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Texto 3.3 - Co Producao Controle Ficha Limpa

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Revista Pensamento & Realidade

MOBILIZAÇÃO SOCIAL E COPRODUÇÃO DO CONTROLE: O QUE


SINALIZAM OS PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO DA LEI DA FICHA
LIMPA E DA REDE OBSERVATÓRIO SOCIAL DO BRASIL DE
CONTROLE SOCIAL1
Guilherme Augusto Doin 2
Jeferson Dahmer 3
Paula Chies Schommer 4
Enio Luiz Spaniol 5

RESUMO

A coprodução do controle pode ser considerada como um bem público essencial à


accountability democrática ao envolver diversos atores e instâncias da sociedade em seu
processo de construção, permitindo que mecanismos formais e informais de controle
articulem-se sistemicamente na produção de informações, na pressão sob os governos e no
combate à corrupção, superando a tradicional visão dicotômica da relação accountability
vertical versus horizontal. Sob esta lógica, procura-se trazer à discussão duas práticas
recentes, vivenciadas no contexto brasileiro, para exemplificar esta constatação: (i) a
mobilização em torno da proposta e aprovação da Lei da Ficha Limpa, e (ii) a atuação dos
observatórios sociais no combate à corrupção e fortalecimento da cidadania fiscal, destacando
possibilidades e limitações da coprodução do controle envolvidos nestas iniciativas.

Palavras chave: coprodução do bem público; controle social; accountability; Lei da Ficha
Limpa; observatórios sociais.

ABSTRACT

The coproduction of controlling initiatives over the public administration may be considered
as an essential public good for democratic accountability as it involves a different set of
social segments and actors which enables a systemically interaction of formal and informal
controlling mechanisms on the production of information addressed to pressure governments
and to combat corruption. This innovative approach overcomes the traditional dichotomy of
vertical vs. horizontal accountability. In this context, two recent Brazilian practices that
illustrate this interaction of mechanisms are brought to our attention: (i) the mobilization that
motivated the approval of the Clean Record Act (Lei da Ficha Limpa) in Brazil, and (ii) the
work of social observatories in combating corruption and strengthening tax education and
citizenship. Both of these initiatives are discussed over this paper that analysis, at the same
time, their potentials and limitations on the coproduction of control over the public
administration.

Keywords: coproduction of public good; social control; accountability; Lei da Ficha Limpa;
social observatories.

1
Este artigo foi selecionado do IV Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social, realizado em São
Paulo em 2012.
2
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC/ESAG E-mail: guidoin@msn.com
3
Observatório Social de Florianópolis. E-mail: jeferson_dahmer@yahoo.com.br
4
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC/ESAG. E-mail paulacs3@gmail.com
5
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC/ESAG. E-mail: elspnl@yahoo.com.br
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Introdução

O processo de (re)construção da democracia brasileira, da década de 1980 aos dias atuais,


vem transformando elementos da cultura política e do arcabouço institucional do país. Nesse
contexto, um dos focos de atenção de governantes, movimentos sociais e organizações da
sociedade civil é o combate à corrupção e a promoção da accountability.
A corrupção é percebida como um problema mais grave no Brasil do que em países como
Chile, Costa Rica, Ruanda, Gana e África do Sul. Foi o que revelou um estudo realizado pela
Transparency International que classificou o país na posição 73 do Corruption Perception
Index 2011, analisando 182 nações (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2011). Em
pesquisa sobre a imagem das instituições públicas brasileiras, encomendada pela Associação
dos Magistrados do Brasil (AMB), revelou-se que 81,9% dos entrevistados não confiam nos
políticos e 75,9% não confiam sequer em seus partidos (AMB, 2007). Numa tentativa de
quantificar o impacto da corrupção no país, a Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (FIESP) estimou que, nos últimos 10 anos, R$ 720 bilhões de reais (ou 2,3% do PIB
nacional) tenham sido desviados dos cofres públicos (AZEVEDO, 2011).
O fenômeno da corrupção se diferencia de um contexto para outro, de acordo com raízes e
trajetórias histórico-culturais, estando presente em todos os países (KLITGAARD, 1994). No
Brasil, considerando-se a formação historicamente patrimonialista e a tradição de impunidade,
o terreno é especialmente fértil para práticas corruptas (PINHO, 1998).
Consolidar uma democracia nesse contexto é desafiador, exigindo engajamento da sociedade
na construção de novos valores e instituições, entre as quais as relacionadas à accountability.
Este termo, de difícil tradução em valores e práticas políticas brasileiras, pode ser
sucintamente entendido como o processo de responsabilização contínua dos governantes por
seus atos e omissões perante os governados (ABRUCIO e LOUREIRO, 2005), o que envolve
não apenas a dimensão subjetiva (como valor que impele os agentes públicos a sentirem-se
responsáveis e prestarem contas por seus atos), também a responsabilidade objetiva ou a
obrigação de responder por algo, independente de culpa (CAMPOS, 1990).
Para além do combate à corrupção, o qual corresponde a um primeiro estágio da
accountability (BEHN, 1998), o desenvolvimento de processos contínuos de avaliação e
responsabilização dos agentes públicos vem sendo reconhecido como atividade social de
extrema relevância em regimes democráticos, o que passa pela construção de mecanismos
institucionais para tal. Dita atividade não seria efetiva, contudo, se não levasse em conta o
papel do cidadão como figura central. O engajamento dos cidadãos na definição de metas
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coletivas de sua sociedade e na construção de novas posturas e práticas sociais é condição


fundamental para a realização do valor político da accountability. Conforme apontam Pinho e
Sacramento (2009, p. 1352-3), “uma população indiferente à política inviabiliza tal processo”.
O controle exercido pelos cidadãos perante o poder público constitui um bem público
fundamental à constituição de uma sociedade justa e democrática. Ao analisar os novos
movimentos sociais brasileiros, Gohn (2010) considera a habilidade destes em intervir e
construir a esfera pública como um dos grandes saldos do período de cerca de vinte anos em
que o foco esteve na redemocratização do país. Sua atuação como agentes interlocutores que
dialogam diretamente com a população e com o Estado (GOHN, 2010, p. 321) permitiu
reconstrução de valores democráticos e redefinição da cultura política, ocupando espaços que,
na administração pública, são classificados como instâncias de promoção do controle social.
A Constituição de 1988, marco do processo de redemocratização, previu novos e diversos
mecanismos de participação cidadã no controle da administração pública, via conselhos de
políticas públicas, audiências públicas, projetos de lei de iniciativa popular, plebiscitos e
referendos, além de novas estruturas e mecanismos de controle desempenhados pelo
Legislativo, pelo Judiciário e pelo Executivo e por órgãos auxiliares, como o Tribunal de
Contas e o Ministério Público. Em paralelo, começou-se a valorizar o desempenho da
administração pública, instituindo-se mecanismos de responsabilização pelo controle de
resultados (BEHN, 1998). Todos esses modos de controle – parlamentar, judicial,
administrativo, social e de resultados – são considerados mecanismos de accountability
durante os mandatos (ABRUCIO e LOUREIRO, 2005; CENEVIVA, 2006).
Entre as recentes iniciativas da sociedade relacionadas ao combate à corrupção, ao controle
social e à accountability, chama atenção o processo da chamada lei da Ficha Limpa, projeto
de lei de iniciativa popular que propõe novos requisitos aos candidatos a cargos eletivos.
Liderado inicialmente pelo Movimento pelo Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e pela
Articulação Brasileira contra a Corrupção e Impunidade (ABRACCI), o debate sobre a Lei
movimentou a cena política-institucional no Brasil, de 2008 aos dias atuais, envolvendo
diversos setores da sociedade, imprensa, partidos políticos e os três poderes da República.
Outra frente representativa das formas de mobilização social contemporâneas volta-se ao
combate à corrupção e ao engajamento cidadão pela qualidade de vida nas cidades. Afetados
por escândalos de corrupção, cidadãos dos municípios de Ribeirão Bonito, no estado de São
Paulo, e de Maringá, no Paraná, organizaram-se pela investigação e punição política e
criminal dos envolvidos, tornando-se referências de como o controle social, articulado aos
mecanismos de controle institucional, pode promover a efetiva responsabilização dos
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governantes. A Amigos Associados de Ribeirão Bonito (Amarribo) e o Observatório Social


de Maringá (OSM) inspiraram mobilização social em diversos municípios, dando origem,
respectivamente, à Rede Amarribo de Controle Social e à Rede Observatório Social do Brasil
(OSB) de Controle Social. Além do combate à corrupção, tais redes promovem engajamento
cidadão no monitoramento da qualidade da gestão pública e da qualidade de vida nas cidades.
Temática esta que igualmente mobiliza a Rede Social Brasileira por Cidades Justas e
Sustentáveis, inspirada na experiência de cidades colombianas, especialmente a de Bogotá,
que no Brasil encontra correspondência em redes como Nossa São Paulo, Rio Como Vamos,
Observatório Social do Recife, entre outras (SCHOMMER e MORAES, 2010).
Considerado esse contexto amplo de mobilização social, em particular os processos de
construção da Lei da Ficha Limpa e de constituição da Rede Observatório Social do Brasil
(OSB) de Controle Social, o objetivo geral deste artigo define-se como: identificar
possibilidades e limites de coprodução do controle pela interação entre mecanismos de
mobilização social e mecanismos governamentais de accountability. Os objetivos específicos
são: i) explorar relações conceituais entre coprodução do bem público, controle social e
accountability; ii) descrever duas experiências brasileiras recentes de mobilização cidadã –
Ficha Limpa e Rede OSB de Controle Social; iii) levantar questões a serem exploradas em
futuros estudos sobre avanços e limitações da coprodução do controle, a partir do que
sinalizam tais experiências.
O trabalho foi construído com base em pesquisa bibliográfica e documental e na observação
participante entre os anos de 2010 e 2011 no contexto de um dos observatórios sociais
integrantes da Rede OSB de Controle Social. Os pesquisadores participaram, ainda, de etapas
regionais da I Conferência Nacional sobre Transparência e Controle Social (Consocial),
coordenada pela Controladoria Geral da União, em articulação com órgãos governamentais,
organizações da sociedade civil e movimentos sociais (CONSOCIAL, 2012).
O texto ora resultante dessa investigação apresenta, a seguir, as noções de accountability,
controle social e coprodução do bem público, explanando a possível superação da clássica
distinção entre accountability vertical e horizontal, dando lugar a um olhar sistêmico sobre o
processo. Argumenta-se que melhores resultados em accountability tendem a ser alcançados
quando mecanismos institucionalizados interagem com mecanismos informais de controle, de
modo contínuo e dinâmico, por meio de múltiplos atores sociais. Em seguida, são descritos
os processos de construção da Lei da Ficha Limpa e da Rede Observatório Social do Brasil de
Controle Social. A partir da análise das mesmas, são formuladas questões a serem exploradas

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em estudos futuros, concluindo-se com algumas considerações e as referências que


fundamentam o trabalho.

Accountability e coprodução do bem público

Nesta seção, discute-se a compreensão de que o controle pode ser visto como um bem público
essencial à accountability democrática e que o mesmo pode ser coproduzido por meio de
diversas formas de interação entre cidadãos e governantes, intermediados por movimentos
sociais, organizações e instituições. Para tal, apresenta-se o conceito de accountability e de
coprodução do bem público, enfatizando a relevância da participação cidadã para promovê-
las, chegando a uma proposta de compreensão sistêmica da accountability.
Accountability e controle como bem público
Accountability pode ser genericamente definida como obrigação de uma pessoa ou grupo de
prestar contas por sua conduta diante de uma responsabilidade assumida perante outrem
(KLUVERS e TIPPET, 2010) ou como estratégia para responder a expectativas
(HEIDEMANN, 2009). No contexto democrático, a razão de ser da accountability está na
necessidade de controle sobre o poder, na busca de garantia de que o poder seja exercido a
serviço da res publica (PINHO e SACRAMENTO, 2009). Pode ser entendida, ainda, como
contínua responsabilização dos governantes por seus atos e omissões perante os governados
(ABRUCIO e LOUREIRO, 2005). Considerando um espectro bidimensional, pode-se
compreendê-la como capacidade de resposta dos governantes aos governados, de um lado, e a
consequente capacidade de punição e recompensa, de outro (CARNEIRO e COSTA, 2001).
Arato (2002) faz lembrar uma característica retrospectiva da accountability, condicionada à
avaliação das ações passadas dos governantes pelos cidadãos. Este mesmo autor aponta,
ainda, que a accountability tem “[...] no seu fundamento um ‘imperativo hipotético’ no
sentido kantiano”. Isso porque ela serviria como meio para reforçar a norma democrática, não
como fim em si mesma (ARATO, 2002, p. 92). Sendo um alicerce para a democracia, vale a
pena trazer à baila o entendimento de Koppel (2005) ao estabelecer que a accountability é
constituída por cinco dimensões indissociáveis que deveriam orientar as relações Estado e
sociedade: a transparência (transparency), a imputabilidade (liability), a sujeição ao controle,
a responsabilidade e a responsividade.
Tradicional operacionalização do conceito foi introduzida por O’Donnell (1998), distinguindo
dois eixos de accountability. Um deles, horizontal, posto em prática dentro da estrutura do
Estado, no ideal de check and balances entre órgãos dos diferentes Poderes, que exerceriam
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entre si contínua fiscalização na garantia dos valores democráticos. Um dos limitantes deste
eixo seria a prevalência ou independência exagerada na divisão dos poderes, com especial
preocupação com a burocracia excessiva, autônoma e, muitas vezes, “[...] incólume aos
processos de responsabilização política” (VIEIRA, 2005, p. 622).
Em contraposição à accountability horizontal encontra-se a vertical, também denominada de
política ou eleitoral. Manin, Prezeworski e Stokes (1999) apontam que este eixo entra em
cena em dois momentos: primeiro quando o eleitor vota na esperança de escolher o melhor
representante possível e outro quando o representante escolhe o melhor pacote de políticas
que garantiria sua reeleição. Apesar de a eleição ser o canal principal para o desenvolvimento
da accountability vertical, O’Donnell (1998, p. 28) elucida que nesta vertente estão incluídas:
“[...] ações realizadas, individualmente ou por algum tipo de ação organizada e/ou coletiva,
com referência àqueles que ocupam posições em instituições do Estado, eleitos ou não”.
Soma-se aqui o entendimento de Carneiro e Costa (2001) ao ampliarem este eixo para a
accountability societal, ou exercida voluntariamente pelos cidadãos, de forma organizada ou
não, por meios informais ou institucionalizados, também durante os mandatos.
Sobreleva-se que a participação do cidadão durante o mandato, para além de seu papel de
eleitor, pode ocorrer de várias formas, incluindo o monitoramento de informações públicas, a
manifestação de expectativas e o engajamento direto na coprodução de bens ou serviços
públicos. Ressalvando que dita participação será sempre legítima se orientada à produção do
bem comum ou à estabilidade social (SALM e MENEGASSO, 2010). Contudo, não há como
garantir participação social nem o consequente controle do cidadão sobre o Estado sem
informações públicas fiáveis. É nesse norte que tem sido realizados esforços para recordar a
importância da difusão, debate e acesso à informação pública.
Documento pioneiro no tema é a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (ONU,
2002), ratificada pelo Brasil, com especial relevância aos seus artigos 10 “Acesso à
informação pública”, lido conjuntamente com o artigo 13 “Participação da sociedade”, que
colocam em evidência a liberdade de cada país em fomentar a participação da sociedade civil
e seus movimentos organizados, esforçando-se em garantir o acesso eficaz das pessoas às
informações públicas, dando ênfase, também, a programas e iniciativas de educação pública
que conscientizem os cidadãos sobre o potencial da participação cidadã, bem como sobre seus
direitos de acesso a dados, informações e publicações fidedignas sobre a atuação dos
governos. Este documento internacional integrou o ordenamento jurídico brasileiro por meio
da Lei de Acesso à Informação, Lei nº 12.527/11 (BRASIL, 2011), que passa a valer a partir
de maio de 2012, tomando sua base no princípio da participação ativa da sociedade civil.
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Verifica-se que a accountability - enquanto meio para a construção de um regime democrático


– só pode ser plenamente exercida pela sociedade com a confluência da participação ativa do
cidadão (por meios organizados ou não) e de informações que possam subsidiar a tomada de
controle pela sociedade e consequente responsabilização de agentes públicos (com penas ou
premiações). O controle social se enquadra, pois, como bem público, uma vez entendido
como atividade social de interesse público incluída no processo da accountability que, por sua
vez, é imperativo hipotético para uma sociedade democrática (ARATO, 2002). É interesse
público, pois o controle social “[...] result[a] do conjunto de interesses que os indivíduos
pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade ou pelo
simples fato de o serem” (MELLO, 2003, p. 53).

Coproduzindo a informação e o controle

Uma das condições para o bom desempenho do controle sobre o poder é a obtenção e
divulgação de informações públicas com transparência e fidedignidade (ABRUCIO e
LOUREIRO, 2005). Embora as informações públicas sejam tradicionalmente produzidas por
órgãos de governo, este fato não impede que cidadãos e organizações da sociedade civil
envolvam-se em sua produção e difusão, monitorando promessas políticas, por exemplo. Dito
envolvimento faz surgir uma interação, ocasionando modificações na atuação da sociedade
civil e do próprio poder público que se prepara para este ambiente dinâmico.
Na medida em que o controle social interage com os controles clássicos – parlamentar,
judicial e administrativo – exercidos por órgãos dos três Poderes e seus auxiliares, como o
Tribunal de Contas e o Ministério Público, bem como participa do controle de resultados,
tem-se a formação de um sistema de controle. Sistema este constituído de várias partes e suas
interações e que pode ser visto como um bem público passível de coprodução, esta entendida
como estratégia para produção de bens e serviços públicos em rede, baseada no engajamento
cidadão, governamental e demais atores da esfera pública (SALM e MENEGASSO, 2010).
A tradição geométrica da accountability deixa de se aplicar por completo, visto que se revela
limitada para representar as assimetrias de poder que ocorrem na accountability horizontal,
bem como o eixo vertical nem sempre reflete a multiplicidade de papéis e interações entre os
distintos atores sociais (CENEVIVA, 2006). Nesse sentido, no período recente da construção
democrática brasileira, há exemplos de práticas que demonstram como os cidadãos
organizados em movimentos sociais, redes e associações passam a exigir informações de
qualidade dos órgãos públicos e mais: começam a produzir informações originais que
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contrapõem às prestadas pelas autoridades ou interagir com órgãos de controle para a


produção e discussão de dados. Verifica-se, pois, a existência da coprodução de informações
públicas que podem ser utilizadas no exercício do controle social, na tomada de decisão, na
avaliação e na responsabilização legal e política.
Ocorre articulação de elementos técnicos e políticos, de caráter formal/institucional e de
caráter informal, compondo um sistema político-institucional que depende da articulação de
cada uma das partes do todo, de forma sistêmica. Essa visão, que se refere à presença de
multiplicidade de atores e mecanismos de produção de informações e controle, substitui a
perspectiva de mecanismos do Estado (accountability horizontal) e sobre o Estado
(accountability vertical), aproximando-se de visão multidimensional da sociedade. Nesse
sentido, estimula-se a conduta de participação cidadã e estruturas governamentais abertas a
ela, respeitando-se a “sociedade multicêntrica”, na qual há um tipo de Estado que se orienta
não apenas por objetivos definidos pelo mercado ou por interesses corporativistas, mas
também por cenários sociais adequados à atualização pessoal, a relacionamentos de
convivência e a atividades comunitárias dos cidadãos (RAMOS, 1981). Quando os cidadãos
organizam-se para demandar informações e novas regras de controle institucional e encontram
abertura para tal por parte do Estado (ou conquistam essa abertura), como veremos em
exemplos na próxima seção, os mesmos demonstram essa vontade de atualização pessoal, de
atuação social e de contribuição para a produção de bens e serviços públicos.

Combate à corrupção e coprodução do bem público no Brasil

Neste item, busca-se discutir aspectos reveladores de possibilidades e limitações da


coprodução de bens públicos nas práticas políticas e administrativas brasileiras, a partir da
descrição e análise do processo que levou à aprovação da Lei da Ficha Limpa, e da atuação da
Rede Observatório Social do Brasil (OSB) de Controle Social. Introduzindo os exemplos,
explanamos brevemente sobre avanços recentes na cultura política brasileira e no seu
arcabouço institucional, particularmente no que se refere à accountability.
Nas duas últimas décadas, a temática da accountability vem ocupando espaços na cena
política e acadêmica brasileira. No final dos anos 1980, Campos (1990) observava o contexto
brasileiro e concluia sobre a impossibilidade de tradução do termo para o português naquele
momento. Não porque faltasse uma palavra, sim porque não havia o conceito, porque o
sentido do termo não se fazia presente na cultura política nacional (CAMPOS, 1990, p. 33).

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De lá para cá, muito se avançou em termos de cultura política e de construção do arcabouço


institucional democrático, porém a noção de accountability é ainda parcialmente incorporada
no cotidiano. Analisando mudanças ocorridas no país de 1990 a 2009, Pinho e Sacramento
(2009) observaram a combinação entre valores arcaicos e modernos da cultura política
brasileira, levando-os a assim responder à indagação se já poderíamos traduzir accountability
para o português: “podemos dizer que estamos mais perto da tradução do que quando Campos
[op. cit.] se defrontou com a questão, mas ainda muito longe de construir uma verdadeira
cultura de accountability (PINHO e SACRAMENTO, 2009, p. 1365).
Nesse sentido, o Brasil é constantemente apresentado como um país cuja democracia é,
conforme O’Donnell, “delegativa”, ou seja, embora a sociedade disponha de instrumentos
próprios das democracias plenas (em especial eleições amplas e livres para escolha dos seus
representantes e governantes), utiliza-os de forma parcial ou tutelada, na medida em que, ao
eleger seus governantes, outorga-lhes plenos poderes para decidir e agir sem que lhes sejam
exigidas as necessárias prestações de contas. Tal condição, segundo O´Donnell (1998), é
decorrência daquilo que denomina de “deficit de accountability”, ou seja, a falta ou a pouca
cobrança a que a sociedade submete os seus representantes e governantes.
Não se pode negar que esta é uma visão próxima da realidade brasileira (PINHO, 2006), ainda
que pouco se comente que nosso legislador (em especial o constituinte) percebeu a condição
deficitária do país em termos de accountability e tratou de criar e ampliar instrumentos que
viabilizassem sua superação. Além do aparato constitucional, a legislação previu novos papéis
e espaços para a participação popular nas políticas públicas, como os conselhos consultivos e
deliberativos de políticas públicas, os plebiscitos e as audiências públicas. Além disso, alguns
governos vêm ampliando espaços de diálogo, deliberação e produção compartilhada com a
sociedade de bens e serviços públicos e há inúmeras iniciativas autônomas da sociedade que
contribuem para avanços no campo do controle social.
Portanto, assim como o legislador brasileiro, de modo geral, tem buscado dotar o país de
instrumentos que possam reduzir o “deficit de accountability”, a sociedade tem se mobilizado,
por vezes motivada por escândalos de corrupção e mau uso do dinheiro público, para superar
certo desgaste de formas tradicionais de participação, buscando agir de modo mais qualificado
técnica e politicamente, renovando modos tradicionais de controle social e interagindo com
formas institucionalizadas de controle na promoção da accountability, de modo sistêmico e
dinâmico (SCHOMMER e MORAES, 2010).

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Essas dinâmicas de interação entre a sociedade civil e desta para o aparelho estatal permitem
o amadurecimento democrático pela participação cidadã, via movimentos sociais. A partir da
análise de Teixeira (1997), podemos inferir que:
A participação cidadã utiliza-se não apenas de mecanismos institucionais já
disponíveis ou a serem criados, mas os articula com outros mecanismos e canais que
se legitimam pelo processo social; não nega o sistema de representação, mas busca
aperfeiçoá-lo, exigindo a responsabilização política e jurídica dos mandatários, o
controle social e transparência das decisões (prestação de contas, debate público),
tornando mais freqüentes e eficazes certos instrumentos de participação semidireta
(plebiscito, referendo, iniciativa popular de projeto de lei, democratização dos
partidos) (TEIXEIRA, 1997, p. 192).
Entende-se, portanto, que embora a incorporação da noção de accountability na democracia
brasileira seja dificultada por características históricas que marcam a relação Estado-
sociedade e por fragilidades da cultura política (originada numa estrutura patrimonialista que
até hoje a caracteriza e representa um pesado fardo se antepondo a mudanças mais céleres), os
avanços no contexto político do país, especialmente a partir da década de 1980 (FARAH,
2001; PINHO; SACRAMENTO, 2009), contribuem para que accountability seja tema
presente nos debates e no desenho de regras institucionais e práticas de gestão, influenciadas
pelos diversos atores que atuam na esfera pública.
A seguir trataremos de dois exemplos disso: a mobilização que levou à chamada “Lei da
Ficha Limpa” e a organização da sociedade em torno de observatórios sociais voltados ao
controle dos agentes públicos e à qualidade de vida nas cidades.

O processo de construção da Lei da Ficha Limpa

Polêmico e recente, o processo de mobilização social que teve como seu mais visível fruto a
aprovação da “Lei da Ficha Limpa” representa uma notável experiência relacionada ao
controle social, à articulação em rede e à coprodução do bem público no Brasil. A “campanha
da Ficha Limpa”, como também ficou conhecida, foi inserida na agenda política brasileira
pelo trabalho de variadas organizações da sociedade civil, especialmente o Movimento pelo
Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e a Articulação Brasileira contra a Corrupção e
Impunidade (ABRACCI). A estratégia utilizada foi a apresentação de Projeto de Lei de
Iniciativa Popular sobre os critérios de inelegibilidade no país, visando “[...] melhorar o perfil
dos candidatos e candidatas a cargos eletivos” (MCCE, 2012).
A campanha teve início em abril de 2008 e coletou 1 milhão e 300 mil assinaturas,
colacionando o mínimo constitucionalmente definido para a apresentação desta modalidade
legislativa, qual seja, 1% do eleitorado nacional. Para tanto, colocou-se em prática uma

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coalizão de atores não-governamentais em todo o Brasil, com o apoio de servidores de órgãos


institucionais, como o Ministério Público, e de organizações internacionais, a exemplo da
AVAAZ – movimento global organizado virtualmente que promove envolvimento de pessoas
nas decisões políticas, que colaborou com a arrecadação de mais de 500 mil assinaturas por
meio de sua plataforma virtual.
Na raiz do projeto em tela estava a indignação de setores e organizações da sociedade com a
candidatura à Câmara dos Deputados no ano de 2006 de Eurico Miranda. O político havia
sofrido um processo de cassação por evasão de divisas quando era deputado em 2001, e
pesavam contra ele acusações de falsificação de documentos, furto e lesão corporal. Apesar de
ter sua candidatura negada inicialmente “por falta de condições morais” pelo TRE-RJ, a
decisão foi revista pelo TSE, por quatro votos a três (MELCHIORI, 2011, p. 78).
Na prática, o Projeto de Lei apresentado em 29 de setembro de 2009 propunha a alteração da
Lei Complementar nº 64 de 1990, conhecida como Lei das Inelegibilidades. O projeto de lei
foi aprovado em 4 de junho de 2010, após conturbada tramitação no Congresso Nacional – o
discurso do então deputado José Genuíno o elucida, pois este chegou a qualificar o projeto
como fascista e inconstitucional –, passando ao ordenamento jurídico brasileiro sob o nome
de Lei Complementar nº 135/2010. Após sanção pelo Presidente da República, a Lei alterou
três pontos das regras do processo eleitoral do Brasil, notadamente no que se refere à
ampliação dos critérios de inelegibilidade. A partir de então, seriam considerados inelegíveis
os candidatos: (1) que fossem condenados por órgão colegiado em virtude de crimes graves
como: racismo, homicídio, estupro, tráfico de drogas e desvio de verbas públicas. Os
candidatos em questão podem ter os registros de candidaturas negados, no entanto têm o
direito de pedir uma liminar suspendendo a inelegibilidade, para disputar as eleições. Neste
caso, o processo a que respondem será julgado com prioridade pelo tribunal responsável e (2)
parlamentares que renunciaram ao cargo para evitar abertura de processo por quebra de
decoro ou por desrespeito à Constituição e fugir de possíveis punições. Além disso, a Lei (3)
ampliou o período de impedimento de candidatura para oito anos (BRASIL, 2010).
As polêmicas em torno da “Lei da Ficha Limpa” iniciaram na sua tramitação no parlamento.
Com quase um mês de processo legislativo, o projeto restava sem relator. A mudança
institucional proposta invalidaria a candidatura de diversos dos parlamentares que deveriam
aprová-la (MELCHIORI, 2011, p. 87). A lei contou com 28 destaques (emendas) e foi
aprovada graças à constante mobilização social, capitaneada pelo MCCE e pela Avaaz, com
apoio da imprensa. Um dos pontos mais controvertidos foi a constitucionalidade da alteração
trazida pela Lei no tocante à dispensa do trânsito em julgado de sentença condenatória como
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critério de inelegibilidade. A controvérsia foi resolvida, em meio a intensa negociação, pelo


relatório final da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados
(CÂMARA FEDERAL, 2010, p. 7). Destaca-se o trecho:
Não há, pois, a nosso ver, por parte da iniciativa legislativa sub examine, qualquer
violação a princípios ou normas de ordem material da Constituição de 1988. Nessa
proposição, cuida-se apenas de disciplinar os efeitos imediatos de certas sentenças
judiciais, não no plano do processo penal ou no campo da imputação de sanções
próprias do Direito Penal, mas apenas no âmbito dos requisitos de elegibilidade do
cidadão.
Neste norte, o parecer final da Comissão acolheu a tese de que o princípio constitucional da
presunção de inocência continuava valendo mesmo com a aplicação da lei, uma vez que este
instituto jurídico está destinado a proteger o réu de sofrer a pena imposta apenas após o
trânsito em julgado da sentença, não se entendendo como “pena” a perda do direito político
em questão, a saber, a elegibilidade.
A polêmica continuaria após a entrada em vigor da Lei. Agora, sob a perspectiva de uma nova
argumentação (sua aplicação) e em outro cenário institucional, o Poder Judiciário. A primeira
consulta sobre a aplicação da lei já para as eleições de 2010 (mesmo ano de sua entrada em
vigor) ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi efetuada pelo então governador do Distrito
Federal Joaquim Roriz, que restou sem julgamento, uma vez que na véspera da decisão o
candidato desistiu da candidatura em favor de sua esposa, Weslian Roriz.
A questão acerca da aplicabilidade seria sanada com o julgamento da liminar proposta pelo
ex-senador Jader Barbalho, que teve sua candidatura indeferida por renunciar ao cargo para
fugir de um processo de cassação. Em 27 de outubro de 2010, o caso chegou ao plenário do
Supremo Tribunal Federal. A decisão restou prejudicada em decorrência de um empate, haja
vista a inexistência de substituto para o Ministro recém aposentado Eros Grau. O caso seria
julgado em 23 de março de 2011, com a entrada do Ministro Luiz Fux, que desempatou a
questão, decidindo pela inaplicabilidade da lei para aquelas eleições (STF, 2011).
Foi apenas em 16 de fevereiro de 2012 que a validade da Lei da Ficha Limpa seria chancelada
pelo Supremo Tribunal Federal. “Por maioria de votos, prevaleceu o entendimento em favor
da constitucionalidade da lei, que poderá ser aplicada nas eleições deste ano, alcançando atos
e fatos ocorridos antes de sua vigência” (STF, 2012).
Sob o prisma da accountability, esta experiência se enquadra no controle exercido por
instituições e sociedades quanto às regras do processo eleitoral. A ativação de mecanismos
que pressionem sobre estas normas tem consequência direta nos critérios utilizados pelos
partidos políticos para a escolha dos nomes que comporão suas chapas para disputa eleitoral,
mediante um controle institucional a ser exercido pelo Tribunal Superior Eleitoral. Neste jogo

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de controle político, a Lei da Ficha Limpa surge como um aprimoramento nos critérios de
conduta social e política a serem seguidos pelos partidos brasileiros na escolha dos
candidatos, considerando a assimetria de informação a que está sujeito o eleitor ao votar e
exigindo dos partidos que sejam mais seletivos na indicação dos candidatos.
Mais relevante do que a aprovação da Lei em si é o que esta sinaliza quanto à postura da
sociedade brasileira, engajando-se em grande número no debate e exercendo pressão política
sobre os órgãos institucionalizados, por meio de diversas estratégias, sobretudo as permitidas
pelas tecnologias de informação e comunicação. Observa-se articulação sistêmica entre
mecanismos e instâncias de debate e controle: o Projeto de Lei inicia pela mobilização de
organizações e movimentos sociais nacionais e internacionais, com apoio de servidores
públicos de órgãos institucionalizados de controle, notadamente o Ministério Público. Conta
com participação direta da população por meio de assinaturas para apresentação de Projeto de
Lei de Iniciativa Popular e no debate em redes sociais. É discutido e aprovado no Legislativo
e passa por sanção Presidencial, sob forte pressão social. Tem sua aplicação decidida no
Judiciário, sob pressão da imprensa e de setores da sociedade. Muitos dos casos de
inelegibilidade que chegarem à discussão no STF tinham como origem condenações no
âmbito do controle administrativo e posterior condenação por órgão colegiado do Judiciário, o
que doravante tende gerar mais atenção dos governantes à probidade administrativa, sob o
risco de perderem condição de elegibilidade em eleições futuras.
Entretanto, vale a pena destacar que as limitações para a coprodução neste caso partiram do
questionamento acerca da constitucionalidade da nova Lei que ao ensejar as Ações Diretas de
Constitucionalidades e Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal fez com
que a Lei, mesmo aprovada, não entrasse em vigor no período estimado. Este questionamento
evidenciou que as iniciativas de controle social (especialmente em regras eleitorais) estão
sujeitas aos complexos mecanismos da accountability horizontal, com os quais cada vez mais,
a sociedade parece desejar interagir e influenciar.

Observatórios sociais, combate à corrupção e qualidade de vida nas cidades

O desejo de contribuir para a qualidade da administração pública no âmbito das cidades e


escândalos de corrupção em governos locais têm mobilizado cidadãos em torno de
organizações e redes pelo país. Uma delas é a Amigos Associados de Ribeirão Bonito
(AMARRIBO), que mobilizou a sociedade local e diversas instâncias de controle institucional
para apurar um esquema de corrupção naquele município paulista e levar à punição dos
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envolvidos. Experiência esta compartilhada nacionalmente (TREVISAN, et al., 2003), dando


origem à Rede AMARRIBO de Controle Social.
Outro conjunto de iniciativas articula-se na Rede Social Brasileira por Cidades Justas e
Sustentáveis, que inclui movimentos em diversos municípios – a exemplo de Rede Nossa São
Paulo, Rio Como Vamos, Nossa BH, Nossa Salvador, Observatório Social do Recife – que
surgiram inspirados na experiência colombiana Bogotá Cómo Vamos (NOSSA SÃO PAULO,
2008; 2010). Esta contribuiu para avanços na qualidade de vida da cidade colombiana,
baseando-se na mobilização cidadã e na produção e acompanhamento de dados e indicadores.
Outra frente de atuação nesse contexto de mobilização é a Rede Observatório Social do Brasil
(OSB) de Controle Social, voltada à cidadania e à educação fiscal, que tem tomado corpo no
contexto brasileiro a partir de 2005, como promotora de transparência nas ações
governamentais e do controle da qualidade na aplicação dos recursos públicos. A experiência
pioneira nessa frente ocorreu no município paranaense de Maringá, a partir da Sociedade
Eticamente Responsável – S.E.R. Maringá, que, em 2006, motivada por escândalo de
corrupção na cidade, criou o Observatório Social de Maringá (OSM), como ferramenta de
controle social, fomento à cidadania e participação popular. A atuação do OSM oi
reconhecida pela FINEP como Tecnologia Social do Prêmio Inovação, em sua etapa regional,
em 2008. E foi primeira colocada no V Concurso de Experiências em Inovação Social,
promovido pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe das Nações Unidas –
Cepal, com o apoio da Fundação Kellogg, na cidade de Guatemala, em 2009 (OSM, 2012).
A iniciativa proliferou em vários estados brasileiros, dando origem a Rede OSB de Controle
Social, que atualmente conta com 40 observatórios ativos, 20 deles no estado do Paraná
(OSB, 2012). Em muitos municípios, a motivação principal para a criação do Observatório,
nos moldes organizacionais sugeridos pela Rede, foi o combate à corrupção, aliada ao desejo
de mobilizar os cidadãos para que atuem no controle social e contribuam para a melhoria da
qualidade da gestão pública e da vida nas cidades. Na cidade catarinense de Itajaí, por
exemplo, o Observatório foi criado em 2009, motivado sobretudo por suspeitas de
irregularidades em compras públicas realizadas em regime de dispensa de licitação, em
função do estado de emergência decretado em 2008, depois que uma enchente devastou parte
da cidade (SCHOMMER e MORAES, 2009).
No que se refere a sua constituição jurídica, as integrantes da Rede OSB são organizações
privadas sem fins lucrativos. Em sua maioria, recebem apoio financeiro de entidades de classe
empresarial, que no processo de implementação e mobilização despontam como os principais
incentivadores da causa. Outras entidades de cunho comunitário e de representação de classes
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costumam participar e colaborar financeiramente nesse processo, como Rotary Club,


Maçonaria, sindicatos patronais e empresas (SCHOMMER et al., 2011).
A Rede defende ações voltadas à cidadania fiscal, preconizando o acompanhamento
sistemático da aplicação dos recursos públicos oriundos dos impostos em cada município. No
bojo da cidadania fiscal, dedicam-se ao combate à corrupção, à melhoria da qualidade da
gestão pública, à avaliação da qualidade de programas governamentais e à construção de
indicadores de desenvolvimento e de qualidade de vida. Entre as principais atividades
desenvolvidas está o acompanhamento das compras públicas, analisando jurídica e
tecnicamente os procedimentos licitatórios do município (Prefeitura e Câmara Municipal)
desde a instauração até a entrega, utilizando metodologias semelhantes e contando com o
suporte da Rede. Recentemente, estão se voltando ao acompanhamento do Legislativo,
verificando a tramitação e a relevância dos projetos de Lei em discussão.
Os observatórios sociais da Rede OSB pautam-se pelo propósito de atuar preventivamente
frente aos objetos de suas análises, comunicando falhas às autoridades competentes
(Prefeitura e Câmara Municipal) durante os processos, a fim de regularizar ocorrências
observadas. Quando não atendidos pelo responsáveis, os observatórios acionam os
mecanismos institucionais de controle e garantia de direitos - Tribunais de Contas, Câmaras
Municipais e Ministério Público. Ou seja, embora não tenham poder de exercer sanção direta
sobre os governantes, sua ação pode mobilizar e influenciar outros atores e mecanismos de
accountability, gerando efeitos mais amplos sobre a cidadania e a democracia.
Entre os diferentes papéis que pode desempenhar um observatório (há inúmeros deles pelo
mundo, em diferentes formatos e temas a que se dedicam), focalizamos a característica-chave
de ação voltada para o monitoramento sistemático do funcionamento ou desempenho de um
setor ou tema . No sentido da coprodução de informações qualificadas e do controle da
administração pública, um observatório pode: i) demandar informações de órgãos
institucionalizados, políticos e governantes; ii) exercer pressão sobre órgãos
institucionalizados de controle para que cumpram seus papéis na produção de informações
qualificadas e no controle; iii) promover intermediação entre cidadãos/sociedade, políticos e
governantes e espaços de diálogo na esfera pública, necessários à coprodução de bens
públicos; iv) contribuir para a educação fiscal, a cidadania e o controle social; v) monitorar a
qualidade da gestão pública e a qualidade de vida nas cidades, por meio da participação em
espaços institucionalizados de controle por resultados, em diálogo com diferentes agentes
públicos; vi) coletar e elaborar dados e indicadores de desempenho para comparar com dados
oficiais e para sinalizar necessidades da população (SCHOMMER e MORAES, 2010).
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Em síntese, com base nas informações e análises que produzem, os observatórios sociais
podem fiscalizar a ação de gestores públicos, contribuir para a observância dos princípios
constitucionais da administração pública, estimular os demais mecanismos de accountability
durante os mandatos – parlamentar, judicial, administrativo e de resultados –, gerar
mobilização coletiva e influenciar decisões e o processo de planejamento, implantação e
avaliação de políticas públicas (SCHOMMER e MORAES, 2010). Particularmente no que diz
respeito ao seu modo de agir, acionando mecanismos de controle institucional e de controle
externo, isso, talvez, tenha propiciado a apresentação de irregularidades de forma mais
qualificada a estes órgãos, permitindo melhores resultados no sentido de desvendar esquemas
de corrupção nos municípios.
O pleno exercício desses papéis depende de uma série de condições, que nem sempre se
verificam na ação dos observatórios sociais, que enfrentam limites de natureza metodológica,
política e operacional. Entre elas, o desafio de produzir informações de maneira continuada e
de colocá-las em discussão de modo a influenciar o debate e a responsabilização política.
Albornoz e Herschmann (2006) também apontam os riscos de que essas entidades tornem-se
instâncias de lobby de grupos políticos ou econômicos constituídos e de atuarem de modo
distanciado do conjunto dos cidadãos.
Em análise das instituições mantenedoras da grande maioria dos integrantes da Rede OSB de
Controle Social, é perceptível que se trata de um movimento elitizado, pois é patrocinado por
instituições de classe empresarial ou movimentos de grupos específicos que não
necessariamente tem em seus objetivos institucionais a defesa de direitos sociais, mas sim um
trabalho mais voltado à defesa de interesses de uma classe específica.
Além disso, verifica-se ainda incompreensão por parte do poder público sobre as organizações
não governamentais que atuam na área de direitos, ao contrário das mais tradicionais
entidades de assistência social. Diante de organizações que trabalham com temas mais
específicos, sem prestar serviços ao governo, pode haver um clima de desconfiança,
complementado pela legislação ainda incipiente sobre acesso a informações públicas e de
atuação do controle social, trazendo como resultados demora em atender às solicitações,
incompreensão no sentido de não entenderem para que uma organização demanda estes
dados, impactando diretamente nos resultados de seus trabalhos.
Soma-se a isso o baixo grau de participação cidadã nestes assuntos, demonstrando que,
mesmo com os avanços alcançados nas últimas décadas, o controle social ainda tem um longo
caminho a percorrer para promover as mudanças que almeja na construção da democracia.

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Embora atentos aos seus limites, pode-se considerar observatórios e redes voltadas à
qualidade de vida das cidades como parte da diversidade de formas de organização social que
ganham espaço no Brasil. Uma das renovadas maneiras de se exercer participação cidadã e
controle social, articulando capacidades técnicas e políticas, buscando contribuir para a
qualidade da gestão pública e a qualidade de vida nas cidades. No contexto em que atuam, é
possível reconhecer seu potencial inovador na promoção do controle social, a partir de
metodologias que buscam auxiliar a qualidade na aplicação dos recursos públicos, aliadas à
mobilização social e política nos municípios. Seu trabalho passa pela construção de uma
agenda de combate à corrupção e de acompanhamento permanente da gestão pública. E a
articulação de redes como a Rede OSB com outras redes, movimentos e entidades brasileiras
e estrangeiras que apresentam agenda pública semelhante, constituem redes de redes.

O que as experiências analisadas sinalizam sobre coprodução do controle

Nesta seção, busca-se sintetizar o que os dois exemplos analisados revelam em relação à
coprodução do controle (Quadro 1), apontando para questões que poderão ser exploradas em
futuros estudos. Faz-se, ainda, relação dessas questões com o processo em curso em torno da I
Conferência Nacional sobre Transparência e Controle Social (Consocial), uma vez que este
tem relação direta com o tema e o contexto de ação aqui analisados.

Quadro 1: O que as experiências analisadas revelam


Observatórios Sociais – Rede OSB de
Lei da Ficha Limpa
Controle Social
Desejo de setores da sociedade de
influenciar regras do processo eleitoral, a Reação da sociedade à corrupção
partir de indignação com as candidaturas Desejo de setores da sociedade de mobilizar a
apresentadas sociedade local e influenciar a administração
Capacidade de mobilização de diversos pública
segmentos, utilizando estratégias variadas Emergência de novas formas de participação
Contexto
Articulação entre diversas organizações e nas cidades, com base em mobilização social e
para a ação
movimentos sociais com servidores produção e monitoramento de informações,
públicos e órgãos dos três poderes combinando capacidade técnica e política
Estabelecimento de regras eleitorais mais Inspiração em experiência internacional
claras: financiamento de campanha, Replicabilidade acelerada de iniciativas nesse
reeleição de políticos, prestação de contas sentido no país
dos mandatos
Presença mais direta da Demanda por informações
população/segmentos sociais diversos na Monitoramento de informações, de processos
Potenciais de discussão sobre Leis e sua aplicação administrativos e de execução de serviços
coprodução Controle social sobre as decisões no Avaliação da qualidade da gestão e dos serviços
do controle Parlamento e no Judiciário, facilitado, por Produção de dados/indicadores que dialogam
exemplo, pelas TVs com dados oficiais
Utilização de plataformas virtuais para Encaminhamento de denúncias mais
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operacionalização da participação cidadã. qualificadas/fundamentadas, auxiliando o


trabalho de órgãos de controle institucional
Estímulo à sociedade a atualizar-se e
conscientizar-se de seu papel cidadão
Articulações em redes de redes, compartilhando
conhecimentos e metodologias e fortalecendo
capacidade política
Constante desafio de produzir informações de
maneira continuada e de colocá-las em
discussão de modo a influenciar o debate e a
responsabilização política
Demora na aplicabilidade da lei devido aos
Risco de tornarem-se instâncias de lobby de
processos perante o STF .
grupos particulares
Limitações Acionamento de mecanismos de checks
Conselhos representados por pessoas oriundas
para a and balance por parte de políticos para
de movimentos e instituições de elite
coprodução resistir à aplicação da Lei expressos em
Incompreensão de seu papel pelo poder público
do controle trancamento dos processos de votação,
(descrédito das ONG’s)
omissão parlamentar, dubiedade do Poder
Incipiência das leis de acesso à informação,
judiciário e apatia dos eleitores.
gerando constantes negativas as solicitações
destas entidades;
Baixo grau de participação cidadã nas
iniciativas
Fonte:elaboração própria

A recente mobilização social que tem na Lei da Ficha Limpa uma de suas faces mais visíveis
sinaliza potenciais de engajamento político dos cidadãos brasileiros. Para além da Lei em si,
pelas discussões que vem provocando, pelos critérios que passam a ser considerados em
estados e municípios para a ocupação de cargos públicos, pela visibilidade do processo
político que envolve os três poderes e a sociedade. Em que pesem os limites da Lei, tanto em
seus fundamentos como em seu processo de aplicação, esta instrumentaliza o eleitor para
fazer escolhas melhores ou “não tão ruins”. Seria preferível que cada eleitor adotasse seus
próprios critérios de “ficha limpa” ao votar, porém há que se considerar que os eleitores
usualmente não estão instrumentalizados ou não contam com informação adequada sobre a
trajetória e os propósitos dos postulantes a cargos eletivos. Entendendo o processo
simbolizado pela Lei da Ficha Limpa como um avanço, cabe dizer que este é ainda
insuficiente para eleições mais transparentes. É relevante, porém, ver que a iniciativa da
sociedade vingou, apesar dos sobressaltos, tentativas de postergação ou de alteração do
espírito do projeto; apesar da omissão do parlamento e da dubiedade do judiciário.
No que tange aos observatórios sociais, as práticas, objetivos e concepções podem variar em
cada local, mas o ponto comum é a possibilidade observada de coprodução do controle. Os
observatórios sociais produzem informações, orientam, denunciam, processam, educam,
propõem políticas. A sociedade age pelo bem comum e reage às investidas dos benefícios
privados. As ações desencadeadas pelos observatórios sociais envolvem e articulam cidadãos,

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Revista Pensamento & Realidade

servidores, empresários, associações, sindicatos, universidades, estudantes e órgãos como


Controladoria Geral da União, Ministério Público, Receita Federal e estaduais.
Uma das questões que merece destaque a partir da análise dessas experiências de mobilização
social, incluindo a construção da Lei da Ficha Limpa e as diversas configurações dos
observatórios sociais, além de outras como o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e
a I Conferência Nacional sobre Transparência e Controle Social (Consocial), é a composição
homogênea ou heterogênea das instituições fundadoras, mantenedoras e apoiadoras, assim
como de indivíduos de classes ou grupos sociais e categorias profissionais.
A Consocial, por exemplo, nasceu do clamor social dirigido por certa elite intelectual,
comprometida com a solução de problemas sociais do país e com a transformação política do
Brasil. Foi instituída, porém, por Decreto Presidencial, em 2010. Em consequência deste ato
oficial, no contexto de cada unidade da federação, em certas regiões as associações regionais,
Prefeituras e Conselhos Municipais assumiram a liderança na condução do processo,
apoiando a divulgação, a cessão de espaço, o custeio dos palestrantes, a disponibilização de
funcionários e equipamentos para a realização dos eventos. Em outras regiões, tanto
associações regionais quanto Prefeituras mantiveram-se distantes do processo
A composição heterogênea que caracteriza a Consocial, o processo da Ficha Limpa e os
observatórios sociais constitui esta nova fase política que vive o Brasil: diferentes faixas
etárias, grupos de interesse, proposições. Os líderes destes movimentos têm que aprender a
lidar com esta pluralidade. Associações empresariais, Rotary Clubes, Maçonaria
uniformizada, líderes sindicais, militantes históricos do partido do atual governo, o PT, e de
outras siglas partidárias de orientação de esquerda, todos conviveram e marcharam juntos em
protesto ao som da Internacional socialista, em um dos atos ocorridos no dia 15 de Novembro
de 2011, em uma das capitais brasileiras. Apesar da composição plural destes movimentos, a
presença de pessoas aparentemente mais pobres, humildes e excluídas, porém, é tímida.
A questão final que poderia se colocar, tanto para os movimentos de combate à corrupção,
observatórios sociais, Consocial e outros movimentos visando procedimentos de
accountability e coprodução do bem público, é: o que fazer para estes movimentos não se
conformarem como uma ilha de discussões abstratas sem a devida inserção social?

Considerações Finais

A accountability e o controle como bem público é uma temática que já tem sua história,
envolvendo formalização e sua constante relação com movimento e práticas autônomas e
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informais. A operacionalização da accountability passa pelos eixos horizontal, vertical e


societal. Em tese, avançou-se significativamente nas pré-condições institucionais para o
exercício do controle e da coprodução de informações fiáveis. O que precisa ser
continuamente ativado pela participação da sociedade.
O investimento na coprodução do controle tende a contribuir para superar a possível apatia
política na qual muitos cidadãos se encontram. Para além dos controles formais, a
institucionalização da accountabilitity é uma forma de controlar os controles. Ir além significa
energizar o processo de participação da sociedade nas ações do Estado. Deve ser um processo
constante de prazos indefinidos, variando, dialeticamente, entre curtos, longos e médios.
Incluem-se aí procedimentos educacionais relativos ao esclarecimento e à auto-estima da
população, envolvendo a desmistificação do fazer política. As ações políticas, envolvendo os
aspectos econômicos, jurídicos, sociais e culturais, são ações de seres humanos que tomam
decisões em benefício coletivo ou em benefício privado. E estas ações podem ser
desconstruídas e reconstruídas pelos mesmos cidadãos. Para que existam tais construções,
desconstruções e reconstruções, a mobilização social é crucial.
A coprodução do bem público controle será tanto exitosa quanto for a participação dos
cidadãos nas discussões políticas, na fiscalização dos atos políticos, no monitoramento das
ações dos políticos, na definição de novas regras e estruturas institucionais. Este o desafio:
promover a inserção social e aproximar as propostas e a execução das mesmas. Algo que se
observa no Brasil em experiências alentadoras que representam tais conquistas: a liberdade
política, os incentivos à pesquisa, a autonomia das redes sociais e os processos educativos, ao
mesmo tempo, críticos e criativos. A coprodução do controle social requer e enseja a criação
de novos mecanismos de ação política. Requer subverter ou, pelo menos, alterar e
complementar as práticas de controle atualmente existentes e institucionalizadas. Desafio este
que requer a ativação ascendente de participação social, conhecimentos, habilidades, coragem
e comprometimento político com a prática do bem público.

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