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WEB Evangelho Redivivo Livro V

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O EVANGELHO

REDIVIVO

LIV R O V
EST U DO IN TE R P RE T R AT I VO D O
EVA NGE LHO S E G U N D O J O Ã O
Organização­‑Coordenação
Marta Antunes Moura

O EVANGELHO
REDIVIVO

LIV R O V
EST U DO INTE R P R E TAT I VO D E O
EVA N GE LHO S E G U N D O J O Ã O
Copyright © 2023 by
FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA – FEB
1ª edição – 1ª impressão – 1 mil exemplares – 5/2023

ISBN 978-65-5570-568-3

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida,
armazenada ou transmitida, total ou parcialmente, por quaisquer métodos ou proces-
sos, sem autorização do detentor do copyright.

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA – FEB


SGAN 603 – Conjunto F – Av. L2 Norte
70830-106 – Brasília (DF) – Brasil
www.febeditora.com.br
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+55 61 2101 6161

Pedidos de livros à FEB


Comercial
Tel.: (61) 2101 6161 – comercial@febnet.org.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Federação Espírita Brasileira – Biblioteca de Obras Raras)

M929e Moura, Marta Antunes de Oliveira de (Org.), 1946–


O evangelho redivivo: estudo interpretativo do evangelho segundo João /
­ rganização de Marta Antunes de Oliveira de Moura. – 1. ed. – 1. imp. – Brasília:
o
FEB, 2023.
V. 5; 360 p.; 25cm
Inclui referências
ISBN 978-65-5570-568-3
1. Espiritismo. I. Federação Espírita Brasileira. II. Título.
CDD 133.9
CDU 133.7
CDE 60.07.01
SUMÁRIO

Agradecimentos............................................................................. 9
Dia sombra de João Evangelista.................................................. 10

LIVRO V
Estudo Interpretativo do Evangelho segundo João.................................. 15
TEMA 1 – O EVANGELHO SEGUNDO JOÃO..........................................................16
TEMA 2 – PRÓLOGO (JO 1:1 A 18)..........................................................................23

PARTE I
O Ministério de Jesus e o anúncio da nova economia............................. 35
TEMA 3 – O TESTEMUNHO DE JOÃO [BATISTA]. OS PRIMEIROS
DISCÍPULOS (JO 1:19 A 51)...................................................................36
TEMA 4 – AS NÚPCIAS DE CANÁ. A PURIFICAÇÃO DO TEMPLO. ESTADA
EM JERUSALÉM (JO 2:1 A 25)..............................................................49
TEMA 5 – O ENCONTRO DE JESUS COM NICODEMOS (JO 3:1 A 21)..............60
TEMA 6 – O MINISTÉRIO DE JESUS NA JUDEIA. ÚLTIMO TESTEMUNHO DE
JOÃO [BATISTA] (JO 3:22 A 36).............................................................69
TEMA 7 – JESUS ENTRE OS SAMARITANOS (JO 4:1 A 42).................................75
TEMA 8 – JESUS NA GALILEIA. SEGUNDO SINAL EM CANÁ: CURA DO
FILHO DE FUNCIONÁRIO REAL (JO 4:43 A 54)...................................85

PARTE II
Segunda Festa em Jerusalém: primeira oposição à Revelação.............. 93
TEMA 9 – CURA DE ENFERMO NA PISCINA DE BETESDA (JO 5:1 A 18)..........94
TEMA 10 – DISCURSO SOBRE A OBRA DO FILHO (JO 5:19 A 47).................... 103

PARTE III
A Páscoa do Pão da Vida: nova oposição à Revelação......................... 111
TEMA 11 – A MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES. JESUS VEM AO ENCONTRO DE
SEUS DISCÍPULOS CAMINHANDO SOBRE O MAR (JO 6:1 A 21)...112
TEMA 12 – DISCURSO NA SINAGOGA DE CAFARNAUM – 1ª PARTE
(JO 6:22 A 40)..................................................................................... 120
TEMA 13 – DISCURSO NA SINAGOGA DE CAFARNAUM – 2ª PARTE –
A CONFISSÃO DE PEDRO (JO 6:41 A 71)....................................... 126
PARTE IV
A Festa das Tendas – A Grande Revelação Messiânica: a grande
rejeição................................................................................................... 135
TEMA 14 – JESUS SOBE A JERUSALÉM PARA A FESTA E ENSINA.
DISCUSSÕES DO POVO SOBRE A ORIGEM DE CRISTO. JESUS
ANUNCIA SUA PRÓXIMA PARTIDA. PROMESSA DA ÁGUA VIVA
(JO 7:1 A 52)....................................................................................... 136
TEMA 15 – A MULHER ADÚLTERA. JESUS, LUZ DO MUNDO. DISCUSSÃO
SOBRE O TESTEMUNHO QUE JESUS DÁ DE SI MESMO
(JO 8:1 A 30)....................................................................................... 147
TEMA 16 – JESUS E ABRAÃO. CURA DE CEGO DE NASCENÇA (JO 8:31 A
59; 9:1 A 41)....................................................................................... 157
TEMA 17 – O BOM PASTOR (JO 10:1 A 21)........................................................ 169

PARTE V
A Festa da Dedicação. A decisão de matar Jesus................................. 179
TEMA 18 – A VERDADEIRA IDENTIDADE DE JESUS. JESUS RETIRA-SE DE
NOVO PARA O OUTRO LADO DO JORDÃO (JO 10:22 A 42)........ 180
TEMA 19 – A RESSURREIÇÃO DE LÁZARO (JO 11:1 A 44).............................. 188

PARTE VI
Fim do Ministério Público e preliminares da última Páscoa.................. 197
TEMA 20 – OS CHEFES JUDEUS DECIDEM A MORTE DE JESUS. A
APROXIMAÇÃO DA PÁSCOA (JO 11:45 A 57)................................ 198
TEMA 21 – A UNÇÃO DE BETÂNIA. ENTRADA MESSIÂNICA DE JESUS EM
JERUSALÉM (JO 12:1 A 19).............................................................. 204
TEMA 22 – JESUS ANUNCIA SUA GLORIFICAÇÃO ATRAVÉS DA MORTE.
CONCLUSÃO: A INCREDULIDADE DOS JUDEUS (JO 12:20 A 50)....214

PARTE VII
A hora de Jesus: a Páscoa do Cordeiro de Deus................................... 223
TEMA 23 – O LAVA-PÉS. O ANÚNCIO DA TRAIÇÃO DE JUDAS.
A DESPEDIDA DE JESUS – 1ª PARTE (JO 13:1 A 38)..................... 224
TEMA 24 – A DESPEDIDA DE JESUS – 2ª PARTE (JO 14:1 A 31)..................... 237
TEMA 25 – A DESPEDIDA DE JESUS – 3ª PARTE – A VERDADEIRA
VIDEIRA. OS DISCÍPULOS E O MUNDO (JO 15:1 A 27)................. 249
TEMA 26 – A DESPEDIDA DE JESUS – 4ª PARTE – A VINDA DO
PARÁCLITO (JO 16:1 A 15)................................................................ 257
TEMA 27 – A DESPEDIDA DE JESUS – 5ª PARTE – ANÚNCIO DE
PRONTO RETORNO (JO 16:16 A 33)................................................ 263
TEMA 28 – A DESPEDIDA DE JESUS – 6ª PARTE – ORAÇÃO DE JESUS
(JO 17:1 A 26)..................................................................................... 273
TEMA 29 – A PRISÃO DE JESUS. JESUS DIANTE DE ANÁS E CAIFÁS.
NEGAÇÕES DE PEDRO (JO 18:1 A 27)............................................ 280
TEMA 30 – JESUS DIANTE DE PILATOS – 1ª E 2ª PARTES –
(JO 18:28 A 40; 19:1 A 11)................................................................ 290
TEMA 31 – A CONDENAÇÃO À MORTE. A CRUCIFICAÇÃO (JO 19:12 A 22).... 301
TEMA 32 – A PARTILHA DAS VESTES. JESUS E SUA MÃE.
A MORTE DE JESUS (JO 19:23 A 30).............................................. 311
TEMA 33 – O GOLPE DE LANÇA. O SEPULTAMENTO (JO 19:31 A 42)........... 323
TEMA 34 – O SEPULCRO ENCONTRADO VAZIO. APARIÇÃO A MARIA
MADALENA. APARIÇÕES AOS DISCÍPULOS. A PRIMEIRA
CONCLUSÃO (JO 20:1 A 31)............................................................. 332
TEMA 35 – EPÍLOGO. APARIÇÃO À MARGEM DO LAGO DE TIBERÍADES.
CONCLUSÃO (JO 21:1 A 25)............................................................. 346
AGRADECIMENTOS

Manifestamos nossa irrestrita gratidão à equipe que realizou a revisão


gramatical dos textos e a conferência das Referências do quinto livro da
Série O Evangelho Redivivo, intitulado Estudo Interpretativo do Evangelho
segundo João: Dalva Silva Souza, Janice Luzia Oliveira Schultz Barbosa, Jorge
Leite de Oliveira, Manoel de Medeiros Rodrigues Craveiro, Nilva Polônio
Craveiro e Wagna Carvalho.
A valorosa contribuição do confrade Severino Celestino da Silva que
sempre faz a abertura geral dos livros que compõem a Série O Evangelho
Redivivo, é uma bênção sempre presente.
A nossa sincera gratidão se estende a Carlos Roberto Campetti que,
além de realizar a tradução dos livros de O Evangelho Redivivo para a Língua
Espanhola, também, desenvolve trabalho de organizar e capacitar equipes
de estudo, no Brasil e alhures, pelo Sistema de Ensino a Distância (EaD).
Da mesma forma, expressamos o nosso “muito obrigada” aos faci-
litadores e Temas de O Evangelho Redivivo pelo envio de contribuições
doutrinárias e pelo empenho de levar a mensagem do Cristo ao Movimento
Espírita.
Acima de tudo, somos profunda e imensamente agradecidos a Deus,
Pai e Criador, a Jesus, o amado Senhor Jesus, Guia e Modelo da humani-
dade terrestre, e a Francisco Leite de Bittencourt Sampaio, orientador do
Programa O Evangelho Redivivo, que, do Plano Espiritual, coordena a equi-
pe de devotados benfeitores espirituais incumbidos de levar a mensagem
do Cristo aos habitantes do planeta. Sem o permanente e devotado auxílio
desses benfeitores espirituais, que agem em nome do Mestre Nazareno,
absolutamente nada poderíamos realizar.

Brasília (DF), 20 de outubro de 2022.


Marta Antunes de O. de Moura
(Organizadora e coordenadora)

9
DIA SOMBRA DE JOÃO EVANGELISTA*

Joanna de Ângelis

Trata-se do mais jovem discípulo de Jesus, esse notável filho da zelosa


Salomé e do tranquilo Zebedeu.
Nascido em Betsaida (que significa Casa de pesca), onde residiam
muitos homens do mar da Galileia, nasceu aproximadamente no ano 10
d.C. e ofereceu a existência à mensagem de Jesus, a quem conheceu ainda
muito jovem.
Ao lado de seu irmão Tiago, acompanhou o Rabi nazareno desde quan-
do chamado até o momento da Cruz e prosseguiu fiel no mister, sofrendo
perseguições. Desencarnou em Éfeso (Turquia).
A ele Jesus entregou a sua mãe, antes da morte no Calvário, tornan-
do-a genitora da Humanidade, e dela o fez filho, embora nascido em outra
carne, outro clã.
Após a Ressurreição sublime do Divino Amigo, não tergiversou um
momento sequer, sendo-lhe fiel e amado em toda parte, especialmente em
Éfeso, onde passou a residir por longos anos, interrompidos pelo período
em que esteve exilado na ilha grega de Patmos, por imposição do imperador
Domiciano, cruel perseguidor de Jesus e dos seus discípulos.
Mais tarde, no período do imperador Nerva, já idoso, foi libertado e
voltou à sua igreja em Éfeso, tornando a cidade um dos mais respeitados
centros da doutrina libertadora.
A sua doçura era cativante e os seus exemplos recordavam o Rabi
amado, que procurava imitar com absoluta fidelidade.

* REFORMADOR, Brasília, DF, p. 13(587)-15(589), out. 2022. (Página psicografada pelo mé-
dium Divaldo Pereira Franco, na sessão da noite de 13 de janeiro de 2021, no Centro
Espírita Caminho da Redenção, em Salvador, Bahia.)

10
DIA SOMBRA DE JOÃO EVANGELISTA

Ele participou dos momentos gloriosos da Mensagem: da transfigu-


ração no Tabor, da pesca milagrosa, acompanhado pelo seu irmão Tiago e
por Simão Pedro, assim como da multiplicação dos pães e dos peixes, como
também da inesquecível Via crucis...
Convivera com Ele, após a luminosa Ressurreição e tornou-se carta
viva do Evangelho.
Jamais deixaria de exemplificá-lo, de vivê-lo.
No seu íntimo, clareada pelo amor, pairava, porém, uma sombra que
se iluminava a pouco e pouco, até atingir o self coletivo e diluir o seu ego
de tal forma que a ponte dual se fez por intermédio do amor.
Sua sede de Jesus era tal, que sempre se atirava à abnegação, de modo
a viver o Amigo, tornando-se o espelho que o refletisse em todos os atos.
Apesar desse devotamento e consciência do que deveria fazer para ser
feliz, havia a inquietação defluente do que considerava a sua inferioridade
espiritual.
Havendo conseguido fruir uma larga existência física, sendo a últi-
ma testemunha da Presença, todos desejavam vê-lo, tocá-lo, ouvir-lhe as
narrativas.
Fiel à promessa de ser o filho da Senhora a partir daquele momento
no Calvário, foi buscá-la em Nazaré, na casa de parentes e a trouxe para o
seu carinho em Éfeso, onde, realmente, se tornou a mãe da Humanidade
sofredora.
Todos que passavam pela região e tinham notícias daquela mulher
extraordinária, buscavam-na para ter notícias do filho, deixar-se abrasar
pela sua ternura e levar o seu exemplo a outras mães.
Enquanto se encontrava na igrejinha da cidade, no promontório em
que residia, ela abençoava os transeuntes, amparava os enfermos, narrava
os acontecimentos da sublime existência do Menino...
Acompanhou-a com ternura filial até o momento em que desencarnou.
Um pouco antes, acolheu a arrependida Maria de Magdala nos seus
últimos momentos físicos, devorada pelas febres e a hanseníase.
No íntimo desejava viver o holocausto, a fim de igualar-se-lhe.
Quando escreveu as cartas aos discípulos e especialmente o Apocalipse,
iluminou a sombra com as narrativas em grande parte da obra, em razão

11
O Evangelho Redivivo – Livro V

dos conflitos humanos que remanesciam na conduta desde o berço no lar


humilde onde nascera.
A sombra não conseguiu em momento algum turvar-lhe o discer-
nimento e o carinho pelo Amado Benfeitor, cuja saudade impunha-lhe
lágrimas de justa saudade, embora a comunhão psíquica mantida.
Era tão grande a sua afeição e entrega, que o Senhor vaticinou que o
martírio não o eliminaria, conforme aconteceu.
Foi o único discípulo que teve morte natural mediante o longo desgaste
normal dos órgãos.
Ao analisar as dificuldades humanas no processo da evolução, Allan
Kardec refere-se às más inclinações que são heranças de existências transatas,
muito bem representando a sombra junguiana.
O trabalho de educação moral dá-se através da mente saudável, de
modo a diluir a ignorância e o primarismo até manter o discernimento
edificante e dourar-se, isto é, desaparecer a treva e fazer-se brilhante.
Essas más inclinações perturbadoras são as heranças dos instintos
predominantes e resultado do processo da evolução antropológica, cujas
experiências em contínua transformação terminam por manter somente
os instintos básicos: dormir, comer e reproduzir-se.
Bem mais tarde, quando transcorridos onze séculos, na personalidade
do Santo de Assis, João atingiu o clímax como Cantor das estrelas, vivendo
os dias gloriosos da Galileia e suas regiões que constituíam a sonhadora
Israel do Deus único.
***
Tende ânimo e não se turbe o vosso coração, para que a sombra perturba-
dora não abra espaço à verdade e ao amor, confirmando que sois filhos da Luz.
No predomínio da sombra há muitos desafios a vencer, graças aos quais
a vitória íntima faz-se mais expressiva e ansiada por todos os viandantes
da evolução.
Eis por que enunciou Jesus a respeito da dedicação dos seus discípu-
los, quando se refere àqueles que forem fiéis até o fim, não sucumbindo às
tentações, com devotamento à vigilância e à oração.
Até hoje as lembranças do apostolado do filho do trovão, como o de-
nominara Jesus e ao seu irmão Tiago, admoestando-os docemente, após

12
DIA SOMBRA DE JOÃO EVANGELISTA

a explosão do temperamento, permanecem convidando todos ao mesmo


ministério de amor e autodoação.
A jornada de sublimação é larga e difícil, o que equivale dizer: exige
o empenho de todas as forças para a superação dos impositivos materiais.
...E o modesto pescador tomou das redes luminosas e alcançou a
Humanidade quase toda.

13
O EVANGELHO REDIVIVO

LIVRO V
Estudo Interpretativo do
Evangelho segundo João

15
O Evangelho Redivivo – Livro V

TEMA 1

O EVANGELHO SEGUNDO JOÃO

Por Severino Celestino da Silva

João, o discípulo bem-amado de Jesus, nasceu em Betsaida (casa da


pesca) e era filho de Salomé e Zebedeu e irmão de Jacó (Tiago). Seu pai era
comerciante em Cafarnaum, ao tempo que Jesus morava na casa de Pedro
e realizava seu ministério na Galileia.
No começo de sua vida ele era pescador (Mc 1:17 a 20). Provavelmente
um dos discípulos de João Batista, mencionado em João, 1:40, cujo nome
não é citado. Mais tarde, ele recebeu o chamado para ser discípulo de Jesus,
o Cristo (Mt 4:21 e 22; Lc 5:1 a 11).
João escreveu o seu Evangelho, três epístolas e o livro Apocalipse. Foi
um dos três que estavam com Jesus quando a filha de Jairo foi ressuscitada
(Mc 5:35 a 42), também estava no Monte Tabor na Transfiguração (Mt 17:1
a 9) e no Getsêmani (Mt 26:36 a 46, na Crucificação do Senhor. Em alguns
de seus escritos refere-se a si mesmo como o discípulo a quem Jesus amava
(Jo 13:23; 21:20) e como o “outro discípulo” (Jo 20:2 a 8). Jesus também
chamou a ele e ao seu irmão de Boanerges, que significa “filhos do trovão”
(Mc 3:17). Há frequentes referências a ele nos relatos da Crucificação e da
Ressurreição (Lc 22:8; Jo 18:15; 19:26 e 27; 20:2 a 8; 21:1 e 2). Posteriormente,
João foi exilado na ilha de Patmos, onde escreveu o livro Apocalipse (1:9).
O seu Evangelho é considerado o mais espiritualizado de todos e tem
como símbolo uma águia, ave que voa muito alto. A sua redação ocorreu
entre os anos 80 e 100 d.C. e o local onde foi redigido é citado como ten-
do sido na Ásia Menor, na cidade de Éfeso (segundo citação de Irineu) e
Antioquia (citação de Efrém).
Efrém da Síria ou simplesmente Efrém, o Sírio, foi um prolífico com-
positor de hinos e teólogo do século IV, venerado por cristãos do mundo
inteiro, especialmente pela Igreja Ortodoxa Síria, como um santo. Nascido
em Nísibis, foi discípulo de Tiago de Nísibis na famosa escola da cidade.

16
TEMA 1 – O EVANGELHO SEGUNDO JOÃO

Existem muitas opiniões acerca da autoria do quarto evangelho. No


entanto, a maioria dos pais da igreja confirmam a autoria joanina. A mais
antiga referência é o fragmento muratoriano do ano 140–170 d.C. O frag-
mento muratoriano é uma cópia da lista mais antiga que se conhece dos
livros do Novo Testamento. Foi descoberta na Biblioteca Ambrosiana de
Milão por Ludovico Antonio Muratori e publicada em 1740.
Ernest Renan (1929) fala de um grupo de indivíduos que no fim
do primeiro século, foi considerado testemunha ocular da vida de Jesus,
acrescentando-se, inclusive, que Pápias de Hierápolis teria conhecido esses
discípulos ou teve correlações próximas com eles, guardando consigo as suas
tradições. Desse pequeno grupo sairia, mais tarde, uma redação evangélica
de caráter peculiar, que parece ter merecido a confiança do velho Apóstolo
João, e que poderia ser autorizada a falar em seu nome. Renan acrescenta
que é provável que João nada escrevesse e que o Evangelho com o seu nome
fosse obra realizada por seus discípulos, durante a sua vida. São hipóteses,
mas não desistimos de pensar que a vida de Jesus foi contada por João de
um modo diferente das narrativas originárias da Bataneia, sendo o relato
superior em certos pontos de vista e, particularmente, mais desenvolvida
nas referências aos episódios da vida de Jesus passados em Jerusalém.
Bataneia é uma região que ficava a leste do Mar da Galileia e era parte
da antiga Basã; Gaulanítide: região da Transjordânia, assim chamada por
causa da cidade de Golan; Itureia: região da Transjordânia, ocupada por
uma tribo árabe aramaizada.
Eusébio de Cesareia afirma que João, inicialmente, utilizava o seu
evangelho de forma oral, diferenciando dos seus antecessores sinópticos,
Mateus, Marcos e Lucas. Assim, João teria sido mais fiel aos princípios ju-
daicos e, pela sua convivência e afinidade espiritual com Jesus, iniciou sua
pregação de forma oral. João reconheceu a veracidade dos três evangelhos
precedentes e sentiu a necessidade de registrar a história das primeiras ações
do Cristo. Este registro se encontra na História eclesiástica, de Eusébio de
Cesareia (2000).
Eusébio acrescenta ainda em sua obra, que João teria sido solicitado
a transmitir em seu Evangelho os acontecimentos que os outros três evan-
gelistas haviam omitido e as ações de Jesus nesse espaço de tempo, isto é,
antes da prisão de João, o Batista. João assinala ao declarar: “Este foi o início
dos sinais que Jesus fez [...]” (Jo 2:11), e enfatiza o fato, ao relembrar as ati-
vidades de Jesus, de que João, o Batista, ainda estava batizando no deserto

17
O Evangelho Redivivo – Livro V

da Judeia a leste do rio Jordão. Este registro se encontra na citação: “João


ainda não havia sido encarcerado” (Jo 3:23 e 24).
Essas observações de Eusébio objetivam ratificar que não existe
discordância entre os evangelhos, porque o Evangelho de João contém as
ações iniciais da vida do Cristo e os outros falam dos acontecimentos do
final de sua vida. Eusébio conclui suas observações afirmando que pro-
vavelmente João omitiu a genealogia de Jesus, segundo a carne, porque
Mateus e Lucas já a haviam elaborado, no entanto, João aborda a divindade
messiânica do Senhor.
Champlin (Russell Norman, 1995), apresenta argumentos importantes
relacionados à autoria do quarto evangelho ser de João. O mais importante
desses argumentos é a declaração de João (21:24): “Este é o discípulo que
dá testemunho a respeito destas coisas, e que as escreveu; e sabemos que o
seu testemunho é verdadeiro”. Esse mesmo discípulo, que evidentemente é
referido como o “outro discípulo”, também é salientado nos trechos de João
(13:23, 19:26 e 21:7 a 20). (Ver também Jo 18:15 e 16; 20:2). Embora vários
dos 12 apóstolos tenham sido mencionados pelo nome no texto, João e seu
irmão Tiago nunca são chamados pelos seus respectivos nomes. Contudo,
por uma vez, os filhos de Zebedeu são incluídos entre aqueles que estiveram
presentes quando do último aparecimento do Senhor ressuscitado, quando
uma atenção especial é dada à pessoa do discípulo amado. O “outro discípu-
lo, a quem Jesus amava”, conforme se lê em João (20:1 a 10), e que correu até
o sepulcro, a fim de confirmar a história do túmulo vazio, quase certamente
deve ser identificado com o próprio Apóstolo João. Parece, assim, que se
reunirmos todas essas referências, o próprio livro asseveraria a autoridade
de uma testemunha ocular, a saber, o testemunho de um discípulo de João.
João apresenta Jesus como Verbo Divino e Luz do Mundo e isto nos
leva a meditar sobre sua afinidade espiritual com o Senhor. “Eu sou a luz do
mundo” (Jo 8:12). Luz e trevas são temas abordados por João, lembrando-nos
a Criação como se encontra no primeiro capítulo de Gênesis. O Prólogo do
seu Evangelho revela a sua natureza semítica e a resposta dada por Deus
aos seus filhos que esperavam a vinda do Messias.
A estrutura literária do Evangelho de João segue as linhas gerais do
plano dos sinópticos: batismo, ministério na Galileia, ministério na Judeia,
paixão, crucificação e ressurreição.
Segundo Chouraqui (1977), Jesus é a testemunha e o caminho que
conduzem a Deus e à sua Torá. Este tema é um dos mais constantes do

18
TEMA 1 – O EVANGELHO SEGUNDO JOÃO

Evangelho de João. O gênio de João consiste justamente em empregar o grego


para exprimir uma visão hebraica, mas ninguém contesta o evidente caráter
semítico do Evangelho de João. O problema é saber se o texto grego atual é
um original ou a tradução de uma obra escrita em hebraico ou aramaico.
O substrato linguístico de João é essencialmente o hebraico, independen-
temente de ter existido ou não um documento material, anteriormente
escrito nesta língua. Esta reflexão vale, em graus variáveis, para todos os
livros do Novo Testamento.
Chouraqui acrescenta que o livro é a obra de um filho de Israel, tão
bem versado nas letras hebraicas quanto nas aramaicas e que não pretende
esconder nada das suas raízes em proveito de algum conformismo literário:
basta-lhe ser ele próprio e assim sendo, João não hesita diante do emprego
de parataxes (sequência de frases justapostas, sem conjunção coordenativa),
inclusões, quiasmos (quiasmo ou quiasma é uma figura de linguagem em
que elementos são dispostos de forma cruzada), paralelismos, caracterís-
ticos da expressão hebraica. Ele reproduz em seu texto palavras hebraicas
ou aramaicas seguidas de tradução. O evangelista acumula semitismos pela
repetição de verbos, de uso corrente na literatura hebraica. Dá a certos verbos
gregos o sentido que teriam se fossem empregados em hebraico: assim, ver
quer dizer “provar” ou “gozar”; responder tem o sentido do verbo aná que
significa, em hebraico, “tomar a palavra” ou “responder”.
Estudiosos afirmam que um livro com a natureza e o estilo do quarto
evangelho, vai muito além do grego, do aramaico ou do hebraico, parece
emanar das fontes do silêncio, em que o verbo se revela como logos, palavra
viva. E é a partir de uma contemplação silenciosa que deve ser lida, com-
preendida, comentada e, eventualmente, traduzida a obra de João.
O Evangelho de João apresenta um estilo e uma afinidade com as co-
munidades de Qumran. As narrativas de Qumran, palavra hebraica, são
textos cujos conteúdos fazem sintonia com os textos do Evangelho de João.
Confira as observações de André Chouraqui no texto abaixo:
A descoberta dos manuscritos do Mar Morto confirmou haver uma vasta
e profunda difusão do hebraico na Judeia. Os ascetas de Qumran viviam,
se expressavam, ensinavam e escreviam na língua da Bíblia. O Manual de
Disciplina ou regra da comunidade, o Comentário de Habacuc, os Hinos de
Ações de Graças, A Regra de Guerra e O Documento de Damasco evocam ideias
e preocupações semelhantes das de João: as oposições entre a luz e as trevas,
seus filhos, seus príncipes e seus anjos são, aqui como lá, igualmente marcados.
João realça como o faziam os monges de Qumran, ao antagonismo entre o

19
O Evangelho Redivivo – Livro V

Messias de Luz e o príncipe deste mundo. Daí a hipótese de que Iohanan ben
Zabid, (João, filho de Zebedeu) autor do quarto Evangelho, pudesse ser um
discípulo de Iohanan, o Imersor (João, o Batista), como se a ele estivesse ligado
por laços provavelmente estreitos ao movimento contemplativo dos ermitões
de Qumran. (CHOURAQUI, 1977).

Diferentemente dos Evangelhos sinópticos, João não fala do nascimento


de Jesus, do batismo, da tentação de satanás, nem de parábolas, nem fala da
angústia suprema (Mt 26:36 a 46). João registra apenas oito dos milagres
de Jesus e, destes, quatro milagres não se encontram nos sinópticos: trans-
formação de água em vinho (Jo 2:1 a 11); o paralítico de Betesda/Betzaida
(Jo 5:1 a 16); o cego de nascença (Jo 9:1 a 38) e a ressurreição de Lázaro
(Jo 11:1 a 44).
A história do povo hebreu é marcada por “sinais” (otot, do hebraico)
ou “milagres”, indicados como testemunhos da vontade de Deus. O mesmo
ocorre no Evangelho de João, quando Jesus transformou a água em vinho;
salva uma criança da morte; cura um homem paralítico há trinta e oito
anos; alimenta cinco mil pessoas com cinco pães e dois peixes; cura um
cego de nascença; ressuscita Eleazar (Lázaro) de Betânia dentre os mortos.
Estes seis sinais maiores acentuam os eixos profundos da teologia de João
e anunciam o sinal decisivo, a seus olhos: a ressurreição do crucificado
(Jo 20:1 a 29), o poder de um homem que nada pode deter, nem mesmo
o suplício da crucificação: ele ver manifestado o Mashiach ben Elohim (o
Messias Filho de Deus), Salvador de Israel e da Humanidade, que vence o
Príncipe deste mundo, o que triunfa sobre a morte.
Em relação aos Evangelhos sinópticos, João substitui o tema funda-
mental da pregação de Jesus, o anúncio do Reino (que só aparece nele em
3:35 e 18:36), pelo da vida eterna concebida como um bem escatológico,
divino e do qual é possível tomar posse desde agora. Como Jesus, e outros
evangelistas, João fala bastante da necessidade de guardar as mitsvot (os
mandamentos) de Deus, expressos na Torá. Mas o mandamento supremo
que resume todas eles, é para João como para Jesus, o amor divino e fraterno,
fonte de vida, de justiça, de liberdade, de paz e de unidade.
João dá nova dimensão à escatologia:* ele não inclui em seu Evangelho
passagens apocalípticas, não faz menção da vinda do Filho do Homem sobre
as nuvens, para seu último triunfo no momento do Juízo Final. Mais sóbrio

* Escatologia: doutrina que trata do destino final do homem e do mundo; pode apresentar-
-se em discurso profético ou em contexto apocalíptico.

20
TEMA 1 – O EVANGELHO SEGUNDO JOÃO

que os sinópticos, ele atualiza parcialmente a glória de Jesus, sua salvação e


seu julgamento. Tanto que as passagens sobre a ressurreição corporal no fim
dos tempos que os fariseus ensinavam, são consideradas por bons autores
(e erradamente, talvez) como adições posteriores. João acredita de fato no
progresso da história que encontrou sentido com a vida, morte e ressurrei-
ção do Messias. Para ele, a história de Jesus anuncia o fim da História do
mundo; o Messias venceu o mundo e rechaçou para as trevas exteriores o
Príncipe deste mundo. Sua missão consiste em revelar para os homens os
tesouros inefáveis da vida, do amor e da paz de Deus.
João realça, mais que seus antecessores, os mistérios da pessoa de
Jesus, de sua antecedência e de sua preexistência. Por isso ele compreende a
paixão e o suplício do Crucificado como o início de sua Glorificação. Toda
leitura de João deve, pois, levar em conta o caráter sacramental, sob certos
aspectos simbólicos do seu livro; seu simbolismo, inerente ao pensamento
hebraico, enraíza-se nos fatos dos quais ele realça o significado teológico
e soteriológico.* Mais que no sincretismo helenístico ou na gnose oriental,
João busca sua inspiração no legado tradicional do pensamento de Israel,
em um momento em que a esperança messiânica parece ser o único recur-
so contra o abismo do desamparo que Roma impôs a Jerusalém. Assim, o
misticismo joanino tem suas razões não apenas nos Salmos e nos profetas,
mas também nas preocupações imediatas dos hebreus no momento de suas
grandes provações.
Diante das considerações finais acima apresentadas por Chouraqui,
podemos avaliar toda a espiritualidade do Evangelho de João e sua sintonia
com o projeto de amor de Jesus. É assim que ele afirma que na Bíblia e na
literatura universal não existe nenhum livro que possa ser comparado ao
Evangelho de João.
Só alguém que viveu com Jesus os momentos mais importantes, fun-
damentais e espirituais de sua vida, como foi o caso de João, só poderia
escrever uma obra tão importante e tão singular como é o caso do quarto
Evangelho.
Procuremos captar, entender, assimilar e viver esta obra tão importante
para nossas vidas.

* Soteriologia: é o estudo da salvação humana. A palavra é formada a partir de dois t­ ermos


gregos: soterios, que significa “salvação” e logos, que significa “palavra”, “princípio” ou
“ensino”.

21
O Evangelho Redivivo – Livro V

REFERÊNCIAS
CESAREIA, Eusébio de. História eclesiástica. Coleção Patrística, v. 15. São Paulo:
Paulus, 2000. Livro III, cap. 24, it. 11 a 18, p. 144 a 147.
CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por ver-
sículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Ed. Candeia, 1995.
CHOURAQUI, André. O evangelho segundo João. Rio de Janeiro: Ed. Imago, 1977.
RENAN, Ernest. Os evangelhos e a segunda geração cristã. Porto, Portugal: Ed.
Lello & Irmão, 1929. cap. XVIII, p. 219 a 227.

22
TEMA 2

PRÓLOGO (JO 1:1 A 18)

João (do hebraico, Yehôhanan, “Jeová tem sido gracioso”. No grego é


Ioannes),1 mencionado em Mateus, 4:21 e 10:3; Marcos, 3:17; Lucas, 6:14 e
Atos dos apóstolos, 1:13, era filho de Zebedeu e Salomé (Mt 27:56 e Mc 16:1),2
irmão do também apóstolo, Tiago, denominado “Maior”, para distingui-lo
de outro membro do colégio apostolar, Tiago Menor: “[...] Pela descrição, “o
menor” (gr.: ho mikros, “o pequeno”) ele é distinguido do filho de Zebedeu,
ou por ser menor em estatura ou por ser mais jovem que seu homônimo”.3
Importa destacar que Salomé, a mãe de João e Tiago Maior, era irmã de
Maria, mãe de Jesus (Jo 19:25): “[...] Se essa identificação é correta, João era
primo de Jesus pelo lado de sua mãe. Seus pais parecem ter sido pessoas
de certa posição, pois Zebedeu, sendo pescador, contava com ‘empregados’
(Mc 1:20); e Salomé era uma das mulheres que lhe prestavam assistência com
os seus bens (Lc 8:3; Mc 15:40) [...]”.4,5 João e seu irmão eram pescadores e
trabalhavam com o pai.
Acredita-se que João tenha sido discípulo de João Batista, acom-
panhando-o em suas pregações, tendo presenciado o batizado de Jesus
(Jo 1:35 a 40)4,5 e, desde este instante, passou a acompanhá-lo:
Sem dúvida, acompanhou Jesus até a Galileia e assistiu ao casamento em
Caná (Jo 2:1-11) [onde Jesus transformou água em vinho]. Ainda não havia
sido chamado para o apostolado, limitando a sua atividade às lides do mar,
em companhia de Pedro e do pai (Lc 5:10). Dessa ocupação, Jesus os foi tirar
para o seguirem (Mt 4:21-22; Mc 1:19-20) e depois foram chamados apóstolos
(Mt 10:2) [...].5

Jesus apelidou João e Tiago Maior de boanerges, que significa “filhos do


trovão”, talvez devido ao temperamento forte de ambos (Mc 3:17)5 ou, pos-
sivelmente, porque eles eram barulhentos ao se expressarem. De qualquer
forma, João aprendeu a domar as expressões impetuosas e apaixonadas do
temperamento juvenil, naquela longa reencarnação, desde o momento em
que foi tocado pelas luzes do Evangelho e pela contínua convivência com
o Mestre Nazareno, a quem amava profundamente.

23
O Evangelho Redivivo – Livro V

Desde muito jovem, João se revela pessoa muito espiritualizada. O


avançar da idade, porém, o transformou em pessoa sábia, tanto em moral
como em conhecimento; soube associar a prática do bem e as lições do
Evangelho, ensinadas por Jesus, às tradições do Judaísmo e às ideias de al-
guns filósofos gregos, sobretudo os socráticos e platônicos. Dessa forma, o
grande apóstolo desenvolveu um senso moral superior, esforçando-se para
vivenciar e seguir os passos de Jesus. Para Léon Denis, a causa da marcante
diferença constatada entre os Evangelhos Sinópticos – escritos por Mateus,
Marcos e Lucas, assim denominados porque há muitas semelhanças entre os
três textos evangélicos – e o Evangelho segundo João seria o conhecimento
dos filósofos gregos adquirido pelo apóstolo:
Os três Evangelhos sinóticos acham-se fortemente impregnados do pensa-
mento judeu-cristão, dos apóstolos, mas já o Evangelho de João se inspira em
influência diferente. Nele se encontra um reflexo da Filosofia grega, rejuve-
nescida pelas doutrinas da escola de Alexandria.6 [Grifo nosso].

O fato é que o Evangelho segundo João apresenta uma dimensão diferente


da dos demais evangelhos quanto aos aspectos interpretativos dos ensinamen-
tos e exemplos de Jesus, a historicidade do relato dos fatos e acontecimentos
que marcaram a trajetória do Cristo e a própria estrutura literária concebida
por João que divide os seus registros evangélicos em duas partes: “[...] uma
enfatizando as ações poderosas de Jesus [cap. 1 a 11] e a outra refletindo sobre
os eventos que conduziram à sua morte e ressurreição [cap. 12 a 21]”.7 Essas
duas partes são antecedidas por um Prólogo composto de 18 versículos e in-
dicam, logo no início, uma reflexão filosófica sobre a preexistência de Jesus
junto a Deus que, como logos ou verbo, encarna para manifestar a Lei de Deus.7

2.1 PRÓLOGO DO EVANGELHO


SEGUNDO JOÃO (JO 1:1 A 18)8
Esse Prólogo não foi inserido aleatoriamente pelo evangelista. ­Trata-se
de um recurso introdutório de textos, utilizado na literatura grega da
Antiguidade, colocado obrigatoriamente no início dos escritos dos filósofos
e na primeira parte da encenação teatral denominada Tragédia: “[...] peça
em verso, em que figuram personagens ilustres ou heroicos e a ação, elevada,
nobre e própria para suscitar o terror e a piedade, termina por um aconte-
cimento funesto. [...]”.9 O prólogo podia ser apresentado como um diálogo
entre os personagens ou por meio de monólogo.9 Com o passar do tempo,
o prólogo passou a ser denominado Prolegômenos, Prefácio ou Introdução,

24
TEMA 2 – PRÓLOGO (JO 1:1 A 18)

nem sempre vinculado à ideia de um acontecimento fatal, evocado nas das


tragédias.10 Modernamente, prólogo traz o significado de “estudo preliminar,
introdutivo e simplificado.11 Nos séculos XVIII e XIX, o uso comum era a
palavra Prolegômenos, enquanto no século passado e no atual, os termos
preferidos são Prefácio ou Introdução.
Em relação ao Prólogo do Evangelho segundo João, o erudito escritor
evangélico britânico, Frederick Fyvie Bruce (1910–1990), declara:
Provavelmente não há outro lugar no Novo Testamento em que se diga tanto,
como aqui, com tão poucas palavras. Aqui estão afirmadas a singularidade
do Cristo e as grandes consequências desse autossacrifício incorporado na
encarnação. Nesse prólogo, João anuncia o seu tema principal, que é a história
de Jesus Cristo demonstrada por meio do que ele disse e fez. [...].12

Na tentativa de melhor compreender os textos escritos por João, é


de fundamental importância conhecer algumas ideias desenvolvidas pelo
apóstolo, que não se limitou a fazer meros registros de fatos da vida e obra
do Mestre Nazareno. Para tanto, constam, em seguida, breves informações
do pensamento dos filósofos que exerceram influência na construção da
mentalidade do apóstolo.

2.1.1 HERÁCLITO DE ÉFESO (?–500 A.C.)


Filósofo pré-socrático, era integrante da Escola Jônica que desenvolvia
estudos a respeito da physis – a substância física da qual todas as coisas
eram feitas e também uma espécie de princípio interno organizador ou
estruturador das coisas.13
A propósito, os filósofos pré-socráticos estavam organizados em dois
grupos ou escolas: a) Escola Jônica, formada por estudiosos das teorias so-
bre a organização da Natureza: Tales de Mileto (?–585 a.C.), Anaximandro
(610–547 a.C.) Anaxímenes (585–528 a.C.), Xenófanes de Colofon (580–480
a.C.) e Heráclito de Éfeso (?–500 a.C.); b) Escola Italiana cujos integrantes
tinham uma visão mais abstrata e menos naturalista da realidade. Daí foram
considerados precursores da lógica e da metafísica: Pitágoras de Samos
(?–530 a.C.), Alcmeon de Crotona (?– início do séc. V a.C.), Filolau de
Crotona (?–final do séc. V a.C.), Parmênides de Eleia (?–500 a.C.), Zenão
de Eleia (?–464 a.C.) e Melisso de Samos (?–444 a.C.).13
Os filósofos da Antiguidade que defendiam a ideia do fixismo/imo-
bilidade da Natureza demonstravam muitas dificuldades para interpretar
as ideias do mobilismo de Heráclito, a ponto de nomeá-lo “o Obscuro”.14

25
O Evangelho Redivivo – Livro V

Entretanto a maioria das ideias de Heráclito está de acordo com as atuais


conquistas científicas:
[Heráclito] [...] Pode ser considerado, juntamente com os atomistas, como o
principal representante do mobilismo, isto é, da concepção segundo a qual
a realidade natural se caracteriza pelo movimento, todas as coisas estando
em fluxo. Este seria o sentido básico da famosa frase atribuída a Heráclito:
“Panta rei” (Tudo passa). [...] A noção de logos desempenha papel central em
seu pensamento, como o princípio unificador do real e elemento básico da
racionalidade do cosmo [...].14

2.1.2 FÍLON DE ALEXANDRIA (20 A.C.–50 D.C.?)


Filósofo notável, Fílon desenvolveu método interpretativo do Antigo
Testamento que utilizava o conhecimento de alguns postulados da filosofia
grega e da alegoria (modo de expressão ou interpretação que consiste em re-
presentar pensamentos, ideias, qualidades sob forma figurada). Conseguiu,
assim, extrapolar as usuais interpretações literais do Judaísmo, extraindo
dos textos sagrados o verdadeiro sentido espiritual. Foi autor de numerosas
obras filosóficas e históricas, em que expôs a visão platônica do Judaísmo,
sendo reconhecido como o primeiro pensador a tentar conciliar o conteúdo
bíblico à tradição filosófica ocidental.15 “[...] Seus trabalhos mostram que
ele tinha um conhecimento de teorias estoicas de primeira mão, e seu pen-
samento é bastante influenciado por Platão e os estoicos [...].16
Fílon de Alexandria, às vezes conhecido como Philo Judæus ou Philo
Alexandrinus, foi uma espécie de ovelha negra no pensamento clássico. Judeu
desde o nascimento, ele é principalmente lembrado pelos seus comentários
filosóficos sobre as escrituras. Sua família, de linhagem sacerdotal, foi uma
das mais poderosas da populosa colônia judaica de Alexandria. [...] Fílon
recebeu educação judaica, estudando as leis e as tradições nacionais, mas ele
também seguiu o sistema grego de estudos (gramática, com leitura dos poetas,
geometria, retórica, dialética), o qual ele considera como uma preparação à
filosofia. [...].16

2.1.3 ESTOICISMO–ESTOICOS
Trata-se de Escola de Filosofia Grega fundada por Zenão de Cítio por
volta de 308 a.C. Os estoicos acreditavam que a felicidade está em aceitar
a lei do Universo e aconselham absorver com tranquilidade os momentos
bons e ruins da vida, acrescentando que o ser humano será totalmente feliz,
quando se libertar das paixões e aprender com as ocorrências da manifes-
tação da vontade divina.17

26
TEMA 2 – PRÓLOGO (JO 1:1 A 18)

Os fundamentos do ensinamento estoico podem ser resumidos da


seguinte forma:
1º) divisão da filosofia em três partes: lógica, física e ética;
2º) concepção da lógica como dialética [...];
3º) teoria dos signos [sinais que indicam algum significado] [...], antecedente
da semiótica moderna;
4º) conceito de uma Razão divina que rege o mundo e todas as coisas do
mundo, segundo uma ordem necessária e perfeita [...];
5º) doutrina segundo a qual, assim como o animal é guiado infalivelmente
pelo instinto, o homem é guiado infalivelmente pela razão [...];
6º) condenação total de todas as emoções e exaltação da apatia como ideal
do sábio [...];
7º) cosmopolitismo, ou seja, doutrina de que homem não é cidadão de um
país, mas do mundo;
8º) exaltação da figura do sábio e do seu isolamento dos outros, com a distinção
entre loucos e sábios.18

2.1.4 PLATÃO (427–347 A.C.)


Considerado, junto com Sócrates, como um dos mais respeitados filó-
sofos que existiu no planeta, ele foi discípulo de Sócrates “[...] e fundador
da Academia – a primeira instituição de ensino superior. Nenhum outro
filósofo teve tamanha importância ou ampla e abrangente influência na
história da filosofia que Platão”.19 Para o Espiritismo, Sócrates e Platão foram
precursores do Cristianismo e do Espiritismo.
A obra de Platão se caracteriza como a síntese de uma preocupação com a ciência
(o conhecimento verdadeiro e legítimo), com a moral e com a política. Envolve
assim um reconhecimento da função pedagógica e política da questão conheci-
mento. Sua conclusão é que o conhecimento (o saber) se identifica com o bem.20

Segundo Platão, a busca pela prática do bem passa pela aquisição do


conhecimento, condições que garantem a melhoria moral e intelectual do
ser humano, ideias que foram claramente identificadas por João na mensa-
gem do Evangelho. Contudo tanto para o filósofo como para o evangelista
é natural que, durante o período ascensional do espírito humano, surjam
oposições entre o bem e o mal, entre o verdadeiro e o falso. Daí a necessidade
do diálogo ou dialética para que haja bom entendimento entre as pessoas,
independentemente de cargos ou posições que ocupem na sociedade:
O diálogo é a forma pela qual tal consenso pode estabelecer. O método dialé-
tico – em suas primeiras versões nos diálogos socráticos de Platão – visa expor

27
O Evangelho Redivivo – Livro V

e denunciar a fragilidade, a ausência de fundamento, o caráter de aparência


das opiniões e preconceitos dos homens habitualmente em seu senso comum.
Visa, portanto, fazer com que o interlocutor tenha consciência disso.21

2.2 O VERBO OU LOGOS DE DEUS (JO 1:1 A 5)22


1
No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. 2No
princípio, ele estava com Deus. 3Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada
foi feito. 4O que foi feito nele era a vida, e a vida era a luz dos homens; 5e a luz
brilha nas trevas, mas as trevas não a apreenderam.

Em tais versículos consta claramente a concepção do Logos (ou Verbo),


difundida por renomados filósofos gregos, entre eles o pré-socrático
Heráclito de Éfeso, Platão e do filósofo grego-judeu neoplatônico, Fílon
de Alexandria, contemporâneo do Evangelista João. Logos transmite, em
síntese, a ideia da existência de um emissário ou mensageiro celestial que
atua na obra da Criação Divina, em nome do Criador Supremo, que é Deus.
De acordo com o pensamento joanino, Jesus é o Messias ou Mensageiro de
Deus em relação à humanidade terrestre.
Não resta dúvida que uma das concepções mais notáveis de Fílon foi a do
Logos, ideia plenamente absorvida por João e que já aparece nesses versículos
introdutórios e que pode ser assim resumida: a) Logos não é Deus, Causa ou
Razão primordiais, criadoras do Universo e dos seres, mas um instrumento
do Criador, criado à sua imagem e semelhança; b) Logos (instrumento do
Criador) da idealização helenística corresponde ao sentido de Messias, o men-
sageiro de Deus (Jeová/Yahweh), ensinado pelo Judaísmo. Essas concepções
fazem distinção entre Deus, Pai e Criador dos seres e das coisas existentes no
Universo, e o Cristo, o mensageiro celestial ou Logos/Verbo de Deus.
Percebe-se, dessa forma, a dificuldade de interpretação dos textos
joaninos que, para serem bem entendidos, exigem do leitor que vá além do
símbolo. O estudioso que não consegue ir além da letra ou do símbolo, nada
ou pouco compreende. Os escritos de João não se restringem a registros
eruditos, mas requisitam também um certo grau de entendimento moral-in-
telectual da mensagem do Cristo, tão bem compreendida pelo evangelista.
Contudo, o aprendizado de João foi gradual, exemplificado pelo estudo e
vivência do Evangelho, quando decidiu seguir o roteiro que Jesus indicou.
Um exemplo que se destaca foi o fato de Jesus, já na cruz, entregar a
sua mãe, Maria, aos cuidados de João que, a partir daquele momento, a
aceitaria como se fora a sua própria mãe (Jo 19:25 a 27). De fato, Maria

28
TEMA 2 – PRÓLOGO (JO 1:1 A 18)

permaneceu junto a João até o final da sua existência física. Outro exemplo
que marca a trajetória e missão do apóstolo foi transferir a residência para
Éfeso, cidade situada na costa ocidental da Ásia Menor, que foi sede da co-
munidade cristã, à qual Paulo de Tarso dirigiu sua Epístola aos Efésios. O
próprio Paulo residiu aí por dois anos. Éfeso era uma cidade esplendorosa,
caracterizada pela presença de filósofos, religiosos, mágicos e taumaturgos,
uma miscelânea cultural e artística sem precedentes,23 “reconhecida como
a mais notável metrópole da província romana da Ásia”.23 Foi aí que João
escreveu o seu Evangelho, por volta dos anos 98–100 d.C. A mudança de
domicílio para Éfeso não foi decisão imediata, mas ponderada. Tudo indi-
ca que, em verdade, ele queria conviver mais tempo com os membros do
colégio apostolar. Outra, porém, seria a vontade de Deus, principalmente
porque a perseguição em Jerusalém era contínua:
Depois da Ascensão, esse apóstolo residiu por algum tempo com os dez em um
quarto alto de Jerusalém (At. 1:13), e depois do Pentecostes, foi companheiro
de Pedro em trabalho missionário (At.3:1). Ambos sofreram prisão por ordem
das autoridades judias (At. 4:9). Os dois foram em comissão para a Samaria
auxiliar o trabalho que Filipe havia começado (At. 8:14). João foi um dos
que permaneceram em Jerusalém depois da perseguição que assaltou a igreja
[cristã] nascente, e ali ainda se achava, quando Paulo visitou a cidade, depois
da sua primeira viagem missionária (At. 15: 6; Gl. 2:9) [...].24

As seguintes ponderações, tendo como base o pensamento de


Emmanuel, são úteis à nossa reflexão.

2.2.1 NO PRINCÍPIO ERA O VERBO (JO 1:1)


Nenhuma expressão fornece imagem mais justa do poder d’Aquele a quem
todos os espíritos da Terra rendem culto, do que a de João, no seu Evangelho:
– “No princípio era o Verbo...”.
Jesus, cuja perfeição se perde na noite imperscrutável das eras, personificando
a sabedoria e o amor, tem orientado todo o desenvolvimento da humanidade
terrena, enviando os seus iluminados mensageiros, em todos os tempos, aos
agrupamentos humanos e, assim como presidiu à formação do orbe, dirigindo,
como divino Inspirador, a quantos colaboraram na tarefa da elaboração geológica
do planeta e da disseminação da vida em todos os laboratórios da natureza, desde
que o homem conquistou a racionalidade, vem-lhe fornecendo a ideia da sua
divina origem, o tesouro das concepções de Deus e da imortalidade do Espírito,
revelando-lhe, em cada época, aquilo que a sua compreensão pode abranger.25

Assim, o Logos ou Verbo na expressão do evangelista indica que


“Deus é amor e vida, e a mais perfeita expressão do Verbo para o orbe

29
O Evangelho Redivivo – Livro V

terrestre era e é Jesus, identificado com a Sua Misericórdia e Sabedoria,


desde a organização primordial do planeta”.26 O cuidado interpretativo,
portanto, é não transformar a Causa e o Efeito em uma única entidade,
como algumas interpretações literais sugerem: Deus é Deus, o Criador
Supremo; Jesus é Jesus, criado por Deus, enviado como Messias ao planeta
Terra. Contudo, Jesus, como todos seres e coisas criados pelo Pai celestial,
reflete a grandeza divina: “Visível ou oculto, o Verbo é traço da Luz divina
em todas as coisas e em todos os seres, nas mais variadas condições do
processo de aperfeiçoamento”.26

2.3 JESUS CRISTO, O MESSIAS DO PLANETA


TERRA E A LUZ DO MUNDO (JO 1:6 A 18)27
6
Houve um homem enviado por Deus. Seu nome era João. 7Este veio como
testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos cressem por meio
dele. 8Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz.
9
Ele era a luz verdadeira que ilumina todo homem; ele vinha ao mundo. 10Ele
estava no mundo e o mundo foi feito por meio dele, mas o mundo não o re-
conheceu. 11Veio para o que era seu e os seus não o receberam. 12Mas a todos
que o receberam deu o poder de se tornarem filhos de Deus: aos que creem em
seu nome, 13eles, que não foram gerados nem do sangue, nem de uma vontade
da carne, nem de uma vontade do homem, mas de Deus.
14
E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós; e nós vimos a sua glória, glória
que ele tem junto ao Pai como Filho único, cheio de graça e de verdade.
15
João dá testemunho dele e clama: “Este é aquele de quem eu disse: o que
vem depois de mim passou adiante de mim, porque existia antes de mim”.
16
Pois de sua plenitude todos nós recebemos graça por graça. 17Porque a Lei
foi dada por meio de Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo.
18
Ninguém jamais viu a Deus: o Filho unigênito, que está no seio do Pai,
este o deu a conhecer.

Nesses versículos, o evangelista declara enfaticamente que Jesus é o


Messias aguardado pelo povo judeu, e o que Ele representa para a humani-
dade terrestre como a luz do mundo. Ideia totalmente acatada pela Doutrina
Espírita, sendo considerada um dos seus fundamentos doutrinários: Jesus
Cristo “[...] o tipo mais perfeito que Deus já ofereceu ao homem para lhe
servir de guia e modelo”.28
Para o homem, Jesus representa o tipo da perfeição moral a que a Humanidade
pode aspirar na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo, e a
doutrina que ensinou é a mais pura expressão de sua lei, porque, sendo Jesus
o ser mais puro que já apareceu na Terra, o Espírito Divino o animava.29

30
TEMA 2 – PRÓLOGO (JO 1:1 A 18)

O Espírito Emmanuel analisa algumas ideias apresentadas por João


no Prólogo do seu Evangelho, ao referir-se a Jesus Cristo como o Messias
de Deus, assim destacadas:

2.3.1 ELE NÃO ERA A LUZ, MAS VEIO PARA DAR TESTEMUNHO
DA LUZ. ELE ERA A LUZ VERDADEIRA QUE ILUMINA
TODO HOMEM; ELE VINHA AO MUNDO (JO 1:8 E 9)
Jesus, porém, não obstante conhecer a força da verdade que trazia consigo,
não se prevaleceu da sua superioridade para humilhar ou ferir.
Acima de todas as preocupações, buscou invariavelmente o bem, através de
todas as situações e em todas as criaturas.
Não perdeu tempo em reprovações descabidas.
Não se confiou a polêmicas inúteis.
Instituiu o reinado salvador de que se fizera mensageiro, servindo e aman-
do, ajudando sempre e alicerçando cada ensinamento com a sua própria
exemplificação.
[...]
Não nos esqueçamos de que milhares de quilômetros de treva, no seio da noite,
não conseguem apagar milímetros de chama brilhante de uma vela, contudo,
basta um leve sopro de vento para extingui-la.30

2.3.2 E O VERBO SE FEZ CARNE, E HABITOU ENTRE


NÓS; E NÓS VIMOS A SUA GLÓRIA, GLÓRIA QUE
ELE TEM JUNTO AO PAI COMO FILHO ÚNICO,
CHEIO DE GRAÇA E DE VERDADE (JO 1:14)
– Antes de tudo, precisamos compreender que Jesus não foi um filósofo e
nem poderá ser classificado entre os valores propriamente humanos, tendo-
-se em conta os valores divinos de sua hierarquia espiritual, na direção das
coletividades terrícolas.
Enviado de Deus, Ele foi a representação do Pai junto do rebanho de filhos
transviados do seu amor e da sua sabedoria, cuja tutela lhe foi confiada nas
ordenações sagradas da vida no Infinito.
Diretor angélico do orbe, seu coração não desdenhou a permanência direta
entre os tutelados míseros e ignorantes, dando ensejo às palavras do apóstolo,
acima referidas.31

O Evangelho segundo João não é melhor nem pior que os demais escri-
tos neotestamentais, representa, sim, o entendimento do legado do Cristo,
uma preciosa contribuição para o nosso entendimento espiritual, como
esclarece Emmanuel:

31
O Evangelho Redivivo – Livro V

– Ainda aí, temos de considerar a especialização das tarefas, no capítulo das


obrigações conferidas a cada um. As peças nas narrações evangélicas identi-
ficam-se naturalmente, entre si, como partes indispensáveis de um todo, mas
somos compelidos a observar que, se Mateus, Marcos e Lucas receberam a
tarefa de apresentar, nos textos sagrados, o Pastor de Israel na sua feição su-
blime, a João coube a tarefa de revelar o Cristo Divino, na sua sagrada missão
universalista.32

As anotações inseridas aqui, neste Tema 2, são contribuições para


melhor compreendermos os ensinamentos de Jesus, fazendo-nos perceber,
cada vez mais, o valor da orientação de Alcíone: “[...] A mensagem do Cristo
precisa ser conhecida, meditada, sentida e vivida. [...]”.33

REFERÊNCIAS
1 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: João, p. 680.
2 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: João, o apóstolo, p. 685.
3 DOUGLAS, J. D. (Org.). O novo dicionário bíblico. Trad. João Bentes. 3. ed.
rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. verbete: Tiago, p. 1.335.
4 DOUGLAS, J. D. (Org.). O novo dicionário bíblico. Trad. João Bentes. 3. ed.
rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. verbete: João, o apóstolo, p. 689.
5 CHAMPLIN, Russell Norman. Novo dicionário bíblico Champlin. Ampl. e
atual. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2018. verbete: João, o apóstolo, p. 874.
6 DENIS, Léon. Cristianismo e espiritismo. 17. ed. 4. imp. Brasília, DF: FEB,
2016. cap 1 – Origem dos evangelhos.
7 BLOMBERG, Craig L. Jesus e os evangelhos: uma introdução ao estudo dos 4
evangelhos. Trad. Sueli da Silva Saraiva. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 9, p.
211.
8 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 1:1-18 – Prólogo, p. 1.842 e 1.844.
9 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua
portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. verbete: Tragédia, p. 1.863.
10 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua
portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. verbete: Prólogo, p. 1.560.

32
TEMA 2 – PRÓLOGO (JO 1:1 A 18)

11 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. Alfredo Bosi e Ivone


Castilho Benedetti. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes: 2000. verbete:
Prolegômenos, p. 800.
12 BRUCE, Frederick Fyvie. Comentário bíblico NVI: antigo e novo testamentos. Trad.
Valdemar Kroker. 2. ed. São Paulo: Editora Vida, 2012. cap. João, it.1 Prólogo, p.
1.174.
13 MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a
Wittgenstein. 8 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2004. cap. 2, p. 31.
14 MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a
Wittgenstein. 8 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2004. it. b, p. 35.
15 FÍLON DE ALEXANDRIA. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/F%-
C3%ADlon_de_Alexandria Acesso em: 28 dez. 2021.
16 STOKES, Philip. Filosofia: os grandes pensadores. Trad. Guilherme Fialho. 2.
ed. Belo Horizonte, MG: CEDIC, 2009. cap. Fílon de Alexandria, p. 204.
17 STOKES, Philip. Filosofia: os grandes pensadores. Trad. Guilherme Fialho. 2.
ed. Belo Horizonte, MG: CEDIC, 2009. Glossário: Estoicismo, p. 300.
18 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 1. ed. Trad. Alfredo Bosi e Ivone
Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes: 2000. verbete: Estoicismo, p.
375.
19 STOKES, Philip. Filosofia: os grandes pensadores. Trad. Guilherme Fialho. 2.
ed. Belo Horizonte, MG: CEDIC, 2009. cap. Platão, p. 206.
20 MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a
Wittgenstein. 8. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2004. cap. 4, p. 51.
21 MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a
Wittgenstein. 8. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2004. p. 53.
22 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 1:1-5, p. 1.842.
23 METZGER, Bruce M.; COOGAN, Michael. (Orgs.). Dicionário da bíblia. v.
1 – As pessoas e os lugares. Trad. Maria Luísa X. de A. Borges. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editora, 2002. verbete: Éfeso, p. 65.
24 CHAMPLIN, Russell Norman. Novo dicionário bíblico Champlin. Ampl. e
atual. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2018. verbete: João, o apóstolo, p. 874.
25 XAVIER, Francisco Cândido. Emmanuel. Pelo Espírito Emmanuel. 28. ed. 9.
imp. Brasília, DF: FEB, 2020. 1ª pt., cap. 2 – A ascendência do Evangelho.
26 XAVIER, Francisco Cândido. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed.
12. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. q. 261.

33
O Evangelho Redivivo – Livro V

27 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da


Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 1:6-18, p. 1.842 a 1.844.
28 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed.
10. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. q. 625.
29 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed.
10. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. comentário de Kardec à q. 625.
30 XAVIER, Francisco Cândido. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 106 – Sirvamos ao bem.
31 XAVIER, Francisco Cândido. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed.
12. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. q. 283.
32 XAVIER, Francisco Cândido. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed.
12. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. q. 284.
33 XAVIER, Francisco Cândido. Renúncia. Pelo Espírito Emmanuel. 36. ed. 12.
imp. Brasília, DF: FEB, 2020. 2ª pt., cap. 3 – Testemunhos de fé.

34
PARTE I

O Ministério de Jesus e o
anúncio da nova economia

1) A semana inaugural
2) A primeira Páscoa

35
O Evangelho Redivivo – Livro V

TEMA 3

O TESTEMUNHO DE JOÃO
[BATISTA]. OS PRIMEIROS
DISCÍPULOS (JO 1:19 A 51)

Este tema apresenta três ordens de ideias: a primeira, desenvolvida em


dez versículos (Jo 1:19 a 28), indica as respostas de João Batista aos membros
do clero judaico de Jerusalém que o interrogaram a respeito da pregação e
do batismo que ele vinha realizando publicamente.1 A segunda, consubs-
tanciada em seis versículos (Jo 1:29 a 34), traz informações relacionadas
ao batismo de Jesus e aos fenômenos espirituais manifestados na ocasião.1
[...] O assunto é introduzido por uma indagação dos judeus de Jerusalém. A
expressão “os judeus” ocorre com frequência nesse evangelho, mas nem sempre
da mesma forma. Às vezes ela é usada para diferenciar os habitantes da Judeia dos
da Galileia; outras vezes se refere aos judeus como os que não creem em Jesus;
em geral, simboliza os líderes judeus em sua oposição a Jesus. Aqui esses líderes
são representados pelos sacerdotes e levitas. O ponto principal dessa passagem é
distinguir o arauto [pessoa que tornava pública uma notícia] da pessoa anunciada.
O autor [João Evangelista] registra as perguntas sobre a identidade de João Batista
porque elas claramente têm relação com a validade do seu testemunho. [...].1

Na terceira e última ordem de ideias, organizada em 17 versículos


(Jo 1:35 a 51), o evangelista transmite esclarecimentos sobre a organização
inicial do colégio apostolar, cita o nome dos primeiros discípulos, a começar
por André, irmão de Simão Pedro, sem apresentar mais detalhes, exceto
em relação ao apelido de Cefas (“Pedra”) que Jesus dá a Pedro e ao diálogo
estabelecido entre Jesus e Natanael (também conhecido como Bartolomeu),
quanto este foi convidado a fazer parte do grupo dos Doze.2
O Evangelista João assinala nessa passagem evangélica a forte vincula-
ção que há entre a missão de João Batista e a de Jesus. Todavia, enfatiza que
João Batista foi o precursor das ideias cristãs, enquanto Jesus era o Messias
aguardado pelo povo judeu. Na verdade, João Batista sempre demonstrou
que fazia parte de sua missão anunciar a de Jesus.2

36
TEMA 3 – O TESTEMUNHO DE JOÃO [BATISTA]. OS PRIMEIROS DISCÍPULOS (JO 1:19 A 51)

3.1 O TESTEMUNHO DE JOÃO BATISTA (JO 1:19 A 28)3


19
Este foi o testemunho de João, quando os judeus enviaram de Jerusalém
sacerdotes e levitas para o interrogarem: “Quem és tu?” 20Ele confessou e
não negou; confessou: “Eu não sou o Cristo”. 21Perguntaram-lhe: “Quem és,
então? És tu Elias?” Ele disse: “Não o sou”. “És o profeta?” Ele respondeu:
“Não”. 22Disseram-lhe, então: “Quem és, para darmos uma resposta aos
que nos enviaram? Que dizes de ti mesmo?” 23Disse ele: “Eu sou a voz que
clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor, como disse o profeta
Isaías”.24Alguns dos enviados eram fariseus. 25Perguntaram-lhe ainda: “E
por que batizas, se não és o Cristo, nem Elias, nem o profeta?” 26João lhes
respondeu: “Eu batizo com água. No meio de vós, está alguém que não
conheceis, 27aquele que vem depois de mim, do qual não sou digno de de-
satar a correia da sandália”. 28Isso se passava em Betânia do outro lado do
Jordão, onde João batizava.

O texto joanino assinala, aqui, dois importantes assuntos: a convicção


de João Batista quanto à própria missão e à de Jesus; informações sobre o
batizado de Jesus. Tais assuntos encontram-se mais detalhados nos evan-
gelhos sinópticos, no entanto, o Apóstolo João optou por registrar apenas
o essencial dos acontecimentos, procurando conduzir o leitor para o enten-
dimento da grandeza espiritual de Jesus, enviado por Deus como o Cristo
ou Logos Divino. Essa compreensão é mais bem percebida nos itens que
se seguem, os quais refletem as respostas dadas por João Batista durante o
interrogatório ao qual ele foi submetido.

3.1.1 JOÃO BATISTA É INTERROGADO POR SACERDOTES E LEVITAS


À época de Jesus existiam diversos grupos religiosos entre os judeus
e os não judeus (denominados povos gentílicos ou gentios). Eram grupos
muito fechados entre si, corporativistas que desconfiavam de tudo e de todos.
A estrutura política e religiosa dos judeus havia se tornado muito rígida, como
uma forma de se proteger de ameaças externas. Eles estavam constantemente
sofrendo perseguições e sendo mortos, e de modo geral os primeiros a serem
executados eram os líderes. Assim, não iriam aceitar facilmente alguém que
quisesse intrometer-se no meio deles e estabelecer o caos.
Os que buscavam o poder o faziam por diversas razões. Alguns eram corrup-
tos e só desejavam a segurança e prosperidade inerentes ao cargo, ou então o
domínio e prestígio que ele conferia. Por vezes ambicionavam ambas as coisas.
Mas alguns judeus agarravam-se obstinadamente à sua posição política por
desejarem com sinceridade prestar benefícios a seu povo. Pensavam até estar
servindo a Deus dessa maneira. [...].4

37
O Evangelho Redivivo – Livro V

Nesse cenário de desconfiança e intrigas surge João Batista que,


devido às características da sua pregação (muito direta e retumbante) e
do seu modo de vida: ele passava mais tempo no deserto que na cidade,
alimentava-se com extrema frugalidade e trazia o corpo coberto com
simples pele de ovelha. Pregava o batismo do arrependimento, atraindo
inúmeros seguidores, os quais fundaram uma seita religiosa que persistiu
até o primeiro século da Era Cristã ou um pouco mais. A movimentação
provocada por João Batista chamou a atenção das autoridades religiosas
que, de imediato, enviaram representantes para interrogá-lo, assim como,
mais tarde, Jesus também o seria. O texto evangélico indica que os inter-
rogadores representavam três tipos diferentes de religiosos: constituído de
sacerdotes (kohen), levitas (Jo 1:19) e fariseus (Jo 1:24). Importa destacar
que o termo “sacerdote” era genericamente utilizado pelo clero judaico
para indicar qualquer membro integrante das diferentes ordens religiosas
existentes em Israel:
Ministro investido de autoridade. Às vezes denota um ministro de Estado, as-
sistente responsável junto ao rei. [...] Com frequência, os ministros do santuário
são denominados sacerdotes levíticos, porquanto o sentido da palavra kohen,
ministro, sacerdote, exige qualidades descritivas. Um ministro devidamente
autorizado, para oficiar perante uma divindade, em favor de um povo e tomar
parte em outros ritos, é denominado sacerdote. A função essencial a seu cargo
era a de mediador entre Deus e o homem. [...].5

Os levitas, por sua vez, também eram sacerdotes, mas se distinguiam


dos demais por serem descendentes de Levi, cujo filho, Aarão, deu origem
a uma das tribos de Israel.6 Por tradição histórica, instituída desde a época
de Moisés, os homens descendentes da tribo de Levi deviam tomar conta do
Santuário,6 também denominado Tabernáculo ou Tenda da Congregação –
local considerado sagrado onde ocorria a reunião entre Deus e o povo judeu.
No Santuário estavam guardados a Arca da Aliança (os Dez Mandamentos)
e outros objetos sagrados. “[...] Arão e seus filhos foram separados para o
sacerdócio que se perpetuou na sua família. [...]”.6 Cuidar do Santuário era
atribuição muito honrosa. Moisés e Arão eram levitas.6
O interrogatório conduzido pelos sacerdotes e levitas restringiu-se a
obter informações sobre quem era João Batista e quais os propósitos dele,
como confere os seguintes versículos de João (1:19 a 23):
[...] quando os judeus enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para o inter-
rogarem: “Quem és tu?” Ele confessou e não negou; confessou: “Eu não sou
o Cristo”. Perguntaram-lhe: “Quem és, então? És tu Elias?” Ele disse: “Não o

38
TEMA 3 – O TESTEMUNHO DE JOÃO [BATISTA]. OS PRIMEIROS DISCÍPULOS (JO 1:19 A 51)

sou”. – “És o profeta?” Ele respondeu: “Não”. Disseram-lhe, então: “Quem és,
para darmos uma resposta aos que nos enviaram? Que dizes de ti mesmo?”
Disse ele: “Eu sou a voz que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor,
como disse o profeta Isaías”.

João Batista tinha plena convicção de que ele não era o Messias, ainda
que alguns dos seus discípulos defendessem essa ideia. Batista afirma tam-
bém que ele não era a reencarnação de Elias ou de outro profeta, até porque,
como nos ensina Allan Kardec, não existia, à época, um bom entendimento
a respeito do assunto, confundindo-se os significados de reencarnação com
o de ressurreição. A ideia de João Batista ser Elias reencarnado é aceita pelo
Espiritismo, mas não significa dizer que ele recordasse dessa experiência
reencarnatória. O esquecimento do passado é recurso que auxilia o reen-
carnado a executar o seu planejamento reencarnatório com mais indepen-
dência, sem estar preso a recordações.
Kardec pontua a respeito:
A reencarnação fazia parte dos dogmas dos judeus, sob o nome de ressurrei-
ção. Somente os saduceus, que pensavam que tudo acabava com a morte, não
acreditavam nisso. As ideias dos judeus sobre esse ponto, como sobre muitos
outros, não eram claramente definidas, porque só tinham noções vagas e in-
completas acerca da alma e da sua ligação com o corpo. Acreditavam que um
homem que vivera podia reviver, sem saberem precisamente de que maneira o
fato poderia dar-se. Designavam pelo termo ressurreição o que o Espiritismo,
mais judiciosamente, chama reencarnação. Com efeito, a ressurreição pressupõe
o retorno à vida do corpo que já está morto, o que a Ciência demonstra ser
materialmente impossível, sobretudo quando os elementos desse corpo já se
acham desde muito tempo dispersos e absorvidos. A reencarnação é a volta da
alma ou Espírito à vida corpórea, mas em outro corpo, novamente formado
para ele e que nada tem de comum com o antigo. [...].7

A respeito de si mesmo, João Batista afirmou ser a voz que clama


no deserto, renascendo para endireitar o caminho do Senhor, citando uma
previsão do profeta Isaías (40:3), que é analisada por Emmanuel na men-
sagem Endireitai os caminhos. Tal mensagem reflete a essência espiritual da
resposta transmitida pelo precursor aos judeus, demonstrando que havia
pouca importância o fato de ele ser ou não um profeta ou a reencarnação
de um deles, como Elias:
A exortação do Precursor permanece no ar, convocando os homens de boa
vontade à regeneração das estradas comuns.
Em todos os tempos, observamos criaturas que se candidatam à fé, que anseiam
pelos benefícios do Cristo. Clamam pela sua paz, pela Presença Divina e, por

39
O Evangelho Redivivo – Livro V

vezes, após transformarem os melhores sentimentos em inquietação injusta,


acabam desanimadas e vencidas.
[...]
Para que alguém sinta a influência santificadora do Cristo, é preciso retificar
a estrada em que tem vivido. Muitos choram em veredas do crime, lamen-
tam-se nos resvaladouros do erro sistemático, invocam o céu sem o desapego
às paixões avassaladoras do campo material. Em tais condições, não é justo
dirigir-se a alma ao Salvador, que aceitou a humilhação e a cruz sem queixas
de qualquer natureza.
Se queres que Jesus venha santificar as tuas atividades, endireita os caminhos
da existência, regenera os teus impulsos, desfaze as sombras que te rodeiam e
senti-lo-ás, ao teu lado, com a sua bênção.8

3.1.2 JOÃO BATISTA É TAMBÉM INTERROGADO POR FARISEUS


A passagem evangélica relata que, em sequência à arguição dos sacer-
dotes e levitas, João Batista também foi interrogado por alguns fariseus,
filiados a outro grupo religioso, talvez mais esclarecidos que os demais,
porém muito vaidosos, orgulhosos e exageradamente ritualistas: “Fariseu
é nome dado a uma das três principais seitas judias, com os saduceus e os
essênios. Era a seita mais segura da religião judia. [...]”.9
[...] Os fariseus sustentavam a doutrina da predestinação, que consideravam
em harmonia com o livre-arbítrio. Acreditavam na imortalidade da alma, na
ressurreição do corpo e na existência do espírito, nas recompensas e castigos
na vida futura, de acordo com o modo de viver neste mundo; que alma dos
ímpios eram lançadas em prisão eterna, enquanto as dos justos reviveriam [...].
A religião consistia na prática de atos externos, em prejuízo das disposições
do coração. A interpretação da lei e a sua aplicação nos pormenores da vida
comum veio a ser um trabalho de graves consequências [...].9

As perguntas que os fariseus dirigiram a João Batista estão relacio-


nadas às manifestações de culto externo, no caso o batismo, conforme
estes registros de João (1:24 a 26): “Alguns dos enviados eram fariseus.
­Perguntaram-lhe ainda: ‘E por que batizas, se não és o Cristo, nem Elias,
nem o profeta?’ João lhes respondeu: ‘Eu batizo com água [...]’.”
Em termos históricos, sabemos que o ingresso em uma nova fase da
vida, como da infância para a adolescência, e da adolescência para a idade
adulta, ou de um compromisso de renovação espiritual, era marcado por
práticas ritualísticas, usuais nas tradições dos povos. Entre os judeus, des-
taca-se a circuncisão, uma operação no órgão masculino de reprodução, a
fim de remover o prepúcio, que tem significado especial: assinala a aliança

40
TEMA 3 – O TESTEMUNHO DE JOÃO [BATISTA]. OS PRIMEIROS DISCÍPULOS (JO 1:19 A 51)

com Abraão (Gn 17:11); a partir desse rito, subentende-se que ocorrerá
uma mudança interna no indivíduo, efetuada por Deus (Dt 1:16; 30:6).10
Há muitas outras iniciações ritualísticas, religiosas ou não, utilizadas
em sociedades secretas ou em outros tipos de associações, algumas das quais
cometiam o absurdo de fazer sacrifícios humanos e de animais.11 Com a
melhoria intelecto-moral da Humanidade, desaparecerão paulatinamente
tais manifestações simbólicas.
Para os fariseus, cultores de rituais por excelência, estava evidente que,
para João Batista poder batizar, ele só poderia fazê-lo se estivesse investido
de alguma autoridade: ou ele seria o Cristo, o Messias aguardado, ou um
dos profetas. João Batista, porém, não se detém no assunto de ter ou não
autoridade para batizar, apenas lhes responde que batizava com água. João
Batista pregava a iniciação de uma vida nova pela imersão do iniciado nas
águas do rio Jordão. Essa iniciação era denominada o batismo da purifica-
ção,12 cuja prática de imersão na água foi absorvida pelas igrejas cristãs dos
últimos milênios:
O batismo não é uma invenção de João [Batista]. Há muito tempo os judeus
já vinham realizando os rituais de lavação como símbolo de purificação de
batismo dos convertidos. O batismo de João, entretanto, era diferente, pois
marcava o início de um novo relacionamento com Deus, algo que evoluiu
rapidamente para se tornar o sinal externo de uma nova vida com Jesus
(Atos, 2:38-41).
A palavra “batizar” provém do grego baptizo, que significa “imergir”. O batismo
na época do Novo Testamento era realizado por imersão total na água, e não
por aspersão ou derramamento, práticas que se desenvolveram mais tarde. A
imersão era uma forma particularmente apropriada para representar o con-
ceito fundamental do batismo: lavar os pecados, abandonar a vida anterior e
mergulhar em uma nova vida com Jesus.13

O surgimento de João Batista no cenário social e religioso da épo-


ca provocou uma notável movimentação religiosa e social, repetimos,
considerado pelos cristãos como o último dos profetas do Judaísmo, a
despeito do não reconhecimento pelo clero judaico. Por outro lado, não
podemos esquecer, havia a crença entre muitos dos seguidores de que
ele, João Batista, era o Messias aguardado. João Batista, porém, jamais
apoiou ou divulgou tal ideia, até mesmo quando informou aos fariseus
que o interrogavam (Jo 1:26 a 28):
[...] Eu batizo com água. No meio de vós, está alguém que não conheceis,
aquele que vem depois de mim, do qual não sou digno de desatar a correia

41
O Evangelho Redivivo – Livro V

da sandália. Isso se passava em Bethabara, do outro lado do Jordão, onde


João batizava.

3.2 O BATISMO DE JESUS (JO 1:29 A 34)14


29
No dia seguinte, ele vê Jesus aproximar-se dele e diz: “Eis o Cordeiro de Deus,
que tira o pecado do mundo”. 30Dele é que eu disse: Depois de mim, vem um
homem que passou adiante de mim, porque existia antes de mim. 31Eu não co-
nhecia, mas, para que ele fosse manifestado a Israel, vim batizar com água. 32E
João deu testemunho dizendo: “Vi o Espírito descer como uma pomba vinda
do céu, e permanecer sobre ele. 33Eu não o conhecia, mas aquele que me enviou
para batizar com água, disse-me: ‘Aquele sobre quem vires o Espírito descer
e permanecer é o que batiza com o Espírito Santo’. 34E eu vi e dou testemunho
que ele é o Eleito de Deus.”

A questão dos rituais, inclusive o adotado por João Batista no batismo


por ele instituido, é algo que ainda continua enraizado na cultura religiosa,
do Oriente e do Ocidente. O problema não é o simbolo, em si, mas o apego
que se dá a ele, a ponto de impor obstáculos à capacidade pensante e refle-
xiva do ser humano, mantendo-o prisioneiro de representações materiais, a
maioria sem sentido, enquanto os ensinamentos espirituais são relegados a
planos secundários. A propósito, recorda o espírita João de Jesus Moutinho
(1926–2022) que significativa parte dos representantes de doutrinas tradi-
cionais se submentaram a certos condicionamentos, movidos pelo apego
à vida física e à vaidade, que os fizeram instituir diretrizes estranhas “[...]
à religião de origem, de cujos fundamentos excluem a imortalidade do
Espírito, a moral e a humildade, substituídas por salvação simbólica, com
base em atos litúrgicos de rígida observação [...]”.15
Para os religiosos e o povo judaico existia a necessidade da aplicação
de rituais. Nesse sentido, João Batista utilizou o rito de batizar com imersão
na água – no caso, fazia-se a imersão do crente nas águas do rio Jordão –,
batismo que era considerado símbolo de purificação da alma. O próprio
Jesus, como consta nos versículos ora citados (Jo 1:29 a 34) submeteu-se
ao ritual do batismo, pois em sua missão messiânica Ele não contrariou as
tradições histórico-culturais. Contudo jamais perdeu a oportunidade de
destacar o significado espiritual dos simbolismos. Reportava-se aos profetas
do Antigo Testamento ou pregava por meio de parábolas, a fim de esclare-
cer devidamente os que o escutava. O certo é que o Cristo proporcionava,
de uma forma ou de outra, embates entre a fé e a razão, preparando-nos
o caminho para a vivência da fé raciocinada, como orienta o Espiritismo,

42
TEMA 3 – O TESTEMUNHO DE JOÃO [BATISTA]. OS PRIMEIROS DISCÍPULOS (JO 1:19 A 51)

assim resumida neste texto de Vinícius (Pedro de Camargo, 1878–1966),


intitulado A Verdade e o dogma:
[...] Não precisamos violentar a razão para que aceite o que não compreende
e creia no que não sente. Não precisamos passar de alto e pela rama por
um problema de tanta relevância, podemos enfrentá-lo com desassombro,
sujeitando-o ao cadinho do raciocínio e calor da meditação. [...] Nenhuma
dúvida haverá mais em nosso espírito criando incompatibilidade entre a razão
e a fé, a inteligência e o sentimento. Nossa fé e nosso amor serão luminosos,
dardejando rajadas de luz sobre o carreiro do destino que palmilharmos.
Não creremos pelo testemunho de terceiros, mas pela nossa experiência
pessoal. Abriremos mão das exterioridades, dos ritualismos e das querelas
sectaristas que dividem e separam os homens, alimentando zelos e fomen-
tando vaidades. Concentraremos nossa atenção sobre o que passa, não fora,
mas dentro de nós mesmos, no dealbar duma aurora que surge nos arcanos
recônditos da nossa alma como energia propulsora do aperfeiçoamento in-
telectual e moral que em nós vai processando. Cuidaremos, então, da nossa
autoeducação, exemplificando, demonstrando em nós próprios, ao vivo, a
obra da redenção [...].16

O texto de João, ora sob estudo, relata que no dia seguinte à arguição a
que João Batista fora submetido, Jesus aproxima-se dele para ser batizado,
atentando-se às tradições. Trata-se de um momento muito especial, que
assinala o encerramento da missão de João Batista, na condição de precur-
sor, e início da de Jesus, o Mensageiro Divino que veio nos recordar a Lei
de Deus, ensinando-nos como praticá-la. Assim, frente a frente com Jesus,
João Batista o reverencia e exclama: “[...] Eis o Cordeiro de Deus, que tira o
pecado do mundo. Dele é que eu disse: Depois de mim, vem um homem que
passou adiante de mim, porque existia antes de mim. Eu não conhecia, mas,
para que ele fosse manifestado a Israel, vim batizar com água” (Jo 1:29 a 31).
Entretanto importa enfatizar: o batismo se deu não porque Jesus tivesse
pecado, “mas [para] cumprir toda a justiça”, como assinalou o Evangelista
Mateus (3:15): “[...] Identificando-se com a humanidade, Jesus estabelecia
uma nova maneira de viver. [...]”.17
O batismo de Jesus é o momento em que Ele se apresenta ao mundo
como o Messias enviado por Deus à humanidade terrestre. Ciente desse
fato, João Batista dá o seu testemunho:
Vi o Espírito descer como uma pomba vinda do céu, e permanecer sobre
ele. Eu não o conhecia, mas aquele que me enviou para batizar com água,
disse-me: “Aquele sobre quem vires o Espírito descer e permanecer é o que
batiza com o Espírito Santo”. E eu vi e dou testemunho que ele é o Eleito de
Deus. (Jo 1:32 a 34).

43
O Evangelho Redivivo – Livro V

As manifestações ocorridas posteriormente ao batizado de Jesus (mate-


rializações da pomba e da voz ecoando na atmosfera, no ar) foram conside-
radas por João Batista e por João Evangelista como evidências de que Jesus
era o Messias: E eu vi e dou testemunho que ele é o Eleito de Deus (Jo 1:34).
Ainda que a materialização da pomba e da voz sejam fenômenos mediúnicos
incomuns, produzidos por intermédio de médiuns de efeitos físicos, nada
têm de mágico ou de sobrenatural, quando se lhes conhecem as causas: “Os
médiuns de efeitos físicos são particularmente aptos a produzir fenômenos
materiais, como os movimentos dos corpos inertes, os ruídos etc. [...]”.18
Todas as manifestações de efeitos físicos implicam a utilização, maior ou
menor, de ectoplasma, que é o fluido vital, também conhecido como bioener-
gia, naturalmente liberado por todos os seres vivos da Criação. Nos médiuns
de efeitos físicos os fluidos ectoplásmicos são mais abundantes, favorecendo a
materialização de Espíritos, animais, vegetais, objetos inertes, sons e ruídos varia-
dos, transporte de objetos e curas de enfermidades. Quanto ao fenômeno de voz
direta, apresenta as seguintes características, de acordo com a Doutrina Espírita:
Já que os Espíritos podem produzir ruídos e pancadas, podem igualmente
fazer que se ouçam gritos de toda espécie e sons vocais que imitam a voz
humana, tanto ao nosso lado como no ar. Damos a este fenômeno o nome de
pneumatofonia. [...].19

João Batista também anuncia que o batismo realizado por ele era por
meio da água que, simbolicamente, significava “lavar a alma das impurezas”,
mas que Jesus batizaria com o Espírito Santo (Jo 1:34) ou pelo fogo – se-
gundo algumas traduções neotestamentais – que é o batismo de natureza
divina, pois propicia condições ao Espírito imortal de reajustar-se às Leis
Divinas pelo cumprimento das determinações da Lei de Causa e Efeito,
como ­esclarece Vinícius:
Assim, pois, o batismo de fogo a que se reporta o Profeta dos desertos –
consuma-se na luta incruenta, nas provas e nas expiações que resultam da
encarnação. A alma que enverga a libré da carne é lançada na liça. [...] A dor,
portanto, sob suas múltiplas modalidades, constitui o batismo de fogo, de cuja
ação ninguém escapa e cuja aplicação independe do concurso humano. Vem
de cima, atua como lei natural que é, atingindo indistintamente os grandes e
os pequenos, os sábios e os inscientes, os poderosos e os humildes, os ricos e
os pobres, os crentes e os descrentes.20

O batismo do Espírito refere-se ao homem que, esclarecido pelas luzes


do Evangelho, se renova diariamente, esforçando-se para vivenciar o bem,
independente das circunstâncias.

44
TEMA 3 – O TESTEMUNHO DE JOÃO [BATISTA]. OS PRIMEIROS DISCÍPULOS (JO 1:19 A 51)

O batismo de Jesus não é o da água. O da água é o batismo terreno, inócuo,


inoperante, ineficaz, conforme o atestam os fatos. O batismo de Jesus é, como
disse o Precursor, o do fogo e o do Espírito, representando, respectivamente,
a lei e a graça, ou seja, a Justiça e a Misericórdia Divina. Tais são os batismos
do Céu, eficazes e positivos, por isso que realmente transformam, convertem
e redimem as almas!21

3.3 OS PRIMEIROS DISCÍPULOS (JO 1:35 A 51)22


35
No dia seguinte, João se achava lá de novo, com dois de seus discípulos. 36Ao
ver Jesus que passava, disse: “Eis o Cordeiro de Deus”. 37Os dois discípulos ou-
viram-no falar e seguiram Jesus. 38Jesus voltou-se e, vendo que eles o seguiam,
disse-lhes: “Que procurais?” Disseram-lhe: “Rabi (que, traduzido, significa
Mestre), onde moras?” 39Disse-lhes: “Vinde e vede”. Então eles foram e viram
onde morava, e permaneceram com ele aquele dia. Era a hora décima, aproxi-
madamente. 40André, o irmão de Simão Pedro, era um dos dois que ouviram
as palavras de João e seguiram Jesus. 41Encontra primeiramente seu próprio
irmão Simão e lhe diz: “Encontramos o Messias (que quer dizer Cristo)”.
42
Ele o conduziu a Jesus. Fitando-o, disse-lhe Jesus: “Tu és Simão, o filho de
João; chamar-te-ás Cefas” (que quer dizer Pedra). 43No dia seguinte, Jesus
resolveu partir para a Galileia e encontrou Filipe. Jesus lhe disse: “­Segue-me”.
44
Filipe era de Betsaida, a cidade de André e de Pedro. 45Filipe encontrou
Natanael e lhe disse: “Encontramos aquele de quem escreveram Moisés, na
Lei, e os profetas: Jesus, filho de José, de Nazaré”. 46Perguntou-lhe Natanael:
“De Nazaré pode sair algo de bom?” Filipe lhe disse: “Vem e vê”. 47Jesus viu
Natanael vindo até ele e disse a seu respeito: “Eis verdadeiramente um israe-
lita, em quem não há fraude”. 48Natanael lhe disse: “De onde me conheces?”
Respondeu-lhe Jesus: “Antes que Filipe te chamasse, eu te vi quando estavas
sob a figueira”. 49Então Natanael exclamou: “Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és
o Rei de Israel”. 50Jesus lhe respondeu: “Crês, só porque te disse: ‘Eu te vi sob
a figueira’? Verás coisas maiores do que essas”. 51E lhe disse: “Em verdade, em
verdade, vos digo: Vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo
sobre o Filho do Homem”.

Essa passagem evangélica é um breve resumo de como ocorreu a


organização inicial do colégio apostolar, constituído de 12 discípulos ou
auxiliares diretos de Jesus. Segundo se deduz dos relatos do Evangelista
João, os primeiros apóstolos (o próprio João, André, Simão Pedro, Filipe e
Natanael) faziam parte do círculo de João Batista. Contudo tais informa-
ções não constam ou estão um pouco diferente dos evangelhos sinópticos
(Mt 4:18 a 22; Mc 1:16 a 20; 35; 40).23 Essa constatação, porém, não apre-
senta relevância quanto ao estudo e vivência do Evangelho, salvo do ponto
de vista histórico.

45
O Evangelho Redivivo – Livro V

Daí Emmanuel, em sua sabedoria, deter-se na interpretação do versícu-


lo 38 (Jesus voltou-se e, vendo que eles o seguiam, disse-lhes: “Que procurais?”)
que, na essência, sintetiza o motivo do chamamento do Mestre Nazareno
que repercute, ao longo dos tempos, no íntimo de todos nós:
Que buscais?24
E Jesus, voltando-se e vendo que eles o seguiam,
disse-lhes: Que buscais? (João, 1:38.)
A vida em si é conjunto divino de experiências.
Cada existência isolada oferece ao homem o proveito de novos conhecimentos.
A aquisição de valores religiosos, entretanto, é a mais importante de todas, em
virtude de constituir o movimento de iluminação definitiva da alma para Deus.
Os homens, contudo, estendem a esse departamento divino a sua viciação de
sentimentos, no jogo inferior dos interesses egoísticos.
Os templos de pedra estão cheios de promessas injustificáveis e de votos
absurdos.
Muitos devotos entendem encontrar na Divina Providência uma força su-
bornável, eivada de privilégios e preferências. Outros se socorrem do Plano
Espiritual com o propósito de solucionar problemas mesquinhos.
Esquecem-se de que o Cristo ensinou e exemplificou.
A cruz do Calvário é símbolo vivo.
Quem deseja a liberdade precisa obedecer aos desígnios supremos. Sem a
compreensão de Jesus, no campo íntimo, associada aos atos de cada dia, a
alma será sempre a prisioneira de inferiores preocupações.
Ninguém olvide a verdade de que o Cristo se encontra no umbral de todos os
templos religiosos do mundo, perguntando, com interesse, aos que entram:
“Que buscais?”

REFERÊNCIAS
1 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. João, it. 1:19; 2:11
Eventos introdutórios, p. 1.545.
2 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. João, it. 1:35-51: O
chamado dos primeiros discípulos, p. 1.546.
3 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 1:19-28, p. 1.844.

46
TEMA 3 – O TESTEMUNHO DE JOÃO [BATISTA]. OS PRIMEIROS DISCÍPULOS (JO 1:19 A 51)

4 COLEMAN, William L. Manual dos tempos e costumes bíblicos. Trad. Miriam


Talitha Lins. 2. ed. Curitiba, PR: Editora Betânia, 2017. cap. 18, p. 256.
5 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Sacerdote, p. 1.079.
6 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Levitas, p. 743.
7 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. cap. 4, it. 4.
8 XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito
Emmanuel. 1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 16.
9 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Fariseus, p. 472.
10 ELWELL, Walter A. (Editor). Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã.
Trad. Gordon Chown. v. I (A-D). 2. ed. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições
Vida Nova, 1992. verbete: Circuncisão, p. 281.
11 BECKER, Udo. Dicionário de símbolos. Trad. Edwino Royer. 1. ed. São Paulo:
Paulus, 1990. verbete: Iniciação, p. 151.
12 ELWELL, Walter A. (Editor). Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã.
Trad. Gordon Chown. v. I (A-D). 2. ed. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições
Vida Nova, 1992. verbete: Batismo, p. 148 e 149.
13 BEAUMONT, Mike. Guia prático da bíblia. Trad. Vanderlei Ortigoza Júnior.
Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. cap. João Batista, it. Batismo,
p. 80.
14 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
São João, 1:29-34, p. 1.844 e 1.845.
15 MOUTINHO, João de Jesus. O evangelho sem mistérios nem véus. 1. ed. Brasília,
DF: FEB, 2022. cap. 6 – Batismo.
16 VINÍCIUS. Na seara do mestre. 10. ed. 2. reimp. Brasília, DF: FEB, 2011. cap.
A Verdade e o dogma.
17 BEAUMONT, Mike. Guia prático da bíblia. Trad. Vanderlei Ortigoza Júnior.
Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. cap. O Ministério de Jesus, p. 88.
18 KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed.
8. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. 2ª pt., cap. 14, it. 160.
19 KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed.
8. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. 2ª pt., cap. 12, it. 150.
20 VINÍCIUS. Na seara do mestre. 10. ed. 2. reimp. Brasília, DF: FEB, 2011. cap.
Os três batismos: o da água, o do fogo e o do Espírito.

47
O Evangelho Redivivo – Livro V

21 VINÍCIUS. Na seara do mestre. 10. ed. 2. reimp. Brasília, DF: FEB, 2011. cap.
Os três batismos: o da água, o do fogo e o do Espírito.
22 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
São João, 1:35-51, p. 1.844 a 1.846.
23 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. it. 1:35, p. 364.
24 XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito
Emmanuel. 1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 22.

48
TEMA 4

AS NÚPCIAS DE CANÁ.
A PURIFICAÇÃO DO
TEMPLO. ESTADA EM
JERUSALÉM (JO 2:1 A 25)

Após aproximadamente uma semana do batizado de Jesus, realiza-


do por João Batista, e três dias das escolhas dos primeiros discípulos, os
quais comporiam o colégio apostolar, surge um convite para eles (Jesus e
os ­discípulos) participarem de uma festa de núpcias, na cidade de Caná
da Galileia. Nesse encontro festivo, Jesus transformaria água em vinho, o
primeiro sinal – palavra utilizada por João Evangelista em substituição a
milagre, mais usada – de que Ele era Mensageiro de Deus, condição obri-
gatória (para ser aceito como tal, de acordo com a tradição do Judaísmo:
Como Moisés (Êx 4:1-9; 27-31), Jesus deveria realizar “sinais” para provar
que foi enviado por Deus, pois só Deus pode dominar as leis naturais (Jo 3:2;
9:31-33). Durante a sua vida terrestre, realizará seis deles (Jo 2:1-11; 4:46-54;
5:2s; 6:5-14; 9:1-16; 11:1s; cf. 12:18), sendo o último a ressurreição de Lázaro,
que prefigura a própria ressureição, o sinal por excelência (Jo 2:18-19); cf.
10:17-18). Esses sinais, e muitos outros que não são explicitamente descritos,
devem provocar a fé na missão do Cristo [...].1

No capítulo dois do Evangelho segundo João (1 a 25), estudaremos o


início do Mandato de Jesus, quando Ele visita três cidades: Caná da Galileia
para a festa de núpcias; Cafarnaum; e Jerusalém para a primeira Páscoa
judaica. A respeito dessas cidades, inserimos as seguintes informações
histórico-cultural e etimológicas:
» Caná da Galileia
(Gr.: Kana, provavelmente do hebraico Qanah = “lugar de juncos”) – Vila da
Galileia nas terras altas, a oeste do Lago [de Genesaré ou mar da Galileia].
[...] Foi a cena do primeiro milagre de Jesus (Jo 2:1-11), local onde, com uma
palavra, ele curou o filho de um nobre que estava acamado em Cafarnaum

49
O Evangelho Redivivo – Livro V

(Jo 4:46-50) e era terra de Natanael [Bartolomeu] [...]. Não tendo sido
definitivamente localizada, tem sido identificada como por alguns como
Kefr Kenna, cerca de 7 Km a nordeste de Nazaré, sobre a estrada para
Tiberíades, onde tem sido feitas escavações [...]. Muitos eruditos modernos,
entretanto, preferem identificá-la com Khirbet Kana, um local arruinado
a 14 Km ao norte de Nazaré, que os árabes locais continuam chamando de
Caná da Galileia.2

» Cafarnaum
Cidade situada na praia noroeste do mar da Galileia. Seu nome se deriva cla-
ramente do hebraico Kefar nahum = “vila de Naum”, que o grego transformou
em uma única palavra. Se ali está em vista ou não o profeta Naum, é impos-
sível dizer. A cidade não é mencionada no AT, mas era cidade importante no
tempo de Cristo. Era sede de uma coletoria de impostos; e a presença de um
centurião (Mt 8:5) bem pode ter significado que ali havia um posto militar
romano. Jesus fê-la de seu quartel general por algum tempo, e, portanto, se
tornou conhecida como “sua” cidade (Mt 9:1). Finalmente Ele a condenou
pela sua falta de fé, e predisse a sua queda [...].3

» Jerusalém
É uma das cidades mais famosas do mundo. Data do segundo milênio a.C.,
no mínimo; e atualmente é considerada sagrada pelos aderentes das três gran-
des fés monoteístas: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. A cidade está
estabelecida bem alto nas colinas de Judá, mais de 48 Km do Mediterrâneo,
e mais de 32 Km ao extremo norte do Mar Morto. Repousa sobre um platô
não muito plano, que se inclina notavelmente para o sudeste. A leste fica o
Monte das Oliveiras [...].
O significado do nome Jerusalém não é certo. A palavra hebraica é usualmente
escrita Yerushalaim, no AT, mas essa é uma forma anômala, visto que o hebraico
não pode contar com duas vogais consecutivas. A anomalia foi solucionada
no hebraico posterior mediante a inserção da letra “y”, que deu em resultado
Yerushalayim [...]. [Em aramaico] é evidenciado pela abreviação Shalem, em
português, “Salém” [...].
A maior parte das autoridades concorda que a parte final da palavra significa
“paz (cf Hb 7:2). A primeira parte da palavra pode significar “possessão” ou
“fundamento”. [...].4

4.1 AS NÚPCIAS DE CANÁ (JO 2:1 A 12)5


1
No terceiro dia, houve um casamento em Caná da Galileia e a mãe de Jesus
estava lá. 2Jesus foi convidado para o casamento e os seus discípulos também.
3
Ora, não havia mais vinho, pois o vinho do casamento havia acabado. Então
a mãe de Jesus lhe disse: “Eles não têm mais vinho”. 4Respondeu-lhe Jesus:

50
TEMA 4 – AS NÚPCIAS DE CANÁ. A PURIFICAÇÃO DO TEMPLO. ESTADA EM JERUSALÉM (JO 2:1 A 25)

“Que queres de mim, mulher? Minha hora ainda não chegou”. 5Sua mãe disse
aos serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser”.
6
Havia ali seis talhas de pedra para a purificação dos judeus, cada uma contendo
de duas a três medidas. 7Jesus lhes disse: “Enchei as talhas de água”. Eles as
encheram até à borda. 8Então lhes disse: “Tirai agora e levai ao mestre-sala”.
Eles levaram. 9Quando o mestre-sala provou a água transformada em vinho –
ele não sabia de onde vinha, mas o sabiam os serventes que haviam retirado a
água – chamou o noivo 10e lhe disse: “Todo homem serve primeiro o vinho bom
e, quando os convidados já estão embriagados serve o inferior. Tu guardaste
o vinho bom até agora!” 11Esse princípio dos sinais, Jesus o fez em Caná da
Galileia e manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele. 12Depois
disso, desceram a Cafarnaum, ele, sua mãe, seus irmãos e seus discípulos, e
ali ficaram apenas alguns dias.

No Evangelho segundo João, o autor faz questão de destacar sinais que


comprovam ser Jesus o Messias da Humanidade. É algo frequente. Vemos,
então, nas bodas de Caná da Galileia a ocorrência do primeiro desses sinais:
a transformação de água em vinho. O relato do texto evangélico inicia-se
com uma declaração de Maria de Nazaré a Jesus de que o vinho havia
acabado (Jo 2:3). Segue-se a surpreendente resposta de Jesus à sua mãe
(Jo 2:4) que, após ouvi-lo, ela orienta os servos da casa, onde ocorria a festa
de casamento, para fazer o que o seu filho recomendasse (Jo 2:5).
A respeito desses cinco primeiros versículos, o respeitável estudioso
e religioso estadunidense Russell Norman Champlin (1933–2018) faz as
seguintes considerações:
Usualmente, a festa de casamento prolongava-se por sete dias, e já perto do
fim da festa é apenas natural que o vinho estivesse acabando, especialmente
em face da chegada de sete novos convidados, isto é, Jesus, sua mãe e cinco
discípulos. [...].6

O episódio faz surgir, naturalmente, algumas perguntas: Por que Maria


se preocupou com o fato de o vinho ter acabado? Seria ela íntima dos donos
da residência? Ela queria que Jesus resolvesse o problema? ou seria uma
forma de dizer que era o momento de o grupo deixar a festa? A verdade
é que nada sabemos a respeito, porém há muitas especulações. Champlin
prossegue em suas reflexões:
[...] Os comentadores diferem imensamente quanto à razão pela qual Maria
se aproximou de Jesus com esse problema, e alguns explicam que ela simples-
mente esperava que, de alguma forma, ele pudesse ser capaz de prestar ao
casal [noivos] alguma ajuda, embora não esperasse nenhum milagre (essa é
provavelmente a explicação mais certa); outros, porém, fazem desse versículo

51
O Evangelho Redivivo – Livro V

um ensinamento altamente teológico, revelando que Maria esperava alguma


espécie de milagre da parte de Jesus, e que, por isso mesmo, explicou-lhe a
situação. [...].6

A par dessa situação, surge outra, no mínimo surpreendente, isso se o


texto evangélico estiver correto. Trata-se a estranha resposta de Jesus à sua
mãe: “Respondeu-lhe Jesus: ‘que queres de mim, mulher? Minha hora ainda
não chegou’ (Jo 2:4). Pode-se pensar, de imediato, que seria um acréscimo
editorial ou tradução não muito fiel ao texto original, mas, ainda segun-
do Champlin, “[...] esse versículo se tem transformado no fulcro de uma
gigantesca controvérsia, que gira em torno da atitude para com sua mãe e
das relações familiares que mantinha com ela [...]”.7
Tem havido inúmeras interpretações sobre as duas expressões principais desse
versículo: primeiramente a forma de tratamento – mulher – e, em segundo
lugar, a indagação: “que tenho eu contigo?” [conforme outras traduções].
Os protestantes se têm apegado a ambos os pontos como oportunidade para
combater a mariolatria ou adoração a Maria, procurando mostrar que o pró-
prio Jesus não tinha a sua mãe em tão elevado conceito, conforme tem sido
interpretado pela igreja [cristã] ocidental. [...].7

O Espiritismo procura não se deter em querelas teológicas, preferindo


focar a atenção na grandeza de Jesus, no seu desmesurado amor, cotidia-
namente demonstrado, aos familiares, amigos e a todas as demais pessoas.
Aliás, Ele enfatizou, inclusive, amar os inimigos, que se oferecesse a outra
face ao agressor, recomendando fazer o bem aos perseguidores e caluniado-
res (Mt 5:39 a 42; Lc 6:27 a 49). Jesus amava profundamente sua mãe, Maria
de Nazaré, e sempre agiu com respeito e carinho em relação a ela. Assim,
o tratamento que Jesus deu à sua mãe não foi insolente nem ríspido, sendo
usual àquela época e, até muito recentemente, encontrávamos a palavra
mulher nos colóquios íntimos, como recorda Amélia Rodrigues:
A expressão mulher, não obstante soe aos ouvidos modernos como rude, em
Israel era verbete de carinho e respeito na intimidade familial, desde os antigos.
Na cruz, novamente Ele repetirá a palavra num tom de inesquecível angústia,
mas também de devoção.8

Allan Kardec, por sua vez, destaca:


Certas palavras parecem estranhas na boca de Jesus, por contrastarem com a
sua bondade e a sua inalterável benevolência para com todos. Os incrédulos
não deixaram de tirar daí uma arma, pretendendo que Ele se contradizia.
Um fato irrecusável é que sua doutrina tem por base essencial, por pedra
angular, a Lei de Amor e de Caridade; Ele não podia, pois, destruir de um
lado o que estabelecia do outro. Daí esta consequência rigorosa: se certas

52
TEMA 4 – AS NÚPCIAS DE CANÁ. A PURIFICAÇÃO DO TEMPLO. ESTADA EM JERUSALÉM (JO 2:1 A 25)

proposições suas se acham em contradição com aquele princípio básico, é


que as palavras que lhe atribuem foram mal reproduzidas, mal compreen-
didas ou não são suas.9

Quanto à transformação da água em vinho, não de difícil compreensão


o feito operado por Jesus, considerando-se as qualidades superiores do seu
Espírito, o conhecimento e domínio das Leis da Natureza, entre elas, as
propriedades da matéria. Nesse sentido, Emmanuel prefere focar na inter-
pretação do conteúdo do versículo 5, que, sem dúvida, é o mais urgente e
importante para o nosso aprendizado moral, hoje e sempre:
Palavras de mãe10
Sua mãe disse aos serventes: Fazei tudo quanto
Ele vos disser. (João, 2:5.)
O Evangelho é roteiro iluminado do qual Jesus é o centro divino. Nessa Carta
da Redenção, rodeando-lhe a figura celeste, existem palavras, lembranças,
dádivas e indicações muito amadas dos que lhe foram legítimos colaboradores
no mundo.
Recebemos aí recordações amigas de Paulo, de João, de Pedro, de companheiros
outros do Senhor, e que não poderemos esquecer.
Temos igualmente, no Documento Sagrado, reminiscências de Maria.
Examinemos suas preciosas palavras em Caná, cheias de sabedoria e amor
materno.
Geralmente, quando os filhos procuram a carinhosa intervenção de mãe é que
se sentem órfãos de ânimo ou necessitados de alegria. Por isso mesmo, em
todos os lugares do mundo, é comum observarmos filhos discutindo com os
pais e chorando ante corações maternos.
Interpretada com justiça por anjo tutelar do Cristianismo, às vezes é com
imensas aflições que recorremos a Maria.
Em verdade, o versículo do Apóstolo João não se refere a paisagens dolorosas.
O episódio ocorre numa festa de bodas, mas podemos aproveitar-lhe a sublime
expressão simbólica.
Também nós estamos na festa de noivado do Evangelho com a Terra. Apesar
dos quase vinte séculos decorridos, o júbilo ainda é de noivado, porquanto
não se verificou até agora a perfeita união... Nesse grande concerto da ideia
renovadora, somos serventes humildes. Em muitas ocasiões, esgota-se o vinho
da esperança. Sentimo-nos extenuados, desiludidos... Interpelamos ternura
maternal e eis que Maria nos responde: Fazei tudo quanto Ele vos disser.
O conselho é sábio e profundo e foi colocado no princípio dos trabalhos de
salvação.
Escutando semelhante advertência de Mãe, meditemos se realmente estaremos
fazendo tudo quanto o Mestre nos disse.

53
O Evangelho Redivivo – Livro V

4.2 A PURIFICAÇÃO DO TEMPLO (JO 2:13 A 22)11


13
Estando próxima a Páscoa dos judeus, Jesus subiu a Jerusalém. 14No
Templo, encontrou os vendedores de bois, de ovelhas e de pombas e os
cambistas sentados. 15Tendo feito um chicote de cordas, expulsou todos
do Templo, com as ovelhas e com os bois; lançou ao chão o dinheiro dos
cambistas e derrubou as mesas 16e disse aos que vendiam pombas: “Tirai
tudo isto daqui; não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio”.
17
Recordaram-se seus discípulos do que está escrito: O zelo por tua casa
me devorará.
18
Os judeus interpelaram-no, então, dizendo: “Que sinal nos mostras para
agires assim?” 19Respondeu-lhes Jesus: “Destruí este templo, e em três dias eu
o levantarei”. 20Disseram-lhe, então, os judeus: “Quarenta e seis anos foram
precisos para se construir este Templo, e tu o levantarás em três dias?” 21Ele,
porém, falava do templo do seu corpo. 22Assim, quando ele ressuscitou dos
mortos seus discípulos lembraram-se de que dissera isso, e creram na Escritura
e na palavra dita por Jesus.

Esses registros de João refletem o estado de decadência moral


dos religiosos que, distanciados das lições edificantes da Lei de Deus,
deixam-se conduzir por manifestações de cultos externos, permitindo
que a prática religiosa se transforme em algo banal que não estimula a
mudança, para melhor, do ser humano. E o pior: deixando-se envolver
em transações comerciais que alimentam a superficialidade dos rituais.
Justifica-se, pois, a indignação de Jesus que, viajando a Jerusalém para
acompanhar as festividades de comemoração da Páscoa judaica, deparou
com intensa movimentação do comércio e dos cambistas à entrada do
Templo. Neste sentido, o filósofo, teólogo e professor britânico, Mike
Beaumont (1950–) destaca a importância de conhecermos a metodologia
educativa da pregação de Jesus, que é refletida em suas palavras, atos e
exemplos:12
» Jesus estimulava à reflexão
[...] Jesus não queria que as pessoas aprendessem apenas por repetição, mas
queria que pensassem por si mesmas. Para atingir esse objetivo, Jesus ques-
tionava os seus ouvintes, confrontava-os com reflexões, propunha enigmas
e narrava parábolas, a fim de apresentar a verdade de um modo renovado, e,
dessa forma, estimular o pensamento crítico.

» Jesus alcançava todas as pessoas


Além para a sua aptidão para discutir com os doutores da lei, Jesus era capaz
de cativar também pessoas comuns com parábolas e histórias ilustradas a
partir das experiências cotidianas do povo.

54
TEMA 4 – AS NÚPCIAS DE CANÁ. A PURIFICAÇÃO DO TEMPLO. ESTADA EM JERUSALÉM (JO 2:1 A 25)

» Jesus demonstrava autoridade


Ao contrário da maioria dos mestres da época, os ensinamentos de Jesus não
eram apenas um belo discurso. Antes, tudo que ele ensinava era condizente
com a sua maneira de viver e agir.

Sendo assim, como a maioria dos religiosos ainda precisa de um local


(templo ou igreja) para orar e para conhecer as deliberações da Lei Divina, é
sempre útil refletir quanto a esta instrução do Mestre, anotada por João (2:16 e
17): “[...] não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio”. ­Recordaram-se
seus discípulos do que está escrito: O zelo por tua casa me devorará”.
Como informação adicional, o final do versículo 17 (O zelo por sua
casa me devorará) é uma citação de Salmos (69:9). Não resta dúvida de
que, com tais atitudes, Jesus atrairia a incompreensão e a ira do clero e dos
governantes, acomodados em suas benesses materiais. Contudo há outro
ponto que merece ser destacado: a descrição dos acontecimentos por João
difere dos registros de Mateus, Marcos e Lucas, como analisa Champlin –
ainda que esse estudioso aprove a validade de alguns rituais:
[...] João frisou a irreverência daquele tráfico comercial, ao passo que os
evangelhos sinópticos enfatizam a missão universal do judaísmo, a saber, a
de anunciar os preceitos de Deus a todas as nações. No entanto, essa missão
fica corrompida por alguns poucos, que faziam dos ritos espirituais de gran-
de seriedade um motivo para negócio. O autor desse quarto evangelho, ao
citar uma passagem do livro de Salmos [...], salienta a energia do ministério
de Jesus, bem como o ministério criar uma aura de autoridade. O salmo 69
é reputado como salmo messiânico no NT, e aparece novamente nos textos
de João, 15:25; 19:29; Atos, 1:29; Romanos, 11:9 e 15:3. O tempo verbal (na
citação desse versículo) foi alterado do passado para o futuro, e a metáfora
usada pelo salmista, que fala de uma flama interna consumidora, cheia de
energia, é alterada para servir de antecipação da condenação que espera o
Messias reformador, cujo ataque contra os interesses dos partidos religiosos
haveria de lhe custar a vida.13

São detalhes do Evangelho segundo João que sempre procura apresentar


um significado espiritual para além do simbolismo, bem de acordo com
a filosofia socrática, que, a rigor, não deve ser ignorada pelo aprendiz. É o
que se percebe, inclusive, no restante da passagem evangélica: a) os judeus
reagem, questionando a respeito da autoridade do Cristo (“Que sinal nos
mostras para agires assim?” – Jo 2:18); b) alusão à destruição e reconstru-
ção do Templo de Jerusalém, que os religiosos entenderam literalmente
(“Destruí este templo, e em três dias eu o levantarei”. Disseram-lhe, então, os
judeus: “Quarenta e seis anos foram precisos para se construir este Templo,

55
O Evangelho Redivivo – Livro V

e tu o levantarás em três dias?” Ele, porém, falava do templo do seu corpo.


– Jo 2:19 a 21).
Essas duas ordens de ideias, é mais um esforço da pregação de Jesus,
que ensina, uma vez mais, que Templo é palavra que deveria ser entendida
como Casa do Pai, o local espiritual onde os fiéis se reuniam e adoravam
a Deus. O Templo poderia ser em qualquer lugar, independentemente da
edificação material. Outra ideia que se deveria dessa, diz respeito ao ato,
em si mesmo, de adorar a Deus, o qual deveria ser realizado em Espírito e
Verdade, muito além do imediatismo dos cultos externos. Finalmente, mais
uma ideia consta no texto joanino: Jesus faz correlação entre a construção
e destruição do templo com a morte e a sobrevivência do Espírito, mani-
festada, inclusive por Ele na crucificação e ressurreição: “Assim, quando ele
ressuscitou dos mortos seus discípulos lembraram-se de que dissera isso, e
creram na Escritura e na palavra dita por Jesus” (Jo 2:22).
Amélia Rodrigues esclarece-nos a respeito da temática tratada nesse
registro de João, ora sob estudo, conduzindo-nos à reflexão de que, passa-
dos mais de vinte e um séculos, não estaríamos ainda repetindo as mesmas
insensatezes daqueles tempos?
A orgulhosa Israel experimentava o silêncio multissecular das profecias, como
se a Divindade submetesse o povo escolhido ao testemunho das provações
demoradas: escravidão, sofrimentos no deserto, submissão aos gentios, que
lhe usurparam a administração política, ameaçando a religião oficial, que
tentavam substituir pelos deuses pagãos impostos através da adoração à figura
do Imperador de Roma...
Multiplicavam-se, então, a hediondez, o suborno, de consciências, as intrigas
palacianas e as traições de todo porte.
A busca do poder e da sobrevivência assumira papel preponderante no com-
portamento hebreu, e os indivíduos haviam se transformados em lobos que
se devoravam reciprocamente, insaciáveis e cruéis.
A rapina e a desconfiança faziam parte do dia a dia de Jerusalém, que se or-
gulhava do templo majestoso, ora transformado em covil de raposas políticas
e hienas astutas, sempre famélicas. Adorava-se ao Deus Único, enquanto
arquitetavam planos maquiavélicos em seu nome, sob a máscara da sordidez.
A pureza de sentimentos, que deve caracterizar o indivíduo de fé, cedera
espaço para a hipocrisia religiosa, sem lugar para a verdadeira fraternidade,
a irrestrita confiança em Deus.
[...]
O clima moral apresentava-se empestado pelos vapores da deslealdade e da
luxúria, combatidas em público e preservadas em particular.

56
TEMA 4 – AS NÚPCIAS DE CANÁ. A PURIFICAÇÃO DO TEMPLO. ESTADA EM JERUSALÉM (JO 2:1 A 25)

[...]
Nesse terrível contubérnio, Jesus levantou Sua voz e deu início a dias ventu-
rosos, que jamais acabarão, abrindo espaço para o amor desprezado, para a
esperança esquecida, para a felicidade não mais sonhada.
A sua voz suave e forte soou, de quebrada em quebrada, desde os vales pro-
fundos do Esdrelon às altas montanhas do Tabor e do Sinai, convidando ao
despertamento, conduzindo na direção do Reino de Deus, que estava esquecido
por quase todos, embora o seu nome estivesse na boca dos religiosos, que o
utilizavam como instrumento de dolo, de sofisma e de indigna justiça.
[...]
Tomando as imagens simples do cotidiano, Ele teceu as redes de amor com
que resgataria a humanidade de si mesma, retirando-a do oceano encapelado
das paixões, a fim de encaminhá-la no rumo da Grande Luz.14

4.3 ESTADA EM JERUSALÉM (JO 2:23 A 25)15


23
Enquanto estava em Jerusalém, para a festa da Páscoa, vendo os sinais que
fazia, muitos creram em seu nome. 24Mas Jesus não tinha confiança neles,
porque os conhecia a todos 25e não necessitava que lhe dessem testemunho
sobre o homem, porque ele conhecia o que havia no homem.

Jesus sabia, de antemão, que a maioria dos que diziam crer n’Ele revela-
vam uma crença superficial, interesseira e passageira, como é demonstrada,
sobretudo, nos momentos finais que antecederam a crucificação. No seguin-
te trecho, extraído da mensagem A exemplo do Cristo, Emmanuel analisa
o versículo: e não necessitava que lhe dessem testemunho sobre o homem,
porque ele conhecia o que havia no homem. (Jo 2:25):
Sim, Jesus não ignorava o que existia no homem, mas nunca se deixou
­impressionar negativamente.
[...]
Jesus preocupou-se, acima de tudo, em proporcionar a cada alma uma visão
mais ampla da vida e em quinhoar cada espírito com eficientes recursos de
renovação para o bem.
Não condenes, pois, o próximo porque nele observes a inferioridade e a
imperfeição.
A exemplo do Cristo, ajudas quanto possas.
O Amigo Divino sabe o que existe em nós... Ele não desconhece a nossa
pesada e escura bagagem do pretérito, nas dificuldades do nosso presente,
recheado de hesitações e de erros, mas nem por isso deixa de estender-nos
amorosamente as mãos.16

57
O Evangelho Redivivo – Livro V

REFERÊNCIAS
1 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto
da Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 1:6-11. Nota de rodapé i, p. 1.846.
2 DOUGLAS, J. D. (Org.). O novo dicionário bíblico. Trad. João Bentes. 3. ed.
rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. verbete: Caná, p. 190.
3 DOUGLAS, J. D. (Org.). O novo dicionário bíblico. Trad. João Bentes. 3. ed.
rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. verbete: Cafarnaum, p. 182.
4 DOUGLAS, J. D. (Org.). O novo dicionário bíblico. Trad. João Bentes. 3. ed.
rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. verbete: Jerusalém, p. 667 e 668.
5 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 2:1-12, p. 1.846.
6 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por versí-
culo. v. 2 (Lucas /João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 2, it. 2.3, p. 375.
7 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas /João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 2, it.
2.4, p. 376.
8 FRANCO, Divaldo Pereira. Quando voltar a primavera. Pelo Espírito Amélia
Rodrigues. 8. ed. Salvador, BA: LEAL, 2015. cap. 2, p. 27.
9 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. cap. 14, it. 6.
10 XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito
Emmanuel. 1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 171.
11 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto
da Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 2:13-22, p. 1.847.
12 BEAUMONT, Mike. Guia prático da bíblia. Trad. Vanderlei Ortigoza Júnior.
1. ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. cap. Os ensinamentos de
Jesus, it. O estilo de ensino de Jesus, p. 91.
13 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas /João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 2, it.
2.17, p. 383.
14 FRANCO, Divaldo Pereira. Dias venturosos. Pelo Espírito Amélia Rodrigues.
4. ed. Salvador, BA: LEAL, 2015. Prólogo: Dias venturosos, p. 7 a 9.

58
TEMA 4 – AS NÚPCIAS DE CANÁ. A PURIFICAÇÃO DO TEMPLO. ESTADA EM JERUSALÉM (JO 2:1 A 25)

15 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da


Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 2:23-25, p. 1.847.
16 XAVIER, Francisco Cândido. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 109.

59
O Evangelho Redivivo – Livro V

TEMA 5

O ENCONTRO DE JESUS COM


NICODEMOS (JO 3:1 A 21)

O encontro entre Jesus e Nicodemos revela esclarecimentos a res-


peito da reencarnação, ideia muito superficialmente compreendida pelos
judeus, a ponto de confundi-la com ressurreição. Um ponto relevante foi
Nicodemos, membro do Sinédrio, fariseu e doutor da lei, ter solicitado o
encontro com Jesus:
Um homem como esse estaria familiarizado com o ensino judaico e teria com-
preendido as alusões feitas por Jesus. Embora João com frequência mencione
os fariseus com desprezo, aqui ele volta o foco a um fariseu com o propósito
sério de falar com Jesus.
[...]
Aqui estava um homem que tinha visto os sinais e estava pronto a fazer mais
perguntas. No entanto, é evidente que o ponto de vista de Nicodemos sobre Jesus
não ia além de vê-lo como um mestre que tinha estampado em si o selo de Deus.
Pelo menos era um começo, embora muito longe de uma compreensão plena. O
comentário de Jesus no v. 3 vai muito além da pergunta implícita de Nicodemos.
A necessidade do novo nascimento desafiava o direito de Nicodemos de fazer
uma avaliação de Jesus em uma esfera puramente humana. [...].1

A despeito de a ideia da reencarnação indicar o princípio da manifes-


tação da justiça e misericórdia divinas, claramente anunciada por Jesus no
colóquio com Nicodemos, a constituição das igrejas cristãs preferiu manter o
assunto sob o véu do simbolismo, sem esclarecer a respeito do assunto, como
ensina a Doutrina Espírita e sábios que existiram na Antiguidade, como
Pitágoras, Sócrates e Platão. Chegará o momento, no futuro da Humanidade,
em que a reencarnação, assim como outras ideias, será plenamente enten-
dida pelos habitantes do planeta, que terão plena consciência a respeito de
onde vieram, por que se encontram reencarnados e qual a destinação deles
como seres inteligentes da Criação:
Reconheçamos, portanto, em resumo, que só a doutrina da pluralidade
das existências explica o que, sem ela, é inexplicável; que é eminentemente

60
TEMA 5 – O ENCONTRO DE JESUS COM NICODEMOS (JO 3:1 A 21)

consoladora e conforme a mais rigorosa justiça; que representa para o homem


a âncora de salvação que Deus, na sua misericórdia, lhe concedeu.2

5.1 O ENCONTRO COM NICODEMOS (JO 3:1 A 21)3


1
Havia, entre os fariseus, um homem chamado Nicodemos, um notável entre
os judeus. 2À noite ele veio encontrar Jesus e lhe disse: “Rabi, sabemos que
vens da parte de Deus como um mestre, pois ninguém pode fazer os sinais
que fazes, se Deus não estiver com ele”. 3Jesus lhe respondeu: “Em verdade,
em verdade, te digo: quem não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus”
4
Disse-lhe Nicodemos: “Como pode um homem nascer, sendo já velho? Poderá
entrar uma segunda vez no seio de sua mãe e nascer?” 5Respondeu-lhe Jesus:
“Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer da água e do Espírito não
pode entrar no Reino de Deus. 6O que nasceu da carne é carne, o que nasceu
do Espírito é espírito. 7Não te admires de eu te haver dito: vós deveis nascer de
novo. 8O vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não sabes de onde vem,
nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito”.
9
Perguntou-lhe Nicodemos: “Como isso pode acontecer?” 10Respondeu-lhe
Jesus: “És o mestre de Israel e ignoras essas coisas? 11Em verdade, em verdade,
te digo: falamos do que sabemos e damos testemunho do que vimos, porém
não acolheis o nosso testemunho. 12Se não credes quando vos falo das coisas
da terra, como crereis quando vos falar das coisas do céu? 13Ninguém subiu ao
céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do Homem. 14Como Moisés
levantou a serpente no deserto, assim é necessário que seja levantado o Filho
do Homem, 15a fim de que todo aquele que crer tenha nele vida eterna. 16Pois
Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único para que todo o
que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna. 17Pois Deus não enviou o seu
Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por
ele. 18Quem nele crê não é julgado; quem não crê, já está julgado, porque não
creu no Nome do Filho único de Deus. 19Este é o julgamento: a luz veio ao
mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque as suas obras eram
más. 20Pois quem faz o mal odeia a luz e não vem para a luz, para que suas obras
não sejam demonstradas como culpáveis. 21Mas quem pratica a verdade vem
para a luz, para que se manifeste que suas obras são feitas em Deus”.

O comentário de Jesus, registrado no versículo 3 (Em verdade, em


verdade, te digo: quem não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus),
extrapolou, possivelmente, as expectativas de entendimento de Nicodemos,
naquela ocasião. Contudo, fazia-se necessário que ele, como doutor da lei,
assim como o homem comum, começasse a compreender com lucidez que a
busca pela perfeição espiritual (ou Reino de Deus), passa pela reencarnação:
O Mestre sabia que o único sentido da existência humana é o de adquirir
a flama do amor e desenvolvê-la, deixando-se abrasar pela sua labareda, e

61
O Evangelho Redivivo – Livro V

ampliar os horizontes da solidariedade, expandindo os sentimentos em favor


do próximo e de todas as manifestações da Natureza [...].4

Fazia-se necessário, então, que os assuntos ressurreição e reencarnação,


equivocadamente interpretados pelos judeus, fossem adequadamente inter-
pretados, pois, pergunta-se, como entender o processo evolutivo humano sem
aquisição desses conceitos básicos? Como adquirir tais esclarecimentos em
uma única existência corporal? Percebemos, assim, que a finalidade maior
do encontro de Jesus com Nicodemos foi a de esclarecer a respeito dessa te-
mática: era importante que cultos e incultos começassem a compreender que
o homem é um Espírito imortal, sobrevivente à morte do corpo físico, que
renasce em outros corpos físicos quantas vezes se fizerem necessárias ao seu
aprimoramento espiritual. A volta do Espírito ao mesmo corpo, estando ele
ainda vivo, é o que se denominava ressurreição, tal como aconteceu a Lázaro,
irmão de Marta e Maria (Jo 11:1 a 46) ou à filha de Jairo (Mt 9:18 a 26; Lc 8:40
a 56; Mc 5:21 a 43). Pode-se dizer, ainda hoje, que há ressurreição quando
alguém retorna à vida depois de passar por um estado de morte aparente ou
até mesmo após um coma profundo. A “[...] reencarnação é a volta da alma ou
Espírito à vida corpórea, mas em outro corpo, novamente formado para ele
e que nada tem em comum com o antigo. [...]”.5 São dois conceitos distintos!
Para melhor entendimento do assunto, apresentaremos, em seguida, in-
terpretações de reconhecidos autores espíritas do texto joanino, ora sob análise.

5.1.1 NICODEMOS (JO 3:1)


Setenta eram os doutores da Lei, escolhidos em Israel entre os letrados e os
de ascendência nobre.
Nicodemos era dos mais jovens entre os respeitáveis mestres, que desfrutavam
o privilégio de ocupar a alta Corte do Sinédrio. Fariseu, além de ser doutor
da Lei, era chefe dos judeus.
Sequioso da verdade, não se contentava com as velhas fórmulas da exegese
religiosa e sentia, depois daqueles tormentosos séculos em que Israel se vira
privada de revelações, que algo de estranho e grandioso pairava no ar.
De caráter nobre, era severo na interpretação da Lei e zeloso cumpridor dos
deveres.6

5.1.2 COMO CONHECER O REINO DE DEUS (JO 3:2 E 3)


Nicodemos [...] ao cabo de grandes preocupações e longos raciocínios, pro-
curou a Jesus, em particular, seduzido pela magnanimidade de suas ações e
pela grandeza de sua doutrina salvadora. [...]

62
TEMA 5 – O ENCONTRO DE JESUS COM NICODEMOS (JO 3:1 A 21)

Após a saudação habitual e revelando as suas ânsias de conhecimento, depois


de fundas meditações, Nicodemos dirigiu-se-lhe respeitoso:
– Mestre, bem sabemos que vindes de Deus, pois somente com a luz da as-
sistência divina poderíeis realizar o que tendes efetuado, mostrando o sinal
do céu em vossas mãos. Tenho empregado a minha existência em interpretar
a lei, mas desejava receber a vossa palavra sobre os recursos de que deverei
lançar mão para conhecer o Reino de Deus!
O Mestre sorriu bondosamente e esclareceu:
– Primeiro que tudo, Nicodemos, não basta que tenhas vivido a interpretar a
lei. Antes de raciocinar sobre as suas disposições, deverias ter-lhe sentido os
textos. Mas, em verdade, devo dizer-te que ninguém conhecerá o Reino do
Céu, sem nascer de novo.7

5.1.3 NECESSIDADE DE NASCER DE NOVO (JO 3:4 E 5)


» O Messias fixou nele os olhos calmos, consciente da gravidade do assunto
em foco, e acrescentou:
– Em verdade, reafirmo-te ser indispensável que o homem nasça e renasça,
para conhecer plenamente a luz do reino!...8
» Estas palavras: Se um homem não renasce da água e do Espírito [v. 5] fo-
ram interpretadas no sentido da regeneração pela água do batismo. O texto
primitivo, porém, dizia simplesmente: não renasce da água e do Espírito, ao
passo que em algumas traduções as palavras – do Espírito – foram substituí-
das pelas seguintes: do Santo Espírito, o que já não corresponde ao mesmo
pensamento. [...].”9
» Para se compreender o sentido verdadeiro dessas palavras, é preciso igual-
mente se atentar na significação do termo água, que ali não fora empregado
na acepção que lhe é própria.
Os conhecimentos dos Antigos sobre as ciências físicas eram muito imperfeitos.
Eles acreditavam que a Terra havia saído das águas e, por isso, consideravam
a água como o elemento gerador absoluto. [...]
Segundo essa crença, a água se tornara o símbolo da natureza material, como
o Espírito era o símbolo da natureza inteligente. Estas palavras: “Se o homem
não renasce da água e do Espírito, ou em água e em Espírito”, significam pois:
“Se o homem não renasce com seu corpo e sua alma”. É nesse sentido que
foram compreendidas inicialmente.10

Há outro sentido que, também pode ser considerado em relação à


expressão “nascer de novo”, ensinado por Emmanuel:
Deixa-te reviver, cada dia, na corrente cristalina e incessante do bem.
Não olvides a assertiva do Mestre: “Aquele que não nascer de novo não pode
ver o Reino de Deus.”

63
O Evangelho Redivivo – Livro V

Renasce agora em teus propósitos, deliberações e atitudes, trabalhando para


superar os obstáculos que te cercam e alcançando a antecipação da vitória
sobre ti mesmo, no tempo...11

5.1.4 NASCER DA CARNE E NASCER DO ESPÍRITO (JO 3:6 A 12)


» Um ponto capital que Jesus não pôde desenvolver, porque os homens do seu
tempo não se achavam suficientemente preparados para ideias dessa ordem
e para as suas consequências, foi a grande e importante lei da reencarnação.
Contudo, assentou o princípio da referida lei, como o fez relativamente a tudo
mais. Estudada e posta em evidência nos dias atuais pelo Espiritismo, a lei da
reencarnação constitui a chave para o entendimento de muitas passagens do
Evangelho que, sem ela, parecem verdadeiros contrassensos.12
» Tal interpretação se justifica, ademais, por estas outras palavras: O que é
nascido da carne é carne e o que é nascido do Espírito é Espírito. Jesus estabelece
aí uma distinção positiva entre o Espírito e o corpo. O que é nascido da carne
é carne indica claramente que só o corpo procede do corpo e que o Espírito
é independente do corpo.13
» [João] [...] Aprofundou a sonda reveladora e adentrou no colóquio do Mestre
com Nicodemos sobre um novo renascimento, desse colóquio, possivelmente,
participara como ouvinte. Começa o seu estudo com a transcendente questão
do Verbo e encerra no Apocalipse com a fulgurante visão medianímica de
Jerusalém Libertada. O seu, é o Evangelho espiritual.14

O diálogo entre Jesus e Nicodemos prossegue, sendo que dos versículos


7 ao 12, o Mestre Nazareno reforça a ideia da pluralidade da reencarnação
como recurso divino de aprendizado moral e intelectual, assim como de
reparação de possíveis equívocos cometidos contra a Lei de Deus:
A palavra de Jesus a Nicodemos foi suficientemente clara.
Desviá-la para interpretações descabidas pode ser compreensível no sacerdó-
cio organizado, atento às injunções da luta humana, mas nunca nos espíritos
amantes da verdade legítima.
A reencarnação é lei universal.
Sem ela, a existência terrena representaria turbilhão de desordem e injustiça;
à luz de seus esclarecimentos, entendemos todos os fenômenos dolorosos do
caminho.15

As reencarnações sucessivas representam a base necessária da evolução do


Espírito, a qual está diretamente subordinada à sua liberdade de fazer escolhas
ou usar o livre-arbítrio. O bom ou mau uso do livre-arbítrio, por sua vez, ma-
nifesta-se na forma de ações boas ou más que, inevitavelmente, geram reações,
no tempo e no espaço. Sem dúvida, o ponto mais sensível e impulsionador do

64
TEMA 5 – O ENCONTRO DE JESUS COM NICODEMOS (JO 3:1 A 21)

processo evolutivo é fazer escolhas acertadas. Questão primordial a respeito


da qual devemos nos deter com muita atenção, como orienta Emmanuel:
Eis por que a Doutrina Espírita fulge, da atualidade, diante da mente humana,
auxiliando-nos a descobrir os Estatutos Divinos, funcionando em nós próprios,
no foro da consciência, a fim de aprendermos que a liberdade de fazer o que
se quer está condicionada à liberdade de fazer o que se deve.
Estudemos os princípios da reencarnação, na Lei de Causa e Efeito, à luz da
Justiça e da Misericórdia de Deus e perceberemos que, mesmo encarcerados
agora em constringentes obrigações, estamos intimamente livres para aceitar
com respeito e humildade as determinações da vida, edificando o espírito de
trabalho e compreensão naqueles que nos observam e nos rodeiam, marchan-
do, gradativamente, para a nossa emancipação integral, desde hoje.16

5.1.5 O FILHO DO HOMEM: O MENSAGEIRO


DE DEUS (JO 3:13 A 21)
A passagem evangélica é mais uma reafirmação de João de que Jesus, o
Filho do Homem, é o Logos de Deus, Messias ou Mensageiro Divino para a
humanidade terrestre que, corporificado, teve a missão de trazer ao planeta
o Caminho, a Verdade e a Vida, semelhantemente a Moisés que, vencendo
os inúmeros obstáculos, trouxe o Decálogo. Norman Russell Champlin,
conhecido autor protestante, faz as seguintes considerações, muito condi-
zentes com as ideias espíritas:
É muito apropriado o fato de o autor sagrado ter-se utilizado da expressão
Filho do Homem, porque a ênfase dessa revelação de Deus aos homens é que
ela é feita por intermédio de Jesus, aquele que, tornando-se homem, veio
em carne, fez-se a encarnação do Logos, a fim de que nos pudesse revelar os
mistérios celestiais. [...] Contudo, nesse termo, veio a expressão não somente
da humanidade autêntica de Jesus Cristo, mas igualmente da sua exaltada
posição de Messias [...].17

Na verdade, para que missão de Jesus seja cumprida, o homem pre-


cisa renovar-se profundamente, aprendendo a amar integralmente ao Pai
e Criador Supremo e ao próximo como a si mesmo, como ensinou Jesus
(Mt 22:37 a 39).
Como ilustração desse assunto, citamos um trecho da conversa ocorrida
entre Jesus, Tiago e André, relatada por Humberto de Campos, logo após
a retirada de Nicodemos:
[...] Como poderá alguém amar o Pai, aborrecendo-lhe a obra? Contudo, não
estranho a exiguidade de visão espiritual com que examinaste o texto dos

65
O Evangelho Redivivo – Livro V

profetas. Todas as criaturas hão feito o mesmo. Investigando as revelações do


Céu com o egoísmo que lhes é próprio, organizaram a justiça como o edifício
mais alto do idealismo humano. E, entretanto, coloco o amor acima da justiça
do mundo e tenho ensinado que só ele cobre a multidão dos pecados. Se nos
prendemos à lei de talião, somos obrigados a reconhecer que onde existe um
assassino haverá, mais tarde, um homem que necessita ser assassinado; com a
lei do amor, porém, compreendemos que o verdugo e a vítima são dois irmãos,
filhos de um mesmo Pai. Basta que ambos sintam isso para que a fraternidade
divina afaste os fantasmas do escândalo e do sofrimento.18

Em síntese, o admirável evangelista transmite a mensagem do Cristo de


forma irrepreensível: somente a Lei de Amor, manifestada em toda a obra
da Criação, conduzirá a Humanidade à plenitude da vida, assim declarada
e consubstanciada em João (3:16): Pois Deus amou tanto o mundo, que en-
tregou o seu Filho único para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha
vida eterna. Emmanuel ilumina-nos o entendimento contido na pérola
desse versículo 16:
Ante o poder do amor19
Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho unigênito
para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.
(João, 3:16.)
Ninguém conseguiria manter a ordem sem a justiça, mas ninguém constrói
a paz sem amor.
Não se negará merecimento à colônia penal que reúne os doentes de espírito,
como não se recusa apreço ao hospital que congrega os doentes do corpo;
mas assim como na instituição de saúde somente o desvelo do amor é capaz
de assegurar o preciso êxito às instruções da medicina, nos estabelecimentos
de regeneração apenas o trabalho do amor garante a recuperação da lei que
traça disposições para o equilíbrio social.
Muitos falarão de esforço corretivo perante os erros do mundo; não lhes des-
considerarás as razões, quando justas, todavia, precedendo quaisquer medidas
de coerção referir-te-ás ao amor que restaura.
Muitos apontarão os perigos resultantes das deficiências do próximo; não lhes
desrespeitarás a argumentação, quando sincera, mas antes de tudo providen-
ciarás a obtenção de remédio que as reduza.
Assim deve ser, uma vez que por enquanto, na Terra, para legiões de acusa-
dores, diante das vítimas do mal, existem raros advogados para o socorro
do bem.
Ama sempre e, quando estiveres a ponto de descrer do poder do amor, lem-
bra-te do Cristo; o Senhor sabia que o mundo de seu tempo estava repleto de
Espíritos endividados perante a Lei, que Ele não poderia invalidar os arestos
da Justiça para o reajustamento dos culpados, compreendia que as criaturas

66
TEMA 5 – O ENCONTRO DE JESUS COM NICODEMOS (JO 3:1 A 21)

hipnotizadas pelo vício não lhe dariam atenção, que deveria contar com a
hostilidade daqueles mesmos a quem se propunha beneficiar e permanecia
convicto de que o extremo sacrifício lhe seria o coroamento da obra; entre-
tanto, consubstanciando em si mesmo o infinito amor que Deus consagra à
Humanidade, veio ao mundo, mesmo assim.

REFERÊNCIAS
1 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. it. 3.1-21 O novo nasci-
mento, p. 1.559.
2 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed.
10. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. q. 222.
3 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 3:1-21. Nota de rodapé i, p. 1.847 a 1.849.
4 FRANCO, Divaldo Pereira. Vivendo com Jesus. Pelo Espírito Amélia Rodrigues.
2. ed. 2 imp. Salvador, BA: LEAL, 2017. cap. 18, p. 122.
5 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. cap. 4, it. 4.
6 FRANCO, Divaldo Pereira. Primícias do reino. Pelo Espírito Amélia Rodrigues.
8. ed. Salvador, BA: LEAL, 2001. cap. 4, p. 68.
7 XAVIER, Francisco Cândido. Boa nova. Pelo Espírito Humberto de Campos.
37. ed. 15. imp. Brasília, DF: FEB: 2020. cap. 14 – A lição de Nicodemos.
8 XAVIER, Francisco Cândido. Boa nova. Pelo Espírito Humberto de Campos.
37. ed. 15. imp. Brasília, DF: FEB: 2020. cap. 14 – A lição de Nicodemos.
9 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. cap. 4, it. 7.
10 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. cap. 4, it. 8.
11 XAVIER, Francisco Cândido. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 56 – Renasce agora.
12 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2. imp. Brasília,
DF: FEB, 2019. cap. 17, it. 46.
13 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. cap. 4, it. 8.
14 FRANCO, Divaldo Pereira. Primícias do reino. Pelo Espírito Amélia Rodrigues.
8. ed. Salvador, BA: LEAL, 2001. Posfácio, p. 223.

67
O Evangelho Redivivo – Livro V

15 XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito


Emmanuel. 1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 110 – Vidas sucessivas.
16 EMMANUEL. Ante o livre-arbítrio. (Mensagem recebida pelo médium
Francisco Cândido Xavier, em reunião pública da Comunhão Espírita Cristã,
na noite de 26 de setembro de 1962, em Uberaba, MG). In: Reformador, Brasília,
DF, maio, p. 25(119)-26(120), 1964.
17 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 3, it.
3.14, p. 398.
18 XAVIER, Francisco Cândido. Boa nova. Pelo Espírito Humberto de Campos.
37. ed. 15. imp. Brasília, DF: FEB: 2020. cap. 14 – A lição de Nicodemos.
19 EMMANUEL. [seção Esflorando o Evangelho]. Ante o poder do amor. In:
Reformador, Brasília, DF, p. 8(268), dez. 1965.

68
TEMA 6

O MINISTÉRIO DE JESUS NA
JUDEIA. ÚLTIMO TESTEMUNHO
DE JOÃO [BATISTA] (JO 3:22 A 36)

O assunto que consta nesse texto é exclusivo de João. Os evangelhos


sinópticos não fazem referências à pregação de Jesus na Judeia (o que, efeti-
vamente, deve ter ocorrido) e, sobretudo, que Jesus realizaria batismos. Aliás,
há um certo grau de contradição entre duas citações do evangelho joanino.
Em João (3:22) está escrito: “Depois disso, Jesus veio com os seus discípulos
para o território da Judeia e permaneceu ali com eles e batizava”. Contudo
em João (4:1 a 3) consta que: “Quando Jesus soube que os fariseus tinham
ouvido dizer que ele fazia mais discípulos e batizava mais que João – ainda
que, de fato, Jesus mesmo não batizasse, mas os seus discípulos – deixou a
Judeia e retornou à Galileia.”, texto que será objeto de estudo do Tema 7. Nesse
sentido, os estudiosos preferem ignorar ou não tecer comentários sobre o
assunto. Norman Russell Champlin apresenta as seguintes argumentações:
[...] Ao apresentar esses detalhes, João tinha em vista: primeiramente, mostrar
que Jesus, a partir de João Batista, tinha um ministério, que haveria de produzir
certo número de convertidos e estes, tal como no caso dos que foram levados à
conversão por João Batista, eram iniciados pelo rito do batismo, administrado
ou pelo próprio Cristo ou por seus discípulos. Em segundo lugar, apesar da
seita dos seguidores de João Batista ter continuado [...], a verdade é que João
não era o Messias, antes deu crédito e glória a Jesus, como o Messias. É por
isso que nos v. 26, 28-30, encontramos firmes declarações no sentido de que
João Batista teve o grande privilégio de apresentar o Messias a Israel [...].1

6.1 MINISTÉRIO DE JESUS NA JUDEIA. ÚLTIMO


TESTEMUNHO DE JOÃO (JO 3:22 A 36)2
Depois disso, Jesus veio com os seus discípulos para o território da Judeia
22

e permaneceu ali com eles e batizava. 23João também batizava em Enon,


perto de Salim, pois lá as águas eram abundantes e muitos se apresentavam

69
O Evangelho Redivivo – Livro V

para serem batizados. 24João ainda não fora encarcerado. 25Originou-se uma
discussão entre os discípulos de João e certo judeu a respeito da purificação;
26
eles vieram encontrar João e lhe disseram: “Rabi, aquele que estava contigo
do outro lado do Jordão, de quem deste testemunho, está batizando e todos
vão a ele”. 27João respondeu: “Um homem nada pode receber a não ser que
lhe tenha sido dado do céu. 28Vós mesmos sois testemunhas de que eu disse:
‘Não sou eu o Cristo, mas sou enviado adiante dele’. 29Quem tem a esposa é o
esposo; mas o amigo do esposo, que está presente e o ouve, é tomado de alegria
à voz do esposo. Essa é a minha alegria e ela é completa! 30É necessário que ele
cresça e eu diminua. 31Aquele que vem do alto está acima de todos; o que é da
terra é terrestre e fala como terrestre. Aquele que vem do céu 32dá testemunho
do que viu e ouviu, mas ninguém acolhe o seu testemunho. 33Quem acolhe
o seu testemunho certifica que Deus é verdadeiro. 34Com efeito, aquele que
Deus enviou fala as palavras de Deus, pois ele dá o Espírito sem medida. 35O
Pai ama o Filho e tudo entregou em sua mão. 36Quem crê no Filho tem vida
eterna. Quem recusa crer no Filho não verá vida. Pelo contrário, a ira de Deus
permanece sobre ele”.

O versículo 22 do texto joanino informa que Jesus permaneceu na


Judeia e que, durante a sua estadia na região, Ele batizava. É plausível
aceitar a possibilidade de Jesus ter permanecido algum tempo na região,
depois de ter sido batizado por João Batista e ter escolhido os primeiros
discípulos para compor o seu colégio apostolar, entretanto, a informação
de que Jesus batizava (v. 22) é, no mínimo, controversa, considerando que
Jesus raramente seguia qualquer tipo de ritual ou outras manifestações de
culto externo, exceto quando fosse absolutamente necessário – a exemplo
de ter sido batizado por João Batista. É possível que tenha ocorrido algum
acréscimo editorial. Outra informação da passagem evangélica (v. 23) indica
que João Batista passou a batizar em outra localidade, denominada Enon,
situada perto de Salim, na Judeia. Apresentamos, em seguida, alguns dados
históricos dessas localidades.

6.1.1 A JUDEIA
É região montanhosa situada no sul de Israel, entre a margem oeste
do mar Morto e o mar Mediterrâneo. Estende-se, ao norte, até as colinas
de Golã e, ao sul, até a Faixa de Gaza. Atualmente, a Judeia é considerada,
pelos árabes, parte da Cisjordânia, mas os judeus entendem que é de Israel,
constituindo-se o território Judeia e Samaria. Essa discussão é causa de
uma série de conflitos existentes entre árabes e judeus.3 Sabe-se, porém,
que, no passado mais remoto, a Judeia foi uma província do império persa.
Depois, como é citado na Bíblia (1Mac, 5:45; 7:10), ficou sob o domínio

70
TEMA 6 – O MINISTÉRIO DE JESUS NA JUDEIA. ÚLTIMO TESTEMUNHO DE JOÃO [BATISTA] (JO 3:22 A 36)

greco-macedônio e, mais tarde, a Judeia foi anexada à província romana


da Síria, que era governada por procuradores nomeados pelo imperador
de Roma. Havia, pois, uma miscigenação racial e cultural na Judeia, inclu-
sive os integrantes da tribo de Judá.4 O procurador romano nomeado por
César residia na cidade de Cesareia Marítima – também chamada Cesareia
Palestina, antiga cidade e porto marítimo, construída por Herodes, o
Grande, cerca de 25–13 a.C. Situava-se na costa mediterrânica de Israel,
entre Tel Aviv e Haifa, em um local anteriormente chamado Pirgo Estratono
(em latim, Turris Stratonis). Cesareia Marítima não deve ser confundida
com outras cidades que receberam o mesmo nome em honra de César,
como Cesareia de Filipe.5

6.1.2 ENON E SALIM


Como consta em João (3:23), João Batista deslocou-se para outra
região do rio Jordão, onde as águas eram mais abundantes, denominada
Enon, perto de Salim. Ali, ele fez suas pregações e praticou o batismo da
purificação, ou do arrependimento, que culminava com o rito da imersão
do convertido nas águas: “Enom (no grego é ainon, de origem aramaica,
quer dizer “fontes”) – nome de uma vila, ou simplesmente uma localidade
de fontes perenes, perto de Salim, onde João [Batista] batizava por haver ali
muitas águas. [...]”.6 A localidade ainda não foi identificada, existindo duas
ou três hipóteses a respeito. Entre elas, a mais aceita é que, provavelmente,
seja um sítio conhecido “[...] atualmente por Ed-Deir, em cujas vizinhan-
ças existem sete fontes e extensas ruínas [...]”.6 Em síntese: Enon era o local
propriamente dito onde existiam as fontes, sendo que Salim era o território
onde Enon estava situada.7

6.1.3 O TESTEMUNHO DE JOÃO BATISTA: JESUS


É O MESSIAS DE DEUS (JO 3:24 A 36)
São registros evangélicos que nos transmitem três principais
informações:
» João Batista ainda pregava e batizava livremente, mas a sua prisão
estava próxima.
» Os discípulos de João Batista iniciam discussão de quem, efetiva-
mente, seria o Cristo aguardado pelo povo judeu: o Batista ou Jesus?
» O testemunho de João Batista sobre si mesmo e sobre Jesus.

71
O Evangelho Redivivo – Livro V

Amélia Rodrigues esclarece-nos a respeito dessas e outras ideias na


mensagem Testemunho Emocionado,8 da qual retiramos o seguinte trecho:
Naqueles incomparáveis dias, enquanto ainda se ouvia o Batista proclamar
chegada a hora, após haver recebido Jesus, a Quem banhara nas águas de
Bethabara, no Jordão, os seus discípulos ficaram enciumados pelo que escu-
taram no diálogo formoso entre o preparador dos caminhos e o Viandante
divino.
Assim, surgiram controvérsias e discussões acaloradas, em torno de quem
era o maior, aquele que representava o Deus vivo nos horizontes humanos.
Não faltavam motivos para tricas e confusões verbais, acirrados debates de
inutilidade, quando uma questão mais palpitante se desenhou entre os segui-
dores de João e os judeus, em torno da purificação pela água e pelo fogo, e
quem era a pessoa credenciada para fazê-la.
Em Enon, próximo a Salim, o filho de Isabel continuava a pregar, convidando
os ouvintes ao arrependimento e à penitência, posteriormente ao batismo pu-
rificador das faltas cometidas. As multidões sucediam-se, ansiosas, desejosas
de purificação, mas não de transformação moral, da morte do homem velho
para que nascesse o homem novo, conforme o recomendado.
Foi então, que os discípulos inexperientes e enciumados, interrogam o seu
guia [João Batista]:
– Rabi, aquele que estava contigo além do Jordão, e do qual deste testemunho,
ei-lo batizando, e todos vão ter com Ele?
O Pioneiro alonga-se pelo pensamento até Àquele que deverá cingir a coroa de
Messias, trabalhada em espinhos pontiagudos e segurar o cetro de majestade,
em uma simbologia ridícula e mesquinha, percebendo que o seu ministério já
se vai encerrando, como o dia festivo se apaga com a chegada da noite, para
que, mais tarde volte a brilhar e esplender o Sol...
Fazia tempo que ele aguardava o Anunciado.
[...]
Retornando ao mundo objetivo, enquanto os discípulos aguardavam-lhe a
resposta, Ele disse em tom festivo:
– O homem não pode receber coisa alguma se lhe não for dada no céu. Vós mesmos
sois testemunhas de que eu disse: não sou o Cristo, mas sou enviando diante dele.

Fez uma pausa suave, como dando oportunidade a que ficasse bem
compreendida a sua resposta, e logo prosseguiu:
– Aquele que tem a esposa é o esposo, mas o amigo do esposo que o assiste e
ouve, alegra-se com a voz do esposo. Assim, pois, este meu prazer está cumprido.
[...]
Do outro lado, aqueles que ouviram a resposta de João ficaram perplexos,
quase hebetados. Não podiam ou não queriam compreender.

72
TEMA 6 – O MINISTÉRIO DE JESUS NA JUDEIA. ÚLTIMO TESTEMUNHO DE JOÃO [BATISTA] (JO 3:22 A 36)

O Precursor, porém, não se deteve e prosseguiu nos comentários:


– Ele deve crescer e eu diminuir. Aquele que vem do alto está acima de todos:
o que é da Terra, pertence à Terra e fala da Terra. Aquele que vem do Céu dá
testemunho do que viu e ouviu, mas ninguém recebe o seu testemunho. Quem
recebe o seu testemunho certifica-se de que Deus é verdadeiro. Porque aquele a
quem Deus enviou refere as palavras de Deus, pois Deus não lhe dá o Espírito
por medida. O Pai ama o Filho e pôs todas as coisas nas Suas Mãos.
A voz do Batista se ergue como um canto forte e ele diz, emocionado:
– Quem acredita no Filho tem a vida eterna. Quem se recusa a crer no Filho
não verá a Vida...

Os versículos finais do registro de João (3:28 a 36) reforçam o testemu-


nho de João Batista de que ele não era o Messias, mas, sim, Jesus, o Guia e
Modelo da humanidade terrestre como o Espiritismo confirma. Mas logo
após ter proferido o seu testemunho, o Precursor afirma:
Quem tem a esposa é o esposo; mas o amigo do esposo, que está presente e o ouve,
é tomado de alegria à voz do esposo. Essa é a minha alegria e ela é completa! É
necessário que ele cresça e eu diminua. (Jo 3:29 e 30; grifo nosso).

Emmanuel explica o significado dessas palavras:


– O esposo da humanidade terrestre é Jesus Cristo, o mesmo Cordeiro de
Deus que arranca as almas humanas dos caminhos escusos da impenitência.
O amigo do esposo é o seu precursor, cuja expressão humana deveria de-
saparecer, a fim de que Jesus resplandecesse para o mundo inteiro, no seu
Evangelho de Verdade e Vida.9

Emmanuel destaca também a importância do registro que faz parte do


versículo 30 (É necessário que ele cresça e que eu diminua):
A assertiva de João Batista, nessa passagem é significativa. Traça um programa
a todos os que pretendem funcionar em serviço de precursores do Mestre, nos
corações humanos.10

Como fechamento do estudo, retornamos a Amélia Rodrigues:


João iniciara o ministério e Jesus aprofundava-o, assinalando-o nas almas de
maneira indelével.
Desde Jericó até a Betânia, os bons e auspiciosos ventos da esperança carreiam
as notícias do Esperado, que difere de todos quantos já passaram por ali. A
Sua não é a preocupação com as coisas comuns e vulgares do dia a dia, a que
os fariseus, doutores e escribas dão exagerada importância, porque dizem
respeito ao exterior. As Suas são as questões profundas da alma, do ser em
si mesmo, os valores eternos, e por isso, Ele cuida da liberação do Espírito
enjaulado nos prejuízos morais.

73
O Evangelho Redivivo – Livro V

[...]
A Terra, a partir daqueles dias, nunca mais será a mesma, assim como as cria-
turas agora dispõem de uma bússola e um mapa que lhes facilitarão a travessia
pelo oceano tempestuoso das paixões.11

REFERÊNCIAS
1 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 3, it.
“e”: O testemunho de João Batista, p. 405.
2 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 3:22-36, p. 1.849 e 1.850.
3 JUDEIA: Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Judeia# Acesso em: 6
mar. 2022.
4 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Judeia, p. 719.
5 CESAREIA MARÍTIMA: Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/
Cesareia_Mar%C3%ADtima# Acesso em: 6 mar. 2022.
6 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Enom, p. 409 e 410.
7 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Salim, p. 1.086.
8 FRANCO, Divaldo Pereira. ...Até o fim dos tempos. Pelo Espírito Amélia
Rodrigues. 4. ed. Salvador, BA: LEAL, 2015. cap. 9, p. 62 a 64.
9 XAVIER, Francisco Cândido. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed.
12. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. q. 309.
10 XAVIER, Francisco Cândido. Vinha de luz. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 76 – Na propaganda eficaz.
11 FRANCO, Divaldo Pereira. ...Até o fim dos tempos. Pelo Espírito Amélia
Rodrigues. 4. ed. Salvador, BA: LEAL, 2015. cap. 9, p. 65.

74
TEMA 7

JESUS ENTRE OS
SAMARITANOS (JO 4:1 A 42)

Os longos discursos é uma das características do Evangelho segundo


João, talvez porque, como ele residia em Éfeso – uma comunidade carac-
terizada pela diversidade histórica, cultural e religiosa, residência de sábios
e de pessoas incultas; de filósofos e religiosos politeístas e monoteístas –,
o apóstolo sentisse necessidade de explicar com detalhes as lições de Jesus
àquele público tão heterogêneo, inclusive os cristãos. Assim, o diálogo entre
Jesus e a samaritana apresenta detalhes os quais, segundo nota explicativa
da Bíblia de Jerusalém, teriam sido acrescentados o trecho original de João
como, por exemplo, referências aos discípulos e a intervenção deles na
conversa (v. 8, 27, 31 a 38).1
A conversa ocorrida entre Jesus e a samaritana gerou controvérsias não
somente entre discípulos do colégio apostolar, naquele momento, mas tam-
bém de outros cristãos, ao longo dos primeiros séculos de constituição das
igrejas cristãs, que ainda se mantinham demasiadamente presos às tradições
seculares do Judaísmo. Segundo essa tradição, em essência equivocada e
preconceituosa, ainda que se pese as normas vigentes das relações sociais
da época, o encontro com a mulher samaritana colocaria Jesus em uma
situação comprometedora, exposta a críticas, de ser “amigo de publicanos
e pecadores”, como enfatiza os evangelhos sinópticos.2 Na verdade, toda
a questão está relacionada a antiquíssima e recíproca inimizade existente
entre judeus e samaritanos.
Samaria, no hebraico, vigia, é o nome dessa cidade situada em um
morro alto, e que fora a capital do reino israelita do Norte e do território cir-
cunvizinho, o qual se opunha ao reino de Judá, ao Sul, onde está Jerusalém.3
Os samaritanos vieram a existir como resultado da mistura do pouco da
população judia deixada na terra pelos assírios na época do cativeiro, com
povos do norte que o conquistador enviou para ocupar a terra. [...] Depois do
cativeiro (722 a.C.), Sargão II [rei do império assírio] transformou o local em

75
O Evangelho Redivivo – Livro V

uma província e deu a ela o nome de Samerena. [...]. Os judeus remanescentes


conseguiram preservar muitos de seus antigos costumes, mas os do Sul (Judá)
e os de períodos posteriores os consideravam pagãos.
[...]
A época do controle judeu, contudo, não durou muito. Pompeu [general ro-
mano, em 63 a.C.] capturou toda a Palestina e anexou a Samaria à província
síria. A história da Samaria é muito parecida com a da própria Israel. Ela passou
de poder a poder, à medida que a maré de impérios humanos subia e descia.3

Originalmente, os samaritanos eram, na verdade, uma mistura racial


de hebreus que viviam na região montanhosa do Norte da Palestina que,
possivelmente, se miscigenaram com os invasores persas, assírios e egípcios.3
Com o passar do tempo foi definida uma etnia racial e cultural denomina-
da samaritana, a despeito de ter mantidas as raízes judaicas, assim como
acontece com os samaritanos da atualidade. Outra grande divergência entre
judeus e samaritanos é que estes tinham o seu próprio templo, localizado no
monte Gerizim, considerado o primeiro local de louvor a Israel, construído
por Josué séculos antes da construção do Templo de Jerusalém. Finalmente,
talvez a maior divergência seja porque os samaritanos só aceitam o pentateu-
co de Moisés, rejeitando os demais livros e profetas do Antigo Testamento.4
Passados tantos séculos, as divergências entre judeus e samaritanos
ainda persistem:
Ainda hoje um pequeno grupo de samaritanos vive em Nablo e Jafa, hoje
subúrbio de Tel Aviv. [...] O monte Gerizim continua a ser o local sagrado
para eles, que ainda seguem os antigos festivais hebraicos, como a Páscoa e
o Dia da Expiação (seu dia mais sagrado). Além disso, o sábado é observado
rigidamente. Seu sumo sacerdote é o líder político-religioso, com quem os
“forasteiros” (como o governo de Israel) devem tratar no tocante a qualquer
questão relacionada ao grupo. Embora pequena, eles ainda representam uma
forte seita religiosa.4

7.1 JESUS ENTRE OS SAMARITANOS (JO 4:1 A 42)5


1
Quando Jesus soube que os fariseus tinham ouvido dizer que ele fazia mais
discípulos e batizava mais que João – 2ainda que, de fato, Jesus mesmo não
batizasse, mas os seus discípulos – 3deixou a Judeia e retornou à Galileia. 4Era
preciso passar pela Samaria. 5Chegou, então, a uma cidade da Samaria, cha-
mada Sicar, perto da região que Jacó tinha dado a seu filho José. 6Ali se achava
a fonte de Jacó. Fatigado da caminhada, Jesus sentou-se junto à fonte. Era por
volta da hora sexta. 7Uma mulher da Samaria chegou para tirar água. Jesus
lhe disse: “Dá-me de beber!” 8Seus discípulos haviam ido à cidade comprar

76
TEMA 7 – JESUS ENTRE OS SAMARITANOS (JO 4:1 A 42)

alimento. 9Diz-lhe, então, a samaritana: “Como, sendo judeu, tu me pedes de


beber, a mim que sou samaritana?” (Os judeus, com efeito, não se dão com os
samaritanos.) 10Jesus lhe respondeu: “Se conhecesses o dom de Deus e quem
é que te diz: ‘Dá-me de beber’, tu é que lhe pedirias e ele te daria água viva!”
11
Ela lhe disse: “Senhor, nem sequer tens uma vasilha e o poço é profundo; de
onde, pois, tiras essa água viva? 12És, porventura, maior que o nosso pai Jacó,
que nos deu este poço, do qual ele mesmo bebeu, assim como seus filhos e
seus animais?” 13Jesus lhe respondeu: “Aquele que bebe desta água terá sede
novamente; 14mas quem beber da água que eu lhe darei, nunca mais terá
sede. Pois a água que eu lhe der tornar-se-á nele uma fonte de água jorrando
para a vida eterna”. 15Disse-lhe a mulher: “Senhor, dá-me dessa água, para
que eu não tenha mais sede, nem tenha de vir mais aqui para tirá-la!” 16Jesus
disse: “Vai, chama teu marido e volta aqui”. 17A mulher lhe respondeu: “Não
tenho marido”. Jesus lhe disse: “Falaste bem: ‘não tenho marido’, 18pois tiveste
cinco maridos e o que agora tens não é teu marido; nisso falaste a verdade”.
Disse-lhe a mulher: “Senhor, vejo que és um profeta... 20Nossos pais adoraram
19­

sobre esta montanha, mas vós dizeis: é em Jerusalém que está o lugar onde é
preciso adorar”. 21Jesus lhe disse: “Acredita-me, mulher, vem a hora em que
nem nesta montanha nem em Jerusalém adorareis o Pai. 22Vós adorais o que
não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos
judeus. 23Mas vem a hora – e é agora – em que os verdadeiros adoradores
adorarão o Pai em espírito e verdade, pois tais são os adoradores que o Pai
procura. 24Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espíri-
to e verdade”. 25A mulher lhe disse: “Sei que vem um Messias (que se chama
Cristo). Quando ele vier, nos anunciará tudo”.26Disse-lhe Jesus: “Sou eu, que
falo contigo”. 27Naquele instante, chegaram os seus discípulos e admiravam-se
de que falasse com uma mulher; nenhum deles, porém, lhe perguntou: “Que
procuras?” ou: “O que falas com ela?” 28A mulher, então, deixou seu cântaro e
correu à cidade, dizendo a todos: 29 “Vinde ver um homem que me disse tudo o
que fiz. Não seria ele o Cristo?” 30Eles saíram da cidade e foram ao seu encontro.
31
Enquanto isso, os discípulos rogavam-lhe: “Rabi, come!” 32Ele, porém, lhes
disse: “Tenho para comer um alimento que não conheceis”. 33Os discípulos
se perguntavam uns aos outros: “Por acaso alguém lhe teria trazido algo para
comer?” 34Jesus lhes disse: “Meu alimento é fazer a vontade daquele que me
enviou e consumar a sua obra. 35Não dizeis vós: ‘Ainda quatro meses e chegará
à colheita’? Pois bem, eu vos digo: Erguei vossos olhos e vede os campos: estão
brancos para a colheita. Já 36o ceifeiro recebe seu salário e recolhe fruto para a
vida eterna, para que o semeador se alegre juntamente com o ceifeiro. 37Aqui,
pois, se verifica o provérbio: ‘um é o que semeia, outro o que ceifa’. 38Eu vos
enviei a ceifar onde não trabalhastes; outros trabalharam e vós entrastes no
trabalho deles”. 39Muitos samaritanos daquela cidade creram nele, por causa
da palavra da mulher que dava testemunho: “Ele me disse tudo o que fiz!”
40
Por isso, os samaritanos vieram até ele, pedindo-lhe que permanecesse com
eles. E ele ficou ali dois dias. 41Bem mais numerosos foram os que creram por

77
O Evangelho Redivivo – Livro V

causa da palavra dele42 e diziam à mulher: “Já não é por causa de teus dizeres
que cremos. Nós próprios o ouvimos, e sabemos que esse é verdadeiramente
o salvador do mundo”.

Esses registros de João começam com a afirmação do evangelista de que


Jesus, efetivamente, não batizava, mas, sim, os seus discípulos (Jo 4:1 a 3),
questão essa, já analisada no tema anterior. Em seguida, João informa que
o Mestre Nazareno decide sair da Judeia e viajar para a Galileia, passando
pelo território da Samaria (v. 3 e 4). Tudo indica que essa viagem ocorreu
depois do testemunho de João Batista aos seus seguidores: de que ele, João
Batista, era o precursor do Messias, não o Messias.
Havia duas rotas possíveis da Judeia para a Galileia. A rota mais longa passa-
va pela terra dos gentios, ao lado Leste do rio Jordão; a mais curta cruzava o
território da Samaria, e era a mais utilizada, apesar da animosidade que havia
entre judeus e samaritanos. O v. 4 sugere que esse percurso foi escolhido por
necessidade. João talvez esteja querendo dizer que havia uma razão Divina no
que dizia respeito a Jesus. [...].6

Na Samaria, Jesus e os discípulos chegam à cidade de Sicar e fazem


uma parada próximo a uma fonte de água, denominada Fonte de Jacó, local
histórico de significativa representatividade para os judeus e samaritanos,
inclusive (v. 12), pois nas vizinhanças estavam as terras que Jacó dera ao
seu filho José (Jo 4:5 e Gn 48:22). Jacó era irmão gêmeo de Esaú, ambos
filhos de Isaque (filho de Abraão e Sara) e Rebeca.7 De acordo com a tra-
dição, os descendentes de Jacó seriam considerados os verdadeiros filhos
de Israel, pois assim está designado nas escrituras (Êx 14:16 e 29; 15:1). Ou
seja, Jacó e Israel são sinônimos.8, 9 Aliás, foi a partir dessa tradição que a
nação judaica recebeu o nome de Israel (no hebraico, “que luta com Deus”),
entendido como o nome que o Senhor denominou Jacó (Gn 32:22 a 32) e os
seus descendentes. Ainda em vida, o patriarca Jacó passou a ser conhecido
como Israel (Gn 34:7), denominação mantida por toda a sua vida, desde a
peregrinação que ele e os seus descendentes fizeram pelo deserto (Êx 32:4;
Dt 4:1; 27:9).9
A cidade de Sicar, localizada na encosta oriental do monte Ebal, um
pouco ao Norte do Poço de Jacó, não existe mais. Em seu lugar há a aldeia
de Ascar.10 Essa região, e a Palestina como um todo, a despeito de ser pe-
dregosa e de clima desértico, possui muitas fontes:
Nascentes de água, brotando de uma rocha, de uma ribanceira ou rebentando
à flor da terra (Dt 8:7). Na geografia da Palestina, deve-se fazer cuidadosa
distinção entre poços, tanques e cisternas. As fontes desse país são numerosas

78
TEMA 7 – JESUS ENTRE OS SAMARITANOS (JO 4:1 A 42)

e dão origem permanente aos rios, contribuindo para comunicar vida e ferti-
lidade ao solo. Os nomes de algumas cidades recebem, na sua composição, o
prefixo En, “fontes”, como Endor e outras. Figuradamente, esse nome [fonte]
simboliza a origem permanente e inesgotável das bênçãos espirituais (Sl 36:9.
Jr. 2:13. Ap 7:17 e 21:6). Os filhos também são comparados a fontes procedentes
de seus pais (Dt 33:28. Sl 68:26).11

Jesus e os apóstolos chegam nos arredores de Sicar por volta da hora


sexta, ou do meio-dia (v. 6). Os discípulos vão à cidade para buscar ali-
mentos, enquanto Jesus permanece junto ao Poço de Jacó. Dois fatos rele-
vantes acontecem em seguida: uma samaritana desacompanhada que vai
pegar água no poco; Jesus que, espontaneamente, passa a conversar com
ela, transmitindo ensinamentos superiores, os quais devem merecer nossa
reflexão. Realmente, havia um propósito divino nesse encontro: primeiro
porque uma mulher não andava sozinha naquela sociedade patriarcal, então
só poderia ser alguém excluído do convívio social; segundo, e, ainda de
acordo com as regras das relações sociais vigentes, um homem não poderia
dirigir a palavra à mulher, muito menos estabelecer um diálogo com ela. O
estudioso britânico Donald Arthur Carson (1946–) esclarece:
Não era comum uma mulher ir desacompanhada até o poço. Ela poderia ter
sido considerada socialmente excluída. João acrescenta uma nota dizendo que
os discípulos estavam ausentes (v. 8) para destacar o diálogo entre a mulher
e Jesus. A ação de Jesus superou dois preconceitos dos judeus: conversar com
um samaritano e conversar com uma mulher. O preconceito racial é realçado
pela observação da mulher (v. 9). Jesus deve ter previsto a perplexidade dela,
pois a usou para aprofundar a conversa. A ideia de beber por necessidade
física conduziu naturalmente ao comentário sobre o dom de Deus (v. 10), que
transformou a conversa em um assunto espiritual. [...].12

As informações de Jesus sobre a vida particular da mulher e os ensina-


mentos da “água viva” (expressão que tem duplo significado no Judaísmo)
fazem a samaritana perceber, perplexa, que se encontra diante de alguém
muito superior. Carson reforça essa ideia: “[...] Se ela soubesse quem ele
era, teria pedido por água viva [...]”.13
[...] Essa expressão tinha um significado duplo, água corrente, ou seja, água
de uma fonte, e água espiritual, ou seja, relacionada ao Espírito. Os rabinos
pesavam na Torá como água viva, o que pode ser comprovado pelo seu uso
metafórico. No entanto, não é de admirar que, até aquele momento, a mulher
pensasse apenas na dimensão humana, como mostra o v. 11. Não lhe parecia
sensato pensar na água de um poço profundo sem ter meios para retirá-la. Sua
visão não ia além do balde. A comparação com Jacó, que cavou o poço, sugere
a ela que Jesus era inferior. Por duas vezes, portanto, ela fez um julgamento

79
O Evangelho Redivivo – Livro V

incorreto. Ela não podia conceber que alguém pudesse ser superior ao venerado
Jacó. [...]. A verdadeira superioridade de Jesus estava na qualidade da água
fornecida, água viva. O Poço de Jacó só poderia saciar a sede temporariamente
(v. 13). [...]. A referência à vida eterna (v. 14) está claramente relacionada à
atividade do Espírito [...].13

O fato de Jesus ter mantido um diálogo com a samaritana e, poste-


riormente, com os samaritanos da cidade de Sicar, gerou questionamentos
por parte dos discípulos e também entre os adversários do Mestre, quando
ficaram a par dos acontecimentos. Criou-se, então, uma situação de intriga
por parte de representantes do clero judaico, primeiro em razão da inimi-
zade entre judeus e samaritanos, segundo por Jesus ter ousado romper os
costumes de conversar com uma mulher que, devidas as características da
vida íntima era excluída do convívio social – ela tivera cinco maridos e
mantinha uma atual relação conjugal sem estar efetivamente casada (v. 18).
O que se destaca é que ninguém se preocupou em saber o teor moral
e/ou espiritual do diálogo ocorrido entre Jesus e a samaritana, nem mesmo
os seus discípulos. Prisioneiros das convenções sociais e limitados pelo
entendimento fornecidos pelos símbolos e rituais, não perceberam que as
palavras e atos de Jesus refletiam a Lei de Amor, sempre manifestada em
todas as circunstâncias. Por intermédio daquele diálogo inesquecível, Jesus
demonstrou a necessidade de cessar as rivalidades e separações entre indiví-
duos e nações, pois todos, sem exceção, somos irmãos, filhos do mesmo Pai.
A respeito, Emmanuel transmite-nos sábias advertências e esclareci-
mentos na mensagem Afirmação e ação, que interpreta o versículo 34 dessa
passagem de João, 4:34 (Meu alimento é fazer a vontade daquele que me
enviou e consumar a sua obra), da qual extraímos o seguinte trecho:
Aqui e ali, encontramos crentes do Evangelho invariavelmente prontos a ale-
gar a boa intenção de satisfazer os ditames celestiais. Entregam-se alguns à
ociosidade e ao desânimo e, com manifesto desrespeito as sagradas noções da
fé, asseguram ao amigo ou ao vizinho que vivem atendendo às determinações
do Todo-Poderoso.
[...]
Programa elevado, sem concretização, é projeto morto.
Deus não expressaria propósitos a esmo.
Em razão disso, afirmou Jesus que vinha ao mundo fazer a vontade do Pai e
cumprir-lhe a obra.
Segundo observamos, não se reportava somente ao desejo paternal, mas
igualmente à execução que lhe dizia respeito.

80
TEMA 7 – JESUS ENTRE OS SAMARITANOS (JO 4:1 A 42)

Não é razoável permanecer o homem em referências infindáveis aos desígnios


do Alto, quando não cogita de materializar a própria tarefa.14

Ao refletirmos mais profundamente a respeito do alimento espiritual,


que a mensagem do Evangelho transmite e, conscientes dos desafios que a
vivência dos ensinamentos de Jesus impõe ao cidadão moderno, guardamos
sintonia com as ideias do professor e pesquisador escocês, Craig Blomberg,
que alerta religiosos e discípulos sobre a importância de manter o foco de
que, a pregação do Evangelho deve, necessariamente, estar associada a ações
concretas. Complementa ao afirmar também que, até por questões éticas tais
ações devem estar desvinculadas de ideologias e de políticas. Ao contrário,
o cristão deve esforçar-se na prática do bem, segundo as determinações da
Justiça e Misericórdia Divinas. O professor Craig faz outras considerações
com base nos textos evangélicos de Lucas e João:
Implementar a ética do reino de Jesus, especialmente sua ética de preocupa-
ção social e em particular numa sociedade democrática moderna, distinta do
mundo romano do século I, exige considerável sensibilidade e sofisticação.
[...] No entanto, não podemos nem pensar em contar com a legislação ou os
partidos políticos para a realização daquilo que somente o povo de Deus,
atuando como igreja [ou entidade religiosa], pode fazer. Devemos assumir
uma agenda completamente pró-vida: tentar impedir o aborto e evitar endossar
o pecado [abuso] sexual ou glamorizar a vida familiar desajustada. Mas, ao
mesmo tempo, devemos também trabalhar para a melhor qualidade de vida
dos nascidos, incluindo cuidados médicos adequados aos pobres, moradia para
os sem-teto, empregos para os desempregados e alternativas positivas para os
que caíram numa vida de crimes. Precisamos demonstrar uma preocupação
genuína com a destruição do meio ambiente, também uma criação de Deus.
Nas sociedades, o que inclui a nossa, onde o racismo, o sexismo, a separação
de classes e o etnocentrismo ainda mantêm milhões de pessoas separadas
uma das outras, não sendo oferecidas a todos as mesmas oportunidades de
usufruir os direitos humanos básicos, devemos nos opor à injustiça e promover
a libertação dos oprimidos. Entretanto, jamais devemos supor ser isso o fim
em si mesmo, para que as pessoas não conquistem liberdades terrenas sem
estarem preparadas para seguirem Jesus Cristo na eternidade.15

Amélia Rodrigues, por meio de processo de síntese, transmite-nos as


principais ideias do diálogo que aconteceu entre Jesus e a samaritana, e,
posteriormente, entre os demais samaritanos de Sicar, os quais compreen-
deram que Jesus, efetivamente, era o Messias de Deus:16
O Mestre desvelara-se, há pouco, junto à fonte de Jacó, nas cercanias de Sicar,
à mulher samaritana, que saíra a anunciá-lO, como profeta, a todos da cidade
que a conheciam. Penetrando-lhe a alma, o Senhor conquistara-lhe o coração,

81
O Evangelho Redivivo – Livro V

porque lhe não revolveu as feridas morais, antes as balsamizou, confortando-a


nos duros golpes sofridos durante a existência dorida.
Quem não a conhecesse não lhe imaginaria as noites indormidas, as inquie-
tações disfarçadas com sorrisos, as humilhações experimentadas.
O tributo à felicidade terrestre é pesada canga, que junge a padecimentos ino-
mináveis. Somente aqueles que a carregam conhecem-lhe o peso, a constrição.
A mulher samaritana é um símbolo de perene atualidade.
Vítima, era tida como algoz pelo crime de ser mulher.
Espezinhada na sua fragilidade, era condenada por haver-se deixado seduzir...
Sempre tem sido assim. Os que tombam são acusados por haverem caído,
como as violetas esmagadas sob as patas dos animais, que não deveriam estar
no caminho por onde eles passam...
Jesus conhecia as criaturas humanas, suas grandezas e prejuízos, amando-as
conforme eram e como se apresentavam.
Na Sua condição de Pastor, jamais elegia as ovelhas, deixando que essas O
escolhessem.
Ao espanto dos discípulos, que O surpreenderam em quase êxtase solitário,
ao retornarem da cidade, onde foram para a compra de alimentos e atendi-
mento de necessidades outras, sucedeu-se a alegria das pessoas que tomaram
conhecimento da ocorrência à borda do poço.
Profundamente tocada pela magia do Nazareno belo, a mulher samaritana
não se cansava de elogiá-lO, embora Ele a houvesse desnudado.
Ela agora sabia que o pecado é desgraça, é morte e que somente a virtude é
bênção de vida.
[...]
Agora não. Acabara de vislumbrar a claridade; alcançara outra dimensão...

A benfeitora conclui, revelando-nos que a compreensão a respeito das


realidades imortais ou sobre a realidade do Reino de Deus pode surgir de
onde menos se espera: de um pecador, de alguém desprezado pela socie-
dade, de pessoa inculta, entre outros. O importante é não menosprezar a
ninguém, pois todos somos filhos de Deus:
Sensibilizados, os samaritanos vieram pedir-Lhe para que ficasse um pouco
com eles, após ouvirem a mulher testemunhar a Seu favor.
Compadecido, o Mestre aquiesceu, ali ficando por dois dias, que passaram
céleres.
A alegria, o bem-estar, passam rápidos, em outra dimensão do tempo.
À sombra do arvoredo, falou-lhes do Reino de Deus, e os enriqueceu de es-
peranças, confortando-os e amparando os combalidos, que receberam cargas
novas de energia vitalizadora.

82
TEMA 7 – JESUS ENTRE OS SAMARITANOS (JO 4:1 A 42)

[...]
Ao terceiro dia, quando se dispôs a prosseguir na marcha, estava cercado de
carinho e amor.
[...]
Mas, à mulher abençoada pela Sua revelação, a uma só voz os patrícios
afirmaram:
– Já não é por causa das tuas palavras que acreditamos; nós próprios ouvimos
e sabemos que Ele é realmente o Salvador do mundo.17

REFERÊNCIAS
1 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 4:1-42.
2 BLOMBERG, Craig L. Jesus e os evangelhos: uma introdução ao estudo dos 4
evangelhos. Trad. Sueli da Silva Saraiva. São Paulo: Vida Nova, 2009. 4ª pt.,
cap. 12, it. Historicidade, p. 300.
3 CHAMPLIN, Russell Norman. Novo dicionário bíblico Champlin. Ampl. e
atual.1. ed. São Paulo: Hagnos, 2018. verbete: Território de Samaria, p. 1.577.
4 CHAMPLIN, Russell Norman. Novo dicionário bíblico Champlin. Ampl. e
atual. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2018. verbete: Samaritanos, p. 1.578.
5 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 4:1-42, p. 1.850 a 1.852.
6 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 4:4-42, it. 4:4-26,
p. 1.553.
7 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Jacó, p. 617.
8 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Jacó, p. 619.
9 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Israel, p. 608 e 609.
10 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Sicar, p. 1.148.
11 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Fonte, p. 498.

83
O Evangelho Redivivo – Livro V

12 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 4:4-42, it. 4:4-26,
p. 1.553 e 1.554.
13 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. p. 1.554.
14 XAVIER, Francisco Cândido. Vinha de luz. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 42.
15 BLOMBERG, Craig L. Jesus e os evangelhos: uma introdução ao estudo dos 4
evangelhos. Trad. Sueli da Silva Saraiva. São Paulo: Vida Nova, 2009. 5ª pt.,
cap. 19, it. Preocupação
16 FRANCO, Divaldo Pereira. Dias venturosos. Pelo Espírito Amélia Rodrigues.
4. ed. Salvador, BA: LEAL, 2015. cap. 12 – Serviço e Galardão, p. 83 a 85.
17 FRANCO, Divaldo Pereira. Dias venturosos. Pelo Espírito Amélia Rodrigues.
4. ed. Salvador, BA: LEAL, 2015. cap. 12 – Serviço e Galardão, p. 87 e 88.

84
TEMA 8

JESUS NA GALILEIA. SEGUNDO


SINAL EM CANÁ: CURA DO
FILHO DE FUNCIONÁRIO
REAL (JO 4:43 A 54)

Constatamos que na primeira metade do Evangelho segundo João “[...]


os capítulos 2-11 são compostos por sete milagres (João os chama de ‘sinais’)
e sete importantes discursos de Jesus. [...] Os capítulos 2-4 começam e termi-
nam com milagres em Caná, os dois únicos ‘sinais’ de Jesus explicitamente
os enumerados nesse evangelho. [...]”.1 Em geral, esses sinais fazem corre-
lação com os discursos, fato que revela mais uma característica dos textos
joaninos, demonstrando que a pregação de Jesus é exemplificada na prática.
[...] Por exemplo, a multiplicação dos pães (6:1-15) remete ao discurso do pão
da vida (6:25-71). A cura do cego de nascença (9:1-41) ilustra a afirmação de
Jesus ser a luz do mundo (8:1-59). Mas nem tudo pode ser emparelhado de
modo tão nítido. Mais notáveis são os indicadores estruturais que sugerem
que os grupos de capítulo 2-4 e 5-10 devam ser tomados cada um como uma
unidade. [...]1

8.1 JESUS NA GALILEIA (JO 4:43 A 45)2


43
Depois daqueles dois dias, ele partiu de lá para a Galileia. 44O próprio Jesus
havia testemunhado que um profeta não é honrado em sua própria pátria.
45
Quando, pois, ele chegou à Galileia, os galileus o receberam, tendo visto
tudo o que ele fizera em Jerusalém, por ocasião da festa: pois também eles
tinham ido à festa.

Essa passagem inicia com o relato da partida de Jesus de Nazaré, terra


que viveu a sua infância, onde Ele foi rejeitado, como conta no versículo 44.
Ele também já havia passado pela Samaria, onde dialogou com a mulher
samaritana na beira do Poço de Jacó. Agora, Ele retorna à Galileia onde
estivera antes, por ocasião das Bodas de Caná, logo no início da sua missão.

85
O Evangelho Redivivo – Livro V

Em termos históricos e doutrinários, os evangelhos sinópticos forne-


cem mais detalhes a respeito do ministério de Jesus na Galileia do que o
Evangelista João, que se revela mais conciso. Importa destacar, porém, que a
missão de Jesus sempre foi assinalada por muitos desafios, incompreensões
e oposições, ainda que Ele procurasse, em todas as circunstâncias, aliviar
a dor do próximo, das pessoas mais humildes, esclarecendo a todos com
bondade. Humberto de Campos informa a respeito:
Aquelas atividades, entretanto, começaram a despertar a reação dos judeus
rigoristas, que viam em Jesus um perigoso revolucionário. O amor que o
Profeta nazareno pregava vinha quebrar antigos princípios da lei judaica. Os
senhores da terra observavam cuidadosamente as palestras dos escravos, que
permutavam imenso júbilo, proveniente das esperanças num novo reino que
não chegavam a compreender. Os mais egoístas pretendiam ver no Profeta
generoso um conspirador vulgar, que desejava levantar as iras populares con-
tra a dominação de Herodes; outros presumiam na sua figura um feiticeiro
incomum, que era preciso evitar.
Foi assim que a viagem do Mestre a Nazaré redundou numa excursão
de grandes dificuldades, provocando de sua parte as observações quase
amargas que se encontram no Evangelho, com respeito ao berço daque-
les que o deveriam guardar no santuário do coração. Não foram poucos
os adversários de suas ideias renovadoras que o precederam na cidade
minúscula, buscando neutralizar-lhe a ação por meio de falsas notícias
e desmoralizá-lo, argumentando com informações mal alinhavadas de
alguns nazarenos.3

De qualquer forma destacamos, em seguida, as principais caracterís-


ticas do retorno de Jesus à Galileia:4
» João Batista é preso e Jesus inicia, propriamente dita, a sua missão.
» A pregação de Jesus é assinalada pelo anúncio da vinda do Reino
de Deus e, concomitantemente, Ele realiza curas e realiza outros
feitos extraordinários.
» Ele revela autoridade no que fala e faz.
» Surgem controvérsias, sobretudo entre os religiosos e outras au-
toridades (Herodes e os romanos), os quais passam a persegui-lo.
Galileia (do hebraico Galil, significa “anel” ou “círculo”, mas, atual-
mente, traz o sentido de “distrito”), é nome da região Norte da Palestina,
local onde Jesus passou a sua infância e iniciou, efetivamente, a sua missão.5
Originalmente, a Galileia “[...] fazia parte das terras distribuídas entre as
doze tribos, mas, devido à pressão de povos do norte, a sua população judaica

86
TEMA 8 – JESUS NA GALILEIA. SEGUNDO SINAL EM CANÁ: CURA DO FILHO DE FUNCIONÁRIO REAL (JO 4:43 A 54)

se encontrava numa espécie de saliente norte, rodeada por três lados por
povos não-israelitas. [...]”.5
[À época] dos Macabeus, a influência dos gentios sobre os judeus se tornou
tão intensa que os últimos, em realidade, foram empurrados para o sul, onde
permaneceram por meio século. Dessa maneira, a Galileia teve de ser recolo-
nizada e esse fato, juntamente com a diversidade de sua população, contribuía
para o desprezo em que os galileus eram tidos pelos judeus do sul.
A demarcação exata da região da Galileia é difícil, exceto, conforme os termos
das fronteiras provinciais do império romano. O nome evidentemente era
aplicado às terras fronteiriças do norte de Israel, cuja localização variava com
o passar do tempo. No tempo do Cristo, entretanto, a província da Galileia
formava um território retangular com cerca de 64 Km de norte a sul, e com
cerca de 40 km de leste a oeste, tendo ao leste a fronteira natural do rio Jordão
e do mar da Galileia [lago de Tiberíades], e cortado na região próxima do
Mediterrâneo pela faixa de terra da Síria-fenícia, que se estendia para o sul
ao longo da costa.
Assim definida, a Galileia consistia essencialmente de um planalto, cercado
por todos os lados, menos ao norte, de planícies. [...]5

Para os ortodoxos do Judaísmo, os judeus considerados legítimos ou


que honrasse a sua tradição não se miscigenavam com povos gentílicos.
Nesse sentido, os descendentes da tribo de Judá (comumente denominada
tribo de Davi), eram considerados de linhagem pura, desde Abraão e Isaque,
de onde descendia o rei Davi, Salomão, José, pai de Jesus, entre outros. Esse
era um dos motivos para não aprovarem nem os samaritanos – como vimos
no Tema anterior – nem os galileus. A questão da miscigenação racial era
apenas um dos fatores para a rejeição, mas havia outros. É algo que, natu-
ralmente, nos convida à reflexão e explica a causa de tantas divergências,
sobretudo à época, mas que ainda persiste entre os judeus ortodoxos.

8.2 SEGUNDO SINAL EM CANÁ: CURA DO FILHO


DE UM FUNCIONÁRIO REAL (JO 4:46 A 54)6
46
Ele voltou novamente a Caná da Galileia, onde transformara água em vi-
nho. Havia um funcionário real, cujo filho se achava doente em Cafarnaum.
47
Ouvindo dizer que Jesus viera da Judeia para a Galileia, foi procurá-lo, e
pedia-lhe que descesse e curasse seu filho, que estava à morte. 48Disse-lhe
Jesus: “Se não virdes sinais e prodígios, não crereis”. 49O funcionário real lhe
disse: “Senhor, desce, antes que meu filho morra!” 50Disse-lhe Jesus: “Vai, o
teu filho vive”. O homem creu na palavra que Jesus lhe havia dito e partiu.
51
Ele já descia, quando os seus servos vieram-lhe ao encontro, dizendo que o
seu filho vivia. 52Perguntou, então, a que horas ele se sentira melhor. Eles lhe

87
O Evangelho Redivivo – Livro V

disseram: “Ontem, à hora sétima, a febre o deixou”. 53Então o pai reconheceu


ser precisamente aquela a hora em que Jesus lhe dissera: “O teu filho vive” e
creu, ele e todos os da sua casa. 54Foi esse o segundo sinal que Jesus fez, ao
voltar da Judeia para a Galileia.

A boa recepção que os galileus deram a Jesus não foi, apenas, em ra-
zão do ocorrido nas Bodas de Caná, em que Jesus, logo no início do seu
ministério, transformou água em vinho (Jo 2:1 a 11), mas porque eles “[...]
ficaram claramente impressionados com os relatos dos sinais realizados em
Jerusalém na época da Páscoa”7 (Jo 2:23). E o texto de João, ora sob análise,
relata que em Caná da Galileia ocorre outro sinal prodigioso: Jesus traz à
vida o filho de um funcionário real, como é mencionado no versículo 46.
Este “[...] era sem dúvida, um oficial a serviço de Herodes Antipas. Herodes
tinha o título de tetrarca e, embora nunca tenha sido rei de verdade, era
popularmente considerado como tal. [...]”.8
Percebe-se claramente que Jesus e os seus apóstolos deslocavam-se por
diferentes cidades, vilarejos e regiões rurais, levando a Boa-Nova a todos os
indivíduos, judeus e gentílicos, como a propósito recorda Amélia Rodrigues:
Sem dúvida, a sua movimentação foi incessante. Ele percorreu toda a Galileia,
visitando Jerusalém, várias vezes, onde morreu; transitou pela Judeia e foi
além, à Fenícia, às cidades de Tiro e de Sidon. Venceu o Tiberíades e alcan-
çou a Decápole, especialmente a cidade de Gadara; também foi à Bataneia, à
Cesareia de Filipe e atravessou a Samaria repetidamente...
[...]
Ele não conheceu repouso.
[...]
À semelhança de uma aragem perfumada, percorreu as distâncias sem cessar.
Não havia tempo a perder.
As multidões acolhiam-nO, seguiam-nO.
A Sua voz arrebatava, a Sua lógica perturbava os astutos, que O queriam pegar
em equívoco, dúbios e venais.
E das suas mãos as energias renovavam, curando, libertando os enfermos e
os infelizes.9

Agora, Jesus retorna a Caná da Galileia, e, lá chegando, se depara com


a presença de um pai aflito em razão do iminente processo de morte do
seu filho. Junto ao Mestre Nazareno, o funcionário de Herodes suplica ao
Senhor que impeça a morte do filho amado. Jesus atende à súplica paterna,
realizando o ato prodigioso a distância, pois o enfermo encontrava-se em
Cafarnaum. A superioridade da natureza de Jesus tornava possíveis essas

88
TEMA 8 – JESUS NA GALILEIA. SEGUNDO SINAL EM CANÁ: CURA DO FILHO DE FUNCIONÁRIO REAL (JO 4:43 A 54)

ocorrências comuns, por ser Ele, como lembra Allan Kardec, “[...] um dos
Espíritos de ordem mais elevada e, por suas virtudes, colocado muitíssimo
acima da humanidade terrestre. [...]”.10
Para ampliar o nosso entendimento, o Codificador acrescenta:
Como homem, tinha a organização dos seres carnais, mas como Espírito puro,
desprendido da matéria, havia de viver mais da vida espiritual do que da vida
corpórea, de cujas fraquezas não era passível. A superioridade de Jesus com
relação aos homens não resultava das qualidades particulares do seu corpo,
mas das do seu Espírito, que dominava a matéria de modo absoluto, e da do
seu perispírito, haurido da parte mais quintessenciada dos fluidos terrestres. [...]
Sua alma não devia achar-se presa ao corpo senão pelos laços estritamente
indispensáveis. Constantemente desprendida, ela decerto lhe dava dupla vis-
ta, não só permanente, como de excepcional penetração e muito superior à
que comumente possuem os homens comuns. O mesmo havia de dar-se nele
com relação a todos os fenômenos que dependem dos fluidos perispiríticos
ou psíquicos. A qualidade desses fluidos lhe conferia imensa força magnética,
secundada pelo desejo incessante de fazer o bem.10

A despeito da inegável superioridade de Jesus, há uma explicação


racional para os feitos operados por Ele e que foram julgados miraculosos,
como, igualmente, esclarece Allan Kardec:
Os fatos relatados no Evangelho e que foram até agora considerados mira-
culosos pertencem, na sua maioria, à ordem dos fenômenos psíquicos, isto é,
os que têm como causa primeira as faculdades e os atributos da alma. [...] A
História registra outros fatos análogos, em todos os tempos e no seio de todos
os povos, pela razão de que, desde que há almas encarnadas e desencarnadas,
os mesmos efeitos forçosamente se produziram. [...]
O princípio dos fenômenos psíquicos repousa, como já vimos, nas proprieda-
des do fluido perispirítico, que constitui o agente magnético; nas manifestações
da vida espiritual durante a vida corpórea e depois da morte; e, finalmente,
no estado constitutivo dos Espíritos e no papel que eles desempenham como
força ativa da Natureza. Conhecidos estes elementos e comprovados os seus
efeitos, tem-se, como consequência, de admitir a possibilidade de certos fatos
que eram rejeitados enquanto se lhes atribuía uma origem sobrenatural.11

Outro ponto que merece destaque está assinalado nas palavras pro-
feridas pelo Senhor, ante o apelo do pai aflito: “Disse-lhe Jesus: ‘Se não
virdes sinais e prodígios, não crereis’ (Jo 4:48). Significa dizer que o enten-
dimento a respeito do Cristo só se abriria se o funcionário real fosse tocado
no íntimo. Não resta dúvida que ele sabia que Jesus operava prodígios,
seja porque presenciara alguns fatos ou porque ouvira relatos a respeito,
pois soube onde, exatamente, Jesus se encontrava quando foi procurá-lo.

89
O Evangelho Redivivo – Livro V

A questão que se coloca, aqui, é: pode-se presenciar inúmeros prodígios


e fatos miraculosos, mas se transformar, adquirindo-se nova percepção
de uma realidade, é algo bem diferente. Aquele homem transformou-se e
percebeu a grandeza do Cristo não somente por Ele ter trazido o seu filho
à vida física, mas, porque foi tocado nas fibras do coração, percebendo a
grandeza moral de Jesus e o seu imenso amor pelo próximo. A partir de
então, o funcionário de Herodes e família converteram-se ao Cristo, como
assinala o seguinte versículo: “Então o pai reconheceu ser precisamente
aquela a hora em que Jesus lhe dissera: ‘O teu filho vive’ e creu, ele e todos
os da sua casa” (Jo 4:53).
Ser tocado pela grandeza do amor divino é o grande diferencial que a
história evangélica nos transmite. Perguntamos, a propósito: quantos mila-
gres ou bênçãos inundam diariamente a nossa existência, provenientes de
Deus? Em geral, porém, nos mantemos indiferentes a eles, quando muito
surpresos ante um ou outro acontecimento. No entanto, a partir do momento
em que formos tocados no íntimo do ser por qualquer uma dessas bênçãos
divinas, inicia-se a nossa transformação para melhor.
Retornemos à Amélia Rodrigues para outras ponderações:
Nunca a Terra experimentou presença igual. [...]
Ele fazia-se semelhante a todos, e agigantava-se.
Buscava apagar-se, e refulgia.
Calava, e o silêncio comovia.
Falava, e alterava o comportamento dos ouvintes.
Ninguém que O encontrasse ficava-Lhe indiferente; jamais O esqueceria.
[...]
Com Jesus, não havia meio termo: aceitação ou recusa, entrega ou distância.12

Jesus compadece-se do pai aflito e, ao lhe escutar a intimidade da alma,


localiza ali a pureza do amor paternal que, a despeito da posição social que
desfrutava, nada podia fazer para impedir a morte física do seu filho. Jesus,
porém, percebeu algo que escapava aos circunstantes e que ia além do pedido
de socorro: aquele pai trazia, em si, o embrião do amor universal, ao amar
o próprio filho verdadeiramente. Amor esse que poderia transformá-lo em
um homem de bem. Para tanto, bastava que o Senhor lhe concedesse um
pequeno auxílio. O Mestre entendeu que o amor paterno e o sentimento
de gratidão impulsionariam aquele Espírito ao processo ascensional. Mais
uma vez estava declarada a divina sentença: Aquele que tem ouvidos para
ouvir, que ouça! (Mt 11:15.)

90
TEMA 8 – JESUS NA GALILEIA. SEGUNDO SINAL EM CANÁ: CURA DO FILHO DE FUNCIONÁRIO REAL (JO 4:43 A 54)

Há volumosa necessidade de fenômenos no mundo. O homem sensorial quer


ver, tocar para crer, quando, em realidade, é imperioso primeiro crer, para
depois ver.
Os sentidos físicos, em razão de sua pequena capacidade de percepção, se
enganam, perdem detalhes e profundidades, para permanecerem na superfície.
O mais importante é sempre invisível aos olhos nus e, não raro, muito daquilo
que se vê, já não existe mais naquela forma.
Certas estrelas vistas hoje fulgurantes desintegraram-se ou consumiram-se
há milênios...
O maior fenômeno produzido por Jesus, e mais importante, é o da renovação
do ser, da sua transformação moral para melhor.
A integração da criatura harmonizada no equilíbrio cósmico é a Sua meta.
As vestes orgânicas decompõem-se, são substituídas ou transformadas, mas
o ser que as mantém é imperecível.
A mensagem essencial, profunda, é a que produz o bem eterno, impregnando
de paz e de sabedoria. E ela se encontra ínsita no amor, do qual ninguém foge
para sempre.13

REFERÊNCIAS
1 BLOMBERG, Craig L. Jesus e os evangelhos: uma introdução ao estudo dos
4 evangelhos. Trad. Sueli da Silva Saraiva. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap.
9 – O Evangelho de João, it. Estrutura, p. 212.
2 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 4:43-45, p. 1.852.
3 XAVIER, Francisco Cândido. Boa nova. Pelo Espírito Humberto de Campos.
37. ed. 15. imp. Brasília: FEB, 2020. cap. 10 – O perdão.
4 BLOMBERG, Craig L. Jesus e os evangelhos: uma introdução ao estudo dos 4
evangelhos. Trad. Sueli da Silva Saraiva. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 13,
it. Curas, controvérsias, discipulado e oposição, p. 305 a 310.
5 DOUGLAS, J. D. (Org.). O novo dicionário bíblico. Trad. João Bentes. 3. ed.
rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. verbete: Galileia, p. 534.
6 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto
da Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 4:46-54, p. 1.852 e 1.853.
7 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes; et
al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. João, it. 4:43-54, p. 1.556.

91
O Evangelho Redivivo – Livro V

8 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. João, it. 4:43-54,
p. 1.557.
9 FRANCO, Divaldo Pereira. Dias venturosos. Pelo Espírito Amélia Rodrigues.
4. ed. Salvador, BA: LEAL, 2015. cap.18 – O Ministério, p. 121 e 122.
10 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2. imp. Brasília,
DF: FEB, 2019. cap. 15, it. 2.
11 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2. imp. Brasília,
DF: FEB, 2019. cap. 15, it.1.
12 FRANCO, Divaldo Pereira. Dias venturosos. Pelo Espírito Amélia Rodrigues.
4. ed. Salvador, BA: LEAL, 2015. cap.18 – O Ministério, p. 122.
13 FRANCO, Divaldo Pereira. Dias venturosos. Pelo Espírito Amélia Rodrigues.
4. ed. Salvador, BA: LEAL, 2015. cap.18 – O Ministério, p. 124.

92
PARTE II

Segunda Festa em Jerusalém:


primeira oposição à Revelação

93
O Evangelho Redivivo – Livro V

TEMA 9

CURA DE ENFERMO NA PISCINA


DE BETESDA (JO 5:1 A 18)

O capítulo 5 do Evangelho segundo João refere-se a diversas contro-


vérsias a respeito das curas e outros sinais realizados por Jesus, sobretudo
por acontecerem no dia de sábado. Os 18 primeiros versículos, objeto
deste estudo, falam da cura de um enfermo que apresentava dificuldades
de locomoção para mergulhar-se nas águas de uma piscina denominada
Betesda (em hebraico Bethzada), tidas como curativas. O Evangelista João
não nos informa de que festa dos judeus Jesus participava antes de viajar
para Jerusalém. Na verdade, a “[...] longa e rica história do povo de Israel
ocasionou-lhe inúmeras oportunidades de comemorações. E muitas das
festas duravam cerca de uma semana, durante a qual as pessoas podiam
extravasar seus profundos e sinceros sentimentos”.1
Essas festas tinham diversos propósitos. Algumas eram mais uma espécie
de culto ou adoração a Deus. Nessas ocasiões, o povo, arrependido dos seus
pecados, buscava o perdão e a bênção de Deus; era o momento de purificar
a alma e marcar um novo começo. Outras festas eram ocasiões de adoração
também, mas se manifestavam em alegres ações de graça. Sempre que as
colheitas eram abundantes e os rebanhos se multiplicavam bem, o povo ex-
pressava grande gratidão a Deus, e o fazia dançando pelas ruas. Cantavam e
tocavam instrumentos musicais em louvor a Deus que tanto os abençoara. Em
algumas festas, havia instantes de oração e meditação. Contudo, sua forma de
adoração mais comum era o regozijo, com muita música, alegria e banquetes.
Todos esses festivais tinham cunho educativo. Cada uma de suas sete festas
anuais continha em si uma lição sobre a história da nação, sobre suas vitórias,
sua esperança, e também sobre suas derrotas e desespero. Elas lhes ofereciam
o vislumbre de um Deus que operava milagres, dava-lhes plantações exube-
rantes, que os amava e perdoava. Muitas vezes, essas celebrações deixavam
na mente dos participantes uma impressão mais forte do que livros e aulas.1

Aproveitando-se o ensejo dessa passagem de João, parece-nos im-


portante transmitir algumas informações, ainda que breves, a respeito das
festas judaicas que muito contribuíram para a formação da mentalidade

94
TEMA 9 – CURA DE ENFERMO NA PISCINA DE BETESDA (JO 5:1 A 18)

cristã do passado e do presente. A origem religiosa dos povos do Ocidente


revela-se construída sobre uma sólida base judaico-cristã, cujas influências
histórico-culturais nos alcançam ainda hoje, moldando, de certa forma,
nossa mentalidade, hábitos, preferências e, até mesmo, justificam certos
atavismos da nossa personalidade. Assinalamos, então, alguns registros a
respeito das sete principais festas dos judeus:
1) PÁSCOA – festa de grande importância, presente desde os tem-
pos do Antigo Testamento, e que foi absorvida pela igreja cristã.
A Páscoa refere-se à libertação dos israelitas do cativeiro onde vi-
viam no Egito. A comemoração acontece entre os meses de março
e abril, no dia 14 do mês nisã, segundo o calendário judaico. Com
o passar do tempo, algumas modificações foram introduzidas na
forma de comemorar a Páscoa, mas ainda são válidas as descri-
ções que contam em Êxodo, 12. Inserida na Páscoa, a Festa dos
Pães Asmos, considerada parte das comemorações da Páscoa, traz
um louvor à colheita e acontece no primeiro dia (14 nisã). A fes-
ta dos Pães Asmos é coletiva ou comunitária, a Festa da Páscoa
acontece na residência de cada pessoa.2 A Páscoa Cristã refere-se
à última ceia de Jesus que, em sequência, seria crucificado como o
Cordeiro de Deus.3
2) O PENTECOSTES – festa que acontece cinquenta dias após a ce-
lebração da Páscoa, época da colheita dos grãos de cevada e trigo.
Muitos teólogos argumentam que a Festa de Pentecostes é o mar-
co do surgimento da igreja cristã.4
3) A FESTA DOS TABERNÁCULOS – também conhecida como
Festa das Tendas, Festa da Colheita ou Festa do Senhor, está rela-
cionada à agricultura, sobretudo à colheita da uva e das azeitonas,
ocorrendo as festividades no início do outono (dia15 nisã: entre
os meses de setembro e outubro) – o Dia de Ações de Graças, a
festa mais popular dos Estados Unidos, assemelha-se à festividade
dos tabernáculos.5
4) O ANO NOVO – festa relativamente recente, conhecida em lín-
gua hebraica como Rosh Hashana, que significa “a cabeça do ano”.
As comemorações acontecem entre março e abril.6
5) YOM KIPUR – festa que traz significado muito importante ao
povo judeu como para os cristãos. A festividade oferece à pes-
soa um momento de pausa e reflexão a respeito de como ela tem
conduzido a sua vida. É ocasião para buscar o arrependimento e

95
O Evangelho Redivivo – Livro V

a purificação dos pecados, analisando a própria condição espiri-


tual. Os fiéis meditam também sobre os pecados cometidos pela
nação. Acontece em outubro, antes da Festa dos Tabernáculos.7
É possível que se origine nessa comemoração a teologia da gra-
ça, tradicional nas igrejas cristãs, muito questionada por cristãos
e não cristãos. Essa teologia determina que, independentemente
dos pecados cometidos pelo cristão, Deus pode perdoá-lo, como
uma espécie de manifestação de “favor” divino. Tal ideia contraria
o princípio da Justiça Divina.
6) CHANUCÁ – trata-se de alegre festividade conhecida por dife-
rentes nomes: Festa da Dedicação, das Luzes, dos Macabeus, da
Iluminação e Festa da Dedicação. Reporta-se ao ano 167 a.C.,
quando Judas Macabeu retoma e reconstrói o Templo de Jerusa-
lém, que era mantido sob o domínio do governante sírio, Antíoco
Epifanes, que impôs, ali, o próprio culto e renomeou o Templo
de “Júpiter Olympus”, proibindo toda e qualquer prática da reli-
gião judaica. É a festa que acontece entre os meses de novembro
e dezembro. O sentido da festividade está relacionado à alegria
e união familiar, daí o costume de acender muitas velas ou luzes
que são colocadas nas janelas, as ruas são iluminadas para que o
povo cante e dance até tarde.8
7) PURIM – é outra alegre festa que os judeus acrescentaram após o
exílio babilônico. A festa é para lembrar que o povo judeu foi pou-
pado do extermínio por Deus, a despeito das inúmeras provações
e cativeiros. As crianças e adultos compartilham das alegrias, do
júbilo manifestado por meio de danças, cânticos, peças teatrais
e farta alimentação. A comemoração acontece entre os meses de
fevereiro e março.9

9.1 CURA DE UM ENFERMO NA PISCINA


DE BETESDA (JO 5:1 A 18)10
1
Depois disso, por ocasião de uma festa dos judeus, Jesus subiu a Jerusalém.
2
Existe em Jerusalém, junto à Porta das Ovelhas, uma piscina que, em hebraico,
se chama Bethzata, com cinco pórticos. 3Sob esses pórticos, deitados pelo chão,
numerosos doentes, cegos, coxos e paralíticos ficavam esperando o borbulhar
da água. 4Porque o Anjo do Senhor se lavava, de vez em quando, na piscina
e agitava a água; o primeiro, então, que aí entrasse, depois que a água fora
agitada, ficava curado, qualquer que fosse a doença. 5Encontrava-se aí um
homem, doente havia trinta e oito anos. 6Jesus, vendo-o deitado e sabendo

96
TEMA 9 – CURA DE ENFERMO NA PISCINA DE BETESDA (JO 5:1 A 18)

que já estava assim havia muito tempo, perguntou-lhe: “Queres ficar curado?”
7
Respondeu-lhe o enfermo: “Senhor, não tenho quem me jogue na piscina,
quando a água é agitada; ao chegar, outro já desceu antes de mim”. 8Disse-lhe
Jesus: “Levanta-te, toma o teu leito e anda!” 9Imediatamente o homem ficou
curado. Tomou o seu leito e se pôs a andar. Ora, esse dia era um sábado. 10Os
judeus, por isso, disseram ao homem curado: “É sábado e não te é permitido
carregar teu leito”. 11Ele respondeu: “Aquele que me curou, disse: ‘Toma o teu
leito e anda!’” 12Eles perguntaram: “Quem foi o homem que te disse: ‘Toma
o teu leito e anda’?” 13Mas o homem curado não sabia quem fora. Jesus havia
desaparecido, pois havia uma multidão naquele lugar. 14Depois disso, Jesus o
encontrou no Templo e lhe disse: “Eis que estás curado; não peques mais, para
que não te suceda algo ainda pior!” 15O homem saiu e informou aos judeus que
fora Jesus quem o tinha curado. 16Por isso os judeus perseguiam Jesus: porque
fazia tais coisas no sábado. 17Mas Jesus lhes respondeu: “Meu Pai trabalha até
agora e eu também trabalho”. 18Então os judeus, com mais empenho, procu-
ravam matá-lo, pois, além de violar o sábado, ele dizia ser Deus seu próprio
pai, fazendo-se, assim, igual a Deus.

Betesda, ou Betzada era o nome de um tanque de água existente, pos-


sivelmente, na região norte de Jerusalém, cercado por cinco pórticos sufi-
cientemente espaçosos para conter grande número de pessoas (Jo 5:2 e 3).
Betzada é a forma usualmente utilizada, que é tradução grega do aramaico
bet hasd = casa da misericórdia. Atualmente, há um bairro em Jerusalém
com esse nome, Betzada, situado ao norte da cidade, talvez em razão da
história do tanque de água. Contudo escavações realizadas no século XX
encontraram na região nordeste um tanque contendo cinco pórticos que,
possivelmente, seja o relatado pelo evangelista.11
De acordo com o registro de João (5:3 e 4), as águas da piscina ou
tanque eram movimentadas de tempos em tempos, formando borbulhas,
porque o Anjo do Senhor se lavava, de vez em quando, na piscina e agitava
a água. Acredita-se, porém, que a movimentação cíclica das águas estava
relacionada ao fluxo e refluxos ocorridos nas nascentes. Obviamente, essa
agitação suspendia e misturava os elementos minerálicos de natureza me-
dicinal que se achavam depositados no fundo da piscina.
O poder curativo das águas é tradicionalmente conhecido e, ainda
hoje, é buscado por enfermos nas fontes, frias ou termais, distribuídas em
diferentes partes do mundo. Entretanto, causa muita perplexidade duas
informações citadas explicitamente por João (5:5 a 10), mesmo quando se
pesa o contexto da época: primeira, o paralítico encontrava-se no local há
trinta e oito anos e nunca alguém lhe deu a merecida atenção, para mergu-
lhá-lo nas águas; a segunda informação é que, após o enfermo ser curado

97
O Evangelho Redivivo – Livro V

por Jesus, os judeus não aprovaram a cura por ela ter sido realizada no dia
de sábado: “O problema para os judeus inicialmente não foi a cura, mas
o fato de que ela havia acontecido no sábado. O ato de carregar o leito era
considerado um ato de trabalho. [...]”.12 E mais, as autoridades judaicas,
quando perceberam o paralítico ainda aturdido pela cura, andando e tra-
zendo sobre os ombros o leito, foram indagá-lo, exigindo que identificasse
quem era a pessoa que o curara.
[...] A discussão entre o homem curado e os judeus lança luz sobre a ignorância
do homem, que não tinha a menor ideia da identidade daquele que o havia
curado (v. 13), bem com sobre a teimosia das autoridades, cuja principal preo-
cupação era com o desrespeito às suas regras. Há aqui um contraste implícito
entre a compaixão de Jesus pelo pobre homem e a falta de interesse dos judeus
por ele. A retirada estratégica de Jesus (v. 13) seguia sua política consistente
nesse evangelho de evitar a aclamação popular. [...].13

O fato de o homem curado não se lembrar de Jesus não tem a menor


importância, principalmente quando se considera a longa espera por aquele
auxílio divino. Por outro lado, Jesus quis que fosse assim ao desaparecer na
multidão (Jo 5:13), imediatamente após a realização da cura. A intransi-
gência das autoridades, isso sim, é algo estarrecedor, fato que nos convida
à reflexão, ainda que considere a literalidade da interpretação das normas
religiosas, como era habitual. Importa considerar que o excessivo zelo na
aplicação de rituais, nas manifestações de culto externo e nas interpretações
dogmáticas muito têm contribuído para o desamor que campeia no mundo.
Em contraposição a esse comportamento humano, surge a maravilhosa
lição que o Cristo nos transmite de que é necessário ser simpático à dor do
próximo, estabelecendo com ele algum elo de empatia, exemplificada no
sentimento de compaixão:
Em todas as passagens do Evangelho, perante o coração humano, sentimos
no Senhor o campeão da simpatia, ensinando como sanar o mal e construir o
bem. E desde a Manjedoura, sob a sua divina inspiração, um novo caminho
redentor se abre aos homens, no rumo da paz e da felicidade, com bases no
auxílio mútuo e no espírito de serviço, na bondade e na confraternização.14

Por outro lado, e à luz do entendimento espírita, observamos que não


nos devemos esquecer também dos enfermos da alma, muitos dos quais,
às vezes, aparentam saúde biológica. Favorecer a cura dos enfermos pela
transfusão de fluidos reparadores do passe, da água magnetizada, da prece,
do diálogo fraterno aos encarnados e desencarnados são ações comumente
desenvolvidas nos centros espíritas. Mas, em qualquer situação, é impor-
tante que as energias salutares desprendidas alcancem o Espírito imortal.

98
TEMA 9 – CURA DE ENFERMO NA PISCINA DE BETESDA (JO 5:1 A 18)

O caminho da caridade nos ensina como auxiliar o próximo a superar as


provações, independentemente do plano de vida em que se situe, encarnado
ou desencarnado:
Cada vez que nos reportamos aos serviços da cura, é justo pensar nos enfermos,
que transcendem o quadro da diagnose comum. Enxameiam, aflitos, por toda
parte, aguardando medicação.
[...]
Ajuda, sim, aos doentes do corpo, mas não desprezes os doentes da alma,
que caminham na Terra aparentemente robustos, carregando enfermidades
imanifestas que lhes consomem o pensamento e desfiguram a vida.
Todos podemos ser instrumentos do bem, uns para com os outros.
Não esperes que o companheiro se acame prostrado ou febril para estender-lhe
esperança e remédio.
Auxilia-o, hoje mesmo, sem humilhar ou ferir, de vez que a verdadeira caridade,
tanto quanto possível é tratamento indolor da necessidade humana.
Os emissários do Cristo curam os nossos males em divino silêncio.
Diante dos outros, procedamos nós igualmente assim.15

Outro ponto relevante do texto é o conselho incisivo de Jesus ao para-


lítico, impregnado de magnetismo curador: “Disse-lhe Jesus: ‘Levanta-te,
toma o teu leito e anda!’ Imediatamente o homem ficou curado. Tomou o
seu leito e se pôs a andar.” (Jo 5:8 e 9). Mais tarde, ao encontra-se com Jesus
no Templo, o Mestre alerta-o, mais uma vez, sobre a necessidade de não
repetir erros, que poderiam produzir sofrimentos maiores do que o estado
anterior, o de paralisia: “Eis que estás curado; não peques mais, para que
não te suceda algo ainda pior!” (Jo 5:14).
Essa exortação exprime a importância de erguer-se para a vida, en-
frentando-lhe os desafios e adquirindo os necessários aprendizados. Mesmo
sob o peso das provações, aqui representadas pelo símbolo de “leito”, o
ex-paralítico, assim como todos nós, deveria prosseguir na sua caminha-
da evolutiva. É o que, a propósito, Emmanuel nos esclarece nesta página
­psicografada por Waldo Vieira:
O sublime convite16
Levanta-te, toma o teu leito e anda. Jesus (João, 5:8.)
A palavra do Senhor é sempre luz direta.
A partir do momento em que fala incisivo, o doente inicia uma nova jornada.
Os músculos paralíticos vibram, fortes de novo.
O tônus orgânico circula mais ativo.

99
O Evangelho Redivivo – Livro V

O equilíbrio ressurge no cosmo celular.


A prisão em forma de leito liberta o prisioneiro.
E múltiplas consequências são criadas no processo sublime quais sejam a
responsabilidade maior para o irmão socorrido, estudo e meditação nos cir-
cunstantes admirados, reafirmação categórica das potencialidades sublimes
do amor de Nosso Divino Mestre, através do trabalho messiânico de libertação
das consciências humanas que impôs generosamente a Si Mesmo…
Em seguida, mais uma crônica ajustar-se-á aos ensinamentos narrados pelos
evangelistas expressando, até hoje, lição palpitante na escola da Humanidade.
Em soerguendo o enfermo desditoso do leito de provação, convoca-nos Jesus
a levantar-nos, todos, do ninho de imperfeições, em que nos comprazemos,
de coração cansado e mente corrompida.
Se egoísmo e orgulho, inveja e ciúme, cobiça e vaidade ainda nos prendem
o coração ao catre do infortúnio, ouçamos o convite do Senhor Amorável:
“Levanta-te, toma o teu leito e anda”.
E erguendo-nos pela fé, saberemos sofrer a consequência ainda amarga de
nossa própria sombra, caminhando, por fim, ao encontro da Luz.

A partir do momento em que os judeus identificaram Jesus como


o autor da cura do enfermo, na piscina de Betesda, e no dia de sábado,
passaram a persegui-lo (Jo 5:16). A resposta do Senhor, ainda que serena,
ampliou a animosidade dos intransigentes seguidores da lei, a ponto de
desejar-lhe a morte:
Por isso os judeus perseguiam Jesus: porque fazia tais coisas no sábado. Mas
Jesus lhes respondeu: “Meu Pai trabalha até agora e eu também trabalho”.
Então os judeus, com mais empenho, procuravam matá-lo, pois, além de
violar o sábado, ele dizia ser Deus seu próprio pai, fazendo-se, assim, igual a
Deus. (Jo 5:16 a 18).

Eis o que Emmanuel tem a dizer a respeito da resposta de Jesus aos


perseguidores:
Trabalho, solidariedade, tolerância17
O trabalho edifica.
A solidariedade aperfeiçoa.
A tolerância eleva.
***
Trabalhando, melhoramos a nós mesmos.
Solidarizando-nos, enriqueceremos o mundo.
Tolerando-nos, engrandeceremos a vida.
***

100
TEMA 9 – CURA DE ENFERMO NA PISCINA DE BETESDA (JO 5:1 A 18)

Para trabalhar, com êxito, é necessário obedecer à lei.


Para solidarizar-nos, com proveito, é indispensável compreender o bem e
cultivá-lo.
Para tolerar-nos, em sentido construtivo, é imprescindível amar.
***
Em vista disso, o Mestre Divino, há quase dois milênios, afirmou para o mundo:
“Meu Pai trabalha até hoje, e eu trabalho também.
Estarei convosco até o fim dos séculos.
“Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei.”
***
Trabalhemos, então, construindo.
Solidarizemo-nos, beneficiando.
Toleremo-nos, amando sempre.
***
Vinculada aos fundamentos divinos, a sublime trilogia da Allan Kardec é
plataforma permanente, em nossos círculos doutrinários, constituindo lema
substancial que não pode morrer.

REFERÊNCIAS
1 COLEMAN, William L. Manual dos tempos e costumes bíblicos. Trad. Miriam
Talitha Lins. 2. ed. Curitiba, PR: Editora Betânia, 2017. cap. 20, p. 277.
2 COLEMAN, William L. Manual dos tempos e costumes bíblicos. Trad. Miriam
Talitha Lins. 2. ed. Curitiba, PR: Editora Betânia, 2017. cap. 20, p. 277 a 279.
3 COLEMAN, William L. Manual dos tempos e costumes bíblicos. Trad. Miriam
Talitha Lins. 2. ed. Curitiba, PR: Editora Betânia, 2017. cap. 20, p. 280 e 281.
4 COLEMAN, William L. Manual dos tempos e costumes bíblicos. Trad. Miriam
Talitha Lins. 2. ed. Curitiba, PR: Editora Betânia, 2017. cap. 20, p. 281 e 282.
5 COLEMAN, William L. Manual dos tempos e costumes bíblicos. Trad. Miriam
Talitha Lins. 2. ed. Curitiba, PR: Editora Betânia, 2017. cap. 20, p. 282 e 283.
6 COLEMAN, William L. Manual dos tempos e costumes bíblicos. Trad. Miriam
Talitha Lins. 2. ed. Curitiba, PR: Editora Betânia, 2017. cap. 20, p. 282 a 285.
7 COLEMAN, William L. Manual dos tempos e costumes bíblicos. Trad. Miriam
Talitha Lins. 2. ed. Curitiba, PR: Editora Betânia, 2017. cap. 20, p. 285 e 286.
8 COLEMAN, William L. Manual dos tempos e costumes bíblicos. Trad. Miriam
Talitha Lins. 2. ed. Curitiba, PR: Editora Betânia, 2017. cap. 20, p. 287 e 288.
9 COLEMAN, William L. Manual dos tempos e costumes bíblicos. Trad. Miriam
Talitha Lins. 2. ed. Curitiba, PR: Editora Betânia, 2017. cap. 20, p. 288 e 289.

101
O Evangelho Redivivo – Livro V

10 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da


Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 5:1-18, p. 1.853 e 1.854.
11 DOUGLAS, J. D. (Org.). O novo dicionário bíblico. Trad. João Bentes. 3. ed.
rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. verbete: Betesda, p. 164.
12 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. João, it. 5:1-47 – Cura
e discurso em Jerusalém, p. 1.557.
13 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. João, it. 5:1-47 – Cura
e discurso em Jerusalém, p. 1.557 e 1.558.
14 XAVIER, Francisco Cândido. Roteiro. Pelo Espírito Emmanuel. 14. ed. 7. imp.
Brasília, DF: FEB, 2019. cap. 19 – Evangelho e simpatia.
15 XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA, Waldo. Ideal espírita. Por diversos
Espíritos. 1. ed. Brasília, DF: FEB; Uberaba, MG: CEC, 2015. cap. 1 – Cura e
caridade [mensagem de Emmanuel, psicografia de Chico Xavier].
16 XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA, Waldo. Ideal espírita. Por diversos
Espíritos. 1. ed. Brasília, DF: FEB; Uberaba, MG: CEC, 2015. cap. 42 – O
sublime convite [mensagem de Emmanuel, psicografia de Waldo Vieira].
17 XAVIER, Francisco Cândido. Luz no caminho. Pelo Espírito Emmanuel. 1.
ed. Brasília, DF: FEB; São Paulo: CEU, 2022. cap. 11.

102
TEMA 10

DISCURSO SOBRE A OBRA


DO FILHO (JO 5:19 A 47)

Essa passagem evangélica faz referência a um discurso proferido


por Jesus – possivelmente em resposta às controvérsias das autoridades
judaicas a respeito das curas, por Ele realizadas no dia de sábado – o qual
ratifica a sua posição de Emissário Celestial e a perfeita sintonia com o
Pai e Criador, na qualidade de Filho que dá vida à humanidade terrestre.1
A mensagem central desse discurso é que Jesus, na qualidade de Filho de Deus
e Messias, não reivindica ser independente de Deus Pai, e, sim, que mediante
uma união perfeita com Ele, era-lhe forçoso realizar as suas obras e os seus
propósitos, exibindo o amor do Pai pelo mundo; e assim Jesus cumpriu os
seus deveres como Filho perfeito, e não como um filho rebelde, que era como
os judeus interpretavam as suas ações.
Deus Pai delegou a autoridade ao Filho, incluindo a própria vida, e isso quer
dizer que Jesus é o dispenseiro da vida eterna, e também o juiz de todos. Além
disso, honrar o Filho equivale a honrar o Pai, e rejeitar o Filho é a mesma coisa
que rejeitar o Pai. [...].2

O discurso de Jesus define, então, declarado conflito entre os propó-


sitos messiânicos que Ele estava incumbido por Deus e as expectativas dos
religiosos judeus assim como do povo, em geral, a respeito do Messias tão
ansiosamente aguardado: eles aguardavam um Enviado Celestial que fosse,
ao mesmo tempo, um guerreiro poderoso dotado de poderes divinos e con-
solidador da fé judaica. Um Mensageiro que, em nome de Deus, libertaria
a nação judaica do jugo do invasor romano e que, também, projetaria os
judeus como o povo escolhido. Assim, como Jesus pregava o advento do
Reino de Deus, de paz, concórdia e união fraternal, ocorreu uma cisão,
logo de início, a despeito dos inúmeros prodígios e benefícios realizados
por Jesus. O clero judaico agindo em comum acordo com as autoridades
palacianas promoveram sucessivas perseguições, as quais culminaram com
a morte do Mestre Nazareno.

103
O Evangelho Redivivo – Livro V

10.1 DISCURSO SOBRE A OBRA DO FILHO (JO 5:19 A 47)3


19
Retomando a palavra, Jesus lhes disse: “Em verdade, em verdade, vos
digo: o Filho, por si mesmo, nada pode fazer, mas só aquilo que vê o Pai
fazer; tudo o que este faz o Filho o faz igualmente. 20Porque o Pai ama o
Filho e lhe mostra tudo o que faz; e lhe mostrará obras maiores do que
essas para que vos admireis. 21Como o Pai ressuscita os mortos e os faz
viver, também o Filho dá a vida a quem quer. 22Porque o Pai a ninguém
julga, mas confiou ao Filho todo julgamento, 23a fim de que todos honrem o
Filho, como honram o Pai. Quem não honra o Filho, não honra o Pai que o
enviou. 24Em verdade, em verdade, vos digo: quem escuta a minha palavra
e crê naquele que me enviou tem a vida eterna e não vem a julgamento,
mas passou da morte à vida. 25Em verdade, em verdade, vos digo: vem a
hora – e é agora – em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e
os que o ouvirem, viverão. 26Assim como o Pai tem a vida em si mesmo,
também concedeu ao Filho ter a vida em si mesmo 27e lhe deu o poder de
exercer o julgamento, porque é Filho do Homem. 28Não vos admireis com
isto: vem a hora em que todos os que repousam nos sepulcros ouvirão a
sua voz 29e sairão; os que tiverem feito o bem, para uma ressurreição de
vida; os que tiverem praticado o mal, para uma ressurreição de julgamento.
30
Por mim mesmo, nada posso fazer: eu julgo segundo o que ouço, e meu
julgamento é justo, porque não procuro a minha vontade, mas a vontade
daquele que me enviou. 31Se eu der testemunho de mim mesmo, meu tes-
temunho não será verdadeiro; 32um outro é que dá testemunho de mim,
e sei que é verdadeiro o testemunho que presta de mim. 33Vós enviastes
emissários a João e ele deu testemunho da verdade. 34Eu, no entanto, não
dependo do testemunho de um homem; mas falo isso, para que sejais
salvos. 35Ele era a lâmpada que arde e ilumina e vós quisestes alegrar-vos,
por um momento, com sua luz. 36Eu, porém, tenho um testemunho maior
que o de João: as obras que o Pai me encarregou de consumar. Tais obras,
eu as faço e elas dão testemunho de que o Pai me enviou. 37Também o Pai
que me enviou dá testemunho de mim. Jamais ouvistes a sua voz, nem
contemplastes a sua face, 38e sua palavra não permanece em vós, porque
não credes naquele que ele enviou. 39Vós perscrutais as Escrituras, porque
julgais ter nelas a vida eterna; ora, são elas que dão testemunho de mim;
40
vós, porém, não quereis vir a mim para terdes a vida. 41Não recebo a
glória que vem dos homens. 42Mas eu vos conheço: não tendes em vós
o amor de Deus. 43Vim em nome de meu Pai, mas não me acolheis; se
alguém viesse em seu próprio nome, vós o acolheríeis. 44Como podereis
crer, vós que recebeis glória uns dos outros, mas não procurais a glória
que vem do Deus único? 45Não penseis que vos acusarei diante do Pai;
Moisés é o vosso acusador, ele, em quem pusestes a vossa esperança. 46Se
crêsseis em Moisés, haveríeis de crer em mim, porque foi a meu respeito
que ele escreveu. 47Mas se não credes em seus escritos, como crereis em
minhas palavras?”

104
TEMA 10 – DISCURSO SOBRE A OBRA DO FILHO (JO 5:19 A 47)

O conhecimento e a vivência da mensagem de amor revelados pelo


Cristo são, mais uma vez, enaltecidos nesse registro de João. E mesmo con-
siderando o progresso evolutivo já alcançado pela Humanidade, ainda nos
encontramos muito distanciados dessa vivência do Evangelho, o exemplo
vivo da necessidade e da prática educativa do amor nas variáveis da vida,
em quaisquer momentos e lugares, pois ainda que o conhecimento inte-
lectual do homem seja grandioso, o progresso moral vem por intermédio
da Lei de Amor. Nesse sentido, o Espírito André Luiz endossa tal posição,
manifestada na mensagem que se segue, recebida pela psicografia de Waldo
Vieira, quando da análise do item 4, capítulo 8 – Bem-aventurados os que
têm puro o coração, de O evangelho segundo o espiritismo:
Educação4
O amor é a base do ensino.
Professor e aluno, cooperação mútua.
***
O autoaprimoramento será sempre espontâneo.
Disciplina excessiva, caminho de violência.
***
A curiosidade construtiva ajuda o aprendizado.
Indagação ociosa, dúvida enfermiça.
***
Egoísmo n’alma gera temor e insegurança.
Evangelho no coração, coragem na consciência.
***
Cada criatura é um mundo particular de trabalho e experiência.
Não existe vocação compulsória.
***
Toda aula deve nascer do sentimento.
Automatismo na instrução, gelo na ideia.
***
A educação real não recompensa nem castiga.
A lição inicial do instrutor envolve em si mesma a responsabilidade
pessoal do aprendiz.
***
Os desvios da infância e da juventude refletem os desvios da madureza.
Aproveitamento do estudante, eficiência do mestre.
***

105
O Evangelho Redivivo – Livro V

Maternidade e paternidade são magistérios sublimes.


Lar, primeira escola; pais, primeiros professores; primeiro dia de vida, primeira
aula do filho.
***
Pais e educadores! Se o lar deve entrosar-se com a escola, o culto do Evangelho
em casa deve unir-se à matéria lecionada em classe, na iluminação da mente
em trânsito para as esferas superiores de vida.

O texto de João (5:19 a 47), ora sob estudo, apresenta-nos outras infor-
mações que subsidiam a sua tese de que Jesus é o Messias Divino, ainda que
algumas comunidades não-cristãs considerem o Senhor como um grande
e respeitável profeta, mas não como o mensageiro de Deus. Tal interpreta-
ção será naturalmente revista à medida que o Evangelho for amplamente
conhecido e meditado. O certo é que as comunidades cristãs planetárias,
inclusive os espíritas, aceitam sem vacilações que Jesus é o Messias de Deus.
Na verdade, tal convicção é um dos postulados anunciados pela Doutrina
Espírita, assim expressa por Allan Kardec:
Para o homem, Jesus representa o tipo da perfeição moral a que a Humanidade
pode aspirar na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo, e a
doutrina que ensinou é a mais pura expressão de sua lei, porque, sendo Jesus
o ser mais puro que já apareceu na Terra, o Espírito Divino o animava.
Se alguns dos que pretenderam instruir o homem na Lei de Deus algumas vezes
o transviaram por meio de falsos princípios, foi porque se deixaram dominar
por sentimentos demasiado terrenos e porque confundiram as leis que regulam
as condições da vida da alma com as que regem a vida do corpo. Muitos deles
apresentaram como Leis Divinas o que eram simples leis humanas, criadas
para servir às paixões e para dominar os homens.5

É importante refletir, porém, que a crença cristã de Jesus ser o Messias,


não basta por si, quando se considera as distorções interpretativas mani-
festadas pelos dirigentes das igrejas cristãs, ao longo da História religiosa
do Ocidente. De forma imprudente, estudiosos cristãos imprimiram um
caráter dogmático à natureza do Cristo, igualando-o ao próprio Deus, fato
que nega e entra em rota de colisão com citações do próprio Jesus, inclu-
sive as citadas por João (5:19 a 47), objeto do presente estudo. Aqui, nessa
passagem evangélica, Jesus faz questão de revelar-se como o Filho (ou
Filho do Homem), que, claramente, é distinto do Pai, que é Deus. Kardec
pronuncia-se a respeito:
A questão da natureza do Cristo tem sido debatida desde os primeiros séculos
do Cristianismo e pode-se dizer que ainda não se acha resolvida, pois continua
a ser discutida até hoje. Foi a divergência das opiniões sobre este ponto que deu

106
TEMA 10 – DISCURSO SOBRE A OBRA DO FILHO (JO 5:19 A 47)

origem à maioria das seitas que dividiram a Igreja há dezoito séculos [hoje, há
21 séculos], sendo de notar-se que todos os chefes dessas seitas foram bispos
ou membros titulados do clero. Eram, por conseguinte, homens esclarecidos,
muitos deles escritores de talento, versados na ciência teológica, que não
achavam concludentes as razões invocadas a favor do dogma da divindade do
Cristo. Entretanto, como hoje, as opiniões se firmaram mais sobre abstrações
do que sobre fatos. Procurou-se saber principalmente o que o dogma continha
de plausível, ou de irracional, deixando-se, em geral, de um lado e de outro, de
assinalar os fatos capazes de lançar uma luz decisiva sobre a questão.6

O Codificador apresenta outras considerações ao dogma, incom-


preensível, de Jesus ser Deus ou fazer parte da Trindade Divina, que a
Igreja Católica definiu em um dos seus concílios, que contraria, repetimos,
citações existentes nos textos evangélicos. Os riscos da fé não raciocinada
geram o dogma e o dogmatismo, ação perigosa que se contrapõe à evolução
intelecto-moral do ser humano e que pode conduzi-lo ao fanatismo, reli-
gioso ou filosófico, gerador de ideologias destrutivas e criminosas, como as
conhecidas “guerras santas” e os regimes políticos extremistas. Ao contrário,
o ser humano, dotado de razão, desenvolve pelo conhecimento a capaci-
dade de observação, análise, comparação, dedução, não se deixando guiar
por interpretações pessoais ou de grupos, realizando testagens, buscando
evidências comprobatórias. Assim, considerar Jesus como o próprio Deus,
mesmo em razão das condições peculiares e superiores do seu Espírito, ou,
pior, idealizar a configuração de uma “trindade” diretora do Universo, for-
mada pelo Pai, Filho e Espírito Santo, representa, um retrocesso evolutivo,
uma mumificação dos ensinos evangélicos que foram reduzidos, em sua
maioria, a simples rituais e manifestações de culto externo.
O dogma da divindade de Jesus se baseou na igualdade absoluta entre a sua
pessoa e Deus, visto que Ele próprio é Deus. Trata-se de um artigo de fé. Ora,
estas palavras, que Jesus tantas vezes repetiu: Aquele que me enviou, não só
comprovam uma dualidade de pessoas, como também excluem, [...] a igual-
dade absoluta entre elas, porquanto aquele que é enviado necessariamente
está subordinado ao que envia, praticando um ato de submissão ao obedecer
a este último. [...]
Estas palavras: Aquele que me despreza, despreza aquele que me enviou, não
implicam absolutamente a igualdade nem, ainda menos, a identidade. [...] Os
apóstolos tinham a palavra de Jesus, como este a de Deus. Quando lhes diz:
Aquele que vos ouve a mim me ouve, certamente não queria dizer que seus
apóstolos e Ele fossem uma só e a mesma pessoa, igual em todas as coisas.
A dualidade das pessoas, assim como o estado secundário e de subordinação
de Jesus com relação a Deus, ressaltam, além disso, sem equívoco possível [...].7

107
O Evangelho Redivivo – Livro V

A grandeza moral e intelectual do Cristo, assim como os milagres ou feitos


milagrosos realizados por Ele, serviram também de base para a interpretação
equivocada de que Jesus é Deus. Retornemos às considerações do Codificador
do Espiritismo que indaga: Os milagres provam a divindade do Cristo?
Segundo a Igreja, a divindade do Cristo está firmada principalmente pelos mila-
gres que testemunham um poder sobrenatural. Esta consideração pode ter tido
certo peso numa época em que o maravilhoso era aceito sem exame; hoje, porém,
que a Ciência levou suas investigações até as Leis da Natureza, há mais incrédulos
do que crentes nos milagres, para cujo descrédito contribuíram bastante o abuso
das imitações fraudulentas e a exploração que se tem feito dessas imitações. [...]
[...]
No sentido teológico, o caráter essencial do milagre é o de ser uma exceção
aberta às Leis da Natureza e, por conseguinte, inexplicável por meio dessas
mesmas leis. Desde o instante em que um fato pode explicar-se e se liga a uma
causa conhecida, deixa de ser milagre. Desse modo, as descobertas da Ciência
colocavam, no domínio do natural, muitos efeitos que eram qualificados de
prodígios, enquanto se desconheciam suas causas. [...].8

O texto joanino é de significativa importância para todo cristão, pois


apresenta-nos uma ardorosa e verdadeira defesa da tese de que Jesus é
o Cristo de Deus, enviado pelo Criador Supremo ao planeta Terra para
fazer seus habitantes ascenderem aos píncaros da evolução, conforme as
determinações da Lei de Amor, segundo estas palavras pronunciadas pelo
inesquecível e sábio Orientador Maior:
Por mim mesmo, nada posso fazer: eu julgo segundo o que ouço, e meu julga-
mento é justo, porque não procuro a minha vontade, mas a vontade daquele
que me enviou. (Jo 5:30).

Emmanuel esclarece a respeito, com a sua sabedoria de sempre, que


essa orientação seguida por Jesus deve ser o nosso modelo de conduta:
Tudo em Deus9
Eu não posso de mim mesmo fazer coisa alguma.
Jesus (João, 5:30.)
Constitui ótimo exercício contra a vaidade pessoal a meditação nos fatores
transcendentes que regem os mínimos fenômenos da vida.
O homem nada pode sem Deus.
Todos temos visto personalidades que surgem dominadoras no palco terres-
tre, afirmando-se poderosas sem o amparo do Altíssimo; entretanto, a única
realização que conseguem efetivamente é a dilatação ilusória pelo sopro do
mundo, esvaziando-se aos primeiros contatos com as verdades divinas. Quando
aparecem, temíveis, esses gigantes de vento espalham ruínas materiais e aflições

108
TEMA 10 – DISCURSO SOBRE A OBRA DO FILHO (JO 5:19 A 47)

de espírito; todavia, o mesmo mundo que lhes confere pedestal projeta-os no


abismo do desprezo comum; a mesma multidão que os assopra incumbe-se
de repô-los no lugar que lhes compete.
Os discípulos sinceros não ignoram que todas as suas possibilidades procedem
do Pai Amigo e Sábio, que as oportunidades de edificação na Terra, com a
excelência das paisagens, recursos de cada dia e bênçãos dos seres amados,
vieram de Deus que os convida, pelo espírito de serviço, a ministérios mais
santos; agirão, desse modo, amando sempre, aproveitando para o bem e es-
clarecendo para a verdade, retificando caminhos e acendendo novas luzes,
porque seus corações reconhecem que nada poderão fazer de si próprios e
honrarão o Pai, entrando em santa cooperação nas suas obras.

REFERÊNCIAS
1 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 5, it.
b – Unidade do Pai e do Filho: o Filho dá vida (5:19-47), p. 443.
2 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 5, it.
b – Unidade do Pai e do Filho: o Filho dá vida (5:19-47), p. 443 e 444.
3 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto
da Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13 imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 5:19-47, p. 1.854 a 1.856.
4 XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA, Waldo. O espírito da verdade. Por
diversos Espíritos. 18. ed. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 16 – Educação [men-
sagem de André Luiz, psicografia de Waldo Vieira].
5 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed.
10. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. comentário de Kardec à q. 625.
6 KARDEC, Allan. Obras póstumas. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 4.
imp. Brasília, DF: FEB, 2019. 1ª pt., cap. Estudo sobre a natureza do Cristo, it.
I – Fontes das provas sobre a natureza do Cristo.
7 KARDEC, Allan. Obras póstumas. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 4.
imp. Brasília, DF: FEB, 2019. 1ª pt., cap. Estudo sobre a natureza do Cristo, it.
III – As palavras de Jesus provam a sua divindade?
8 KARDEC, Allan. Obras póstumas. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 4.
imp. Brasília, DF: FEB, 2019. 1ª pt., cap. Estudo sobre a natureza do Cristo, it.
II – Os milagres provam a divindade do Cristo?
9 XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito
Emmanuel. 1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 101.

109
PARTE III

A Páscoa do Pão da Vida:


nova oposição à Revelação

111
O Evangelho Redivivo – Livro V

TEMA 11

A MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES.


JESUS VEM AO ENCONTRO DE
SEUS DISCÍPULOS CAMINHANDO
SOBRE O MAR (JO 6:1 A 21)

O capítulo 6 do Evangelho segundo João contêm 71 versículos, que se-


rão analisados em três reuniões de estudo: Tema 11 (Jo 6:1 a 21); Tema 12
(Jo 6:22 a 40) e Tema 13 (Jo 6:41 a 71). Trata-se de um conjunto harmonioso
relacionados à pregação de Jesus sobre advento do Reino de Deus; as curas
e os feitos extraordinários, conhecidos como milagres (ou sinais, segundo
João); e a certeza de que Ele é o Messias Divino, além de perseguições do
clero, cada vez mais evidentes.
No atual estudo (Jo 6:1 a 21), destacam-se dois extraordinários aconte-
cimentos: a) multiplicação dos pães e peixes – que alimentou uma multidão
de cinco mil pessoas, episódio registrado em todos os quatro evangelhos
(Mt 14:13 a 21; Mc 6:31 a 34 e Lc 9:10 a 17);1 e b) Jesus caminhando sobre
as águas – fato que não foi relatado apenas pelo Evangelista Lucas.1 Os pa-
ralelos com os demais evangelistas estão em Mateus, 14:22 a 23 e Marcos,
6:45 a 52, porém o relato de João é mais dramático.2

11.1 A MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES (JO 6:1 A 15)3


1
Depois disso, passou Jesus para a outra margem do mar da Galileia ou de
Tiberíades. 2Uma grande multidão o seguia, porque tinha visto os sinais que
ele realizava nos doentes. 3Subiu, então, Jesus à montanha e aí se sentou com
os seus discípulos. 4Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus. 5Levantando
Jesus os olhos e vendo a grande multidão que a ele acorria, disse a Filipe:
“Onde compraremos pão para que eles comerem?” 6Ele falava assim para
pô-lo à prova, porque sabia o que faria. 7Respondeu-lhe Filipe: “Duzentos
denários de pão não seriam suficientes para que cada um recebesse um
pedaço”. 8Um de seus discípulos, André, o irmão de Simão Pedro, lhe disse:

112
TEMA 11 – A MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES. (JO 6:1 A 21)

9
“Há aqui um menino, que tem cinco pães de cevada e dois peixinhos; mas
que é isso para tantas pessoas?”. 10Disse Jesus: “Fazei que se acomodem”. Havia
muita grama naquele lugar. Sentaram-se pois os homens, em número de
cinco mil aproximadamente. 11Tomou, então, Jesus os pães e, depois de dar
graças, distribuiu-os aos presentes, assim como os peixinhos, tanto quanto
queriam. 12Quando se saciaram, disse Jesus a seus discípulos: “Recolhei os
pedaços que sobraram para que nada se perca”. 13Eles os recolheram e enche-
ram doze cestos com os pedaços dos cinco pães de cevada deixados de sobra
pelos que se alimentaram. 14Vendo o sinal que ele fizera, aqueles homens
exclamavam: “Esse é, verdadeiramente, o profeta que deve vir ao mundo!”.
15
Jesus, porém, sabendo que viriam buscá-lo para fazê-lo rei, refugiou-se de
novo, sozinho, na montanha.

A multiplicação dos pães e peixes passou à posteridade como um


milagre, palavra que podemos utilizar naturalmente, porém, atentos ao
significado etimológico não ao teológico ou popular, como Allan Kardec
pondera:
Na sua acepção etimológica, a palavra milagre (de miracŭlum) significa: pro-
dígio, maravilha; coisa extraordinária. A Academia a definiu assim: Um ato
do poder divino contrário às leis conhecidas da natureza.
Na acepção usual, essa palavra perdeu, como tantas outras, a significação
primitiva. De geral que era, tornou-se de acepção restrita. No entender das
massas, um milagre implica a ideia de um fato extranatural; no sentido teoló-
gico, é uma derrogação das Leis da Natureza, por meio da qual Deus manifesta
o seu poder. [...].4

Para o Espiritismo todo fato extraordinário tem uma explicação que,


cedo ou tarde, será compreendida. Como não há derrogação das Leis
Divinas, entendemos que o
[...] caráter do milagre é o fato de ser insólito, isolado, excepcional. Logo que
um fenômeno se reproduz, quer espontânea ou voluntariamente, é que está
submetido a uma lei e, que desde então, seja ou não conhecida a lei, não pode
ser um milagre.5

Antes de realizar o milagre da multiplicação dos pães e peixes, Jesus


transmitiu uma orientação muito importante que merece aqui ser enfatizada:
“Disse Jesus: ‘Fazei que se acomodem’.” (Jo 6:10). Recorramos a Emmanuel
para nos esclarecer a respeito:
Esta passagem do Evangelho de João é das mais significativas. Verifica-se
quando a multidão de quase cinco mil pessoas tem necessidade de pão, no
isolamento da Natureza.
Os discípulos estão preocupados.

113
O Evangelho Redivivo – Livro V

[...]
Todos discutem.
Jesus, entretanto, recebe a migalha sem descrer de sua preciosa significação e
manda que todos se assentem, pede que haja ordem, que se faça harmonia. E
distribui o recurso com todos, maravilhosamente.
A grandeza da lição é profunda.
Os homens esfomeados de paz reclamam a assistência do Cristo. Falam n’Ele,
suplicam-lhe socorro, aguardam-lhe as manifestações. Não conseguem, toda-
via, estabelecer a ordem em si mesmos, para a recepção dos recursos celes-
tes. Misturam Jesus com as suas imprecações, suas ansiedades loucas e seus
desejos criminosos. Naturalmente se desesperam, cada vez mais desorientados,
porquanto não querem ouvir o convite à calma, não se assentam para que se
faça a ordem, persistindo em manter o próprio desequilíbrio.6

A passagem evangélica da multiplicação dos pães e peixes traz também


dois conjuntos de ideias que merecem ser destacados: primeiro, o signifi-
cado literal ou simbólico; segundo, o sentido espiritual do extraordinário
acontecimento. Com certeza, Jesus saciou a fome física ou biológica daquela
multidão que o seguia, envolvida no seu magnetismo de Espírito puro.
Contudo o mais importante foi o alimento espiritual que Jesus alimentou
aos famintos das verdades imortais. Kardec afirma:
É o que também ressalta com a mesma clareza do discurso que Jesus proferiu
sobre o pão do céu, empenhado em fazer que seus ouvintes compreendes-
sem o verdadeiro sentido do alimento espiritual. [...] Esse alimento é a sua
palavra, pão que desceu do céu e dá vida ao mundo. “Eu sou”, declara Ele,
“o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome e aquele que crê em
mim jamais terá sede”.7

O certo é que, com a multiplicação dos pães e dos peixes, a multidão


foi tranquilizada, a paz reinou, as pessoas estavam felizes porque traziam o
corpo e o espírito nutridos. Atento aos mínimos detalhes, o Senhor recomen-
da também: “Quando se saciaram, disse Jesus a seus discípulos: ‘Recolhei
os pedaços que sobraram para que nada se perca’.” (Jo 6:12). Excelente essa
recomendação do Mestre Nazareno! O Senhor nos alerta, nesse momento,
não negligenciarmos ou desperdiçarmos os bens físicos e espirituais que
possuímos. Trata-se de um novo preceito que Jesus ensina a respeito da lei
do uso, como esclarece Emmanuel:
Observada a lei do uso, a miséria fugirá do caminho humano.
Contra o desperdício e a avareza, é imperioso o trabalho de cada um, porque,
identificado o equilíbrio, o serviço da justiça econômica estará completo, desde
que a boa vontade habite com todos.

114
TEMA 11 – A MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES. (JO 6:1 A 21)

A passagem evangélica que descreve o trabalho de alimento à multidão assi-


nala significativas palavras do Senhor quanto às sobras de pão, transmitindo
ensinamento de profunda importância aos discípulos.
[...]
A caridade reclama entusiasmo, entretanto, exige também discernimento
generoso, que não incline o coração à secura.
Na grande assembleia de necessitados do monte, por certo, não faltariam pre-
guiçosos e perdulários prontos a inutilizar a parte restante de pão, sem necessi-
dade justa. Jesus, porém, antes que os levianos se manifestassem, recomendou
claramente: – “Recolhei os pedaços que sobejaram, para que nada se perca.” É
que, em todas as coisas, o homem deverá reconhecer que o uso é compreensível
na Lei, desprezando o abuso que é veneno mortal nas fontes da vida.8

Essa primeira parte dos registros de João é concluída com a reação da


multidão, após ter sido alimentada: “Jesus, porém, sabendo que viriam bus-
cá-lo para fazê-lo rei, refugiou-se de novo, sozinho, na montanha” (Jo 6:15).
Felizes pelos benefícios recebidos, aquelas pessoas retomam à realidade em
que viviam que, tal como acontece ainda hoje, priorizam concessões, cargos,
posições ou títulos honoríficos. Com Jesus não foi diferente: a multidão
queria fazê-lo rei. Ante tal comportamento, Jesus se afasta, isola-se e bus-
ca abrigo na montanha. Nesse sentido, Irmão X (Humberto de Campos)
nos transmite reflexões do Cristo quando Ele se afasta temporariamente
da multidão. Jesus analisa que a dualidade da personalidade humana, que
aplaude ou critica de acordo com os próprios interesses, tem como causa
principal a escassez de amor no coração humano:
Quando Jesus se fazia acompanhar pela multidão, na manhã rutilante, refletia,
amorosamente, consigo mesmo:
– Ensinara as lições básicas do Reino de Deus aos filhos da Galileia, que o
seguiam naquele instante divino... Todos permaneciam agora cientes do amor
que devia espraiar-se sobre as noções da lei antiga! [...] Para isso, porém, era
indispensável que compreendessem e amassem com o espírito... Quantas pe-
quenas lutas em vão? Quantos atritos desnecessários? A multidão, por vezes,
assumia atitudes estranhas e contraditórias. Diante dos prepostos de Tibério,
que a visitavam, aplaudia delirantemente; todavia, quando se afastavam os
emissários de César, manchava os lábios com palavras torpes e gastava tempo
na semeadura de ódios e divergências sem fim... Se aparecia algum enviado
do Sinédrio, nas cidades que marginavam o lago, louvava o povo a lei antiga e
abraçava o mensageiro das autoridades de Jerusalém. Bastava, entretanto, que
o visitante voltasse as costas para que a opinião geral ferisse a honorabilidade
dos sacerdotes, perdendo-se nos desregramentos verbais de toda espécie...
Oh! sim – pensava –, todo o problema do mundo era a necessidade de amor
e realização fraternal!9

115
O Evangelho Redivivo – Livro V

11.2 JESUS VEM AO ENCONTRO DE SEUS DISCÍPULOS,


CAMINHANDO SOBRE O MAR (JO 6:16 A 21)10
16
Ao entardecer, seus discípulos desceram ao mar 17e, subindo num barco,
dirigiram-se a Cafarnaum, do outro lado do mar. Já estava escuro e Jesus ainda
não viera encontrá-los. 18Além disso, soprava vento forte e o mar se encrespa-
va. 19Tinham remado cerca de vinte e cinco ou trinta estádios, quando viram
Jesus aproximar-se do barco, caminhando sobre o mar. Ficaram com medo.
20
Jesus, porém, lhes disse: “Sou eu. Não temais”. 21Quiseram, então, recolhê-lo
no barco, mas ele imediatamente chegou à terra para onde iam.

Esse extraordinário acontecimento realizado por Jesus só não foi


registrado por Lucas e, a despeito da ênfase que João dá às preocupantes
condições climáticas (escuridão, por ser final do dia, vento forte, mar
encrespado), não consta o impulso de Pedro de querer igualmente cami-
nhar sobre as águas e quase se afogando, como relatam Mateus e Marcos.
O quarto evangelista também não faz qualquer comentário a respeito do
episódio, limitando-se, apenas, a registrá-lo. Aliás, os estudiosos da linha
católica e protestante não fornecem explicações sobre o “andar sobre as
águas”, afirmando que é um milagre porque Jesus encontrava-se sob o
efeito do Espírito Santo,11 como informa o estadunidense Russell Norman
Champlin:
[...] Quanto a essa forma de milagre, não temos explicações, exceto que, sem
dúvida, teve ele [o Evangelista João] a intenção de demonstrar não só a gran-
deza de Jesus, bem como acentuar que qualquer coisa pode acontecer em sua
presença [...].11

À luz da Doutrina Espírita, a explicação para o fenômeno é racional


e facilmente compreendida. Entendemos, porém, que para as pessoas que
desconhecem a realidade das manifestações psíquicas e/ou ainda se encon-
tram presas aos interesses imediatistas, o “andar sobre as águas” escapa-lhes
ao entendimento. Esclarece Amélia Rodrigues a respeito:
Não é fácil, com a compreensão de hoje, entender aqueles acontecimentos
conforme a psicologia da época. Os parâmetros diversificados, a cultura hu-
manística e as circunstâncias totalmente diversas, dificultam o entendimento.12

Allan Kardec esclarece que o fenômeno nada tem de miraculoso e pode


“[...] operar-se de duas maneiras”:
Jesus, embora estivesse vivo, pôde aparecer sobre a água com uma forma
tangível, enquanto seu corpo permaneceu em outro lugar. É a hipótese mais
provável. Pode-se mesmo reconhecer, nessa narrativa, alguns sinais caracte-
rísticos das aparições tangíveis.

116
TEMA 11 – A MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES. (JO 6:1 A 21)

Por outro lado, também pode ter sucedido que seu corpo fosse sustentado
e neutralizada a sua gravidade pela mesma força fluídica que mantém uma
mesa no espaço, sem ponto de apoio. Idêntico efeito se produz muitas vezes
com os corpos humanos.13

A primeira possibilidade levantada por Kardec, como a mais viável, é


conhecida como fenômeno da bicorporeidade: “[...] Quando o homem, por
suas virtudes, chegou a desmaterializar-se completamente; quando conse-
guiu elevar sua alma para Deus, pode aparecer em dois lugares ao mesmo
tempo. [...]”.14 Na bicorporeidade, também denominada de “homens duplos”,
o Espírito se desliga parcialmente do corpo físico e, enquanto o seu corpo
encontra-se adormecido em um local, o seu Espírito adquire tangibilidade
momentânea em outro lugar.14,15 A outra explicação para o fenômeno é
denominada de levitação, isto é, o Espírito unido ao corpo físico se desloca
no ar, neutralizando a força da gravidade, fato testemunhado pelo próprio
Codificador, ao presenciar a levitação de Daniel Dunglas Home.16
Inclusive, já que estamos no campo das probabilidades, é possível que
Jesus tenha executado os dois tipos de fenômenos: no primeiro, é possível
que seu corpo se encontrasse adormecido na montanha para onde se retirara
e, por meio da bicorporeidade, o seu Espírito tenha se tornado tangível sobre
as águas, acalmando, assim, os discípulos que se encontravam apavorados
pelo impacto da tempestade (Jo 6:18 a 20). No segundo momento, em que
Jesus retornara ao seu corpo físico e, em seguida, levitasse até a outra mar-
gem do Lago de Genesaré (ou mar da Galileia), onde aguarda os discípulos
atracarem o barco em terra firme (Jo 6:21).
Finalmente, sempre devemos extrair as lições espirituais que a men-
sagem de Jesus transmite, nesse e em outros contextos, como nos faz ver o
espírita João de Jesus Moutinho:
Sem derrogar, pois, as leis que facultam o equilíbrio à vida física na Terra, quer
caminhando sobre as águas, quer acalmando tempestades, o Cristo demonstra
autoridade que possui sobre leis que, embora desconhecidas do homem, mais tarde,
quando os próprios méritos o permitirem, constituirão aquisições da ciência terrena.
[...]
Buscando, todavia, o lado simbólico que a lição encerra, conclui-se que, assim
como a gravidade confere peso aos corpos físicos, igualmente as imperfeições
morais exercem expressivo domínio à vida do Espírito em evolução.17

E Jesus permanece conosco, sempre, na alegria e na tristeza, acolhen-


do-nos generosamente em seus braços, seja durante as tempestades da vida,
seja quando caminhamos firmes na estrada do Bem.

117
O Evangelho Redivivo – Livro V

REFERÊNCIAS
1 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 6, it.
“c” – 6:1-15, p. 455.
2 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 6, it.
“d” – 6: 16-21, p. 457.
3 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto
da Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores.
Nova ed., rev. e ampl. 1. ed. 13. imp. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 6:1-15, p. 1.856.
4 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2. imp. Brasília,
DF: FEB, 2019. cap. 13, it. 1.
5 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2. imp. Brasília,
DF: FEB, 2019. cap. 13, it. 1.
6 XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito
Emmanuel. 1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 25 – Tende calma.
7 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2. imp. Brasília,
DF: FEB, 2019. cap. 15, it. 51.
8 XAVIER, Francisco Cândido. Pão nosso. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 171.
9 XAVIER, Francisco Cândido. Lázaro redivivo. Pelo Espírito Irmão X. 13. ed.
4. imp. Brasília, DF: FEB, 2020. cap. 35 – Retirou-se, Ele só.
10 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto
da Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores.
Nova ed., rev. e ampl. 1. ed. 13. imp. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 6:16-21, p. 1.857.
11 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 6, it.
“d” – 6:1-15, p. 457.
12 FRANCO, Divaldo Pereira. Dias venturosos. Pelo Espírito Amélia Rodrigues.
4. ed. Salvador, BA: LEAL, 2015. cap. 6 – Eles não o mereciam..., p. 44.
13 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2. imp. Brasília,
DF: FEB, 2019. cap. 15, it. 42.
14 KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed.
8. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. 2ª pt., cap. 7, it. 119, q. 1.
15 KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed.
8. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. 2ª pt., cap. 7, it. 119.

118
TEMA 11 – A MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES. (JO 6:1 A 21)

16 KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed.
8. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. 1ª pt., cap. 2, it. 16.
17 MOUTINHO, João de Jesus. O evangelho sem mistérios nem véus. 1. ed. Brasília,
DF: FEB, 2022. cap. 67 – Jesus anda sobre o mar.

119
O Evangelho Redivivo – Livro V

TEMA 12

DISCURSO NA SINAGOGA
DE CAFARNAUM –
1a PARTE (JO 6:22 A 40)

O discurso proferido por Jesus na sinagoga de Cafarnaum foi registrado


em detalhes por João (6:22 a 66) e, por ser longo (abrange 43 versículos), é
estudado em duas partes, no Tema 12 e no Tema 13. Em ambos os textos,
o evangelista tem em mente demonstrar que Jesus é o Cristo, simbolizado
como o pão da vida, no atual estudo. A sua convicção fundamenta-se nas
lições de sabedoria que o Mestre Nazareno transmitiu e os sinais por Ele
realizados, como os que serão analisados, em seguida: multiplicação dos
pães e peixes,
[...] Conforme tão frequentemente sucede nesse quarto evangelho, um acon-
tecimento significativo qualquer e seguido por uma explicação de natureza
espiritual [...]. A primeira parte desse capítulo registra o milagre da multi-
plicação dos pães para cinco mil homens, e agora o pão deve ser o símbolo,
como também serviram de símbolo a “luz” (Jo 1:4-9 e 3:19-21), a “água”
(Jo 3:5), após Jesus ter instruído a Nicodemos com respeito à regeneração ou
o novo nascimento. [...].1

12.1 DISCURSO NA SINAGOGA DE CAFARNAUM –


1a PARTE (JO 6:22 A 40)2
No dia seguinte, a multidão que permanecera no outro lado do mar percebeu
22

que aí havia um único barco e que Jesus não tinha entrado nele com os seus
discípulos; os discípulos haviam partido sozinhos. 23Outros barcos chegaram
de Tiberíades, perto do lugar onde tinham comido o pão. 24Quando a multidão
viu que Jesus não estava ali, nem os seus discípulos, subiu aos barcos e veio
para Cafarnaum, à procura de Jesus. 25Encontrando-o do outro lado do mar,
disseram-lhe: “Rabi, quando chegaste aqui?” 26Respondeu-lhes Jesus: “Em
verdade, em verdade, vos digo: vós me procurais, não porque vistes sinais,
mas porque comestes dos pães e vos saciastes. 27Trabalhai, não pelo alimento
que se perde, mas pelo alimento que permanece para a vida eterna, alimento

120
TEMA 12 – DISCURSO NA SINAGOGA DE CAFARNAUM – 1a PARTE (JO 6:22 A 40)

que o Filho do Homem vos dará, pois Deus, o Pai, o marcou com seu selo”.
28
Disseram-lhe, então: “Que faremos para trabalhar nas obras de Deus?”
29
Respondeu-lhes Jesus: “A obra de Deus é que creiais naquele que ele enviou”.
30
Então lhe perguntaram: “Que sinal realizas, para que vejamos e creiamos
em ti? Que obra fazes? 31Nossos pais comeram o maná no deserto, como está
escrito: Deu-lhes pão do céu a comer”. 32Respondeu-lhes Jesus: “Em verdade,
em verdade, vos digo: não foi Moisés quem vos deu o pão do céu, mas é meu
Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu; 33porque o pão de Deus é aquele que
desce do céu e dá vida ao mundo”.
34
Disseram-lhe: “Senhor, dá-nos sempre deste pão!” 35Jesus lhes disse: “Eu
sou” o pão da vida. Quem vem a mim, nunca mais terá fome, e o que crê em
mim nunca mais terá sede. 36Eu, porém, vos disse: “vós me vedes, mas não
credes. 37Todo aquele que o Pai me der virá a mim, e quem vem a mim eu não
o rejeitarei, 38pois desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade
daquele que me enviou. 39E a vontade daquele que me enviou é esta: que eu
não perca nada do que ele me deu, mas o ressuscite no último dia. 40Sim, esta
é a vontade de meu Pai: quem vê o Filho e nele crê tem a vida eterna, e eu o
ressuscitarei no último dia”.

O pensamento joanino nessa passagem evangélica revela que Jesus


é capaz de alimentar a alma de todos os seres humanos, pois Ele é o pão
espiritual ou o pão do céu, como alimentou o corpo faminto de cinco mil
pessoas pela multiplicação de alguns pães.
Allan Kardec comenta:
É o que também ressalta com a mesma clareza do discurso que Jesus proferiu
sobre o pão do céu, empenhado em fazer que seus ouvintes compreendessem
o verdadeiro sentido do alimento espiritual. “Trabalhai”, diz Ele, “não por
conseguir o alimento que perece, mas pelo que se conserva para a vida eterna
e que o Filho do Homem vos dará”. Esse alimento é a sua palavra, pão que
desceu do céu e dá vida ao mundo. “Eu sou”, declara Ele, “o pão da vida; aquele
que vem a mim não terá fome e aquele que crê em mim jamais terá sede”.3

A multidão, contudo, estava longe de entender o significado espiritual


dos ensinamentos de Jesus, revelando-se, na verdade, maravilhada pela
multiplicação dos pães e peixes e o deslocamento para Cafarnaum sem
utilização de um barco como meio de transporte. É natural que fosse assim,
como pondera o Codificador:
Tais distinções, porém, eram muito sutis para aquelas naturezas rudes, que só
compreendiam as coisas tangíveis. Para eles, o maná que alimentara o corpo
de seus antepassados era o verdadeiro pão do céu; aí é que estava o milagre.
Se, pois, o fato da multiplicação dos pães houvesse ocorrido materialmente,
por que teria impressionado tão fracamente aqueles mesmos homens, em

121
O Evangelho Redivivo – Livro V

benefício dos quais essa multiplicação se realizara poucos dias antes, a ponto
de perguntarem a Jesus: “Que milagre farás para que, vendo-o, te creiamos?
Que farás de extraordinário?” É que eles entendiam por milagres os prodígios
que os fariseus pediam, isto é, sinais que aparecessem no céu por ordem de
Jesus, como pela varinha de um mágico. Ora, o que Jesus fazia era simples
demais e não se afastava das Leis da Natureza; as próprias curas não possuíam
caráter estranho, nem muito extraordinário. Para eles, os milagres espirituais
não representavam grande coisa.3

O processo evolutivo do ser humano é lento, porque nos detemos


no atendimento das necessidades materiais, como a alimentação do cor-
po. Ordinariamente, não priorizamos as necessidades do espírito, nem
cuidamos com a devida atenção da nossa vida psíquica, esquecidos que
há “[...] vida animal e há vida espiritual. Há pão para o corpo e há pão
para o espírito”,4 como assinala Vinícius. Ora, se o corpo não recebe os
nutrientes necessários pela alimentação, o corpo definha e sobrevém a
morte. Da mesma forma, se o Espírito não se nutre de valores morais
e intelectuais, desarmoniza-se, mantendo-se sob o domínio da igno-
rância e do escasso desenvolvimento das virtudes. Aliás, se o Espírito
persiste nessa situação, adoece profundamente, adquirindo perturbações
que lhe desestruturam o psiquismo. No sentido oposto, a pessoa que
mantém o próprio espírito alimentado é mais feliz e mais grata a Deus,
desenvolvendo uma fé natural, espontânea, que lhe garante a própria
sanidade mental.
A verdadeira fé só nasce, floresce e frutifica no espírito bem alimentado, forte,
sadio. Essa fé não teme a razão. Ela a encara face a face, porque é o produto
dessa mesma razão, como o sangue é o produto de uma boa e sã alimentação,
perfeitamente digerida e assimilada. O sangue é a base da vida animal. A fé é
o fundamento da vida espiritual. Os órgãos da digestão preparam o sangue. A
razão bem equilibrada produz a fé. Não há saúde animal com mau estômago.
Não há saúde espiritual quando a razão é falha em sua função.
Jesus é o emblema do pão espiritual, porque personifica a moral divina em
sua plenitude: é o Verbo de Deus que se fez carne.
Ele dá-se a si mesmo, como alimento, a toda alma faminta, morta para a vida
espiritual. Não obstante, Jesus exige que a razão funcione, digira, assimile o
pão fornecido. De outra sorte, não haverá aproveitamento: a anemia persistirá,
a ressurreição jamais se operará.5

A questão levantada por João a respeito de Jesus ser o enviado de Deus


é muito mais profunda do que parece à primeira vista: a multidão estava
maravilhada com os prodígios de Jesus, mas pediu provas que compro-
vassem ser Ele o mensageiro do Pai, como assinala o versículo: “Então lhe

122
TEMA 12 – DISCURSO NA SINAGOGA DE CAFARNAUM – 1a PARTE (JO 6:22 A 40)

perguntaram: Que sinal realizas, para que vejamos e creiamos em ti? Que
obra fazes?” (Jo 6:30).
A situação atual não é muito diferente. Mesmo passados mais de dois
milênios da vinda do Cristo entre nós, priorizamos a vida da matéria, que
é sempre passageira. Estamos tão focados no aqui e agora que, quando nos
defrontamos com um ou outro acontecimento inédito, clamamos por provas
ou evidências para que neles possamos acreditar. Alheios às necessidades
do Espírito, somos incapazes, muitas vezes, de perceber que diariamente
somos cumulados de bênçãos e sinais de Deus. Assim também é, quando
o Mestre afirma ser o pão da vida.
Como no tempo do Cristo, numerosas pessoas se acercam dos círculos
­religiosos, pedindo provas do céu.
Comumente, os católicos romanos rogam “milagres”, os espiritistas esperam
“fenômenos”, os protestantes reclamam “experiências”.
[...]
O homem está sempre rodeado de sinais do céu. A questão não é de
exibir fatos: resume-se em possuir a necessária visão espiritual para
compreendê-los.
A operação mais simples da natureza revela o mecanismo sagrado que a fez
surgir na vibração do poder criador da Divindade. Mas são raros os homens
que observam além da superfície. Eis por que, entendendo as criaturas, afirmou
o Mestre que seus discípulos sinceros não o procuram pelos sinais que haja
visto, fortuitamente, mas pelo pão da vida e de bom ânimo que receberam de
suas mãos generosas.
[...]
Atingindo essa compreensão o discípulo conhece que a Terra oferece muito
pão para o corpo, mas que a fome da alma só o do Cristo sacia.6

É por isso que a resposta do Cristo transmitida àquela multidão ainda


ecoa nos tempos atuais e, sabe Deus, quanto tempo ainda será necessário
para entendermos esta verdade:
[...] aquele que o Pai me der virá a mim, e quem vem a mim eu não o rejeitarei,
pois desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que
me enviou. E a vontade daquele que me enviou é esta: que eu não perca nada
do que ele me deu, mas o ressuscite no último dia. Sim, esta é a vontade de
meu Pai: quem vê o Filho e nele crê tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no
último dia. (Jo 6:36 a 40).

Importa também considerar o sentido que Jesus dá de Céu, que é


diametralmente diferente do significado dado pela ortodoxia e teologia
religiosas do passado e do presente:

123
O Evangelho Redivivo – Livro V

O Céu de Jesus Cristo é diferente de todos os outros céus. Nada tem de comum
com os Campos Elísios dos gregos, nem com o Nirvana dos hindus, nem com
o seio de Abraão dos judeus, nem com a mansão dos privilegiados da graça,
nem com os tabernáculos de beatitude inerme, cujas portas se abrem mercê
de cerimônias mercantilizadas.
O Céu de Jesus Cristo é um campo de ação, e um teatro de atividade, é um
meio onde a vida se ostenta sob aspectos cada vez mais intensos.
[...].
O Céu de Jesus é o reinado do Espírito, é o estado da alma livre, que, eman-
cipando-se do cativeiro animal, ergue altaneiro voo sem encontrar mais
obstáculos ou peias que a restrinjam.7

Nos últimos versículos da passagem evangélica (Jo 6:36 a 40), constam


dois ensinamentos: Jesus reafirma a sua posição de Messias (Jo 6:36 a 38) e
nos informa que, se o seguirmos, teremos vida eterna (Jo 6:39 e 40): “Sim,
esta é a vontade de meu Pai: quem vê o Filho e nele crê tem a vida eterna,
e eu o ressuscitarei no último dia” (v. 40).
O essencial, pois, é confiar e ir até Jesus, como aconselha Joanna de
Ângelis:
Ele veio ensinar plenitude e felicidade. [...]
A bondade é espontânea como os frutos que nascem das flores e o ar que sopra
sem saber-se de onde vinha e para onde ia.
Foi por essa e outras razões que Ele se tornou especial.
A Sua existência é a mais bela história de vida que se conhece.
A música da Sua Mensagem ainda ressoa como a mais grandiosa sinfonia de
que se tem notícia cantada na pauta da Natureza. [...]
Nunca mais foi olvidada a Sua canção de bem-aventuranças em exaltação das
almas sedentas de paz.
Nas atividades magnas, não se permitiu obscurecer pela treva densa e declarou:
– Eu sou a luz do mundo!
Continua até hoje como o norte espiritual da Humanidade em claridade
sublime.
Ante o desespero dos famintos de alimentos, foi lúcido, ao declarar:
– Eu sou o pão da vida.
Prossegue nutrindo os habitantes do planeta fartamente em todos os tempos.
[...].8

124
TEMA 12 – DISCURSO NA SINAGOGA DE CAFARNAUM – 1a PARTE (JO 6:22 A 40)

REFERÊNCIAS
1 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 6, it.
5 – 6:22-69, p. 457.
2 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 6:22-40, p. 1.857 e 1.858.
3 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2. imp. Brasília,
DF: FEB, 2019. cap. 15, it. 51.
4 VINÍCIUS. Nas pegadas do mestre. 12. ed. 4. imp. Brasília, DF: FEB, 2015. cap.
O pão da vida.
5 VINÍCIUS. Nas pegadas do mestre. 12. ed. 4. imp. Brasília, DF: FEB, 2015. cap.
O pão da vida.
6 EMMANUEL. Sinais do céu [mensagem recebida por Francisco C. Xavier].
In: Reformador, Brasília, DF, p. 6(32), fev. 1941.
7 VINÍCIUS. Nas pegadas do mestre. 12. ed. 4. imp. Brasília, DF: FEB, 2015. cap.
O Céu de Jesus.
8 FRANCO, Divaldo Pereira. Vida plena. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. 1. ed.
Salvador, BA: LEAL, 2021. cap. 15, p. 105 e 106.

125
O Evangelho Redivivo – Livro V

TEMA 13

DISCURSO NA SINAGOGA
DE CAFARNAUM –
2a PARTE – A CONFISSÃO
DE PEDRO (JO 6:41 A 71)

Temos, nessa passagem evangélica, cinco ideias principais a explorar:


a) conclusão do discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum, no qual Ele
volta a afirmar que é pão descido do Céu ou o pão vivo (v. 41 e 51); b)
reação dos judeus, inclusive de alguns discípulos, aos ensinos e à Obra
de Jesus, apresentando dificuldades em aceitá-lo como o Messias; c) a
distinção entre Deus e o Cristo é mais uma vez enfatizada; d) declaração
de Pedro sobre Jesus; e) Jesus anuncia que um dos membros do colégio
o trairá.
Em relação a esse conteúdo, seguem-se algumas considerações do ca-
nadense Donald Arthur Carson, teólogo e professor do Novo Testamento:
Nesse ponto da discussão, as objeções dos judeus se tornaram claras. O
problema se encontrava no pão que desceu do céu (v. 41). Eles não con-
seguiam conciliar isso com o seu conhecimento das origens humildes de
Jesus (v. 42). Jesus repreendeu seus murmúrios em vez de responder a suas
objeções (v. 43), embora Ele, quando apontou para a necessidade de o Pai
tomar a iniciativa, praticamente lhes disse que eles estavam em desacordo
com o Pai (v. 44). Eles precisavam de uma revelação espiritual para que
pudessem compreender as palavras de Jesus. Isso seria demonstrado mais à
frente, com um apelo aos profetas (v. 45). A passagem citada é Isaías, 52:13,
que descreve o triunfo do Servo em seu reino. Ela endossa a ideia de que a
iniciativa está com Deus. No entanto, a revelação de Deus vem apenas por
meio de Jesus, pois Ele é o único que viu a Deus (v. 46). Salienta-se, mais
uma vez a necessidade da fé. [...]
O tema pão é novamente introduzido, e a alegação do próprio Jesus é repetida
(v. 48). A superioridade do pão. [...]. Mas há uma nova extensão do pensamento
na identificação do pão com a carne. [...].1

126
TEMA 13 – DISCURSO NA SINAGOGA DE CAFARNAUM – 2a PARTE – A CONFISSÃO DE PEDRO (JO 6:41 A 71)

13.1 DISCURSO NA SINAGOGA DE CAFARNAUM –


2a PARTE (JO 6:41 A 66)2
41
Os judeus murmuravam, então, contra ele, porque dissera: “Eu sou o pão
descido do céu”. 42E diziam: “Esse não é Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe
conhecemos? Como diz agora: ‘Eu desci do céu’?!” 43Jesus lhes respondeu: “Não
murmureis entre vós. 44Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não
o atrair; e eu o ressuscitarei no último dia. 45Está escrito nos profetas: E todos
serão ensinados por Deus. Quem escuta o ensinamento do Pai e dele aprende
vem a mim. 46Não que alguém tenha visto o Pai; só aquele que vem de junto
de Deus viu o Pai.47Em verdade, em verdade, vos digo: aquele que crê tem a
vida eterna. 48Eu sou o pão da vida. 49Vossos pais no deserto comeram o maná
e morreram. 50Este pão é o que desce do céu para que não pereça quem dele
comer. 51Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá
para sempre. O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo”.
52
Os judeus discutiam entre si, dizendo: “Como esse homem pode dar-nos a
sua carne a comer?” 53Então Jesus lhes respondeu: “Em verdade, em verdade,
vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu
sangue, não tereis a vida em vós. 54Quem come a minha carne e bebe o meu
sangue tem vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. 55Pois a minha carne
é verdadeiramente uma comida e o meu sangue é verdadeiramente uma bebi-
da. 56Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim, e
eu nele. 57Assim como o Pai, que vive, me enviou e eu vivo pelo Pai, também
aquele que de mim se alimenta viverá por mim. 58Este é o pão que desceu do
céu. Ele não é como o que os pais comeram e pereceram; quem come este pão
viverá eternamente”. 59Assim falou ele, ensinando na sinagoga em Cafarnaum.
60
Muitos de seus discípulos, ouvindo-o, disseram: “Essa palavra é dura! Quem
pode escutá-la?” 61Compreendendo que seus discípulos murmuravam por
causa disso, Jesus lhes disse: “Isto vos escandaliza? 62E quando virdes o Filho
do Homem subir onde estava antes?... 63O espírito é que vivifica, a carne para
nada serve. As palavras que vos disse são espírito e vida.64 Alguns de vós, po-
rém, não creem”. Jesus sabia, com efeito, desde o princípio, quais os que não
criam e quem era aquele que o entregaria. 65E dizia: “Por isso vos afirmei que
ninguém pode vir a mim, se isso não lhe for concedido pelo Pai”. 66A partir
daí, muitos dos seus discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele.

Em continuidade ao discurso de Jesus na Sinagoga de Cafarnaum, des-


tacamos as principais ideias apresentadas pelo Senhor e as consequências,
não nos esquecendo, porém, o principal motivo da não aceitação de Jesus
como o Messias aguardado:
Os judeus, esperando o rei de Israel, queriam um libertador material, que os
livrasse do cativeiro em que se achavam; mas, Jesus dissera: “Meu reino não
é deste mundo”, o que equivalia a dizer: “Meu reino é todo espiritual”. Eles,
entretanto, não o entenderam, nem mesmo os próprios apóstolos [...].3

127
O Evangelho Redivivo – Livro V

13.1.1 EU SOU O PÃO DA VIDA (JO 6:48)


Jesus reafirma-se como o pão que alimenta o Espírito por meio dos
ensinamentos do Evangelho. Reafirma-se como o pão da vida que age em
nome de Deus, como recorda Allan Kardec: “[...] Esse alimento é a sua
palavra, pão que desceu do céu e dá vida ao mundo [...]”.4 Emmanuel faz
as seguintes considerações:
Importante considerar a afirmativa de Jesus, comparando-se ao pão.
[...]
O pão, no entanto, é o alimento popular. Ainda mesmo quando varie nos ingre-
dientes que o compõem e nos métodos de confecção em que se configura [...].
O pão é invariavelmente pão.
[...]
Abraça nos deveres diários o caminho da ascensão, recordando que Jesus – o
Enviado Divino e Governador Espiritual da Terra – não achou para si mesmo
outra imagem mais nobre e mais alta que a do pão puro e simples.5

13.1.2 VOSSOS PAIS NO DESERTO COMERAM O MANÁ E


MORRERAM. ESTE PÃO É O QUE DESCE DO CÉU PARA
QUE NÃO PEREÇA QUEM DELE COMER (JO 6:49 E 50)
Tal afirmativa é uma alusão ao maná que caiu do céu e que alimentou
Moisés e demais judeus que peregrinavam no deserto, como consta em
Êxodo (16:4 e 5; 14 e 15). A diferença é que, enquanto o maná alimentou
o corpo, aplacando a fome biológica, o pão que Jesus representa alimenta
o Espírito, que jamais perecerá (v. 50). O primeiro alimento sacia a fome
temporária, o segundo sacia permanentemente. Emmanuel apresenta um
outro significado à palavra maná, relacionando-o ao “pão” que, usualmente,
é fornecido pelas instituições religiosas, comparando-o aos propósitos do
Espiritismo:
Toda arregimentação religiosa na Terra não tem escopo maior que o de
­preparar as almas, ante a grandeza da vida espiritual.
Templos de pedra arruínam-se.
Princípios dogmáticos desaparecem.
Cultos externos modificam-se.
Revelações ampliam-se.
Sacerdotes passam.
Todos os serviços da fé viva representam, de algum modo, aquele pão
que Moisés dispensou aos hebreus, alimento valioso sem dúvida, mas que

128
TEMA 13 – DISCURSO NA SINAGOGA DE CAFARNAUM – 2a PARTE – A CONFISSÃO DE PEDRO (JO 6:41 A 71)

sustentava o corpo apenas por um dia, e cuja finalidade primordial é a de


manter a sublime oportunidade da alma em busca do verdadeiro pão do Céu.
O Espiritismo Evangélico, nos dias que correm, é abençoado celeiro desse pão. Em
suas linhas de trabalho, há mais certeza e esperança, mais entendimento e alegria.6

13.1.3 EU SOU O PÃO VIVO DESCIDO DO CÉU. QUEM COMER


DESTE PÃO VIVERÁ PARA SEMPRE. O PÃO QUE EU DAREI
É A MINHA CARNE PARA A VIDA DO MUNDO (JO 6:51). EM
VERDADE, EM VERDADE, VOS DIGO: SE NÃO COMERDES
A CARNE DO FILHO DO HOMEM E NÃO BEBERDES O SEU
SANGUE, NÃO TEREIS A VIDA EM VÓS. QUEM COME A
MINHA CARNE E BEBE O MEU SANGUE TEM VIDA ETERNA,
E EU O RESSUSCITAREI NO ÚLTIMO DIA (JO 6:54)
Essas declarações do Cristo geraram entre os ouvintes discussões e
atitudes de rejeição ao Senhor, manifestadas até mesmo por alguns se-
guidores. Tais reações demonstram, primeiro, as dificuldades em aceitar
Jesus como o Messias Celestial, o pão divino que age em nome de Deus.
Eles não estavam convencidos de que Jesus era o Messias aguardado, pois,
supunham que o Mensageiro de Deus seria um político ou guerreiro que
os livrariam do domínio romano e os projetasse como povo escolhido
perante a comunidade planetária. Segundo, não conseguiam entender,
realmente, o significado espiritual das informações do Cristo, visto que
estavam habituados à interpretação literalmente dos textos sagrados. Por
isso fizeram uma leitura literal das palavras “carne” e “sangue”. Alegoria
que, a priori, está relacionada à crucificação do Senhor, que fora prevista
por alguns profetas do Antigo Testamento. Vinícius pondera a respeito:
A doutrina de Jesus é pão que se transforma em sangue – isto falando em lin-
guagem carnal. A doutrina de Jesus é revelação do Céu que se transforma em
conhecimento adquirido, em saber, em luz – isto usando linguagem espiritual.
O sangue é vida, a verdade é vida também: aquela, do corpo, portanto tem-
porária; esta, do espírito, por conseguinte eterna.
O sangue é a imagem da vida: está em atividade contínua. Circulando por
todo o corpo, vai entretendo a vida dos ossos, dos músculos, dos nervos, dos
tecidos todos. Os mesmos órgãos denominados vitais estão sob sua depen-
dência. O sangue faz ainda mais: arrasta no seu movimento circulatório os
elementos mórbidos, os resíduos desassimilados para os órgãos incumbidos
de os eliminar. Nutre e purifica.
Tais maravilhas executa em nosso espírito o sangue do Cristo, a suma essência
de sua inigualável moral: consolida o caráter, ilumina a mente, purifica os
sentimentos escoimando-os de todas as impurezas.

129
O Evangelho Redivivo – Livro V

Repetimos: cumpre comer a carne e beber o sangue do Imaculado Cordeiro


de Deus. Esse sangue, que é a vida do Cristianismo, não está na letra: ele corre
vívido e palpitante por entre a imensa falange dos seres angélicos denominada
Espírito Santo.
Em tal consiste a verdadeira Igreja Cristã. Seus membros, esparsos no Céu e
na Terra, nutrem-se desse sangue que através deles circula incessantemente; e
assim o cristão vive do Cristo, como o Cristo vive do Pai, fonte eterna da vida.7

13.1.4 MUITOS DE SEUS DISCÍPULOS, OUVINDO-O, DISSERAM:


“ESSA PALAVRA É DURA! QUEM PODE ESCUTÁ-LA?” (JO 6:60)
Estabelecido, assim, o reinado da fé cega, em oposição à fé raciocinada e
por não entenderem ou não se revelarem dispostos a receber uma explicação
a respeito, os judeus e alguns discípulos abandonaram Jesus, após rejeitá-lo.
Os fatos que sucederam a partir daquele momento é do conhecimento geral:
perseguição sistemática ao Senhor, culminada com condenação e morte por
crucificação. Emmanuel esclarece a respeito:
Jesus apresentou a sua plataforma de princípios imortais. Rasgou os caminhos.
Não enganou a ninguém, relativamente às dificuldades e obstáculos.
É necessário, esclareceu o Senhor, negarmos a vaidade própria, arrepender-
mo-nos de nossos erros e convertermo-nos ao bem.
O evangelista assinalou a observação de muitos dos discípulos: “Duro é este
discurso; quem o pode ouvir?”
Sim, efetivamente é indispensável romper com as alianças da queda e assinar
o pacto da redenção. É imprescindível seguir nos caminhos d’Aquele que é a
luz de nossa vida.
Para isso, as palavras brilhantes e os artifícios intelectuais não bastam. O pro-
blema é de “quem pode ouvir” a Divina Mensagem, compreendendo-a com
o Cristo e seguindo-lhe os passos.8

A fé cega ou dogmática iria ainda provocar imensos sofrimentos à


Humanidade ao longo dos séculos, a exemplo das guerras religiosas e a
inquisição, alimentadas pelo fanatismo religioso. A fé cega paralisa a mente
humana, mantendo as pessoas acomodadas em uma zona de conforto
psicológico, que se habitua a leituras superficiais da vida, não apenas dos
textos testamentais. Isso acontece porque o pensamento reflexivo, uma
das mais nobres aquisições humanas, não é exercitado, situação que pode
produzir os mais diferentes tipos de conflitos existenciais. A literalidade
das interpretações, sobretudo perante os relacionamentos interpessoais,
cria dificuldades à integração social, à percepção de sentimentos, intenções
e emoções do outro, resultando em cisões e inimizades, como informa

130
TEMA 13 – DISCURSO NA SINAGOGA DE CAFARNAUM – 2a PARTE – A CONFISSÃO DE PEDRO (JO 6:41 A 71)

João (6:66): “A partir daí, muitos dos seus discípulos voltaram atrás e não
andavam mais com ele”.
Outro aspecto nocivo da interpretação literal é a do dogmatismo é o
surgimento de ideias preconcebidas, em geral relacionadas à vaidade e à
teimosia. Situação que é muito evidente nos chamados “donos da verdade”.
Por esses e outros motivos, os judeus e alguns discípulos julgaram duras
as palavras do Cristo e d’Ele se afastaram. O recurso para minimizar ou
neutralizar conflitos desse tipo é seguir ponderações, como as de Allan
Kardec, transcritas em seguida:
A fraternidade deve ser a pedra angular da nova ordem social; mas não há
fraternidade real, sólida e efetiva se não se apoiar sobre base inabalável. Essa
base é a fé, não a fé em tais ou quais dogmas particulares, que mudam com
os tempos e os povos, e que mutuamente se apedrejam, visto que, anatema-
tizando-se uns aos outros, alimentam o antagonismo [...]. Quando todos os
homens estiverem convencidos de que Deus é o mesmo para todos; de que
esse Deus, soberanamente justo e bom, nada pode querer de injusto; que o
mal vem dos homens e não dele, todos se considerarão filhos do mesmo Pai
e se estenderão as mãos uns aos outros.
É essa fé que o Espiritismo faculta e que doravante será o eixo em torno do qual
girará o gênero humano, quaisquer que sejam os cultos e as crenças particulares.9

13.2 A CONFISSÃO DE PEDRO (JO 6:67 A 71)10


67
Então, disse Jesus aos Doze: “Não quereis também vós partir?” 68Simão
Pedro respondeu-lhe: “Senhor, a quem iremos? Tens palavras de vida eterna
e 69nós cremos e reconhecemos que tu és o Santo de Deus”. 70Respondeu-lhes
Jesus: “Não vos escolhi, eu, aos Doze? No entanto, um de vós é um diabo!”
71
Falava de Judas, filho de Simão Iscariotes. Este, um dos Doze, o haveria
de entregar.

O anúncio da traição de Judas Iscariotes, que se tornaria evidente


somente no final da missão de Jesus, é mencionado, pela primeira vez,
nesse breve diálogo do Cristo com os membros do colégio apostolar.
Nessa passagem evangélica percebe-se também que, a despeito da de-
sarmonia reinante, alguns discípulos permaneceram fiéis ao Senhor,
como Simão Pedro que, inspirado, responde à indagação de Jesus (Não
quereis também vós partir? – v. 67), afirmando convictamente que, sem
Ele, o Mestre Amado, estariam perdidos, sem rumo, pois somente Ele, o
Cristo de Deus, tem as palavras da vida eterna. Retornemos ao ­venerável
Emmanuel:

131
O Evangelho Redivivo – Livro V

Palavras da Vida Eterna11


Tu tens as palavras da Vida Eterna.
Simão Pedro (João, 6:68.)
Rodeiam-te as palavras, em todas as fases da luta e em todos os ângulos do
caminho.
Frases respeitáveis que se referem aos teus deveres.
Verbo amigo trazido por dedicações que te reanimam e consolam.
Opiniões acerca de assuntos que te não dizem respeito.
Sugestões de variadas origens.
Preleções valiosas.
Discursos vazios que os teus ouvidos lançam ao vento.
Palavras faladas... Palavras escritas...
Dentre as expressões verbalistas articuladas ou silenciosas, junto das
quais a tua mente se desenvolve, encontrarás, porém, as palavras da
Vida Eterna.
Guarda teu coração à escuta.
Nascem do amor insondável do Cristo, como a água pura do seio imenso da
Terra.
Muitas vezes te manténs despercebido e não lhes assinalas o aviso, o cântico,
a lição e a beleza.
Vigia no mundo, isolado de ti mesmo, para que lhes não percas o sabor e a
claridade.
Exortam-te a considerar a grandeza de Deus e a viver de conformidade com
as Suas Leis.
Referem-se ao planeta como sendo nosso lar e à Humanidade como sendo a
nossa família.
Revelam no amor o laço que nos une a todos.
Indicam no trabalho o nosso roteiro de evolução e aperfeiçoamento.
Descerram os horizontes divinos da vida e ensinam-nos a levantar os olhos
para o mais alto e para o mais além.
“Palavras, palavras, palavras...”
Esquece aquelas que te incitam à inutilidade, aproveita quantas te mostram
as obrigações justas e te ensinam a engrandecer a existência, mas não olvi-
des as frases que te acordam para a luz e para o bem; elas podem penetrar
o nosso coração, através de um amigo, de uma carta, de uma página ou
de um livro, mas, no fundo, procedem sempre de Jesus, o Divino Amigo
das Criaturas.
Retém contigo as palavras da Vida Eterna, porque são as santificadoras do
espírito, na experiência de cada dia, e, sobretudo, o nosso seguro apoio mental
nas horas difíceis das grandes renovações.

132
TEMA 13 – DISCURSO NA SINAGOGA DE CAFARNAUM – 2a PARTE – A CONFISSÃO DE PEDRO (JO 6:41 A 71)

REFERÊNCIAS
1 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 6, it. 6:25-59 –
Discussões sobre o pão da vida, p. 1.562.
2 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto
da Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 6:41-66, p. 1.858 a 1.860.
3 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas ao Canto VI, p. 297.
4 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2. imp. Brasília,
DF: FEB, 2019. cap. 15, it. 51.
5 XAVIER, Francisco Cândido. Palavras de vida eterna. Pelo Espírito Emmanuel.
1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB; Uberaba, MG: CEC, 2022. cap. 134 – Pão.
6 XAVIER, Francisco Cândido. Vinha de luz. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 173 – O pão divino.
7 VINÍCIUS. Nas pegadas do mestre. 12. ed. 4. imp. Brasília, DF: FEB, 2015. cap
O sangue do Cristo.
8 XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito
Emmanuel. 1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 176 – Lição viva.
9 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2. imp. Brasília,
DF: FEB, 2019. cap. 18, it. 17.
10 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 6:67-71, p. 1.860.
11 XAVIER, Francisco Cândido. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 59.

133
PARTE IV

A Festa das Tendas –


A Grande Revelação Messiânica:
a grande rejeição

135
O Evangelho Redivivo – Livro V

TEMA 14

JESUS SOBE A JERUSALÉM PARA


A FESTA E ENSINA. DISCUSSÕES
DO POVO SOBRE A ORIGEM DE
CRISTO. JESUS ANUNCIA SUA
PRÓXIMA PARTIDA. PROMESSA
DA ÁGUA VIVA (JO 7:1 A 52)

Neste Tema 14 inicia-se a quarta parte do Ministério de Jesus, trans-


corrido basicamente na Galileia e em Jerusalém, locais em que o Mestre
confirma a sua superioridade espiritual, naturalmente manifestada por
meio da pregação do Evangelho e pelos sinais prodigiosos realizados
por onde passava, durante os momentos festivos ou no aconchego das
sinagogas e do Templo. Nesse período, surgem dúvidas e inúmeras
discussões a respeito da origem do Cristo que, no presente estudo,
agrupamos em um único conjunto de ideias com o intuito de facilitar
a análise. E tem mais:
Essa seção é uma explicação do relacionamento de Jesus com sua família
e com os judeus em geral a essa altura do seu ministério. Jesus tinha cons-
ciência da hostilidade e da conspiração que havia contra ele (v. 1), e João
menciona esse fato para esclarecer o atraso de sua chegada à festa. A Festa
dos Tabernáculos [Festa das Tendas] era uma festa popular; qualquer um
que quisesse entrar em contato com o maior número possível de pessoas
não poderia fazer coisa melhor do que vir a Jerusalém nessa época. Essa
foi a motivação dos irmãos de Jesus (v. 3). Pode ser que eles tivessem
ouvido que muitos dos discípulos de Jesus o tinham abandonado (6:66).
Mas o v. 4 mostra que eles também não tinham entendido a natureza da
missão de Jesus. [...]1

Tais ideias estão desenvolvidas, em seguida, na forma de quatro itens


que enfatizam o pensamento espírita e as consequências morais dos ensinos
do Cristo.

136
TEMA 14 – JESUS SOBE A JERUSALÉM PARA A FESTA E ENSINA. (JO 7:1 A 52)

14.1 JESUS SOBE A JERUSALÉM PARA A


FESTA E ENSINA (JO 7:1 A 24)2
1
Depois disso, Jesus percorria a Galileia, não podendo circular pela Judeia,
porque os judeus o queriam matar. 2Aproximava-se a festa judaica das Tendas.
3
Disseram-lhe, então, os seus irmãos: “Parte daqui e vai para a Judeia, para
que teus discípulos vejam as obras que fazes, 4pois ninguém age às ocultas,
quando quer ser publicamente conhecido. Já que fazes tais coisas, manifesta-te
ao mundo!” 5Pois nem mesmo os seus irmãos criam nele. 6Disse-lhes Jesus:
“Meu tempo ainda não chegou; o vosso, porém, sempre está preparado. 7O
mundo não vos pode odiar, mas odeia-me, porque dou testemunho de que as
suas obras são más. 8Subi, vós, à festa. Eu não subo para essa festa, porque meu
tempo ainda não se completou”. 9Tendo dito isso, permaneceu na Galileia. 10Mas
quando seus irmãos subiram para a festa, também ele subiu, não publicamente,
mas às ocultas. 11Os judeus o procuravam na festa, dizendo: “Onde está ele?”
12
Faziam-se muitos comentários a seu respeito na multidão. Uns diziam: “Ele
é bom”. Outros, porém, diziam: “Não. Ele engana o povo”. 13Entretanto, nin-
guém falava dele abertamente, por medo dos judeus. 14Quando a festa estava
pelo meio, Jesus subiu ao Templo e começou a ensinar. 15Admiravam-se então
os judeus, dizendo: “Como entende ele de letras sem ter estudado?” 16Jesus
lhes respondeu: “Minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou.
17
Se alguém quer cumprir sua vontade, reconhecerá se minha doutrina é de
Deus ou se falo por mim mesmo. 18Quem fala por si mesmo procura a própria
glória. Mas aquele que procura a glória de quem o enviou é verdadeiro e nele
não há impostura. 19Moisés não vos deu a Lei? No entanto, nenhum de vós
pratica a Lei. Por que procurais matar-me?” 20A multidão respondeu: “Tens
um demônio. Quem procura matar-te?” 21Jesus lhes respondeu: “Realizei só
uma obra e todos vos admirais. 22Moisés vos deu a circuncisão – não que ela
venha de Moisés, mas dos patriarcas – e vós a praticais em dia de sábado. 23Se
um homem é circuncidado em dia de sábado para que não se transgrida a
Lei de Moisés, por que vos irais contra mim, por eu ter curado um homem
todo no sábado? 24Não julgueis pela aparência, mas julgai conforme a justiça”.

A atual passagem evangélica inicia com a informação de que Jesus per-


corria a Galileia, evitando a Judeia, porque os judeus da região o perseguiam
e queriam matá-lo (Jo 7:1), em decorrência do discurso que Ele pronunciara
na sinagoga de Cafarnaum, objeto do estudo dos Temas 12 e 13. A rejeição
e perseguição a Jesus nos conduzem à reflexão quanto à imperfeição do ser
humano que, contrariado, adota atitudes agressivas, embora anteriormente
tenha recebido auxílio de quem agora despreza. Jesus, porém, mantinha a
serenidade de sempre, envolvendo a todos em vibrações do mais puro amor,
a despeito das agressões verbais e das perseguições que fora alvo. Tal forma
de proceder do Mestre indica o exemplo a ser seguido por nós, Espíritos

137
O Evangelho Redivivo – Livro V

imperfeitos. Procedendo assim, perceberemos cedo ou tarde, que somente o


amor tem o poder de transformar o mal em bem, perseguidores ou inimigos
em amigos. A propósito, Bezerra de Menezes aconselha no seguinte trecho
da mensagem Ide e vivei o Evangelho:
Exultai porque conheceis Jesus, e exultai mais ainda porque Ele está anotando
os vossos nomes no Livro do Reino dos Céus!
Não vos deixeis aturdir pelo tumulto, mantendo-vos na paz a qualquer preço.
Não vos preocupeis com aqueles que se vos fazem inimigos. Que vos cuideis
de não ter inimigos, não ser, porque muitos outros passarão pelo caminho
para vos esbordoar em nome d’Aquele que recebeu a bofetada tendo as mãos
atadas às costas, porque o Evangelho é o renascer da vida [...].
Ide e vivei o Evangelho!
Avançai no rumo certo da verdade e amai a qualquer preço.
Não há outra alternativa senão o amor para este momento de total integração
no espírito da vida.3

As principais causas da rejeição a Jesus, segundo o registo de João


(7:1 a 13), têm origem em duas declarações do Senhor:
1) Que Ele era o Mensageiro Celestial aguardado pelo povo judeu,
simbolizado no Pão da Vida (Jo 6:35 e 48) e o Pão que desce do
Céu (Jo 6:50) – informações que os religiosos e demais ouvintes
demonstraram dificuldades para aceitar, provocando murmura-
ções generalizadas. Para eles, o Messias seria semelhante a um rei
poderoso, um grande conquistador, não um simples galileu.
2) Que Ele desceu do Céu e agia em nome de Deus: “Eu sou o pão
vivo descido do Céu. [...] O pão que eu darei é a minha carne para
a vida do mundo” (Jo 6:51); e também: “[...] Em verdade, em ver-
dade, vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não
beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come minha
carne e bebe o meu sangue tem vida eterna, e eu o ressuscitarei no
último dia” (Jo 6:53 e 54).
Com esses anúncios seguiram-se acaloradas discussões, desentendi-
mentos, rejeições e perseguições ao Mestre Nazareno, em decorrência da
interpretação literal que foi dada às palavras do Senhor, tanto pelos judeus, em
geral, como até mesmo por alguns discípulos, do colégio apostolar, e segui-
dores. Como esse assunto foi analisado no Tema 13, não retornaremos a ele.
A despeito desses acontecimentos, a família do Senhor e certa parcela
de seguidores permaneceram junto a Ele, e, mesmo sem compreender

138
TEMA 14 – JESUS SOBE A JERUSALÉM PARA A FESTA E ENSINA. (JO 7:1 A 52)

o significado da missão de Jesus, reconhecia que Ele era bondoso e que


auxiliava muitas pessoas. Contudo, revelam-se apreensivos, a ponto de
rogar-lhe não se ausentar da Festa das Tendas, que em breve aconteceria
em Jerusalém, com a finalidade de mostrar ao povo as boas obras que Ele
realizara (Jo 7:3 e 4). Jesus replica-lhes que o seu tempo ainda não chegara
(v. 6), e, por reconhecer que a incompreensão era generalizada, declara, no
primeiro momento, que não iria à festividade (v. 8).
Ao ponderar a respeito de todo esse contexto, Emmanuel transmite-
-nos seguras orientações na mensagem Oportunidade, de onde extraímos
o trecho que se segue:
O mau trabalhador está sempre queixoso. Quando não atribui sua falta aos
instrumentos em mão, lamenta a chuva, não tolera o calor, amaldiçoa a geada
e o vento.
[...]
O bom trabalhador, no entanto, compreende, antes de tudo, o sentido pro-
fundo da oportunidade que recebeu. Valoriza todos os elementos colocados
em seus caminhos, como respeita as possibilidades alheias. Não depende das
estações. Planta com o mesmo entusiasmo as frutas do frio e do calor. É amigo
da Natureza, aproveita-lhe as lições, tem bom ânimo, encontra na aspereza da
semeadura e no júbilo da colheita igual contentamento.
Nesse sentido, a lição do Mestre reveste-se de maravilhosa significação. No
torvelinho das incompreensões do mundo, não devemos aguardar o Reino do
Cristo como realização imediata, mas a oportunidade dos homens é perma-
nente para a colaboração perfeita no Evangelho, a fim de edificá-lo.
[...] É o dia de hoje, é o ensejo bendito de servir, em nome do Senhor, aqui e
agora...4

Em continuidade aos registros de João, Jesus decide ir à Festa das


Tendas posteriormente, mas mantendo-se às ocultas, ouve as indagações
dos judeus dirigidas aos seus familiares e aos discípulos: “[...] Onde está ele?
Faziam-se muitos comentários a seu respeito na multidão. Uns diziam: Ele é
bom’. Outros, porém, diziam: Não. Ele engana o povo. Entretanto, ninguém
falava dele abertamente, por medo dos judeus” (Jo 7:11 a 13).
Observação: No Tema 9 assinalamos alguns registros a respeito do
significado das sete principais festas dos judeus, inclusive a Festa das Tendas.
O conhecido estudioso dos textos neotestamentais, Donald Carson,
analisa por que Jesus revogou a decisão anterior e foi a Jerusalém:
Quando Jesus decidiu ir à festa, ele foi quando havia um clima de especulação
entre os judeus (v. 10 e 11). Isso causou certa discussão entre as pessoas a

139
O Evangelho Redivivo – Livro V

respeito do seu paradeiro (v. 11) e caráter (v. 12). Bondade e engano são coisas
mutuamente exclusivas, o que demonstra o caráter arbitrário da avaliação
popular. [...] Jesus estava seguindo o plano do Pai, mas as pessoas estavam
agindo por medo. Isso explica por que Jesus não hesitou em ir ao templo “no
meio da festa” (v. 14) [...].5

A Festa das Tendas ou dos Tabernáculos, também conhecida como


Festa das Cabanas, da Colheita ou Festa do Senhor, era e é muito popular.
Dificilmente alguém deixa de estar presente à festividade, muito relaciona-
da à agricultura, sobretudo à colheita de uvas e de azeitonas, ocorrendo as
festividades no início do outono (dia 15 nisã: entre os meses de setembro
e outubro). O Dia de Ações de Graças, a festa mais popular dos Estados
Unidos, assemelha-se muito à festividade dos tabernáculos.6
A situação era, efetivamente, delicada; o povo e alguns discípulos
sussurravam as suas dúvidas e queixas, temendo a manifestação do clero
judaico. Ante tais fatos, Jesus torna-se visível e fez incisiva preleção no
Templo, fato que provocou grande perplexidade aos judeus, não somente
pela autoridade demonstrada ao discorrer sobre os ensinamentos religio-
sos, mas porque confrontou o modo de vida dos religiosos. Inicialmente,
os sacerdotes do Templo se surpreenderam com o conhecimento de Jesus,
justificando que Ele não possuía nenhuma formação ou preparo formal
(Jo 7:15). Imediatamente, Jesus lhes respondeu: “[...] Minha doutrina não
é minha, mas daquele que me enviou. Se alguém quer cumprir sua vontade,
reconhecerá se minha doutrina é de Deus ou se falo por mim mesmo. Quem
fala por si mesmo procura a própria glória. Mas aquele que procura a glória
de quem o enviou é verdadeiro e nele não há impostura. Moisés não vos deu a
Lei? No entanto, nenhum de vós pratica a Lei. Por que procurais matar-me?”
(Jo 7:16 a 19). Após essa fala, seguiu-se um grande tumulto, maior do que o
ocorrido em Cafarnaum: Jesus não apenas revela ser o Messias aguardado
pelo povo judeu, mas declara o teor da sua missão: “[...] Minha doutrina não
é minha, mas daquele que me enviou. Se alguém quer cumprir sua vontade,
reconhecerá se minha doutrina é de Deus ou se falo por mim mesmo. Quem
fala por si mesmo procura a própria glória” (Jo 7:16 a 18).
Jesus aponta para a hipocrisia dominante entre os membros do clero
judaico que, vaidosos e arrogantes, se julgavam superiores aos demais, mas
que, na realidade, não praticavam os mínimos preceitos da Lei de Deus,
anunciados por Moisés e os profetas. Destaca que esses são os motivos por
que desejavam a sua morte. A multidão presente no Templo afirma que, para
Ele falar daquela forma, é porque estava possuído por um demônio (Jo 7:20).

140
TEMA 14 – JESUS SOBE A JERUSALÉM PARA A FESTA E ENSINA. (JO 7:1 A 52)

Jesus repreende-a e recomenda não emitir julgamentos precipitados, ao


afirmar: Não julgueis pela aparência, mas julgai conforme a justiça (Jo 7:24).
Trata-se de um conselho permanentemente atual, como nos lembra
Emmanuel:
Não te prendas excessivamente aos juízos da multidão. O convencionalismo
e o hábito possuem sobre ela forças vigorosas.
[...]
No entanto, essa mesma multidão, pela voz de seus maiorais, ensina o amor
aos semelhantes, o culto da legalidade e a religião do dever. Em seus círcu-
los, porém, o excesso de palavras não permite, por enquanto, o reinado da
compreensão.
É indispensável suportar-lhe a inconsciência para atendermos com proveito
às nossas obrigações perante Deus.
Não te irrites, nem desanimes.
O próprio Jesus foi alvo, sem razão de ser, dos sarcasmos da opinião pública.7

14.2 DISCUSSÕES DO POVO SOBRE A ORIGEM


DE CRISTO (JO 7:25 A 30; 40 A 53)8
25
Alguns de Jerusalém diziam: “Não é a esse que procuram matar? 26Eis que fala
publicamente e nada lhe dizem! Porventura as autoridades reconheceram ser
ele o Cristo? 27Mas nós sabemos de onde esse é, ao passo que ninguém saberá
de onde será o Cristo, quando ele vier”. 28Então, em alta voz, Jesus ensinava
no Templo, dizendo: “Vós me conheceis e sabeis de onde eu sou; no entanto,
não vim por minha própria vontade, mas é verdadeiro aquele que me enviou
e que não conheceis. 29Eu, porém, o conheço, porque venho de junto dele, e
foi ele quem me enviou”. 30Procuravam, então, prendê-lo, mas ninguém lhe
pôs a mão, porque não chegara a sua hora.
[...]
40
Alguns entre a multidão, ouvindo essas palavras, diziam: “Esse é, verdadei-
ramente, o profeta!” 41Diziam outros: “É esse o Cristo!” Mas alguns diziam:
“Porventura pode o Cristo vir da Galileia? 42A Escritura não diz que o Cristo
será da descendência de Davi e virá de Belém, a cidade de onde era Davi?”
43
Produziu-se uma cisão entre o povo por sua causa. 44Alguns queriam prendê-
-lo, mas ninguém lhe pôs a mão. 45Os guardas, então, voltaram aos chefes dos
sacerdotes e aos fariseus e estes lhes perguntaram: “Por que não o trouxestes?”
46
Responderam os guardas: “Jamais um homem falou assim!” 47Os fariseus
replicaram: “Também fostes enganados? 48Alguns dos chefes ou alguém dos
fariseus por acaso creram nele? 49Mas este povo, que não conhece a Lei, são
uns malditos!” 50Nicodemos, um deles, o que anteriormente tinha vindo a
Jesus, disse-lhes: 51“Acaso nossa Lei condena alguém sem primeiro ouvi-lo e

141
O Evangelho Redivivo – Livro V

saber o que fez?” 52Responderam-lhe: “És também galileu? Estuda e verás que
da Galileia não surge profeta”. 53E cada um voltou para sua casa.

A discussão prossegue calorosa dentro do Templo de Jerusalém,


agora envolvendo os religiosos, ganha a cidade, alcançando a multidão
que comemorava a Festa das Tendas. Estabelece-se, então, um clima de
cisão, marcado por significativa polarização entre os diferentes membros
da sociedade judaica: os que aceitam Jesus como o Cristo e os que negam
veementemente tal ideia. Entre os membros do clero a rejeição a Jesus era
declarada, a ponto de os fariseus afirmarem que o povo que o defendia estava
enganado, pois não conhecia a Lei (Jo 7:45 a 49). Perguntam, em seguida,
aos guardas do Templo porque eles não aprisionaram Jesus. Os guardas
afirmam que nada fizeram porque nunca viram alguém falar como Ele
(v. 46). Nicodemos, um dos eminentes representantes do clero, tenta acalmar
os ânimos ao indagar aos seus colegas religiosos: Acaso nossa Lei condena
alguém sem primeiro ouvi-lo e saber o que fez? Os religiosos ficaram ainda
mais enfurecidos, respondendo-lhe: És também galileu? Estuda e verás que
da Galileia não surge profeta. E cada um voltou para sua casa. (Jo 7:52 e 53).
No calor das discussões e reagindo às verdades que Jesus declarara,
aqueles religiosos não perceberam um fato concreto: Jesus, conhecido como
o Galileu e também como o Nazareno, nascera, na verdade, em Belém da
Judeia, sendo Ele descendente da tribo de Davi, por parte de pai e mãe,
como previam as profecias do Antigo Testamento sobre a vinda do Cristo.
Mas há outras fontes:
O evangelho de Marcos se inicia com Jesus já adulto. Porém, Mateus e Lucas
dedicam dois capítulos cada um à descrição dos eventos que cercaram o seu
nascimento. O prólogo de João é muito mais teológico, desenvolvendo os con-
ceitos da preexistência de Jesus e da encarnação. [...]. O nascimento aconteceu
em Belém, mas a família em seguida se instalou em Nazaré. A hereditariedade
davídica e o papel messiânico de Jesus são enfatizados nos dois evangelhos
[Mateus e Lucas].9

14.3 JESUS ANUNCIA SUA PRÓXIMA


PARTIDA (JO 7:31 A 36)10
31
Muitos, porém, dentre o povo, creram nele e diziam: “Quando o Cristo vier,
fará, porventura, mais sinais do que os que esse fez?” 32Os fariseus perceberam
que o povo murmurava tais coisas sobre Jesus, e eles enviaram alguns guardas
para prendê-lo. 33Disse, então, Jesus: “Por pouco tempo estou convosco e vou
para aquele que me enviou. 34Vós me procurareis e não me encontrareis; e

142
TEMA 14 – JESUS SOBE A JERUSALÉM PARA A FESTA E ENSINA. (JO 7:1 A 52)

onde eu estou vós não podeis vir”. 35Disseram entre si os judeus: “Para onde
irá ele, que não o poderemos encontrar? Irá, por acaso, aos dispersos entre os
gregos para ensinar aos gregos? 36Que significa esta palavra que nos disse: ‘Vós
me procurareis e não me encontrareis; e onde eu estou vós não podeis vir’?”

Essa passagem evangélica não deixa de ser um prolongamento da


anterior, caracterizada pela discussão se Jesus era ou não o Cristo, assim
como a vã tentativa do clero de aprisionar Jesus, que lhes declara a inuti-
lidade da tentativa, pois Ele iria para o Pai e para um local onde não seria
encontrado (Jo 7:33 e 34). Acostumados a interpretar tudo de forma lite-
ral, os sacerdotes realmente não compreendem a informação de Jesus, e
supõem que Ele fazia referência a um local no plano físico, onde eles não
tinham acesso, por exemplo, entre os povos gentílicos, como os gregos
(Jo 7:35 e 36). O fato concreto que se destaca é que eles não aceitavam Jesus
como Messias. Supunham que Ele era um agitador que deveria ser calado.
Tal constatação não deixa de ser contraditória: de um lado, admiravam a
autoridade do conhecimento de Jesus; por outro, não o aceitavam como o
Messias aguardado ou mesmo como um profeta. E mais: não conseguiam
penetrar o pensamento do Senhor, pois não estavam acostumados a exercitar
a capacidade dedutiva e interpretativa tão importante ao desenvolvimento
da inteligência humana:
A força de seu caráter e a sua sabedoria impressionavam. Era reconhecido como
rabi, mesmo por aqueles que não pertenciam ao seu grupo (Lucas, 7:40), título
dado até a sua geração aos eruditos e mestres da Torá [...]. Sabia-se que Ele não
passara por uma graduação acadêmica regular, não havia sido formalmente
ordenado escriba, exigência que, na geração seguinte, seria necessária para o
uso do título de rabi. Mas os seus pronunciamentos demonstravam que era
“muito versado tanto nas Escrituras Sagradas como na tradição oral e sabia
como aplicar esta herança erudita”.11,12

14.4 PROMESSA DA ÁGUA VIVA (JO 7:37 A 39)13


No último dia da festa, o mais solene, Jesus, de pé, disse em alta voz: “Se
37

alguém tem sede, venha a mim e beba, 38aquele que crê em mim!” conforme
a palavra da Escritura: De seu seio jorrarão rios de água viva. 39Ele falava do
Espírito que deviam receber aqueles que tinham crido nele; pois não havia
ainda Espírito, porque Jesus ainda não fora glorificado.

Jesus sai do Templo, mistura-se com a multidão, reafirma a sua posi-


ção de Mensageiro de Deus e convida o povo a segui-lo para, em voz alta,
anunciar ser a água viva que aplaca a sede de quem a beber. Essa expressão
e todo o conteúdo do versículo 37 foram anteriormente citados por Jesus

143
O Evangelho Redivivo – Livro V

no encontro com a Samaritana, no Poço de Jacó (Jo 4:7 a 14). A palavra


água tem um significado muito especial na religião judaica, que simboliza
o Espírito, não os ensinamentos religiosos, em si mesmos, pois somente o
Espírito tem o poder de conhecer a vontade de Deus.14
No último dia da Festa dos Tabernáculos havia um ritual das águas, e isso for-
mou claramente o contexto para as palavras de Jesus sobre o Espírito. O ritual
estava relacionado à necessidade de chuvas durante o ano seguinte. Quando
Jesus disse: Se alguém tem sede, venha a mim e beba (v. 37), ele pode ter pen-
sado em Isaías, 55:1, mas é mais provável que Ele estivesse oferecendo uma
alternativa melhor para o ritual das águas. A ideia de sede recebe um sentido
espiritual, como tantas vezes em seus ensinamentos. O v. 38 deixa claro que
essa água espiritual está disponível apenas aos que creem. [...]15

O Cristo do igrejismo mantém o Senhor preso à cruz, restrito às limita-


das interpretações do dogmatismo e da literalidade que afastam os cristãos
dos seus ensinamentos, pela repetição incessante de rituais e cultos externos,
ao longo dos séculos, assim como procediam os religiosos judeus. Com o
Espiritismo, o Cristo desceu da cruz, ressuscitou e caminha conosco, coti-
dianamente, nos estimulando a vivência da Lei de Amor. Como fechamento
desse estudo, fazemos nossas as seguintes palavras de Cairbar Schutel:
As palavras de Jesus excluem antecipadamente todas as ideias falsas que se
possam fazer sobre Ele e o seu escopo primordial.
O motivo exclusivo da sua vinda a este mundo foi, como profetizou Isaías, fazer raiar
a Luz aos que se achavam na região da morte: dar crença aos que não a tinham, guiar
os que se haviam perdido e se achavam desviados da Estrada da Vida, animá-los
e vivificá-los, finalmente, apresentar-se a todos como o Modelo, o Paradigma, o
Enviado de Deus, o único Mestre capaz de legar um ensino puro e perfeito, o ver-
dadeiro representante da Verdade que redime e salva. Daí a sua sentença: “Eu sou
o Caminho, a Verdade e a Vida; ninguém vai ao Pai senão por mim”.
Querendo excluir de si mesmo toda a primazia divina, Ele não se apresenta,
apesar da sua incomparável missão, como sendo Deus, o Pai, mas, sim, como
um seu Enviado – o Cristo.
[...]
Sua Doutrina é mais do que igrejas e sacerdotes, mais do que catecismos e
sacramentos, mais do que todo e qualquer princípio de partidarismo que divide
a família humana em vez de reuni-la sob um só preceito de moral, abrangendo
a obediência a Deus e o Amor ao próximo.
Jesus é a Luz do Mundo, o Sal da Terra, a Água Viva, o Pão, o Suco da Vide,
mas, todos esses atributos que o Mestre Galileu a si mesmo conferiu não
representam outra coisa senão a Sua Doutrina, o Verbo que nele se fez carne
e habitou entre nós.16

144
TEMA 14 – JESUS SOBE A JERUSALÉM PARA A FESTA E ENSINA. (JO 7:1 A 52)

REFERÊNCIAS
1 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 7:1-89, p. 1.564.
2 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 7:1 a 24, p. 1.860 e 1.861.
3 MARCON, Maria Helena (Org.) Espiritualidade presente. Curitiba, PR: FEP,
2021. cap. Ide e vivei o Evangelho [mensagem de Bezerra de Menezes, trans-
mitida pela psicofonia de Divaldo Pereira Franco, em 17 de março de 2019,
no Encerramento da 21a Conferência Espírita, no Expotrade, em Pinhais, PR],
p. 143 e 144.
4 XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito
Emmanuel. 1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 73.
5 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 7:10-50, it. 7:10-25,
p. 1.564.
6 COLEMAN, William L. Manual dos tempos e costumes bíblicos. Trad. Miriam
Talitha Lins. 2. ed. Curitiba, PR: Editora Betânia, 2017. cap. 20, p. 242 a 285.
7 XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito Emmanuel.
1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 177 – Opiniões convencionais.
8 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 7:25-30 e 40-53, p. 1.861 e 1.862.
9 BLOMBERG, Craig L. Jesus e os evangelhos: uma introdução ao estudo dos 4
evangelhos. Trad. Sueli da Silva Saraiva. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 11,
p. 261.
10 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 7:31-36, p. 1.861 e 1.862.
11 FLUSSER, David. Jesus. Trad. Margarida Goldsztajn. 1. imp. São Paulo:
Perspectiva, 2010. p. 12.
12 CALDEIRA, Wesley. Deus, antes e depois de Jesus. 1. imp. Brasília, DF: FEB,
2021. cap. 11 – O Reino de Deus.
13 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto
da Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores.

145
O Evangelho Redivivo – Livro V

1. ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 7:37-39, p. 1.862.
14 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 7:37-39. Nota de rodapé “f ”, p. 1.862.
15 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 7, 1-8:59, it. 7:37-44,
p. 1.565.
16 SCHUTEL, Cairbar. O espírito do cristianismo. 8. ed. Matão, SP: Casa Editora
O Clarim, 2001. cap. 1, p. 36 e 37.

146
TEMA 15

A MULHER ADÚLTERA.
JESUS, LUZ DO MUNDO.
DISCUSSÃO SOBRE O
TESTEMUNHO QUE JESUS DÁ
DE SI MESMO (JO 8:1 A 30)

Os capítulos oitavo e nono do Evangelho segundo João apresentam-se


na forma literária típica de longos discursos que analisam ensinamentos
específicos de Jesus ou relatam feitos extraordinários. No atual estudo, des-
taca-se o tipo de julgamento que a tradição do Judaísmo aplicava à mulher
adúltera e a admirável ação de Jesus a respeito. O Mestre Nazareno volta
a testemunhar que é o Mensageiro Celestial e que agia em nome de Deus.
Após as discussões ocorridas durante a Festa das Tendas, Jesus retira-se
para o Monte das Oliveiras para que os ânimos fossem acalmados, evitan-
do qualquer tipo de confronto com os seus opositores: “[...] Supomos que
o motivo do Cristo, pelo menos parcialmente, era ele desejar entregar-se
ao exercício da oração, o que provavelmente aconteceu não só no Jardim
de Getsêmani ou na aldeia de Betânia. [...]”.1 Retorna, porém, bem cedo
no dia seguinte e continua a pregar no Templo, instruindo o povo com a
excelsitude dos seus ensinos, ocasião em que os escribas e fariseus trazem
à sua presença uma mulher surpreendida em adultério:
Os empedernidos fariseus são vistos novamente aqui em ação. Trouxeram a
mulher a Cristo violentamente, e a desgraçaram diante de todos que ouviam as
instruções dadas por Ele. Os fariseus sabiam muito da lei, pelo menos intelec-
tualmente, conhecendo de memória todos os seus preceitos, mas desconheciam
totalmente os seus princípios misericordiosos. Tinham pouco ou nenhum
respeito pelos sentimentos alheios e davam ínfimo valor a uma alma. [...].2

Nas duas últimas partes do capítulo 8, João retoma ao tema da iden-


tidade de Jesus, o Messias, agora simbolizado como a Luz do mundo.

147
O Evangelho Redivivo – Livro V

Na verdade, esse novo discurso reporta-se “[...] a declarações anteriores


sobre a autoridade e o autotestemunho de Jesus. Outrossim, o Senhor Jesus
declara que todo o julgamento foi entregue nas mãos do Filho de Deus;
porém, nesta parte, Ele indica que não é juiz de homem nenhum. [...]”.3
Com essa declaração o amado Rabi volta a dar testemunho de si mesmo,
de que sempre age em nome do Pai: “Isso significa que Jesus tinha plena
consciência da sua origem celestial e de sua missão divina neste mundo [...]
e isso o separava e distanciava de todos os demais homens. [...]”.3

15.1 A MULHER ADÚLTERA (JO 8:1 A 11)4


1
Jesus foi para o monte das Oliveiras. 2Antes do nascer do sol, já se achava
outra vez no Templo. Todo o povo vinha a ele e, sentando-se, os ensinava. 3Os
escribas e os fariseus trazem, então, uma mulher surpreendida em adultério e,
colocando-a no meio, dizem-lhe: 4“Mestre, esta mulher foi surpreendida em
flagrante delito de adultério. 5Na Lei, Moisés nos ordena apedrejar tais mulhe-
res. Tu, pois, que dizes?” 6Eles assim diziam para pô-lo à prova, a fim de terem
matéria para acusá-lo. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia no chão com o dedo.
7
Como persistissem em interrogá-lo, ergueu-se e lhes disse: “Quem dentre vós
estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra!” 8Inclinando-se
de novo, escrevia no chão. 9Eles, porém, ouvindo isso, saíram um após outro,
a começar pelos mais velhos. Ele ficou sozinho, e a mulher permanecia lá, no
meio. 10Então, erguendo-se, Jesus lhe disse: “Mulher, onde estão eles? Ninguém
te condenou?” 11Disse ela: “Ninguém, Senhor”. Disse, então, Jesus: “Nem eu te
condeno. Vai, e de agora em diante não peques mais”.

O Monte das Oliveiras para onde Jesus se dirigiu, era o local onde se
cultivavam oliveiras; está localizado muito próximo de Jerusalém, cerca
de 2 km. É uma colina que se ergue diante da esplanada do Templo, onde
atualmente se encontram duas mesquitas. Entre o Templo e o Monte das
Oliveiras está o Vale do Cedron, um pequeno córrego, que tem água princi-
palmente no inverno, quando chove. Jesus, depois da última ceia (e, também,
em outras oportunidades), atravessou esse vale e foi até o Getsêmani, um
jardim que fica aos pés do Monte das Oliveiras. Do Monte do Templo até
o Monte das Oliveiras, usando as estradas de hoje, é uma caminhada de
10 minutos.5,6
Jesus tinha o hábito de afastar-se da multidão, mesmo dos seus
­discípulos diretos, de tempos em tempos, isolando-se no deserto, nos
montes ou em algum lugar solitário, para orar e meditar. Na atual passagem
evangélica, mais do que necessário se fazia o isolamento e a comunhão com
Deus, considerando o clima de desentendimento instalado entre o povo e

148
TEMA 15 – A MULHER ADÚLTERA. JESUS, LUZ DO MUNDO. (JO 8:1 A 30)

os membros do clero, após o discurso proferido, primeiramente na sina-


goga de Cafarnaum, e, posteriormente, no Templo de Jerusalém, durante
a Festa dos Tabernáculos (das Tendas). No entanto, no dia seguinte, bem
cedo, o Senhor retorna a Jerusalém e continua a ensinar tranquilamente
no Templo, quando alguns escribas e fariseus trazem uma mulher que fora
surpreendida em adultério, considerado grave delito pelo Judaísmo. A cena
é chocante, sem dúvida. A forma como a mulher foi exposta, no meio das
pessoas presentes, foi humilhante e destituída de compaixão (Jo 8:3 e 4).
Subjugada pela tradição e relegada a plano secundário, as mulheres eram objeto
de desdém dos homens, que apenas as utilizavam para a reprodução e o abuso.
Sem direitos religiosos, nem qualquer tipo de participação no culto, as dou-
trinas dominantes tinham-nas em condições subservientes desde as remotas
anotações do Pentateuco e das profecias.
Jesus, o Grande Libertador, jamais as discriminou, ensejando-lhes o engran-
decimento moral e renovando-lhes os sentimentos ultrajados.
Em todas as situações as engrandeceu, gerando cizânia entre aqueles que já
se lhe constituíam adversários.7

Efetivamente, os escribas e fariseus pretendiam, com aquela atitude


antifraterna e desrespeitosa, testar Jesus, como consta no registro de João
(8:4 a 6): Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante delito de adulté-
rio. Na Lei, Moisés nos ordena apedrejar tais mulheres. Tu, pois, que dizes?
Eles assim diziam para pô-lo à prova, a fim de terem matéria para acusá-lo.
Jesus, contudo, não caiu na armadilha e, guardando silêncio, escreve no
chão com o dedo. Mas como os acusadores prosseguiam na inquirição, o
Senhor responde-lhes com esta pergunta, atingindo-os no íntimo do ser:
“Quem dentre vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma
pedra!” (Jo 8:7).
Amélia Rodrigues tece os seguintes comentários a respeito, que abrange
a presença do esposo ofendido:
A sentença, uma ordem inesperada de conclamação ao exame de consciência
de cada qual, se tornaria a mais vigorosa e enérgica advertência de que se tem
notícia histórica.
Ao dizê-lo, porém, relanceou o inconfundível olhar pelos circunstantes ex-
citados, antes de deixá-los perplexos pela sublime condenação, deparando o
aturdido esposo que n’Ele fixara interrogações, arrogante e ofendido.8

A mulher que cometeu adultério errou, sem dúvida. E mesmo atualmen-


te, quando o apedrejamento em praça pública foi banido, o adultério nem
sempre é analisado de forma justa, ou em toda a sua extensão, considerando-se

149
O Evangelho Redivivo – Livro V

que também há homens adúlteros que, historicamente e de forma geral, foram


isentos de punições. O ponto essencial da mensagem, porém, é outro: resu-
me-se no ato de enganar alguém, independentemente da forma como essa
traição se manifesta. Quem engana, mente ou trai comete um delito, de menor
ou maior gravidade: “O Evangelho, obviamente, não estimula a criminalidade,
não endossa o erro nem convive com a infração, pelo contrário, na sua voz
imperativa é sempre incisivo quanto ao culto das responsabilidades. [...]”.9
É por esses motivos que a afirmação do Cristo aos acusadores reper-
cute ainda hoje: “Quem dentre vós estiver sem pecado, seja o primeiro a
lhe atirar uma pedra!” (Jo 8:7):
A frase Lhe fluiu dos lábios lentamente, com segurança, nitidez, serenidade...
Continuou a escrever no chão. “Atire-lhe a primeira pedra”.
A pedrada!
Mas todos ali estavam mergulhados em erros, laborando em terreno infeliz
de preconceitos violados, de legislação desrespeitada, de ultrajes ocultos, de
crimes que a consciência temia enfrentar diretamente...
Os que tivessem isentos de erros!... Quem estaria nessa condição? [...].10

Aos poucos, um a um, os presentes se afastam, começando pelos


idosos: “Sim, os mais velhos trazem maior soma de empeços e problemas,
remorsos e azedumes... [...]. É fácil esmagar e exigir quando não se olha
interiormente as paisagens do espírito. [...]”.10 Jesus fica à sós com a mulher e,
então, pergunta-lhe: “[...] ‘Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?’
Disse ela: ‘Ninguém, Senhor’. Disse, então, Jesus: ‘Nem eu te condeno. Vai,
e de agora em diante não peques mais’.” (Jo 8:10 e 11).
Eis aí a magna lição que o Evangelho nos ensina: a misericórdia. Aquela
mulher se transformou, efetivamente, a partir daquele momento. Nos dias
futuros, por certo, ela iria responder pelos erros cometidos, segundo a ma-
nifestação de Lei de Causa e Efeito. Mas, ali, aprendera que existe uma Lei
de Amor que governa o mundo, como ensina Amélia Rodrigues:
A autoridade do Rabi penetra o espírito da mulher infeliz e repudiada, e
harmoniza o país da sua alma em guerra. Antes do erro quanta indecisão e
incerteza, quanta frustração e receio atormentaram aquele ser!
Quanto flagelo interior experimenta todo aquele que se entrega ao erro, ao
pecado! “Não tornes a pecar!”
Todo o Evangelho se assenta nessa base: da compaixão e da misericórdia.
Ter oportunidade nova, mas não repetir o erro.
Cair e levantar-se.

150
TEMA 15 – A MULHER ADÚLTERA. JESUS, LUZ DO MUNDO. (JO 8:1 A 30)

Equivocar-se e retificar a atitude.


Nem conivência com a irresponsabilidade nem dureza com a correção.
Todos podem se enganar, no entanto, perseverar no engano é acumpliciamento
com a ignorância e a leviandade.
O Reino de Deus, cantado por Jesus, é o amor em todas as latitudes e dimensões
a alongar-se pela Terra inteira numa explosão de misericórdia e educação.
“Não tornes a pecar.” [...].11

15.2 JESUS, LUZ DO MUNDO (JO 8:12)12


De novo, Jesus lhes falava: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não
12

andará nas trevas, mas terá a luz da vida”.

O Evangelista João retoma à convicção de Jesus ser o Mensageiro de


Deus, cujas ideias vêm sendo desenvolvidas desde o capítulo 5, assim resu-
midas: “[...] Jesus é a grande autoridade de Deus, por ser o Logos eterno e o
Messias; isso ultrapassa, em muito, a autoridade de Moisés ou a do sinédrio.
[...]”.13 Na forma de diferentes expressões, citadas em estudos anteriores (o
Pão da Vida; o pão do Céu; a Água Viva), Jesus revela-se, agora, como a Luz
do mundo, Luz que afasta o discípulo de todas as trevas. Importa, porém,
compreender quem são os verdadeiros seguidores de Jesus, conforme o
entendimento espírita, como ensina Emmanuel:
Quem segue14
E outra vez lhes falou Jesus, dizendo: Eu sou a luz do mundo;
quem me segue não andará em trevas, mas terá
a luz da vida. (João, 8:12.)
Há crentes que se não esquivam às imposições do culto exterior.
Reclamam a genuflexão e o público trovejante, de momento a momento.
Preferem outros o comentário leviano, acerca das atividades gerais da fé
religiosa, confiando-se a querelas inúteis ou barateando os recursos divinos.
A multidão dos seguidores, desse tipo, costuma declarar que as atitudes
externas e as discussões doentias representam para ela sacrossanto dever;
contudo, tão logo surgem inesperados golpes do sofrimento ou da experiên-
cia na estrada vulgar, precipita-se em sombrio desespero, recolhendo-se em
abismos sem esperança.
Nessas horas cinzentas, os aprendizes sentem-se abandonados e oprimidos,
mostrando a insuficiência interna. Muitos se fazem relaxados nas obrigações,
afirmando-se desprotegidos de Jesus ou esquecidos do Céu.
Isso ocorre, porém, porque não ouviram a revelação divina, qual se faz
necessário.

151
O Evangelho Redivivo – Livro V

O Mestre não prometeu claridade à senda dos que apenas falam e creem.
Assinou, no entanto, real compromisso de assistência contínua aos discípulos
que o seguem. Nesse passo, é importante considerar que Jesus não se reporta
a lâmpadas de natureza física, cujas irradiações ferem os olhos orgânicos.
Assegurou a doação de luz da vida. Quem efetivamente se dispõe a acompa-
nhá-lo, não encontrará tempo a gastar com exames particularizados de nuvens
negras e espessas, porque sentirá a claridade eterna, dentro de si mesmo.
Quando fizeres, pois, o costumeiro balanço de tua fé, repara, com honestida-
de imparcial, se estás falando apenas do Cristo ou se procuras seguir-lhe os
passos, no caminho comum.

15.3 DISCUSSÃO SOBRE O TESTEMUNHO QUE


JESUS DÁ DE SI MESMO (JO 8:13 A 30)15
13
Disseram-lhe os fariseus: “Tu dás testemunho de ti mesmo: teu testemunho
não é válido”. 14Jesus respondeu-lhes: “Embora eu dê testemunho de mim mes-
mo, meu testemunho é válido, porque sei de onde venho e para onde vou. Vós,
porém, não sabeis de onde venho nem para onde vou. 15Vós julgais conforme
a carne, mas eu a ninguém julgo; 16se eu julgo, porém, o meu julgamento é
verdadeiro, porque eu não estou só, mas comigo está o Pai que me enviou; 17e
está escrito na vossa Lei que o testemunho de duas pessoas é válido. 18Eu dou
testemunho de mim mesmo, e também o Pai, que me enviou, dá testemunho
de mim”. 19Diziam-lhe, então: “Onde está teu Pai?” Jesus respondeu: “Não co-
nheceis nem a mim nem a meu Pai; se me conhecêsseis, conheceríeis também
meu Pai”. 20Essas palavras, ele as proferiu no Tesouro, ensinando no Templo. E
ninguém o prendeu, porque sua hora ainda não havia chegado. 21Jesus disse-
-lhes ainda: “Eu vou e vós me procurareis e morrereis em vosso pecado. Para
onde eu vou vós não podeis vir”. 22Diziam, então, os judeus: “Por acaso, irá
ele matar-se? Pois diz: ‘Para onde eu vou, vós não podeis vir’?” 23Ele, porém,
lhes dizia: “Vós sois daqui de baixo e eu sou do alto. Vós sois deste mundo, eu
não sou deste mundo. 24Disse-vos que morrereis em vossos pecados, porque
se não crerdes que Eu Sou, morrereis em vossos pecados”. 25Diziam-lhe então:
“Quem és tu?” Jesus lhes disse: “O que vos digo, desde o começo. 26Tenho
muito que falar e julgar sobre vós; mas aquele que me enviou é verdadeiro e
digo ao mundo tudo o que dele ouvi”. 27Eles não compreenderam que ele lhes
falava do Pai. 28Disse-lhes, então, Jesus: “Quando tiverdes elevado o Filho do
Homem, então sabereis que Eu Sou e que nada faço por mim mesmo, mas
falo como me ensinou o Pai. 29E quem me enviou está comigo. Não me dei-
xou sozinho, porque faço sempre o que lhe agrada”. 30Tendo ele assim falado,
muitos creram nele.

O atual discurso de João volta a enfatizar que Jesus é o Logos, Messias ou


Mensageiro de Deus, Criador Supremo do Universo, dos seres e das coisas.
Apresenta, assim, nítida distinção entre o Pai (Deus) e o Filho (ou Filho

152
TEMA 15 – A MULHER ADÚLTERA. JESUS, LUZ DO MUNDO. (JO 8:1 A 30)

do Homem), assim como a missão que cabe ao Enviado Celestial junto à


Humanidade do planeta Terra. Contudo, no atual texto consta a seguinte
declaração, não registrada anteriormente, pelo menos de forma tão explí-
cita: Eu dou testemunho de mim mesmo e também o Pai, que me enviou, dá
testemunho de mim (Jo 8:18). Em outras palavras, significa dizer que Jesus
detém a capacidade de julgar os humanos, pelos poderes concedidos por
Deus, assim como somente Deus pode julgá-lo.
Parece-nos óbvio que seja assim, que Jesus detenha tal autoridade, sendo
Ele o Guia e Modelo da humanidade terrestre.16 Não, porém, segundo a pers-
pectiva daquela época, em que os fariseus e demais membros do clero judaico
viam Jesus como uma pessoa comum, julgando-o apenas como um galileu
que não tivera formação religiosa formal. Daí eles contestarem o tom de
autoridade das palavras de Jesus, como consta em João (8:13): ­Disseram-lhe
os fariseus: Tu dás testemunho de ti mesmo: teu testemunho não é válido.
Habituado à literalidade da interpretação dos textos sagrados, o clero
judaico tinha muita dificuldade para compreender o significado espiritual
das ideias de Jesus – condição que foi repetida na constituição das igrejas
cristãs do Oriente e do Ocidente. Ora, sabemos que todos “[...] os teste-
munhos devem ser julgados de acordo com os seus fundamentos, e, aqui,
Jesus alegou um conhecimento de sua missão que seus ouvintes ignoravam
(v. 14). Isso implica que o julgamento deles era superficial (v. 15)”.17
Entretanto há um ponto que merece ser assinalado nessa conversa entre
Jesus e os fariseus (que já foi motivo de controvérsia entre muitos cristãos), quan-
do o Senhor afirma: Vós julgais conforme a carne, mas eu a ninguém julgo; se eu
julgo, porém, o meu julgamento é verdadeiro, porque eu não estou só, mas comigo
está o Pai que me enviou (Jo 8:15 e 16). A controvérsia (e aparente contradição)
é que Jesus afirma não julgar a ninguém (v. 15) mas, em seguida, diz que quando
Ele julga, o seu julgamento é verdadeiro (v. 16), isto é, não é superficial:
[...] Isso pode significar que o objetivo de sua missão não era julgar, ou que
ele não julgava da mesma forma que os seus críticos. Esta segunda hipótese
se ajusta melhor a esse contexto, como mostra o v. 16. O julgamento de Jesus
não é algo isolado, mas um processo dentro de todo o propósito de sua vida
e, portanto, é válido. [...].17

Os fariseus eram considerados os religiosos mais cultos e profundos


conhecedores da Torá, porém, revelam-se ignorantes perante os ensinamen-
tos de Jesus que, por extrapolarem a vida material, são eternos e destinados
ao Espírito imortal, existente e sobrevivente à morte do corpo físico, como

153
O Evangelho Redivivo – Livro V

se constata em João (8:19): Diziam-lhe, então: Onde está teu Pai? Jesus
respondeu: Não conheceis nem a mim nem a meu Pai; se me conhecêsseis,
conheceríeis também meu Pai.
O despertar do Espírito para a sua espiritualidade, realmente demanda
tempo. Aliás, podemos afirmar, com Kardec, que o processo evolutivo huma-
no se resume neste entendimento espírita: “[...] que o homem saiba de onde
vem, para onde vai e por que está na Terra; um chamamento aos verdadeiros
princípios da Lei de Deus e consolação pela fé e pela esperança”.18 Mesmo
atualmente, passados mais de dois milênios da passagem do Cristo entre nós,
os cristãos em geral o adoram na forma de cultos externos, mantendo-se
distantes da magnitude dos ensinamentos do Evangelho, assemelhando-se
aos fariseus, escribas e demais membros do Sinédrio: “Jesus não veio destruir
a Lei, isto é, a Lei de Deus; veio cumpri-la, ou seja, desenvolvê-la, dar-lhe o
verdadeiro sentido e adaptá-la ao grau de adiantamento dos homens. [...]”.19
Faz-se necessário que o ser humano evolua intelecto e moralmente
para compreender a missão e ensinamentos de Jesus, sobretudo vivenciar os
ensinamentos do Evangelho. Tal condição é viabilizada pelas reencarnações
sucessivas e pelos estágios no Plano Espiritual. Na Terra, ainda somos poucos
os que, verdadeiramente cremos em Jesus Cristo, como registra João (8:28
a 30): Disse-lhes, então, Jesus: Quando tiverdes elevado o Filho do Homem,
então sabereis que Eu Sou e que nada faço por mim mesmo, mas falo como me
ensinou o Pai. E quem me enviou está comigo. Não me deixou sozinho, porque
faço sempre o que lhe agrada. Tendo ele assim falado, muitos creram nele.
Mas o papel de Jesus não foi o de um simples legislador moralista, sem ou-
tra autoridade que a da sua palavra. Ele veio dar cumprimento às profecias
que haviam anunciado o seu advento. Sua autoridade decorria da natureza
excepcional do seu Espírito e da sua missão divina. Veio ensinar aos homens
que a verdadeira vida não é a que transcorre na Terra, e sim no Reino dos
céus; veio ensinar-lhes o caminho que conduz a esse reino, os meios de
eles se reconciliarem com Deus e de pressentirem esses meios na marcha
das coisas por vir, para a realização dos destinos humanos. Entretanto, não
disse tudo, limitando-se, a respeito de muitos pontos, a lançar o germe de
verdades que, segundo Ele próprio declarou, ainda não podiam ser com-
preendidas. Falou de tudo, mas em termos mais ou menos explícitos. Para
apanhar o sentido oculto de certas palavras suas, era necessário que novas
ideias e novos conhecimentos lhes trouxessem a chave, e essas ideias não
podiam surgir antes que o espírito humano houvesse alcançado um certo
grau de maturidade. A Ciência tinha de contribuir poderosamente para a
eclosão e o desenvolvimento de tais ideias. Era preciso, pois, dar tempo à
Ciência para progredir.20

154
TEMA 15 – A MULHER ADÚLTERA. JESUS, LUZ DO MUNDO. (JO 8:1 A 30)

REFERÊNCIAS
1 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 8, it.
8:1, p. 514.
2 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 8, it.
8:3, p. 515.
3 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 8, it.
8:12-20, p. 519.
4 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto
da Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores.
Nova ed., rev. e ampl. 1. ed. 13. imp. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 8:1-11, p. 1.862 e 1.863.
5 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Monte das Oliveiras, p. 840.
6 DISTÂNCIA ENTRE JERUSALÉM E O MONTE DAS OLIVEIRAS. Disponível
em: https://www.abiblia.org/ver.php?id=7467 Acesso em: 13 abr. 2022.
7 FRANCO, Divaldo Pereira. ...Até o fim dos tempos. Pelo Espírito Amélia
Rodrigues. 4. ed. Salvador, BA: LEAL, 2015. cap. Jesus, o Libertador da
Mulher, p. 99.
8 FRANCO, Divaldo Pereira. Quando voltar a primavera. Pelo Espírito Amélia
Rodrigues. 8. ed. Salvador, BA: LEAL, 2015. cap. 13, p. 90.
9 FRANCO, Divaldo Pereira. Quando voltar a primavera. Pelo Espírito Amélia
Rodrigues. 8. ed. Salvador, BA: LEAL, 2015. cap. 13, p. 92.
10 FRANCO, Divaldo Pereira. Luz do mundo. Pelo Espírito Amélia Rodrigues.
2. ed. Salvador, BA: LEAL, 1989. cap. 13, p. 83.
11 FRANCO, Divaldo Pereira. Luz do mundo. Pelo Espírito Amélia Rodrigues.
2. ed. Salvador, BA: LEAL, 1989. cap. 13, p. 84.
12 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto
da Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores.
Nova ed., rev. e ampl. 1. ed. 13. imp. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 8:12, p. 1.863.
13 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 8, it.
8:12-20, p. 510.
14 XAVIER, Francisco Cândido. Vinha de luz. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 146.

155
O Evangelho Redivivo – Livro V

15 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto


da Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores.
Nova ed., rev. e ampl. 1. ed. 13. imp. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 8:13-30, p. 1.863 e 1.864.
16 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed.
10. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. q. 625.
17 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 8, it. 8:12-13, p. 1.567.
18 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. cap. 6, it. 4.
19 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. cap. 1, it. 3.
20 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. cap. 1, it. 4.

156
TEMA 16

JESUS E ABRAÃO. CURA


DE CEGO DE NASCENÇA
(JO 8:31 A 59; 9:1 A 41)

Temos, neste estudo, dois discursos joaninos que transmitem embates


e controvérsias dos religiosos judeus a respeito da autoridade de Jesus mani-
festada em seus ensinamentos e atos. Ambos os discursos estão localizados,
respectivamente, no final do capítulo oitavo (Jo 8:31 a 59) e no início do
capítulo nono (Jo 9:1 a 41).
No primeiro texto (Jesus e Abraão), o Senhor enfatiza a associação
moral que deva existir entre a verdade e a liberdade. No segundo registro
(Cura de um cego de nascença), retoma-se a discussão das curas realizadas
no dia de sábado. Tanto em um como no outro texto constam conflitos
surgidos naquele momento histórico, intimamente relacionados à sub-
missão dos judeus às práticas religiosas de culto externo que, em maior
ou menor intensidade, os mantinham escravizados à interpretação literal
das escrituras sagradas. Tal condição representa, ainda hoje, poderoso
obstáculo ao entendimento das orientações espirituais do Evangelho,
das profecias do Antigo Testamento e dos textos sagrados das tradições
religiosas de todos os povos:
Os que tinham crido precisavam avançar para um compromisso pleno com
o ensino de Jesus se quisessem chegar à verdade (v. 31 e 32). É provável que
“os que haviam crido nele” tivessem chegado a um estágio de professar sua
fé, mas [...] eles ainda não tinham se desenvolvido em toda a sua plenitude.
A associação feita aqui entre a verdade e a liberdade é importante. A verdade
nunca conduz escravidão. A ideia toda causava perplexidade aos fariseus, pois
eles não estavam convencidos de que precisavam de liberdade (v. 33). Outros
foram iluminados pelos seus ensinamentos, mas nunca reconheceram que a
submissão ao complexo sistema de regras conduzia à escravidão. Ao apelar
ao fato de serem da linhagem de Abraão (v. 33), essas pessoas mostravam que
faltava conteúdo moral à ideia de serem filhos de Abraão. Em sua resposta,
Jesus fez uma importante declaração (em verdade, em verdade vos digo), na

157
O Evangelho Redivivo – Livro V

qual destacou a verdadeira natureza da escravidão moral a fim de salientar a


verdadeira natureza da liberdade (v. 34) [...].1

16.1 JESUS E ABRAÃO (JO 8:31 A 59)2


31
Disse, então, Jesus aos judeus que nele haviam crido: “Se permanecerdes na mi-
nha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos 32e conhecereis a verdade, e
a verdade vos libertará”. 33Responderam-lhes: “Somos a descendência de Abraão
e jamais fomos escravos de alguém. Como podes dizer: ‘Tornar-vos-eis livres’?”
34
Jesus lhes respondeu: “Em verdade, em verdade, vos digo: quem comete o
pecado é escravo. 35Ora, o escravo não permanece sempre na casa, mas o filho aí
permanece para sempre. 36Se, pois, o Filho vos libertar, sereis, realmente, livres.
37
Sei que sois a descendência de Abraão, mas procurais matar-me, porque minha
palavra não penetra em vós. 38Eu falo o que vi junto de meu Pai; e vós fazeis o
que ouvis de vosso pai”. 39Reponderam-lhe: “Nosso pai é Abraão”. Disse-lhes
Jesus: “Se sois filhos de Abraão, praticareis as obras de Abraão. 40Vós, porém,
procurais matar-me, a mim, que vos falei a verdade que ouvi de Deus. Isso,
Abraão não o fez! 41Vós fazeis as obras de vosso pai!” Disseram-lhe então: “Não
nascemos da prostituição; temos só um pai: Deus”. 42Disse-lhes Jesus: “Se Deus
fosse vosso pai, vós me amaríeis, porque saí de Deus e dele venho; não venho
por mim mesmo, mas foi ele que me enviou. 43Por que não reconheceis minha
linguagem? É porque não podeis escutar minha palavra. 44Vós sois do diabo,
vosso pai, e quereis realizar os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o
princípio e não permaneceu na verdade, porque nele não há verdade: quando
ele mente, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira. 45Mas,
porque digo a verdade, não credes em mim. 46Quem, dentre vós, me acusa de
pecado? Se digo a verdade, por que não credes em mim? 47Quem é de Deus
ouve as palavras de Deus; por isso não ouvis: porque não sois de Deus”. 48Os
judeus lhe responderam: “Não dizíamos, com razão, que és samaritano e tens
um demônio?” 49Respondeu Jesus: “Eu não tenho demônio, mas honro meu Pai
e vós procurais me desonrar. 50Não procuro a minha glória; há quem a procure
e julgue. 51Em verdade, em verdade, vos digo: se alguém guardar minha palavra,
jamais verá a morte”. 52Disseram-lhe os judeus: “Agora sabemos que tens um
demônio. Abraão morreu, os profetas também, mas tu dizes: ‘Se alguém guardar
minha palavra, jamais provará a morte’. 53És porventura, maior que nosso pai
Abraão, que morreu? Os profetas também morreram. Quem pretendes ser?”
54
Jesus respondeu: “Se glorifico a mim mesmo, minha glória nada é; quem me
glorifica é meu Pai, de quem dizeis: ‘É o nosso Deus’; 55e vós não o conheceis,
mas eu o conheço; e se eu dissesse ‘Não o conheço’, seria mentiroso, como vós.
Mas eu o conheço e guardo sua palavra. 56Abraão, vosso pai, exultou por ver o
meu Dia. Ele o viu e encheu-se de alegria!” 57Disseram-lhe, então, os judeus:
“Não tens ainda cinquenta anos e viste Abraão!” 58Jesus lhes disse: “Em verdade,
em verdade, vos digo: antes que Abraão existisse, Eu Sou”. 59Então apanharam
pedras para atirar nele; Jesus, porém, ocultou-se e saiu do Templo.

158
TEMA 16 – JESUS E ABRAÃO. CURA DE CEGO DE NASCENÇA (JO 8:31 A 59; 9:1 A 41)

A passagem evangélica indica mais um embate ocorrido entre os judeus


e Jesus. De um lado, temos os discípulos que revelavam disposição para acei-
tar Jesus como um profeta, mas não como o Messias, como acreditavam os
membros do colégio apostolar. Em posição oposta, encontrava-se a maioria
dos membros do clero que repudiava Jesus como profeta ou mensageiro de
Deus. O ponto comum entre os grupos é a dificuldade ou impossibilidade de
entender o sentido espiritual e moral das preleções de Jesus. Nesse sentido, os
“[...] v. 33 e 34 abordam a discussão por meio da qual Jesus procurou demons-
trar que a descendência terrena (em face do fato de que reivindicavam ser
filhos de Abraão) de nada vale na aquisição da vida eterna [...]”.3 Ou seja, uma
boa herança genética não garante evolução moral superior aos descendentes,
pois, a despeito de os judeus alegarem ser descendentes do patriarca hebreu,
isso não era garantia de que eles fossem, efetivamente, pessoas de bem ou
esclarecidas. O caminho disponibilizado por Jesus era a busca da “vida eterna”,
simbolizada como esforço para alcançarem o estado de plenitude espiritual.
Os ouvintes ficaram ainda mais perplexos quando, no final do texto
evangélico, Jesus revela que Ele já existia antes de Abraão (v. 58), o qual
exultou e se encheu de alegria, quando o conheceu (v. 56). Em resposta a
esse anúncio de Jesus, os indignados interlocutores retrucaram: Não tens
ainda cinquenta anos e viste Abraão! (v. 57).
Em síntese: significativa parte de representantes do clero judaico, assim
como do povo em geral, estava distante do entendimento espiritual das reve-
lações das escrituras sagradas que lhe chegaram há séculos. É compreensível,
sobretudo em se tratando da mensagem do Cristo. Que fosse assim, pois essa
mensagem era novidade para eles e demanda tempo para ser plenamente
entendida, visto que o ser humano precisa espiritualizar-se mais, volvendo
o olhar para a vida eterna, para a realidade do Espírito imortal. Ele não
se aplica ao entendimento dos textos sagrados, transmitidos há milênios.
Dessa forma, estabelecido o desentendimento gerado pela ignorância e
escravidão aos dogmas, os religiosos judeus passaram a perseguir Jesus, por
considerá-lo um blasfemo, uma grave ameaça à religião estabelecida desde
a remota Antiguidade, como comprovavam os pronunciamentos que Ele
fazia a respeito de si mesmo e da sua missão. Alimentados por essa deficiente
interpretação, iniciaram sistemática perseguição a Jesus que culminaria em
sua morte por crucificação.3
O conhecimento espiritual evidenciado nos dualismos ignorância-
-escravidão e verdade-liberdade nos reporta naturalmente ao mito da

159
O Evangelho Redivivo – Livro V

caverna de Platão – filósofo grego que viveu e morreu na Grécia, em Atenas


(427/428–347 a.C.) –, descrito na sua obra A República na forma do sétimo
diálogo ocorrido ente o autor e Sócrates (470-399 a.C.) – o mestre de Platão
e grande filósofo ateniense, considerado um dos fundadores da Filosofia
Ocidental.
Em A Caverna, Platão transmite-nos a alegoria de “[...] homens vivendo
numa caverna subterrânea que se abre para a luz por uma comprida galeria.
Os moradores da caverna vivem presos nela desde a meninice e só lhes é
permitido olhar para a frente. Estão de costas para a saída”.4
Longe deles, no fim da galeria por onde se vai para a luz, arde uma fogueira
cujos clarões iluminam, por cima das cabeças dos prisioneiros, a parede do
fundo da caverna. Entre eles e a fogueira corre no alto um caminho e ao longo
dele uma parede [...]. Por detrás dessa parede passa gente carregada de vários
objetos e figuras de madeira e de pedra, algumas vezes em silêncio, outras fa-
lando. Esses objetos são mais altos que o muro e o fogo projeta-lhes a sombra
na parede interior da gruta. Os prisioneiros que não podem voltar a cabeça
para a saída da gruta e que, portanto, nunca viram senão as sombras durante
a vida inteira, é natural que as considerem como a realidade.4

Jesus, assim como Platão, oferece aos prisioneiros a possibilidade de


se libertarem das sombras e conhecerem a verdadeira realidade que os li-
bertaria da escravidão e da ignorância. Possivelmente, a maioria rejeitaria
tal proposta, porque jazia acomodada em um nível evolutivo considerado
mais seguro. São também as pessoas de “mentes fechadas”, prisioneiras de
“pontos de vistas” ou das aparências, tal como ocorria entre os representantes
do Sinédrio. Suponhamos, porém, que alguns dos interlocutores decidissem
libertar-se da escravidão dogmática em que viviam e se dispusessem a sair
da caverna para contemplar a vida lá fora. Estariam inseguros, por certo,
revelando dúvidas a respeito do que seria, verdadeiramente, conhecimento e
liberdade. Tais personagens representam os discípulos que admiravam Jesus,
considerando-o um profeta, pois “Ele falava como quem tem autoridade”.
Entretanto, nessa primeira fase de liberdade, eles ainda não seriam
capazes de contemplar as cores brilhantes das coisas, cujas sombras viram
antes, e não acreditariam em quem lhes afiançasse que era nulo tudo o que
viram anteriormente e que os seus olhos contemplavam agora um mundo
de realidade superior à de outrora.5 Perplexos ante essa realidade e sem
saber como administrá-la, algumas dessas pessoas ficariam com medo,
retornando à caverna. Outras, porém, ainda que inseguras, permaneceriam
em liberdade, aprendendo, aos poucos, a contemplar a natureza em toda

160
TEMA 16 – JESUS E ABRAÃO. CURA DE CEGO DE NASCENÇA (JO 8:31 A 59; 9:1 A 41)

a sua pureza: vegetais, águas, animais, o céu, o sol, as estrelas, as estações


do ano, outros seres humanos. Mais à frente, aprenderiam também a ter
consciência do que acontece não só no plano visível e tangível como das
ocorrências do plano intangível.6
Esses últimos indivíduos representariam os verdadeiros cristãos, os que
prezam o conhecimento e a liberdade de escolha, a despeito das sombras
que ainda trazem dentro de si, lembranças da época que viviam na caverna,
antes de ousarem buscar a vida eterna ensinada por Jesus. É assim que a
ascensão espiritual se manifesta, sem imposições de qualquer natureza, mas
pelo uso correto do livre-arbítrio. Nessas circunstâncias, a fé é moldada de
forma raciocinada, como ensina o Espiritismo.
Na lenda da Caverna, “[...] Platão acompanha a trajetória daquele que
se libertou. Poderá retornar ao meio em que vivia para contar aos outros
que vivem presos a ilusões. Os prisioneiros poderão acreditar nessa reve-
lação. Se acreditarem, ganharão liberdade e poderão contribuir para que
os outros se libertem”.7
As coisas que vemos em torno de nós são reflexos de puras ideias dotadas
de existência real e são cópias ou aparências de tais ideias. [...] Os homens
acorrentados que aí aparecem só percebem as sombras dos objetos e pessoas
que desfilam no exterior. Só quando se libertarem das cadeias e galgarem até o
exterior, poderão ver as coisas verdadeiras à luz do sol que as ilumina. Trata-se,
então, do efeito libertador do conhecimento. Mas para alcançá-lo precisará o
homem, por iniciativa própria, libertar-se das imagens ilusórias que o enca-
deiam. Sendo libertados, o efeito do conhecimento também é moral. [...].7

Como fechamento do capítulo oitavo do Evangelho segundo João,


inserimos a seguinte mensagem de Emmanuel, que analisa o assunto com
muita propriedade:
Diante do Senhor8
Por que não entendeis a minha linguagem?
Por não poderdes ouvir a minha palavra. Jesus (João, 8:43.)
A linguagem do Cristo sempre se afigurou a muitos aprendizes indecifrável
e estranha.
Fazer todo o bem possível, ainda quando os males sejam crescentes e
numerosos.
Emprestar sem exigir retribuição.
Desculpar incessantemente.
Amar os próprios adversários.
Ajudar aos caluniadores e aos maus.

161
O Evangelho Redivivo – Livro V

Muita gente escuta a Boa-Nova, mas não lhe penetra os ensinamentos.


Isso ocorre a muitos seguidores do Evangelho, porque se utilizam da força
mental em outros setores.
Creem vagamente no socorro celeste, nas horas de amargura, mostrando,
porém, absoluto desinteresse ante o estudo e ante a aplicação das Leis Divinas.
A preocupação da posse lhes absorve a existência.
Reclamam o ouro do solo, o pão do celeiro, o linho usável, o equilíbrio da
carne, o prazer dos sentidos e a consideração social, com tamanha volúpia
que não se recordam da posição de simples usufrutuários do mundo em que
se encontram, e nunca refletem na transitoriedade de todos os patrimônios
materiais, cuja função única é a de lhes proporcionar adequado clima ao tra-
balho na caridade e na luz, para engrandecimento do espírito eterno.
Registam os chamamentos do Cristo, todavia, algemam furiosamente a atenção
aos apelos da vida primária.
Percebem, mas não ouvem.
Informam-se, mas não entendem.
Nesse campo de contradições, temos sempre respeitáveis personalidades
humanas e, por vezes, admiráveis amigos.
Conservam no coração enormes potenciais de bondade, contudo, a mente
deles vive empenhada no jogo das formas perecíveis.
São preciosas estações de serviço aproveitável, com o equipamento, porém,
ocupado em atividades mais ou menos inúteis.
Não nos esqueçamos, pois, de que é sempre fácil assinalar a linguagem do
Senhor, mas é preciso apresentar-lhe o coração vazio de resíduos da Terra,
para receber-lhe, em espírito e verdade, a palavra divina.

16.2 CURA DE CEGO DE NASCENÇA (JO 9:1 A 41)9


1
Ao passar, ele viu um homem, cego de nascença. 2Seus discípulos lhe per-
guntaram: “Rabi, quem pecou, ele ou seus pais, para que nascesse cego?”
3
Jesus respondeu: “Nem ele nem seus pais pecaram, mas é para que nele
sejam manifestadas as obras de Deus. 4Enquanto é dia, temos de realizar as
obras daquele que me enviou; vem a noite, quando ninguém pode trabalhar.
5
Enquanto estou no mundo sou luz do mundo”. 6Tendo dito isso, cuspiu na
terra, fez lama com saliva, aplicou-a sobre os olhos do cego 7e lhe disse: “Vai
lavar-te na piscina de Siloé” – que quer dizer “Enviado”. O cego foi, lavou-se e
voltou vendo claro. 8Os vizinhos, então, os que estavam acostumados a vê-lo
antes, porque era mendigo, diziam: “Não é esse que ficava sentado a mendigar?
9
Alguns diziam: “É ele”. Diziam outros: “Não, mas alguém parecido com ele”.
Ele, porém, dizia: “Sou eu mesmo”. 10Perguntaram-lhe, então: “Como se abriram
os teus olhos?” 11Respondeu: “O homem chamado Jesus fez lama, aplicou-a
nos meus olhos e me disse: ‘Vai a Siloé e lava-te’. Fui, lavei-me e recobrei a

162
TEMA 16 – JESUS E ABRAÃO. CURA DE CEGO DE NASCENÇA (JO 8:31 A 59; 9:1 A 41)

vista”. 12Disseram-lhe: “Onde está ele?” Disse: “Não sei”. 13Conduziram o


que fora cego aos fariseus. 14Ora, era sábado o dia em que Jesus fizera lama
e lhe abrira os olhos. 15Os fariseus perguntaram-lhe novamente como tinha
recobrado a vista. R ­ espondeu-lhes: “Ele aplicou-me lama nos olhos, lavei-
-me e vejo”. Diziam, então, alguns dos fariseus: “Esse homem não vem de
16

Deus, porque não guarda o sábado”. Outros diziam: “Como pode um homem
pecador realizar tais sinais?” E havia cisão entre eles. 17De novo disseram ao
cego: “Que dizes de quem te abriu os olhos?” Respondeu: “É um profeta”.18Os
judeus não creram que ele fora cego enquanto não chamaram os pais do que
recuperara a vista 19e perguntaram-lhes: “Este é o vosso filho, que dizeis ter
nascido cego? Como é que agora ele vê?” 20 Seus pais então responderam:
“Sabemos que este é nosso filho e que nasceu cego. 21Mas como agora ele vê
não o sabemos; ou quem lhe abriu os olhos não o sabemos. Interrogai-o. Ele
tem idade. Ele mesmo se explicará”. 22Seus pais assim disseram por medo dos
judeus, pois os judeus já tinham combinado que, se alguém reconhecesse Jesus
como Cristo, seria expulso da sinagoga. 23Por isso, seus pais disseram “Ele já
tem idade; interrogai-o”. 24Chamaram, então, uma segunda vez, o homem
que fora cego e lhe disseram: “Dá glória a Deus! Sabemos que esse homem é
pecador”. 25Respondeu ele: “Se é pecador, não sei. Uma coisa eu sei: é que eu
era cego e agora vejo”. 26Disseram-lhe, então: “Que te fez ele? Como te abriu
os olhos?” 27Respondeu-lhes: “Já vos disse e não ouvistes. Por que quereis
ouvir novamente? Por acaso quereis também tornar-vos seus discípulos?”
28
Injuriaram-no e disseram: “Tu, sim, és seu discípulo; nós somos discípulos
de Moisés. 29Sabemos que Deus falou a Moisés; mas esse, não sabemos de onde
é”. 30Respondeu-lhes o homem: “Isso é espantoso: vós não sabeis de onde ele é
e, no entanto, abriu-me os olhos! 31Sabemos que Deus não ouve os pecadores;
mas, se alguém é religioso e faz a sua vontade, a este ele escuta. 32Jamais se
ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos de um cego de nascença. 33Se esse
homem não viesse de Deus, nada poderia fazer”. 34Responderam-lhe: “Tu nas-
ceste todo em pecados e nos ensinas?” E o expulsaram. 35Jesus ouviu dizer que
o haviam expulsado. Encontrando-o, disse-lhe: “Crês no Filho do Homem?”
36
Respondeu ele: “Quem é, Senhor, para que eu nele creia?” 37Jesus lhe disse:
“Tu o estás vendo, é quem fala contigo”. 38Exclamou ele: “Creio, Senhor!” E
prostrou-se diante dele. 39Então disse Jesus: “Para um discernimento é que vim
a este mundo: para que os que não veem, vejam, e os que veem, tornem-se
cegos”. 40Alguns fariseus, que se achavam com ele, ouviram isso e lhe disseram:
“Acaso também nós somos cegos?” 41Respondeu-lhes Jesus: “Se fôsseis cegos,
não teríeis pecado; mas dizeis: ‘Nós vemos!’ Vosso pecado permanece.

A cura do cego de nascença, objeto de registro por outros evangelistas,


destaca-se pela forma como Jesus o curou: usou saliva e terra, formando uma
lama que, ao ser colocada sobre os olhos do doente, à semelhança de um
emplasto, a visão foi recuperada (v. 11). A despeito do prodígio realizado, o
Mestre foi criticado e perseguido, sobretudo pelos fariseus que afirmavam que

163
O Evangelho Redivivo – Livro V

as obras de Jesus não vinham de Deus, porque Ele curou em um dia de sábado
(v. 16). Por outro, não faltaram pessoas que contra-argumentaram: Como
pode um homem pecador realizar tais sinais? E havia cisão entre eles (Jo 9:16).
Não conformados com essa defesa, os fariseus concluíram que o cego
não poderia ser cego, efetivamente, muito menos de nascença (v. 32) pois,
para eles, esse era um sinal impossível de acontecer, ainda mais porque foi
realizado por pessoa que não era de Deus, visto não observar o sábado.
Decidiram, então, indagar aos genitores do ex-cego, assim como aquele
que fora beneficiado pela misericórdia de Jesus, como consta em João (9:18
a 26). Por mais que os religiosos pressionassem os genitores, estes foram
firmes e declararam que o filho era cego desde o nascimento (Jo 9:20), que
não sabiam como aconteceu a cura e quem o curou, por isso recomendam
aos religiosos: Interrogai-o. Ele tem idade. Ele mesmo se explicará (Jo 9:21).
Com medo de que os religiosos judeus os expulsassem da sinagoga, os ge-
nitores insistem que eles devem procurar o filho que fora curado: Por isso,
seus pais disseram “Ele já tem idade; interrogai-o” (Jo 9:23).
A conversa com o ex-enfermo teve o mesmo tom acusatório e inti-
midador, pois os representantes do clero viam Jesus como um pecador. O
beneficiado, porém, feliz pela visão recém-adquirida, repetiu as mesmas
informações dos seus pais: que era cego desde o nascimento, não sabia
como fora curado, nem quem era Jesus, talvez um profeta (Jo 9:17), arrisca
dizer. Porém, ante a insistência dos religiosos de que Jesus era um pecador,
ele declara com muita lucidez: Se é pecador, não sei. Uma coisa eu sei: é que
eu era cego e agora vejo (Jo 9:25). Melhor resposta não há, nem haveria: era
cego e agora via!
Aqueles religiosos estavam presos às suas interpretações literais, não
admitiam que estivessem equivocados em suas suposições ou na percepção
dos acontecimentos. Eles, sim, se revelam como os verdadeiros cegos: os que
não querem ver. Aliás, apegados aos seus pontos de vista, não conseguiam
enxergar o óbvio: a pessoa era cega e passou a ver. Os fatos falam por si.
Emmanuel apresenta-nos importante ponderação a respeito do signi-
ficado espiritual da admirável resposta que aqueles religiosos receberam da
pessoa curada da cegueira (eu era cego e agora vejo) – Jo 9:25:
Apesar de o trabalho renovador do Evangelho, nos círculos da consolação e da
pregação, desdobrar-se, diante das massas, semeando milagres de reconforto
na alma do povo, o serviço sutil e quase desconhecido do aproveitamento da
Boa-Nova é sempre individual e intransferível.

164
TEMA 16 – JESUS E ABRAÃO. CURA DE CEGO DE NASCENÇA (JO 8:31 A 59; 9:1 A 41)

Os aprendizes da vida cristã, na atividade vulgar do caminho, desfrutam do


conceito de normalidade, mas se não gozam de vantagens observáveis no ime-
diatismo da experiência humana, quais sejam as da consolação, do estímulo
ou da prosperidade material, de maneira a gravarem o ensinamento vivo de
Jesus, nas próprias vidas, passam à categoria de pessoas estranhas, muita vez
ante os próprios companheiros de ministério.
[...]
Em vista disso, frequentemente provoca discussões acesas, com respeito à
atitude que adota à frente de Jesus.
Por ver, com mais clareza, as instruções reveladas pelo Mestre, é tido à conta
de fanático ou retrógrado, idiota ou louco.
Se, porém, procuras efetivamente a redenção com o Senhor, prossegue seguro
de ti mesmo; repara, sem aflição e sem desânimo, as contendas que a ação
genuína de Jesus em ti recebe de corações incompreensivos e estacionários,
repete as palavras do cego que alcançou a visão e segue para diante.10

Na tentativa de desmerecer o prodígio realizado pelo Senhor, religiosos


pressionam de toda forma o cego que voltara a ver, dizendo que Jesus era
um pecador, que Deus não ouvia pecadores, nem permitiria que um cego
de nascença fosse curado (Jo 9:31 e 32). Ante a insistência dos fariseus,
que queriam de toda forma provar que eles estavam certos e Jesus errado,
o ex-enfermo fala-lhes com destemor (Jo 9:30 e 34):
“[...] Isso é espantoso: vós não sabeis de onde ele é e, no entanto, abriu-me os
olhos! Sabemos que Deus não ouve os pecadores; mas, se alguém é religioso
e faz a sua vontade, a este ele escuta. Jamais se ouviu dizer que alguém tenha
aberto os olhos de um cego de nascença. Se esse homem não viesse de Deus,
nada poderia fazer”. Responderam-lhe: “Tu nasceste todo em pecados e nos
ensinas?” E o expulsaram.

Champlin informa que, das sete curas de cegueira citadas nos textos
evangélicos – Mateus (9:27; 12:22 e 20:30), Marcos (8:22) e João (9:1) –,
somente esta, objeto do nosso estudo, foi registrada como cegueira de
nascença.11 Essa anotação do estudioso estadunidense tem seu valor, pois,
em geral, supunha-se que uma doenca congênita não teria cura, com base
no argumento de que a alteração genética, ocorrida nos genes, antes da
formação do embrião (fase pré-embrionária ou zigótica), indica alteração
irreparável. Em outras palavras, a matriz genética defeituosa não só expres-
saria automaticamente uma doença, mas também a sua impossibilidade
de cura. Felizmente, com o progresso da pesquisa científica, sabemos hoje
que há doenças congênitas que são amenizadas ou reparadas. Por essas e
outras implicações, não é por acaso que a cura do cego de nascença e a

165
O Evangelho Redivivo – Livro V

ressureição de Lázaro foram registradas no Novo Testamento com o maior


número de palavras, fatos entendidos ao longo da história do Cristianismo
como inexplicáveis.12
O Evangelista João finaliza o seu discurso ao relatar dois encontros:
» Entre Jesus e o ex-cego, após saber que ele foi expulso da sinagoga
por não concordar com os judeus que o inquiriram. Prostrando-se
diante do Senhor, declara crer n’Ele. Nesse momento, Jesus reafirma
a sua missão espiritual: de fazer ver os que estão cegos (Jo 9:35 a
39). Ele é a luz do mundo.
» Entre Jesus e alguns fariseus, que lhe perguntam se eles, os fariseus,
eram na verdade os verdadeiros cegos. Respondeu-lhes Jesus: Se
fôsseis cegos, não teríeis pecado; mas dizeis: Nós vemos! Vosso pecado
permanece (Jo 9:41).
Importa considerar que não há contradição nas palavras do Senhor, que
podem ser assim entendidas: a) Se fôsseis cegos, não teríeis pecado, isto é, se
eles fossem cegos da interpretação literal dos textos sagrados, enxergando
o seu significado espiritual, eles não teriam pecados. No entanto, quando
eles afirmam “nós vemos”, estavam referindo-se à interpretação literal, aos
rituais e cultos. Sendo assim, “vosso pecado permanece”, afirma Jesus, pois
não conseguiam enxergar a realidade espiritual.
Na conclusão do estudo, Emmanuel destaca, entre outras coisas, a
importância de educarmos a nossa visão para a realidade espiritual, que é
a permanente, sem nos deixarmos afetar pelos perquiridores e ocorrências
do caminho:
Seria inútil13
Respondeu-lhes: Já vo-lo disse e não ouvistes;
para que o quereis tornar a ouvir? (João, 9:27.)
É muito frequente a preocupação de muitos religiosos no sentido de trans-
formarem os amigos compulsoriamente, conclamando-os às suas convic-
ções particularistas. Quase sempre se empenham em longas e fastidiosas
discussões, em contínuos jogos de palavras, sem uma realização sadia ou
edificante.
O coração sinceramente renovado na fé, entretanto, jamais procede assim.
É indispensável diluir o prurido de superioridade que infesta o sentimento
de grande parte dos aprendizes, tão logo se deixam conduzir a novos portos
de conhecimento, nas revelações gradativas da sabedoria divina, porque os
discutidores de más inclinações se incumbem de interceptar-lhes a marcha.

166
TEMA 16 – JESUS E ABRAÃO. CURA DE CEGO DE NASCENÇA (JO 8:31 A 59; 9:1 A 41)

A resposta do cego de nascença aos judeus argutos e inquiridores é padrão


ativo para os discípulos sinceros.
Lógico que o seguidor de Jesus não negará um esclarecimento acerca do Mestre,
mas se já explicou o assunto, se já tentou beneficiar o irmão mais próximo com
os valores que o felicitam, sem atingir o alheio entendimento, para que discutir?
Se um homem ouviu a verdade e não a compreendeu, fornece evidentes sinais
de paralisia espiritual. Ser-lhe-á inútil, portanto, escutar repetições imedia-
tas, porque ninguém enganará o tempo, e o sábio que desafiasse o ignorante
­rebaixar-se-ia ao título de insensato.
Não percas, pois, as tuas horas através de elucidações minuciosas e repetidas
para quem não as pode entender, antes que lhe sobrevenham no caminho o
sol e a chuva, o fogo e a água da experiência.
Tens mil recursos de trabalhar em favor de teu amigo, sem provocá-lo ao teu
modo de ser e à tua fé.

REFERÊNCIAS
1 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 8, it. 8:31-41, p. 1.569.
2 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 8:31-59, p. 1.865 a 1.867.
3 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por versículo.
v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 8, it. 8:21-69, p. 523.
4 JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. Trad. Artur M.
Parreira e Monica Stael. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. Livro terceiro,
it. A República II – A caverna: uma imagem da Paidéia, p. 883.
5 JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. Trad. Artur M.
Parreira e Monica Stael. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. Livro terceiro,
it. A República II – A caverna: uma imagem da Paidéia, p. 883 e 884.
6 JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. Trad. Artur M.
Parreira e Monica Stael. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. Livro terceiro,
it. A República II – A caverna: uma imagem da Paideia, p. 884.
7 PLATÃO. O mito da caverna (A República). Trad. Carlos Alberto Nunes.
Coord. Benedito Nunes. Belém, PA: EDUFPA, 2006. Prefácio, p. 7.
8 XAVIER, Francisco Cândido. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 48.
9 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.

167
O Evangelho Redivivo – Livro V

ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 9:1-41, p. 1.867 e 1.868.
10 XAVIER, Francisco Cândido. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 95.
11 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 9, it.
9:1, p. 549.
12 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 9, it.
“n”. Cura do cego, p. 548.
13 XAVIER, Francisco Cândido. Pão nosso. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 37.

168
TEMA 17

O BOM PASTOR (JO 10:1 A 21)

Por meio de simples alegorias, como porta, ovelhas, pastor e rebanho,


Jesus esclarece-nos a respeito das características dos verdadeiros profetas
ou condutores de multidões, aqui simbolizados como um pastor de ove-
lhas. Estes e outros ensinamentos, fundamentais à nossa edificação moral,
estão descritos ao longo do capítulo dez do Evangelho segundo João que, de
forma geral, revela Jesus como o Bom Pastor e ensina como distinguir os
verdadeiros pastores dos falsos, assim como as boas ovelhas das más. Para
facilitar o aprendizado, dividimos o estudo do capítulo em duas partes:
Tema 17 (Jo 10:1 a 21) e Tema 18 (Jo 10:22 a 42).
As principais ideias que norteiam a primeira parte do texto joanino,
objeto do estudo deste Tema 17, são assim sintetizadas pelo estudioso Russell
Norman Champlin:1
1) Existem pastores verdadeiros e falsos. Cristo é o verdadeiro Pas-
tor, e as autoridades religiosas pervertidas, como alguns fariseus e
certos elementos da igreja cristã, são falsos (v. 1 a 3).
2) Há um rebanho verdadeiro, como há também um rebanho falso
[...]. Não obstante, o verdadeiro rebanho reconhece em Jesus o
seu Senhor e Messias.
3) O verdadeiro rebanho será espiritualmente astuto, de modo sufi-
ciente a rejeitar os falsos pastores (v. 5).
4) Sob uma segunda figura simbólica, Jesus também aparece como a
porta das ovelhas, o que mostra que há um único caminho para a
vida eterna; porém as ovelhas falsas não podem encontrar essa porta.
Esse caminho é o sacrifício do Pastor por suas ovelhas [...]. (v. 7 e 11).
5) Os falsos pastores não demonstram espírito de autossacrifício por
suas ovelhas, porque são devotados às recompensas, ao dinheiro,
à fama etc. [...] (v. 12 e 13).
6) Haverá uma grande convocação de discípulos, e um grande e úni-
co rebanho será reunido em torno do Cristo [...] (ver o v. 16).

169
O Evangelho Redivivo – Livro V

7) O sacrifício do Cristo foi voluntário, dentro dos conselhos de


Deus, e não um acidente provocado pelos homens (v. 18).

17.1 O BOM PASTOR (JO 10:1 A 21)2


1
Em verdade, em verdade, vos digo: quem não entra pela porta no redil das ove-
lhas, mas sobe por outro lugar, é ladrão e assaltante; 2o que entra pela porta é o
pastor das ovelhas. 3A este o porteiro abre: as ovelhas ouvem a sua voz e ele chama
as suas ovelhas uma por uma e as conduz para fora. 4Tendo feito sair todas as
que são suas, caminha à frente delas e as ovelhas o seguem, pois conhecem a sua
voz. 5Elas não seguirão um estranho, mas fugirão dele, porque não conhecem a
voz dos estranhos. 6Jesus lhes apresentou essa parábola. Eles, porém, não enten-
deram o sentido do que lhes dizia. 7Disse-lhes novamente Jesus: “Em verdade,
em verdade, vos digo: eu sou a porta das ovelhas. 8Todos os que vieram antes de
mim são ladrões e assaltantes; mas as ovelhas não os ouviram. 9Eu sou a porta.
Se alguém entrar por mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem. 10O
ladrão vem só para roubar, matar e destruir. Eu vim para que tenham vida e a
tenham em abundância. 11Eu sou o bom pastor: o bom pastor dá sua vida pelas
suas ovelhas. 12O mercenário, que não é pastor, a quem não pertencem as ovelhas,
vê o lobo aproximar-se, abandona as ovelhas e foge, e o lobo as arrebata e disper-
sa, 13porque ele é mercenário e não se importa com as ovelhas. 14Eu sou o bom
pastor; conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas me conhecem, 15como
o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou minha vida pelas minhas ovelhas.
16
Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil: devo conduzi-las também;
elas ouvirão a minha voz; então haverá um só rebanho, um só pastor. 17Por isso
o Pai me ama, porque dou minha vida para retomá-la. 18Ninguém a tira de mim,
mas eu a dou livremente. Tenho poder de entregá-la e poder de retomá-la; esse é
o mandamento que recebi do meu Pai”. 19Houve novamente uma cisão entre os
judeus, por causa dessas palavras. 20Muitos diziam: “Ele tem um demônio! Está
delirando! Por que o escutais?” 21Outros diziam: “Não são de um endemoninhado
essas palavras; porventura um demônio pode abrir olhos de um cego?

Sem dúvida, Jesus é o Bom Pastor! Ele também é a Porta por onde
conduz as ovelhas sob seus cuidados à plenitude espiritual. Como Guia e
Modelo da humanidade terrestre,3 Ele é o Pastor Divino que tem como missão
conduzir os habitantes da comunidade terráquea ao aprisco divino. Como
Bom Pastor, Jesus não mede sacrifícios (v. 11 ao 15) para que as suas ovelhas
alcancem a vida eterna, como ensina Amélia Rodrigues: “O Bom Pastor dá
a Vida pelas suas ovelhas. Entrando pela porta estreita, a que se caracteriza
pelas dificuldades, o acesso ao reino da Ventura plena se faz triunfal”.4
Em João (10:11 a 15) Jesus afirma ser Ele o Bom Pastor, o que dá a vida
por suas ovelhas, protege-as e delas jamais se afasta, sobretudo durante as

170
TEMA 17 – O BOM PASTOR (JO 10:1 A 21)

provações ou ataques externos (simbolizados no texto pelas ações de lobos).


O Mestre Nazareno informa, igualmente, que conhece cada uma das suas
ovelhas e estas também o conhecem. Na verdade, esse registo de João faz
correlação com um dos salmos de Davi, que utiliza, inclusive, a expressão
Bom Pastor, como se pode conferir:
O Bom Pastor
(Salmo 23:1 a 6.)5
Iahweh é o meu pastor, nada me falta. Em verdes pastagens me faz repousar.
Para as águas tranquilas me conduz e restaura minhas forças; ele me guia por
caminhos justos, por causa do seu nome.
Ainda que eu caminhe por vale tenebroso, nenhum mal temerei, pois, estás junto
a mim, o teu bastão e teu cajado me deixam tranquilo.
Diante de mim preparas a mesa, à frente dos meus opressores; unges minha
cabeça com óleo, e minha taça transborda.
Sim, felicidade e amor me seguirão todos os dias da minha vida; minha morada
é a casa de Iahweh por dias sem fim.

Uma breve leitura do texto evangélico nos permite perceber, de ime-


diato, que há duas categorias de pastores e de ovelhas: as verdadeiras e as
falsas. Entretanto pode-se concluir que só existem falsos pastores (ou falsos
profetas) porque há um rebanho de ovelhas transviadas que alimentam inte-
resses e ações equivocadas dos seus líderes. Em sentido oposto, a existência
de um rebanho de boas ovelhas, que segue as orientações seguras do seu
guia, pode, efetivamente, neutralizar ou impedir os desvios dos seus pasto-
res, como assegura o espírita João Moutinho: “Somente à legítima ovelha o
Senhor promete, simbolicamente, os verdes prados e as fontes refrescantes,
além de conduzi-la, sob o bordão do Evangelho, às veredas da justiça e do
amor, em cujo plano nada lhe faltará [...]”.6 E mais:
O vale da sombra e da morte, a que o salmo se refere, recorda o quadro das
defecções morais íntimas ou a consciência dos seres imperfeitos, traduzindo
para os missionários, os planos moralmente inferiores como a Terra, onde
estagiam a serviço de Jesus (João, 17:15).
Ao escrever o salmo [23], Davi admitia-se por ovelha do seu aprisco. Dizendo
habitar para sempre na casa do Senhor, fazia alusão à sua permanência na
Terra, na condição de Espírito, depois do grande julgamento.7

A questão essencial está, portanto, diretamente relacionada ao


tipo de ovelha que cada ser humano representa no rebanho do qual
faz parte: seria a que segue o Evangelho porque é comprometida com
o Cristo ou é a que a atende apenas aos interesses transitórios da vida

171
O Evangelho Redivivo – Livro V

que transcorre na dimensão física? Para nos auxiliar Emmanuel orien-


ta-nos com segurança no texto que se segue, após ele ter analisado a
mensagem Os obreiros do Senhor, item 5, capítulo 20, de O evangelho
segundo o espiritismo:
Que ovelha somos?8
Eu sou o bom pastor e conheço as minhas ovelhas
e das minhas sou conhecido. Jesus (João, 10:14.)
O pastor atento se identifica com o rebanho de tal maneira, que define de
pronto qualquer das ovelhas mantidas a seu cuidado.
Conhece as mais ativas.
Descobre as indiferentes.
Nomeia as retardatárias.
Regista as que lideram.
Classifica a lã que venham a produzir.
Tudo faz, em favor de todas.
Por sua vez, as ovelhas, pouco a pouco, percebem, dentro da limitação que as
caracteriza, o modo de ser do pastor que as dirige.
Habituam-se aos lugares que lhe são prediletos.
Respeitam-lhe os sinais.
Acatam-lhe as ordens.
Reconhecem-lhe o poder diretivo, sem confundir-lhe a presença.
Na imagem, temos a divina missão do Cristo para conosco.
O Pastor Compassivo conhece cada uma das ovelhas do redil humano, tudo
fazendo para guiá-las ao campo da Luz Celeste.
Incentiva as indiferentes.
Acalma as impetuosas.
Fortalece as mais fracas.
Apoia as mais responsáveis.
Sopesa o valor de todas, segundo as peculiaridades e tendências de cada uma.
E, de igual modo, as ovelhas do rebanho terrestre, gradativamente, vêm a
conhecer e a sentir a existência abençoada do Bom Pastor.
Entendem-lhe os ensinamentos e admoestações.
Reverenciam a excelência do seu Amor.
Confiam serenamente em sua Misericórdia.
Esposam-lhe os ideais e buscam corresponder-lhe à vontade, destacando-o,
nos quadros da vida, por Intermediário do Pai Excelso.
Desse modo, cabe-nos atender ao chamamento do Mestre, melhorando as
condições da vida, no mundo, com base em nossa própria renovação.

172
TEMA 17 – O BOM PASTOR (JO 10:1 A 21)

Nesse programa de luta, vale indagar de nós mesmos:


– Que ovelha somos?
E com semelhante pergunta, busquemos na disciplina, ante o Cristo de Deus,
a nossa posição de servidores do bem, na certeza de que a humildade con-
ferir-nos-á sintonia com o Divino Pastor, para que, sublimando e servindo,
atinjamos com Ele o Aprisco Celeste na imortalidade vitoriosa.

É importante considerar que não basta a pessoa se declarar cristão


para se transformar em discípulo sincero e fiel. Trata-se de um processo
gradual, não isento de sacrifícios pessoais, visto que os verdadeiros cris-
tãos se esforçam para conhecer e vivenciar os ensinamentos do Cristo não
segundo a simbologia dos rituais, mas de acordo com a interpretação es-
piritual que sempre mede as consequências morais do pensar, falar e agir.
Independentemente do nível educacional do indivíduo, a prática do bem
é que substancia a vivência da Lei de Deus ensinada por Jesus. A única Lei
capaz de produzir a transformação do ser humano para melhor, esclare-
cendo-o como fazer escolhas acertadas, sobretudo diante dos desafios exis-
tenciais. Transformar-se em discípulo sincero, ou em “ovelha do rebanho
do Senhor”, não é algo simples e banal, que se consegue rapidamente: o
verdadeiro cristão impõe a si mesmo renúncias e sacrifícios, a fim de com-
bater as imperfeições que ainda traz dentro de si, mantendo-se atento ao
fato de que a existência humana é sempre assinalada por provações, úteis ao
aperfeiçoamento do Espírito. Em oposição, a invigilância e a imprudência, a
arbitrariedade e os caprichos, o destaque social e profissional, entre outros,
podem conduzir inúmeras pessoas, aparentemente seguras, a lamentáveis
desastres morais, por que, na “[...] maioria das situações, copiam a ovelha
virtuosa e útil que, após a conquista de vários títulos enobrecedores, esquece
a porta a ser atingida e quebra as disciplinas benéficas e necessárias, para
entregar-se ao lobo devorador”.9
Emmanuel pondera a respeito:
Não basta alcançar as qualidades da ovelha, quanto à mansidão e ternura, para
atingir o Reino Divino.
É necessário que a ovelha reconheça a porta da redenção, com o discernimento
imprescindível, e lhe guarde o rumo, despreocupando-se dos apelos de ordem
inferior, a eclodirem das margens do caminho.
Daí concluirmos que a cordura, para ser vitoriosa, não dispensa a cautela na
orientação a seguir.
Nem sempre a perda do rebanho decorre do ataque de feras, mas sim porque as
ovelhas imprevidentes transpõem barreiras naturais, surdas à voz do pastor, ou

173
O Evangelho Redivivo – Livro V

cegas quanto às saídas justas, em demanda das pastagens que lhes competem.
Quantas são acometidas, de inesperado, pelo lobo terrível, porque, fascinadas
pela verdura de pastos vizinhos, se desviam da estrada que lhes é própria,
quebrando obstáculos para atender a destrutivos impulsos?10

A ascensão espiritual é sempre trabalho individual, ainda que sempre


amparada pela misericórdia e providência divinas. Com esse apoio superior,
as lutas cotidianas, manifestadas na forma de provações ou de expiações,
não superam a capacidade do Espírito para solucioná-las. É importante
enfrentar os problemas existenciais com fé, esperança, trabalhando in-
cessantemente para solucioná-los: “Reflitamos nos problemas cotidianos,
categorizando-os como recursos renovadores. Toda questão embaraçosa
nos é apresentada qual se a vida nos propusesse um enigma. Aceitamo-lo
calmamente e vejamos como aproveitá-lo”.11
Comecemos por uma atitude de compreensão e simpatia, examinando-lhe
as facetas.
Se nos achamos perante uma situação desagradável, meditemos nela, não como
pesar que nos afete individualmente, mas sim como episódio com funções no
benefício geral, e ajudemo-lo a encaixar-se no mecanismo das circunstâncias,
em louvor da harmonia comum. A pedra que acidentalmente nos fira será
provavelmente a peça que sustentará a segurança da construção, e, porque nos
haja trazido leve dissabor, isso não é motivo para arredá-la do serviço que deve
prestar à coletividade. Assim acontece com a crítica, com a desilusão, com o
desentendimento ou com a perseguição gratuita. Recebamo-los sem mágoa e
observemos qual a mensagem favorável e útil de que se fazem veículo. Tomada
semelhante posição, verificaremos que a crítica nos auxilia, à maneira do inse-
ticida capaz de imunizar a árvore do nosso trabalho contra pragas destruidoras
que talvez nos ameacem de perto; aquilo que nomeamos como sendo desilusão
passa a revelar-se por transformação imperiosa e benéfica [...].12

A atitude proativa perante os problemas da vida sempre apresenta


resultados promissores, que nos permitem suportar e superar os desafios
da jornada evolutiva: “À frente de qualquer desafio, recordemos que todo
problema é um convite à vida, em nome de Deus, para que venhamos a
compreender mais amplamente, melhorar sempre e servir mais”.13
Aceitar o Cristo como o Bom Pastor que nos guiará nas veredas da vida
é decisão pessoal e intransferível. Importa, porém, estarmos atentos para
não sermos enganados pelos falsos pastores que, à semelhança de falsos
profetas, abundam no mundo, como esclarece o Espírito Erasto:
Desconfiai dos falsos profetas. Essa recomendação é útil em todos os tempos,
mas, sobretudo, nos momentos de transição em que, como no atual, se elabora

174
TEMA 17 – O BOM PASTOR (JO 10:1 A 21)

uma transformação da Humanidade, porque, então, uma multidão de am-


biciosos e intrigantes se arvoram em reformadores e messias. É contra esses
impostores que se deve estar em guarda, cabendo a todo homem honesto o
dever de desmascará-los. [...]
[...]
Isto posto, haveis de concluir que o verdadeiro missionário de Deus tem de
justificar a missão de que está investido pela sua superioridade, elas suas
virtudes, pela sua grandeza, pelo resultado e pela influência moralizadora de
suas obras. [...].14

A propósito, recordemos que quando Jesus apresentou aos judeus


a proposta de ascensão espiritual, declarando-se como o Bom Pastor e
a Porta que os conduziriam ao Reino de Deus, ela foi veementemente
recusada pela maioria dos ouvintes, ainda que uns poucos foram em
defesa do Senhor, como assinala João (10:19 a 21): Houve novamente
uma cisão entre os judeus, por causa dessas palavras. Muitos diziam: Ele
tem um demônio! Está delirando! Por que o escutais? Outros diziam: Não
são de um endemoninhado essas palavras; porventura um demônio pode
abrir olhos de um cego?
Fazer parte do rebanho divino é conhecer e, sobretudo, vivenciar os
ensinamentos do Evangelho, conscientes de que Jesus é a Porta (Meio ou
Mensageiro Celestial) que nos conduzirá ao aprisco divino (Reino de Deus)
no momento oportuno, como alerta Emmanuel nesta mensagem:
Ante o Cristo libertador15
Eu sou a porta. Jesus (João, 10:7.)
Segundo os léxicos, a palavra “porta” designa “uma abertura em parede, ao rés
do chão ou na base de um pavimento, oferecendo entrada e saída”.
Entretanto, simbolicamente, o mundo está repleto de portas enganadoras. Dão
entrada sem oferecerem saída.
Algumas delas são avidamente disputadas pelos homens que, afoitos na con-
quista de posses efêmeras, não se acautelam contra os perigos que representam.
Muitos batem à porta da riqueza amoedada e, depois de acolhidos, acordam
encarcerados nos tormentos da usura.
Inúmeros forçam a passagem para a ilusão do poder humano e despertam
detidos pelas garras do sofrimento.
Muitíssimos atravessam o portal dos prazeres terrestres e reconhecem-se, de
um momento para outro, nas malhas da aflição e da morte.
Muitos varam os umbrais da evidência pública, sequiosos de popularidade e
influência, acabando emparedados na masmorra do desespero.
O Cristo, porém, é a porta da Vida Abundante.

175
O Evangelho Redivivo – Livro V

Com Ele, submetemo-nos aos desígnios do Pai Celestial e, nessa diretriz,


aceitamos a existência como aprendizado e serviço, em favor de nosso próprio
crescimento para a Imortalidade.
Vê, pois, a que porta recorres na luta cotidiana, porque apenas por intermédio
do ensinamento do Cristo alcançarás o caminho da verdadeira libertação.

REFERÊNCIAS
1 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 10, it.
“a” – O bom Pastor – 10:1-18, p. 569.
2 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 10:1-21, p. 1.868 a 1.870.
3 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed.
10. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. q. 625.
4 FRANCO, Divaldo Pereira. Primícias do reino. Pelo Espírito Amélia Rodrigues.
8. ed. Salvador, BA: LEAL, 2001. cap. 6, p. 89 e 90.
5 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto
da Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores.
1. ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Salmo 23 (1-6),
de Davi, p. 885.
6 MOUTINHO, João de Jesus. Código do reino: interpretações bíblicas e evan-
gélicas à luz da codificação kardequiana. 2. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2012.
2ª pt., cap. 50 – Bom pastor.
7 MOUTINHO, João de Jesus. Código do Reino: interpretações bíblicas e evan-
gélicas à luz da codificação kardequiana. 2. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2012.
2ª pt., cap. 50 – Bom pastor.
8 XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA, Waldo. O espírito da verdade. Por diversos
Espíritos. 18. ed. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 74 [mensagem de Emmanuel].
9 XAVIER, Francisco Cândido. Pão nosso. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 115 – A porta.
10 XAVIER, Francisco Cândido. Pão nosso. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 115 – A porta.
11 XAVIER, Francisco Cândido. Encontro marcado. Pelo Espírito Emmanuel. 14.
ed. 2. imp. Brasília, DF: FEB, 2018. cap. 57 – Problemas.
12 XAVIER, Francisco Cândido. Encontro marcado. Pelo Espírito Emmanuel. 14.
ed. 2. imp. Brasília, DF: FEB, 2018. cap. 57 – Problemas.

176
TEMA 17 – O BOM PASTOR (JO 10:1 A 21)

13 XAVIER, Francisco Cândido. Encontro marcado. Pelo Espírito Emmanuel. 14.


ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2013. cap. 57 – Problemas.
14 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. cap. 21, it. 9.
15 XAVIER, Francisco Cândido. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 172.

177
PARTE V

A Festa da Dedicação.
A decisão de matar Jesus

179
O Evangelho Redivivo – Livro V

TEMA 18

A VERDADEIRA IDENTIDADE DE
JESUS. JESUS RETIRA-SE DE
NOVO PARA O OUTRO LADO
DO JORDÃO (JO 10:22 A 42)

O Apóstolo João volta a afirmar com convicção a origem divina de Jesus,


o Messias de Deus, tendo como referência as próprias palavras pronunciadas
pelo Mestre Nazareno. A despeito das evidências dos ensinamentos supe-
riores, das obras e dos sinais realizados pelo Cristo, que comprovavam a sua
identidade como Mensageiro de Deus previsto pelos profetas, para muitos
judeus, Ele era um blasfemo que deveria ser apedrejado e preso. Contudo
multidões de pessoas seguiam Jesus, muitas das quais o aceitavam como
Rabi (Mestre), outras procuravam entender os ensinamentos evangélicos,
um número significativo permanecia em silêncio, atento à sua pregação.
Na verdade, o convencionalismo das práticas ritualistas do Judaísmo já não
atraía ou tocava diretamente o coração do povo. É o que se conclui da leitura
do versículo 24: Os judeus, então, o rodearam e lhe disseram: Até quando
nos manterás em suspenso? Se és o Cristo, dize-nos abertamente. (Jo 10:24):
Sugere que os judeus não eram totalmente hostis, embora estivessem claramen-
te perplexos. Jesus disse que ele já lhes tinha dado a resposta nos termos gerais
do testemunho de suas palavras e ações. Foi a incredulidade deles, mesmo
diante de seus milagres, que Jesus criticou particularmente aqui. Jesus nova-
mente utilizou a imagem do pastor para lembrar aos judeus que, se tivessem
ouvido a sua voz, eles seriam suas verdadeiras ovelhas. [...].1

18.1 A VERDADEIRA IDENTIDADE DE


JESUS (JO 10:22 A 39)2
Houve então a festa da Dedicação, em Jerusalém. Era inverno. 23Jesus andava
22

pelo Templo, sob o pórtico de Salomão. 24Os judeus, então, o rodearam e lhe
disseram: “Até quando nos manterás em suspenso? Se és o Cristo, dize-nos

180
TEMA 18 – A VERDADEIRA IDENTIDADE DE JESUS. (JO 10:22 A 42)

abertamente”. 25Jesus lhes respondeu: “Já vo-lo disse, mas não acreditais. As
obras que faço em nome de meu Pai dão testemunho de mim; 26mas vós não
credes, porque não sois das minhas ovelhas. 27As minhas ovelhas escutam a
minha voz, eu as conheço e elas me seguem; 28eu lhes dou a vida eterna e elas
jamais perecerão, e ninguém as arrebatará de minha mão. 29Meu Pai, que me
deu tudo, é maior que todos e ninguém pode arrebatar da mão do Pai. 30Eu e
o Pai somos um”. 31Os judeus, outra vez, apanharam pedras para apedrejá-lo.
32
Jesus, então, lhes disse: “Eu vos mostrei inúmeras boas obras, vindo do Pai.
Por qual delas quereis lapidar-me?” 33Os judeus lhe responderam: “Não te la-
pidamos por causa de uma boa obra, mas por blasfêmia, porque, sendo apenas
homem, tu te fazes Deus”. 34Jesus lhes respondeu: “Não está escrito em vossa
Lei: Eu disse: Sois deuses? 35Se ela chama de deuses aqueles aos quais a palavra
de Deus foi dirigida – e a Escritura não pode ser anulada – 36àquele que o Pai
consagrou e enviou ao mundo dizeis: ‘Blasfemas!’, porque disse: ‘Sou Filho de
Deus!’ 37Se não faço as obras de meu Pai, não acrediteis em mim; 38mas, se as
faço, mesmo que não acrediteis em mim, crede nas obras, a fim de reconhecer
de uma vez que o Pai está em mim e eu no Pai”. 39Procuravam novamente
prendê-lo. Mas ele lhes escapou das mãos.

Em linhas gerais, o texto evangélico revela que a pregação de Jesus,


desde o início do seu ministério, atraiu multidões de judeus e gentílicos.
Essas pessoas tinham motivos suficientes para viverem desesperançosas:
a subjugação ao invasor romano e as consequências daí decorrentes;
os contrastes socioeconômicos que, de um lado eram marcados pela
ostentação dos governantes, sacerdotes e publicanos, e, de outro, pelo
estado de penosas dificuldades da plebe. Acrescentam-se a essa situação
as manifestações de culto externo da religião que não mais estimulavam
a crença em Deus ou alimentavam a fé dos fiéis. Surge, nesse cenário,
Jesus, que ensina e exemplifica a Lei de Amor, afirma ser o Mensageiro
de Deus e convoca os ouvintes a se transformarem em ovelhas do seu
rebanho que, como Bom Pastor, as conduziria ao aprisco divino. Joanna
de Ângelis recorda-nos o propósito e a excelência do método educativo
que Jesus propunha:
As multidões, ávidas de amor, de paz, de pão, de saúde, sempre buscavam o
Mestre na expectativa de terem as suas aflições resolvidas. No tumulto, ao qual
se entregavam, as suas eram aspirações imediatistas, necessidades consideradas
básicas, porque referentes aos problemas que as afligiam naquele momento.
Portador de incomum sabedoria, Ele entendia que não se pode falar de paz a
pessoas atormentadas pelo estômago vazio, nem discorrer sobre a felicidade
enquanto elas estorcegavam em dores rudes... Desse modo, sempre atendia
a solicitação mais inquietadora, abrindo espaço emocional para ampliar a
consciência e ensejar a realização do bem-estar.

181
O Evangelho Redivivo – Livro V

Socorria a problemática e elucidava quanto ao impositivo de mudança de com-


portamento para melhor, de forma que depois não acontecesse nada mais grave.3

O teor da conversa ocorreu durante uma das festividades previstas pelo


calendário judeu, denominada Festa da Dedicação ou Chanucá, estando
Jesus e os demais interlocutores no pórtico de Salomão, espécie de claustro
localizado no lado leste do Templo de Jerusalém:
Essa alegre comemoração tem diversos nomes, como Festa da Dedicação, das
Luzes, dos Macabeus, da Iluminação e Festa da Rededicação.
A razão. Esse festival remonta ao ano 167 a.C., quando Judas Macabeu limpou
e reconstruiu o templo. [...].
Data. Normalmente ela era observada no dia 25 do mês chisley, compreendido
entre os meses de novembro e dezembro.
A comemoração. Não era obrigado fazer a celebração da festa em Jerusalém. E,
assim, a maioria das pessoas a comemorava em sua própria cidade. O sentido
básico da festa era que o povo se alegrasse e se divertisse junto aos familiares.
As formas de comemoração eram bem variadas. Muitos gostavam de colocar
luzes nas janelas. E eles saiam às ruas para dançar e cantar, ao som de instru-
mentos musicais, até tarde da noite. Era uma festa de triunfo, que deveria ser
celebrada com grande entusiasmo.4

Os registros de João (10:22 a 30) iniciam-se com a solicitação dos judeus


presentes no Templo, para declarar se Ele era, efetivamente, o Cristo (v. 22).
Jesus replica que Ele já lhes havia afirmado ser o Mensageiro de Deus, mas eles
não acreditaram (v. 25). E não acreditavam por quê? Porque eles não faziam
parte do seu rebanho: As obras que faço em nome de meu Pai dão testemunho de
mim; mas vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas. (v. 26). Ora, fazer
parte do rebanho de Jesus exige trabalho incessante no bem. A ovelha cristã
não é preguiçosa e não pratica o Cristianismo simplesmente pela execução
dos cultos exteriores, compreende que a luta diária da vida é um estímulo para
afirmação da fé e recurso para superar as próprias imperfeições. Com Jesus,
somos convocados a trabalharmos, efetivamente, na obra divina, sem medir
sacrifícios em prol da própria melhoria espiritual. Emmanuel pondera a respeito:
A afirmativa de Jesus, nesse particular, reveste-se de imperecível beleza.
Que diríamos de um Salvador que estatuísse regras para a Humanidade, sem
partilhar-lhe as dificuldades e impedimentos?
O Cristo iniciou a missão divina entre homens do campo, viveu entre doutores
irritados e pecadores rebeldes, uniu-se a doentes e aflitos, comeu o duro pão
dos pescadores humildes e terminou a tarefa santa entre dois ladrões.
Que mais desejas? Se aguardas vida fácil e situações de evidência no mundo,
lembra-te do Mestre e pensa um pouco.5

182
TEMA 18 – A VERDADEIRA IDENTIDADE DE JESUS. (JO 10:22 A 42)

O Espírito benfeitor considera também que Deus nos concede todas


as bênçãos necessárias para o nosso aprimoramento espiritual, no entanto
faz-se necessário que façamos a nossa parte se, de fato, aspiramos a uma
vida plena de paz e alegrias imortais. O esforço evolutivo exige trabalho
persistente no Bem, e cada obstáculo superado na existência equivale a um
marco indelével da nossa jornada ascensional:
Enfim, todas as criações do Excelso Pai testemunham-lhe a glória no campo
infinito da vida e cada Espírito se afirma bem ou mal, aproveitando-as para
subir à Luz ou delas abusando para descer às trevas.
Como aprendizes do Evangelho, portanto, cumpre-nos indagar à própria
consciência:
– Que tenho executado na vida como aplicação das bênçãos de Deus?
Não nos esqueçamos, segundo a lição do Senhor, que somente as obras que
fizermos, em nome do Pai, é que serão marcos indeléveis de nosso caminho,
a testificarem de nós.6

Em João (10:30 a 34), constam duas afirmativas de Jesus que gera-


ram discussões e desentendimentos, não somente entre os judeus, mas
também entre os cristãos, desde os tempos da constituição da igreja
cristã. Persistem ainda hoje, aqui e acolá, divergências interpretativas
a respeito. A primeira contradição deriva desta afirmativa de Jesus: Eu
e o Pai somos um (Jo 10:30). Essa declaração irritou profundamente os
judeus que, reagindo de forma violenta, outra vez, apanharam pedras
para apedrejá-lo (Jo 10:31). Contudo, à luz do entendimento espírita, a
verdade é cristalina, não tem nada a ver com a defesa teológica de que
Deus e Jesus são um mesmo Espírito. Jesus não é Deus. Ele é, dos men-
sageiros do Pai Celestial, o que foi destinado a conduzir a humanidade
terráquea à plenitude espiritual: “A afirmativa evidenciava a sua perfeita
identidade com Deus na direção de todos os processos atinentes à marcha
evolutiva do planeta terrestre”.7
Amélia Rodrigues conduz-nos a outras profundas reflexões ao conside-
rar que, no íntimo, aqueles ouvintes sabiam que se encontravam perante o
Cristo, mas, por orgulho, teimosia, ou, talvez medo de perder as benesses de
que desfrutavam, partiram para a negação e, com pedradas, lançaram mão
da arma comumente utilizada pelos Espíritos inferiores: a agressividade.
Eu e o Pai somos um.
A gritaria infrene e a fúria falsa irromperam em reação, tentando calá-lO a
pedradas.
Não criam na coragem da verdade. Agora a detestavam.

183
O Evangelho Redivivo – Livro V

Já não a ignoravam e não poderiam fugi-lhe à presença, que lhes fustigaria a


consciência a partir de então.
O Filho representava o Pai que está n’Ele.
Essa identificação não pode ser tomada como pessoas distintas, fundidas numa
só, tida como verdadeira.
Ambos são verdadeiros.
O Filho depende do Pai que O nutre e O vigora.
A recíproca, porém, não é legítima.
Vinha em nome do Pai, à Terra, para a unidade em amor com todas as
criaturas.8

A segunda declaração de Jesus que historicamente tem sido motivo de


discussões é: Não está escrito em vossa Lei: Eu disse: Sois deuses? (Jo 10:34).
Ante a atitude negativista dos ouvintes, ao julgamento precipitado, Jesus
cita a expressão conhecida sois deuses. Essa expressão era metaforicamente
dirigida aos juízes, por causa do ofício que exerciam, ainda que todos en-
tendessem que todo julgamento cabe a Deus (Dt 1:17; 19:17; Êx 1:6; Sl 58).9
Os judeus, porém, ficaram ainda mais indignados, sobretudo porque lhes
escapava o sentido espiritual dos ensinamentos de Jesus. Por outro lado, se
fossem pessoas de boa vontade, poderiam tentar entender a fala do Mestre,
pedir-lhe outros esclarecimentos. Optaram, porém, pela negação e rejeição,
mantendo-se distantes da fé raciocinada.
Emmanuel explica o significado espírita da expressão sois deuses:
– Em todo homem repousa a partícula da divindade do Criador, com a qual
pode a criatura terrestre participar dos poderes sagrados da Criação.
O Espírito encarnado ainda não ponderou devidamente o conjunto de
possibilidades divinas guardadas em suas mãos, dons sagrados tantas vezes
convertidos em elementos de ruína e destruição.
Entretanto, os poucos que sabem crescer na sua divindade, pela exemplificação
e pelo ensinamento, são cognominados na Terra santos e heróis, por afirmarem
a sua condição espiritual, sendo justo que todas as criaturas procurem alcançar
esses valores, desenvolvendo para o bem e para a luz a sua natureza divina.10

O conteúdo assinalado por João (10: 35 a 39) reflete a tentativa de Jesus


de esclarecer os que o interpelaram no Templo com a questão: Até quando
nos manterás em suspenso? Se és o Cristo, dize-nos abertamente (Jo 10:24).
Mas o entendimento dos interlocutores era efetivamente limitado, o que
fez o Senhor concluir (Jo 10:35 a 39):
Se ela chama de deuses aqueles aos quais a palavra de Deus foi dirigida – e
a Escritura não pode ser anulada – àquele que o Pai consagrou e enviou ao

184
TEMA 18 – A VERDADEIRA IDENTIDADE DE JESUS. (JO 10:22 A 42)

mundo dizeis: “Blasfemas!”, porque disse: “Sou Filho de Deus!” Se não faço
as obras de meu Pai, não acrediteis em mim; mas, se as faço, mesmo que não
acrediteis em mim, crede nas obras, a fim de reconhecer de uma vez que o
Pai está em mim e eu no Pai.
Procuravam novamente prendê-lo. Mas ele lhes escapou das mãos.

A busca pelo esclarecimento espiritual é paulatina. É possível que


aqueles inquiridores do Mestre já compreendam as verdades anunciadas
por Jesus. Não é suficiente, porém, estar informado a respeito de algo, é
preciso medir as consequências morais do aprendizado, como sempre
afirma Allan Kardec, a fim de saber aplicá-lo com sabedoria no dia a dia,
como esclarece Vinícius:
Entender não é tudo: é preciso sentir a verdade. A inteligência, agindo desa-
companhada do sentimento, não chega a penetrar a essência do Cristianismo,
como, aliás, a de nenhum ideal transcendente cuja espiritualidade ascende às
regiões elevadas do sublime. [...] Razão e fé, intelecto e coração, devem marchar
de mãos dadas na conquista da verdade redentora.
As provas mais convincentes não são as que entram pelos olhos, mas as que
brotam do coração. O testemunho interno, a influência que o orvalho celeste
exerce no recesso do nosso Eu tem muito mais força, convence muito melhor
que os testemunhos externos, que os fenômenos ostensivos e insólitos. [...]
Os judeus, contemporâneos de Jesus, tiveram copiosa e farta messe das provas
mais evidentes, mais positivas, mais autênticas a respeito da individualidade do
Cristo e sua respectiva missão. No entanto, duvidavam sempre. A doutrina do
Divino Mestre, cujos postulados ficaram comprovados à luz insofismável dos
fatos, foi e continua sendo rejeitada; foi e continua sendo, para muita gente,
assunto controvertido. [...].11

18.2 JESUS RETIRA-SE DE NOVO PARA O OUTRO


LADO DO JORDÃO (JO 10:40 A 42)12
40
Ele partiu de novo para o outro lado do Jordão, para o lugar onde João havia
anteriormente batizado, e aí permaneceu. 41Muitos vinham a ele e diziam:
“João não fez sinal algum, mas tudo o que João disse sobre ele era verdade”.
42
E muitos, aí, creram nele.

Após os acontecimentos no Templo de Jerusalém, Jesus se afasta dos


seus debatedores por compreender que eles ainda não estavam espiritual-
mente preparados para ouvir as “palavras de vida eterna”. Aquelas pessoas
ainda se encontravam prisioneiras de pontos de vistas, algemadas às tradi-
ções que não lhes permitiam alçar voos em busca da sabedoria oferecida
pelo Reino de Deus. Um longo e laborioso trabalho de desapego das coisas

185
O Evangelho Redivivo – Livro V

transitórias da matéria, dos conceitos e interpretações literais deveria ser


realizado a partir daquele instante A semente fora plantada. Era o essencial
por enquanto. Joanna de Ângelis aconselha como agir assertivamente:
Acautela-te a respeito de qualquer tipo de apego. Aprende a despojar-se de
tudo quanto pese negativamente na tua economia espiritual.
Existem valores que têm o significado que lhe atribuis, não passando de carga
demasiado pesada para ser conduzida.
Da mesma forma, sentimentos perturbadores e paixões dissolventes que te
preenchem os espaços emocionais, aturdindo-te e impossibilitando-te o cres-
cimento interior vigem, enquanto são sustentados pela mente em desalinho. Se
forem considerados como pesos injustificável, logo se diluem cedendo campo
a ideias felizes e aspirações libertadoras. [...].
***
Inicia a tua experiência de despojamento, abrindo mão de disputas inúteis,
muitas vezes mesquinhas, que arrastam multidões a incessantes disparates.
Com essa atitude emocional superarás questiúnculas e desafios infantis, ca-
prichos e sentimentos de mágoas, de inferioridade ou de superioridade, aos
quais te aprisionas por orgulho ou presunção, descobrindo a felicidade de
viver com equilíbrio.13

REFERÊNCIAS
1 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 10:22-42, p. 1.576.
2 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 10:22-39, p. 1.870 e 1.871.
3 FRANCO, Divaldo Pereira. Diretrizes para o êxito. Pelo Espírito Joanna de
Ângelis. 4. ed. Salvador, BA: LEAL, 2016. cap. 1, p. 15.
4 COLEMAN, William L. Manual dos tempos e costumes bíblicos. Trad. Miriam
Talitha Lins. 2. ed. Curitiba, PR: Editora Betânia, 2017. cap. 20, it. Chanucá,
p. 287.
5 XAVIER, Francisco Cândido. Pão nosso. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 2 – Pensa um pouco.
6 XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA, Waldo. O espírito da verdade. Por
diversos Espíritos. 18. ed. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 42 – Marcos indeléveis
[mensagem de Emmanuel].
7 XAVIER, Francisco Cândido. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed.
12. imp. Brasília: FEB, 2021. q. 288.

186
TEMA 18 – A VERDADEIRA IDENTIDADE DE JESUS. (JO 10:22 A 42)

8 FRANCO, Divaldo Pereira. Há flores no caminho. Pelo Espírito Amélia


Rodrigues. 9. ed. Salvador, DF: LEAL, 2015. cap. 21, p. 132.
9 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 10:34. Nota de rodapé “h”, p. 1.870.
10 XAVIER, Francisco Cândido. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed.
12. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. q. 302.
11 VINÍCIUS. Nas pegadas do mestre. 12. ed. 4. imp. Brasília, DF: FEB, 2015. cap.
Provas externas e internas.
12 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 10:40-42, p. 1.871.
13 FRANCO, Divaldo Pereira. Diretrizes para o êxito. Pelo Espírito Joanna de
Ângelis. 4. ed. Salvador, BA: LEAL, 2016. cap. 32, p. 187 e 189.

187
O Evangelho Redivivo – Livro V

TEMA 19

A RESSURREIÇÃO DE
LÁZARO (JO 11:1 A 44)

Entre as ressurreições realizadas por Jesus, a de Lázaro é a mais conhe-


cida e divulgada no meio cristão; é considerada um dos maiores prodígios
realizados por Jesus, ao lado da multiplicação de pães e peixes e do andar
sobre as águas. O fato de ser algo excepcional e insólito não significa que seja
sobrenatural e também a derrogação das Leis da Natureza, como ensina certas
interpretações teológicas antropomórficas. Allan Kardec pondera a respeito:
[...] No entender das massas, um milagre implica a ideia de um fato extranatu-
ral; no sentido teológico, é uma derrogação das Leis da Natureza, por meio da
qual Deus manifesta o seu poder. Tal é, com efeito, a sua acepção vulgar, que
se tornou o sentido próprio, de modo que só por comparação e por metáfora
se aplica às circunstâncias ordinárias da vida.
Uma das características dos milagres propriamente ditos é o fato de ser inexpli-
cável, realizando-se, por isso mesmo, com exclusão das Leis Naturais. E tanto
essa é a ideia que se lhe associa que, se um fato miraculoso vem encontrar
explicação, se diz que já não constitui milagre, por mais surpreendente que
seja. O que, para a Igreja, confere valor aos milagres é justamente a origem
sobrenatural deles e a impossibilidade de serem explicados. [...].1

À luz da fé raciocinada, não deixa de ser um contrassenso supor que


Deus precisa demonstrar o seu poder aos homens, inclusive derrogar as
Leis por Ele mesmo criadas. Tal forma de pensar é muito reducionista,
semelhante às ideias descritas pela mitologia, sobretudo a greco-romana.
Kardec indaga, a propósito:
[...] Mas o poder de Deus não se manifesta de maneira muito mais eloquente
pelo grandioso conjunto das obras da Criação, pela sábia previdência que essa
Criação revela, tanto nas mais gigantescas quanto nas mais insignificantes,
e pela harmonia das leis que regem o mecanismo do Universo, do que por
algumas pequeninas e pueris derrogações que todos os prestidigitadores
sabem imitar? [...]
A questão dos milagres propriamente ditos não é, pois, da alçada do
Espiritismo; mas, ponderando que Deus não faz coisas inúteis, a Doutrina

188
TEMA 19 – A RESSURREIÇÃO DE LÁZARO (JO 11:1 A 44)

emite a seguinte opinião: Não sendo necessários os milagres para a glorificação


de Deus, nada no Universo se produz fora do âmbito das leis gerais. Deus não
faz milagres, porque, sendo, como são, perfeitas as suas leis, não lhe é necessário
derrogá-las. Se há fatos que não compreendemos, é que ainda nos faltam os
conhecimentos necessários.2

A ressurreição de Lázaro, contudo, é plenamente explicada pela Ciência,


como veremos em seguida.

19.1 A RESSURREIÇÃO DE LÁZARO (JO 11:1 A 44)3


1
Havia um doente, Lázaro, de Betânia, povoado de Maria e de sua irmã Marta.
2
Maria era aquela que ungira o Senhor com bálsamo e lhe enxugara os pés com
seus cabelos. Seu irmão Lázaro se achava doente. 3As duas irmãs mandaram,
então, dizer a Jesus: “Senhor, aquele que amas está doente”. 4A essa notícia,
Jesus disse: “Essa doença não é mortal, mas para a glória de Deus, para que,
por ela, seja glorificado o Filho de Deus”. 5Ora, Jesus amava Marta e sua irmã
e Lázaro. 6Quando soube que este se achava doente, permaneceu ainda dois
dias no lugar em que se encontrava; 7só depois, disse aos discípulos: “Vamos
outra vez até a Judeia!” 8Seus discípulos disseram-lhe: “Rabi, há pouco os
judeus procuravam apedrejar-te e vais outra vez para lá?” 9 Respondeu Jesus:
“Não são doze as horas do dia? Se alguém caminha durante o dia, não trope-
ça, porque vê a luz deste mundo; 10mas se alguém caminha à noite, tropeça,
porque a luz não está nele”. 11Disse isso e depois acrescentou: “Nosso amigo
Lázaro dorme, mas vou despertá-lo”. 12Os discípulos responderam: “Senhor,
se ele está dormindo, se salvará!” 13Jesus, porém, falara de sua morte e eles
julgaram que falasse do repouso do sono. 14Então Jesus lhes falou claramente:
“Lázaro morreu. 15Por vossa causa, alegro-me de não ter estado lá, para que
creiais. Mas vamos para junto dele!” 16Tomé, chamado Dídimo, disse então
aos outros discípulos: “Vamos também nós, para morrermos com ele!” 17Ao
chegar, Jesus encontrou Lázaro já sepultado havia quatro dias. 18Betânia ficava
perto de Jerusalém, a uns quinze estádios. 19Muitos judeus tinham vindo até
Marta e Maria, para as consolar da perda do irmão. 20Quando Marta soube
que Jesus chegara, saiu ao seu encontro; Maria, porém, continuava sentada,
em casa. 21Então, disse Marta a Jesus: “Senhor, se estivesses aqui, meu irmão
não teria morrido. 22Mas ainda agora sei que tudo o que pedires a Deus, ele
te concederá”. 23Disse-lhe Jesus: “Teu irmão ressuscitará”. 24“Sei, disse Marta,
que ele ressuscitará na ressurreição, no último dia!” 25Disse-lhe Jesus: “Eu
sou a ressurreição. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá. 26E quem
vive e crê em mim jamais morrerá. Crês nisso?” 27Disse ela: “Sim, Senhor, eu
creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus que vem ao mundo”. 28Tendo dito
isso, afastou-se e chamou sua irmã Maria, dizendo baixinho: “O Mestre está
aqui e te chama!” 29Esta, ouvindo isso, ergueu-se logo e foi ao seu encontro.
30
Jesus não entrara ainda no povoado, mas estava no lugar em que Marta o

189
O Evangelho Redivivo – Livro V

fora encontrar. 31Quando os judeus, que estavam na casa com Maria, conso-
lando-a, viram-na levantar-se rapidamente e sair, acompanharam-na, julgando
que fosse ao sepulcro para aí chorar. 32Chegando ao lugar onde Jesus estava,
Maria, vendo-o, prostrou-se a seus pés e lhe disse: “Senhor, se estivesses
aqui, meu irmão não teria morrido”. 33Quando Jesus a viu chorar e também
os judeus que a acompanhavam, comoveu-se interiormente e ficou contur-
bado. 34E perguntou: “Onde o colocastes?” Responderam-lhe: “Senhor, vem
e vê!” 35Jesus chorou. 36Diziam, então, os judeus: “Vede como ele o amava!”
37
Alguns deles disseram: “Esse, que abriu os olhos do cego, não poderia ter
feito com que ele não morresse?” 38Comoveu-se de novo Jesus e dirigiu-se ao
sepulcro. Era uma gruta, com uma pedra sobreposta. 39Disse Jesus: “Retirai a
pedra!” Marta, a irmã do morto, disse-lhe: “Senhor, já cheira mal: é o quarto
dia!” 40­Disse-lhe Jesus: “Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?”
41
Retiraram, então, a pedra. Jesus ergueu os olhos para o alto e disse: “Pai,
dou-te graças porque me ouviste. 42Eu sabia que sempre me ouves; mas digo
isso por causa da multidão que me rodeia, para que creiam que me enviaste”.
43
Tendo dito isso, gritou em alta voz: “Lázaro, vem para fora!” 44O morto saiu,
com os pés e mãos enfaixados e com o rosto recoberto com um sudário. Jesus
lhes disse: “Desatai-o e deixai-o ir”.

Betânia é a localidade onde acontece os eventos registrados por João


nesta passagem evangélica: uma pequena vila do passado, que ainda existe,
com uma população atual de 726 pessoas, situada na Judeia, do outro lado
do Monte das Oliveiras, cerca de 15 estágios, 2.775 metros, isto é, quase 3
quilômetros de Jerusalém, na estrada para Jericó.4,5 Nessa aldeia, viviam os
três amigos de Jesus (v. 5), os irmãos Marta, Maria e Lázaro. Ali também fora
o palco onde Jesus foi ungido por uma mulher (Mc 14:3 a 9), identificada
por João como Maria, irmã de Lázaro e Marta: Maria era aquela que ungira
o Senhor com bálsamo e lhe enxugara os pés com seus cabelos [...] (Jo 11:2).
A ressurreição de Lázaro é, ainda hoje, considerada um fato miracu-
loso ou extraordinário, a despeito da Ciência disponibilizar explicações
racionais. Em geral, os estudiosos da área médica, da Psicologia e/ou da
Parapsicologia denominam a ocorrência de Experiência de Quase-morte
(EQM): “O relato das percepções de pessoas que vivenciaram situações
que as levaram às portas da morte [...].6 A despeito do corpo físico revelar
aparência de morte, a ponto de, clinicamente, o indivíduo ser declarado
morto, sabe-se hoje que durante a experiência extracorpórea (quase-
-morte) o Espírito permanece lúcido, a ponto de relatar as experiências
vividas nos dois planos da vida, após o seu retorno ao corpo físico, que,
de forma sintética, pode ser assim expressa: “Experiência concernente à
percepção de estar fora do seu próprio corpo e em condições de observá-lo.

190
TEMA 19 – A RESSURREIÇÃO DE LÁZARO (JO 11:1 A 44)

A sensação é a de que a mente e a alma se afastaram e que o corpo, na


verdade, está atuando por conta própria”.7
Os esclarecimentos científicos admitem que Lázaro encontrava-se em
um estado avançado de coma ou de sono profundo: “Estupor profundo e
anormal, que ocorre em certas enfermidades, em decorrência dessas en-
fermidades ou de alguma lesão. O paciente não pode ser despertado por
estímulos externos. [...]”.8 As causas do coma são as mais variadas: pressão
alta (hipertensão); trombose (coágulos que impedem o fluxo sanguíneo
nas veias ou artérias); tumores; infeções; efeitos de medicamentos e drogas;
traumas etc.8
Há outras condições similares que poderiam também justificar o estado
de morte aparente de Lázaro: uma delas seria a catalepsia – “diminuição
generalizada da resposta (reatividade), que se caracteriza comumente como
um estado similar ao transe”.9 A outra seria a letargia: “condição de torpor
ou de lentidão funcional; estupor. [...] O indivíduo sabe o que está passando,
pode sofrer seus efeitos, mas é incapaz de exercer suficiente força de vontade
para a promoção de uma defesa muscular”.10 Importa considerar, porém,
que todas essas manifestações clínicas de coma profundo (quase-morte,
catalepsia e letargia), são consequências de enfermidade prévia como, aliás,
bem assinala o evangelista:
Havia um doente, Lázaro, de Betânia, povoado de Maria e de sua irmã Marta.
Maria era aquela que ungira o Senhor com bálsamo e lhe enxugara os pés com
seus cabelos. Seu irmão Lázaro se achava doente. As duas irmãs mandaram,
então, dizer a Jesus: “Senhor, aquele que amas está doente”. A essa notícia,
Jesus disse: “Essa doença não é mortal, mas para a glória de Deus, para que,
por ela, seja glorificado o Filho de Deus” (Jo 11:1 a 4).

À época de Jesus, mesmo por séculos posteriores, o entendimento


religioso e científico a respeito das enfermidades, da morte e das res-
surreições eram muito precários. Esse conhecimento é adquirido pela
Humanidade de forma paulatina, sobretudo a partir do século XX. Daí
Allan Kardec assinalar:
O fato de voltar à vida corpórea um indivíduo que se achasse realmente morto
seria totalmente contrário às Leis da Natureza e, portanto, milagroso. Ora, não
é preciso que se recorra a essa ordem de fatos para que se tenha a explicação
das ressurreições realizadas pelo Cristo. Se, mesmo na atualidade, as aparências
às vezes enganam os profissionais, quão mais frequentes não haviam de ser os
acidentes daquela natureza, num país onde não se tomava nenhuma precaução
contra eles e onde o sepultamento era imediato. [...].11

191
O Evangelho Redivivo – Livro V

Os 44 versículos dessa passagem evangélica, objeto de nosso estudo,


apresentam as seguintes ideias principais: Lázaro vivia em Betânia com suas
irmãs Marta e Maria, e estava doente (v. 1). Jesus, que se encontrava em
outra cidade, foi avisado a respeito (v. 3), mas só chegou em Betânia dois
dias depois (v. 6) e, de imediato, afirmou que Lázaro não estava morto, que
dormia, e que Ele, Jesus, iria despertá-lo (v. 11). Contudo, Lázaro estava
sepultado há quatro dias (v. 17), dentro de uma gruta, com sinais indicativos
de que o corpo já se encontrava em processo decomposição (v. 38 e 39).
Chegando ao local, Jesus pediu que removessem a pedra da entrada da gruta
(v. 41) e, do lado de fora, emitiu poderoso brado: Lázaro, vem para fora!
(v. 43). E o considerado morto saiu, tendo as mãos e pés enfaixados e o rosto
coberto por um sudário ou mortalha, na forma como fora sepultado (v. 44).
O que se destaca no texto é, sem dúvida, a ressurreição de Lázaro que,
para o Judaísmo, tinha o mesmo significado de reencarnação. Trata-se de
uma interpretação equivocada, como ensina o Codificador do Espiritismo:
A reencarnação fazia parte dos dogmas dos judeus, sob o nome de ressurrei-
ção. Somente os saduceus, que pensavam que tudo acabava com a morte, não
acreditavam nisso. As ideias dos judeus sobre esse ponto, como sobre muitos
outros, não eram claramente definidas, porque só tinham noções vagas e in-
completas acerca da alma e da sua ligação com o corpo. Acreditavam que um
homem que vivera podia reviver, sem saberem precisamente de que maneira o
fato poderia dar-se. Designavam pelo termo ressurreição o que o Espiritismo,
mais judiciosamente, chama reencarnação. Com efeito, a ressurreição pressupõe
o retorno à vida do corpo que já está morto, o que a Ciência demonstra ser
materialmente impossível, sobretudo quando os elementos desse corpo já se
acham desde muito tempo dispersos e absorvidos. A reencarnação é a volta da
alma ou Espírito à vida corpórea, mas em outro corpo, novamente formado
para ele e que nada tem de comum com o antigo. A palavra ressurreição podia
assim aplicar-se a Lázaro, mas não a Elias, nem aos outros profetas. [...].12

Independentemente da causa geradora, Lázaro tinha uma enfermidade


(v. 3) que o conduziu ao coma profundo, ainda que, quando Jesus recebera
a notícia Ele tenha afirmado, mesmo encontrando-se em outra cidade: A
essa notícia, Jesus disse: Essa doença não é mortal, mas para a glória de Deus,
para que, por ela, seja glorificado o Filho de Deus (Jo 11:4). O retorno de
Lázaro ao corpo foi um feito excepcional, repetimos, principalmente porque
o seu Espírito estava em processo avançado de desligamento corporal, em
processo de decomposição, evidenciado pelos maus odores expelidos, como
assinala João, 11:39: Disse Jesus: Retirai a pedra! Marta, a irmã do morto,
disse-lhe: Senhor, já cheira mal: é o quarto dia.

192
TEMA 19 – A RESSURREIÇÃO DE LÁZARO (JO 11:1 A 44)

Considerando-se o poder fluídico que Jesus possuía, nada há de espantoso em


que esse fluido vivificante, dirigido por uma vontade poderosa, haja reani-
mado os sentidos em torpor; que haja mesmo feito voltar o Espírito ao corpo,
prestes a abandoná-lo, uma vez que o laço perispirítico ainda não se rompera
definitivamente. Para os homens daquela época, que consideravam morto o
indivíduo que tão logo deixasse de respirar, havia ressurreição em casos tais,
de modo que o afirmavam de muito boa-fé; contudo, o que havia na realidade
era cura e não ressurreição, na acepção legítima do termo.13

Esta outra judiciosa análise de Kardec é atualíssima, sobretudo quando


se considera os avanços científicos atuais:
Quanto à ressurreição de Lázaro, digam o que disserem, não infirma de modo
algum esse princípio. Dizem que ele já estava no sepulcro há quatro dias;
sabe-se, porém, que há letargias que duram oito dias e até mais. Acrescentam
que já cheirava mal, o que é sinal de decomposição. Esta alegação também
nada prova, visto que em certos indivíduos há decomposição parcial do corpo,
mesmo antes da morte, havendo em tal caso cheiro de podridão. A morte só
se verifica quando são atacados os órgãos essenciais à vida. Aliás, quem podia
saber que Lázaro já cheirava mal? Foi sua irmã Maria quem o disse. Mas como
sabia disso? Ela apenas o supunha, pois que Lázaro estava enterrado há quatro
dias; entretanto, não podia ter nenhuma certeza desse fato.14
Parece-nos oportuno assinalar que a ressurreição de Lázaro só foi possível por-
que os judeus não tinham o hábito de sepultar os mortos, seguindo a tradição
estipulada desde a era dos patriarcas, que consistia na lavagem e preparação
corpo, sem embalsamamento, como era usual entre os egípcios, por acredi-
tarem que os corpos mortos deveriam seguir a lei natural da decomposição
e voltar ao pó. No entanto, como a decomposição orgânica produz odores
desagradáveis, os israelitas neutralizavam essa ação envolvendo o corpo do
defunto com panos umedecidos em perfumes, essências e óleos aromáticos.
Além disso, cercavam o corpo do falecido com especiarias. Periodicamente,
durante aproximadamente um ano, faziam visitas para renovar as especiarias
e perfumes. O corpo sem vida era, então, colocado sobre uma laje no interior
de uma gruta e, cessada a decomposição, recolhiam os ossos e os guardavam
em uma caixa de cerâmica que eram depositadas em um túmulo ou caverna.
Ali encontravam inúmeras outras caixas ossuárias, como atestam as desco-
bertas arqueológicas.15

Como fechamento do estudo, enfatizamos o conteúdo do último ver-


sículo do texto evangélico: O morto saiu, com os pés e mãos enfaixados e
com o rosto recoberto com um sudário. Jesus lhes disse: Desatai-o e deixai-o
ir (Jo 11:44). O significado espiritual dessa ordenação do Mestre Nazareno
é sabiamente interpretado por Emmanuel, e a respeito da qual merece
profunda reflexão:

193
O Evangelho Redivivo – Livro V

Como Lázaro16
E o defunto saiu, tendo as mãos e os pés ligados com faixas e o seu rosto envol-
to num lenço. Disse-lhes Jesus: Desligai-o e deixai-o ir. (João, 11:44.)
O regresso de Lázaro à vida ativa representa grandioso símbolo para todos os
trabalhadores da Terra.
Os criminosos arrependidos, os pecadores que se voltam para o bem, os que
“trincaram” o cristal da consciência, entendem a maravilhosa característica
do verbo recomeçar.
Lázaro não podia ser feliz tão só por revestir-se novamente da carne perecível,
mas, sim, pela possibilidade de reiniciar a experiência humana com valores
novos. E, na faina evolutiva, cada vez que o espírito alcança do Mestre Divino
a oportunidade de regressar à Terra, ei-lo desenfaixado dos laços vigorosos...
exonerado da angústia, do remorso, do medo... A sensação do túmulo de
impressões em que se encontrava, era venda forte a cobrir-lhe o rosto...
Jesus, compadecido, exclamou para o mundo: “Desligai-o, deixai-o ir.”
Essa passagem evangélica é assinalada de profunda beleza.
Preciosa é a existência de um homem, porque o Cristo lhe permitiu o desliga-
mento dos laços criminosos com o pretérito, deixando-o encaminhar-se, de
novo, às fontes da vida humana, de maneira a reconstituir e santificar os elos
de seu destino espiritual, na dádiva suprema de começar outra vez.

REFERÊNCIAS
1 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2. imp. Brasília,
DF: FEB, 2019. cap. 13, it. 1.
2 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2. imp. Brasília,
DF: FEB, 2019. cap. 13, it. 15.
3 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 11:1-44, p. 1.871 a 1.873.
4 Disponível em: https://bibliaanotada.com.br/significado/estadio-pesos-e-me-
didas Acesso em: 2 jun. 2022.
5 DOUGLAS, J. D. (Org.). O novo dicionário bíblico. Trad. João Bentes. 3. ed.
São Paulo: Vila Nova, 2006. verbete: Betânia, p. 162.
6 THOMAS, Clayton L. (Coord.). Dicionário médico enciclopédico Taber. Trad.
Fernando Gomes do Nascimento. 17. ed. ilust. 1. Edição brasileira. Barueri,
SP: 2000. verbete: Quase-morte, experiência de, p. 1.483.

194
TEMA 19 – A RESSURREIÇÃO DE LÁZARO (JO 11:1 A 44)

7 THOMAS, Clayton L. (Coord.). Dicionário médico enciclopédico Taber. Trad.


Fernando Gomes do Nascimento. 17. ed. ilust. 1. Edição brasileira. Barueri,
SP: 2000. verbete: Extracorpórea, experiência, p. 694.
8 THOMAS, Clayton L. (Coord.). Dicionário médico enciclopédico Taber. Trad.
Fernando Gomes do Nascimento. 17. ed. ilust. 1. Edição brasileira. Barueri,
SP: 2000. verbete: Coma, p. 374.
9 THOMAS, Clayton L. (Coord.). Dicionário médico enciclopédico Taber. Trad.
Fernando Gomes do Nascimento. 17. ed. ilust. 1. Edição brasileira. Barueri,
SP: 2000. verbete: Catalepsia, p. 285.
10 THOMAS, Clayton L. (Coord.). Dicionário médico enciclopédico Taber. Trad.
Fernando Gomes do Nascimento. 17. ed. ilust. 1. edição brasileira. Barueri,
SP: 2000. verbete: Letargia, p. 1.019.
11 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2. imp. Brasília,
DF: FEB, 2019. cap. 15, it. 39.
12 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. cap. 4, it. 4.
13 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2. imp. Brasília,
DF: FEB, 2019. cap. 15. it. 39.
14 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2. imp. Brasília,
DF: FEB, 2019. cap. 15. it. 40.
15 COLEMAN, William L. Manual dos tempos e costumes bíblicos. Trad. Miriam
Talitha Lins. 2. ed. Curitiba, PR: Editora Betânia, 2017. cap. 23, its. Os funerais,
O sepultamento na era dos patriarcas, O embalsamamento, Panos de linho e
especiarias, O caixão, p. 306 a 308.
16 XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito
Emmanuel. 1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 112.

195
PARTE VI

Fim do Ministério Público e


preliminares da última Páscoa

197
O Evangelho Redivivo – Livro V

TEMA 2O

OS CHEFES JUDEUS
DECIDEM A MORTE DE
JESUS. A APROXIMAÇÃO DA
PÁSCOA (JO 11:45 A 57)

O capítulo 11 de o Evangelho segundo João encerra-se com a decisão


da morte de Jesus, defendida por representantes do clero judaico em razão
do apoio direto recebido do ex-sumo sacerdote Caifás, o qual argumentou
que seria preferível sacrificar uma só vida do que toda a nação (v. 50). Tal
decisão, que reflete a declarada limitação moral dos envolvidos, não deixa
de surpreender, mesmo considerando a época e os costumes, visto que em
qualquer cultura, os sacerdotes são considerados orientadores espirituais.
Na verdade, o fato que desencadeou essa decisão final foi a ressurreição de
Lázaro, tendo em vista a seguinte sequência de ações:
João apresenta várias reações diferentes a esse sinal. Alguns acreditam (v. 45);
alguns relatam o incidente às autoridades (v. 46); os fariseus discutiram o assunto
no Sinédrio e decidiram planejar a morte de Jesus (v. 47-53); enquanto o próprio
Jesus se retirou para o deserto. Nem mesmo um sinal tão notável como esse
[ressurreição de Lázaro] convenceria os que estavam decididos a não acreditar.
A discussão do Sinédrio concentrou-se nos sinais milagrosos. Eles não estavam
questionando o fato de Jesus estar operando sinais; o receio deles era que todos
(com exceção deles mesmos) acreditassem em Jesus. A pergunta: Que estamos
fazendo? (v. 47) era uma pergunta retórica, cuja resposta era “nada”. Mas seu
receio mais profundo eram os romanos (v. 48). O conceito que eles tinham
de pessoas crerem em Jesus era dominado por considerações políticas. [...].1

20.1 OS CHEFES JUDEUS DECIDEM A


MORTE DE JESUS (JO 11:45 A 54)2
45
Muitos dos judeus que tinham vindo à casa de Maria, tendo visto o que ele
fizera, creram nele. 46Mas alguns dirigiram-se aos fariseus e lhes disseram o
que Jesus fizera. 47Então, os chefes dos sacerdotes e os fariseus reuniram o

198
TEMA 2O – OS CHEFES JUDEUS DECIDEM A MORTE DE JESUS. A APROXIMAÇÃO DA PÁSCOA (JO 11:45 A 57)

Conselho e disseram: “Que faremos? Esse homem realiza muitos sinais. 48Se
o deixarmos assim, todos crerão nele e os romanos virão, destruindo o nosso
lugar santo e a nação”. 49Um deles, porém, Caifás, que era Sumo Sacerdote
naquele ano, disse-lhes: “Vós de nada entendeis. 50Não compreendeis que é
de vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça a nação
toda?” 51Não dizia isso por si mesmo, mas sendo Sumo Sacerdote naquele
ano, profetizou que Jesus iria morrer pela nação52 – e não só pela nação, mas
também para congregar na unidade todos os filhos de Deus dispersos. 53Então,
a partir desse dia, resolveram matá-lo. 54Jesus, por isso, não andava em público,
entre os judeus, mas retirou-se para a região próxima do deserto, para a cidade
chamada Efraim, e aí permaneceu com os seus discípulos.

A análise, ainda que breve, dessa passagem evangélica evidencia que


a sentença de morte foi a opção para eliminar adversários. Condição que
permanece nos dias atuais. A gravidade da situação revela-se maior quando
a ideia de morte de alguém procede de pessoas consideradas condutores
espirituais. O apego às coisas transitórias da existência, como posses mate-
riais, posições e cargos, alucinam, de certa forma, alguns indivíduos cujas
ações vêm, há séculos, produzindo derramamentos de sangue, perseguições
e muitos sofrimentos. Com muita clareza, João revela como os interesses
pessoais e políticos podem conduzir o ser humano ao crime, alcançando,
inclusive, pessoas que estão praticando o bem. E tem mais:
A narrativa aqui apresentada, pois, é clímax de uma série de sinais operados
pelo Senhor Jesus, descreve o dom supremo que o Logos pode propiciar aos
homens. Jesus já fora exposto como o Bom Pastor, mas aqui ele aparece como
a “ressurreição e vida”, como o despenseiro da “vida necessária”, a vida de
Deus, aos homens [...].3

Destaca-se no texto evangélico a posição de Caifás, representante do


poder supremo da religião judaica que, não só aprovou a morte de Jesus
como incentivou o clero e seguidores a agirem sem demora, apresentan-
do-lhes o seguinte argumento: “[...] Vós não percebeis que convém que um
só homem morra pelo povo, e que não pereça toda a nação. Embora tenha
dito isso motivado simplesmente pela autopreservação [...]”4, nada havia de
espiritual ou de benevolência nessa atitude, refletindo, apenas, uma decisão
política! Mas, afinal, quem foi Caifás que agiu de forma tão imprudente,
desencadeando o processo que conduziria à morte de Jesus?
Por meio de Josefo, historiador judeu, aprendemos que Caifás so-
breviveu na função de sumo sacerdote (cargo político) por quase dezoito
anos. Seu sogro Anás, o supremo líder religioso antes dele, provavelmente
manteve uma influência considerável, enquanto o genro esteve no cargo.

199
O Evangelho Redivivo – Livro V

Isso explica a estranha referência de Lucas (3:2), a qual dá a entender de que


ambos ocupavam a posição de sumo sacerdote. Essa relação provavelmente
reflete o aspecto político da situação, na qual Anás era considerado o poder
por trás do “trono”.4
A propósito, recorda-nos o benfeitor Emmanuel que “O campo de
luta permanece em nossa vida íntima. Animalidade versus espiritualidade.
Milênios de sombras cristalizadas contra a luz nascente”.5 E complementa:
E o homem, pouco a pouco, entre as alternativas de vida e morte, renascimen-
to no corpo e retorno à atividade espiritual, vai plasmando em si mesmo as
qualidades indispensáveis à ascensão, que, no fundo, constituem as virtudes
do Cristo, progressivas em cada um de nós.
Daí a razão de a Luz Divina ocupar a existência humana ou crescer dentro dela,
à medida que os dons de Jesus, incipientes, reduzidos, regulares ou enormes,
nela se possam expressar.6

Começam, naquele momento, os preparativos e ações que conduzi-


riam Jesus à morte por crucificação que, mesmo se mantendo a distância,
acompanhava tudo. O Senhor percebe, então, que outro tipo de ensinamento
deveria ser transmitido aos homens:
[...] Até aqui ele pregou as leis da fraternidade, do amor a Deus e ao próximo e
ensinou como socorrer espiritualmente aos deserdados do mundo. Agora ele
exemplificaria como perdoar aos inimigos, como orar pelos que perseguem e
caluniam, como cada um deverá carregar pacientemente sua cruz e como ser
obediente aos desígnios do Altíssimo.
No sofrimento de Jesus não há fatalidade; se ele o quisesse poderia evitá-lo.
Ele tinha o seu livre-arbítrio, e dependia apenas dele aceitar ou repelir a prova
que o Altíssimo lhe oferecia.7

As lições que Jesus transmite à humanidade terrestre indicam que, em


quaisquer circunstâncias, somente a prática do bem conduz à plenitude
espiritual. Entretanto, recorda também que a ascensão do Espírito não o
isenta das provações, que são valorosos mecanismos definidos por Deus
para o aprendizado e reparação dos atentados à Leis Divinas:
Diariamente vemos pessoas rejeitarem as provas que lhes estão destinadas; é
verdade que o que devemos, embora o resgate seja protelado momentaneamen-
te, voltará mais tarde, às vezes em circunstâncias desfavoráveis; as consequên-
cias dos atos de vidas anteriores não podem ser preteridas indefinitivamente;
um dia terão de ser resolvidas.
Com muito mais facilidade Jesus poderia livrar-se, tanto mais que ele nada
devia de existências anteriores, preferiu sujeitar-se à vontade de Deus, a fim
de beneficiar pelo exemplo aos sofredores da Terra. [...].7

200
TEMA 2O – OS CHEFES JUDEUS DECIDEM A MORTE DE JESUS. A APROXIMAÇÃO DA PÁSCOA (JO 11:45 A 57)

Ante o desenrolar das ações descritas e prevendo os acontecimentos fu-


turos, o Mestre Nazareno afasta-se do ruído das murmurações, como consta
em João (11:54): Jesus, por isso, não andava em público, entre os judeus, mas
retirou-se para a região próxima do deserto, para a cidade chamada Efraim,
e aí permaneceu com os seus discípulos. Em relação a Efraim, cidade situada
em uma área montanhosa, temos as seguintes informações:
Essa região é mencionada em 32 trechos diferentes do Antigo Testamento. [...].
A região referida ficava bem no centro da Palestina, ocupada pela tribo de
Efraim, o que lhe explica o nome. Mas também tinha outros nomes, como mon-
tanhosa de Israel (Js 11:21) e montes de Samaria (Am 3:9). Josué foi sepultado
naquelas colinas, em Timinade-Herea, no lado norte do monte Gaás (Jz 2:9).
A expressão “região montanhosa de Efraim” refere-se à cadeia central dos
montes da Samaria, da mesma maneira que todo o tabuleiro de Judá era
­chamado de “região montanhosa de Judá” [...].8

Para concluir esse assunto que trata do julgamento moral de Jesus e


as consequências daí decorrentes, a benfeitora Joanna de Ângelis pondera:
Não poucas vezes Jesus foi convidado a enfrentar esses tecelões da injúria e da
desdita alheia, caracterizados pela sordidez da hipocrisia sem disfarce, na qual
ocultavam os seus sentimentos reais, sempre prontos para acusar, desferindo
golpes impiedosos contra todos aqueles que lhes estivessem sob injunção da
observação perversa.
[...]
Os fariseus celebrizaram-se por essa capacidade sórdida, buscando equipar-se
de conhecimentos na Torá e nos demais livros sagrados [...], para melhor se
imiscuírem na observação dos atos que diziam respeito ao próximo, forma-
listas e ríspidos, não obstante interiormente como um sepulcro, todo podridão
conforme acentuou Jesus em ocasião própria.
Ainda permanece essa conduta soez em todos os segmentos da sociedade,
particularmente nos grupamentos religiosos, nos quais, aqueles que se
sentem incapazes de crescer, por acomodação mental ou incapacidade
moral, tornam-se agudos vigias dos irmãos que os ultrapassam e não me-
recem perdão, por estarem libertando-se da sombra que eles ainda sequer
identificaram...9

20.2 A APROXIMAÇÃO DA PÁSCOA (JO 11:55 A 57)10


55
Ora, a Páscoa dos judeus estava próxima, e muitos subiram do campo a
Jerusalém, antes da Páscoa, para se purificarem. 56Eles procuravam Jesus e,
estando no Templo, diziam entre si: “Que pensais? Virá ele à festa?” 57Os chefes
dos sacerdotes e os fariseus, porém, tinham ordenado que quem soubesse onde
Jesus estava, o indicasse, para que o prendessem.

201
O Evangelho Redivivo – Livro V

A Páscoa dos judeus é uma festividade tradicional que se reporta à


época da libertação da escravidão no Egito. Segundo a tradição, ocorreu
terrível praga ou doença que conduziu à morte os primogênitos varões. A
história, passada de geração em geração, pode ser assim resumida:
Essa festa é de grande importância. Sua origem acha-se profundamente liga-
da à história do povo de Israel. Está presente em todo o período do Antigo
Testamento, tendo-se estendido à era cristã, onde veio a constituir as bases
do culto da igreja primitiva.
Data. Era uma festa celebrada no dia 14 do mês nisã. Em nosso calendário
isso corresponde a um período nos meses de março e abril.
A razão. A grande importância histórica dessa festa se encontra no êxodo,
o ato redentor de Deus, pelo qual Israel se tornou povo dele. Deus instruíra
aos israelitas a que passassem sangue nos umbrais das portas para que não
sofressem a praga da matança dos primogênitos. Além disso, dera instruções
detalhadas sobre como comer o carneiro e o cabrito. E naquela noite, Deus
passou por todo o Egito e matou todos os primogênitos do sexo masculino, de
homens e animais. Mas não entrou nas casas que cuja porta estava marcada
com sangue, e nelas ninguém morreu. Então os israelitas passaram a observar
essa festa, o principal marco de sua libertação e da proteção divina.11

Em síntese, o texto joanino informa que, devido à decisão proferida


pelos chefes dos sacerdotes de aprisionar Jesus (v. 57), uma multidão des-
locou-se para Jerusalém (v. 55) por ocasião da Páscoa, mas muitos tinham
dúvidas se Jesus apareceria (v. 56). Destacamos, aliás, as indagações desses
últimos: Eles procuravam Jesus e, estando no Templo, diziam entre si: Que
pensais? Virá ele à festa? (v. 56). Carlos Torres Pastorino faz os seguintes
comentários a respeito, proferindo esta profunda e significativa indagação
para todos nós: Onde está Jesus?
A demora do Mestre com Seus discípulos, em Efraim, não foi longa, pois estava
próxima a festa da páscoa, a terceira narrada por João (cfr. 2:13 e 6:4 ss.). A
entrada em Jerusalém se daria por Betânia, pois Jesus seguia normalmente a
estrada que vinha de Jericó.
[...]
E nesse burburinho de gente de todas as partes, uma preocupação sobressaía
a tudo: viria Jesus? Sempre apareceria em Jerusalém esse profeta, de porte
régio, majestoso em sua simplicidade. Mas desta vez, a nota dominante era a
exigência do Sinédrio: sua cabeça estava “a prêmio”; quem O visse era obrigado
a denunciá-Lo.
[...]
Virá o Mestre? Quando virá? Como aparecerá? Quanto tempo demorará
conosco? A expectativa gera ansiedade, e esta perturba profundamente a

202
TEMA 2O – OS CHEFES JUDEUS DECIDEM A MORTE DE JESUS. A APROXIMAÇÃO DA PÁSCOA (JO 11:45 A 57)

percepção da chegada do Mestre que, talvez, já esteja presente, ajudando


apenas a pacificação silenciosa interior, para fazer finalmente ouvir Sua voz.12

REFERÊNCIAS
1 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes; et
al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap.11, it. 11:45-57, p. 1.579.
2 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 11:45-54, p. 1.873.
3 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 11, it.
“c”. A ressureição de Lázaro, p. 594.
4 GARDNER, Paul. (Editor). Quem é quem na bíblia sagrada. Trad. Josué Ribeiro.
São Paulo: Editora Vida, 2005. verbete: Caifás, p. 106.
5 XAVIER, Francisco Cândido. Nós. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. Brasília,
DF: FEB; São Paulo: CEU, 2022. cap. 4 – Os dons do Cristo.
6 XAVIER, Francisco Cândido. Nós. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. Brasília,
DF: FEB; São Paulo: CEU, 2022. cap. 4 – Os dons do Cristo.
7 RIGONATTI, Eliseu. O evangelho dos humildes: o evangelho de Mateus e atos
dos apóstolos explicados à luz do espiritismo. São Paulo: Pensamento, 2018.
cap. 26, p. 182.
8 CHAMPLIN, Russell Norman. Novo dicionário bíblico Champlin. Ampl. e
atual. São Paulo: Hagnos, 2018. verbete: Efraim, p. 498.
9 FRANCO, Divaldo Pereira. Jesus e o evangelho: à luz da psicologia profunda.
Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Salvador, BA: LEAL, 2000. cap. Julgamentos,
p. 82 e 83.
10 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 11:55-57, p. 1.873.
11 COLEMAN, William L. Manual dos tempos e costumes bíblicos. Trad. Miriam
Talitha Lins. 2. ed. Curitiba, PR: Editora Betânia, 2017. cap. 20, it. Páscoa, p.
277 e 278.
12 PASTORINO, Carlos Torres. Sabedoria do evangelho. v. 6. Rio de Janeiro:
Sabedoria, 1969. cap. Onde está Jesus?, p. 181.

203
O Evangelho Redivivo – Livro V

TEMA 21

A UNÇÃO DE BETÂNIA. ENTRADA


MESSIÂNICA DE JESUS EM
JERUSALÉM (JO 12:1 A 19)

Os acontecimentos singulares que assinalam os momentos finais da


passagem de Jesus no plano físico são definidos por comportamentos ambi-
valentes: há sinceras demonstrações de amor e gratidão a Ele, mas também
ações de repúdio, intrigas e perseguições. Esse quadro não deixa de refletir
o processo civilizatório humano, assinalado pelos aprendizados intelectuais
e morais, cujas ações felizes e infelizes alcançam o Espírito imortal, a curto,
médio e longo prazos. Tais comportamentos oscilantes e até contraditórios
indicam que o discernimento entre o bem e o mal é precário. Quando o ser
humano entender, efetivamente, o que é moral, saberá agir, em quaisquer
circunstâncias, com maturidade espiritual. Daí orientadores da Codificação
Espírita ensinarem:
“A moral é a regra de bem proceder, isto é, a distinção entre o bem e o mal.
Funda-se na observância da Lei de Deus. O homem procede bem, quando faz
tudo pelo bem de todos, porque então cumpre a Lei de Deus.”1

Esse discernimento, porém, não se adquire de imediato, é obra do


tempo, desenvolvido ao longo das reencarnações sucessivas. É necessário,
pois, que o ser humano aprenda a distinguir o bem e o mal, para que possa
praticar a Lei de Deus, assim entendida: “O bem é tudo o que é conforme
a Lei de Deus, e o mal é tudo o que dela se afasta. Assim, fazer o bem é
proceder de acordo com a Lei de Deus. Fazer o mal é infringir essa lei”. 2
Por tudo compreender com perfeição, cada palavra ou ação de Jesus
traziam um significado preciso, no tempo e no espaço, agindo com todos,
amigos e adversários, concedendo-lhes o tempo necessário para o devido
crescimento espiritual. Em linhas gerais, estas são as ideias que permeiam o
entendimento da passagem evangélica, objeto deste estudo, que o Evangelista
João registrou em dois episódios: unção de Betânia e entrada triunfal em

204
TEMA 21 – A UNÇÃO DE BETÂNIA. ENTRADA MESSIÂNICA DE JESUS EM JERUSALÉM (JO 12:1 A 19)

Jerusalém. Destacamos, em seguida, outros pontos significativos do texto


joanino:
O episódio da unção em Betânia é importante devido à sua ligação com o
milagre da ressurreição de Lázaro. A referência ao tempo específico (seis dias
antes da Páscoa – v. 1) deve ser importante para João e pode ser comparada
aos seis dias registrados no começo do ministério. O frasco de bálsamo de
nardo puro deve ter sido uma quantidade extremamente cara de unguento,
como fica claro pela estimativa de Judas de que seu custo equivaleria ao salário
de um ano. É provável que o unguento fosse perfume líquido [...]. Embora
ungir a cabeça fosse um procedimento normal (como registrado em Mt 26:7;
Mc 14:3), pode ser significativo o fato de João registrar a unção dos pés. [...].3

Quanto à entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, o episódio revela


de forma indelével a superficialidade dos aplausos e louvores da multidão:
naquele dia, Jesus era reverenciado, aplaudido e louvado. Pouco tempo de-
pois, manobrado pelo clero e apoiadores, o povo opta pela morte de Jesus:
Nesse período da Páscoa as multidões chegavam a ser imensas. O desejo da
multidão de saudar a Jesus contrastava novamente com a atitude da facção
oficial. O costume de usar ramos de palmeiras originou-se com a Festa dos
Tabernáculos, mas por essa época também eram utilizados em outras festas.
Saudar alguém acenando com ramos era um sinal de honra para uma pessoa
vitoriosa. O cântico Hosana vem dos Salmos 118:25-26, que era um dos salmos
cantados na peregrinação para Jerusalém. O título de Rei de Israel mostra
claramente a importância do cântico messiânico.4

A lição moral que o evangelista nos traz indica que, perante a nossa
peregrinação cristã, podemos até ser assaltados por dúvidas em razão do
pouco entendimento que ainda possuímos, mas jamais vacilar quanto ao
testemunho sincero de que o Cristo é o nosso Guia e Modelo, como acon-
selha o benfeitor espiritual:
Se aceitaste o Evangelho por abençoado roteiro de aperfeiçoamento, não te
esqueças da representação que nos cabe em toda parte.
***
A fé nos confere consolação, mas nos reveste de responsabilidade a que não
podemos fugir.
***
Somos embaixadores de Jesus onde estivermos, se a Luz d’Ele é o clarão que
nos descortina o futuro.
***
Não te esqueças de semelhante realidade para que a tua experiência religiosa
não se reduza a simples adoração improdutiva.5

205
O Evangelho Redivivo – Livro V

21.1 A UNÇÃO DE BETÂNIA (JO 12:1 A 11)6


1
Seis dias antes da Páscoa, Jesus foi a Betânia, onde estava Lázaro, que ele
ressuscitara dos mortos. 2Ofereceram-lhe aí um jantar; Marta servia e Lázaro
era um dos que estavam à mesa com ele. 3Então Maria, tendo tomado uma
libra de um perfume de nardo puro, muito caro, ungiu os pés de Jesus e os
enxugou com seus cabelos; e a casa inteira ficou cheia do perfume do bálsamo.
4
Disse, então, Judas Iscariotes, um de seus discípulos, aquele que o entregaria:
5
“Por que não se vendeu este perfume por trezentos denários” para dá-los aos
pobres?” 6Ele disse isso, não porque se preocupasse com os pobres, mas porque
era ladrão e, tendo a bolsa comum, roubava o que aí era posto. 7Disse então
Jesus: “Deixa-a; ela conservou esse perfume para o dia da minha sepultura!
8
Pois sempre tereis pobres convosco; mas a mim nem sempre tereis”. 9Uma
grande multidão de judeus, tendo sabido que ele estava ali, veio, não só por
causa de Jesus, mas também para ver Lázaro, que ele ressuscitara dos mortos.
10
Os chefes dos sacerdotes decidiram, então, matar também a Lázaro, 11pois,
por causa dele, muitos judeus se afastavam e criam em Jesus.

Esse registro evangélico nos faz compreender que ocorreram dois


relatos de unção a Jesus: um na Galileia, sendo a unção realizada por uma
mulher, considerada pecadora e penitente, conforme o registro de Lucas
(7:37 e 38); outro, aqui anotado (v. 3), cujo feito cabe a Maria de Betânia,
irmã de Lázaro e Marta. Em ambas as situações, o sentido espiritual é o
mesmo: reverência, atenção, gratidão, amor e respeito a Jesus, pois a ação
de ungir era para a tradição do Judaísmo uma prática considerada sagrada
ou santa, porque trazia o sentido implícito do “derramamento” do Espírito
de Deus sobre a pessoa ungida. Era por esse motivo que os doentes eram
ungidos com azeite, como relata Tiago (5:14), a fim de receberem as bên-
çãos de Deus. Dessa forma, a unção era realizada em situações especiais,
demonstrando-se grande devoção e cuidados a alguém.7
A unção realizada por Maria, utilizando o perfume de nardo puro
(v. 3), foi, a despeito da crítica de Judas (v. 4 e 5), considerada por Jesus como
um simbolismo representativo do seu sepultamento (v. 7), que vemos, hoje,
estava próximo. Talvez Maria tivesse alguma intuição a respeito, conside-
rando a decisão do Sinédrio de prender Jesus. O certo é que ela, segundo a
tradição, deveria acreditar que Deus estaria abençoando o Senhor, a quem
tanto amava e era devotada, assim como os seus irmãos Lázaro e Marta.
O fragrante óleo-essência obtido da Nardostachys jatamansi, uma planta
perene da família da valeriana, mas dotada de raízes ainda mais perfumadas.
É nativa do norte da Índia, onde até hoje é usada para perfumar os cabe-
los. Nos tempos bíblicos, o nardo era importado em receptáculos selados

206
TEMA 21 – A UNÇÃO DE BETÂNIA. ENTRADA MESSIÂNICA DE JESUS EM JERUSALÉM (JO 12:1 A 19)

de alabastro, que só eram abertos em ocasiões especiais (Mc 14:3; Jo 12:3)


Em Ct 1:12; 4:13 s., temos referência ao nardo como um perfume. O nardo
do NT era descrito como pistiche, um termo obscuro que provavelmente
­significa “genuíno”, “puro”.8

A multidão de judeus que se encontrava em Betânia seguira Jesus,


porém estava mais curiosa em ver Lázaro, o ressuscitado, como consta em
João (12:9). Assim, a despeito das frequentes referências à família de Betânia,
entendemos ser importante transmitir algumas informações biográficas
relacionadas aos três irmãos que “[...] estavam entre os mais próximos de
Jesus”9, refletindo que ações no bem podem representar causa de discórdias
entre Espíritos moralmente imperfeitos e destituídos de algum conheci-
mento espiritual.

21.1.1 MARIA DE BETÂNIA


Era irmã de Marta e Lázaro (Jo 11:1). Seu nome é citado em três
eventos: O primeiro, descrito por Lucas (10:38 a 42), informa que Maria e
Marta receberam Jesus em sua casa, ocasião em que Maria posta-se aos pés
do Mestre para ouvi-lo, enquanto Marta, preocupada, cuidava dos prepa-
rativos para a refeição. Foi alertada por Jesus para não se preocupar com
tantas coisas, pois Maria tinha escolhido a melhor parte (Lc 10:41 e 42). O
segundo encontro, relatado por João (11:1 a 47), trata-se da ressurreição
de Lázaro, propriamente dita. O terceiro episódio, objeto do nosso estudo,
ocorreu pouco tempo depois da ressurreição de Lázaro, quando a família
oferece um jantar a Jesus, Marta servia Jesus e Lázaro, enquanto Maria unge
o Senhor (Jo 12:1 a 3).9
Maria é descrita na Bíblia como uma mulher muito dedicada ao ministério
de Jesus, que sem dúvida era um amigo muito chegado de sua família. Era
também uma discípula com uma profunda fé no Senhor. Embora seja men-
cionada apenas nesses três incidentes, é vista como uma ouvinte atenta dos
ensinos do Cristo e que se postou a seus pés em adoração, em duas ocasiões.
Jesus afirmou que seu ensino e trabalho eram dirigidos a pessoas como Maria,
que criam e confiavam nele.10

21.1.2 MARTA
“Mencionada nos evangelhos de Lucas e de João, era uma discípula e
seguidora fiel de Cristo, muito estimada por Ele (Jo 11:5).”10
Marta vivia com seus dois irmãos, Maria e Lázaro, na pequena vila de Betânia
(Jo 11:1), localizada nas encostas ao leste do Monte das Oliveiras; Jesus os

207
O Evangelho Redivivo – Livro V

visitava frequentemente, quando estava em Jerusalém (Lc 10:38). De fato, es-


teve com eles nas semanas antes de ser preso e crucificado (Mt 21:27). Marta é
bem conhecida como a que estava sempre envolvida e sobrecarregada com os
afazeres diários. É por isso que muitas pessoas se identificam com ela. Quando
recebia Jesus em sua casa, ficava tão atarefada com os trabalhos domésticos
que perdia os bons momentos de comunhão com Ele e que seus dois irmãos
desfrutavam (Lc 10:30 a 42; Jo 12:2).
Apesar disso, Marta não deve ser criticada por seu comportamento. Suas
atitudes revelavam lealdade para com o Senhor Jesus. Seu caráter sincero é
demonstrado por sua fé honesta e firme. [...] Marta era uma seguidora leal de
Jesus, cria nele e o servia com devoção e zelo.11

21.1.3 LÁZARO
“Em João, 11:1-12;19, [consta que] era o irmão de Maria e Marta, os
quais viviam em Betânia, Jesus muitas vezes hospedou-se na casa deles
(Lc 10:38-42) e tinha uma profunda afeição pelos três irmãos (Jo 11:3-5;
33, 35).” 12
Lázaro ficou gravemente enfermo, e suas irmãs enviaram uma mensagem a
Jesus, a fim de que Ele viesse curá-lo. Ao receber a notícia, Cristo falou que
aquela doença não resultaria na morte de Lázaro, mas sim na revelação da
glória de Deus (Jo 11:4).
Depois de uma longa jornada (Jo 11:17), Jesus foi recebido por Marta
quatro dias após o sepultamento de Lázaro. [...] Jesus dirigiu-se ao tú-
mulo e ordenou que a pedra que selava a entrada fosse removida. Pela fé,
apesar do mau cheiro, obedeceram, e Cristo orou em voz alta para que a
ressurreição miraculosa de Lázaro inspirasse fé nas pessoas. Com uma
palavra de comando, dirigida para dentro do túmulo, Lázaro retornou à
vida e saiu do túmulo.
O milagre de Jesus inspirou a fé em algumas pessoas (Jo 11:45), mas a notícia
provocou um complô no Sinédrio para matar o Filho de Deus. (Jo 11:53).13

A despeito das simpatias e antipatias que a pregação de Jesus desper-


ta nas pessoas, entre as quais muitas se transformaram em verdadeiros
­discípulos, o certo é que a multidão de judeus que seguiu Jesus a Betânia
estava mais interessada em ver Lázaro que fora ressuscitado (v. 9). Essa
situação aumentou a animosidade dos chefes dos sacerdotes que, surpreen-
dentemente, decidem, então, também matarem Lázaro (v. 10), porque,
segundo a limitada interpretação deles, foi por causa da ressureição de
Lázaro que muitos judeus se afastavam da religião judaica e seguiam Jesus
(v. 11). Emmanuel esclarece a respeito desta outra equivocada deliberação
do colégio sacerdotal judaico:

208
TEMA 21 – A UNÇÃO DE BETÂNIA. ENTRADA MESSIÂNICA DE JESUS EM JERUSALÉM (JO 12:1 A 19)

Também tu14
E os principais dos sacerdotes tomaram a deliberação
de matar também a Lázaro. (João, 12:10.)
Interessante observar as cogitações do farisaísmo, relativamente a Lázaro, nas
horas supremas de Jesus.
Não bastava a crucificação do Mestre.
Intentava-se, igualmente, a morte do amigo de Betânia.
Lázaro fora cadáver e revivera, sepultara-se nas trevas do túmulo e regressara
à luz da vida. Era, por isso, uma glorificação permanente do Salvador, uma
cura insofismável do Médico Divino. Constituiria em Jerusalém a carta viva
do poder do Cristo, destoava dos conterrâneos, tornara-se diferente.
Considerava-se, portanto, indispensável a destruição dele.
O farisaísmo dos velhos tempos ainda é o mesmo nos dias que passam, apenas
com a diferença de que Jerusalém é a civilização inteira. Para ele, o Mestre deve
continuar crucificado e todos os Lázaros ressurgirão sentenciados à morte.
Qualquer homem, renovado em Cristo, incomoda-o.
Há participantes do Evangelho que se sentem verdadeiramente ressuscitados,
trazidos à claridade da fé, após atravessarem o sepulcro do ódio, do crime,
da indiferença...
O farisaísmo, entretanto, não lhes tolera a condição de redivivos, a demonstra-
rem a grandeza do Mestre. Instala perseguições, desclassifica-os na convenção
puramente humana, tenta anular-lhes a ação em todos os setores da experiência.
Somente os Lázaros que se unam ao amor de Jesus conseguem vencer o terrível
assédio da ignorância.
Tem, pois, cuidado contigo mesmo.
Se te sentes trazido da sombra para a luz, do mal para o bem, ao sublime
influxo do Senhor, recorda que o farisaísmo, visível e invisível, obedecendo a
impulsos de ordem inferior, ainda está trabalhando contra o valor de tua fé e
contra a força de teu ideal.
Não bastou a crucificação do Mestre.
Também tu conhecerás o testemunho.

21.2 ENTRADA MESSIÂNICA DE JESUS EM


JERUSALÉM (JO 12:12 A 19)15
12
No dia seguinte, a grande multidão que viera para a festa, sabendo que
Jesus vinha a Jerusalém, 13tomou ramos de palmeira e saiu ao seu encontro,
clamando: “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor e o rei de Israel!”
14
Jesus, encontrando um jumentinho, montou nele, como está escrito: 15Não
temas, filha de Sião! Eis que vem o teu rei montando num jumentinho! 16Os

209
O Evangelho Redivivo – Livro V

discípulos, a princípio, não compreenderam isso; mas quando Jesus foi glori-
ficado, lembraram-se de que essas coisas estavam escritas a seu respeito e que
elas tinham sido realizadas. 17A multidão, que estava com ele quando chamara
Lázaro do sepulcro e o ressuscitara dos mortos, dava testemunho. 18E por isso,
a multidão saiu ao seu encontro: soubera que ele havia feito esse sinal. 19Os
fariseus então disseram uns aos outros: “Vede: nada conseguis. Todo mundo
vai atrás dele!”

João transmite nessa passagem do Evangelho a significativa polarização


de ideias que existia naquele momento histórico, quando o Senhor esteve
conosco em sua breve existência física: de um lado, encontrava-se o povo
ansioso pela vinda de Messias que o libertaria do jugo romano e das imposi-
ções de autoridades, administrativas e religiosas; do outro, há os interesses de
poder e domínio dos religiosos, sobretudo dos seus chefes, que decretaram a
morte de Jesus. Entre um extremo e outro, Jesus seguia sereno, caminhando
junto e unido com os seus fiéis discípulos, imune aos aplausos superficiais e
aos propósitos de perseguição. Mesmo entre os seguidores de Jesus, o nível
de compreensão relativa à missão de Jesus era bastante heterogêneo:
Parece haver duas multidões diferentes mencionadas nos v. 17 e 18. Um grupo
tinha visto o milagre da ressurreição de Lázaro, o outro tinha apenas ouvido
falar sobre o fato. Os acontecimentos provocaram desespero por parte dos
fariseus, pois não seria tão fácil para eles dar continuidade à realização do seu
plano. Há certo exagero desesperador da parte deles em alegar que o mundo
inteiro vai atrás dele (cf. v. 42, 43).16

A fama de Jesus era enorme, tinha se espalhado por toda parte, na


Palestina e além, entre os povos gentílicos:
[...] Ao saber de sua chegada, o povo acorreu para vê-lo e, numa manifestação
espontânea de apreço, entoa-lhe louvores. Mais tarde, esses mesmos corações,
guiados pelos sacerdotes interesseiros, pediriam a libertação de Barrabás e a
condenação do Justo. [...].17

Todos os ensinamentos, atos e exemplos do Mestre Nazareno revelaram


ser Ele o Messias aguardado, o Mensageiro Divino. O Senhor revelou-se nos
mínimos detalhes, fazendo cumprir as informações das Escrituras Sagradas.
Inclusive, o fato de ele ser transportado por um jumentinho na sua última
entrada em Jerusalém reportava-se a uma profecia de Zacarias: alegra-te
muito, ó filha de Sião; exulta, ó filha de Jerusalém; eis que o teu rei virá a ti,
justo e salvo, pobre, e montado sobre um jumento, e sobre um jumentinho.
(Zc 9:9). A respeito, afirmou Cairbar Schutel:
Jesus, na sua missão, preencheu todas as formalidades divinas para que
os homens o conhecessem e n’Ele cressem, sem mesmo deixar à margem

210
TEMA 21 – A UNÇÃO DE BETÂNIA. ENTRADA MESSIÂNICA DE JESUS EM JERUSALÉM (JO 12:1 A 19)

as profecias que anunciavam os caracteres distintos da sua extraordinária


individualidade.18

João de Jesus Moutinho, por sua vez, destaca que, a ovação do povo,
que, em momento de emoção, o chamava de Bendito e pronunciava hosanas
irritou profundamente os chefes religiosos que, a partir desse momento,
mudariam de estratégia junto ao povo, a fim de condenar Jesus à morte,
como realmente aconteceu pouco tempo depois: as exclamações de júbilo,
atribuindo-lhe a condição do Grande Esperado, contrariam as autorida-
des religiosas que lhe pedem para repreender a multidão, dele ouvindo as
seguintes palavras: Asseguro-vos que, se o povo se calar, as próprias pedras
clamarão (Lucas, 19:38 a 40).
Cavalgando modesto animal de serviço, na curta viagem que o conduz a
Jerusalém, com destino à via crucial, Jesus consagra expressiva lição de paz,
trabalho e serenidade – fundamentos da vida e do progresso – num contraste
às ruidosas demonstrações de poder e força com que os príncipes da Terra
se destacam, cavalgando animais de raça, onde demonstram prepotência,
escravidão e morte.19

Ontem, como hoje, a Humanidade continua sem entender a mensagem


do Cristo, que nos fala do amor a Deus e ao próximo. Os mensageiros da paz,
tal como Jesus Cristo, o maior de todos, ainda continuam a ser desprezados
e perseguidos, como lembra Joanna de Ângelis:
A Humanidade não podia compreender o que se estava passando, quando se
Lhe ouviu a voz dúlcida e forte envolta em paz, enfrentando os abutres das
guerras que devoram os cadáveres das nações vencidas.20

A benfeitora prossegue em seus esclarecimentos:


Uma revolução de ideias, como nunca antes acontecera, passou a soar de
quebrada em quebrada, alterando a geografia dos corações humanos antes
em desespero...
Tratava-se de uma voz que nenhuma tempestade lograva silenciar ou dimi-
nuir-lhe o impacto incomum.
[...]
Apesar de ser dirigida aos abandonados pelo mundo, alcançava patamares
elevados e contribuía para a instalação da justiça e da solidariedade entre os
que se hostilizavam terrivelmente.
[...]
Ele cantava humildade e a renúncia, vivendo com total simplicidade, e desa-
gradava aos que cultivavam o orgulho e a posse.
A inveja e a sordidez passaram a segui-lO.21

211
O Evangelho Redivivo – Livro V

Fica, assim, registrada a grande lição em Jerusalém, na feliz expressão


de Irmão X, que, ao analisar o significativo episódio da entrada gloriosa
de Jesus em Jerusalém, marcado pelo júbilo das emoções num momento e
pelo desinteresse, abandono e rejeição posteriores, conclui:
Desde essa hora, compreendendo que Jesus cumpria, acima de tudo, a Vontade
de Deus, longe de qualquer disputa com os homens, a multidão abandonou-o.
Os discípulos, reconhecendo também que ele desprezava todos os cálculos de
probabilidade do triunfo político, retraíram-se, desapontados. E, desde esse
instante, a perseguição do Sinédrio tomou vulto e o Messias, sozinho com a
sua dor e com a sua lealdade, experimentou a prisão, o abandono, a injustiça,
o açoite, a ironia e a crucificação.
Essa, foi uma das últimas lições d’Ele, entre as criaturas, dando-nos a conhecer
que é muito fácil cantar hosanas a Deus, mas muito difícil cumprir-lhe a Divina
Vontade, com o sacrifício de nós mesmos.22

REFERÊNCIAS
1 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed.
10. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. q. 629.
2 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed.
10. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. q. 630.
3 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes; et
al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 12:1-50, it. 12:1-8, p. 1.580.
4 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes; et al.
1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 12:1-50, it. 12:12-19, p. 1.581.
5 XAVIER, Francisco Cândido. Alvorada do reino. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed.
1. imp. Brasília: FEB; São Paulo: IDEAL: 2021. cap. 5 – Na peregrinação Cristã.
6 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 12:1-11, p. 1.873 e 1.874.
7 DOUGLAS, J. D. (Org.). O novo dicionário bíblico. Trad. João Bentes. 3. ed.
São Paulo: Vida Nova, 2006. verbete: Unção/Ungido, p. 1.361 e 1.362.
8 DOUGLAS, J. D. (Org.). O novo dicionário bíblico. Trad. João Bentes. 3. ed.
São Paulo: Vida Nova, 2006. verbete: Nardo, p. 915.
9 GARDNER, Paul. (Editor). Quem é quem na bíblia sagrada. Trad. Josué Ribeiro.
São Paulo: Editora Vida, 2005. verbete: Maria, de Betânia, p. 438 e 439.
10 GARDNER, Paul. (Editor). Quem é quem na bíblia sagrada. Trad. Josué Ribeiro.
São Paulo: Editora Vida, 2005. verbete: Maria, de Betânia, p. 439.

212
TEMA 21 – A UNÇÃO DE BETÂNIA. ENTRADA MESSIÂNICA DE JESUS EM JERUSALÉM (JO 12:1 A 19)

11 GARDNER, Paul. (Editor). Quem é quem na bíblia sagrada. Trad. Josué Ribeiro.
São Paulo: Editora Vida, 2005. verbete: Marta, p. 439 e 440.
12 GARDNER, Paul. (Editor). Quem é quem na bíblia sagrada. Trad. Josué Ribeiro.
São Paulo: Editora Vida, 2005. verbete: Lázaro, p. 406.
13 GARDNER, Paul. (Editor). Quem é quem na bíblia sagrada. Trad. Josué Ribeiro.
São Paulo: Editora Vida, 2005. verbete: Lázaro, p. 406 e 407.
14 XAVIER, Francisco Cândido. Vinha de luz. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 61.
15 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 12:12-19, p. 1.874.
16 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 12:1-50, it. 12:12-19,
p. 1.581.
17 RIGONATTI, Eliseu. O evangelho dos humildes: o evangelho de Mateus e atos
dos apóstolos explicados à luz do espiritismo. 1. ed. São Paulo: Pensamento,
2018. cap. 21, p. 148.
18 SCHUTEL, Cairbar. O espírito do cristianismo. 8. ed. Matão, SP: Casa Editora
O Clarim, 2001. cap. 31 – Entrada triunfal em Jerusalém.
19 MOUTINJO, João de Jesus. Código do reino: interpretações bíblicas e evan-
gélicas à luz da codificação kardequiana. Parte I. 2. ed. 1. imp. Brasília, DF:
FEB, 2012. 2ª pt., cap. 31 – Divino embaixador.
20 FRANCO, Divaldo Pereira. Rei triunfante. Pelo Espírito Joanna de Ângelis.
(Mensagem psicográfica transmitida na sessão mediúnica da noite de 24 de
setembro de 2018, no Centro Espírita Caminho da Redenção. Salvador, Bahia).
In: Mundo Espírita, ano 90, n. 1.660, nov. 2022.
21 FRANCO, Divaldo Pereira. Rei triunfante. Pelo Espírito Joanna de Ângelis.
(Mensagem psicográfica transmitida na sessão mediúnica da noite de 24 de
setembro de 2018, no Centro Espírita Caminho da Redenção. Salvador, Bahia).
In: Mundo Espírita, ano 90, n. 1.660, nov. 2022.
22 XAVIER, Francisco Cândido. Lázaro redivivo. Pelo Espírito Irmão X. 13. ed.
4. imp. Brasília, DF: FEB, 2020. cap. 17 – Lição em Jerusalém.

213
O Evangelho Redivivo – Livro V

TEMA 22

JESUS ANUNCIA SUA


GLORIFICAÇÃO ATRAVÉS
DA MORTE. CONCLUSÃO:
A INCREDULIDADE DOS
JUDEUS (JO 12:20 A 50)

Temos aqui uma narrativa que incluem detalhes não encontrados nos
evangelhos sinópticos, descritos apenas pelo Evangelista João, possivelmente
com o objetivo de demonstrar qual seria a destinação futura do Evangelho
de Jesus, como esclarece respeitável estudioso estadunidense Norman
Russell Champlin:1
1) Serve de profecia sobre como a mensagem cristã haveria de
universalizar-se, não sendo uma mensagem local, como era o
­Judaísmo. Os gregos, isto é, os pagãos haveriam de beneficiar-se
da mensagem sobre Jesus e haveriam de fazer-se seus discípulos.
2) Serve também para o reflexo, pois, quando este quarto evange-
lho foi escrito, a missão entre os gentios já estava bastante desen-
volvida e já havia obtido sucesso em todas as porções do mundo
­greco-romano. A igreja cristã fora estabelecida em todos os cen-
tros importantes do mundo então conhecido, e o nome do Cristo
já fora proclamado por toda parte.
3) É também símbolo da atração universal exercida pelo Cristianis-
mo, em contraste com o apelo meramente local do Judaísmo.
4) Ilustra, dentro da polêmica cristã, o fato de que, embora a maioria
dos judeus tenha rejeitado a Jesus, por motivo de sua obstinação,
a mensagem e a pessoa de Cristo são o dom valioso de Deus –
­Jesus é o Messias.
5) Jesus viu no fato de os gregos pretenderem aproximar-se d’Ele um
sinal de que a sua hora de sofrimento e glorificação já se havia

214
TEMA 22 – JESUS ANUNCIA SUA GLORIFICAÇÃO ATRAVÉS DA MORTE. (JO 12:20 A 50)

avizinhado, porquanto havia profecias no sentido de que existiam


outras ovelhas que também teriam de ser trazidas para o redil
(ver Jo 10:16).
6) Jesus demonstra a superioridade da mensagem cristã sobre todas
as religiões.

22.1 JESUS ANUNCIA SUA GLORIFICAÇÃO


ATRAVÉS DA MORTE (JO 12:20 A 36)2
20
Havia alguns gregos, entre os que tinham subido para adorar, durante a
festa. 21Eles aproximaram-se de Filipe, que era de Betsaida da Galileia e lhe
pediram: “Senhor, queremos ver Jesus!” 22Filipe vem a André e lho diz; André
e Filipe o dizem a Jesus. 23Jesus lhes responde: “É chegada a hora em que será
glorificado o Filho do Homem. 24Em verdade, em verdade, vos digo: Se o grão
de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produ-
zirá muito fruto. 25Quem ama sua vida a perde e quem odeia a sua vida neste
mundo guardá-la-á para a vida eterna. 26Se alguém quer servir-me, siga-me;
e onde estou eu, aí também estará o meu servo. Se alguém me serve, meu
Pai o honrará. 27Minha alma está agora conturbada. Que direi? Pai, salva-me
desta hora? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim. 28Pai, glorifica
o teu nome”. Veio, então, uma voz do céu: “Eu o glorifiquei e o glorificarei
novamente!” 29A multidão, que ali estava e ouvira, dizia ter sido um trovão.
Outros diziam: “Um anjo falou-lhe”. 30Jesus respondeu: “Essa voz não ressoou
para mim, mas para vós. 31É agora o julgamento deste mundo, agora o príncipe
deste mundo será lançado abaixo; 32e, quando eu for elevado da terra, atrai-
rei todos a mim”. 33Assim falava para indicar de que morte deveria morrer.
34
Respondeu-lhe a multidão: “Sabemos, pela Lei, que o Cristo permanecerá
para sempre. Como dizes: ‘É preciso que o Filho do Homem seja elevado’?
Quem é esse Filho do Homem?” 35Jesus lhes disse: “Por pouco tempo a luz
está entre vós. Caminhai enquanto tendes luz, para que as trevas não vos
apreendam: quem caminha nas trevas não sabe para onde vai! 36Enquanto
tendes a luz, crede na luz, para vos tornardes filhos da luz”. Após ter dito isso,
Jesus retirou-se e se ocultou deles.

Entre inúmeras crenças do Judaísmo, duas se destacavam por serem


consideradas artigos de fé: os judeus eram o povo escolhido por Deus
que, por meio do advento de um Messias, iria tornar o Judaísmo crença
generalizada no mundo. Tal concepção decorre da interpretação literal dos
textos sagrados, desconhecendo que, para um ensinamento ser considerado
universal, deve atender à diversidade de crenças e cultura de pessoas e cole-
tividades. Acrescenta-se a esse fato a necessidade de estender o olhar além
da realidade física e cotidiana, a fim de que possa perceber que o Espírito é

215
O Evangelho Redivivo – Livro V

imortal e que a sua vida continua na dimensão extrafísica, após a morte do


corpo físico. Esse entendimento é o segredo da vida, como lembra Vinícius:
A vida verdadeira, a única vida, é a do Espírito. A que se revela através das
formas organizadas é, apenas, o reflexo daquela, tal como a luz da Lua não
passa de reflexo do Sol.
O corpo humano vive graças às constantes permutas que nele se processam.
Há células que se renovam em poucos dias. Deram o que tinham, morreram
e ressurgiram em novos corpos hauridos na fonte da vida eterna.3

Com a visita dos gregos, politeístas por formação, Jesus aproveita a


oportunidade para anunciar a sua glorificação (v. 23), indicando que os
seus ensinamentos seriam aceitos pelos que acreditavam em Deus único e
também pelos não crentes ou politeístas. Entretanto, a sua glorificação não
seria isenta de sacrifícios, dele próprio e dos seus discípulos, expresso em
João (12:24 e 25): Em verdade, em verdade, vos digo: Se o grão de trigo que
cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muito
fruto. Quem ama sua vida a perde e quem odeia a sua vida neste mundo
guardá-la-á para a vida eterna.
O milagre da multiplicação dos pães, cotidianamente reproduzido no seio
da terra, opera-se mediante o sacrifício da semente. É necessário que ela se
renuncie, dando-se a si mesma, para que a vida, nela oculta, se manifeste em
toda a sua pujança. “Quem renuncia a sua vida neste mundo, conservá-la-á,
para a eternidade.”
O egoísmo é contraproducente em suas expressões. Destrói e espalha, preten-
dendo manter e ajuntar. Quem dá a vida da forma aumenta a vida real, que é
a do Espírito. Sujeitando a vida do corpo, que é a reflexa, à vida do Espírito,
que é a verdadeira, fazemos crescer em nós o potencial da vida, percebendo-a
e sentindo-a em grau cada vez mais elevado.4

Vemos, assim, que uma verdade só tem caráter universalista quando


é válida para todos os indivíduos e coletividades humanas, ideias que so-
bressaem no registro de João, ora enfocado. Há também outra ideia que
se destaca no texto joanino (aliás, em todo o Evangelho de João): Jesus, o
Filho do Homem, é o Messias de Deus, conforme anunciaram as profecias,
inclusive as de Isaías citadas na passagem evangélica. Infelizmente, Jesus
foi rejeitado, perseguido e condenado à morte por judeus, sobretudo pela
maioria dos representantes do clero judaico e por autoridades políticas
e administrativas de Israel, visto que aguardava a vinda de um Messias
guerreiro, político e dominador. Tal forma de proceder teve o poder de lhes
manter vedados os olhos e os ouvidos às percepções espirituais, inclusive
as existentes na Torah e em outros livros da tradição religiosa.

216
TEMA 22 – JESUS ANUNCIA SUA GLORIFICAÇÃO ATRAVÉS DA MORTE. (JO 12:20 A 50)

O certo é que o Messias anunciado nas Escrituras veio, mas não foi
reconhecido em face da cegueira espiritual existente, que não lhes permitia
ir além das aparências da verdade. Entretanto, por três anos seguidos, Ele
conviveu intensamente com judeus e povos gentílicos; anunciou a vinda
do Reino de Deus e, pelo exemplo e sinais, ensinou como praticar a Lei
de Amor. Sabemos, porém, que os verdadeiros discípulos entenderam o
significado desta afirmativa do Mestre Nazareno: Se alguém quer servir-me,
siga-me; e onde estou eu, aí também estará o meu servo. Se alguém me serve,
meu Pai o honrará. (Jo 12:26).
Emmanuel esclarece a respeito:
Frequentemente, as organizações religiosas e mormente as espiritistas, na
atualidade, estão repletas de pessoas ansiosas por um conforto.
De fato, a elevada Doutrina dos Espíritos é a divina expressão do Consolador
Prometido. Em suas atividades resplendem caminhos novos para o pensamento
humano, cheios de profundas consolações para os dias mais duros.
No entanto, é imprescindível ponderar que não será justo querer alguém
confortar-se, sem se dar ao trabalho necessário...
Muitos pedem amparo aos mensageiros do Plano Invisível; mas como recebê-lo,
se chegaram ao cúmulo de abandonar-se ao sabor da ventania impetuosa que
sopra, de rijo, nos resvaladouros dos caminhos?
Conforto espiritual não é como o pão do mundo, que passa, mecanicamente,
de mão em mão, para saciar a fome do corpo, mas, sim, como o Sol, que é o
mesmo para todos, penetrando, porém, somente nos lugares onde não se haja
feito um reduto fechado para as sombras.
Os discípulos de Jesus podem referir-se às suas necessidades de conforto. Isso
é natural. Todavia, antes disso, necessitam saber se estão servindo ao Mestre
e seguindo-o. O Cristo nunca faltou às suas promessas. Seu Reino Divino
se ergue sobre consolações imortais; mas, para atingi-lo, faz-se necessário
seguir-lhe os passos e ninguém ignora qual foi o caminho de Jesus, nas pedras
deste mundo.5

Com aguçada sensibilidade, Joanna de Ângelis assinala em poucas


palavras o significado da missão Jesus:
Quando o Sublime Governador da Terra se corporificou entre os homens,
considerou o trabalho, atendendo aos impositivos da ação na comunidade;
respeitou a indumentária, submetendo-se às contingências da época; manteve
amigos em círculo de afeição, atento à vida em sociedade; aceitou problemas
comuns, compreendendo as limitações mentais dos que O cercavam; mas,
sobretudo, preparou-se para o serviço de salvação dos Espíritos, entregando-
-se, Ele mesmo, às maiores renúncias, às mais pungentes dores, às mais graves
aflições para, através da cruz, em morte imerecida, atestar que as fronteiras

217
O Evangelho Redivivo – Livro V

do Reino da Alegria Perfeita começam com as primeiras tintas da madrugada,


que brilha na esfera excelsa da Imortalidade, depois de todas as preocupações,
vencida a morte...6

Dos versículos 27 ao 33, Jesus anuncia a morte e os sacrifícios que lhe


seriam impostos pelos que não acatavam os seus ensinamentos e o rejeita-
vam como Messias. Logo após este anúncio, Ele faz uma rogativa a Deus:
Pai, glorifica o teu nome. (Jo 12:28) que, em outras palavras, a expressão “em
teu nome” “designa o próprio Deus, o Pai e Criador”: “[...] Jesus se oferece
à morte para realizar a obra que glorificará o Pai, manifestando o seu amor
ao mundo [...]”.7 Em seguida à rogativa do Senhor, uma voz materializa-se
e reverbera no ar, na forma de pneumatofonia, fenômeno de efeito físico,
que anuncia às pessoas presentes: Eu o glorifiquei e o glorificarei novamente!
(Jo 12:28). Ciente da perplexidade que tomou a multidão – uns dizendo que
foi o som de um trovão e outros que foi a voz de um anjo –, Jesus afirma
incisivamente: Essa voz não ressoou para mim, mas para vós! (Jo 12:30).
A História nos informa que, a partir desses acontecimentos, os ânimos
ficariam cada vez mais acirrados, motivando as autoridades religiosas a
unirem-se aos herodianos para perseguir e condenar Jesus à morte.
Emmanuel interpreta aquele momento histórico da vida do Cristo:
A lição de Jesus, neste passo do Evangelho, é das mais expressivas.
Ia o Mestre provar o abandono dos entes amados, a ingratidão de beneficiários
da véspera, a ironia da multidão, o apodo na via pública, o suplício e a cruz,
mas sabia que ali se encontrava para isto, consoante os desígnios do Eterno.
Pede a proteção do Pai e submete-se na condição do filho fiel.
Examina a gravidade da hora em curso, todavia reconhece a necessidade do
testemunho.
E todas as vidas na Terra experimentarão os mesmos trâmites na escala infinita
das experiências necessárias.
[...]
Quando, pois, te encontrares em luta imensa, recorda que o Senhor te con-
duziu a semelhante posição de sacrifício, considerando a probabilidade de
tua exaltação, e não te esqueças de que toda crise é fonte sublime de espírito
renovador para os que sabem ter esperança.8

Os versículos 35 e 36 fazem o fechamento do anúncio da glorificação


de Jesus pela sua morte, indicando exemplo de sacrifício pela humanidade
terrestre que Ele aceitou conduzir ao aprisco divino:
Jesus lhes disse: “Por pouco tempo a luz está entre vós. Caminhai enquanto
tendes luz, para que as trevas não vos apreendam: quem caminha nas trevas

218
TEMA 22 – JESUS ANUNCIA SUA GLORIFICAÇÃO ATRAVÉS DA MORTE. (JO 12:20 A 50)

não sabe para onde vai! Enquanto tendes a luz, crede na luz, para vos tor-
nardes filhos da luz”. Após ter dito isso, Jesus retirou-se e se ocultou deles.
(Jo 12:35 e 36).

Vemos, assim, que o momento preciso para lançarmos as balizas da


nossa felicidade é agora, enquanto há um pouco de luz espiritual em nosso
Espírito:
Hoje é o tema fundamental nas proposições do tempo.
Ontem, retaguarda. Amanhã, porvir.
Hoje, no entanto, é a oportunidade adequada a corrigir falhas havidas e
executar o serviço à frente... Dia de começar experiências que nos melhorem
ou reajustem; de consultar essa ou aquela página edificante que nos iluminem
a rota; de escrever a mensagem ao coração amigo que nos aguarda a palavra a
fim de reconfortar-se ou assumir uma decisão; de promover o encontro que nos
valorize as esperanças; de estender as mãos aos que se nos fizeram adversários
ou de orar por eles se a consciência não nos permite ainda a reaproximação!...9
Observa o tempo que se chama hoje. Relaciona os recursos de que dispões:
olhos que veem, ouvidos que escutam, verbo claro, braços e pernas úteis sob
controle do cérebro livre!...10

22.2 CONCLUSÃO: A INCREDULIDADE


DOS JUDEUS (JO 12:37 A 50)11
37
Apesar de ter realizado tantos sinais diante deles, não creram nele, 38a fim
de se cumprir a palavra dita pelo profeta Isaías: Senhor, quem creu em nossa
palavra? E o braço do Senhor, a quem foi revelado? 39Não podiam crer, porque
disse ainda Isaías: 40Cegou-lhes os olhos e endureceu-lhes o coração, para que
seus olhos não vejam, seu coração não compreenda e não se convertam e eu
não os cure.
41
Isaías disse essas palavras, porque contemplou a sua glória e falou a respeito
dele. 42Contudo, muitos chefes creram nele, mas, por causa dos fariseus,
não o confessavam, para não serem expulsos da sinagoga, 43pois amaram
mais a glória dos homens do que a de Deus. 44Jesus clamou: “Quem crê em
mim não é em mim que crê, mas em quem me enviou, 45e quem me vê, vê
aquele que me enviou. 46Eu, a luz, vim ao mundo para que aquele que crê
em mim não permaneça nas trevas. 47Se alguém ouvir minhas palavras e
não as guardar, eu não o julgo, pois não vim para julgar o mundo, mas para
salvar o mundo. 48Quem me rejeita e não acolhe minhas palavras tem seu
juiz: a palavra que proferi é que o julgará no último dia; 49porque não falei
por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, me prescreveu o que dizer e o
que falar 50e sei que seu mandamento é vida eterna. O que falo, portanto, eu
o falo como o Pai me disse”.

219
O Evangelho Redivivo – Livro V

Os versículos finais do capítulo 12 do Evangelho segundo João revelam


as diferentes posições do povo e dos religiosos em relação ao fato de Jesus
ser o Messias e à aceitação dos seus ensinos: havia os que o rejeitavam
veementemente; outros que aceitavam parcialmente Jesus, mas não se ma-
nifestavam, porque temiam a perseguição dos religiosos, sobretudo a dos
fariseus que tinham o poder de expulsá-los da sinagoga; havia também uns
poucos que o aceitavam e que afirmavam ser seus discípulos. O clima de
desarmonia reinante expressa, na verdade, repetimos, cegueira espiritual,
como bem assinala Jesus, ao lembrar as duas citações do profeta Isaías (53:1
e 6:10), registradas por João (12:38 e 40).
A constatação que se faz é que a maioria significativa dos ouvintes se
encontrava demasiadamente apegada à transitoriedade da vida material,
trazendo os olhos fechados e o coração endurecido à Revelação libertadora
do Cristo, que como Mensageiro de Deus, vinha ensinar a Lei de Deus, em
espírito e verdade, concedendo a liberdade de acatá-la ou não (Jo 12:44 a 48),
pois, em todas as circunstâncias, no tempo e no espaço, Ele fala e trabalha
em nome de Deus, nosso Pai e Criador (Jo 12:49 e 50).
Somente as reencarnações sucessivas têm o poder de abrir o entendi-
mento da humanidade terrestre ao chamado do Cristo. No passado, como
no presente, a barca da evolução planetária ainda prossegue sob os acoites
das tempestades, até que, ao repararmos os atentados cometidos contra a
Lei de Deus, sejamos conduzidos à praia da plenitude espiritual: “Quem
escutou o chamado do Cristo não desfruta de paisagens ridentes coroadas
de sol, nem de noites formosas vestidas de estrelas. Caminha, muitas vezes,
a sós na multidão, cantando a melopeia* da tristeza, em trismos** de agonias
vigorosas”.12 A amorosa benfeitora Joanna de Ângelis, porém, acena com a
esperança em dias melhores que nos aguardam no futuro:
Um dia, que não tardará muito, reclinarás, cansado, a cabeça enovelada pelos
problemas e arrebentando de aflição, em busca de justo repouso. Repassarás
as agonias das pelejas e reverás as horas idas, em mágico cinemascópio evo-
cativo. Quando as lágrimas brotarem copiosas, quais dádivas do solo farto na
primavera do teu coração, e escorrerem quentes, suave torpor paralisará as
atividades do teu corpo suado e vencido, e então planarás, além e acima de
todas as vicissitudes, renovado e feliz, seguindo para Jesus Cristo, ouvindo o
Seu chamado...13

* Melopeia: toada, cantiga de melodia simples e monótona; melancólica; cantilena.


** Trismo: constrição mandibular devido à contratura involuntária dos músculos mastigató-
rios, que se constitui um dos sinais característicos do tétano.

220
TEMA 22 – JESUS ANUNCIA SUA GLORIFICAÇÃO ATRAVÉS DA MORTE. (JO 12:20 A 50)

REFERÊNCIAS
1 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 12, it.
“d” – Gregos procuram Jesus – 12:20-26, p. 630 e 631.
2 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto
da Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 12:20-36, p. 1.874 e 1.875.
3 VINÍCIUS. Na seara do mestre. 10. ed. Brasília, DF: FEB, 2011. cap. O segredo
da vida.
4 VINÍCIUS. Na seara do mestre. 10. ed. Brasília, DF: FEB, 2011. cap. O segredo
da vida.
5 XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito
Emmanuel. 1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 11 – Conforto.
6 FRANCO, Divaldo Pereira. Dimensões da verdade. Pelo Espírito Joanna de
Ângelis. (Edição comemorativa de 50 anos). Salvador, BA: LEAL, 2015. cap.
33, p. 137.
7 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto
da Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 12:28. Nota de rodapé “b”, p. 1.875.
8 XAVIER, Francisco Cândido. Vinha de luz. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 58 – Crises.
9 XAVIER, Francisco Cândido. Livro da esperança. Pelo Espírito Emmanuel. 1.
ed. Brasília, DF; Uberaba, MG: CEC, 2015. cap. 67 – Tempo de hoje.
10 XAVIER, Francisco Cândido. Livro da esperança. Pelo Espírito Emmanuel. 1.
ed. Brasília, DF; Uberaba, MG: CEC, 2015 cap. 66 – O espírita.
11 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 12:37-50, p. 1.876.
12 FRANCO, Divaldo Pereira. Dimensões da verdade. Pelo Espírito Joanna de
Ângelis. (Edição comemorativa de 50 anos). Salvador, BA: LEAL, 2015. cap.
51, p. 207 e 208.
13 FRANCO, Divaldo Pereira. Dimensões da verdade. Pelo Espírito Joanna de
Ângelis. (Edição comemorativa de 50 anos). Salvador, BA: LEAL, 2015. cap.
51, p. 208 e 209.

221
PARTE VII

A hora de Jesus: a Páscoa


do Cordeiro de Deus

1) A Última Ceia de Jesus


com seus discípulos
2) A Paixão
3) O Dia da Ressurreição

223
O Evangelho Redivivo – Livro V

TEMA 23

O LAVA-PÉS. O ANÚNCIO DA
TRAIÇÃO DE JUDAS.
A DESPEDIDA DE JESUS –
1a PARTE (JO 13:1 A 38)

Quatro ideias se destacam nessa passagem evangélica: 1) a ceia com


os doze apóstolos (Jo 13:1 e 2); 2) o anúncio da traição de Judas (Jo 13:2 e
21 a 30); 3) o Lava-pés (Jo 13:3 a 20) e 4) a despedida de Jesus (Jo 13:31 a
38). Em relação ao primeiro item, há estudiosos dos textos evangélicos que
questionam a data exata da Última Ceia de Jesus com os seus apóstolos ao
compararem o que diz João e o relato dos evangelhos sinópticos. Eles inter-
pretam que, pelo registo do quarto evangelista, a Última Ceia teria ocorrido
um dia antes das festividades da Páscoa; enquanto os demais evangelistas
informam que teria sido no mesmo dia da Páscoa judaica.1
Por outro lado, não devemos esquecer e estar atentos às divergências
de calendários do passado e do presente. Por exemplo: para os judeus, o
dia inicia-se às 18 horas, enquanto no Ocidente, o novo dia começa a ser
contado a partir da meia-noite. Diante dessa informação, vários estudiosos
ponderam que não há, efetivamente, conflitos entre os registros dos sinóp-
ticos e o texto de João quanto ao dia em que a Última Ceia foi realizada.
Ou seja, ela teria ocorrido no mesmo dia, mas em horários diferentes: em
João, teria sido logo após às 18 horas (no início do dia, segundo o calendário
judaico), nos sinópticos a refeição foi à tarde, coincidindo com o horário
das comemorações da Festa da Páscoa.
No nosso entendimento, tais discussões são secundárias. Importante são
os ensinamentos e ações do Cristo, não o dia ou hora que elas ocorreram. Para
Bittencourt Sampaio, independentemente do dia e horário da realização da
Última Ceia, João, o “[...] evangelista, nesse canto [ou versículo] completa a
narração dos três sinópticos sobre o assunto [Mt 26:20 a 30; Mc 14:17 a 26 e
Lc 22:14 a 23]”.2 Outro ponto importante a destacar é que apenas o Evangelho

224
TEMA 23 – O LAVA-PÉS. O ANÚNCIO DA TRAIÇÃO DE JUDAS. A DESPEDIDA DE JESUS – 1ª PARTE (JO 13:1 A 38)

segundo João apresenta uma série de instruções aos seus discípulos no final
da Ceia, orientações estas que passaram à História com o nome de o Sermão
do Cenáculo, as quais caracterizam as despedidas do Senhor:
Essas mensagens de despedida não têm paralelo nenhum nos evangelhos
sinópticos, e em toda a Bíblia, o que mais se aproxima delas é o cântico de
despedida e de bênção de Moisés, nos capítulos 32 e 33 de Deuteronômio. O
discurso de despedida feito pelo apóstolo Paulo, porém, conta com alguns
pontos similares (ver At 20:17 ss.).3

23.1 A ÚLTIMA CEIA (JO 13:1)4


1
Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste
mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os
até o fim.

Jesus escolhe um momento específico para compartilhar a última refei-


ção com os seus discípulos por saber que, em futuro próximo, passaria por
dolorosos desafios, os quais culminariam com a sua morte por crucificação.
Essa refeição passou à História com o nome de Última Ceia, oportunidade
em que o Senhor estreitou os laços de união fraterna, demonstrou por pa-
lavras e gestos o seu imenso amor e transmitiu as últimas orientações aos
apóstolos. João (13:1) ressalta: [...] sabendo Jesus que chegara a sua hora de
passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo,
amou-os até o fim. Norman Russell Champlin acrescenta:
[...] Nenhum homem jamais teve um amor maior do que aquele demonstrado
pelo Senhor Jesus, o qual ultrapassou os terrores e as tristezas que os homens
imaginaram contra Ele, o qual se fez acompanhar confiantemente de um
pequeno grupo de discípulos, jamais os abandonando, tendo-lhes ensinado
lições importantíssimas, e, finalmente, tendo sacrificado a própria vida em
favor deles – tudo isso fazia parte da redenção da humanidade, da qual Jesus
serviu de instrumento todo especial, exclusivo. [...].5

A Última Ceia, na qual Jesus destaca a importância de os seus ­discípulos


se amarem mutuamente, integra as tradições cristãs como a “Festa de Amor”
ou Ágape:
O dever cristão de se amarem mutuamente sempre foi expresso por meio de reu-
niões para comunhão. Tal comunhão era materializada desde os tempos primiti-
vos mediante participação numa refeição comum. Judas [Tadeu] menciona festas
de amor, agapai (v. 12; cf. 2 Pe 2:13). Entre os judeus, eram comuns as refeições
para comunhão e fraternidade, e reuniões similares de convívio tinham lugar entre
os gentios. [...]. O nome ágape foi posteriormente dado à refeição de comunhão.

225
O Evangelho Redivivo – Livro V

[...]
Embora o costume comum de refeições de comunhão entre os judeus tivessem
sido base suficiente para o ágape primitivo, alguns preferem traçar a prática
até as circunstâncias reais da Última Ceia. [...].6

Sem dúvida, a Última Ceia foi uma Festa de Amor, um legítimo Ágape,
em que o amor do Cristo é intensamente demonstrado:
Jesus, tendo de deixar a Terra pelo sacrifício que se consumaria no Gólgota,
come a última páscoa com os seus apóstolos e os prepara a serem, por um
sinal, reconhecidos como seus discípulos.
Sob a figura simbólica da páscoa, Jesus faz o derradeiro e solene apelo à prática
da Lei de Amor e, assim, à fraternidade universal, único meio da regeneração
humana, caminho da redenção e liberdade, que estabelecerá na Terra, segundo
a lei essencial do progresso e harmonia universais, o reino de Deus.7

23.2 ANÚNCIO DA TRAIÇÃO DE JUDAS


(JO 13:2; 21 A 30)8
2
Durante a ceia, quando já o diabo pusera no coração de Judas Iscariotes, filho
de Simão, o projeto de entregá-lo [...]
21
Tendo dito isso, Jesus perturbou-se em seu espírito e declarou: “Em verdade,
em verdade, vos digo: um de vós me entregará”. 22Os discípulos entreolhavam-
-se, sem saber de quem falava. 23Estava à mesa, ao lado de Jesus, um de seus
discípulos, aquele que Jesus amava. 24Simão Pedro faz-lhe, então, um sinal e
diz-lhe: “Pergunta-lhe quem é aquele de que fala”. 25Ele, então, reclinando-se
sobre o peito de Jesus, diz-lhe: “Quem é, Senhor?” 26Responde Jesus: “É aquele
a quem eu der o pão que umedecerei no molho”. Tendo umedecido o pão, ele
o toma e dá a Judas, filho de Simão Iscariotes. 27Depois do pão, entrou nele
Satanás. Jesus lhe diz: “Faze depressa o que estás fazendo”. 28Nenhum dos que
estavam à mesa compreendeu por que lhe dissera isso. 29Como era Judas quem
guardava a bolsa comum, alguns pensavam que Jesus lhe dissera: “Compra
o necessário para a festa”, ou que desse algo aos pobres. 30Tomando, então, o
pedaço de pão, Judas saiu imediatamente. Era noite.

Percebe-se que essa passagem evangélica não é contínua, mas inter-


calada com as seguintes ações: a) Jesus anuncia que um dos Doze o trairia
(Jo 13:2); b) em seguida, realiza a cerimônia do Lava-pés (Jo 13:3 a 20); c) e
o Senhor volta a afirmar que um dos apóstolos o trairia (Jo 13:21); d) indica
Judas como o traidor (Jo 13:26).
De fato, poucas horas depois, após o encerramento da Ceia, quando o
Mestre Nazareno orava no Jardim do Getsêmani, os soldados o prenderam.
Assim, para melhor compreensão do desenrolar dos acontecimentos e os

226
TEMA 23 – O LAVA-PÉS. O ANÚNCIO DA TRAIÇÃO DE JUDAS. A DESPEDIDA DE JESUS – 1ª PARTE (JO 13:1 A 38)

seus significados, retornemos ao primeiro anúncio da traição do apóstolo:


Durante a ceia, quando já o diabo pusera no coração de Judas Iscariotes, filho
de Simão, o projeto de entregá-lo (Jo 13:2).
À luz do Espiritismo, Francisco Leite de Bittencourt Sampaio trans-
mite-nos estas considerações: “A expressão demônio, diabo, ou satanás
não passa de uma figura para designar a má influência, a má inspiração, e
nunca uma personalidade eternamente poderosa no mal, a que o homem
pode ficar submetido a despeito de sua vontade”9. O venerável mentor do
Programa de Estudo de O Evangelho Redivivo, conclui a sua análise com
estes outros esclarecimentos:
Deus criou o espírito, independentemente, livre e responsável por seus atos,
que são obra exclusiva sua, ou que é levado a praticar, pelas más influências
que atrai por seus instintos, seus sentimentos, suas inclinações, e que ele tem,
em virtude do livre-arbítrio, a faculdade de aceitar ou repelir.
O contrário é colocar a Divindade em face de um ser imensamente tão
poderoso e imortal quanto ela – o gênio do mal, como se este não fosse
a consequência natural do bem, do justo e do honesto, invertidos pelos
nossos atos.9

Judas Iscariotes, a despeito de muito amar Jesus, de segui-lo e estar


sempre com Ele, se distanciou, contudo, das lições espirituais do Evangelho,
ensinadas e exemplificadas pelo Senhor. Ainda que fosse uma boa pessoa,
Judas mantinha a alma focada nos interesses passageiros; do poder e das
posições sociais da vida no plano físico. O Reino de Deus era ideal a ser al-
cançado mais adiante, a longo prazo. Por ora, no entendimento do apóstolo,
era preciso que o invasor romano fosse afastado, que o Cristo dominasse
as inúmeras expressões da fé expressas pela religião judaica, que os judeus
reconquistassem a posição de povo eleito, de acordo com o trato estabelecido
entre Deus e o patriarca Abraão. Estava tristemente equivocado e, por isto,
foi facilmente manobrado pelos chefes dos sacerdotes:
O Divino Mestre sabia que Judas o havia de trair, porque sabia que empreen-
dera uma missão acima de suas forças, que faliria, como já indiretamente o
anunciara [Jo 13:2 e 18], respondendo a Pedro, conforme se vê nos versos
acima transcritos: “– estais vós outros puros completamente, mas não todos”.
[Jo 13:10].10

Após a lavagem dos pés, Jesus indica quem o trairia, atendendo à


pergunta que Pedro lhe endereçara por intermédio de João Boanerges
(Jo 13:22 a 25). Jesus responde-lhe: É aquele a quem eu der o pão que ume-
decerei no molho. Tendo umedecido o pão, ele o toma e dá a Judas, filho de

227
O Evangelho Redivivo – Livro V

Simão Iscariotes (Jo 13:26 e 27). Ato contínuo, Judas pega o pedaço de pão e
se retira (Jo 13:30). Sabemos que Judas Iscariotes deixa a Reunião de Amor
para ir se encontrar com os chefes dos sacerdotes, a fim de combinarem a
prisão de Jesus.
Por estas palavras: “Sei quais foram por mim os escolhidos” [Jo 13:18], Jesus
faz a alusão aos onze apóstolos fiéis que, capazes de empreender e levar ao
fim a missão que haviam solicitado, tinham sido escolhidos, no sentido de
que, encorajados por seus guias a pedi-la, a obtiveram, sendo assim, aceitos
pelo mesmo Jesus.
As suas palavras relativas à predição da traição de Judas têm por fim chamar
a atenção de seus apóstolos, para que, quando se desse a traição, ficassem
impressionados e reconhecessem, pela sua faculdade extra-humana da pres-
ciência, que Ele era o enviado de Deus.11

Os apóstolos foram reiteradas vezes informados e esclarecidos por


Jesus a respeito do advento do Reino de Deus e da necessidade intrínseca
de vivenciarem a Lei de Amor. Os exemplos do Cristo foram abundantes
neste sentido. Contudo, o fato de conhecermos algo não significa, necessa-
riamente, que saberemos colocar em prática as lições ensinadas. Entre saber
e fazer há uma distância significativa. Emmanuel nos faz refletir a respeito:
Saber e fazer12
Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as fizerdes.
Jesus (João, 13:17.)
Entre saber e fazer existe singular diferença.
Quase todos sabem, poucos fazem.
Todas as seitas religiosas, de modo geral, somente ensinam o que constitui o
bem. Todas possuem serventuários, crentes e propagandistas, mas os apóstolos
de cada uma escasseiam cada vez mais.
Há sempre vozes habilitadas a indicar os caminhos. É a palavra dos que
sabem.
Raras criaturas penetram valorosamente a vereda, muita vez em silêncio,
abandonadas e incompreendidas. É o esforço supremo dos que fazem.
Jesus compreendeu a indecisão dos filhos da Terra e, transmitindo-lhes a pa-
lavra da verdade e da vida, fez a exemplificação máxima, através de sacrifícios
culminantes.
A existência de uma teoria elevada envolve a necessidade de experiência e
trabalho. Se a ação edificante fosse desnecessária, a mais humilde tese do bem
deixaria de existir por inútil.
João assinalou a lição do Mestre com sabedoria. Demonstra o versículo
que somente os que concretizam os ensinamentos do Senhor podem ser

228
TEMA 23 – O LAVA-PÉS. O ANÚNCIO DA TRAIÇÃO DE JUDAS. A DESPEDIDA DE JESUS – 1ª PARTE (JO 13:1 A 38)

bem-aventurados. Aí reside, no campo do serviço cristão, a diferença entre a


cultura e a prática, entre saber e fazer.

Observação: Detalhes a respeito da traição de Judas Iscariotes, são


encontrados em outras publicações de O Evangelho Redivivo, quais sejam:
Livro II – Estudo Interpretativo do Evangelho segundo Mateus – Tema 56,
subitem 56.1.4 (Mt 26:13 a 25); Livro III – Estudo Interpretativo do Evangelho
segundo Marcos – Tema 34, subitens 34.2 (Mc 14:10 e 11), 34.3 (Mc 14:17 a
21) e Livro IV – Estudo Interpretativo do Evangelho segundo Lucas – Tema
37, subitem 37.1 (Lc 22:1 a 6; 21 a 23).

23.3 O LAVA-PÉS (JO 13:3 A 20)13


3
Sabendo que o Pai tudo colocara em suas mãos e que ele viera de Deus e a
Deus voltava, 4levanta-se da mesa, depõe o manto e, tomando uma toalha,
cinge-se com ela. 5Depois põe água numa bacia e começa a lavar os pés dos
discípulos e a enxugá-los com a toalha com que estava cingido. 6Chega, então,
a Simão Pedro, que lhe diz: “Senhor, tu, lavar-me os pés?!” 7Respondeu-lhe
Jesus: “O que faço, não compreendes agora, mas o compreenderás mais tarde”.
8
Disse-lhe Pedro: “Jamais me lavarás os pés!” Jesus respondeu-lhe: “Se eu não
te lavar, não terás parte comigo”. 9Simão Pedro lhe disse: “Senhor, não apenas
meus pés, mas também as mãos e a cabeça”. 10Jesus lhe disse: “Quem se banhou
não tem necessidade de se lavar, porque está inteiramente puro. Vós também
estais puros, mas não todos”. 11Ele sabia, com efeito, quem o entregaria; por
isso, disse: “Nem todos estais puros”. 12Depois que lhes lavou os pés, retomou
o seu manto, voltou à mesa e lhes disse: “Compreendeis o que vos fiz? 13Vós
me chamais de Mestre e Senhor e dizeis bem, pois eu o sou.14Se, portanto, eu,
o Mestre e o Senhor, vos lavei os pés, também deveis lavar-vos os pés uns aos
outros. 15Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, também vós o façais.
16
Em verdade, em verdade, vos digo: o servo não é maior do que o seu senhor,
nem o enviado maior do que quem o enviou. 17Se compreenderdes isso e o
praticardes, felizes sereis. 18Não falo de todos vós; eu conheço os que escolhi.
Mas é preciso que se cumpra a Escritura: Aquele que come o meu pão levantou
contra mim o seu calcanhar! 19Digo-vos isso agora antes que aconteça, para que,
quando acontecer, creiais que Eu Sou. 20Em verdade, em verdade, vos digo:
quem recebe aquele que eu enviar, a mim recebe e quem me recebe, recebe
aquele que me enviou”.

Em João, 13:4, consta que Jesus levanta-se da mesa, depõe o manto


e, tomando uma toalha, cinge-se com ela. “Tirar o manto”, indica afastar
qualquer obstáculo que impediria ou dificultaria o Lava-pés. Este gesto de
Jesus, reflete, sobretudo, que Ele, o Messias planetário, despia-se do manto
da autoridade para servir à Humanidade em nome de Deus, pois, segundo

229
O Evangelho Redivivo – Livro V

os costumes da época, somente os servos e os escravos cingiam o corpo


com um pano, toalha ou avental. Daí Emmanuel esclarecer:
– O Cristo, que não desdenhou a energia fraternal na eliminação dos erros
da criatura humana, afirmando-se como o Filho de Deus nos divinos funda-
mentos da Verdade, quis proceder desse modo para revelar-se o escravo pelo
amor da Humanidade, à qual vinha trazer a luz da vida, na abnegação e no
sacrifício supremos.14

O momento é solene. Jesus já se despedia dos seus discípulos.


Preparava-os para essa realidade. Fez isso várias vezes, anunciando para
eles o que viria – que ficariam sós e teriam que dar continuidade à divul-
gação da mensagem, ainda que os acompanhassem e os auxiliassem do
outro lado da vida. Confirmada a sua partida, resolve deixar gravado nos
corações dos discípulos a maior expressão da verdade libertadora para que
eles pudessem, ao longo do tempo, utilizá-la como referência a ser seguida.
É aquele momento em que Jesus tira o manto, cinge à cintura uma toalha,
pega um recipiente com água e começa a lavar os pés dos discípulos. O re-
gisto do Evangelho não entra em muitos detalhes, mas podemos imaginar
a situação: alguns dos discípulos se sentem mais ou menos constrangidos
com a situação, outros admirados, outros sem saber o que pensar. E Pedro,
um pouco mais distante, observa o que está acontecendo, mas pelo que fala
a Jesus depois, podemos supor que ele estava contrariado. Assim, quando
Jesus chega diante dele, se manifesta com convicção dizendo:
– Não, Senhor, tu não me lavarás os pés! Jesus olha para os olhos de
Pedro, imaginamos, com aquele olhar que atravessa a alma e lhe desnuda
o âmago do ser, para, em seguida afirmar:
– Se eu não te lavo os pés, nada tens comigo. Pedro, então, tem um
choque, pois não esperava essa resposta e, caindo em si, responde a Jesus:
– Lava-me também as mãos e a cabeça, Senhor.
Em outras palavras, Simão Pedro pede a Jesus que não lhe lave somente
os pés, mas que lhe aclare a mente, o raciocínio, o entendimento, para que
ele possa alcançar aquela expressão, aquele momento sublime em que Jesus
está dando o maior exemplo que a Humanidade poderia receber. Bittencourt
Sampaio esclarece, ao nos explicar, o significado espírita do Lava-pés:
Jesus, o Messias de Deus, conhecendo a sua origem, quis, pelo fato emblemá-
tico do lava-pés, dar aos homens, aos quais chama seus irmãos, o exemplo da
humildade e da renúncia.
[...]

230
TEMA 23 – O LAVA-PÉS. O ANÚNCIO DA TRAIÇÃO DE JUDAS. A DESPEDIDA DE JESUS – 1ª PARTE (JO 13:1 A 38)

Sim, o Divino Redentor, tendo consciência exata de sua origem, de sua natu-
reza, de seus poderes; sabendo que era o Espírito protetor e governador do
nosso planeta, encarregado do nosso desenvolvimento, do nosso progresso
e de nos conduzir à perfeição; sabendo que viera de Deus e que ia tornar
à natureza espiritual que lhe era própria, quis, por esse ato emblemático
do lava-pés, mostrar aos homens o caminho que abrira e percorrera, e
pelo qual devem eles, sem fraquejar, sem cessar, marchar e avançar para
se elevarem, e, purificando-se, voltarem a Deus pela perfeição – caminho
que é o da humildade e da renúncia: da humildade, pela simplicidade do
coração e brandura do espírito; da renúncia, pela ausência de orgulho e
de egoísmo, de todos os vícios e de todas as paixões; praticando assim a
Lei de Amor, que é o resumo da justiça, da caridade, da abnegação e do
devotamento por todos.15

A análise literal do Lava-pés transformou-se ao longo dos séculos em


prática simbólica e superficial, distante do significado espiritual transmitido
pelo Cristo que, de antemão, sabia que as coisas seriam assim, consoante
esta sua afirmação: O que faço, não compreendes agora, mas o compreende-
rás mais tarde (Jo 13:7). De fato, somente após termos “lavado” o orgulho
e o egoísmo do nosso Espírito, e demais imperfeições morais, seremos
considerados puros, consoante estas outras palavras do Senhor: Quem se
banhou não tem necessidade de se lavar, porque está inteiramente puro. Vós
também estais puros, mas não todos. (Jo 13:10). É verdade, nem todos os
integrantes do grupo dos Doze traziam o coração puro, mas, ao contrário,
ainda o mantinha prisioneiro das necessidades transitórias da vida na ma-
téria. Jesus referia-se a Judas Iscariotes.
Percebemos, então, que a vivência da humildade (e todas as demais
virtudes daí decorrentes) é o impulso evolutivo que nos mostrará a impor-
tância de nos transformarmos em servos uns dos outros, lavando os pés.
Assim esclarece Emmanuel nesta significativa mensagem:
Pés e paz16
Expressiva a decisão de Jesus, lavando os pés dos discípulos.
Recordemos que o Senhor não opera a ablução da cabeça que pensa, vê e ouve,
traduzindo o sentimento com os dons divinos da reflexão e com as faculdades
superiores da palavra, nem lhes alimpa as mãos que trazem consigo a excelência
dos recursos tácteis para a glorificação do trabalho e a muda linguagem dos
gestos, que exprimem afetividade e consolação.
Lava-lhes simplesmente os pés, base de sustentação do corpo e implementos
da criatura física que entram em contato com a lama e pó da terra, padecendo
espinheiros e charcos. E purifica-lhes semelhantes apêndices, necessários à
vida humana, sem reproche e sem queixa.

231
O Evangelho Redivivo – Livro V

Lembremo-nos, pois, do ensinamento sublime e lavemos os pés uns dos


outros, com a bênção da humildade, no silêncio do amor puro que tudo com-
preende, tudo suporta, tudo santifica e tudo crê, porquanto apenas tolerando
e entendendo a poeira e o lodo que ainda repontem dos caminhos alheios, é
que redimiremos os nossos, atingindo a verdadeira paz.

23.4 A DESPEDIDA – 1A PARTE (JO 13:31 A 38)17


31
Quando ele saiu, disse Jesus: “Agora o Filho do Homem foi glorificado e Deus
foi glorificado nele. 32Se Deus foi nele glorificado, Deus também o glorificará
em si mesmo e o glorificará logo. 33Filhinhos, por pouco tempo ainda estou
convosco. Vós me procurareis e, como eu havia dito aos judeus, agora também
vo-lo digo: Para onde vou vós não podeis ir. 34Dou-vos um mandamento novo:
que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos também uns aos ou-
tros. 35Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns
pelos outros”. 36Simão Pedro lhe diz: “Senhor, para onde vais?” ­Respondeu-lhe
Jesus: “Não podes seguir-me agora aonde vou, mas me seguirás mais tarde”.
37
Pedro lhe diz: “Por que não posso seguir-te agora? Darei a minha vida por
ti”. 38Jesus lhe responde: “Darás a tua vida por mim? Em verdade, em verdade,
te digo: o galo não cantará sem que me renegues três vezes”.

Como foi assinalado anteriormente, durante a Última Ceia, em se-


guida ao Lava-pés e antes do término da refeição, Jesus despede-se dos
apóstolos, transmitindo-lhes várias orientações, conhecidas como Sermão
do Cenáculo, expressão relacionada ao local onde foi proferido, isto é:
“Casa de refeição. Casa onde se ceava ou jantava, de ordinário no alto do
edifício, entre os antigos romanos (1 Cr 27:11)”.18 Tais recomendações fi-
nais indicam, também, uma síntese de sua pregação realizada durante três
anos consecutivos e, também, transmissão das últimas orientações. Como
contextualização histórica, lembramos que Jesus proferiu quatro sermões
durante o seu messianato:
» Sermão da Montanha (Mt 5, 6 e 7), também chamado o Sermão
das Bem-aventuranças (Mc 5) ou Sermão da Planície (Lc 6).
» Sermão Profético (Mt 24; Mc 13 e Lc 17:20 a 37).
» Sermão do Cenáculo (Jo 13).
» Sermão dos Sete “ais” (Mt 23), que são admoestações dirigidas
aos escribas e fariseus. A respeito destacamos esta observação
importante: na Bíblia de Jerusalém constam sete “ais” (Mt 23:13 a
32). Na tradução bíblica de João Ferreira de Almeida constam oito
admoestações (Mt 23:3 a 16).

232
TEMA 23 – O LAVA-PÉS. O ANÚNCIO DA TRAIÇÃO DE JUDAS. A DESPEDIDA DE JESUS – 1ª PARTE (JO 13:1 A 38)

Em face da relevância das orientações finais transmitidas por Jesus, o


seu estudo está divido em seis partes: a primeira começa neste Tema 23, e
as demais serão analisadas nos Temas 24 ao 28, sucessivamente. São lições
fundamentais à nossa melhoria espiritual, as quais encontram-se distribuí-
das em cinco capítulos do Evangelho segundo João, do 13 ao 17.
Nos instantes finais da Última Ceia, após Judas Iscariotes ter se re-
tirado da reunião, Jesus despede-se do seu colégio apostolar e, de forma
profundamente amorosa, transmite-lhes estas duas informações: Filhinhos,
por pouco tempo ainda estou convosco. Vós me procurareis e, como eu havia
dito aos judeus, agora também vo-lo digo: Para onde vou vós não podeis ir.
(Jo 13:33). Em seguida, ensina-lhes um novo mandamento a fim de que
eles sejam conhecidos como os verdadeiros discípulos de Cristo: Dou-vos
um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei,
amai-vos também uns aos outros. Nisto reconhecerão todos que sois meus
discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros. (Jo 13:34 e 35).
Ante tais palavras de Jesus, Simão Pedro afirma que o seguirá para
onde Ele for, e que daria a própria vida por Ele (v. 37). Em resposta, Jesus
afiança ao venerável apóstolo que ele somente o seguiria mais tarde (v. 36)
que, acrescentamos, após vivenciar todas as lutas e batalhas existenciais em
nome do Cristo: “[...] depois hás de seguir-me, Jesus se refere à elevação do
espírito de Pedro, como a dos outros apóstolos, elevação que, realizada a
missão deles, lhes permitiria, nas regiões superiores, seguir Jesus, ou seja,
continuar a avançar pela estrada do progresso, sob sua direção”.19 Mas ao
ouvi-lo dizer que daria a sua vida por Ele, o Senhor informa-lhe que antes
do galo cantar, Pedro o negaria por três vezes (v. 38). Sabemos que esta
previsão ocorreu na madrugada daquele dia, e que mereceu o registro não
apenas de João, mas dos demais evangelhos sinópticos (Mt 26:34; Mc 14:30
e Lc 22:34).
Espíritos, encarnados e desencarnados, independentemente de sua
origem, cultura, religião etc., serão conhecidos como os discípulos do
Cristo se tiverem amor uns pelos outros. Os discípulos do Cristo apren-
dem que fora da caridade não há salvação, como nos ensina Allan Kardec;
não temem os desafios existenciais, por mais dolorosos que se expressam;
compreendem e se esforçam, diariamente, para vivenciar a Lei de Amor
ensinada pelo Mestre Nazareno, a única linguagem universal que unirá
todos os habitantes da comunidade planetária, como, a propósito, ensina
Emmanuel:

233
O Evangelho Redivivo – Livro V

O novo mandamento20
Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros,
como eu vos amei. Jesus (João, 13:34.)
A leitura despercebida do texto induziria o leitor a sentir nessas palavras do
Mestre absoluta identidade com o seu ensinamento relativo à regra áurea*.
Entretanto, é preciso salientar a diferença.
O “ama a teu próximo como a ti mesmo” é diverso do “que vos ameis uns aos
outros como eu vos amei”.
O primeiro institui um dever, em cuja execução não é razoável que o homem
cogite da compreensão alheia. O aprendiz amará o próximo como a si mesmo.
Jesus, porém, engrandeceu a fórmula, criando o novo mandamento na comu-
nidade cristã. O Mestre refere-se a isso na derradeira reunião com os amigos
queridos, na intimidade dos corações.
A recomendação “que vos ameis uns aos outros como eu vos amei” assegura
o regime da verdadeira solidariedade entre os discípulos, garante a confiança
fraternal e a certeza do entendimento recíproco.
Em todas as relações comuns, o cristão amará o próximo como a si mesmo,
reconhecendo, contudo, que no lar de sua fé conta com irmãos que se amparam
efetivamente uns aos outros.
Esse é o novo mandamento que estabeleceu a intimidade legítima entre os
que se entregaram ao Cristo, significando que, em seus ambientes de trabalho,
há quem se sacrifique e quem compreenda o sacrifício, quem ame e se sinta
amado, quem faz o bem e quem saiba agradecer.
Em qualquer círculo do Evangelho, onde essa característica não assinala as
manifestações dos companheiros entre si, os argumentos da Boa-Nova podem
haver atingido os cérebros indagadores, mas ainda não penetraram o santuário
dos corações.

REFERÊNCIAS
1 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 13.1-17-26, it. 13:1-
38, p. 1.583.
2 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XIII, p. 407.

* A regra áurea, regra de ouro ou ética da reciprocidade: denominação dada ao precei-


to de moral que determina não fazermos aos outros o que não gostaríamos que ou ou-
tros nos fizessem. Jesus ensina a necessidade de vivenciar a regra de ouro: Mateus, 22:39:
“Amarás o teu próximo como a ti mesmo.”

234
TEMA 23 – O LAVA-PÉS. O ANÚNCIO DA TRAIÇÃO DE JUDAS. A DESPEDIDA DE JESUS – 1ª PARTE (JO 13:1 A 38)

3 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por


versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 13, it.
7 – No cenáculo, p. 649.
4 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 13:1, p. 1.877.
5 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 13, it.
“a”, O lava-pés, p. 651.
6 DOUGLAS, J. D. (Org.). O novo dicionário bíblico. Trad. João Bentes. 3. ed.
São Paulo: Vida Nova, 2006. verbete: Festa de Amor, p. 504 e 505.
7 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XIII, p. 407.
8 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 13:2 e 21-30, p. 1.877 e 1.878.
9 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XIII, p. 408.
10 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XIII, p. 412.
11 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XIII, p. 414.
12 XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito
Emmanuel. 1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 49.
13 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 13:3-20, p. 1.877 e 1.878.
14 XAVIER, Francisco Cândido. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed.
12. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. q. 315.
15 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XIII, p. 408 e 409.

235
O Evangelho Redivivo – Livro V

16 XAVIER, Francisco Cândido. Encontro de paz. Por diversos Espíritos. 1. ed.


Uberaba, MG: CEC, 1973. cap. 29, p. 111 e 112.
17 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 13:31-38, p. 1.878 e 1.879.
18 MCNAIR, S. E. Bíblia de estudo explicada: dicionário harpa cristã. (Com texto
bíblico Almeida revista e corrigida, edição de 1995). 1. ed. Rio de Janeiro:
CPAD, 2014. verbete: Cenáculo, p. 1.474.
19 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XIII, p. 417.
20 XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito
Emmanuel. 1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 179.

236
TEMA 24

A DESPEDIDA DE JESUS –
2a PARTE (JO 14:1 A 31)

Nos momentos finais da Última Ceia, denominada A Despedida,


Jesus transmite aos discípulos orientações consideradas essenciais à
edificação do Cristianismo e do comportamento dos cristãos, em espe-
cial dos apóstolos, sobretudo quando se deparassem com as provações
que surgiriam após a partida do Senhor. No estudo anterior (Tema 23),
vimos que Jesus ensina-lhe um novo mandamento: “[...] que vos ameis
uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto
reconhecerão todos que sois meus discípulos se tiverdes amor uns pelos
outros.” (Jo 13:34 e 35):
A importância do amor tem sido decantada por todos, em todos os tempos,
e o próprio Jesus o colocou na essência do mandamento soberano. Todavia,
nós na maioria das vezes, não temos dado a devida consideração a esta prática.
Porém, Ele foi claro, este é o sentimento predominante que deve vigorar em
Seus adeptos.
Assim, não seremos discípulos de Jesus por determos o poder transitório do
mundo, nem pela nossa capacidade intelectual, muito menos por sabermos
de cor os preceitos da moral por Ele ensinada. [...] Em outras palavras, jamais
podemos nos declarar cristãos se o amor por todos os nossos semelhantes não
é a tônica de nossos sentimentos.1

No atual estudo (Tema 24), três orientações de Jesus se destacam: as


muitas moradas existentes na Casa do Pai; Ele é o Caminho, a Verdade e
a Vida; e promessa do advento do Consolador (Paráclito ou Espírito da
Verdade). Tais ensinamentos serão estudados em seguida.

24.1 A DESPEDIDA DE JESUS – 2a PARTE (JO 14:1 A 31)2


1
“Cesse de perturbar-se o vosso coração! Credes em Deus, crede também
em mim. 2Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se não fosse assim, eu
vos teria dito, pois vou preparar-vos um lugar, 3e quando eu me for e vos
tiver preparado o lugar, virei novamente e vos levarei comigo, a fim de

237
O Evangelho Redivivo – Livro V

que, onde eu estiver, estejais vós também. 4E para onde vou, conheceis
o caminho”. 5Tomé lhe diz: “Senhor, não sabemos para onde vais. Como
podemos conhecer o caminho?” 6Diz-lhe Jesus: “Eu sou o Caminho, a
Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai a não ser por mim. 7Se me conhe-
ceis, também conhecereis a meu Pai. Desde agora o conheceis e o vistes”.
8
Filipe lhe diz: “Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta!” 9­Diz-lhe Jesus:
“Há tanto tempo estou convosco e tu não me conheces, Filipe? Quem
me vê, vê o Pai. Como podes dizer: ‘Mostra-nos o Pai!’? 10Não crês que
estou no Pai e o Pai está em mim? As palavras que vos digo, não as digo
por mim mesmo, mas o Pai, que permanece em mim, realiza suas obras.
11
Crede-me: eu estou no Pai e o Pai em mim. Crede-o, ao menos, por
causa dessas obras. 12Em verdade, em verdade, vos digo: quem crê em
mim fará as obras que faço e fará até maiores do que elas, porque vou
para o Pai. 13E o que pedirdes em meu nome, eu o farei a fim de que o
Pai seja glorificado no Filho. 14Se me pedirdes algo em meu nome, eu o
farei. 15Se me amais, observareis meus mandamentos, 16e rogarei ao Pai e
ele vos dará outro Paráclito, para que convosco permaneça para sempre,
17
o Espírito da Verdade, que o mundo não pode acolher, porque não o vê
nem o conhece. Vós o conheceis, porque permanece convosco. 18Não vos
deixarei órfãos. Eu virei a vós. 19Ainda um pouco e o mundo não mais
me verá, mas vós me vereis porque eu vivo e vós vivereis. 20Nesse dia
compreendereis que estou em meu Pai e vós em mim e eu em vós. 21Quem
tem meus mandamentos e os observa é que me ama; e quem me ama será
amado por meu Pai. Eu o amarei e me manifestarei a ele”. “Se alguém me
ama, guardará minha palavra, e o meu Pai o amará e a ele viremos e nele
estabeleceremos morada. 22Judas – não o Iscariotes – lhe diz: “Senhor,
por que te manifestarás a nós e não ao mundo? 23Respondeu-lhe Jesus:
Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará e a ele
viremos e nele estabeleceremos morada. 24Quem não me ama não guarda
minhas palavras; e minha palavra não é minha, mas do Pai que me enviou.
25
Essas coisas vos disse estando entre vós. 26Mas o Paráclito, o Espírito
Santo que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos recordará
tudo o que vos disse. 27Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la
dou como o mundo dá. Não se perturbe nem se intimide vosso coração.
28
Vós ouvistes o que vos disse: Vou e retorno a vós. Se me amásseis, ficaríeis
alegres por eu ir para o Pai, porque o Pai é maior do que eu. 29Eu vo-lo
disse agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, creiais. 30Já
não conversarei muito convosco, pois o príncipe deste mundo vem; contra
mim, ele nada pode, 31mas é preciso que o mundo saiba que amo o Pai e
faço como o Pai me ordenou. Levantai-vos! Saiamos daqui!

Apresentamos, em seguida uma análise espírita das principais ideias


registradas por João no segundo momento da despedida de Jesus, ocorrida
no final da Última Ceia.

238
TEMA 24 – A DESPEDIDA DE JESUS – 2ª PARTE (JO 14:1 A 31)

24.1.1 AS MORADAS DA CASA DO PAI (JO 14:1 A 3)3


Em O evangelho segundo o espiritismo, Allan Kardec analisa com muita
propriedade dois significados que esses ensinamentos de Jesus inspiram:
os diferentes mundos habitados no Universo, e as diferentes dimensões da
vida no Plano Espiritual:
A casa do Pai é o Universo. As diferentes moradas são os mundos que circulam
no Espaço infinito e oferecem, aos Espíritos que neles encarnam, estações
apropriadas ao seu adiantamento.
Independente da diversidade dos mundos, essas palavras também podem
ser entendidas como se referindo ao estado feliz ou infeliz do Espírito na
erraticidade. Conforme se ache este mais ou menos depurado e desprendido
dos laços materiais, o meio em que ele se encontre, o aspecto das coisas e as
sensações que experimente variarão ao infinito. [...].4

Ao referir-se às moradas do Plano Espiritual, Kardec apresenta o conceito


de erraticidade, palavra que se traduz como um estado temporário do Espírito
definido entre uma reencarnação e outra. Enquanto o Espírito precisa reencar-
nar ele é denominado errante. Mas esta palavra não significa, absolutamente,
que ele perambula sem rumo ou perdido na dimensão extrafísica. Em outras
palavras, “Espírito errante, [é o] que aspira a novo destino, que espera”.5 Somente
o Espírito puro – o que já possui superioridade moral e intelectual em relação a
todos os demais Espíritos de outras ordens – não precisa reencarnar,6 a não ser
que queira. Tais Espíritos, em geral conhecidos por anjos, arcanjos ou serafins,
“[...] Eles são os mensageiros e ministros de Deus, cujas ordens executam para
a manutenção da harmonia universal. Comandam todos os Espíritos que lhes
são inferiores, ajudam-nos a se aperfeiçoarem e designam suas missões. [...]”.7
Quanto aos demais desencarnados, sabemos que durante o período em
que se encontram no Plano Espiritual, dificilmente eles habitam exclusiva-
mente um só local no Além-Túmulo, mesmo em se tratando de Espíritos mais
atrasados, em moral e conhecimento. Ao contrário, estagiam em diferentes
localidades, tendo em vista os propósitos do seu aprendizado. Por exemplo:
em condições usuais, assim que o Espírito desencarna ele é acolhido em insti-
tuições beneméritas, onde é auxiliado nos processos de transição entre os dois
planos de vida e o de adaptação na nova realidade existencial. Posteriormente,
irá habitar outras moradias na dimensão espiritual, conforme os aprendizados
de que necessita para a sua evolução intelecto-moral. O período de tempo
destinado a esse aprendizado é também variável. De qualquer forma, enquanto
o Espírito necessita retornar à experiência reencarnatória, ele é denominado
errante, permanecendo neste estado por variável espaço de tempo:

239
O Evangelho Redivivo – Livro V

“Desde algumas horas até alguns milhares de séculos. Aliás, não há, propria-
mente falando, um limite máximo estabelecido para o estado errante, que pode
prolongar-se por muito tempo, mas que nunca é perpétuo. Cedo ou tarde, o
Espírito encontra sempre oportunidade de recomeçar uma existência que sirva
à purificação das suas existências anteriores.”8

O ensinamento Jesus refere-se, igualmente, aos diferentes mundos


existentes no Universo, e que abrigam os Espíritos reencarnados, como
ensina Bittencourt Sampaio:
A casa do Pai é o Universo – a imensidade, o infinito.
As muitas moradas são os diferentes mundos – habitações apropriadas aos
habitantes, porque a hierarquia ascensional dos mundos está em relação com
os Espíritos que o habitam.9

Allan Kardec complementa esses esclarecimentos:


Do ensino dado pelos Espíritos, resulta que as condições dos mundos são muito
diferentes, em relação ao grau de adiantamento ou de inferioridade de seus ha-
bitantes. Entre eles há os em que estes últimos são ainda inferiores aos da Terra,
física e moralmente; outros, da mesma categoria que o nosso; e outros que lhe
são mais ou menos superiores sob todos os aspectos. Nos mundos inferiores a
existência é toda material, as paixões reinam soberanas, a vida moral é quase
nula. À medida que esta se desenvolve, diminui a influência da matéria, de tal
maneira que, nos mundos mais adiantados, a vida é, a bem dizer, toda espiritual.10

O Codificador do Espiritismo conclui o assunto relacionado à diver-


sidade de mundos habitados existentes no Universo:
Nos mundos intermédios, misturam-se o bem e o mal, predominando um ou
outro, conforme o grau de adiantamento das criaturas que os habitam. Embora
não se possa fazer, dos diferentes mundos, uma classificação absoluta, pode-se,
todavia, em virtude do estado em que se acham e da destinação que trazem,
tomando por base os matizes mais salientes, dividi-los, de modo geral, como
se segue: mundos primitivos, destinados às primeiras encarnações da alma
humana; mundos de expiação e de provas, onde predomina o mal; mundos
de regeneração, nos quais as almas que ainda têm que expiar haurem novas
forças, repousando das fadigas da luta; mundos felizes, onde o bem sobrepuja
o mal; mundos celestes ou divinos, morada dos Espíritos depurados, no qual
reina exclusivamente o bem. A Terra pertence à categoria dos mundos de ex-
piação e de provas, razão por que aí o homem está exposto a tantas misérias.11

24.1.2 JESUS É O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA (JO 14:6)12


A seguinte mensagem de Emmanuel explica o significado dessa
­passagem evangélica:

240
TEMA 24 – A DESPEDIDA DE JESUS – 2ª PARTE (JO 14:1 A 31)

Jesus é o caminho, a verdade e a vida, porque simboliza a Lei de Amor.


É a vida, pela moral que pregou e personifica por seus ensinamentos e exem-
plos, visto que ensinou aos homens a viver e a morrer visando o progresso
espiritual; quem lhe pratica a moral progride e purifica.
É a verdade, porque é o órgão direto de Deus e preposto para transmiti-la
aos homens, de maneira progressiva e sucessiva, à medida que eles possam
suportar.
[...]
A verdade é o conhecimento de todo o princípio, na ordem física, na ordem
moral e na intelectual, conhecimento que leva a Humanidade à perfeição, à
fraternidade, ao amor universal, ao desapego da matéria, por suas aspirações
sinceras ao espiritualismo e, em seguida, à espiritualidade.
Jesus é vida, porque, progredindo e purificando-se pela prática da moral que
pregou e personificou por seus ensinamentos e exemplos, o Espírito encarnado
se redime, depois de separar-se do corpo, da morte espiritual e da expiação.
Liberta-se da encarnação material e permanece, progredindo sempre, no estado
de Espírito independente e livre.
Ninguém senão por mim ao Pai chega, quer dizer: Jesus, nosso protetor e nosso
governador, é o único encarregado de nosso desenvolvimento e progresso
e de nos conduzir à perfeição; ninguém pode ir e não vai ao Pai senão pela
perfeição.13

Como fechamento do item, Bittencourt Sampaio conclui:


E, irmanados uns aos outros, no mesmo labor santificante, marchemos para
frente, identificados n’Aquele que ainda e sempre repete para os nossos ouvi-
dos frágeis: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão
por Mim”.14

24.1.3 O CONSOLADOR PROMETIDO (JO 14:15 A 17; 26)15


O advento do Paráclito ou Espírito da Verdade, também conhecido
como o Consolador Prometido por Jesus configura-se como uma promessa
do Cristo de que, a despeito de ter sido crucificado, Ele jamais abandonou a
humanidade terrestre, pois, como nosso Mensageiro celestial, compromete-
-se junto a Deus, para encaminhar os habitantes do planeta à evolução plena.
O Evangelista João registrou a promessa do Senhor assim (v. 15 a 17, 26):
Se me amais, observareis meus mandamentos, e rogarei ao Pai e ele vos dará
outro Paráclito, para que convosco permaneça para sempre, o Espírito da
Verdade, que o mundo não pode acolher, porque não o vê nem o conhece.
Vós o conheceis, porque permanece convosco. [...] Mas o Paráclito, o Espírito
Santo que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos recordará tudo
o que vos disse.

241
O Evangelho Redivivo – Livro V

Ao analisar tais orientações de Jesus, Kardec pondera que o Paráclito


não estaria personificado em uma pessoa ou mesmo que seria o retorno de
Jesus em nova existência no plano físico, ideia que é defendida por algu-
mas igrejas cristãs. O Codificador interpreta que a promessa de Jesus para
abranger toda a Humanidade planetária, deve constituir-se em uma doutrina
espiritualista que extrapolaria crenças individuais, religiosas ou não, mas
cujos fundamentos ou postulados apresentariam ideias universais e profun-
damente moralizadoras, aplicáveis a todos os povos e culturas, e mantidas
sob a supervisão direta do Cristo. A Doutrinária Espírita, em razão do seu
tríplice aspecto (filosofia, ciência e moral), seria o Consolador Prometido:
Jesus promete outro Consolador: o Espírito de Verdade, que o mundo ainda
não conhece, por não estar maduro para o compreender, Consolador que o
Pai enviará para ensinar todas as coisas e para relembrar o que o Cristo havia
dito. Se, portanto, o Espírito de Verdade devia vir mais tarde ensinar todas as
coisas, é que o Cristo não dissera tudo; se ele vem relembrar o que o Cristo
disse, é que o seu ensino foi esquecido ou malcompreendido.
O Espiritismo vem no tempo previsto cumprir a promessa do Cristo: preside
ao seu advento o Espírito de Verdade. Ele chama os homens à observância
da Lei; ensina todas as coisas fazendo compreender o que o Cristo só disse
por parábolas. Disse o Cristo: “Ouçam os que têm ouvidos para ouvir”. O
Espiritismo vem abrir os olhos e os ouvidos, porque fala sem figuras e sem
alegorias; levanta o véu intencionalmente lançado sobre certos mistérios. Vem,
finalmente, trazer a suprema consolação aos deserdados da Terra e a todos os
que sofrem, atribuindo causa justa e fim útil a todas as dores.16

E tem mais:
Assim, o Espiritismo realiza o que Jesus disse do Consolador prometido: co-
nhecimento das coisas, fazendo que o homem saiba de onde vem, para onde
vai e por que está na Terra; um chamamento aos verdadeiros princípios da
Lei de Deus e consolação pela fé e pela esperança.17

Neste sentido, a primeira providência é esclarecer-nos por meio dos


ensinamentos espíritas. A instrução espírita é necessária a fim de que pos-
samos compreender, sem véus nem mistérios, a nossa origem, porque nos
encontramos aqui e qual será a nossa destinação. Pelo Espiritismo apren-
demos a melhor utilizar o livre-arbítrio, fazendo escolhas mais acertadas
que, cedo ou tarde, repercutirão em nosso espírito, transformando-nos em
pessoas melhores e mais felizes. Daí Emmanuel orientar os espíritas a se
instruírem, buscando esclarecimentos a respeito da vida que transcorre no
Plano Espiritual, assim como os relacionados a acontecimentos futuros, sob
a égide do Consolador Prometido por Jesus:

242
TEMA 24 – A DESPEDIDA DE JESUS – 2ª PARTE (JO 14:1 A 31)

Prevenir e recuperar são atitudes que se ampliam entre os homens, à medida


que se acentua o progresso da Humanidade.
Aparecem noções de civilização e responsabilidade e levantam-se ideias de
burilamento e defesa.
[...]
Educação e reeducação constituem a síntese de toda obra consagrada ao
aprimoramento do mundo.
Para isso e para que nos disponhamos à conquista da vida vitoriosa é que o
Espírito de Verdade, nos primórdios da Codificação Kardequiana, nos advertiu
claramente:
– “Espíritas, instruí-vos!”18

Sintonizada com esse pensamento, lembra-nos Amélia Rodrigues, que o


aprendizado enviado pelo Espírito da Verdade é paulatino: “A mensagem do
Reino, mais do que uma promessa para o futuro, é uma realidade para o presente.
Penetra o íntimo e dignifica, desvelando os painéis da vida em deslumbrantes
cores...”.19 A querida benfeitora conclui a respeito do assunto ao recordar os
benefícios que o Espiritismo vem proporcionando às pessoas há séculos:
Ei-lo chegado!
O Consolador encaminha e ampara já milhões de seres, preparando os dias do
Senhor, entre os deserdados do Orbe, homenageando o amanhã de felicidade,
desde o agora das lágrimas.
Aí estão soando as trombetas de além morte, entoando advertências, repetindo
os ensinos, restaurando a verdade...
Escutemo-las na acústica do coração, essa voz que fala pela boca dos sempre-
-vivos. É Jesus novamente ensinando.
O Consolador em triunfo traça rotas e guia. [...].20

24.1.4 A PAZ DO MUNDO E A PAZ DO CRISTO (JO 14:27)21


A mensagem de Emmanuel que se segue reflete, perfeitamente, o teor
das ideias de Jesus relacionadas ao tema da paz, a que Ele oferece a todos
nós e a que o mundo, ainda moralmente imperfeito, disponibiliza:
Paz do mundo e paz do Cristo22
A paz vos deixo, a minha paz vos dou;
não vo-la dou como o mundo a dá. Jesus (João, 14:27.)
É indispensável não confundir a paz do mundo com a paz do Cristo.
A calma do plano inferior pode não passar de estacionamento.
A serenidade das esferas mais altas significa trabalho divino, a caminho da
Luz Imortal.

243
O Evangelho Redivivo – Livro V

O mundo consegue proporcionar muitos acordos e arranjos nesse terreno, mas


somente o Senhor pode outorgar ao espírito a paz verdadeira.
Nos círculos da carne, a paz das nações costuma representar o silêncio provi-
sório das baionetas; a dos abastados inconscientes é a preguiça improdutiva e
incapaz; a dos que se revoltam, no quadro de lutas necessárias, é a manifestação
do desespero doentio; a dos ociosos sistemáticos, é a fuga ao trabalho; a dos
arbitrários, é a satisfação dos próprios caprichos; a dos vaidosos, é o aplauso
da ignorância; a dos vingativos, é a destruição dos adversários; a dos maus, é a
vitória da crueldade; a dos negociantes sagazes, é a exploração inferior; a dos
que se agarram às sensações de baixo teor, é a viciação dos sentidos; a dos comi-
lões é o repasto opulento do estômago, embora haja fome espiritual no coração.
Há muitos ímpios, caluniadores, criminosos e indiferentes que desfrutam a
paz do mundo. Sentem-se triunfantes, venturosos e dominadores no século. A
ignorância endinheirada, a vaidade bem-vestida e a preguiça inteligente sempre
dirão que seguem muito bem.
Não te esqueças, contudo, de que a paz do mundo pode ser, muitas vezes, o
sono enfermiço da alma. Busca, desse modo, aquela paz do Senhor, paz que
excede o entendimento, por nascida e cultivada, portas adentro do espírito,
no campo da consciência e no santuário do coração.

24.1.5 O “PRINCIPE DO MUNDO” E JESUS (JO 14:30 E 31)23


Importa considerar que a melhoria espiritual do ser humano é algo que
acontecerá de forma paulatina, sem violências ou imposições de qualquer
espécie. Trata-se de um processo evolutivo que demanda tempo, mas, sem
dúvida, acontecerá, pois, em razão da nossa herança divina, somos desti-
nados à felicidade plena. Nestes termos, Bittencourt Sampaio afirma que
Jesus não praticou entre os homens senão obras que eles pudessem compreen-
der, proporcionadas às suas inteligências. [...]. O mesmo acontecerá com os
atos que um dia os homens realizarão, quando bastante elevado for o grau de
perfeição a que houverem chegado.24

Faz-se necessário destacar que o aprendizado espiritual do homem


é conquista própria e não uma concessão divina, na forma de uma graça
disponibilizada por Deus como pregam algumas teologias. O Pai e Criador
nos oferece a felicidade verdadeira como causa e finalidade da criação e da
existência humana. Contudo a ascensão espiritual são aquisições adquiridas
por mérito próprio:
O homem tem o seu livre-arbítrio – a liberdade de seus pensamentos e atos,
para ter deles a responsabilidade. Os que não guardam os mandamentos que
o Cristo a todos deu internam-se pelas sendas do orgulho, do egoísmo, dos
vícios, das paixões que perturbam e degradam a Humanidade, atraem a si

244
TEMA 24 – A DESPEDIDA DE JESUS – 2ª PARTE (JO 14:1 A 31)

as más inspirações, as más influências e afastam a inspiração divina. Deus e


Jesus não vêm a esses.25

Os apóstolos, porém, não conseguiram penetrar no sentido espiritual


das orientações que o Mestre Nazareno lhes transmitia naquele solene mo-
mento de despedida na Última Ceia. Eles nem sequer conseguiam perceber
os acontecimentos que muito em breve aconteceriam: a prisão de Jesus, a sua
condenação e morte por crucificação. Somente após a Ressurreição, em que o
Senhor mostrou que a morte do Espírito não existe, e perante as perseguições
sucessivas que os discípulos foram alvo, é que eles começaram, na prática, en-
tender as orientações de Jesus. Mais à frente, fiéis aos compromissos assumidos
com Cristo e d’Ele recebendo contínua proteção – Não vos deixarei órfãos. Eu
virei a vós (Jo 14:18) –, os apóstolos vivenciaram os mais diferentes desafios,
dolorosas provações, para, enfim, compreenderem a gloriosa mensagem do
Amor Imortal que, tantas vezes, o Senhor lhes ensinara e exemplificara.
Para ensinar, Jesus precisou utilizar um simbolismo ou contar uma pará-
bola para que os ouvintes pudessem adquirir alguma noção dos ensinamentos
espirituais. Desta forma, estas palavras do Senhor, que encerram o estudo
do Tema 24, são figuradas: Já não conversarei muito convosco, pois o príncipe
deste mundo vem; contra mim, ele nada pode, mas é preciso que o mundo
saiba que amo o Pai e faço como o Pai me ordenou. Levantai-vos! Saiamos
daqui! (Jo 14:30 e 31): “Referem-se às agonias e incertezas que se apoderam
dos homens à aproximação da morte e que, em qualquer outra natureza
que não a sua, se apoderariam da criatura no momento de um sacrifício tal
como o do Gólgota. [...]”.26 Assim, a expressão príncipe do mundo, “[...] que
alguns intérpretes eruditos consideram o príncipe das trevas, ou satanás,
era uma figura, um símbolo com que o Divino Mestre quis indicar o estado
dos Espíritos em geral, no momento de ver aproximar-se o sacrifício. [...]”.27
É altamente significativa a determinação de Jesus dirigida aos seus
discípulos no final última refeição que compartilharam, ensina Emmanuel:
Levantemo-nos28
Levantai-vos, vamo-nos daqui. Jesus (João, 14:31.)
Antes de retirar-se para as orações supremas no Horto, falou Jesus aos discí-
pulos longamente, esclarecendo o sentido profundo de sua exemplificação.
Relacionando seus pensamentos sublimes, fez o formoso convite inserto no
Evangelho de João:
– “Levantai-vos, vamo-nos daqui.”
O apelo é altamente significativo.

245
O Evangelho Redivivo – Livro V

Ao toque de erguer-se, o homem do mundo costuma procurar o movimento


das vitórias fáceis, atirando-se à luta sequioso de supremacia ou trocando de
domicílio, na expectativa de melhoria efêmera.
Com Jesus, entretanto, ocorreu o contrário.
Levantou-se para ser dilacerado, logo após, pelo gesto de Judas. D
­ istanciou-se
do local em que se achava a fim de alcançar, pouco depois, a flagelação e a
morte.
Naturalmente partiu para o glorioso destino de reencontro com o Pai, mas
precisamos destacar as escalas da viagem…
Ergueu-se e saiu, em busca da glória suprema. As estações de marcha são
eminentemente educativas: Getsêmani, o Cárcere, o Pretório, a Via Dolorosa,
o Calvário, a Cruz constituem pontos de observação muito interessantes,
mormente na atualidade, que apresenta inúmeros cristãos aguardando a pos-
sibilidade da viagem sobre as almofadas de luxo do menor esforço.

REFERÊNCIAS
1 FAJARDO, Cláudio. O sermão do cenáculo: a vinda do filho do homem. 1. ed.
Belo Horizonte, MG: Itapuã, 2009. cap. 1, p. 37 e 38.
2 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 14:1-31, p. 1.879 a 1.881.
3 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 14:1-3, p. 1.879.
4 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. cap. 3, it. 2.
5 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed.
10. imp. Brasília, DF: FEB, 202. q. 224.
6 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed.
10. imp. Brasília, DF: FEB, 202. q.112.
7 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed.
10. imp. Brasília, DF: FEB, 202. q.113.
8 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed.
10. imp. Brasília, DF: FEB, 202. q. 225-a.
9 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XIV, p. 420.

246
TEMA 24 – A DESPEDIDA DE JESUS – 2ª PARTE (JO 14:1 A 31)

10 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto


Bezerra. 2. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. cap. 3, it. 3.
11 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. cap. 3, it. 4.
12 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 14:6, p. 1.879.
13 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XIV, p. 421 e 422.
14 XAVIER, Francisco Cândido. Luz no caminho. Pelo Espírito Emmanuel.
1. ed. Brasília, DF: FEB; São Paulo: CEU, 2022. cap. 9 – Mensagem de
Emmanuel.
15 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 14:15-17 e 26, p. 1.880 e 1.881.
16 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. cap. 6, it. 4.
17 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. cap. 6, it. 4.
18 XAVIER, Francisco Cândido. Livro da esperança. Pelo Espírito Emmanuel.
ed. imp. Brasília, DF: FEB; Uberaba, MG: CEC, 2008. cap. 15 – Espíritas,
intruí-vos!
19 FRANCO, Divaldo Pereira. Primícias do reino. Pelo Espírito Amélia Rodrigues.
8. ed. Salvador, BA: LEAL, 2001. cap. 7, p. 101.
20 FRANCO, Divaldo Pereira. Luz do mundo. Pelo Espírito Amélia Rodrigues.
2. ed. Salvador, BA: LEAL, 1989. cap. 20, p. 127.
21 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 14:27, p. 1.881.
22 XAVIER, Francisco Cândido. Vinha de luz. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 105.
23 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 14:30, p. 1.881.

247
O Evangelho Redivivo – Livro V

24 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.


(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XIV, p. 425.
25 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XIV, p. 429 e 430.
26 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XIV, p. 432.
27 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XIV, p. 433.
28 XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito
Emmanuel. 1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 84.

248
TEMA 25

A DESPEDIDA DE JESUS –
3a PARTE – A VERDADEIRA
VIDEIRA. OS DISCÍPULOS E
O MUNDO (JO 15:1 A 27)

Na terceira parte do Sermão do Cenáculo,* Jesus utiliza a alegoria da


vinha e dos vinhateiros para ensinar que Deus, o Criador Supremo, é o
proprietário e o lavrador da vinha, ou Universo. Ele conserva o destino e
a vida dos seres da criação, simbolizados no fruto (a uva). Em comunhão
direta com o Criador, Jesus representa a videira, por ser a fonte da vida e
do desenvolvimento dos seres, inclusive o aperfeiçoamento espiritual dos
viventes. Os indivíduos que possuem vida espiritual estão mais ligados a
Jesus, fonte da vida perene, e, por isto, são moralmente mais desenvolvidos,
simbolizados, aqui na quantidade e na qualidade dos frutos produzidos.1
Alguns indivíduos crescem e se desenvolvem espiritualmente, e possuem vida
espiritual, expressando-se diante dos outros por estarem vitalmente ligados à
grande fonte de vida espiritual, que é Jesus Cristo (verdade simbolizada pelos
ramos, que fazem parte integrante da videira).2

Há, porém, “[...] outros indivíduos que não se mostram frutíferos,


porquanto não têm nenhuma conexão vital com a vida divina, pelo que
também não podem manifestá-lo, visto não estarem em comunhão ou
contato com Jesus Cristo, [...] (o que é simbolizado pelos ramos cortados
da videira)”.3 Em síntese:
A vida e o desenvolvimento espirituais (crescimento e frutificação) tornam-se
realidades somente por intermédio da comunhão mística [espiritual] com o
Cristo, o que repete, sob simbólica, a mensagem da passagem de João, 14:6:
“[...] ninguém vem ao Pai senão por mim”. (Ver João, 15:4.).4

* Sermão do Cenáculo: expressão relacionada ao local onde foi proferido, isto é: “Casa de
refeição. Casa onde se ceava ou jantava, de ordinário no alto do edifício, entre os antigos
romanos (1 Cr 27:11)”.

249
O Evangelho Redivivo – Livro V

25.1 A VERDADEIRA VIDEIRA (JO 15:1 A 17)5


1
Eu sou a verdadeira videira e meu Pai é o agricultor. 2Todo ramo em mim que
não produz fruto ele o corta, e todo o que produz fruto ele o poda, para que
produza mais fruto ainda. 3Vós já estais puros, por causa da palavra que vos fiz
ouvir. 4Permanecei em mim, como eu em vós. Como o ramo não pode dar fruto
por si mesmo, se não permanece na videira, assim também vós, se não perma-
necerdes em mim. 5Eu sou a videira e vós os ramos. Aquele que permanece em
mim e eu nele produz muito fruto; porque, sem mim, nada podeis fazer. 6Se
alguém não permanece em mim é lançado fora, como o ramo, e seca; tais ramos
são recolhidos, lançados ao fogo e se queimam. 7Se permanecerdes em mim e
minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes e vós o tereis. 8Meu
Pai é glorificado quando produzis muito fruto e vos tornais meus discípulos.
9
Assim como o Pai me amou também eu vos amei. Permanecei em meu amor.
10
Se observais meus mandamentos, permanecereis no meu amor, como eu
guardei os mandamentos de meu Pai e permaneço no seu amor. 11Eu vos digo
isso para que a minha alegria esteja em vós e vossa alegria seja plena. 12Este é
o meu mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei. 13Ninguém
tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos. 14Vós sois meus
amigos, se praticais o que vos mando. 15Já não vos chamo servos, porque o servo
não sabe o que seu senhor faz; mas eu vos chamo amigos, porque tudo o que
ouvi de meu Pai eu vos dei a conhecer. 16Não fostes vós que me escolhestes,
mas fui eu que vos escolhi e vos designei para irdes e produzirdes fruto e para
que o vosso fruto permaneça, a fim de que tudo o que pedirdes ao Pai em meu
nome ele vos dê. 17Isto vos mando: amai-vos uns aos outros.

Já no início da sua preleção, Jesus afirma que Ele é a videira verdadeira e


que Deus, o Criador, é o lavrador (Jo 15:1), que Emmanuel interpreta assim:
Deus é o Criador Eterno cujos desígnios permanecem insondáveis a nós outros.
Pelo seu amor desvelado criam-se todos os seres, por sua sabedoria movem-se
os mundos no Ilimitado.
Pequena e obscura, a Terra não pode perscrutar a grandeza divina. O Pai,
entretanto, envolve-nos a todos nas vibrações de sua bondade gloriosa.
Ele é a alma de tudo, a essência do Universo.
Permanecemos no campo terrestre, de que Ele é dono e supremo dispensador.
No entanto, para que lhe sintamos a presença em nossa compreensão limitada,
concedeu-nos Jesus como sua personificação máxima.
Útil seria que o homem observasse no planeta a sua imensa escola de traba-
lho; e todos nós, perante a grandeza universal, devemos reconhecer a nossa
condição de seres humildes, necessitados de aprimoramento e iluminação.
Dentro de nossa pequenez, sucumbiríamos de fome espiritual, estacionados
na sombra da ignorância, não fosse essa videira da verdade e do amor que o
Supremo Senhor nos concedeu em Jesus Cristo. De sua seiva divina procedem

250
TEMA 25 – A DESPEDIDA DE JESUS – 3ª PARTE – A VERDADEIRA VIDEIRA. OS DISCÍPULOS E O MUNDO (JO 15:1 A 27)

todas as nossas realizações elevadas, nos serviços da Terra. Alimentados por


essa fonte sublime, compete-nos reconhecer que sem o Cristo as organizações
do mundo se perderiam por falta de base. N’Ele encontramos o pão vivo das
almas e, desde o princípio, o seu amor infinito no orbe terrestre é o fundamento
divino de todas as verdades da vida.6

Valendo-se dos símbolos da vinha e dos trabalhadores da vinha, Jesus


prega a respeito das condições necessárias para a melhoria espiritual do ser
humano e, ao mesmo tempo, aconselha os seus discípulos como deveriam
proceder no exercício da missão que lhes cabia executar, conforme esclarece
Bittencourt Sampaio:
Falando em linguagem figurada, mas apropriada às inteligências da época, pro-
clama a ação superior e diretora do Criador sobre a nossa humanidade, por seu
intermédio, como Messias encarregado do nosso desenvolvimento e do nosso
progresso; explica os caminhos e os meios de realização desse desenvolvimento
e desse progresso, as condições únicas segundo as quais podem ser obtidas – a
expiação, que atinge os que se afastam da estrada do Senhor. Mostra-lhes o
laço que os une a Ele, o meio de cumprirem fielmente a missão que tinham de
desempenhar na Terra: a observância dos mandamentos divinos.7

Jesus também ensina que sendo Ele a videira, nós somos os ramos
desta planta, mas somente produziremos frutos se nos mantivermos uni-
dos à videira (v. 5), caso contrário, os ramos secarão, serão lançados fora e,
quando recolhidos, alimentarão o fogo da fogueira (v. 6):
Jesus é o bem e o amor do princípio.
Todas as noções generosas da Humanidade nasceram de sua divina influen-
ciação. Com justiça, asseverou aos discípulos, nesta passagem do Evangelho de
João, que seu Espírito Sublime representa a árvore da vida e seus seguidores
sinceros as frondes promissoras, acrescentando que, fora do tronco, os galhos
se secariam, caminhando para o fogo da purificação.
Sem o Cristo, sem a essência de sua grandeza, todas as obras humanas estão
destinadas a perecer.
[...]
Os homens são varas verdes da árvore gloriosa. Quando traem seus deveres,
secam-se porque se afastam da seiva, rolam ao chão dos desenganos, para que
se purifiquem no fogo dos sofrimentos reparadores, a fim de serem novamente
tomados por Jesus, à conta de sua misericórdia, para a renovação. É razoável,
portanto, positivemos nossa fidelidade ao Divino Mestre, refletindo no elevado
número de vezes em que nos ressecamos, no passado, apesar do imenso amor
que nos sustenta em toda a vida.8

Em João (15:9 a 13), Jesus enfatiza a importância do amor: o de Deus,


o d’Ele e o dos seus discípulos, reafirmando o que ensinara anteriormente

251
O Evangelho Redivivo – Livro V

(Jo 13:34 e 35): Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros como eu
vos amei (Jo 15:12). Somente o amor, ensina o Mestre Nazareno, consegue
sacrificar a própria vida pelo próximo (Jo 15:13). O amor é a essência da
vida, como ensina Joanna de Ângelis:
O amor é o sentimento fundamental para o estabelecimento da felicidade hu-
mana, sem o qual a vida perde o total sentido e significado de que se reveste.
Um indivíduo rico de amor transforma-se em precioso celeiro, onde todos
podem se repletar de alimento vivo.9

A benfeitora prossegue em suas reflexões e nos aconselha:


Presente em toda Natureza, porque procedente de Deus, da criatura humana
se irradia abrangendo tudo e voltando em direção a Deus.
Cultiva o amor no pensamento, externa-o nas palavras e vive-o nas ações, sem
preocupação de haveres ou não alcançado o seu sublime clímax.
Começa-o agora e segue-lhe a trilha infinita, cada vez amando mais.
Habituar-te-ás ao amor de tal forma, que nunca mais poderás viver sem ele
no coração.10

Nos momentos finais da Última Ceia as instruções transmitidas pelo


Senhor trazem o sabor de despedida, mas também a certeza do seu amor
e amizade perenes aos discípulos do passado, do presente e do futuro: Já
não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que seu senhor faz; mas eu
vos chamo amigos, porque tudo o que ouvi de meu Pai eu vos dei a conhecer.
(Jo 15:15). O confrade Cláudio Fajardo interpreta o significado de servo e
de amigos, nesse ensinamento de Jesus:
[...] A condição de servo é interessante para aquele que assim se faz de forma
consciente. Será maior no Reino aquele que mais servir, nos ensina o Mestre;
porém, esta é a condição louvável se daqui para lá, se de dentro para fora.
Se essa é uma condição definida de fora para dentro, ou seja, se alguém nos
chama servos, é porque de certa forma esse alguém nos é superior, há uma
ordem natural, um impositivo do momento. [...].11

O servo atende às solicitações do seu senhor como um subalterno,


sem questioná-las, até porque desconhece o que o seu senhor faz, como
registrou João (15:15). É usual que na hierarquia social estabelecida entre o
patrão e o servidor, aquele que se encontra na posição superior não precisa
dar satisfação ao subalterno. No entanto, Jesus, a partir daquele momento,
afirma que os membros do seu colégio apostolar, exceto Judas Iscariotes
que se retirara da Ceia, não mais seriam considerados servos, mas amigos:
Jesus eleva seus discípulos à condição superior de amigos, e meus amigos, diz
Ele. Já vê neles o potencial da compreensão e do amor dinamizado. Se antes

252
TEMA 25 – A DESPEDIDA DE JESUS – 3ª PARTE – A VERDADEIRA VIDEIRA. OS DISCÍPULOS E O MUNDO (JO 15:1 A 27)

eles eram chamados servos, agora eram amigos. Já comungavam, assim, da


intimidade do Senhor, já possuíam a mesma aspiração.
Se o mundo nos chama disso ou daquilo, pouca importância tem, pois o mundo
normalmente comunga interesses mesquinhos e também está em constante
mutação. [...] Todavia, quando atingimos condição elevada em termos de
moral, quem nos nomeará ou até mesmo nos terá como amigos é o Cristo,
entidade superior que sabe o que diz e que, projeta-nos sempre adiante, a uma
nova posição, cada vez mais perto Daquele que nos Criou.
...mas já vos chamo amigos..., e nós, quando assim seremos? O que estamos
fazendo hoje para aproximarmos esse tempo que pela Lei um dia virá?12

25.2 OS DISCÍPULOS E O MUNDO (JO 15:18 A 27)13


18
Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro, me odiou a mim. 19Se fôsseis do
mundo, o mundo amaria o que era seu; mas, porque não sois do mundo e minha
escolha vos separou do mundo, o mundo, por isso, vos odeia. 20Lembrai-vos da
palavra que vos disse: O servo não é maior que seu senhor. Se eles me persegui-
ram, também vos perseguirão; se guardaram minha palavra, também guardarão a
vossa. 21Mas tudo isso eles farão contra vós, por causa do meu nome, porque não
conhecem quem me enviou. 22Se eu não tivesse vindo e não lhes tivesse falado,
não seriam culpados de pecado; mas agora não têm desculpa para o seu pecado.
23
Quem me odeia, odeia também meu Pai. 24Se eu não tivesse feito entre eles as
obras que nenhum outro fez, não seriam culpados de pecado; mas eles viram
e nos odeiam, a mim e ao Pai. 25Mas é para que se cumpra a palavra escrita na
sua Lei: Odiaram-me sem motivo. 26Quando vier o Paráclito, que vos enviarei
de junto do Pai, o Espírito da Verdade, que vem do Pai, ele dará testemunho de
mim. 27E vós também dareis testemunho, porque estais comigo desde o princípio.

Tais registros são alertas que o Senhor fez aos discípulos quanto aos acon-
tecimentos futuros, que seriam marcados pela declarada hostilidade contra os
cristãos, sobretudo as lideranças cristãs. Eles sofreriam todo tipo de perseguição
e de maus-tratos, inclusive prisões, condenações e sentença de morte sumária:
“[...] Aqui encontramos tanto uma predição (feita pelo Senhor Jesus) como
um reflexo histórico das primeiras perseguições movidas contra os cristãos,
tanto da parte dos judeus como da parte dos romanos”.14 Contudo, a despeito
das lutas acerbas que os discípulos passaram, eles saíram da vestimenta física
vitoriosos, mantendo a comunhão com o Cristo e profunda fé em Deus: “Essa
comunhão com Cristo altera também as relações entre o crente e o mundo,
porque assim como este mundo hostil odiou e matou o Messias, também os
seus discípulos seriam odiados e maltratados” (Jo 15:18 a 22).14
Na seção anterior, Jesus falou sobre o poder do amor. Em seguida Ele voltou
sua atenção ao poder do ódio, alertando seus discípulos sobre a oposição que

253
O Evangelho Redivivo – Livro V

receberiam do mundo. O mundo, aqui, como no restante desse Evangelho, é


a ordem moral afastada de Deus. Há um abismo profundo entre o amor do
mundo por si mesmo e seu ódio a tudo o que Jesus representa (v. 18, 19). [...].
Jesus apontou uma razão espiritual para o ódio do mundo. Como ele tinha
escolhido seus discípulos, eles se tornaram suspeitos aos olhos do mundo. No v.
20 Jesus relembra os discípulos de uma declaração que ele fizera anteriormente
(cf. 13:16). Os servos não podem esperar melhor tratamento do que aquele
que é dado a seu mestre. [...].
A perseguição tem origem na ignorância (v. 21), no fato de não reconhecerem que
Jesus estava fazendo a obra do Pai. Ainda assim, eles não têm desculpa (v. 22). A
vinda de Jesus tinha lançado sobre seus ouvintes uma responsabilidade moral. [...].15

Bittencourt Sampaio, porém, pondera a respeito do sentido da palavra


ódio que consta do texto evangélico (v. 25):
Não devemos tomar a palavra “odiar” no sentido que se lhe dá em nossa
linguagem [...]. O termo significa, quanto a Jesus, falta de atração para Ele
e, por conseguinte, de submissão às inspirações que Ele e os bons Espíritos
não cessam de transmitir aos homens, conforme os respectivos graus de
desenvolvimento. – Quanto aos apóstolos, significava que necessariamente
encontrariam os mesmos sentimentos que o Mestre encontrara e que também
contra eles se traduziriam em violências e perseguições físicas e até, contra
alguns, no derradeiro suplício – não por causa de suas pessoas, mas por causa
da doutrina, da palavra que eram encarregados de espalhar.16

O benfeitor prossegue em suas reflexões a respeito da desafiante missão


que caberia aos apóstolos:
Se os apóstolos fossem do mundo, isto é, se fossem Espíritos atrasados e maus,
como a maioria dos homens de então, não seriam odiados, porque neles o
mundo teria amado o que era seu [v. 18]; mas como foram escolhidos por
Jesus fora do mundo, como eram Espíritos bons, que encarnaram para ajudar
o Divino Mestre na obra de amor universal, de amor sem limites, conforme o
declarou o próprio Jesus, não podiam atrair a si os maus, antes os repeliriam,
para sofrerem as provas inerentes às suas missões na Terra.
Se perseguiram a Jesus, não deixariam de perseguir-lhe os discípulos, porque
não é maior do que o Senhor o servo.17

Prevenidos, assim, a respeito dos amargos dias do futuro, Jesus acalma-os


relembrando-lhes que sempre estaria com eles com o advento do Consolador:
Quando vier o Paráclito, que vos enviarei de junto do Pai, o Espírito da Verdade,
que vem do Pai, ele dará testemunho de mim. E vós também dareis testemunho,
porque estais comigo desde o princípio. (Jo 15:26 e 27):
As palavras de Jesus eram de aplicação para aquela época e encerravam uma
promessa para o futuro.

254
TEMA 25 – A DESPEDIDA DE JESUS – 3ª PARTE – A VERDADEIRA VIDEIRA. OS DISCÍPULOS E O MUNDO (JO 15:1 A 27)

Durante séculos que decorreram, desde o cumprimento de sua missão até os


nossos dias, os apóstolos têm aprendido e, durante os séculos que se sucede-
rem, ainda aprenderão.
Também nós temos aprendido e aprenderemos por muito tempo ainda – na
medida das nossas necessidades – até que cheguemos ao estado de conhecer
todas as coisas, na ordem física, moral e intelectual – intelectual, sobretudo,
em relação à eternidade.18

A vinda do Paráclito ou Espírito da Verdade, consubstanciado na


Doutrina Espírita, encaminhará a Humanidade para a regeneração espiritual:
Assim, o Espiritismo realiza o que Jesus disse do Consolador Prometido: co-
nhecimento das coisas, fazendo que o homem saiba de onde vem, para onde
vai e por que está na Terra; um chamamento aos verdadeiros princípios da
Lei de Deus e consolação pela fé e pela esperança.19
Jesus promete outro Consolador: o Espírito de Verdade, que o mundo ainda
não conhece, por não estar maduro para o compreender, Consolador que o
Pai enviará para ensinar todas as coisas e para relembrar o que o Cristo havia
dito. [...]
O Espiritismo vem no tempo previsto cumprir a promessa do Cristo: preside
ao seu advento o Espírito de Verdade. Ele chama os homens à observância
da Lei; ensina todas as coisas fazendo compreender o que o Cristo só disse
por parábolas. Disse o Cristo: “Ouçam os que têm ouvidos para ouvir”. O
Espiritismo vem abrir os olhos e os ouvidos, porque fala sem figuras e sem
alegorias; levanta o véu intencionalmente lançado sobre certos mistérios. Vem,
finalmente, trazer a suprema consolação aos deserdados da Terra e a todos os
que sofrem, atribuindo causa justa e fim útil a todas as dores.20

REFERÊNCIAS
1 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 15, it.
1-3, p. 705.
2 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 15, it.
4, p. 705.
3 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por versí-
culo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 15, it. 5, p. 705.
4 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por versí-
culo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 15, it. 6, p. 705.
5 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.

255
O Evangelho Redivivo – Livro V

ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 15:1-17, p. 1.881 e 1.883.
6 XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito
Emmanuel. 1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 54 – A videira.
7 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XV, p. 434.
8 XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito
Emmanuel. 1. ed. 1. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 55 – As varas da videira.
9 FRANCO, Divaldo Pereira. Garimpo de amor. Pelo Espírito Joanna de Ângelis.
Salvador, BA: LEAL, 2003. cap. 11, p. 75.
10 FRANCO, Divaldo Pereira. Garimpo de amor. Pelo Espírito Joanna de Ângelis.
Salvador, BA: LEAL, 2003. cap. 11, p. 79.
11 FAJARDO, Cláudio. O sermão do cenáculo: a vinda do filho do homem. Belo
Horizonte, MG: Itapuã, 2009. cap. 3, p. 133.
12 FAJARDO, Cláudio. O sermão do cenáculo: a vinda do filho do homem. Belo
Horizonte, MG: Itapuã, 2009. cap. 3, p. 134.
13 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 15:18-27, p. 1.883.
14 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por versí-
culo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 15, it. 12, p. 705.
15 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes; et
al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 15, it. 15:18; 16:3, p. 1.589.
16 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XV, p. 439.
17 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XV, p. 439 e 440.
18 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
do Canto XIV, p. 430.
19 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. cap. 6, it. 4.
20 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. cap. 6, it. 4.

256
TEMA 26

A DESPEDIDA DE JESUS
– 4a PARTE – A VINDA DO
PARÁCLITO (JO 16:1 A 15)

Na quarta parte do Sermão do Cenáculo, Jesus reafirma que as per-


seguições contra a mensagem do Evangelho prosseguirão; inclusive com
mortes, muitas das quais realizadas em seu nome, como relata a História. No
início, tanto as calúnias como as perseguições e mortes, em especial, foram
realizadas ou promovidas por representantes do clero judaico. Mais tarde,
após a crucificação de Jesus, o ódio manifestado contra os ensinamentos
do Mestre Nazareno espalhou-se pelo mundo, sobretudo contra os repre-
sentantes do Movimento Cristão, que durante três séculos consecutivos, no
mínimo, foram alvo de todo tipo de sofrimento:
[...] Esse ódio, mencionado antes (ver Jo 15:1-25), é agora descrito com maio-
res pormenores. Os discípulos precisavam ser advertidos com antecedência,
porquanto a prova pela qual passaria seria extremante severa e não terminaria
de imediatamente [...].1

Vemos assim, que por muito tempo os cristãos foram alvo de todo tipo
de preconceito, desprezados, perseguidos e mortos pelos donos do poder,
religiosos ou não, fazendo-os viver à margem da sociedade, como párias:1
Por conseguinte, foi por razões como essas que o Senhor Jesus resolveu advertir
os seus discípulos, aludindo à sua obra, ao novo Consolador, Conselheiro,
Ajudador, o alter ego de Jesus Cristo, que o Senhor haveria de lhes enviar, com
a finalidade de dar continuidade à sua obra, para servir de presença divina
entre eles. (Ver os v. 12-15 deste capítulo.) [...].2

26.1 A VINDA DO PARÁCLITO (JO 16:1 A 15)3


1
Digo-vos isto para que não vos escandalizeis. 2Expulsar-vos-ão das sinagogas. E
mais ainda: virá a hora em que aquele que vos matar julgará realizar um ato de culto
a Deus. 3E isso farão porque não reconheceram o Pai nem a mim. 4Mas eu vos digo
tais coisas para que, ao chegar a sua hora, vos lembreis de que eu vos havia dito.

257
O Evangelho Redivivo – Livro V

Não vos disse isso desde o princípio porque estava convosco. 5Agora, porém,
vou para aquele que me enviou e nenhum de vós me pergunta: “Para onde
vais?” 6Mas porque vos disse isso, a tristeza encheu vossos corações. 7No
entanto, eu vos digo a verdade: é de vosso interesse que eu parta, pois, se eu
não for, o Paráclito não virá a vós. Mas se for, enviá-lo-ei a vós. 8E quando ele
vier, estabelecerá a culpabilidade do mundo a respeito do pecado, da justiça
e do julgamento: 9do pecado, porque não creem em mim; 10da justiça, porque
vou para o Pai e não mais me vereis; 11do julgamento, porque o Príncipe deste
mundo está julgado. 12Tenho ainda muito que vos dizer, mas não podeis agora
suportar. 13Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à verdade
plena, pois não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos
anunciará as coisas futuras. 14Ele me glorificará porque receberá do que é meu
e vos anunciará. 15Tudo o que o Pai tem é meu. Por isso vos disse: ele receberá
do que é meu e vos anunciará.

Jesus alerta os seus discípulos a respeito das provações e sacrifícios que


iriam se submeter após a sua partida (v. 1 a 4), porém garante-lhes que não
os deixaria órfãos (Jo 14:18), jamais seriam entregues à própria sorte. Como
medida de prudência eles deveriam estar atentos às ponderações do Senhor
quanto ao tipo de provação que lhes alcançariam, preparando-se para a jornada:
É indispensável ouvi-las para que se não escandalize no quadro das obrigações
comuns.
Esclareceu-nos a palavra do Mestre que, enquanto perdurasse a dominação da
ignorância no mundo, os legítimos cultivadores dos princípios da renovação
espiritual, por Ele trazidos, não seriam observados com simpatia. Seriam
perseguidos sem tréguas pelas forças da sombra. Compareceriam a tribunais
condenatórios para se inteirarem das falsas acusações dos que se encontram
ainda incapacitados de maior entendimento. Suportariam remoques de fa-
miliares, estranhos à iluminação interior. Sofreriam a expulsão dos templos
organizados pela pragmática das seitas literalistas. Escutariam libelos gratuitos
das inteligências votadas ao escárnio das verdades divinas. Viveriam ao modo
de ovelhas pacíficas entre lobos famulentos. Sustentariam guerra incessante
contra o mal. Cairiam em ciladas torpes. Contemplariam o crescimento do joio
ao lado do trigo. Identificariam o progresso efêmero dos ímpios. Carregariam
consigo as marcas da cruz. Experimentariam a incompreensão de muitos.
Sentiriam solidão nas horas graves. Veriam, de perto, a calúnia, a pedrada, a
ingratidão...5

Faz-se necessário compreender que o alerta de Jesus não foi dirigido


apenas aos discípulos, sobretudo aos presentes à Última Ceia: “Estas palavras
de Jesus eram advertências a todos aqueles que, como os apóstolos, então
e no futuro, desempenhassem uma missão em prol da verdade num meio
retardatário e refratário”.6

258
TEMA 26 – A DESPEDIDA DE JESUS – 4ª PARTE – A VINDA DO PARÁCLITO (JO 16:1 A 15)

Jesus em sua predição abrange todos os que, como os seus discípulos, em diver-
sas épocas, pregaram e pregarão a verdade, combatendo os abusos e os vícios.
Aqueles que praticaram a intolerância, o fanatismo, a perseguição contra os
discípulos e os levaram à morte, creram que faziam um serviço a Deus; obravam
assim – porque não conheciam o Pai, que é o Deus de amor, do amor univer-
sal, infinito – porque não conheciam a Jesus, que era o enviado do Senhor, o
emblema da Lei de Amor, e não conheciam a grandeza e o fim da sua missão,
que era de regeneração da Humanidade pela justiça, pelo amor, pela caridade
e, pois, pela fraternidade entre os homens.7

Após o alerta, o Senhor volta a anunciar a vinda do Paráclito (v. 7 a


15), que materializaria no planeta quando os homens estivessem aptos a
compreender as lições imortais do Evangelho:
O Consolador que o Divino Mestre enviaria a seus discípulos, era, como se sabe,
o conjunto dos Espíritos do Senhor – seus mensageiros, que os inspirariam e
ajudariam na missão que iam desempenhar. [...].8

Com o advento do Consolador, os integrantes da comunidade pla-


netária entenderão, finalmente, que a causa dos seus erros (“pecados”)
decorrem das próprias imperfeições espirituais, as quais serão substituídas
pelo desenvolvimento de virtudes. Chegado ao estágio dessa compreensão,
o ser humano estará apto para aceitar a sua culpabilidade com o mau uso do
livre-arbítrio e submeterá aos devidos processos reparadores determinados
pela Justiça Divina, tal como consta em João (16:8 a 10): E quando ele vier,
estabelecerá a culpabilidade do mundo a respeito do pecado, da justiça e do
julgamento: do pecado, porque não creem em mim; da justiça, porque vou
para o Pai e não mais me vereis.
Neste sentido, o Espiritismo, bem compreendido e vivenciado, reflete
o Paráclito ou o Consolador Prometido por Jesus, assim resumido por
Allan Kardec:
[...] conhecimento das coisas, fazendo que o homem saiba de onde vem, para
onde vai e por que está na Terra; um chamamento aos verdadeiros princípios
da Lei de Deus e consolação pela fé e pela esperança.9
O Espiritismo vem no tempo previsto cumprir a promessa do Cristo: preside
ao seu advento o Espírito de Verdade. Ele chama os homens à observância da
Lei; ensina todas as coisas fazendo compreender o que o Cristo só disse por
parábolas. [...]
[...] O Espiritismo mostra a causa dos sofrimentos nas existências anteriores
e na destinação da Terra, em que o homem expia o seu passado. Mostra o
objetivo dos sofrimentos como crises salutares que levam à cura e como meio
de depuração que garante a felicidade nas existências futuras. [...].10

259
O Evangelho Redivivo – Livro V

Como o Espiritismo poderá contribuir para o progresso da


Humanidade, pergunta Allan Kardec aos Espíritos orientadores. A resposta
que eles nos transmitiram foi a seguinte:
“Destruindo o materialismo, que é uma das chagas da sociedade, o Espiritismo
pode fazer com que os homens compreendam onde estão seus verdadeiros
interesses. Como a vida futura não mais estará velada pela dúvida, o ho-
mem perceberá melhor que pode garantir seu futuro por meio do presente.
Destruindo os preconceitos de seitas, castas e cores, o Espiritismo ensina aos
homens a grande solidariedade que os há de unir como irmãos.”11

Os Espíritos integrantes da falange do Espírito da Verdade informam-


-nos também que as ideias espíritas serão aceitas no futuro pela humanidade
terrestre:
“Certamente ele se tornará crença geral e marcará uma Nova Era na História
da Humanidade, porque está na Natureza e chegou o tempo em que ocupará
lugar entre os conhecimentos humanos. Entretanto, terá que sustentar grandes
lutas, mais contra os interesses do que contra a convicção, pois não se pode
dissimular a existência de pessoas interessadas em combatê-lo, umas por
amor-próprio, outras por causas inteiramente materiais. Porém, como seus
contraditores se tornarão cada vez mais isolados, serão forçados a pensar como
os demais, sob pena de se tornarem ridículos.”12

Como fechamento deste estudo, mas sem pretensão de esgotar o


assunto, registramos algumas considerações de Emmanuel, extraídas da
mensagem O Evangelho e o futuro, na qual o benfeitor destaca logo no início
que “[...] a vinda do Cristo ao planeta assinalaria o maior acontecimento
para o mundo, uma vez que o Evangelho seria a eterna mensagem do Céu,
ligando a Terra ao reino luminoso de Jesus [...]”13. Em seguida, explica o
papel a ser desempenhado pelo Espiritismo:
Mas é chegado o tempo de um reajustamento de todos os valores humanos. Se
as dolorosas expiações coletivas preludiam a época dos últimos “ais” do
Apocalipse, a espiritualidade tem de penetrar as realizações do homem físico,
conduzindo-as para o bem de toda a Humanidade.
O Espiritismo, na sua missão de Consolador, é o amparo do mundo neste
século de declives da sua história; só ele pode, na sua feição de Cristianismo
Redivivo, salvar as religiões que se apagam entre os choques da força e da
ambição, do egoísmo e do domínio, apontando ao homem os seus verdadei-
ros caminhos. No seu manancial de esclarecimentos, poder-se-á beber a linfa
cristalina das verdades consoladoras do Céu, preparando-se as almas para a
nova era. São chegados os tempos em que as forças do mal serão compelidas
a abandonar as suas derradeiras posições de domínio nos ambientes terres-
tres, e os seus últimos triunfos são bem o penhor de uma reação temerária

260
TEMA 26 – A DESPEDIDA DE JESUS – 4ª PARTE – A VINDA DO PARÁCLITO (JO 16:1 A 15)

e infeliz, apressando a realização dos vaticínios sombrios que pesam sobre o


seu império perecível.14

A certeza de que o Cristo permanece conosco, encaminhando-nos ao


mundo de Regeneração é esperança que conforta e sustenta o bom ânimo
nos corações humanos, finaliza Emmanuel:
Sim, porque depois da treva surgirá uma nova aurora. Luzes consoladoras
envolverão todo o orbe regenerado no batismo do sofrimento. O homem espi-
ritual estará unido ao homem físico para a sua marcha gloriosa no Ilimitado, e
o Espiritismo terá retirado dos seus escombros materiais a alma divina das
religiões, que os homens perverteram, ligando-as no abraço acolhedor do
Cristianismo restaurado.
Trabalhemos por Jesus, ainda que a nossa oficina esteja localizada no deserto
das consciências.
Todos somos dos chamados ao grande labor e o nosso mais sublime dever é
responder aos apelos do Escolhido.15

REFERÊNCIAS
1 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 16, p. 725.
2 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 16, p. 726.
3 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 16:1-15, p. 1.883 a 1.885.
4 XAVIER, Francisco Cândido. Vinha de luz. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 101.
5 XAVIER, Francisco Cândido. Vinha de luz. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 101.
6 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
do Canto XVI, p. 446.
7 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
do Canto XVI, p. 447.
8 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
do Canto XVI, p. 448.

261
O Evangelho Redivivo – Livro V

9 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto


Bezerra. 2. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. cap. 6, it. 4.
10 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. cap. 6, it. 4.
11 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed.
10. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. q. 799.
12 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed.
10. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. q. 798.
13 XAVIER, Francisco Cândido. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38.
ed. 13. imp. Brasília, DF: FEB, 2020. cap. 25 – O Evangelho e o futuro.
14 XAVIER, Francisco Cândido. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38.
ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2013. cap. 25 – O Evangelho e o futuro.
15 XAVIER, Francisco Cândido. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38.
ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2013. cap. 25 – O Evangelho e o futuro.

262
TEMA 27

A DESPEDIDA DE JESUS –
5a PARTE – ANÚNCIO DE PRONTO
RETORNO (JO 16:16 A 33)

Dos Temas 23 (Jo 13:1 a 38) ao 28 (Jo 17:1 a 26) estamos estudamos
orientações finais de Jesus, pronunciadas na Última Ceia, as quais sintetizam
a pregação que Ele proferiu ao longo de três anos, quando esteve entre nós
no plano físico. São esclarecimentos fundamentais que serviram de base
à instalação e desenvolvimento do Cristianismo no mundo, no passado,
presente e futuro, visto que a mensagem do Cristo extrapola os séculos,
cumprindo o seu permanente papel de formação do homem de bem:
A Verdade há sido sempre revelada ao homem na medida do que o homem
podia compreender; os Espíritos do Senhor, seus mensageiros, seus missio-
nários, quer no estado errante, quer encarnados, têm trazido, em todos os
tempos, a luz, a ciência, a verdade, em correlação às inteligências e às neces-
sidades de cada época.1

No estudo do atual tema, Jesus anuncia que momentos de profunda


tristeza alcançariam os discípulos em breve espaço de tempo. Contudo, de-
clara o Senhor, que essa tristeza seria convertida em grande alegria. Ambos
os anúncios fazem referência, respectivamente, à sua prisão, condenação
e morte por crucificação, à qual se seguiria a Ressurreição. De início, os
discípulos não compreendem as palavras de Jesus pois, na verdade, eles
não tinham a menor ideia dos acontecimentos que ocorreriam em seguida.
[...] Na sua resposta ante a perplexidade dos discípulos, Jesus os lembrou no-
vamente da iminente tristeza (v. 20), mas que tinha o objetivo de acrescentar
a promessa da alegria que seguiria a tristeza. [...] A transformação da tristeza
em alegria é ilustrada pela metáfora do parto. O fato é que as dores do parto
são esquecidas e substituídas pela alegria de um novo nascimento (v. 21) é
uma verdade universal. [...].2

No final do diálogo, os discípulos tiveram alguma compreensão a


respeito da fala de Jesus. Mesmo assim, em nenhum instante passou-lhes

263
O Evangelho Redivivo – Livro V

pela mente que o retorno ao Pai, informado por Jesus, era alusão à própria
morte, seguida da Ressureição:
[...] Essa ida para o Pai, por parte do Senhor Jesus, assegurou aos discípu-
los a visão espiritual mais perfeita sobre o Filho: a revelação de sua glória,
pois dessa maneira é que Cristo subiu para a glória que lhe convinha. Por
conseguinte, dessa forma, os discípulos viriam compreender a magnitude
da pessoa de Jesus Cristo; e, prosseguindo mais ainda nessa compreensão,
perceberam qual seria o seu elevadíssimo destino, que está eternamente
vinculado ao Cristo. [...].3

27.1 ANÚNCIO DE PRONTO RETORNO (JO 16:16 A 33)4


16“
Um pouco de tempo e já não me vereis, mais um pouco de tempo ainda e
me vereis”. 17Disseram entre si alguns de seus discípulos: “Que é isto que ele
nos diz: ‘Um pouco e não me vereis e novamente um pouco e me vereis’? e
‘Vou para o Pai’?” 18Eles diziam: “Que é ‘um pouco’? Não sabemos de que
fala”. 19Compreendeu Jesus que queriam interrogá-lo e lhes disse: “Vós vos
interrogais sobre o que eu disse: ‘Um pouco de tempo e já não me vereis,
mais um pouco ainda e me vereis’? 20Em verdade, em verdade, vos digo:
chorareis e vos lamentareis, mas o mundo se alegrará. Vós vos entristecereis,
mas a vossa tristeza se transformará em alegria. 21Quando a mulher está
para dar à luz, entristece-se porque a sua hora chegou; quando, porém, dá à
luz a criança ela já não se lembra dos sofrimentos, pela alegria de ter vindo
ao mundo um homem. 22Também vós, agora, estais tristes; mas eu vos verei
de novo e vosso coração se alegrará e ninguém vos tirará a vossa alegria.
23
Nesse dia, nada me perguntareis. Em verdade, em verdade, vos digo: o
que pedirdes ao Pai, ele vos dará em meu nome. 24Até agora, nada pedistes
em meu nome; pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja completa.
25
Disse-vos essas coisas por figuras. Chega a hora em que já não vos falarei
em figuras, mas claramente vos falarei do Pai. 26Nesse dia, pedireis em meu
nome e não vos digo que intervirei junto ao Pai por vós, 27pois o próprio Pai
vos ama, porque me amastes e crestes que vim de Deus. 28Saí do Pai e vim
ao mundo; de novo deixo o mundo e vou para o Pai”. 29Seus discípulos lhe
dizem: “Eis que agora falas claramente, sem figuras! 30Agora vemos que sabes
tudo e não tens necessidade de que alguém te interrogue. Por isso cremos
que saíste de Deus”. 31Jesus lhes responde: “Credes agora? 32Eis que chega a
hora – e ela chegou – em que vos dispersareis, cada um para o seu lado, e
me deixareis sozinho. Mas eu não estou só, porque o Pai está comigo. 33Eu
vos disse tais coisas para terdes paz em mim. No mundo tereis tribulações,
mas tende coragem: eu venci o mundo!”

Extraímos dos 33 versículos dessa passagem evangélica quatro ideias


principais que serão analisadas, em seguida, à luz do Espiritismo:

264
TEMA 27 – A DESPEDIDA DE JESUS – 5ª PARTE – ANÚNCIO DE PRONTO RETORNO (JO 16:16 A 33)

27.1.1 JESUS ANUNCIA O SEU RETORNO AO PAI (JO 16:16 A 19)


As seguintes palavras do Senhor registradas por João indicam que
restava pouco tempo da permanência d’Ele junto aos discípulos, pois Ele
retornaria ao Pai. Tal anúncio provocou perplexidade entre os discípulos
que, efetivamente não entenderam o que Jesus queria dizer:
16
“Um pouco de tempo e já não me vereis, mais um pouco de tempo ainda e
me vereis”. 17Disseram entre si alguns de seus discípulos: “Que é isto que ele
nos diz: ‘Um pouco e não me vereis e novamente um pouco e me vereis’? e
‘Vou para o Pai’?” 18Eles diziam: “Que é ‘um pouco’? Não sabemos de que
fala”. 19Compreendeu Jesus que queriam interrogá-lo e lhes disse: “Vós vos
interrogais sobre o que eu disse: ‘Um pouco de tempo e já não me vereis, mais
um pouco ainda e me vereis’?”.

A História nos revela que esse entendimento iniciaria com a


Ressurreição do Cristo, mas que só seria completo, efetivamente, com
cumprimento da missão que caberia aos apóstolos executar. Refletindo um
pouco mais a respeito vemos que, a despeito da ocorrência da Ressurreição,
a organização posterior das igrejas cristãs utilizou a Crucificação como o
símbolo máximo do Cristianismo. Ou seja, se fixaram no símbolo da morte,
não no da vida, esclarece Vinícius:
Nos tempos romanos se destaca, invariavelmente, logo ao primeiro golpe de
vista, a imagem de Jesus, pendente do madeiro, fronte abatida, mento caído
sobre o peito, olhos cerrados. Todos os altares, mesmo quando destinado a este
ou àquele patrono, têm no sopé, infalivelmente, o Cristo morto. [...]
Os reformistas, neste particular, aboliram o ídolo, mas se mantiveram
apegados à mesma ideia. A reforma que introduziram, neste caso, não
foi além da idolatria. Continuou vigorando o Cristo morto no dogma
da redenção pela virtude do seu sangue; aqui, como no romanismo, se
anuncia com toda ênfase o Cristo Crucificado. É para a cruz que se apela
em todos os tons. É a efusão do sangue, é o sacrifício cruento, é a morte,
em suma, que se encerra todos o prestígio, todo o valor e toda a magia
da obra messiânica.5

Ante tal constatação histórica, o espírita Vinícius conclui e indaga:


Segundo este prisma, a missão de Jesus teve início na manjedoura de Belém e
finalizou no topo do Calvário. A tal se reduz o Alfa e o Ômega do Cristianismo.
Se assim é, onde fica o Cristo vivo, o Cristo ressuscitado? Que é feito d’Ele?
Onde a sanção de suas promessas, dentre as quais se destacam as suas trans-
critas destes comentos?
Estaremos na orfandade, a despeito de nos haver Jesus prometido que se não
daria tal? 6

265
O Evangelho Redivivo – Livro V

Essas e outras indagações semelhantes são oportunas e atuais, cujas


respostas se resume em uma só: “[...] A Humanidade não deve sua salvação
à cruz, deve-a ao amor de Jesus Cristo. [...]”.7
[...] A morte de Jesus obedeceu à vontade humana, enquanto a obra da salvação
do mundo obedece aos desígnios de Deus. Como se vê, são coisas bem distintas.
A missão de Jesus está em plena atividade. A tragédia do Calvário não é, de
modo algum, o seu epílogo. O Missionário da Galileia continua em ação. [...].
O Cristo de Deus não morreu. Sublime, forte e poderoso, tem vivido, vive e
viverá no coração dos que têm fome e sede de justiça.
A Ele e ao ideal que Ele encarna – honra e glória!7

27.1.2 A TRISTEZA E A ALEGRIA QUE ACOMPANHARIAM


O RETORNO DE JESUS AO PAI (JO 16:20 A 22)
A citação evangélica mostra que, em relação ao Cristo, há nítida di-
ferença entre a tristeza e a alegria demonstradas pelos perseguidores e os
cristãos. Os adversários de Jesus ficaram felizes com a sentença da sua morte
e manifestaram inquietações com a Ressurreição. O contrário aconteceu
com os discípulos, como destaca o Senhor em João (16:20 a 22):
Em verdade, em verdade, vos digo: chorareis e vos lamentareis, mas o mundo se
alegrará. Vós vos entristecereis, mas a vossa tristeza se transformará em alegria.
Quando a mulher está para dar à luz, entristece-se porque a sua hora chegou;
quando, porém, dá à luz a criança ela já não se lembra dos sofrimentos, pela alegria
de ter vindo ao mundo um homem. Também vós, agora, estais tristes; mas eu vos
verei de novo e vosso coração se alegrará e ninguém vos tirará a vossa alegria.

Jesus compara a tristeza e a alegria cristãs, respectivamente, com as do-


res do parto e o nascimento do bebê. Em outras palavras, se há compreensão
sobre as causas do sofrimento, o Espírito sabe que é algo passageiro, ainda
que a sua alma esteja abatida pela dor. A resignação suportada reverterá
em felicidade posterior, daí o conselho sempre atual do benfeitor espiritual:
Valoriza a aflição de hoje, aprendendo com ela a crescer para o bem, que
nos burila para a união com Deus, porque o Mestre que te propões a escutar
e seguir, ao invés das facilidades no imediatismo da Terra, preferiu, para
ensinar-nos a verdadeira ascensão, a humildade da Manjedoura, o imposto
constante do serviço aos necessitados, a incompreensão dos conterrâneos, a
indiferença dos corações mais queridos e o supremo testemunho do amor em
plena cruz da morte.8

Em outra mensagem, Emmanuel interpreta com muita lucidez esse


registro de João, assim se expressando:

266
TEMA 27 – A DESPEDIDA DE JESUS – 5ª PARTE – ANÚNCIO DE PRONTO RETORNO (JO 16:16 A 33)

Alegria cristã9
Mas a vossa tristeza se converterá
em alegria. Jesus (João, 16:20.)
Nas horas que precederam a agonia da cruz, os discípulos não conseguiam
disfarçar a dor, o desapontamento. Estavam tristes. Como pessoas humanas,
não entendiam outras vitórias que não fossem as da Terra. Mas Jesus, com
vigorosa serenidade, exortava-os: “Na verdade, na verdade, vos digo que vós
chorareis e vos lamentareis; o mundo se alegrará e vós estareis tristes, mas a
vossa tristeza se converterá em alegria.”
Através de séculos, viu-se no Evangelho um conjunto de notícias dolorosas –
um Salvador abnegado e puro conduzido ao madeiro destinado aos infames,
discípulos debandados, perseguições sem conta, martírios e lágrimas para
todos os seguidores...
No entanto, essa pesada bagagem de sofrimentos constitui os alicerces de
uma vida superior, repleta de paz e alegria. Essas dores representam auxílio
de Deus à terra estéril dos corações humanos. Chegam como adubo divino
aos sentimentos das criaturas terrestres, para que de pântanos desprezados
nasçam lírios de esperança.
Os inquietos salvadores da política e da ciência, na Crosta Planetária, receitam
repouso e prazer a fim de que o espírito chore depois, por tempo indetermina-
do, atirado aos desvãos sombrios da consciência ferida pelas atitudes crimino-
sas. Cristo, porém, evidenciando suprema sabedoria, ensinou a ordem natural
para a aquisição das alegrias eternas, demonstrando que fornecer caprichos
satisfeitos, sem advertência e medida, às criaturas do mundo, no presente
estado evolutivo, é depor substâncias perigosas em mãos infantis. Por esse
motivo, reservou trabalhos e sacrifícios aos companheiros amados, para que
se não perdessem na ilusão e chegassem à vida real com valioso patrimônio
de estáveis edificações.
Eis por que a alegria cristã não consta de prazeres da inconsciência, mas da
sublime certeza de que todas as dores são caminhos para júbilos imortais.

27.1.3 CRISTO: O MENSAGEIRO DE DEUS (JO 16:23 A 31)


23
Nesse dia, nada me perguntareis. Em verdade, em verdade, vos digo: o que pedir-
des ao Pai, em meu nome ele vos dará. 24Até agora, nada pedistes em meu nome;
pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja completa. 25Disse-vos essas coisas
por figuras. Chega a hora em que já não vos falarei em figuras, mas claramente vos
falarei do Pai. 26Nesse dia, pedireis em meu nome e não vos digo que intervirei junto
ao Pai por vós, 27pois o próprio Pai vos ama, porque me amastes e crestes que vim
de Deus. 28Saí do Pai e vim ao mundo; de novo deixo o mundo e vou para o Pai.
29
Seus discípulos lhe dizem: “Eis que agora falas claramente, sem figuras! 30Agora
vemos que sabes tudo e não tens necessidade de que alguém te interrogue. Por
isso cremos que saíste de Deus”. 31Jesus lhes responde: “Credes agora?”

267
O Evangelho Redivivo – Livro V

O texto evangélico demonstra com muita clareza o pensamento joanino


e, também, um dos principais fundamentos da Doutrina Espírita: Jesus é o
Guia e Modelo da humanidade terrestre:
Para o homem, Jesus representa o tipo da perfeição moral a que a Humanidade
pode aspirar na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo, e a
doutrina que ensinou é a mais pura expressão de sua lei, porque, sendo Jesus
o ser mais puro que já apareceu na Terra, o Espírito Divino o animava. Se
alguns dos que pretenderam instruir o homem na Lei de Deus algumas vezes
o transviaram por meio de falsos princípios, foi porque se deixaram dominar
por sentimentos demasiado terrenos e porque confundiram as leis que regulam
as condições da vida da alma com as que regem a vida do corpo. Muitos deles
apresentaram como Leis divinas o que eram simples leis humanas, criadas para
servir às paixões e para dominar os homens.10

Quando os habitantes da Terra alcançarem esse entendimento, ora


comentado por Allan Kardec, a comunidade planetária estará vivendo
uma era de significativo desenvolvimento moral, constituída de “um só
rebanho e um só Pastor” (Jo 10:16). Nessas condições, o ser humano não
mais precisará utilizar símbolos nem rituais de culto externo para entrar
em relação com Deus. Por intermédio de Jesus, chegaremos ao Pai, pelo
conhecimento e pela vivência da Lei de Amor que governa todos os seres
e coisas da Criação divina:
Assim se exprime Jesus relativamente ao nosso planeta e à nossa Humanidade.
Como encarregado por Deus do nosso desenvolvimento e progresso, ele ou-
torga missões aos Espíritos que trabalham sob a sua direção e suas ordens, e
determina a natureza de cada missão [...].11
O Espírito da Verdade ensinar-nos-á toda a verdade. Sim, porque o seu papel
é mostrar progressiva e sucessivamente à Humanidade a luz que a deve guiar
em suas pesquisas e ajudá-la a avançar cada vez mais e com mais energia, pelo
caminho do progresso moral, físico e intelectual.
[...]
Os espíritos do Senhor já principiaram a descer até nós. Missionários, quer
errantes, quer encarnados, espalham, por meio da luz e da ciência espíritas
que nos são reveladas, grande claridade sobre o que ficara oculto pelo véu da
letra na revelação messiânica. Instruem os homens sobre os seus destinos
futuros, sobre o que podem e devem esperar, sobre a ciência do mundo
e da criatura; começam a dar-nos a verdade em correspondência ao que
podemos compreender, guiando a Humanidade em suas investigações e a
ajudando a avançar.12

268
TEMA 27 – A DESPEDIDA DE JESUS – 5ª PARTE – ANÚNCIO DE PRONTO RETORNO (JO 16:16 A 33)

27.1.4 A PAZ DO CRISTO (JO 16:32 E 33)


A conclusão do texto joanino informa-nos a respeito da dispersão dos
apóstolos; da união de Jesus com o Pai, como o Cristo de Deus e o signifi-
cado da paz com o Cristo:
32
Eis que chega a hora – e ela chegou – em que vos dispersareis, cada um para
o seu lado, e me deixareis sozinho. Mas eu não estou só, porque o Pai está
comigo. 33Eu vos disse tais coisas para terdes paz em mim. No mundo tereis
tribulações, mas tende coragem: eu venci o mundo!

A dispersão dos apóstolos abrange dois contextos: o que faz referência


à futura missão que lhes caberia de divulgar a mensagem do Evangelho e,
também, o contexto que envolve solidão e tribulações. Após a Ressurreição
eles saíram do solo pátrio, onde se encontravam sob severa perseguição,
buscaram asilo em outras terras e povos e, ali, pregaram e divulgaram os
ensinamentos do Mestre Nazareno, submetendo-se a sofrimentos imen-
suráveis: perseguições, difamações, açoites, prisão que culminaram com
a morte. O Apóstolo João foi o único que viveu avançada velhice, mas ao
longo da sua existência passou por muitas perseguições, prisão, exílio e
confinamento na Ilha de Patmos. Foram pessoas valorosas que, a exemplo
de Jesus, tudo suportaram para alcançarem a vitória real, do domínio do
bem sobre o mal:
Assim ocorre, porque os construtores do aperfeiçoamento espiritual não estão
na Terra para vencer no mundo, mas notadamente para vencer o mundo, em
si mesmos, de modo a servirem ao mundo, sempre mais, e melhor.13

Relata-nos Irmão X que diante dos inúmeros desafios que os apóstolos


enfrentavam cotidianamente para divulgar e exemplificar o Evangelho, eles
se encontravam exaustos e enfraquecidos. Pedro profere, então, ardorosa
súplica ao Senhor, implorando auxílio. Consta que o Mestre Amigo se ma-
nifesta aos seus dedicados discípulos e os orienta com deveriam agir para
alcançarem o êxito:
Quando o ex-pescador parou de falar, enxugando o rosto molhado de lágri-
mas, alguém surgiu ali, diante deles, como se a parede, à frente, se abrisse por
dispositivos ocultos, para dar passagem a um homem.
À luz mortiça que bruxuleava no velador, Jesus, como no passado, estava ali,
rente a eles... Era ele, sim, o Mestre!... Mostrando o olhar lúcido e penetrante,
os cabelos desnastrados à nazarena e melancolia indefinível na face calma,
ergueu as mãos num gesto de bênção!...
Pedro gemeu, indiferente aos amigos que o assombro empolgava:

269
O Evangelho Redivivo – Livro V

– Senhor, compadece-te de nós, os aprendizes atormentados!... Que fazer,


Mestre, para garantir a segurança de tua obra? Perdoa-me se tenho o coração
fatigado e desditoso!...
– Simão – respondeu Jesus, sem se alterar –, não me esqueci de rogar para que
nos amássemos uns aos outros...
– Senhor – tornou Cefas –, temos realizado todo o bem que nos é possível,
segundo o amor que nos ensinaste. Nossas campanhas não descansam... Temos
amparado, em teu nome, os aleijados e os infelizes, as viúvas e os órfãos...
– Sim, Pedro, todas essas campanhas são aquelas que não podem esmorecer,
para que o bem se espalhe por fruto do Céu na Terra; no entanto, urge saibamos
atender à campanha da paz em si mesma...
– Senhor, esclarece-nos por piedade!... Que campanha será essa?!...
Jesus, divinamente materializado, espraiou o olhar percuciente na diminuta
assembleia e ponderou, triste:
– O equilíbrio nasce da união fraternal e a união fraternal não aparece fora do
respeito que devemos uns aos outros... Ninguém colhe aquilo que não semeia...
Conseguiremos a seara do serviço, conjugando os braços na ação que nos
compete; conquistaremos a diligência, aplicando os olhos no dever a cumprir;
obteremos a vigilância, empregando criteriosamente os ouvidos; entretanto,
para que a harmonia permaneça entre nós, é forçoso pensar e falar acerca do
próximo, como desejamos que o próximo pense e fale sobre nós mesmos...
E, ante o silêncio que pesava, profundo, o Mestre rematou:
– Irmãos, por amor aos fracos e aos aflitos, aos deserdados e aos tristes da
Terra, que esperam por nós a luz do Reino de Deus, façamos a campanha da
paz, começando pela caridade da língua.14

O cristão sincero compreende, perfeitamente, qual é o significado da


paz do Cristo, como ensina Emmanuel:
Paz do mundo e paz do Cristo15
A paz vos deixo, a minha paz vos dou;
não vo-la dou como o mundo a dá. Jesus (João, 14:27.)
É indispensável não confundir a paz do mundo com a paz do Cristo.
A calma do plano inferior pode não passar de estacionamento.
A serenidade das esferas mais altas significa trabalho divino, a caminho da
Luz Imortal.
O mundo consegue proporcionar muitos acordos e arranjos nesse terreno, mas
somente o Senhor pode outorgar ao espírito a paz verdadeira.
Nos círculos da carne, a paz das nações costuma representar o silêncio provi-
sório das baionetas; a dos abastados inconscientes é a preguiça improdutiva e
incapaz; a dos que se revoltam, no quadro de lutas necessárias, é a manifestação
do desespero doentio; a dos ociosos sistemáticos, é a fuga ao trabalho; a dos

270
TEMA 27 – A DESPEDIDA DE JESUS – 5ª PARTE – ANÚNCIO DE PRONTO RETORNO (JO 16:16 A 33)

arbitrários, é a satisfação dos próprios caprichos; a dos vaidosos, é o aplauso


da ignorância; a dos vingativos, é a destruição dos adversários; a dos maus,
é a vitória da crueldade; a dos negociantes sagazes, é a exploração inferior; a
dos que se agarram às sensações de baixo teor, é a viciação dos sentidos; a
dos comilões é o repasto opulento do estômago, embora haja fome espiritual
no coração.
Há muitos ímpios, caluniadores, criminosos e indiferentes que desfrutam a
paz do mundo. Sentem-se triunfantes, venturosos e dominadores no século. A
ignorância endinheirada, a vaidade bem-vestida e a preguiça inteligente sempre
dirão que seguem muito bem.
Não te esqueças, contudo, de que a paz do mundo pode ser, muitas vezes, o
sono enfermiço da alma. Busca, desse modo, aquela paz do Senhor, paz que
excede o entendimento, por nascida e cultivada, portas adentro do espírito,
no campo da consciência e no santuário do coração.

REFERÊNCIAS
1 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto VI, p. 451.
2 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes; et
al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 16, it. 16:16-24, p. 1.591.
3 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 16, it.
16:16, p. 739.
4 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto
da Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 16:16 a 33, p. 1.885 e 1.886.
5 VINÍCIUS. Nas pegadas do mestre. 12. ed. 4. imp. Brasília, DF: FEB, 2015. cap.
O Cristo redivivo.
6 VINÍCIUS. Nas pegadas do mestre. 12. ed. 4. imp. Brasília, DF: FEB, 2015. cap.
O Cristo redivivo.
7 VINÍCIUS. Nas pegadas do mestre. 12. ed. 4. imp. Brasília, DF: FEB, 2015. cap.
O Cristo redivivo.
8 XAVIER, Francisco Cândido. Ceifa de luz. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 27 – Aflição e tranquilidade.
9 XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito
Emmanuel. 1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 93.

271
O Evangelho Redivivo – Livro V

10 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed.
10. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. comentário de Kardec à q. 625.
11 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
do Canto XVI, p. 453.
12 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
do Canto XVI, p. 452.
13 XAVIER, Francisco Cândido. Palavras de vida eterna. Pelo Espírito Emmanuel. 1.
ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB; Uberaba, MG: CEC, 2022. cap. 136 – Na vitória real.
14 XAVIER, Francisco Cândido. Contos desta e doutra vida. Pelo Espírito Irmão
X. 14. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB: 2013. cap. 31 – A campanha da paz.
15 XAVIER, Francisco Cândido. Vinha de luz. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 105.

272
TEMA 28

A DESPEDIDA DE JESUS
– 6a PARTE – ORAÇÃO DE
JESUS (JO 17:1 A 26)

As orientações de Jesus transmitidas na Última Ceia foram iniciadas


em João (13:31) e se completam no atual estudo, consubstanciado em uma
oração de Jesus dirigida ao Pai Celestial, oração que reflete, de início, a glo-
rificação de Jesus junto ao Pai pelo cumprimento da missão que Ele, como
Mensageiro de Deus, realizou: “Jesus pede a sua própria glorificação, mas,
com isso, não procura a sua própria glória (cf. Jo 7:18; 8:50); a sua glória e
a do Pai são uma só (cf. Jo 12:28; 3:31)”.1
Na oração, Jesus também revela Deus como Pai, não como o “Senhor
dos exércitos” como tradicionalmente era conhecido: “Jesus, como Moisés,
(Êx 3:14 e 15), revelou-nos o Nome de Deus que é “Pai” (Jo 17), implicando
amor indefectível (Jo 17:23, 26; 3:14)”.2 Neste sentido, Ele e o Pai são uno,
assim como os seus discípulos estão em ligação com Ele e com Deus: “a fim
de que todos sejam um. Como tu Pai, está em mim e eu em ti, que eles estejam
em nós” (Jo 17:21). Por fim, Jesus suplica ao Pai pelos seus discípulos do
presente e do futuro (v. 20 a 26).

28.1 ORAÇÃO DE JESUS (JO 17:1 A 26)3


1
Assim falou Jesus, e, erguendo os olhos ao céu, disse: “Pai, chegou a hora:
glorifica teu Filho, para que teu Filho te glorifique, 2e que, pelo poder que
lhe deste sobre toda carne, ele dê a vida eterna a todos os que lhe deste! 3Ora,
a vida eterna é esta: que eles te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e
aquele que enviaste, Jesus Cristo. 4Eu te glorifiquei na terra, concluí a obra
que me encarregaste de realizar. 5E agora, glorifica-me, Pai, junto de ti, com
a glória que eu tinha junto de ti antes que o mundo existisse. 6Manifestei o
teu nome aos homens que do mundo me deste. Eram teus e os deste a mim
e eles guardaram a tua palavra. 7Agora reconheceram que tudo quanto me
deste vem de ti, 8porque as palavras que me deste eu as dei a eles, e eles as

273
O Evangelho Redivivo – Livro V

acolheram e reconheceram verdadeiramente que saí de junto de ti e creram


que me enviaste. 9Por eles eu rogo; não rogo pelo mundo, mas pelos que me
deste, porque são teus, 10e tudo o que é meu é teu e tudo o que é teu é meu,
e neles sou glorificado. 11Já não estou no mundo; mas eles permanecem
no mundo e eu volto a ti. Pai santo, guarda-os em teu nome que me deste,
para que sejam um como nós. 12Quando eu estava com eles, eu os guardava
em teu nome que me deste; guardei-os e nenhum deles se perdeu, exceto
o filho da perdição, para cumprir-se a Escritura. 13Agora, porém, vou para
junto de ti e digo isso no mundo, a fim de que tenham em si minha plena
alegria. 14Eu lhes dei a tua palavra, mas o mundo os odiou, porque não são
do mundo, como eu não sou do mundo. 15Não peço que os tires do mundo,
mas que os guardes do Maligno. 16Eles não são do mundo como eu não
sou do mundo. 17Santifica-os na verdade; a tua palavra é verdade. 18Como
tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo. 19E, por eles, a
mim mesmo me santifico, para que sejam santificados na verdade. 20Não
rogo somente por eles, mas pelos que, por meio de sua palavra, crerão em
mim: 21a fim de que todos sejam um. Como tu, Pai, estás em mim e eu em
ti, que eles estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.
22
Eu lhes dei a glória que me deste para que sejam um, como nós somos
um: 23Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade e para
que o mundo reconheça que me enviaste e os amaste como amaste a mim.
24
Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estou, também eles estejam
comigo, para que contemplem minha glória, que me deste, porque me
amaste antes da fundação do mundo. 25Pai justo, o mundo não te conheceu,
mas eu te conheci e estes reconheceram que tu me enviaste. 26Eu lhes dei
a conhecer o teu nome e lhes darei a conhecê-lo, a fim de que o amor com
que me amaste esteja neles e eu neles.”

A oração pronunciada por Jesus nas últimas horas da sua vida terre-
na, então consubstanciada nos 26 versículos do texto joanino, revela a sua
superioridade moral que é evidenciada durante a sua prisão, condenação
e morte na cruz. O Mestre Nazareno sempre nos transmitiu exemplos
inesquecíveis ao longo da sua breve jornada entre nós, que extrapolam as
palavras e nos ensinam qual deve ser o comportamento do cristão diante
das adversidades. Bittencourt Sampaio assim se pronuncia a respeito, ao
nos apresentar visão panorâmica da passagem evangélica:
O Divino Mestre ainda se acha no Cenáculo com os onze apóstolos [Judas
saíra no início da Ceia] e diante deles dirige ao Pai palavras sobre a unidade
e indivisibilidade de Deus – sobre a natureza e importância da missão que
lhe fora confiada relativamente ao nosso planeta e à sua humanidade – sobre
a missão dos discípulos e dos progressos futuros que os esperam, depois de
a terem cumprido fielmente, e bem assim de todos aqueles que seguiram
os exemplos.

274
TEMA 28 – A DESPEDIDA DE JESUS – 6ª PARTE – ORAÇÃO DE JESUS (JO 17:1 A 26)

Declara chegada a hora do sacrifício que se há de realizar para progresso


dos homens, cuja direção Ele aceitou desde a origem do mundo, a fim de
lhes dar vida eterna, isto é, a vida dos Espíritos puros. Pede a Deus que lhe
permita a realização desse sacrifício, que é uma das fases da missão terres-
tre de que se encarregou para conduzir os homens ao arrependimento e ao
progresso universal.4

Em João (17:1 a 6), na primeira parte da oração, Jesus pede ao Criador


Supremo que o abençoe (ou o glorifique) pela honra da missão que lhe foi
confiada e pelos testemunhos aos quais foi submetido, necessários para
que pudesse revelar aos homens o Pai Celestial, o único Deus verdadeiro:
“Ainda uma vez dá testemunho da unidade indivisível do Pai, por estas
palavras: “– Único Deus que és, verdadeiro [v. 3] [...]”.4 Dessa forma, Jesus
revela que Deus e Ele são distintos, e, a partir daqueles instantes finais da
Última Ceia, “[...] antecipadamente repele a divindade que os homens lhe
atribuiriam, como de fato lhe atribuíram, pasmos ante os inúmeros prodígios
que praticara no mundo”.5
Na prece, Jesus revela ter consciência de que concluiu a missão que
lhe foi confiada, que foi a de revelar Deus aos homens. Glorifica o Senhor
Supremo por essa concessão divina, recebida antes mesmo da existência do
planeta, como consta em João (17:4 a 6): Eu te glorifiquei na terra, concluí a
obra que me encarregaste de realizar. E agora, glorifica-me, Pai, junto de ti,
com a glória que eu tinha junto de ti antes que o mundo existisse. Manifestei
o teu nome aos homens que do mundo me deste. Eram teus e os deste a mim e
eles guardaram a tua palavra. Com a finalização da missão de Jesus quando
da sua passagem pela dimensão física, o Mestre Nazareno revelou “[...] à
Humanidade os caminhos do progresso, da depuração e da regeneração
que conduzem ao Pai”.6
Por essas palavras, ainda uma vez também dá testemunho de sua missão
relativamente ao nosso planeta e à sua humanidade.
Os homens que o Pai lhe deu são todos os espíritos que, como os seus fiéis
discípulos, mostram boa vontade na escolha de suas provas, de suas missões
e, como encarnados, se dispõem a cumprir essas provas, essas missões. É a
esses que Jesus dá vida eterna [...].7

Jesus reafirma que transmitiu aos homens que tudo existente no


Universo procede do Criador: Agora reconheceram que tudo quanto me
deste vem de ti, porque as palavras que me deste eu as dei a eles, e eles as
acolheram e reconheceram verdadeiramente que saí de junto de ti e creram
que me enviaste. (Jo 17:7 e 8). Pelo conhecimento transmitido por Jesus a

275
O Evangelho Redivivo – Livro V

respeito de Deus único, Pai e criador de todos os seres e de todas as coisas


do Universo, a humanidade terrestre adquire a compreensão da vida eterna,
existente, preexistente e sobrevivente à que transcorre no plano físico:
Ter vida eterna, que consiste em conhecer o Pai, é compreender a essência de
Deus – é, pela perfeição adquirida, pela pureza perfeita, estar em relação direta
com Ele, penetrando assim, cada vez mais, no objetivo e nos segredos da sua
Divina Vontade; é como Espírito puro, progredir eternamente, na atividade
incessante das obras e das missões, em ciência universal.
Mas, para ter assim a vida eterna, que consiste em conhecer o Pai, é preciso
também e primeiro que tudo, conhecer Jesus Cristo que o Pai enviou [...].7

Na segunda parte da oração, Jesus roga a Deus proteção para os


­ iscípulos, escolhidos por Ele em nome do Pai, suplicando que os livre do
d
mal (Jo 17:9 a 15), no cumprimento da missão que lhes estava reservada: “A
escolha dos discípulos feita pelo Cristo tem por base a opção dos discípulos
pelo Evangelho. Desse modo, não há privilégios, é o próprio discípulo que
se escolhe pela conduta coerente com o que aprendeu com o Mestre. [...]”.8
Mas ao suplicar proteção para os discípulos, Jesus afirma: Por eles eu rogo;
não rogo pelo mundo, mas pelos que me deste, porque são teus e tudo o que
é meu é teu e tudo o que é teu é meu, e neles sou glorificado. (Jo 17:9 e 10):
[...] Um pai consciente de sua missão de educador e condutor do filho a uma
moral ajustada aos propósitos de Deus, tudo faz em favor de seu filho. Porém,
para que este se conscientize disso e possa aproveitar os oferecimentos do Pai,
precisa estar sintonizado com a proposta reeducativa de seu genitor; caso con-
trário, ele vai querer sempre mais ou outra coisa que não a recebida. Somente
em conexão com o seu pai poderá ele se orgulhar do recebido e dizer: tudo o
que o pai tem é meu.
O mesmo se dá na Criação divina. Para que possamos avaliar a grandeza e
a misericórdia do Criador e do quanto herdamos, necessário se faz que nos
ajustemos à Vontade Soberana do Criador e passemos a ver na Providência
sua mão amiga a nos proteger em todas as circunstâncias.9

Nessa altura da sua prece, Jesus reconhece que, enquanto estava pró-
ximo aos discípulos, no dia a dia da existência física, podia protegê-los
diretamente. Contudo, com o seu retorno a Deus, reconhece que os seus
fiéis seguidores passariam por muitas e dolorosas dificuldades. O Senhor
pede ao Pai para não os retirar do mundo, mas livrá-los do mal, como consta
nesta passagem de João (17:11 a 19):
Já não estou no mundo; mas eles permanecem no mundo e eu volto a ti.
11

Pai santo, guarda-os em teu nome que me deste, para que sejam um como
nós. 12Quando eu estava com eles, eu os guardava em teu nome que me

276
TEMA 28 – A DESPEDIDA DE JESUS – 6ª PARTE – ORAÇÃO DE JESUS (JO 17:1 A 26)

deste; guardei-os e nenhum deles se perdeu, exceto o filho da perdição, para


cumprir-se a Escritura. 13Agora, porém, vou para junto de ti e digo isso no
mundo, a fim de que tenham em si minha plena alegria. 14Eu lhes dei a tua
palavra, mas o mundo os odiou, porque não são do mundo, como eu não
sou do mundo. 15Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do
Maligno. 16Eles não são do mundo como eu não sou do mundo. 17­Santifica-os
na verdade; a tua palavra é verdade. 18Como tu me enviaste ao mundo, também
eu os enviei ao mundo. 19E, por eles, a mim mesmo me santifico, para que
sejam santificados na verdade.

O conteúdo do versículo 15 (Não peço que os tires do mundo, mas


que os guardes do Maligno) tem significado muito especial para todos nós
que reconhecemos Jesus como nosso Mestre e Senhor, Guia e Modelo da
humanidade terrestre:
Dentro da luta10
Não peço para que os tires do mundo,
mas que os livres do mal. Jesus (João, 17:15.)
Não peças o afastamento de tua dor.
Roga forças para suportá-la, com serenidade e heroísmo, a fim de que lhe não
percas as vantagens do contato.
Não solicites o desaparecimento das pedras de teu caminho.
Insiste na recepção de pensamentos que te ajudem a aproveitá-las.
Não exijas a expulsão do adversário.
Pede recursos para a elevação de ti mesmo, a fim de que lhe transformes os
sentimentos.
Não supliques a extinção das dificuldades.
Procura meios de superá-las, assimilando-lhes as lições.
Nada existe sem razão de ser.
A Sabedoria do Senhor não deixa margem à inutilidade.
O sofrimento tem a sua função preciosa nos planos da alma, tanto quanto a
tempestade tem o seu lugar importante na economia da natureza física.
A árvore, desde o nascimento, cresce e produz, vencendo resistências.
O corpo da criatura se desenvolve entre perigos de variada espécie.
Aceitemos o nosso dia de serviço, onde e como determine a Vontade Sábia
do Senhor.
Apresentando os discípulos ao Pai Celestial, disse o Mestre: “Não peço que os
tires do mundo, mas que os livres do mal.”
A Terra tem a sua missão e a sua grandeza; libertemo-nos do mal que opera
em nós próprios e receber-lhe-emos o amparo sublime, convertendo-nos junto
dela em agentes vivos do abençoado Reino de Deus.

277
O Evangelho Redivivo – Livro V

Jesus finaliza a sua oração, rogando proteção para outros discípulos, os


que viriam mais tarde e aceitariam o Cristo como o seu orientador maior,
em nome do Pai: Não rogo somente por eles, mas pelos que, por meio de sua
palavra, crerão em mim. (Jo 17:20). À medida que a humanidade terrestre
compreender a importância da mensagem do Evangelho como instrumento
da evolução espiritual, acontecerá esta predição de Jesus: a fim de que todos
sejam um. Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que eles estejam em nós,
para que o mundo creia que tu me enviaste. (Jo 17:21). Alcançado esse estágio
evolutivo, cumprir-se-á esta outra profecia anunciada anteriormente pelo
Senhor, em João (10:14 a 16):
Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas me
14

conhecem, 15como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou minha vida


pelas minhas ovelhas. 16Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil:
devo conduzi-las também; elas ouvirão a minha voz; então haverá um só
rebanho, um só pastor.

Jesus conclui a sua oração, pronunciando palavras que refletem o imen-


surável amor e gratidão a Deus; a oportunidade da missão terrena; o afeto
e dedicação dos discípulos, que o acolheram; e também o entendimento
de que, cedo ou tarde, o mundo viria a conhecê-lo, como consta em João
(17:22 a 26):
22
Eu lhes dei a glória que me deste para que sejam um, como nós somos um:
23
Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade e para que o
mundo reconheça que me enviaste e os amaste como amaste a mim. 24Pai,
aqueles que me deste quero que, onde eu estou, também eles estejam comigo,
para que contemplem minha glória, que me deste, porque me amaste antes
da fundação do mundo. 25Pai justo, o mundo não te conheceu, mas eu te
conheci e estes reconheceram que tu me enviaste. 26Eu lhes dei a conhecer o
teu nome e lhes darei a conhecê-lo, a fim de que o amor com que me amaste
esteja neles e eu neles”.

Chegamos, assim, ao final do capítulo 17 de João Evangelista, sem


deixar de enfatizar o conteúdo do versículo 26: Eu lhes dei a conhecer o teu
nome e lhes darei a conhecê-lo, a fim de que o amor com que me amaste esteja
neles e eu neles. (Jo 17:26):
Assim Jesus encerra essa belíssima oração e esses maravilhosos ensinamen-
tos do Cenáculo. Que o amor de Deus, que é dinâmico no Cristo, pois Ele
o exterioriza em grau máximo, esteja em todos os seguidores do Evangelho
e, assim, o Cristo se exteriorizará de cada um pela comunhão com Deus,
que é plena no serviço em favor do próximo, que é a tônica do que Ele nos
ensinou.11

278
TEMA 28 – A DESPEDIDA DE JESUS – 6ª PARTE – ORAÇÃO DE JESUS (JO 17:1 A 26)

REFERÊNCIAS
1 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 17:1. Nota de rodapé “b”, p. 1.886.
2 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 17:1. Nota de rodapé “h”, p. 1.886.
3 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 17:1-26, p. 1.886 a 1.888.
4 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XVII, p. 456.
5 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XVII, p. 456 e 457.
6 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XVII, p. 458.
7 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XVII, p. 457.
8 FAJARDO, Cláudio. O sermão do cenáculo: a vinda do filho do homem. 1. ed.
Belo Horizonte, MG: Itapuã, 2009. cap. 4, p. 145.
9 FAJARDO, Cláudio. O sermão do cenáculo: a vinda do filho do homem. 1. ed.
Belo Horizonte, MG: Itapuã, 2009. cap. 5, p. 196 e 197.
10 XAVIER, Francisco Cândido. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 162.
11 FAJARDO, Cláudio. O sermão do cenáculo: a vinda do filho do homem. 1. ed.
Belo Horizonte, MG: Itapuã, 2009. cap. 7, p. 290.

279
O Evangelho Redivivo – Livro V

TEMA 29

A PRISÃO DE JESUS.
JESUS DIANTE DE ANÁS
E CAIFÁS. NEGAÇÕES DE
PEDRO (JO 18:1 A 27)

Após o Sermão do Cenáculo, concluído com uma oração (Jo 17:1 a 26),
Jesus e os discípulos se dirigem para o Jardim de Getsêmani, situado no Vale
do Cedrom, local onde usualmente se reuniam. Em termos geográficos, a
região do Cedrom (do hebraico, “escuro” ou “turvo”) é uma ravina que se
estende do noroeste de Jerusalém, nas proximidades dos túmulos dos juízes,
prossegue por cerca de três quilômetros no sudeste, alcança o sul por detrás
da cidade e chega ao vale de Enon. A partir daí segue em curso sinuoso
até o Mar Morto.1 O vale do Cedrom não “tem águas correntes. Na estação
das grandes chuvas do inverno, recebe as vertentes das encostas vizinhas.
Além disso, todo o vale se mantém inteiramente seco”.1 É, na verdade, uma
ravina coletora de águas em determinado período do ano, no inverno, que
se conserva durante o verão. O Cedrom separa a cidade de Jerusalém do
Monte das Oliveiras (onde fica o Getsêmani) e, para ir a Betânia ou a Jericó,
é preciso atravessá-lo.1
Pela descrição de João, Jesus e os discípulos foram na direção dessas
duas cidades, acomodaram-se no Jardim do Getsêmani (Jo 18:1), também
conhecido como Monte das Oliveiras (Mt 26:30; Mc 14:26; Lc 22:39), lo-
cal onde os soldados prenderam o Senhor. “[...] O Jardim de Getsêmani,
conforme seu nome indica, tinha um bosque de oliveiras e uma prensa de
extrair óleo das azeitonas. [...]”.2 Carlos Torres Pastorino tece comentários
a respeito:
Depois da prece, dirige-se Jesus com Seus discípulos para orar no Monte das
Oliveiras [Getsêmani].

280
TEMA 29 – A PRISÃO DE JESUS. JESUS DIANTE DE ANÁS E CAIFÁS. NEGAÇÕES DE PEDRO (JO 18:1 A 27)

Como já vimos de outras vezes, para orar Jesus sempre “sobe a um monte”,
isto é, eleva suas vibrações; pois só subindo a frequência vibratória, conseguirá
sintonizar com a altíssima faixa que venha atingir a Casa do Pai.
Além disso, temos que considerar o simbolismo não apenas do “monte”, como
também do nome desse monte: “das oliveiras”. Desde Noé, a oliveira simboliza
a PAZ.
Tendo elevado Suas vibrações, automaticamente penetra na esfera da Paz inter-
na, que nada poderá alterar, pois se torna inatingível às vibrações barônticas*
do “mundo”.
Aí temos, pois, uma lição que a todos nós servirá: nos grandes momentos que
procedem ou acompanham os passos decisivos de nossa vida, mesmo quando
as forças negativas do Antissistema nos atacam, precisamos subir a sintonia e
penetrar na paz, a fim de não sermos atingidos em nosso Eu profundo pelos
distúrbios provenientes do mundo externo.3 [Grifo do original].

29.1 A PRISÃO DE JESUS (JO 18:1 A 11)4


1
Tendo dito isso, Jesus foi com seus discípulos para o outro lado da torrente do
Cedrom. Havia ali um jardim, onde Jesus entrou com seus discípulos. 2Ora,
Judas, que o traía, conhecia também esse lugar, porque, frequentemente, Jesus
e seus discípulos aí se reuniam. 3Judas, então, levando a coorte e guardas des-
tacados pelos chefes dos sacerdotes e pelos fariseus, aí chega, com lanternas,
archotes e armas. 4Sabendo Jesus tudo o que lhe aconteceria, adiantou-se e
lhes disse: “A quem procurais?” 5Responderam: “Jesus, o Nazareu”. Disse-lhes:
“Sou eu”. Judas, que o traía, estava também com eles. 6Quando Jesus lhes disse
“Sou eu”, recuaram e caíram por terra. 7Perguntou-lhes, então, novamente:
“A quem procurais?” Disseram: “Jesus, o Nazareu”. 8Jesus respondeu: “Eu vos
disse que sou eu. Se, então, é a mim que procurais, deixai que estes se retirem”,
9
a fim de se realizar a palavra que diz: Não perdi nenhum dos que me deste.
10
Então, Simão Pedro, que trazia uma espada, tirou-a, feriu o servo do Sumo
Sacerdote, a quem decepou, a orelha direita. O nome do servo era Malco.
11
Jesus disse a Pedro: “Embainha a tua espada. Deixarei eu de beber o cálice
que o Pai me deu?”

Envolvido no clima de paz e serenidade de sempre, Jesus não se abateu


nem destratou os soldados que o prenderam no Getsêmani ou Monte das
Oliveiras. A grande tristeza que se constata foi um dos membros do colégio
apostolar, Judas Iscariotes, guiá-los até onde se encontrava o Senhor e os
demais discípulos (v. 2):

* Vibrações barônticas: energia de baixo padrão vibratório e, consequentemente, mais


denso e pesado. Basicamente é fruto do egoísmo, vaidade, ira, pensamentos negativos e
falta de controle emocional tão comum e fortemente presente no homem profano.

281
O Evangelho Redivivo – Livro V

Sem a indicação de Judas, a coorte não encontraria Jesus com facilidade. E se


o encontrasse, possivelmente não chegaria a aproximar-se do Mestre, porque,
com o auxílio da oração e da concentração dos doze, dar-se-iam, certamente,
importantes fenômenos de materialização de Espíritos, como aconteceu no
Monte Tabor, e os inimigos do Senhor não ousariam avançar; retrocederiam
e iriam contar a seus chefes o que teriam presenciado.5

Na verdade, Jesus deixou-se prender, pois fazia parte da sua missão,


como consta em João (10:17 e 18): Por isso o Pai me ama, porque dou mi-
nha vida para retomá-la. Ninguém a tira de mim, mas eu a dou livremente.
Tenho poder de entregá-la e poder de retomá-la. Ele poderia, pois, livrar-se
facilmente da coorte, sem uso de qualquer violência, como nos lembra
Mateus (26:53), em sua forma típica de escrever: Ou pensas tu que eu não
poderia apelar para meu Pai, a fim de que ele pusesse à minha disposição,
agora mesmo, mais de doze legiões de anjos?
A prisão de Jesus é relatada pelos evangelistas com mais ou menos
detalhes. Por exemplo, em Mateus, Marcos e Lucas há referências de que
Judas teria identificado o Senhor com um beijo que lhe deu na face. O texto
de João, porém, nada consta a respeito do beijo, indicando que a iniciativa
de se apresentar aos soldados foi de Jesus (v. 4). Outra ideia que se destaca
no registro evangélico é que Judas Iscariotes foi quem conduziu os soldados
ao local certo, pois sabia que, usualmente, Jesus e os discípulos se reuniam
naquela região (v. 2 e 3). Entretanto há ainda outra hipótese a respeito da
necessidade da presença de Iscariotes:
Naquele momento, chegou a delegação do Sinédrio com Judas à frente, ilumi-
nando o jardim com a luz de archotes. Alguns estudiosos levantam a hipótese
da necessidade da presença de Judas, devido à semelhança física do Mestre
com Tiago menor [filho de Alfeu]. Judas foi ao encontro de Jesus e beijou-lhe
a face, um sinal previamente acordado. [...].6

Fica claro, porém, pelo texto joanino, que partiu de Jesus a iniciativa
de identificar-se, estabelecendo o seguinte diálogo com os seus adversários:
4
Sabendo Jesus tudo o que lhe aconteceria, adiantou-se e lhes disse: “A quem
procurais?” 5Responderam: “Jesus, o Nazareu”. Disse-lhes: “Sou eu”. Judas, que
o traía, estava também com eles. 6Quando Jesus lhes disse “Sou eu”, recuaram
e caíram por terra. 7Perguntou-lhes, então, novamente: “A quem procurais?”
Disseram: “Jesus, o Nazareu”. 8Jesus respondeu: “Eu vos disse que sou eu. Se,
então, é a mim que procurais, deixai que estes se retirem”, 9a fim de se realizar
a palavra que diz: Não perdi nenhum dos que me deste. (Jo 18:4 a 8).

A indagação do Senhor, “a quem procurais?” (v. 5), ou “o que buscais?”,


em outras traduções, estava impregnada não só de vibrações amorosas, como

282
TEMA 29 – A PRISÃO DE JESUS. JESUS DIANTE DE ANÁS E CAIFÁS. NEGAÇÕES DE PEDRO (JO 18:1 A 27)

também de firmeza, causando impacto emocional nos soldados que, de


imediato, recuaram e caíram por terra (v. 6). Trata-se de uma pergunta que
vai além das circunstâncias onde fora proferida e que merece mais detida
reflexão, em especial quando nos encontrarmos em situações conflituosas,
de desarmonia:
A cada criatura que desperta em mais altos níveis da fé raciocinada, soa a
interpelação do Senhor como sendo convite às obras em que se afirme a
caridade real.
Assim, escuta no íntimo, em cada lance das próprias atividades, a austera
palavra do Condutor Divino, convocando-te à coerência entre o ideal e o
esforço, entre a promessa e a realização.
Analisa o que fazes. Observa o que dizes. Medita em torno de tuas aspirações
mais ocultas. Que resposta forneces à indagação do Senhor?
Quem segue o Cristo, vive-lhe o apostolado.
Serve, coopera e caminha avante, sem temor ou vacilação, lembrando-te de que
o Verbo da Verdade incide sobre nós, cada dia, perguntando incessantemente:
– Que buscais?7

Jesus repete a pergunta: “A quem procuras?”. Saindo do estupor, os


guardas respondem que procuravam por Jesus, o Nazareu (v. 7). O Senhor
responde-lhes: Se, então, é a mim que procurais, deixai que estes se retirem
(v. 8). Com esta resposta, o Mestre exime os discípulos de qualquer culpa,
protegendo-os e livrando-os da prisão iminente:
Por onde passava, permaneciam as marcas inconfundíveis da compaixão e da
misericórdia, alterando o status quo de maneira irrefreável. [...]. Jamais houvera
sucedido algo semelhante ao que Ele fazia e nunca se repetiria na Humanidade.8
Então lançaram mão de Jesus e o prenderam. Pedro, com a sua personalidade
forte e impulsiva, desembainhou um punhal [ou espada] e acabou cortando a
orelha de um servo do sumo sacerdote [Malco]. Nesse momento, o Mestre di-
rigiu-se firmemente para Pedro, ordenando-lhe que interrompesse aquela ação.
Naquela confusão, os discípulos se dispersaram, após verificarem que o Mestre
não realizaria nenhuma ação para se soltar. Talvez esperassem um milagre.
Somente Pedro e João, refeitos do susto inicial, tiveram coragem de seguir o
Mestre preso.
[...]
O tenebroso grupo, com soldados e autoridades do Templo, levou o Mestre
amarrado para a casa de Anás, ex-sumo sacerdote que, embora deposto pelos
romanos cerca de quinze anos antes, ainda mantinha intacto seu prestígio na
comunidade. Anás foi o grande incentivador da luta contra Jesus. [...].9

283
O Evangelho Redivivo – Livro V

A orientação de Jesus transmitida a Simão Pedro de embair a espada


traz profundo significado, aplicável, sobretudo, aos momentos de conflitos,
disputas ou de desentendimentos:
Sustentando a contenda com o próximo, destruidora tempestade de sen-
timentos nos desarvora o coração. Ideais superiores e aspirações sublimes
longamente acariciados por nosso espírito, construções do presente para o
futuro e plantações de luz e amor, no terreno de nossas almas, sofrem de-
sabamento e desintegração, porque o desequilíbrio e a violência nos fazem
tremer e cair nas vibrações do egoísmo absoluto que havíamos relegado à
retaguarda da evolução.
Depois disso, muitas vezes devemos atravessar aflitivas existências de expia-
ção para corrigir as brechas que nos aviltam o barco do destino, em breves
momentos de insânia...
Em nosso aprendizado cristão, lembremo-nos da palavra do Senhor:
– “Embainha tua espada.”10

29.2 JESUS DIANTE DE ANÁS E CAIFÁS.


NEGAÇÕES DE PEDRO (JO 18:12 A 27)11
12
Então a coorte, o tribuno e os guardas dos judeus prenderam a Jesus e
o ataram.13Conduziram-no primeiro a Anás, que era sogro de Caifás, o
Sumo Sacerdote daquele ano. 14Caifás fora o que aconselhara aos judeus:
“É melhor que um só homem morra pelo povo”. 15Ora, Simão Pedro, junto
com outro discípulo, seguia Jesus. Esse discípulo era conhecido do Sumo
Sacerdote e entrou com Jesus no pátio do Sumo Sacerdote. 16Pedro, entre-
tanto, ficou junto a porta, de fora. Então, o outro discípulo, conhecido do
Sumo Sacerdote, saiu, falou com a porteira e introduziu Pedro. 17A criada que
guardava a porta diz então a Pedro: “Não és, tu também, um dos discípulos
deste homem?” Respondeu ele: “Não sou”. 18Os servos e os guardas tinham
feito uma fogueira, porque estava frio; em torno dela se aqueciam. Pedro
também ficou com eles, aquecendo-se. 19O Sumo Sacerdote interrogou Jesus
sobre os seus discípulos e sobre a sua doutrina. 20Jesus lhe respondeu: “Falei
abertamente ao mundo. Sempre ensinei na sinagoga e no Templo, onde se
reúnem todos os judeus; nada falei às escondidas. 21Por que me interrogas?
Pergunta aos que ouviram o que lhes ensinei; eles sabem o que eu disse”.
22
A essas palavras, um dos guardas, que ali se achava, deu uma bofetada em
Jesus, dizendo: “Assim respondes ao Sumo Sacerdote?” 23Respondeu Jesus:
“Se falei mal, testemunha sobre o mal; mas, se falei bem, por que me bates?”
24
Anás, então, o enviou manietado* a Caifás, o Sumo Sacerdote. 25Simão
Pedro continuava lá, de pé, aquecendo-se. Disseram-lhe então: “Não és tu

* Manietado: que foi privado da sua liberdade; preso.

284
TEMA 29 – A PRISÃO DE JESUS. JESUS DIANTE DE ANÁS E CAIFÁS. NEGAÇÕES DE PEDRO (JO 18:1 A 27)

também um dos seus discípulos?” Ele negou e respondeu: “Não sou”. 26Um
dos servos do Sumo Sacerdote, parente daquele a quem Pedro decepara a
orelha, disse: “Não te vi no jardim com ele?” 27Pedro negou novamente. E
logo um galo cantou.

A passagem evangélica relata que, com a prisão de Jesus, Ele foi con-
duzido, primeiramente, à residência de Anás, sumo sacerdote destituído
do cargo pelos romanos, mas que era sogro de Caifás, sumo sacerdote que
ocupava oficialmente o cargo (v. 12 e 13). Tal resolução se deu porque
Anás ainda exercia significativa influência no meio religioso e sobre o
seu genro, em particular, destacando-se como um dos que mais batalhava
contra Jesus, defendendo, declaradamente, a sua morte (v. 14). Na verdade,
havia dois sumos sacerdotes exercendo o poder como afirma Lucas (3:2):
“o sumo sacerdote era Anás e Caifás, o singular usado é provavelmente
deliberado, indicando que, embora Caifás fosse, oficialmente, o sumo
sacerdote nomeado por Roma, o seu sogro compartilhava o seu poder
sumo sacerdotal”.12
Anás ou Ananos, filho de Sete, foi nomeado sumo sacerdote em 6 d.C.,
e foi deposto em 15 d.C. No NT ele continua sendo referido como sumo
sacerdote, mesmo depois de 15 d.C. Isso pode ser devido a uma das três
razões. [...] Primeira, embora os romanos depusessem os sumos sacerdotes
e nomeassem outros, os judeus consideravam o sumo sacerdote como um
ofício vitalício. [...]. Em segundo lugar, o título “sumo sacerdote” é dado
no livro de Atos e em Josefo [historiador judeu] aos membros das poucas
famílias sacerdotais das quais surgia a maioria dos sumos sacerdotes, além de
dá-lo àqueles que realmente exerciam o ofício sumo sacerdotal. Em terceiro
lugar, Anás possuía grande influência pessoal sobre os sumos sacerdotes,
seus sucessores. Cinco de seus filhos e Caifás, seu genro, se tornaram sumos
sacerdotes. Por ocasião do julgamento de Jesus, encontramos Anás dirigindo
as investigações preliminares antes do julgamento oficial, presidido por
Caifás (Jo 18:13-24). [...].12

Pela releitura atenta dos momentos finais de Jesus, segundo o relato dos
quatro evangelistas – Mateus, 26, 27 e 28; Marcos, 14:1 a 72; 15:1 a 39 e 16:1
a 20; Lucas, 22:1 a 71; 23:1 a 56 e 24:1 a 53; João, 18:1 a 40; 19:1 a 42; 20:1 a
31 e 21:1 a 25 –, tudo indica que a atuação de Caifás era muito fraca, prati-
camente inexistente, permitindo que sobressaíssem as ações do seu sogro
Anás que, inclusive, foi quem conduziu a interrogação de Jesus (Jo 18:19 a
22). Somente após essa interrogação, em particular, Jesus foi encaminhado
a Caifás que, por sua vez, enviou o Senhor a Pilatos, o interventor de César.
Em termos históricos, temos as seguintes informações:

285
O Evangelho Redivivo – Livro V

Caifás (Mt 26:57; Jo 11:49; At 4:6) – José, chamado Caifás, foi sumo sacerdote
mais ou menos de 18 a 36 d.C., quando então foi deposto por Vitélio, governa-
dor da Síria. Era genro de Anás (Jo 18:13) e parece ter trabalhado cooperando
bem de perto com ele. Era o sumo sacerdote no tempo do julgamento de Jesus
e durante as perseguições descritas nos primeiros capítulos do livro de Atos.13

A História registra que a prisão de Jesus, seguida de interrogatório e


julgamento, ambos realizados durante a noite e na casa de Anás, foi algo
totalmente irregular, não oficial, contrariando as normas legais vigentes da
cultura judaica, como também assinala Bittencourt Sampaio:
A prisão de Jesus foi executada, como vimos, à noite e nessa mesma noite
deram princípio ao seu julgamento, contra a lei e os estilos do povo judaico,
pois não se admitia que um processo corresse depois de recolhido o sol;
mas, assim devia acontecer, porque aquela era a hora dos hipócritas e do
poder das trevas.
A coorte encaminhou-se à casa de Anás para apresentar-lhe Jesus, ferindo
os preceitos da lei, porque Anás não exercia então autoridade judiciaria,
e sim Caifás, seu genro. A apresentação de Jesus, preso como se fora um
malfeitor, a Anás foi para cortejá-lo, pois ele odiava as doutrinas do Divino
Mestre, como também enaltecer seu genro Caifás, que exercia a autoridade
em Israel.14

Jesus, como sempre, guardou serenidade o tempo todo, não acusando


ninguém, respondendo com firmeza as interrogações que lhe foram im-
postas (v. 19 a 23), mesmo que de forma irregular e ilegítima:
A resposta do Divino Mestre, calma e digna, é um ensinamento para os ho-
mens, que não devem perder de vista, tanto quanto todos os demais que Ele
dera perdão às injúrias, às ofensas e aos mais sangrentos ultrajes.15

As negações de Simão Pedro como discípulo do Mestre Nazareno,


assinaladas em João (18:17, 25 a 27) é outro triste episódio que ocorreu
juntamente com a prisão de Jesus. No primeiro momento, quando os sol-
dados iniciaram a prisão, Simão Pedro interferiu veementemente, a ponto
de ferir Malco, um dos soldados do sumo sacerdote (Jo 18:10), fato que fez
Jesus repreendê-lo, como vimos anteriormente. Agora, declarada a prisão
do Mestre Nazareno, o devotado apóstolo foi tomado por aflições e medos
e o resultado foi negar ser discípulo do Amado Nazareu, como o Senhor
o alertara durante a Última Ceia. Ao cair em si, porém, o grande apóstolo
refez a sua caminhada evolutiva e, desde então, dedicou sua vida a servir ao
Senhor, submetendo-se a todos os sacrifícios em que esta decisão implicaria.
A confreira Denise Lino, assim se expressa a respeito de Pedro:

286
TEMA 29 – A PRISÃO DE JESUS. JESUS DIANTE DE ANÁS E CAIFÁS. NEGAÇÕES DE PEDRO (JO 18:1 A 27)

A vida de Pedro pode ser dividida em duas etapas. A primeira vai do seu en-
contro com Jesus até o evento da negação, após o qual tem início a segunda
etapa, que se estende até a sua desencarnação. Se na primeira identificamos
um Pedro por vezes vacilante, na segunda verificamos que a coerência das suas
ações demonstra a conquista de maturidade. [...]. Ademais, ter como foco a
negação é deixar de ver o que se passou depois.16

Amélia Rodrigues, por sua vez, recorda a profunda dor do arrependi-


mento que invadiu a alma do apóstolo quanto, ali, no pátio do sumo sacer-
dote, sentado ao redor da fogueira para aquecer-se, ouviu o galo cantar e
lembrou-se que acabara de negar o seu Mestre por três vezes:
[...] Voltou-lhe à mente aquela noite cruel, noite de insanidade.
Três vezes o Mestre o inquirira, três vezes o apontaram antes...
– Não é também dos discípulos deste homem? – interrogara-o à porteira da
casa do sumo sacerdote.
– Não sou – gritara quase que inconscientemente.
Um peso terrível caiu-lhe sobre as têmporas inflamadas. Quis correr e gritar:
não somente O conheço, amo-O, também. Não foi possível fazê-lo.
Misturou-se aos demais com a mente obnubilada, quando as labaredas
­clarearam o seu rosto e lhe disseram, identificando-o:
– Não és, também, um dos Seus discípulos?
Cólera surda estourou no âmago do seu espírito inquieto e falou com ressen-
timento, sem poder conter-se:
– Não sou, nunca o vi...
Oh! Céus, estava louco. Como podia negar o Rabi! Que força dominava sua
fraqueza?
Saiu amargurado, sem coragem para reviver a tanto desequilíbrio, quando
outro servo do sumo sacerdote o inquiriu:
– Não te vi eu no horto com Ele? Não és amigo d’Ele?
– Não – revidou com profunda mágoa – nunca O vi! Fora demais a sua dor,
agora que cantava o galo, triste, cronometrando a sua perfídia.
Parecia ver aqueles olhos fitando-o tristemente.
Ele mesmo dissera antes: “Por ti darei a minha vida”.
“– Negar-me-ás três vezes antes que cante o galo.” [...].17

Simão Pedro mergulhou no remorso que lhe ferira tão profundamente


a alma. Contudo, corajoso e decidido não se entregou ao desespero, ainda
que os seus olhos sempre liberassem lágrimas ao recordar a sua negação.
Transformou-se totalmente, a partir daquele momento, demonstrando
por palavras e ações o seu imenso amor a Jesus, a ponto de a posteridade

287
O Evangelho Redivivo – Livro V

reconhecê-lo como a pedra angular e o pastor do Cristianismo, tornando-se


Pedro digno do legado do Mestre Nazareno. Vejamos, pois, os esclareci-
mentos de Amélia Rodrigues:
Na “Casa do Caminho”, ou na estrada de Jopa, ou em Antioquia, no “mundo
Mediterrâneo”, ou em Roma, a veneranda figura de Simão Pedro foi a pedra
angular da Igreja de Jesus para a Humanidade, o emérito missivista da ar-
regimentação da fé e da esperança, até o momento em que, na “Babilônia”
[Roma], com Paulo, ampliando e mantendo os horizontes da fé viva, “outras
mãos cingiram suas mãos...” e o levaram ao testemunho. Foi o discípulo por
excelência – Simão Pedro: pedra e pastor –, que se levantou do engano para
viver Jesus até o último instante, apascentando os cordeiros do Seu rebanho
de amor...18

REFERÊNCIAS
1 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Cedrom, p. 244.
2 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Jardim, p. 623.
3 PASTORINO. Carlos Torres. Sabedoria do evangelho. v. 8. Rio de Janeiro:
Revista Sabedoria, 1971. cap. Saída do Cenáculo, p. 54 e 55.
4 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 18:1-11, p. 1.888 e 1.889.
5 SCHUTEL, Cairbar. O espírito do cristianismo. 8. ed. Matão, SP: Casa Editora
O Clarim, 2001. cap. 40 – Jesus em Getsêmani, p. 223.
6 KREMER, Frederico Guilherme da Costa. Jesus de Nazaré: uma narrativa da
vida e das parábolas. 1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2016. cap. 47 – A parábola
do lenho seco (Lucas, 23:27 a 32).
7 XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA, Waldo. O espírito da verdade. Por
diversos Espíritos. 18. ed. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 54 – Que buscais?
[mensagem de Emmanuel].
8 FRANCO, Divaldo Pereira. Momentos de sublimação. Pelos Espíritos Vianna
de Carvalho e Joanna de Ângelis. 1. ed. Salvador, BA: LEAL, 2018. cap. Jesus
[mensagem de Vianna de Carvalho], p. 137.
9 KREMER, Frederico Guilherme da Costa. Jesus de Nazaré: uma narrativa da
vida e das parábolas. 1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2016. cap. 47 – A parábola
do lenho seco (Lucas, 23:27 a 32).

288
TEMA 29 – A PRISÃO DE JESUS. JESUS DIANTE DE ANÁS E CAIFÁS. NEGAÇÕES DE PEDRO (JO 18:1 A 27)

10 XAVIER, Francisco Cândido. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.


imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 114 – Embainha tua espada.
11 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 18:12-27, p. 1.889.
12 DOUGLAS, J. D. (Org.). O novo dicionário bíblico. Trad. João Bentes. 3. ed.
São Paulo: Vida Nova, 2006. verbete: Anás, p. 51.
13 DOUGLAS, J. D. (Org.). O novo dicionário bíblico. Trad. João Bentes. 3. ed.
São Paulo: Vida Nova, 2006. verbete: Caifás, p. 182.
14 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
do Canto XVIII, p. 469.
15 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
do Canto XVIII, p. 470.
16 FRANCO, Divaldo Pereira; ARAÚJO, Denise Lino. Humano, demasiadamen-
te humano: a transformação moral de Pedro. (Leitura de contos do Espírito
Amélia Rodrigues pela psicografia de Divaldo Pereira Franco por Denise
Lino). 1. ed. Salvador, BA: LEAL, 2020. cap. O soerguimento, p. 113.
17 FRANCO, Divaldo Pereira. Primícias do reino. Pelo Espírito Amélia Rodrigues.
8. ed. Salvador, BA: LEAL, 2001. cap. 19, p. 207 e 208.
18 FRANCO, Divaldo Pereira. Primícias do reino. Pelo Espírito Amélia Rodrigues.
8. ed. Salvador, BA: LEAL, 2001. cap. 19, p. 213 e 214.

289
O Evangelho Redivivo – Livro V

TEMA 30

JESUS DIANTE DE PILATOS –


1a E 2a PARTES –
(JO 18:28 A 40; 19:1 A 11)

A narrativa de João a respeito da prisão, julgamento e crucificação de


Jesus, tradicionalmente denominada Paixão, complementam as informações
dos evangelhos sinópticos. O atual estudo põe em evidência a ilegalidade
do interrogatório realizado por Anás – sumo sacerdote que não mais exer-
cia o cargo porque fora deposto pelos romanos –, durante a noite em sua
residência. Os relatos evangélicos e os fatos históricos revelam também o
quão desonesto foi o julgamento do Mestre Nazareno, iniciado já na prisão
e consumado com a sua crucificação. Tudo ocorreu de forma muito bem
articulada entre os religiosos e os poderes públicos dominantes, os quais se
mantinham distanciados dos padrões de moralidade. A intenção da cúpula
dos religiosos judeus era condenar Jesus à morte, como, de fato, aconteceu.
Para tanto, valeu-se das intrigas, bajulações e interesses pessoais que carac-
terizavam as relações das autoridades religiosas (Sinédrio), administrativas
(Herodes) e políticas (aqui representadas pelo procurador de Roma, Pôncio
Pilatos). Um verdadeiro debate entre as trevas e a Luz:
O Conselho dos Sacerdotes Israelitas, não tendo autoridade para executar
sentenças de morte, visto que esse direito só competia ao império romano, sob
cujo poder se achava o povo hebreu, conduziu ao Pretório o Divino Mestre e
exigiu do Procurador Pôncio Pilatos a confirmação de sua iníqua e infernal
sentença.1

Após a prisão, Jesus passou por quatro interrogatórios: o que ocorreu


no mesmo dia da prisão, durante a noite, na residência de Anás; o trans-
corrido no dia seguinte pela manhã, perante o Sinédrio e coordenado pelo
sumo sacerdote Caifás; os interrogatórios realizados por Pôncio Pilatos, em
dois momentos específicos no Pretório ou Tribunal, local onde ocorriam os
julgamentos romanos. A palavra Pretório, originalmente, “[...] significava a
tenda do comandante ou praetor (pretor), e, em consequência, os quarteis

290
TEMA 30 – JESUS DIANTE DE PILATOS – 1ª E 2ª PARTES – (JO 18:28 A 40; 19:1 A 11)

do exército [...]. Por extensão, a palavra veio a significar a residência de um


governador provincial [...]”.2
O Pretório, fora de Roma, consistia em um conjunto habitacional que
abrigava a residência do governador ou procurador de César na província
conquistada, assim como da guarda romana ou pretorianos. Havia também
espaços destinados, respectivamente, à prisão e ao tribunal – local onde os
prisioneiros eram interrogados e sentenciados.2

30.1 JESUS DIANTE DE PILATOS –


1ª PARTE (JO 18:28 A 40)3
28
Então, de Caifás conduziram Jesus ao pretório. Era de manhã. Eles não
entraram no pretório para não se contaminarem e poderem comer a Páscoa.
29
Pilatos, então, saiu para fora ao encontro deles e disse: “Que acusação trazeis
contra este homem?” 30Responderam-lhe: “Se não fosse malfeitor, não o entre-
garíamos a ti”. 31Disse-lhes Pilatos: “Tomai-o vós mesmos, e julgai-o conforme
a vossa Lei”. Disseram-lhe os judeus: “Não nos é permitido condenar ninguém
à morte”, 32a fim de se cumprir a palavra de Jesus, com a qual indicara de que
morte deveria morrer. 33Então Pilatos entrou novamente no pretório, chamou
Jesus e lhe disse: “Tu és o rei dos judeus?” 34Jesus lhe respondeu: “Falas assim
por ti mesmo ou outros te disseram isso de mim?” 35Respondeu Pilatos: “Sou,
por acaso, judeu? Teu povo e os chefes dos sacerdotes entregaram-te a mim.
Que fizeste?” 36Jesus respondeu: “Meu reino não é deste mundo. Se meu reino
fosse deste mundo, meus súditos teriam combatido para que eu não fosse
entregue aos judeus. Mas meu reino não é daqui”. 37Pilatos lhe disse: “Então,
tu és rei?” Respondeu Jesus: “Tu o dizes: eu sou rei. Para isso nasci e para isto
vim ao mundo: para dar testemunho da verdade. Quem é da verdade escuta a
minha voz”. 38Disse-lhe Pilatos: “Que é a verdade?” E tendo dito isso, saiu de
novo e foi ao encontro dos judeus e lhes disse: “Não encontro nele nenhum
motivo de condenação. 39É costume entre vós que eu vos solte um preso, na
Páscoa. Quereis que vos solte o rei dos judeus?” 40Então eles gritaram de novo,
clamando: “Esse não, mas Barrabás!” Barrabás era um bandido.

A despeito da cúpula sacerdotal estar impedida de executar sentenças,


tal fato não a impedia de realizar interrogatórios e influenciar diretamente
os julgamentos, tal como aconteceu em relação a Jesus: Ele foi interrogado
e julgado extraoficialmente por quem não tinha poder para tal (Anás, um
sumo sacerdote despojado do cargo), no mesmo dia da prisão, à noite, horá-
rio proibido para reuniões e julgamentos, segundo a tradição do Judaísmo.
Depois, no dia seguinte à prisão de Jesus, ocorreu o julgamento oficial, entre
os judeus do Sinédrio, sob a direção do legítimo sumo sacerdote, Caifás.

291
O Evangelho Redivivo – Livro V

Na verdade, esse julgamento foi pro forma, simbolizando um simples ali-


nhamento de ideias com os demais membros do clero judaico que, unidos,
assumiram o compromisso de conduzir Jesus à morte: “Os romanos tinham
cassado ao Sinédrio o direito de vida e de morte. Da parte dos judeus, Jesus
teria sido apedrejado (cf. Jo 8:59; 10:31) e não crucificado (= ‘elevado’)”.4
Somente após esse acerto imoral, ocorrido entre o sumo sacerdote
Caifás e chefes dos religiosos, Jesus foi encaminhado ao governador geral
da Palestina: Pôncio Pilatos (v. 28):
Assim, ao romper da manhã, Jesus, ainda manietado, foi conduzido da casa de
Caifás ao Pretório ou Palácio de Pilatos, ficando a turba de fariseus, escribas e
sacerdotes da parte de fora, com receio de se contaminarem entrando em casa
de um pagão, porque tinham de comer o pão da Páscoa [v. 28].
Insistindo em não entrar, Pilatos veio ao balcão e perguntou-lhes: – “Que
acusação trazeis contra este homem?” [v. 29].
A turba respondeu que Jesus era malfeitor, que, se não o fosse, não viriam
entregá-lo para ser justiçado. [...] [v. 30].5

A leitura do texto: Então, de Caifás conduziram Jesus ao pretório. Era de


manhã. Eles não entraram no pretório para não se contaminarem e poderem
comer a Páscoa. (Jo 18:28), ainda produz perplexidade. Revela contradição
e hipocrisia de certos atos humanos: de um lado, não há a mínima preocu-
pação em condenar alguém, no caso, Jesus, declaradamente inocente o qual
durante três anos consecutivos só fez o bem; de outro, há escrúpulo e zelo de
não penetrar no espaço onde se encontra um pagão. Ou seja, tirar a vida de
alguém foi considerado ato banal, secundário, mas não compartilhar o mes-
mo espaço físico com pessoas que acatam diferentes interpretações religiosas
é decisão prioritária, pois somente assim o religioso não seria condenado
nem declarado impuro: “Mentir e excruciar aquela vítima indefesa, não os
tornavam impuros, mas sim, a sordidez supersticiosa das suas crendices”:6
Entrar na casa de gentio constituía impureza legal, cf. At 11:2 s. Segundo Jo, a
Páscoa dos judeus ainda não havia chegado; Jesus será morto no momento em
que se imolavam os cordeiros no Templo, na vigília da Páscoa (19:14; cf. 19:31e
42): ele é o verdadeiro Cordeiro pascal (19:36; + 1 Cor 5:7). Os sinóticos supõem
cronologia diferente: Jesus seria morto no dia da Páscoa (cf. Mt 26:17 ss.).7

Ao analisar de perto a questão, mesmo quando se considera os padrões


da época, sabe-se que o objetivo das religiões, independentemente da forma
que elas se expressam, é tornar o ser humano melhor: “Toda crença é res-
peitável, desde que sincera e quando conduz à prática do bem. Condenáveis
são as crenças que conduzem ao mal”.8

292
TEMA 30 – JESUS DIANTE DE PILATOS – 1ª E 2ª PARTES – (JO 18:28 A 40; 19:1 A 11)

O texto ilustra os perigos das práticas religiosas de culto externo que,


com seus rituais, embotam a razão e mantém o Espírito estacionário em
termos evolutivos. Esse embotamento espiritual, próprio da fé cega, sempre
apresenta consequências perigosas, no tempo e espaço, com o surgimento
de intransigências, preconceitos, perseguições e até guerras religiosas. A
fé religiosa, moralmente compreendida, é sempre raciocinada. Eis o que
nos ensina o Espiritismo: “[...] Fé inabalável é somente a que pode encarar
a razão face a face, em todas as épocas da Humanidade”.9
Do ponto de vista religioso, a fé consiste na crença em dogmas especiais, que
constituem as diferentes religiões. Todas elas têm os seus artigos de fé. Sob
esse aspecto, a fé pode ser raciocinada ou cega. Nada examinando, a fé cega
aceita, sem controle, tanto o verdadeiro como o falso, e a cada passo se choca
com a evidência e a razão. Levada ao excesso, produz o fanatismo. Quando a
fé se assenta no erro, cedo ou tarde desmorona; somente a fé que se baseia na
verdade garante o futuro, porque nada tem a temer do progresso das luzes,
considerando-se que o que é verdadeiro na obscuridade, também o é à luz do
dia. Cada religião pretende ter a posse exclusiva da verdade; preconizar alguém
a fé cega sobre um ponto de crença é confessar-se impotente para demonstrar
que está com a razão.10

Em João (18:33 a 37), consta a primeira parte do interrogatório de


Pilatos a Jesus que, após ouvi-lo, conclui a respeito da inocência do Senhor,
nada encontrando que justificasse condenação. Mas se Pilatos efetivamente
pensasse assim, Jesus não teria sido morto. Ele, como procurador de César,
desfrutava de imenso poder, mas era pessoa superficial, fraca e egoísta,
sempre voltada para os próprios interesses:
Pilatos era um biltre, que se fizera Procurador, representando Tibério César,
na Judeia, provavelmente havendo sido um liberto ou seu descendente, tor-
nando-se odiado pelos judeus desde a sua chegada.
Alcançara o poder, graças à sua mulher Cláudia Prócula, que provinha de
família distinta em Roma, o que lhe facultara acompanhar o marido àquela
conturbada região, o que nem sempre era permitido às mulheres.
Durante dez anos exercera o cargo de maneira inescrupulosa, terminando
por cometer graves erros que obrigaram o governador da Síria, Lúcio Vitélio,
enviá-lo a Roma, a fim de justificar e desculpar-se perante o Imperador, pela
maneira hedionda como se comportava. Infelizmente, quando chegou à capital
do Império, Tibério houvera morrido e fora substituído por Calígula, que o
mandou para o exílio nas Gálias, onde terminou por suicidar-se.11

Merece destaque, porém, a primeira pergunta de Pilatos a Jesus, as-


sim como a resposta transmitida pelo Mestre Tu és o rei dos judeus? Jesus
lhe respondeu: Falas assim por ti mesmo ou outros te disseram isso de mim?

293
O Evangelho Redivivo – Livro V

(Jo 18:33 e 34). Emmanuel apresenta as seguintes considerações a respeito,


conduzindo-nos a outras reflexões, que extrapolam o sentido literal:
A pergunta do Cristo a Pilatos tem significação mais extensiva. C
­ ompreendemo-la,
aplicada às nossas experiências religiosas.
Quando encaramos no Mestre a personalidade do Salvador, por que o afirma-
mos? Estaremos agindo como discos fonográficos, na repetição pura e simples
de palavras ouvidas?
É necessário conhecer o motivo pelo qual atribuímos títulos amoráveis e
respeitosos ao Senhor. Não basta redizer encantadoras lições dos outros, mas
viver substancialmente a experiência íntima na fidelidade ao programa divino.
Quando alguém se refere nominalmente a um homem, esse homem pode
indagar quanto às origens da referência.
Jesus não é símbolo legendário; é um Mestre Vivo.12

O procurador romano prossegue em suas perguntas e argumenta-


ções, aparentemente sem entender por que o clero judaico queria que
Jesus fosse condenado à morte. Mas, quando Jesus informa a essência da
sua missão, o inquiridor romano não compreende – talvez muitos, entre
nós, ainda estejamos nessa condição – o sentido transcendental que o
Senhor registrava, como se constata no seguinte diálogo, apontado por
João (18:36 e 37):
“Meu reino não é deste mundo. Se meu reino fosse deste mundo, meus súditos
teriam combatido para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas meu reino
não é daqui”. Pilatos lhe disse: “Então, tu és rei?” Respondeu Jesus: “Tu o dizes:
eu sou rei. Para isso nasci e para isto vim ao mundo: para dar testemunho da
verdade. Quem é da verdade escuta a minha voz”.

Recorremos mais uma vez a Emmanuel para explicar o verdadeiro


significado das palavras do Cristo:
O grande futuro13
Mas agora o meu Reino não é daqui. Jesus (João, 18:36.)
Desde os primórdios do Cristianismo, observamos aprendizes que se retiram
deliberadamente do mundo, alegando que o Reino do Senhor não pertence
à Terra.
Ajoelham-se, por tempo indeterminado, nas casas de adoração, e acreditam
efetuar na fuga a realização da santidade.
Muitos cruzam os braços à frente dos serviços de regeneração e, quando
interrogados, expressam revolta pelos quadros chocantes que a experiência
terrena lhes oferece, reportando-se ao Cristo, diante de Pilatos, quando o
Mestre asseverou que o seu Reino ainda não se instalara nos círculos da
luta humana.

294
TEMA 30 – JESUS DIANTE DE PILATOS – 1ª E 2ª PARTES – (JO 18:28 A 40; 19:1 A 11)

No entanto, é justo ponderar que o Cristo não deserdou o planeta. A palavra


d’Ele não afiançou a negação absoluta da felicidade celeste para a Terra, mas
apenas definiu a paisagem então existente, sem esquecer a esperança no porvir.
O Mestre esclareceu: – “Mas agora o meu Reino não é daqui.”
Semelhante afirmativa revela-lhe a confiança.
Jesus, portanto, não pode endossar a falsa atitude dos operários em desalento,
tão só porque a sombra se fez mais densa em torno de problemas transitórios
ou porque as feridas humanas se fazem, por vezes, mais dolorosas. Tais ocor-
rências, muita vez, obedecem a pura ilusão visual.
A atividade divina jamais cessa e justamente no quadro da luta benéfica é que
o discípulo insculpirá a própria vitória.
Não nos cabe, pois, a deserção pela atitude contemplativa, e sim, avançar,
confiantemente, para o grande futuro.

Percebe-se que as respostas de Jesus era uma tentativa de fazer o pretor


romano a raciocinar além da literalidade. Talvez tenha sido as primeiras
sementes de espiritualidade lançadas na alma de Pilatos. É possível, inclu-
sive, que em algum momento do interrogatório Pilatos tenha se interessado
ou, no mínimo, revelasse curiosidade por um ou outro aspecto da fala de
Jesus. Por exemplo, quando ouviu Jesus dizer: Quem é da verdade escuta a
minha voz (Jo 18:37). Surpreso, pergunta-lhe: O que é a verdade? (Jo 18:38).
Entretanto, pelo que consta no relato de João, ele não esperou a resposta de
Jesus. Saiu imediatamente do Pretório e foi informar aos judeus que nada
encontrou em Jesus para condená-lo (Jo 18:38).
Vamos nos deter um pouco na afirmativa de Jesus de ser Ele a Verdade.
Qual o verdadeiro sentido dessa informação? Vinícius fez esclarecedora
análise do assunto na mensagem Pilatos e a Verdade, da qual retiramos
alguns trechos:
O Cristo de Deus veio ao mundo dar testemunho da verdade, e o fez de tal
maneira que pôde dizer com justeza: Eu sou a verdade.
[...]
Muita gente há que confunde verdade com erudição, com certa quantidade
maior ou menor de conhecimentos desta ou daquela disciplina, aqui deno-
minada científica. A verdade não é bem isso. Ela é alguma coisa distinta do
intelectualismo, máxime desse intelectualismo estéril que se presta somente
como objeto de adorno para satisfação de vaidades.
O homem pode ser um intelectual, um homem de letras, sem que, todavia,
possua a verdade. Há indivíduos, reconhecidamente talentosos, que vivem
inteiramente divorciados da verdade, já por conveniência e interesse, já mesmo
por ignorância. Sim, por ignorância, repetimos, pois é possível o homem ser

295
O Evangelho Redivivo – Livro V

erudito, saber muita coisa, ocupar posição de destaque e, a despeito de tudo


isso, achar-se nas condições de Pilatos quando dirigiu a Jesus esta pergunta:
Mas, afinal, que é a verdade?14

Em seguida, Vinícius explica o que é a verdade, segundo a orientação


espírita:
Verdade significa inteireza de caráter, firmeza de ação, segundo certo critério
íntimo, harmonia perfeita entre a consciência e a conduta, lealdade e sinceri-
dade consigo mesmo, isto é, com a luz interior do Espírito.
O homem veraz não é o que sabe muito: é o que não simula nem dissimula,
deixando transparecer no exterior aquilo que vem do seu interior. O homem da
verdade é aquele cujo falar é – sim, sim; não, não – como preceitua o Evangelho.
O homem da verdade não usa de subterfúgio, nem de circunlóquios; não se
mascara com qualquer espécie de disfarce.
A verdade é também força, energia moral, fortaleza de ânimo. Ela é incompatível
com as atitudes dúbias, indecisas, pusilânimes. Em toda e qualquer conjuntura,
conserva-se inabalável, inalterável. Nada a entibia: desconhece temores, é alheia
às ameaças. Nunca duvida do seu êxito. Crê piamente na vitória de si mesma.
A fé é sua aliada inseparável. Espera, confia, nunca desanima.
A verdade é também, por sua natureza, incorruptível. Não há razões de
interesse que a demovam. Não conhece quaisquer valores além daquele que
ela mesma representa e encerra. Nada a seduz senão o seu próprio império
e a sua própria realeza. É inacessível ao suborno. Todos os mil artifícios da
fraude, do embuste, dos falsos raciocínios, em que é fértil o egoísmo hu-
mano quando pretende mascarar a mentira, encontra, na verdade, pronta
e enérgica repulsa.
Outro característico inconfundível da verdade é a ação. A verdade não fica
inativa. Como potencial do espírito, ela permanece em constante atividade. Por
mais que as multiformes modalidades do interesse a persigam e combatam,
ela jamais se dá por vencida. Reage sempre, ainda que sem violência, mas com
denodo e perseverança. Mil vezes repelida, mil vezes retornará ao seu posto,
donde não há força capaz de desalojá-la. A verdade finalmente, é a sentinela
de Deus que, do nosso interior, nos adverte sempre até que a ela, um dia nos
rendamos, dizendo: Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor.15

É evidente que os judeus que aguardavam o comunicado de Pilatos do


lado de fora do tribunal romano, ficaram decepcionados com a resposta
do procurador, e, por certo, recusaram-na. O texto evangélico nada diz a
respeito, mas é pensamento viável tal suposição quando se considera o lem-
brete de Pilatos sobre a possibilidade de libertar um prisioneiro por ocasião
das festividades da Páscoa, como consta, em seguida, em João (18:39 e 40):
Quereis que vos solte o rei dos judeus? Então eles gritaram de novo, clamando:
Esse não, mas Barrabás! Barrabás era um bandido. Foi decidido, assim, que

296
TEMA 30 – JESUS DIANTE DE PILATOS – 1ª E 2ª PARTES – (JO 18:28 A 40; 19:1 A 11)

Jesus seria condenado à morte, mas faltava a emissão da sentença, a qual será
proferida na segunda parte do julgamento do Senhor por Pôncio Pilatos.

30.2 JESUS DIANTE DE PILATOS –


2a PARTE (JO 19:1 A 11)16
1
Pilatos, então, tomou Jesus e o mandou flagelar. 2Os soldados, tecendo uma
coroa de espinhos, pusera-la na cabeça e jogaram sobre ele um manto de
púrpura. 3Aproximando-se dele, diziam: “Salve, rei dos judeus!” E o esbofetea-
vam. 4Pilatos, de novo, saiu fora e lhes disse: “Vede: eu vo-lo trago aqui fora,
para saberdes que não encontro nele motivo algum de condenação”. 5Jesus,
então, saiu fora trazendo a coroa de espinhos e o manto de púrpura. E Pilatos
lhes disse: “Eis o homem!” 6Quando os chefes dos sacerdotes e os guardas
o viram, gritaram: “Crucifica-o! Crucifica-o!” Disse-lhes Pilatos: “Tomai-o
vós e crucificai-o, porque eu não encontro nele motivo de condenação”. 7Os
judeus responderam-lhe: “Nós temos uma Lei e, conforme essa Lei, ele deve
morrer, porque se fez Filho de Deus”. 8Quando Pilatos ouviu essa palavra,
ficou ainda mais aterrado. 9Tornando a entrar no pretório, disse a Jesus: “De
onde és tu?” Mas Jesus não lhe deu resposta. 10Disse-lhe, então, Pilatos: “Não
me respondes? Não sabes que eu tenho poder para te libertar e poder para te
crucificar?” 11Respondeu-lhe Jesus: “Não terias poder algum sobre mim, se
não te fosse dado do alto; por isso, quem a ti me entregou tem maior pecado”.

A vida do Justo foi cruelmente desprezada em razão dos interesses


transitórios de cargos, posições políticas e sociais, sendo os mais notórios
adversários de Jesus os religiosos, pessoas que, em princípio, assumiram o
compromisso da prática do bem.
A orquestração para a tragédia encontrava-se melhor afinada. Havia harmonia
entre o maestro burlesco e os músicos insensatos, que ensaiaram habilmente
a farsa tétrica.
Era-lhes habitual esse tipo de comportamento.
Vivendo dos ressaibos das intrigas, perfídias e traições, e acumulando o azedu-
me que se derivava da insegurança política, uniam-se contra qualquer sombra
supunham pudesse ameaçar-lhes a estabilidade no poder sempre instável.
[...]
Aquele Homem era-lhes mais do que uma ameaça. Intemerato e intimorato, rea-
lizava uma revolução arriscada para os seus padrões de covardia, tornando-se, a
cada dia, um perigo maior. A Sua força era a Sua fraqueza terrena: sem dinheiro,
sem prestígio social, sem destaque na comunidade... No entanto, o Seu fascínio ar-
rastava as multidões, o que fora constatado quando da Sua entrada em Jerusalém,
fazia pouco, ovacionado e recebido com as palmas da esperança e da vitória...
Era necessário silenciá-lO quanto antes...17

297
O Evangelho Redivivo – Livro V

Jesus foi humilhado, ridicularizado e agredido, como relata João (19:1


a 3). Pilatos fez questão de chamar Jesus de “rei dos judeus”, não por ma-
nifestação de qualquer sentimento de benevolência ou por compreender a
extensão dos acontecimentos. Era uma forma dele mostrar o seu desprezo
aos judeus, à sua religião, costumes e tradições:
Odiava os judeus, que também o detestavam.
Por duas vezes tentara impor a imagem do Imperador próxima ao Templo e
por duas vezes tivera que recuar, pela força das intrigas judaicas encaminhadas
a Roma.
Sentira-se humilhado e nunca perdoaria a afronta.
Surpreendido com a malta perversa e o inocente, logo percebeu a
trama odienta de fundo religioso, de ciúmes e de crimes de que eram
capazes [...]. 18

Pôncio Pilatos, porém, foi habilmente envolvido pela trama dos


chefes dos sacerdotes que, agindo como mestres da manipulação, re-
ceberam o imediato apoio do povo. Acuado, o procurador romano
ainda tentou demonstrar o quanto de poder possuía, sobre a vida e a
morte, ao afirmar a Jesus: Disse-lhe, então, Pilatos: Não me respondes?
Não sabes que eu tenho poder para te libertar e poder para te crucificar?
(Jo 19:10). Jesus, apenas respondeu-lhe, na tentativa de fazê-lo entender
a gravidade da situação: Respondeu-lhe Jesus: Não terias poder algum
sobre mim, se não te fosse dado do alto; por isso, quem a ti me entregou
tem maior pecado. (Jo 19:11).
Jesus, o Messias Divino, porém, jamais vacilou em sua missão divina,
e, em nome do Pai sacrificou-se por amor, definindo um roteiro de luzes
espirituais destinado à Humanidade regenerada:
Nesse clima de ódios de toda a espécie, entre os sofrimentos mais diversos,
Jesus disseminou o amor, a liberdade, a paz, conclamando ao Reino de Deus
e pregando a “não violência” até o próprio sacrifício. Sintetizando os objetivos
da vida no “amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”,
fez esse legado de amor em torrentes luminosas e soberanas.19

Até o final Jesus tentou chamar à razão o procurador romano e os


religiosos. Foi em vão, mas teve o poder de expor a farsa do julgamento
e a imperfeição moral daqueles que se diziam representantes do povo e
de Deus:
As figuras truanescas de Anás, Caifás e Pilatos permanecem ainda insculpidas
nas sociedades de todos os tempos desde aquele tempo.
[...]

298
TEMA 30 – JESUS DIANTE DE PILATOS – 1ª E 2ª PARTES – (JO 18:28 A 40; 19:1 A 11)

E Jesus, negado, traído condenado e crucificado, prossegue vivo, amparan-


do e convidando em silêncio a Humanidade ao amor e à justiça, à paz e ao
arrependimento.
Os julgamentos injustos, infames prosseguem, no mundo, mas também a
misericórdia espraia-se anunciando a vitória da Verdade.20

REFERÊNCIAS
1 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
do Canto XVIII, p. 472
2 DOUGLAS J. D. (Org.). O novo dicionário bíblico. Trad. João Bentes. 3. ed.
São Paulo: Vida Nova, 2006. verbete: Pretório, p. 1.090.
3 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 18:28-40, p. 1.889 e 1.890.
4 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 18:31. Nota de rodapé “e”, p. 1.889.
5 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
do Canto XVIII, p. 473.
6 FRANCO, Divaldo Pereira. A mensagem do amor imortal. Pelo Espírito Amélia
Rodrigues. 2. ed. Salvador, BA: LEAL, 2015. cap. 19, p. 134.
7 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 18:28. Nota de rodapé “d”, p. 1.889.
8 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed.
10. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. q. 838.
9 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. cap. 19, it. 7.
10 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. cap. 19, it. 6.
11 FRANCO, Divaldo Pereira. A mensagem do amor imortal. Pelo Espírito Amélia
Rodrigues. 2. ed. Salvador, BA: LEAL, 2015. cap. 19, p. 134 e 135.

299
O Evangelho Redivivo – Livro V

12 XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito


Emmanuel. 1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 85 – Testemunho.
13 XAVIER, Francisco Cândido. Pão nosso. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 133.
14 VINÍCIUS. Em torno do mestre. 9. ed. Brasília, DF: FEB, 2009. cap. Pilatos e
a Verdade.
15 VINÍCIUS. Em torno do mestre. 9. ed. Brasília, DF: FEB, 2009. cap. Pilatos e
a Verdade.
16 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 19:1-11, p. 1.890.
17 FRANCO, Divaldo Pereira. A mensagem do amor imortal. Pelo Espírito Amélia
Rodrigues. 2. ed. Salvador, BA: LEAL, 2015. cap. 19, p. 131.
18 FRANCO, Divaldo Pereira. A mensagem do amor imortal. Pelo Espírito Amélia
Rodrigues. 2. ed. Salvador, BA: LEAL, 2015. cap. 19, p. 135.
19 FRANCO, Divaldo Pereira. Primícias do reino. Pelo Espírito Amélia Rodrigues.
8. ed. Salvador, BA: LEAL, 2001. Respingos históricos, p. 29.
20 FRANCO, Divaldo Pereira. A mensagem do amor imortal. Pelo Espírito Amélia
Rodrigues. 2. ed. Salvador, BA: LEAL, 2015. cap. 19, p. 140.

300
TEMA 31

A CONDENAÇÃO À MORTE. A
CRUCIFICAÇÃO (JO 19:12 A 22)

Jesus é condenado à morte, após doloroso e humilhante processo


transcorrido nesta sequência: 1) interrogatório ilegal, realizado na noite da
sua prisão, na residência de Anás, sumo sacerdote que não mais exercia o
cargo, por destituição dos romanos; 2) novo interrogatório na manhã do dia
seguinte, realizado pelo Sinédrio, sob a condução de Caifás, sumo sacerdote
oficialmente nomeado que, no mesmo dia, encaminha Jesus ao procurador
do imperador romano na Palestina, Pôncio Pilatos; 3) Jesus é interrogado
duas vezes, no entanto, por ser portador de declarada fraqueza de caráter,
Pilatos preferiu dar ouvidos às ameaças e artimanhas do conselho dos sa-
cerdotes, ordenando que Jesus fosse flagelado e, posteriormente, decretou
a sua morte por crucificação.
Eis o que afirma o instrutor Aniceto, no livro Os mensageiros, a respeito
da condenação de Jesus:
– Para melhor elucidação, recordemos a crucificação do Mestre divino. Sabemos
que Jesus penetrou a glória sublime logo após a suprema dor do Calvário; en-
tretanto, estamos ainda a vê-lo frequentemente pendurado na cruz, martirizado
pelos nossos erros, flagelado pelos nossos açoites, porque a visão interior a isso
nos compele. A condenação do Mestre foi um crime coletivo, e esse crime estará
conosco até o dia em que nos vestirmos da divina luz da redenção.1

31.1 A CONDENAÇÃO À MORTE (JO19:12 A 16)2


12
Daí em diante, Pilatos procurava libertá-lo. Mas os judeus gritavam: “Se o
soltas, não és amigo de César! Todo aquele que se faz rei opõe-se a César!”
13
Ouvindo tais palavras, Pilatos levou Jesus para fora, fê-lo sentar-se no tribunal,
no lugar chamado Pavimento, em hebraico Gábata. 14Era o dia da preparação
da Páscoa, perto da sexta hora. Disse Pilatos aos judeus: “Eis o vosso rei!” 15Eles
gritavam: “À morte! À morte! Crucifica-o!” disse-lhes Pilatos: “Crucificarei
o vosso rei?!” Os chefes dos sacerdotes responderam: “Não temos outro rei a
não ser César!” 16Então Pilatos o entregou para ser crucificado.

301
O Evangelho Redivivo – Livro V

Em João (19:12 e 15), a passagem evangélica evidencia, de um lado,


a falsidade dos chefes dos sacerdotes e as suas manobras políticas para se
livrarem de Jesus e, de outro, indica a fragilidade moral de Pilatos devido
ao seu excessivo apego ao poder. Conclusão:
A outra tentativa de Pilatos para libertar Jesus e sua capitulação ante a ameaça
de ser desleal a César levam o relato do julgamento ao fim. A referência a
César encerrou o assunto para Pilatos. Sua ficha corrida em Roma era tal que
ele não podia se dar ao luxo de arriscar que qualquer informação chegasse
aos ouvidos do imperador (cf., Lc 13:1). Ele estava mais interessado em sua
própria posição do que na justiça. [...].3

A partir deste momento, a condenação de Jesus à morte torna-se oficial


e irreversível: Pilatos conduz Jesus para o tribunal, posicionando-o em um
local denominado pavimentu, do latim, ou gábata, do hebraico (Jo 19:13).
[...] Nesse lugar ficava o tribunal público, em que Pôncio Pilatos proferia as
suas sentenças. Era, talvez, um espaço aberto, fronteiro ao palácio de Herodes,
calçado com pedras em obra de mosaico. [...].4

De qualquer forma, a palavra gábata é de significado incerto:


Geralmente considerado o equivalente hebraico do termo grego lithostroton,
“pedras espalhadas” (cf., Et 1:6). [...] Dois idiomas são citados, possivelmente
para sublinhar a tremenda significação do que estava sucedendo (cf., Jo 19:17,
20) [...].5

Em termos históricos, sabe-se que o famoso conquistador, ditador e


cônsul de Roma, Júlio César (100-44 a.C.), tinha o hábito de levar consigo nas
viagens um pavimento móvel de mosaico, que era colocado no local onde ele
proferia as suas sentenças judiciais. “[...] Porém, nessa conexão, “Gábata” su-
gere antes um lugar fixo. Muitos eruditos localizaram-no na torre de Antônia
ou nas proximidades [...], a noroeste da área do templo [...]”5, em Jerusalém.
Por dedução, gábata seria o equivalente de tribunal, local específico
para julgamentos, organizado de acordo com a tradição greco-romana:
Nos estados gregos, a assembleia se reunia defronte de uma plataforma (bema)
de onde as questões oficiais eram conduzidas. [...] Esse termo é empregado a
respeito de outras coisas, no NT, como o tribunal, a plataforma sobre a qual
assentavam os magistrados romanos, flanqueados por seus conselheiros, a
fim de administrarem justiça. Esse era tradicionalmente erigido em um local
público, como se torna evidente no caso de Pilatos (Jo 19:13), ou alternativa-
mente, no auditório (At 25:23, em nossa versão de “audiência”).6

Se intencional ou não, Pilatos, transformou a sentença condenatória de


Jesus em algo formal ou oficial que, para a justiça romana e para a História,

302
TEMA 31 – A CONDENAÇÃO À MORTE. A CRUCIFICAÇÃO (JO 19:12 A 22)

seria conhecido como o Tribunal do Cristo6. Tribunal este que Paulo de Tarso
iria assim recordar: Mas tu, por que julgas teu irmão? Ou tu, também, por
que desprezas teu irmão? Pois todos havemos de comparecer ante o tribunal
de Cristo (Rm 14:10) ou Porque todos devemos comparecer ante o tribunal de
Cristo, para que cada um receba segundo o que tiver feito por meio do corpo,
ou bem, ou mal (2 Cor 5:10).
Enraivecido com os religiosos judeus, Pilatos dá-lhes o troco, deno-
minando Jesus “rei dos judeus” (v. 15). Foi a forma de demonstrar o seu
desprezo pelos religiosos, autoridades e povo judeu, em geral. Bittencourt
Sampaio faz as seguintes considerações a respeito:
Antes de lavrar a sentença de morte contra Jesus, ainda Pilatos quis tirar de
si tão tremenda responsabilidade e, assim, o apresentou de novo aos judeus,
dizendo-lhe: – “Eis o vosso rei”.
O Senhor se achava então com vestidura branca, que lhe puseram em casa
de Herodes [cf., Lc 18:11], em sinal de desprezo e zombaria; tinha a coroa de
espinhos sobre a fronte e o sangue, correndo-lhe pelo rosto e manchando a
alvura do linho, deixava patentes aos olhos de todos os sinais do ódio barba-
resco dos inimigos da luz.
[...]
A covardia e o terror tinham vencido a justiça e a inocência. Pilatos lavrou a sen-
tença de morte contra Jesus e o entregou aos judeus para que fosse crucificado.7

Bittencourt também registra o teor da sentença proferida por Pilatos,


com base em um texto de Chateaubriand (1768–1848), citado no livro De
Paris a Jerusalém e publicado em 1811:
A sentença, segundo tradição que se conserva em Jerusalém, fora lavrada nos
seguintes termos:
“Conduzi Jesus de Nazaré, amotinador do povo, inimigo de César e falso
Messias, como se lhe provou por testemunho pleno da sua nação, ao lugar
destinado às execuções e pregai-o na cruz e entre dois ladrões, em castigo de
ludíbrio que fez da majestade real. Vai, lictor, e prepara as cruzes.”8

Como esclarecimento, a palavra lictor, citada no texto, refere-se “à


guarda que, na antiga Roma, precedia as figuras da suprema magistratura,
trazendo uma machadinha junto a um feixe de varas, com o qual ia abrindo
caminho em meio ao povo”.9
O exato momento em que Pilatos anunciou a sentença de morte do
Senhor, foi logo após Jesus ter sido encaminhado ao tribunal e colocado no
espaço reservado (pavimento ou gábata), conforme consta em João (19:14):
“Era o dia da preparação da Páscoa, perto da sexta hora [...]”. Essa informação

303
O Evangelho Redivivo – Livro V

histórica mostra por que o clero judaico demonstrou tanta pressa na conde-
nação de Jesus: “Durante esse dia, preparava-se a ceia pascal – que deveria
realizar-se depois do pôr do sol [cf., Êx 12:6 +), e todo o necessário para
passar a festa no repouso prescrito pela lei”.10 A hora sexta, também citada
por João, é, segundo a divisão do horário dos judeus, aproximadamente,
“cerca do meio-dia, hora em que tudo o que era fermentado devia desa-
parecer das casas, dando lugar aos ázimos da Páscoa (cf., Êx 12:15 s.)”.11 O
Dia da Preparação era, portanto, a sexta-feira, pois o sábado, segundo a
tradição judaica, era dia santo, não se realizando qualquer atividade. O Dia
da Preparação (no grego, paraskeue, preparação), continua, ainda hoje, a
indicar o dia anterior ao sábado.12
Com a sentença condenatória de morte por crucificação, inicia-se a
“Paixão do Cristo”, expressão que, segundo a história eclesiástica, refere-se
aos sofrimentos e à morte de Jesus. Constata-se que o texto joanino não
fornece detalhes a respeito do assunto, como acontece nos relatos dos si-
nópticos. Na verdade, tudo indica que João (v. 14 e 15) deu um significado
muito especial ao fato de Jesus morrer por ocasião das festividades da Páscoa:
[...] João menciona, no v. 14, a parasceve pascal (“preparação pascal”) e o pe-
ríodo do dia (cerca da hora sexta), uma vez que, para ele, a relação da morte de
Jesus com a Páscoa judaica era significativa. Mais tarde, Jesus foi visto como o
verdadeiro cordeiro pascal. A pergunta de Pilatos Hei de crucificar o vosso rei?
(v. 15) foi intencionalmente provocadora. Ela extraiu dos principais sacerdotes
uma confissão de lealdade a César, a qual Pilatos não podia ignorar. Há uma
profunda ironia aqui: Eles estavam alegando lealdade maior do que prestavam
ao próprio governador. Mas essa alegação representava a rendição final dos
representantes oficiais de Israel, que não reconheciam nenhum outro senhor
que não fosse o próprio Deus, a Roma.13

O jogo de politicagem, sórdido e voltado exclusivamente para interes-


ses pessoais, então claramente evidenciado pelos representantes do clero,
da administração pública e do invasor romano falaram mais alto do que
a vida do Justo. Predominou a voz da vaidade, do egoísmo e do orgulho
que, ecoando fortemente, abafou qualquer manifestação de amor a Deus e
ao próximo. Quantas provações, imaginamos, estariam reservadas a esses
Espíritos nas futuras reencarnações, a fim de repararem suas insanas ações
daquele momento?! Emmanuel pondera a respeito:
A multidão que rodeava o Mestre, no dia supremo, era enorme.
Achavam-se ali os gozadores impenitentes do mundo, os campeões da usu-
ra, os ridicularizadores, os ignorantes, os espíritos fracos que reconheciam
a superioridade do Cristo e temiam anunciar as próprias convicções, os

304
TEMA 31 – A CONDENAÇÃO À MORTE. A CRUCIFICAÇÃO (JO 19:12 A 22)

amigos vacilantes do Evangelho, as testemunhas acovardadas, os benefi-


ciados pelo Divino Médico, que se ocultavam, medrosos, com receio de
sacrifícios...
[...]
A lição, entretanto, seria legada aos séculos do futuro...
O mundo ainda é uma Jerusalém enorme, congregando criaturas dos mais
variados matizes, mas se te aproximas do Evangelho, com sinceridade e fervor,
colocam-te a cruz sobre o coração.
Daí em diante, serás compelido às maiores demonstrações de renúncia, raros
te observarão o cansaço e a angústia e, não obstante a tua condição de servidor,
com os mesmos problemas dos outros, exigir-te-ão espetáculos de humildade
e resistência, heroísmo e lealdade ao bem.
Sofre e trabalha, de olhos voltados para a Divina Luz.
Do Alto descerão para o teu espírito as torrentes invisíveis das fontes celestes,
e vencerás valorosamente.
Por enquanto, a cruz ainda é o sinal dos aprendizes fiéis.14

31.2 A CRUCIFICAÇÃO (JO 19:17 A 22)15


Então eles tomaram a Jesus. 17E ele saiu, carregando a sua cruz, e chegou
ao chamado “Lugar da Caveira” – em hebraico chamado Gólgota – 18onde
o crucificaram; e, com ele, dois outros: um de cada lado e Jesus no meio.
19
Pilatos redigiu também um letreiro e o fez colocar sobre a cruz; nele estava
escrito: “Jesus Nazareu, o rei dos judeus”. 20Esse letreiro, muitos judeus o
leram, porque o lugar onde Jesus fora crucificado era próximo da cidade;
e estava escrito em hebraico, latim e grego. 21Disseram então a Pilatos os
chefes dos sacerdotes dos judeus: “Não escrevas: ‘O rei dos judeus’, mas:
‘Este homem disse: Eu sou o rei dos judeus’”. 22Pilatos respondeu: “O que
escrevi, escrevi”.

Esse relato de João é bem conciso se comparado aos dos demais evan-
gelistas, por exemplo: “João não menciona a ajuda de Simão para carregar
a cruz (cf., Mt 27:32; Mc 15:21; Lc 23:26) [...]. Embora João mencione dois
outros homens crucificados com Jesus (v. 19), ele não dá detalhes das acu-
sações contra eles. [...]”.16
Por outro lado, somente João relata que foi Pilatos o responsável pelo título
afixado à cruz. Há pequenas variações nos diferentes registros do texto sobre
o título, mas todos concordam que a inscrição continha a expressão: O REI
DOS JUDEUS. Essa declaração causou protestos entre os principais sacerdotes,
o que revelou a obstinação de Pilatos (v. 21 e 22). Quando João se refere aos
principais sacerdotes dos judeus, a forma como as palavras são escritas contrasta
fortemente com o título utilizado para Jesus.17

305
O Evangelho Redivivo – Livro V

A cúpula sacerdotal sentiu-se ofendida com a decisão do interventor


romano de denominar Jesus “Rei dos Judeus”, tentou argumentar com ele,
mas foi em vão. Pilatos manteve o letreiro com os dizeres: “Jesus Nazareu,
o rei dos judeus”, escrito em três idiomas (hebraico, latim e grego): “Da
parte de Pilatos, a recusa provinha de um sentimento de orgulho, que não
lhe permitia emendar o que uma vez decidira sob inspiração, de que não
tinha consciência”.18 Somente o grande amanhã iria mostrar àquelas pessoas
a verdade da inscrição inserida em uma placa no alto da cruz. E mais: Jesus
não é o rei de Israel, mas de toda a humanidade terrestre, o Messias de Deus.
Jesus foi levado ao Calvário, ou “Lugar da Caveira”, também chamado
Gólgota na língua hebraica, carregando a sua cruz, segundo o relato evan-
gélico (Jo 19:17): “nome de um lugar perto de Jerusalém e fora dos muros,
onde Jesus foi crucificado e em cujas vizinhanças o sepultaram [...]. O
nome deriva do latim calvária, ou calvarium, quer dizer “crânio”, “caveira”,
Lc 23:33, correspondente ao aramaico gólgotha. [...]”.19
Jerônimo supõe que esse nome foi originado por avistar-se caveiras insepultas,
ou descobertas; outros pensam que é por ser o lugar onde se executavam os
condenados. A explicação mais comum é que o nome [calvário] deriva da
aparência que tem a rocha, como uma caveira. A frase “Monte Calvário” é
moderna. A questão relativa ao lugar da crucificação liga-se à que se refere
ao sepulcro. [...].20

Sem entrar em maiores detalhes, em João (19:18), consta apenas esta


informação, quando Jesus chegou ao Gólgota: onde o crucificaram; e, com
ele, dois outros: um de cada lado e Jesus no meio. O evangelista não fornece
esclarecimento a respeito dos dois ladrões que morreram junto de Jesus. A
sinteticidade do versículo transmite a ideia de que João se encontrava sob
profundo impacto emocional e que o seu sofrimento deveria ser enorme,
impossível dimensionarmos, mesmo passados tantos anos, quando ele es-
creveu o texto evangélico. Foi algo que lhe marcou para sempre a existência.
Assim, quanto menos ele falasse ou escrevesse sobre o assunto, seria me-
lhor, até porque a morte por crucificação é algo bárbaro e profundamente
doloroso, como esclarece Cairbar Schutel:
A crucificação é o mais antigo de todos os suplícios, inventado para dar a morte
com dores atrozes e demorados sofrimentos. Essa tortura veio do Oriente.
O suplício da cruz não apareceu completo, como geralmente se julga, mas foi
sendo aperfeiçoado aos poucos.
No princípio consistia num simples poste de madeira enterrado, no qual o
condenado era preso com cravos e cordas. Às vezes o poste era substituído

306
TEMA 31 – A CONDENAÇÃO À MORTE. A CRUCIFICAÇÃO (JO 19:12 A 22)

por qualquer árvore: o criminoso era ligado ao tronco com cravos, tendo os
braços estendidos sobre os ramos. Mais tarde apareceu a cruz em forma de
T, depois de X (Cruz de S. André), de Y, e, por fim, aquela que serviu para
crucificar a Jesus, havendo outros tipos.
Os romanos puniam com o suplício da cruz os escravos, os ladrões, os assassi-
nos. Os condenados eram primeiramente açoitados com correias e arrastados
pelas ruas.
Este suplício bárbaro não tardou a ser imitado pelos judeus, sofrendo, entre-
tanto, algumas modificações. Os romanos mantinham os corpos três dias na
cruz, ao passo que os judeus crucificavam e de tal modo torturavam a vítima,
que a morte não se fazia demorar. Tiravam-na depois da cruz, quebravam-lhe
as pernas e a enterravam. A transcrição dos trechos evangélicos dá bem uma
ideia do suplício da crucificação.
[...]
O mundo de então era uma barbaridade. Punia-se um crime com um crime
maior; não se educava o delinquente, não o corrigiam, mas o condenavam. E
a pena era: tortura, suplício, morte!21

Vinícius compara a posição de Jesus no Calvário e no Tabor, de onde


extraímos o seguinte trecho, o qual parece oportuno à nossa reflexão:
Dois montes figuram na vida terrena de Jesus: o Calvário e o Tabor.
Um deles caiu no olvido. A celebridade do outro tornou-se notória, graças
aos constantes e repetidos reclamos que a propósito têm feito e continuam
fazendo as igrejas ditas cristãs.
No Tabor, Jesus é glorificado pelo Céu, que o recomenda como Ungido de
Deus, a quem todos na Terra devem honrar e obedecer.
No Calvário, Ele recebe o suplício que lhe infligiram os homens do século,
visando com isso a destruir o supremo intérprete da soberana justiça, visto
que Ele atestava que as obras deles eram más.
Aparentemente aniquilado o Filho de Deus, começaram os homens, tempos
depois, a render acendrado culto à memória do seu sacrifício. Criaram sím-
bolos que representam aquele trágico acontecimento, fazendo gravitar em
volta da cruz e do Calvário toda a história do Cristianismo, como se em tal
ela se resumisse.
Com semelhante proceder, tentam apaziguar as consciências, que, hoje como
na época da crucificação do Justo, continuam surdas às admoestações do
Verbo divino. De tal sorte, enquanto as atenções se voltam para o Calvário,
jaz no esquecimento, desconhecido da grande maioria, e deturpado pelo
sacerdotalismo interesseiro, o sublime ideal que o Cristianismo encerra. É
um segundo atentado que o mundo pretende consumar friamente contra seu
Redentor. No Cristo redivivo, exuberante de vida e fortaleza, não se fala. Aos
acontecimentos do Tabor, bem como àquela expressa e positiva recomendação

307
O Evangelho Redivivo – Livro V

das vozes do Céu, ali notificadas, determinando que se ouvisse e se obedecesse


ao divino Messias, não se concede o devido valor, carecem de importância
para os veneradores da cruz.
Ora, é precisamente amoldar-se à moral cristã que os homens da atualidade,
como os de outrora, não querem. Daí as homenagens ao Calvário, e o desdém
pelo Tabor, em cujo cimo se ostentou a glória e a autoridade outorgadas ao
Cristo de Deus.
O Calvário é a morte, o Tabor é a vida. No topo do primeiro está a cruz, e nela
chumbado o Jesus vencido, inerme, morto. No alto do segundo, destaca-se
o Mestre e Senhor em plena atividade, inacessível às maquinações humanas.
[...].22

À luz do Espiritismo, o que representa o Calvário? Que lições devemos


extrair do sacrifício de Jesus? Emmanuel responde as estas perguntas:
– O Calvário representou o coroamento da obra do Senhor, mas o sacrifício
na sua exemplificação se verificou em todos os dias da sua passagem pelo
planeta. E o cristão deve buscar, antes de tudo, o modelo nos exemplos do
Mestre, porque o Cristo ensinou com amor e humildade o segredo da felicidade
espiritual, sendo imprescindível que todos os discípulos edifiquem no íntimo
essas virtudes, com as quais saberão remontar ao calvário de suas dores, no
momento oportuno.23

O venerável benfeitor prossegue em seus ensinamentos, esclarecendo


a diferença entre a dor física ou material e a dor espiritual, intensamente
vivenciada pelo Cristo:
– A dor material é um fenômeno como o dos fogos de artifício, em face dos
legítimos valores espirituais.
Homens do mundo que morreram por uma ideia muitas vezes não chegaram
a experimentar a dor física, sentindo apenas a amargura da incompreensão
do seu ideal.
Imaginai, pois, o Cristo, que se sacrificou pela Humanidade inteira, e chegareis
a contemplá-lo na imensidão da sua dor espiritual, augusta e indefinível para
a nossa apreciação restrita e singela.
De modo algum poderíamos fazer um estudo psicológico de Jesus, estabele-
cendo dados comparativos entre o Senhor e o homem.
Em sua exemplificação divina, faz-se mister considerar, antes de tudo, o seu
amor, a sua humildade, a sua renúncia por toda a Humanidade.
Examinados esses fatores, a dor material teria significação especial para que
a obra cristã ficasse consagrada? A dor espiritual, grande demais para ser
compreendida, não constituiu o ponto essencial da sua perfeita renúncia
pelos homens?

308
TEMA 31 – A CONDENAÇÃO À MORTE. A CRUCIFICAÇÃO (JO 19:12 A 22)

Nesse particular, contudo, as criaturas humanas prosseguirão discutindo, como


as crianças que somente admitem as realidades da vida de um adulto, quando
se lhes fornece o conhecimento tomando para imagens o cabedal imediato
dos seus brinquedos.24

REFERÊNCIAS
1 XAVIER, Francisco Cândido. Os mensageiros. Pelo Espírito André Luiz. 47.
ed. 14. imp. Brasília, DF: FEB, 2020. cap. 27 – O caluniador.
2 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto
da Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 19:12-16, p. 1.890.
3 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 19:1-16, p. 1.596.
4 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Gábata, p. 501 e 502.
5 DOUGLAS, J. D. (Org.). O novo dicionário bíblico. Trad. João Bentes. 3. ed.
São Paulo: Vida Nova, 2006. verbete: Gábata, p. 528.
6 DOUGLAS, J. D. (Org.). O novo dicionário bíblico. Trad. João Bentes. 3. ed.
São Paulo: Vida Nova, 2006. verbete: Tribunal, p. 1.354.
7 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XIX, p. 478 e 479.
8 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XIX, p. 479 e 480.
9 HOUIASS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua
portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. verbete: Lictor, p. 1.177.
10 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 19:14. Nota de Rodapé “e”, p. 1.890.
11 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 19:14. Nota de Rodapé “f ”, p. 1.890.
12 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Dia da Preparação, p. 342.

309
O Evangelho Redivivo – Livro V

13 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 19:1-16, p. 1.596.
14 XAVIER, Francisco Cândido. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 140 – Após Jesus.
15 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 19:17-22, p. 1.891.
16 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes; et
al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 19:1-16, p. 1.596 e 1.597.
17 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 19:1-16, p. 1.597.
18 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XIX, p. 480.
19 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Calvário, p. 210 e 211.
20 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Calvário, p. 211.
21 SCHUTEL, Cairbar. O espírito do cristianismo. 8. ed. Matão, SP: Casa Editora
O Clarim, 2001. cap. 42 – Os Dois Crucificados, p. 233 e 234.
22 VINÍCIUS. Nas pegadas do mestre. 12. ed. 4. imp. Brasília, DF: FEB, 2015. cap.
O Calvário e o Tabor.
23 XAVIER, Francisco Cândido. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed.
12. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. q. 286.
24 XAVIER, Francisco Cândido. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed.
12. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. q. 287.

310
TEMA 32

A PARTILHA DAS VESTES.


JESUS E SUA MÃE. A MORTE
DE JESUS (JO 19:23 A 30)

A crucificação de Jesus, assim como a dos dois condenados que com


Ele compartilharam esse gênero de morte, seguia o costume romano de
sortear as vestimentas e outros despojos do morto entre os soldados. O
respeitável estudioso estadunidense, Norman Russell Champlin, fornece
outras informações a respeito, comumente desconhecidas dos cristãos,
inclusive o fato da túnica de Jesus ser diferente da usualmente utilizada
pelos discípulos e pelo povo, em geral:
Usualmente eram quatro os soldados – o “quaternion” – que se desincumbiam
desses deveres, ao passo que certas tarefas não requeriam esse número. [...] É
evidente que, juntamente com eles, havia um centurião; ou então esse centurião
era um dos quatro, conforme se depreende da passagem de Mateus, 27:24. Para
cada um deles, pois, caberia, uma parte da veste de Jesus; as quatro peças do
vestuário eram a coberta da cabeça, as sandálias, o cinto e o “talllíth”, que era
uma capa quadrada usada externamente, dotada de fímbrias.
[...]
A túnica, porém, era sem costura, toda tecida de alto a baixo. Note-se que
essa túnica era réplica das vestes do sumo sacerdote que igualmente man-
davam confeccionar nesse modelo as suas túnicas. Existe uma tradição no
sentido de que Moisés também se vestia dessa maneira. (ver Talmude Bab.
Tasnith, fol. 11:2). Josefo (Antiq. 1. iii, 7:4) mostra que o sumo sacerdote e
os sacerdotes dos judeus costumavam usar túnicas inconsúteis, isto é, sem
costuras. [...].1

Jesus já se encontrava crucificado quando vê, aos pés da cruz, sua mãe
em companhia de Maria, esposa de Clopas, de Maria Madalena e de João
Evangelista (v. 25 e 26). A despeito do sofrimento que passava, o Mestre
coloca Maria de Nazaré sob os cuidados do Apóstolo João, que, a partir
daquele momento, ambos seriam considerados mãe e filho (v. 26 e 27).
Bittencourt Sampaio comenta essa ação de Jesus:

311
O Evangelho Redivivo – Livro V

O ato de Jesus, recomendando João a Maria: “Mulher, eis o teu filho” – e Maria
a João: “Eis a tua mãe” , é um derradeiro sinal patente da sua solicitude pelos
encarnados e um testemunho, uma homenagem aos sentimentos que devem
animar os filhos para com seus, abrangendo mesmo os membros da grande
família universal.2

Em seguida, o Mestre declara ter sede. Um dos soldados embebe uma


esponja em vinagre (ou vinho avinagrado) e lhe umedece a boca. Pouco
tempo depois, o Senhor chega ao final da sua existência quando diz: “Está
consumado”.
Os momentos finais da vida terrena de Jesus foram marcados por mais dois
brados, um relacionado à sua própria necessidade humana (tenho sede! v. 28),
o outro relacionado à realização de sua missão (Está consumado! v. 30). João
vê aqui novamente um cumprimento da Escritura, possivelmente uma alusão
a Salmos, 69:21. [...].3

32.1 A PARTILHA DAS VESTES (JO 19:23 E 24)4


23
Os soldados, quando crucificaram Jesus, tomaram suas roupas e repartiram
em quatro partes, uma para cada soldado, e a túnica. Ora, a túnica era sem
costura, tecida como uma só peça, de alto a baixo. 24Disseram entre si: “Não
a rasguemos, mas tiremos a sorte, para ver com quem ficará”. Isso a fim de se
cumprir a Escritura que diz: Repartiram entre si minhas roupas e sortearam
minha veste. Foi o que fizeram os soldados.

A prática romana de repartir as vestes de pessoas crucificadas


encontrou, no caso de Jesus, ressonância prevista nas Escrituras: “As
vestimentas dos condenados passavam a pertencer aos soldados em
serviço, daí a ação relatada no v. 23. João vê esse fato um cumprimento
de Salmos, 22:18, mas os evangelhos sinópticos não o mencionam”.5 Em
termos de informação histórica, temos o seguinte esclarecimento a res-
peito da citação do Salmo registrado por João, que não se encontra na
Bíblia hebraica, propriamente dita, tal como a conhecemos atualmente.
A referência foi retirada da primeira tradução da Bíblia hebraica para o
grego, realizada por 70 sábios de Alexandria, conhecida como Septuaginta
(do latim, setenta) ou:
[...] No original grego do evangelho de João, esta citação foi extraída palavra
por palavra da Septuaginta (LXX), no texto de Salmo, 22:18. Todo esse salmo
22 é messiânico, pois fala das deslocações dos ossos do Cristo de sua sede e
exaustão, do fato de suas mãos e pés serem traspassados de cravos, e também
[...] do fato de que suas vestes foram divididas entre os soldados executores,
ao passo que sua túnica inconsútil coube por sorte a um deles. [...].6

312
TEMA 32 – A PARTILHA DAS VESTES. JESUS E SUA MÃE. A MORTE DE JESUS (JO 19:23 A 30)

O conhecido educador e escritor espírita Vinícius, pseudônimo de


Pedro de Camargo, nos disponibiliza interessante intepretação espírita do
significado da túnica inconsútil de Jesus que era, efetivamente, diferente
das túnicas comuns:
A túnica usada por Jesus era inconsútil: não tinha costuras.
Queremos ver nessa particularidade da veste do Senhor um símbolo sugestivo
que se aplica à sua Doutrina.
O Cristianismo é um corpo doutrinário sem remendos, sem peças justapostas.
É um todo harmônico, inteiriço, perfeito. A moral do Crucificado não tem
aspectos divergentes, não tem ambiguidade, não tem contradições. É uma
moral pura, sã, completa, imaculada. O Verbo de Deus encarnado não emitiu
sons discordantes, não enunciou frases dúbias, não articulou palavras ocas,
não produziu ecos confusos. Foi claro, conciso, congruente, positivo e firme.
Donde vêm, então, as intermináveis cisões entre os credos que militam sob a
rubrica do Cristianismo? Donde vem essa confusão que lavra no seio dessas
igrejas que se dizem cristãs, adotando doutrinas e princípios heterogêneos?
Donde vem essa rivalidade entre aqueles que deveriam ser exemplos de cor-
dura, de harmonia e de paz?
A rivalidade, a confusão, o cisma vem da ignorância, do orgulho e do preconcei-
to dessas igrejas que, do Cristianismo, tomaram somente o título. Tem origem
na ambição, no egoísmo insondável do homem, que tudo procura amoldar às
exigências insaciáveis de seus mesquinhos interesses. Funda-se, finalmente, no
fato de essas religiões não haverem ainda descoberto que a túnica do Mestre
era inconsútil, não tinha costuras, não era composta de pedaços, mas repre-
sentava um todo completo, rematado, perfeito. Tais predicados caracterizam
o Cristianismo de Jesus.
Enquanto as igrejas se digladiarem, estarão, com isso, demonstrando cabal-
mente não haverem atingido o ideal sublime da religião do amor.
A túnica do príncipe das trevas é composta de retalhos, de fragmentos, de tiras
justapostas. É a figura da confusão, da desarmonia, das rivalidades infindáveis,
das separações, das hostilidades.
A túnica do príncipe da paz é inconsútil, não tem costuras para forçar adesão
de retalhos, de partes entre si destacadas. É a imagem da harmonia, o símbolo
da verdade, a alegoria da união integral e perfeita, o emblema da confraterni-
zação irmanando os homens numa só e única família.7

32.2 JESUS E SUA MÃE (JO 19:25 A 27)8


25
Perto da cruz de Jesus, permaneciam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe,
Maria, mulher de Clopas, e Maria Madalena. 26Jesus, então, vendo sua mãe
e, perto dela, o discípulo a quem amava, disse à sua mãe: “Mulher, eis o teu

313
O Evangelho Redivivo – Livro V

filho!” 27Depois disse ao discípulo: “Eis a tua mãe!” E a partir dessa hora, o
discípulo a recebeu em sua casa.

Alguns estudiosos questionam quem seria, efetivamente, a mulher


denominada no texto joanino como irmã de Maria de Nazaré. Na Bíblia
de Jerusalém consta esta nota: “Ou se trata de Salomé, mãe dos filhos de
Zebedeu [João e Tiago Boanerges] (cf. Mt 27:56), ou, ligando essa deno-
minação ao que se segue: Maria, mulher de Clopas”.9 Russell Champlin,
por sua vez, considera que o texto faz referência a quatro mulheres: a mãe
de Jesus, a irmã de sua mãe, Maria esposa de Clopas e Maria Madalena
(v. 25). Como base nessa leitura, esse estudioso faz as seguintes observações:
A irmã de Maria, cujo nome não é dado (pois se quatro mulheres são realmente
mencionadas neste texto, então Maria, mulher de Clopas, não pode ser irmã
de Maria), muito provavelmente era Salomé. E isso é até certo ponto confir-
mado na narrativa dos evangelhos sinópticos, que igualmente apresentam
uma lista de mulheres que se fizeram presentes à crucificação. A diferença é
que nos evangelhos sinópticos todos os nomes são mencionados, ao passo que
neste evangelho não é apresentado o nome da irmã de Maria (ver Mc 15:40
e Mt 27:56). Dessa maneira, a mulher identificada como “mãe dos filhos de
Zebedeu” (Mt 27:56) é evidentemente chamada de “Salomé”, na narrativa
paralela de Marcos, 15:40. Assim, Salomé seria a mãe de João e Tiago. E isso,
por sua vez, significa que tanto o apóstolo João como sua mãe estiveram ao
pé da cruz de Cristo, na companhia de Maria Madalena e de Maria, mãe de
Jesus. Além de outra Maria, “mulher de Clopas”. Isso, finalmente, significa que
os apóstolos João e Tiago eram primos de Jesus.10

Champlin acrescenta outras explicações, oriundas das próprias con-


clusões, mas também fundamentadas em estudos desenvolvidos por outros
estudiosos, do passado e do presente:
A outra Maria, pois, era ao mesmo tempo mulher de Clopas, que no texto
de Marcos, 15:20 é chamado de “o Menor”, por ser de menor estatura que o
outro Tiago [ou mais jovem, segundo outros historiadores], filho de Zebedeu.
Voltando a nossa atenção para essa outra Maria, averiguamos que ela era esposa
de Clopas, que também era chamado “Alfeu”, porquanto esses dois apelativos
parecem ser simples variações de um único nome hebraico. O texto de Mateus,
10:3 revela que Tiago [Menor] era filho de Alfeu, sendo provável que se trate
do mesmo Tiago filho de Clopas. [...].
Entretanto, há estudiosos da Bíblia que negam a possibilidade dessa identifi-
cação, os quais pensam que, afinal de contas, “Maria, mulher de Clopas” não
é a mesma Maria, mãe de Tiago [...].11

A dúvida ainda persiste, visto não existirem até o momento documentos


históricos comprobatórios. Se eram três ou quatro mulheres ao pé da cruz

314
TEMA 32 – A PARTILHA DAS VESTES. JESUS E SUA MÃE. A MORTE DE JESUS (JO 19:23 A 30)

e qual o nome de cada uma delas não nos parece ser a questão relevante –
até porque, à época de Jesus, Maria era um nome muito comum.11 O que
ressalta no texto é que o Senhor, ao término da sua dolorosa morte, contou
com a presença de amigos e familiares fiéis. Ele não se encontrava sozinho!
E mais: destaca-se a presença feminina, sobretudo a de Maria de Nazaré,
que permaneceu com Ele até o último suspiro. A respeito do apoio recebido
daquelas dedicadas mulheres, Emmanuel assinala:
Há [mais de] vinte séculos, com exceção das patrícias do Império, quase todas
as companheiras do povo, na maioria das circunstâncias, sofriam extrema
abjeção, convertidas em alimárias de carga, quando não fossem vendidas em
hasta pública.
Tocadas, porém, pelo verbo renovador do Divino Mestre, ninguém respondeu
com tanta lealdade e veemência aos apelos celestiais.
[...]
Atraídas pelo amor puro, conduziam à presença do Senhor os aflitos e os
mutilados, os doentes e as crianças. E, embora não lhe integrassem o círculo
apostólico, foram elas – representadas nas filhas anônimas de Jerusalém – as
únicas demonstrações de solidariedade espontânea que o visitaram, de-
sassombradamente, sob a cruz do martírio, quando os próprios discípulos
debandavam.
[...]
Eis o motivo pelo qual, sempre que o raciocínio nos induza a ponderar quanto à
glória do Cristo – recordando, na Terra, a grandeza de nossas próprias mães –,
nós nos inclinaremos, reconhecidos e reverentes, ante a luz imarcescível da
Estrela de Nazaré.12

Incapazes de traduzir em palavras a profunda dor que transpassou o


venerável e amoroso coração de Maria de Nazaré, citamos alguns registros
de Humberto de Campos:
Junto da cruz, o vulto agoniado de Maria produzia dolorosa e indelével im-
pressão. Com o pensamento ansioso e torturado, olhos fixos no madeiro das
perfídias humanas, a ternura materna regredia ao passado em amarguradas
recordações. Ali estava o filho bem-amado, na hora extrema.
Maria deixava-se ir na corrente infinda das lembranças. Eram as circunstâncias
maravilhosas em que o nascimento de Jesus lhe fora anunciado, a amizade de
Isabel, as profecias do velho Simeão, reconhecendo que a assistência de Deus se
tornara incontestável nos menores detalhes de sua vida. Naquele instante supremo,
revia a manjedoura, na sua beleza agreste, sentindo que a Natureza parecia desejar
redizer aos seus ouvidos o cântico de glória daquela noite inolvidável. Através
do véu espesso das lágrimas, repassou, uma por uma, as cenas da infância do
filho estremecido, observando o alarma interior das mais doces reminiscências.

315
O Evangelho Redivivo – Livro V

[...]
De alma angustiada, notou que Jesus atingira o último limite dos padecimentos
inenarráveis. Alguns dos populares mais exaltados multiplicavam as pancadas,
enquanto as lanças riscavam o ar, em ameaças audaciosas e sinistras. Ironias
mordazes eram proferidas a esmo, dilacerando-lhe a alma sensível e afetuosa.
Em meio a algumas mulheres compadecidas, que lhe acompanhavam o
angustioso transe, Maria reparou que alguém lhe pousara as mãos, de leve,
sobre os ombros.13

O apoio fraternal é o bálsamo que ameniza as provações da vida, so-


bretudo quando nos defrontamos com dolorosos acontecimentos como a
crucificação do amado Jesus. Com certeza, Maria sofria muito, mas ela não
se encontrava só, abandonada e entregue ao próprio sofrimento: era ampa-
rada pela amizade sincera de algumas companheiras de jornada e, também,
pelo apoio do Apóstolo João que lhe trouxe conforto espiritual. Foi nesse
contexto que Jesus os aproximou mais ainda, mantendo-os unidos pelos
sagrados elos do amor maternal e filial, como assinala a passagem evangélica:
Jesus, então, vendo sua mãe e, perto dela, o discípulo a quem amava, disse à
sua mãe: Mulher, eis o teu filho! Depois disse ao discípulo: Eis a tua mãe! E a
partir dessa hora, o discípulo a recebeu em sua casa. (Jo 19:26 e 27).
O que nos faz retomar as preciosas informações de Humberto de
Campos:
Deparou-se-lhe a figura de João que, vencendo a pusilanimidade criminosa
em que haviam mergulhado os demais companheiros, lhe estendia os braços
amorosos e reconhecidos. Silenciosamente, o filho de Zebedeu abraçou-se
àquele triturado coração maternal. Maria deixou-se enlaçar pelo discípulo
querido e ambos, ao pé do madeiro, em gesto súplice, buscaram ansiosamente
a luz daqueles olhos misericordiosos, no cúmulo dos tormentos. Foi aí que a
fronte do divino supliciado se moveu vagarosamente, revelando perceber a
ansiedade daquelas duas almas em extremo desalento.
– Meu filho! Meu amado filho!… – exclamou a mártir, em aflição, adiante da
serenidade daquele olhar de melancolia intraduzível.
O Cristo pareceu meditar no auge de suas dores, mas, como se quisesse de-
monstrar, no instante derradeiro, a grandeza de sua coragem e a sua perfeita co-
munhão com Deus, replicou com significativo movimento dos olhos vigilantes:
– Mãe, eis aí teu filho!… – e, dirigindo-se, de modo especial, com um leve
aceno, ao apóstolo, disse: – Filho, eis aí tua mãe!
Maria envolveu-se no véu de seu pranto doloroso, mas o grande evangelista
compreendeu que o Mestre, na sua derradeira lição, ensinava que o amor
universal era o sublime coroamento de sua obra. Entendeu que, no futuro, a
claridade do Reino de Deus revelaria aos homens a necessidade da cessação

316
TEMA 32 – A PARTILHA DAS VESTES. JESUS E SUA MÃE. A MORTE DE JESUS (JO 19:23 A 30)

de todo egoísmo e que, no santuário de cada coração, deveria existir a mais


abundante cota de amor, não só para o círculo familiar, senão para todos os
necessitados do mundo, e que no templo de cada habitação permaneceria
a fraternidade real, para que a assistência recíproca se praticasse na Terra,
sem serem precisos os edifícios exteriores, consagrados a uma solidariedade
claudicante.
Por muito tempo, conservaram-se ainda ali, em preces silenciosas, até que o
Mestre, exânime, fosse arrancado à cruz, antes que a tempestade mergulhasse
a paisagem castigada de Jerusalém num dilúvio de sombras.14

Foi assim que, tempos depois, João e Maria de Nazaré, agora filho e
mãe, foram viver em Éfeso, distantes da terra natal, a fim de que ambos
cumprissem a missão que lhes estava reservada:
A esse tempo, o filho de Zebedeu, tendo presentes as observações que o Mestre
lhe fizera da cruz, surgiu na Bataneia, oferecendo àquele Espírito saudoso de
mãe o refúgio amoroso de sua proteção. Maria aceitou o oferecimento, com
satisfação imensa.
E João lhe contou a sua nova vida. Instalara-se definitivamente em Éfeso, onde
as ideias cristãs ganhavam terreno entre almas devotadas e sinceras. Nunca
olvidara as recomendações do Senhor e, no íntimo, guardava aquele título de
filiação como das mais altas expressões de amor universal para com aquela
que recebera o Mestre nos braços veneráveis e carinhosos.
Maria escutava-lhe as confidências, num misto de reconhecimento e de
ventura.
João continuava a expor-lhe os seus planos mais insignificantes. Levá-la-ia con-
sigo, andariam ambos na mesma associação de interesses espirituais. Seria seu
filho desvelado, enquanto receberia de sua alma generosa a ternura maternal,
nos trabalhos do Evangelho. Demorara-se a vir, explicava o filho de Zebedeu,
porque lhe faltava uma choupana, onde se pudessem abrigar; entretanto, um
dos membros da família real de Adiabene, convertido ao amor do Cristo, lhe
doara uma casinha pobre, ao sul de Éfeso, distando três léguas aproximada-
mente da cidade. A habitação simples e pobre demorava num promontório, de
onde se avistava o mar. No alto da pequena colina, distante dos homens e no
altar imponente da Natureza, se reuniriam ambos para cultivar a lembrança
permanente de Jesus. Estabeleceriam um pouso e refúgio aos desamparados,
ensinariam as verdades do Evangelho a todos os espíritos de boa vontade e,
como mãe e filho, iniciariam uma nova era de amor, na comunidade universal.
Maria aceitou alegremente.
Dentro de breve tempo, instalavam-se no seio amigo da Natureza, em frente do
oceano. Éfeso ficava pouco distante; porém, todas as adjacências se povoavam
de novos núcleos de habitações alegres e modestas. A casa de João, ao cabo de
algumas semanas, se transformou num ponto de assembleias adoráveis, onde
as recordações do Messias eram cultuadas por espíritos humildes e sinceros.

317
O Evangelho Redivivo – Livro V

Maria externava as suas lembranças. Falava d’Ele com maternal enterneci-


mento, enquanto o apóstolo comentava as verdades evangélicas, apreciando
os ensinos recebidos. Vezes inúmeras, a reunião somente terminava noite alta,
quando as estrelas tinham maior brilho. E não foi só. Decorridos alguns meses,
grandes fileiras de necessitados acorriam ao sítio singelo e generoso. A notícia
de que Maria descansava, agora, entre eles, espalhara um clarão de esperança
por todos os sofredores. Ao passo que João pregava na cidade as verdades
de Deus, ela atendia, no pobre santuário doméstico, aos que a procuravam
exibindo-lhe suas úlceras e necessidades.
Sua choupana era, então, conhecida pelo nome de “Casa da Santíssima”.15

32.3 A MORTE DE JESUS (JO 19:28 A 30)16


Depois, sabendo Jesus que tudo estava consumado, disse, para que se
28

cumprisse a Escritura até o fim: “Tenho sede!” 29Estava ali um vaso cheio de
vinagre. Fixando, então, uma esponja embebida de vinagre num ramo de
hissopo, levaram-na à sua boca. 30Quando Jesus tomou o vinagre, disse: “Está
consumado!” E, inclinando a cabeça, entregou o espírito.

João cita três declarações de Jesus, estando Ele na cruz, enquanto os de-
mais evangelistas registraram um número maior que, ao todo, se somam em
sete. É importante retomar os estudos anteriores, de Mateus, Marcos e Lucas
para revisão do assunto, que é apresentado resumidamente em seguida:17
1) A oração de Cristo para que os seus inimigos fossem perdoados,
a qual provavelmente foi proferida no começo da própria cruci-
ficação. (Lc 23:34 que diz: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o
fazem”);
2) A promessa feita ao ladrão penitente: “Em verdade te digo que
hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23:43);
3) A entrega mútua de Maria ao discípulo amado, e do discípulo
amado a Maria: “Mulher, eis aí o teu filho [...]. Eis aí tua mãe[...]”
(Jo 19:26 e 27). Essas três declarações foram feitas antes de sobre-
vir o período das trevas, e cada uma delas demonstram o cuidado
do Senhor Jesus por outras pessoas [...];
4) Pouco antes de sua morte, o Senhor Jesus deixou escapar o seu
grito de desolação: “Deus meu, por que me abandonaste?” (Mc
15:34 e Mt 27:46). [...] Esta quarta declaração muito provavelmen-
te foi dita quando as trevas cobriam ainda a Terra, ou então pouco
depois de haver passado esse período de escuridão;
5) Houve também o grito de angústia física: “Tenho sede!” (Jo 19:28);

318
TEMA 32 – A PARTILHA DAS VESTES. JESUS E SUA MÃE. A MORTE DE JESUS (JO 19:23 A 30)

6) Foi emitido também o grito de vitória, perto da morte, prova-


velmente minutos antes de sua ocorrência: “Está consumado!”
(Jo 19:30);
7) E, finalmente, houve o grito de resignação e entrega: “Pai, nas tuas
mãos entrego o meu espírito.” (Lc 23:46).
Tudo isso aconteceu segundo as previsões das Escrituras que anun-
ciaram a vinda do Messias de Deus. Cada evangelista registrou o que lhe
pareceu mais relevante, em face das próprias recordações e, também os
testemunhos de outras pessoas. Contudo João foi o único dos apóstolos
que esteve presente nos momentos finais de Jesus. Entretanto, encontra-
vam-se ali, também outras testemunhas, como Maria de Nazaré, familiares,
algumas mulheres, soldados, religiosos e pessoas do povo. É importante
considerar, ainda, que os textos evangélicos foram escritos muitos anos
depois desses acontecimentos. A título de exemplo, recordemos que
o primeiro evangelho publicado foi o de Marcos, escrito em grego entre
os anos 65 e 75 d.C. Com o passar do tempo, surgiu, inclusive, uma dis-
cussão sobre a quem caberia a responsabilidade pela morte de Jesus. Daí
Bittencourt Sampaio ponderar:
Quanto à crucificação de Jesus pretendem alguns que há contradição entre as
narrativas de Mateus, Marcos e a de Lucas, porque, segundo os dois primeiros,
foram soldados romanos que executaram a crucificação, e, segundo Lucas,
foram os judeus.18

O venerável autor prossegue em seus comentários:


Estudando-se desprevenidamente os Evangelhos, não se encontra contradição
alguma. Os judeus foram os autores da condenação, os soldados os executores:
o fato moral pertence aos primeiros, o material aos segundos.
As narrações devem ser explicadas e completadas umas pelas outras. A ação
dos judeus é tomada por Lucas no sentido moral, porque moralmente foram
eles que sacrificaram a Jesus. Acusa-se porventura o carrasco que executa a
sentença injusta proferida contra um inocente? A responsabilidade não cabe
toda inteira aos juízes ou ao júri que desencaminharam da justiça e da verdade?
A narração do Evangelista João não deve ser isolada dos três primeiros evan-
gelistas: ela assinala o ato moral e o ato material, o ato moral [...].19

Outra contradição, motivo de outros debates entre os estudiosos, é a


que faz alusão ao fato de um soldado ter umedecido a boca de Jesus com
uma esponja embebida em vinagre, quando o Mestre anunciou que tinha
sede (Jo 19:29). Possivelmente não era vinagre, propriamente dito, mas um
vinho avinagrado ou azedo em razão da fermentação acética (o vinagre é

319
O Evangelho Redivivo – Livro V

denominado ácido acético, um ácido classificado como fraco), que era de


uso comum entre os soldados:
Se a fermentação vinosa continua por muito tempo ou se o vinho é guardado
em demasia, converte-se em vinagre. [...] Não serve para beber [...], porém,
misturado com um pouco de azeite, serve no oriente para acalmar a sede na
falta de água fresca. [...] Os soldados romanos, quando em campanha, tomavam
vinho fraco e azedo, chamado acetum, puro ou misturado com água. Nesse
último caso tinha o nome de posca [...] para mitigar-lhe a sede, depois de o
crucificarem, cf. Mc 15:36; Jo 19:20-30. [...].20

A Mensagem da Cruz deve merecer, dia após dia, nossa permanente


atenção, a fim de que, sob a firme manifestação do Amor, evitemos erros
de julgamentos das ações do próximo que, cedo ou tarde, nos alcançam,
como esclarece Joanna de Ângelis:
O amor deu forças a Jesus na Cruz, de forma que suportou todas as crueldades
que Lhe foram impostas com sobranceria e misericórdia.
Fê-lO silenciar diante dos falsamente fortes, que pareciam ter poder sobre a
Sua vida, permanecendo calado diante da massa ignara que tanto amava, para
comunicar-se com o criminoso ao Seu lado, no momento extremo, conceden-
do-lhe esperança de renovação e de imortalidade em triunfo.
Resistindo à debilidade orgânica sob o exaurir das energias, foi o amor que Lhe
facultou prosseguir durante horas agônicas em irrestrita confiança em Deus.
Não bastassem todos os testemunhos, demonstrando a excelência desse in-
comparável sentimento, ainda pode rogar ao Pai que perdoasse a ignorância
e a ignomínia daquelas criaturas perdidas em si mesmas, que O matavam.
O amor é portador de expedientes inesperados, abrindo portas que pareciam fe-
chadas e ampliando o seu campo de ação quando tudo são limites e pequenezes.
Foi o amor que levou o Mestre a reconvocar Simão Pedro ao ministério espiri-
tual, arrancando-o do remorso resultante da negação e da culpa, de tal forma
que, renovado, mais tarde se deu também em holocausto, tocado pela magia
irradiante desse sublime sentimento.
Também foi o amor que inspirou o Rabi a buscar Judas nas regiões penosas
do Mundo Espiritual inferior, para facultar-lhe oportunidades de redenção e
de progresso através dos tempos, edificando-o para sempre.
Não há conjuntura difícil que o amor não solucione, nem situação penosa que
não suavize e acalme.
[...]
Como luz, o amor é fonte inexaurível de energia benéfica, facultando saúde
e promovendo a paz.
Enquanto existe, não se lhe extingue a luminescência nem lhe escasseia a
harmonia.21

320
TEMA 32 – A PARTILHA DAS VESTES. JESUS E SUA MÃE. A MORTE DE JESUS (JO 19:23 A 30)

REFERÊNCIAS
1 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 19, it.
19:23, p. 815.
2 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XIX, p. 481.
3 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 19:17-37, p. 1.597.
4 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 19:23-24, p. 1.891.
5 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 19:17-37, p. 1.597.
6 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por versículo.
v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 19, it. 19:23, p. 815.
7 VINÍCIUS. Nas pegadas do mestre.12. ed. 4. imp. Brasília, DF: FEB, 2015. cap.
A túnica inconsútil.
8 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 19:25-27, p. 1.891.
9 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 19:25. Nota de roda pé “d”, p. 1.891.
10 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 19, it.
19:23, p. 816 e 817.
11 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 19, it.
19:23, p. 817.
12 XAVIER, Francisco Cândido. Luz no lar. Por Espíritos diversos. 12. ed. 5.
imp. Brasília, DF: FEB, 2016. cap. 43 – A mulher ante o Cristo [mensagem de
Emmanuel].
13 XAVIER, Francisco Cândido. Boa nova. Pelo Espírito Humberto de Campos.
37. ed. 15. imp. Brasília, DF: FEB, 2020. cap. 30 – Maria.

321
O Evangelho Redivivo – Livro V

14 XAVIER, Francisco Cândido. Boa nova. Pelo Espírito Humberto de Campos.


37. ed. 15. imp. Brasília, DF: FEB, 2020. cap. 30 – Maria.
15 XAVIER, Francisco Cândido. Boa nova. Pelo Espírito Humberto de Campos.
37. ed. 15. imp. Brasília, DF: FEB, 2020. cap. 30 – Maria.
16 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 19:28-30, p. 1.891.
17 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 19, it.
19:28, p. 819.
18 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XIX, p. 486.
19 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XIX, p. 486 e 487.
20 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Vinagre, p. 1.260.
21 FRANCO, Divaldo Pereira. Garimpo de amor. Pelo Espírito Joanna de Ângelis.
1. ed. Salvador, BA: LEAL, 2003. cap. 6, p. 47 e 48.

322
TEMA 33

O GOLPE DE LANÇA. O
SEPULTAMENTO (JO 19:31 A 42)

O fechamento do capítulo 19 do Evangelho segundo João apresenta-nos


dois importantes assuntos: o primeiro refere-se a urgente necessidade dos
sacerdotes judeus de liberarem os corpos que foram crucificados, o de Jesus
e o dos dois ladrões, ainda naquela sexta-feira, conhecida como o Dia da
Preparação. O segundo assunto está relacionado aos cuidados que o corpo
de Jesus recebeu de alguns discípulos.
A tradição judaica considera o sábado como um dia sagrado, voltado
ao descanso, recomendando-se que toda e qualquer atividade seja realizada
na sexta-feira segundo esta interpretação:
Sábado (no hebraico é shababth, “cessar”, “repousar”) – dia de descanso insti-
tuído por Deus, para ser observado por todos os homens. Completou a obra
da criação em seis dias e cessou de trabalhar no dia sétimo. [...].1

Aquela sexta-feira revelava-se, pois, como um dia muito especial, não


somente porque era a véspera do shabath, mas porque era a antevéspera
da comemoração da Páscoa judaica, uma das festividades mais relevantes
do povo judeu. Justificava-se, pois, a pressa de sepultar os corpos dos que
foram mortos por crucificação, Jesus e os dois assaltantes (Jo 19:31 e 32).
Contudo esse sepultamento deveria seguir a seguinte sequência de ações:
a) autorização para retirar os corpos da cruz – no caso, foi Pilatos quem
deu a ordem aos soldados, por ser ele a autoridade máxima na Palestina;
b) necessidade de que os crucificados estivessem efetivamente mortos. Se
existisse dúvida a respeito, quebrava-se os ossos das pernas dos condenados
para acelerar o processo. Foi o que aconteceu com os dois ladrões pois, se-
gundo o texto joanino Jesus foi poupado, porque Ele já estava morto. Mesmo
assim, os soldados confirmaram a morte com um golpe de lança aplicado
na lateral do seu corpo (Jo 19:33); c) sepultamento dos corpos era, em geral,
realizado pelos familiares e/ou amigos do falecido, ou, na ausência destes,
os romanos sepultavam os mortos em covas coletivas.

323
O Evangelho Redivivo – Livro V

Importa considerar que os hebreus jamais enterravam os seus mortos,


como é hábito na cultura ocidental. Eles colocavam os defuntos em cavernas
naturais ou artificiais (Gn 23:9; Is 22:16; Mt 27:60; Jo 11:38), previamente
preparadas, em lugares distantes das habitações, fora dos muros da cidade.
Assim, se os arqueólogos encontram um corpo sepultado no chão sabem
antecipadamente que era de um cristão, mas se o corpo estava em uma
rocha, era de um judeu.2
Destaca-se no estudo o papel desempenhado por Nicodemos e por
José de Arimateia, dois destacados membros do Sinédrio que apreciavam os
ensinamentos de Jesus. Em razão da posição que ocupavam, tiveram acesso
a Pôncio Pilatos, dele recebendo autorização para liberar o corpo de Jesus e
sepultá-lo adequadamente. (Jo 19:38 a 42), segundo os ritos do Judaísmo.
Como sabemos, o Sinédrio era um corpo judiciário-administrativo e
religioso, uma espécie de alta corte rabínica, presidida por um sumo sacer-
dote, cujos membros exerciam significativa influência em todos os aspectos
da vida cotidiana de Israel:
Sinédrio (do grego, synedrion, “concílio”, “assento junto”) – nome que os
escritores da história e das antiguidades judias davam ao tribunal supremo
que deliberava sobre a vida e os costumes dos hebreus no tempo de Cristo. O
Sinédrio compunha-se de 71 membros, que no período do Novo Testamento
era assistido por três classes: Os escribas, que geralmente eram fariseus; os
anciãos, que eram fariseus; os anciãos, que eram os mais velhos dos chefes
das famílias e dos clãs, e os ex-sumos sacerdotes com os anciãos das quatro
famílias sumo sacerdotais. Por ser o tribunal supremo da nação judia, tinha
caráter tanto religiosos quanto secular, podia prender e coagir, mas não ti-
nha poder para exercer penas capitais, estas deveriam ser confirmadas pelo
­governador romano. [...].3

33.1 O GOLPE DE LANÇA (JO 19:31 A 37)4


31
Como era a Preparação, os judeus, para que os corpos não ficassem na cruz
durante o sábado – porque esse sábado era um grande dia! – pediram a Pilatos
que lhes quebrassem as pernas e fossem retirados. 32Vieram, então, os soldados
e quebraram as pernas do primeiro e depois do outro, que fora crucificado
com ele. 33Chegando a Jesus e vendo-o já morto, não lhe quebraram as pernas,
34
mas um dos soldados, traspassou-lhe o lado com a lança e imediatamente saiu
sangue e água. 35Aquele que viu dá testemunho e seu testemunho é verdadeiro;
e ele sabe que diz a verdade, para que também vós creiais, 36pois isso aconteceu
para que se cumprisse a Escritura: Nenhum osso lhe será quebrado. 37 E uma
outra Escritura diz ainda: Olharão para aquele que traspassaram.

324
TEMA 33 – O GOLPE DE LANÇA. O SEPULTAMENTO (JO 19:31 A 42)

O comum era os indivíduos crucificados permanecerem na cruz até


a morte, condição que, às vezes, envolvia dias. Porém, se surgisse alguma
necessidade, urgente ou não, de que eles fossem retirados da cruz para o
sepultamento, existia o hábito de fraturar as pernas ou ambos os membros
superiores e inferiores dos condenados. A justificativa geral, dizia-se, era
para acelerar a morte, mas havia também a intensão de fazer o condenado
sofrer:
Nos informes históricos, lemos que o ato de quebrar as pernas aos condenados
à crucificação geralmente exigia repetidos golpes com instrumentos pesados,
e que, às vezes, essa medida era tão cruel como a própria crucificação. [...]
Quebrar as pernas dos condenados era um castigo independente e não mera-
mente uma providência para apressar a morte dos crucificados (apesar de ter
igualmente esse último efeito). [...] Somente este evangelho de João inclui essa
narrativa e, de fato, somente o quarto evangelho nos presta informes contidos
nos v. 31 a 37, deste capítulo. [...].5

O texto de João (19:31) informa que havia uma urgência no sepultamen-


to dos crucificados, pois tratava-se uma sexta-feira especial, denominada
Dia da Preparação, antevéspera da Páscoa judaica:
O desejo dos judeus de cumprir as exigências de seu ritual (v. 31) era dupla-
mente importante para eles, pelo fato de ser sábado e por cair exatamente no
dia da Festa da Páscoa judaica. O procedimento brutal de se quebrar a perna
do condenado não fazia parte da punição da crucificação, mas foi utilizado
para apressar a morte (v. 32, 33). Sem esse procedimento, a morte poderia ser
adiada por algum tempo, até mesmo dias. [...].6

Jesus não teve as pernas quebradas, como destaca o texto evangélico:


Chegando a Jesus e vendo-o já morto, não lhe quebraram as pernas, mas um
dos soldados, traspassou-lhe o lado com a lança e imediatamente saiu sangue
e água. (Jo 19:33 e 34). Cumpria-se, desta forma, previsões das Escrituras
de que nenhum osso lhe seria quebrado (Êx 12:46, Nm 9:12 e Sl 34:20), mas
que o seu corpo seria transpassado por uma lança (Zc 12:10).
João interpreta que o cumprimento das Escrituras aconteceu para
demonstrar o abate sacrificial do cordeiro divino, em época especialmente
propícia – dois dias antes da Páscoa –, condição que corrobora ser Jesus o
Cristo aguardado. Deus teria poupado o sofrimento da fratura dos ossos
do Senhor porque o seu corpo estava morto e o seu Espírito já havia sido
entregue ao Criador Supremo (Jo 19:30). O evangelista também considera
que o fato de jorrar água e sangue após a perfuração do corpo de Jesus por
uma lâmina foi mais um indicativo da imolação do cordeiro de Deus, como

325
O Evangelho Redivivo – Livro V

previa os textos sagrados escriturais. Esse ato, realizado aparentemente por


acaso, revestia-se de significado divino, de acordo com a análise do Apóstolo
João: “[...] O sangue [...] testemunha a realidade do sacrifício do cordeiro
imolado para a salvação do mundo [...], e a água, símbolo do Espírito, sua
fecundidade espiritual. [...]”.7
A entrega do espírito ao Pai, por parte do Senhor Jesus, é apresentada, como
ação voluntária, no versículo 30 deste capítulo; e isso também é um dos fatores
da morte aparentemente prematura de Jesus, o que foi um sinal importante no
conceito do autor deste quarto evangelho, visto comprovar o fato de que a morte
de Cristo não ocorrera por acidente, antes, perfeitamente dentro dos planos de
Deus, o que mostra que essa morte tinha desígnios divinos. Essa ocorrência
serviu, igualmente, para confirmar o caráter messiânico de Jesus, em sua morte,
pois até nesse ponto ele cumpriu as exigências próprias de sua missão.8

33.2 O SEPULTAMENTO (JO 19:38 A 42)9


38
Depois, José de Arimateia, que era discípulo de Jesus, mas secretamente, por
medo dos judeus, pediu a Pilatos que lhe permitisse retirar o corpo de Jesus.
Pilatos o permitiu. Vieram, então, e retiraram seu corpo. 39Nicodemos, aquele
que anteriormente procurara Jesus à noite, também veio, trazendo cerca de
cem libras de uma mistura de mirra e aloés. 40Eles tomaram então o corpo
de Jesus e o envolveram em panos de linho com os aromas, como os judeus
costumam sepultar. 41Havia um jardim, no lugar onde ele fora crucificado e,
no jardim, um sepulcro novo, no qual ninguém fora ainda colocado. 42Ali,
então, por causa da Preparação dos judeus e porque o sepulcro estava perto,
eles depositaram Jesus.

José de Arimateia e Nicodemos eram respeitáveis membros do Sinédrio


que gozavam de privilegiada situação financeira. Admiravam Jesus, a
despeito do Senhor ter sido condenado pela maioria dos membros do
tribunal superior do Judaísmo. Daí José de Arimateia ter pedido a Pilatos
lhe entregasse o corpo do Mestre Nazareno para o sepultamento, segundo
a tradição do povo de Israel. Para melhor compreender a ação de ambos,
apresentamos, em seguida, alguns traços biográficos deles:
» José de Arimateia “(Arimateia – modificação latina e grega da
palavra Ramah, “altura”): nome da cidade onde morava o homem
rico que foi pedir a Pilatos o corpo de Jesus para ser sepultado no
seu jazido novo, aberto em rocha”.10 Desconhece-se, atualmente,
o local onde essa cidade estava situada, possivelmente pertencia
à Samaria.10 Em termos históricos, sabe-se que José de Arimateia
era um “[...] membro do Sinédrio, homem de honrosa posição e

326
TEMA 33 – O GOLPE DE LANÇA. O SEPULTAMENTO (JO 19:31 A 42)

que esperava pelo Reino de Deus (Mc 15:43). Esse homem não
teve parte na condenação de Jesus porque era seu discípulo, ainda
que secretamente como Nicodemos, que por medo não confessava
publicamente. [...]”.11
Irmão X transmite outras informações complementares:
José de Arimateia, distinto cavalheiro de Jerusalém, não era um amigo de
Jesus, à última hora. Efetivamente, não podia aceitar, de pronto, as Verdades
evangélicas e nem se comprometer com a nova doutrina. Ligado a inte-
resses políticos e raciais, continuava atento às tradições judaicas, embora
observasse carinhosamente o apostolado divino. Sabia orientar-se com
elegância e defendia o Nazareno, aparando acusações gratuitas. Impossível
considerar Jesus mistificador. Conhecia-lhe, de perto, as ações generosas.
Visitara Cafarnaum e Betsaida, reiteradas vezes e, dono de um coração
bem formado, condoía-se da sorte dos pobrezinhos. Em muitas ocasiões,
examinara possíveis modificações do sistema de trabalho para beneficiar os
trabalhadores da gleba. Afligia-o observar criancinhas desprotegidas e nuas,
ao longo das casinholas humildes dos pescadores. Por isso, a presença do
Messias Nazareno, em derredor das águas, confortava-lhe o espírito sensí-
vel e bondoso, porque Jesus sabia inspirar confiança e despertar alegria no
ânimo popular. Não podia segui-lo na posição de apóstolo, mas estimava-o,
sinceramente, na qualidade de amigo fiel.
Admirador desassombrado, José não suportava a tentação de apresentá-lo
aos amigos prestigiosos e influentes. Não era o propósito propagandístico
em sentido inferior que o animava em semelhantes impulsos. Desejava,
no fundo, que todos conhecessem o Mestre e o amassem, tanto quanto ele
mesmo.12

» Nicodemos (no grego, “conquistador do povo”) – Era “[...] fariseu e


membro do Sinédrio. Convencido pelos milagres que Jesus realiza-
va, de que o Mestre de Nazaré tinha vindo de Deus, procurou uma
entrevista com ele, porém fê-la à noite para escapar à observação
dos companheiros ou talvez por ser mais conveniente”.13 Tudo indica
que Nicodemos era dedicado estudioso dos textos sagrados, um
doutor da lei. Jesus esclareceu-lhe a respeito do nascer de novo e
do Amor de Deus ao mundo que, deu o seu Filho Unigênito para
que todo aquele que acreditasse n’Ele tivesse vida eterna. Consta
que Nicodemos contribuiu com o sepultamento de Jesus doando
uma composição de 100 libras de mirra e aloés, e que teria auxiliado
preparar o corpo para o sepultamento (Jo 19:29 a 40).13
O Espírito Amélia Rodrigues traz interessantes informes biográficos
e do caráter de Nicodemos:

327
O Evangelho Redivivo – Livro V

Setenta eram os doutores da Lei, escolhidos em Israel entre os letrados e os


de ascendência nobre.
Nicodemos era um dos mais jovens entre os respeitáveis mestres, que desfru-
tavam o privilégio de ocuparem a alta Corte do Sinédrio. Fariseu, além de ser
doutor da Lei, era chefe dos judeus.
Sequioso da verdade, não se contentava com as velhas fórmulas da exegese
religiosa e sentia, depois daqueles tormentosos séculos em que Israel se vira
privada de revelações, que algo de estranho e grandioso pairava no ar.
De caráter nobre, era severo na interpretação da Lei e zeloso no cumprimento
dos deveres.
Sentia que em todo lugar havia ânsia incontida de renovação.
[...]
Ouvira falar de João, o pregador itinerante do Jordão, mas receara ir vê-lo.
[...]
Soubera de Jesus.
O Messias, de Quem ouvia falar, parecia atraí-lo vigorosamente.
Tivera contato com muitos daqueles que o conheciam, beneficiários de Seu
socorro.
Fora informado do conteúdo novo e revigorador dos Seus discursos.
Aguardava, desde há muito, alguém que possuísse os evidentes sinais de co-
ragem e equilíbrio, do destemor e discernimento como um excelente filho de
Deus para conduzir o povo sofrido de Israel e esclarecer as mentes apanagiadas
pelo rigorismo da aplicação da Lei ou ludibriadas pela usurpação dos bens
de órfãos e viúvas, trocados por falsas orações, em criminosas maquinações
às quais se entregavam.
Ela estava em Jerusalém...
Ia recebe-lO e ouvi-lO-ia.14

Vemos assim, como e porque dois notáveis membros do Sinédrio


cuidaram do funeral de Jesus, de conformidade com os registros de João
(19:40 a 42): Eles tomaram então o corpo de Jesus e o envolveram em panos
de linho com os aromas, como os judeus costumam sepultar. Havia um jardim,
no lugar onde ele fora crucificado e, no jardim, um sepulcro novo, no qual
ninguém fora ainda colocado. Ali, então, por causa da Preparação dos judeus
e porque o sepulcro estava perto, eles depositaram Jesus.
O evangelista não fornece maiores detalhes a respeito do sepulta-
mento de Jesus, informa apenas que, depois da autorização de Pilatos
para remover o corpo de Jesus da cruz e sepultá-lo, José de Arimateia e
Nicodemos forneceram todos os recursos necessários a um funeral de
acordo com a tradição do Judaísmo: o corpo do Senhor foi preparado,

328
TEMA 33 – O GOLPE DE LANÇA. O SEPULTAMENTO (JO 19:31 A 42)

envolvido em tiras de panos embebidas em perfumes e extratos de ervas


aromáticas, como mirra e aloés (v. 39), que neutralizam os maus odores,
naturais da decomposição orgânica:
Quando os israelitas preparavam um morto para o sepultamento não tinham
em mente a preservação dele. Mas desejavam que se decompusesse o mais
lentamente possível. Envolviam-no em panos e colocavam junto grandes quan-
tidades de perfumes e especiarias, para neutralizar os odores da decomposição.
Além disso, ainda depositavam especiarias ao lado do corpo. Na Antiguidade
era costume fazerem-se visitas periódicas ao túmulo. No primeiro ano após a
more. Talvez fosse por isso que colocavam tantos perfumes.
A qualidade desses perfumes variava muito de acordo com as posses da
­família. [...]
José de Arimateia e Nicodemos, os homens que se encarregaram do sepulta-
mento de Jesus eram abastados e providenciaram um sepultamento caro para o
Messias. Eles colocaram junto ao seu corpo cerca de 3 Kg de mirra e aloés. [...].15

A Mirra é uma planta de nome científico Balsamodendron myrrha,


que libera uma substância aromática, no hebraico conhecida como mor,
e no grego como smyrna. O extrato aromático dessa planta era misturado
ao óleo, formando um unguento utilizado para ungir o corpo de pessoas,
vivas ou mortas, ou para perfumar as vestes e as roupas de cama. A mirra
foi oferecida pelos magos do Oriente a Jesus quando do seu nascimento.
Existe também a suposição de que o vinho oferecido a Jesus na cruz, quan-
do Ele teve sede, estava misturado com mirra, usada com a finalidade de
amortecer as dores do sacrifício. A mirra é também utilizada na forma de
incenso para aromatizar ambientes.16
As Aloés forneciam “[...] muitos dos perfumes extraídos de flores e de
outras plantas. Era tirado de uma planta da família do lírio, e normalmente
misturado à mirra. Uma forma de fazer perfume era mergulhar a flor em
gordura quente”.16 Há diferentes espécies de aloés, identificadas cientifica-
mente pelo nome de Aquilaria agallocha. São árvores grandes, cuja madeira
produz uma “[...] resina e óleo essencial que dão o perfume que a tornam
tão estimada no oriente”. 17
A infame morte de Jesus, tão valorizada, apregoada, dramatizada e
lembrada pela história do Cristianismo não deixa de ser um contrassenso,
pois Ele a venceu na sua gloriosa Ressureição, fazendo-nos repetir a inda-
gação, sempre presente, de Paulo de Tarso: Onde está, ó morte, a tua vitória?
Onde está, ó morte, o teu aguilhão? (1Cr 15:55 e 56). Eis as considerações
espíritas que Cairbar Schutel faz a respeito:

329
O Evangelho Redivivo – Livro V

A morte de Jesus é a primícia de um fenômeno transcendental que devia servir


de base inamovível à sua Religião: a Ressurreição.
Encarando-a sob esse prisma, novos horizontes se dilatam às nossas vistas,
aclara-se a nossa compreensão sobre o motivo da vida terrestre, surgem na
alma atribulada grandes consolações e esperanças, e, em vez de temer a mor-
te, aguardá-la-emos calmos, com a certeza de que ela nada leva do nosso Eu,
mas afeta unicamente a roupagem carnal de que nos revestimos para efetuar
um trabalho de evolução e de benefício em prol daqueles que necessitam da
nossa presença objetiva no mundo material, como, também, um trabalho de
perfeição da nossa própria individualidade.
Conhecida a pessoa, testemunhada a morte, verificado o óbito, constatada a
ressurreição, quem duvidará da sobrevivência, da imortalidade?
O escopo de Jesus consistiu justamente nisso: deixar-se matar para demons-
trar que a morte não anula o ser, não destrói a individualidade, não extingue
o espírito, que é a causa dominante imorredoura, que teve princípio, porém
não terá fim, pois é infinito pelos séculos dos séculos.
Encarada por essa forma, a morte de Jesus tem grande alcance espiritual; não
só espiritual, como também material e moral. Encarando-a de outra forma,
nenhum valor tem, porque supliciados, torturados e mortos injustamente têm
sido muitos heróis, muitos dignitários da Ciência e da Religião. Entretanto,
nenhum deles soube orientar a sua morte como Jesus, dando-lhe a verdadeira
significação, confirmada pelos fenômenos da Ressurreição que o Mestre, com
singular sabedoria, demonstrou, não só aos seus discípulos, como a inúmeras
pessoas que com Ele privaram e ainda a outras que o conheceram ligeiramente.
[...]
Concluímos afirmando mais uma vez que a Doutrina de Jesus não se funda
na morte do Senhor, que é obra do “espírito da ignorância”, do “espírito das
trevas”, mas sim na sua vida, na sua palavra, nos seus exemplos, nos seus
prodígios, na sua ressurreição.
O Espírito do Cristianismo é vida, sabedoria, amor, poder.18

REFERÊNCIAS
1 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Sábado, p. 1.074.
2 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Sepulcro, p. 1.139 e 1.140.
3 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Sinédrio, p. 1.163.
4 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.

330
TEMA 33 – O GOLPE DE LANÇA. O SEPULTAMENTO (JO 19:31 A 42)

ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 19:31-37, p. 1.891 e 1.892.
5 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por ver-
sículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 19:31, p. 823.
6 CARSON, D. A.; et al. Comentário bíblico: vida nova. Trad. Carlos E. S. Lopes;
et al. 1. ed. reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2009. cap. 19:17-37, p. 1.597.
7 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 19:34. Nota de rodapé “k”, p. 1.891.
8 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 19:31,
p. 823 e 824.
9 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 19:38-42, p. 1.892.
10 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Arimateia, p. 111.
11 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: José, it. 11, p. 706.
12 XAVIER, Francisco Cândido. Lázaro redivivo. Pelo Espírito Irmão X. 13. ed.
4. imp. Brasília, DF: FEB, 2020. cap. 20 – Ouvindo o Mestre.
13 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Nicodemos, p. 875.
14 FRANCO, Divaldo Pereira. Primícias do reino. Pelo Espírito Amélia Rodrigues.
8. ed. Salvador, BA: LEAL, 2001. cap. 4, p. 68 a 70.
15 COLEMAN, William L. Manual dos tempos e costumes bíblicos. Trad. Miriam
Talitha Lins. 2. ed. Curitiba, PR: Editora Betânia, 2017. cap. 23, it. Panos de
linho e especiarias, p. 307 e 308.
16 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Mirra, p. 827.
17 DAVIS, John. Novo dicionário da bíblia. Ampl. e atual. Trad. J. R. Carvalho
Braga. São Paulo: Hagnos, 2005. verbete: Aloés, p. 59.
18 SCHUTEL, Cairbar. O espírito do cristianismo. 8. ed. Matão, SP: Casa Editora
O Clarim, 2001. cap. 43 – A morte de Jesus, p. 244 e 245.

331
O Evangelho Redivivo – Livro V

TEMA 34

O SEPULCRO ENCONTRADO
VAZIO. APARIÇÃO A MARIA
MADALENA. APARIÇÕES AOS
DISCÍPULOS. A PRIMEIRA
CONCLUSÃO (JO 20:1 A 31)

Os três primeiros assuntos dessa passagem evangélica (v. 1 a 31) re-


ferem-se à sobrevivência do Espírito após a morte do corpo físico, cujo
entendimento ainda é escasso, senão confuso, em significativa parcela da
humanidade terrestre. O quarto assunto (v. 30 e 31) manifesta a profunda
convicção do evangelista de Jesus ser o Cristo de Deus, o Messias Celestial
aguardado pelos judeus.
A Ciência e ideologias materialistas negam a possibilidade da imortali-
dade do Espírito, declarando que a vida cessa com a morte do corpo físico,
ideias que caminham em sentido contrário à espiritualização e moralização
do ser humano:
Pela crença no nada o homem concentra, forçosamente, todos os seus
pensamentos na vida presente. Não faria sentido, é lógico, preocupar-se
com um futuro do qual nada se espera. Esta preocupação exclusiva do
presente leva o homem naturalmente a pensar em si, de preferência a
tudo; é, pois, o mais poderoso estimulante do egoísmo, e o incrédulo é
coerente consigo mesmo quando chega à seguinte conclusão: gozemos
enquanto estamos aqui; gozemos o mais possível, pois com a morte tudo
se acaba; gozemos depressa, porque não sabemos por quanto tempo
estaremos vivos. [...].1

As religiões e filosofias espiritualistas que, em princípio, poderiam


contribuir com esclarecimentos mais efetivos, não só se perdem nas mani-
festações dos simbolismos ritualísticos, como atentam contra o princípio
natural que todo ser humano traz consigo, institivamente, que é a ideia de
individualidade e imortalidade da alma:

332
TEMA 34 – O SEPULCRO ENCONTRADO VAZIO. (JO 20:1 A 31)

Além do fato de que esses sistemas não satisfazem nem a razão nem as as-
pirações do homem, deles decorrem, como se vê, dificuldades insuperáveis,
pois são impotentes para resolver de fato todas as questões que levantam. O
homem tem, pois, três alternativas: o nada, a absorção, ou a individualidade
da alma antes e depois da morte. É para esta última crença que a lógica nos
impele irresistivelmente, crença que tem formado a base de todas as religiões
desde que o mundo existe.2

Em termos históricos, a constituição das igrejas cristãs foi uma exce-


lente ideia, pois visava congregar adeptos que se dedicavam à prática da
caridade, ao estudo e a difusão dos ensinamentos de Jesus, cultivando uma
moral elevada de amor a Deus e ao próximo (At 1:12 a 14; 2:37 a 47; 4:32 a
35). Entretanto, com o passar do tempo, as igrejas cristãs afastaram-se dos
propósitos originais, transformando-se em instituições hierarquizadas, cujas
atividades pastorais, ainda hoje, são expressas sob forma de rituais, mais ou
menos complexos. Mudanças que se revelaram como desfavorável quando
se considera o apego aos cultos externos e ignorância quanto ao verdadeiro
significado espiritual da mensagem do Evangelho.
Nessas condições, o cristão não encontra respostas satisfatórias que
o esclareça, por exemplo, a respeito da continuidade da vida na dimensão
extrafísica e como será a sua vida no Além-Túmulo. Há interpretações re-
ligiosas que afirmam, inclusive, que morto o corpo, o Espírito se integra a
um todo universal (ideia denominada panteísmo), o que não deixa de ser
uma condição desoladora: a pessoa perde a individualidade e a vida, em si
mesma, pois deixa de existir. Neste aspecto, as concepções teológicas cristãs
avançaram um pouco mais, ao afirmarem que a individualidade do ser é
preservada após a morte do corpo. Contudo a situação pós-morte não é
também animadora: o Espírito estaria condenado a viver eternamente no
céu, no inferno ou no purgatório, por decisão do tribunal divino (da igreja,
na verdade), que considera os atos que ele realizou ao logo da existência
física. E mais: os Espíritos que não praticaram o mal nem fizeram o bem,
como acontece em geral com as crianças, seriam encaminhados a um local
denominado “nimbo”. Trata-se de decisões trágicas, pois o infrator das Leis
Divinas não tem chance de reparar os erros cometidos.
Há ainda interpretações de igrejas cristãs que defendem a tese de que,
com a morte do corpo físico, o Espírito ficaria dormindo, permanecendo
no Além em um estado semelhante ao de hibernação, e que, no final dos
tempos, acordaria no mesmo corpo que tivera antes da morte, mesmo que
este estivesse totalmente desintegrado pela ação do tempo.

333
O Evangelho Redivivo – Livro V

O Espiritismo ensina que o Espírito prossegue em sua jornada evolutiva


na dimensão espiritual, jamais perde a sua individualidade, revestindo-se
de um corpo semimaterial, o perispírito na outra realidade da vida, mas
que retorna à vida corporal pela reencarnação, quantas vezes se fizerem
necessárias, a fim de reparar erros cometidos e progredir pela aquisição de
aprendizados intelectuais e morais:
Todas as religiões admitiram igualmente o princípio da felicidade ou infeli-
cidade da alma após a morte, ou, por outra, as penas e gozos futuros, que se
resumem na doutrina do céu e do inferno encontrada em toda parte. Porém,
no que elas diferem essencialmente, é quanto à natureza dessas penas e gozos,
principalmente sobre as condições determinantes de umas e de outras. Daí
os pontos de fé contraditórios dando origem a cultos diferentes, e os deveres
particulares impostos por estes para honrar a Deus e, por esse meio, ganhar
o céu e evitar o inferno.3

À medida que o indivíduo adquire conhecimentos, intelectuais e


morais, surge a satisfação generalizada contra os princípios religiosos e
teológicos de céu e inferno, respectivamente, a moradia eterna dos Espíritos
muito bons e dos muito maus. O purgatório está destinado à maioria da
Humanidade. Mas o simples fato de a pessoa não poder reparar os seus er-
ros, ou de não poder evoluir, já dificulta o entendimento do assunto, como
Allan Kardec pondera:
[...] Convenhamos que o quadro inventado pelas religiões, sobre o assunto, é
pouco sedutor e nada tem de consolador.
Senão, vejamos. De um lado, contorções de condenados a expiarem em tor-
turas e chamas eternas os erros de uma vida efêmera e passageira. Os séculos
sucedem-se aos séculos, sem qualquer perspectiva de abrandamento das
penas, sem qualquer piedade; e, o que é mais atroz ainda, o arrependimento
não tem nenhum proveito para eles. De outro lado, as almas combalidas e
atormentadas do purgatório aguardam a sua libertação mediante a interces-
são dos vivos, que orarão ou farão que orem por elas, e não dos esforços que
fizerem para progredir.
Estas duas categorias compõem a imensa maioria da população de
­Além-Túmulo. Acima delas paira a limitada classe dos eleitos, gozando, por
toda a eternidade, da beatitude contemplativa. Esta inutilidade eterna, pre-
ferível sem dúvida ao nada, não deixa de ser de fastidiosa monotonia. [...]
Este estado não satisfaz nem as aspirações, nem a ideia instintiva de progresso,
única que parece compatível com a felicidade absoluta. [...].4

As orientações espíritas a respeito da destinação da alma após a


morte do corpo físico, da preservação da sua individualidade, da reen-
carnação e da Lei de Causa e Efeito, entre outras, nos parecem mais

334
TEMA 34 – O SEPULCRO ENCONTRADO VAZIO. (JO 20:1 A 31)

coerentes com a ideia de que se tem de Deus, Pai e Criador Supremo,


ensinada por Jesus:
A Doutrina Espírita modifica completamente a maneira de encarar o futuro.
A vida futura deixa de ser uma hipótese para ser realidade. O estado das almas
depois da morte não é mais um sistema, porém o resultado da observação.
Ergueu-se o véu; o mundo espiritual aparece-nos na plenitude de sua reali-
dade prática; não foram os homens que o descobriram pelo esforço de uma
concepção engenhosa, são os próprios habitantes desse mundo que nos vêm
descrever a sua situação. Aí os vemos em todos os graus da escala espiritual,
em todas as fases da felicidade e da infelicidade, assistindo, enfim, a todas as
peripécias da vida de Além-Túmulo. É por isso que os espíritas encaram a
morte calmamente e se mostram serenos nos seus últimos momentos sobre
a Terra. Já não é apenas a esperança que os conforta, mas a certeza; sabem
que a vida futura é a continuação da vida presente em melhores condições
e aguardam-na com a mesma confiança com que aguardariam o nascer do
Sol após uma noite de tempestade. Os motivos dessa confiança decorrem dos
fatos testemunhados e da concordância desses fatos com a lógica, a justiça e a
bondade de Deus, correspondendo às íntimas aspirações do homem.5

E mais:
Para os espíritas, a alma não é mais uma abstração; tem um corpo etéreo, que
dela faz um ser definido, capaz de ser concebido pelo pensamento, o que já é
muito para fixar as ideias sobre a sua individualidade, aptidões e percepções.
[...].6

As aparições de Jesus após a morte do seu corpo físico serviram tam-


bém para comprovar que o Espírito é eterno, imortal. Que a vida continua
plena e ativa na dimensão espiritual, enquanto o corpo, ao contrário, é
perecível, representando apenas uma das inúmeras vestimentas utilizadas
pelo Espírito nas diferentes reencarnações:
Jesus, portanto, se mostrou com o seu corpo perispirítico, o que explica que só
tenha sido visto pelos que Ele quis que o vissem. Se estivesse com o seu corpo
carnal, todos o veriam, como quando estava vivo [encarnado]. Ignorando
a causa primeira do fenômeno das aparições, seus discípulos não se davam
conta dessas particularidades que, provavelmente, não lhes mereciam qual-
quer atenção. Já que viam o Mestre e o tocavam, para eles aquele era o corpo
ressuscitado de Jesus.7

34.1 O SEPULCRO ENCONTRADO VAZIO (JO 20:1 A 10)8


1
No primeiro dia da semana, Maria Madalena vai ao sepulcro, de madrugada,
quando ainda estava escuro, e vê que a pedra fora retirada do sepulcro. 2Corre
então e vai a Simão Pedro e ao outro discípulo, que Jesus amava, e lhes diz:

335
O Evangelho Redivivo – Livro V

“Retiraram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o colocaram”. 3Pedro saiu,


então, com o outro discípulo e se dirigiram ao sepulcro. 4Os dois corriam jun-
tos, mas o outro discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou primeiro
ao sepulcro. 5Inclinando-se, viu as faixas de linho por terra, mas não entrou.
6
Então, chega também Simão Pedro, que o seguia, e entra no sepulcro; vê as
faixas de linho por terra 7e o sudário que cobrira a cabeça de Jesus. O sudário
não estava com os panos de linho no chão, mas enrolado em um lugar à parte.
8
Então, entrou também o outro discípulo que chegara primeiro ao sepulcro: e
viu e creu. 9Pois ainda não tinham compreendido que, conforme a Escritura,
ele devia ressuscitar dos mortos. 10Os discípulos, então, voltaram para casa.

Esta passagem evangélica refere-se ao domingo em que se comemorava


a Páscoa dos judeus (v. 1: No primeiro dia da semana). Lembrando que a
crucificação e o sepultamento de Jesus ocorreram na sexta-feira, denomi-
nado Dia da Preparação, assunto que foi esclarecido nos Temas 31 e 33,
estudados anteriormente. Posteriormente, a partir da constatação de que o
corpo de Jesus havia desaparecido, as igrejas cristãs definiram o domingo
como “o dia do Senhor”.9
Com a morte de Jesus, o estado de ânimo dos discípulos era péssimo:
sofriam muito e não conseguiam compreender o porquê de o Senhor ter sido
condenado e crucificado. A respeito, Humberto de Campos transmite-nos
algumas considerações:
Dois dias eram passados sobre o doloroso drama do Calvário, em cuja cruz
de inominável martírio se sacrificara o Mestre, pelo bem de todos os homens.
Penosa situação de dúvida reinava dentro da pequena comunidade dos
­discípulos. Quase todos haviam vacilado na hora extrema. O raciocínio frágil
do homem lutava por compreender a finalidade daquele sacrifício. Não era
Jesus o poderoso Filho de Deus que consolara os tristes, ressuscitara mortos,
sarara enfermos de doenças incuráveis? Por que não conjurara a traição de
Judas com as suas forças sobrenaturais? Por que se humilhara assim, sangrando
de dor, nas ruas de Jerusalém, submetendo-se ao ridículo e à zombaria? Então,
o Emissário do Pai Celestial deveria ser crucificado entre dois ladrões?!
Enquanto essas questões eram examinadas, de boca em boca, a lembrança
do Messias ficava relegada a plano inferior, olvidada a sua exemplificação e a
grandeza dos seus ensinamentos. O barco da fé não soçobrara inteiramente,
porque ali estavam as lágrimas do coração materno, trespassado de amarguras.
O Messias redivivo, porém, observava a incompreensão de seus discípulos,
como o pastor que contempla o seu rebanho desarvorado. Desejava fazer
ouvida a sua palavra divina, dentro dos corações atormentados; mas só a
fé ardente e o ardente amor conseguem vencer os abismos de sombra entre
a Terra e o Céu. E todos os companheiros se deixavam abater pelas ideias
negativas.10

336
TEMA 34 – O SEPULCRO ENCONTRADO VAZIO. (JO 20:1 A 31)

Imagine, porém, a surpresa dos apóstolos com a notícia de que Maria


de Madalena lhes trazia de ter encontrado o sepulcro vazio, que a pedra
do sepulcro foi removida e que corpo de Jesus tinha sido retirado dali (v. 1 e 2).
De imediato, Pedro e João correm até o local e constatam que o corpo
desaparecera, que as faixas de linho e o sudário que envolviam o corpo
de Jesus estavam no chão (v. 3 a 7). Perplexos, percebem, nesse momento,
que Jesus ressuscitou (v. 8), como Ele anteriormente anunciara, em mais
de uma ocasião, e que, também, fora previsto pelas Escrituras (v. 9). Essas e
outras informações do evangelista são sucintas quando comparadas às dos
Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, que apresentam outros detalhes, as
quais, na verdade, se complementam. Destacamos as seguintes diferenças:
1) “Mateus e Marcos registram a visita de diversas mulheres ao se-
pulcro, no fim da tarde do dia de sábado ou no começo da noite,
que o evangelho de João não historia. (Ver Mc 16:1 e Mt 28:1-4.)
[...]”.11
2) “Os evangelhos sinópticos mencionam o fato de diversas mulhe-
res terem vindo ao sepulcro: Maria de Madalena, Maria, mãe de
Tiago, Salomé e Joana (esta última por adição do evangelho de
Lucas, em Lc 24:10). [...]”.12
3) “Somente o evangelho de João registra a história da corrida de
­Pedro e João até o túmulo vazio (ver Jo 20:3 a 10), embora o texto
de Lucas, 24:12 [...] mostre conhecimento dessa tradição ­histórica.
[...]”.13
Emmanuel destaca, a propósito, a importância da lição que representa
a visita de Maria Madalena ao túmulo de Jesus:
De madrugada14
E no primeiro dia da semana Maria Madalena foi ao sepulcro, de madruga-
da, sendo ainda escuro, e viu a pedra removida do sepulcro. (João, 20:1.)
Não devemos esquecer a circunstância em que Maria de Magdala recebe a
primeira mensagem da ressurreição do Mestre.
No seio de perturbações e desalentos da pequena comunidade, a grande
convertida não perde tempo em lamentações estéreis nem procura o sono
do esquecimento.
Os companheiros haviam quebrado o padrão de confiança. Entre o re-
morso da própria defecção e a amargura pelo sacrifício do Salvador, cuja
lição sublime ainda não conseguiam apreender, confundiam-se em atitudes
negativas. Pensamentos contraditórios e angustiados azorragavam-lhes
os corações.

337
O Evangelho Redivivo – Livro V

Madalena, contudo, rompe o véu de emoções dolorosas que lhe embarga os


passos. É imprescindível não sucumbir sob os fardos, transformando-os, acima
de tudo, em elemento básico na construção espiritual, e Maria resolve não se
acovardar, ante a dor. Porque o Cristo fora imolado na cruz, não seria lícito
condenar-lhe a memória bem-amada ao olvido ou à indiferença.
Vigilante, atenta a si mesma, antes de qualquer satisfação a velhos convencio-
nalismos, vai ao encontro do grande obstáculo que se constituía do sepulcro,
muito cedo, precedendo o despertar dos próprios amigos, e encontra a radiante
resposta da Vida Eterna.
Rememorando esse acontecimento simbólico, recordemos nossas antigas
quedas, por havermos esquecido o “primeiro dia da semana”, trocando, em
todas as ocasiões, o “mais cedo” pelo “mais tarde”.

34.2 APARIÇÃO A MARIA MADALENA (JO 20:11 A 18)15


11
Maria estava junto ao sepulcro, de fora, chorando. Enquanto chorava, in-
clinou-se para o interior do sepulcro 12e viu dois anjos, vestidos de branco,
sentados no lugar onde o corpo de Jesus fora colocado, um à cabeceira e outro
aos pés. 13Disseram-lhe então: “Mulher, por que choras?” Ela lhes diz: “Porque
levaram meu Senhor e não sei onde o puseram!” 14Dizendo isso, voltou-se e
viu Jesus de pé. Mas não sabia que era Jesus. 15Jesus lhe diz: “Mulher, por que
choras? A quem procuras?” Pensando ser ele o jardineiro, ela lhe diz: “Senhor,
se foste tu que o levaste, dize-me onde o puseste e eu o irei buscar!” 16Diz-lhe
Jesus: “Maria!” Voltando-se, ela lhe diz em hebraico: “Rabbuni!”, que quer dizer
“Mestre”. 17Jesus lhe diz-lhes: “Não me toques, pois ainda não subi ao Pai. Vai,
porém, a meus irmãos e dize-lhes: Subo a meu Pai e vosso Pai; a meu Deus e
vosso Deus”. 18Maria Madalena foi anunciar aos discípulos: “Vi o Senhor”, e
as coisas que ele lhe disse.

Maria de Magdala retorna mais tarde ao sepulcro de Jesus, sobretudo


quando surgira a esperança da Ressurreição do Mestre amado. Emocionada,
derrama lágrimas de ansiedade na expectativa de rever o Senhor, e, ao olhar
para dentro do túmulo, depara com a visão de dois anjos, sentados no lu-
gar onde Jesus fora colocado (v. 11 e 12). Um anjo aparece-lhe e pergunta
por que ela chorava, recebendo a resposta de que era porque alguém tinha
levado o corpo de Jesus e ela não sabia para onde (v. 13). Em seguida, Jesus
aparece-lhe, mas ela não o reconhece, e, supondo ser o jardineiro, per-
gunta-lhe se foi ele quem levou o corpo de Jesus (v. 14 e 15). Jesus, então,
faz-se reconhecido e exclama: Maria! (v. 16). Quando Maria o reconhece,
responde-lhe em hebraico: Rabunni! – palavra que significa Mestre, porém,
é “tratamento mais solene do que Rabi e, muitas vezes, usado quando se
dirige a Deus. [...]”.16 Ato contínuo, Jesus pede para não ser tocado, pois ainda

338
TEMA 34 – O SEPULCRO ENCONTRADO VAZIO. (JO 20:1 A 31)

não havia subido ao Pai (v. 17) e recomenda-lhe ir aos discípulos anunciar
que ela tinha visto o Senhor (v. 18).
Três grandes lições destacam-se nesse relato de João, que devem me-
recem a nossa atenção, pois refletem a inexperiência dos cristãos em rela-
ção ao Cristo ressuscitado, que, ainda hoje, mantém uma certa fixação no
Calvário e na Crucificação. A primeira lição a ser apreendida é que Maria de
Madalena “[...] procurava o Cristo morto, que ela não pode encontrá-lo, pois
Ele não estava morto, e, sim, vivo. Muitos têm caído nesse mesmo equívoco,
resultando em vastas perdas para eles mesmos. [...]”.17 A segunda, demons-
tra que ainda temos dificuldades de caminhar até o Cristo: “[...] apesar de
todas as suas buscas, Maria de Madalena não se chegou ao Cristo, mas foi
Jesus quem a encontrou. Essa também é uma experiência comum. [...]”.17
Por último, “[...] apesar de o buscar com todo o seu ser, Maria Madalena
não reconheceu o Cristo quando o viu. [...]. Por semelhante modo, isso é o
que sucede conosco, com frequência. [...]”.17
Prossigamos sempre com Jesus, por maiores sejam os obstáculos e
desafios que a caminhada evolutiva interponha em nosso caminho, como
bem nos recorda Neio Lúcio:
Com Jesus, todavia, é diferente.
No túmulo de Nosso Senhor, não há sinal de cinzas humanas.
Nem pedrarias, nem mármores de preço, com frases que indiquem, ali, a
presença da carne e do sangue.
Quando os apóstolos visitaram o sepulcro, na gloriosa manhã da Ressurreição,
não havia aí nem luto, nem tristeza.
Lá encontraram um mensageiro do reino espiritual que lhes afirmou: “Não
está aqui”.
E o túmulo está aberto e vazio, há quase [mais de] dois mil anos.
Seguindo, pois, com Jesus, através da luta de cada dia, jamais encontraremos
a angústia da morte e, sim, a vida incessante.
No caminho de notáveis orientadores do mundo poderemos encontrar formo-
sos espetáculos da glória passageira; contudo, é muito difícil não terminarmos
a experiência em desilusão e poeira.
Somente Jesus oferece estrada invariável para a Ressurreição Divina.
Quem se desenvolve, portanto, com o exemplo e com a palavra do Mestre,
trabalhando por revelar bondade e luz, em si mesmo, desde as lutas e ensina-
mentos do mundo, pode ser considerado cidadão celeste.18

Retornemos a Humberto de Campos que conosco compartilha as suas


luminosas pesquisas, extraídas dos arquivos imortais do Plano Espiritual:

339
O Evangelho Redivivo – Livro V

– Maria!...
Ela se supôs admoestada pelo jardineiro; mas, em breves instantes reconhecia
a voz inesquecível do Mestre e lhe contemplava o inolvidável sorriso. Quis
atirar-se-lhe aos pés, beijar-lhe as mãos num suave transporte de afetos, como
fazia nas pregações do Tiberíades; porém, com um gesto de soberana ternura,
Jesus a afastou, esclarecendo:
– Não me toques, pois ainda não fui a meu Pai que está nos céus!...
Instintivamente, a Madalena se ajoelhou e recebeu o olhar do Mestre, num
transbordamento de lágrimas de inexcedível ventura. Era a promessa de Jesus
que se cumpria. A realidade da ressurreição era a essência divina, que manteria
eternidade ao Cristianismo.
A mensagem da alegria ressoou, então, na comunidade inteira. Jesus ressusci-
tara! O Evangelho era a verdade imutável. Em todos os corações pairava uma
divina embriaguez de luz e júbilos celestiais. Levantava-se a fé, renovava-se
o amor, morrera a dúvida e reerguera-se o ânimo em todos os espíritos. Na
amplitude da vibração amorosa, outros olhos puderam vê-lo e outros ouvi-
dos lhe escutaram a voz dulçorosa e persuasiva, como nos dias gloriosos de
Jerusalém ou de Cafarnaum.
Desde essa hora, a família cristã se movimentou no mundo, para nunca mais
esquecer o exemplo do Messias.
A luz da ressurreição, através da fé ardente e do ardente amor de Maria
Madalena, havia banhado de claridade imensa a estrada cristã, para todos os
séculos terrestres.19

34.3 APARIÇÕES AOS DISCÍPULOS. A PRIMEIRA


CONCLUSÃO (JO 20:19 A 31)20
À tarde desse mesmo dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas
19

onde se achavam os discípulos, por medo dos judeus, Jesus veio e, pondo-se no
meio deles, lhes disse: “A paz esteja convosco!” 20Tendo dito isso, mostrou-lhes
as mãos e o lado. Os discípulos, então, ficaram cheios de alegria por verem
o Senhor. 21Ele lhes disse de novo: “A paz esteja convosco! Como o Pai me
enviou, também eu vos envio”. 22Dizendo isso, soprou sobre eles e lhes disse:
“Recebei o Espírito Santo. 23Aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão
perdoados; aqueles aos quais retiverdes ser-lhes-ão retidos”. 24Um dos Doze,
Tomé, chamado Dídimo, não estava com eles, quando veio Jesus. 25Os outros
discípulos, então, lhe disseram: “Vimos o Senhor!” Mas ele lhes disse: “Se eu
não vir em suas mãos o lugar dos cravos e se não puser meu dedo no lugar dos
cravos e minha mão ao seu lado, não crerei”. 26Oito dias depois, achavam-se
os discípulos, de novo, dentro de casa, e Tomé com eles. Jesus veio, estando as
portas fechadas, pôs-se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco!” 27Disse
depois a Tomé: “Põe teu dedo aqui e vê minhas mãos! Estende tua mão e

340
TEMA 34 – O SEPULCRO ENCONTRADO VAZIO. (JO 20:1 A 31)

põe-na no meu lado e não sejas incrédulo, mas crê!” 28Respondeu-lhe Tomé:
“Meu Senhor e meu Deus!” 29Jesus lhe disse: “Porque viste, creste. Felizes os
que não viram e creram!” 30Jesus fez ainda, diante de seus discípulos, muitos
outros sinais, que não se acham escritos neste livro. 31Esses, porém, foram
escritos para crerdes que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo,
tenhais vida em seu nome.

No fechamento deste estudo, temos o registro de alguns acontecimentos


notáveis relacionados à Ressurreição de Jesus, caracterizados pelo apareci-
mento do Mestre Nazareno aos discípulos. O evangelista enfatiza, ao final
(v. 30 e 31), que Jesus realizou muitos outros sinais, sobretudo diante dos
seus discípulos, os quais extrapolam os registros do quarto evangelho. Estes
sinais, somados aos ensinamentos e conduta do Mestre Nazareno revelaram
um fato incontestável: Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo,
tenhais vida em seu nome. (Jo 20:31).
Allan Kardec assim se pronuncia a respeito:
Todos os evangelistas narram as aparições de Jesus, após sua morte, com
detalhes circunstanciados que não permitem se duvide da sua realidade. Elas,
aliás, se explicam perfeitamente pelas leis fluídicas e pelas propriedades do
perispírito e não apresentam nada de anômalo em face do fenômeno do mes-
mo gênero, de que a História, antiga e moderna, oferece numerosos exemplos,
sem lhes faltar sequer a tangibilidade. Se notarmos as circunstâncias em que
ocorreram as suas diversas aparições, nele reconheceremos, em tais ocasiões,
todas as características de um ser fluídico. Aparece inopinadamente e do
mesmo modo desaparece; uns o veem, outros não, sob aparências que nem
mesmo os seus discípulos o reconhecem; mostra-se em recintos fechados,
onde um corpo carnal não poderia penetrar; sua própria linguagem não
tem a vivacidade da de um ser corpóreo; fala em tom breve e sentencioso,
peculiar aos Espíritos que se manifestam daquela maneira; todas as suas
atitudes, em suma, denotam alguma coisa que não é do mundo terreno. Sua
presença causa simultaneamente surpresa e medo; ao vê-lo, seus discípulos
não lhe falam com a mesma liberdade de antes; sentem que já não é um
homem [encarnado].21

O relato joanino assinala a aparição de Jesus aos apóstolos, estando


eles em reunião a portas fechadas e a incredulidade de Tomé que, por estar
ausente, não acreditou nas informações dos demais de que o Mestre estivera
com eles (v. 25), a ponto de afirmar: Se eu não vir em suas mãos o lugar
dos cravos e se não puser meu dedo no lugar dos cravos e minha mão no seu
lado, não crerei (v. 26). Esse pronunciamento de Tomé (também chamado
Dídimo), não deixa de ser surpreendente, a ponto de passados oito dias,
o Senhor vir para trazer-lhe a comprovação (v. 26 a 27): Oito dias depois,

341
O Evangelho Redivivo – Livro V

achavam-se os discípulos, de novo, dentro de casa, e Tomé com eles. Jesus


veio, estando as portas fechadas, pôs-se no meio deles e disse: A paz esteja
convosco! Disse depois a Tomé: Põe teu dedo aqui e vê minhas mãos! Estende
tua mão e põe-na no meu lado e não sejas incrédulo, mas crê! Tal aconteci-
mento mereceu a seguinte admoestação de Jesus relacionada à descrença
do apóstolo, que exigiu provas para crer: Jesus lhe disse: Porque viste, creste.
Felizes os que não viram e creram! (v. 29).
Infelizmente, o mundo está repleto de “tomés”: por mais honrados e
legítimos sejam os testemunhos ou evidências comprobatórias, há pessoas
prisioneiras de pontos de vista ou movidas por um intelectualismo vaidoso
que negam os fatos mais evidentes. Entretanto, tudo isto é questão de tempo,
de aprendizado intelectual e moral. Chegará o dia em que as pessoas estarão
mais esclarecidas, em que a Ciência e a Religião estabelecerão vínculos pela
construção de pontes mútuo de entendimento.
Bittencourt Sampaio faz as seguintes considerações:
O pensamento do Divino Mestre aplica-se aos homens da época, que, sem as
exigências da incredulidade de Tomé e sem terem acolhido, como os apósto-
los, a aparição de Jesus, creram em sua Ressureição. Só pelas palavras que Ele
pronunciara, pelos atos que praticara na Terra e pelo testemunho daqueles
que o viram ressuscitado.
[...]
São ainda suas palavras um ensinamento sobretudo para a era nova que começa
e em que a fé e a ciência têm de apoiar-se uma na outra – a razão clareando
os caminhos.
A fé esclarecida, sólida, inabalável, se obtém não só pelo que podem perceber
materialmente os olhos do corpo, mas pelo que percebem os olhos do Espírito,
com auxílio do estudo, do exame aprofundado e suficiente, do duplo ponto
de vista, teórico e experimental, do Espiritismo, que é, em si e como Lei da
Natureza, a comunicação do mundo espiritual com o mundo corporal –;
estudo e exame feitos com respeito e amor ao Criador, sem prevenção, sem
ideias preconcebidas, antes com humildade, desinteresse, moralidade e a
experiência que o homem precisa adquirir, sem outro móvel que o amor da
Humanidade, o desejo ardente do progresso pessoal e coletivo, por meio da
luz, da ciência da verdade.22

Amélia Rodrigues analisa também que


Tomé era vítima da cegueira mais grave: a da alma, que dilacera o coração. O
cego dos olhos pode imaginar e conceber na mente, mas o cego de espírito
nega-se a pensar, sequer, na remota possibilidade de algo existir ou acontecer,
conforme se narrava.23

342
TEMA 34 – O SEPULCRO ENCONTRADO VAZIO. (JO 20:1 A 31)

A benfeitora complementa:
O primeiro, às vezes, nega, porque não visualiza, mas o outro não pretende
enxergar, nega-se a ver.
O mundo está repleto de cegos do espírito, aqueles que apalpam e apertam
as coisas, que abarcam as posses, que se comprazem com o vinho do prazer
espúrio que se lhes corre nas veias e artérias do sentimento.
Há também a cegueira dos néscios e dos que se jactam de sábios, dos esbirros
dos poderosos e dos que se apresentam como tal, e que se enganam em relação
à precariedade das suas forças... Há, ainda, os insolentes e astutos que se acre-
ditam portadores de recursos que se lhe escasseiam, dos soberbos e fátuos que
a tudo negam, quando lhes convém acreditar, ou simplesmente não desejam
que se caracterize pela realidade.
Sobejam religiosos hipócritas, literatos presunçosos, artistas embriagados pela
fantasia, que também são vítimas dessa estranha cegueira, gritando alto a sua
recusa, a sua descrença na ressurreição de Jesus.
Acreditam, isso sim, que o seu corpo foi roubado pelos aturdidos discípulos,
como fora propalado por testemunhas compradas pelo Sinédrio, para evitar
que surgisse o mito do Seu retorno.
Não têm provas e creem. No entanto, o testemunho daqueles que O viram
não lhes é válido.23

Na conclusão do capítulo consta o seguinte relato de João (20:30 e 31),


que enfatiza a missão messiânica de Jesus: Jesus fez ainda, diante de seus
discípulos, muitos outros sinais, que não se acham escritos neste livro. Esses,
porém, foram escritos para crerdes que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para
que, crendo, tenhais vida em seu nome. Amélia Rodrigues assim se expressa
a respeito, endossando as palavras do evangelista:
Jesus é único!
Incomparável, ninguém se Lhe assemelhava em candura, em sabedoria, em
majestade, em renúncia...
O Seu é o hino majestoso e de encorajamento para os anseios do coração e as
aspirações do pensamento.
[...]
Não fundou qualquer doutrina, nada exigiu, aparecendo como se fosse uma
brisa perfumada em manhã de Sol, amenizando o calor e esparzindo harmo-
nia. Só apresenta uma recomendação: o amor indistinto a Deus, ao próximo
e a si mesmo...
Alterou, porém, os conteúdos da Sociologia, da Metafísica, da Ética, da
Filosofia, tornando a Sua uma Doutrina total, que explica os segredos da vida
através de um autoconhecimento incomum e de uma revelação invulgar sobre
todos os fenômenos existenciais.24

343
O Evangelho Redivivo – Livro V

REFERÊNCIAS
1 KARDEC, Allan. O céu e o inferno. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2.
imp. Brasília, DF: FEB, 2019. 1ª pt., cap. 1, it. 2.
2 KARDEC, Allan. O céu e o inferno. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2.
imp. Brasília, DF: FEB, 2019. 1ª pt., cap. 1, it. 10.
3 KARDEC, Allan. O céu e o inferno. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2.
imp. Brasília, DF: FEB, 2019. 1ª pt., cap. 1, it. 11.
4 KARDEC, Allan. O céu e o inferno. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2.
imp. Brasília, DF: FEB, 2019. 1ª pt., cap. 2, it. 6.
5 KARDEC, Allan. O céu e o inferno. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2.
imp. Brasília, DF: FEB, 2019. 1ª pt., cap. 2, it. 10.
6 KARDEC, Allan. O céu e o inferno. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2.
imp. Brasília, DF: FEB, 2019. 1ª pt., cap. 2, it. 10.
7 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2. imp. Brasília,
DF: FEB, 2019. cap. 15, it. 61.
8 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 20:1-10, p. 1.892.
9 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 20:1. Nota de rodapé “e”, p. 1.892.
10 XAVIER, Francisco Cândido. Boa nova. Pelo Espírito Humberto de Campos.
37. ed. 15. imp. Brasília, DF: FEB: 2020. cap. 22 – A mulher e a ressurreição.
11 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 20, it.
10 A ressurreição e os aparecimentos de Jesus – 20:1-25, n. 1, p. 830.
12 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 20, it.
10 A ressurreição e os aparecimentos de Jesus – 20:1-25, n. 2, p. 831.
13 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 20, it.
10 A ressurreição e os aparecimentos de Jesus – 20:1-25, n. 3, p. 831.
14 XAVIER, Francisco Cândido. Pão nosso. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1.
imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 168.
15 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.

344
TEMA 34 – O SEPULCRO ENCONTRADO VAZIO. (JO 20:1 A 31)

ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 20:11-18, p. 1.892 e 1.893.
16 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 20:16. Nota de rodapé “b”, p. 1.893.
17 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 20, it.
10 A ressurreição e os aparecimentos de Jesus – 20:11, p. 837.
18 XAVIER, Francisco Cândido. Alvorada cristã. Pelo Espírito Neio Lúcio. 5. ed.
Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 1 – Sigamos Jesus.
19 XAVIER, Francisco Cândido. Boa nova. Pelo Espírito Humberto de Campos.
37. ed. 15. imp. Brasília, DF: FEB: 2020. cap. 22 – A mulher e a ressurreição.
20 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 20:19-31, p. 1.893 e 1.894.
21 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2. imp. Brasília,
DF: FEB, 2019. cap. 15, it. 61.
22 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XX, p. 502 e 503.
23 FRANCO, Divaldo Pereira. A mensagem do amor imortal. Pelo Espírito Amélia
Rodrigues. 2. ed. Salvador, BA: LEAL, 2015. cap. 21, p. 150.
24 FRANCO, Divaldo Pereira. ...Até o fim dos tempos. Pelo Espírito Amélia
Rodrigues. 4. ed. Salvador, BA: LEAL, 2015. ...Até o fim dos tempos [introdu-
ção], p. 8 e 9.

345
O Evangelho Redivivo – Livro V

TEMA 35

EPÍLOGO. APARIÇÃO À MARGEM


DO LAGO DE TIBERÍADES.
CONCLUSÃO (JO 21:1 A 25)

O último capítulo do Evangelho segundo João apresenta um epílogo, que


faz referência a três assuntos: a última aparição de Jesus aos discípulos, uma
pescaria que passou à História como milagrosa, seguida de breve refeição
de despedida do Senhor, fatos ocorridos às margens do Lago de Tiberíades,
também conhecido como Mar da Galileia. No texto joanino, consta também
uma conclusão, na qual o evangelista dá testemunho de tudo o que escreveu
a respeito do Messias Divino.
João faz correlação dessa última pescaria com o convite proferido por
Jesus, quando da formação do colégio apostolar: Vinde após mim, e eu vos
farei pescadores de homens (Mt 4:19), sendo que na atual passagem evangé-
lica, como também consta em Lucas, 5:10, João entende que a significativa
quantidade de peixes pescados representa os futuros discípulos de Jesus,
quando as lições do Evangelho se espalhem pelo mundo.1
Este relato funde dois episódios primitivamente distintos: uma pesca miraculo-
sa (cf., como sendo Lc 5:4-10) e uma refeição pós-pascal (cf., Lc 24:41-43), que
o v. 10 se esforça em ligar. Nos v. 1 e 14, o verbo “manifestar”, dito de Cristo, é
termo técnico herdado das tradições judaicas, para significar a manifestação
de Cristo enquanto tal [...], para as aparições de Cristo ressuscitado. [...] Isso
poderia ser indício de que, nas tradições joaninas, a pesca miraculosa estava
na origem de acontecimentos relativos ao início do ministério de Jesus, como
[afirma] Lucas.2

Para conhecimento, destacamos outro ponto relevante no estudo do


capítulo 21 do quarto evangelho que merece ser assinalado: há quem conteste
autenticidade a este registro, afirmando que não foi escrito pelo evangelista,
tendo como base algumas divergências linguísticas e de estilo presentes
no texto. Segundo tais estudiosos, o quarto evangelho se encerraria com o
aparecimento de Jesus a Tomé (Jo 20:26 a 29), todavia não existe consenso

346
TEMA 35 – EPÍLOGO. APARIÇÃO À MARGEM DO LAGO DE TIBERÍADES. CONCLUSÃO (JO 21:1 A 25)

entre tais estudiosos: para uns, o Epílogo foi escrito, efetivamente, por João,
ainda que se identifique, aqui e acolá, divergências redacionais, consideradas
irrelevantes à exclusão do texto evangélico; outros supõem que o capítulo
21 foi um acréscimo de um provável discípulo do evangelista, fato cuja
veracidade não há como comprovar; finalmente, há quem defenda a tese
de que o capítulo, o Epílogo, teria sido escrito por um autor inteiramente
diferente, talvez com o intuito de incluir as outras aparições de Jesus na
Galileia, declaração que se reduz a simples suposição.3
Bittencourt Sampaio faz as seguintes ponderações a respeito das
­alegações dos que negam a autoria do Epílogo a João:
Não obstante, porém, os argumentos da sofisticada impugnação, as melhores
razões existem para lhe aceitar a autenticidade, já pelo estilo da narração, já
pela tradição permanente, como nos seria fácil provar, se o nosso fim não fosse
unicamente apreciar, interpretando-os em espírito e em verdade, os fatos que
o evangelista relata.4

35.1 APARIÇÃO À MARGEM DO LAGO DE


TIBERÍADES (JO 21:1 A 23)5
1
Depois disso, Jesus manifestou-se novamente aos discípulos, às margens do
mar de Tiberíades. Manifestou-se assim: 2Estavam juntos Simão Pedro e Tomé,
chamado Dídimo, Natanael, que era de Caná da Galileia, os filhos de Zebedeu
e dois outros de seus discípulos. 3Simão Pedro lhes disse: “Vou pescar”. Eles lhe
disseram: “Vamos nós também contigo”. Saíram e subiram ao barco e, naquela
noite, nada apanharam. 4Já amanhecera. Jesus estava de pé, na praia, mas os
discípulos não sabiam que era Jesus. 5Então Jesus lhes disse: “Jovens, acaso tendes
algum peixe?” Responderam-lhe: “Não!” 6Disse-lhes: “Lançai a rede à direita
do barco e achareis”. Lançaram, então, e já não tinham força para puxá-la, por
causa da quantidade de peixes. 7Aquele discípulo que Jesus amava disse então
a Pedro: “É o Senhor!” Simão Pedro, ouvindo dizer “É o Senhor!”, vestiu sua
roupa – porque estava nu – e atirou-se ao mar. 8Os outros discípulos, que não
estavam longe da terra, mas cerca de duzentos côvados, vieram com o barco,
arrastando a rede com os peixes. 9Quando saltaram em terra, viram brasas
acesas, tendo por cima peixe e pão. 10Jesus lhes disse: “Trazei alguns dos peixes
que apanhastes”. 11Simão Pedro subiu então ao barco e arrastou para a terra a
rede, cheia de cento e cinquenta e três peixes grandes; e apesar de serem tantos, a
rede não se rompeu. 12Disse-lhes Jesus: “Vinde comer!” Nenhum dos discípulos
ousava perguntar-lhe: “Quem és tu?”, porque sabiam que era o Senhor. 13Jesus
aproxima-se, toma o pão e o distribui entre eles; e faz o mesmo com o peixe.
14
Foi esta a terceira vez que Jesus se manifestou aos discípulos, depois de res-
suscitado dos mortos. 15Depois de comerem, Jesus disse a Simão Pedro: “Simão,

347
O Evangelho Redivivo – Livro V

filho de João, tu me amas mais do que estes”? Ele lhe respondeu: “Sim, Senhor,
tu sabes que te amo”. Jesus lhe disse: “Apascenta os meus cordeiros”. 16Segunda
vez disse-lhe: “Simão, filho de João, tu me amas?” – “Sim, Senhor”, disse ele, “tu
sabes que te amo”. Disse-lhe Jesus: “Apascenta as minhas ovelhas”. 17Pela terceira
vez disse-lhe: “Simão, filho de João, tu me amas?” ­Entristeceu-se Pedro porque
pela terceira vez lhe perguntara “Tu me amas?” e lhe disse: “Senhor, tu sabes
tudo; tu sabes que te amo”. Jesus lhe disse: “Apascenta as minhas ovelhas. 18Em
verdade, em verdade, te digo: quando eras jovem, tu te cingias e andavas por
onde querias; quando fores velho, estenderás as mãos e outro te cingirá e te
conduzirá aonde não queres”. 19Disse isso para indicar com que espécie de morte
Pedro daria glória a Deus. Tendo falado assim, disse-lhe: “Segue-me”. 20Pedro,
voltando-se, viu que o seguia o discípulo que Jesus amava, aquele que, na Ceia,
se reclinara sobre seu peito e perguntara: “Senhor, quem é que te vai entregar?”
21
Pedro, vendo-o, disse a Jesus: “Senhor, e ele?” 22Jesus lhe disse: “Se eu quero
que ele permaneça até que eu venha, que te importa? Quanto a ti, segue-me”.
23
Divulgou-se, então, entre os irmãos, a notícia de que aquele discípulo não
morreria. Jesus, porém, não disse que ele não morreria, mas: “Se quero que ele
permaneça até que eu venha, que te importa?”

Os quatro evangelistas, Mateus, Marcos, Lucas e João, apresentam detalhes


mais ou menos extensos a respeito das aparições de Jesus imediatamente após
a Ressurreição. Lucas faz referências complementares em Atos dos apóstolos,
e Paulo em carta remetida aos coríntios. A partir dessas informações, nos foi
possível construir uma possível cronologia, que pode ser assim resumida:
» Primeira aparição: descoberta do sepulcro vazio por Maria
Madalena e, possivelmente, outras mulheres, entre elas Joana de
Cusa e Maria de Cléofas, no dia seguinte à crucificação, ou seja, na
manhã do Domingo de Páscoa (Mt 28:1; Mc 16:1; Jo 20:1). Maria
Madalena avisa a Pedro e a João que o corpo de Jesus desaparece-
ra (Jo 20:2). No mesmo dia, mais tarde, quando Maria Madalena
retorna ao sepulcro, Jesus aparece a ela (Jo 20:11 a 18);
» Segunda aparição: Jesus aparece a algumas mulheres quando
elas retornam para casa, depois de terem se despedido de Maria
Madalena (Mt 28:9);
» Terceira aparição: Jesus manifesta-se a dois discípulos – um deles
de nome Cléofas, segundo Lucas (24:18) – na estrada de Emaús
(24:13 a 30), possivelmente três dias após a Crucificação;
» Quarta aparição: Jesus aparece a dez apóstolos que se achavam
reunidos a portas fechadas (Jo 20:19 a 21). Tomé encontrava-se
ausente (Jo 20:24);

348
TEMA 35 – EPÍLOGO. APARIÇÃO À MARGEM DO LAGO DE TIBERÍADES. CONCLUSÃO (JO 21:1 A 25)

» Quinta aparição: após oito dias desse encontro, Jesus aparece aos
apóstolos, inclusive a Tomé que se encontrava presente. Nessa
ocasião, o Senhor mostra ao apóstolo incrédulo as marcas da
­crucificação (Jo 20:26 a 29);
» Sexta aparição: o Senhor aparece a Simão Pedro (Lc 24:34; 1 Cor 15:5);
» Sétima aparição: Jesus manifesta-se aos onze apóstolos que se
encontravam reunidos com os dois discípulos que viajaram para
Emaús com o Senhor (Lc 24:33 a 40);
» Oitava aparição: Jesus instrui os apóstolos a viajarem à Galileia
(Mt 28:10; Mc 6:7). Chegando ao local indicado, o Senhor apare-
ce-lhes às margens do Lago de Genesaré, também denominado
Lago Tiberíades ou Mar da Galileia, onde estabelece significativo
diálogo com Pedro (Jo 21:1 a 23);
» Nona aparição: Jesus aparece a uma multidão de seguidores, co-
nhecidos como os 500 da Galileia. Essa aparição foi relatada por
Paulo de Tarso (1 Cor. 15:6);
» Décima aparição: Jesus aparece a Tiago, possivelmente Tiago
Boanerges ou Tiago, o Maior, irmão de João, segundo relato de
Paulo (1 Cor 15:7);
» Décima primeira aparição: Jesus é visto por onze discípulos no
“topo de uma montanha na Galileia”, considerando-se o relato de
Mateus (28:16 a 20);
» Décima segunda aparição: o Senhor instrui os apóstolos a se dirigirem a
Betânia, onde os abençoa, e, em seguida, se eleva ao Céu (Lc 24:50 e 51;
At 1:1 a 11). Antes de abençoá-los e elevar-se ao Céu, Jesus transmite-lhes
a instrução final de que deveriam permanecer em Jerusalém, acrescen-
tando: Eis que eu vos enviarei sobre vós o que meu Pai prometeu. Por isso,
permanecei na cidade até serdes revestidos da força do Alto. (Lc 24:49).
É provável que essa cronologia esteja incompleta, sobretudo no que
diz respeito à sequência dos acontecimentos ou, até mesmo entender que
algumas aparições poderiam ser fundidas em uma só. Tais fatos, porém, não
nos parecem importantes, pois a ideia é citar as principais manifestações do
Senhor, imediatamente após a Ressurreição, tendo como base as informações
dos autores do Novo Testamento, principalmente quando se considera o
seguinte relato de Lucas, descrito em Atos dos apóstolos, 1:3, que anuncia
ter Jesus aparecido durante quarenta dias consecutivos:

349
O Evangelho Redivivo – Livro V

Fiz meu primeiro relato, ó Teófilo, a respeito de todas as coisas que Jesus fez e en-
sinou desde o começo, até o dia em que foi arrebatado ao Céu, depois de ter dado
instruções aos apóstolos que escolhera sob a ação do Espírito Santo. Ainda a eles
apresentou-se vivo depois de sua paixão, com muitas provas incontestáveis: du-
rante quarenta dias apareceu-lhes e lhes falou do que concerne ao Reino de Deus.6

Passados os tempos da Ressurreição e da Ascensão, Jesus continua


aparecer aos discípulos, porém de forma mais ocasional, como indicam os
seguintes textos:
» A Estêvão, durante o seu apedrejamento (At 7:55 a 60);
» A Paulo de Tarso: a) na estrada para Damasco, quando da sua
conversão (At 9:3 a 8); b) em Corinto (At 18:9 e 10); no Templo
de Jerusalém (At 22:17 a 21) e, mais tarde, outra vez em Jerusalém,
antes do apóstolo da gentilidade viajar para Roma (At 23:11);
» A João Evangelista, em Patmos, quando da transmissão do
Apocalipse (1:9 a 20).
O texto de João, ora em estudo, apresenta duas ordens de ideias: a primeira
refere-se à oitava aparição do Senhor às margens do Tiberíades (v. 1), estando
presentes os Apóstolos Simão Pedro, Tomé, Natanael, os filhos de Zebedeu (João
e Tiago – os irmãos Boanerges) e mais dois outros discípulos (v. 1 e 2), não no-
meados no texto evangélico, que para ali se dirigiram para pescar. Porém, após
uma noite, não conseguiram capturar um peixe sequer (v. 3 e 4). Pela manhã,
Jesus aparece na praia e pergunta-lhes se tinham algum peixe (v. 5). Ante a
resposta negativa, o Senhor os instrui a “lançar a rede à direita do barco, pois ali
encontrariam peixes”. Assim procederam e pescaram uma grande quantidade
de peixes (v. 6), sendo necessário um esforço extra dos discípulos para arrastar a
rede (v. 7). Até esse momento, os apóstolos ainda não tinham reconhecido Jesus.
João, porém, teve um vislumbre intuitivo de que era Jesus que ali se encontrava
com eles (v. 8). Quando conseguiram atracar o barco e arrastar a rede, encontram
o Senhor ao redor de uma fogueira onde Ele assava peixe e pão (v. 9).
A segunda ordem de ideias do registro joanino refere-se ao colóquio
entre Jesus e Pedro, no qual o apóstolo declara o seu irrestrito amor ao
Senhor. Este, por sua vez, pede a Pedro para apascentar as suas ovelhas
(v. 15 ao 17), faz referência ao gênero de morte a qual o dedicado apóstolo seria
submetido (v. 18 e 19) e pede-lhe, por duas vezes: “Segue-me”! (v. 20 a 22).
As aparições de Jesus eram perfeitas, a ponto de compartilhar com os
discípulos atividades comuns, como ingerir alimentos, ainda que, no início

350
TEMA 35 – EPÍLOGO. APARIÇÃO À MARGEM DO LAGO DE TIBERÍADES. CONCLUSÃO (JO 21:1 A 25)

da tangibilidade do Mestre, os discípulos não o reconheciam de imediato,


o que é muito natural, esclarece Bittencourt Sampaio:
A presença de Jesus ressuscitado impressionava sempre vivamente [...] tinham, em
seu conjunto, de servir àquela época e ao futuro, até os nossos dias, preparando a base,
os elementos e os meios da revelação, predita e prometida do Espírito da Verdade.7

Os seguintes esclarecimentos de O livro dos médiuns complementam


as explicações a respeito do assunto:
As aparições propriamente ditas ocorrem quando o vidente se acha em
estado de vigília e no gozo de plena e inteira liberdade das suas faculdades.
Apresentam-se, em geral, sob uma forma vaporosa e diáfana, às vezes vaga e
imprecisa, inicialmente como uma claridade esbranquiçada, cujos contornos
pouco a pouco se vão delineando. De outras vezes as formas se mostram
claramente acentuadas, distinguindo-se os menores traços da fisionomia,
a ponto de se poder descrevê-las com precisão. As maneiras, o aspecto, são
semelhantes ao que tinha o Espírito quando encarnado.
Podendo tomar todas as aparências, o Espírito se apresenta sob aquela que
melhor nos faça reconhecê-lo, se tal é o seu desejo. [...].8

Os apóstolos passaram a noite inteira na tentativa de pescar algum pei-


xe, mas nada conseguiram. Retornam à praia, e um aparente desconhecido
orienta-os a lançar a rede à direita do barco. Sem refletir muito a respeito,
assim procedem e pescam uma grande quantidade de peixes, apresentan-
do-se dificuldades para arrastarem a rede. Tal episódio revela significativo
ensinamento espiritual, assim interpretado por Emmanuel:
Caminhos retos9
E Ele lhes disse: Lançai a rede para a banda
direita do barco e achareis. (João, 21:6.)
A vida deveria constituir, por parte de todos nós, rigorosa observância dos
sagrados interesses de Deus.
Frequentemente, porém, a criatura busca sobrepor-se aos desígnios divinos.
Estabelece-se, então, o desequilíbrio, porque ninguém enganará a Divina Lei.
E o homem sofre, compulsoriamente, na tarefa de reparação.
Alguns companheiros desesperam-se no bom combate pela perfeição própria
e lançam-se num verdadeiro inferno de sombras interiores. Queixam-se do
destino, acusam a sabedoria criadora, gesticulam nos abismos da maldade,
esquecendo o capricho e a imprevidência que os fizeram cair.
Jesus, no entanto, há quase vinte séculos, exclamou:
“Lançai a rede para a banda direita do barco e achareis.”
Figuradamente, o espírito humano é um “pescador” dos valores evolutivos, na
escola regeneradora da Terra. A posição de cada qual é o “barco”. Em cada novo

351
O Evangelho Redivivo – Livro V

dia, o homem se levanta com a sua “rede” de interesses. Estaremos lançando


a nossa “rede” para a “banda direita”? Fundam-se nossos pensamentos e atos
sobre a verdadeira justiça?
Convém consultar a vida interior, em esforço diário, porque o Cristo, nesse
ensinamento, recomendava, de modo geral, aos seus discípulos: Dedicai vossa
atenção aos caminhos retos e achareis o necessário.

Após o lançamento da rede para a banda direita do barco, a pescaria


foi exitosa, passando-se à História como milagrosa: “[...] tão grande era a
multidão de peixes, [que] João, não podendo atribuir esse fato miraculoso
senão a Jesus, disse a Pedro: – ‘É o Senhor’ (v. 7). O mesmo pensamento
tiveram todos, quando a rede foi arrastada para terra com cento e cin-
quenta e três peixes [...]”10. Na sequência do relato evangélico, os apóstolos
encontram Jesus assando um peixe e um pão em pequena fogueira, eles
guardavam a expectativa que fosse o Senhor, após o anúncio de João,
mas só tiveram certeza, quando Jesus procede assim: Jesus aproxima-se,
toma o pão e o distribui entre eles; e faz o mesmo com o peixe. (v. 13). João
afirma que essa foi a terceira vez que ele se manifesta aos discípulos, após
a Ressurreição (v. 14), fato que não deixa de suscitar dúvidas, quando se
consideram os textos dos demais evangelistas. Ou, talvez, João faça referên-
cia à cronologia de aparição do Mestre apenas aos discípulos. Não se sabe.
Devido às suas qualidades excepcionais, Jesus visualizou onde existiam
peixes em abundância no Lago de Genesaré/Tiberíades, pelos fluidos natu-
ralmente emanados. Em seguida, atraiu-os por efeito da força magnética,
como interpreta Bittencourt Sampaio:
Sua vista não era obscurecida pela carne como a nossa; seu olhar penetrava no
seio das águas. Espírito, sempre Espírito, seu corpo perispirítico deixando-lhe
intacta e inteira a vista espiritual, o Divino Mestre viu os fluidos que traziam
certas espécies de peixes e, por efeito da sua vontade poderosa, fez vir, pela
ação magnética, para as águas onde estava a barca, aqueles fluidos e, portanto,
os peixes que por eles eram conduzidos.
Não houve, pois, como não podia haver, derrogação das Leis Naturais e Divinas,
que são imutáveis em toda a eternidade.11

Allan Kardec também concorda que a pesca milagrosa nada tem de


excepcional, quando se conhecem os efeitos da dupla vista:
Estes fatos nada apresentam de surpreendente para quem conheça o poder da
dupla vista e a causa, muito natural, dessa faculdade. Jesus a possuía em grau
supremo e pode-se dizer que ela constituía o seu estado normal, conforme o
atesta grande número de atos da sua vida e o que explicam hoje os fenômenos
magnéticos e o Espiritismo.

352
TEMA 35 – EPÍLOGO. APARIÇÃO À MARGEM DO LAGO DE TIBERÍADES. CONCLUSÃO (JO 21:1 A 25)

A pesca qualificada de miraculosa igualmente se explica pela dupla vista.


Jesus não produziu peixes de modo espontâneo onde não os havia; Ele viu,
com a vista da alma, como teria podido fazê-lo um lúcido vígil, o lugar onde
se achavam os peixes e disse com segurança aos pescadores que lançassem
as suas redes.12

Após a refeição, consta em João (21:15 a 18) que Jesus perguntou a Simão
Pedro, por três vezes: Simão, tu me amas? E, após a resposta positiva de Pedro,
de que o amava, Jesus acrescenta: Apascenta as minhas ovelhas. Trata-se de
uma passagem evangélica que surpreende a muitos, considerando que Jesus
sabia, de antemão, que Pedro o amava. Emmanuel esclarece a respeito:
Amas o bastante?13
Perguntou-lhe terceira vez: Simão, filho
de Jonas, amas-me? (João, 21:17.)
Aos aprendizes menos avisados é estranhável que Jesus houvesse indagado do
apóstolo, por três vezes, quanto à segurança de seu amor. O próprio Simão
Pedro, ouvindo a interrogação repetida, entristecera-se, supondo que o Mestre
suspeitasse de seus sentimentos mais íntimos.
Contudo, o ensinamento é mais profundo.
Naquele instante, confiava-lhe Jesus o ministério da cooperação nos ser-
viços redentores. O pescador de Cafarnaum ia contribuir na elevação de
seus tutelados do mundo, ia apostolizar, alcançando valores novos para a
vida eterna.
Muito significativa, portanto, a pergunta do Senhor nesse particular. Jesus
não pede informação ao discípulo, com respeito aos raciocínios que lhe eram
peculiares, não deseja inteirar-se dos conhecimentos do colaborador, relati-
vamente a Ele, não reclama compromisso formal. Pretende saber apenas se
Pedro o ama, deixando perceber que, com o amor, as demais dificuldades se
resolvem. Se o discípulo possui suficiente provisão dessa essência divina, a
tarefa mais dura converte-se em apostolado de bênçãos promissoras.
É imperioso, desse modo, reconhecer que as tuas conquistas intelectuais va-
lem muito, que tuas indagações são louváveis, mas em verdade somente serás
efetivo e eficiente cooperador do Cristo se tiveres amor.

A missão de Pedro, levar o Evangelho a diferentes pessoas, seria marca-


da, acima de tudo, por muito amor. Somente o irrestrito amor do admirável
apóstolo lhe concederia as forças para suportar e superar todos os desafios
da jornada que se iniciaria em breve tempo. Somente o amor lhe daria
condições para apascentar as ovelhas do rebanho do Messias Celestial. O
apóstolo passaria por dolorosas provações, seria perseguido até o final da
existência, vindo a ser morto por crucificação (v. 18), mas estando ele de
cabeça para baixo:

353
O Evangelho Redivivo – Livro V

Ao se deixar ser crucificado de cabeça para baixo, Pedro lega à Humanidade


um importante simbolismo, qual seja o de que ali morre o homem, para
surgir o Espírito iluminado, diferentemente da crucificação de Jesus,
de cabeça para cima, na qual se ergue de volta aos páramos celestiais o
Espírito puro.
Só mesmo uma vida de dedicação integral a Jesus poderia dar sustentação
moral às palavras: “O amor cobre a multidão de pecados” (cf. I Pedro, 4:8).14

Ao final do diálogo com Pedro, acompanhado atentamente pelos demais


apóstolos, Jesus despede-se, mas antes de ir de vez, exclama: “­Segue-me”.
Pedro se preocupa se a orientação caberia também a outro apóstolo. Jesus,
contudo, faz ver que cada um responderá por si mesmo (v. 19 e 22). Eis o
que Emmanuel tem a nos ensinar a respeito:
Segue-me tu15
Disse-lhe Jesus: Se eu quero que ele fique até que eu venha,
que te importa a ti? Segue-me tu. (João, 21:22.)
Nas comunidades de trabalho cristão, muitas vezes observamos companheiros
altamente preocupados com a tarefa conferida a outros irmãos de luta.
É justo examinar, entretanto, como se elevaria o mundo se cada homem cui-
dasse de sua parte, nos deveres comuns, com perfeição e sinceridade.
Algum de nossos amigos foi convocado para obrigações diferentes?
Confortemo-lo com a legítima compreensão.
Às vezes, surge um deles, modificado ao nosso olhar. Há cooperadores
que o acusam. Muitos o consideram portador de perigosas tentações.
­Movimentam-se comentários e julgamentos à pressa. Quem penetrará, po-
rém, o campo das causas? Estaríamos na elevada condição daquele que pode
analisar um acontecimento, através de todos os ângulos? Talvez o que pareça
queda ou defecção pode constituir novas resoluções de Jesus, relativamente à
redenção do amigo que parece agora distante.
O Bom Pastor permanece vigilante. Prometeu que das ovelhas que o Pai lhe
confiou nenhuma se perderá.
Convém, desse modo, atendermos com perfeição aos deveres que nos
foram deferidos. Cada qual necessita conhecer as obrigações que lhe são
próprias.
Nesse padrão de conhecimento e atitude, há sempre muito trabalho nobre a
realizar.
Se um irmão parece desviado aos teus olhos mortais, faze o possível por
ouvir as palavras de Jesus ao pescador de Cafarnaum: “Que te importa a ti?
Segue-me tu.”

354
TEMA 35 – EPÍLOGO. APARIÇÃO À MARGEM DO LAGO DE TIBERÍADES. CONCLUSÃO (JO 21:1 A 25)

35.2 CONCLUSÃO (JO 21:24 E 25)16


Este é o discípulo que dá testemunho dessas coisas e foi quem as escreveu; e
24

sabemos que o seu testemunho é verdadeiro. 25Há, porém, muitas outras coisas
que Jesus fez e que, se fossem escritas uma por uma, creio que o mundo não
poderia conter os livros que se escreveriam.

No fechamento do capítulo 21 do Evangelho segundo João, o evan-


gelista insere uma conclusão que é o testemunho da veracidade de tudo
que escreveu e presenciou junto ao Mestre Nazareno, o Guia e Modelo
da humanidade terrestre. Entretanto, reconhecemos que, por mais que
os quatro autores dos textos evangélicos se tenham esforçado para relatar
os acontecimentos relacionados ao Cristo, nem tudo foi registrado, como
recorda Bittencourt Sampaio:
Todas as aparições, bem como todas as coisas que Jesus fez, não foram relatadas
com pormenores pelos evangelistas, mas somente aquelas que eram necessárias
aos resultados que devia produzir, aos frutos que devia dar – naquela época, e
no futuro – a missão terrestre do Divino Mestre. É o que se infere das últimas
palavras do Evangelista João, no canto [capítulo] antecedente, bem como neste
com que nos ocupamos.
[...]
Assim finaliza o apóstolo do amor a sua Divina Epopeia, que ocupará sempre o
lugar mais elevado entre os livros do Antigo e do Novo Testamentos, como será
sempre o bálsamo mais puro e mais refrigerante para as dores de nossa alma.17

REFERÊNCIAS
1 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 21:11. Nota de rodapé “c”, p. 1.894.
2 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1. ed.
13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo João,
21:1-14. Nota de rodapé “a” – aparição à margem do lago de Tiberíades, p. 1.894.
3 CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por
versículo. v. 2 (Lucas/João). Nova ed. rev. São Paulo: Hagnos, 2014. cap. 21, it.
C – Epílogo, p. 856.
4 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XXI, p. 505.

355
O Evangelho Redivivo – Livro V

5 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da


Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 21:1-23, p. 1.894 e 1.995.
6 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Atos dos apóstolos,
1:1-3, p. 1.900.
7 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XXI, p. 506.
8 KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed.
8. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. 2ª pt., cap. 6, it. 102.
9 XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito
Emmanuel. 1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 21.
10 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XXI, p. 506 e 507.
11 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XXI, p. 507.
12 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2. imp. Brasília,
DF: FEB, 2019. cap. 15, it. 9.
13 XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito
Emmanuel. 1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 97.
14 FRANCO, Divaldo Pereira; ARAÚJO, Denise Lino. Humano, demasiadamen-
te humano: a transformação moral de Pedro. (Leitura de contos do Espírito
Amélia Rodrigues pela psicografia de Divaldo Pereira Franco por Denise
Lino). 1. ed. Salvador, BA: LEAL, 2020. cap. O Soerguimento, p. 129 e 130.
15 XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito
Emmanuel. 1. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 2.
16 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coord. da edição em língua portuguesa: Gilberto da
Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. 1.
ed. 13. imp. Nova ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo
João, 21:24-25, p. 1.895.
17 SAMPAIO, Francisco Leite de Bittencourt. A divina epopeia de João Evangelista.
(Trasladada para versos heroicos). 5. ed. Brasília, DF: FEB, 2003. cap. Notas
ao Canto XXI, p. 512 e 514.

356
O LIVRO ESPÍRITA

Cada livro edificante é porta O livro de regras sociais livra da rudeza


­libertadora. de trato; o livro espírita livra da irres-
ponsabilidade que, muitas vezes, trans-
O livro espírita, entretanto, emanci-
figura o lar em atormentado reduto de
pa a alma nos fundamentos da vida.
sofrimento.
O livro científico livra da incultura; o
O livro de consolo livra da aflição; o
livro espírita livra da crueldade, para
livro espírita livra do êxtase inerte, para
que os louros intelectuais não se des-
que o reconforto não se acomode em
regrem na delinquência.
preguiça.
O livro filosófico livra do preconceito;
O livro de informações livra do atraso;
o livro espírita livra da divagação deli-
o livro espírita livra do tempo perdido,
rante, a fim de que a elucidação não se
a fim de que a hora vazia não nos arras-
converta em palavras inúteis.
te à queda em dívidas escabrosas.
O livro piedoso livra do desespero;
Amparemos o livro respeitável, que é
o livro espírita livra da superstição,
luz de hoje; no entanto, auxiliemos e
para que a fé não se abastarde em
divulguemos, quanto nos seja possível,
­fanatismo.
o livro espírita, que é luz de hoje, ama-
O livro jurídico livra da injustiça; o nhã e sempre.
livro espírita livra da parcialidade, a
O livro nobre livra da ignorância, mas
fim de que o direito não se faça ins-
o livro espírita livra da ignorância e
trumento da opressão.
­livra do mal.
O livro técnico livra da insipiência;
o livro espírita livra da vaidade, para Emmanuel*
que a especialização não seja maneja-
da em prejuízo dos outros.
O livro de agricultura livra do primiti-
* Página recebida pelo médium Francisco
vismo; o livro espírita livra da ambição Cândido Xavier, em reunião pública da
desvairada, a fim de que o trabalho da Comunhão Espírita Cristã, na noite de 25 de fe-
gleba não se envileça. vereiro de 1963, em Uberaba (MG), e transcrita
em Reformador, abr. 1963, p. 9.
O EVANGELHO NO LAR

Quando o ensinamento do Mestre vibra entre quatro paredes de um templo doméstico,


os pequeninos sacrifícios tecem a felicidade comum.*
Quando entendemos a importância do estudo do Evangelho de Jesus, como
diretriz ao aprimoramento moral, compreendemos que o primeiro local para esse
estudo e vivência de seus ensinos é o próprio lar.
É no reduto doméstico, assim como fazia Jesus, no lar que o acolhia, a casa de
­Pedro, que as primeiras lições do Evangelho devem ser lidas, sentidas e vivenciadas.
O espírita compreende que sua missão no mundo principia no reduto doméstico,
em sua casa, por meio do estudo do Evangelho de Jesus no Lar.
Então, como fazer?
Converse com todos que residem com você sobre a importância desse estudo, para
que, em família, possam compreender melhor os ensinamentos cristãos, a partir
de um momento de união fraterna, que se desenvolverá de maneira harmônica
e respeitosa. Explique que as reflexões conjuntas acerca do Evangelho permitirão
manter o ambiente da casa espiritualmente saneado, por meio de sentimentos
e pensamentos elevados, favorecendo a presença e a influência de Mensageiros
do Bem; explique, também, que esse momento facilitará, em sua residência, a
recepção do amparo espiritual, já que auxilia na manutenção de elevado padrão
vibratório no ambiente e em cada um que ali vive.
Convide sua família, quem mora com você, para participar. Se mora sozinho,
defina para você esse momento precioso de estudo e reflexões. Lembre-se de que,
espiritualmente, sempre estamos acompanhados.
Escolha, na semana, um dia e horário em que todos possam estar presentes.
O tempo médio para a realização do Evangelho no Lar costuma ser de trinta
­minutos.

*
XAVIER, Francisco Cândido. Luz no lar. Por Espíritos diversos. 12. ed. 7. imp. Brasília: FEB, 2018. Cap. 1.
As crianças são bem-vindas e, se houver visitantes em casa, eles também podem
ser convidados a participar. Se não forem espíritas, apenas explique a eles a finali-
dade e importância daquele momento.
O seguinte roteiro pode ser utilizado como sugestão:
1. Preparação: leitura de mensagem breve, sem comentários;
2. Início: prece simples e espontânea;
3. Leitura: O evangelho segundo o espiritismo (um ou dois itens, por estudo, des-
de o prefácio);
4. Comentários: breves, com a participação dos presentes, evidenciando o ensi-
no moral aplicado às situações do dia a dia;
5. Vibrações: pela fraternidade, paz e pelo equilíbrio entre os povos; pelos go-
vernantes; pela vivência do Evangelho de Jesus em todos os lares; pelo próprio
lar...
6. Pedidos: por amigos, parentes, pessoas que estão necessitando de ajuda...
7. Encerramento: prece simples, sincera, agradecendo a Deus, a Jesus, aos ami-
gos espirituais.
As seguintes obras podem ser utilizadas nesse momento tão especial:
• O evangelho segundo o espiritismo, como obra básica;
• Caminho, verdade e vida; Pão nosso; Vinha de luz; Fonte viva; Agenda cristã.
Esse momento no lar não se trata de reunião mediúnica e, portanto, qualquer
ideia advinda pela via da intuição deve permanecer como comentário geral, a ser
dito de maneira simples, no momento oportuno.
No estudo do Evangelho de Jesus no Lar, a fé e a perseverança são diretrizes ao
aprimoramento moral de todos os envolvidos.
www.febeditora.com.br

Conselho Editorial:
Jorge Godinho Barreto Nery – Presidente
Geraldo Campetti Sobrinho – Coord. Editorial
Cirne Ferreira de Araújo
Evandro Noleto Bezerra
Maria de Lourdes Pereira de Oliveira
Marta Antunes de Oliveira de Moura
Miriam Lúcia Herrera Masotti Dusi
Produção Editorial:
Elizabete de Jesus Moreira
Revisão:
Mônica Santos
Capa:
Thiago Pereira Campos
Projeto gráfico e diagramação:
Rones José Silvano de Lima – instagram.com/bookebooks_designer
Normalização técnica
Biblioteca de Obras Raras e Documentos Patrimoniais do Livro

Esta edição foi impressa pela Gráfica e Editora Qualytá Ltda., Brasília, DF,
com tiragem de 1 mil exemplares, todos em formato fechado de 170x250 mm
e com mancha de 124x204 mm. Os papéis utilizados foram o Offset 75 g/m²
para o miolo e o Cartão 250 g/m² para a capa. O texto principal foi composto
em Minion Pro 12/15 e os títulos em Zurich Lt BT Light 22/26,4. Impresso
no Brasil. Presita en Brazilo.

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