Mávis Dill Kaipper
Mávis Dill Kaipper
Mávis Dill Kaipper
SÃO LEOPOLDO
2018
2
SÃO LEOPOLDO
2018
3
Aprovado em __________________
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________
Prof. Dr. HENRIQUE A. GRASSI KESKE
______________________________________________________________
Prof.(a) Dr.(a) NADJA MARIA LIMA MACIEL – UEFS
______________________________________________________________
Prof.(a) Dr.(a)ELOISA HELENA CAPOVILLA DA LUZ RAMOS – UNISINOS
______________________________________________________________
Prof. Dr. MARCUS BEBER – UNISINOS
______________________________________________________________
Prof. Dr. JAIRO HENRIQUE ROGGE – ORIENTADOR – UNISINOS
4
Dados Internacionais
1. Índios Pataxó de Catalogação
Usos na 2.
e costumes. Publicação (CIP)
Índios Pataxó
História. 3. Índios Pataxó Identidade étnica. I. Título.
(Bibliotecário: Flávio Nunes – CRB 10/1298)
CDU 94(81)
5
AGRADECIMENTOS
À Ivone Grassi Keske por ter me adotado como filha desde 2007.
Ao meu filho Eduardo e esposa Suzana Cristine, à minha filha Cristiana pela
compreensão nas ausências.
Aos meus netos, Renato Jorge e Augusto Daniel pelo carinho incondicional.
Aos amigos Balmukund Niljay Patel, pelas incontáveis fotos e à Hely Dutra Cabral da
Fonseca, pelas viagens e todo o apoio durante as práticas da pesquisa.
Aos colegas Wedeson Ledoux Costa, Fabiana Mariano Morais e Leidivan Lima
(Tchurran) pelo companheirismo.
Aos colegas Deijair, Andréa e Awóy pelo cuidado na correção do texto em português
e Patxohã respectivamente.
7
A cada índio e índia Pataxó que prestou informações pacientemente desde 2004 na
Reserva da Jaqueira: Nitynawã, Kapimbará, Nayara, Jandaya, Syratã, Takwara,
Juari, Muricy, Oity, Haywã, Jaguatiry, Xohã, Damiana, Aricury, Wekanã. Na Escola
Indígena Pataxó de Coroa Vermelha: Jerry Matalawê, Marilene, Vilma, Adriana,
Awói, Ajuru, Pedro (Txihi), Zizélia, Hayô, Kamassari, Gilson, Diana (Mayon),
Tapurumã, Kátia, Cirlaine, Nahima, Rose. Na aldeia urbana de Coroa Vermelha:
Pajé Itambé, Ubiranã, Ubirai, Luzia(Suturyana), Louro, Alzeane(Exna). E muitos
outros que ouvi e assisti, mas não lembraria os nomes, meus sinceros
agradecimentos.
RESUMO
RESUMEN
ABSTRACT
RÉSUMÉ
LISTA DE IMAGENS
Imagem 6– Escola Indígena Pataxó de Coroa Vermelha. Santa Cruz Cabrália, Bahia.
Mávis Dill Kaipper, 2005
Imagem 11 – Pai ensinando a filha a fazer fogo. Reserva da Jaqueira, Porto Seguro,
Bahia. Mávis Dill Kaipper, 2005.
Imagem 32 - Pajé Itambé Pataxó. Aldeia Urbana de Coroa Vermelha, Santa Cruz de
Cabrália, Bahia. Mávis Dill Kaipper, 2/11/2017.
Imagem 46 - Momento da bênção dos guerreiros para a felicidade dos noivos. Kijemi
Grande, Reserva Indígena Pataxó da Jaqueira, Porto Seguro, Bahia.
Balmukund Niljay Patel, 2008.
LISTA DE TABELAS
SUMÁRIO
1 O termo deculturação é usado para designar o processo que opera nas situações especiais em que contingentes humanos
desgarrados de sua sociedade (e, por conseguinte, do seu contexto cultural), por meio do avassalamento e da transladação, e
aliciados como mão de obra de empreendimentos alheios, se veem na contingência de abandonar seu patrimônio cultural
próprio e aprender novos modos de falar, de fazer, de interagir e de pensar (RIBEIRO, 2007, p. 36).
2
Pataxó – designa o coletivo de “um povo indígena de língua da família Maxacali, do tronco Macro-Jê” (ALBUQUERQUE,
2010, p.14). “Esse nome não se usa no plural, viu pró?” (INFORMAÇÃO ORAL DE RAYÔ PATAXÓ, DIRETORA DA ESCOLA
INDÍGENA PATAXÓ DE COROA VERMELHA, 2006).
20
a fêmea reprodutora para sobrepujar seu patrão, que reveste cristãos com pele de
ovelhas para que obedeçam seus pastores...
Justifica-se a análise crítica e a libertação nesse entrelace de relações plurais,
onde o registro histórico baseia-se no conceito de que imagens e meio ambiente
interagem continuamente entre si e com o observador. O meio seleciona, organiza e
dota de sentido aquilo que vê, dessa maneira limita e dá ênfase ao que é visto.
Para captar verdadeiramente uma imagem, é necessária toda uma
desconstrução crítica, um conhecimento amplo da gramática que regula linhas e
cores, assim como uma boa dose de sensibilidade contemplativa. Sabe-se que a
interpretação iconográfica retém uma carga histórica que deve ser
convenientemente assimilada para que se compreenda visualmente a preexistência
de uma imagem em seu contexto.
Muitos trabalhos de reconstituição factual se apoiam em documentos,
fotografias, gravuras, desenhos, pinturas, o que os caracterizariam como recortes
iconográficos da história, porém, inevitavelmente, as lacunas de informações visuais
serão subsidiadas por fragmentos de informações escritas, relatos orais e
interpretação subjetiva. Sobre o desembarque, escreve Caminha:
Imagem 1 – Desembarque de Cabral em Porto Seguro em 1500. Oscar Pereira da Silva, 1922.
Imagem 2 - A Primeira Missa no Brasil, quadro pintado por Vitor Meireles, 1861.
Takwara, atualmente com 98 anos exerce esse papel e nos honra com sua
presença.
Para honrar a importância das imagens anteriormente citadas, fotos e
desenhos que estão inseridos no correr do trabalho, de maneira que serão
respeitados os limites que definem e regem o conceito de texto imagético, que
sugere que a linguagem textual pode ser expressa num texto musical, ou num texto
fotográfico, ou num texto gestual, dado que estas linguagens são interdependentes
isto é, se complementam e se fundem, formando assim, um novo tipo de linguagem
e de texto, que se constituem mutuamente. Celia Abicalil Belmiro, da Faculdade de
Educação da UFMG, esclarece que:
O estudo foca no povo Pataxó do sul da Bahia, que habita a região de Coroa
Vermelha, em Santa Cruz Cabrália e distritos pertencentes a Porto Seguro, como é
29
Existe uma evidente simpatia nos membros da etnia Pataxó pelos Aymorés,
ou Botocudos, assim como também pelos Maxacali, pois são sempre citados em
conversas, provavelmente demonstrando laços criados no período da redução
jesuítica, em que ficaram todos juntos na aldeia de Monte Pascoal, pré-existente e
reconhecidamente Pataxó.
5
Aimoré, designado eventualmente de ‘botocudo’ devido a uma rodela de madeira introduzida em furos artificiais feitos nas
orelhas e no lábio inferior. Citado como povo destemido e guerreiro, lutaram contra a ocupação de seu território nas capitanias
de Ilhéus e Porto Seguro pelos colonizadores europeus. Foram obrigados a se deslocar do Nordeste para o Sudeste e Centro-
Oeste juntamente com a confederação Maxakali, também chamada Naknenuk (Pataxó, Monoxó, Amixokori, Kumonoxó,
Kutatói, Malalí, Makoní, Kopoxó, Kutaxó, Pañâme) ANDRADE, 2011, p.17
6
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Map_of_indigenous_peoples_of_Brazil_(16th_C.).jpg#/media/
File:Map_of_indigenous_peoples_of_Brazil_(16th_C.).jpg.
30
v Tapuyas
v Potiguara
v Cayeté
v Tupinambá
v Tupinanki
v Papaná
v Aimoré
v Goaitacá
v Tamoyo
v Goayaná ou Guayaná
v Carijó
v Tapuyas do Sul (Charua e Minuan)
7 Os três autores têm obras de destaque com dados geográficos, históricos, linguísticos e botânicos sobre o Brasil. (Nota da
autora)
31
2010, p. 21) que enfatiza a cultura como um produto histórico, dinâmico e flexível,
que pode ser apreendido como um processo no qual homens e mulheres vivem suas
experiências, a variação de aprofundamento, neste trabalho científico, será pautada
nos produtos artísticos, no que se refere ao grafismo, à plumária e ao artesanato
indígena Pataxó, exibido pelos próprios moradores da Aldeia da Jaqueira, durante a
festa do Aragwaksã e no cotidiano da aldeia, por intermédio de sua produção
artesanal.
Considerando-se que nesse cenário as estruturas culturais orientam o
comportamento dos homens, mas não podem ser vistas como malhas de ferro que
não lhes possibilitem agir fora delas, faz-se mister perceber as mudanças culturais,
tanto nas situações de perda e esvaziamento, quanto nas aquisições pelo contato
com outros povos. Dessa maneira, o entendimento sobre aculturação também se
torna flexível, aceitando a possibilidade de ressignificação cultural, nas quais se leva
em conta o interesse e a motivação dos próprios indígenas nos processos de
mudança. Assim, eles deixam de serem vítimas passivas de imposições culturais e
passam a ser vistos como agentes do processo, incorporando novos elementos da
cultura ocidental, quando lhes atribuem significados próprios e os utilizam nas novas
situações que vivenciam.
A seguir, relata-se o interesse por este tema, que iniciou na companhia da
professora Nadja Maciel8, em uma viagem de campo com uma turma de Estágio
Curricular do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Feira de Santana
(UEFS), em 2005, numa visita, pela primeira vez, à Escola Indígena Pataxó de
Coroa Vermelha, em Santa Cruz Cabrália.
Naquele momento, impressionou-nos as características físicas da escola, sem
muros nem cercas, com salas em formato octogonal e cobertura de piaçava. (ver
imagem 7)
Outro fator de destaque naquela primeira visita foi a tranquilidade entre alunos
e professores devido ao comportamento calmo que predominava entre os
estudantes da escola.
8
Profa. Dra. Nadja Maria Lima Maciel, titular da disciplina Estágio do Departamento de Educação na
Universidade Estadual de Feira de Santana, que costumava levar seus alunos para estagiar na Escola Indígena
Pataxó de Coroa Vermelha entre 2005 e 2014.
33
.
A primeira impressão fora muito positiva, visto que, naquela época, alguns
alunos ainda se vestiam com tupsay9, trajes típicos da cultura Pataxó, e usavam
colares de contas e cocares com plumas, nos quais predominava a cor vermelha.
Noutra sala separada, havia uma exposição sobre a língua Patxôhã, os números e
os desenhos corporais masculinos, femininos e seus significados.
9
Tupsay – termo na língua Patxôhã para designar um elemento do traje típico da etnia Pataxó, composto por
longas tiras de palha macia que é amarrada na cintura semelhante a uma tanga. (nota da autora).
34
Imagem 9 – Nitynawã Pataxó e Juari Pataxó, primeira entrevista sobre a História Indígena. Reserva
da Jaqueira, Porto Seguro, Bahia. Registro da autora, 2005.
Imagem 10 – Nitynawã Pataxó, uma das líderes da comunidade protagoniza o ritual para os alunos
da Universidade Estadual de Feira de Santana. Reserva da Jaqueira, Porto Seguro, Bahia. Registro
da autora, 2005.
Além disso, a coleta de dados pode prolongar-se por muito tempo, devido a
complexidades culturais ocultas, obrigando o pesquisador a fazer registros repetidos
e minuciosos para conhecer os verdadeiros significados implícitos nos dados
colhidos.
Como nos lembra Mattos (2001, p.1),
Nesse trecho, Nóbrega (1549) se refere claramente aos índios como negros,
escolha que somaria ainda mais um aspecto aos melindres históricos desse período
colonial.
O equívoco não findou pelo fato de os descobridores deduzirem
erroneamente que estavam na Índia, pois “mesmo depois de ter percebido o
engano, por não estarem na Ásia, e sim na América, eles continuaram chamando
todos os povos de índios, independente de suas diferenças físicas, políticas ou
culturais” (MELATTI, 2007, p. 31). Assim se forjou a primeira ideia confusa que
permeia as identidades indígenas, mesmo tendo passado mais de quinhentos anos,
para muitos, na atualidade, todos os índios são iguais.
Por comparação, esse tratamento homogêneo se justificava pela
circunstância de os povos americanos não serem europeus. Naquele momento, era
muito fácil identificar quem era índio, pois bastava ser nascido na América.
Obviamente, as vestes, denunciatórias da cultura, e o tom de pele, denunciador das
diferenças étnicas, já haviam definido tal fato apenas pela aparência visual. Por mais
exuberantes que pudessem ser as vestes plumárias, os tecidos das vestes
demarcavam uma diferença da manufatura que os habitantes das Américas
evidentemente não possuíam. Os navios, as armas e a gramática privilegiada da
língua de Camões deram aos portugueses motivos para se sentirem superiores aos
nativos por vários séculos, sem que fosse possível dominá-los ou escravizá-los,
como era seu intento.
Entretanto, de modo prático, mesmo tendo se passado muito tempo, as
pessoas ou entidades que trabalham com a população natural da terra precisavam
de outros critérios para a identificação da população indígena.
Ademais, outra dificuldade seria separar os indícios culturais, pois uma etnia
absorveu da outra muitos usos e costumes, como instrumentos, crenças, dinheiro,
vestuário que tornam árdua a tarefa de distinguir o índio do não-índio.
Afloram alguns critérios para auxiliar a definição da pessoa denominada índio,
habitante das Américas, cujo critério racial é mais tradicional e evidente, visto que
define o índio com evidência por caracteres físicos. Esse critério enfraquece na
medida em que os índios não são morfologicamente homogêneos e, no decorrer dos
anos, o processo de miscigenação mesclou os traços originais a ponto deles se
tornarem quase imperceptíveis.
Ao se considerar os critérios legais, há que se levar em conta que “toda a
pessoa que satisfizesse as características definidas por lei como peculiares aos
índios seria classificada como indígena.” (MELATTI, 2007, p.33). Esse critério se
pauta em um modo de vida que pode ter conceitos discutíveis, no entanto, nos
Estados Unidos em 1945, houve uma tentativa de estabelecer um laço sanguíneo,
sob a seguinte definição: “uma pessoa com a quarta parte de sangue indígena, que
esteja legalmente inscrita nas listas do Governo como índio”. (LEWIS; MAES, 1945
apud MELATTI, 2007, p. 33). Dessa forma, embora houvesse estabelecido um
índice numérico, apenas ficava evidente que passados muitos séculos não havia um
consenso sobre os limites étnicos raciais.
51
Outra possibilidade era o critério cultural, o mais complexo de todos, uma vez
que a cultura não pode ser transmitida por herança genética, mas por meio da
convivência com os familiares que transmitirão os usos da língua, o culto das
crenças, a utilização de instrumentos e os costumes do grupo. Esses detalhes
culturais que são absorvidos lentamente durante a vida e em convivência com outros
membros da sociedade podem ocorrer de maneira formal ou não, intencional ou
não.
Esse critério faz emergir um dilema de raízes históricas:
Tais fatos levaram alguns pesquisadores a crer que seria possível definir
critérios unicamente da tradição étnica de cada grupo como suficientes para
determinar a origem indígena ou não do indivíduo. Contraditoriamente, no nordeste
brasileiro, alguns grupos perderam completamente sua língua, adotaram costumes
de origem europeia, professam religiões cristãs, vivem em pequenas aldeias com
número reduzido de indivíduos, mas consideram-se índios a despeito de qualquer
critério pretendido por entidades acadêmicas.
Ainda pode-se considerar o critério do desenvolvimento econômico. Embora
tal critério chame para si uma identificação de ordem prática, baseia-se nas
condições de vida dos grupos indígenas, em suas deficiências concretas,
demarcadas por dados como renda per capita, produção agrícola, taxa de
mortalidade, número, localização e língua distinta da oficial. Segundo esse critério,
quanto menores os recursos e maiores as deficiências, maior a possibilidade de ser
indígena nativo; o contrário, quanto mais recursos e melhores taxas, maior a
possibilidade de ser mestiço.
Esse critério é de grande valia para as instituições de fomento ao
desenvolvimento humano e que leva recursos às comunidades que vivem em
extrema pobreza, mas, no âmago desse conceito, há a amarga sugestão de que o
52
índio não pode ter acesso a progresso social e econômico, não pode ter serviços de
educação e saúde, sem deixar de ser índio.
O critério não distingue a vida do índio no seu ambiente natural e cultural da
situação de exclusão social. Na realidade, essas duas situações não são
necessariamente coexistentes.
Um observador cuidadoso perceberia que os critérios anteriores são
exógenos às pessoas diretamente interessadas num critério justo e definitivo. Então,
surgiu o critério de identificação étnica, formulado no Congresso Indigenista
Interamericano, em 1949, reunido em Cuzco, no Peru, sob a seguinte definição:
Refletindo sobre essa definição, pode-se destacar três critérios como bases
para a identificação étnica, que seriam a descendência pré-colombiana, conhecer e
seguir as tradições de seu povo, inclusive o idioma próprio, e manifestar a
consciência social dessa condição. Mas no caso das populações indígenas que
vivem em solo brasileiro, tais critérios não podem ser exigidos plenamente, visto que
muitos foram obrigados a abandonar sua língua e aprender o português, como
recurso de sobrevivência. Por outro lado, o uso das tradições foi gradativamente
sendo esquecido, ou pelo convívio plural que dilui as marcas mais fortes, ou pela
supressão discriminatória das manifestações mais características e, portanto, mais
estranhas aos que estão de fora do contexto.
Darcy Ribeiro (1957, p. 35) formula um conceito mais amplo onde diz que
Por outro lado, podem-se citar algumas situações peculiares nesse convívio
de raças, etnias e culturas que se processam há centenas de anos em terras
brasileiras. O termo não índio é bem usual a quem convive nas aldeias e conversa
com os indígenas que falam português. Na região de Porto Seguro e Santa Cruz
Cabrália, é comum os integrantes do povo Pataxó se referirem aos alheios à
comunidade indígena dessa forma. Apenas para lembrar uma curiosidade, quando
se diz não índio, colocam-se, na mesma categoria, os brancos e os negros, fato que
inicialmente é bem aceito, mesmo havendo consenso em relação a categorias
distintas.
Nos estudos da etnicidade, grupos étnicos não se opõem por terem culturas
diferentes. Eles podem lutar por supremacia territorial ou por marcas que funcionam
como “sinais diacríticos” (BARTH, 1969 in POTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998,
p.185). Nas fronteiras étnicas, deve-se lembrar que características culturais podem
se modificar ou até serem abandonadas, porém o mesmo critério não é válido
quando se trata de marcas raciais.
Ao lançar um olhar aguçado sobre as mestiçagens e os sincretismos da
realidade sociorracial brasileira, é possível ser tentado a ceder à ideia de que existe
democracia racial plena no território nacional. Quem aqui vive, sabe perfeitamente
que isso não é verdade. Porém, isso não diminui a importância do rico aspecto
cromático do povo brasileiro.
O antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira (1976, p. 5-6) contribui com essa
reflexão, destacando o caráter contrastivo dos fenômenos étnicos, visto que não
existe etnia por si mesma, mas apenas quando em contraste com alguma outra. Ou
seja, só se pode falar em índios, se tiver uma categoria de brancos para contrastá-
la. Com o avanço dos estudos, é inegável perceber que as soluções utilizadas para
denominar essa ou aquela etnia vão ganhando um tom indelicado e impróprio.
Certamente, há quem deseje encarar com honestidade e destemor a
complexidade dos fenômenos da mestiçagem e do sincretismo, sublinhando com
54
cores vivas, que esse fenômeno não significa, na prática, igualdade, harmonia e paz.
Deve-se assumir que os antagonismos existem encarnados em hierarquias, conflitos
e diversidade, sem negar o imenso desejo de uma sociedade mais igualitária, na
qual as pessoas sejam livres para cultivar e expor suas maneiras diversas de ser e
estar no mundo.
Esse país mestiço, repleto de assimetrias e desafios continentais, não poderá
resolver seus problemas de desigualdade somente com propaganda contrária, ou
com soluções importadas de outros países com outras histórias e condições
absolutamente estranhas às brasileiras. Os fatos induzem à crença que tais
problemas se resolverão se houver investimento maciço em educação, reforma
agrária séria e contínua, criação de empregos, redistribuição de renda e inclusão
cultural. Num horizonte onde se vislumbra essa realidade com melhores opções,
seria provável sacar, do confinamento à pobreza, uma parcela da população que
não tem acesso aos bens e aos serviços oferecidos pelo Estado. A atual situação da
população indígena envergonha àqueles que trabalham honradamente por seu povo
e não conseguem testemunhar uma mudança significativa para os excluídos.
Evidentemente, o Brasil não vive numa democracia racial, como afirma
Antonio Risério (2004 apud CATÁLOGO DE EXPOSIÇÃO...2005, p.191), mas como
nenhum outro país foi capaz de desenvolver a tolerância e a convivência inter-racial,
que afinal deverá servir para enriquecer a experiência brasileira.
Por outro lado, William Denevan (1976 apud MELATTI, 2007, p.46), usando
método muito semelhante ao de Steward, eleva o número total de índios para
4.277.547, mesmo reconhecendo que não calculou uma área de 1.786.280km² do
território brasileiro.
John Hemming (1978 apud MELATTI, 2007, p.47), por sua vez, prefere fazer
seus cálculos sobre textos antigos até a expulsão dos jesuítas, considerando que
realmente houve “um grande despovoamento devido às moléstias introduzidas no
continente” (p.46) pelos invasores, assim como considera outros fatores limitantes
do crescimento populacional indígena baseado em seus próprios hábitos nômades,
baixa oferta de alimentos, procedimentos de controle populacional endógeno, ou
ainda, zonas que hoje são habitadas, mas à época talvez não fossem ocupadas
devido aos deslocamentos causados pelo avanço dos conquistadores. Em seu livro
Red Gold, Hemming (1978) apresentou um total geral de 2.431.000 habitantes
indígenas, no período da chegada dos europeus.
É fonte de preocupação o número de pessoas de etnia indígena sobre as
quais estamos falando em 2018. Ainda que os povos indígenas estejam presentes
em quase todos os Estados brasileiros - à exceção de Piauí e Rio Grande do Norte -
é possível morar no Brasil e nunca ter encontrado um índio. A concentração maior
das populações indígenas se localiza nas regiões Norte e Centro-Oeste e, de acordo
com informações do Censo 2010, cerca de 0,4% da população brasileira é formada
por índios, um total aproximado de 800 mil vivendo no País.
A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) aponta a existência de 225 povos
indígenas, além de referências de 70 tribos vivendo em locais isolados e que ainda
não foram contatadas. Outrossim, a instituição destaca o aumento da proporção de
indígenas urbanizados, revelando, em sua página da internet10:
11
Cf. Referências.
58
Imagens 13 e 14: Participantes dos Jogos Indígenas de 2016. Aldeia Coroa Vermelha, Santa Cruz
Cabrália, Bahia.Registro da autora, 2016.
Imagem 15: Anari Pataxó, habitante da Reserva da Jaqueira e estudante da Escola Indígena Pataxó de
Coroa Vermelha, 2005.
Parece fácil constatar que este Brasil, todo cheio de índio, que é a
história do Brasil, teima em esconder, abafar, negar “alguma coisa” de
essencial, talvez até mais, de autonegar, procurando em outro lugar,
em outro discurso, um princípio de identidade, que pela lógica, está
na sua raiz. Como num labirinto, num quebra-cabeça, em que não se
sabe aonde se ir, não se sabe aonde se foi, portanto como saber
aonde se está? Sem o passado indígena e sem o presente indígena o
Brasil parece mais um cego, que grita em busca de um caminho, sem
a possibilidade de saber aonde ir. Dilemas de colonização, dilemas
de existência. (2004 p.190)
62
Para dirimir certas dúvidas Collet e outros (2014, p. 13) afirma que não se
pode
Os autores reiteram que não se pode reconhecer apenas por traços externos
ou físicos. O mais aceitável hoje seria a autodenominação, marcando, dessa
maneira, seu autorreconhecimento e sua pertença a um determinado grupo étnico.
Segundo o mesmo critério de autodenominação, é sugerido o tratamento a
cada povo, visto que o termo índio, assim como indígena, não pertence a nenhuma
língua do tronco Tupi ou Macro-Jê, que são as mais comuns no Brasil. Eles aceitam,
mas, naturalmente, preferem o nome étnico de seu povo. Segundo Márcio Santilli
(2000, p.12), para os índios “não existe índio, senão como uma referência do
branco. Existem os terenas, os caiapós, os xavantes e outros povos. Existe o povo
de cada índio e os outros povos”. Em respeito às decisões daquilo que lhes dizem
respeito, deve-se lembrar que
12
Disponível em:
<http://www.taquiprati.com.br/arquivos/pdf/cinco_ideias_equivocadas_sobre_indios_palestraCENESCH.pdf.>.
Acesso em: 15/10/2016.
65
brasileiro no início, mas não atualmente. Pode-se perceber, quase num consenso,
que os livros didáticos e históricos mencionam uma participação difusa, como se
houvesse uma diluição da genética e da cultura no casamento com portugueses,
gerando pessoas que a literatura denominará de caboclos, na região nordeste, e de
bugres, no sul do país, sem deixar de registrar a sutil desqualificação desses termos.
Outro erro recorrente se estende sobre a concepção de índio “genérico”,
como se fossem todos iguais, morando em lugares diferentes, como se os detalhes
em comum os colocassem em um grande grupo, de uma característica única, num
uníssono impensável para qualquer grupamento humano. No Brasil de 2015,
existem 305 etnias diferentes (COLLET e outros, 2014, p. 12). É preciso entender o
que esse dado significa na definição de línguas de diferentes troncos, de formas de
vida diversas, de alimentação crua ou cozida, da religiosidade presente ou ausente,
do desejo de contato com outras culturas ou não.
Seguindo o consenso atual dos antropólogos e outros estudiosos das ciências
humanas, a identidade é uma maneira de um indivíduo ou grupo se entender como
tal, passando por um processo de construção, e, portanto, é mutável, devido à
necessidade de adaptações durante o processo. Ela é assumida em confronto com
outros grupos identitários e pode ser compreendida como discurso e como prática, a
partir de seu lugar e de seu tempo. O exemplo mais usual é a língua de um povo,
mas não se atribui àqueles que a perderam no convívio com outras culturas, como é
o caso dos Fulni-ô, no nordeste. Sobre isso, Collet, Palladino e Russo (2014)
complementam:
13
Juari Pataxó participa das lutas indígenas desde jovem. Atua junto à Secretaria de Assuntos Indígenas, no
município de Porto Seguro. É fluente em três línguas: Patxôhã, Português e Inglês. Muitas vezes é designado
pelas lideranças para representar o povo Pataxó, fora do estado e do país.
67
Enquanto os índios hábeis nas flechas, nas línguas indígenas e nas viagens
trabalhavam nessas empreitadas fora das fazendas e povoados, outros trabalhavam
nas roças, nos plantios e na lida com os animais. As índias se dedicavam às
atividades domésticas de lavar, limpar e cozinhar. E acrescenta
14
Prof. Dr. Hernán Ramiro Ramirez; Doutor em História; Trabalha na Unisinos(RS); Pesquisa sobre história contemporânea da
América Latina, suas instituições sócio-políticas e ideias políticas econômicas de seus intelectuais; Tem um filho.
71
15
Cf. Referências.
16
Letra de música de Jerry Matalawê Pataxó intitulando o povo de “luz do amor” e convidando-o para se reunir.
72
17
Fonte: RODRIGUES, Ayron Dall’Igna. Línguas brasileiras: para o conhecimento das línguas indígenas. São
Paulo: Edições Loyola, 1986.
73
Não era usual o letramento da população em geral, mas graças aos registros
da Igreja, foi possível saber que os missionários, entre 1687 e 1690,
2.6 Breve histórico das lutas territoriais dos povos indígenas da Bahia
Ao limiar do século XIX, houve um avanço sobre as matas do sul dirigido pela
própria coroa, que instalou uma geopolítica atlântica de ocupação, consequência da
chegada da corte portuguesa ao Brasil que vinha fugida dos conflitos na Europa e
sequiosa de se instalar em terras vastas e prolíferas.
Segundo Sampaio (2010), toda a população indígena, ainda autônoma no
Extremo Sul, era predominantemente da família linguística maxacali e etnia pataxó,
depois compulsoriamente reunida, junto com remanescentes de aldeamentos
80
coloniais costeiros, em uma única aldeia junto à foz do rio Corumbau, mandada
implantar em 1861 pelo Presidente da Província.
Segue, durante todo o século XIX, a ocupação que foi acelerada pela Lei de
Terras de 1850 nos aldeamentos, locais também chamados "vilas de índios", que, na
prática, eram administrados por diretores nomeados pelo governo provincial. Essa
ideia de que os povos indígenas precisam ser dirigidos, coordenados ou
administrados parece ser consenso ainda em tempos bem recentes, talvez baseada
na premissa equivocada e infantilizadora que se instalou, desde os primeiros
contatos com eles, de que não sabem as coisas, não sabem falar e ingenuamente
enfrentaram armas de fogo a peito aberto.
Os povos indígenas foram sendo extintos, não só por disputa de terras e por
contaminação e doenças trazidas por outras etnias, mas também porque
18
Parentes – termo utilizado pelo povo Pataxó para designar outros índios mesmo que não sejam da mesma
etnia.(Nota da autora)
83
divulgar seu artesanato. Até o presente momento, o público que visita o sítio da
"primeira missa no Brasil" encontra uma comunidade urbana organizada no entorno
do centro comercial e turístico local.
Ao final da década de 1970, já se consolidava, em todo o país, um novo
Indigenismo, composto por pesquisadores de formação acadêmica e religiosa
progressista, pertencentes a organizações não governamentais, capazes de se
contraporem ao modelo indigenista estatal republicano - de inspiração militar e de
embasamento jurídico-legal tutelar.
e que "os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para
ingressarem juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério
Público em todos os atos do processo" (ART. 232). Com isso, encerraram-se os
quase quinhentos anos de leis que determinavam a assimilação forçada de
indígenas às sociedades colonial ou nacional (ART. 231) e o instituto da tutela
estatal sobre a cidadania indígena (ART. 232), agora livre para organizar suas
próprias instituições representativas.
Além disso, o parágrafo 1 do dito artigo 231 tornou claro - pela primeira vez
desde a introdução dessa figura legal pela Constituição de 1934 - o que são "terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios", dotando, enfim, o Estado de parâmetros
legais e técnicos seguros para a definição e proteção destas terras.
Respaldados na lei, cresce a mobilização indígena na Bahia, durante toda a
década de 1990, um período de conquistas para os povos de etnia indígena, como
os Caimbé, Pancararé, devido à homologação da demarcação da Terra Indígena
dos Quiriri, que serviu de exemplo. Logo após, seguiram-se as regularizações
anteriores, as terras Pataxó de Mata Medonha e Coroa Vermelha, hoje com mais de
9 mil habitantes, garantindo-se à maior aldeia indígena no estado, a remoção de
mais de trezentas ocupações comerciais de não índios.
Na segunda metade da década, ganharam destaque as retomadas indígenas,
numa verdadeira guerra judicial, a FUNAI conseguiu negociar a saída de alguns
médios fazendeiros de áreas retomadas pelos Pataxó Hã-Hã-Hãe, de modo que,
mesmo ainda pendentes do julgamento pelo STF da ação de anulação dos títulos
dos invasores, os índios da Reserva Caramuru-Paraguaçu já controlam cerca de um
terço do seu território de 54 mil hectares, rompendo o confinamento em que
estiveram desde 1982.
Mas, na verdade, era mais uma reafirmação de que estão vivos e resistindo à
denegação da identidade deles.
No Brasil, a Constituição de 1988 trouxe avanços no que tange à superação
de preconceitos em relação aos índios e no estabelecimento de políticas públicas
que contemplam muitas das principais reivindicações desses povos. Segundo
Santilli (2000), em pesquisa feita pelo IBOPE e pelo Instituto Socioambiental, os
entrevistados concordam com a demarcação das terras indígenas, com direitos
especiais assegurados, que as culturas indígenas devem ser respeitadas, assim
como seus integrantes devem ter educação adequada. Oposto a isso,
aproximadamente vinte por cento dos entrevistados consideram os povos indígenas
atrasados e defendem “políticas de extermínio passivo ou de integração forçada”
(SANTILLI, 2000, p. 141).
Parece consenso que uma forma de divulgar a cultura dos povos indígenas
seria por meio da produção literária e artística, mas, como se sabe, a tradição da
cultura tradicional indígena é oral, e o sistema ocidental é de tradição letrada.
Em relação à inserção da produção artística no âmbito das sociedades
modernas ocidentais, o que se constata é que o mercado consumidor absorve as
peças como curiosidades exóticas e primitivas.
O resultado desse projeto de afirmação identitária e cultural no campo social,
em que se somam ações de resistência, superação de preconceitos, luta por
reconhecimento territorial, cultural e artístico, permanece com a marca da
invisibilidade.
90
Chame-lhe progresso
Quem do extermínio secular se ufana;
Eu modesto cantor do povo extinto
Chorarei nos vastos sepulcros,
Que vão do mar aos Andes, e do Prata
Ao largo e doce mar das Amazonas.
(GONÇALVES DIAS. Os Timbiras, 1857)21
21
Cf. Referências.
91
desmedida através dos séculos ou será que ela se baseia na mestiçagem contínua
que a descaracteriza e a invisibiliza?
Ao analisar a política indigenista no Brasil, a partir da Carta Régia de 1798,
Maria Hilda Paraíso (1992) detectou a pressão exercita pelos latifundiários sobre a
coroa e a forma “amena” como os índios eram tratados, em relação à ocupação de
terras. Mais de dois séculos se passaram e ainda se usa o mesmo tom e a mesma
retórica quando o tema gira em torno da disputa de terras entre indígenas e colonos.
A autora destaca o sentido das leis claramente e os interesses subliminares
de governantes e colonos, deixando explícitas as ações colocadas em prática por
essa política, que construiu quartéis e treinou um plantel para combater os
Botocudos na região sul da Bahia e na fronteira de Espírito Santo e Minas Gerais. O
trecho que segue retrata o comportamento dos latifundiários e o tratamento aos
indígenas.
Desde o início dos tempos, ouvimos falar da preocupação dos homens com a
guarda de objetos que possuíam alguma importância para eles, seja pela sua
funcionalidade ou mesmo pelo simbolismo que podiam representar. Essa vontade de
guardar estaria relacionada com o desejo de reter, de não perder lembranças que de
alguma maneira pudessem dar algum significado a sua existência. Pensando desta
forma, pode se considerar que esses objetos já eram depositários da história desses
homens; de seus hábitos e informações culturais, e já serviam de suporte para suas
memórias. Da mesma maneira, pode se avaliar que esses objetos guardados e,
portanto, considerados “bens”, já possuíam uma acepção aproximada do que hoje
chamamos de patrimônio.
Nesse sentido, desde a antiguidade até a contemporaneidade, podemos
observar a prática de diferentes processos de representação do passado, que
ocorrem em tentativas de reafirmar, no presente, laços que consideramos caros, ou
seja, com o propósito de resgatar vínculos identitários. Uma destas práticas se
traduz na reivindicação patrimonial, atualmente também em crescente “proliferação”,
102
pela valorização de bens culturais a partir de valores de percepção que lhe são
atribuídos.
O esquecimento, assim como a memória e a identidade, também passou a
ser um assunto recorrente na contemporaneidade. Ao mesmo tempo em que se
questionam os “excessos de memória”, a busca de vestígios do passado e a
necessidade crescente de patrimonialização de bens culturais, se reconhece,
também, o perigo de esquecer; o risco do desaparecimento gradual da nossa
história, das nossas memórias, dos referenciais em nossas vidas. Talvez por esse
medo do esquecimento, que, cada vez mais, a sociedade se solidariza com as
instituições encarregadas de guardar e preservar nosso acervo cultural, o que se
reflete no crescente número de estabelecimentos com esses fins. Em meio a esse
esforço de inventariar e patrimonializar os bens culturais considerados como
detentores de memória e identidade cultural, surge, também, a necessidade de
preservar esses suportes de possíveis alterações prejudiciais.
A discussão sobre os terreiros de candomblé e seus lugares sagrados aqui no
Brasil, reacendeu, de forma contundente, o pensamento dos historiadores,
arqueólogos, antropólogos e sociólogos, profissionais diretamente ligados às
questões de preservação do patrimônio cultural nacional.
Autores como Pierre Nora, que escreveu sobre os “lugares de memória”, e
provocou forte reação na França, fazendo com que as pessoas tomassem um
posicionamento diante do patrimônio nacional francês.
A Unesco, em 2002, valendo-se de sua posição como órgão internacional,
emitiu documentos numa tentativa de conscientizar governos e pessoas a preservar
e guardar as tradições culturais.
O site da UNESCO brinda o público com um conceito inicial sobre patrimônio
não sumirem, não se diluírem nas culturas estrangeiras, não morrerem e não ficarem
esquecidos.
Segundo Ribeiro e Moreira Neto (1992, p. 56) tudo que criamos, todos os
produtos de trabalho e do pensamento das pessoas, característicos de uma
comunidade e de uma população, é cultura. São vivências seculares, atitudes,
gestos, gostos que têm sua origem nas atividades que os povos vêm exercendo no
mundo para garantirem sua sobrevivência e que vão se mantendo pela tradição, ao
tempo em que ainda são repassadas às gerações que se sucedem.
105
numa viagem de estudo sobre os efeitos do clima sobre os esquimós, percebeu que
a “organização social era determinada mais pela cultura do que pelo ambiente
físico.” (1940, p.2 apud CUCHE, 1999, p. 35)
Em 1886, vai para a América do Norte estudar os índios da costa noroeste e
passa longas temporadas com os Kwakiutl, os Chinook e os Tsimshian até 1889,
mas já havia decidido se naturalizar, desde 1887. Ele acreditava que a diferença
primordial entre os grupos humanos era cultural e não racial.
O etnógrafo provou que o conjunto de caracteres de uma pretensa “raça” é
plástica, instável e propensa à mestiçagem. Usando um grupo de 17.821 imigrantes
provou, pelo método estatístico, que, em apenas uma geração, havia mutações no
crânio, portanto os traços morfológicos se modificam, sob a pressão de um novo
ambiente.
Boas (1840) se opôs à ideia de raça humana e adotou um conceito de cultura
que não concebe diferenças biológicas entre primitivos e civilizados, somente
diferenças de cultura, adquiridas e que contemplassem a diversidade humana.
A diferença entre Boas (1840) e Tylor (1871) é que o primeiro tinha como
objetivo estudar “as culturas”, sem acreditar em leis gerais ou universais. Assim
também como não acreditava em periodização dos diferentes estágios da evolução
da cultura, mesmo porque não era possível definir uma origem.
Sua contribuição à história da antropologia se deve ao método indutivo e de
observação exaustiva de campo. Segundo seu pensamento “um etnólogo, se ele
quer conhecer e compreender uma cultura, deve aprender a língua em uso.”
(CUCHE,1999, p. 43). Também se mostrava contra as entrevistas formais, por
acreditar que elas modificavam as respostas. Preferia as conversas espontâneas e a
longa permanência junto à cultura estudada. Para escapar a qualquer tendência
etnocentrista, defendia que, para estudar uma cultura em particular, não se deve
compará-la com nenhuma outra. “Tinha consciência da complexidade de cada
sistema cultural e julgava que somente o exame metódico de um sistema cultural em
si mesmo poderia chegar ao fundo de sua complexidade.” (CUCHE, 1999, p. 44).
Para Boas (1840) cada cultura é única, com originalidade própria e o
pesquisador dever esforçar-se para descobrir o elo que faz essa unidade. Trata-se
de compreender como se formou a síntese original que representa cada cultura e
que faz a sua coerência.
109
Em resumo, cada indivíduo tem seu modo de interiorizar e viver sua cultura,
sendo marcado por ela ou não, modificando-a ou não. Entretanto, em qualquer dos
casos, sempre age de forma muito lenta.
A primeira contribuição da Antropologia Cultural para a ciência pode ser a de
que o termo no singular não designa totalmente a realidade, que deveria ser
designada como culturalismos, já que não se trata de um sistema teórico unificado.
Assim como, um único indivíduo não seria capaz de expressar a totalidade da
112
cultura em que está investido, pois carrega aspectos particulares de sua própria
individualidade.
Outra ideia básica é que a cultura é imaterial, portanto flexível e maleável,
sendo capaz de adaptar-se, de absorver outros traços externos e internalizá-los de
forma coerente e harmonizada.
Deve-se pontuar também a inovação interna que seus indivíduos são capazes
de promover, não se sabe se por uma necessidade ou modismo, mas, certamente,
no afloramento da criatividade de alguém, em certo momento.
A evolução da cultura pode ocorrer pelo jogo das variações individuais na
aquisição da cultura, na qual o indivíduo, em função de sua história pessoal, produz
uma psicologia singular. A soma de todas as reinterpretações individuais faz a
cultura evoluir.
Talvez a principal contribuição da antropologia social americana venha da
clareza que existem outras formas de viver e de pensar e que elas não são
necessariamente antiquadas ou selvagens, visto que têm lógica própria e estão
adaptadas às necessidades de seu grupo. Os culturalistas evidenciaram a
“coerência entre todos os sistemas culturais onde cada um é uma expressão
particular de uma humanidade única, mas tão autêntica quanto todas as suas outras
expressões” (CUCHE, 1999, p. 90).
Elegeu-se como referência e definição de cultura, a ideia que parece mais
ampla e contemporânea. Portanto, conforme Lévi-Strauss:
tem da linguagem, pois é por meio desta que se adquire a cultura de um grupo.
Sendo a linguagem um veículo imprescindível à comunicação, difusão e educação
de conhecimentos, será igualmente imprescindível ao estabelecimento dos padrões
culturais de certo grupo humano.
Cada povo ou comunidade, reconhecida como tal, tem uma memória cultural,
mesmo que todos os seus membros não tenham plena consciência disso. Essa
memória cultural deve ser resguardada e tradicionalmente transmitida de forma oral
ou por intermédio da educação por impregnação22, na qual se faz e se repete as
atividades e os comportamentos observáveis e aprendidos assim. Na prática, o
acervo memorial e histórico da humanidade é constituído pela memória cultural de
seu povo. Para os povos indígenas, o espírito se manifesta pela fala do que é
passado pelo pai, pelo avô, pelo tataravô. É assim que o indígena toma
conhecimento da sua história, ou seja, da história de seu povo.
Segundo Jecupé (1998 apud GOVERNO DE PERNAMBUCO, 2008, p.16):
Imagem 17: Desenho a lápis retratando a anciã Taquara Pataxó, mãe das lideranças fundadoras da
retomada do território da Jaqueira e residente local. Raywã Pataxó, 2018.
cada povo. Nos mitos fundacionais, os povos indígenas têm a compreensão de que
seus antepassados nasceram de elementos da mãe natureza como a terra, a água,
um animal ou uma árvore. Alguns também acreditam que ao morrerem tornam-se
estrelas e passam a morar no céu junto a todos os demais parentes já falecidos.
Segundo Jecupé (1998 in ANDRADE, 2011, p.30), como por exemplo:
A letra da música acima convida o povo Pataxó a se unir, se reunir e ser a luz
do amor, seguindo suas tradições de dançar suas danças e beber o cauim.
O termo Pataxó, academicamente, designa o coletivo de “um povo indígena
de língua da família Maxacali, do tronco Macro-Jê” (ALBUQUERQUE, 2010, p.24).
Mas, diante da necessidade de se inserir histórias e conceitos embasados na
concepção marcada pela autodeclaração, o presente texto estará permeado pelo
contraponto das próprias declarações orais colhidas pela autora, durante a
convivência e pautado em seus registros de pesquisa.
Rayô Pataxó, Diretora da Escola Indígena Pataxó de Coroa Vermelha, 2006
informa que “Esse nome não se usa no plural, viu pró?”.
Nitinawã Pataxó, frente aos alunos da UEFS, no kijemi 24 grande da Reserva
Indígena da Jaqueira, em 2010, relata que os mais velhos contavam que eles
moravam na mata de Monte Pascoal e, de vez em quando, vinham à beira da praia,
pescavam mariscos, se alimentavam e depois iam dançar. Quando sentavam nas
pedras para descansar, ficavam ouvindo o barulho do mar naquele vai e vém
batendo nas pedras e o som provocado por esse movimento da água do mar...
“Então, preste bem atenção no barulho da água, porque as ondas do mar vêm bater
na pedra e fazem pa-tá e quando voltam fazem xó”.(BAHIA, 2005, p.13)
23
Letra de música do cacique Pataxó Jerry Matalawê intitulando o povo de “luz do amor” e
convidando o povo Pataxó para se reunir.
24
Kijemi – Construção de madeira de contorno arredondado, com cobertura de palha que serve de
abrigo. Pode ser fechado nas laterais quando usado como casa ou aberto quando utilizado para
encontros, rituais e danças. (nota da autora).
117
Não porque achamos que para alguém ser índio é preciso falar língua
indígena. Acreditamos que a língua é importante, pois ela carrega em
si muitos segredos e valores de um povo. A língua leva o povo a ter
mais resistência às mudanças de costumes. (BAHIA, 2005, p. 16)
Entre 2003, quando o Patxôhã passou a ser ensinado nas escolas, até 2016,
a pesquisa já havia feito uma longa trajetória e a língua tomou forma, com mais de
120
crianças. O projeto retira dos oficiais de cartório, neste caso, o direito que eles têm
por lei de se recusarem a registrar uma criança com nome que considere vexatório
ou com risco de expor o portador ao ridículo no futuro. E justifica usando as palavras
do próprio senador:
Buarque (2013) diz que muitos dos nomes indígenas acabaram sendo
assimilados de maneira definitiva pela cultura brasileira. É o caso dos nomes
femininos de Indiara, Iara, Iracema e Moema, ou dos masculinos de Ubirajara,
Tabajara, Ubiratã ou Irapuã.
O senador alega que, apesar disso, há outros nomes menos conhecidos e
que, por terem pronúncia difícil, podem ser barrados nos cartórios. São os casos de
Kraó, Aaem, Sassanaam, Murusuru entre muitos. “Esses nomes têm valor especial
para os integrantes do grupo ou da etnia, e não deve a lei proibi-los, como faz
relativamente às pessoas de cultura não índia” (idem 2013).
Apesar de uma extensa gama de exemplos de troca de nomes indígenas por
nomes em língua portuguesa, serão citados apenas alguns a título de ilustração:
25
Tuiávii, chefe da aldeia de Tiavéa, na ilha de Upolu, que pertence ao arquipélago de Samoa. ( Scheurmann, s/d,
p.9)
123
mente, são o que realmente importa. O autor que o relata, Erich Scheurmann(s/d)
declara sua intenção de levar aos brancos instruídos, a forma como um ser humano,
estreitamente ligado à natureza, observa “o outro” e em sua forma pueril de se
expressar, manifesta seu ponto de vista:
invólucro. Pode-se inferir que no corpo não existe pecado inerente, mas exerce suas
funções para ser o portador de inteligência, sabedoria e alegria.
Para absorver com profundidade os motivos pelos quais os povos indígenas
pintam seu corpo, será necessário sair da ideia simplista de que é algo semelhante a
uma tatuagem, porque não é. Também não é uma forma de adorno temporário,
assim como não é um passatempo ou uma mera preparação para a guerra, pois
seria reduzir demais seus propósitos.
Para um entendimento mais amplo, é preciso levar em consideração a
cosmovisão que permeia as culturas indígenas, nas quais as formas desenhadas
extrapolam a arte e adquirem um significado transcendente que o antropólogo
Viveiros de Castro (1979) denominou de Perspectivismo Ameríndio. Para explicar o
que os não índios veem com total estranheza, ele se refere à concepção indígena,
segundo a qual o mundo é povoado de outros agentes, além dos seres humanos,
que podem ser entidades animais, vegetais, minerais ou etéreas e que veem a
realidade diferentemente dos seres humanos.
As linhas traçadas nas maçãs do rosto podem ser duas linhas paralelas e
retas sob os olhos, que significa o compromisso do casamento. Quando as linhas
são abertas > e < saindo do nariz em direção às orelhas, significam que a pessoa
ainda está solteira, ou sem compromisso. E, estando solteira, pode e deve se
enfeitar bastante, com plumas, braçadeiras, colares e brincos.
Na figura a seguir estão representados os traçados básicos da pintura
corporal indígena Pataxó para as mulheres. No convívio, pode-se perceber que para
as meninas são utilizados os mesmos desenhos, porém em tamanho menor e com
traços mais finos e delicados. Também é patente a discrição dos desenhos para as
mulheres casadas e as mais velhas, estas se enfeitam pouco e são muito
cuidadosas com seu corpo, sem muita exposição. É importante ressaltar que
nenhum padrão de desenho impede a criatividade durante o ato da pintura, pois as
possibilidades são infinitas, na repetição de linhas ou na inserção de outras cores,
que não sejam as tradicionais preto, vermelho, amarelo e branco.
Imagem 21 – Modelo de pintura para a mulher indígena Pataxó no rosto e nos braços. Extraído do
Livro Raízes e Vivências, 2005.
128
Imagem 22 - Modelo de pintura para o homem indígena Pataxó no rosto e nos braços. Ex-
traído do Livro Raízes e Vivências, 2005.
129
Para os detalhes da pintura, os traços finos são feitos com pequenos galhos
flexíveis que são colhidos na hora; para as regiões mais extensas, são utilizados
pincéis.
Imagem 23: Detalhe da pintura corporal em cores. Casamento Cultural Pataxó. Reserva Indígena
Pataxó da Jaqueira, Porto Seguro, Bahia. Balmukund Niljay Patel, 2008.
A vestimenta dos indígenas é composta por vários itens que vão ser usados
de acordo com a personalidade, a posição social ou religiosa, e a disposição para
confeccionar e usar os adereços conforme a tradição. Os elementos básicos são o
cocar e o tupsay, mas a caracterização é muito variável. Às vezes, numa reunião na
cidade ou uma visita numa escola, alguns kakusú usam apenas o cocar com uma
calça e uma camiseta de algodão. Já as jokanas têm mais possibilidade de variação
com tiaras no cabelo, que podem ser de palha simples ou bordada com lã colorida e
desenhos tradicionais; braçadeiras, brincos e enfeites de cabelo, com plumas
coloridas, colares com sementes variadas e contas coloridas.
Nesse momento, percebe-se que os adjetivos, substantivos e verbos não são
suficientemente exatos e esclarecedores para descrever os detalhes e combinações
de cores. Um visitante não índio, mesmo imerso num ambiente absolutamente
natural, pode permanecer absolutamente inebriado com tanta variedade de arranjos
harmônicos entre plumas, sons, cheiros e paladares que se apresentam numa festa.
As sensações são arrebatadoras e os estímulos visuais hipnotizantes.
130
F
Imagem 24: Jokana vestida conforme a tradição, com palha, côco, plumas e sementes durante os
festejos do Aragwaksã em 1º/08/2016. Reserva indígena Pataxó da Jaqueira, Porto Seguro,Bahia.
Balmukund Niljay Patel, 2016.
Na cabeça, costumam usar o cocar Pataxó, que caracteriza-se por duas tiras,
sendo uma na testa e outra no alto da cabeça que distribui um feixe de plumas
aberto em leque.
131
Imagem 25: Dhahara pintando Nawí, ornadas com cocares, brincos e pulseiras durante o
Aragwaksã em 1º/08/2016. Reserva indígena Pataxó da Jaqueira, Porto Seguro,
Bahia. Balmukund Niljay Patel, 2016.
Imagem 26: Syratã Pataxó, 20 anos, residente da Reserva Indígena Pataxó da Jaqueira, Porto
Seguro, Bahia. Balmukund Niljay Patel, 2008.
133
Imagens 27 e 28: Perneiras e tornozeleiras tradicionais. Reserva Indígena Pataxó da Jaqueira, Porto
Seguro, Bahia. Balmukund Niljay Patel, 2016.
27
Cauinar – o verbo sugere a epistemologia do termo tupi cauim, que também se aplica em patxôhã, que
assimilou alguns termos mais usados pela convivência nas reduções jesuíticas, como ocorreu na aldeia de Barra
Velha com o povo Pataxó e outros. Entende-se que cauinar dá indicação de beber kauí. (Nota da autora)
134
Por outro lado, os estudos de Basil Bernstein (1996) sobre classes, códigos e
controle pedagógicos asseguraram a aspirar um currículo pensado para as
populações indígenas, indicando a rigorosidade ao planejamento na visita à aldeia,
porque a pesquisa etnográfica exige a sistematização da observação do objeto em
estudo. Nesse quadro, tanto a história quanto a antropologia, esforçam-se em
compreender como o fazer artístico e a arte indígena podem se conectar, dentro de
uma proposta de educação brasileira.
135
grande pé de jaca ter se deitado e enraizado várias outras mudas da planta. Então,
devido à essa prodigalidade da floresta, onde havia um pé de jaca, hoje tem vários.
Esse é o local central do terreiro, o pátio escolhido para erguer os kijemi em volta.
Tem se tornado costumeiro, pois talvez ainda não possa ser chamado de
tradicional, a realização das cerimônias que integram os festejos do Aragwaksã, em
1º de agosto de cada ano, quando se comemora o aniversário de reconhecimento
das terras do povo Pataxó na Reserva Indígena da Jaqueira. A festa começou a ser
comemorativa em 1998, quando ocorreu o 1º Aragwaksã, e, no decorrer do tempo,
foi se ampliando. Segundo Nitynawã, uma das líderes locais, em 1999 os festejos
foram abertos à visitação de público externo. A partir de 2000, começaram a realizar
os novos casamentos, no sentido de fortalecer os laços familiares e integrar o ritual
da cerimônia matrimonial como uma das formas de resgate cultural da etnia.
Coincidentemente ou não, foram sendo privilegiados os casamentos intraétnicos de
ramos familiares distintos. (NITYNAWÃ, INFORMAÇÃO ORAL EM 21/04/2018).
Dessa forma foram se fortalecendo a genealogia originária da Barra Velha, donde
vieram os primeiros componentes das famílias Ferreira, Alves, Conceição, Brás, e
em menor número, Matos, Bonfim, conforme relatam o Pajé Itambé, Kapimbará e
Wekanã.
Em 2007, foi incorporado o ritual de batismo com a argila, cuja cerimônia
continuou acontecendo nos anos subsequentes. (JANDAIA, INFORMAÇÃO ORAL
EM 21/04/2018). Dentro dos costumes Pataxó, eles tinham um teste de levar para
perto do rio e colocar uma rã em cima do bebê para ver se chorava, se chorasse,
não iria ser corajosa, mas se aguentasse calada o incômodo, iria ser um guerreiro
firme e corajoso.(PAJÉ ITAMBÉ, INFORMAÇÂO ORAL EM 03/11/2017) Segundo
Syratã, jovem cacique da Reserva da Jaqueira, em 2015 eles receberam a visita dos
Maxacali e ensinaram o ritual deles. Conforme a explicação, os seres humanos são
feitos de água e barro porque quando “o primeiro pingo de chuva caiu no chão, se
enamorou do barro” (SYRATÃ, INFORMAÇÃO ORAL EM 2/11/2017) e daí se
formou o ser humano. Por esse motivo, o batizado é feito com o barro e a chuva,
cerimônia na qual o barro fortalece o corpo, sua saúde e vitalidade, e a água
simboliza a pureza da alma que habita cada ser vivo.
Os padrinhos da criança o seguram, o abençoam e o protegem pintando seu
corpo com o barro previamente preparado pelos mais velhos, que o pisam até
misturar bem a água e o barro. Com essa mistura pastosa, os padrinhos pintam seu
137
28
As pessoas têm um nome em português e outro em patxôhã. (Nota da autora)
138
Imagem 31 - Cartaz alusivo ao Aragwaksã, 2017, Preservação da Mata Atlântica. Reserva Indígena da
Jaqueira, Porto Seguro, Bahia. Registro da autora, 2018.
29
Em entrevista, em 24/10/2017, na Reserva da Jaqueira, Porto Seguro, Bahia.
141
endógena, mas também uma forma de fortalecer a comunidade com mais uma
célula familiar.
Independente dessas questões que são básicas para qualquer comunidade
humana, “o casamento é uma forma de unir grupos sociais: unem-se clãs, unem-se
linhagens, unem-se aldeias” (MELATTI, 2007, p. 136). Por meio do casamento,
grupos se solidarizam e formam alianças. O contrário também é verdadeiro, pois
aqueles grupamentos que têm qualquer tipo de hostilidade, histórica ou não, jamais
se unirão por casamento.
A união conjugal incita muitas outras reflexões, mesmo em se tratando de
uma comunidade indígena, uma vez que as questões de posse da terra podem estar
envolvidas no contexto, exatamente como nos mostra a história nas cortes
europeias, durante muitos séculos. Se a filha de um cacique se casa com o filho de
outro cacique da mesma etnia, eles ficarão em território naturalmente habitado e
cultuado por seu povo. Mas, se o casamento ocorrer entre um Pataxó e um Fulni-ô,
por exemplo, cederá aquele que tiver menos posses (provavelmente a esposa) e irá
morar na aldeia onde houver melhores recursos para a sobrevivência do casal e sua
futura prole. De qualquer maneira, uma proposta de casamento sempre trará, em
seu bojo, um convite à paz, à colaboração e à solidariedade entre os povos.
É comum, entre diferentes grupos ou comunidades, ofertar presentes por
ocasião de uma visita. Essa atitude pode indicar boa disposição para a paz, o
apreço entre as partes envolvidas ou simplesmente um agrado para quem está
sendo presenteado.
A história relata que, no contato entre índios e portugueses, os índios
lisonjeados, com a visita de além-mar, forneceram alimentos, aves raras, pau-brasil
em troca de espelhos, utensílios e ferramentas. Centenas de anos depois das trocas
ocorridas, o bom senso aconselha a não julgar as conveniências que levaram cada
grupo a oferecer tais prendas, visto que os hábitos e costumes eram absolutamente
desconhecidos dos dois lados, assim como a língua falada.
Sabe-se que, para além da troca de presentes, existe, nesse ímpeto de
solidariedade entre povos, como alguns autores abordam, o costume de troca de
mulheres. Mas isso não seria uma troca banal de uma mulher por outra, visto que,
em muitas aldeias, há grande respeito pelas mulheres casadas. Essa troca, na
verdade, ocorre entre comunidades distantes e entre um irmão solteiro que tem
142
irmãs solteiras com outro índio solteiro de outra comunidade que tem irmãs solteiras.
Havendo interesses mútuos, a troca seria exitosa.
Entretanto, essa prática não é usual, em comunidades urbanas, como na
aldeia Pataxó de Coroa Vermelha, na Reserva da Jaqueira, em Porto Seguro, e com
todos os parentes das outras comunidades próximas, pois os interesses ocorrem,
preferencialmente, entre pessoas da etnia Pataxó ou entre pessoas de ascendência
indígena.
Para além dos interesses culturais e étnicos, os integrantes da comunidade
se unirão aos colegas de trabalho, a alguém muito inteligente e atraente que
conheceram, ou à uma personalidade muito intrigante que os apaixonou,
exatamente como qualquer outra pessoa casadoira no resto do mundo. Esquecidos
os interesses econômicos, vale a lei do amor e do apaixonamento. O Pajé Itambé/
Alberto do Espírito Santo Matos gosta de
dizer que “o casamento leva o nome de
segurança, é um compromisso de respeito
ao outro que deseja uma união por amor”30.
E reafirma o valor da confiança nas
relações de casamento dizendo: “há muito
tempo é difícil encontrar alguém para
confiar. O difícil, hoje, é que quando
encontra de um jeito, não encontra de
outro”. (PAJÉ ITAMBÉM, 2017). Ele
insinua, dessa forma, que tanto um
pretendente como o outro pode ter
adquirido maus hábitos pela convivência
fora da aldeia. Assim, pode considerar
equivocadamente que a fidelidade seja uma
coisa banal.
Imagem 32 - Pajé Itambé Pataxó. Aldeia Urbana
de Coroa Vermelha, Santa Cruz de Cabrália, Bahia.
2/11/2017. Registro da autora, 2017.
30
Entrevista, em 23/10/2017, dada pelo Pajé que nasceu em 21 de novembro de 1934. É um dos anciãos
da Aldeia Urbana de Coroa Vermelha, em Santa Cruz Cabrália, na Bahia. E, perto dos seus filhos e
netos, que a toda a hora chegavam para tomar a bênção, ele concedeu essa entrevista.
143
A constituição das famílias ocorre muito cedo, pois, a partir dos 14 anos, um
índio Pataxó já considera que tem conhecimento suficiente para fazer tudo que é
necessário para manter uma família. Tanto ele como ela sabem caçar, pescar,
plantar, construir sua casa, fazer artesanato para vender e proteger sua família.
Depois que se entendem, pedem permissão ao cacique e constroem sua casa para
morarem juntos e seguirem as mesmas tradições dos pais, além de trabalharem
para se sustentar, isto é, fazer artesanato, plantar e fazer farinha.
Sobre isso o Pajé Itambé explicou “Quando os dois se interessa, os pajés e
os caciques percebe e vão logo palestrando com eles para ver se quer o
compromisso do casamento”.32
31
Entrevista em 24/10/2017, na Reserva Indígena da Jaqueira, Porto seguro, Bahia.
32
Entrevista em 3/11/2017, na aldeia urbana de Coroa Vermelha, Santa Cruz Cabrália, Bahia.
144
33Informações prestadas por entrevista em 23/10/2017, na aldeia urbana de Coroa Vermelha, Santa
Cruz Cabrália, Bahia.
145
Como vimos nos relatos orais e entrevistas de pessoas que vivem a cultura
Pataxó, os relacionamentos incestuosos são totalmente rechaçados na imensa
maioria das sociedades humanas, e entre eles não é diferente. Segundo a
Constituição Brasileira a proibição atinge parentes colaterais até 3º grau: é vetado o
casamento incestuoso entre irmãos unilaterais ou bilaterais. Chegando o
impedimento até o 3º grau como exemplo, tio casar com a sobrinha, levando-se em
consideração a ligação por laços afetivos inclusive.
As proibições mais graves estão relacionadas à pessoas já casadas, por
caracterizar crime de bigamia (artigo 253 Código Penal); ou também, cônjuge
sobrevivente com o condenado por homicídio, ou mesmo, por tentativa de homicídio:
é vetado o direito a um dos cônjuges casar com o assassino do cônjuge falecido.
Com relação ao local da realização do casamento civil, a lei exige que o
casamento no civil seja realizado em Cartório ou um local autorizado pelo Juiz de
Paz. A cerimônia deverá ser pública e na presença de testemunhas. Por exemplo:
se o casal quer casar em um sítio (ou numa Reserva Indígena), poderá realizar o
casamento no civil no mesmo local do religioso (ou cultural) desde que peça
autorização no Cartório e com a presença do juiz.
Estando tudo acertado entre os noivos, os pais dos dois, (o cacique, o pajé e
os outros parentes, no caso dos índios) as exigências e os documentos necessários
para o casamento no civil são: duas testemunhas maiores de 18 anos (não precisam
ser necessariamente um casal), conhecidas do casal e que estejam portando um
documento de identidade. Os documentos usuais exigidos para os solteiros são: o
documento de identidade com foto, CPF (original), certidão de nascimento (original);
os divorciados deverão acrescentar a certidão de casamento com averbação do
divórcio e lista com o nome e idade dos filhos do casamento anterior, se houver; os
146
34
Casamento nuncupativo, o artigo 1.539 dispõe a respeito do chamado casamento em caso de moléstia grave, que tem
por premissa o precário estado de saúde de um dos nubentes, com gravidade que o impeça de se locomover e também de
adiar a celebração. GAVIÃO, Fausto Carpegeani de Moura. Do casamento nuncupativo e do casamento em caso de
moléstia grave. Disponível em http://www.lfg.com.br. 18 de maio de 2009.
147
Imagem 34 - Casal de noivos. Reserva Indígena Pataxó da Jaqueira, Porto Seguro, Bahia, 2008.
Patel, 2008.
4.1 Enamoramento
35 Casamento Cultural é assim denominado por ser aberto à assistência de não indígenas, termo que
deixa evidente a necessidade de um outro tipo de cerimônia, quer seja civil ou religiosa, restrita ou
não à comunidade Pataxó.(Nota da autora)
149
Imagem 35 - Orquídeas da Reserva Indígena Pataxó da Jaqueira, Porto Seguro, Bahia. Patel, 2008.
Num outro momento mais adiante, ele irá procurar a flor mais bela que
encontrar para oferecer à sua escolhida Se aceita, estará selado um compromisso
entre eles. Depois que o casal se entende, os dois vão conviver discretamente nas
atividades da comunidade, até chegar o momento de falar com o Pajé. Este será
procurado para conversar com os noivos, aconselhá-los e cumprir seu papel que é o
de comunicar o casamento aos pais deles.
Takwara Pataxó, anciã da aldeia, atualmente com mais de noventa anos,
conta que “de primeiro ninguém se casava, se juntava e ia morar junto”, dando a
entender que não havia necessidade de registro civil para que uma união fosse
reconhecida pela comunidade. Perguntada sobre o ritual, ela esclarece: “era
150
36
As três informações foram dadas pela anciã em entrevista datada de 24/10/2017, Reserva da
Jaqueira, Porto Seguro, Bahia.
151
Imagem 36 - Moradias na mata da Reserva Indígena Pataxó da Jaqueira, Porto Seguro, Bahia, 2010.
Registro da autora, 2010.
A segunda prova que o noivo tem de cumprir para poder casar é caçar um
animal na mata. Essa prova significa que o guerreiro é capaz de sustentar sua
família. É um ritual ancestral e simbólico, mas de qualquer maneira define a
importância do homem suprir as necessidades alimentares de sua família. Nessa
caçada, normalmente o noivo mata um porco (ou outro animal disponível), que é
cercado por outros guerreiros que ajudam na tarefa, na morte e na comemoração ao
final da empreitada, carneando o animal, que fará parte dos petiscos assados na
brasa e ofertados aos convidados. Os jovens guerreiros Pataxó perseguem e
tangem o animal, acompanhando e protegendo o noivo, ajudam-no a carregar o
animal e, depois de morto e apreendido, vêm cantando pelas trilhas da mata,
anunciando a realização de mais uma prova.
Perguntados o que aconteceria se o noivo não conseguisse cumprir a prova,
eles entreolham-se e riem... mas não respondem. Apesar dos anos de convivência,
algumas vezes surge a dúvida se não seria um desrespeito à valentia dos guerreiros
levantar tal hipótese.
152
Imagem 37 - Animal caçado e morto como prova de habilidade do noivo em caçar e alimentar sua
família. Patel, 2008.
A terceira prova do noivo para firmar seu compromisso com sua pretendida é
carregar um tronco de árvore no ombro, pelo menos por duzentos metros.
Normalmente, essa tarefa é desempenhada correndo por espaços que podem ter
ladeiras, vegetação fechada ou córregos. A prova deve simular uma situação de
fuga, em que o guerreiro precise colocar sua mulher no ombro e correr com ela para
colocá-la a salvo de algum perigo. O tronco deve ter o peso semelhante ao da noiva,
e, de forma empírica, o tronco é colocado em equilíbrio sobre outra base e
contrabalançado com a noiva. Depois de pesado e medido, o tronco é pintado e
decorado para a cerimônia. Portanto, cada tronco é específico para cada noiva e
cada casamento.
153
Imagem 38 - Noivo carregando a tora, acompanhado de outros guerreiros, na terceira prova, para
firmar compromisso com a pretendida. Reserva da Jaqueira, Porto Seguro, Bahia. Patel, 2008.
37
Kakusú - termo em Patxôhã para designar home, moço, rapaz. (Nota da autora).
38
Nos arquivos da autora constam vídeos com as danças e cânticos que acompanham o momento da vitória do
guerreiro sobre a caça e apresentação da presa para a comunidade que aguarda no terreiro central inquieta
para testemunhar os resultados.
39
Xohã – guerreiro na língua nativa Patxôhã. (Nota da autora).
40
Jokana – termo em Patxôhã para designar mulher, moça ou esposa. (Nota da autora).
41
Entrevista, dia 24/10/17, dada por Taquara/Ana da Conceição, 97 anos, anciã da aldeia.
154
O Pataxó era um povo pequeno, mas agora tem a mistura com outros
povos, a alimentação mudou, as mulheres engordaram –a índia era
franzina- o peso maior era de 50 kg. A prova do tronco era muito
importante, era uma prova de resistência (para provar) que você
carregaria a sua esposa nas costas para as situações de fuga. Mas
agora a prova do tronco se tornou uma dificuldade, pois o índio não
aguentaria carregar duas tora nas costas 42.
Imagem 39 - O noivo no momento da entrega da tora. Reserva Indígena Pataxó da Jaqueira, Porto Seguro,
Bahia. Patel, 2008.
A foto acima mostra Kakusú Pataxó, o noivo, que ainda carrega o tronco
pintado e decorado por ele próprio e que serviu como peso simbólico na prova de
resistência, representando sua noiva e sua capacidade de carregá-la em
necessidade de possível fuga de perigos, em prova realizada no dia de seu
casamento em 2008.
4.3 A noiva
42
Kapimbará Pataxó/ Amilton Alves dos Santos, 58 anos, comerciante local, em entrevista dia
3/11/2017.
155
A noiva escolhe as cores da plumagem que irá enfeitar seu cocar e outros
enfeites. Os adereços combinam preferencialmente com os das crianças e dos
jovens que irão formar o seu cortejo para a chegada no local da cerimônia. Essas
kytoki 43 e jovens jokanas usam cores iguais ou semelhantes, todas com cocares,
43
Kytoki – termo em Patxôhã para crianças, filhos
156
O noivo também é pintado por seus amigos, que se esmeram em detalhes com
traços finos, cobrindo quase todo o corpo. Aofinal, seguem todos pela mata para o
awê45 no kijemi grande ou Aragwá.
44
Tupysay - Vestimenta Pataxó feita de piaçava com longas franjas no qual o cinturão costuma ser de contas
vermelhas ou pode ter desenhos com linhas que se cruzam formando losangos, bordados em vermelho, preto
e branco ou com franjas. .
45
Awê – combinação de canto e dança, no qual o canto muitas vezes é a duas vozes, com o acompanhamento
do som de chocalho (maracá), tocados para este fim apenas por homens. Normalmente o compasso é binário e
as músicas são cantadas em Patxôhã, o que fortalece a união do povo no uso da língua mãe.
157
4.4 Aragwá
4.5 O Pajé
]
Imagem 43 - Kamaywrá incensando o local da cerimônia no Aragwaksã. Reserva Indígena Pataxó da
Já-queira, Porto Seguro, Bahia. Balmukund Niljay Patel, 2008.
O pajé pode ter uma habilidade nata para conhecer as plantas e saber sobre
o seu poder curativo e forma de utilizar, onde plantar, em que lua colher, qual parte
usar (folhas, raízes, frutos, casca) e também a forma de obter o elixir curativo (chá,
pomada, unguento, incenso etc). Essa mesma entidade pode proferir rezas e
bênçãos em língua sagrada, usando folhas verdes ou incensos para afastar maus
presságios ou energias de pouca vibração.
Sobressai o questionamento sobre o processo de escolha de líderes
religiosos nas aldeias, e, instintivamente, eleva-se o termo mágico, pois remete tanto
à ideia de sagrado como à sabedoria botânica ou aos mistérios das dores que
afligem as almas. São esses mistérios que impõem limites do que um pesquisador
sabe e deve respeitar, e sobre tais assuntos não lhe será permitido perguntar.
Portanto, simplesmente aceita-se que:
46
Syratã explica que o fumo do cachimbo é composto por sálvia, capim de Aruanda e amesca. Amesca provoca
fumaça suave que não faz chorar. Kanatxio, parente de Minas Gerais, contou em visita, que havia uma linda
índia, branquinha, filha do cacique, e muitos queriam casar com ela. Durante a cerimônia de casamento dela, o
pajé avisou que ela não conseguiria engravidar. Quando ela engravidou, eram duas crianças. Na hora do parto,
ela teve que escolher entre a vida dos filhos ou a dela. Sem hesitar, ela optou pela vida dos filhos. Ela foi
enterrada próximo à aldeia, e, relata-se que no local nasceu uma planta cuja resina queima sem irritar os olhos,
pois ela morreu em prol dos filhos, sem arrependimento. O fruto tem sementes gêmeas e a resina é conhecida
como resina da felicidade, pois não provoca choro. SIRATÃ, relato oral em 03/11/2017.
160
Imagem 44 - Syratã desenha os sinais sagrados que firmam o compromisso do novo casal.
Reserva Indígena da Jaqueira, Porto Seguro, Bahia, 2008. Patel, 2008.
161
Imagem 46 - Momento da bênção dos guerreiros para a felicidade dos noivos. Kijemi Grande, 2008.
Patel, 2008.
162
Imagem 47 - Jaguatiri Pataxó compartilhando kawí com os guerreiros depois da Bênção. Patel, 2008.
Imagem 48 - Casamento duplo realizado durante o Aragwaksã de 2016 por Naiara Pataxó (com o
cocar de papagaio). Patel, 2016.
O Awê é feito com muita alegria para trazer sorte aos noivos. A roda do
casamento tem uma formação diferenciada, pois normalmente vão os homens na
frente marcando o compasso com o maracá e, em fila circular, seguem as mulheres
e as crianças. Nesse caso, a formação foi em pares, onde todos cantaram e
dançaram, juntamente com os convidados voluntários que entraram no final da fila.
Pode-se observar que, quando os mais jovens guerreiros dirigem as danças,
elas tomam uma conotação lúdica que acelera o passo para que os outros, que
veem atrás, não possam acompanhar o ritmo, o que provoca muitos risos entre
participantes e os assistentes.
O ritmo vem marcado pela batida do pé na terra e do maracá, num compasso
binário, que pode parecer monótono ao observador, mas o contato do pé descalço
com o solo proporciona aos que dançam uma sensação de organização da vida, de
expulsão de males, de calor e acolhimento, de união grupal e harmonia, nem
sempre percebida, nem sempre experimentada, mas certamente nunca totalmente
explicável.
Escobar (1993 apud Menezes, 2009, p. 230), em abordagem sobre outras
etnias, classifica a dança indígena como arte, e traça um paralelo com as
manifestações dançantes de outras etnias,
164
47
Mãgutxi- palavra na língua Patxôhã para designar alimentação.
48
Goyá – palavra na língua Patxôhã para designar bebida.
49
Kawí – bebida tradicional indígena feita da fermentação da raiz de mandioca triturada (nota da autora)
166
50
Beijú – iguaria feita com uma das variedades de farinha de carimã, derivada da mandioca e leite de côco,
depois assada no fogão.
167
Tempass (in SILVA, 2009) lembra que “nada mais elementar para o ser
humano do que a alimentação, afinal é através dela que são ingeridos os nutrientes
essenciais à sobrevivência de qualquer ser vivo” (p.133). Some-se a isso o fato de
que “cada ser humano dedica entre quinze a vinte por cento da sua vida para o ato
de comer”. (TEMPASS, 2009 in SILVA 2009, p.133) São necessárias muitas horas
de trabalho para plantar, colher, armazenar, comercializar, sem falar do tempo de
preparação, consumo e limpeza dos utensílios. Dessa forma, um alto percentual dos
salários das pessoas é revertido na compra de alimentos previamente limpos,
preparados ou mesmo prontos e congelados. Embora essas tarefas sejam
corriqueiras, não podem ser consideradas banais, visto que extrapola em muito sua
função nutricional.
“Nós, humanos, exclusivamente possuímos a faculdade de simbolizar. Nós
atribuímos sentido a tudo, inclusive à comida.” (TEMPASS, 2009, p.133). Dessa
forma, é possível afirmar que “não nos alimentamos apenas de nutrientes, mas
também de imaginário” (Fischler,1995 apud TEMPASS, 2009, p.133). Assim, o ser
humano, ao comer, cumpre uma série de regras, das quais nem se dá conta pela
natureza inconsciente que esse costume vai assumindo ao longo do tempo. É a
função simbólica da alimentação que explica o fato de não comermos tudo. Apesar
de sermos onívoros, o ser humano se alimenta apenas com uma restrita parcela dos
alimentos biologicamente possíveis de consumo, porque muitos deles não são
culturalmente aceitáveis.
Nesses termos, essa função nutricional foi sendo eleborada ao ponto de o ser
humano ser o único animal que cozinha. A culinária transforma o alimento cru da
natureza, em comida, culturalmente elaborada. E “como todas as sociedades
humanas desenvolveram formas de preparação dos seus alimentos, pode-se afirmar
que a cozinha é um elemento universal” (MACIEL, 2001 apud TEMPASS, 2009,
p.134).
Baseada nessa ideia, cada cultura, entendida como um sistema simbólico,
apresenta uma culinária específica. Segundo Mauss (1974), ela perpassa todos os
elementos do sistema cultural, estando relacionada à saúde, à cosmologia, à
reprodução e à divisão de tarefas. O autor recomenda o método etnográfico para
assimilar as práticas alimentares de forma holística. (HERNANDEZ E ARNÀIZ, 2005)
apresenta alguns trabalhos, como o da horta, para informar, por exemplo, que
homens e mulheres trabalham juntos, de igual para igual. Com relação à caça e à
168
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta que delineia esta pesquisa foi inicialmente impulsionada por Jerry
Matalawê, nos idos de 2004, quando ele questionava o papel das Universidades,
que estimulavam a pesquisa na área indigenista, mas no decorrer da pesquisa,
unicamente se serviam dos dados coletados, faziam seus trabalhos, obtinham seus
títulos e não se propunham a proporcionar nenhum retorno ou qualquer benefício
para as aldeias ou os índios. Por outro lado, Nitynawã, em setembro de 2006,
questionava a estranheza dos turistas e visitantes pelo fato dos índios quererem
usar calça jeans, andar de carro, morar na cidade e assistir televisão. Sem entender
o posicionamento dos não-índios, ela argumentava, de forma singela, que os índios
também eram gente, que também queriam chuveiro quente e cama macia. Com
base nesses dois testemunhos, a pesquisa tornou-se um desafio válido e compatível
com a linha de pesquisa ofertada pela Unisinos a partir de 2014.
Naquele momento, era preciso estreitar laços com os moradores das aldeias
de Coroa Vermelha, onde ficava a Escola Indígena, que havia sido o primeiro
contato, e, a seguir, a Reserva da Jaqueira, onde seus habitantes ofereciam mostras
de cultura variada a cada visita semestral. A sequência de tarefas da pesquisa
sugerida pela metodologia etnográfica exigiria uma convivência diária, que
possibilitasse muita observação, registros de imagens, entrevistas, assim como sons
e imagens em movimento. Para cumprir essa etapa seria necessário morar próximo
ao campo de pesquisa.
A pesquisa etnográfica que funda esse texto registrou o povo Pataxó das
comunidades da região sul da Bahia, especificamente do entorno de Coroa
Vermelha e da Reserva da Jaqueira, atuando como protagonista de sua
historicidade numa conjuntura de relações interétnicas, muitas vezes por força das
atividades de etno-turismo, que pesa na escolha de atividades lucrativas na região e
praticamente os obriga a conviver com pessoas de muitos países diferentes e por
consequência, muitas culturas diferentes. Esse fato os beneficia temporariamente
pela entrada de numerário que os ajuda na manutenção de suas despesas básicas,
mas também os prejudica pela conotação de serviço, que são obrigados a cumprir,
por necessidade de “mostrar” seu modo de vida, reafirmar sua cultura e repetir a
cada novo contato, suas bases culturais e a reafirmação de sua identidade étnica
numa tentativa, nem sempre exitosa, de evitar a discriminação e a curiosidade
invasiva do olhar do “outro”.
europeu que chega na América, a batiza com seus nomes, em sua língua e a invade
com suas armas, seus costumes e sua prepotência. O outro, na visão do invasor,
passa a ser o habitante nativo, o dono das terras, donde tira sua subsistência, que
preserva com sabedoria milenar e considera sagrada. Os colonizadores usaram toda
a força do etnocentrismo, trataram os povos indígenas do Novo Mundo como seres
inferiores e aculturados. Os termos degradantes, para designar os índios,
encontrados na historiografia clássica brasileira e outros escritos da época,
envergonham qualquer pesquisador atual. Tal imagem negativa se deve ao período
da colonização, e a consequente emergência em ocupar e povoar a terra recém
descoberta, permitindo-se pregar sua própria superioridade racial e cultural.
Destaque-se o espírito de guerra, que se instalou então e como as onças, cobras
venenosas e jacarés, paralelamente aos índios foram tratados da mesma forma,
como forças primitivas da natureza que se apresentavam como desafios à
conquista.
“modos vivendi” precisam ser revistos, e dessa vez, interpretados como resultado da
própria forma como eles compreendem sua tradição ancestral e como esse
conhecimento se conecta com sua consciência histórica. A sua prática cotidiana de
conviver com a diversidade de povos e culturas, de certa forma, amplia sua
concepção intercultural e os capacita a dialogar com os parâmetros individualistas e
metafísicos da ontologia não índia, estabelecendo um equilíbrio dinâmico entre os
fundamentos de sua cosmologia e os fundamentos ideológicos dos “outros”.
A construção dos significados das manifestações observáveis, pelo
desdobramento de ideias cosmológicas, pelas marcas de identidades expressas em
cada trilha da comunidade, cada indivíduo pintado e adornado, cada “mangute”
experimentado, cada som cantado ou de apito, cada passo de dança Pataxó remete
ao sentido interno e externo dos rituais, fixa bases que estão muito além da fala (ou
da escrita, se houver), e se constituem em instrumento fundamental para interpretar
a lógica dos significados que se podem obter pela análise do discurso nativo. Têm
sido protagonistas nesse papel de ressignificação cultural os anciãos das aldeias,
aqui representados por Takwara Pataxó (Ana da Conceição, nascida em 10 de junho
de 1922) que, valendo-se de sua memória informa, orienta e atualiza os seus
descendentes sobre a língua, os ritos e mitos Pataxó desempenhando uma função
primordial não apenas na identidade da comunidade, mas na sua união.
Esse empenho em retomar as terras e retomar a luta na direção de se auto-
desbravar e se conhecer mais como índio e como índio Pataxó, a língua e as
músicas destacam-se num papel imprescindível. O movimento de reafirmação étnica
e de retomada dos territórios tradicionais do povo Pataxó, gradativamente foi se
fortalecendo e tomando forma, a ponto de ganhar fama e adquirir adeptos. Esse
movimento foi capaz de trazer de volta aqueles parentes, que cansados de tanta
discriminação, tinham abandonado seu povo e negavam sua ascendência.
Dessa forma, a Reserva da Jaqueira, que ocupa um território de 840
hectares, no início contava com pouco mais de vinte habitantes, atualmente se
aproxima dos cem, enquanto que a aldeia urbana de Coroa Vermelha, inaugurou em
seu entorno novas aldeias, a exemplo de “Nova Coroa”, que apesar de recente, já
tem seu centro de artesanato e promove suas próprias festas.
O Aragwaksã, serve de exemplo na luta por retomada de terras e fortalece
outros parentes a se sentirem empoderados e instituírem outras lutas em outros
territórios que permanecem em discussão. Esse um é desafio muito grande, pois é
174
respeito por sua cultura. Como foco de pesquisa, levou-se em consideração que o
casamento é um momento único e muito especial na vida de um casal, quando
resolvem oficializar a relação para formar uma família. Mas, por ser um ato jurídico e
previsto por lei, existem requisitos e obrigações que devem ser cumpridos para que
possa ser formalizado.
Segundo o artigo 1521 do Código Civil Brasileiro não podem realizar o
casamento no civil parentes diretos, entende-se como pais e filhos, avós e netos, a
lei impede o casamento de parentes naturais consanguíneos ou biológicos,
impedindo também o parentesco civil, com filhos adotivos. Só para esclarecer, tal
impedimento se estende aos parentes em linha reta, englobando conjugues ou
companheiros em união estável em relação aos parentes do outro em linha direta,
nesse caso incluiria ainda nora e sogro, sogra e genro, padrasto ou madrasta com
enteados, etc. Nos casos de adoção, fica impedido a união entre o adotante com
quem foi cônjuge do adotado e vice versa.
O casamento é previsto na Constituição em seu art. 226, que estabelece,
primeiramente, ser o mesmo civil, com celebração gratuita, e assegura ainda os
efeitos civis ao casamento religioso, nos termos da lei. No Código Civil, regula-se
pelos artigos 1.511 a 1.590.
Por conceito, o casamento é considerado um ato de celebração da união em
matrimônio de duas pessoas que passam então a manter uma relação jurídica
matrimonial. Assim, ele é um ato jurídico (celebração), que cria entre duas pessoas,
que a ele voluntariamente aderem, uma relação jurídica de efeitos pessoais e
patrimoniais, chamada relação matrimonial.
Awêri (Obrigada).
176
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANARÍ PATAXÓ. Desenho extraído do livro Raízes e Vivências do Povo Pataxó nas
Escolas, Autoria Coletiva, 2005, p.20.
ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso. Etnografia da prática escolar. Campinas, São
Paulo: Papirus, 1995.
ARAÚJO, Miguel Almir de. Pela dignidade e boniteza humanas. Feira de Santana-
Ba: Imprensa Universitária UEFS, 2017. Ilustração de capa: Mandala do Movimento
Zapatista no México. Cordel.
BELMIRO, Célia Abicail. Um estudo sobre relações entre imagens e textos verbais
em cartilhas de alfabetização e livros de literatura infantis. Tese de Doutorado.
Orientadora: Profa. Dra. Cecília Maria Aldigueri Goulart, 2008. Disponível em:
< http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/textos-visuais>.
Acesso em: 06 fev. 2018.
CARVALHO, Maria Rosário de; CARVALHO, Ana Magda (Org.). Índios e caboclos: a
história recontada. Salvador: EDUFBA, 2012.
178
COLEÇÃO Brasil 500 anos. Período 1500 - 1530. v. 1. São Paulo: Abril, 1999.
CRESWELL, John. Qualitative inquiry and research design: choosing among five
traditions. Thousand Oaks: SAGE, 1998.
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. 1.ed. em 1999. Bauru:
Edusc, 2012.
DEBRET. J.B.. Carta enviada aos senhores membros da Academia de Belas Artes
do Instituto de França. In: DEBRET. J.B.. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil.
179
Tradução de Sérgio Millet. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1989. (Coleção
Reconquista do Brasil. 3. Série Especial, tomo primeiro).
DECCA, Edgard de. O estatuto da história. Revista Espaço e Debates, São Paulo,
v.11, n.34, 1991.
FAUSTO, Carlos. Os índios antes do Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
FREITAS, Edinaldo Bezerra de. Fala de Índio, História do Brasil. O desafio da Etno-História
Indígena. História Oral (Rio de Janeiro), São Paulo, v. 7, 2004.
LÉRY, Jean de. Viagem à terra do Brasil. Tradução de Sérgio Milliet; bibliografia de
Paul Gaffarel; colóquio na língua brasílica e notas tupinológicas Plínio Ayrosa. Belo
Horizonte: Ed. Itatiaia, 2007.
LUCIANO, Gersen José dos Santos. O Índio brasileiro: o que você precisa saber
sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/ Museu
Nacional, 2006.
MAGALHÃES, General Jose Vieira Couto de. O selvagem. 1.ed. em 1876. Rio de
Janeiro: Typografia da Reforma,1935. Disponível em:
<http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/182909>. Acesso em: 19 maio 2017.
MOTA, Clarice Novaes. Ser indígena no Brasil contemporâneo: novos rumos para
um velho dilema. Revista Ciência e Cultura, ano 60, n. 4, out./nov./dez. 2008.
OSBORNE, Harold. Estética e Teoria da Arte.1ª ed.1968 São Paulo: Cultrix, 1974.
PARAÍSO, Maria Hilda. Os Botocudos e sua trajetória histórica. In: CUNHA, Maria
Manuela. A história dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras/
Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 1992.
PATAXÓ, Nitynawã. Yêp Xohã Ui Awãkã Pataxó (As guerreiras na história Pataxó).
Rio de Janeiro: Museu do Índio – FUNAI, 2011.
______. Jokana vestida conforme a tradição, com palha, côco, plumas e sementes.
Reserva Indígena Pataxó da Jaqueira. Porto Seguro, 2016. 1 fotografia, color..
______. Momento da bênção dos guerreiros para a felicidade dos noivos. Kijemi
Grande. Reserva Indígena Pataxó da Jaqueira, Porto Seguro, 2008. 1 fotografia,
color..
PILLAR, Analice Dutra. Educação do olhar no ensino das artes. Porto Alegre:
Mediação, 2011.
RIBEIRO, Berta G.. O índio na cultura brasileira. Rio de Janeiro: Graphos, 1987.
RUGENDAS, Johann Moritz. Ponte de cipó. 1824. Óleo sobre tela, color.
SANTOS, Luis Henrique Sacchi. Sobre o etnógrafo-turista e seus modos de ver. In:
VORRABER, Maria; BUJES, Maria Isabel Edelweiss (Orgs.) Caminhos
investigativos: riscos e possibilidades de pesquisar nas fronteiras. Rio de Janeiro:
DP&A, 2005.
SILVA, Gilberto Ferreira da; PENNA, Rejane; CARNEIRO, Luiz Carlos da Cunha. RS
índio: cartografias sobre a produção do conhecimento. Porto Alegre: EDIPUCRS,
2009.
SILVA, Oscar Pereira da. Desembarque de Cabral em Porto Seguro em 1500. 1922.
190cm X 330cm.
TRINCHÃO, Gláucia M. Costa; OLIVEIRA, Lysie dos Reis. A história contada a partir
do desenho. In: ANAIS do Graphica 98: Congresso Internacional de Engenharia
Gráfica nas Artes e no Desenho & 12 Simpósio Nacional de Geometria Descritiva e
Desenho Técnico. p. 35-43. Feira de Santana: UEFS/ABPGDDT, 1998.
TUGNY, Rosângela Pereira de; QUEIROZ, Ruben Caixeta de. (Org.). Músicas
africanas e indígenas no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
VIDAL, Lux Boelitz. Grafismo indígena: estudos de antropologia estética. São Paulo:
EDUSP, 2007.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
CESAR, América Lúcia Silva. Lições de Abril: construção de autoria entre os Pataxó
de Coroa Vermelha. Tese de Doutorado. Instituto de Estudos da Linguagem,
Universidade Estadual de Campinas, SP. Orientadora: Profª. Dra. Marilda do Couto
Cavalcanti. Campinas: 2002.
MARTIUS, Carl F. P. Von. Como se deve escrever a História do Brasil in: O Estado de
Direito entre os autóctones do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia/EDUSP, 1982.
POLLAK, M. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.2 nº3,
1989, p.3-15.
RIBEIRO, Darcy. Diários índios: os Urubus-Kaapor. São Paulo: Companhia das Letras,
1996.
SOUZA, Mabel Freitas Araújo de & SOUZA, Rafaela dos Santos. Historiografia e memória:
Construção e veiculação do esteriótipo indígena. A pala re-vista, ano 1, n. 1 (dez.2010) –
Feira de Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana, 2010, p.28-32.
186
VARNAGEN, F. A. História Geral do Brasil. 10ª ed. Integral. São Paulo, EDUSP, 1981. (1ª
ed. 1867). p.30
187
ANEXOS
188