Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Aeropagita II

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 24

Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

mais Criar um blog Login

Νεκρομαντεῖον

quarta-feira, 25 de outubro de 2023 Translate

Dionísio Areopagita e a teologia negativa Selecione o idioma Powered by Tradutor

em "Os Nomes Divinos" (Livro II) Descrição


Blog educativo sobre filosofia (ocidental e
oriental), religião comparada, simbolismo
tradicional, esoterismo e literatura. Há 17 anos
na internet.

Todos os textos são o resultado de estudos


pessoais do autor, e não representam adesão
a quaisquer movimentos ideológicos, políticos
ou religiosos.

SEGUIDORES
Seguidores (295) Próxima

"Deus não é nem as partes, nem nenhuma das partes, tampouco é o todo ou a totalidade,
dado que se assim fosse Ele seria dependente de algum outro. Não obstante, por uma razão
diferente, Ele é todas essas coisas, pois o bem que está presente nelas Ele o possui também.
Ele não possui o bem da mesma forma que elas (assim parecendo que o possui
impropriamente), mas, antes, Ele o possui mais eminentemente e primordialmente. Mais Seguir
eminentemente, isto é, em um grau eminentemente maior. E primordialmente, isto é, antes
que elas o possuam no tempo e igualmente na natureza."

MARSILIO FICINO, Comentários Páginas


No segundo livro de Os Nomes Divinos, Dionísio Areopagita, o santo a quem se credita Página inicial
tradicionalmente a autoria desse texto, adverte o leitor de que a bondade, a vida, o ser, o Bibliografia básica sobre Hinduísmo e filosofia
domínio, a sabedoria e a justiça devem ser atribuídas a Deus igualmente nas Suas três indiana
Pessoas. A explicação é que há nomes que são atribuídos à Trindade inteira e nomes que Sobre livros e armas
pertencem a cada uma das Pessoas divinas separadamente. Sobre “negacionismo” e ciência

Marsilio Ficino comenta que a Tearquia, o mais comum dos nomes de Deus invocados por Sobre o conceito de "epistemicídio"
Dionísio, significa a "primeira Deidade da divindade e o princípio de cada divindade". Note-se
que a Deidade da divindade é o fundo comum às Pessoas divinas, o fundamento, a essência
Arquivo do blog
do ser divino. Em termos dogmáticos, trata-se da substância que torna a Trindade
consubstancial, e não permite que se caia em um triteísmo. Não são três deuses distintos e ▼ 2024 (7)
separados, mas sim uma trindade de Pessoas que compartilham uma e a mesma natureza ▼ março (1)
divina.
Dionísio Areopagita e a teologia negativa
em "Os N...
Os nomes que se referem a esse fundo substancial comum de Deus são atribuídos

1 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

igualmente e sem distinção ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Todos eles, segundo Ficino, ► fevereiro (3)
significam simples perfeição e excelência. Outros nomes há que só se aplicam às Pessoas
► janeiro (3)
separadamente, como Pai e Filho. Embora haja uma única natureza em ambos, a distinção se
mantém somente na medida em que é necessário indicar a diferença entre o gerador (Pai) e o ► 2023 (32)
gerado (Filho).
► 2022 (15)
Dionísio enfatiza sua ortodoxia mostrando que as próprias Escrituras empregam por vezes um ► 2021 (29)
método de Diferenciação, e, por vezes, um método de Indiferenciação. Pertence
► 2020 (21)
exclusivamente ao Pai gerar e ao Filho ser gerado, o que não significa que o Filho seja de
natureza inferior ao Pai (há uma só natureza divina), ou temporalmente posterior ao Pai. A ► 2019 (21)
diferença consiste no fato de que o Filho tem sua origem no Pai e não o contrário.
► 2018 (15)

Os nomes indiferenciados são aqueles que podem ser empregados para designar a totalidade ► 2017 (16)
da divindade, sem distinção entre as Pessoas. O primeiro tipo dos nomes indiferenciados é
► 2016 (26)
aquele no qual se indica a superabundância divina, como nos termos Supraessencial,
Supradivino, Supravital. O segundo tipo é aquele no qual se indica uma relação causal entre ► 2015 (25)
Deus e as criaturas, como Bom, Justo, Existente, Sábio. Os nomes diferenciados são Pai, ► 2014 (29)
Filho, Espírito Santo, bem como aqueles que se referem à humanidade de Cristo.
► 2013 (22)
Em Sua unidade última, Deus é aquele que ultrapassa toda afirmação e toda a negação. ► 2012 (15)
Nesse sentido, há uma só e a mesma natureza inefável que deve ser atribuída igualmente às
► 2011 (28)
três Pessoas. Uma unidade transcendente, sem confusão das Pessoas, analogamente às
fontes de luz em uma casa que, apesar de serem diferentes umas das outras, seus raios ► 2010 (26)
unem-se sem nenhuma mistura. Quando as luzes forem separadas, nenhuma delas será ► 2009 (55)
diminuída em sua potência.
► 2008 (26)
Dionísio passa em seguida a expor as doutrinas de Santo Hieroteu, seu mestre, acerca da
► 2007 (25)
divindade de Cristo, que é a causa de todas as coisas, que preenche e preserva todas as
coisas, sem ser parte ou todo. Mas é parte e todo no sentido de que compreende em Si
mesmo todas as coisas, possuindo-as de modo eminente. Ele é a perfeição das coisas Marcadores
imperfeitas, e nas coisas perfeitas Ele é não-perfeito no sentido de que precede a perfeição
em excelência e em origem. Agostinho de Hipona (3)
Al Ghazzali (2)
Hieroteu resume a doutrina dos nomes divinos nessa curta passagem. Retomando uma
Alexandre Koyré (6)
definição que formulamos anteriormente, a teologia negativa, ou teologia apofática, se
caracteriza pela necessidade de negar a imperfeição para afirmar a perfeição e negar a Alvin Plantinga (7)
perfeição para não afirmar a imperfeição. Como Hieroteu ensina, quando comparamos as anarco-capitalismo (1)
coisas imperfeitas de nossa realidade com Deus, vemos que Ele é a perfeição. Todavia, ao Anselmo de Cantuária (3)
mesmo tempo, percebemos que a noção de perfeição que possuímos é muito limitada quando
antroplogia filosófica (3)
comparada à perfeição divina.
Argumento ontológico (5)
Deus excede infinitamente, e é a origem de, qualquer perfeição que possamos imaginar ou Aristóteles (36)
conceber. Nesse sentido, Deus não é dignamente representado por essa noção limitada de
Arte (17)
perfeição que possuímos. Para evitar que se pense a perfeição divina em termos limitados, é
necessário afirmar que Deus é não-perfeito, isto é, excede infinitamente a perfeição, é artes marciais (3)
supraperfeito. A linguagem negativa preserva a infinita e incomensurável perfeição divina artigos publicados (3)
negando que ela possa ser expressa mesmo pelo conceito mais alto e mais sublime de astronomia (8)
perfeição que possamos conceber.
beleza (1)
Deus dá origem a tudo sem se tornar múltiplo. É ser em um sentido supraessencial. Marsilio bíblia (1)
Ficino explica que Deus "ultrapassa as coisas supraessencialmente, pois Ele não está budismo (23)
colocado no mais alto grau desses seres com o restante situado no segundo e no terceiro
Budo (1)
graus". O ponto é que Deus não pode ser entendido como o grau máximo de uma linha
gradativa ascensional da qual fazem parte todos os seres. A diferença entre Deus e as coisas Carl G. Hempel (1)
não é de grau, como pode ser a diferença entre algo mais claro com relação a algo mais ceticismo (11)
escuro. Chesterton (1)

As coisas deste mundo são por definição limitadas, o que faz com que esse seja o mundo do China (16)
mais e do menos. Todos os entes estão em alguma relação de maior ou menor quantidade e/ Chuang Tzu (6)
ou de melhor ou pior qualidade com outros entes. A variação é própria da limitação que cinema (25)
caracteriza os seres desta realidade. Deus não está nessa relação de mais e de menos,
citações (246)
mas sim como fundamento que torna possível o mais e o menos.
comunismo (2)
Utilizando uma analogia, a cor vermelha pode ser mais ou menos intensa. Neste objeto A o
Confúcio (2)
vermelho é mais intenso e naquele objeto B é menos intenso. Todavia, ambos são vermelhos.
cosmologia (4)
O que torna possível que A seja mais intenso e B menos é o caráter da qualidade
vermelho presente nos dois. Mas o vermelho, enquanto qualidade, não é nem mais intenso e cristianismo (35)
nem menos intenso. Ele é o padrão que, estando em A e em B inteiramente (o vermelho está Daisetz Suzuki (1)
inteiro em ambos), permite que haja gradação de intensidade entre A e B. David Hume (7)

O vermelho, enquanto padrão qualitativo, não é diminuído ou acrescido, não sofre mudança Dionísio Areopagita (6)
alguma pelo fato de que o vermelho em A é mais intenso do que aquele presente em B. Dogen (1)
Nesse sentido, o vermelho transcende as limitações das suas manifestações em A e em B. O
Dostoievski (9)
vermelho é a Forma, o Padrão, a Razão, a Medida, o Logos que permanece o mesmo
Duns Scotus (1)
justamente para que nos seres possa haver variação e gradação. É o metro que torna a

2 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

medição possível, e para que haja medição é necessário que ele permaneça inalterado para economia (6)
que as coisas mensuradas possam variar nas suas medidas.
Emanuel Swedenborg (1)

A transcendência de Deus não é a da medida, da gradação, como se Ele fosse simplesmente epistemologia (57)
o maior de todos em uma escala de entes de mesmo tipo. Note-se que, mais à frente na Idade Eric Voegelin (4)
Média, Anselmo de Ostia, mui platonicamente, definirá Deus como "o ser do qual não se pode
Esfericidade da Terra (3)
pensar nada maior". Isto é, Deus não é simplesmente o ser maior de todos.
estética (2)
Deus está absolutamente fora de toda e qualquer gradação, dado que não se pode pensar
nada maior que Ele. Em outros termos, nenhuma medida, por mais excelsa, faz jus a Deus. estoicismo (3)
ética (15)
Nenhuma intensidade de vermelho muda em nada o vermelho. Nesse sentido, o vermelho é o
padrão absoluto pelo qual tudo que é vermelho é julgado. Nenhuma intensidade de vermelho ética iluminativa (1)

no mundo, por mais excelsa que seja, pode "ultrapassar" o vermelho. Nem sequer faria Étienne Gilson (2)
sentido uma comparação desse tipo. O vermelho está inteiro nas coisas enquanto padrão, e ficção científica (11)
simultaneamente está presente de modo limitado nas coisas enquanto grau de intensidade.
filosofia (343)
Deus está presente nas coisas como Ser, Bondade, Razão, etc, mas se faz presente em filosofia analítica (18)
medidas diferentes. Cada ente recebe os dons divinos segundo sua capacidade, dizem os filosofia antiga (45)
platônicos. Isso significa que, por exemplo, se Deus dá o Ser aos seres, cada um terá uma
filosofia brasileira (12)
dada proporção ou medida de Ser. Todos serão existentes, mas alguns terão a existência em
grau maior do que outros. Um time esportivo tem existência somente na medida em que há filosofia chinesa (16)

jogadores, estes sim existentes de modo mais pleno. filosofia contemporânea (26)
Filosofia da Ciência (42)
Nada em Deus muda por conta das variações das coisas das quais é a causa. Uma vez que
Ele está acima de tudo, então está acima até de todas essas perfeições que neste mundo se filosofia da linguagem (3)
manifestam de modo múltiplo e gradativo. Não há determinações em Deus. O vermelho já é filosofia da religião (142)
circunscrito, determinado, delimitado, pois o vermelho necessariamente não é o azul. Sequer Filosofia Islâmica (16)
essas limitações se apresentam em Deus. Por isso, como afirmava Ficino, Deus é "não
filosofia japonesa (10)
somente indeterminado. Ele tem de ser também indeterminável."
filosofia judaica (3)
Por fim, observe-se que na figura do Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, onde a Filosofia medieval (55)
natureza divina e a natureza humana estão unidas sem mistura ou confusão, realiza-se a
filosofia moderna (8)
síntese simbólica da realidade. Jesus, a perfeita Imago Dei, se manifesta aos homens como
ser humano pleno, sem jamais perder nada de sua divindade. De um lado, há o homem, a filosofia oriental (60)
limitação, a medida. De outro, o divino, o ilimitado, o infinito. O homem tem seu fundamento filosofia renascentista (7)
em Deus, e Deus se manifesta pelo homem. filosofia romana (4)

Cristo, uma só e mesma realidade, uma só hipóstase, simboliza o todo da Realidade, onde o filósofos (217)
limitado tem seu fundamento no ilimitado sem que haja qualquer tipo de mistura ou de Francis Bacon (1)
confusão. Preservada está a transcendência absoluta de Deus ainda que esteja Frédéric Bastiat (1)
imanentemente presente no todo singular que é Cristo. Nesse sentido simbólico, a Realidade
Friedrich von Hayek (1)
é um todo no qual estão presentes, unidos sem mistura ou confusão, o limitado e o ilimitado.
O segundo é o fundamento transcendente do primeiro. O limitado é a Imago do ilimitado. Friedrich Waismann (1)
Galileu (1)
...
George Berkeley (4)
Leia também: Giordano Bruno (1)

Νεκρομαντεῖον: Dionísio Areopagita (oleniski.blogspot.com) Górgias (5)


goth (1)
Νεκρομαντεῖον: neoplatonismo (oleniski.blogspot.com)
guerra (1)
Hilary Putnam (1)
Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 14:58 Nenhum comentário:
Hinduísmo (21)
história (14)
Marcadores: Dionísio Areopagita, filosofia, filosofia antiga, filosofia da religião, Filosofia medieval,
História Antiga (4)
filosofia renascentista, Marsilio Ficino, metafísica, mística, neoplatonismo, Platão, Plotino, religião
história da ciência (88)
História Militar (1)
domingo, 15 de outubro de 2023 homenagem (5)
Homero (6)
Eric Voegelin e a origem do cientificismo horror (2)
iaido (1)
Ibn Arabi (1)
Ibn Rushid (1)
Ibn Sina (4)
Idade Média (48)
Ilíada (5)
Índia (9)
Isaac Newton (11)
Islâ (14)
Japão (19)

3 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

jidaigeki (6)
John Stuart Mill (1)
judaísmo (3)
Karl Marx (3)
Karl Popper (25)
Keiji Nishitani (1)
Kitaro Nishida (6)
Kurosawa (3)
Larry Laudan (2)
Leibniz (6)
Leonardo da Vinci (1)
"Aqui podemos observar em estado bruto o fascínio do poder que transpira da nova ciência: é
Leszek Kolakowski (1)
tão esmagador que chega a cegar a consciência de alguém para os problemas elementares
da existência humana. A ciência torna-se um ídolo que vai magicamente curar todos os males liberalismo (8)
da existência e transformar a natureza do homem." libertarianismo (3)

ERIC VOEGELIN, The Origins of Scientism literatura (38)


Lovecraft (3)
O filósofo político alemão, radicado nos Estados Unidos, Eric Voegelin, em um artigo
Ludwig von Mises (2)
publicado em 1948 intitulado The Origins of Scientism analisa o fenômeno do cientificismo* e
aponta as suas consequências filosóficas e espirituais. Enquanto movimento intelectual, a sua Maimônides (4)
origem se encontra já na segunda metade do século XVII. Acompanhando o sucesso da Marcel Proust (2)
Revolução Científica, o cientificismo caracteriza-se por um fascínio com a nova ciência a Marco Aurélio (2)
ponto de desprezar ou mesmo negligenciar a preocupação com as experiências do espírito.
Mário Ferreira dos Santos (13)
Simultaneamente, criou-se a impressão de que a ciência seria capaz de fornecer uma visão Marsilio Ficino (6)
de mundo que substituiria completamente a visão da ordem religiosa da alma. E, no século Meister Eckhart (2)
XIX, a culminação desse desenvolvimento é a proibição explícita das questões de natureza
Mênon (3)
metafísica. Voegelin aponta três dogmas principais do cientificismo tal como ele se apresenta
na contemporaneidade: mentalidade revolucionária (15)
metafísica (116)
(1) a noção de que a ciência matemática dos fenômenos naturais é o modelo de toda e
Michael Oakeshott (1)
qualquer ciência; (2) a afirmação de que todos os âmbitos do Ser são acessíveis aos métodos
das ciências naturais; (3) o dogma afirma que todas as realidades não acessíveis aos Michael Polanyi (3)
métodos das ciências naturais são irrelevantes, na sua forma mais branda, ou francamente Mircea Eliade (12)
ilusórios, na sua forma mais radical. As consequências filosóficas desses dogmas são a mística (68)
negação da dignidade das pesquisas acerca da substância das coisas na natureza, no
mitologia (13)
homem e na transcendência, e, como resultado, a negação da realidade da substância.
moral (1)
Essa negação da substancialidade fôra notada já no século XVI por Giordano Bruno que, ao
Murray Rothbard (1)
tratar da matematização da realidade sensível em suas obras. O teor da crítica de Bruno
música (2)
provém não da negação da possibilidade do emprego da matemática no estudo dos entes
sensíveis, e sim da percepção clara de que a quantidade é um acidente das substâncias Nancy Cartwright (1)
(como dizia Aristóteles) e não a sua essência. Ademais, a multiplicidade não alcança a nazismo (1)
essência das coisas, e o homem que nega aquilo que não é perceptível sensivelmente acaba neoplatonismo (27)
por negar sua própria substancialidade.
Nicolau de Cusa (3)
Cabe uma breve explicação do sentido da crítica de Bruno. O que o filósofo aponta é que as Nietzsche (3)
características quantitativas de um ente corpóreo (número, altura, comprimento, largura, etc.)
Paul Feyerabend (3)
não são capazes de definir o tipo de ser que esse ente é. Por exemplo, um homem que tem a
Philip K. Dick (7)
mesma altura de um armário não é definido como ser humano pelo fato de ter a mesma altura
de um armário e vice-versa. O que o define como ser humano é a sua essência ou substância. Pierre Duhem (10)
Uma ciência que se restringisse a tratar dessas características quantitativas estaria Pierre Hadot (1)
necessariamente se restringindo ao nível mais externo da realidade. Platão (20)

Em outros termos, o que Bruno e Voegelin apontam é que uma ciência que só estuda as Plotino (12)
quantidades no mundo natural seria incapaz de determinar uma ontologia, ou seja, de dizer poesia (8)
exatamente o que há no mundo e o que as coisas são substancialmente. A quantidade é um
política (25)
acidente, uma propriedade que não existe por si mesma e independentemente de um
Porfírio de Tiro (1)
supósito, de algo que lhe conceda suporte. É possível medir sem saber o que se está
medindo. Ninguém precisa saber a definição correta de ser humano para medir a altura de um Pré-socráticos (1)
homem. Proclo (3)
racionalidade (12)
Consequentemente, a quantidade está no âmbito do fenômeno, daquilo que é apreendido
diretamente. Já a substância de uma coisa não é captada só pela observação daquilo que ela Radhakrishnan (2)
apresenta aos sentidos diretamente, mas, ao contrário, apesar de iniciar nos sentidos, a religião (82)
apreensão do que é uma coisa é obra do espírito que intelige ("lê dentro") a estrutura
religião grega (8)
intrínseca que torna aquela coisa o que ela é essencialmente. Voegelin considera essa
Réné Descartes (14)
rejeição científica em tratar da substância das coisas e se focar exclusivamente no fenômeno
um ingrediente essencial da mentalidade cientificista. René Guénon (5)
retórica (5)
A atitude acima descrita se espraia para além das ciências naturais, constituindo movimentos
Robert Charles Zaehner (2)
intelectuais como o positivismo e o neopositivismo, bem como modernos movimentos políticos

4 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

de massa como o comunismo e o nacional-socialismo. Afinal, Voegelin aponta, o próprio Lênin sabedoria (2)
havia declarado que o sentido da História é a "transformação da coisa-em-si-mesma em
Sabedoria da Unidade (2)
coisa-para-nós, a transformação da essência das coisas em fenômeno". Desse modo, o que
Sabedoria dos Princípios (8)
importa cientificamente é tão somente o que pode ser acessado por meio dos fenômenos,
nunca as naturezas intrínsecas das coisas. samurai (6)
Sankaracarya (14)
A efetividade da ciência moderna reforça essa tendência. Tomando o caso paradigmático da
Sêneca (1)
vitória da física newtoniana, Voegelin analisa a questão da relatividade do movimento. Desde
antes de Copérnico os modelos astronômicos dos céus não eram tomados como exatas Sérgio L.de C. Fernandes (3)
descrições de como as coisas realmente eram na realidade. Daí que o próprio Copérnico simbolismo (27)
admite que, a depender do referencia adotado, os cálculos matemáticos podem ser
socialismo (1)
simplificados utilizando ora o sistema heliocêntrico, ora o sistema geocêntrico.
sociedade livre (1)
Giordano Bruno enfatiza, em seguida, que em um universo cujo espaço é infinito não há Sócrates (7)
nenhum centro ou posição absolutas. A escolha do lugar para a origem das coordenadas é
Sófocles (2)
arbitrário. Leibniz, tomando a questão, reafirma que o princípio do movimento depende da
Star Wars (3)
exigência de que um corpo seja tomado como em repouso para que o outro seja denominado
como em movimento. Ocorre que, no âmbito do movimento relativo, essa escolha é Stendhal (1)
meramente uma hipótese. Suarez (1)

Isto é, como o movimento precisa de um referencial em repouso, e nunca se sabe realmente Surendranath Dasgupta (3)

se um corpo está em repouso, a escolha de um referencia será orientada pelo grau de Taisen Deshimaru (3)
simplicidade na descrição dos acontecimentos. Em dada situação, uma descrição pode ser Tantra (1)
mais simples do que outra, a depender do referencial adotado. Isso não torna a descrição
taoísmo (12)
mais simples mais verdadeira do que a alternativa. Há uma equivalência entre as hipóteses,
Tarkovsky (3)
de tal modo que, como Leibniz afirma em carta a Huygens, a escolha entre o heliocentrismo e
o geocentrismo é matéria de grau de simplicidade descritiva. teatro (5)
teologia natural (40)
A introdução do conceito de um espaço absoluto por Isaac Newton configura-se em uma
tentativa de resposta a esse problema. Se todas as posições no espaço empírico, aquele teoria do conhecimento (147)

acessado por nossos sentidos, são determinadas pela escolha de um referencial tomado Thomas Kuhn (1)
arbitrariamente como em estado de repouso, há que haver um referencial absoluto do Tomás de Aquino (18)
movimento que não é alcançado pelos sentidos. Enquanto do ponto de vista prático a região
tragédia grega (5)
das estrelas fixas pode fazer convenientemente o papel de referencial sensível, do ponto de
transhumanismo (1)
vista ontológico nada pode ser dito realmente em movimento ou em repouso sem um
referencial absoluto. Upanisads (8)
utopia (1)
O problema fica mais complexo se considerarmos que a própria definição do princípio de
inércia depende do conceito de repouso algum sentido. Não havendo repouso real, como Werner Heisenberg (1)

sustentar que "um corpo permanece em repouso ou em movimento uniforme em linha reta até Wittgenstein (1)
que ele seja compelido a mudar seu estado pela ação de outras forças impressas sobre ele"? Xenofonte (3)
A questão, novamente, não é prática, mas ontológica. Não havendo repouso real, não há
Yoga (3)
movimento real.
Zen (17)
Não obstante a importância dos problemas teóricos, Voegelin aponta também razões
teológicas na postulação do espaço absoluto por Newton. A redução da matéria à pura
extensão realizada por Descartes, e a consequente concepção do universo como uma
Leituras atuais
máquina governada por leis mecânicas cegas, pareceram a Newton como um expulsão de
"ECKHART, SUSO, TAULER" de Alain de
Deus do quadro da realidade. Deveria haver um lugar para Deus no esquema das coisas Libera
físicas.
"ENÉADAS" de Plotino

Então, Newton concebe o espaço absoluto não como pura matéria extensa, mas como o "FORCES AND FIELDS" de Mary B. Hesse
sensorium divino, isto é, o modo como Deus "percebe" e engloba todas as coisas. A "MUHAMMAD" de Martin Lings
necessidade mecânica não poderia produzir a variedade de coisas que testemunhamos
"TIMEU" de Platão
somente pode ser explicada pela vontade e as ideias do Ser Absoluto. Ironicamente, os
newtonianos, principalmente após a obra de divulgação de Voltaire, esqueceram totalmente as
intenções teológicas do mestre e mantiveram somente a afirmação do espaço absoluto. O Curso gratuito
mundo tornou-se de fato uma máquina material obedecendo a uma lei universal.

Newton dispensa-se de discutir as implicações metafísicas de suas teorias físicas por meio de
sua famosa negação de inventar hipóteses. Todos os fundamentos da física deveriam ser
deduzidos exclusivamente da experiência. Porém, a crítica filosófica do espaço absoluto
realizada por Berkeley aponta justamente para o fato de que o espaço absoluto nada tem de
experimental, dado que pelos sentidos só discernimos movimentos relativos. E, pior, o espaço
destituído e abstraído dos corpos percebidos pelos sentidos não é mais do que um mero
nada.

Como a crítica filosófica não persuade o cientista. Este passa a exigir, como Euler, que os
filósofos simplesmente aceitem as leis mecânicas como o ponto de partida absoluto de toda
investigação natural. Toda questão deve ser abandonada, por mais que a crítica seja
definitiva. O filósofo e o cientista encontram-se em um impasse, afirma Voegelin. O filósofo
deve ou tentar aclarar a confusão feita pelos cientistas nos seus fundamentos ou deve
simplesmente capitular e aceitar o nonsense metafísico e epistemológico.
Clique na imagem
A resposta de Leibniz é distinguir entre aquela força intrínseca ao ser da coisa, a vis primitiva,

5 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

e a força fenomênica, a vis derivativa. A primeira corresponde à essência do ente, sendo Curso gratuito
objeto da metafísica, enquanto a segunda corresponde às forças observáveis dos seres em
interação com os outros, objeto da física. Sobre estas versam as leis naturais que são
matematizáveis, muito embora no mundo real não existam entes matemáticos puros na
natureza. Não podem ser encarados a não ser como instrumentos para cálculos exatos e
abstratos.

Seja como for, a solução de Leibniz é esquecida e vence o mecanicismo de Newton que,
como consequência, afeta profundamente as estruturas políticas e econômicas do ocidente. A
ciência torna-se tecnologia, há a industrialização da produção e o aumento da população,
acontece o nascimento de novos grupos sociais como o proletariados industrial e o
proletariado intelectual, as decisões são tomadas cada vez mais longe do homem comum,
urbanização da sociedade, etc. O avanço da ciência após 1700, é o fator isolado mais
importante na transformação das estruturas de poder e de riqueza.
Clique na imagem
Ademais, a utilidade da ciência, diz Voegelin, foi o maior incentivo para que fossem colocados
à disposição do cientista esses meios de poder e de riqueza. É óbvio que essa utilidade
Meu livro "Introdução à
sempre esteve presente na história humana, pois o conhecimento das relações entre causa e
efeito nos permite traçar ações com meio a fins determinados. O problema é que essa
Epistemologia de Karl
mentalidade racional-utilitarista alcançou as características de um câncer em crescimento. O Popper" (2023)
domínio da natureza se tornou, ou deve se tornar, a única preocupação da humanidade e a
única forma de estrutura da sociedade.

Voegelin adverte que "é preciso que nos resguardemos contra o erro tão frequente em que
caíram os críticos dos movimentos totalitários: a crença de que uma ideia é politicamente
desimportante porque filosoficamente se trata de um claro disparate. A ideia que a estrutura e
os problemas da existência humana podem ser superados na sociedade histórica pelo
segmento utilitário da existência é certamente um puro absurdo. (...) Não obstante, o fato de
que a ideia é uma tolice não a impediu de se tornar a inspiração do mais forte movimento
político de nossa era."

A mesma ideia acompanha não somente os movimentos totalitários, mas também os


movimentos liberais e progressistas na medida em que consideram que os males trazidos
pela ciência devem ser curados com mais ciência. A ciência que controlou a natureza deve
agora controlar a sociedade em nome da construção da sociedade perfeita. Mas o reino dos
fenômenos, o âmbito da maestria utilitária, não funciona da mesma forma que o reino da
substância. Nenhuma compreensão da substância humana dará a chave para o domínio da
sociedade e da história.

O desejo de operar no âmbito da substância como no âmbito do fenômenos é a definição de


magia. A conjunção entre ciência e poder insinuaram na civilização moderna um forte
elemento mágico. A restrição da experiência humana ao campo da utilidade, da ciência e da
razão corresponde a operar sobre a substância do homem por meio do instrumento da
pragmática vontade planejadora. O ápice dessa operação mágica é o plano de criar o super- Clique na imagem.
homem, übermensch, que substituirá enfim a triste criatura de Deus, segundo defendido por
Condorcet, Comte, Marx, Nietzsche, o comunismo e o nacional-socialismo.
"A Teoria Física" de Pierre
A absolutização da ciência expressa o desejo de se encontrar uma orientação absoluta da Duhem (tradução minha)
existência humana na experiência meramente intramundana. Essa orientação só pode se
realizar às expensas de considerações acerca do espírito. A desordem existencial encontra na
recusa de Newton, a famosa hypotheses non fingo, uma de suas fontes mais fortes. Voegelin
bem percebe e admite que se essa recusa se limitasse a uma medida metodológica dentro
das ciências dos fenômenos não haveria grandes problemas.

Quando, porém, essa atitude é expandida para o reino da experiência humana, os efeitos são
desastrosos. O primeiro efeito é a crença de que a existência humana pode ser orientada em
um sentido absoluto por meio da ciência, o que torna desnecessário o cultivo de qualquer
conhecimento para além da ciência. A ignorância dos problemas que são existencialmente
importantes acompanha passo a passo as façanhas maravilhosas da ciência.

Em segundo lugar, a orientação existencial não pode ser alcançada pela ciência dos
fenômenos. Ela requer a formação da personalidade por meio de instituições. Uma vez que
mesmo as instituições educacionais estão sob o jugo científico, há uma força que ativamente
obstaculiza o cultivo da substância humana e corrói os elementos sobreviventes da tradição
cultural. E no quesito do cultivo da substância, os homens diferem em capacidade.

Os cultores do pathos cientificista são justamente os deficientes nessa dimensão, e a sua


penetração cultural cria um ambiente que privilegia os tipos humanos deficientes. Essa
reestratificação que escapa à descrição em termos de classes sociais passou desapercebida,
e deve ser expressa em termos de substância humana com o termo eunuquismo espiritual. O
século XIX viu a ascensão desse tipo humano deficiente que preparou o terreno para a
anarquia espiritual do século XX. Clique na imagem

Em terceiro lugar, aparece o arrogante diletantismo em matérias filosóficas. Voegelin dá como


exemplo importante do início desse ambiente intelectual a resposta de Clarke a Leibniz acerca
Postagens populares

6 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

das objeções filosóficas deste último ao conceito newtoniano de espaço absoluto. O que o Proclo, neoplatonismo e a
porta-voz de Newton no debate responde a Leibniz, "eu não compreendo", torna-se uma eternidade do mundo (parte 1)
atitude padrão. A incompreensão de Clarke não significa que ele tenha se dado conta de sua "Uma vez que o mundo subsiste
ignorância em matéria filosófica, mas, ao contrário, significava que não compreender era uma por causa da bondade da
divindade, é necessário que a
argumento a favor de suas próprias posições. divindade seja sempre boa, e
que o mundo sempre exi...
Voegelin aponta aqui para o fenômeno que é ainda muito comum no qual a afirmação de
ignorância ou de incompreensão parece adquirir o valor de uma refutação da tese alheia. O Dionísio Areopagita, teologia
que seria meramente uma falácia lógica, um argumentum ad ignorantia, torna-se por si catafática e teologia apofática
''E a vós, caro Timóteo, vos
mesma uma demonstração de bom senso e de respeitabilidade intelectual. Em vez de
aconselho que, no fervoroso
responder à objeção, o interlocutor simplesmente alega que sequer compreendeu o que foi exercício da contemplação
dito por seu adversário, insinuando que este afirmou algo sem sentido que não precisa e não mística, deixeis os sentidos e as
deve ser discutido seriamente. atividade...

A atitude descrita acima é bem representada pela arrogância e pela condescendência com a Notas curtas sobre a natureza
do símbolo
qual os membros do Círculo de Viena encaravam quaisquer declarações que escapassem dos
"E se tu suprimes isso que está
estreitíssimos limites de sua concepção de sentido das sentenças. Rudolf Carnap, em seu entre o Imparticipável e os
Pseudoproblemas na Filosofia, como o título indica, pretendia indicar quais eram as perguntas participantes – ó qual vazio! - tu
nos separas de Deus,
que poderiam ou não ser feitas legitimamente. Toda proposição que estivesse além ou aquém
destruindo o l...
da sua exigência de conteúdo fatual era considerada uma pseudoproposição.
Popper, a origem e a justificação
Segundo Carnap, todas as ciências do real reconheciam a exigência de conteúdo fatual para das teorias científicas
as suas proposições, e que apenas no domínio da filosofia e da teologia eram aceitas "Generalidade, similaridade, e
proposições sem tal conteúdo. No suposto trabalho de saneamento da filosofia levado a cabo também repetição, sempre
pressupõem a adoção de um
por Carnap, uma experiência espiritual perfeitamente compreensível como a apresentada por
ponto-de-vista: algumas
Martin Heidegger em "O que é Metafísica" com a expressão "o nada nadifica" (Das Nichts similaridades ou repetiç...
nichtet) se tornava o exemplo de uma tese cuja mera incompreensão (sincera ou não) seria
suficiente para descartá-la como nonsense. Sêneca, estoicismo e a
dignificação do sofrimento
Voegelin mostra que o prestígio da física de Newton explica em grande parte a vitória social "Assim, tomemos o caminho da
vitória em todas as nossas lutas,
do cientificismo como limitação dos horizontes mental e espiritual do homem. Tudo na
pois o prêmio não é uma coroa
realidade sendo reduzido à ciência do fenômeno, mesmo a experiência existencial humana, ou uma palma ou um corneteiro
qualquer outro saber deve ser eliminado ou considerado sem sentido. A consequência é que a que pede...
limitação mental dos propugnadores dessa tese (graças aos sucessos técnicos, práticos e
Philip K. Dick: "Null-O" ou a
utilitários da ciência moderna), torna-se uma norma social e favorece a ascensão daqueles redução eliminativa da realidade
que são espiritualmente eunucos. " Lemuel indicou o apartamento
com um movimento de sua
O diletantismo filosófico desses eunucos nos campos da psicologia materialista, da mão.'Todos esses aparentes
antropologia filosófica e das ideias políticas é socialmente efetiva, enquanto o argumento do objetos - cada um tem um
nome. Livro, cadei...
filósofo não o é. Voegelin considera que a vitória do espaço absoluto de Newton foi o primeiro
exemplo do sucesso de uma teoria diletante. O cisma se completa meio século após Mircea Eliade: Platão,
Schelling. Os eunucos formam dali em diante as ideias para as massas. Nos sistemas anamnesis e mentalidade mítica
totalitários o cisma toma a forma da eliminação física dos adversários dos continuadores da "Concorda-se hoje em ligar à
tradição pitagórica a doutrina
tradição.
platônica da anamnesis. Mas,
em Platão, não se trata mais de
Friedrich Hayek mostrara muito bem em seu The Counter-Revolution in Science os planos de memórias...
Condorcet, Saint-Simon e Comte de uma "organização científica da sociedade". Para tanto,
nenhum obstáculo deveria se impor ao projeto propugnado de modo tão racional e benéfico a Dionísio Areopagita e a teologia
todos. Explicando as teses de Saint-Simon, Hayek cita o francês que via que "a ideia vaga e negativa em "Os Nomes
Divinos" (Livro IV, sobre o Bem)
metafísica de liberdade (...) impede a ação das massas sobre o indivíduo (...) e é contrária ao
"No primeiro princípio das
desenvolvimento da civilização e à organização de um sistema bem ordenado." coisas a simples existência é ela
mesma a bondade primordial e
Hayek mostra que "Saint-Simon enxerga mais claramente do que a maioria dos socialistas absoluta em si. Assim como o Sol, luminoso
posteriores que a organização da sociedade para um propósito comum, o que é fundamental em...
a todos os sistemas socialistas, é incompatível com a liberdade individual e requer a
Paul Friedländer: Platão,
existência de um poder espiritual que escolhe a direção na qual as forças naturais deverão ser Sócrates, diálogos e os
aplicadas." Comte não fica atrás em seu desprezo pela liberdade de consciência. Para ele, Upanisads
assim como na astronomia, na física, na química e na fisiologia não há liberdade de "Não há conflito entre Platão, o
metafísico, e Sócrates, o
consciência, esta será eliminada quando a política for elevada ao nível de ciência natural.
inquiridor irônico: o próprio
Platão sempre viu em Sócrates um símbo...
O cientificismo, permitindo a ascensão dos eunucos espirituais e de sua mentalidade restrita,
abriu o caminho para os projetos de organização científica da sociedade, cujos frutos malditos Aristóteles, Tomás de Aquino e
foram a violência e o extermínio nos campos de concentração e nos gulags. Os problemas a demonstração da esfericidade
humanos são sempre espirituais e simbólicos, e a restrição dos horizontes mentais a uma da Terra
Bartholomeu
direção existencial intramundana resulta em uma castração substancial do ser humano.
Anglicus, De Proprietatibus
Rerum , séc. XIII "As ciências
... são diferenciadas de acordo co...

Leia também:

Νεκρομαντεῖον: Eric Voegelin (oleniski.blogspot.com) Lista de blogs e páginas de


interesse:
Νεκρομαντεῖον: Michael Oakeshott, racionalismo e política (oleniski.blogspot.com)
Theosophia Perennis
... Sobre Aristóteles, Deus e a teologia (por
Daniel Placido) - *Introdução* Aristóteles

7 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

* Cientificismo ou cientismo. muitas vezes tem sido


apresentado como o
paradigma do filósofo
Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 13:13 Um comentário: racionalista, quando não
um materialista e ateu,
Marcadores: citações, Eric Voegelin, filosofia, filosofia contemporânea, Filosofia da Ciência, a...
filosofia moderna, Giordano Bruno, Isaac Newton, Leibniz, metafísica, política Há 4 dias

Edward Feser
The metaphysics of
quarta-feira, 11 de outubro de 2023 individualism - Modern
moral discourse often
refers to “persons” and to
Dionísio Areopagita e a teologia negativa “individuals” as if the
notions were more or less

em "Os Nomes Divinos" (Livro I) interchangeable. But that is not the case.
In...
Há 5 dias

A Vida Intelectual
A tríade trágica - Todo ser
humano passa pela
*tríade trágica*: *dor/
sofrimento* (todo mundo
vai sofrer), *culpa* (todo
mundo vai errar) e
*morte* (todo mundo vai morrer)....
Há 6 dias

Stories by Giuliano on Medium


Consertando motores - Para consertar um
motor é preciso entender como ele
funciona. As relações entre suas partes e
seu fim último — movimento e repouso. A
Prakrti é basicamen...
Há um mês

Editora Bismillah
Súplica dos oprimidos - Ó Tu em cuja
misericórdia nos refugiamos!Tu, em quem
"Provamos, ao comentar a Teologia Mística, com base em Platão tanto quanto em Dionísio, os aflitos procuram asilo! Ó Protetor, cujo
perdão está próximo! Ó Tu que atendes a
que o princípio do universo deve ser mais apropriadamente designado como o Uno em si
todos os que Te ...
mesmo e o Bem. Mostramos também que tal princípio é superior ao intelecto e a qualquer Há 5 meses
inteligível, quão eminente possa ser. Portanto, nenhum intelecto alcança o Bem por um ato
intelectual, mas por meio de uma união que é mais verdadeira e melhor que o entendimento." Professor Deividi Pansera
A distração - Um mal que assola os
tempos modernos é a distração. Aqueles
MARSILIO FICINO, Comentários aos Nomes Divinos
que estudam, por exemplo, começam a
dispersar nas primeiras linhas lidas; a ter
Os tratados atribuídos a Dionísio, o pagão convertido ao Cristianismo pelo apóstolo Paulo no
problemas de re...
Areópago ateniense (Atos, 17), tiveram uma influência incomensurável na mística e na Há um ano
teologia cristãs desde o seu aparecimento. Textos como a Teologia Mística, Hierarquia
Celeste, Hierarquia Eclesiástica e Os Nomes Divinos, representam uma das fontes, junto com
Agostinho de Hipona, do neoplatonismo que estará presente durante todo o curso da Idade Regras para a reprodução do
Média e das épocas posteriores. Não à toa, o mago, padre e filósofo renascentista Marsilio conteúdo do blog:
Ficino, em seus comentários aos Nomes Divinos, considerará Dionísio como a culminação da
doutrina platônica, "doctrine Platonice culmen".

A questão central do tratado acerca dos nomes divinos é esclarecer como devem ser
entendidos os diversos termos e expressões que a Deus são atribuídos nas Sagradas This work is licensed under a
Escrituras. Sendo o princípio último de tudo o que é real e de tudo o que é possível, o Senhor Creative Commons Attribution-
necessariamente não pertence à classe dos entes deste mundo, e, portanto, não sofre de NonCommercial-NoDerivs 3.0
suas deficiências e de suas limitações. Dito de outro modo, o Princípio é
Unported License.
necessariamente superior àquilo que ele principia.
Em português:
Assim sendo, nenhum dos termos e das expressões empregados para designar Deus http://creativecommons.org/
adequam-se a Ele como se adequam às coisas das quais Ele é o Princípio. Dionísio inicia seu licenses/by-nc-nd/2.5/br/
discurso já advertindo que, como regra, só devem utilizar-se aqueles termos e nomes
revelados pelas Sagradas Escrituras. Essa admissão dos nomes bíblicos deve se dar de uma
forma inefável, ultrapassando tanto as nossas capacidades racional-calculativas quanto nossa Visualizações
capacidade intelectiva.
6 5 3 4 9 4
A razão para isso é que a natureza divina é "supraessencial" (ὑπερούσιος, superessentialitas),
isto é, está para além das essências. As essências correspondem às naturezas das coisas, ao
seu modo de ser, ao tipo de ser que elas são. Deus, na Sua natureza indizível, ultrapassa
infinitamente quaisquer essências das coisas limitadas das quais Ele é o princípio. Na medida
em que só podemos conhecer o que é limitado, o conhecimento da natureza divina para nós
equivale à ignorância.

Podemos e devemos crer na infalibilidade das Escrituras e empregar somente os nomes ali
revelados. Daí não se segue, entretanto, que haja qualquer possibilidade de se compreender
Deus como compreendemos algum ente da realidade que nos cerca. A
incompreeensibilidade divina é insuperável para nossos poderes de entendimento. Não é

8 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

possível conhecer os inteligíveis pelos sentidos ou pela imaginação, pois eles são realidades
incorpóreas, intangíveis e sem forma (αμορφία).

Analogamente, não é possível conhecer intelectualmente o Princípio que ultrapassa os


inteligíveis, o Uno supraessencial, o Intelecto que ultrapassa o intelecto, νοῦς ἀνόητος.
Sendo a Causa Universal da existência, Ele mesmo não existe, pois está para além de todo
Ser. Isto é, se consideramos como Ser a característica mais fundamental de tudo aquilo que
existe ou pode existir, e sabemos que cada ser é limitado individualmente e em sua essência
(seu tipo de ser), então mesmo a atribuição de Ser ou de existência não se aplicam ao
Princípio.

Marsilio Ficino, comentando essa passagem, esclarece que "mesmo os Aristotélicos pensam
que essência e ser, como os mais comuns atributos, são atribuídos às coisas pelo princípio
que é mais comum, e pela causa que é mais universal e mais poderosa. Os Platônicos, por
sua vez, supõem exatamente que o primeiro princípio é separado da essência e do
ser". Diferentemente dos aristotélicos, os platônicos não veem a fonte do Ser e das essências
como um ser, mas, ao contrário, como aquilo que ultrapassa todo o Ser.

Ficino se refere ao fato de que para os platônicos o mundo do Ser é sempre o mundo da
multiplicidade. No momento em que um ser X se afirma na existência como X, ele já nega
todas as possibilidades de não-X (A, B, C, D...). Consequentemente, o Ser é o âmbito no qual
se instaura a limitação, pois ser X implica a limitação de não ser quaisquer das possibilidades
de não-X. Para um platônico, então, o Princípio não pode se encontrar na dimensão do Ser,
na multiplicidade e na limitação, mas sim naquilo que ultrapassa o próprio Ser.

Na Enéada 5, Plotino identifica o Ser ao Intelecto (νοῦς), o âmbito das verdadeiras


substâncias, as Ideias eternas e absolutamente estáveis. A sua estabilidade e a sua real
existência provém da definição e da forma. Esse é o cosmos noético, o mundo dos inteligíveis,
que empresta inteligibilidade a todos os entes. Plotino afirma que o Ser não pode estar
suspenso na indefinição, isto é, tudo aquilo que possui ser é ao mesmo tempo algo inteligível,
compreensível, graças à definição que lhe fornece a sua essência, seu tipo de ser.

A inferência é clara: só possui inteligibilidade aquilo que é definido, portanto limitado. Só


compreendemos o que é inteligível, portanto aquilo que está para além do mundo da limitação
é para nós incompreensível. Plotino ensina que Platão denominava "Pai da causa" aquilo que
estava na origem do Intelecto ou Ser, a saber, o Bem que é Supraessencial. O Uno, ou o Bem,
dado que é o fundamento da multiplicidade, é anterior à Identidade e à Diferença, e ao
Número.

"Antes da Díada está o Uno. A Díada vem em segundo, e, tendo vindo do Uno, o Uno impõe
definição à ela, enquanto o Uno mesmo é indefinido", afirma Plotino. E acrescenta que
Parmênides não estava longe disso quando identificou o Ser ao Intelecto, e afirmou que só há
pensamento dentro da Esfera do Ser, que tudo contém e nada é externo à ela. Platão, no
Parmênides, fez a mesma coisa, quando distingue o Um, propriamente dito, do um-muitos (o
Ser). Aristóteles, embora ensinasse que o primeiro princípio era separado e inteligível, ao
afirmar que ele pensa a si mesmo, não pôde mais fazê-lo o primeiro princípio de todas as
coisas.

Ficino comenta que pela luz natural da razão humana podemos saber que Deus existe, o que
Ele não é, o que Ele cria e como é Sua governança do mundo, e, por fim, qual a condição das
coisas com relação a Ele. Mas pela razão natural é impossível saber a Sua natureza. A razão
natural é poder de conhecimento que todos os seres humanos possuem por serem seres
humanos. Dado que a nossa razão discursiva e o nosso intelecto só alcançam as essências
limitadas, elas não podem penetrar na vastidão infinita do Princípio.

A única forma de ultrapassar tais limites é um tipo de "união divina" por meio de "um tipo de
luz que é mais que natural", afirma Ficino. É preciso compreender que essa união,
experimentada inclusive por Plotino quatro vezes em sua vida, implica no desaparecimento de
toda dualidade, mesmo aquela que há entre sujeito e objeto. Não à toa, ao fim dessa unio
mystica, nada ou quase nada pode ser dito por aquele que a experienciou. Tudo permanece
um mistério insondável tanto para o agraciado por essa união quanto para aqueles que tentam
compreender o que se passou com o místico.

Dionísio prossegue afirmando que, mesmo com todos os nomes revelados pelas Santas
Escrituras, a natureza divina permanece supraessencialmente inacessível. A luz do
Princípio se difunde e alcança as coisas de acordo com as suas respectivas capacidades. Só
Deus conhece Deus. As coisas O conhecem somente na medida de seu próprio ser. A
doutrina neoplatônica aqui exposta é a da famosa participação.

Participar é ter parte em algo. É receber parte de ou atuar de modo limitado em uma
realidade. Nunca há identidade entre o participante e o participado, isto é, o participante
sempre está no âmbito da parcialidade e da limitação. Se digo que Pedro e João são dotados
de Razão, não quero com isso afirmar que eles são idênticos à Razão. Pedro e João possuem
não a Razão de forma absoluta, mas somente de forma parcial. Ambos possuem o
mesmíssimo conjunto de características essenciais da Razão, só que sempre em medida

9 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

limitada.

Assim, a luz divina se manifesta igualmente em todos os seres sem que isso implique que os
seres sejam essa luz infinita. O seu próprio ser é uma limitação, um "afunilamento" de uma
realidade que, em si mesma, é infinita e sem limites. Ficino expressa essa verdade dizendo
que "o conhecimento de Deus em Si mesmo existe em Deus acima das essências. Não
obstante, o conhecimento de Deus nas coisas subsequentes não transcende os limites da
essência". Deus somente conhece Deus tal como Ele é. Nós conhecemos Seus rastros no
mundo. Vemos os raios de luz, não o próprio Sol.

As coisas dependem absoluta e ontologicamente de Deus. Em seu comentário, Marsilio Ficino


descreve essa dependência nos seguintes termos:

"Tudo aquilo sobre o que falamos nas coisas depende inteiramente de Deus, e igualmente
Deus está presente como o mais profundo interior em todas as coisas (...) Olhe para uma
imagem, se houver, em um espelho. Ela (a imagem) depende de tal modo da pessoa viva, que
sua essência, poder, mudança, e repouso são a própria pessoa - a pessoa viva que está
olhando a si mesma no espelho. Muito mais, então, Deus, Ele próprio, é a essência das
coisas, a vida, o poder, o ato, a perseverança, a perfeição, a reforma. E, nas almas, Ele é sua
pureza, iluminação, perfeição e divindade."

A analogia de Ficino significa que a imagem no espelho não é a pessoa viva que olha a si
mesma pelo seu reflexo. A imagem (εἰκών, ícone) é uma representação, uma imitação da
pessoa que se posta diante do espelho. Ela depende de modo absoluto da pessoa da qual é a
imitação. Mas não há identidade entre ambas. A imagem participa, possui algo, da pessoa
real. Trata-se de semelhança, jamais de identidade. A pessoa é a essência da imagem no
sentido de que é a pessoa que transmite, sempre parcialmente, tudo aquilo que sustenta a
existência tênue e fugidia da imagem.

A representação não existe a não ser a partir do representado. Ela é uma figura limitada,
circunscrita e insubstancial do ente verdadeiro da qual é uma representação. A imagem
esculpida de Atena jamais será a deusa de glaucos olhos. Não haveria a escultura sem a
deusa que ela representa. Porém, a estátua é uma imagem da venerável deusa que imita
alguns de seus atributos, sem jamais igualar-se substancialmente àquela que saiu da cabeça
de Zeus completamente armada.

Ficino recorda que, por mais que Deus esteja no mais profundo das coisas, Ele é o Princípio
supraessencial, e que não há comensurabilidade entre Ele e as criaturas. Dionísio afirma que
Deus é o "princípio acima do princípio" por conta de Sua supraessencialidade. Ele é a Vida de
tudo aquilo que vive, o Ser de tudo aquilo que existe, a Origem e a Causa de tudo que existe,
existiu e vai existir. Deus é analogamente a pessoa diante do espelho que é a fonte da tênue
existência da imagem refletida.

A inefabilidade e a incognoscibilidade do Princípio foram recobertas simbolicamente pelas


Escrituras com termos provenientes do mundo sensível, como véus sagrados*, roupagens que
nos permitem acessar imperfeitamente o Inacessível. Dionísio faz alusão a um tratado de sua
autoria intitulado Teologia Simbólica que, infelizmente, não chegou a nossos tempos. Ele ali
considera os nomes divinos apresentados nas Escrituras como símbolos. Qual seria o sentido
desses símbolos?

A filósofa, teóloga, santa e mártir Edith Stein, em um estudo dedicado à teologia simbólica de
Dionísio Areopagita (curiosamente um dos seus últimos textos antes de sua prisão e de seu
assassinato em Auschwitz), aponta que os Mistérios Divinos se manifesta sob os véus das
espécies sensíveis. Os símbolos das Escrituras demandam interpretação para que não sejam
tomados em sentidos grosseiros e literalistas. Aquele que souber compreendê-los encontrará
neles muitos traços de luzes reveladoras:

"Tal é justamente o sentido desses símbolos: trata-se afastar aquilo que é santo do olhar
profanador dos tolos, e de apresentá-lo àqueles que buscam a santidade, que se libertaram
das representações infantis, e que adquiriram uma sabedoria suficiente para entrar na
consideração da simples Verdade."

Dionísio prossegue no seu texto reafirmando a incognoscibilidade sensível, imaginativa,


racional e intelectiva de Deus. O Uno, o Supraessencial, o Bem Absoluto é inacessível até aos
anjos, e as comunicações místicas que esses seres têm com Deus estão para além da
descrição e do seu conhecimento natural. Do mesmo modo, aquelas entre as almas que
entram nesses estados de união são introduzidas e deificadas, por meio da cessação de suas
atividades naturais, na Luz que ultrapassa a Divindade, e só concebem celebrar seus louvores
negando a Deus todos e quaisquer atributos.**

Deus é "a Causa de todas as coisas, e, ainda assim, Ele mesmo não é nada, pois transcende
supraessencialmente todas elas", afirma o Areopagita. Não é justo celebrar a Supraessência
da Divindade como Razão, Poder, Mente, Vida ou Ser. Os escritos sagrados afirmam que
Deus possui a um só tempo muitos nomes e, ainda assim, permanece sendo o Inominável. Os
nomes que Ele recebe são os reflexos d'Ele nas coisas. Na qualidade de Bem, Deus é a

10 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

Causa, a Origem e o Fim de todas as coisas.

Consequentemente, todos os nomes Lhe pertencem, dado que as perfeições com as quais O
nomeamos têm sua exclusiva origem Nele. Todas as coisas, enquanto contidas no Princípio,
são o próprio Princípio. Ficino comenta que "todas as coisas estão e igualmente não estão em
Deus, da mesma forma que uma casa está em um arquiteto, como as formas dos membros
estão no vegetal e na natureza seminal, como o calor está no Sol, os números no número um,
como o comprimento de uma linha está contida no ponto".

Em Deus, nenhuma das coisas residem na forma finita na qual existem aqui ou são
imaginadas aqui. O que é múltiplo nas coisas, em Deus é absoluta Unidade. Pela via da
excelência, Deus é todas as coisas em tudo. Pois Nele tudo é absoluto poder, o próprio Deus
ilimitado. Ficino usa uma fórmula próxima da coincidentia oppositorum empregada por Nicolau
de Cusa. Em Deus tudo é Deus. Nada disso implica qualquer identificação substancial entre o
Princípio e o principiado.

...

Leia também:

Νεκρομαντεῖον: Dionísio Areopagita (oleniski.blogspot.com)


Νεκρομαντεῖον: neoplatonismo (oleniski.blogspot.com)

...
* Na Kabbalah, um dos símbolos da manifestação das coisas é o Pargod, o véu visível por
trás do qual se esconde o Ain Soph, a natureza imanifestada e imanifestável, indizível e
incompreensível de YHWH. No mundo muçulmano, o tema dos véus de Al'lah é também
frequente.
** Compare-se essa negação dos atributos divinos às doutrinas de Ibn Sina e de Moisés ben
Maimônides sobre o mesmo tema:
Νεκρομαντεῖον: Ibn Sina e a natureza de Deus (oleniski.blogspot.com)
Νεκρομαντεῖον: Maimônides, Torá e a negação dos atributos de Deus (oleniski.blogspot.com)

Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 16:56 Um comentário:

Marcadores: Dionísio Areopagita, filosofia, filosofia antiga, filosofia da religião, Filosofia medieval,
filosofia renascentista, Marsilio Ficino, metafísica, mística, neoplatonismo, Platão, Plotino, religião

terça-feira, 3 de outubro de 2023

Meister Eckhart, a alma e a unicidade


divina

"Posso adquirir a sabedoria, e posso também perdê-la. Mas tudo aquilo que está em Deus, é
Deus. E isso não pode escapar-Lhe."

MEISTER ECKHART, Sermão 3

O místico, teólogo e frade dominicano alemão medieval Meister Eckhart, em seu Sermão 2,
interpreta simbolicamente o texto evangélico de Lucas 10, 38 segundo o qual Jesus havia
subido a uma aldeia e ali havia sido recebido por uma mulher que era uma virgem. A
virgindade designa o ser humano cuja alma é tão vazia de imagens estrangeiras quanto vazio
seria antes de haver existido.

O tema do vazio é caro a Eckhart e se refere tanto a Deus quanto à alma quando unida
àquele mesmo fundamento último, uno e indizível. Em Sua essencialidade simples, Deus é
puro vazio, não-ente, e o homem, na medida em que mantém-se apegado a qualquer coisa
que não seja Deus, mostra não haver ainda alcançado a Gelassenheit, o desapego absoluto
no qual todas as coisas são transcendidas no vazio divino. A alma é ali tão vazia como era

11 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

antes mesmo de sua própria existência.

A questão é saber como um homem pode estar tão desapegado de tudo quando está neste
mundo cercado de entes. Para Eckhart nada há aí de impossível, pois não se trata de negar
as coisas depois que a alma e elas vieram à existência. Bem diferente disso, a Gelassenheit
significa retornar intimamente ao seio indiviso de Deus, a raiz de todas as coisas, antes que
todas as coisas tomassem existência. Em outros termos, o vazio de Deus não nega as
criaturas, mas, ao contrário, é o seu fundamento e as contém como seu princípio derradeiro.

Nesta vida é possível viver de tal modo que não se considere como propriedades quaisquer
das nossas ações realizadas. E, mais ainda, é possível viver na eternidade, lá mesmo onde
indizivelmente não há outra coisa senão o Filho sendo gerado eternamente pelo Pai. A
virgindade é, assim, a afirmação exclusiva de Deus que, por assim dizer, reabsorve todas as
criaturas em Si mesmo no próprio ato de Seu aparecimento.

Dito de um modo filosófico-metafísico, o Ser só "aparece" no desaparecimento dos entes.


Usando uma analogia, aquele que tem diante de si uma paisagem só pode contemplá-la
inteiramente se não enxerga esta árvore ou aquela pedra. Isto é, o Todo só se encontra
quando a parte desaparece. Se o foco permanece nisto ou naquilo, a paisagem se perde
como totalidade. Mas se isto e aquilo "desaparecem" como objetos de foco, a paisagem
"aparece" como totalidade em que tudo está nela contido, ainda que de forma não distinta ou
separada.

O vazio de Deus não é infrutífero, entretanto. Não é o Nada da negação absoluta de todo ser
real ou possível. O vazio da alma não pode, por conseguinte, ser ele mesmo infrutífero.
Eckhart ensina que é por isso que a virgem da passagem evangélica é chamada de mulher.
Os frutos da gravidez dessa mulher são as ações realizadas pela alma vazia sem nenhuma
pretensão de propriedade, dado que advém exclusivamente da vontade divina. O fruto
máximo é, obviamente, o Cristo, que é gerado pelo Pai ali naquele fundo indizível e
insondável de Deus.

Eckhart reafirma em seguida sua doutrina de que "há na alma humana uma potência que não
é tocada nem pelo tempo, nem pela carne, que emana do espírito e permanece no espírito e
é absolutamente espiritual." Surpreendente ensinamento segundo o qual há na alma algo
mais alto ou mais profundo que a alma e suas potências mais humanas como o intelecto e a
vontade! O espírito, spiritus, Geist em alemão, designa a mens de Agostinho, geralmente
traduzida como alma ou mesmo mente.

Na metafísica de Eckhart, mens ou Geist adquire o significado de um fundo na alma que não é
tocado por nada, fora das variações da vontade ou das intelecções. É nessa potência
abscôndita que se encontra o Deus Absconditus, onde o Pai eternamente engendra o Filho
que é Ele mesmo. Nesse fundo indizível e inexprimível anterior a todas as diferenciações,
alma e Deus se encontram em um Grund, ground, fundamento.

Filosoficamente, esse fundo pode ser designado mais precisamente como Urgrund,
o fundamento primeiro ou originário de todas as coisas. O Urgrund só se encontra quando
todas as coisas desaparecem, inclusive a própria alma naquilo que ela possui de cambiante e
de determinado. Eckhart afirma que se só por um instante a alma contemplasse Deus como
Ele é nesse fundo, a alegria seria tanta que, ainda que a alma fosse condenada a uma vida de
sofrimentos mais atrozes do que quaisquer outros infligidos na história a um homem, ela
suportaria tudo até o fim.

Sem dúvida, o que seriam os sofrimentos humanos diante da beatitude divina? Ivan
Karamazov pode querer devolver o seu ticket para o Paraíso se isso implicar no sofrimento de
tantos inocentes. O problema é que não existe comensurabilidade entre o temporal e o eterno,
de modo que o instante que não perdura, e que não pode perdurar entre dois agoras sob pena
de tornar-se tempo, é inimaginável (imaginação é proveniente dos sentidos).

Comumente, podemos, no máximo, inteligir, compreender o significado do conceito de


instante que caracteriza a eternidade. Se o experienciássemos em um só instante, todo o
tempo desapareceria e, com ele, todo o câmbio que gera a possibilidade do sofrimento.
Eckhart, contudo, não se limita a dizer que os sofrimentos, por mais atrozes que sejam na
dimensão temporal, nada são quando tomados na eternidade divina.

Mesmo que Deus, depois de haver permitido a um homem contemplá-Lo nesse instante
eterno, negasse a ele em seguida o Reino dos Céus, tal homem teria recebido maior salário
por todo o seu sofrimento. O homem unido a Deus nesse nunc aeternitatis, nesse agora
eterno, jamais envelheceria, pois o instante em que Deus cria o primeiro homem e aquele em
que o último homem desaparece coincidem perfeitamente no Senhor. E mais, ele nunca
sofreria ou se abalaria com nada, e teria nele mesmo todas as coisas de modo substancial.

O significado dessas declarações surpreendentes é mais simples do que parece à primeira


vista. Se o homem vive unido a Deus nesse Urgrund, nesse fundamento originário, ele e Deus
são uma só realidade. Isto é, nesse fundo comum anterior a toda diferenciação, tudo é Um,
nada há de distinto e de determinado (aquilo que tem termo, fim, limite). Ali, no fundo indizível

12 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

onde Deus é puro Um, todas as coisas estão contidas substancialmente, ou seja, tudo o que
pode e o que não pode existir está unido indistintamente naquele que é o único que realmente
existe no sentido mais excelso do Ser.

A pouca substancialidade que os entes possuem, o que caracteriza a sua indigência


ontológica, eles a recebem exclusivamente de Deus. Nenhum ente possui o poder de existir
como uma propriedade de sua essência. Consequentemente, em Deus convivem todas as
possibilidades antinômicas justamente porque elas ainda não se realizaram, não se tornaram
reais no mundo temporal. O homem unido a Deus nesse fundo é ele mesmo o próprio Deus, e
possui tudo o que está contido na onipotência divina.

Regressar ao fundamento originário, por assim dizer, é desaparecer para si mesmo, é


despojar-se de seu próprio ser limitado, tênue e diminuto, para "tornar-se" o próprio Deus na
Sua unicidade suprema que não admite qualquer possibilidade de um outro. Como Eckhart
adverte na sua interpretação simbólica da passagem evangélica, nada impede que essa
realidade seja vivida neste mundo, em meio aos entes que nos cercam e que parecem
esconder a face divina.

O homem liberto em vida (jīvanmukta) é exteriormente idêntico a qualquer homem que come e
bebe, acorda e dorme, e vive entre os outros homens. Os entes só são obstáculos para
aquele que os toma ou quer tomar para si como coisas que lhe são próprias. Não somente os
objetos externos, mas também seu corpo e aquilo que lhe é interior, como a vontade própria e
até mesmo o fato de sua existência. Nada nos pertence, até mesmo o nosso ser. Reconhecido
isso, retorna-se ao fundamento originário nesta vida, e se vive como se não se vivesse mais.

"Se alguém quiser seguir-me, negue-se a si mesmo", diz o Cristo. O si mesmo a ser negado é,
segundo Eckhart, muitíssimo mais radical (radix, "raiz" em Latim) do que a renúncia ao pecado
e aos desejos desordenados. É uma renúncia a tudo que comumente pensamos ser nosso,
inclusive, e mais fundamentalmente, o nosso próprio ser como um suposto ente independente
e que existe por si mesmo. "Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá; mas quem perder a
vida por minha causa, este a salvará". O homem só salva a sua vida perdendo o seu ser no
Um divino, e, desse modo, tornando-se o próprio Um.

Eckhart prossegue dizendo que essa potência do espírito que ele por vezes adjetivou
como separada e livre, luz do espírito, pequena fagulha, na verdade não é isso e nem aquilo,
é livre de todo nome e destituída de toda forma. "É tão completamente una e simples quanto
Deus é uno e simples",* afirma o místico alemão. Tão acima está de "todo modo e de todas as
potências", ela que é o Um, que nenhum modo ou potência, nem o próprio Deus a pode
contemplar.

Novamente, uma afirmação chocante é apresentada. Sim, compreende-se que todo o modo e
toda a potência, na medida em que são realidades distintas e delimitadas, não podem
participar do ens realissimum que é igualmente ens simplissimum. Não obstante, o próprio
Deus não pode contemplar Sua própria simplicidade? A fim de compreender Eckhart, é
necessário recordar que a beatitude se encontra justamente naquele fundo indizível "anterior"
à própria geração eterna do Verbo.

O belíssimo prólogo do Evangelho de João diz: "No princípio (ἀρχῇ, arkhêi) era o Verbo, e o
Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as
coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez". Há uma plena comunidade
de natureza (ὁμοούσιος) entre Pai e Filho desde toda a eternidade. Por outro lado, há
diferença entre as hipóstases, as Pessoas divinas, na medida em que o Pai não é o Filho. E
foi pelo Verbo que tudo que há foi criado.

A geração do Filho não é uma criação ex nihilo, a partir do nada. As criaturas é que foram
tiradas do nada para o ser. O Verbo, ao contrário, está em Deus desde toda a eternidade, ou
seja, atemporalmente. Não houve um momento no qual o Filho não fosse coetâneo ao Pai
justamente porque em Deus não há momentos, variações de antes e depois. Então, quando
Eckhart diz em outro escrito que quer conhecer Deus antes que Deus seja Deus, ele não está
dizendo que Deus tenha mudado de condição, como se houvesse passado de não-Deus a
Deus.

Similarmente, mas não de modo idêntico, o Intelecto (νοῦς) emana do Uno (ἓν), nas
Enéadas de Plotino, desde toda a eternidade. Não há nenhum tipo de mudança ou de
movimento, como se algo saísse do Uno após estar contido nele. O Uno é o fundamento da
realidade, isto é, é o princípio que sustenta todas as coisas, é absolutamente coetâneo àquilo
que ele fundamenta. Usando uma analogia, os fundamentos de um prédio são simultâneos ao
prédio, dado que sem eles nenhum dos andares que compõem o edifício podem permanecer
onde estão.

Todavia, em certo sentido, Deus é Deus somente para as criaturas, enquanto seu Criador. A
relação Criador-criatura só existe na criatura. É o ser criatural das coisas que "torna" Deus
Criador, pois, em Sua essência divina, nada exige que Deus crie o que quer que seja.
Estritamente nesse sentido, Deus se torna Deus somente na Sua relação causal com as
criaturas. Não se trata, de novo, de uma mudança temporal em Deus, como se em algum

13 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

momento Ele não fosse o Criador.

Trata-se apenas do fato de que os termos Criador e Deus não designam a natureza
insondável de Deus, mas tão somente a relação que nós, criaturas, temos com Ele. Deus é
Deus para nós, não para Ele mesmo. Quando Eckhart deseja encontrar-se em Deus antes
que Deus fosse Deus, ele deseja penetrar na puríssima simplicidade divina em si mesma,
onde não há nenhuma relação ou distinção. Na tradição apofática neoplatônica cristã que
remonta a Dionísio Areopagita, até o nome Deus não cabe na excelsa e insondável natureza
divina.

Dito de outro modo, até Deus pode ser um obstáculo para se conhecer Deus. Temos agora a
chave para compreender o que Eckhart ensina ao afirmar que esse fundo indizível do divino
não pode ser acessado por nenhuma potência ou modo, e que nem o próprio Deus a pode
contemplar segundo o modo das Pessoas. Se as Pessoas da Trindade são diferenciações,
apesar de possuírem igualmente a mesma natureza divina, então a penetração no fundo, no
Urgrund, só pode se dar quando Deus "deixa de ser" Trindade.

Eckhart é cristão, não está dizendo que a Trindade seja diferente de Deus. O que ele está
querendo expor é que a natureza divina, a divinitas, que é a mesma nas três Pessoas, é
simplíssima e sem diferenças: "eis a razão pela qual, se Deus quiser alguma vez lançar ali um
olhar, isso custará necessariamente todos os Seus nomes divinos e Suas propriedades
pessoais". O mestre alemão não está insinuando nenhuma mudança ou ignorância em Deus.
Ele está usando a linguagem humana, apropriada aos entes limitados desse mundo, para
expressar a intimidade ilimitada da vida divina.

Obviamente, Deus conhece a Si mesmo do modo mais perfeito possível desde toda a
eternidade. O místico alemão jamais negaria isso. Ocorre que a contemplação de
Eckhart desce, atravessando toda e qualquer diferenciação, inclusive a das Pessoas da
Trindade, para alcançar o fundo originário da essência divina, esse "Um sem modo ou
propriedade". E é nesse fundo simplíssimo que a alma e Deus se encontram como que em um
terreno comum.

No Sermão 3, Eckhart repete o tema da nobreza da alma ao asseverar que os mestres do


passado não encontravam nenhum nome para designá-la. O seu fundo se encontra lá onde
Deus "ainda" não se tornou Deus, onde a verdade e a cognoscibilidade "ainda" não se
manifestaram, onde não há emprego de quaisquer nomes. Deus é uma fixação (fixatio) à Sua
pura essencialidade, que nada admite de externo. Deus é uma "insistência em si mesma,
onde não há isto ou aquilo. Pois tudo o que está em Deus é Deus."

...

* Na linguagem vedantina, neti neti (nem isso, nem isso), amurtah (sem forma, sendo que
"nome e forma", nama-rupa, são as características essenciais do mundo fenomênico). A alma
é tão una e simples quanto Deus é uno e simples, Atman e Brahman são uma só e a mesma
realidade. O fundamento último, Brahman, por sinal, é o Um sem segundo.

...

Leia também:

Νεκρομαντεῖον: Meister Eckhart (oleniski.blogspot.com)

Νεκρομαντεῖον: mística (oleniski.blogspot.com)

Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 14:33 2 comentários:

Marcadores: citações, cristianismo, filosofia, filosofia da religião, Filosofia medieval, Idade Média,
metafísica, mística, neoplatonismo, religião, teologia natural

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Surendranath Dasgupta e a natureza da


filosofia indiana

14 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

"Os sistemas de filosofia da Índia não foram movidos meramente pelas demandas
especulativas da mente humana que possui uma inclinação natural de se entregar ao
pensamento abstrato, mas por um desejo profundo desejo pela realização do propósito
religioso da vida. É surpreendente notar que os postulados, objetivos e condições para tal
realização encontrados foram idênticos em todos os sistemas conflitantes. Quaisquer que
fossem as suas diferenças de opinião em outros temas, no que se referia aos postulados para
a realização do estado transcendente, o summum bonum da vida, todos os sistemas estavam
praticamente em total concordância."

SURENDRANATH DASGUPTA, A History of Indian Philosophy, volume 1, p. 71

O grande scholar indiano Surendranath Dasgupta, no capítulo IV do primeiro volume de sua


obra clássica A History of Indian Philosophy, realiza uma série de observações acerca dos
sistemas de pensamento da filosofia indiana. A primeira observação que faz refere-se à
dificuldade de se escrever mesmo uma história da filosofia indiana. No mundo ocidental, os
filósofos se seguiram uns aos outros propondo suas especulações independentes, e os
historiadores organizaram essas informações em ordem cronológica comentando as
influências de uma escola de pensamento sobre as outras.

Tal não se dá na filosofia indiana pela escassez de fontes referentes às épocas nas quais os
sistemas filosóficos nasceram. Essas escolas surgem quase imediatamente após a
composição e organização do mais antigo dos Upaniṣads. Contudo, os tratados sistemáticos
foram escritos em curtas sentenças (Sūtras) as quais não elaboram o seu tema em detalhe,
mas servem como resumo para a memória das discussões sofisticadas que foram realizadas.

É difícil tanto saber a extensão do significados desses sutras tanto quanto se as discussões
que eles suscitaram em épocas posteriores refletiam realmente as intenções de seus autores.
Os sutras do Vedānta, por exemplo, os Brahma Sūtras, deram azo a mais de seis
interpretações divergentes, cada uma, como era de se esperar, considerando a sua
interpretação como a correta. O pertencimento a uma escola determinava uma atitude de
conciliação de todo e qualquer pensamento novo com as doutrinas já estabelecidas.

"Ao invés de produzir uma sucessão de livres pensadores tendo seus próprios sistemas a
propor e a estabelecer, a Índia produziu escolas de pupilos que sustentavam as visões
tradicionais de sistemas particulares de geração a geração, que as explicavam e as
expunham, e as defendiam dos ataques das escolas rivais as quais eles constantemente
atacavam com o objetivo de estabelecer a superioridade do sistema ao qual aderiram."

Há uma tradição de comentários, não de inovações teóricas ou especulativas. A cada ataque


de uma escola rival, um comentário aos sutras é feito, e estes são respondidos por outros
comentários, e assim por diante. Até mesmo Śaṅkarācārya, a quem Dasgupta descreve como
o "provavelmente o maior homem da Índia após o Buddha", limitou-se a compor comentários
aos Brahma Sūtras, os Upaniṣads e ao Bhagavad Gītā. Os comentários, com o passar dos
séculos, buscavam responder a questões e objeções que não haviam sido explicitamente
pensadas nos escritos originais. E nesse processo, há o desenvolvimento das escolas nessa
discussão contínua com as suas rivais.

Dasgupta afirma que uma história das sucessivas filosofias da Índia não é possível. Cada
escola deve ser estudada e compreendida em seu desenvolvimento ao longo dos séculos. Os
sutras são como um bebê recém-nascido, e seu desenvolvimento até à maturidade
corresponde à história dos conflitos da escola com suas rivais por meio da tradição impessoal
dos comentários dos pupilos. Nenhum estudo dos sistemas indianos é adequado enquanto
não tiver como objeto o desenvolvimento inteiro realizado por seus abnegados aderentes e
defensores que se dedicaram a compor os seus comentários.

O centro do espírito de investigação era que a essência final ou verdade última era o Ātman,
sendo, portanto, a busca por ele nosso mais alto dever. Enquanto não nos imergirmos nele,

15 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

permaneceremos insatisfeitos com qualquer outra coisa. O Ātman não é isso, não é aquilo
(neti, neti). Dasgupta sugere que os sistemas filosóficos surgiram na época e em torno dos
Upaniṣads, a partir de discussões elaboradas que eram resumidas nos sutras e passadas
adiante pelos discípulos que, embora pudessem acrescentar ou mesmo suprimir certas
porções recebidas, não faziam alterações que corrompessem a essência da doutrina da
escola.

Os comentadores não expunham suas opiniões próprias ou suas inovações a não ser
naqueles casos onde os mestres antigos não tivessem deixado nenhum ensinamento. Por
isso, diz Dasgupta, é impossível entender as escolas indianas pelas contribuições individuais
dos comentadores. É só no conjunto de seu desenvolvimento que se pode compreendê-las
adequadamente. A literatura filosófica indiana é precipuamente uma literatura de disputas, de
objeções e de respostas à objeções. Cada escola cresceu justamente no embate discursivo
com as suas rivais, de tal modo que para compreender uma escola é preciso estudar todos os
sistemas em suas oposições mútuas.

Os sistemas de filosofia indianos são divididos em duas categorias: Nāstika e Āstika. Os


primeiros são sistemas que não aceitam a validade, a autoridade e a infalibilidade dos Vedas.
Exemplos de sistemas Nāstika são o Budismo, o Jainismo e o Cārvāka. Āstika são as escolas
ortodoxas, que aceitam os Vedas, e são seis em número: Sāṃkhya, Yoga, Vedānta,
Mīmāṁsā, Nyāya, Vaiśeṣika. O Sāṃkhya é atribuído a Kapila, e o Yoga é atribuído a Patañjali,
tendo como texto fundamental os Yoga Sūtras. O Purva Mīmāṁsā é um código de princípios
sistematizado para a interpretação dos textos védicos para propósitos sacrificiais. O
sistema Nyāya e o sistema Vaiśeṣika são geralmente encarados como uma unidade, embora
os Nyāya Sutras sejam focados na lógica, e os Vaiśeṣika Sūtras tenham seu centro na física e
na metafísica.

Last but not least, há o sistema Vedānta, cujos Brahma Sūtras foram compostos
por Bādarāyaṇa. O termo Vedānta significa "fim dos Vedas", no sentido de realização, termo,
encerramento. O Vedānta corresponde aos Upaniṣads, e os Brahma Sūtras correspondem a
um sumário das visões gerais contidas nos Upaniṣads. O mais antigo comentário que chegou
a nós é o do grande santo Śaṅkarācārya, cuja interpretação não-dualista, Advaita, foi
contraposta por comentários de mestres dualistas como Rāmāṉuja, Madhvā, Baladeva, entre
outros.*

Entretanto, é preciso recordar que não há um termo em sânscrito correspondente a


"filósofo" no sentido técnico ocidental. Os termos siddha, Jñānin, ṛṣis não significam filósofos
no sentido moderno e se referem antes aos "perfeitos", "sábios", e "videntes". Dasgupta não
desenvolve mais detidamente esse tema, mas seria aqui necessário ponderar que, à luz da
exposição acima e dos estudos clássicos em filosofia indiana conduzidos por outros scholars,
não há na Índia exatamente a figura ocidental do filósofo.

Seria um grande erro, por exemplo, confundir os ṛṣis (rishis) que compuseram
os Upaniṣads com filósofos que contrapunham suas teses às teses de outros pensadores
operando no âmbito do discurso teorético como no caso dos pré-socráticos e de seus
sucessores. Se não é possível descartar algum componente especulativo nos Upaniṣads, é,
contudo, impossível reduzir seus ensinamentos a meras hipóteses sobre a constituição
fundamental da Phýsis. Antes de tudo, os rishis são sábios, os que experimentaram a
Realidade.

O grande santo e mestre advaita Adi Śaṅkarācārya, de indisputável ortodoxia, comentando o


segundo verso da primeira parte dos Brahma Sūtras, expôe a razão da autoridade dos
Upaniṣads: "É a experiência que tem peso, e as escrituras possuem autoridade porque são os
registros da experiência das mentes mestres que estiveram face a face com a Realidade
(Āptavākya). Essa é a razão pela qual as escrituras são infalíveis". A Realidade citada é
Brahman, o "Um sem segundo", aquele sobre o qual nunca se fala afirmativamente, mas
sempre negativamente: "neti, neti".

Apesar da diversidade das escolas, Dasgupta ressalta que há um conjunto de ensinamentos


que são compartilhados unanimemente por todas elas, excetuando-se somente o
materialismo Cārvāka. A primeira dessas doutrinas é o Karma e o renascimento. Todas as
ações individuais deixam para trás uma certa potência que trará alegria ou sofrimento de
acordo com a bondade ou maldade dessas ações. Se os frutos são tais que não possam ser
colhidos nesta ou em uma outra vida humana, o indivíduo terá de renascer como homem ou
como outro ser a fim de sofrer suas consequências.

Já no período védico havia a noção de que os atos sacrificiais tinham o poder invisível
(Adṛṣṭa) ou inobservado (Apūrva) que realizaria a possessão do objeto desejado.
Analogamente, as escolas ortodoxas acreditam que os frutos das ações levam tempo para se
realizarem na forma de satisfação ou de sofrimento, e que seu acúmulo prepara tanto a dor
quanto alegria da próxima vida do agente. Somente ações particularmente boas ou más têm
seus frutos colhidos nesta vida.

Não há começo para as encarnações que são sucessivamente determinadas pelas ações nas
vidas anteriores. Se as ações realizadas nesta vida humana exigem como seu fruto

16 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

necessário o retorno como um animal, por exemplo, um homem pode retornar como um bode.
Infinitas vidas em diversas modalidades deixam suas marcas a cada renascimento e possuem
suas próprias consequências. Os frutos ainda não maduros para a realização podem ser
interrompidos pelo conhecimento último, mas aqueles já maduros não são evitáveis nem para
o homem liberto.

Entretanto, a doutrina do Mukti ou Mokṣa, a libertação final, ensina que o ciclo pode ter fim na
medida em que o homem abandona as emoções, desejos e ideias que o conduzem à ação
interessada, e encontra em si mesmo aquele Ātman desinteressado que não sofre ou frui, que
nem age ou renasce. Em sua natureza real, o Ātman não é tocado ou manchado pelas
impurezas da vida ordinária, e é somente pela ignorância (Avidyā) e pelas paixões herdadas
no ciclo dos renascimentos que nos identificamos com elas. A realização desse estado
transcendente é o objetivo a último ser alcançado.

Apesar de ser negada pelos budistas (é preciso entender em qual sentido ela é negada), a
doutrina de uma entidade permanente, pura e não contaminada por nenhuma ação ou paixão,
chamada diversamente de Ātman, Puruṣa ou Jīva, é ensinada por todas as outras escolas
indianas. O summum bonum é alcançado quando todas as impurezas são removidas e a
natureza verdadeira de Ātman é completa e permanentemente apreendida, de modo que
todas as conexões estranhas são absolutamente desfeitas.

Dasgupta admite que há uma certa atitude pessimista que permeia os sistemas indianos,
principalmente no Sāṃkhya, no Budismo e no Yoga. O ciclo das experiências boas ou ruins
sempre termina no sofrimento. Mesmo os prazeres desembocam no sofrimento, uma vez que
sofremos quando os perdemos, sofremos quando ansiamos por eles e sofremos quando
tentamos em vão prolongá-los. A dor é a a verdade última desse processo do mundo.

Não se deve pensar, contudo, que essa atitude derive uma negação do mundo e dos deveres
da vida, nem mesmo uma defesa do suicídio ou do quietismo. A dor do ciclo mundano deve
ser transcendida pela correta compreensão do Ātman, nossa verdadeira natureza que está
desde sempre acima e dissociada das ações e dos sofrimentos que a identificação com essa
existência trazem consigo. A elevação moral é a condição de possibilidade para que o homem
possa aspirar à realização do Ātman, em comparação com a qual os prazeres deste mundo e
mesmo as alegrias do Paraíso encolhem até à insignificância.

O pessimismo se esvai na consideração da verdadeira natureza de nosso Ātman. Os sistemas


indianos concordam sobre os princípios gerais de conduta ética que devem ser seguidos para
se alcançar a realização final. Todas as paixões devem ser controladas, não se deve ferir
qualquer qualquer forma de vida, todos os desejos por prazeres devem ser verificados. É
somente quando o homem alcança uma grau muito alto de grandeza moral que ele deve
preparar e fortificar sua mente para purificações ulteriores a fim de chegar ao ideal supremo.

O objetivo da vida, a atitude frente ao mundo e os meios para alcançar a realização final
compõem a Sādhanā, unidade que permeia todos os sistemas indianos. Surendranath
Dasgupta arremata a exposição afirmando que "de fato, parece a mim que um sincero anseio
por alguma autorrealização ideal bem-aventurada e calma é realmente o fato fundamental do
qual não somente sua filosofia, mas muitos dos fenômenos complexos da civilização da Índia,
podem ser logicamente deduzidos." (p.77)

...

*Para uma exposição mais detalhada das doutrinas de cada uma das darsanas, recomendo a
leitura do compêndio de Madhava intitulado Sarvadarsanasamgraha. Mais acessíveis são as
introduções ou histórias da filosofia indiana escritas por Surendranath Dasgupta, Sarvepalli
Radhakrishnan, T.M.P. Mahadevan, P.T. Raju, M. Hiriyanna e Arvind Sharma. Os links abaixo
conduzem a textos introdutórios sobre temas variados do Hinduísmo e da filosofia indiana.

...

Leia também:

Νεκρομαντεῖον: Hinduísmo (oleniski.blogspot.com)

Νεκρομαντεῖον: filosofia oriental (oleniski.blogspot.com)

Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 18:11 Um comentário:

Marcadores: citações, filosofia, filosofia antiga, filosofia da religião, filosofia oriental, Hinduísmo,
Índia, metafísica, religião, Surendranath Dasgupta

domingo, 17 de setembro de 2023

Leibniz, Deus e o conceito de Natureza

17 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

"Sem uma substância eterna, não há verdades eternas. É possível derivar disso também uma
prova acerca de Deus: Ele é a raiz da possibilidade, sendo Seu espírito a própria região das
ideias ou verdades."

G.W. LEIBNIZ, Échantillon de découvertes sur les secrets de la natureprise en général, 1688

O filósofo, matemático e físico alemão Gottfried Wilhelm Leibniz escreveu em novembro de


1697 um opúsculo em latim intitulado De Rerum Originatione Radicali. O tema da obra, nunca
publicada, como o título anuncia, a origem das coisas a partir de sua raiz última. Este mundo,
inicia o filósofo, possui uma Unidade dominante que não é somente como a da alma com
relação a mim mesmo, e nem como eu mesmo com relação a meu corpo, mas que é mais
elevada.

Essa unidade dominante não somente rege o mundo, ela o construiu e o fez, sendo portanto
superior a ele e, por assim dizer, exterior a ele, e, por conseguinte, é a razão última de todas
as coisas. A razão suficiente da existência dos seres em separado ou em conjunto não se
encontra neles mesmos. Suponhamos que sempre tenha havido o livro dos Elementos de
Euclides. Poderíamos explicar a existência do exemplar presente pela cópia do exemplar
anterior, e assim sucessivamente. Entretanto, por mais que recuemos na cadeia dos livros
copiados, não importa sua extensão, a cópia não seria suficiente para explicar a existência
dos livros, isto é, por qual razão há livros e por que livros assim redigidos.

O mesmo, analogamente, acontece com os diversos estados do mundo. Embora cada um


possa ser derivado do anterior, a cadeia antecessora de causas não explicaria de modo
suficiente a existência das coisas. A razão suficiente não reside nas coisas isoladamente e
nem no conjunto delas, tão grande quanto se queira que seja esse conjunto. Os seres deste
mundo são contingentes, poderiam ou não existir, e como um existente só pode vir de um
existente, há que se admitir que a razão última das coisas se encontra fora do mundo, em um
ser absolutamente necessário.

A fim de se compreenda melhor o que foi dito, Leibniz lança mão do primeiro princípio
inegável de que algo há em vez do nada. Isto é, há algo de existente no mundo e não o nada
completo. E se há algo existente, esse algo era possível. Tudo aquilo que é possível possui
pretensão à existência, ou seja, o possível exige uma essência que não proíbe a sua
existência, mas, ao contrário, a capacita para a existência, dá a ela o direito à existência igual
a todos os outros possíveis.

Leibniz considera que a essência de um possível exibe sua quantidade de realidade ou de


perfeição. Daí que aquilo que se torna real é sempre aquilo que possui mais perfeição, o
máximo possível dadas as circunstâncias concretas. Há uma espécie de matemática divina ou
uma mecânica metafísica, segundo a qual, como na geometria e na física, reina a lei do
máximo desempenho. Porém, as leis físicas derivam da necessidade metafísica, e não o
inverso.

O mundo não é metafisicamente necessário, dado que podemos pensá-lo como não existente
sem implicar nenhuma contradição lógica. Por outro lado, o mundo é fisicamente necessário
no sentido de que a sua inexistência seria uma imperfeição ou um absurdo moral. Leibniz
distingue aqui dois tipos de necessidade, uma cuja negação implica contradição lógica
(princípio de não-contradição, por exemplo) e outra que possui caráter hipotético, que não
implica contradição se negada. Por exemplo, se X não existia e passou a existir, X precisou
necessariamente de uma causa (Y, digamos). Mas nada exige que necessariamente Y tinha
que causar X.

As essências e as verdades eternas não são ficções, adverte Leibniz. Elas existem, por assim
dizer, no mundo das ideias, em Deus mesmo, fonte das essências e das existências das
coisas. Como dito acima, a cadeia dos existentes não encontra em si mesma a razão
suficiente de sua existência, ela precisa buscá-la nas necessidades metafísicas, e como só
um existente pode dar origem a um existente, há que haver um ser metafisicamente

18 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

necessário, ou seja, um ser no qual essência e existência coincidem, no qual tomam origem
todos os possíveis e todas as verdades eternas.

Com efeito, tudo no mundo se faz de acordo com verdades eternas, matemáticas,
geométricas e metafísicas. Quando observada no detalhe, encontram-se na natureza razões
formais, leis metafísicas de causa, potência e ação operando mesmo sobre leis geométricas
da matéria. O mundo existente tanto quanto os possíveis têm sua origem e fundamento em
Deus, e como só se tornam reais aqueles possíveis que possuem essências com maior
quantidade de realidade ou perfeição, segue-se que este mundo não é somente o mais
perfeito fisicamente, mas também moralmente.

Leibniz afirma que este mundo é não só a máquina mais perfeita como é igualmente, na
medida em que é composta de espíritos, a melhor das repúblicas. Dirão certamente que não é
isso que a realidade observável manifesta com todas as suas desgraças e sofrimentos.
Leibniz responde que não se julga a obra inteira pela consideração de uma de suas partes.
Não conhecemos a realidade em sua inteireza e, portanto, não sabemos como as coisas se
encaixam, como a desordem em uma parte pode se conciliar com a harmonia do todo.

Obviamente, a harmonia do todo não deve ser assegurada ao custo da miséria humana. A
justiça está presente, e significa que cada um receba felicidade proporcional à sua virtude e
seu zelo pelo bem comum, o qual chamamos de caridade ou amor de Deus. Essa é a força e
a potência da religião cristã. E não podemos nos espantar que os espíritos humanos sejam
objetos de tanta solicitude da parte de Deus, pois eles refletem mais perfeitamente a imagem
do Criador.

A relação entre os espíritos e Deus vai além da relação que há entre a máquina e seu
construtor. A sua relação é a do cidadão com o seu príncipe. Junte-se a isso o fato de que os
espíritos durarão tanto quanto o próprio universo, e que eles exprimem e concentram neles
mesmos de alguma forma o todo como partes totais. Por último, o sofrimento dos bons
concorre para o seu bem, para o seu aperfeiçoamento moral.

Em 1698, Leibniz publica o opúsculo De Ipsa Natura (Sobre a Natureza ela mesma), onde
discute a força inerente às coisas criadas e as suas ações. Embora não seja uma
intencionalmente uma sequência do De Rerum, que nunca foi publicado, a obra discute a
relação entre Deus e a máquina do mundo, bem como aprofunda a concepção do filósofo
sobre a essência daquilo que chamamos de Natureza. A ocasião para compor o opúsculo foi
dada pela polêmica em torno das teses do livro De Idolo Naturae, do astrônomo e matemático
alemão Johann Christophore Sturm.

Segundo Leibniz, os dois problemas principais propostos por Sturm eram, primeiro, a questão
sobre a constituição da Natureza que costumamos atribuir às coisas, cujos atributos, aos
olhos de Sturm, têm algo de paganismo, e, segundo, se reside nas coisas alguma força
(ενέργεια), tese que Sturm nega. Leibniz concorda com a inexistência de uma alma do mundo
(Anima Mundi), embora considere que a natureza é uma obra de Deus, uma máquina natural
composta de uma infinidade de órgãos que exigem, para sua criação e seu funcionamento,
uma sabedoria e um poder igualmente infinitos.

Essa posição conduz à outra questão em voga no tempo de Leibniz. O filósofo natural
britânico Robert Boyle defendia que pela natureza de um corpo dever-se-ia entender o
seu mecanismo. Em outros termos, dentro do mecanicismo do século XVII, todos os
fenômenos da natureza deveriam ter explicações que recorressem apenas ao movimento e ao
contato entre porções de matéria. Grosso modo, diz Leibniz, essa explicação pode ser aceita.

Não obstante, a origem mesma do mecanismo não pode ser derivada nem da matéria e nem
das leis matemáticas. O que Leibniz quer apontar aqui é que a matéria inerte, seja ela pura
extensão ou seja ela formada por corpúsculos, não se organiza espontaneamente em padrões
imutáveis, e as leis matemáticas, tomadas em si mesmas, apenas descrevem tais padrões
naquilo que neles há de quantitativo. Desse modo, será metafisicamente impossível dispensar
a ação e o governo de alguma inteligência imaterial.

Nem tampouco seria possível pensar que o fundamento das leis naturais seja a arbitrariedade.
Ao contrário, Leibniz assevera, as leis que há no mundo foram impostas por Deus a partir de
razões de sabedoria e de ordem. Portanto, as causas finais não são úteis somente no campo
da ética e da teologia natural. Elas servem mesmo na física para descobrir verdades ocultas
da natureza. Nesse ponto, como em outros escritos, Leibniz resgata o papel da teleologia no
estudo da filosofia natural, algo abertamente rejeitado por René Descartes:

"Nós não nos deteremos também para examinar os fins que Deus se propôs ao criar o mundo,
e nós rejeitaremos inteiramente na nossa filosofia a busca das causas finais (...) mas O
considerando como o autor de todas as coisas, vamos nos encarregar somente de encontrar,
pelo emprego da faculdade de raciocinar que foi posta em nós por Ele, como aquelas das
quais nos apercebemos por meio de nossos sentidos poderiam ter sido produzidas."
(Descartes, Principia Philosophiae, artigo 28)

Leibniz não critica o argumento de Descartes nesse texto sobre Sturm, mas não é difícil

19 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

perceber, cremos, que ele é claramente falacioso, pois as causas finais não se referem
necessariamente aos objetivos divinos ao criar o mundo. Na realidade, a teleologia pode ser
externa ou interna. O fim externo de algo se refere àquilo para o quê a coisa foi feita. Por
exemplo, o caso mais evidente é o do artefato, no qual o artífice impõe à matéria uma forma
que não pertencia originalmente à ela. Trata-se de uma causalidade transitiva, isto é, há uma
transição da forma ou da ideia na mente do artífice para a matéria que será trabalhada.

Curiosamente, a máquina e o mecanismo, ao contrário de abandonar a teleologia, na


realidade a instala no próprio centro da realidade. Na medida em que se deseja explicar o
mundo como um mecanismo, como uma espécie de máquina natural, é inescapável a
pergunta acerca do construtor do mecanismo. As leis mecânicas sozinhas ou em mero
conjunto descoordenado não explicam por qual motivo elas estão reunidas exatamente
naquele padrão específico que produz aquele tipo de máquina.

Idêntica crítica já era feita por Sócrates, Platão e Aristóteles ao atomismo de Demócrito e
Leucipo, e permanece uma questão para todo o materialista desde então. O padrão no qual a
matéria se organiza, por definição, não é material. Uma porção de argila pode se tornar um
vaso ou um prato. Nada há na argila que determine uma ou outra dessas formas. O próprio
Descartes, que nada tinha de materialista, quando tenta explicar o mundo material como uma
máquina, necessita de Deus como construtor e mantenedor do mecanismo.

Até para entender um mecanismo, é necessário compreender como as leis mecânicas estão
reunidas e coordenadas em um padrão fixo que não se deriva dessas mesmas leis,
transcendendo-as como seu princípio organizador e mantenedor. Isso é mais verdadeiro ainda
no caso da teleologia interna, onde se dá uma causalidade imanente, como no caso dos
organismos. A matéria do organismo, de um feto, por exemplo, não recebe de fora o seu
padrão. Ao contrário, de dentro de si mesma, a matéria se diversifica em órgãos cuja forma e
função são determinados pela realização do todo que é pré-estabelecido.

Retornando ao texto de Leibniz, Sturm defende que os movimentos que se apresentam hoje
acontecem em virtude de uma lei eterna, um ato de vontade e um comando, promulgada de
uma vez por todas por Deus. A questão é saber se esse comando divino é somente uma
determinação extrínseca ou se é uma determinação intrínseca, isto é, uma lei inerente da qual
decorrem suas atividades e suas passividades. Leibniz observa que não basta que Deus
tenha decretado uma lei no início se essa lei não perpetuar seus efeitos durante o tempo.

Logo, o comando de Deus não vale só para o momento imediato da criação, configurando-se
em um traço gravado nas coisas. A natureza é uma certa eficácia, força inerente ou forma da
qual decorrem a série dos fenômenos de acordo com a lei divina. Essa força inerente,
contudo, não é passível de ser compreendida pela imaginação (que está presa sempre aos
dados dos sentidos), mas somente pela inteligência (intellectus). Aparentemente, Sturm exige
que se explique pela imaginação como opera essa força inerente, e na ausência de
explicação, infere que a única resposta é que nada se move sem a vontade de Deus.

Leibniz responde que Sturm está pedindo algo parecido com pentear os sons ou entender as
cores. Hobbes também estaria correto em dizer que tudo é material persuadido que está de
que só o que é corporal é explicado e representado pela imaginação. Sturm deriva do fato de
que, segundo ele, a força inerente aos seres não pode ser explicada via imaginação, que essa
força é uma essência desconhecida, e que, ato contínuo, seria melhor admitir logo que é Deus
a fonte de cada movimento das coisas no mundo. Seria um ocasionalismo divino, isto é, a
tese segundo a qual não há outra ação causal no mundo que não seja Deus.

O ponto levantado por Leibniz é muito interessante na medida em que lança luz sobre um
defeito epistemológico comum a muitos pensadores modernos, notadamente aos empiristas e
aos materialistas. Como tais filósofos afirmam que o conhecimento inicia e termina nos dados
dos sentidos, a única forma na qual esses dados se reúnem na mente é por meio da memória
e da imaginação. Ocorre que a imaginação somente tem o poder de compor e recompor,
combinar e recombinar, o que os sentidos fornecem à ela.

A imaginação pode formar novas imagens cortando, adicionando, combinando partes de


muitas imagens, inventando imagens de seres que não existem na realidade extra mentis. Em
todas essas atividades, por mais importantes que sejam para o conhecimento, nunca é
ultrapassado o nível das imagens presas a conteúdos sensíveis e singulares, este isso e este
aquilo. Sendo assim, a imaginação não pode alcançar verdades universais como as da
matemática, da geometria, da lógica ou da metafísica, dado que estas são universais, válidas
para todos e não para este ou aquele.

Aquilo que Leibniz chama de força inerente ou natureza é justamente o padrão comum
(pleonasmo, admito) a todos os membros de uma determinada classe ou espécie, aquilo que
determina o que é o mínimo necessário para que X seja X e não Y. Isso não está sob o
alcance dos sentidos ou da imaginação. É o intelecto (intellectus, verbo intellegere, "ler
dentro")* que "penetra" nos dados recolhidos pelos sentidos e encontra neles um padrão que
os próprios sentidos não percebem. Não testemunhamos no mundo somente "coleções de
percepções sensíveis unidas regularmente", como querem os empiristas modernos.

20 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

Testemunhamos no mundo entes, substâncias, seres reais que repetem aqui e agora, na sua
singularidade irrepetível, um determinado padrão que os ultrapassa em um número indefinido
de outros seres do mesmo tipo. É por isso que Leibniz, em seguida, questiona como seria
possível que as coisas pudessem durar qualquer tempo se os seus atributos, que chamamos
de natureza, não pudessem eles próprios durar de um momento que fosse? A razão exige que
o fiat divino tenha instalado nas coisas uma tendência de produzir seus atos, tendência da
qual fluem suas operações se nada se colocar como obstáculo.

Metafisicamente, ensina Leibniz, a própria substância da coisa consiste na sua força de agir e
de sofrer (receber a ação de outros). O filósofo que dizer que todas as características da
coisa, o que quer que ela seja, expressam exatamente o que ela é. Seu ser é essa força de
agir como age e sofrer como sofre. Tudo o que a coisa mostra exibe essa força que constitui o
seu ser. Em certo sentido, embora Leibniz não use essa definição explicitamente, poderíamos
afirmar que ser é ser capaz de manifestar, capaz de operar e de sofrer.

Deus não poderia somente criar em um momento determinado e, em seguida, nenhuma das
características das coisas criadas permanecer no momento seguinte. Analogamente, se as
coisas corporais nada tivessem imaterial, seu padrão, elas não seriam mais do que um fluxo
perpétuo e insubstancial, como Platão já havia reconhecido. Leibniz aponta para o fato de que
nada neste mundo existe sem instanciar um padrão ou uma natureza. Por definição, essa
natureza não é material, pois está presente em muitos sem ser dividida ou diminuída.

Exemplificando, o padrão matemático que descreve um determinado tipo de movimento dos


corpos se repete inteiramente, sem diferença, divisão ou diminuição, em todas as situações
nas quais os corpos se engajam naquele tipo de movimento. Não se trata de algo material. É
uma estrutura formal que se manifesta em cada um de seus exemplares concretos e
irrepetíveis. Sem esses padrões, as coisas sequer poderiam ser algo. Leibniz compara com
um fluxo insubstancial, mas até essa comparação é imprópria, pois o fluxo é fluxo de algo,
como o fluxo de água.

Em resposta à segunda pergunta proposta no início do texto, se as coisas agem realmente,


não há dúvida da resposta positiva se se compreendeu corretamente que a natureza das
coisas não se distingue de sua força de agir e de sofrer. Toda substância individual age
ininterruptamente. O contrário disso seria admitir que Deus é que age em cada uma das
ações das coisas, tese que defendem os ocasionalistas como Malebranche. Além dos
problemas expostos acima, isso seria negar a liberdade humana e o testemunho íntimo da
origem das ações imanentes na vontade.

É comumente afirmado que o corpo é naturalmente inerte. Leibniz considera que isso é
verdade, se bem compreendido. Um corpo em repouso não se colocará a si mesmo em
movimento e nem será posto em movimento por outro sem opor alguma resistência.
Tampouco mudará espontaneamente sua direção ou sua velocidade. Nenhuma dessas
verdades pode ser deduzida somente das característica geométricas da matéria (res extensa
de Descartes). A matéria, portanto, não é indiferente ao movimento e ao repouso como dizem
comumente, mas é dotada de uma inércia natural.

Essa força passiva, a impenetrabilidade e alguma coisa de mais que Laibniz considera a
noção de matéria primeira ou massa, que é a mesma nos corpos e proporcional à sua
grandeza. Como há na matéria uma inércia natural ao movimento, assim também os corpos e
todas as substâncias possuem uma resistência natural à mudança. Por outro lado, o mesmo
corpo, posto em movimento por outro, tende a manter o élan recebido, e a velocidade
constante, resistindo à mudança.

Como essas atividades não podem ser deduzidas da massa, que é passiva, nem da extensão
(característica geométrica), resta admitir que há nos corpos uma entelequia primeira** que
age sempre. Nos seres vivos, esse princípio se chama alma, e nos outros seres é a forma
substancial. A verdadeira substância, unidade constituída de forma e de matéria, é que
Leibniz denomina como mônada. Sem essa unidade verdadeira os corpos não seriam mais do
que agregados.***

Tudo isso mostra, encerra Leibniz, que o ocasionalismo de Sturm e de outros, conduz não ao
engrandecimento da glória de Deus pela supressão de um suposto ídolo da Natureza, ideia de
origem pagã. Ao contrário, dilui as coisas criadas, torna-as meras meras modificações de uma
única substância divina, e, tal qual Spinoza, Sturm parece fazer de Deus a verdadeira
natureza das coisas. Aquilo que é desprovido de toda potência ativa, de toda marca distintiva,
de toda razão de subsistir, não pode ser considerado uma substância.

É interessante como o mesmo ocasionalismo será reafirmado por George Berkeley doze anos
depois em seu Treatise. Entre os argumentos do bispo anglicano de Cloyne está exatamente a
noção de que o conceito de Natureza é de origem pagã e de que verdadeiros cristãos
deveriam admitir que todas as coisas provém de Deus, como afirma explicitamente a Bíblia. O
problema é que negar a natureza significa dissolver as criaturas, pois se Deus é a única
agência causal não há nada de substancial nas coisas, nada que caracterize X como X.

No fundo, não há X, existe somente Deus agindo do modo X costumeiramente e enquanto Ele

21 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

assim o desejar. Nada, rigorosamente nada, garante ou implica a permanência de qualquer


traço, marca, propriedade ou característica de nenhum ser no momento seguinte. Inexiste
forma, essência, natureza ou padrão. Tudo o que identificamos (o que consideramos idem)
como classes, padrões ou constâncias não existem na realidade. De certo modo, poderíamos
até afirmar que não existe realidade, se por esse termo entendemos um todo ordenado.

...

Leia também:

Νεκρομαντεῖον: Leibniz (oleniski.blogspot.com)

Νεκρομαντεῖον: George Berkeley (oleniski.blogspot.com)

...

*Em inglês, understanding, "estar por baixo", algo como estar no fundamento da coisa, no que
a sustenta.

** Entelequia, ἐντελέχεια, no grego. Em Aristóteles, significa o princípio interno de organização


e de ação do ente. A tradução seria algo como "ter o fim dentro". Possuir em si mesmo como
algo intrínseco o fim, o termo, a natureza que determina o que a coisa é, e que, por
conseguinte, determina o desenvolvimento imanente da coisa, bem como seus poderes, suas
operações, o que ela pode fazer ou sofrer.

*** Agregado tem aqui o sentido daquilo que está junto sem nenhum princípio unificante real.
Como várias folhas de árvore pode ser arrastadas pelo vento e juntas formarem um monte
sem que haja nenhuma unidade real por trás dessa união que é meramente fortuita.

Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 18:09 Um comentário:

Marcadores: citações, cristianismo, filosofia, Filosofia da Ciência, filosofia da religião, filosofia


moderna, Leibniz, metafísica, teologia natural

Postagens mais recentes Página inicial Postagens mais antigas

Assinar: Postagens (Atom)

22 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

Todos os direitos reservados ao autor. Tema Marca d'água. Tecnologia do Blogger.

23 of 24 21/03/2024, 10:27
Νεκρομαντεῖον http://oleniski.blogspot.com/search?updated-max=20...

24 of 24 21/03/2024, 10:27

Você também pode gostar