4 Pele de Veludo - Jude Deveraux
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QUINTA ESSÊNCIA
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PELE
DE
VELUDO
Tradução
Luís Filipe Silva
Para a Mia
(a belíssima de Louisville)
com carinho
Prólogo
1501
Do alto da janela com pinázios da casa senhorial inglesa, que aberta deixava
entrar o calor do sol estival, Bronwyn MacArran observava o pátio.
Debruçou-se ligeiramente, à procura de um sopro mais fresco. De imediato,
um dos soldados em baixo lançou-lhe um sorriso sugestivo.
Ela retrocedeu rapidamente, agarrou a janela e fechou-a com força.
Virou-se furiosa.
– Ingleses sebentos! – praguejou a rapariga baixinho. Tinha a voz suave,
prenhe da urze e das névoas das Terras Altas.
Passos pesados aproximaram-se da porta. Ela prendeu a respiração,
soltando-a quando depois se afastaram. Era prisioneira, mantida na fronteira
mais setentrional de Inglaterra por homens que sempre odiara, homens que
agora lhe sorriam e piscavam os olhos como se adivinhassem os seus
pensamentos mais íntimos.
Aproximou-se de uma pequena mesa situada no meio da sala forrada a
carvalho. Agarrou a extremidade da madeira, sentindo a aresta aguçada
cortar-lhe a palma da mão. Tudo faria para evitar que aqueles homens
percebessem o seu estado de espírito. Os ingleses eram seus inimigos. Vira-
os matarem o pai e os três capitães. Vira o irmão praticamente enlouquecer,
frustrado com as tentativas fúteis de retribuir aos ingleses na mesma moeda.
E durante toda a sua vida dera de comer e vestir aos membros do clã depois
de os ingleses lhes terem destruído as colheitas e incendiado as casas.
Há um mês os ingleses tinham-na feito prisioneira. Bronwyn sorriu,
recordando a quantidade de golpes desferidos por si e pelos seus homens
nos soldados ingleses. Quatro deles acabariam por perecer.
Mas no fim capturaram-na, a mando do inglês Henrique VII. O homem
afirmava pretender a paz e que para tal designaria um inglês como chefe do
clã MacArran. E pensou consegui-lo se unisse um dos seus cavaleiros em
matrimónio com Bronwyn.
Ela sorriu ao pensar na arrogância do rei inglês. Era a chefe do clã
MacArran, e nenhum homem lhe sonegaria o poder. O estúpido do rei
acreditava que os homens dela receberiam ordens de um estrangeiro, um
inglês, e não do seu líder só porque se tratava de uma mulher. Coitado do
Henrique, não conhecia os escoceses!
Virou-se subitamente ao ouvir o rosnido de Rab. Era um galgo irlandês, o
maior cão do mundo, esguio, forte, pelo como aço macio. Oferecido pelo
pai dela há quatro anos, quando Jamie regressara de uma viagem à Irlanda.
Jamie pensara treinar o cão como protetor da filha, mas não fora preciso.
Rab e Bronwyn cuidaram um do outro imediatamente, e Rab várias vezes
demonstrara que daria a vida pela adorada dona.
Os músculos de Bronwyn relaxaram quando o rosnido de Rab finalmente
parou – só um amigo causaria tal reação. Ela levantou a cabeça com
expectativa.
Tratava-se de Morag. Era uma velhota pequena e contorcida, mais
semelhante a um nó de madeira do que a um ser humano. Tinha olhos como
vidro negro, faiscantes, penetrantes, que viam além da superfície da pessoa.
Tirava partido da sua figura pequena e ágil, surgindo sem ser notada,
sempre com olhos e ouvidos bem abertos.
Morag atravessou silenciosamente o quarto, e abriu a janela.
– Então? – perguntou Bronwyn com impaciência.
– Vi-te fechar a janela com raiva. Os homens riram-se e disseram que, se
ele não aparecer, darão eles conta da noite de núpcias.
Bronwyn virou as costas à velha.
– Dás-lhes muitos motivos para falarem. Devias manter a cabeça erguida
e ignorá-los. Não passam de ingleses, e tu és uma MacArran.
Bronwyn voltou-se para trás.
– Não preciso que me digam como agir – retorquiu. Rab, ciente da
perturbação da dona, aproximou-se das suas pernas. Ela enterrou os dedos
no pelo do animal.
Morag sorriu-lhe, vendo a rapariga ocupar o lugar junto à janela. Ela fora
entregue aos seus cuidados ainda mal tinha nascido. Morag embalara a bebé
enquanto via a mãe morrer. Depois procurara uma ama-de-leite para a
criança, dera-lhe o nome da avó galesa e cuidara dela até aos seis anos de
idade, quando o pai a reclamou para si.
Morag encarava a sua protegida com orgulho. Tinha agora quase vinte
anos. Bronwyn era alta, mais alta do que muitos homens, reta e flexível
como um junco. Não tapava o cabelo como as inglesas, mas deixava-o
flutuar costas abaixo numa cascata requintada. Tinha cor negra como os
corvos, era grosso e pesado – e o pescoço delgado suportava
espantosamente o peso. Usava um vestido de cetim à moda inglesa, de cor
creme como a das Terras Altas. O decote quadrado era curto e justo, dando
destaque aos seios firmes e jovens de Bronwyn. Encaixava-se como a
própria pele na cintura da rapariga, antes de se abrir em folhos múltiplos. O
bordado entrelaçado com delicados fios de ouro acompanhava o decote e a
cintura, e caía numa cascata complexa ao longo da saia.
– Passei no exame? – perguntou Bronwyn rispidamente, ainda irritada
pela discussão sobre a vestimenta inglesa. Preferia as roupas das Terras
Altas, mas Morag convencera-a a usar o traje inglês, com a justificação de
que o inimigo teria menos motivos para se rir dela se não a visse nas
supostas «vestes bárbaras».
Morag riu-se entredentes numa voz seca.
– É uma pena que esta noite nenhum homem te arranque o vestido.
– Um inglês! – sibilou Bronwyn. – Já te esqueceste? O sangue vermelho
do meu pai desapareceu da tua vista?
– Sabes bem que não – disse Morag calmamente.
Bronwyn sentou-se pesadamente no assento da janela, o vestido de cetim
a flutuar à sua volta. Passou o dedo pelo grosso bordado. O vestido fora
dispendioso, gastara dinheiro que teria sido melhor aplicado no clã. Mas
não queria passar vergonhas perante o inglês, e assim adquiriu o traje
próprio de uma rainha.
Teria sido o seu vestido de casamento.
Puxou violentamente um fio dourado.
– Calma! – ordenou Morag. – Não estragues a roupa por estares zangada
com um inglês. O homem deve ter uma boa razão para chegar atrasado à
sua própria boda.
Bronwyn levantou-se rapidamente, e Rab aproximou-se dela num gesto
de proteção.
– Se ele nunca aparecer, que me importa a mim? Espero que lhe tenham
cortado o pescoço e esteja a apodrecer numa vala qualquer.
Morag encolheu os ombros.
– Depois escolhem-te um novo marido, por isso que ganhas tu com a
morte deste? Quanto mais depressa tiveres um marido inglês, mais depressa
voltaremos para as Terras Altas.
– Para ti é fácil falar! – retorquiu Bronwyn. – Não és tu quem terás de
casar com ele e… e…
Os olhinhos negros de Morag dançaram.
– E ir com ele para a cama? É isso te que preocupa? Quem me dera poder
trocar contigo. Achas que o Stephen Montgomery perceberia se fosse eu a
entrar na cama dele?
– O que sei eu do Stephen Montgomery exceto que não me tem respeito,
deixando-me à espera vestida de noiva? Dizes que os homens gozam
comigo. O homem que será o meu esposo expôs-me ao ridículo – encarou a
porta com a vista semicerrada. – Se entrasse neste momento por ali,
enfiava-lhe uma faca sem pensar duas vezes.
Morag sorriu. Jamie MacArran teria ficado orgulhoso da filha. Mesmo
prisioneira, não perdera nem o orgulho nem o ânimo. Mantinha-se de
queixo erguido, olhos faiscantes como adagas de gelo azul-cristalino.
Bronwyn era espantosamente linda. De cabelo negro como as noites
despojadas de lua nas montanhas escocesas, olhos azuis profundos como a
água de um lago banhado pelo sol. O contraste era impressionante. Era
frequente quem a visse pela primeira vez, e em particular se fosse homem,
perder a fala. Pestanas espessas e escuras, pele fina e clara. Lábios carmins
traçados sobre o queixo do pai, forte, quadrado na ponta, com uma ligeira
covinha.
– Vão pensar que és cobarde se continuares a esconder-te no quarto. Que
escocês tem medo das parvoíces ditas pelos ingleses?
Bronwyn endireitou as costas e fitou o vestido de cor creme. Vestira-o
pela manhã julgando que nele se desposaria. Mas a hora da cerimónia
passara, e o noivo não se dignara a aparecer nem enviara um pedido de
desculpas ou uma justificação.
– Ajuda-me a desatar esta coisa – pediu Bronwyn. O vestido teria de se
manter intacto até se casar. Se não hoje, noutro dia. E talvez com outro
homem. O pensamento trouxe-lhe um sorriso.
– O que vai nessa tua cabeça? – perguntou Morag, com as mãos nas
costas do vestido de Bronwyn. – Traquinices, sem dúvida.
– Só fazes perguntas. Vai-me buscar aquele vestido de brocado verde. Os
ingleses podem pensar que fiquei destroçada pela rejeição no altar, mas já
vão ver que as escocesas são feitas de material mais duro.
Embora fosse prisioneira, e há mais de um mês, Bronwyn estava
autorizada a passear pelo domínio de Sir Thomas Crichton. Podia andar
pela casa e, se acompanhada, nos terrenos circundantes. A propriedade era
fortemente guardada e nunca livre de vigilância. O rei Henrique informara o
clã de Bronwyn que, caso tentassem salvá-la, a executaria. Ninguém lhe
faria mal; mas tencionava colocar um inglês como chefe. O clã
recentemente sofrera a morte de Jamie MacArran, bem como dos seus três
capitães. Obrigados a recuar, os escoceses viram a nova senhora ser
capturada, e planeavam agora como iriam reagir quando os homens do rei
ousassem dar-lhes ordens.
Bronwyn desceu lentamente pelas escadas até ao salão. Sabia que os
homens do clã aguardavam pacientemente no perímetro do terreno,
escondidos pela floresta, na fronteira constantemente turbulenta entre a
Inglaterra e a Escócia.
Por si, ela preferia morrer a aceitar o cão inglês que tinha de desposar,
mas a morte despertaria conflitos dentro do clã. Jamie MacArran designara
a filha como sucessora, e ela devia ter casado com um dos capitães que
pereceram ao lado do pai. Se Bronwyn morresse sem sucessão, certamente
ocorreria uma batalha sangrenta para determinar o novo senhor.
– Sempre desconfiei que os Montgomerys fossem espertos – riu-se um
homem a poucos metros de Bronwyn. Uma tapeçaria volumosa escondia-a
da sua vista. – Veja só a forma como o mais velho casou com a herdeira do
Revedoune. Mal pôs o pé fora do leito conjugal, mataram o pai dela e ele
herdou o condado.
– E agora Stephen segue as pegadas do irmão. Não só é linda, esta
Bronwyn, como é dona de hectares e hectares de terra.
– Digam o que disserem – indicou um terceiro. A manga vazia indicava a
falta de um braço. – Não invejo o Stephen. A mulher é magnífica, mas
durante quanto tempo conseguirá apreciá-la? Perdi este a lutar contra os
demónios escoceses. São meio humanos, vão por mim. Só aprendem a
roubar e pilhar. E lutam como animais, mais do que como homens. Gente
bruta e selvagem.
– E ouvi dizer que as mulheres cheiram a porco – disse o primeiro.
– Mas por aquela Bronwyn de cabelo negro, até prendia a respiração.
Bronwyn deu um passo em frente, com um esgar feroz nos lábios.
Quando uma mão lhe agarrou o braço, ela levantou a cara. Encontrou o
rosto de um jovem. Bonito, com olhos negros e uma boca firme. A vista
estava ao nível da sua.
– Permiti-me, minha senhora – disse ele, calmamente.
Ele abordou os homens. Usava meias-calças justas nas pernas fortes, o
casaco de veludo dando ênfase à amplidão dos ombros.
– Não têm nada melhor para fazer, do que coscuvilharem como velhas?
Falam daquilo que desconhecem. – O tom de voz era dominador.
Os três homens sobressaltaram-se.
– Ora, Roger, qual é o problema? – perguntou um deles, antes de
encontrar Bronwyn a espreitar por cima do ombro de Roger, a qual
dardejava olhares de pura fúria.
– Acho que o Stephen devia despachar-se e proteger os seus bens – riu-se
um dos outros homens.
– Desapareçam! – ordenou Roger. – Ou preferem que desembainhe a
espada para me darem ouvidos?
– Livrem-me do fervor da juventude – disse um homem, fatigado. – Vai
ter com ela. Venham, está mais fresco no exterior. As paixões expandem-se
melhor fora de casa.
Após a saída dos homens, Roger virou-se para Bronwyn.
– Aceitais as minhas desculpas pelos meus conterrâneos? São rudes
porque são ignorantes. Não fazem por mal.
Bronwyn fitou-o.
– Parece-me que o ignorante sois vós. Fazem por mal, e muito, ou julgais
que matar escoceses não seja pecado?
– Protesto! Estais a ser injusta. Matei alguns homens na minha vida,
nenhum deles escocês. – Fez uma pausa. – Permitis que me apresente? Sou
o Roger Chatworth. – Retirou a boina de veludo da cabeça e fez uma vénia
pronunciada.
– E eu, meu senhor, sou Bronwyn MacArran, prisioneira dos ingleses e,
recentemente, noiva descartada.
– Lady Bronwyn, acompanhais-me num passeio pelo jardim? Talvez o
Sol afaste parte do desgosto que o miserável Stephen vos causou.
Ela virou-se e começou a andar ao seu lado. Assim os guardas não lhe
lançariam dizeres grosseiros. Encontrando-se no exterior, ela voltou a falar.
– Referis o nome do Montgomery como se o conhecêsseis.
– Ainda não o haveis conhecido?
Bronwyn virou-se para ele.
– E desde quando o vosso rei inglês me concedeu a mínima cortesia? Tive
a consideração do meu pai, a ponto de me nomear senhora do clã
MacArran, mas o vosso rei julga que não sou sequer capaz de escolher
marido. Não, não conheço esse Stephen Montgomery nem sei nada acerca
dele. Um dia soube que casaria com ele. Mas da parte dele não houve
qualquer reconhecimento da minha existência.
Roger ergueu uma sobrancelha elegante. Aquela hostilidade fazia a vista
dele reluzir como diamantezinhos azuis.
– Estou certo de que terá um motivo para o atraso.
– Talvez com a desculpa de que pretende demonstrar a sua autoridade
sobre todos os escoceses. Mostrar-nos quem manda aqui.
Roger ficou calado por instantes como se ponderasse as palavras dela.
– Há quem considere os Montgomerys arrogantes.
– Dizeis ter conhecido Stephen Montgomery. Como é ele? Ignoro se é
baixo ou alto, velho ou novo.
Roger encolheu os ombros, como se alheado do tema.
– É um homem vulgar – parecia relutante em dar pormenores. – Lady
Bronwyn, amanhã dais-me a honra de passear comigo pelo parque a
cavalo? Existe um ribeiro que passa pelas terras de Sir Thomas e talvez
pudéssemos levar comida.
– Não temeis que atentem contra a vossa vida? Não estou autorizada a
sair deste lugar há mais de um mês.
Ele sorriu-lhe.
– Gostaria que soubésseis que há ingleses com boas maneiras e que,
como haveis dito, não se descartariam da mulher no dia da boda.
Bronwyn ficou hirta, ao recordar a humilhação que Stephen Montgomery
lhe causara.
– Gostaria muito de acompanhar-vos.
Roger Chatworth sorriu e cumprimentou um homem que passava por eles
no caminho estreito do jardim. Raciocinava a grande velocidade.
Três horas depois Roger regressava aos seus aposentos na ala leste da
casa de Sir Thomas Crichton. Chegara há duas semanas para convencer Sir
Thomas a recrutar jovens da região. Sir Thomas andava demasiado ocupado
com os problemas da herdeira escocesa para se preocupar com outros
assuntos. Agora Roger começara a pensar que a sua vinda fora obra do
destino.
Pontapeou o banco em que o pajem adormecido repousava os pés.
– Tenho tarefas para ti – ordenou, retirando o casaco de veludo e
depositando-o na cama. – Anda por aqui um velho escocês chamado Angus.
Encontra-o e trá-lo até mim. De certeza rondará um local que sirva bebidas
noite e dia. E traz-me também meio tonel de cerveja. Compreendido?
– Sim, meu senhor – respondeu o rapaz, saindo de costas pela porta ainda
a esfregar os olhos sonolentos.
Quando Angus apareceu à entrada, vinha já semiembriagado. Trabalhava
para Sir Thomas com uma função qualquer, embora pouco mais fizesse que
beber. Tinha o cabelo sujo e emaranhado, caído abaixo dos ombros à moda
dos escoceses. Usava uma camisa comprida de linho, atada à cintura, com
pernas e joelhos à mostra.
Roger lançou um relance ao homem e à vestimenta suja com ar de
repulsa.
– Chamou-me, meu senhor? – disse Angus, com a voz entaramelada. O
olhar viajou para o pequeno barril de cerveja que o pajem de Roger trazia
para a sala.
Chatworth despachou o rapaz, encheu o copo de cerveja, sentou-se e
indicou a Angus que o imitasse. Sentado o homem imundo, Roger
começou.
– Gostava que me falasses da Escócia.
Angus levantou as sobrancelhas hirsutas.
– Quer saber onde há ouro? Somos uma terra pobre, meu senhor, e…
– Basta de sermões! Usa as tuas mentiras noutro. Quero que me digas
aquilo que deve saber o homem que pretenda casar com a chefe de um clã.
Angus fitou-o com ar duro durante instantes, tapando então a boca com a
caneca de cerveja.
– Então, um epónimo? – murmurou em gaélico. – As gentes do clã não
aceitam facilmente estranhos.
Roger atravessou a sala com uma passada longa e arrancou a caneca das
mãos do homem.
– Não quero sentenças. Responde-me à pergunta que fiz, ou atiro-te pelas
escadas a pontapés.
Angus fitou a caneca fria com um olhar desesperado.
– Tem de se tornar um MacArran – olhou para Roger. – Imagino que se
refira a esse clã.
Roger anuiu brevemente.
– Tem de acolher o nome de senhor do clã, para que os homens o aceitem.
E vestir-se à maneira escocesa, senão riem-se de si. Tem de amar a terra e
os escoceses.
Roger afastou a cerveja.
– E a mulher? O que tenho de fazer para a possuir?
– A Bronwyn só se interessa pela sua gente. Matar-se-ia antes de casar
com um inglês, mas sabe que a morte dela causaria um conflito dentro do
clã. Se mostrar àquela mulher que as suas intenções com o povo dela são
boas, será sua.
Roger entregou a cerveja ao homem.
– Quero saber mais. O que é um clã? Porque se tornou uma mulher líder?
Quem são os inimigos do clã MacArran?
– Falar dá sede.
– Terás toda a bebida que conseguires beber, desde que me digas o que
quero saber.
Stephen cavalgara o dia inteiro sem sequer abrandar, e era noite cerrada
quando alcançou a casa de Sir Thomas na fronteira. Stephen há muito
deixara as carruagens e os criados para trás. Apenas a sua guarda pessoal
conseguira acompanhá-lo. Poucas horas antes tinham-se deparado com uma
tempestade e com um rio quase a galgar as margens. Stephen teve de
arrastar-se pelo lodo. Agora, ao entrarem no pátio, quer ele quer os seus
homens vinham cobertos com uma camada de lama. Um ramo golpeara
Stephen sobre o olho e o sangue secara entretanto, atribuindo-lhe uma
aparência grotesca.
Desmontou com destreza e atirou as rédeas ao pajem exausto. A casa
senhorial encontrava-se iluminada por uma miríade de velas e ouvia-se
música pelo ar.
Stephen permaneceu parado à porta, dando tempo à vista para se adequar
à luz.
– Stephen! – exclamou Sir Thomas, aproximando-se com andar manco. –
Estávamos preocupados convosco! Preparava-me para mandar homens à
vossa procura quando raiasse a manhã.
Apareceu um homem atrás do cavaleiro idoso e atacado pela gota.
– Então é este o noivo extraviado – sorriu o homem, mirando Stephen de
cima a baixo, reparando na roupa imunda e rasgada. – Nem todos nós
ficámos preocupados, Sir Thomas.
– Certo – riu-se outra pessoa. – O jovem Chatworth aproveitou bem a
ausência do noivo tardio.
Sir Thomas assentou a mão no ombro de Stephen e orientou-o para uma
sala ao lado do corredor.
– Vinde, rapaz. Temos de falar.
Era uma sala extensa, coberta de painéis de carvalho cinzelados num
padrão rendilhado. Uma fileira de livros encostava-se à parede assente
numa mesa comprida em forma de cavalete. A completarem o conteúdo
espartano, quatro cadeiras ladeavam uma lareira enorme, na qual chamas
mansas dançavam com alegria.
– Que comentário foi aquele sobre o Chatworth? – perguntou Stephen de
imediato.
– Primeiro, sentai-vos. Estais exausto. Quereis comida? Ou vinho?
Stephen afastou uma almofada de uma cadeira feita em nogueira e, grato,
sentou-se. Aceitou o vinho oferecido por Sir Thomas.
– Peço perdão pelo meu atraso. A minha cunhada deu uma queda e
perdeu o bebé. Ia morrendo. Lamento, mas não reparei na data e só me
apercebi de que já estava atrasado ao fim de três dias. Vim o mais depressa
que pude – tirou um pedaço de lama seca do pescoço e lançou-o à lareira.
Sir Thomas anuiu.
– Isso é evidente pelo vosso aspeto. Se não me tivessem informado da
vossa chegada, ostentando o estandarte com os leopardos dos
Montgomerys, não vos teria reconhecido. O corte por cima do vosso olho é
tão mau quanto parece?
Stephen apalpou a zona com ar absorto.
– É essencialmente sangue seco. Cavalguei tão depressa que não escorreu
pela cara – brincou.
Sir Thomas riu-se e sentou-se.
– É bom ver-vos. Como se encontram os vossos irmãos?
– O Gavin casou-se com a filha do Robert Revedoune.
– O Revedoune? Um casamento com dinheiro à mistura.
Stephen sorriu e pensou que Gavin pouco se importava com o dinheiro da
esposa.
– O Raine não se cala com as suas ideias parvas sobre o modo como
tratamos os servos.
– E o Miles?
Stephen acabou o vinho no copo.
– O Miles presenteou-nos com mais um dos seus bastardos na semana
passada. Já são três, ou quatro, já nem sei. Se ele fosse um garanhão,
estaríamos ricos.
Sir Thomas riu-se e voltou a encher os dois cálices de metal.
Stephen fitou o homem mais velho, erguendo novamente o copo num
brinde. Sir Thomas fora amigo do pai, um tio honorário que trazia prendas
aos miúdos das inúmeras viagens e que participara no batismo de Stephen
há vinte e seis anos.
– Agora que concluímos as amenidades – disse Stephen lentamente –,
talvez me possais contar o que escondeis.
Sir Thomas riu-se, um som rotundo que vinha das profundezas da
garganta.
– Conheceis-me bem de mais. Não é nada, a bem dizer, um incómodo,
nada sério. O Chatworth tem passado imenso tempo na companhia da vossa
noiva, apenas isso.
Erguendo-se devagar, Stephen aproximou-se da lareira. Pedaços de lama
tombaram das suas roupas com o movimento. Sir Thomas não podia saber o
que significava o nome Chatworth para Stephen. Alice Valence fora amante
do seu irmão durante anos. Repetidas vezes Gavin a pedira em casamento, e
ela recusara, preferindo casar com o rico Edmund Chatworth. Mas, pouco
depois do matrimónio, Edmund fora assassinado e Alice reaparecera na
vida de Gavin. Era uma mulher traiçoeira, e enfiara-se na cama com Gavin
ainda bêbado e sonolento, de modo a que Judith os apanhasse. Na sua dor,
Judith caíra pelas escadas, perda o bebé e quase morrera.
Roger Chatworth era cunhado de Alice, e a mera menção daquele nome
fez Stephen ranger os dentes.
– Não pode ser só isso – disse Stephen por fim.
– A Bronwyn deu a entender ontem à noite que talvez preferisse ter o
Roger por marido do que alguém tão… descortês.
Stephen sorriu e regressou à cadeira.
– E como é que o Roger responde a isso?
– Favoravelmente, pelos vistos. Acompanha-a nas passeatas a cavalo pela
manhã, janta a seu lado, fica no jardim com ela.
Stephen emborcou o resto do vinho e começou a descontrair-se.
– É do conhecimento geral que os Chatworths são gananciosos, mas não
me tinha apercebido que o eram tanto. Deve estar muito necessitado, para
aturar a companhia da mulher.
– Aturar? – perguntou Sir Thomas, surpreso.
– Não tendes de ser insincero comigo. Contaram-me que ela lutou como
um homem quando se viu cercada, e pior ainda, que até o pai a considerava
como um homem, a ponto de nomeá-la sua sucessora. Quase tenho pena do
Roger. Era bem feito, deixá-lo ficar com uma mulher tão feia.
Sir Thomas ficou boquiaberto, mas aos poucos os olhos começaram a
brilhar.
– É feia? – riu-se.
– Que mais poderá ser? Não vos esqueçais que passei tempos na Escócia.
Nunca vi bando de gente tão selvagem. Mas podia dizer que não ao rei
Henrique? Ele considerou-a uma recompensa. Contudo, se me afastar e a
deixar ao Roger, este ficar-me-á eternamente em dívida. Assim poderei
casar com uma coisinha bonita que não queira vestir a minha armadura. Sim
– sorriu –, se calhar faço isso.
– Concordo – disse Sir Thomas com firmeza. – A Bronwyn é uma mulher
verdadeiramente feia. Estou certo de que o Roger só se interessa pela terra
dela e não pela rapariga. Mas, de modo a poderes explicar ao rei Henrique
que foste justo, porque não a conheceis primeiro? Estou certo de que ela
olhará para vós e para o vosso estado lamentável, e de imediato se recusará
a casar convosco.
– Sim – Stephen sorriu amplamente, dentes brancos tornando-o, por
contraste, ainda mais imundo. – Depois, a mulher e eu podemos em
conjunto informar o Roger da nossa decisão. E eu voltarei para casa. Sim,
Sir Thomas, é uma ideia fabulosa.
Os olhos de Sir Thomas rebrilharam como os de um menino;
praticamente dançaram.
– Tendes uma sabedoria incomum para um homem tão jovem. Aguardai
aqui, e eu mandá-la-ei vir pelas escadas das traseiras.
Stephen soltou um assobio baixo.
– Escadas das traseiras? Deve ser mais feia do que pensei.
– Vereis, meu rapaz. Vereis – disse Sir Thomas, saindo da sala.
– Bom dia, Stephen – anunciou Sir Thomas. Estava uma manhã adorável,
com o sol brilhante, o ar fresco depois da chuvada rápida da noite anterior.
O aroma das rosas flutuava no ar. – Tendes melhor aspeto do que ontem.
Stephen usava um casaco curto de lã. Salientava a amplidão dos ombros,
a grossura do peito. As pernas estavam envoltas em meias-calças que
aderiam às curvas musculadas das pernas fortíssimas. O cabelo louro-
escuro enrolava-se no colarinho, os olhos rebrilhavam sobre o maxilar
cinzelado. Era extraordinariamente bem-parecido.
– Ela recusou ver-me – disse sem meias-medidas.
– Eu avisei de que tinha modos bruscos.
Stephen subitamente virou a cabeça para cima. Bronwyn aproximava-se
deles. Ele não reparou logo em Roger a seu lado. Só tinha olhos para ela. O
cabelo forte e pesado caia-lhe pelas costas, solto e descoberto. Refletia a luz
do sol, brilhando como se coberto de pó de ouro. O azul do vestido
combinava com o azul dos olhos. O queixo parecia tão teimoso à luz do dia
como na noite anterior.
– Bom dia – disse Roger, baixinho, quando pararam por instantes.
Bronwyn cumprimentou Sir Thomas, depois o olhar pousou em Stephen.
Não o reconheceu. Apenas pensou que nunca vira um homem com olhos
assim. Pareciam trespassá-la. Teve dificuldade em desviar a vista e
continuar a andar.
Quando Stephen recuperou o suficiente para perceber que Roger
Chatworth acompanhava a mulher que iria desposar, soltou um rugido
profundo e deu um passo em frente.
Sir Thomas apanhou-lhe o braço.
– Não façais isso. O Roger adoraria uma luta. E a bem dizer, até a
Bronwyn.
– Sou bem capaz de lutar contra os dois!
– Stephen! Escutai-me. Haveis magoado a rapariga. Haveis chegado
atrasado e sem mandar mensagem. Ela é orgulhosa, mais do que uma
mulher tem o direito de ser. Foi obra do pai, quando fez dela sua herdeira.
Dai-lhe tempo. Levai-a a passear a cavalo, amanhã, conversai com ela. É
uma mulher inteligente.
Stephen ficou mais descansado e tirou a mão do punho da espada.
– Conversar com ela? Como conseguirei falar com uma mulher com
aquele aspeto? Na noite passada mal consegui dormir, assombrado por ela.
Sim, levo-a a dar um passeio, embora talvez não seja esse tipo de passeio.
– O vosso casamento está marcado para depois de amanhã. Deixai a
rapariga virgem até então.
Stephen encolheu os ombros.
– É minha. Farei o que quiser com ela.
Sir Thomas abanou a cabeça perante a arrogância do jovem.
– Vinde ver os meus novos falcões.
– A Judith, a minha cunhada, mostrou ao Gavin um novo chamariz.
Talvez o queirais ver.
Deixaram o jardim e entraram nos estábulos.
Enquanto acompanhava Roger, Bronwyn não deixou de perscrutar o
jardim, em busca do homem que conhecera na noite anterior. O único
estranho que vira fora o homem ao lado de Sir Thomas. De resto, os
guardas eram os mesmos, fitando-a, rindo-se depreciativamente à sua
passagem.
Mas nenhum deles correspondia ao homem feio e imundo a cuja presença
fora convocada. Uma vez espreitou por cima do ombro, para o lugar em que
estivera Sir Thomas. Quer ele quer o estranho tinham partido. Os olhos
daquele sujeito assombravam-na. Queria fugir deles tanto quanto queria
manter-se parada. Pestanejou para clarear a vista e virou-se para uma figura
segura: Roger. Tinha um olhar sorridente, bondoso e de modo algum
perturbador.
– Dizei-me, Lorde Roger, que mais há para saber sobre o Stephen
Montgomery além do facto de ser horrendo?
Roger ficou espantado com a pergunta dela. As mulheres, quando
conheciam Stephen, não costumavam considerá-lo horrendo. Chatworth
sorriu.
– Em tempos os Montgomerys foram ricos, mas o excesso de arrogância
desagradou a um certo rei, que lhes tirou a riqueza.
Ela franziu a testa.
– Então agora têm de casar com a riqueza.
– Com as mulheres mais ricas que encontrarem – sublinhou ele.
Bronwyn pensou nos homens que tinham morrido com o pai. Teria
escolhido um deles para marido, e teria casado com um homem que a
amasse, um que a desejasse mais do que às suas terras.
***
– Não vai correr tão bem com os meus homens – alertou Bronwyn
enquanto cavalgavam lado a lado pela estrada que ligava a península ao
continente. A estrada era tão estreita que só permitia dois cavalos de cada
vez. Stephen lançou um olhar nervoso à escarpa íngreme à sua esquerda.
Um passo em falso e cairia pela berma. Bronwyn mostrava-se insensível ao
perigo, pois atravessara a estreita estrada a vida inteira. – Os meus homens
não se deixam conquistar com a mesma prontidão das minhas mulheres –
disse Bronwyn. Encarou-o, notando que ele não parava de olhar
nervosamente para o mar. Sorriu e incitou o cavalo a correr ao encontro do
dele.
A montada de Stephen afastou-se do de Bronwyn; sentindo uma pata
entrar no vazio ao lado da estrada, entrou em pânico e recuou. Stephen
debateu-se em desespero por um instante para controlar o animal e evitar
escorregar para o vazio tão próximo.
– Raios te partam! – berrou Stephen quando recuperou o controlo do
corcel.
Bronwyn riu-se dele e olhou por cima do ombro.
– Os costumes escoceses são demasiado agrestes para ti?
Stephen enfiou as esporas no cavalo. Bronwyn viu-o cavalgar contra si
mas não reagiu a tempo. Stephen agarrou-a pela cintura e puxou-a para a
sela.
– Solta-me! – exigiu ela. – Os meus homens estão a ver-nos!
– Ainda bem! Então viram a tua tentativa de me humilhares. Ou querias
que eu caísse?
– Para depois termos o exército do rei Henrique em cima de nós? Não,
não desejo a tua morte em terras escocesas.
Stephen soltou uma exclamação perante tanta sinceridade.
– Eu estava a pedi-las. – Pousou um dedo nos lábios dela quando
Bronwyn tentou falar. – Mas não pedi esta humilhação, por isso vais pagá-
las. Quantos outros homens entraram em Larenston com uma MacArran na
sela?
– Trouxemos muitos mortos de volta, normalmente mortos pelos… – Ele
calou-a com um beijo.
Contra a própria vontade, Bronwyn agarrou-se a ele, braços em volta do
pescoço, lábios colando-se esfomeados aos seus. Ele apertou-a contra si,
acariciando-lhe as costas. Sentiu-lhe a pele quente pelo tecido da camisa.
Afinal, o traje escocês era preferível ao inglês. Os tecidos pesados de
Inglaterra escondiam a pele da mulher.
Stephen foi o primeiro a emergir do transe. Estavam a ser observados.
Abriu os olhos, ergueu ligeiramente a cabeça, sem deixar de beijar
Bronwyn. Não percebera que o cavalo continuara a galgar o trilho em
direção às guaritas do portão. Vários homens os cercavam – homens sérios
com ar solene, expressões fechadas, vazios de emoção.
– Bronwyn, querida – disse Stephen baixinho.
Bronwyn reagiu de imediato. Afastou-se dele num sacão, fitou os seus
homens.
– Douglas – murmurou e desceu do cavalo para os braços deste, que a
esperava. Cumprimentou os homens um por um.
Stephen desmontou lentamente e puxou o cavalo, entrando pelo portão
atrás dela. A grade de ferro estava levantada. Os homens não lhe dirigiram a
palavra nem se viraram para ele, mas Stephen estava bastante ciente da
forma como o cercavam com ar solene e desconfiado. Bronwyn avançava
em frente, rindo em conjunto com os seus homens, colocando perguntas,
recebendo respostas.
Stephen sentia-se um estranho, forasteiro naquele ambiente. Os homens a
seu lado olhavam-no com desconfiança, e ele sentia a hostilidade no ar.
Vestiam-se de forma diferente dos homens do vale. Alguns traziam meias
curtas e calçado como Tam, outros, botas altas até aos joelhos. Todavia,
todos tinham das pernas do joelho à coxa, descobertas.
Atravessando o portão, o terreno alargou-se e passaram por várias
construções pequenas até alcançarem a casa principal. Stephen reconheceu
as construções circundantes como uma vacaria, uma forja, estrebarias. Até
havia um pequeno quintal. Um local como este aguentaria um cerco
prolongado.
O interior da casa era simples e espartano. As paredes de pedra continham
humidade, não estavam pintadas nem revestidas. As janelas minúsculas
pouca luz deixavam entrar. O interior do castelo era frio, mais frio ainda
que a friagem de outono, e contudo não se viam lareiras acesas.
Bronwyn sentou-se numa cadeira sem almofada.
– Bem, Douglas, conta-me o que se tem passado.
Stephen ficou de lado, a observar. Ninguém perguntou se ela estava
confortável nem sugeriu que repousasse.
– Os MacGregors fizeram novas pilhagens. Levaram seis cabeças de gado
há duas noites.
Bronwyn franziu a testa. Deixaria para depois o tema dos MacGregors.
– E problemas dentro do clã?
O homem chamado Douglas afagou distraidamente uma madeixa
comprida.
– Os terrenos junto ao lago estão novamente a ser contestados. O Robert
diz que o salmão lhe pertence, mas o Desmond exige ser pago pelo peixe.
– Já desembainharam as espadas? – perguntou Bronwyn.
– Não, mas não anda longe disso. Envio alguém para resolver a questão?
Um pouco de sangue nos locais certos acaba com qualquer briga.
Stephen começou a levantar-se. Ele estava habituado a tomar decisões
daquela natureza. A mão de Tam no braço interrompeu-o.
– Não te ocorre mais nada, a não ser usares a espada, Douglas? –
perguntou ela zangada. – Nunca te ocorre que os homens têm motivo para
brigarem? O Robert tem sete filhos para alimentar, e o Desmond uma
esposa que lamenta a falta de crianças. Deve haver uma forma de resolver
os problemas deles.
Os homens lançaram-lhe olhares vazios.
Ela suspirou.
– Diz ao Robert que envie quer o filho mais velho quer o mais novo para
serem criados pelo Desmond. O Robert não exigirá peixe que sirva para
alimentar os próprios filhos, e a mulher do Desmond deixará de chorar a
falta de crianças. Bem, e que mais aconteceu entretanto?
Stephen sorriu perante aquela sensatez. Proveniente do amor e
conhecimento do clã. Era incrível, observá-la no seu ambiente familiar. Ela
parecia rejuvenescer a cada instante. O queixo já não se esticava com raiva
para quem a rodeava. Endireitava os ombros mas não para desviar golpes
ou respostas contundentes.
Observou os rostos dos homens à sua volta. Respeitavam-na, davam-lhe
ouvidos, e cada decisão sua era sensata e defendia os interesses do clã.
– O Jamie ensinou-a bem – disse Tam baixinho.
Stephen anuiu. Era um lado totalmente diferente dela, e que ele jamais
imaginara existir. Ele conhecia a vertente zangada, impulsiva, cheia de
ódio, dada a usar uma faca e exigir o impossível. Lembrou-se de ter-se rido
dela quando caiu no ribeiro.
Subitamente sentiu uma onda de ciúmes. Nunca vira esta mulher que se
sentava tão calma entre os homens e tomava decisões que afetavam as suas
vidas. Conheciam um lado dela que ele jamais imaginara.
Bronwyn ergueu-se, avançando para a escadaria ao fundo do corredor.
Stephen seguiu-a. Subitamente ocorreu-lhe que os homens ignoravam como
ela reagia se tocada na dobra dos joelhos. Sorriu para si mesmo, mais
tranquilo.
– Olha para ele – disse Bronwyn com repúdio. Era manhã cedo, e o ar de
final de outono mostrava-se fresco. Fitou Stephen da janela dos aposentos
do terceiro piso. O homem estava no pátio, e quer ele quer Chris
envergavam armadura completa. Os escoceses em volta observavam-nos
num silêncio soturno.
Tinham passado duas semanas desde a boda, e durante esse tempo
Stephen fizera um esforço tremendo para ensinar aos homens o combate à
moda inglesa. Ela ficara a vê-lo treinar os homens sobre a importância de
usarem proteções. Oferecera-se para comprar armaduras para quem
treinasse duramente durante muito tempo. Mas os escoceses não
comentaram e não pareciam interessados no prémio valioso de uma
armadura quente e pesada. Preferiam usar os trajes selvagens, que
expunham metade do corpo. A única concessão que Stephen deles obteve,
foi convencê-los a usar uma cota de malha debaixo das mantas.
Bronwyn afastou-se da janela, sorrindo para si mesma.
– Não precisas de ficar tão contente – retorquiu Morag. – Estes teus
homens podiam trabalhar um pouco. Passam muito tempo sentados. O
Stephen fá-los mexerem-se.
Bronwyn não deixou de sorrir.
– É um homem obstinado. Ontem atreveu-se a dizer aos meus homens
que a Escócia está sempre em guerra e tentou ensiná-los a protegerem-se.
Como se não soubéssemos! É por causa dos ingleses que...
Morag levantou a mão em jeito de defesa.
– Aborrece-lo com os teus sermões intermináveis mas a mim não. O que
te incomoda tanto nele? É a forma como te faz gritar durante a noite? Tens
vergonha da tua paixão pelo inimigo?
– Não tenho… – começou Bronwyn mas calou-se quando ouviu o
estalido suave da porta atrás de Morag. Virou-se e encarou Stephen. Teve de
admitir para si mesma que ficava incomodada com a forma como o corpo
reagia ao toque dele. Tremia sempre que o sol se punha. Tinha o cuidado de
nunca mostrar a Stephen este sentimento. Nunca tomou a iniciativa nem lhe
dava afeto; afinal, ele era o inimigo, pertencia à raça que lhe matara o pai.
Era fácil recordar durante o dia que era o inimigo, pois vestia-se como um
inglês, falava como um inglês, pensava como um inglês. A diferença era
berrante, para ela e para os seus homens. Mas chegada a noite, quando
Stephen lhe tocava, ela olvidava quem ele era e também quem ela própria
era.
***
Bronwyn caminhou lentamente pelo pátio. Teve três dias para pensar, desde
aquele em que lhe mataram os homens. As palavras de Davey
assombravam-na. A cada minuto que passava, ficava mais ciente da forma
como os homens se viravam para Stephen. Era natural que procurassem um
homem como chefe, pois não tinha ainda passado meses desde a liderança
de Jamie MacArran. Mas Bronwyn não confiava nos ingleses. Sabia que era
um povo imundo, rude, ganancioso. Não tinha conhecido tantos ingleses
durante o cativeiro na residência de Sir Thomas Crichton?
Quanto a Stephen, a morte do amigo afetara-o imensamente. Não falava
muito, e Bronwyn costumava apanhá-lo com ar absorto. Imediatamente
após as mortes ele ordenara que se iniciassem os preparativos para a viagem
para Inglaterra. Disse que queria devolver o corpo de Chris à família.
Durante a noite, quando ficavam a sós, mantinham-se deitados, lado a
lado, sem se tocarem nem trocarem palavra. Bronwyn estava assombrada
pela imagem dos três mortos, pensando como conseguia o pai perdoar-se
quando um erro seu custava a vida dos seus homens. Sentiu um nó a
formar-se na garganta. A chefe de um clã não podia chorar. Tinha de ser
forte, sem medo de ficar sozinha.
Além do peso da culpa, tinha de ponderar nas súplicas de Davey.
Conhecia o orgulho do irmão e sabia que aqueles pedidos lhe tinham
custado imenso. E, contudo, seria ela capaz de lhe entregar Stephen?
Levou as mãos aos ouvidos. Queria fazer o correto para todos, mas
sentia-se só e impotente. O que seria mais correto, afinal?
Albardou o cavalo sem ajuda e saiu da península, ao encontro de Davey.
Davey fitou-a durante alguns momentos, olhar fervoroso e acutilante.
Quando Bronwyn baixou a vista para as mãos, tentando exprimir o que
pensava, ele percebeu qual era a decisão.
– Então! – disse ele a olhar agora implacável. – Vais colocar o teu amante
acima do clã.
Ela fitou-o sem pestanejar.
– Sabes bem que não é verdade.
Ele fungou de desdém.
– Então é porque não acreditas em mim. Esperava que me deixasses
provar as minhas intenções, que cresci e não sou mais o rapaz terrível que
amaldiçoou o pai.
– Mas eu quero, Davey – disse ela, calmamente. – Quero fazer o que for
mais correto para todos.
– Uma treta! – explodiu ele. – Só te importas contigo mesma. Temes o
meu regresso. Temes que os homens me sigam, ao verdadeiro MacArran. –
Virou-se para o cavalo.
– Davey, por favor, não quero que nos separemos neste estado. Volta para
casa, nem que seja por algum tempo.
– E fico a ver a minha irmã – escarneceu da palavra – ocupar o lugar no
clã que é meu por direito? Obrigado, mas não. Prefiro ser rei de um reino
pobre, mas meu, do que criado noutro. – Quase pulou para a sela e partiu
disparado.
Bronwyn nem soube quanto tempo se manteve especada, olhando para o
chão com uma sensação de estupidez e impotência.
– Quem era? – perguntou Stephen calmamente.
Ela fitou-o, e não se espantou de o ver ali. Era frequente ele aparecer ao
seu lado sem ela se aperceber.
– O meu irmão – disse com igual tom de voz.
– O Davey? – perguntou ele com interesse, vendo-o desaparecer a
galope.
Ela não respondeu.
– Pediste-lhe que voltasse para Larenston? – continuou ele. – E disseste
que os portões estão sempre abertos?
– Não preciso que me ensines a falar com o meu próprio irmão. – Ela
virou-se com lágrimas nos olhos.
Ele agarrou-lhe o braço.
– Lamento. Não foi com essa intenção.
Ela arrancou o braço do seu aperto, mas ele voltou a agarrá-la e encaixou-
a nos braços.
– Agi mal em amaldiçoar-te quando descobri o Chris morto – disse ele
calmamente. – Fiquei tão furioso que só quis descarregar em alguém. Fui
incorreto.
Ela manteve o rosto enterrado no peito dele. Só queria que ele a
abraçasse.
– Não! Tinhas razão! Matei os meus homens e o teu amigo.
Ele puxou-a para si, sentindo o corpo dela tremer. Tinha ombros tão
pequenos e delicados.
– Não, é demasiada responsabilidade para assumires. – Levantou-lhe o
queixo. – Olha para mim. Quer acredites, quer não, estamos juntos nisto, e
partilharei o fardo das mortes dos homens.
– Mas fui eu – disse ela desesperada.
Ele levou o dedo aos lábios dela, num gesto de silêncio, perscrutando-lhe
o rosto.
– És tão jovem, nem tens vinte anos sequer, mas queres cuidar de
centenas de pessoas, inclusive protegê-las de mim, pois desconfias que sou
um espião.
Ele riu-se da expressão do rosto dela.
– Começo a entender-te. Agora pensas que tenho um motivo escondido
para dizer isto. Pensas que planearei um ato traiçoeiro enquanto tento
desconcertar-te com os meus dizeres melífluos.
Ela afastou-se dele.
– Larga-me! – As palavras dele espelharam tão bem o seu pensamento
que quase se assustou.
Ele riu baixinho.
– Acertei? Queres que continue a ser um estranho, é isso? Alguém que
possas odiar sem reservas. Mas não tenciono deixar-te em paz, pois
esqueces que sou um homem antes de ser inglês.
– Tu… isto não faz sentido. Tenho de voltar para Larenston.
Ele ignorou-a, sentando-se na relva e puxando-a contra si.
– Amanhã encetamos caminho para Inglaterra. Queres conhecer a minha
família?
Ela fitou-o, embasbacada.
– Nem pensei nisso. – O olhar soltou faíscas azuis ao recordar o período
na casa de Sir Thomas. – Não gosto dos ingleses.
– Não os conheces! – retorquiu Stephen. – Só conheceste escumalha. Até
eu fiquei embaraçado pela minha gente pela forma como te trataram na casa
do Sir Thomas.
– Mas nenhum deles me deixou pendurada no altar vestida de noiva.
Ele riu-se.
– Não vais esquecer isso, pois não? Quando conheceres a tua cunhada
Judith, talvez me perdoes.
– Ela… como é? – perguntou Bronwyn timidamente.
– Linda! Bondosa, doce e esperta. Governa a propriedade do Gavin até
com os olhos fechados. O rei Henrique ficou impressionado com ela e
várias vezes lhe pediu a opinião.
Bronwyn suspirou pesadamente, com a respiração entrecortada.
– É bom saber que existem pessoas competentes que honram as suas
responsabilidades. Oxalá o meu pai tivesse tido uma filha merecedora do
título de senhora.
Ele riu-se e puxou-a de novo contra si, estendida na terra fria e húmida.
– Para mulher, és bastante capaz no papel de chefe.
Ela pestanejou.
– Para mulher? Achas que as mulheres não são capazes de serem líderes
de um clã?
Ele encolheu os ombros.
– Pelo menos não uma tão jovem e bonita ou tão pouco preparada.
– Pouco preparada! Treinei toda a vida. Sabes que sei ler melhor do que
tu além de somar uma série de números.
Ele riu-se.
– A arte de comandar homens não envolve só somas de números. – Ele
fitou-a por instantes. – És tão linda – disse calmamente, inclinando-se para
a beijar.
– Deixa-me. És ignorante, insuportável, mesquinho… – Ela calou-se
porque as mãos dele tinham pousado nas suas pernas e começado a
acariciá-las.
– Sim – sussurrou ele ao encontro da boca dela. – E mais o quê?
– Não sei nem quero saber – disse ela de forma pouco eloquente.
Arqueou o pescoço para trás quando ele o tocou com os lábios.
Apesar da aparente privacidade, Bronwyn e Stephen não se encontravam
sozinhos. Davey MacArran mantinha-se na colina acima deles, à espreita.
– Que puta! – sussurrou. Colocava a sua luxúria antes das necessidades
do irmão. E pensar que Jamie MacArran julgara-a a mais merecedora do
papel de líder.
Ergueu o punho contra o casal em baixo. Havia de mostrar-lhes! E a toda
a Escócia quem era o mais poderoso, o verdadeiro chefe do clã MacArran.
Puxou as rédeas do cavalo com força para partir, dirigindo-se para o
acampamento secreto nas colinas.
O Sol acabara de se levantar quando as carruagens desceram o caminho
íngreme para o continente. Os homens de Stephen, agora bronzeados a
ponto de não se distinguirem dos escoceses de Bronwyn, acompanhavam-
no. Eram um grupo calado e apreensivo com o resultado da viagem. As
carruagens iam carregadas com roupas inglesas, e os homens de Bronwyn
perguntavam-se se conseguiriam viver na sociedade inglesa.
Bronwyn tinha as suas próprias preocupações. Morag aplicara-lhe um
sermão demorado quando soube do plano de Davey.
– Não confies nele – advertiu, apontando um dedo curto e ossudo para
Bronwyn. – Sempre foi manhoso, mesmo quando criança. Deseja Larenston
e não vai descansar até o ter.
Bronwyn defendera o irmão, mas agora recordava os avisos de Morag.
Olhou em volta pela centésima vez.
– Nervosa? – perguntou Stephen ao seu lado. – Não precisas de estar. A
minha família vai gostar de ti, de certeza.
Demorou um minuto para compreender a que se referia ele. Esticou o
nariz com ar altivo.
– Devias era preocupares-te primeiramente se a MacArran vai gostar
deles – disse ela, incitando o cavalo em frente.
Caía o Sol quando a primeira seta zumbiu junto à orelha esquerda de
Bronwyn. Mal tinha começado a descontrair-se e largar a sua apreensão. No
início nem percebeu o que estava a acontecer.
– Ataque! – berrou Stephen, e em poucos segundos os homens tinham
formado um círculo de defesa com as armas em riste. Os homens de
Bronwyn deslizaram das montadas, largaram as mantas e enfiaram-se na
mata.
Ela ficou sentada estupidamente sobre o cavalo ao ver vários homens
atrás de si serem abatidos.
– Bronwyn! – berrou Stephen. – Vai!
Ela obedeceu-lhe por instinto. As setas voavam ao seu redor. Uma
raspou-lhe na perna, e o cavalo berrou de dor ao sentir a haste queimar-lhe a
pele. As setas eram todas dirigidas a ela! E um dos arqueiros que discerniu
numa árvore era um dos homens que abandonara o clã para se unir a Davey.
O próprio irmão tentava matá-la!
Ela baixou a cabeça e incitou o cavalo. Não precisava de voltar para trás;
sentia o bater dos cascos atrás de si. Seguiu o cavalo de Stephen, que a
conduzia para longe das setas voadoras. Nem se preocupou em perceber se
podia confiar nele.
Soltou um grito quando o cavalo foi atingido. Antes de o animal cair,
Stephen voltou para trás, e agarrou-a pela cintura, puxando-a para a parte da
frente da sua sela. Ela remexeu-se até conseguir montar, e depois deitou-se
sobre o pescoço do animal.
Atravessaram intempestivamente o terreno selvagem. Bronwyn sentia o
garanhão de Stephen a começar a cansar-se.
Subitamente Stephen tombou contra as costas de Bronwyn. Ela nem
parou para pensar, agarrando nas rédeas e dando-lhes um puxão forte. O
cavalo abandonou o parco trilho e enfiou-se no bosque. Ela sabia que tinha
de tirar Stephen do cavalo antes de ele cair. Não conseguiriam deslocar-se
com rapidez entre as árvores, mas talvez encontrassem um abrigo.
Deteve o cavalo subitamente, com o freio a rasgar-lhe a boca. O corpo
inerte de Stephen tombou no chão antes de Bronwyn conseguir desmontar.
Ela soltou uma exclamação, caindo ao lado dele. A nuca tinha um golpe
sangrento, da seta que lhe raspara a pele. Não tinha tempo para pensar, pois
já ouvia os outros cavaleiros a aproximarem-se. O piso da floresta estava
coberto de folhas secas, dando-lhe uma ideia.
Com cautela, para não fazer ruído, afastou o cavalo de Stephen. Não
podia arriscar o barulho de uma palmada, portanto retirou o broche e
espetou a ponta afiada no rabo do cavalo. Este começou a galopar quase
instantaneamente. Ela regressou a Stephen, caindo de joelhos, e puxou-o
contra um tronco caído. Tapou-o com uma mão cheia de folhas. As mantas
que ele usava misturavam-se no tom da folhagem. Deitou-se ao lado dele,
encaixando-se no esconderijo.
Segundos depois, estavam cercados por homens irados. Apertou Stephen
contra si, a sua mão tapando-lhe a boca não fosse ele acordar e soltar um
gemido.
– Maldita.
Susteve a respiração, reconhecendo a voz de Davey.
– Ela e as suas sete vidas! Eu tiro-lhas todas – acrescentou cruelmente. –
Mais ao marido inglês! O rei Henrique vai perceber que quem manda na
Escócia são os escoceses.
– O cavalo dela vai acolá! – disse outra voz.
– Vamos! – disse Davey. – Não pode estar longe.
Bronwyn demorou algum tempo até se mexer. Estava demasiado
atordoada e consternada. Quando o espírito clareou, tornou-se cautelosa.
Queria ter a certeza de que Davey não deixara ninguém para trás na zona.
Esperava ouvir o som de cavalos a aproximarem-se, dos homens dela, mas
após uma hora sem ruídos, perdeu a esperança.
Estava escuro como breu quando Stephen gemeu e fez o primeiro
movimento.
– Cala-te! – disse ela, passando os dedos pela face dele. Tinha o braço
direito dormente por causa dele, por ter ficado tanto tempo deitado sobre
ele.
Aos poucos, atenta a todos os sons da floresta ao seu redor, ela afastou as
folhas. Os olhos penetraram a escuridão e escutou atentamente à sua volta.
Havia um ribeiro não muito distante, no fundo da crista íngreme. Ela
acorreu para lá, ajoelhou-se, rasgou um quadrado de tecido da saia interior e
molhou-o.
Ajoelhou-se ao lado de Stephen, depositou algumas gotas de água nos
lábios dele, e limpou a ferida na nuca. O corte não era muito pronunciado
na sua testa, mas ela sabia que por vezes aquele tipo de feridas tinha
consequências mais sérias. Era bem possível que o cérebro tivesse sido
atingido.
Abriu os olhos e fitou-a. O luar tornava os seus olhos cinzentos. Ela
inclinou-se sobre ele com preocupação.
– Quem sou? – perguntou baixinho.
Ele fez uma expressão séria, intrigado pela pergunta.
– Um anjo de olhos azuis que torna a minha vida no céu e no inferno ao
mesmo tempo.
Ela gemeu de desagrado, e largou o tecido ensanguentado no rosto dele.
– És o mesmo para mim, infelizmente.
Stephen tentou sorrir, debilmente, e depois sentar-se. Levantou um
sobrolho quando Bronwyn passou a mão debaixo dele para o ajudar.
– Estou assim tão mal? – perguntou, dedos esfregando a têmpora.
– Como assim? – perguntou ela, desconfiada.
– Se me ajudas, é porque estou em pior estado do que pensava.
Ela ficou hirta.
– Devia ter-te deixado destapado, para eles te levarem.
– Tenho uma dor de cabeça monumental, e pouca vontade para
discussões. O que fizeste às minhas costas? Enfiaste-lhes agulhas de metal?
– Caíste do cavalo – disse ela com alguma satisfação. Mesmo na
escuridão notou o olhar de alarme. – Devia começar do início.
– Ficaria muito agradecido – disse ele, com uma mão a segurar a cabeça,
a outra esfregando as costas.
Ela contou-lhe o mais sucintamente possível o plano de Davey para raptar
Stephen.
– E deves ter concordado, obviamente – disse ele de imediato.
– Claro que não!
– Mas se te livrasses de mim, resolverias quase todos os teus problemas.
Porque não concordaste?
– Não sei – respondeu ela baixinho.
– Os argumentos dele eram bastante lógicos, uma boa forma de te livrares
de mim.
– Não sei! – repetiu ela. – Talvez eu não confiasse realmente nele. Aqui,
enquanto estávamos escondidos nas folhas, ouvi-o dizer… que nos mataria
a ambos.
– Foi o que pensei.
– Como assim?
Ele tocou-lhe num caracol de cabelo negro.
– Uma suposição baseada no número de flechas apontadas a ti. E a forma
como nos tentaram distanciar dos homens. Perturbou-te, não foi?
A cabeça dela esticou-se.
– E se descobrisses que um dos teus irmãos te tinha tentado matar?
Mesmo na escuridão reparou que a expressão de Stephen ficara branca.
Fitou-a horrorizado.
– É uma ideia impossível – disse neutramente, cortando o assunto. Olhou
em volta. – Onde estamos?
– Não faço ideia.
– E os homens? Estarão por aqui?
– Sou uma mera mulher, recordas-te? Como é que poderei conhecer a
estratégia bélica?
– Bronwyn! – admoestou ele.
– Não sei onde estamos. Se os homens não nos encontrarem em breve,
regressarão para Larenston, para onde temos de ir o mais depressa possível.
– Deitou a cabeça de lado. – Caluda! – murmurou com firmeza. – Alguém
se aproxima. Temos de esconder-nos!
O primeiro impulso de Stephen foi de defrontar o indivíduo em questão,
mas não tinha armas além da adaga, e ignorava quantos surgiriam.
Bronwyn pegou-lhe na mão e puxou-o em diante. Conduziu-o para o
cimo da crista íngreme, e passaram para o outro lado. Esconderam-se no
matagal denso e viram dois homens aparecerem. Eram caçadores,
obviamente, à procura de presas e não de uma senhora perdida mais o seu
marido.
Stephen tencionava chamar a atenção dos homens, mas Bronwyn
impediu-o. Fitou-a com espanto, mas não disse nada.
Quando os homens se encontravam fora de alcance do som, virou-se para
ela.
– Não eram do grupo do Davey.
– Pior ainda – disse ela. – Eram MacGregors.
– Não me digas que conheces os MacGregors individualmente.
Ela abanou a cabeça perante a estupidez dele.
– Os laços ostentavam as cores e insígnias dos MacGregors.
Ele lançou-lhe um rápido olhar de admiração pela extraordinária visão
noturna da rapariga.
– Julgo que sei onde nos encontramos agora.
Ele virou-se, recostou-se contra o tronco e suspirou.
– Não me digas – respondeu sarcasticamente. – Deixa-me adivinhar.
Estamos no meio da terra do MacGregor. Sem armas, sem cavalos, nem
comida ou ouro. Caçados pelo teu irmão, e o MacGregor adoraria ter as
nossas cabeças numa salva.
Bronwyn virou-se, apreciando o perfil dele, e soltou um risinho.
Stephen fitou-a com assombro, mas também sorriu.
– Sem remédio, certo?
– Sim – concordou ela com os olhos a dançarem.
– Olha que não há motivos para rir.
– Nenhum.
– Mas tem quase graça, não tem? – riu-se ele.
Ela juntou-se a ele.
– Estaremos provavelmente mortos amanhã, seja como for.
– Então o que queres fazer na tua derradeira noite de vida? – perguntou
ele, com os olhos azuis refletindo os raios do luar.
– Alguém pode aparecer sem avisar – disse ela com ar bastante sério.
– Hmmm. Vamos dar-lhes algo para verem?
– Tal como?
– Um par de duendes da madeira totalmente nus em pleno êxtase.
Ela apertou a manta contra si.
– Está muito frio, não concordas? – disse timidamente.
– Aposto que encontramos uma forma de nos mantermos quentes. Aliás,
faz todo o sentido aquecermo-nos um ao outro.
– Nesse caso… – Ela pulou do chão e caiu sobre ele.
Stephen soltou um trejeito de espanto, mas riu-se.
– Acho que já devia ter-te trazido para as terras do MacGregor.
– Cala-te, inglês! – ordenou ela, baixando a cabeça e beijando-o.
Nenhum deles se lembrou de que estavam equilibrados no cimo de uma
crista íngreme. A paixão intensificada pelo perigo dos seus apuros tornou-
os insensíveis aos perigos mais imediatos.
Bronwyn foi a primeira a perder o apoio. Tinha-se deslocado para o lado
de Stephen, despindo a saia enquanto ele se dedicava a retirar a sua roupa,
quando no minuto seguinte rolava pela encosta abaixo.
Stephen tentou agarrá-la, mas a paixão entorpecera-lhe os reflexos e
falhou. Mas também se tinha esticado em demasia e caiu atrás dela.
Aterraram ao mesmo tempo numa mistura de pele nua, exposta ao luar, e
uma chuva de folhagem.
– Estás bem? – perguntou Stephen.
– Estarei, mal saias de cima de mim. Partes-me a perna.
Ao invés de sair de cima dela, encaixou-se na rapariga ainda mais.
– Nunca te tinhas queixado que eu era demasiado pesado para ti – disse
ele, mordiscando-lhe a orelha.
Ela sorriu, fechando os olhos.
– Às vezes, não pesas nada. – Ele fez descer os lábios para o pescoço
dela.
Subitamente algo enorme aterrou pesadamente em cheio nas costas de
Stephen. Ele colapsou sobre Bronwyn por um segundo, mas logo se ergueu
sobre os braços para a proteger.
– Mas que raios!
– Rab! – exclamou Bronwyn, e esquivou-se ao corpo de Stephen. – Oh,
Rab – disse ela com grande alegria. – Rab, doce Rab. – Enterrou a cara no
pelo denso do animal.
Stephen sentou-se sobre os calcanhares.
– Só me faltava isto – comentou sarcasticamente. – Como se não tivesse
dores nas costas suficientes.
Rab afastou-se de Bronwyn e saltou para Stephen. Apesar do que dissera,
o homem abraçou o canzarrão que lhe lambia a cara e tentava abafá-lo de
afetos.
– Bem, não tens vergonha – riu-se Bronwyn. – Ele adora-te e está muito
contente por te ver.
– Oxalá prestasse mais atenção ao facto de que o adoro. Para baixo, Rab!
Vais afogar-me. Vá, busca! – Stephen atirou um pau imaginário, e o cão
correu feliz atrás dele.
– Isso foi terrível! Ele vai passar horas à procura. Quer tanto agradar.
Stephen esticou o braço e agarrou-lhe no pulso.
– Espero que passe a noite toda à procura. Sabes que ficas deliciosa ao
luar?
Ela observou o peito amplo, os ombros dele.
– Também não se pode dizer que sejas uma visão desagradável.
Stephen puxou-a para si.
– Continua assim e eu não te levo de volta para Larenston. Onde íamos?
– Estavas cheio de dores nas costas e…
A boca dele na sua calou-a.
– Anda cá, rapariga – murmurou ele, arrastando-a para as folhas.
Estava muito frio, mas nenhum deles o sentia. As folhas tombaram à
volta deles, protegendo-os, ocultando-os, aquecendo-os. Bronwyn sentiu as
coxas de Stephen contra as suas, e ela cingiu-o contra si cada vez com mais
intensidade.
Debateram-se em conjunto, a rirem-se. Paus e pedras espetavam-se na
pele dos dois, mas nenhum deles se importou. E numa vez, Stephen
começou a fazer cócegas a Bronwyn, despertando na rapariga o riso que era
tão alheio a ele, que a sua paixão ficou ao rubro.
– Bronwyn – murmurou ele, antes de a puxar para debaixo de si e o
momento se tornar sério.
Vieram-se ao mesmo tempo, mas desta vez foi especial. Apesar das suas
diferenças e da sua situação impossível, fizeram amor como se fossem
livres pela primeira vez. Com paixão, sim, mas também com alegria e
diversão.
– Não sabia que tinhas tantas cócegas – murmurou Stephen com ar
sonhador, apertando Bronwyn contra si.
Rab aninhou-se no outro lado.
– Nem eu. E se nos vestíssemos?
– Daqui a pouco – murmurou Stephen. – Daqui a pou…
Não foi um parto fácil. Kirsty era muito pequena, e o bebé enorme.
Nenhum dos três tinham experiência, mas todos concordaram no fim que
tinha sido fabuloso. Bronwyn e Stephen suaram tanto quanto Kirsty.
Quando a cabeça emergiu, entreolharam-se com orgulho. Stephen susteve
Kirsty para que esta conseguisse assistir enquanto Bronwyn agarrava na
cabecinha e guiava gentilmente os ombros para fora.
A última parte do bebé quase saiu por si, e Bronwyn segurou-o nos
braços.
– Conseguimos! – murmurou.
Stephen sorriu-lhe, depois deu a Kirsty um beijo forte.
– Obrigada – sorriu Kirsty, recostando-se contra o braço de Stephen,
completamente exausta mas muito feliz.
Demoraram alguns minutos a limpar a criança e Kirsty. Stephen e
Bronwyn fitaram mãe e filho, este já à procura do peito de Kirsty.
– Vamos contar ao Donald que tem um filho – murmurou Stephen.
Donald aguardava do lado de fora da carruagem, cara cheia de medo.
– Alegra-te! – disse Stephen, rindo-se. – Anda ver o rapaz.
– Um rapaz – comentou Donald, numa voz muito trémula antes de subir
para a carruagem.
Escurecera durante o trabalho de parto. O dia brilhante e frio dera azo a
uma noite escura e ainda mais fria.
Bronwyn espreguiçou-se, inspirando profundamente o ar fresco e
límpido. Sentia-se livre, mas sem saber porquê. Subitamente deitou a
cabeça para trás, esticou os braços e rodopiou.
Stephen riu-se e agarrou-a, levantando-a do chão.
– Foste maravilhosa – disse ele com entusiasmo. – Calma e forte, e
facilitaste a provação de Kirsty. – Calou-se de imediato, receando que
tivesse aberto a porta para ela lhe contar do treino que recebera para se
tornar a chefe MacArran.
Bronwyn sorriu-lhe, envolveu-lhe o pescoço com os braços, encostando-
lhe a cara no ombro.
– Obrigada. Mas foram as tuas ideias do que havíamos de fazer que
ajudaram mesmo. Se fosse só eu, teria ficado paralisada quando vi a cabeça
do bebé.
Stephen não acreditou nela nem um pouco, mas contribuiu para o seu
orgulho pensar que lhe tinha sido útil.
– Estás cansada? – perguntou baixinho, cingindo-a contra si e afagando-
lhe o cabelo.
– Muito – disse ela, sentindo-se confortável e descontraída.
Ele inclinou-se e passou o braço sob os joelhos dela.
– Procuremos um lugar para dormir. – Levou-a por cima da crista da
encosta e pousou-a, enquanto desatava a manta e a esticava no chão. Em
poucos minutos, aninhavam-se um no outro, apertando-se para manterem o
calor, Rab de encontro às costas de Bronwyn.
– Stephen? – perguntou Bronwyn baixinho. – O que vamos fazer agora?
Não temos forma de alcançar Inglaterra, e sozinhos hão de reconhecer-nos.
Stephen ficou muito quieto, com o pensamento acelerado. Bronwyn
nunca lhe pedira a opinião, nem se deitara ao seu lado daquela forma,
confiando nele. Sorriu, beijou-lhe o cimo da cabeça, e apertou-a contra si,
sentindo o peito inchar visivelmente.
– Ainda não pensei bem, mas se pudermos, devíamos continuar com
Kirsty e Donald. – Fez uma pausa. – Que te parece? – Mal proferira estas
palavras, percebeu que tinha mudado. Há meses teria simplesmente dado
uma ordem à esposa. Agora, pedia-lhe a opinião.
Bronwyn anuiu, encostada a ele.
– Dirigem-se para sul, para a casa dos pais dela. Se pudéssemos
acompanhá-los, talvez conseguíssemos comprar cavalos.
– Comprar? Com a tua beleza? – perguntou Stephen. – Não temos nada
que valha um tostão. Nem conseguimos pagar ao Donald pela
hospitalidade.
– Um escocês não espera ser pago.
– Nem sequer um MacGregor? – brincou Stephen.
Ela soltou um risinho.
– Desde que pense que não somos MacArrans. Quanto à comida, és bom
caçador, e julgo que melhor do que o Donald. Agora só temos de encontrar
uma forma de pagar os cavalos. – Ela suspirou. – É uma pena que o Davey
não nos tenha atacado mais próximo da fronteira.
– Porquê?
– Teria vestido um vestido inglês. Aquelas malditas coisas estão cobertas
de joias que poderia vender.
– Se estivesses vestida à inglesa, o mais certo é que não estarias viva e,
além disso, não teríamos uma manta quente para nos enrolarmos.
Ela fitou-o.
– Pensei que odiavas os nossos trajes escoceses. Se bem me recordo,
disseste que te deixava a nu a tua metade de baixo.
– Não sejas impertinente – disse ele com uma seriedade fingida. – O
acesso fácil tem as suas vantagens. Consegue-se soltar a manta no mesmo
tempo que demora a um inglês a pensar em despir-se.
Ela sorriu-lhe.
– Isso é orgulho na tua voz? – brincou. – E onde é que arranjaste esse
sotaque?
– Não entendo o que queres dizer – brincou ele. – E em boa verdade, acho
que veio com a manta.
– Eu gosto – disse ela suavemente, levantando o joelho pela perna
exposta debaixo da camisa que ele ainda usava. – Queres fazer amor com
uma parteira? Ou insistes em ter a senhora de um clã?
Ele pousou a mão no cabelo dela.
– Neste instante, tomo-te tal como és. Bronwyn, uma coisinha doce e
deliciosa capaz de montar como um demónio, salvar a vida ao marido e dar
à luz um bebé numa questão de horas.
– Tive uma pequena ajuda – sussurrou ela, antes de levantar a boca para
receber o beijo.
Bronwyn também sentia a estranheza do lugar e do tempo. Podia sentir-se
preocupada com o clã mas sabia que Tam estaria lá para os guiar, e talvez
os seus homens estivessem melhor sem a contenda constante entre ela e
Stephen. Agora não tinha qualquer vontade de lutar com ele. Sentia-se
como nunca: mansa e feminina. Sem decisões para tomar, sem raiva, sem
preocupações de que Stephen estivesse do lado oposto. Agora eram caçados
por igual.
– Tens um olhar distante – comentou ele. – Partilhas os teus pensamentos
comigo?
– Pensava em como me sinto feliz agora. Não tenho tido pensamentos
felizes nem calmos desde a morte do meu pai.
Stephen sorriu porque, pela primeira vez, ela não o acusou de matar
ninguém.
– Anda cá, docinho, a ver se te faço ainda mais feliz.
Desta vez não se apressou a despi-la. Rodaram ambos debaixo da manta
enrolada e riram-se quando um cotovelo se enterrou num lugar delicado.
Era uma luta íntima, rodando, rindo-se, apreciando-se mutuamente bem
como à sua liberdade.
As mãos de Stephen na pele de Bronwyn aquietaram-na. Descobria os
prazeres de fazer amor com ele. Beijou-lhe o rosto, o pescoço, acompanhou
o jogo do luar sobre a pele dele.
Ele traçou-lhe o ombro com os lábios, depois desceu até ao peito. Ela foi
assolada por arrepios.
– Stephen – sussurrou. Ele percorreu a cintura e as costelas com as mãos.
A força dele era excitante, tornava-a pequena e dependente dele.
– És linda – sussurrou ele.
Ela sorriu e soube que ele a tornava linda. Passou as mãos pelo interior
das coxas dela, e quando a sentiu tremer, igual emoção assolou-o.
Em cima dela, mexia-se devagar. Ela entregou-se a ele sem reservas, com
ânsia, puxando a boca contra a sua. Quando ela gemeu alto de prazer
Stephen beijou-a intensamente. Os sons que ela emitia, o seu abandono à
paixão dele, excitavam-no.
Fizeram amor demoradamente, até Bronwyn arranhar Stephen, exigindo-
lhe mais. Arqueou o corpo ao encontro dele, e ele explodiu num ímpeto
vigoroso. Ela agarrou-o com força, sem o deixar ir, querendo-o na íntegra.
Adormeceram assim, unidos, envoltos nos braços mútuos.
Foi Bronwyn a primeira a acordar. Stephen apertava-a contra si a ponto
de mal conseguir respirar. Ela fitou-o por instantes. Tinha um caracol de
cabelo sobre a orelha. Ela notou como ele tinha mudado ao longo dos
últimos meses. Idos estavam a pele pálida dos ingleses e o cabelo curto e
arranjado inglês. Sim, pensou ela, ninguém diria que era inglês agora.
Mexeu-se para beijar o caracol de cabelo. Recordou os dias em que temera
tomar iniciativas daquela natureza. Nesta manhã nada era mais certo do que
acordá-lo aos beijos.
Ele sorriu antes de abrir os olhos.
– Bom dia – sussurrou ela.
– Até tenho medo de olhar – disse ele, sonhador. – Alguém terá trocado a
minha Bronwyn por um duende dos bosques? – Ela mordeu-lhe o lóbulo da
orelha.
– Ai! – Abriu os olhos, depois riu-se. – Acho que não te troco por duende
nenhum – disse, aproximando-se dela.
– Nem penses! – Ela empurrou-o. – Quero ver o nosso bebé.
– O nosso bebé? Prefiro ficar aqui e fazer um só para nós.
Ela rodou para longe dele.
– Não sei se quero passar pelo mesmo de Kirsty. Anda, fazemos uma
corrida até ao cimo da encosta.
Stephen vestiu-se à pressa, e só quando Bronwyn alcançou o cimo da
crista que o riso dela o fez virar-se. Ela mostrou as botas dele. Ele gritou a
Rab para lhe trazer as botas, e a desavença entre cão e dona deu-lhe tempo
para correr pela colina. Ele conseguiu recuperar as botas, correndo depois
nas suas meias curtas de lã para a carruagem. Aguardava calmamente
sentado quando ela regressou.
– Bom dia – saudou-a como se não a visse há dias. – Dormiste bem?
Ela riu-se dele e entrou na carruagem para cuidar de Kirsty.
O resto do dia trouxe pouco tempo para risos ou brincadeiras. Os homens
foram à caça e Bronwyn foi deixada para trás para cuidar de Kirsty e do
acampamento. Estava chocada com a pouca quantidade de comida que o
casal tinha. Havia dois pequenos sacos de pães de aveia e pouco mais. Não
queria insultar Kirsty pedindo mais mantimentos, mas esperava que
houvesse outros algures.
Os homens regressaram ao cair do dia apenas com dois pequenos coelhos
nas mãos, que mal davam para uma refeição.
– Stephen – disse Bronwyn, puxando-o para o lado –, não podemos
continuar a aproveitar-nos deles. Não têm nada praticamente.
Ele recostou-se contra uma árvore.
– Eu sei, mas ao mesmo tempo, detesto deixá-los a sós. O Donald mal
sabe usar um arco e flecha. E a caça nesta zona foge dos caçadores. Detesto
largá-los e detesto ficar.
– Oxalá pudéssemos ajudar de alguma forma. Olha, bebe isto. – Estendeu
uma caneca.
– O que é?
– A Kirsty pediu-me que o preparasse. É feito de líquenes com um pouco
de cerveja. Disse que cura tudo. Passou o dia preocupada contigo e com o
Donald ao frio.
Stephen provou o líquido quente.
– E tu, preocupaste-te connosco?
Ela sorriu.
– Talvez com o Donald, mas eu sabia que serias capaz de tomar conta dos
dois.
Ele começou a responder, mas a bebida chamou-lhe a atenção.
– Isto é mesmo bom. Acho que está a curar a minha dor de cabeça.
Ela franziu a testa.
– Não sabia que te doía a cabeça.
– Não parou de doer desde que a seta do teu irmão a raspou. – Mudou de
assunto. – Tive uma ideia. Foi difícil arranjar líquenes?
– Nem por isso – disse ela, curiosa.
Os olhos de Stephen começaram a brilhar.
– Hoje o Donald contou-me que há uma vila aqui perto. Quer levar o filho
para ser batizado. Se nós os dois prepararmos uma barrica desta mistela,
talvez a possamos vender.
– Isso é muito esperto! – concordou ela, começando a fazer planos.
Passaram o final do dia à procura de líquenes. Donald reuniu o dinheiro
que havia e usou um dos cavalos da carruagem para se dirigir à vila e
comprar mais cerveja.
Já se fazia tarde quando estenderam as mantas no chão ao lado da
fogueira moribunda e se deitaram. Bronwyn aninhou-se a Stephen, satisfeita
por ficar ao lado dele sem ter de fazer amor. Esta sensação de proximidade
era nova para si, e fê-la sentir-se confortada e contente.
Muito cedo na manhã seguinte, atrelaram os cavalos à carruagem e
dirigiram-se para a pequena vila muralhada. Parecia haver centenas de lojas
além de casinhas dentro das muralhas, e o ar estava pesado, desagradável
para o respirar. Bronwyn ansiava pelos campos abertos.
Entrara em poucas vilas em toda a sua vida. Normalmente, eram os
mercadores que se dirigiam para Larenston para venderem os bens.
Donald parou a carruagem na estreita rua principal, diante de um beco, e
soltaram os cavalos. Preparavam um jarro da bebida e começaram a chamar
as pessoas para comprarem. Bronwyn e Kirsty ficaram dentro da carruagem
à escuta. A voz profunda de Stephen ecoava por cima do ruído da vila. Fez
algumas promessas extraordinárias pela bebida, falando da sua experiência
breve como se o tivesse curado da lepra.
Mas ninguém lhes comprava nada.
As pessoas paravam para escutar, mas não ofereciam moedas em troca do
líquido milagroso.
– Talvez pudesses executar uns rodopios com o corpo como fizeste ao
Tam – brincou Bronwyn.
Stephen ignorou as provocações dela enquanto tentava convencer um
jovem a comprar, dizendo que o elixir melhoraria a sua vida amorosa.
– Talvez o senhor precise de ajuda, mas eu não – respondeu o jovem. A
multidão riu-se e começou a dispersar-se.
– Está na hora de tentar isto – disse Bronwyn, começando a desabotoar a
camisa.
– Bronwyn! – protestou Kirsty. – Estás a pensar fazer uma coisa para
enfurecer o Stephen?
Ela sorriu.
– Talvez. Assim chega? – Olhou para baixo, para a curva generosa dos
seios expostos pela camisa desabotoada.
– Chega e bem. O Donald arrancava-me os cabelos se me visse assim.
– As inglesas usam vestidos com decotes no limite da decência –
retorquiu Bronwyn.
– Mas tu não és inglesa!
Bronwyn limitou-se a sorrir, em forma de resposta, descendo da dianteira
da carruagem, na ponta oposta à de Stephen.
Stephen sorriu de surpresa quando a ouviu anunciar.
– Isto cura tudo, desde furúnculos à doença dos suores – dizia ela.
Stephen viu a multidão começar a aproximar-se da parede lateral da
carruagem.
– A sua mulher anda infeliz? – anunciou Bronwyn. – Talvez seja culpa
sua. Esta bebida vai fazer de si o mais poderoso dos homens. Uma poção
amorosa sem rival.
– Conseguirá encontrar-me uma mulher como você? – berrou um
homem.
– Só se beber uma pipa inteira – respondeu Bronwyn prontamente.
A multidão riu-se.
– Acho que vou experimentar – berrou outro homem.
– Vou comprar alguma para o meu marido – exclamou uma mulher, antes
de se apressar para o fundo da carruagem, onde Donald e Stephen
aguardavam.
Durante algum tempo Stephen manteve-se entretido a encher os frascos
dos aldeões e a aceitar moedas para escutar Bronwyn com atenção. Estava
orgulhoso da forma como ela vendia e satisfeito que as pessoas gostassem
dela. Riu-se com a ideia de uma senhora inglesa que se fingisse ser
vendedora de rua, e com tanto êxito.
Foi quando começou a perceber o riso baixo e sugestivo dos homens que
ela realmente lhe chamou a atenção.
Um dos homens segurando uma caneca virou-se para o companheiro.
– Ela praticamente prometeu que se encontraria comigo junto ao poço da
terra.
O rosto de Stephen enregelou.
– E ela referiu que eu também iria? – perguntou numa voz ameaçadora.
O homem olhou para Stephen, para o desafio no rosto esbelto, e recuou.
– Não me ponha as culpas, foi ela quem me deu essa ideia.
– Raios a partam! – disse Stephen violentamente e atirou a concha para
dentro da bebida. O que julgava ela que estava a fazer?
Deteve-se ao contornar a carruagem. Ela tinha a camisa desabotoada,
expondo uma generosa porção dos seios firmes e subidos. Tinha despido a
manta e a saia colava-se às pernas. Andava destemida diante da multidão
cada vez maior. E a forma como andava! Mãos nas ancas, ancas que
baloiçavam sedutoramente.
Durante um instante, ficou chocado, e demasiado atordoado para reagir;
depois deu dois passos compridos na direção dela. Agarrou-a pelo braço, e
puxou-a para o beco nas traseiras da carruagem.
– Mas que raio pensas tu que fazes? – perguntou entredentes cerrados.
– A vender o bálsamo – disse ela muito calmamente. – Tu e o Donald não
estão a fazer grande coisa, e pensei que ajudaria.
Ele soltou-lhe o braço e começou a abotoar-lhe a blusa com raiva.
– Estás a gostar disto, não estás? A exibir-te como uma flausina!
Ela encarou-o, e sorriu de contentamento.
– Estás com ciúmes?
– Claro que não! – retorquiu ele, calando-se depois. – Claro que sim,
estou com ciúmes. Aqueles sebosos não têm direito a ver o que me
pertence.
– Oh, Stephen, isso… isso, não sei, mas fico muito contente com a tua
ciumeira.
– Contente? – perguntou, atónito. – Da próxima vez, espero que dependas
da tua memória e não despertes novamente este sentimento. – Abraçou-a
com força e beijou-a: feroz, ávido, possessivo.
Bronwyn correspondeu, e empurrou o corpo contra o dele, deixando-se ir
naquela posse.
Subitamente um berro que quase abalou as casas à sua volta interrompeu-
lhes o beijo.
– Onde está a moça que vendia o bálsamo?
Bronwyn afastou-se com relutância, olhando para Stephen, confusa.
– Onde está ela? – irrompeu a voz novamente.
– É o MacGregor – sussurrou ela. – Já ouvi a voz dele no passado.
Ela virou-se para a voz, mas Stephen agarrou-lhe no braço.
– Não podes ir ao encontro do MacGregor.
– Porque não? Nunca me viu. Não sabe quem eu sou, e além disso, como
é que posso recusar? Estamos em terra dos MacGregors.
Stephen franziu o cenho mas soltou-a. Uma recusa despertaria as
suspeitas.
– Aqui estou eu – anunciou ela, saindo do beco, com Stephen atrás de si.
O MacGregor montava a cavalo, fitou-a com olhar divertido. Era um
homem grande e compacto, cabelo grisalho nas têmporas, maxilar
particularmente forte. Tinha olhos verdes e muito vivos sobre um nariz
proeminente. – Quem me chama? – perguntou ela com arrogância.
O MacGregor deitou a cabeça para trás e soltou um estrondo de riso.
– Como se não soubesses quem é o teu senhor – disse ele, o olhar
enaltecendo um tom profundo de esmeralda.
Ela sorriu-lhe com ar doce.
– Será o mesmo senhor que não conhece os seus próprios elementos do
clã?
Ele não perdeu o sorriso.
– És uma moça atrevida. Como te chamas?
– Bronwyn – respondeu ela com orgulho, como se o nome fosse um
desafio. – O nome da senhora do clã MacArran.
A mão de Stephen apertou o ombro dela em jeito de aviso.
O olhar do MacGregor endureceu.
– Não evoques essa mulher na minha presença.
Bronwyn enfiou as mãos na anca.
– Será porque ainda trazes a marca dela na tua pessoa?
Subitamente fez-se um silêncio de morte. A multidão ficou tensa, com a
respiração contida.
– Bronwyn – começou Stephen, atónito com as palavras dela.
O MacGregor levantou a mão.
– Não só és atrevida como corajosa. Nenhuma outra pessoa se atreveu a
mencionar-me essa noite.
– Conta-me, porque ficaste tão zangado com uma marca tão pequena?
O MacGregor ficou silencioso ao ponderar a questão, e também a própria
rapariga.
– Pareces saber muito sobre esse assunto. – A tensão soltou-se dele
subitamente, e sorriu. – Talvez seja a mulher. Se fosse mais parecida
contigo, usaria a marca com orgulho, mas nenhuma mulher com aparência
de uma bruxa horrenda marcará um MacGregor.
Bronwyn preparou-se para responder, mas Stephen assentou ambas as
mãos na cintura dela impedindo-a de respirar.
– Perdoe a minha esposa – disse. – É um pouco desbocada.
– Isso é – concordou o MacGregor com entusiasmo. – Oxalá consigas
segurá-la.
– Seguro o mais que posso – riu-se Stephen.
– Gosto de uma mulher com verve – disse o MacGregor. – Esta é bonita e
tem cabeça.
– Mas eu preferia que de vez em quando ela guardasse os pensamentos
para si.
– Isso é coisa que as mulheres não fazem. Tenham um bom dia – disse,
incitando o cavalo para partir.
– Raios te partam! – exclamou Bronwyn ao virar-se para Stephen.
Antes de ela ter hipótese de se manifestar, ele deu-lhe um abanão de
sacudir os dentes.
– Ainda nos metias em sarilhos! – começou, olhando depois para a
multidão ainda atenta a eles. Agarrou-a pelo braço e puxou-a para a parte
lateral da carruagem. – Bronwyn – disse com paciência –, não sabes o que
podias ter feito? Quase que te anunciavas como a senhora do clã
MacArran.
– E se o tivesse feito? – perguntou ela teimosamente. – Ouviste-o dizer…
Interrompeu-a.
– Aquilo de que um homem se gaba a uma rapariga bonita e aquilo que é
obrigado a fazer perante uma multidão são duas coisas distintas. Pensaste
na Kirsty e no Donald? Deram-nos abrigo.
Para seu espanto, Bronwyn descontraiu-se, ou melhor dizendo,
desinchou. A alma como que a abandonou. Recostou-se contra os braços
dele.
– Estás cheio de razão, Stephen. Quando é que aprendo?
Ele cingiu-a contra si, afagando-lhe o cabelo. Gostava que ela o usasse
como apoio, mental e fisicamente.
– Serei alguma vez suficientemente esperta para merecer ser a chefe
MacArran?
– Serás, amor – sussurrou ele. – O desejo vive dentro de ti, e em breve
irás satisfazê-lo.
– Bronwyn?
Ambos olharam para cima, descobrindo Donald junto a eles.
– A Kirsty quis que vos viesse perguntar se estavam prontos para ver o
padre. Pensámos batizar o bebé antes de anoitecer. Não gostamos de estar
dentro de paredes à noite.
Stephen sorriu.
– Claro que estamos prontos. – Perscrutou Donald, percebendo que algo
incomodava o jovem. E porque se teria dirigido a Stephen em primeiro
lugar? Ocorreu-lhe que se Donald esteve dentro da carruagem, tê-los-á
escutado a dizer que Bronwyn era uma MacArran. Se soubesse, Stephen
podia garantir que Donald não tencionava entregá-los ao MacGregor.
***
Bronwyn sentou-se numa banheira de água quente e cheia de sabão que lhe
dava pelo pescoço. O fogo ardia fortemente na lareira ampla, conferindo ao
quarto um ambiente caloroso e fragrante. Olhou em redor, descontraída. O
aposento era belo, desde o teto de vigas ao chão com mármore espanhol. As
paredes continham madeira pintada de branco com pequenos botões de rosa
enrolando-se nos cantos. A enorme cama com dossel tinha cortinas de
veludo rosa-escuro. As cadeiras, os bancos, os armários estavam todos
elegantemente ornamentados com baixos-relevos em forma de arcos altos e
pontiagudos.
Bronwyn sorriu, recostando-se na banheira. Era agradável encontrar-se no
meio de tanto luxo, ainda que criticasse o uso de tanto dinheiro, melhor
empregue noutras finalidades. Ela e Stephen tinham presenciado a pobreza
profunda no caminho para a propriedade dos Montgomery. Se fosse ela,
teria usado o dinheiro em prol da sua gente, mas sabia que os ingleses
pensavam de forma diferente.
Fechou os olhos e reviveu os últimos minutos. Sorrindo, pensou na Judith
que tinha esperado e na Judith que conhecera. Esperava encontrar uma
mulher mansa e doce mas Judith nada tinha de mansa. Todos os criados
obedeciam-lhe sem hesitar. Antes de Bronwyn se ter apercebido do que
estava a acontecer, encontrara-se despida dentro da banheira. Afinal, água
quente era precisamente aquilo de que necessitava.
A porta abriu-se de mansinho e Judith entrou.
– Sentes-te melhor? – perguntou.
– Bastante. Já nem me lembrava de como era bom receber mimos. –
Judith soltou um sorriso e estendeu uma toalha quente para Bronwyn.
– Infelizmente, os homens desta família não são conhecidos por mimarem
as suas esposas. O Gavin nem pensa duas vezes se eu tiver de acompanhá-
lo na pior das tempestades.
Bronwyn envolveu a toalha em volta do corpo e fitou Judith com cautela.
– E o que farias se ele te pedisse para ficares em casa? – perguntou
baixinho.
Judith riu-se alegremente.
– Jamais ficaria em casa. O Gavin costuma menosprezar pormenores que
ele considera irrelevantes, tais como um capataz roubar o cereal dos
celeiros.
Bronwyn sentou-se junto à lareira e suspirou.
– Oxalá desses uma vista de olhos às minhas contas. Não sou boa a
mantê-las.
Judith pegou num pente de marfim e começou a desembaraçar o cabelo
acabado de lavar da cunhada.
– Mas tens mais preocupações dentro de ti do que feijões num armazém.
Conta-me, o que é ser a senhora de um clã, e teres aqueles jovens esbeltos a
fazerem todas as tuas vontades?
Bronwyn explodiu de riso, quer pelo tom sonhador de Judith quer pela
ideia absurda. Levantou-se, enfiou um dos roupões de Judith e começou a
puxar os nós do cabelo.
– É uma grande responsabilidade – disse com ar sério. – E no que toca à
obediência dos homens… – suspirou e tirou cabelos do pente. – Na Escócia
não somos como vocês, ingleses. Aqui, as mulheres são tratadas de forma
diferente.
– Como se não tivéssemos cérebro! – explodiu Judith.
– Sim, é verdade, mas quando os homens creem que a mulher é
inteligente, esperam mais delas.
– Não entendo – respondeu Judith.
– Os meus homens não me obedecem cegamente. Questionam-me
constantemente. Na Escócia os homens creem-se iguais entre si. O Stephen
diz aos homens dele que têm uma hora para se aprontarem e aos cavalos, e
eles nem sequer o questionam.
– Começo a entender – disse Judith. – Os teus homens perguntariam para
onde iriam e porquê? Se assim for, pode ser…
– Muito desgastante às vezes – concluiu Bronwyn por ela. – Há um
homem, mais velho, o Tam, que vigia todos os meus passos e comenta
todas as minhas decisões. Depois há os filhos do Tam, que me contradizem
a qualquer oportunidade. A bem dizer, só tomo decisões menores, pois as
grandes são um ato coletivo.
– Mas e se quiseres algo que eles estejam contra? O que farás?
Bronwyn sorriu lentamente.
– Há formas de dar a volta aos homens, mesmo aos que pairam sobre nós
como águias.
Foi a vez de Judith se rir.
– Como a vacaria! Não podia deixar que o Gavin construísse aquela coisa
horrível que ele tinha concebido. Fiz os homens trabalharem a noite toda
para cavarem as fundações antes de ele regressar. Sabia que seria
demasiado sóbrio para as derrubar e demasiado orgulhoso para admitir que
eu estava certa.
Bronwyn sentou-se no banco ao lado da cunhada.
– E pensar que eu temia conhecer-te. O Stephen dizia… bem, a forma
como ele te descreveu fez-me pensar que eras uma idiota bonita mas
inativa.
– O Stephen! – riu-se Judith e pegou na mão de Bronwyn. – Fui eu a
causa do atraso dele para o vosso casamento. Fiquei horrorizada quando
descobri que ele nem te tinha enviado uma mensagem a justificar-se –
hesitou. – Ouvi dizer que isso te causou problemas.
– O Stephen Montgomery causou os seus próprios problemas – disse
Bronwyn de imediato – Às vezes consegue ser o mais arrogante,
insuportável e frustrante…
– E fascinante dos homens – disse Judith com um suspiro pesado. – Nem
me digas. Sei bem disso porque casei com um deles. Mas não trocaria o
Gavin por nenhum outro homem afável e cavalheiresco. Deves sentir o
mesmo a respeito do Stephen.
Bronwyn sabia que tinha de responder, mas não sabia como.
Subitamente Rab estava de pé, cauda a abanar alegremente enquanto latia
entusiasmado para a porta dos aposentos.
Stephen entrou e ajoelhou-se, coçando as orelhas de Rab.
– Vocês as duas parecem estar bastante satisfeitas – disse ele.
– Foi uma alegria ter um pouco de paz e sossego – retorquiu Bronwyn.
Stephen sorriu para Judith.
– Já que aqui estamos, talvez possas domesticar-lhe a língua. Já agora
está um homem à entrada a delirar sobre vestidos.
– Maravilha! – declarou Judith e praticamente saiu do quarto a correr.
– Que se passou? – perguntou Stephen, endireitando-se e avançando para
a esposa. Levantou um caracol húmido do peito dela. – Estás tão apetitosa
como uma manhã de primavera.
Ela retraiu-se e encarou a lareira.
– Bronwyn, ainda não estás zangada por causa do sucedido com o Hugh,
pois não?
Ela virou-se para ele.
– Zangada? – perguntou friamente. – Não, zangada não estou. Fui apenas
tola, nada mais.
– Tola? – reagiu ele, pousando a mão no ombro de Bronwin. Não lhe
importavam os seus ataques de raiva nem o facto de lhe ter apontado uma
faca, mas ficava perturbado com tanta frieza. – Tola em que sentido?
Ela virou-se novamente para ele.
– Começava a crer que havia algo entre nós.
– Amor? – perguntou ele, olhos a reluzir, sorriso a curvar os lábios. – Não
é errado admitires que me amas.
Ela arreganhou o lábio e afastou-lhe a mão.
– Amor! – disse, irada. – Falo de coisas mais importantes que o amor
entre um homem e uma mulher. Falo de confiança e lealdade e a fé que uma
pessoa deposita noutra.
Ele franziu o cenho.
– Não faço ideia do que falas. Pensava que amor era o que as mulheres
normalmente querem.
Ela suspirou exasperada, e exprimiu-se num tom baixo.
– Quando perceberás tu que não sou uma «mulher normal»? Sou a
Bronwyn, a MacArran, e não há outra como eu. Talvez as mulheres julguem
que o amor é o maior objetivo das suas vidas, mas isso já tenho. Os meus
homens amam-me, o Tam ama-me. Sou amiga das mulheres do meu clã e
agora até da Kirsty, uma MacGregor.
– E onde me encaixo nisto? – perguntou Stephen, com o maxilar
retesado.
– Sem dúvida que nos amamos um ao outro, à nossa maneira. Cuidei de ti
quando a seta do Davey te feriu, e tu costumas mostrar que te preocupas
comigo.
– Obrigado por nada – disse ele amargamente. – E eu que julguei que
gostarias que te dissesse que te amo.
Ela fitou-o intensamente, sentindo o coração pular ante estas palavras mas
sem querer confessar.
– Quero mais do que amor. Quero algo que dure além da minha pele lisa e
da minha cintura estreita. – Fez uma pausa. – Quero respeito. Quero honra e
confiança. Não quero acusações de mentirosa nem quero os teus ciúmes.
Sendo a líder MacArran preciso de viver num mundo de homens, e não
quero um marido que me acuse de atos desonrosos quando saio da presença
dele.
Mexeu-se um musculo no maxilar de Stephen.
– Então! Ficarei calado a ver os homens tocarem-te sem reagir?
– Não acredito que tenha havido mais do que um homem. Devias ter
deduzido que atrás dos meus atos havia um motivo.
– Deduzido! Raios, Bronwyn! Achas que me ponho a deduzir quando
outro te toca?
O latido de Rab impediu-a de responder.
A porta entreabriu-se.
– É seguro? – perguntou Judith, atenta a Rab.
– Vem cá, Rab – ordenou Bronwyn quando Judith entrou. – Ele não te faz
mal a não ser que me ataques com uma arma.
– Não me esquecerei disso – riu-se Judith e estendeu os braços. Suspenso
neles estava um vestido de veludo castanho-escuro, bordado com fio grosso
de ouro. – Para ti – disse. – Vejamos se cabes nele.
– Mas…? – começou Bronwyn, recebendo o traje luxuoso.
Judith soltou um sorriso secreto.
– O Gavin tem a seu cargo um homenzinho horroroso, e volta e meia
tranca-o na adega por causa das suas… indiscrições. Decidi dar uso aos
talentos do homem. Em troca de uma bolsa com prata, disse-lhe a tua altura
e pedi-lhe que me trouxesse um vestido digno de uma senhora.
– É lindo – murmurou Bronwyn, passando as mãos pelo veludo. – És tão
boa para mim, fazes-me sentir tão bem-vinda.
Judith fitava Stephen, de costas para elas. Pousou a mão no ombro dele.
– Stephen, está tudo bem? Tens um ar cansado.
Ele tentou sorrir-lhe e beijou-lhe a mão distraído.
– Talvez esteja. – Virou-se para Bronwyn. – Os meus irmãos gostariam de
conhecer-vos – disse com ar formal. – Seria uma honra se pudésseis
aparecer. – Virou-se e saiu da sala.
Judith não perguntou o que tinha sucedido aos recém-casados. Só queria
que a estadia deles fosse o mais isenta de problemas quanto possível.
– Anda, ajudo-te a vestir. Amanhã poderás experimentar as novas roupas
que te encomendei.
– Novas…? Não devias ter feito isso.
– Mas fiz, e o mínimo que podes fazer é usá-las. Vejamos se isto te serve.
Horas depois, Bronwyn estava finalmente vestida e arranjada segundo os
critérios de Judith. Esta indicou que tinha aprendido muitos truques
enquanto estava na corte, lugar ao qual jamais queria voltar. Gostava do
costume escocês de Bronwyn que lhe deixava o cabelo solto, a ponto de
tirar o capuz e deixar o cabelo acobreado tombar pelas costas. Judith usava
um vestido de cetim violeta, mangas e decote debruados com vison
castanho-escuro. Um cinto dourado pontilhado com ametistas púrpuras
cingia-lhe a cintura.
Bronwyn alisou o veludo ao longo das ancas. O vestido era pesado e
apertado, mas gostou dele. O decote pronunciado e quadrado exibia os seios
no seu melhor. As mangas com folhos estavam abertas para mostrar o
tecido dourado muito fino. Endireitou os ombros e desceu as escadas ao
encontro dos cunhados.
Os quatro homens encontravam-se lado a lado diante da lareira no salão
invernal, e quer Bronwyn quer Judith fizeram uma pausa para os
observarem com orgulho.
Stephen cortara o cabelo comprido e tirara as vestes escocesas, e
Bronwyn sentiu uma pontada de perda pela sua figura das Terras Altas.
Usava agora uma jaqueta de veludo azul-escuro, e colarinho de pele de
marta. As pernas pesadas e musculadas estavam envoltas em meias-calças
de lã azul-escura.
Gavin envergava a jaqueta cinzenta, debruada com pele de esquilo
cinzenta. Raine vestia veludo preto, o colarinho bordado com fio de prata
num padrão espanhol convoluto. A jaqueta de Miles era feita de veludo
verde-esmeralda, as mangas abertas e cortadas para mostrar o tecido
prateado. As mangas da camisa continham pérolas.
Miles foi o primeiro a virar-se e deparar-se com as mulheres. Pousou o
cálice prateado de vinho sobre a cornija e adiantou-se. Parou em frente de
Bronwyn, olhar enegrecendo até se tornar um fogo escuro. Ajoelhou-se
num só joelho.
– É uma honra – disse em grande reverência, com a cabeça baixa.
Bronwyn fitou os outros, consternada.
Judith sorriu orgulhosa para a cunhada.
– Apresento-te o Miles.
Bronwyn esticou a mão e Miles tomou-a, beijando-a demoradamente.
– Acaba lá com isso, Miles – disse Stephen, sarcasticamente.
Gavin riu-se e deu uma palmada a Stephen no ombro com tanta força que
entornou vinho na mão.
– Agora tenho quem me ajude com o irmão mais novo – disse Gavin. –
Lady Bronwyn, posso apresentar-me formalmente? Sou o Gavin
Montgomery.
Bronwyn tirou a mão do aperto de Miles e desviou o olhar dele com
relutância. Havia algo extraordinariamente intrigante no jovem. Entregou a
mão a Gavin, depois virou-se para o outro irmão.
– Deves ser o Raine. Contaram-me bastante sobre ti.
– Alguma coisa boa? – perguntou Raine, pegando-lhe na mão, as
covinhas da cara mais profundas pelo sorriso.
– Muito pouco – respondeu ela com sinceridade. – Um dos meus homens,
o Tam, com o porte de um carvalho, treinava o Stephen na Escócia. Durante
semanas ouvi o teu nome ser usado para incitar o Stephen sempre que
tentava escapar às exigências duras do Tam.
Raine soltou uma gargalhada sonora.
– Deve ter resultado, pois ele venceu-me numa breve luta de manhã. –
Encarou Stephen. – Embora ainda não tenha aceitado o meu desafio para
um combate mais prolongado.
Bronwyn abriu os olhos, examinando o portento que eram os ombros
largos e o peito musculado de Raine.
– Parece-me que a primeira vez devia ser a única necessária para vencer o
oponente.
Raine agarrou-a pelos ombros e beijou-lhe o rosto com exuberância.
– Stephen, esta é para manter – riu-se.
– Bem tento – disse ele, pegando-lhe na mão antes de Miles a alcançar. –
A ceia está pronta, vamos? – sugeriu ele, perscrutando-lhe o olhar.
Ela sorriu-lhe com doçura, como se não estivessem zangados.
– Sim, por favor – disse com ar recatado.
Foi durante o jantar, à medida que os pratos iam sendo trazidos, que
Bronwyn se apercebeu de como eram diferentes, estes ingleses, dos
restantes. A família divertida e contente não era igual aos homens da casa
de Sir Thomas Crichton. Judith não se poupara a esforços para a acolher. Os
irmãos de Stephen aceitaram-na e não soltaram comentários sarcásticos a
respeito da sua condição de senhora de um clã.
Subitamente sentiu-se tonta. Toda a sua vida odiara os MacGregors e os
ingleses.
Agora era madrinha de um MacGregor e começava a gostar desta família
inglesa bastante chegada. E contudo os MacGregors matavam os
MacArrans há séculos. Os ingleses tinham-lhe assassinado o pai. Como
conseguiria amar aqueles que era suposto odiar?
– Lady Bronwyn? – perguntou Gavin. – O vinho está demasiado forte
para si?
– Não – ela sorriu. – Tudo isto é perfeito. É esse o meu problema.
Ele perscrutou-a.
– Quero que saibas que também somos a tua família. Se precisares de
nós, estamos ao dispor.
– Obrigada – respondeu ela com sinceridade. Sabia que eram palavras
sentidas.
Após a ceia, Judith conduziu Bronwyn numa ronda da área exterior às
muralhas. Havia duas secções no castelo, a exterior em que viviam e
trabalhavam os serviçais, e o círculo interior mais protegido, destinado à
família. Bronwyn ouviu e colocou centenas de perguntas sobre o complexo
do castelo incrivelmente eficiente e organizado. Os acres de terra no interior
das paredes altas e grossas praticamente sustentavam todo o castelo.
Stephen interrompeu-as quando falavam com o ferreiro e Judith
apresentava a Bronwyn uma nova técnica de forja.
– Bronwyn – disse Stephen –, posso dar-te uma palavrinha?
Ela sabia que o assunto era sério, portanto acompanhou-o para o exterior,
onde falariam em privado.
– O Gavin e eu vamos voltar para Larenston para trazer o corpo de Chris.
– O Tam já o terá enterrado.
Ele anuiu.
– Eu sei, mas devemo-lo à família do Chris. Ainda nem sabem que ele
morreu. Ajudará se puderem enterrá-lo na terra deles.
Ela anuiu em concordância.
– O Chris não gostava da Escócia – disse com ar triste.
Stephen afagou-lhe a cara com os nós dos dedos.
– É a primeira vez que nos separamos desde o casamento. Preferia
pensar... – Calou-se e deixou cair a mão.
– Stephen... – começou ela.
Subitamente, tomou-a nos braços e cingiu-a contra si.
– Oxalá pudéssemos voltar aos dias que passámos com a Kirsty e o
Donald. Estavas feliz.
Ela agarrou-o. Apesar do perigo em que se encontraram, também
recordava aquele período com alegria.
– Tornaste-te tão importante para mim – sussurrou ele. – Odeio partir
quando estás... tão fria comigo.
Ela riu-se e ele reagiu, afastando-a com um franzir de testa.
– Divirto-te? – perguntou com ar zangado.
– Pensava que fria é aquilo que não me sinto. Diz-me, daqui a quanto
tempo partes?
– Dentro de minutos – disse com um tom de voz tão arrependido que ela
se voltou a rir.
– E regressas, quando?
Pousou os dedos sob o queixo dela.
– Pelo menos, três dias muito compridos. Conhecendo o Gavin, vai ser
uma cavalgada dura – sorriu. – Não faremos paragens quase de hora em
hora, como tu e eu.
Ela enfiou os braços em volta do pescoço de Stephen.
– Não te esquecerás de mim enquanto estiveres fora? – sussurrou, lábios
encostados aos dele.
– Tão facilmente como me esqueceria de uma tempestade – respondeu
prontamente, rindo-se quando ela tentou escapar. – Anda cá, criadita –
ordenou.
A boca de Stephen tomou posse da de Bronwyn com tamanha avidez que
ela se esqueceu de manter a honra e o respeito. Recordava apenas os
encontros nas charnecas das Terras Altas. Ele virou-lhe a cabeça de lado,
para melhor se encaixar contra ela, e sorveu a doçura da ponta da outra
língua. Ela enterrou o corpo no dele e abraçou-o com força.
– Stephen... – tentou dizer.
Ele pousou dois dedos nos lábios da rapariga.
– Temos tanto para conversar quando regressares. Estás disponível?
Ela sorriu, contente.
– Muito disponível.
Ele beijou-a novamente, com desejo e promessas futuras. Afastou-se por
fim com relutância.
Bronwyn passou os dois dias seguintes com Lady Mary, e não demorou a
gostar da mulher. Enquanto Judith se atarefava com as finanças da casa e
com os problemas de gerir a sua vasta propriedade, bem como a de Gavin,
Mary e Bronwyn descobriram um apreço mútuo pelo povo. Bronwyn nunca
tivera grande interesse pelos números nos papéis, mas era capaz de
aprender mais sobre a prosperidade dos lugares ao falar com as gentes. Ela
e Mary percorreram os acres e acres de terra e conversavam com os
habitantes. Os servos eram inicialmente tímidos, mas rapidamente reagiram
à abertura de Bronwyn. Ela estava habituada a dirigir-se aos subordinados
como iguais, e um por um. Mary viu homens e mulheres endireitarem os
ombros de orgulho. Bronwyn mandou os doentes deitarem-se. Pediu, e
foram-lhe alegremente concedidos, mantimentos suplementares para as
crianças.
Mas não era sempre generosa com as oferendas. Considerava os serviços
como pessoas, pelo que não os encarava com piedade. Descobriu vários
homens que roubavam dos donos, e garantiu que eram castigados. Algumas
famílias leais, caladas e trabalhadoras foram colocadas em cargos de
responsabilidade e estatuto.
No final do primeiro dia, Judith e Bronwyn passaram horas juntas, a
cunhada ouvindo com admiração os relatos de Bronwyn. Judith apercebeu-
se da sensatez da cunhada imediatamente e acolheu os conselhos.
Por outro lado, Bronwyn aprendeu bastante sobre organização e
eficiência, conhecimento que pretendia aplicar em Larenston. Examinou os
desenhos de Judith para os edifícios, as plantas dos jardins. Judith prometeu
enviar um carregamento de canteiros de plantas para Larenston ao nascer a
primavera.
E Judith era um espanto no que tocava à criação animal. Bronwyn ficou
fascinada pela forma como Judith cruzava várias vezes as ovelhas e gado
para produzir mais carne, leite e lã.
Quando Bronwyn se recolheu aos aposentos sentia-se muito cansada. Foi
assolada por imagens de números e gráficos. Centenas de nomes e caras
flutuaram nos seus sonhos.
Acordando ainda de madrugada, digeriu-se às estrebarias antes de o
castelo ter acordado. Levava novamente o traje das Terras Altas, pois
descobrira que as pessoas reagiam mais expansivamente se vestisse roupas
modestas.
Depositou uma sela leve no flanco de uma égua cor de morango.
– Minha senhora – surgiu uma voz forte ao seu lado. – Permitia-me.
Deparou-se com um homem louro, bonito e baixo, um dos homens de
Miles, que a tinha acompanhado, e a Mary, na véspera.
– Obrigada, Richard.
Os olhos, de um tom verde-escuro, alegraram-se ao fitá-la.
– Conheceis o meu nome. É uma honra para mim.
Ela riu-se.
– Parvoíce! Na Escócia conheço o nome de todos os meus homens, e eles
tratam-me pelo meu.
Ele inclinou-se para atar a fivela.
– Falei com os homens do Lorde Stephen que o acompanharam à Escócia.
Contaram-me que costumáveis viajar de noite sozinha com os vossos
homens.
– É verdade – disse ela, lentamente. – Sou uma MacArran, chefe dos
meus homens.
Ele sorriu de forma lenta e provocadora.
– Permitais-me dizer que invejo os vossos homens das Terras Altas. Na
Inglaterra raramente temos chefes que sejam mulheres, e nunca tão lindas.
Ela franziu o cenho, e alcançou as rédeas do cavalo.
– Obrigada – disse ela, tensa, e orientou o animal para fora das
estrebarias.
– O que julgas que fazes? – retorquiu um homem atrás de Richard.
Richard lançou um relance à porta usada por Bronwyn antes de se virar
para o homem nas suas costas.
– Nada que te interesse, George – disse, passando pelo cavaleiro.
George agarrou o braço de Richard.
– Vi-te a falares com ela, e quero saber o que disseste.
– Porquê? – ripostou Richard. – Para ficares com ela só para ti. Bem sei o
que tu e os outros homens do Stephen diziam a respeito dela.
– Para ti é Lorde Stephen!
– És um hipócrita! Trata-la por Bronwyn e falas com ela como se fosse a
tua irmãzinha, e contudo, quando mais alguém fala com ela, tiras logo a
espada. Deixa-me dizer-te que, da minha parte, vou tratá-la como a puta
escocesa que é. Nenhuma senhora falaria assim com os homens e os servos,
a não ser que estivesse atrás do que eles têm entre as pernas. E eu…
O punho de George enfiou-se na boca de Richard antes de puder
continuar.
– Mato-te! – berrou George, tentando alcançar a garganta de Richard.
Richard conseguiu esquivar-se ao segundo golpe. Uniu as mãos e atingiu
a nuca de George, fazendo-o cair de cara na palha.
– O que se passa aqui? – ouviu-se a voz de Bronwyn vinda da entrada.
George sentou-se, esfregando o pescoço. Richard sangrava do nariz, e
limpou o sangue com as costas da mão.
– Fiz uma pergunta – disse Bronwyn em voz baixa, observando os dois
homens. – Não quero saber a causa da vossa briga, pois o assunto é pessoal,
mas quem desferiu o primeiro golpe.
Richard olhou decidido para George.
– Fui eu, minha senhora – disse George, tentando levantar-se.
– Tu, George? Mas… – Bronwyn calou-se. Teria havido um bom motivo
para George, com a sua personalidade calma e sólida, atacar primeiro. Não
gostava de Richard e não confiava nele. Passara a véspera a olhar
lascivamente para as jovens servas. Mas não podia deixar George e Richard
a sós, e não podia levar George consigo pois tinha sido ele a começar a
briga. Era preferível manter Richard consigo e proteger o homem de
Stephen.
– Richard – disse ela –, podes acompanhar-me e à Lady Mary hoje. –
Lançou um olhar de arrependimento para George e saiu da estrebaria.
– A mulher está doida por mim – riu-se Richard, saindo da estrebaria
antes de George lhe bater novamente.
Capítulo Quinze
***
– Bem, então terei sido eu a causa e não o Harben – indicou ele com uma
alegria íntima e muito profunda.
Bronwyn encostou-se a ele e esfregou a perna contra a dele.
– Talvez tenha sido a infusão – disse triste. – Não me lembro de mais
nada que me tenha posto grávida.
Ele riu-se, e mexeu-se rapidamente, puxando-a de barriga para baixo no
feno. Prontamente se livrou da manta escocesa. Manteve o joelho na curva
dorsal da rapariga. Ficando nu, dobrou-se e beijou-lhe a dobra dos joelhos.
– Não me esqueci totalmente de ti – murmurou, e passou os dentes pelos
tendões da perna. As mãos acariciaram-lhe as pernas, e a boca atormentou-
a. Ela gemeu sob ele e tentou virar-se, mas ele impediu-a e continuou a
torturá-la docemente.
A pele dele contra a sua causou arrepios em todo o corpo de Bronwyn. A
boca dele subiu pela espinha dorsal, as suas pernas contra as dela. A rigidez
das pernas cabeludas excitou-a ainda mais. Grandes mãos acariciaram-lhe
as costas, brincando com a sua macia figura.
Por fim, ela percebeu que não aguentaria mais e ele virou-a. Beijou-a, e
com a mão esfregava a barriga redonda, subindo depois para os peitos. Ela
arqueou-se contra o corpo masculino quando Stephen levou a boca aos
seios.
Ele voltou a subir, dentes percorrendo o pescoço dela. Bronwyn agarrou-
o, puxou-o para cima dela.
– Tendes fome, minha senhora? – rosnou no ouvido dela.
Ela mordeu-o, quase com força excessiva, e no instante seguinte Stephen
penetrou-a. Há tanto tempo que não estavam juntos, e a boca de Stephen
nos joelhos dela excitara-a febrilmente. Ao fim de poucos impulsos ambos
tremiam em espasmos amorosos.
– Oh, Stephen – murmurou ela, agarrando-o contra si. Era bom sentir-se
novamente segura, não estar só. Não notou que chorava.
Stephen saiu de cima dela e puxou-a para o refúgio dos seus braços
fortes. Tapou-os com a manta, e Rab encostou-se às costas da dona.
A segurança que sentia fê-la chorar ainda mais.
– Foi horrível? – perguntou Stephen, baixinho. – Estávamos tão
impotentes, mas não podíamos fazer muito mais.
Ela enxaguou as lágrimas e fitou-o.
– A Mary?
Ele baixou a cabeça.
– O Brian Chatworth trouxe-a para nós. – Ficou calado por instantes. Não
era o momento certo para falar da sua dor, e raiva, que lhe causava a morte
da irmã. A doce e terna Mary, que na vida só praticara o bem, não merecia
aquela morte tão vil. Miles quase tinha matado Brian antes de Gavin e
Stephen o impedirem. Quando Brian contou a história, reconheceram que,
mesmo cativa, Mary conseguiu transmitir amor. A miséria de Brian era
óbvia, ao carregar o corpo inerte da mulher que amava.
***
– O Brian foi à procura do Raine, seja onde for que esteja – prosseguiu
Stephen. – Disseram-nos que se escondia na floresta. Porque não voltaste
para Larenston? O Tam envelheceu vinte anos no último mês. Sabe tão
pouco do que aconteceu. Encontraram o Rab pela manhã e o Tam estava
certo de que tinhas morrido.
– Quis honrar a Mary.
– A Mary? Vieste para a casa do Harben por causa da Mary?
Bronwyn desatou a chorar com força.
– Tinhas razão. Pensei nisso durante tanto tempo. Sou muito egoísta e não
mereço o teu amor.
– Mas de que raios falas tu? – perguntou ele.
– O que disseste. Quando abraçavas aquela mulher. – Ela fungou
desajeitadamente.
Stephen franziu a testa, procurando entender a que se referia ela. Desde
que casaram, ele não tocara noutra mulher. Todas as outras nada
representavam, quando comparadas com a beleza e alma de Bronwyn.
Sorriu ao recordar a noite no castelo de Gavin.
– Aggie! – riu-se. – É a meretriz do castelo. Estava eu ali sentado com ar
triste e miserável, e ela entra-me pelo quarto, abre a blusa e atira-se para o
meu colo.
– Mas não a afastaste! Quando entrei, estavas a apreciá-la bem.
– Apreciá-la? – perguntou, encolhendo os ombros. – Sou homem, e posso
estar zangado e perturbado, mas ainda não morri.
Bronwyn agarrou num pedaço de feno e atirou-lho à cabeça.
Ele prendeu-lhe os braços de cada lado.
– Conta-me o que eu disse nessa noite – insistiu ele.
– Não te lembras! – Como seria possível esquecer-se de um assunto tão
importante para ela?
– Só me lembro de berrarmos um com o outro, depois de montar o
cavalo. Nem me recordo do meu destino. Durante a cavalgada, caí por terra
e adormeci. Pela manhã percebi que tinha feito uma parvoíce e que te tinha
perdido, e portanto decidi fazer algo para te reconquistar.
– Foi por isso que quiseste falar com o rei Henrique? Para me
reconquistares?
– Não foi por nenhum outro motivo – disse ele. – Odeio a corte. Tanto
desperdício!
Ela fitou-o, e riu-se.
– Agora pareces um escocês a falar.
– O rei Henrique também afirmou que eu já não parecia inglês mas
escocês.
Ela riu-se e começou a beijá-lo.
Ele afastou-a.
– Ainda não me deste resposta. Durante a minha estadia na corte, julguei-
te com os meus irmãos. O Gavin ficou tão zangado que não quis escrever-
me. Deve ter assumido que eu sabia que tinhas saído de casa nessa mesma
noite. Tu e o Miles pregaram-lhes um susto de morte, sabias?
– Mas tu, não? – perguntou ela. – O que pensaste quando descobriste que
eu regressara para a Escócia?
– Nem tive tempo para pensar! – comentou com desagrado. – O Gavin, o
Raine, o Miles e a Judith pregaram-me sermões intermináveis. Quando
acabaram, deixaram de falar comigo.
– E durante esse tempo todo eu encontrava-me na Escócia, e tu nem
sequer me mandaste uma mensagem!
– Mas tinhas-me deixado! – quase berrou. – Tu é que devias enviar-me
uma mensagem!
– Stephen Montgomery! – exclamou ela. – Não te deixei. Tu disseste que
tinhas partido para a corte do rei Henrique. Ficaria eu à espera que
voltasses? O que diria à tua família, que me trocaste por uma meretriz
gorda? E aquilo que disseste! – Desviou o olhar.
Ele pousou os dedos no queixo dela e voltou-lhe o rosto para si.
– Quero saber o que disse. Porque me deixaste? Conheço-te, e se fosse
apenas o caso da meretriz, não terias partido. O mais certo é que a
perseguisses com um ferro de marcar gado.
– Ela merecia a tortura! – comentou Bronwyn com fervor.
O tom de Stephen era firme, quase frio.
– Quero ouvir o que tens para dizer.
Embora ele se encontrasse por cima dela, Bronwyn desviou o olhar. As
lágrimas surgiam sem dificuldade. Nunca chorara tanto na vida, pensou
com repulsa.
– Disseste que eu era egoísta, demasiado egoísta para amar. Disseste que
me escondia atrás do clã porque tinha medo de crescer. Disseste… que ias à
procura de uma mulher que não fosse fria e que te desse o que precisavas.
A boca de Stephen abriu-se de espanto, e começou a rir.
Ela fitou-o chocada.
– Não vejo que as minhas fraquezas sejam motivo de riso – disse
friamente.
– Fraquezas! – exclamou ele, entre gargalhadas. – Céus! Devia estar
mesmo bêbado! Nem sabia que era possível ficar assim tão bêbado.
Ela tentou sair de debaixo dele.
– Não te rias de mim! Talvez seja a minha natureza egoísta que me
impede de ver o humor nas tuas palavras.
Stephen puxou-a de volta para si. Ela empurrou-o, e por instantes ele
deixou-a vencer a luta, rindo, e a puxá-la para debaixo de si.
– Bronwyn – disse com seriedade –, ouve-me. És a pessoa mais altruísta
que conheço. Nunca vi ninguém preocupar-se tão pouco consigo e tanto
com os outros, como tu. Não percebes que é por isso que fiquei tão zangado
quando te vi descer pela falésia? Tinhas o poder para ordenares a outro que
fizesse o salvamento, ou até seguires o conselho do Douglas e dares o Alex
como morto. Mas tu, nunca! Nunca a minha querida, doce senhora.
Pensaste apenas na vida de um dos teus membros do clã, e não em ti.
– Mas tive tanto medo – confessou ela.
– Claro que tiveste! Isso só enaltece a tua coragem, e o teu altruísmo.
– Mas porquê?… – começou ela.
– Porque te chamei de egoísta? Talvez porque estava magoado, por te
amar tanto e tu não me amares. E para dizer a verdade, fazes-me sentir
muito mortal. Receio não ter metade da tua coragem.
– Oh, Stephen, não é verdade. És muito corajoso. Derrubaste quatro
ingleses apenas armado com um arco e flecha, quando estivemos na casa da
Kirsty pela primeira vez. E foi preciso coragem para largares as roupas
inglesas e tornares-te escocês.
– Tornar-me escocês? – perguntou ele, um cenho erguido. Estava muito
sério. – Disseste em tempos que só me amarias se eu me tornasse escocês.
Aguardou mas ela não reagiu.
– Bronwyn, amo-te, e o meu maior desejo é que me ames também. –
Levou o dedo aos lábios dela e fez um olhar ameaçador. – E se tu repetires
«claro que gostamos um do outro» ainda parto o teu pescocinho.
– Claro que te amo, palerma! Porque julgas que me dói o estômago e a
minha cabeça fica mareada quando estás por perto? E piora quando te
afastas. A única razão para ter acompanhado o Roger Chatworth foi para te
provar que eu não era egoísta. Teria feito de tudo para me amares.
– Fugires com o meu inimigo não é prova do teu amor por mim – disse
ele friamente, antes de se abrir num sorriso. – Então, afinal amas-me ou por
minha causa ficas maldisposta?
– Oh, Stephen – riu-se Bronwyn, percebendo que acreditava nela. Não a
acusou de ter dormido com o Roger Chatworth. Começava a controlar os
seus ciúmes!
Subitamente calaram-se ambos. Tinham os dois sentido um movimento
abrupto na barriga dela.
– O que foi isso? – perguntou ele.
– Talvez um pontapé – respondeu ela, espantada. – O teu filho deu-nos
um pontapé.
Stephen saiu de cima dela e acariciou-lhe a barriga com reverência.
– Já sabias que estavas grávida quando me deixaste?
– Não te deixei – sublinhou ela –, mas sim, sabia.
Ele ficou calado, mantendo a mão quente pousada na barriga nua.
– Estás contente por termos um filho? – murmurou ela.
– Um pouco assustado, talvez. A Judith perdeu o primeiro. Não quero que
isso te aconteça.
Ela sorriu-lhe.
– Como pode acontecer-me seja o que for, enquanto estiveres por perto
para me protegeres?
– Proteger-te! – explodiu ele. – Nunca me dás ouvidos, nunca segues o
que eu digo. Drogas-me. Abandonas a proteção da minha família a meio da
noite. E…
Ela levou um dedo aos lábios dele.
– Mas amo-te. Amo-te muito, muito e preciso de ti. Da tua força, da tua
sensatez, da tua lealdade, e dos teus modos apaziguadores. Impedes-me e ao
meu clã de declararmos guerra aos nossos inimigos. E fazes-nos ver que os
ingleses não são todos ignorantes, gananciosos e mentirosos…
Ele acalmou-a com um beijo suave.
– Não estragues tudo – disse ele sarcasticamente. – Também te amo.
Amo-te desde o instante em que te vi com o teu clã. Nunca conhecera uma
mulher bonita, exceto a Judith, que fosse mais do que um ornamento. Foi
um choque descobrir que os teus homens te davam ouvidos e ver a forma
como te respeitavam. Foi a primeira vez que te vi para além de…
Os olhos dela brilharam.
– Uma boa diversão na cama?
Ele riu-se.
– Sim, sem dúvida. – Começou a beijá-la com intenções mais sérias,
explorando com as mãos o corpo dela.
– Stephen – murmurou ela, quando a beijava atrás da orelha. – Amanhã
encontro-me com o MacGregor.
– Ainda bem – murmurou ele, descendo para o pescoço. – Muito bem.
Ela virou a cabeça para ser beijada na boca.
Subitamente ele afastou-se dela. Rab soltou um latido de alerta. Stephen
fitou a mulher, horrorizado.
– Estás a brincar!
Ela sorriu com ar doce.
– Amanhã pela madrugada encontro-me com o MacGregor. – Levantou a
cabeça e recomeçou a beijá-lo.
Ele afastou-se e pôs-se direito.
– Maldita sejas! – disse por entredentes. – Vais voltar ao mesmo? Sem
dúvida, vão sozinhos para um local secreto.
– Sozinhos, sim. Não posso pedir ao meu clã para me acompanhar.
Tenciono acabar com esta guerra antes de mergulhar nela a sério.
Stephen cerrou os olhos por instantes e tentou acalmar-se.
– Não podes encontrar-te com o homem a sós. Estás proibida.
O rosto de Bronwyn ficou incrédulo de imediato.
– O quê? Proíbes-me! Como te atreves! Esqueces-te que sou líder
MacArran? Lá por te amar, não tens direitos sobre os meus deveres de
chefe.
– Calas-te por um instante, por favor? – pediu ele. – Pensas sempre que
fico contra ti. Escuta-me. Quem mais sabe do encontro?
– Só o Harben. Tratou de tudo. Até nem contámos à Nesta que se tinha
marcado a hora, para não lhe criar expectativas.
– Expectativas! – exclamou ele. – Só pensas nisso? Nos outros?
– Como se fosse mau.
– No teu caso, às vezes é. – Tentou acalmar-se novamente. – Bronwyn,
não percebes que tens de pensar em ti também?
– Mas penso! Quero que o meu clã tenha paz.
Stephen fitou-a com grande amor.
– Tudo bem, ouve. Imagina isto. Tu e o MacGregor encontram-se num
lugar solitário, sem dúvida com nevoeiro, e a única pessoa que sabe do
encontro é o Harben. E se o MacGregor decide terminar a rivalidade com os
MacArrans matando a chefe deles?
– Que insulto! – exclamou ela. – Trata-se de um encontro pacífico. O
MacGregor não faria isso.
Ele levou as mãos ao céu, como se a pedir ajuda.
– Não admites nada contrário ao que pensas, pois não? Há seis meses
odiavas tudo no MacGregor e hoje queres entregar a tua vida ao homem.
– Que alternativa me resta? Se o MacGregor e eu alcançarmos um acordo
de paz, podemos parar as mortes. Não é o que tu querias? Não disseste
sempre que a contenda devia terminar? A nossa guerra privada causou a
morte do teu amigo.
Ele agarrou-a e apertou-a contra si.
– Sim, concordo contigo. Quero tudo isso… mas quando penso no custo!
Devo deixar-te ir ao encontro de um homem com o dobro do teu tamanho
sozinha? Mata-te com um golpe.
Ela levantou a cabeça mas ele fê-la baixar-se novamente.
– Sozinha não vais. Eu acompanho-te.
– Mas não podes! – explodiu ela. – A mensagem destinava-se unicamente
a mim.
– Já transportas outra pessoa, que mal faz mais uma?
– Stephen… – suplicou ela.
– Não! – Lançou-lhe um olhar sério. – Desta vez vais obedecer-me,
compreendes?
Ela tentou contrapor, mas sabia que não valia a pena. A bem dizer, estava
contente por o ter ao lado. Ergueu a cabeça para receber um beijo.
Ele encostou os lábios aos dela e afastou-se.
Ela encarou-o com espanto.
Stephen apontou para a janela.
– Ou muito me engano, ou falta uma hora para o nascer do Sol. Temos de
partir.
– Mais uns minutos, pelo menos? – perguntou, esperançosa.
– És mesmo traquinas – brincou ele. – Vamos vestir-nos e conquistar o
MacGregor como me conquistaste a mim.
Ela ficou deitada no feno, vendo-o vestir-se apressadamente. O corpo
forte ficou tapado demasiado depressa. E pensar que em tempos o
considerava seu inimigo!
– Vós, senhor, sois o meu conquistador! – suspirou ela, e começou a
vestir-se sem vontade.
***
Sempre que este livro era lido antes da publicação, confrontavam-me com
as mesmas perguntas: porque não falo do saiote escocês (kilt) e quais são as
cores do tartã do clã MacArran?
Os primeiros habitantes das Terras Altas usavam uma veste simples
(plaide significa manta em gaélico), que abriam sobre o solo e nela se
deitavam, puxando depois as pontas que atavam à cintura. Formava um
saiote em baixo, e a parte superior do tecido, ou da manta, era presa no
ombro.
Contam-se várias histórias sobre a origem do kilt. Uma delas fala de um
inglês que simplificou o traje para maior conforto dos seus ferreiros nas
Terras Altas. Obviamente, os escoceses negam a veracidade desta história.
Qualquer que seja a verdade, o kilt moderno não surgiu antes de 1700.
Quanto às cores dos tartãs, os membros do clã usavam as que mais lhes
agradavam ou que pudessem ser tingidas a partir das plantas locais. Os clãs
eram identificados pelos laços coloridos dos gorros.
Também a origem dos tartãs dos clãs é alvo de várias histórias. Uma
indica que os nomes dos clãs eram atribuídos pelos mercadores que
exportavam tecidos axadrezados, para melhor identificarem a mercadoria
fabricada. Outra atribui a origem ao exército britânico, com o seu pendor
para a uniformidade, ao insistir que cada companhia escocesa usasse um
tartã da mesma cor e padrão. Seja como for, os clãs não tinham tartãs
próprios anteriormente a 1700.