EbookDemonstracao I - Sonhos Leni 24jul2019
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A Interpretação
dos Sonhos Segundo
a Escuta Psicanalítica
de Freud e Jung
Descrição e Compreensão de Fenômenos Oníricos
São Paulo
2a. edição
2019
Leni Lourenço de Oliveira, 2019
Conteúdo: Psicologia
ISBN: 978-85-8020-684-5
Capa | Diagramação
Vanessa Simão da Silva
Impressão e Acabamento
Editora Nelpa
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
2 SONHO, EMOÇÃO E ESTRUTURA PSÍQUICA................................. 100
2. 1 Fontes psíquicas de estimulação onírica. ............................................ 100
2.2 Emoções e estrutura mental do sujeito................................................. 104
2.3 Prestígios e problemas do sono e dos sonhos...................................... 105
2.4.Sonhos – o caminho régio para o inconsciente segundo Jung.............. 111
2.5.Inconsciente coletivo conforme Carl Jung. .......................................... 114
2.6.Generalidades sobre os sonhos............................................................. 116
2.7.Método de interpretação dos sonhos: associações livres, ab-reações e cura
psicanalítica................................................................................................. 119
2.8.Inconsciente coletivo, símbolos naturais e culturais............................. 121
2.9.A análise dos sonhos............................................................................. 124
Sonho de um aluno/paciente....................................................................... 126
Interpretação............................................................................................... 127
2.10.A natureza dos sonhos......................................................................... 131
2.10.1.Os sonhos tópicos: sonhos sobre mortes de pessoas queridas....... 133
2.11.Os processos primários e secundários: recalque................................. 137
2.12.A inconsciência e a consciência – realidade....................................... 139
CAPÍTULO III
3.SONHOS: SÍMBOLOS DE TRANSFORMAÇÃO................................ 142
3.1.Temas oníricos comuns....................................................................... 143
3.2.Considerações gerais sobre os sonhos e sua interpretação................. 148
3.3.Sonhos de natureza sexual.................................................................. 150
1º sonho....................................................................................................... 151
História do conteúdo manifesto................................................................ 151
Interpretação............................................................................................. 151
2º sonho. ..................................................................................................... 153
Interpretação............................................................................................. 154
3º sonho....................................................................................................... 155
Resistência: conversa com Antonio Carlos............................................... 155
Conteúdo manifesto.................................................................................... 155
Interpretação. ............................................................................................. 155
Conteúdo latente. ....................................................................................... 155
3.4.Os sonhos decorrentes de estímulos sensoriais externos...................... 158
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................... 163
BIBLIOGRAFIA........................................................................................ 169
ANEXO I.................................................................................................... 179
TEORIAS PSICANALÍTICAS DE FREUD E JUNG............................... 179
A teoria da personalidade segundo Sigmund Freud.................................... 179
A dinâmica da personalidade – o instinto................................................... 181
O desenvolvimento da personalidade. ...................................................... 183
Associações livres....................................................................................... 184
Teoria psicanalítica de Carl Jung................................................................ 186
INTRODUÇÃO
2
São essas precisamente as dificuldades primordiais na interpretação dos sonhos, pois eles se
utilizam de símbolos. Para cada ideia procuram uma imagem visual, que há de encobrir forço-
samente uma ideia oculta... O símbolo é sempre uma comparação particularíssima que, para ser
traduzida, depende de penetrante reflexão, posto que muitos permanecem intraduzíveis. A não
ser nesses casos, os símbolos também variam de acordo com a formação personalíssima de cada
um de nós – inteligência, cultura, sentimentos etc. SILVA, Gastão Pereira da. Compreender
Freud, p. 66.
resta a menor dúvida, nos dá muito trabalho para decifrar, enquanto
“realização de desejos” — pressuposto fundamental da prática ana-
lítica freudiana3 — onde os desejos ocultos assumem configurações
sígnicas, deveras herméticas e complexas, na sua essência.
Os sonhos são a mais viva expressão — fala —, de uma outra
região psíquica, afora da consciência normal, uma segunda consciên-
cia, dir-se-ia. “E é exatamente esta segunda consciência, que, excitada
pela vida exterior, se projeta na tela psíquica, acompanhada por ve-
zes de sentimentos, de ideias, de impressões fornecidas por sentidos
diferentes dos da vida, mas sempre predominando as imagens visu-
ais, que nos acompanham nos sonhos”4. É nos sonhos, nesta segunda
consciência, que essas ideias, desejos e sentimentos, tudo aquilo que
é vergonhoso, desagradável ou penoso, tudo aquilo que foi reprimido
por um processo de defesa psíquica, aflora e se manifesta sem a nos-
sa permissão: vive-se uma outra vida, tudo se expande e toma novos
contornos. Quebra-se todos os códigos e preceitos morais, os tabus
somem.
Os sonhos, reservatório de experiências individuais ou coleti-
24 vas do cotidiano (como salienta Jung em sua escuta analítica), estrada
principal para se chegar ao conhecimento da alma, do inconsciente,
são “símbolo da aventura individual, tão profundamente alojado na
intimidade da consciência que se subtrai a seu próprio criador, o so-
A Interpretação dos Sonhos Segundo a Escuta Psicanalítica de Freud e Jung
3
O sonho, qualquer que seja o sentido oculto que encerra, é quase sempre uma realização de
desejos. Entretanto, a análise mostra frequentemente que a realização de desejos nem sempre
é causa de prazer para quem os abriga. Ibidem, p. 68.
4
SILVA, 1968, p. 65.
ríamos que tivesse acontecido quando estávamos acordados, ou, ao
5
Porque em cada um de nós existe um Outro ente que, na maior parte do tempo, nós o des-
O sonho, exteriorização de um processo psíquico inconsciente,
involuntário, apresenta a realidade interior não como a supomos ou
desejamos, mas como de fato é: a manifestação dessas formas sobre as
quais não temos o verdadeiro controle da situação. Sob esta perspecti-
va, decifrar os significados das imagens dos sonhos é a chave para se
conhecer o estado mental do indivíduo, entender as razões e origens
de doenças e sofrimentos psicológicos. Aqui entram as duas razões
para a interpretação dos sonhos: seu conteúdo manifesto, a história do
sonho (o efeito), e seu conteúdo latente, aquilo que realmente motivou
a realização das imagens oníricas durante o sono (a causa).
Apesar de só no final do século XIX e começo do século XX o
sonho ter sido estudado científica e exaustivamente por Freud, isso não
significou que antes disso não houvesse a preocupação com as mani-
festações oníricas. Assim, é possível afirmar, sem nenhuma contradição
efetiva, que todo ser humano desde o primórdio da civilização certamen-
te já sonhou (e se preocupou com o significado de seus sonhos), e não
são poucos os registros históricos que comprovam esse fato. Santo Agos-
tinho, uma das quatro grandes figuras que estruturaram a Igreja Latina,
por exemplo, ao lado de São Jerônimo, São Gregório e São Ambrósio,
26 era, no seu tempo, atormentado pelas memórias oníricas. Nelas, o bispo
da Igreja Católica chega a afirmar categoricamente:
conhecemos, que nos fala através dos sonhos, comunicando-nos que nos vê de maneira bem
diferente daquela pela qual nos vemos. É por isso que quando nos vemos em situação difícil
e insolúvel, esse estranho pode nos esclarecer com uma luz mais capaz do que qualquer outra
de modificar a atitude que nos colocou no impasse. CALUF, Emir. Sonhos, complexos e per-
sonalidade, p. 66.
falsos fantasmas me persuadem a ações a que, acor-
6
Nous rêvons de ce que nous avons vu, dit, désiré ou fait; sonhamos com o que vimos, disse-
mos, desejamos ou fizemos. FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos, p. 28.
Assim, a imagem original que reaparece nos sonhos de uma
7
Deve-se observar que nos casos normais a compensação se produzia nas perspectivas de
Freud, segundo uma linha horizontal, isto é, no mesmo nível da sexualidade, enquanto, segun-
do Jung, todo equilíbrio psicológico do ser se faz, entre seus planos conscientes e seus planos
inconscientes, na dimensão da verticalidade, tal como num veleiro, o equilíbrio entre a vela e
quilha. CHEVALIER e GHEERBRANT. Dicionário de símbolos, p. 846.
lon Brando (em um dia anterior a este episódio eu havia conversado
com meus alunos universitários a respeito de um filme cujo persona-
gem principal era exatamente esse ator a que me refiro aqui). As úl-
timas imagens visuais que havia visto pela tevê mais a conversa com
meus alunos motivaram a construção desse sonho, ou seja, os sonhos
se encarregaram de fazer a condensação dos conteúdos latentes em
um conteúdo manifesto aparentemente simples. Mas não é simples,
não.
Em outras palavras: em meus sonhos, imagens e audições do
estado de vigília se misturaram com desejos pessoais, com assuntos
sobre os quais queria ter conversado, mas que por um motivo ou por
outro fui impedido de realizar; então, o sonho se encarregou de re-
alizar esse desejo para mim, de modo fragmentado e desconexo. O
sonho revelou-me, com sua linguagem sui generis, um estado mental
de ansiedade do meu estado de vigília. Esse curto episódio ocorrido
comigo corrobora a tese de Freud de que os sonhos representam para
nós sonhadores a realização de um desejo ou vontade inconclusa que
por um motivo ou outro deixou de se realizar. Isto é fato.
aconteceu em nossas vidas e que isso deveria ser resolvido, mas como
não foi, o guardião do sono, o sonho, se encarregou desta tarefa desen-
cadeadora de ansiedade e não-raro de frustração.
Isso prova a autenticidade de um dos pressupostos mais im-
portantes de Freud de que o sonho nada mais é do que a realização de
nossos desejos insatisfeitos, de nossas vontades reprimidas que foram
deslocadas para a camada inconsciente de nosso aparelho psíquico
— depositário de todas as nossas lembranças, pensamentos, ideias e
experiências vividas.
É uma pena que o elemento reprimido ainda faça parte da psique,
apesar de inconsciente, e que continue a ser um problema, dir-se-ia, do
ponto de vista psicanalítico. Isto quer dizer que jamais podemos dele-
tar de nossa estrutura psíquica as experiências vivenciadas no cotidiano.
Nós podemos, assim como na pretensão de guarda de um segredo, dizer
que jamais revelaremos algo que alguém nos pediu para guardar sigilo;
8
Que a realização de um desejo reprimido constitui a essência do sonho, ideia de que Freud já
suspeitara, confirmou-se pela primeira análise completa que realizou, de um de seus próprios
sonhos, numa quarta-feira, 24 de julho de 1895, um momento verdadeiramente histórico; esse
sonho é conhecido pela denominação de “a injeção de Irma”. JONES, ERNEST. Vida e Obra
de Sigmund Freud, p. 350.
hoje, mesmo após mais de cem anos (estamos no ano da graça de
2011) de publicação do compêndio, retrata e relata, na sua essencia-
lidade, toda a problemática relativa ao sonho. Freud faz um passeio
histórico pelo terreno do pensamento mítico e lendário para demons-
trar ao leitor as diversas formas como os sonhos foram interpretados
ao longo do tempo, desde as sociedades arcaicas, da visão religiosa,
até o final do século XIX e meados do século XX – instante em os
sonhos foram, definitivamente, retirados dos contornos dos manuais
torpes de magia negra.
É um livro de um psicanalista, escrito para ser lido, a meu
ver, por outros psicanalistas visto a quantidade enorme do jargão e
vocabulário típicos da Psicanálise. Um leitor ocasional da obra freu-
diana certamente encontrará muita dificuldade para o entendimento
de alguns termos e conceitos psicanalíticos como, por exemplo, o
capítulo em que Freud escreve sobre a fonte onírica dos sonhos: os
estímulos internos e externos. Assim, ler Freud com um bom dicioná-
rio de Psicanálise é uma sugestão sempre bem-vinda, porque além de
elucidar um termo complexo, familiariza o leitor com o assunto que
está sendo abordado.
32
Este livro de Freud — um livro/tese — nos traz muita informa-
ção a respeito dos sonhos e sobre a forma como eles são produzidos
em nosso aparelho psíquico. Por meio de uma estratégia metodológica
A Interpretação dos Sonhos Segundo a Escuta Psicanalítica de Freud e Jung
sonhos, dentre outros fatores, pelo fato de se estar liberto das normas
sociais repressoras do estado de vigília — o Superego e, em segundo
lugar, porque os sonhos são regidos por leis próprias: compensa, ami-
úde, desejos positivos e negativos protelados no estado psicológico
de alerta.
9
Os motivos para a irrupção dos sonhos não seguem um itinerário lógico, nem poderia ser, pois
estamos lidando com uma outra linguagem, diferente da linguagem que utilizamos no estado de
vigília quando temos consciência do que falamos, vimos, dissemos ou vivenciamos. Exemplo:
quando estamos conversando seriamente com alguém a respeito de determinado assunto, nossa
atenção e concentração voltam-se totalmente para o conteúdo do diálogo, embora todas as nossas
percepções sensoriais continuem trabalhando paralelamente. Pode acontecer de não prestarmos
atenção a alguma coisa ligada à visão, tato, olfato, paladar olfato etc. durante uma conversa e, por
mais incrível que possa parecer, essas informações que não foram pensadas por causa da impor-
tância primária podem irromper sob a forma de sonhos, por causa do fator emocional provocado
pelo recalque involuntário e das percepções subliminares.
Temos em nosso estado psicológico de vigília a predisposição
10
Sob esta designação, compreende-se um fenômeno psíquico constituído pela revivescência
de percepções, de sensações, de imagens-recordações que se realiza enquanto temos os olhos
fechados, a atenção frouxa, e lassos os liames que nos prendem ao mundo exterior. Estas ima-
gens, cuja aparição precede de pouco a anulação das impressões reais que os nossos órgãos
dos sentidos fornecem, podem ser de diferentes espécies, mas, de todas, as que mais merecem
atenção são as que dizem respeito ao sentido da vista e ouvido. LHERMITE, Jean. Os sonhos,
p. 10.
ação, como pelas funções psíquicas que é capaz de cumprir” (CHE-
VALIER e GHEERBRANT, 2001: p. 845).
Assim como os sonhos noturnos, segundo a teoria psicanalí-
tica de Freud, representam, na sua contextualização, a realização de
um desejo do sujeito decorrente do estado psicológico de vigília, da
mesma forma, os sonhos diurnos ou sonhos acordados também ope-
ram a realização de um desejo do indivíduo. A diferença básica entre
o sonhar noturno e o sonhar acordado centra-se no fato de que neste
último tem-se plena consciência de que se está divagando e, de certa
forma, em um determinado momento o sujeito consegue perceber com
riqueza de detalhe o estado de elaboração de fantasia. Por que isso
ocorre?
Com frequência temos a vontade ou o desejo de fazer ou reali-
zar alguma coisa, todavia uma circunstância eventual (medo, frustra-
ção, adiamentos, repressões, preocupações com as coisas hodiernas
etc.) nos impede de praticar esta ação que gostaríamos de ter prati-
cado a nosso bel-prazer. Por conseguinte, a resolução do impasse se
dá através de uma outra válvula de escape: a representação mental
42 consciente daquilo que foi a causa de nossa insatisfação e adiamento
do desejo. Sob este aspecto, sonhos acordados e sonhos noturnos têm
características peculiares.
Durante o sonho noturno nos deparamos com um conjunto
A Interpretação dos Sonhos Segundo a Escuta Psicanalítica de Freud e Jung
12
O sonho coletivo foi altamente apreciado na Antiguidade onde lhe era reconhecida natureza
de oráculo e os seus avisos levados a sério. Hoje aparecem-nos como fantasiosos estes sonhos
e as suas interpretações; no entanto, há paralelismo que podemos assinalar, com os princípios
de interpretação que hoje utilizamos. O sonho de Faraó e a sua interpretação por José, registra-
Nós não podemos dizer que esta vasta literatura antiga tenha
muito significado lógico, visto que ela fora escrita sem obedecer a
nenhum critério científico. Aliás, a ciência à época estava apenas en-
gatinhando, não obedecia aos padrões de investigação sólidos e com
fundamentação teórica pertinentes — dois pressupostos básicos para
quaisquer buscas de respostas a problemas que surgem a céu aberto.
Assim, pairava para aquelas mentalidades arcaicas a preponderância
da superstição para a análise do sonho em detrimento da razão como
assim apontam as investigações científicas amparadas na lógica e no
estudo das relações de causa e efeito.
Além disso, como se acreditava que os sonhos continham men-
sagens divinas, restava, assim, pouco espaço para o desenvolvimento
de investigações mais profundas em torno do problema dos sonhos e
suas reais significações. Acreditava-se no aspecto divinatório simples-
mente por se acreditar, visto que não havia razões para deixar de se
acreditar. Os sonhos de faraó, sob essa perspectiva, tinham um caráter
profético e divino: foi José quem desvendou o conteúdo latente do
sonho manifesto do faraó do Egito13, como se sabe pela extensa litera-
tura bíblica de que se tem notícias até hoje.
50
Na Sagrada Escritura não há nenhum relato sobre práticas cien-
tíficas praticadas pelo filho de Jacó, José — o sonhador — o que re-
força nossa tese de que os sonhos eram interpretados à luz de uma
A Interpretação dos Sonhos Segundo a Escuta Psicanalítica de Freud e Jung
dos no Gênesis 41, são deste tipo coletivo. FORDHAM, Frieda. Introdução à Psicologia de
Jung, pp. 87-88.
13
Em um outro livro escrito por mim intitulado “A semiótica psicanalítica através da prosa
romanesca”, publicado por esta mesma editora, apresento uma interpretação dessa passagem
bíblica aqui expressa sob forma cômico/literária e, sobretudo, psicanalítica. Convém ler.
ressar pela interpretação dos sonhos o levou a se servir de dois métodos