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Volume28 2022 BenzimentoemMovimento - MaterialidadeBnoseCurasnoSuldeMinasGerais

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Benzimento em Movimento: Materialidade, Bênçãos e Curas no Sul de Minas


Gerais

Book · February 2023

CITATION READS

1 52

1 author:

Mariana De Carvalho Ilheo


University of Campinas
11 PUBLICATIONS 12 CITATIONS

SEE PROFILE

All content following this page was uploaded by Mariana De Carvalho Ilheo on 06 February 2023.

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Benzimento em Movimento:
Materialidade, Bênçãos e Curas no Sul de Minas Gerais

Mariana de Carvalho Ilheo


REALIZAÇÃO REVISÃO
Prefeitura Municipal de São José dos Campos João Campos
Fundação Cultural Cassiano Ricardo
Centro de Estudos da Cultura Popular PREPARAÇÃO DE TEXTO
Museu do Folclore de São José dos Campos Avelino Israel
Maria Siqueira Santos
DIRETOR-PRESIDENTE DO CENTRO
DE ESTUDOS DA CULTURA POPULAR PROJETO GRÁFICO E CAPA
Ricardo Savastano Magno Studio

GESTÃO DO MUSEU DO FOLCLORE TRATAMENTO DE IMAGENS E


DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Francine Maia - até set/2022 Magno Studio
Maria Siqueira Santos - após set/2022
IMPRESSÃO
AUTORA Allcor - Gráfica e Editora
Mariana de Carvalho Ilheo São José dos Campos - SP

Ficha Catalográfica
Elaborada por Cíntia Cássia Soares – CRB 8848- 8R

I29b
Ilheo, Mariana de Carvalho.
Benzimento em movimento: materialidade, bênçãos e curas no sul de Minas
Gerais / Mariana de Carvalho Ilheo. São José dos Campos, SP: CECP; FCCR,
2022.
297p. : il. ; PDF. - (Cadernos de folclore ; v.28)

1.Religiosidade Popular 2. Benzimento - Benzedores 3. Cultura Popular –Sul de


Minas Gerais I. Título.
CDU:398.233(81)
CDD:398(81)

Copyright @ Mariana de Carvalho Ilheo


Todos os direitos reservados

MUSEU DO FOLCLORE DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS


Av. Olivo Gomes, 100 – Santana (Parque da Cidade)
São José dos Campos – SP
(12) 3924-7318 / (12) 3924-7354
www.museudofolclore.org
Fundação Cultural Cassiano Ricardo

Centro de Estudos da Cultura Popular

Coleção Cadernos de Folclore


28º volume

Benzimento em Movimento:
Materialidade, Bênçãos e Curas no Sul de Minas Gerais

Mariana de Carvalho Ilheo

2022
São José dos Campos, SP
Àquelas que habitaram o mundo antes
de mim e, sabendo demais, foram
incendiadas em nome e uma verdade
absoluta, universal e inexistente.

À saudosa memória da benzedeira


campestrense D. Teresinha “Luiza”,
falecida em dezembro de dois mil e vinte.
Uma rica reflexão
Em continuação ao projeto Coleção Cadernos de Folclore, temos a satisfação de
apresentar o 28º volume, intitulado Benzimento em Movimento, da pesquisadora
Mariana de Carvalho Ilheo.

Esta edição, escrita de forma peculiar, expõe a tradição cultural do benzimento


que, como a própria autora relata, é “a combinação de três valores: abençoar, bem
dizer e curar; relacionado à interconexão entre as experiências religiosas, terapêuti-
cas e mágicas.”

Acreditamos que, para além da pesquisa, este texto remeterá o leitor à antigas
lembranças, permitindo uma rica reflexão entre as práticas culturais muitas vezes
vivenciadas e as práticas atuais, com a apropriação de novos conceitos, a retenção e
a forma de se apropriar da cultura para transmissão futura.

Desejo a todos uma boa leitura!

Ricardo Savastano
Presidente do CECP
Valorização da nossa cultura popular
Chegar ao 28º volume da Coleção Cadernos do Folclore representa a valoriza-
ção da nossa cultura popular, investimentos nos esforços para colocar luz às nossas
raízes e tradições, trazendo à tona muitas explicações do que e de como vivemos na
atualidade.

A Fundação Cultural Cassiano Ricardo se orgulha em participar deste impor-


tante trabalho da pesquisadora Mariana de Carvalho Ilheo, que nos oferece um rico
material sobre a tradição do Benzimento, que possui suas várias vertentes religiosas
e que ainda está presente em muitas comunidades.

A modernização, por sua vez, não suprime a herança cultural provocada pela
religiosidade e pelo misticismo. Essa medicina popular promovida por benzedeiras
e benzedeiros faz parte da nossa cultura. Isso deve ser sempre valorizado. Essa ri-
queza, que se traduz em Patrimônio Cultural Imaterial, alicerça o modo de vida das
pessoas e reconta a nossa própria história.

A cultura popular faz parte da nossa identidade. E esse caderno “Benzimento


em Movimento” contribui para dar visibilidade aos processos culturais na região e
no Brasil.

Boa leitura!

Fundação Cultural Cassiano Ricardo


Agradecimentos
Antes de qualquer coisa, agradeço às pessoas com quem me encontrei durante
o caminho percorrido. A realização deste trabalho só foi possível graças às interlo-
cutoras e interlocutores que vivem e constroem a realidade da qual ela trata, assim
que essas pessoas são tão autoras quanto eu porque este é o resultado das lições
aprendidas ao longo desse processo – para o qual o apoio afetivo, mas também
material, de minha família foi constante.
Sou grata às amigas e aos amigos que tenho por compreenderem meus sumi-
ços e ausências durante o Mestrado, respeitando o fato de que este foi um período
solitário. Igualmente agradecida aos colegas ingressantes no ano de 2018, pelos
comentários preciosos e momentos compartilhados. Às mestras e aos mestres que
tive durante este momento, meu agradecimento e admiração sempre. Ao PPGAS,
por toda a estrutura oferecida, bem como ao Laboratório de Antropologia da Re-
ligião (LAR/Unicamp). Esta rede viabilizou o contato com pessoas incríveis que
participaram ao longo de sua execução, mas sobretudo nas bancas de qualificação
e defesa. Por fim, levo comigo as palavras de estímulo do orientador Ronaldo de
Almeida e do coorientador Hugo Soares mais que a colaboração laboral. Agrade-
ço imensamente aos dois pela paciência e ponderação; mas, principalmente, pela
parceria.
O texto apresentado ao Chamamento Público foi fruto deste trabalho, corres-
pondendo a uma versão da dissertação de Mestrado em Antropologia Social apre-
sentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UNICAMP.
O projeto contou com financiamento do Centro Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), durante 24 meses – o que tornou viável a exe-
cução da pesquisa, bem como participação em eventos científicos e publicações
relacionadas. E foi registrado sob o Certificado de Apresentação e Apreciação
Ética nº 04437318.3.0000.8142. À Universidade Pública sou devedora e minha
formação básica da Educação Pública é o resultado.
Por isto, sou grata ao espaço cedido pelo Museu do Folclore e também ex-
tremamente honrada por fazer parte da Coleção Cadernos de Folclore, uma das
mais importantes referências dos estudos sobre a cultura popular em nosso país.
Especialmente à Francine Maia, agradeço pela paciência e atenção.
Vida longa ao Museu e ao Folclore de nossas gentes!
Mariana,
Campinas, Junho de 2022.
A vida, em suma, é um movimento de
abertura, não de encerramento (INGOLD,
2015 a, p. 26).

O gerais corre em volta. Esses gerais são sem


tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova,
o senhor sabe: pão ou pães, é questão de
opiniães... (ROSA, 2001 a, p. 24).

Aqueles que tomam rochas por crocodilos


têm maiores chances de sobrevivência do que
aqueles que confundem crocodilos com rochas
(INGOLD, 2015 a, p. 116).
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Capa do Capítulo 1:
Retirado de Ingold (2015), página 43

Capa do Capítulo 2:
Retirado de Oliveira (1985), página 81

Capa do Capítulo 3:
Imagem do Anúncio do “Plano Nacional de Vacinação” ( Jornal Botija Parda,
11/12/1971), página 111

Capa do Capítulo 4:
Ossos da mão, JalekoArtmed TM, página 153

Capa do Capítulo 5:
Desenho autoral livre (2020), lápis 2b em papel sulfite A4, página 183
Sumário
A trama................................................................................................................................ 21
Introdução......................................................................................................................... 25
Parte I: De fora pra dentro..................................................................................... 43
Capítulo 1. O que é benzeção agora?.................................................................................... 43
Medicina mágica, simpatia religiosa, reza terapêutica......................................... 46
A invenção do benzimento como cultura popular brasileira............................. 50
Culturalização do sagrado e sacralização da cultura............................................. 57
Uma nova era? ................................................................................................................ 65

Capítulo 2. Tecnologias de benzer........................................................................................ 81


No princípio, o verbo..................................................................................................... 81
Considerações sobre as formas de transmissão do saber-benzer
e a “educação da atenção”.............................................................................................. 88
As habilidades do corpo que benze........................................................................... 97
Do oral ao digital......................................................................................................... 101
Recolocando as coisas no lugar................................................................................ 106

Parte II: De dentro pra fora............................................................................... 111


Capítulo 3. Curas e bênçãos entre águas caudalosas e formosas colinas...........111
Terra, água e sangue.................................................................................................... 111
Benzedeiras e benzedores: gente da terra............................................................. 120
Mediações para um circuito de benzedura........................................................... 135

Capítulo 4. Os ossos do ofício................................................................................................ 153

Capítulo 5. “Trens” de benzer................................................................................................183


“Truques” para benzer................................................................................................ 198
Adoçar............................................................................................................................. 202
Amarrar / Desamarrar................................................................................................ 203
Beber.........................................................................................................204
Cortar........................................................................................................206
Costurar....................................................................................................208
Pingar .......................................................................................................209
Proteger.....................................................................................................210
Purificar.....................................................................................................212
Puxar.........................................................................................................214
Rezar.........................................................................................................216
Tirar..........................................................................................................219

Arremate.............................................................................................................. 223

Referências: Fontes bibliográficas..................................................................... 229

Documentos......................................................................................................... 256

Documentários.................................................................................................... 258

Apêndice (s).......................................................................................................... 259


1. Quadro de interlocutores nodais............................................................259
2. Síntese dos dados sobre a produção bibliográfica acadêmica.................260
3. Composição religiosa da população no estado
e municípios da microrregião....................................................................263
4. Calendário devocional na microrregião..................................................267

Anexo (s)................................................................................................................277
1. Comprovante de envio ao Comitê de Ética em Pesquisa.......................277
2. Termo de consentimento livre e esclarecido simplificado.......................278
3. Questionário aplicado............................................................................282

20
A trama

T entando achar uma forma de começar a tecer este texto, juntando as ex-
periências de pesquisa e leitura, imaginei como seria bordar o “Benzi-
mento em movimento”. Primeiro, me ocorreram algumas lembranças de infância
e da trajetória até o momento de sua escrita. Depois pensei que seria possível
fazê-lo, de fato, se tivesse um pedaço de pano, linha e agulha. Já tinha em casa
coisas básicas para costura, mas precisaria comprar alguns materiais de bordado.
Além disto, precisava minimamente dominar uma técnica – também diferente da
costura, que sempre fiz de modo amador. Com uma pesquisa rápida na internet
digitando no Google “como fazer um bordado simples”, tive acesso a cursos, lojas
de artigos especializados, fóruns de discussão, clube de assinaturas... Navegando
um pouco nesse conteúdo, descobri que o “ponto reto” seria o modo mais simples:
que consiste na passagem da linha de um lado a outro do tecido, guardando um
espaço semelhante entre cada ponto na frente e no verso. Procurei também o “ar-
marinho” mais próximo – uma loja de aviamentos e materiais para artesanato. Na
manhã seguinte, andei até a loja, onde conversei com dois vendedores sobre qual
seria o produto mais adequado para fazer um bordado livre simples; escolhi a cor
verde porque me remeteram a cor das folhas de arruda ou de alecrim, usadas para
benzer. Comprei ainda uma agulha mais grossa e uma tira de algodão cru com 25
cm. Gastei mais ou menos $10. Paguei e voltei andando pelo mesmo caminho até
minha casa.
Ansiosa, coloquei logo um pedaço de linha na agulha e tentei treinar o movi-
mento: bordei uma letra “b” a pontos largos, notando certa dificuldade para atra-
vessar o tecido por conta da agulha (IMAGEM 1). A nova agulha, mais grossa
(A), é mais adequada ao tecido de bordado, tramado em ponto-cruz, de modo que
a linha possa preenchê-lo como um “x”. Dito de outra forma, ela tem a ponta arre-
dondada e é larga para que encontre facilmente o vão entre as linhas cruzadas em
ângulos retos; estas têm uma grossura aproximada à da linha colorida que tomará
a forma desejada. Já o tecido que escolhi, possui tramas muito mais estreitas – com
furos quase que imperceptíveis em relação aos do tecido de bordado. Então, para
não fazer furos muito largos no tecido, deixando buracos marcados, precisei de
uma agulha mais fina – a de costurar (B). Voltei ao livro que me despertara essa
inquietação na noite anterior e, após reler mais algumas páginas, me senti prepara-
da para bordar durante uma tarde toda. Para começar cortei um pedaço de tecido

21
com a altura de uma folha A4 – com aproximadamente 30 cm de altura e 21 cm
de largura, para que coubesse em um escâner comum. Guardando a proporção
desejada, risquei com um lápis o traço das letras.
Imagem 1. Treinando o movimento

Antes de dar os primeiros pontos, agora com a agulha ideal, coloquei em práti-
ca mais algumas dicas assistidas em inúmeros vídeos do YouTube, nos quais as bor-
dadeiras ensinam os passos enquanto praticam o bordado. Um dos detalhes mais
importantes, uma vez que “segura” o desenho, é o arremate: que deve ser feito ao
início e término de cada traçado completo ou quando seja necessário interrompê-
-lo. Recomenda-se que o primeiro nó não seja dado logo no início do bordado, e
sim no segundo ou terceiro ponto, para que a linha não se repuxe e nem ao tecido.
Comecei a pontilhar a letra “B” lentamente e, depois de arrematar, tentava
perceber qual era a melhor posição para as mãos esquerda e direita quase que
intuitivamente – como destra, nesta segurava a agulha e na outra firmava o tecido.
Percebia aos poucos que não somente as mãos, mas todo meu corpo precisava
estar alinhado de modo que enxergasse a trama do tecido e o local onde a ponta
da agulha atravessaria, sem risco de espetar os dedos ou de que o desenho ficasse
muito torto. Sentada em uma cadeira, teria de curvar o corpo demais para conse-
guir bordar. Com uma almofada no colo pude apoiar o punho esquerdo e manter
o tecido mais perto da vista. Assim fui me acomodando enquanto terminava a
primeira letra.
Na passagem do “B” para o “e” a sobra de linha do arremate inicial se ema-
ranhou com a que estava na agulha, fazendo com que eu tivesse de interromper

22
a escrita com um corte na linha para desenroscá-las. Depois, de desmanchar a
letra segui para o “n” até que, na passagem para o “z”, ocorreu outro nó. Além de
atentar para o tamanho da linha na agulha – “se for muito grande enrosca”, ainda
segundo as bordadeiras –, era preciso cortar com precisão a linha dos arremates
para que tal situação não se suceda. Tentei controlar o movimento para deixar as
letras alinhadas em uma linha horizontal imaginária perpendicular às tramas ver-
ticais do pano. Por isso desmanchei uma vez a letra “z” por estar desproporcional
e continuei até o “m” com outro arremate.
Fiz uma pausa e, depois de uma hora, retomei novamente o bordado pela letra
“e” e o desfiz três vezes por causa de um ponto pouco curvo, na metade superior do
traço. Fui até o fim do “n”, quando a linha acabou. Coloquei linha o suficiente para
acabar “Benzimento” contando com a sorte de não enroscar mais nenhuma vez.
Para manter as três palavras alinhadas, tive de desmanchar o outro “e” mais
duas vezes. Na terceira, fui até o fim da última letra de “em”. Com um pouco mais
de linha, resolvi não começar a bordar o “Movimento” pelo “M” e sim pelo “o”. O
intuito era deixar essa letra alinhada ao “o” com que termina a primeira palavra;
tentei também aproximar a distância que a primeira e a terceira linhas teriam da
segunda, alinhando o “m” às duas letras “o”. Bordei, arrematei, voltei ao “M” e ar-
rematei essa letra também. Segui para o “v”, querendo acabar logo e já pensando
em como poderia descrever esse processo. Fui para a letra “o” sem problemas e,
finalmente, arrematei pela última vez o bordado.
Fui fotografando o processo que acabou junto com o dia e, finalizado, coloquei
o tecido plano na lâmina do escâner de uma impressora multifuncional para obter
estas imagens – da frente e também do verso do bordado (IMAGEM 2).
Imagem 2. Verso do bordado

23
Isso porque minha avó já dizia que, para se reconhecer uma boa costureira
ou bordadeira, é preciso “olhar ao avesso”. Com isso lembrava que não importa
somente o que está visível, mas a forma como se vai de um ponto a outro nas en-
trelinhas, os nós de arremate e de transição.
Para fixar o bordado não usei nenhum bastidor – um aro de plástico ou bambu
que serve para tornar o tecido estático, tensionado. Como foi um experimento, não
me dispus a pagar por este custo adicional. Usando as mãos consegui manter os
dedos perto das letras enquanto as costurava com a linha, aumentando minha sen-
sibilidade do tecido; o que também fez com que ele ficasse ligeiramente amassado.

24
Introdução
Quien escribe, teje.
Texto proviene del latín Textum, que significa tejido.
Con hilos de palabras vamos diciendo, con hilos de tiempo vamos
viviendo: los textos son como nosotros, tejidos que andan. (Tejidos,
de Eduardo Galeano, 1999).

O bordado poderia ser aproximado da benzedura em face de sua uma


dimensão artesanal, como um saber-fazer. Esta foi a conclusão de
uma iniciativa que teve como estopim a leitura do conjunto reunido de
“Ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição” escritos pelo antro-
pólogo Tim Ingold (2015 a).
Considerando que a vida é vivida ao longo de linhas – que se relacionam
e modificam entre si – ele se apropria da noção de rizoma, proposta por
Deleuze e Guattari (2012), e propõe um recurso simbólico inverso: o de
substituir a representação do indivíduo como um círculo delimitado e con-
tido, que estabelece um contraste entre o organismo “dentro” e o ambiente
“fora”, pela ideia de linhas em movimento. Isto porque não existe separação,
mas trilhas de movimento que revelam relações ao longo das quais a vida
é vivida: “(...) Cada uma dessas trilhas é simplesmente um fio em um teci-
do de trilhas que juntas compreendem a textura do mundo da vida” (IN-
GOLD, 2015 a, p. 118). Seguindo esses emaranhamentos no devir de um
mundo que inclui humanos, não humanos, materiais e etc., a pessoa cami-
nhante adquire “maior sensibilidade e capacidade de resposta, na percepção
e na ação, a um ambiente que está sempre em fluxo, nunca o mesmo de um
momento para o outro” (Idem, p. 116). Logo, a trama não é uma entidade
e sim “(...) um feixe ou tecido de fios, firmemente reunidos aqui, mas que
arrasta pontas soltas ali, que se emaranham com outros fios de outros fei-
xes” (Ibidem, p. 148). Esses feixes são irradiados por uma única fonte e por
meio das linhas é que algo se torna outra coisa. Sua continuidade faz delas
como se fossem fios de uma corda que nunca acaba de tecer; assim como
a vida social, está sempre em processo. A harmonia entre as linhas reside
“[...] no modo como cada fio, como segue adiante, enrola-se em torno dos
outros e, por sua vez, é enrolada numa contra-aparência de reviravoltas de

25
iguais e opostos que a mantém unida e se desenrolando” (INGOLD, 2015
b, p. 11, traduzido).
A possibilidade de deslizar entre campos de conhecimento através das “linhas”
e dos “materiais”, assim como a possibilidade de produzir tais experimentos, me
deixava cada vez mais intrigada. Acionando involuntariamente algum conheci-
mento prático e memórias afetivas de sua aquisição, fui movida por certa inquie-
tação interna já que ainda desde criança costumava observar minhas duas bisavós
maternas – uma, tricotando e bordando peças como colchas, xales ou toalhas, e, a
outra, fazendo roupas e emendando carnes (Cf. ILHEO, 2018). Então imaginei
a primeira parte do título da pesquisa calculando o espaço e o tempo necessários,
pensando estar hábil. E ao fazê-lo, sentada em uma cadeira, através do movi-
mento da linha na agulha por um espaço determinado – de um ponto a outro
em um trajeto riscado a lápis –, percebia muitas outras linhas. Através delas, ia
alinhavando as condições materiais do bordado e um corpo bordando no mundo.
Parafraseando Ingold, a cada arremate o bordado se amplia em direção a uma
trama mais complexa e aponta o fato de que “estar vivo” não cabe em uma tira de
algodão cru, assim como as “linhas de vida” tecem continuamente pessoas, coisas e
o ambiente. Porque esse emaranhado criativo é a vida, e a vida é como uma malha
1
(Cf. INGOLD, 2015 a, p. 121).
Como uma artesã – costureira, bordadeira ou benzedeira –, vou tecendo essa
trama com fios de palavra. Conforme o uruguaio Eduardo Galeano, constatando
as linhas e seu movimento, acompanhando essa abertura. Ao mostrar o verso do
bordado, a intenção é identificar entender o processo pelo qual elas se emara-
nham, seguindo seu fluxo. Então interessa não somente identificar sua diversidade
e as diferenças entre elas, mas refletir sobre a forma como são constituídas e se
transformam mutuamente. Isso inclui habilidades, coisas, materiais meios, sabe-
res, eventos e aspectos sociais, modos de regulação, etc. O bordado-experimento
marcou o processo de escrita quase como um “ritual de iniciação”, convertendo-se
em um exercício mnemônico da própria trajetória pessoal; o que poderia ser dito
de forma prosaica: sendo eu mesma um ponto que, em movimento, se tornou li-
nha com “os Gerais correndo em volta” – como escreveu João Guimarães Rosa – e
tendo “uma benzedura no meio do caminho”, parafraseando outro conterrâneo.
Muito além das metáforas, a literatura regional é uma das expressões artísticas
que contemplam a presença da prática no cotidiano mineiro, sem opor ficção e
realidade e sim permitindo paralelos entre tais planos. Como na história do jovem

1
Do Inglês meshwork.

26
burro pedrês que, com uma cobra ao pescoço, só “não morreu porque a lua era boa
e o benzedor acudiu pronto” (ROSA, 2001 b, p. 30). Esta é alternativa não só para
mordedura de cobras, como para outras doenças relacionadas a animais: “bicheira”
de gado ou problemas na pele de cachorros, por exemplo. E também ao tratamen-
to de gentes de todas as camadas sociais – incluindo também escritores, conforme
testemunha uma carta 2 de 1980, onde Carlos Drummond de Andrade relata ter
sido acometido por um cobreiro “tão forte que nem benzedeira deu jeito”. A ben-
zedeira, por sua vez, aparece como detentora de um notório saber que lhe permite
estabelecer contato com o sagrado e ter na cura seu ofício; dessa forma, são fun-
damentais para a manutenção da vida porque tratam um conjunto específico de
problemas por meio de cura e bênção. Como conta o conto de Cidinha da Silva, a
presença de mulheres como “Dona Zezé” se multiplica e marca a formação social
de Minas Gerais: “Sete, oito, nove, dez gerações foram cuidadas por seus gestos
e palavras. Vento virado, cobreiro, mau olhado, espinhela caída, carne quebrada e
outros males, tudo ela costurava” (SILVA, 2018, p. 67).
Assim que, tendo testemunhado o ritual desde minha própria infância, o cami-
nho enquanto pesquisadora começa ainda durante a graduação em Ciências So-
ciais, com a feitura de duas pesquisas de Iniciação Científica. A primeira culminou
também na monografia, defendida em 2017 e publicada no ano seguinte com o
título Tradição e prática: um estudo etnográfico do benzimento em Campestre (MG).
Com ela pude refletir sobre tensões em torno de sua ocorrência e continuidade,
dos significados e das condições de sua realização, assim como dos elementos do
processo ritual – formas de iniciação e transmissão, espaços, símbolos e materiais
(ILHEO, 2018). Apresentando nuances no plano empírico, foram descritos as-
pectos da economia de dádiva e teve início um levantamento de agentes populares
e reunir os primeiros fios para tecer uma rede de interlocutores – adeptos e não
adeptos. Além de alguns esclarecimentos sobre a posição dos agentes em relação
ao campo religioso do município – sem desconsiderar o fluxo e a circulação de
coisas entre contextos diversos –, notou-se a identificação com outros rituais do
catolicismo popular em meio a um calendário marcado pela religiosidade. E tam-
bém os usos de ervas e plantas medicinais em outros momentos, muito além do
ritual.
Daí em diante, os projetos foram se ramificando conforme a prática apareceu

2
Trecho de carta a Procópio de Carvalho, em 25 de maio de 1980, na qual critica a imprensa itabirana
e seu entreguismo ao capital e à empresa Vale (Fonte original disponível em <http://observatorio-
daimprensa.com.br/armazem-literario/drummond-de-andrade-faz-critica-da-imprensa-em-texto-inedi-
to/>. Acesso: julho/2019).

27
junto a outros ofícios tradicionais, fato que demonstra sua relação com o sagrado e
a mediação para a experiência de cura e bênção dentro esse sistema. Um primeiro
desdobramento veio com a segunda iniciação científica, um estudo das Folias de
Reis no qual as bandeiras centrais, analisando as trajetórias de alguns mestres e sua
importância na divisão do trabalho ritual com um levantamento das companhias
locais e acompanhando seu deslocamento em diferentes momentos do giro, emer-
ge a circulação de bênçãos e curas em meio ao ciclo ritual – mediada por mestres
que, por vezes, atuam enquanto foliões-benzedores. Argumentei que é através dos
mestres e das bandeiras se estabelece a correspondência entre a narrativa mítica, o
grupo, o sagrado e os devotos. E concluí que este movimento é sincronizado, pois
assim como o mestre faz a bandeira, a bandeira faz o mestre (ILHEO, 2017 a).
Outra observação foi feita para a sobreposição deste ofício a outras especiali-
dades, possibilitando a conjunção de saberes em torno de acolhimento, cuidado e
dádiva – não necessariamente associados à religiosidade, mas inevitavelmente por
ela perpassados. Isto foi verificado no caso de benzedeiras atuantes como parteiras
e ervateiras: as “senhoras do sagrado, médicas do povo”, tratando dos corpos de
mães e crianças, mas também da manutenção da saúde familiar como um todo, já
que poderiam lidar com problemas de diferentes ordens (ILHEO, 2017 b). Atra-
vés de espaços de socialidade exclusivamente femininos, as mulheres estabelecem
a circulação de saberes e memórias pela oralidade e entre gerações. Apesar de
ter sua ocorrência associada a um modo de vida “rústico”, viabilizam a produção
de afetos entre benzedeiras e mulheres assistidas e articulam uma rede de apoio
– pela qual podem circular além dos saberes, ainda objetos de uso religioso ou
terapêutico e bens de subsistência para prover necessidades básicas.
Assim que – analisando a partir de um caso as mudanças no campo religioso, a passa-
gem de um modo de vida rural para um espaço urbanizado, a especialização do trabalho
de cura e a produção de bens espirituais, bem como os saberes e elementos associados
ao processo ritual –, foi possível estabelecer vinculações com processos mais amplos.
Considerando não só a forma como eles incidem nas microrrelações, como também
as contribuições das pequenas escalas para pensar nos meandros de tais processos. Isso
também permitiu ampliar o escopo para além da questão religiosa, cruzando referências
a fim de compreender as bases materiais de sua ocorrência neste universo em vista de um
regime de conhecimento em relação ao qual sujeitos e objetos se constituem. Ao longo
desta imersão sistemática no assunto, emergem alguns pontos nevrálgicos relacionados
a questões metodológicas e empíricas que me conduzem a esta pesquisa e em meio a ela
foram revistos. Aquele que justifica sua relevância consiste em compreender como essas
diferentes linhas culminam nas transformações em relação ao fenômeno.

28
Como o modo artesanal de fazer queijo, por exemplo, o saber-benzer se cons-
titui pela experiência e combinação de conhecimentos não institucionalizados –
tendo na oralidade e relações comunitárias suas principais formas de transmis-
são nos moldes tradicionais (Cf. ILHEO, 2019 a). Para o caso mineiro, Belisa
Gaudereto (2017) afirma que a “arte de transformar o leite em queijo” coloca em
relação não somente os saberes e seus detentores, mas o meio e as potencialida-
des dos materiais em um processo que vai dos cuidados com a terra e o gado às
condições de preparo do alimento. Neste sentido, aciona sentimentos, memórias
e identidades na medida em que se expressa enquanto modos de relacionar-se
com o ambiente; e com a comercialização, emergem conflitos locais em torno de
sua produção, regulamentação e consumo atravessados por relações de poder e
distribuição de recursos. Sua circulação entre diferentes regimes de valor, podendo
tornar-se alimento, mercadoria ou patrimônio cultural – o que revela os processos,
as disputas e os deslocamentos de sentido que lhe constituem. Portanto, o queijo
depende tanto de condições ambientais e da interação vital ali presente, como da
forma pela qual é produzido localmente e, sobretudo, do reconhecimento de sua
autenticidade enquanto tal.
A “arte de benzer”, conquanto, não produz mercadorias e sim bênçãos e curas
em regime de dádiva; este princípio remete a um vínculo estreito com o sagrado
que legitima a habilidade como um dom. Compreendê-la em sua lógica artesanal
significa reconhecer seu potencial transformativo e sua dimensão criativa porque
o fenômeno pressupõe uma abertura em diversos sentidos. Primeiro, para iden-
tificar o problema, seus sintomas e causas – em direção ao corpo de quem sofre.
Uma abertura ao sagrado, na medida em que o corpo que benze opera como seu
veículo, emanado pelas orações e gestos. Por fim, rumo a uma percepção afinada
dos materiais que diz respeito não somente dos usos e manuseio, mas de suas pro-
priedades materiais e simbólicas. Tal habilidade diz respeito à imposição de mãos
e uma boa reza, tanto quanto ao conhecimento dos materiais associados ao dom
divino. Isto envolve a forma como todos os elementos são amarrados para resolver
questões do ser no mundo. Esses arremates aproximam corpo e alma, simbólico e
material, humano e não humano; eles estão alinhados a uma perspectiva holística
que orienta a prática. Dito de outra forma, a prática visibiliza vinculações entre
corpos, saberes, habilidades e materiais em relação ao sagrado, ao ambiente e a
seres não humanos (ILHEO, 2019 a).
A partir disto, tenho argumentado que o verbo benzer designa ações específi-
cas em função do que deve ser tratado: cortar, puxar, tirar, queimar, etc. Combina-
das às orações e procedimentos, associados ou não ao uso de objetos, é que o ritual

29
se realiza. As ações especificam as coisas utilizadas pela correspondência entre
o quê e como curar. Essas coisas podem ser artefatos, religiosos ou não; artigos
de uso cotidiano, plantas, elementos naturais ou materiais variados. Elas variam
em sua composição, tamanho e origem e são selecionadas por sua aplicabilidade.
Com sua inserção no fluxo ritual, depois de consagradas, passam a estar destina-
das exclusivamente a tal fim. Assim, os agentes da benzedura combinam a prece,
também técnicas corporais e tecnologias distintas para fazê-lo da melhor forma.
Ou seja, o conhecimento das doenças e respectivos procedimentos curativos, das
coisas e de como, através do ritual, tudo isso é combinado e se transforma. Do
mesmo modo com a realidade vivida. Pois, se é um mundo emaranhado, é um
mundo emaranhado com benzimento.
Tomemos como exemplo a benzedura para carne rasgada ou rendida – como
é popularmente designado um corte, lesão ou machucado “aberto” –, que consiste
na ação de costurar a carne. Para fazê-lo a benzedeira ou o benzedor precisa de
um pedaço de pano, linha e agulha. São os mesmos materiais do bordado que, em
função de outro procedimento técnico e propósito, costuram coisas distintas. Por
meio do ritual, o tecido se torna correspondente à carne enquanto o agente realiza
suas orações Assim, não se trata de uma representação simbólica do tratamento,
mas da materialização da doença e de sua cura através da oração junto à ação e
materiais específicos. A percepção da doença implica na ação para eliminá-la,
através do ritual e com o auxílio de uma habilidade e, ocasionalmente, dessas coi-
sas: assim com uma linha e agulha, um retalho quadrado será dobrado ao meio e
costurado ao longo de três dias, cada dia em um dos cantos, até que a carne esteja
igualmente emendada.
A fim de síntese, tem-se:

Para benzer carne rasgada, a benzedeira ou benzedor precisa de um pedaço


de tecido cortado em forma retangular, linha e agulha. Para costurar realiza uma
oração enquanto dobra o pano ao meio e costura um dos lados. No dia seguin-
te, repete o procedimento com o segundo lado. No terceiro dia a mesma coisa,
quando o ritual estará finalizado.

PESSOA QUE BENZE com VERBO (BENZER) com AÇÃO ESPECÍFICA


com
COISA(S) com RECEPTOR DA BENZEÇÃO

30
A ação específica é costurar a carne. Para fazê-lo, a benzedeira ou o benzedor
precisa de um pedaço de pano, linha e agulha. As orações variam conforme o
agente e introduzem mais ou menos elementos narrativos que reconstituem tanto
a situação que dá origem ao sofrimento, quanto invoca os meios para superá-
-la metafórica e concretamente. Neste caso, receptor da benzeção é uma pessoa
que sofre dessa machucadura. Enquanto são recitadas, costuma-se perguntar ao
benzido “O que eu coso?”, que responde “carne rasgada” (ILHEO, 2018, p. 80).
Assim, não se trata de uma representação simbólica do tratamento, mas de tecer
a correspondência entre o pano e a carne, pois na medida em que ele é costura-
do, respeitando-se as temporalidades do ritual e da doença, também o problema
tem sua resolução. Entender sua feitura pressupõe tornar evidente o processo de
desenvolvimento das habilidades assumindo que as pessoas não atuam contra as
coisas ou sobre as coisas, mas sim junto com elas (Cf. INGOLD, 2015 a).
As coisas são “boas para pensar” sobre a questão religiosa na medida em que
evocam os problemas antropológicos da definição conceitual e o das formas como
a religião é vivida, construída através de expressões materiais (Cf. POEL, 2018;
DE LA TORRE, 2012; STEIL, 1996; BRANDÃO, 2007; 1983). Desde a cha-
mada “virada material”, nas últimas décadas, muitos estudos chamam atenção para
uma visão “desmaterializada” pela negação das formas materiais em detrimento da
crença, operacionalizando um antagonismo entre matéria e espírito (MEYER E
HOUTMAN, 2019; MORGAN, 2011).
A antropóloga Birgit Meyer (2019 a; 2019 b; 2015; 2011) identifica a in-
fluência da tradição sociológica weberiana nos estudos da religião através de uma
“lente protestante” que rejeita as formas materiais. Em um de seus textos, junto
com Dick Houtman (2019), colocam em questão how things matter – frase que,
na língua inglesa, carrega um duplo sentido, podendo ser substantivo ou verbo a
depender do contexto; ambos os sentidos evocam a relação entre o visível e o invi-
sível no cotidiano e chamam atenção para a urgência de refletir sobre um mundo
de real e material tocando a experiência vivida e corporificada. O esforço está em
colocá-las no centro da questão religiosa, entendendo que as coisas “(…) são uma
das “singularidades” – juntamente com poderes, gestos e palavras (...)” (MEYER
E HOUTMAN, 2019, p. 87).
Pensar que os corpos, espaços ou artefatos oferecem suas bases materiais evi-
dencia como as coisas são produzidas pelo sagrado – jogando luzes sobre como
uma ou outra forma é autorizada dentro de tradições religiosas e associada ao pla-
no transcendente, enquanto mediadores – e ao mesmo tempo produzem crença
(MEYER E HOUTMAN, 2019). Como coloca David Morgan, as coisas depen-

31
dem umas das outras para serem objetivadas: são “[…] coloridas por conceitos,
termos, usos, valorações e histórias, todos estes são fortemente dependentes de
culturas e sociedades […]” (MORGAN, 2011, p. 142, traduzido). Dessa forma,
tomá-las como ponto de partida não é simplesmente compreender os usos que
delas são feitos pelas pessoas, atribuindo agência a objetos inertes, mas pensar no
processo pelo qual se constituem relacionalmente, circulando entre regimes de
produção variados.
Envolvendo conflitos ontológicos, paradigmas conceituais e estéticos refe-
rentes ao processo de conversão de objetos em coisas (MILLER, 2013; MOR-
GAN, 2011; APPADURAI, 2008; KOPYTOFF, 2008), muitos estudos apontam
para a relação entre religião e mídias através de diferentes processos de mediação
(VIOTTI, 2018; STOLOW, 2014). Na intersecção com os estudos da cultura
material em um campo de discussões interdisciplinares, as mídias são concebi-
das como formas dos humanos se conectarem com o divino. Meyer (2015; 2011)
chama atenção ainda para uma dimensão sensória que orienta essas experiências,
tornando o transcendental acessível aos sentidos, como presença. As transforma-
ções, nesse sentido, estão relacionadas com o potencial de mediação das coisas e
com mudanças tecnológicas. Para ela, o desafio está em reconhecer a multiplici-
dade das mídias e o fato de que elas são intrínsecas ao fenômeno religioso apesar
de, paradoxalmente, elas tenderem a desaparecer no processo de mediação – ou
podendo estar ainda mais ou menos aparentes em diferentes graus. Com esta am-
pliação da noção de mídias, são incluídas como possibilidades analíticas corpos,
altares, imagens ou fotografias, objetos religiosos e seculares, plantas ou elementos
naturais, por exemplo (Cf. MEYER E HOUTMAN, 2019; MEYER, 2019 a;
2019 b; STOLLOW, 2014; MORGAN, 2011).
Apontando os processos constitutivos no bojo desse movimento vital, Ingold
defende que “As formas das coisas, longe de terem sido impostas desde fora sobre
um substrato inerte, surgem e são suportadas – como, aliás, também o somos –
dentro desta corrente de materiais” (INGOLD, 2015 a, p. 57). Para ele, os ma-
teriais são “as coisas do que as coisas são feitas” e, da superarão de uma divisão
entre trabalho teórico e prático – que também pode ser pensada em termos de
um trabalho artesanal e um trabalho mecânico –, emerge o interesse pelo processo
criativo. Nesse sentido, o argumento parte da benzeção como um emaranhado
que impulsiona o entrelaçamento de diferentes “linhas”: pessoas, coisas, doenças,
conceitos, eventos, etc. Mais que acompanhar os deslocamentos de sentido que
emergem do plano empírico, trata-se de seguir o fluxo desta trama a partir das
coisas. Resgatá-las é uma tentativa de recuperar uma percepção anímica – e não

32
animista – desse mundo, enfatizando a dimensão criativa em sua feitura (IN-
GOLD, 2017; 2015 a; 2010).
Na tentativa de esclarecer estes equívocos e desmistificar uma visão fetichista
das coisas, o objetivo principal desta pesquisa está em compreender as formas
pelas quais diferentes concepções de corpo e doença são materializadas através
das coisas, tendo como recorte o sul de Minas Gerais. Mostrando como elas im-
portam – isto é, mostrando suas propriedades e usos, simbolismos e potenciais
de mediação na produção de bênção e cura –, o que se espera é chamar atenção
para a articulação entre as propriedades dos materiais em função das ações e das
aflições, orquestrada ao longo de um processo criativo que envolve a habilidade
de saber-benzer.
Desde o título “Benzimento em movimento: materialidade, bênçãos e curas ao
sul de Minas Gerais”, sugiro alguns pontos nodais que sustentam a argumentação
e a construção das hipóteses podem ser desdobrados. O primeiro deles reside no
movimento implicado não só na dinâmica de sua execução, como no fluxo de
ideias e nos deslizamentos de sentido entre diferentes concepções e modos de
benzer. Tal questão envolve o cruzamento de pessoas e trajetórias de vida, ins-
tituições, eventos históricos, espaços e materiais para constituir significados que
não são imutáveis e nem estão envoltos em qualquer camada que lhes impeça de
modificar-se. A estas camadas somam-se dois processos complementares e inter-
conectados que colocam em evidência as condições de sua ocorrência no mundo
contemporâneo.
O primeiro é sua institucionalização, o que tem várias facetas. Uma delas apa-
rece com a patrimonialização – que, no caso de Minas Gerais, tem se dado por
duas vias, uma o reconhecimento do ofício enquanto Bem Imaterial ou Intangível
do Patrimônio Cultural, e outra o reconhecimento dos agentes, mestres da cultu-
ra popular reconhecidos como Patrimônio Vivo. Outra faceta tem a ver com o
seu reconhecimento gradual pelo Estado enquanto Prática Integrativa e Com-
plementar, passando a estar inserida no Sistema Único de Saúde e ter a atuação
dos agentes legitimadas pela expressão do conhecimento da farmacopeia e usos
tradicionais de produtos fitoterápicos associados ao ritual de benzimento; ou ain-
da uma alternativa ligada à espiritualidade, assim outras modalidades terapêuticas
alternativas e tradicionais, auxiliando o tratamento de casos clínicos pela medicina
convencional. Ganhando crescente visibilidade, essa institucionalização também
contempla um crescente na produção acadêmica sobre o tema com a produção
de artigos, teses e dissertações que versam sobre sua permanência e sobre o jogo
entre a dissolução de um modelo tradicional e a emergência de novas modalida-

33
des. Assim, fica evidente que tal resgate não se restringe à produção acadêmica
e mobiliza não só os profissionais da benzedura, mas interesses e lugares de fala
multissituados.
O segundo processo, por sua vez, remete ao resgate da prática em termos
de identificação cultural e reconhecimento social simultâneo à multiplicação
dos agentes e modalidades de benzer na esfera pública. Isso também se dá em
diversas frentes e produz articulações comunitárias de benzedeiras e benzedo-
res – com diferentes graus de institucionalidade – que incluem grupos de dis-
cussão presenciais, de comunidades digitais, e a formação de escolas e espaços
itinerantes de vivência. Trata-se de um movimento para retornar à tradição e
ampliar a difusão dos saberes ligados à sua realização, reconstruindo comunida-
des para troca de experiências e reestabelecendo relações de dádiva. Além dos
cursos presenciais, está disponível na rede um volume significativo de conteúdo
especulativo, informativo e formativo: reportagens, relatos, arquivos em PDF,
transmissões ao vivo... E profissionais que atendem através do celular ou do
computador. Com a comunicação global, passa a ser importante refletir sobre a
forma como é apresentado, assim como novas possibilidades de sua ocorrência
em relação à internet, já que esta se torna uma ferramenta potente não só para
a divulgação, como para a mediação e a produção do benzimento através das
mídias digitais (ILHEO, 2019 b; ILHEO, 2021).
Nesta direção, outro ponto diz respeito à materialidade do fenômeno ou, dito
de outra forma, as coisas através das quais ele existe: os “trens de benzer”, espaços
de atendimento e, como se pretende demonstrar, diferentes mídias que operam
enquanto mediadores do processo e, ao longo dele, tendem a serem ocultadas
em detrimento do resultado final – atrelado à eficácia simbólica. Mas também
a própria pesquisa, o que remete ao movimento nela implicado, mas que não se
encerra em sua execução. Ele vai muito além de textos e relatórios produzidos, ou
mesmo das configurações burocráticas que permeiam uma dissertação de mestra-
do; da mesma forma, a experiência não exclui as experiências de comunicações
orais e participações em eventos – graças ao financiamento concedido para sua
execução – e nem relações ou eventuais problemas de ordem pessoal. Inclui não
só interações entre os pares e a inserção em um campo de debates, como a opor-
tunidade de aprender com o objeto mais do que falar ou escrever sobre ele, o que
possibilita encontros e trocas de informações, de afetos e de aprendizados.
Um terceiro ponto é fruto de um engajamento constante desde a imersão ini-
cial, que significa estar atenta a anúncios pelos lugares ou conversar sobre o assun-
to em ocasiões informais; mesmo a notícias e conteúdo sobre o tema em diversos

34
meios. Investigar sistematicamente por palavras-chave relacionadas ao tema em
suportes e formatos diversos, assim como receber e-mails constantes com alertas
automáticos enviados a cada publicação onde conste “benzedeira”, “benzedor”,
“benzedura” ou “benzimento”. Estabelecer, de fato, relações de partilha com quem
relata sua experiência – como profissional, cliente ou não cliente – mais do que
um período designado para o trabalho de campo, mas o tempo todo. Também
receber mensagens e notificações nas redes sociais porque pessoas conhecidas e
amigos me associaram ao tema, passando a me enviar conteúdo. Tudo isso remete
à trama da pesquisa, com o engajamento junto a familiares, colegas, conhecidos e
interlocutores.
Conforme assumi o lugar de pesquisadora – com enquadramentos que variam
do estranhamento à identificação afetiva, passando pela reflexão exaustiva na ela-
boração deste texto –, por vezes fui colocada no lugar de aprendiz e experimentei
o ritual (IMAGEM 3).
Imagem 3. Sendo benzida por D. Teresinha Luiza (Campestre, 2016)

35
O diagnóstico dado foi olho gordo e “problema de nervos”, sentidos pela benzedeira
através de bocejos com lágrimas e incômodos em seu coro e por ela retirados através do
ato do ritual.

Já tensionando desde os trabalhos anteriores uma objetividade retórica e as


posições de “antropóloga” e “nativa”, isso também contempla descobrir continua-
mente novas miradas a fim de estranhar o que até então me era familiar. Assim que
minha própria trajetória e a forma como o assunto a atravessa jogam luzes para o
caráter relacional da identidade subjetiva, bem como possíveis interpretações para
esta posição. A mim se referiram maneiras, o que revela também o entendimento
de cada um sobre o tema: a “moça que faz trabalho da faculdade” ou a “moça que
grava”; algumas vezes vista como aprendiz de benzedeira; ou rotulada de “menina
do benzimento” entre quem considere este um assunto de menor importância.
Esse engajamento pode ser traduzido pelas palavras de Jeanne Favret-Saada
(2005) como ser-afetada; deixar-se levar pela benzedura significou reabilitar a
sensibilidade de modo a ultrapassar o paradigma da observação participante. Com
base em pesquisa sobre a feitiçaria no Bocage, na França, a autora afirma que foi
preciso assumir um lugar no sistema da feitiçaria: afeta a antropóloga, modifican-
do e mobilizando seu próprio estoque de imagens – o que não significa conceber
o estoque de imagens dos interlocutores. Segundo ela, isso abre para “(...) uma co-
municação sempre involuntária e desprovida de intencionalidade, e que pode ser
verbal ou não” (FAVRET-SAADA, 2005, p. 159). Ela defende que “ser-afetado”,
portanto, seria um meio de experienciar esse sistema conceitual na medida em que
passa a ter acesso a outras perspectivas, interditas aos sujeitos que não tenham sido
presos em suas armadilhas. Esta proposição vai de encontro ao desafio ingoldiano
de aproximar ação e percepção, seguindo o fluxo e acionando como operação de
conhecimento não só a escrita etnográfica, mas o engajamento dos sentidos diante
desse parlamento de linhas.
Uma das mais fundamentais reflexões colocadas desde essa imersão se refere
ao contato e a postura na abordagem dos interlocutores, mantendo uma postura
respeitosa e tornando acessíveis exigências burocráticas – como termos de con-
sentimento e autorização para documentação audiovisual. O desafio começa em
traduzir a linguagem acadêmica, para explicar o que é e quais os objetivos do tra-
balho; e continua com a educação para a sensibilidade de perceber as condições de
cada contato, tentando usar mediações adequadas. Ele se torna palpável em situa-
ções onde a coleta de uma assinatura, por exemplo, pode gerar constrangimentos
a alguém que não saiba ler ou assinar. Ou mesmo possibilidades de um gravador

36
de sons ou câmera fotográfica se tornam intimidadoras, mesmo em relações esta-
belecidas há um intervalo maior de tempo. Em alguns casos, implica em abrir mão
deste tipo de procedimento e deixar fluir uma conversa aberta, trazendo sutilmen-
te as questões variáveis sem comprometer essa espontaneidade da comunicação,
não necessariamente aplicando um questionário 3.
Isso responde primeiramente à proposta de recolocar as coisas no lugar, cha-
mando atenção para os diferentes tipos de mídias e materiais que informam a
percepção sensorial do fenômeno, sua circulação e, sobretudo, a correspondência
entre verbos, ações, doenças e materiais em sua lógica própria – sem deixar de
assinalar sua explicação em termos êmicos. Isto significa recuperar o processo pelo
qual as coisas vão sendo significadas e postas em fluxo através do ritual, constituí-
das pelo dinamismo em seus devires.
Por suposto que, de acordo com o enquadramento analítico sugerido, as media-
ções para a pesquisa mesmo não podem ser invisibilizadas, assim como as condições
que contribuíram para que ela ocorresse. Isso inclui meu próprio corpo e ainda toda
a estrutura pela qual subsisto – da casa e comida ao computador utilizado como o
principal meio de trabalho, o que inclui comunicação com as pessoas, leituras, aces-
sar arquivos em múltiplos formatos. Também os programas, servidores e provedores
que nele processam todas as informações; uma impressora foi essencial para facilitar
a produção da materialidade relacionada à pesquisa e seus desdobramentos. Duran-
te o trabalho de campo, outros auxílios foram importantes como microfones, tripés,
câmeras fotográficas; papel e caneta acima de tudo, ao longo de todas as etapas. Para
me locomover caminhei tanto quanto fiz viagens de carro, ônibus e avião, para par-
ticipar e congressos. Tudo isto não é simplesmente dado, mas é produzido dentro do
sistema em que vivemos, envolvendo diversas mídias e tecnologias.
Desta forma, a metodologia vai se constituindo como uma etnografia mul-
tissituada na medida em que costura diferentes realidades, escalas e perspectivas
empíricas como a importância das coisas para a produção de bênçãos e curas, le-
vando em conta narrativas biográficas, observação do ritual e análise bibliográfica
(MARCUS, 1995). Para isso, se combinam alguns recursos como análise de fontes
escritas e digitais; a realização de entrevistas presenciais e virtuais com adeptos
e agentes; conversas formais e informais com interlocutores estratégicos para a
abertura das relações e inserção em novos contextos.

3
A normativa nº 510/2016 que define os aspectos éticos e da pesquisa em Ciências Humanas e So-
ciais, prevê outras formas de consentimento e assentimento para anuidade da pesquisa por parte dos
participantes tendo em vista aspectos sensíveis da interação – como o acordo firmado pela palavra e
adesão explícita, em concordância com seus termos de realização, sem verificação escrita.

37
O quarto ponto mobiliza estratégias criadas para executar o projeto – algumas
frutíferas e outras nem tanto. Uma destas estratégias foi fazer um folheto de di-
vulgação da pesquisa (IMAGEM 4). Ela foi impressa em papel para circular em
papel entre interlocutores e na Universidade, o que não surtiu muito efeito porque
ninguém entrou em contato através dos folhetos, ainda que algumas pessoas o
tenham notado. Ela circulou também pelas minhas redes sociais e foi replicada
dentro dessa rede – fazendo com que alcançasse muitas outras localidades além de
Minas Gerais, ampliando as interlocuções além do esperado e do próprio recorte
desta pesquisa; abrindo a possibilidade para analisá-lo futuramente.
Além da divulgação online, circulei também um questionário misto foi ela-
borado – junto com os termos de consentimento e adesão 4 – através de um link
para que qualquer pessoa pudesse respondê-lo, contemplando essa capilaridade;
de forma auxiliar, o mesmo esboço foi aplicado presencialmente. Ele foi editado
por meio da ferramenta gratuita Google Forms, que automaticamente gera prévia
e tabulações conforme registra novas respostas; começou a circular em 2019 e foi
encerrado com sua conclusão, ao fim de 2021. Foi dividido em seis partes, além
do consentimento, adesão e identificação; elas contemplam informações: pessoais
e, para benzedeiras e benzedores, aspectos da iniciação e execução do ritual; sobre
religião e espiritualidade; uso de plantas medicinais; contato com a prática ao
longo da vida e entendimentos sobre a pesquisa.
Imagem 4. Divulgação da pesquisa

Por meio deste formulário foi possível captar elementos mais gerais sobre a
4
Vide Anexo 2., p. x.

38
percepção do fenômeno – como os fatos de que quase a totalidade das respostas
reconhece a importância do benzimento para a saúde coletiva e como patrimônio
cultural imaterial; também concordam que esta pesquisa é relevante e contribui
para o debate em torno de sua preservação. Uma amostra de 70 respostas – des-
considerando as dos especialistas – contempla mais de três quartos de pessoas
brancas, seguidas de pardos e negros; a maioria de mulheres cuja escolaridade
média está entre o nível superior e pós-graduação. Um fator relevante é que todos
conhecem ou conheceram algum especialista durante sua vida; mais da metade
teve ou tem uma benzedeira ou benzedor na família. Também nota-se uma re-
dução quando se compara a frequência quando criança e quem continua adepto
ainda hoje, o que pode indicar que muitas dessas pessoas deixam de ir quando se
tornam adultos com exceção das que têm filhos, quando a frequência se mantém
constante e a adesão é herdada. Somente um quinto delas não faz algum uso de
plantas medicinais, embora boa parte tenha mencionado o uso sem reconhecê-lo
enquanto medicinal. Identificando a prática com a religião e a espiritualidade, é
relevante observar que a maioria se considera religiosa e cerca de 50% frequentam
alguma instituição católica enquanto 31% não frequenta nenhuma. Assim como a
sobreposição das alternativas, o trânsito religioso identifica egressos do catolicis-
mo que passam a frequentar instituições umbandistas, espíritas, candomblecistas
e espiritualistas.
A princípio não houve uma restrição de localidade para sua aplicação, o que
– diante do fluxo de minha rede de contatos e de suas relações – fez com que
atingisse pessoas para além do recorte em questão, privilegiando esse fluxo para
uma abertura em relação aos problemas mais gerais enquanto questões importan-
tes puderam ser respondidas por adeptos a partir da circulação no sul de Minas.
Por isto, defendo que o circuito percorrido é resultado de minha inserção, que se
deu a partir de Campestre 5. Logo, ele é um dos inúmeros possíveis. E justifica a
constituição de um quadro de especialistas a partir desta malha de interlocutores
e do levantamento realizado para mapear as ocorrências, considerando relatos e
experiências, mas também sua materialidade.
A amostra contempla um total de dezessete casos, sendo dez benzedeiras e
sete benzedores. Sua distribuição está entre tais lugares, que constituem um espa-
ço a partir da qual essas pessoas transitaram ao longo de suas vidas, tanto na zona
urbana (12) quanto na zona rural (5). Todos têm mais de 50 anos e alguns já fa-
5
Campestre – Área Territorial: 577,843 km² (2020); População: 20.686 pessoas (2010); Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal: 0,698; Número de estabelecimento de saúde SUS: 6 (2009)
[Fonte: IBGE / Censo Demográfico].

39
lecidos. A este ofício se sobrepõem outras atividades, como: foliões (3), ervateiros
(2), parteira (1), cartomantes ou videntes (3). As pessoas adeptas, especialistas e
leigos, se distribuem entre Bandeira do Sul 6, Botelhos 7, Cabo Verde 8, Caldas 9,
Machado 10, Poço Fundo 11 e Poços de Caldas 12. O que demonstra o trânsito de
coisas por entre lugares, na medida em que elas tecem suas próprias tramas. Então,
a pesquisa ainda é multissituada espacialmente e pretendeu captar justamente o
movimento nesta microrregião considerando a perspectiva do fluxo da benzeção
13
.
A dissertação se divide em cinco capítulos distribuídos em duas partes com-
plementares, a apontar continuidades e descontinuidades em diferentes escalas.
O primeiro capítulo consiste em uma revisão bibliográfica cujo propósito é
discutir seus múltiplos sentidos a partir de sua constituição enquanto objeto de
pesquisa – o que, inevitavelmente, leva à reflexão da forma como interpela a an-
tropologia e o campo das ciências sociais, onde também este texto se inscreve. Si-
tuando essa realidade conforme a historiografia do mundo luso-brasileiro, é pos-
sível demonstrar sua derivação da relação entre magia, religião e ciência ao longo
da formação social brasileira. Aparecendo desde os estudos do folclore, o tema é
situado no seio da cultura popular brasileira enquanto prática mágica, religiosa e
terapêutica. Isto lança bases para compreender o deslocamento entre narrativas
que vão da fetichização e combate – seja por dispositivos jurídicos ou mecanismos
sociais de regulação – à culturalização, associada com o “catolicismo popular”.
Este exercício reflexivo visa mapear o campo de discussão e seus agentes para facilitar
a compreensão do que se configura como um aumento no número de trabalhos e a re-
tomada das discussões no espaço público. Para uma analise mais detalhada, a prioridade
6
Bandeira do Sul – Á. T.: 47,266 km² (2020); Pop.: 5.338 pessoas (2010); ÍDHM: 0,692; Nº estab.
saúde SUS: 3 (2009) [Fonte: IBGE / Censo Demográfico].
7
Botelhos – A. T.: 334,089 km² (2020); Pop.: 14.920 pessoas (2010); IDHM: 0,702; Nº estab.
saúde SUS: 9 (2009) [Fonte: IBGE Cidades / Censo Demográfico].
8
Cabo Verde – A.T.: 368,206 km² (2020); Pop.: 13.823 pessoas (2010); IDHM: 0,674; Nº estab.
saúde SUS: 6 (2009) [Fonte: IBGE Cidades / Censo Demográfico].
9
Caldas – A. T.: 711,414 km² (2020); Pop.: 14.464 pessoas (2010); IDHM: 0,687; Nº estab. saúde
SUS: 7 (2009) [Fonte: IBGE Cidades / Censo Demográfico].
10
Machado – A.T.: 585,958 km² (2020); Pop.: 38.688 pessoas (2010); IDHM: 0,715; Nº estab. saú-
de SUS: 18 (2009)[Fonte: IBGE Cidades / Censo Demográfico].
11
Poço Fundo – A. T.: 474,244 km² (2020); Pop.: 15.959 pessoas (2010); IDHM: 0,691; Nº estab.
saúde SUS: 7 (2009) [Fonte: IBGE Cidades / Censo Demográfico].
12
Poços de Caldas – A. T.: 546,958 km² (2020); Pop.: 152.435 pessoas (2010); IDHM: 0,779; Nº
estab. saúde SUS: 82 (2009) [Fonte: IBGE Cidades / Censo Demográfico].
13
Apêndice 1. Quadro de interlocutores nodais, p. x.

40
foram os trabalhos de cunho etnográfico e com interlocução direta com a antropologia,
mas também contempla outras fontes de forma secundária – como produções não aca-
dêmicas e independentes. O efeito esperado é apontar possibilidades analíticas e colocar
em evidência as tensões que emergem do plano empírico, frente à sua permanência e
reorganização. Com isto, apresentar um panorama das pesquisas e mostrar sua distri-
buição institucional e por áreas do conhecimento; mas também evocar os pontos de
contato entre entendimentos acadêmicos e não acadêmicos. Acompanhar as torções nos
modos de enquadramento e evidenciar essas diversas linhas em fluxo coloca em debate
novas questões à luz de perspectivas contemporâneas. E também permite entender seu
processo de institucionalização dentro e fora do Estado, seja através de associações co-
munitárias, escolas ou espaços de trabalho coletivo; ao que se sobrepõe a translocalização
desse repertório com base em regimes como a Nova Era e o mercado, incorporando
novas mídias e mediações. Outra contribuição é superação de uma abordagem na qual
os aspectos materiais são colocados em segundo plano: preteridos em detrimento de
uma ênfase no resultado e não no processo de feitura que extrapola o momento ritual.
O segundo capítulo versa sobre as tecnologias de benzer para trazer à baila os
mecanismos e as condições de transmissão, aprendizado e iniciação, tanto quanto
os materiais com os quais isso se faz diante da capacidade criativa de cada benze-
deira ou benzedor. A proposta é discutir a noção de habilidade – menos como um
conjunto de capacidades inatas ou adquiridas, associadas à experiência do dom,
e mais como um processo constante de “educação da atenção” (Cf. INGOLD,
2010). Isto se inicia com a reflexão sobre da importância da palavra para a produ-
ção de bênçãos e curas, chamando atenção para as condições de enunciação das
“fórmulas” e o contexto (TAMBIAH, 1978). E leva a pensar no corpo mesmo
como uma tecnologia, abrindo espaço para os aspectos criativos desta prática tra-
dicional em meio à sua reprodução e adaptações. Além de sugerir a superação de
oposições dualistas como matéria e espírito, material e imaterial, mente e corpo,
pretende-se apontar para os diferentes tipos de mídias e mediações para esse pro-
cesso deslizando do oral ao digital. Dessa forma, enfatizar o conhecimento adqui-
rido pela experiência sem recorrer a um modelo cognitivista ou representacional
– como criticam Tim Ingold e Birgit Meyer –, mas abrindo espaço para a forma
como constroem sua realidade junto com as coisas.
Enquanto a primeira parte se estrutura por questões mais amplas – explanando
os diferentes sentidos e as características comuns aos diferentes modos de benzer
–, a segunda parte, o foco é gradualmente deslocado para as relações locais na
tentativa de compreender a relação entre os materiais, a habilidade e as doenças
no âmbito da produção de bênçãos e curas no contexto etnográfico.

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O terceiro capítulo se inicia com uma retrospectiva histórica de aspectos da formação
social de Minas Gerais, apontando dinâmicas internas e a noção de espaço a partir do
movimento de pessoas e coisas vinculadas ao ambiente. A distribuição desigual de tal
fluxo orienta a formação de diferenciações regionais relacionadas aos recursos naturais,
assinalando um modo de produção atrelado à agricultura e produtos manufaturados ar-
tesanalmente. A presença de agentes terapêuticos populares atravessa todo esse processo
e evidencia concepções da doença e dos corpos pautadas por uma visão mágico-reli-
giosa informada por uma matriz católica. Do ponto de vista hegemônico, benzedeiras
e benzedores são representados enquanto “gente da terra” e associados a um estágio de
desenvolvimento primário ao qual a modernidade supostamente superaria. As especi-
ficidades da região sul são colocadas a partir da relação entre tradição e modernidade, o
que produz uma polarização ao nível local e vai influenciar alguns aspectos da divisão
do trabalho de cura e bênção. Ela será trabalhada a partir de Campestre, considerando
o fluxo com as regiões limítrofes e a relação entre Poços de Caldas e os pequenos muni-
cípios ao entorno. Levando em conta a construção do espaço como um lugar praticado,
extrapolando convenções sócio-demográficas, então as mediações para esta experiência
são evidenciadas por meio das propagandas ou anúncios de serviços espirituais e tera-
pêuticos – que contrastam com o modelo tradicional, no qual a oralidade é o principal
meio de divulgação e transmissão, associado à economia da dádiva. Após localizar tais
especialistas e suas trajetórias a partir do circuito percorrido, no quarto capítulo são apon-
tados fundamentos do ofício e aspectos relevantes sobre sua dimensão religiosa – do que
emerge a justaposição de categorias como benzedeiras/cartomantes, benzedeiras/mães
de santo, foliões/benzedores, mestres/benzedores entre outras.
O último capítulo é dedicado aos “trens” de benzer: coisas com as quais a
produção de bênção e curas é realizada. Isso inclui artefatos religiosos e seculares,
objetos de uso cotidiano e plantas medicinais, entre outras – o que aponta para
momento ritual, mas evidencia o decorrer de um processo que começa antes de
tal momento e se estende para além dele. Para isso, a análise coloca como “linha
central” do argumento as coisas em relação à forma como auxiliam a materializa-
ção do problema enquanto mecanismo catártico ao longo do ritual. Neste sentido,
para introduzir esta abordagem são descritos e discutidos aspectos sobre os espa-
ços de realização pala elucidar o modo como podem informar a percepção senso-
rial e sua execução. Esmiuçando a questão das mediações e a potência analógica
destas relações, os “testemunhos” também são retomados. O principal objetivo
disto é refletir sobre a correspondência entre a percepção, as ações específicas e
os materiais de acordo com cada problema, modulando vinculações. Pois, ao ob-
jetivar a doença, tem-se que o corpo, o ambiente, o sagrado e uma cosmovisão
singular são objetivados também.

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Parte I:
De fora pra dentro
Capítulo 1

O que é benzeção agora?

E m uma compilação que aparece como uma referência quase unânime, tan-
genciando diversas abordagens e disciplinas, Elda Rizzo de Oliveira (1985)
destaca a multivocalidade da benzeção e as variações acerca dos entendimentos
e modos de realização; do começo ao fim, pauta seu movimento por uma per-
gunta implícita acerca de seu sentido em vista de: O que é benzeção? Seu esfor-
ço foi para sumarizar debates sobre as etapas do ritual, a circulação de dádivas e
as relações interpessoais a partir de uma perspectiva antropológica, apontando
para a atuação das benzedeiras e benzedores na manutenção da saúde coletiva

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e da comunidade. Com base nisto, concebe o fenômeno é concebido como “(...)
um ofício artesanal dentro de um modo de produção capitalista” (OLIVEIRA,
1985, p. 69).
Suas obras antecipam alguns desafios analíticos e reflexões sobre a prática,
tornando-se nodais para compreender esse campo de discussões. Um deles é a
reorganização nos centros urbanos como uma possibilidade de sobrevivência,
deslizando para uma concepção de espiritualidade (OLIVEIRA, 1983). Outro
abre para as disputas e relações de poder, com a regulamentação do Estado e sua
sobreposição a outras Instituições como a Medicina (OLIVEIRA, 1984). Tam-
bém para as “vertentes” às margens do modelo tido como tradicional, discutin-
do a construção de sentidos com paralelos entre outras formas de imposição de
mãos, curas simpáticas e pela fé. A expressão sem embaraço é utilizada pela autora
para descrever o modo como a benzeção facilita o vínculo entre pessoas, coisas e
ambiente, contribuindo para essas interconexões. Ela mesma reconhece que as
mudanças envolvem deslocamentos acerca dessas percepções que ordenam ex-
periências – o que inclui um sistema de classificação dos fenômenos orgânicos e
da saúde derivado dessa visão total. E descreve a concretude de suas ocorrências
como fios que alinhavam as malhas da cultura popular: “Eles redescobrem algu-
mas noções de justiça, direito, liberdade e vislumbram um sonho, uma utopia: de
concretizar na prática um mundo justo, que resista cada vez mais à violência e à
hegemonia entre os homens” (OLIVEIRA, 1985, p. 88).
Considerando a noção de “malha”, todavia, a prática é justamente o que pos-
sibilita o emaranhamento dessas linhas diversas; no sentido ingoldiano, a sutile-
za estaria justamente nos embaraços dessa trama. Pois imagine perguntar a uma
pessoa o que ela toma por benzedura... Dependendo de onde ela estiver e da
trajetória que constitui sua subjetividade, as respostas certamente poderão va-
riar entre religiosidade, simpatia, ofício, tradição, prática mágica, reza, folclore,
medicina, prece, energia, identidade, ritual, memória, habilidade ou dom. Isto
remete ao processo de tornar algo bento ou sagrado por meio de um ritual asso-
ciado à cura, limpeza energética ou espiritual, proteção e purificação – que pode
incluir gestos como fazer sinal da cruz com as mãos, orações e uso de coisas es-
pecíficas. Seus sentidos se constituem pela combinação de três ações: abençoar,
bem dizer e curar; assim, está relacionado à interconexão entre as experiências
religiosas, terapêuticas e mágicas. Portanto, as mudanças na benzedura acom-
panham transformações no mundo e dos modos de vida das pessoas – variando
espacial, temporal e culturalmente.
Ao mesmo tempo em que se notam iniciativas institucionais voltadas às prá-

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ticas de saúde e ao patrimônio cultural, o tema vai ganhando destaque na cena
pública – desde a representação das benzedeiras através das “novas mídias” e das
“velhas” mídias à inserção de agentes e sua participação ativa na transmissão e
popularização da prática – e adentra o espaço digital, convertido e constantemen-
te ressignificado em face das mudanças tecnológicas. Nas últimas três décadas,
também se deu a consolidação de um campo plural de discussões transdisciplina-
res que não se encerram na produção acadêmica, e sim deslizam entre diferentes
domínios e congregando atores e motivações diversas. Sobretudo nos últimos dez
anos, pode-se observar o aumento do número de pesquisas com o intuito de in-
ventariar e resguardar sua ocorrência, multiplicando as possibilidades de reflexão e
acompanhando as transformações da prática em contextos situacionais, evocando
sua modernização.
Atualizar a pergunta feita por Oliveira (1985) implica ampliar as possibilida-
des dessa retomada em dois sentidos. Por um lado, compreender sua produção e
reprodução em um mundo de relações globalizadas, evidenciando os dilemas e
contribuições do benzimento para a construção de uma alternativa a esse sistema
através de novos olhares sobre o processo de colonização de saberes, sujeitos e
corpos. Por outro, esmiuçar a constituição desse campo contribui para evidenciar
as dinâmicas e o processo de feitura deste tema como um objeto de pesquisa – sem
reduzi-lo a isto, contudo; apontando suas continuidades e rupturas.
Com esta revisão, o principal intuito é mapear a produção científica sobre o
tema, do que se desdobra um esforço para identificar, evidenciar e tensionar as
linhas desta trama de modo a atentar para os deslocamentos e enquadramentos
produzidos em função de diferentes questões norteadoras. Em face do problema
fundamental desta pesquisa – que é a materialidade na benzedura –, tal movimen-
to demonstra o estatuto atribuído às coisas nesses cenários e ajuda a compreender
o processo pelo qual são colocadas, enquanto categoria analítica, em segundo pla-
no em detrimento do caráter simbólico do ritual.
Como qualquer outra, ela apresenta um recorte parcial que tem como intuito
menos conceber um modelo ou tipo ideal que evidenciar as múltiplas respostas
possíveis para o mesmo fenômeno. Assim, sugiro primeiro que a interpretação
e significado são subjetivos e têm base em escolhas individuais e coletivas, atra-
vessadas por relações de poder. Depois, que sua definição implica em delimitar
consecutivamente o que não é benzeção; essa relação produz um espectro que vai
além de uma definição reducionista e polarizada, mas aponta para as disputas nas
entrelinhas. E, ao transformar-se, se torna outras coisas que, contudo, continuam
sendo chamadas pelo mesma palavra ou variações dela.

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Retrocedendo até suas colocações e retomando a provocação de Oliveira (1985),
a proposta é avançar acerca dos entendimentos posteriores que desembocam em
uma questão fundamental para esta pesquisa: afinal, o que é benzeção agora?
Medicina mágica, simpatia religiosa, reza terapêutica
A historiografia do “mundo luso-brasileiro” contempla a presença da benzedu-
ra em um complexo jogo de relações que mobiliza agentes da magia, da religião
e de outras artes curativas – como “conjuros”, ensalmos, mezinhas e simpatias
(SOUZA, 1994, p. 495-6). Uma percepção indistinta dessas práticas informava
a visão da doença como uma situação de desequilíbrio na ligação entre natural e
sobrenatural, borrando assim as fronteiras entre tais planos para conceber o corpo.
Segundo Francisco Bethencourt (2004), a percepção do mundo e de problemas
básicos – como dinheiro, saúde e relações amorosas, assim como aspectos da vida
e da morte – era forjada no “território da magia”. Ele resgata relatos de agentes
como bruxas, feiticeiras e adivinhos elucidando minuciosamente suas práticas,
crenças e espaço social de atuação fundamentado por uma análise dos processos
disponíveis nos arquivos da Inquisição Portuguesa 14. Explorarando os dispositi-
vos de repressão e o perfil dos acusados demonstra que a tentativa de normati-
zação das práticas tidas como supersticiosas e outras consideradas “desviantes”,
moldadas como ameaça à moralidade, à monarquia e à lei divina.
Este argumento conflui com a análise feita pelo italiano Carlo Ginzburg (2006
[1976]) acerca das narrativas produzidas pelas estruturas de poder, ao se deparar
com a presença do fantástico e a sistematicidade circular de um discurso que joga
luzes para a mentalidade das camadas subalternas. A partir da reconstrução de sua
relação com as camadas dominantes, demonstra como a bruxaria popular foi lapi-
dada pelos dispositivos jurídicos para alimentar esse imaginário de uma “feitiçaria
tradicional” europeia, associada à heresia e com ares de perversão diabólica. Isto
promove um descolamento entre a bruxaria culta – pautada por uma demonologia
complexa de ascendência greco-romana – e a bruxaria popular, com uma leitura
própria que opera pela bricolagem desses elementos (GINZBURG, 2012).
Entre o bem e o mal, a benzeção se distingue da feitiçaria e da bruxaria – o
que não a impede de ser aproximada desta ou daquela por meio de uma conotação
14
Cuja ocupação variava entre trabalhadores manuais ou artesãos, parteiras, religiosos e escravos
(BETHENCOURT, 2004, p. 209). As acusações incluem feitiçaria ou bruxaria (66%); cura, vidência ou
adivinhação (17%); nigromancia e artes de magia (10,6%); blasfêmia e superstição (6,4%); entre os
réus, tem-se 27,7% de homens e 72,3% mulheres, dos quais 60% com idade de 40 anos ou mais
e 41,4% casados. A maior parcela era de cristãos-velhos (72,4%) e mouriscos, negros ou mulatos
(22,3%); apenas uma pequena parte era de cristãos- novos (5,3%) (Idem, p. 205).

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negativa e estigmatizada, como categoria acusatória. Essa diferença entre bruxa
e feiticeira pode ser sintetizada pelo ditado popular: “A bruxa nasce, a feiticeira
faz-se” (BETHENCOURT, 2004, p. 50s). Isto serve para compreender estas re-
presentações na crença popular ibérica, na qual à bruxa é destinada a essa vocação
devido a capacidades naturais e atrelada a ideia de pacto demoníaco, sendo trata-
das como correspondentes femininas e representações do mal (Cf. GINZBURG,
2012). Já a feiticeira, escolhe e adquire as capacidades necessárias através de uma
aprendizagem prática. A benzedeira aparece entre a feiticeira e a bruxa: na in-
tersecção com a prática religiosa, sua vocação pode ser orientada por um dom e
confirmada pela escolha em fazer dele um ofício, articulando capacidades inatas
e adquiridas.
Assim, a crença emerge como uma categoria importante para a produção das
acusações, em sua grande maioria contra bruxas e feiticeiras – mulheres temidas
socialmente e tidas como especialistas em magias da casa, amuletos e simpatias,
ou aspectos relacionados à contracepção e à sexualidade, o que estava incluído
entre outros cuidados com o corpo. Tem-se aí um processo mais amplo, com a
transposição de um repertório inspirado pela bruxaria medieval projetado sob os
povos do “novo mundo” na tentativa de compreender o desconhecido a partir de
categorias pré-concebidas – onde começa um mal entendido que se acentua com a
modernidade (Cf. LATOUR, 2012; 2011; MEYER E HOUTMAN, 2019). Nas
palavras de Ernesto De Martino, essa “polêmica antimagia atravessa todo o curso
da civilização ocidental” (DE MARTINO, 2015 [1959], p. xi, traduzido).
No caso do mundo ibérico – estimulado pelas crises feudal e eclesiástica, e
pelo colonialismo –, essa preocupação se desdobra do questionamento sobre a
universalidade da religião e da humanidade dos povos ameríndios, políticas de
salvação das almas pela Igreja que, junto com a escravização de povos africa-
nos, deram curso a um “processo civilizador” e de conversão (BETHENCOURT,
2004; SOUZA, 1994). Em O diabo e a terra de Santa Cruz (1994), Laura de Mello
e Souza aborda a relação entre feitiçaria e religiosidade no período colonial brasi-
leiro e aponta para a multiplicidade de papeis e o caráter pluricultural dos agentes.
Também para o fato de que o combate às práticas mágicas era uma preocupa-
ção dos agentes da administração colonial portuguesa; as acusações advinham da
crença na magia e na tentativa de combatê-la. Isso não estava ligado estritamente
à perseguição de práticas místicas de escravizados africanos trazidas à colônia,
já amplamente difundidas na metrópole. A dimensão sincrética destas práticas
estrutura o campo religioso no mundo Ibérico, mobilizando todo tipo de gente
e fenômenos híbridos. Todavia, a pouca documentação torna “(...) difícil dizer se

47
realmente eram escassos ou se a Inquisição, as devassas episcopais e os demais po-
deres se importavam pouco com eles. Como o hábito de benze perdura ainda hoje
entre nós, a segunda hipótese parece ser a mais provável” (SOUZA, 1994, p. 246).
Como muitas outras práticas populares, a benzedura passa por diversas tenta-
tivas de controle, mas seu lugar ambíguo em relação à religião e às medicinas con-
tribuiu para que os agentes não fossem alvo de repressão sistemática (BETHEN-
COURT, 2004, p. 293). Até o século XVIII, dois aspectos são relevantes quanto
às formas de conceber a prática. Um consiste na perseguição e combate, com
acusação de bruxaria e feitiçaria contra alguns agentes pela estrutura eclesiástica e
também pelas comunidades. Outro tem a ver com a tolerância e relativização de
sua ocorrência, que indicam sua presença e legitimidade enquanto modalidade de
cura e de bênção (MARY DEL PRIORE, 2008; SOUZA, 1994).
Nos séculos seguintes, continua a ser documentada a presença de agentes prá-
ticos como curandeiros, barbeiros, sangradores, benzedeiros, entre outros (SAM-
PAIO, 2001, p. 25). A institucionalização do conhecimento médico colocou os
saberes “práticos” em contraste aos “clínicos” e proporcionou uma ruptura entre
saber e fazer quando o monopólio da cura passou a ser reivindicado pelos médicos.
A relação da medicina com os terapeutas populares é analisada por Tânia Salgado
Pimenta (2003), que indica a implementação de licenças para habilitação do seu
exercício como um modo de reiterar maior ou menor prestígio de certas camadas
da sociedade com base em diferenças que resultavam da produção de categorias
subalternizantes – mulheres, escravos, forros, entre outras. Assim, as medicinas
populares passaram a ser desacreditadas e, depois, combatidas; não sem antes que
a medicina “oficial” se apropriasse dos conhecimentos empíricos sobre as doenças
e procedimentos curativos que regem estes sistemas de conhecimentos 15.
Por um lado, a fiscalização não dava conta das diversas categorias práticas, mais
abrangentes e indefinidas que o esquema proposto para classificá-las de modo
hierárquico. Por outro, como bem aponta Betânia Figueiredo (2002), a resistência
popular à implementação do saber médico era atravessada pelo prestígio social
dos agentes populares, devido à integração nas relações locais e a inserção como
mediadores em um sistema de dádivas. Ao longo do século, a atuação do Estado
se intensifica e contribui para a produção da associação entre terapeutas populares

15
Isto fica claro com o exemplo do dicionário de medicina popular escrito pelo médico polonês Pedro
Luiz Napoleão Chernoviz, seis vezes editado entre 1842 e 1890 e amplamente distribuído como um
manual prático: a benzedura não aparece como um procedimento terapêutico, mas doenças como
quebranto e cobreiro aparecem como problemas a serem tratados com fundamentos científicos, ainda
que não fossem reconhecidas pela ciência.

48
e embusteiros. Todavia, no caso da benzedura, um ponto importante é sua adesão
por todas as camadas sociais e o apelo religioso, associado ao catolicismo popular
ibérico. Outra camada de diferenciação é produzida no que se refere à racialização
das crenças: sendo que as práticas de matriz africana foram associadas à feitiçaria
e ao fetichismo, lidas como “magia negra” (Cf. RODRIGUES, 2006), em con-
traposição à “magia branca” – socialmente tolerada e amplamente aderida entre
diferentes segmentos.
Paula Montero (1985) nota a diferenciação dos elementos culturais entre os
povos indígenas – considerando maior probabilidade de preservação dos saberes
relacionados ao ofício de curandeiro nos meios rurais devido aos conhecimentos
práticos do uso de ervas e plantas medicinais – e os negros. Além de diferentes
origens geográficas, incluindo os bantos, iorubás, sudaneses e daomés, o processo
de contato entre com o catolicismo operou ora como diferenciador, ora como
integrador, contribuindo para desterriorizalizar e ressignificar as tradições. Nas
cidades, passaram a ser associados a feiticeiros e adquirem uma posição dúbia, re-
conhecidos como curadores e temidos por supostos feitiços (MONTERO, 1985,
p. 28ss).
Analisando a criminalização como dispositivo de controle, a antropóloga
Yvonne Maggie em O medo do feitiço (1992) expõe os mecanismos de regulação
das práticas mágicas entre 1890 e 1940, quando são elaboradas as duas versões do
Código Penal 16. Apontando três padrões de conduta para a jurisprudência no pe-
ríodo republicano, ela enfatiza o fato de que a crença na magia era compartilhada
pelos agentes do Estado – reiterando ou invalidando as acusações, mas também
contribuindo para a formação de arranjos religiosos como a Umbanda. Primeiro,
a redução das práticas curativas a um crime contra a saúde pública, seguido de
um esforço para controlar as práticas médicas e as religiosas com base na oposi-
ção entre “verdadeiro espiritismo” e “falso espiritismo”, esta associada à noção de
charlatanismo derivado de estelionato e manipulação da verdade. Outra vertente
defendia que, ao exigir formação científica para as artes curativas, inclusive as
religiosas, o Estado estaria assumindo uma posição parcial sobre dois domínios
relativamente autônomos – ou seja, a religião e a ciência. Nesse sentido, os proces-

16
A primeira versão do Código tomava o espiritismo e outras práticas religiosas e terapêuticas como
“feitiçaria” e, com o Artigo 157 incidia sob a magia e seus sortilégios, o uso de talismãs e a carto-
mancia. A segunda versão, de 1940, as categoriza como “crimes contra a incolumidade pública” em
duas ações. No Artigo 283, prevê detenção e multa para o sujeito que “inculcar ou anunciar cura por
meio secreto ou infalível”, configurando “charlatanismo”. E no Artigo 284 trata do “curandeirismo”,
cujo exercício envolveria prescrever, ministrar ou aplicar qualquer substância curativa; usar gestos ou
palavras e realizar diagnósticos.

49
sos criminais apontam para a criação do charlatanismo como um desvio a partir
de definições arbitrárias e do fato que o poder da magia não era discutido, e sim
tomado de antemão como um fato concreto (Cf. SCHRITZMEYER, 2004).
A invenção do benzimento como cultura popular brasileira
A benzedura começa a aparecer no campo dos estudos do folclore enquanto
uma tradição situada na fronteira entre a medicina, a religiosidade e o misticismo.
Um dos registros mais antigos foi feito por Fausto Teixeira, figurando no reper-
tório da Medicina Popular Mineira (1954): entre uma coletânea de algumas rezas
e procedimentos simpáticos, seguidas do indicativo de localidade; um inventário
desses remédios é precedido por uma breve introdução do autor e complementa-
do por um glossário explicativo desse vocabulário – uma preocupação linguística
latente que depois se consolidaria neste campo.
Porém, aquela que parece ser a primeira investigação sistemática sobre o tema
foi realizada pelo médico-folclorista Oswaldo Rodrigues Cabral com incentivo
da Comissão Catarinense de Folclore: em A medicina teológica e as benzeduras,
publicada em 1958, ele trata de recuperar o que acredita serem suas raízes histó-
ricas. Em seguida justifica sua permanência com base em um processo evolutivo
constituído de três fases distintas, que estruturariam três sistemas subsequentes
(CABRAL, 1958, p. 17ss). O estágio inicial seria a “Medicina mágica”, onde as
doenças estariam relacionadas com a ação de maus espíritos e os agentes seriam
os feiticeiros. O segundo, a “Medicina sacerdotal ou teológica”, que relaciona as
doenças às divindades e é executada pelo sacerdote-médico; isto representaria a
instituição do culto e a especialização das funções religiosas, prescrevendo segre-
dos e sistemas de iniciação ritual de aprendizes. Ilustrando o uso de amuletos,
simpatias ou emplastros com exemplos de povos egípcios, babilônios, persas, hin-
dus, japoneses e gregos, a prática de uma “medicina teológica pura” entre os judeus
é lida enquanto um elemento contrastante – distinta da magia e da feitiçaria,
aproximando-se de uma crença monoteísta. Após isolar tal categoria, deduz dela
um desvio, afirmando que o povo compartilha uma deturpação expressa na crença
em rezas e benzeduras para a cura dos males (Idem, p. 37).
A última fase seria a “Medicina naturalística”, originada na tradição hipocrá-
tica e operada pelos médicos. Sem opor religião e ciência, tendo como fonte a
literatura filosófica greco-romana, desenvolve a ideia de medicina teológica com
um longo capítulo dedicado à relação entre a medicina e os patronatos para chegar
ao cerne de seu argumento. Segundo ele, a constituição da Medicina científica e
a imposição do cristianismo enquanto religião hegemônica teriam marcado o de-

50
saparecimento dos magos e banimento dos antigos deuses mitológicos associados
ao paganismo (Ibidem, p. 53). Hipótese contestada pela historiografia contempo-
rânea (BETHENCOURT, 2004; GINZBURG, 2008, 2010; FEDERICI, 2017).
Além de demonstrar a especificidade da tarefa de benzer, outra preocupação
envolvia a diferenciação entre o benzedor, o feiticeiro e o curandeiro. Cabral cita
o trabalho de Raimundo Nina Rodrigues sobre O Animismo Fetichista dos Negros
Baianos (2006 [1935]) como a primeira denúncia sobre as práticas de feitiçaria
médica. A feitiçaria é relacionada com aspectos da suposta “degenerescência do
negro”, circunscrita a um estágio primitivo do desenvolvimento humano. Por isto,
feiticeiros seriam capazes de invocar entidades do mal e não só de curar doenças,
mas também provocar malefícios. A equação de Cabral propõe três modalidades:
curandeiros, que empregam empiricamente os meios de cura e adquirem conhe-
cimentos pela tradição oral; os que exploram a boa fé alheia, charlatães; e falsos
médicos que aplicam os processos da medicina oficial sem autorização. Devido a
essa especificidade, é sugerido que os benzedores não temem a repressão policial
por serem “bons cristãos” e terem sua atuação fundamentada no poder da fé; tam-
pouco entrariam em conflito com a medicina oficial e nem com o clero. O que
se apoia na definição dada por James Frazer (1980) para atribuir aos povos ditos
primitivos a sua própria incapacidade de enxergar em tais atos uma dimensão
racional, argumentando pelas origens universais da feitiçaria postulada por “duas
leis gerais da magia”. A primeira tem a ver com a magia imitativa ou homeopá-
tica e se baseia no princípio da similaridade de modo que “o semelhante afeta o
semelhante”; a segunda é a magia simpática ou contagiosa, quando, através do ato
mágico, se estabelece uma correspondência entre o objeto e o alvo da magia.
Outra preocupação de Cabral (op cit) tangia a persistência no folclore, com
ênfase em dois problemas de ordem teórica e algumas questões empíricas. O pri-
meiro é reconhecido como consequência da escassez de fontes escritas até então,
em se tratando de uma prática predominantemente oral. O segundo problema é
visto pela preocupação metodológica com a coleta e documentação da prática,
sublinhando um esforço classificatório para endossar uma retórica da perda a par-
tir da observação in loco. Foi com estas bases que as noções de patologia popular
e terapêutica para cerca de 40 enfermidades e moléstias, partos, pestes, fraturas
foram descritas e classificadas em três grupos, de acordo com manifestações de fé
e preferências devocionais locais. As que invocam Deus, santíssima trindade e vir-
gem Maria; aquelas pelas quais se invocam os Santos, que nem sempre conservam
a correspondência entre a doença e o patrono estabelecida pela Igreja; e as que não
contêm invocação.

51
O tema da benzedura é constitutivo do imaginário local, tendo sido trabalhado
por outros autores e até os dias de hoje. Isto pode ser vislumbrado também na obra
do historiador Franklin Joaquim Cascaes, elaborada a partir de relatos e diálogos
colhidos entre descendentes de açoriano-catarinenses em sua terra natal: O fan-
tástico na Ilha de Santa Catarina (2015) reúne ilustrações e 24 narrativas escritas
pelo autor entre os anos de 1946 e 1975. Resgatando fragmentos da tradição oral
e aspectos linguísticos como expressões e variações estruturais, apresenta repre-
sentações compreendidas como miríficas, investidas de vida pela crença popular.
Tal como as bruxas, centrais na trama dos congressos bruxólicos e rituais como
sacrifícios e transfiguração, artifícios mágicos e conjuros; elas representariam a
força do mal a serem neutralizadas pelas benzedeiras (CASCAES, 2015, p. 90).
Alguns elementos postos até então iluminam a transição aos trabalhos pos-
teriores e dão margem para contextualizações mais gerais acerca dos primeiros
estudos sobre o tema. O primeiro aspecto tem a ver com formação intelectual,
que elucida um caminho comum nas trajetórias dos primeiros antropólogos na-
tivos e na constituição deste debate dentro de um campo de conhecimento, que
tiveram como berço escolas de medicina. Outro ponto é uma concepção mais
abrangente da “antropologia” que abarcava não só a sociologia, assim como a
história, geografia, economia, etc. – que se reflete no entendimento da disciplina
e em aspectos de natureza teórico-metodológica. Trata-se da discussão sobre a
coleta do material através do trabalho de campo junto aos grupos de interesse,
privilegiando a tradição oral como fonte e tendo como preocupação aspectos lin-
guísticos e desenvolvendo estratégias de documentação; ao mesmo tempo em que
denuncia o enfraquecimento dos elementos açorianos pela modernidade, sugere o
local como um núcleo de conservação dessa tradição.
O terceiro ponto toca o problema da definição em função da diversidade de
agentes terapêuticos. Em um plano, associado à medicina popular como uma al-
ternativa de cura validada pela tradição e através dela reproduzida. Noutro, em
oposição à modernidade, é colocado no terreno da “superstição” ou “crendice”, lida
como uma visão oposta ao pensamento científico. Uma postura combativa deste
domínio embasa a visão do folclorista pernambucano Getúlio de Albuquerque
César, que toma a crendice como “(...) uma crença incongruente e insólita, gera-
da pelo medo doentio de pessoas que possuem religiosidade exaltada” (CÉSAR,
1975, p. 17). Associada a religião fora da Igreja, é considerada como um traço de
transgressão da conduta moral e ritual estabelecida pela doutrina; um “crendeiro”
seria um “crente desviado”. Como outros, ele propõe uma tentativa de normaliza-
ção e classifica tais práticas em quatro classes – superstição, amuleto, devocionis-

52
mo e magia – e seus subgrupos. A benzedura é inserida entre os devocionismos
populares junto com cartas, ex-votos, excelências, oferendas votivas, promessas,
pedidos e rezas.
Este assunto também aparece tangencialmente do potiguar Luís da Câmara
Cascudo, intelectual que produziu mais de uma centena de livros sobre cerimo-
niais festivos, narrativas míticas, costumes, ritmos e divindades e crenças, consi-
derando suas variações geográficas, linguísticas e semânticas. Para tanto, prezava
três fases do estudo como uma tentativa de normatização de um método: a coleta,
o confronto e a pesquisa de origem. Sua grande preocupação era compreender
como a tradição é fixada nos hábitos e na cultura material, admitindo uma dimen-
são prática e ativa através da experiência vivida aos saberes do povo. A manuten-
ção da tradição era vista por ele como mecanismo de coesão social, sendo a cultura
ibérica um elemento conciliador que forneceu bases para variações de fenômenos
universais, a partir do sincretismo com elementos africanos e ameríndios.
Ele endossa a presença da dimensão mágico-religiosa nas mais variadas ex-
pressões da cultura popular “nacional”, entre todas as camadas sociais (CASCU-
DO, 2012; 2001). A superstição é entendida como a base de todas as crenças, posta
em relação às cosmologias populares informando a visão prática, as condições de
existência e de produção simbólica e material. Na coletânea História dos nossos
gestos, o sentido etimológico e significado da bênção por imposição de mãos e da
cura pela palavra são abordados brevemente (CASCUDO, 2003, p. 186). O tema
não é trabalhado sistematicamente e aparece gravitando em torno da magia e sua
relação com a ciência enquanto uma combinação de fatores como a repetição e as
técnicas; assim busca encontrar paralelos para sua ocorrência entre diversos povos
e culturas, remetendo à sua repetição e permanência no mundo moderno.
O enquadramento produzido por Cascudo é inspirado pelo esboço feito pelos
franceses Marcel Mauss e Henri Hubert (2015 [1903]), quando revisam as fon-
tes e o histórico dos estudos sobre a magia para defini-la e aos seus elementos,
construindo uma análise comparativa que tem como eixo a noção de mana – o
“espírito” das pessoas ou coisas, espécie de força vital em si mesmo. De acordo
com esta teoria, os atos que não se repetem e não têm sua eficácia coletivamente
reconhecida, não são mágicos. A magia agiria sobre o objeto, forjando um efeito
ou eficácia a partir de sua repetição exaustiva dentro de um sistema de representa-
ções culturais que constitui toda vida mística e científica desses povos (MAUSS E
HUBERT, 2015, p. 53ss). Assim como a Religião, é vista como “fato de tradição”
porque são de ordem social. Para distinguir entre estes dois domínios propõem
quatro vias, que têm a ver com seus agentes; local; finalidade; regularidade. Com

53
base em uma visão durkheimiana, a religião é lida por sua capacidade de conciliar
elementos sociais enquanto a magia seria uma situação mais elementar de ordem
individual; portanto, o agente da magia deveria ser diferente do sacerdote religio-
so. Uma crítica a “magia simpática” aponta ainda para ritos mágicos que não são
simpáticos e para a ocorrência de atos simpáticos na religião.
No Dicionário do Folclore Brasileiro – publicado pela primeira vez em 1954 e
editado mais de dez vezes –, ele coloca a feitiçaria como “(...) o nome genérico
para designar todas as práticas de magia popular e tradicional, com ou sem ceri-
mônias religiosas” (CASCUDO, 2012, p. 295-6). Considera a influência primária
da bruxaria europeia pelos colonizadores; desta suposta herança “(...) procedem
incontáveis processos terapêuticos e mágicos, especialmente amorosos, filtros,
benzeduras, orações e ensalmos, com a irresistível convergência do cristianismo”
(Idem). Relacionadas ao uso e à adesão, as combinações de procedimentos ou pro-
cessos mágicos específicos para realizar um feitiço têm a ver com a repetição e a
fixação de elementos da tradição. A ausência de verbetes explicativos sobre o pro-
cesso da benzedura é elucidativa; essas categorias aparecem em outros verbetes,
relacionadas às práticas mágicas 17 e religiosas, enquanto rezadores; as benzedeiras
e benzedores aparecem como especialistas no tratamento de algumas doenças es-
pecíficas, concebidas pela experiência desses sistemas de crenças 18. Ele também
reconhece nos feiticeiros agentes terapêuticos e, no caminho inverso, reconhece
em algumas destas figuras aspectos mágicos e religiosos. Para compreender tais
variações, considera imprescindível notar sua constituição enquanto uma coisa
feita para representar a força divina, sendo a crença popular povoada por mascotes,
amuletos, talismãs, entre outros (CASCUDO, 2012, p. 297).
Ao seu modo, Cascudo investiga expressões regionais e nacionais, produzindo
um enquadramento que parte das singularidades locais de fenômenos englobados
por categorias universais. Em 1978, publica o seu tratado da magia branca no Brasil
sobre o Catimbó – uma vertente da região Nordeste que mescla traços da feitiçaria
europeia com a Pajelança amazônica. Após pontuar aspectos rituais desde sua eti-
mologia; função cultural; elementos étnicos e instrumentos utilizados pelos mestres
catimbozeiros; do transe e da possessão, ele se empenha em uma descrição etnográ-
fica de uma cerimônia para “fechar o corpo”. Ao final, estabelece uma comparação
com o benzimento através da flora medicinal e seus usos, onde ambos operam como
contra-feitiços para neutralizar as “coisas-feitas” (CASCUDO, 1978).
17
Vide os verbetes “Bruxa” (p. 135); “Feitiçaria” (p. 295-296), “Feitiço” (p.296) e “Fetiche” (p.297).
18
Vide os verbetes “Cobreiro” (p. 213); “Mau olhado” (p. 443), “Olhado” (p. 243) e “Quebranto” (p.
589-590).

54
As ocorrências na obra de Cabral, Cascaes e Cascudo mostram o assunto
emergindo enquanto um objeto marginal do ponto de vista da Religião e da
Ciência por vezes atrelado à Magia. Neste contexto, as comissões nacional e
estaduais de Folclore foram um espaço privilegiado para a circulação de intelec-
tuais e criação de relações interpessoais, para discussão do assunto, o incentivo
e fomento para pesquisas sobre sua expressão na cultura popular 19. Se, por um
lado, estava às margens da Antropologia, associada a intelectuais parcialmente
reconhecidos entre os pares, por outro, o tema também era discutido no cerne do
eixo Sudeste, onde se concentrava a produção científica da insurgente antropo-
logia brasileira – cujo interesse atravessava hábitos e costumes, mitos, tradições
populares e estudos raciais.
As “sínteses fundadoras” deste campo científico ocorreram século vinte aden-
tro, como bem analisa a antropóloga Mariza Corrêa (2013), e não se deram de
forma regular e homogênea: ainda na década de trinta, o processo de institucio-
nalização é marcado pela atuação de estrangeiros e da interlocução das produções
locais com estas teorias e autores “clássicos”. Em uma segunda etapa se desdobram
as avaliações globais da realidade e da nossa sociedade feitas por intelectuais bra-
sileiros. Foi entre as décadas de sessenta e setenta que, em um terceiro momento,
a disciplina até então com fronteiras pouco delimitadas se consolidaria. Isto evoca
uma controvérsia e a crítica teórico-metodológica. Ela vem principalmente do so-
ciólogo Florestan Fernandes – que enfatiza certa rigidez no modelo cascudiano e
uma contradição entre os estudos do folclore e o advento da modernização, suge-
rindo a impossibilidade de tratar o assunto como um campo autônomo de estudos
(FERNANDES, 1961; 1978). Vale observar que a USP é tida como uma das refe-
rências para a produção do conhecimento nesse período, importando intelectuais
para formar um corpo profissional qualificado a partir dos padrões europeus da
produção científica.
Exemplo disto é a obra do paulista Alceu Maynard Araújo sobre lendas e con-
tos caiçaras, literatura, música, agricultura, ritos mágicos e artesanato – um “con-
junto da tradição social” transmitido quase sempre pera oralidade a partir de áreas
culturais, aproximando Folclore e Geografia. No plano da Cultura popular brasilei-
ra (1977 [1971]), o fenômeno aparece como expressão da “sabença” popular sobre
19
Exemplo disto é a publicação de trabalhos como o Inquérito sobre prática e superstições agrícolas
de Minas Gerais, escrito por Maria de Lourdes Borges Ribeiro e publicado em 1971 com apoio da
Campanha de Defesa Do Folclore Brasileiro. Sua pesquisa de campo realizada no ano de 1966 con-
templou 94 municípios mineiros e seus hábitos agrícolas, situando as espécies vegetais cultivadas
em relação à medicina caseira, à culinária e à alimentação, assim como o uso de simpatias e artigos
para proteger as lavouras (Cf. RIBEIRO, 1971).

55
aspectos de suas atividades práticas – como também argumenta Cascudo (2012;
2013). O autor elucida a escolha pelo termo rústico em detrimento de adjetivos
que conferem a estas práticas juízo de valor negativo, aproximando sua teoria de
uma sociologia rural, por meio do que acompanha o caráter predominantemente
rural à época em que escreve (ARAÚJO, 1977, p. 160). Como alternativa ao resta-
belecimento da saúde, tratamento e prevenção de doenças, ele identifica em diver-
sos pontos do país o sistema da medicina rústica como um esquema segmentado,
que se traduz em uma coletânea de técnicas, fórmulas, remédios, práticas e gestos.
Ele aponta para uma hierarquia entre as modalidades terapêuticas populares a
partir da separação entre as práticas mágicas, religiosas e empíricas. E, para siste-
matizar essa divisão, apresenta uma tabela discriminando as técnicas e remédios
empregados e os agentes de cura (Idem, p. 161-162).
A passagem do folclore para a cultura popular é importante para compreender
uma torção no enquadramento do objeto e, ao mesmo tempo, na forma como toca
à disciplina porque evoca as definições do tema e também questões de ordem em-
pírica. Com base em uma perspectiva evolucionista, a sociologia do folclore tinha
neste domínio um meio de divulgação e preservação das tradições nacionais e
regionais que constituíam a identidade e os elementos culturais da nação – amea-
ça dados pela industrialização e modernização. Nesse momento, o Estado passa
de agente regulador legal para o principal meio de incentivo e preservação da
cultura, conforme a fundação de bases constitucionais. A esta altura, a benzedura
aparece em levantamentos e é discutida graças à implementação das Instituições
sob o mote do Folclore. Neste sentido, enquanto Cabral, Cascudo e Cascaes são
vistos à margem deste campo – quase que como “místicos” – Maynard e Florestan
estariam mais próximos desta rede de relações institucionais e de poder envol-
vendo a produção de conhecimento. Como argumentam Maria Laura Viveiros
de Castro Cavalcanti e Luís Rodolfo Vilhena (1990), este último contribui para
a marginalização dos estudos do folclore ao sentenciar uma falta de profundidade
metodológica e a ausência de postulados teóricos; mais do que às obras, sua crítica
se estendeu ao objeto em si, ao saber do povo, tido como pré-científico.
A antropóloga Rita Laura Segato (1991) identifica uma crise taxonômica que,
a partir dos anos 1960, põe em perspectiva a definição dos estatutos e tipos cul-
turais estabelecidos, bem como o declínio desta tendência para demarcar uma
essência e uma realidade di;ferenciadora que coincide com a necessidade de clas-
sificação destes objetos e a crescente racionalização da administração pública. Em
uma concepção fenomênica, a cultura é tida por um conjunto de comportamentos
perceptíveis e documentáveis associados à identidade. O argumento é que, além

56
dos fundamentos tradicionais, a heterogeneidade cultural se faz presente nas de-
finições; que são controversas no que se refere a outros tipos culturais, fora do
sistema hegemônico. Para ela, uma virada paradigmática nos estudos da cultura
levou à revisão das categorias do repertório conceitual; enquanto surgiam novas
perspectivas para pensar em termos de ação simbólica, a perspectiva weberiana se-
ria um indício da crise que contribui para afastar de vez os estudos sobre o folclore
das ciências sociais e, em particular, da antropologia. Pois, interessava em tal mo-
mento caracterizar as ações da benzedura a partir de um esquema intelectualista
de classificação das representações simbólicas.
Culturalização do sagrado e sacralização da cultura
O processo de culturalização da benzedura inicialmente acompanha a locali-
zação deste debate no campo na antropologia, derivado da relação entre magia,
religião e ciência, na tentativa de normatizar os padrões de sua ocorrência – como
agentes, etapas, procedimentos e técnicas. Nesse momento, se imaginava que a
modernização do país afetaria os fenômenos da ordem tradicional, que tenderiam
a desaparecer. Essa retórica está presente também nos primeiros estudos sobre a
religião popular: a crise estava entre uma especulação que girava em torno do “de-
sencantamento” do mundo e a derrocada das instituições religiosas representadas
pelo catolicismo, em um sentido; e, no outro, o seu “reencantamento” e a multipli-
cação de crenças, alternativas religiosas e espaços de devoção.
Até a primeira metade do século vinte era comum a visão do catolicismo como
constitutivo e constituinte da formação social, o que vigora como parte da narra-
tiva sobre as tradições que formariam uma “nação encantada” em que são expres-
sivos elementos divinos e místicos sincréticos. Isso é verificado pelos estudos de
comunidade nos espaços rurais ou dos movimentos milenaristas e messiânicos,
ainda nos anos sessenta, como fala a socióloga Maria Isaura Pereira de Queiroz
(1968). O argumento era que a religiosidade constituía um meio de organização
das classes subalternas através da solidariedade grupal; esta, associada a um “cato-
licismo rústico” caracterizado pela devoção popular, realização de festas e celebra-
ções para santos patronos e pela presença das “medicinas mágicas”.
As mudanças encadeadas pela modernização atingiam diretamente esse mun-
do, ameaçado pela dissolução; assim como a política, os modos de vida, os cos-
tumes e também o campo religioso. Tendo em vista uma relação antagônica e
dialética entre cultura do povo e a cultura da elite, a partir da década de setenta,
a cultura popular é assumida como uma categoria política; e a religiosidade passa
a ser encarada por teólogos e cientistas sociais enquanto resistência e alternativa

57
à cultura hegemônica em um contexto político de cerceamento dos direitos e
repressão institucional – uma forma de emancipação e meio de engajamento que
expressa uma postura crítica diante das condições da América Latina, marcadas
pelas devoções populares e por um capitalismo dependente que se sustenta pela
pobreza em massa e a violência institucionalizada (Cf. LÖWY, 2016, p. 69).
Um dos dilemas emergentes seria o sincretismo, evocando a combinação entre
crenças tradicionais e subalternas que compartilham o mundo sobrenatural como
um horizonte informado por uma matriz católica, centrado na narrativa bíblica
(BRANDÃO, 2007 b; SANCHIS, 1997; STEIL, 1996; VELHO, 1995). Para
Pierre Sanchis, o conceito é visto como um processo polimorfo “que consiste na
percepção – ou a construção – de homologias entre o universo próprio ao grupo
e aquele do “outro” com quem o grupo está em contato”, que desencadeia trans-
formações na auto-imagem coletiva para reforçar ou também para reduzir para-
lelismos entre diferentes formas religiosas (SANCHIS, 2008, p. 83). Assim como
a tensão sobre a permanência e mudança da religião, estão imbricadas culturas e
identidades. A perspectiva tradicional que entende a fé como o pertencimento dá
espaço para o pluralismo também institucional, a partir dos anos oitenta, com a
introdução de categorias como as noções de mercado dos bens de salvação para
discutir o campo religioso.
A sociologia da religião surge com o esforço sistemático de refletir sobre as
mudanças nesse cenário, projetando o pluralismo ao incluir o protestantismo e
as religiões de matriz africana em um campo de estudos onde predominavam
os estudos sobre o catolicismo. Conforme Mariza Peirano (2000), uma leitura
weberiana ancora as discussões para o cruzamento de uma “microetnografia” e
uma “macrossociologia” lançando mão da noção de ação individual junto às
representações sociais e aos códigos culturais que informam tipos de racionalidade
em determinada sociedade. A análise de Pierre Bourdieu (2004) complementa as
perspectivas antropológica e sociológica e contribui para o começo da superação
do maniqueísmo entre uma visão idealista e outra materialista; para isto, espelha o
modelo econômico do mercado para compreender a lógica da produção simbólica,
o trabalho religioso objetivado para satisfazer necessidades sagradas. O que pode
se dar de forma anônima e coletiva – quando os esquemas de pensamento e ação
são de conhecimento de todo o grupo, com produção de bens religiosos para au-
toconsumo –, ou com a especialização de agentes e a concentração do poder pela
restrição de um corpus de conhecimento. Essa divisão determina as relações man-
tidas entre especialistas e destes com os leigos, consumidores dos bens produzidos.
Ao mesmo tempo em que é estruturada por um sistema simbólico de comunica-

58
ção e pensamento, a religião também é estruturante desse sistema devido ao seu
poder de consagração, que “absolutiza o relativo e legitima o arbitrário”.
Com base neste quadro de referências, a definição da benzeção como uma
linguagem simbólica perpassa a relação entre a cultura popular, política e religião
no Brasil. Desde o fim dos anos setenta, começa a se constituir como objeto de
interesse científico dentro das Universidades e, fora delas, no âmbito institucional
pela Igreja Católica, pelo Estado e pelos movimentos sociais. Surgem pesquisas
com o intuito de documentar as mudanças na prática que aproximam uma pers-
pectiva teológica das ciências sociais e antropologia. Uma abertura democrática
faz com que o caráter identitário da prática seja assumido gradualmente enquanto
um modo de resistência à modernização.
Neste contexto são publicados dois estudos, importantes para entender tal
transição, sobretudo para o contexto mineiro – ambos compartilhando como
característica principal vasto material etnográfico, transcrito de entrevistas orais
– ao passo que refletiam a circulação dos autores por espaços institucionais e
independentes.
O primeiro foi um volume da Coleção “Estudos da CNBB”, em 1979 20, que
leva como título uma oração representando a aproximação entre a vida e a liturgia:
Com Deus me deito, com Deus me levanto, escrito pelo holandês Francisco van der Poel
OFM. Esta coletânea de rezas e benzeduras é fruto de um esforço colaborativo com
a artista e pesquisadora Maria Lira Marques, ao longo de mais de quatro décadas de
trabalho de campo, principalmente no Vale do Jequitinhonha e ganha recentemen-
te uma revisão ampliada impressa pela editora católica Paulus (POEL, 2018). Ele
constrói uma ponte entre a estrutura eclesial e a religiosidade popular, costurando a
estrutura simbólica do fenômeno ao tecido da vida religiosa de forma a contemplar
a sobreposição de muitos tipos de fé. Com isto, defende uma “teologia pluralista”
que pressupõe o diálogo e a solidariedade entre as pessoas.
O segundo, intitulado Assim se benze em Minas Gerais (2018), foi fruto do tra-
balho de Núbia Pereira de Magalhães Gomes e Edimilson de Almeida Pereira,
ligados à Universidade Federal de Juiz de Fora: atravessando quase duzentas lo-
calidades, incorpora a imersões sistemáticas dos pesquisadores desde 1978, sendo
publicado pela primeira vez em 1987, quando recebe a primeira Menção Honrosa
no Concurso Nacional de Folclore Silvio Romero apoiado pela Fundação Na-
cional de Artes (FUNARTE). O fenômeno é interpretado a partir de uma visão
integradora do simbolismo humano e das forças da natureza, considerando uma
20
Dois anos antes, em 1977, na mesma coleção, Frei Chico publica Deus vos salve, casa santa, uma
coletânea de músicas religiosas – os “benditos”, rezas cantadas – recolhidas dos rituais populares.

59
análise das histórias de vida e iniciação e uma abordagem linguística estrutural. A
pesquisa se centra na palavra enquanto mediação para a cura e meio de integra-
ção do homem com a natureza por meio de sua imaginação mítica articulada ao
pensamento metafórico.
O ativismo de intelectuais junto à sociedade civil e organizações não gover-
namentais também foi expressivo, bem como a participação ativa – predominan-
temente de antropólogos e também de cientistas sociais –, não só em pesquisas
acadêmicas como na elaboração e assessoria em assuntos da cultura, na produção
de dispositivos e políticas institucionais. Mediando diferentes concepções de cul-
tura, Carlos Rodrigues Brandão é uma das pessoas que consegue transcender esses
espaços congregando pessoas e Instituições. Reconhecendo que a cultura é forjada
a partir da relação com um “observador treinado”, ele evoca a teoria dos fatos
sociais e a antropologia simbólica de Clifford Geertz (2017) – que propõe pensar
a religião como um sistema que fornece significado para a experiência vivida em
um sistema cultural. E considera que “A religião dá nome a todas as coisas, e até
torna o incrível possível e legítimo” (BRANDÃO, 2007 a). Dos textos clássicos
tira três pressupostos que guiarão seus interesses entre grupos como camponeses e
negros: certa abertura ao ecumenismo, com a coexistência de rituais de diferentes
vertentes na vida religiosa da comunidade, mas também as disputas entre eles; a
dominação institucional destes fenômenos e a posição dos profissionais do sagra-
do no campo religioso; e rituais como as festas, que jogam com a combinação de
dicotomias como sagrado e profano, divino e diabólico, dor e prazer, etc. Então se
dedica a apontar aspectos da ordem social do sagrado com base em uma postura
crítica do ponto de vista da lógica dominante, escolhendo como entrada a forma
como o povo se apropria ativamente das práticas e crenças que lhe são impostas
para compor um repertório próprio – ao qual ele chama de “espiritualidade liber-
tária” (BRANDÃO, 1989).
Em Os deuses do povo (2007 [1980]), Brandão defende que o saber ou conhe-
cimento da religião popular é uma memória preservada e recriada pelos laços e
trocas, uma memória viva que preserva ativas condições para o trabalho coleti-
vo dos especialistas em assuntos sagrados através de representações simbólicas e
sensíveis (BRANDÃO, 2007 a, p. 303). Considerando critérios diferenciadores
entre os agentes do campo religioso, a benzedura é circunscrita como uma das
modalidades da “magia católica”, realizada por especialistas autônomos de cura
que, apesar de não representarem os sacerdotes oficiais, fazem parte do mesmo
sistema de produção e oferta de bens religiosos. Sua atuação é validada em grupos
de consenso e a posição explicada pela ênfase em três pontos: se constituem por/

60
em comunidades locais e, dentro delas, não representam interesses e ideologias
de nenhuma Igreja; produzem serviços de cura e salvação operando os mesmos
códigos e padrões culturais do grupo social produtor desse sistema; ao contrário
dos pentecostais, não respondem por projetos de conversão de sujeitos, grupos ou
da sociedade (Idem, p. 163).
Levando adiante as proposições teóricas e metodológicas de Brandão – orien-
tador de sua dissertação, defendida em 1983 no Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social da Unicamp 21 –, os trabalhos de Elda Rizzo de Oliveira
marcam a intersecção entre a religiosidade e a medicina na cultura popular. Em
Doença, cura e benzedura: um estudo sobre o ofício da benzedeira em Campinas, seu
enquadramento apresenta uma transição para as relações de poder que atravessam
sua transição para as cidades. O tratamento dado ao tema pressupõe a disputa
entre as classes popular e erudita para entender as condições sociais de sua produ-
ção em relação aos sistemas de saúde e religioso dominantes (OLIVEIRA, 1983,
p. 1ss). O espectro de opções de cura e das aflições é analisado a partir de uma
noção de trabalho cujo sentido articula os meios de subsistência e os princípios
da caridade com o sistema de dádivas. São apontadas três modalidades de agen-
tes populares no âmbito doméstico para chegar às especificidades da benzedura
como um ofício. A primeira inclui tarefas não exclusivamente religiosas, incluindo
agentes autônomos que se valem da medicina popular e uma concepção integra-
tiva de saúde (Cf. LOYOLA, 1984). A segunda inclui os agentes que atuam em
espaços comunitários não eclesiais, como pais-de-santo e capelães. Por último,
a classe dos “agentes domésticos que trabalham utilizando os artifícios do saber
mágico-religioso”, como as curandeiras, feiticeiras e as benzedeiras (OLIVEIRA,
1983, p. 22s).
Ela chama a atenção para a multiplicidade de sentidos que define o processo
como uma socialmente legitimada pela comunidade em que o agente popular
atua, inseridos em um contexto complexo de relações. É uma situação concreta
que leva os clientes a procurarem a benzeção como uma alternativa complementar
21
No mesmo Programa, antes disto, o tema aparece também na dissertação Representações de
doenças e instituições de cura numa aldeia de pescadores de Marcos de Souza Queiroz e orientação
de Peter Fry, em 1978. São apresentados aspectos da organização social e econômica através das
relações sociais em torno da pesca na aldeia de Icapara, na região de Iguape, litoral sul de São
Paulo. Os modos de produção local contemplam a divisão comunitária do trabalho no que se incluem
agentes especialistas na medicina e na religião, que atuam nas instituições destinadas a tratamento
de doenças do povo. A concepção caiçara de doença opera com a classificação entre elementos
considerados quentes e frios e sua correspondência com aspectos do corpo humano – delineando os
sintomas e tratamentos de males como feitiço, mau-olhado e susto; do mesmo modo, essa estrutura
é verificada em relação à alimentação (QUEIROZ, 1980 a; 1980 b; 1979; 1978).

61
à “medicina erudita”, mantida como uma estratégia social e política que oferece
significado para a condição de sofrimento e resolução de aflições em três níveis.
Um que exprime a relação das pessoas com o próprio organismo; outro que trata
da relação com outras pessoas e, o terceiro, que tem a ver com a conexão com os
deuses (OLIVEIRA, 1985, p. 49). Benzedeiras estariam mais ligadas à religiosi-
dade do que raizeiros ou ervateiros porque constroem um discurso religioso sobre
a medicina popular.
Este texto se desdobra em duas publicações pela Editora Brasiliense: na “Cole-
ção Primeiros Passos” aparecem O que é Medicina Popular (1984) e O que é benzeção
(1985). Para reproduzir este argumento importam quatro pontos da construção
textual, que são desdobrados pelos trabalhos posteriores. O primeiro diz respeito
aos aspectos teóricos na medida em que costura “os magos da ciência e os magos
da cura” (OLIVEIRA, p. 59ss). Após abordar inicialmente a discussão sobre ma-
gia, religião e ciência na antropologia, cita alguns textos canônicos em um esforço
crítico-reflexivo que aponta para abordagens contemporâneas apresentando, além
dos folcloristas, a perspectiva biomédica e análises etnográficas. O segundo ponto
está explícito na reflexão metodológica que se refere à sua posição em relação ao
objeto, passando de cliente à pesquisadora. Isso aponta para o fato de que a crença
dos interlocutores também pode ser compartilhada pelos antropólogos. O tercei-
ro que, em vista do alcance e da repercussão de sua pesquisa, consiste no diálogo
estabelecido com um público “não iniciado” através de uma linguagem que torna
a teoria antropológica acessível.
A autora enfatiza a dimensão social, de um lado, pela valorização das relações
interpessoais pela identificação confessional, mas que não necessariamente se res-
tringe a um mesmo grupo religioso. De outro, pela regulação do ofício e a recom-
pensa pelo trabalho de benzer – que prescreve não a circulação monetária e sim
de dádivas. As regras de sua execução, portanto, são concebidas como um sistema
dentro da ciência popular, refletindo a heterogeneidade cultural e a desigualdade
(Idem, p. 44). Atravessada pela separação entre saber e poder, a benzedura é uma
expressão das necessidades, dos sentimentos culturais e históricos do povo, sendo
mediada pela atuação dos especialistas de cura em diálogo com a natureza. Elda
sugere ainda razões políticas para que a “medicina oficial” dificulte a divulgação do
seu ofício e invalide sua eficácia devido às diferentes visões do corpo.
O modo de benzer está relacionado à percepção individual do papel social
em um espaço, das formas como memoriza as informações, se apropria dos sím-
bolos culturais em função de sua experiência no mundo. Portanto, a autora julga
que “Compreender a benzeção é penetrar na sua essência, é buscar o significado

62
de sua prática social, entendendo de que modo esse lado da cultura popular, tão
fragmentado, hostilizado, rejeitado e marginalizado, é recriado com força e au-
tonomia” (OLIVEIRA, 1985, p. 70). Uma das armadilhas de uma perspectiva
que essencializa as características que informam seu caráter coletivo é deixar em
segundo plano a dimensão dinâmica das tradições e potencial de ação dos sujeitos.
Neste caso, os significados da prática em função de sua continuidade no tempo
são compreendidos por um exercício interpretativo de ilustrar esse processo de
significação dentro de um sistema cultural à la Geertz. Pois ela mesma aponta
para sua recriação, através do trabalho individual dos agentes – de quem a expe-
riência da tradição não é recebida de maneira passiva, mas ativa.
Uma das inovações destes trabalhos está na comparação entre benzedores, xa-
mãs e pajés das sociedades tribais através da noção de eficácia simbólica dos ritos,
formulada por Claude Lévi Strauss (2008 a; 2008 b). Para este autor, o mito é
parte da língua e assim se torna inteligível através da palavra; por isso, mito e lin-
guagem são indissociáveis no pensamento mítico. Do mesmo modo, “magia” e “re-
ligião” são duas faces necessariamente articuladas e que representa estruturas mais
elementares do pensamento, que operam um mecanismo de classificação comum
a todos os grupos humanos pelo contraste entre termos binários. Em uma via de
mão dupla, a primeira possibilita a naturalização do homem e, a segunda, a antro-
porfização da natureza, como formas de representação simbólica. A relação entre
práticas mágicas e a cura de doenças no xamanismo ameríndio é explanada a par-
tir de uma situação de cura dos Cuna do Panamá, na qual a performance do xamã
provoca uma experiência de ab-reação que transpõe o mito do plano coletivo ao
mental e, provoca uma alteração fisiológica. Por meio de cantos e manipulações
simbólicas como a sucção e o sopro é que o doente se identifica com símbolos; o
resultado é a alteração de um estado patológico de desordem para sua ordenação
através de uma manipulação psicológica. Seriam três os aspectos complementares
de sua eficácia: a crença do agente da magia em suas técnicas, a crença do doente
no poder do feiticeiro ou xamã e a crença coletiva que valida sua realização.
Outro texto ajuda a pensar a posição do benzimento nesse caldo sincrético a
partir de uma reflexão sobre a magia na Umbanda, abrindo espaço para outras
narrativas e dando ênfase às tradições africanas: é a tese de doutorado de Paula
Montero, defendida também no ano de 1983, na USP. Deslizando Da doença à de-
sordem (1985), a antropóloga concebe as benzedeiras e benzedores como agentes
que conduzem as cerimônias religiosas pela intimidade com as orações e o mundo
sagrado em um contexto rural, a quem cabia cuidar da saúde e também das plan-
tações e criações como uma defesa natural (MONTERO, 1985, p. 31-32). O des-

63
locamento do eixo produtivo do campo para a cidade provocou a desestruturação
das relações comunitárias, o que para ela culminaria no lento desaparecimento de
benzedeiras e curandeiras (Idem, p. 42).
Em sua análise, o ritual estabelece a relação entre elementos usados para
tratá-las e as doenças, já codificadas ou conhecidas de antemão. São dois aspec-
tos importantes, sendo o primeiro a diferenciação entre a benzedura e os passes
umbandistas, que tomam o corpo do doente como expressão objetiva de seu sofri-
mento e o mal como expressão do “eu no mundo” – abrangendo o mundo natural e
o sobrenatural. O segundo é a concepção de que a medicina rústica trata a doença
geograficamente situada no corpo do indivíduo; para sobreviver, teve que operar
uma ruptura entre a eficácia simbólica e material. Sua contribuição evidencia o
processo pelo qual a noção de doença se transfigura na noção de desordem reli-
giosa, cujo significado é reelaborado simbolicamente no universo mágico e passa a
expressar qualquer ameaça contra a vida. Uma vez que a existência da “doença es-
piritual” é postulada, passa a funcionar como uma representação que transforma os
sinais mórbidos nos signos da desordem 22. Processo que tem como consequência
a sobreposição da explicação religiosa à causalidade natural das doenças orgânicas
e psíquicas; assim, a doença toma aparência dos fenômenos transcendentes da
forma como se tornam sensíveis, porque “(...) para os umbandistas a doença não
é realmente doença, mas aparece como se fosse” (MONTERO, 1985, p. 125). A
cura mágica só é possível através da conjunção entre desordem e sintoma através
da representação doença e, por conseguinte, de sua causa.
Visando recuperar as raízes negras do folclore nacional, a escritora Ruth Gui-
marães trata da benzedura como Medicina mágica (1986) em um volume da cole-
ção “Medicina Popular”, da Editora Global 23. O termo é designado para doenças
físicas e sobrenaturais, relacionadas à violação de tabus ou descumprimento de

22
A autora cita três grandes categorias de fenômenos mórbidos a serem convertidos em desordem:
doenças causadas pelos próprios indivíduos, provocadas por terceiros (feitiços, obsessões) e kármi-
cas. As práticas terapêuticas da Umbanda se dividem em dois grandes grupos para dar conta deles.
O primeiro visa diretamente o corpo do doente para extirpar as forças maléficas, como banhos de
descarrego, rituais de desobsessão, passes ou benzeções. Consistem em uma série de gestos ritma-
dos com a finalidade de retirar más influências; por vezes acompanham defumações feitas “[...] com
a fumaça dos cachimbos dos pretos-velhos ou com os charutos dos caboclos” (MONTERO, 1985, p.
140). O que inclui praticas para atrair forças benéficas ao corpo graças ao desenvolvimento mediúni-
co, a preparação de chás e práticas de irradiação. O segundo engloba ações que visam às forças
espirituais, seja neutralizando ou atraindo sua proteção com despachos, oferendas, etc.
23
Nessa mesma coleção, o tema também aparece em Plantas medicinais, benzeduras e simpatias
(1987) do músico mineiro e estudioso da cultura popular Teo Azevedo, com 120 relatos de agentes
populares da cura.

64
prescrições religiosas; maldade de terceiros; doenças desencadeadas por espíri-
tos errantes ou de modo não intencional, etc. A magia aqui é considerada como
expressão dos elementos de vários tipos de pensamento concebidos como atos
de tradição (Cf. MAUSS, op cit); isso engloba o que ela chama de “medicina do
folk” e o uso de talismãs e simpatias – descritas como um artifício de fazer com
que poderes ocultos satisfaçam a vontade humana, considerando o ritual como
“[...] protetivo, preventivo e curativo” (GUIMARÃES, 1986, p. 15). Isto se opera
pela magia simpática, por meio do que “(...) pretende-se ter ação sobre pessoa ou
objetos distantes, por meio de uma parte, por exemplo, peças de roupa, sinal dos
dentes no pão e outros” (Idem).
Ao longo desse processo de culturalização, nota-se que os enquadramentos vão
da fetichização ao combate à sua localização no plano das tradições, especialmen-
te relacionado ao catolicismo popular. Já no final do século vinte desloca-se para
o centro do debate antropológico e se projeta no espaço público como assunto de
interesse coletivo muito além dos estudos sobre religião. Simultaneamente, vão se
alargando os entendimentos do fenômenos diante de novos paradigmas empíricos
em um mundo cada vez mais globalizado.
Uma nova era?
Diante de interseções emergentes entre novas formas espiritualidade e as
práticas alternativas em camadas médias da população, um dos desafios apon-
tados pela antropóloga Sônia Weidner Maluf (2011) é o deslocamento do foco
de interesse de doutrinas e aspectos institucionais para redes, circuitos, circula-
ção, práticas e trajetórias, agenciamentos possíveis (MALUF, 2011, p. 10). Ela
remonta a configurações especificas associadas à formação sociocultural brasileira
que desembocam em tal situação: uma tradição de vivência religiosa eclética e
interpenetração dos planos da prática religiosa; a confluência entre religioso e um
“pluralismo terapêutico” (Idem, p. 6). A ideia de “práticas alternativas” passa a ser
acionada para descrever toda forma de ação, especialmente as que escapariam à
causalidade mecânica ou orgânica da lógica biomédica e científica; incluindo te-
rapias não convencionais e tradicionais, mas também fenômenos da bruxaria e da
feitiçaria, ou ainda práticas da “nova era” (MALUF, 2012, p. 29).
Conforme Madel Theresinha Luz (2005), uma abertura a tais fenômenos se
intensifica a partir dos anos 1980, junto a uma crise social, sanitária e médica
agravada pelas desigualdades sociais no mundo contemporâneo e a “perda da na-
tureza”. No lugar do combate à medicina teológica, mágica ou popular, passa a
interessar a inclusão de saberes tradicionais e práticas alternativas como com-

65
plementares à medicina clínica. Em toda a América Latina tem-se a importação
de antigos sistemas médicos e, simultaneamente, o resgate das medicinas locais
(LUZ, 2005, p. 153). Então as práticas “alternativas” passam a disputar ativamen-
te sua legitimação institucional enquanto serviço de saúde; sua “tradutibilidade
terapêutica” garante às medicinas alternativas mais chances de legitimar-se em
novas configurações (Idem, p. 156-7). Além da bênção e passes, os usos seculares
de fitoterapia e homeopatia são recorrentes.
Neste contexto, uma interface com a antropologia médica visa ampliar as con-
cepções acerca da doença e dos processos terapêuticos, possibilitando a análise dos
rituais curativos inseridos em seus respectivos sistemas culturais. Como observa o
médico Cecil Helman (2009 [1994]) – articulando autores como Geertz (2017),
Turner (1974) e Evans-Pritchard (2005) –, isso cobre os tipos relacionados de
corpo, doença e funções no manejo de infortúnios cujos aspectos técnicos con-
templam questões psicológicas, sociais e de proteção física e espiritual. Portanto,
entre os símbolos – que podem ser religiosos ou artefatos que representariam as
forças curativas – podem ser incluídos roupas, cores, adornos corporais, sensações,
palavras, silêncios, ritmos, movimentos, gestos, entre outras coisas (HELMAN,
2009, p. 205). Se, nos anos oitenta, Elda Rizzo Oliveira apontou que a eficácia
simbólica da benzedura era um ponto inevitável, delicado e pouco pesquisado
(OLIVEIRA, 1985, p. 79), desde então o conceito foi retomado a partir dessas
articulações com o campo da saúde.
É o caso do estudo realizado pelo psicólogo e antropólogo clínico Alberto
Quintana que se guia pela comparação entre a cura xamânica via estruturalis-
mo levistraussiano e a psicanálise, incorporando a teoria arquetípica junguiana.
Em A ciência da benzedura (1999) trabalha sua pesquisa de campo na região de
Santa Maria (RS) a fim de desmistificar a racionalidade do pensamento moder-
no apontando para a presença das práticas mágico-religiosas e a possibilidade,
amplamente aceita, de que qualquer um poder “ser pego” por mau-olhado (Cf.
FAVRET-SAADA, 1977). A investida psicanalítica tem como baliza teórica a
descrição do contexto e das técnicas como manejo dos símbolos rituais 24 através
24
Uma abordagem semelhante é adotada pelo cientista da religião e pedagogo Gilson Xavier Azevedo
– orientado pela cientista da religião Carolina Teles Lemos que, já em sua tese, trata da relação entre
as benzedeiras e a religiosidade popular (LEMOS, 1998) – que tem como problema identificar onde
essas práticas se encaixam no contexto da modernidade racional (AZEVEDO E FERNANDES, 2014).
Com base na tipologia weberiana e na divisão do trabalho no campo religioso, pretendem demonstrar
que a racionalidade e o consumismo modernos não prescindem de seu caráter simbólico. Então
analisam o papel social das benzedeiras na região de Quirinópolis (GO), demonstrando sua atuação
como guardiãs da tradição e mantenedoras da cultura religiosa popular a partir das noções de imago
mundi (ELIADE, op cit), uma representação do cosmos em si, e de homo religiosus, cujo ser expressa

66
do diálogo com Helman (op cit), refletindo sobre o lugar do sagrado e a forma
como representações sociais do corpo e da doença são associadas aos elementos
míticos. Citando o historiador das religiões Mircea Eliade (2002; 2001), busca
justificar a repetição de aspectos históricos da realidade que respondem às neces-
sidades de ser e se constituem como formas de conhecimento. A ressignificação da
situação é desencadeada pelo ritual, constituído por três pontos: diálogo, bênção e
prescrições. O argumento é que a eficácia simbólica residiria no fato de modificar
o presente ao oferecer sentido para dissolução de desordens “orgânicas” e “não-or-
gânicas” associadas às feridas simbólicas. Aqui o xamanismo é visto como processo
curativo iniciado com a enunciação de um mito coletivo pelo xamã que ordena o
sofrimento do paciente (Cf. LÉVI-STRAUSS, 2008 a; 2008 b); um equivalente
invertido da psicanálise em que o paciente coloca o sofrimento e o sentido é in-
cutido pelo terapeuta.
A crítica tem apontado os limites dessa teoria que se assenta no pensamento
dicotômico e recoloca oposição entre o rito e a técnica. Sônia Maluf (2012) ex-
põe desafios etnográficos e teóricos pensando o “trabalho ritual ou terapêutico”
diante de duas dimensões complementares: a transformação e reinvenção de si,
e a agência individual ou coletiva. A proposta de ir “para além da eficácia simbó-
lica” introduz uma dimensão pragmática, chamando atenção para processos de
produção e da experiência dos sujeitos. Formulações do estruturalismo simbólico
enquadram elementos como a ação, a criatividade e a expressão poética enquanto
secundários; assim, com criticando seus princípios, eles são reposicionados diante
do questionamento sobre os elementos verbais e estruturais do ritual, apontando
seus aspectos performáticos. Duas formas de apropriação desses trabalhos são
apontadas: uma que define a eficácia como a analogia entre estruturas ou signi-
ficantes homólogos, operada inconscientemente; outra que potencializaria a des-
crição etnográfica da eficácia simbólica em processos terapêuticos que fogem à
lógica da causalidade mecânica ou orgânica (Idem, p. 50).
Esta torção é embalada pelo paradigma da corporeidade, discutido por Thomas
Csordas enquanto uma alternativa para superar o pensamento dicotômico através
do cruzamento do ponto de vista fenomenológico à noção de habitus, proposta
por Bourdieu (2004). As ações são lidas dentro de um ambiente comportamen-
tal relacionado a objetos naturais e objetos culturalmente reificados, ele defende
que a consciência dos sujeitos sobre si envolve a percepção e a significação de

sua sacralidade (Idem, p. 99). Depois apresentam algumas razões para a medicina popular, incluindo
o fato de o ritual ser considerado uma prática do catolicismo popular pautada por parâmetros rituais
que não sofrem alterações, senão breves acréscimos ao longo do tempo (Ibidem, p. 99ss).

67
uma experiência corporificada 25, em que o corpo é a base existencial da cultura
(CSORDAS, 2008, p. 102). Examinando dois processos de cura religiosa na Re-
novação Carismática Católica em contexto norte-americano, o repertório ima-
gético e multi-sensório acionado no ritual é relacionado a um processo cultural
corporificado: enquanto a possessão remete à transgressão das fronteiras do corpo
e dos limites entre interioridade e exterioridade – concebida como condição cor-
poral, material, espiritual e psicológica – a despossessão não é a liberação do mal,
mas a incorporação do poder divino e a síntese corpórea da visualização da cura.
Dialogando com Lévi-Strauss (op cit), o papel do curador é entendido como o de
desembaralhar o emaranhado de percepções a partir do repertório imagético nas
modalidades táteis e visuais, mobilizando aspectos sensíveis. Portanto, nos rituais
de cura, uma imagem mimética não é mera representação, mas tem sua materiali-
dade enraizada nessa experiência corporificada (Idem, p. 125).
Muitos outros trabalhos endossam certa flexibilização das fronteiras entre
campos de conhecimento e modos de conhecer. A discussão feita por Maria The-
reza Lemos de Arruda Camargo incorpora a ritualística à materialidade, situada
no campo da etnobotânica, para compreender as propriedades farmacológicas e
o papel sacral das plantas terapêuticas em rituais religiosos (CAMARGO, 2014;
2005 / 2006). Argumentando que a eficácia não está estritamente associada à
crença, são apontados princípios nos quais se sustenta a medicina popular – como
o manejo adequado das plantas; preparação, dosagem e contraindicações ao uso
indiscriminado – e sua contribuição para o saber científico (CAMARGO, 2011;
2005; 1998). Ela enfatiza um impulso com a fitoquímica e as sínteses vegetais em
larga escala pela indústria farmacêutica, endossando seus usos terapêuticos sem
desconsiderar a coerência das práticas dentro de um sistema e sua legitimidade
pela adesão dos adeptos. Depois, sua sacralização através do ritual terapêutico
e, por fim, a credibilidade que envolve a crença do curador nas técnicas, crença
coletiva no curador e crença do doente no curador. Assim, “sentir-se curado” não
é simplesmente uma concepção simbólica abstrata, mas uma experiência sensível
cuja materialidade vai além dos corpos.
Essa aproximação permite acessar ontologias que oferecem olhares sobre ou-
tros modos de viver e construir o mundo, linguagens e formas de comunicação,
como as medicinas da floresta – principalmente relacionadas à pajelança e aos
usos religiosos de plantas de poder 26. Na base destas cosmovisões está o que
25
Do inglês, embodiment.
26
Muitos estudos mostram a estreita relação entre benzedura e pajelança para a região amazônica
(Cf. CASCUDO, 1978; MAUÉS, 1994). O primeiro Centro de Medicina Indígena da Amazônia: o Bah-

68
Ingold (2015) traduziu em termos de habitar o mundo, reconhecendo uma con-
tinuidade entre suas linhas e a constituição de correspondências não segmentadas
por categorias limitantes ou antagonismos 27. Agentes como os pajés e xamãs, os
benzedores e puxadores, as benzedeiras e parteiras, trabalham em consonância
com os ecossistemas e com as necessidades dos povos tradicionais, produzindo
conhecimento a partir desta relação (Cf. VAZ FILHO, 2016).
A isto se soma uma concepção dos direitos morais e patrimoniais como inalie-
náveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, entendimento que não prevalece em outras
escalas – discutido em termos dos direitos de propriedade intelectual, cujos ter-
mos e duração são negociáveis. O ponto chave desta diferenciação está na nature-
za epistemológica dos conhecimentos tradicionais e do conhecimento científico,
pautados por lógicas distintas. Isso chama atenção ainda para a ideia de articula-
ção como um meio de engajamento por uma causa comum, a reivindicação de que
seus direitos sejam reconhecidos e cumpridos, e contando com apoios institucio-
nais; ou para trocas de experiências e criação de estratégias para a auto-regulação
ou realização comunitária.
A mobilização política dos detentores dos ofícios tradicionais de cura pela
afirmação de sua identidade orienta, por exemplo, culminou em um mapeamen-
to social no território na região de Rebouças e São João do Triunfo, no Paraná;

serikowi’i, implementado em 2017 na cidade de Manaus (AM), é um uma prova concreta disso. O
idealizador do projeto, o antropólogo tukanu João Paulo Lima Barreto (2017), afirma que o intuito do
espaço é incorporar às políticas públicas de saúde os conhecimentos Kumuã, ocupando também
outros espaços terapêuticos. Apontando para diferenças cosmológicas entre os povos da floresta, ex-
plica que os povos do Alto Rio Negro estabelecem um contínuo entre relações sociais e meio natural,
considerando todos os “ambientes” habitados por outros humanos; tal noção inclusiva está articu-
lada com bahese (benzimento) e com a interação dos humanos enquanto waimahsã, traduzido como
espíritos – os habitantes desses ambientes aquático, terrestre e aéreo (BARRETO, 2017, p. 603).
Além dos usos de ervas e plantas medicinais, o Centro realiza os bahese, que “é a habilidade de invo-
car elementos encantados e princípios curativos, contidos nos tipos de vegetais, animais e minerais
sobre os elementos para ser tratado o paciente” (Idem, p. 607). Para ele, “conceitos como mito, reli-
gião, xamanismo, maloca, benzimento, magia e feitiçaria têm conduzido a um imaginário equivocado e
distanciado das epistemologias propriamente indígenas” (Ibidem, p. 598). Mas tecer paralelos entre
o bahese e a benzedura, neste sentido, não pode passar por cima do fato de que, ontologicamente,
são acionadas diferentes concepções de corpo, saúde e doença em ambos os fenômenos. No caso
das medicinas da floresta, passam pela ancestralidade.
27
Esta relação com a medicina tradicional permeia outros biomas, como no caso da Farmacopeia
Popular do Cerrado mineiro e goiano: um trabalho colaborativo para estudo sobre plantas medicinais,
usos e o manejo sustentável da biodiversidade produzido pela Articulação Pacari, visando a pesqui-
sa científica junto ao desenvolvimento, divulgação e comercialização de produtos fitoterápicos. Um
levantamento participativo foi realizado, além de encontros regionais através dos quais 262 raizeiras
e raizeiros tratam de nove espécies nativas da “botânica das rezadeiras” reunidas na Farmacopéia
popular do cerrado (2009) (Cf. ILHEO, 2022 b).

69
iniciativa pioneira pela regulamentação da categoria “benzedor” por meio de um
“Certificado de Detentor de Oficio Tradicional de Saúde Popular” (Cf. BOLETIM
INFORMATIVO, 2012) 28. Tomado como paradigmático, este caso inspirou ou-
tras iniciativas no mesmo estado 29 e noutros próximos 30.
A institucionalização do benzimento pelo Estado acompanha essa abertura e
se dá em duas vias (Cf. ILHEO, 2022 b). No que se refere à saúde, configurada
por dois dispositivos legais: um tem a ver com os usos de plantas e fitoterápicos
pelos terapeutas populares por agentes da benzedura, outro com sua inclusão no
Sistema Público de Saúde brasileiro enquanto Prática Integrativa ou Comple-
mentar 31. Emaranhada à primeira, a outra via é a do Patrimônio Cultural Imate-
rial 32 e que pode ocorrer por três meios – o registro da prática, enquanto expressão
28
Cf. Ilheo (2022 b), agentes locais junto ao Movimento Aprendizes da Sabedoria (MASA) realizaram
encontros desde 2007: além do registro profissional, obtido em 2012, o respaldo das políticas pú-
blicas alcança a saúde; garante a pesquisa da biodiversidade medicinal e a educação de modo a
reforçar a transmissão de memórias através das narrativas orais das experiência no mundo (Cf. VAZ,
2006). Este mesmo contexto foi trabalhado pela antropóloga Taisa Levitski em sua dissertação “A
vida das benzedeiras: caminhos e movimentos” (2019), que recebeu menção honrosa para a catego-
ria no prêmio ANPOCS de 2020. Apropriando-se da teoria ingoldiana, trabalha as noções de “linhas de
vida” para analisar a biografia das benzedeiras organizadas através do Movimento – entre as quais a
do monge São João Maria, personagem também abordado por Braga (2010; 2009).
29
Cf. Ilheo (2022 b), uma delas é o Projeto “Benzedeiras de Ponta Grossa”, coordenado pela Funda-
ção Municipal de Cultura em 2016, para resgatar as histórias de vida e divulgar a ação como Patrimô-
nio Imaterial local. No ano de 2018, a pesquisa rendeu uma exposição e um documentário, além de
uma homenagem publica na Câmara de Vereadores. No mesmo ano, os profissionais da benzedura
receberam o Prêmio Guardiãs do Patrimônio Cultural de Ponta Grossa (Documentário completo dispo-
nível em: < https://www.youtube.com/watch?v=bEPmPyzLlNM&list=PLpK5VUqvKKqcl0AGqy6OOzOB-
DezJP9Zfd&index=12>. Acesso: Novembro/2019).
30
Cf. Ilheo (2022b), em Santa Catarina o Projeto “Benzedeiras de Florianópolis” realizou o mapeamen-
to social dos agentes com o apoio de um edital estadual de Incentivo à Cultura. Este caso ganhou
ampla repercussão através do Facebook: como contrapartida foi produzido um mapa que identifica e
localiza as benzedeiras na Ilha (Reportagem disponível em: < https://g1.globo.com/sc/santa-cata-
rina/noticia/2019/01/28/florianopolis-ganha-um-mapa-com-as-benzedeiras-e-benzedores-da-cidade.
ghtml >. Acesso: Novembro/2019). Ao nível local tramita um Projeto de Lei que dispõe sobre o reco-
nhecimento desses ofícios tradicionais na cidade sob a justificativa de sua importância para a saúde
popular, cujo desfecho inclui uma sessão na Plenária em que a pesquisadora responsável Tade-Ane
Amorim apresenta os resultados do levantamento, no ano de 2019 acompanhada das benzedeiras
(Reportagem disponível em: < https://www.cmf.sc.gov.br/noticia/camara-abre-espaco-para-tradicao-
-e-historias-das-benzedeiras-da-ilha >. Acesso: Novembro/2019).
31
Incentivada pela Organização Mundial da Saúde, a valorização dos conhecimentos tradicionais e
usos terapêuticos de plantas medicinais no Brasil é pautada por duas políticas públicas do Ministério
da Saúde: a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF) que serviu de base para
o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, lançado em 2009; e a Política Nacional de
Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), que regulamenta sua integração ao SUS.
32
Preconizado pelo Decreto-Lei nº 3551/2000 que institui o Registro de Bens Culturais Imateriais
e toma providências de criar o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial (PNPI); pelo Decreto nº

70
de saberes tradicionais; o registro dos agentes como detentores de tais saberes, e
o reconhecimento da pessoa como Patrimônio Vivo 33. O desafio, nesta direção,
emerge com a necessidade de compreender como as rezadeiras se veem enquanto
“referência cultural”, considerando o modo como esta dinâmica é experienciada e
em o sua identificação como “bem cultural” (SANTOS, 2009, p. 29).
Articulando toda essa dimensão institucional, é o trabalho de Francimário
Vito dos Santos que a benzedura começa a ser discutida em uma chave fenome-
nológica, acionando autores como Thomas Csordas e Merleu-Ponty para refletir
sobre dimensões como as técnicas, o corpo, os lugares e espaços – perpassadas
por um fundo religioso e comunidade de crenças – de maneira cruzada. Sua
etnografia tem como recorte a cidade de Cruzeta, no Rio Grande do Norte 34,
argumentando que a transmissão de geracional de conhecimentos e sua relação
com dom divino é diretamente proporcional ao reconhecimento coletivo que
vai receber a benzedeira ou benzedor (SANTOS, 2016, p. 109 ss). A categoria
rezadeiras é usada como termo êmico e sinônimo de benzedeiras, vistas como
agentes terapêuticas e também religiosas. A prática se justifica pela caridade
e tem na gratuidade o vetor que a diferencia do saber médico. Uma diferença
toca a interação médico paciente – impessoal e fragmentada – e a relação entre
benzedor e benzido, pessoalizada e pautada por uma concepção holística do cor-
po e da doença (Cf. QUINTANA, 1999). Ele mapeia o contexto institucional
no qual são elaboradas categorias para a gestão cultural (SANTOS, 2009). Ao
analisar elementos simbólicos em relação às doenças e rezas, coloca em pauta
os elementos concretos da prática como as reações corporais e o que chamou de
adornos dos “espaços-terapêuticos-religiosos”.
Tais deslocamentos abrem margem também para questões metodológicas que
dizem respeito não só à forma como as diversas vozes serão mobilizadas na cons-
trução textual e do objeto, mas a aspectos do trabalho de campo e da relação com
interlocutores. O desafio está em multiplicar as vozes e abre também para novas
5753/2006 que promulga a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial a partir
de quatro categorias de Bens Culturais Imateriais: Saberes; Formas de Expressão; Celebrações;
Lugares.
O Registro de Patrimônio Vivo vigora em Minas Gerais (Lei Estadual nº20368/2012), mas também
33

em Pernambuco, Alagoas e no Rio Grande do Norte.


34
Cf. Ilheo (2022 b), o caso mais recente se dá em 2021, com Lei nº 10.892 – chamada “Lei Chi-
quinha Ferreira” em homenagem à benzedeira centenária potiguar de mesmo nome – que reconhece
como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado do Rio Grande do Norte: os saberes, os conhecimentos
e as práticas tradicionais de saúde popular e cura religiosa das benzedeiras (Reportagem disponível
em: < https://www.saibamais.jor.br/governadora-sanciona-lei-chiquinha-ferreira-de-e-institui-benzedei-
ras-como-patrimonio-cultural-do-rn/ >. Acesso: junho/2021).

71
formas de fazê-lo, incluindo trabalhos colaborativos, conciliando múltiplas mídias
e linguagens. Isto implica refletir sobre as formas narrativas, criando possibilida-
des para além do texto e introduzindo novas perspectivas como filmes documen-
tários 35, imagens 36 e ensaios visuais 37.
Reforçando a hipótese de viradas confluentes em um movimento de resgate,
que dá ao tema cada vez mais visibilidade no mundo contemporâneo, uma con-
sulta simples 38 ao acervo de duas Bases de Dados institucionais – pautadas por
seus respectivos critérios de indexação pré-determinados, que mereceriam uma
discussão à parte – aponta as estatísticas oficiais para essa produção em relação aos
Programas de Pós-Graduação reconhecidos pelo Ministério da Educação (MEC)
39
. Como um recorte que não representa a totalidade dessas produções e sim uma
amostra, é possível notar de saídas lacunas nestas informações. Eles não incluem,
por exemplo, dados sobre monografias – o que não significa sua ausência 40.
No primeiro deles, o Portal de Periódicos da CAPES 41, um trabalho aparece no
começo da década de noventa e, depois, outros somente a partir de 2008; até o ano de
2016 foram publicados 15 trabalhos, com a maior quantidade concentrada no ano de
2013, um total de cinco artigos. Muitos deles falando desde a Antropologia 42.
35
Estas iniciativas vão de filmes autônomos – como “Eu que te benzo, Deus que te cura” (2014),
dirigido pela estudante de Jornalismo Fernanda Pessoa como trabalho de conclusão de curso de Jor-
nalismo na UFSC – à iniciativas realizadas através de Editais privados e públicos para ações culturais.
Cito também Benzedeiras – ofício tradicional (2015), de Lia Marchi, e Instalações - Rituais (2010), de
Geslline Braga com apoio da Bolsa Funarte de Produção Crítica. Um dos mais emblemáticos é Benze-
deiras de Minas (2007), dirigido por Andrea Tonacci e contemplado pelo programa Etnodoc do IPHAN/
Comissão Nacional de Folclore e Cultura Popular.
36
Os trabalhos de Geslline Braga (2010; 2009) elucidam trata-se de um campo tomado por imagens:
as fotografias, por exemplo, não só como um artigo afetivo ou meio de justificar sua relação e a
realização da prática, mas como algo potencialmente mágico ou que materializa uma relação com
o santo. Especialmente, investiga a presença de fotografias do ícone devocional popular, conhecido
popularmente como São João Maria.
37
Também é através das imagens que Victor Augustus Graciotto Silva (2013) apresenta as Benzedei-
ras, seus cantos, encantos e histórias de vida: junto com os retratos, traz descrições dos procedimen-
tos junto com fotos de seus altares e espaços de atendimento, em Curitiba (PR).
38
Levando em conta o fato de que estes resultados estão condicionados ao conteúdo disponibilizado
por cada base e aos seus filtros de busca, a estratégia do filtro se repetiu com as buscas por quatro
palavras-chave: “benzedeira”, “benzedor”, “benzedura” e “benzimento”.
39
Vide Apêndice 2. Síntese dos dados sobre produção bibliográfica acadêmica, p. x.
40
Vide Quinteiro (2018), um estudo sobre o ofício de benzer em face da Constituição de 1988.
41
Disponível em <http://www.periodicos.capes.gov.br/index.php?option=com_pmetabusca&m-
n=88&smn=88&type=m&metalib=aHR0cHM6Ly9ybnAtcHJpbW8uaG9zdGVkLmV4bGlicmlzZ3Jv-
dXAuY29tL3ByaW1vX2xpYnJhcnkvbGlid2ViL2FjdGlvbi9zZWFyY2guZG8/dmlkPUNBUEVTX1Yx&Ite-
mid=124> (Acesso: agosto/ 2019).
42
Vide Ramos (2018); Cerqueira (2017); Nunes et al (2013) e Braga (2009).

72
Já no segundo sítio, o Banco de Teses e Dissertações da CAPES 43, a amostra
traz boas questões para refletir sobre estes movimentos, corroborando a tese de
que a tendência para a produção acadêmica é de aumento 44. No que diz respeito à
sua distribuição por área de conhecimento, o maior número de trabalhos aparece
nas Ciências Humanas e contempla Ciências Sociais e Antropologia, História e
Educação. Depois, tem-se um volume significativo de trabalhos na área de Ciên-
cias da Saúde, mais especificamente, Saúde Coletiva, Etnofarmacologia, Enfer-
magem e Psicologia. Também há contribuições na área de Linguística, Letras,
Comunicação e Artes. Nas Ciências Agrárias, nos programas de Extensão Rural e
Agronomia e nas Ciências Biológicas, relacionados à Ecologia.
No plano institucional, as ocorrências também são diversas: foram produzidos
em Universidades públicas e privadas e, em sua maioria, contando como apoio
de órgãos de fomento, entre eles a CAPES e o CNPq. Neste sentido, a estrutura
acadêmica e o financiamento público são fundamentais para a produção de co-
nhecimento sobre o tema não somente nas humanidades. A distribuição dessas
pesquisas inclui instituições como a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), que
contribui com pelo menos um trabalho. Para Teses e Dissertações, o maior volu-
me de trabalhos se concentra na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP) 45, vinda dos Programas de Ciências Sociais, Ciências da Religião e
História Social. A produção em Programas de Pós-Graduação em Antropologia
Social é relevante e não se restringe às linhas de pesquisa da religião ou da saúde
46
. O diálogo com perspectivas antropológicas é constante ainda que os trabalhos
partam de enfoques diferentes.
São trabalhos quantitativos e qualitativos; empíricos, aplicados e teóricos que
enfatizam elementos da religiosidade – associados à reza forte e a crença. A predo-
minância é do catolicismo popular, mas também como uma prática no campo da

43
Disponível em <https://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/> (Acesso: agosto/
2019).
44
Foram apontadas 58 pesquisas concluídas em Programas de Pós-Graduação, entre 1987 e 2018.
São 43 dissertações e 15 teses escritas por 39 autoras e 19 autores. O trabalho mais antigo é de
1987 – justificando o início do recorte temporal –, no qual o tema aparece em relação à educação para
a saúde em comunidades de classe popular (MARGOTTO, 1987). Nos dez anos posteriores mais 4
trabalhos foram publicados. Na década que vai de 1997 a 2006, o número foi maior que o dobro para
o período inicial da série, totalizando 11 pesquisas. Este crescimento se mantém com a produção de
22 textos entre 2007 e 2016. Só nos últimos dois anos, aparecem 19 trabalhos – quase a mesma
quantia produzida na década anterior, aproximadamente um terço da amostra. O maior número da
série aparece em 2017, com a publicação 10 trabalhos.
45
Vide Aguiar (2012), Moura (2009), Vaz (2006) e Quintana (1999).
46
Vide Biazi (2017); Salgado (2016); Tavares (2015), Dias (2013) e Chagas (2001).

73
Umbanda ou entre Pentecostais – e reforçam o fato de que a prática está presente
entre povos tradicionais 47, indígenas 48, quilombolas 49, faxinalenses 50, campone-
ses 51, ribeirinhos 52, rurais 53, entre outros. Um dos temas mais tratados é a atuação
das mulheres enquanto agentes de saúde 54: as benzedeiras que, muitas vezes, são
também parteiras. Nota-se claramente um interesse por sua participação das mu-
lheres e a expressão dos saberes para a cura através de procedimentos terapêuticos
que incluem rezas e uso de plantas medicinais – relacionada aos cuidados com o
corpo feminino e da comunidade, e às relações afetivas e de dádivas. A atuação
das mulheres negras também é tematizada, considerando um recorte identitário 55.
Ainda antes dos anos noventa, um recorte de gênero desponta servindo a uma
reaproximação das práticas mágicas; trata-se da dissertação de Sônia Maluf sobre
bruxas e bruxaria na Lagoa da Conceição em Florianópolis. Em Encontros notur-
nos (1993), a narrativa coloca as mulheres como figuras de poder na comunidade –
fato relacionado à constituição de uma cultura de gênero onde as diferenças entre
“masculino” e “feminino” são construídas e representadas no plano simbólico e
discursivamente 56. Esse esquema orienta não só concepções do corpo e da doença
como aspectos da organização familiar e comunitária. Outro fator importante é

47
Vide Weiler (2015) e Mota (2008).
48
Vide Biazi (2017), Salgado (2016) e Lolli (2010).
49
Vide Mendes (2017) e Silva (2017).
50
Vide Rodrigues (2017).
51
Vide Tressmann (2005).
52
Vide Reis (1996) e Boas (2017).
53
Vide Zank (2015).
54
Vide Oliveira (2018); Cruz (2017), Silva (2017), Stadler (2017); Alves (2016), Santos (2016); Aguiar
(2012); Trindade (2011); Barros (2010); Vaz (2006) Cruz (2001), Lemos (1998) e Marta (1993).
55
Vide Aguiar (2012) e Barros (2010). Entre os artigos, Nunes et al (2013).
56
Outra antropóloga, Ondina Fachel Leal (1992), se aprofunda na comparação entre benzedeiras e
bruxas como agentes integrantes de um sistema de cura tradicional. Nele, a sexualidade e a doença
são concebidas simbolicamente como desordens da ordem do feminino. Outros trabalhos posteriores
também endossam a atuação das mulheres como um modo fundamental de cuidado (WEBER, 2004;
ALVES, 2016). Em um contexto mais amplo e recente, esta intersecção também aparece com a revin-
dicação de figuras como a bruxa, a benzedeira e a curandeira por movimentos feministas, enquanto
símbolos de empoderamento e da perseguição às mulheres. Isso é uma reação ao crescimento das
variadas formas de violações ao corpo feminino que são a base do sistema patriarcal. Conforme
aponta a feminista Silvia Federici (2017), a divisão do trabalho capitalista deixou a cargo das mulhe-
res a manutenção da vida social e execução do trabalho doméstico – não remunerado e forjado a
partir de papeis sociais imaginados para elas, a esposa e a mãe – e dentre as funções executadas
por elas, o trabalho de cura é um dos aspectos que garantem a reprodução desse sistema. A figura
da bruxa seria personificação da transgressão a estes padrões, por isso, tão essencial para a crítica
anticapitalista.

74
a relação antagônica das bruxas com os benzedores e, principalmente, as benze-
deiras que são especialistas no desembruxamento e outras terapêuticas populares.
Contudo, o gênero da benzedura é tomado não somente como um recurso textual
e narrativo, mas como um símbolo coletivo metonímico na figura das mulheres.
Ainda que esta noção, as concepções do corpo feminino e sua posição social va-
riem, há um consenso acerca de sua centralidade para a transmissão de saberes e
no agenciamento das relações afetivas e de trocas 57. Sua importância é recuperada
ainda por outra perspectiva, que comunica a atualidade do folclore e reflete pro-
cessos de construção de imaginários regionais, contribuindo para a popularização
ao promover sua visibilidade na cena pública 58.
O aumento significativo da produção acadêmica ilustra uma primeira hipótese:
a de que, nos últimos trinta anos, a ênfase nos discursos se desloca da perda e passa
à sua continuidade, atravessadas pelas viradas que promovem o reavivamento no
interesse geral sobre o assunto. Isto converge com paradigmas epistemológicos,
com o processo de institucionalização junto ao Estado e à medicina clínica e com
o engajamento de agentes através de suas próprias tramas particulares, atravessa-
das por um processo gradual de racionalização e burocratização (Cf. WEBER,
2006, 1991). A segunda hipótese diz respeito a uma desvinculação da prática reli-
giosa, deslizando em direção à espiritualidade como uma construção retórica que
reitera sua sacralidade e, ao mesmo tempo, recupera sua função simbólica para
preservação do caráter tradicional.
A interface entre a saúde e espiritualidade se configura pela relação desta com
a religião, da qual se diferencia ou se sobrepõe. Da perspectiva médica, um argu-
mento contrário nega o impacto do “fator espiritual” para o tratamento clínico;
e um argumento favorável vai tomar essa espiritualidade como parte da natureza
da pessoa (TONIOL, 2018, 2016). Desta forma, a literatura acadêmica que busca
57
Mendes (2017); Stadler (2017); Alves (2016); Nunes et al (2013); Hoffman-Horochovski (2010);
Sant’Ana (2006); Vaz (2006); Gorzoni (2005); Weber (2004); Lemos (1998); Maluf (1993); Marta
(1993); Leal (1992).
58
Um exemplo disto é a pesquisadora da cultura popular maranhense Zelinda Machado de Castro
e Lima, que escreve uma série de Rezas, benzimentos e orações (2008), uma coleção de benditos,
incelenças e preces aos santos de devoção. E para isto, evoca o panteão dos folcloristas – um campo
tomado por figuras masculinas no qual as mulheres não recebem muito destaque, apesar de sua
atuação expressiva. Outro exemplo é a escritora gaúcha Elma Sant’Ana, dedicada a assuntos como o
folclore da menstruação e outros temas históricos, resgatando entre eles os ofícios, a atuação e as
memórias das mulheres parteiras, rezadeiras e curandeiras (SANT’ANA, 2006). Com o apoio do Fundo
Editorial do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (SIMERS) e a colaboração de Delizabete Seggiaro,
publica Benzedeiras e benzeduras (2008), onde afirma que esta prática não intervém no exercício
da medicina oficial e que grande parte dos clínicos reconhece o ofício como um complemento. Uma
edição ampliada desta pesquisa incluiu também os benzedores (SANT’ANA, 2019).

75
de algum modo mensurar suas nuances, contribui para uma nova modalidade de
validação dessas práticas. O efeito disso é visto como o aparecimento de produtos
híbridos entre a vertente novaerista contemporânea e as práticas de saúde, enten-
dendo a espiritualidade como um fenômeno inato. Ao desconsiderar que as reali-
dades se definem em relação a distintos graus de regulação que incidem na escolha
individual, passa despercebido o fato de uma pertença fluída e a sobreposição de
sínteses cosmológicas singulares (Cf. MALUF, 2011). Neste plano, o rótulo de
prática esotérica ou neoesotérica pode ser aceito ou recusado, aproximando-se ou
afastando-se da monetização e do uso de tecnologias em diferentes graus.
Considerando o sentido de tal categoria como sendo sempre situacional e
constituído por configurações de poder específicas, o antropólogo Rodrigo Toniol
(2017 a) consegue captar, por meio das políticas públicas para práticas integra-
tivas e complementares, que espiritualidade é saúde. A associação histórica entre
terapias alternativas, saúde e Nova Era, estaria fundamentada por três aspectos:
uma unidade entre os planos físico e metafísico; a partir dela, a doença é vista
como um desequilíbrio relacionado à modernidade – cuja sistematicidade natural
é restaurada pelo aperfeiçoamento de si, um reequilíbrio individual (TONIOL,
2017 b). Essa associação automática encobre a variedade dos fenômenos entendi-
dos como práticas integrativas, terapias complementares e medicinas tradicionais
(TONIOL, 2016) – incluindo acupuntura, aromaterapia, constelação sistêmica,
fitoterapia, homeopatia, medicina antroposófica, Reiki e por vezes a benzedura
(Cf. MIWA, 2014).
O antropólogo José Guilherme Cantor Magnani (1996), operando uma rea-
dequação conceitual para falar de uma nova situação dada pela modernização
das práticas esotéricas e a inclusão da lógica empresarial. Nos grandes centros
urbanos sua permanência é posta em função de uma cultura de consumo e, princi-
palmente, da transformação na paisagem urbana. Diante disto, ele classifica cinco
tipos de espaços para sua realização: sociedades iniciáticas; centros integrados;
centros especializados, pontos de vendas e espaços individualizados – onde atuam
os agentes autônomos, entre eles as benzedeiras, cartomantes, tarólogas, etc. Nesse
contexto, estariam cada vez mais associadas à crescente tecnologização da expe-
riência ritual em diversos níveis, pois aderem a recursos como computação, mar-
keting e a terceirização (MAGNANI, 1996, p. 8). A lógica própria do sistema
capitalista produz um contraste entre estas e as práticas consideradas tradicionais,
mais identificadas nas áreas periféricas onde agentes atendem em suas casas ou
em lugares de culto religioso, em um regime que se aproxima da religiosidade po-
pular (Cf. BRANDÃO 2007). Tais deslocamentos incidem ainda nos espaços de

76
realização – antes restritos a espaços domésticos de atendimento, passam a incluir
shoppings, instituições, associações, lojas – e meios de divulgação.
Alejandro Frigerio (2008) recorre a Peter Berger para explicar a assimilação
da noção de mercado religioso influenciada pelo modelo norte-americano, cujos
segmentos se ramificam em direção a satisfazer nichos sociais de consumo. Este é
um dos elementos que constitui a base das economias religiosas, cuja desregulação
faria seu funcionamento melhorar. Na visão de Berger (1971), a religião funciona
como meio de legitimação das atividades sociais; por isso, a situação de mercado
desvirtuaria características e funções específicas da religião, que incorpora e passa
a funcionar em seus termos (FRIGERIO, 2008, p. 28). Ele coloca em evidencia a
urgência para a construção de entendimentos próprios, pensando nas economias
religiosas de forma a romper com o pressuposto de uma escolha religiosa indivi-
dual, livremente regulada pela oferta e demanda – sintonizada com o interacio-
nismo simbólico. Para Frigerio, a desregulação do mercado e da economia não
diminui a atividade religiosa, mas a intensifica; o que escapa à compreensão de que
esse processo implica em algum engajamento dos integrantes, na racionalização,
burocratização ou gestão empresarial (Idem, p. 24).
A relação com as práticas esotéricas – já indicada por Oliveira (1983) – tam-
bém é uma tensão situada em outras escalas (Cf. ILHEO, 2018). Para a região de
Juiz de Fora (MG), a cientista da religião Haudrey Germiniani Calvelli (2000)
vai defender a correspondência entre religião, magia e consumo diante de sua
ocorrência contemporânea. A “benzeção moderna” é lida como uma adaptação da
mistura entre a “benzeção tradicional” e as práticas esotéricas e neoesotéricas que
resulta na correspondência de sentidos. Aderindo à lógica do mercado religioso
(Cf. BOURDIEU, 2004; BERGER, 1971), o pluralismo e a indivualização for-
necem “(...) um ambiente propício para a manipulação simbólica e performática
dos desejos celebrados no imaginário do consulente, através do consumo variado
de “produtos” mágico-religiosos” (CALVELLI, 2009, p. 56). As “benzedeiras mo-
dernas”, nesta perspectiva, atuam para nutrir certa tendência à imaginação de um
mundo melhor e os desejos individuais para o futuro – em um sentido psicologi-
zante, empregado em referência aos prazeres e punções subjetivas e inconscientes.
Dessa forma, estimulam o consumo de bens materiais e de imagens mentais e,
estas, descoladas de sensações externas (Idem, p. 59).
Estudos mostram os efeitos do processo de globalização dos bens religiosos e de
desinstitucionalização no campo religioso latino-americano, tentando buscar con-
figurações comuns da experiência religiosa. Segundo Renée de la Torre (2009), a
equivalência entre a prática e a crença é desarticulada e os esforços revertidos para

77
compreender mecanismos de autenticação e legitimidade pelos quais operam as
novas religiosidades. Lançando mão da noção de glocalização – um duplo efeito
entre a relocalização do global e a translocalização do local –, ela aponta para um
processo com três fases dialéticas: a deslocalização de símbolos e fenômenos cultu-
rais, a transnacionalização dessas práticas e a relocalização de tais elementos diante
das culturas globais. Isto porque entende que a religião ancora imaginários e mobi-
lidades humanas, associada a experiências tradicionais, étnicas ou ancestrais.
Já a religiosidade popular é situada entre a religião institucional e a espiritua-
lidade individualizada, no “entre-meio” do tradicional e emergente, local e trans-
nacional, social e individual, sagrado e profano. Assim são encobertos processos
adaptativos assim como processos de autenticação das crenças, suas molduras e
reconfigurações aos quais a religião não teria acesso (DE LA TORRE, 2012, p.
508). Esse dinamismo se expressa pela tensão entre a assimilação e a rejeição da
modernidade – articulando a persistência de tradições religiosas de longa duração
e a criação de novos cultos, diante do que os conteúdos tradicionais se tornam
cada vez mais ecléticos (Idem, p. 510-511). Desse modo, os fenômenos neotradi-
cionais das religiosidades populares vão combinar essa devoção católica a outros
espectros, amplificadas pela Nova Era: ganham evidência práticas orientais, ritos
pagãos, crenças nativas pré-cristãs, antigas tradições indígenas e/ou africanas que
estão sendo “[...] revitalizadas, reinventadas e, por sua vez, re-essencializadas” (Ibi-
dem, p. 517, traduzido).
Portanto, diante de tais mudanças, a representação no imaginário popular dos
benzedores e benzedeiras como circunscritos em um ambiente rural, estritamen-
te católicos e autônomos não é suficientemente satisfatória para compreender o
fenômeno atualmente. Se tomar a religiosidade popular como sinônimo de catoli-
cismo popular é invisibilizar suas diferenças internas (Cf. FRIGERIO, 2018), há
uma armadilha embutida ao qualificar um ritual enquanto parte da religiosidade
popular. No que se refere a um sistema de classificação recorrente em boa parte
da literatura inicial, os efeitos são, primeiro, a associação de “ser católico”, ainda
que à margem da Igreja, a uma condição para executar a prática; segundo, uma
diferenciação hierárquica sustentada pelo contraste entre um “benzimento au-
têntico” – católico por excelência, caracterizado pelas relações comunitárias, pelo
patronato e pelas festas e celebrações – e as deturpações deste tipo, tornando-se
“outros benzimentos”.
A dimensão processual destas transformações pode ser vislumbrada à contra-
pelo das fases dialéticas da glocalização (Cf. DE LA TORRE, 2009). A primeira
pode ser pensada em relação a dois processos sócio-espaciais que colocam em

78
circulação símbolos, atores e práticas fora de seus contextos territoriais, ao longo
do século XX: o êxodo rural e as ondas migratórias do nordeste para o sudeste e,
com a industrialização do país, polinucleadas em direção aos centros urbanos (Cf.
OLIVEIRA, 1983). A segunda, quando as tradições religiosas deixam de estar
ancoradas na relação entre etnicidade e território e se reformulam em lugares
distantes, culturas contrastantes e novos corpos, alcançando redes transnacionais
e comunidades diaspóricas; a internet marca um novo tipo de experiência com
um fluxo intenso de informação e a conexão entre pessoas e lugares. Na terceira,
os elementos simbólicos que se encontravam em circulação são relocalizados e
os usos e maneiras da religiosidade popular ressignificados, conformando novas
hibridismos e culturas da “sobre-modernidade”, de um lado e, de outro, o resgate
purista de tradições concebidas como mais antigas e autênticas.
O que emerge da análise da benzeção à luz do mercado de bens espirituais é
um modelo significado em oposição ao contexto de agentes autônomos identi-
ficados com a religiosidade popular e o catolicismo desinstitucionalizado. Con-
vertida em serviço mágico-religioso e serviço terapêutico, opera a partir da lógica
do consumo para atender à demanda e diferenciar-se dos concorrentes. A relação
controversa com o dinheiro neste fluxo passa a ser um fator importante, como um
produto da monetização das atividades e como uma finalidade para realizá-las.
Apropriados pelo sistema capitalista, o trabalho ritual se torna um serviço e a
prática em si se torna um produto – constituindo um segmento específico. No
entanto, limitar essa nova era da benzedura ao mercado e às práticas novaerizadas
é reduzir sua permanência no mundo contemporâneo como sujeita a tais lógicas,
deixando escapar as condições empíricas desse processo de modernização, às quais
se sobrepõem dispositivos e relações de poder. Outro equívoco é tomar de ante-
mão a oposição entre benzedeiras tradicionais e benzedeiras modernas, deixando
escapar o trânsito entre ambas categorias ou pressupondo a vertente moderna
como um modelo do catolicismo popular corrompido pela nova era.

79
Capítulo 2

Tecnologias de benzer

No princípio, o verbo

N a cosmologia cristã, “No começo a Palavra já existia [...] e a palavra era


Deus” ( João 1, 1) 59. A narrativa mítica sobre a gênese do mundo prega que
com uma palavra falada atrás de outra tudo teria sido assim criado: a luz e a escu-
ridão; céus, águas e terra; as estrelas e os astros, plantas e animais. Representando
Deus, a enunciação antecede a criação na medida em que prescreve uma forma ao
vazio, ordenando o caos. Desta perspectiva, a humanidade é produzida pela cor-
respondência entre criador e criatura quando o verbo é encarnado – uma imagem
que pressupõe na semelhança o caminho para salvação eterna. Enviado para falar
suas palavras, a representação humana do poder criador seria seu filho cujas curas
59
Versão online da Editora Paulus. Disponível em: <https://biblia.paulus.com.br/biblia-pastoral/novo-
-testamento/evangelhos/evangelho-segundo-sao-joao/1>.

81
milagrosas por onde passava são bem sucedidas, de acordo com Novo Testamento
60
. A depender das “(...) circunstâncias era empregada a saliva, água, lama, a pala-
vra, a imposição de mãos ou até mesmo o toque nas vestimentas (Marcos 5-25,
29)” (SANT’ANA E SEGGIARO, 2008, p. 12). Seguidores foram encarregados
de continuar a difundir essa palavra; com sua apropriação, os apóstolos também
teriam o poder de cura.
Se Jesus andou no mundo abençoando e curando sem cobrar, cabe às
benzedeiras e aos benzedores cumprir a vontade divina tal como ele fez.
Este é o preceito básico para a realização do ritual, associado à prática
cristã: as pessoas que acreditam evocam o poder divino para benzer em
nome de caridade, não como um meio de ganhar dinheiro. A figura destes
mediadores – aos quais cabem executar verbos e artesanias de acordo com
o problema, incluindo mídias diversas – é fundamental para compreender
as especificidades que lhe diferem de outras modalidades de bênção e cura.
O verbo benzer engloba ações específicas e retoma não somente a narrativa
mítica, mas o contexto que remete à experiência da aflição. Dessa forma,
é significado como a “cura através da palavra”, uma palavra de fé. O saber-
-benzer, portanto, tem dimensões criativas e ritualísticas – moduladas pela
prática religiosa e, através das rezas, estabelece uma comunicação com o
criador. A prece, segundo Marcel Mauss (1979), é uma palavra, um instru-
mento da ação que exprime ideias e sentimentos.
Núbia Magalhães Gomes e Edimilson Pereira (2018) escrevem que não
se sabe ao certo quando esta comunicação foi estabelecida, supondo que al-
guém tenha se dado conta por meio de analogias com a natureza ou intuído
a presença de uma força maior do que a realidade observada. Em algum
momento, “Por temê-la, o homem se dirigiu a ela, oferecendo objetos ma-
teriais para que, num sistema de troca, a ordem do mundo se mantivesse
inalterada” (GOMES E PEREIRA, 2018, p. 21). Considerando um ponto
de vista evolutivo, as abstrações características da reflexão são conduzidas
pelo andar bípede; a linguagem se manifesta quando a estrutura corporal
torna-se apta a reconhecer, comparar, nomear e operar sentido. Alterações
fonéticas então causariam mudanças semânticas, e também na linguagem
simbólica. O pensamento metafórico estaria relacionado à imaginação mí-
tica e aos processos de significação de si e do mundo, compartilhados por
60
Conforme cita Cabral (1958) Miquéas, V-12; Êxodo, XXII-18/ Levítico, XXII-27;
XIII a XV/ Mateus, XI-2; XI-5; VIII; XIV-36; IX-20; IV-23; IV-24/ Lucas, VII-21; VII-3;
IV-5; VIII-43;VI-17,18; V-15/ João, IV-47/ Marcos, III-19; V-29 (Cf. CABRAL, 1954).

82
meio de histórias orais. Por isso, “A palavra mágica – segredo mítico dos
antepassados – deve manter-se inalterada para guardar sua força” (Idem, p.
29). Para estes autores, a benzedura é diferente da simpatia – quando qual-
quer recurso material pode ser usado “para evitar o mal e alcançar o bem,
mudando o curso dos acontecimentos” (Ibidem, p. 24). Essa linguagem é
vista como exclusiva dos benzedores e benzedeiras que, através da invoca-
ção, produzem harmonia e pacificação. Considerada como o eixo de tudo
na visão cristã, a palavra portadora da cura também carrega um mistério
“(...) e ela se espraia muitas vezes de forma incompreensível, revelando um
poder oculto capaz de reorganizar o mundo e conferir sentido” (TEIXEI-
RA, 2018, p. 11-12).
Já Luís da Câmara Cascudo, coloca a palavra condicionada ao gesto, como
uma forma de comunicação relacionada, principalmente, aos braços e às mãos.
Para ele, este “(...) não é complementar mas uma provocação ao exercício da ora-
lidade” (CASCUDO, 2003, p. 18). A “voz do gesto” é concebida enquanto uma
semântica gestual universal, geograficamente observada de acordo com suas varia-
ções. Trata-se do que chamou de “linguagem oro-gestual”, na qual “O Gesto é a
comunicação essencial, nítida, positiva. Não há retórica mímica, apenas reiteração
da mensagem [...] A Palavra muda. O gesto não” (Idem, p. 19). Localizando essas
variações dentro de um repertório universal, afirma, no entanto, a inexistência de
uma mesma tradução literal para cada um desses gestos conhecidos – de origens
diversas, convencionados e repetidos através do tempo, vistos consciente e in-
conscientemente nas atividades cotidianas mais corriqueiras. Para ele, a presença
dos gestos mágicos contempla a permanência da magia em uma era de Ciência
(Ibidem, p. 79-80).
Abençoar é um dos atos incluídos entre esses gestos mágicos: uma ação antiga
cuja expressão mais potente é a bênção da mãe sobre uma criança, ou mesmo de
parentes próximos (CASCUDO, 2003, p. 186). Além da imposição de mãos e re-
zas, outros gestos podem servir de bênção – como fazer em si mesmo ou em outra
pessoa o sinal da cruz sobre a boca ou na testa, como um sinal de proteção (Idem,
p. 213). E da mesma forma que se pode bendizer, com rezas e palavras positivas, é
possível amaldiçoar proferindo coisas negativas (Ibidem, p. 184). No que se refere
aos aspectos linguísticos e etimológicos, benzer pode ser ora um verbo transitivo
– aqueles que precisam de complementos verbais para ter um sentido completo
–, ora um verbo intransitivo, que têm um significado completo, sem a necessi-
dade de complementos. Derivada do latim benedicere, como verbo pronominal
está acompanhado por pronomes oblíquos que indicam ações relativas ao sujeito

83
que as pratica. São sinônimas as variações “benzedura” e “benzeção”, substantivos
derivados do mesmo particípio. No caso do benzimento, a palavra que designa o
processo é formada pelo acréscimo de um sufixo nominalizador [–mento] que lhe
confere um sentido de ação, seu resultado ou realização.
Reflexões sobre o poder atribuído às palavras aparecem em muitos estudos,
principalmente relacionados ao pensamento mágico entre os povos ditos primiti-
vos. Desde Bronislaw Malinowski, que com seu trabalho de campo nas Ilhas Tro-
briand do Pacífico Sul, entre 1912 e 1918, enfatiza a presença da magia associada
aos conhecimentos práticos em toda a vida ritual, o que fornece elementos para
sua execução e explicação lógica de forma complementar à técnica, aproximando-
se das emoções e aspectos psicológicos individuais. Ele concebe a força do ato
mágico em face de três aspectos essenciais: fórmula; rito e condições de execução,
esmiuçando o primeiro de forma a detalhar a estrutura dos encantamentos profe-
ridos em situações variadas (MALINOWSKI, 2018; 1935). Sua preocupação gira
em torno das funções práticas na organização da vida social, entre as quais estão
a divisão do trabalho ritual e determinação de aspectos relacionados aos tabus e
regras.
Retomando estes trabalhos, Stanley Jeyaraja Tambiah advoga pelo caráter per-
formativo do ritual, observando a variedade de valores dados à linguagem sa-
grada, sua diferença relativa e também noções mais gerais que atravessam tanto
o pensamento mágico trobriandês, quanto o budismo, hinduísmo ou conceitos
hebreus representados na Bíblia – onde “(...) a palavra no começo esteve com
Deus, a palavra se fez carne em Jesus Cristo, e aqueles que receberam a Cristo se
converteram em filhos de Deus e a palavra neles habitou” (TAMBIAH, 1968, p.
183, traduzido). Em The Magical Power of Words (1968), a evocação em si mesmo
é vista como um ritual em que as propriedades mágicas são transferidas ao seu
recipiente, das quais se tornam veículos. Com isso, enfatiza uma dimensão técnica
apurada dos rituais de enunciação – uma operação sofisticada orientada por um
sistema cultural do qual faz parte. As “fórmulas mágicas” são discutidas em cor-
respondência com os gestos, a linguagem e os atos; logo, elas são tão importantes
quanto os enunciadores enquanto mediação no ritual. As condições de enunciação
sinalizam a interconexão entre ações e palavras. Estas podem ser proferidas em
voz alta ou baixa, em diversos idiomas ou graus de formalidade dependendo do
interlocutor; ou podem ser ainda cantadas e ritmadas.
Articulando sua experiência etnográfica na Tailândia e no Sri Lanka, antigo
Ceilão, Tambiah problematiza o ritual como uma simples repetição de palavras,
concebida como repetição de atos não verbais e manipulação de objetos. Isto en-

84
volve uma concepção falaciosa presente no pensamento ocidental, a de atribuir
o pensamento mágico – oposto à religião – aos povos ágrafos e tomar a palavra
como uma forma de atribuir poderes sobrenaturais a objetos pelo ritual (Idem, p.
187s). Para rebater esta concepção ele mostra dois mecanismos complementares:
o pensamento metafórico, que remete a uma relação de similaridade, e o metoní-
mico – substituindo um termo por outro que representa algum atributo ou carac-
terística, de forma a criar uma contiguidade entre partes endossando um sentido
em sua relação (Ibidem, p. 189s). As noções de semelhança e contágio propostas
por Frazer (1890) são acionadas para se referir não às fórmulas verbais, mas sim
aos objetos usados para representar as ações no rito mágico. A correspondência,
portanto, tem com o caráter metafórico e ainda com uma dimensão técnica que
permite criar abstrações e acompanha a construção cosmológica, assim como o
processo ritual que narra o conhecimento tecnológico vital para as culturas orais.
Nesse contexto, os sacerdotes religiosos adquirem conhecimentos característicos
por meio de um processo de especialização das habilidades através do qual são
iniciados, e passam a ter acesso à palavra cuja inteligibilidade muitas vezes não
é alcançada por não iniciados. Ao longo desse processo, se estabelece uma co-
municação entre humanos e destes com o sagrado, envolvendo a participação e a
preparação mediadas por outros agentes iniciados (Cf. TAMBIAH, 1968).
Para o antropólogo britânico Jack Goody (2012 b), a relação entre as formas de
transmissão oral da cultura e as sociedades ágrafas é atravessada pela visão de que
o mundo tradicional é estático pelo fato de que transmitem sua cultura de geração
em geração; enquanto em certos segmentos da vida social a mudança é mais lenta,
em outros, como a religião e o ritual, ela é mais evidente. Pensando na relação
entre a oralidade e a escrita entre os LoDagaa do norte de Gana, ele aponta para a
“criatividade oral” a partir da interconexão entre criação e invenção. Ocorre é que
algumas coisas são esquecidas e outras lembradas e, assim, as variações “(...) vão
se introduzindo parcialmente porque a memória é imperfeita e as pessoas fazem
o melhor que podem” (GOODY, 2012 b, p. 63). Por isso, esquecimento e criação
estão imbricados para a produção e reprodução de conhecimento.
As técnicas mnemônicas são um dos recursos acionados para memorizar o
conteúdo oral, como rimas ou associações metonímicas com objetos. É o caso dos
rituais xamânicos em que a narrativa mítica da doença fornece elementos para
constituir o significado da experiência de cura – que Lévi Strauss (op cit) analisou
de acordo com suas estruturas simbólicas. Contudo, no lugar de deter-se sobre as
estruturas simbólicas ou em encontrar um padrão para as variações, Goody diz
que a dimensão criativa não está na história e sim no modo como ela é narrada

85
oralmente; citando o Mito do Bagre, afirma que, a cada vez que é recitado, se ino-
va. Pois toda forma de comunicação humana, mesmo nas culturas com escrita, se
faz através no registro oral: “(...) a escrita e os refinamentos do texto nem sempre
levaram ao declínio da oralidade; a alfabetização, poderia ser dito, fez com que as
pessoas se tornassem quase mais verbais” (GOODY, 2012 b, p. 149). A oralidade
nas culturas letradas possibilita, por exemplo, técnicas de memorização como a
leitura em voz alta e a internalização da palavra escrita, o que pode ser uma forma
de saber. Ainda que a palavra tenha sido adquirida pela mediação oral de um texto
escrito, o ponto é que, ao ser reproduzida, se torna oral (Idem, 148s).
A escrita é vista por Tambiah como uma revolução tecnológica que fixa e per-
petua o dogma religioso de forma diferente da tradição oral que, embora se creia
inalterável é flexível, é altamente adaptável (TAMBIAH, 1968, p. 181). A forma-
lização de textos orais em forma de livros – como nas religiões islâmicas, budistas,
judaicas ou cristãs – torna públicos os segredos da comunicação com o sagrado,
rompendo um “simulacro da oralidade” (Cf. GOODY, 2012 b, p. 147s). Outro fa-
tor importante, segundo Goody (Idem), é a transformação na concepção e no pa-
pel dos textos escritos com o passar do tempo como uma forma de comunicação.
Abandonando dicotomias e hierarquizações para procurar critérios mais específi-
cos para a diferenciação entre sociedades ágrafas, taquigrafas e tipográficas porque
as circunstâncias materiais não são simplesmente produto da comunicação – mas
parte das características dominantes desse processo, diretamente relacionadas com
os modos de pensamento. Nota-se – especialmente atividades com maior grau de
burocratização e, logo, mais controle por meio de comunicações escritas – que “A
palavra escrita não substitui a fala, assim como a fala não substitui o gesto. Mas ela
acrescenta uma dimensão importante à grande parte da ação social” (GOODY,
2012 a, p. 27).
No caso da benzeção, que é considerada uma tradição oral que tem adeptos por
todas as camadas sociais, ainda que os agentes estejam relacionados a segmentos
com pouca ou nenhuma escolaridade – situados em um contexto social marginali-
zado ou rural onde, até pouco tempo, a maioria das pessoas era iletrada. A palavra
tem poder no ritual quando acionada da maneira correta junto com os procedi-
mentos e materiais. Algumas rezas são conhecidas por todas as pessoas, podendo
ser realizadas por outras pessoas além dos especialistas. Outras são parcialmente
reveladas ou proferidas em voz baixa, de forma que não se possa compreendê-las.
Há orações mais fortes – transmitidas entre iniciados e que permanecem não re-
veladas – e outras que podem ser ensinadas e ditas em voz alta. O paradoxo entre
segredo e revelação é colocado em relação a escalas de sacralidade e de dificuldade,

86
sendo as doenças mais pesadas as mais difíceis de benzer e, consecutivamente, as
que exigem maior poder divino canalizado. Também por isso, estudiosos e prati-
cantes notam que “(...) fica difícil sistematizar o saber das rezas numa “receita” e
simplesmente repassar o “como fazer” às outras pessoas” (SANTOS, 2009, p. 31).
Diferente dos mestres de ofício, que transmitem um saber-fazer através da ini-
ciação guiada, na base desta tarefa “(...) há um aprendizado, onde cada agente sabe
situar com precisão os espaços que interligam os sujeitos com os espíritos, santos,
anjos, almas e entidades” (TEIXEIRA, 2018, p. 12). A oralidade é fundamental
para o processo de especialização, baseado em relações comunitárias e em contra-
prestações simbólicas e materiais que vão fornecer as condições de sua ocorrência.
Em alguns casos, pode envolver a mediação de uma benzedeira ou benzedor mais
experiente para guiar esse desenvolvimento dentro de um sistema de classificação
de mediadores divinos, plantas, animais e minerais, doenças e seus sintomas, ou
ainda as orações para tratá-las.
A necessidade de registro e documentação da prática produz diferentes fontes
escritas: além de inventários feitos por estudiosos da cultura, relatos de experiên-
cia de adeptos e compilações feitas por especialistas, mas também manuais com
diferentes tipos de propósitos e informações, mais ou menos descontextualizadas.
Tem-se ainda o uso de textos relacionados às fórmulas rituais – como reproduções
de uma reza, seja diretamente ou indiretamente, como um recurso de memoriza-
ção – ou um meio para dar continuidade à sua transmissão, evocando materiais
didáticos que vão dar base para a formação de novos agentes. E isto pode ocorrer
com ou sem mediação de especialistas, já que podem ser elaborados dentro de um
projeto de iniciação guiada com conteúdo autoral, ou de forma autônoma através
de livros que trazem compilações das palavras – seja para fins acadêmicos, como
as pesquisas antropológicas; para a divulgação de relatos e memórias; ou para fins
comerciais, produzidos por pessoas não iniciadas que, de alguma forma, produ-
zem materiais.
Paradigmas antigos são recolocados ao pensar nas transformações a partir da
palavra, como sua relação com um estágio pré-criativo ou pré-objetivo, caracteri-
zado pelo pensamento mágico; ou a questão da ação e das representações mentais,
tangenciando aspectos psicológicos e sociais. E ainda o debate sobre capacidades
inatas ou adquiridas, na medida em que o dom aparece como um elemento de
pré-destinação – uma missão divina –, mas também como uma capacidade de-
senvolvida pela transmissão geracional em uma dimensão tecnológica que tem
na cultura as ferramentas para construir as condições de produção e reprodução
da benzedura, ampliando este escopo para além da palavra e da prática religiosa.

87
Vê-se que as formas de transmissão do saber-benzer têm sofrido reconfigurações,
como a incorporação de fontes escritas e outras mídias. Em face deste processo em
curso, será mesmo que seu conteúdo permanece inalterado?
Considerações sobre as formas de transmissão do saber-benzer e a
“educação da atenção”
Histórias sobre benzedores e benzedeiras são comuns entre a maioria das pes-
soas no Brasil porque fazem parte de suas vidas: pode ser um relato, um episódio
de cura extraordinária de alguém conhecido na família ou na vizinhança que exer-
cia tal ofício... Mas as narrativas míticas sobre estas figuras são feitas de diferentes
formas, assim como são reproduzidas as representações das práticas e dos agentes.
Como escreveu Maurice Halbwachs (1991) em relação ao seu dinamismo, essas
tradições são constantemente rememoradas e atualizadas, estabelecendo uma re-
lação com o passado – que pode ser de continuidade ou ruptura. Nesse sentido,
práticas como a benzeção têm na oralidade uma forma de divulgação, ao passo que
quem foi conta para alguém, bem como outras pessoas não envolvidas o testemu-
nham; e também pela circulação de memórias entre adeptos e agentes, de acordo
com suas experiências.
De uma perspectiva arquetípica, estas figuras expressam padrões universais do
inconsciente coletivo e sobre os quais o inconsciente pessoal se desenvolveria –
com base em sua consciência e aspectos cognitivos, e nos mecanismos expressos
por imagens simbólicas compartilhadas. O conjunto dessas estruturas pré-obje-
tivas é concebido como imaginário comum, onde habitam personagens como a
bruxa, a benzedeira, a curandeira, entre outros. Na tentativa de identificar os “ti-
pos” e normalizar este arcabouço, alguns estudos sobre o folclore se debruçam so-
bre essas representações universais constituídas em um sistema cultural por meio
da enculturação (Cf. CABRAL, 1958). Já Luís da Câmara Cascudo (2013) rela-
ciona a tradição a um corpus de conhecimento pouco versado à gramática escrita,
que trata sobre botânica, o clima, os quatro elementos, a morte e as doenças ou
ainda arte, história, culinária e etc. Através desta ciência, os saberes são transmi-
tidos pela comunicação oral – dada por instituições sociais e espaços de convívio
comunitário, como rituais, festas, folguedos, a família ou a casa. Levando em conta
sua concepção dos papeis sociais, as mulheres e as crianças seriam os principais
vetores desse processo no âmbito doméstico.
Esta visão está arraigada, conforme Mary Del Priore (1993), na noção da mu-
lher como um receptáculo virtuoso das tradições, fadada aos papeis de esposa e

88
mãe. A restrição da atuação feminina em relação aos cuidados saúde se explica em
parte por uma demonização de corpos e fenômenos ligados à mulher e, por outra,
pela divisão social do trabalho, bem como dos trabalhos religioso e de cura. Essa
representação é acionada pelo empreendimento de dominação colonial e está na
base no projeto da modernização nacional, do que também depende a reprodução
do sistema capitalista – sendo constantemente expropriadas da autonomia sobre
seus corpos e saberes, também pela medicina científica (FEDERICI, 2017). No-
ta-se que o saber-benzer não é exclusivo de mulheres; mas é predominantemente
associado às figuras femininas justamente pelo fato de que este imaginário não
está dissociado de suas ações práticas e de seu protagonismo na vida cotidiana. Por
terem um grande poder de reza, as mulheres também são especialistas e mestras
em muitos ofícios, contemplando a religiosidade popular – em contraposição à sua
restrição histórica de sua participação ou subalternização em religiões institucio-
nais (POEL, 2013).
Outra modalidade de transmitir os conhecimentos e as orações dessa medicina
teológica pode ser geracionalmente, de pai pra filho (CABRAL, 1958, p. 76). O
que, não obstante, pode sofrer variações como a transmissão em gerações inter-
caladas – quando os conhecimentos são passados pelos avós eu seus netos – ou o
gênero cruzado, que obedece aos padrões pai/filha ou avô/neta; mãe/ filho ou avó/
neto (POEL, 2018; SANTOS, 2016). Como falam Sílvia Carvalho et al (1982),
também é possível que outras pessoas ensinem a tarefa além de familiares, como
vizinhos ou compadres; e que se aprenda por meios sobrenaturais, como visões,
guias e mediunidade, ou ainda por conta própria, seja com a mediação de algum
objeto ou pela observação de outras pessoas. Em algumas localidades no interior
paulista no começo da década de oitenta, estes autores verificam que não havia
separação aparente entre os ofícios de benzedores e curadores, mas a noção de
que eles exigem diferentes tipos de conhecimentos – uma é apontada como uma
aprendizagem mnemônica e de contato mais rápido com a pessoa que ensina em
relação ao curar com as plantas, que exige um conhecimento concreto das plantas,
e mais tempo para aprender.
A noção de “imitação prestigiosa”, formulada por Marcel Mauss (2015 b),
aborda a construção cultural do corpo por um processo no qual os indivíduos
reproduzem hábitos e costumes tradicionais, que variam de uma sociedade a ou-
tra. Em um plano paralelo à dimensão técnica da manipulação de instrumentos
mecânicos, o corpo é visto como o meio e objeto técnico do homem para a pro-
dução simbólica da realidade. A relação entre indivíduos e sociedade é mediada
pela noção de pessoa, que evoca aspectos biológicos, sociológicos e psicológicos de

89
uma perspectiva total. Para classificar as técnicas do corpo, ele sugere princípios
como sexo, faixa etária, ordem de eficácia e em termos das transmissões que a cada
cultura lhe impõe. Segundo Robert Hertz (1980), esses traços culturais podem
ser notados pela preeminência da mão direita nas sociedades ocidentais como um
reflexo da polaridade entre sagrado e profano – desdobrando-se no corpo e no
espaço. Tendo nesta oposição o princípio básico, por meio de sansões e prescrições
relacionam à religião ao sagrado e ao lado direito, assim como ao principio mascu-
lino; o oposto à esquerda era o terreno profano da magia, onde as mulheres eram
localizadas em tal ponto de vista. Uma assimetria orgânica é instaurada por meio
do poder coercitivo, reforçando hierarquias, e tem efeitos na organização social.
O pensamento dual seria inerente à concepção sobre a ordenação do mundo, cuja
simetria pela aproximação ou afastamento de opostos, faz dos corpos reflexos da
consciência coletiva. Estas representações operam pela associação de gestos como
a bênção à mão direita, ao que é atribuído um poder positivo não de ordem natural
e sim construído socialmente.
Na contramão deste tipo de argumento, Ingold (2010) discute o papel da ex-
periência e o da transmissão geracional nos modos de conhecer e participar da
cultura questionando pressupostos cognitivistas de que o conhecimento é um
conteúdo mental repassado geracionalmente de forma inalterada. Após situar a
discussão a partir da atenção dada ao desenvolvimento pela biologia e pela psi-
cologia, ele abre mão de dicotomias entre capacidades inatas e competências ad-
quiridas ou representações mentais e representações públicas para pensar através
das propriedades emergentes de sistemas dinâmicos, em que cada geração alcança
e ultrapassa a sabedoria de seus predecessores em um processo de habilitação 61
e não de enculturação (INGOLD, 2010, p. 7). Em sua concepção, a contribuição
de cada geração na passagem de conhecimentos para as seguintes não ocorre com
a transferência de informações desincorporadas de um contexto; mas se dá por
meio da atividade criativa em ambientes nos quais as gerações desenvolvem suas
próprias habilidades. Conhecer não reside nas relações entre estruturas no mundo
e estruturas na mente, isto se estabelece pelo “ser-no-mundo” (Idem, p. 21). As-
sim, o conhecimento não é adquirido na repetição e sim na improvisação. E se o
conhecimento do especialista é superior ao do iniciante, é porque sua percepção
está afinada para captar aspectos do ambiente, não pela complexificação de um
quadro de representações mentais do mundo (Ibidem). O aprendizado guiado
proporciona um direcionamento para essa redescoberta constante, diferentemente
de uma leitura verbal que prescreve ações, como em uma receita.
Estas últimas são analisas por Jack Goody como um tipo específico de listas
61
Do inglês, enskilment.

90
– recursos que refletem mudanças na natureza das transações econômicas e nos
modos de pensamento, alterando aspectos da organização social e impactando no
desenvolvimento do conhecimento (GOODY, 2012 a, p. 139). O argumento se
afunila com a comparação entre receitas, prescrição médica e experimento cientí-
fico, com a qual aponta para diferentes formas de escrever tais fórmulas, influen-
ciadas não só pela linguagem, mas por fatores como o tipo de papel, a fonte e a
disposição formal, etc. O que vai produzir diferentes efeitos sobre a informação
pretendida e modos de aprender. Sua emergência nas sociedades letradas estaria
relacionada a falhas na comunicação oral e a inovação no sentido de tratar não só
dos materiais empregados, mas de como combiná-los (Idem, p. 152). Ele também
sinaliza que nas culturas predominantemente orais há procedimentos relativa-
mente padronizados para realizar atividades culinárias, medicinais ou mágicas;
por isso, as fórmulas escritas introduzidas precisam ser, depois de coletadas, ve-
rificadas empiricamente antes de se tornarem uma referência compartilhada. O
aprendizado pela comunicação oral seria mais público e menos privado porque
“(...) tende a reduplicar a “situação inicial”, o processo de socialização” (Ibidem, p.
151). Já os textos, implicam em maior objetividade, imparcialidade, impessoalida-
de. Menos sujeitos às variações, engessando a criatividade, mas ao mesmo tempo,
abrindo brechas para uma dimensão de experimentação e para reinterpretações –
ou para a substituição dos itens.
No lugar de competência e capacidade, Ingold (2015 a; 2015 c; 2010) toma o
conceito de habilidade como o cerne para compreender o que pode ser conhecido,
desenvolvida pela “educação da atenção”. Conciliando percepção e ação, isso elu-
cida qualidades processuais do uso de uma ferramenta e a sinergia entre profissio-
nal, ferramenta e material. O aprendizado é menos a concatenação de operações
técnicas apreendidas do contexto social e mais o envolvimento prático do inician-
te com seu ambiente, com um mundo de materiais. Esse processo de realizar uma
tarefa artesanal, em sua concepção, conta com quatro fases (INGOLD, 2015, p.
97ss). A primeira é uma concepção geral dos fatores relacionados à sua execução,
vagamente conectados; já o início é propriamente “quando termina o ensaio e
começa o desempenho”, e o foco deixa de estar no contato entre a ferramenta e o
material (Idem, p. 99). Uma terceira etapa seria a continuação dessa ação, no mo-
mento em que a pessoa artesã passa a trabalhar com os materiais no lugar de contra
eles; seria a mais duradoura, demandando força física e resistência, ou estímulos
corporais específicos a cada atividade. Dessa forma, emerge uma consciência ima-
nente do movimento. Por fim, ressalta que a última etapa não e marcada por al-
gum evento significativo, caracterizando-se pela diminuição gradual da amplitude
do movimento, o que acaba sendo parte da ação inicial de uma operação posterior.

91
A respeito da ferramenta, pode-se perguntar o que faz um objeto qualquer ser
inserido nesta categoria, sobre simetrias entre a instrumentalidade da ferramenta
e a do corpo humano com que se conjuga ou se tal conjunção pode ser alheia aos
movimentos gestuais por meio dos quais é posta em funcionamento. Logo, as
coisas precisam ser colocadas em relação umas com outras dentro de um campo de
atividade onde pode exercer determinado efeito (Ibidem, p. 101).
Uma tecnologia consiste, primordialmente, em uma resposta para a pergunta
sobre o que significa fazer coisas (INGOLD, 2015 a, p. 304). Por isso, conhecer
necessariamente envolve um foco em ontogênese na geração do ser e em como
isso nos permite imaginar certa abertura, tanto quanto os processos de conhecer
através dela. É central para essa abordagem ecológica a diferenciação entre uma
montagem 62, como uma composição de peças independentes, e o processo de
correspondência 63 entre as pessoas, as coisas e o ambiente. A primeira opera uma
noção de adição; já a segunda, denota uma relação de coparticipação. Enquanto
naquela é como se a continuidade fosse dada pela conjunção “e”, nesta pode-
-se pressupor a preposição “com”, onde as coisas estão sempre inacabadas e por
ocorrer. Com isto, nota o que chama de “problema da agência”, que consiste na
atribuição de poderes especial aos objetos como arte e artefatos – referindo-se
principalmente às formulações de Alfred Gell (2005) e da teoria ator-rede. O
encantamento das coisas se produz com o estreitamento de uma correspondência
entre tais movimentos (INGOLD, 2017).
Contra a noção de técnicas do corpo como uma reprodução copiosa, dá o
exemplo de como serrar um pedaço de madeira com um serrote, afirma que há
uma assimetria fundamental entre o corpo e a ferramenta: a mão, que pode pôr-se
em uso, pode também contar sua própria trajetória pelos movimentos praticados
enquanto as coisas são suas histórias, sendo suas funções não atributos intrínse-
cos, mas narrativas. Portanto, quanto mais prática, mais habilidade. Para Ingold,
a associação com repetição mecânica de operações é típica do pensamento carte-
siano, com a elaboração de um modelo para pensar as ações orgânicas com base
em relações tecnológicas. O processo de educação da atenção, contudo, não se
trata da execução concatenada das técnicas e uso de objetos inertes, mas de ações
corporificadas64. Isabel Carvalho e Carlos Steil (2015) imaginam o diálogo entre
esta perspectiva e o paradigma da corporeidade de Thomas Csordas (2008), tendo

62
Da palavra francesa assemblage.
63
Do inglês correspondence.
64
Do inglês, enacted actions ou enactions.

92
como ponto de contato entre ambas as formulações a fenomenologia de Maurice
Merleau-Ponty (2000) – cuja ideia de “carne” evoca a continuidade do corpo no
mundo, na qual o sujeito age em direção ao mundo e também tem sua subjetivi-
dade e condição corporal constituídas dessa relação, conectando o plano sensível
e o consciente pela senciência.
Refletindo sobre os métodos para fazê-lo, Ingold (2015 c) nota a diferença
entre dois sentidos de educação oriundos de verbos latinos: um derivado de
educare, cujo sentido se refere à transmissão de inculcada de conhecimentos ou
representações mentais por indução, e o outro de educere – traduzido como “le-
var para fora”, promovendo o engajamento de estudantes ou aprendizes com a
paisagem. Diante disso, outro diálogo poderia ser imaginado, com Paulo Freire
(1967), através de sua ideia de uma “educação para liberdade”. Isto tem a ver
com uma diferenciação entre adaptar-se passivamente às condições do mundo
e a inserção no mundo assumindo-se enquanto sujeito da história, assumindo
um processo de tomada de decisão. A inserção no mundo evoca o processo de
habitar (Cf. INGOLD, op cit); também acompanha as ideias ingoldianas de que
estar vivo é um processo inacabado que articula a percepção e a ação no mundo.
É através deste processo que a humanização se constrói e a transformação da
realidade é submetida à possibilidade da intervenção de forma ativa – quando a
relação entre a consciência dada com a experiência sensorial e generalizações em
escalas mais amplas é dialética (FREIRE, 2001). Tratando do contexto escolar,
Freire sinaliza justamente que as práticas pedagógicas estão mais além e são
pautadas por outras lógicas, que não a sala de aula onde o aluno ensina e o pro-
fessor aprende. Essa educação mobiliza a leitura, a escrita e o pensamento para
compreender e comunicar-se, em um processo que conduz ao saber desocultar
a trama dessas relações.
Benzer não é uma tarefa acabada, mas está em movimento conforme se en-
gajam os especialistas e adeptos – de acordo com a interpretação freiriana, tra-
ta-se de ensinar e aprender consecutivamente para transformar a realidade. Esse
processo se dá em diversos sentidos e envolve a dimensão sensível da experiên-
cia que interliga coisas, e também pessoas, animais, plantas em um espaço que
é vivenciado de variadas formas. Usando a metáfora de Merleau-Ponty (2000),
pode-se colocar em termos de “benzer a carne no mundo”: costurando elementos
encarnados, sejam eles corpos, coisas ou o ambiente através de um movimento
constante. O pré-objetivo tem a ver com esse engajamento sensorial dos sujeitos
com o mundo indeterminado, onde convergem as existências múltiplos seres, in-
clusive encantados.

93
A aproximação entre educação e o saber-benzer não se restringe somente ao
que toca à transmissão de conhecimentos, tradições e memórias coletivas; do mes-
mo modo que a “educação da atenção” não se dá somente em espaços escolares
– sendo o caminho e o engajamento de cada sujeito importante para compreender
sua experiência ritual 65. Tal potência pedagógica é descrita por Marcio Barradas
Sousa e Maria Betânia Albuquerque (2018) através da trajetória de uma curadora
evangélica na Amazônia – que deixa de se identificar enquanto benzedeira católica
e incorpora experiências em igrejas pentecostais, pela televisão e presencialmen-
te, para reformular o repertório anterior e poder retransmiti-lo. Nisto confluem
saberes ambientais, corporais, espirituais e medicinais a partir de uma abordagem
terapêutica pautada nas medicinas de plantas, nas orações e no diálogo, de modo
a ampliar a comunicação com as pessoas assistidas, formular o diagnóstico e o
tratamento espiritual junto com a evangelização.
Como bem apontou Carlos R. Brandão (1983; 2007 b), as formas vividas da
cultura e da religião trazem potencialidades pedagógicas e espaços de aprendizado
comunitários como Folias, Congadas e outras festas religiosas, assim como o ritual
da benzeção. Os rituais da cultura popular são considerados sequências cerimo-
niais de “gestos que são e tornam explícitas regras sociais, tudo o que acontece
ensina” (BRANDÃO, 1983, p. 35). O mestre-antropólogo é certeiro ao descrever
a religiosidade popular como uma experiência artesanal do sagrado que não se
encerra no ritual e, menos ainda, em suas formas institucionalizadas, mas esten-
de-se à vida como um todo (BRANDÃO, 2007 a). Muito informada pelas teorias
maussiana e freiriana, sua concepção de educação tem a ver com as formas de vida
em um sentido total porque é, “(...) como outras, uma fração do modo de vida dos
grupos sociais que criam e recriam, entre tantas outras invenções sua cultura, em
sociedade” (BRANDÃO, 2007 b, p. 10). A religião aparece como um modo de co-
nhecer e de educar para o mundo, o que é fundamental para produzir sentido para
a vida de modo a entender sua complexidade e assumir uma postura ativa diante
dela. Então rituais populares podem ser pensados a partir de suas potencialida-
des pedagógicas e criativas, considerando os saberes e os espaços de transmissão,

65
O que também pode ser visto no trabalho de Paulo Gelson Rodrigues (2017), sobre o caso Albino
Gonçalves: um professor e rezador que, ao aposentar-se tornou benzedor. Ao longo de sua vida como
concursado no ensino primário na região de Rebouças, recolheu documentos e produziu – até 1987,
um ano antes de sua morte – registros de sua vida profissional e pessoal, como também estudos
de língua estrangeira, escritos sobre benzimentos, religiosidades e a vida faxinalense, e as “déci-
mas” – versos rimados como as quadrinhas. A transmissão se deu por essas técnicas da memória
acompanhadas da tradução textual de suas experiências, e do material de pesquisa que evidencia o
cruzamento de tais ofícios no acervo reunido por ele.

94
aprendizado e iniciação; das dádivas; dos agentes e das técnicas do corpo; dos
materiais, etc. Mais que isso, enquanto possibilidades para construir e engajar-se
no mundo através dos ofícios tradicionais, informando sua visão prática e as con-
dições de existência, de produção simbólica e material (Cf. POEL. 2018; 2013).
De acordo com Carlos Alberto Steil (1996), a bricolagem de elementos re-
ligiosos diversificados, incluindo tradições de matriz africana e indígena, é feita
a partir de uma cultura bíblico-católica. Essa dinâmica remete ao “catolicismo
popular” e ao fato de que, através de tal categoria, diferentes fenômenos são clas-
sificados. Desse modo, estabelece correlação entre a inserção do sujeito no mundo
e a doutrina religiosa, mediada pela experiência coletiva. A fé é uma justificativa
e fundamento para a prática no âmbito individual, filtrada pela experiência
corporificada (ILHEO, 2018; 2019 a), e a crença se torna uma condição para sua
realização e, ao mesmo tempo, uma categoria para a validação coletiva – tanto de
especialistas como do ritual. Neste sentido, a religião vai modular a visão cosmo-
lógica dos sujeitos e também esse processo de educação da atenção, incluindo a
experiência desenvolvida pela observação e inserção gradual no sistema de circu-
lação de dádivas.
Conforme discutido no capítulo anterior, situações associadas ao modelo tra-
dicional predominantemente oral e ligado a um modo de vida rural adquirem
mais visibilidade no campo da produção bibliográfica sobre o tema. As implica-
ções do modelo católico-centrado vão da classificação das práticas – comparando
graus de institucionalidade e traçando assimetrias entre as variações – ao apaga-
mento da diversidade e hierarquização também das formas de transmissão. Para
pensar em caminhos de compreender a assimilação disto pelas pessoas, é preciso
reconhecer que os de rituais, os entendimentos, modos de saber e de benzer acom-
panham infinitas formas de vivenciar o sagrado, incorporadas pela inventividade e
experimentação. Nesse sentido, é fundamental reconhecer a variedade dos modos
de transmissão em função das vertentes religiosas, assim como a variação dessas
modalidades em termos materiais: conduzindo a experiência através de diferentes
mídias, substâncias e recursos materiais.
A percepção sobre a diversidade das vertentes de benzimento já aparece em
Oliveira (1985; 1983), que começa a reconhecer suas especificidades. Ela dife-
rencia uma modalidade católica sem mediação institucional, com o aprendizado
através da vivência, de uma “corrente” católica na qual o poder de bênção centra-
lizado por sacerdotes oficiais. Em ambos os casos a habilidade é relacionada ao
dom, mas na primeira é desenvolvido de forma intuitiva ou guiada por especialis-
tas autônomos. A autora compara estas a outras modalidades religiosas – dentro

95
e fora das instituições – e não religiosas, associadas a fenômenos seculares, de
desenvolvimento do fundamento para o ofício, transmissão de conhecimentos e
procedimentos rituais. O interessante é ver que, apesar de a bênção evangélica e
os passes espíritas serem tratados como simétricos, as práticas não ocorrem da
mesma forma. O que tornaria estas últimas vertentes diferentes da benzeção entre
umbandistas seriam as especificidades em relação ao corpo, aos gestos, às orações,
às coisas imbricadas em visões ontológicas em que cada vertente opera – ou seja,
suas próprias tecnologias.
Transformações na experiência religiosa chamam atenção para as reconfigura-
ções da prática nas últimas décadas em relação a essa dinâmica. Em vista de uma
queda no número de católicos, aumenta o de evangélicos e expressões como trân-
sito entre instituições e uma pertença fluída, sobrepondo múltiplas alternativas a
fim de contemplar a espiritualidade de forma mais abrangente. Contrapondo-se
à crescente especialização dos agentes espirituais e/ou terapêuticos, as práticas
esotéricas e neoesotéricas são vistas como fenômenos urbanos atravessados pela
comunicação global, a lógica de mercado e os meios eletrônicos ou digitais. Disto
emergem novos paradigmas e recursos tecnológicos que atravessam a relação en-
tre a pessoa que benze e a pessoa que é benzida, considerando elementos como
a distância, os problemas e as soluções conforme as possibilidades de mediação
para o ritual. E se desencadeiam segmentações cada vez mais delimitadas em um
nicho de atuação, relocalizando elementos tradicionais em relação ao fluxo da
modernidade e desvinculando-se gradualmente da religião e identificando-se com
uma espiritualidade holística – como no caso do fitobenzimento e benzimento
energético, cada qual ao seu modo fornecendo um código e linguagens próprias
que modulam ação e percepção.
O alargamento desse panorama contribui para vislumbrar as tentativas de con-
trole e as apropriações concretas a partir de uma referência cristã. Assim, desfazer
a ideia de um monopólio tradicional – representado por benzedeiras católicas e
procedimentos centrados na reza falada com base na palavra cristã – e endossar
a presença histórica de outras vertentes, rompendo com a tese de um monopólio
quebrado pela diversificação do mercado religioso e a secularização. Um equívoco
que se espera deixar evidente é a redução da presença contemporânea do ritual
ao fenômeno considerado como benzimento moderno (Cf. CALVELLI, 2011;
2009). Considerando que a cena do que se chama dos benzimentos tradicionais é
plural e se apropria desta dinâmica ativamente, outro erro seria reduzir o uso de
mídias impressas ou digitais às benzedeiras modernas. Uma terceira armadilha a
qual se pode evitar é a associação automática de vertentes esotéricas ou neoesoté-

96
ricas com o dinheiro, pois o trabalho religioso vai ser desdobrado em tarefas que
podem e as que não podem ser cobradas, associadas ao princípio da caridade. Do
mesmo modo, associar a ausência de aspectos monetários em contextos tradicio-
nais, negando sua relação com a economia de dádiva. Sem cair assim na tentação
de reproduzir o argumento do hibidrismo enquanto um efeito da modernidade,
assumindo que a pasteurização da criatividade tenha sido bem sucedida, de modo
a isolar fatores e controlar interações entre as vertentes. Então talvez não faça
muito sentido pensar em uma mistura que pressupõe a purificação de um fenô-
meno que é sincrético avant la lêttre, incorporando e reinventando tecnologias
distintas.
As habilidades do corpo que benze
Depois da prece, de acordo com Carlos Rodrigues Brandão (2009), a bênção
é a prática mais comum entre as espiritualidades brasileiras: “Assim, de um modo
ou de outro, todos benzem” (BRANDÃO, 2009, p. 102). Ela pode acontecer entre
uma pessoa e outra, em ocasiões solenes e, por vezes, a própria pessoa benzer-se;
através disso é possível invocar a proteção de um deus, santo, entidade ou poder
sagrado. Compartido entre especialistas do sagrado, é um ato de fé para “[...] con-
vocar as forças do bem que expulsam as do mal do fiel ou do cliente, tornando-os
puros e livres do pecado, da doença e da ameaça” (BRANDÃO, 2007 a, p. 279).
As diferentes modalidades no campo religioso apontam para a amplitude dos fe-
nômenos conforme os modos de aprender e transmiti-lo, e para muitas maneiras
de desenvolver a habilidade de benzer. O encaminhamento da bênção expressa
a formação religiosa e a visão de mundo dos agentes, revitalizando os símbolos
sagrados que orientam a prática e também atravessam a vida social.
No caso da vertente associada ao catolicismo popular, a iniciação está relacio-
nada aos fundamentos religiosos prescritos pelo Novo Testamento, mas é desen-
volvida fora do espaço institucional. Na maioria das vezes, sua realização é con-
dicionada ao dom divino: vinculada a uma missão divina com base em preceitos
religiosos, podendo ou não ser guiada por um especialista – pessoas socialmente
reconhecidas como “quem mexe com o santo” (Cf. BRANDÃO, 2007 a). Se a
prática leva à perfeição, para que alguém se torne especialista do sagrado é preciso
tempo; por isso é comum a noção de que “[...] devem ser adultos, uma gente de
meia-idade e, se possível, velhos: pais e mães, beatas idosas, viúvas, avós, “gente de
respeito”” (Idem, p. 302). Quando o processo de aprender a orar com o corpo é
mediado por um mestre, a pessoa iniciante simultaneamente passa a ser aprendiz e
potencial concorrente; ou ainda como futuro integrante de um grupo de pratican-

97
tes associados. Além da transmissão geracional, a prática pode ser adquirida pela
experiência de imersão gradual no sistema de dádivas, estando os conhecimentos
sujeitos à verificação pública (ILHEO, 2018, p. 154). O dom pode ser reconhe-
cido por outro agente ou mesmo revelado, associado aos sentidos afinados para
expressões como os sonhos, a interpretação de sinais e situações cotidianas. Com
o recebimento desse dom divino, as pessoas que benzem se tornam mediadores
da comunicação e das trocas com o sagrado. O poder curativo, portanto, está re-
lacionado ao poder divino. Através dele – mas não somente –, realizam o ritual.
Este também pode ser direcionado, além de pessoas, para animais, plantas, objetos
e mesmo eventos naturais.
Outra característica, dos fenômenos em ebulição mais recentemente, é um
processo de aprendizado não necessariamente mediado por uma relação inter-
pessoal direta. O que pode se dar por conta própria com a leitura de um manual
ou pelas redes sociais, por exemplo. Assim, qualquer pessoa pode tornar-se ben-
zedeira ou benzedores especializar-se nisto, desde que tenha os sentidos afinados
para identificar os caminhos mais ou menos pertinentes – algo como separar o
joio do trigo, sendo as práticas extremamente monetizadas vistas, de fato, apenas
como um modelo comercial onde benzedores são também especialistas na venda
da prática em diferentes tipos de mercadoria. Isto não só influencia modos de
benzer, mas se converte em uma especialidade relacionada ao fenômeno da ben-
zedura moderna de forma totalizante. Esta voltada para o aperfeiçoamento de si e
incluindo, de modo inversamente proporcional à sua inserção no mercado, pautas
coletivas ou identitárias de resistência ao sistema de produção hegemônico.
É por meio do desenvolvimento de uma potencialidade interna, associada a
certa essência corrompida pela modernização, que a iniciação e a habilidade dei-
xam de estar condicionadas ao dom divino e passam a ser trabalhadas a nível sub-
jetivo, com o “despertar” de uma consciência não somente corporal, mas cósmica.
Há, neste sentido, um retorno à visão arquetípica e a ampliação deste repertório
pela combinação de diferentes vertentes, cujo mesmo propósito é resgatar uma
sabedoria e sacralidade ancestrais perdidas. Em paralelo, também se observa a
identificação com o chamado sagrado feminino: através do que as mulheres,
primeiro, podem reconhecer-se enquanto parte de um ser vivente que é a Terra e,
a partir disso, reconhecer a sacralidade de sua própria capacidade de produzir vida
para deslocar o poder divino de um plano transcendente para o imanente. Porém,
a adesão às mídias digitais como um recurso para a transmissão de benzedores
em potencial não é consensual, assim como a aceitação dessas novas modalidades
entre vertentes estabelecidas.

98
O que se verifica – tanto na bibliografia produzida quanto através do trabalho
etnográfico – é que, independentemente da vertente, o desenvolvimento da ha-
bilidade e dos conhecimentos de saber-benzer se faz por meio do engajamento
sensorial. Esta é a principal forma de se iniciar nesta arte e o que determina sua
especificidade. A iniciação pode ocorrer com ou sem a mediação de uma doutri-
na ou instituição religiosa, mas em todas as suas formas pressupõe o que Ingold
(2010) chamou de “educação da atenção”, conforme ilustra o quadro:
Imagem 5. Saber-benzer e a “educação da atenção” 66

O que faz com que o benzimento tenha um sentido distinto da bênção, de forma
mais geral, é a sobreposição de três ações distintas em um mesmo verbo: abençoar,
bendizer e curar. O saber-benzer se constitui pela produção da bênção e da cura de
forma artesanal com a imposição de mãos entre outros gestos, que são acompanha-
dos de materiais, rezas faladas e também cantadas, escritas ou pensadas, direcionan-
do intenções. Estes e outros procedimentos mobilizam habilidades que constituem
um sistema próprio, mas que não pode ser analisado a partir de qualquer modelo ou
tipologia pré-concebida porque desemboca em diferentes modos de benzer – com-
binando elementos sagrados, dádivas e experiências. A especialização de benzedeiras
e benzedores faz com que seu trabalho ganhe uma dimensão autônoma em relação
a outros ofícios e atividades laborais (Cf. BRANDÃO, 2007 a; OLIVEIRA, 1985).

66
Imagem autoral.

99
Diante desta especificidade, são relatadas infinitas regras “de conduta” que
constituem a qualificação para a execução do ofício. Elas também variam con-
forme aspectos culturais e religiosos, e, principalmente, com os ensinamentos
adquiridos pelo processo de desenvolvimento das habilidades. Da mesma forma,
a criatividade produz nuances e incorpora preceitos aprendidos, assim como
orações e procedimentos técnicos. O mais fundamental deles é que a prática
seja feita sem qualquer intenção que não seja a caridade, o cuidado e o amor
ao próximo. Outras questões despertam atenção e são ora validadas, outrora
não reconhecidas – como, por exemplo, benzer a si mesmo. Estas prescrições
contemplam as condições de realização, como horário e dia: há quem considere
a influência das fases da lua e os que realizam a benzedura apenas sob a luz do
sol; alguns dias são mais propícios enquanto outros interditos – isto ocorre, por
exemplo, em fins de semana ou dias santos, que devem ser resguardados. Ou-
tros aspectos são referentes ao corpo da pessoa que realiza a benzedura e suas
condições; eles refletem tabus sociais, não sendo um consenso e descritos pela
literatura para diversos contextos. Vão do sexo à ingestão de bebidas alcoólicas
e outras drogas como interditos, como possíveis fatores do enfraquecimento da
eficácia do ritual como consequência de certa profanação. No caso das mulhe-
res, são controversas ainda as prescrições envolvendo a menstruação tanto em
relação às agentes quanto às receptoras, tida enquanto barreira energética ou
motivo de desequilíbrio, revelando uma tensão imbricada ao sangue feminino
tido como impureza e antagônica à sacralidade.
As habilidades do corpo que benze têm três dimensões. Em uma direção, é
preciso estabelecer uma relação com o receptor da benzeção para identificar o
problema e suas causas – não só no que se refere aos sintomas físicos, “visíveis”,
como aos sintomas espirituais e “invisíveis” aos olhos de quem não é iniciado ou
não tem a habilidade desenvolvida. Noutro sentido, na medida em que o corpo
que benze é mediador do sagrado, o próprio corpo é uma tecnologia emanada
pelas orações e gestos, pelas ações e percepções acerca de todo o sistema. Então
há uma abertura que contempla o seu próprio corpo e sentidos, com a criação de
estratégias e o processo de educação da atenção, mas também ao corpo do outro
no sentido de cuidá-lo; e ainda uma inclinação aos códigos sagrados comparti-
lhados, reinventados na medida em que são executados. Por fim, uma percepção
afinada dos materiais que não toca somente os usos, mas às suas propriedades,
simbolismos e potencial de mediação ao longo das etapas rituais. É este movi-
mento que costura os elementos de modo a estabelecer correspondências entre o
mundo e a vida, as ações englobadas pelo verbo benzer e as doenças ou problemas,

100
que podem exigir ações específicas e procedimentos práticos voltados para suas
características particulares.
Do oral ao digital
Mesmo nos regimes tradicionais nos quais a oralidade é central, são igualmente
importantes os sentidos em sua totalidade e, sobretudo, aspectos como o contexto
ritual, aspectos performáticos e materiais. A transmissão do saber-benzer então
não é simplesmente falada, e sim mediada pela experiência sensível ao mesmo
tempo em que é informada por elementos exteriores. Com a associação equivo-
cada entre secularização e modernidade, a retórica da perda aponta a diminuição
da benzedura em termos quantitativos, ao que se relaciona certo enfraquecimento
nessa cadeia geracional fundamentada na oralidade.
Ao acolher a proposta Goody (op cit) para abrir mão da dicotomia entre escri-
ta e oral, decantam mudanças nas formas de comunicação e interação humana. Os
tipos de mídia e a forma como estão relacionadas à experiência não só de trans-
missão do saber-benzer, mas de sua realização como um todo. O que tem impacto
para a formação de novos agentes tanto quanto para as formas de organização.
Por isso, é imprescindível diferenciar mediador de intermediário – aquele molda
e afeta a mensagem que transmite enquanto este consiste em uma simples ferra-
menta de transmissão (Cf. LATOUR, 2012). Porque a forma como o conteúdo é
transmitido certamente influencia em como será entendido, aprendido e sentido.
Um primeiro aspecto relevante, destarte, são as mídias impressas ou escritas,
que incluem elementos não necessariamente usados no momento ritual – como
anúncios, livros e mesmo documentos – e também as coisas envolvidas em sua
execução, como orações, pedidos, simpatias, ex-votos, “santinhos” e outros tipos de
fontes textuais ou intertextuais. No que diz respeito aos processos de transmissão
e aprendizagem, produção e reprodução – além dos textos acadêmicos, que se
multiplicam especialmente nos últimos trinta anos – surgem compilações auto-
rais escritas por autores independentes e também por benzedeiras e benzedores
que despontam no cenário novaerista. Uma abordagem semelhante atravessa este
segmento com a apresentação de uma introdução dos elementos tradicionais, a re-
união de uma série de fórmulas escritas de reza e explicações sobre sua realização
a serem incorporadas por quem os lê (Cf. ALVES, s/d).
Publicações deste tipo estão sendo produzidas em pequena escala, para cir-
culação regional, ou amplamente distribuídas por editoras de diversos portes e
direcionadas a públicos variados; elas têm se tornado referência para a prática de

101
novos benzedores, assim como responde à uma demanda do mercado editorial
voltada ao segmento espiritualista e esotérico. Entre outros exemplos 67, podem
ser citados dois casos. Um teve sua primeira edição ainda em 1995: o Livro dos
benzimentos brasileiros do parapsicólogo Max Sussol (2020), uma compilação de
orações e procedimentos a partir de folcloristas e estudiosos da cultura (Cf. CA-
BRAL, 1958; ARAÚJO, 1777; AZEVEDO, 1987). A prática é associada à magia
branca e a uma “terapêutica exótica” para restaurar desequilíbrios energéticos e
alinhar os chakras, pois, em sua visão, age sob o “duplo-etérico” – concebido como
um invólucro que filtra as trocas energéticas e vibracionais entre o plano material
e o espiritual; a ligação entre o corpo físico e o corpo espiritual correspondente é
feita de maneira espelhada por esse envoltório fluídico. O ritual é tomado como
um catalisador de energia, operando a partir concepções relacionadas ao corpo du-
plo – o que sustenta o aparecimento de vertentes como o “benzimento quântico”,
“benzimento energético” ou “neobenzimento”. O segundo caso materializa essa
relação diante da inserção em redes de varejo, disponíveis nos formatos impresso e
digital, bem como a ampla repercussão de conteúdo digital. Dentre outros livros,
Theresa Tullio 68 publicou O livro das rezas (2017), um manual de primeiros socor-
ros complementares no qual a benzedura é concebida como uma prática holística.
Comparando estas terapias ao conhecimento de mestres hindus, defende que se
trata de uma herança, a qual cabe às gerações atuais perpetuar de forma fidedigna
às práticas originais. Ela escreve passo a passo as orientações para realizar orações
que tratam de problemas materiais, psicossociais ou físicos associados ao contexto
tradicional, das doenças simples às de maior complexidade.
Outro tipo de publicação comercial são as únicas do gênero, fato que pode
corroborar não somente a hipótese de seu resgate como indicar um caminho em
aberto, considerando sua conversão em mercadoria. Ou seja, aderindo à lógica capi-
talista, esvaziando seu caráter de dádiva e sacralidade em detrimento de necessida-
des materiais. Hoje em dia, não é difícil encontrar em qualquer banca de jornal uma
coletânea, manual ou guia prático para aprender a realizar benzeduras, por exemplo.
Na capa de uma destas publicações, adquirida por cerca de dez reais (IMAGEM
6): se destacam do fundo amarelo vibrante as letras que explicam sua utilidade e
algumas imagens, dentre as quais notas de dinheiro empilhadas. A força da fé é es-

67
Vide Menezes (2017) e Naylah (2020 a; 2020 b).
68
Apresentando-se nas redes sociais como escritora e pesquisadora de herbalismo e herbologia, life
coach e numeróloga; ela enfatiza sua atuação como orientadora holística em diversos meios, como
um blog w um canal no YouTube (Redes Sociais: Blog: < http://www.theresatullio.com/ >. YouTube: <
https://www.youtube.com/c >. Acesso: janeiro/2021).

102
tampada como uma forma de solucionar problemas financeiros ou familiares e for-
necer proteção individual; as instruções trazem a descrição do problema, das ações
técnicas e do uso de materiais – os “ingredientes da receita”. A ideia vendida tem a
ver com um “benzimento DIY” 69 – uma sigla traduzida como “faça você mesmo”
que remete a uma explicação prévia dos procedimentos técnicos para que a pessoa
possa experimentar sozinha, sem mediação de um especialista, tarefas artesanais.
Constituindo outro segmento desse nicho de consumo em expansão, o ritual é
aderido pelos meios de comunicação em massa visando atender à individualização
das práticas rituais e a infinitos propósitos comerciais. Tendo convertido a prática
e o processo pedagógico de transmissão do saber-benzer em prestação de serviço:
os cursos passam a ser de acesso restrito de modo a fidelizar o acesso às platafor-
mas e recursos disponibilizados previamente pelo mediador responsável. Nesta
situação, se sobrepõem a aprendizagem mediada e autônoma, pautada na relação
subjetiva com as tecnologias distintas (Cf. ILHEO, 2021).
Imagem 6. Mini Guia de rezas e benzeduras (2015)

Se palavra escrita traz novas condições tanto para a documentação quanto para
a educação da atenção e desenvolvimento da habilidade, a passagem para o digital
crie outras possibilidades de engajamento (ILHEO, 2021). Esse deslocamento,
por sua parte, possibilita que a informação seja enviada em um fluxo muito grande
e de forma acelerada. Adeptos são conduzidos pelo algoritmo conforme buscam
algo que atenda sua necessidade imediata, a médio ou longo prazo – de forma a

69
Do inglês, Do It Yourself.

103
criar vínculos que extrapolam a dicotomia entre o que se faz na internet e fora
dela, porque a internet se tornou uma realidade amplamente difundida. Do mes-
mo modo, processualmente, vem ocorrendo com dispositivos como a televisão, o
telefone e o computador. Porém, o acesso e a distribuição dessas tecnologias tam-
bém não são homogêneos, assim como elas mesmas não são fenômenos dados e
sim construídos socialmente. Além dos suportes impressos, as plataformas digitais
abrem novas possibilidades para o processo de aprendizagem através de áudios,
aplicativos, chamadas de voz e vídeo, imagens, textos em PDF, vídeos, entre outras
mídias. Estas, de certa forma, passam pela oralidade e pela textualidade; mas, so-
bretudo apontam para o potencial de mediação de acordo com os recursos de cada
plataforma e dos usos que deles são feitos. Um anseio para ensinar e resgatar a
tradição pela prática vai de encontro à demanda cada vez maior pelo aprendizado,
especialmente através dos recursos digitais que possibilitam, de fato, ultrapassar a
barreira da distância física para os processos rituais (Cf. ALVES, s/d).
Diferente do cenário em estudos canônicos (BRANDÃO, 2007 a; OLIVEI-
RA, 1983), chama a atenção a organização de agentes e sua articulação em equi-
pes corporadas para atender e promover ações para a criação de novas cadeias de
transmissão 70. O movimento de reavivamento da prática é reforçado pela criação
de espaços como rodas de conversa, vivências, oficinas e cursos presenciais vol-
tados para a formação de novos agentes 71. Sua criação faz parte de iniciativas

70
Um desses casos é a Escola das Almas Benzedeiras de Brasília (DF) que, desde 2016, congrega
mulheres de diversas faixas etárias interessadas em preservar ensinamentos recebidos por avós e
outros antepassados. Com o intuito inicial de benzer e ensinar outras pessoas a benzer, passaram
a atender em Unidades Básicas de Saúde na região metropolitana – também por telefone e online,
além de promover ações solidárias (Redes Sociais: Facebook: < https://www.facebook.com/escola-
debenzedeirasdebrasilia/>. Instagram: < https://www.instagram.com/benzedeiras.brasilia/>. Aces-
so: janeiro/2021).
71
Uma das iniciativas pioneiras é a Escola de Benzimento Florescer Bento ®, sediada em Santo André
(SP), um projeto idealizado por Pâmela Souza e que ganhou visibilidade recentemente. Descobrir-se
como neta, bisneta e tataraneta de benzedeira foi o que a levou, guiada por entidades benzedoras, a
criar uma vivência de módulos básicos e avançados sobre essa arte ancestral, despertando para sua
realização e resgate. O curso aborda as bases históricas e significados do verbo benzer como uma
tradição; fundamentos, preceitos e prescrições; usos, técnicas e escolha de materiais; sua relação
com o Reiki e exercícios práticos. Uma contribuição em dinheiro é solicitada, referente aos custos
estruturais para manter as atividades, e é abonada em casos especiais. Neste caso, transmissão
preserva os moldes da oralidade, com a iniciação guiada dos novos agentes, mas é mediada também
por livros – como os de Sussol (2020) e Menezes (2017). A adaptação às mídias digitais se estende
aos cursos e à realização de “Ambulatórios de benzimento à distância”: em um post público no Fa-
cebook, a pessoa interessada comenta seu nome completo e a data de nascimento para que possa
ser benzido – também crianças ou animais de estimação. Outra iniciativa relevante é o “Memorial
do Benzimento”, uma página criada para compartilhar relatos pessoais e dados sobre a vida das
pessoas dedicadas ao ofício. Isso explica porque este caso tem repercutido nas redes sociais e na

104
tomadas coletivamente a partir do que Frigerio (2018) chamou de “grupos lábeis”:
associações que contribuem para a criação e difusão de crenças distanciadas das
instituições em cenários sociais diversos, liderados por agentes religiosos ou se-
culares. Assim, a prática é autorregulada por uma lógica própria que se estende
a espaços presenciais fixos ou itinerantes, e também digitais – porque os modos
de se relacionar com o supra-humano, em nossa sociedade, incluem a indústria
cultural, os meios de comunicação e a internet (Cf. FRIGERIO, 2018, p. 106).
Nas redes sociais, as comunidades podem ser descentralizadas 72, com a iden-
tificação entre adeptos e interessados na prática – com o compartilhamento de
conteúdo da rede, relatos e pedidos de ajuda, como dicas para procedimentos e
envio de rezas – ou centralizadas a partir de um agente da benzedura 73, como um
meio de divulgar sua atuação e agregar seguidores em suas redes – seus clientes em
potencial. Nesse caso, o conteúdo externo é filtrado, e são veiculados materiais au-
torais ou adaptados; assim se tornam agentes nodais, ou seja, detêm a capacidade
de tecer articulações, alianças e conexões entre diversos circuitos e campos sociais
(DE LA TORRE, 2014, p. 38). Essas “benzedeiras modernas” ou “benzedeiras
urbanas” 74 não só produzem conteúdo, como se conhecem e se comunicam entre

imprensa. Mais recentemente, desponta com outra iniciativa pioneira com o Registro da Marca junto
ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPE), vigente entre 2021 e 2031. (Redes Sociais:
Facebook: < https://www.facebook.com/florescerbento>. Instagram: < https://www.instagram.com/
florescerbentooficial/?hl=pt-br>. YouTube:< https://www.youtube.com/channel/UCgLd1HL4luD0FsR-
vZYIcbGw . Acesso: janeiro/2021).
72
Um exemplo disso são as inúmeras páginas criadas para fazer postagens no Instagram e Facebook;
neste último, outro bom mecanismo para refletir são os grupos criados para compartilhar receitas,
mas também para solicitar oração e conselhos práticos – como avaliar a situação de uma machuca-
dura, pedir recomendações ou conselhos sobre realização, causas e sintomas de alguma aflição, seja
qual for. Em uma pesquisa rápida, pode-se notar que eles não são poucos e, ao tornarem-se públicos,
aumentam de tamanho rapidamente de modo a atingir milhares de pessoas rapidamente. Em sua
maioria com um número de administradores proporcionalmente inverso ao número de membros, os
assuntos cobrem benzimento, simpatias, amarrações, rezas e, frequentemente, foge a este escopo
– abrindo brechas para discussões políticas, comerciais ou mesmo sobre fatos midiáticos. Podem
estar associados à um recorte geográfico regional ou ir além do entorno do seu núcleo de criação.
73
É o caso das atividades promovidas pela terapeuta holística Eliana Matthos, em um espaço privado
de associados que constitui o Espaço Luz Crística em Sorocaba (SP)– voltado para consultas espiri-
tuais e energéticas, coaching e aplicação de Reiki. Além de ministrar outros cursos, é oferecido uma
formação de benzedores através de videoconferência e materiais autorais apostilados, combinado ao
suporte individual pelas redes sociais como o Facebook e o WhatsApp para interação entre aprendi-
zes. Esta atividade faz parte do projeto Benza Comigo, desenvolvido online através da produção de
vídeos, palestras e outros conteúdos (Redes Sociais:
YouTube: < https://www.youtube.com/channel/UCklkY0WkiRLP1L1ccYUC-LA >. Acesso: janei-
ro/2021).
74
O termo “Benzedeira Urbana” foi cunhado pela terapeuta alternativa Flávia Alves, de Maringá (PR),
responsável pelo projeto “Bendito Astral” – cuja proposta é um curso de formação para qualquer

105
si – ampliando as interações e o alcance das informações disponíveis ao replicá-
-las, o que aumenta sua própria visibilidade e também a do assunto. Alcançando
capilaridade e projeção pública, colocam em xeque a tese de que o poder dos
“magos” se enfraqueceria com o processo de modernização (Cf. AZEVEDO E
LEMOS, 2018).
Sem assumir como totalmente negativos os aspectos relacionados a tais mudan-
ças e afastando-se de um tom utópico ou futurológico, Ingold afirma que é preciso
traçar rotas epistemológicas alternativas. Levando a sério a criatividade humana,
ele escreve sobre o destino da habilidade em um mundo cada vez mais engendrado
pela tecnologia: enquanto tais narrativas são convertidas em estruturas algorítmicas,
elas mesmas são postas em uso e estes reincorporados no campo da ação efetiva. O
ponto crucial da noção de habilidade está na capacidade de improvisação com que
os profissionais são capazes de desmontar e recriar as construções tecnológicas a seu
favor. Logo, ela “(...) está destinada a perdurar enquanto a vida o fizer, ao longo de
uma linha de resistência, sempre desfazendo os encerramentos e finalidades que a
mecanização coloca em seu caminho” (INGOLD, 2015 a, p. 110).
Recolocando as coisas no lugar
Parece haver um consenso sobre o fato de que as coisas de benzer variam conforme
o problema e expressões devocionais; seu uso não é obrigatório, mas quando estão
associadas aos verbos e às ações específicas são tidas como engendradas em um siste-
ma dentro do qual suas propriedades e aplicações vão sendo significadas de forma a
conectar-se com a doença e desencadear bênção, cura e a circulação de dádivas. Guar-
dando aspectos locais e diferenciação geográfica, diferentes abordagens operacionali-
zadas pela categoria religião lançaram interpretações mais ou menos “materializadas”;
assim, não há um tratamento único dado as coisas senão diferentes vieses.
A confluência de uma corrente evolucionista com a medicina científica em al-
pessoa que queira, despertando e desenvolvendo essas habilidades com a mediação de plataformas
digitais. Apresentando-se como reikiana e taróloga, ela levando este conceito para o YouTube através
de um canal, disponibilizando uma série de vídeo-aulas que tratam dos preceitos básicos para sua
realização a exemplos de rezas, orações e simpatias; explicações sobre as doenças e a descrição
detalhada de aspectos relacionados ao corpo benzido, assim como prescrições de conduta para o
corpo que benze. O mesmo curso foi ministrado pelo WhatsApp gratuitamente e, de forma opcional, a
venda de material explicativo impresso junto com certificado (Cf. ILHEO, 2019 b). Para desenvolvê-lo,
utiliza também algumas publicações do circuito neo-esotérico, apropriando-se de sua própria trajetória
e experiências para editá-lo. No Facebook, também mantém um público engajado em um grupo cen-
tralizado onde divulga este e outros cursos – envolvendo temáticas como astrologia, tarologia e o des-
pertar da “bruxa”, relacionado à uma vertente contemporânea da bruxaria via digital (Redes Sociais:
Facebook: < https://www.facebook.com/benditoastral/ >. YouTube: < https://www.youtube.com/
channel/UCWRs8P8sookkDH8JiCVItRQ >. Acesso: janeiro/2021).

106
guns estudos folclóricos concebe a utilização de símbolos de maneira universal a
partir dos princípios da magia simpática – mas são totalmente colados às práticas
simpáticas, associadas ao uso de objetos culturais. Neste sentido, tem-se sua associa-
ção com elementos naturais como água e plantas, ou outras coisas deles derivadas,
como azeite e carvão; mas também artefatos religiosos, como imagens de santos.
Suas funções simbólicas são relacionadas ao que é falado e, simultaneamente, deve
ser encenado pelos agentes para que isso contagie o receptor (CABRAL, 1958, p.
76). Esse processo de contágio é visto por Cascudo (2012) como o momento através
do qual alguma coisa é feita para representar uma força divina ou estabelecer, através
delas, trocas e comunicação direta com o sagrado. Mas, para ele, o feitiço-fetiche diz
respeito a qualquer prática religiosa ou não, e pressupõe as técnicas do corpo e os
conhecimentos tradicionais, que em consonância compõem a ciência do povo, uma
ciência do fazer. Inseridas em um sistema lógico de pensamento, as coisas passariam
a serem capazes de defender do portador, facilitar ou determinar uma ação direta
de sua vontade (CASCUDO, 2012, p. 670). Sua perspectiva é inovadora por reco-
nhecer essa dimensão artesanal sem uma conotação discriminatória – chamando
atenção, primeiro, para a falsa separação entre pensamento mágico e pensamento
científico, e depois para o fato de que a criatividade torna impossível a dominação
dos saberes populares pelos segmentos hegemônicos – e por notar uma relação en-
tre material e imaterial, onde as coisas não estariam ligadas apenas aos fenômenos
mágicos, e sim condições comuns aos fatos sociais.
Como bem lembra Bruno Latour (2011; 2002), a crença não é um estado de
espírito, mas resultado de relações entre povos; e que os objetos são fabricados e
significados a partir de concepções e procedimentos culturais. Como outros au-
tores, ele sinaliza para uma confusão entre o termo português fetisso, do particípio
passado do verbo fazer, e sua utilização para nominar a fabricação de deuses e
oráculos, assim como as práticas mágicas. Sua dimensão “feita” tem seu sentido
latino derivado de facticius – do que deriva a oposição entre fato e ficção, sendo
esta tomada como um recurso artificial (Cf. LATOUR, 2012; 2011; 2002). Em
meio a um mal entendido (Cf. GOODY, 2012 a; 2012 b), a magia é lida como
um fim utilitarista, relacionado ao controle das forças naturais e fenômenos sobre-
-humanos, associadas às noções de fetichismo, antropomorfismo ou o animismo
– a crença em seres espirituais e a atribuição de poderes sobrenaturais, proprieda-
des animadas ou atributos especiais a objetos tidos como inanimados (TYLOR,
1871). As coisas foram interpretadas – por povos os quais eles mesmos fabricavam
seus deuses sem, contudo, reconhecer-se nesta posição – enquanto elementos de
feitiçaria em relação ao código cristão (LATOUR, 2011; ORSI, 2011; MOR-

107
GAN, 2011). Uma leitura crítica feita pela “lente protestante” interpela as formas
materiais em oposição ao plano espiritual, ocultando a relação intrínseca entre
mídia e religião, tanto quanto os arranjos que organizam a experiência religiosa.
Uma visão desmaterializada da benzeção – que não opera em uma lógica biná-
ria, mas holística, acompanhando o dinamismo e o fluxo do mundo sem menos-
prezar os sentidos –, portanto, está atrelada à sua leitura como prática religiosa.
As coisas são observadas como um elemento importante, todavia, circunscritas
a um plano secundário. Por um lado, são identificadas com vertentes mais ou
menos materializadas de forma diretamente proporcional ao seu contato com o
pensamento mágico. Lida a partir de uma visão católico-centrada, a benzedura é
amplamente difundida e aceita como uma forma de “magia branca”. Por outro,
a separação entre aspectos religiosos e seculares, sagrados e profanos, é acionada
para reiterar diferenciações ligadas ao problema da crença. Isso produz o efeito de
que, quanto mais coisas, mais profanas as práticas: por isso, simpatias e coisas-fei-
tas como oferendas, despachos, sacrifícios e outras, são vulgarmente interpretadas
como fetiches e perpetuam, no senso comum, o mito originário da confusão.
A importância das coisas ajuda a esclarecer a construção de uma diferenciação
hierárquica retórica dos modos de benzer. Isto está posto por Gomes e Pereira
(2018) através da metáfora do “corpo intermediário”: por meio da palavra, central
na cosmologia cristã, acompanhada da perfomance os poderes dos agentes são
transferidos para as coisas, que operam como suportes da cura; elas não têm poder
por si só, mas o adquirem ao passo que são enredadas por esse sistema, encontran-
do sua função simbólica (GOMES E PEREIRA, 2018, p. 61). Com o intuito de
desmistificar alguns aspectos relacionados à fetichização, a relação entre elemen-
tos materiais e imateriais também é retomada por Oliveira (1985; 1983), onde a
prática toma forma na medida em que os indivíduos costuram os signos coletivos
aos próprios sentimentos e experimentações, formulando explicações ontológicas
tanto quanto produzindo conhecimentos e dádivas. As coisas então poderiam ser
atravessadas por funções religiosas dentro de cada sistema religioso, bem como
artigos cujos usos são ressignificados se consagrados, aplicados de forma a criar
um contágio pela correspondência ou ainda pelo contato direto entre coisas e/
ou corpos distintos, interagindo entre si. Até então, era enfatizada a descrição do
papel dos símbolos manipulados pelos agentes para reformular o sofrimento.
Perspectivas influenciadas pelas teorias sociológica e estruturalista francesas,
pelo processualismo britânico e pela antropologia simbólica estadunidense, con-
tribuem para que a materialidade da benzedura seja descrita enquanto elemento
que compõe a paisagem ritual até o fim do século vinte. Em alguma medida apa-

108
recem elementos da técnica e de sua relação com a cosmovisão que integra, bem
como a importância dos espaços terapêuticos e de objetos inscritos cuja própria
memória e aspectos biográficos são acionados por seu potencial de cura e bênção.
Essa abordagem parcialmente “desmaterializada” pode ser entendida quando se
considera uma visão católico-centrada – comum aos estudos da religião latinoa-
mericanos (Cf. FRIGERIO, op cit) e, por situar-se a partir de interfaces com
tal campo, comum também aos estudos canônicos – onde sua presença sinaliza
o cruzamento com outras vertentes, sejam mágicas ou esotéricas. Nesse sentido,
após um pequeno hiato nas produções sobre o tema, a virada do milênio acompa-
nha torções epistemológicas em diversos áreas do conhecimento que possibilitam
discutir os processos de subjetivação e de constituição dos corpos, apontando para
sua relação estreita com as coisas por meio da prática. Isto acompanha uma crítica
à noção de eficácia simbólica, jogando luzes para as mudanças sociais e no campo
religioso, bem como seu impacto nos modos de produzir cura e bênção.
Na esteira desses processos, Santos (2016) evidencia os objetos, religiosos ou
não, diante do que considera um “sincretismo prático” no qual as plantas funcio-
nariam como elementos intercessores, mediando os diversos planos para repelir
maus agouros e mesmo conduzir a doença para fora do corpo doente. Apontando
para suas propriedades e aspectos de sua “vida social” (Cf. APPADURAI, 2008),
esse enquadramento responde a um esforço analítico de refletir sobre associações
entre pessoas e coisas de modo a considerar o processo de feitura e sua participa-
ção no desenvolvimento da habilidade de saber-benzer. Isto porque a execução das
ações específicas, por sua vez, pressupõe o conhecimento dos materiais respectivos
e de suas propriedades. Um mesmo material pode ter múltiplas propriedades, que
são trabalhadas também de diferentes formas. Logo, o que decanta é que não há
uma oposição entre artefatos ou elementos naturais, nem mesmo entre sujeitos e
objetos – estes se definem uns aos outros quando em circulação, suas histórias se
constituem conforme se movimentam.
Tudo isso envolve muitas coisas. Antes, depois e durante o ritual; desde os
materiais de benzer à acomodação dos clientes e critérios estéticos para decorar e
montar um contexto favorável para realizar o ritual dentro das condições dispo-
níveis. Sua presença é testemunhada por representações na arte – em pinturas ou
intervenções artísticas, como inspiração para personagens de cinema ou TV – ou
mesmo por livros, reportagens em periódicos. Aparecem tanto nas mídias impres-
sas quanto nas mídias digitais e eletrônicas, como redes sociais, podcasts e blogs
ou nas redes sociais. Por isso, parece cada vez mais urgente, que é compreender
quais e de que forma novas mídias são incorporadas e impactam as formas sen-

109
soriais estabelecidas, relacionadas a aspectos estéticos e semióticos associados aos
modos de benzer. Mais um fato que coloca este debate como um aspecto impor-
tante, é a produção do próprio fenômeno como evidência material para políticas
públicas de saúde e de patrimônio – contemplando sua institucionalização dentro
e fora do Estado. Assim, torna-se o ritual mesmo uma coisa.
Situando uma diferença ontológica entre as categorias coisas e objetos, Tim
Ingold propõe a superação de qualquer divisão entre paisagem e artefatos; ana-
lisando três componentes do ambiente – meios, substâncias e superfícies – de-
monstra que as formas das coisas não são projeções mentais sobre um substrato
inerte; elas surgem e são suportadas junto com o fluxo de materiais. Assim como
benzedeiras e benzedores, ele identifica que os seres humanos continuam a partir
de onde humanos param, sobre uma mesma superfície. Sua proposta de trazer
as coisas de volta à vida, recolocando-as neste fluxo vital, não é uma questão de
acrescentar a elas uma pitada de agência porque
[...] As coisas estão vivas e ativas, não porque estão possuídas de
espírito – seja na ou da matéria – mas porque as substâncias de que
são compostas continuam a ser varridas em circulações dos meios
circundantes que alternadamente anunciam a sua dissolução ou –
caracteristicamente com seres animados – garantes sua regeneração
(INGOLD, 2015, p. 63).

Levando a serio sua proposta de acompanhar os materiais, “(...) pois é a partir


deles que tudo é feito” (INGOLD, 2015, p. 67), é possível avançar para entender
como a benzedura é feita sem fazer distinção entre mundo material e mundo
de materiais, e o mundo espiritual – e sim pensando no fluxo e nos significados
construídos de maneira processual e relacional; nem objetivamente determina-
das, nem subjetivamente imaginadas, e sim experimentadas. Portanto, tomando a
constituição do benzimento ao longo e através das coisas, é possível entender as
transformações e deslizamentos entre regimes de conhecimento. Com isto, mos-
trar os meandros e os emaranhados através os quais os sentidos para a experiência
com o sagrado são também modulados.

110
Parte II:
De dentro pra fora
Capítulo 3

Curas e bênçãos entre águas caudalosas e formosas colinas

Terra, água e sangue

A ssim como ocorre com o termo usado para indicar não só o povo, como
algo relacionado ao Brasil – cuja origem deriva da associação com o adjetivo
utilizado para fazer referência ao encarregado de extrair pau-brasil, cuja profissão
seria a de brasileiro –, se dá com o gentílico mineiro: evocando a apropriação
e exploração de um território a partir da mineração (HOLANDA, 1985). Em

111
face de uma disputa com as populações indígenas originárias, as minas de ouro
e diamantes vão se adensando e a província experimenta um rápido crescimento
populacional. Com isto, ao longo do século XVII se tornou um dos epicentros da
estrutura colonial, com o florescimento dos primeiros núcleos urbanos principal-
mente na região mineradora central. Noutras regiões, migração portuguesa era
direcionada às pequenas fazendas mantidas pelo trabalho familiar para a criação
de animais e cultivo voltados ao abastecimento e consumo interno; na base, o
trabalho produzido por mão de obra escravizada – primeiro indígena e, em um
segundo momento, africana. Em uma paisagem composta de montanhas, vales e
planaltos de terras férteis banhadas por extensa bacia hidrográfica amplamente
capilarizada, a diversidade tampouco se dava somente em termos de recursos na-
turais e processos econômicos.
Essa configuração propicia uma situação de mobilidade singular que resultou
na expansão e, ao mesmo tempo, o isolamento geográfico relativo de um grande
sertão rural nos entremeios dos caminhos que conectaram as Minas a outros lu-
gares, movimentando a circulação com os portos do sudeste e a capital da colô-
nia – recebendo produtos importados manufaturados e enviando minérios para
a Europa. A formação das Minas como um espaço de expressão das diferenças,
no plano cultural, é um processo marcado pela circulação de elementos da elite
em meio a população pouco letrada cuja dimensão criativa é bastante afinada, por
vezes crítica e, sobretudo, sincrética. A condição de sua constituição enquanto
uma província envolve os impactos da atividade mineradora sobre atividades se-
cundárias e terciárias, e para o cotidiano em seus aspectos artísticos, econômicos,
políticos, sociais, religiosos e demográficos. De acordo com João Antônio de Pau-
la (2010), antes de produzir o ideário moderno sistematicamente, este contexto
reproduziu privilégios a partir de uma lógica de dominação que contribuiu para
a marginalização de alguns grupos, interditando seus direitos. Interpretando a
modernidade como determinante no pensamento ibérico, a reflexão sobre a forma
como tais instituições foram transpostas e instituídas entre os séculos XVIII e
XIX, na síntese de um processo incompleto que teve como entrave os mesmos
impulsos metropolitanos o autor caracteriza a modernidade mineira como para-
doxal e periférica.
Diferentes estudos notam a centralidade da religiosidade neste cotidiano,
desdobrando-se em um aspecto expressivo para a formação e consolidação
das primeiras cidades ao ressoar aspectos da organização social estratificada
(Cf. ROMEIRO E BOTELHO, 2013; PAULA, 2010; PEREZ, 2009). E
para compreender tal fato é fundamental atentar para duas circunstâncias.

112
Uma é a extensão da religião como braço do Estado de modo a ampliar
e centralizar o poder, o que legitimou o catolicismo como prática social e
contribuiu para sua manutenção historicamente. Outra é que as divisões
do espaço foram determinadas tendo como referência paróquias, capelas ou
oratórios, modulando a memória coletiva e a formação social de diversas
localidades além de revelar aspectos da gestão e organização comunitária
das atividades religiosas conforme um calendário litúrgico oficial.
A transposição do catolicismo medieval ibérico e a incorporação dos
processos de matriz africana e indígena se deu a partir do que Ginzburg
(2008) e Bethencourt (2004) chamam de circularidade cultural. Neste sen-
tido, havia uma interpenetração mútua e a indeterminação das fronteiras
entre magia e religião, assim como a fluidez entre os planos sagrado e pro-
fano, erudito ou oficial e aquilo que era popular. Em um contexto onde a
propagação de doenças era uma realidade – considerando condições climá-
ticas e de vida propícias que envolviam fatores como habitação; saneamen-
to; proximidade entre animais e homens; uso de roupas pesadas; não adesão
ao banho diário; alimentação, entre outros 75 – é relevante notar que se
fazia operante uma divisão do trabalho de cura pautada por aspectos raciais
e de gênero, e pela articulação entre forças naturais e sobrenaturais vistas
como explicação, causa e consequência de desordens. Este universo toca em
muitos pontos a medicina física, avançando sobre um campo até então do-
minado por aqueles que executavam os chamados ofícios práticos – porque
“colocavam a mão no sangue”, ao contrário dos clínicos; estes eram oriun-
dos das classes sociais menos abastadas e, mesmo sob vigilância, operaram
constantemente a recriação desse amálgama de terapêuticas (FIGUEIRE-
DO, 2008). Outra característica que não pode passar despercebida jun-
to com o lugar social desses especialistas é a especificação de “doenças de
negros” 76, para além da sobrevivência das práticas africanas enquanto um
75
Amplamente difundidas no período colonial, considerando além de condições abusivas de trabalho
a disposição das senzalas, entre as doenças documentadas estão problemas ordinários (resfriados,
vermes e parasitas, fraturas, bicheiras), doenças viróticas ou epidêmicas (chagas, varíola ou “bexi-
ga”), pulmonares, reumáticas, venéreas (sífilis, gonorreia) ou outros problemas relacionados ao modo
de vida – como gangrena, elefantíase, bócio, acidentes de trabalho relacionadas à mineração, entre
outros (ROMEIRO E BOTELHO, 2013). Por suposto, também são apontados para o período posterior
outros problemas, concebidos em relação a aspectos espirituais ou relativos às crenças e supersti-
ções (Cf. FIGUEIREDO, 2008; TEIXEIRA, 1954).
76
Esta noção aparece, por exemplo, no Erário mineral (1735) do cirurgião Luís Gomes Ferreira, um
compêndio de moléstias que traz as “doenças de negros” como consequência das condições ma-
teriais de existência enquanto escravizados e equivocadamente justificando-as em termos raciais

113
meio para lidar com estes problemas e outros problemas espirituais, como
o calundu (ROMEIRO E BOTELHO, op cit, p. 190-191).
Enquanto a percepção das autoridades eclesiásticas e dos homens de progresso
visava a contenção desse complexo universo cultural, a diversidade de expressões
se fazia uma características do catolicismo mineiro: como o culto aos santos e
também aos mortos, cerimônias como sacramentos, novenas, romaria, procissões,
celebrações, festas e, principalmente, pelos rituais simpáticos e terapêuticos. Como
em boa parte do Brasil, serve o ditado “Muita reza e pouca missa, muito santo e
pouco padre” (Cf. TEIXEIRA, 2018). Observava-se uma população religiosa e
bastante devota cuja prática foi codificada pela matriz cultural católica e resultou
em um repertório de crenças recriado regional e localmente por agentes populares
socialmente legitimados.
A participação ativa dos fieis na execução do trabalho religioso reforça a expe-
riência dos espaços comunitários e atividades promovidas como fatores de sociali-
dade, possibilitando vínculos que continuam para além dessa instituição (POEL,
2018; 2013). O melhor exemplo disto são as irmandades, projetando-se como
uma das mais importantes instituições civis por atuar tanto na organização de
rituais e eventos, quanto uma forma de assistência social em sua comunidade.
Adepto do diálogo inter-religioso, Frei Chico aponta para a complexidade des-
ta questão, considerando que a população negra era culturalmente diversa entre
si, composta por povos banto de Angola, Congo e Moçambique (POEL, 2018,
p. 346s). Através desses espaços se consolida uma das tradições mineiras mais
latentes: o congado, mobilizado pela devoção a Nossa Senhora do Rosário, São
Benedito e Santa Efigênia. A divisão de tarefas dos grupos incluem os reis, em-
baixadores, instrumentistas e outras funções desdobradas em cortejos, missas e
mutirões, além de uma comunicação contínua e vínculos solidários que vão além
das festas (SOUSA, 2016). Isto contribuiu não só para a integração social, como
para a preservação de sua memória e ancestralidade ao longo do tempo, afirmando
cosmovisões postas à margem da modernidade colonial.

– como mutilações causadas por acidentes ou punições; elefantíase; bócio ou “papo”; cangalha ou
“convulsão de negros”. O estigma social e a concepção de que certas doenças eram originárias de
África leva ao inventário dessas enfermidades entre cativos; assim, eram considerados ainda agen-
tes transmissores de algumas doenças como escorbuto ou “mal de Luanda”, corrupção do bicho ou
“mal de São Tomé” (Cf. ROMEIRO E BOTELHO, 2013, p. 51). No século XIX, relatam características
associadas às atividades laborais repetitivas e altamente prejudiciais à sua qualidade de vida de uma
perspectiva preconceituosa, associando-as ao que a elite considerava uma “alimentação grosseira”
baseada em feijão preto, toucinho, fubá e, sobretudo, cachaça – ingredientes fundamentais para a
culinária mineira.

114
A presença das irmandades declina junto com a economia mineradora, o que
impele um fluxo de interesses em direção aos espaços até então pouco inexplora-
das, propiciando outros ciclos e a ampliação de uma malha entre lugares que leva
à máxima de que Minas são muitas. A harmonização de realidades distintas era
semelhante à lógica da federação, cuja harmonia entre as partes é fundamental
para seu bom funcionamento político. E pode-se dizer que a diferenciação entre
regiões é perpassada pela religião, que exerce um importante papel organizacio-
nal e simbólico nesse adensamento do tecido social. No período oitocentista, o
Triângulo mineiro – entre os rios Grande, Paranaíba e Paraná –, desponta como
expoente da pecuária e agricultura na região noroeste do estado. Esta última ati-
vidade vai se tornando predominante diante de uma ampla zona rural relativa-
mente distante dos polos de modernidade implantados dentro de microssistemas
regionais – como a Zona da Mata e a parte Sul, que se destacam especialmente ao
longo da expansão cafeeira. Alguns dados trazidos por Paula (2010) ilustram os
aspectos demográficos para o ano de 1858 77, esboçando uma estrutura dividida
em 454 distritos, 268 paróquias, 58 municípios e 20 comarcas. Para o mesmo ano,
nota-se a divisão da região Sul em quatro comarcas 78.
A estruturação dos núcleos urbanos aqui aponta para sua posição geográfica
e recursos naturais como fatores decisivos para o processo de ocupação – que re-
monta ainda ao fim do século dezessete, mas só se intensifica no fim do período
setecentista. Entrecortada pela Serra da Mantiqueira e pelos rios Sapucaí, Pardo
e Verde, o fluxo colonial estabiliza lentamente pequenos povoados que, em sua
maioria, se tornam freguesias e cidades conservando os moldes provincianos e ru-
rais. As constantes renegociações destas dinâmicas ficam evidentes com uma nova
redivisão, apresentada pouco mais de duas décadas depois por Bernardo Saturnino
da Veiga (1874; 1884) – sendo oito comarcas e respectivas subdivisões: Rio Verde,
Jaguari, Sapucaí, Cabo Verde, Baependi, Três Pontas, Itajubá e Jacuí. Os dados
para a população citam um recenseamento de 1873 no qual foram observadas 72
freguesias, apontando ao todo 383.393 almas 79 (VEIGA, 1874).

77
Paula (2010, p. 38 s) apud BARBOSA, 1979, 3º VO. P. 570-572.
Sendo Sapucaí, Jaguari, Baependi e Rio Verde. Esta última formada por três municípios, entre eles
78

Caldas, com 5 Paróquias e 6 Distritos. Fonte: Paula (2010, p. 38 s) apud BARBOSA, 1979, 3º VO. P.
570-572.
79
Entre os mais populosos foram citados os municípios de Baependi (15.658), Lavras (11.327 hab.)
e Três Pontas (10.770 hab.); e entre os menos populosos estavam Livramento (1.953 hab.) e São
José de Tolledo (1.554 hab.) (Cf. VEIGA, 1884). Complementando algumas lacunas nos dados apre-
sentados na primeira edição do Almanak, Veiga (Idem) cita Machado (3.950 hab.), Cabo Verde (4.806
hab.) e Campestre (4.550 hab.).

115
Em seu Almanak sul mineiro, o intelectual campanhense toma a ideia de re-
gião menos como uma convenção geográfica e mais como um lugar imaginado
a partir das relações locais com o ambiente e os eventos que se desdobram a
partir dele, a produção de identidade e do território a partir de regionalismos
culturais são tematizados. Seu objetivo era construir uma narrativa das singu-
laridades locais em um inventário de suas principais características. Partindo de
sua cidade natal – considerada o espaço embrionário para o desenvolvimento da
região, com a criação do arraial ainda em 1737 e sua elevação à Vila sessenta e
um anos depois –, descreveu essa dinâmica do ponto de vista de alguém nela
inserido. Assim registra uma dimensão sócio-histórica envolvendo eventos cívi-
cos, instituições tradicionais e aspectos da distribuição administrativa e religiosa;
e naturalística, contemplando clima, vegetação, hidrografia e agricultura. Alguns
“signos de civilização” também são identificados para cada município: número de
fogões, bibliotecas, imprensa, teatros, escolas, cadeias, hospitais, cemitérios, vias de
comunicação, ofícios, comércios quantidade de eleitores e autoridades ou figuras
públicas (VEIGA, 1874; 1884).
Além das terras férteis e do sangue derramado no processo de apropriação, de
acordo com Stélio Marras (2004) outro fator central para a fundação das cidades
são as águas: considerando uma bacia hidrográfica perene altamente ramificada
e, sobretudo, uma variedade de poços termais cujas virtudes curativas associa-
das a tal elemento natural variam culturalmente, sendo amplamente verificadas
pela medicina mágico-religiosa de diferentes maneiras. Elas mobilizam noções de
movimento, pureza, fertilidade ou rejuvenescimento – tanto como uma metáfora
para a transformação de vida em morte e de morte em vida quanto o princípio da
fluidez enquanto meio de sorver o sofrimento analogicamente. Este tipo de ope-
ração permitia elaborar através da relação entre os elementos naturais e divinos
significados para sua causa e o tratamento. No caso das águas sulfurosas, o cheiro
característico, a temperatura elevada e as propriedades minerais foram primeira-
mente associados com a imagem do demônio; passado o espanto e cada vez mais
comprovada sua eficácia pelo testemunho de banhistas e peregrinos, ganham fama
e conduzem a uma aproximação entre ambas as terapêuticas – popular e oficial.
As propriedades milagrosas das águas de Minas são mencionadas ainda no
começo do século dezoito em diversas fontes como documentos, mapas e relatos
de viagem. E, no dezenove, irrompem em meio a uma nova tendência moderna
– acompanhando a retomada dos banhos termais em instâncias balneárias como
Caldas da Rainha, em Portugal, e as francesas de Bourbon e Vichy. A hidrotera-
pia foi o método proposto pela medicina clínica para tratar uma série de doenças

116
através de procedimentos envolvendo a imersão controlada a fim de purificar os
corpos doentes – esse repertório incluía lepra, reumatismo, dermatites, cistites,
feridas crônicas, hemorragias; o clima era visto como especialmente propício para
tratar problemas respiratórios como tuberculose e pneumonia e também doenças
venéreas como a sífilis (MARRAS, 2004). A mobilização em torno de pessoas
que buscavam a vilegiatura e dos hábitos relacionados ao termalismo era atrativa,
neste momento, para a estruturação de um complexo sistema voltado a essa de-
manda – incluindo questões básicas como saneamento e uma cadeia de serviços
para atendê-la.
Surgiram então cidades como Poços de Caldas, nomeada em homenagem ao
balneário lusitano de Caldas da Rainha: localizada no que parece ter sido uma
caldeira vulcânica cercada pela Serra de São Domingos que descrita como um
local de águas virtuosas. Aos poucos um cenário bucólico tido por rústico começa
a ficar incompatível com o fluxo intenso de pobres enfermos. Já na segunda meta-
de do século XIX foram instalados o primeiro balneário na Fonte Pedro Botelho,
posteriormente demolido, e os primeiros chalés de veraneio – estimulados pela
elite econômica que detinha a propriedade de casarões familiares utilizados para
receber hóspedes durante as temporadas de banho, o que contribuiu para o sur-
gimento dos primeiros hotéis e o interesse nos melhoramentos na infraestrutura
local por meio de saneamento e planejamento urbano. Para este processo duas
figuras foram centrais: o fazendeiro Afonso Junqueira e seu genro, o médico Pedro
Sanches Lemos – enviado para a Europa com a tarefa de decifrar os elementos
de vanguarda a fim de recriá-los aos moldes de padrões internacionais. Conforme
bem descreveu e dissertou Stélio Marras (2004), é a conjunção entre laços fami-
liares em um território que só é valorizado com a descoberta dessas águas que
desperta a vocação da cidade.
Um dos principais marcos desta guinada foi a inauguração do ramal da Com-
panhia Mogiana de Estradas de Ferro no ano de 1886, um evento que repercutiu
localmente pela presença do imperador D. Pedro II. Isto viabilizou o comércio
e transporte de minérios como a bauxita e o escoamento de café entre o oes-
te paulista e o sul de Minas. Mas também uma gradual e intensa abertura ao
turismo com o transporte de passageiros e atrações culturais, e a integração da
microrregião de Poços de Caldas na rota da modernidade. A construção desta que
se converte na principal urbe local foi testemunhada pela aristocracia paulista e
carioca, assim como de estrangeiros ou personalidades como políticos, artistas e
escritores. Os ecos desse fluxo mostram que, se a ascensão do complexo balneário
converteu esta cidade em um portal para a modernidade ocidental, o seu declínio

117
fez com que caísse no ostracismo – especialmente após a proibição dos jogos de
azar (MARRAS, 2004).
Algumas obras literárias recriam narrativas de modo a recuperar as relações
sociais tecidas através desse espaço. Uma delas é Água de Juventa, publicado pelo
escritor Coelho Netto em 1904, cujo enredo se passa a partir de uma pousada
onde se encontram tipos locais e banhistas para colocar em conflitos os ideais mo-
dernos e os costumes do povo – evidenciando inflexões entre as visões de mundo
da elite e os moradores da região. Fazendo uma sátira com os nomes dessa his-
tória, entre outros personagens aparecem banhistas, um padre, um médico e dois
bacharéis, um advogado e um filósofo, que incorpora o alter-ego positivista como
um espírito emancipado de “sciencia vasta” (NETTO, 1925, p. 45). Aos poucos,
também se revela a tensão entre dois modos de conceber os problemas relaciona-
dos à manutenção da vida: além de diálogos que reforçam o lugar do catolicismo
no cotidiano, aparições como a de um vidente-cartomante deixam clara a presença
de agentes terapêuticos, religiosos e também esotéricos ou mágicos (Idem, p. 43).
Enquanto Coelho Netto trazia uma visão de dentro, o deslumbramento de um
visitante leva Paulo Barreto ou João do Rio a escolher este cenário para o seu livro
A correspondência de uma estação de cura – um romance epistolar escrito em 1917,
quando lá esteve. A paisagem povoada por turistas é minuciosamente trabalhada a
partir de cartas não comentadas, remetidas aos seus conhecidos desde seu retiro. Nas
palavras de Antônio Cândido, ao prefaciar uma de suas edições: “Passou tudo por
Poços de Caldas, fazendo da cidade uma caixa mágica e privilegiada de ressonância”
(DO RIO, 1992, p. XI). Mas havia pouco ou nenhum interesse pela vida local fora
da temporada de banhos – com exceção de O céu entre as montanhas (1948), escrito
por Jurandir Ferreira, abordando o descompasso entre o calendário da vilegiatura e
o ritmo que tocava o cotidiano local – refletia as fragilidades desse sistema ao nível
econômico, bem como o direcionamento de recursos públicos com o investimento
em obras relacionadas a essa vocação em detrimento de problemas sociais provoca-
dos pela iniquidade da distribuição de renda.
Este contraste entre a modernidade poço-caldense e a rusticidade nas locali-
dades do entorno é fundamental para compreender a constituição regional. Desta
forma, com exceção da primeira cidade, tem-se um modo de produção baseado na
subsistência e abastecimento local; também na elaboração de produtos manufatu-
rados e artesanais: farinhas; cachaça; embutidos; vinho; doces, queijos e derivados
de leite. A atividade mineradora contemplou pouco ouro, além de pedras e miné-
rios de ferro no planalto caldense, e em um passado mais recente que se mostraria
lucrativo, atraindo a atenção de empresas multinacionais e do capital estrangeiro

118
de forma a atender a demanda do mercado externo e consolidar um processo de
industrialização posterior a de outras macrorregiões mineiras.
Como identificou Marras (2004), esse desenvolvimento singular de Poços
produziu um contexto bem distinto da realidade no entorno, o que teve como
efeito de uma polarização regional. Assim como reforça aspectos comuns entre
povoados e que os contrastam com a “realidade moderna”, sendo três as principais
características. Uma é a ocupação portuguesa e presença de um contingente de
escravizados menor que o das regiões mineradoras centrais, mas mesmo assim
decisivo para a formação social local; também a chegada de grupos migratórios
extemporâneos. A segunda seria a centralidade da religião, especialmente no que
toca a experiência através do espaço porque a narrativa de que “Igrejas fundam
cidades” atravessa a história oficial de povoados como Cabo Verde 80 – um dos
mais antigos –, Caldas 81, Campestre 82, Botelhos 83, Machado 84 e Poço Fundo 85.
Constituindo-se cidades ao longo do século vinte, tais cidades têm como carac-
terística o predomínio da economia agrícola e áreas rurais expressivas até o fim
do mesmo século. Outro fator está em um modo de produção artesanal, trans-
formando os produtos primários e, simultaneamente, tecendo coletivamente um
corpo de conhecimentos práticos e negociando a divisão do trabalho, levando em
80
Umas das mais antigas, atrás somente de Campanha, a ocupação deste espaço data ainda da
primeira metade do século XVIII. Em 1766 foi elevada a curato pelo Bispado de São Paulo; o Arraial
de Nossa Senhora da Assunção passou a Cabo Verde no ano de 1877 por iniciativa provincial (DE
CARVALHO, 1998).
81
O entorno da Serra da Pedra Branca começa no fim de século dezoito com a aquisição das terras
para a formação de uma fazenda, na área que depois se torna produtora de uvas e vinhos, bem como
por sua águas termais (PIMENTA, 1998). O povoado elevado à freguesia em 1813 e, no ano de 1859,
se tornou cidade sob o patronato de Nossa Senhora do Patrocínio. O território fez parte da comarca
do Sapucaí (1839-1850; 1853-1868), de Três Pontas (1850-1853), de Jacuí (1868-1870) e posterior-
mente incluída na comarca de Cabo Verde (VEIGA, 1884). Dele foi desmembrada a freguesia de Nossa
Senhora da Saúde das Águas de Caldas – que se tornou Poços de Caldas.
82
Povoado agrícola formado a partir de 1830 a partir da construção de uma capela para Nossa
Senhora do Carmo e de um cemitério. Em 1911 foi desmembrado de Caldas e tornou-se município.
83
Os primeiros relatos de movimentação aqui remete à criação de uma capela feita no entrocamento
das estradas que levavam a Caldas, Cabo Verde e Campestre por volta de 1845, ao redor do que foi
surgindo a vila que ficou pertencente à Cabo Verde (1866-1873 e 1878-1891). A partir de 1911 tal
distrito foi elevado a município e passou a integrar a comarca de Muzambinho até tornar-se cidade,
em 1925.
84
Ao longo da segunda década do século dezenove a ocupação do território começa em torno da
atividade agrícola; já em 1923 a vila de Santo Antônio do Machado passa a ser a cidade de Machado.
85
Fundado em 1870, em homenagem a São Francisco de Paula – que se torna patrono da capela
construída em um lugarejo que passa a ser distrito de Machado de 1891 até 1923, quando incorpora
parte do distrito de Campestre. Sua elevação à cidade, sob o nome de Gimirim, se deu um ano depois
(VEIGA, 1884).

119
conta também as instituições coletivas e relações de compadrio, nas quais os laços
sociais são estreitos.
Esse interior – cuja melhor expressão é o grande sertão de Guimarães Rosa,
infinitamente diverso e animado pela criatividade e astúcia da experiência huma-
na e também vegetal, animal, material – é concebido como um mundo isolado no
qual a modernização não teria penetrado e, ao fazê-lo, atestaria sua perda. Neste
sentido, estaria à margem do sistema e fechado em si – contudo, nota-se sua im-
portância como uma zona caracterizada por intenso movimento de pessoas, coisas
e ideias justamente pelo fato de estar entre caminhos 86. Tal viés representa, através
de uma visão essencializada, o que seriam características da “mineiridade”: como a
fartura, a hospitalidade, certa sagacidade e a desconfiança frente ao que é estranho
ou novo (Cf. MARTINS, 1991).
Tal universo é traduzido por Antonio Cândido (2017) em termos de um modo
característico da “paulistânia”, referindo-se ao sul de Minas e Oeste paulista, cujo
ponto de partida está no tipo de sua povoação, e que se refere a um contínuo entre
os espaços rural e urbano – através do que a incorporação e recriação de traços da
cultura hegemônica atravessam os modos de vida, de socialidade e de trabalho. Na
cultura caipira tradicional, as relações comunitárias fazem parte de uma cosmovi-
são centrada na terra e nos recursos naturais que lhe nutrem, sendo artesanalmen-
te tecidas nos preceitos da caridade e da tradição.
Benzedeiras e benzedores: gente da terra
A representação de benzedeiras e benzedores como um dos signos da cultura
caipira ganha fôlego com a instauração da “modernidade mineira”, associadas com
as artes curativas práticas que, com a institucionalização da medicina, são proje-
tadas enquanto parte do passado. Uma vez imaginadas em um mundo estático e
tecnologicamente limitado a elementos orais e corporais tidos como rústicos, e
também espirituais, a aposta foi que estariam fadadas ao fracasso. De fora, tais
figuras são vistas como agentes populares que preenchem a lacuna da presença de
médicos e padres no interior; de dentro, são linhas fundamentais do tecido social
86
Isto pode ser demonstrado com um dado trazido por Veiga (1884) e que não consta na historiografia
oficial da região – pelo número reduzido de fontes e também pela falta de produções que pensem na
região sul mineira e sua inserção no fluxo colonial. Trata-se de relato sobre a ocorrência de varíola
em Campestre em 1865, onde teriam sido criados uma capela e um cemitério totalmente coberto de
madeiras para que doentes da doença popularmente chamada “bexiga” pudessem ser enterrados
(VEIGA, 1884, p. 324). A sutileza esta no fato de que este registro, se comprovado, antecede em oito
anos os dados oficiais de uma epidemia que tem sua primeira notificação em Ouro Preto no ano de
1873. Diante disso, pode-se suspeitar primeiro, de uma subnotificação de casos; depois, do intenso
fluxo de passagem (Cf. FRANCO, 2000; FRANCO, 1998).

120
para mediar a relação com a natureza e com o mundo.
Evidenciar a trama das quais narrativas e significados são disputados, construí-
dos e compartilhados não só endossa a polissemia e a multivocalidade do fenôme-
no, que também se expressam em sua materialidade. Conforme argumentado nos
capítulos anteriores, os meios impressos são produzidos para responder a inten-
ções, valendo-se de diferentes suportes, linguagens e códigos para produzir efeitos
distintos: além dos livros e almanaques, têm-se jornais, revistas, folhetos, entre
outras. Ao considerá-las, é possível identificar uma sobreposição de diferentes
atores, escalas e relações de poder, ampliando o entendimento sobre as formas que
assume, tanto quanto as mediações para sua ocorrência.
Uma consulta na Hemeroteca Digital Brasileira 87 filtrada pelo local ajuda a
ilustrar esse cenário e ainda entender sobre as especificidades e variações, bem
como ilustra a questão referente às fontes e testemunhos materiais de sua pre-
sença. Considerando quatro palavras-chave, bendezeira/benzedor e benzedura/
benzimento, são mostradas 34 ocorrências disponíveis em periódicos diversifica-
dos em termos de público e circulação, em um intervalo que vai de 1883 e a 1994.
Este número é pouco expressivo quando comparado a outras categorias como a
magia, acionada literal e também metaforicamente em contextos mais gerais; a
repetição dos termos associados a pratica e aos agentes de feitiçaria também são
mais frequentes. Com exceção de alguns anos em que aparecem duas (em 1892 e
1857) e três (em 1935 e 1949), bem como daqueles em que não há nenhum resul-
tado, as menções aparecem ao menos uma vez por ano e se distribuem por todo o
estado. Os formatos contemplam gêneros textuais como anúncios, artigos, avisos,
resenhas, notas, notícias, reportagens, contos, cartas do leitor, folhetim, crônicas
ou piadas, proclamas e até uma quadrinha. As peças também variam conforme
estilo, intencionalidade e abordagem mais ou menos informativas; com linguagem
formal ou coloquial; tendenciosas ou não.
Nas duas últimas décadas do século dezenove concentram-se os registros mais
antigos: a maior parte notícias da bênção em eventos ou espaços relacionados à
Igreja Católica, como lugares sagrados, imagens ou celebrações. O que tange ao
patronato e às devoções populares, mas também ao calendário litúrgico ortodoxo.
Entre uma das tarefas realizadas pelos curas está o benzimento de espaços secu-
lares; mencionado em datas como inauguração de casas de comercio ou postos de
correio. Um exemplo disto é o que se pode ver na ocasião da primeira máquina a
vapor para a mineração, conforme aparece no jornal Minas Geraes: Orgam Official
87
A HDB possibilita consulta pública através de qualquer aparelho conectado à internet através da
base de dados (Disponível em: < http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx>. Acesso: julho/ 2019).

121
dos Poderes do Estado, em 1899: uma cerimônia religiosa conduzida por um cônego
ocorreu sob um barracão improvisado, junto com cidadãos e autoridades muni-
cipais que celebram a mecanização como uma promessa de renascimento para
exploração aurífera na região de Ouro Preto 88 – capital da província até 1887,
quando a função passa para Belo Horizonte. Tais eventos evocam o lugar ocupado
pelos sacerdotes oficiais na hierarquia católica, e as notícias refletem ainda a pre-
sença histórica do catolicismo na sociedade mineira – que se conserva substancial
mesmo depois de separadas as funções da Igreja e do Estado, mantendo sua posi-
ção hegemônica nas principais estruturas de poder.
Além de expressar essa relação estreita entre religião e política, que regulava os
limites da lei e da moralidade na definição dos fenômenos religiosos, a imprensa
era outro dos signos da modernidade. Por suposto que devem ser consideradas a
“vida social” destes periódicos e sua posição em um campo mais amplo. No caso
mineiro, um hiato nessa história, que tem como berço Ouro Preto, se rompe com
o surgimento do Diário de Minas, no ano de 1866: o primeiro jornal informativo
com caráter empresarial e financiado por grupos políticos – com o apoio da coroa,
que já havia aderido aos jornais oficiais desde o começo do século, centralizados
no Rio de Janeiro. Um segundo momento foi marcado pela expansão da Zona
da Mata, com a transferência do jornal O Pharol para Juiz de Fora, em 1870 (Cf.
MENDES, 2016). Nesta região avança um novo estilo jornalístico, privilegiando
a divulgação de informações oficiais da lá e do mundo, levando-as até o interior;
por isto, configura importante registro sobre a produção de café na região e a lenta
industrialização da província.
Outra matéria do Orgam Official, fonte filiada local do governo central, coloca
mais algumas nuances, ela leva o título de “Proezas de um feiticeiro” 89 e replicava
notícia do mesmo mês trazida pelo Jornal do Commércio – também da “princesa
de Minas”. Trata-se do caso que envolve um comerciante local remediado de as-
cendência italiana e o benzedor de nome Clemente Rosa; tudo começa quando
um dos filhos de Angelo Lazari é acometido de quebranto. Ao ser procurado,
primeiro, o homem fez uma cruz no peito da criança rezando sobre uma tigela
de água com três pedras de sal; depois, afirmou que o pai do garoto é que estaria

88
Fonte: Minas Geraes: Orgam Official dos Poderes do Estado (MG), Ed. 158 (1), 19/06/1899, p.2.
(Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=291536&pesq=benzimen-
to&pagfis=16466>. Acesso: julho/ 2019).
89
Fonte: Minas Geraes: Orgam Official dos Poderes do Estado (MG), Ed. 36 (1), 06/02/1898, p. 7 (Dis-
ponível em: < http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=291536&pesq=benzedor&pag-
fis=13756>. Acesso: julho/ 2019).

122
para morrer envenenado e, com o mesmo ritual onde usava “palavras cabalísticas”,
curou ainda um empregado encarregado de buscar provisões para ele. Embora se
tratasse de um “espírito pouco predisposto para as superstições”, Lazari incorpo-
rou seus cuidados e aderiu ao fechamento do corpo para que qualquer veneno não
o pudesse afetar. Neste outro ritual, com um machado embebido em vinho uma
cruz foi feita no peito então aberto do homem que tomou o restante da bebida
para fechá-lo. Permanecendo agitado e atordoado, a família é levada a submetê-lo
à avaliação clínica cujo diagnóstico dado foi bruxaria – causada por um fascínio
supostamente promovido por Clemente; interrogado pelo delegado de Polícia,
ele teria confessado o feito justificado por suas necessidades de subsistência. O
fechamento de corpo emerge como um dos problemas passíveis de benzeção, na
medida em que contribui para a prevenção de eventuais males que possam aden-
trar o corpo 90. A associação das práticas feitas por negros com feitiçaria ou “magia
negra” fez com que o curador passasse de benzedor a feiticeiro, tendo sido apon-
tado por um médico como causador de embruxamento.
Este movimento tende a ocultar as dificuldades enfrentadas pelas pessoas ne-
gras para sobreviver após a abolição, em uma sociedade cuja mentalidade não
deixa de ser escravagista. E também a importância dos saberes e práticas de matriz
africana sabendo que, entre os séculos XVIII e XIX, Minas apresentava a maior
população negra no Brasil (Cf. PAULA, 2010). Do ponto de vista hegemônico,
a especialização e institucionalização dos trabalhos de cura e de bênção é patada
pela força do Estado como regulador e repressor, e vai se sobrepondo aos interes-
ses da Igreja Católica e da Medicina no que toca a contenção dos ofícios curativos,
mágicos e religiosos. Isso se traduz pela criação do charlatanismo como um desvio,
institucionalizando a criminalização e a perseguição sistemática de agentes e prá-
ticas. Contudo, na vivência do povo mineiro, o ceticismo estava junto às práticas
consideradas supersticiosas e à religiosidade vivida sem necessariamente se opor
à medicina.
Isso pode ajudar a compreender o fato de, somente n’O Pharol, aparecerem
mais de 110 menções a cartomantes: a maioria anúncios, tendo o mais antigo
deles aparecido pela primeira vez em 1877 e se repetido a cada edição até o ano
seguinte. Nele, uma “célebre cartomante e sonâmbula” chegada do Rio de Janeiro
divulga suas consultas entre dez da manhã e nove da noite em um hotel local,

90
Frei Chico bem nota que, embora a pastoral oficial da Igreja católica historicamente tenha certa
aversão contra tais rituais, esta é uma atitude demasiado humana; ele encontra na Bíblia argumen-
tos que justificam sua execução como um ato de amor ao próximo, amplamente praticada pelo povo
(POEL, 2013, p. 408).

123
onde estaria hospedada 91. Outra série como essa é de 1883, em que uma senhora
ofereceu os mesmos serviços e faz menção a “avultado número” de atendimen-
tos feitos em São Paulo para explicitar o propósito do deslocamento, passando a
encontrar-se hospedada em um hotel familiar da região central de Juiz de Fora,
onde receberia consulentes e chamados de casas de família 92. Conforme publi-
cados, informações eram acrescidas, como o horário diário e o título “Chapéu
d’Uvas”; até que, cinquenta e quadro edições depois, a anunciante informa que
resolveu estabelecer-se ali onde atuaria em uma casa para ensino de corte e cos-
tura voltada a moças acima de quatorze anos. O mesmo meio servia à oferta de
serviços e aos relatados da abertura de inquéritos, denúncias e intimações contra
tais agentes – como o caso de uma mulher portuguesa presa por aplicar o “golpe
do vigário”, provocando desordem às casas de família ao extorquir dinheiro 93. A
região parecia atrativa para a prática desta e de outras “ciências ocultas” já que tal
tipo de conteúdo continua aparecendo junto com outras agentes de várias regiões,
tendo seu formato adequado para incluir novas informações, como endereço. O
último desses anúncios data de 1926, registrou a chegada de uma dama francesa
especializada em leitura de cartas egípcia 94.
Fica evidente sua presença central no cotidiano da cidade, bem como que os
jornais se traduzem como um importante meio de comunicação usado pelas car-
tomantes para fazer com que os leitores de jornal passassem a seus consulentes.
Nesse sentido, representam essa ambiguidade na medida em que são convertidas
em um mecanismo utilizado para desacreditar práticas não hegemônicas ou po-
pulares, mas eventualmente podem ser um espaço para sua divulgação ou defesa.
Isto porque, em espaços destinados a propaganda comercial, qualquer um que
pagasse poderia anunciar seus serviços ou itens para venda – incluindo serviços e
mesmo produtos terapêuticos, científicos, mágicos ou esotéricos. Ao mesmo tem-
po em que informa sobre assuntos relacionados aos acontecimentos da “vida social
civilizada”, constituía representações dos elementos da tradição e de identidades,
nacional e regional, de um ponto de vista situado entre as camadas mais altas. Não

Fonte: Jornal O Pharol, Edição 89 (1), 15/11/ 1877, p. 3 (Disponível em: <http://memoria.bn.br/
91

DocReader/DocReader.aspx?bib=258822&pesq=cartomante&pagfis=259>. Acesso: julho/ 2019).


Fonte: Jornal O Pharol, Edição 189 (1), 13/08/1893, p. 3 (Disponível em: <http://memoria.bn.br/
92

DocReader/DocReader.aspx?bib=258822&pesq=cartomante&pagfis=10794>. Acesso: julho/ 2019).


Fonte: Jornal O Pharol, Edição 363 (1), 05/09/1900, p. 2 (Disponível em: <http://memoria.bn.br/
93

DocReader/DocReader.aspx?bib=258822&pesq=cartomante&pagfis=14547>. Acesso: julho/ 2019).


94
Fonte: Jornal O Pharol, Edição 1128 (1), 27/01/ 1926, p. 4 (Disponível em: <http://memoria.
bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=258822&pesq=cartomante&pagfis=41995>. Acesso: julho/
2019).

124
consistia simplesmente em um veículo de informação, mas um meio de difusão
destas perspectivas a fim de catequizar os leitores e massas incautas na doutrina
do progresso.
Esta também foi se tornando uma modalidade de comunicação social legiti-
mada pela Igreja. Vale dizer que em Juiz de Fora apareceram ainda os primeiros
periódicos católicos, voltados para famílias cristãs e não cristãs com propósito de
ampliar o alcance da palavra apostólica, ainda na década de 1910 – trazendo, além
da doutrina, conteúdos como anúncios, colunas e crônicas reflexivas seriadas nos
moldes de folhetim. Um dos mais expressivos foi O Lar Cathólico (1912-1988),
que assumiu linguagem mais formal e uma postura conservadora em relação à
política e aos costumes, pautados por preceitos religiosos. Já nos anos oitenta,
passou a publicar proclamas de celebrações e divulgação de falecimento, com um
sistema de assinaturas para obituários e serviços de prece. No lugar deste, o Jornal
de Opinião (1989- 1994) foi uma inovação na medida em que ampliou recursos
de marketing e um recorte dos temas de interesse geral (Cf. TOSTA, 2007). Sua
presença, portanto, consegue englobar a imprensa secular e um segmento especia-
lizado da imprensa católica; através dessa combinação, regula informações volta-
das para a comunidade de fiéis, e alimenta sua projeção no espaço público, social-
mente legitimada como religião dominante. Em sua última década foi transferido
para Belo Horizonte, acompanhando um movimento empreendido pela imprensa
secular ainda nos anos 1930 com o intuito de cobrir os assuntos da modernização
e adequar-se à demanda do mercado editorial. Como é possível notar em uma re-
portagem n’O Lar, essas mídias são assumidas ainda como forma de expressar sua
postura no combate à “indústria” do milagre exercida por cartomantes, faquires,
adivinhos, magos, entre outros atos praticados para enriquecimento 95. O público
leitor também poderia se expressar nesta direção, através de cartas enviadas e que
dialogavam umas com as outras, bem como estabeleciam interlocução com o con-
teúdo publicado pelo mesmo veículo.
Esta também se torna uma modalidade de comunicação social legitimada pela
Ciência, que aproveita tal espaço para assumir a posição de “desmistificadora” do
senso comum. Isso pode ser ilustrado por uma carta assinada por um constante
leitor do jornal Alto São Francisco, fundado em 1920 na cidade de Piumhi, através
da qual “Fala a ciência” 96. Nela, um médico dá conselhos direcionados à população

95 Fonte: Jornal O Lar Cathólico: revista social, religiosa, dedicada as famílias, Edição 26 (1),
26/06/1927, p. 5 (Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bi-
b=843822&pesq=cartomante&pagfis=887>. Acesso: julho/ 2019).
96
Fonte: Jornal Alto São Francisco: orgam do povo, Edição 605 (1), 04/08/1935, p. 1 (Disponível em:

125
rural sobre mordedura de cobra, citando um artigo do mesmo jornal em que outro
médico, de Corumbá, desenvolve um tratamento para mordedura de cobra com
base em preceitos científicos 97. Depois de descrever o remédio, faz uma análise
dos tipos de cobras e seus venenos. Com isto afirma, baseando-se em conside-
rações sobre vários métodos que aparecem nas revistas e jornais, a ineficácia de
muitos métodos populares – dentre os quais coloca a benzeção, julgada ao mesmo
tempo como inofensiva e ineficaz. Desta perspectiva, a prática passa a estar asso-
ciada à crendice como antítese do progresso, representada em relação a um inte-
rior rural sob o argumento de que “benzedura não é remédio”. Este discurso, por
sua vez, tem um duplo efeito de desvalorização da medicina popular e, ao mesmo
tempo, enaltecimento de remédios produzidos por companhias farmacêuticas que
começavam a ganhar espaço no mercado.
É justamente este o argumento apresentado por um dos famosos anúncios do
analgésico CafiAspirina®, fabricado pela empresa alemã Bayer, onde aparece a
imagem de uma mulher branca deitada que é benzida por outra, negra e vestida
em trajes mais simples (IMAGEM 7).
Sob o título “A Benzedura”, a estrutura do anúncio pode ser esmiuçada nos
três parágrafos que complementam a imagem, estabelecendo comunicação verbal
e não verbal com o público – leitores de jornal de todas as classes sociais. São
transcritos a seguir:
Uma enxaqueca. A tia Joaquina promptifica-se em fazer umas rezas
e benzeduras com galhos de arruda e alecrim. Pobre preta velha!
Deixem-na na inocente ilusão de sua crendice! Mas não deixem sof-
frer inutilmente a mocinha. Um ou dois comprimidos de CafiAspi-
rina serão o bastante para aliviá-la dessa terrível dor de cabeça.
A CafiAspirina nunca deve faltar à cabeceira das senhoras, pois é
poderosa nas cólicas próprias do sexo, nas dores de cabeça e en-
xaquecas, como também de dentes e ouvido. Não alteram nenhum
órgão e são absolutamente inoffensivas.
Evitem, como perigosos, medicamentos que se inculcam “tão bons

<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=222968&pesq=benzedeira&pagfis=185>.
Acesso: julho/ 2019).
97
Visando substituir terapêuticas populares e simpatias, desde o fim do século dezenove o soro para
tratamento de picadas de cobras começa a ser aplicado na Europa. No Brasil, esta história se cruza
à trajetória do médico Vital Brazil – mineiro de Campanha, como era conhecido o criador do Instituto
público que leva seu nome –, que observa a relação entre tipos cobras e o soro que poderia inocular
seus respectivos venenos; assim que nos primeiros anos do século vinte a tecnologia do soro antio-
fídico começa a ser exportada para todo o mundo.

126
como Cafiaspirina”. Essa é a universalmente consagrada como re-
médio de toda confiança

Imagem 7. Anúncio de CafiAspirina® (Jornal de Itabira, 04/09/1932) 98

Remetendo à cena e à atuação da benzedeira, o texto alude ao cotidiano do


público-alvo por meio de seu referencial simbólico. O uso de linguagem direta con-
duz à argumentação de que esta não seria uma solução adequada para, em seguida,
apresentar o produto vendido. O desfecho inclui a resolução do conflito proposto
e informações adicionais sobre sua aplicação, alertando para verificação da autenti-

98
Fonte: Jornal de Itabira, Edição 63 (1), 04/09/1932, p. 2 (Disponível em: <http://memoria.bn.br/
DocReader/DocReader.aspx?bib=848263&pesq=benzedura&pagfis=317>. Acesso: julho/ 2019).

127
cidade do remédio associada à marca 99 – propositalmente grifada pelo anunciante
junto com a palavra confiança e um desenho da embalagem ao final. Além da subs-
tituição de uma alternativa popular por um fármaco, é importante assinalar o papel
da propaganda para sua popularização através de campanhas e estratégias como a
criação de slogans e o bombardeio massivo desse tipo de anúncio para ampliar o
mercado consumidor. Desta forma, a Bayer é pioneira na publicidade para venda
de medicamentos, com peças emblemáticas presentes nos periódicos brasileiros de
pequeno e grande porte durante anos, mantendo um padrão de comunicação inter-
textual. Logo, a ideia implícita é que se benzimento não é Bayer, então não é bom.
Mas, ao mesmo tempo, os periódicos poderiam ser vistos também como um
meio de relatar os feitos e a presença dessas terapêuticas populares, reconhecendo
e registrando a atuação social desses agentes ao longo do tempo. Não obstante à
modernização, o fenômeno é caracterizado como expressão da cultura rústica ligada
ao trato da terra, criações e agricultura, tanto quanto aos ofícios manuais. Somente
na década de cinquenta é que a grande imprensa se consolidaria, ao mesmo tempo,
respondendo ao surgimento de novos veículos no interior – como o jornal O repórter
(1950-1963), a serviço da expansão agrícola em Uberlândia. De certo modo, esse
ponto pode ter relação com um movimento de preenchimento da malha mineira
em direção ao interior que toca não só o território, mas também o fluxo econômico
e cultural; as perspectivas de dentro, contudo, mediadas por terceiros e subjugadas
ao mundo rural. Tomando posição relativista, aparecem alguns textos como uma
crônica assinada por um ex-sertanista: contando estórias de quando buscava ouro de
aluvião e se encontrou com um velho benzedor, tendo ele mesmo sido curado de eri-
sipela. Assim que passou de descrente para testemunhante porque teve a experiência
em um ritual com palavras e algumas folhas verdes 100. Aos poucos, o apelo a sua

99
Conforme informações fornecidas no portal oficial, a empresa já internacionalizada, especialista
em produtos químicos e farmacêuticos, começa suas vendas no Brasil ainda em 1901. E vinte anos
depois já havia iniciado a produção local, com base no sucesso da Aspirina® e sua versão com cafeí-
na, a Cafiaspirina® – ambos tendo como princípio ativo o salicilato ou ácido acetilsalicílico de ação
analgésica e anti-inflamatória. Observando relatos sobre o uso de infusões com a casca do salgueiro
(Sálix Alba L.) por muitos povos tradicionais para o alivio de dor e febre, a substância passou a ser sin-
tetizada em laboratório a partir de 1897; dois anos depois foi patenteada e comercializada em todo o
mundo. A princípio o medicamento era vendido nas farmácias a granel e, posteriormente, se popula-
riza no formato de comprimidos. Segundo esses dados, no ano de 1929 a Bayer comercializava 100
toneladas de Aspirina® na América do Sul; após a Primeira Guerra Mundial, tem inicio um processo
de nacionalização da empresa com a inauguração de diversas unidades fabris na região sudeste do
Brasil enquanto as inovações tecnológicas permanecem na sede (Fonte: https://www.aspirina.com.
br/pt/sobre-aspirina/historia/. Acesso: novembro/2020).
100
Fonte: Jornal O Repórter, Edição 03486 (1), 20/05/1960, p. 2 (Disponível em: <http://memo-
ria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=138835&pesq=benzedor&pagfis=3926>. Acesso: julho/

128
presença entre os costumes brasileiros abre para a compreensão do ritual como parte
da medicina folclórica, lido como praticado no âmbito doméstico e fundamentado
em elementos mágico-religiosos – como a crônica trazida nas páginas do jornal Voz
Diocesana, produzido pela Diocese de Campanha 101.
Assim se emaranham narrativas não ficcionais e também ficcionais, que contri-
buem para o entendimento da benzeção como prática cultural. Chama atenção uma
série de contos publicados na revista Alterosa (1939-1964), inicialmente voltada ao
público feminino, editada na cidade sul mineira de mesmo nome: vencedores de um
Concurso Permanente promovido pela Companhia de Seguros Minas-Brasil, que ti-
nha o intuito de valorizar as letras locais com a publicação mensal de dois textos esco-
lhidos entre os que fossem enviados para a redação do periódico; três deles envolvem
a benzedura em algum momento de seu enredo. O primeiro, publicado em 1956 por
Uarajá Rodrigues, leva o nome de “Arrumações de mulher” e conta uma situação em
que ela se vê ameaçada por uma onça pintada, ao longo uma do qual um benzedor
é cogitado para proteger a fazenda onde se passa o conflito 102. No ano seguinte, um
conto assinado por Pedro Mossri descreve a agonia de um funcionário público, Saul
Paiva, ao longo da qual passa por um terreiro para ser benzido 103. O último é de 1961,
“O personagem ausente” de Ribamar Lopes é outra narrativa de sofrimento, na qual o
personagem João de Nazaré padece, por questões de saúde, diante da impossibilidade
de brincar o boi, como lhe era costumeiro fazer todos os anos 104.
Uma representação caricata deste trabalho de cura e bênção serve como mote
para uma campanha do Ministério de Agricultura (IMAGEM 8), publicada em
1971 no jornal Botija Parda – fundado três anos antes em Araguari, na microrre-
gião de Uberlândia.
A comunicação direcionada ao triângulo mineiro – onde a criação de gado já
era expressiva ao momento e, desde então, concentra a maior parte dessa produção
no estado – ilustra bem o movimento através do qual uma ação coordenada na-
2019).
101
Fonte: Jornal Voz Diocesana, Edição 869 (1), 10/01/1975, p. 2 (Disponível em:< http://memo-
ria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=585971&pesq=benzedura&pagfis=1405>. Acesso: julho/
2019).
102
Fonte: Revista Alterosa, Edição 231 (1), Abril/1956, p. 22 a 24 (Disponível em: <http://memoria.
bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=060135&pesq=benzedor&pagfis=12271>. Acesso: julho/
2019).
103
Fonte: Revista Alterosa, Edição 253 (1), Abril/1957, p. 23 a 25 (Disponível em: <http://memoria.
bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=060135&pesq=benzimento&pagfis=13434>. Acesso: julho/
2019).
104
Fonte: Revista Alterosa, Edição 340, Abril/1961, p. 42-45 (Disponível em: <http://memoria.bn.br/
DocReader/DocReader.aspx?bib=060135&pesq=benzedura&pagfis=22386>. Acesso: julho/ 2019).

129
cional incide em um plano de vacinação e na elaboração de campanhas regionais,
evidenciando a necessidade de promover a mediação entre tais escalas a fim de
evitar resistência e produzir uma identificação com a realidade local. Isto se dá
com uma imagem e o texto transcrito a seguir:
Era uma vez um benzedor...

Gente, vamos arrumar um verdadeiro trabalho para o benzedor.


Afinal de contas, ele, também, é filho de Deus.
Se for muito velho, merece uma aposentadoria.
Desde que não mexa com o gado. Este é o melhor prova de amor ao
seu rebanho, pois aftosa se combate, mesmo, é com vacina.
Vacinar é investir

Imagem 8. Anúncio do “Plano Nacional de Combate à Febre Aftosa” (Botija Parda,


11/12/1971) 105

Sua utilização junto à imagem do benzedor com os pés no chão, começando


com uma expressão usada ao início de contos fabulosos remete a essa presença
quase mitológica, como um ente da cultura popular brasileira e, especialmente,
105
Fonte: Jornal Botija Parda: um jornal a serviço de Araguari, Edição 122 (1), 11/12/1971, p. 4 (Dis-
ponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=847275&pesq=benzedor&pag-
fis=76>. Acesso: julho/ 2019).

130
mineira. Assim, a argumentação associa a intenção de proteger o rebanho a este
trabalho, um ato de ofício tradicional – talvez porque não gera nenhum retorno
financeiro, mas ainda assim passível de ter seus direitos trabalhistas reconhecidos.
Diante da apresentação da vacinação como uma via para a superação de prá-
ticas rústicas e uma forma comprovada para lidar com o gado, nota-se, primeira-
mente, um investimento estrutural para campanhas de vacinação em massa deste
tipo 106. E dois aspectos implícitos: um diz respeito à diferença entre o problema
apontado pelo anúncio – a febre aftosa – em relação ao discurso popular que his-
toricamente aponta a benzedura atuando sob situações como bicheira e olhado
(Cf. POEL, 2013; RIBEIRO, 1971); outro contempla um deslocamento não só
da concepção de doença, mas do tratamento em função de diferentes regimes
de conhecimento. Ou seja, a passagem de visões pautadas por sistemas de co-
nhecimentos tradicionais comunitários que exigem uma posição integrativa com
o ambiente e têm na natureza o fundamento dos procedimentos terapêuticos,
sobrepondo-se aos elementos encantados e místicos, ao sistema médico ociden-
tal. Este, ligado às relações que determinam o acesso ao conhecimento científico
sobre saúde e altamente dependente da indústria farmacêutica, com o uso de me-
dicamento sintetizados em laboratório.
Coloca-se um descompasso entre o mundo moderno e os modos de ser em um
mundo tradicional – que costura gentes, animais e mesmo seres sobre-humanos
baseados na economia de dádiva, o cerne do ritual. Neste mundo, visto por pessoas
que vivem dentro dele, “Benzimento quando forte / Chuva grossa vira fina... / Se
benze no sul e norte / A chuva até chove pra cima...” 107. Portanto, a cultura caipira
não tem a ver com qualquer atraso ou prejuízo, e sim constitui um regime tecnológi-
co específico (Cf. CÂNDIDO, 2017). A lógica dessa percepção pode ser traduzida,
nas palavras de Tim Ingold, como um habilidade de imersão, “[...] nos incessantes

106
Desde o fim do século dezoito, associada ao tratamento de varíola, a vacina passa a ser utilizada
– observada a relação entre a menor incidência da doença entre pessoas que teriam contato com
pústulas ao ordenharem vacas, chamadas cowpox, das quais se contaminavam e adquiriam anticor-
pos após uma manifestação branda da infecção viral. Esse tipo de resposta imunológica, induzindo a
formação de anticorpos pelo sistema imunológico, vai sendo aprimorado e passa a ser utilizado em
larga escala no século seguinte, atuando contra outras epidemias como febre amarela. Na primeira
década do século vinte, a cidade do Rio de Janeiro é palco de um embate envolvendo sanitaristas – na
tentativa de amenizar problemas como falta de saneamento básico e fornecendo um plano de urbani-
zação – e uma revolta popular contra a vacinação obrigatória (Cf. CHALHOUB, 1999). Ao longo do sé-
culo seguinte, se torna o principal tratamento para doenças como poliomielite, febre amarela e gripe.
107
Fonte: Jornal Observador, Ano I, nº3, 12 a 26/07/1974, p. 7 (Disponível em:< http://memoria.
bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=881988&Pesq=benzimento&pagfis=315 >. Acesso: julho/
2019).

131
movimentos de vento e tempo, em uma zona na qual substâncias e meio são reuni-
dos na constituição dos seres que, por meio de sua atividade, participam da costura
das texturas da terra” (INGOLD, 2015 a, p. 187). A capacidade de promover vin-
culações entre os fluxos do meio, contendo esses nós mais do que os enclausurando,
está associada à consciência de que “criaturas vivem na Terra e não sobre ela” (Idem,
p. 186). Isto explica o porquê de benzedeiras e benzedores serem frequentemente
descritos como gente da terra – assim como das águas, do ar, do fogo, da vegetação...
Pesquisas documentam sobre sua presença na cultura mineira muito além da
historiografia colonial (ROMEIRO E BOTELHO, 2013; SOUZA, 1994) e oi-
tocentista (FIGUEIREDO, 2008), avançando sobre as especificidades regionais,
sobretudo no campo dos estudos sobre folclore – aparecendo como parte da cos-
mologia popular e do modo caipira de viver, articulando o pensamento mágico e
religioso ao empirismo (CÂNDIDO, 2017; POEL, 2013). Nesse sentido, espa-
ços como a Comissão Mineira de Folclore e Cultura Popular têm privilegiado a
discussão e incentivado estudos de temas como este – o que possibilitou não só a
reunião de intelectuais, como sua inserção no fluxo do movimento folclorista ao
modo mineiro, isto é, “pelas beiradas”.
Ao longo da segunda metade do século vinte, pesquisas começam a recuperar
esta tradição como um tema transversal ao pensamento mágico (Cf. TEIXEIRA,
1954). No fluxo da CMFCP, duas iniciativas realizadas nas décadas seguintes
marcam o estudo local da benzedura: uma consiste na vastíssima compilação As-
sim se benze em Minas Gerais, na qual Gomes e Pereira (2018) tratam de uma
simbologia que permeia essas realidades como uma relação dialética entre uni-
dade e fragmentação representando uma metáfora do papel dos humanos frente
ao cosmos e ao sagrado, suscitando aspectos da compreensão das doenças quanto
às indicações geográficas, bem como das variações das fórmulas mágicas. A outra
iniciativa – originalmente vinculada à CNBB, mas que se desdobra pelo esforço
intelectual de um membro ilustre da CMFL ao longo de sua vida – é a coletânea
Com Deus me deito, com Deus me levanto, de Frei Chico, que abrange principalmen-
te a região do Vale do Jequitinhonha. Demonstrando a fluidez da prática religiosa
mineira, o trabalho religioso dos agentes leigos é evidenciado em um universo
que inclui orações aos santos, para celebrar ou elevar alguma intenção; relaciona-
das aos sacramentos, como batismo, comunhão, confissão e extrema-unção; para
saudar, desde imagens como a cruz até os astros e a lua; para atividades cotidianas
como acordar, comer, deitar para dormir, montar em animais, trabalhar ou viajar
(POEL, 2018). Mas, sobretudo, para cura e proteção multidimensionais englo-
bando a pessoa e as relações às quais se vincula (POEL 2013).

132
Tais perspectivas tematizam não somente a função ritual da palavra – desde
aspectos simbólicos relacionados às representações mentais compartilhadas cole-
tivamente até o contexto de enunciação, passando pela mediação da reestrutura-
ção do equilíbrio – como ainda possibilita refletir sobre o processo de tradução e
transcrição das fórmulas ou rezas, sem desconsiderar aspectos do segredo ou não
reveladas de antemão. Outra questão que chama atenção é o adensamento de
um corpus de informações textuais sobre um fenômeno pautado pela oralidade.
Não simplesmente como uma cópia, e sim um esforço intelectual no sentido de
testemunhar sua ocorrência que, ao serem incorporadas, se tornam elas mesmas
referências para novas práticas. A intencionalidade e contexto de produção destas
pesquisas oferecem pistas sobre a construção das narrativas –tendo como baliza
a religiosidade vivida nessa matriz católica. Mas, além dos livros, outros suportes
endossam a miríade de possibilidades.
No caso dos periódicos, pode-se pensar em uma série de elementos que contra-
riam o senso comum de uma lacuna na documentação e compõem um cenário no
qual são protagonistas. O que não pode passar despercebido é o fato de que pou-
cos agentes tinham acesso a tais meios até então e, em seguida, o questionamento
acerca de quem contou essa história. Diante do potencial desaparecimento dessas
práticas, o primeiro dilema colocado seria uma lacuna na cadeia de transmissão,
com o enfraquecimento das relações comunitárias e a inserção de mediações al-
ternativas, incorporando outros tipos de mídias além da oralidade. Trazendo essa
visão memorialista, vai enredando as histórias das pessoas às histórias das cidades
e suas gentes, seus eventos, suas paisagens.
Uma última ocorrência apontada pela Hemeroteca – a mais recente, de 1994
– traz uma reportagem do jornal sul mineiro Folha de Guaranésia sobre a vida de
uma benzedeira Noêmia Dean Polimanti, em ocasião de celebrar seus noventa e
dois anos de idade 108. Escrita por sua própria neta jornalista, a manchete anuncia
o que se corrobora pelo texto: uma vida dedicada à prática de caridade e ao aten-
dimento de machucaduras na cidade que sua mesma idade, que era filha de imi-
grantes italianos – assim como uma parcela expressiva da população dessa região.
Ao fim do século vinte, nota-se o envelhecimento dos agentes em exercício e um
campo composto em sua maioria por idosos. Esta questão geracional se coloca ao
longo de uma transição lenta e gradual para um regime urbano caracterizado por
pequenas cidades com área rural considerável.
108
Fonte: Jornal Folha de Guaranésia, Ano I, nº3, 11/01/1994, p. 3 (Disponível em: <http://memo-
ria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=881872&pesq=benzedeira&pagfis=11>. Acesso: julho/
2019).

133
Por um lado, essa tradição vai se reconfigurando com o movimento que forma
o imaginário social e a ação dos sujeitos identificados a partir de uma postura de
resistência à substituição da lógica artesanal pela lógica capitalista. E, por outro,
também modula este fluxo ao passo que sobrevive nas memórias, nos quintais e
na poesia do cotidiano (Cf. CUNHA, 2018; SILVA, 2018). Pois em Minas, a
benzedura é viva no sertão e no asfalto, tendo adeptos entre todas as classes so-
ciais; em especial, entre povos tradicionais – como na Comunidade Quilombola
dos Arturos, na região central, um dos redutos mais emblemáticos das tradições
de matriz africana e sua preservação, o que vai de encontro com outras expressões
como as Congadas e a Festa de N. Sra. do Rosário 109. A presença desses agentes
populares é verificada não somente por algumas pesquisas mais recentes 110, como
por documentos e ações institucionais que visam sua salvaguarda enquanto patri-
mônio cultural.
No terreno da patrimonialização, algumas iniciativas pontuais apontam para
a produção de conteúdos – como documentários 111 – e alguns casos de reconhe-
cimento de sua expressão enquanto um dos saberes que constituem o patrimônio
cultural mineiro 112. Algumas diretrizes aos níveis estaduais e municipais con-
templam o fenômeno como Bem Imaterial ou Intangível 113, Patrimônio Vivo ou
Mestres da Cultura Popular 114 – concentrando principalmente na região central
do estado. Outras iniciativas institucionais também apontam para a construção de
uma ponte entre os conhecimentos tradicionais e o conhecimento acadêmico 115,

Vide o documentário Arturos – Benzeção (2013), produzido em 2013 pelo IEPHA/MG (Disponível
109

em: < https://www.youtube.com/watch?v=BdBi3akKcSA >. Acesso: julho/2019).


Na primeira década do século XXI, tem-se Calvelli (2009; 2011). Depois, além das edições revisita-
110

das de Poel (2018) e Gomes e Pereira (2018), nota-se no mesmo ano a publicação dos trabalhos de
Cunha (2018), Silva (2018) e Ilheo (2018). Depois Quinteiro (2019).
111
Vide o documentário Benzedeiras de Minas, de 2007, dirigido por Andréa Tonacci pelo Projeto
Etnodoc do IPHAN (Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=88VSnLEptVw >. Acesso:
julho/ 2019).
112
Seguindo o texto base da Constituição Federal de 1988, isto vai de encontro à Constituição Esta-
dual (1989), que constitui o Patrimônio Cultural Material e Imaterial mineiro pelo Artigo 208 – e que
também fundamenta a Lei nº 20368/2012 que institui o Registro do Patrimônio Vivo.
113
O precedente é aberto pelo inventário realizado em Betim, na região metropolitana da capital a par-
tir de 2015, que reconhece sua importância enquanto saber popular e a importância de benzedeiras
para o desenvolvimento local (Cf. REGISTRO DO OFÍCIO DA BENZEÇÃO, 2017).
114
É o caso de Dalila Senra Fabrini que, aos 96 anos, foi homenageada por sua contribuição com o
título de Mestre da Cultura Popular, conferido pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte no fim de
2014 (Reportagem disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=62XH7CZ-yMk >. Acesso:
novembro/2019).
115
Desde abril de 2018 o KAIPORA – Laboratório de Estudos Bioculturais (UEMG) tem fomentado

134
adentrando o espaço da Universidade não simplesmente como um objeto de in-
teresse por parte de pesquisadores, mas como uma via para promover uma crítica
epistemológica a regimes de produção incompatíveis com uma visão integradora
do mundo.
É também com esta transição que emergem tensões acerca do modelo
tradicional e sua modernização, revelando mais uma vez a necessidade de debater
este processo em uma escala mais ampla. Isto não significa pensar em dois uni-
versos antagônicos e blindados, mas na maleabilidade das fronteiras e porosidade
entre processos e modos de organização social associados a distintos modos de
vida de forma relacional. Fica evidente a urgência da reflexão sobre as transfor-
mações do fenômeno e novas questões colocadas desde o plano da dinâmica local.
Neste sentido, é extremamente importante, compreender a benzedura a partir de
sua diversidade diante de uma cultura substancialmente diversa como a mineira,
materializando-se através de condições específicas e habilidades subjetivas.
Mediações para um circuito de benzedura
O circuito da benzedura percorrido no âmbito desta pesquisa foi mediado por
indicações dadas a partir de relações pessoais diretas que, sucessivamente, alcan-
çaram outras pessoas de modo que uma rede de interlocutores bastante ampla
vem sendo tecida nos últimos anos. Como sugerido na introdução, essas camadas
são produzidas pelo próprio movimento costurado à trama da pesquisa, influen-
ciado pelo processo de formação acadêmica e também nutrido pelas conexões
criadas no desenrolar deste envolvimento. As indicações partiram de Campestre
(Cf. ILHEO, 2018), orientadas e expandidas em direção às localidades circunvi-
zinhas no que concerne ao recorte em questão; por isto, também são diretamente
influenciadas por fatores característicos da microrregião de Poços de Caldas 116.

espaços para a troca de experiências entre os agentes populares da cura. O formato de evento não
é inédito no estado e esse “Encontro de Benzedeiras e Raizeiras” em Belo Horizonte já contou com
algumas edições desde então (Reportagem disponível em: < http://extensao.uemg.br/educacaono-
campo/?p=449 >. Acesso: novembro/ 2019).
116
A maior cidade da região, Poços de Caldas, apresenta concentração urbana relevante desde o
primeiro dado disponível pela série histórica, em 1970, passando de uma população de 50.777 para
148.722 habitantes em 2010; sendo, no primeiro ano, a concentração urbana de 89% e, no último,
indicando menos de 2,5% do total residentes na zona rural. Outras duas cidades, criadas a partir da
emancipação de municípios vizinhos, apresentam mais da metade da população nas cidades, de acor-
do com o Censo/1970: Bandeira do Sul (51%) e Machado (53%). A primeira, contou com um aumento
da população urbana de aproximadamente 78%, resultando em menos de 9% do total de moradores
na zona rural em 2010. No mesmo intervalo, a segunda localidade cresceu cerca de 94% em relação
à zona urbana, somando aproximadamente 17% de moradores na área rural no ano de 2010. Outras
cidades da região conservam as características rurais, apresentando crescimento expressivo da po-

135
Além de conversas por meio do contato pessoal direto, também outras pessoas
se engajaram em divulgar e participar da pesquisa após a divulgação no Facebook,
replicando o conteúdo e mediando novos contatos através de indicações também
pelo WhatsApp – o que viabilizou maior compreensão e diversificação do perfil
de adeptos e não adeptos, por meio do questionário aplicado online, cuja amostra
junto com as entrevistas realizadas presencialmente representam o panorama das
respostas de pessoas de classes sociais variadas.
Entre adeptos estão pessoas jovens a partir de 20 anos, adultas e, sobretudo,
idosas. Distribuídos tanto na zona urbana, quanto na zona rural, a maioria dos
interlocutores se declarara como brancos e, em menor número, pardos e pretos; e
o número de mulheres também é expressivo. Há um equilíbrio entre as pessoas
que não têm filho e as que possuem ao menos um; também entre a quantidade
de solteiras e casadas, divorciadas ou viúvas. A maioria dos adeptos possui ensino
superior e pós graduação, outros com escolaridade de nível fundamental e média;
enquanto que, entre mestres dos ofícios populares, notou-se escolaridade média
em nível fundamental e média completa e incompleta. Entre as ocupações, no-
tam-se: aposentados, autônomos, donos de casa, estudantes, funcionários públicos
e professores, entre outros.
Independente do fato de serem adeptas ou não, perguntar algo aparentemen-
te simples como “já foi benzido” ou “conhece alguma benzedeira ou benzedor”,
sempre foi suficiente para introduzir conversas que demonstram a presença con-
creta na vida das pessoas – que, em sua totalidade, reconhecem sua importância
enquanto patrimônio cultural e medicina tradicional para benefício coletivo em
termos emocionais e de integração social. Paradoxalmente, a discriminação em

pulação urbana entre os Censos de 1980 e 1991 – como no caso de Caldas (31%), onde a parcela
rural deixa de ser majoritária já em 1991, e Campestre (23%). No caso desta, a transição começa a
ser vista somente em 2000 e se consolida em 2010, quando a população urbana total era de 52%;
nos anos de 2000 e 2010 a população urbana de Caldas permaneceu na casa dos 56%. Neste mes-
mo período, a parcela da população residente em tais municípios e nascida no estado de Minas era
superior a oitenta por cento em todos eles; os menores índices são indicados em Poços de Caldas,
onde a composição da população é mais diversificada, tendo variado entre 82% e 83% entre 2000 e
2010. Aqui, com exceção do Acre e Rondônia, pode-se notar famílias migradas de todos os estados
brasileiros, sendo mais evidente a transferência de São Paulo, próxima de 10% nos dois anos. Na mi-
crorregião, as menções desde a região Norte (RR, RO, TO, MA, PA) e Centro-Oeste (GO, MS, MT, DF) não
chegam a 0,5%, assim como de países estrangeiros. Enquanto que, além do fluxo da região Sudeste
(SP, RJ, ES), o deslocamento do Nordeste (BA, CE, PE, SE, PB, AL, RN) e do Sul (PR, SC, RS) são mais
expressivas localmente. As atividades ligadas principalmente à lavoura de café podem explicar o fato
da presença de famílias do Nordeste – não ultrapassando 1,5% – e do Sul, sobretudo paranaenses,
que aparece na casa dos 2% na maioria das pequenas cidades e chegando a aproximadamente 8%
em Cabo Verde no ano de 2000 e, em 2010, pouco mais que 3% em Botelhos.(Fonte: IGBE/ Censo
Demográfico).

136
diversos níveis, bem como a marginalização de tais agentes é relatada como um
fato concreto que, desafortunadamente, não ficou no passado.
A maior parte dessas pessoas interlocutoras menciona conhecer pelo menos
um profissional da benzeção, sejam vivos ou já falecidos; para mais da metade, eles
estão ou estavam no grupo familiar. Essa proximidade com benzedeiras e benze-
dores pode explicar o fato de que quase a totalidade da amostra diz ter sido benzi-
do enquanto criança. Porém, em relação à frequência entre adultos, nota-se que há
uma diminuição da procura e as visitas passam a ocorrer ocasionalmente. O que
não se aplica às pessoas que têm contato com crianças sejam filhos ou netos, quan-
do a frequência se mantém constante. Mesmo algumas não declaradas adeptas,
confessam procurar uma benzedeira ou benzedor quanto tem oportunidade ou
está doente; logo, a declaração de adesão é ambígua e responde a uma necessidade
situacional muito mais que uma rotina pré-estabelecida – com exceção dos casos
em que se sobrepõe à realização de trabalhos cerimoniais coletivos, por exem-
plo. Neste sentido, pode-se dizer que há uma adesão transmitida geracionalmente
associada ao habito de recorrer ao ritual como uma alternativa para problemas
de ligados aos cuidados com mulheres associados à manutenção da vida, e com
crianças, atuando contra aflições manifestas como lombriga, medo, susto, soluço,
quebrante ou ventre virado. Mas também podendo combater problemas ligados
à vida adulta – como conflitos amorosos ou sexuais, depressão e inveja – e rela-
cionados ao trabalho. O envolvimento de cada pessoa se converte em diferentes
sentidos e entendimentos acerca de sua ocorrência descrita como manifestação da
medicina tradicional, folclore ou magia; mas, sobretudo, a partir da identificação
com a religião e a espiritualidade.
Entre as pessoas adeptas, a maioria se considera religiosa; boa parte frequenta
alguma instituição católica enquanto outra parte diz não ser praticante, ainda que
se declarem católicos devido à tradições sacramentais compartilhadas pelo núcleo
familiar como batismo, comunhão e casamento. Há ainda os que se declaram es-
píritas, espiritualistas, umbandistas e sem religião, buscando esta como uma forma
de proteção secular. Assim, recorrem à benzedura por necessidade ou apenas para
precaução – configurando uma percepção de sua ocorrência como desvinculada de
qualquer religião, identificando o sagrado com o poder emanado por cada especia-
lista. É relevante não só a sobreposição das alternativas, recorrendo a mais de uma
modalidade terapêutica ou religiosa, como também um trânsito entre denomina-
ções – considerando uma transição que pode ser definitiva ou pendular, no sentido
de modalidades que complementam a experiência individual. Sobre este trânsito,
nota-se uma parcela de pessoas de família católica e que permanecem católicos; e

137
outra que incluem os que deixam de frequentar instituições católicas e se tornam
agnósticos, ateus, espiritualistas, espíritas, candomblecistas ou umbandistas. A de-
pender disto, a adesão ao benzimento pode permanecer – como nos casos em que
egressos do catolicismo passam a frequentar vertentes espiritualistas ou de matriz
africana, e mesmo no caso do rompimento com a religião, o que não significa
abrir mão da crença nesta modalidade e sim reforça a ideia de algo que ultrapassa
tal domínio. Ou pode ser deixada de lado em favor de novas práticas ritualísticas,
com uma ressignificação da prática religiosa ao longo da transição – como, por
exemplo, em casos onde o fiel passa a ser católico carismático ou evangélico.
Os relatos remontam a uma percepção do decréscimo na oferta desses agentes
quando comparada a outros momentos do passado através da experiência pessoal.
As interlocuções recolocam tensões acerca da autenticidade e de suas apropria-
ções não só no que toca a comunicação com os clientes, como também o processo
artesanal de costura de preceitos religiosos. Tendo em vista esta configuração, a
percepção local do fenômeno está ancorada na associação com uma prática de fé
da qual a cura e a bênção são resultado porque ela incide e pode transformar uma
situação de sofrimento ou doença. Portanto, as indicações passam pela percepção
do que cada pessoa julga ser um “benzimento autêntico” e isto, por sua vez, é mo-
dulado em função da matriz cultural católica – orientando a circulação de dádivas
a partir de preceitos como a caridade e o cuidado.
De acordo com o esquema proposto por Bourdieu (2004), é possível afirmar
que concorrem entre si benzedeiras e benzedores de diferentes denominações re-
ligiosas, mas também se sobrepõem na medida em que uma mesma pessoa pode
consultar-se com mais de um agente e transitar entre religiões. Nesta chave, os
clientes estariam entre os leigos na medida em que consomem os bens sagrados
para suprir sua demanda por cuidados espirituais; no âmbito da ordem dogmática
vigente, quem os produz são os sacerdotes oficiais (como padres, mães-de-santo
ou pastores). Já os especialistas da benzedura operariam em relação aos “feiti-
ceiros”, produzindo bens sagrados, que são convertidos em bênção e cura, para
o consumo dos leigos. Contudo, a posição assumida não necessariamente está
associada ao conhecimento mágico – em oposição ao religioso, cujo sentido está
imbuído de conotações históricas negativas – e tampouco é fixa, podendo também
assumir uma posição de leigo dentro de uma comunidade religiosa, bem como
ocasionalmente consumindo bens produzidos por outros agentes – ortodoxos ou
heterodoxos (Cf. BOURDIEU, 2004). Além disto, tais agentes podem ser espe-
cialistas no ofício de benzer e acumular outras especialidades.

138
A relação com o campo religioso, portanto, é fundamental para situar aspectos
referentes à adesão, tanto quanto para elucidar a divisão do trabalho de cura e
bênção. Isto porque a crença e a fé – tanto na pessoa que o realiza, quanto no ritual
e tudo que ele condensa – são colocadas em perspectiva pelos agentes para deter-
minar a autenticidade do processo cujas etapas vão desde o aprendizado, a prepa-
ração e a divulgação, até a execução e acompanhamentos após os procedimentos
específicos. Foi o que se notou em um espaço amostral de profissionais – vivos e
falecidos, ou que vieram a falecer no tempo decorrido desde o primeiro contato –
no circuito percorrido na microrregião, contemplando um total de dezessete casos,
sendo dez benzedeiras e sete benzedores distribuídos entre as zonas urbana (12)
e rural (5). A este ofício se sobrepõem outras atividades, como: foliões de Reis
(3), ervateiros (2), parteira (1), cartomantes ou videntes (3). Em sua totalidade se
declaram cristãos, a maioria católicos; no caso das cartomantes e videntes, nota-se
o sincretismo com vertentes do espiritismo, esotéricas e neoesotéricas.
Além das indicações orais de adeptos e não adeptos, a constituição desse
quadro foi mediada por outras tecnologias, como os folhetos, panfletos e car-
tazes. A principal tensão iminente relativa às formas de divulgação também
evoca as transformações nos modos tradicionais de benzer em relação à catego-
ria religião. Isto porque as mudanças afetam de maneira decisiva os espaços de
socialidade e experiências compartilhadas e, diante disto, uma das justificativas
apontadas para a diminuição da prática de benzedura localmente é a “falta de
religião” – que culminaria no desinteresse pelo ritual, quebrando as cadeias de
transmissão geracional. Outro fator que produz estranhamento está associada
ao principal fundamento da prática, associado a preceitos religiosos, que é a ca-
ridade. O efeito disto é há uma operação simbólica que confronta esta perspec-
tiva com a noção de crença e produz uma hierarquização em função do padrão
católico, jogando para a margem práticas interpretadas como menos sagradas ou
profanas em relação ao que se imagina ser o “benzimento tradicional”, elas são
interpretadas como sinônimo de uma visão materialista. Nestes casos, a media-
ção é operada pelo suporte e, ele, produzido fora do sistema de dádivas, a partir
de aspectos mercadológicos.
Uma primeira coleção de anúncios coletados em Campestre (Cf. ILHEO,
2018, p. 48-9). O que primeiro que a compõe havia sido publicado no periódico
local, o Jornal da Praça, pela benzedeira Dona Tereza no ano de 2014. Impresso
em tinta preta e sem nenhuma imagem, aparece um texto em estilo classificado,
transcrito a seguir:

139
Casa da Benzedeira Dona Teresa

Benzedeira Teresa faz e desfaz todos os trabalhos sobre amor, saúde,


negócios pessoais e empresariais
Se você tem um problema, eu tenho a solução; se você está com sua
vida amarrada, trancada, macumbada e destruída pela depressão, in-
veja, brigas e desunião, procure a Dona Teresa. Que ela lhe ajudará.
Especialista em união de casais, benzimentos para abrir caminhos,
joga-se cartas e búzios, doenças desconhecidas ou misteriosas doen-
ças sexuais.
Atende de segunda a sexta-feira.

** **** ****– VIVO / ** **** ****– OI

Sabendo do interesse de pesquisa que então era inicial, minha mãe fez o recorte
e posteriormente me entregou – sob os comentários de uma amiga que trabalhou
para nossa família cuidando a mim e, à época ao meu irmão, cujo nome também é
Tereza, relatando ter visitado o consultório anunciado. Tempo depois, quando isto
já era uma realidade, também de suas mãos veio um segundo anúncio: um panfleto
de fundo branco e letras azuis, impresso em papel off-set, contendo uma pequena
imagem com a ilustração de algumas cartas de tarô, indicando o principal serviço
(Idem). E o seguinte texto, em caixa alta:
ATENÇÃO PARA ESTE ANÚNCIO DA BENZEDEIRA TE-
REZA

BENZEDEIRA TEREZA QUE ATRAVÉS DAS CARTAS DE


TARÔ REVELA OS FATOS MAIS IMPORTANTES DE SUA
VIDA SEJA ELE QUAL FOR, AMOR, DOENÇAS, SEPARA-
ÇÃO E IMPOTÊNCIA SEXUAL.
CONSULTE A BENZEDEIRA TEREZA. TEM PESSOA
AMADA SEPARADA DE TI? ÉS VÍTIMA DE ÓDIO OU
VINGANÇA? ALGUÉM DE SUA FAMÍLIA TEM ALGUM
VÍCIO DE BEBIDA? HÁ QUEDA NA LAVOURA?
QUEDA DE LUCRO NA INDÚSTRIA OU COMÉRCIO?
QUER SABER ALGUMA COISA SOBRE VIAGEM?

140
TUDO E QUALQUER ASSUNTO QUE LHE INTERESSA
SIMPATIA PARA O AMOR E NEGÓCIOS
SIGILO ABSOLUTO
ESPECIALISTA EM UNIÃO DE CASAIS

ATENDIMENTO DAS 09:00 HS AS 20:00 HS DE 2ª A 6ª


SOMENTE COM HORA MARCADA

TEL: ** **** **** (VIVO)


** **** **** (TIM)

Rua * ** ******** nº***


Centro campestre

Trazendo um pouco mais de detalhes que o primeiro, este tipo de anúncio não
está vinculado à tiragem de periódico; ele é impresso por encomenda em quantidades
múltiplas de mil. A única informação sobre a gráfica que o produziu é o telefone, que
aparece no rodapé do folheto junto com a frase “Não jogue este impresso em vias
públicas”. Este aspecto chama atenção, primeiro, para a localização desta na cidade de
Santos (SP), portanto, fora encomendado em outro local e levado até Campestre, a
partir de onde também passou a ser distribuído. Como ela mesma apontou esta cir-
culação – que se orienta pelos cuidados e trabalho demandados durante algum tempo
em um Centro Espírita santista – a fez passar períodos em viagem. Sua reinserção no
campo então é periférica, do ponto de vista do imaginário local relacionado ao modelo
católico; mas, do ponto de vista do fluxo neste circuito, é central ao passo que recebe
grande contingente de pessoas presencialmente ou pelo telefone. Especialmente no
que se refere à leitura de cartas e outros rituais. E, finalmente, para o fato de que este
é um aspecto obrigatório determinado por um projeto de lei estadual 117 para todos os
materiais do gênero, o que não incide nos materiais produzidos localmente 118.

117
Com o Projeto de Lei nº 830/2005 fica determinado, entre outras providências, que toda propa-
ganda distribuída no formato de panfletos pelas vias públicas do estado de São Paulo devem conter
o preço do produto e tais instruções para descarte sob a justificativa de danos ao meio ambiente,
ao consumidor e outros bens. Aos municípios e órgãos responsáveis do Estado cabe fiscalização,
regulamentação e possível penalização.
118
Em Poços de Caldas há esse tipo de regulamentação – prevista pelo Código de Postura do Muni-
cípio na Lei n° 9166/2016, que proíbe instalação ou utilização de propagandas em locais públicos
sem taxação e licença.

141
Localizando seu endereço através deste último, após minha primeira visita, ela
cedeu um cartão de visitas com um contato atualizado, escrito à caneta sobre o
espaço onde originalmente estava o telefone encoberto por rabiscos da tinta azul
– de papel um pouco mais robusto, com fundo branco e letras pretas (Ibidem). Sua
configuração traz uma imagem da face de Jesus ao lado do título “Dona Tereza
Benzedeira” e acompanhando a frase “Espiritualidade levada a sério!”; além de
menções diretas aos serviços, traz apenas dois telefones, indicando a operadora de
cada um deles, e indica o local como sua residência.
Tais anúncios foram apontados como uma modificação na forma de divulga-
ção e, mormente, uma associação muitas vezes equivocada entre as práticas apre-
sentadas desta forma e a conversão dos ritos e ofícios tradicionais em prestação de
serviço. Neste contexto, o caráter monetário das atividades modula as fronteiras
entre sagrado e profano sendo que, quanto mais publicizadas, mais adentro deste
último domínio são consideradas. Acompanhar estas mídias tem permitido per-
ceber as dobras da sobreposição entre práticas mágicas, religiosas e terapêuticas
para a percepção local da benzedura. Mais que isto, foi uma forma de ampliar o
quadro inicial de especialistas, mostrando-se um meio possível de compreender
as mediações que orientam o movimento de clientes em relação às indicações di-
retas ou mediadas, constituindo o seu próprio circuito de preferência – que pode
incluir especialistas em tipos de benzimentos específicos, bem como outros tipos
de modalidades e coisas produzidas em meio ao sistema de dádiva ou contratadas
em regime de mercadoria.
Desde então, sua ocorrência foi percebida em muitos lugares de forma contí-
nua: recortando ou fazendo cópias de periódicos, colecionando imagens de anún-
cios afixados, recolhendo folhetos distribuídos pelas cidades e afins. Ampliando
a amostra para esta região 119, aparecem outros anúncios que indicam um quarto
formato: cartazes em um tamanho grande o suficiente para destacar-se em locais
como postes, pontos de ônibus, muros ou tapumes e placas.
Um dos mais recentes aparece em 2019 na região de entorno da Igreja Matriz
de Campestre, considerado o centro da Cidade: com um jogo de fundo e letras em
branco e preto, sem identificação (IMAGEM 9). Com formatação semelhante,
outros dois foram identificados em pontos distintos da Av. Joaquim Alves – que
começa desde o trevo de acesso, em uma das entradas para a parte urbanizada e
termina no morro que dá acesso à praça principal –, mas também em outras vias
na região central; não necessariamente identificados, sem imagens ou desenhos,

119
Os telefones e nomes foram borrados para não gerar ônus agentes.

142
informam de forma direta o telefone, as atividades apresentadas e não são neces-
sariamente identificados. Porém, em outros casos, eles podem conter pequenas
imagens, como nos materiais supracitados, ou ícones remetendo à informação es-
crita – como o desenho de um telefone ao lado do número – e detalhes ilustrados
(Cf. ILHEO, 2022 a).
Outro cartaz aparece na cidade desde 2019, trazendo o nome da agente Dona
J., seu telefone e indicação da cidade de Machado – com o fundo e letras inter-
calando as cores preta e branca (IMAGEM 10). Ele também aparece repetidas
vezes no centro e vias principais do entorno e, em algumas delas, com rasgos na
parte em que o telefone estaria indicado.
No mesmo ano, um amigo campestrense que é colega da Unicamp e, por isto,
acompanhou e participou da pesquisa, chamado Alysson, encontra um preso no
para-brisa de um carro parado na Rua Isaac Simão um panfleto de letras brancas e
rosas, em papel branco anunciando o “consultório místico” da mesma benzedeira,
Dona J.. (IMAGEM 11). Com um desenho da deusa hindu Lakshmi, associada
a aspectos como prosperidade e beleza atrelada à força feminina, junto com as in-
formações básicas aparecem mais detalhes sobre as atividades, telefone, horário de
atendimento condições da consulta – sob sigilo absoluto, anunciando o que pode
ser um fator decisivo para a escolha do cliente em potencial ao passo que deixa
transpassar certa segurança acerca de confidencialidade, um fator decisivo.
Outro anúncio apareceu em Campestre ainda em 2017 – sem informar identi-
ficação e com fundo roxo, letras brancas e pretas (IMAGEM 12). Contudo, dois
anos depois, o mesmo telefone apareceria em outro anúncio que se encontrava
colado em um ponto de ônibus da Rua Prefeito Chagas, no centro de Poços de
Caldas: sem imagens ou identificação, informando apenas serviços e o telefone de
Dona L., como pode verificar alguém que ligue em seu contato, com letras e fundo
em azul e branco (IMAGEM 13).

143
Imagem 9. Cartaz (Campestre, 2019)

144
Imagem 10. Cartaz Dona J. (Campestre, 2019)

145
Imagem 11. Folheto Dona J. (Campestre, 2019)

Imagem 12. Cartaz (Campestre, 2017)

146
Imagem 13. Cartaz Dona L (Poços de Caldas, 2019)

Neste último caso, é importante notar a presença de propaganda de uma agente


que atende em Poços de Caldas tanto nesta cidade, quanto na região. Essa divulga-
ção assume diversos layouts a partir de um mesmo tipo e suporte – cartazes afixados
em locais públicos – e também se dá por outras vias. Como um anúncio disponível
em site de um guia local para recomendações de serviços, transcrito a seguir:
Dona L**** Cartas Búzios Amarração - Astrologia localiza-se no
endereço Avenida ***** ******* *** no bairro Jardim Cascatinha na
cidade de Poços de Caldas no estado de Minas Gerais. Veja o CEP
caso deseje enviar correspondência 37701-83*

Deseja nos ligar? Nosso telefone é (35) ****-****. Este telefone per-
tencente à Dona L**** Cartas Búzios Amarração é da operadora de
telefonia OI - Fixo.

147
No anúncio digital há um número maior de conectivos e estruturas verbais na
estruturação do texto, assim como nos classificados de jornal e folhetos, mas agora
dentro do um índice de serviços catalogados. Comparando o formato e o conteúdo,
pode-se observar ainda a menção ao benzimento no cartaz e não neste último caso
– onde a ênfase está dada nas atividades “místicas”, através da abordagem descritiva.
Tal amostra coloca em perspectiva, primeiro, a utilização de mais de um for-
mato e tipo de divulgação por um mesmo agente, apresentando-se de diferentes
maneiras conforme as atividades que desenvolve e o público alvo que pretende
atingir. Assim que a divulgação através de anúncios complementa a divulgação
oral, o que não significa que mobilizem a mesma clientela. Depois, testemunha
a oferta das modalidades consideradas “desviantes” em relação ao imaginário
católico – como no contexto de Campestre, que também mostra a presença de
profissionais cujo espaço de atendimento está situado fora do mesmo município,
disputando a clientela local. Isto contraria o senso comum de que não há a oferta
deste tipo de serviço em comunidades cuja população não é tão numerosa e passa
pela transição à dinâmica urbana recentemente, aparecendo somente na “cidade
grande”. E abre justamente para a circulação destas e outras coisas – agenciando a
circulação de pessoas, mediando sua experiência em relação ao espaço – que cria
um fluxo intenso de trocas nessa microrregião.
A circulação de pessoas, por sua vez, é um fator que reitera o movimento pen-
dular ocasional para consultar especialistas fora de seu lugar de origem em função
da demanda de algum problema de difícil solução: a pessoa que se desloca em
busca de cura e bênção – convencida dos poderes de alguma benzedeira ou benze-
dor, sabendo de sua atuação por indicação pessoal ou por meio de algum anúncio
–, coloca-se em uma situação de peregrinação que se desdobra na percepção desse
espaço e na forma como é praticado. Isso, portanto, é perpassada pelo fluxo do
benzimento e envolve o caminho desde a saída do local de onde o consulente
reside até o espaço terapêutico em que será atendido. Com isto, cada pessoa vai
tecendo seu próprio circuito de modo a costurar diferentes agentes e alternativas.
Uma comparação entre os anúncios impressos permite estabelecer considera-
ções breves sobre as características estéticas e de linguagem a partir das informa-
ções e categorias mobilizadas por cada agente para apresentar-se, o que em parte
definirá sua clientela. Estes materiais variam entre anúncios de jornal; cartão de
visitas, feitos também por demanda; cartazes afixados em postes nas principais
vias de acesso, ou em locais da cidade onde o fluxo é intenso; e também folhetos
distribuídos de mão em mão – por pessoas contratadas para fazê-lo em locais
públicos, em pontos comerciais ou entre pedestres aleatórios.

148
Eles estão entre as coisas que não estão diretamente ligadas à sua realização
porque não têm a ver com uma relação de devoção, troca simbólica ou comuni-
cação com divindade(s), encantado(s), entidade(s) ou santo(s). Em contrapartida,
são fundamentais para mediar o contato de clientes em potencial com agentes,
especialistas em determinadas práticas anunciadas. Trata-se de um recurso utiliza-
do por cartomantes, videntes, tarólogas e também benzedeiras – que se conectam
com o domínio sagrado conforme as próprias habilidades, dons e tecnologias –
para divulgação dos serviços prestados, de acordo com a lista:

Abertura de caminhos – Afastamento de rival – Amarração (fazer e desfazer)


– Amor – Benzimentos – Búzios – Cartas – Consultas – Depressão – Doenças
desconhecidas – Doenças sexuais – Falta de paz – Feitiço (desfazer) – Frieza
sexual – Impotência sexual – Inveja – Ódio – Negócios – Queda de lucro na
indústria ou comércio – Queda na lavoura – Saúde – Separação – Simpatias –
Tarô – Trabalho (desfazer) – União – Vida amarrada, trancada ou macumbada
– Vícios – Vingança

Na linguagem gráfica, diferente dos jornais – feitos com a impressão matricial


diretamente no papel de mesmo nome – anúncios deste tipo são impressos em
modo off set em um papel com o mesmo nome, uma técnica de baixo custo que
consiste no uso de cilindros intermediários, fixados com a matriz feita a partir
de uma chapa metálica fotossensível e da repulsão entre água e tinta à base de
óleo. O seu conteúdo pode ser pré-determinado por um modelo disponível pela
gráfica que irá editar o anúncio, substituindo as informações principais da matriz
conforme a demanda. Ou ainda em um formato mais aberto, permitindo ao anun-
ciante inserir seu próprio texto e imagens – fornecidas no ato da encomenda ou
disponibilizadas no banco de imagens da própria gráfica. De forma geral, o layout
é simples e opera um contraste entre as fontes garrafais para identificação e redu-
zidas para informações secundárias, com o fundo, alternando as cores no padrão
claro-escuro. Suas características contemplam uma variação entre a cor das folhas
e das fontes, que precisam ser vistas pelo contraste com a do fundo. Outros pon-
tos importantes englobam o trajeto da produção à colagem e possíveis interações
materiais ou intervenções – como quando alguém passa e arranca um pedaço do
papel ou aplica tinta sobre o local onde estava colado.
Eles podem apresentar mais ou menos detalhes de acordo com o propósito
do anúncio e o tipo do suporte. Isto é, considerando fatores como o público alvo
e aspectos dos locais de circulação para mensurar a quantidade de informação

149
mais apropriada a cada situação. Importam ainda o local de fixação (poste, portão,
ponto de ônibus, etc.) ou distribuição, no caso dos folhetos; o tamanho da área
impressa e a linguagem utilizada. Para os cartazes, o que se imagina é que a leitura
será feita quando uma pessoa passar por ele conforme vai circulando enquanto
vive sua vida. Por exemplo, se alguém em um veículo para em algum semáforo ou
avista um anúncio passando pela rua, não terá muito tempo para absorvê-lo, sendo
imprescindível saber informações fáceis e/ou rápidas para memorização. Ainda
que, como produtos dessa coleta, hoje em dia possam ser fotografados ao passo
em que se ande. Outra pessoa poderá, enquanto espera um ônibus, observar os
cartazes. Já um pedestre que recebe um folheto, pode tê-lo em mãos para avaliar
quando lhe for oportuno. Assim, faz sentido que detalhes sejam explicitados neste
formato e não no primeiro.
O padrão destes panfletos, portanto, pode sofrer mais variações porque as in-
formações são mais descritivas; assim também com o conteúdo anunciado online
ou em periódicos como os jornais, dependendo do espaço concedido. Eles tam-
bém têm um tempo de uso de caráter mais duradouro do que os cartazes na medi-
da em que, quando coletados pelos clientes em potencial, são cuidados e não ficam
expostos ao ar livre aos efeitos do sol e da chuva, por exemplo; ou em relação aos
cartões de visita, armazenados para consultas futuras e situações de necessidade.
Panfletos e cartões também abrem mais possibilidades para o uso de imagens e
outros detalhes associados a signos e recursos simbólicos de convencimento, como
o uso de uma ou mais formas de linguagem simultaneamente.
Variações desse padrão também se dão em função das escolhas para a constru-
ção textual e – conforme as diversas abordagens – produzem uma comunicação
mais ou menos direta, estabelecendo diferentes formas de vínculos e estratégias de
convencimento. Em alguns casos, o sujeito da oferta está colocado nos anúncios,
podendo ou não revelar sua identidade; isto pode aparecer de forma ativa, estando
o agente das ações na primeira (p.e. “Faço...” ou “Desfaço...”) ou na terceira pessoa
(p.e. “Benzedeira Dona X faz...”). Tais agentes podem colocar-se com suas vozes
implícitas ou explicitas em um diálogo com clientes em potencial por meio de
perguntas que deslocam o foco narrativo para o interesse da pessoa que lê (p.e.
“Precisa de ajuda com...?” ou “Sofre de...”). O que também pode ocorrer indireta-
mente, com o uso da voz passiva nos anúncios (p.e. “Faz-se...”); ou com o uso da
forma imperativa, orientando a ação de alguém que passa a consumir os serviços
anunciados (p.e. “Procure ajuda de...”).
Outra modalidade é uma linguagem neutra e direta, somente com a utilização
de palavras-chave fundamentais cuja junção fornece elementos para a constru-

150
ção de seus sentidos por parte de quem demanda. Geralmente, são textos que
precisam ser lidos rapidamente e, portanto, precisam gerar o interesse e possível
engajamento em um intervalo curto de tempo. Eles se valem menos de elementos
conectivos – como pontuação, verbos e descritores para costurar as informações
apresentadas e formar um texto corrido – e mais de uma comunicação instantâ-
nea. Assim que dois elementos básicos parecem serem prescindíveis para esse con-
tato: o telefone e a atividade realizada. Outras informações acabam por serem se-
cundárias – como especialidade e elementos distintivos, complementares de cada
agente, ou as condições da consulta, que podem ser passadas confidencialmente ou
não ter um preço fixo variando conforme o caso. O mesmo com o endereço, não
sendo dado obrigatório, podendo ser revelado após negociações preliminares dos
termos de serviço via telefone.
Conforme apontou Calvelli (2011), a diferenciação entre os profissionais do
sagrado entre dois grupos – um relacionado às práticas religiosas populares e ou-
tro que abrange as práticas divinatórias e oraculares neoesotéricas – é imprecisa,
sendo que a oferta da benzedura os atravessa a ambos. Por certo, a adesão a estes
recursos esta relacionada à reinvenção da tradição em meio a um processo de
modernização, do que emergem novos desafios para a elaboração de estratégias
de “convencer” e “captar” clientes. Como procurei argumentar em outra ocasião,
as percepções sobre este tipo de material podem ser tão variadas quanto o são seu
conteúdo e formato (ILHEO, 2022 a). Em vista das mudanças nos modos de
comunicação e a atualização constante de diversos tipos de mídias incorporadas,
propus que sua trajetória contempla desde o planejamento e execução do projeto
de impressão, em uma gráfica, até sua circulação, colagem ou distribuição – tudo
isso está sujeito a dispositivos de regulação e são modulados por intencionalidades
e necessidades, tanto de quem oferta como de quem procura. Desta análise se
depreendem aspectos da circulação que ajudam a recompor um conjunto infor-
mações e de categorias que dizem respeito ao léxico, às ações e às estratégias de
convencimento produzidas pelas pessoas que se apresentam como especialistas.
Mas, sobretudo, traz elementos para a reflexão sobre justaposições entre benzi-
mento e práticas divinatórias, considerando as diferentes formas de apresentação
e de propaganda.
Além de ajudar a reconstituir parte do universo de serviços oferecidos, a cir-
culação desses anúncios circunda sua relação com as cidades ao passo que esses
materiais vão criando vinculações com as pessoas através da paisagem urbana.
Nesse sentido, sua presença no espaço público é regulada tanto por dispositivos de
controle por parte do Estado, como por mecanismos sociais de marginalização do

151
que pode soar como desvio do modelo concebido como tradicional – associado à
religiosidade católica. Se ao longo do século XX as práticas mágicas, religiosas e
terapêuticas populares estavam postas em termos de violação à moralidade coleti-
va, crime contra o Estado e a Saúde Pública, tendo sido submetidas a diversos cri-
vos burocráticos a fim de dificultar sua execução, uma nova situação surge com as
propagandas agora sob os termos “propaganda irregular” ou “poluição visual”. Sua
regulamentação passou a ser feita por órgãos encarregados de estabelecer diretri-
zes e penalidades, bem como o ato de fiscalização, que se dá a partir de conven-
ções estabelecidas para publicidade impressa e determinam orientações para sua
utilização por pessoas físicas. Entre os critérios estão autorização prévia, prestação
de contas e aspectos relacionados à distribuição e descarte para evitar poluição em
termos ambientais – já que o contingente gerado, se inadequadamente descartado,
pode ocasionar transtornos estruturais. E também sob a justificativa de fugir aos
padrões estéticos e legais para cada categoria publicitária.

152
Capítulo 4

Os ossos do ofício

N o que toca a religião 120, sua situação específica em Minas Gerais acompanha
as tendências mais gerais para a dinâmica deste campo no Brasil – isto é,
uma reconfiguração que nas últimas décadas se traduz na perda de fieis pelo ca-
tolicismo, acompanhada de um aumento do número de evangélicos e, em menor
escala, dos segmentos declarados espíritas e sem religião declarada. Disto diverge
apenas nas declarações de umbandistas e candomblecistas com um movimento
não de aumento, mas de declínio: com um número menor que a média nacional
que, para o ano de 2010, beira 0,09% de acordo com os dados fornecidos pelo
IBGE. No mesmo ano, o estado contava com pouco mais de 20% de evangélicos
120
Vide Apêndice 3. Composição religiosa da população, p. x.

153
e aproximadamente 5% sem religião, ambos um pouco abaixo quando se compara
ao quadro brasileiro; já os espíritas eram cerca de 2% enquanto católicos soma-
vam pouco mais de 70% dos mineiros. Assim se observa uma redução destes em
aproximadamente 17% em relação ao primeiro número da série histórica, em 199,
enquanto que no mesmo intervalo o de evangélicos aumenta quase 13%.
Em relação à porção Sul, na qual se inscreve o circuito percorrido, a média de
católicos é maior que a do estado – como Poço Fundo (89,7%), Caldas (84,5%) e
Bandeira do Sul (84%). Com a maioria gravitando entre 76% e 78%, este número
somente fica abaixo da média em Poços de Caldas (66,7%). Aqui se destacam, em
função da maior população, uma variação maior em relação às opções religiosas,
esboçando o quadro de pertença com 23,5% de evangélicos, 4,26% sem religião,
2,3% de espíritas e 0,2% de umbandistas e candomblecistas. É interessante sub-
linhar, primeiro, uma camada expressiva sem religião; no entorno, é seguido por
Caldas (2,5%) e fica na margem de 1% no restante das localidades. Depois, uma
redução gradual das declarações de adeptos das religiões de matriz africana, perto
ou zerando a contagem divulgada. Mesmo em cidades como Poços de Caldas e
Machado – onde há grande expressão das Congadas e duas importantes Festas de
São Benedito são sediadas –, não há algum indicador de maior ocorrência de tais
categorias. Entre essas cidades menores, Machado (20,3%) e Campestre (19,7%)
aparecem com os maiores índices de evangélicos – como os 8,12% em Poço Fun-
do e 10,4% em Caldas.
A questão religiosa atravessa não só a relação com o espaço, como a experiên-
cia temporal, que neste caso é orientada por um calendário microrregional 121.
Ele é marcado por peregrinações, festas e celebrações com datas fixadas, tanto
quanto por rituais realizados por agentes oficiais ou autônomos, acompanhados
por leigos. Isto inclui uma sobreposição dos calendários administrativos às prefe-
rências devocionais de cada município, em perspectiva a escalas mais amplas; mas,
principalmente, o fluxo entre eles de acordo com a trajetória de cada pessoa em
movimento. Tem-se, portanto, dias elegidos como comemorativas sem conotação
religiosa explícita – seja por ocasião de algum evento político-histórico nas esferas
nacional e estadual, ou por datas e expressões regionais ligadas às culturas e aos
produtos artesanais locais – como é o caso da Festa da Uva e da Festa do Biscoito
em Caldas.
Este “tempo dos homens” é atravessado ainda por práticas rituais e devoções
subjetivas que se desdobram em múltiplas formas de estabelecer comunicação

121
Vide Apêndice 4. Calendário devocional na microrregião, p. x.

154
direta com o sagrado. Isso inclui conversas, gestos como dar ou pedir por benção
ou hábitos como diversos tipos de reza – novena, orações específicas, correntes
ou promessas –, entre outros. O próprio corpo é utilizado como tecnologia, asso-
ciado a outros tipos de mediações para essa relação entre devotos e as entidades
sagradas, como rezar um terço, escrever as preces em papel ou sua elevação por
meios digitais, por exemplo. Entre tais entidades, destacam-se a devoção ao pan-
teão católico, alimentada rotineiramente e reforçada através de ofertas ou outras
prestações, tal como as festas e atividades motivadas por seu culto. Destarte, os
rituais coletivos são vividos e recriados a partir dessa matriz centrada na cultura
bíblico-católica, o que se faz em negociação com o “tempo de Deus”.
Deste modo, cada ciclo anual se renova com a crença no nascimento de Jesus.
Elementos como as celebrações coletivas e reuniões familiares são características
dessa época do ano, junto com a montagem de presépios domésticos, em espa-
ços privados, e também públicos. Enfeites luminosos também são instalados em
função do espaço e das percepções estéticas em cada núcleo urbano, com a reli-
giosidade mais ou menos evidente. Além dos ritos eclesiásticos nas igrejas cristãs,
expressões do catolicismo popular fazem parte desta temporada de comemoração.
Em Campestre, um dos fenômenos que aludem a esta narrativa são as “Pastori-
nhas” (Cf. POEL, 2013): um auto de origem ibérica, introduzido pela presen-
ça jesuítica, que remete à atividade pastoril e às homenagens ao recém-nascido
(ILHEO, 2018).
O ciclo natalino vai até o dia 06 de janeiro, quando cessam as celebrações,
todos os enfeites são desmontados e recolhidos. Este é o Dia de Reis, quando
se celebra a conclusão da jornada dos três Reis Magos do Oriente para visitar a
criança que está no centro da cosmogonia cristã – à direita de Deus e juntamente
com o Espírito-Santo, mas nunca desassistido por sua mãe. Ligada a este funda-
mento, outra prática muito expressiva na região são as Folias de Reis que ocorrem
especialmente nesse período: uma tradição secular reconhecida como Patrimônio
Cultural Imaterial do estado de Minas, traduzida em forma de devoções se cons-
tituem enquanto referência cultural e se desdobram enquanto forma de expressão
dos saberes e da religiosidade popular através de celebrações das quais se materia-
lizam São Benedito, Santos Reis, o Divino Espírito Santo, entre outros.
Como bem evidenciou Carlos Rodrigues Brandão, através da fala de um
campestrense, “aqui e por toda parte (do Sul de Minas), de 25 a 6 é só Reis»
(BRANDÃO, a1981, p.33). Sua presença possibilita a reunião de grupos partir
de laços de afinidade ou parentesco para peregrinar, durante o ciclo natalino, em
visitação às casas dos promesseiros e devotos. Alguns elementos são fundamentais

155
para sua composição: além dos foliões, há os bastiões – vestidos com roupas colo-
ridas que se destacam do restante do grupo, que pode ou não estar uniformizado,
e carregam ainda uma máscara cumprindo performance alegre durante o trajeto
e a cantoria, bem como as negociações de trocas entre promesseiros e foliões – e
a bandeira ou estandarte. A divisão de tarefas entre os foliões de cada grupo é
dada a partir de seus dons, relacionada às habilidades musicais e de reza, através
das quais são veiculadas as bênçãos e, por vezes, cura (Cf. ILHEO, 2017 a). Além
de aspectos referentes à distribuição do trabalho ritual conforme as habilidades
– constituindo uma composição harmoniosa de vozes e instrumentos musicais
regionais, especialmente a viola caipira – e das etapas que antecedem e sucedem o
tempo do giro evidenciam que o tempo sagrado é continuamente atualizado por
meio da experiência de pessoas e coisas. Isso significa que, apesar de implicar em
um momento especial, tem relação com o “tempo profano” e com a vida cotidiana.
Neste contexto, a relação entre o mestre-folião e a bandeira é importante pra
compreender tanto o ritual como a benzeção neste contexto, já que ela representa
uma posição central porque anuncia e indica os caminhos por onde devem passar,
assim como prenuncia as etapas rituais. Assim, estabelece categorias e interações
a partir de si ao passo que opera em quatro dimensões. Uma, enquanto suporte
para essa devoção, menos como uma simples representação mítico-pictórica que
um meio de expressão de sua presença e poderes. A segunda, representando uma
associação de pessoas organizadas em torno de um mesmo objetivo devocional,
que é o Grupo ou a Companhia, já que cada um possui a sua própria. Assim como
apresenta o agrupamento, nela estão costuradas ainda a história destes foliões e o
fundamento que norteia sua produção. A terceira dimensão, por certo, diz respeito
à conexão do “objeto” em si com a figura de cada mestre-folião já que o processo
de feitura torna cada bandeira singular em vista do esforço criativo da qual é pro-
duto. O critério para sua produção atravessa os planos técnico, estético e prático
e se alinha ao preceito de obediência ao fundamento sagrado “que tá na Bíblia”,
segundo confirmam alguns foliões.
Quando consagrada, a bandeira também se torna hábil a mediar um processo
de bênção, cura e/ou promessa através de sua materialidade. Isso contempla um
vínculo estabelecido ao passo que circulam juntos, mestre e bandeira; nesta dire-
ção, defendo que assim como o mestre faz a bandeira, a bandeira faz o mestre por
meio de seu movimento concomitante (Cf. ILHEO, 2017 a). Uma quarta di-
mensão se refere ao vínculo – provisório, mas que, por muitas vezes, torna-se roti-
neiro e se repete anualmente – estabelecido entre o grupo e os devotos, através do
que acessam o sagrado, por mediação da bandeira. Pois, ao tocá-la, o devoto sente

156
a presença do fundamento e o coloca em diálogo com suas questões e demandas
subjetivas. Além de veicular as bênçãos produzidas pelo grupo e estendê-las aos
devotos, está relacionada ao trabalho ritual de cada pessoa – mestre, bandeireiro,
promesseiro. Mas funciona sobretudo como elemento um portal em relação ao
acesso aos espaços sagrados, bem como à prescrição das etapas do ritual, isto é: a
saída da bandeira determina o início da temporada; sua entrega ao promesseiro
indica a extensão deste domínio sagrado à sua casa e relações vida; e, para encerrar
o ciclo, ela é recolhida.
Ao fim do ciclo natalino e após o Carnaval – um tempo considerado como
profano através da associação popular com a suspensão de regras morais ou o con-
sumo exacerbado de bebidas alcoólicas, por exemplo –, a Quarta Feira de Cinzas
é um dia significativo do habito religioso na microrregião, marcando o início da
Quaresma. Neste tempo, as pessoas cristãs fazem promessas e também penitên-
cias; é comum que prefiram se alimentar com uma quantidade menor de carne ou
se privem de alguma comida como barganha por alguma graça solicitada. Tais res-
trições tocam ainda os trabalhos realizados por agentes autônomos, que prezam
por reduzir seus atendimentos aos casos de urgência, ou mesmo interrompê-los
– como é o caso de algumas benzedeiras. Este comportamento se intensifica ao
longo da Semana Santa, somado a diversos ritos litúrgicos – como missas, terços
e procissões; entre as mais tradicionais da região, estão as Procissões de Velas que
acontecem na Quinta-feira e na Sexta-feira que antecedem o Domingo de Pás-
coa. Ao trabalho dos sacerdotes oficiais se somam os esforços de leigos e de devo-
tos que, por ventura, desempenham funções colaborativas para auxiliar a execução
desse trabalho, ou mesmo se tornam temporariamente ativos no período. Além
deles, rezadores e rezadeiras se empenham noutra modalidade de peregrinação
devocional, que tem a ver com a visitação noturna às casas para “Rezar as almas”:
um rito de expurgo em nome dos poderes divinos por meio do qual os desencar-
nados são encomendados para que encontrem descanso eterno.
O tempo pascal se finda com sete domingos após a Páscoa, quando se come-
mora a ascensão do Espírito Santo, no dia de Pentecostes. É nesta ocasião que
também se destaca o trabalho de agentes populares autônomos, que saem em
giro com as Folias do Divino – introduzida pela via ibérica, é uma das festas mais
antigas da qual se tem relatos no Brasil, também expressivas na cultura mineira,
adensando-se em algumas regiões como a antiga zona mineradora central. Os
ritos incluem também a peregrinação com cantoria para arrecadação de dádivas,
porém tem como figura central a pomba que representa tal narrativa mítica. As
atividades voluntárias realizadas pelos devotos, por sua vez, continuam; também

157
são fundamentais para outra data importante, quinze dias após Pentecostes, quan-
do se celebra a instituição da eucaristia. Durante Corpus Christi é que são con-
feccionados os populares tapetes nas ruas das cidades sob os quais fieis cainham.
Durante o tempo comum, a devoção permanece ativa conforme as preferências
individuais e a identificação com algum santo católico. Além dos Reis Magos e
ao Divino Espírito Santo, nota-se que a crença na figura da Sagrada Família é
expressiva: juntamente com Jesus, tem-se a figura paterna de Jose e Maria, sua
mãe. Portanto, outra dimensão significativa é a crença nas expressões marianas
como Nossa Senhora da Assunção, Nossa Senhora do Carmo, Nossa Senhora da
Saúde, Nossa Senhora do Patrocínio e, sobretudo, Nossa Senhora Aparecida – a
padroeira do Brasil e também da cidade de Bandeira do Sul, na microrregião.
Dessa forma, os objetos devocionais incluem ainda outros santos católicos em
meio ao tempo sagrado, como São Sebastião, São José, São Francisco de Paula e
adentra o tempo comum, acompanhando ritos em celebração de figuras como São
Francisco de Assis, Santa Luzia, São Lázaro, Santa Rita ou Santo Antônio, São
João e São Pedro – homenageados em ocasião das festas juninas, realizadas espe-
cialmente nos bairros das zonas rurais, conforme é o caso do Distrito das Posses e
do Bairro Roseira em Campestre.
A figura de São Benedito é historicamente significativa para a identidade cul-
tural nas Minas; como já mencionado anteriormente, é muito forte a expressão
das Congadas e sua relação com a devoção aos santos negros, sobretudo, mas não
exclusivamente, por pessoas negras e afrodescendentes que se identificam com os
diferentes estigmas vividos por tais entidades ao longo de sua vida terrena. Isto
não é diferente no contexto mencionado, mas diante dele torna-se indispensável
pontuar dois aspectos. O primeiro é a predominância das Folias na microrregião,
que não são ritualísticas sinônimas ainda que tenham uma série de sobreposições
por meios das quais ambas acabam se fundindo; deste modo, é frequente que
foliões também participem neste outro fenômeno, assim como sejam adeptos da
benzedura. O segundo é o fato de que, considerando disputas narrativas, a ênfase
em tais aspectos possa ter sido em algum momento preterida em favor de uma
herança ibérica, deixando as tradições de matrizes africanas em segundo plano na
construção da historiografia regional 122.
122
Como trazido por Souza (2015) a presença dos Caiapós nos municípios de Machado e de Poços
de Caldas está relacionado às Congadas; a positivação desta relação pode apontar para a maior iden-
tificação com as tradições de matriz africana, através do ritual celebrado há décadas em tais locais,
assim como uma maior parcela da população que se declara e reconhece enquanto negra. Assim, os
sentidos atribuídos aos Caiapós e a recuperação da memória dos povos originários estão vinculadas
e são reiterados pelos Reinados de Congo (SOUZA, 2015, p. 115-120). Identificam-se, portanto, do

158
Estas perspectivas são recolocadas por Maria José de Souza, a folclorista Tita,
que recupera a importância dos negros e suas expressões culturais e religiosas ao
trabalhar os Reinados em seus meandros, trilhando o caminho desde suas raízes
coloniais (SOUZA, 2015). Retomando a formação do território, aponta para os
aquilombamentos como espaços de resistência e atuação ativa da transmissão de
conhecimentos através da memória oral, das relações comunitárias e da proximi-
dade com a terra. A configuração de sua dinâmica no sul das Gerais passa pela
devoção a São Benedito, Santa Ifigênia e Nossa Senhora do Rosário enquanto
uma identidade e um compromisso assumido com essa ancestralidade, adentran-
do contextos múltiplos e, em especial, no município de Poços de Caldas. Entre os
momentos rituais estão encenações e danças como as embaixadas, bem como des-
files como as cavalhadas; também há peregrinações e circulação dos ternos e suas
bandeiras pela cidade. Mas as principais festividades ocorrem na Festa sediada na
Igreja de São Benedito, que envolvem celebrações litúrgicas como a Missa Con-
ga, a retirada dos Caiapós da mata e levantamento do Mastro. Além da comida,
os tambores e instrumentos de percussão são marcas registradas dos Ternos de
Congo. Cada grupo pode ter sua composição variada, mas entre as figuras estão
os Capitães, no topo da hierarquia ritual (Cf. SOUZA, 2015, p. 152ss). Depois
aparecem o Alferes da bandeira, que a conduz ao longo dos eventos, e os governa-
dores encarregados da direção dos festejos; também o Rei Festeiro, o Rei Perpétuo
e o Rei Promesseiro – que proverão apoio na basilar, como encargos relacionados
a prover refeições tanto aos congadeiros, quanto aos promesseiros e devotos, bem
como o auxílio para a Festa de São Benedito.
Diante destes eventos, pode-se sintetizar os desdobramentos das expressões
devocionais locais em quatro formas principais. A primeira contempla os rituais

ponto de vista da marginalização histórica. Olhando para o caso de Campestre, do ponto de vista
das fontes oficiais (ILHEO, 2018 apud FRANCO, 2000; FRANCO, 1998), há muitas lacunas sobre a
presença das pessoas negras enquanto atores e não sujeitos destituídos de sua ação social. Nas nar-
rativas legitimadas acerca de sua fundação, não há desenvolvimentos sobre o tema das Congadas no
município; já o tema dos Caiapós, é tratado como uma expressão de matriz exclusivamente indígena
(Cf. ILHEO, 2018). Não há aprofundamento acerca das questões raciais e de classe no que tange aos
praticantes, ou mesmo da divisão do trabalho ritual, elementos materiais e etapas de sua execução.
Neste caso, não há menção aos negros associados aos Caiapós, ainda que, no plano empírico, o
estivessem, situados principalmente na região do bairro Nossa Senhora Aparecida onde residiam.
Isto poderia servir para endossar a hipótese de um apagamento dessa memória negra das narrativas
oficiais, com um branqueamento gradual das tradições. Contudo, relatos de alguns congadeiros de
Poço Fundo e de Poços de Caldas reconhecem e mencionam a relação com os Congados com os
Caiapós de Campestre (Cf. BLANCO et al, 2018). A discrepância entre as duas dimensões indica a
necessidade de se investigar a fundo tais questões, esmiuçando fontes diversificadas e pontos de
vista complexificados em função de relações de poder (Cf. SOUZA, 2015).

159
privados pessoais – o que pode incluir invocações no âmbito individual com con-
versas diretas e principalmente promessas. A segunda tem a ver com rituais reali-
zados por agentes autônomos, envolvendo uma pessoa ou algo relacionado a ela,
envolvendo outras pessoas, situações ou coisas; é o que passa com a benzedura.
Outra modalidade são os rituais realizados por puxadores de reza da comunidade
ou mestres e especialistas da cultura popular, mesclando as esferas privada e públi-
ca, como as Folias. Por fim, os rituais realizados por agentes oficiais e pelas Insti-
tuições religiosas, como as Festas organizadas pelas Paróquias de cada localidade,
mas que também conta com a participação de leigos em sua produção.
A maioria destas Festas é de pequeno porte, envolvem os moradores e, por
vezes visitantes; são organizadas pelas comunidades das sedes, bairros ou associa-
ções. Além das comidas e da comensalidade envolvendo os espaços da festa, essa
dinâmica envolve a realização de bingos, shows e outras atrações culturais ligadas
às tradições locais; também a participação e o envolvimento com ações voltadas
para caridade na mesma comunidade. É o caso, por exemplo, da Festa de Nossa
Senhora do Carmo que ocorre em Campestre durante o mês de julho, organizada
pela Paróquia com o apoio da comunidade: uma programação litúrgica acompa-
nhada da apresentação de artistas independentes voluntários e a venda de comidas
como doces, caldos, pasteis ou biscoito recheado com carne de pernil – uma das
iguarias locais. Juntas, as festas grandes e pequenas vão compondo esse calendário
ritual regional que culmina também em um circuito devocional sob a orientação
do qual as experiências religiosas se completam em sua plenitude.
Notam-se, sobretudo, três eventos significativos que revelam apontam para
a complexificação da estrutura que aparece nas celebrações em escalas menores,
envolvendo um fluxo muito maior de pessoas. Um deles é a Festa de Santa Rita,
celebrada no mês de Maio em Santa Rita de Caldas 123, quando a cidade recebe
uma grande quantidade de devotos e peregrinos no Santuário Arquidiocesano
dedicado à santa – onde há uma cópia fac-símile de seu corpo incorrupto, situada
dentro da Igreja e junto a um ambiente voltado para acolher visitantes que che-
gam ao longo do ano todo. No período da Festa, a dinâmica se volta para fornecer
a estrutura adequada para o público muito além da programação religiosa; isto
inclui hospedagem, alimentação e ainda uma diversificada variedade de produtos
– sagrados e seculares – que movimentam a economia local.
Outras duas grandes celebrações se relacionam entre si, são: a Festa de São Be-
nedito em Poços de Caldas e a Festa de São Benedito em Machado, apresentando
123
Santa Rita de Caldas – A. T.: 503,011 km² (2020); Pop.: 9.027 pessoas (2010); ÍDHM: 0,690; Nº
de estab. de saúde SUS: 7 (2009) [Fonte: IBGE / Censo Demográfico].

160
relações com os Ternos de Congadas da região – convertendo-se em um ponto
alto para desfiles e encenações como as embaixadas e coroação dos Reis Con-
gos; ou ainda levantamento do mastro, desfiles e cortejos (Cf. SOUZA, 2015).
No primeiro caso, sua realização centenária é reconhecida pela municipalidade
como Patrimônio Cultural Imaterial diante de sua expressão enquanto uma das
tradições mais representativas para os moradores – sobretudo pela quantidade de
barraquinhas especializadas em comidas doces e salgadas, prestando homenagens
e arrecadando fundos para continuar os trabalhos do Santo Cozinheiro ou “Diti-
nho”, como é apelidado carinhosamente. Em Machado – como na Festa de Santa
Rita –, além da variedade de comidas, uma das características é um segmento
voltado ao comércio de produtos igualmente diversificados, o que inclui roupas e
acessórios, artigos de casa, eletrônicos e devocionais, entre outros. Assim, há um
comércio organizado que envolve tanto produtos artesanais e de fabricação local,
quando a revenda de mercadorias produzidas em outras localidades; e eventual-
mente também a presença de ambulantes e vendas informais no entorno, com-
pondo a paisagem das cidades durante as festas.
No caso das Festas de São Benedito mencionadas, vale mencionar dois fatos
que confluem e chamam atenção para a plasticidade e experiência desses rituais
em relação a um sistema de saberes, desenvolvidos e transmitidos geracionalmen-
te por meio da prática comunitária. O primeiro remete ao tempo e se refere a uma
sequência de celebrações que fazem parte do culto a tal Santo. Sem adentrar em
questões políticas e históricas locais evolvidas, trabalhadas comparativamente por
Souza (2015), nota-se a distribuição das duas festas regionais de modo que as
datas não coincidam, gerando conflito de interesse dos devotos que frequentam a
ambas. Então, em Poços de Caldas ocorre anualmente durante o início de Maio
e conflui com a data de abolição da escravatura no Brasil, no décimo terceiro dia
do mês. Já em Machado, vai acontecer todo mês de Agosto, após a temporada
de colheita do café. Desta forma, os grupos podem circular entre as localidades
e promover encontros com outros grupos fora de sua comunidade de origem,
ampliando as possibilidades de troca e de circulação de dádivas entre ternos de
catupés, congos, moçambiques, entre outros.
Estes dois eventos, todavia, se conectam a um terceiro – fora da microrregião,
mas que complementa o calendário específico e se desdobra em um dos locais
sagrados fundamentais para as práticas devocionais sul mineiras. Trata-se da Festa
de São Benedito que ocorre em abril, na cidade de Aparecida (SP) onde, não só
visitam o Santuário Nacional em louvor a Nossa Senhora Aparecida, como se
reúnem junto com pessoas de todo o país para o Encontro Nacional de Congadas

161
que ocorre anualmente (Cf. BLANCO et al, 2018). O segundo fator importante,
portanto, evoca elementos da relação entre a experiência de cada pessoa e seu
movimento através do espaço, ao passo do qual vai modulando sua personalidade
e desenvolvendo suas habilidades.
O trânsito por entre as Festas regionais, somado às práticas ritualísticas indivi-
duais e comunitárias fazem parte de um circuito devocional que orienta a circula-
ção, tanto quanto a percepção sobre os tempos sagrados e comuns. Mais que isto,
o engajamento e o movimento orientados a partir de uma conduta religiosa que
atravessa a percepção dos indivíduos acerca do espaço; também viabiliza o fluxo
entre localidades entrepostas por uma extensa zona rural habitada e cultivada, se
reconfigurando em face dos processos de adensamento urbano em um território
no qual os fluxos podem ser historicamente demonstrados, confluindo no que
atualmente se compreende como uma microrregião.
Brandão (1983) afirma que a divisão do trabalho religioso é orquestrada a
partir de um sistema complexo de saberes sobre o sagrado, de diferentes tipos,
no qual a especialização em determinada função se torna uma instituição social-
mente consagrada e é reforçada no ato de sua realização ao longo do tempo. Um
dos pilares que sustenta esse sistema é colocado por muitos estudiosos da cultura
popular mineira como solidariedade ou trabalho de mutirão (POEL, 2018; 2013;
BRANDÃO, 1981; 1983; 2007 a), característico pela produção colaborativa e au-
togestada de bens necessários ao funcionamento interno da própria comunidade
– que se incrementa com a atuação de agentes populares autônomos e socialização
do que produzem –, includindo os bens religiosos e espirituais.
Isto se dá através de sucessivas trocas que estruturam o que está sendo chama-
do de economia de dádivas: prestações e contraprestações sucessivas que se articu-
lam e estendem ao longo dos ciclos anuais e sua renovação, atravessando gerações.
Esta dinâmica frutifica a produção do conhecimento popular e ela tem seu cerne
associado à repetição de ações como pedir, dar, receber e retribuir. A compreensão
deste sistema é inspirada pela teoria maussiana, segundo a qual estas prestações
e contraprestações sucessivas os interconectam ao sagrado em um sistema de cir-
culação de coisas, cuja gratuidade é implícita. Para refletir sobre sistemas de pres-
tações totais nos quais as trocas adquirem caráter aparentemente voluntário, em
contraposição à economia mercantil do ocidente, Marcel Mauss estabelece uma
comparação entre três casos – o polinésio, o melanésio e do noroeste americano.
Com isto, postula a complexidade dessas trocas através das quais se exprimem
“(...) de uma só vez, as mais diversas instituições: religiosas, jurídicas e morais [...];
econômicas [...]; sem contar os fenômenos estéticos” (MAUSS, 2015 a, p. 185).

162
Nesse sistema, os conhecimentos são adquiridos, criados e transmitidos cole-
tivamente e não somente no plano da religião. Sua manutenção tem a ver, por um
lado, com o compartilhamento das responsabilidades e o compromisso assumido
com a ajuda mútua e o cuidado, propriciando acolhimento aos indivíduos em sua
singularidade. Por outro, o princípio da caridade aparece como um segundo pilar
basal deste sistema que orienta um determinado modo de produção de conheci-
mentos e, sobretudo, de ação social, prezando por valores como a ajuda e a com-
paixão em relação às pessoas e outros seres naturais, mas também sua comunhão
com a vida encantada em seu cotidiano.
Apesar de estarem associados à crença e à devoção, esses ofícios viabilizam a
circulação de dádivas para além da religião. Os conhecimentos que mobiliza con-
templam diversas dimensões, partindo de um saber instrumental que significa o
domínio de alguma habilidade – como a capacidade de improviso sob um reper-
tório narrativo-musical, no caso dos mestres de Folia, alinhado aos fundamentos
da doutrina e etapas rituais. Para Brandão (1983), a potencialidade pedagógica
dos rituais da religiosidade popular reside então no fato de poder ser uma fer-
ramenta para aprender e, sobretudo, ser no mundo; mas também para ensinar e
transmitir as práticas culturais coletivas. A associação do trabalho religioso a um
(ou mais) dom divino aparece como uma mediação facilitadora desse processo de
aprendizagem, associado ao fluxo de bens de subsistência, mas também dádivas
simbólicas e materiais. Na medida em que as habilidades eventualmente articu-
ladas aos dons de cada pessoa fazem com que um indivíduo se torne mestre em
um ofício ou saber-fazer: altamente especializado nos conhecimentos que o rito
codifica e ensina, reconhecido coletivamente enquanto tal e autorizado a trans-
mitir seus fundamentos. Motivado por uma obrigação ou preferência devocional,
esse processo de especialização demanda esforços; logo, a “aquisição do saber é um
trabalho” (BRANDÃO, 1983, p. 62).
Assim, a divisão do trabalho ritual é atravessada por conhecimentos sobre o
fenômeno em si, mas sobre a existência de modo amplo – concebendo conexões
entre as partes de significado de modo a integrar uma pessoa à sua comunidade e
esta ao meio natural que lhes fornece meios de vida, e constituindo uma experiên-
cia de tipo holística. Através da própria vivência como parte desse sistema é que
algumas pessoas despertam para a necessidade de desenvolver suas habilidades,
adquirindo e produzindo novos saberes pelo engajamento com o trabalho arte-
sanal de tecer essas redes de socialidade e bordar sua experiência. Aprofundan-
do-se no universo e decodificando todo o emaranhado de procedimentos é que
alguém tem sua iniciação ritual – seja ela ocorrida por meio de uma rota trilhada

163
de maneira autonoma ou mediada por outra mestra ou mestre mais experiente, o
qual conduz ao caminho. Na primeira direção se confirmam em relatos que apa-
recem entre os foliões, que dão ênfase a um processo de aprendizado espontâneo
pela imersão no fluxo ritual, podendo haver uma obrigação ritual transmitida por
algum parente próximo – sobretudo de pai para filho. Em uma segunda direção,
aparecem relatos da identificação, feita por um especialista, de um dom divino que
favoreça a prática de um ou outro trabalho enquanto vocação. Em alguns casos,
esses foliões se tornam mestres ao longo de sua vida e, noutros, podem ainda es-
pecializar-se em mais de uma tarefa.
Notam-se alguns pontos que elucidam o intercruzamento e o fluxo de trocas
constantes entre tais fluxos, sobretudo com a atuação de foliões-benzedores diante
da sobreposição das habilidades de cantar e tocar com ao saber-benzer. Como um
elo da conexão entre os devotos e o sagrado por meio da experiência corporificada
dos dons divinos, podem desempenhar a função de mestre durante o ciclo nata-
lino ao consagrar uma bandeira, puxar uma cantoria ou uma reza, e ainda benzer
diretamente algum devoto durante o giro. Alguns destes casos foram mencio-
nados entre foliões campestrenses: como o violeiro e mestre João Pradinho; ou
mesmo o devoto e falecido benzedor chamado Zé Corina, que costumava sair em
giro também. Há também os que passam a benzer pessoas fora da temporada da
Folia, seja ocasionalmente ou em situações de extrema necessidade, devido a essa
“reza boa” – como o caso do agricultor José Jacinto, residente na zona rural da
localidade. Sua atuação, desta forma, não é feita somente na realização das etapas
das Folias e ritos complementares, como ainda na comunicação com os Santos
Reis e tantos outros santos católicos, e com a participação na cadeia de produção
de graças.
Uma primeira observação é que um pensamento religioso se sobrepõe à eco-
nomia de dádivas e determina um tipo de conduta que alcança outros ofícios
populares ou tarefas da vida cotidiana. Isto porque os valores que sustentam tal
conduta são extensívos à toda a vida social, borrando qualquer separação entre
“sagrado” e “profano”, pois a vida é sagrada. Eles não necessariamente estão ligados
à religião, mas tratam de dimensões como o cuidado e o acolhimento de forma
integrada, associadas à saúde das pessoas e das comunidades em que se inserem.
A especialização, portanto, vai muito além do tempo dedicado a uma tarefa, mas
envolve uma postura assumida pelos agentes populares diante do compromisso de
mediar relações entre todos os seres.
Além de uma sobreposição de atividades, fica evidente sua recorrência conse-
cutiva à especialização no ofício de benzer. Visão que pode ser corroborada pela

164
trajetória de do folião aposentado Waldir, um senhor nascido e residente na região
rural entre Campestre e Poço Fundo, onde é renomado por sua atuação como
ervateiro e benzedor, assim como amplamente indicado entre as gentes do local
por conta do benzimento ou de suas preparações fitoterápicas. A vivência a partir
desse complexo sistema possibilita a aquisição do gosto pela Folia, iniciação e
desenvolvimento até tornar-se um mestre; e ainda sua iniciação na benzedura,
cujo reconhecimento se reflete na grande movimentação de pessoas que chegam
até sua residência. Bem como o aprendizado dos saberes relacionados à fabricação
artesanal de pomadas, garrafadas e outros produtos de uso externo, provenientes
de plantas nativas da mesma região – colhidas e beneficiadas por ele próprio em
sua casa, onde também recebe sua clientela no espaço reservado no quintal, em
um cômodo próprio.
Aos poucos o ofício de benzer se torna em um trabalho que ocupa seu tempo,
ao qual direciona sua força, motivações e recursos, como também é o caso de
outras gentes. Porém, ao longo desse processo não há valor monetário produ-
zido e sim a circulação das dádivas simbólicas, tanto quanto materiais. O que,
novamente, mostra não a completa ausência do dinheiro, mas a subordinação da
economia monetária ao sistema de dádiva; significando a conversão de valores
ou bens produzidos noutros regimes, e sua aplicação ao sistema de dádivas en-
quanto incremento. Já o valor pode ser produzido a partir de outras atividades,
sobrepondo-se à produção de aspectos complementares a tal lógica. Esse valor,
porém, não se dá nos termos do mercado porque não obedece à lógica da acu-
mulação e sim das necessidades básicas de subsistência. Isto pode ocorrer como,
por exemplo, no caso do Senhor Waldir, com o processo de fabricação artesanal
e comercialização em pequena escala de seus preparados; sendo as indicações,
em sua maioria, acompanhadas a partir do itinerário terapêutico da pessoa assis-
tida por ele – o que inclui ervas e benzeções, por vezes associados. Isto, contudo,
não contempla o uso religiosos de plantas medicinais durante o ritual, mas sim
o tratamento dado à preparação pautada por uma condura moral-religiosa, bem
como a associação das plantas com a obra divina e com a prece – através do dire-
cionamento das forças curativas para o que se prepara, podendo serem benzidas
antes de sua utilização final para potencializar suas propriedades, alinhando as
dimensões físicas e espirituais.
As sobreposições ficam ainda mais complexas na medida em que essa comer-
cialização deixa de ser feita exclusivamente no âmbito doméstico e ocorrendo em
ambientes estruturados para esse fim – dividindo o mesmo espaço com diferen-
tes tipos de produtos comerciáveis, não impedindo que as trocas nos moldes de

165
dádiva também aconteçam. Assim ocorre com o benzedor e ervateiro conhecido
como “Índio”, uma figura emblemática no Mercado Municipal de Poços de Cal-
das: alguém que caminha por ali se depara, entre queijos, doces e outros produtos
típicos, com uma banca onde estão distribuídas as ervas que vende pelo preço
correspondente ao seu trabalho, além de peças como dentes de animais e algumas
imagens, como fotografias e ícones católicos. É também neste espaço que realiza
benzeduras protetoras; a depender do caso, indica-se complementarmente o tra-
tamento medicinal natural alinhado à sua repetição periódica. O homem sexage-
nário indica o grande interesse das pessoas moradoras, assim como visitantes, por
artigos derivados das plantas medicinais nativas: o consumo, em sua maioria, se dá
com a combinação e indicação para preparação de cada receita em forma de chás
ou banhos; e são vendidas ainda garrafadas e pomadas de produção própria, pron-
tas para aplicação. As plantas comercializadas podem ou não estarem ligadas a um
papel religioso – isto é, utilizadas por qualquer pessoa leiga e destinadas a um rito
que pode ser individual ou coletivo, sem relação religiosa ou com a consagração a
partir de alguma crença.
A divisão do trabalho de cura vai se sobrepondo à do trabalho religioso em
face de uma concepção integrativa onde o corpo é visto como um conjunto de
órgãos vitais, mas especialmente enquanto suporte material da alma ao longo da
vida que se crê eterna. O corpo humano como uma criatura divina, portanto, é
parte da natureza e também sagrado. A manutenção do corpo envolve a saúde nas
dimensões física, psíquica, espiritual e social, traduzindo-se em um complexo sis-
tema classificatório dos problemas a partir dos sintomas manifestos em todas elas.
Deste modo, as pessoas estão sujeitas a problemas que se manifestam no corpo
físico, as quais afetam os órgãos vitais – e que tem sua significação em disputa com
as noções correntes no campo da medicina. E ainda através de aspectos subjetivos
que se refletem, a partir de sua inserção em um feixe de relações, em conflitos pes-
soais ou envolvendo outras pessoas. Esse equilíbrio também pode ser afetado por
processos que tocam a conexão com o mundo sagrado ou problemas estimulados,
através de rituais religiosos e não religiosos, em outras ordens; isto evoca a forma
como a religião é vivida e praticada diante dos ritos, da significação do sofrimento
e bem como da cura. O que determina como tais dimensões são mobilizadas para
decodificar os sintomas, a causa e o tratamento, é cada situação apresentada.
A temporalidade se desdobra a partir de uma complementaridade dialética
entre os períodos sagrados e a vida cotidiana, constituindo-se de maneira cíclica
ao longo do tempo que atravessa a vida e a morte de cada pessoa. Ademais, a
reprodução dos códigos culturais e morais locais através desse tempo cíclico tam-

166
bém informam a uma concepção de saúde e doença pautada por tais valores, que
são compartilhados. A ideia do tempo, portanto, é atravessada pela compreensão
da sacralidade da vida; e isto, por sua vez, permeia a produção de conhecimentos
sobre os problemas, bem como da temporalidade de cada doença – o que acaba
por envolver os entendimentos acerca do tempo ritual, incluindo aspectos desde
a iniciação ou descoberta do dom por parte dos agentes à preparação, à realização
e ao acompanhamento da benzedura propriamente dita. A produção de saberes
relacionada e está relacionada aos conteúdos, tanto quanto às formas como são
transmitidos e criados em meio a esse processo. Ela é indissociada da experiência
e pressupõe essa relação com a terra e as águas através de seu próprio sangue e
também do suor do trabalho; a religião é tida como uma de suas forças motrizes.
A caridade é colocada como o fundamento, enfatizando a gratuidade da práti-
ca e o acolhimento indistinto de todas as pessoas que procurem pelo ritual – jus-
tificativa quase unânime entre as benzedeiras e benzedores entrevistados, consti-
tuindo-se como um tipo aceito e legitimado como o tradicional nestas localidades.
Portanto, os ofícios tradicionais em muito compartilham do mesmo fundamento,
considerando as habilidades específicas e a finalidade para as quais os saberes são
direcionados. E respondem, além dos fazeres a partir de uma percepção afinada
dos recursos naturais, a uma responsabilidade coletiva que está relacionada ao bem
viver e ao cuidado. Isto cria um espaço através do qual os agentes populares autô-
nomos, cada qual desempenhando seu ou seus papeis, atuam para a integração do
indivíduo com o corpo social – assegurando seu equilíbrio de modo transversal,
perpassando desde os planos subjetivo e coletivo às dimensões supraterrestres,
supra-humanas e sagradas.
Assim como os mestres, outro ofício considerado tradicional é o das parteiras
que cuidam da saúde de mulheres e crianças; mas ao contrário dos foliões, não
parte de um fundamento religioso e existem situações em que pode ser comple-
mentado por dinheiro – em vista da prestação de um serviço, o de assistir, preparar,
realizar partos. No caso das parteiras e curandeiras – além de espaços de convívio
exclusivamente femininos através dos quais circulavam saberes sobre tarefas re-
lacionadas ao cuidado e a ofícios como bordar, coser, cozinhar e outros, com base
na divisão do trabalho doméstico –, sua atuação neste contexto estava pautada por
um entendimento difundido de que somente as mulheres poderiam tratar de as-
suntos e dos problemas manifestos nos corpos de outras mulheres, especialmente
pelo tratamento de aspectos atribuídos à sua condição biológica. Isso envolvia
dores menstruais ou problemas de fertilidade, o acompanhamento da gestação,
realização do parto e o acolhimento no período puerpério ou de resguardo; assim

167
como, sendo por vezes a única opção para tratar da saúde de crianças e eventual-
mente adultos, a depender da especialização, de toda a família. Mas também tinha
que ver com uma habilidade de rezar em situações cotidianas, aderindo à caridade
como uma conduta, e com a realização de rituais como as benzeduras.
A percepção local sobre esta prática – assim como de outras modalidades na
área da saúde, como especialistas em plantas medicinais – reflete um cenário bem
diferente de outrora, em um tempo no qual grande parte das pessoas interlocuto-
ras identificadas era jovem. A trajetória da maioria delas envolve uma movimen-
tação pelo espaço rural entre localidades ao longo do século XX, compartilhando
um espaço através do qual circulavam saberes e bens autogestados em regime de
dádiva onde a oferta de agentes populares autônomos se dava em abundância,
constituindo-se quase que na única alternativa disponível. Com mudanças em
relação à divisão do trabalho de cura e bênção forjadas em meio aos processos de
urbanização e modernização, bem como da organização do trabalho e dos modos
de produção, esses ofícios populares passam a serem marginalizados do ponto
de vista científico. Mas, no que toca o testemunho da realidade passada em que
viviam as gerações anteriores, são centrais para aspectos relacionados à identidade
e à memória tanto subjetiva quanto coletiva, complementares na formulação re-
flexiva das experiências presentes.
Essa narrativa aparece, por exemplo, a partir de uma comunidade estabelecida
entre moradores da região rural entre Botelhos e o atual município de Divisa
Nova 124, onde residia a parteira conhecida como “Sá” Lica que, assim como sua
filha chamada “Sá” Olívia, também era uma benzedeira. A trajetória dessas duas
mulheres se cruzou à da que se tornaria a benzedeira D. Lia, que passou a morar
com seu marido ali, onde seu pai estabelecera residência. O relato de suas filhas
hoje idosas – nascidas por partos realizados pelas mãos da primeira e, junto com
todos os outros filhos, por ela assistidos durante a infância – aponta o convívio e a
proximidade entre elas; foi esta relação que possibilitou o aprendizado oralmente
quando a predisposição para fazê-lo foi identificada. Assim, através da observação
junto à experiência, somada aos ensinamentos de sua vizinha, tornou-se pratican-
te. A comprovação do dom deu-se com a realização do ritual ao longo do tempo
e, após mudar-se para a cidade, já adulta e com os filhos mais crescidos, foi reco-
nhecida enquanto especialista em retirar verrugas, realizando benzeções variadas
enquanto a saúde lhe permitiu (Cf. ILHEO, 2018).
A aquisição do saber-benzer por meio da observação direta ou pela própria
124
Divisa Nova – A. T.: 216.955 km² (2020); Pop.: 5.763 pessoas (2010); ÍDHM: 0,670; Nº de estab.
de saúde SUS: 5 (2009) [Fonte: IBGE / Censo Demográfico].

168
vivência dos ofícios e ritos é comum entre agentes populares; isto porque o con-
tato com benzedeiras e benzedores é um fator marcante para especialistas – seja
através do aprendizado mediado ou por uma experiência de cura anterior à iden-
tificação com esse dom. Esta identificação não se dá necessariamente em simul-
tâneo à iniciação e é relatada em diferentes circunstâncias; já sua verificação é
continuamente feita pelas pessoas assistidas que têm sua demanda contemplada.
Outros relatos colhidos em Campestre mostram essa verificação sem haver um
processo intencional da transmissão, como no caso do benzedor Waldir que afir-
ma ter desenvolvido de modo autônomo sua habilidade ao longo da vida. Segundo
ele, sua iniciação não lhe fora ensinada e sim, aos seus dezenove anos, revelada
diante de uma necessidade imediata na ocasião em que teve de rezar por uma
criança doente; a partir desta situação percebeu o que identificou como o dom da
cura e continuou a praticá-lo. Outra ocasião colocada como essencial para seu de-
senvolvimento esteve ligada a um teste de fé realizado por um clérigo, que o teria
buscado após tomar conhecimento da atuação. Com esta verificação de seu poder
e da autenticidade de sua reza, logrou a bênção do religioso membro da diocese
local com o qual se correspondeu durante algum tempo, tornando-se não só o seu
benzedor como um amigo.
É notável a centralidade local de uma prática religiosa nominada como cató-
lica e fundamentada por referenciais bíblico-cristãos, aglutinadora de fenômenos
do âmbito institucional – dos quais tanto agentes populares quanto seus clientes
participam, enquanto receptores ou expectadores – e fora dele. O que engloba desde
os rituais, as festas e celebrações às práticas individuais, entre outras coisas. A crença
está associada ao conteúdo e sobretudo às formas de transmissão da prática entre
as gerações, através do trabalho coletivo, mas também ao modo como essa relação
de aprendizagem vai sendo experienciada em meio ao processo vital. Por um lado,
tal interação mobiliza referenciais coletivos, mas é movida pela criatividade e senti-
mentos de cada pessoa, o que inevitavelmente tem como efeito o incremento desse
corpus de informações, símbolos e códigos a serem continuados e que compõem o
universo do saber-benzer. Por outro, não só a produção de conhecimentos se desen-
rola de modo singular, como cada engajamento viabiliza combinações únicas no que
toca as nuances da crença e da adesão. Assim que o trabalho e os conhecimentos são
ao mesmo tempo compartilhados e subjetivos, íntimos.
Outra via de compartilhamento é através do parentesco, com a transmissão da
habilidade por meio do treinamento, como um mestre de ofício que inicia seu segui-
dor; ou ainda pela transmissão geracional do dom para consolidar uma continuida-
de em sua linhagem, atuando na guarda e manutenção desses saberes seculares den-

169
tro de um mesmo grupo familiar. Assim relatou a benzedeira de saudosa memória
dona Teresinha sobre como herdou o dom de benzer do pai, afirmando que o ofício
é a este obrigatoriamente condicionado: tendo desde sempre em sua formação sido
testemunha ocular da prática, após a morte dele em sonho recebeu uma visão de que
seu dom para ela teria descido – fazendo referência ao lugar superior onde a alma
do pai descansaria. Apontando alguns aspectos que endossam os papeis delegados
às mulheres de sua geração na divisão do trabalho de cura e bênção, assinalou certa
impossibilidade de dedicar-se ao ofício na situação de solteira devido à quantidade
de pessoas que poderia receber. No lugar de um constrangimento público, o costume
era o de constituir família e, somente então, passar a atender em sua própria casa sob
o consentimento do marido e proteção divina.
Conforme apontado por esta pesquisa em Campestre – e que é representativo
para as pequenas localidades desse microcosmo regional, como se verifica poste-
riormente –, há uma identificação entre a habilidade para o ofício e o dom enquan-
to uma dádiva divina. Este dom pode então se manifestar pela tradição oral, pela
transmissão hereditária ou ainda pela revelação também por meio divino (ILHEO,
2018, p. 53s). Não há, todavia, um consenso sobre a presença deste dom como uma
condição determinante ou uma predisposição para sua realização, mas é ampla-
mente difundida a ideia de que “quem cura é Deus”. E com ela a prática de benzer
em seu nome, assim como de Jesus e do Espírito Santo, que se unem formando
a Santíssima Trindade. Com isto, benzedeiras e benzedores estariam mediando a
conexão entre as pessoas assistidas e o sagrado, veiculando seu poder através da cura
e da bênção produzidas. Logo, o dom funciona como um catalisador da habilidade
entendida enquanto graça recebida; o fato de que foi recebida por ensinamento
ou vocação, implica na obrigação de transmití-la adiante como sendo um gesto de
doação de si mesmo que se consagra através de gestos e orações.
Defendo que para compreender os fundamentos da benzedura se faz necessá-
rio entender tal ofício como a confluência das ações de bendizer, abençoar e curar.
Estando a especificidade do trabalho de benzer a residir em seus principais fun-
damentos: acolhimento, cuidado e circulação das dádivas simbólicas e materiais,
tendo como orientação a caridade.
A economia da dádiva neste caso envolve trocas sucessivas através das quais
circulam, pautadas pelo cuidado e atenção junto às pessoas atendidas. As pres-
tações atravessam suas demandas curativas ou de promessas e graças, ao passo
que conectam benzedeiras e benzedores aos receptores do ato – sejam pessoas,
animais, coisas ou espaços. As contraprestações, por conseguinte, se desdobram
no reconhecimento de sua atuação junto à comunidade através da indicação entre

170
adeptos, cuja experiência individual bem sucedida leva a indicação a outras pes-
soas. Contudo, se ocorrer de algum modo, a retribuição não pode ser negada. Isto
é, por meio de alimentos, artigos religiosos ou de uso cotidiano. Por vezes, podem
incluir alguma oferta em dinheiro que deve ser convertida em outras dádivas; por-
tanto, a compensação monetária é tolerada em alguns casos. Portanto, a execução
do ofício evoca, de um lado, a dimensão sagrada que as coisas adquirem ao serem
incluídas nesse sistema. De outro, chama atenção para o alcance das necessidades
básicas existenciais, na medida em que circulam bens que asseguram subsistência.
Tudo isso torna evidente sua contribuição para atenuar assimetrias de recursos
derivadas de uma distribuição desigual de poder, mesmo em face de um trabalho
não remunerado.
As coisas, por conseguinte, são mediadoras de tal processo junto às pessoas,
figurando entre as tecnologias de benzer: gestos, palavras, ações específicas, mate-
riais, substâncias, símbolos, artefatos, artigos religiosos, plantas ou objetos de uso
cotidiano. Neste sentido, independente de qual seja a modalidade ou a denomina-
ção religiosa relacionada à prática, toda benzeção é permeada de coisas – haja vista
o corpo mesmo como uma dessas possibilidades. Além de circularem enquanto
dádiva nas prestações, as interações a partir delas possibilitam a amarração todas
as dimensões e partes envolvidas. Elas são meios fundamentais para que se esta-
beleça a comunicação com o sagrado, bem como interconectam agentes e recep-
tores da benzeção, estendendo até estes últimos esta conexão. Ao se constituírem
enquanto tal a partir do jogo de relações que envolve toda a ritualística – desde a
mediação do contato, os locais de realização e os elementos selecionados para cada
situação, mas não de modo arbitrário –, firmam através de sua própria materiali-
dade uma correspondência entre os problemas e as respectivas soluções.
Uma tentativa embrionária de esboçar um quadro – menos como um modelo
fixo ou um sistema fechado – para compreender visualmente esse fluxo aparece
em um dos primeiros textos publicados sem, contudo, considerar as coisas como
uma das categorias fundamentais para estas relações (Cf. ILHEO, 2018, p. 54).
Apesar de descrevê-las e chamar atenção para sua expressão, uma revisão do es-
quema à luz da ampliação do escopo inicial serve como complemento e resulta
nos vetores ilustrados conforme o quadro seguinte (IMAGEM 14).

171
Imagem 14. Circulação de dádivas no benzimento – Matriz católica popular 125

A questão das coisas coloca de saída dois pontos. Um é o reconhecimento


de sua importância enquanto veículos do sagrado tanto quanto as pessoas, mo-
dulando e ao mesmo tempo moduladas por suas preferências devocionais. Com
isto, acessar a complexidade dos processos que contribuem para os entendimentos
acerca da prática, considerando deslocamentos de sentido. Dito de outra forma,
elas são centrais para compreender aspectos sobre a percepção sensorial que de
produção e de adesão à benzedura e, eventualmente, outras modalidades associa-
das. Assim, vão operar também na costura de aspectos individuais e coletivos, mo-
dernos e tradicionais, sagrados e profano, oficiais e populares, entre outras catego-
rias – sendo que sua plasticidade ultrapassa qualquer binarismo em detrimento de
uma dinâmica fluída e criativa mediada pelo engajamento sensível.
Gravitando em torno da indicação dos Santos e de Deus como vetores do fluxo
sagrado, a predominância da identificação com o catolicismo apontada pelas pri-
meiras pesquisas informa as percepções sobre as coisas e sua relação com as dife-
rentes modalidades, o que contribui para produzir hierarquizações entre elas. Cons-
titui-se como um paradoxo o fato de que sua presença é entendida ora como um
125
Elaboração autoral.

172
elemento importante que pode ser essencial, como no caso das Bandeiras de Reis. E
ora como um complemento aos gestos e orações, participando no momento ritual
e potencializando seu alcance; isto é, benzedeiras e benzedores afirmam que essas
coisas são fundamentais na medida em que concretizam uma correspondência en-
tre o problema e o tratamento, mas não são mais importantes que o saber-benzer.
Contra uma visão a que chamam de materialista – na qual a produção de bênçãos
e curas, assim como de objetos são orientadas pelo consumo e pelo dinheiro, como
parte do mercado –, defendem que os aspectos materiais não devem se sobressair às
habilidades e aos vínculos econômicos estabelecidos pelas trocas de dádivas.
Uma visão difundida no senso comum e compartilhada por alguns agentes
locais, pauta pela “presença de coisas” uma diferenciação entre as práticas tra-
dicionais e sagradas de formas menos sagradas ou dessacralizadas. Isso evoca o
reconhecimento de que todas as práticas têm sua própria materialidade, consti-
tuindo-se por materiais em relação a aspectos simbólicos que não são os mesmos
porque sua circulação é entendida como motivada por processos e intencionalida-
des diferentes. Contudo, nota-se que essa presença remete a uma “estética rústica”
interpretada como parte do modelo tradicional, incluindo materiais naturais, de
uso cotidiano e doméstico ou artigos associados à crença relacionada com a ma-
triz católico-cristã – como imagens dos santos, rosários ou mesmo a Bíblia. Pelas
habilidades artesanais elas se traduzem no ritual, bem como são levadas em conta
para avaliar essa sacralidade a partir de uma autoafirmação, ao apresentar e iden-
tificar-se, e também da validação de agentes concorrentes.
Outro aspecto revelado com isto diz respeito a uma tensão entre os fatores
tradicionais e os atribuídos à modernização, com a associação entre uma maior
necessidade de elementos materiais em função do que é lido como enfraqueci-
mento do modelo católico. Nesse sentido, algumas coisas são significadas como
signos de marginalidade quando o padrão tomado como ponto de referência é a
matriz católica – quando, por exemplo, uma associação quase automática de que
uma cartomante que divulga seus serviços através de folhetos e joga cartas de
baralho se afastariam dessa concepção do que é sagrado, operada para localizar tal
agente dentro de um campo de relações ao qual tem vínculos. Equivocadamente
também é comum que assimilem um material como usado exclusivamente em
uma só modalidade. Pois tal redução não se sustenta diante do fato de que uma
mesma coisa pode ser parte de diferentes sistemas, assumindo significados sin-
gulares; tampouco em face da participação em mais de uma vertente – como no
caso das guias, colares guias utilizados tanto entre umbandistas e candomblecistas,
como por alguns espíritas.

173
Por outro lado, se soma a ideia de que as coisas então representariam uma mo-
dalidade que transgrediria essa tradição. Mesmo reconhecendo a pluralidade e di-
versidade de habilidades e crenças, característica do catolicismo dito popular, em
muitos casos, essa identificação faz com que a pessoa se situe como parte de uma
confessionalidade compartilhada pela maioria daquelas com quem convive. Em
vista de uma adesão religiosa transmitida geracionalmente, também se difunde no
senso comum o estranhamento que leva à associação entre determinadas coisas
e as chamadas práticas de feitiço. Dessa forma, sobremaneira entre agentes estri-
tamente católicos, fica evidente uma diferenciação em relação à magia e menor
variância em relação ao primeiro quadro apresentado a partir das coisas. Com isto,
eventualmente são gerados certos desconfortos e estigmas para equivocadamente
falar de modalidades relacionadas a crenças minoritárias, acionando um discurso
de demonização de agentes concorrentes dentro de um campo de atuação majo-
ritariamente católico. Outro efeito dessa perspectiva é a invisibilização da adesão
múltipla e/ou do trânsito religioso entre benzedeiras e benzedeiras, quando de
uma formação composta pela experiência entre diferentes denominações, mas au-
torreconhecida e confessa “católica”. Ou mesmo certa desconfiança perante outras
vertentes, criando uma tensão constante que não elimina a concorrência tampou-
co impede a clientela de procurar mais de uma alternativa simultaneamente.
O caso da benzedeira Dona Tereza, residente em Campestre, é ilustrativo des-
ta tensão e ilumina duas dimensões importantes. A primeira está atrelada à sua
trajetória: natural do município, durante grande parte da vida morou em outros
lugares, acompanhando seu marido; a descoberta de seu dom se deu dentro de um
Centro Espírita onde ele também atuava. Adepta do catolicismo, ela desenvolveu
sua habilidade de benzer a partir da doutrina espírita, mobilizando ainda o dom
da mediunidade. Após o falecimento do companheiro, ela então decide voltar para
a cidade natal junto dos filhos, onde passou a receber dezenas de pessoas diaria-
mente – entre moradores da mesma cidade, da região e clientes de outros estados;
em especial com os clientes mais distantes ou os que estão impossibilitados de
mover-se, mas também em consultas de urgência, o atendimento acontece pelo
telefone. Outro fator de diferenciação citado tem a ver com a divulgação feita
através de classificados e anúncios impressos. A segunda dimensão importante
envolve a especialização no ofício de benzer e na prestação de serviços considera-
dos secundários enquanto vocação, mas prioritários no que se refere à receita gera-
da – como aconselhamento amoroso, leitura de tarô, simpatias e outras operações.
Sua atuação mescla o fluxo do primeiro quadro apontado já que, além do vínculo
com Deus e os santos, conta com o poder de guias espirituais, entidades ou espí-

174
ritos desencarnados – estes, identificados com as vertentes espíritas conforme o
quadro a seguir (IMAGEM 15).

Imagem 15. Circulação de dádivas no benzimento – Vertente espírita 126

Aspectos da iniciação entre tais referenciais – incluindo rituais de passagem que


demonstram evolução espiritual em relação à doutrina e ao trabalho mediúnico,
através do que tanto a sensibilidade de cada pessoa quanto sua relação com o sa-
grado vão sendo desenvolvidos – lhe possibilitaram ou habilidades relacionadas aos
seus dons por meio do cruzamento de vertentes místicas e religiosas, do que resulta
a sobreposição entre atividades seculares e a circulação de dádivas. Através de seu
engajamento, esta benzedeira e outros agentes populares compreendem o trânsito
religioso como um/ fator decisivo para aperfeiçoar-se em uma prática única. Ao am-
pliar esse espectro analítico para a microrregião, em vista do cruzamento complefi-
xificado entre a pluralidade dos perfis devocionais e as trajetórias de vida, ao mesmo
tempo observa-se que as coisas e os agentes operam na mediação e veiculação de
bênção e curas; e o fato de que cada vertente mobiliza meios e códigos específicos
para fazê-lo. Quando se emaranham, tais estratégias também se recombinam.

126
Elaboração autoral.

175
Em Poços de Caldas, amigos muito próximos – que recebendo criação ca-
tólica, compartilham, entre outras celebrações, a adesão à festa de São Benedito
– indicaram uma senhora a qual tinham o costume de procurar quando os filhos
eram pequenos; ademais de terem já alcançado maioridade, mais recentemente,
com uma inserção na Renovação Carismática, a família deixa de lado o hábito de
procurá-la com frequência o benzimento em detrimento da oração feita na comu-
nidade religiosa ou individualmente, pela própria mãe sob os três. Esta senhora é
Marizeth: uma mulher negra septagenária, natural de Pernambuco e que há mais
de três décadas se transferiu para a região. Em vista do contato com o ofício em
ambos os contextos, sua especialização se iniciou a partir da experiência entre o
espiritismo e a umbanda, alinhada à matriz cristã. Assim, desenvolveu a mediuni-
dade junto ao dom de benzer, tornando-se canal para o poder curativo de Deus,
dos santos, espíritos e entidades somados à força dos Orixás e Guias – cujo esboço
da configuração pode ser visto com o fluxograma seguinte (IMAGEM 16). Mas
apesar de ter-se formado a partir de tais doutrinas, frequentando os espaços sagra-
dos assiduamente, ela não prática a benzedura no espaço da Gira ou dentro de um
Terreiro e sim fez de sua casa também um espaço de atendimento.
Tanto na vertente espírita quanto na de matriz umbandista, emergem confi-
gurações da experiência mediadas pela incorporação de espíritos e entidades de-
sencarnadas – com o corpo operando enquanto meio tecnológico para acessar o
sagrado, do ponto de vista das pessoas praticantes; e como suporte sob o qual são
recebidas entidades encantadas como os Caboclos e os Pretos Velhos, a primeira
atrelada aos elementos ameríndios e a segunda aos africanos que compõem o sin-
cretismo epistêmico, cultural e religioso do repertório popular. Nota-se, portanto,
que a diversidade na pluralidade confessional e nas vertentes de benzedura não
são fatos recentes e sim paradigmas historicamente apontados que, atualmente,
têm assumido novas configurações diante das questões postas pela modernização
e, consequentemente, para a ressignificação dos modos de vida e da continuidade
da prática nas últimas décadas.

176
Imagem 16. Circulação de dádivas no benzimento – Vertente umbandista 127

No caso da Umbanda, a iniciação pressupõe uma série de etapas liminares para


aprender a linguagem simbólica, corporal e material necessários para comunicar-se
com o sagrado. Para alinhar tais habilidades que orientam a produção de bênçãos e
curas, o processo ocorre predominantemente dentro de uma instituição – o que por
sua vez também depende da divisão do trabalho em uma casa espiritual, desenvolven-
do pessoas de diversos níveis de mediunidade, onde se obtém o auxílio necessário e a
congregação em uma comunidade. A inserção individual é guiada por princípios que
variam em cada Casa, mas obedecem aos princípios da caridade localizado a partir dos
Orixás e suas respectivas Linhas, Legiões e Falanges. A linha de Oxalá se compõe pela
articulação de santos católicos e orientais, misturando elementos de tradições africanas
e indígenas. Entre seu trânsito por outras linhas como as de Yemanjá, Xango e Ogum,
a atuação dos Caboclos se desdobra especialmente relacionada ao guardião da floresta
Oxóssi, enquanto os Pretos-Velhos seguem a linha de Iorimá ou Omulu – concebido
como o senhor das doenças e o elo entre o mundo material e o mundo espiritual, entre
a vida e a morte. Neste sentido, cada agente desenvolve seus dons e combina linhas,
recebendo uma entidade específica ou várias entidades de uma mesma linha.
A composição com elementos cosmológicos distintos da doutrina cristã se re-
flete nas formas próprias de manejar o sensível, aprimorando o conhecimento so-
127
Elaboração autoral.

177
bre as interações com as coisas – relacionadas, por exemplo, ao trabalho, ao espaço
ritual e às oferendas – e habilidades relacionadas à dança, ao som de instrumentos,
cantos sagrados ou fórmulas ritmadas, e suas manifestações de acordo com esses
regimes de produção e reprodução em sua lógica própria. Os estímulos se direcio-
nam à uma percepção concatenada que alinha todos os sentidos, o que permite o
acesso ao mundo encantado. Além de contribuir para elucidar regimes de produ-
ção de bênçãos e curas, estas e outras formas de comunicação com o sagrado que
não necessariamente passam por uma dimensão verbal, ou pelo menos não atri-
buem à palavra – falada ou escrita – uma posição simétrica em relação ao modelo
pautado pela matriz católica. Assim, o deslocamento é mediado pela incorporação
e passa da enunciação para outros atos e mecanismos catárticos incluindo banhos,
cantos, defumações, descarregos, passes, transes, entre outros.
Como na umbanda, as tradições de matriz indígena prezam por uma relação
intrínseca com a natureza uma vez que os seres vivos são concebidos como parte
da realidade sagrada, contribuindo para seu equilíbrio. Neste caso, o conhecimento
apurado de plantas e ervas para a preparação e aplicação de substâncias curativas,
bem como ritualística terapêutica dos pajés, rezadores, puxadores e parteiras, se
complementa e estende a uma realidade onírica acessada através de visões e estados
de transe ou expansão de consciência. Já a circulação de dádivas nestas vertentes
contempla a conexão com as entidades encantadas e ancestrais (IMAGEM 17).

Imagem 17. Circulação de dádivas no benzimento – Vertente de matriz indígena 128

128
Elaboração autoral.

178
Outro regime de circulação de dádivas tem a ver com as vertentes esotéricas e
neoesotéricas (IMAGEM 18), quando a realização da benzeção é viabilizada pela
conexão com uma dimensão aglutinadora de energias composta pelas intenções
individuais direcionadas coletivamente, mas também forças sagradas de modo
sincrético. Isto é, mobilizando elementos das vertentes espíritas, umbandistas e
indígenas, mas também de outras tradições como as orientais, para captar dobras
energéticas na sobreposição das camadas de espiritualidade – abrindo para asso-
ciações a partir de fluxos não religiosos – a fim de concretizar a proteção almeja-
da. Nesse sentido, para a formulação dessa miscelânea energética agentes como
benzedeiras pautam sua conduta na proteção de Deus, santos, espíritos, orixás e
outras entidades, atuando também enquanto cartomantes e videntes. Entretanto,
assumem um lugar especialmente ambíguo na medida em que também são con-
trapostas diretamente à matriz católica, sob a qual são julgadas como próximas de
misticismo e afastadas dos princípios cristãos.

Imagem 18. Circulação de dádivas no benzimento – Vertentes esotéricas e


neoesotéricas 129

Em face do envolvimento contínuo que faz com que os ossos que sustentam
o corpo do ofício sejam constantemente atualizados junto às transformações no
mundo e todos os desafios engendrados. Além da circulação de dádivas e dos fun-

129
Elaboração autoral.

179
damentos da benzedura, outro elemento essencial colocado pelas narrativas locais
põe em questão a continuidade do hábito religioso local como ainda a transmissão
do ofício e do saber-benzer diante de transformações nas relações sociais e nos
modos de vida, enfatizando a dissolução da tradição e, ao mesmo tempo, a neces-
sidade de recuperá-la.
Operando uma comparação entre “antes” e “depois” através de sua própria tra-
jetória e inserção, notam a redução do número de profissionais e a interpretam
como produto de três fatores: o processo de envelhecimento dos agentes somado
a certo desinteresse das gerações mais jovens pela iniciação – o que implica a
impossibilidade de sua transmissão, especialmente por se tratar de uma tradição
oral, com pouco ou nenhum recurso textual. E por último, mudanças na prática
religiosa que são justificadas pela diminuição da fé no “mundo moderno” e a falta
de pertencimento a uma comunidade religiosa. Ao falar da “benzedura de anti-
gamente” jogam luzes para a diminuição do número de católicos e da crescente
desinstitucionalização dos fieis, ao que se soma a multiplicação de “outros benzi-
mentos” – lidos como apropriações “profanas” do ritual. A diminuição da oferta,
todavia, não necessariamente significa a redução da demanda já que o fluxo de
clientes não cessa.
Isso se desdobra em práticas cada vez mais específicas, especialmente influen-
ciadas por vertentes esotéricas e neoesotéricas, mas também pelas práticas xamâ-
nicas – como banhos, garrafadas e rezos – e orientais incluindo a imposição de
mãos, passes energéticos e meditação. E ainda fenômenos relacionados muitas ve-
zes ao que vem sendo denominado como fitobenzimento, associado ao uso de fi-
toterápicos, e outros tipos de consultoria e orientações comportamentais pessoais.
As mudanças nas formas de religiosidade são decorrentes da relação com a
religião católica, cujas raízes dão espaço para o crescimento de outras denomi-
nações e aumento dessa espiritualidade – muito mais lentamente nos pequenos
municípios da microrregião. Contudo, é enviesada por certo saudosismo a percep-
ção de que nas cidades menores, como Campestre, não há variância em relação às
vertentes de benzedura – reiterando, de um lado, uma pureza histórica relacionada
ao catolicismo e que ignora a diversidade sob a égide do popular; e, de outro, o
monopólio católico ameaçado pela assimilação de práticas exógenas aos hábitos
culturais tidos como tipicamente locais. Do mesmo modo, também se mostra
equivocada a afirmação de que as ocorrências no espaço urbano são tidas como
profanas, derrubando por terra a tese de que tal transição implicaria na seculariza-
ção da prática ou mesmo sua conversão a outras confessionalidades.

180
Por fim, tal percepção ainda aponta para uma mudança no quadro nosológico
desencadeada por essas condições. O primeiro fator é uma diminuição no con-
tato com o sagrado, o que aumentaria a incidência de desequilíbrios em todas as
esferas da vida e levaria a uma crise referente à segmentação das experiências em
detrimento de uma visão integrativa. O segundo ponto acompanha culminância
na culminância das cidades e o deslocamento entre as necessidades de saúde, mas
também voltadas ao ambiente. Isto é, se no passado eram mais comuns problemas
como picada de cobra e coisas relacionadas à vida rural, agora notam a maior fre-
quência de casos relacionados a problemas como conflitos, depressão e dinheiro
– associados ao estilo moderno, opostos à tradição artesanal.

181
Capítulo 5

“Trens” de benzer

C onsiderando os fatores que culminam na escolha pela benzedura por parte de


quem a ela recorre, bem como a preparação que antecede o momento ritual,
tal experiência não começa no momento em que alguém chega até uma benze-
deira ou um benzedor. No que toca aos agentes da prática, isso se desdobra com
o engajamento de cada agente ao longo de sua vida e a habilidade de quem mais
se aprimora quanto mais faz todo o procedimento de benzer. Não só as noções
que envolvem o entendimento sobre a doença e processos de cura e bênção, como
estas experiências se dão no/através do espaço. Isto é, conforme vão caminhando
e conhecendo é que o saber-benzer ganha força em suas trajetórias: ao procurar
alguém que lhe benza, cada pessoa levará em conta suas crenças e devoções em

183
vista da oferta disponível, avaliando antes de qualquer coisa suas próprias neces-
sidades referentes ao problema que lhe aflige. Portanto, o espaço é essencial para
compreender os itinerários e o lugar que o ritual ocupa na vida dessa clientela na
medida interpela seu movimento.
No território montanhoso entre águas caudalosas, além dos aspectos subjetivos,
se desdobram relações dinâmicas entre localidades e um fluxo intenso direcionado
pela distribuição de especialistas no ofício de benzer. Em alguns casos, quando
seu deslocamento é impossibilitado pela distância ou meios de locomoção e um
contato por telefone não se faz suficiente para resolver ou orientar a autorrealiza-
ção de algum ritual, faz-se uso de um recurso para mediar a distância entre quem
benze e quem é benzido: são os testemunhos. Estes consistem em algo que tem
relação com quem receberá a ação específica, encarnando sua presença durante a
realização dos respectivos procedimentos pelos agentes; podem ser qualquer coisa
que estabeleça alguma conexão direta com o receptáculo por meio de sua utili-
zação ou representação. Ou seja, podem ser fotos, peças de roupas, entre outros
objetos pessoais, ou mesmo cabelo humano; no caso dos animais, por exemplo, a
benzeção pode estar diluída em água e ser posteriormente distribuída conforme
a causa. O mesmo com as plantas e outras situações relacionadas à natureza e ao
ambiente, estando os elementos naturais imbricados para essa mediação. Através
da conexão é que o ritual age, servindo como veículo das bênçãos e curas produzi-
das presencialmente e redirecionadas a quem ou o quê necessita.
Contrariando o senso comum no qual a modalidade “à distância” não ocorreria
em contextos tradicionais, somente naqueles modernizados em algum nível, os
testemunhos apontam que esta se trata de uma alternativa amplamente difun-
dida sobretudo no passado quando as zonas rurais eram afastadas e os caminhos
precários, isolando relativamente o povo do fluxo urbano. Outra razão para que o
costume perdure está no fato de que uma pessoa doente conta com sua mobilida-
de reduzida, mesmo diante de melhorias em tais variáveis diante da urbanização.
Também é um hábito comum solicitar um atendimento para outra pessoa – com
ou sem sua ciência, sendo que alguns agentes observam o consentimento como
um fator importante para que a resolução seja efetivada.
Já nos casos em que a pessoa consegue se deslocar em busca do atendimento,
sua experiência perpassa o seu deslocamento desde o trajeto e circuito percorrido,
começando muito antes de sua chegada até os locais de atendimento. Mas quando
um adepto é recebido, em meio a um fluxo recorrente e por vezes intenso, de ou-
tros na mesma situação, neste momento é que um vínculo se estabelece e desdobra
a partir do contato entre quem as pessoas envolvidas – seja um primeiro encontro

184
ou para dar segmento a atendimentos iniciados anteriormente. São nestes espaços
que as trocas sucessivas e a circulação de dádivas serão materializadas. Por isto,
adentrar a casa de uma benzedeira ou um benzedor se converte em um momento
liminar: pois, ao sair a pessoa irá tornar-se outra na medida em que a percepção
de si e de sua situação poderá sofrer mudanças.
Acessando tais espaços enquanto antropóloga e potencial adepta, quando uma
oportunidade era posta, foi possível notar que a benzedura se mistura à vida co-
tidiana de modo singular em cada caso. O que significa repensar entendimentos
pré-concebidos sobre a relação entre aspectos sagrados e profanos, especialmente
aqueles apontados pelo senso comum em face da reprodução pelos interlocutores
de categorias hierarquizantes ou dicotômicas pautadas, em alguns casos, pelo jul-
gamento cristão. Se por um lado, as indicações revelaram, especialmente nas cida-
des menores, certa resistência em classificar como “benzedura” os procedimentos
rituais realizados em espaços coletivos como terreiros, centros e outros locais de
culto. Por outro, nem sempre podendo ser fotografados, os locais indicados para
sua realização contemplam desde consultórios reservados ou a separação de um
cômodo da casa para acolher também esta função. Assim que outro aspecto a ser
desmistificado tem a ver com um padrão na composição espacial ou na disposição
dos elementos – religiosos e não religiosos – que são integrados à cena sagra-
da. Isto é, não se pode dizer que para identificar uma benzedeira ou benzedor
deverá haver um elemento em específico que o caracterize como tal haja vista
que tal dinâmica tensiona os limites entre entendimentos polarizados acerca de
suas dimensões constitutivas diante da especialidade de cada agente e de suas
condições de atendimento. E, principalmente, tampouco a presença de alguma
coisa caracteriza determinado agente de antemão enquanto mais ou menos sa-
grado; ou caracteriza um uso padronizado em relação às tecnologias corporais e
materiais em geral.
Onde a benzeção ocorre são constantemente negociadas as fronteiras entre
a vida privada e a vida pública de cada agente que acolhe pessoas desconhecidas
em sua casa, mesclando nesses ambientes os limites entre interior e exterior; ou
mesmo as noções de propriedade, ao passo que a dádiva permite o compartilha-
mento não só de suas casas como dos recursos em sua totalidade – como parte
do ofício, onde o dom está associado à vocação para a caridade. Então a produção
das dádivas em forma de bênçãos e curas acionadas pelo saber-benzer também é
modulada pelos espaços, e estes têm suas raízes no mesmo terreno, o das trocas
afetivas, materiais e simbólicas. Nesta direção, tanto a dinâmica do ritual é in-
fluenciada pelo espaço e organização dos locais de habitação de quem se dedica

185
ao ofício, quanto estes espaços são constituídos através de vínculos entre todas as
linhas emaranhadas.
No amálgama da experiência, tais espaços são igualmente atravessados pelos
entendimentos sobre as doenças e aflições na medida em que o ritual adentra os
locais de habitação desses agentes. O que é mais comumente observado do que
o deslocamento do agente até o local do atendimento, com exceção de casos de
pessoa com pouca ou nenhuma mobilidade. Isto leva ainda a refletir sobre as prá-
ticas, a criação e reprodução de símbolos e elementos religiosos ou de culto nesses
cenários (Cf. ILHEO, 2018, p. 60ss). Há casos em que estão presentes altares e
espaços sagrados bem delimitados, e casos em que não se podia notar nenhum
altar ou qualquer diferenciação entre espaços domésticos e espaços de benzer,
através de elementos religiosos. O ritual pode ser feito dentro de contextos deli-
mitados como salas de atendimento ou consultórios espirituais, destinadas espe-
cificamente para este fim; sendo a diferença entre tais ambientes bem delimitada,
mesmo coexistindo com o espaço doméstico. Ou ainda, a depender do procedi-
mento, em espaços domésticos como o quintal, na sala ou na cozinha. Tudo isso
mobiliza também coisas do cotidiano da casa e vai modulando sua dinâmica em
situações como receber as pessoas a serem atendidas, seja na sala de uso comum
da família ou em outros cômodos.
Dentre estes espaços domésticos, os quintais ganham importância no con-
texto da benzedura, por um lado, porque é através deles que as pessoas acessam
os ambientes da casa ou o consultório. Por outro lado, além de uma dimensão
ornamental, oferecem a conexão com a terra e sua possibilidade de renovação da
vida através do cultivo de pequenas hortas com espécies decorativas, alimentícias
e medicinais. Tampouco as interações e manejo de plantas medicinais obedecem
a algum padrão, considerando que, entre agentes, algumas pessoas se apropriam
de ambos os recursos, adeptas da medicina natural tanto quanto sua associação
com aspectos espirituais. Outras não fazem uso ritual de plantas, mas podem se
beneficiar de suas propriedades com uso interno e externo. Ou mesmo quem não
aplique as plantas para fins medicinais nem rituais. Contudo, o uso de plantas
na benzedura contempla espécies específicas – consideradas potencializadores do
poder de quem realiza o ritual – que, muitas vezes, são cultivadas em canteiros ou
vasos; os quais podem ser improvisados com material reciclado como latas, garra-
fas de plástico ou caixas de leite, apontando para uma capacidade abrangente de
formular arranjos e rearranjos junto às coisas, sempre as ressignificando.
Já no âmbito doméstico, a cozinha também é importante para compreender
esse fluxo ao passo que opera enquanto um espaço de preparo e transmutação,

186
associada não só ao cuidado e à alimentação, como também à comensalidade e ao
acolhimento. Assim que se torna um espaço liminar e de trocas, como um por-
tal, podendo funcionar como um local onde as pessoas são recebidas e aguardam
por atendimento, mas também onde o ritual se realiza – especialmente os que
necessitam do auxílio de fogão, seja para preparar alguma receita, esquentar algu-
ma substância ou retirar brasas, por exemplo. Além do fogo, o acesso à água e à
proximidade com a terra do quintal, permitindo a chegada e a saída de coisas para
fora, são fatores que endossam tais possibilidades. Somado a isto, tem-se ainda a
organização dos elementos dentro da casa, com o agrupamento dessas coisas entre
outras coisas da mesma categoria, considerando as diferentes interações possíveis
em relação a uma mesma categoria. Ou seja, tomando como exemplo uma pe-
neira: é utilizada para cumprir funções que incluem escolher, separar ou escorrer
algum alimento; mas também pode ser vertida em um instrumento para caçar
Saci-Pererê, se jogada contra um rodamoinho ou também auxiliar na benzedura
para tirar o sol da cabeça. Neste sentido, uma peneira que é utilizada para benzer
não é apropriada para cozinhar; mas todas elas são, na maioria das vezes, com ex-
ceção de algum caso específico, armazenadas juntas nestes ambientes. O mesmo
vale para outros objetos domésticos que vão, aos poucos, rompendo com a ideia de
que cada coisa é estanque e tem sua função pré-concebida – igualmente se dá com
a noção de artigos passivos e utilizados como um artifício mecânico, juntamente
com os gestos rituais e orações.
Reconhecer que elas importam, neste contexto, diz respeito ao sincretismo
inerente à vida cotidiana que toca não só a produção, como os significados e a tra-
jetória das coisas de modo criativo; assim emaranham-se benzedeiras e benzedo-
res a sua própria circulação através desses espaços. Por meio destes entendimentos
constantemente disputados se mesclam os limites entre percepções consideradas
noutros tempos enquanto crendices e supertições aos conhecimentos simpáticos
e da medicina popular, contemplando elementos naturais ou sagrados. A expe-
riência artesanal da feitura do ritual vai costurando e viabilizando a circulação de
dádivas de modo a constituir as bases materiais das experiências sensoriais envol-
vendo o benzimento. Não há, neste sentido, uma configuração pré-definida do
jogo de relações que compõem tais experiências porque as dobras entre dimensões
como trabalho e família incorporam questões como a religião, a magia, a ciência
tanto quanto assuntos relacionados à memória e identidade coletivos se dão con-
forme expressões subjetivas. O espaço das coisas aponta para a presença de dife-
rentes mediações que modulam os aspectos da experiência, incluindo a percepção
estética dos espaços onde ocorrerá o ritual.

187
A disposição desses elementos reflete a constituição das casas, apontando ao
mesmo tempo para o pluralismo característico do catolicismo popular, que se
converte em fator relevante para a delimitação dos espaços de atendimento, mas
também da sacralidade dos espaços domésticos. Isso reverbera o fato de que, na
prática, não há uma separação entre um pensamento holístico e integrado dos
seres vivos de uma visão sacralizada das coisas, assim como a composição entre
coisas cujo significado concebido pelo senso comum é reformulado a fim de con-
duzirem as dádivas. Por outro lado, coloca em pauta o processo por meio do qual
essa dimensão sagrada vai sendo tecida com a presença dos elementos cotidianos
– os quais contemplam muito mais que os elementos religiosos relacionados a
uma denominação ao priorizar menos seu uso ortodoxo que a análise de cada
situação específica para determinar a coisa que ela pede. A costura artesanal das
noções de magia, religião e saúde faz com que estratégias sejam desenvolvidas não
só em relação às interações produzidas através das coisas, como também relacio-
nadas a preocupações com a organização, a decoração e a manutenção dos espaços.
Sobretudo, esta disposição transcende uma ou outra religião; isto é, não se pode
dizer que uma ou outra vertente seja mais ou menos “coisada” e sim que todas elas
se constituem por suas próprias coisas, que constituem seus contornos.
Um desses espaços – significativo também durante toda a própria infância em
Campestre, nos anos noventa – era a casa da benzedeira Dona Lia, falecida em
2011, que era minha bisavó (Cf. ILHEO, 2018, p. 19); ali a benzedura não era
realizada em um cômodo específico. Primeiro, é preciso considerar um espaço de
chegada e passagem, onde tudo era compartilhado. Isso incluía família, conheci-
dos, hóspedes e mensalistas de uma pensão simples da qual cuidava; e pessoas da
comunidade, como Companhias de Folias de Reis (IMAGEM 19), grupos de
oração ou, mais frequentemente, pessoas em busca de benzimento. Neste sentido,
tratava-se de um local de cuidado por diferentes razões. Os eventos ou problemas
familiares mais ou menos graves, passavam inevitavelmente por ali, reunindo nú-
cleos diversos como uma típica família de ascendência italiana, sendo ela mesma
a matriarca. Além de fornecer refeições de comida caseira conforme demanda,
eram assistidas pessoas que chegavam à cidade e buscavam um ambiente familiar
para passar uma temporada; mas qualquer pessoa que entrasse buscando um prato
de comida nunca saiu com a mão vazia. A alimentação era central, mas também
a reza e as questões relacionadas à saúde eram acolhidas naquela casa: era um
ambiente dinâmico pelo qual circulava muita gente, e que contava com muitos
cômodos; onde o portão principal nunca esteve fechado para quem quer que fosse
e havia muitas cadeiras, mesas e sofás para que as pessoas pudessem se sentar. As-

188
sim que a habitação era composta por segmentos e havia uma parte dos quartos
junto com o banheiro e a despensa, anexos ao espaço chamado de “casinha”, que
consistia em uma cozinha com fogão à lenha; e outra com a parte reservada para a
sua habitação e também eram recebidos hóspedes com mais intimidade ou moças
solteiras.
Na entrada as pessoas se deparavam com um canteiro na lateral do quintal
que conduzia até a casinha: do lado de dentro a cozinha principal e funcional, e
do lado de fora uma mesa e também um banco de cimento e outro de madeira;
ali a maioria das pessoas que buscavam benzimento era recebida. Quando o es-
paço interno da casinha estava sendo ocupado, a cozinha da casa era escolhida
por haver uma mesa e estar separada dos quartos principais. Os quartos perto da
cozinha interna eram escolhidos nos casos de benzer a algum familiar ou pessoa
com bastante intimidade, mas, sobretudo, quando se tratava de partes do corpo
mais sensíveis. Na casa não havia um altar ou imagens, com exceção de um cru-
cifixo na parede do batente que dava acesso à sala – onde ela costurava assistir as
missas pela TV, assim como fazer suas preces – e poucos artigos religiosos em sua
disposição, incluindo aqueles de uso pessoal como terço, por exemplo. O quin-
tal continha ainda o canteiro com algumas variedades ornamentais e medicinais:
umas utilizadas no ritual e outras em forma de chás. Ele era complementado no
lado oposto pela horta e as plantas para consumo interno como frutas, temperos
e hortaliças.
Em cada casa pode ser observada uma lógica para a circulação de pessoas pelos
espaços domésticos de atendimento – além de moradoras, familiares, conhecidos
ou clientes. Outro caso se mostra na visita ao benzedor campestrense conhecido
como Zé Corina, falecido em 2017, alguns meses após ser brevemente entrevista-
do devido à idade já avançada em seus noventa anos. Com a indicação e a compa-
nhia de uma figura do convívio familiar, a amiga de minha avó chamada Dalila e
já frequentadora de longa data da casa, fomos recebidas através do quintal por sua
filha. Neste mesmo quintal, conforme relatado por outras pessoas indicadas pela
mesma mulher, eram recebidos cachorros levados para serem atendidos em nome
de São Francisco de Paula. A mulher nos conduziu até a pequena sala onde havia
dois sofás e uma estante – com o rádio, além de algumas fotografias da família e
quadros com imagens de paisagens na parede; ali também estava sua Bíblia, que
era o seu instrumento de benzer.
A casa simples, com dois quartos também pequenos, estava tomada pelo cheiro
de café que o benzedor havia acabado de coar, sendo que foi encontrado perto da
pia da cozinha tomando pequenos goles em um copo de vidro. Com algum es-

189
forço para balbuciar, ele disse poucas palavras sobre como costumava benzer; elas
foram suficientes para compreender que todos ali compartilhavam de sua humil-
dade e eram cuidados com amor, ao qual ele se dedicava desde sua mudança para a
cidade, indo da zona rural para residir naquele local com a esperança de conseguir
melhores condições para os seus. Incluindo o filho que possuía necessidades es-
peciais e nenhuma mobilidade, assistido por ele junto com a filha; a condição do
homem o impedia de caminhar, mas não de contemplar o fluxo que atravessava
seu entorno e era testemunhado silenciosamente.
O aconchego e a simplicidade nos lugares em que as trocas cotidianas vão se
desdobrando sem cerimônia, ritualizadas de forma complexa, reforçam o fun-
damento da dádiva através da doação e do compartilhamento do que possui, ao
passo que a retribuição desobrigada alimenta o ciclo quando recebem suas curas
e bênção ou mesmo graças. O ritual se materializa junto à tarefa de habitar enqua
nto as pessoas cozinham, comem, limpam, dormem, entre outras ações cotidianas.
Desta forma, vai além dos mistérios no fundo doa quintais, envolvendo a lida
com a terra e o manejo da vida a partir dela e contribuindo para o crescimento de
plantas alimentícias e medicinais, além de ornamentais; bem como sua circulação
como dádivas, doadas ou recebidas dos adeptos como retribuição. Também reflete
de apropriação do espaço doméstico relacionado mais com saberes e ofícios plu-
rais que com consumo de produtos industrializados e de serviços, que aparecem
de forma complementar à necessidade particular e não a ela se subjuga. E ainda
ilumina os modos de vida, tanto quanto as muitas formas de vida: plantas, animais,
elementos naturais, pessoas, coisas, entre outros. A economia dessas trocas sim-
bólicas e materiais, destarte, é pautada pelo contato estreito com a natureza e um
modo de produção artesanal que possibilita o convívio sustentável entre eles de
forma que suas características individuais sejam lidas em relação ao sistema, mas
também integrando-as em planos cosmológicos mais amplos. Portanto, as curas
e bênçãos também se tornam sistêmicas na medida em que atravessam múltiplas
dimensões dessa trama. Disto resultam também contextos singulares para o fluxo
de informação e comunicação que não se reduzem à oralidade e sim se complexi-
ficam com a incorporação de novas tecnologias com o passar dos anos; sendo eles
igualmente operando influencia sobre aspectos performáticos dos procedimentos
rituais e espaços de realização.
Este clima caracterizava a casa da benzedeira Luiza “Teresinha”, nome este
pelo qual era reconhecida por sua atuação em Campestre, encerrada com seu fale-
cimento no fim de 2020. Ao chegar a sua casa através das ruas asfaltadas da cida-
de, as pessoas eram recebidas no quintal povoado de plantas – algumas medicinais,

190
ainda que ela tenha afirmado não empregá-las junto com o benzimento –, além de
utensílios domésticos (IMAGENS 20 E 21). As coisas dispostas sinalizam não só
um processo de reaproveitamento, criando um novo sentido de uso para alguma
delas; como também para aspectos da vida e das tecnologias utilizadas para rea-
lizar as tarefas básicas do lar e satisfazer as necessidades vitais de seus habitantes.
A trajetória de cada coisa então pode contar uma história, sendo testemunha da
história de quem ali vive através de seus vínculos e associações.
A passagem se dava por uma cozinha rústica feita de madeira, de onde era
possível ver das janelas a paisagem montanhosa de uma parte da cidade loteada,
porém sem construções. Ali havia a pia, filtro de água e utensílios distribuídos em
armários e prateleiras – como panelas, potes e toda a louça –, também um fogão a
lenha vermelho (IMAGEM 22). O espaço da cozinha é associado por ela com a
benzeção através das coisas porque ficam mais acessíveis – já que são postas agru-
padas junto com outras do mesmo tipo, mas guardadas para finalidades rituais es-
pecíficas. Mais importante ainda, como observou, seria o fato de que a benzedura
não deve se realizar em qualquer lugar da casa devido aos aspectos relacionados
à circulação do mal (Cf. ILHEO, 2018, p. 61). Isto é, se o mal é direcionado por
alguém ou desencadeado dentro das relações nas quais o alvo acometido está inse-
rido, é porque ele se movimenta; assim é possível retirar ou subtrair esse problema
por meio dos procedimentos específicos contidos no ato de benzer. Por isto, men-
ciona que é preciso concluir o ritual de forma adequada para que estes ônus não
permaneçam alojados nos locais em que ocorreu e tampouco acometa a pessoa
especialista que o conduz, evitando assim que possa lhe afetar em um momento
em que estivesse desprotegida como, por exemplo, dormindo ou em situação de
saúde fragilizada, ao que seria somado este outro fardo.
Nesse sentido, a cozinha é concebida como um espaço que permite o fluxo
também do mal e facilita procedimentos que necessitam de água ou de fogo – am-
bos elementos indicados para acabar com este mal, seja por colocá-lo de volta em
um fluxo através do qual se purifica ou queimá-lo. Enquanto a cozinha de madeira
permite a passagem das pessoas e de preparação do gerenciamento das etapas, o
ritual em si era direcionado para uma segunda cozinha, como uma sala de jan-
tar; assim, quando chegasse sua vez de benzer, a pessoa era levada até um espaço
onde estava uma mesa com quatro cadeiras, ao lado de uma janela (IMAGEM
23). Além de alguns armários e estantes com mantimentos e pertences, operando
como despensa, a geladeira também ficava neste cômodo; acima dela era possível
ver um relógio com duas faces, uma marcando as horas e levava algumas flores
douradas em um ramo pintado na parte inferior enquanto a outra continha es-

191
tampada a face de Jesus, com traços caucasianos e cabelos claros que seguiam em
um tom semelhante ao fundo do desenho, contrastando com as vestes azul e rosa.
Poucos centímetros adiante desta peça estavam duas imagens de gesso, as únicas
que se podia ver. Eram uma estátua da Virgem Maria de braços abertos, pintada
com suas vestes nas cores azul e branca, em referência à figura materna e sua po-
sição na cosmologia cristã. E outra de São Lázaro, uma imagem de um homem
com sinais de idade avançada e o corpo coberto por feridas nas partes descobertas
pelo manto marrom, que cujo simbolismo evoca a pobreza; apoiado por um par de
bengalas, é representado rodeado por cachorros e por esta simbologia é evocado
para benzer estes animais – e pode ainda remeter ao seu coração sensível à doen-
ças e à miséria de seu próximo, tal como pretendia a velha benzedeira.
Na parede estava disposto um calendário antigo que continha a imagem de Jesus
e José em peregrinação pelo deserto; e no batente do corredor estavam dispostos
alguns quadros decorativos com elementos religiosos (IMAGENS 24 E 25). Entre
eles também estava uma ilustração da visita dos Três Reis à sagrada família, após
o nascimento de Jesus; outra representando o seu sagrado coração e o imaculado
coração de Maria; e, por fim, um texto de autoria atribuída à Madre Tereza de Cal-
cutá, cujo nome não aparece na imagem, contendo uma reflexão que conclui estar
no amor (Cf. ILHEO, 2018, p. 61-62). Estes elementos dispostos no entorno do
portal assinalavam aspectos sagrados através das pequenas sutilezas ligadas ao habi-
tar e – na medida em que davam acesso aos outros cômodos da casa, que incluíam
uma sala, quartos e banheiro – também deixava marcado um limiar da privacidade
doméstica, preservando uma parte do espaço delimitado à intimidade.
Além de um sentido puramente estético, a presença das coisas pela casa vai cons-
tituindo a sacralidade desse espaço. Através delas e de suas próprias biografias se
materializa uma sobreposição de dimensões como a das biografias pessoais e a dos
aspectos simbólicos ligados à crença individual ou coletiva. Deste modo, ao mesmo
tempo em que ressignificam os sentidos de onde são colocadas, também são refor-
muladas em relação à trama da bezeção si. No caso de dona Teresinha, elas remetem
à cosmovisão cristã e ao segmento católico, podendo ter sido adquiridas diretamente
a partir de caminhos percorridos através do circuito devocional; ou ainda indire-
tamente, convertidas em retribuição pelo ritual ou como um presente por afeto e
extensão de graças recebidas – um exemplo disto é quanto alguém vai a algum lugar
sagrado e retorna com artigos religiosos temáticos para distribuir.
Ao mesmo tempo em que a presença das coisas é inegável, todavia, elas apre-
sentam aqui um conflito ontológico entre o que é considerado tradicional e aquilo
que enquadrado fora deste plano. Sua compreensão contempla o papel de artigos

192
religiosos em suportes diversos, bem como recursos para além da oralidade, como
o rádio e a televisão, por onde podia inclusive assistir à missa. Mas a aceitação
dessas coisas passa pela percepção subjetiva do que é sagrado; para ela, isto inclui
quadros, imagens, chaveiros e outros, associados a contextos sacralizados, refletin-
do a religião como uma categoria importante para modular o senso estético. Tal
experiência – representativa da maioria dos campestrenses e também da realidade
caldense, botelhense e poço-fundense, especialmente entre idosos – se vinculava
exclusivamente ao panteão católico; ou seja, a Santíssima Trindade, a Sagrada
Família, os Reis Magos, os Santos. Este cenário, por conseguinte, remete a dois
aspectos relevantes para o plano regional: o primeiro é a incorporação das coisas
na experiência ritual, mas as coisas relacionadas à experiência a partir da matriz
cultural católica; o segundo, o entendimento desses artefatos como representação
do imaginário devocional, mas a condenação de aspectos “materiais” da religião e
da magia. Assim, a benzedeira não atribuía às coisas um papel direto na benzeção,
mas as considerava ao mesmo tempo como auxiliares aos atos performativos; sen-
do, em alguns casos, imprescindível a utilização de objetos específicos e estando
sua capacidade de mediação menos atrelada às propriedades inerentes e mais às
operações simbólicas tecidas.
Uma compreensão semelhante é tida pelo benzedor Waldir no que se refere
aos espaços e à circulação do mal; ele entende que um local separado da vida do-
méstica – o que não significa alheio dela – previne que os fatores extraídos e os
problemas relacionados ao que o ritual carrega lhe aflijam, mas também contribui
positivamente para sua realização ao criar um invólucro sagrado.
No quintal de casa então tem sua capela, uma construção com um banheiro ex-
terno e dois cômodos: uma pequena antessala que, através de uma porta, dá acesso
ao espaço do ritual; ali ficam localizadas algumas cadeiras na parede e, em frente,
um altar composto por duas mesas encostadas na parede e um nicho suspenso
logo acima, com duas prateleiras. O seu núcleo central está em uma peça fixada
no centro da parede e que remete ao formato de uma casa (IMAGEM 26); junto
com duas mesas se constitui como um balcão de apoio para outros objetos de tra-
balho como os cadernos em que anota o nome das pessoas atendidas. As imagens
do entorno operam para a extensão deste altar para as paredes perpendiculares
e, por conseguinte, por todo o espaço. Nesta parte se concentram estatuetas de
santos diversos feitas com gesso e outros materiais, incluindo figuras femininas
– como Santa Rita, N. Sra. Aparecida, N. Sra. Desatadora dos Nós e outras re-
presentações marianas – e masculinas, como Cosme e Damião, São Benedito, São
Francisco, São Jorge, São Longuinho, entre outros. Nela uma pequena parte das

193
quase quatrocentas imagens que reúne está colocada, a outra parte guardada em
sua casa como um acervo pessoal derivado da circulação de dádivas entre as quais
elas mesmas foram dadas em retribuição, como agradecimento aos problemas que
tratou.
Além de velas, crucifixos, e terços de tamanhos variados, há quadros com ima-
gens que remetem sobretudo às figuras de Jesus e Maria, algumas fazendo re-
ferência ao Sagrado Coração. E incluem também figuras carismáticas da Igreja
Católica como o Papa João Paulo II e o campanhense Padre Victor – alcunha de
Francisco de Paula Victor, beatificado em 2015 e conhecido no sul de Minas por
ser o primeiro descendente de escravizados a tornar-se padre de que se tem notí-
cia, bem como por suas obras de assistência e caridade. Sua relação pessoal amis-
tosa com a Igreja favorece pela mediação de uma perspectiva favorável à realização
do benzimento por parte desses clérigos com quem teve contato ao longo de sua
vida. Um dos testemunhos desses vínculos é uma bola de cristal murano, apontada
como um presente de um Padre curado por ele e, posteriormente, seu amigo.
Outro aspecto interessante citado por ele se refere às coisas e sua atuação como
testemunho diz respeito às anotações feitas por ele dos nomes dos clientes. Uma
vez que registram informações referentes a um assunto de ordem sagrada, não
podem simplesmente serem descartadas; a solução encontrada por ele foi enviar
periodicamente os cadernos que preenche para o Santuário em Aparecida do
Norte afim de que se mantenham em domínio sagrado, mas também sirvam de
evidência para as dádivas produzidas através de sua vida.
Na antessala, chamam a atenção um quadro com a imagem da visita dos três
Reis Magos à Sagrada Família e uma bandeira, da qual fica a cargo a recepção dos
adeptos; assim, recorda através dela as curas, bênçãos e graças alcançadas através
das Folias em que atuava como Mestre. No espaço onde o acolhimento caracterís-
tico de um lar é pretendido, ainda estão presentes coisas como um filtro de barro
– para as pessoas que chegam com sede terem acesso à água, e também para mais
facilmente ter em mãos um copo cheio para realizar os procedimentos de forma
adequada.
Nota-se que em tal espaço estão dispostas peças variadas que constituem os
detalhes sagrados e, combinadas, não são meros enfeites: nesse sentido, são vistas
como materialização da fé; importa mais a forma como são ressignificadas na
medida em que se envolvem no sistema de trocas e menos o seu valor mone-
tário. Neste caso, tanto artigos religiosos como materiais específicos domésticos
ou pessoais vão compondo uma narrativa que emaranha o próprio especialista e
sua trajetória, as pessoas curadas e todas as dádivas envolvidas nas etapas rituais.

194
Tudo isso reforça uma forte relação mantida com a não só por sua participação
enquanto leigo, como também pelo vínculo com membros do clero; mas, acima de
tudo, por sua fé católica inabalável. As coisas, em sua visão, são essenciais para a
constituição da sacralidade desse espaço bem como para a prática, sendo mobili-
zadas conforme a necessidade e a criatividade ao longo de suas etapas – do diag-
nóstico até as ações específicas, além das trocas anteriores e posteriores ao ritual.
Elas vão sendo conectadas, agregadas e recolocadas conforme a dinâmica mediada
pela produção de bênçãos e curas. Na medida em que atravessam o fluxo sagrado,
passam a circular a partir da lógica das dádivas e, então, tornam-se sagradas em si
mesmo. Portanto, nenhum artefato ou substância é essencialmente sagrado, mas
assim se torna a partir dessas associações com as habilidades desenvolvidas por
cada benzedor ou benzedeira.
A visão e todos os sentidos particulares de especialistas para a composição de
um consultório para atender às pessoas e desenvolver suas atividades ajuda a com-
preender seu entendimento a respeito das coisas e como isto se reflete na organi-
zação do espaço. Dito de outra forma, a seleção e a disposição dos elementos nes-
ses espaços passam pelo fluxo de dádivas e pelo senso estético de cada um deles.
Na casa da benzedeira Dona Tereza, também em Campestre, se nota outra
configuração possível: após adentrar em sua casa e, eventualmente, esperar na sala
de uso comum da casa, sentado em um dos sofás, para ser atendida a pessoa entra
em um cômodo chamado de consultório. Logo em frente à porta de entrada no
mesmo corredor que dá acesso aos quartos, uma mesa com duas cadeiras é onde
acomoda seus clientes, que ficam sentados bem ao lado de uma janela: sob ela fi-
cam dispostas coisas como o caderno para anotações do contato e de informações
como problema e procedimentos; canetas; cartas de tarô e sua principal devoção
– Santa Edwiges (IMAGEM 27). Nas duas outras paredes, são colocadas mesas
encostadas que lhe servem como altar, em formato que remete a um L. O que se
notou foi que a disposição dos elementos não é fixa; contudo, algumas peças que
são colocadas em primeiro plano permanecem em evidência, enquanto as que se
podem se somar posteriormente são colocadas em torno delas da forma como
melhor se encaixe.
Na primeira visita, ainda em 2015, havia contra a porta um calendário e um
pequeno duende de gesso, carregando uma lanterna na mão como algumas figuras
míticas; na parede duas imagens em quadros, uma do Espírito Santo e outra de
São Pedro, o apóstolo fundador da Igreja Católica. Quando a segunda visita ocor-
reu mudanças já tinham sido operadas (IMAGEM 28); na terceira, outra mesa
havia sido adicionada, preenchendo o espaço do altar sem lacuna em relação à

195
parede (IMAGEM 29). Em todas as visitas as mesas estavam forradas com toalha
branca rendada, sob elas também permaneceram elementos como pires e fósfo-
ros para acender velas ou incensos, além de vasos de flores, colares guias e fitas
coloridas. Uma mesa, logo ao lado da porta, permanece com a função de guardar
alguns folhetos e cartões de visita que entrega imediatamente a quem sai. Na
outra, ficam permanentemente dispostas imagens de santos de orixás – cuja posi-
ção não é permanente e sim constantemente recombinada, com exceção de uma
segunda imagem de Santa Edwiges que fica localizada em uma pequena elevação.
Neste altar, além desta, estão presentes imagens em gesso e resina recebem des-
taque devido à sua proporção, como a de Santa Rita de Cássia. Em um tamanho
intermediário estão outras figuras como Jesus e o Menino Jesus de Praga, N. Sra.
Aparecida e Iemanjá. Já outras são menores e incluem a Sagrada Família, Cosme
e Damião, São Jorge, Santo Agostinho, N. Sra. de Fátima, os Arcanjos Gabriel e
Rafael, entre outras.
Além de objetos como santinhos dedicados às suas devoções – que são coloca-
dos em evidência nesse espaço em ocasião de uma comemoração ou intenção es-
pecial, como novenas ou promessas –, ela faz questão de incluir as imagens como
uma forma de representar aquilo que acredita, mas também de fazer presentes as
pessoas já falecidas, sobretudo aquelas carismáticas e que detinham grande poder
de cura. É o caso de seu marido que era um médium dedicado, cuja foto faz parte
do panteão cultuado em suas preces diárias.
Dona Tereza, coloca as imagens em tais suportes, assim como muitos outros
símbolos religiosos, dentro de um contexto de crença e devoção, bem como um
sistema de dádivas que é movido pelo que considera ser a fé, que é compartilhada
com os adeptos. As coisas, para ela, adquirem capacidade de veicular o sagrado
porque são mobilizados a fim de materializar a presença divina no coração dos
especialistas em benzer. Por isto, os profissionais intercedem pela cura e trabalham
junto com as coisas para que o ritual ocorra, de modo que ele não depende das
imagens e sim de fé. Nesse sentido, as coisas não podem adquirir um status mais
importante senão que figuram em complementaridade aos gestos e orações rea-
lizados. Já outros rituais como as simpatias, elas continuam operando enquanto
veículos de seu poder e mediadores da conexão entre forças superiores e as dimen-
sões permeadas pelos conflitos em que deve atuar, mas não estão concebidas na
lógica de dádivas. Em rituais oraculares como os jogos de cartas, além de também
não operarem em função de prestações voluntárias e dons, as coisas fornecem
parâmetros para interpretar determinado evento relacionando seu significado a
um contexto mais amplo. Todos os fatores reiteram ainda o fato de que as coisas

196
não têm poder por si só, e sim têm sua potencialidade construída constantemente
através desta trama.
Apontando para um vetor que sai do campo religioso e tangencia as dobras
da malha de relações em sua totalidade, as coisas sinalizam para uma tensão entre
certas práticas vistas como concorrentes e apontam processos em escalas mais
amplas. Em vista da trajetória de cada um destes especialistas, operando uma cor-
respondência entre coisas consideradas não sagradas e procedimentos realizados
junto a elas, o reconhecimento de outras práticas como legítimas ou não pressu-
põe a interpretação de outras vertentes como “desviantes”. Nota-se ao nível micro
regional o consenso, a adesão e uma incorporação relativa de materiais diversi-
ficados tanto nos espaços, como nas etapas rituais e entre as dádivas. Assim que
artefatos como estatuetas e quadros de santos católicos ou terços, por exemplo,
têm seu papel sagrado coletivamente reconhecido; o que, por sua vez, está relacio-
nado à prática católica acionada para realizar o benzimento. Por outro lado, uma
desaprovação à presença de signos preconcebidos como marginais a essa crença;
ou seja, as práticas esotéricas e neoesotéricas e, historicamente, as práticas espíri-
ta e especialmente as de matriz africana. São bastiões desta associação anúncios
impressos; artefatos religiosos de uso cerimonial coletivo; búzios, cartas, cristais
e outros oráculos; mas também imagens de outras divindades como orixás, ou
mesmo qualquer material que esteja associado a procedimentos como amarrações,
simpatias ou trabalhos.
Nas cidades pequenas que ainda são majoritariamente católicas, uma resistên-
cia se torna mais sobressalente, enxergando certa profanação da tradição enquanto
consequência da urbanização e de processos de modernização. Em linhas gerais,
além do contexto em que vive o especialista em benzer, é preciso considerar o fato
de que os idosos provêm de uma tradição católica em seu segmento popular – que
heterogeneamente compõe o repertório das práticas individuais com celebrações,
ritos e atos devocionais – e a maioria apresenta pouca mobilidade religiosa, con-
servando-se fieis e, ao mesmo tempo, abrindo para a convivência com a diversi-
dade religiosa. Especialmente entre idosos, nota-se ainda certa tendência a serem
menos tolerantes com a mercantilização do ofício em especial quando se dá entre
vertentes não católicas. Neste sentido, está em disputa a todo tempo o que é e o
que não é aceitável a partir dos referenciais coletivos compartilhados. As coisas,
por sua vez, servem como baliza para que adeptos identifiquem em relação à sua
própria experiência o que é ou não sagrado, sendo menos tolerados os elementos
associados às denominações religiosas minoritárias.
Por um lado, há um estigma religioso materializado através do entendimento

197
das coisas e este entendimento pauta a significação da benzedura, fazendo com
que hierarquizações sejam reproduzidas mesmo entre agentes populares e sem li-
gação institucional. Por outro lado, tem se tornado cada vez mais recorrente acerca
de sua prática relacionada a qualquer vertente uma interpretação compartilhada e
difundida, especialmente entre as parcelas evangélicas mais radicais; ela considera
que sua realização seria um desvio dentro de todas as denominações religiosas. Al-
guns endossam essa perspectiva afirmando que se trata de charlatanismo e apro-
veitam para promover uma visão fundamentalista de que se deve combater a esse
tipo de prática tendo como pressuposto o caráter universal de sua interpretação
particular do Evangelho. Provocando diferentes efeitos, colocando-se enquanto
nocivas em maior ou menor grau, ambas as visões convergem para a fetichização
do ritual ao aproximar a conjunção entre especialistas, os procedimentos específi-
cos e os materiais necessários para operacionalizar cada ação de um pensamento
tido como primitivo – com as coisas subjugadas a um caráter simbólico predomi-
nante através do qual a elas se atribuem poderes sobrenaturais e a capacidade de
provocar alterações sobre a realidade.
O problema real que esta perspectiva acarreta, muito além da incompreensão,
envolve a intolerância religiosa – ao que ocasionalmente se somam outros precon-
ceitos associados à classe, à raça e etnia, ou ao gênero e orientação sexual. Esse pre-
conceito infundado e pautado em uma postura fundamentalista tem se desdobrado
na vizinhança e nas relações cotidianas desde muito tempo e, mais recentemente,
assume uma nova roupagem com sua presença através de conteúdo divulgado ou de
discussões travadas por adeptos e não adeptos nas redes sociais. Desafortunadamen-
te, o caráter persecutório ainda é um fenômeno vivo e se traduz de formas veladas
no cotidiano dessas pessoas que se dedicam ao ofício antes de chegar a episódios
extremos de violência. Portanto, ao discutir sua materialidade também se espera
desmistificar tais equívocos e contribuir para o respeito à diversidade da benzedura.
“Truques” para benzer
Além do que se relaciona à divulgação, à organização e à apropriação do espa-
ço, benzedeiras e benzedores desenvolvem outras estratégias ao desempenhar seu
ofício. Entre elas estão os critérios individuais estabelecidos para conferir regulari-
dade ao horário de atendimento, operando uma divisão do tempo entre o período
em que realiza trabalho doméstico ou outros trabalhos rituais e o período em que
atende; caso isto não esteja bem delimitado, a maioria cita que a demanda não
para de chegar e pode tomar conta de sua vida de modo a não deixar que façam
nada além disto.

198
Nesse sentido, alguns dias estão proscritos como parte de uma conduta que
guarda feriados e dias santos para o descanso, ou mesmo os finais de semana.
Mas não é um consenso a regra de respeitar tais dias como, por exemplo, o tempo
da Quaresma: alguns especialistas continuam a receber adeptos, enquanto outros
preferem se poupar nesse momento, reservando-o para um exercício de reflexão,
contemplação ou de penitências. Essa indicação, contudo, pode ainda ser dada ou
revelada desde uma conexão com o plano divino – como é o caso da benzedeira
Marizeth, que recebe clientes no espaço reservado de sua casa em Poços de Caldas
apenas as quartas e as sextas-feiras, quando as visitas estão autorizadas pelas en-
tidades que incorpora; exceto pelos quarenta dias que antecedem ao domingo de
Páscoa, quando fica em recesso. Os motivos alegados para isto incluem as próprias
preferências de entidades ou mesmo dos dias santificados, dentro dos quais se
deve desempenhar algum ritual, homenagem ou oferenda – e que devem ser res-
peitados dentro de uma conduta religiosa pelos adeptos. Mas contemplam ainda
determinado jeito observado ou transmitido, reproduzido por quem se desenvolve
no ofício como que um padrão de referência para a prática. Assim como a obser-
vação, o fluxo de assistidos também vai servindo como medida para estabelecer
tais critérios.
Para melhor contemplar este aspecto, a benzedeira Tereza de Campestre, por
exemplo, agenda previamente por telefone seus atendimentos presenciais, com
hora marcada entre nove da manhã e oito da noite de segunda à sexta-feira. O
senhor Waldir aponta que a quantidade de pessoas que se direcionam ao seu con-
sultório as terças e as quintas-feiras é variada, chegando a receber mais de uma
centena delas em um único dia. Diante do fato de que, muitas vezes, é impossí-
vel atender todo mundo, adota critérios como a ordem de chegada e a urgência
da situação para determinar quem será recebido primeiro – também realizando
sozinho todo esse trabalho de triagem. Ainda assim, afirma que é comum reali-
zar benzimento desde a hora em que acorda até conseguir completar os atendi-
mentos, sem hora para parar. Já Dona Teresinha apontou que, assim como seu
pai, que também era benzedor, ela não realiza o ritual aos sábados em nenhuma
circunstância porque é um dia reservado ao descanso. Então a senhora trabalhava
de segunda à sexta-feira, mas somente com o sol posto: segundo ela, a questão
do horário representava uma oposição entre a escuridão da noite, associada com
a noção de trevas e de tudo que é oculto, e as luzes do dia. Se o ato de benzer é
considerado como algo sagrado, então deveria se dar após o nascer do sol e cessar
quando de seu poente.
Tais estratégias também estão relacionadas com o desenvolvimento do ofício

199
em sua totalidade – envolvendo não só o trato e as trocas com os adeptos, como
a conexão e a comunicação estabelecidas com o sagrado. Mas, considerando o ato
de benzer em vista das ações específicas que cada problema impõe, se faz neces-
sário o desenvolvimento de habilidades específicas combinadas às orações e aos
procedimentos que podem ou não estar associados ao uso de determinada coisa.
Dito de outra forma, o desenvolvimento das habilidades associadas às ações espe-
cíficas (como costurar, cortar, puxar, tirar, queimar, etc.) consiste em um fator de
diferenciação entre benzedeiras e benzedeiras, uma vez que não só permite o seu
aprendizado, como ainda converte determinado agente em especialista em um ou
outro tratamento. Dessa forma, agentes da benzedura combinam a prece, também
técnicas corporais e tecnologias distintas para fazê-lo da melhor forma; portanto,
produzem e mobilizam conhecimentos das doenças e respectivos procedimentos
curativos, das coisas e de como, através do ritual, tudo isto se combina e transfor-
ma – incidindo diretamente sob a forma como a realidade é percebida.
No processo de ampliar essa compreensão é que cada pessoa adquire certa
consciência sobre os procedimentos específicos que só pode ser alcançada com a
prática e sua repetição sistemática. Pois somente ao fazer determinada coisa é que
se pode ter dimensão de como, afinal, ela deve ser feita: ou seja, uma ciência do que
é necessário para que a correspondência entre as ações, os materiais e os problemas
seja tecida de forma concreta é alcançada gradualmente; um pouco mais além, se
desenvolve um senso acerca do modo mais acertado para fazê-lo proporcionado
pelo desenvolvimento das habilidades práticas. O que está sendo posto como um
“truques”, portanto, tem menos a ver com uma encenação ou simulação que subs-
tituiria os aspectos performáticos do rito e mais com a educação da atenção para
uma percepção sensorial das condições em que se desenrolam tais etapas. Isto
envolve o reconhecimento do papel de cada coisa sem que uma distinção entre
sujeitos e objetos seja operada, mas sobretudo entendendo a complementaridade
que é engendrada a partir desse arranjo contextual.
Esses truques desvelam o que precisa ser feito através da percepção subjetiva
e de revelações ou visões recebidas por meio dessa experiência corporificada. E
também possibilita a identificação e a classificação das coisas com base no que
pode ser feito com elas; e mesmo de suas propriedades, não aquelas intrínsecas à
determinada substância ou artefato e sim aquelas construídas em meio à circula-
ção de dádivas, consagradas para tal fim. Nesta direção, significa em termos práti-
cos ouvir as coisas dizerem o que elas querem que seja feito com sua participação
colaborativa. Por isso, a correspondência estabelecida entre o que, como e com
quê curar não se trata de uma representação simbólica, mas da materialização da

200
doença e de sua cura através da oração graças às ações e materiais específicos em
sintonia no momento ritual.
Ao objetivar concepções abstratas, também ganham corpo entendimentos so-
bre o indivíduo, as relações coletivas, o espaço, o sagrado, entre outras coisas. O
que se entende diante disso é que a feitura da benzeção funciona como um me-
canismo catártico e contribui para a ressignificação dessa realidade com base em
tal vivência, bem como sua significação a partir de aspectos sociais que constituem
sua personalidade, mas também a trama em que tudo que está vivo compõe. Por-
tanto, tornar este processo evidente e colocar em perspectiva o desenvolvimento
das habilidades ajuda a elucidar o fato de que pessoas e coisas atuam juntas. Da
mesma forma, são constituídas e se constituem em meio a um processo histórico
que é atravessado pela passagem de um modo de vida rural para outro menos
ligado à natureza e mais ao consumo.
Simultaneamente, os corpos e todos os seres vão sendo recolocados em esca-
las ampliadas, o que tem implicações para as doenças e para uma transformação
no quadro de ocorrências tratadas. Na prática, isto significa que: se por um lado
há uma diminuição de casos relacionados a um modo de vida entendido como
rústico – como cobreiro e outros problemas associados às condições de habitação,
como verminoses –, por outro, tem-se em contrapartida o aumento de problemas
relacionados à vida contemporânea e seu ritmo acelerado, quando o trabalho se
torna cada vez mais precarizado e os bens essenciais cada vez mais difíceis de se-
rem garantidos. O que acarreta em aspectos que têm sido tratados por benzedeiras
e benzedores com muito mais frequência, como depressão, conflitos amorosos,
inveja ou dificuldade financeira.
Tudo isso contribui para uma sensação de crise que é relatada frente a tais
mudanças. Elas remetem a processos biológicos, físicos, psíquicos, espirituais e
sociais que envolvem: uma crise em relação ao ambiente, cuja dimensão é tanto
associada às crises climáticas como ao entendimento de seu lugar no mundo, o que
muitas vezes envolve a perda de raízes atrelada ao deslocamento geográfico e/ou
mudança brusca no modo de vida; em uma dimensão subjetiva, o conflito pode
ocorrer em face de sua inserção e da interação com outras pessoas ou ainda de
fatores comportamentais; outra interseção dessa crise pode estar no plano existen-
cial e diz respeito à relação com certa presença, que pode ser tanto a sua presença
própria no mundo como uma presença divina ou sagrada. O que disso reflete na
prática da benzeção trata de um exercício criativo derivado da necessidade que
cada especialista sente de atualizar seu repertório de truques e, consequentemente,
de coisas.

201
Atravessando diferentes regimes de produção e circulação, essas coisas incluem
substâncias e elementos naturais, tanto quanto artefatos produzidos artesanal ou
industrialmente. Além dos corpos encarnados e outros seres desencarnados, como
santos, entidades, espíritos ou encantados e cuja representação material pode se
dar de variadas formas – como estátuas, medalhas, desenhos e imagens em outros
suportes. Ao colocar tal categoria em evidência, o propósito ao qual se quer chegar
é a ampliação da noção de tecnologia, desvelando o processo de feitura do ritual
que tem como produto bênçãos, curas e mais dádivas.
Mais uma vez tomando de empréstimo as palavras de Tim Ingold, pode-se
sintetizar em uma única frase o que será argumentado em seguida: “Talvez a
chave para a ontologia do fazer possa ser encontrada em um pedaço de barbante”
(INGOLD, 2015 a, p. 313). Para a motivação que aqui interessa, ajuda a refletir
sobre as motivações e interesses envolvidos no processo através do qual as habi-
lidades para o ofício foram cultivadas; mas indica a especificidade as ações espe-
cíficas que ocorrem junto com as coisas enquanto tecnologias de benzer, notando
sua complementaridade no âmbito da produção de cura e bênção. Neste sentido,
não se encaixa nessa lógica qualquer oposição entre sujeito e objeto na medida em
que o receptáculo da benzeção pode ser tanto uma pessoa como um animal ou
um testemunho; mas também diante do fato de que tais fronteiras são borradas
durante o ritual. Dessa forma, é possível dizer que a ontologia do saber-benzer
pode ser encontrada em muitas coisas, inclusive em um pedaço de barbante. Isso
será argumentado a seguir.
Adoçar
Devido ao seu paladar adocicado, se considera o uso de coisas como açúcar
e mel para resolução de conflitos interpessoais. A ação de adoçar corresponde a
uma tentativa de contornar o problema que desencadeou um desconforto entre
colegas de trabalho, familiares ou mesmo em uma relação amorosa. Assim, por
meio de simpatia é que se torna possível “adoçar” um casal, por exemplo: quando
uma pessoa está indisposta com a outra e se pretende agradá-la, torná-la dócil e
maleável. Geralmente, são misturados com água e outros materiais a depender do
que se pretende solucionar. Também podem ser usados – juntamente com outras
ervas e especiarias – para a preparação de banhos visando aspectos como a atração
física ou a proteção pessoal.
Dona Tereza explica como realiza seus procedimentos simpáticos voltados
para a resolução de problemas amorosos, para os quais necessita: além de açúcar,
um pedaço de papel e lápis junto com um copo cheio d’água. A princípio escreve

202
nome da pessoa que deve ser adoçada no papel; é importante que seja feito a lápis
para que, em contato com a água, as letras possam se apagar. Após colocar no
fundo do copo, a água é colocada sobre o papel e, em seguida, três colheres de
açúcar. Essa mistura para qual as intenções são direcionadas deve permanecer em
repouso durante dez dias seguidos ou até que o desafeto acabe; no primeiro dia
são colocadas três colheres de açúcar às quais é adicionada uma a cada dia, soman-
do treze colheres ao fim do período. Assim, ao fim do procedimento, se as letras
escritas a lápis estiverem apagadas significa que o ritual funcionou.
Amarrar / Desamarrar
Os procedimentos chamados amarrações, assim como a ação oposta, a desa-
marração, consiste em simpatias e não necessariamente estão relacionadas a as-
pectos religiosos. Tais ações aparecem em relação à benzedura na medida em que,
por vezes, os especialistas neste ritual também o são nas questões simpáticas. Uma
benzedeira ou um benzedor pode realizar tanto a ação de amarrar, como a de neu-
tralizá-la. Diante disto, também há especialistas que se especializam nesta espécie
de contra-ritual; ou seja, apenas desfazendo amarrações. Enquanto amarrar visa
garantir a proteção de uma relação – seja contra forças externas ou fatores que
envolvam apenas as pessoas em questão – e sua permanência em longo prazo, de-
samarrar diz respeito a um rompimento imediato de quaisquer vínculos afetivos,
psicológicos ou espirituais com outrem.
Desta forma, a feitura de um emaranhado ou o seu desfazimento envolvem di-
mensões subjetivas e o contexto através do qual tais sujeitos se constituem – pro-
movendo a reestruturação de um equilíbrio gerado por uma situação conflituosa,
mas também na busca pela satisfação de um desejo não correspondido. Em alguns
casos, o sentido atribuído para a amarração tem a ver com a contenção de um
movimento – que pode ser o fluxo de uma vontade, comportamento ou opinião;
de um evento ou acontecimento na vida de alguém, entre outros – dentro de uma
trama a qual se pretende enredar ou desenredar. Isso significa prender determina-
do engajamento e produzir uma correspondência entre caminhos, que até então
era oculta ou mesmo inexistente, produzindo certo efeito de atração. No sentido
oposto, quando esta delimitação passa a prejudicar ou a subordinar os próprios
desejos individuais em detrimento do que está amarrado, a desamarração passa a
ter como reação certo efeito de repulsão.
Para materializar essa correspondência, os principais materiais mobilizados são
fios: barbante, linha, lã... Assim que podem ser combinados com outros artigos
que irão materializar aquilo que se quer amarrar – o que inclui, por exemplo,

203
bonecos de tecido ou outro tipo de testemunho que tenha relação com o sujeito
da amarração. Com isto, é possível circundar os fios de forma a atar determinada
coisa ou fazer nós de forma a colocar fios diferentes unidos, onde cada um deles
representaria uma pessoa envolvida na situação a ser resolvida. Já os procedimen-
tos simpáticos neutralizantes, consistem basicamente em cortar tais fios ou desa-
marrar os nós feitos circundar; para isto, complementam o contexto ritual coisas
como facas e tesouras a fim de facilitar o processo. Contudo, esta ação específica
também pode estar associada ao adoçamento, especialmente em assuntos de re-
lacionamentos amorosos. Ou ainda a outras benzeções e rezas, constituindo uma
camada sagrada que engloba o domínio simpático.
Beber
Quem responde ao ato de beber pode ser uma pessoa ou animal, conside-
rando a ação de um especialista direcionada a algo que mediará a veiculação das
propriedades curativas através da água ou preparados com os materiais benzidos
previamente, para que possam ser ingeridos. A isto estão associadas preparações
minuciosas envolvendo ações diversificadas como cultivo e cozimento, o que tam-
bém reitera fronteiras muito pouco delimitadas com a culinária e o espaço da
cozinha. Portanto, tem a ver com o direcionamento a substâncias específicas ou
algum recipiente contendo líquido – como copos de vidro, cuja justificativa para a
escolha reside no material de que é feito, já que é visto como neutro no que toca
a interferência com o conteúdo e porque resiste a pequenas variações de tempe-
ratura, podendo receber líquidos quentes ou frios; mas, principalmente, por ser
transparente e permitir que esse conteúdo seja visto através de suas paredes.
Um benzimento deste tipo é realizado pelo benzedor Waldir, para tratar pro-
blemas como cobreiro e lombriga “de dentro pra fora”; isto é, benzer um copo com
água através de rezas e um terço sobre as mãos impostas para que, na medida em
que o líquido seja ingerido e metabolizado, as propriedades curativas sejam incor-
poradas. Com isto, o mal é expelido naturalmente ao percorrer o fluxo fisiológico
de cada organismo, levando consigo o que se pretende resolver com o ritual.
Entre as substâncias complementares aos líquidos e que se podem beber estão
coisas como açúcar, mel, azeite e álcool – a depender do que se pretende, servindo
aguardente ou outros à base de cereais; podem ser comprados ou mesmo produzi-
dos por conta própria, junto com outros processos como maceração e imersão ou
extração de compostos. Mas talvez a coisa mais citada neste contexto em relação
a esta ação específica seja o carvão, associado ao tratamento de lombrigas. Neste
caso, o tratamento varia em função das rezas específicas que cada especialista faz,

204
assim como das explicações dadas para interpretar e classificar o problema a partir
do processo ritual. Para dona Teresinha, por exemplo, há uma diferença entre a
situação das lombrigas que pode ser verificada através de sinais ao longo do pro-
cesso: ela contava que fazia suas orações sob o líquido e, se a brasa afundasse a
lombriga estaria desconfiada; se boiasse na água é porque estaria então assustada.
Essa diferenciação vai dizer o quão grave é o caso, bem como indicar o tipo de
reza que deve ser evocada.
Contudo, varia pouco em função dos procedimentos práticos envolvendo um
copo com água ao qual se adiciona um pedaço de carvão em brasa – tendo sido
relatado tanto pelas gerações mais antigas como pelas mais jovens, no campo e
na cidade. Uma vez que o ritual foi feito, se pressupõe não só a ingestão como a
incorporação da mistura no organismo. Assim, se benze a água para que o car-
vão seja colocado e neutralizado – porque está materializando o elemento fogo
– dentro do copo; após um sujeito tomá-la, poderá sentir-se curado e, mais ainda,
expulsar os vermes de seu corpo junto com as fezes. Este procedimento era feito
por Sá Olívia e por sua mãe, a parteira Sá Lica que ensinara o ofício à benzedeira
Dona Lia e outros especialistas, conforme relatam as pessoas entrevistadas, espe-
cialmente as que cresceram em um tempo que a região era majoritariamente rural,
quando não havia o acesso a medicamentos farmacêuticos.
No caso das plantas medicinais, tem-se o seu consumo na forma de chás, in-
fusões, garrafadas, tinturas e outros produtos florais e fitoterápicos – assim como
outros que não se podem beber, de uso tópico, como pomadas, óleos essenciais e
determinados tipos de infusões. Mesmo entre as pessoas que não afirmam fazer
uso de plantas devido às suas propriedades medicinais, nota-se o uso dos chás das
ervas; no que toca aos especialistas, nenhuma das pessoas conhecidas associam a
ingestão dessas fórmulas com a realização do ritual, mas na maior parte das vezes
são adeptos de seu consumo. Isto, por seu turno, envolve a sacralidade do culti-
vo e da colheita, selecionando as plantas adequadas à ingestão e preparando sua
transformação em alimento ou medicamento natural. Então, ao beber as plantas,
seus benefícios serão direcionados de acordo com as propriedades fitoterápicas
que possui. Entre as mais utilizadas para os problemas intestinais estão o sene
e outras mais suaves como a erva doce, assim como a hortelã que serve também
para o trato respiratório; algumas plantas calmantes, como camomila, melissa e
erva cidreira; guaco e boldo para o estômago e o fígado. Outros produtos natu-
rais também são muito citados, como o gengibre, a canela, o cravo-da-índia e o
manjericão; além da ora-pro-nobis, característica da culinária mineira enquanto
fonte de proteínas das quais é abundante. Já para uso exclusivamente externo, são

205
citadas plantas como sucupira e arnica, especialmente para os problemas articula-
tórios e musculares.
Cortar
Além das rezas e intenções direcionadas ao intuito de seccionar a continuidade
de alguma condição, a ação de cortar pressupõe dois complementos de interesse
em função das doenças que está associada a benzimentos específicos, assim como
à diferentes simpatias. O primeiro deles tem a ver com o quê será utilizado: fa-
cas, machados e tesouras ou outras coisas cortantes. E o segundo com o que será
cortado: o que pode se dar de forma concreta, com a participação de artigos que
materializam a causa da aflição – por exemplo, pedaços de tecido, barbantes ou
linhas – e o seu corte, criando um contexto em que contribuirão para direcionar
a cura através dessas coisas em ação. Ou através da intercessão de forças divinas
incorporadas de modo que esse procedimento se dê em um plano supra-humano
equivalente ao humano, onde se reflete.
Uma das coisas imprescindíveis para essa ação específica trata-se das tesouras.
São indicadas para combater problemas espirituais, como mau olhado e casos
mais graves de quebrante; e físicos – como as verrugas, especialidade da benzedei-
ra D. Lia que é reconhecida e relatada por diversas pessoas de sua família como
forma de relembrar sua memória. Outro exemplo é o procedimento chamado de
“cortar lombriga”: o que ocorre em um ritual no qual a pessoa especialista selecio-
na um copo com água, tesoura e barbante; com uma mão o barbante é pendurado
em cima do copo enquanto que, junto com as rezas, com a outra mão o barbante
vai sendo cortado para que os pequenos pedaços equivalentes às lombrigas caiam
dentro do copo, ficando imersas.
As tesouras, assim como as facas, também podem combater aspectos psicosso-
máticos associados às doenças físicas diagnosticadas pela medicina clínica, tanto
quanto tratar àquelas desconsideradas por tal modo de classificação. São doenças
como cobreiro, sapeiro ou aranheiro: que podem se manifestar em forma de uma
alergia ou irritação na pele, ou até mesmo de pequenas feridas ou bolhas espalha-
das pelo corpo; entre outros efeitos secundários, estão as lesões ou ainda a possi-
bilidade de entrar em estado febril durante o período em que se encontram ativas.
Tais problemas são atribuídos ao contato com animais e possivelmente com sua
peçonha, como cobra, sapo ou aranha, respectivamente. Ligados especialmente a
um contexto rural – quando não só as pessoas estavam mais propensas ao contato
com tais animais devido às condições de habitação, como a quantidade de sua
ocorrência era mais abundante como resultado da preservação e não predação dos

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recursos naturais –, as transformações das últimas décadas apontam para a dimi-
nuição deste tipo de problema em função de um modo de vida cada mais urbano.
Acredita-se que esse tipo de doenças se “alastram” e percorrem o corpo das pessoas
em uma lógica que o parte em duas metades, crescendo na medida em que se tor-
na mais forte e perigosa. Dizem haver risco de vida caso essa divisão meridional
do corpo seja transposta, ou seja, se duas metades se tornarem afetadas. Da mesma
forma, ocorre com outros problemas como fogo selvagem, alergias e dermatites
que podem ser tratadas de acordo com o mesmo princípio, podendo mobilizar
outros recursos e rezas mais ou menos fortes de acordo com sua gravidade.
Algumas pessoas, sobretudo as mais idosas, dizem que elas podem ser coloca-
das debaixo da cama para combater o embruxamento das crianças pequenas – ou
seja, a ação de alguma bruxa ou espírito que por ventura possa se acercar de um
bebê. Isto também pode ocorrer como uma forma de proteção tanto de crianças
como de adultos, prevenindo contra adversidades ou até maldições e malfeitos.
Para esta finalidade, os relatos indicam ser preciso colocá-las abertas entre o col-
chão e o estrado ou debaixo da cama durante o sono.
Entre outros problemas que remetem aos primeiros anos de vida de uma crian-
ça, tem-se a associação de facas com o tratamento de icterícia – identificada por
sintomas como coloração amarelada na pele e nos olhos, é uma condição associa-
da às funções hepática e que aparece naturalmente na maioria das vezes durante
os primeiros meses. Esse procedimento é relatado por uma das filhas de D. Lia,
que explica a necessidade de sua realização em um local aberto, pois seria preciso
deitar o bebê acometido em um terreno coberto por grama. A feitura do ritual in-
cluía contornar o corpo da criança com a faca, cortando a grama em seu entorno;
conforme a placa de capim ia sendo desgrudada do chão a benzedeira perguntava
“O que é que eu corto?”. Então a mãe da criança deveria responder e nomear o que
estava sendo combatido: icterícia. Em seguida dos dizeres “Assim mesmo eu corto
com os poderes de Deus e da Virgem Maria”, esse tapete de capim era cortado em
três pedaços enquanto se repetiam as perguntas e as respostas consecutivamente,
por três vezes. O benzimento era finalizado com rezas como Pai Nosso, Ave Ma-
ria e Glória ao Pai; já o capim cortado era virado ou contrário e colocado como
que encaixado no mesmo lugar de onde foi previamente retirado.
As coisas cortantes também estão implicadas no tratamento contra o susto ou
medo, indicando fatores associados a algum trauma psicológico que pode gerar al-
gum desconforto ou até comprometer seu desenvolvimento. Exemplo disto ocorre
quando uma criança pequena tarda a começar a andar – o que é interpretado e tra-
tado como esse medo – ou apresenta alguma inconformidade nos pés ou nas per-

207
nas, para o que o tratamento faz necessários uma faca ou um pequeno machado.
Uma das experiências relatadas no município de Poços de Caldas remete a um
trauma de infância desencadeado na vida de uma mulher desde que sua mãe a le-
vara à casa de uma benzedeira para cortar seu medo de andar. Isso porque um dos
procedimentos específico em questão, usual na região, envolve que a criança cruze
o batente de uma porta, entrando e saindo; assim, ao atravessar esse portal de for-
ma literal é que o especialista o utensílio cortante em volta de suas pernas, de um
lado a outro e batendo a faca ou o machado no chão. Outra forma de realizar este
tratamento é segurar a criança, geralmente as mais novas, de cabeça para baixo; se
com uma mão a tomando pelos pés, com a outra a benzedeira ou o benzedor passa
em volta de seu corpo o instrumento cortante. No caso testemunhado, no lugar de
romper a conexão com algum evento traumático o que se desenrolou foi o trauma
ligado à possível ameaça de que aquela pessoa poderia cortar suas pernas, que foi
o que lhe passou enquanto criança sem entender direito do que se tratava. A este
episódio se somam aspectos de uma trajetória pessoal marcada pelo trânsito reli-
gioso dentro do catolicismo e uma identificação com seu segmento carismático,
resultando em abrir mão dessa adesão na idade adulta, deixando de frequentar e
de levar seus filhos.
Costurar
O ato de costurar pode estar associado a simpatias, especialmente no que en-
volve a amarração – como forma de resolução de conflitos amorosos, mas também
voltadas a outras finalidades como vinganças. Para tanto, algumas pessoas relatam
ter testemunhado exemplos como a feitura de bonecos e outros artigos de pano,
com os quais se estabelece uma correspondência com a pessoa que se pretende
afetar seja positiva ou negativamente. Ao reproduzir em pequena escala determi-
nado formato, o que se pretende é atingir a coisa costurada de modo a causar a real
sensação semelhante: por exemplo, espetando alfinetes ou agulhas em um boneco
de forma humana para produzir desconforto ou dor em uma pessoa, alguém que
foi intencionalmente escolhida enquanto motivação para sua produção.
Ou ainda com bênçãos em geral, através da feitura de coisas como os estan-
dartes ou bandeiras, utilizados nos rituais do catolicismo popular – como as Folias
e Congadas. O seu processo de confecção vai depender do fundamento de cada
ritual de que integrará, assim como pressupõe um especialista nesta tarefa que
não necessariamente faz parte da divisão do trabalho ritual; isso pressupõe sua
consagração para fixar a relação com o Mestre do grupo, com o grupo de devo-
tos e com o objeto de devoção coletiva. Além de materiais como linha e agulha,

208
os tecidos podem ser diferenciados e variam conforme o propósito – incluindo
chita, oxford e outros tecidos coloridos, que não obrigatoriamente necessitam ser
de algodão, podendo ser de fibra sintética. A eles se somam imagens impressas,
desenhos e pinturas com tinta que se complementam com fitas, flores de plástico
e outros adereços coloridos que lhe conferem vida. Seu papel é muito maior que
delimitar etapas rituais e veicular dádivas entre devotos e promesseiros, servindo
de mediação para que graças e milagres sejam alcançadas – o que também inclui
bênçãos e curas relacionadas a aflições delicadas.
No caso dos benzimentos específicos, o ritual da costura contempla problemas
conhecidos como: carne rasgada, que significa um machucado aberto como cortes;
carne rendida ou rendidura, que são entendidas como torções, tensões ou proble-
mas relacionados aos tendões, nervos ou articulações; e carne quebrada, que são
os casos de fratura ou machucadura nos ossos. O princípio que opera é o mesmo
para todos estes casos, tendo sido apontado recorrentemente desde as gerações
anteriores, tratando-se de um ritual que propõe unir ou reparar essa carne – o
que ocorre de forma literal e metafórica ao mesmo tempo já que o procedimento
central consiste em costurar um pedaço de tecido cortado em formato retangular
com linha comum e agulha de costura. Com exceção das variações na finalização
das orações, o que se nota é a nominação do problema e do que deve ser feito no
ato da reza que é consecutivo à parte manual.
Conforme fazia a benzedeira Dona Lia – que, por sua vez aprendera com a
parteira Sá Lica – essa arte opera a partir de uma pergunta que deve ser respon-
dida pela pessoa a ser curada. Então a benzedeira ou benzedor pergunta “O que
é que eu coso?”; na sequência de uma das respostas entre “carne rasgada”, “nervo
torcido” ou “osso quebrado”, a resposta do especialista reafirma essa ação com a
frase “É isso mesmo que eu coso”. Nesse sentido, a delimitação desse problema é
tecida em conjunto com quem sofre quando se dá de maneira simultânea. Outra
variação consiste em juntar estas palavras em uma oração contínua proferida ao
longo do andamento – em suma, costurar um dos lados desse tecido em um pri-
meiro dia; no segundo dia, outro lado e igual no dia seguinte. No fim dos três dias,
completa-se o ritual e a religação da carne antes rota.
Pingar
A ação de pingar no vocabulário da benzedura implica em despejar cuidadosa-
mente algo líquido, ou também pingar outra substância sobre algo líquido – sendo
a água o principal elemento indicado. Por isto, primeiramente, procedimentos
que envolvem este ato incluem recipientes como copos de vidro ou pratos; estes,

209
podendo ser feitos de vidro ou de ferro esmaltado, conhecido como louça de ágata
e tipicamente associado ao contexto rústico e à cultura caipira. Nesta direção,
acompanhando as rezas e gestos, o ritual trata de traçar relações entre as coisas
de modo que o problema não escape, mas seja igualmente despejado e contido no
respectivo recipiente. Ainda se diz pingar para referir-se à unção com água, azeite
ou óleo bento visando proteção de alguém – igualmente armazenados em garrafas
ou outros tipos de potes, incluindo embalagens plásticas.
Um dos casos relatado para o qual o procedimento de pingar é necessário tem a
ver com “tirar o sol da cabeça” – ou seja, o gotejamento é mobilizado como estratégia
para extrair o problema ocasionado por mal estar ou enxaqueca após exposição solar
intensa, afetando sobretudo crianças. O ritual feito principalmente por benzedeiras e
benzedores mais antigos, consiste em segurar um prato com uma quantidade suficien-
te de água para cobrir seu fundo sobre a cabeça da pessoa que será benzida. Então, com
a outra mão, segura uma vela e lentamente vai pingando as gotas de parafina derretida
no prato cheio. O que ocorre é o seu resfriamento pela água, formando cristais ao
tornar-se outra vez sólida; este movimento retoma, além dos aspectos performativos
da prece, a materialização da dor e a sua cura através da ressignificação dos elementos
em questão, por meio das coisas. Dito de outra forma, a dor de cabeça então derrete e
se esvai, após o descarte dos resíduos e da água – o que pode se dar em um ralo.
Proteger
O ato de proteger envolve não só o corpo, como também todo o contexto que
forma uma realidade vivida por alguém. Os modos de proteção, por suposto, são
diversos e dizem respeito à feitura de artefatos, rituais e fórmulas ou gestos visan-
do a manutenção do equilíbrio social e material dos seres, assim como do que a
eles se associa. Fazem parte do imaginário popular imagens consideradas símbo-
los dessa intenção, mas também ferramentas para atraí-la: são figas, que podem
ser talhadas em madeira ou mesmo produzidas de resina, gesso ou plástico a partir
de moldes e em larga escala. Outras substâncias como o sal grosso são tidas como
elementos que retém para si qualquer coisa que possa afetar a quem anteriormente
as consagra para sua proteção, bem como pedras recolhidas ou atribuídas em um
ato de dádiva e guias utilizadas ao redor do pescoço. Uma pratica bastante comum
consiste em acender velas pedindo proteção espiritual e mesmo física, ambas sem-
pre em consonância.
Isso acompanha o uso de amuletos, tanto junto do corpo como dispostos
nos espaços de habitação; o que inclui peças como colares, peças de vestuário
ou patuás, chaveiros, cópias de relíquias sagradas, ex-votos, entre outras coisas.

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As imagens de santos e orixás em formato de estatuetas ou quadros também são
consideradas um meio para facilitar a proteção, aproximando a presença sagrada
como vigilante. Do mesmo modo, as orações vocalizam e pedem a intercessão da
entidade de devoção para tal propósito. Entre as mais recorrentes na microrregião
– além de rezas fundamentais como o Pai Nosso e a Ave Maria – está uma prece
ensinada, sobretudo, às crianças antes mesmo da idade de catequese. É a seguinte:
“Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou a piedade divi-
na, sempre me rege, me guarda, me governa me ilumina. Amém.”
No que toca a benzeção, por um lado, nota-se o costume de que uma pessoa
benza a si mesma fazendo sinais e movimentos corporais junto com a intenção pro-
ferida – como alguém que faz o sinal da cruz logo a frente de seu rosto como uma
estratégia, muitas vezes quase instintiva, de proteger-se contra algum perigo que
circunda ou ameaça em potencial. Por outro lado, mas em um sentido confluente,
é muito comum que alguém recorra a uma pessoa especialista para que realize um
ritual protetivo sob demanda, o que corresponde a problemas gerais ou específicos,
como mau olhado e inveja. Portanto, as coisas associadas ao ideal variam de acordo
com a causa e mesmo o grau de proteção a que se pretende alcançar.
A benzedeira dona Tereza conta que, para prevenir contra queda na lavoura, é
comum que ela seja procurada por pequenos e médios agricultores da região para
fazer a benzedura de uma pequena quantidade de água. Assim que esta pequena
quantidade com as propriedades fluidificadas é misturada a uma porção maior de
modo a dissolvê-las; desta forma, pode alcançar uma área cultivada maior já que
o ritual culmina na rega das plantas com essa mesma água benzida. Isto significa
que as plantas ou mesmo os animais podem metabolizar esse tipo de coisa sem
prejuízo, revertendo sua aplicação em benefícios tal como ocorre com as pessoas.
Neste caso, o que se pratica é benzer um copo com água devidamente filtrada
para que um adulto ou uma criança possa ingerir após passar pelo procedimento
que consiste na imposição de mãos com rezas simultâneas sob o recipiente. É
amplamente difundido, especialmente entre a população de meia idade e os mais
idosos, o costume de colocar um copo cheio ao lado da televisão – antigamente
poderia ocorrer também com o rádio – para que sua transmissão fosse mediada
por tecnologias analógicas, repassando o que é feito e direcionado pelo agente da
bênção através do dispositivo.
Outro material associado à proteção são as plantas, escolhidas por sua maior
eficácia relacionada a tal finalidade. Isto é, algumas produzem maior força para
proteger contra o problema a que suas propriedades se aplicam. Neste sentido,
podem aparecer em casos que o problema já está provocando sofrimento; e então

211
são tidas como um meio de proteção, mas antes de tudo, colaboram para a estraté-
gia de puxá-lo ou tirá-lo. Em outros caos, pode se tratar de um ritual que antecipa
esta possibilidade operando como uma blindagem pessoal.
Exemplo desta última variação é apontado pela benzedeira dona Nair, que afir-
ma realizar o procedimento seguinte contra qualquer tipo de perigo ou mesmo per-
seguição – ou seja, quando uma pessoa tem a sensação de estar sendo ou observada
ou prejudicada. Para fazê-lo, precisa de três ramos de arruda ou espada de São Jorge.
Em seguida leva os galhos ao redor do corpo benzido enquanto profere uma oração:
Mandarei neste dia e nesta noite, eu e meu corpo, cercado pelas
armas de São Jorge,estarei protegido como estava Jesus no ventre
da Virgem Maria, nos nove meses. Meus inimigos terão olhos, mas
não me verão.Terão boca e não falarão. Terão pés e não me alcan-
çarão, terão mãos e não me ofenderão. Assim seja para sempre (Cf.
ILHEO, 2018, p. 81).

A finalização envolve a evocação da Virgem Maria e Jesus junto a São Jorge para
cumprirem a missão proferida, reafirmada pela afirmação “eu te benzo”. Nota-se a
indicação de quem realiza o ritual, seu corpo em relação ao corpo que se pretende
tornar protegido. Corpos que, assim como o do Cristo, passaram pelo mesmo tem-
po de gestação. Assim como a oração enuncia o fechamento da boca daqueles que
poderiam levantar alguma calúnia ou outro maldizer – oposto ao bem dizer –, traz
implícita a segurança para que uma pessoa caminhe na certeza de que seu corpo
também está fechado; categoricamente guardado. Outro aspecto importante e as-
sinalado por ela refere-se ao descarte das plantas carregadas pelo momento ritual: o
que deve ser feito jogando os galhos em água corrente ou ainda os atirando ao fogo.
Purificar
O que é entendido como purificação diz respeito tanto a ação específica de
purificar um corpo que sofre ou que precisa de alívio físico ou espiritual, seja
através de proteção ou de uma ação específica para tratar os sintomas de doen-
ça; como também a purificação pessoal de benzedeiras e benzedores, aliviando
qualquer sobrecarga que seja possível em vista do ofício a que se dedicam. O ato
pressupõe alcançar uma intenção cujo catalisador, além das rezas, está nas coisas
junto ao ritual; então, elas mesmas se tornam mediadores dessa purificação.
Uma destas coisas é o sal, que aparece em simpatias em geral, mas especifica-
mente somado em banhos e patuás no combate e na purificação de inveja, mau
olhado e olho gordo. Outra aplicação tem a ver com casos de obsessão ou encar-

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go, desvinculando uma pessoa de possíveis relações tóxicas ou prejudiciais à sua
própria saúde. Também por isso, a água do mar é vista como um elemento que
facilita tal processo, unindo uma alta concentração de sal a um grande volume de
um veículo purificante tido como universal e reconhecido por suas propriedades
mágicas, religiosas e terapêuticas.
Este outro elemento de purificação é a água, que deve ser preferencialmente
recolhida de um local onde é naturalmente ofertada e potável; mas, não sendo
possível, deve ser filtrada e tratada. Seja doce ou salgada, tem relação com fun-
damentos como a fluidez e a vitalidade, o que evidencia o movimento cíclico do
mundo com a sua constante renovação. Dessa forma, pode ser mobilizada em
paralelo com ações como a de lavar para tornar purificadas as coisas relacionadas
ao ritual – diante do que podem ser citados a limpeza dos recipientes associados
a cada ação e problema específicos, assim como a limpeza dos próprios corpos a
serem benzidos. A correnteza e força são percebidas como sendo características
inerentes à tal substância, o que lhe confere a potencialidade para incorporar e
carregar o mal combatido pelo ritual. Isto é, ao fim do ritual, se entende que se
deve ter o cuidado apropriado para garantir que a realização dos próximos pro-
cedimentos rituais seja possível assim que a demanda surgir. Além disto, para
encerrar de vez o ciclo do problema, a água é um meio adequado para o descarte
de coisas orgânicas após sua consagração e atuação no combate da doença na me-
dida em que puxam para si o que combateram. Por isso, para que o fluxo da água
se encarregue de fazer o ciclo completar-se, se recomenda que coisas como galhos
de plantas sejam jogados em água corrente – estes, decompondo-se naturalmente
junto à correnteza.
No que toca as simpatias, a água é tida como principal substância conectora
das coisas associadas; operando então como um catalisador das propriedades di-
recionadas pelos especialistas às coisas benzidas, mas também de suas próprias
propriedades terapêuticas consagradas. Nesta direção, no âmbito do benzimento
acompanha as rezas e imposição de mãos para que possa ser posteriormente apli-
cada sob superfícies corporais, espaciais e materiais. E também ingerida como
parte da composição preparada para tratamento de um problema específico, além
de atuar para favorecer a proteção física e espiritual de modo amplo. Por vezes
está purificação pode estar em consonância com outras ações específicas, como
a purificação do trato intestinal que culmina na expulsão de parasitas causadores
de verminoses, como no caso das lombrigas. Ou ainda a purificação contra mau
olhado, olho gordo ou inveja, cujo procedimento pressupõe o ovo como um com-
plemento – de modo que, estando imerso, pode indicar a gravidade do caso devido

213
ao fato de que tal combinação e consagração permitem puxar o problema tratado.
Se a água é associada com a benzeção especialmente em seu estado líquido, bem
com tida como um elemento frio – com exceção de procedimentos que envolvem
algum tipo de cocção, infusão ou imersão com água quente –, o fogo está na posição
diametralmente oposta: considerado como um elemento igualmente neutralizante,
porém quente. Assim que isso está relacionado ao movimento em que algo é consu-
mido pelas chamas, enquanto o problema entra igualmente em combustão. Portan-
to, além de cozinhar, a purificação pelo fogo pode estar atrelada à ação específica de
queimar – o que contempla os galhos de plantas integrantes do ritual e que carre-
gam os males em sua matéria, logo, ao consumi-los pelo calor é que esse mal de certa
forma será desmaterializado para depois se tornar outra substância, vertendo-se em
cinzas ou pó, a depender do material envolvido. Também se associam a este aspecto
a queima de defumadores, incensos e velas acompanhadas de preces; nestes tipos de
rituais, se sobressaem e sobrepõem a aspectos olfativos – provocados pela queima de
óleos e compostos aromáticos presentes em tais materiais, o que por sua vez modula
a experiência ritualística a partir de um estímulo sensorial específico.
Puxar
O ato de puxar diz respeito a um problema, o qual se acredita ter sido desencadea-
do em uma situação em que alguma pessoa direciona alguma intenção relacionada à
pessoa que posteriormente será acometida, ou algo que lhe pertença ou apresente. Isto
ocorre, muito frequentemente e de forma branda, com crianças recém-nascidas após
ser carregada por alguém; desta forma, acaba por “pegar” ou ser contagiado pelas ener-
gias de tal pessoa e diz-se que fica com uma forma de quebrante. Outro caso é quan-
do uma pessoa sente cobiça, desdém ou qualquer outro sentimento negativo: o que
se converte em inveja ou seus desdobramentos espirituais, como mau olhado e olho
gordo – ao que se atribui a falta de prosperidade, estagnação ou azar na vida em geral,
bem como sensações relacionadas ao corpo físico como sonolência ou cansaço. Outro
fator muito corriqueiro relacionado a esses problemas é o bocejo, sobretudo quando
ocorre repetidas vezes seguidas e acompanha olhos lacrimejantes; o que se acredita é
que tais sinais corporais são indícios ou sintomas de sua manifestação no organismo
em questão. Para resolver, torna-se necessária a reza junto com procedimentos para
então “puxar” o aspecto causador que provoca o desequilíbrio ou sofrimento. Ou seja,
a pessoa especialista tem que atuar de modo a promover a atração desde mal; mas para
que não seja afetada na medida em que ajuda, sua atuação se dá em conjunto com
determinados materiais selecionados para garantir e potencializar o ritual curativo.
Entre tais coisas, algumas estão também associadas a outras ações específicas –

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como o sal grosso, que puxa além de proteger e purificar – e são mobilizadas para
absorver as energias negativas que circundam determinado contexto prevenindo
contra o aparecimento de sintoma dos problemas, ou mesmo auxiliando em seu
tratamento quando já estejam avançados. O sal é adicionado aos patuás, assim
como pode ser incorporado a banhos e outras simpatias. Outra simpatia para
puxar os males depende de um ovo: quando colocado junto a um copo de água e
movimentado ao redor desse corpo, vai operando como um imã que atrai para si
o que está ali “carregado”. Nesse sentido, passa a carregar o fardo que culmina em
sintomas físicos, psicológicos ou espirituais; assim que as coisas são, ao mesmo
tempo, mediadoras das trocas totais da produção de bênção e cura, e ainda “filtros”
ou “anteparos” que captam e incorporam o malefício através de si.
As plantas também estão entre as coisas boas para puxar aflições, o que se
manifesta no momento ritual em que vão sendo mobilizados junto com as rezas;
ocorre que, em seguida, tornam-se carregados. A coisa mais comum após esse tipo
de procedimento se dá quando as folhas do galho murcham consideravelmente,
como se sua energia vital tivesse sido sugada no ato de combater uma força des-
trutiva, cuja interação resulta desse vetor de trocas de que resulta tal. Por isso, al-
gumas plantas são escolhidas sob a justificativa de que possuem maior capacidade
de absorção, ou ainda têm suas propriedades medicinais alinhadas ao poder de
neutralizar esses problemas. Plantas como alecrim, arruda, assapeixe e espada-de-
-São-Jorge são consideradas boas para benzer porque são boas para puxar.
Diante disso, nota-se que os critérios de seleção a respeito dos materiais e rezas
ligados aos procedimentos e ações específicas variam em função do nível de gravi-
dade do problema – ou seja, se é pontual ou já está difundido por várias partes do
corpo, ou mesmo uma doença física que já tem impacto psicológico e ao contrário;
se é uma “doença de benzedeira” ou uma doença clínica, sobre a qual a benzedura
não pode agir de forma a dominá-la. Mas também têm a ver com aspetos das con-
venções e tradições compartilhadas dos quais estão indissociados da forma como
a percepção acerca dos próprios aspectos subjetivos é por eles modulada. Isto diz
respeito, por exemplo, à crença que as crianças são seres sem pecado uma vez que
a uma concepção imaculada é atribuída enquanto significado de seu nascimento,
do ponto de vista cristão. Logo, acredita-se ser ao longo das situações impostas
pela vida que cada pessoa se depara com os pecados – reagindo a eles com base
na consciência de um livre arbítrio adquirido através da idade e, principalmente,
do conhecimento dos mistérios da fé; o que não é atribuído às crianças e sim aos
adultos. No caso das plantas para a benzeção, a justificativa citada por diversos
especialistas é simples quando considerado este pano de fundo: se uma criança

215
não está iniciada em pecado, uma reza talvez seja suficiente para curá-la porque
é provável que esteja pouco carregada; já quando a pessoa está muito carregada
de impurezas que lhe impactam física e espiritualmente, os galhos são materiais
aplicados para catalizar e potencializar a ação terapêutica de bênção.
Uma das que são consideradas mais fortes é a arruda, especialmente nos casos
de mau olhado e olho gordo. Mas tal planta também é utilizada em rezas para
outros problemas como o vento virado e, além de servir para benzimentos em
geral, esta espécie também é frequentemente associada a simpatias e aos banhos
como veículo para propiciar uma descarga energética potente; todavia, este é um
banho que deve ser combinado a outros materiais – geralmente, o sal grosso – e
seguido pelo mesmo procedimento repetido com outras ervas. Isto porque é tida
como uma alternativa que carrega os malefícios, mas que também pode deixar um
sujeito mais propício a forças externas porque pode interpelar-se contra proteções
em seu entorno; nesse sentido, recomenda-se o banho de arruda sempre associado
a outras ervas para restaurar o equilíbrio necessário para que tal proteção física e
espiritual seja sempre reforçada e mantida.
Já o alecrim está associado a formas mais brandas destes dois fenômenos, au-
xiliando também contra quebranto, assim como o assapeixe. E também pode se
fazer necessário para o tratamento de verrugas em adultos, ou ainda para benzer
bicheiras em pessoas e animais. Assim, opera igualmente enquanto algo que atrai
o mal, sendo que a causa nesta circunstância é uma infecção parasitária na pele
desencadeada pelo deposito e acumulo de larvas sobre a carne.
Outro fator referente à circulação do mal – retirado do corpo ao ser puxado pra
fora através dos procedimentos desenvolvidos – é enfatizado através da recomendação
para jogar em água corrente ou queimar os galhos participantes do ritual. Tanto quan-
to a lavagem e a correnteza, o fogo é associado à intenção de completar o ciclo de pu-
rificação já que impede que o problema volte. Portanto, algo que foi associado ao ato
específico de puxar deve ser lavado – nos casos de recipientes retornáveis, como copos
– ou queimado, como se recomenda fazer com as plantas carregadas pelo benzimento.
Rezar
Rezar é a principal ação que permeia o ritual da benzedura, sendo a base de to-
dos os procedimentos; a este ato vão se sobrepondo outros específicos, considerando
cada problema. A escolha das rezas, por sua vez, é determinada pela preferência
devocional subjetiva, mas encontra em algumas orações fundamentos básicos. Entre
elas estão Pai Nosso, Ave Maria e o Credo: orações tidas como universais, pratica-
das entre a maior parte das vertentes cristãs e também não cristãs. Neste sentido,

216
consistem em um meio para estabelecer a comunicação com o sagrado e direcionar
as intenções, antes de pedir pela interseção divina. Quando este canal se estabelece
é que tais rezas se convertem em algo como uma conversa, através da qual são pos-
tas as intenções. O que significa nomear o receptor da ação ou sujeito da benzeção
– seja uma pessoa ou uma coisa – e o que se quer resolver, assim como quem está
realizando ou mediando e qual será o destino deste problema após a conclusão do
procedimento. Ao longo destes procedimentos, as coisas são consagradas ao passo
que o tratamento se desenrola; é neste momento que são ressignificadas em função
de sua relação com a doença. Muitas vezes, elas é que possibilitam o diagnóstico.
Essas rezas então podem ser faladas ou apenas pensadas, sem serem proferidas
em voz alta – sobretudo aquelas que são entendidas como secretas, associadas a uma
especialidade relacionada à habilidade que confere certo poder e distinção à pessoa
especialista. Elas acompanham a execução de diversas expressões corporais, sendo a
imposição de mãos a mais difundida e reconhecida como sinônimo da prática; o que
igualmente permeia as diferentes vertentes rituais. Outro aspecto são os símbolos
mobilizados através dos gestos que podem estar em consonância com a presença
de coisas. Exemplo disto é a movimentação das mãos e braços para desenhar no ar
símbolos como a cruz ou a estrela de Salomão, que também podem ser desenhados
em papel para reforçar as intenções. A movimentação, contudo, não necessariamen-
te é orientada pelo traço de símbolos; isso pode se dar de forma livre, de modo que
o benzedor ou a benzedeira circundem o quê benzem e façam seus movimentos
corporais com o esforço de retirada de que se pretende combater.
Considerando que as coisas de benzer não são as mesmas de uso corrente –
sendo destas separadas e destinadas exclusivamente à finalidade ritual –, a varieda-
de do que é mobilizado é explicada pela criatividade de cada especialista. Ou seja,
ademais do que é acionado em relação às ações específicas, há outras que igual-
mente operam a mediação entre as partes envolvidas para conectá-las no sistema
de prestações e contraprestações de dádivas. Entre elas estão, por exemplo, aquelas
coisas que ajudam a fixar as intenções da reza – como velas acesas ou imagens que
recriam a presença de uma ou mais entidades sagradas. Já outras são vistas como
carreadores das bênçãos e propriedades curativas: como o óleo ou azeite que pode
ser ungido e aplicado sobre a pele; ou a água, que pode ser diretamente ingerida,
diluída ou aplicada sobre a pele. E ainda artigos que norteiam e conduzem as
rezas; é o que se passa com volumes da bíblia – que carregam em seu conteúdo
escrito aspectos da doutrina e que servem de oração literal – ou terços, cujas contas
uma a uma dizem o que proferir constituindo uma prece sequencial.
Nota-se que essas coisas vão sendo mobilizadas através de especialistas e a par-

217
tir de suas interações relacionais é que a trama que produz bênção e cura se torna
possível, tendo o ato de rezar como sua força motriz. A reza contempla situações
abstratas – como conflitos ou outras forças a pairar no entorno dos indivíduos
– envolvendo pessoas, assim como problemas em seus corpos e almas; e ainda
plantas ou animais. Atualmente, na região é bastante recorrente o benzimento de
animais domésticos, especialmente os cachorros: o procedimento envolve rezar
diretamente sobre o animal ou sobre a água que matará sua sede, com o auxílio da
bíblia junto com as orações sob a intercessão de São Lázaro ou São Francisco de
Assis – como relatam acerta dessas práticas em Campestre, através dos benzedo-
res Tião Lopes, Waldir e Zé Corina – que contava com os mesmos elementos para
benzer outras coisas, como quebranto e vento virado.
Da mesma forma que um profissional da benzeção pode ser especialista em
alguma reza ou procedimento específico, alguns santos ou entidades advogam
melhor por determinadas causas. Assim que podem estar identificados com um
problema em sua totalidade, tanto quanto com uma causa pontual específica. Isto
ocorre com a cura de uma parte do corpo, como a garganta é devotada a São Brás
e alguém lhe reza quando engasga ou tem alguma inflamação ali.
Outra prática muito citada é orar à Santa Luzia em ocasião de problemas nos
olhos de adultos e de crianças – o que inclui casos extremos de cegueira total ou
parcial e mais brandos, como irritações, terçol e até conjuntivite. Isso é feito com a
citação de uma fórmula precedida das orações de costume, indicando que “Santa
Luzia passou por aqui com seu cavalinho comendo capim”; após fazer menção
à sua presença, é preciso nomear o que veio e dizer o problema que tem de ser
curado. Assim fazia a benzedeira Dona Lia, como relembra sua segunda filha, para
benzer cisco nos olhos: primeiro fazia o sinal da Santa Cruz e pedia que Deus li-
vrasse dos inimigos; depois de repetir três vezes a oração, pedia proteção de Maria
e Jesus antes de dar Glórias ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo; somente após
rezar três vezes é que pedia para que a pessoa benzida fechasse os olhos e então
tocava nas pálpebras com o dedo indicador.
Além deste procedimento, a mesma benzedeira também rezava com um terço
nas mãos contra casos de boqueira, brotoeja, cobreiro, íngua, quebrante e vento
virado – tal qual aquela que lhe ensinava o ofício pelo convívio comunitário, além
daquele promovido nas entrelinhas do trabalho de parto e cuidados com a saú-
de materna e dos bebês que paria. Portanto, mostra-se comum o uso do rosário
alinhado à imposição de mãos para benzeduras em geral, como relatou a campes-
trense Dona Teresinha.
A mesma coisa ganha outro significado nas mãos do benzedor Waldir, que reza

218
conforme a necessidade, mas mantém um procedimento para realizar o diagnós-
tico de cada caso juntamente com um terço e um copo com água. Ele explica que,
primeiramente, prepara o rosário sem que as contas fiquem torcidas sob a palma
de sua mão; que é onde apoia o copo – que tem de ser transparente – e começa
a orar. Em seguida, ele e, somente ele, enxerga o diagnóstico no fundo do copo,
materializado através do líquido; na maioria das vezes, continua em segredo até a
realização do tratamento, podendo ser revelado após sai finalização. Desta forma,
trata de doenças do corpo em geral e, em casos como resfriados, dores musculares,
afecções gástricas e intestinais, o benzimento é complementado com garrafadas
preparadas com plantas medicinais colhidas por ele nas matas do entorno de sua
casa, na zona rural entre as cidades de Campestre e Poço Fundo. Após sair para
caminhar, identificar e colhê-las, sua preparação mantém a sacralidade ritual que
garante a eficácia das propriedades medicinais em consonância com as rezas dire-
cionadas às plantas. Segundo ele, as rezas podem ser empregadas no tratamento
de qualquer doença, mas encontram alguns limites: por exemplo, em caso de mor-
dida de cobra, só é eficaz quando o veneno não atingiu a corrente sanguínea e é
acompanhada por outros procedimentos de expurgo; já quando o veneno circula,
daí em diante o tratamento pressupõe o soro antiofídico, indicando a importância
de que as práticas populares estejam articuladas de forma complementar à medi-
cina clínica.
Outra forma de reza, acionada em especial para pedidos coletivos, tem a ver
com a colocação dos nomes a quem se destina a intenção de bênção e cura por
escrito em pedaços de papel; estes precisam ficar em um recipiente sobre o qual é
apoiado um pequeno prato com uma vela. Ao acender a vela e firmar essa inten-
ção, o próximo passo consiste em colocar água dentro desse recipiente até que os
papeis estejam submersos, mas sem alcançar o nível da vela. Assim, as orações são
direcionadas a esse aparato que contempla uma forma de testemunho da presença
das pessoas e causas benzidas.
Tirar
Na benzeção, a ação específica de tirar tem correspondência com o ato de pu-
xar; do mesmo modo, se refere ao procedimento de retirar ou expulsar um proble-
ma alojado no interior de um sujeito, baseando-se no princípio de puxar tal força
estranha para fora. Com isto, alcança de forma transversal dimensões psicológicas
e físicas do corpo, assim como sua inserção no plano espiritual e conexão com o
divino ou ainda as interações com outros seres, a fim de curar as múltiplas fren-
tes possivelmente causadoras das desordens de saúde. Assim é que o verbo tirar

219
contempla principalmente ações contra problemas como quebranto, inveja, mau
olhado, olho gordo ou vento virado.
Esses procedimentos específicos vão sendo desenvolvidos ao modo de cada
especialista e suas habilidades, considerando as preferências devocionais indivi-
duais e coletivas. O que emaranha também incluem benzeções com galhos de
plantas; ou ainda o ritual com um ovo para puxar ou tirar as energias ruins ou
descarregar o corpo de qualquer peso que lhe cause sofrimento físico ou espiri-
tual. Em Campestre, a benzedeira Dona Tereza conta que trata de tais proble-
mas ao benzer com um terço em mãos, fazendo movimentos de frente para trás,
direita para esquerda; direcionando intenções a uma porção de óleo – o veículo
da bênção – ela conclui as preces em voz baixa e, com a ponta do dedo indicador
untada, faz o sinal da cruz na testa da pessoa atendida. Segundo fazia a ben-
zedeira Dona Teresinha, tanto vento virado como inveja eram curados com o
terço empunhado enquanto as mãos estavam impostas em oração. As preces, por
sua vez, se caracterizam por uma invocação inicial da proteção de Deus, Jesus e
Ave Maria, pedindo sua intercessão sob os problemas nominados em seguida,
em uma verbalização consecutiva aos movimentos corporais realizados junto às
coisas através das etapas do rito.
Também com o terço, a benzedeira Nair afirma realizar procedimentos para
atuar sobre os mesmos males, descrevendo as especificações de suas rezas. Uma
das formas mencionadas para expulsar o quebranto do corpo começa ao prepa-
rar-se lavando as mãos; então inicia proferindo uma vez as orações Salve Rainha
e Pai Nosso, depois por mais três vezes Ave Maria. Enquanto reza, ela recomen-
da colocar a mão direita sobre o coração – se for um adulto, já que é sobre este
assunto ao qual se deve aplacar, trazendo tranquilidade à pessoa assistida – ou
sobre a cabeça, no caso de crianças. Então se diz as seguintes palavras:
“Nosso Senhor, meu Jesus Cristo, me ajude onde ponho a mão. Cris-
to vive, reina e impera por todos os séculos. Amém. Pelo poder divi-
no que tem Nosso Senhor Jesus Cristo, este quebranto vai sair, pelos
lados, pelas costas, por cima, por baixo por trás e pela frente. Assim,
pela fé em Nosso Senhor, assim se fará: saindo pela frente, por cima,
por trás, por baixo. Amém.” (Cf. ILHEO, 2018, p. 80-81).

Enquanto com as mãos são feitos movimentos que visam contornar – e, por-
tanto, delimitar um espaço ocupado por um corpo que é o receptor da ação espe-
cífica que visa tratá-lo –, o nome do problema e a forma como se deseja suprimi-lo
são explicitados; o que estabelece a correspondência necessária entre o procedi-

220
mento realizado e a circulação do mal.
Ao final, deve-se repetir o procedimento inicial e rezar novamente uma vez
Salve Rainha e Pai Nosso, depois por mais três vezes Ave Maria. Feito isto, se for
criança e, especialmente com pouca idade, deitá-la de bruços no colo de alguém
responsável e fazer um sinal da cruz sobre o seu corpo, enquanto percorre suas
costas com o terço nas mãos e profere novamente outra oração:
“Senhor São José, Santo Antônio muito amado e Santa Isabel Co-
roada, desceram de seus finos tronos, com seus santos poderes para
curar (nome da criança) de quebrantos mal olhados que botaram. Se
foi na boniteza, se foi no olhar, se foi nas costas, se foi no andar, se
foi nos cabelos se foi na simpatia se foi na limpeza se foi na bondade
se foi nos interesses, com dois te botaram, com três eu tiro. Olhado
maldito saia daqui, que a cruz de Jesus anda sobre ti Senhor São José,
Santo Antônio muito amado e Santa Isabel Coroada retirem do cor-
po de (nome da criança) quebrantos e mal olhados” (Cf. ILHEO,
2018, p. 80-81).

A reza retoma um contexto anterior em que o malefício foi direcionado à


pessoa benzida, elencando as situações possíveis que poderiam tê-lo desencadea-
do e tornando o cenário personalizado através da citação do nome dessa criança.
Então, com a ajuda de mais alguns Santos intercessores, a força necessária se
completa e o problema é expulso. Contudo, esta não é a única forma de fazê-lo.
Em outro procedimento que pode estar aplicado contra quebranto, olho gordo
e mau olhado ou ainda contra vento virado, nota-se uma fórmula que não só trata
de estabelecer a correspondência doença-procedimento-cura, mas também a cor-
respondência entre o início e o fim do ciclo da doença, como se segue:
“Com dois te puseram, com três eu tiro. Em nome do Pai, do Filho e
do Espírito Santo. Deus te gerou. Deus te criou. Deus te olhou. Que
saia tudo o que te puseram e vá para o fundo do mar salgado. Vai
quebrado, vai rasgado, vai lavado, mas vai virado, mas vai para onde
o vento leva tudo e não traga de volta... Se for vento virado no lugar
acaba de ser colocado. Sangue de Jesus te lavou, sangue de Jesus te
limpou. Com ele está lavado, está limpo está curado. Em nome do
Pai, do Filho,e do Espírito Santo e da Virgem Maria, dos anjos.
Amém” (Cf. ILHEO, 2018, p. 81).

O ciclo da aflição retorna do ponto em que passou a afetar o sujeito da benze-

221
ção e, através dela, vai sendo rompido pela expulsão do problema. Ao ser tirado, a
própria reza encaminha o mal anuncia o seu destino final, aos cuidados de todos
os mediadores sagrados. Desta forma, o que estava virado se torna direito; o que
foi posto igualmente foi retirado pelo mesmo mecanismo. Isto sugere que a cir-
culação do mal pode ter o seu vetor alterado de acordo com as forças aplicadas a
ele – sejam maléficas ou benéficas, como no ato da benzedura.
A ação de tirar também aparece em relação a outros problemas, como no o
ritual específico para “tirar o sol da cabeça”, fato desencadeado quando alguém
anda muito tempo sob – o que comumente ocorre especialmente entre crianças
pequenas. Os sintomas relacionados com essa manifestação são dores de cabeça e
febre, o que pode estar acompanhado também de queimaduras na pele causadas
por esta exposição à luz solar. Entre os procedimentos para solucionar estes casos
estão uma benzedura específica realizada através de uma peneira: de modo que a
benzedeira ou benzedor segure o artigo sobre a cabeça da pessoa assistida para que
este possa tampar o sol que lhe aflige enquanto profere suas preces. Outra forma
usual para lidar com isto está associada à ação de pingar uma vela acesa dentro
de um prato cheio de água, o qual deve estar posto igualmente acima da cabeça.
Enquanto a vela queima, se derrete e vai caindo na água; o que se entende é que
esta sequência de ações acompanhada de rezas traz essa correspondência com a
dor e o agente causador de um jeito que o neutraliza – ou “esfria”.
Uma outra faceta do verbo tirar não tem a ver diretamente com procedimentos
curativos e sim com o que se chama tiragem em relação a oráculos variados. No
caso das cartas de tarô, por exemplo, diz-se tirar as cartas para o ato de embaralhar
e dispor a carta a fim de que uma pessoa selecione algumas delas e obtenha alguma
resposta para as questões subjetivas colocadas. Nesse sentido, a expressão é usada
como sinônimo para denominar previsões e leituras feitas a partir disto; o mesmo
pode ser feito com tipos diferentes de baralhos, cuja interpretação vai ser pautada
por vertentes de leitura que compartilham uma linguagem própria da codificação
dos signos e processos rituais. Além de questões relativas à resolução de brigas
amorosas, desafetos pessoais ou conflitos, temas como a situação econômica e o
trabalho são demandas importantes – ação que pode ainda estar acompanhada de
outras simpatias, visando contemplar situações que vão do comércio até a lavoura.

222
Arremate
A benzeção costura aspectos medicinais, mágicos e religiosos facilitando o
acolhimento e o cuidado por meio da circulação de dádivas simbólicas e materiais
que envolvem benzedeiras, benzedores e adeptos. Este sistema se desdobra a par-
tir de habilidades associadas ao saber-benzer e é pautado por uma lógica própria
que tem como fundamentos o acolhimento e o cuidado. Isto se traduz em termos
de um modo artesanal de produzir cura e benção, o qual pressupõe uma abertura
em algumas dimensões: em direção ao sagrado, aos seres e ao movimento que co-
necta tudo que está no mundo. Esta amarração pode ser vista como um processo
criativo e dinâmico que tem a ver com fatores culturais, espaciais e temporais;
inevitavelmente, também tem relação com outras dimensões da vida social, como
a religiosa ou a econômica.
O texto foi estruturado a partir dessa complexificação, pensando em evidenciar
dois vetores complementares que estão em constante negociação no plano social:
as mediações entre um plano local onde cada pessoa se insere – nutrindo-se subs-
tancialmente de trocas em forma de dádiva e um modo de produção artesanal – e
uma escala mais ampla, que engloba processos transnacionais pautados pela lógica
do mercado. A principal hipótese infere que os sentidos atribuídos ao fenômeno
são plurais e estão em constante movimento; portanto, são vinculados às percep-
ções subjetivas e também modulados pela memória coletiva, pela opinião pública,
pelo discurso científico, religioso, entre outros. Por isto, partiu de uma revisão bi-
bliográfica que contempla diferentes registros de sua ocorrência e transformações
acerca desses entendimentos para, posteriormente, desdobrar as questões colo-
cadas pelo trabalho etnográfico multissituado que se situa ainda em um campo
multidisciplinar de debates metodológicos e teóricos.
Notou-se que, ao longo do século vinte, o tema começou a ser objeto de inte-
resse científico – quando os primeiros estudos sistemáticos apontavam variações
locais em retrospecto a estruturas universais a partir de interfaces com a religião,
enquadradas como parte do catolicismo popular; e também com a magia, a fei-
tiçaria e a bruxaria. Isso refletia as percepções públicas, oscilando entre discursos
fetichistas que associavam a prática à crendice e outros que tomavam o seu reco-
nhecimento como fato cultural, substancialmente sobreposto à religiosidade, às
devoções e às medicinas do povo. Passando do campo dos estudos sobre folclore e
cultura popular para a recém-institucionalizada antropologia brasileira, a discus-
são acerca da benzedura deixa de estar à margem e adquire centralidade com os

223
estudos sobre rituais e a religião, especialmente a católica em nuances do sincretis-
mo cultural. Cenário que possibilitou sua compreensão enquanto fato tradicional,
cuja adesão e memórias são transmitidas e vivenciadas através de uma operação
ritual que mobiliza aspectos corporais e simbólicos da crença. Sua eficácia era
colocada em pauta em termos simbólicos, ancorados na descrição de fatores rela-
cionados aos agentes, locais, etapas e procedimentos realizados para determinada
finalidade. Tais desdobramentos possibilitaram um ampliar as reflexões sobre o
corpo e performance, passando a entender esta como uma alternativa terapêutica
pautada por outras formas de conceber a doença.
O debate que perpassava diferentes áreas de conhecimento foi sendo atualizado
conforme novos paradigmas teóricos foram postos em termos contemporâneos. Os
atravessamentos da benzedura entre contextos apontam para o fato de que ganhou
visibilidade e, nas últimas duas décadas do século passado, se assumiu de vez como
questão de interesse público. Muito além da adesão, isto ressoa, por um lado, a ins-
titucionalização da prática no âmbito do Estado com o seu efetivo reconhecimento
como Patrimônio cultural e prática de Saúde. Em paralelo tem-se a inserção na
esfera pública dos especialistas em benzedura, se auto-organizando para realizar
o ritual ou para promover as habilidades com a transmissão do saber-benzer. Por
outro lado, evoca ainda a ampliação desses significados e sua incorporação enquanto
um nicho de mercado relacionado à prestação de serviços terapêuticos; e também o
deslocamento desde as expressões da religiosidade popular para uma espiritualidade
individualizada. Esse movimento de translocalização frutifica através de novos ter-
renos, forjado no bojo de uma transformação relacionada não só aos modos de vida
como também ao Estado, às mídias e meios de comunicação ou ao mercado.
O cerne do argumento apresentado sugere que a ocorrência do benzimento
facilita o emaranhamento de linhas, tecidas numa trama que contém múltiplas
dimensões e campos diversos. Compreende-se tratar de um processo que remete
às infinitas composições possíveis entre muitas coisas – incluindo corpos huma-
nos e não humanos, plantas, substâncias, materiais, artefatos, espaços, instituições,
dispositivos, ideias, conceitos, eventos... O que se entende por coisas então tem a
ver com a materialidade através da qual uma realidade é concebida e vivida, bem
como as coisas são criadas. É esse o substrato para experiências significadas pela
memória e pelas habilidades práticas, estando a percepção desse enredo atrelada
à mediação de especialistas para aplacar uma situação de conflito, crise, doença,
ou sofrimento – o que transcende qualquer oposição pré-concebida entre planos
como simbólico e material, individual e social ou humano e divino, sagrado e
profano, entre outros.

224
O saber-benzer envolve a produção e reprodução do sagrado, estabelecendo
uma conexão divina através da experiência corporificada por cada agente e por
seus clientes – o que, por sua vez, vai sendo ampliado em função da circulação de
dádivas como a bênção e a cura. As habilidades dos especialistas se desenvolvem a
partir de “educação da atenção” para benzer, podendo ou não estar relacionadas a
um dom divino, se materializam em ações rituais pelas palavras e gestos pratica-
dos. Assim vão se mesclando elementos religiosos e da vivência e, estes, modulan-
do a adesão às diferentes tecnologias de benzer. Neste sentido, as transformações
tecnológicas se desdobram em alterações na realidade material enquanto a prática
atravessa contextos que vão do oral ao digital.
Diante disso, a questão das coisas pode ser destrinchada a partir de três ra-
mificações, cujas raízes sustentam o desenvolvimento do trabalho e das quais se
desdobram questões ainda em aberto. Uma tem a ver com os enquadramentos
teóricos que, até certo momento, tendem a conceber as coisas em segundo plano;
seja considerando seu significado em detrimento de uma função simbólica ou
de um caráter utilitário atribuído às operações rituais, aproximando-se de uma
perspectiva fetichista. Foi possível verificar uma delimitação da separação entre
magia e religião, ou mesmo entre denominações, que se traduz na diferenciação
entre sagrado e profano. Com isto, ora se reconhece a materialidade relacionada
à experiência devocional católica que pauta um senso estético ou uma percepção
sensorial; simultaneamente, uma diferenciação é operada associando determina-
das coisas à bruxaria ou à feitiçaria de forma estigmatizada. Outra dimensão as
envolve em uma associação com nichos de consumo específicos, convertendo a
prática mesmo em coisa a fim de ser vendida como uma alternativa espiritual.
Logo, outrora as coisas podem ser lidas ainda como sinônimo de mercadoria e
ligadas ao dinheiro.
Isto coloca em evidência sua relação com um contexto cultural, terapêutico e
religioso, e os preconceitos embutidos pelo senso comum; ao mesmo tempo, refor-
ça a necessidade de romper com qualquer perspectiva intolerante e discriminató-
ria. E também alerta para uma armadilha epistemológica: seja a de endossar uma
classificação das vertentes de benzimento em função de padrões relacionados às
vertentes religiosas e, consequentemente, sua hierarquização; ou a de reiterar o pa-
pel secundário atribuído ao contexto material de sua ocorrência, bem como à ma-
terialidade das relações constituídas entre as diferentes linhas emaranhadas atra-
vés do movimento dessa trama. Finalmente, uma terceira dimensão aponta para
a importância substancial das tecnologias de benzer e, sobretudo, para o modo
como tais coisas são mobilizadas de acordo com a criatividade de cada especialista,

225
mas também com as doenças, seus sintomas e causa a serem tratados. Assim elas
contribuem para o ritual junto com as habilidades pessoais – sendo o corpo mes-
mo a principal destas tecnologias associadas a materiais específicos de acordo com
cada problema. Portanto, o tema ajudou a elucidar aspectos dos entendimentos
sobre o corpo e a doença; da produção de cura e bênção; da circulação de dádivas;
da transmissão e inovação do saber-benzer, da expressão do fenômeno na vida
de cada pessoa – considerando experiências devocionais compartilhadas e fluxos
específicos nesse contexto.
Ao nível local, esse processo é marcado por um modo de vida rural na maioria
das pequenas cidades que compõem a microrregião, onde permanecem muito das
relações de compadrio e da cultura católica; mas, sobretudo, um modo de vida
orientado pela proximidade com a natureza especialmente no que toca os rituais.
Contrastando com Poços de Caldas – onde se verificam fatores sócio-demográ-
ficos diferenciados, incluindo maior industrialização e população relativamente
mais elevada –, tem-se uma dinâmica que opera pela negociação entre elementos
da tradição e da modernização, incluindo a evidenciação de uma diversidade nas
vertentes de benzimento presentes desde muito tempo, não consistindo em um
fenômeno recente. Mais que contextualizar sua ocorrência, enfatizando o sincre-
tismo, sua fluidez e as múltiplas conexões possíveis, a discussão procurou apontar
para a interconexão entre a constituição de um território montanhoso e atraves-
sado por águas virtuosas com o sangue e o suor das pessoas que têm interagido
com ele, bem como aspectos sobre os entendimentos acerca de práticas mágicas,
terapêuticas ou religiosas. Nesse sentido, a experiência ritual tem seu fluxo atra-
vessado pelo espaço e simultaneamente contribui para a percepção do espaço e
para a experiência através dele.
O desenvolvimento do ofício ocorre pari passu ao desenvolvimento pessoal,
considerando a maneira como cada um se insere no mundo e as referências acio-
nadas ao longo do processo de transmissão e iniciação no sabe-benzer – o que é
modulado por comportamentos, prescrições, valores e ritos característicos de cada
religião. Assim que uma benzedeira ou benzedor são vistos como figura carismáti-
ca que possui influência na comunidade em que se insere; ao tornar-se especialista
consegue dominar a linguagem verbal exigida por cada situação a ser enfrentada,
tanto quanto as ações que se deve realizar junto com as coisas específicas direcio-
nando intenções a quem ou ao quê é o alvo do ritual. Além de mediar a produção
de estratégias relacionadas aos conhecimentos e sua operacionalização em meio
ao sistema de circulação de dádivas – que vão desde a divulgação até os espaços
de atendimento –, essa materialidade consiste no elo que converte curas e bênçãos

226
em artefatos artesanais. O que, por sua vez, faz com que cada problema informe
os procedimentos técnicos, as orações e as forças divinas cuja autoridade intercede
na situação determinada; mas também um sistema classificatório das coisas utili-
zadas em cada ação específica.
Os truques relacionados ao saber-benzer, por sua vez, estão em consonân-
cia com essas coisas e sua responsabilidade em face dos momentos através dos
quais as curas e bênçãos são objetivadas com os tais procedimentos. Assim que,
na medida em que o ato vai integrando desde as múltiplas dimensões do corpo
de um ser ou de uma situação em pequena escala, mobilizando um repertório
que atravessa e interconecta outras tantas escalas, essa trama toma o seu próprio
movimento e passa a se ampliar de forma a produzir conhecimentos ecológicos.
Ou seja, uma visão prática orientada pela integração de todos os elementos vivos
e dos quais dependem uns dos outros já que todas as coisas estão interligadas por
estarem na trama. Além de doenças ou conflitos de diversas ordens, desequilíbrios
e mudanças associadas aos modos de vida cada vez mais acelerados e alienados
deste próprio processo vital culminam ainda na ruptura dessa simbiose que pres-
supõe essa perspectiva ecológica.
Como para realizar uma benzedura, escrever também implica em seus meios
próprios, cujos procedimentos se assemelham a uma bordadura constante na qual
a pessoa pesquisadora vai ganhando contornos junto ao objeto que tenta cortar
– mas tem de constantemente recortar, alinhavar e acertar até poder arrematar.
Alinhavando um tema também se desalinha uma malha de possibilidades, abrin-
do caminhos: desta forma linhas, agulhas e um pedaço de pano não estarão tão
distantes dos livros, cadernos, computadores, câmeras e outras coisas necessárias
ao ofício de fazer antropologia. Menos que encerar um debate ou satisfazer certa
curiosidade que encontra ecos em aspectos existenciais e afetivos, este trabalho
permitiu indicar para as múltiplas direções possíveis a partir desse movimento de
abertura que constitui o fenômeno social analisado. Nesse sentido, não termina
com este derradeiro parágrafo e sim chega até aqui com muito mais questões a
serem respondidas do que quando se iniciou. Esta curiosidade será a motivação
para os próximos passos que virão.

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Cultural Material e Imaterial brasileiro e toma outras providências.

BRASIL. Decreto nº 3551, 4 de agosto de 2000. Institui o Registro de Bens Cul-


turais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o
Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências.

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silia: Agencia Nacional de Vigilancia Sanitaria (ANVISA), 2013.

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e o § 4o do art. 225 da Constituição Federal, o Artigo 1, a alínea j do Artigo 8,
a alínea c do Artigo 10, o Artigo 15 e os §§ 3o e 4o do Artigo 16 da Convenção

256
sobre Diversidade Biológica, promulgada pelo Decreto no 2.519, de 16 de março
de 1998; dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso
ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para
conservação e uso sustentável da biodiversidade; revoga a Medida Provisória no
2.186-16, de 23 de agosto de 2001; e dá outras providências.

BRASIL. Decreto Lei nº 2848/40, de 07 de Dezembro de 1940. Código Penal


Brasileiro (Art. 283 e 284).

MINAS GERAIS. Art. 208 da Constituição Estadual de 1989, que constitui o


Patrimônio Cultural Material e Imaterial mineiro.

MINAS GERAIS. Decreto nº 42505, de 15 de Abril de 2002. Institui as formas


de Registros de Bens Culturais de Natureza Imaterial ou Intangível que consti-
tuem patrimônio cultural de Minas Gerais.

MINAS GERAIS. Lei nº20368 de 7 de agosto de 2012. Institui o Registro do


Patrimônio Vivo do Estado de Minas Gerais.

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medicina tradicional 2014–2023. Ginebra, 2013.

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RIO GRANDE DO NORTE. Lei nº 10.892 de 5 de Maio de 2021. Reconhece


como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado do Rio Grande do Norte, os sa-
beres, os conhecimentos e as práticas tradicionais de saúde popular e cura religiosa
das benzedeiras.

257
Documentários
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(DPM) e Gerência de Patrimônio Imaterial. (GPI), 2013 (Disponível em: <ht-
tps://www.youtube.com/watch?v=BdBi3akKcSA>. Acesso: janeiro/ 2020).

BENZEDEIRAS – OFÍCIO TRADICIONAL. Direção de Lia Marchi, 2015


(Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=eBPegB3IIU0 >. Acesso:
janeiro/2020).

BENZEDEIRAS DE MINAS. Direção de Andréa Tonacci. Programa Etnodoc.


Apoio: Iphan/ CNFCP, 2007 (Disponível em: <https://www.youtube.com/wat-
ch?v=88VSnLEptVw>. Acesso: janeiro/ 2020).

BENZEDEIRAS DE PONTA GROSSA. Secretaria Municipal de Cultura de


Ponta Grossa (PR), 2018 (Disponível em: <https://www.youtube.com/playlis-
t?list=PLpK5VUqvKKqcl0AGqy6OOzOBDezJP9Zfd>. Acesso: janeiro/2020).

“EU QUE TE BENZO, DEUS QUE TE CURA”. Direção de Fernanda Pessoa.


Universidade Federal de Santa Catarina. Curso de Jornalismo (Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=KZvP6VTyIB0>. Acesso: janeiro/2020).

INSTALAÇÕES-RITUAIS. Direção de Geslline Giovana Braga, 2010. (Dis-


ponível em: <https://vimeo.com/13844461 >. Acesso: janeiro/2020)

258
Apêndice (s)
1. Quadro de interlocutores nodais

259
2. Síntese dos dados sobre a produção bibliográfica acadêmica
Gráfico 1. Menções diretas e indiretas ao benzimento nos trabalhos entre 1954 e 1987130

Gráfico 2. Artigos publicados em Periódicos Científicos por ano (1987-2018)131

Fonte: Portal de Artigos e Periódicos da CAPES.

130
Elaborado a partir de pesquisa bibliográfica.
131
Elaborado a partir da fonte.

260
Gráfico 3. Teses e Dissertações produzidas por área de conhecimento (1987-2018)132

Fonte: Banco de Teses e Dissertações da CAPES.

Gráfico 4. Teses e Dissertações produzidas por ano (1987-2018)133

Fonte: Banco de Teses e Dissertações da CAPES.

132
Elaborado a partir da fonte.
133
Elaborado a partir da fonte. Foram excluídas as ocorrências que aparecem mais de uma vez na
pesquisa.

261
Gráfico 5. Teses e Dissertações produzidas por Instituição (1987-2018)134

Fonte: Banco de Teses e Dissertações da CAPES.

134
Elaborado a partir da fonte.

262
3. Composição religiosa da população no estado e municípios da microrregião
1.1 No estado
Gráfico 6. Religião em Minas Gerais (1991, 2000 e 2010)135

Fonte: IBGE / Censo Demográfico.

1.2 Na microrregião
Gráfico 7. Religião em Bandeira do Sul (1991, 2000 e 2010)136

Fonte: IBGE / Censo Demográfico.

135
Elaborado a partir da fonte.
136
Elaborado a partir da fonte.

263
Gráfico 8. Religião em Botelhos (1991, 2000 e 2010)137

Fonte: IBGE / Censo Demográfico.

Gráfico 9. Religião em Cabo Verde (1991, 2000 e 2010)138

Fonte: IBGE / Censo Demográfico.

137
Elaborado a partir da fonte.
138
Elaborado a partir da fonte.

264
Gráfico 10. Religião em Caldas (1991, 2000 e 2010)139

Fonte: IBGE / Censo Demográfico.

Gráfico 11. Religião em Campestre (1991, 2000 e 2010)

Fonte: IBGE / Censo Demográfico.

139
Elaborado a partir da fonte.

265
Gráfico 12. Religião em Machado (1991, 2000 e 2010)140

Fonte: IBGE / Censo Demográfico.

Gráfico 13. Religião em Poço Fundo (1991, 2000 e 2010)141

Fonte: IBGE / Censo Demográfico.

140
Elaborado a partir da fonte.
141
Elaborado a partir da fonte.

266
Gráfico 14. Religião em Poços de Caldas (1991, 2000 e 2010)142

Fonte: IBGE / Censo Demográfico.

4. Calendário devocional na microrregião

ADVENTO É o período que antecede o Natal no Ano Litúrgico, que se


inicia quatro domingos antes de tal data. O terceiro domingo é conhecido como
“Domingo Gaudete”.

25 DE DEZEMBRO: NATAL Celebra-se o nascimento do menino Jesus


por meio de ritos institucionais, como a realização de celebrações em cada Paró-
quia – sendo a Missa do Galo a principal, na meia noite da véspera, em alusão ao
prenúncio feito por tal animal neste momento. Mas também por meio de hábitos
através dos quais as pessoas expressam sua devoção e a representam material-
mente com a montagem de presépios, árvores e enfeites luminosos – anualmente,
Poços de Caldas atrai turistas e visitantes de toda a região com sua decoração; o
que tem inspirado os municípios de pequeno porte a fazerem o mesmo, inclusi-
ve comprando os materiais utilizados nos anos anteriores com preço reduzido,
como foi feito em Campestre durante alguns anos. Além de reuniões familiares,
reiterando as noções de união e fraternidade para celebrar uma “vida nova” pela
renovação da fé cristã. O período natalino contempla ainda as figuras da Sagrada
Família e sua epifania e batismo.
142
Elaborado a partir da fonte.

267
06 DE JANEIRO: DIA DE REIS Santo Reis, ou Santos Reis são diferentes
maneiras de se referir aos Três Reis Magos do Oriente: Baltazar, Gaspar e Mel-
chior. Segundo a narrativa bíblica, eles partiram em peregrinação seguindo uma
Estrela até Belém, para visitar o recém-nascido Jesus e sua família, levando ouro,
incenso e mirra. Esta narrativa é recriada através das Folias de Reis, reconhecidas
como Patrimônio Cultural Imaterial de Minas Gerais desde 2017, consideran-
do suas formas de expressão, práticas, saberes, ritos e celebrações. Revivendo o
tempo mítico em relação ao tempo presente, os foliões desdobram uma série de
obrigações rituais que preparam e culminam na temporada do giro, que começa
após o Natal. Grupos de instrumentistas e cantadores, junto com seus bastiões,
mestres e estandartes saem em peregrinação, visitando a casa de devotos. A re-
cepção envolve prestações em sistema de dádiva, com a distribuição de comida e
ofertas e dinheiro em contrapartida pelas bênçãos, graças e milagres recebidos em
promessa dos Santos Reis. Além da divisão do trabalho ritual e musical, de acor-
do com os dons de cada pessoa, os Mestres de Folia geralmente desempenham
outros ofícios artesanais, por vezes ligados às expressões da religiosidade popular.
Assim, são também rezadores, benzedores e ervateiros que atuam no cuidado e
na manutenção das relações sociais coletivas em suas comunidades de atuação. Na
porção Sul do estado, nota-se a importância das Congadas, das Folias do Divino
e, especialmente, das Folias de Reis. Com exceção de Campestre, os municípios
da microrregião de Poços de Caldas representam e comprovam sua expressão local
através de muitos registros incluídos no cadastro estadual.

20 DE JANEIRO: DIA DE SÃO SEBASTIÃO Padroeiro do distrito de


São Sebastião das Posses, de Campestre. Conforme material coletado no Arquivo
do Colégio Municipal Cônego Artur, antigamente a Festa de São Sebastião em
Campestre era composta por uma novena de terços, bênçãos e leilões. Na maioria
das vezes, terminava com missa solene e procissão com o andor após o levanta-
mento do mastro.

FEVEREIRO/MARÇO: CARNAVAL

QUARTA-FEIRA DE CINZAS Após o fim do Carnaval, na quarta-feira de


cinzas, tem início o tempo da Quaresma que representa valores como o jejum, a
oração e a penitência como sinais da conversão à fé cristã.

TEMPO DA QUARESMA Durante 40 dias, os cristãos revivem celebrações

268
cronológicas e sequenciais da Paixão e Morte de Jesus Cristo; isto culmina Pás-
coa, quando se comemora sua Ressureição. Em todo o Sul de Minas, ocorrem as
missas e também procissões específicas ao longo do período, assim como práticas
tradicionais tais quais a de “rezar as almas” – uma peregrinação dos rezadores,
batendo à porta de cada casa madrugada adentro. Mas é na “Semana Santa” que
estas acontecem com maior adesão dos fiéis, incluindo procissões e encenações
públicas. Muitas pessoas fazem restrições comportamentais e alimentares, princi-
palmente no que diz respeito ao consumo de carnes vermelhas.

19 DE MARÇO: DIA DE SÃO JOSÉ Padroeiro de Botelhos. É considera-


do o patrono dos trabalhadores e protetor das famílias; conhecido como José de
Nazaré ou José, o Carpinteiro.

27 DE MARÇO: DIA DE SÃO FRANCISCO DE PAULA Padroeiro de


Poço Fundo. Conhecido como exemplo de caridade, bem como desapego dos
bens materiais e efêmeros, nascido na Itália do século XV e cuja família lhe con-
sagra a São Francisco de Assis; foi fundador da Ordem dos Mínimos.

DOMINGO DE RAMOS Este dia sinaliza o início da Semana Santa, re-


metendo à entrada de Jesus em Jerusalém: em um caminho de mantos estendidos
pelo povo, enquanto outros cortavam ramos de árvores para juncar a estrada. Em
Minas Gerais, a tradição é conservada nas cidades do interior. É o caso de Cam-
pestre, onde uma Missa é celebrada anualmente nesta data, na qual os “ramos” são
benzidos; estas “palha benta”, depois de seca, é queimada e as cinzas usadas na
Quarta-Feira de Cinzas seguinte.

QUINTA-FEIRA DA PAIXÃO/SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO Nestes


dias, ocorrem procissões que representam o calvário de Cristo em toda a região
– especialmente nas cidades históricas da região central do estado, reconhecidas
internacionalmente como patrimônio local e atrativo para turistas religiosos. Sua
composição é precedida por membros da Igreja que conduzem andores e o corpo
de fieis que carrega suas velas acesas. Entre as imagens sempre adornadas com
flores, estão Jesus carregando sua cruz e de Maria, sempre envoltos em panos es-
curos (roxos, principalmente). Em Campestre, uma das tradições mais expressivas
deste rito é a cantoria das Verônicas, um grupo de mulheres que representam o
luto através do canto.

269
SÁBADO DE ALELUIA Nesta data o fim da quaresma é celebrado com
missas e o fim das restrições comportamentais e promessas. É comum a realização
de bailes e festas não religiosas em toda região, reunindo um grande número de
pessoas.

DOMINGO DE PÁSCOA É o dia em que os cristãos comemoram a Res-


surreição de Jesus, depois de ter sido crucificado, morto e sepultado. Ocorrem
celebrações nas Paróquias locais e, tradicionalmente, as famílias se encontram para
almoçar – geralmente, um prato feito com carne de peixe ou ovos, acompanhados
de batatas.

INÍCIO DO TEMPO PASCOAL Este tempo abrange o período da res-


surreição de Jesus e se estende pelos cinquenta dias seguintes, até o domingo de
Pentecostes, totalizando sete semanas ao longo das quais se comemora sua vida.

PENTECOSTES Tal celebração ocorre cinquenta dias após a Páscoa e re-


presenta a descida do Espírito Santo sobre Maria e os Apóstolos de Jesus, dez
dias após sua ascensão – o que, na crença cristã, está associado à glossolalia, ou
seja, o dom de línguas. Assim, é comemorado como o marco inicial da Igreja cristã
apostólica.

INÍCIO DO TEMPO COMUM

04 DE ABRIL: DIA DE SÃO BENEDITO Padroeiro de Machado. São


Benedito, o negro, é uma figura católica italiana historicamente celebrada no Bra-
sil por seus milagres e pelo sincretismo com os cultos de matriz africana – sobre-
tudo em Minas Gerais, assim como N. Sra. do Rosário, associados às celebrações
das Congadas. Essa expressão pode ser vista na microrregião, em especial, nas
cidades de Poços de Caldas e Machado, que sediam duas grandes Festas dedica-
das ao “Santo Cozinheiro”. Para evitar o não conflito entre as datas destes dois
eventos do calendário devocional local, uma delas é celebrada em Maio e, a outra,
em Agosto. Juntamente com a Festa de São Benedito de Aparecida (SP), no mês
de Abril, estas três celebrações são os pilares dos ritos públicos devocionais a tal
santo.

ABRIL: FESTA DE SÃO BENEDITO EM APARECIDA (SP) Esta é a


maior Festa de São Benedito do país, realizada desde 1909 em Aparecida (SP).

270
Nesta ocasião, o Santuário Nacional de Aparecida recebe milhares de pessoas
em caravanas e peregrinações para esta celebração, quando ocorre o Encontro
Nacional de Congadas e se encontram Companhias, Grupos e Ternos de todas as
regiões, mas sobretudo do Sudeste. Ao longo do período, são realizadas novenas e
mutirões; e o momento mais esperado é a Missa Conga seguida do levantamento
do Mastro, bem como desfile e procissões que enchem a cidade. As barracas e
as atrações culturais atraem a atenção dos devotos e marcam sua experiência ao
longos dos dias de festa. Outras expressões importantes são o desfile de bonecos
gigantes e a distribuição dos doces de S. Benedito, feitos e doados pelos devotos
juntamente com uma lembrança anual do evento (GODOY et al, 2018). Além
de visitas aos locais de peregrinação associados à N. Sra. Aparecida, celebra-se
também N. Sra. do Rosário e Santa Ifigênia.

1 A 13 DE MAIO: FESTA DE SÃO BENEDITO EM POÇOS DE


CALDAS Esta é uma das festas mais antigas da microrregião; os registros oficiais
datam de 1904, mas já era realizada antes disto, na antiga Capela de São Bene-
dito – atrás de onde atualmente se encontra a Igreja Matriz da cidade (SOUZA,
2015). Atualmente, as celebrações se iniciam antes do dia do Santo, com a mon-
tagem de barracas no entorno da Igreja de São Benedito, tombada enquanto Pa-
trimônio Histórico e Cultural pela Prefeitura Municipal. Após a abertura solene,
com a retirada dos andores em cortejo, bênçãos e o levantamento dos Mastros.
Outro ponto alto da festa é a retirada dos Caiapós da mata – uma expressão ritual
da tradição ameríndia que representa os povos originários locais, organizada em
grupos que promovem desfiles e espetáculos públicos – feita pelos congadeiros,
encenada atualmente na Fonte dos Amores, quando os Ternos se encontram para
celebrar sua aproximação com estes grupos, levando-os até a imagem do Santo.
E também há encenações da chamada Embaixada pelos diversos grupos. O en-
cerramento se dá no dia 13 de Maio com a Alvorada, quando despertam com os
tambores em desfile. Depois ocorre a Missa Conga seguida de almoço e visitação
dos grupos à casa dos fieis, passando pela Basílica de Nossa Senhora da Saúde e
chegando na Igreja de S. Benedito. Há ainda uma procissão com os Ternos de
Congo e Caiapós, junto aos andores ou imagens de N. Sra. do Rosário e Sta. Ifi-
gênia. No ano de 2004, foi criada a Associação dos Ternos de Congos e Caiapós
de Poços de Caldas, representada pelos seguintes grupos: Terno de Congo de São
Benedito, Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora do Carmo, Santa Ifigênia,
São Jerônimo, Santa Bárbara e Nossa Senhora da Saúde, além do Terno Mirim
de Santa Ifigênia. Os conhecidos “doces do Ditinho” se cruzam com a história do

271
“Santo cozinheiro” e com a culinária mineira, resultando em dezenas de barracas
entre as quais se destacam cocadas, maças do amor, churros e doces de corte em
geral. Também são consumidas outras comidas – como espetos e carnes assadas
com biscoito ou pão, assim como bebidas como quentão. Desde 2020, a Festa de
São Benedito de Poços de Caldas está inscrita do Livro de Registro Municipal
de Celebrações, tendo sua expressão devocional, afetiva e histórica reconhecidas.

22 DE MAIO: DIA DE SANTA RITA DE CÁSSIA A santa nasceu no fim


do século XIV e, após a morte do marido, ingressou na Ordem Agostiniana. Sua
figura é venerada por seu poder de cura e seu corpo permaneceu incorrupto, uma
relíquia hoje situada no Santuário dedicado a ela na comuna italiana de Cássia.

FESTA DE SANTA RITA EM SANTA RITA DE CALDAS A cidade sul


mineira de Santa Rita de Caldas, é referência no circuito devocional microrregio-
nal e se destaca pela devoção à Santa Rita de Cássia. Presente desde os primórdios
do povoado, essa crença ganha força ao longo do século vinte, com a atuação do
benemérito padre Alderigi Maria Torriani – objeto de processo de beatificação,
aberto em 2001 junto ao Vaticano. Aqui está uma réplica idêntica da
relíquia corpórea, disponível no Santuário Arquidiocesano de Santa Rita de
Caldas; centenas de peregrinos passam pelo local que tem no Dia de Santa Rita
uma das maiores festas da região – junto com as Festas de São Benedito de Ma-
chado e Poços de Caldas. A Festa de Santa Rita é composta por uma série de
rituais que incluem ritos eclesiásticos, como missas e bênçãos coletivas, que são
emaranhados aos elementos da devoção popular. O engajamento dos moradores
envolve uma estrutura complexa para receber fieis peregrinos em visitação ao cor-
po de Sta. Rita e ao túmulo do Monsenhor. Anualmente, em um parque de ex-
posições, são montados estacionamento; parque de diversões; palco para atrações
artísticas e musicais; barracas de feira, onde são vendidas comidas e mercadorias
variadas – que vão desde artigos para casa a acessórios e eletrônicos, passando por
artigos religiosos e lembrancinhas.

CORPUS CHRISTI Dois domingos depois de Pentecostes, quando se ce-


lebra a instituição da eucaristia. Nessa data, há uma mobilização por parte da
comunidade de cada Paróquia para confeccionar enfeites nas ruas, sobre os quais a
procissão e os fiéis passarão: os “tapetes” que, além da comunidade religiosa, oca-
sionalmente conta com a contribuição da comunidade escolar das redes municipal
e estadual.

272
15 DE AGOSTO: ASSUNÇÃO DE MARIA

15 DE AGOSTO: DIA DE NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO Pa-


droeira de Cabo Verde. Segundo a narrativa litúrgica, a Virgem Maria concebeu
Jesus sem pecado e por isto foi elevada aos céus. O culto e devoção são introdu-
zidos no Brasil pelos colonizadores, após aparições e promessas atribuídas à sua
figura, em Portugal.

15 DE AGOSTO: DIA DE NOSSA SENHORA DO PATROCÍNIO Pa-


droeira de Caldas. Expressão mariana que se origina a partir da proteção dada pela
Virgem Maria, assim como pelos Anos e Santos na crença católica, em forma de
amparo e auxílio A esta ajuda se refere o termo patrocínio, também utilizado para
referir-se a São José; também evoca a realização de festas em favor de tais figuras.

FESTAS JUNINAS As comemorações juninas contam com festas que, além


de momentos religiosos, como as missas, contam com danças populares – como o
baile caipira, com quadrilha e “casamento” – e eventos como bingos. Há comidas
típicas, como canjicada, biscoito com pernil, frangos assados e o “cartucho”: um
cone de cartolina decorado com papeis variados e coloridos, recheado com doces
caseiros (leite, cidra, abóbora, pé-de-moleque, etc.). É comum que cartuchos se-
jam doados por pessoas da comunidade e sirvam de prendas para o bingo, cujo
dinheiro levantado é revertido em caridade. As festas juninas são um evento im-
portante para a comunidade escolar, que aproveita a ocasião para realizar número
de dança com os alunos e espaço recreativo, com brincadeiras e comidas, visando
arrecadação de fundos. Especialmente nos bairros rurais das cidades menores, é
uma ocasião importante.

13 DE JUNHO: DIA DE SANTO ANTÔNIO Santo conhecido por ter


sido exumado e encontrado com a língua incorrupta, canonizado e tido como
milagreiro – especialmente no que se refere a temas como relacionamentos amo-
rosos, popularmente chamado de “santo casamenteiro”. Algumas simpatias estão
relacionadas a este fator: como, por exemplo, virar o santo de cabeça para baixo
dentro de um copo com água, enquanto uma simpatia para arrumar casamento.

24 DE JUNHO: DIA DE SÃO JOÃO Primo de Jesus Cristo, foi quem o ba-
tizou; por isto, é conhecido como São João Batista. Também é tido como profeta
por apresentar o Messias ao mundo.

273
29 DE JUNHO: DIA DE SÃO PEDRO Apóstolo de Jesus, conhecido por
sua habilidade evangelizadora atuando em favor da Igreja como seu guardião, tido
como o primeiro papa.

16 DE JULHO: DIA DE NOSSA SENHORA DO CARMO Padroeira da


cidade de Campestre. Anualmente, a Paróquia de N. Sra. do Carmo de Campestre
organiza quermesse para arrecadação de fundos, mobilizando a ajuda de toda a
comunidade e, contando com a presença também dos não católicos nas festivida-
des. A festa usualmente é realizada na região central da cidade, contando com uma
estrutura de palco para shows de artistas locais e bingo, bem como barracas para
venda de comidas típicas em regime de mutirão.

AGOSTO: FESTA DE SÃO BENEDITO EM MACHADO Como em


Poços de Caldas, a devoção a S. Benedito é expressiva e se reflete na realização da
grande Festa em seu louvor, sendo o primeiro registro datado de 1914. Ligada à
Irmandade de N. Sra. do Rosário, sua realização atravessa a história da cidade e
mobiliza diversos grupos de congadeiros, organizados de modo autônomo antes
da estruturação da festa – que atualmente ocorre na Praça São Benedito, na região
central de Machado. A alteração da data para o mês de agosto pode ser explicada
por motivos econômicos, considerando o período que sucede a colheita de café na
região e movimenta grande quantidade de dinheiro; mas também por um moti-
vo religioso que se desdobra na experiência do espaço e do tempo, a saber, duas
outras importantes celebrações ao mesmo santo: em Poços de Caldas e em Apa-
recida (SP). A estrutura contempla ritos religiosos como missas e novenas; eles
culminam nos dias de atrações culturais como shows e bingos, junto às famosas
barraquinhas para o comércio de produtos votivos ou seculares de diversos tipos.
As comidas também são atração neste caso, representada por variações doces e
salgadas, vendidas no mesmo local; a importância turística também é um fato.
Desde 2012, a Festa de São Benedito de Machado está incluída no Livro de Re-
gistro das Celebrações pela Prefeitura Municipal.

21 DE SETEMBRO: DIA DE SANTA EFIGÊNIA Ligada à história do


cristianismo na África, descendente de um rei etíope e consagrada a Deus por
Mateus Evangelista, representando sua conversão do que era tido como paganis-
mo para o cristianismo. Após escapar de ser queimada viva em sacrifício, a creram
milagrosa e a liberaram, bem como os que testemunharam o fato se converteram
também.

274
03 DE OUTUBRO: DIA DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS Filho de um
comerciante italiano, renunciou à sua herança para viver em caridade; fundador da
Ordem dos Frades Menores, chamados franciscanos, característica pelo voto de
pobreza. Conhecido pelo dom da profecia e dos milagres de cura, bem como pela
proximidade com a natureza e os animais.

07 DE OUTUBRO: DIA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO Ex-


pressão mariana que, na crença católica, revela o rosário enquanto uma forma de
oferta e prece direta à Virgem Maria. Em Minas, desde o período setecentista, seu
culto está historicamente associado à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário
dos Homens Pretos – confrarias formadas por pessoas escravizadas e libertas para
professar sua fé e, sobretudo, como uma forma de organização social de consciên-
cia e resistência ao sistema colonial – e ao sincretismo com as tradições de matriz
africana. Assim como São Benedito e Santa Efigênia, é protetora dos negros; e
também está relacionada ao culto popular e à realização de rituais como Conga-
das, Moçambiques, Caboclinhos, Catupés e Marujadas, entre outros. Como em
todo o estado, esta devoção é expressiva na região – especialmente em Machado
e Poços de Caldas.

12 DE OUTUBRO: DIA DE NOSSA SENHORA APARECIDA Pa-


droeira de Bandeira do Sul. Como em todo o Brasil, a devoção e identificação
com esta santa são muito expressivas na região, onde ocorrem celebrações e missas
locais. Mas este período marcado por promessas e preces consiste em uma opor-
tunidade de peregrinação até a cidade de Aparecida (SP), seja de carro, a cavalo ou
andando através da rota do Caminho da Fé sul mineiro. Assim, o local se converte
em um importante ponto de peregrinação para os fiéis católicos por conta do
Santuário Nacional de Aparecida – o que, todavia, não se restringe somente a esta
época. Além de cerimônias em cada Paróquia, os fiéis que não podem se deslocar
acompanham as transmissões do Santuário através da televisão.

02 DE NOVEMBRO: DIA DE FINADOS Em toda região, familiares vi-


sitam os cemitérios para prestar homenagens aos falecidos, o que inclui oferta de
objetos como flores e a prática de orações em sua memória. Esta ocasião também
é importante para aspectos como a manutenção das lápides e reparos estruturais.
Também são celebradas missas em intenção dos mortos, a pedido da família.

275
06 DE NOVEMBRO: DIA DE NOSSA SENHORA DA SAÚDE Pa-
droeira de Poços de Caldas. Invocação da Virgem Maria cultuada especialmente
em Portugal a partir do fim do século dezesseis, considerando a crença de sua
atuação miraculosa em surtos de peste que acometeram a região. A historiografia
remete a devoções marianas no planalto caldense atrelada à proteção dos enfer-
mos que procuravam se banhar nas águas sulfurosas locais. Em Poços de Caldas, a
introdução da figura de N. Sra. da Saúde se dá em forma de ex-voto de um portu-
guês curado, enviado ao médico da estância termal, Pedro Sanches de Lemos: uma
imagem doada e, posteriormente, instalada na atual Igreja Matriz – a Basílica de
Nossa Senhora da Saúde, tombada como Patrimônio pela Prefeitura Municipal.

13 DE DEZEMBRO: DIA DE SANTA LUZIA Associada à luz, conhecida


como protetora dos olhos e da visão, propiciando discernimento e cura. Sua vida
remete ao fim do século três da Era Cristã, na Itália, sendo venerada em virtude
de sua castidade; foi decapitada e, por isto, torrou-se mártir.

17 DE DEZEMBRO: DIA DE SÃO LÁZARO Figura reconhecida pela


amizade com Jesus, tendo o recebido em sua casa muitas vezes, segundo a narrati-
va cristã. Lázaro foi por ele ressuscitado do túmulo. A história de São Lázaro por
vezes é confundida com a narrativa do mendigo Lázaro, coberto por chagas – que
é amplamente cultuado na região, relacionados às doenças de pele e outras.

276
Anexo (s)
1. Comprovante de envio ao Comitê de Ética em Pesquisa143

143
Elaborado a partir da fonte.

277
2. Termo de consentimento livre e esclarecido simplificado

Benzimento em movimento: materialidade, bênçãos e curas no sul de Minas


Gerais
Pesquisadora responsável: Mariana de Carvalho Ilheo

Você está sendo convidado/a a participar da pesquisa “Benzimento em movi-


mento: materialidade, bênçãos e curas no sul de Minas Gerais”.
Toda contribuição é importante. Mesmo que você não more em Minas Gerais.
Relate a sua experiência.

Como funciona?
Este é um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e visa assegurar seus
direitos como participante do estudo.
Ao aceitar, você deve estar ciente dos objetivos da pesquisa, procedimentos e
metodologia.
Você poderá escolher se será ou não identificado/a.
Sua participação não é obrigatória, mas voluntária. Assim, não prevê qualquer
tipo de compensação monetária.
Caso aceite, a desistência ou retirada de consentimento podem ser solicitados
a qualquer momento.
Não haverá nenhum tipo de penalização ou prejuízo ao se recusar a participar,
seja no início ou durante a pesquisa.

Justificativa e objetivos da pesquisa:


A benzedura é uma prática tradicional presente na memória coletiva e am-
plamente difundida por todo o Brasil. Para compreender as especificidades desse
ritual de cura e bênção pretende-se tratar dessa prática através de sua materiali-
dade. A pesquisa será guiada pelo movimento das coisas e das pessoas pela região
sul de Minas Gerais.
Então, foram eleitas quatro possibilidades como norteadoras desse caminho:
(a) para identificar os profissionais e sua área de atuação, além da indicação oral,
serão consideradas as propagandas, anúncios ou santinhos de divulgação de ben-
zedores e benzedeiras – quando houver; também se houver, (b) os cadernos de re-
gistro para verificar a circulação das pessoas em busca de benzimento, assim como
o relato dos/as benzedores. Mapeada a rede de participantes, apontando aqueles
que acreditam e procuram o ritual ou que o executem, a pesquisa se dedicará a

278
investigar (c) as coisas utilizadas durante o procedimento – como artigos religio-
sos, objetos e produtos de uso cotidiano, materiais especiais, entre outros – e (d) as
plantas medicinais que, por ventura, acompanhem as preces e orações.
Ao olhar para pessoas e coisas como mediadores no processo de cura e bênção,
os objetivos específicos são (I) levantar e mapear as ocorrências do fenômeno; (II)
investigar as conexões entre os materiais do benzimento e procedimentos curati-
vos, assim como seu movimento – o que implica em considerar suas propriedades,
processos de feitura, transformação e significação. Por último, (III) compreender
como são produzidos e acionados diferentes entendimentos sobre corpos, doenças
e cuidados com o corpo e suas extensões, materiais e simbólicas.

Procedimentos:
Caso aceite participar da pesquisa, você responderá um questionário que se
divide em duas partes:
1. Informações pessoais: identificação, endereço, escolaridade, composição do
grupo familiar, religiosidade, etc.
2. Contato com o benzimento: falaremos um pouco sobre o seu envolvimento
com a benzedura e o significado que essa prática tem pra você. Sobre o tema da
pesquisa, você responderá quais objetos são utilizados em relação aos tipos de
procedimentos e doenças; como são adquiridos ou feitos; quais seus efeitos rituais;
por que são utilizados e como são escolhidos, etc.
Se você for um benzedor ou benzedeira, poderá responder a algumas questões
sobre como começou a benzer; quais os procedimentos, doenças e materiais utili-
zados no tratamento.
Você poderá acrescentar algum relato, oração ou o que ache relevante para a
pesquisa. Sinta-se à vontade para contribuir com a preservação desta prática.
Esta é uma pesquisa científica colaborativa, sem fins lucrativos.
O desenvolvimento conta com financiamento do Centro Nacional de Desen-
volvimento Científico e Tecnológico (CNPq) através de uma bolsa de mestrado
vinculada ao PPGAS/IFCH/Unicamp.
Os resultados, procedimentos e produtos do estudo serão de conhecimento
público, podendo ser eventualmente divulgado para fins acadêmicos e científicos,
como:
• Relatório(s) enviado(s) ao Comitê de Ética em Pesquisa/Unicamp;
• Relatório(s) enviado(s) à Agência de Fomento;
• Artigo(s) científico(s) apresentados em eventos e/ou periódicos;
• Dissertação de mestrado a ser enviada ao PPGAS/IFCH/Unicamp.

279
Riscos:
A execução da pesquisa não prevê riscos de grau elevado para os participantes.
Porém, na medida em que envolve afetos, memórias e histórias individuais e/
ou coletivas, pode desencadear comoção ou desconforto. Nesse caso, você poderá
interromper o questionário, sem qualquer constrangimento.

Benefícios:
Além da pesquisa e documentação audiovisual este projeto prevê dois produtos
a fim de vislumbrar a disposição espacial das ocorrências, bem como estabelecer
uma análise das ocorrências em relação ao contexto: (I) um mapa cartográfico do
“circuito” de benzimento e (II) um “glossário ritual”. Com isto, pretende-se tam-
bém facilitar a compreensão dos termos, procedimentos e repertório conceitual,
simbólico e religioso acionados.
O material coletado poderá ser revertido em acervos, palestras e/ou projetos
culturais – considerando o apoio dos/as participantes e a possibilidade de finan-
ciamentos alternativos ou parcerias locais.
Outro possível benefício indireto é a visibilidade às/aos profissionais e às tra-
dições populares, considerando a divulgação de sua atuação e reconhecimento
social.

Sigilo e privacidade:
Você poderá escolher entre ter a identidade mantida em sigilo ou divulgada. Se
você for um benzedor ou benzedeira, ao autorizar a identificação, seu nome será
citado na divulgação dos resultados. Se for de seu interesse, entre em contato para
realizar uma entrevista pessoalmente.
Caso escolha não ser identificado/a, seu direito será respeitado e nenhuma
informação será dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de pesqui-
sadores. Na divulgação dos resultados, seu nome não será citado.

Acompanhamento e assistência:
A qualquer momento, antes, durante ou até o término deste estudo, os parti-
cipantes poderão entrar em contato com os pesquisadores para esclarecimentos e
assistência sobre qualquer aspecto da pesquisa em danos decorrentes da pesquisa.

O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP):


O papel do CEP é acompanhar os aspectos éticos de todas as pesquisas en-
volvendo seres humanos. A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP)

280
tem por objetivo desenvolver a regulamentação sobre proteção dos seres humanos
envolvidos nas pesquisas. Desempenha um papel coordenador da rede de Comitês
de Ética em Pesquisa (CEPs) das instituições, além de assumir a função de órgão
consultor na área de ética em pesquisas.
Esta pesquisa está registrada no CAAE com o número 04437318.3.0000.8142.

Responsabilidade do Pesquisador:
Os dados desta pesquisa serão armazenados no arquivo pessoal da pesquisa-
dora, físico e digital – incluindo material audiovisual e transcrições de entrevistas
– pelo período de 10 anos após o final da pesquisa, de acordo com a Res. CNS
510/16. Cf. a resolução 510/2016 CNS/MS e complementares na elaboração do
protocolo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, utilização do material
e os dados obtidos nesta pesquisa.

281
3. Questionário aplicado144

1. Apresentação e consentimento
Como você ficou sabendo da pesquisa? [Múltipla escolha] (*)
( ) Indicação de amigo (a)
( ) Facebook
( ) WhatsApp
( ) Procurando sobre benzimento na internet
( ) Outra: ___________________
Você aceita participar da pesquisa “Benzimento em movimento: materialidade, bên-
çãos e curas no sul de Minas Gerais”? [Múltipla escolha] (*)
( ) Sim
( ) Não
2. Identificação
Você quer ser identificado (a)? [Múltipla escolha] (*)
( ) Sim
( ) Não
Nome [Texto de resposta curta]
3. Informações Pessoais
Telefone [Texto de resposta curta] (*)
E-mail [Texto de resposta curta]
Endereço [Texto de resposta curta] (*)
CEP [Texto de resposta curta] (*)
Data de nascimento [Texto de resposta curta] (*)
Local de nascimento [Texto de resposta curta] (*)
Gênero [Múltipla escolha]
( ) Feminino
( ) Masculino
( ) Não binário
( ) Transgênero
( ) Outros: ___________________

144
As perguntas foram aplicadas através de questionário elaborado como Google Forms. Nas en-
trevistas presenciais, sua utilização foi estruturada a partir de cada conversa, levando em conta as
perguntas listadas quando possíveis.

282
Você se considera: [Múltipla escolha] (*)
( ) Amarelo (a)
( ) Branco (a)
( ) Indígena
( ) Pardo (a)
( ) Preto (a)
( ) Outra: ___________________
Estado civil: [Múltipla escolha] (*)
( ) Casado (a)
( ) Divorciado (a)
( ) Solteiro (a)
( ) Viúvo (a)
Você tem filhos? [Múltipla escolha] (*)
( ) Nenhum
()1
()2
()3
( ) 4 ou mais
Escolaridade: [Múltipla escolha] (*)
( ) Nenhuma
( ) Ensino Fundamental incompleto
( ) Ensino Fundamental completo
( ) Ensino Médio incompleto
( ) Ensino Médio completo
( ) Ensino Superior incompleto
( ) Ensino Superior completo
( ) Pós-Graduação
( ) Mestrado
( ) Doutorado
( ) Pós-doutorado

283
Profissão: [Múltipla escolha] (*)
( ) Aposentado (a)
( ) Autônomo (a)
( ) Benzedor ou benzedeira (Se selecionada, ir para a quarta parte)
( ) Dono (a) de casa
( ) Estudante
( ) Parteira
( ) Pesquisador (a)
( ) Pesquisador (a)
( ) Outros: ___________________
( ) Adicionar opção: ___________________ (*)
4. Como começou a benzer?
Como você começou a benzer? [Texto de resposta longa] (*)
Você acredita que benzer é um dom? [Múltipla escolha] (*)
( ) Sim
( ) Não
Você acha que qualquer pessoa pode benzer? [Múltipla escolha] (*)
( ) Sim
( ) Não
Você considera seu modo de benzer como um segredo? [Múltipla escolha] (*)
( ) Sim
( ) Não
Você já ensinou outra pessoa a benzer? [Múltipla escolha] (*)
( ) Sim
( ) Não
Se você ensinou alguém, descreva como foi. [Texto de resposta longa] (*)

284
O que você sabe benzer? [Caixas de seleção] (*)
( ) Animais (cachorro, gato, vaca, porco, etc.)
( ) Arca caída
( ) Carne quebrada
( ) Carne rasgada
( ) Cobreiro
( ) Conflitos (amor, trabalho, etc.)
( ) Depressão
( ) Dores de garganta
( ) Dores musculares
( ) Erisipela
( ) Espinhela caída
( ) Inveja
( ) Lavoura
( ) Lombirga
( ) Mau olhado
( ) Quebrante/quebranto
( ) Mordida de cobra
( ) Sapeiro
( ) Sapinho
( ) Vento virado
( ) Ventre virado
( ) Verruga
( ) Outros: ___________________
Como você benze? [Caixas de seleção] (*)
( ) Gestos
( ) Intenção
( ) Objetos
( ) Oração
( ) Outros: ___________________

285
Selecione as opções que você considera importante para realizar o benzimento? [Cai-
xas de seleção] (*)
( ) Amor
( ) Conhecimento
( ) Crença
( ) Dinheiro
( ) Doença
( ) Dom
( ) Fé
( ) Local apropriado
( ) Oração forte
( ) Objeto (s) apropriado (s)
( ) Necessidade
( ) Planta
( ) Religião
( ) Técnica
( ) Respeito
( ) Outros: ___________________
Você utiliza algum objeto para benzer? [Múltipla escolha] (*)
( ) Eventualmente
( ) Nunca
( ) Sempre
Dentre esses elementos naturais, quais você utiliza para benzer? [Caixas de seleção] (*)
( ) Nenhuma opção
( ) Água
( ) Fogo
( ) Plantas
( ) Pedras
( ) Sangue
( ) Terra
( ) Outros: ___________________

286
Quais objetos você utiliza para benzer? [Caixas de seleção] (*)
( ) Nenhuma opção
( ) Água benta
( ) Agulha
( ) Carvão em brasa
( ) Copo
( ) Faca
( ) Guias
( ) Imagens
( ) Linha
( ) Símbolos
( ) Terço
( ) Tesoura
( ) Prato
( ) Plantas
( ) Vela
( ) Outros: ___________________
Dentre essas plantas, quais você utiliza para benzer? [Caixas de seleção] (*)
( ) Nenhuma planta
( ) Alecrim
( ) Arruda
( ) Assapexe
( ) Espada-de-Iansã
( ) Espada-de-São-Jorge
( ) Guiné

287
Dentre esses elementos naturais, quais você utiliza para benzer? [Caixas de seleção]
(*)
( ) Nenhuma opção
( ) Água
( ) Fogo
( ) Plantas
( ) Pedras
( ) Sangue
( ) Terra
( ) Hortelã
( ) Mamona
( ) Manjericão
( ) Pinhão
( ) Qualquer planta, não importa a espécie
( ) Outras: ___________________
Como você utiliza os objetos para benzer? Você pode descrever aqui os procedimentos,
orações, etc. que achar importante. [Texto de resposta longa] (*)
5. Religião e espiritualidade
Você se considera religioso (a)? [Múltipla escolha] (*)
( ) Sim
( ) Não
Você frequenta alguma instituição religiosa? [Múltipla escolha] (*)
( ) Nenhuma
( ) Católica
( ) Evangélica
( ) Espírita
( ) Candomblecista
( ) Umbandista
( ) Outras: ___________________
Você já mudou de religião? [Texto de resposta longa]
6. Contato com o benzimento
Quando criança, você foi benzido (a)? [Múltipla escolha] (*)
( ) Sim
( ) Não
Há benzedores ou benzedeiras na sua família? [Múltipla escolha] (*)
( ) Sim
( ) Não

288
Atualmente, você é adepto do benzimento? [Múltipla escolha] (*)
( ) Sim
( ) Não
Com que frequência você visita um benzedor ou benzedeira? [Múltipla escolha] (*)
( ) Nunca frequento
( ) Quando está doente
( ) Quando tem oportunidade, mesmo sem estar doente
( ) Pelo menos uma vez na semana
( ) Uma vez por mês
( ) Uma vez por ano
Quantos benzedores ou benzedeiras vivos você conhece? [Múltipla escolha] (*)
( ) Nenhum
()1
()2
()3
()4
()5
( ) Mais de 5
( ) Mais de 10
Quantos benzedores ou benzedeiras mortos você conhece? [Múltipla escolha] (*)
( ) Nennhum
()1
()2
()3
()4
()5
( ) Mais de 5
( ) Mais de 10
7. Ervas medicinais
Você faz uso de ervas e plantas medicinais? [Múltipla escolha] (*)
( ) Sim
( ) Não

289
Como você costuma fazer uso de plantas medicinais? [Caixas de seleção] (*)
( ) Não faço uso de plantas medicinais
( ) Chá
( ) Extrato
( ) Garrafada
( ) Infusão
( ) Pomada
( ) Tintura
( ) Outros: ___________________
Dentre as opções, quais plantas você costuma utilizar? [Caixas de seleção] (*)
( ) Nenhuma dessas plantas
( ) Alecrim
( ) Alho
( ) Arruda
( ) Boldo
( ) Camomila
( ) Canela
( ) Hortelã
( ) Manjericão
( ) Melissa
( ) Sene
( ) Sucupira
( ) Outras: ___________________
8. Qual a importância do benzimento?
O que significa benzimento pra você? [Caixas de seleção] (*)
( ) Cultura popular
( ) Folclore
( ) Magia
( ) Medicina popular
( ) Memória
( ) Patrimônio cultural
( ) Religiosidade popular
( ) Tradução
( ) Outros: ___________________

290
Você acha que benzedores e benzedeiras são importantes para a manutenção da vida
social (familiar, do bairro, do município, etc.)? [Múltipla escolha] (*)
( ) Sim
( ) Não
Se tiver alguma observação pessoal sobre a importância social dessa prática, escreva
aqui. [Texto de resposta longa]
Você acha que benzedores e benzedeiras são importantes para a saúde coletiva? [Múl-
tipla escolha] (*)
( ) Sim
( ) Não
Se tiver alguma observação pessoal sobre a importância dessa prática para a saúde
coletiva, escreva aqui. [Texto de resposta longa]
Você apoia o reconhecimento do benzimento como Patrimônio Cultural Imaterial?
[Múltipla escolha] (*)
( ) Sim
( ) Não
Você acha que essa pesquisa contribui para a preservação e divulgação desta prática?
[Múltipla escolha] (*)
( ) Sim
( ) Não

Nota:
[ ] Formato
(*) Obrigatória para o formulário online.
( ) Alternativas sugeridas no formulário online.

291
Imagem 19. Passagem de uma Cia de Reis pela casa da Vó Lia (Campestre, 1996)145

Imagem 20. Quintal da


casa de D. Teresinha Luiza
(Campestre, 2014)

145
Acervo familiar.

292
Imagem 21. Rádio no quintal da casa de D. Teresinha Luiza (Campestre, 2014)

Imagem 22. Cozinha da casa de D. Teresinha Luiza (Campestre, 2014)

293
Imagem 23. Local de atendimento na casa de D. Teresinha Luiza (Campestre, 2014)

Imagem 24. Detalhe do quadro na casa de D. Teresinha Luiza (Campestre, 2014)

294
Imagem 25. Detalhe do quadro na casa de D. Teresinha Luiza (Campestre, 2014)

Imagem 26. Altar do benzedor Waldir (Campestre, 2016)146

146
ILHEO, 2018, p. 58.

295
Imagem 27. Detalhe da disposição dos elementos no consultório da benzedeira Dona
Tereza (Campestre, 2016)

Imagem 28. Detalhe da disposição dos elementos no consultório da benzedeira Dona


Tereza (Campestre, 2016)

147
ILHEO, 2018, p. 65.

296
Imagem 29. Disposição dos elementos no consultório da benzedeira Dona Tereza
(Campestre, 2016)

148
ILHEO, 2018, p. 65.

297
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