deu certo?”. Você conseguiu subir na janela dela?
— Não, eu...
— Imagino que vocês aproveitaram bastante – falou me interrompendo.
Fiquei alguns segundos em silêncio tentando entender o que eu tinha dito de
errado. — Mas que bom que deu tudo certo.
Isobelle prendeu os cabelos e se preparou para descer da cama.
— Eu falei alguma coisa errada? – indaguei indo até ela.
— Não – Balançou a cabeça e sem a minha ajuda ficou de pé —, por que
acha isso?
— Ei, espera – pedi e a puxei para junto. — A minha intenção não foi
deixar você chateada. Eu só comentei algo que aconteceu comigo, porque
também precisei usar um desses para ficar bom logo.
A toquei no queixo, e soltei um suspiro ao ver as lágrimas.
— Eu sei, só fui boba. Talvez eu tenha ficado com um pouco de ciúmes,
eu acho – murmurou baixinho, me fazendo sorrir, e secar as teimosas lágrimas.
— E estou com fome, quero um pedaço do pudim que sua mãe fez para mim.
— Bel – a fiz me encarar. — Não importa com quem eu já estive, hoje e
para sempre serei completamente seu.
Sorri e quando fui retribuído, me aproximei para beijá-la, mas logo fui
parado.
— Só não fala mais coisas assim – me pediu e eu acenei. — Eu não fui
namoradeira na faculdade, então não posso fazer esses ciúmes.
— Justo.
— A não ser que os flertes que eu recebia conte – voltou a falar, no
mesmo instante eu a olhei com seriedade. — Porque eu recebia muitos. De
alunos e professores.
— Você gosta de tripudiar, não é? – questionei e a abracei pela cintura. —
Merece umas boas palmadas.
Isobelle sorriu, desviou o olhar e ficou em silêncio. Engoli em seco, eu
estava respeitando o tempo que ela precisava, e não queria que ela pensasse que
eu estava sendo insensível. Ainda em silêncio, a ajudei a escolher uma roupa e
caminhamos até o banheiro.
— Mattias... – me chamou assim que parou em frente a porta do banheiro.
A olhei um pouco tenso, então estreitei levemente os olhos quando a vi sorrir de
forma sapeca. — Os professores não davam em cima de mim, eram só os alunos.
O sorriso que ela me lançava era o de quem sabia exatamente como atiçar
o meu ciúme. Neguei com a cabeça enquanto escorava a mão no batente da porta
do banheiro.
— Agora fico mais tranquilo com essa informação – falei de forma irônica
fazendo-a sorrir mais —, mas preciso dizer que você está sendo muito maldosa.
— Talvez eu precise levar aquelas palmadas – murmurou, me deixando
surpreso. — Eu saio já.
Sem esperar uma resposta minha, ela apenas fechou a porta. Com aquela
frase dela na mente, andei até a cozinha. Aquilo era um sinal de que eu não tinha
sido tão insensível? Antes de chegar no meu destino, vi a caminhonete tão
conhecida adentrar pelas porteiras. Com um suspiro me direcionei a porta, e de
braços cruzados observei Alvaréz descer sendo seguido pela esposa.
— Bom dia, Mattias! – Agnes me sorriu, em mãos trazia uma caixa
pequena com um laço delicado. — Vim ver a Isobelle, espero que não se
importe.
— Bom dia, Sra. Alvaréz. Não, imagina. A Isobelle está no banho. Podem
entrar.
Dei espaço para ela passar e esperei que Alvaréz também passasse. No
entanto, ele ficou parado me olhando.
— Vamos conversar, Mattias.
Concordei e olhei para trás. Minha mãe e Agnes cochichavam algo,
estavam sorridentes. Voltei a olhar para frente e indiquei o caminho do curral.
Ficamos em silêncio, estava curioso para saber quais mais acusações ele faria
contra mim.
— Eu conheço você há bastante tempo, Mattias. Sei que você é um
trabalhador, uma boa pessoa, é honesto e nesses dias que tudo aconteceu... eu sei
que não fui justo com você.
— Alvaréz, eu...
— Me chame de Antônio – pediu e parou a minha frente. — Eu fui muito
injusto com você, egoísta... não me orgulho disso, mas espero que me perdoe. Eu
não quero ficar longe da minha filha, e nem dos meus netos. Já perdi muitos
anos da vida dela, e nessa etapa eu quero estar presente – enquanto ele dizia, eu
percebia que estava sendo sincero —, mas para isso preciso que me perdoe por
tudo o que falei.
De braços cruzados, o encarei por alguns segundos, mas por fim eu
concordei com a cabeça. Não valia a pena prolongar aquela situação.
— Tudo bem, estávamos de cabeça quente e sem pensar direito. O senhor
falou o que pensava, eu quis socar a sua cara. – No instante que falei aquilo, ele
franziu o cenho, mas logo sorriu. — Só que isso já passou, e eu não quero que se
afaste de Isobelle, ela o ama muito.
Antônio respirou em alívio, e me deu um breve sorriso.
— Obrigado, Mattias.
— Não precisa agradecer – falei e dei meia volta. — É verdade o que
estão dizendo? Que a fazenda do Benício será leiloada?
— Você já soube? – indagou confuso. — É, parece que o Benício tinha
uma dívida enorme com a receita federal. O falecido prefeito também estava no
meio disso tudo, pobre viúva. Mas, por que a pergunta? Você estava interessado
nas terras? Pretendia comprar? Aliás, já sabe onde vai morar com a minha filha?
— Sim, sobre isso não tenho preocupação – respondi e encarei a entrada
da varanda. Isobelle estava parada olhando em nossa direção. Usava um vestido,
os cabelos molhados. — Eu comprei aquela terra que antes era a pousada bem
conhecida. Ela vai precisar ser reformada, mas farei isso depois do casamento.
— Entendo. Pretendem se casar na igreja? – Questionou, e eu acenei. —
Ótimo, o casamento e a festa são por minha conta. – Avisou, e quando viu que eu
diria algo, continuou: — É o casamento da minha única filha, Mattias. Eu faço
questão de pagar tudo. Certo?
Após terminar de falar, estendeu a mão para mim.
Olhei novamente para a varanda, e vi Isobelle se aproximar pulando até
encostar na grade.
— Certo. Obrigado.
Sorrimos e voltamos a andar.
Já próximos da escadinha da sacada, Isobelle sorriu mais e nos encarou.
— Conversaram rápido hein – Isobelle falou, meu olhar foi para o pé
machucado sem a bota. — Se resolveram?
— Sim, filha. Me desculpe por deixá-la preocupada, isso não vai se
repetir.
Os dois se abraçaram, segundos depois se afastaram e ela me encarou.
— A Agnes nos trouxe uns presentes – riu e me puxou pela mão.
Rapidamente a abracei pela cintura, evitando que ela pisasse no chão com o pé
machucado. — Na verdade, os presentes não são para a gente.
Ao chegarmos na sala vi minha mãe sentada no sofá segurando alguns
sapatinhos de crochê. Ela sorria emocionada, assim como Agnes. Indo até o sofá,
ajudei Isobelle a se sentar.
— Eu fiquei tão feliz quando soube da sua gravidez – falou sorridente. —
O meu filho, Javier, tem trinta e cinco anos e até agora não me deu esse
presente. Ele está noivo há dois anos, e nada de casamento.
Antônio se sentou ao lado da esposa e pegou um dos sapatinhos.
— A Isobelle tinha um assim – comentou e sorriu. — Toda vez que eu
colocava, ela parecia uma boneca... – Após um suspiro, vi quando ele ficou
emocionado. Encarei Isobelle e ela chorava contida. — Você era tão pequena
filha, e hoje está formando sua família.
— Amore – Agnes sussurrou de forma carinhosa. — Ultimamente está tão
chorão.
— Eu não estou chorando – retrucou e soltou um suspiro. — Bom, sobre o
casamento, vocês já têm uma data?
— Ainda não, pai. Preciso começar meu pré-natal, mas quero me casar
antes que a barriga fique muito grande.
— Como eu disse ao Mattias, o casamento e a festa ficam por minha
conta.
— Pai... – Isobelle murmurou surpresa, me olhou, mas logo voltou a
atenção para Antônio. — Eu nem sei o que dizer.
— Não precisa dizer nada! – Agnes gesticulou, parecia contente. — A
Débora, a noiva do Javier, ela trabalha com eventos. Vou conversar com ela
quando chegar em casa, ela veio com uma amiga que tem uma bebê. Como a
menina se chama? – questionou ao marido que deu de ombros. — Ela é coreana,
mas ela consegue falar nossa língua perfeitamente.
— Quero conhecer as três – Isobelle respondeu com um pequeno sorriso.
— E se a Débora concordar em ajudar, ficaríamos muito felizes. Não sabemos
por onde começar.
— Eu aposto que ela vai, a Débora é um amor de pessoa. – Ao falar
aquilo, tocou o braço do marido e sorriu. — Vamos indo?
— Já vão? – Minha mãe questionou com o cenho franzido. — Mas mal
chegaram e nem tomaram um cafezinho.
— É que vamos até a cidade resolver uns assuntos – Antônio respondeu já
ficando de pé. — Você não estava com o pé imobilizado?
Aproveitando aquela pergunta, cruzei os braços e encarei Isobelle.
— É que meu pé ficou coçando – respondeu e deu um pequeno sorriso —,
mas eu nem estou forçando ele. O Mattias me carrega no colo.
Ao ser encarado por todos, fixei meu olhar em Antônio.
— Estou cuidando dela.
O observei ir até a filha e a beijar na testa. Agnes a abraçou logo em
seguida.
— Eu sei, Mattias. Vou indo, e não se preocupem com nada do casamento
ou festa.
— Obrigada, pai. – Isobelle sorriu e acenou observando-os irem. — Está
tudo bem para você? Sobre meu pai pagar por tudo?
Soltei um suspiro e me sentei ao seu lado.
— Ele foi bem convincente – respondi e apontei para o pé. — Você
deveria usar a bota. Por que é tão teimosa?
— Eu não sou teimosa – retrucou e ficou de pé. Rapidamente a ajudei. —
Só é um pouco chato de ficar usando.
Ao chegarmos na cozinha, em cima da mesa estava a fatia do pudim no
prato e uma xícara de café. Olhei para trás e vi minha mãe com a caixa em mãos
ir em direção do quarto. Com Isobelle sentada, e já comendo, peguei uma xícara
para mim.
— Meu pai se desculpou mesmo com você?
— Sim, ele não quer ficar longe de você. Ele perdeu muitos anos da sua
vida, acho que ele guarda muita culpa sobre isso.
Isobelle pareceu pensativa, e quando terminou a fatia se encostou na
cadeira. Minha mãe apareceu logo em seguida.
— Agnes caprichou no presente – falou assim que encarou Isobelle. — É
uma pena eu não ter mais nenhuma roupa do Mattias bebê. Ele tinha um
conjuntinho branco, ele ficava parecendo um anjinho.
— Eu acho que vi uma foto dele assim – Isobelle sorriu. Elas conversavam
como se eu não estivesse ali. — Ele chorava muito quando bebê?
— Se o meu neto puxar ao pai, vai ser dengoso e chorão. O tamanho do
dengo do Mattias, era maior que ele.
Com o cenho franzido, beberiquei o café. Isobelle me sorriu, eu apenas
neguei com a cabeça.
— Eu nem era dengoso.
— Mas é claro que era – minha mãe retrucou. — Só queria saber de estar
nos braços, até na rede chorava.
— Dengoso – Isobelle me chamou e sorriu. — Estou tão ansiosa para ser
mãe, acho que mais nervosa. Eu nunca nem segurei um bebê, nem nunca dei
banho.
— Eu vou estar aqui, filha. Vou te ajudar no que for preciso, mas tenho
certeza de que vai se sair muito bem.
Sorri agradecido para minha mãe, e quando encarei Isobelle estranhei ao
vê-la segurar o choro. Apertava as mãos, em um ato totalmente nervoso.
— Ei, vai ficar tudo bem – sussurrei chamando a atenção dela. — Eu
também vou estar do seu lado, sempre. Vamos aprender juntos.
— Obrigada.
Lentamente me aproximei e a beijei de leve nos lábios.
— Vai dar tudo certo, meu amor – repeti fazendo-a sorrir mais. — Então,
o que quer fazer hoje?
Isobelle segurou minha mão, entrelaçando nossos dedos.
— Você não tem que sair?
— Não, sou completamente seu, Bel – falei e a vi sorrir tímida. Talvez por
minha mãe presenciar tudo. Eu ficaria em casa, pois os fazendeiros para quem
trabalho souberam do que aconteceu, e entenderam quando avisei que ficaria
algumas semanas em casa. — Então?
— Podemos fazer um piquenique e depois nadar no lago?
Sorri e olhei para minha mãe que concordava com a cabeça. Me voltei
para Isobelle e acenei. Olhei atentamente para o seu rosto e soltei um suspiro, as
manchas dos machucados estavam sumindo e mesmo não querendo me lembrei
dela relatando tudo ao policial.
Eu faria questão de que todos pagassem por aquilo.
Saí do meu devaneio quando ouvi uns galopes, junto ao barulho de uma
moto. Isobelle que bebia o café, parou e olhou para trás. Alguns segundos
depois, ouvi as vozes do Sebastião e Matheus.
Meu irmão foi o primeiro a entrar, sendo seguido por Sebastião.
— Bom dia.
— Sebastião – minha mãe murmurou com um sorriso. — Por onde você
andou meu filho? Nunca mais apareceu.
— Da última vez fui praticamente expulso – brincou e parou ao meu lado.
— Como vocês estão? Eu precisei viajar para Massambará, e pela TV eu soube o
que aconteceu.
— Pela TV? – Isobelle indagou, a expressão era de surpresa. — Então
todo mundo sabe?
— Não disseram seu nome e nem divulgaram foto sua – respondeu, e eu
fiquei mais calmo. Isobelle também. — Só falaram dos crimes do Benício, e que
ele mantinha uma adolescente em cárcere privado. Imaginei que fosse você.
— Adolescente? – Matheus repetiu um tanto confuso. — Você é
adolescente?
Após a pergunta, Isobelle negou com a cabeça.
— É, acho que quem passou essa informação achou que Isobelle era
adolescente. – Sebastião puxou uma cadeira ao lado de Isobelle e se sentou. — E
você como está se sentindo? Fiquei preocupado com você.
De braços cruzados e tentando maneirar no meu ciúme. Observei Isobelle
sorrir educada. Matheus se sentou do outro lado, e começou a se servir enquanto
cochichava com a nossa mãe.
— Bem, meu tornozelo está um pouco machucado – falou e apontou para
ele —, mas estou bem. E você? Alguma novidade?
— Que bom que perguntou – respondeu pegando uma xícara. — Eu
conheci alguém, só que ela é de Massambará.
— E onde vocês se conheceram? – Minha mãe questionou curiosa
enquanto enchia o prato dele de comida. — Qual o nome dela?
— Ela tava no festival – ele sorriu. — Dançamos agarradinhos, e como
esperado, ela não aguentou meu charme. – Riu, olhei para Isobelle que tinha um
pequeno sorriso. — Ela se chama Olívia.
— Espero que vocês deem certo, Sebastião. Você é um bom homem. – Ao
terminar de falar com ele, Isobelle focou em meu irmão. — E a Liliane? Como
ela está?
— Ela queria vir, mas o Marcos foi até a cidade. Então ela ficou com os
pestinhas. – Assim que falou, soltou um suspiro e em seguida bebeu um gole de
café e a encarou. — Eu vim ver como estava e me desculpar com você.
Ainda de braços cruzados, eu sorri.
Eu sabia como aquilo estava sendo difícil para Matheus, ele não era de
pedir desculpas e aquele gesto me deixou reconfortado. Olhei para Isobelle que
estava surpresa.
— Não precisa, Matheus. Você só estava preocupado com a sua mãe, eu
entendo.
— Só me desculpe.
— Está bem – concordou e logo me encarou. — Já que estão aqui, temos
duas coisas para dizer. Não é Mattias?
— Sim. – Confirmei e beberiquei o café. Isobelle ainda me observava, e
indicou sutilmente com a cabeça. — Ah, vamos nos casar e ter um bebê.
— Você está grávida? – Sebastião pareceu surpreso, e após Isobelle
concordar, ele sorriu maliciosamente. — Vocês são dois coelhos?
— Nossa, como você é sutil – Matheus debochou olhando diretamente
para ele. — Os dois transaram e qual o problema?
— Nenhum problema, senhor simpatia – Sebastião retrucou e riu. — E eu
que não sei ser sutil.
Isobelle naquele momento parecia querer sumir. O rosto levemente corado,
evitava olhar para os dois linguarudos.
— Vocês estão deixando a Bel sem jeito – falei e inclinei o corpo para
frente. — E sim, ela está grávida. Ainda não sabemos a data do casamento, mas
espero que você vá Sebastião.
— Então já superou o seu ciúme? – indagou, rapidamente o olhei com
seriedade. — Eu tô brincando. Eu vou, sim, amigo. Estou feliz por vocês.
Sorri.
Sebastião em primeiro momento teve, sim, o interesse em Isobelle, mas ali
eu percebi que ele estava sendo sincero. Voltamos a conversar, e após
terminamos o café, Matheus e Sebastião foram embora. Isobelle e minha mãe
engataram em uma conversa sobre bebês, e eu aproveitei aquele momento para ir
até o lado de fora.
Já que Antônio havia dito que o casamento e festa seriam por conta dele.
Eu poderia começar com a reforma na minha futura casa com Isobelle.
Isobelle

Após tentar lavar os pratos sob os protestos de Rosalinda, que dizia que
eu precisava ir descansar, me sentei e a observei ir até a geladeira. Ela iria
começar a preparar o almoço. Olhei rapidamente para trás e Mattias estava na
varanda parado. Me voltei para frente e Rosalinda agora tinha alguns pedaços de
carne em cima da tábua.
— Tem certeza de que a senhora não quer ajuda?
— Tenho. Você deveria estar descansando, já que daqui a pouco vai sair.
— É que não quero ficar deitada – respondi e tentei pisar com pé que
deveria estar com a bota. No mesmo instante senti uma dor leve, mas suportável.
— É cansativo não fazer nada.
— Quando o bebê nascer você vai querer de volta esse tempinho para se
deitar. – Ao terminar de falar, ela me olhou e sorriu. — Não quero assustá-la,
mas o bebê troca o dia pela noite.
Assim que ela falou, eu deixei um suspiro escapar. Já desconfiava que não
seria fácil. No entanto, sempre quando pensava sobre, meu receio era outro.
Fiquei uns segundos calada, mas logo coloquei a angústia para fora.
— Eu só estou com medo de não ser boa mãe – falei com sinceridade. — É
que eu tenho medo de ser como a minha. Porque teve um tempo que ela até me
tratava bem, mas depois tudo mudou. Eu não quero ser como ela.
Rosalinda parou o que fazia, lavou as mãos e em seguida se aproximou.
— Oh, meu bem, nem se preocupe com isso. – Sorriu de forma carinhosa.
— Você tem um coração bom, trata tão bem a Maria Alice e o João Pedro. Não
pense nisso, não tem nem comparação.
Pegando-a de surpresa, a puxei para um abraço.
— Obrigada, muito obrigada.
— Não precisa agradecer – murmurou e se afastou. — Quer mais do
pudim? – indagou e eu neguei incerta. O pudim era uma delícia. — Tem certeza?
– Sorri sem me segurar quando ela arqueou a sobrancelha. — Vou colocar um
pouquinho.
— Obrigada.
— Bel – me virei e vi Mattias se aproximar. Já do meu lado, ele se
abaixou e me sorriu. — Pensei em limpar aquele matagal perto da nossa casa e
depois começar finalmente a reforma. O que acha? Recém-casados e já na nossa
casa.
Sorri e acenei. De forma carinhosa, ele me tocou a bochecha, e tocou
brevemente os nossos lábios. Sem me conter, me aproximei mais uma vez e o
beijei. Adorando como a barba foi friccionada no meu rosto. Mattias me afastou
e sorriu. De repente me senti tão inquieta por dentro, mordisquei sutilmente o
lábio inferior e tentei me acalmar.
Eu queria mais.
— Vou lá falar com o Leôncio e o José – avisou e quando Rosalinda
colocou a fatia na minha frente, Mattias pegou um pedaço generoso. — Depois
do almoço a gente sai. Tudo bem?
— Sim, estou ansiosa.
O toquei na barba, Mattias era tão bonito.
— Eu amo você, Bel. – Assim que ele falou, meu sorriso aumentou. — Ou
prefere meu amor?
Ri de forma tímida, afinal Rosalinda nos ouvia.
— Gosto dos dois – repeti e desci minha mão até o pescoço dele. — Eu
também amo você, Mattias.
Assim que terminei de falar, ele me deu mais um beijo e ficou de pé. O
observei ir, em seguida me voltei para o pudim. Mattias tinha comido metade
dele.
— Eu acho tão lindo vocês dois – Rosalinda falou e me sorriu. — Me
sinto tão feliz por vocês.
— O Mattias é bem carinhoso comigo – respondi, mas rapidamente me
lembrei de algo. — Quando ele era pequeno, ou na adolescência, ele tinha algum
apelido?
— O Mattias não gosta de apelido – avisou, então a olhei surpresa. —
Quando menor, eu dizia que ele era meu anjinho. Porque ele se parecia com um.
Sorri com aquela afirmação, Mattias realmente parecia um anjinho quando
era menor. Assim que ela voltou a se ocupar, eu apoiei meus braços na mesa e
suspirei.
— Não sabia que ele não gostava de apelido.
No dia em que ficamos sozinhos ali na casa, ele disse que não se
importava se eu arranjasse um apelido para ele. Fiquei ali por alguns segundos,
mas logo me coloquei de pé e com cuidado andei até a porta da frente. Ventava
bastante, e enquanto sentia meus cabelos dançarem com o vento, me sentei na
cadeira da varanda.
Meu olhar foi até a porteira, e me recordei das coisas que passei até
chegar ali. Por um momento tentei imaginar o que teria acontecido caso eu não
descesse do ônibus. Eu teria encontrado algum lugar? Conheceria boas pessoas?
E o mais importante: eu teria a chance de conhecer Mattias?
Ter a certeza de que não o conheceria, me deixou com uma sensação
estranha e sem conseguir me conter deixei algumas lágrimas caírem.
Do caminho oposto do curral, vi Mattias, Leôncio, José e mais 3 peões se
aproximarem. Sequei as teimosas lágrimas, e observei Mattias andar em minha
direção. Já Leôncio e os outros se dirigiram até o celeiro.
— Ei, está tudo bem? – perguntou preocupado, ficando agachado em
minha frente. — Está sentindo alguma dor?
— Estou bem.
— Tem certeza? – indagou e me tocou na bochecha. — Quer alguma coisa?
– O olhei interessada, e mordisquei sutilmente o lábio. — Pode me pedir o que
quiser, Bel.
Levei minha mão até a barba dele, e soltei um suspiro.
— Eu quero um beijo. – Mattias me olhou surpreso, mas logo sorriu.
Então, sem falar nada, primeiro ele me deu um selinho e quando pensei que
continuaria, ele ficou de pé. — Mattias...
— Amanhã vamos até a cidade – me interrompeu, a mão segurava a minha.
— Vamos marcar a sua consulta, e depois se tudo bem para você, podemos ver
algumas coisas para nossa casa. – Minha mente ainda estava processando o fato
de o Mattias ter claramente desconversado. Ele não queria me beijar como
antes? Ao perceber que ele esperava uma resposta, eu apenas acenei e tentei
sorrir. — Ótimo, eu volto já.
Sozinha novamente, o observei caminhar até os outros e parar em frente a
porta do celeiro. Se ele estivesse me evitando mesmo, eu deveria saber o motivo.
Talvez eu devesse falar para ele que Benício não me tocou como deu a entender,
porque apesar de tudo, eu lutei para que aquilo não acontecesse. Me sentindo um
pouco enjoada, me levantei e me dirigi até o quarto.
Rosalinda tinha razão, eu deveria descansar um pouco, e aquilo me
ajudaria a parar de pensar aquelas coisas.
Já dentro do quarto, deixei a porta aberta e fui até a cama. Me deitei no
meio do colchão e busquei o travesseiro do Mattias. O perfume dele estava
impregnado na fronha branca, e aquilo me transmitia segurança. Encolhida e
agarrada ao travesseiro, fechei os olhos e me permiti descansar por alguns
minutos.
Dormi, e quando despertei meu corpo inteiro estava preguiçoso. Olhei em
direção a porta, que estava encostada, e tentei ouvir alguma coisa. No entanto,
tudo estava em silêncio e mesmo com uma certa preguiça, me levantei e fui em
busca do Mattias. Antes de chegar na cozinha ouvi a voz do Marcos que
conversava baixinho com a mãe. Ele parecia preocupado com alguma coisa, e
naquele instante fiquei sem saber se ia até eles ou se dava a privacidade.
Prestes a voltar para o quarto, parei quando Rosalinda apareceu no
corredor. Ela me olhou surpresa, mas logo sorriu.
— Acordou. O almoço continua nas panelas – murmurou e se aproximou
de mim. — Estava começando a ficar preocupada. Dormiu bem?
— Sim, é que eu acho que comi demais. Me deu moleza – respondi e assim
que parei na entrada da cozinha, Marcos me olhou de cima a baixo. — Oi, eu
não queria atrapalhar a conversa.
— Não atrapalhou. – Ele respondeu e cruzou os braços. — Como está?
Um pouco surpresa com aquela pergunta dele, me aproximei e me sentei
na cadeira vaga.
— Bem, esperando que meu tornozelo sare logo. – Sorri educada, mas ele
apenas acenou com a cabeça. — E os gêmeos? Como estão?
Marcos respirou fundo e encarou a mãe, mas logo voltou a atenção em
minha direção. Aquela reação me deixou preocupada.
— Agora estão bem. Ontem a Maria Alice teve um pouco de febre, estava
chorosa, mas hoje está bem melhor. Ela não para de perguntar por você. O João
Pedro chora quando vê a irmã chorando.
No mesmo instante senti um peso no coração, e uma vontade absurda de
abraçar e dar muito carinho aos pequenos. Olhei Rosalinda e era nítido a
preocupação em seu rosto.
— Se tudo bem para você, Marcos. Peço para o Mattias me levar até a sua
casa, assim eu visito os dois. Eu estou com saudade deles.
— Eu agradeceria, Isobelle.
Sorri minimamente, e em seguida olhei para Rosalinda.
— E eu agradeço por todo o cuidado comigo, dona Rosalinda. – Sorri
sendo retribuída por ela. — Só que os gêmeos precisam da senhora, e eu sei que
está preocupada. Eu também fiquei.
— Oh, minha filha. Eu me preocupo com você.
— Agora eu estou bem e não tem mais perigo. – Afinal, Benício estava
morto. — Eu posso fazer a comida sem problemas, cuidar de tudo. Assim
mantenho até minha mente ocupada.
— Você tem certeza? Estou tão preocupada com eles, mas não quero
deixar você sozinha.
Rosalinda me encarou indecisa. Então sorri e acenei com a cabeça.
— Absoluta! – Afirmei com um pequeno sorriso. — Não se preocupe com
nada, vou cuidar de tudo e vou ficar bem.
Assim que terminei de falar, Rosalinda me abraçou.
— O Mattias já deve tá voltando – falou no instante em que nos
separamos. — Ele foi com os rapazes até a casa de vocês.
— A casa? Vocês não vão ficar aqui após casados?
Marcos parecia confuso.
— É claro que não, meu filho. Eles vão querer a privacidade deles.
— Mas e a senhora? Vai ficar aqui sozinha?
Olhei para Rosalinda. Ela já era uma senhora, não deveria ficar sozinha.
— E por acaso eu estou doente que eu não posso ficar sozinha na minha
própria casa? – Retrucou com o cenho franzido, Marcos apenas cruzou os
braços. — Mas é cada uma que vocês falam.
— A senhora poderia ficar lá na fazenda por um tempo.
Enquanto os dois conversavam, eu observei o Marcos. Ele era o filho mais
velho, e pelo que Rosalinda tinha me dito, foi o primeiro a se casar. Eu nunca
tinha perguntado, mas estava curiosa para saber o que tinha acontecido para
Alessandra ter ido. Afinal, ele não parecia ser uma pessoa ruim, e eu duvidava
muito que ele fosse um homem violento. A pele era bronzeada pelo sol
constante, os cabelos loiros – maiores que o de Mattias – estavam desgrenhados.
A barba estava por fazer, e ele parecia concentrado demais no que a mãe falava.
Quando o olhar dele me pegou o encarando, eu rapidamente desviei e me
levantei. Fui até as panelas e verifiquei uma a uma.
— Eu vou arrumar minha bolsa e depois tomar um banho enquanto é cedo
– Rosalinda falou. — Antes da gente ir, quero falar com o Mattias.
Com o prato em mãos, comecei a colocar um pouco do almoço. Após a
refeição colocada, peguei um garfo e fui me sentar à mesa. Assim que olhei para
Marcos, ele ainda estava de braços cruzados e me encarava.
— O almoço está cheirando tão bem – comentei e ele acenou lentamente.
— Tenho que tomar cuidado e não comer demais – ri para descontrair. — Não
que eu me importe com isso.
— E você está grávida, precisa comer mesmo. – Respondeu, e por dentro
me senti mais calma. — A minha filha gosta muito de você, Isobelle.
— Eu também gosto muito dela, Marcos. Ela é uma criança muito esperta,
e muito fofa.
Então pela primeira vez ele sorriu. Aquilo me deixou um pouco surpresa,
nunca tinha visto Marcos sorrir.
— Ela me disse que pediu para você ser a mamãe dela.
Balancei a cabeça, e encarei o prato.
— O Mattias quando soube ficou com ciúmes. Ele é um pouco ciumento.
— Sério? – O tom usado no questionamento me fez encará-lo. Marcos
sorria. — Bom saber, mas então. Não vai perguntar?
— Perguntar o quê? – indaguei sem compreender.
— Você pareceu curiosa com alguma coisa – murmurou e se encostou mais
na cadeira. — Somos da mesma família, não temos segredos.
Após uma colherada, pensei se eu fazia mesmo minha pergunta. Não
queria de forma alguma chateá-lo, ou criar uma situação desnecessária. Então,
após engolir, respirei fundo e o observei.
— Eu queria que os gêmeos entrassem na igreja como minha daminha e
meu pajem. Se você deixar, é claro.
Marcos me encarou por alguns segundos, mas logo acenou.
— Por mim tudo bem.
Sorri e em seguida continuei a comer. Em meio ao silêncio, ouvimos
quando a caminhonete se aproximou e segundos depois Mattias apareceu. Seu
olhar foi em minha direção, mas logo focou no irmão que estava sentado a minha
frente.
— Cadê a mãe? – perguntou enquanto ia até a pia onde ele lavou as mãos.
— No banho – Marcos respondeu. — Ela disse que você estava na sua
futura casa. Precisa de ajuda com alguma coisa?
— Não. Consegui falar com o mestre de obra, amanhã vamos até a casa. E
aí? Estavam conversando?
Mattias perguntou ao mesmo tempo que puxava uma cadeira ao meu lado.
O olhei e sorri quando percebi o ciúme junto a curiosidade.
— Ele deixou que os gêmeos sejam nossa daminha e pajem.
Então ele sorriu e me tocou na bochecha.
— Obrigado irmão, Isobelle ficou bastante empolgada só de imaginar. –
Confidenciou. — Mas me fala como estão as coisas?
Voltei a comer, sem prestar atenção na conversa dos dois. Já que
Rosalinda ficaria alguns dias na casa do Marcos, eu teria esse tempo para estar
com Mattias. Perdida no meu mundo, terminei de comer bem na hora que
Rosalinda apareceu já arrumada.
— Você já chegou, meu filho. Seu irmão já deve ter contado, né?
— Sim, mãe, a senhora pode ir tranquila – Mattias sorriu recebendo um
abraço dela. — Vou cuidar da Isobelle.
— E eu vou cuidar dele – falei fazendo-a sorrir. — Então a senhora pode
ir sem preocupação alguma.
— Depois a leve até lá – mandou enquanto alisava meus cabelos. —
Isobelle nunca foi pra aquelas bandas.
— Certo mãe, não se preocupe.
Minha ansiedade só aumentava esperando o momento em que estaríamos
sozinhos.
— Na geladeira eu separei uns sanduíches, frutas e uma jarra de suco.
Tudo pra o piquenique de vocês, só não voltem muito tarde. Não é bom ficar no
sereno.
Sorri concordando, e fitei Mattias. No instante em que a mão dele pousou
em minha coxa sob a mesa, eu senti meu coração bater mais rápido. Eu estava
completamente carente. Olhei sua grande mão deslizar por minha coxa, mas
rapidamente ele tirou.
— Vamos indo, mãe? – Marcos perguntou já de pé. — Esses dias tive que
deixar os gatos e o Brutus dormirem no quarto da Maria Alice. Aliás, muito
obrigado Mattias pelo presente.
O tom usado foi totalmente irônico, tentei prender o riso, mas em vão. Os
dois me olharam.
— Não precisa agradecer, irmão – Mattias falou com um sorriso. — Estou
aqui para dar essa força, mas o Brutus não é seu e os filhotes não foram
presentes.
Marcos devolveu o sorriso e segurou a bolsa de Rosalinda.
— Tchau Isobelle.
Acenei e sorri para Rosalinda que me olhou pela última vez. Assim que
eles se foram, encarei o prato, a minha frente, mas logo respirei fundo e me
levantei.
— Ainda vamos fazer o piquenique? – questionei começando a lavar o que
tinha sujado.
— É claro – Mattias respondeu e segundos depois me abraçou por trás. —
Mudou de ideia?
— Não, eu quero ir. – Lentamente o senti se afastar. — Eu acho que
amanhã ou depois eu já posso ver os gêmeos. Não imaginei que a Maria Alice
fosse sentir minha falta.
— Ela gosta de você, Bel.
Terminei de lavar, e me virei em direção a ele. Mattias colocava o que
iríamos levar em cima da mesa.
— Ela falou para o seu irmão que pediu para eu ser a mamãe dela.
No mesmo minuto, Mattias me olhou. Agora eu tinha a atenção dele.
— Ele disse isso? – Indagou e eu prontamente acenei. — Vocês estavam
falando sobre isso?
— Falávamos sobre os pequenos, aí eu pedi para que eles fossem nossa
daminha e pajem. Ele aceitou, aí você chegou.
— Só falaram isso? – questionou de braços cruzados.
— Eu disse que você ficou com ciúmes, ele riu.
Ainda encostada a pia, o observei se aproximar e apoiar as duas mãos ao
lado das minhas.
— É impressão minha – sussurrou lentamente, meu corpo ficou
automaticamente arrepiado. Mattias estava tão perigosamente perto. Eu sentia
falta dos beijos, e de estar nos braços dele. — Ou você está querendo me deixar
com ciúmes?
Engoli em seco e desci meu olhar por seus lábios, barba, pescoço e
peitoral. A camisa que ele usava estava aberta o primeiro botão, e mesmo que
pouco eu conseguia ver alguns cabelos loiros por algumas partes.
— Eu não faço isso – menti e ele sorriu. — Você ficou?
— O que você acha? – Questionou e me beijou perto dos lábios. — Fico
possesso só de imaginar.
Levei minhas mãos pelos braços dele, e parei em seu peitoral.
— Eu sou completamente sua, Mattias – falei e o puxei para mais perto. —
Para sempre.
— E eu sou seu.
Cheia de desejo, fiquei nas pontas dos dedos e o beijei. Ao ter o corpo
abraçado, relaxei e abri mais os lábios, deixando a língua quente tocar a minha.
Em um movimento rápido, Mattias me pegou no colo, me deixando na mesma
altura que ele. Os lábios tomavam os meus com fome, do jeito que eu queria e
necessitava. Enquanto uma mão me sustentava para não cair, a outra estava
emaranhada entre meus fios castanhos. Quando o ar nos faltou, ele desceu os
beijos pelo meu pescoço, e sendo mais selvagem, me mordeu.
Me arrancando um gemido mais alto.
— Mattias…
— Porra! – Assim que ele praguejou, eu o encarei sem entender. A
respiração estava visivelmente sôfrega, era tão óbvio que ele me queria. — Me
desculpe, Bel. Vamos logo para o nosso piquenique?
Mesmo não querendo, eu me senti rejeitada. Meu corpo estava em chamas,
os bicos dos meus seios quando friccionados no tecido do vestido, enviavam
faíscas por todo o meu corpo. Automaticamente me abracei e feito uma chorona,
deixei algumas lágrimas caírem.
— Bel…
— Você não quer me tocar mais? – O interrompi e quando ele foi me
responder continuei: — O Benício não me tocou. – Mattias parou e engoliu em
seco. — Eu não deixei que ele fizesse isso.
Sem esperar uma resposta, me afastei e andei a passos rápidos para o
quarto. No entanto, eu ouvia as pisadas do Mattias atrás de mim.
— Bel! Ei, Isobelle. – Meu braço foi segurado. — Olha para mim –
mandou, e mesmo não querendo eu o fiz. — Não estou te evitando porque não
quero te tocar, estou respeitando o seu tempo porque eu nunca vou colocar os
meus desejos acima dos seus.
As íris azuis me encaravam com firmeza, então me senti uma completa
tola. Eu deveria ter percebido que era apenas zelo da parte dele, ele era tão
protetor e cuidadoso comigo, mas minha mente não pensou naquela
possibilidade. Talvez porque Mattias tinha me visto nos braços daquele monstro,
e eu me senti envergonhada, mesmo que a culpa não fosse minha.
— Me desculpa.
— Ei, não – negou segurando meu rosto com carinho. — Não precisa se
desculpar, não pensei que precisávamos conversar sobre isso. Erro meu. Eu amo
você, Bel, sempre vou querer você. Nunca duvide disso.
— Eu me senti rejeitada.
Avisei, e em troca recebi um mínimo sorriso.
— Bel, Bel… Não sabe como estou me segurando nesse exato momento –
falou e me puxou para os braços dele. — Minha vontade é de te jogar naquela
cama, e fazer você gemer meu nome até ficar rouca.
Mordi o lábio e deixei um sorriso escapar.
— E minhas palmadas? – questionei fazendo-o sorrir maliciosamente.
— Claro, você vai levar umas palmadas – murmurou com a voz rouca. —
Ficou me fazendo ciúmes o dia todo. Sendo muito malvada comigo.
Meu sorriso aumentou, eu realmente estava.
— Vamos para o quarto? – o puxei pela camisa, mas ele nem se quer se
moveu. — Mattias…?
— Vamos para o nosso piquenique e a noite prometo lhe dar suas
palmadas. – Propôs, eu ponderei um pouco. Afinal, eu queria ir ao piquenique,
mas também queria me entregar a Mattias. — Você vai gostar. Será o nosso
terceiro encontro.
Ele sorriu e me beijou uma última vez.
— Tudo bem, e eu quero nadar no rio.
— Vou arrumar nossa comida. Te encontro aqui em 3 minutos, ok?
Concordei e em seguida o observei ir. Não querendo demorar tanto, me
direcionei até o quarto. Eu não tinha biquíni, nem se quer pensei em trazer um
quando fugi. Já dentro do quarto peguei outro vestido e uma calcinha. A que eu
estava usando era um pouco velha.
Em frente ao espelho soltei os cabelos e observei meu rosto que aos
poucos estava melhor. Desci o olhar até meu ventre e fiquei de lado. Em breve a
gravidez estaria em evidência, e só de pensar sentia uma ansiedade de
experienciar aquela fase. Meus pés estavam descalços, até pensei em colocar a
bota, mas por fim continuei sem. Eu iria nadar afinal.
Antes de sair, peguei uma toalha de mesa para forrar o chão, e mais duas
para nos secarmos.
Ao chegar na entrada da cozinha vi Mattias segurar uma cesta e a jarra de
suco. Rapidamente peguei a jarra, e nos encaminhamos para fora.
— O mestre de obra já vai começar a reforma?
— Não – negou enquanto colocava as coisas no banco de trás. — Vamos
falar com ele primeiro, não sei como você quer nossa casa. Se mantemos a
mesma planta, ou com alterações.
— Alterações? – repeti e me aconcheguei no banco do carona. Assim que
Mattias se acomodou no lugar do motorista o encarei. — O que você pensou?
— Não sei, mas sei que quero os quartos para os nossos filhos.
Sorri e me encostei mais no assento.
— Os quartos para os nossos filhos, o nosso e um para a sua mãe. –
Respondi e o encarei. — No quarto dela e no nosso podemos manter os
banheiros, as crianças dividem os deles.
Mattias sorriu em apreciação.
Voltei meu rosto em direção à janela, e fechei os olhos. Sentia a brisa
tocar meu rosto, e a caminhonete chacoalhar na estrada de terra. Abri novamente
meus olhos e observei o pasto imenso. Diferente da outra estrada, ali não tinha
cercas protegendo ao redor. Aquele era o mesmo caminho que Mattias tinha me
levado na primeira vez a cavalo. Quando vi a árvore e o rio, esperei em
expectativa a caminhonete estacionar, para logo em seguida descer. Assim que
meu olhar bateu na cachoeira, e na água cristalina, senti a vontade de mergulhar
naquele instante.
Então, enquanto Mattias arrumava o nosso cantinho, retirei o vestido e
somente de calcinha me encaminhei ao rio. O vento assoprava em minha pele
fazendo-a ficar arrepiada. Lentamente entrei na água, mas já acostumada com a
temperatura: mergulhei.
Voltei para a superfície e vi Mattias parado. As mãos estavam na cintura,
o olhar não saía de mim.
— Não vem?
Ele começou rapidamente a desabotoar a camisa, ao mesmo tempo que
com os pés retirava os coturnos. Em seguida a calça seguiu o mesmo destino, e
com uma cueca preta ele andou em minha direção. Os cabelos do peitoral
estavam maiores, mas não de uma forma feia e assim que ele ficou a minha
frente, eu o abracei. Só de ter aquele contato dos nossos corpos molhados senti o
meu desejo me queimar por dentro.
Gemi baixinho e encostei nossos narizes.
— Eu amo tanto você, Bel. Nunca imaginei amar alguém assim.
Sorri ainda de olhos fechados, e o beijei. As grandes mãos passearam por
minhas costas, mas logo uma se posicionou em minha nuca e a outra me abraçou
a cintura. Mattias me beijava de forma lenta, fomentando ainda mais minha
libido.
— Amor... – sussurrei após meus lábios serem libertos. — Eu também
nunca imaginei amar alguém assim. Pensava que ficaria sozinha para sempre.
No mesmo instante meu corpo foi abraçado com mais vontade.
— Acho difícil – retrucou e me beijou o canto dos lábios.
O contato sensual dos meus seios em Mattias, me fez fechar os olhos para
apreciar mais a sensação. Lentamente levei minhas mãos ao peitoral dele, e
tateei por toda a pele.
— Você é tão lindo, Mattias. – Comentei e recebi um sorriso. — Falo
sério. Acho que nunca conheci um homem tão bonito assim.
— Vai me deixar sem jeito – respondeu e me tocou a bochecha. —
Também nunca conheci uma mulher tão bonita como você.
Encostei minha cabeça em seu ombro e ficamos rodopiando dentro da
água. Às vezes Mattias beijava do meu ombro até a curva do meu pescoço, ele
era sempre tão carinhoso comigo, e sussurrava palavras carinhosas. Olhei por
cima do ombro dele, e visualizei o pano estirado no chão e a cesta por cima. Era
quase o fim da tarde, o céu ainda estava azul, mas seria questão de poucas horas
e ele se tornaria alaranjado.
Agarrada nos braços de Mattias, fechei meus olhos e me deixei imaginar
como seria nossa vida ali em diante na roça.
Mattias

Mesmo com Isobelle ali em meus braços, não tirava a atenção ao nosso
redor. A caminhonete estava estacionada ao lado da árvore, impossibilitando
minha visão da estrada. Não queria ter que estragar aquele momento com
Isobelle, ela parecia bem relaxada, mas não daria brechas de alguém nos pegar
pelados ali.
Sutilmente a toquei no queixo, e sorri quando os lindos olhos castanhos
me encararam. Isobelle sorria contida, e eu tentava a todo custo não pensar nos
seios sendo esfregados em mim. A pele molhada deslisava com facilidade junto
ao meu corpo, e o perfume que desprendia dela me deixava totalmente
embriagado.
— Vamos nos secar? Alguém pode aparecer.
Ela rapidamente olhou ao redor, mas logo voltou a me encarar.
— Tudo bem – concordou e se afastou minimamente. — A gente poderia
vir mais vezes aqui, né?
— Claro.
Saímos da água e encarei automaticamente o corpo só de calcinha a minha
frente. Enquanto nos enxugávamos me lembrei do choro dela na sala de casa,
nunca passou por minha cabeça que ela estava guardando tanta insegurança
dentro de si. Afinal, como eu interpretei os olhares dela quando eu a tocava, ou
nas minhas falas, não eram de medo ou hesitação como eu imaginava.
“Eu me senti rejeitada.”
Sem conseguir me segurar, deixei um sorriso escapar, ela logo me
encarou. Quando eu achava que já conseguia compreender um pouco Isobelle,
ela me provava que não.
— Está rindo de mim? – Questionou enquanto ajeitava o vestido no corpo.
Neguei com a cabeça. — Estava sim.
— Eu não faria isso – retruquei observando-a se sentar. — Quando
voltarmos você vai colocar a bota e não vai tirá-la tão cedo.
— Todo mandão.
Em silêncio a observei pegar um pedaço do sanduíche e dar uma generosa
mordida. Sem nem me dirigir o olhar, Isobelle apoiou a mão no tecido da toalha
e inclinou o corpo para a minha apreciação. Enquanto comia, mantinha os olhos
fechados, e aproveitando, deixei que meu olhar deslisasse pelo decote dos seios
medianos, em seguida pelo ventre liso. Saber que ela estava gerando um bebê
nosso, me fez sorrir como um bobo.
Busquei a calça e a vesti.
Ao mesmo tempo que me sentia feliz, me pegava pensando como seria
minha vida se eu não tivesse conhecido Isobelle. Provavelmente eu ainda estaria
sozinho, focado no trabalho, sendo ranzinza o tempo todo e sem perspectiva de
nada.
Como era possível ela me mudar tanto assim? Como era possível eu estar
tão entregue e totalmente nas mãos dela?
— Sabe... agora pensando sobre o nosso primeiro bebê – Isobelle sorriu
envergonhada. Logo me deitei ao lado dela. — Eu fico feliz por ele crescer por
aqui na roça.
— Eu também, sendo sincero, nunca imaginei saindo daqui. Cidade grande
não é para mim.
— E nem para mim – respondeu e me encarou. — Quando vocês me
acolheram, e eu fiquei por aqui, eu me senti tão bem. Quando nos beijamos e
ficamos juntos, foi como se tudo fizesse sentido. Como se aqui fosse o meu
lugar, e eu quero que os nossos filhos se sintam em casa.
No instante que terminou de falar, vi as lágrimas caírem teimosas.
— Que chorona.
— Só um pouco – riu e secou rapidamente o rosto. — Não vai comer?
Sorri e peguei uma maçã.
— Já pensou em um nome?
Isobelle me sorriu e assentiu.
— Se for menina Maria Isadora, se for menino José Guilherme... – Os
olhos dela brilhavam enquanto dizia os possíveis nomes. — Ou talvez Júlia,
Lara, Mariana, Marina, Sophia, gosto de Alina também. O que você acha?
— Podemos fazer um filho para cada nome.
Assim que ela riu abertamente, eu a acompanhei. O corpo se moveu
rapidamente, e Isobelle ficou deitada de bruços. Meus olhos desceram até o
traseiro arrebitado, mas logo tratei a voltar para seu rosto.
— Falamos para os gêmeos que estou grávida? – Após a pergunta, ela
buscou uma banana e começou a comer. — Queria saber a reação deles.
— Podemos falar essa semana – respondi e em seguida dei uma mordida
na maçã. — Acho que eles vão gostar em saber que terão um priminho.
— Acha que é um menino? – O sorriso direcionado em minha direção, me
fez sorrir. Isobelle era linda. — Vicente – falou e ainda me olhando, engatinhou
até ficar com o corpo por cima do meu. Minhas mãos automaticamente foram
para baixo do tecido do vestido, apertei o traseiro macio fazendo Isobelle
morder os lábios. — Se for menino ele se chamará Vicente, João Vicente.
Assenti e inclinei meu rosto em sua direção, nossos lábios se tocaram
levemente. Me sentei em um movimento rápido e levei uma mão até o rosto a
minha frente. Isobelle fechou os olhos e inclinou a cabeça em direção a minha
mão.
— João Vicente Ferreira – murmurei e sorri em apreciação. — Nosso filho
mais velho – disse e a vi acenar sorrindo de forma carinhosa. — Obrigado, Bel.
Sou um homem realizado, e ficarei ainda mais quando me disser sim no altar.
— Eu te amo, Mattias. Ser sua mulher e mãe dos seus filhos é tudo o que
mais quero nesse mundo.
O meu sorriso aumentou, e lentamente a senti se remexer me abraçando
mais.
— Está com uma carinha de quem quer aprontar – murmurei, e recebi um
sorriso sapeca. — Bel, Bel...
— Vamos para casa? – pediu e em sequência me beijou os lábios. — Eu
sinto sua falta, Mattias. Dos beijos, das palmadas... – Lentamente ela sorriu
parecendo sem jeito. — Não me faz esperar até a noite.
— Pedindo desse jeito, toda manhosa, não tem como negar.
Sem me responder, Isobelle me beijou e rebolou em meu colo. No mesmo
instante senti um arrepio subir em minha espinha, e agarrei automaticamente a
cintura fina, forçando-a para baixo. Aos poucos meu pau começava a ficar duro,
e meu único desejo era entrar fundo no calor de Isobelle. Ainda me beijando, ela
se afastou por dois segundos, mas logo voltou a me abraçar e ali eu senti os
seios em contato com meu peitoral. Separei os nossos lábios e olhei para baixo,
o vestido estava embolado abaixo dos seios medianos.
— Você vai me matar, Bel...
— Eu quero tanto você, Mattias... Por favor... Me faça sua.
Olhei ao redor e tudo o que eu via era vegetação. O céu estava banhado
pelo laranja do pôr do sol.
— Alguém pode ver.
— Fazemos rápido – propôs com um sorriso de lado, e um pouco surpreso
a encarei. — Não me olha assim – reclamou e me empurrou até ficar deitada
sobre meu corpo. — Ninguém vai aparecer.
Olhei mais uma vez ao redor e quando constatei que não tinha perigo,
espalmei com força no traseiro macio, recebendo um gemido desejoso. Isobelle
enfiou uma das mãos por dentro da minha cueca e puxou minha ereção. Com ela
ainda em cima de mim, desci minha calça e sem desgrudar nossos olhares levei
as duas mãos a calcinha de renda.
O som do rasgo se misturou com as nossas respirações, e com um sorriso
de lado a observei apoiar uma mão em meu peito e a outra agarrar meu pau.
Isobelle mordia o lábio inferior enquanto se esfregava e me fazia entrar
lentamente. Já eu me recusava a fechar os olhos e perder aquela visão deliciosa.
Assim que entrei por completo, a vi puxar uma respiração e franzir o cenho.
— Estou te machucando? – indaguei enquanto me deitava por completo.
— N-Não – gemeu e levou os dedos ao clitóris. — É que eu t-te sinto tão
fundo. É tão gostoso, amor.
Sorri com a forma carinhosa que ela havia usado comigo, e sem perder
tempo a segurei pela cintura. A ajudei a se mover para frente e para trás, mas
logo ela voltou a apoiar as duas mãos no meu peito e começou a cavalgar.
Primeiro lentamente, como se saboreasse o momento – que para mim era uma
tortura gostosa –, e rapidamente em seguida aumentou o ritmo.
Querendo mais, abri as pernas, planei os pés no chão e a segurando pelo
quadril, tomei conta dos movimentos. A atingia com força, ouvindo os gemidos
aumentarem, e os seios pularem para o meu deleite. Isobelle sem se conter,
começou a me arranhar, e, ao mesmo tempo que ardia os arranhões, eu levava
aquilo como um incentivo para continuar da forma que fazia: forte e rápido.
Com uma estocada mais rigorosa, Isobelle gemeu mais alto e levantou o
quadril. A olhei preocupado por talvez ter a machucado, mas logo me acalmei
quando a vi sorrir.
— Foi demais para você? – perguntei e como resposta ela se deitou por
cima de mim. Com cuidado a segurei pela cintura e virei o corpo ficando por
cima dela. — Se quiser podemos terminar em casa.
As pernas circundaram minha cintura, e ainda dentro dela, a abracei,
deixando nossos corpos colados. Isobelle me beijou os lábios, e incentivou que
eu continuasse a me mexer.
— Quero agora e em casa também – ao ouvir aquilo a olhei e sorri. — Ou
é demais para você?
No mesmo instante a olhei torto, recebendo um grande sorriso. Ela estava
brincando comigo?
— Esteja preparada porque essa noite você não vai dormir.
Lentamente forcei meu quadril no dela, sentindo-a mais molhada, e meu
pau ser apertado. Gemi rente aos lábios doces, e sem perder tempo chupei o
lábio inferior de Isobelle. Eu estava com tantas saudades daqueles gemidos, dos
beijos, de tudo.
Iniciando um novo beijo, comecei a me mover como antes. Engolia com
desejo os gemidos manhosos, suspiros e palavras desconexas que Isobelle
soltava. Me afastei minimamente dela, e encostei nossas testas enquanto
continuava a me mover com precisão.
— Eu te amo, amor! Eu te amo!
Voltei a beijá-la, a língua enroscando a minha de maneira sensual e ávida.
Como eu amava aquela mulher! A apertei em meus braços, e continuei no mesmo
ritmo. No instante em que senti meu pau ser apertado, ataquei o pescoço esguio
com mordidas, chupões e beijos. Isobelle gemeu alto e me abraçou com força.
Gemi e quando finalmente gozei fiquei parado sentindo os espasmos por
meu corpo. Olhei para Isobelle e recebi um lindo sorriso satisfeito.

Assim que estacionei em frente a casa, fitei Isobelle e sorri. Os cabelos


estavam presos no alto da cabeça, e em seu pescoço as marcas dos meus chupões
se destacavam na pele macia. Antes de descer, ela me olhou e retribuiu o sorriso.
A segui em silêncio, e peguei a cesta com as coisas que usamos. Já dentro de
casa andamos até a cozinha, e parado ao lado da mesa encarei Isobelle ir até a
pia e lavar as mãos.
— Vou fazer um café, tudo bem?
— Eu queria ajuda no banho – murmurei e me aproximei dela. — Não
alcanço minhas costas, sabe?
— Hum... – Os braços rodearam meu pescoço. — Acho que posso ajudar.
Em um movimento rápido a peguei no colo.
— Se for boazinha, vai ganhar aquelas palmadas.
Andei em direção ao banheiro, minha atenção nunca saindo de Isobelle.
Assim que entramos, a coloquei no chão e com urgência tiramos as roupas.
Parecíamos dois adolescentes, e era exatamente como me sentia.
Minha mão foi agarrada e Isobelle me sorriu. Parei embaixo do chuveiro,
e querendo sentir o corpo no meu a puxei e a abracei.
— Nunca vou me cansar disso.
No instante que terminei de falar, meus lábios foram tomados. O beijo
lento enviava estímulos direto para o meu pau, atiçando de uma forma que só
Isobelle conseguia. Ainda em meio ao beijo, senti quando a mão me agarrou
começando os movimentos de vai e vem.
Após o beijo, arfei e observei a mão que trabalhava envolta da minha
ereção. Separei as pernas para me dar equilíbrio, e sem que eu esperasse, vi
Isobelle ficar de joelhos.
O olhar não desgrudava do meu, e com expectativa misturada com a
surpresa, apreciei a visão da língua lamber todo o meu comprimento. Levei meus
dedos a bochecha macia em um breve carinho, em seguida afastei alguns fios
soltos que estavam no rosto dela. Os lábios se abriram e Isobelle chupou a
minha glande. Intercalava entre lambidas longas e lentas, mas quando me
chupava parecia querer tomar todo de mim.
— Se continuar nesse ritmo – gemi observando-a me masturbar com as
duas mãos. — Eu vou gozar nos seus lábios.
— Mas eu quero isso – respondeu, seu olhar era pura malícia. — Eu senti
muito a sua falta, não vou perder mais nada.
Sorri com aquela afirmação e soltei um breve gemido.
Isobelle usava os lábios e as mãos para me levar ao delírio. Após alguns
minutos não consegui me segurar mais e gozei sentindo meu corpo tremer por
inteiro. Olhei para baixo e aquela visão me deixou em êxtase: os lábios e rosto
de Isobelle estavam melados, o sorriso era satisfeito e aquilo me fez sorrir.
— Você gostou? – A voz soou curiosa. Acenei, então ela olhou para baixo.
— Você continua duro.
Soltei um breve riso e a puxei para mim.
— Você me deixa assim, Bel. – Afirmei e sem me importar com os
resquícios do meu prazer nos lábios dela, a beijei. — Agora me deixe retribuir,
estou faminto por chupar você.
— A-Aqui?
— Aqui, no quarto, cozinha, em qualquer lugar.
Ri com a expressão envergonhada que ela me olhava.
Levei os dedos a intimidade em uma carícia longa, e fiquei mais duro ao
sentir Isobelle ensopada. Me ajoelhei diante dela, e coloquei uma perna em meu
ombro, deixando-a aberta para mim. Com dois dedos separei os grandes lábios,
em seguida lambi de forma lenta. O gemido veio alto e manhoso, em seguida a
mão agarrou os meus cabelos.
Repeti o gesto e a segurei pela cintura.
A minha língua explorava cada pedacinho querendo extrair o máximo de
Isobelle, e quanto mais eu a chupava, mais eu sentia meus cabelos serem
agarrados. O quadril se remexia lentamente, sempre acompanhando os meus
movimentos. Abri rapidamente os olhos e a visão dos lábios serem mordidos,
junto a uma expressão de puro êxtase, me deixava com mais vontade de triplicar
as sensações que ela sentia.
Com um sorriso de lado, dei uma última lambida e parei. Isobelle demorou
alguns segundos para me olhar, mas quando o fez, vi a confusão em seu rosto.
Ainda com a língua estirada, esperei uma ação de Isobelle.
— Amor...?
Gemeu manhosa, e ainda agarrada aos meus cabelos, se esfregou
lentamente em minha língua. Rebolava enquanto soltava baixos gemidos, e
aquilo me levava a loucura. Deixei que ela fizesse o ritmo que queria por alguns
minutos, mas logo voltei a comandar. Chupava e esfregava a língua na carne
rosada, sempre ouvindo os gemidos e suspiros de Isobelle. Com um dedo
deslisei entre os pequenos lábios, e a penetrei.
Assim que meu dedo foi apertado, eu soube que ela estava perto.
Continuei no mesmo ritmo de antes e após alguns minutos, Isobelle gozou
agarrada aos meus cabelos.
— Deliciosa – murmurei e beijei o caminho de seu corpo até parar em seu
pescoço. — Pronta para mais uma?
A segurei pela cintura, e em um movimento rápido a virei de costa. Levei
meus lábios ao ombro desnudo e o beijei. Com a outra mão direcionei meu pau
até a pequena abertura e o esfreguei. No instante que entrei em seu calor úmido,
senti Isobelle empinar e se aconchegar mais em mim.
— Mattias…
Subi os beijos até o lóbulo da orelha e o chupei.
— Espero que não esteja muito cansada – sussurrei, fazendo-a gemer.
— Porque meu objetivo hoje é fazer você gozar até ficar exausta.
Após retomar os movimentos fortes e rápidos, desferi dois tapas no
traseiro, ouvindo Isobelle gemer mais alto e empinar em minha direção. Olhei
para baixo, onde o traseiro batia com força em mim e toquei nas marcas
avermelhadas evidenciadas na pele macia. Assim que abri mais as pernas para
pegar equilíbrio e impulso, Isobelle virou minimamente o rosto, me deixando ver
o sorriso que ela tinha.
— M-Mais!
— Que mulher mais safada eu fui arrumar!
Ouvindo-a rir, espalmei a mão do outro lado do traseiro e o apertei. Ao
senti-la deitar as costas em mim, levei os dedos a língua, em seguida esfreguei
no clitóris. No mesmo instante meu pau foi apertado, gemi rouco abraçando a
cintura fina.
— Amor, eu quero cavalgar. Por favor...
Com um sorriso malicioso por conta do pedido, a paguei nos braços e saí
do banheiro. Ao chegarmos no quarto, me joguei na cama com Isobelle por cima
e me deliciei com a visão que eu tinha.
Os lábios eram mordidos, e a expressão sexy de desejo me fez gemer.
Pronto para voltar a me mover, a observei segurar meu pau e o esfregar na outra
entrada.
A encarei surpreso.
— Vai me deixar foder aí?
Senti a cabeça forçar a entrada, mas logo parar. Isobelle tinha o cenho
franzido, mas era nítido o desejo ali.
— Na nossa lua de mel – avisou me fazendo sorrir abertamente. — Eu
prometo.
Como resposta, dei um tapa forte no traseiro, seguido de outro. Ela gemeu
manhosa, e sorriu enquanto me fazia entrar novamente. As duas mãos subiram
até os seios, e em uma visão totalmente erótica, Isobelle os apertou ao mesmo
tempo, em que rebolava lentamente em meu pau.
A segurei pela cintura, a forçando para baixo.
Meu corpo pegava fogo, e eu poderia apostar que Isobelle se sentia da
mesma forma. Desci minha mão e bati agora no outro lado. Nossos corpos
estavam suados, e Isobelle galopava sem parar. Eu já conseguia sentir que estava
quase na borda, mas eu não poderia vir antes dela.
Então a segurando por baixo dos joelhos, me levantei e com o rosto colado
ao dela, meti em sua boceta com força e rapidez. Os lábios a todo momento eram
mordidos, e com um impulso mais forte, Isobelle gritou me apertando.
Seguindo-a, me deixei gozar bem fundo dentro dela. Ficamos ali parados
tentando normalizar as respirações, ela ainda tremia em meus braços e apesar de
ter gozado, ainda me mantinha dentro dela. De forma carinhosa, senti beijos em
meu rosto, em seguida meus lábios foram tomados.
O jeito carinhoso que ela encerrou o beijo, me deixou com vontade de
mais. No entanto, eu sabia que ela estava cansada e grávida. Sem falar nada, nos
deitamos novamente e sorri quando o corpo nu se aninhou ao meu.
Isobelle

Com um suspiro de satisfação, me encostei no banco e sorri. Mesmo após


as horas de amor que tive com Mattias na noite anterior, hoje pela manhã eu
praticamente o ataquei em busca de mais. Quando finalmente acabamos, ele
tomou banho primeiro com a desculpa de que se eu estivesse junto, ele só sairia
na hora do almoço. Ri contida e me virei em direção a ele. Os braços fortes
cobertos pela camisa social, dobradas até os cotovelos, o deixava com um
charme a mais. A calça de lavagem escura, marcavam as coxas musculosas,
coxas aquelas que combinavam perfeitamente com ele.
O olhar era concentrado, mas assim que me pegou o olhando, sorriu. Me
derreti naquele sorriso.
— Me querendo de novo?
Ri e neguei.
— Você é bem convencido.
Mattias sorriu e levou minha mão até os lábios onde o beijou.
Saímos da fazenda pela manhã e a primeira parada foi nossa futura casa.
Ao chegar lá me surpreendi por ver todo o mato tirado, e muita gente
trabalhando. Conversamos com o mestre de obra e mostramos como queríamos a
casa. Ele, já um senhor, mas bem experiente, me afirmou que tudo sairia
conforme o planejado. Não demoramos lá e seguimos até o hospital, o mesmo ao
qual passei uma noite.
Preenchi um formulário sobre mim, e após isso fui até uma sala com
Mattias. Fiz a triagem com uma enfermeira, e em seguida conversamos com a
médica. Ela me explicou algumas coisas referentes a gravidez, e me passou os
exames que eu precisaria fazer.
Mattias a todo momento se mostrou interessado em tudo o que a médica
recomendava, e aquilo só me fazia amá-lo mais. Se era possível.
Agora, já quase no horário do almoço, estávamos voltando para casa
quando um peão do meu pai nos parou no meio da estrada, e falou que ele nos
esperava na fazenda. O caminho que seguíamos era totalmente novo, e distante
da fazenda. Os minutos se passaram e quando Mattias apontou para frente vi a
mansão. Parecia ter saído de uma novela. Assim que ele estacionou, desci e o
esperei.
— Uau, como é enorme – comentei recebendo um aceno. — Imagina
limpar uma casa desse tamanho.
Mattias me encarou e sorriu.
Na porta da frente, nem precisamos bater, ela foi rapidamente aberta por
uma senhora bem arrumada.
— Olá, boa tarde. – A voz soou saudosa. — O seu pai está na sala de
visitas, Srta. Monteiro.
— Obrigada, por favor, só Isobelle – pedi um pouco sem jeito.
Após um aceno, ela indicou o caminho e ainda agarrada ao braço de
Mattias, andamos até a tal sala.
Meu pai estava sentado em uma grande poltrona, e em sua frente havia um
homem loiro sentado, mas dava para ver que ele era corpulento. Usava uma
camisa parecida ao de Mattias, no entanto, a dele era nítida que estava pequena
para aqueles músculos grandes. Em mãos segurava um chapéu de cowboy preto,
e quando nos viu chegando seu olhar me percorreu de cima a baixo.
Intimidada com aquela presença desconhecida, me aproximei mais de
Mattias.
— Filha, Mattias! – Meu pai murmurou ficando de pé. — Que bom que já
chegaram! Pedi para que Geraldo fosse a sua fazenda Mattias, mas vocês não
estavam.
— Estávamos na cidade, fui começar meu pré-natal – respondi e de bom
agrado o abracei. — Antes passamos na nossa futura casa, ela vai ficar muito
linda.
Olhei para o homem que agora estava de pé.
— Esse é o Tibério, filha. Um amigo da família. Tibério, essa é minha
menina.
Acenei, e na mesma hora me lembrei daquele nome. Benício havia me
perguntado sobre ele. Sentindo meu coração acelerar, o vi se aproximar e
estender a mão. Mattias rapidamente o correspondeu.
— Como vai Tibério?
— Bem, Ferreira. Soube do casamento de vocês, parabéns.
Um pouco desconfortável, entrelacei meus dedos a de Mattias. Tibério de
alguma forma me lembrava Benício, talvez pelo tom usado, ou pelo jeito que me
encarava.
— A Agnes está na cozinha com as meninas, fica no final desse corredor a
direita – Meu pai me avisou. — Enquanto isso, Mattias pode se juntar a nossa
conversa. Estávamos falando sobre as novas cabeças de gado que o Tibério
comprou.
— Certo – concordei e antes de sair me virei para Mattias. — Tudo bem?
– Após um aceno, o beijei rapidamente e sem olhar para trás andei na direção
indicada.
No corredor mesmo, eu já conseguia ouvir as risadas adultas e balbucios
incoerentes. Assim que parei no batente da porta, vi Agnes sentada enquanto
brincava com uma bebê. Em pé atrás do balcão de mármore eu vi uma mulher
ruiva, e uma asiática.
— Oi! – A ruiva me acenou fazendo Agnes virar em minha direção.
— Isobelle! Minha linda, você chegou! – exclamou ao mesmo tempo que
caminhava até parar em minha frente. O abraço foi apertado. — Venha, a Nana
está preparando um doce. Essa é a bebê dela, Kim. E essa é a Débora, noiva do
Javier.
— Oi, prazer em conhecê-las. – Sorri educada. — E a você também, Kim.
Ela é muito fofa.
A bebê tinha os cabelos pretos e lisos, usava um vestidinho florido, era
tão lindinha. As bochechas rosadas me davam vontade de apertá-las e encher de
beijos.
— Obrigada – a voz suave me fez encarar Nana, ela sorria contida. —
Muito bom te conhecer, Isobelle. Agnes só fala de você.
— Estava até com ciúmes de tanto que ela falava – Débora brincou e se
aproximou para me abraçar. — Soube do seu casamento, e será uma honra tomar
conta de tudo.
Sorri agradecida e concordei.
— Obrigada, eu nem sei por onde começar.
— Vou reunir tudo o que precisamos e nos sentamos para conversar. Só
preciso entender seu gosto e do seu noivo. Seu casamento será lindo!
Acenei atenta, então em seguida Agnes começou a conversar com Nana
sobre a bebê que só queria ficar em pé nos braços. Enquanto ouvia as vozes
alegres, me deixei divagar, em breve eu estaria com o meu bebê nos braços.
Amamentaria, trocaria fraldas, ensinaria a falar mamãe primeiro ao invés de
papai. Ri com aquele pensamento. Tudo estava tão bom, que por um segundo me
lembrei que por um triz não viveria nada daquilo.
Levei os dedos aos cabelos lisos da bebê e sorri.
— Eu posso segurá-la? – indaguei e olhei para a mãe que me autorizou.
Com cuidado, a peguei e sorri. O olhar era curioso, a mãozinha babada agarrou
meu nariz e totalmente surpresa observei a bebê se aproximar e me babar a
bochecha. — Que beijoqueira!
Ri sendo seguida.
— Não se engane – Débora murmurou ainda sorridente, sentada ao lado da
Nana. — Ela quis te morder.
Me sentei no banquinho e continuei brincando com a neném. Os minutos
se passaram, e eu já estava mais a vontade com as meninas. Débora era a mais
falante, apostava com toda certeza de que Michele e ela se dariam bem.
— Irmãzinha – segui a voz, e vi Javier adentrar pelas portas do fundo.
Parei de sorrir e o observei. — Cadê o seu cão de guarda?
— Javier! – Débora bronqueou o batendo no braço.
— Meu noivo está na sala, Javier. Como vai?
Tentei ser educada já que estávamos em família, não queria criar um clima
ruim. Ali na cozinha eu consegui ver Agnes balançando a cabeça em negação,
mas com um sorriso, Débora agarrada ao noivo e Nana, um tanto séria, não
tirava os olhos do que fazia.
— Preocupada comigo, irmãzinha? Cuidado com o seu cão de guarda
ciumento.
Respirei fundo e fiquei de pé. Não tinha como conversar com ele, o tom
debochado, o sorriso, tudo me deixava irritada. Também não tinha esquecido da
forma desrespeitosa que ele falou comigo no dia do festival. Débora parecia
amá-lo de verdade, e eu ficava triste por ela. Era nítido que Javier não a
respeitava.
— Bom, eu vou indo – avisei e depositei um beijo na bochecha gorducha.
— A sua filha é muito fofa, Nana.
— Obrigada, Isobelle. Gostei de te conhecer.
— Eu também. – Sorri entregando a pequena a Agnes. — Vai ficar para o
casamento? Faço questão da sua presença.
— Vai, sim, Isobelle – Agnes respondeu rapidamente. — Ela está passando
uns tempos conosco, será nossa convidada de honra.
Olhei para Nana que parecia envergonhada, mas mantinha o sorriso
educado.
— E a Nana disse que pode fazer os docinhos da festa – Débora comentou
e eu sorri agradecida. — Ela é maravilhosa.
— Ela é sim – Agnes reforçou, e em seguida também ficou de pé. — Bom,
eu vou com a Isobelle até a sala, precisamos acertar algumas coisas.
Curiosa a observei entregar a bebê para Débora e cochichar algo para ela.
No seguinte momento em que ficou ao meu lado, me puxou para sair da cozinha.
O caminho de volta para a sala foi em silêncio, eu não sabia sobre o que
precisávamos acertar e aquilo me dava um nervosismo no pé da barriga. Na sala,
estavam apenas meu pai e Mattias, os dois falavam baixinho. A conversa não
parecia ser boa, ao julgar pela expressão de Mattias.
— Aconteceu alguma coisa? – questionei tentando me manter calma.
— Não, são apenas duas coisas que precisamos conversar, filha. – Meu pai
avisou e indicou o caminho.
Após um suspiro segurei o braço de Mattias e andamos até lá. Dentro do
escritório, me surpreendi pela quantidade de quadros e livros. Na grande mesa
próximo à janela, vi alguns porta-retratos, incluído uma foto minha quando era
menor.
— Eu sei que talvez você não queira falar sobre isso, por ser recente, mas
preciso saber de você.
— Sobre o quê?
— Sobre os peões do Benício, a Carolina e a cozinheira. – Assim que ele
falou, eu respirei fundo. — Estou movendo tudo o que posso para que eles
fiquem na cadeia pelo que fizeram.
Engoli em seco e olhei rapidamente para Mattias.
— O Sr. Albuquerque...
— Eu não me importo – meu pai me interrompeu sério. — Eu soube que
ela ajudou o maldito, então ela vai pagar por isso.
Desviei o olhar sem saber o que falar. Eu não queria prejudicar ninguém,
nem criar inimizades com a família da Carolina.
— O Ernesto, a cozinheira e os peões eram funcionários dele.
— Eles aceitaram fazer parte dos crimes – Meu pai proferiu sem desviar o
olhar. — O outro que avisou sobre você, terá uma pena menor, mas esses eu faço
questão que apodreçam na cadeia. – O olhar dele era sério, meu pai não estava
brincando. — Haverá um julgamento, eu procurei saber se era preciso você ir,
então caso você não queira comparecer não haverá problema. É um direito seu.
Surpresa, eu apenas acenei. Eu realmente não queria lidar com aquilo, não
queria ver Ernesto ou Demétria. Nem mesmo Carolina.
— Obrigada, pai, eu nem sei como agradecer.
— Não precisa, filha. Eu vou cuidar de tudo, inclusive, sobre o nosso
outro assunto. – Comentou e esfregou o rosto. — A sua mãe.
— O q-que tem ela? – Perguntei, meus olhos se encheram de lágrimas. —
Aconteceu alguma coisa com ela?
— Não – Agnes negou e se aproximou parando ao meu lado. — Nada de
ruim aconteceu.
A olhei confusa, e como se querendo confirmar encarou meu pai.
— A casa que vocês moravam, é sua. O documento contém o seu nome,
então se quiser vendê-la ou não sei, fazer algo com ela, você tem todo o direito.
— Eu não posso vender – balancei a cabeça. — E a minha mãe vai morar
aonde?
— Em todos esses anos, ela recebeu a pensão que mandei para você –
respondeu de braços cruzados. — Ela tem dinheiro de sobra para fazer o que
quiser, e eu sinceramente não me importo com ela.
— Mas ela é minha mãe.
Meu pai soltou um suspiro. Parecia se segurar, e eu até poderia imaginar o
que ele queria falar.
— Tudo bem – falou por fim, mas eu conseguia ver que estava
inconformado. — Você não quer vender a casa, não vai tirá-la de lá, mas não vai
deixar que ela more de graça.
— Pai...
— Ela vai começar a te pagar um aluguel – me interrompeu com a voz
séria. — É o mínimo, filha. Deus sabe que minha vontade é de colocá-la na
cadeia, assim como fiz com aquele desgraçado. – O encarei pasma, mesmo assim
ele continuou falando. — Só quis te avisar, porque talvez ela ligue, então por
favor, evite atender. Você não precisa lidar com aquela mulher.
— Tudo bem, pai.
Engoli a vontade de chorar, eram muitas informações para assimilar de
uma vez. Olhei para ele, e o vi se aproximar e me tocar na bochecha.
— Não fique chateada comigo. – Pediu e me abraçou. — Eu só quero
colocar os pontos nos “i” e cuidar de você – murmurou e se afastou
minimamente. — Mesmo quando estiver casada, ainda vai ser minha princesa,
sempre vou cuidar de você. – Sorri recebendo um carinho nos cabelos. — Agnes
tem uma surpresa para vocês.
A olhei e sorri, ela segurava três panfletos e era nítido que estava
empolgada.
— Já que seu pai vai pagar o casamento e festa, esse será o meu presente.
São três opções – falou e me entregou os panfletos. — Então vocês escolham o
destino e me informem, vou organizar tudo.
— Mas a senhora já nos deu um presente.
— Para o bebê! Esse é a lua-de-mel.
Ao término da frase, piscou em minha direção. Sorri entre agradecida e
sem jeito, afinal meu pai estava ali nos observando. Mostrei para Mattias. Ele
em resposta me abraçou pela cintura, e olhou por cima do meu ombro os
destinos. Todos eram resorts no nordeste, com lindas praias, pontos turísticos e a
segunda que vi escrito MARAGOGI me chamou a atenção.
O lugar era um sonho.
— Obrigada, Agnes, vamos ver em casa com calma e avisamos.
— Garanto que vão amar qualquer um que escolher.
Agradeci mais uma vez e nos despedimos, recusando educadamente o
convite para almoçar. Ainda iríamos até a casa do Marcos, eu estava com
saudades dos gêmeos. Meu medo era assustá-los com os meus machucados, mas
um pouco tranquila, vi que meu rosto não estava com as manchas de antes. Não
tão acentuadas. Usava uma calça jeans, uma blusa de mangas até os cotovelos e
as botas. Já dentro da caminhonete, coloquei o cinto de segurança e dei uma
última olhada para a mansão.

Assim que a caminhonete parou, não demorou muito para que Maria Alice
aparecesse na entrada da casa. Estava descalça, os cabelos molhados e de
calcinha. Rapidamente desci, e me abaixei abrindo os braços. Logo atrás dela vi
Brutus correr e latir.
— Titia! – gritou e correu em minha direção. — Eu chorei sempre porque
eu não te vi mais.
Ri e a apertei em meu abraço. Os cabelos cheiravam a shampoo, e eu tinha
quase certeza de que ela tinha tomado banho.
— Eu fiquei dodói, mas já estou melhor – falei me afastando
minimamente. — E cadê a sua roupa?
— Eu tomei banho depois e o papai lavou assim. – Para demonstrar, ela
esfregou os cabelos. — Vem ver meu vestido.
— E eu não ganho um abraço ou beijo? – Mattias questionou parado ao
nosso lado. Então ela sorriu e correu até ele. — Cadê o seu pai que deixou você
sair sem roupa?
— O papai saiu! Ele não deixou o Brutus tomar banho comigo. Não foi
Brutus? – Olhei para Maria Alice que tirava os fios de cabelos dos olhos, a
atenção nunca saía do cachorro que ficava em pé em busca de carinho. — E o
Brutus fez cocô bem ali, o papai brigou.
Segui o dedinho apontado, a área era próxima de uma cerca. De forma
curiosa percebi o celeiro ao lado da casa, e a cerca branca protegendo o
perímetro. Não vi o galinheiro, ou o chiqueiro como na fazenda do Mattias. No
entanto, mais afastado, vi uma enorme plantação. Voltei meu olhar para Mattias
que sorria ouvindo as fofocas, ao mesmo tempo que acarinhava entre as orelhas
do cachorro.
Subi na grande varanda, e por a porta estar aberta vi a enorme sala, tudo
tão diferente da outra casa. Assim que entrei, sorri para Rosalinda que se
aproximava com um vestido florido em mãos e acenei para João Pedro no sofá.
— Ah, já chegaram – falou com um pequeno sorriso. — Pensei que não
vinham hoje.
— Fomos até a cidade – Mattias respondeu sentando-se ao lado do
sobrinho. Maria Alice rapidamente desceu do colo e foi até a avó. — Cadê o
Marcos?
— Foi até o cartório – respondeu soltando um sorriso triste. — Assim
termina logo tudo isso.
Acenei e observei Maria Alice que se vestia sozinha.
— A gente veio da fazenda do meu pai – falei tentando mudar o assunto.
— Eu conheci a Débora, a Nana e a Kim. Ela é uma bebê fofa.
— Bebês são umas benção de Deus.
— E eu vovó? – João perguntou curioso.
— Você também.
— E eu? – Maria Alice quis saber. Sorri me sentando no sofá. — Da vovó,
do papai, da titia e do titio?
— Você com toda certeza é uma benção – Rosalinda riu. — Agora vá se
sentar que eu vou buscar o seu suco.
A pequena correu e se sentou ao lado do tio. Brutus não parava um
minuto, e Mattias feito um bobo sorria para ele enquanto o acariciava. Comemos
um delicioso almoço, conversamos sobre o casamento, e quando por fim percebi
já era final de tarde. Com o início da noite, senti meu tornozelo doer,
automaticamente me lembrei da bota que o Mattias pediu para que eu usasse e eu
neguei, afirmando que já estava boa. Tentei não demonstrar, porque eu sabia que
levaria uma bronca. Após o jantar, quando estávamos saindo, Marcos chegou,
nos cumprimentou e disse que tomaria um banho. A feição não parecia de
tristeza, mas sim cansaço.
Nos despedimos e fomos embora.
Quando por fim chegamos em casa, meu corpo estava pesado, parecia que
eu tinha corrido uma maratona. Me espreguicei assim que desci da caminhonete
e caminhei lentamente para dentro de casa. Pega de surpresa, dei um gritinho
quando Mattias me pegou nos braços.
— Você vai tomar banho e colocar a bota no pé – murmurou enquanto me
levava sem esforço. — Você só vai tirá-la no dia do nosso casamento. Fui claro?
— Todo mandão.
Sorri quando ele me encarou com a sobrancelha arqueada.
Tomamos banho, e no quarto ganhei uma massagem no tornozelo. Parecia
que Mattias sabia exatamente onde tocar, sem machucar ou deixar
desconfortável. Por fim, ele me deu um beijo suave e se deitou comigo. Já na
próxima semana começaríamos meus exames e os preparativos para o casamento.
Isobelle
Daqui a um mês!
Em um mês eu seria uma mulher casada, e aquilo tudo estava mexendo
com o meu emocional. Nesse tempo que havia passado, dois meses para ser mais
exata, Débora já tinha boa parte de tudo organizado. E eu estava realmente
surpresa por tudo estar se encaminhando tão bem, sem muitas dores de cabeça. A
festa aconteceria na fazenda de meu pai, por ser maior comparado a de Mattias.
Não tinha muita gente para convidar que eu conhecesse, mas a pedido do meu
pai eu permiti que alguns familiares nossos – que eu não conhecia – fossem
convidados. Seria uma oportunidade, afinal de contas.
Os familiares do Mattias também tinham sido convidados, e Rosalinda
estava ansiosa para me apresentar a todos.
No começo do novo mês eu havia ligado para os meus amigos e noticiado
quase tudo o que tinha acontecido. Não me sentia à vontade para falar sobre o
assunto Benício, minha decisão era que aquilo seria um passado que eu não
citaria mais. Na ligação, Michele se mostrou ansiosa e mais ainda quando a
convidei formalmente para ser minha madrinha, junto a Bruno. Eles eram meus
melhores amigos, e tê-los por perto nesse momento seria importante para mim.
Soltei um suspiro e me aconcheguei mais no sofá. Tinha me livrado da
bota, pois meu tornozelo já estava cem por cento. Era um alívio não a usar mais.
Mattias tinha voltado a trabalhar, mas não demorava muito para voltar para casa.
Rosalinda havia ido à casa do Matheus, isso pela manhã, e já estávamos quase
no horário do almoço.
— Patroa! – Olhei rapidamente para a porta que estava aberta e sorri.
Leôncio segurava o chapéu contra o peito, e sorria educado. — Já estou
pronto pra levar a senhora.
Sorri agradecida e concordei.
Mattias mesmo que fosse até o curral, me queria por perto e quando não
estávamos juntos, um dos peões ficava próximo. O modo protetor estava ativado,
e eu não reclamava, gostava de ser cuidada. Levei as mãos ao ventre e o
acariciei. Nosso bebê estava bem, e tudo o que eu mais queria era poder segurá-
lo nos braços. Todas as noites Mattias beijava o meu ventre que já estava com
uma elevação, e ficava horas o acariciando e conversando com o nosso filho.
Eu ficava boba completamente com aquilo, era tão visível que Mattias
estava feliz em ser papai.
Fiquei rapidamente de pé, coloquei o celular no bolso e tranquei a porta
após sair. Eu iria até a fazenda do meu pai, Débora havia contratado um ateliê
para ir até lá. Seria a terceira e última prova do vestido de noiva, um vestido
feito especialmente para mim. A ideia era ir até a outra cidade, mas meu pai
pediu para que tudo fosse feito por lá na fazenda.
Ele e Mattias eram dois protetores.
Andei até a caminhonete que Mattias havia deixado, e sorri para Leôncio,
que chupava uma laranja já no lugar do motorista.
— Espero encontrá-lo no casamento e na festa – murmurei para ele que me
olhou sem jeito. — O senhor e sua esposa.
— Nem roupa eu tenho pra casamento, patroa, mas a mulher ficou alegre
com o convite.
— Quero conhecê-la, fiz questão que Mattias convidassem todos. Os
convites não chegaram, mas quando estiver com eles em mãos eu vou fazer isso.
— Obrigado, patroa.
Sorri, observei a paisagem já fora da fazenda e me permiti divagar.
Matheus e Liliane, com Michele e Bruno, seriam meus padrinhos. Já
Sebastião, Olívia e Marcos seriam os padrinhos de Mattias. Por um momento
pensei em chamar a Débora para ser par do Marcos, mas ela era noiva do Javier
e ficaria estranho o pedido. Conversei com Mattias e perguntei se ele se
importaria se eu convidasse a Nana. Como ele havia negado, só precisava de
uma oportunidade para falar com ela. Eu sabia que escolher os padrinhos do
casamento era algo importante, mas apesar de tê-la conhecido há pouco tempo,
eu sentia que Nana era uma boa pessoa.
O pedido foi feito há duas semanas na cozinha do meu pai, e depois de
duas recusas, na terceira tentativa ela aceitou. Parecia surpresa e, ao mesmo
tempo, sem jeito, mas feliz. Agora só faltava avisar ao Marcos que ele teria uma
acompanhante.
Peguei meu celular e visualizei o horário, 13h20, o céu estava sem
nuvens. No entanto, o clima estava agradável, pela visão periférica vi Leôncio
jogar o bagaço da laranja e em seguida apoiar o braço na janela. Guardei o
celular no porta-luvas e voltei minha atenção para a janela.
Demorou alguns minutos, e quando finalmente chegamos, Leôncio
estacionou perto das escadas. Retirei o cinto e saí.
— Obrigada Leôncio. – Sorri educada. — Pode voltar para a fazenda, aí
não precisa ficar por aqui me esperando.
— O patrão disse que era pra ficar por perto – respondeu sem jeito. —
Caso a senhora precise voltar antes.
— Ah! – exclamei e olhei por cima do ombro. Débora estava parada na
entrada. — Então vamos entrar, o senhor espera lá dentro.
— Não, patroa. – Riu e se encostou na lataria. — Eu espero por aqui, não
se preocupe.
Soltei um suspiro e acenei. Me encaminhei até onde Débora estava e sorri,
mas achei estranho quando ela apenas deu espaço para eu passar. No centro da
sala, havia muitas caixas e eu bem podia ouvir algumas vozes vindo do outro
recinto.
— Está tudo bem, Débora? Não está com uma cara boa.
— Não é nada. – Negou tentando sorrir. — Vamos ver seu vestido de
noiva.
Concordei e a acompanhei. Na outra sala vi três mulheres conversando
entre si, mas assim que nos percebeu, sorriram. Olhei ao redor e estranhei por
não ver Nana. Afinal ela também provaria o vestido de madrinha. Cumprimentei
o pessoal do ateliê, e de forma ansiosa observei as duas moças abrirem uma
caixa; meu vestido.
Ele era lindo, e naquele momento me sentia como na primeira vez que o
vi. O tecido tão macio e bonito me deixava completamente apaixonada.
— Então, o que achou? – A voz da moça do ateliê me chamou a atenção.
— Vamos provar?
— Sim – acenei e enquanto prendia os cabelos, observei as duas moças
ajeitarem o vestido para eu provar. — Ele parece um sonho.
— O seu sonho que vai se realizar. – Sorriu e me ajudou. — E o seu
noivo? Ele já provou o terno?
— Ainda não, ele vai com os padrinhos.
Soltei os cabelos, que estavam maiores, e me analisei.
— O meu vestido quero bem esplêndido, Fiorella – Débora brincou
sentando-se na poltrona perto. — Fih, não acha que o vestido está marcando
muito a barriga dela?
Preocupada por não estar bonita, alisei o tecido. Em seguida, olhei para
trás, Fiorella fechava o zíper do vestido. O olhar dela era confuso, mas assim
que me encarou, deixou um sorriso escapar.
— Imagina, nem dá para perceber que você está grávida se você não
disser. O caimento do tecido disfarça, você fica a cerimônia e depois muda para
aquele outro que escolheu.
Me virei na direção do espelho colocado a minha frente e fiquei de lado.
Na parte do busto, o decote era comportado em “v”, o espartilho de tecido
rendado moldava com perfeição minha cintura. Nos ombros as alças eram caídas,
e rendadas. Eu estava me sentindo muito linda, e realmente, conseguia disfarçar
a barriga. Bom que o padre não me julgaria.
Antes que eu pudesse falar algo, ouvi baterem na porta, Débora
rapidamente foi até ela. Voltei a me olhar no espelho enorme, a saia longa me
fazia lembrar dos vestidos das princesas.
— Perdoe minha demora, Isobelle – A voz suave da Nana me fez encará-
la, ela era uma fofa. — Eu estava fazendo a Kim dormir, ela mamou e depois
cochilou, mas sempre chorava quando eu a colocava na cama.
— Por que não a trouxe?
— Porque esse não é o momento para bebês – Débora retrucou, olhei para
Nana que parecia um pouco desconcertada. — Bebês só sabem chorar, e tirar a
paciência.
— Nossa, você está bem, Débora? – perguntei sem entender o motivo
daquilo. — Parece nervosa.
Abri os braços a pedido de Fiorella, mas sem mudar meu foco. Então a vi
soltar um suspiro e balançar a cabeça.
— Desculpe Nana, Isobelle... É o Javier! – proferiu sentando-se
novamente na poltrona. — Ele só enrola para marcar a data do nosso casamento,
às vezes parece que não quer se casar, mas então eu o vi segurando a Kim e...
— Ele segurou a minha filha? – Dessa vez foi a Nana a interrompê-la. Eu
só observava a interação estranha das duas. — Ela estava com a Sra. Alvaréz.
— Ele é responsável, Nana, não a deixaria cair.
Esperei uma resposta dela, mas ao invés disso ela ficou em silêncio e
subiu na espécie de base de madeira, uma igual ao que eu estava. Olhei para as
duas tentando entender se era um bom momento para perguntar se tinha
acontecido algo. No entanto, decidi mudar o rumo da conversa.
— A minha amiga está ansiosa para vir logo – murmurei, Débora mantinha
os braços cruzados. — Se ela pudesse viria hoje mesmo, tudo do casamento está
tão lindo. Muito obrigada!
Ela sorriu e concordou.
— Você não é muito exigente, e tem um bom gosto.
Olhei para Nana que segurava a frente do vestido, Fiorella cochichava
algo que eu não ouvi. Os segundos se passaram, e então percebi que era algo
com o zíper. Quando deu certo, Fiorella sorriu e questionou enquanto ajeitava o
caimento dos ombros:
— O busto está muito apertado?
— Um pouco – respondeu e sorriu para o espelho. Dava para ver que ela
estava feliz em fazer parte daquilo. — É que a minha bebê não mamou muito.
Ela estava um pouco agitada.
— Se quiser posso dar uma folga nos lados.
Voltei a prestar atenção em mim, e neguei quando a secretária de Fiorella
perguntou se eu precisaria apertar, ou folgar em algum lugar. O vestido estava
perfeito, tudo tão lindo como nunca imaginei. Era um sonho que se realizava.
Após alguns minutos, e eu dar meu okay a Fiorella, o tirei com cuidado e o
observei ser guardado. Me sentei no sofá próximo à janela, e fiquei ouvindo as
meninas conversarem.
A casa ao qual iríamos morar estava sendo reformada, e pelas contas do
chefe de obra, ainda demoraria de quatro a seis meses para que tudo fosse
finalizado. Olhei para a janela que ficava logo atrás de mim, e deixei que meu
pensamento fosse além. Meu pai não estava na fazenda, soube na noite anterior
de que ele tinha viajado a negócios para São Paulo. No fundo, eu temia que os
“negócios”, na realidade, fosse outra coisa. Ou melhor, fosse uma pessoa.
Mesmo com os preparativos do casamento, e a gravidez, eu pensava no
que ele tinha me dito. Sobre minha mãe me pagar um aluguel. Uma parte minha
se sentia péssima por fazer isso, e a outra me corroía por eu ainda me preocupar
com ela.
— Olha Belle – Débora me chamou, em mãos trazia algumas revistas. —
Vamos dar uma olhada nos penteados?
Acenei e peguei a primeira revista. Assim passamos o dia, e no começo da
noite quando eu estava na cozinha comendo, Mattias apareceu. Usava a camisa
preta com os dois botões do peitoral abertos, a calça jeans de lavagem escura, a
mesma roupa que ele tinha saído pela manhã. O olhar foi diretamente para mim,
e como estava morrendo de saudades dele, praticamente corri em sua direção.
Me joguei em seus braços, e o beijei.
— É até um pecado quando você usa calça jeans.
Falou no fim do beijo, e sem me segurar eu ri. Um dos braços me segurou
pela cintura e o outro na coxa.
— Me quer só de vestidos?
— E sem calcinha, por favor.
Alarmada, olhei por cima do ombro dele e não vi ninguém.
— Depois eu que sou a safada.
Como resposta ele sorriu, em seguida me beijou e me deixou no chão.
— Por que está sozinha aqui?
O puxei até onde eu estava sentada.
— Por nada. A Nana está com a Kim, a Débora está conversando com o
Javier e a Agnes eu não sei.
— Ela está lá fora, foi ela que me avisou que estava aqui e deixou entrar –
comentou e observou a fatia do bolo que estava comendo. — E o seu vestido?
Você gostou?
Sorri e acenei.
— Ele é muito lindo! Parece um sonho.
Mattias ficou me olhando, e após uma última garfada me puxou para mais
perto.
— Vamos para casa? Você precisa descansar, esses dias você trabalhou
muito com a Débora.
— Trabalhamos – o corrigi enquanto fazia um carinho por sua barba. —
Você ficou aqueles dias comigo, e só atrapalhou o seu serviço.
Ele negou rapidamente com a cabeça, e me beijou os lábios.
— Você nunca me atrapalhou em nada.
Sorri de forma apaixonada, e lhe beijei uma última vez antes de ir lavar o
prato e garfo que tinha sujado. Por fim que terminei, o acompanhei em direção à
saída e ao chegar na sala acenei para Débora, Javier e Agnes. A conversa dos
três parecia séria, e como não queria me intrometer, apenas me despedi. Ao
chegar na caminhonete, me sentei no carona e esperei Mattias ir para o
motorista.
Após colocar o cinto de segurança, encostei a cabeça no assento e fechei
os olhos.

Assim que chegamos na fazenda, Brutus nos recepcionou de forma


afobada. Ele tinha voltado mês passado, para a alegria de Marcos e a tristeza dos
gêmeos. O acariciei quando ele pulou em mim, e me dirigi para dentro.
Rosalinda estava na cozinha, me sorriu carinhosa.
— Oi, minha querida – falou se aproximando para um abraço. — Como foi
a prova do vestido?
— Oi, foi perfeito – respondi ainda abraçada a ela. — Uma pena a senhora
não ter ido.
— Nem me fale – murmurou, e se afastou. De forma carinhosa me tocou a
bochecha —, mas eu tenho certeza de que você estava maravilhosa.
Deixei um sorriso escapar, em seguida olhei para Mattias que me
observava encostado ao batente da entrada. Os braços cruzados me dava uma
visão privilegiada dos braços musculosos, não por conta de academia, mas sim
dos esforços que ele tinha na fazenda. Ouvi quando Rosalinda se afastou e falou
alguma coisa sobre passar o café. Minha atenção estava voltada em Mattias, que
agora me sorria, talvez percebendo que eu o devorava sem disfarçar.
Desde que tínhamos começado os preparativos, não parávamos mais em
casa. Quando não estava com a Débora, estava em alguma consulta com Mattias,
que nunca me deixava ir sozinha. Pelas minhas contas, já tinha mais ou menos
um mês que não tínhamos um momento só nosso.
E eu sentia falta.
Principalmente das palmadas.
Sorri agora de forma maliciosa e me voltei para Rosalinda. Após o almoço
ela havia saído até a cidade e Liliane tinha a acompanhado.
— Eu vou tomar banho – falei e sutilmente olhei para Mattias. Ele me
analisava em silêncio, mas aquele sorriso safado o acompanhava. — Eu saio já.
Enquanto me afastava sentia o olhar penetrante de Mattias em mim. No
quarto peguei uma calcinha e um vestido feito por Rosalinda. Em seguida me
dirigi até o banheiro, e lá não demorei muito. Eu estava ansiosa para ficar a sós
com Mattias, só de imaginar estar nos braços dele, meu baixo ventre formigava.
Após o banho, já vestida e cheirosa, andei até parar na cozinha. Como eu
tinha comido na casa de meu pai, não estava com fome, mesmo assim me sentei
a mesa para acompanhar Rosalinda e Mattias. A conversa era sobre os novos
cavalos de Tibério que Mattias havia examinado, e sobre nossa casa. Rosalinda
parecia eufórica enquanto conversava com o filho, já eu me permiti cair no
devaneio.
Uma parte queria estar entretida naquela conversa, mas a outra estava
ocupada demais, imaginando que na hora de dormir, faríamos tudo, menos
dormir. Sorri sem perceber, e isso chamou a atenção de Mattias. Seu olhar foi
curioso, mas logo ele sorriu de canto. Ele tinha notado?
Sutilmente mordisquei o lábio inferior, e deixei que meu olhar percorresse
por seu corpo. Como podia aquele homem ser tão gostoso e tentador? Engoli em
seco, e afastei meus cabelos do pescoço. De repente, mesmo a noite trazendo
vento frio, eu me senti com calor. Me remexi na cadeira, e cruzei as pernas sob a
mesa.
— Está tudo bem, filha? – Um pouco alarmada, olhei para Rosalinda e
acenei. — Está tão calada, certeza que não quer comer um pouco?
— Tenho – falei rapidamente endireitando minha postura. — Eu comi duas
enormes fatias de bolo... Bom, eu vou me deitar.
— Isso, vá descansar. Uma boa noite de sono cura qualquer cansaço.
— Eu vou logo em seguida – Mattias murmurou e eu sorri contida. — Vou
tomar um banho primeiro, hoje o dia foi bem cansativo.
Ao ouvir aquilo me desanimei um pouco, mas eu o compreendia. Mattias
era requisitado por muitos fazendeiros da região, e eu sabia que por ele ficar
comigo aqueles dias, tudo tinha acumulado. Eu não era boba. Então, após
depositar um beijo em sua bochecha, me encaminhei até o quarto. Me deitei no
lugar de sempre, e soltei um suspiro frustrado. Minha mente traiçoeira formava
cenas do que eu tinha imaginado fazer com Mattias, e eu não conseguia parar.
Talvez fosse um castigo por eu ser muito safada.
Os minutos se passaram, e quando eu finalmente estava pegando no sono,
a porta foi aberta, em seguida trancada. Lentamente olhei para frente, e para
minha surpresa: Mattias estava lá.
Só de toalha.
Os cabelos loiros estavam molhados e alguns pingos de água caíam por
seu corpo de pele bronzeada.
— Eu te acordei?
— Não... – Meu olhar não desviava da trilha de pelos loiros que desciam
do umbigo até para dentro da toalha. — Eu estava quase, na realidade.
— Hm – Com um puxão, ele se desfez da toalha. O pau estava começando
a ficar ereto, e eu não entendia uma coisa.
Como ele ia dormir daquele jeito?
Em silêncio, Mattias pegou uma cueca samba canção e a vestiu. Meu olhar
nunca saía dele, e quando o corpo se deitou ao meu lado eu me aconcheguei.
Apoiei minha cabeça em seu peitoral, e deixei minha perna por cima da dele.
Como não houve reclamação, levei minha mão até os pelos em seu umbigo, e
comecei uma carícia ali.
— Amor? – O chamei após uns segundos, e quando ele me olhou, eu
engoli em seco. — Você está duro.
— Estou – a voz saiu risonha, então eu me sentei vendo-o deitar a cabeça
em cima do braço. Um ato despreocupado. — Na verdade, esperei ser atacado
assim que entrei no quarto. Ficou o tempo todo me instigando na cozinha, eu vi
os seus olhares.
Desviei o olhar envergonhada, em seguida sorri.
— Mas você disse que estava cansado – falei de forma tímida, mas por
dentro eu estava pegando fogo. — Não quero ser insensível com você.
— Eu disse que o dia foi cansativo – me corrigiu, a mão passeava por
minha coxa. — Para satisfazer você sou capaz de levantar um touro.
Ri e o montei, me sentando bem em cima de sua ereção. O short não dava
conta de esconder aquele pau enorme e grosso.
— Então tudo bem a gente fazer um pouco? – indaguei baixinho,
sensualmente levei uma mão ao seio e o apertei. — Só um pouquinho, tudo bem?
Mas hoje sem palmadas. Não quero que a sua mãe nos escute.
Ele rapidamente acenou e me segurou pela cintura, forçando meu corpo
para baixo. Dei uma última rebolada, e gemi quando os dedos longos me tocaram
por dentro da calcinha. Comigo ainda por cima, Mattias conseguiu retirar a
cueca e sem demora envolvi minhas duas mãos em seu comprimento, fazia os
movimentos de vai e vem. Eu mal percebi quando minha calcinha foi rasgada,
mas no instante em que Mattias me fez descer em seu pau, eu mordi os lábios
fortemente.
Eu contraía involuntariamente ao redor dele, e isso o fazia gemer e soltar
uns suspiros de desejos. Estava tão excitada que sentia escorrer por minhas
pernas, e toda vez que me movia, era como se faíscas corressem por minha pele.
Eu estava pegando fogo.
Pegando fogo por Mattias.
Em um movimento rápido que eu mal pude ver, ele se sentou e ficou com
o rosto bem próximo do meu. Primeiro veio o sorriso, e depois o beijo. Me
aconcheguei melhor em cima dele, e voltei a me mover.
Para frente e para trás.
Às vezes sentando com força, outras rebolando bem lentamente.
Quando o ar nos faltou, eu separei nossos lábios minimamente, mas nunca
parando de me mover. Eu sentia tanta falta daquele contato.
— Que vontade de te dar umas palmadas – Mattias sussurrou rente aos
meus lábios, e eu ri. — Eu adoro te ver cavalgado cheia de vontade no meu pau.
— Safado!
A mão desceu até o meu traseiro em uma carícia intensa, e quando pensei
que ele daria um tapa, senti um aperto que me fez gemer manhosa. Fechei os
olhos e soltei mais um gemido. Ao perceber que fazíamos um pouco de barulho,
eu parei e levei o dedo aos lábios. Mattias riu e trocou as posições, agora eu
estava deitada de lado com as pernas abertas, e ele de joelhos segurando minha
perna em seu ombro.
No seguinte em que me penetrou, gemi contida, aquela posição era ainda
mais gostosa. Conseguia sentir com perfeição lugares dentro de mim sendo
tocados, me fazendo gemer manhosamente.
Assim que percebi que ainda estava com o vestido, o tirei com um pouco
de dificuldade e o joguei para o lado. Ficamos alguns minutos naquela posição,
trocamos mais alguns beijos, e quando senti meu corpo tremular, recebi a última
estocada. Mattias beijava o caminho do meu ombro, até chegar a minha
bochecha.
— Segundo round ou dormir?
Surpresa com aquela pergunta, eu sorri e quando recebi uma piscadela, o
puxei para um beijo. Deveríamos parar por ali e dormir, afinal acordaríamos
cedo, mas não queríamos acabar com aquele momento.
E entre sussurros apaixonantes, gemidos e suspiros. Eu me entreguei mais
uma vez a Mattias.
Mattias

Antes de sair do quarto já pronto para começar o dia, olhei para Isobelle
deitada seminua no colchão. O lençol cobria parte da cintura, deixando os seios
a mostra. Ainda sonolenta, ela virou me dando uma visão do traseiro empinado e
vermelho por conta dos apertões que dei na noite passada.
Só de lembrar, senti meu corpo vibrar em buscar de mais.
Atrás de mim ouvi quando Brutus se aproximou, e minha mãe o chamou.
Fechei a porta para não acordar Isobelle e caminhei até a cozinha.
— Bom dia, meu filho! – Ela falou assim que me viu. — Isobelle está
dormindo ou no banho? – sussurrou olhando em direção do corredor.
— Dormindo.
— Ótimo! Agora me explique como vamos fazer a surpresa para ela.
O aniversário de Isobelle seria no fim de semana, e nosso casamento daqui
a um mês. Me sentei enquanto a observava encher uma xícara de café. Desde que
Bruno havia me dito sobre a data, eu planejei mentalmente tudo o que faríamos.
— Os amigos dela vem na sexta e vão ficar na casa do Marcos até o outro
dia – comentei recebendo um aceno. — Ela acha que eles só vem três dias antes
do casamento. No início da semana eu consegui falar com a Sra. Alvaréz,
expliquei e ela concordou em levar a Isobelle até a cidade no dia. Então teremos
algumas horas para organizar tudo.
Minha mãe me encarava sorridente.
— Ela vai ficar tão feliz, meu filho.
Concordei e tomei um gole do café. Após o café passaria na obra para ver
o andamento, e se precisavam de mais alguma coisa. Em seguida iria até a
fazenda do Tibério, terminaria minha vistoria nos animais e passaria algumas
orientações para os funcionários.
Enquanto comia ouvia minha mãe falar sobre Marcos, e sobre a
possibilidade de passar um tempo na fazenda com ele. Ela não falava com todas
as letras, mas eu sabia que ela estava preocupada com ele e os gêmeos. Tive a
oportunidade de conversar com ele, no dia em que me acompanhou até a obra,
mas como esperado ele desconversou o tempo todo. Marcos nunca foi de
lamentar, era um pouco fechado, mas eu sabia que lá, no fundo, ele estava
magoado.
Suspirei e acenei quando minha mãe falou algo sobre ir até o galinheiro.
Com pressa de sair, terminei de comer e lavei o que tinha sujado. Me dirigi uma
última vez até o quarto, abri uma fresta da porta e deixei um sorriso escapar.
Isobelle ainda dormia.
Fechei novamente a porta e busquei meu chapéu atrás da porta. Desci as
escadas da varanda e me encaminhei até a caminhonete. Minha mãe saía do
galinheiro com Brutus em seu encalço. Acenei e tomei rapidamente o lugar do
motorista.
A primeira parada foi na obra, e logo fui informado que alguns dos
materiais não foram entregues. Avisei que daria um jeito naquilo, e entrei para
vistoriar o que já tinha sido feito e o que faltava. Como esperado, tudo estava
uma bagunça, mas sabia que valeria a pena no final. Me despedi do encarregado,
e voltei para a caminhonete.

Quando por fim saí da fazenda do Tibério, o sol já estava alto no céu.
Adentrei rapidamente a caminhonete e parti em direção à casa. Estava com fome,
e com saudades de Isobelle, era naquelas horas que eu pensava em ter um
celular. Seria muito útil. Liguei o rádio em uma música qualquer e tomei
destino.
Assim que passei por minhas porteiras, vi minha mãe com as mãos na
cintura enquanto olhava para os lados. Parei em frente a varanda, e quando desci
ela abriu a boca para falar, mas ao olhar por cima do meu ombro suspirou. Olhei
para trás, Isobelle se aproximava pela estradinha de terra, segurava um filhote
com cuidado.
— Minha filha, que susto você me deu! – Minha mãe falou, e me encarou.
— Estava na cozinha quando chamei por ela e não tive respostas.
— Desculpe dona Rosalinda. Eu vi quando esse gatinho estava subindo no
galinheiro, fui pegar ele e o ingrato correu. Só que consegui pegar ele. – Ao
terminar, sorriu e me mostrou o tal filhote. — Olha que lindinho, ele rosnou com
medo, mas depois ronronou.
Um pouco confuso peguei o filhote que tremia levemente. Observei o
focinho, as orelhas curtas, a pelagem que lembrava uma onça-pintada.
— Bel, isso é um gato-do-mato – murmurei, Isobelle me olhou surpresa.
— Ele é um animal silvestre, não podemos ficar com ele. Ele estava subindo no
galinheiro?
— Sim – confirmou, em seguida soltou um suspiro. — Sério que não
podemos mesmo ficar com ele? Ele é um filhote e está sozinho.
O sondei por completo, e não encontrei nenhum machucado aparente.
— Ele vai crescer e ficar quase do tamanho do Brutus – respondi ainda
analisando o filhote. — E se ele conseguiu chegar tão perto assim, significa que
a mãe pode estar próximo e com mais filhotes.
— Queria ficar com ele.
Dessa vez olhei para Isobelle e sorri de lado. A feição emburrada a
deixava mais fofa, mas eu não gostava do olhar triste.
— Quer um filhote de gato? Podemos adotar um, mas esse carinha aqui
não podemos ficar. Ele precisa estar na mata, não pode ser domesticado.
Como resposta, ela o acariciou entre as orelhas e sorriu quando ouviu o
miado.
— Ele é tão fofo – murmurou e o pegou com cuidado. — E o que vamos
fazer com ele? Ele é tão pequeno.
Olhei para minha mãe que sorria, mas logo nos deu as costas.
— Você comeu? – perguntei, e prontamente ela acenou. — Vou almoçar e
depois o levamos até a cidade, lá as autoridades saberão o que fazer com ele.
— Tudo bem.
Levei as mãos a cintura e encarei os dois. Eu queria o sorriso que
iluminava meu dia de volta, como podia estar tão rendido por uma mulher?
— Posso comprar bolovo para você.
Então dessa vez ela sorriu em minha direção.
— Quer me comprar com bolovo?
— Vai funcionar?
Sem me responder, e ainda com o filhote nos braços, ela passou sinuosa
por mim. Me olhou por cima do ombro e piscou lentamente. A acompanhei para
dentro de casa, e fui comer. Da cozinha, eu via Brutus em frente a Isobelle, que
sentada no sofá conversava com os dois como se estivesse apresentando-os.
Por fim, quando saímos da fazenda rumo a cidade, já eram quase 17h. O
caminho foi feito em silêncio, o filhote que agora dormia enrolado em uma
manta, seria entregue a polícia local que faria a ponte entre as pessoas
responsáveis por esses animais. Poderíamos ter o soltado onde Isobelle o
encontrou, mas ele seria provavelmente pego por algum caçador, e como o gato-
do-mato é um animal raro que está ameaçado de extinção.
Não podíamos fechar os olhos.
Na cidade, entregamos o filhote a polícia e avisamos o local que ele foi
encontrado. Aproveitando que estávamos ali, a levei até a praça e apontei para o
banco.
— Ficou chateada comigo?
— Não, por quê? – Riu enquanto entrelaçava nossos dedos. — Eu só estou
pensativa com tudo.
Me virei para olhá-la e a toquei na bochecha.
— Ansiosa para o nosso grande dia?
Isobelle sorriu abertamente e inclinou o rosto em direção a minha mão.
— Também – confidenciou, e dessa vez me encarou. — Esses dias foram
corridos demais. Meu pai foi para São Paulo.
— Ele comentou comigo que iria.
Após respirar fundo, Isobelle observou nossas mãos entrelaçadas, mas
logo desviou o olhar. Ela estava preocupada com alguma coisa, era visível em
sua feição. Antônio havia me dito na última vez que o encontrei, em sua sala
com Tibério, de que iria até São Paulo resolver uns assuntos com a mãe de
Isobelle.
Me perguntava se ela sabia sobre isso, mas não me arriscaria em
questionar.
— Eu acho que ele foi atrás da minha mãe – falou sem rodeios. — Acha
que sou boba em não a odiar e ficar preocupada com ela?
— Você tem um coração bom, é diferente. – Respondi, e a toquei no
queixo. Os olhos estavam cheios de lágrimas. — Não gosto de te ver triste
assim.
Uma lágrima escapou, mas foi rapidamente enxugada.
— Ela me ligou duas vezes hoje.
A olhei surpreso.
— O que ela queria?
— Eu não atendi, ai eu desliguei o celular e fui para o lado de fora. Foi
quando vi o gatinho subindo no galinheiro e você chegou. Eu acho que, talvez,
eu precise mudar de número.
— Tudo bem, podemos fazer isso – murmurei e a senti se aconchegar em
mim. — Aproveitamos e compramos um celular para mim.
— Já estava na hora – retrucou abraçada a mim, eu ri e a trouxe mais para
perto. — Vou ficar mandando mensagens para você.
— Não vou reclamar.
Ficamos por ali sentados no banco por mais alguns minutos. As luzes da
praça estavam acesas, e pelas estradinhas que iam até o chafariz, muitas crianças
corriam e brincavam. Em breve seria nosso filho correndo e brincando. Ter a
certeza daquilo me fez sorrir abertamente.
Beijei o topo da cabeça de Isobelle.
— Quando vamos comprar o bolovo que você me prometeu?
Em um movimento rápido, ela ficou de pé e me puxou pela mão. Antes de
acompanhá-la, me deixei observar o sorriso lindo e sem que eu pudesse me
segurar, a puxei para um beijo. Nossos lábios se encontraram, e meu corpo
vibrou com o contato. Querendo aprofundá-lo, enlacei a cintura com um braço e
a puxei. No entanto, Isobelle me parou e sorriu.
— O que foi? – indaguei sem entender.
— Aqui não, Sr. Insaciável. A igreja está bem atrás de você.
Olhei por cima do ombro e suspirei. Me voltei para Isobelle e arqueei uma
sobrancelha. Ela, sem se importar, me puxou em direção ao restaurante do
Constantino. Compramos dois salgados, e duas bebidas. Não tínhamos pressa de
voltar para a casa, afinal minha mãe sabia que Isobelle estava comigo e meu
expediente já havia encerrado.
Conversamos sobre mais alguns detalhes do casamento e ela me lembrou
sobre a prova dos ternos. Falamos sobre a lua-de-mel, e nosso destino escolhido
seria Maragogi. Passaríamos uma semana, e Isobelle estava extremamente
empolgada.
— Ah, nesse fim de semana podemos ir até a cachoeira? – questionou de
repente. — Faz um tempo desde a última vez.
— Nesse fim de semana? – repeti para ganhar tempo. — Eu acho que não
vou poder, Bel – falei e em troca recebi um aceno. — Preciso adiantar algumas
coisas, mas podemos ir outro dia. O que acha?
— Claro, tudo bem.
Sorri para disfarçar e andamos até a caminhonete. Assim que nos
aconchegamos, a olhei de relance. Ela colocava o cinto, mas em seu rosto trazia
uma tristeza. Talvez eu pudesse concordar, no entanto, se na hora da arrumação
da surpresa eu precisasse resolver alguma coisa?
— Podemos sair no sábado a noite, então? Tem lugares por aqui que não
conheço.
Riu e me olhou de forma ansiosa.
— Não sei – murmurei, me sentindo péssimo, mas não estragaria a
surpresa. — Posso te responder no dia?
Ela me olhou surpresa, mas concordou. Ficamos em silêncio enquanto
tomava caminho pela estrada de terra, pelo canto de olho vi que ela mantinha a
atenção na janela.
— Se a gente não puder sair, podemos fazer um jantar só nosso. O que
acha?
— É alguma ocasião especial? – questionei mesmo sabendo que sim, era
algo especial. — Eu não sei que horas eu volto, eu tenho algumas consultas com
alguns fazendeiros. Na verdade, com os animais, não com os fazendeiros. Eu não
atendo pessoas, e sim os bichos.
Parei de falar na mesma hora e respirei fundo.
Que idiotice foi essa que acabei de falar?
Tentei relaxar no banco e encostei o braço já janela. Não arriscaria olhar
para Isobelle e dar a certeza a ela que eu estava mentindo. Após alguns minutos
chegamos na fazenda, minha mãe estava na varanda com uma caneca e Brutus
deitado ao lado. Isobelle desceu em silêncio, mas ao passar por minha mãe a
cumprimentou.
Parei na entrada e a observei ir. Minha mãe avisou que as panelas estavam
em cima do fogão, mas eu não estava com fome. Decidido a contornar aquela
situação, mas sem colocar tudo a perder, fui até o quarto.
Empurrei a porta e vi Isobelle em pé em frente a cômoda.
— Podemos sair no domingo, serei completamente seu.
— Tudo bem – tentou sorrir, em seguida pegou uma calcinha e um vestido.
— Se não der não tem problema.
— Bel... – A chamei e ela me encarou. — Eu amo você.
Então quando ela sorriu, o peso que estava em meus ombros sumiram.
— Eu também amo você.
Me aproximei e a beijei nos lábios.
— Quer ajuda no banho?
— Não com a sua mãe acordada – negou, mas seu olhar percorreu meu
corpo. — Mas caso você tenha tempo, a porta vai estar destrancada.
Ri com aquela alfinetada, e rapidamente a segui até o banheiro. Ao passar
pela porta a tranquei e observei Isobelle retirar as peças de roupas de forma
sinuosa. A imitei retirando minhas roupas e fui para de baixo do chuveiro. A
abracei carinhosamente e rezei para que o fim de semana chegasse rápido, eu
não aguentaria mentir por muito tempo.
Isobelle
De braços cruzados, eu observava Agnes conversar animadamente com
uma conhecida. Sutilmente busquei meu celular, e abri o aplicativo de
mensagens, nem Michele ou Bruno me enviaram nada. Eu sei que aniversário era
só uma data, mas eles nunca tinham esquecido. Passeamos por algumas lojas, e
no horário do almoço comemos em um restaurante que fica no centro da cidade.
Estava fora de casa desde cedo, tudo o que eu queria era um banho e ficar o dia
todo na cama.
Passar o sábado, em um salão de beleza deveria ser sinônimo de alegria.
Afinal, Agnes pagou nossas unhas, tratamento de pele e cabelos. No entanto, eu
me sentia triste.
Talvez porque ninguém se lembrou que hoje era meu aniversário, nem
mesmo meu pai.
— Isobelle – olhei para Agnes e tentei sorrir. — Antes de voltarmos,
preciso passar em uma loja que fica aqui na frente. Tudo bem?
— Sim.
— Parece triste – comentou com o cenho franzido. — Não gostou de sair
comigo? Eu falo muito, né?
— Não! Não é isso, é que eu estou com dor de cabeça. Esses dias, por
conta do casamento... tudo está uma loucura.
Agnes anuiu e segurou minha mão.
— Vai passar quando chegar em casa – falou e eu sorri educada. — Vamos
rapidinho, assim não demoramos mais.
Concordei e a segui até o outro lado da rua.
A loja era uma butique, o que me fez lembrar do meu antigo emprego. Os
vestidos eram lindos, porém os valores eram absurdos de altos. Agnes já estava
no balcão e quando a atendente buscou uma caixa mediana com um laço, eu
franzi o cenho. Tão rápido como entramos, logo saímos.
A caminhonete da Agnes estava em um estacionamento próximo, então não
demorou muito para chegarmos lá. Me acomodei no carona e observei a caixa ser
colocada no banco de trás.
— Ansiosa?
— Com o quê? – perguntei sem compreender bem a pergunta. Ela se
referia ao casamento que já estava próximo por estarmos quase no final do mês?
— Acho que um pouco, antes estava mais. Eu não esperava.
— Ele te ama demais – comentou enquanto saía da vaga. — Ele também
estava ansioso.
Sorri educada, afinal eu não estava entendendo o que ela queria dizer, mas
não queria me estender na conversa. Mattias também estava ansioso? Olhei
novamente o horário e suspirei, eram quase 15h. Hoje antes de sair eu nem se
quer vi Mattias, ele estava tão atarefado que saiu sem se despedir. Rosalinda
aproveitou que eu estava saindo e foi para a casa do Marcos. Queria ter ido com
ela, mas eu já havia aceitado o convite de Agnes.
Sentia tantas saudades dos gêmeos, lembrar deles me fez sorrir. Maria
Alice de vestidinho branco e o João Pedro de terninho ficaram tão lindinhos
juntos. Mal podia esperar para vê-los entrando na igreja, eu me derreteria em
lágrimas com certeza.
No caminho de volta, vez ou outra Agnes falava alguma coisa e eu
respondia com palavras curtas. Não queria ser mal-educada, mas não me sentia
na vibe de socializar. Na estrada que era caminho da fazenda de Mattias,
estranhei quando Agnes parou e me olhou.
— O que foi?
— Fecha os olhos – pediu com um pequeno sorriso. Talvez por ver minha
expressão de confusão, ela abriu o porta-luvas e tirou uma venda. — Vai, coloca
isso.
— Por qu...?
— É surpresa! – riu e me entregou a venda.
A obedeci e segurei um sorriso.
Ali vendada, eu sentia um comichão no baixo ventre. Quando a
caminhonete parou pela segunda vez, tudo estava em silêncio. A porta foi aberta,
e mesmo sem ver, por instinto olhei para o lado.
— Se divertiu na cidade? – Ao ouvir a voz do Mattias, eu sorri e levei
minha mão ao seu rosto.
— Estava com saudades, saiu pela manhã e nem se despediu. – Ele riu e
me ajudou a descer. — O que está acontecendo? Já posso tirar a venda?
Falando baixinho, ele me pediu para esperar, mas assim que paramos ouvi
quando alguém no fundo, fez “shh”.
— Pode tirar.
Rapidamente removi a venda. Num misto de felicidade e surpresa, vi todo
mundo segurando balões de aniversário, ao mesmo tempo que gritavam
“surpresa!”.
— Feliz aniversário, meu amor.
Sem acreditar que ele sabia, me joguei em seus braços e o beijei.
— Me enganou direitinho – falei deixando algumas lágrimas escaparem.
— Vou dizer a sua mãe que me fez chorar.
Mattias riu e me deu um último beijo.
— Ela também sabia, todo mundo sabia.
Sorri e me afastei dele indo abraçar os meus amigos que estavam ali.
— Parabéns, Belle! Que saudades, amiga. Não briga com a gente, foi ideia
do seu cowboy. Você está tão linda!
— Achei que tivessem esquecido meu aniversário.
— Imagina – Bruno retrucou me puxando para um abraço. — Tudo já
estava esquematizado desde a nossa última visita.
Assim que me separei dele, balancei a cabeça. Eu nunca teria pensado
naquela possibilidade, afinal, eu quase havia esquecido. Abracei os gêmeos, que
estavam em pé nas cadeiras e em seguida os outros convidados. Havia mesas e
cadeiras espalhadas próximo da varanda, assim como os enfeites que eu tinha
certeza de que era ideia de Michele.
Me voltei para Agnes que tinha os braços cruzados.
— Parabéns minha flor – falou e me abraçou. — Eu já estava me sentindo
péssima com a sua carinha de tristeza. Você merece ser muito feliz, tudo só está
começando.
— Obrigada! – Nos afastamos e eu olhei ao redor. — Cadê o meu pai?
— Ele vem daqui a pouco – respondeu e me fez um carinho na bochecha.
— Ele e o Javier foram para uma reunião importante. As meninas já devem estar
chegando.
Acenei de forma compreensível, eu me lembrava que a Débora havia dito
que precisaria ir para algum lugar no fim de semana. Feliz com aquela surpresa,
abracei Mattias novamente e ri quando os braços me puxaram para cima.
— Belle, minha amiga, depois você beija o bonitão – Michele falou em
voz alta arrancando risos dos convidados. — Vamos socializar.
Dei um último beijo em Mattias e fui me sentar com minha amiga. A mesa
tinha muitos docinhos, salgadinhos e bebidas. Eu me questionava como não
tinha percebido que Mattias planejava aquela surpresa. O olhei completamente
apaixonada, ele conversava com os irmãos enquanto os gêmeos disputavam o
colo dele. A certeza de que eu tinha escolhido o homem da minha vida me
atingiu.
Pega pelo olhar dele, sorri sendo retribuída.
Minha felicidade era tanta naquele momento.
— Toda apaixonadinha... – Ouvi Michele murmurar, a encarei ainda com
um sorriso.
Iniciamos a conversa sobre os preparativos do casamento, mesmo que já
estivéssemos falando por mensagem, tudo era diferente pessoalmente. Comentei
que meu pai havia conseguido uma data na igreja, e falei sobre nossa casa que
estava sendo reformada. Algumas horas depois meu pai, Javier, Débora, Nana e
Kim chegaram.
Apresentei quem não se conheciam, e em especial Nana e Marcos. Ao
notar as bochechas da Nana coradas, a achei uma graça. Marcos pareceu não se
importar quando falei que ela seria a par dele, ou eu que realmente não tinha
conseguido decifrar o olhar quando eu contei.
Marcos era uma incógnita.
Meu pai me presenteou com um colar, mesmo eu tendo dito que ele não
precisava gastar comigo. Afinal, o casamento e a festa seria por conta dele.
Apesar de Mattias e Javier não se darem bem, naquele momento, os dois foram
até educados. Nenhuma piadinha foi dita, ou um comentário desnecessário, e eu
me sentia grata. O tempo passou, e em algum horário da noite, cantamos os
parabéns e repartimos o bolo.
Marcos não demorou muito e logo foi embora com os gêmeos sonolentos.
Em seguida dele, Matheus e Liliane. Agnes antes de ir com meu pai, me
entregou a caixa da butique, fiquei sem acreditar.
— É só uma lembrancinha – comentou enquanto eu abria meu presente.
O vestido era da cor azul-turquesa, tão macio ao toque. Agradeci e a
abracei, meu pai que estava ao seu lado me sorriu e se despediu. Quando
sobraram apenas nós, me virei para Michele que mantinha os braços cruzados e
um pequeno sorriso.
Bruno e Mattias ajudavam dona Rosalinda a limpar as mesas. Rapidamente
Michele agarrou meu braço e entramos na casa rumo ao quarto. Assim que
passamos da porta, coloquei meu presente em cima do móvel.
— Belle sabe que eu tenho a impressão de que você não me contou tudo?
Com aquela pergunta a olhei sem compreender, e quando ela ficou em
silêncio, eu engoli em seco.
— O quê?
— Você já vai se casar no próximo mês – falou como se fosse óbvio. —
Da última vez que estive aqui o assunto casamento foi uma hipótese.
Antes de responder, eu a analisei.
O olhar era desconfiado, de braços cruzados ela esperava uma resposta.
Então eu percebi que eu não tinha dito sobre a gravidez. Pois, quando ela foi
embora, eu só tinha suspeitas e tudo aquilo aconteceu. Com os preparativos eu
nem se quer me lembrei que ela não sabia, eu era uma péssima amiga.
— Eu estou grávida.
Michele na mesma hora me olhou surpresa. Talvez aquele não fosse o
modo correto de avisar, e como se querendo confirmar minhas suspeitas, ela
abriu os braços.
— Assim na lata?
Dei um sorriso sem jeito e esperei uma ação dela, que não demorou muito.
Michele me abraçou e começou a falar sobre como estava surpresa, mas muito
feliz em saber que seria titia. Retribuí o abraço, e segurei a vontade de chorar.
— É que foram tantos acontecimentos.
— O seu pai ameaçou o Mattias? – questionou com um tom de
preocupação, neguei e ela franziu rapidamente o cenho. — Então por que
decidiram? Pela gravidez?
Balancei a cabeça.
— Ele é o homem da minha vida – falei convicta. — Não queríamos
esperar mais. Nossa casa está em obra, porque quando voltarmos da lua-de-mel
queremos nosso lar.
— Nossa Belle – Michele arfou levando uma mão ao peito. — Um bebê...
eu nunca pensei que te veria ser mãe.
— Eu vou ser uma boa mãe.
— Não tenho dúvidas quanto a isso. – Sorriu agarrada as minhas mãos. —
Um bebê...
O olhar carinhoso foi para o meu ventre.
— O primeiro de cinco.
— Meu Deus, que safada! Quem é você e o que fez com minha amiga
santinha? – Ri e peguei a caixa para guardar no guarda-roupa. — Aí Belle, sinto
sua falta no trabalho. Lá é até legal, mas sinto falta das nossas conversas.
— Eram bons momentos – comentei e me virei em direção a ela. — Sabe,
depois que vim parar aqui, e conheci o Mattias e a família dele, me senti
finalmente parte de alguma coisa. – Quando Michele franziu o cenho, eu
continuei. — Não que eu não me sentisse com você e o Bruno, mas é diferente
com...
— Eu entendo, Belle – ela me interrompeu com um pequeno sorriso. — E
está tudo bem, sério. Nem precisa se explicar. Você passou um mal bocado com
sua mãe e o traste daquele coisa ruim. É bom saber que finalmente sente que tem
mais pessoas que te amam. Mesmo.
A abracei apertado.
Eu me sentia tão péssima por não contar sobre Benício, mas eu já tinha me
decidido que não voltaria mais a citar sobre. Nos separamos, e voltamos para o
lado de fora. Ao parar na porta, fitei Mattias que tinha uma cerveja em mãos, e
conversava com Bruno. Michele rapidamente foi até ele e falou sobre minha
gravidez. Meu amigo ficou surpreso, e me abraçou me dando os parabéns. Era
tão nítido que ele estava feliz com a notícia, eu me sentia tão radiante. Me
sentei no colo de Mattias e o abracei. O braço rodeou a minha cintura, e a mão
que antes segurava a cerveja, agora descansava em minha coxa. Ficamos até a
madrugada conversando, mas logo o cansaço nos venceu.
Após meu corpo limpo pelo banho, me aconcheguei na cama com Mattias
que me esperava e o abracei. Michele e Bruno dormiriam na sala, apesar de dona
Rosalinda querer ceder o quarto para eles, meus amigos negaram.
— Obrigada, amor – murmurei fazendo Mattias me encarar. — Eu nem
esperava por nada disso.
— Eu quase estraguei a surpresa – falou risonho. — Não gostei de negar
os seus convites.
Sorri, e inclinei meu corpo por cima dele. Nossos lábios se encostaram, e
em um movimento Mattias me puxou.
— Eu quase chorei quando você, claramente, ficou inventando desculpas.
Mattias sorriu, em seguida me beijou e levou a mão para detrás do
travesseiro. Segurava uma caixinha comprida da cor preta, o olhei sem acreditar.
— Mattias...
— Abre – mandou me interrompendo. Me sentei no colchão, sendo
imitada. Assim que abri a caixinha, sorri ao ver a pulseira prateada coberta por
pequenas pedras brilhantes. Era tão delicada e linda. — Gostou?
— Eu amei! Mas não deveria gastar comigo – falei ainda observando a
joia. Assim que vi a marca o olhei alarmada. — Mattias! Isso foi caro, não
deveria mesmo ter gasto comigo. A nossa casa, e...
— Não se preocupe – pediu com o dedo nos meus lábios. — Você é minha
mulher, merece tudo o que eu posso fazer por você.
— Vai me deixar tão mimada – brinquei segurando a pulseira. — Ela é
realmente linda, Mattias.
Coloquei a pulseira e deixei que ele fechasse. Antes de se afastar, os
lábios tocaram meu pulso.
— Prefiro quando me chama de amor – murmurou e beijou meu pescoço.
O arrepio percorreu meu corpo fazendo com que eu mordesse o lábio. — E eu
não ligo em mimar você.
— Amor... – gemi ao sentir os beijos descerem por meu colo. — Você é
tão carinhoso – sussurrei, em seguida o fiz me encarar. — Não muda comigo,
por favor.
Mattias me olhou confuso.
— Como assim?
Dei de ombros e baixei os olhos, mas ele logo me fez observá-lo.
— É que você me trata com carinho e amor – falei, eu parecia uma boba.
— Só não quero que você se canse de mim. Eu invadi sua vida, e... Tem certeza
de que quer se casar comigo? Não é pelo bebê, né? Ou...
— Bel – as mãos tocaram meu rosto. — Se pudéssemos casaríamos agora
mesmo. – Assim que ele disse aquilo, eu sorri. — Eu tenho certeza de que quero
você, e quero formar uma família enorme nossa.
— Cinco filhos.
— Isso. – Sorriu me fazendo-o o acompanhar. — Você me trouxe um novo
propósito de vida, Bel. A possibilidade de não ter você perto é sufocante. Eu
saio para o trabalho contando os minutos de voltar para os seus braços.
O abracei na intenção de esconder minhas lágrimas, eu parecia uma
bobona chorona. Fiquei alguns minutos agarrada a ele, e quando decidi me
afastar, sequei os rastros das lágrimas. Mattias me olhava entre confuso e
preocupado.
— Desculpa.
— Não precisa se desculpar. – Sorriu me fazendo um carinho na bochecha.
— Se sente melhor? – Acenei, então ele continuou: — Posso fazer alguma coisa
por você? O que você quiser.
De repente o sorriso se tornou malicioso, e apesar de querer repetir a
nossa noite passada, eu queria outra coisa.
— Vamos dormir de conchinha? – Indaguei um pouco tímida. Ele
rapidamente acenou, e sem perder tempo me aconcheguei nele.
Mattias usava apenas uma cueca samba canção, e apesar da noite fria,
Mattias estava quente. Senti o braço arrodear minha cintura, e uma das pernas
entrar no meio das minhas. Um beijo foi depositado no meu pescoço, e como
retribuição, esfreguei meu traseiro em Mattias.
— Que malvada.
Sorri me esfregando uma última vez.
— Boa noite, amor.
Fechei os olhos e junto a Mattias deixei que a inconsciência me tomasse.
Isobelle

De pé em frente a janela no primeiro andar, observei a equipe contratada


arrumar a parte de trás da mansão. Após meu aniversário, fiquei na fazenda do
Mattias até o mês acabar, mas assim que o novo mês começou, Débora foi de
carro me buscar para ficar na fazenda de meu pai. Lembro-me que ela disse algo
sobre: o tempo longe, faz o amor aumentar. Soltei um suspiro e voltei a me
sentar na cama que havia dormido. Tentei me manter calma. Ainda nem eram 6h,
e a casa já estava cheia de pessoas. Do móvel ao lado da cama, ouvi quando o
celular apitou avisando a nova mensagem, o peguei e vi que era Michele. A foto
era de dentro do ônibus de viagem, ela e Bruno já estavam a caminho.
Não fazia nem uma semana que eu estava longe de Mattias, mas parecia
uma eternidade. Minha despedida de solteira tinha sido há dois dias, onde passei
o dia todo comendo sorvete e assistindo filmes melosos, junto da Nana, Débora e
Liliane. Soube pela própria Liliane que Mattias e os irmãos não saíram, mas
passaram a madrugada bebendo e conversando na fazenda.
Cada um teve sua despedida de solteiro, e estava tudo bem.
Me levantei em um pulo e fui até o carrinho de comida que me trouxeram.
Eu já tinha comido as torradas, bebido o suco, um gole de café, mas eu ainda
tinha fome. Ou talvez fosse a ansiedade. Peguei uma maça e comecei a comer.
Corri de volta para a janela e procurei Débora entre os funcionários. Na minha
terceira mordida, parei ao sentir um gosto estranho na boca. Olhei para a maça e
não vi nada de errado.
Em questões de segundos senti a vontade de vomitar.
— Droga!
Praguejei e corri até o banheiro. Em tempo recorde, abri a tampa e vomitei
tudo aquilo que eu já tinha comido.
— Isobelle?
A voz era da Nana.
— Não entra no banheiro!
Assim que terminei de falar, a porta foi aberta e Débora me olhava com o
cenho franzido. Usava um vestido preto até os joelhos, ainda não estava pronta
para o casamento. Logo atrás dela vi Nana segurando a Kim.
— O que está fazendo ajoelhada? Estava chorando?
A olhei sem entender, como eu poderia estar chorando? E ajoelhada em
frente a privada?
— Não – neguei, mesmo querendo dizer o que tinha acabado de pensar. —
Acho que comi demais.
— Um banho resolve – Débora proferiu me ajudando a ficar de pé. — Vai,
enche a banheira e fica relaxada. Hoje é o seu grande dia, não pode deixar nada
te abalar. Cadê o seu celular?
Soltei um suspiro e fui lavar a boca.
— Na cama, por quê?
— Por nada! – Falou rápido e gesticulou para a Nana. — Bom, vou
resolver umas coisas. Sua produção chega em 15 minutos, então tem esse tempo
para ficar sozinha se curtindo. Quando eu voltar vamos ajeitar essas unhas, pele
e cabelos.
— O Mattias apareceu? Isso de ficar longe não foi boa ideia, ele não tem
celular.
— Veio a cavalo – respondeu e eu sorri. — Ele só sossegou quando a
minha sogra maravilhosa conversou com ele e pediu para nos esperar na igreja.
Baixei os olhos pegando uma escova e pasta de dentes.
— Sinto tantas saudades.
— O noivo só pode ver a noiva na igreja – Débora comentou de braços
cruzados. — Dá azar não seguir a tradição. Enche a banheira e relaxa, ouviu?
Concordei e a observei ir com a Nana.
Pacientemente escovei os dentes pela segunda vez, e quando terminei
olhei em direção à banheira. Soltei os meus cabelos, fui até a porta e a tranquei.
Abri a torneira para encher a banheira e coloquei alguns sais de banho que tinha
na prateleira. Saber que Mattias tinha ido me procurar, me deixou sorrindo feito
boba. Eu ainda não tinha visto ele de terno, e saber que daqui a algumas horas
eu o encontraria no altar.
O nível de ansiedade aumentava.
Com a banheira cheia e com espuma, retirei a roupa e com cuidado entrei.
Esfreguei as espumas pelo corpo, e tentei concentrar em mim. Ao fundo dava
para ouvir o som sendo testado, e vozes altas dos funcionários.
Exatos 15 minutos depois, eu ainda estava dentro da banheira quando
Débora me chamou. Me lavei, em seguida saí enrolada em um roupão macio.
Toda equipe estava ali, incluindo o ateliê com o meu vestido.
— Mãos a obra, pessoal! A noiva é toda de vocês.
Assim que saí na varanda, vi Mattias chegar a cavalo. A feição era de que
estava bravo, mas eu sabia que aquilo tudo eram saudades de Isobelle. Hoje era
o grande dia, e eu sentia orgulho e alegria, tudo misturado. Meu menino graças a
Deus tinha encontrado uma boa moça, um amor, e finalmente iria formar sua
própria família.
— Não conseguiu falar com ela?
— Não! – respondeu e parou em minha frente. — A Sra. Alvaréz pediu
para que eu tivesse só mais um pouco de paciência.
— E ela está certa – retruquei de braços cruzados. — Vá comer, que você
ainda não comeu. Depois tome um banho e se prepare. – Sorri quando ele bufou
e tirou o chapéu da cabeça. — Oh, meu menino – o puxei para um abraço. —
Essa casa não será a mesma sem você, mas Deus sabe o quanto estou feliz por
vocês.
— Eu amo a senhora, mãe. Sempre vou estar por perto.
Ao me afastar ganhei um beijo na bochecha. Abraçada a ele entramos na
casa, que sem Isobelle, era tão silenciosa. Na cozinha coloquei um prato
reforçado para Mattias e em seguida adiantei alguns serviços. Brutus estava
deitado perto do galinheiro, onde tinha uma sombra. Ele também iria para o
casamento, e isso me fez lembrar de uma coisa.
— Mattias, o Brutus ainda não tomou banho.
— Eu vou dar banho nele – respondeu e tomou um gole do café. — Assim
que terminar aqui, vai dar tempo.
Concordei e voltei ao que eu fazia antes dele chegar. As horas se passaram
e às 8h Brutus já estava limpo e pronto para o casamento que seria as 11h. Usava
uma coleira de gravata, estava tão lindo. As 8h30 Marcos chegou com os gêmeos
e Liliane, como combinado antes, as mulheres iriam se arrumar com Isobelle.
Então rapidinho tomei banho e me vesti com uma roupa normal, mas levaria meu
vestido.
Antes de ir falei com Mattias e o lembrei do horário para não se atrasar.
O caminho até a fazenda do Alvaréz foi feito com os gêmeos conversando.
Liliane era outra que estava eufórica com o casamento, ela tinha ficado daquele
mesmo jeito no dela. Quando finalmente chegamos lá, Débora estava nos
esperando. Os cabelos ruivos estavam soltos, e o vestido que ela usava era de
um verde tão lindo. Marcos e João Pedro se despediram, e antes de ir confirmei
se ele voltaria para nos buscar. Após um aceno, ele foi embora.
Assim que entramos, notei o lugar todo arrumado.
— E a Isobelle? – perguntei enquanto subia as escadas. Maria Alice
andava ao lado de Liliane.
— Estão arrumando os cabelos dela – Débora respondeu e me olhou. —
Ela estava perguntando por vocês. Olha – me parou parecendo preocupada. — Se
a senhora puder ir falar com ela, seria bom. Ela estava chorando hoje cedo, acho
que por conta da mãe dela. Eu soube que ela apareceu, mas o Sr. Alvaréz deu um
jeito nela.
— Apareceu aqui?
Ah! Se aquela sujeita estava por ali iria ouvir boas verdades, nem que
para isso ela levasse uns bons tapão na cara.
— Na verdade, não entendi bem. Só me pediram para confiscar o celular
dela, vai que a mãe liga. – Paramos em frente a um quarto, e assim que a porta
abriu vi Isobelle sentada em uma cadeira alta. A carinha estava com um
semblante tão triste, mas assim que nos viu se aproximar sorriu. — Você está
linda, Belle. Agora, Liliane sente-se ali que vão ajeitar seus cabelos. Em seguida
a dona Rosalinda, e por fim essa princesa linda.
— Tia, eu quero passar maquilagem também.
Ri para Maria Alice, mas voltei minha atenção para Isobelle.
— Oi, minha filha – murmurei segurando as duas mãos trêmulas. — Eu
soube do que aconteceu, sinto muito.
Ela me olhou e parecia sem entender, mas logo concordou.
— É, eu acho que a ansiedade me fez comer mais. Acho que vou ficar uns
dias sem comer maçã.
Beijei suas duas mãos e logo sorri.
— É um passo muito grande que está dando, saiba que estou muito
orgulhosa. Você é forte, corajosa e além de tudo, tem um coração bom.
— Obrigada – a voz saiu em um sussurro. — E o Mattias? Cadê ele? Ele já
está pronto?
— Ele está completamente ansioso – ri acompanhada por ela. — Ele e os
irmãos vão se arrumar, e ele, especialmente, vai direto para a igreja.
Isobelle balançou a cabeça e olhou para trás de mim. Segui seu olhar,
Maria Alice se olhava no espelho de corpo inteiro.
— João Pedro ficou com o pai? – Acenei e me sentei na cadeira ao lado.
— Estou enjoada de novo. – disse levando a mão a ventre. — O bebê também
está ansioso.
— Vai passar, eu também fiquei na gravidez dos meus meninos.
Recebi um aceno, mas rapidamente ela me olhou.
— Queria poder falar com ele – murmurou e eu sorri. Mattias estava
ansioso do mesmo jeito. — Não quero demorar para entrar na igreja.
— Tudo bem, filha. Vamos chegar na hora.
Olhei para Liliane que sorria nos observando. Maria Alice logo veio se
sentar no meu colo, e ali esperamos. Vez ou outra minha pequena cochichava
que queria vestir logo o vestidinho de princesa e a coroa que Débora tinha lhe
dado. Isobelle parecia perdida em pensamentos, mas em breve aquela carinha
triste sumiria e ai da mãe dela aparecer por ali. Pois ela veria o que é uma mãe
de verdade protegendo quem ama.
Após uma última checada no vestido e maquiagem, Débora pediu para eu
esperar e saiu do quarto. Dona Rosalinda, Liliane e Maria Alice já estavam lá
embaixo esperando por Marcos. Ele também levaria Nana e a pequena Kim,
ambas estavam lindas demais. Michele tinha ligado para mim, mas Débora havia
atendido, e eu soube que meus amigos iriam direto para a igreja. Eu já estava
preocupada com eles.
Lentamente andei até parar em frente ao grande espelho e fiquei de lado.
Hoje era meu grande dia, eu estava sim feliz, mas parecia que algo estava
errado. Uma sensação estranha, eu não sabia explicar exatamente o quê. Na
intenção de sair do quarto a procura de alguém, andei até a porta, mas parei ao
ouvir um barulho na janela. Quando ouvi de novo, fui até outra janela que ficava
na lateral e espiei para baixo.
Meu sorriso foi inevitável quando vi Mattias catando uma pedrinha no
chão. Matheus estava ao seu lado, e ao me notar ali, acenou e cutucou o irmão.
Abri a janela que dava acesso à varanda, e me encostei no parapeito.
— Eu vou subir – avisou e retirou o paletó, entregando em seguida a
Matheus.
Então eu o vi pular no murinho de pedras, se equilibrar até chegar na
lateral onde tinha um compartimento que ele usou para dar impulso e se agarrar
entre as brechas do parapeito. Ele nem parecia fazer esforço algum, sorri entre
surpresa e boba. Olhei para o lado e não vi ninguém, os funcionários deveriam
estar arrumando a parte da frente.
No instante que ele pulou para dentro do quarto, seu olhar percorreu meu
corpo por inteiro, e sem perder mais tempo, eu o puxei para um beijo. Toda a
saudade, ou tensão que eu estava sentindo, se esvaiu do meu corpo me deixando
leve. Os lábios tomavam os meus na mesma intensidade, era como se
soubéssemos exatamente do que estávamos precisando.
De um beijo: quente e intenso.
Por fim, quando ele se afastou me deu um selinho.
— Desculpe só aparecer agora – falou e eu sorri. — Jurei que tentaria só
mais uma vez, estava impaciente com saudades.
— Eu também estava com saudades, amor.
Mattias sorriu, e meu coração bateu mais forte.
— Eu amo quando me chama assim – murmurou e me deu mais um
selinho. — Você está linda demais, Bel. Como pode ficar mais linda ainda?
Ri um pouco tímida.
— Não pode ver a noiva antes do casamento – comentei ainda nos braços
dele, eu não queria me afastar. — Dá azar, sabia?
Segurando a minha mão, ele me fez dar uma volta completa.
— Você é a noiva mais linda que eu já vi. Pronta para se tornar
oficialmente a Sra. Ferreira?
— Mais que pronta! – Sorri e o beijei mais uma vez. — Agora vai! Me
espera no altar, e não se atrase.
— Eu poderia descer com você.
Propôs e sem me segurar eu ri. Débora teria um treco se me visse ali com
ele, tudo por conta da tradição. Mesmo não querendo, o empurrei de volta para a
varanda e ele não se opôs.
— Cuidado quando for descer – pedi e recebi um aceno.
Antes de se afastar, Mattias me deu um último beijo carinhoso. Assim que
se afastou, deu uma piscadela e se foi. Sorri e levei os dedos aos lábios, meus
olhos observavam seus movimentos precisos, até que ele pulou para o lado do
irmão e pegou o paletó. Feito dois adolescentes que tinham acabado de fazer
algo de errado, eles correram pelo caminho oposto do usual. Talvez um atalho
que ele conhecia e usou para chegar ali sem que ninguém o visse.
— Filha?
No susto me virei em direção ao quarto e vi meu pai, todo arrumado, se
aproximar.
— Oi pai! Me assustou.
— Desculpe – pediu e parou ao meu lado. — Bati na porta, mas você não
me respondeu. Fiquei preocupado. O que faz aqui fora?
Seu olhar percorreu a paisagem atrás de mim.
— Nada – dei de ombros e sorri. — Já vamos para a igreja?
Meu pai sorriu abertamente e me deu um beijo na testa.
— Como é difícil te ver crescida – comentou e me fez um carinho na
bochecha —, mas eu respeito sua decisão e vou te apoiar sempre.
— Obrigada, pai. É importante para mim.
— Vamos indo?
Concordei e aceitei o braço oferecido.
A cada passo em direção ao meu futuro, sentia um arrepio no baixo ventre.
Na sala estavam Débora, Javier e Agnes. Enquanto todos iam para os carros,
Débora retocou o meu batom com aquele olhar desconfiado.
Seguimos sem perder mais tempo, Débora com seu noivo e Agnes, comigo,
e meu pai.

Quando a caminhonete adentrou a cidade, eu olhei para a janela e vi que


todo mundo tinha saído na porta para ver a nossa chegada. Assim que ele parou
em frente a igreja, eu vi a praça lotada com os curiosos nos observando.
— Não é todo dia que a filha do barão do café se casa.
Olhei para Agnes e sorri com o que ela tinha dito. Era um pouco estranho
para mim receber tanta atenção de pessoas que eu nem conhecia. Agnes desceu
do carro e andou para dentro da igreja, em questão de minutos a marcha nupcial
começou a tocar. Olhei pela janela do carro e vi algumas pessoas que estavam lá
dentro olharem para fora. Respirei fundo e me voltei para o meu pai.
— Pronta?
— Sim! – Sorri e o observei descer e dar a volta. — Obrigada, pai. Ter o
senhor aqui, é muito importante para mim.
Meu pai apenas sorriu e me estendeu o braço. O agarrei um pouco trêmula
e vi os gêmeos se aproximarem de mãos dadas com Agnes. Cuidadosamente ela
colocou os dois em minha frente, e cochichou algo para eles. Maria Alice
segurava uma cestinha com pétalas e seu irmão, ao seu lado, coçava a cabeça.
Após ajeitar a calda do meu vestido, e me entregar o buquê de flores, Agnes
incentivou as crianças a entrarem primeiro. Sorri orgulhosa, e junto ao meu pai
entramos na igreja.
Mattias estava parado no altar, seu olhar não desviava de mim e eu não
conseguia olhar para outro lugar. Assim que paramos em frente a ele, meu pai
me deu um último beijo na testa e entregou minha mão a Mattias.
— Cuide bem da minha filha, Ferreira.
— Não se preocupe, senhor. – O observei apertar a mão de meu pai, em
seguida se voltar para mim. — Você está linda.
Sorri tímida, e me virei para o padre já de idade. Ele nos sorriu e
gesticulou com as mãos. Quando ele começou a falar sobre o amor e os laços do
casamento, eu me permiti divagar. A igreja estava linda, cheia de flores e lindos
arranjos. Ao meu lado meus amigos sorriam em minha direção, Michele não
continha as lágrimas e eu me segurei para não chorar. Involuntariamente levei
minha mão ao ventre, e quando percebi já era tarde, o padre me encarava.
— Está se sentindo bem, minha filha?
Olhei para Mattias que me olhava preocupado.
— Sim, eu só estou grávida. – No instante que falei, o padre me olhou
surpreso. — Ele é o pai do bebê.
Mattias riu, sendo seguido pelos padrinhos que estavam mais próximos.
— Oh! Meus parabéns, a chegada de um filho é uma benção para todos.
Creio que estão felizes, é o primeiro?
— De cinco – falei no automático e na mesma hora quis sumir. O padre
tossiu para disfarçar e em sequência sorriu. — Não briga comigo.
Então ele me encarou surpreso.
— Por que eu brigaria com você?
Olhei para Mattias que sorria em minha direção.
— Ela estava apreensiva – Mattias murmurou fazendo o padre encará-lo.
— Com medo do senhor julgá-la.
— Imagina, não faria isso por conta da gravidez, mas sim se o matrimônio
fosse forçado por conta dela. É por livre e espontânea vontade que estão se
casando?
— Sim! – Confirmei rápido entrelaçando nossas mãos. — Ele é o homem
da minha vida.
Após um aceno, o padre voltou a falar o que estava antes de ser
interrompido. Soltei um suspiro e olhei para Michele que ria ao lado de Bruno.
Na hora de trocar as alianças, entreguei o buquê, a minha amiga e em seguida
fiquei de frente para Mattias. Ao lado ouvi murmúrios de fofura, e assim que vi
os gêmeos junto ao Brutus se aproximaram com as alianças, eu sorri.
Brutus estava lindo com uma gravatinha, sempre tão comportado, na
mesma hora me lembrei da primeira vez que o vi. Ele só tinha tamanho, pois era
tão dócil. O acarinhei entre as orelhas, e me agachei para beijar na bochecha dos
gêmeos.
— Titia, você está tão linda. O meu vestido é quase o seu.
— É sim – confirmei com um sorriso. — Vocês estão lindos demais.
— Eu não gosto disso, tia. – Surpresa observei João Pedro, era a primeira
vez que ele me chamava de tia. Segurava a gravata que já estava meio solta no
pescoço. — Posso tirar?
— Pode, sim, meu bem. – Afirmei emocionada.
Mattias retirou rapidamente a gravata e entregou ao pequeno. Dona
Rosalinda logo se aproximou e os chamou. Me voltei para Mattias e sorri. Eu
estava a aponto de chorar tamanha minha emoção com tudo.
— O que Deus uniu o homem não separa – o padre falou, meu olhar não
saía de Mattias. — Cristo abençoa o amor conjugal, e diante Dele, hoje aqui na
igreja, vocês vão citar os votos do matrimônio.
Nervosa, segurei a aliança dourada e sorri para Mattias.
Respirei fundo, e após um último suspiro, acenei com a cabeça. Então
quando o padre começou a falar eu o acompanhei.
— Mattias Ferreira – murmurei tentando manter a voz firme. — Com essa
aliança eu te recebo como meu legítimo marido. – Sorri sendo acompanhada. —
Prometo te amar, te respeitar, e estar com você na saúde e na doença, na alegria
e na tristeza, até que a morte nos separe. – Coloquei a aliança no anelar
esquerdo e o beijei. — Te amo para sempre, você é o homem da minha vida e
construir nossa família é o que mais quero no mundo.
Tentei me manter firme, mas quando ele começou a recitar o que eu tinha
dito, não aguentei as lágrimas. Ao colocar a aliança em meu dedo, Mattias o
beijou e com a outra mão secou minhas lágrimas.
— Se há alguém nesse recinto que é contra esse casamento, que fale agora
ou se cale para frente. – Aqueles momentos seguiram em câmera lenta, eu
conseguia ouvir nitidamente meu coração bater forte. Já Mattias a minha frente
sorria confiante. — Pelo poder a mim concedido nesse dia, eu vos declaro
marido e mulher. Pode beijar a noiva.
Sem muita demora, ele me puxou e selou nossos lábios. Ao nosso redor
todos aplaudiram, mas minha atenção era só no meu marido. Me afastei
minimamente dele, e sorri. O padre falou mais uma vez, e junto a Mattias e
nossos padrinhos, assinamos no grande livro. Após isso nos viramos para nossos
convidados, a maioria eu não conhecia, eram parentes do meu pai e de Mattias.
Caminhamos para fora da igreja e cumprimentamos as pessoas que nos
acenavam.
— Amor! – O chamei enquanto andávamos em direção à caminhonete.
Mattias me encarou sorridente. — Eu estou muito feliz!
— Você me fez o homem mais feliz do mundo!
Nos beijamos mais uma vez, e quando nos separamos, ele me ajudou a
entrar na caminhonete. Ainda iríamos até a fazenda do meu pai, e no fim da
tarde nosso destino seria Maragogi. Assim que me sentei vi Rosalinda se
aproximar com Maria Alice, Mattias ficou aguardando com a porta aberta.
— Titia, eu quero ir com você! Eu posso?
— É claro! – Sorri e observei Mattias a ajudar a subir. — Cadê o João
Pedro?
— Está com o Marcos – Rosalinda respondeu enquanto subia e se sentava
ao meu lado. — Ele falou algo sobre dirigir a caminhonete do pai – riu e
segurou minha mão. — Bem-vinda a família, meu bem. Estou muito feliz.
A abracei e quando nos separamos vi Mattias tomar o lugar do motorista.
Pela janela vi meus amigos entrarem na caminhonete de Marcos, Nana já
acomodada no banco do carona com a Kim nos braços. Me encostei no banco e
me permiti sorrir.

Ao chegarmos na fazenda, vi tudo organizado. Mattias foi o primeiro a


descer, ele ajudou rapidamente a mãe a descer, a sobrinha e em seguida eu.
Ainda nos braços dele, sorri e aceitei o beijo carinhoso. Em um movimento
rápido, ele me pegou no colo e andou em direção às escadas da frente.
— Não vai me deixar andar?
— Não posso carregar minha mulher nos braços?
Logo atrás, vi quando meu pai e Marcos chegaram.
— Eu amo estar nos seus braços – sussurrei com vergonha de alguém nos
ouvir. — Vou ficar tão mal-acostumada.
Mattias sorriu e me beijou mais uma vez.
Ouvi meu pai falar algo com Mattias, e ele parar nosso beijo para sorrir.
Olhei para o lado e vi Rosalinda conversando com Maria Alice, e quase no
mesmo tempo meus amigos se aproximavam felizes.
Entramos na casa, e antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, travei
quando meus olhos pousaram na figura de vestido que vinha se aproximando no
corredor. Automaticamente me abracei mais em Mattias. A sala ficou em
silêncio, mas logo meu pai tomou a frente.
— O que faz aqui, Márcia?
Isobelle
Minha mãe cruzou os braços e se aproximou, seu olhar não abandonava o
meu. Ela estava mais magra, os cabelos estavam arrumados, mas tão sem vida.
Ela parecia tão diferente da última vez que eu tinha visto. Desci meus olhos pela
roupa dela e franzi o cenho. Eu não a tinha convidado para meu casamento, nem
para a festa.
— Senhor Alvaréz, ela chegou acompanhada e forçou a entrada. Não
chamei a polícia, porque ela disse que era mãe da noiva, e...
— Tudo bem! – Meu pai interrompeu a governanta. — Não se preocupe,
ela vai embora agora.
— Acha que é só assim? – Minha mãe questionou, sua expressão se
tornando raivosa. — Que vou desaparecer da vida da minha filha? Por um
capricho seu?
Engoli em seco e olhei todos ali na sala. Marcos, mantinha as mãos nos
ombros do filho. Nana mais atrás segurava a Kim, enquanto Débora estava ao
seu lado. Michele rapidamente se aproximou de mim, ficando protetoramente na
minha frente.
— Capricho? É muita ousadia mesmo. Vai embora daqui, ninguém quer
sua presença nesse momento tão especial para a Belle.
Pedi baixinho para Mattias me soltar, e quando ele o fez, andei em direção
a minha mãe. Seu olhar percorreu meu corpo, e por um momento pensei ter visto
uma emoção em seu olhar.
— Como pôde ter se casado e não convidado a sua própria mãe? Eu
sempre estive certa... você não vale nada, Isobelle. Nenhuma filha faria isso com
a própria mãe, alguém que te deu a vida, e sempre cuidou de vo...
O som do tapa soou alto, o que me fez pular de susto e olhar para
Rosalinda que tinha a mão levantada. Eu nem tinha visto ela se mover e ficar na
minha frente, eu me sentia anestesiada.
— Que mãe?! – Rosalinda praticamente rugiu me defendendo. — A única
que deveria se sentir envergonhada e colocar a mão na consciência é você!
Como ousa depois de tudo vir cobrar alguma coisa dela? Como tem coragem de
olhar nos olhos dela e falar tanta besteira? Agora você é mãe? A única coisa que
vejo é alguém digno de pena e solidão. A única que não vale nada aqui é você!
— É isso aí, Tia Rosalinda! – Michele parou ao lado dela de braços
cruzados. — Não tem vergonha na cara nenhuma de vir aqui depois de tudo.
— É isso, Isobelle? – a voz da minha mãe soou sarcástica, eu não
conseguia parar de chorar. — É assim que você me descarta? Não vai dizer
nada? Nenhum dos anos que cuidei de você, ou pelo fato de ter parado minha
vida para cuidar de você, não contam? Não fui boa mãe? Foi isso que disse a
essas pessoas?
Após respirar fundo, sequei minhas lágrimas e a encarei.
— Eu sinto muito mãe. – Assim que falei, Michele me olhou espantada. —
A senhora nunca me viu como uma filha. Sempre fui um estorvo, e eu sinto
muito não ter percebido antes e ido embora mais cedo. Talvez assim a senhora
teria sido mais feliz.
Minha mãe desviou o olhar e esfregou o lado da face avermelhada.
— Teria mesmo! O maldito do seu pai me deixou e nem se perguntou como
aquilo me afetaria. – Ao falar encarou meu pai que se mantinha parado ao lado
de Agnes. — Quem iria me querer, Antônio? Com uma filha pequena? Sem
trabalho. Como achou que eu iria me virar? Você ao menos pensou nisso? Não!
Então eu conheci o Jorge, e ele me quis, aceitou minha filha, foi o homem que
eu precisava, e depois de tudo, você apareceu naquele carrão. Muito bem de
v i d a , querendo só sua filha. E eu que engravidei e parei minha vida, você não
queria nem saber.
— Você colocou um desgraçado sob o mesmo teto que a minha menina! Se
eu se quer imaginasse que Isobelle sofria, eu a teria levado a força.
No instante que ele terminou de falar, minha mãe começou a rir.
— A única coisa que não me arrependo – Ela falou ainda com um sorriso.
— Foi de ter dito que você tinha morrido. Ela chorando e perguntando por você.
– A risada aumentou, automaticamente me aproximei de Mattias. — E você
sempre um tolo e acreditando que ela te odiava. Você sempre foi um idiota.
Saber que você perdeu tantos anos da vida dela, me satisfaz bastante, Antônio.
Você sentiu na pele, o que senti quando você se foi.
— Você é maluca! – Meu pai rugiu e em movimento avançou na minha
mãe, mas Javier o segurou. — Saia daqui! Vai embora da minha casa!
— Eu vou! – Riu e jogou os cabelos para trás. Seu olhar encontrou o meu.
— Você nunca vai ser feliz! Eu desejo que você sofra o que eu estou sentindo
nesse momento.
— Eu já sou feliz! – Falei tentando manter meu tom de voz sério. —
Tenho amigos que me amam, meu pai comigo, uma sogra que é como uma mãe
para mim, e um marido perfeito que me ama e me respeita. Eu espero que a
senhora fique em paz, apesar de tudo, não quero o seu mal.
Como resposta, ela bufou e andou para fora.
Assim que ela saiu, eu me apoiei em Mattias para não cair. Ele
rapidamente me segurou pela cintura.
— Calma, está tudo bem agora.
Eu acenei, e com o objetivo de ir para o quarto, dei o primeiro passo. Mas
antes de dar o segundo, senti minhas forças se esvaindo. A última coisa que ouvi
foi Mattias me chamando e os braços me pegando.

Antes mesmo de abrir os olhos, senti uma mão segurar a minha e aquele
toque eu sabia de quem era. Mattias estava sentado ao meu lado, a gravata
afrouxada, quando percebeu que acordei, me presenteou com um sorriso.
— Oi, Sra. Ferreira.
Sorri e agarrei a mão dele.
— Oi... Desculpe por aquilo na sala.
— Não se desculpe, não foi culpa sua. – Falou e em seguida beijou minha
mão. — Fiquei orgulhoso pelo que disse a ela. O intuito foi te magoar, mas ela
que saiu magoada. Porque ela sabe que o que você disse foi apenas a verdade. A
partir de hoje é nova vida para a gente, e os nossos cinco filhos.
Concordei e recebi um beijo nos lábios. Ainda deitada olhei ao redor, eu
estava no quarto da mansão e lá fora a festa continuava. Me voltei para Mattias
e toquei na aliança grossa em seu dedo.
— Eu disse ao padre que teríamos cinco filhos.
Mattias riu e me acarinhou a bochecha.
— Eu quis rir muito naquela hora – confessou. — Por que se entregou
daquela forma?
— Fiquei nervosa – respondi sem tirar os olhos dele. — Não trabalho bem
sob pressão. – Com a ajuda dele, me sentei. — Por quanto tempo estou por aqui?
— Alguns minutos. Se quiser podemos ir agora.
— E perder a nossa festa? – indaguei e neguei com a cabeça. — Não,
quero conhecer nossos convidados, dançar com você, com o meu pai. Quero ver
a sua mãe, ela ficou nervosa lá na sala e eu acabei desmaiando. Ela deve estar
preocupada.
— Ela ficou bastante. Nenhum dos convidados viram a cena, a Débora deu
um jeito nisso.
Respirei em alívio.
— Que bom! Não teria coragem de enfrentar os olhares deles. O que
disseram sobre o nosso sumiço.
— Que você quis antecipar a lua de mel. – No mesmo instante eu o olhei
alarmada, mas então ele riu. — Brincadeira.
— Você é tão engraçadinho – alfinetei fazendo-o sorrir mais. Me levantei
da cama, e Mattias logo me pegou nos braços. — Amor? – Ele me olhou com um
pequeno sorriso. — Eu te amo demais.
Nos beijamos, ali parados na entrada da porta, e eu quase pedi para
voltarmos para cama. No entanto, eu queria aproveitar minha festa e convidados.
Parei o beijo com um selinho e em seguida o abracei pelo pescoço. Assim que
aparecemos na escada, vi Rosalinda entrar pela porta da frente. Ela rapidamente
andou em nossa direção.
— Oh, minha filha – murmurou aflita. Mattias me colocou no chão, e eu
recebi de bom agrado o abraço acalentador de Rosalinda. — Como você está? Se
sente melhor?
— Sim, obrigada por ter me defendido. Por um momento eu fiquei sem
saber o que falar.
— Não precisa me agradecer – falou assim que nos separamos do abraço.
— Só sinto muito por você ter visto quando dei aquele tapa na cara dela. Eu sei
que não devia, mas não me aguentei. Eu já estava na vontade desde que você me
falou dela, e hoje de manhã você estava chorando por conta dela, então tudo
ficou um rebuliço dentro de mim.
— Eu não estava chorando hoje de manhã.
— Não? – franziu o cenho. — Mas a Débora me disse que você estava
chorando.
A olhei sem entender, mas logo compreendi.
— Eu fiquei enjoada e... – Parei e olhei para Mattias que nos encarava.
— Vomitei um pouco. Eu comi muito, aí passei mal.
Rosalinda balançou a cabeça em entendimento e me segurou a mão.
— Mas agora você está bem mesmo? – Perguntou e eu confirmei. —
Ótimo! Vamos espairecer um pouco? Tem muita gente que quer te conhecer.
Preparada?
— Sim, por favor.
Era tudo o que eu queria: esquecer do episódio de mais cedo.
No lado de fora os convidados festejaram assim que aparecemos. Em uma
mesa enorme, eu vi meus amigos com as pessoas mais próximas de mim e
Mattias. Acenei para Michele que me sorriu carinhosa, Alice estava em seu colo.
Rosalinda me apresentou as madrinhas do Mattias e irmãos, os tios e uns
conhecidos. Conheci também a esposa do Leôncio, e a do José. As duas eram
simpáticas e bem-educadas.
Fiquei um bom tempo conversando com todos, mas logo junto a Mattias
fui conhecer a parte da família paterna. Fiquei surpresa ao descobrir duas irmãs
do meu pai, e algumas primas. Eu, que nunca se quer tinha visto uma foto delas.
— Isobelle, como você cresceu! Ficamos felizes em saber que finalmente
se acertou com o seu pai.
Fiquei alguns minutos em silêncio, pega de surpresa. Então elas não
sabiam o que tinha acontecido?
— É, eu sentia muitas saudades dele.
— Adolescência não é fácil, que bom que estamos juntos de novo.
Moramos na capital do Rio, depois vá conhecer. Alguns dos nossos parentes
moram por lá, uns não conseguiram tirar uma folga, mas enviaram presentes.
— Não precisavam se incomodar.
— Não é incômodo! – Sorriu e me abraçou. Aquela se parecia com o meu
pai, se chamava Andreia. — Me fala vão morar por aqui mesmo? Ou na cidade
grande?
— Por aqui mesmo, nem eu ou o Mattias pensa em sair da roça.
— Gostam mesmo daqui! E você, Mattias, com o que trabalha?
— Sou médico veterinário – respondeu o que tirou um grande sorriso da
minha tia. — Trabalho em algumas fazendas da redondeza.
— Além de lindo, gosta dos bichos! – Andreia falou sorridente, olhei para
Mattias e sorri. — Porque só encaram essa área se gostar bastante.
— Realmente, nunca tive dúvidas do que eu queria.
De onde eu estava parada, olhei para o lado e vi meu pai andar
furiosamente para dentro da mansão sendo seguido por Agnes. Pedi licença e
andei atrás deles. Ao chegar na entrada, percebi que eles seguiam para a
biblioteca.
— Pai! – O chamei fazendo-o parar no corredor. — O senhor saiu? Foi
atrás da minha mãe?
— Não vamos falar dela, filha. Hoje não é dia para isso.
Agnes, que estava ao lado, cruzou os braços e soltou um suspiro.
— Eu sei que é difícil, Isobelle, mas você precisa realmente se afastar da
sua mãe. Ela não te faz bem, e você está grávida, não pode estar passando por
estresses.
— Eu sei – falei em um sussurro. — Eu... – parei por uns segundos, mas
logo voltei a falar. — A senhora tem razão.
Com um pequeno sorriso, Agnes se aproximou e me deu um abraço.
— Conheceu os nossos parentes? – perguntou e eu acenei. — Conheceu a
Andreia? Irmã do seu pai?
— Sim, estávamos falando com ela.
— Cuidado que ela faz perguntas um pouco fora de hora.
— Agnes – Meu pai franziu o cenho. Como resposta, Agnes revirou os
olhos. — Ela só gosta de conversar.
— Ela me perguntou o que eu faria para você na nossa lua-de-mel.
Sem jeito, eu dei um pequeno sorriso e olhei para trás. Mattias estava
parado na sala, me esperava com as mãos nos bolsos.
— Eu vou voltar para a festa – avisei para ninguém em especial, já que
meu pai e Agnes se encaravam sem falar nada. Dei meia volta, e andei até parar
junto a Mattias. — Vamos aproveitar, Sr. Ferreira?
Ele logo sorriu e me puxou para junto do corpo dele. A barba roçava em
meu rosto, me instigando a procurar por mais contato. O toque carinhoso
deslizando por meu braço me deixou pegando fogo, era tão inevitável não sentir
assim.
— Titia! Titia! – Me afastei de Mattias e olhei para o lado. Maria Alice
corria descalça. — Eu segurei a Kimbi no colo, e ela sorriu pra mim.
— Segurou quem? – Indaguei me abaixando, ficando na altura dela. —
Quem é Kimbi?
— A bebezinha da Tia Nana – falou como se fosse óbvio e me puxou pela
mão. — Vamos titia, vem segurar ela também.
Olhei para Mattias que sorria e segui Alice. Nos sentamos na mesa que
estavam todos os meus conhecidos, e começamos uma divertida conversa. Os
únicos que não estavam ali era Javier e Débora, eles se sentaram em outra mesa.
Ali, em meio aos meus amigos, comi uns docinhos e ri porque Michele tinha
escutado quando eu disse sobre os cinco filhos para o padre. Ela não me faria
esquecer aquele episódio.
No fim da tarde cortamos o bolo, tiramos muitas fotos e em seguida foi a
hora da dança. Meu pai me tirou primeiro, estava emocionado, se segurava para
não chorar. No entanto, as lágrimas desciam teimosas, sorri para ele.
— Se a Agnes me pega assim me chama de chorão, mas eu não sou.
— Não é – concordei também emocionada. — Eu não conto para ela.
Após um último rodopio, ele me abraçou e me deu um beijo na testa. Atrás
dele, Mattias esperava por sua vez, e pela segunda vez naquele dia meu pai deu
minha mão ao meu marido.
O trouxe para mais perto e começamos nossa valsa. Eu sorria sem segurar
minha felicidade, e Mattias não estava diferente. Nossos lábios se encontraram
em um beijo cheio de sentimento e amor. Me afastei minimamente dele e percebi
que outras pessoas estavam dançando ao nosso redor.
— Amor... – O chamei baixinho, ele sorriu em minha direção. — Acho que
já está na hora da gente ir.
— Minha mala já está no carro – confidenciou e eu ri. — O que ainda falta
fazer?
— Jogar o buquê. – Avisei e o puxei para fora da pista de dança. —
Pessoal! Eu vou jogar o buquê!
Débora e as meninas rapidamente se juntaram em uma parte ao lado da
mesa dos doces. As únicas que não tinham levantado foi minha sogra, que
segurava a Kim, Michele e Nana. Vi que Bruno até tentou encorajar Michele,
mas ela apenas negava com a cabeça. A música estava em um volume baixo,
permitindo que ouvíssemos a mulherada falando alto e rindo umas com as
outras.
Me virei de costa e após contar até três, joguei o buquê. Ansiosa para
saber quem pegou, olhei e ri um pouco surpresa. O buquê tinha caído no colo da
Nana. Foi uma graça ver o rosto, mesmo maquiado, ficar vermelho de vergonha.
Acenei para ela que me sorriu tímida e em seguida peguei o caminho de volta
para a mansão.
Ao chegar no meu quarto fui em direção ao banheiro, eu queria tomar um
banho, mas esperaria até chegar no hotel no Rio.
Fiz minhas necessidades, e após terminar lavei as mãos e olhei meu
reflexo no espelho. Meu sorriso ainda estava ali, minha maquiagem não estava
tão ruim, apesar de ter chorado antes. Com o que tinha por ali, retoquei em
algumas partes borradas, e sem perder mais tempo saí do banheiro. O vestido
que eu usaria na viagem estava estirado na cama. Antes que eu pudesse começar
a tirar o meu de noiva, ouvi Michele me chamar da porta.
— Entra! – Assim que permiti a entrada, ela abriu a porta e me sorriu. —
Me ajuda a descer o zíper? – Pedi e ela se aproximou. — Daqui vamos para o
hotel e amanhã cedo vamos para o aeroporto. Nossa lua-de-mel vai ser em
Maragogi, fica no Nordeste.
— Aí amiga, fico tão feliz por vocês! – Disse ainda com um sorriso. — Na
volta quero ver as fotos, então tire bastante.
Acenei e peguei o outro vestido que era mais soltinho.
— Você vai ficar por aqui?
— A Tia Rosalinda me convidou para passar mais dois dias com ela –
avisou de braços cruzados. — O Bruno vai precisar voltar antes. Belle... – No
mesmo instante ela me abraçou apertado. — Você é minha melhor amiga.
— Você também, Michele. Obrigada por tudo.
Nos afastamos entre chorando e rindo.
— Eu trouxe uma mala para você, e a recheei de tudo o que você vai
precisar usar nesses dias de lua-de-mel.
A olhei surpresa, mas ao ver o sorriso malicioso fiquei um pouco
apreensiva.
— O que tem na mala?
— Você vai saber em breve – retrucou e me ajudou a subir o zíper do novo
vestido. — Agora vamos embora, seu marido está lá na sala se despedindo de
todo mundo.
“Meu marido”.
Sorri e ao lado de Michele nos dirigimos para a sala.
Após nos despedir, Mattias entrelaçou os nossos dedos e rumamos até o
carro que nos levaria até o hotel no Rio. Acenei para todo mundo, e com a ajuda
de Mattias, me aconcheguei no lugar atrás.
— Podemos ir? – O motorista perguntou do banco da frente.
— Sim, obrigado. – Mattias respondeu já do meu lado. — Muito cansada?
Seu olhar me analisou detalhadamente.
— Louca para esticar as pernas – falei sorrindo. — Super ansiosa para
conhecer o resort.
— Se quiser pode dormir, quando chegarmos no hotel te acordo.
Encostei minha cabeça em seu ombro e entrelacei nossos dedos. Com o
balançar do carro na estrada de terra, senti o sono, que até então não tinha. Do
caminho até o nosso destino, dormi sem me preocupar com nada e após algumas
horas de viagem finalmente chegamos no hotel.
Um pouco sonolenta, abri os olhos, vi o motorista retirar as malas e
entregar ao funcionário do hotel. Mattias desceu e me ajudou a fazer o mesmo. A
fachada do hotel era enorme e bem iluminada, parecia ter saído de um filme.
Entramos no hall e logo fomos recepcionados por um funcionário que avisou ser
o gerente. Fizemos o check-in e seguimos para o nosso quarto. Antes que eu
pudesse entrar sozinha, Mattias me pegou nos braços e entrou com o pé direito.
— Enfim sós!
Sorri e quando fui colocada em cima da cama, me espreguicei
completamente.
Voltei meu olhar para Mattias, ele estava na porta e nossas malas do lado.
A mala ao qual Michele tinha dito estava em cima de outra, era bem pequena. De
forma curiosa me levantei e fui até ela.
— Tem uma banheira aqui – Mattias avisou parado na porta da suíte. —
Me acompanha?
O olhei e ele me sorria maliciosamente.
Ainda mantendo os olhos em mim, ele retirou a camisa e se aproximou. Os
braços rodearam minha cintura e num impulso fui puxada para cima. Enebriada
com o momento o beijei, e me esfreguei como pude nele. Após alguns minutos
de beijo, separei os lábios em busca de ar, e apreciei quando os beijos desceram
por meu pescoço.
— Amor... – o chamei de forma dengosa. — Eu aceito o banho primeiro.
Mattias me olhou e deu um sorriso.
— Vou encher a banheira.
Dito isso, fui colocada no chão e o observei ir.
Sozinha no quarto, peguei a mala e fui até a cama. Me sentei no colchão e
abri o zíper. Por cima vi alguns biquínis de várias cores, cangas e protetor solar.
Sorri com aquele cuidado. Retirei os itens e coloquei em cima da cama. Abri um
bolso interno da mala e no mesmo instante me senti constrangida.
Havia vários plugs anais de diferentes tamanhos, vibradores, lubrificantes
e uma algema de pelúcia.
Mordisquei o lábio e balancei a cabeça. Em um momento na minha
despedida de solteira, eu havia pedido algumas dicas a ela sobre aquele tipo de
sexo, afinal ela era minha melhor amiga, e como uma enciclopédia ambulante
tudo me foi explicado tintim por tintim.
— Quer muita espuma? Ou... – Num impulso tentei esconder o interior da
mala com as mãos. — O que foi?
— Nada! – Neguei um pouco assustada, como eu explicaria todos aqueles
acessórios? — Muita espuma.
O olhar desconfiado foi na mala, em seguida em mim.
— Certo, eu vou entrando.
— Está bem, vou só guardar os biquínis e vou. – Apontei para as peças em
cima da cama e recebi um aceno. Quando ele se foi, peguei um dos plugs que era
mais discreto e o tirei da caixa. — Meu Deus do céu.
Ele era pequeno, metálico e na ponta tinha uma pedra brilhante. O
coloquei de volta na caixa e peguei o lubrificante. Os dois seriam usados
naquela noite, mas então veio o meu questionamento. Eu mesmo colocava ou
pedia ajuda? Com aquilo em mente, guardei os dois na gaveta do móvel ao lado
da cama e fiquei de pé. Juntei as peças, colocando-as novamente na mala e
rapidamente fui para a suíte.
Da porta, vi Mattias já dentro da banheira cheia de espuma. Os braços
musculosos estavam apoiados na borda da banheira, seu olhar era totalmente
malicioso. Entrei e parei em frente a ele. Sem tirar os olhos dele, desci o zíper
lentamente e quando ele caiu em meus pés, foi a vez da calcinha.
Prendi os cabelos no alto da cabeça e sinuosamente coloquei uma perna
dentro da banheira. Mattias rapidamente me estendeu a mão e me ajudou a
entrar. Me sentei na outra ponta de frente para ele e juntei um pouco da espuma,
esfregando em meus seios.
— Está gostando?
Acenei com a cabeça e sorri de lado.
— Eu tenho uma surpresa para você – falei e o parei com o pé quando ele
fez menção de se aproximar. — Tente adivinhar primeiro.
As duas mãos seguraram meu pé e quando ele iniciou uma massagem, eu
fechei os olhos para apreciar.
— A surpresa está naquela mala? – indagou, então o encarei e acenei. — É
de vestir?
Ri sapeca e confirmei meio incerta.
— Eu vou precisar da sua ajuda para colocar.
Mattias parou a massagem um pouco confuso e me puxou pela perna. Fui
até ele, e quando me fez sentar em seu colo, senti a ereção cutucar entre as
minhas pernas. A banheira era espaçosa, o que me permitiu me aconchegar mais
em cima dele.
— É uma fantasia?
— Quase.
A mão desceu por meu traseiro, onde ele deu um apertão me fazendo
gemer.
— É uma roupa?
— Não! – Ri de nervosa. Estava com vergonha, mas queria que ele
descobrisse sozinho. — É outra coisa.
— Vai precisar da minha ajuda para colocar? – Ele perguntou como se
querendo confirmar. Acenei. — E não é um tipo de roupa? Não consigo pensar
em nada.
Sensualmente desci minha mão pelo peitoral dele, e quando agarrei sua
ereção comecei os movimentos de vai e vem. Aproximei nossos lábios e o beijei
lentamente, às vezes passando a língua, ou o mordendo.
— Vou deixar que pense um pouco – murmurei e o beijei pela mandíbula.
— Enquanto isso... – o afastei e fiquei de pé na banheira. — Eu estou faminta,
vamos pedir nosso jantar?
— O quê? – indagou me puxando pela mão, me fazendo sentar novamente
em seu colo. — Vai me deixar de pau duro? Quando ficou tão malvada assim?
Eu ri e o abracei.
— Eu prometo que vou recompensá-lo – disse de forma confiante —, mas
agora seu filho e eu estamos com fome.
Assim que terminei, sua mão tocou o meu ventre.
Com a ajuda dele saí da banheira, e fomos para o chuveiro, teríamos mais
tempo depois para usar a banheira. De todas as formas.

Encostei na cabeceira da cama, e peguei o panfleto do hotel para ler.


Aquele lugar era um dos mais caros que tinha na região, dava para ver só na
quantidade de coisas luxuosas que tinha por ali. Um pouco preocupado olhei
para o banheiro e chamei por Isobelle, já tinha um bom tempo que ela tinha
entrado ali.
— Eu saio já, amor! Só um momento!
Com aquela resposta, coloquei o panfleto no mesmo lugar que tinha
pegado e em seguida cruzei os braços. Tínhamos jantado horas atrás, e enquanto
comíamos, havia notado que ela estava um pouco dispersa. Pronto para chamá-la
mais uma vez, vi a porta do banheiro ser aberta e Isobelle aparecer com uma
mão nas costas.
Hipnotizado, observei o corpo coberto por uma calcinha minúscula da cor
vermelha e um sutiã de renda que dava para ver os bicos rosados.
— Essa era a minha surpresa? – perguntei maliciosamente e apertei o pau
que já começava a ficar duro. — Dá uma voltinha para mim?
Isobelle sorriu e fez lentamente o que pedi.
Aquele traseiro enorme estava me convidando para dar umas palmadas. Na
intenção de fazer exatamente aquilo, me levantei, mas ela logo me fez parar.
— Desculpa se demorei muito, estava preparando sua surpresa –
respondeu e subiu no colchão. — Estou um pouco envergonhada.
— Com vergonha do seu marido? – Franzi o cenho sem entender, mas logo
sorri. — Não precisa ter vergonha de mim, Bel.
De uma forma totalmente sensual, ela se sentou no meu colo e sorriu de
lado.
— Fecha os olhos e estira a mão.
Mesmo sem entender a obedeci. Segundos depois senti algo frio em minha
palma.
— Posso abrir? – questionei, e quando ela disse “sim”, abri meus olhos.
— O quê...?
Deixei a pergunta morrer quando entendi o que era. A olhei sem esconder
minha surpresa, e analisei aquele plug anal. Ele era pequeno, um pouco pesado e
em minha mente a frase “Eu vou precisar da sua ajuda para colocar”, fez muito
sentido.
— Não me olha assim! – Ela pediu entre rindo e tímida. — Eu demorei
porque fiz todos os procedimentos necessários e fiquei sem jeito de aparecer
com ele.
— Eu sei que pedi, mas se não se sentir pronta, não quero que faça algo
para me agradar.
Eu estava sendo sincero, mesmo que eu estivesse louco de desejo, não
faria algo se ela não quisesse também. Sem me responder de imediato, Isobelle
abriu a gaveta do móvel ao lado, pegou um tubo roxo e me entregou.
— Eu quero, amor, só faz com carinho.
Encostei os nossos lábios em um beijo, ao mesmo tempo, em que a fiz
deitar. A beijei sem pressa, e deixei que uma mão fosse até o seio esquerdo.
Toquei o bico intumescido e fiz movimentos circulatórios. Quando o ar nos
faltou, desci os lábios pelo pescoço, colo e parei nos seios. Por cima do sutiã
rendado, eu lambi um seio e em seguida fiz o mesmo no outro. Meu olhar
encontrou o de Isobelle, ela mordia o lábio fortemente, e alguns dos fios
castanhos caíam por seu rosto.
Apoiei um braço na cama, para me dar apoio, e levei os lábios ao mamilo
rosado. Passei mais uma vez a língua, mas assim que ouvi o gemido, o abocanhei
por completo. Meus cabelos foram agarrados, e a cada puxão que eu recebia, era
uma sugada mais intensa que eu dava.
— A-Amor!
Com a outra mão, a toquei por dentro da calcinha, e ao senti-la tão
ensopada, peguei um pouco do seu desejo e o esfreguei no clitóris em
movimentos circulares.
— Fica de quatro pra mim?
Após mordiscar o lábio, ela acenou e virou na cama. A ajeitei deixando-a
empinada para mim, desci sua calcinha, e em seguida voltei a acariciá-la em seu
ponto de prazer. Vê-la tão receptiva e entregue a mim, me deixou com mais
desejo. Meu pau parecia que rasgaria o tecido da cueca, e mesmo querendo me
libertar, eu não sossegaria até que Isobelle se satisfizesse primeiro.
Desferi um forte tapa em uma nádega, que ecoou no quarto.
Ela no mesmo instante gemeu alto e empinou mais em minha direção.
Sorri satisfeito, e a penetrei com dois dedos. Isobelle tremia em cima da cama, e
era nítido que se segurava para não gritar. Busquei o tubo roxo que estava no
colchão e li o nome “lubrificante”.
Passei um pouco no dedo e em seguida espalhei na outra entrada. Isobelle
rebolou em meus dedos, e olhou em minha direção. Coloquei mais um pouco nos
dedos, e sem desviar nossos olhares, enfiei um dedo.
— Ah! Amor... – A frase saiu cortada, e em puro deleite masculino gemi
baixinho ao vê-la sorrindo de lado. Ela estava gostando. — Mattias...
— Sim? – indaguei ao mesmo tempo que a penetrava com mais um dedo.
— Que mulher gostosa essa minha!
Sem que eu pedisse, ela começou a se mover acompanhando meus
movimentos de entra e sai. Dois dedos a penetravam na bocetinha, enquanto os
outros dois dedos da mão esquerda, a penetravam no buraquinho apertado. Toda
vez que ela contraía em minha volta, eu imaginava o meu pau no lugar.
— Amor! Não me tortura assim.
— Calma, eu ainda vou chupar você todinha. Então seja paciente.
Isobelle me olhou contrariada, e sem desviar os olhos dos meus desceu os
dedos até o clitóris onde o acariciou. Me afastei para retirar a cueca que eu
a i n d a usava, mas meu olhar não saía de sua intimidade rosada banhada de
desejo. Rapidamente fiquei de joelhos, e dei mais um tapa no traseiro arrebitado.
Como se precisasse senti-la em minha língua para sobreviver, lambi sua
intimidade, fazendo-a gemer mais alto e se esfregar em minha língua. Chupava e
lambia, recolhendo todo o seu prazer, sem deixar sobrar nenhum resquício.
Segurei o plug com firmeza e o posicionei em seu buraquinho. Fui aos poucos,
sempre atento a qualquer demonstração de dor. Passei mais um pouco do
lubrificante no plug e em seguida voltei a penetrá-la.
Assim que o plug entrou por completo, me afastei minimamente para
apreciar a visão. Esfreguei os dedos em sua abertura rosada, e a penetrei com os
dedos mais uma vez.
— Como está se sentindo?
— N-Não dói, amor, mas é um pouco estranho.
O quadril acompanhava os movimentos de entra e sai, Isobelle gemia e
agarrava com força o forro do colchão. Aumentei o ritmo e poucos segundos
depois sorri satisfeito quando ela gozou nos meus dedos. Ela estava
completamente ensopada, e aproveitando que Isobelle ainda tremia, a penetrei
com o meu pau. Deixei a cabeça entrar primeiro, e fiquei parado.
— Amor? – a voz soou totalmente dengosa.
Ao perceber que eu não me moveria, ela sorriu e começou a rebolar. As
mãos apoiaram no colchão, e após afastar mais as pernas, o corpo veio ao
encontro do meu. Olhei para baixo e gemi rouco ao notar meu pau sumir dentro
daquela boceta gostosa. A agarrei pela cintura, impedindo que ela se movesse, e
me deliciei com a sensação de ser “ordenhado”.
Minhas mãos em sua cintura exerceram mais forças quando ela tentou se
mexer. Então, ela me olhou sobre o ombro e sorriu maliciosamente. Me olhando
nos olhos, ela tentou mais uma vez se mover, mas dessa vez eu permiti.
Senti-la me apertando enquanto se movia, estava me levando ao limite e
ela parecia saber disso. O quadril se movia de forma hipnotizante, e sempre me
arrancando vários gemidos. Com cuidado a fiz deitar de bruços, e me abracei em
seu corpo. Uma mão agarrou os cabelos castanhos em um rabo de cavalo, e, ao
mesmo tempo que a penetrava forte e rápido, minha boca atacava seu pescoço
com beijos e mordidas. Isobelle gemia abafado, então, lembrei que era mais
pesado que ela. Apoiei os braços ao lado da cabeça dela, mas sem parar de me
mover.
— Amor? M-Minhas palmadas?
Sorri com aquele pedido, então após uma última estocada, saí de dentro
dela.
— Só se você me cavalgar bem gostoso.
Isobelle que respirava rápido, se virou em minha direção e sorriu. Me
sentei na beirada da cama e estendi a mão. No mesmo instante ela aceitou e veio
s e aconchegar em meu colo. Retirei o sutiã que ela ainda usava e mamei em um
seio. As mãos se agarraram nos meus cabelos, os puxando. A ajudei a sentar no
meu pau, e mordisquei o bico do seio quando ela me fez entrar até o talo.
Ainda mamando, dei a primeira palmada, e em seguida dei mais duas com
as duas mãos.
— Ah! – O gemido foi alto, e com mais um tapa, Isobelle iniciou as
cavalgadas. — Mais amor!
— Gosta de levar palmadas, não é? – indaguei juntando mais os nossos
corpos. — Responde! – mandei dando mais uma palmada.
— Eu amo, amor!
As mãos se apoiaram em meu peitoral, me fazendo deitar, e com um
impulso me aconcheguei no meio do colchão. Isobelle rebolava lentamente, e de
um modo totalmente erótico apertou os seios. Quando os movimentos se
tornaram mais intensos, eu soube que ela estava próximo e não demorou muito.
Hipnotizado, a vi sorrir ao mesmo tempo que mordia o lábio inferior e tremulava
em cima de mim. As unhas me arranharam por todo o torso.
— Muito cansada para continuar?
Isobelle rebolou uma última vez e levantou lentamente o quadril até que
saí por completo. Sem me responder de imediato, se deitou ao meu lado
enquanto tentava conter a respiração ofegante.
— Quer tentar lá?
A olhei, e para minha surpresa, ela sorria meio tímida e maliciosa.
— Tem certeza? – questionei, e logo recebi um aceno. — Fica de ladinho.
Nos ajeitamos no colchão e a observei prender os cabelos no alto da
cabeça, deixando apenas alguns fios soltos. A abracei, trazendo o corpo suado
para junto do meu, e comecei delicadamente a tirar o plug. Enquanto o puxava
com cuidado, notava as feições de Isobelle, que mordia o lábio inferior. Após
tirá-lo, o soltei em cima da cama e me preparei. Posicionei a mão dela em um
lado do traseiro, deixando-a mais aberta e quando ela o fez, direcionei meu pau
a entrada.
Forcei um pouco e ao sentir a ponta da glande entrar, gemi e parei.
Acariciei o corpo trêmulo, e depositei um beijo em sua nuca. A abracei pelo
pescoço e voltei a penetrá-la. Meus movimentos eram lentos e cuidadosos, a
pressão que eu sentia no pau era insuportavelmente prazerosa.
— A-Amor... Já está todo dentro?
— Só mais um pouco... Está doendo?
— Um pouquinho, mas é gostoso. – Sem que eu pedisse, ela começou a
empurrar, me fazendo entrar mais.
Dentro por completo, passei os dedos na língua e em seguida a acariciei
no clitóris. Esfregava em movimentos circulatórios, enquanto ia me movendo
com cuidado. Assim que percebi que ela mordia os lábios, e fincava as unhas
curtas no meu braço, me permiti aumentar o ritmo. Os gemidos que Isobelle
soltava eram como músicas para os meus ouvidos, sempre me instigando a ser
mais intenso.
Dentro do quarto, e possivelmente do lado de fora no corredor, o som dos
nossos corpos se encontrando com força eram audíveis. Eu sentia que em breve
gozaria, e me segurar por mais um pouco estava sendo trabalhoso. Tudo era tão
intenso com Isobelle, pois, só ela me deixava naquele estado.
Com a mão por cima da minha, ela me fez penetrá-la com os dedos e eu
sorri.
— Que mulher mais gulosa essa minha!
— Isso é muito gostoso, Mattias...
Meus dedos se moviam rapidamente, e quando a senti contrair ao meu
redor, intensifiquei ainda mais as penetrações. Ao sentir um arrepio na nuca,
soube que já estava no meu limite. Então, juntando as forças que ainda me
restava a penetrei incansavelmente. Primeiro ela gritou e tentou tirar minha mão
do meio das suas pernas, mas não deixei. Isobelle tremulou em meus braços, ao
mesmo tempo, em que gozei em seu calor. A puxei pelo quadril e me joguei de
costa, fazendo-a sentar com força.
O corpo cansado e suado deitou por cima do meu, e era tão nítido que
Isobelle estava completamente exausta. Com carinho a fiz deitar ao meu lado, e
a imitei. Parecíamos que tínhamos corrido uma maratona, e era assim que meu
corpo se sentia.
Não falamos nada, mas quando me aconcheguei para dormir, Isobelle veio
para os meus braços e assim dormimos.
Isobelle

Assim que emergi na piscina, esfreguei o rosto e procurei por Mattias, o


encontrando sem camisa, só de bermuda, deitado na sombra, em nossa
espreguiçadeira. Bebia algum suco, enquanto seus olhos não desviavam do meu.
Sorri e nadei em sua direção. Chegamos naquele resort há três dias, e já
tínhamos conhecido vários pontos turísticos além do resort.
Saí da piscina e fui me secar.
— Não vai entrar na água? Ela está uma delícia! Podíamos ir mais uma
vez à praia, né? Queria aquele caldinho de quenga – ri ao lembrar do nome. Era
um caldo quente de galinha com aipim, que por aqui, é conhecido
como macaxeira. — O que foi que está com essa cara? – perguntei ao perceber o
cenho franzido.
Então, sem me responder, ele olhou para o bar que tinha perto e então
entendi. Um rapaz, de óculos de sol, que devia ter uns 19-20 anos, olhava em
nossa direção.
— Queria entender o que ele perdeu aqui.
Sem conseguir me segurar, eu ri, e me sentei na mesma espreguiçadeira
que ele. Toquei em sua barba crescida, e me inclinei para beijá-lo. Toquei nossos
lábios sutilmente, mas ele logo me beijou com fome.
— Por que ser tão ciumento? – indaguei quando separei o beijo. — Ele é
uma criança.
— Alguém que já consegue fazer filhos não é criança.
Ainda risonha, o observei beber o restante do suco e manter a feição
emburrada. Deixei que minha mão pousasse propositalmente no cós da bermuda
que ele usava, e fiquei mexendo nos pelos loiros que tinha por ali.
— Posso fazer alguma coisa por você? – Sorri sensualmente, ele
rapidamente olhou ao nosso redor. Havia algumas pessoas por perto, mas não
que pudessem escutar o que conversávamos. — O que você quiser...
— Que tal trocar o biquíni?
Cruzei os braços ao mesmo tempo que arqueei uma sobrancelha.
— Quer que eu fique nua? – Perguntei fazendo-o parar de sorrir. — Assim
chamaria mais a atenção.
— Engraçadinha.
— Me dá um sorriso! – Pedi segurando sua mão esquerda. — Vamos nadar
um pouco! A noite eu prometo fazer o que você quiser.
— O que eu quiser? – indagou safado acariciando minha coxa. — Foi
impressão minha, ou vi uma algema na sua mala?
— Trouxe para usar em você – respondi, Mattias sorriu e colocou uma
mecha do meu cabelo atrás da orelha. — Te algemar na cama e montar em você
como uma exímia amazona que sou, você sabe.
Mattias sorriu e me beijou os lábios. Só de lembrar das nossas noites
quentes, senti meu corpo arrepiar.
Assim que nos afastamos, me deitei na outra espreguiçadeira e relaxei.
Era de tarde, o clima estava refrescante, mas ficaria só mais alguns minutos.
Não poderia exagerar na exposição do sol. Peguei o protetor solar e reforcei em
algumas partes do corpo.
A noite jantaríamos em um lugar reservado, que fazia parte do nosso
pacote e seguida, quando já estivéssemos no nosso quarto, faria uma surpresa
para Mattias.
— Agora essa!
Olhei para onde Mattias fuzilava praticamente com os olhos, e para minha
surpresa, o rapaz do bar andava em nossa direção.
— Seja educado, amor. – Pedi e voltei minha atenção para o rapaz.
O jovem retirou rapidamente os óculos de sol, e sorriu.
— Oi, desculpa chegar assim de repente – falou com o sotaque forte, seu
olhar ia do Mattias para mim. — Não quero atrapalhar de forma alguma, mas de
longe vi vocês e nossa, vocês são lindos. Me chamo Betinho, e teus nomes?
Educadamente eu sorri.
— Sou a Isobelle e esse é meu marido Mattias.
— Isobelle e Mattias – repetiu sorridente. — Posso me sentar aqui, minha
linda? – Antes de eu responder, ele se sentou perto dos meus pés. — Então,
estão a passeio?
— É a nossa lua-de-mel – falei, e querendo que ele fosse logo fui
objetiva. — O senhor quer algo?
— Lua-de-mel! Que massa! Eu sou influencer aqui da região e
apresentador, mais tarde vamos fazer um luau, só com algumas pessoas mais
próximas e alguns artistas badalados – respondeu e tirou da bermuda um
cartãozinho. — Caso queiram ir, estão mais que convidados, é sempre bem-vindo
pessoas bonitas na nossa festa.
— Ah, bom...
— Agradecemos o convite – Mattias me interrompeu, a feição séria ainda
em seu rosto —, mas já temos um compromisso que não podemos desmarcar.
— Que pena! – Betinho murmurou olhando descaradamente o corpo de
Mattias. — Caso dê para ir, não se acanhem de aparecer, vai ser na praia. Bem
reservado.
— Obrigada, Betinho.
— Por nada, menina. Que homão esse o seu, hein! Tô toda sedenta! No
bom sentido, é claro.
Riu e do mesmo jeito que veio, ele foi.
Fiquei alguns segundos o observando ir, mas logo me voltei para Mattias,
ele tinha o ar de confuso.
— Agora sabemos que não é por mim que ele estava olhando.
Sorrimos, fitei o cartãozinho que tinha uma senha e um usuário de
Instagram. O coloquei em cima da mesinha que tinha do lado, e fechei os olhos.
Quando a noite chegou trazendo aquele clima frio, me preparei junto a
Mattias para o nosso jantar romântico. Assim que saí do banheiro usando o
vestido que Agnes me deu, parei no batente da porta e sorri para meu marido.
Mattias estava sentado na cama, usava sandálias de dedo, bermuda jeans e uma
camisa social com as mangas arregaçadas até os cotovelos. Seu olhar me
percorreu por inteira, e já o conhecendo, dei uma volta.
— Dá mais uma voltinha?
Ri e o obedeci.
— Como estou?
— Você é a mulher mais linda que eu já conheci na vida. – Ao dizer
aquilo, ficou de pé e me puxou para perto. — E como estou?
Dei um rápido beijo em seus lábios, e o fiz dar uma volta.
— Está de tirar o meu fôlego.
Mattias sorriu, e tomou os meus lábios em um beijo mais exigente. Era
com possessividade que ele conduzia o beijo, e quando os dedos se emaranharam
em minha nunca, deixei que um gemido genuíno saísse da minha garganta. No
instante em que senti um arrepio percorrer meu corpo, agarrei com força os fios
loiros e o puxei.
Como resposta, Mattias esfregou a língua na minha e desceu uma mão até
apertar o meu traseiro sob o vestido.
Me sentia trêmula, apenas com aquele beijo.
Trêmula e com o desejo aflorado.
Então, juntando o resto de forças que ainda tinha, o afastei.
Mordisquei sutilmente o lábio inferior, e tentei normalizar minha
respiração.
— Temos que comer.
— Ah, eu quero muito comer – respondeu malicioso e buscou minha mão.
— Só que eu não posso sair desse jeito.
Ao terminar de falar, ele colocou minha mão em cima da ereção e me
olhou com uma expressão falsamente de tristeza.
— Coitadinho – murmurei e o acariciei por cima da roupa.
— Estou sofrendo, Bel. Só você pode me ajudar.
Sabia que ainda tínhamos alguns minutos antes de descer, então, mantendo
os olhos nele, desabotoei a bermuda e em seguida desci a braguilha lentamente.
O empurrei até que ele se sentou no colchão, e me ajoelhei entre as pernas
abertas. Puxei a cueca preta, e salivei quando a ereção saltou em minha frente. O
agarrei e comecei os movimentos de sobe e desce.
— Está dão duro, amor.
Em seguida, estirei a língua e lambi seu comprimento. Olhei para cima e
vi Mattias passar a língua no lábio inferior, ele não desviava sua atenção de
mim. Me ajeitei melhor de joelhos, e abocanhei a glande sentindo o gosto do
pré-gozo em minha língua. Os dedos tocaram minha bochecha em um carinho,
que apreciei. Então, Mattias se inclinou e me beijou. Ao se afastar, juntou os
meus cabelos em um rabo de cavalo.
Voltei para a ereção e desci meus lábios sobre ela, conseguindo ir até a
metade. Subi lentamente, fazendo questão que minha língua também trabalhasse
em seu comprimento.
— Caralho, Bel!
Estava decidida de que colocaria em prática tudo aquilo que Michele,
minha melhor amiga, havia me mostrado com aqueles vídeos “educacionais”.
Então, pensando nisso, movi minha mão em um vai e vem, e sensualmente desci
minha língua até um dos testículos. Esfreguei a língua, nunca desviando de seu
olhar. Mattias parecia surpreso, e por dentro me sentia envergonhada, mas
proporcionar tamanho prazer para ambos, estava valendo a pena.
Fiz o mesmo com o outro, e no seguinte instante voltei a abocanhá-lo.
Chupava como se fosse um picolé extremamente delicioso, e viciante. E a cada
vez, que os meus lábios e mãos desciam e subiam em seu comprimento, Mattias
gemia me deixando mais molhada e desejosa.
Ao sentir pulsar em meus lábios, soube que ele gozaria em breve. Então,
me empenhei até que senti os primeiros resquícios de sêmen em minha língua.
Ainda o chupava quando Mattias gozou em minha boca. Me afastei com a língua
estirada, e me deliciei quando o vi se masturbar e esfregar a glande em minha
língua.
Recolhi os resquícios que estavam em meus lábios e o engoli, foi
estranho, mas não ruim. Desci meus dedos até a minha calcinha e mordisquei
meu lábio inferior, estava completamente ensopada. Apoiei minhas mãos em sua
coxa, e fitei seu pau ainda ereto.
— Você me surpreendeu, Bel – murmurou e me fez ficar de pé, as mãos
acarinhavam por meu traseiro. — Mas eu ainda quero mais, acho que também
sou bem guloso quando o assunto é você.
— Vamos perder nosso jantar, amor.
Retruquei, mas, no fundo, eu nem queria mais sair, minha vontade era de
montá-lo e receber minhas palmadas.
— Eu garanto que o pessoal não vai se importar – falou e me puxou para
sentar no colo. — Vai Bel, não seja tão má com o seu marido.
— Amor...
Gemi ao sentir minha calcinha ser colocada de lado, e a glande esfregar
em minha intimidade.
— Deixa eu colocar só a cabecinha – pediu baixinho, ao mesmo tempo
que puxava meu decote para o lado, expondo um seio. — Não vamos perder
nosso jantar, por favor.
Sem o responder, me apoiei em seu ombro e com a outra mão o guiei para
dentro de onde eu mais precisava. Assim que ele entrou, me aconcheguei e gemi
manhosamente. Era fascinante como conseguia mantê-lo todo dentro de mim.
— Sempre vai ser assim, né? – indaguei, então ele me olhou confuso. —
Esse fogo... Nós dois... Eu não quero que isso acabe, Mattias.
Em um movimento rápido, ele nos girou no colchão, ficando por cima de
mim.
— O meu amor por você aumenta a cada dia, Bel. É impossível para mim,
viver uma vida se não for com você. – Sorriu e me beijou. — E quando aceitou o
meu pedido, e naquele altar, prometi que todos os dias te faria feliz. Isso inclui
saciar seu desejo de todas as formas.
— Como um bom marido que você é.
— Exatamente – confirmou e me beijou, meu corpo ondulou de encontro a
ele. — Como um bom marido deve ser.
Sorri e o puxei para um beijo.
Assim que o quadril veio com força ao encontro do meu, eu interrompi o
beijo para gemer alto. Os movimentos eram precisos e incessantes. Meu corpo
pegava fogo, mas impaciente por ainda estar de roupa, puxei o vestido e com a
ajuda de Mattias o tirei, minha calcinha foi a segunda peça a ser tirada. Deitada
no meio do colchão, observei Mattias com pressa ficar nu. Sorri ao notar o olhar
de cobiça, e o chamei com um dedo.
Sim, nosso jantar iria esperar.

Assim que saí da suíte, enrolada do roupão do resort, vi Mattias também


de roupão, agradecer da porta e em seguida fechá-la. Tínhamos acabado de sair
de um longo banho, e lá terminamos o que começamos na cama. No meio do
quarto tinha um carrinho com comida, me aproximei e puxei uma tampa de inox
que cobria um prato. O cheiro delicioso me deixou com água na boca.
— Vamos conseguir comer tudo isso? – Perguntei enquanto olhava os
outros pratos. — Nossa, a comida daqui é tão gostosa.
— É bom se alimentar bem – Mattias falou me abraçando por trás. — Só
quer saber de usar meu corpo, me montar como se não houvesse amanhã.
— Tudo bem, não faço mais isso – respondi risonha.
Minha atenção estava no prato que eu me servia.
— Eu não me importo realmente de você usar meu corpo – retrucou ao
meu lado. O olhei e sorri. — E quando você me monta...
— Eu entendi, amor, agora vamos comer. – Entreguei um prato recheado
de comida a ele. — Eu estou morrendo de fome.
— Então, Sra. Ferreira, por favor – Mattias me entregou de volta o prato
de comida. — Coma e sacie sua fome.
Recebi um beijo nos lábios, e com o prato e garfo em mãos fui me sentar
na poltrona. Já aconchegada, comecei a comer. A janela ao meu lado, me dava
uma visão enorme da praia que ficava a poucos metros dali. O céu escuro cheio
de estrelas era bonito, mas na roça era ainda mais.
— Sabe – comecei, e quando vi que Mattias me encarava continuei. —
Aqui tudo é tão lindo, acertamos em cheio por escolher esse lugar.
— As pessoas por aqui são acolhedoras.
— Vamos voltar qualquer dia desses? – perguntei e em seguida recebi um
aceno. — A sua mãe iria adorar, precisamos trazê-la.
— Podemos propor – Mattias sorriu —, mas acho difícil ela aceitar entrar
em um avião. Ela tem medo.
Juntei os pés em cima da poltrona e voltei a comer. Meu pensamento
estava na fazenda, me perguntava o que todo mundo estaria fazendo agora. A
nossa obra, por enquanto que estávamos ali, Mattias tinha dado uma folga aos
pedreiros. Ele queria estar por perto para vistoriar tudo, então, quando
voltássemos a reforma seria retomada. Antes de voltar iria comprar
lembrancinha para todos.
Comemos em silêncio, e quando por fim terminamos, senti meu corpo
implorar para dormir. Me sentia completamente cheia. Coloquei o que tinha
sujado de volta no carrinho, e fui a suíte. Lá escovei os dentes, sem pressa
alguma, e em seguida voltei para o quarto. Preguiçosamente retirei o roupão e só
de calcinha fui me deitar no colchão. Meio sonolenta, acompanhei Mattias
colocar o carrinho no corredor, e logo após ir até a suíte.
Fechei os olhos em um breve cochilo, e quando abri novamente, Mattias
se deitava ao meu lado. Fui aconchegada em seus braços, e manhosamente o
beijei na bochecha.
— Amor?
— Sim?
Levantei o corpo para olhá-lo nos olhos, Mattias sorria para mim.
— Quem diria que uma decisão de passar a noite no seu curral, me faria
terminar casada com você. Eu te amo de mais! – Sorri. — Nunca pensei que
viveria isso, que poderia amar alguém e ser amada da mesma forma. Obrigada.
Ele riu, e me tocou na bochecha.
— Isso, não esqueça daquele tapa que me deu. – Rimos ao lembrar
daquele dia. — Eu que agradeço por ter me dado uma chance. Sou um homem
melhor por ter você na minha vida, Bel. Eu te amo para sempre!
O beijei uma última vez, e me aninhei em seu abraço.
Daqui a alguns dias voltaríamos para Vassouras, e finalmente, eu
construiria uma família feliz com Mattias e nossos cinco filhos. Sorri e fechei os
olhos, me permitindo, mais uma vez, dormir tranquila.
Pois, os braços do meu marido, era meu refúgio.

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