Doenças Infeciosas 2017
Doenças Infeciosas 2017
Doenças Infeciosas 2017
Coimbra, 2017
Doenças Infeciosas 2017
Lista de Autores
Dr. Eduardo Serra, Dr. André Martins Dra. Raquel Gonçalves, Dra. Andrea Mesa
Hepatites víricas. Doença de Lyme
ÍNDICE
Pág.
Infeções bacterianas ..................................................................................................... 4
Conceitos Gerais de Antibioterapia ..................................................................... 4
Salmoneloses ....................................................................................................... 8
Diarreia de etiologia bacteriana ......................................................................... 23
Infeção por Clostridium difficile.......................................................................... 27
Brucelose ............................................................................................................ 37
Riquetsioses ........................................................................................................ 41
Febre Q ............................................................................................................... 46
Doença de Lyme ................................................................................................. 51
Meningite bacteriana aguda............................................................................... 56
Abcesso cerebral ................................................................................................ 64
Meningite tuberculosa ....................................................................................... 65
Tuberculose na infeção VIH ................................................................................ 69
Leptospirose ....................................................................................................... 75
Infeções em utilizadores de drogas por via EV .................................................. 81
Infeções víricas ............................................................................................................. 90
Meningites e Encefalites víricas ......................................................................... 90
Hepatites ........................................................................................................... 105
Herpes simplex .................................................................................................. 134
Varicela-zoster ................................................................................................... 146
Infeção por CMV ................................................................................................ 154
Epstein-Barr ....................................................................................................... 161
Infeção por VIH .................................................................................................. 166
Co-infecção VIH/Hepatites Víricas..................................................................... 238
Sarcoma de Kaposi ............................................................................................ 261
Arboviroses ........................................................................................................ 269
Doenças víricas hemorrágicas ........................................................................... 285
Gripe e outras infeções respiratórias superiores .............................................. 296
Infeções fúngicas ......................................................................................................... 306
Candidose .......................................................................................................... 306
Histoplasmose ................................................................................................... 313
Criptococose ...................................................................................................... 323
Pneumocistose .................................................................................................. 328
Infeções parasitárias ................................................................................................... 337
Malária ............................................................................................................... 337
Bilharziose.......................................................................................................... 344
Amebose ............................................................................................................ 347
Toxoplasmose .................................................................................................... 356
Leishmaniose ..................................................................................................... 368
Vacinação em adultos ................................................................................................. 375
Cuidados de Saúde em Viajantes ................................................................................ 390
Infeções associadas aos cuidados de saúde ............................................................... 393
Problemas de Saúde em migrantes e refugiados .................................................. 406
INFECÇÕES BACTERIANAS
INTRODUÇÃO
O número crescente de antibióticos disponíveis, com diferentes espectros de
acção, efeitos secundários e interacções medicamentosas, por um lado, e os novos
perfis de resistência aos antimicrobianos em conjunto com a patogenicidade dos
"novos" agentes etiológicos até então considerados inofensivos, por outro,
aconselham a actualização periódica de conceitos no domínio da antibioterapia, por
parte de todos os que se confrontam no seu quotidiano com a necessidade de tratar
doentes com patologia infecciosa. Torna-se assim particularmente relevante revisitar
alguns conceitos úteis, repetidamente descritos na vasta literatura médica disponível,
mas que nem por isso parecem estar sempre presentes em todos os utilizadores de
antibióticos.
ANTIBIOTERAPIA DIRIGIDA
A quimioterapia das infecções bacterianas deve ser, sempre que possível,
iniciada após realização de colheitas de material adequado para identificação dos
gérmens em causa (sangue, urina, pus, expectoração, etc.), e determinação da sua
sensibilidade aos antibióticos disponíveis. Só deste modo é possível o uso racional dos
antibióticos, com espectro de acção dirigido ao agente etiológico causal, evitando
custos exagerados, toxicidade acrescida e desequilíbrios das floras bacterianas
comensais, que normalmente resultam da redundância de espectro de acção dos
antibióticos utilizados.
COMPORTAMENTO FARMACODINÂMICO
Relativamente ao comportamento farmacodinâmico dos diferentes antibióticos
é possível a sua divisão em 3 grupos: o primeiro, dos antibióticos concentração-
dependente (aminoglicosídeos, daptomicina, colistina, quinolonas fluoradas,
metronidazol e telitromicina) nos quais a actividade bactericida aumenta na razão
directa da sua concentração máxima, sendo o valor do pico de concentração máxima
(Cmax)/CIM e a área debaixo da curva de concentração-tempo nas 24 horas (24 h-
AUC)/CIM, as variáveis que mais influenciam a eficácia bactericida. Acresce neste
grupo a existência dum efeito pós-antibiótico prolongado, pelo que o intervalo entre
administrações pode ser aumentado, sem que daí advenha perda de eficácia anti-
bacteriana.
O segundo grupo, dos antibióticos tempo-dependente, são os que possuem
actividade bactericida na dependência do tempo (T) em que as suas concentrações
séricas se encontram acima da concentração inibitória mínima (CIM), sendo o T>CIM o
parâmetro que melhor se correlaciona com a eficácia. Incluem-se neste grupo as
pecicilinas, as cefalosporinas, os carbapenemos e a eritromicina. Se atendermos a que
este grupo de fármacos exibe efeito pós-antibiótico de curta duração, fácil se torna
perceber da necessidade da sua administração a curtos intervalos de tempo ou
mesmo em infusão contínua.
Finalmente um terceiro grupo, dos antibióticos predominantemente
bacteriostáticos, com características de antibióticos concentração-dependente,
constituído pela azitromicina, clindamicina, tetraciclinas, estreptograminas e
oxazolidinonas, outrora classificados como antibióticos tempo-dependente,
possuidores de efeito pós-antibiótico moderado a prolongado, nos quais a relação
24h-AUC/CIM constitui a variável de melhor valor preditivo para a sua eficácia anti-
bacteriana.
A vancomicina continua a ser considerada um antibiótico bactericida lento, com
efeito pós-antibiótico prolongado, tempo-dependente, não obstante a variável
farmacodinâmica utilizada para aferir da sua eficácia ser a 24 h-AUC/CIM (e não a
T>CIM).
Bibliografia
Salmoneloses
Introdução
O nome Salmonella decorre da sua descoberta por Daniel E. Salmon, veterinário
norte-americano que primeiro isolou este microrganismo, em 1884, em tecido de
intestino de porco. As Salmonella podem ser comensais ou ter potencial patogénico,
sendo responsáveis por um vasto espectro de doenças no Homem e nos animais,
domésticos ou selvagens.
A sua distribuição generalizada no meio ambiente, o aumento da sua prevalência na
cadeia alimentar, a sua virulência e capacidade de adaptação, são factores que fazem
destes microrganismos um problema de saúde pública com grande impacto médico e
económico a nível mundial.
Microbiologia e Taxonomia
As Salmonellae são bacilos gram-negativos, anaeróbios facultativos, não formadores
de esporos, de crescimento intracelular facultativo, na sua maioria móveis; tal como
outras Enterobacteriaceae produzem ácido na fermentação da glicose, reduzem
nitratos e não produzem citocromo oxidase. Todas, excepto a Salmonella gallinarum-
pullorum, são móveis através de flagelos e a maioria não fermenta a lactose (apenas
1%); esta diferença no metabolismo dos açúcares pode ser usada para distinguir vários
serotipos de Salmonella – o serotipo Typhi é o único organismo que não produz gás na
fermentação dos açúcares.
Pertencendo à família das Enterobacteriaceae, o género Salmonella compreende duas
espécies: Salmonella enterica (que se divide em 6 subespécies – I, II, IIIa, IIIb, IV e VI) e
Salmonella bongori (anteriormente denominada subespécie V). A S. enterica
subespécie I contém quase todos os serótipos patogénicos para o Homem.
Os membros das sete subespécies de Salmonella podem ainda ser serotipados em
mais de 2500 serotipos (serovars) de acordo com a diversidade das suas estruturas
antigénicas de superfície (Quadro I).
Segundo a nomenclatura actualmente aceite, a completa designação taxonómica das
Salmonella pode ser abreviada. Como exemplo: “Salmonella enterica subespécie
Epidemiologia
Salmonella não-Typhi
Em muitos países a incidência de infecções por Salmonella tem aumentado, embora
não se disponha de dados estatísticos precisos, especialmente da África subsaariana.
Nos EUA a taxa de incidência de infecções por Salmonella não-Typhi tem-se mantido
relativamente inalterada nas últimas duas décadas – causam 1.2 milhões de casos de
doença anualmente, estão associadas a uma taxa de hospitalização de 27% e
mortalidade 0.5%. No período compreendido entre 1996 e 2006 os serotipos mais
implicados foram Typhimurium, Enteritidis, Newport, Heidelberg e Javiana.
A incidência da infecção é maior durante a época das chuvas nos climas tropicais e
durante os meses mais quentes nos climas temperados.
Contrariamente às S. Typhi e S. Paratyphi em que o único reservatório é o Homem, as
Salmonella não-Typhi podem ser adquiridas a partir de múltiplos reservatórios
animais.
A sua transmissão pode ocorrer por diversas vias tais como a ingestão de produtos
alimentares de origem animal (especialmente ovos, carne de aves, carne de vaca,
produtos lácteos não pasteurizados), produtos frescos contaminados com dejectos de
animais, ingestão de água contaminada, contacto directo com animais (incluindo
animais de estimação tais como aves, roedores, cães, gatos e répteis, nomeadamente
tartarugas, iguanas e cobras), ou mesmo por transmissão nosocomial.
A infecção por S. enteritidis associada aos ovos de galinha emergiu como uma
importante causa de doença de origem alimentar durante 1980-1990; a sua
transmissão pode ser prevenida cozinhando os ovos até a gema estar solidificada ou
utilizar ovos pasteurizados.
A centralização do processamento de alimentos, o rápido crescimento da
comercialização internacional de produtos agrícolas e a utilização aumentada de
tecnologias de manufacturação têm facilitado a disseminação de novos serotipos de
Salmonella nos países desenvolvidos.
Por outro lado, o aumento da resistência aos antibióticos nas espécies de S. não-Typhi
é um problema à escala mundial e está relacionado com a utilização generalizada de
agentes antimicrobianos na alimentação dos animais. A identificação de isolados
multirresistentes está a aumentar nos países desenvolvidos e nos países em
desenvolvimento, nomeadamente aos antibióticos convencionais como ampicilina e
trimetoprim-sulfametoxazol, mas também resistência ao ácido nalidíxico e
fluorquinolonas.
Manifestações Clínicas
Serotipos específicos de Salmonella produzem síndromes clínicas características que
incluem: gastroenterite, febre entérica (tifóide), bacteriémia, infecções
endovasculares, infecções focalizadas (osteomielite, artrite séptica, meningite, etc.) e
estado de portador crónico.
Gastroenterite
As infecções por Salmonella não-Typhi cursam geralmente com gastroenterite aguda
autolimitada, indistinguível de outras causas de gastroenterite bacteriana.
O quadro clínico inicia-se cerca de 6 a 48 horas após a ingestão da água ou alimentos
contaminados e caracteriza-se por náuseas, vómitos e diarreia (fezes moles ou
líquidas, em moderada quantidade, sem sangue; contudo podem ocorrer sintomas de
disenteria). Podem ainda estar presentes febre (38-39ºC), dor abdominal tipo cólica,
arrepios de frio e, menos frequentemente, cefaleias e mialgias.
A diarreia é autolimitada, cedendo em 3 a 7 dias, e a febre cessa em 48 a 72 horas; a
diarreia que persiste por mais de 10 dias deve sugerir outro diagnóstico. Raramente a
infecção por Salmonella não-Typhi pode mimetizar doença inflamatória intestinal ou
pseudoapendicite.
Após resolução da gastroenterite os doentes mantém excreção fecal de Salmonella
durante 4 a 5 semanas (variação de acordo com o serotipo) e em raros casos por mais
de 1 ano; a antibioterapia pode aumentar a duração de portador.
Os factores de risco para apresentações mais graves incluem: infecção por VIH,
transplante prévio, lúpus, patologia reumatológica sob terapêutica imunossupressora,
patologia endovascular ou valvular cardíaca, neoplasia, quimioterapia recente,
hemoglobinopatias, doenças reticuloendoteliais (incluindo cirrose hepática) e
institucionalização.
Febre Tifoide
A febre entérica ou febre tifoide é uma doença sistémica caracterizada por febre e dor
abdominal causada pela infecção disseminada por S. Typhi e S. Paratyphi.
O período de incubação varia de 5 a 21 dias (média 10 a 14 dias), dependendo da
quantidade de inóculo ingerida e do estado imunológico do doente.
Inicialmente cursa com diarreia (10 a 38% dos doentes podem referir obstipação),
cefaleia frontal tipo “moedouro”, mialgias, tosse seca (sem evidência de pneumonia),
mal-estar vago, letargia, anorexia e náuseas.
Posteriormente surge febre baixa, que se torna persistente e elevada pelo final da
segunda semana. Nesta fase, pode evidenciar-se rash maculopapular torácico e
abdominal (em até 25% dos casos) que resolve em 3 a 5 dias. Frequentemente,
objectiva-se dor à palpação abdominal e um aumento do peristaltismo. A dissociação
esfigmo-térmica (bradicardia relativa no pico febril), sugere a doença mas não é
patognomónica (surgindo em menos de 50% dos doentes).
Os quadros graves ocorrem em 10 a 15% dos casos, estando relacionados com
factores do hospedeiro (imunossupressão, anomalias do tracto biliar e urinário,
hemoglobinopatias, malária, schistosomose, bartonelose, histoplasmose, co-infecção
por Helicobacter pylori ou toma de anti-ácidos e inexistência de vacinação prévia),
com a virulência da estirpe envolvida, quantidade de inóculo e antibioterapia
instituída. Hemorragia gastrointestinal (10-20%) e perfuração intestinal (1-3%)
ocorrem mais frequentemente na terceira e quarta semana de doença.
Manifestações neurológicas ocorrem em 2 a 40% dos doentes, e incluem meningite,
síndrome de Guillain-Barré, neurite e sintomas neuropsiquiátricos.
Complicações raras incluem: coagulação intravascular disseminada, síndrome
hematofagocítico, pancreatite, abcesso hepático e esplénico, endocardite, pericardite,
miocardite, hepatite, glomerulonefrite, pielonefrite, osteomielite, endoftalmite,
parotidite, etc.
Mais de 10% dos doentes não tratados com febre tifóide excretam S. Typhi nas fezes
por mais de 3 meses e 1-4% desenvolvem estado de portador crónico assintomático.
A mortalidade é tipicamente baixa se o doente for assistido em locais com cuidados de
saúde adequados. A bacteriémia, as formas extra-intestinais (particularmente a
Portador crónico
O estado de portador crónico define-se como a persistência de Salmonella nas fezes
ou urina por períodos superiores a um ano, após a infecção aguda. Isto ocorre em
cerca de 0,2% a 0,6% dos doentes infectados por Salmonella não-Typhi e em 1% a 4%
dos doentes com febre tifóide.
O estado de portador crónico é mais frequente na mulher, na criança, em doentes
com litíase biliar ou com co-infecção da bexiga por S. haematobium.
O portador crónico tem maior risco de desenvolvimento de colecistocarcinoma, bem
como de outras neoplasias gastrointestinais.
A serologia, com quantificação do antigénio Vi, pode ser útil na distinção entre
portador crónico e infecção aguda por S. Typhi, dado que os portadores crónicos
apresentam títulos altos deste antigénio.
Aspectos Diagnósticos
O diagnóstico definitivo de febre tifóide implica isolamento do gérmen no sangue,
medula óssea, fezes, máculas ou secreções intestinais. Contudo, a sensibilidade das
hemoculturas é de apenas 40 a 80%, pelo que se devem ter em conta os resultados de
diversos exames complementares de diagnóstico (para além de uma epidemiologia e
clínica sugestivas).
Achados laboratoriais:
até ¼ dos doentes pode apresentar leuco-neutropenia ou anemia;
a trombocitopenia é variável e a pode ocorrer coagulação intravascular
disseminada subclínica;
aumento ligeiro a moderado das transaminases, bem como da CK, é comum;
presença de neutrófilos nas fezes e, por vezes, glóbulos vermelhos.
Isolamento microbiológico:
as hemoculturas, actualmente, conseguem detectar 80 a 100% dos casos de
bacteriémia;
Outros testes:
os testes serológicos clássicos (Widal) têm especificidade e sensibilidade muito
limitada.
a PCR no sangue para S. Typhi e Paratyphi não está ainda comercialmente
disponível e torna-se impraticável em certas áreas do globo onde a febre
tifóide é endémica
Aspectos Terapêuticos
Por potencial toxicidade, nas grávidas e crianças o uso de quinolonas está contra-
indicado. Nestes casos, a amoxicilina e o ceftriaxone são os fármacos de eleição.
Bibliografia
th
1. The Sanford Guide to Antimicrobial Therapy 2017. 47 Edition. Antimicrobial
Therapy, Inc.; 2017.
2. Salmonellosis. Pegues D.A., Miller S.I. In Kasper, Fauci, Hauser, Longo, Jameson,
Harrison´s Principles of Internal Medicine. 19th Edition. Mc Graw Hill Education;
2015, p 1049-1055.
3. Bacterial Enteric infections in Guidelines for de Prevention and Treatment of
Opportunistic Infections in HIV-infected adults and Adolescents (last updated May
3, 2016). Acedido em 2017-06-13 https://aidsinfo.nih.gov/guidelines.
Introdução
A patologia Gastrointestinal (GI) de etiologia infecciosa tem um espectro alargado de
manifestações clínicas dependentes do microorganismo infectante, variando de
inconsequente a doença letal. A transmissão na maioria dos casos é fecal-oral. As más
condições de higiene, o estado imunitário do hospedeiro e o gérmen envolvido são
factores determinantes neste processo. As condições climáticas são outro factor a
considerar. A Diarreia Infecciosa Aguda é, de acordo com alguns estudos, a segunda
causa de doença mais comum em todo o mundo. Os agentes etiológicos podem ser
parasitas, vírus e bactérias, as quais merecem particular atenção. A diarreia é a
manifestação principal da infecção bacteriana do intestino. A cada ano que passa
surgem novos microrganismos capazes de produzir doença. O número de casos em
que se regista resistência aos antimicrobianos tem aumentado de modo progressivo,
tanto nos países desenvolvidos como em vias de desenvolvimento, agravando o
prognóstico, fundamentalmente nos países com poucos recursos económicos.
Transmissão
Via directa: contacto com mãos, lábios ou objectos contaminados.
Via indirecta: alimentos ou água contaminados.
Transmissão por vectores: ex.- moscas.
A transmissão por via directa pode ser drasticamente reduzida com a melhoria das
condições de higiene pessoal e doméstica. De igual modo as outras vias de
transmissão beneficiam de modo positivo com uma rede de esgotos eficiente e o
abastecimento de água potável a todas as populações.
Shigella spp
Atinge as células epiteliais do cólon com posterior invasão dos tecidos, originando
diarreia aquosa ou disenteria. É uma enterobacteriácea que difere da Escherichia coli
pela sua incapacidade em produzir gás na presença da glicose, de fermentar a lactose
e não possuir mobilidade. Produz a toxina Shiga (Shigella dysenteriae), com efeito
citotóxico, enterotóxico e neurotóxico. Há 4 serogrupos (A-D) que correspondem às
espécies: Shigella dysenteriae, flexneri,. boydi e sonnei. As formas graves de doença
ocorrem com a Shigella dysenteriae. O homem é o hospedeiro natural deste
microorganismo, sendo a transmissão entre indivíduos possível pela via fecal-oral.
Campylobacter spp
Responsável por muitos casos de diarreia e de disenteria. A via de transmissão mais
frequente é provavelmente o contacto com animais (cães, cabras, ovelhas, etc.) e
produtos alimentares infectados. Os alimentos mal cozinhados, principalmente o
frango, são fonte importante de infecção.
O Campylobacter jejuni é a espécie mais importante na infecção humana. O C. fetus é
causa de diarreia sobretudo em imunodeficientes. Tanto Campylobacter coli, como o
Campylobacter hyointestinalis ou o Campylobacter laridis raramente causam doença.
O Campylobacter fennelliae e o Campylobacter cinaedi podem originar quadros de
gastroenterite em homossexuais masculinos. O período de incubação médio varia de
24 a 72 horas, podendo, no entanto, prolongar-se até aos 10 dias. Os sintomas de
campylobacteriose variam de portador assintomático a diarreia aquosa e disenteria.
Yersinia spp
A Yersinia enterocolitica é responsável por um largo espectro de quadros clínicos,
variando de gastroenterite a colite invasiva e ileíte. A Yersinia spp é encontrada nos
lagos e em animais (gatos, vacas, galinhas e cavalos). A transmissão do
Salmonella spp
As salmoneloses são abordadas em capítulo próprio.
Bibliografia:
- Sociedade Portuguesa de Gastroenterologia, Diarreia: Avaliação e Tratamento:
Normas de Orientação Clínica. Acesso através do link:
http://www.spg.pt/wp-content/uploads/2015/11/NOC_diarreia.pdf
- Herbert L. Dupont, MD, Review article: Acute Infectious Diarrhea in
Imunocompetent. N Engl J Med 2014; 370: 1532-40
- Christina M. et all. Guidelines for Diagnosis, Treatment and Prevention of Clostridium
difficile Infections. Am J Gastroenterol 2013; 108:478-498
- Dan Long, Anthony Fauci, Dennis Kasper, Stephen Hausen, Larry Jamerom, Joseph
Loscalzo, Harrison’s Principles of Internal Medicine, 19 th edition, 2016, MacGraw-Hill
Companies, Inc.
Fisiopatologia
No intestino saudável, as espécies bacterianas que integram a flora comensal
combatem ativamente a proliferação de alguns microrganismos deletérios. Contudo,
quando existe uma alteração desse equilíbrio – seja motivada pelo uso de
antimicrobianos, de regimes de quimioterapia ou na presença de uma cirurgia
abdominal, por exemplo – esse mecanismo de defesa pode ser ultrapassado.
Naturalmente, a resistência à proliferação dessas espécies ocorre por vários
mecanismos, nomeadamente a competição por nutrientes, ocupação de nichos
fisiológicos e ecológicos, produção de produtos antimicrobianos ou mecanismos de
signaling através do sistema imunitário que controlam a proliferação bacteriana no
intestino normal. Mas, perante uma alteração da normal composição da flora do
cólon, ocorre proliferação de bactérias patogénicas que vão produzir inflamação e
dano da mucosa intestinal.
Epidemiologia
Trata-se de um dos microrganismos mais relevantes da flora hospitalar, com
incidência crescente nos últimos anos, acarretando uma taxa de mortalidade de
aproximadamente 3%.
Os doentes hospitalizados / institucionalizados são a população mais frequentemente
atingida por este microrganismo. Ainda assim, até 2 – 3% dos adultos saudáveis
podem estar colonizados por esta bactéria e existe mesmo um número crescente de
infeções por C. difficile na comunidade. Estas infeções atingem doentes mais novos,
muitos sem fatores de risco clássicos ou via de transmissão clara, estando descrita
uma morbi-mortalidade mais baixa, mas igual risco de recorrência.
No caso das crianças, a grande maioria está colonizada por este gérmen. Mas, dado
que os enterócitos ainda não expressam o receptor utilizado pela toxinas, mesmo que
ocorra replicação de C. difficile e produção de toxina, esta população não apresentará
manifestações clínicas. Alguns estudos sugerem que a infeção na infância (pela
resposta imunitária que desencadeia), confere algum grau de proteção para infeções
por este gérmen no futuro.
Fatores de risco
- Utilização prévia de antimicrobianos: número de antimicrobianos e duração do
tratamento;
- Tipo de antimicrobiano:
Risco elevado – clindamicina, quinolonas fluoradas, cefalosporinas de segunda,
terceira ou quarta geração;
Risco moderado – penicilinas (e sua combinação com inibidores de beta-
lactamases), macrólidos, carbapenemes, vancomicina e metronidazol;
Risco menor – aminoglicosídeos, tetraciclinas, trimetoprim, sulfonamidas e
rifampicina.
- Utilização de inibidores da bomba de protões
- Idade avançada
- Hospitalização prévia
- Gravidade da doença de base
- Cirurgia abdominal prévia
- Sonda nasogástrica
- Hospitalização prolongada
- Residência em lares ou unidades de retaguarda
Manifestações clínicas
Existe um continuum na infeção por C. difficile. Desde a simples colonização do
indivíduo, casos de doença autolimitada, colite pseudomembranosa e até
desenvolvimento de complicações graves.
A maioria dos doentes desenvolve sintomas logo após, ou ainda durante, um curso de
antibioterapia. Ainda assim, 25 a 40% dos doentes desenvolvem sintomas até 10
semanas depois da suspensão do antibiótico.
Complicações
- Choque
- Megacólon tóxico
- Perfuração intestinal
- Peritonite aguda
Diagnóstico diferencial
- Outras causas de diarreia associada ao uso de antimicrobianos.
- Outras causas de diarreia infeciosa – K. oxytoca, salmonelose, shigelose...
- Doença inflamatória intestinal
- Diverticulite
Diagnóstico
Assenta em várias modalidades:
- Estudo microbiológico de fezes
- Deteção de produtos bacterianos:
- GDH (glutamato desidrogenase) – elevado valor preditivo
negativo, altamente sensível – bom teste de rastreio;
- Pesquisa de toxina – muito específicos, mas pouco sensíveis,
fáceis de executar, rápidos;
- Testes moleculares de amplificação de ácidos nucleicos (genes de
toxinas, gene do GDH ou 16S RNA) – rápidos, sensíveis e específicos,
configuram boas opções para testes confirmatórios;
- Cultura (toxigénica) de fezes – aplicável apenas em situações muito
particulares como a avaliação de surtos e outros estudos
epidemiológicos, já que permite identificação de ribotipos.
- Estudo endoscópico
- Estudo anatomopatológico de amostras recolhidas na endoscopia
- Exames de imagem – TAC
Iniciar por testes de amplificação de ácidos nucleicos (NAAT) ou pesquisa de GDH por ELISA. Se resultado
positivo, confirmar com um teste mais específico – deteção de toxina (A/B) por ELISA.
Iniciar por pesquisa de GDH ou toxina (A/B) por ELISA e confirmar depois com testes de biologia
molecular.
Tratamento
O objetivo do tratamento consiste em erradicar o C. difficile do intestino e promover o
restabelecimento da microflora normal do cólon.
Medidas gerais:
- Suspender antimicrobianos não essenciais;
- Não usar agentes anti-motilidade;
- Implementar medidas de suporte, como a correção de desequilíbrios
hidroelectrolíticos e a fluidoterapia;
- Solicitar apoio cirúrgico precocemente.
Antibioterapia:
- Primeiro episódio, doença não grave, via oral possível:
1ª linha: Metronidazol 500 mg 3id durante 10 a 14 dias
Alternativa: Vancomicina 125 mg 4id durante 10 dias
Transplante fecal
O objetivo é restaurar o microbioma intestinal de um indivíduo saudável. É uma
técnica de baixo custo e pouco complexa, cuja aceitação é crescente. Ainda assim,
persistem algumas dúvidas nomeadamente no que se refere à escolha dos dadores,
havendo necessidade de rastreio rigoroso destes. Há, contudo, indicação de quem não
pode ser dador:
- Uso de antiboterapia nos 3 meses anteriores à doação;
- História de doença gastrointestinal (doença inflamatória intestinal, cólon
irritável…) ou de cirurgia major;
- História de doenças auto-imunes ou terapêutica atual com
imunomoduladores;
- História de doenças neurológicas, doenças do desenvolvimento, fibromialgia
ou síndroma da fadiga crónica;
- Portadores de síndroma metabólica, obesos ou pessoas com défice nutricional;
- História de doença neoplásica ativa ou prévia.
Indicações:
- Doença recorrente ou recidiva:
- Três ou mais episódios de doença leve ou moderada e falência
terapêutica prévia a ciclo alargado de vancomicina.
- Doença moderada que não responde à terapêutica convencional (pelo menos
uma semana).
- Doença severa e fulminante que não responde à terapêutica convencional em
48h.
Técnica:
- Diluir e homogeneizar o material em soro fisiológico;
- Filtrar se necessário;
- Administração:
- Infusão direta no tubo digestivo – endoscopia, sonda nasojejunal,
colonoscopia, enema;
- Centrifugação do preparado e colocação em cápsulas de gelatina para
ingestão;
- A via de administração não parece alterar a eficácia.
Referências:
1. Leffler D, Lamont T. Clostridium difficile infection. N Engl J Med 2015;
372:1539-48
2. Bauer M et al. Clostridium difficile infection in Europe: a hospital-based survey.
Lancet 2011; 377: 63–73
3. Crobach et al. European Society of Clinical Microbiology and Infectious
Diseases: update of the diagnostic guidance document for Clostridium difficile
infection. Clinical Microbiology and Infection 2016; 22 S63-S81
4. Norma número 19/2014 de 19/12/2014 da Direção-Geral da Saúde.
Diagnóstico da Infeção por Clostridium difficile nos Hospitais, Unidades de
Internamento de Cuidados Continuados Integrados e na Comunidade
5. Debast S, Bauer M and Kuijper E. European Society of Clinical Microbiology and
Infectious Diseases: Update of the Treatment Guidance Document for
Clostridium difficile Infection. Clinical Microbiology and Infection 2014; vol 20,
supplement 2
Brucelose
Estreptomicina demonstraram também serem eficazes, embora com maior risco de efeitos
adversos.
Não há Normas (guidelines) para o tratamento na criança e na mulher grávida. Contudo a
terapêutica com Co-trimoxazol + Rifampicina parece ser segura no tratamento da Brucelose
durante a gravidez. É igualmente uma opção possível na criança (a doxiciclina está aqui
contraindicada, por interferência com a formação do esmalte na dentição definitiva).
O período de tratamento varia entre 6 a 8 semanas. Focalizações podem impor tratamentos
bastante mais prolongados (três meses ou superior, variando de acordo com a evolução
clínica, laboratorial e imagiológica).
A forma mais eficiente de prevenção da transmissão da Brucelose consiste no controlo e
eliminação da infeção nos animais. Vacinação do gado e eventual abate de animais infetados.
Profissionais que intervêm no abate ou manipulação de gado e dos seus derivados,
nomeadamente veterinários e funcionários de matadouros devem adotar medidas de
proteção adequadas (luvas, aventais impermeáveis, viseiras, etc.). Técnicos de laboratório
devem tomar medidas de prevenção adequadas e específicas.
A Brucela é facilmente inativada pelo calor ou uso de desinfetantes comuns.
Não se recomenda o consumo de carne pouco cozinhada.
A pasteurização do leite deve ser sempre praticada.
Não existe atualmente vacina eficaz para imunização humana contra a Brucelose.
Bibliografia
Brucellosis in humans and animals: WHO guidance. Geneva, World Health Organization, 2005.
RIQUETSIOSES
Introdução
As riquetsioses são doenças exantemáticas febris, provocadas por bactérias do género
Rickettsia. São organismos fastidiosos, Gram negativo, intracelulares obrigatórios e
transmitidos por artrópodes.
A classificação dentro da família das Rickettsiaceae sofreu muitas alterações, dado que
a primeira classificação desta família foi feita com base em características gerais
fenotípicas e na característica funcional de necessitarem células eucariotas como meio
de cultura. Com a evolução tecnológica e o recurso às novas técnicas de biologia
molecular assistiu-se a uma reorganização e reclassificação desta família. Uma destas
alterações foi no género das Rickettsiae, inicialmente dividido em três grupos e
atualmente formado por dois: o das febres botonosas e o grupo tifo. O terceiro grupo
(tifo das moitas ou fluvial) faz parte de um género distinto, Orientia (anteriormente R.
tsutsugamushi). Neste momento existem 26 espécies de Rickettsia descritas, sendo
que cerca de metade são caracterizadas como patogénicas para o ser humano. Estão
presentes em todos os continentes, podendo variar nas suas características clínicas,
epidemiológicas e de diagnóstico, embora o tratamento seja essencialmente o
mesmo. É natural que no futuro existam novas reorganizações taxonómicas e
descrição de novas espécies dentro do género.
Do grupo das botonosas já foram identificadas em Portugal várias espécies, entre elas:
R. sibirica, R. slovaca, R. helvética, R. massilae, R. aeschlimannii, R. conorii e R. felis. A
maioria foram identificadas em estudos de seroprevalência realizados em cães e não
em doentes.
Neste capítulo faremos uma descrição mais detalhada da febre escaro-nodular (FEN),
também designada febre botonosa do mediterrâneo ou febre da carraça, provocada
pela espécie R. conorii, dado que é a zoonose mais frequentemente diagnosticada no
nosso país. Contudo já foram descritos em Portugal casos de doentes em que foram
isoladas outras espécies, como a R. sibirica e R. slovaca. Outras espécies, sobretudo as
pertencentes ao grupo do tifo (responsáveis por grande mortalidade em
determinados períodos da nossa história) podem surgir como patologia reemergente
Epidemiologia
Como já foi referido, a FEN é a zoonose mais frequentemente diagnosticada em
Portugal. Segundo dados da Direção Geral de Saúde, entre 2000 e 2010 foram
notificados 3,72 casos por 105 habitantes por ano. Os últimos dados oficiais
disponíveis indicam que em 2015 foram notificados 139 casos, aparentemente com
uma tendência decrescente. Contudo, existe uma óbvia subnotificação e estes
números não correspondem à realidade. A região com maior incidência (nos últimos
anos) é a região centro. Em relação à distribuição sazonal é típica dos meses mais
quentes, com o pico de maior incidência no mês de Agosto.
A grande maioria dos casos diagnosticados ocorrem em idades inferiores aos 14 anos,
muito provavelmente pela relação próxima que mantêm com os animais domésticos e
pelo facto de estarem mais em contacto com o solo. Não obstante, a incidência volta a
aumentar a partir dos 50 anos de idade.
Transmissão
A doença é transmitida ao homem pela picada da carraça infetada, enquanto se
alimenta. Parece que para existir uma transmissão eficaz deverá existir uma
parasitação humana por parte do artrópode de pelo menos 6 horas. A carraça é capaz
de transmitir a doença em qualquer estádio (larva, ninfa e adulto) mas a maioria dos
casos de FEN são provocados pela carraça no estádio de ninfa.
Fisiopatologia
Após a picada existe uma disseminação das rickettsias pela via sanguínea produzindo
uma vasculite sistémica de pequenos e médios vasos, resultado do tropismo das
rickettsias pelas células endoteliais (onde se multiplicam), provocando um aumento da
permeabilidade vascular que irá ser responsável pelas manifestações clínicas e
analíticas da doença.
Clínica
O período de incubação normalmente varia entre três a sete dias. Classicamente a
doença apresenta-se como uma tríade de febre, exantema maculopapular (em casos
raros, petequial) [senão parece que o exantema é que é raro] e a escara de inoculação
no local da mordedura da carraça (habitualmente única), apelidada pelos franceses de
tâche noir pelo seu aspeto.
Habitualmente o quadro inicia-se com febre acompanhada de mialgias intensas e
cefaleias, seguido, após três-quatro dias de um exantema maculopapular ascendente
que não poupa palmas nem plantas dos pés e que pode persistir até aos 20 dias. A
escara de inoculação nem sempre está presente e resulta inicialmente do trauma local
da picada do vetor e posteriormente das lesões tecidulares provocadas pela Rickettsia
e resposta inflamatória. O seu aspeto é de uma foliculite que evolui para uma lesão
ulcerada coberta por uma escara negra acompanhada ou não por uma adenomegalia
satélite. Esta lesão de inoculação é de extrema importância para o diagnóstico precoce
e deve, portanto, ser realizada uma inspeção rigorosa do doente com suspeita de FEN
(normalmente a lesão pode ser encontrada nas zonas cobertas por roupa, região das
flexuras, zona púbica, espaços interdigitais ou espaço retroauricular).
Apesar de uma evolução normalmente benigna, podem surgir complicações graves e
eventualmente fatais como meningoencefalite, arritmias, coagulação intravascular
disseminada, insuficiência respiratória e renal.
Diagnóstico
O diagnóstico baseia-se em três critérios: clínico, epidemiológico e laboratorial.
A presença da tríade clássica constitui a base do diagnóstico na maioria dos casos. Um
quadro clínico sugestivo, com contexto epidemiológico e na época do ano adequada é
FEN, até prova em contrário. Contudo, a escara de inoculação nem sempre está
presente. Segundo algumas casuísticas, está presente em apenas 40 a 60% dos casos e
Tratamento
O tratamento de eleição é a doxiciclina na dose de 100mg duas vezes por dia durante
7 dias. Embora haja pouco consenso no que diz respeito à duração e cada vez mais se
preconizar tratamentos mais curtos, é altamente recomendado que o antimicrobiano
seja retirado apenas após 48 horas de apirexia. Existem outros antimicrobianos com
ação provável para a FEN como os macrólidos que podem surgir com primeira linha no
caso das crianças e das grávidas. As quinolonas também podem ser utilizadas como
segunda linha mas são menos eficazes. O cloranfenicol é também uma possibilidade,
embora seja cada vez menos utilizado pelo seu conhecido efeito tóxico medular.
Prevenção
A prevenção vai incidir no vetor, nos reservatórios e no ser humano. Em relação ao
vetor, a utilização de repelentes que contem DEET (N,N-dietil-m-toluamida) pode
impedir a picada. No que diz respeito aos reservatórios, o mais importante é a
desparasitação dos animais domésticos e o controlo dos roedores.
No ser humano aconselha-se que, perante uma atividade com risco potencial, utilize
roupa clara que permita a visualização do vetor e que cubra a maior área corporal
possível. Após estas atividades, a realização de uma inspeção cuidadosa do corpo
pode impedir a transmissão da bactéria dado que parecem ser necessárias pelo menos
6 horas de contacto com o artrópode vetor. A vigilância epidemiológica desta doença
é essencial para o conhecimento da sua evolução, sendo uma doença de declaração
obrigatória.
Bibliografia
[1] – Alexandre N, Santos A, Bacellar F, Boinas F, Núncio M, Sousa R: Detection of
Rickettsia conorii strains in Portuguese dogs (Canis familiaris). Ticks Tick Borne
Dis 2011; 2(2):119–22.
Febre Q
Introdução
A febre Q foi descrita pela primeira vez em 1935 em Queensland, Austrália, por
Edward Derrick, no decorrer de um surto febril em trabalhadores de um matadouro.
Por não se saber exatamente de que doença se tratava, foi apelidada de query fever.
Em Portugal é considerada uma doença endémica, sobretudo no centro e sul do país,
e de declaração obrigatória desde 1999.
A febre Q é uma zoonose cujo agente causal é a Coxiella burnetii, um cocobacilo Gram
negativo, intracelular e esporulado. É uma doença com distribuição mundial, que
normalmente se manifesta de forma aguda, embora tenha potencial para formas
crónicas.
O seu reservatório animal mais importante é composto por gado caprino, bovino e
ovino. Contudo, foram descritos em estudos de seroprevalência outros reservatórios
animais como camelos, pássaros selvagens, carraças, cães, gatos, pequenos roedores e
cavalos.
Os animais infetados excretam a bactéria através da urina, fezes, leite e secreções
vaginais sobretudo no momento do parto. Na sua forma de esporo é altamente
resistente e capaz de sobreviver durante meses. Os seres humanos são infetados pela
inalação de aerossóis contaminados pela bactéria. Esta característica, aliada à sua alta
virulência torna-a um potencial agente de bioterrorismo. Outras formas menos
comuns e possíveis de transmissão são a ingestão de produtos contaminados,
inoculação intradérmica, transmissão sanguínea e sexual. Após a sua inalação ou
ingestão existe inicialmente uma disseminação hematogénica, responsável pelos
primeiros sintomas sistémicos e posteriormente ocorre captação pelos macrófagos.
Nesta fase, dependendo do estado imunitário e de outras características do
hospedeiro, a bactéria é eliminada ou controlada pela formação de granulomas ou
pode evoluir para formas persistentes da doença.
O seu impacto em Portugal é difícil de avaliar dado que existe uma clara
subnotificação da doença, com o diagnóstico serológico a ultrapassar em mais do
dobro os casos declarados. Esta subnotificação pode ser explicada pela falta de
especificidade do quadro clínico e por muitas vezes ser um quadro assintomático ou
uma síndrome febril autolimitada. A incidência em 2008 foi calculada em 0,11 casos
por 105 habitantes, e de 2012 a 2015 foram notificados 96 casos de Febre Q, sendo a
região de Lisboa e Vale do Tejo a região de maior incidência. Verificou-se um aumento
dos casos notificados desde 2011, parecendo existir um predomínio no género
masculino e no grupo etário entre os 25 e os 34 anos.
Clínica
A maioria dos casos de Febre Q cursa com clínica inespecífica, podendo mesmo ser
assintomática. Os casos sintomáticos, podem dividir-se pela forma aguda ou crónica.
Dentro das formas de apresentação aguda, a mais comum é uma síndrome febril
autolimitada, após um período de incubação médio de 20 dias, acompanhada de
cefaleias intensas e mioartralgias. Ao contrário das riquetsioses, a existência de
exantema é rara. Este quadro clínico dura normalmente entre uma a três semanas.
Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 47
Doenças Infeciosas 2017
Diagnóstico
O diagnóstico é difícil de realizar apenas pela clínica, que, como referido
anteriormente, é inespecífica. Contudo, os dados epidemiológicos podem ajudar a
suspeitar deste diagnóstico, particularmente em indivíduos que trabalhem em
matadouros ou com atividade agrícola, sobretudo pastores, veterinários e ainda
funcionários de laboratórios onde se trabalhe com esta bactéria. Pode ocorrer durante
todo o ano, sendo mais comum nos meses de Primavera e Verão.
Tratamento
A abordagem terapêutica é diferente para os casos agudos e crónicos. O tratamento
da doença aguda é empírico e não se deve aguardar pelos resultados serológicos.
O tratamento da Febre Q aguda em adultos e crianças com idade igual ou superior a 8
anos, sintomáticos, deve ser feito com doxiciclina, na dose de 100mg 2id durante duas
semanas. Em crianças com menos de 8 anos anos e até aos dois anos o recomendado
é o cotrimoxazol (Sulfametoxazol+Trimetoprim). Nas grávidas sintomáticas e
assintomáticas, recomenda-se tratamento com cotrimoxazol durante o período da
gravidez mas deve ser interrompido às 32 semanas pelo risco de hiperbilirrubinemia.
Os macrólidos podem constituir uma alternativa para crianças e grávidas.
Nos casos de infeção crónica localizada, o tratamento deve ser feito com doxiciclina
100mg 2id, associada a hidroxicloroquina 200mg 3id, por um período de 18 a 24
meses, embora nalguns casos possa haver necessidade de manter o tratamento para
além dos 24 meses.
Deve existir um seguimento serológico destes doentes para a abordagem mais
precoce possível no caso de evidência serológica de doença crónica.
Existem alguns autores que sugerem que, no caso dos doentes com factores de risco
para doença crónica, nomeadamente história pessoal de febre reumática, prótese
valvular, prolapso mitral, cardiomiopatias congénitas ou clínica de endocardite aguda,
deve ser iniciada terapêutica com esquema de doxiciclina 100 mg 2id e
hidroxicloroquina 200mg 3id durante 12 meses.
Profilaxia
Deve-se ter cuidado na eliminação de produtos do parto de gado caprino e ovino,
promover-se a vacinação contra este agente nestes animais, consumir produtos
lácteos pasteurizados e educar a população (sobretudo a de risco) sobre as fontes da
infecção e sintomatologia.
Bibliografia
[1] – Anderson A, Bijlmer H, Fournier PE, Graves S, Hartzell J, Kersh GJ, Limonard G,
Marrie TJ, Massung RF, McQuiston JH, Nicholson WL, Paddock CD, Sexton DJ:
Diagnosis and Management of Q Fever – Recommendations from CDC and the Q Fever
Working Group. MMWR 2013; 62(RR03):1-23
[2] – Febre Q: Santos A: Do diagnóstico à investigação ecoepidemiológica de Coxiella
burnetii no contexto da infeção humana. Boletim Epidemiológico Observações,
Trimestre Outubro – Dezembro de 2015 – INSA
[3] - Santos AS, Bacellar F, França A: Febre Q: revisão de conceitos. Medicina Interna
2007, 14(2):90-99.
[4] – Didier Raoult. "Clinical manifestations and diagnosis of Q fever." Uptodate.com.
n.d.
Doença de Lyme
Patogénese
Nos meses frios, durante o estádio de ninfa da carraça, a bactéria permanece
adormecida no seu intestino. À medida que a temperatura sobe, a carraça torna-se
adulta e tende a ir procurar alimento, picando o mamífero e injectando nele bactérias.
No homem, ela vai-se multiplicar localmente na pele e vão ser chamadas células do
sistema imunitário, levando a uma resposta inflamatória marcada à custa de células
mononucleares e citocinas por elas libertadas (sobretudo IFN-gama). A disseminação
Clínica
Tal como em infecções por outras espiroquetas (sífilis, leptospirose…), a doença de
Lyme pode cursar com surtos e remissões. Pode assim dividir-se em estádios conforme
a duração e a localização:
1. Estádio 1 – doença inicial, aguda e localizada. Ocorre no sítio da picada da
carraça e corresponde ao eritema migrans – lesão avermelhada com centro
endurecido e eritematoso, vesicular ou necrótico que progressivamente vai clareando
(aspecto em “alvo”). É mais frequente na forma americana e a lesão é muitas vezes
acompanhada de linfadenopatia regional.
2. Estádio 2 – doença disseminada que ocorre dias a semanas depois. A forma
mais frequente é a cutânea, correspondendo a lesões múltiplas, arredondadas,
geralmente mais pequenas e menos migratórias do que a lesão inicial. Pode também
haver envolvimento meníngeo, articular, hepático, cardíaco, muscular e ocular, entre
outros. A ausência de tratamento nesta fase pode levar a sequelas graves,
nomeadamente radiculoneurite motora e/ou sensorial, mononeurite multiplex, ataxia
cerebelosa, mielite, cegueira por atingimento do nervo óptico, bloqueios aurículo-
ventriculares, disfunção ventricular, osteomielite, entre outros.
3. Estádio 3 – doença persistente que se mantém durante meses ou até anos.
Mais frequente na forma americana, deve-se a respostas celular e humoral
exageradas e apresenta-se, na grande maioria das vezes, como artrite infecciosa. Na
doença por Borrelia garinii pode também ocorrer encefalomielite crónica, um quadro
caracterizado por paraparésia espástica, ataxia, disfunção vesical, neuropatia craniana
Diagnóstico
O diagnóstico deve assentar num quadro clínico e epidemiologia compatíveis,
associados à serologia. A pesquisa de anticorpos (IgG, IgM e IgA) para Borrelia spp
pode ser feita no sangue e no LCR, inicialmente por método ELISA que, no caso de ser
positivo, deve ser confirmado por Western-Blott.
A cultura de material orgânico afectado (pele, sangue, LCR) e a amplificação por PCR
(sobretudo de líquido articular) podem também ser de grande mais-valia no
diagnóstico.
Diagnóstico Diferencial
A doença localizada deve ser diferenciada da simples reacção alérgica local à picada da
carraça, geralmente de aparecimento mais rápido, logo após a agressão.
A doença disseminada cutânea faz diagnóstico diferencial com o eritema multiforme,
e o atingimento de pares cranianos pode mimetizar a paralisia de Bell (paralisia facial
por vírus Herpes simplex 1) ou a síndrome de Ramsay-Hunt (por vírus Varicella-zoster).
A doença persistente pode confundir-se com a artrite do adulto ou a artrite
reumatoide da criança, assim como com a fibromialgia. Neste último caso, uma
Tratamento
Os doentes tratados em fases iniciais da doença e com o antibiótico adequado,
normalmente recuperam rápida e totalmente.
A selecção do antibiótico, a via de administração e a duração do tratamento da
doença de Lyme dependerá das manifestações clinicas do doente e do estádio da
doença assim como das comorbilidades e alergias medicamentosas conhecidas.
No estádio inicial, tanto na apresentação com eritema migratório único ou múltiplo,
recomenda-se o tratamento com doxiciclina 100mg 2id PO durante 14-21 dias ou
amoxicilina 500mg 3 id PO também com a duração de 14-21 dias. Em caso de alergia
ou intolerância, cefuroxime 500mg 2 id por 14-21 dias.
Nas crianças com idade inferior a 8 anos e grávidas, o tratamento deve ser feito com
amoxicilina ou cefuroxime.
Nas manifestações neurológicas, o tratamento deve ser endovenoso, recomendando-
se ceftriaxona 2gr durante 14 - 21 dias ou penicilina G 20 milhões UI/dia divididas em
4 doses diárias durante 14-28 dias. As excepções são a paralisia de nervo único e a
nevrite isolada, em que se pode optar por tratamento oral apenas.
No atingimento cardíaco a instituição rápida de antibioterapia adequada é,
habitualmente, suficiente, contudo, alguns doentes com bloqueio AV requerem
internamento e colocação de pacemacker transitório. As recomendações de
tratamento para doentes com bloqueio AV de 1º grau são idênticas às do estádio
inicial (doxiciclina 100mg 2 id 14-21 dias ou amoxicilina 500mg 3 id 14-21 dias). No
caso de bloqueio AV de alto grau recomenda-se o tratamento com ceftriaxona 2gr ev
por 14 - 21 dias ou penicilina G, 20 milhões UI e.v. diárias em 4 doses dia por 28 dias
Na artrite, o tratamento recomendado é também o regime oral por 28 dias, que deve
ser continuado até 60 dias se persistirem os sinais inflamatórios articulares.
Alternativamente, ceftriaxone por via endovenosa durante 14 a 28 dias.
Bibliografia
WORMSER, Gary P. et al. (2006) The Clinical Assessment, Treatment, and Prevention
of Lyme Disease, Human Granulocytic Anaplasmosis, and Babesiosis: Clinical Practice
Guidelines by the Infectious Diseases Society of America (IDSA). Clinical Infectious
Diseases 2006; 43 (9): 1089-1134.
Cameron DJ, Johnson LB, Maloney EL. Evidence assessments and guideline
recommendations in Lyme disease: the clinical management of known tick bites,
erythema migrans rashes and persistent disease. Expert Review of Anti-infective
Therapy 2014; 12(9): 1103-1135.
Apesar destas variáveis, podemos afirmar que mais de 90% dos casos de
meningite bacteriana aguda são provocados por um destes dois gérmenes: Neisseria
meningitidis (Meningococo) e Streptococcus pneumoniae (Pneumococo). O
Haemophilus influenza tipo B, outrora agente etiológico importante, viu a sua
incidência diminuir drasticamente após generalização da vacina anti-HiB.
O tratamento da meningite bacteriana aguda engloba um conjunto de medidas
destinadas a lutar não só contra a infecção, mas também contra o choque, coagulação
intravascular disseminada, desequilíbrios hidroelectrolíticos / gasométricos,
hipertermia, convulsões e hipertensão intracraniana / edema cerebral. A
antibioterapia, adiante referida em pormenor, deve obedecer às seguintes normais
gerais:
1 - Deve ser realizada imediatamente após colheita urgente de LCR e sangue
para culturas ou, caso seja necessária a realização de exames imagiológicos antes da
punção lombar, após colheita de hemoculturas. Se houver lesões purpúreas
disseminadas ou alteração hiperaguda do estado de consciência, deve ser
administrado antibiótico imediatamente, mesmo antes de colheitas caso o doente
ainda se encontre em ambulatório.
2 - Devem ser usados antibióticos bactericidas, administrados por via
endovenosa e em doses máximas (doses referidas como “meníngeas”), que se
destinam a permitir o ultrapassar da barreira hemato-encefálica.
3 – Sempre que se opte pela utilização de Vancomicina, aconselha-se a
realização do seu doseamento sérico “em vale”, procurando-se a obtenção de
vancomicinémias o mais aproximado possível dos 20 mcg/ml (entre 15 e 20 mcg/ml).
O critério de cura é exclusivamente clínico, não se justificando a realização de
punção lombar de controlo nos casos de boa evolução. Na eventualidade de evolução
não favorável, deve pensar-se nas seguintes possibilidades:
1 - Complicações supuradas intracranianas e/ou agravamento do edema
cerebral associado (o que é indicação para realização de TAC-CE urgente).
2 – Resistência do gérmen ao antibiótico (frequente a do Haemophilus à
Ampicilina, mais rara a do pneumococo à Penicilina, muito rara a do Meningococo à
Penicilina).
3 – Caso não tenha sido possível isolar um agente, ponderar estar em causa
uma bactéria menos comum (Listeria, Estafilococos, bacilos de Gram negativo),
principalmente em hospedeiros imunocomprometidos ou com factores de risco
específicos. A repetição da punção nestas duas últimas eventualidades será a atitude
mais prudente, juntamente com alteração empírica do esquema antibiótico.
Relativamente aos esquemas antibióticos seguintes, aplicam-se a adultos com
função renal normal (consultar também bibliografia pediátrica). As doses e o
significado das siglas são apresentados posteriormente, em quadro específico.
Tempo de tratamento recomendado - 21 dias; o aminoglicosídeo pode ser outro que não a
Gentamicina
* Basear em antibiograma; se suspeita de Pseudomonas, a cefalosporina a usar será a
Ceftazidima ou a Cefepima
** Considerar dessensibilização
Ceftriaxona(Ceftri.) 2g de 12/12h
Ciprofloxacina (Ciproflox.)
400mg de 8/8h
(Baseado em dados limitados)
ABCESSO CEREBRAL
MENINGITE TUBERCULOSA
Sempre que possível deve preferir-se a via oral (eventualmente via sonda naso-
gástrica), sendo a parentérica apenas utilizada quando exista estase gástrica.
Os fármacos devem ser todos administrados conjuntamente, em toma única
diária, excepto naqueles cuja posologia assim não o permite.
Não esquecer a necessidade de prescrever a Piridoxina sempre que se utilizar a
Isoniazida, para prevenir a neurotoxicidade associada a este fármaco.
Bibliografia
1)- Rodrigo H. Meningitis Treatment & Management. Medscape Drugs Diseases &
Procedures; Last Updated May 18, 2017 [serial online]. Available at:
http://emedicine.medscape.com/article/232915-treatment#aw2aab6b6b3. Última vez
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2)- Miranda HA, Castellar-Leones SM, Elzain MH, et al. Brain abscess: Current
management. Journal of Neurosciences in Rural Practices. 2013 August; 4(Suppl 1):
S67–S81.
3)- The UK joint specialist societies guideline on the diagnosis and management of
acute meningitis and meningococcal sepsis in immunocompetent
adults.http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0163445316000244?via%3
Dihub. Última vez acedido a 27/06/2017.
4)- ESCMID guideline: diagnosis and treatment of acute bacterial meningitis, May 1,
2016.http://www.clinicalmicrobiologyandinfection.com/article/S1198-743X(16)00020-
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5)- Paul Auwaerter. Brain abscess. Baltimore. Johns Hopkins Poc-It Guides; Last
updated:April6,2016.Availablat:http://www.hopkinsguides.com/hopkins/ub/view/Joh
ns_Hopkins_ABX_Guide/540065/all/Brain_Abscess.
Última vez acedido a 27/06/2017.
das mais altas da União Europeia, tendo no entanto vindo a diminuir nos últimos anos.
Em 2015, 11,8% dos doentes com tuberculose que tinham esta serologia conhecida
eram positivos para o VIH.
As manifestações clínicas da tuberculose dependem maioritariamente do grau
de imunossupressão do doente infetado. Nos doentes com infeção precoce pelo VIH e
imunidade conservada, a TB frequentemente manifesta-se de forma semelhante à do
doente imunocompetente, nomeadamente com doença pulmonar cavitada. À medida
que a imunossupressão avança, tornam-se mais frequentes as manifestações
pulmonares sem cavitação e a doença extrapulmonar e/ou disseminada.
O diagnóstico da TB inclui a colheita de produtos biológicos adequados ao foco
suspeito (como expetoração, lavado brônquico, suco gástrico, aspirado ganglionar,
LCR, urina, sangue, etc.) para microscopia, cultura e técnicas de biologia molecular.
Nos doentes com infeção avançada por VIH, os achados radiológicos podem ser
incaracterísticos e uma radiografia de tórax normal não exclui a doença, sendo
necessário um elevado índice de suspeição para o diagnóstico.
A utilidade da prova tuberculínica para o diagnóstico depende da imunidade do
doente. Uma prova negativa não exclui a doença já que, sobretudo na
imunossupressão avançada, os falsos negativos são muito frequentes.
O tratamento da TB no contexto de infeção por VIH é semelhante ao da
população em geral. Alguns aspetos do tratamento dos doentes infetados por VIH são,
no entanto, de considerar:
- A farmacocinética dos antituberculosos pode estar alterada na presença de
síndromes de má-absorção e/ou doença oportunista intestinal;
- As interações farmacológicas entre os antituberculosos, nomeadamente da classe
das rifamicinas (rifampicina, rifabutina e rifapentina) e os antirretrovíricos podem
obrigar a ajustes de doses dos fármacos;
- Está descrita uma maior frequência de estirpes de BK portadoras de resistência aos
antituberculosos, incluindo multirresistência (resistência, pelo menos, à rifampicina e
isoniazida);
(aumento ≥ 6 mm) ou prova tuberculínica positiva (induração > 5 mm, nestes doentes)
e, mais recentemente, ensaio de libertação de interferão-gama (IGRA) positivo. De
referir que a prova tuberculínica é de valorização algo complicada no nosso país,
devido à vacinação generalizada da população com o BCG e devido aos registos
deficientes / inexatos, ou apenas remotos, de resultados prévios.
O esquema de isoniazida durante 9 meses parece ser o tratamento de escolha
para a tuberculose latente, dada a elevada eficácia e baixa incidência de efeitos
secundários. A alternativa mais consensual inclui a rifampicina/rifabutina durante 4
meses. Logicamente, antes de iniciar um destes esquemas deve-se sempre excluir TB
ativa tendo em conta dados clínicos, imagiológicos e microbiológicos.
Sempre que um doente infetado pelo VIH tenha um contacto próximo
diagnosticado com TB bacilífera, deverá ser realizada quimioprofilaxia primária na
tentativa de “anular” eventual in culo que possa ter sido inalado,
independentemente da sua reação à prova tuberculínica e/ou tratamentos prévios. O
esquema utilizado passa pela toma de isoniazida, nas doses preconizadas para
imunocompetentes, durante 9 meses.
Finalmente, gostaríamos de referir a absoluta necessidade de encaminhar os
doentes portadores de TB resistente aos antituberculosos, infetados ou não pelo VIH,
particularmente se multirresistentes, para centros especializados nesse tipo de casos.
De acordo com as recomendações da OMS, deverão ser pessoas experientes e
interessadas na matéria a selecionar e orientar toda a terapêutica antituberculosa,
evitando erros graves com implicações tanto na vida do doente como, em última
análise, na saúde pública.
Bibliografia
- DGS. Programa Nacional para a Infeção VIH, Sida e Tuberculose 2017. Lisboa,
Portugal; 2017.
- European AIDS Clinical Society. EACS Guidelines. Version 8.2. Londres, Reino Unido;
2017.
- DGS. Recomendações Portuguesas para o Tratamento da Infeção por VIH1 e VIH2.
Capítulo 8.3. Lisboa, Portugal; 2016.
LEPTOSPIROSE
A transmissão ocorre pelo contacto direto com a urina de animais infetados; ou,
indiretamente, através do contacto com água, solo ou alimentos contaminados pela
urina infetada. Esta é a principal via de infeção. Podem ocorrer surtos de leptospirose
após períodos de inundações em consequência de chuvas intensas.
O contacto ocorre através da penetração das leptospiras na pele (com cortes ou
abrasões) ou nas mucosas. A via inalatória também é referida em situações pontuais.
Ocasionalmente pode ser transmitida através da ingestão de água ou alimentos
contaminados.
A transmissão inter-humana é excecional. A transmissão intrauterina pode levar a
aborto espontâneo.
Cerca de 150 espécies de mamíferos estão identificados como potenciais portadores
de leptospiras patogénicas. No nosso meio, o rato é referido com maior frequência.
Mas não são só os roedores que são portadores. Também animais domésticos como o
cão ou o porco podem estar implicados.
Mais de 80% das infeções por leptospira cursam de forma assintomática. Quando é
aparente, o quadro clínico apresenta-se de forma muito heterogénea.
A leptospirose deve ser equacionada (em contexto epidemiológico compatível) no
diagnóstico diferencial de um quadro clínico sugestivo/compatível com síndrome
gripal.
A forma clínica mais grave e potencialmente fatal que configura o Síndrome de Weil é
caracterizada por febre com insuficiência renal e hepática e manifestações
hemorrágicas.
Bibliografia
De acordo com o relatório mundial da United Nations office on Drug and Crime
(2006), 5% da população mundial utiliza drogas ilícitas. Aspetos psicossociais e
económicos condicionam uma grande procura desta população aos cuidados de
saúde.
2. Malnutrição
Resposta imune deficiente por défice de produção de ACS, entre
outros.
3. Infeção VIH
Como exemplo, constata-se que a morfina provoca depressão de função dos
monócitos, importantes na defesa antivírica, fator que pode contribuir para a elevada
transmissão de infeções como as do vírus da hepatite B/C e a infeção VIH.
Terapêutica
Infeção osteoarticular
Terapêutica
Endocardite Infeciosa
Terapêutica
Empírica:
Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 85
Doenças Infeciosas 2017
Prognóstico
S. aureus
Germes Gram negativos – Pseudomonas
Aneurismas micóticos:
Infeções pulmonares
Terapêutica
a. Tratamento em ambulatório:
Macrólido per os (ex.: Azitromicina 500mg id) +
Amoxicilina/ácido clavulânico 875/125mg per os de 12/12h, 7 a
10 dias
A partilha de agulhas e seringas bem como as más condições de vida deste grupo de
população condicionam este aumento de prevalência.
Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 88
Doenças Infeciosas 2017
Infeções do SNC
Bibliografia
Lavender TW, McCarron B. Acute infections in intravenous drug users. Clin Med
(Lond). 2013; 13(5): 511-513.
Gordon RJ, Lowy FD: Bacterial Infections in drug users. N Engl J Med 2005; 353:
1945-1954.
Irish C, et al.: Skin and soft tissue infections and vascular disease among drug
users, England. Emerg Infect Dis 2007; 13:1510-1511.
INFECÇÕES VÍRICAS
Meningite e Encefalites víricas
a) Pistas epidemiológicas
Algumas características epidemiológicas que podem ajudar a direcionar a
investigação diagnóstica são: a época do ano, o local geográfico, a prevalência da
doença na comunidade, a exposição ocupacional, a exposição recreativa, a história de
viagens, os comportamentos sexuais, o contacto com insetos, o contacto com outros
animais, a história vacinal, o status imunológico (Quadros I e II).
b) Clínica
A maioria das encefalites virais é de instalação aguda.
- febre,
- cefaleia,
- alteração do estado de consciência (confusão, desorientação, prostração, estupor,
coma; geralmente mais precoce no curso da doença do que na meningite bacteriana,
mas não é uma característica diferenciadora fidedigna).
Outros sinais que frequentemente ocorrem são:
- alterações do comportamento,
- sinais neurológicos focais,
Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 91
Doenças Infeciosas 2017
- convulsões.
Existem alguns achados clínicos característicos da infeção por determinados
vírus e que nos apontam para um diagnóstico etiológico, como se vê nos Quadros I e
II.
c) Exames complementares de diagnóstico
A avaliação diagnóstica de um doente com encefalite deve incluir:
- hemograma completo, provas de coagulação, bioquímica renal, bioquímica hepática,
marcadores de inflamação, gasimetria arterial, radiografia de tórax, hemoculturas;
- neuro-imagem – deve ser feita ressonância magnética crânio-encefálica (RM-CE), que
mostra predominantemente alterações da substância cinzenta na encefalite viral; a
tomografia computorizada crânio-encefálica é o exame de escolha apenas se a RM-CE
não estiver disponível ou não puder ser realizada;
- punção lombar – o líquor na encefalite viral geralmente mostra uma pleocitose
ligeira com predomínio de células brancas mononucleares (pode haver predomínio de
polimorfonucleares numa fase precoce da doença) e um aumento de proteínas ligeiro
a moderado; a glicorráquia é geralmente normal, raramente diminuída; pode haver
aumento da contagem de glóbulos vermelhos nas encefalites hemorrágicas; até 10 %
dos casos de encefalites virais cursam com análise normal do líquor; devem ser
solicitados exames microbiológicos – culturas (no isolamento de vírus, laboriosas e
com valor limitado; fundamentais para pesquisa de agentes bacterianos e fúngicos),
pesquisa de anticorpos e realização de testes de amplificação de ácidos nucleicos por
técnicas de Polimerase Chain Reaction-PCR (estes com papel diagnóstico cada vez mais
relevante e hoje em dia fundamentais na deteção de vários agentes virais no líquor;
utiliza-se atualmente um teste denominado Multiplex encefalites/meningites, que
numa amostra de líquor pesquisa de forma simultânea a presença de material
nucleico dos agentes bacterianos, víricos e fúngicos mais frequentemente implicados
nas infeções do SNC);
- eletroencefalograma (EEG) – indicador sensível de disfunção cerebral e que pode
demonstrar o envolvimento cerebral numa fase precoce da doença; na fase aguda, a
gravidade das alterações geralmente não se correlaciona com a extensão da doença,
mas alterações no EEG que rapidamente melhoram frequentemente indiciam um bom
prognóstico; pode ser útil na sugestão de uma etiologia herpética quando demonstra
um foco epileptiforme temporal (ver Quadro I).
Deve também incluir, consoante o quadro clínico e a suspeita etiológica:
- serologias;
- estudo microbiológico de expetoração;
- estudo microbiológico de fezes;
- pesquisa microbiológica por PCR: zaragatoas nasais, zaragatoas orofaríngeas,
zaragatoas de lesões cutâneas ou mucosas, saliva;
- virémias;
- biopsia de lesões cutâneas;
- biopsia de adenopatias;
- biopsia cerebral – raramente realizada, a considerar em doentes com encefalite de
etiologia não esclarecida que deterioram o seu estado apesar das medidas instituídas.
Existem alguns achados nos exames complementares de diagnóstico
característicos da infeção por determinados agentes virais e que nos apontam para
um diagnóstico etiológico, como se vê no Quadro I.
d) Tratamento
Apesar da grande variedade de vírus reportada como causa de
meningoencefalite, a terapêutica antivírica dirigida é na generalidade limitada a casos
de encefalite por Vírus Herpes Simplex (HSV) e por Vírus da Imunodeficiência Humana
(VIH), respetivamente usando aciclovir e terapêutica antirretrovírica (TARV).
Nos Quadros I e II vemos ainda as terapêuticas a considerar nos outros casos
de encefalite e o nível de evidência científico que está na base da recomendação.
Sabendo que os HSV são das causas mais frequentes de encefalite viral e que a
terapêutica antivírica muda o curso e o prognóstico destes casos, o tratamento com
aciclovir endovenoso 10 mg/Kg de 8 em 8 horas deve ser iniciado em todos os casos
de suspeita de encefalite enquanto se aguardam os resultados do estudo diagnóstico
(ajustar dose à função renal se necessário). Esta terapêutica pode ser descontinuada
se o resultado da PCR para HSV 1 e 2 no líquor for negativo (salvaguardado o facto de
uma PCR para HSV inicialmente negativa poder ser positiva se repetida alguns dias
depois). Se o resultado da PCR para HSV for positivo, a terapêutica deve ser mantida
14 a 21 dias, altura em que se deve repetir punção lombar. Se a PCR permanecer
positiva, deve manter-se tratamento com reavaliação da PCR a cada semana e
suspendê-lo quando esta negativar.
Igual importância têm as medidas gerais de monitorização e suporte: vigilância
dos sinais vitais, vigilância do estado de consciência e das alterações neurológicas,
controlo da hipertensão intracraniana, controlo das convulsões.
Eventuais sequelas neurológicas funcionais devem ter encaminhamento
adequado em âmbito de Reabilitação.
e) Prevenção
A prevenção das infeções por estes vírus tem como principais abordagens
gerais:
- imuno e quimioprofilaxia nos casos em que estas estão disponíveis,
- proteção individual e das comunidades contra os mosquitos vetores de algumas
destas infeções (roupa comprida, repelentes, inseticidas, redes mosquiteiras, eliminar
pequenas concentrações de água parada),
- uso de proteção adequada no contacto com pessoas, animais ou ambientes
potencialmente infetados,
- vigilância das populações animais potencialmente infetantes (papel determinante
dos entomólogos, biólogos, veterinários),
- colaborar com a vigilância epidemiológica das doenças, nomeadamente notificando-
as quando constituem Doença de Notificação Obrigatória e fazendo bons registos
clínicos.
f) Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial da encefalite viral faz-se sobretudo com:
- encefalomielite disseminada aguda (ADEM, de Acute Disseminated
Encephalomyelitis) – agressão ao SNC como resposta imunológica a um antecedente
antigénico (microrganismo, vacina);
Assim, a encefalite viral contempla doença por vários agentes. Para além da
investigação-base transversal a todos os casos de encefalite e de encefalite de causa
infeciosa, devemos adequar os exames diagnósticos aos fatores de risco do doente, a
fim de sermos eficazes em estabelecer um diagnóstico e subsequentemente uma
terapêutica apropriada, com o melhor prognóstico possível.
Em seguida apresentam-se dois quadros que têm o intuito de apresentar os
principais vírus a considerar em casos de encefalite e as principais características
diferenciadoras que apresentam (que não são constantes) que são úteis para a
abordagem do doente. O Quadro I refere-se aos agentes potencialmente implicados
no doente que não viajou para fora de Portugal. O Quadro II refere-se a agentes que
não circulam no nosso país e que são considerados no doente que viajou para
determinados locais, situação esta em que se recomenda a consulta de clínicos
especializados.
BIBLIOGRAFIA
Quadro I – Vírus causadores de encefalite a considerar no doente que não viajou para fora de Portugal
EPIDEMIOLOGIA/
AGENTE ACHADOS CLÍNICOS ACHADOS NOS EXAMES TRATAMENTO PROFILAXIA
FATORES DE RISCO
Suporte Pré-exposição
Vírus da Imunodeficiência Exposição parentérica ou sexual Exantema máculo-papular
─ TARV (A-II) Pós-exposição
Humana Transmissão materno-fetal Linfadenopatia
(ver capítulo VIH) (ver capítulo VIH)
Edema e/ou hemorragia
Suporte
temporal e/ou frontal
Aciclovir iv
inferior
10 mg/Kg 8-8 h
A encefalite viral mais comummente Envolvimento temporal
14-21 dias (A-I)
diagnosticada nos países bilateral é quase
Seguidamente repetir
industrializados patognomónico (mas é um
punção lombar:
(~90 % por HSV-1) sinal tardio)
Vesículas cutâneo-mucosas se PCR negativa parar
Herpes simplex vírus 1 e 2 Crianças Romboencefalite ─
SIHAD se PCR positiva manter
Idosos Atividade epileptiforme
até negativar (controlo a
Imunodepressão (mais por HSV-2) com foco temporal
cada semana) (B-II)
Exposição sexual em > 80 % dos casos,
Transmissão materno-fetal objetivada 2-14 dias após
início dos sintomas
antivaricela ou
imunoglobulina
antivaricela se
vacina
contraindicada
Pós-exposição
para evitar
Herpes Zoster:
vacina antizoster
Faringite
Linfocitose com 10-20 % de
Linfadenopatia
linfócitos atípicos
Esplenomegália
a partir da 2ª semana de
Vírus Epstein-Barr Imunodepressão Hepatomegália Suporte ─
doença
Exantema máculo-papular
Aumento das
discreto na 2ª semana de
transaminases
doença
Colite
Imunodepressão Linfadenopatia
Ganciclovir +
Citomegalovírus Transmissão materno-fetal Retinite ─ ─
+ Foscarnet (B-III)
Úlceras cutâneo-mucosas
Síndrome mononucleosídea
Suporte
Ganciclovir ou Foscarnet
Pode ser detetado no líquor
Herpesvírus Humano 6 Imunodepressão Exantema máculo-papular (B-III em ─
de indivíduos saudáveis
imunocomprometidos, C-
III em
inumocompetentes)
Enterovírus – Não vacinados com viagem a: África, Pré-exposição:
Paralisia flácida ─ Suporte
Vírus da poliomielite Ásia vacina PNV
Exantema
máculo-papular discreto
Cefaleia
é um sintoma proeminente
precoce
Herpangina Suporte
Agamaglobulinémia
Miocardite γ-globulina
Enterovírus não polio – Contacto com águas não tratadas Romboencefalite
Pericardite intraventricular na ─
Echovírus, Coxsackievírus Verão (Enterovírus 71)
Paralisia flácida doença grave ou crónica
Início do outono
(Enterovírus 71, Coxsackievírus) (C-III)
Em casos de
agamaglobulinémia, pode
desenvolver-se
meningoencefalite crónica
(raro)
Idosos
Exantema máculo-papular Pode haver pleocitose
Imunodepressão
Linfadenopatia neutrofílica na análise do
Vírus West Nile Contacto com pássaros Suporte ─
Paralisia flácida líquor
(transmissão por mosquito vetor)
Retinite Romboencefalite
Em Portugal, predominante no Algarve
1
Parotidite alguns dias antes Pré-exposição:
Vírus da Parotidite Não vacinados ─ Suporte
em ~50 % dos casos vacina PNV
1
Vírus do Sarampo Não vacinados Exantema máculo-papular ─ Suporte Pré-exposição:
2
Sintomas respiratórios
Adenovírus ─ ─ Suporte ─
Conjuntivite
1
Vírus que classicamente se consideram causadores apenas de encefalite (e não de meningite)
2
Vírus que classicamente se consideram causadores apenas de meningite (e não de encefalite)
Quadro II - Vírus causadores de encefalite a considerar no doente que viajou para fora de Portugal
LOCAIS DE
ETIOLOGIA FATORES DE RISCO ACHADOS CLÍNICOS TRATAMENTO PROFILAXIA
CIRCULAÇÃO
Idosos Sintomas urinários
Vírus da encefalite de Suporte
América Contacto com pássaros (precoces) ─
Saint Louis IFN-α-2b (C-III)
(transmissão por mosquito vetor) SIHAD
Japão
China
Coreia
Crianças
Vírus da encefalite Tailândia Pré-exposição: vacinação de
Contacto com: pássaros, suínos Paralisia flácida Suporte
japonesa Índia viajantes em risco
(transmissão por mosquito vetor)
Nepal
Sudeste asiático
Austrália
Crianças
Idosos
Vírus da encefalite América Central
Contacto com: pássaros, cavalos, ─ ─ ─
equina Oriental América do Sul
roedores (transmissão por
mosquito vetor)
Vírus B Europa Contacto com primatas Vesículas no local de Suporte Pós-exposição: Valaciclovir após
Limpeza de feridas
desorientação/
estupor/coma
Forma paralítica:
paralisia ascendente,
posteriormente
envolvimento cerebral
HEPATITES VÍRICAS
Introdução
1-Prevenção primária
-Deteção da hepatite vírica
-Controlar doença hepática crónica
-Avaliar exequibilidade de medidas de prevenção
-Adequar medidas ao tipo de transmissão
-Estabelecer meios de vigilância e investigação
2-Prevenção secundária
-Terapêutica - evitar o desenvolvimento de cirrose/CHC
-Prevenir transmissão a outros
Marcadores serológicos
Adaptado de “Harrison”
Terapêutica
Em todas as formas clínicas será fundamental evitar novas agressões hepáticas (evitar álcool e
fármacos hepatotóxicos).
O repouso (não necessariamente absoluto) será recomendado nas fases agudas ou de
agudização.
A alimentação deve ser equilibrada sem necessidade de restrições dietéticas a não ser as auto-
impostas.
Hepatite Aguda – a terapêutica regra geral será sintomática, excepto nas formas graves da HVB
em que se deverá optar por nucleosídeos e na HVC pela utilização dos novos antivirais de ação
direta (AAD) durante 8 a 12 semanas.
Hepatite Crónica
Considera-se Hepatite crónica (HC) a inflamação e necrose hepáticas de qualquer etiologia,
com duração superior a 6 meses.
Clinicamente, embora possa haver períodos assintomáticos, a maioria dos doentes apresentam
fadiga moderada a severa, com elevação (ou não das transaminases - 30% dos doentes com
Hepatite C crónica e nos imunodeprimidos). Nas formas mais avançadas da doença poderá ser
acompanhada de sinais de insuficiência hepática crónica e icterícia podendo evoluir para
cirrose, descompensação hepática e Carcinoma-hepatocelular (CHC).
>2000 >2000
*Nota: HVB Crónica AgHbe + ou neg –> tratar, se CV> 2000 UI/l- EASL 2017
Portador inactivo
Imune Tolerante
AgHbe-Positivo AgHbe-Negativo
Replicação viral activa ALT-N
Doença hepática inactiva DNA-VHB < ou Neg
Imune-reactiva
AgHbe-Positivo AgHbe-Negativo
Replicação viral activa Anti-e +
Doença hepática activa Replicação viral activa
Doença hepática activa/inactiva
1. Tipo de resposta
• Virológica (RV): < do DNA-VHB (<1 log às 12 semanas ou NEG) e perda do AgHBe
• RV parcial- DNA: > 200UI/ml à 24ª semana de terapia com nucleósido (ou 48ª semana
com adefovir)
Dos análogos nucleósidos, a lamivudina foi a 1ª a ser aprovada pela FDA em 1999 para
tratamento da HCB, na dose de 100 mg dia, por via oral durante um ano.
Todas as drogas deste grupo actuam por inibição competitiva da polimerase viral de que
resulta uma diminuição da produção de partículas infectantes virais limitando a transmissão do
VHB a hepatócitos não infectados. Contudo, nenhum dos fármacos correntes é capaz de evitar
a produção de novo do cccDNA no hepatócito infetado.
Nenhum destes fármacos condiciona perda do AgHbs (excetuando, o Tenofovir actual/ com
perda estimada do AgHbs em até 10%). Apresentam risco comum de indução de resistências,
função das suas maiores ou menores potência relativa, barreira genética e duração da sua
utilização. (Apenas não há registo de indução de resistências com uso do Tenofovir).
A LAM tem muito boa biodisponibilidade por via oral e é muito bem tolerada. Actua por
bloqueio da DNA polimerase, sendo a sua actividade independente da imunidade do
hospedeiro, ao contrário do interferão. Induz uma diminuição da DNA do VHB de 4 log
condicionando uma taxa de resposta de 32% (perda do AgHbe) com 17% de seroconversão
AcHbe, normalização mantida das transaminases em 41% e melhoria histológica em 52%.
Indicações do tratamento com LAM: deixou de ser fármaco de 1ª linha no tratamento da HCB,
excepto em 3 situações: no 3º trimestre de gravidez com virémia elevada (prevenção da
transmissão fetal, associado à vacinação do RN); na profilaxia da recidiva, aquando da terapia
imunossupressiva de curta duração, no portador VHB; e na hepatite aguda grave (neste caso,
apenas se houver contra-indicações para utilização do ETV ou TDF). Usa-se também em
associação com outros fármaco na co-infecção pelo VIH ou imunossupressão de outra
etiologia; é segura em doentes com descompensação hepática, podendo ser eficaz nos doentes
que não responderam ao tratamento com interferão. A limitação major ao tratamento com
lamivudina é a emergência de estirpes resistentes por mutação dum gene da DNA polimerase
(YMDD). A sua frequência varia de 15 a 30% no primeiro ano de tratamento até 54-90% ao fim
de 3 anos de tratamento.
Novas terapêuticas
Atualmente e com o passar dos anos e aquisição de experiências com a utilização destes novos
fármacos foi perceptível a dificuldade de estabelecer regras para a optimização destas
terapêuticas, que apresentam à partida limitações. São antivirais com potência e eficácia
variáveis e resistência induzida, factores que muitas vezes aumentam com a duração do seu
uso. Em monoterapia, apresentam ainda resistências cruzadas por vezes múltiplas, cujo
conhecimento é imprescindível para sua utilização criteriosa. Esboçam-se hoje estratégias para
optimizar a terapia da HBC, devendo evitar-se o uso de drogas em monoterapia sequencial e
com perfis de resistência cruzada, utilizar aquelas com maior potência e barreira genética (ex:
Entecavir/ Tenofovir), e estabelecer uma monitorização proficiente: se à 12ªs o DNA não
negativar (avaliação por PCR) ou pelo menos não diminuir < 1 log (“Não Resposta Primária”),
optar por “Add on Therapy”ou “De Novo Therapy”. O mesmo está aconselhado às 24ªs (ou 48ªs
com o Adefovir) se a virémia for >200UI/ml (“Resposta Parcial”).
Adefovir (ADV) - Análogo dos nucleotídeos eficaz nas estirpes selvagens e nos
mutantes resistentes à Lamivudina. Dose 10 mg/dia, por via oral. Não foram relatadas
resistências até às 136 semanas de tratamento. Pode causar insuficiência renal. Deve ser usado
O vírus da hepatite delta é o responsável pela forma mais rara e a mais grave de hepatite vírica
nos humanos e a que com maior probabilidade conduz à cirrose.
O VHD é um vírus RNA incompleto que para se replicar e transmitir requer a presença do
AgHbs.
Assim, o VHD ocorre apenas no indivíduo AgHbs + seja como co-infecção aguda ou como
superinfecção (esta a forma mais comum) nos doentes previamente infectados cronicamente
pelo VHB.
A hepatite Delta não é doença rara. Estando ligada à VHB apresenta distribuição e forma de
transmissão semelhantes, sendo a via mais comum de infeção a parenteral - forma comum de
transmissão para os usuários de narcóticos.
É fortemente endémica na bacia Mediterrânica, Médio Oriente, África Central, e países do
Norte do Continente Sul Americano (ex. Amazónia com grande prevalência).
Contudo, em zonas do globo em que o VHB é muto prevalente como a China, o VHD surge
apenas em 6.5% .
São hoje conhecidos 8 genótipos, que poderão contribuir para diversos cursos da
doença; por ex. o genótipo 1 é o mais frequente em todo o mundo e estará associado quer
com doença moderada ou severa, enquanto o 2 (na Ásia de Leste e Rússia) causa doença
moderada prolongada. O genótipo 3 encontra-se exclusivamente na parte norte da América
do Sul (Amazónia), o 4 no Japão e Taiwan e o 5 e 6 na África.
A co-infecção ou superinfecção dos portadores do AgHbs leva em geral a uma maior
agressividade da doença, sendo quase sempre o perfil histológico de HCA.
A Terapêutica ensaiada desde a década de 80 tem tido pouco sucesso. O fármaco mais
eficaz é o Interferão com sucesso virológico na ordem dos 25-30%, mas risco de recidivas em
cerca de 40%. (Estima-se que se às 24 semanas de terapia, nos doentes cujo decréscimo do
RNA-VHD seja < que 1 log. associado a decréscimo nulo do AgHbs não haverá qualquer tipo de
resposta em 83% dos doentes).
A hepatite C é em geral uma doença de evolução lentamente progressiva mas apresenta vários
padrões de progressão:
HCC
d Norma Acute Chronic Chronic Cirrhosis (1-4%
i l liver infection infection hepatitis (20%) per
s (80%) year)
e
a Infection Stable Slowly
s
resolves hepatitis progressive
e
spontaneously (80%) (~ 75%)
p (20%)
F
r
o a
g s ≤ 20 years after infection
r t
e Alcohol use, co-infection with HIV or hepatitis B virus
s
s Lauer & Walker. N Engl J Med 2001; 345:41–52
i
o
n
- Nas crianças
Taxas de resposta superiores às do adulto; tratar precocemente para obter melhores
respostas.
- Retratamento
Alguns doentes poderão beneficiar com retratamento. A decisão deverá ter em conta: tipo de
resposta ao tratamento anterior; tipo de tratamento efectuado; existência de resistências,
gravidade da doença hepática; genótipo e outros factores de boa resposta; tolerância e adesão
do doente ao tratamento anterior.
Pelas últimas recomendações internacionais já de 2014 estes doentes deverão ser tratados
com novos fármacos AAD em associação.
Na doença hepática avançada, se existem condições para aguardar enxerto, optar por 24
semanas de AAD. Em alternativa transplantar e realizar a terapia adequada ao genótipo
envolvido, obviamente.
TRATAMENTO “CLÁSSICO”
O tratamento combinado Standard utilizado nas últimas 2 décadas e entretanto praticamente
abandonado, consistia na associação de Peginterferão e Ribavirina. Com esta terapêutica
obtinham-se taxas de resposta sustentada global (RS às 24 semanas) de 50-53%. (No doentes
com genótipo 1 em média 52-60%). Os genótipos 2 e 3 podiam atingir valores >80% (valores
um pouco inferiores na co-infecção VIH) .
ESQUEMAS TERAPÊUTICOS
Gen tipos 1 (e 4): Interferão Peguilado Alfa2a (180 μg/sc/Semana) ou Interferão
Peguilado Alfa2b (1,5 μg/Kg/sc/Semana) + Ribavirina com dose ajustada ao peso (< 65Kg: 400
mg 2 id; >65 e <75Kg: 400+600 mg /dia; >75Kg: 600 mg 2 id) durante 48 Semanas. Controlar
viremia às 4 (Resposta Rápida-RR ) e às 12 Semanas (Resposta Precoce-RP): se diminuição pelo
menos 2 log. continuar até às 48 semanas; se não houver diminuição da viremia a
probabilidade de resposta é muito baixa, logo suspender o tratamento.
Genótipo 2 ou 3: Peginterferão Alfa2a ou Alfa2b associado à Ribavirina, em doses
standard, durante 24 semanas (na co-infecção VHC/VIH no mínimo 48s).
Se existissem contraindicações à Ribavirina: Interferão 3 MU 3x/S durante 12 meses; controlo
RNA VHC aos 3 meses; se positivo, suspender tratamento.
MONITORIZAÇÃO DA TERAPÊUTICA
Hemograma completo, semanal nas primeiras 4 semanas quando se utilizar ribavirina.
Testes de função tiroideia (cada 3-6 meses durante e 6 meses após tratamento-qd se
utilizava interferão)
Auto anticorpos (cada 3-6 meses durante e 6 meses após tratamento)
Vigilância do estado emocional – terapia antidepressiva sempre que necessário.
Contraceção rigorosa (por 2 métodos -1 obrigatoriamente método barreira) durante e
até 6 meses após tratamento (se utilizar Ribavirina)
Determinação seriada das transaminases e função renal
A pesquisa do RNA do VHC por “PCR em tempo real” (qualitativa/quantitativa) é o meio
mais eficaz de determinar a resposta ao tratamento: se for positivo aos 1º-3 meses de
tratamento - RS altamente improvável - o tratamento poderá ser interrompido. (c/
novos AAD a PCR geralmente negativa ao 1º mês)
Repetir no final e às 12 e 24 semanas após tratamento.
Nota: no co-infectado VHC/VIH a duração da terapia não deverá ser inferior às 12s.
Hepatite Fulminante
Nenhum tratamento comprovadamente eficaz.
Tratamento sintomático:
- restrição da ingesta proteica
- monitorização da glicemia - soro glucosado hipertónico (10-20%) consoante necessário
- prevenir hemorragias digestivas - antagonistas H2 e antiácidos
- antibioterapia intensiva das complicações infecciosas
- plasma fresco e factores de coagulação consoantes as necessidades
- lutar contra a encefalopatia hepática (lactulose e/ou neomicina)
Outras medidas - dexametasona, plasmaferese, interferão alfa, não foi demonstrado que
aumentem a sobrevida
Ponderar transplante hepático em doentes com encefalopatia grau III-IV.
A investigação dos novos fármacos de acção directa (AAD) realizada nos últimos anos, teve
como alvos primordiais o genoma do VHC e o seu ciclo replicativo, e assim, têm sido
identificados novos fármacos que pelo seu uso combinado têm apresentado eficácia, nunca
alcançada previamente, com índices de resposta viral mantida (RVM) superando os 90% na
maior parte dos casos. Esta investigação conduziu à cura por erradicação viral de uma doença
viral crónica. Pode, por isso, ser considerada revolucionária no âmbito do tratamento das
doenças víricas. Na tabela seguinte, são exemplificadas várias opções terapêuticas dos AAD
mais usados, agrupadas pelo seu tipo de actuação/mecanismo de acção:
TABELA 1. AAD mais usados (extraído de: Hepatology – A clinical textbook, 8th Edition, 2017).
Segundo as normas de consenso publicadas por EASL 2016 e AASLD Abril 2017, apresentam-se
na tabela seguinte as várias opções terapêuticas:
Nota: Por vezes, poderão coexistir infeções por vários destes agentes, quer em actividade simultânea ou ocasiões
em que predominará um deles, em detrimento de outro, devendo nestes casos proceder-se a tratamento quer
simultâneo ou alternado, respetivamente.
PROFILAXIA
Hepatite A
Boa higiene pessoal (lavagem das mãos; preparação higiénica dos alimentos).
Hepatite B
ESQUEMAS POSOLÓGICOS
ENGERIX B
(amp. c/ 10 e 20 µg de
AgHbs)
Crianças <11anos 10 µg
Jovens 11-19 anos 20 µg
Adultos 20 µg
Imunocomprometidos e dialisados 40 µg
RN filho de mãe AgHbs + 10 µg
Está também comercializada em Portugal uma formulação combinada das duas vacinas anti-
VHA e anti-VHB - Twinrix®, a utilizar quando estiverem indicadas as duas vacinações
nomeadamente nos recém-nascidos e crianças segundo o esquema posológico recomendado
para o VHB:
Indicações Lactentes, crianças e adolescentes até aos 15 Adolescentes > 16 anos e adultos
anos inclusive
Nota: nos imunodeprimidos e nos indivíduos em que com o esquema vacinal habitual não se
obteve resposta, poderá estar indicada a repetição do mesmo esquema em dose dupla, com
bons resultados.
NOTA: recentemente foi documentada reativação da HBC pelo uso de AAD no co- infectado
VHC/VHB, pelo que se deverá sempre excluir/tratar em simultâneo, se for o caso de
coexistência destas infeções.
Hepatite C
HEPATITE E
transmissão vertical traduz-se numa elevada mortalidade para os recém-nascidos. Além disso,
ao contrário do que acontece na infeção por VHA, após uma primeira seroconversão, os
indivíduos infetados por VHE, podem ser reinfectados e sofrer novos episódios de hepatite
aguda. Nos doentes imunodeprimidos, a infeção pelo genótipo 3 do VHE pode evoluir para
formas crónicas, ao contrário do que sucede habitualmente nos imunocompetentes.
Apesar do tropismo hepático do vírus e das suas manifestações mais conhecidas (sintomas
constitucionais e secundários à hepatite), a replicação do vírus noutros órgãos ou mecanismos
imunológicos secundários podem ser responsáveis por diferentes manifestações extra-
hepáticas da infeção. Estas podem ser muito variadas: pancreatite aguda, tiroidite,
glomerulonefrite membranosa ou membranoproliferativa, trombocitopenia. Destacam-se
ainda as manifestações neurológicas, podendo cursar com infeção concomitante do SNC:
síndrome de Guillain-Barré, paralisia de Bell, mielite transversa aguda, meningoencefalite,
miopatia proximal ou neuropatias periféricas.
Em indivíduos imunocompetentes, o diagnóstico de infeção aguda pode ser feito pela deteção
de RNA do vírus por Polimerase Chain Reaction (PCR), no soro ou nas fezes, (sendo este o
método mais sensível e específico) ou pelo doseamento de anticorpos (Ac) anti-VHE IgM e/ou
Ac anti-VHE IgG. A produção de Ac IgM inicia-se numa fase precoce e torna-se detetável cerca
de 1 semana antes dos Ac IgG, atingindo o seu pico perto da 6ª e 8ª semanas, respetivamente.
Ao fim de 2-6 meses a presença de Ac IgM é indetectável, enquanto os títulos de Ac IgG
persistem por muito tempo. Assim, a presença de Ac anti-VHE IgG pode indicar uma infeção
recente ou traduzir infeção antiga, pelo que a sua deteção não tem valor diagnóstico em
regiões onde o vírus é endémico. Em doentes imunocomprometidos, o diagnóstico deve ser
feito pela deteção de RNA por PCR, dado que nestes doentes os testes serológicos têm
sensibilidade/especificidade particularmente baixa.
Nas situações de infeção crónica, as opções terapêuticas passam pela redução da
imunossupressão, podendo associar-se a interferão α peguilado (peg-IFN α) ou Ribavirina (RBV)
em monoterapia. A terapêutica com peg-IFN α associa-se com maior frequência a efeitos
secundários e pode causar rejeição do enxerto, pelo que não é indicada em transplantados
cardíacos ou renais. A terapêutica com RBV mostrou ser segura em doentes transplantados e
não transplantados, pelo que é a opção habitualmente preferida. Em casos excecionais,
doentes imunocompetentes com hepatite aguda grave podem beneficiar de terapêutica com
RBV.
Existe uma vacina VHE recombinante, com eficácia na prevenção de hepatite aguda
sintomática (>90%), aprovada na China em 2012 e não comercializada noutros países. Esta
vacina mostrou ser eficaz e segura em grávidas, no entanto a sua eficácia não é ainda
conhecida em grupos particulares, como imunodeprimidos ou indivíduos com doença hepática
terminal. Destaca-se que, apesar de prevenir episódios de hepatite aguda sintomática, não
evita a infeção pelo vírus.
Bibliografia
1- American Association for the Study of Liver diseases (AASLD). April 2017 Recommendations
for testing, Managing and treating Hepatitis C. http://www.hcvguidelines.org/
2 - European Association for the Study of the Liver. EASL Recommendations on Treatment of
Hepatitis C 2016. J Hepatol 2017; 66(1): 153-194.
3- European Association for the Study of the Liver. EASL 2017 Clinical Practice Guidelines on
Management of Hepatitis B Virus Infection. J Hepatol 2017; In Press.
https://doi.org/10.1016/j.jhep.2017.03.021
4- Terrault, N., Bzowej, N., Chang, K., Hwang, J., Jonas, M., and Murad M. AASLD Guidelines for
Treatment of Chronic Hepatitis B. Hepatology 2016: 63 (1): 261-283.
5- Sureau, C., Negro, F. The Hepatitis Delta Virus: replication and Pathogenesis. J. Hepatology
2016; 64 (1 suppl): S102-S116.
6- Hoofnagle JH, Nelson KE, Purcell RH. Hepatitis E. N Engl J Med 2012; 367: 1237-44.
HERPES SIMPLEX
Agente etiológico – Vírus herpes hominis vírus ou Herpes simplex virus 1 (HSV-1) e 2 (HSV-2).
Família Herpesviridae, sub-família – alfaherpesvirus. Partícula vírica de grande tamanho (120 a
260 nm), com genoma DNA (dupla cadeia) e envelope externo. Variabilidade genética limitada
sem influência aparente na virulência. A distribuição é mundial e a susceptibilidade é universal,
sendo encontrado nas mais remotas populações. Não há vectores animais conhecidos e o
homem parece ser o único reservatório. Não há variação sazonal na incidência da infecção.
A transmissão ocorre durante contato com fluídos corporais contaminados.
Tem a capacidade de induzir infecção latente no hospedeiro natural com episódios recorrentes
ocasionais. O período de incubação varia entre 2 e 12 dias.
Epidemiologia e transmissão
A infeção por HSV-1 é adquirida mais frequentemente e mais precocemente do que a
infecção por HSV-2, a prevalência aumenta de forma directa com a idade (superior a 90% pela
quinta década da vida) e de forma inversa com o estado socioeconómico. Nos países
desenvolvidos tem havido uma diminuição da prevalência da infeção por HSV-1 adquirida
durante a infância mas aumento do número de casos de aquisição sexual durante a
adolescência e do número de casos de herpes neonatal por HSV-1.
A infeção por HSV-2 é habitualmente adquirida por contacto sexual, durante a
puberdade. Representa a maior parte das lesões genitais, mas não a sua exclusividade. A
prevalência é superior nas mulheres do que nos homens, mas também nos homossexuais
masculinos e nos infetados por HIV; correlaciona-se com o número de parceiros sexuais, com a
idade de início da actividade sexual e com história de outras doenças de transmissão sexual.
Indivíduos infectados por HSV-1 têm uma maior probabilidade de adquirirem uma forma
subclínica de infeção por HSV-2. Contudo, não se sabe se a infeção prévia por HSV-1, está
associada uma diminuição do risco de aquisição da infeção por HSV-2.
A incidência global da infeção por HSV-2 tem sido estimada em 23 milhões de novos casos por
ano.
A transmissão ocorre mais frequentemente entre parceiros sexuais de longa duração do que
entre contactos ocasionais situando-se a taxa de transmissão entre os 3 e os 12 % ao ano. O
Patologia e patogénese
Infecção primária – ocorre em indivíduos susceptíveis com a primeira exposição ao HSV-1 ou
HSV-2.
Infecção recorrente – ocorre após a infecção primária.
Primeiro episódio – corresponde à primeira manifestação clínica, podendo coincidir com a
infecção primária ou com uma infecção recorrente.
Reinfecção – ocorre quando há infecção com uma estirpe diferente num indivíduo
previamente infectado.
A infecção, inicia-se com o contacto do vírus com superfícies mucosas ou cutâneas, com
soluções de continuidade. Após uma fase de replicação local nas células da epiderme e da
derme, que mesmo sendo assintomática permite a infeção das terminações nervosas
autonómicas ou sensoriais e o vírus ou o capsídeo são transportados por via intra-axonal
retrógrada para os corpos celulares neuronais nos gânglios das raízes nervosas
correspondentes onde permanece na forma latente de partícula vírica não intacta.
O local de latência depende do local da infecção primária. A infeção primária por HSV-1 ocorre
geralmente a nível da mucosa da orofaringe e por conseguinte o local de latência situa-se nos
gânglios do trigémio ou cervicais; para o HSV-2 mais frequentemente adquirido por via genital
ou anal o local de latência situa-se nos gânglios das raízes sagradas (S2 a S5).
Na reactivação a replicação inicia-se nos gânglios e a disseminação das partículas infecciosas
ocorre por migração centrífuga em direção às superfícies cutâneo-mucosas através dos nervos
sensoriais periféricos.
Após resolução da doença primária, há latência da infeção não há partículas infecciosas
intactas ou completas nos corpos neuronais dos gânglios nervosos mas sim um número
limitado de cópias de RNA e DNA.
Diagnóstico
Um diagnóstico clínico pode ser efectuado de forma precisa quando lesões vesiculares
múltiplas, características, de base eritematosa, estão presentes. Infecções mucosas por Herpes
simplex, sob a forma de uretrite ou faringite, podem estar presentes sem lesões cutâneas.
Estudos laboratoriais para confirmar o diagnóstico são recomendados.
O isolamento em cultura de celular ou a identificação de DNA do HSV são os melhores métodos
para a confirmação da infecção por HSV.
O HSV causa um efeito citopático em sistemas de cultura celular, permitindo um resultado em
cerca de 48-96 horas, após a inoculação das amostras – fluído vesicular, líquido
cefalorraquídeo (em recém-nascidos), fezes, urina, nasofaringe e conjuntiva. As amostras
quando colhidas através de zaragatoa apropriada devem ser colocadas em meio de transporte
vírico e enviadas refrigeradas (a 4ºC) ao laboratório.
Métodos rápidos de cultura em frasco (shell vial) combinados com a coloração de antigénios
víricos permitem resultados em 24 horas. A sensibilidade do isolamento vírico depende do
estádio das lesões cutâneas, é maior para as lesões vesiculares, no primeiro episódio e quando
a amostra provém de um doente imunocomprometido.
Métodos para a deteção de antigénios víricos diretamente em amostras têm uma sensibilidade
próxima da cultura para as lesões genitais e oro-labiais.
Métodos serológicos, detectam anticorpos contra proteínas específicas purificadas de HSV-1
ou HSV-2. São utilizados para a demonstração da seroconversão durante a infecção primária.
Nas infecções orogenitais recorrentes observa-se uma elevação superior a quatro vezes no
título de anticorpos específicos em apenas 5% dos casos.
O método de Western blot é o teste mais preciso para a distinção entre anticorpos específicos
contra HSV-1 e HSV-2.
A PCR (Polymerase chain reaction) para a pesquisa de ADN HSV, é o método de escolha nas
infecções do sistema nervoso central (sensibilidade de 90%, especificidade de 100%).
Manifestações clínicas
Dependem do local anatómico envolvido, da idade e do estado imunitário do hospedeiro. As
apresentações variam desde a eliminação subclínica através das mucosas até aos quadros
graves de sépsis e encefalite. O primeiro episódio da doença por HSV, especialmente se for a
infecção primária é frequentemente acompanhado por sinais e sintomas sistémicos e tem uma
maior taxa de complicações.
A lesão típica, associada a infecção pelos vírus herpes simplex é a formação vesicular, de
parede fina, assente numa base inflamatória. No entanto, a infecção pode apresentar-se sob a
forma de lesão ulcerativa localizada à mucosa (gengivoestomatite, queratite) no doente
imunocompetente ou cutânea, no doente imunocomprometido.
Infeção orofacial
Entre as infecções orofaciais, a gengivoestomatite e a faringite são as manifestações clínicas
mais comuns do primeiro episódio de infecção por HSV-1. Frequentemente encontrada na
criança e adulto jovem.
Tem uma duração de 3-14 dias, com manifestações clínicas que incluem febre (2-12 dias), mal-
estar, mialgias, irritabilidade, incapacidade de se alimentar por odinofagia e adenopatia
cervical. As lesões podem envolver o palato (duro e mole), gengiva, língua, lábios e face na
gengivoestomatite. Na faringite envolvem a faringe posterior, pilares amigdalinos (lesões
exsudativas ou necróticas). Em 30% dos casos há manifestações de gengivoestomatite e de
Infeção genital
A infecção genital, especialmente o primeiro episódio da infecção primária resulta em duração
prolongada dos sintomas, das lesões (10 a 12 dias) e da eliminação vírica em associação com
manifestações sistémicas.
Nos homens (70%) e nas mulheres (40%), o primeiro episódio é acompanhado por sintomas
sistémicos - febre, cefaleias, mal-estar, mialgias – e, sintomas locais – dor, prurido, disúria,
corrimento (vaginal e uretral) e linfadenopatia inguinal dolorosa, que persistem após o
desaparecimento das manifestações sistémicas. Ao exame objectivo, podemos observar
múltiplas pequenas ulcerações que coalescem. A duração das lesões do herpes genital primário
é de cerca de 17-20 dias até à cicatrização completa.
Disúria e corrimento mucóide claro, pode ser observado nas mulheres (83%) e nos homens
(44%) durante o primeiro episódio de infecção por HSV. A intensidade da disúria é
desproporcional em relação ao corrimento uretral e à inflamação detetada na sumária de
urina.
Na cervicite, o corrimento purulento ou sanguíneo vaginal é geralmente abundante tornando
difícil a sua diferenciação com a gonorreia ou infeções por Chlamydia trachomatis. Ao exame
objectivo através do espéculo a presença de ulceração ou necrose cervical é específica do HSV.
Outras manifestações – endometrite e salpingite (mulher) ou prostatite (homem).
Lesões rectais e perianais – a proctite por HSV está relacionada com o sexo anal. A
sintomatologia inclui dor e corrimento anorretal, tenesmo e obstipação. Pode haver lesões
perianais externas. A sigmoidoscopia, mostra ulcerações nos 10 cm distais da mucosa rectal. A
biópsia rectal, mostra ulcerações e necrose, com infiltrado infiltrado polimorfonuclear e
linfocítico da lâmina própria e células multinucleadas com inclusões intranucleares. Pode haver
eliminação assintomática de HSV através da mucosa rectal em homens e mulheres que nunca
tiveram sexo anal, devido ao estabelecimento de latência no dermátomo do sacro após uma
infecção genital anterior.
reactivação genital. Pode ser a manifestação mais incomodativa. O HSV está presente nas
superfícies mucosas durante o pródromo.
Herpes na grávida
As infecções recorrentes aumentam em frequência durante a gravidez, mas não afectam de
forma significativa o feto na infecção por HSV-2. Os primeiros episódios têm consequências
mais graves para a mãe e para a criança. A disseminação visceral pode ocorrer na grávida
durante o terceiro trimestre assim como prematuridade e/ou atraso de crescimento intra-
uterino. A aquisição de uma infeção primária por HSV-1 ou HSV-2 durante a gravidez tem o
potencial de transmissão transplacentar do vírus para o feto e resultar em aborto espontâneo,
embora seja incomum. A taxa de transmissão da mãe para o filho é mais elevada quando a
infeção primária ocorre próxima do termo (30 a 50%) do que na reativação durante o parto
(<1%).
A transmissão intra-parto é responsável pela maioria dos casos. As grávidas que eliminam
herpes na altura do parto devem ser consideradas para cesariana.
Tratamento
Primeiro episódio clínico de herpes genital
O tratamento do primeiro episódio clínico de herpes genital é recomendado de por norma da
OMS. Aplica-se aos adolescentes (10-19 anos) e adultos, com o primeiro episódio clínico de
herpes genital incluindo grávidas, pessoas que vivem com HIV, imunocomprometidos, e
populações especiais (trabalhadores do sexo, homens que têm sexo com homens e
transgénero).
HIV(s) e Imunocomprometidos
- Aciclovir 400 mg, oral, 3 id, 5 dias
- Valaciclovir 500 mg, oral, 2 id, 5 dias
- Famciclovir 500 mg, oral, 2 id, 5 dias
Episódio clínico recorrente de herpes genital frequentes, severos ou que causam angústia
(terapêutica supressiva)
Imunocomprometido, VIH
- Aciclovir, 400 mg, oral, 2 id,
- Valaciclovir, 500 mg, oral, 2 id,
- Famciclovir, 500 mg, oral, 2 id.
Lesões orolabiais
Primeiro episódio
- Aciclovir, 400 mg, oral, 5 id, 5 dias,
- Valaciclovir, 2000 mg, oral, 2 id, 1 dia,
- Famciclovir, 500 mg, oral, 2 id, 7 dias.
Alternativa:
Regimes tópicos
- Penciclovir 1% creme, local, 2/2 h (durante o dia) 4 dias
- Aciclovir 5%, creme, local, 5 id, 4 dias
BIBLIOGRAFIA:
WHO Guidelines for the Treatment of Genital Herpes Simplex Virus. Geneva: WHO; 2016.
(Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK396233/#ch4.s1)
Genital HSV Infections. 2015 Sexually Transmitted Diseases Treatment Guidelines. (Disponível
em: https://www.cdc.gov/std/tg2015/herpes.htm)
Cunningham A, et al. Current management and recommendations for access to antiviral
therapy of herpes labialis. J Clin Virol. 2012 Jan;53(1):6-11.
VARICELA-ZOSTER
Varicela
A varicela é uma doença de distribuição universal, ocorrendo de forma sazonal ou epidémica
entre indivíduos susceptíveis no final do inverno e início da primavera, nos climas temperados.
O Homem é o único reservatório conhecido na natureza. De modo que, a varicela representa a
forma primária de infecção e ocorre quando um indivíduo susceptível ou seronegativo é
exposto ao vírus da varicela-zoster. A transmissão faz-se de pessoa a pessoa, por contacto
directo com gotas ou aerossóis do fluído vesicular das lesões cutâneas ou através de secreções
do tracto respiratório (porta de entrada mais frequente). A varicela é uma doença altamente
contagiosa. A transmissão ocorre desde cerca de 2 dias antes do período de formação das
vesículas e geralmente durante de 4 a 5 dias depois até todas as vesículas terem crosta. Nos
imunocomprometidos a duração do período de contagiosidade pode ser maior. O período de
incubação médio é de 14-15 dias, com variação entre 10 e 20 dias. A taxa de ataques
secundários entre os indivíduos susceptíveis de um agregado familiar é de 70-90%.
Aproximadamente, 90% dos casos de varicela ocorrem em crianças com menos de 13 anos de
idade. Embora, tipicamente uma doença da infância, cerca de 5-10% dos casos surgem em
idades superiores a 15 anos.
As manifestações de apresentação são a febre baixa, o mal-estar (sendo estas as manifestações
anunciadoras ou prodrómicas) e a erupção cutânea (ocorre 1 a 2 dias depois). A erupção
cutânea é constituída por maculo-pápulas (d=5mm, mas podem atingir 12 a 13 mm), vesículas
e crostas em vários estádios de evolução que ocorrem em simultâneo de forma característica.
As vesiculas podem ser redondas ou ovais, e evoluem para a cura através do aparecimento de
umbilicação central. Inicialmente o conteúdo vesicular é claro e as vesiculas têm a forma de
gota de orvalho (dew drop like). Rompem ao fim de algumas horas com formação de uma
crosta, se não romperem o seu conteúdo torna-se purulento. Aparecem inicialmente na face e
tronco, com disseminação centrífuga posterior, podendo também atingir as mucosas da
Varicela no imunocomprometido
Complicações
Cutâneas:
-Infecção bacteriana secundária (Gram +s) das lesões cutâneas, especialmente se causadas por
Staphylococcus aureus.
A encefalite (0,1 a 0,2%) é mais grave e ameaçadora da vida nos adultos (mortalidade de 5 a
20%) e sequelas neurológicas em 15% dos sobreviventes. Caracteriza-se pelo aparecimento de
cefaleias, depressão do nível de consciência, vómitos, febre e convulsões; tem uma duração de
duas semanas.
- Outras complicações neurológicas: meningite, mielite transversa e síndroma de Reye
(contraindicada a administração de AAS em doentes com varicela).
Pulmonares:
- Pneumonite, é uma complicação grave, mais frequente no adulto (1 em cada 400 casos) e no
imunocomprometido; aparece 3 a 5 dias no curso da doença, pode ser assintomática ou
associada com taquipneia, tosse, dispneia e febre, RX com alterações de tipo intersticial ou
nodular.
Outras:
- Miocardite, nefrite, hepatite e diátese hemorrágica.
A varicela e a grávida
A complicação mais grave para a grávida é a pneumonite por varicela (alta mortalidade)
especialmente quando ocorre no 2º ou 3º trimestre de gravidez.
Durante a gravidez, a infecção está associada ao perigo potencial de transmissão para o feto,
sendo o risco maior durante a primeira metade da gravidez.
A infecção do recém-nascido pode ocorrer in útero e pode ser assintomática, pode manifestar-
se pelo aparecimento da síndroma da varicela congénita (cicatrizes cutâneas, hipoplasia dos
membros, microcefalia, baixo peso, cataratas) ou pela varicela perinatal (quando a mãe
desenvolve varicela até 5 dias antes ou até 48 horas após o parto), progressiva, com
envolvimento visceral (especialmente os pulmões) e uma mortalidade de cerca de 30%.
O zoster ou zona
O herpes zoster ("zona") é uma doença esporádica que resulta da reactivação da infecção a
partir de um gânglio nervoso sensitivo ou autonómico. Ocorre em 15% da população e
predomina nos idosos, a partir da 6ª década da vida. Caracteriza-se por uma erupção cutânea
Zoster no imunocomprometido
O herpes zoster no imunocomprometido é mais severo, com período de vesiculação (2
semanas) e formação de crostas mais prolongado (3 a 4 semanas), com disseminação mais
frequente (40%) e maior risco de complicações viscerais.
Na infecção pelo vírus da imunodeficiência humana o zoster ocorre em 8-11% dos doentes. A
disseminação é infrequente mas complicações têm sido descritas: retinite, necrose aguda da
retina e encefalite crónica progressiva. Raramente fatal.
Diagnóstico
Na maior parte dos casos, o quadro clínico característico (vesiculações em vários estádios de
evolução, com localização sugestiva, acompanhadas por prurido e febre baixa) permite o
diagnóstico.
Diagnóstico diferencial:
Impétigo.
Herpes simplex disseminado (dermatite atópica ou eczema).
Infecção disseminada por enterovírus (coxsackievirus do grupo A)
Infecção por herpes simplex e enterovírus - quadros semelhantes à zona.
Confirmação:
Cultura vírica, pesquisa de antigénios víricos, serologia, métodos moleculares.
Profilaxia
Medidas gerais:
1) Isolamento estrito dos doentes com varicela, suspeita ou confirmada. Embora a
contagiosidade do herpes zoster seja muito menor, a possibilidade de transmissão por via
aérea aconselha também o isolamento destes doentes.
2) Identificação dos indivíduos susceptíveis, com exposição de risco.
Tipos de exposição e risco associado:
- Exposição por contacto (directo), com pessoa infecciosa, mais de uma hora e dentro
de casa.
- Exposição substancial, no hospital: para doentes - partilha do mesmo quarto com o
doente infectado e para trabalhadores de saúde - contacto prolongado, directo,
frente a frente com doente infectado.
- Exposição curta: contactos breves com doente infectado (técnicos de RX, pessoal de
limpeza), resulta em menor probabilidade de transmissão.
Tratamento
Imunocomprometidos:
Varicela
- Aciclovir, 10-12 mg/kg (ou 500 mg/m2), ev, 3id, durante 7 dias.
Zona
Forma não grave:
- Aciclovir, 800 mg, oral, 5id, durante 7 dias.
Forma grave (mais que um dermátomo, nervo trigémio ou disseminado):
- Aciclovir, 10-12 mg/kg, ev, 3id, durante 7-14 dias.
Imunocompetentes:
Varicela
- Terapêutica com aciclovir recomendada para crianças de alto risco (prematuros e crianças
com displasia bronco-pulmonar), adolescentes e adultos.
Adolescentes e adultos - Aciclovir, 800 mg, oral, 5id, 5-7 dias,
- Valaciclovir, 1 g, oral, 3id, 5 dias,
Crianças de 2-12 anos - formas ligeiras a moderadas, não tratar é uma opção
- formas graves, iniciar nas primeiras 24h após a erupção
- Valaciclovir 20 mg/kg, oral, 3id, 5 dias
- Aciclovir 20 mg/kg, oral, 4id, 5 dias
Gravidez (3º trimestre), pneumonia - Aciclovir 800 mg, oral, 5 id, 5 dias
- Aciclovir 10 mg/Kg, IV, 5 dias
Zona
- Reduz a incidência de neuralgia pós herpética nos doentes com mais de 50 anos. Se dor
intensa na fase aguda nestes doentes (> 50 anos):
Prednisona: 30 mg, oral, 2id, dias 1-7, 15 mg, dias 8-14, e 7,5 mg, 2id, dias 15-21.
Adolescentes e adultos - Aciclovir, 800 mg, oral, 5id (5 a 10 mg, ev, 3 id), 7-10 dias,
- Valaciclovir, 1 g, oral, 3 id, 7 dias,
- Famciclovir, 500 mg, oral, 3 id, 7 dias.
Tratamento sintomático:
Boa higiene com banho diário e desinfecção. Cortar a unhas rentes.
Prurido - medidas locais: banhos de água morna e compressas húmidas isoladas ou associadas
a antipruriginosos sistémicos (ex: Hidroxizina)
Antipirético - ácido acetilsalicílico (ligação epidemiológica com o síndroma de Reye), está
contra-indicado na varicela.
Analgesia no zoster - o tratamento da dor, quer na fase aguda quer pós-zoster, é geralmente
difícil, sendo necessário usar criteriosamente os analgésicos (com eventual recurso aos
opiáceos). Como coadjuvantes, com bons resultados sobretudo nas dores crónicas, utiliza-se o
cloridrato de amitriptilina 75-300 mg/dia, ou o bicloridrato de flufenazina 1 mg/dia.
BIBLIOGRAFIA:
Hales CM, et al; Centers for disease control and prevention (CDC). Update on
recommendations for the use of herpes zoster vaccine. MMWR 2014;63(33):729-31.
Werner RN, et al. European consensus-based (S2k) Guideline on the Management of Herpes
Zoster - guided by the European Dermatology Forum (EDF) in cooperation with the European
Academy of Dermatology and Venereology (EADV), Part 1: Diagnosis. JEADV 2017, 31, 9–19.
Werner RN, et al. European consensus-based (S2k) Guideline on the Management of Herpes
Zoster - guided by the European Dermatology Forum (EDF) in cooperation with the European
Academy of Dermatology and Venereology (EADV), Part 2: Treatment. JEADV 2017, 31, 20–29.
Updated Recommendations for Use of VariZIG — United States, 2013. (Disponível em:
https://www.cdc.gov/mmwr/preview/mmwrhtml/mm6228a4.htm)
Prevention of Varicella. Recommendations of the Advisory Committee on Immunization
Practices (ACIP). (Disponível em:
https://www.cdc.gov/mmwr/preview/mmwrhtml/rr5604a1.htm)
1. Infecção congénita
A maioria das infecções congénitas é assintomática, embora 5-25% dos infectados possam
desenvolver sequelas tardias: atraso de desenvolvimento psicomotor, défices auditivos e/ou
visuais, anomalias dentárias. A infecção congénita severa acontece em cerca de 5% dos casos
de primoinfecção da mãe, caracterizando-se por: hepatoesplenomegalia, petéquias e icterícia
(60-80% dos casos); microcefalia, calcificações cerebrais, ACIU, prematuridade (30-50%);
hérnias inguinais e coriorretinite menos frequentemente; estas infecções severas têm um
prognóstico reservado com uma mortalidade de 20-30%, ficando os sobreviventes afectados
por sequelas mais ou menos graves.
2. Infecção perinatal
É a infecção adquirida durante a passagem por um canal de parto infectado ou por contacto
pós-natal com leite ou outras secreções maternas. A maioria é assintomática (em virtude da
protecção conferida pelos anticorpos passivamente transferidos da mãe). Raramente,
sobretudo em prematuros, podem ocorrer pneumonite intersticial, linfocitose atípica, défice
de ganho ponderal, adenopatias, exantema, hepatite, anemia.
Complicações:
Pneumonia intersticial
Hepatite
Síndroma de Guillain-Barré
Meningoencefalite
Miocardite
Trombocitopenia e Anemia hemolítica
4. No imunocomprometido
4a. Em transplantação
É o agente infeccioso mais frequente em transplantação de órgãos sólidos e de medula óssea,
induzindo uma série de síndromas clínicas: febre e leucopenia, hepatite, pneumonite,
esofagite, gastrite, colite, retinite.
O risco máximo acontece 1-4 meses após o transplante. A doença é mais severa na
primoinfecção. As reactivações são frequentes mas menos importantes clinicamente. Na
transplantação de órgãos sólidos, o enxerto é o alvo para a infecção por CMV. A pneumonia
por CMV ocorre em 15-20% dos transplantados medulares, sendo o período de maior risco
pelas 5-13 semanas e a mortalidade de 84-88%.
Diagnóstico
Prevenção e tratamento
Tratamento:
Retinite por CMV
Lesões centrais ameaçadoras da visão:
- Ganciclovir administrado através de implante intranuclear + Valganciclovir 900 mg, oral,
2id.
Lesões periféricas:
- Valganciclovir 900 mg, oral, 2id, 14-21 dias (tratamento de indução), seguido por
- Valganciclovir, 900 mg, oral, id (tratamento de manutenção); suspender quando
contagem de CD4>100/mm3 durante 6 meses.
Alternativa:
- Ganciclovir 5 mg/kg, IV, 2id, 14-21 dias, seguido por Valganciclovir 900 mg, oral, id, ou
- Foscarnet 60 mg/kg, IV, 3id ou 90 mg/kg, IV, 2id durante 14-21 dias, seguido por 90-120
mg, id, ou
- Cidofovir, 5 mg/kg/semana, IV, durante 2 semanas, seguido por 5 mg/kg/cada 2
semanas, IV. Cada dose deve ser administrada após hidratação com EV e
probenecid oral.
Alternativa:
- Foscarnet, 90 mg/kg, IV, 2id.
- Cidofovir 5mg/kg/semana, IV.
- Imunoglobulina hiperhimune anti-CMV (adicionar na pneumonite ameaçadora da vida).
Encefalite
Duração do tratamento: manter até PCR para CMV ser indetectável no LCR e no sangue com
evidência clínica favorável; manter profilaxia secundária com Valganciclovir, 900 mg, oral até
recuperação imune ou CD4>100/mm3 durante seis meses.
- Ganciclovir, 5mg/kg, IV, 2id
Alternativa:
- Valganciclovir, 900 mg, oral, 2id.
- Foscarnet, 90 mg/kg, 2id.
- Cidofovir, 5 mg/kg/semana.
Alternativa:
- Foscarnet, 90 mg/kg, IV, 2 id.
- Cidofovir, 5 mg/kg/semana, IV.
Gravidez
Administração de imunoglobulina hiperimune em dose única (200 UI/kg, IV) na infecção
primária, reduz a probabilidade de ocorrerem complicações da infecção congénita ao primeiro
ano de vida.
Efeitos secundários:
1-Ganciclovir
- Teratogénico, mutagénico e carcinogénico
- Atrofia testicular
- Toxicidade medular: leucopenia, sobretudo neutropenia; trombocitopenia, anemia,
eosinofilia.
- SNC: cefaleias, alterações do comportamento, psicose, convulsões, coma.
- Outros: exantema, febre, alterações das provas de função hepática, azotémia, náuseas,
vómitos, sépsis, edema facial, odinofagia, epistáxis, mal-estar.
2-Foscarnet
- Nefrotóxico (atrofia tubular- IRA)
- Mal-estar, náusea, vómitos, fadiga, cefaleias.
- Anemia. Não causa neutropenia.
- Hipocalcemia sintomática, hipocaliémia, hipomagnesémia.
- Febre e exantema.
3-Cidofovir
BIBLIOGRAFIA:
Ziemann M, et al. Transfusion-transmitted CMV infection - current knowledge and future
perspectives. Transfus Med 2017;27(4):238-248.
Gandhi MK, et al. Human cytomegalovirus: clinical aspects, immune regulation, and emerging
treatments. Lancet Infect Dis 2004;4(12):725-38.
Rawlinson WD, et al. Congenital cytomegalovirus infection in pregnancy and the neonate:
consensus recommendations for prevention, diagnosis, and therapy. Lancet Infect Dis
2017;17(6):e177-e188.
Epidemiologia
A infecção é adquirida numa fase precoce da vida, ambos os sexos são atingidos, de modo que,
na maior parte das populações humanas 90-95% dos adultos apresentam anticorpos anti-vírus
de Epstein-Barr.
São conhecidas duas estirpes do vírus (tipo 1 e tipo 2), não obedecendo a uma distribuição
geográfica particular podendo coexistir no mesmo indivíduo.
Nos países desenvolvidos a seroconversão para o vírus de Epstein-Barr ocorre em duas fases,
antes dos cinco anos em cerca de 50% dos indivíduos e a meio da segunda década da vida. A
prevalência de anticorpos é maior nos grupos economicamente desfavorecidos.
O quadro clínico associado a infecção primária é mais frequente no adolescente e no adulto
jovem (15-24 anos).
Durante o episódio de mononucleose infecciosa o vírus pode ser detectado em baixos títulos a
nível da orofaringe onde permanece até 18 meses após a recuperação clínica.
A eliminação assintomática através das secreções da orofaringe, corresponde ao principal
modo de disseminação do vírus. Cerca de 12-25% dos adultos saudáveis eliminam o vírus de
Epstein-Barr de forma assintomática, mas taxas superiores são encontradas nos doentes com
algum grau de imunodepressão – transplantados, com leucemia, linfoma, doença crítica e no
infectado pelo vírus da imunodeficiência humana.
O grau de contagiosidade é baixo, há necessidade de contacto íntimo (transferência de saliva
através do beijo) entre um indivíduo susceptível e um eliminador assintomático. A transmissão,
através do contacto com doente com mononucleose infecciosa, ocorre num pequeno número
de casos (6%).
Vias de transmissão menos habituais - transfusão sanguínea e transplantação de medula óssea
ou de órgãos sólidos.
Manifestações clínicas
Sinais
Febre, vespertina, com temperaturas entre 38-39ºC (40 ºC não é incomum), que se mantém
durante 10-14 dias.
Linfadenopatias - simétricas, móveis, não espontaneamente dolorosas, com localização cervical
posterior mais frequente.
Orofaringe – aumento de volume das amígdalas, eritema da faringe (exsudato em 30%),
petéquias do palato (25-60%) em grupos, na junção do palato duro/mole.
Edema periorbitário (presente em até um terço dos casos).
Erupção cutânea (macular, urticariforme, petequial, escarlatiforme ou tipo eritema
multiforme), está presente em cerca de 5% dos doentes, mas com a administração de
ampicilina, ocorre erupção cutânea maculopapular pruriginosa em 90-100% dos doentes.
Esplenomegalia (50%) - máxima no início da segunda semana com regressão nos 7-10 dias
seguintes. Hepatomegalia (10-15%). Icterícia (5%).
Complicações
Hematológicas – anemia hemolítica autoimune (0,5-3%) – hemólise clinicamente aparente
durante a segunda ou terceira semana, desaparece ao fim de um a dois meses;
trombocitopenia – ligeira, é comum (50% dos doentes) na mononucleose infecciosa, formas
graves são raras; neutropenia – ligeira e autolimitada, perigo de sépsis bacteriana e/ou
pneumonia.
Ruptura esplénica – rara mas dramática, incidência máxima na segunda ou terceira semana de
doença, considerar sempre que houver dor abdominal. Pode ser a forma de apresentação da
mononucleose infecciosa. Na ausência de dor, o choque é a forma de apresentação. Há história
de traumatismo associado, em 50% dos casos; aconselhada prudência na palpação abdominal,
abstenção de desportos de contacto e tratamento da obstipação.
Neurológicas (ocorrem em menos de 1% dos doentes, podem ser a primeira ou a única
manifestação da infecção, são a causa mais frequente de morte) - encefalite, meningite
asséptica, paralisia de Bell, síndroma de Guillain-Barré, convulsões, mononeurite multiplex,
mielite transversa, psicose. Recuperação completa em 85% dos casos.
Hepáticas – elevação autolimitada das enzimas hepatocelulares ocorre em 80-90% dos casos
de MI.
Evolução clínica - é habitualmente benigna, com resolução da febre em 10-14 dias e regressão
da esplenomegalia nos 7-10 dias seguintes (total de 2 a 3 semanas), na ausência de
complicações.
Diagnóstico
1) quadro clínico
2) alterações laboratoriais
a) hematológicas - leucocitose (12-18-000/mm3)
- linfocitose absoluta ou relativa
- linfócitos atípicos (10%)
Diagnóstico diferencial – Infecção VIH, CMV, toxoplasmose. Outras entidades que podem
cursar com linfocitose atípica: rubéola, hepatite vírica aguda, toxidermias.
Tratamento
Sintomático:
Não há terapêutica antivírica com eficácia demonstrada.
Aconselhável repouso durante a fase aguda. Evitar esforços físicos violentos (ex.: desportos de
contacto) durante as primeiras 2-3 semanas de doença. Tratar a obstipação.
Aliviar a febre e a odinofagia com paracetamol ou ibuprofeno. Esta última pode ser aliviada
com gargarejos de água morna salgada.
Prednisona, 30 a 40 mg, 2 id, a resposta é rápida e a dose pode ser reduzida em 1 a 2 semanas.
Prevenção
Não é necessário isolamento.
Não dar sangue durante os seis meses seguintes.
BIBLIOGRAFIA:
Cohen JI. Epstein-Barr virus infection. N Engl J Med 2000;343(7):481-92.
1 Introdução
2 Epidemiologia
Ocidental, e caracteriza-se por ser menos transmissível e de progressão mais lenta. Nos últimos
anos, têm também sido descobertas formas recombinantes de vírus (FRC), que resultam da
hibridização de 2 subtipos víricos e correspondem atualmente a cerca de 5% das infeções no
continente europeu.
De acordo com os dados publicados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), desde
os primeiros casos registados em 1981 até 2016 morreram cerca de 35 milhões de pessoas com
infeção VIH/SIDA. Reportando-se ao final de 2015 a OMS estima que esta pandemia afete cerca
de 36,7 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo a África subsariana a região mais
atingida, com dois terços dos casos. Na última década verificou-se um aumento global da
prevalência desta infeção, fruto do aumento da sobrevida dos doentes sob terapêutica
antirretrovírica. Contudo, apesar de uma diminuição marcada da sua incidência entre 2000 e
2010 (em alguns países de quase 50%), verificou-se em 2015 que estes valores têm vindo a
estagnar, principalmente devido à dificuldade de implementação e manutenção de medidas de
prevenção.
As principais vias de transmissão do VIH são a via sexual (hetero e homossexual), a via
parentérica e a transmissão vertical.
A história natural da infeção por VIH é o reflexo de uma complexa interação entre a
replicação vírica e os mecanismos de defesa do hospedeiro ao longo do tempo (Fig. 1).
Previamente à introdução da terapêutica antirretrovírica (TARV), a sobrevida média de um
indivíduo infetado por VIH era de 8-10 anos. Todavia, na era pós-TARc, este paradigma foi
sofrendo alterações e vários estudos comprovaram que os doentes sob terapêutica têm uma
esperança média de vida muito próxima à de um indivíduo não infetado.
Figura 1 – História natural da infeção VIH (adaptado de: Costin, J.M.; Cytopathic Mechanisms of HIV-1.
Virology Journal, 2007; 4:100)
A infeção por VIH-1 cursa com um amplo espectro clínico, que varia desde estádios
assintomáticos até neoplasias e infeções oportunistas nas fases avançadas da doença. Estas
podem ser agrupadas em três categorias clínicas, segundo a classificação do CDC (Quadro 1).
Quadro 1 – Categorias clínicas da infeção por VIH de acordo com a classificação do CDC
(Adaptado: CDC Expanded AIDS surveillance definition – 1993)
Categoria A
Categoria B
Angiomatose bacilar
Tricoleucoplasia oral
Listeriose
Candidose oral
Neuropatia periférica
Categoria C
Criptococose extrapulmonar
Estrongiloidose extra-intestinal
Herpes simplex, com úlcera mucocutânea > 1 mês, bronquite, pneumonite e/ou
esofagite
Linfoma de Burkitt
Linfoma imunoblástico
Sarcoma de Kaposi
Toxoplasmose cerebral
Tuberculose
O quadro clínico da infeção primária por VIH é muito variável e inespecífico, podendo
assemelhar-se ao de outras patologias, nomeadamente a mononucleose infeciosa ou a gripe,
havendo um baixo limiar de suspeita, que dificulta o diagnóstico atempado. Os sinais e
sintomas mais frequentes são a febre, linfadenopatias, faringite e exantema, sendo também
comuns astenia, perda ponderal, mialgias e artralgias (Quadro 2). Podem ainda ocorrer
sintomas digestivos como náuseas, vómitos e diarreia. Em menor número de casos, e
considerando que se trata de um vírus neurotrópico, podem surgir manifestações neurológicas
tais como meningite linfocitária, meningoencefalite, neuropatia periférica, paralisia facial e
síndrome de Guillain-Barré. A duração do quadro clínico da infeção aguda pode variar entre
alguns dias e vários meses, sendo habitualmente inferior a duas semanas.
Febre 96
Adenopatia 74
Faringite 70
Exantema 70
Mialgias 54
Cefaleias 32
Diarreia 32
Náuseas e vómitos 27
Hepatoesplenomegalia 14
Candidose oral 12
Durante este período assiste-se a um aumento marcado da carga viral de VIH e a uma
diminuição do número de linfócitos TCD4+, o que ocorre até ao momento em que as respostas
humoral e celular são desencadeadas pelo hospedeiro. O papel da resposta imunitária mediada
por células, em particular a atividade dos linfócitos TCD8+ citotóxicos, parece ser fundamental
no início do controlo da replicação viral, mesmo antes do aparecimento dos anticorpos anti-
VIH ligantes e neutralizantes. O aparecimento de tais anticorpos ocorre, em média, 2 a 6
semanas após a infeção. A transmissão da infeção pode ocorrer em qualquer fase, mas é
durante a infeção aguda que o risco de contágio é maior (provavelmente devido à elevada
carga viral circulante).
Após a infeção aguda, o sistema imune é capaz de controlar o vírus durante vários anos,
embora se continue a observar uma continua destruição das defesas do indivíduo (fase crónica
inicial - portador assintomático). Nesta fase os indivíduos infetados geralmente não
apresentam alterações ao exame físico, exceto nos casos em que se desenvolve uma
linfadenopatia generalizada persistente (presença de adenopatias em duas ou mais cadeias
ganglionares periféricas não contíguas, excluindo as cadeias inguinais, para as quais não é
possível encontrar outra etiologia). Após uma marcada redução da viremia VIH e da
recuperação parcial da contagem de linfócitos TCD4+ a nível plasmático, assiste-se a uma
estabilização dos seus valores durante vários anos. O ponto de estabilização da carga viral ou
viral set point é um importante preditor de progressão de doença, isto é, viremias VIH elevadas
estão associadas a um declínio mais rápido da contagem de linfócitos TCD4+ e a uma sobrevida
inferior à dos doentes que apresentam cargas virais VIH mais baixas. Na infeção VIH-1, a perda
de linfócitos TCD4+ ocorre ao ritmo de 40-60 células/mm3/ano, sendo o período de latência
clínica, em média, de 10 anos.
4.3 SIDA
possível estabelecer uma correlação entre a contagem dos linfócitos TCD4+ e o tipo de
manifestações clínicas (Quadro 3). No entanto, virtualmente todas as condições clínicas podem
ocorrer quanto mais baixa for a contagem de linfócitos TCD4+ (p. ex.: os linfomas podem
ocorrer em qualquer valor de linfócitos TCD4+, porém são mais frequentes quando <
200/mm3).
Quadro 3 – Correlação das complicações com o valor dos linfócitos T CD4 + (Adaptado de Arch
Meningite linfocitária
Síndrome de Guillain-Barré
Criptosporidiose crónica
Leucoencefalopatia multifocal
progressiva
Microsporidiose
Tuberculose extrapulmonar
Leishmaniose visceral
3
< 50/mm Doença por CMV
A evolução da infeção por VIH-1 é variável, no entanto a maioria (60-70%) dos doentes,
na ausência de terapêutica antirretrovírica, desenvolve SIDA cerca de 10-11 anos após a
transmissão do vírus. Porém verifica-se que alguns indivíduos têm uma progressão de doença
diferente. Em cerca de 10-20% a progressão da doença é mais rápida e a evolução para SIDA
ocorre em menos de 5 anos. Nestes doentes é frequente a viremia VIH persistir >10 5 cópias/ml
após infeção aguda e a contagem de linfócitos T CD4+ começar a diminuir mais cedo e a uma
velocidade superior. No outro extremo do espectro clínico encontram-se os doentes que não
chegam a apresentar condições definidoras de SIDA por um longo período de tempo (5-15% do
total de indivíduos infetados).
1. “Long term non progressors” - doentes cuja infeção foi documentada há pelo menos
8 anos, que mantêm linfócitos TCD4+ > 500/mm3 e carga viral detetável,
normalmente inferior a 5000 cópias, sem administração de TARV.
A classificação mais utilizada para a infeção por VIH é a do CDC, na sua versão revista no
ano de 1993, a qual utiliza dados clínicos e a contagem de linfócitos TCD4+ (Quadro 4).
Consideram-se três níveis de contagem de linf citos TCD4+ (≥ 500, 200-449 e < 200/mm3) aos
quais correspondem respetivamente os números 1, 2 e 3; e três categorias clínicas, as quais
são designadas pelas letras A, B e C. As patologias correspondentes a cada uma destas
categorias clínicas estão enumeradas no quadro 1.
Quadro 4 – Classificação da infeção por VIH, segundo o CDC, 1993. (Adaptado: Revised CDC HIV
Categorias clínicas
A B C
Contagem de linfócitos Assintomática ou Sintomática Doença definidora de
TCD4+ infeção VIH aguda ou (nem A nem C) SIDA
linfadenopatia
generalizada
persistente
≥ 500/mm3 (≥ 29%) A1 B1 C1
200-499/mm3 (≥ 14-28%) A2 B2 C2
Mais recentemente, em 2014, o CDC realizou uma revisão à classificação utilizada para
a infeção pelo VIH. Nesta nova classificação são estabelecidos 4 estádios (estádio 0 e estádios
1,2 e 3). O estádio 0 corresponde à infeção viral aguda e para poder ser atribuído depende de
um teste inicial (anticorpo/antigénio/RNA viral) negativo ou indeterminado, seguido de um
teste positivo (com uma diferença máxima entre os dois testes de 180 dias). Já os estádios 1,2
e 3 são atribuídos apenas, de acordo com a contagem de linfócitos TCD4+ (≥ 500, 200-449 e <
200/mm3). Em doentes que se apresentem inicialmente com doença definidora de SIDA, é
atribuído automaticamente o estádio 3, independentemente do número de linfócitos TCD4+
(Quadro 5). De notar que nesta nova classificação, ao contrário da anterior, pode haver uma
reclassificação da doença de acordo com o número de linfócitos TCD4+, desde que esta
alteração se acompanhe de um registo temporal (p.ex.: estádio 2 à data do diagnóstico).
Quadro 5 – Classificação da infeção por VIH, segundo CDC, 2014. (Adaptado: Revised
Surveillance Case Definition for HIV Infection — United States, 2014)
3 3
2 500-999/mm (≥ 22-29%) 200-499/mm (≥ 14-25%)
Nota: Existem 3 situações que podem não ser baseadas nesta tabela: 1) se os critérios para o estádio
0 foram cumpridos, a classificação é o estádio 0 independentemente dos valores de linfócitos TCD4+;
2) se o doente se apresenta com doença definidora de SIDA é classificado como estádio 3,
independentemente dos valores de linfócitos TCD4+; 3) Se não existe informação que permita
classificar o doente por estádios, o estádio fica atribuído como desconhecido.
6 Diagnóstico
1. Testes para pesquisa de anticorpos contra o VIH – estes testes podem ser realizados
por imunocromatografia, ou por método de ELISA (enzyme-linked immunosorbent
assay). Os testes rápidos ou de screening utilizam, por norma, técnicas de
imunocromatografia, em que os antigénios de VIH, que se encontram fixados numa
banda, quando em contacto com os anticorpos presentes no sangue do doente
reagem e mudam de cor, traduzindo positividade. Já os testes realizados por
método de ELISA são mais sensíveis e específicos, utilizando técnicas mais
complexas (Sandwich), sendo considerados os testes standard para o diagnóstico da
infeção por VIH. A produção de anticorpos pelo doente infetado pode demorar
entre 3 a 12 semanas, o que significa que este método de diagnóstico apresenta um
período janela com essa duração (testes falso-negativo por ainda não existirem
anticorpos circulantes).
A abordagem inicial de um doente com infeção por VIH deve ter por base uma história
clínica completa (incluindo antecedentes pessoais e familiares, medicação crónica, história
psicossocial com avaliação do estilo de vida) e um exame físico detalhado.
presença de doença óssea; avaliar a presença de infeções latentes e infeções transmitidas por
via sexual para eventual tratamento/prevenção.
1. Confirmação da infeção por VIH – se não houver ainda confirmação da infeção por VIH
esta deve ser confirmada, de acordo com o algoritmo publicado pela Direção Geral de
Saúde (Norma de Orientação Clínica nº 058/2011 atualizada a 10/12/2014) e disponível
online em www.dgs.pt.
2. Quantificação da viremia plasmática e subtipo VIH – a quantificação da viremia
plasmática é um dos elementos mais importantes na avaliação e acompanhamento da
infeção por VIH. A viremia correlaciona-se com o risco de transmissão da infeção e com
a probabilidade de progressão da doença, e é o melhor indicador da eficácia
terapêutica. Deverá ser efetuada na avaliação inicial e após início ou modificação da
TARV, devendo ser repetida às 4 semanas e aos 3 meses. Depois de se obter viremia
indetetável, e num doente estabilizado, deverá ser repetida 2 a 3 vezes por ano (cada 4
a 6 meses). Dados mais recentes aconselham a realização de 1 a 2 determinações
anuais nestes doentes.
3. Contagem de linfócitos TCD4+ (número absoluto e percentagem) – a contagem de
linfócitos TCD4+ é o outro parâmetro importante na avaliação inicial e
acompanhamento do doente com infeção por VIH. Fornece-nos uma avaliação da
deterioração imunológica que já ocorreu e permite-nos estimar o risco de
aparecimento de infeções oportunistas. É primordial na decisão de instituir profilaxia
das infeções oportunistas. Tal como a viremia, deverá ser determinada na avaliação
inicial e depois repetido 2 a 3 vezes por ano (cada 4 a 6 meses). Em doentes com
valores de linfócitos TDC4+ > 350/mm3 pode ser efetuado num intervalo mais alargado
(cada 6 a 12 meses); em doentes estabilizados e com valores de linfócitos TDC4+ >
500/mm3 discute-se a utilidade de continuar a efetuar essa determinação, uma vez que
não são expectáveis alterações significavas neste parâmetro nem estas alterações
determinam modificação na conduta terapêutica. A contagem de linfócitos TCD8+ é
opcional – não há evidência da utilidade clínica na monitorização de TCD8+ nem da
relação CD4/CD8. Estes dois parâmetros não devem ser utilizados na decisão clínica.
C. Rastreio de co-infecções
1. Hepatites A, B e C – para rastreio de hepatites crónicas (B e C) e determinação da
necessidade de vacinação (A e B); rastreio da hepatite B (ag HBs, ac HBs e ac HBc);
rastreio da infeção VHC (ac VHC); rastreio da hepatite A (ac VHA); aconselha-se
vacinação para os não imunes à hepatite A e B.
2. Sífilis – rastreio inicial e anual (mais frequente se risco elevado); os doentes com
serologia positiva e sinais ou sintomas de sífilis ocular ou neurológica e sem resposta ao
tratamento devem efetuar punção lombar; a punção lombar nos casos de sífilis latente
tardia (mais de um ano de duração ou de duração desconhecida) tem sido questionada,
embora se mantenha a recomendação particularmente em doentes com linfócitos
TCD4+ < 350 mm3 e/ou RPR sérico > 32.
3. Outras IST – rastreio de tricomoníase, infeção por clamídea e gonorreia; rastreio
periódico de acordo com comportamentos de risco reportados, presença de outras IST
no doente ou companheiro e prevalência de IST na comunidade.
4. Tuberculose – prova de Mantoux ou IGRA, em casos selecionados; efetuar radiografia
torácica em doentes com testes de rastreio positivos.
5. Outras – serologia para Toxoplasma gondii (IgG), CMV (IgG), Vírus varicela-zoster (IgG) e
serologia para Leishmania devem ser realizadas de acordo com o contexto
epidemiológico do doente e o grau de imunossupressão, sendo a decisão
individualizada para cada doente.
ABC – Abacavir
ACTG – AIDS Clinical Trials Group (rede de centros nos EUA, responsável pelo desenho e
implementação de estudos na área da infecção por VIH)
ARV – Anti-retrovíricos
ATV – Atazanavir
COBI – Cobicistato
D4T – Estavudina
DAD – Data collection on adverse events of anti-HIV Drugs (coorte europeia dedicada ao
estudo dos efeitos adversos dos ARV)
DDC – Zalcitabina
DDI – Didanosina
DRV – Darunavir
DTG – Dolutegravir
EFV – Efavirenze
ETV – Etravirina
EVG – Elvitegravir
FPV – Fosamprenavir
HPTN 052 - Estudo do “HIV Prevention Trials Network” dedicado ao estudo da TARV como
prevenção da transmissão em casais serodiscordantes para VIH
IDV – Indinavir
IP – Inibidor da protease
MVC – Maraviroc
NFV – Nelfinavir
NVP – Nevirapina
RAL – Raltegravir
RPV – Rilpivirina
RTV – Ritonavir
SMART – Strategies for Management of Anti-Retroviral Therapy (um dos maiores ensaios
clínicos, tendo com o objectivo determinar a melhor estratégia de tratamento da infecção por
VIH)
SQV – Saquinavir
START – Strategic Timing of Antiretroviral Treatment (grande ensaio clínico internacional para
estudo dos riscos e benefícios do tratamento precoce da infecção por VIH)
T20 – Enfuvirtida
TPV - Tipranavir
1. Introdução
O primeiro fármaco anti-retrovírico – AZT – foi aprovado pela “Food and Drug Administration”
(FDA) em 19 de Março de 1987, nos EUA. Trata-se de um fármaco anteriormente estudado
como antineoplásico e que se verificou ter actividade anti-retrovírica. É um inibidor da
transcriptase inversa análogo dos nucleosídeos (ITIAN) (análogo da timidina) que se incorpora
na cadeia de ADN proviral em formação, competindo com o substrato natural e funcionando
como terminador da cadeia nascente de ADN. A posologia utilizada no ensaio clínico que serviu
de suporte à sua aprovação foi de 250 mg a cada 4 horas (1500mg/dia). Esta dose ocasionava
efeitos secundários marcados, nomeadamente, anemia grave com necessidade de recurso a
transfusões sanguíneas. Os efeitos secundários eram tão frequentes e tão devastadores que
alguns activistas e líderes mundiais proclamavam que a causa de morte e progressão da
doença era o AZT e não a infecção por VIH. Em Portugal o AZT foi aprovado pelo Infarmed em
12 de Março de 1990 e foi, no ano seguinte, objecto de despacho (14/91 do Ministério da
Saúde, DR 164, II série) onde se estipulava que o AZT estaria disponível apenas nas farmácias
hospitalares do SNS, gratuitamente para os doentes. Este despacho dizia ainda que “Todos os
casos de infecção pelo vírus de imunodeficiência humana (VIH) devem ser notificados à
Comissão Nacional de Luta contra a SIDA”. Por último atribuía à Direcção Geral dos Hospitais,
em colaboração com a Comissão Nacional de Luta Contra a Sida, a responsabilidade de
proceder à revisão das normas de utilização do AZT.
Entretanto, começaram a ser utilizadas doses mais baixas que as anteriormente referidas, que
foram melhor toleradas, sem aparente perda do efeito terapêutico. Nas primeiras
recomendações do serviço de Saúde dos EUA (DHHS) de 1998, as dosagens preconizadas eram
200 mg 3 x/ dia ou 300 mg 2id (esta a posologia actualmente recomendada). A experiência de
utilização de AZT (em monoterapia) mostrava uma recuperação modesta e temporária (3-6
meses) dos linfócitos TCD4, com melhoria do estado geral. Findo este período assistia-se, regra
geral, a uma deterioração continuada do défice imunológico e consequentes infecções
oportunistas.
Cerca de 4 anos depois (9 de Outubro de 1991) foi aprovado o segundo fármaco – didanosina
(DDI) – com indicação na terapêutica sequencial ou seja, quando o AZT deixava de funcionar,
substituía-se por DDI. Mais uma vez se assistia a uma ligeira melhoria (menos pronunciada e
menos duradoira que a primeira, com AZT) e depois continuava a deterioração imunológica.
Este fármaco apresentava-se em pastilhas volumosas de 100 mg e era administrado fora das
refeições (1 hora antes ou 2 horas depois) duas vezes por dia. Causava efeitos secundários
gastrointestinais marcados (náuseas, vómitos, diarreia, dores abdominais), pancreatite e
neuropatia periférica (esta última em 21 a 26% dos doentes). Relativamente a este fármaco,
hoje pouco utilizado nos países desenvolvidos, a FDA emitiu em 2010, um comunicado
alertando para a possibilidade de ocorrência de hiperplasia hepática nodular regenerativa
(hipertensão portal não cirrótica) nos doentes que foram submetidos a tratamento com DDI
(actual ou passado), complicação grave e potencialmente fatal. De assinalar que registámos
esta complicação nos nossos doentes (um doente falecido e outro transplantado por esta
causa). Este aspecto reforça a necessidade de farmacovigilância a longo prazo, uma vez que os
estudos de aprovação têm uma duração limitada, em geral 48 semanas.
O 3º fármaco, desta mesma classe terapêutica, surgiu no ano seguinte (19 de Junho de 1992 –
zalcitabina, DDC) – também aprovado como terapêutica sequencial ou aditiva ao AZT, com
resultados pouco impressivos. Posteriormente, numa fase em que era já prática corrente a
terapêutica dupla, foi aprovado para associação com AZT (1996). Anote-se que a zalcitabina foi
o primeiro fármaco a ser descontinuado, em 3 Dezembro de 2006.
pequenos (40 mg 2 vezes por dia), com melhor tolerância imediata, mas que tinha também o
potencial de ocasionar neuropatia periférica e, veio mais tarde a comprovar-se, lipoatrofia
marcada (um dos componentes da lipodistrofia ou síndroma da redistribuição da gordura
corporal), verificada com maior incidência na chamada era HAART, a que chegaremos mais
adiante. Por esta altura, começaram a utilizar-se as biterapias, nomeadamente a associação de
AZT com 3TC, AZT com DDI. Também foi experimentada a associação AZT+D4T mas
rapidamente se verificou que era antagónica do ponto de vista virológico e desaconselhada
(aspecto já expresso nas recomendações publicadas em 1998). A associação de DDI+D4T,
inicialmente olhada com reserva, pelo perfil semelhante e potencialmente cumulativo de
toxicidades, foi, depois, promovida e popular durante um período ainda longo (desde 1998 a
2003), até se confirmarem os receios iniciais de toxicidade cumulativa substancial (neuropatia
periférica, pancreatite, acidose láctica…) e por esse motivo desaconselhada.
Em 1996 deu-se a grande revolução na TARV que foi possível pelo aparecimento da tecnologia
de quantificação de VIH plasmática, que permitiu uma melhor apreciação da cinética da
replicação vírica e da eficácia da terapêutica, ao mesmo tempo que surgiram fármacos de uma
nova classe – inibidores da protease de VIH. Vale a pena relevar a enorme importância de que
se reveste a disponibilização da quantificação da viremia plasmática, um instrumento poderoso
na verificação da eficácia virológica dos fármacos, aceite pela FDA como marcador substituto
de eficácia, em vez dos “ends points” clínicos clássicos de morbilidade e mortalidade. Este
facto permitiu uma via de aprovação acelerada dos anti-retrovíricos (ARV) (os tempos para
análise dos objectivos primários dos ensaios clínicos para aprovação dos ARV são atingidos às
48 semanas). Só assim foi possível disponibilizar, em tão curto espaço de tempo, uma
quantidade significativa de novos medicamentos que permitiram controlar eficazmente a
progressão da doença.
Nesta época, designada de era HAART - higly active antiretroviral therapy – houve uma grande
euforia, com o enorme sucesso alcançado, tendo inclusive David Ho, cientista e investigador
respeitado, previsto a cura da doença dentro de poucos anos. Infelizmente, tal objectivo não
veio a verificar-se, o que se explica pela existência de populações de células com semividas
longas (ex: linfócitos TCD4 de memória) que são infectadas e onde o VIH se mantém latente.
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Doenças Infeciosas 2017
Como consequência, a cura foi um tema proibido até há cerca de 2-3 anos, sendo actualmente
alvo de investigação e investimento muito forte.
De qualquer modo, este clima de euforia ficou também assinalado no 11º Congresso
Internacional de Sida, em Vancouver, Canadá, no lema “ hit hard, hit early”, isto é, tratar com
fármacos em combinação, pelo menos três, e tratar todos os doentes infectados. Esta
estratégia está também consagrada nas 1ªs recomendações do DHHS, publicadas em 1998,
onde se preconizava que todos os infectados por VIH com menos de 500 linfócitos TCD4/mm3
e/ou com viremia >20 000cp/ml deveriam iniciar TARV, deixando em aberto a possibilidade de
iniciar nos que tivessem acima daquele valor e viremia superior a 20 000cp/ml.
complicavam, ainda mais, a adesão dos doentes e que ocasionavam efeitos secundários
adicionais.
Todos estes factos concorreram para a adopção de uma estratégia mais conservadora,
consagrada nas recomendações terapêuticas emanadas pelo DHHS, em 2001, e que consistiu
no início da TARV apenas quando o risco de aparecimento de complicações da infecção por VIH
era grande, superando, neste contexto, os inconvenientes da terapêutica. Nesta altura, essa
fronteira foi marcada, nos indivíduos assintomáticos, nos 200 linfócitos TCD4/mm3. Abaixo
deste limiar os doentes têm um risco elevado de infecções/tumores oportunistas e, portanto,
recomendava-se o início da TARV. Acima daquele valor, considerava-se que os doentes não
tinham indicação porque o risco de infecções oportunistas era baixo e, desta maneira, o risco
dos efeitos secundários era maior do que os benefícios esperados. Estas mesmas
recomendações colocavam a hipótese de iniciar com linfócitos TCD4 entre 200 e 350/mm3,
mas sem evidência empírica de suporte.
Iremos ver mais adiante como, com o aparecimento de fármacos mais eficazes, melhor
tolerados e com melhor perfil de segurança, a curto e longo prazo e, ainda, pelo aparecimento
de coformulações, que simplificaram grandemente a terapêutica, aquele limiar foi subindo,
primeiro para 350 (por volta de 2007) e, mais recentemente, para valores de 500 linfócitos
TCD4/mm3 (nos EUA em 2009, em 2013 pela OMS e, muito recentemente, também nas
recomendações portuguesas). Esta mudança deve-se, entre outros factores, à publicação de
vários estudos de coorte (e, anteriormente, do estudo SMART), que demonstraram melhores
resultados globais quando se inicia a TARV mais precocemente e, também, pela verificação da
diminuição do risco de transmissão da infecção por VIH, nos doentes submetidos a tratamento
e com virémia controlada, aspecto cada vez mais valorizado.
Algumas recomendações (EUA, por exemplo, desde 2012) não colocam qualquer limiar de
linfócitos TCD4/mm3 para o início da TARV, considerando que a infecção por VIH é uma doença
vírica activa, que deteriora o sistema imunológico e tem repercussões sistémicas, em vários
aparelhos e sistemas. Os resultados do estudo START e do estudo Temprano vieram
demonstrar, de forma inequívoca, que a TARv é benéfica em qualquer estádio da infecção por
VIH, independentemente da contagem de linfócitos TCD4, quer do ponto de vista individual,
reduzindo a ocorrência de infecções e tumores oportunistas, quer do ponto de vista da saúde
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Doenças Infeciosas 2017
pública, reduzindo o risco de novas infecções (este aspecto resultado do estudo HPTN 052). Por
esse motivo a quase totalidade das recomendações, incluído a portuguesas, preconiza a TARv
para todas as pessoas com infecção por VIH, independentemente da existencia de sintomas e
da contagem de linfócitos TCD4 e viremia VIH.
Vale a pena, também, referir que os erros, involuntários, que cometemos antes da era HAART
e nos primeiros anos desta era (monoterapias, biterapias, utilização de inibidores da protease
não potenciados, reciclagem de fármacos previamente utilizados), decorrentes das limitações
de fármacos disponíveis mas, também, da nossa ignorância relativamente aos princípios da
TARV, levaram a que, em muitos doentes, tenha havido multiplicação de vírus com várias
mutações de resistência aos análogos da timidina (TAMS) e aos inibidores da protease. Nos
primeiros anos deste milénio havia um número significativo de doentes sob TARV sem viremia
suprimida e sem opções terapêuticas eficazes. Nesta fase foram propostas diversas
Entretanto, também a partir de 2000, foi disponibilizada uma nova ferramenta – teste de
resistência genotípica. Esta tecnologia desenvolveu-se a partir da verificação de viremias não
controladas em indivíduos sob TARV, particularmente naqueles que tinham sido sujeitos
anteriormente a terapêuticas subóptimas. Através da sequenciação de vírus obtidos destes
doentes foram detectadas mutações em alguns codões específicos, que puderam ser
associadas a diminuição da actividade de fármacos ARV. Também em laboratório foi possível
provocar mutações, em vírus submetidos a baixas concentrações de ARV. Foram estes os dois
eixos fundamentais que levaram ao desenvolvimento dos testes de resistência genotípica, que
entraram na rotina do seguimento clínico por volta do ano 2000, o que permitiu uma utilização
mais criteriosa dos fármacos e sua sequenciação mais racional.
Por volta de 2003, começaram a surgir fármacos com novos mecanismos de acção – primeiro o
inibidor da fusão, enfuvirtida (T20) – depois IP com perfis de resistência diferentes (tipranavir,
em 2005 e darunavir, em 2006). Com estes novos recursos, munidos de regras de utilização dos
ARV mais consistentes e guiados pelos testes de resistência acima mencionados, foi possível
resgatar alguns doentes em falência virológica. Em 2007, com o aparecimento de dois novos
fármacos de 2 novas classes terapêuticas – raltegravir, primeiro inibidor da integrase e
maraviroc, primeiro inibidor do co-receptor CCR5 – e ainda pelo aparecimento de um terceiro
fármaco – etravirina, ITINAN de 2ª geração – com um perfil diferente de resistência, foi
possível, na prática, resolver todas, ou quase todas, as situações de doentes em falência. Para
muitos doentes, que estavam muito degradados fisicamente, com imunossupressão muito
avançada, esta foi, verdadeiramente, uma segunda vida que lhes foi proporcionada,
mantendo-se ainda hoje, a maioria, com sucesso terapêutico.
Traçados alguns dos aspectos fundamentais da evolução da TARV, podemos agora aprofundar
e sistematizar alguns dos aspectos aflorados anteriormente.
- Suprimir de forma eficaz (abaixo do limiar de detecção, <20 cp/ml no nosso laboratório) e
duradoira a viremia plasmática.
A TARV está indicada para todos os doentes com infeção por VIH, independentemente da
sintomatologia e da contagem de linfócitos TCD4, desde que o doente esteja preparado e
aceite iniciar a TARV. Nas seguintes situações, considera-se urgente o inico da terapêutica:
Contrariamente à posição inicial, que preconizava que prioritário era tratar as infecções
oportunistas e só depois a infecção por VIH, para evitar toxicidades cumulativas e interacções
medicamentosas, está hoje demonstrado que, na maioria das infecções oportunistas, o início
precoce da TARV melhora o prognóstico, diminui a mortalidade e o surgimento de novas
infecções oportunistas. A excepção a esta regra é a infecção do SNC, nomeadamente
criptococose, pelo risco elevado de síndroma inflamatória de reconstituição imunológica (SIRI),
Uma situação particular é a tuberculose, tratada detalhadamente noutro capítulo, mas que
podemos resumir aqui da seguinte maneira: todo o doente com tuberculose, coinfectado por
VIH, tem indicação para TARV; nos doentes sem TARV prévia e com linfócitos TCD4 < 50/mm3,
a TARV deve ser iniciada dentro de 2 semanas após início da terapêutica antibacilar e dentro
de 8 semanas para todos os outros doentes. Nos doentes com mais de 50 linf. TCD4/mm3 e
com doença grave, a TARV deve ser iniciada entre 2-4 semanas (força de recomendação BI
entre 50 e 200 linf. TCD4 e BIII acima de 200 linf. TCD4). Nos doentes com mais de 50 linf.
TCD4/mm3 mas sem doença grave, a TARV pode ser diferida para além das 2-4 semanas mas
deverá ser iniciada até às 8 semanas após início da terapêutica antibacilar (força de
recomendação AI entre 50 e 500 linf. TCD4 e BIII acima de 500 linf. TCD4). Nos doentes com
meningite tuberculosa e CD4 baixos, o início precoce da TARV coloca problemas específicos de
adesão e vigilância dos efeitos secundários, que justifica a supervisão em centros com
experiência nestas duas áreas. Embora complexo, com dificuldades de adesão acrescidas,
sobreposição de efeitos secundários e muitas interacções medicamentosas e com maior risco
de SIRI, o tratamento concomitante melhora a sobrevida, particularmente nos doentes com
linfócitos TCD4 <50/mm3, diminui o risco de infecções oportunistas adicionais e podem obter-
se taxas de supressão virológica elevada e melhoria dos resultados do tratamento da
tuberculose.
Quando se inicia TARV, em regra, começa-se por escolher a estrutura do tratamento com a
associação de dois ITIAN, de preferência em coformulação: ABC/3TC ou TDF/FTC. Esta última é
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Doenças Infeciosas 2017
uma opção mais fácil (embora mais onerosa), porque não apresenta limitações à sua utilização,
a não ser a presença de insuficiência renal, ou risco elevado de desenvolvimento de
insuficiência renal e, eventualmente, o risco de desenvolvimento de osteoporose (mulheres
pós-menopáusicas de baixo peso, por exemplo).
Em segundo lugar, nalguns ensaios clínicos (ACTG 5202), verificou-se, em doentes com viremia
elevada (> 100 000cp/ml), um maior risco de insucesso virológico (sobretudo à custa da
incapacidade em obter viremia indetectável). No entanto, convém referir que, noutros ensaios,
este facto não foi observado e, mais recentemente, não houve qualquer diferença nas
falências, quando em associação com o dolutegravir, relativamente aos fármacos
comparadores.
Por último, a utilização de ABC foi associada, em alguns estudos de coorte (DAD), a um
aumento do risco de enfarte do miocárdio. Embora esta associação não se tenha verificado nos
ensaios clínicos de registo do fármaco, nem nas metanálises, isso pode dever-se à selecção dos
doentes incluídos nos ensaios clínicos (jovens e sem comorbilidades). Por outro lado, o efeito
observado no estudo DAD, pode ser explicado por viés de selecção, numa altura em que o ABC
era visto como um fármaco seguro, particularmente no contexto da insuficiência renal,
situação onde o TDF não é o fármaco de eleição, sendo conhecido o facto de a insuficiência
renal ser um factor de risco acrescido de enfarte do miocárdio. Permanece pois a dúvida
relativamente a este aspecto, mantendo, a maioria das recomendações, em respeito pelo
princípio da prudência, o alerta para o risco da sua utilização em doentes com risco
cardiovascular elevado (> 20% aos 10 anos, calculado pela equação de Framingham).
A classe dos inibidores das integrase (IINT) faz parte dos fármacos preferidos nos esquemas de
primeira linha, tendo em conta a tolerância a curto e longo prazo e os resultados de diversos
ensaios clínicos (ACTG 5257, FLAMINGO, SPRING, SINGLE), onde esta classe terapêutica obteve,
globalmente, melhores resultados que os fármacos comparadores – EFV, ATVr e DRVr.
Embora os IP tenham sido relegados para fármacos de segunda linha, continuam a ser
fundamentais na TARV, quando há alguma urgência no início do tratamento (teste de
resistência genotípica ainda não disponível) e nos doentes em que não temos a certeza do seu
perfil de adesão à TARV. Esta preferência advém da sua elevada barreira genética à resistência
(quando utilizados potenciados com ritonavir, de acordo com as recomendações), isto é, é
necessária a acumulação de várias mutações do vírus para que haja diminuição significativa da
actividade antivírica do fármaco. Este aspecto traduz-se, clinicamente, pela não emergência de
resistências quando o doente não adere completamente ao esquema terapêutico e, mesmo,
quando se verifica insucesso virológico, não ocorrem mutações de resistência aos IP e ocorrem,
com menor frequência, mutações de resistência aos outros componentes do esquema
terapêutico Neste aspecto, o dolutegravir parece ter um comportamento semelhante aos IP,
embora ainda falte a prova do tempo para que se possa utilizar com segurança neste tipo de
doentes. Os IP são ainda fármacos fundamentais em terapêuticas de resgate – isto é quando o
doente já teve múltiplos insucessos terapêuticos e acumulou várias mutações de resistências.
Convém ainda realçar que com os IP (tal como com os IINT) obtém-se uma melhor recuperação
imunológica, com um aumento adicional de 30 a 50 linf TCD4/mm3, quando comparados com
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Doenças Infeciosas 2017
os esquemas baseados em ITINAN, o que, segundo alguns aa, pode ter significado clínico
quando a imunossupressão é muito avançada (linf TCD4 <50/mm3).
5.Efeitos secundários
Em virtude destes fármacos serem para utilização durante longos períodos de tempo,
potencialmente para toda a vida do doente, é importante conhecer bem o perfil de efeitos
secundários imediatos e a longo prazo e, obviamente, preferir os fármacos com melhor perfil
de segurança.
Dois efeitos secundários raros mas potencialmente fatais foram associados à utilização dos
fármacos desta classe (ver Quadro III): esteatose hepática e acidose láctica. Estes efeitos foram
mais importantes, e mais frequentemente observados, com os fármacos mais antigos (AZT,
D4T, DDI) e são menos marcados, ou inexistentes, com os actualmente preferidos (ABC,
3TC/FTC, TDF), pelo que já não estão listados nos RCM destes últimos. Contudo é importante
continuar a monitorizar, e tentar prevenir, o aparecimento da esteatose hepática, uma
condição relativamente frequente na actualidade, embora com etiologias multifactoriais, onde
os ARV recomendados não parecem ter um papel relevante, até porque esta patologia é
observada, também frequentemente, nos indivíduos não infectados por VIH. Os outros efeitos
secundários, para além da eventual intolerância gastrintestinal (náuseas e vómitos), mais
frequente, uma vez mais, nos fármacos mais antigos (DDI, DDC e, em menor grau, AZT e D4T)
são mediados, fundamentalmente, pela toxicidade mitocondrial, que varia consoante a
afinidade diferencial dos fármacos para a polimerase mitocondrial dos diversos tecidos,
determinando perfis de efeitos adversos diferentes. Assim, o AZT pode causar anemia
macrocítica, neutropenia e miopatia; o D4T, DDI e DDC podem causar pancreatite e neuropatia
periférica, o TDF pode causar lesão renal e óssea. Foi ainda descrito um quadro tipo Guillan-
Barré (fraqueza neuromuscular ascendente rapidamente progressiva) associado à utilização de
D4T. O ABC para além do risco cardiovascular já atrás mencionado, é bem tolerado, assim
como o 3TC e FTC, que não causam, em geral, qualquer efeito adverso, excepto eventual
hiperpigmentação ou descoloração cutânea com o FTC. Um outro efeito secundário, também
já atrás mencionado, é a lipoatrofia, particularmente associada ao D4T mas também ao AZT.
Parece, também, haver algum impacto metabólico do uso destes fármacos, particularmente
DDI, D4T e AZT, com risco aumentado de resistência à insulina e dislipidemia, com aumento do
colesterol, LDL e triglicerídeos (D4T>AZT>ABC). O DDI, fármaco já muito pouco utilizado, foi
também associado a risco aumentado de enfarte do miocárdio e à ocorrência de hiperplasia
nodular regenerativa hepática, já atrás mencionada.
Os ITINAN (ver também Quadro IV) têm como efeito secundário comum o risco de toxidermia
(maior para a NVP - 7% - do que EFV - 2%, ou RPV) e a toxicidade hepática, maior para a NVP
do que EFV ou RPV. Para além disso, o EFV ocasiona frequentemente, nas primeiras 2 a 4
semanas de terapêutica, efeitos secundários do SNC (sonhos anormais, pesadelos, sonolência,
insónia, vertigens, dificuldade de concentração, depressão, psicose, ideação suicida) que, regra
geral, desaparecem com a continuação do tratamento. Ultrapassada esta fase inicial, o EFV é
bem tolerado, podendo, alguns doentes, manter alguma irritabilidade, tendência depressiva e,
segundo alguns estudos retrospectivos, de metodologia questionável, aumento do risco
suicidário. O EFV ocasiona ainda alterações lipídicas (aumento do colesterol total, das LDL e da
HDL), sendo a NVP neutra neste particular.
Convém ainda alertar para o facto da absorção da RPV ser altamente influenciada pelas
refeições e seu tipo: deve ser tomada com uma refeição com pelo menos 400 Kcal, caso
contrário a sua absorção diminui 50%, sendo, também, problemática a utilização concomitante
de antiácidos (inibidores da bomba de protões – proibidos; antiácidos com alumínio, magnésio
ou carbonato de cálcio – devem ser tomados 2 horas antes ou 4 horas depois da RPV;
antagonistas H2 – devem ser tomados 12 horas antes ou 4 horas após RPV).
e LPV). Podem interferir, pelas suas interacções, com muita outra medicação, como iremos
verificar mais adiante.
Para além destes efeitos secundários, são de referir a possibilidade de aumento da bilirrubina
conjugada com ATV E IDV e a possível ocorrência de toxidermia, particularmente, com ATV,
DRV e FPV (todos eles têm na sua constituição um anel sulfamídico), tendo-se já descrito, com
estes fármacos, casos de S. Stevens Johnson. De referir a ocorrência de nefrolitíase com IDV e
ATV. Foram também descritos, em doentes com hemofilia, aumento de hemorragias
espontâneas e hematúria. Com o TPV foram ainda referidos casos de hemorragias
intracranianas. Foram reportados, com todos os IP, casos de hepatite tóxica e descompensação
hepática. Por último, alguns IP (SQV/r, ATV/r, LPV/r) provocam aumento do intervalo PR e, em
estudos de coorte, verificou-se a associação do seu uso com a ocorrência de enfarte do
miocárdio e AVC (excepto com – ATV).
Relativamente aos inibidores da integrase (ver Quadro VI) são muito bem tolerados e com bom
perfil de segurança a curto e longo prazo. Os dados mais consistentes, e com mais tempo de
experiência, dizem respeito ao raltegravir, sendo particularmente relevantes os do ensaio
clínico ACTG 5257, onde se observaram, globalmente, melhores resultados com RAL em
comparação com ATV e DRV, condicionados, sobretudo, pelo muito bom perfil de efeitos
secundários e, portanto, menor número de descontinuações. Apesar deste bom perfil, pode
estar associado a aumento da CPK, fraqueza muscular e rabdomiólise e, foram já descritos,
casos de toxicidade hepática e reacções de hipersensibilidade. O elvitegravir (EVG), está
disponível apenas em coformulação com cobicistato/emtricitabina/tenofovir, aprovado para
doentes com clearance de creatinina superior a 70 ml/min e sem mutações de resistência aos
componentes da coformulação.
O dolutegravir (DTG), perfila-se como o fármaco ideal desta classe terapêutica, pela elevada
barreira genética (semelhante aos IP) comodidade posológica e perfil de resistências. Este
fármaco provoca alterações da secreção tubular de creatinina, aumentando a creatininémia e
desta maneira diminuindo, artificialmente, a depuração de creatinina. Este efeito observa-se
também com outros fármacos, nomeadamente EVG, COBI, RTV e vários outros, o que poderá
complicar a monitorização da depuração renal nestes doentes. Têm sido reportados com este
fármaco mais efeitos secundários do sistema nervosos central (cefaleias e tendência depressiva
com eventual aumento do risco suicidário).
O maraviroc (ver Quadro VII) não foi aprovado para doentes sem experiência terapêutica
prévia e, antes da sua utilização, é necessário efectuar um teste para determinação do
tropismo de VIH, tendo apenas utilidade nos vírus que utilizam, exclusivamente, os co-
receptores CCR5. É um fármaco bem tolerado, estando descritos alguns casos raros de
hepatotoxicidade, com ou sem reacção de hipersensibilidade acompanhante. Vale a pena
realçar que este fármaco não actua directamente no vírus, mas antes no receptor celular que o
vírus utiliza para a sua entrada. O bloqueio deste receptor causou receios de efeitos
secundários importantes, nomeadamente hepáticos, que se verificaram com outro fármaco em
desenvolvimento – aplaviroc – entretanto interrompido, mas que não se verificaram com o
maraviroc.
O T20 é um fármaco de recurso, utilizado por via parentérica (sc) que inibe a formação do
complexo de fusão do vírus com a membrana celular, impedindo, desta forma, a entrada do
vírus na célula. Para além dos efeitos secundários locais, associados à administração sc, o T20 é
bem tolerado, tendo-se observado um aumento do número de infecções pulmonares com a
utilização deste fármaco (ver Quadro VII).
6. Interacções medicamentosas
É um aspecto extremamente importante da TARV uma vez que pode ter consequências muito
significativas, ocasionalmente com desfecho fatal.
frequente é a inibição deste sistema enzimático (o ritonavir é o mais potente inibidor) o que
conduz ao aumento das concentrações dos fármacos que são substrato deste complexo
enzimático, com maior potencial de efeitos adversos ou mesmo concentrações tóxicas. Estas
interacções são particularmente relevantes com os fármacos que têm janelas terapêuticas
estreitas e/ou semividas longas.
Já mencionámos atrás que o RTV é o mais potente inibidor do Cit P450 e é por esse motivo que
este fármaco, em doses baixas, é utilizado na potenciação de outros IP, melhorando a sua
farmacocinética, permitindo a utilização de doses mais baixas e menor número de tomas. A
maioria dos IP são portanto substratos do Cit P450, mas têm, também, algum potencial
intrínseco de inibição deste sistema enzimático.
Os ITINAN podem funcionar como indutores ou inibidores do cit P450, dependendo das
isoenzimas utilizadas, tornando as interacções um pouco mais complexas e imprevisíveis.
A maioria dos fármacos utilizados no tratamento das infecções oportunistas são substratos do
cit P450 e, desta maneira, são esperadas interacções significativas. Como não é possível ter
presente todas as interacções, recomenda-se a consulta sistemática do RCM do produto, as
tabelas de interacções medicamentosas (como as disponíveis nas recomendações dos CDC com
o seguinte endereço: aidsinfo.nih.gov) ou consultar o site disponível em
www.hivdruginteractions.org.
No Quadro IX apresentamos uma listagem de fármacos que não devem ser associados com
alguns ARV. Apenas deixar relevado que os fármacos que mais frequentemente ocasionam
interacções (sofrendo elevações das suas concentrações séricas para níveis que desaconselham
o seu uso, ou justifica alterações das dosagens) são antiarrítmicos (amiodarona, dronedarona,
flecainamida, propafenona), psicotrópicos (triazolam e midazolam, trazodona), rifamicinas
(rifampicina e rifapentina), neurolépticos (pimozida), antiepilépticos (carbamazepina,
hidantina, valproato de sódio), anti-histamínicos (terfenadrina e astemizol), antifúngicos
(cetoconazol, itraconazol, voriconazol, posaconazole), ergotamínicos, corticoides, inibidores da
fosfodiesterase (avanafil, sildenafil, tadalafil, vardenafil), estatinas (lovastatina, sinvastatina),
antiácidos, antagonistas H2, inibidores da bomba de protões, anticoagulantes.
Não esquecer, ainda, que as drogas ilícitas têm também interacções, podendo a utilização
concomitante destes fármacos ocasionar “overdose” ou ressaca precoce.
Uma palavra final para os medicamentos e chás ditos “naturais” um tanto em voga, que podem
também ocasionar interacções, como por exemplo o hipericão.
A TARV na mulher grávida, ou mulher em idade fértil e com potencial de engravidar, coloca
alguns problemas particulares, que abordarei sucintamente, e que podem sumariar-se da
seguinte forma:
nas mulheres grávidas ou com potencial de engravidar, evitar a utilização do EFV, devido ao
risco de defeitos do tubo neural, sobretudo nas primeiras semanas de gestação. Uma
metanálise recente, efectuada em crianças expostas a EFV in útero, não revelou risco acrescido
de anomalias do desenvolvimento neurológico, contudo, o número de crianças expostas é
ainda insuficiente para excluir com segurança aquele risco.
Relativamente aos IINT, embora pareçam bons fármacos para utilizar na gravidez, a experiência
é limitada e, por isso, as recomendações apenas contemplam a utilização do RAL, que neste
aspecto, pela experiência acumulada, é o fármaco preferido desta classe. Recomenda-se
também a utilização de fármacos desta classe quando o diagnóstico de infecção por VIH é
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Doenças Infeciosas 2017
tardio na gravidez e/ou quando a viremia é muito elevada, tendo em conta a sua rapidez de
acção que permitirá, mais facilmente atingir, a viremia indetectavel na altura do parto.
- Na mulher grávida que planeia engravidar, ou que tem relações sem contracepção eficaz,
deve ser evitada a utilização do EFV;
- Se a mulher já está sob TARV, quando se conhece a gravidez, pode e deve manter-se a TARV
(com eventual adaptação/ optimização do esquema); se o diagnóstico da gravidez ocorre com
>8 semanas de gestação, não há vantagem em alterar o esquema de TARV (o período de maior
risco de teratogenicidade já ocorreu);
- Se a mulher não está sob TARV e não houver urgência em iniciar, preconiza-se o inicioda
TARV no começo do 2º trimestre de gravidez; neste contexto deve utilizar-se um esquema
preferido na gravidez, segundo as recomendações portuguesas: (AZT/3TC ou ABC/3TC ou
TDF/FTC) + (ATV/r ou LPV/r);
- Nas mulheres sem seguimento durante a gravidez (diagnóstico efectuado na altura do parto)
deve-se efectuar a profilaxia da transmissão vertical, com AZT ev durante o trabalho de parto,
associado a uma dose de nevirapina (não consensual em todas as recomendações), seguida de
profilaxia no recém-nascido.
- Se a viremia da mãe durante a gravidez e parto foi sempre indetectável (<50 cp/ml)
recomenda-se profilaxia com AZT durante 4- 6 semanas;
São considerados fluidos infectantes: sangue, fluidos visivelmente contaminados com sangue,
líquidos pleural, pericárdio, peritoneal, cefalorraquideo, sémen, secreções vaginais e líquido
amniótico; embora o leite contenha VIH não foi nunca associado a transmissão no contexto
ocupacional.
Fluidos não infectantes: fezes e urina (não visivelmente contaminadas com sangue), suor,
lágrimas e saliva.
Situações em que não se recomenda a PPE: agulhas encontradas fora do contexto dos serviços
de saúde; agulhas não visivelmente contaminadas com sangue;
Situações a decidir caso a caso: fonte desconhecida (ex: picada em agulha de contentor ou
misturada em roupa na lavandaria).
Situações em que se recomenda a PPE: acidente por picada profunda, com agulha oca,
utilizada muito recentemente em doente infectado por VIH. Na Fig. 1 apresenta-se um
fluxograma de avaliação duma exposição ocupacional envolvendo risco biológico.
A PPE deverá ser iniciada tão precocemente quanto possível, logo após uma primeira avaliação
sumária, de preferência antes das 2h após acidente. Após toma da primeira dose de PPE pode
concluir-se, com mais tranquilidade, a avaliação e decidir da continuação ou não da PPE. Não é
consensual qual o período até onde a PPE é eficaz. Algumas recomendações afirmam que já
não vale a pena iniciar PPE após as 36 horas, outras 48 e outras ainda 72 horas. As
recomendações do DHHS de 2014 deixam mesmo a possibilidade de iniciar PPE ultrapassado
aquele período. As recomendações portuguesas e as da OMS fixam este período nas 72 horas.
Quando o profissional procura aconselhamento após este período e, também, quando não
aceita efectuar terapêutica, o trabalhador deverá ser informado dos sintomas da síndroma
vírica aguda e aconselhado a recorrer imediatamente aos cuidados de saúde se aquela
sintomatologia surgir, devendo, nesta altura, ser feito o diagnóstico e iniciada a TARV
precocemente.
Para além destas considerações, de ordem estritamente médica, é importante ter presente a
vertente administrativa/legal e a necessidade de notificação e comunicação do acidente para
as entidades adequadas (superior hierárquico, recursos humanos, seguros, serviço de saúde
ocupacional, DGS).
RAL
DRV/r TDF+FTC*
ETV TDF +3TC
RPV* AZT+3TC*
ATV/r AZT+FTC
LPV/r
* Disponível em coformulação
As exposições a VIH que ocorrem fora do contexto dos serviços de saúde (sexuais e utilização
de drogas por via EV) podem, em circunstâncias particulares, merecer também medidas de
profilaxia pós-exposição. No entanto, estas regras de utilização são menos conhecidas, menos
procuradas e por isso estão provavelmente subutilizadas.
Quadro XI. Risco de aquisição da infecção VIH por práticas sexuais com exposição a pessoa
infectada por VIH e por partilha de seringas
Vemos assim que a maioria das práticas sexuais, com excepção do sexo anal receptivo – 0,5%,
acarretam um risco substancialmente inferior ao das exposições percutâneas ocupacionais –
0,3%. De salientar que, de acordo com os dados recentes do estudo HPTN 052 e outros, o risco
de transmissão da infecção por VIH, de indivíduos infectados e sob TARV com viremia
indetectável, é muito pequeno, tendencialmente nulo. Desta maneira, nos casais
serodiscordantes para VIH, recomenda-se, para além das medidas de sexo seguro, o início da
TARV para diminuir o risco de transmissão. Nestes casais serodiscordantes, em que o parceiro
infectado está sob TARV com viremia indetectável, as recomendações actuais vão no sentido
de não preconizar qualquer PPE se ocorrer ruptura de preservativo ou outro acidente sexual.
Exposições de risco baixo devem ser avaliadas caso a caso (tendo em conta factores que
aumentam o risco): contacto orovaginal (insertivo e receptivo); contacto oroanal (insertivo e
receptivo); contacto oropeniano (insertivo ou receptivo, com ou sem ejaculação); algumas
recomendações consideram esta prática (sexo oral receptivo com ejaculação) como merecendo
PPE.
Exposição para as quais não está recomendada profilaxia: beijo, contacto oro-oral sem lesão da
mucosa; mordeduras humanas sem sangue visível; exposição a agulhas sólidas ou objectos
afiados sem contacto recente com sangue.
É importante assegurar que a PPE não se transforme num substituto das práticas de prevenção
da infecção por VIH. Também, em regra, não há lugar à PPE quando as práticas de risco são
reiteradas (por exemplo, se houve práticas de risco, com parceiro potencialmente infectado
nas últimas 4 semanas).
Quando há indicação para PPE, o esquema recomendado é TDF/FTC + RAL ou DTG, a iniciar o
mais precocemente possível e manter durante 4 semanas. O indivíduo exposto deve ser
reavaliado aos 2-3 dias, 15, 30 e 60 dias. É importante avaliar o risco de outras doenças de
transmissão sexual (Chlamydia, gonorreia, sífilis, hepatites B e C) e também o risco eventual de
uma gravidez não desejada. Caso se justifique deverão ser implementadas medidas preventivas
relativamente a estas situações.
Por isso tem sido acolhida com entusiasmo a chamada TasP – treatment as prevention – que
consiste no tratamento dos infectados por VIH para diminuir o risco de transmissão. Vários
Embora esta estratégia seja aliciante e eficaz do ponto de vista teórico, na prática apresenta
várias barreiras à sua efectividade, nomeadamente:
1- Dificuldade em identificar todos os doentes infectados por VIH (ter presente que em
Portugal cerca de 50% dos doentes chegam ao diagnóstico da infecção por VIH em fase
tardia, a necessitar de terapêutica);
2- É preciso que todos os infectados identificados aceitem iniciar TARV (com vista à
diminuição do risco de transmissão) e que todos atinjam, de forma consistente e
duradoira, viremia indetectável;
Para além destes obstáculos, acresce a escassez de recursos humanos e materiais para se levar
a cabo esta tarefa. Contudo, as recomendações actuais de TARV, ao preconizarem terapêutica
para todos, fazem coincidir a indicação da terapêutica para proveito individual da indicação
para benefício da saúde pública, sendo vantajoso do ponto de vista individual mesmo em fases
precoces da doença conforme demonstrado pelos estudos START e Temprano.
Uma outra abordagem possível, esta mais controversa, é a PrEP – profilaxia pré-exposição – ou
seja a utilização da TARV, em indivíduos não infectados, mas com elevado risco de aquisição da
infecção, para diminuir este risco. Vários estudos demonstraram a validade deste conceito em
contextos epidemiológicos distintos, embora, também, outros tenham mostrado resultados
nulos. A diferença reside, fundamentalmente, na adesão à terapêutica. Como fragilidades
desta estratégia são apontadas as seguintes:
1. A PreP deve ser utilizada apenas em indivíduos com risco elevado de aquisição da
infecção por VIH;
2. É obrigatório verificar ausência de infecção por VIH antes de iniciar PreP, através da
realização de testes de rastreio e verificando se existem sintomas de infecção aguda;
Bibliografia
1. BHIVA guidelines for the routine investigation and monitoring of adult HIV-1 positive
individuals (2016). Disponível em http://www.bhiva.org/monitoring-guidelines.aspx, acedido
em 30 de Jun de 2017.
2. Panel on Antiretroviral Guidelines for Adults and Adolescents. Guidelines for the use of
antiretroviral agents in HIV-1-infected adults and adolescents. Department of Health and
Human Services. Disponível em aidsinfo.nih.gov. Acedido em 1 Junho de 2017.
3. European AIDS Clinical Society Guidelines, version 8.0, October 2016. Disponível em
eacsociety.org, acedido em 1 de abril de 2017.
4. Kuhar DT, Henderson DK, Struble KA et al. Updated US Public Health Service Guidelines for
the management of occupational exposures to HIV and recommendations for postexposure
prophylaxis. Infect Control Hosp Epidemiol 2013, 32(9): 875-92.
5. Updated guidelines for antiretroviral postexpsoure prophylaxis after sexual, injection drug
use, or other nonoccupational exposure to HIV – United Sates, 2016. Disponível em
https://www.cdc.gov/hiv/pdf/programresources/cdc-hiv-npep-guidelines.pdf, acedido em 30
Jun 2017.
6. Recommendations for the use of antiretroviral drugs in pregnant HIV-1-infected women for
maternal health and interventions to reduce perinatal HIV transmission in the United States.
7. Recomendações Portuguesas para o tratamento da infecção por VIH-1 e VIH-2 2016 versão
1.0 (8 Fev 2016). Disponível em www.pnvihsida.dgs.pt. Acedido 30 Jun 2017.
Fraqueza
neuromuscular
ascendente rapid/
progressiva
Os doentes que apresentem sinais ou sintomas de hipersensibilidade (febre, exantema, fadiga, náusea,
vómitos, diarreia e dor abdominal) devem suspender abacavir imediatamente. O ABC não deverá ser
reiniciado visto os sintomas reaparecerem com maior gravidade incluindo hipotensão grave e morte. A
acidose láctica c/ esteatose hepática é um efeito raro, mas potencialmente fatal de alguns ITRAN (AZT,
DDI, D4T, DDC).
*Está disponível (nos EUA e Europa, em Portugal ainda em fase de negociação), uma nova apresentação
de tenofovir na formulação alafenamida (TAF) em várias conformulações (ver abaixo). Esta molécula
apresenta uma semivida plasmática curta (0,5 h) mas uma semivida intracelular longa (150 a 180
horas). Apresenta o mesmo perfil de efeitos secundários que o TDF mas com menor risco de
insuficiência renal (pode ser utilizado em doentes com clearande de creatinina > 30 ml/ min) e
osteoporose.
Coformulações:
Atripla® (emtricitabina 200mg+ tenofovir disiproxil fumarato 300mg+ efavirenze 600mg ) 1 cp id;
Stribild® (emtricitabina 200mg+ tenofovir disiproxil fumarato 300mg+ elvitegravir 150mg + cobicistato
150 mg) 1 cp id
Genvoya® - (emtricitabina 200mg+ tenofovir alafenamida 10 mg+ elvitegravir 150mg + cobicistato 150
mg) 1 cp id
Interacção com os Tomar com estômago vazio para Tomar a seguir a uma refeição
alimentos diminuir efeitos secundários
Eliminação Metabolizada pelo Cit P450 (2B6 E Substrato do Cit P450 (3A4, 2C9 e
3A4); indutor/inibidor do 3A4, 2C19); Indutor do 3A4, inibidor do 2C9
predominantemente indutor), E 2C19
Quadro IVb. Inibidores da transcriptase inversa não análogos dos nucleosídeos (cont.)
* Nos ensaios clínicos houve suspensão devido ao exantema em 7% dos doentes a tomar NVP e 1,7%
dos que tomavam EFV. Casos raros de S. Stevens-Johnson foram relatados com todos os ITRNAN, sendo
a incidência maior com NVP.
** Pode incluir tonturas, sonolência, insónia, sonhos anormais, confusão, pensamento anormal,
dificuldade de concentração, amnésia, agitação, despersonalização, alucinações e euforia. Cerca de 50%
dos doentes podem apresentar algum destes sintomas. Os sintomas usualmente melhoram/
desaparecem depois de 2-4 semanas, podendo no entanto haver necessidade de suspensão do fármaco
numa percentagem baixa de doentes.
*** Efeitos adversos hepáticos sintomáticos, graves e até fatais ocorrem com frequência
significativamente superior na 1ª terapêutica em mulheres com mais de 250 linfócitos TCD4/mm3 e
homens com mais de 400 linfócitos TCD4/mm3: não deve ser utilizada nestas situações. Esta toxicidade
não ocorreu na utilização da NVP em dose única na prevenção da transmissão vertical da infecção VIH.
Quadro VIIIa. Fármacos que não devem ser utilizados com os anti-retrovíricos
Inibidores bomba
protões
fenitoína
Quadro VIIIb Fármacos que não devem ser utilizados com os anti-retrovíricos (cont.)
Flecainida
Propafenona
Quinidina
Rifabutina
Triazolam Triazolam
Ergotamina Ergotamina
Metilergonovina Metilergonovina
Ergotamina Ergotamina
Quadro VIIIc Fármacos que não devem ser utilizados com os anti-retrovíricos (cont.)
Rifapentina Rifapentina
bomba de
protões
Triazolam
Ergotamina
Metilergonovina
ATVr, FPVr,
TPVr
Outros
# Listados todos os fármacos com índices terapêuticos reduzidos e que têm metabolização
pelo Cit P450 3A e Cit 2D6. Não se sabe se estas interacções acontecem de facto nos doentes.
Hidroxi-Ureia Pentamidina
Interferão Tenofovir
Linezolide
Peginterferão Primaquina
Pirimetamina
Ribavirina
Rifabutina
Sulfadiazina
Trimetrexate
Valganciclovir
Zidovudina
ITRAN Fosamprenavir
Rifampicina Tipranavir
Rifabutina voriconazol
Voriconazol
negativo
STOP PPE
INTRODUÇÃO
Todos os indivíduos infetados por VIH devem ser rastreados para os vírus da hepatite
A (VHA), VHB e VHC. No caso de co-infeção por VHB, o vírus da hepatite Delta (VHD)
deve ser pesquisado.
A co-infeção por VHB, VHD e VHC origina uma progressão mais rápida da fibrose,
maiores taxas de cirrose e de carcinoma hepatocelular (CHC).
CO-INFECÇÃO VIH/VHB
Dados epidemiológicos
Estima-se que haja cerca de 400 milhões de portadores do VHB em todo o mundo e
cerca de 36 milhões de infetados por VIH, presumindo-se que cerca de 4-8 milhões
estejam co-infetados por estes dois vírus. Na Europa ocidental a prevalência é de 6-
9%, no entanto estas taxas atingem valores mais elevados em áreas onde a Hepatite B
tem maior endemicidade, tais como África sub-sahariana e Ásia. Também a via de
transmissão condiciona diferentes prevalências, sendo estas mais elevadas em
homens que fazem sexo com homens (HSH) e utilizadores de drogas endovenosas
(UDEV). Em Portugal, alguns dados revelam taxas de prevalência entre 2,7 e 5%.
O efeito do VHB sobre a história natural da infeção VIH continua uma questão
controversa, no entanto a maior parte dos estudos mostrou uma aceleração da
doença e maior mortalidade. A coexistência destes dois vírus, tem de um modo geral
um impacto negativo na evolução da doença hepática.
Diagnóstico
A biópsia hepática (BH) continua a ser o gold standard na avaliação do grau de fibrose
hepática, permitindo também conhecer a atividade necroinflamatória e eventuais co-
morbilidades que possam alterar o prognóstico ou comprometer o tratamento. A
fibrose classifica-se em F0 (ausência de fibrose), F1 (fibrose portal sem septos), F2
(fibrose portal com alguns septos), F3 (fibrose em pontes) e F4 (cirrose).
Os métodos não invasivos para avaliação da fibrose, têm-se tornado mais acessíveis e
mais frequentemente aplicados, por serem mais fáceis de realizar, melhor aceites
pelos doentes, permitindo fazer uma avaliação dinâmica, pela facilidade da sua
repetição ao longo do tempo. A elasticidade hepática medida pela Elastografia
Transitória (ET) (FibroScan®) é um método imagiológico que está já validado para a
Hepatite B. Os marcadores bioquímicos (Fibrotest, FIB4, APRI, etc.) são testes
sanguíneos que avaliam o grau de fibrose de forma indireta.
Tratamento
Em casos de disfunção renal, a dose de TDF pode ser ajustada de acordo com a
clearance da creatinina, salientando-se que um valor <10ml/min, contraindica este
fármaco por absoluto. Devido às escassas alternativas terapêuticas e pelo risco de
reaparecimento da replicação do VHB, a descontinuação do TDF deve ser evitada,
sempre que possível.
Co-infeção VIH/VHB
Sim Não
Juntar/substituir TARV
+FTC ou 3TC
Monitorização
Todos os indivíduos suscetíveis (sem evidência de contacto prévio com o VHB) devem
ser vacinados, apesar da resposta imune ser particularmente pobre naqueles com um
nível de TCD4<200 cél/mm3.
Na presença de cirrose, deve ser realizada uma endoscopia digestiva alta, que deve ser
repetida ao fim de 1 ano, no caso da presença de varizes; na sua ausência o exame
deve ser repetido 3-4 anos depois.
3
com valores de TCD4 <100 cél/mm prévios à terapêutica, surgindo habitualmente nos
primeiros 4 meses após início da terapêutica.
Prevenção
Todos os indivíduos infetados por VIH devem ser testados para o VHB. Aqueles com
marcadores negativos devem ser vacinados. A resposta à vacina está intimamente
relacionada com o grau de imunodepressão: em caso de indivíduos com TCD4 < 200
cél/mm3 e ARN-VIH detetável, deve iniciar-se a terapêutica antirretroviral e só depois
a vacinação, para se obter uma melhor resposta após recuperação imunológica (isto é
subida das células TCD4). Está recomendado um esquema vacinal aos 0,1 e 6 meses,
podendo considerar-se dose dupla (40µg) no esquema 0,1,6 e 12 meses, em casos de
grave imunodepressão ou não respondedores a esquema anterior (título de AcHBs<10
UI/ml). Nesta população de doentes, os títulos de anticorpos (AcHBs) são
habitualmente baixos e menos duradouros. O anti-HBs deve ser avaliado 2 a 4
semanas após o esquema vacinal. Aqueles que não obtenham seroconversão após o
segundo esquema vacinal e que mantenham comportamentos de risco, devem ser
CO-INFECÇÃO VIH/VHB/VHD
Dados epidemiológicos
História Natural
Diagnóstico
Tratamento
Prevenção
CO-INFECÇÃO VIH/VHC
O VHC e as suas complicações têm sido, nos últimos anos, uma das causas mais
importantes de morbilidade e mortalidade nos indivíduos VIH positivos. A terapêutica
antirretroviral altamente eficaz diminuiu significativamente a ocorrência de infeções
oportunistas e consequentemente aumentou a sobrevida destes doentes. Se até ao
advento da TARV, o VHC não tinha grande impacto no tempo de vida destes
indivíduos, após a sua introdução, as hepatites crónicas, nomeadamente a hepatite C
tornou-se mais relevante.
Dados epidemiológicos
Estima-se que cerca de 15-30% dos infetados por vírus da imunodeficiência humana
estejam simultaneamente infetados por vírus da hepatite C, no entanto esta
percentagem aumenta para 75% em caso de utilizadores de drogas endovenosas.
História Natural
Estima-se que com 40 anos de idade, cerca de metade dos co-infetados tenham um
grau avançado de fibrose (F3-F4), o que condiciona um maior risco de morte e
complicações relacionadas com o fígado.
Diagnóstico
Todo o indivíduo infetado por VIH deve realizar o anticorpo para o VHC e se positivo,
deve ser feita a determinação do ARN-VHC, para quantificação da atividade vírica,
seguindo-se a determinação do genótipo e a avaliação da fibrose. Os genótipos (G)
identificados são seis (1-6), com vários subtipos, sendo os mais frequentes entre nós o
G1 (55-60%), G3 (25%) e o G4 (15-20%). Esta determinação, a avaliação da fibrose e a
existência ou não de um tratamento anterior, são fundamentais na decisão de qual o
tratamento mais adequado.
A avaliação da fibrose pode ser feita, tal como na coinfecção por VHB, através de
métodos invasivos (BH) ou não invasivos: imagiológicos (elastografia) ou testes
bioquímicos. Com a BH avalia-se a atividade necroinflamatória e a fibrose, classificada
de F0 a F4. A elastografia tem também uma boa fiabilidade, particularmente em
indivíduos com graus de fibrose ligeira ou avançada. Em casos duvidosos, concilia-se
com testes bioquímicos (APRI, Fibrotest) e em caso de não concordância, a biópsia
hepática deve ser realizada.
Tratamento
Atendendo à mais rápida progressão da doença hepática, em particular nos indivíduos com
TCD4 < 200 cél/mm3, os co-infetados devem fazer tratamento o mais cedo possível. Caso o
diagnóstico do VIH e do VHC seja simultâneo, poder-se-á considerar tratar o VHC antes de
iniciar a terapêutica antirretroviral, se TCD4 >500 cél/mm3 e um grau de fibrose >F2, no
sentido de evitar interações medicamentosas entre a terapêutica para a hepatite C e a
terapêutica antirretroviral.
Dentro dos inibidores da polimerase (NS5B), o sofosbuvir é o AAD mais potente, com
mais elevada barreira genética e com atividade pangenotípica. Aproximadamente 80%
do SOF é excretado pelo rim, razão porque este fármaco não deve ser utilizado em
indivíduos com clearance da creatinina < 30 ml/min. Trata-se de um medicamento que
é metabolizado pela gp-P e não por enzimas do CY450, o que o torna um fármaco com
poucas interações. Não deve ser utilizado com outros fármacos indutores da
glicoproteína-P, tais como antibacilares, anticonvulsivantes ou chá de hipericão. O
dasabuvir (DSV) utiliza-se em combinação com o esquema de dose fixa OBV/PTV/r no
genótipo 1.
Concluindo, todos estudos até aqui realizados têm apontado para o benefício do
tratamento da hepatite C e da RVS (Resposta Viral Sustentada) na progressão da
doença hepática. Atualmente e com os novos AAD, nos diferentes genótipos e com os
vários regimes, as taxas de cura ultrapassam os 90% (Quadros IV e V) e são
semelhantes às do mono-infetado por VHC, sem a presença do VIH. O tratamento
precoce da hepatite C nos indivíduos infetados por VIH é fundamental, visando um
triplo objetivo: erradicação do vírus, redução da morbilidade e da mortalidade
associada ou não ao fígado. É crucial implementar estratégias para melhorar a adesão
ao tratamento e promover a motivação quer do doente quer do próprio médico.
Quadro IV- Regimes de Antivíricos de Ação Direta (AAD) nos diferentes genótipos
Monitorização
Os doentes com um grau de fibrose F0-F2 devem ser testados às 48 semanas após
final do tratamento para o ARN-VHC e caso este esteja indetetável, o indivíduo é
considerado curado e poderá ter alta hospitalar. Em caso de indivíduos com
comportamentos de risco (ex. HSH ou UDEV), o teste de ARN-VHC deve ser anual ou
sempre que o quadro clínico/laboratorial o justifique (suspeita de reinfeção).
meses, apesar da cura virológica. No caso dos cirróticos a Endoscopia Digestiva Alta
deve fazer parte da vigilância.
Concluindo todos os doentes têm indicação para tratamento com os novos AAD. O
tratamento deve ser individualizado de acordo com o vírus e com o doente. A gestão
das interações não deve constituir um obstáculo. As taxas de cura com estes fármacos
ultrapassa os 90-95%. Apesar da cura, os doentes com doença severa devem manter
vigilância, visto que em indivíduos com cirrose, o risco de carcinoma hepatocelular não
é eliminado.
Hepatite C aguda
Prevenção
HEPATITE A
Dados epidemiológicos
História Natural
Tratamento
Visto tratar-se, em geral, de uma doença autolimitada a hepatite A aguda não tem
tratamento específico, carecendo apenas de vigilância clínica e laboratorial e medidas
de suporte.
Prevenção
HEPATITE E
Dados epidemiológicos
História Natural
Não há uma relação direta entre o VIH e o VHE e os indivíduos infetados por VIH não
estão em maior risco de serem infetados por VHE, no entanto estes indivíduos têm um
risco claramente superior de desenvolverem doença hepática crónica. A própria
imunodepressão, pelas mais variadas razões, determina um atraso na eliminação do
VHE, pelo que o período de virémia é mais prolongado, facilitando a cronicidade e a
evolução para cirrose. Os indivíduos com TCD4 mais baixos, podem não conseguir
fazer a seroconversão de IgM para IgG, razão porque o ARN-VHE persiste detetável
durante maiores períodos de tempo.
Diagnóstico
Nos infetados por VIH, a técnica de PCR-RT é a adequada para determinar se existe ou
não uma forma crónica de hepatite E. A pesquisa de anticorpo pode dar um resultado
falsamente negativo devido à imunossupressão subjacente.
Tratamento
Embora em casos esporádicos tenha havido uma resposta viral sustentada após
terapêutica com PegInterferão e/ou conjuntamente com ribavirina, não há
recomendação para tratar a hepatite E nestes indivíduos. Mais recentemente o
Sofosbuvir (um inibidor da polimerase do VHC) tem sido testado no tratamento da
hepatite crónica por VHE.
Prevenção
A pesquisa do VHE deve ser considerada nos indivíduos VIH positivos com doença
hepática de causa desconhecida.
CO-INFECÇÕES MÚLTIPLAS
Sempre que o VHD está presente, assume a dominância viral sobre os outros (VHB e
VHC), que em geral, se mantêm com virémia indetetável. Na sua presença há uma
progressão muito mais rápida da doença hepática para formas de cirrose.
Em qualquer das co-infeções, a evolução é muito mais rápida, daí que estes indivíduos
estejam mais vulneráveis ao desenvolvimento de carcinoma hepatocelular. O seu
rastreio regular é mandatório.
Bibliografia
Puoti M, Moioli MC, Travi G, et al. The burden of liver disease in human
immunodeficiency virus-infected patients. Seminary Liver Diseases 2012; 32:103-13
Valente C. Actualização e novos desafios na coinfecção pelos vírus VIH e VHB. Rev Port
Doenças Infecciosas 2013; 9: 65-74
Poveda E, Puoti M, Garcia-Deltoro M, et al. News on viral hepatitis in HIV: update from
the 2016 GEHEP Conference. AIS Rev 2017; 19:47-53
Jafari A, Khalili H, Izadpanah S, et al. Safely treating hepatitis C in patients with HIV or
hepatitis B vírus coinfection. Expert Opinion Drug Safety 2015; 14(5): 1-19
Sarcoma de Kaposi
Introdução
Clínica
Diagnóstico
Nos infectados por VIH, o rastreio sistemático do VHH-8 por testes serológicos ou de
biologia molecular (PCR) não está indicado. A quantificação da virémia por VHH-8
poderá, no entanto, ser útil na monitorização da resposta à terapêutica do SK.
Tratamento
A- Lesões cutâneas localizadas ou pouco numerosas (< 25) ou lesões da mucosa oral
A terapia local também poderá ser utilizada com intuito paliativo, em casos de doença
rapidamente progressiva e não responsiva à quimioterapia e/ou radioterapia.
c)- S0 = sem sintomas “B”, sem hist ria de infecções oportunistas (IO) ou candidose
oral, com índice de Karnofsky > 70 versus S1 = história prévia de IO ou candidose oral,
presença de sintomas “B”, índice de Karnofsky < 70.
2- Terapêuticas-alvo ou dirigidas
Na patogénese do SK parecem interferir mecanismos variados, de entre os quais
sobressaem a evasão imunitária, a oncogénese, a inflamação e a angiogenese. O seu
reconhecimento tem proporcionado linhas de investigação com o objectivo de
desenvolver terapias dirigidas ao bloqueio desses mesmos mecanismos, tais como as
baseadas na utilização de agentes anti-angiogénicos, de metaloproteínases e de
inibidores da sinalização de citoquinas. O recurso a este tipo de terapêuticas está
reservado aos pacientes com doença (SK) progressiva, apesar da quimioterapia e/ou
TARV. Ex:
a. Irinotecan (agente anti-angiogénico) – 150 mg/m2 no 1º dia + 10 mg/m2 cada
21 dias (associado a TARV incluindo inibidores da protease);
b. Talidomida (100 mg/dia, durante 12 meses) – a acção do fármaco é devida à
sua capacidade de bloquear a produção de TNF alfa, inibindo a proliferação das
células endotelias vasculares;
c. Interleucina-12 (IL-12) – estimula a resposta imunitária de tipo 1;
d. Mesilato de Imatinib (300 mg, 2id) – inibe o crescimento da massa tumoral.
3. Imunoterapia
Prevenção
A supressão eficaz da replicação do VIH em resultado da terapêutica anti-retrovírica
nos infectados por VIH com SK, pode prevenir a progressão da doença ou a ocorrência
de novas lesões.
Bibliografia
Arboviroses
Introdução e conceito
Nos últimos anos este grupo de patologias tem vindo a assumir um destaque cada vez
maior, não apenas pela grande dispersão geográfica que alcançaram, mas também
pelas implicações clínicas que advém da infeção por estes agentes.
As arboviroses englobam um amplo conjunto de agentes virais que se transmitem aos
hospedeiros vertebrados (humanos e não só) através da picada de artrópodes
(arbovirose – arthropod-borne virus). Para cada vírus existe um número limitado de
vetores competentes e disponíveis em cada local. Podem ainda ser consideradas
outras vias de transmissão para estes agentes: transfusão de hemoderivados,
transplante de órgãos, transmissão vertical, transmissão sexual e, em contextos muito
específicos, transmissão nosocomial.
Pertencem a este grupo, vírus provenientes de várias famílias das quais as mais
relevantes são Flaviviridae, Togaviridae e Bunyaviridae. De longe que o vírus do
Dengue é o mais frequente e reconhecido. O vírus Chikungunya e o vírus Zika, viram a
sua importância clínica reforçada apenas recentemente. Não obstante, existem
numerosos outros arbovírus cuja significância depende largamente da região do globo
considerada e da sintomatologia clínica que desencadeiam.
Neste capítulo serão abordados os vírus do Dengue, Chikungunya e Zika, pela sua atual
relevância epidemiológica e o vírus Toscana e vírus do Nilo Ocidental, os arbovírus
com ciclos de circulação conhecidos em Portugal. Outros arbovírus clinicamente muito
importantes, como por exemplo o vírus da Febre Amarela, o vírus da Encefalite
Japonesa ou o vírus da Febre Hemorrágica de Crimeia-Congo, serão alvo de exposição
noutros capítulos deste manual.
Epidemiologia
Num mundo verdadeiramente global em que as viagens, independentemente das suas
motivações (lazer, económicas, humanitárias...), se tornaram a regra e no qual as
alterações climáticas levaram a mudanças na ecologia de alguns dos vetores
Vírus do Dengue
Epidemiologia:
O vírus do Dengue é um vírus de ARN de cadeia simples, que pertence à família,
Flaviviridae. Existem 4 tipos diferentes de vírus do Dengue: 1, 2, 3 e 4.
Transmitido essencialmente através da picada de mosquitos do género Aedes (A.
aegypti e A. albopictus) que se encontram ativos no período diurno. A transmissão
ocorre durante todo o ano, mas é mais intensa durante a estação das chuvas. O vírus
do Dengue pode também transmitir-se por transfusão de produtos sanguíneos ou
transplante de órgãos. A transmissão perinatal é possível quando a mãe é infetada no
período imediatamente antes do parto. Não há registo de transmissão congénita do
vírus, ao contrário do que sucede com o vírus Chikungunya ou o vírus Zika, ou de
transmissão sexual, como ocorre com este último.
A infeção pelo vírus do Dengue é endémica nas regiões tropicais e subtropicais. É uma
doença urbana e é uma das principais causas de febre em viajantes que regressam da
América Latina ou do Sudeste Asiático. Tem igualmente vindo a ser diagnosticado com
frequência crescente em doentes provenientes da África abaixo do Sara, mas com a
ressalva de que nesses doentes a prioridade vai para a exclusão de um possível
diagnóstico de malária.
A introdução do vírus em locais onde existam vetores competentes e onde ocorram
condições climáticas favoráveis à dispersão do vírus, pode levar à ocorrência de surtos
Clínica:
A doença tem um início abrupto após um período de incubação de 5 a 7 dias (3 a 10
dias). Três em cada quatro infeções pelo vírus do Dengue são assintomáticas. Quando
produz sintomas, estes são leves a moderados, incluindo: febre (que dura entre 2 a 7
dias e pode ser bifásica), mal-estar geral, artralgias e mialgias, cefaleia e dor retro-
orbitária, exantema macular ou maculopapular generalizado, por vezes pruriginoso e
que pode ser descamativo na fase de convalescença. Apesar do curso relativamente
benigno da maioria das infeções, até 5% dos doentes apresentam doença severa,
potencialmente fatal (taxas de mortalidade variam entre 1 e 10% nas diferentes séries
e estão amplamente dependentes da rapidez com que se instituem medidas de
suporte). Nestes casos, são mais frequentes as manifestações hemorrágicas tais como
petéquias, equimoses, púrpura, epistáxis ou hematúria. Muito utilizado em zonas
endémicas, o teste do torniquete pode apontar no sentido de doença grave.
Tratamento:
Não existe tratamento específico, devendo o cuidado ser orientado para medidas de
suporte, nomeadamente a reposição da volémia. Devem evitar-se os AINEs pelo risco
hemorrágico que acarretam, sendo a febre controlada com recurso ao paracetamol.
Não existe benefício demonstrado na administração de corticóides, excepto quando
existem complicações auto-imunes associadas.
Prevenção:
Não existe uma vacina licenciada para a prevenção da doença em viajantes, contudo,
países como o Brasil ou as Filipinas têm uma vacina viva atenuada disponível. Os
estudos de licenciamento apontam para eficácias variáveis consoante os serotipos e
grupo etário, o que levou à sua aprovação para indivíduos entre os 9 e os 45 anos.
Vírus Chikungunya
Epidemiologia:
O vírus Chikungunya é um vírus de ARN de cadeia simples, pertencente à família
Togaviridae, ao género Alphavirus.
Clínica:
Ao contrário da maioria dos arbovírus, nos quais a maioria das infeções é
assintomática, neste caso, apenas 3 a 28% dos infetados não têm sintomas. O período
de incubação é de 3 a 7 dias (de 1 a 12 dias). Por norma a doença tem início abrupto,
com febre alta e dor articular intensa. Outras manifestações podem incluir: cefaleia,
mialgias, artralgias, conjuntivite, vómitos e erupção cutânea maculopapular (que
predomina no tronco e extremidades, mas que pode atingir palmas, plantas e face). A
febre raramente se prolonga além de uma semana e também pode ser bifásica. As
queixas articulares são proeminentes e muitas vezes incapacitantes. A regra é que
múltiplas articulações sejam afetadas – predileção para as articulações das mãos e pés
(mas também podem envolver o esqueleto axial), com atingimento bilateral e por
vezes simétrico.
As complicações são raras, mas podem ocorrer, estando descritas: miocardite, doença
ocular – uveíte e retinite, hepatite aguda, doença renal aguda, doença cutânea severa
com formação de exantemas bolhosos e também sintomas neurológicos. Nestes,
destacam-se quadros de meningoencefalite, síndroma de Guillain-Barré, fenómenos
de mielite e parésia de nervos cranianos.
Diagnóstico:
Assenta largamente em critérios clínicos, sobretudo em regiões endémicas. Para um
diagnóstico de certeza, existem vários métodos laboratoriais: na primeira semana
após o início dos sintomas pode proceder-se à identificação direta do vírus, por
técnicas de biologia molecular (e por cultura celular em laboratórios de referência).
Com mais de 7 dias de doença é expectável que exista já uma resposta imunológica
mensurável, o que permitirá a utilização de métodos serológicos que apresentam as
limitações já atrás mencionadas.
Achados laboratoriais comuns incluem: trombocitopenia; linfopenia; elevação da
creatinina e alteração da enzimologia hepática.
Tratamento:
Não existe terapêutica antivírica dirigida ao vírus Chikungunya. O tratamento é
sintomático e deve passar pelo repouso, ingestão de fluídos e medicação com
Tabela 1 – Comparação das caraterísticas clínicas e laboratoriais entre infeção por Dengue e
Chikungunya.
Prevenção:
Não existe qualquer vacina ou medicação protetora contra a infeção por este agente.
Assim, a prevenção assenta apenas em medidas de proteção individual e em medidas
de controlo vetorial.
Vírus Zika
Epidemiologia:
O vírus Zika é um vírus de cadeia simples de ARN, pertencente à família Flaviviridae, ao
género Flavivirus. Foi isolado pela primeira vez em 1947, em primatas não humanos
na floresta Zika no Uganda. Entre os anos de 1951 e 2007, manteve a sua circulação
entre humanos, com aparecimento de casos esporádicos de doença, sempre com
Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 276
Doenças Infeciosas 2017
Clínica:
A larga maioria das infeções pelo vírus Zika é assintomática. Estima-se que apenas
uma em cada quatro pessoas infetadas desenvolva sintomas e, até muito
recentemente, a infeção era considerada benigna, com uma duração máxima de
aproximadamente sete dias.
As manifestações mais comuns são febre, exantema (predominantemente
maculopapular), cefaleia, artralgias, mialgias, astenia e conjuntivite, que podem
ocorrer entre 3 a 12 dias após a picada do mosquito infetante. Estas queixas são muito
semelhantes às apresentadas no contexto de outras arboviroses, havendo a ressaltar
aqui a maior frequência do exantema e a presença de conjuntivite, dados clínicos que,
em países de baixos rendimentos e nos quais existe a circulação de outros arbovírus, é
muitas vezes orientadora do raciocínio clínico.
Durante o surto do vírus no Brasil, assistiu-se a uma elevação significativa do número
de crianças nascidas com microcefalia face ao esperado na população. Inicialmente
não se encontrava claramente definida uma relação de causa-efeito, mas
posteriormente ARN do vírus Zika foi identificado em muitas dessas crianças,
nomeadamente a nível do líquido cefalorraquidiano. Outras alterações congénitas
provocadas pelo vírus Zika incluem calcificações cerebrais e alterações retinianas,
entre outras.
Diagnóstico:
Em linha com o descrito previamente, o diagnóstico, além de orientado por critérios
clínicos, assenta na identificação do vírus por técnicas de biologia molecular (ou
cultura celular em laboratórios de referência) ou por serologia. Das limitações do
diagnóstico serológico, além de mais demorado e muitas vezes retrospetivo,
destacam-se as reações cruzadas entre os flavivírus (sobretudo em indivíduos com
histórias de vacinação relevante). Contudo, não são de esperar reações cruzadas com
outros vírus, nomeadamente com os alfavírus, dos quais faz parte o vírus
Chikungunya. A deteção de anticorpos por métodos ELISA ou IFA poderá depois ser
confirmada através da deteção de anticorpos neutralizantes.
A forma mais rápida de diagnóstico dos arbovírus é através de técnicas de biologia
molecular. Porém, o curto intervalo de tempo em que o vírus se encontra no sangue e
na urina, faz com que um elevado índice de suspeição seja determinante na
abordagem destes casos. No caso do vírus Zika, este pode ser pesquisado por PCR no
sangue nos primeiros 5 dias de doença e na urina até 14 dias após o início de
sintomas.
Tratamento:
Não existe terapêutica dirgida contra o virus Zika. O tratamento baseia-se em medidas
de suporte. O uso de AINEs é desaconselhado até que o diagnóstico de Dengue esteja
excluído. As mulheres grávidas ou em idade fértil devem ser aconselhadas
relativamente à sua situação clínica.
Tabela 2 – Comparação das caraterísticas clínicas e laboratoriais entre infeção por Dengue e Zika.
Prevenção:
A primeira medida é a de evicção da picada do mosquito através de medidas que
adiante se elucidam. Devem utilizar-se métodos barreia no contacto sexual sempre
que se haja a possibilidade de um dos parceiros estar infetado pelo vírus. Para as
mulheres em idade fértil, nomeadamente aquelas que preveem engravidar, viagens
não essenciais a zonas de circulação do vírus devem ser ponderadas.
Zika e gravidez:
As grávidas regressadas de áreas afetadas devem adotar relações sexuais protegidas
com preservativo ou abstinência sexual até ao final da gravidez.
Perante a presença de uma grávida com possível exposição ao vírus Zika (incluindo
exposição sexual), a DGS recomenda: tratamento sintomático, se aplicável,
diagnóstico laboratorial e realização de ecografia:
- Se detetada microcefalia, calcificações intracranianas ou outras alterações do
sistema nervoso central deve realizar-se amniocentese para pesquisa do ARN viral e
acompanhar a grávida de acordo com a avaliação de risco;
- Se não se detetam alterações, deve repetir-se a ecografia de 4 em 4 semanas.
- Deve evitar a gravidez durante 6 meses (se foi o homem que viajou);
- Deve evitar a gravidez durante 8 semanas (se apenas a mulher viajou).
O diagnóstico laboratorial está apenas indicado em casos selecionados.
Vírus Toscana
Epidemiologia:
Inicialmente identificado em 1971, o vírus Toscana é um vírus de ARN de cadeia
simples pertencente à família Bunyaviridae, ao género Phlebovirus. O seu vetor é um
mosquito pertencente ao género Phlebotomus. Relativamente ao seu ciclo de vida,
nem a existência de um reservatório animal vertebrado, nem qual o papel do
hospedeiro humano, se encontram completamente elucidados. Para já, admite-se que
os próprios vetores possam também atuar como reservatórios do vírus na natureza. A
sua distribuição geográfica abrange os países mediterrânicos e acredita-se que exista
uma sazonalidade na distribuição da infeção, sendo esta mais comum de Abril a
Outubro.
Clínica:
A grande maioria das infeções é assintomática ou causa apenas sintomatologia ligeira.
A forma de doença mais relevante é a de doença neuro-invasiva. O período de
incubação é curto – 3 a 7 dias (máximo de 14 dias), podendo ser influenciado pela
quantidade do inóculo. Por norma, a clínica é de início abrupto com cefaleias, febre,
náuseas, vómitos e mialgias. À observação pode estar presente rigidez da nuca,
alteração do estado de consciência e sinais neurológicos focais. A doença tem uma
duração média de 7 dias e a evolução é geralmente benigna, sendo muitas vezes
impossível de distinguir clinicamente de outras formas de meningite de líquor claro.
Ainda assim, encontram-se descritos na literatura casos severos de doença com
manifestações neurológicas mais graves. O atingimento preferencial é do sistema
nervoso central, havendo, contudo, alguns relatos de casos de doença neurológica de
tipo periférico causada pela infeção pelo vírus Toscana. O exame citoquímico do
Tratamento:
Apenas medidas sintomáticas. Não existe tratamento dirigido contra o vírus Toscana.
Prevenção:
Não existem medidas preventivas específicas dirigidas a este vírus.
Epidemiologia:
O vírus do Nilo Ocidental pertence à família Flaviviridae. É mantido na natureza
através de um ciclo enzoótico entre os mosquitos do género Culex, que atuam como
vetores, e os seus hospedeiros naturais – as aves, que habitam áreas pantanosas.
Cavalos e humanos são hospedeiros terminais (dead-end hosts) pois nestes não se
conseguem alcançar níveis de virémia suficientemente elevados para dar continuidade
ao ciclo de vida do vírus. Além da picada de mosquito, existem outras vias de
transmissão documentadas, tais como transfusão de hemoderivados e transplantação
de órgão, entre outras.
Clínica:
O período de incubação pode ir de 2 a 14 dias. Na larga maioria dos casos, a infeção
em humanos é assintomática ou produz sintomas ligeiros caraterizados por febre,
mal-estar geral, mialgias e exantema difuso. Estes sintomas têm uma duração variável
de 3 a 6 dias, havendo, contudo, indivíduos que podem necessitar de mais tempo para
recuperar. Menos de 1% dos doentes infetados pelo vírus do Nilo Ocidental
apresentam formas graves de doença que se caraterizam por quadros de encefalite,
meningite ou paralisia flácida aguda. Apesar de ser uma doença geralmente benigna,
as formas neuro-invasivas têm uma taxa de mortalidade que pode ir até 10%, sendo
os indivíduos nos extremos da idade ou aqueles com comorbilidades os que
apresentam maior risco de desenvolverem formas graves de doença.
Diagnóstico:
Para além de um elevado nível de suspeição clínica, o laboratório é fundamental para
diagnóstico de certeza desta arbovirose:
- Serológico – documentação de seroconversão ou deteção de IgG e/ou IgM. As
maiores limitações são a necessidade de recolher amostras seriadas (e assim levar a
um diagnóstico retrospetivo na maioria das vezes) e a reatividade cruzada com outros
arbovírus. É necessário levar em conta a história vacinal do indivíduo na interpretação
dos resultados serológicos.
- Técnicas de biologia molecular – identificação do vírus no soro, líquido
cefalorraquídeo e/ou urina. São testes rápidos e altamente sensíveis, cuja grande
dificuldade se prende com o curto período de doença, o que implica uma forte
suspeição clínica para a sua solicitação.
Tratamento:
Apenas medidas de suporte. Não existe tratamento dirigido contra o vírus do Nilo
Ocidental.
Prevenção:
Não existem medidas preventivas específicas dirigidas a este vírus.
Prevenção e controlo
Existem várias medidas passíveis de serem adotadas com vista à prevenção da infeção
por estes vírus, evitando a picada mosquito vetor:
- Medidas de proteção individual: uso de roupas (que podem estar impregnadas por
repelente) largas, de cores claras, que cubram a maior superfície corporal possível. Na
pele exposta, recomenda-se a aplicação de repelentes com concentrações de DEET
adequadas (>20%) que devem ser reaplicados regularmente. Quando houver
igualmente necessidade de uso de protetor solar, primeiro aplica-se o protetor solar e
posteriormente o repelente. Grávidas e crianças devem procurar aconselhamento
específico relacionado com a aplicação destes produtos.
Referências:
1 - Cleton et al. Syndromic Approach to Arboviral Diagnostics for Global Travelers as a
Basis for Infectious Disease Surveillance. PLoS Negl Trop Dis. 2015;9(9)
2 - Papa A. Emerging arboviral human diseases in Southern Europe. J Med Virol.
2017;9999:1–8
3 - Charrel RN, Bichaud L, de Lamballerie X. Emergence of Toscana virus in the
mediterranean area. World Journal of Virology. 2012;1(5):135-141
4 – Prata et al. Infeção por vírus Zika Uma nova doença de importação. Revista
Portuguesa de Doenças Infecciosas. 2016. Vol 12(1):8-14
5 – Norma número 014/2012 de 03/10/2012, atualizada a 30/10/2012 da DGS –
Abordagem de casos de Dengue
6 – Norma número 001/2016 de 5/01/2016, atualizada a 21/12/2016 da DGS - Infeção
por vírus Zika
7 - Ministério da Saúde Brasileiro - secretaria de Vigilância em Saúde. Dengue:
diagnóstico e manejo clínico – adulto e criança. 5aedição; 2016
INTRODUÇÃO
As febres hemorrágicas são tradicionalmente causadas por vírus pertencentes
a quatro famílias distintas (Arenaviridae, Bunyaviridae, Filoviridae e Flaviviridae)[tabela
1], que causam disfunção multiorgânica e que têm por base o atingimento do sistema
vascular. Apresentam-se como uma doença febril aguda acompanhada de sinais de
diátese hemorrágica.
Nos últimos anos foram descobertos novos agentes etiológicos,
nomeadamente o Vírus Chapare (arenavírus; Bolivia) o Vírus Bas-Congo, pertencente à
família Rhabdoviridae (previamente não associada a febres hemorrágicas e isolado na
República Democrática do Congo) e o vírus Lujo, (arenavírus; África do Sul/Zâmbia).
As epidemias têm sido esporádicas e geograficamente restritas às zonas
endémicas. Contudo, numa época em que viajar para estas áreas se torna cada vez
mais frequente, aliado ao facto do tempo de duração dessas viagens poder ser inferior
ao período de incubação, é preocupante a possibilidade de existência de casos em
diferentes áreas geográficas perante o surgimento de um surto epidémico.
Estes vírus podem ser utilizados como armas biológicas, visto que possuem
algumas das seguintes características: morbilidade e mortalidade elevada, potencial
para transmissão interpessoal, dose infectante baixa e elevada disseminação por via
aérea, ausência de vacinas eficazes, potencial para provocar pânico na sociedade,
capacidade de produção em larga escala, e estabilidade ambiental. Com excepção do
vírus Dengue, qualquer um dos outros agentes etiológicos das febres hemorrágicas
pode ser aerossolizado em laboratório. Salienta-se também que existem dificuldades
técnicas na capacidade de produção em larga escala dos vírus da febre hemorrágica
Crimeia-Congo e da febre hemorrágica com síndroma renal por hantavírus, pelo que, a
utilização destes agentes como armas biológicas está condicionada.
A transmissão interpessoal é possível, essencialmente através de contacto
directo com sangue e fluidos corporais. Em alguns surtos provocados por arenavírus e
filovírus existiram suspeitas de transmissão interpessoal por via aérea. No entanto, tal
facto nunca foi provado. O risco de transmissão interpessoal é mais elevado na fase
tardia da doença, altura em que o doente pode apresentar vómitos, diarreia, choque
e, frequentemente, hemorragias.
A transmissão nosocomial está bem documentada nas infecções por
bunyavírus (ex: febre hemorrágica Crimeia-Congo) e filovírus (ex: febre hemorrágica
de Ébola).
Uma vez que a maioria destas doenças ocorre em locais remotos, com
infraestruturas sanitárias inadequadas ou inexistentes e com poucos recursos de
saúde, a cadeia epidemiológica é muitas vezes difícil de estabelecer.
ABORDAGEM EPIDEMIOLÓGICA
Os arenavírus são mantidos na natureza em roedores e a infecção humana
ocorre por contacto directo ou indirecto com os seus produtos de excreção, ou por
inalação de aerossóis contendo excreta dos mesmos.
A febre hemorrágica argentina apresenta como hospedeiros principais
roedores Calomys sp., estando associada à actividade agrícola nas pampas argentinas.
Na década de 1960 foi isolado na Bolívia o vírus Machupo e o vírus da febre de Lassa
na Nigéria. Este último tem como reservatório natural roedores da espécie Mastomys
natilensis. Na década de 1990 foram isolados em estudos necrópsicos novos
arenavírus, nomeadamente o vírus Guanarito na Venezuela e o vírus Sabiá, no Brasil.
De todos os bunyavírus, o mais patogénico para os humanos é o vírus da febre
do vale do Rift. A doença foi reconhecida no vale do Rift, no Quénia e a infecção
humana ocorre por picada de mosquito infectado, por contacto directo com tecidos
animais (por exemplo de ovinos e caprinos) infectados, por inalação de aerossóis
contendo partículas virais provenientes de restos mortais de animais infectados ou
por ingestão de leite de um animal doente. Os técnicos de laboratório apresentam
risco elevado de adquirirem a doença por via aérea através de aerossóis gerados a
partir de amostras contaminadas. Diversos géneros de mosquitos como por exemplo,
Aedes (o mais frequente), Anopheles e Culex, podem ser vectores deste vírus.
Em 1944 surgiu na Crimeia um surto de febre hemorrágica em trabalhadores
agrícolas, e em 1967 foi isolado o seu agente etiológico que foi denominado de vírus
Crimeia. Em 1969 foi demonstrado que este vírus era idêntico ao vírus Congo que
tinha sido isolado em 1956 e desde então os dois nomes passaram a ser utilizados
conjuntamente para designarem o mesmo agente. A transmissão ocorre através de
picada de carraças Ixodes pertencentes a três géneros (Hyalomma, Dermacentor e
Rhipicephalus) e vários animais domésticos e selvagens podem ser hospedeiros.12 Este
vírus tem sido associado a surtos nosocomiais esporádicos mas particularmente
graves.
Ao contrário dos outros bunyavírus, os hantavírus não são transmitidos por
artrópodes, mas sim por contacto com roedores infectados ou seus excrementos. Os
principais hantavírus responsáveis por febre hemorrágica com síndroma renal são os
vírus: Hantaan, Puumala, Dobrava e Seoul, que são mantidos na natureza em roedores
das espécies Apodemus agrarius, Clethrionomys glareolus, Apodemus flavicollis e
Rattus norvegicus, respectivamente. No seu conjunto os hantavírus apresentam uma
distribuição geográfica mundial, destacando-se o vírus Hantaan no Extremo Oriente, o
vírus Puumala na Europa, o vírus Dobrava nos Balcãs e o vírus Seoul nas zonas
urbanas.
Os filovírus incluem os vírus Marburgo e Ébola e a sua transmissão aos
humanos faz-se através de contacto com sangue, secreções ou tecidos de doentes ou
primatas infectados. É igualmente possível a transmissão percutânea (associado a uma
mortalidade mais elevada). A transmissão através das mucosas oral, nasal e
conjuntival está documentada em experiências com primatas, contudo ainda não
foram evidenciadas em humanos.
Desde 1967, data em foi isolado o vírus Marburgo na sequência de um surto de
febre hemorrágica na Alemanha (em Frankfurt e Marburgo) e Jugoslávia (em
Belgrado) que atingiu técnicos de laboratório expostos a sangue e tecidos de macacos
verdes africanos (Cercophitecus aethiops) importados do Uganda, já existiram algumas
dezenas de novos surtos, na sua maioria em África.
As duas primeiras estirpes do vírus Ébola foram identificadas como estando na
origem dos surtos epidémicos de febre hemorrágica que surgiram, quase em
simultâneo em pequenas comunidades no Sudão e Zaire (actual República
Democrática do Congo) em 1976. A transmissão percutânea, através de agulhas e
seringas não esterilizadas ficou bem documentada nestes surtos. Em 1989, surgiu uma
terceira estirpe (não patogénica para os humanos) em Reston, nos EUA, em associação
com um surto de febre hemorrágica em macacos Cynomolgus importados das
Filipinas. Uma nova estirpe (Costa do Marfim), foi responsável pela existência de
surtos ocorridos na Costa do Marfim e no Gabão, em 1994 e 1995 respectivamente.
Mais recentemente, em finais de 2007 e 2008, no seguimento de uma epidemia de
febre hemorrágica na parte ocidental do Uganda foi isolada uma quinta estirpe
(Bundibugyo).
Muito pouco se conhece acerca da história natural da infecção por filovírus e
pensa-se que os seus reservatórios naturais sejam os morcegos frutígeros.
Finalmente, os flavivírus incluem os agentes da febre amarela e do dengue que
são transmitidos através da picada de mosquitos Aedes infectados e os agentes das
febres hemorrágicas de Omsk e da Floresta de Kyasanur que, por sua vez, são
transmitidos através da picada de carraças infectadas.
A zona endémica para febre amarela localiza-se entre as latitudes 10ºN a 40ºS
no continente americano e 16ºN a 10ºS no continente africano.
Existem 5 serotipos de dengue com ausência de imunidade cruzada, sendo o
risco de febre hemorrágica superior numa segunda infecção. Estão documentados
alguns casos de transmissão nosocomial de dengue, bem como de infecções em
técnicos de laboratório, através de inalação de aerossóis enquanto cultivavam estes
vírus.
O vírus da febre hemorrágica de Omsk foi isolado na Sibéria e é transmitido
através de picadas de carraças Dermocenter reticulates e Dermocenter marginatus. O
vírus da febre hemorrágica da Floresta de Kyasanur foi isolado na Índia, sendo
endémico no estado de Karnataka e transmite-se através de picadas de carraças
Haemophysalis spinigera.
CLÍNICA
Na tabela 2 descrevem-se as manifestações clínicas, que são inespecíficas e
nem todos os pacientes infectados desenvolvem febre hemorrágica.
DIAGNÓSTICO
Considera-se um caso suspeito de febre hemorrágica viral, um indivíduo que
apresente os seguintes critérios: a) habitante ou estadia em zona endémica; b)
temperatura superior a 38,5ºC de duração superior a 72 horas e inferior a duas
semanas; c) fadiga e prostração; d) um ou mais dos seguintes sintomas e sinais: “rash”
purpúrico ou hemorrágico, hemorragia activa ou sinais de choque; e) ausência de
factores de risco prévios para sintomas hemorrágicos; f) contacto com animais ou
pessoas doentes, contacto com restos mortais de animais ou que tenha sido picado
por artrópodes até cerca de 21 dias antes do início da sintomatologia; g) ausência de
diagnóstico estabelecido.
O diagnóstico deve ser baseado em dados clínicos e confirmado por testes
laboratoriais. Contudo, o diagnóstico específico requer o isolamento do vírus ou a
detecção de evidência serológica da infecção em amostras de soro.
As técnicas laboratoriais para diagnóstico das FHV incluem: detecção de
antigénios, detecção de anticorpo IgM (por exemplo pelo método ELISA – “Enzyme
Linked Immunosorbent Assay”), isolamento em culturas celulares, visualização por
microscopia electrónica, técnicas de imunohistoquímica e RT-PCR (“Reverse
transcriptase Polymerase Chain Reaction”). A confirmação serológica baseia-se na
presença de IgM ou de um título de IgG que se eleva pelo menos quatro vezes nas
determinações efectuadas durante a fase aguda e o período de convalescença. O
isolamento viral por cultura celular é o método de referência, contudo encontra-se
limitado pela necessidade de ser feito somente em laboratórios de nível 4 de
biosegurança e pelo tempo de cultura (3 a 10 dias para a maioria dos vírus; os
TRATAMENTO
O tratamento das FHV é sintomático e de suporte, pelo que o objectivo
principal é a estabilização do equilíbrio hidro-electrolítico, do volume circulatório e da
pressão arterial. As injecções intramusculares e os anti-agregantes plaquetares estão
contra-indicados.
Segundo as recomendações da “European Agency for the Evaluation of Medical
Products” (EMEA) preconiza-se o uso da ribavirina no tratamento destas entidades,
somente em adultos (tabela 3).
Após a identificação de um caso suspeito, este deve ser comunicado à
Autoridade de Saúde e recomenda-se, mesmo antes da confirmação diagnóstica, o
início da terapêutica com ribavirina. Caso se confirme uma infecção por arenavírus ou
bunyavírus, dever-se-á manter a ribavirina durante 10 dias. Caso contrário, isto é, nas
infecções por filovírus ou flavivírus, a ribavirina deverá ser suspensa.
A ribavirina, segundo alguns estudos, quando administrada sob a forma
endovenosa nas primeiras seis horas após o início da febre de Lassa, diminui a
mortalidade de 76% para 9%. A sua utilização está contra-indicada na gravidez,
contudo no contexto das FHV, pensa-se que os efeitos benéficos superam os
eventuais riscos fetais, pelo que está recomendada, especialmente em caso de ataque
bioterrorista.
PROFILAXIA
Com excepção da vacina de vírus vivos e atenuados da febre amarela, que é
obrigatória para os viajantes para áreas endémicas, não existem mais vacinas
disponíveis para as febres hemorrágicas.
A prevenção das FHV passa antes de tudo por evitar o contacto com espécies
hospedeiras. É importante o uso de repelentes, de vestuário adequado e de
mosquiteiros, de forma a prevenir as picadas de mosquitos, devendo-se ainda
controlar as populações de artrópodes e roedores nas áreas endémicas.
Todas as medidas que possam ser aplicadas para minimizar os efeitos destas
doenças são fulcrais dadas a ausência de tratamento e profilaxia eficazes.
REFERÊNCIAS
2. Ftika L, Maltezou HC. Viral haemorrhagic fevers in healthcare settings. J Hosp Infect.
2013;83(3):185-92. doi: 10.1016/j.jhin.2012.10.013. Epub 2013 Jan 16.
Bunyaviridae
Phlebovírus Febre do Vale de Mosquitos África, Península
Rift Arábica
Nairovírus FH Crimeia-Congo Carraças África, Ásia Central,
Europa Leste, Médio
Oriente
Hantavírus FH com Síndroma Roedores Ásia, Europa
Renal
Filoviridae
Filovírus FH Marburgo Desconhecido África
(morcegos
frutívoros)
FH Ébola Desconhecido África
(morcegos
frutívoros)
Flaviviridae
Flavivírus Febre Amarela Mosquitos África Tropical,
América do Sul
FH Dengue Mosquitos Ásia, Américas,
Pacífico, África
FH Omsk Carraças Ásia Central
FH Kyasanur Carraças Índia
Arenavírus Novo 7-14 Febre, mialgias, náuseas, “flushing” da face e tronco, 15-30
Mundo linfadenopatia generalizada. Podem surgir petéquias,
hemorragias e disfunção do SNC.
Vale do Rift 2-5 Febre, cefaleias, dores retro-orbitárias, fotofobia e icterícia. <1
Em <1% dos casos ocorre febre hemorrágica e/ou
encefalite.
10% desenvolverão retinite até 4 semanas após infecção.
Vírus Hantaan 7-21 Evolução clínica inclui várias fases (febril, hipotensiva, 5-15
oligúrica, poliúrica e convalescença).
Dengue 3-5 Início abrupto de febre bifásica com duração 2 a 7 dias. O 1-10
período crítico é entre as 24 horas antes e 24 horas depois
do doente ficar apirético, altura em que a fase hemorrágica
pode surgir acompanhada de letargia, oligúria, derrame
pleural.
SNC: sistema nervoso central; CID: coagulação intravascular disseminada.
GRIPE
Introdução
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) as infeções respiratórias
agudas são a principal causa de morbilidade e mortalidade decorrente de doenças
infeciosas a nível global.
A gripe é uma infeção respiratória causada por vírus da família Orthomyxoviridae que
consiste em 4 géneros Influenza: A, B, C e D. O vírus Influenza A pode infetar
humanos, aves, suínos, cavalos e outros animais. Baseadas nas glicoproteínas de
superfície víricas hemaglutinina (HA) e neuraminidase (NA), o vírus Influenza A é
subdividido em vários subtipos: 18 HA (H1-H18) e 11 NA (N1-N11). Destas, apenas 3
HA (H1, H2, H3) e 2 NA (N1, N2) causaram pandemias e mantêm-se em circulação
sustentada. Já os vírus Influenza B e C só são encontrados no Homem.
A cada ano, tanto o vírus Influenza A como o B são responsáveis por epidemias
sazonais, contribuindo para 200.000 hospitalizações. A OMS estima que o vírus
Influenza infete 5-15% da população mundial anualmente, resultando em 250.000-
500.000 mortes o que a torna na segunda causa de mortalidade infeciosa, a seguir à
infeção pelo vírus da imunodeficiência humana. Para além das epidemias sazonais
anuais pelos vírus Influenza H1N1 e H3N2, há descritas pandemias em 1918 (Gripe
Espanhola), 1958 (Gripe Asiática), 1968 (Gripe de Hong Kong) e 2009 (pandemia por
H1N1). A partir de 1997 começaram a ser descritos casos de infeção pelo Influenza
H5N1, um subtipo aviário altamente patogénico para o Homem.
Aspetos clínicos
Os vírus Influenza mantêm atividade com uma sazonalidade característica, ocorrendo
gripe geralmente nos meses de Outono e Inverno. A infeção é transversal a todas as
faixas etárias, embora seja mais frequente nas crianças.
Os vírus Influenza transmitem-se pela inalação de gotículas infetadas, como é
classicamente reconhecido, mas também através de aerossóis ou por auto-inoculação
Diagnóstico
Terapêutica
Embora na maioria das vezes apenas seja necessário tratamento sintomático, os
agentes antivíricos são um recurso importante. A sua ação é efetiva somente na
utilização precoce no decurso da doença (24 a 48 horas após o início da
sintomatologia).
Estes fármacos dividem-se em duas grandes classes: adamantanos (amantadina,
rimantadina) e inibidores da neuraminidase (zanamivir e oseltamivir). Enquanto os
primeiros raramente são utilizados na prática clínica (resistência natural do Influenza
B), os inibidores da neuraminidase podem acelerar a clearance vírica e ajudar à
resolução rápida dos sintomas. Todavia, além de possuírem eficácia clínica limitada, a
elegibilidade para esta terapêutica deve ser criteriosa, já que há evidência de que
estes fármacos estão sujeitos ao desenvolvimento precoce de resistências, tal como
sucede com outros vírus de RNA. Terapêuticas combinadas no futuro poderão
providenciar melhores resultados.
Prevenção
A vacinação é a chave na prevenção contra a gripe sazonal, veiculando proteção para
as estirpes circulantes e inibindo suas potenciais complicações. Tratando-se de um
vírus sazonal, a vacina é preparada anualmente, de acordo com as indicações da OMS,
em função das estirpes que se prevê em circulação no período para que se destina. É
um processo complexo, que atende a múltiplas variáveis, mas que se justifica pelo
facto da vacinação ser clínica e custo-efetiva.
A vacinação está recomendada para grupos alvo com maior risco. São estes, os idosos
(>65 anos), as grávidas (no 2º e 3º trimestres), os profissionais de saúde, os portadores
de imunodeficiência (primária ou secundária) e todos aqueles (adultos ou crianças
com mais de 6 meses) com doenças crónicas (respiratória, renal, hepática,
neurológica, hemato-oncológica, cardiovascular ou obesidade mórbida) ou
institucionalizados.
A vacina trivalente injetável, utilizada em Portugal, é geralmente bem tolerada, ainda
que possam surgir reações adversas locais e, por vezes, sistémicas, como febre e
mialgias. É fundamental que seja feita em período atempado (preferencialmente em
Outubro/Novembro) para prevenção da gripe. O fator limitante da vacinação reside na
ineficácia perante estirpes em circulação não abrangidas pela vacina fabricada no ano
em causa.
RINOSSINUSITE AGUDA
Introdução
O termo rinossinusite aguda descreve o quadro sintomático consequente à inflamação
dos seios paranasais e cavidade nasal, sendo um termo mais correto do que apenas
sinusite uma vez que esta é quase sempre acompanhada de inflamação da mucosa
nasal contígua. A rinossinusite não complicada define-se como rinossinusite sem
evidência clínica de extensão da inflamação para além dos seios paranasais e cavidade
nasal no momento do diagnóstico (por exemplo, sem envolvimento neurológico,
oftalmológico e tecidos moles).
Aspetos clínicos
Clinicamente, pode surgir febre, mal estar geral, cefaleias e tosse com edema da
mucosa nasal bilateralmente, secreções nasais ou obstrução nasal, anosmia e
dor/pressão facial. A infeção do seio maxilar causa odontalgia na região molar e do
seio etmoidal origina edema e dor periocular. As secreções nasais são inicialmente
Diagnóstico
Perante um quadro de rinossinusite é necessário distinguir entre etiologia bacteriana,
vírica e condições não infeciosas. Na causa bacteriana é típico que os sinais e sintomas
durem, pelo menos, 10 dias. A utilização de radiografia da face/crânio permanece
controversa, mas pode demonstrar opacificação completa do seio, espessamento da
mucosa e nível aéreo. Já a tomografia computorizada é o método de imagem de
eleição, indicando a extensão da doença e avaliação do complexo osteomeatal. A
ressonância magnética nuclear é útil na sinusite de etiologia fúngica e no diagnóstico
de complicações intracranianas de sinusite.
Terapêutica
O tratamento para a rinossinusite de etiologia vírica consiste em terapêutica
sintomática.
Relativamente às rinossinusites agudas bacterianas a antibioterapia deverá ser dirigida
aos três agentes etiológicos mais frequentes: S.pneumoniae, H.influenzae e
M.catarrhalis. O esquema de primeira linha é amoxicilina com ou sem ácido
clavulânico e no caso de antibioterapia nas últimas 4-6 semanas deverá utilizar-se
amoxicilina/ácido clavulânico 2000mg/125mg 12/12 horas ou uma fluoroquinolona
respiratória (levofloxacina ou moxifloxacina).
Prevenção
A prevenção da rinossinusite está dependente da causa etiológica e tratamento da
condição que predispõe a novos episódios infeciosos, como rinite alérgica, fibrose
quística, refluxo gastroesofágico, discinesia ciliar e alterações anatómicas.
Estudos demonstram que a vacinação anti-pneumocócica tem contribuído para a
redução do S.pneumoniae como agente etiológico mais frequente.
Introdução
A otite média aguda é uma inflamação do ouvido médio que habitualmente segue
uma infeção vírica da nasofaringe que interrompe a função da trompa de Eustáquio.
Isto causa alterações na ventilação, criando uma pressão negativa transitória no
ouvido médio que altera a eficácia da barreia mucociliar perante a invasão de um
microrganismo. As bactérias replicam-se no fluido no ouvido médio e os vírus
respiratórios infetam a mucosa isoladamente ou em combinação com as bactérias. Os
agentes etiológicos mais comuns da otite média aguda são o Streptococcus
pneumoniae, Haemophilus influenza, Moraxella catarrhalis e vírus respiratórios.
Aspetos clínicos
A sintomatologia mais comum caracteriza-se por febre, otalgia, otorreia, cefaleias e
sintomas recentes ou concomitantes de infeção respiratória alta como tosse, rinorreia
ou congestão nasal. Quando a otite é complicada por otorreia, os doentes
apresentam-se com hipoacusia, acufenos e vertigem.
Diagnóstico
O diagnóstico baseia-se essencialmente na história clínica e no exame físico do
doente. Caso haja suspeita de complicações intracranianas (mastoidite, abcesso
epidural ou subdural ou cerebral, tromboflebite do seio sigmoide, meningite) deve
realizar-se uma tomografia cerebral.
Terapêutica
O tratamento não reduz as complicações ou recorrências relacionadas com a doença.
Contudo, alivia as queixas álgicas, reduz o tempo de duração da sintomatologia e a
progressão para o ouvido contralateral. Portanto, a terapêutica assenta na analgesia e
antibioterapia.
O uso de antibióticos em adultos está recomendada quando a sintomatologia dura há
mais de 48 horas, o doente apresenta-se com febre elevada (> 39ºC) e otalgia
Prevenção
A vacinação contra o Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenza e vírus
Influenza pode reduzir os quadros de otite pelos serótipos presentes destes agentes.
FARINGITE ESTREPTOCÓCICA
Introdução
O Streptococcus pyogenes é uma bactéria de Gram positivo organizada em cocos em
cadeia. Exibe uma hemólise completa (β-hemólise) no crescimento em placas de agar
sangue. Pertence ao grupo A da classificação de Lancefield, sendo também
denominado por Streptococcus do grupo A. É a causa mais temível de faringite
bacteriana aguda dada a sua associação com a febre reumática aguda, sendo
responsável por 10-15% dos casos de faringite em adultos. Nos países de clima
temperado, a maioria dos casos ocorre no Inverno e início da Primavera.
O fator de risco mais comum é o contato próximo com um indivíduo com faringite por
Streptococcus do grupo A, aumentando em situações de maior aglomerado de pessoas
como nas escolas e lares. Assim, a transmissão ocorre através de contato direto de
pessoa-a-pessoa através da saliva ou secreções nasais de um doente com faringite
aguda, mais comum do que um portador.
Aspetos clínicos
A faringite por Streptococcus do grupo A é caracterizada por um início súbito de
odinofagia e febre, podendo ser acompanhados de cefaleias, dor abdominal, náuseas
e vómitos. Tosse, rinorreia, disfonia, úlceras orais e conjuntivite são mais típicos de
etiologia vírica. Ao exame físico o doente apresenta eritema faríngeo e amigdalino,
hipertrofia amigdalina com ou sem exsudado, petéquias ao nível do palato e
linfadenopatia cervical anterior. Também pode surgir um exantema escarlatiniforme –
escarlatina.
Diagnóstico
O diagnóstico diferencial de faringite aguda inclui múltiplos agentes bacterianos e
víricos. Os vírus são a causa mais comum de faringite em todas as idades. Já o
Streptococcus pyogenes é a etologia bacteriana mais frequente.
A história e o exame objetivo podem evidenciar uma etiologia vírica perante os
sintomas já previamente descritos. Nestes casos não é necessário testar a presença de
Streptococcus pyogenes. O diagnóstico laboratorial é feito através do teste de deteção
rápida de antigénios ou cultura de exsudado faríngeo que é o teste de diagnóstico
padrão.
Terapêutica
A evolução natural da faringite estreptocócica pode dividir-se em sintomatologia auto-
limitada ou, mais frequentemente, febre reumática aguda e complicações supurativas.
A antibioterapia está indicada para todos os doentes, independentemente da idade,
que apresentam um teste de deteção rápida de antigénios ou cultura positiva para
Streptococcus do grupo A. A terapêutica antibiótica encurta a duração da
sintomatologia, reduz a incidência de complicações supurativas e sequelas não
supurativas, erradica o microrganismo do trato respiratório superior e reduz/elimina a
cadeia de transmissão.
O tratamento recomendado é penicilina (ou amoxicilina) durante 10 dias. A penicilina
benzatínica (1.200.000 U, no adulto) permite o tratamento com uma administração
única por via intramuscular. Nos doentes com história de alergia à penicilina pode ser
administrado um macrólido ou uma cefalosporina de primeira geração.
Prevenção
A contenção da transmissão efetua-se através da boa higienização das mãos e da
etiqueta respiratória. O tratamento de doentes infetados permite eliminar o potencial
de transmissão ao fim de 24 horas sob antibioterapia.
Bibliografia
Peteranderl C, Herold S, Schmoldt C. Human Influenza virus infections. Semin Respir
Crit Care Med 2016;37:487-500.
Rosenfeld RM et al. Clinical practice guideline: adult sinusitis. Otolaryngology –
Head and Neck Surgery 2007;137:S1-S31.
Celin S, Bluestone C, Stephenson J, et al. Bacteriology of acute otitis media in
adults. JAMA;1991;11:360-364
Anjos LMM, Marcondes MB, Lima MF, Mondelli AL, Okoshi MP. Streptococcal acute
pharyngitis. Rer Soc Bras Med Trop 2014;47(4):409-413.
INFECÇÕES FÚNGICAS
CANDIDOSES
Introdução
Clínica
Diagnóstico
Tratamento
Profilaxia
- Profilaxia Primária: não está recomendada “por rotina” em imunodeprimidos
por infecção VIH, para prevenção de doença muco-cutânea, dadas as reduzidas
morbilidade e mortalidade associadas a estas localizações, e porque a terapêutica
anti-fúngica disponível é bastante eficaz. Para além disso, a utilização profilática dos
anti-fúngicos poderá levar ao desenvolvimento de resistências da Candida spp ou
acarretar riscos de interacções medicamentosas com fármacos anti-retrovíricos, sem
esquecer também os custos acrescidos da medicação.
Bibliografia
- Edwards, JE. Candidiasis, in Harrison`s Principles of Internal Medicine, 18th edition;
Longo DL, Fauci AS, Kasper DL, Hauser SL, Jameson JL, Loscalzo J (eds); 2012, pp 1651-
1655;
- Cervera C. Candidemia and invasive candidiasis in the adult: clinical forms and
treatment. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2012; 30(8):483-91;
- Kullberg BJ, Verweij PE, Akova M, Arendrup MC, Bille J, Calandra T et al. European
expert opinion on the management of invasive candidiasis in adults. Clin Microbiol
Infect. 2011; 17 (Suppl 5):1-12;
- Cornely OA, Bassetti M, Calandra T, Garbino J, Kullberg BJ, Lortholary O et al. ESCMID
guideline for the diagnosis and management of Candida diseases 2012: non-
neutropenic adult patients. Clin Microbiol Infect. 2012; 18 (Suppl. 7):19-37;
- Panel on Opportunistic Infections in HIV-Infected Adults and Adolescents. Guidelines
for the Prevention and Treatment of Opportunistic Infections in HIV-infected Adults
and Adolescents: recommendations from the Centers for Disease Control and
Prevention, the National Institutes of Health, and the HIV Medicine Association of the
Infectious Diseases Society of America. Available at
http://aidsinfo.nih.gov/contentfiles/lvguidelines/adult_oi.pdf. Last update:
18/5/2017. Accessed: 23/08/2017
Histoplasmose
Introdução
Clínica
I – Histoplasmose americana
II - Histoplasmose Africana
A)- Formas localizadas - são as mais frequentes. O atingimento poderá ser cutâneo,
ósseo, ganglionar ou raramente intestinal e pulmonar.
Diagnóstico
Terapêutica
I - Histoplasmose Americana
A)- Forma aguda - geralmente não necessita de terapêutica. Exceptuam-se os casos
de doença severa ou prolongada, em que se poderá optar por:
1-Anfotericina B Liposómica (ABL) - Dose: 3 a 5 mg/kg/d, em perfusão e.v., por 2 a 3
semanas, seguida de Itraconazol, 200 mg 3id (oral) durante 3 dias + 200mg 2id, até
completar 12 semanas de tratamento antifúngico;
2- Itraconazol - 200 mg 3id (oral), durante 3 dias, seguindo-se 200 mg 2id, durante
6 a 12 meses. O Itraconazol isoladamente, poderá ser considerado na doença menos
severa.
Recomenda-se associar metilprednisolona (0,5 a 1 mg/ kg /dia, ev) à terapêutica
antifúngica nas primeiras 2 semanas de tratamento, em casos de insuficiência
respiratória grave com infiltrados pulmonares extensos e bilaterais.
A HPA em infectados por VIH com contagem de linfócitos T CD4 (+) > 300 / mm3,
deve ser tratada da mesma forma que nos imunocompetentes.
Nota: O Itraconazol não deverá ser usado em monoterapia nas formas meníngeas; o
Posaconazol revelou-se muito eficaz em modelos experimentais e nalgumas
terapêuticas “salvage”, onde tinham falharam outros anti-fúngicos.
1- Fase de Indução
2- Fase de Manutenção
D. 4. Histoplasmose Africana
Prevenção
Indicações: 1)- contagem de linfócitos T CD4 (+) < 150 /mm3; 2)- em doentes com
profissões de risco ou residentes em área hiper-endémica de histoplasmose (> 10
casos / 100 doentes-ano).
Preferir o Itraconazol, 200 mg, po, 1 id.
Podem suspender a profilaxia 1ª os doentes sob terapêutica anti-retrovírica eficaz
e com contagem de linfócitos T CD4 (+) > 150 /mm3 durante pelo menos 6 meses.
Bibliografia
- McKinsey DS, McKinsey JP. Pulmonary Histoplasmosis. Semin Respir Crit Care
Med. 2011;32 (6): 735 – 744;
- Knox KS, Hage CA. Histoplasmosis. Proc Am Thorac Soc 2010; 7 (3): 169 -172;
CRIPTOCOCOSE
Classificação
- Reino: Fungos
- Phylun: Basidiomycota
- Subfilo: Basidiomycotina
- Ordem: Sporidiales
- Família: Sporidiobolaceae
- Genus: Cryptococcus
- Classe: Deuteromicetes
Introdução
A criptococose é uma infecção sistémica causada por um fungo leveduriforme
encapsulado, o Cryptococcus neoformans, pertencente à classe dos Deuteromicetes.
Das dezanove espécies conhecidas, apenas o Cryptococcus neoformans é patogénico
para o homem e animais. No contexto da infecção VIH, a maior parte dos casos é
causada por Cryptococcus neoformans variedade grubii (antigo serótipo A) enquanto a
variedade neoformans é responsável pela proporção restante, especialmente na
Europa. Uma pequena proporção de infecções está associada ao Cryptococcus gatii
(antigas designações de Cryptococcus serotipos B e C). As dimensões da cápsula
variam com as condições do meio de crescimento e com a estirpe. Tem a capacidade
de produzir melanina, que é importante para a sua identificação e um factor de
virulência. O Cryptococcus neoformans é a única espécie que cresce bem a 37ºC.
Epidemiologia
Este fungo tem ampla distribuição mundial, é um saprófita ambiental encontrado em
amostras de solos. Os solos mais enriquecidos são aqueles que são frequentados por
aves especialmente por pombos, galinhas e perus.
Provavelmente as aves desempenham apenas o papel de vector sendo o reservatório
a vegetação e algumas árvores.
Patogénese
A patogénese da criptococose é determinada por três principais factores: o status de
defesa do hospedeiro, a virulência do C. neoformans e a dimensão do inóculo.
Clínica
A infecção sintomática disseminada, na grande maioria dos casos, está associada com
algum grau de imunossupressão que ocorre na infecção VIH, nas doenças
linforeticulares e outras neoplasias malignas, na transplantação renal, na
corticoterapia prolongada, na diabetes e na sarcoidose. Calcula-se que nos doentes
com criptococose sem infecção VIH, cerca de 20% não apresentem qualquer factor de
risco ou imunocompromisso subjacente. A infecção criptocócica pode envolver
qualquer órgão ou sistema, mas as localizações mais frequentes são o pulmão e o SNC.
Nesta última localização pode revestir aspectos de: meningite crónica (a forma mais
frequente), meningoencefalite e granuloma cerebral, associada a imunodepressão
profunda (<100 CD4+/mm3).
Manifestações: inicialmente com cefaleia, febre, mal-estar e posteriormente
perturbações da visão e alteração do estado de consciência. Sinais (se presentes)
podem incluir meningismo, edema da papila, paralisias dos pares cranianos (VI par) e
redução do nível de consciência. A rigidez da nuca é infrequente.
Criptococose pulmonar: o doente imunocomprometido apresenta sintomas
constitucionais como febre, mal-estar, dor torácica, polipneia e perda de peso,
contrariamente ao que acontece no doente normal. Na SIDA, a pneumonia pode não
ser sintomática, e em 90% dos casos há infecção simultânea do SNC, sendo esta a
forma de apresentação mais frequente. Radiografia de tórax: no indivíduo normal –
nódulos bem definidos, únicos ou múltiplos; no imunocomprometido – infiltrados
Diagnóstico
Febre e cefaleia em doente com SIDA ou com factores de risco para infecção pelo VIH
sugerem a possibilidade de criptococose, toxoplasmose ou linfoma do sistema
nervoso central. A punção lombar é o teste diagnóstico mais útil. O LCR tipicamente
pode apresentar pressão elevada, glicose baixa ou normal e proteínas elevadas ou
normais.
As hemoculturas são positivas em 50-70% dos casos e o antigénio sérico positivo em
95%. No LCR, as culturas e o antigénio criptocócico são positivos em mais de 95% dos
casos, com o teste da tinta-da-china positivo em 60-80% dos casos.
Culturas positivas no sangue, urina e/ou secreções respiratórias implicam a realização
de punção lombar. Antigenémia sérica sugere doença criptocócica se título superior a
1:8, confirmado por cultura. A cultura de expectoração é positiva em apenas 10 %. A
biopsia pulmonar é necessária para diagnóstico das formas pulmonares.
Tratamento
A – No Imunocompetente
Forma não meníngea: Fluconazol – 400mg/ev ou po, id, durante 8 semanas a 6 meses;
na doença severa: Anfotericina B - 0.5-0.8mg/Kg, id, até responder e nessa altura
substituir por Fluconazol 400mg po, id, durante 8-10 semanas.
po, id; nas formas menos severas: Fluconazol 400mg, id, po, por 8-10 semanas; alguns
autores aconselham manter terapêutica por 2 anos para redução das recidivas.
Anfotericina B liposómica / ABLC – é uma alternativa com menor potencial toxicidade.
B – No Imunocomprometido
A criptococose é uma infecção oportunista frequente nos indivíduos imunodeficientes
no quadro da SIDA, tendo diminuído a sua incidência com a TARV. Na SIDA, 5% dos
doentes desenvolvem meningite criptocócica que será mortal em 60% dos mesmos na
ausência de tratamento. Com o tratamento actual em três fases a taxa de mortalidade
situa-se nos 5%. Por outro lado, 50% dos indivíduos com episódio anterior de
meningite criptocócica podem sofrer recidiva, daí a necessidade de terapêutica
profilática.
Meningite
- Terapêutica primária (fases de indução, consolidação e supressão):
Anfotericina B – 0.7 mg/Kg/dia ev + 5-Flucitosina – 25mg/Kg, 6/6 h, po, por, pelo
menos, 2 semanas (fase de indução), depois Fluconazol 400 mg/dia po durante 8
semanas ou até à esterilização do LCR (fase de consolidação), e depois 200mg/dia
(fase de supressão). Suspender o tratamento quando os CD4+ forem superiores a 100-
200/mm3 durante mais de 6 meses, o tratamento inicial estiver completo e o doente
esteja assintomático.
- Terapêutica alternativa (fases de indução e consolidação):
Anfotericina B – 0.7-1 mg/Kg/dia, ev, (sem 5-Flucitosina) durante 14 dias, depois
Fluconazol 400 mg/dia durante 8 a 10 semanas.
- Falência do tratamento:
É definida pela não obtenção de resposta clínica em duas semanas de tratamento na
ausência de síndroma de reconstituição imune.
Considerar três possibilidades:
Manter o mesmo tratamento, aumentar a dose de fluconazol associado à 5-Flucitosina
ou usar fármacos alternativos, como o Voriconazol.
Recidiva
Desenvolvimento de novos sinais e sintomas clínicos ou culturas repetidas positivas.
A persistência de um teste positivo pela tinta-da-china ou a variação no título do
antigénio criptocócico não são, isoladamente, indicações de recidiva.
Bibliografia:
Perfect J. R., et al. Clinical Practice Guidelines for the Management of
Cryptococcal Disease: 2010 Update by the Infectious Diseases Society of
America; Clin Infect Dis 2010; 50 (3): 291-322.
Gilbert, et al; The Sanford guide to antimicrobial therapy, 2016, 46th ed., 127-
128.
Panel on Opportunistic Infections in HIV-Infected Adults and Adolescents.
Guidelines for the prevention and treatment of opportunistic infections in HIV-
infected adults and adolescents: recommendations from the Centers for
Disease Control and Prevention, the National Institutes of Health, and the HIV
Medicine Association of the Infectious Diseases Society of America. Available at
http://aidsinfo.nih.gov/contentfiles/lvguidelines/adult_oi.pdf.
PNEUMOCISTOSE
Introdução
O agente etiológico da pneumocistose foi descrito pela primeira vez em 1909
por Carlos Chagas, um investigador brasileiro que se dedicava ao estudo da
tripanosomose em modelos animais (cobaios). Mais tarde, Antonio Carinii identificou
microrganismos semelhantes no tecido pulmonar de roedores, e, tal como Chagas,
pensou tratar-se de uma nova forma do ciclo de vida do Trypanosoma.
Inicialmente classificado como protozoário (pelas suas características morfo-
estruturais e pela sua sensibilidade aos anti-parasitários), o microrganismo foi
denominado de Pneumocystis carinii pelo seu tropismo para o tecido pulmonar dos
hospedeiros animais, pela sua morfologia quística e em homenagem aos
investigadores que primeiro o descreveram. Desconhecia-se ainda, nessa data, a sua
capacidade de infectar seres humanos.
Em meados do século XX, investigadores alemães e checos (entre os quais
Vanek e Jiroveci), associaram-no à infecção em humanos, descrevendo-o como agente
etiológico de pneumonia intersticial em prematuros e crianças com défices graves de
nutrição. A partir da década de 60, mais casos de pneumocistose foram descritos em
seres humanos (crianças e adultos), com défices imunes de diferentes etiologias
(congénitos ou adquiridos). Mas foi no início da década de 80, no dealbar da
pandemia da SIDA, que o Pneumocystis carinii surgiu como dos seus mais importantes
agentes oportunistas, causando pneumonia intersticial grave e potencialmente letal,
em imunodeprimidos por infecção VIH.
Em 1988, a classificação filogenética deste microrganismo foi revista, em
virtude das estreitas semelhanças dos seus ARN ribosomal e ADN mitocondrial com os
dos fungos ascomicetas. A pneumocistose deixou então de ser uma parasitose,
passando a ser considerada uma micose sistémica. Esta decisão não foi isenta de
crítica, uma vez que os Pneumocystis não crescem em meios de cultura para fungos
nem são sensíveis à terapêutica com antifúngicos.
A nomenclatura do agente foi alterada em 2006, por se haver reconhecido que
as espécies que infectavam hospedeiros animais eram distintas daquela que infectava
Clínica
O início da sintomatologia é habitualmente insidioso e caracterizado por febre,
tosse seca, taquipneia, fadiga e uma sensação de dispneia de instalação progressiva
(por vezes com várias semanas de evolução). Diarreia e perda de peso também
poderão estar presentes.
Há quadros de evolução mais rápida ou mesmo fulminante, culminando em
situações de insuficiência respiratória grave; estas formas evolutivas clinicamente
“mais agressivas”, são raras nos infetados por VIH. Um agravamento súbito da
dispneia associado a toracalgia, podem indicar a ocorrência de um pneumotórax.
Ao exame físico, poderemos objectivar uma taquipneia, ou mesmo adejo nasal
e tiragem intercostal (esta mais frequentemente encontrada em crianças). Febre,
taquicardia e candidose oral, estão também presentes em grande número de casos. A
auscultação pulmonar pode não revelar alterações, ou permitir a detecção de
discretos fervores ou roncos inspiratórios, bi-basais.
As manifestações atípicas e extra-pulmonares da pneumocistose (lesões
cutâneas, hepato-esplenomegália, derrame pulmonar), são mais comuns nos doentes
a fazerem profilaxia da pneumocistose com Pentamidina em aerossol.
Diagnóstico
O diagnóstico de presunção de PPc baseia-se na conjugação de dados clínicos,
epidemiologia sugestiva, achados imagiológicos e alterações laboratoriais.
A- IMAGIOLOGIA
- Telerradiografia do Tórax – Em ¼ dos doentes e em fase precoce do quadro,
poderá não mostrar alterações. O reforço intersticial difuso e bilateral, de predomínio
peri-hilar, é o aspecto radiológico mais comum; achados radiológicos menos comuns
B- ALTERAÇÕES LABORATORIAIS
- Gasometria arterial - mostra habitualmente hipoxémia de intensidade
variável (hipoxémias graves, com PaO2 < 70 mmHg, implicam um pior prognóstico
vital) + hipocapnia + alcalose respiratória (sugerindo hiperventilação). Nos doentes
com gasometrias normais em repouso, a dessaturação poderá ser induzida pelo
exercício físico.
- LDH sérica - a elevação da desidrogenase láctica (LDH) sérica é muito
sugestiva de PPc nos doentes com infecção VIH e sintomatologia respiratória fruste;
no entanto, esta alteração é bastante inespecífica pois pode estar presente em muitas
outras doenças pulmonares, reflectindo a intensidade da lesão pulmonar; se > a 1000
U/L, indica uma maior gravidade do quadro
- Albuminémia - a hipoalbuminémia, tal como a hipoxémia e a elevação da LDH
sérica, constitui um indicador laboratorial de gravidade (mau prognóstico) da doença.
IDENTIFICAÇÃO DO PNEUMOCYSTIS
NOTAS FINAIS:
1- Apesar da melhoria na acuidade diagnóstica da pneumocistose verificada
nos últimos anos, mantém-se o interesse na descoberta de métodos de
detecção rápida do agente, que sejam mais baratos e que possam ser
aplicados a amostras biológicas obtidas de forma menos invasiva (ex:
sangue ou urina); de entre os diversos marcadores serológicos em estudo,
o Beta-D-Glucano (BDG), um dos componentes mais abundante da parede
dos quistos de Pneumocystis, parece ser dos mais promissores;
2- A sensibilidade da pesquisa do agente em amostras de expectoração
induzida é bastante inferior à dessa mesma pesquisa no LBA obtido por
broncofibroscopia; no entanto, esta técnica, mais invasiva e nem sempre
disponível, não pode ser executada em doentes com insuficiência
respiratória grave;
3- Nos doentes com pneumocistose, a realização de biópsias pulmonares
(transbrônquica ou transtorácica) tem risco elevado de complicações (ex: -
pneumotórax, hemoptises);
4- Nos doentes a fazerem profilaxia da pneumocistose com Pentamidina em
aerossol, é reduzida a sensibilidade da pesquisa do fungo na expectoração
induzida.
A – FORMAS GRAVES
1ª ESCOLHA: Trimetoprima-Sulfametoxazol (Co-trimoxazol) : 15 a 20 mg/kg/dia
de Trimetoprima (ou 75 - 100 mg/Kg/dia de Sulfametoxazol), em 3 a 4
administrações diárias, via endovenosa (ev), durante 21 dias. A administração ev.
pode ser substituída pela oral, quando ocorrer melhoria clinica.
Alternativas: 1- Pentamidina - 4 mg/Kg/dia por via ev (perfusão lenta), 21 dias;
2- Primaquina (30 mg, 1id, per os) + Clindamicina (600 mg 4id ou
900 mg 3id, via ev), durante 21 dias. A Clindamicina pode ser
usada nesta combinação por via oral, nas doses de 300 mg 4id
ou 450 mg 3id.
Alternativas:
Dapsona (100 mg, 1 id) + Trimetoprima (15 mg/Kg/dia, em 3 ou 4 tomas),
por via oral (21 dias).
Atovaquona - 750 mg 2id, via oral, com as refeições, durante 21 dias (a
suspensão parece ter melhor biodisponibilidade que os comprimidos).
Primaquina (30 mg, 1id, per os) + Clindamicina (300 mg 4id ou 480 mg 3id,
via oral), durante 21 dias.
Nas formas moderadas a graves de doença (com dispneia intensa, hipoxémia < 70
mmHg), deverá associar-se corticoterapia aos antimicrobianos. Ex: Metilprednisolona
(1mg/Kg/dia, durante 5 dias) ou Prednisona (40 mg 2 id durante 5 dias, seguidos da
redução progressiva do corticoide a cada 4 ou 5 dias).
A- Profilaxia Primária - recomendada quando a contagem de linf. CD4 (+) < 200/mm 3
(ou < 14 %) e ainda na presença de candidose oral ou história prévia de doença
definidora de SIDA.
Primeira escolha: Co-trimoxazol (480 ou 960 mg / dia, ou em dias alternados), via oral.
Observações:
1- Poderão suspender a profilaxia primária e secundária da PPc, os pacientes que
submetidos a terapêutica anti-retrovírica combinada, mantenham de forma
sustentada, viremia VIH indetectáveis e contagem de linfócitos T4 > 200 / mm 3, por
período de tempo de 3 meses; poderá também considerar-se a suspensão destas
profilaxias (1ª e 2ª), nos doentes com linfócitos T4 > 100 e < 200 / mm 3 e que
apresentam ARN do VIH sérico indetetável durante > 3 meses.
2- Perante uma reacção adversa grave (eritema cutâneo marcado, síndroma de
Stevens-Johnson, epidermólise tóxica, neutropenia ou trombocitopenia graves,
hepatotoxicidade) ou falência terapêutica com o Co-trimoxazol, este deverá ser
substituído por uma das alternativas propostas;
3- Em doentes com o diagnóstico de PPc e que ainda não iniciaram TARVc, esta deverá
ser introduzida após as 2 primeiras semanas de terapêutica da pneumocistose (reduz
a mortalidade e não agrava substancialmente o risco de Síndroma de Reconstituição
Imunológica).
Bibliografia
- Esteves F, Antunes F, Matos O. Pneumocystis e pneumocistose: o agente
patogénico e a doença. Rev. Port. D. Infec. 2014;10(1):16-22;
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Pneumocystis pneumonia. Ther Adv Respir Dis 2011;5:41-54 (versão “online”
em http://tar.sagepub.com/content/5/1/41);
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2011;32:775-782
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Pneumocystis jiroveci Pneumonia Prophylaxis with CD4 Count < 200 Cells/μL
and Virologic Suppression: A Systematic Review. (2011) PLoS ONE 6(12):
e28570. doi:10.1371/journal.pone.0028570;
- Panel on Opportunistic Infections in HIV-Infected Adults and Adolescents.
Guidelines for the Prevention and Treatment of Opportunistic Infections in
HIV-infected Adults and Adolescents: recommendations from the Centers for
Disease Control and Prevention, the National Institutes of Health, and the HIV
Medicine Association of the Infectious Diseases Society of America. Available at
https://aidsinfo.nih.gov/guidelines, 18/05/2017 (Last updated July 25, 2017).
INFEÇÕES PARASITÁRIAS
MALÁRIA
ser o teste “padrão”. Se necessário, o teste deve ser repetido. As vantagens deste método de
diagnóstico são as seguintes: permite identificar qualquer espécie de Plasmódio, quantificar a
parasitemia, avaliar a eficácia da terapêutica e um baixo custo. Como desvantagens pode
referir-se o limiar de deteção (entre 50-500 parasitas/µL), a necessidade de laboratório com
pessoal qualificado, e uma sensibilidade que não ultrapassa os 75%.
Recentemente disponibilizaram-se também testes rápidos de diagnóstico através de
tiras teste que detetam a presença de antigénios específicos do P. falciparum (outros também
de P. vivax) no sangue de doentes infetados. Estes testes têm sensibilidades e especificidades
muito diversas, consoante as múltiplas (>200) marcas comerciais e, embora sejam de fácil
execução, também não estão isentos de dificuldades: persistência da positividade dos testes
mesmo ap s a “cura” da doença, não quantificam a parasitemia, comportam-se pior em
infeções por Plasmódio não falciparum, são mais exigentes nas condições de manutenção e
conservação e têm custos elevados.
O recurso aos métodos de biologia molecular justifica-se quando as parasitémias são
muito baixas e também para o diagnóstico da malária por P. Knowlesi, já que
morfologicamente é muito difícil distinguir esta espécie das formas de P. malariae.
Níveis de parasitemia superiores a 5% dos eritrócitos, anemia grave, hipoglicemia,
presença de choque, acidose metabólica, hemoglobinúria, coagulação intravascular
disseminada, alterações do estado de consciência, vómitos e diarreia abundantes,
compromisso grave da função renal, pulmonar ou hepática são sinais de mau prognóstico,
presentes nas formas graves da doença, que aconselham o internamento do doente e
terapêutica por via parenteral, especialmente em indivíduos não imunes.
Os principais medicamentos utilizados no tratamento e na prevenção da malária
pertencem aos seguintes grupos:
Alcalóides da cinchona Quinino, Quinidina
4 – aminoquinoleínas Cloroquina, Amodiaquina
8 – aminoquinoleínas Primaquina
4 – quinolinometanóis Mefloquina
9 – fenantrenometanóis Halofantrina
Derivados da acridina Quinacrina
Derivados da artemisina Artesunato, Artemeter
nas grávidas nem nos doentes com insuficiência renal grave (clearance da creatinina <
30ml/min).
Malária
Terapêutica das formas não complicadas (preferir a via oral)
P. malariae, P. ovale, P. vivax, P. knowlesi e P. falciparum Cloroquino-sensíveis (situação
rara)
Cloroquina# – dose total de 25 mg/kg, administrada em 2 dias segundo a fórmula:
600 mg (0h) + 300 mg (6h) + 300 mg (24h) +300 mg (48h) ou
600 mg (0 e 24 h) + 300 mg (48h)
P. falciparum e P. vivax Cloroquino-resistentes (situação mais comum)
1ª Linha
- Atovaquona/Proguanilo§ – comprimidos com 250/100 mg para adultos >40 Kg, 4
comprimidos/dia em toma única, durante 3 dias
- Dihidroartemisina+Piperaquina§– comprimidos com 40/320 mg para adultos (< 60 kg, 3
comp./dia em toma única, em jejum, 3 dias seguidos; >60 kg, 4 comp. tomados da mesma
forma; Dosagem proposta pela OMS, mas que não coincide com a do RCM do
medicamento)
- Artemeter/Lumefantrina – comprimidos com 20/120 mg para adultos com >35Kg, 4
comprimidos cada 12 horas, durante 3 dias
2ª Linha
- Quinino# + Doxiciclina& - 10 mg/kg (máximo 600 mg), cada 8 h (5-7 dias) + 2,5 mg/kg/dia
(máximo 200 mg), cada 12 h (7 dias)
- Quinino# + Clindamicina&* - 10 mg/kg (máximo 600 mg), cada 8 h (5-7 dias) + 7-13 mg/kg
(máximo 450 mg), cada 8 h (7 dias)
Nota: nas infeções por P. vivax e P. ovale é necessário consolidar a terapêutica através da
administração de Primaquina (15mg/kg/dia durante 14 dias); nos doentes provenientes da
Oceânia ou do Sudeste Asiático, onde a resistência à Primaquina está em crescendo,
aconselha-se duplicar a dose diária; dosear, previamente, G6PD.
# a dose de Cloroquina reporta-se à base (150 mg de base equivalem a 250 mg do sal),
enquanto a do Quinino se refere ao sal.
§ existem formulações pediátricas, mas que não estão comercializadas em Portugal.
& administrada concomitantemente ou sequencialmente.
* esquema a utilizar nas grávidas ou em crianças com < 8 anos.
Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 341
Doenças Infeciosas 2017
Malária
Terapêutica das formas graves (começar por via parenteral e logo que possível continuar por
via oral)
# não disponível em Portugal; logo que se passe para a via oral utilizar uma das várias
coformulações, como a Dihidroartemisina+Piperaquina ou o Artemeter+Lumefantrina.
* a dose de Quinino reporta-se ao sal e a dose de carga de Quinino deve ser evitada se tiver
havido administração de Quinino ou Mefloquina nas 12 horas que precedem a terapêutica; se
o Quinino e.v. se administrar por mais de 48 horas, ou existir insuficiência renal ou hepática,
então deve reduzir-se a dose total em um terço (administração da mesma dose cada 12 horas).
& nas grávidas e nas crianças com <8 anos substituir por Clindamicina.
Malária
Quimioprofilaxia (via oral)
Zonas sem resistência à Cloroquina (hoje raras)
Cloroquina - 5mg/kg/semana da base (máximo 300 mg) equivalem a 8,3mg/kg do sal
Zonas de resistência à Cloroquina
Mefloquina - 5mg/kg/semana (máximo 250mg)
Atovaquona + Proguanilo§- (em adultos com >40kg - 1 comprimido de 250/100mg por
dia)
Doxiciclina - 1,5mg/kg/dia (máximo 100mg)
Zonas de resistência à Mefloquina (sudeste asiático)
Doxiciclina - (dose anterior)
Atovaquona + Proguanilo - (dose anterior)
Bibliografia
- Lalloo, D G, et al. UK malaria treatment guidelines 2016. Journal of Infection 2016; 72(6): 635
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- White NJ, et al. Malaria. Lancet 2014; 383: 723–35.
- Chiodini PL, et al. Guidelines for malaria prevention in travellers from the United Kingdom.
London, Public Health England, July 2014.
- WHO. Guidelines for the treatment of malaria. 3rd Edition, 2015.
- Direção Geral da Saúde. Orientação nº 8/2017. Malária ou paludismo. 17/05/2017.
- WHO. World Malaria Report 2016. Geneva: World Health Organization; 2016.
Definição
O Schistosoma (S) é um Trematode, que frequentemente infecta o Homem (intestino, vias
biliares, pulmões, veias intestinais e tracto génito-urinário). A doença é limitada ao órgão
parasitado (excepto na Schistosomose intestinal que, provoca fibrose hepática). Em áreas
endémicas a maioria da população está infectada, mas é assintomática.
Etiologia
Existem 3 Espécies major de Schistosoma: S. mansoni, S. haematobium e S. japonicum, e ainda,
S. mekongi, intercalatum e dermatitis, de menor prevalência mas que também infectam o
Homem. Após exposição a produtos contaminados (água, peixe, crustáceos, vegetais entre
outros), o Homem é infectado pela cercaria que penetra na pele e se transforma em S.,
migrando este, 2 a 3 dias depois para os pulmões e veia porta, onde amadurece em sexo
feminino e masculino. Posteriormente vão migrar para as veias mesentéricas e ureteres onde
depositam os ovos. O tempo de migração e maturação, difere entre as espécies, assim, o S.
mansoni e japonicum, depositam os ovos 4 a 5 semanas após a infecção, enquanto o S.
haematobium o faz 2 a 3 meses depois. Os parasitas adultos têm de 1 a 2cm e não se
multiplicam no Homem. As áreas de maior prevalência de Schistosomose são:
S. mansoni- América do Sul (Brasil e Venezuela),Caraíbas, África e Médio Oriente
S. japonicum- Sudoeste Asiático, África, China e Filipinas
S. haematobium- África e Médio Oriente
S. mekongi- rio Mekongi, Indochina, Laos, Camboja e Tailândia
S. intercalatum- África ocidental
S. dermatitis- Estados Unidos da América
Clínica
A doença no Homem depende da duração e intensidade da infecção, localização da deposição
dos ovos e de infecções coexistentes. Frequentemente a infecção inicial da população de áreas
endémicas, é assintomática, contrastando com doença febril aguda (ou febre de Katayama –
exposição e infecção pelo S. mansoni, japonicum e raramente pelo haematobium), nos
visitantes. Os sintomas podem ser de mínimos a graves (febre, arrepios de frio, cefaleia, perda
Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 344
Doenças Infeciosas 2017
de peso, tosse não produtiva, dor abdominal e diarreia entre outros), podendo ocorrer 2 a 6
(ou mais) semanas após a exposição e permanecerem por 2 a 3 meses. A complicação mais
importante é a fibrose hepática, provocada pela Schistosomose intestinal, podendo também
encontrar-se, ascite, encefalopatia hepática e ginecomastia. A fibrose peri-portal e hipertensão
portal (S. mansoni, japonicum e raramente o S. haematobium), pode provocar hipertensão
pulmonar e glomerulonefrites. Podem ainda observar-se pólipos inflamatórios no intestino
grosso (principalmente com o S. mansoni) e fibrose dos ureteres (S. haematobium).
A co-infecção pelo vírus de imunodeficiência humana (VIH), associa-se a uma diminuição da
excreção dos ovos de S. mansoni e S. haematobium, bem como a virémias VIH mais elevadas, o
que pode acelerar a progressão da infecção VIH.
Diagnóstico
O diagnóstico de Schistosomose aguda, é sugerido pela clínica e a presença de eosinofilia (por
vezes superior a 50%), com relevância no viajante para o conhecimento da área endémica
visitada, exposição ou ingestão de produtos contaminados. Os testes serológicos positivos são
indicação de doença. A tomografia axial computadorizada (TAC), pode mostrar lesões
calcificadas de ovos de S. em vários órgãos - fígado, intestino, sistema nervoso central (SNC). O
diagnóstico definitivo, é estabelecido pela demonstração de ovos de Schistosoma, nas fezes ou
tecidos de biópsia.
Tratamento
Praziquantel- 20mg/kg oral 2id- 1 dia (2 doses), no S. haematobium, intercalatum e
mansoni.
Praziquantel- 20mg/kg oral 3id- 1 dia (3 doses), no S. japonicum e mekongi.
A oxamniquina pode constituir um tratamento alternativo para infecções causadas por
S. mansoni.
O sucesso terapêutico deve ser avaliado 4 a 6 semanas após tratamento com a realização de
exames parasitológicos de fezes.
Profilaxia
Teoricamente a infecção pode ser controlada por variados métodos, mas a sua aplicação tem
sido pouco eficaz, entre eles as medidas de educação sanitária (difíceis em áreas endémicas) e
eliminação do molusco hospedeiro.
Bibliografia
AMEBOSE
Introdução
A amebose é uma infecção causada pelo protozoário intestinal Entamoeba histolytica. Cerca de
90% das infecções são assintomáticas e as restantes 10% produzem um espectro de síndromes
clínicas que vão desde a colite amebiana a abcessos hepáticos ou de outros órgãos.
A amebose constitui um importante problema de saúde pública nos países em
desenvolvimento, sendo a terceira causa mais comum de morte devida a doenças parasitárias
(para além da malária e schistosomose).
O agente responsável por esta infecção, a Entamoeba histolytica, infecta apenas o homem e
tem uma distribuição mundial.
O principal impacto destes protozoários é a capacidade de manterem infecção em 20 a 30%
dos indivíduos que vivem em áreas tropicais e em mais de 5% dos indivíduos que habitam nos
climas temperados.
Etiologia e Taxonomia
As espécies de Entamoeba taxonomicamente pertencem ao subfilum Sarcodina, classe
Lobosea e família Entamoebidae.
As espécies incluem E. histolytica , E. dispar , E. moshkovskii, E. coli, E. hartmanni, E. polecki, E.
chattoni, Dientamoeba fragilis, Iodamoeba butschlii e Endolimax nana.
Muitas espécies de Entamoeba infectam o Homem mas só a E. histolytica causa doença
invasiva. A E. dispar e a E. moshkovskii são morfologicamente idênticas à E. histolytica mas a
primeira é não patogénica e a segunda pode causar diarreia não invasiva.
A classificação baseia-se na morfologia, diferenças antigénicas, caracterização do DNA, análise
de isoenzimas, susceptibilidade aos fármacos, especificidade do hospedeiro, características de
crescimento “in vitro” e virulência “in vivo”.
A E. histolytica, a E. dispar e a E. moshkovskii apresentam uma forma de trofozoíto e uma
forma de quisto. Os trofozoítos das três espécies apresentam numerosas diferenças
antigénicas, mas são morfologicamente indistinguíveis: têm 10-60μm de diâmetro, um núcleo
único contendo uma cromatina periférica fina e um nucléolo central, um citoplasma com
ectoplasma claro e endoplasma granular com numerosos vacúolos.
A infecção por este protozoário ocorre quando os quistos de E. histolytica são ingeridos a
partir de água ou alimentos contaminados. Outros modos menos frequentes de transmissão
incluem a via sexual (sexo oral e anal) e, em raros casos, a inoculação rectal directa através de
aparelhos de enema contaminados. A infecção resulta em colonização ou invasão,
dependendo de vários factores como as estirpes da E. histolytica e sua interacção com a flora
bacteriana, susceptibilidade genética do hospedeiro, malnutrição, sexo, idade e imunidade.
A forma quística é a principal razão da extensa prevalência da infecção a nível mundial, uma
vez que os quistos excretados podem sobreviver durante semanas num meio ambiente
favorável.
A ingestão dos quistos resulta na sua excistação no intestino delgado - o quisto entra em
divisão nuclear e citoplasmática para formar 8 trofozoítos; os trofozoítos multiplicam-se por
fusão binária e têm a capacidade de colonizar ou invadir o cólon; a invasão da mucosa
intestinal pelos trofozoítos exerce um efeito lítico sobre os tecidos e resulta na formação de
úlceras; a migração dos parasitas colónicos para o fígado efectua-se através do sistema venoso
porta; e por fim a amebose hepática consiste na formação de abcessos necróticos ou fibrose
periportal.
Manifestações Clínicas
Colonização assintomática
Todos os indivíduos infectados por E. dispar, E. moshkovskii e muitos dos infectados por E.
histolytica são assintomáticos (doença não invasiva). Contudo, até 20% dos últimos podem vir
a desenvolver doença invasiva no período de um ano. Os doentes com confirmação desta
infecção, mesmo assintomáticos, devem efectuar tratamento para eliminar o microrganismo e
prevenir a sua transmissão.
Diarreia amebiana.
A diarreia amebiana sem desinteria é a manifestação mais comum da infecção por E.
histolytica e tem uma duração média de 3 dias.
Na apresentação mais típica, a colite amebiana cursa com dores abdominais de começo
gradual e insidioso (várias semanas de evolução) e diarreia sanguinolenta. No entanto, a
presença de múltiplas dejecções de fezes mucosas e de pequeno volume ou de diarreia
profusa aquosa também é comum. A febre ocorre em menos de 40% dos doentes. Anorexia e
perda progressiva de peso são frequentes.
Nas crianças, perfuração, peritonite e colite necrotizante podem desenvolver-se rapidamente.
A principal preocupação do médico perante um doente com disenteria é o diagnóstico
diferencial com outras causas infecciosas (Shigella, Salmonella, Campylobacter e E. coli) e as
causas não infecciosas (doença inflamatória intestinal, colite isquémica, diverticulite, ou
malformações arteriovenosas).
Abcesso Hepático
O abcesso hepático amebiano é a manifestação extra-intestinal mais comum da amebose
invasiva, sendo mais frequente no sexo masculino, entre os 18 e 50 anos.
Embora seja desconhecida a causa deste predomínio, possíveis explicações para este facto
podem estar relacionados com efeitos hormonais e ingestão alcoólica.
Para além da sintomatologia clínica apresentada e da investigação laboratorial e imagiológica
apropriadas, o diagnóstico depende de um elevado índice de suspeição, sendo mandatória a
realização de uma história epidemiológica cuidadosa de viagens ou residência em áreas
endémicas.
Caracteriza-se clinicamente por febre (87–100% dos doentes) com 1 a 2 semanas de evolução
e dor no hipocôndrio direito (tipo moedouro ou pleurítica com irradiação para o ombro). Os
sintomas gastrointestinais ocorrem em 10-35% dos doentes e incluem náuseas, vómitos,
cólicas abdominais, distensão abdominal, diarreia ou obstipação. 10 a 30% dos casos
apresentam tosse. A perda de peso ocorre nos casos com evolução mais arrastada
Ao exame objectivo detecta-se hepatomegalia em 30 a 50% dos casos; a icterícia é
infrequente.
Analiticamente, de referir leucocitose (sem eosinofilia), anemia moderada, elevação das
transaminases, fosfatase alcalina e velocidade de sedimentação.
O exame microscópico das fezes para pesquisa de quistos ou trofozoítos de E. histolytica é
habitualmente negativo.
A radiografia torácica pode evidenciar elevação da hemicúpula diafragmática direita. Na
ecografia abdominal, em 80% dos casos observa-se uma lesão única localizada no lobo direito
do fígado.
A aspiração do abcesso permite evidenciar um líquido inodoro, de coloração castanha ou
amarelada e estéril.
É importante o diagnóstico diferencial com o abcesso piogénico, hepatoma e quisto
equinocócico.
Como complicações do abcesso hepático podem surgir ruptura intratorácica (amebose
pleuropulmonar), ruptura intraperitoneal ou ruptura pericárdica (habitualmente a partir de
abcessos localizados no lobo esquerdo e com prognóstico mais reservado).
A mortalidade do abcesso hepático amebiano é baixa (<1%) com tratamento adequado.
Diagnóstico
Microscopia
O exame microscópico permite a identificação de quistos e trofozoítos de E. histolytica. É
executado em esfregaço de fezes coradas com coloração permanente (hematoxilina ou
tricrómio). Esta técnica é demorada e laboriosa, necessitando de várias amostras, uma vez que
o microrganismo é eliminado de forma intermitente; por outro lado, não distingue a E.
histolytica das espécies não patogénicas (E. dispar e E. moshkovskii).
Historicamente a presença de eritrofagocitose pelos trofozoítos era interpretada como muito
sugestiva de infecção por E. histolytica; contudo este dado é raramente observado e também
ocorre nas espécies não patogénicas.
A identificação do parasita no aspirado de abcesso hepático ocorre apenas em 20% dos casos
porque maioritariamente os trofozoítos encontram-se na cápsula do abcesso e não no
aspirado necrótico central.
A cultura de amebas a partir de amostras de fezes só está disponível em alguns laboratórios de
investigação, sendo mais sensível que a microscopia mas significativamente menos sensível
que a detecção de Ag nas fezes ou PCR.
Detecção de Antigénios
Os métodos de detecção de antigénios utilizam anticorpos monoclonais dirigidos contra várias
proteínas da E. histolytica. Está actualmente comercializado um teste de detecção de
antigénios específicos para E. histolytica nas fezes que se baseia na detecção de Gal/GalNAc
lecitina; este teste é rápido e mais sensível quando comparado com a microscopia.
A pesquisa de antigénios no material fecal, por técnica ELISA (TechLab®), permite distinguir a
infecção por E. hystolytica da infecção por E. dispar ou E. moshkovskii.
Requer utilização de fezes frescas ou congeladas, tem sensibilidade inferior à PCR mas
especificidade comparável.
A detecção de anticorpos no soro, na fase aguda, apresenta uma sensibilidade de 80% nos
abcessos hepáticos amebianos e 70% na doença intestinal invasiva. O principal problema dos
testes serológicos é que se mantêm positivos durante anos após o episódio inicial, e por outro
lado, numa fase precoce de abcesso amebiano a serologia pode ser negativa. 5-10% dos
indivíduos provenientes de áreas endémicas apresentam testes serológicos positivos.
Colonoscopia e biopsia
O aspecto macroscópico do cólon pode ser semelhante ao da Doença Inflamatória Intestinal:
mucosa ulcerada, friável, presença de úlceras grandes ou pseudomembranas.
Pode ser difícil identificar as amebas na biopsia cólica contudo, a coloração PAS (periodic acid-
Schiff) ou a reacção de imunoperoxidase podem ajudar a identificar os parasitas.
A limitação da colonoscopia advém do facto de ser um exame invasivo e nos países em
desenvolvimento nem sempre ser possível a sua realização.
Os enemas não devem ser efectuados para preparação dos doentes, porque interferem com a
identificação dos parasitas.
Técnicas Imagiológicas
A ecografia, a TAC e a RMN são importantes na identificação de abcessos hepáticos mas não
conseguem diferenciar o abcesso amebiano do abcesso piogénico. Refira-se que apenas 1/3 a
2/3 dos abcessos hepáticos desaparecem na ecografia ao fim de seis meses. A cintigrafia com
gálio permite diferenciar o abcesso amebiano do piogénico pois o primeiro não demonstra
marcação ou apenas capta à superfície e o segundo exibe captação central.
Tratamento
Os fármacos para tratar a amebose podem ser classificados em 2 grupos de acordo com o seu
local primário de acção.
Em relação aos abcessos hepáticos o metronidazol é o fármaco de eleição e mais de 90% dos
doentes respondem à terapêutica com diminuição acentuada da dor e desaparecimento da
febre em 72h; a resolução completa do abcesso ao fim de 6 meses, ocorre em 2/3 dos
doentes, mas 10% podem ter alterações durante um ano.
A drenagem cirúrgica dos abcessos hepáticos não complicados é geralmente desnecessária e
deve ser evitada.
O papel da aspiração percutânea guiada por TAC é controverso: a aspiração deve ser reservada
para os doentes com diagnóstico incerto, na ausência de resposta à terapêutica médica (febre
persistente >4 dias) e abcessos de grandes dimensões com risco de ruptura (especialmente
abcessos do lobo esquerdo, por risco de ruptura para o pericárdio).
Prevenção
A prevenção da amebose baseia-se na melhoria das condições higiénicas e sanitárias das
populações, bem com na interrupção da disseminação da doença através do tratamento dos
portadores assintomáticos. Nas áreas de elevada endemicidade, a ingestão de frutas ou
vegetais não cozinhados deve ser evitada e a água a consumir deve ser engarrafada.
Os esforços actuais estão direccionados para o desenvolvimento de uma vacina que previna a
doença nos residentes de áreas endémicas e para aqueles que viajam para essas áreas.
Bibliografia
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Mc Graw Hill Education; 2015, p 1363-1367.
TOXOPLASMOSE
Introdução
A toxoplasmose é uma doença infecciosa de distribuição mundial causada pelo Toxoplasma
gondii. A vasta maioria dos indivíduos infectados com este microrganismo é assintomática,
podendo haver reactivação da infecção em condições de imunossupressão.
Se até à década de oitenta os casos de toxoplasmose descritos na literatura ocorriam
essencialmente em doentes com neoplasias hematológicas ou resultavam da transmissão
vertical, actualmente, os avanços científicos e tecnológicos em áreas como a transplantação e
as terapêuticas imunossupressoras, bem como a pandemia da infecção pelo vírus da
imunodeficiência humana, vieram modificar este panorama.
Clínica
Clinicamente a toxoplasmose pode ser classificada em 5 categorias: infecção aguda no
imunocompetente, infecção ou reactivação no doente imunocomprometido, toxoplasmose
ocular, toxoplasmose na gravidez e toxoplasmose congénita.
A manifestação clínica mais comum é a linfadenopatia cervical - os glânglios podem ser únicos
ou múltiplos, são habitualmente indolores à palpação, móveis, < 3cm de diâmetro e não
supuram; podem também atingir as regiões suboccipital, supraclavicular, inguinal e mediastino
(linfadenopatia generalizada ocorrem em 20 a 30% dos doentes sintomáticos). Cerca de 20 a
40% dos doentes com linfadenopatia refere cefaleias, febre e fadiga; em menor percentagem,
apresentam mialgias, odinofagia, dor abdominal, rash maculopapular e meningocefalite. Os
sinais e sintomas associados à infecção aguda habitualmente resolvem em várias semanas mas
a linfadenopatia pode persistir durante alguns meses. Saliente-se aqui o diagnóstico diferencial
com outras infecções (EBV, CMV, tuberculose, doença da arranhadela do gato, sífilis), mas
particularmente com doenças malignas do foro hematológico.
A toxoplasmose é responsável por cerca de 1% das síndromes mononucleósicas (febre,
mialgias, odinofagia, mal estar geral, sudorese nocturna, rash maculo-papular,
hepatoesplenomegalia e linfócitos atípicos <10% no sangue periférico).
Alguns genótipos de T. gondii prevalentes na América do Sul podem ser mais virulentos que
aqueles tipicamente observados na América do Norte e Europa; estes genótipos podem estar
associados a doença ocular aguda ou recorrente em indivíduos imunocompetentes e também
foram associados com pneumonite e quadros de sepsis fulminantes
Outras manifestações mais raras da toxoplasmose aguda incluem miocardite, pericardite,
pneumonite, miosite, hepatite e encefalite.
Infecção no imunodeprimido
Nos indivíduos imunocomprometidos a toxoplasmose pode apresentar um variado espectro de
manifestações clínicas; o diagnóstico precoce requer um elevado índice de suspeição, uma vez
que se a infecção não for tratada atempadamente, pode ser rapidamente fatal.
As alterações na imunidade mediada pelas células T parecem conferir o maior risco de
toxoplasmose, tal como observado nos doentes com neoplasias hematológicas (especialmente
D. de Hodgkin e outros linfomas), os doentes com infecção VIH, doentes transplantados ou sob
terapêutica imunossupressora com doses elevadas de corticosteroides ou imunomoduladores
como agentes anti TNF-alfa (natalizumab; alemtuzumab).
Toxoplasmose ocular
A infecção ocular por Toxoplasma gondii causa cerca de 35% de todos os casos de
coriorretinite nos EUA e na Europa. Era formalmente aceite que a maioria dos casos de doença
ocular resultava de infecção congénita mas tem-se constatado novos casos em indivíduos
imunocompetentes e associados a surtos em alguns países na América do Sul.
As lesões coriorretinianas podem resultar de infecção congénita ou surgir no decurso de
infecção toxoplásmica aguda. Os doentes que apresentam coriorretinite como sequela tardia
da infecção “in utero” demonstram envolvimento ocular bilateral com atingimento da mácula.
Se a coriorretinite surge no contexto de infecção aguda, o envolvimento é geralmente
unilateral e poupando a mácula.
A sintomatologia mais referida compreende visão enublada, escotomas, fotofobia, e dor
ocular. O envolvimento da mácula ocorre com perda da visão central. O envolvimento dos
músculos extraoculares pode levar a alterações da convergência e estrabismo. À medida que a
inflamação diminui a visão melhora, mas agravamentos episódicos de coriorretinite podem
destruir progressivamente o tecido retiniano e levar ao aparecimento de glaucoma.
O exame oftalmológico é de particular importância e as lesões estão habitualmente localizadas
próximo do pólo posterior da retina; podem ser únicas, mas mais frequentemente são
múltiplas. As lesões congénitas podem ser uni ou bilateriais e evidenciam degeneração massiva
corioretiniana com fibrose extensa.
Impõe-se nestas situações o diagnóstico diferencial com outras causas de uveítes posteriores
como tuberculose, sífilis, lepra, histoplasmose, etc.
Dos vários factores que influenciam o prognóstico, a idade gestacional na altura da infecção é
o mais crítico: se esta ocorre no 1º trimestre, a incidência da infecção transplacentária é baixa
(10 a 25%) mas a doença no R.N. é grave (coriorretinite, estrabismo, cegueira, epilepsia,
microcefalia, calcificações cerebrais, anemia, icterícia, pneumonite, hidrocefalia, diarreia, etc.);
se a infecção ocorre no 3º trimestre a incidência da infecção transplacentária é maior (60 a
65%), mas a criança é habitualmente assintomática ao nascer. No entanto, estudos recentes
sugerem que estas crianças podem ter maiores dificuldades na aprendizagem e sequelas
neurológicas crónicas.
Na ecografia pré-natal as alterações sugestivas de doença congénita incluem calcificações
intracranianas, dilatação ventricular, hepatomegalia, ascite e aumento da espessura da
placenta.
Diagnóstico
A infecção por T. gondii pode ser diagnosticada indirectamente por métodos serológicos e
directamente por PCR, cultura celular e inoculação no ratinho.
Testes Serológicos
Os testes serológicos para a demonstração de anticorpos especificos anti Toxoplasma gondii
são os métodos principais de diagnóstico.
Os anticorpos IgG surgem uma a duas semanas após a infecção, elevam-se em seis a oito
semanas e depois declinam durante os dois anos seguintes. Estes anticorpos permanecem
detectáveis durante toda a vida. Os anticorpos IgM podem ser detectados na primeira semana
de infecção e geralmente declinam nos meses seguintes. Contudo, estes anticorpos podem por
vezes persistir por mais de 1 ano após a infecção inicial. A presença de IgA circulantes favorece
o diagnóstico de infecção recente.
Nos doentes imunocompetentes com quadro linfadenopático um título positivo de IgM é uma
indicação de infecção aguda e deve ser repetido passadas 3 semanas. Uma elevação do título
IgG sem aumento do título de IgM sugere que a infecção está presente mas não é aguda. Se se
verificar um aumento ”borderline” de IgG e IgM os títulos devem ser repetidos dentro de 3 a 4
semanas.
As técnicas disponíveis são ELISA IgG (é o teste standard usado na maioria dos laboratórios),
Teste de Sabin-Feldman dye, IFA (teste de imunofluorescência indirecta), ISAGA IgG ou IgM
(teste de aglutinação), Teste da avidez de IgG (importante no diagnóstico durante a gravidez).
PCR
O diagnóstico por técnicas moleculares - PCR - tem elevada sensibilidade e especificidade, e
pode ser efectuada em vários líquidos corporais (sangue, LCR, urina, humor vítreo) e tecidos
(placenta, tecidos fetais) A PCR do liquido amniótico veio revolucionar o diagnóstico intra-
uterino de infecção por T. gondii.
A PCR em tempo real é uma técnica promissora que pode fornecer resultados quantitativos; os
isolados podem ser genotipados e as sequências polimórficas podem ser obtidas com
consequente identificação precisa da estirpe infectante.
Histologia
A demonstração de taquizoítos em amostras de tecidos ou líquidos corporais sugere o
diagnóstico de infecção aguda ou reactivação de infecção latente; por outro lado, a
demonstração de quistos contendo bradizoítos confirma apenas infecção prévia por este
protozoário. A histologia dos gânglios linfáticos é muito característica e a biopsia
endomiocárdica tem sido usada com sucesso para diagnosticar toxoplasmose nos receptores
de transplante cardíaco.
Isolamento
Embora largamente substituído pela PCR, o isolamento de T. gondii quer por cultura celular
quer por inoculação no ratinho, a partir do sangue ou outros líquidos corporais pode ser usado
para diagnosticar infecção aguda.
O isolamento do organismo na placenta é muito sugestivo de envolvimento fetal e o
isolamento a partir de tecidos fetais é diagnóstico de infecção congénita.
Tratamento
Indivíduos imunocompetentes
As formas linfadenopáticas não requerem tratamento específico, a menos que haja doença
visceral ou os sintomas sejam graves e persistentes. A combinação de pirimetamina (50mg
cada 12 horas durante 2 dias seguida de 25-50mg/dia), sulfadiazina (1g de 6 em 6 horas) e
ácido folínico (10-20mg/dia durante e uma semana após a terapêutica com pirimetamina),
durante 2 a 4 semanas é a recomendada. As infecções adquiridas por acidentes profissionais
ou transfusões são potencialmente mais graves e os doentes infectados por estas vias devem
provavelmente ser tratados
Indivíduos imunocomprometidos
A experiência de tratamento da toxoplasmose nos doentes imunocomprometidos tem sido
mais extensivamente estudada nos doentes com infecção VIH, daí que os regimes terapêuticos
possam em grande parte, e na ausência de dados, ser extrapolados directamente para os
doentes com outros tipos de imunodeficiência (transplantados, neoplasias e terapêuticas
imunossupressoras).
O tratamento da toxoplasmose cerebral nos indivíduos infectados pelo VIH inclui tratamento
da fase aguda e tratamento de manutenção (secundário)
É considerado regime preferencial a associação pirimetamina+ sulfadiazina+ácido folínico.
Assim,
Se </=60Kg pirimetamina: dose de indução 200 mg po, toma única, seguida de
pirimetamina 50mg, po, id + sulfadiazina 1 g, po, 6/6H + ácido folínico (10-25mg, po, id
durante e uma semana após o tratamento com pirimetamina
Se > 60Kg pirimetamina: dose de indução 200 mg po, toma única, seguida de pirimetamina
75mg, po id + sulfadiazina 1,5 g, po, 6/6H + ácido folínico (10-25mg, po, id durante e uma
semana após o tratamento com pirimetamina).
sulfadiazina + atovaquona
atovaquona
pirimetamina + azitromicina (900mg -1200mg per os, dia)
A terapêutica de fase aguda deve ser mantida durante 6 semanas, ou prolongar-se se não
existir melhoria clínica e radiológica.
Os corticosteroídes (dexametasona) devem ser administrados quando clinicamente indicado
para reduzir o efeito de massa associado a lesões focais ou associado a edema.
Após terem completado a terapêutica da fase aguda todos os doentes devem manter
terapêutica crónica de manutenção:
- Regimes preferenciais: pirimetamina (25-50mg, po, dia) + sulfadiazina (2 a 4g, po, id,
dividida em 2 a 4 doses) + ácido folínico (10-25mg/dia)
- Regimes alternativos:
clindamicina (600mg, po, 8/8h)+ pirimetamina(25-50mg, po,id) + ac. folinico (10-
25mg/dia)
trimetropim + sulfametoxazol (960mg, per os, 2id)
atovaquona (750-1500mg, po, 2id )+ pirimetamina+ ác. folínico
atovaquona + sulfadiazina;
atovaquona.
Situações particulares
deve ser utilizada nas primeiras 18 semanas de gestação pela teratogenicidade (nestas
circunstâncias recomenda-se apenas a sulfadiazina+clindamicina, embora os dados relativos à
sua eficácia sejam insuficientes).
Profilaxia primária
A profilaxia primária é recomendada nos indivíduos com infecção pelo VIH com linfócitos T
CD4+ < 100/mm3 e que apresentam serologia positiva para T. gondii.
Os fármacos utilizados são o trimetoprim-sulfametoxazol (cotrimoxazol) 960mg, po, id;
regimes alternativos incluem a associação pirimetamina e dapsona ou atovaquona (1500 mg
po id)
A profilaxia primária pode ser descontinuada quando a contagem de linfócitos T CD4+ é
superior a 200 células/mm3 por um período superior a 3 meses em resposta à terapêutica
antirretrovírica.
Prevenção
Uma vez que não existe uma vacina disponível, a prevenção assume particular importância na
mulher grávida e no indivíduo imunocomprometido. A probabilidade de adquirir a infecção é
reduzida se determinadas precauções forem tomadas, como por exemplo:
- evitar o contacto com materiais potencialmente contaminados com fezes de gatos,
especialmente quando se manuseia a “caixa de areia” e jardinagem ( a utilização de
luvas é aconselhada nestas actividades);
- lavar as mãos após manuseio de carne crua;
- evitar a ingestão de carne mal cozinhada (cozinhar a 67 graus), carne fumada ou
curada;
- lavar as frutas e os vegetais antes do seu consumo;
- evitar a ingestão de marisco cru incluindo ostras, mexilhões e amêijoas;
Bibliografia
1. Toxoplasma gondii Encephalitis. Guidelines for the Prevention and Treatment of
Opportunistic Infections in HIV-Infected Adults and Adolescents. (last updated December
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2. The Sanford Guide to Antimicrobial Therapy 2017. 47 th Edition. Antimicrobial Therapy, Inc.;
2017.
3. Toxoplasma Infection. Kim K., Kasper L. H. In Kasper, Fauci, Hauser, Longo, Jameson,
Harrison´s Principles of Internal Medicine. 19th Edition. Mc Graw Hill Education; 2015, p
1398-1405
LEISHMANIOSE
Definição
A Leishmaniose (L) é causada por um Protozoário do Género Leishmania (Ordem
Kinetoplastida), podendo assumir variadas síndromes clínicas. É endémica nos trópicos e
regiões subtropicais e assume elevada importância a nível mundial, devido à sua expansão
através das viagens, guerras e serviços humanitários intercontinentais e na infecção pelo vírus
da imunodeficiência humana (VIH). Os roedores, caninos, entre outros, são os reservatórios
habituais da Leishmania, sendo o Homem um reservatório acidental. No Homem a
leishmaniose visceral (L.V) ou Kala-azar, a cutânea (L.C), e a mucosa (L.M) resultam da infecção
dos macrófagos (sistema fagocítico-mononuclear), pele e mucosa naso-orofaríngea,
respectivamente.
Etiologia
A Leishmaniose é transmitida ao Homem pela picada de um mosquito (fêmea) do
Género Phlebotomus (no velho continente - europa) ou Lutzomyia (no novo continente -
América). Contudo, existem ainda outras vias de transmissão que ocorrem mais raramente,
nomeadamente através de transfusão sanguínea, prática de sexo anal, transmissão congénita
e exposição ocupacional (adquirida em laboratórios).
É importante o conhecimento epidemiológico, zona geográfica e manifestações clínicas da
doença. As espécies Mayor de Leishmania que causam doença humana dividem-se em 2 sub-
géneros:
1-Sub-género Leishmania
- Complexo de L. donovani:
---L. donovani – L.V (também, L.C pós kala-azar e L.C do velho continente); existindo na China,
subcontinente indiano (Índia, Nepal e Bangladesh), no sudoeste da Ásia, Etiópia, Quénia,
Sudão e esporadicamente na África subsaariana.
---L. infantum – L.V (também, L.C do velho continente); existe na China, Ásia central e
sudoeste, no este da Europa, África do norte, Etiópia, Sudão e esporadicamente na Africa
subsaariana.
---L.Chagasi – L.V (também, L.C do novo continente); existe na América central e sul.
-Complexo de L. mexicana:
---L. mexicana – L.C do novo continente (também, L.C difusa); existe no Texas, México e na
América central e sul.
---L. amazonensis – L.C do novo continente (também, L.M, L.C difusa e L.V); existe no Panamá e
na América do sul.
-L. tropica: - L.C do velho continente (também, L.V); existe em: Ásia central, Índia, sudoeste da
Ásia, Turquia, Grécia, África do norte, Etiópia, Quénia e Namíbia.
-L. major – L.C do velho continente; existe na Ásia central, Índia, sudoeste da Ásia, centro-
oeste da Turquia, África do norte, Etiópia, Sudão e Quénia.
-L. aethiopica – L.C do velho continente (também, L.C difusa); existe: Etiópia e Quénia.
2-Sub-género Viannia:
-L. braziliensis – L.C do novo continente (L.M); existe na América do norte e sul.
-L. panamensis – L.C do novo continente (L.M); existe na América central, Venezuela,
Colômbia, Equador e Peru.
Clínica
A L.V (Kala-azar) tem uma incubação de 3-8 meses, mas pode ser de 10 dias a 34 meses. O
início pode ser súbito ou gradual. Classicamente apresente-se com: febre, perda de peso,
hepatoesplenomegália, linfadenopatias, anemia ou pancitopenia, hipergamaglobulinémia e
raramente como hepatite aguda, bacteriémia e S. Guillan-Barré. A L.V é fatal se não tratada. A
L.C pode variar entre uma lesão cutânea ulcerada localizada, a nódulos disseminados, com
envolvimento mucocutâneo e visceral. É raro o envolvimento exclusivamente cutâneo com a
infecção VIH. A L.M é caracterizada por uma infecção das membranas mucosas do nariz, boca,
orofaringe e laringe, apresentando lesões desfigurantes.
Co-infecção L.V/VIH
Na co-infecção L.V/VIH verifica-se sempre uma dúvida entre uma infecção primária e uma
reactivação, uma vez que pode tratar-se, quer de uma infecção primária por Leishmania
favorecida pela imunossupressão da infecção VIH, quer de uma infecção latente por
Leishmania que é reactivada pela depleção imunológica. A L.V promove a progressão clínica e
o desenvolvimento de condições definidoras de SIDA aumentado a mortalidade dos doentes
infectados por VIH. O risco de desenvolvimento de L.V nas áreas endémicas é cerca de cem a
mil vezes superior na infecção VIH. Esta última, também compromete a resposta terapêutica e
aumenta a probabilidade de recidivas, pelo que facilmente se conclui que ambas as doenças
exercem um efeito cumulativo na imunossupressão dos indivíduos afectados.
Nos últimos anos foi proposto, especialmente nos países do Sul da Europa, um ciclo de
transmissão alternativo que inclui a partilha de seringas pelos utilizadores de drogas
endovenosas (UDE). Representa, por um lado, um ciclo artificial, visto que as seringas
substituem os mosquitos, sendo a metaciclogénese desnecessária uma vez que já ocorre
transmissão das formas amastigotas e, por outro lado, trata-se de um ciclo antroponótico pois
os UDE actuam como reservatório dos parasitas.
Actualmente, segundo a OMS, esta co-infecção atinge 35 países. Até ao início de 2001 foram
reportados 1911 casos de co-infecção nos países do sudoeste da Europa, 8,3% dos quais em
Portugal. Na bacia mediterrânica 25% a 70% dos casos de LV ocorrem em adultos co-
infectados por VIH e 1,5% a 9,0% dos doentes com SIDA sofrem reactivações ou infecções
primárias. O verdadeiro impacto da realidade desta co-infecção está provavelmente
subestimado, uma vez que o facto de não ser uma doença definidora de SIDA condiciona a sua
subnotificação.
Os doentes infectados com o VIH podem ter apresentações atípicas da doença. Em áreas
endémicas como a França, aproximadamente 10% dos doentes com infecção VIH têm infecção
assintomática por Leishmania. Nesta população, a L.V é responsável por 7% a 23% dos casos de
“febre de origem desconhecida”. Habitualmente manifesta-se em doentes com
imunossupressão avançada, sendo a contagem de linfócitos T CD4+ inferior a 200 células/mm 3
em 77% a 90% dos casos.
Diagnóstico
Deve ser sempre considerado em doentes de áreas endémicas conhecidas e também em
viajantes, emigrantes, militares e em doentes infectados com o VIH. O diagnóstico definitivo
requer a demonstração do parasita (amastigotas), nos tecidos, por observação em microscopia
ou pelo crescimento deste (promastigotas) em cultura em meio próprio para Leishmania como
o meio Novy-McNeal-Nicolle (através de biópsia de pele, punção-aspiração, incisão ou
aspiração de bordos de ulceras, cutâneas ou mucocutâneas, medula óssea, biópsia ou
aspiração de nódulos linfáticos). Em doentes com Kala-azar co-infectados com o VIH, os
amastigotas podem encontrar-se em vários locais e tecidos como: lavado bronco-alveolar,
liquido de derrame pleural, tecido de biópsia da faringe, estômago e ou intestino. Existem
ainda outros métodos de diagnóstico como: serologia, testes cutâneos e PCR (sensibilidade de
90% e especificidade de 100% na L.V). O teste de detecção antigénica na urina (rK39), pode vir
a constituir uma alternativa em doentes imunodeprimidos que não desenvolvam uma resposta
humoral e na distinção entre formas activas e subclínicas.
A aspiração esplénica é considerada o método diagnóstico mais sensível, contudo não é uma
prática isenta de riscos e complicações (inferiores a 1%). No entanto, o procedimento
diagnóstico mais frequentemente utilizado para confirmação parasitológica é a aspiração de
medula óssea, que poderá não demonstrar a presença de amastigotas, caso exista uma
medula óssea hipoplásica como em situações de imunossupressão avançada.
Tratamento
L.V (Kala-azar)
Anfotericina B lipossómica 1. 10 mg/kg e.v., 1 ou 2 doses;
2. 3 mg/kg/dia e.v., dias 1-5, 14 e 21
(dose total 20 mg/kg)
Anfotericina B 0,7-1 mg/kg/dia e.v., em dias alternados,
15-20 doses
Miltefosina 1. 50 mg/dia p.o. (>12 anos e peso
<25 kg), 28 dias;
2. 100 mg/dia p.o. (>12 anos e peso
>25 Kg), 28 dias;
3. 150 mg/dia p.o. (>12 anos e peso
>50 kg), 28 dias
v+
Antimónio pentavalente 20 mg Sb /kg/dia i.m. ou e.v., 28-30 dias
Pentamidina 4 mg/kg/dia e.v. ou i.m., em dias
alternados ou 3x/semana, 15 a 20 doses
Paromomicina 15 mg i.m. (11mg base)/kg/dia, 21 dias
Terapêutica combinada:
1. Anfotericina B lipossómica 5 mg/kg e.v. dose única + miltefosina p.o. 7-14
dias;
2. Anfotericina B lipossómica 5 mg/kg e.v. dose única + paromomicina 15mg
i.m. (11 mg base)/kg/dia, 10 dias
3. Miltefosina p.o. 10 dias + paromomicina15mg i.m. (11 mg base)/kg/dia, 10
dias
4. Antimónio pentavalente 20 mg Sbv+/kg/dia i.m. ou e.v., 17 dias +
paromomicina15mg i.m. (11 mg base)/kg/dia, 17 dias
Leishmaniose cutânea
O tratamento depende da espécie em causa e da extensão da lesões, podendo
adoptar-se uma atitude meramente expectante (resolução espontânea) ou optar-
se pela administração de fármacos sistémicos (ou tópicos, estes em fase de
investigação).
Prevenção e quimioprofilaxia
Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 373
Doenças Infeciosas 2017
Referências
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10.2147/CLEP.S44267. eCollection 2014.
Vacinação em adultos
O Programa Nacional de Vacinação (PNV) celebrou os seus 50 anos em 2015. A vacinação está
frequentemente associada à idade pediátrica, contudo, existem vacinas que têm indicações
nos adultos e que permitem, tal como nas crianças, a prevenção do desenvolvimento de
patologias graves. A vacinação no adulto não é tão estruturada e universal como nas crianças,
e várias vacinas estão apenas recomendadas para indivíduos com situações clínicas especificas.
É fundamental conhecer que vacinas existem no mercado e ainda mais importante, quais são
os nossos doentes que melhor podem usufruir das suas vantagens.
Vacina da Hepatite A
O vírus da hepatite A (VHA) é transmitido preponderantemente pela via fecal-oral. Nos países
em desenvolvimento a infecção é muito comum na infância por contacto com água ou
alimentos contaminados. Nos países desenvolvidos a melhoria das condições socioeconómicas
e higieno-sanitárias das populações reflete-se na menor probabilidade de imunização natural
na infância com consequente aumento da população adulta suscetível. Nos países ocidentais
(incluindo Portugal) têm-se registado surtos de hepatite A aguda em adultos, sobretudo na
população homossexual masculina (HSH), o ultimo dos quais muito recentemente no final de
2016 e inicio de 2017.
O rastreiro de imunidade para VHA (anticorpo anti-VHA IgG) e a vacinação dos não imunizados
é recomendada para a população suscetível com fatores de risco/patologias crónicas
associadas, nomeadamente:
HSM
Doença hepática crónica
Indivíduos que recebem fatores de coagulação
Viajantes para áreas endémicas
Imunodeprimidos
Utilizadores de drogas endovenosas
Em Abril de 2017, no decurso do surto de hepatite A a Direção-Geral de Saúde (DGS) emitiu
uma norma relativamente à vacinação da hepatite A em que considera:
1. Os indivíduos a quem já tiver sido administrada uma dose de vacina contra a hepatite A
no decurso da sua vida não necessitam de segundas doses, considerando-se estarem
protegidos.
2. Em contexto de pós-exposição são elegíveis para vacinação os contactos de pessoas
com hepatite A (coabitantes e contactos sexuais) até 2 semanas após última exposição,
devendo ser administrada dose única de vacina em formulação adequada à idade.
Deve ser considera a administração de imunoglobulina intravenosa às pessoas com
compromisso imunitário, doença hepática crónica, contraindicação à vacinação e
crianças com menos de 12 meses de idade.
3. Em contexto pré-exposição devem ser vacinados os HSH e que se desloquem ou vivem
em locais afetados pelo atual surto e viajantes para áreas endémica. A DGS preconiza
nestas situações a administração de dose única de vacina em formulação pediátrica
(situação a rever logo que o surto esteja terminado).
Uma vez terminado o surto, a vacinação deve ser realizada à população com os fatores de risco
acima detalhados, com uma das formulações comercializadas em Portugal (Vaqta® e Havrix®)
nas formulações adequadas à idade, segundo o esquema de 1 administração seguida de dose
de reforço 6 a 12 meses após.
Nos indivíduos que não sejam imunes contra o Vírus da Hepatite B, deve ser considerada a
formulação Twinrix®, que confere imunidade para o VHA e o VHB, devendo ser administradas
3 doses (0, 1 e 6 meses).
Vacina da Hepatite B
A vacinação contra o Vírus da Hepatite B (VHB) faz parte do PNV desde 1987. Contudo, a
duração precisa da proteção conferida pela vacinação é desconhecida pelo que há que
considerar a existência de indivíduos adultos não imunes e, deste modo, em risco de serem
infectados.
O VHB é transmitido através das mucosas ou de forma percutânea quando expostas a fluidos
contaminados (sangue, sémen, saliva). Deste modo, os indivíduos com maior risco e cuja
vacinação é recomendada são:
Profissionais de Saúde (médicos, enfermeiros, auxiliares de ação médica, entre outros)
Vacina da Hepatite E
O vírus da Hepatite E é transmitido pela via fecal-oral. A distribuição geográfica é sobretudo
nos países do Sudeste Asiático e China. As estimativas da Organização Mundial de Saúde
(OMS) estima que ocorram anualmente 20 milhões de infecções, destes 3.3 milhões se
traduzam em quadros de hepatite clínica e cerca de 56600 mortes.
Existe vacinação contra o vírus da Hepatite E mas apenas se encontra licenciada e
comercializada na China.
Vacina da Gripe
A vacina da Gripe é provavelmente a imunização mais comum e conhecida na população
adulta a nível mundial. Ainda que a infeção pelo vírus da Gripe esteja, na maioria das
situações, associada a quadros clínicos autolimitados, a morbilidade é importante e não raras
vezes podem haver complicações sistémicas, particularmente na população mais idosa e com
comorbilidades.
Assim, a DGS recomenda a vacinação aos seguintes grupos:
Pessoas com idade igual ou superior a 65 anos.
Doentes crónicos (ex. asma sob terapêutica com corticoides inalados ou sistémicos;
DPOC; insuficiência cardíaca crónica; cardiopatia isquémica; insuficiência renal crónica;
cirrose; hepatite crónica; diabetes mellitus; obesidade; entre outras) e
imunodeprimidos, com 6 ou mais meses de idade.
Grávidas.
IMUNOCOMPROMETIDOS
o Asplenia ou disfunção esplénica (*) (asplenia congénita ou adquirida; doença e
células falciformes; outras hemoglobinopatias com disfunção esplénica)
o Imunodeficiência primária (*)
o Infecção por VIH (*)
o Receptor de transplante (*) (células precursoras hematopoiéticas e órgãos
sólidos)
o Doença neoplásica ativa (*) (leucemias; linfomas; mieloma múltiplo; outros
tumores malignos)
o Imunossupressão iatrogénica (terapêutica com fármacos biológicos;
quimioterapia; radioterapia; corticoterapia sistémica se prednisolona ou
equivalente em dose 20mg/dia durante >14 dias)
o Síndrome de Down
o Síndrome nefrótico (*)
(*) Nestas patologias os indivíduos estão isentos do pagamento da vacina, ainda que no caso
da infecção por VIH a gratuidade apenas se aplica quando a contagem de células CD4 < 500
células /mm3.
Existem situações especiais e que se deve ter atenção para a optimização do efeito protetor da
vacina, nomeadamente:
Infecção VIH: se células CD4<200/mm3 deve-se vacinar sem necessidade de aguardar
por reconstituição imunitária; ponderar uma dose extra de vacina após CD4>200/mm 3.
Esplenectomia cirúrgica: se intervenção eletiva vacinar 2 semanas antes; se intervenção
urgente vacinar 2 semanas após.
Doenças autoimunes: 4 semanas antes do início de terapêuticas imunossupressoras.
Transplantação: em espera para transplante de órgão sólido vacinar no mínimo 2 a 4
semanas antes; após o transplante vacinar 6 meses depois.
Vacina da Varicela
A varicela é uma doença predominantemente da infância, benigna e altamente contagiosa.
Pode-se associar a complicações graves, quer associadas a sobre-infecção bacteriana (celulite,
pneumonia, fasceíte, choque tóxico) quer ao próprio agente viral, nomeadamente encefalite,
cerebrite ou pneumonia. As complicações são mais comuns nos adultos que não tiveram
contato com o vírus na infância. A infecção na grávida acarreta especial risco, nomeadamente
pela maior frequência de pneumonite, que pode ser fatal em cerca de 40% dos casos.
Assim, recomenda-se a vacinação nos seguintes grupos de risco:
Indivíduos não imunes em ocupações de alto risco (trabalhadores da saúde,
professores, trabalhadores de creches e infantários)
Mulheres não imunes antes da gravidez
Pais de criança jovem, não imunizados
Adultos ou crianças que contatam habitualmente com doentes imunodeprimidos.
A vacina da varicela é constituída por Vírus da Varicella Zoster vivo atenuado, que, sendo
segura no imunocompetente, está limitado o seu uso nos imunodeprimidos, grávidas, menores
de 1 ano e indivíduos com terapêutica com salicilatos (não devem ser prescritos salicilatos até
6 semanas após a vacinação). A vacina comercializada em Portugal é a Varivax® e a Varilrix®,
Adultos a partir dos 56 anos de idade que nunca foram vacinados, deve ser
administrada 1 dose de vacina.
Vacinação no viajante
A consulta do viajante é de especial importância para uma preparação adequada do estado de
saúde do individuo para condições que virá a enfrentar no país de destino. Neste momento de
consulta, várias recomendações devem ser transmitidas pelo clínico, nomeadamente cuidados
de higiene, dietéticos e de cuidados especiais para, por exemplo, evitar picadas de mosquitos
(vetores muito associados a doenças tropicais). A revisão do Boletim de vacinas e a sua
atualização é também um ponto importante. Por fim deve-se avaliar quais profilaxias e
vacinações devem ser tomadas de acordo com o destino, duração da viagem e com as
atividades que se planeiam realizar.
De seguida destaca-se algumas das vacinações mais usadas nestas circunstâncias.
Vacina da Cólera
A cólera é uma doença causada pela bactéria Vibrio cholerae e é responsável por diarreia
severa e vómitos. A desidratação é comum devido a incapacidade de ingerir líquidos pela via
oral e pela enorme perda de fluídos.
A vacinação é recomendada para voluntários que se desloquem para áreas de desastres
naturais em países com más condições de higiene (ex. após sismos ou tsunamis), para campos
de refugiados e viajantes para países onde decorram surtos de cólera.
A vacina disponível no mercado é a Dukoral®, em suspensão e granulado efervescente para
suspensão oral, conferindo imunidade 1 semana após a administração da 2ª dose. Duração da
imunidade de 6 meses a 2 anos.
Referências
https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs/normas-e-circulares-normativas/norma-n-0162016-de-
16122016.aspx
http://www.immunize.org/askexperts/experts_hib.asp
https://www.cdc.gov/vaccines/vpd/hib/hcp/recommendations.html
http://app10.infarmed.pt/prontuario/framepesactivos.php?palavra=vacina&x=0&y=0&rb1=0
http://www.ema.europa.eu/ema/
http://www.fitfortravel.nhs.uk/home.aspx
Verificar antecipadamente o estado dos seus dentes e, se usar óculos graduados, não
se esquecer de levar um par de reserva. Se utilizar aparelhos eletrónicos (auditivos e outros)
levar consigo pilhas suplementares.
Finalmente, se não estiver protegido por um seguro de saúde, é uma atitude
previdente a realização de um seguro de viagem que inclua a evacuação, especialmente nas
deslocações para países em que os cuidados de saúde locais não sejam ainda os melhores.
Antes de partir o viajante deve consultar com a devida antecedência (1 mês será em
regra suficiente) o seu médico de família; se por qualquer motivo ele sentir dificuldades nos
conselhos a prestar, seguramente o enviará a uma consulta de Medicina do Viajante.
Bibliografia
- Chiodini JH, et al. Recommendations for the practice of travel medicine. Travel Med Infect Dis
2012; 108(3): 109-28.
- Freedman DO, et al. Medical Considerations before International Travel. N Engl J Med 2016;
375: 247-60.
INTRODUÇÃO
Por outro lado, no último século assistiu-se a um aumento significativo da longevidade, mas
nem sempre o prolongamento da vida se faz com a qualidade desejável. Os períodos terminais,
caracterizados por uma diminuição das defesas do organismo, são frequentemente passados
em internamento.
Este Programa surgiu como resposta à necessidade de uma nova abordagem de ambos os
problemas, potenciando as oportunidades geradas pela sua interligação. Criado em 2013,
como um dos nove programas de saúde prioritários da Direção Geral da Saúde (DGS), o PPCIRA
resultou da fusão do Programa Nacional de Controlo da Infeção com o Programa Nacional de
Prevenção da Resistência Antimicrobiana. O Despacho n.º 15423/2013 determina e regula esta
estrutura de gestão.
De acordo com o referido despacho, foram criados os Grupos de Coordenação Regional e Local
do Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos (GCR-
PPCIRA e GCL-PPCIRA), substituindo os primeiros, os Grupos Coordenadores Regionais de
Prevenção e Controlo de Infeção e os segundos, as Comissões de Controlo de Infeção e as
Comissões de Antibióticos.
Por outro lado, a promoção de boas práticas de prevenção e controlo da infeção permitem
reduzir a transmissão e a incidência da infeção, reduzindo as situações em que é necessária
prescrição antibiótica, reduzindo o consumo de antibióticos e consequentemente o
aparecimento de resistências.
Um dos objetivos fundamentais do PPCIRA é a redução das taxas de infeção associada aos
cuidados de saúde, através da prevenção e do controlo da sua transmissão.
DEFINIÇÕES E CONCEITOS
Excluem-se desta definição os doentes com evidência de processos infeciosos nas primeiras
48-72 horas de internamento por se admitir que se tratariam de infeções adquiridas na
comunidade, em incubação na altura da hospitalização, à exceção de doente com
internamento recente em unidade hospitalar.
Infecção
Colonização
Portador
Contaminação
Disseminação
1 - Hospedeiro susceptível
Todo o doente é mais ou menos
imunodeprimido, dependendo da patologia
que motivou o internamento e suas das
comorbilidades e portanto mais suscetível
de desenvolver infecção quando exposto à
contaminação hospitalar/ unidade de saúde.
Os profissionais são frequentemente
expostos à contaminação mas raramente
são vítimas de infeção.
Por outro lado, os doentes são sujeitos a procedimentos invasivos que os tornam mais
suscetíveis às infeções: cirurgias, cateterismos (algaliação, cateteres vasculares, ventilação),
pressão terapêutica (antibióticos, corticóides, quimioterapia, ...).
–Insuficientes respiratórios,
–Doentes com patologias de pele: queimados, doentes com feridas abertas, feridas em
politraumatizados, úlceras de pressão,
–Fumadores,
2 - Microrganismo
Os microrganismos são “nossos amigos”, são parte essencial da nossa ecologia microbiana
própria para que se mantenha um equilíbrio desejável, sendo necessário compreender a sua
interacção com o homem:
–Especificidade,
–Características antigénicas,
–Adesividade,
3 - Ambiente hospitalar
Em ambiente hospitalar, o principal reservatório dos agentes patogénicos é o corpo humano,
embora o ambiente inanimado seja um fator também muito importante. Os reservatórios
humanos nos quais se incluem doentes, profissionais de saúde, visitantes, podem transmitir
microrganismos por apresentarem infecções ativas mesmo que assintomáticas, ou ainda por se
encontrarem colonizados.
Pela sua frequência, morbilidade mortalidade e custos, as IACS são um importante problema
de saúde pública.
O risco de contrair uma IACS não é necessariamente o mesmo em todas as áreas do hospital.
Este risco depende do tipo de cuidados e das características do doente condicionando a
incidência das infecções que aí ocorrem. Maiores incidências são de esperar (podendo atingir
os 50%) em Unidades de Cuidados Intensivos, onde os doentes são submetidos a métodos
Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 397
Doenças Infeciosas 2017
Não esquecer que as IACS são em grande parte evitáveis se todos os profissionais de saúde
aderirem rigorosamente às normas de boas práticas esplanadas de seguida.
Em 1996, o National Health and Medical Research Council (NHMRC) adotou a terminologia:
“standard precautions” e “additional precautions”.
Estas precauções, Precauções Básicas de Controlo de Infeção (PBCI) e Precauções Baseadas nas
Vias de Transmissão (PBVT), baseiam-se nas vias de transmissão dos microrganismos e definem
as boas práticas, essenciais à prestação dos cuidados de saúde.
Esta abordagem bidual e complementar, vem reforçar o nível de proteção dos doentes, dos
visitantes, dos profissionais de saúde e de outros.
As Precauções Básicas de Controlo de Infeção (PBCI) partem do princípio que todo o doente
pode constituir um risco de transmissão de microrganismos e destinam-se a prevenir a
transmissão cruzada proveniente de possíveis fontes de infeção. Estas potenciais fontes de
infeção incluem o sangue e outros fluidos orgânicos (excluindo o suor), pele não intacta,
mucosas assim como qualquer material ou equipamento do ambiente de prestação de
cuidados passível de sofrer contaminação.
O princípio subjacente às PBCI é de que “não há doentes de risco, mas sim, procedimentos de
risco”. O cumprimento das PBCI garante a segurança dos doentes, dos profissionais de saúde e
de todos os que entram em contacto com os serviços de saúde, pelo que devem ser adotadas
por todos.
A aplicação das PBCI durante a prestação de cuidados é determinada pelo nível de interação
entre o prestador de cuidados e o utente e o grau de exposição que se prevê ao sangue ou
outros fluidos orgânicos.
1. Colocação de doentes
b. Diarreia,
c. Traqueostomia.
Doentes com algum destes riscos devem ser colocados num lugar que os minimize, ex: local
afastado das zonas de maior circulação.
A higiene das mãos é considerada como a medida mais importante para a redução da
transmissão de agentes infeciosos durante a prestação de cuidados.
Os profissionais de saúde devem proceder à higiene das mãos de acordo com o modelo
conceptual proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), designado por os “Cinco
Momentos”, cumprindo ainda os princípios relativos às técnicas adequadas a este
procedimento e aos produtos a utilizar na higiene das mãos.
Os “Cinco Momentos” para a higiene das mãos na prática clínica são os seguintes:
1. Antes do contacto com o doente,
2. Antes de procedimentos limpos/assépticos,
3. Após risco de exposição a fluidos orgânicos,
4. Após contacto com o doente,
5. Após contacto com o ambiente envolvente do doente.
A Solução Antissética de Base Alcoólica (SABA) deve ser a primeira escolha para a higiene das
mãos desde que as mãos estejam visivelmente limpas e/ou isentas de matéria orgânica.
Assim, a SABA deve ser utilizada na maioria dos procedimentos comuns na prestação de
cuidados.
A lavagem das mãos com água e sabão deve ficar restrita às seguintes situações:
a. Quando os profissionais tenham as mãos visivelmente sujas ou contaminadas com matéria
orgânica,
b. Nas situações consideradas “sociais”, tais como, antes e ap s as refeições e ap s a utilização
das instalações sanitárias,
c. Ao chegar e sair do local de trabalho,
d. Na prestação de cuidados a doentes com Clostridium difficile.
3. Etiqueta respiratória
b. Utilizar um toalhete de uso único para conter as secreções respiratórias, o qual deve ser
prontamente eliminado num contentor de resíduos,
O uso adequado de EPI, visa proteger não só o profissional de saúde mas também o doente, do
contacto com agentes transmissíveis sendo da responsabilidade de cada profissional escolher e
adequar o mesmo a cada situação.
A seleção do EPI deve ser baseada numa avaliação do risco de transmissão dos microrganismos
(do e para o doente) e o risco de colonização/contaminação da pele, mucosas ou da roupa do
profissional de saúde, com fluidos orgânicos.
b. Não administrar medicamentos a múltiplos doentes usando a mesma seringa mesmo que a
agulha tenha sido mudada,
e. Se for necessário usar embalagens de doses múltiplas, tanto a agulha como a seringa usadas
para aceder à embalagem, devem estar estéreis. Não guardar estas embalagens junto às
unidades dos doentes,
f. Não usar frascos/sacos de soluções endovenosas para uso comum em múltiplos doentes (p.
ex. frascos de solutos para diluição de medicamentos).
O equipamento clínico utilizado em doentes pode ficar contaminado com matéria orgânica e
servir de veículo de transmissão a agentes infeciosos durante a prestação de cuidados, pelo
que deve ser mantido e manipulado de forma adequada.
a. De uso único - a embalagem apresenta o respectivo símbolo “usar uma vez e eliminar”,
c. Equipamento reutilizável - destinado a ser usado mais do que uma vez e/ou em mais do que
um doente, devendo ser descontaminado obrigatoriamente entre doentes e entre utilizações
no mesmo doente.
7. Controlo ambiental
Para evitar que as áreas de prestação de cuidados funcionem como reservatórios para a
transmissão de microrganismos devem estar definidas pelas instituições hospitalares um
conjunto de práticas seguras no âmbito da higienização do ambiente.
Roupa limpa:
A roupa limpa deve ser acondicionada numa área reservada para o efeito, de preferência em
armários fechados. As prateleiras devem ser de material lavável, que suporte a limpeza e
desinfecção e devem estar afastadas do chão (mínimo 30 cm).
Antes da sua utilização, a roupa limpa deve ser manipulada o mínimo possível e com as mãos
limpas.
Roupa suja:
Embora a roupa suja possa conter um grande número de microrganismos, os casos descritos
de infecções transmitidas através da roupa são em número muito reduzido e estão geralmente
relacionados com más práticas.
a. Ser considerada como contaminada e manuseada com cuidado de forma a não contaminar o
ambiente ou o fardamento,
b. Ser depositada de imediato após a remoção, em saco impermeável que deverá estar
disponível junto do local de utilização,
Os contentores de resíduos não devem ser cheios até mais de 2/3, de modo a possibilitar o seu
encerramento em segurança.
Quando iniciar as Precauções Baseadas nas Vias de Transmissão (PBVT) - medidas adicionais
às PBCI:
a) As PBVT devem ser instituídas logo que sejam detetados sinais/sintomas sugestivos de
infeção transmissível, e não apenas quando o diagnóstico já é confirmado. As PBVT devem ser
iniciadas nos doentes que se sabe terem, ou serem considerados de alto risco de estarem
colonizados ou infetados com microrganismos multirresistentes (MMR), em conformidade com
a política da unidade de saúde. Não se deve esperar confirmação laboratorial para agir,
b) Cada Unidade de Saúde deve definir uma política interna que autorize o profissional de
saúde e fundamente o início das PBVT, adequadas aos sinais/sintomas e manter essas
Precauções, até que os resultados laboratoriais, estejam disponíveis para confirmação ou não,
do diagnóstico.
iii. Ser consultado antes da interrupção das PBVT instituídas, ou de acordo com a política local.
Consiste em rever num momento determinado (dia, semana ou período breve), todos os
processos dos doentes internados e detetar as IACS presentes.
Por ser de fácil realização e pouco oneroso, faz parte da VE habitual das IACS, proporciona uma
informação analítico/descritiva geral das IACS e permite conhecer os efeitos das medidas de
controlo implementadas.
Para que possa ter validade e utilidade é necessária uma recolha de dados de qualidade que
possam ser analisados.
3 - O papel do Laboratório na VE
BIBLIOGRAFIA
1 - https://www.dgs.pt/pns-e-programas/programas-de-saude-prioritarios/controlo-da-
infecoes-e-de-resistencia-aos-antimicrobianos.aspx
2 - Despacho n.º 15423/2013, Diário da República, 2.ª série - N.º 229 - 26 de novembro de 2013
Nas duas últimas décadas tem-se assistido a um enorme aumento da mobilidade das
populações e da diversificação dos fluxos migratórios, nomeadamente na sequência de
guerras, conflitos ou violações dos direitos humanos.
De facto, o número total de pessoas deslocadas cresceu de 33,9 milhões em 1997 para 65,6
milhões no final de 2016 (22,5 milhões refugiados, 40,3 milhões deslocados dentro das
fronteiras dos seus próprios países e 2,8 milhões requerendo asilo), número que permanece
até ao momento como o valor mais alto registado.
A nível mundial e só em 2016, 10,3 milhões de pessoas foram forçadas a abandonar a sua
residência, em virtude de conflitos e perseguições, o que corresponde a um valor de 1 em cada
20 pessoas por minuto.
No presente, mais de metade dos refugiados é oriunda de três países: Síria, Afeganistão e
Sudão do Sul. Por outro lado e pelo terceiro ano consecutivo, a Turquia foi o país que maior
número de refugiados acolheu a nível mundial (2,9 milhões), seguida do Paquistão, Líbano,
Irão, Uganda e Etiópia.
Neste contexto, e em consonância com a realidade global, os países da União Europeia (UE)
enfrentam atualmente um influxo sem precedentes de migrantes e refugiados (M/R), oriundos
maioritariamente da Síria, Afeganistão, Eritreia, Iraque, Nigéria, Paquistão, Somália, bem como
dos Balcãs Ocidentais.
Mais de 4% da população da UE corresponde a cidadãos de nacionalidade não europeia. Em
termos absolutos, o maior número reside na Alemanha (8,7 milhões), seguindo-se o Reino
Unido (5,6 milhões), a Itália (5,0 milhões), a Espanha (4,4 milhões) e a França (4,4 milhões).
Embora a Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheça que todo o ser
humano tem direito de gozar do melhor estado de saúde física e mental alcançável, sem
distinção de raça, de religião, de credo político, de condição económica ou social; e embora se
tenham ratificado normas e acordos internacionais de direitos humanos destinados a proteger
os direitos dos M/R, em particular no que diz respeito a saúde; a realidade é que estas
populações frequentemente carecem de condições higienossanitárias, de acesso a cuidados de
saúde e se encontram economicamente desprotegidas, ao mesmo tempo que se confrontam
com um novo contexto sociocultural e linguístico nos países de trânsito ou de destino.
É neste cenário que se colocam sérios desafios à saúde pública. Nomeadamente a criação,
planeamento e implementação de programas de saúde eficazes, que possam dar resposta à
heterogeneidade de necessidades de saúde encontradas, adaptando-se simultaneamente às
características culturais dos indivíduos.
Em março de 2016 a OMS alterou a sua abordagem de uma perspetiva meramente
humanitária, para uma perspetiva baseada em sistemas de saúde mais abrangentes e com
cobertura universal.
Neste sentido, tem desenvolvido esforços para criar políticas aplicáveis aos M/R, fortalecer os
sistemas de saúde para possibilitar um acesso equitativo aos mesmos, conceber sistemas de
informação para avaliação da saúde dos M/R, partilhar informação das melhores práticas,
aumentar a sensibilidade à diversidade cultural, oferecer formação específica aos profissionais
de saúde, promover a cooperação multilateral e coordenação intersectorial, inter-países e
inter-agências (Organização das Nações Unidas, Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados, Organização Internacional para as Migrações, entre outras).
Os M/R tendem a apresentar um bom estado de saúde até iniciarem a sua jornada. Assim, os
seus problemas de saúde são muito similares aos da restante população, embora alguns
grupos apresentem maior prevalência de determinadas patologias.
Ao longo do seu percurso migratório, no entanto, vários aspetos podem influenciar
negativamente a sua saúde.
Os problemas mais frequentemente identificados nos M/R recém-chegados são as
perturbações psicossociais, os distúrbios nutricionais, os ferimentos (acidentais ou vítimas de
abuso ou tortura), hipotermia, queimaduras, gravidez e complicações relacionadas com o
parto, abuso de álcool e drogas. No género feminino, em particular, são ainda de salientar as
questões relacionadas com violência, saúde materno-infantil e saúde sexual e reprodutiva. As
crianças, por outro lado, são mais suscetíveis a infecções agudas, nomeadamente respiratórias
e gastrointestinais, bem como infeções dermatológicas.
Todos estes problemas contribuem para uma maior vulnerabilidade a doenças crónicas não
transmissíveis (DCNT), definidas como patologias de evolução lenta, de longa duração e em
grande parte preveníveis (ex: patologias cardiovasculares - nomeadamente hipertensão
arterial, patologias respiratórias crónicas, neoplasias, diabetes).
1. Tuberculose
O risco de um M/R desenvolver TB depende da taxa de incidência TB no seu país de origem,
condições em que efetuou viagem (o risco transmissão é mais alto em espaços sobrepovoados,
pobremente ventilados), condições de vida e de trabalho no país de destino, acesso a serviços
de saúde e proteção social.
A transmissão de TB à restante população tem-se demonstrado baixa, sendo que dois fatores
que poderão contribuir para tal são: o facto de os doentes com formas graves e de elevada
contagiosidade geralmente não apresentarem condições de saúde para viajar e existência de
um contacto limitado entre os M/R e a população residente.
Tais preocupações não têm qualquer base factual e são insustentáveis em termos morais,
legais e de saúde.
No momento atual, dois países estão identificados pela OMS como sendo de elevado risco de
reintrodução de malária: a Turquia e o Tajiquistão, por importação da Síria e do Afeganistão,
respetivamente.
A experiência na Turquia mostra que um sistema de saúde bem preparado pode prevenir a
reintrodução de doenças transmitidas por vetores. Desde 2012, o sistema de saúde turco
demonstrou robustez e grande flexibilidade na adaptação às crescentes necessidades. Até ao
momento, tem conseguido prevenir a reintrodução da malária e da leishmaniose.
6. Resistência antimicrobiana
A resistência antimicrobiana tem sido alvo de crescente preocupação a nível global. Não só
pelo nível de resistências atingido em determinadas estirpes, como também pela rapidez da
sua disseminação e pela ausência de armas terapêuticas.
A contínua mobilidade das populações, associada a condições higienossanitárias precárias,
facilita a transmissão de agentes infeciosos multirresistentes, de região para região, bem como
a ocorrência de surtos.
O conhecimento dos padrões de resistência antimicrobiana dos países de origem e de destino
é importante para a implementação atempada de medidas de controlo de infeção, bem como
para a prescrição de terapêuticas fundamentadas e individualizadas.
idosos e pessoas com sistema imunológico debilitado (por exemplo, doentes infetados por
VIH).
Assim, é importante controlar a distribuição e acondicionamento de alimentos e água,
particularmente nos campos de acolhimento onde a doença pode facilmente assumir
proporções epidémicas. Às autoridades locais compete vigiar a qualidade microbiológica da
água.
É também fundamental a divulgação de informações sobre o manuseio seguro de alimentos
pelos M/R, mas também pelos responsáveis pelo abastecimento alimentar.
O acesso a instalações sanitárias (incluindo a lavagem das mãos), bem como a conceção de
saneamento, fixo ou móvel, é mandatória.
Perto das instalações sanitárias deverá sempre haver sabão em quantidade suficiente para
lavagem das mãos.
Por fim, é crucial o acesso rápido a cuidados de saúde, instituição de terapêutica adequada e a
imediata implementação de medidas de controlo de surtos.
BIBLIOGRAFIA
1. EquiHealth – Fostering health provision for migrants, the Roma and other vulnerable
groups. Acedido a 01 de setembro de 2017 em http://equi-
health.eea.iom.int/index.php/migrant-health.
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3. International Organization for Migration – The UN Migration Agency. Acedido a 01 de
setembro de 2017 em https://www.iom.int/.
4. World Health Organization. Migración Internacional, Salud e Derechos Humanos. Serie
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5. Project SH-CAPAC Co-funded by the Health Programme of the European Union. Acedido
a 01 de setembro de 2017 em http://www.sh-capac.org/.
6. The UN Refugee Agency. Acedido a 01 de setembro de 2017 em http://www.unhcr.org.