Tese - 12718 - ALBERTO CABRAL FERREIRA
Tese - 12718 - ALBERTO CABRAL FERREIRA
Tese - 12718 - ALBERTO CABRAL FERREIRA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
VITÓRIA
2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
VITÓRIA
2018
ALBERTO CABRAL FERREIRA
VITÓRIA
2018
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
CDU: 37
Agradeço, primeiramente, a Deus, pela vida que me tem dado, já que esta condição
oportunizou e ainda oportuniza o encontro/vivências maravilhosas com família e amigos/as.
Ao meu pai, que mesmo tendo sido tirado de minha vida, muito precocemente, seus genes
(sem modéstia) da persistência, tem agido de tal maneira, que não me deixou abater frente às
dificuldades enfrentadas, por ser eu de origem pobre, afrodescendente, nordestino e filho de
mãe viúva/solteira.
À minha mãe, por ter, na sua condição de viúva com seis (06) filhos, não se permitido
fraquejar e faltar o combustível necessário para alimentar o corpo e a mente de sua prole.
Agradeço, em especial, à minha orientadora Martha Tristão, que por meio dos encontros e até
mesmo desencontros, enriqueceram minha bagagem intelectual e pessoal. E que além da
paciência, costumeiramente demonstrava paixão em torno de meu objeto de estudo.
Aos meus filhos, Gabriel, Iury e Sam, ao “entenderem”, minhas justificativas para as
ausências em certos momentos de suas vidas.
A Capes, por subsidiar os meus estudos, o que deu condições para que me dedicasse
integralmente ao mestrado e toda a sua vivência.
Agradeço, imensamente, ao meu amado cunhado Ronald, pois além de ser um excepcional
amigo, se mostrou excelente nos vários debates acerca da minha pesquisa, tendo influência
direta na conclusão deste curso.
À minha colega Fernanda, de NIPEEA, por ter me ouvido e dado sugestões significativas,
durante e depois de cursarmos a Disciplina História da Educação.
A todos os professores que fizeram parte de minha vida durante a caminhada no programa de
Pós-Graduação em Educação da UFES.
Por fim, à minha companheira de todas as horas, Néfia Alice, que tem não só compreendido
meus momentos de erros e impaciência, mas também, trouxe palavras de calmaria, nas
turbulências ao longo desses anos.
RESUMO
FIGURA 3 - Mutirão para preparo das comidas para a festa junina da comunidade ....... .22
Moradores da comunidade........................................................................... 66
FIGURA 8 - Trabalho de Inglês (elaboração de cartazes feito por alunas/os da EJA para a
semana do Meio Ambiente)....................................................................... 107
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 11
1.2 Comunidade São João Batista – moradores e alunos do Patrimônio do Bis que
frequentam a EJA: contextualização histórica.......................................................................... 22
1.3 Histórico da comunidade São João Batista– Patrimôniodo Bis ..................................... .26
5.1 Problematizando os saberesfazeres: educação ambiental tecida nas narrativas ............ 108
5.2 Princípios da educação ambiental nas redes cotidianas ................................................. 113
ANEXOS ...............................................................................................................................130
A- AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGENS E NARRATIVAS
..........................131
B- AUTORIZAÇÃO DE USO DO NOME DA ESCOLA .....................................134
11
INTRODUÇÃO
O problema que envolve a pesquisa foi construído a partir da caminhada como professor de
Ciências e Biologia nas redes municipais e estadual do Espírito Santo. Nesta caminhada
observei que o conhecimento e as reflexões de estudantes provenientes de comunidades rurais
12
Essa observação foi meu motor para que eu pensasse o problema da pesquisa e elaborasse o
projeto inicial para ingresso no mestrado em educação do PPGE da UFES. Porém, como
esperado, os diálogos estabelecidos com os autores que compõem essa pesquisa, conduziram-
me a uma reconstrução de minha visão sobre o problema da pesquisa. Compreendi que os
diferentes sentimentos despertos pelos ecossistemas naturais estão na forma como cada
indivíduo é atravessado por seu contexto socioambiental, ou seja, as relações estabelecidas
entre estes sujeitos, os ecossistemas nos quais estão inseridas, sua cultura e sua construção
histórica de pertencimento a estes ambientes.
Essas novas formas de ver o ecossistema, nos permitiu fazer uma leitura da cultura ribeirinha
como extremamente vinculada ao rio local e, aos movimentos solidários com a vida humana e
animal. Presenciamos também, dentre outros movimentos, a participação dos ribeirinhos
engajados nas questões ambientais, como a nomeação do circuito de apresentações de
quadrilha intitulada “Campo vivo”; o agendamento de reuniões para discutir as consequências
da construção da barragem no rio pelo poder público; a denúncia à pesca de filhotes de
curimatã, entre outros, que virão mais à frente em forma de narrativas.
• De que maneira são feitas as abordagens das questões ambientais no ambiente escolar?
Acreditamos que o uso desta metodologia na pesquisa, faz frente a qualquer forma de
valorização de conhecimento que reconheça apenas aqueles que tenham sido produzidos por
meio do rigor científico, pois estes acabam por produzir hierarquizações e, consequentemente
subalternizações. Portanto buscaremos contribuir para a ampliação do campo e dos
saberesfazeres possíveis, com vistas a sacudir e fragilizar os mecanismos que sufocam e
subjetividades e criatividades.
híbridos culturais e que a cultura é feita a partir da relação entre os sujeitos e outras culturas,
portanto, partimos do entendimento que todas as culturas são incompletas, sendo assim
podem ser enriquecidas pelo diálogo e pelo confronto com outras culturas.
Temos plena consciência de que mesmo não sendo uma pesquisa inédita neste campo,
acreditamos no seu potencial de exploração/reconhecimento/valorização de possibilidades
outras de modos de vida, de existência e de saberesfazeres socioambientais à EA, e
principalmente que estes elementos são representantes de formas de re-existência ao
capitalismo que impõe práticas e padrões de consumo, que além de serem insustentáveis,
também são produtoras de realidades não criveis. O resultado desta pesquisa fica disposto
assim:
O quinto capítulo foca as produções narrativas nos movimentos realizados na escola: roda de
conversa, entrevista com diretora, pedagogo, professores, meninas da limpeza,
acompanhamento de aulas, na intenção de identificar e dialogar os saberesfazeres
socioambientais como potencias de uma educação ambiental que atravessa o cotidiano da
EJA.
1 A TRAJETÓRIA DA PESQUISA
A aproximação com o objeto da pesquisa começou a ser construído durante minha caminhada
como professor de ciências na comunidade do Cristalino, na EEEF Francisco Secchim, do
município de Nova Venécia, nos anos de 2009 e 2010. Nessa escola, tive a oportunidade de
trabalhar em um projeto de extensão de carga horária, com vistas a preparar os alunos para um
simulado de ciências da rede municipal. Nessa etapa que desenvolvi com os alunos, observei
o conhecimento prévio, o interesse pela temática e os resultados do simulado quanto às
17
Depois da remoção da minha cadeira como professor efetivo da rede estadual para cidade de
Boa Esperança, fui agraciado com a oportunidade de trabalhar, em dois turnos, por muitos
anos (2011 a 2017) na EEEFM Antônio dos Santos Neves, também no ensino fundamental.
No turno vespertino, apenas com alunos da zona urbana, enquanto que no matutino, a grande
maioria oriunda da zona rural, com muitos alunos provenientes da comunidade Patrimônio do
Bis. Isso me permitiu observar um padrão de comportamento semelhante àqueles alunos da
minha primeira experiência com alunos de zona rural (2009 e 2010), quanto aos debates
suscitados em sala de aula sobre questões relativas à ecologia: esses também apresentavam a
percepção de que o equilíbrio ecossistêmico é frágil em relação aos impactos provocados pelo
desenvolvimento.
As minhas idas e vindas à comunidade do Patrimônio do Bis para lazer também contribuíram
para ver de perto o prazer que os alunos que vêm dessa comunidade, tinham em ressaltar que
a comunidade lhes proporcionava vivenciar na prática aquilo que discutíamos na teoria, em
sala de aula. Quando falávamos, por exemplo, de situações danosas ao ambiente, como do
perigo do despejo de agrotóxicos, eles sempre tinham uma experiência para relatar, de
maneira crítica; ou em outras palavras, se vangloriavam de uma situação qualquer vivida por
seus pais, vizinhos ou colegas, de impedimento que pessoas que vinham “da rua”, de usar
produtos que desoxigenam a água para a pesca do camarão. Ou então, quando falávamos de
cadeia alimentar, citavam a relação entre os peixes do rio local.
Essas e outras observações me levaram a construir e aplicar, junto aos professores de minha
escola, um questionário, com perguntas diretas, que tinha como finalidade conhecer a opinião
deles acerca dos seus pontos de vistas sobre a eficiência dos métodos de ensino/aprendizagem
da ecologia dentro da escola, assim também como suas opiniões sobre outras alternativas de
abordagem da temática que eles consideravam indispensáveis para tornar as discussões
contextualizadas.
18
1
NUCLEO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA E ESTUDO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL, criado em
2005 e coordenado pela Profª Martha Tristão com o objetivo de integrar pesquisas, estudos e projetos da área.
19
[...] é compreendida como filosofia de vida e não como uma disciplina obrigatória
que se soma às outras disciplinas de um currículo ou a um tema, mas como uma
orientação para conhecer e compreender em sua complexidade a natureza e a
realidade socioambiental (TRISTÃO, 2013, p.1).
A busca pela conservação do rio local se tornou uma questão até mesmo política, pois
algumas narrativas produzidas sugerem mobilizações com vistas à responsabilização de todos
pela proteção desse recurso de valor inestimável para a comunidade, como observamos na
seguinte narrativa:
“... em 2016 a gente conseguiu com a gestão anterior, ter um grupo que fez replantio
próximos das nascentes, né?! A prefeitura conseguia as mudas e a gente ia nas
propriedades e cercava e plantava. Mas aí mudou a gestão e acabou tudo. Os caras
quebraram as cercas e soltou gado, que pisoteou tudo” (Rogério- Pescador – não
profissional e aluno da EJA) ”
Tal descaso com a Comunidade Patrimônio do Bis vem se caracterizando como um processo
de subalternização das populações tradicionais, através de um pensamento liminar,
desenvolvimentista e conservador, estabelecendo assim tensões com os saberesfazeres
socioambientaisculturais que historicamente vem se constituindo com formas alternativas e
sustentáveis de relação entre cultura e natureza.
Diante do exposto, temos uma re-invenção de modos de sobrevivência por parte dos
ribeirinhos, a partir das apropriações dos meios naturais pautados na exploração intensa dos
recursos naturais e do trabalho humano mediado pela técnica. Como exemplo, citamos a
maneira com que os donos de quiosques se apropriaram das festas religiosas como forma de
garantir o sustento familiar.
21
Conflitos esses, que se revelam em falas que questionam os descasos do poder público com o
bem coletivo e com a natureza, podem ser percebidos em outras narrativas, como a do Sr.
Carlinhos, colhida durante um encontro que fizemos na igreja, para apresentarmos nossa
proposta de pesquisa e um vídeo que fala do projeto Plantadores de água, na qual ele ressalta:
“-Ahhh... a gente precisa mesmo é que se construa as caixas seca. Além de evitar as
enxurradas que desce aqui arrancando os calçamentos... se fizer direitinho ainda melhora as
nascentes”. Ou até mesmo naquelas que buscam revalidar suas peculiaridades, com a de um
morador que questionou a forma como foi construída uma barragem no rio local, a qual,
segundo ele, foi feita sem comporta, retendo assim a areia que desce quando a correnteza
aumenta, acumulando na barragem e diminuindo a profundidade do Rio nas dimensões da
Comunidade.
Tais relações de subalternização de saberes condicionam práticas ribeirinhas que acabam por
culminar em transgressões, por implicarem em representar uma força que luta contra os
processos de dominação, assujeitamento e deterioração, presentes em certas estruturas, como
também por essas mesmas estruturas corresponderem a uma força de resistência, na medida
em que vem impedindo o desassujeitamento de suas experiências socioculturais.
Diante disso, cabe aqui, lembrarmos de uma entrevista dada por Foucault (2012), em que
mencionou a impossibilidade de se pensar o poder separado dos processos de resistência. Para
ele,
[...] não há relações de poder sem resistências: que estas são tão mais reais e eficazes
quanto mais se formem ali mesmo onde se exercem as relações de poder: a
resistência ao poder não tem que vir de fora para ser real, mas ela não é pega na
armadilha porque ela é a compatriota do poder. Ela existe tanto mais quanto ela
esteja ali onde está o poder; ela é, portanto como ele, múltipla e integrável a
estratégias globais (FOUCAULT, 2012, p. 244).
Essa afirmação dialoga com o pensamento de Vieiras (2017) quando nos diz que a educação
ambiental, neste caso, corresponderia ao movimento que consolida-se como processo de (re)
existência e afirmação da vida, contribuindo com a produção de outros modos de viver e
conviver. E que, qualquer forma de homogeneização cultural representaria a contramão da
busca por uma vida, plena, abundante, singular e desassujeitada.
22
Nas várias vezes em que estive na comunidade e nas várias conversas à beira do rio, uma
narrativa, dada por dona Marinete, chama a atenção. Segundo ela, os ribeirinhos são:
...um povo acolhedor. Tudo que a gente propõe, eles fazem. Fazemos almoço
compartilhado. Cada um doa uma coisinha. Quando a gente junta, uma corta um
trem, a outra corta outro. Rapidinho está tudo pronto. Tem também as doações, né?!
Quando uma família está apertada a gente vai na cidade e não volta com as mãos
vazias. Teve uma vez mesmo que meu filho (presidente da comunidade) conseguiu
arrecadar uns quatro meses de feira. Só de arroz deu 30 kg (dona Marinete – líder
das cozinheiras e moradora da comunidade à 55 anos)
Essa forma de caracterizar o modo de ser dos ribeirinhos, como um povo acolhedor, solidário
etc. e tal, ratifica o já sinalizado por Stuart Hall (2006) sobre essa temática. Segundo ele as
histórias, memórias, representações são coisas que balizam processos de identificações e
identidades, culminando na aproximação de seus membros em torno de uma identidade
cultural. Porém, nos alerta o autor, as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o
mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o sujeito
moderno (HALL, 2006). Tanto que o autor constata que as identidades nacionais não
subordinam outras formas de diferenças que não estão livres do jogo de poder, de divisões e
contradições internas, de lealdades e de diferença sobrepostas.
Isso foi caracterizado por Stuart Hall (2006), como “crise de identidade”, sendo essa, vista
como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e
23
processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam
aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social, culminando, segundo ele, numa
identidade formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais são
representados nos sistemas culturais que os rodeiam, mostrando, assim, a necessidade de
adaptação deste sujeito em uma sociedade que influi e é influenciada pela globalização.
Diante do exposto, vale lembrar como se deu a autonomia financeira da grande maioria das
famílias da comunidade, ao longo da história, para analisarmos os processos de identidade e
de experiência de acordo com Larrosa (2002), Stuart Hall (2006) e Hollidey (2006).
Isso procede na observação de algumas narrativas que nos dão conta do sentimento de
exploração que os alunos da EJA e moradores da comunidade carregam dos colonizadores da
região e como reagem a essas ofensivas, como podemos perceber a seguir:
Eu sô mais ir ali no rio pegar uns peixinhos e vender na rua do que ganhar
cinquenta reais para carregar uma bomba de veneno o dia todo. Não tô nem
aí que me chame de preguiçoso. Tem vez que vendo vinte reais de peixe.
Só que tem vez também que ganho cem reais (Bada- morador da
comunidade).
Não tem a família.... Não vale nada cara, eles preferem panhar café eles
mesmo, do que contratar a gente da comunidade. Porque aí, como eles são
muitos, sobra pouca vaga, aí eles dizem que o café é pouco e aí coloca o
preço que quer no saco. Povo ruim cara, vale nada não (aluno e filho de
diarista da comunidade).
Essas representações, segundo nosso entendimento, são dadas a partir das experiências
socioambientais e culturais que os sujeitos da pesquisa constroem no cotidiano escolar e na
comunidade para obtenção de seu sustento e exercício de seu direito a educação.
Dentro dessa lógica de discussão cabe lembrarmos o que nos disse Larrosa (2002, pág. 21)
sobre experiência. Segundo o autor, “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o
que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca”. Ainda nos alerta que a
pobreza de experiência que caracteriza nosso mundo é devida, em primeiro lugar, pelo
excesso de informação, sendo que a informação não é experiência. Continua ainda, dizendo
que a informação não deixa lugar para a experiência, “ela é quase o contrário da experiência,
quase uma antiexperiência”.
Dentro desse pensamento, concordamos com Holliday (2006) quando fala da sistematização
de experiências. Segundo o autor, sistematizar as experiências trata-se não só de entender
situações, processos ou estruturas sociais, mas também em conhecer como se produzem novas
situações e processos que podem incidir na mudança de certas estruturas, já que tais
experiências, ainda segundo o autor, contêm aprendizagens fundamentais que podem e devem
ser disseminadas e são potenciais indutores de políticas públicas sustentáveis.
Analisando o cotidiano da Comunidade Patrimônio do Bis, percebe-se que esse é dado por
luta constante pela sobrevivência familiar individual. Assim como também pelo
levantamento, por parte dos líderes da comunidade, das necessidades básicas de algumas
famílias e consequentemente, articulação de forças para a resolução da problemática.
25
Também é marcante a forma com que se diversificaram os meios de trazer o sustento para
casa. De maneira que não há invasão do espaço alheio. Tem-se, inclusive, uma luta coletiva
interna para se montar uma associação de pescadores, assim como também de busca por
qualificação e diversificação da culinária local, como vemos na seguinte narrativa:
Teve uma vez que a gente conseguiu trazer um pessoal lá de Vitória para dar um
curso aqui. Foi depois disso que minha mãe montou o negócio dela. Ela faz pão
caseiro, bolo, mentira, biscoito de goma. Vem gente da rua aqui comprar para comer
e revender. Já dona Teresa trabalha só com salgadinhos. Ela entrega para os
quiosques tudo (moradora da comunidade).
Portanto, diante das considerações realizadas e das narrativas produzidas até agora,
acreditamos que ambas somam e comungam com o que foi dito por Tristão (2005), sobre a
potência da sustentabilidade. Segundo a autora a sustentabilidade emerge como subversão à
ordem econômica dominante e como fruto da insatisfação humana contra um modelo falido
de desenvolvimento cunhado na racionalidade cognitivo-instrumental.
26
Num outro momento de conversa com dona Marinete, em uma das visitas à sua residência, ela
nos agraciou com a seguinte narrativa:
Essa sua pesquisa vai ter foto? Então, menino você tem que vir ver a caminhada. É a
coisa mais linda! Aquele povo todo descendo a ladeira. Só para você vê, tem gente
aqui na cabeceira da ponte e gente curvando ainda lá em cima! A do ano passado
deu mais de 1600 pessoas! É muito bonito. O padre mesmo já falou que não troca a
festa junina e caminhada de lugar. Ele fala que o povo daqui não tem preguiça, não
tem dó. Na nossa festa junina meu filho, a gente passa a noite cozinhando (Dona
Marinete- líder das cozinheiras e moradora da comunidade a 55 anos).
Um detalhe muito importante nesse movimento realizado pela comunidade é que o objetivo
maior e disseminado pelos moradores da comunidade, da festa junina, é levantar verba para a
manutenção e reforma da igreja católica. Porém, o que se vê é a confecção de uma malha de
enredamento que apresenta um potencial interessante de mobilização e inovação quanto às
novas formas de (re) existências.
As idas e vindas a comunidade nos permitem afirmar que a principal demanda social dos
moradores da comunidade ribeirinha São João Batista – Patrimônio do Bis é a melhoria na
estrutura do espaço físico para manutenção e reprodução de sua cultura, com vistas à
ampliação da mobilidade dos transeuntes, assim como também, na estética espacial para atrair
ainda mais turistas. Haja vista que, a grande maioria dos moradores, de maneira direta ou
27
indireta, retiram seu sustento de vida, a partir do fluxo de pessoas vindas “da rua”. Tais
demandas são percebidas nas lutas desses sujeitos sociais por direitos políticos, culturais e
sociais que vêm sendo construída desde seu surgimento (no primeiro ano da década de 1960)
como fenômeno social ocupacional.
Em uma das entrevistas realizadas na residência do Sr. Carlinhos (esposo de dona Marinete),
ele mencionou a existência de um documento2 que narrava sobre a constituição histórica da
comunidade. E antes de ser perguntado se poderia disponibilizar tal documento 3 para uma
análise, o mesmo ofereceu uma cópia, porém só poderia entrega-lo daí a três dias.
Passados os três dias, voltei a casa de dona Marinete e Sr. Carlinhos, porém o mesmo não
estava, mas havia deixado o documento com a esposa para me entregar. Em posse dessa cópia
e ansioso de começar a ler, ali mesmo fiz uma leitura junto com ela. E em vários momentos
da leitura, se observava dona Marinete balançando a cabeça positivamente, apresentando,
visivelmente, uma enorme satisfação de pertencer à história da comunidade.
Esse documento, em resumo, buscava lembrar pontos marcantes vividos pela comunidade
para que os mais jovens pudessem conhecer a história de uma caminhada de fé, do surgimento
de uma comunidade iluminada pelo Espírito Santo de Deus, agindo entre as pessoas.
Comunidade essa, caracterizada por possuir uma terra fértil, cheia de matas e um rio límpido e
extenso que atraiu e ainda atrai muita gente.
Diz o documento que, no ano de 1951, chegaram à região, para ocupar as terras que haviam
requerido do estado, o Sr. João Bis, sua esposa Joana Gamberini Bis e seus filhos e também o
seu sobrinho, o Sr. Valentim Gamberini e Família, que vivia com ele. O Sr. João Bis,
imediatamente após a chegada, distribuiu a terra para os filhos e vendeu 6 alqueires para o seu
sobrinho Valentim, que loteou, um alqueire afim de atrair mais moradores para o local,
considerado de terra produtiva e abençoada.
Até maio de 1952, as famílias que ali moravam, continuaram a participar dos terços e missas
na Comunidade Nossa Senhora da Saúde, no refrigério. E devido à distância e à longa
caminhada que percorriam todos os domingos, para estarem participando de uma comunidade,
o Sr. João Bis, seu filho João Bis Júnior e seu sobrinho Valentim foram para a cidade de São
Mateus a fim de conversar com o vigário da Paróquia de São Mateus, o Pe. Guilherme, para
2
Documento feito à mão, a partir dos relatos dos mais velhos.
3
Este documento foi escrito por Valentim Gamberini, antigo e já falecido morador da comunidade.
28
que visitasse o Rio do Norte – Cachoeira Grande e, ainda, que o mesmo celebrasse a Santa
Missa para os moradores, na residência do Sr. João Bis.
Imediatamente o Pe. Guilherme atendeu ao pedido dos moradores. E assim, em junho daquele
mesmo ano, na festa de São João, aconteceu a tão sonhada primeira missa da comunidade, na
residência do Sr. João Bis, localizada próxima ao rio – hoje residência de D. Mariquinha, filha
do Sr. João Bis. Essa celebração foi marcada pela simplicidade e pela fé daquela pequena
comunidade. Assim, o pároco, sentindo a força do Espírito Santo sobre a comunidade e
observando atentamente o local, rodeado por uma belíssima mata, pediu aos moradores que
ali levantassem o cruzeiro. Dessa forma, após a instalação do monumento, as sete famílias que
ali moravam, passaram a celebrar, todos os domingos, o Dia do senhor, exatamente às 10
horas da manhã.
No ano de 1953, no mesmo local, com a ajuda dos moradores, uma pequena capela foi
levantada recebendo como padroeiro São João Batista, por ser o santo de maior devoção do
primeiro morador da comunidade. A imagem de São João Batista foi doada pelo Sr. João Bis
e “a mesma encontra-se até hoje abençoando esta comunidade” (D. Mariquinha- moradora
mais antiga da comunidade).
A partir de novembro de 1953, chegaram à Nova Venécia4 dois padres combonianos5 Pe.
Ângelo e Pe. José Dalvit, que visitaram a comunidade para celebrar os Sacramentos e a Santa
Missa, contribuindo muito para a formação dos leigos, para a continuação da fé e da
comunhão entre os moradores. Essa visita dos missionários deixou marcas importantes na
missão e, a partir dela, foi levantado um cruzeiro em frente à igreja, com a participação das
crianças da catequese.
Com o crescimento da população a pequena capela já não comportava todo o povo fiel.
Houve, então, a necessidade de se construir uma igreja maior, contando para isso com a
colaboração de todos, com suas doações em dinheiro, madeira, dia de serviço e outros
materiais, tudo em mutirão, coordenado pelos senhores Valentim Gamberini, Armando
Furlan, Giuseppe Cavalini, Ricardo Canal, Milson da Luz, entre outros. A pedra fundamental
da Igreja nova foi colocada no meio da torre da igreja pelo primeiro Bispo da Diocese de São
Mateus, Dom José Dalvit. Na cavidade da pedra, foram colocados os nomes das pessoas e
famílias que participavam da comunidade.
Após um ano de obras, no início de 1964, aconteceu a tão sonhada inauguração da nova
Igreja, como procissão, coroação e leilões e a Santa Missa presidida pelo Bispo D. José
Dalvit, num clima de muita fé e alegria. Até os dias de hoje permanece a mesma estrutura da
“nova Igreja”, mesmo que a construção tenha passado por várias reformas.
... o dinheiro dessa festa agora (festa junina) e mais as doações, o ano passado eu
doei uma novilha, vai ser pra reforma da igreja. Mas eu chamei a atenção do Pe.
Romário, ele falou que a gente podia trocar as janelas, colocar de vidro, eu falei logo
que não... são as janelas de madeira que deixam a igreja bonita (D. Marinete –
Moradora e chefe das cozinheiras).
4
É um município brasileiro do estado do Espírito Santo, ao qual a Comunidade São João Batista - Patrimônio do
Bis é pertencente. Localiza-se a uma latitude 18º42'38" sul e a uma longitude 40º24'02" oeste, estando a uma
altitude de 65 metros. Sua população estimada em 2008 era de 46.080 habitantes.
5
Os Missionários Combonianos é uma comunidade missionária da Igreja Católica Romana fundada por São
Daniel Comboni. No Brasil, os Missionários Combonianos chegaram em 1952. As primeiras missões foram
abertas no Maranhão (Balsas) e no Espírito Santo, onde realizaram inúmeras obras: construindo escolas, igrejas,
e um grande seminário em Ibiraçu.
30
O primeiro ministro da Eucaristia da comunidade foi o Sr. Valentim Gameri, que pertencia ao
Conselho Pastoral. Á medida que a comunidade crescia, de várias formas as pessoas
buscavam coordenar os trabalhos. E assim aconteciam as celebrações aos domingos, no mês
de maio: rezava-se o Terço e acontecia a Coroação de Nossa Senhora, o Apostolado da
Oração – para mulheres casadas, as Filhas de Maria para as moças, a Cruzada das Crianças –
especialmente para os pequeninos e a Liga Católica – para os homens casados e jovens
rapazes. Não se pode deixar de evidenciar na história os nomes das primeiras catequistas que
se colocaram à disposição: Efigênia Furlan, Mercedes e Luiza Pettene.
O documento ressalta que as festas em honra ao padroeiro São João Batista sempre foram
comemoradas em grande estilo, com a tradicional Alvorada, cavalarias, procissões e a Santa
Missa.
Eu lembro bem quando meu sogro insistiu em um almoço depois da missa que a
gente fazia aqui ao pé do cruzeiro, aos Pe. Ângelo e Pe. Dalvit José para virem mais
vezes fazer as celebrações, porque elas contribuíam muito para a formação da gente
que era leigo, né?! (Dona Mariquinha, moradora mais antiga da comunidade).
Isso aqui já foi muito bom, agora não, as crianças quase não vão à igreja. Dizem até
que tão vendendo droga aí... Os pais precisam levar esses meninos mais na igreja, na
caminhada em novembro pra ver se a gente melhora um pouco, né?! (Dona
Mariquinha, moradora mais antiga da comunidade).
Essas missões redentoras têm um papel muito forte e presente para fomentar a ideia de
cristãos construtores de uma sociedade mais justa e fraterna, agentes de sua própria
transformação, tendo Cristo como Princípio, meio e fim de toda a evangelização.
Em uma visita despretensiosa, já que eu não havia agendado nenhum encontro específico,
cheguei até a casa de Cosme (pescador profissional e sujeito de nossa pesquisa) para um
simples bate-papo. Durante a conversa, olhei para a pracinha e vi um aglomerado de homens,
formando dois grupos sentados e outros em pé. Perguntei a Cosme do que se tratava aquele
movimento e ele me respondeu que era um jogo de baralho realizado aos domingos.
Tem anos que jogamos aqui. Só para você ter uma ideia, eu era criança e meu pai já
jogava. Ele me trazia. O início até que eu gostava, né?! Aquele negócio de jogar a
carta rodando, batendo e virando a carta, as gozações. Mas aí eu fui crescendo e eu
ficava doido era pra tá com os outros meninos na beira do rio. Aí depois de adulto,
voltei a jogar (Jierlys Bis – morador da comunidade).
Todos os domingos, a partir das 8h 30min., os moradores, em sua maioria homens que vivem
do cultivo ou criação de gado leiteiro se reúnem na pracinha – Figura 1 – para jogarem
baralho, especificamente o famoso e tradicional “Três Setes”. A princípio, quem participava
eram apenas os descendentes das famílias tradicionais, aquelas que foram primeiras a
chegarem na margem do Rio do Norte, porém o que se tem hoje é uma mistura de jogadores
de diferentes origens familiares.
32
Ali, algumas vezes, os jogadores assam carne, e todas as vezes falam de futebol, fofocam e
tiram sarro dos supostos “vacilos”. Porém, um fato interessante é que quando perguntados, de
forma individual, sobre o que aqueles momentos representavam para eles, todos, sem
exceção, diziam que era muito bom estar naquele lugar e, com aquelas pessoas já que
descontraiam um pouco, tiravam o estresse de uma semana corrida de trabalho. Outras
arriscavam a dizer que quando acabava o domingo e entrava a semana de trabalho, ficavam
contando os dias para chegar aquele momento de lazer.
Todos esses espaços criados pela comunidade representados pelo território e pela cultura
local, construído cotidianamente, constituem em modos de vida e produzem existências e
visão de mundo. Os moradores representam a re-existência da população ribeirinha ao
33
processo de dominação instituído pela racionalidade ocidental. Cada elemento que constitui a
Comunidade Patrimônio do Bis acaba por determinar um espaço de vivência próprio,
traduzindo assim, aspectos relacionados a re-existência, manifestados materialmente pela
organização territorial, fortemente ancorada na organização espacial de quiosques e,
imaterialmente pela importância dada ao catolicismo, aspecto que orienta todos os demais
elementos materiais e imateriais da cultura, como a relação com água, a terra e a religiosidade
por meio da celebração que ocorre nas festas de cultos aos santos católicos.
...tão falando aí que vão reconstruir nossa pracinha. Já vieram e mediram, de novo.
Todo ano eleitoral é assim. Chega aqui, promete um monte de coisa e somem. Mas
dessa vez vai ser diferente. Vamos pegar eles pelo pé. Vai ter que deixar a pracinha
pronta (Sr. Carlinhos - Morador da comunidade).
34
Tal narrativa revela uma real preocupação pela melhoria da estrutura da Comunidade do
Patrimônio do Bis, já que não é mais satisfatório as ruas limpas. Também querem as ruas
calçadas, ou seja, exigem melhorias em nível de espaços privativos de cada unidade familiar
(moradias), mas também por espaços coletivos.
Portanto, depreende-se que tal narrativa, dialoga com Lima (2004, p. 91), ao afirmar que,
Entende que há agentes econômicos, países, classes sociais e setores produtivos que
inegavelmente infringiram e continuam infringindo danos de maior magnitude ao
ambiente e que deveriam oferecer contribuição diferenciada na superação desses
problemas (LIMA 2004, p. 91).
Com isso, entende-se que os ribeirinhos também fazem essa mesma leitura da relevância da
participação política para melhoria da pavimentação da comunidade local.
35
Quando entro em uma sala de aula, devo estar sendo um ser aberto a indagações, à
curiosidade, às perguntas dos alunos, as suas inibições; um ser crítico e inquiridor,
inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar e não a de transferir
conhecimento (FREIRE,1996, p. 47).
... As experiências com outras práticas socioecológicas, que escapam a este cânone
desenvolvimentista de uma cultura narrativa de colonização e mercantilização da
natureza, de economização do mundo e de valores consumistas, contribuem na
descolonização da EA, ao incluir pequenos relatos, pois abrem possibilidades para
outras formas de se relacionar com as culturas-naturezas” (Tristão, 2016, p.42).
Observamos que as relações estabelecidas entre educação ambiental e EJA não se dissociam e
que, seus entrelaçamentos acontecem de tal forma que não as imaginamos separadas.
Portanto, consideramos que ambas buscam problematizar as vivências de pobreza,
desigualdades sociais, experiências de luta por um digno viver na sociedade, pois, para Freire
(1987):
6
Sigla da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, a ANPED é uma sociedade civil,
sem fins lucrativos, fundada em 1976 pela iniciativa de alguns programas de pós-graduação da área da educação.
36
e Adultos e 22- Educação Ambiental. Procurando sempre dialogar com autores renomados
dentro da Educação Ambiental e Educação de Jovens e Adultos. Como por exemplo, Freire
(1987) em seu livro Pedagogia do Oprimido, Freire (1997) “Pedagogia da Autonomia -
Saberes necessários à prática educativa” e Tristão (2016) em um artigo denominado Educação
Ambiental e a descolonização do pensamento. Assim como também com o livro de Santos
(2002) “Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências” e Félix
Guattari(2001) “As três ecologias”. Além de outros autores que acharmos pertinente.
Em um trabalho apresentado por Jaber e Silva (2015) no GT 18 intitulado “As táticas de re-
existência no enfrentamento dos conflitos socioambientais no estado de Mato Grosso –
Brasil”, as autoras apresentam uma discussão sobre as táticas re-existência empreendidas por
grupos sociais vulneráveis (indígenas, quilombolas, agricultores familiares, seringueiros,
pescadores profissionais artesanais, ribeirinhos, retireiros do Araguaia, dentre outros que se
espalham pelo território estudado). Nele as autores ressaltam que as narrativas desvelam que
os grupos sociais em questão, criam táticas de re-existência, articulando denúncias contra a
violação ao meio ambiente e aos direitos humanos, utilizando-se de diversas táticas de
formação, comunicação, articulação e mobilização que vão desde as vias legais e até as mais
subversivas.
Cabe aqui falarmos também do trabalho de Oliveira, sobre o espaço não escolar, onde a
proposta de EJA é desenvolvida, além de demarcar sua posição no campo sagrado a partir dos
símbolos de cultos e matrizes africanas como já sinalizado, esse espaço também é organizado
com materiais que denunciam o racismo e a intolerância religiosa no Brasil. Segundo
Oliveira, seus arranjos espaciais foram pensados em virtude dos objetivos políticos dessa
entidade: fortalecimento das comunidades de terreiro, o estabelecimento do direito à diferença
na esfera religiosa e luta contra as desigualdades étnico-raciais.
37
O trabalho referido tem grande relevância porque coloca em destaque os conceitos de política
de identidade, reconhecimento, multiculturalismo e currículo silencioso. Discussões
essenciais para qualquer proposta de Educação Ambiental e Educação de Jovens e Adultos.
Visto que é importante indagar sobre as relações de poder que explicita ou tacitamente
contribuem para manutenção das desigualdades étnico-raciais, a partir da visibilidade daquilo
que foi silenciado, que embora faça parte da realidade brasileira. Muita proximidade com o
que propomos com a nossa pesquisa que é dar notoriedade aos saberes e fazeres de alunos da
EJA provenientes da comunidade ribeirinha. Saberes e fazeres estes, que segundo Tristão
(2016) escapam ao cânone desenvolvimentista. Ou seja, fogem aos mecanismos de controle,
criando fluxos de resistência.
O trabalho acima ratifica a ideia de que o universalismo cultural, econômico, epistêmico, etc.,
apregoado pela cultura ocidental acaba por afirmar a necessidade de mudar não só as relações,
mas também as estruturas, condições e dispositivos de poder que mantêm a desigualdade,
inferiorização, racialização e discriminação” (WALSH, 2009, p. 3). Sinalizando assim, ao
longo do trabalho que é possível e indispensável situar diversos espaços e maneiras,
ancoradas na memória coletiva, práticas econômicas e culturais - cujas experiências
subsidiam novos modos de pensar, de construir e de dar andamento ao pedagógico e
decolonial.
Importante contribuição dada também pela autora é quando ela recorre a Gutiérrez e Prado
(2000, p.30), ao relatar que onde os autores “compreenderam que as noções de tempo, espaço,
matéria, força não podiam mais ser meras categorias isoladas, mas entidades entrelaçadas e
integrantes das relações da vida”. Relações estas que segundo Santos (2002), na obra
denominada “Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências”, é muito
mais ampla e variada do que o que a tradição científica ou filosófica ocidental conhece e
considera importante. Entretanto, tal riqueza social está sendo desperdiçada e que é preciso
combater tal desperdício, tornar visíveis as iniciativas e os movimentos alternativos e para
lhes dar credibilidade, de pouco serve recorrer à ciência social tal como a conhecemos.
Portanto, propomos uma educação que segundo Tristão (2016, p. 29, 30), alimente
“possibilidades de descolonização e de criação de processos de desconstrução das narrativas
hegemônicas e de novas formas de subjetividades.”.
Portanto depreende-se do trabalho de Gomes, que a autora assim como nós, entende que a
educação, e mais especificamente a Educação Ambiental em sintonia com a Educação de
Jovens Adultos, por meio de intervenções pedagógicas, traz a possibilidade de ampliar a
consciência crítica para que essa condição seja percebida, compreendida e modificada,
proporcionando aos alunos a possibilidade de se fortalecerem enquanto grupo organizado e
consciente de sua participação, a fim de não se tornarem reféns dos interesses
mercadológicos.
Partindo para uma análise mais recente (38º Anped), alguns trabalhos nos GTs 18 e 22,
também dialogam com nosso objeto de pesquisa. Lembrando que nosso trabalho propõe
pesquisar as produções narrativas que escapam ao cânone desenvolvimentista de estudantes
ribeirinhos que frequentam a EJA da EEEFM Antonio dos Santos Neves.
A autora investiga o discurso de Educação Ambiental em gameplays do jogo The Sims, a fim
de perceber relações entre a visão de meio ambiente/natureza e as lições que fabricam o
sujeito ecologicamente correto. Aquilo que Santos (2002) caracteriza como resultado da razão
indolente, pois esta não considera a enorme diversidade de experiências, pelo contrário,
desqualifica muitas experiências alternativas.
É notório que Madruga envereda-se por um caminho de análises de discursos, sendo que
nesses discursos percebe-se por muitas vezes, os dispositivos que atuam nos artefatos
culturais para estabelecer relações de verdades, as quais capturam e conduzem a conduta de
muitos. Preocupação esta da autora, que se aproxima muito de Paulo Freire (1987) em seu
livro Pedagogia do Oprimido, quando Freire nos alerta sobre a importância da educação
problematizadora, pois esta gera consciência de si no mundo em que vive, e diz respeito, à
ideia do dever em existir um intercâmbio contínuo de saberes entre educadores e educandos.
Continua ainda Madruga nos dizendo que os discursos configurados na atualidade, visam
conscientizar e potencializar as inteligências dos sujeitos para solucionar problemas
ambientais, e para isso surgem tecnologias que disseminam o medo, ou seja, o medo do
esgotamento dos recursos que mantém a vida humana, o medo da perda exacerbada da vida, e
outros medos, que ganham ênfase pela forma de capturar os diversos sujeitos da atualidade.
Por fim, a autora dialoga com nossa proposta de pesquisa, quando finaliza dizendo que os
discursos, nas suas mais variadas formas, de forma convidativa, buscam envolver os sujeitos
do processo educativo suas verdades que produz e se refazem constantemente. Fazendo com
que, como já citado acima por Jaber e Silva (2015) no GT 18, grupos sociais vulneráveis
(indígenas, quilombolas, agricultores familiares, seringueiros, pescadores profissionais
artesanais, ribeirinhos, retireiros do Araguaia, dentre outros) criem táticas de re-existência, a
partir da busca por formação, comunicação, articulação e mobilização que vão desde as vias
legais e até as mais subversivas.
Para falar um pouco mais acerca da especificidade dos sujeitos da EJA, retomaremos aqui, o
trabalho coletivo de Soares, Silva e Soares na 37º Anped (2015), apresentado no GT 18 com o
título “Educação de jovens e adultos e propostas curriculares: (re) conhecer especificidades
dos sujeitos”. Neste trabalho as autoras também, buscam vínculos e extensões na própria
história da EJA, associações que encontram formas de contornar o descaso do poder público
com esta população. Fazem isto por meio da indagação, compreensão e análise de registros
40
Os autores/as ressaltam que são comuns outros aspectos como o movimento de seus sujeitos e
a produção de material didático próprio, especialmente para atender a produção de material
didático próprio, especialmente para atender as particularidades de seus educandos.
Os dois aspectos identificados pelos autores comungam com que Freire (1987) nos alerta
sobre o perigo de se tentar impor uma única visão de mundo. Diz ainda que a visão de mundo
dos sujeitos se manifesta nas várias formas de sua ação refletem a sua situação no mundo, em
que se constitui. Sendo necessário propor ao povo, através de certas contradições básicas, sua
situação existencial, concreta, presente, como problema que, por sua vez, o desafia e, assim,
lhe exige resposta, não só em nível intelectual, mas no nível de ação.
Podemos encontrar íntima relação com o que preconiza Freire (2003) acerca da necessidade
de considerar a situação existencial de cada um no estabelecimento de debates, quando os
autores identificam a presença dos trabalhadores da construção civil nos momentos de
elaboração da proposta, assim como em sua execução e avaliação permanente tem
estabelecido uma relação de conjunto em que a realidade dos trabalhadores ocupa lugar
central.
Também se percebe uma grande aproximação com que pensa Santos (2002), segundo o autor
a ciência social tal como a conhecemos hoje em dia não considera a enorme diversidade de
experiências, pelo contrário, desqualifica muitas experiências alternativas. Já Soares, Silva e
Soares (2015), por meio do trabalho aqui analisado identifica uma proposta curricular que é
exclusivamente pensada para os sujeitos, visto suas heterogeneidades. De maneira que os
recursos didáticos, a avaliação, os tempos, os espaços, a didática, o currículo e a formação dos
educadores sejam adequados para atender suas demandas especificas.
Em outro trabalho, no GT 18, na 37º Anped, intitulado “Da escola de outrora a escola de
agora: vozes de estudante da Educação de Jovens e Adultos”, Fernandes busca ressaltar as
mensagens emitidas, já que elas refletem as condições e os contextos de produção dos
sujeitos.
A autora observa que por parte dos estudantes, há a necessidade de que os olhares dos
sistemas a respeito do “lugar” da escola e de suas condições de existência considerem um
enfoque muito mais qualitativo do que quantitativo, pautado em índices de desempenho
escolar que nem sempre se configuram como caminhos para que se reverta efetivamente as
escolas públicas para o espaçotempo da qualidade social com inclusão de seus usuários e com
propostas que atendam, de fato, os interesses de seus estudantes.
Ao final, a autora constata que os discursos produzidos pelos estudantes são reveladores de
movimentos que contribuem para a compreensão de que o “outrora” e o “agora” são
relacionais. E que as idas e vindas aos espaços escolares refletem as motivações como
situação real e potencial para ascender social e economicamente e realizar um sonho.
Diante da problemática acima cabe lembrar aqui o que propôs Santos (2002), de que seria
necessário uma nova racionalidade que traria para a cena social experiências desvalorizadas,
invisibilizadas e desperdiçadas. E que para tanto, três procedimentos são fundamentais: a
sociologia das ausências, a sociologia das emergências e o trabalho de tradução.
Portanto, do trabalho apresentado por Faria (2017) na 38º Anped em São Luiz do Maranhão,
também pelo GT 18, depreende-se que a autora se alinha à busca pela alteridade de um grupo
do Assentamento Nova Palmares, localizado no município de Conceição do Coité,
pertencente ao Território do Sisal da Bahia. Este estudo visa traçar o perfil dos sujeitos,
conhecer suas histórias e trajetórias de vida que, desde crianças, os interrogam e interrogam a
educação sobre os significados políticos da miséria, da fome, da luta pela terra, pela
identidade e sua cultura, pela vida e dignidade.
Comungamos com a autora, quando esta, em seu trabalho parte do princípio de que homens e
mulheres são sujeitos historicamente datados e socialmente situados, autores de sua própria
existência e essa autoria é o fundamento básico do processo social. O ato de narrar sua própria
história, mais do que contar história sobre si e compartilhar experiências, é um ato de
conhecimento. Revela modos de pensamento e reflete formas de se organizar, criar e recriar,
cotidianamente, o mundo.
Faria (2017) destaca também o mundo destes sujeitos da pesquisa caracterizado por herança
de um legado de negação de direitos básicos, mas também de muita luta, resistência e
esperança. Segundo, ainda ela a educação de jovens, adultos e idosos, numa perspectiva
transformadora e forjada no movimento concreto da luta dos trabalhadores, pode fazer sua
parte, esboçando conexões entre as várias lutas com as quais os diversos movimentos e
sujeitos (seus processos são feitos por eles e com eles e não para eles) estão engajados, na
direção da superação e transformação da sociedade organizada com base nas desigualdades
sociais e o não direito.
Salienta ainda que apesar das dificuldades e pelejas, os sertanejos mantêm uma relação
singular com o lugar onde vivem, rompendo com as tentativas de uniformização. Observa-se
que o Sertão é marcado pela força, pelo espírito de luta e de resistência de mulheres e homens
que na saga da vida continuamente labutam contra a seca, a exploração, o descaso e as
condições de miséria às quais historicamente a maioria da população sertaneja é submetida.
43
Ainda, segundo a autora, além desses artistas populares contribuírem significativamente para
o sentimento de pertencimento e o fortalecimento da identidade cultural do povo do Território
do Sisal, outros elementos vão se reunindo no espaço e no tempo para a constituição da
cultura do povo sisaleiro, conferindo-lhe características singulares dentro da diversidade
baiana.
Por fim, pode-se depreender deste trabalho analisado que a peculiaridade deste povo, requer a
busca da criatividade para desenvolver táticas e estratégias, na tentativa de assegurar desde a
sobrevivência até o estabelecimento de complexas formas de organização e de lutas no campo
político, social, econômico, religioso e cultural. Evidenciando-se que a comunidade exerce a
atividade criadora, onde sujeitos coletivos se constroem, e reconstroem, pela ação, o lugar
onde vivem.
No trabalho “pescador não quer essa escola: representações sociais em área de conflito de
território”, Lemos e Lima (2015), por meio do GT 18 na 37º reunião da Anped têm como foco
investigar representações sociais de pescadores artesanais sobre escola em área de conflito de
território, provocado pela construção de um porto em seu espaço de trabalho.
Para tanto, cabe primeiramente conceituar Teoria das Representações Sociais (TRS),
7
segundo as autoras, esta tem se configurado como adequada opção teórico-metodológica em
estudos e pesquisas na área social e, de forma crescente, utilizada na área educacional. Refere-
se ao processo de reconhecer como são elaboradas e quais estruturas de conhecimento estão
envolvidas nas representações que se constroem sobre objetos de interesse no cotidiano e na
vida dos grupos sociais. Essa teoria sustenta os estudos que envolvem abordagens epistêmicas
7
Proposta pelo psicólogo social francês Serge Moscovici e apresentada por ele na obra intitulada A
representação social da psicanálise preocupa-se fundamentalmente com a inter-relação entre sujeito e objeto e
como se dá o processo de construção do conhecimento, ao mesmo tempo individual e coletivo na construção das
Representações Sociais, um conhecimento de senso comum.
44
e psicossociais que, por sua natureza, dizem respeito a grupos sociais que possuem saberes e
identidades próprias e ao mesmo tempo conflituosas, gerando respostas que impactam suas
práticas sociais, produzindo novo conhecimento. Esses conhecimentos são construídos na
interação dos grupos na busca de solução para necessidades cotidianas e satisfação de
interesses. A forma de sua disseminação e sua consolidação se faz por meio da comunicação,
revelando relações de influência e de poder.
A princípio, Lemos e Lima (2015) faz um levantamento histórico acerca da escolaridade dos
pescadores em nível de Brasil. Segundo as autoras sobre a escolaridade dos pescadores
registrados, é possível constatar que, dentre os pescadores brasileiros, a escolaridade é baixa.
São 56.218 os analfabetos, correspondendo a 8,1% do total dos 693.705 pescadores
formalmente registrados no Brasil. No entanto, são 563.284 aqueles com o ensino
fundamental, sendo que 75,51% desses possuem o ensino fundamental incompleto e 5,7% o
ensino fundamental completo. Dos 69.763 pescadores registrados com ensino médio, 30.459
ainda não o concluíram, o que corresponde a 4,4% deles, e 39.214, ou seja, 6,6% já
concluíram este nível de ensino. Ainda de acordo com os pesquisadores, apenas 0,65% dos
pescadores registrados têm o ensino superior incompleto ou completo.
As autoras dizem que por meio da Teoria das Representações Sociais (TRS) permitiu-se
compreender como grupos humanos, com identidades sociais, valores, práticas e culturas
próprias, constroem saberes e visão de mundo particulares, num processo de reelaboração
psicossocial de informações novas, capazes de possibilitar diferentes leituras da realidade e
comunicação com saberes exteriores, incorporando-os no seu cotidiano.
Quando as autoras nos dizem que ouvir suas demandas e descobrir como percorrem o
caminho do conhecimento pode significar (re) construções significativas e proposição de
ações educativas transformadoras, encontramos alinhamento no que nos disse Santos (2002),
quando nos alertou sobre a razão metonímica, que a definiu como responsável por uma
compreensão de mundo não apenas parcial, mas também “selectiva”. Continua ainda nos
dizendo que a modernidade ocidental, dominada pela razão metonímica, não só tem uma
compreensão limitada do mundo, como tem uma compreensão limitada de si própria.
Lemos e Lima nos apresenta as propostas de programas para esta modalidade de ensino
apontam fragilidades em suas políticas. Segundo elas, a descontinuidade de programas
direcionados aos jovens e adultos sem escolaridade, o que produziu a situação que ainda
45
Para elas os pescadores estudados despidos de referenciais científicos, os saberes por eles
construídos têm garantido a permanência da atividade na qual labutam em moldes tradicionais
e artesanais. Sem reconhecimento oficial do seu saber fazer, grande parte desses trabalhadores
ficam social e profissionalmente desprotegidos. Tanto que, Lemos e Lima dizem que essa
realidade foi considerada quando da construção da Proposta Pedagógica para Alfabetização de
Pescadores e Pescadoras Profissionais e Aquicultores e Aquicultoras Familiares, em agosto de
2005, pela então Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da República.
Por fim, podemos inferir através do trabalho das autoras que investigar representações sociais
desses grupos pode ser um caminho indispensável para que práticas desvinculadas da
realidade da EJA sejam reformuladas de modo a dar lugar a políticas e ações que, com
equidade, de fato se adequem às necessidades desse público e impregnem de sentidos as ações
a eles direcionadas. Como nos disse Freire (1997) isso só é possível tendo em conta os
“conhecimentos adquiridos de experiência feitos" pelas crianças e adultos antes de chegarem
à escola.
De acordo com alguns trabalhos apresentados pelo GT 22 nas reuniões da Anped entre 2013 a
2017, podemos destacar o trabalho de Garré e Henning (2013) na 36º Anped, com o título “O
enunciado de terror e medo pela perda do planeta: modos de constituir o discurso de crise
ambiental na atualidade”. Nesse trabalho, como o próprio título nos sugere, as autoras
identificam que nas últimas décadas há um forte apelo midiático voltado para a questão da
crise ambiental do Planeta. E que a proliferação dos problemas ambientais vividos tem
46
tomado força e potência em nossas vidas cotidianas, conduzindo nossas ações mais
corriqueiras.
Ressaltam a mídia nos interpelando a cada momento, chamando a nossa atenção para tal
problemática e nos convidando a participar de uma grande campanha mundial para Salvar o
Planeta. Responsabilizando-nos por nossas atitudes individuais e coletivas. Como nos alertou
Guattari (1990), por intermédio, especialmente, do controle que exerce sobre a mídia, a
publicidade, que consegue descentrar seus focos de poder das estruturas de produção de bens
e de serviços para as estruturas produtoras de signos, de sintaxe e de subjetividade.
As autoras destacam os perigos desses enunciados, pois é através de seus apelos que se
propagam uma visão dicotômica entre ser humano e natureza. De modo em que o primeiro é
visto como externo ao meio ambiente. Sendo essa uma forma equivocada de entendermos a
relação ser humano e natureza, uma visão antropocêntrica, que precisa urgentemente ser
repensada. No entanto elas deixam claro que não pretendem eximir nossas responsabilidades,
mas sim problematizar tal entendimento que separa o mundo natural do mundo social e
cultural. Entendem que a crise ambiental vivenciada por todos nós, é decorrente do nosso
modo de vida, da forma pela qual interagimos com o meio ambiente, pela cultura consumista
da vida moderna, por exemplo.
47
Garré e Henning (2015) nos alertam sobre os dos dados estatísticos que são comumente
apresentados acerca da questão ambiental, produzem o modo pelo qual a olhamos e a
concebemos como um problema, como uma crise, como uma catástrofe. Segundo as autoras,
dessa forma os números constroem certa realidade e são uma forma sutil de condução de
condutas para algo desejável, algo que seja em prol da vida e da coletividade. Dizem ainda
que as comparações, ordenações, distinções, classificações são práticas que possibilitam a
invenção de estratégias de controle e gerenciamento do social, do político, do econômico, do
cultural e do ambiental.
Compreendem que ao enunciar a questão ambiental a partir do medo e do terror pelo fim da
vida no Planeta, a revista Veja se utiliza dos dados estatísticos para descrever e prever a
realidade. E que dessa forma, coloca em operação uma relação de poder/saber, pois através
dos números vai constituindo o real e direcionando as ações dos indivíduos nessa mesma
correnteza. Entendem que os discursos midiáticos colocados em circulação legitimam
verdades que se reverberam como opinião pública. Estratégia esta que Freire (1987)
denunciou como responsável por tornar a narração capaz de transformar em “vasilhas”, em
recipientes, os ouvintes a serem cheios, por verdades, que segundo Garré e Henning (2015),
faz analogia a “jogos de verdade”, que engendram e produzem modos de vida. Concluem o
trabalho acentuando a necessidade de olharmos com desconfiança para o modo como algumas
mídias vêm falando da crise ambiental. Acreditam que provocar o pensamento e
problematizar verdades tão caras ao discurso de crise ambiental é necessário em tempos
contemporâneos, mas entendem que é nos atravessamentos culturais que as verdades são
fabricadas e tomadas como legítimas pelos sujeitos que vivem o século XXI.
Outro trabalho que nos chamou a atenção pela grande relação com o de Garré e Henning
(2015) foi o de Mutz (2013) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com o título “A
educação ambiental e o discurso do consumo consciente: uma análise sobre os modos como
se produzem sujeitos consumidores nas pedagogias culturais contemporâneas”. A autora se
propõe a discutir os modos como estamos produzindo e transformando nossa experiência
como consumidores. Semelhante a Garré e Henning (2015), a autora problematiza a
constituição discursiva de uma subjetividade mais específica os chamados consumidores
conscientes a partir do exame dos enunciados que põem em circulação verdades relativas, a
um modo supostamente mais adequado de ser sujeito consumidor.
48
Especificamente faz um recorte das pedagogias culturais contemporâneas que nos subjetivam
a adotar modos supostamente mais adequados de sermos consumidores. Pedagogias culturais
que proliferam convocações, em especial midiáticas, para que exerçamos o chamado consumo
consciente. Também falam do uso consciente da água e da energia elétrica, por exemplo, ao
mesmo tempo em que também se multiplicam os apelos ao uso consciente do crédito e do
dinheiro. A ênfase muda, mas segundo a autora o que parece é que se trata de um mesmo
discurso que naturaliza certas verdades relacionadas aos nossos hábitos de consumo e que
precisam ser adotadas em nosso cotidiano a fim de salvarmos o Planeta.
Sendo assim, podemos dizer que as pedagogias culturais se alinham com as cinco lógicas de
produção de não existência de Santos (2002), já que ambas, segundo nosso entendimento, de
uma forma ou de outra geram cinco principais formas de não existência: o ignorante, o
residual, o inferior, o local e o improdutivo.
Para realizar tal estudo Mutz (2015) selecionou para compor o material empírico de sua
investigação os quatro Manuais de Etiqueta Sustentável publicados entre 2007 e 2012 pela
Editora Abril. São parte do chamado Movimento Planeta Sustentável – um projeto de
comunicação multiplataforma, que tem a participação de revistas e sites da Editora Abril e
conta com um conselho consultivo, composto por especialistas de diversas áreas – e que tem a
intenção de difundir a Sustentabilidade. Segundo a autora, as bases do projeto parecem ser a
publicação de matérias e campanhas nas revistas da editora, a realização de debates e palestras
e a manutenção do site na internet contendo vídeos, resenhas, infográficos, simuladores,
blogs, espaço kids, planos de aula e concursos de fotos.
Mutz (2013) têm como objetivos descrever as representações do consumo que circulam por
eles e mapear os modos de intervenção sobre a conduta dos sujeitos que ali são prescritos.
Mutz (2013) procura também, relacionar as pedagogias implicadas nesses modos mais
“adequados” de ser consumidores ao quadro mais geral de interesses da educação e, em
especial, educação ambiental. E ao final, procura levantar uma discussão acerca da
possibilidade estratégica de resistência a esse investimento de poder sobre os sujeitos
consumidores.
Segundo a autora os resultados da pesquisa apontam o modo ambivalente como temos sido
subjetivados para o consumo consciente. Diz ainda que estamos, ao mesmo tempo e quase
que com a mesma intensidade, sendo educados a exercermos com mais vigor nossa obrigação
49
Assim como no trabalho analisado anteriormente, vamos trazer aqui um recorte do resultado
de uma análise de material utilizado pela autora. Segundo Mutz (2013) em seu trabalho
investigativo, ela se deparou com um documento publicado em 2006 pelo instituto AKATU1
intitulado 12 Princípios do Consumo Consciente. O que lhe chamou atenção nesse guia foi
sua similaridade com as orientações de conduta dos Manuais publicados pela Abril,
supostamente mais ligados à noção de sustentabilidade. A partir daquele momento, a autora
passou a tratar os manuais de sustentabilidade como guias de conduta para o consumo
consciente. Concluindo o panorama discursivo da sustentabilidade como cenário onde emerge
o sujeito de consumo consciente.
Mutz (2013) entende o teste do manual de etiqueta sustentável como uma poderosa tecnologia
de governo controle. Segundo Mutz (2013) descrever o modo como nos tornamos
consumidores, por meio de diferentes mecanismos de sujeição, entre eles o exame, significa
aproximarmo-nos dos processos de subjetivação, entendido aqui como os modos, as formas
como produzimos ou transformamos a experiência que temos de nós mesmos. A autora nos
faz as seguintes indagações: o argumento mais forte em favor da sustentabilidade é mesmo o
50
econômico? Mas, ora, economizamos com que objetivo? Comprar mais. Em que medida
comprar mais realmente coopera com nossos objetivos de educação ambiental?
E finaliza seu trabalho nos dizendo que onde há exercício do poder, há possibilidade de
resistência. E é exatamente aí que vislumbra a desnaturalização do consumo consciente como
uma forma de resistência. E que, por meio da Implementação de estratégias que se valham
desse exercício de desnaturalização em nossas práticas de educação ambiental é algo ao nosso
alcance. Como nos disse Guattari (1990), que só uma articulação ético-política entre os três
registros ecológicos (o do meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade humana)
é que se poderia esclarecer convenientemente tais inter-relações.
Não poderíamos deixar de citar as contribuições dadas por Gonzalez (2013), 8 também na 36º
reunião da Anped,. Com o trabalho denominado “Educação ambiental autopoiética entre
manguezais, redes cotidianas escolares e práticas pesqueiras”, Gonzalez (2013) buscou
inspirações na pesquisa cartográfica com os cotidianos, entremeadas com narrativas,
“pescadas” em redes de conversações tecidas nas práticas do bairro e nos cotidianos
escolares. Experiências, que segundo o autor o implicou politicamente no campo da Educação
Ambiental (EA) e na política da narratividade e cognitiva deste trabalho.
Segundo o autor, as práticas do bairro são entendidas em seu trabalho como: o Morar na
“Ilha”, as “Artes de Pescar” nos Manguezais, as “Artes de Cozinhar”, a produção da cal na
fábrica, os pequenos roçados de subsistência e os ofícios de lavadeiras na bica do Sítio do
Jacaré, configurando em EA‟s autopoiéticas inventadas nas geografias sentimentais e
nômades dos habitantes locais. As conversas autorizadas e transcritas com as Desfiadeiras de
Siris, Pescadores, donos de restaurantes, professores/as e estudantes, atravessados por
temporalidades, desejos, afetos e conflitos, nos exercícios de acompanhar as práticas do
bairro, os cotidianos escolares e os acontecimentos ambientais locais, como por exemplo, o
Turismo Gastronômico e a Semana Santa. Segundo constata Gonzalez (2013), estão entre os
acontecimentos ambientais e, que de certa maneira mobilizam a comunidade, tornando-a
midiaticamente e culturalmente reconhecida no contexto da geografia da cidade, culminando
em traçar linhas e pôr em relevo as potências dos saberes socioambientais das práticas do
bairro, desestabilizando concepções modernas, insustentáveis e transcendentais de
conhecimentos e de sujeitos.
8
O referido autor realizou seus estudos de doutorado no PPGE/CE/UFES e fez parte do grupo de pesquisa
NIPEEA, do qual fazemos parte.
51
Importante destacar que segundo o autor, os sujeitos da pesquisa são praticantes dos
cotidianos e que sobrevivem da pesca artesanal nos manguezais, de perfis indefinidos,
hifenados e descentrados, com o dom imanente de criar uma vida bonita de viver, se lançam
às diferentes forças inventivas de sobrevivência cultural abalando a noção de tradição em suas
relações éticas, cognitivas e afetivas. E que estes não se deixam inibir às estratégias de
controle, traçando diferentes planos de (re)existências e resistências e processos de
singularização à subjetividade capitalística, fazendo da própria vida uma obra de arte, uma
Oficina do Viver. Por fim, compreende que é por meio de estratégias e táticas que alimentam
estéticas de existência nas redes de saberes, fazeres e poderes com os manguezais, consigo
mesmo, e com os outros.
Para alcançar sua finalidade, mas sem pretender resolver-responder, Ramos delineia sua
pesquisar a partir dos seguintes questionamentos: que singularidades atribuir à EA? Quais
interlocuções desse campo com as práticas culturais? Quais as potências da EA autopoiética
em problematizar discursos que escamotearam singularidades das práticas culturais na região
pesquisada? Como entender os Mascarados diante das identidades híbridas e descentradas na
atualidade? Com relação a sua travessia metodológica, Ramos (2013) nos diz que a pesquisa
cartográfica e com os cotidianos pressupõe o acompanhamento de percursos, conexão de
redes e rizomas com as práticas culturais cotidianas da produção dos Mascarados do Congo,
produzida numa comunidade rural em um município que faz parte da região sudeste do Brasil.
Para tanto a autora têm como sujeitos colaboradores de sua pesquisa: educadores e educandos
de redes cotidianas escolares, Mestres de Congo, Artesão de Congo, Congueiras, Filhos e
Filhas dos Congueiros, que compõem a Associação de Banda de Congo de Taquaruçú. Esses
são considerados na produção de dados como sujeitos praticantes (CERTEAU, 2008a) da
pesquisa acontecendo no acompanhamento dos fluxos de redes de conversações tecidas na
coletividade ao longo do ano de 2011 e parte de 2012, em encontros quinzenais de
compartilhamento de vivências. Utilizando-se de Diário de Campo, além de fotografias e
gravações.
Ramos (2013) também cita que é necessário pensar as práticas culturais enquanto resistências
e antidisciplinas, que são extraídas nos ruídos das maneiras de fazer e das astúcias e táticas
dos sujeitos praticantes do cotidiano, ressaltando que inspirado em Certeau, de que não
devemos tomar o outro como tolo, percebendo as microdiferenças e as micro-resistências, nos
jogos das táticas silenciosas e sutis da vida cotidiana. Diante disso, a autora destaca que as
artes de fazer os Mascarados do Congo embalam os sujeitos praticantes em emoções
amorosas, solidárias e cooperativas, produzindo aprendizagens inventivas autopoiéticas.
Dizendo ainda que o Congo dos Mascarados pode ser interpretado como uma subversão, um
escape! Táticas dos sujeitos praticantes e produtores desconhecidos, que inventam maneiras
de fazer e burlar as formas-forças dos cotidianos... sujeitos não alienados!
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Por fim, a autora finaliza afirmando que seu trabalho desmascara pistas que potencializam
dimensões éticas, políticas, estéticas e as práticas cotidianas de sustentabilidades. Acredita
que nossas vidas são constituídas de emaranhados de fios, fluxos, mãos, forças, corpos e de
movimentos que compõem tons, dobras, sons, cores, cheiros, energias, na provisoriedade, que
vibram e nos atravessam alargando os possíveis num devir cotidiano.
Para tanto, segundo os autores, a ABAG se definiu como “a instituição representativa dos
interesses comuns aos agentes das cadeias agronômicas, de modo que possam expressar-se de
maneira harmônica e coesa nas questões que lhes são comuns”. Nesse sentido, de acordo
Lamosa e Loureiro foi necessária a formação dos intelectuais orgânicos responsáveis por dar
54
Importante destacar que os autores identificaram que tal braço pedagógico dentre suas
diversas ações foi a produção de um pensamento que se baseou no binômio: competitividade
internacional e segurança alimentar. A competitividade seria garantida pela inserção definitiva
do agronegócio brasileiro no mercado mundial. Já a segurança alimentar foi o tema difundido,
internacionalmente, pelos intelectuais coletivos do capital (Banco Mundial, Fundo Monetário
Internacional, UNESCO) e, nacionalmente, pela ABAG.
Destacam ainda os autores que os conceitos “classe social”, “conflito” e “exploração”, seriam
substituídos, segundo os teóricos da “Terceira Via”, por conceitos como “responsabilidade
social”, “colaboracionismo” e “voluntariado”. Entendendo que as empresas, sobretudo as
corporações industriais, são, com frequência, as principais fontes de poluição. Tendo a sua
proposta, até pelo momento histórico em que é concebida, dialogar perfeitamente com o
discurso da sustentabilidade baseado na economia verde, na gestão racional de recursos, na
cooperação internacional para a transferência tecnológica e na solidariedade enquanto apelo
ético.
Permitindo a Lamosa e Loureiro (2013) concluir que este discurso é produzido como se não
houvesse mais projetos societários em disputas com usos antagônicos do conceito de
sustentabilidade e de proposição de caminhos outros para a produção, a organização político-
55
E que o trabalho permitiu identificar uma situação contraditória criada pelos projetos
empresariais. Por um lado, o programa garante elementos indispensáveis à qualidade da
escola pública: formação de professores, material didático e projetos educacionais. Entretanto,
a inserção do programa organizado por uma entidade privada retira completamente a
possibilidade de existência do caráter público da escola, dado que o ensino promovido neste
espaço passa a ser mediado por interesses privados, e a ideologia do desenvolvimento
sustentável capitalista é reproduzida por uma educação ambiental que perde, com isso, seu
caráter crítico-transformador, voltada para uma educação emancipatória.
Weiler e Guerra (2015) acredita que os resultados indicam que os saberes e fazeres ativos na
comunidade, ainda que não estejam formalizados no currículo escolar, circulam pelo espaço
da escola levados pelos estudantes. E que, segundo eles, cabe refletir sobre como uma
comunidade tradicional pode ser a incubadora de transformação no espaço escolar, de forma a
contribuir na transição para um Espaço Educador Sustentável, são desafios revelados nesta
investigação. Tiveram como objetivo evidenciar que saberes e fazeres tradicionais da
comunidade pesquisada dialogam com os saberes e as práticas pedagógicas em Educação
Ambiental desenvolvidas em uma escola municipal, que podem contribuir com o
enfrentamento das problemáticas socioambientais e favorecer o processo de transição da
escola para um Espaço Educador Sustentável. Tendo os autores como local deste estudo a
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Vale ressaltar que Weiler e Guerra (2015) consideram saberes e fazeres existentes na
comunidade no trabalho apresentado, como a “produção de farinha de mandioca de forma
comunitária”, a “pesca artesanal da tainha”, as práticas de “benzimento”, o “Terno-de-Reis” e
a “brincadeira de Boi-de-mamão”, manifestações tomadas como potencialmente capazes de
contribuir com o processo de transição da escola para um espaço educador sustentável. E que
para tanto, como já citado, os autores se situaram na perspectiva qualitativa, e dentre as
diversas inspirações para sua pesquisa, cabe destacar a “Ecologia de Saberes” de Santos
(2010). Já que, tal teoria reconhece a incompletude do conhecimento, seja o científico, seja
aquele presente nas comunidades tradicionais. As diferentes formas de conhecimentos não
dão conta sozinhas de serem completas, por isso a necessidade de troca, de diálogo, de
integração.
Por meio de suas observações, Weiler e Guerra identificam educandos que possuem estreita
relação com os saberes e fazeres comunitários, o que os fizeram acreditar que, de alguma
maneira, essas manifestações circulam pelo espaço da escola, ultrapassam os muros,
possivelmente de forma “clandestina” ou em seu “currículo oculto”, uma vez que continuam
no campo da invisibilidade. Porém os autores encontram também, fatores que podem ser os
responsáveis pela falta de aproximação entre a escola e a comunidade. Segundo os autores, a
gestora educacional aponta a grande rotatividade de professores na escola, que são
contratados em caráter temporário (ACTs), como um fator limitante para que os profissionais
tenham tempo para conhecer a realidade da comunidade na qual estão trabalhando.
Por fim, Weiler e Guerra (2015) dizem não encontrar indícios de que os saberes e fazeres
tradicionais estejam ativos na escola, porém, identificam que estes, de alguma forma,
circulam pelo território escolar levados pelos educandos. Chamando a atenção, assim, para a
potencialidade dessa comunidade como parceira no processo de transição da escola para um
Espaço Educador Sustentável. Chegando até a proporem uma Educação Ambiental
comunitária, que se deixa aprender e ensinar com as histórias de vida, com as tradições, com
os saberes e fazeres, e que é essencialmente transgressora e transformadora da realidade. E
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que para isto, deve-se “se permitir ser atravessada” pelas histórias de vida e pelos fazeres e
saberes que transbordam de sua comunidade de entorno.
Partindo para 38º reunião da Anped (2017), também no GT 22, cabe ressaltar as contribuições
dadas pelo trabalho “A educação ambiental e o direito: imbricações necessárias para
ressignificar a dignidade para todas as formas de vida”, apresentado por Freire e Caporlíngua
(2017). Em que as autoras buscam, por meio de um exercício hermenêutico filosófico,
ressignificar o princípio da dignidade da pessoa humana, apresentando elementos da
Educação Ambiental para que, através do diálogo, permitam uma redescoberta do outro para
construção de uma vida mais digna para todos.
A princípio as autoras nos alerta que é preciso que o princípio da dignidade da pessoa
humana, previsto na Constituição Federal Brasileira, precisa ser analisado naquilo que não
desvela: o direito a dignidade de todos os seres que integram o planeta. Continuam ainda
dizendo que é preciso repensar a relação ser humano e natureza a fim de estabelecer o
diálogo, a partir do espaço da Educação Ambiental – como um espaço dialógico reflexivo e
crítico – impulsionando o reconhecimento da pluralidade no Direito, uma vez que o poder do
Estado não é a única fonte produtora de direitos, uma vez que existe um complexo e difuso
sistema de produção e reconhecimento de direitos emanados dialeticamente da sociedade
(sujeitos, grupos sociais, coletividade, etc.).
Freire e Caporlíngua (2017) nos dizem que a dignidade da pessoa humana, como se apresenta
hoje, nasceu a partir do pós-II guerra onde diante de tantas barbáries coube ao Direito tentar
enquadrar esse sujeito capaz de tantas atrocidades. Acrescenta ainda que não havia, portanto,
outra alternativa que não colocar o humano como fundamento de um nunca mais. Portanto,
segundo as autoras, defende-se a necessidade de uma nova produção de sentido acerca do
princípio da dignidade da pessoa humana, em certa medida pela mesma razão ética utilizada
para inseri-lo nas Constituições pós-II guerra: a barbárie que lá foi humana hoje é uma
barbárie ambiental onde o humano é o algoz.
O problema é que, segundo as autoras, enquanto no plano mundial se tem algum avanço nessa
temática, no Brasil, apesar da Constituição Federal estabelecer expressamente a dignidade
como princípio diretriz de todo o sistema jurídico, e de consagrar o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, parece que se caminha na contramão. E a questão desta
dissintonia entre a Constituição e a prática legislativa está, parece na forma como se pensa o
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Direito e a própria Constituição. É ela tratada como uma lei comum, ordinária, quando na
verdade é o texto normativo fundamental do Estado, o ápice hermenêutico para o intérprete. É
preciso compreender a Constituição para que se possa entender a democracia. Até lá, vive-se
uma pseudo-democracia e cabe ao Direito ser a resistência, blindando o Estado Democrático
de Direito.
Importante contribuição dada pelas autoras, diante do que propomos pesquisar é a de que a
construção de um mundo sustentável surgirá do conceito com a outridade, uma vez que a
transcendência da racionalidade ambiental se dará “pela fecundidade das relações com o
Outro, pela produtividade da complexidade ambiental, pelo encontro de interesses
antagônicos e pelo diálogo dos saberes”. Tanto que compreende-se que quando a Constituição
Federal estabelece no artigo 225 o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado,
está, em outros termos, garantindo o direito à vida, de todas as espécies, inclusive do ser
humano.
Também no GT 22, na 37º reunião da Anped, por meio do trabalho “A análise do discurso
pedagógico da dialogicidade na experiência com outras epistemologias: demandas de uma
59
educação ambiental crítica”, Ferreira (2017) nos agracia com a apresentação do resultado da
investigação do discurso dos educadores ambientais em relação a outras epistemologias
vivenciadas durante o processo formativo de educadores ambientais a partir de experiências
com a etnia Guarani, na aldeia em formação Ara Hovy, em Itaipuaçu, município de Maricá,
Rio de Janeiro. Busca ressaltar as cosmovisões presentes na cultura deste grupo étnico, a fim
de compreender e elucidar as epistemologias emergentes.
Diante disso, Ferreira propõe incorporar a dinâmica das relações dialógicas de outras
epistemologias nos projetos políticos pedagógicos, já que esta, oportuniza a sociedade a
vivenciar o diálogo contínuo e cria parâmetros e princípios para que a inclusão, solidariedade
e a ética proporcionem a construção dos valores socioambientais. Continua ainda a dizer que,
a procura por caminhos que entrelaça o diálogo de saberes entre variadas identidades abre
novos caminhos para a interdisciplinaridade, o saber ambiental não se traduz em um conjunto
de conhecimento previamente determinado ele converge uma expectativa de variados
caminhos alternativos a fim de compor o saber no qual há uma a valorização e pertencimento
dos saberes vivenciados e experienciados.
Tanto que, defende o autor, que o discurso pedagógico da dialogicidade na convivência com
outras epistemologias, tem um grande papel ao contribuir na fundamentação de uma
sociedade imbuída na percepção que valoriza os princípios socioambientais e que a
dialogicidade com outras epistemologias possibilitem compreender a cosmovisão dos povos
ancestrais em relação aos seus saberes da terra, que são repassados da dinâmica das relações
dialógicas. Portanto, segundo Ferreira (2017), quando tais saberes são vivenciados nos
projetos políticos pedagógicos a sociedade passa ter a experiência do diálogo contínuo e cria
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Por fim, Ferreira (2017) afirma ter identificado elementos constitutivos de uma outra visão de
mundo, a serem utilizadas como referenciais epistemológicos e pedagógicos, durante a
formação de educadores ambientais do projeto “Outras Epistemologias no Processo
Formativo de Educação Ambiental”. Destaca que a formação possibilitou incorporar o
reconhecimento da dinâmica das relações humanas à Educação Ambiental, cuja centralidade
estejam voltadas a potencializar uma ação pedagógica.
Também na 38º reunião da Anped, ainda pelo GT 22, um integrante do nosso grupo de
pesquisa NIPEEA, Vieiras (2017) em seu trabalho intitulado “Resistências e relações de poder
na produção cotidiana da educação ambiental: uma problematização atravessada pelo crime
socioambiental na bacia do rio doce”, lança mão de observações empíricas, conversas e/ou
entrevistas produzidas num determinado espaço-tempo em que se deu o crime socioambiental.
Segundo o autor (2017), seu estudo desenvolveu-se durante uma pesquisa realizada no tempo-
espaço de uma comunidade escolar em meio a um dos maiores crimes socioambientais da
61
Vieiras (2017) cita que, ao longo da pesquisa/estudo, vivenciou esse crime, que foi um dos
maiores crimes socioambientais ocorridos no Brasil: O despejo de lama de minério no rio
Doce. Um crime socioambiental que afetou milhares de famílias, que poluiu, matou,
desempregou, transtornou várias cidades, mudou a rotina das pessoas, provocou caos, medo,
paralisou escolas. Comunidades que se enfileiraram ao longo de horas para receber um galão
(5 litros) de água: essa foi a parte que lhes coube deste bem comum.
Em outro trabalho, apresentado por Gonçalves, Pereira e Costa (2017), também pelo GT 22,
na 38º reunião da Anped, de título “Educação ambiental: concepções e práticas pedagógicas
dos professores da educação de jovens e adultos da rede pública de Abaetetuba, Pará”,
buscam apresentar um campo de reflexão acerca das concepções e práticas pedagógicas dos
professores da Educação de Jovens e Adultos (EJA) sobre a temática ambiental em uma
escola da rede pública estadual de educação.
O trabalho analisado trata-se de uma pesquisa com análise qualitativa, cujos instrumentos
utilizados, segundo autores, foram entrevistas, análise do Projeto Político Pedagógico (PPP) e
62
observação do ambiente educativo. Revela por meio dos discursos que todos os professores
(as) pesquisados (as) concordam com a importância da inserção da Educação Ambiental (EA)
na EJA e alegam trabalhar com o tema em suas aulas, principalmente por meio de atividades
voltadas à reutilização de materiais recicláveis, a observação da natureza e horta.
Diante disso, os autores nos alertam que a EA deve estar presente em todos os níveis do
ensino, desde a educação infantil até ao ensino superior, desenvolvendo o senso crítico de
cada indivíduo frente aos problemas socioambientais, em especial os relacionados ao meio
ambiente. Contudo, que não se encontrem reduzida a atividades voltadas à separação do lixo e
à economia de água, ou seja, desprovida da reflexão e questionamento sobre o processo como
um todo. Ressaltam ainda os autores que para que seja vivenciada a dimensão escolar da EA,
torna-se fundamental romper com os comportamentos pré-estabelecidos e estereotipados, o
que deve necessariamente acontecer no processo de formação inicial e continuada de
professores, como um caminho necessário para que a dimensão ambiental amplie e solidifique
seu espaço nas discussões e práticas na EJA.
Em análise ao documento que rege a proposta curricular para a EJA, sendo este o Projeto
Político Pedagógico (PPP) da escola investigada, os autores identificaram que tal documento
enfatiza a ideia de que o estudante precisa aprender a cuidar do meio ambiente e a preservá-lo.
Porém, não encontraram nenhuma alusão à perspectiva de interdependência entre ser humano
e meio ambiente. Porém, segundo Gonçalves, Pereira e Costa (2017) foi possível constatar
que o documento alega a necessidade de inserção da prática de separação do lixo, sem, no
entanto, relacionar com a discussão sobre o consumo consciente.
Também descrevem uma contradição percebida por meio da observação, que mesmo
constando no PPP a ênfase no ensino quanto à separação do lixo, na escola investigada, nas
salas de aula há apenas uma lixeira o que impossibilita aos professores e estudantes
realizarem essa separação. E, em entrevista realizada com os professores da EJA, os autores
observam que para eles a AE está associada à ideia de preservação e cuidados com a natureza
63
na maioria das vezes confundida como uma parte da ecologia, limitando desta forma o seu
caráter interdisciplinar. Permitem que Gonçalves, Pereira e Costa (2017) constatem que há
limitação atribuída a EA, seus objetivos são restringidos a um repasse de conhecimentos para
preservação ambiental sem levar em consideração as questões históricas, sociais, políticas,
econômicas e culturais ligadas a tal temática.
Já com relação com às práticas pedagógicas, Gonçalves, Pereira e Costa (2017), constataram
que a EA na EJA nos espaços pesquisados acontece por meio de conteúdos relativos a
Relações Naturais e Conservação da Natureza, fica ausentes os diálogos com os aspectos das
relações sociais, a contextualização e a problematização de situações da realidade. Tanto que
os autores identificam que a EA, por meio de seus documentos orientadores e da prática
pedagógica dos professores começa a delinear caminhos na EJA em escolas com
características agrárias. Depreende-se deste trabalho que a concepção de EA dos professores
da EJA ainda precisa ser mais discutida, no espaço da formação continuada dos professores,
pois muitos entendem a EA somente como o ato de cuidar do meio ambiente, reciclar e não
jogar lixo no chão e plantar determinadas espécies de árvores. E que de acordo com os
professores, ainda é necessário que a EA seja mais trabalhada nos cursos de formação para
que se possa ampliar e solidificar seu espaço nas discussões e práticas na EJA.
A autora teve como objetivo problematizar a ideia da cultura presente nas narrativas de
professores e personagens que compõem uma comunidade tradicional do município de
Vitória/ES. Sendo os sentidos de cultura debatidos pela autora inspirado em Felix Guattari e
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Suely Rolnik (2006) na tentativa de captar o discurso maquínico capitalístico, bem como os
movimentos de desterritorialização e resistência. Toma como caminho de pesquisa a
cartografia aliada a escuta atenta às narrativas dos membros dessa comunidade e dos
professores de diferentes escolas que atuam nesse território. Para essa problematização,
Rezende (2017) busca convergir as narrativas sem a pretensão de criticá-las ou torná-las
caricatas, mas no sentido de captar o discurso “maquínico capitalístico”, as apropriações da
ideia de cultura desses personagens, bem como os processos culturais de resistência.
Sendo assim a autora (2017) conceitua cultura como campo de problematização, podendo
revelar e intencionar a forma como o capitalismo controla os fluxos e os modos de
subjetivação de artesãos e professores imersos no território da negociação de saberesfazeres.
Assim, a cartografia aliada à política da narratividade, numa escuta atenta, possibilita
problematizar o controle da cultura capitalística e aquilo que escapa em processos de
singularização, podendo desterritorializar ou não os particularismos do campo da cultura.
Cabe aqui também destacar que, segundo Rezende é óbvio que a cultura está imbricada
indissoluvelmente com as relações de poder, cultura como aprisionamento, mas o que se
problematiza é: como subverter a ideia de cultura para uma lógica de processos de criação?
Como as escolas que atendem filhos, netos e membros da comunidade tradicional
problematizam os processos culturais elencados nos currículos oficiais?
A escola precisa reconhecer a importância de ampliar esta relação, ela existe, mas é
superficial, e invisível, invizibilizada, a escola como um todo reconhecer a
importância deste trabalho e se planejar para atender esta demanda que é uma
necessidade de permitir que a escola se insira efetivamente neste contexto
(PROFESSORA de Geografia da EMEF). (REZENDE, 2017, p. 8).
65
A autora salienta que a democratização da cultura é um ponto que revela tensão, pois
promove-se uma falsa democracia da cultura através de sistemas de segregação a partir de
uma categoria geral da cultura, de modo completamente subjacente. Isso cria binarismos,
destituindo a cultura de seu caráter político e social.
Mas as implicações dessa escolha deixam de lado uma série de agenciamentos e processos
que poderiam desmontar particularismos, promover efetivamente uma melhoria da qualidade
de vida das pessoas, ampliar o território e o campo cultural ao invés de uma
pseudodemocratização da cultura.
O trabalho, segundo Rezende, conclui que os saberesfazeres implicados nas narrativas desses
personagens revelam intenções, fluxos, desejos e sonhos da comunidade das Paneleiras de
Goiabeiras, assim como dos professores que atuam nesse território. As conexões entre os
movimentos de resistência, bem como os agenciamentos de currículos aliados aos processos
culturais apontados pelas Paneleiras promovem processos de subjetivação singularizantes
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O problema aqui, num é só a falta de chuva, é a criação de gado perto das nascentes.
... é que o animal pisa tudo, e aí para de brotar água. Tinha que afastar os animais
pra longe das nascentes.
... que aí mesmo faltando chuva. A água baixava, mas num ficava feio assim. (Sr.
Carlinhos – morador e cuidador da igreja)
Para nos situarmos dentro do que estamos propondo neste capítulo, vale lembrar o que Santos
(2002) afirma ao discutir a Sociologia das ausências e das emergências. O autor propôs
estudar as alternativas à globalização neoliberal e ao capitalismo global produzidas pelos
movimentos sociais e pelas organizações não-governamentais na sua luta contra a exclusão e
a discriminação em diferentes domínios sociais e em diferentes países.
Como apontado por Santos (2002), a razão indolente é preguiçosa por considerar-se como
única e exclusiva, ao deixar de fora tudo o que é diferente dela, caracterizando-se assim, como
uma razão hegemônica que reduz e que não se exercita o suficiente para enxergar tanta
riqueza presente no mundo. É o que percebemos na narrativa que abre este capítulo, os
moradores têm um entendimento acerca do que acelera os processos de redução de nascentes,
propõem alternativas, porém o poder público, por meio de seus agentes, consideram os
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Tal entendimento nos recorda do que disse Santos (2002) com relação à Razão metonímica,
aquela que crê que o todo é composto por partes homogêneas e que excluem o diferente,
deixando de fora muitas práticas culturais e saberes socioambientais. Essa razão promove o
desperdício de experiências, pois ela contrai o presente e estende o futuro, deixando as
produções culturais e seus saberesfazeres socioambientais às margens. Como vemos na
narrativa que se segue: “foi como eu disse professor, se fizer as caixas seca, evita até a
enxurrada de chegar aqui na pracinha e carregar o calçamento” (Sr. Carlinhos, morador da
Comunidade e cuidador da igreja).
Compreende-se ainda de Santos (2002) que a razão metonímica, por valorizar a totalidade,
cria dicotomias que trazem em si tanto a simetria quanto a hierarquia, embora a última seja
escamoteada pela primeira. Nesse tipo de racionalidade, o todo não é mais que a soma das
partes, mas simplesmente uma parte colocada como referência para as demais, como se fosse
a totalidade. Como consequência disso, teremos negação da limitação da compreensão
ocidental do mundo e a impossibilidade de se pensar qualquer uma das partes sem referência à
totalidade, ou mesmo admitir que essas partes possam ser em algum momento totalidades.
Santos, citando Japers (1951,1976) e Marramo (1995) mostra como o Ocidente constituiu-se a
partir do Oriente, ao apropriar-se apenas daquilo que interessava à expansão capitalista: o
mundo terreno e o tempo linear. Desperdiçou, por outro lado, outros mundos e tempos
presentes no Oriente. Para recuperarmos as experiências desperdiçadas é fundamental uma
crítica a essa razão metonímica, fazendo-a coexistir com outras totalidades heterogêneas,
entendendo que as partes que a compõe têm vida própria fora dela e devem, portanto, ser
pensadas fora das relações de poder que as vinculam de forma dicotômica.
Para tanto, propõe a sociologia das ausências cujo objetivo é “transformar objetos impossíveis
em possíveis e com base neles, transformar as ausências em presenças” (SANTOS, 2002, p.
246). Sugerindo, então, falar de uma racionalidade cosmopolita que:
Nas palavras de Santos (2002), a “sociologia das ausências” atua como um procedimento
transgressivo e insurgente “para tentar mostrar que o que não existe é produzido ativamente
como não-existente, como uma alternativa não-crível, como uma alternativa descartável,
invisível à realidade hegemônica do mundo” (SANTOS, 2002, p. 249).
Vale lembrar ainda que Santos (2002) identifica cinco lógicas de produção de não existência:
a primeira é a monocultura do saber e rigor, caracterizada por atribuir o fator de inexistência a
tudo aquilo que se encontra fora dos padrões pré-estabelecidos; a segunda é a monocultura
linear, compreendida por já ser composta por direção história e sentidos bem definidos; a
terceira é a lógica da classificação social, que naturaliza as diferentes categorias e, portanto,
também naturaliza as hierarquias; a quarta, a lógica da escala dominante, é entendida a partir
das suas formas principais o universal e o global, de modo a não considerar as realidades
locais. Já a quinta e última, a lógica produtivista, configura-se por estar fundada sob os
critérios de produtividade capitalista e apresenta-se com o objetivo inquestionável de
crescimento econômico e de negação de qualquer forma de não produção, quer seja da
natureza ou do trabalho. Essas lógicas de produção geram cinco principais formas de não
existência: o ignorante, o residual, o inferior, o local e o improdutivo.
Ainda faz-se necessário maior aprofundamento acerca das cinco lógicas de produção
supracitadas. Posto isso, cumpre iniciarmos com um esclarecimento sobre a primeira lógica, a
monocultura do saber e do rigor do saber, haja vista que ela consiste na transformação da
ciência moderna e da alta cultura em critérios únicos de verdade e de qualidade estética, o
que, por sua vez, provoca a necessidade de conscientizarmo-nos de que a produção social das
ausências resulta da “subtração do mundo e contração do presente e, portanto, do desperdício
da experiência” (SANTOS, 2002).
Segundo o autor, a sociologia das ausências é pensada como uma forma de transgressão às
lógicas de exclusão. Portanto, ratificamos que a lógica da monocultura do saber e do rigor do
saber deve então ser questionada a partir da identificação de outros saberes e critérios de
rigor, uma vez que todos os saberes são incompletos, não sendo possível, com isso, uma
suposta ignorância total. Portanto, sinaliza Santos (2012) que a sociologia das ausências visa
substituir a monocultura do saber por uma ecologia de saberes. Ecologia esta que, segundo o
autor, permite superar a monocultura do saber científico e ajudar a compreender com maior
clareza que os saberes não científicos podem constituir-se como alternativa ao saber
científico.
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Já a quarta lógica, a ecologia das trans-escalas, surge como alternativa às escalas dominantes,
universais e globais, e se destaca por recuperar “o que no local não é efeito da globalização
hegemônica” (SANTOS, 2002, p. 252). Por último, temos a ecologia da produtividade, a
quinta lógica, que visa à valorização de modos de produção alternativos que foram até então
menosprezados ou escondidos pela produção capitalista.
Vê-se, portanto, que o objetivo da sociologia das ausências é reconstruir as formas de não
existência (o ignorante, o residual, o inferior, o local e o improdutivo) geradas pelas lógicas
de produção, de modo a superar suas relações de subalternidade. Nessa perspectiva, Santos
(2012) afirma que a sociologia das ausências visa “identificar o âmbito desta subtracção e
dessa contracção de modo que as experiências produzidas como ausentes sejam libertadas
dessas relações de produção e, por essa via, se tornem presentes” (SANTOS, 2002, P.15).
Se a crítica à razão metonímica tem como objetivo dilatar o presente, considerando uma gama
muito mais ampla de experiência, a crítica da razão proléptica vem propor a contração do
futuro, tornando-o escasso e desse modo, objeto de cuidado. A sociologia das emergências
busca contrair o futuro, de modo a:
[...] substituir o vazio do futuro segundo o tempo linear (um vazio que tanto é tudo
como é nada) por um futuro de possibilidades plurais e concretas simultaneamente
utópicas e realistas que vão se construindo no presente através das atividades de
cuidado (SANTOS, 2002, p. 254).
Constata-se, nesse sentido, que a sociologia das emergências se move no campo das
expectativas sociais. Tanto o é que Santos (2002) afirma que a amplificação simbólica
operada pela sociologia das emergências tem o propósito de analisar numa dada prática,
70
experiência ou forma de saber, o que nela existe apenas como tendência ou possibilidade
futura. Identificando sinais, pistas ou traços de possibilidades futuros em tudo que existe.
Importa salientar que Santos (2002) se apropria do conceito „Ainda-não‟ de Bloch para
fundamentar-se teoricamente sobre a sua oposição à ideia de „Tudo‟ e „Nada‟ da filosofia
ocidental, uma vez que essas ideias podem conter tudo, no entanto, sem fazer emergir nada de
novo. Utiliza também o conceito de „Não‟ de Bloch para afirmar a falta de algo e também o
desejo de superação desta falta. O “Ainda-não” “inscreve no presente uma possibilidade
incerta, mas nunca neutra” (SANTOS, 2002, p. 255), o que faz com que as transformações
tenham um caráter ameaçador devido à imprevisibilidade de suas consequências. Afirma
ainda que a razão indolente centrou-se na realidade e na necessidade e negligenciou
totalmente a possibilidade.
Tanto a sociologia das ausências como a sociologia das emergências tem como fundamento o
inconformismo. A primeira se situa no âmbito das experiências desperdiçadas e a segunda se
relaciona com as carências que podem ser supridas. Na sequência, Santos (2002) afirma que
as duas sociologias estão estreitamente associadas, visto que quanto mais experiências
estiverem hoje disponíveis no mundo, mais experiências são possíveis no futuro. Em outros
termos, quanto maior o leque de realidade críveis, mais vasto é o campo dos sinais ou pistas
credíveis e dos futuros possíveis e concretos, sendo uma alcançada a partir da sociologia dos
saberes e a outra por meio da “amplificação simbólica das pistas ou sinais” (SANTOS, 2002,
p. 27).
Portanto, quanto mais experiências houver e mais diversas forem elas, maior será a expansão
do presente e contração do futuro. No entanto, essa diversificação e ampliação de
possibilidades de experiências trazem consigo dois problemas, a saber, a fragmentação da
realidade e a dificuldade em dar sentido às mudanças. Santos (2002) critica tanto o modo
71
como a razão metonímica e proléptica tentaram resolver esses problemas, como o modo pelo
qual o pós-modernismo os negligencia.
Isso nos remete a uma reflexão das observações feitas acerca da busca por fazer “presente”
ausências dos saberefazeres socioambientais dos ribeirinhos nas tomadas de decisões, no que
tange a realidade da comunidade. Segundo relatos de alguns moradores, é frequentemente
observada a desvalorização das experiências dos ribeirinhos, por parte dos sujeitos que
adentram a Comunidade do Bis com o intuito de fazer “melhorias”. Como observamos na
seguinte narrativa:
[...] até porque, toda represa tem que ter comporta ou um ladrão. É primeira que eu
vejo sem comporta. Eles num pergunta nada, chega e faiz. Nunca vi dizer de represa
sem comporta (Pequeno agricultor local).
No dia que vieram falar da construção dessa represa deu uma briga...ninguém
convenceu eles. O Negócio deles era fechar. As consequências eles num quer saber
não. (Carlão – Presidente da associação dos moradores da comunidade
complementando a narrativa acima, sobre a construção da barragem)
O que eu tenho hoje é tirado tudo do rio... pra mim é uma firma...se eu sair pra
qualquer localidade que eu tiver um rio...sei lá parece que a minha vida zera... Nossa
Senhora é demais, eu adoeço, “doeço”, “doeço” mesmo. Isso aqui é tudo na minha
vida. Tudo. Tudo na minha vida. ...eu tenho meu irmão ali em cima...Eupídio, ele
aposentou da pesca, a mulher dele aposentou da pesca. Criou a família também. Tem
o documento então aposenta. Agora tá vindo meu filho “também” né...trabalha
comigo né!!! (Cosme, pescador-morador da comunidade e pai de ex-aluno da EJA).
72
Diante disso, Larrosa (2011) nos alerta que a palavra experiência “é quase sempre usada sem
pensar, de um modo completamente banal e banalizado, sem ter consciência plena de suas
enormes possibilidades teóricas, críticas e práticas” (LARROSA, 2011, p.1). E é, por meio da
racionalidade cosmopolita de Santos (2002), que será possível “transformar as ausências em
presenças” (SANTOS 2002, p.248).
As palavras de Larrosa (2011) nos levam a refletir sobre o que sinalizou Santos (2002) a
respeito dos perigos da razão metonímica já que ela se reivindica como a única forma de
racionalidade e, por conseguinte, não se aplica a descobrir outros tipos de racionalidade ou, se
o faz, fá-lo apenas para torná-lo em matéria-prima. Como podemos ver no seguinte relato:
Eles vêm aqui e num pergunta nada. Aquela barragem ali, está toda errada.
Se der uma enchente igual a de 2007. A agua sobe ali atrás e carrega a
praça e tudo mais. A gente tentou. Ninguém convenceu. Nunca vi na minha
73
vida barragem sem comporta. Sem contar que a areia que desce tá ficando
presa, daqui uns dia tá tudo raso porque num tem comporta pra abrir e
deixar a areia ir embora (Carlão - Presidente da associação de moradores
da comunidade).
Santos (2002) faz uma bela análise sobre o desperdício das experiências. Segundo ele, em
todas lógicas de produção de ausências, a desqualificação de práticas faz parceria com a
desqualificação dos agentes, resultando numa desqualificação prioritária dos agentes e,
derivadamente, sobre a experiência social (práticas e saberes).
A essa forma de desperdício de experiência social, dizemos que Santos (2002) faz uma crítica
a monocultura e ao rigor do saber já que se centram dentro de uma lógica de exclusão de
qualquer outra forma alternativa de conhecimento, que não cabe na sua totalidade e
linearidade.
Isso está presente nas narrativas produzidas, nas quais os moradores dão ênfase às suas
práticas socioculturais, ressaltando que essas são as principais responsáveis por atrair os
moradores da cidade de Boa Esperança para as atividades locais: tomar banho no rio, pescar
piabas ao lado dos quiosques, encontrar amigos, comer as porções dos peixes locais etc. Da
mesma forma, aí estão as preocupações ambientais, no compartilhar do entendimento de que a
morte das nascentes é devido ao pisoteio pelo gado de pecuaristas que também margeiam o
rio local. E ainda no crédito de que o uso excessivo de água nas lavouras por parte dos
grandes agricultores que margeiam o rio, nos períodos de falta de chuva, também um fator
que diminui o nível da água.
Por duas vezes eu fui em Nova Venécia... DUAS VEZES pra fazer uma estrada aí...
ta aí até hoje e o promotor deu seis meses. E nessa estrada tá passando café, mamão,
cana (Agricultor local)
Essas caixas secas aí é a melhor coisa na beira da estrada. Você vê lá ne São Pedro
alí...lá na beira da estrada, eles fizeram caixa seca...enche tudo. Poucos dias tá tudo
seco. Se souber fazer, se fazer fundo...vai tudo pras nascente. Melhor coisa que tem.
Mas tem que saber fazer (Sr. Carlos-morador e cuidador da igreja)
Fazendo isso aí beneficiava quanto o Bis?! Que água aí do morro vem tudo aqui no
Bis. Esses dias aqui choveu fazia medo no meio da praça aí. A prefeitura não faz
nada, nada, nada, nada, não fez nem o calçamento, até o esgoto aqui ele estragou...
Agora o esgoto tá vazando aqui (Carlão- Presidente da associação de moradores)
Esse aspecto da comunidade revela uma característica importante da cultura local, ou seja, o
desenvolvimento é bem-vindo, mas ele é absorvido de acordo com as necessidades e as
opções da própria comunidade. Entretanto, tais melhorias para serem fundamentais para a
qualidade de vida da população, precisam ser debatidas e consideradas as experiências dos
ribeirinhos, já que transformaram os usos dos espaços das moradias.
Os jovens ribeirinhos, geralmente, não concluem o ensino fundamental na idade série normal,
sendo característico da modalidade EJA, ter estudantes provenientes da comunidade
concluindo o ensino fundamental e médio na fase adulta. Sujeito que aqui entendemos possuir
rica bagagem de experiência socioculturalambiental resultado da interação destes com as
demandas da comunidade, demandas estas que é repassada pelos membros de seu núcleo
familiar e por todos os adultos e os idosos da comunidade, que retiram seu sustento do fluxo
das pessoas que buscam a comunidade para lazer. Portanto, são sujeitos construídos de um
conhecimento fortemente voltado à valorização da natureza, da terra, da religião e do uso
sustentável da natureza.
Tanto que, percebe-se que o vínculo dessas pessoas com o seu território e o cuidado com
peculiaridade da cultura local são os principais elementos que organizam a estrutura social da
comunidade ribeirinha “Patrimônio do Bis”. Aquilo que Tristão (2005) denominou como ética
ambiental, já que as narrativas produzidas sinalizam para uma interação entre ribeirinhos e
75
natureza que não se pauta numa lógica antropocêntrica, como as dualidades como natureza e
cultura, sujeito e objeto impregnam os campos de sentido do pensamento moderno. Como
vemos na seguinte narrativa:
Nossa senhora! Isso aqui é minha vida, foi do rio que sustentei minha família,
né(emocionou). Eu tenho dois filhos e três netos. Um mora aqui comigo e a outra lá
na Bela Vista. Meu menino trabalha comigo, mais num é profissional, né Carteira
assinada. Eu conheço tudo desse rio, Nossa senhora! Se me tirar daqui e me colocar
ne outro rio, acabô, acabô, acabo. Conheço cada pedra, cada poço, onde dá peixe,
onde num dá. Têm meu outro irmão também, né, aposentou do rio, ele e a mulher
dele. Nossa senhora esse rio é minha vida! (Cosme- pescador).
Tal narrativa nos faz crer que a experiência é peculiar, e que, portanto, uma generalização de
saberesfazeres ribeirinhos representa distanciamento da proposta de Boaventura de Souza
Santos, qual seja:
...e mais né... esse rio é tão bom... que não só eu vivo da pesca. Pra comprar meu
alimento né. Têm mãe dela ali né...da Patricia ali né, que faiz né. Trabalha...que faiz
né...muito mais coisa que minha esposa né: pão, bolo, salgadinho, mentira, né
(Cosme – pescador profissional).
Percebe-se que a forma pela qual os ribeirinhos exercem o domínio sobre seu território é
diferente daquela realizada pelos fazendeiros, assim como também a forma como as
autoridades locais o veem. Como está implícito nas seguintes narrativas:
- O problema aqui, num é só a falta de chuva, é a criação dos gado perto das
nascente. ... é que os animal pisa tudo, e aí para de brotar água. Tinha que afastar os
animal pra longe das nascente. Que aí , mesmo faltando chuva. A água baixava, mas
num ficava feio assim(seu Carlos- morador e cuidador da igreja católica).
76
- A CESAN fala assim: o produtor tem que reflorestar, o produtor tem economizar.
Escuta aqui professor, e CESAN... e a CESAN o que tá fazendo a CESAN? Nada!
Entendeu? Enquanto que não mexia lá cidade, tava tudo bem, agora que começou a
falta pra todo mundo. Vai falta agua, vai falta agua. - Lá na cidade vai falta agua
também. Então não é só quem tem propriedade que tem que se responsabilizar. A
responsabilidade tem que se um todo (agricultor e pecuarista de médio porte).
Portanto, acreditamos que os sentidos produzidos em seus modos de existência acabam por
provocar mudanças estruturais em suas vidas. Por isso, ao pensarmos na Educação Ambiental
desenvolvida em qualquer ambiente escolar, concordamos com Freire (2011), quando sinaliza
que ao transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que
há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador. Caso se
respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação
ambiental do educando.
O trabalho desenvolvido por Ferreira (2012) deixa em evidência que os indivíduos, quando
inseridos numa rede de conversação, tendem a discutir e implementar práticas que trazem por
si mesmas os princípios de Educação Ambiental. Nessa perspectiva, buscamos debater, neste
tópico, as narrativas produzidas pelos alunos da Educação de Jovens e oriundos da
comunidade ribeirinhas Patrimônio do Bis, no sentido de cartografar seus atravessamentos no
ambiente escolar.
Se você pudesse tirar uma foto, de um lugar daqui da escola, para ajudar na
construção do cartaz, de onde você tiraria? (Professora de inglês)
Eu poderia tirar dessa caixa de água... que seria útil também né, lá de fora no Jardim,
paisagem lá de fora né, de nossa praça também né? Muito bonita ela (Eliana- aluna e
moradora da comunidade do Bis)
77
Algumas narrativas produzidas durante nosso contato com os profissionais da escola e alunos
da EJA trazem consigo peculiares contribuições para nossa discussão. Vale lembrar que,
segundo Baktin (2012), as manifestações simbólicas dos seres humanos são processos
situados na sociedade e na história. Portanto, acreditamos que as narrativas são possibilidades
metodológicas para a pesquisa em Educação Ambiental. Nesse contexto, cabe aqui
lembrarmos uma constatação que ocorreu durante a pesquisa: a relação dos alunos ribeirinhos
como o rio é tão íntima que eles não perdem a oportunidade de mostrar a importância desse
ecossistema, quando lhes é dada a oportunidade. Em fotos retiradas de revistas trazidas para a
construção do painel afixado do mural da escola, um fato nos chamou a atenção: de 07 fotos
apresentadas pelos grupos, 05 delas denunciavam o desperdício de água e 02 estavam
relacionadas ao reaproveitamento.
Essa atividade pedagógica pode constituir-se num exemplo sobre a criação de práticas
educativas que dá ensejo à reflexão no planejamento pedagógico, mesmo que pontual, tanto
para o desenvolvimento de ações educativas em datas comemorativas como também na
elaboração de projetos anuais.
Outro exemplo que permitiu promover a subversão da cultura na escola foram as atividades
pedagógicas realizadas no dia do estudante. Nelas, os alunos tinham que realizar diversas
brincadeiras com a temática meio ambiente. Entre elas, destacamos: um concurso com o
melhor desenho, um realizou com perguntas diversas questão atreladas à preservação da
natureza, além de um sarau e a realização de uma exposição fotográfica sobre meio ambiente
natural. Como observamos no seguinte relato:
[...] nós teremos a semana da gincana, né?! Os professores estão divididos por
grupo. Vai ter a equipe amarela, a vermelha e a azul. Aí cada equipe vai ser avaliada
9
A monocultura do saber e rigor; a monocultura linear; a lógica da classificação social; a lógica da escala
dominante, a lógica produtivista.
78
pelos jurados, que serão alguns professores. Aí o tema que nós escolhemos é o tema
água, por que a gente já tem um projeto aqui né, que é a captação de água da chuva.
Porque o ano passado foi muito ruim de chuva. Então, tudo haver, né?! (Reginaldo -
pedagogo).
Tanto a escolha da temática, quanto o projeto pensado e iniciado, nos remete a uma lógica
voltada à realidade dos sujeitos que frequentam o ensino noturno, tanto que, constatamos que
nos turnos vespertino e matutino a ênfase é dada ao debate sobre questões relacionadas à
sexualidade, drogas e família. Como vemos na narrativa da diretora da escola:
A partir de Larrosa (2011), essas narrativas nos levam a refletir acerca do utilitarismo que tem
marcado a educação contemporânea, tanto no ensino noturno, quanto no matutino e
vespertino. Ensino este que, por muitas vezes, se dá por meio do argumento de que está se
levando em consideração as experiências que estão imbricadas na cultura dos sujeitos que
frequentam certa modalidade de ensino. Esse aspecto denota aquilo que já citamos, como
desperdício da experiência, a partir de Santos (2002), e não sei se aqui poderíamos chamar de
demagogia da experiência, pois, como já citado aqui, por Larrosa (2011), a palavra
experiência vêm sendo usada de maneira banalizada, resultando num desperdício de suas
possibilidades teóricas, críticas e práticas.
Percebe-se também no ambiente escolar, seja nas práticas de ensino aprendizagem ou nas
relações de idas e vindas nos corredores, descaso ao conhecimentos que estes sujeitos
carregam em seu bojo, refletindo numa “tensão”, entre dois propósitos: na busca por
reconhecimento, por parte dos alunos ribeirinhos da EJA, de seus saberesocioculturais, e na
luta por invisibilização de conhecimentos que não tiveram o rigor científico por trás de sua
produção, por parte da busca dos professores, para cumprir o currículo proposto nas diretrizes
dos documentos oficiais.
79
Diante da atual proposta de escola contemporânea defendida pela reforma do ensino médio,
instituída sob a forma do Projeto de Lei de Conversão (PLV) 34/201610, caracterizada pela
dispensabilidade de debates acerca dos conhecimentos produzidos na área da sociologia e
filosofia, fica cada vez mais evidente a presença de uma racionalidade única, aquela que se
alimenta de práticas que buscam, a todo custo, caracterizar o que não é científico, como senso
comum, e que por ser comum, não é válido. Ou seja, um processo pedagógico que Freire
(2011) denunciou como isento de criticidade.
E para não sucumbirmos ao cômodo processo de ensino aprendizagem que considera apenas
uma forma de conhecimento, é necessário nos lembrarmos das palavras de Freire (2011),
quando nos disse que a reflexão crítica da prática é uma exigência da relação teoria/ prática,
sem a qual a teoria irá virando apenas palavras, e a prática, ativismo.
Essa reflexão é necessária na prática docente para que as experiências não continuem a ser
usadas de forma irresponsável, ou seja, de maneira “banal e banalizada”, como diz Larrosa, já
que tais experiências nas narrativas, até aqui analisadas, nos sinalizam urgência na
visibilidade de ausências de saberesfazeres socioculturais, para que possamos alimentar as
“marchas” dos diferentes sujeitos da EJA.
Importante destacarmos que, nas narrativas produzidas, percebemos um clamor por maior
diálogo, não no sentido de inferiorização de um e valorização do outro, mas sim, como
objetivo de valorização de ambos. Isso porque acreditamos que ambas as narrativas possuem
seus valores e necessariamente se complementam, pois, segundo Freire (2011, pág. 47),
“ensinar não é transferir conhecimentos”.
Essa prática dialógica apresenta intima relação com o combate ao uso da razão em detrimento
das experiências, haja vista que a atuação racional moderna apresenta a inserção e valorização
de saberes, em outro lugar que não seja na experiência. Importante lembrarmos o que nos
disse Larrosa (2004) ao afirmar que para Aristóteles o saber da experiência é conhecimento
do singular e a ciência só pode ser do universal, ou seja, conhecimento limitado e
conhecimento abrangente.
10
Altera as Leis nºs 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT,
aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967;
revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de
Ensino Médio em Tempo Integral.
80
Diante disto, cabe lembrarmos também o que disse Santos (2002), sobre a experiência social
em todo o mundo, de que ela é mais ampla e variada do que o que a tradição científica ou
filosófica ocidental conhece e considera importante. E, em segundo lugar, ressaltamos que
essa riqueza social está sendo desperdiçada.
Já em outro trabalho, Freire (2011) nos diz que devemos estabelecer uma intimidade entre os
saberes curriculares fundamental dos alunos e a experiência social que eles têm como
indivíduos, além de discutir as implicações políticas e ideológicas e a ética de classe
relacionada aos descasos. Isso, a partir do respeito aos conhecimentos socialmente construídos
pelos alunos na prática comunitária.
A grande maioria dos moradores sobrevive por meio do fomento ao agro turismo,
disseminado, por meio de murmúrios, que a comunidade dispõe de uma cultura sustentável,
de um ambiente fresco, devido às árvores e ao rio local. Dessa forma, torna-se um refúgio
aconchegante a quem deseja relaxar depois de uma semana corrida de trabalho na zona urbana
do município de Boa Esperança e arredores ou nas fazendas de café.
No nosso entendimento, tais comportamentos dos alunos ribeirinhos representam força que
luta contra os processos de dominação do capitalismo que os cercam, simbolizado pelo Polo
Industrial assim como fazem frente ao assujeitamento e deterioração de sua cultura. Quando
ouvimos a narrativa “falam que onde a gente mora, é lugar de gente preguiçosa, mas não
estou nem aí, sou mais pescar do que receber uma merreca pra carregar bomba de veneno o
dia todo”, no nosso entendimento significa auto reconhecimento de sua capacidade de
sobrevivência, ou até mesmo de sua de experiência de vida, lhes oferecer outras
oportunidades de retirar seu sustento, diferente daquela que para eles significa exploração de
sua mão-de-obra.
81
Diante dessa tensão entre busca por alteridade de experiência e supremacia da racionalidade
ocidental, denominada por Santos (2002) como razão metonímica, comungamos com Larrosa
(2011), já que o autor nos agracia com o entendimento de que:
Cremos então que os sujeitos da pesquisa impõem uma prática dialógica no ambiente escolar
que acaba por tornar disponíveis suas experiências, as formas de resistências e práticas
socioculturais que simbolizam práticas sustentáveis não-críveis pela razão metonímica, já que
se reivindica como a única forma de racionalidade que não busca descobrir outros tipos de
racionalidades, e quando faz, segundo Santos (2002), é no sentido de “torna-la em matéria-
prima”.
82
Porém, antes de aprofundarmos nessa necessidade de libertação dos sujeitos das amarras
invisíveis, que impedem a emancipação humana, temos que nos lembrar de uma grande
verdade: documentos legais, como CONFINTEA BRASIL + 6 11 e LEI 9.795/9912 que
estabelece a política nacional de Educação Ambiental, carregam em si subjetividades de seus
legisladores e são feitos para serem cumpridos, cabendo aos profissionais da educação,
efetivá-los por meio dos processos de ensino aprendizagem. No entanto, não somos ingênuos
ao ponto de acreditarmos que a instituição de pareceres, normas, leis e até mesmo
recomendações são suficientes para a instituição de um modelo educacional que contrarie as
formas primitivas de divisão de trabalho, o germe da propriedade privada, da divisão de classe
e todas as outras formas de relação de poder que atuam em detrimento do desenvolvimento
humano.
11
O Seminário internacional sobre Educação ao Longo da Vida - CONFINTEA BRASIL + 6 foi realizado em
Brasília, DF. Aconteceu no período de 25 a 27 de abril de 2016 e, teve como objetivos principais: realizar um
balanço das ações educacionais realizadas em território nacional e levantar subsídios que proporcionem ao País a
construção de medidas efetivas e coerentes com os compromissos declarados por ocasião da VI CONFINTEA.
12
Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras
providências.
83
De acordo Karl Marx (1987), a emancipação humana deve ser efetivada a partir de um duplo
ato revolucionário. Primeiro, um ato de natureza política, através do qual o proletariado possa
alcançar o poder político e iniciar a destruição do Estado político e do seu fundamento, isto é,
o mercado. Um segundo ato marcadamente social, uma revolução social através da qual se
possa transformar radicalmente a forma de sociabilidade, superando-se o mercado e a política.
Dialogando com o autor acima, na obra Pedagogia do Oprimido, Freire (2002), aponta e
defende uma pedagogia para todos e que promova a emancipação, mediante uma luta
libertadora, que “só faz sentido se os oprimidos buscarem a reconstrução de sua humanidade e
realizarem a grande tarefa humanística e histórica dos oprimidos – libertar-se a si e os
opressores” (FREIRE, 2002, p. 30).
Diante do exposto fica claro que, na prática, o real objetivo da educação para a classe
trabalhadora, e em especial a EJA, não é voltado para ascensão social, pois tem como pano de
fundo a formação de mão-de-obra. Tudo isso se resume a “um mecanismo de triagem
realizado pela escola que reforça a subdivisão de classe, treinando, desde a infância, para
84
ocupação de funções que classificam os trabalhadores em, pelo menos, dois grupos: alta
qualificação e baixa qualificação” (Amorim, Jimenez & Bertoldo, 2015 p. 178).
Porém, não se pode perder de vista que, ao longo do processo de ensino aprendizagem, a
Educação de Jovens e Adultos vai além de formulação e/ou debates acerca de metodologias
de ensino, mas sim, deve sempre ser remetida a uma questão política. Como afirma Pontes &
Clark (2016), trata-se de um campo constituído em processo histórico que, além de ter
privilegiado a elite nacional, ainda reproduz o detrimento da maioria da população brasileira.
É preciso ter, como foco para a emancipação, a verdadeira essência de igualdade, que vai
muito além de garantias de direitos civis, políticos e sociais (conquistas já encaminhadas),
tornando-se imprescindível a obtenção da igualdade enquanto reconhecimento social da
dignidade do outro.
De acordo com que disse Kant (1783), depreende-se que a potencialidade para a emancipação
só se dará a partir de uma reflexão crítica já que um indivíduo não esclarecido, que em nossa
85
Diante dessa preocupação é pertinente lembrarmos o que disse Oliveira e Machado (2012)
sobre o ensino médio. Segundo as autoras, esse se evidencia na clássica questão da formação
propedêutica ou na formação para o trabalho, o que produz uma sociedade de classes; a
organização de uma escola que prepara os filhos das elites para assumir os postos de comando
e outra escola que prepara os filhos do povo para o trabalho subalterno. Fica evidente a partir
do pensamento das autoras que a sociedade de consumo necessita apenas de sujeitos dotados
das habilidades e competências determinadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs)13 do ensino médio (1999), já que eles sugerem que os conteúdos das Ciências
Humanas referentes a Antropologia, Política, Direito, Economia e Psicologia apareçam em
atividades, projetos, programas de estudo ou no corpo de disciplinas já existentes, como por
exemplo História e Sociologia. O mesmo acontece com a disciplina de Geografia em relação à
Economia e ainda com a Filosofia, que pode conter elementos de Psicologia, Política e
Direito. E não se deve esquecer que a contextualização na Matemática poderá envolver
conhecimentos de Economia, como o cálculo de juros aplicados a transações financeiras. Ou
seja, é uma formação voltada para o mercado.
13
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio são um documento instituído em 1999 e
desdobrado em outro documento conhecido como Orientações Curriculares para o Ensino Médio, editado em
2006.
14
Parecer n° 11/2000 institui as Diretrizes Curriculares para a Modalidade da Educação de Jovens e Adultos da
Educação Básica.
15
Institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, altera a Lei
nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e a Lei nº
11.494 de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
de Valorização dos Profissionais da Educação, e dá outras providências.
86
quo, que desde sempre serviu como propósito educacional. Como vemos na crítica feita por
Frigotto & Motta (2017) :
É notório que leis, pareceres, teorias e narrativas de estudiosos da EJA, convergem esforços
para uma valorização dessa modalidade. Diria até que essa valorização extrapola ao âmbito
das políticas públicas buscam também a reestruturação de propostas curriculares e das
formações inicial e continuada dos professores. Tudo isso com vista a tornar todo o processo
de ensino/aprendizagem adaptável às peculiaridades dos jovens e adultos.
Por exemplo, entende-se de Freire (1996) que é necessário respeito ao conhecimento que o
aluno traz para a escola, visto ser ele um sujeito social e histórico. Portanto, é necessário que
venhamos a superar a maneira como os estudantes da EJA são vistos dentro das instituições
de ensino. Precisamos abandonar o olhar de igualdade que se enraizou dentro das
metodologias de ensino. Pois esse olhar que representa homogeneidade, padronização,
reprodução, é excludente diante da realidade sociocultural/econômica da maioria dos sujeitos
que frequentam essa modalidade de ensino, além de não favorecerem a emancipação humana.
Na verdade, esse tipo de olhar favorece a cultura do silêncio, pois, é produzida pela
incapacidade de homens e mulheres dizerem a sua palavra. Para Freire essa cultura, é
produzida pela incapacidade de homens e mulheres não dizerem a sua palavra, de se
manifestarem enquanto sujeitos sociais, em suas condições políticas, ou de modificação da
sua própria realidade. Quem os crítica geralmente os oprime e/ou desvincula de sua própria
cultura (FREIRE, 1980).
A educação de jovens e adultos urge por uma mudança de olhar: dessa que torna os sujeitos –
em sua grande maioria, negro, pobre, lésbica, gay, favelado, analfabeto/semianalfabeto ou até
mesmo analfabeto funcional – responsáveis por seu fracasso escolar, para outra que vislumbra
a igualdade de condições de acesso e permanência na escola. É de suma importância que a
estadia dos estudantes na EJA não se resuma a uma forma de educação compensatória, pois já
se sabe que esses sujeitos, por serem carregados de experiências, – construídas nas relações
fora do ambiente escolar – não interagem com a escola da mesma maneira que alunos da
idade/série regular.
87
Postas as considerações sobre a EJA, partimos para o diálogo com a EA e seu papel na
descolonização do pensamento. Nesse sentido, concordamos com Tristão (2009), ao afirmar
que tal dimensão de educação tem potencial de compreender a complexidade da realidade
socioambiental por meio da produção de uma ciência da religação, da junção dos diferentes
saberes e da multiplicidade das vivências culturais e sociais. Afirma ainda a autora que são
consideradas as interpelações e interdependências entre sociedade/meio ambiente,
cultura/natureza e ser humano/natureza.
Destarte, Sato (2005) acredita que a Educação Ambiental tem potencial de problematização
de assimetrias, como por exemplo, aquelas provenientes de olhares que percebem o
conhecimento indígena ou popular como “tradicionais”, ou “primitivos”, que acabam por
esconder uma hierarquia perversa da superioridade de quem estabelece e determina a
contemporaneidade.
Diante de tal preocupação cabe agora analisar os resultados de alguns esforços. Compreende-
se do Parecer n° 11/200016 em seu Art. 3 parágrafo X, que é necessário ressaltar as
16
O Parecer CNE 11/2000 que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos,
foi aprovado em 10 de maio de 2000, sob a coordenação do Relator Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury.
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Portanto, qualquer que seja o debate, o direcionamento e as práticas de ações que têm como
pano de fundo a emancipação humana não se pode perder de vista a integralização e a
convergência de tais esforços. Pois, diante da realidade vivenciada pelos estudantes da EJA
(instabilidade política, desemprego, miscigenação cultural etc.), a autonomia de visão e
interpretação de mundo globalizado é de fundamental importância para o questionamento da
realidade ambiental sociohistoricocultural, e consequentemente luta por seus direitos.
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A maioria das escolas não tem uma proposta de ensino voltada para atender as especificidades
dos jovens e adultos. Dessa forma, os conteúdos são trabalhados de forma descontextualizada
da realidade na qual estão inseridos. As propostas curriculares da EJA também não
conseguem envolver a diversidade dos educandos, por privilegiar áreas do conhecimento
distantes das reais necessidades de aprendizagem dos alunos. Por isso que defendo a EA como
uma possibilidade de articular ou contextualizar o conteúdo da sala de aula às experiências
dos sujeitos, de maneira diferente da costumeira: aquela com abordagens comportamentalista,
reducionistas ou dualistas no entendimento da relação cultura-natureza. Acreditamos que isso
acontece, também pelo fato da precariedade do sistema de ensino e de políticas públicas
efetivas para a formação inicial e continuada do professor da EJA. Afinal, defendemos uma
política de EA voltada a formação de atitudes individuais e coletivas e, que necessariamente,
esteja ligada ao currículo, ou seja, à identidade da escola. Há necessidade da realização do
90
trabalho pedagógico voltado para a diversidade e especificidades, mas para isso é preciso
utilizar pressupostos de forma efetiva e de qualidade, para subsidiar o professor na sua tomada
de decisões sobre o currículo, os alunos e a prática pedagógica.
Diante desses problemas que a educação de jovens e adultos enfrenta, buscamos entender em
Almeida (2016) a importância dessa modalidade de ensino. Segundo a autora, a EJA é um
universo pedagógico importante para a realização plena da indissociabilidade entre teoria e
prática e caminhos rumo aos processos de emancipação humana. Portanto, um dos ofícios do
professor é trabalhar o conhecimento em sala de aula, da forma mais clara possível, para que
seu aluno possa ter a oportunidade de analisá-lo e questioná-lo, e não apenas absorver
informações. O professor, então, precisa considerar a bagagem de experiência e conhecimento
que seu aluno já possui, para transformar as informações já adquiridas por esse aluno em
conhecimento sistematizado.
Diante disso, acreditamos ser pertinente, retomar a análise acerca da responsabilidade que
devemos ter quando pensamos, falamos e praticamos educação na escola contemporânea.
Segundo a lógica de Freire (2011), transformar a experiência educativa em puro treinamento
técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu
caráter formador. Se se respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode
dar-se alheio à formação do educando. Divinizar ou demonizar a tecnologia ou a ciência é
uma forma altamente negativa e perigosa de pensar.
A contribuição do autor nos leva, mesmo que de maneira empírica, a questionar a necessidade
de as instituições de ensino (regimentos, normas, profissionais), precisarem abandonar esse
tipo de olhar de igualdade, que prevaleceu e influenciou negativamente diversas políticas
públicas, haja vista que favorece um discurso meritocrático de que as oportunidades estão
sendo dadas de forma igual, sendo o estudante o responsável único por seu fracasso na vida
escolar.
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Precisamos urgentemente de um olhar que nos permita perceber o conjunto da obra (processo
de ensino/aprendizagem), constituído por diversos componentes peculiares. Fazendo uma
analogia com o instrumento responsável pela fragmentação da luz solar (Prisma), diríamos
que seria um olhar por meio de um prisma educacional, pois permitiria vislumbrar o quão rico
e complexo são os constituintes da modalidade EJA, perpassados por uma EA crítica. Seria
possível a partir dessa ótica subjetiva, perceber as peculiaridades regionais, culturais,
socioeconômicas de cada unidade de ensino, o que contribuiria para avanços na instituição e
execução do ensino da EJA. Dessa maneira, de acordo Pontes & Clark (2016):
... mesmo quando o estudante da EJA tem acesso ao material escolar, a merenda, ao
transporte e outros recursos facilitadores da aprendizagem, o que é a exceção, ainda
assim, são estudantes trabalhadores, comumente subempregados e submetidos a
situações objetivas de inúmeras dificuldades na luta cotidiana pela sobrevivência
(Pontes & Clark, 2016 p.4)
Diante dessa análise problematizadora, poderíamos dizer que esse instrumento subjetivo (é
subjetivo porque o olhar varia de sujeito para sujeito), possibilitará avançar além da percepção
de que os estudantes da EJA são apenas subalternizados historicamente, permitindo a
identificação da rica gama de conhecimentos e necessidades que esses sujeitos possuem,
servindo como eixo norteador para a emancipação humana.
Todo o olhar sobre a EJA, que considera a diversidade cultural, social, étnica, religiosa etc.
saberá, que a pedagogia das competências, busca apenas adaptar e readaptar os homens e
mulheres a atual estrutura do capital. Isso evidencia o que Amorim, Jimenez & Bertoldo
(2015) relatou acerca da função do capital de produção, que busca a separação e sobreposição
do trabalho intelectual em relação ao trabalho físico, denotando que o intelecto não se faz
necessário ao trabalho físico.
17
Unesco é a sigla para Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
92
Por fim, uma ótica por meio desse instrumento subjetivo permitirá proporcionar contextos de
aprendizagens e processos que sejam atraentes e pertinentes à realidade do estudante, levando
sempre em consideração que são sujeitos ativos, no trabalho, na família, na vida comunitária,
na religião, etc. Portando, desconsiderar esses aspectos é eliminar componentes essenciais à
emancipação humana, é o mesmo que dizer que são folhas de papel em branco e maximizar os
“ciclos de exclusão e marginalização hereditários” (UNESCO, 2010, p.17).
Por que a modalidade EJA e a Educação Ambiental têm perfis para questionar a
educação tradicional?
Acredito, como professor de escola pública, que a educação hoje vigente, que aqui chamo de
educação tradicional, em boa parte dos estabelecimentos de ensino, é caracterizada pela
memorização de conteúdo, com vistas, seja para prestar o ENEM18, seja para obtenção de nota
para frequentar a série seguinte, ou até mesmo prestar concurso público. Para Paulo Freire
(1987), esta educação chamada de “Bancária”, parte do pressuposto que o aluno nada sabe e o
professor é detentor do saber, criando-se, então, uma relação vertical entre o educador e o
educando. O Educador, sendo o que possui todo o saber, é o sujeito da aprendizagem, aquele
que deposita o conhecimento. O educando, então, é o objeto que recebe o conhecimento. A
educação vista por essa ótica tem como meta, intencional ou não, a formação de indivíduos
acomodados, não questionadores e submetidos à estrutura do poder vigente.
Diante dessa problemática, cabe lembrar que uma das características da educação ambiental
está voltada a considerar o meio ambiente com uma visão sistêmica, compreendido em sua
totalidade complexa como um conjunto no qual seus elementos/partes interdependentes se
inter-relacionam entre si, entre as partes e com o todo, o todo nas partes em uma interação
sintetizada no equilíbrio dinâmico, permitindo assim, construir valores que sejam capazes de:
18
O Exame Nacional do Ensino Médio foi criado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) para testar o
nível de aprendizado dos alunos que concluíram o ensino médio no Brasil. Atualmente, os resultados obtidos no
Enem ajudam os estudantes a ingressar em universidades públicas ou ganhar bolsas de estudos em instituições
particulares. Criado em 1998, o Enem é o maior processo seletivo ao nível nacional do Brasil, abrangendo
aproximadamente mais de 7 milhões de candidatos inscritos para a realização das provas.
93
Assim posto, essa modalidade de Educação de Jovens e Adultos, segundo a LDB (Lei
9.394/96, art. 37 e 38), tem como foco a educação para o trabalho aliada à formação para a
cidadania. E no Relatório Global sobre Aprendizagem e Educação de Adultos desde 1976, o
conceito explícito significa oportunizar, de forma aberta, flexível e pessoal, desenvolver
conhecimento, competências e disposições que os adultos precisam e desejam em todas as
fases da vida.
No que toca a Educação Ambiental, encontramos forte diálogo em Giroux (2003), mesmo que
o autor não fale especificamente dessa dimensão de educação, por acreditarmos que ela tem
força para transformar a pedagogia em uma prática política, ou seja, uma cooperação entre
educadores e outros sujeitos culturais, engajados nas lutas sociais e ambientais, resulta na
construção de novas formas de compreender e viver a relação saberesfazeres, teoria prática.
Ou seja, entendemos, assim como o autor, que há necessidade de uma visão holística de meio,
bem distante de qualquer lógica que fragmenta, que dualiza os componentes do processo de
ensino aprendizagem.
Cabe lembrar que, geralmente, o que se tem são práticas em EA desenvolvidas, em sua
maioria, de maneira pontual nas escolas, como aquelas que se reduzem às comemorações ao
dia internacional da água, do dia do meio ambiente, à palestras e outras formas isoladas de
abordagem de meio ambiente. Essas práticas vão na contramão de alguns objetivos que
destaco abaixo, descritos nas Diretrizes, do Capítulo II, da Lei 9.795/99:
Podemos observar no inciso I que a Educação Ambiental visa tratar das questões ambientais
sempre preocupadas em reconhecer que o meio ambiente é muito mais que animais e vegetais
compondo o meio biótico de um ecossistema, ou ainda, mais do que a exploração dos
recursos naturais pelo homem. Ou seja, é preciso pensarmos em uma Educação Ambiental
que contrarie aquela que Carvalho e Grun (2005) denunciam como responsável pela
“difusão/explicação de informações corretas e do educador ambiental como um leitor literal
do livro da natureza”. Compreendemos ainda do inciso I, que os legisladores ressaltam que
para se alcançar a “sustentabilidade”, é preciso trilharmos um caminho que nos leve à
compreensão de toda a teia que constitui o meio ambiente. Portanto, concordamos com
Carvalho (2004), quando a autora sinaliza que a educação ambiental tem potencial de:
Já no inciso VII, é notório, sem exagero, que a Educação Ambiental tem em seu bojo, a busca
pela desnaturalização da visão de que o analfabeto só precisa saber ler, de que os
assentamentos de sem-terra é constituído de preguiçosos, de que ribeirinhos são isentos de
conhecimento válido para a sociedade atual, de que a mulher deve ser submissa ao homem, de
que o negro tem QI intelectual inferior ao branco, entre outras formas de produção de
desigualdade, por meio da adoção de estratégias democráticas e da interação entre as culturas.
Diante dessas reflexões cabe lembrar o que disse Tristão (2004), que as políticas de Educação
Ambiental, desde a Constituição de 1998, vêm sinalizando para que a EA seja abordada de
maneira interdisciplinar em todos os níveis de ensino. Porém, entendemos de Tristão (2004)
que há um distanciamento entre as propostas do governo, as condições das escolas, a jornada
de trabalho dos/as professores/as e as práticas interdisciplinares. Logo, concordamos com
Tristão, ao afirmar que: “Entendo ser o processo de formação de professores/as uma „rede de
relações‟, de múltiplas articulações entre contextos para sua formação e profissionalização”
(TRISTÃO, 2004, p. 118)”.
Assim, constatamos que a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), de uma certa
maneira dialoga com os objetivos e finalidades da EJA, defendida por autores e documentos
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oficiais. O caminho para alcançar a emancipação humana é árduo e requer dos profissionais
da educação de jovens e adultos, além de uma formação inicial e/ou continuada
comprometida com a realidade estruturada sob os moldes da sociedade do consumo, que
insiste em fazer com que os explorados acreditem na ideologia dos exploradores e acreditam
que é possível à conquista da equidade e da justiça sem revolver a estrutura do capital
(Amorim, Jimenez & Bertoldo, 2015. É preciso, por parte dos profissionais da educação,
transformar a utopia da emancipação humana dos estudantes da EJA em algo realmente
alcançável.
Ainda nos anos 50, foi realizada a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo
(CNEA), que marcou uma nova etapa nas discussões sobre a educação de adultos. Em 1952
foi criada a Campanha Nacional de Educação Rural (CNER), inicialmente ligada a Campanha
de Educação de Adolescentes e Adultos- CEAA. A CNER caracterizou-se até 1956 como
uma das instituições promotoras do processo de desenvolvimento de comunidades no meio
rural brasileiro. E em 1958, foi realizado o segundo Congresso Nacional de Educação de
Adultos, objetivando avaliar as ações realizadas na área e visando propor soluções adequadas
para a questão.
97
A Conferência mais recente, a sexta, foi realizada, em dezembro de 2009, em Belém do Pará,
Brasil. O Marco de Ação de Belém, aprovado durante a CONFINTEA VI, estabeleceu
recomendações e compromissos com base em sete eixos voltados para: alfabetização de
adultos, política, governança, financiamento, participação, inclusão e equidade, qualidade e,
por fim, monitoramento.
Importante retomar a seguinte reflexão: na década de 60, enquanto Paulo Freire lutava para
que os oprimidos tivessem acesso a uma escolarização transformadora, concomitante, haviam
outros questionamentos sendo levantados. Raquel Carlson apresentava seu livro “Primavera
Silenciosa” à sociedade de forma tão impactante que impulsionou os movimentos ambientais
em diversos países.
Em 1968, em Roma, alguns cientistas dos países desenvolvidos se reuniram para discutir o
consumo e as reservas de recursos naturais não renováveis e o crescimento da população
mundial. Daí surgiu o problema ambiental em nível planetário, e como consequência disso, a
Organização das Nações Unidas realizou em 1972, em Estocolmo, na Suécia, a Primeira
Conferência Mundial de Meio Ambiente Humano. Nesse sentido, uma resolução importante
da conferência de Estocolmo foi a de que se deve educar o cidadão para a solução dos
problemas ambientais.
Afirma, ainda, Tristão (2009), que nessa mesma década também foram criadas políticas
importantes para a institucionalização da educação ambiental. Os Fóruns de Educação
Ambiental intensificaram-se em 1992, 1994 e 1997, e duas grandes conferências mundiais, a
Rio´92 e a Rio+5, ocorrida em Johanesburgo, na África do Sul, deram imensa visibilidade ao
termo desenvolvimento sustentável que, a partir daí, literalmente “caiu na boca do povo”. Em
1994, o Ministério do Meio Ambiente elaborou o Programa Nacional de Educação Ambiental
(PRONEA) e no fim da década foi promulgada a Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999, que
instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), regulamentada em 2002
(ibdem).
Como já sinalizado por Tristão (2014), a educação ambiental estimula a criação de espaços de
convivência, que acabam por propiciar situações que “favorecem aprendizagens com/no/sobre
o meio ambiente (TRISTÂO, 2014, p.474)”. Aqui, poderíamos afirmar que potencializariam a
descolonização do pensamento.
sua própria libertação. Ou seja, é função da educação compartilhar com os educandos formas
de “ler o mundo” para poder transformá-lo radicalmente.
Mesmo que tenhamos um “pé atrás” com qualquer movimento que tem como carro chefe a
UNESCO, que nesse caso é órgão responsável pelas últimas recomendações encontradas em
documentos de conferências internacionais de educação de adultos, bem como da educação
ambiental e que essas “ recomendações”, como afirma Amorim, Jimenez & Bertoldo (2015),
demonstram a intenção de exercer influência no âmbito das políticas educacionais,
principalmente em países ditos em desenvolvimento, tendo como norte atender às demandas
imediatas do capital, não podemos despotencializá-las.
Uma declaração dessa natureza tem seus questionamentos, porém também tem suas valias,
por exemplo, não se pode diminuir uma recomendação que tem em seu bojo, a valorização da
condição intelectual produzida ao longo da vivência dos estudantes da EJA, no processo de
ensino/aprendizagem. Também é de fundamental relevância para a emancipação humana, o
100
Ainda dentro do Marco de Ação de Belém (2010), cabe ressaltar que esse, defende que a
aprendizagem vai além do aspecto compensatório, presente em falas de professores da EJA,
para uma aprendizagem ao longo da vida, e que ela é uma filosofia, um marco conceitual e
um princípio organizador de todas as formas de educação, baseada em valores inclusivos,
emancipatórios, humanistas e democráticos.
Uma educação “tapa buracos”, destinada a remediar falhas dos sistemas social e
educativo, encarregada de ensinar àqueles adultos que deveriam ter aprendido na
escola quando crianças; (...) uma educação de pobres e para pobres, como um
remédio, ou uma educação compensatória. (TORRES, 1995, p. 28).
A contribuição de Torres aos aspectos socioculturais dos estudantes da EJA (indivíduos ativos
na sociedade) dialogam fortemente com o que diz Adorno (1947) acerca do papel da
educação: ela deve ser simultaneamente propiciadora do desenvolvimento da autonomia,
racionalidade e possibilidade de ir além da mera adaptação, chegando à emancipação; é
apontada uma crítica à indústria cultural20, vista como a responsável por prejudicar a
capacidade humana de agir com criticidade, e ainda afirma que a educação não pode ser um
instrumento disciplinador de condutas através da repressão, costume que sempre, segundo
relatos dos mais velhos, predominou durante muitos anos de forma explicita através de
castigos físicos e morais, e que, hoje, acreditamos está, de maneira disfarçada, através de
narrativas que conduzem a uma condição de sentimentos de inferioridade.
20
O termo Indústria Cultural (em alemão Kulturindustrie) foi criado pelos filósofos e sociólogos alemães
Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), a fim de designar a situação da arte na sociedade
capitalista industrial. A indústria cultural, segundo Adorno e Horkheimer, possui padrões que se repetem com a
intenção de formar uma estética ou percepção comum voltada ao consumismo.
101
Com relação a Lei 9.795/99, que dispõe sobre a educação ambiental e institui a Política
Nacional de Educação Ambiental, é inquestionável seu potencial para orientar e direcionar
práticas e propostas de uma educação ambiental crítica. A ideia não é fazer uma análise
minuciosa dos objetivos, princípios e incumbências da referida lei. Tão logo, é impossível não
dar ênfase a alguns pontos que diante de nossa discussão, se torna pertinente. Como por
exemplo, no conceito que traz o art. 1°, que trata a EA como:
... processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores
sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a
conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia
qualidade de vida e sua sustentabilidade (Lei nº 9795/1999, Art. 1º).
Essa construção de valores sociais, conhecimentos e etc., por meio da coletividade e voltado
para melhoria da qualidade de vida, é notadamente o sonho de alunos privados de educação e,
consequentemente, excluídos no modelo de sociedade capitalista. O que está expresso no art.
1° da referida lei, está em comum acordo com o que defende Costa & Minasi (2015): a
educação ambiental atua nos processos humanos influenciando a forma de reação aos
acontecimentos da vida social. E também dialoga com proposta libertadora de Freire (2000),
quando ressalta que falar da emancipação humana é falar das diferentes formas de opressão e
de dominação no mundo neoliberal e de exclusão; é falar de pessoas que vivem de grandes
necessidades materiais, de subtração subjetiva e que acabam por ter ausência da alegria de
viver, da conscientização principal para conseguirem encontrar a liberdade, a felicidade e a
cidadania que desenha a democracia.
Poderíamos ainda, encontrar na análise deste 1° art. uma tendência de educação ambiental
dentro dos moldes de uma pedagogia crítica, aquela que tem como fim a emancipação
humana. Isso porque, a maneira com que se propõe (processos) chegar à sua finalidade,
dialoga com o que traz Costa & Minasi (2015), afirmando que a educação ambiental sob a
perspectiva da emancipação humana atua como processos que confrontam, pela ação política,
as determinações do sistema capitalista e suas formas de destruição das relações dos homens
entre si e desses com o ambiente natural.
Dentre os diversos princípios presentes na PNEA, são de fundamental relevância aqueles que
têm a educação ambiental como potencial para a emancipação humana. Ou seja, tem um
enfoque humanista, holístico, democrático e participativo, sem perder o foco na necessidade
de respeito à multiplicidade da experiência humana e das lutas sociais, buscando superar a
maneira com que a rede pública no Brasil se expandiu sobre a égide da “Educação para
Todos”, uma forma desigual e assimétrica, com caráter fortemente seletivo.
Para encerrar a discussão acerca do rol dos princípios da Educação ambiental, escolhemos o
inciso V, pois trata de um assunto polêmico, que chamaríamos aqui com a chave mestre para
103
O tema “educação de pessoas jovens e adultas” não nos remete apenas a uma
questão de especificidade etária, mas, primordialmente, a uma questão de
especificidade cultural. Assim, apesar do recorte por idade (jovens e adultos, são
basicamente, “não crianças”), esse território da educação não diz respeito a reflexões
e ações educativas dirigidas a qualquer jovem ou adulto, mas delimita um
determinado grupo de pessoas relativamente homogêneas no interior de grupos
culturais da sociedade contemporânea. (OLIVEIRA, 1999, p. 59).
Todas essas análises convergem ao que está exposto nos parágrafos 1° e 2° do artigo 37, da
Lei 9.394/96:
Essa meta é imprescindível para assegurar um mínimo da evasão escolar, um desafio que
permeia principalmente a modalidade EJA, que como já foi discutido, tem sua clientela
composta por trabalhadores, em sua maioria.
Comparando o número de reprovados com o de aprovados, parece ser um valor ínfimo. Porém
a análise se dá apenas na última etapa do ensino básico e que geralmente é tida, pelos
estudantes, como aquela que realiza seus sonhos de “completar os estudos”. Então, pela
lógica, era de se esperar um valor bem mais próximo de 100%, prevalecendo, pois, a
narrativa, por parte dos envolvidos nesse processo, de que completar o ensino básico é mais
que o suficiente.
O que se tem hoje como aspecto da educação para jovens e adultos é um ensino com pouca
referência ao amplo leque de atividades abrangidas pela definição de educação estabelecida:
Observa-se também que a EJA, ainda é analisada sobre o prisma de resultados econômicos e
políticos, reproduzindo a marginalização dos objetivos de alfabetização de jovens e adultos,
106
que são fundamentais para se alcançar a emancipação humana. Isso resulta numa auto
exclusão social, como constata Pontes & Clark (2016): em muitos momentos esses sujeitos
não se reconhecem como possuidores de saberes válidos e, não raro, desconfiam da própria
capacidade de aprender, sequelas deixadas pelos tumultuados processos de escolarização aos
quais foram submetidos.
Assim posto, defendemos uma Educação Ambiental que trate das questões culturais locais,
valorize as narrativas produzidas pelos sujeitos, visto que elas potencializam a geração de
novos conhecimentos para o desenvolvimento de atitudes críticas e criativas, frente ao
conhecimento acumulado e frente à realidade socioeconômica, cultural e ambiental do mundo
contemporâneo.
Como em qualquer diálogo estabelecido, cremos que as relações dadas no âmbito escolar
afetam os sujeitos participantes, de tal forma que todos passam a exalar resíduos de tal
contato, numa lógica que seus saberesfazeres ambientais atravessam as redes cotidianas da
escola em estudo, fortalecendo uma cultura de troca de experiências. Portanto, correríamos o
risco de agirmos como demagogos, caso acreditássemos que apenas um dos sujeitos
envolvidos teria sua subjetividade reformulada.
108
Observamos que nas narrativas de professores (as), diretora, pedagogo, merendeira e alunos a
expressividade de um processo contínuo que instiga outras racionalidades comprometidas
com a ética, a coletividade, a afetividade, a solidariedade, as transformações sociais, a
diversidade e a outridade. Acreditamos que o diálogo, não necessariamente feito da maneira
mais democrática possível, afeta a relação dos sujeitos. Portanto, no cotidiano da escola, ao
longo do processo de pesquisa, o que observamos é que há uma disponibilização da fala do
outro, com o outro, que leva à compreensão do gesto do outro e as diferenças do outro. De
certa maneira, potencializa um processo educativo emancipatório, ou seja, uma educação que
fortalece a indignação e a rebeldia, voltada para o inconformismo. Assim, como lembra
Santos (1996):
Diante desse processo de aprendizagem que se tece nas redes cotidianas da escola, nos
lembramos do que disse Freire (2012, p. 25): “quem ensina aprende ao ensinar e quem
aprende ensina ao aprender”. E que, por fim, deflagra no aprendiz uma curiosidade crescente
que pode torná-lo mais e mais criativo. Como observamos na seguinte narrativa da diretora da
escola:
Depois que colocamos as calhas para captação de água da chuva, eles mesmos
deram a ideia de canalizar a água do bebedouro pra usar na horta e até mesmo na
limpeza do chão do refeitório. Estamos pensando agora numa forma de fazer porque
tem a questão da gravidade né, e o bebedouro fica praticamente no mesmo nível do
pátio e do refeitório (Adriana- Diretora da EEEFM Antonio dos Santos Neves).
O professor, eu acho que a gente devia apresentar esses vídeos que o senhor trouxe
na semana que vem. É que o Reginaldo (pedagogo do turno) pediu pra gente
preparar alguma coisa pra apresentar na gincana de quarta-feira. (Rogério-aluno da
EJA e morador da Comunidade)
Eu acho que a gente devia apresentar uns vídeos, fotos e falar pros alunos a
importância da preservação da água. (Rogério - aluno da EJA e morador da
comunidade ribeirinha sobre a gincana de comemoração dos 40 anos da escola).
Dessa forma, o saber obtido da experiência com a sua pesca artesanal – ainda que alguns
tenham sua carteira de trabalho assinada, uma vez que as práticas de tecer as peneiras e os
jiquis, pintar à mão os barcos e consertar as malhadeiras e tarrafas debaixo da mangueira são
práticas cotidianas dos homens e de seus filhos e de suas esposas, sujeitos ribeirinhos, os
quais se orgulham ao contar as histórias sobre suas estratégias de sobrevivência. E com isso,
110
trazem à tona os aprendizados e saberes em relação aos seus modos de vida forjados na
experiência, na lida cotidiana com o rio, com a comunidade, com o outro, com o ambiente e
com o mundo.
Tais narrativas sinalizam para a uma lógica que tem seu pensamento ecológico como sentido
de natureza que envolve valores humanos e não aquela que se reduz ao aspecto científico
apenas. Nesse pensamento, tem-se a visão de que a retirada dos peixes oferece risco de
extinção da espécie, de que a “natureza é bela”. Tal entendimento,), a meu ver, aproxima-se
da existência de uma razão sensível como parte da natureza humana, suas consequências
sociais e impactos ambientais como sugere Tristão (2013).
Importante, aqui, destacar que é consensual que as narrativas não são um mero amontoado de
fatos. Elas discorrem numa sequência temporal e apresentam aquilo que se considera “ponto”
contável. Esse ponto pode ser entendido como o motivo pelo qual a história é contada, ou
seja, o ponto constitui a mensagem da história. Nos relatos acima, pode significar uma forma
de resistência frente à visão mercantilista e individualista da manipulação dos recursos
naturais, já que compreendem que, a partir do momento em que os filhotes de peixes são
retirados do rio para se desenvolverem em represas particulares, o uso de tal recurso natural,
fica limitado a algumas poucas pessoas.
Nesse caso, fica perceptível a função social da narrativa, apropriada pelos alunos em questão,
quando são destacados os relatos de uma situação irregular sobre a utilização do bem natural.
Ao ter contato com o pesquisador, essa narrativa surge naturalmente, como forma de
111
denunciar uma situação ocorrida, como forma de externar o pensamento ecológico correto,
em face ao momento em que é possível a compreensão do interlocutor, sensível à
problemática vivenciada na comunidade.
Podemos perceber que as narrativas surgem, nesse caso, para dar voz ativa, cumprindo uma
função de denuncia ambiental. Nesse sentido, a narrativa aparece como forma de dar
visibilidade à uma situação, que provavelmente, faz parte da vida cotidiana dessas
comunidades frente às situações de silenciamentos vivenciadas. Assim, dialogando com Hart
(2009), a narrativa pode até mesmo nos permitir ver o que não conseguimos ver nos espaços
cotidianos dominados por imagens culturais que se tornaram invisíveis na sua qualidade
ordinária de senso comum. Tem poder também, afirma o autor, mascarar/marginalizar o que
não se encaixa nas normas preconcebidas.
Ahhh, meu filho... depois que os professores viram o tanto de água que a gente
gastava só pra lavar os copos que eles usavam pra beber água, rapidinho a diretora
comprou uns copos e deixou eles bonitinho, com o nome de cada professor. Aí eles
mesmos compraram suas garrafinhas e pronto. Tá economizando muita água
(merendeira da escola).
Tal narrativa, produzida a partir da situação em que elas foram envolvidas em um breve
levantamento que fiz (uma semana de análise) sobre o gasto de água para lavar apenas copos
usados para beber água, denota afetamentos, já que as relações são dadas, são caracterizadas,
segundo Paul Hart (2009), como experiências relacionais no âmbito educacional, e que podem
lidar ativamente com processos de transformação. Podem até mesmo ser vistas como uma
forma de alcançar mudanças sociais e culturais na realidade fundamental.
Diante disso, entendemos que a Educação Ambiental se dá nas interlocuções das relações,
pois são nos retoques das subjetividades dos envolvidos neste emaranhado, pois
desinvisibilizam outras racionalidades diante das complexas relações tecidas no cotidiano, de
modo que elas possam apresentar-se com os passos fenomenológicos voltados para “[...] uma
prática transformadora, comprometida com a formação de cidadãos críticos e corresponsáveis
por um desenvolvimento que respeite as mais diferentes formas de vida” (TRISTÃO, 2005, p.
169). Vale recordar que foi por meio das experiências com filhos e filhas de trabalhadores
rurais e urbanos, a convivência com suas dificuldades e possibilidades de vida, as conversas
que teve com pescadores e pais de família, que abriu os horizontes de Freire para as
desigualdades sociais e de como a sociedade está estruturada a partir de uma contradição entre
opressores e oprimidos.
Por acreditarmos que os sujeitos se afetam quando instauram um diálogo, nos lembramos do
que disse Larrosa (2011), acerca das características da experiência do amor. Segundo ele uma
pessoa que se apaixona três vezes não faz três vezes a mesma experiência, o que seria o
inferno da repetição. Assim como também, conclui o autor que toda nova experiência “deixa
um vestígio, uma marca, um rastro, uma ferida”. Como observamos na fala do pedagogo da
escola: “semana que vêm, vai ter a comemoração dos 40 anos da escola. Vamos aproveitar e,
na Gincana, ter como uma das provas a análise da melhor foto de meio ambiente. Eles
gostam de apresentar alguma coisa”.
Dialogando com Freire (2011), cremos que a questão da identidade cultural não pode ser
desprezada. Por ela está relacionada com a assunção do indivíduo por ele mesmo e se dá,
através do conflito entre forças que obstaculizam essa busca de si e as que favorecem essa
assunção. Para que seja possível se criar um campo de possibilidades para o desenvolvimento
físico, comportamental, psíquico, social e espiritual.
113
Ainda dialogando com Freire (2011), cremos que a inconclusão é própria da experiência vital.
Na verdade é força motriz da trans-formação. Quanto mais cultural o ser, maior o suporte ou
espaço ao qual o ser se prende “afetivamente” em seu desenvolvimento. O suporte vai se
ampliando, vira mundo e a vida, existência na medida em que ele se torna consciente,
apreendedor, transformador, criador de beleza e não de “espaço” vazio a ser preenchido por
conteúdos.
Sendo assim, cabe-nos, portanto, potencializar, nos espaços de convivência, valores humanos
de sensibilidade, ética e conviviabilidade, que, muitas vezes, são deslegitimados por uma
racionalidade linear ainda predominante no cotidiano escolar, uma racionalidade que não
considera importante a relação complexa entre razão e emoção, como vemos na seguinte
narrativa:
Portanto, entendemos que narrativas como a citada acima, têm potencial de fomentação de
compreensão de processos de apropriação e consolidação das aprendizagens, diga-se de
passagem, mais que necessários, pois, buscar entender como os estudantes são atravessados
por conhecimentos diversos, e como potencializam esses conhecimentos na escola, pode
contribuir para a tessitura de outras relações na exploração dos processos investigados pela
EA ambiental no espaço escolar. Não apenas no que toca a valorização dos conhecimentos
prévios do aluno em relação à Educação Ambiental, mas em compreender como isso pode ser
um importante disparador e fomentador do debate no que toca a sensibilização e mudança de
comportamento ambiental dos diversos atores do espaço escolar. Acredito que reside aí a
importância dessa problemática.
Cada participante da teia de relações no cotidiano escolar tem sua subjetividade afetada uma
vez que cada ser humano tem, a partir de sua relação com o meio ambiente, principalmente
diante da diversidade que se expressa na alteridade, suas interpretações e assimilações. E por
se tratar de uma tessitura complexa, a narrativa, “[...] usa o conhecimento relatado na tentativa
de dar significado aos modos pelos quais os seres humanos compreendem o mundo e
comunicam essa compreensão para os outros” (HART, 2005, p. 16).
...esse trabalho da professora de inglês foi bom porque faz a gente ver o quanto água
é importante, né?! Você saber que ela pode fortalecer os laços de amizade, né, entre
povos, ou até mesmo briga, né. Como naquela novela que tá passando agora. Mesmo
que é de mentira, né, mas acontece na vida real (Eliana- estudante da 8 série EJA).
Se eu pudesse tirar uma foto pra colocar nessa teia, com certeza seria da caixa
d‟água da escola que tá no pátio. É muito bonito saber que a diretora tá preocupada
com o uso, né, inadequado desse bem precioso. (Rogério-aluno da EJA e morador da
comunidade ribeirinha)
Nessas narrativas se percebe uma pitada de preocupação em deixar sua marca, seja no
trabalho, ou na apresentação da temática. Mas, notadamente, o se tem, com grande força, é
uma visão conectora de saberes e fazeres socioculturais dos sujeitos da pesquisa. Tanto que
todo o processo acontece mediante o novo, a incerteza, a criatividade de cada indivíduo
(professoras-alunos-pesquisador), com seu modo peculiar, receptivo e lúdico, contribuindo
para o fazer-sentir-compartilhar a Educação Ambiental nos diversos espaços de convivência.
Com a intensificação do agronegócio, tão belamente divulgado pelas mídias, o que se tem é
uma desvalorização, no sentido de enfraquecimento, das culturas periféricas, ou seja, aquelas
que não estão no centro do debate como alternativa para uma melhoria das condições de vida
das pessoas. Culmina assim, na transformação, a partir da transnacionalização da produção de
bens e de serviços e dos mercados financeiros, que Santos (1997) denominou como - um
processo através do qual as empresas multinacionais ascenderam a uma preeminência sem
precedentes como actores internacionais.
Concordamos com Santos (2002) acerca das atividades cosmopolitas, aquelas que afetam os
sujeitos de maneira acabam reelaborando e fortalecendo sua identidade cultural e étnica em
um território próprio, em face de um processo crescente e acelerado de expansão do capital.
Segundo o autor, tais atividades incluem, entre outros diálogos, a problematização de:
Diante de real potência não podemos esquecer que essas atividades fazem frente a
racionalidades que buscam o enfraquecimento e a perda de saberes e fazeres, e o
apoderamento do que interessa aos grupos hegemônicos, que têm como objetivo a
homogeneização mundial. Tanto que recorrem a formas de naturalização de dicotomias como
sociedade-natureza; homem-mulher; sujeito-objeto; evoluído-primitivo. Essa racionalidade
converge suas energias para a apropriação do conhecimento do camponês e o transforma em
cliente consumidor do seu próprio conhecimento. Com essa nova racionalidade o sujeito
perde a capacidade de compreensão de que a natureza é parte constituinte do humano e está
presente no seu existir.
116
Mesmo que as culturas tendem a considerar os seus valores máximos como os mais
abrangentes, apenas a cultura ocidental tende a formulá-los como universais. O reflexo de
mecanismos invisíveis de homegeneização cultural fica evidente quando ouvimos dos alunos
ribeirinhos da EJA o seguinte relato, quando perguntamos o que eles acham da comunidade
Patrimônio do Bis: “Ah, é muito bom... Lá é muito tranquilo. O que falta pra ficar melhor é
serviço. Acaba sobrando pra gente (jovens) é serviço de roça. Aí a gente tem que vir
trabalhar na rua. Mesmo que é pertinho, né”.
E somando a essa problemática temos as políticas públicas brasileiras educacionais que são
pautadas, na maioria das vezes, em bases metodológicas universalistas, que frequentemente
não consideram as especificidades do território e do público a ser atendido nos diversos
âmbitos escolares. Esse aspecto gera o insucesso de grande parte das políticas implementadas
nas diferentes comunidades escolares, dentre elas, as comunidades remanescentes de
ribeirinhos. Como vemos nas narrativas produzidas durante o grupo focal:
As aulas deviam ser todas assim. Não dá sono. A gente trabalha o dia todo, aí vem
pra cá e ficar só sentado, é complicado. Se não tiver força de vontade, num vai não
(Eliana - aluna da EJA).
Acho que a escola tinha que fazer mais palestras, sabe. Pra conscientizar todos os
alunos sobre a questão da água (Sueli: aluna da EJA)
Eu acho que tinha que tirar, pelo menos uns 10 minutos das aulas de dois professor
pra discutir essas questões aí (Rogério-morador do Bis e aluno da comunidade)
Assim, acreditamos que ainda há enraizada uma espécie de prática educativa, que ainda se
nutre no paradigma mecanicista e antropocêntrico e possibilita uma disjunção do saber,
tornando-o fragmentário, excludente e reduzido diante de uma imensa rede de relações
complexas presentes em nosso cotidiano, como observamos na narrativa, já aqui citada, do
professor de Geografia em transmitir conhecimentos que dizem respeito, apenas à sua
disciplina, desconsiderando debates que surgem no decorrer da aula.
117
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As experiências de vida narradas e registradas produziram narrativas que sinalizam muita dor
e violência contra a humanidade das pessoas da comunidade ribeirinha Patrimônio do Bis,
constituída de muita esperança e luta consciente para superar as dificuldades para a
construção de sua alteridade em uma sociedade que, desde o período colonial, lhes negou
direitos fundamentais, não só fundamentais mas humanos no reconhecimento desses sujeitos
dotados de saberes válidos. Isso fica evidenciado na narrativa abaixo, quando perguntei qual
obra realizada pela prefeitura, na comunidade, que eles acharam importante?
119
Pra mim foi a construção da barragem né. Vai água pra Boa Esperança, até pra
Pinheiros O único defeito aí na represa, foi a falta de comporta né. Numa época
dessa aqui (período de chuva), era só abrir, pra não acumular areia. Deixar embora.
Porque tá ficando raso. Sé tivessem perguntado pra gente, com certeza não teria
feiro sem comporta (Carlão – Morador e presidente da associação dos moradores).
Apesar das barreiras construídas por práticas contaminadas pelo capitalismo, as pessoas da
comunidade souberam, na re-construção de suas táticas de sobrevivência frente ao sistema de
dominação responder de forma criativa à situação desumana, marginalizadora e exploradora a
que foram submetidos. A força de seus saberesfazeres está sempre presente, fortalecendo a
esperança e indicando o caminho a ser trilhado através de estratégias e opções tomadas, às
vezes de forma isolada. Entretanto, algumas decisões são de âmbito coletivo, elemento que
possibilitou a sobrevivência da cultura da comunidade ribeirinha até o momento presente.
Reconhecemos que estudar esses processos identitários, a partir das produções das narrativas
em suas práticas socioambientais, torna-se indissociáveis as relações comunidade-escola e se
reveste de um enorme potencial para qualquer processo de aprendizagem. Entendemos que a
Educação Ambiental nos saberesfazeres socioecológicos dos ribeirinhos perpassam, circulam
ou transcendem do interior da escola.
Sendo assim, não penso aqui em concluir, mas em buscar alimentar caminhos novos em busca
de saberesfazeres socioambientais que potencializem a prática da Educação Ambiental pelos
espaços de convivência, uma prática capaz de envolver escola-comunidade-escola. É preciso
que tal entrelaçamento entre a Educação Ambiental e a EJA seja mediado por um novo
paradigma que se abre, e que as incertezas interlocutoras da democracia, da afetividade, da
criatividade e da amorosidade teçam a sinergia dessa proposta de educação.
Afinal, andar por caminhos norteados por respeito às experiências socioculturais nos fazem
pensar, sentir, compartilhar a ética capaz de ressignificar o cuidado de si, do outro e do
120
mundo. Sendo assim, é nessa travessia que a educação ambiental possibilitará abertura,
disponibilidade e receptividade, para mediar movimentos transdisciplinares que atravessem e
circulam no ambiente escolar numa perspectiva emancipatória.
121
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UNESCO. Confintea VI. Marco de Ação de Belém. Brasília: UNESCO, MEC, 2010.
ANEXOS
131
De sigilo;
De confidencialidade;
A liberdade para retirada do consentimento em qualquer fase da pesquisa;
De que o TCLE será redigido em duas vias, que serão assinadas e rubricadas em todas
as páginas por ele e pelo pesquisador, sendo que uma delas será entregue ao
participante;
De ressarcimento das despesas com a participação da pesquisa;
De indenização em caso de eventual dano decorrente da pesquisa.
Consentimento pós-informação
Declaro que li esse documento, assumindo que entendi com clareza todas as informações aqui
registradas. Declaro que espontaneamente aceitei participar como voluntário na pesquisa, cooperando
com as informações solicitadas.
133
Assinatura Entrevistado________________________________________________________
De sigilo;
De confidencialidade;
A liberdade para retirada do consentimento em qualquer fase da pesquisa;
De que o TCLE será redigido em duas vias, que serão assinadas e rubricadas em todas
as páginas por ele e pelo pesquisador, sendo que uma delas será entregue ao
participante;
De ressarcimento das despesas com a participação da pesquisa;
De indenização em caso de eventual dano decorrente da pesquisa.
como o acompanhamento das aulas de professores da EEEFM Antonio dos Santos Neves.
Neste percurso, serão feitos registrados em fotos, áudios e vídeos.
O presente estudo não oferece riscos à integridade moral e/física da escola. Para evitar
qualquer constrangimento, você pode manifestar que não permite o uso do nome real da
instituição. A participação da instituição não requer qualquer tipo de despesa. Garantimos o
sigilo e privacidade de dados produzidos, a liberdade para retirada do consentimento em
qualquer fase da pesquisa, a indenização em caso de dano decorrente da pesquisa e
garantimos, também, que o termo será redigido, assinado e rubricado em todas as páginas em
duas vias por mim, o pesquisador e por você, diretora, o qual receberá uma via desse Termo
de Consentimento Livre Esclarecimento. Reitero que asseguramos que todas as informações
coletadas são sigilosas e serão utilizadas somente para esta pesquisa. A divulgação destas
informações será anônima e em conjunto com as respostas de um grupo de pessoas.
Consentimento pós-informação
Declaro que li esse documento, assumindo que entendi com clareza todas as informações aqui
registradas. Declaro que autorizei o uso da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Antonio
dos Santos Neves como local de produção de dados.
136
Assinatura Diretora________________________________________________________