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Livro Unico

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KLS

Aquisição e
desenvolvimento
da linguagem
Aquisição e
desenvolvimento da
linguagem

Neide Rodriguez Barea Tavares


© 2016 por Editora e Distribuidora Educacional S.A.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer
modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo
de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e
Distribuidora Educacional S.A.

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Revisora Técnica
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Editoração
Adilson Braga Fontes
André Augusto de Andrade Ramos
Cristiane Lisandra Danna
Diogo Ribeiro Garcia
Emanuel Santana
Erick Silva Griep
Lidiane Cristina Vivaldini Olo

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Tavares, Neide Rodriguez Barea


T231a Aquisição e desenvolvimento da linguagem / Neide
Rodriguez Barea Tavares. – Londrina: Editora e Distribuidora
Educacional S.A., 2016.
224 p.

ISBN 978-85-8482-654-4

1. Aquisição de linguagem. 2. Desenvolvimento da


linguagem. 3. Comunicação. I. Título.
CDD 410

2016
Editora e Distribuidora Educacional S.A.
Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza
CEP: 86041-100 — Londrina — PR
e-mail: editora.educacional@kroton.com.br
Homepage: http://www.kroton.com.br/
Sumário

Unidade 1 | Conceitos básicos dos estudos da linguagem 7

Seção 1.1 - A linguagem humana: natureza e práticas 9


Seção 1.2 - Teoria linguística de Ferdinand Saussure 21
Seção 1.3 - Funções da linguagem 35
Seção 1.4 - O funcionamento discursivo da linguagem 47

Unidade 2 | Bases teóricas da aquisição da linguagem 61

Seção 2.1 - Abordagens empiristas de aquisição da linguagem 63


Seção 2.2 - Abordagens racionalistas de aquisição da linguagem 77
Seção 2.3 - Abordagens cognitivistas de aquisição da linguagem 89
Seção 2.4 - Abordagens interacionistas de aquisição da linguagem 103

Unidade 3 | Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 117

Seção 3.1 - Estágios de desenvolvimento da linguagem I 119


Seção 3.2 - Estágios de desenvolvimento da linguagem II 131
Seção 3.3 - Metodologias dos estudos em aquisição da linguagem I 141
Seção 3.4 - Metodologias dos estudos em aquisição da linguagem II 151

Unidade 4 | O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 167

Seção 4.1 - A fala da mãe (ou figura de mãe) com a criança 169
Seção 4.2 - Funções da linguagem aplicada à aquisição (1ª parte) 181
Seção 4.3 - Funções da linguagem aplicada à aquisição (2ª parte) 193
Seção 4.4 - O uso social da linguagem 205
Palavras do autor

Prezados estudantes! Boas-vindas!

Você já pensou a respeito de como nós, seres humanos, desenvolvemos nossa


competência de comunicação? Já refletiu sobre as línguas dos diferentes povos
no nosso planeta? Já teve curiosidade em saber como você aprendeu a falar e
como os bebês e crianças aprimoram sua linguagem? Já percebeu que quanto
mais você pensa, mais a sua linguagem se torna elaborada? E quanto mais você
desenvolve sua linguagem, mais fortalecido fica o seu próprio pensamento? Pois
bem, esta disciplina vai explicar a importância da linguagem humana como a
principal ferramenta utilizada pelos homens e mulheres para criar, desenvolver e
transmitir a cultura e os conhecimentos. Você inicia agora uma nova etapa de sua
aprendizagem, pois terá acesso a conhecimentos aprofundados sobre o processo
de aquisição e desenvolvimento da linguagem.

Nesta disciplina, você será convidado a conhecer os conceitos e as


principais teorias relativas ao processo de aquisição e desenvolvimento da
linguagem, compreendendo sua importância na evolução da humanidade e
no desenvolvimento social e educacional de crianças. Esta competência é
diferencial no campo educacional e em diversos outros segmentos, como na
fonoaudiologia, na psicologia, nas licenciaturas, entre outras. Desta forma, é
muito importante que você se organize e aprofunde seus estudos. A disciplina de
Aquisição e Desenvolvimento da Linguagem, bem como este livro, parte de uma
nova e atualizada premissa didática, conhecida como sala de aula invertida. Você
vai se deparar com situações e problemas do cotidiano que estimularão a leitura,
a reflexão e o aprofundamento de conhecimentos. Temos certeza de que você
apreciará.

A primeira parte do livro trará conceitos básicos, por exemplo, o que diferencia
os seres humanos de outros animais em termos de linguagem e qual sua evolução
histórica, passando pela contribuição do grande linguista Saussure. Em seguida,
você será convidado a descobrir como as concepções teóricas foram evoluindo,
descrevendo de forma cada vez mais aprofundada o processo de aquisição da
linguagem e a importância do convívio social para a realização e o aprimoramento
desta competência. Na terceira parte, você conhecerá os processos de linguagem
empregados na infância e seu desenvolvimento. Por fim, conhecerá os diferentes
usos da linguagem no convívio social e sua importância para a aprendizagem.
Caros, este é um belíssimo percurso! O estudo da linguagem é um campo
fantástico, pois a linguagem é uma competência transformadora! Você é nosso
convidado de honra. Leia com atenção, estude com entusiasmo, participe
efetivamente, você só tem a ganhar!
Unidade 1

Conceitos básicos dos estudos


da linguagem

Convite ao estudo

Estudantes, sejam bem-vindos! Vamos iniciar os estudos sobre a aquisição da


linguagem humana! Aqui vocês aprenderão os conceitos básicos da linguagem,
como sua natureza e prática, sua função e funcionamento e também conhecerão
as pesquisas e as contribuições de Ferdinand de Saussure (linguista de grande
destaque). A proposta é que vocês explorem os conceitos e as principais teorias
relativas ao processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem humana,
compreendendo sua importância na evolução da humanidade. Desta forma,
os objetivos desta unidade são: conhecer os fundamentos da aquisição da
linguagem, compreender a diferença entre linguagem e língua, apropriar-se de
terminologia específica da linguística e da fonologia, como funciona a linguagem
propriamente dita e a forma de organização do discurso oral.

Para estimular o processo de aprendizagem de vocês, será apresentada uma


Situação Geradora de Aprendizagem (SGA), ou seja, um desafio estimulante que
será norteador de seus estudos e facilitador da sua aprendizagem. A SGA está
dividida em quatro situações-problema (SP), cada uma apresentada em uma
seção do livro.

Pense na seguinte situação: você descobriu que a Escola dos Sonhos


está contratando um professor para o segmento da educação infantil e um
professor para o segmento do ensino fundamental. Trata-se da melhor escola
da região, reconhecida por sua qualidade na formação dos alunos. Esta é uma
grande oportunidade, pois permitirá que você ingresse no campo da Educação
e adquira uma bela experiência profissional, podendo, inclusive, construir uma
carreira sólida na própria escola. A Escola dos Sonhos acredita firmemente que
U1

a base da aprendizagem do ser humano é sustentada pela linguagem e, por


este motivo, estimula amplamente o desenvolvimento da comunicação oral
entre as crianças que estudam lá. Para concorrer a este processo seletivo, você
deverá apresentar uma produção escrita de quatro páginas, esclarecendo os
conceitos básicos que demonstram que a linguagem é, de fato, a principal forma
de desenvolvimento da aprendizagem. Você precisará escrever com muito
rigor e precisão, para diferenciar sua produção dos demais participantes, pois
a concorrência será grande! Você já refletiu sobre isso? Já pensou em como
a linguagem é importante no nosso dia a dia? Como seria possível o homem
se desenvolver tanto sem linguagem e suas variações? Já observou como um
bebê aprende a se comunicar? Como uma criança brinca com a linguagem e
evolui a partir dela?

Investigue a linguagem, iniciando com a natureza e as práticas da linguagem


humana, conhecendo a teoria linguística, finalizando com suas funções e seu
funcionamento discursivo. Aproveite!

8 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

Seção 1.1

A linguagem humana: natureza e práticas

Diálogo aberto

Você se lembra do desafio proposto? Você viu um raro anúncio de emprego


para concorrer ao cargo de professor em uma escola bastante reconhecida por sua
qualidade no desenvolvimento educacional das crianças, a Escola dos Sonhos. A
escola acredita firmemente que a base da aprendizagem do ser humano é sustentada
pela linguagem e, por este motivo, estimula amplamente o desenvolvimento da
comunicação oral entre as crianças que lá estudam. Para concorrer a este processo
seletivo, você deverá apresentar uma produção escrita de quatro páginas, esclarecendo
os conceitos básicos que demonstram que a linguagem é, de fato, a principal forma
de desenvolvimento da aprendizagem.

A situação-problema (SP) proposta, nesta seção, é escrever a primeira página do


documento solicitado pela Escola dos Sonhos, em que se defenda que a linguagem é,
de fato, a principal forma de desenvolvimento da aprendizagem. Embora você já tenha
um bom conhecimento no campo da Educação, as suas dúvidas começam a surgir
no sentido de como definir o que é linguagem e como argumentar sobre a distinção
entre a linguagem humana e a linguagem animal. Nesta seção, você descobrirá os
elementos centrais para começar a sua produção. Estudaremos que a linguagem
está intimamente relacionada à inteligência. A capacidade de criar uma linguagem,
reestruturá-la e incorporar novas formas de comunicação é o maior diferencial entre
a espécie humana e os demais animais do planeta.

Os objetivos propostos na Seção 1.1 são: diferenciar a comunicação animal da


linguagem humana, conhecer a natureza e as práticas da linguagem humana, bem
como suas características e propriedades. Este são os pontos importantes para você
resolver a primeira SP.

Seu objetivo é preparar a primeira página do documento, que deve conter:

a) Uma explicação sobre o que diferencia a linguagem humana da linguagem de


outras espécies animais.

b) Esclarecimentos sobre a natureza da linguagem humana e suas práticas.

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 9


U1

c) As características e as propriedades da linguagem humana.

Agora, mãos à obra! Faça a leitura da próxima etapa, amplie seus conhecimentos
pesquisando as referências indicadas e outras que sejam complementares, visite sites
e assista a filmes e vídeos, realize os exercícios e, por fim, elabore sua produção escrita
para concorrer ao processo seletivo da tão sonhada oportunidade!

Não pode faltar


Definir a origem da linguagem ainda não é possível. Os dados necessários para
localizar o uso inicial da linguagem não foram preservados, pois estamos falando
de sons. As outras formas de comunicação, como as pinturas, os utensílios e os
artesanatos, são artefatos arqueológicos e são explorados cientificamente, mas a
linguagem oral não possui evidências históricas diretas.

O que temos são apenas hipóteses. Mergulhe no mundo do homo sapiens


(primeira espécie a apresentar um aparato biológico capaz de produzir linguagem)
há cerca de 200 mil anos e, provavelmente, você verá alguns indivíduos grunhindo e
gesticulando. Acredita-se que as primeiras manifestações de linguagem poderiam ser
imitações dos sons de pássaros, animais e da natureza, bem como emissões sonoras
que expressassem susto, medo, dor, prazer ou ainda uma imitação de reverberações
audíveis (ecos). Pinker, em seu livro O instinto da linguagem, sugere que temos uma
base biológica específica para linguagem, assim como as aranhas possuem uma
base biológica para fazer teias. Aponta ainda que essa base biológica está localizada
no cérebro e permite que desenvolvamos a linguagem especificamente humana
independente da sociedade em que nascemos e da língua falada nesta sociedade.
Esta é uma hipótese bem interessante, não?

Pesquise mais
FONTE: PINKER, Steven. O instinto da linguagem. São Paulo: Martins
Fontes, 2004.

A preocupação do autor é explicar ao público de forma simples (e


muitas vezes engraçada) como as crianças aprendem a linguagem e o
funcionamento do cérebro, afirmando que o desenvolvimento da linguagem
é uma competência instintiva do ser humano e que evolui constantemente.

Imagine que na evolução do ser humano existiram outros avanços, não apenas os
de linguagem. Por exemplo, criaram artefatos e armas. As mãos e os braços ficaram
ocupados. Não podiam mais gesticular com tanta frequência. Imagine também que

10 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

em situação de perigo ou quando estavam caçando, não podiam se mexer com muita
desenvoltura. Assim, a necessidade e o desafio acabaram exigindo o desenvolvimento
da linguagem. Veja as vantagens: para se comunicar através da linguagem, mesmo
que rudimentarmente, o homem primitivo não precisa ficar de frente um para o
outro (necessário para comunicação gestual), não precisa ficar próximo, pois o som
percorre o ar e pode ocupar suas mãos com outras coisas, pois a linguagem oral é
produzida pelo aparelho fonador, que inclui os pulmões, a traqueia, a laringe, os lábios,
os dentes, os palatos, a língua, sem necessariamente usar mãos, braços, dedos, corpo
e expressões faciais. Outra ideia associada é que as mães primitivas emitiam sinais
sonoros para acalmar seus bebês, que aprenderam e continuaram emitindo estes
sons, bem como ampliaram o repertório conforme cresciam. Tal como o homem
primitivo construiu sua linguagem, os bebês e as crianças modernas parecem passar
por essas mesmas fases, porém de forma mais rápida.

Pesquisadores sociointeracionistas apontam que o meio social é significativo para o


desenvolvimento da linguagem humana, portanto, quanto mais desafiante é o universo
onde o indivíduo está imerso, mais estratégias ele precisa criar. Provavelmente, foi o
que aconteceu com a linguagem oral. Novas explorações levaram o homem primitivo
a ampliar seu vocabulário.

Vocabulário
Sociointeracionismo: abordagem que procura explicar que a
aprendizagem do ser humano ocorre na inter-relação dos contextos
históricos (determinados lugares e tempo), sociais (determinados grupos
de pessoas) e culturais (determinada sociedade). Assim, o grupo e sua
experiência prévia são fatores determinantes para que a aprendizagem
ocorra, de forma que esta aprendizagem estará sempre relacionada com
estes fatores. Ao se incorporar novos elementos, a aprendizagem também
corresponderá ao novo contexto.

Assim, é fácil perceber que os seres humanos possuem um aparato biológico


bastante evoluído, ao mesmo tempo que sua inteligência permite a exploração
deste aparato em toda a sua potencialidade para criar uma forma de comunicação
extremamente específica e especializada. Hoje se entende que a capacidade de
se comunicar, criar novas formas de comunicação, incorporar elementos a essa
comunicação são as características que nos diferenciam das outras espécies animais.

Os golfinhos emitem assobios e sons que não somos capazes de assimilar. Cada
golfinho emite um tipo de assobio, que representa a si mesmo. Os outros golfinhos
conseguem repetir este som, portanto, parece que cada golfinho atribui a si um
“nome” e é identificado por este “nome”. No entanto, não conseguem, por exemplo,
atribuir um nome ao humano que cuida deles. Nós somos capazes de atribuir nomes
a tudo e em vários idiomas.

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 11


U1

Os papagaios possuem um aparato fonador que lhes permitem que falem algumas
palavras e até mesmo frases. Essas palavras são aprendidas em contato com seres
humanos e são utilizadas fora de contexto. Um papagaio pode aprender a falar
“bom dia” e fazer isso com muita graça e ênfase. Ele pode continuar falando “bom
dia” no período da tarde, da noite e a madrugada inteira! Os seres humanos, além de
aprenderem um volume infinito de palavras (o papagaio não consegue), conseguem
empregá-las no contexto correto.

Estudos realizados com chipanzés mostraram que eles são capazes de aprender
centenas de palavras, conseguem aprender a linguagem de sinais (a mesma utilizada
por surdos e deficientes auditivos), mas isso só ocorre com treinamento específico
realizado por seres humanos. Além disso, os macacos não se mostraram capazes de
iniciar uma conversa, ou seja, eles se aproximam, se tocam, demonstram afeto, mas
não perguntam: “como foi o seu dia hoje?” ou “a banana está saborosa?”. Os macacos,
assim como os outros animais, possuem linguagem própria, mas ela é compreendida
como um conjunto de sons (cantos, latidos, trinados, uivos etc.), expressões faciais e
corporais, mudanças físicas (troca de plumagem, formato do corpo – um baiacu incha
seu estômago quando sente uma ameaça, assim, parece três vezes maior e afasta o
predador). Além disso, nenhum animal é capaz de transmitir um mesmo conteúdo de
maneira diferente, como fazemos, por exemplo, ao dizer: 1. A árvore foi cortada pelo
homem 2. O homem cortou a árvore. 3. Cortou-se a árvore.

Descobrimos que a linguagem animal é utilizada para fins de organização social,


para demarcar o território do grupo, para acasalar, para proteção e como alerta. A
linguagem animal caracteriza-se como uma linguagem pré-formal (não utiliza signos
ou símbolos), pré-nominal (não realiza nomeação de objetos ou indivíduos) ou pré-
gramatical (não possui estrutura gramática).

Assimile
Entre outras, a linguagem humana é a principal característica que nos
diferencia das outras espécies de animais, porque nossa linguagem possui um
infinito número de símbolos que, associados a um infinito número de regras
gramaticais, nos permite gerar infinitos resultados de comunicação. Assim, a
linguagem é considerada um componente central da natureza humana.

Você deve ter percebido que começamos a aprofundar as características da


linguagem humana em contraposição à linguagem de outros animais.

Podemos dizer que a linguagem é um fenômeno humano associado às práticas


sociais. Assim, estar imerso em um grupo que utiliza a linguagem nos tornará aptos

12 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

a desenvolvê-la, ao passo que estar imerso em um grupo social que não utiliza a
linguagem não permitirá que a desenvolvamos. Lembre-se do caso das meninas-lobo
encontradas na selva em 1920, na Índia. Amala estava com 1 ano e meio e Kamala
aparentava ter 8 anos. Não se sabe exatamente como, mas essas meninas foram
criadas por lobos e foram encontradas por um pastor, que as levou para seu orfanato.
As meninas andavam em quatro apoios, não falavam nada, só uivavam. Amala faleceu
rapidamente, mas Kamala sobreviveu por 8 anos em sociedade. Precisou de 6 anos
para aprender a andar e ao falecer possuía um vocabulário de cerca de 50 palavras.
Desenvolveu afeto e certo comportamento social. Assim, percebe-se que o fato de ter
o aparelho fonador em perfeitas condições, é a condição de vivência em grupos que
empregam a linguagem humana que nos torna capazes de utilizá-la.

Assimile
A capacidade de desenvolver a linguagem é inata ao ser humano, mas seu
desenvolvimento não é. Depende do estímulo do grupo social humano no
qual a criança se desenvolverá.

No final desta seção, precisamos ainda abordar facetas da linguagem, para que
você tenha todas as condições de resolver a situação-problema. Lembra-se dela? A
situação-problema (SP) proposta nesta seção é escrever uma página do documento
solicitado pela Escola dos Sonhos, em que se defenda que a linguagem é, de fato,
a principal forma de desenvolvimento da aprendizagem, enfocando: a diferenciação
entre a comunicação animal e a linguagem humana, a natureza da linguagem humana
e suas práticas e as características e as propriedades da linguagem humana. Estes são
os pontos importantes para você resolver a primeira SP.

Já sabemos que os seres humanos empregam e combinam sons, gestos,


expressões e movimentos para se comunicar eficientemente. Além disso, descobrimos
que a interação social amplia a capacidade comunicativa.

A linguagem precisa ser aprendida. Apesar de nascermos com o aparato fonador,


é o emprego social que favorece essa aprendizagem. Assim, aprendemos a língua
portuguesa porque nascemos aqui. Se tivéssemos nascido na Espanha, aprenderíamos
espanhol. Empregamos a própria linguagem para ensinar a linguagem. A primeira
aprendizagem sobre a língua acontece na interação da mãe ou da figura de mãe
com o recém-nascido. Veremos esse processo, detalhado, na Unidade 4. No convívio
social, a criança aprende a língua, a linguagem informal e desenvolve a fala. Na escola,
aprende a linguagem formal e os aspectos formais da língua.

Observa-se, portanto, que a linguagem humana possui duas características


evidentes: sua flexibilidade e sua versatilidade, que são percebidas através de quatro
propriedades:

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 13


U1

1. Arbitrariedade: a escolha de sons não obrigatoriamente corresponde ao seu


significado. Nós convencionamos um conjunto de sons para representar nosso
pensamento. Pare um instante e imagine um momento que lhe traga felicidade. Você
pode estar se alimentando, conversando com outra pessoa, descansando, assistindo
algo na TV, ouvindo música ou fazendo outra coisa. Quem decidiu que este sentimento
pode ser chamado e escrito “felicidade”? Não poderia ter outro som com outra escrita
correspondente? Por exemplo: “Fazer aquela viagem foi um rrrruaaaarrrr!” no lugar de
“Fazer aquela viagem foi uma felicidade!”. Não é tão simples assim, pois vivemos em
sociedade e precisamos ter certas regras e orientações para nos comunicarmos de
forma inteligível.

Faça você mesmo


Leia a história “Marcelo, Marmelo, Martelo”, do livro infantil Marcelo,
marmelo, martelo e outras histórias, de autoria de Ruth Rocha. Conta
a história de Marcelo, um garoto muito curioso e criativo, que começa
a questionar o nome das coisas e a propor nomes, segundo ele, mais
adequados ou parecidos com o objeto. É possível ler o livro on-line. Reflita
sobre a importância da formalização da linguagem e discuta com seus
colegas de classe sobre o que acontece quando se transgride a linguagem
(aspectos negativos, como a falta de compreensão e aspectos positivos,
como a inclusão de novos e significativos termos).

2. Dualidade: utilizamos um número pequeno de elementos para formar um


número enorme de unidades maiores. Pense na associação das vogais (a e i o u) e das
consoantes que você conhece (ba be bi bo bu ca ce ci co cu e assim por diante). Esse
número é finito, mas sua associação (dentro de regras gramaticais) permite milhares
de novas combinações. Pense na palavra “amar”: você poderia derivar as seguintes
palavras: mar, ar, mama, rama, ama, má, a, Mara, amará. Isso é muito divertido!

Faça você mesmo


Quantas articulações você pode realizar com a palavra “paralelepípedo”?
Você pode empregar e repetir as letras e sílabas desta palavra à vontade!

3. Descontinuidade: algumas vezes conversamos com uma pessoa e várias


intercorrências fragmentam essa conversa. Por exemplo: o sinal falhando em uma
ligação de celular, o barulho alto de um motor, uma máquina de lavar roupa batendo
etc. Mesmo que haja uma intercorrência capaz de abafar um pedaço de uma palavra,
somos capazes de entender o que a pessoa disse. Assim, em uma situação de
descontinuidade da fala, somos capazes de compreendê-la. O mesmo ocorre com

14 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

a entonação. Analise o diálogo: uma criança pergunta: “mãe, a comida está pronta?”
e a mãe responde: “não, está no fogo”. Observe que a palavra fogo provavelmente
foi pronunciada em tom normal, sem alteração de voz. Agora imagine que uma casa
se incendiou. As pessoas gritam: “FOGO! FOGO!”. Obviamente não será na mesma
entonação do primeiro diálogo. A capacidade de variar a intensidade para exprimir
maior ou menor urgência é chamada descontinuidade.

4. Produtividade: esta é uma propriedade fantástica! Diz respeito à nossa


capacidade de construir e interpretar novos sinais, o que nos distingue definitivamente
das outras espécies de animais. Assim, mesmo que você conte a mesma história dez
vezes, dificilmente consegue repetir exatamente da mesma forma, com as mesmas
palavras e com a mesma entonação.

Assimile
Há quatro propriedades que diferenciam a linguagem humana da
linguagem animal: arbitrariedade, dualidade, descontinuidade e
produtividade.

Viu como nosso sistema de comunicação é belo e elaborado? A cada vez que
entramos em contato com um novo conhecimento, ou ainda, com um novo
instrumento ou uma nova palavra, todo nosso sistema de significados é alterado,
ampliado e melhorado, resultando em aprendizagem.

Agora que você já tem os elementos necessários para resolver a situação-problema,


produza uma página do seu documento demonstrando que a linguagem é, de fato, a
principal forma de desenvolvimento da aprendizagem. Lembre-se de detalhar:

d) O que diferencia a linguagem humana da linguagem de outras espécies animais.

e) A natureza da linguagem humana e suas práticas.

f) As características e as propriedades da linguagem humana.

Pesquise mais
Descubra de forma simples os conceitos mais complexos da linguagem
humana. O livro indicado a seguir aborda a pronúncia dos sons, as mudanças
linguísticas mais recentes e a linguagem emocional, entre outros temas
tratados pelo autor.

CRYSTAL, David. Pequeno tratado sobre a linguagem humana. São Paulo:


Saraiva, 2012.

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 15


U1

Sem medo de errar

A situação geradora de aprendizagem (SGA) desta unidade trata da produção


escrita de um documento de quatro páginas, esclarecendo os conceitos básicos
que demonstram que a linguagem é, de fato, a principal forma de desenvolvimento
da aprendizagem. Este documento faz parte da seleção de candidatos para uma
excelente oportunidade de emprego. A situação-problema da presente seção consiste
em escrever a primeira página desde documento, tratando de uma introdução bem
sistematizada e convincente.

Você pode escrever um primeiro parágrafo ressaltando que uma das principais
características que diferenciam os seres humanos de outros animais é justamente
a capacidade especializada de usar a linguagem como fazemos. Dê um exemplo,
comentando sobre uma ou duas espécies de animais que possuem sistemas de
linguagem, porém não possuem a mesma capacidade que os seres humanos.
Explique que a linguagem tal como a empregamos faz parte da natureza humana e
não de outros animais.

Em seguida, você pode falar das duas características principais da linguagem


humana, a flexibilidade e a versatilidade, passando por suas quatro propriedades: a
arbitrariedade, a dualidade, a descontinuidade e a produtividade. Você não precisa
citar especificamente estes termos, mas é bom deixar claro que conhece essas
propriedades.

Por fim, você pode apontar que a linguagem humana está intrinsecamente
relacionada com o desenvolvimento social. Disserte sobre o processo de
aprendizagem da linguagem, que tem início desde a infância (fase do bebê) e que
não é interrompido. Explique que cada vez que entramos em contato com um novo
conhecimento ou ainda com um novo instrumento ou uma nova palavra, todo
nosso sistema de significados é alterado, ampliado e melhorado, resultando em
aprendizagem.

Guarde sua primeira página para dar continuidade na Seção 1.2.

Atenção
É muito importante que você entenda que o funcionamento da linguagem
humana é extremamente elaborado e diferenciado de outras espécies de
animais. Ainda causa enorme surpresa o fato de crianças muito pequenas,
que mal conseguem se vestir sozinhas, serem capazes de empregar a
linguagem de uma forma bastante elaborada já aos dois anos de idade,
bem como o fato de ver que essa capacidade se desenvolve muito mais
rapidamente que outras.

16 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

Avançando na prática

Linbar
Descrição da situação-problema

Você precisará apresentar um trabalho na faculdade, trazendo um exemplo real


sobre a aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil e fazer uma reflexão
sobre esse exemplo. Entretanto, você não tem experiência com o universo infantil.
A oportunidade surge quando você está em uma festa de aniversário e um grupo de
crianças com cerca de dois anos e meio está almoçando divertidamente bem ao seu
lado. Você consegue observá-las e ouvi-las tranquilamente. Na hora da sobremesa,
ofertam sorvete de palito para as crianças. As animadoras infantis perguntam: “Quem
quer sorvete????” e as crianças respondem: “Eu!” “Eu! “Eu quero!”, mas uma das
respostas chama sua atenção. A criança fala: “Eu quero linbar sorvete!”.

Está aí sua oportunidade. A frase é bastante compreensível e você entendeu


claramente que a criança quer dizer lamber o sorvete.

Procure no texto da Seção 1.1 o motivo ou os motivos que podem ter levado a
criança a criar e usar o verbo “linbar” no lugar de lamber e como está ocorrendo sua
aprendizagem.

Lembre-se

A linguagem infantil é desenvolvida de forma social, mas não está


consolidada aos dois anos e meio. Sua linguagem ainda é pré-gramatical.

Resolução da situação-problema

Aos dois anos e meio de idade, a criança já possui um vasto vocabulário e começa
a empregar a linguagem oral de forma muito parecida com as pessoas que fazem
parte do seu convívio social. Se esta criança está imersa em um contexto em que as
pessoas utilizam o verbo inexistente “linbar”, é possível que ela repita tal como ouviu,
mas esta é uma explicação simplória para a complexidade da nossa linguagem.

Observe que a criança já possui estrutura de oração (sujeito-predicado) e emprega


as outras palavras corretamente, inclusive o verbo querer, que está conjugado na
primeira pessoa corretamente.

O que pode ter acontecido? Tal como o homem primitivo, a criança que fala
“linbar” sentiu a necessidade de criar uma nova palavra para expressar sua vontade.
Acontece que esta palavra não surge aleatoriamente, apesar da propriedade arbitrária
da linguagem em associação de sons a significados. Imagine que para consumir
este sorvete, a criança precisará usar a língua e fazer certos movimentos com ela.

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 17


U1

Imagine também que criança já tenha ouvido as palavras lamber, língua e tenha certo
conhecimento de gêneros (feminino: a menina, a boneca / masculino: o menino,
o boneco). É muito provável que ela tenha tentado dizer que queria lamber com a
língua, fazendo a seguinte construção:

Lin – de língua, ao mesmo tempo que faz uma derivação da sílaba lam (de lamber)

Bar – derivação da sílaba ber (de lamber), porém usando o feminino – porque a
ideia é lamber com a língua (palavra feminina).

Como a criança ainda não está com a linguagem formal estruturada, ela brinca
com as palavras, buscando um termo que expresse melhor sua vontade, assim como
os homens primitivos começaram a derivar os sons para articular palavras e frases.
É muito comum este tipo de expressão na linguagem informal, como quando, por
exemplo, criamos termos particulares para nomear objetos e situações.

Caso as demais crianças adotem o verbo “linbar”, pode ser que se inicie uma
transgressão da linguagem e da língua formais e se adote um novo vocábulo, ou pode
ser que a criança, ao ouvir o verbo lamber usado regularmente em sua comunidade,
vá deixando aos poucos de empregar o verbo “linbar”.

Faça você mesmo


Preste atenção às conversas infantis. Nestas conversas, localize vocábulos
que não sejam parte da linguagem formal e procure explicar o motivo
pelo qual a criança empregou-os, tentando descobrir como chegaram a
tal construção.

Faça valer a pena

1. Qual das cinco alternativas a seguir é a melhor para definir o termo


linguagem?
a) A linguagem é uma capacidade exclusiva do ser humano, empregada
para expressar-se.
b) A linguagem é uma forma de comunicação estabelecida com base na
oralidade, permitindo que os seres troquem informações necessárias
para a sobrevivência.
c) A linguagem é composta por sons e significados, sendo superior à
linguagem escrita e à linguagem não verbal, pois é mais completa e
complexa.

18 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

d) A linguagem é a capacidade que as espécies animais possuem para


se expressar.
e) A linguagem foi criada pelo homem primitivo porque necessitava ter
as mãos livres para poder caçar e se defender, não podendo, portanto,
gesticular.

2. As características que diferenciam a linguagem humana da linguagem


animal são:
a) Linguagem pré-formal, pré-nominal ou pré-gramatical, pois estas
são as características exclusivas da linguagem humana.
b) Flexibilidade e versatilidade.
c) Uso de sons, expressões faciais e corporais.
d) Praticamente inexistentes.
e) O uso afetivo, lúdico e prático.

3. Considere:
I – A linguagem é uma capacidade apenas humana, outros animais não
possuem nenhum tipo de linguagem.
II – Cada espécie animal emprega seu próprio tipo próprio de linguagem.
III – A linguagem, tal como a empregamos, é um atributo exclusivo da
natureza humana.

a) O que se afirma em I, II e III está correto.


b) O que se afirma em II e III está correto.
c) O que se afirma em I e III está correto.
d) Apenas o que se afirma em I está correto.
e) Nenhuma afirmação está correta.

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 19


U1

20 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

Seção 1.2

Teoria linguística de Ferdinand de Saussure

Diálogo aberto

Você se lembra do desafio proposto? Você viu um raro anúncio de emprego


para concorrer ao cargo de professor em uma escola bastante reconhecida por sua
qualidade no desenvolvimento educacional das crianças, a Escola dos Sonhos. A
escola acredita firmemente que a base da aprendizagem do ser humano é sustentada
pela linguagem e, por este motivo, estimula amplamente o desenvolvimento da
comunicação oral entre as crianças que lá estudam. Para concorrer a este processo
seletivo, você deverá apresentar uma produção escrita de quatro páginas, esclarecendo
os conceitos básicos que demonstram que a linguagem é, de fato, a principal forma
de desenvolvimento da aprendizagem.

Na seção passada, você já redigiu a primeira página. Nesta aula, a situação-problema


(SP) proposta é escrever a segunda página do documento solicitado pela Escola
dos Sonhos, em que você defenda que a linguagem é, de fato, a principal forma de
desenvolvimento da aprendizagem. Agora, seu objetivo é preparar uma página em
que consiga apresentar elementos mais profundos e consistentes que demonstrem
a evolução do conhecimento científico sobre o desenvolvimento da linguagem. Para
isso, sua segunda página do documento deverá conter:

a) A diferenciação entre linguagem, língua e fala.

b) Uma explicação sobre signo linguístico e sua importância nos estudos sobre
linguagem humana.

c) A importância dos estudos científicos e acadêmicos para a área da linguagem.

Você não precisa escrever de acordo com a sequência sugerida, certo?

Para você conseguir resolver esta situação-problema, nesta seção, você irá
conhecer o trabalho do suíço Ferdinand de Saussure, considerado o pai da Linguística
moderna, reconhecido principalmente pela estruturação do campo da linguística
como a ciência que estuda os fenômenos relativos à língua. Assim, você aprenderá
sobre a diferença entre linguagem, língua e fala, e sobre o conceito de signo linguístico.

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 21


U1

Os objetivos propostos nesta seção são: conhecer o trabalho científico de


Ferdinand de Saussure, saber diferenciar linguagem, língua e fala, compreender o que
é um signo linguístico e quais são suas características. Estes são os pontos importantes
para você resolver a segunda SP.

Agora, mãos à obra! Faça a leitura desta seção, amplie seus conhecimentos
pesquisando as referências indicadas e outras que sejam complementares, visite sites
e assista a filmes e vídeos, realize os exercícios e, por fim, elabore sua produção escrita
para concorrer ao processo seletivo da tão sonhada oportunidade!

Não pode faltar


Você já pensou em como a linguagem é importante no nosso dia a dia? Como
seria possível o homem se desenvolver tanto sem linguagem e suas variações? Já
observou como um bebê aprende a se comunicar? Como uma criança brinca com a
linguagem e evolui a partir dela?

O ser humano é curioso por natureza. Ao longo de séculos, os homens procuraram


dar resposta a essas questões. As primeiras pesquisas sobre aquisição da linguagem
datam da década de 1870 e foram realizadas por linguistas filólogos que registraram a fala
espontânea de seus próprios filhos. Tratava-se, então, de pesquisas de pequena escala
e muito personalizadas, ou seja, sem grande rigor científico, pois os pesquisadores não
tinham experiência e não sabiam exatamente o que e como observar.

Entre diversos pesquisadores no campo da linguagem, vamos destacar Ferdinand


de Saussure (1857-1913), filólogo e linguista suíço, cujas pesquisas estruturaram e
posicionaram a linguística como a ciência que estuda a linguagem. Inicialmente, a
linguística procurou classificar as línguas do mundo, estudando sua evolução histórica,
buscando afiliações, por exemplo, a família indo-europeia, formada por línguas como
o inglês, o espanhol, o russo, o hindi e o português; a família sino-tibetana, formada
pelo chinês, mandarim e outros; dentre outras famílias linguísticas. Esse método de
estudar a língua é chamado de histórico-comparativo.

Saussure foi um dos maiores defensores do método histórico-comparativo, mas


acabou questionando-o, pois acreditava que os estudos sobre a língua podem ser
realizados tanto de forma diacrônica (estudando apenas sua evolução histórica –
proposta do método histórico-comparativo) como de forma sincrônica (estudando
relações entre os fenômenos coexistentes de uma língua, em dado período de tempo).

Exemplificando
“Você” é um pronome e é uma das palavras mais comuns que

22 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

empregamos. Originalmente, empregava-se o termo “Vossa Mercê” para


se referir ao outro: “Vossa Mercê aceita um café?”. Fazia parte da linguagem,
da língua e da fala como um tratamento nobre. Pode-se dizer que houve
uma adaptação informal do termo “Vossa Mercê” para “vosmicê”, ou seja,
a linguagem informal transgrediu a língua formal. Este novo termo alterou
a língua e ampliou a linguagem, uma vez que “Vossa Mercê” continua
sendo em termo válido assim como “vosmicê”. Novamente ocorreu uma
transgressão da linguagem formal: “vosmicê” passou a ser “você”, no uso
informal da linguagem. Atualmente, estamos observando que a palavra
“cê” vem substituindo o “você”: “Cê pode emprestar a caneta?”. O “cê”
é empregado na fala é a linguagem informal da palavra “você”, que hoje
é uma palavra formal. Em uma apresentação formal ou na escrita, você
jamais deve usar o “cê”, pois ainda não foi incluído nestas esferas, certo? A
evolução histórica apresentada aqui é um exemplo de variação diacrônica.

A contribuição de Saussure não foi apenas defender um novo método de pesquisa


no campo da linguística. Como professor de línguas indo-europeias e sânscrito na
Universidade de Genebra, Saussure propôs uma série de “leis”, criando a base do
estruturalismo linguístico. Estas propostas foram organizadas no livro “Curso de
linguística geral”, publicação realizada em 1916 pelos alunos de Saussure, após seu
falecimento. São estas as principais contribuições deixadas pelo pesquisador:

Ciência e objeto de estudo: a linguística é a ciência que tem como objeto de


estudo a língua.

Língua X Fala: a língua se caracteriza em oposição à fala, à escrita e aos outros


códigos da linguagem.

Signo linguístico: é a combinação de significado e significante.

Pesquise mais
Fernanda Mussalim preparou um livro interessantíssimo, trazendo muitas
informações sobre a linguagem e a linguística. Você encontrará quatro
capítulos dedicados aos estudos saussurianos. Veja: MUSSALIM, Fernanda.
Linguística I. 1. ed. Curitiba: IESDE Brasil SA, 2009. v. 1. 152p.

Você deve estar se perguntando qual a importância de tudo isso. Os estudos de


Saussure se baseiam em uma nova premissa, a de que a língua é um fato social, produto
de um acordo social, sobre o qual o indivíduo não tem poder, pois se trata de uma
convenção social estabelecida. Assim, Saussure compreende que a língua é um sistema
de valores e propõe que a linguística estude seus aspectos básicos: as ideias e os sons.

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 23


U1

Em primeiro lugar, você precisa conhecer a diferença entre linguagem, língua e


fala. Nesta disciplina, vamos tratar das manifestações orais da linguagem, portanto,
não abordaremos a linguagem escrita, a linguagem visual, a linguagem artística etc.

Você sabe que o ser humano possui a capacidade de se comunicar por meio
de uma língua. A essa capacidade inata, com a qual todos nascemos, damos o
nome de linguagem. Para viver em sociedade, é preciso que essa linguagem seja
inteligível para o grupo social, ou seja, que os participantes possam compreender e
ser compreendidos. Assim, cria-se uma língua, ou seja, um conjunto organizado de
palavras, que segue uma determinada norma para um coletivo de pessoas, permitindo
que um enunciado seja manifestado claramente, de forma objetiva e com precisão.
A língua torna a linguagem oral efetiva e, apesar de apresentar variações, não sofre
mudanças que a descaracterizem, já que precisa se manter estável para permitir a
comunicação. Acredita-se que existam de 4.000 a 6.000 línguas no mundo, entre
elas a Língua Portuguesa. E este número já foi maior. Nossa língua é riquíssima! É uma
verdadeira aventura descobrir a origem das palavras e as transformações pelas quais
elas passaram.

Reflita
Você sabe o que aconteceu quando a tecnologia começou a fazer parte
do nosso cotidiano? Incorporamos novas palavras. Veja o caso da palavra
“deletar”. Ela vem do inglês delete e foi aportuguesada, usada no sentido
de suprimir, remover, excluir. Digitar indica que você vai datilografar no
computador. Você consegue pensar em outras palavras recentemente
incorporadas à nossa linguagem? E outras palavras que desapareceram
ou estão em vias de desaparecer? Chumbrega é uma delas! Este é um
estudo de ordem sincrônica, pois analisa as características de uma língua
em um determinado momento do tempo, fazendo um recorte.

Já a fala é algo mais pessoal. É a escolha de elementos da língua realizada por um


sujeito para expressar sua forma de pensamento, suas necessidades, seus interesses
etc. É o modo individual do uso da língua.

Saussure entende que a língua é um sistema de valores que representa a grandeza


de uma sociedade e é empregada para auxiliar na gestão dos aspectos de interação
desta mesma sociedade. A língua é necessária para dar formato ao pensamento; sem
a língua, o pensamento não poderia ser materializado. Essa materialização ocorre na
junção da ideia (que está no âmbito do pensamento) e da emissão organizada de sons
(capacidade humana de articulação da fala). Com a língua, as ideias se fixam a sons
específicos.

Para que a língua cumpra sua função social no processo de comunicação, é

24 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

necessário que as palavras tenham um significado, ou seja, que cada palavra represente
um conceito. Desta forma, Saussure estabelece o conceito de signo linguístico como
a combinação entre a palavra escrita ou falada e o conceito. O signo linguístico é
utilizado para representar um conceito (que pode ser uma ideia, um objeto, um
sentimento etc.) e é formado por um significado associado a um significante.

Vamos dar um exemplo. Pense em uma maçã. Em sua mente, aparece a imagem
de uma maçã, correto? No entanto, não é só a imagem da maçã que está na sua
mente. Você é capaz de associar o cheiro, o sabor, o fato de uma maçã ser o fruto da
macieira e, inclusive, o fato de saber que existem vários tipos de maçãs, correto? Você
pode até lembrar de memórias associadas à maçã, como uma bala de maçã que tenha
ganhado de seu colega há anos. Perceba que, ao pensar em “maçã”, nós recuperamos
um conjunto de associações, portanto “maçã” não é apenas uma imagem, mas um
conceito complexo, um conjunto articulado de conhecimentos e sentidos. A este
conjunto articulado de conhecimentos e sentidos chamamos de significado.
Observe: o conjunto de sons empregados para falar a palavra “maçã” também está
armazenado em sua memória. Ao ver a maçã em sua mente, você é capaz de associar
essa imagem a um conjunto de sons, correto? Observe que interessante: mesmo que
ninguém esteja falando em voz alta, você é capaz de “ouvir” sons como se estivesse
falando “maçã” dentro de sua cabeça. Isso é uma imagem sonora. Veja: quando alguém
fala para você: “Por favor, traga para mim a maçã que está dentro da geladeira”, você
sabe exatamente o que precisa pegar: a maçã. Você sabe disso porque o conjunto
de sons que formam “maçã” já estão armazenados na sua memória (imagem sonora),
e isso impede, por exemplo, que você pegue água ou uma cebola. Chamamos de
significante o conjunto de sons que representam um conceito.

Faça você mesmo


Este breve exercício é muito importante para compreender a ideia de
signo linguístico. Pegue um lápis e um papel. Pense em um sentimento
que chamamos felicidade. Escreva esta palavra no centro do papel e
desenhe diversas setas saindo desta palavra. Para cada seta, escreva uma
ideia associada à felicidade.

Felicidade

Utilize quantas setas quiser, mas tente esgotar tudo o que você conseguir
associar à ideia de felicidade. Quando tiver esgotado as associações,
observe o resultado. Veja que “felicidade” não é apenas uma palavra ou

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 25


U1

apenas um sentimento, é um conjunto de associações, é um conceito


(significado). Associado ao significado, está a imagem sonora (conjunto
de sons empregados para identificar este conceito). Ninguém falou
“felicidade” em voz alta, mas você é capaz de “ouvir” este conjunto de
sons em sua cabeça. Este é o significante.

Signo linguístico é a associação entre o significado (conceito) e o significante


(imagem sonora). São como a cara e a coroa de uma mesma moeda, indissociáveis.

Assimile
Signo linguístico = significado + significante.

As pesquisas e o conjunto de propostas de Saussure foram um marco na história


da linguística e na organização de pesquisas que o sucederam. Entretanto, Saussure
ainda tem mais uma contribuição muito importante para entendermos a aquisição e o
desenvolvimento da linguagem humana.

Pesquise mais
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix,
2016.

Saussure ministrava o Curso de Linguística Geral na Universidade de Genebra,


porém só o fez por três vezes antes de falecer. Seus discípulos entraram em
contato com os estudantes de Saussure e recolheram seus cadernos, de
onde tiraram as anotações que estruturaram esta obra póstuma, em que
são tratados os conceitos inaugurais da linguística moderna.

Em suas considerações, Saussure aponta que uma propriedade marcante da


língua é seu caráter arbitrário. Você lembra que estudamos isso na seção anterior? A
língua possui duas características (flexibilidade e versatilidade) e quatro propriedades
(arbitrariedade, dualidade, descontinuidade e produtividade). Vamos olhar a
arbitrariedade com mais atenção.

Em algum momento, um conjunto de pessoas definiu que determinado significado


(conceito, ideia, objeto, sentimento etc.) estaria associado a um determinado
significante (imagem sonora). Podemos até investigar a origem das palavras, o nome
deste estudo é Etimologia, mas ainda assim, não conseguimos mais resgatar a história
de muitas palavras, pois se perderam no tempo. Por este motivo, entendemos que
a atribuição de significante a um significado se dá de forma arbitrária (quem decidiu

26 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

que cadeira deveria ser chamada de “cadeira”?). Esta é, portanto, uma importante
característica do signo linguístico: a arbitrariedade.

Pesquise mais
VIARO, Mário Eduardo. Manual de etimologia do português. São Paulo:
Globo Livros, 2013.

Viaro se propõe a explicar o mecanismo de formação de palavras na


língua portuguesa de forma inteligente e acessível. Vale a pena conhecer!

O fato é que os significantes são associados a significados (formando o signo


linguístico) desde o início do desenvolvimento da linguagem primitiva, de forma que
hoje somos frutos desta evolução. E assim os bebês aprendem: eles são expostos a
um signo linguístico completo desde que nascem. Não escolhemos o significante,
pois ele já existe antes de nascermos.

Saussure aponta que foi a propriedade da arbitrariedade que tornou o signo linguístico
tão resistente às mudanças. Se aprendemos desde bebês que um determinado animal
se chama passarinho e toda a sociedade à qual pertencemos chama este determinado
animal de passarinho, não temos força individual para questionar esta construção. Não
há força individual capaz de modificar uma língua. Assim, a língua de uma sociedade
também tem as características de imutabilidade e durabilidade. E é bom que seja assim,
pois não podemos pensar em uma comunicação eficaz se tivermos que negociar o
sentido dos conceitos o tempo todo.

Reflita
Em 1997, foi proposta uma nova nomenclatura para a termologia
anatômica (partes do corpo). Desde então, devemos chamar o “ouvido”
de orelha, a “amídala do céu da boca” de tonsila, a “rótula do joelho” de
patela. Você já ouviu essa nova nomenclatura? Ela existe há quase 20
anos e ainda não foi incorporada. Consegue perceber que é muito difícil
produzir mudanças na língua? Saussure afirma que só após um bom
tempo e com um grande grupo de falantes (até mesmo por gerações,
após um período de 100 anos, aproximadamente!) é que se produz uma
alteração na língua. Pelo jeito, ainda vai demorar um bom tempo para que
a nova terminologia médica seja incorporada em nosso cotidiano!

Estudamos nesta seção o trabalho científico de Ferdinand de Saussure,


linguista de grande renome que trouxe uma nova perspectiva aos estudos sobre a
linguagem humana, mais especificamente sobre a língua, proporcionando uma nova

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 27


U1

compreensão de sua funcionalidade. Além de definir claramente a diferença entre


linguagem, língua e fala, Saussure definiu o que é um signo linguístico, constituído a
partir da associação entre significado (conceito) e significante (imagem sonora). Por
fim, enfocou a propriedade da arbitrariedade da língua, compreendendo que ela se
manifesta de forma imutável e durável, sendo necessário mais cem anos para que
alguma modificação seja incorporada à língua.

Desta forma, podemos compreender o quanto é importante a existência de


estudos científicos e acadêmicos sobre a linguagem. Conhecendo estes estudos, o
professor tem condições de trabalhar questões significativas da língua, por exemplo,
valorizar a linguagem oral como base da aquisição da linguagem escrita. Conhecer a
estrutura e o funcionamento da língua são pré-requisitos para o desenvolvimento das
atividades educacionais, portanto, é tarefa do professor se aprofundar neste campo
de conhecimento: a Linguística. Grandes áreas da pesquisa, como a fonoaudiologia,
a psicologia e a neurociência têm empregado estudos descritivos e analíticos da
linguística. Em suma: a linguagem é a via de comunicação dos seres humanos e, por
este motivo, deve ser constantemente investigada, trazendo elementos fundamentais
para a atuação consciente do professor.

Sem medo de errar


A situação-problema (SP) proposta nesta seção é dar continuidade ao documento
que você iniciou na seção anterior, justificando o motivo pelo qual a linguagem é,
de fato, a principal forma de desenvolvimento da aprendizagem. Agora você deve
produzir a segunda página deste documento e sugerimos que você aborde:

a) A diferenciação entre linguagem, língua e fala.

b) Uma explicação sobre signo linguístico e sua importância nos estudos sobre
linguagem humana.

c) A importância dos estudos científicos e acadêmicos para a área da linguagem.

Uma boa forma de você começar esta segunda página é ressaltar que os estudos
acadêmicos e científicos sobre a linguagem só foram melhor estruturados a partir do
século XX, quando se procurou definir claramente a diferença entre linguagem, língua e
fala. É importante que você explicite o significado de cada um destes conceitos, apontando
que um bebê, ao nascer, já possui a capacidade de desenvolver a linguagem e que essa
linguagem é expressa na forma de uma língua, manifestação da cultura de um grupo social.

Desenvolver a capacidade de se expressar de acordo com a língua oficial de uma


sociedade já é um enorme aprendizado, e as crianças são capazes disso aos três anos
de idade, aproximadamente.

28 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

Ressalte que esta capacidade é surpreendente, pois desenvolver a linguagem não


se trata apenas de uma repetição de palavras sem sentido, mas que toda a palavra
emitida é, na verdade, um signo linguístico, composto por um significado (conceito) e
um significante (imagem sonora). Nesta seção, você analisou dois signos linguísticos:
“maçã” e “felicidade”. Você pode escolher outra palavra para usar como exemplo de
signo linguístico. Por exemplo, pode usar a palavra “mãe” ou “escola” na sua produção,
a exemplo de como fizemos nesta seção.

Junte a segunda página à sua produção inicial e guarde-as para dar continuidade
na Seção 1.3!

Atenção
Neste momento, é muito importante que você entenda que o sistema de
comunicação que empregamos mais comumente – a língua – é a base
de toda a aprendizagem humana. Sem ela, não conseguimos aprender
conceitos, explicar teorias, compreender e ser compreendido. Mesmo as
pessoas que nascem surdas precisam de uma língua para se comunicar,
e, para isso, usam a língua de sinais.

Avançando na prática

Signo linguístico?

Descrição da situação-problema

Sua turma acabou de estudar a Seção 1.2, intitulada Teoria linguística de Ferdinand
de Saussure. Você compreendeu bem a importância de Saussure e sua contribuição
para a definição dos conceitos de linguagem, língua e fala. Você até compreendeu
muito bem o que quer dizer um signo linguístico, o que representa um significado e
o que é um significante. Porém, o mesmo não ocorreu com todos os seus colegas e
um deles, em particular, pediu sua ajuda. Você não vai se furtar a ajudá-lo, até porque
sabe que, quanto mais se exercitar, mais aprenderá sobre a linguagem, língua e fala,
bem como signo linguístico, significado e significante.

Seu amigo tem um pedido muito específico: que você comece com um exemplo
e daí derive a teoria explicativa. Além disso, pede que você crie um exercício para
que possa fixar seu conhecimento. Seu desafio é explicar para seu colega o que é
linguagem, língua e fala e o que é signo linguístico, significante e significado a partir de
exemplos. Você pode criar uma apresentação, fazer um esboço, escrever um texto.

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 29


U1

Lembre-se

A linguagem é uma capacidade do ser humano de conseguir se expressar


e compreender, mas ele pode fazer isso de várias formas: com as
expressões, com os desenhos, com a linguagem oral etc. A língua é um
conjunto organizado de palavras, que segue uma determinada norma para
um coletivo de pessoas, permitindo que um enunciado seja manifestado
claramente, de forma objetiva e com precisão. Já a fala é algo pessoal,
pois o indivíduo escolhe elementos da língua para expressar sua forma de
pensamento, suas necessidades, seus interesses etc. É o modo individual
do uso da linguagem e da língua. Por fim, signo linguístico é a associação
entre o significado (conceito) e o significante (imagem sonora).

Resolução da situação-problema

Uma forma simples de você resolver este desafio é apresentar um ditado popular
em vários formatos. Observe esta brincadeira e tente descobrir o ditado popular,
expresso pela combinação das quatro figuras:

Figura 1.1 | Ditado popular

A B C D

Fonte: <https://pixabay.com/pt/mundo-terra-planeta-globo-549425/>. Acesso em: 12 maio 2016.


Fonte: <http://elenita.tistory.com/648>. Acesso em: 12 maio 2016.
Fonte: <https://pixabay.com/pt/olho-olho-marrom-brown-rosto-157815/>. Acesso em: 12 maio 2016.
Fonte: <https://pixabay.com/pt/coroa-rei-imperador-real-royalties-42251/>. Acesso em: 12 maio 2016.

Você já deve ter entendido que o ditado expresso nas imagens é: “Em terra de
cego, quem tem um olho é rei”, que quer dizer, no meio de ignorantes, quem tem um
pequeno conhecimento acaba dominando a situação.

Vamos observar do ponto de vista da linguagem: escolhe-se uma forma de expressar


a mensagem, esta forma pode ser por imagens, o que chamamos de linguagem visual.
Também pode-se escolher escrever esta mensagem, trata-se da linguagem escrita. Se
for falada, chamamos de linguagem oral. Do ponto de vista da linguagem oral, não
podemos usar qualquer emissão de sons para expressar nosso pensamento. É preciso

30 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

escolher as palavras comuns ao nosso grupo social, portanto empregamos a língua


(portuguesa, no nosso caso). O ditado pode ser expresso na forma mais convencional:
“Em terra de cego, quem tem um olho é rei”, mas pode ser expresso também de forma
mais pessoal: “na terra de cegos, quem tem um olho só já é rei”. Quando escolhemos
termos de forma pessoal para nos comunicar, estamos tratando da fala.

Agora, veja só: pense na imagem da coroa, cujo significado, neste contexto, é
“rei”. Rei é um signo linguístico composto por um significado (conceito: poder, dono,
dominante, rico, chefe etc.) e por um significante (imagem sonora – sons exclusivos
associados a este conceito). Não fica mais simples entender assim? E o olho? Não é
a mesma ideia?

Faça você mesmo


Agora, procure descobrir os ditados populares abaixo, relacionando-os
com a definição de linguagem, língua, fala, signo linguístico, significado
e significante:

Figura 1.2 | Ditado popular 2

A B C D
“Cavalo dado, não se olha os dentes”
não
“Em boca fechada não entra mosquito”

Fonte: <https://pixabay.com/pt/cavalo-retrato-cabe%C3%A7a-cabe%C3%A7ada-473093/>. Acesso em: 12


maio 2016.
Fonte: <https://pixabay.com/pt/dos-dados-cubo-morrer-jogo-152179/>. Acesso em: 12 maio 2016.
Fonte: <https://pixabay.com/pt/m%C3%A1scaras-de-com%C3%A9dia-30411/>. Acesso em: 12 maio 2016.
Fonte: <https://pixabay.com/pt/dentista-dentes-dente-feliz-158225/>. Acesso em: 12 maio 2016.

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 31


U1

Faça valer a pena

1. Considere:
I – Linguagem é a capacidade que o ser humano tem de se comunicar
por meio de uma língua.
II – Língua é a forma culta desta expressão.
III – Fala é a forma coloquial desta expressão.

a) O que se afirma em I, II e III está correto.


b) O que se afirma em II e III está correto.
c) O que se afirma em I e III está correto.
d) O que se afirma em I está correto.
e) Nenhuma afirmação está correta.

2. Com relação ao signo linguístico, estão corretas:


I- É associação de duas facetas: o significado e o significante.
II- A imagem acústica é o significado da palavra.
III- A imagem acústica é o significante da palavra.
IV- O conceito é o significado da palavra.
V- O signo linguístico é construído de forma arbitrária.

a) I, II, V.
b) I, II, IV, V.
c) I, III, IV, V.
d) III, IV, V.
e) Todas estão corretas.

3. Classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas e assinale


a alternativa que apresenta a sequência correta:
(__) Em se tratando do signo linguístico, se considera que o significado
é o conceito e o significante é a imagem sonora.
(__) O signo linguístico é a fusão arbitrária do material concreto que

32 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

se quer nomear com alguns sons previamente escolhidos pela elite


cultural.
(__) A arbitrariedade no emprego de sons para definir um significante
faz parte das pesquisas no campo da linguística.

a) V – V – V.
b) V – V – F.
c) F – V – F.
d) V – F – V.
e) F – F – V.

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 33


U1

34 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

Seção 1.3

Funções da linguagem

Diálogo aberto

Parabéns! Você já venceu duas etapas da situação geradora da aprendizagem


(SGA), o desafio proposto para estimular sua aprendizagem. A SGA trata de um raro
anúncio de emprego para concorrer ao cargo de professor em uma escola bastante
reconhecida por sua qualidade no desenvolvimento educacional das crianças, a
Escola dos Sonhos, e você ficou muito interessado, pois parece ser o emprego
ideal para você. A escola acredita firmemente que a base da aprendizagem do ser
humano é sustentada pela linguagem e, por este motivo, estimula amplamente
o desenvolvimento da comunicação oral entre as crianças que lá estudam. Para
concorrer a este processo seletivo, você deverá apresentar uma produção escrita de
quatro páginas, esclarecendo os conceitos básicos que demonstram que a linguagem
é, de fato, a principal forma de desenvolvimento da aprendizagem.

Nas seções anteriores, você redigiu duas páginas. Nesta aula, a situação-problema
(SP) proposta é escrever a terceira página do documento solicitado pela Escola
dos Sonhos, em que você defenda que a linguagem é, de fato, a principal forma
de desenvolvimento da aprendizagem. Aqui, seu objetivo é preparar uma página
apresentando o modelo de comunicação mais estudado e mais utilizado, de modo a
explicitar que mesmo crianças muito pequenas empregam este modelo, utilizando as
funções de linguagem desde cedo.

Desta forma, a terceira página do documento deve conter:

a) Uma apresentação sobre o modelo de comunicação comumente utilizado.

b) A importância deste conhecimento para professores e professoras.

Para conseguir resolver a situação-problema desta seção, você irá conhecer


o trabalho do russo Roman Jakobson, responsável por estruturar o modelo de
comunicação que empregamos, bem como as funções da linguagem. Ao final da
seção, você refletirá sobre a importância destes conhecimentos para os professores.

Os objetivos propostos na Seção 1.3 são: conhecer o modelo de comunicação


delineado por Roman Jakobson, conhecer as funções de linguagem, refletir sobre o

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 35


U1

uso destas habilidades por crianças desde muito cedo e perceber a importância destes
conhecimentos para o professor. Este são os pontos importantes para você resolver
a terceira SP.

Agora, mãos à obra! Faça a leitura desta seção, amplie seus conhecimentos
pesquisando as referências indicadas e outras que sejam complementares, visite sites
e assista a filmes e vídeos, realize os exercícios e, por fim, elabore sua produção escrita
para concorrer ao processo seletivo da tão sonhada oportunidade!

Não pode faltar


Ao longo das duas primeiras seções, ela descobriu que a linguagem é a capacidade
humana de se comunicar e que possui características próprias. Estudou também a
diferença entre linguagem, língua e fala e entendeu que, para que a língua cumpra sua
função social no processo de comunicação, é necessário que as palavras tenham um
significado, ou seja, que cada palavra represente um conceito. Assim, foi concebida
a ideia de signo linguístico como a combinação entre a palavra escrita ou falada e o
conceito: o signo linguístico é utilizado para representar um conceito (que pode ser
uma ideia, um objeto, um sentimento etc.) e é formado por um significado associado
a um significante.

Muito bem! Agora você deve estar se perguntando como é que as pessoas
conseguem estabelecer diálogo? De que forma o ser humano é capaz de estabelecer
um processo de comunicação? Basta ter a capacidade de desenvolver a linguagem
e empregar o signo linguístico? Isto é suficiente para transmitir uma informação e é
certo que a informação transmitida será compreendida pela outra pessoa?

Preocupado em esclarecer estes pontos, o russo Roman Jakobson e alguns


colaboradores desenvolveram estudos neste sentido, chegando a delinear o modelo
de comunicação que nós, seres humanos, empregamos. Ele estudou particularmente
a linguagem verbal.

Assimile
Há duas modalidades de linguagem: a linguagem verbal e a linguagem
não verbal. A linguagem verbal emprega palavras e pode ser escrita ou
falada. A linguagem não verbal emprega imagens, sons, gestos, sinais,
desenhos, expressões faciais, entre outras formas de expressão.

36 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

Jakobson nasceu no ano de 1896 e faleceu em 1982, sendo produtivo até os


últimos dias de vida. Viveu em vários países e foi colaborador em diversas universidades,
o que permitiu que tivesse acesso a muitas pesquisas e inovações em sua vivência
acadêmica. Ao longo da vida, foi fortemente influenciado pelas pesquisas de Saussure,
pela cibernética e, por fim, pela pesquisa em matemática e comunicação. Dedicou-
se à análise da estrutura da linguagem, da poesia e da arte. Uma de suas grandes
contribuições para a Linguística foi propor um modelo explicativo para o processo de
comunicação, apresentado a seguir.

Figura 1.3 | Roman Jakobson

Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Roman_Jakobson.jpg>. Acesso em: 12 maio 2016.

Figura 1.4 | Esquema de comunicação

Contexto

Emissor Mensagem Receptor

Canal

Código

Fonte:elaborada pela autora.

Pode-se explicar este gráfico da seguinte forma:

O presente gráfico exemplifica a comunicação na sua forma mais simples, com


apenas dois elementos: o emissor, que envia uma mensagem ao receptor, que a recebe.

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 37


U1

Para que haja comunicação, é preciso um contexto comum, ou seja, emissor e


receptor devem ter o mesmo referencial, caso contrário não se entenderão, a mensagem/
comunicação não terá efeito. Também é preciso que esta mensagem seja expressa de
acordo com um código, ou seja, um conjunto de signos e a combinação destes signos
entre si. Lembra da ideia de signo linguístico? Pois é isso mesmo! Estamos tratando
aqui de uma língua. No caso deste esquema, o código representa uma língua comum
ou parcialmente comum aos dois participantes. Inicialmente, o canal representava um
contato físico e uma conexão psicológica entre emissor e receptor, por exemplo, ondas
sonoras na fala do emissor que são captadas pela orelha do receptor. Atualmente, o
canal é compreendido como o suporte que faz a mensagem chegar ao receptor, tal
como uma carta, um e-mail, uma revista, um jornal, a televisão, o rádio, o telefone e até
mesmo o WhatsApp pode ser considerado um canal.

Vamos ver um exemplo?

Exemplificando

Figura 1.5 | Esquema de comunicação aplicado a um exemplo

Contexto: ESTUDO
DA ÁREA DE
LINGUAGEM

Mensagem: COMO
Emissor: Receptor:
ESCREVER UMA
PROFESSOR ALUNO
RESENHA

Canal: APRESENTAÇÃO
ELETRÔNICA e AULA

Código: LÍNGUA
PORTUGUESA

Fonte: elaborada pela autora.

Reflita
O esquema proposto por Jakobson é o esquema mais simples, envolvendo
apenas duas pessoas ou dois extremos (emissor e receptor). O que
você acha que acontece quando há um emissor e vários receptores? O
esquema pode ser mantido?

38 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

Apesar de o esquema ter sido elaborado para um processo muito simples, onde
exista apenas um emissor e um receptor, não há diferença, caso os receptores sejam
um grupo, bem como não há diferença se houver mais de um emissor. Porém, é
preciso que o contexto, o canal e o código sejam comuns.

Roman Jakobson foi mais longe e aprofundou sua construção. Ele entendeu que
não existe comunicação sem uma intenção. Se não há nada para ser apresentado,
discutido, negado, negociado, apreciado, não há necessidade de comunicação.
Portanto, todo o processo comunicacional tem uma função. As funções
comunicacionais são ligadas a um dos componentes do esquema de comunicação
proposto. Vamos conhecê-las?

Figura 1.6 | Esquema de comunicação e função da linguagem

Contexto: Função
Referencial

Emissor: Função Mensagem: Função Receptor: Função


Emotiva Poética Conativa

Canal: Função Fática

Código: Função
Metalinguística

Fonte: elaborada pela autora.

Função emotiva: centrada no emissor, tem como objetivo a expressão direta


de quem fala; sugere sempre uma mensagem emotiva, normalmente expressa
em primeira pessoa (eu) e normalmente composta por interjeições, adjetivos e/
ou advérbios. Aparece em músicas, relatos pessoais, depoimentos, autobiografias,
entrevistas, críticas subjetivas, portanto, associadas a uma impressão pessoal. São
exemplos: “Não falarei nada que possa deixar esta situação pior do que está”; “Vou
morrer de fome!”; “Eu quero muito muito muito este brinquedo!”.

Função poética: centrada na própria mensagem, é como se a mensagem estivesse


voltada a si mesma. A grande preocupação é com a construção estrutural e quase que
concreta da mensagem. Aparece normalmente em textos literários e em poesias, no
campo da publicidade e em alguns trechos de músicas. Nessa função, são ressaltados
elementos como sonoridade das palavras, exploração dos sentidos pelo uso de figuras
de linguagem, formas das palavras e das letras, como na poesia concreta (cf. obras dos
irmãos Haroldo de Campos e Augusto de Campos). Um exemplo muito conhecido:

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 39


U1

Era uma casa Não tinha teto


Muito engraçada Não tinha nada
Ninguém podia Ninguém podia
Entrar nela, não Dormir na rede
Porque na casa Porque na casa
Não tinha chão Não tinha parede (...)
Fonte: Moraes (1970).

Função conativa (ou apelativa): função orientada no receptor, tem como


objetivo dar ordens ou conselhos ao receptor, normalmente trazendo argumentos
de persuasão. É muito comum em propagandas. Emprega regularmente a 2ª pessoa
(tu/você), vocativos e o verbo normalmente aparece no imperativo. São exemplos:
“Compre Baton!” (Propaganda do chocolate Baton, em que uma criança tenta
convencer sua mãe a comprar o chocolate usando a hipnose); “Ei, você! Não perca
esta promoção! ”.

Função referencial (denotativa): são mensagens associadas ao contexto, são


mensagens claras e sem ambiguidades. Normalmente emprega a terceira pessoa (ele,
ela) e são encontradas em noticiários (mensagens objetivas), textos acadêmicos, livros
didáticos etc. São exemplos: “Energia é igual à massa vezes a velocidade da luz ao
quadrado – E=m.c2”; “Meu amiguinho caiu na escola hoje”.

Função fática: são mensagens utilizadas para abrir, manter, fechar e até mesmo
verificar se o canal está em funcionamento. Chama a atenção do receptor e o deixa
em alerta. Veja exemplos: “1 2 3, testando” – para testes de microfone; “Alô? Está me
ouvindo?” – Atendendo ou falando ao telefone. As chamadas televisivas para início
e fim de programação (novelas, jornal etc.) também são exemplos dessa função: “O
jornal iniciará em alguns segundos”.

Função metalinguística: nesta função, o emissor emprega o código para explicar


o próprio código, por exemplo, quando um professor explica algum conteúdo de
Língua Portuguesa usando a própria Língua Portuguesa, ou ainda, quando se escreve
um texto para explicar outro texto. Veja: “Frase é uma construção linguística que possui
um sentido completo” – aqui usamos uma frase para explicar uma frase.

Pesquise mais
Em 1960, Roman Jakobson escreveu seu livro mais famoso, chamado
“Linguística e comunicação”. Aborda a relação entre linguagem e
comunicação, passando pelas artes e pela poética. Aqui você encontrará
um detalhamento sobre as funções da linguagem.

Fonte: JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. São Paulo: Cultrix,


2015.

40 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

Você pode perceber que usamos a linguagem com diferentes propósitos: para
expressar o que estamos sentindo, para convencer o outro, para manter o canal de
comunicação aberto, para trabalhar a linguagem, explorando recursos que afetem os
nossos sentidos. Logo, não podemos afirmar que o único objetivo da linguagem é
transmitir informações, pois como você acabou de estudar, realizamos muito mais,
dependendo do modo como a utilizamos. Vale a pena ressaltar que um texto pode
apresentar mais do que uma função de linguagem, mas sempre há a predominância
de uma determinada função.

Por isso, é importante que o professor conheça a estrutura da comunicação e


as funções da linguagem, para que possa ter ações e atitudes mais efetivas em seu
trabalho, comunicando-se com mais eficácia, estimulando seus alunos a explorarem
todas as possibilidades da linguagem nos textos que produzem, tanto orais quanto
escritos. A capacidade de comunicação é essencial em processos educacionais,
pois sem um contexto e um código em comum, não é possível estabelecer diálogo,
aprender e evoluir. É preciso conseguir se comunicar para entender os diversos pontos
de vista sobre um assunto, para poder ponderar, para conseguir argumentar, expressar
emoções e sentimentos, e também transmitir conhecimentos.

Agora você tem elementos para resolver a terceira situação-problema.

Sem medo de errar

A situação-problema proposta nesta seção é dar continuidade ao documento que


você desenvolveu nas seções anteriores, justificando o motivo pelo qual a linguagem
é, de fato, a principal forma de desenvolvimento da aprendizagem. Agora você deve
produzir a terceira página deste documento e sugerimos que você realize:

a) Uma apresentação sobre o modelo de comunicação comumente utilizado.

b) A importância deste conhecimento para professores e professoras.

Uma boa forma de você começar esta terceira página é ressaltar que a capacidade
dos seres humanos de desenvolver a linguagem só se concretiza quando há uma
comunicação estabelecida ou a ser estabelecida. Assim, é fundamental compreender
os elementos que compõem o processo de comunicação e a intencionalidade
subjacente, expressa com o nome de funções de linguagem.

Desenvolver a capacidade de se expressar de acordo com a língua oficial de uma


sociedade e fazer isso de forma intencional é um enorme aprendizado, e as crianças
são capazes disso aos 3 anos de idade, aproximadamente.

Agora, você deve começar a explicar que a criança utiliza a linguagem para
aprender, não só porque faz perguntas, mas porque é capaz de compreender as

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 41


U1

respostas, analisando-as e incorporando-as em seu pensamento. Além disso, ressalte que


os professores devem conhecer os princípios da comunicação e como ela se estrutura,
para que possam empregar a melhor forma de apoiar a aprendizagem das crianças.

Explique que quanto mais versátil é o conhecimento dos professores, maior é a


possibilidade de estabelecer uma comunicação assertiva com crianças, permitindo-
lhes uma aprendizagem mais segura e ampla.

Junte a terceira página à sua produção inicial e guarde-as para dar continuidade na
Seção 1.4!

Atenção
O conhecimento aqui tratado deve ser empregado com ética e seriedade.
Conhecer os estilos de cada função de linguagem dá ao emissor o poder
de coibir, constranger ou inferiorizar o receptor. Fique atento para não
empregar equivocadamente este conhecimento. Hoje há leis que proíbem o
uso indiscriminado de propagandas comerciais para crianças, por exemplo.

Avançando na prática

Arroba

Descrição da situação-problema

Leia o diálogo fictício entre um atendente de suporte técnico de informática e um


cliente pedindo uma ajuda por telefone:

Toca o telefone.

O atendente atende e inicia a comunicação:

SUPORTE TÉCNICO: Bom dia! Em que posso ajudar?

CLIENTE: Realmente preciso de uma ajudinha. Estou escrevendo meu primeiro


e-mail!

SUPORTE TÉCNICO: Excelente, mas qual seria o problema?

CLIENTE: Eu apertei a letra “a”. Como é que eu faço o circulozinho em volta dela
para fazer o tal arroba?

Supondo que você seja o suporte técnico, como ajudaria o cliente a resolver o
problema, empregando o modelo de comunicação e as funções de linguagem
apresentados nesta seção?

42 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

Lembre-se

Uma comunicação entre emissor e receptor ocorre porque há uma


intenção manifesta. Hoje conhecemos seis funções da linguagem, cada
uma correspondendo a uma intenção. A função emotiva é centrada no
emissor; a função poética é centrada na própria mensagem; a função
conativa é centrada no receptor, para persuadi-lo; a função referencial é
centrada no contexto; a função fática é centrada no funcionamento do
canal; e a função metalinguística é centrada no código, que é empregado
para explicar o mesmo tipo de código.

Resolução da situação-problema

Você pode resolver este problema preenchendo o quadro para compreender a


comunicação:

Figura 1.7 | Esquema de comunicação aplicado

Contexto: Problema na
área da informática

Mensagem: Não
Emissor: Cliente Receptor: atendente
consegue fazer o arroba

Canal: FALA, EMISSÃO


SONORA - RECEPÇAO
PELO CANAL AUDITIVO

Código: LÍNGUA
PORTUGUESA
Fonte: elaborada pela autora.

Em seguida, pode ensaiar suas respostas, de acordo com cada função:

a) Função emotiva: fiquei triste agora por você não conseguir fazer o arroba. Se eu
estivesse bem na sua frente, poderia apontar uma tecla específica do seu teclado, que é o
próprio arroba. Como não estou aí ao seu lado, eu entendo que você deve apagar a letra
“a” e apertar o arroba.

b) Função conativa: você é capaz de resolver isso! Preste atenção! Apague este “a” e
procure o arroba no teclado. Ele já existe em seu teclado, é só olhar com atenção, localizar
e apertar!

c) Função referencial: para usar o arroba, é só apertar a tecla correta, que fica no

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 43


U1

canto superior do teclado, provavelmente à esquerda.

d) Função fática: você disse arroba? Espere um momento, não desligue.

e) Função metalinguística: o arroba é um sinal criado para separar o nome do


usuário de seu provedor, então um exemplo é joão@provedor-da-internet.com.br.

Faça você mesmo


Gostou desta atividade? Então faça o mesmo para o seguinte diálogo,
entre mãe e filha, onde a mãe está aprendendo a enviar mensagens por
celular e a filha precisa explicar que está tudo certo:

Tem alguma coisa errada com


meu celular. Acho que minhas
mensagens não estão sendo
enviadas corretamente.

Estão sim, mãe.

Como você tem tanta


certeza disso?

Como você preencheria o quadro com o modelo de comunicação?

Como responderia utilizando as seis funções de linguagem?

Faça valer a pena

1. Assinale a alternativa que corresponde aos elementos que compõem o


modelo de comunicação proposto por Roman Jakobson:
a) Signo linguístico – significado – significante.
b) Linguagem – língua – fala.
c) Comunicação – mensagem – diálogo.
d) Emissor – mensagem – receptor – contexto – canal – código.
e) Remetente – função – destinatário – local – posição – linguagem.

44 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

2. Associe as colunas dos elementos presentes no modelo de comunicação


delineado por Jakobson com seu significado e assinale a alternativa que
corresponde à sequência correta:
I – Emissor. 1. Contato físico e conexão psicológica.
II – Mensagem. 2. Conjunto de signos e suas combinações.
III – Receptor. 3. Conteúdo.
IV – Contexto. 4. Envia a mensagem.
V – Código. 5. Referencial.
VI – Canal. 6. Recebe a mensagem.

a) I(1) II(2) III(3) IV(4) V(5) VI(6).


b) I(4) II(3) III(6) IV(5) V(2) VI(1).
c) I(2) II(3) III(4) IV(6) V(1) VI(5).
d) I(4) II(6) III(1) IV(2) V(5) VI(3).
e) I(4) II(3) III(1) IV(5) V(2) VI(6).

3. Roman Jakobson associou uma função de linguagem a cada elemento


que compõe o modelo de comunicação. As funções de linguagem
propostas por ele são:

a) Emotiva, poética, conativa, referencial, fática, metalinguística.


b) Comunicar, falar, explicar, apontar, explicitar, desenhar.
c) Emissor, receptor, mensagem, canal, código, contexto.
d) Linguagem, língua, fala, comunicação, oratória, língua de sinais.
e) Televisiva, oratória, linguística, visual, auditiva, mímica.

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 45


U1

46 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

Seção 1.4

O funcionamento discursivo da linguagem

Diálogo aberto

Prezado estudante, parabéns! Você chegou na etapa final desta unidade!

Retome nossa situação geradora de aprendizagem: você viu um raro anúncio de


emprego para concorrer ao cargo de professor em uma escola bastante reconhecida
por sua qualidade no desenvolvimento educacional das crianças, a Escola dos Sonhos.
A escola acredita firmemente que a base da aprendizagem do ser humano é sustentada
pela linguagem e, por este motivo, estimula amplamente o desenvolvimento da
comunicação oral entre as crianças que lá estudam. Para concorrer a este processo
seletivo, você deverá apresentar uma produção escrita de quatro páginas, esclarecendo
os conceitos básicos que demonstram que a linguagem é, de fato, a principal forma
de desenvolvimento da aprendizagem. Nas três seções anteriores, você redigiu as
três primeiras páginas deste documento. A situação-problema proposta, então, é que
você escreva a última página do documento que já vem preparando. Nesta página,
você deve enfocar o aspecto discursivo da linguagem, ou seja, deve explicar o que é
discurso e como ideologias e práticas sociais acabam por influenciá-lo. Por fim, deve
conduzir o fechamento do seu documento defendendo que a linguagem é, de fato, a
principal forma de desenvolvimento da aprendizagem.

Agora, seu objetivo é preparar uma página em que consiga apresentar como
se dá o processo de comunicação através do discurso. Assim, a última página do
documento deverá conter:

a) Uma explicação sobre o que é discurso.

b) Apresentar a relação entre ideologia, práticas sociais e discurso.

c) A defesa de que a linguagem é, de fato, a principal forma de desenvolvimento


da aprendizagem.

Você deve se preocupar também em fazer uma revisão completa no seu


documento, trazendo coerência e coesão à produção final de quatro páginas.

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 47


U1

Para resolver a situação-problema desta seção, você precisará compreender


como a linguagem é expressa através do discurso e como as práticas discursivas são
determinadas por uma ou mais ideologias e por práticas sociais. Assim, você aprenderá
sobre os aspectos que influenciam a comunicação, tais como: vivência em grupo
sociais, ideias e ideais, intencionalidade, entre outros.

Os objetivos propostos nesta seção são: compreender como o discurso se


desenvolve e como é influenciado por ideologias e práticas sociais, bem como
entender a importância da linguagem para a aprendizagem. Este são os pontos
importantes para você resolver a última situação-problema.

Agora, mãos à obra! Faça a leitura desta seção, amplie seus conhecimentos
pesquisando as referências indicadas e outras que sejam complementares, visite sites
e assista a filmes e vídeos, realize os exercícios e, por fim, finalize sua produção escrita
para concorrer ao processo seletivo da tão sonhada oportunidade!

Não pode faltar

Esta é a última seção da unidade que aborda os conceitos básicos dos estudos
sobre a linguagem. Você aprendeu que a linguagem é uma capacidade do ser humano
e que, embora outros animais sejam capazes de se comunicar, apenas a linguagem
humana possui as características de arbitrariedade, dualidade, descontinuidade e
produtividade. Você também conheceu um pouco das descobertas de Saussure, como
a diferenciação entre linguagem, língua e fala, e o conceito de signo linguístico como
a combinação entre a palavra escrita ou falada e o conceito. Em seguida, conheceu os
estudos sobre trabalho de Jakobson, que explicou o modelo básico de comunicação.
Sua maior contribuição, no entanto, foi definir que a linguagem não tem apenas a
função de transmitir informações; fazemos muito mais por meio da linguagem. Assim,
ele sistematizou seis funções de linguagem: emotiva, poética, conativa, referencial,
fática e metalinguística.

Agora, nesta seção, o nosso foco é o discurso, que pode ser definido como toda
atividade comunicativa entre interlocutores; atividade produtora de sentidos que se dá
na interação entre falantes. O falante/ouvinte, escritor/leitor são seres situados num
tempo histórico, num espaço geográfico; pertencem a uma comunidade, a um grupo
e por isso carregam crenças, valores culturais, sociais, enfim a ideologia do grupo,
da comunidade de que fazem parte. Essas crenças, ideologias são veiculadas, isto é,
aparecem nos discursos. Assim, “(...) não há discurso neutro, todo discurso produz
sentidos que expressam as posições sociais, culturais, ideológicas dos sujeitos da
linguagem” (BRANDÃO, 2009, p. 3).

Vamos entender isso melhor. Você sabe que a língua se desenvolve a partir
do signo linguístico, mas você se lembra do conceito de signo linguístico? Signo

48 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

linguístico é a combinação entre o conceito e a palavra escrita ou falada (ou seja, signo
linguístico = significado + significante). Um signo linguístico é criado sempre dentro
de uma comunidade. O signo linguístico expressa uma ideia de uma determinada
comunidade. Veja o exemplo do signo “pão”. Na comunidade de padeiros, “pão”
significa o produto alimentar criado a partir da mistura de farinha, ovos, sal, água
(podendo ter mais ingredientes), que é sovado e assado. Para outra comunidade,
religiosa, o “pão” significa o corpo de Cristo. Para as moças de antigamente, um “pão”
era um rapaz bonito.

Exemplificando
Algo muito semelhante acontece com “gato”: representa um animal
felino, para a maior parte das pessoas; mas para os antigos egípcios, o
gato era uma encarnação divina; porém, também pode representar um
namorado ou, na forma feminina: uma gata, pode representar uma moça
bonita. Para os astutos, “dar um gato” significa falsificar algo, tornar algo
ilegal e até mesmo roubar.

Assim, um signo linguístico é criado e permeado de sentido dentro de um grupo


social e é transmitido através da interação social dos membros deste grupo (práticas
sociais). Por este motivo, a linguagem não é neutra, o discurso não é neutro: são
instituições sociais carregadas de ideologias e funcionam tanto para integrar como
adaptar indivíduos a um grupo social. Ao nascer em uma sociedade, é praticamente
impossível não compartilhar de sua(s) ideologia(s), pois toda mediação e aprendizagem
é feita a partir de signos próprios desta comunidade.

O discurso pode ser entendido como a linguagem em ação. O discurso reflete


a realidade de um grupo social, na medida em que a ordena e justifica. O discurso
também reflete as práticas sociais de uma determinada sociedade, pois condensa e
materializa sua existência. O discurso é organizado na língua de uma determinada
sociedade e manifestado pela fala dos indivíduos que compõem essa sociedade.

O discurso veicula aspectos políticos e ideológicos de relações de poder, sendo


utilizados para manutenção da classe dominante no poder. Isto é feito de forma sutil
e implícito (o discurso) nas práticas discursivas, muitas vezes mascarado. Veja, por
exemplo, o ditado popular: “Deus ajuda quem cedo madruga”, incutindo a ideia de que
é preciso ser um trabalhador obstinado e resignado, trabalhando desde muito cedo
em termos de idade e em termos de horário, para realizar conquistas que não exigem
tanto esforço de outras camadas sociais. Este ditado popular pertence ao discurso
capitalista.

Por outro lado, há estudos que ressaltam a dualidade do discurso: tanto pode ser
utilizado como uma condição de perpetuação da ideologia em vigor, mas também

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 49


U1

pode ser empregado para revolucionar a sociedade, visto que o ser humano não é
passivo, é capaz de lutar contra a ideologia das classes opressoras, utilizando o próprio
discurso para despertar a consciência crítica dos integrantes da sociedade, como
podemos ver no seguinte ditado popular (que se contrapõe ao ditado apresentado no
parágrafo acima): “O sol nasceu para todos”, indicando que todos podem ter direitos a
oportunidades, não apenas os integrantes das classes sociais dominantes.

Pesquise mais
Este livro apresenta a análise da prática do discurso através da ótica
de várias áreas do conhecimento, como linguística e sociologia. Sua
abordagem é clara e sistemática e destaca que, ainda que o discurso
reproduza a ideologia dominante, ele também pode ser empregado
como enfrentamento desta mesma ideologia, servindo, portanto, como
agente de mudança social. Esta é uma leitura transformadora!

Fonte: FAIRCLOUGH, Normam. Discurso e mudança social. Brasília:


Editora UNB, 2008.

Assimile
O discurso é a forma de comunicação e é expresso na língua própria de uma
sociedade, através da fala e/ou da escrita. Cada indivíduo organiza a própria
linguagem para veicular o discurso. Assim, o discurso é a linguagem em ação.

Se nascemos em uma sociedade, é óbvio que nosso pensamento vai tomando


forma a partir da língua, expressa na fala, utilizada pelas pessoas que compõem esta
sociedade. Assim, estamos imersos num ambiente repleto de ideias concebidas e
formalizadas a partir do discurso que a sociedade emprega (prática discursiva), utilizado
sistematicamente em várias práticas sociais. As práticas sociais discursivas mais
comuns ocorrem em conversas informais com familiares e amigos, em processos
educacionais escolares, em propagandas, em noticiários.

As práticas sociais discursivas retratam, mesmo que de forma inconsciente, alguma


ideologia, alguma ideia preconcebida, assim o emissor é entendido como suporte de
um discurso implantado e não como agente do discurso, pois reproduz os discursos que
armazenou ao longo da sua vida. Desta forma, alguns estudiosos como Bakhtin afirmam
que o indivíduo não fala o que quer, mas fala o que a ideologia impõe que ele fale.

Pesquise mais
Nesta obra, Bakhtin discute o conceito de signo linguístico composto por
um aspecto social e um aspecto ideológico (de certa forma contrariando
a compreensão de Saussure), alertando-nos que o pensamento individual

50 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

não é capaz de criar uma ideologia (é preciso um grupo social), mas que
a ideologia é capaz de criar o pensamento individual.

Fonte: BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo:


Hucitec, 2009.

Considerar que somos controlados pela ideologia de uma camada social dominante
é bastante limitante e traz uma perspectiva sem alternativa para os participantes
da sociedade. A história da humanidade é marcada por conflitos e grupos sociais
emergentes, que criam sua própria ideologia e a disseminam. Portanto, o discurso
empregado em práticas sociais tem uma característica dupla: ao mesmo tempo que
serve para fazer a manutenção da ideologia dominante, também tem a força e o poder
de contrariar esta ideologia, a partir da intervenção de outro grupo social, que criará
uma nova ideologia e lutará para implantá-la, disseminá-la e mantê-la no poder, pois é
considerada melhor do que a anterior.

Quando tratamos de ideologia, falamos de crenças, valores e visões. Podemos


entender, por exemplo, que o capitalismo expressa uma ideologia, bem como o
socialismo e até mesmo o anarquismo. Podemos considerar também que os direitos
humanos, estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) através da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, expressam uma ideologia,
acordada e convencionada por um grupo de países que tem como objetivo preservar
a integridade e a dignidade do ser humano. Cada religião também possui sua ideologia,
normalmente associada aos ideais de fraternidade e amor ao próximo.

Reflita
Você já parou para refletir sobre como uma ideologia nasce e é veiculada?
Há três etapas: a primeira ocorre quando um grupo de pensadores entram
em acordo sobre uma determinada ideia ou postura; em seguida, ela é
veiculada massivamente e, por fim, começa a fazer parte do senso comum.
O exemplo mais clássico ocorreu na Revolução Francesa, quando a
burguesia implantou e começou a pregar a ideia de igualdade de direitos a
todos os homens e o livre-comércio, contrariando a ideologia de poder da
época, concentrada nas mãos da nobreza e do clero. A burguesia utilizou-
se de comícios e da divulgação nas escolas que controlava. E hoje? O
que conhecemos atualmente como burguesia pratica os princípios de
igualdade, liberdade e fraternidade que pregou na época da Revolução
Francesa? A burguesia mudou de papel nos tempos atuais? Quem é a
burguesia atualmente e qual é a sua ideologia?

Da mesma forma que o discurso é a representação de uma ideologia, ele também


é uma forma de ação, na medida em que as pessoas podem agir sobre o mundo e a

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 51


U1

realidade que as cerca. Embora as pessoas reproduzam os discursos que receberam


durante toda sua vida, o ser humano é autônomo e criativo para mudar esses discursos,
transformando sua realidade.

O local mais propício para o desenvolvimento do pensamento crítico acaba sendo


o ambiente escolar, e isto pode ocorrer desde a mais tenra idade, permitindo que
as crianças expressem o que pensam, confrontem ideias e pensamentos e tomem
decisões por si próprias. O ambiente escolar como o que conhecemos agora é uma
prática social estabelecida há mais de cem anos com o propósito de propagar as
informações e os conhecimentos adquiridos pela humanidade, bem como o espaço
de produção de novos conhecimentos. Portanto, é através da educação e do estímulo
ao pensamento crítico que é possível enfrentar o discurso da ideologia dominante
e criar novas percepções da realidade e transformá-la. Os estudos sobre ideologia
normalmente não consideram o ser humano (e muito menos as crianças e os jovens)
como sujeitos ativos na sociedade, capazes de criar, naturalizar, instituir e transformar
as relações de poder, remodelando e reestruturando o discurso.

Vamos chegando ao final desta seção e também ao final dos conceitos básicos dos
estudos da linguagem. Você descobriu que a linguagem não é neutra, o pensamento
é estruturado de acordo com as ideologias impostas ao longo da vida do indivíduo e
que o discurso, realizado em práticas sociais diversas, representa esta ideologia, sendo
utilizado para manter as estruturas de poder da classe dominante. Como isso tem a ver
com o desafio: explicar o(s) motivo(s) pelo(s) qual(is) a linguagem é, de fato, a melhor
forma de desenvolvimento da aprendizagem?

Paulo Freire, em seu livro Pedagogia do Oprimido, defende que educação é


transformação, ou seja, permite ao indivíduo em primeiro lugar conhecer o espaço que
ocupa na sociedade e transformar para melhor suas condições de vida. Paulo Freire
entende que o objetivo maior da educação é conscientizar o aluno e esclarece que
quando camadas menos favorecidas da população frequentam a escola estão criadas
as condições necessárias para a educação e para a transformação social. Portanto,
quando uma escola valoriza a linguagem desde os anos iniciais, é porque entende
que a linguagem é a principal forma de desenvolver aprendizagem, a educação, e,
assim, a transformação. O desenvolvimento da linguagem se dá a partir de práticas
que colocam os estudantes em posição de protagonistas do processo, permitindo-
lhes discutir, debater, pesquisar, sistematizar, concluir, apresentar seus pontos de vista.
A diversidade de material oferecido bem como a possibilidade de se responsabilizar
por algumas decisões são elementos constituintes da formação social ideal.

Pesquise mais
No livro Pedagogia do oprimido, Freire aponta que a educação é a única
forma do analfabeto enfrentar as condições de opressão impostas pelas

52 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

classes dominantes. Uma leitura surpreendente! Você também pode


encontrar o livro disponível gratuitamente no endereço: Disponível em:
<http://forumeja.org.br/files/PedagogiadoOprimido.pdf>. Acesso em:
11 abr. 2016. Este site é da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul.
Navegue e encontrará outras obras disponíveis para download.

Bem, agora você conheceu os conceitos básicos dos estudos da linguagem e tem
elementos para resolver a quarta situação-problema.

Sem medo de errar

Muito bem! Você chegou ao final da sua produção e na situação-problema da


quarta seção deve produzir a última página do seu documento, em que aponta que a
linguagem é, de fato, a principal forma de desenvolvimento da aprendizagem.

Um caminho possível para resolver esta situação-problema é observar que a


linguagem, mesmo sendo uma capacidade natural do ser humano, não é isenta
de intenção e isso se manifesta no discurso oral ou escrito. Você deve ressaltar que
quando um bebê inicia o processo de desenvolvimento da linguagem, ele está imerso
em um contexto da realidade, em um grupo social e em práticas sociais discursivas.
Assim, conforme vai aprendendo a se expressar, o bebê utiliza os elementos aos quais
tem acesso, o que acaba correspondendo a uma dada realidade. Posteriormente,
quando está maior, a criança e o jovem acabam se expressando de acordo com o
discurso aprendido.

O discurso, compreendido como a linguagem posta em ação, deve fazer parte


da sua redação. Entretanto, como o discurso é construído socialmente, ele não é
neutro. O discurso sempre representa alguma coisa. Como estamos imersos nesta
realidade, muitas vezes não percebemos o que está sendo veiculado com o discurso.
As mensagens transmitidas por meio do discurso são sempre sutis e implícitas,
muitas vezes são mascaradas. Assim, ao reproduzir o discurso, reproduzimos essas
mensagens escondidas. Você pode apontar essas características do discurso na sua
redação. Pode aprofundar, explicando que o conjunto de ideias sutis e implícitas é
chamado ideologia. Não é necessário entrar em detalhes como fizemos na seção
1.4, mas é importante que você demonstre que o discurso tem dualidade: tanto serve
para expressar e reafirmar uma ideologia como serve para desvendá-la, enfrentá-la e
derrotá-la.

Agora você deve conduzir sua produção para o fechamento, ou seja, deve defender
o motivo pela qual a linguagem é considerada a melhor forma de desenvolver a
aprendizagem. Você pode explicar que ao exercitar a linguagem, principalmente a

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 53


U1

oral e a escrita, o indivíduo (desde criança) aprende a lidar com argumentos e criar
mecanismos de enfrentamento à ideologia vigente, contestando suas raízes, seus
objetivos e seus impactos. A escola, como espaço de transmissão cultural e de novas
produções de conhecimento, é o ambiente propício para a valorização da linguagem
e para a transformação social decorrente de novas práticas e descobertas, bem como
para o enfrentamento da ideologia dominante. Neste sentido, procure finalizar a sua
redação valorizando a perspectiva da Escola dos Sonhos.

Atenção
O discurso é regido por um princípio fundamental: o dialogismo. Tal
palavra vem de diálogo, conversa, interação verbal, isto é, supõe pelo
menos dois falantes. Além disso, ao falar ou escrever, dialogamos com
outros discursos já realizados, trazendo a fala do outro para o nosso
próprio discurso.

Lembre-se também de fazer uma revisão completa na sua produção escrita de


quatro páginas, estabelecendo a coesão (boa sequência de ideias e de parágrafos) e
coerência (texto harmônico, que não foge da ideia principal).

Avançando na prática

Por baixo do discurso na escola

Descrição da situação-problema

Você estava em um momento de lazer conferindo a sua rede social e se deparou


com algumas afirmações, em uma postagem:

Porque a criança não gosta da escola:

– Minha mãe diz: ‘O trabalho da criança é estudar’, mas ela me enche de


atividades de casa: lavar banheiro, ir no mercado, cuidar do meu irmão. Eu não
quero mais ir para a escola.

– Meu avô diz: ‘Estuda bastante para tirar nota dez’, mas o professor só coloca
pegadinha na prova. Não adianta nada estudar.

– Meu professor diz: ‘Preste atenção que este assunto cai na prova’, mas nunca
cai tudo, vou é bagunçar!

Você entendeu que essa postagem estava relacionada com os assuntos tratados
na Seção 1.4 - O funcionamento discursivo da linguagem -, e resolveu trazê-la para
discutir com seus colegas.

54 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

O desafio de vocês é:

1. Descobrir qual ideologia permeia os ditados populares:

a) “O trabalho da criança é estudar”.

b) “Estuda bastante para tirar nota dez”.

c) “Preste atenção porque este assunto cai na prova”.

2. Enfrentar a desmotivação dos alunos, apresentando novos argumentos de


valorização da aprendizagem e do próprio ambiente educacional, enfraquecendo a
ideologia subjacente.

Lembre-se

Nem sempre somos explícitos quando falamos ou escrevemos alguma


coisa; deixamos nas entrelinhas alguns sentidos velados que não temos
a intenção de declarar diretamente, seja por causa da situação ou por não
querermos nos responsabilizar por eles, e deixamos por conta do receptor ou
interlocutor a tarefa de construir os sentidos implícitos.

Resolução da situação-problema

Nossa primeira reação é concordar com a argumentação da criança, pois os


argumentos dos adultos nos parecem falhos e sem sentido para os tempos atuais,
levando à desmoralização completa do ambiente escolar. Entretanto, conhecer a
ideologia subjacente pode nos ajudar a criar argumentos que valorizem a aprendizagem
e o ambiente escolar.

Podemos entender que a ideologia que permeia os três ditados populares é a


do capitalismo, pois exacerba o trabalho como uma obrigação natural (“o trabalho
da criança é estudar”, assim como o adulto também deve trabalhar), esvaziando o
sentido de trabalho na luta de classes, induzindo a criança a não valorizar o trabalho.
Assim como o ditado “Estuda bastante para tirar nota dez” também remete a uma
recompensa pelo trabalho (assim como o trabalhador espera sua remuneração no
final do mês). Por fim, a última frase “Preste atenção porque este assunto cai na prova”
é uma forma de obter silêncio, obrigar os alunos a ficarem atentos e espalha a cultura
do medo, desprezando a capacidade de pesquisa e aprendizagem dos alunos.

Isto só não basta, é preciso reverter essa visão de abandono e desmotivação. Uma
possibilidade de resolver a segunda questão da SP é reescrever as frases, mudando
seu contexto:

– Minha mãe diz: ‘O poder da criança está em estudar’, pois ela acredita que a

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 55


U1

educação pode transformar o mundo!

– Meu avô diz: ‘Estuda bastante para não ser explorado’, assim, mesmo que o
professor só coloque pegadinhas na prova, sei que tenho condições de superar!

– Meu professor diz: ‘Preste atenção que este assunto cai na prova’, e eu vou
prestar mesmo, não porque vai cair na prova, mas porque aprender me faz ser mais
inteligente e permite que eu melhore minhas condições!

Faça você mesmo


Gostou de avançar na prática? A proposta agora é que você descubra a
ideologia que permeia algumas crendices e ditados populares. Pesquise
na internet a origem das crendices populares abaixo e procure uma forma
de representá-los (ou reescrevê-los) adotando princípios que não sejam
coercitivos:

1. Misturar leite com manga mata a pessoa.

2. Quebrar espelho traz sete anos de azar.

3. Abrir um guarda-chuva dentro de casa traz a morte.

4. Ler no escuro estraga a vista.

5. Comer bolo quente (ou gelatina quente) dá dor de barriga.

Você pode trabalhar em grupo!

Faça valer a pena

1. Logo no início do texto base, encontramos: “(...) a linguagem não é


neutra: ela é considerada uma instituição social carregada de ideologias e
funciona tanto para integrar como adaptar indivíduos a um grupo social.
Ao nascer em uma sociedade, é praticamente impossível não compartilhar
de sua(s) ideologia(s), pois toda mediação e aprendizagem é feita a partir
de signos próprios desta comunidade”.
Com base no enunciado, verifique as afirmações a seguir e assinale a
alternativa correta:
I- A linguagem funciona como um veículo que transporta a ideologia
dominante.
II- Nossa sociedade é uma sociedade de classes. Apesar de serem
distintas, os interesses das diversas classes sociais são comuns, por

56 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

este motivo, a ideologia é fundamental.


III- A ideologia é um conjunto de visões, valores, ideias e formas de
ação, e estes são disseminados pela classe social dominante.
IV- A ideologia faz com que toda a sociedade aja de forma a garantir
os interesses da classe que detém o poder, e para isso há mecanismos
de disseminação da ideologia.
V- A ideologia também é transmitida de maneira sutil e está implícita
no discurso empregado em práticas sociais.

a) Todas as afirmativas são corretas.


b) I, III, IV e V são corretas.
c) I, II e III, são corretas.
d) II, III, IV e V são corretas.
e) I, II, III e IV são corretas.

2. Leia as afirmativas a seguir e assinale a alternativa que corresponde às


afirmativas corretas:
I – O discurso é a linguagem em ação.
II – Qualquer pessoa pode elaborar uma ideologia, construir um corpo
teórico sem se basear na realidade vivida e sem uma comunidade para dar
sustentação, desde que consiga discursar sobre isso em espaços sociais.
III – O discurso reflete a realidade de um grupo social, na medida em que
a ordena e a justifica. O discurso também reflete as práticas sociais de
uma determinada sociedade, pois condensa e materializa sua existência.
O discurso é organizado na língua de uma determinada sociedade e
manifestado pela fala dos indivíduos que compõem essa sociedade.

a) Todas estão corretas.


b) I e II são corretas.
c) II e III são corretas.
d) I e III são corretas.
e) Todas estão incorretas.

Conceitos básicos dos estudos da linguagem 57


U1

3. Analise as afirmativas a seguir e assinale a alternativa correta:

a) Ao nascer em dada sociedade, o indivíduo toma contato com a


ideologia vigente, que aos poucos lhe é imposta através de práticas sociais
e discursivas.
b) As práticas sociais e discursivas são isentas de ideologia, são utilizadas
apenas para vivência harmônica em sociedade.
c) O objetivo maior da ideologia é garantir a harmonia e a tranquilidade
da sociedade e, para isso, emprega práticas sociais e práticas discursivas.
d) As práticas sociais não existem sem as práticas discursivas, portanto,
ideológicas, e vice-versa.
e) A prática discursiva deixa claro qual é a ideologia vigente e como é
possível fazer para enfrentá-la.

58 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


U1

Referências

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BORNEMANN, Neila Barbosa de Oliveira. Ferdinand de Saussure e o objeto da linguística.
Disponível em: <http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/saussure/bornemann.pdf>.
Acesso em: 10 abr. 2016.
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portuguesa, 2009. Disponível em: <http://paginapessoal.utfpr.edu.br/cfernandes/
analise-do-discurso/textos/analisandoodiscursonagaminebrandao.pdf/view>. Acesso
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CARDOSO, Ana Carolina Simões. Linguagem, discurso e ideologia. In: Linguagens e
Diálogos, v. 1, n. 1, p. 122-127, 2010. Disponível em: <http://linguagensedialogos.com.
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CRYSTAL, David. Pequeno tratado sobre a linguagem humana. São Paulo: Saraiva, 2012.
FONSECA, André Azevedo da. Toda educação é política - pedagogia da autonomia,
de Paulo Freire (Parte 2). Youtube, 25 maio 2015. Disponível em: <https://www.youtube.
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FRANCHETTO, Bruna; LEITE, Yonne. Origens da linguagem. Rio de Janeiro: Zahar
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FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
GHIRALDELLI, Paulo. Youtube, 24 jul. 2011. Disponível em: <https://www.youtube.com/
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GROLLA, Elaine Bicudo. A aquisição da linguagem. Florianópolis: UFSC, 2006. Disponível
em: <http://stoa.usp.br/egrolla/files/-1/17317/Aquisicao+de+linguagem.pdf>. Acesso
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JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 2015.
LEITÃO, Marcio. O signo linguístico. Youtube, 11 set. 2013. Disponível em: <https://www.
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U1

MORAES, Vinicius de. A casa. Rio de Janeiro: VM Cultural, 1970. Disponível em: <http://
www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br/poesia/poesias-avulsas/casa>. Acesso em: 20
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MUSSALIM, Fernanda. Linguística I. Curitiba: IESDE Brasil, 2009. v. 1, p. 152.
PINKER, Steven. O instinto da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
RODRIGUES, Rômulo da Silva Vargas. Saussure e a definição da língua como objeto
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SANTEE, Nellie Rego; TEMER, Ana Carolina Rocha Pessoa. A Linguística de Roman
Jakobson: contribuições para o estudo da comunicação. Unopar Científica Ciências
Humanas e Educação. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A, v. 12, n. 1, p.
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SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2016.
VEJA CIÊNCIA. A evolução da linguagem. Youtube, 6 fev. 2012. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=S5D9AJ__ZHA>. Acesso em: 15 fev. 2016.
VIARO, Mário Eduardo. Manual de etimologia do português. São Paulo: Globo Livros,
2013.

60 Conceitos básicos dos estudos da linguagem


Unidade 2

Bases teóricas da aquisição da


linguagem

Convite ao estudo

Prezado estudante! Seja bem-vindo à nossa segunda unidade de ensino!


A disciplina Aquisição e Desenvolvimento da Linguagem tem como objetivo
levá-lo a conhecer os conceitos e as principais teorias relativas ao processo de
aquisição e desenvolvimento da linguagem, compreendendo sua importância
na evolução da humanidade e no desenvolvimento social e educacional de
crianças. Esta disciplina é dividida em quatro blocos temáticos, sendo que já
estudamos, no primeiro bloco, os conceitos básicos dos estudos da linguagem,
e descobrimos que a linguagem utilizada entre os homens e as mulheres
é bastante complexa, sendo de natureza especificamente humana. Vimos
também que a comunicação ocorre através da formalização de palavras escritas
ou faladas que representam conceitos elaborados (significado) associados a
sons específicos (significante). Descobrimos que para haver comunicação é
preciso que haja uma mensagem, um emissor e um receptor, e que por meio
da linguagem, ocorre a veiculação de uma ideologia, materializada nas práticas
sociais e discursivas. Por esses motivos, a linguagem deve ser muito bem
estudada por professores, pois todo processo educacional passa por alguma
forma de linguagem e é na escola que exploramos bastante essa competência.
Agora, de posse deste conhecimento, você deve estar se perguntando: “Tudo
bem, mas como é que as crianças aprendem a falar efetivamente? Isso vem de
dentro da cabecinha delas ou é ensinado por adultos? ”.

Pois bem. A segunda unidade, “Bases teóricas da aquisição da linguagem”,


tem como objetivo apresentar as quatro teorias fundamentais que explicam a
aquisição da linguagem por crianças. Você conhecerá grandes pesquisadores
e suas contribuições para o estudo da linguagem, e terá oportunidade de
reelaborar seu conhecimento, qualificando-se profissionalmente.

Para se aprofundar nesta unidade, vamos propor uma nova situação


U2

geradora de aprendizagem. Os cursos de graduação no Brasil são dedicados


à profissionalização dos estudantes, visando à formação e à preparação para
o ingresso no mercado de trabalho. Esses cursos, sobretudo as licenciaturas,
possuem uma característica muito interessante: além dos componentes
teóricos, uma parte bastante considerável é dedicada ao estágio, momento
em que os alunos do ensino superior entram em contato com a realidade
prática de sua profissão. No caso de futuros professores e futuras professoras,
o estágio é revelador: permite que os estudantes vivenciem momentos em
que as crianças estão adquirindo e desenvolvendo a linguagem, além de
reconhecer características específicas, tais como: fala tardia, problemas de
articulação de linguagem (troca de letras etc.), afasia, autismo, deficiência
auditiva, entre outras. Assim, o estágio é parte fundamental da sua formação.
Suponha que é o seu momento de realizar o estágio. A etapa inicial ocorrerá
em uma escola de educação infantil, com crianças de 0 a 6 anos. O objetivo
desta fase do estágio é fazer uma reflexão teórica acerca das situações práticas
observadas. A cada aula você receberá um convite específico para exemplificar
e explicar (à luz da teoria estudada) alguns fatos observados e relativos ao
comportamento verbal das crianças. Desta forma, você poderá vivenciar um
pouco da teoria!

Vamos lá! É hora de retomar e aprofundar seus estudos! Aproveite nosso


convite e divirta-se nesta nova aventura sobre a aquisição e desenvolvimento
da linguagem humana!

62 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

Seção 2.1

Abordagens empiristas de aquisição da linguagem

Diálogo aberto

Os objetivos desta seção são:

1. Compreender o que é uma abordagem empirista.

2. Conhecer as duas principais teorias pertencentes a esta abordagem:


Behaviorismo e Conexionismo.

3. Identificar as ideias principais das duas teorias e refletir sobre exemplos que
esclareçam cada uma delas.

Para apoiar sua aprendizagem, vamos retomar a SGA e apresentar uma situação-
problema:

A SGA proposta diz respeito ao estágio curricular, parte significativa na sua formação
profissional. Suponha que é o seu momento de realizar o estágio, onde vivenciará
situações relacionadas à aquisição e ao desenvolvimento da linguagem, pois a etapa
inicial ocorrerá em uma escola de educação infantil, com crianças de 0 a 6 anos.
O objetivo desta fase do estágio é fazer uma reflexão teórica acerca das situações
práticas observadas. Nesta seção, você elaborará parte do relatório de estágio que
exemplifique e explique (à luz da teoria estudada) fatos observados e relativos ao
comportamento verbal das crianças no processo de aquisição e desenvolvimento da
linguagem.

O seu primeiro desafio é apresentar quatro situações específicas observadas no


estágio:

- Uma situação de comportamento verbal da criança em que apareça reforço


positivo e/ou negativo.

- Duas situações de comportamento verbal da criança em que apareçam operantes


verbais.

Bases teóricas da aquisição da linguagem 63


U2

- Uma situação de comportamento verbal da criança relativa ao Conexionismo.

Nesta Seção 2.1, “Abordagens empiristas de aquisição da linguagem”, você


conhecerá a teoria Behaviorista de Skinner e a teoria Conexionista, ambas pertencentes
à visão empirista, e você precisará destes conhecimentos para resolver a primeira SP.
Desejo a vocês uma excelente aprendizagem!

Não pode faltar

Ao se deparar com os estudos sobre aquisição e desenvolvimento da linguagem,


você já descobriu muitas coisas, entre elas que a linguagem humana é muito diferente
da linguagem de outros animais, devido à flexibilidade e à versatilidade que somos
capazes de empregar. A capacidade de criar e empregar signos linguísticos nos
diferencia radicalmente das demais espécies. Nossa capacidade é tão distinta que,
mesmo ao emitir uma simples mensagem, acabamos veiculando informações
sutilmente implícitas. A linguagem pode ser empregada de várias formas e com vários
sentidos!

Mesmo conhecendo as características e as propriedades da linguagem, ainda


é importante perguntar: “Como é que se aprende a falar?”. Vários pesquisadores e
cientistas se debruçaram sobre esta questão e defenderam teorias fascinantes, de
acordo com os conhecimentos disponíveis em cada época.

As principais construções teóricas sobre a aquisição e o desenvolvimento da


linguagem aparecem na década de 1950, quando o mundo está se recuperando da
Segunda Guerra Mundial. Apesar de um período muito sofrido para a humanidade,
foi nesta época que se investiu muito em pesquisa e se permitiu a construção de
grandes laboratórios. Isso ocorreu também no campo da Psicologia, que concentrava
os estudos sobre inteligência e aprendizagem na época.

Vamos tratar de uma teoria importante no campo da Psicologia, chamada


behaviorismo. A palavra behaviorismo deriva da palavra inglesa behavior, que significa
comportamento. Esta teoria é agrupada na abordagem empírica, pois o empirismo
parte do princípio de que todo o conhecimento provém da experiência do ser humano
no ambiente em que vive.

Assimile
Abordagem empirista: parte do princípio de que todo o conhecimento
provém única e exclusivamente da experiência do ser humano com o
meio ambiente. Este conhecimento é limitado ao que pode ser captado
pelos órgãos dos sentidos ou deduzido por reflexão pessoal (introspecção)
a partir das experiências vividas.

64 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

Assim, na abordagem empirista, o ser humano é compreendido como uma folha


de papel em branco, que vai sendo preenchida a partir de suas experiências com
o meio que o cerca, bem como suas observações a partir do que capta em suas
experiências.

Por outro lado, nos anos 1940-1950, a Psicologia vinha tentando se afirmar como
teoria científica e procurando uma metodologia de pesquisa que sustentasse esse
status. Neste período, os estudos iniciados por John B. Watson e aprofundados
por Ivan P. Pavlov chamaram a atenção. A modalidade de estudo e as premissas
defendidas por esses cientistas foi chamado behaviorismo (também conhecido como
comportamentalismo) e parte do princípio que o comportamento humano é o objeto
mais adequado para o estudo da Psicologia, pois pode ser observado e descrito de
forma objetiva e rigorosa.

B. F. Skinner se apropriou dessa teoria e se tornou seu maior expoente, pois


aprofundou e ampliou os estudos behavioristas nos anos 1950-1960. No Behaviorismo,
se estudam os processos pelos quais o comportamento humano é modelado e
reforçado (ou seja, o meio ambiente molda o indivíduo). A aprendizagem ocorre por
recompensa e controle, onde deve haver um planejamento minucioso por parte
dos envolvidos no processo de ensino. O uso de modelagem de comportamento
é recomendado nesta teoria. Talvez a maior premissa behaviorista é que o
comportamento pode ser mudado através de treinamento (ou seja, a aprendizagem
ocorre a partir de treinamentos) e com a divisão dos conteúdos em pequenas tarefas
apoiadas com reforço positivo, as crianças podem aprender mais rápido conteúdos
mais difíceis.

O conceito de condicionamento é central na teoria behaviorista. Condicionamento


significa mudar um comportamento a partir de um estímulo dado à resposta recebida.
Veja um exemplo:

Exemplificando
Você já deve ter ouvido a seguinte frase: “Na minha época, eu já sabia o que
tinha que fazer apenas com o olhar do meu pai ou da minha mãe”. Como
isso se processou? A hipótese mais provável é que esta pessoa, quando
criança, teve um comportamento social reprovável e foi castigada por isso,
sendo que, ao receber o castigo, o pai ou a mãe lançava um determinado
olhar. Após algumas vezes sendo castigada e submetida a tal olhar, a
criança aprendeu a interpretar o olhar dos progenitores, reprimindo o
comportamento não aceito, não havendo mais a necessidade de castigo.

Os behavioristas entendem que um comportamento seguido de reforço positivo


(recompensa) tende a ser mantido, já um comportamento seguido de reforço negativo
(punição) tende a ser eliminado. Oras, você deve conhecer vários exemplos neste

Bases teóricas da aquisição da linguagem 65


U2

sentido: ganhar uma estrelinha quando acerta a lição (observe que a preocupação
não está em acertar a lição, mas sim em ganhar uma estrelinha), entregar o objeto
desejado apenas se a criança disser “por favor”, cor negra associada à morte, tristeza e
depressão... e assim outros tantos exemplos.

Para os behavioristas, a linguagem é um comportamento muito complexo e


pode ser condicionado, dependendo, portanto, da experiência para ser adquirida.
Compreende-se que a linguagem nada mais é que um comportamento aprendido
por força do hábito. Nesta perspectiva, ela é construída a partir da interação da criança
com as situações fornecidas pelo meio.

Para argumentar a favor do Behaviorismo, Skinner publicou um livro intitulado


Verbal behavior, em 1957 (O comportamento verbal, editado no Brasil pela Cultrix/
Edusp – última edição em 1978) e, neste livro, fez várias considerações, desenvolvendo
a ideia principal de que o ser humano é capaz de produzir sons e todas as palavras
emitidas consideradas compreensíveis são reforçadas; por outro lado, os sons não
reconhecidos não são estimulados, de forma que são extintos. Novamente: quando
um bebê começa a falar “mamá” logo lhe é ofertada a mamadeira (posteriormente, o
termo “mamá” provavelmente será substituído por “quero mamar”). Ao passo que, se o
bebê emitir sons difusos, nada lhe é ofertado. Assim se estabelece um condicionamento:
ao falar corretamente (ou pelo menos compreensivelmente), a criança recebe o que
pediu, ou recebe atenção ou ainda recebe afeto. Não é só isso. Skinner aponta que a
linguagem pode ser aprendida apenas por imitação, como ele entende que acontece
com outras espécies, mas nós, seres humanos, além de aprender por imitação, somos
capazes de dizer aos outros o que eles devem fazer. Assim, recebemos conselhos,
percebemos e obedecemos às regras, damos atenção quando sofremos advertências.
Para este cientista, somos ajudados a desenvolver a linguagem a partir de estímulos,
respostas e reforços que recebemos a cada tentativa de nos comunicar (ou seja,
alguém sempre está nos dando algum retorno sobre nossa fala ou tentativa de fala
quando somos pequenos), pois apenas a exposição ao ambiente não seria suficiente
para que desenvolvêssemos um rico, extenso e complexo repertório como o nosso.

Em suas pesquisas, Skinner apontou seis classes de operantes verbais: Mando,


Tato, Ecoico, Textual, Transcrição e Intraverbal.

Vocabulário
Operante verbal são atributos controladores de respostas verbais, ou seja,
um conjunto específico de variáveis que procuram estabelecer algum tipo
de resposta.

Mando é um tipo de operador verbal relacionado a condições emocionais


do emitente. Neste tipo de operador, estão as ordens, os pedidos e os avisos. Por
exemplo: “Por favor, me dê um copo de água” exprime a motivação pessoal de saciar

66 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

a sede. O ouvinte provavelmente atende a solicitação e, neste caso, ao receber o


copo de água se estabelece o reforço da fala. Outros exemplos de mando: “Que horas
são?”; “Venha aqui”; “Levanta desta cama agora ”. Há mandos suaves: “Você pode me
fazer a gentileza de dizer as horas?”; “Você pode me explicar o caminho correto?”. E
há mandos subentendidos: “Puxa, que frio!” - indicando implicitamente para alguém
fechar a janela. Para Skinner, mando opera em função do emissor, uma vez que
produz um reforçador (o copo de água, as horas, o comportamento do ouvinte, a
janela sendo fechada) como consequência do operador verbal.

Tato opera em função de um estímulo externo não verbal (objeto, imagem,


evento etc.). Ocorre quando uma criança vê um gato, por exemplo, e exclama:
“Gato!”. O estímulo externo é o gato, o operante verbal tato é a exclamação “Gato!”
e o reforço ocorre quando o adulto presente diz: “Muito bem, é um gato mesmo!”.
Imagine a situação: uma mãe vê seu filho se aproximando de uma tomada na parede.
Imediatamente ela diz: “Choque!” e o bebê não coloca os dedinhos na tomada. Este
é um exemplo do operador verbal tato. Para Skinner, este tato opera em função do
ouvinte, pois permite a ele ter acesso a novas ou inesperadas informações.

Ecoico é um tipo de operador relacionado a um estímulo verbal que propõe a


resposta também verbal de repetição. Por exemplo, ao ouvir “oi”, a pessoa responde
“oi”. Este estímulo verbal pode ser oral ou escrito. Trata-se de uma reprodução ou
imitação.

O operante textual parte de um estímulo verbal impresso ou escrito e a resposta


é uma emissão vocal. Assim, se um indivíduo vê uma placa pendurada em uma porta
onde está escrito “Perigo” e ele diz “Não devemos ir por ali” ou ainda “Aqui sugere-se
que tomemos cuidado”, significa que o estímulo escrito provocou uma resposta vocal
correspondente.

Já o operante transcrição é o oposto ao textual. Significa que, ao ouvir um estímulo


verbal oral ou escrito, o indivíduo reproduz com uma transcrição. Este tipo de operante
ocorrem em ditados e cópias.

Por fim, o operante verbal intraverbal indica que um estímulo verbal (oral ou escrito)
implica em uma resposta arbitrária (ou seja, ao ter acesso a um estímulo, a pessoa
decide como vai dar a resposta). É assim que lemos um poema escrito e escolhemos
recitá-lo ou copiá-lo. O operante intraverbal é utilizado em provas e exercícios
matemáticos.

Assim, para B. F. Skinner, a aquisição da linguagem ocorre a partir das relações que
a criança estabelece com a língua utilizada pela comunidade na qual convive. Esta
aquisição é determinada pela qualidade e quantidade de uso da língua e, principalmente,
pelos estímulos (operantes verbais) e reforços que as pessoas oferecem a essa criança.

Bases teóricas da aquisição da linguagem 67


U2

Pesquise mais
Se você quiser conhecer mais sobre o Behaviorismo e a aquisição de
linguagem, sugerimos a leitura do livro Bloomfield e Skinner - Língua e
Comportamento Verbal.

O livro trata das bases teóricas empregadas por Skinner para escrever
sua maior obra: Verbal behavior. O livro de Passos também apresenta a
contribuição de Leonard Bloomfield, um dos maiores linguistas norte-
americanos fortemente influenciado pelo Behaviorismo.

PASSOS, Maria de Lourdes. Bloomfield e Skinner: língua e comportamento


verbal. Rio de Janeiro: Nau, 2004.

Reflita
Será que esta teoria consegue abarcar toda a complexidade relacionada
à aquisição da linguagem? Pense: se a aquisição da linguagem se dá por
reforço, o que acontece com reforços contrários? Veja este exemplo: a
criança diz “eu cumi todo arroz bife”. E a mãe responde: “muito bem, muito
bem mesmo!”. Apesar do verbo estar em forma diferente da forma como
é empregado por adultos e da ausência do conectivo “E” entre arroz-bife,
a mãe utilizou um reforço positivo. Em outra situação, a criança vê uma
motocicleta e diz: “olha, mãe, uma bicicleta!” e a mãe responde: “não, filho,
não é uma bicicleta.”, a construção verbal da criança está correta, porém
recebeu um reforço negativo. Assim, a teoria Behaviorista claramente
não consegue explicar que apenas os reforços positivos e negativos são
suficientes para que a criança adquira a linguagem. Aparentemente, o
adulto está mais preocupado em ensinar a criança do que em fazer que
ela aprenda a língua e suas regras. Porém, é fato que tanto no convívio
familiar quanto escolar, utilizamos frequentemente os reforços positivos
e negativos.

O Conexionismo é outra teoria que pertence à abordagem empirista de aquisição


de linguagem e é estruturado nos anos de 1980, considerando os avanços nas
áreas computacional e neurocientífica. A teoria conexionista tem como base a
compreensão de que a aquisição da linguagem se dá em função da capacidade do
cérebro de conectar neurônios (por este motivo o nome Conexionismo). Desta forma,
é possível modelar sistemas computacionais que reproduzem os fenômenos mentais
de aquisição de linguagem. Os modelos computacionais utilizam termos como nós
e redes para substituir sinapses e neurônios. A interconexão de nós forma uma rede e
várias redes podem ser conectadas através de nós. Na representação computacional,
há unidades de entrada, unidades secretas e unidades de saída. Observe o esquema:

68 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

Figura 2.1 | Unidades de entrada e de saída

Unidades Unidades
de entrada de saída
Fonte: elaborada pela autora.

Nesta rede computacional, é feita uma primeira alimentação de dados e os nós


são calibrados de acordo com as respostas esperadas. Assim, por exemplo, a primeira
alimentação de dados pode ser feita com o verbo “comer” e seu passado “comi”.
Reforça-se a conexão entre “comer - comi” e inibe-se outra conexão. Assim, a rede
aprende a relacionar “comer - comi”. Após esta aprendizagem, incluem-se novos
dados para verificar o que a rede faz. Ao incluir o verbo “correr”, espera-se que a rede
responda com “corri”. Reforça-se essa conexão, para que a rede aprenda “correr -
corri”. Posteriormente, insere-se um novo verbo, só que desta vez irregular: “fazer”. A
rede responde com “fazi”, o que é esperado que faça. Então, insere-se a resposta “fiz” e
calibram-se os nós: reforça-se a conexão entre “fazer - fiz” e inibe-se a conexão “fazer
- fazi”. Após a introdução de muitos verbos e o “treinamento” da rede com a calibração
dos nós, são introduzidos verbos regulares e irregulares, para verificar como a rede
cria suas respostas. A quantidade de conexões fortalecidas e empobrecidas irá apontar
como a rede reagirá a cada nova informação adicionada. A partir de cada inclusão
e da calibração dos nós, a rede terá novas informações para generalizar respostas.
O fato é que o sistema computacional generalizou da mesma forma que crianças
pequenas generalizam suas respostas: elas usam: “eu sabo”, “eu fazi”, “eu trazi”, no
lugar de “eu sei”, “eu fiz”, “eu trouxe”. Depois de ensinadas, as crianças aprendem a
forma convencional. Isto também ocorre com o sistema computacional.

O Conexionismo é uma teoria nova que demanda muitas horas de programação e


testes. Ainda está em fase inicial e não se sabe até onde pode chegar. Neste momento,
o sistema ainda não consegue detectar e tratar da ambiguidade da língua como os
seres humanos são capazes. Por exemplo: na frase “Maria assistiu ao filme de óculos”,
cabem duas interpretações: “Maria usou óculos para assistir ao filme” e “Maria assistiu
ao filme cujo tema era óculos”. O ser humano é capaz de perceber esta ambiguidade,
mas o sistema computacional ainda não. Considera-se ainda muito cedo para descartar
a teoria conexionista, embora ainda apresente necessidade de estudos com relação às
particularidades e à complexidade das línguas.

As abordagens empiristas, representadas aqui pelas teorias Behaviorista e


Conexionista, são formas de compreender como se dá o processo de aquisição de

Bases teóricas da aquisição da linguagem 69


U2

linguagem e correspondem a momentos históricos específicos. Podemos concordar


com muitas proposições de Skinner, que realizou extensas pesquisas sobre o processo
de aquisição da linguagem, porém percebemos que apenas reforços positivos e
negativos não são os únicos responsáveis pela aprendizagem da língua, bem como
os sistemas computacionais ainda não conseguem modelar toda a complexidade de
nossa rede neural e as relações que estabelecemos para aprender.

Pesquise mais
Para conhecer mais sobre o Conexionismo, leia o livro Rumo à
psicolinguística conexionista de ROSSA Adriana; ROSSA, Carlos (orgs.).
Rumo à psicolinguística conexionista. Porto Alegre: Edipucrs, 2004.
Este interessante material trata da criação de sistemas computacionais
utilizados para modelar a cognição humana, mais especificamente os
processos linguísticos.

Sem medo de errar


Nesta seção, como apontado no início, você deverá elaborar parte do relatório de
estágio que exemplifique e explique (à luz da teoria estudada) fatos observados relativos
ao comportamento verbal das crianças no processo de aquisição e desenvolvimento
da linguagem. O seu primeiro desafio é apresentar quatro situações específicas
observadas no estágio:

- Uma situação de comportamento verbal da criança em que apareça reforço


positivo e/ou negativo.

- Duas situações de comportamento verbal da criança em que apareçam


operantes verbais.

- Uma situação de comportamento verbal da criança relativa ao Conexionismo.

Estas situações podem ser diálogos entre duas crianças, diálogo individual (fala
da criança com ela mesma) ou diálogo entre uma criança e um adulto. Você não
precisa trazer as quatro situações da mesma criança, mas deve contextualizar a idade
da criança e alguma informação específica sobre o que está ocorrendo (por exemplo:
disputando um brinquedo, fazendo lição, horário de lanche etc.). Numere cada uma
das quatro situações, descreva o exemplo e explique teoricamente o processo de
aquisição e desenvolvimento da linguagem subjacente a cada situação.

Considerando que talvez você ainda não esteja realizando seu estágio real, as
situações solicitadas nesta situação-problema podem ser retiradas da internet, criadas
por você ou obtidas a partir de suas experiências pessoais. Certifique-se de que todas
as situações descritas remetam à aquisição e ao desenvolvimento da linguagem e
estejam relacionadas às teorias estudadas nesta seção.

70 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

Para resolver esta situação-problema, você deverá saber que as duas teorias
apresentadas nesta seção correspondem a uma abordagem específica que explica os
processos de aquisição de linguagem, chamada Empirista.

A teoria Behaviorista trabalha com a ideia de reforços positivos e reforços negativos,


bem como com a ideia de operantes verbais, que são empregados para que a criança
adquira e desenvolva a linguagem. Como reforço positivo, podemos citar qualquer
situação em que a criança tem sua fala compreendida e uma ação ou fala positiva
é realizada em seguida à sua fala, por exemplo: ao falar “aua”, o adulto dá a ela um
copo de água – significa que seu pedido foi compreendido. Como reforço negativo
entende-se o contrário. A criança fala “Olha o au-au” e o adulto repreende: “Não é
assim que se fala, é cachorro o nome correto”.

Atenção
A abordagem empirista da aquisição da linguagem parte do princípio que
todo o conhecimento nesta área provém da experiência da criança com
o ambiente.

É importante lembrar dos operantes verbais que, na teoria behaviorista, são: Mando,
Tato, Ecoico, Textual, Transcrição e Intraverbal. Você pode escolher dois e apresentar
duas situações de comportamento verbal, como quando a professora diz para suas
crianças: “Bom dia!” e as crianças respondem: “Bom dia!” (ecoico) ou ainda quando
a professora mostra uma letra e as crianças dizem: “Letra A, é a letra A, professora!”
(tato). Claro que você deve explicar o que está ocorrendo do ponto de vista da teoria
Behaviorista.

Já um exemplo simples do Conexionismo pode ser citado quando a professora


pergunta: “Qual o nome de crianças que começam com MA?” e as crianças respondem
“Maria, Mariana, Mateus, Mário, Madalena...” – a partir do nó “MA” formam-se várias
conexões.

Agora você tem todos os elementos para resolver a primeira situação-problema.


Lembre-se de explicar teoricamente os exemplos que você apresentar! Desejo a você
um bom trabalho!

Bases teóricas da aquisição da linguagem 71


U2

Avançando na prática

Bigo

Descrição da situação-problema

Seu amigo faz o curso de Licenciatura em Letras em outra instituição de ensino e


seu professor passou a seguinte tarefa:

1. Leia o seguinte diálogo entre uma criança de 4 anos e sua mãe:

- Mãe, posso ver o bigo? - Porque o nome é umbigo.

- O quê? - E esse UMbigo (pronunciando com


força a sílaba UM) é igual para todo
- O bigo. mundo?
- Que bigo? - Todo mundo tem, mas o desenhinho
- Aqui, ó – diz a criança, ao mesmo é diferente para cada pessoa.
tempo em que levanta a blusa - E esse bigo ou UMbigo, nasce assim?
mostrando o seu umbigo. Em seguida, (pronunciando com força a sílaba UM
abaixa a blusa. e fazendo cara de desprezo).
A mãe diz: - Nasce sim, é um cordãozinho que
- Ah, o umbigo! Pode sim. – A mãe liga a barriga do bebê na barriga da
levanta a blusa e dá risada. mãe, quando o bebê está dentro da
barriga.
- O que tem o umbigo? – pergunta a
mãe, enquanto a criança está olhando. - E cadê o cordãozinho?

- É bigo, mãe. O nome é bigo. – A - Ele cai depois que nasce, aí fica o
criança enfia o dedo no umbigo da buraquinho do UMbigo (pronunciando
mãe. com força a sílaba UM).

- Não. É umbigo. Chama umbigo. A criança se distrai com outra coisa e


a mãe abaixa a blusa, retomando suas
- Só queria ver o bigo, mãe. Todo atividades.
mundo tem bigo?

- Sim, todo mundo tem umbigo.

- Mas por que você está falando UM-


bigo? (pronunciando com força a
sílaba UM).

72 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

Descreva o processo de aprendizagem da criança.

a) Como você explica o processo de aprendizagem de acordo com as premissas


do Behaviorismo?

b) Quais reforços são observados e quais operantes verbais aparecem neste


diálogo?

Seu amigo pede ajuda. Como você faria para ajudá-lo? Este é seu novo desafio!

Lembre-se

Skinner aponta que a linguagem pode ser aprendida apenas por imitação,
como acontece com outras espécies. Nós, seres humanos, além de
aprendermos por imitação, somos capazes de dizer aos outros o que
eles devem fazer. Assim, recebemos conselhos, obedecemos às regras,
damos atenção quando sofremos advertências. Para este cientista, somos
ajudados a desenvolver a linguagem, pois apenas a exposição ao ambiente
não seria suficiente para que desenvolvêssemos um rico, extenso e
complexo repertório como o nosso.

Resolução da situação-problema

A criança inicia falando a palavra “bigo” provavelmente porque entendeu que a


sílaba UM está associada ao numeral 1 e não a uma parte do substantivo (1 bigo, 2
bigos, 3 bigos etc.). Na compreensão da criança, a depressão cutânea localizada no
centro do abdome, formada a partir da cicatriz da queda do cordão umbilical, se chama
“bigo” e não “umbigo”. A partir da interação com a mãe, que emprega o substantivo
na forma original (umbigo) e também faz intervenções na tentativa de estabelecer
o código formal, a criança compreende que o “UM” que antecede a palavra “bigo”
não é um numeral, é o nome próprio desta característica física dos seres humanos.
E mesmo com dificuldade ou negando (desprezando) a sílaba “UM”, esforça-se para
usá-la, mostrando uma mudança de comportamento.

Para o Behaviorismo, a mudança de comportamento ocorre sempre que há


uma aprendizagem. No diálogo, observam-se reforços positivos quando a mãe está
explicando e rindo da origem do umbigo. E observa-se reforço negativo à palavra
“bigo” quando a mãe insiste na verbalização da palavra original “umbigo”. Observa-se
também a presença de operantes intraverbais, ou seja, um estímulo verbal que tem
como resposta uma verbalização.

Bases teóricas da aquisição da linguagem 73


U2

Faça você mesmo


Agora vamos nos divertir! Pesquise exemplos de palavras engraçadas
utilizadas por crianças e simule um diálogo entre a criança e um adulto
em sala de aula, ressaltando os aspectos behavioristas observados no
diálogo. Você pode também contar histórias de crianças de suas famílias
que sejam similares à estudada aqui. Veja o exemplo do livro: Marcelo,
marmelo, martelo, de Ruth Rocha:

“Eu acho que as coisas deviam ter nome mais apropriado. Cadeira, por
exemplo. Devia chamar sentador, não cadeira, que não quer dizer nada. E
travesseiro? Devia chamar cabeceiro, lógico! Também, agora, eu só vou
falar assim.

— Mamãe, quer me passar o mexedor?

— Mexedor? Que é isso?

— Mexedorzinho, de mexer café.

— Ah... colherinha, você quer dizer.

— Papai, me dá o suco de vaca?

— Que é isso, menino!

— Suco de vaca, ora! Que está no suco-da-vaqueira.

— Isso é leite, Marcelo. Quem é que entende este menino?”

Faça valer a pena!


1. Assinale a alternativa que completa a frase: “A abordagem que parte
do princípio de que todo o conhecimento provém da experiência com o
ambiente é chamada de______________________”.
a) Tradicionalista.
b) Empirista.
c) Socialista.
d) Racionalista.
e) Cognitivista.

74 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

2. A abordagem empirista compreende que toda a aprendizagem se dá


a partir da experiência com o meio. Assinale a alternativa que apresenta
duas teorias correspondentes a esta abordagem:
a) Behaviorismo e Inatismo.
b) Behaviorismo e Cognitivismo.
c) Conexionismo e Inatismo.
d) Behaviorismo e Conexionismo.
e) Conexionismo e Cognitivismo.

3. Com relação à teoria Behaviorista defendida por Skinner, é correto


afirmar que:
a) O ser humano é compreendido como um conjunto de vivências,
que vai sendo elaborado a partir das experiências sociais do indivíduo,
bem como suas impressões e sentimentos a partir do que capta em
suas experiências.
b) O ser humano é compreendido como uma folha de papel em
branco, que vai sendo criada a partir de observações de outras pessoas
do grupo social, bem como suas ações de pesquisa individual.
c) O ser humano é compreendido como uma folha de papel em branco,
que vai sendo preenchida a partir das experiências do indivíduo com o
meio que o cerca, bem como suas observações a partir do que capta
em suas experiências.
d) O ser humano é compreendido como um ser lúdico, que aprende
a partir da brincadeira e jogos, onde vai manipulando brinquedos e
outros objetos, criando uma realidade particularizada.
e) O ser humano possui uma base biológica predefinida, que é ativada
sempre que entra em contato com outros indivíduos da espécie,
incorporando informações que se tornarão a base de sua evolução.

Bases teóricas da aquisição da linguagem 75


U2

76 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

Seção 2.2

Abordagens racionalistas de aquisição da


linguagem
Diálogo aberto

Olá! Esperamos que esteja bem e animado para continuar seus estudos!

Ao final desta seção, você será capaz de:

1. Compreender o que é uma abordagem racionalista e como ela se opõe à


abordagem empirista.

2. Conhecer a principal teoria pertencente a esta abordagem: o inatismo.

3. Identificar as ideias principais desta teoria criada pelo pesquisador Noam


Chomsky.

Para apoiar a sua aprendizagem, vamos retomar a SGA e apresentar uma situação-
problema: A SGA proposta diz respeito ao estágio curricular, parte significativa da sua
formação profissional. Suponha que é o seu momento de realizar o estágio, onde
vivenciará situações relacionadas à aquisição e ao desenvolvimento da linguagem,
pois a etapa inicial ocorrerá em uma escola de educação infantil, com crianças de
0 a 6 anos. O objetivo desta fase do estágio é fazer uma reflexão teórica acerca das
situações práticas observadas. Nesta seção, você elaborará parte do relatório de estágio
que exemplifique e explique (à luz da teoria estudada) fatos observados e relativos ao
comportamento verbal das crianças no processo de aquisição e desenvolvimento da
linguagem.

O seu segundo desafio é apresentar quatro situações específicas observadas no


estágio:

- Uma situação de comportamento verbal da criança relativo ao Período Pré-


Linguístico: Estágio de Balbucio.

- Uma situação de comportamento verbal da criança relativo ao Período Linguístico:


Estágio da Palavra.

Bases teóricas da aquisição da linguagem 77


U2

- Uma situação de comportamento verbal da criança relativo ao Período Linguístico:


Estágio de Duas Palavras.

- Uma situação de comportamento verbal da criança relativo ao Período Linguístico:


Estágio das Múltiplas Combinações.

Nesta aula, você conhecerá a teoria inatista defendida por Noam Chomsky (1928) e
conhecerá um pouco do trabalho deste grande pesquisador, que é um autor polêmico,
porém, bastante produtivo, pois, em idade avançada, continua ministrando palestras,
escrevendo artigos e livros. Você também perceberá a diferença entre a abordagem
empirista e a racionalista, compreendendo onde as duas abordagens se distinguem.
Você precisará destes conhecimentos para resolver a segunda situação-problema.

Então, mãos à obra! Tenha uma boa e agradável leitura, aproveitem para refletir
bastante e aprender como vão se construindo novas teorias!

Não pode faltar


Na aula anterior, “Abordagens empíricas da aquisição da linguagem”, você conheceu
a abordagem empirista, que parte do princípio de que todo o conhecimento provém
única e exclusivamente da experiência do ser humano com o meio ambiente. Este
conhecimento é limitado ao que pode ser captado pelos órgãos dos sentidos ou
deduzido por reflexão pessoal (introspecção) a partir das experiências vividas.

Em termos das teorias associadas a esta abordagem, também descobrimos que


os reforços positivos e negativos não são suficientes para esclarecer como a criança
aprende e desenvolve a linguagem. Assim, o behaviorismo possui algumas lacunas,
pois apenas os reforços positivos e negativos não são suficientes para explicar o
processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem.

Justamente para tentar esclarecer como se dá a aprendizagem da língua pela


criança sem que ela seja exposta ou ensinada quanto ao certo e o errado, surgiu outra
abordagem explicativa do processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem – a
abordagem racionalista em contraposição à empirista.

A linguagem, nesta abordagem, é vista como uma capacidade inata do ser humano,
ou seja, a criança já nasce com uma capacidade inata de adquirir e desenvolver a
linguagem, sendo que as experiências e o meio social apenas funcionam como
catalisadores desta capacidade. Ora, isto é bem diferente da abordagem empirista,
que entende que o ser humano é uma tábula rasa e só com as experiências do meio
social é que consegue adquirir e desenvolver a linguagem.

Para a abordagem racionalista, a capacidade de adquirir e desenvolver a linguagem

78 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

é um patrimônio genético dos seres humanos, é uma característica da espécie com


a qual todos os seres humanos nascem (característica chamada de universalidade), à
exceção dos que possuem alguma deficiência específica. Neste sentido é que Steve
Pinker, em seu livro O instinto da linguagem, explica que a linguagem humana é
extremamente complexa. Por este motivo, a explicação mais adequada é que temos
uma base biológica específica para linguagem, assim como as aranhas possuem uma
base biológica para fazer teias. O amadurecimento e o convívio social servem para
fazer emergir a capacidade inata do ser humano de adquirir e desenvolver uma língua.

Assimile
A abordagem racionalista afirma que a razão é a única via possível
para explicar os fenômenos da natureza. O conhecimento empírico é
entendido como um conhecimento passível de erro. Nesta abordagem,
o ideal é empregar as representações da razão, pois ela utiliza a lógica
como processo de explicação da realidade. A razão e a lógica iluminam
a realidade e permitem que se enxerguem as conexões e as relações
existentes entre os objetos do conhecimento. Portanto, todas as pesquisas,
todas as explicações e todas as ações devem seguir os pressupostos
lógicos, pois são universalmente válidos.

O maior representante dessa abordagem é Noam Chomsky. Nascido em 1928,


formou-se linguista, filósofo, matemático e psicólogo e foi convidado a trabalhar no MIT
(Massachusetts Institute of Technology) com cerca de 30 anos de idade. Seu trabalho
era criar uma máquina tradutora de mensagens
criptografadas, um poderoso equipamento para a
Figura 2.2 | Chomsky – O pai da
linguística moderna
época, financiado pelo governo norte-americano.
Chomsky não compartilhava os ideais de guerra,
mas, sendo contratado pelo governo, desenvolveu
seu trabalho com empenho e dedicação, ao
mesmo tempo em que construiu críticas severas
de ordem política. Não se sabe dizer se Chomsky é
mais conhecido como ativista político ou como “pai
da linguística moderna”. Não é possível dissociar seu
trabalho como linguista das suas opiniões políticas,
pois é sua visão de mundo que lhe permitiu criticar
diretamente tanto a aquisição do desenvolvimento
da linguagem por imitação quanto a teoria
behaviorista.

Fonte: <https://chomsky.info/>. Acesso em:


5 maio 2016.

Bases teóricas da aquisição da linguagem 79


U2

Sua crença de que o ser humano é, em essência, um ser criativo, o motivou a


escrever várias críticas às pesquisas de Skinner, inclusive ao seu célebre livro Verbal
behavior, alegando que a pesquisa comportamental servia apenas para colocar o ser
humano a serviço da classe dominante (Nossa! Aqui devemos fazer uma menção
à Unidade 1.4, aquela que trata do funcionamento discursivo da linguagem e da
ideologia presente nas práticas sociais e discursivas. Lembra disso? Vale a pena revisitar
a Seção 1.4 agora!). Levou um certo tempo, mas Skinner revisitou sua teoria após
tomar contato com as críticas de Chomsky.

Reflita
Até agora descobrimos que Chomsky criticou a teoria Behaviorista defendida
por Skinner. O que levou Chomsky a ser tão revolucionário? Chomsky é
judeu e conheceu profundamente os horrores da guerra. Além disso, viveu a
“cortina de ferro” (embargo político-econômico dos Estados Unidos contra
os países socialistas) e, apesar de vivenciar todas as catástrofes oriundas das
políticas econômicas, jamais desistiu de acreditar no potencial criativo do
homem e na humanidade como um valor de nossa espécie. Para conhecer
mais sobre Chomsky, acesse o site mantido pelo próprio autor. Disponível
em: <https://chomsky.info/>. Acesso em: 5 jul. 2016.
Noam Chomsky considera que a competência para a aquisição e o desenvolvimento
da linguagem é uma condição genética herdada, fruto da evolução da espécie humana
(Chomsky partilhava das ideias de Darwin). Embora não pudesse dizer com precisão
como isso ocorre e nem em qual área do cérebro ocorre, via, como única explicação
racional para que a criança aprendesse a falar, a existência de uma base biológica
preparada para isso, despertada por meio do convívio social. Desta forma, Chomsky
consegue explicar porque uma criança criada por lobos não aprende uma linguagem,
porém quando inserida na sociedade, consegue aprendê-la.

Chomsky chamou de “Gramática Universal” (GU) a capacidade inata do ser humano


de adquirir uma linguagem, ou seja, uma capacidade geneticamente determinada e de
natureza mental. Para descrevê-la, redigiu uma teoria que batizou de Teoria Gerativa
para justificar sua hipótese (muitos pesquisadores chamam a Teoria Gerativa de
Inatismo).

Assimile
Inatismo é corrente teórica que parte do pressuposto de que há ideias inatas
(ou predeterminadas) que não podem ser explicadas por experiências
de ordem sensorial ou puramente criativas. Uma ideia inata, portanto, é
universal, está presente em todos os seres humanos. É desta forma que
Chomsky explica que todo o ser humano aprende uma linguagem natural,
aquela que é predominante na sociedade em que nasceu.

80 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

Chomsky compreende que a GU possui uma característica fundamentalmente


criativa. Para ele, o ser humano é diferente de qualquer outra espécie, pois suas
conexões neurológicas são altamente complexas e ocorrem em número gigantesco,
o que torna o homem um ser único. Desta forma, Chomsky compreende que as
teorias explicativas da aquisição e desenvolvimento da linguagem podem prever que
o ser humano possui a capacidade de exercitar certos comportamentos linguísticos,
mas nenhuma teoria consegue garantir que o comportamento linguístico ocorra de
uma única forma para toda a espécie humana.

Exemplificando
O uso criativo da linguagem é uma característica da essência humana,
conforme Chomsky aponta, e só essa característica pode explicar que
o ser humano é capaz de compreender e até mesmo produzir uma
sentença nunca ouvida anteriormente. O uso criativo da linguagem pode
aparecer da seguinte forma: “Maria fez gelatina” e “A gelatina foi feita por
Maria”. Obviamente, as frases são construídas de forma diferente, porém
expressam a mesma ideia. Neste exemplo, entende-se que a criança já
teve acesso a algumas regras da língua local e também aprendeu um bom
número de palavras, o que favorece a ela utilizar de forma criativa seu
conhecimento, tendo a liberdade de se expressar como preferir.

Desta forma, Chomsky posiciona a linguagem no campo da cognição e afirma


que não se pode explicar a aquisição e o desenvolvimento da linguagem através de
condicionamentos. A partir disso, Chomsky construiu sua teoria identificando as
propriedades da linguagem. Em primeiro lugar, ele aponta que a linguagem é a essência
da mente humana (afinal, depois que desenvolvemos a linguagem, nunca mais paramos
de usá-la, inclusive, escutamos nossa própria voz dentro da cabeça quando estamos
conversando conosco mesmo!). A linguagem é praticamente inconsciente (não
percebemos que estamos pensando antes de falar) e funciona de maneira muito rápida
(as ideias se associam formando uma linguagem inteligível), porém complexa (visto que
ainda não conseguimos descobrir o mapeamento completo da linguagem no cérebro).
Por fim, a linguagem ocorre de forma bastante comum para os seres humanos.

Pesquise mais
CHOMSKY, Noam. A ciência da linguagem: conversas com James
McGilvray.São Paulo: Unesp, 2014.

Nesta obra, Chomsky trata sobre sua visão sobre a relação entre
linguagem e mente. Faz também uma profunda reflexão sobre a
amplitude da natureza humana em seus aspectos biológico, linguístico,
político e filosófico.

Bases teóricas da aquisição da linguagem 81


U2

Para Chomsky, o processo de aquisição da linguagem possui padrões universais que


emergem a partir do contato do indivíduo com o meio. Em suas pesquisas, descobriu que
crianças em todas as partes do mundo, com experiências completamente diferenciadas,
passaram por determinados estágios de aquisição de linguagem, o que sugere que a
aquisição não está sujeita a processos externos de ensino ou de vivência em sociedade.
Essa característica é chamada uniformidade. Além disso, as crianças aprendem palavras
novas em uma velocidade incrível, compreendendo-as e utilizando-as corretamente
sem necessidade de instrução ou correção por parte dos pais ou pessoas com as quais
convivem. Chomsky evidenciou particularmente que todas as crianças balbuciam por
volta de 8 meses de vida, produzem as primeiras palavras por volta de 1 ano de idade,
sendo que até os dois anos já se comunicam razoavelmente bem, pois são capazes
de fazerem boas combinações e flexões de palavras, o que permite a elas construírem
sentenças bem estruturadas aos 3 anos. O pesquisador chamou de “supergeneralizações”
a capacidade da criança de conjugar verbos a partir da gramática estável (por exemplo,
quando fala “eu danci muito” no lugar de “eu dancei muito”; “desdescer” ao invés de
“subir” etc.). Esses “equívocos” são previsíveis em estruturas linguísticas complexas.

Os estágios de aquisição de linguagem são divididos em dois períodos, chamados


Período Pré-Linguístico e Período Linguístico.

Período Pré-Linguístico

Estágio de balbucio: aos três dias de vida, o bebê já diferencia sons e esse
desenvolvimento só progride ao longo das semanas. Antes dos seis meses, o bebê
emprega algumas vogais e emite alguns sons guturais, porém, aos seis meses, o
bebê começa a usar consoante + vogal (papapa, bububu etc.). Aos 10 meses, esse
balbucio torna-se seletivo, ou seja, o bebê decide os sons que quer emitir. Essa emissão
rapidamente se torna cadenciada como uma fala e antes dos 12 meses, os bebês
emitem sons muito similares ou iguais às palavras do mundo adulto.

Período Linguístico

Estágio da palavra: por volta de 1 ano, as crianças já estão pronunciando as primeiras


palavras relacionadas ao seu contexto: papai, água, mamãe etc. Do ponto de vista da
gramática, estas palavras podem ser substantivos ou verbos. Durante um determinado
momento desse estágio, a palavra da criança substitui uma frase inteira e pode ter vários
significados, por exemplo: “água” pode significar: “quero água”, “vou tomar banho”, “está
chovendo”. Este momento é chamado de “holofrásico”.

Estágio de duas palavras: no segundo ano de vida, a criança começa a usar duas ou
mais palavras. Quando esse processo se inicia, a criança já observa a ordem em que

82 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

se fala a língua portuguesa (no caso do nosso país), onde se usa mais frequentemente
sujeito seguido de verbo e o complemento, respectivamente. A criança também
começa a entender o que é uma sentença afirmativa, negativa e interrogativa. Assim que
a criança começa a usar duas palavras, o processo vai atingindo formas mais complexas
de aquisição e desenvolvimento da linguagem.

Estágio das múltiplas combinações: por volta dos 3 anos, a criança já possui um
vocabulário de aproximadamente 1.200 palavras. A criança começa a usar preposições
(até, de, desde, entre, com, contra, para, sem etc.) e advérbios (aqui, ali, agora, depois,
antes, assim, sim, não, muito, pouco etc.). Por volta dos 4 anos, a criança é capaz de
usar sentenças com mais de uma oração (por exemplo: “Mariana tentou pular a corda,
mas não conseguiu”). Com cerca de 5 anos, a criança possui um vocabulário de 1.900
palavras e já utiliza orações subordinadas (por exemplo: “Meu amigo não foi à festa
porque estava com febre e foi ao médico e depois tomou remédio”).

A partir dos 5 anos, a capacidade de produzir linguagem a partir de poucas regras


e um número finito de palavras é infinita, pois ela começa a usar esta combinação de
regras e palavras livremente, produzindo, inclusive, sentenças que nunca ouviu antes.

Chomsky chama a atenção para o que considera um período crítico da aquisição da


linguagem: entre 2 e 12 anos. Segundo dados obtidos, é neste período que o cérebro
se especializa e amadurece, e um dos lados do cérebro se torna dominante no quesito
da linguagem. Não quer dizer que a criança ou adolescente não possa desenvolver a
linguagem após o período crítico, mas, neste período, o cérebro está mais propício a
desenvolver a competência da comunicação.

Para encerrar esta seção, é preciso considerar que as propostas de Chomsky


revolucionaram a linguística, uma vez que seu olhar se deu sobre processos mentais
internos e não sobre processos comportamentais observáveis.

Reflita
Aqui apresentamos a proposta chomskyana sobre aquisição e
desenvolvimento da linguagem. De acordo com esta teoria, o ser humano
nasce com um sistema de linguagem inato, ou seja, ao ser exposta a um
ambiente comunicativo, a criança precisará acessar este sistema para
ativar a sua gramática, entendida aqui como uma Gramática Universal (de
ordem genética, existente em todos os seres humanos). Assim é possível
explicar como crianças, já por volta dos 5 anos de idade, sejam capazes
de adquirir um sistema tão complexo de comunicação como o nosso. A
partir da exposição às regras da linguagem de uma determinada sociedade
e a um determinado número de palavras, as crianças conseguem produzir
expressões que nunca ouviram.

Bases teóricas da aquisição da linguagem 83


U2

Muito bem! Parabéns por chegar até aqui!

Esperamos que sua leitura tenha sido agradável e surpreendente.

Agora você já tem elementos para resolver a segunda situação-problema.

Vamos lá?

Sem medo de errar


Nesta segunda situação-problema, você elaborará parte do relatório de estágio
que exemplifique e explique (à luz da teoria estudada) fatos observados e relativos
ao comportamento verbal das crianças, apresentando quatro situações específicas
observadas no estágio:

- Uma situação de comportamento verbal da criança relativo ao Período Pré-


Linguístico: Estágio de Balbucio.

- Uma situação de comportamento verbal da criança relativo ao Período Linguístico:


Estágio da Palavra.

- Uma situação de comportamento verbal da criança relativo ao Período Linguístico:


Estágio de Duas Palavras.

- Uma situação de comportamento verbal da criança relativo ao Período Linguístico:


Estágio das Múltiplas Combinações.

Nesta seção, intitulada “Abordagens racionalistas de aquisição da linguagem”, você


conheceu a teoria Inatista proposta por Noam Chomsky e conheceu também alguns
aspectos do seu trabalho.

Com estes conhecimentos, você já consegue realizar a segunda SP. Entretanto, para
apoiar sua aprendizagem, vamos indicar um caminho para sintetização.

Noam Chomsky foi um eminente estudante da linguística e propôs uma teoria


para explicar a aquisição e o desenvolvimento da linguagem, chamada Inatismo
ou Teoria Gerativa, na qual afirma que o ser humano possui uma capacidade inata,
herdada geneticamente, de desenvolver a linguagem. É como se possuísse um sistema
gramatical natural, acessado quando o bebê entra em contato com a língua praticada
pela comunidade da qual faz parte. Esta é a ideia fundamental da teoria Inatista.
Chomsky apontou que, por ser uma condição inata e de ordem genética, a linguagem
está presente em toda a espécie humana, independentemente do país ou região onde a
criança nasça e da língua falada por tal comunidade (universalidade).

84 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

Atenção
É muito importante que você considere os dois períodos para a aquisição
da linguagem e respectivos estágios, propostos por Chomsky:

Período Pré-Linguístico → Estágio de Balbucio: antes dos seis meses, o


bebê emprega algumas vogais e emite alguns sons guturais, porém, aos 6
meses, o bebê começa a usar consoante + vogal (papapa, bububu etc.).
Aos 10 meses, esse balbucio torna-se seletivo, ou seja, o bebê decide os
sons que quer emitir. Essa emissão rapidamente se torna cadenciada como
uma fala e antes dos 12 meses, os bebês emitem sons muito similares ou
iguais às palavras do mundo adulto.

Período Linguístico → Estágio da Palavra: a palavra da criança substitui


uma frase inteira e pode ter vários significados, por exemplo: “água”
pode significar: “quero água”, “vou tomar banho”, “está chovendo”. Este
momento é chamado de “holofrásico”.

Período Linguístico → Estágio de Duas Palavras: no segundo ano de vida, a


criança começa a usar duas ou mais palavras. Assim que a criança começa
a usar duas palavras, o processo vai atingindo formas mais complexas de
aquisição e desenvolvimento da linguagem.

Período Linguístico → Estágio das Múltiplas Combinações: a criança


é capaz de empregar termos específicos da língua (preposições e
advérbios). Posteriormente, passa a usar várias orações na mesma
sentença e a usar orações subordinadas. Entre 2 e 12 anos, encontra-
se o período crítico da aquisição da linguagem, momento em que o
cérebro se especializa e amadurece.

Considerando que talvez você ainda não esteja realizando seu estágio real, as
situações solicitadas nesta SP podem ser retiradas da internet, criadas por você ou obtidas
a partir de suas experiências pessoais. Certifique-se de que todas as situações descritas
remetam à aquisição e ao desenvolvimento da linguagem e estejam relacionadas às
teorias estudadas nesta seção.

Agora, mãos ao trabalho!

Avançando na prática
Dessubir

Leia o seguinte diálogo entre uma criança de 3 anos e sua mãe, que se mudaram

Bases teóricas da aquisição da linguagem 85


U2

recentemente de uma casa térrea para o 14° andar de um prédio de apartamentos:

- Filho, está pronto? Vamos ao mercado.

- Sim.

A mãe fecha a porta do apartamento e aperta o botão para chamar o elevador.

- Mãe, como chama esse negócio que a gente usa para dessubir do apartamento?

a) O que a criança quer dizer com “dessubir”? Raciocine sobre o que está
acontecendo.

b) Descreva o período e o estágio em que esta criança provavelmente se encontra,


de acordo com a Teoria Inatista ou Gerativa proposta por Noam Chomsky.

Lembre-se

Chomsky cita muito a capacidade criativa do ser humano, principalmente


em se tratando da linguagem, na insistência de dizer que nossa
aprendizagem não é fruto de estímulos positivos e negativos. A criatividade
de uma criança aparece também quando ela já conhece algumas regras
do sistema formal de linguagem e um número finito de palavras, mas
consegue produzir novas expressões que nunca ouviu antes (podendo
estar de acordo ou não com a norma linguística esperada para a
comunidade da qual faz parte).

Resolução da situação-problema

Nesta situação, a criança refere-se ao elevador e à sua capacidade de subir e descer


andares. Quando emprega a palavra “dessubir”, significa que quer utilizar o contrário a
subir, de forma que o prefixo “des-“ está funcionando como negativa de subir (assim
como empregados o des-cobrir, des-montar, des-salgar).

É correto afirmar que, apesar de jovem, a criança está no Estágio das Múltiplas
Combinações, pois, neste estágio, a criança já possui um vocabulário de aproximadamente
1.200 palavras e começa a usar preposições (até, de, desde, entre, com, contra, para,
sem etc.) e advérbios (aqui, ali, agora, depois, antes, assim, sim, não, muito, pouco etc.).
Posteriormente, por volta dos 4 anos, a criança é capaz de usar sentenças com mais de
uma oração (por exemplo: “Mariana tentou pular a corda, mas não conseguiu”). Com
cerca de 5 anos, a criança possui um vocabulário de 1.900 palavras e já utiliza orações
subordinadas (por exemplo: “Meu amigo não foi à festa porque estava com febre e foi
ao médico e depois tomou remédio”).

86 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

Faça você mesmo


Agora vamos nos divertir novamente! Pesquise exemplos de palavras e
frases criadas por crianças e faça uma análise para verificar a qual estágio
esta frase ou fala pertence. Você pode também contar histórias de crianças
de suas famílias que sejam similares à estudada aqui. Inspire-se nos sites:
Disponível em: <http://www.frasesdecriancas.com/>. Acesso em: 5 jul.
2016; <https://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/dicionario-
feito-por-criancas-revela-a-adultos-um-mundo-que-ja-esqueceram/>.
Acesso em: 5 jul. 2016.

Socialize com seus colegas e com seu professor ou professora!

Faça valer a pena!


1. Assinale a alternativa que corresponde aos pressupostos da Abordagem
Racionalista:
a) Parte do princípio de que todo o conhecimento provém única e
exclusivamente da experiência do ser humano com o meio ambiente.
Este conhecimento é limitado ao que pode ser captado pelos órgãos
dos sentidos (visão, tato, paladar, olfato e audição) ou deduzido por
reflexão pessoal (introspecção) a partir das experiências vividas.
b) Parte do princípio de que a razão é a única via possível para explicar
os fenômenos da natureza. A razão e a lógica iluminam a realidade e
permitem que se enxerguem as conexões e relações existentes entre
os objetos do conhecimento. Deve-se seguir apenas os pressupostos
lógicos, pois são universalmente válidos.
c) Parte do princípio de que a razão não é única via possível para explicar
os fenômenos da natureza, podendo-se adotar outros métodos
de pesquisa, como a experimentação. O conhecimento empírico é
entendido como um conhecimento passível de erro, por isso é ideal
empregar as representações da razão, porém podem ser aceitas outras
formas de pesquisa.
d) Parte do princípio de que a mente deve ser estudada, o que não foi
realizado em outras abordagens. Assim, procura-se explicar como a
mente funciona, bem como o processo de raciocínio para a resolução
de problemas encontrados no cotidiano. A razão é apenas uma das
possibilidades de funcionamento da mente, não esquecendo do
aspecto emocional.
e) Parte do princípio que a aprendizagem do ser humano ocorre na
inter-relação dos contextos históricos (determinados lugares e tempo),
sociais (determinados grupos de pessoas) e culturais (determinada

Bases teóricas da aquisição da linguagem 87


U2

sociedade). Assim, tanto a razão quanto a mente, quanto o grupo social


são fatores determinantes para que a aprendizagem ocorra.

2. “[...] é corrente teórica que parte do pressuposto que há ideias inatas


(ou predeterminadas) que não podem ser explicadas por experiências
de ordem sensorial ou puramente criativas. Uma ideia inata, portanto, é
universal, está presente em todos os seres humanos”.
Assinale a alternativa que apresenta o nome desta corrente teórica:
a) Sociointeracionismo.
b) Behaviorismo.
c) Inatismo.
d) Cognitivismo.
e) Conexionismo.

3. Noam Chomsky elaborou uma teoria que recebeu o nome de Inatista.


Há outro nome comumente empregado para designar a mesma teoria.
Assinale a alternativa que apresenta este nome:
a) Gestativa.
b) Gerante.
c) Geral.
d) Germinal.
e) Gerativa.

88 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

Seção 2.3

Abordagens cognitivistas de aquisição da


linguagem
Diálogo aberto

Seja bem-vindo a mais uma seção de estudo! Desta vez, conheceremos a


abordagem cognitivista da aquisição de linguagem e o papel da brincadeira no seu
desenvolvimento, segundo estudos de Jean Piaget. Assim, os objetivos desta seção
são:

1. Compreender o que é a abordagem cognitivista.

2. Conhecer a teoria cognitivista defendida por Jean Piaget.

3. Identificar as ideias principais desta teoria e refletir sobre exemplos que a


esclareçam.

Para apoiar a sua aprendizagem, vamos retomar a SGA e apresentar uma situação-
problema:

A SGA proposta diz respeito ao estágio curricular, parte significativa da sua formação
profissional. Suponha que é o seu momento de realizar o estágio, onde vivenciará
situações relacionadas à aquisição e ao desenvolvimento da linguagem ocorridas
em uma escola de educação infantil, com crianças de 0 a 6 anos. O objetivo desta
fase do estágio é fazer uma reflexão teórica acerca das situações práticas observadas.
Nesta seção, você elaborará a terceira parte do relatório de estágio que exemplifique
e explique (à luz da teoria estudada) fatos observados e relativos ao comportamento
verbal das crianças no processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem.

O seu terceiro desafio é apresentar e explicar à luz da teoria estudada, três situações
específicas observadas no estágio:

- Uma situação de comportamento verbal da criança relativa ao estádio sensório-


motor.

- Uma situação de comportamento verbal da criança correspondente ao estádio


pré-operatório.

Bases teóricas da aquisição da linguagem 89


U2

- Uma situação de comportamento verbal da criança relativa ao jogo simbólico


(brincadeira).

Estas situações podem ser diálogos entre duas crianças, diálogo individual (fala da
criança com ela mesma) ou diálogo entre uma criança e um adulto. Você não precisa
trazer as três situações da mesma criança, mas deve contextualizar a idade da criança
e alguma informação específica sobre o que está ocorrendo (por exemplo: brincando,
fazendo lição, horário de lanche etc.). Numere cada uma das três situações, descreva
o exemplo e explique teoricamente o processo de aquisição e desenvolvimento da
linguagem subjacente a cada situação.

Considerando que talvez você ainda não esteja realizando seu estágio real, as
situações solicitadas nesta situação-problema podem ser retiradas da internet, criadas
por você ou obtidas a partir de suas experiências pessoais. Certifique-se de que todas
as situações descritas remetam à aquisição e ao desenvolvimento da linguagem e
estejam relacionadas à teoria estudadas nesta seção.

Nesta aula, você conhecerá a teoria Cognitivista (ou Epistemologia Genética) de


Jean Piaget, bem como o papel do jogo simbólico e da brincadeira no processo de
aquisição e desenvolvimento da linguagem. Você precisará destes conhecimentos para
resolver a terceira situação-problema. Desejo a você uma excelente aprendizagem!

Não pode faltar


Prezado aluno, você está iniciando agora o estudo de mais uma teoria que explica
a aquisição e o desenvolvimento da linguagem pela criança. Você já percebeu que
uma teoria nasce por oposição a outra. Quando uma teoria é divulgada ao público,
ela passa por críticas e questionamentos. Alguns cientistas podem discordar da teoria
publicada, porque possuem outro conhecimento ou porque acreditam em outra
forma de explicar o fenômeno estudado. Assim, estes cientistas divulgam outra teoria,
que passará pelo mesmo processo de crítica e questionamento.

Agora vamos estudar a abordagem cognitivista, que tem como objetivo principal o
estudo da mente. Cognitivismo deriva da palavra cognoscere (conhecer, em latim) e
parte da investigação sobre o pensamento e sobre a resolução de problemas. Para os
cognitivistas, o pensamento causa impacto no comportamento das pessoas. Por esse
motivo, o pensamento deveria ser o objeto de estudo mais relevante à psicologia do
que o comportamento (nota-se aí uma crítica ao behaviorismo).

Assimile
Abordagem cognitivista: parte do princípio que o conhecimento é fruto
do pensamento e tem como objetivo estudar a cognição (o ato de

90 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

conhecer) e a consciência. Para tanto, procura descobrir como funciona


a percepção humana, a compreensão e o processamento da informação.

Assim, na Abordagem Cognitivista, o ser humano é visto como um ser pensante


e utiliza recursos mentais para agir sobre o mundo. O ser humano não é entendido
como uma tábula rasa, bem como não depende exclusivamente das experiências
vivenciadas para aprender. Nesta abordagem, o ser humano aprende a partir das
experiências, introjetando-as, refletindo sobre elas, modificando-as internamente e
produzindo seu conhecimento.

Curiosamente, o Cognitivismo coexiste com o Behaviorismo e o Inatismo, com


publicações significativas que datam praticamente da mesma época de ambas teorias
já estudadas.

O maior representante do Cognitivismo é, sem dúvida, Jean Piaget, eminente


pensador do século XX. A repercussão de seus estudos se deu no campo do raciocínio
lógico e matemático. É possível que você já tenha ouvido falar de suas pesquisas
neste campo. Porém, seu estudo sobre aquisição e desenvolvimento da linguagem é
impactante. Piaget foi um profícuo autor: lançou mais de 50 livros (alguns em parceria).

Figura 2.3 | Jean Piaget – maior representante do cognitivismo

Fonte: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/67/Jean_Piaget_in_Ann_Arbor.png?uselang=pt-br>. Acesso


em: 6 jul. 2016.

Bases teóricas da aquisição da linguagem 91


U2

Piaget nasceu em Genebra, na Suíça, em 1896 e faleceu em 1980. Formou-se


biólogo e sua vida acadêmica permitiu que se desenvolvesse no campo da psicologia,
um de seus maiores interesses. Entre 1919 e 1921 esteve em Paris e, compartilhando
a pesquisa de Theodore Simon (um dos responsáveis por criar o famoso teste de
QI: Quociente de Inteligência), se aproximou do universo infantil e descobriu que as
crianças possuem uma forma particular de raciocínio.

Piaget observou atentamente crianças (incluindo seus próprios filhos) e propôs a


existência de quatro estádios de desenvolvimento cognitivo do ser humano: sensório-
motor; pré-operatório; operatório-concreto e operatório formal. Propôs a ideia de
adaptação a partir da assimilação e acomodação.

Nesta disciplina, estudaremos particularmente sua proposta com relação à


aquisição e ao desenvolvimento da linguagem.

Vocabulário
Recentemente, procura-se recuperar o termo estádio para a identificação
dos períodos de desenvolvimento cognitivo propostas por Piaget. A
maior parte dos materiais publicados, entretanto, adota a palavra estágio.
Estágio é uma fase, é um período específico. O conceito de estádio é bem
interessante: remete ao espaço físico onde ocorriam diversos esportes
(do latim stadium). É assim que Piaget compreende a mente: um local
onde ocorrem vários “esportes” concomitantes, ou seja, o pensamento
é formado por várias estruturas constituídas a partir das várias interações
entre a criança e o meio.

Desta forma, é fácil perceber que os estudos cognitivistas se preocupam com o que
ocorre na mente, sem descartar a influência do meio em que a criança está imersa.
Para os cognitivistas, é importante ressaltar que a aquisição da linguagem ocorre
concomitantemente com outras frentes de desenvolvimento, como a motricidade e
o raciocínio lógico, por exemplo.

Piaget questiona, particularmente, o motivo de uma criança ter todas as condições


necessárias para adquirir uma língua (por exemplo: ter o aparelho fonador preservado,
ter as condições mentais estruturadas, ter estímulos) e mesmo assim não conseguir
falar devido a uma dificuldade de ordem emocional (um trauma, uma depressão
profunda, entre outras possibilidades).

Assim, tanto a teoria Behaviorista quanto a Inatista não são suficientes para explicar
o processo de aprendizagem, pois não consideram aspectos de interação mental (ou
cognitiva) para a aquisição e o desenvolvimento da linguagem.

92 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

Reflita
Ao longo das duas seções anteriores, percebeu-se a oposição entre
o Behaviorismo (considera o meio como fator predominante para a
aquisição da linguagem) e o Inatismo (considera a programação genética
inata como fator predominante para a aquisição da linguagem). Pode-
se dizer que o Cognitivismo nasce do encontro entre as duas teorias.
Assim, o Cognitivismo parte do elemento orgânico (corpo e cérebro) em
funcionamento com o ambiente social onde a criança está imersa.

Para Piaget, é no encontro do organismo biológico com o ambiente social que a


criança organizará seu mundo interno até os dois anos de idade. Para organizar-se, a
criança desenvolve o simbolismo (ou função simbólica ou ainda função semiótica):
capacidade de distinguir o que é significado e o que é significante (lembra da proposta
de signo linguístico defendida por Saussure? É a esta proposta que Piaget se refere).
A linguagem é uma forma de representação simbólica, pois permite à pessoa evocar
verbalmente objetos que não estão presentes, bem como acontecimentos passados
ou futuros.

Assimile
Cognitivismo ou Epistemologia Genética se preocupa com a gênese
(nascimento) do conhecimento científico (epistemê, em grego), e busca
revelar os processos pelos quais as diferentes estruturas do conhecimento
são constituídas.

Para Piaget, o desenvolvimento da inteligência do ser humano é sua melhor


estratégia de adaptação à vida. Isso ocorre desde o nascimento, portanto, inicia-se
no estádio pré-operatório (que vai dos 0 aos 18-24 meses), quando os bebês iniciam
as primeiras experiências motoras. Essas experiências são responsáveis pela criação
das primeiras estruturas cognitivas ou esquemas iniciais. De que tipo de experiências
estamos falando? Falamos do ato de mamar e deglutir. Falamos do toque que o
bebê sente quando a pessoa que cuida dele o está ninando, trocando, dando banho.
Falamos dos movimentos dos dedos das mãos, dos braços e das perninhas, bem
como dos movimentos faciais e de tudo o que o bebê enxerga, escuta, cheira e
ingere. O bebê vai incorporando essas experiências, adaptando-se ao meio em que
vive. Tudo isso exemplifica o processo de adaptação, desenvolvido em duas etapas: a
assimilação, que é a incorporação de uma nova estrutura à estrutura já existente (por
exemplo, quando o bebê inicia a ingestão de água após meses sendo alimentado com
leite), e a acomodação, que ocorreria quando, depois de ingerir água várias vezes, o
bebê internaliza a nova experiência, criando um novo esquema, caracterizado pelo
fato de a criança saber a diferença entre ingerir água, suco e sopa, o que mostra seu
desenvolvimento cognitivo.

Bases teóricas da aquisição da linguagem 93


U2

Exemplificando
Uma criança que está aprendendo sobre frutas, já possui um esquema
para cada fruta do cotidiano (por exemplo: a maçã tem a casca
vermelha, é um fruto da macieira, é doce, é saborosa, é suculenta). Em
dado momento, apresentam a esta criança uma cereja. Como ela não
conhece a cereja, provavelmente vai classificá-la como uma maçã, dada
à similaridade. No entanto, ao tocar e experimentar a cereja, perceberá
que há algumas diferenças: em aspectos visuais (a cereja é menor), em
percepção motora (a cereja pesa menos), no tato (a casca é diferente, é
mais mole do que a maçã), no sabor. Estará, no momento que manipula e
experimenta a cereja, fazendo novas assimilações (recepção e integração
de novas informações). Em dado momento, alguém lhe diz que o nome
desta nova fruta é cereja. As novas assimilações feitas se fundirão em um
novo complexo de conhecimentos (processo de acomodação), gerando
um novo esquema (para cereja) e modificando o esquema anterior (da
maçã), pois ao incluir as novas informações, também foi feita uma nova
assimilação no esquema da maçã (uma maçã NÃO é uma cereja – este é
um dado novo, que será acomodado!).

Assimilação e acomodação da linguagem são ocorrências constantes e


concomitantes com outros processos de adaptação, como a motricidade, o
raciocínio lógico etc. Ao ouvir as primeiras palavras, o bebê assimila e, com a repetição,
acomoda os sons. Ainda não possui a compreensão do signo linguístico (na definição
de Saussure). Piaget afirma que a criança até 18 meses, aproximadamente, já tem a
imagem do som (significante), mas ainda não associou o significado a seu respectivo
significante. Por este motivo, as palavras e os sons que é capaz de pronunciar até 1 ano
e meio não correspondem exatamente ao significado empregado pelo grupo social
(por exemplo: a criança pode falar “au-au” para cachorro, para brinquedo, para sair do
berço).

Exemplificando
Ao dar início à fala, a criança pode empregar um termo de forma genérica,
por exemplo: falar “tchau” quando está indo embora, mas também quando
sai de um cômodo, quando chega na casa de alguém, quando vai tomar
banho. Neste caso, o termo ainda não adquiriu significado e precisará de
mais tempo e mais experiências para que o conceito seja internalizado
como um signo linguístico.

A partir de 18 meses, a criança começa a desenvolver a representação, conceito


importante na teoria Cognitivista. A representação é a capacidade de evocar uma

94 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

experiência, um evento, um objeto ou um conhecimento já acomodado. Assim, a


criança começa a se referir a objetos que não estão presentes no seu campo visual.

A união do significante com a representação permite que a criança comece a


associar e utilizar a linguagem com mais especificidade, como é o caso da holófrase (a
palavra empregada pela criança substitui uma frase inteira e pode ter vários significados,
por exemplo: “água” pode significar: “quero água”, “vou tomar banho”, “está chovendo”).
Assim a criança vai adotando os símbolos linguísticos empregados pelo grupo e a
linguagem compreensível vai se tornando possível, o que ocorre a partir dos 18-24
meses e se aprimora até os 7 anos de idade (estádio pré-operatório). É neste período
também que a criança começa a desenhar e a brincar, eventos fundamentais para o
desenvolvimento da linguagem, pois se relacionam diretamente ao desenvolvimento
e ao aprimoramento da capacidade simbólica.

Vamos entender melhor a função simbólica na visão de Piaget. Há três tipos de


conhecimento: o perceptivo (ocorre apenas na presença do objeto); o imitativo (são
gestos que representam o objeto, estando este objeto presente ou não – por exemplo,
quando a criança coloca as mãos sobre o pé e fala “sapato”, estando ou não de sapato)
e o imagético (trata-se da imagem interna que representa o objeto quando este objeto
não está presente – por exemplo, quando a criança pede uma bolacha para comer,
porém a bolacha não está no seu campo visual e ela não gesticula – neste caso, ela já
interiorizou a imagem da bolacha, ou seja, a bolacha já se tornou uma imagem mental).
É preciso dizer que essa imagem não é uma simples foto. Essa imagem constitui toda
uma rede de significados. A imagem da bolacha pode estar associada à fome, ao ato
de mastigar, à satisfação, ao desenho circular, à textura crocante, ao sabor de leite ou
maisena, ao movimento de pinçar e à pressão de segurar a bolacha entre dois dedos,
ou seja, no desenvolvimento da função simbólica imagética, a criança já construiu o
signo linguístico.

O símbolo é compreendido como uma cópia ativa do real. Como estes símbolos
estão subordinados ao funcionamento cerebral, é possível ordená-los, classificá-los e
modificá-los. É assim, portanto, que a criança consegue criar um repertório interno de
conhecimento que permite a ela imaginar, fantasiar e antecipar.

Pesquise mais
Lançado inicialmente em 1945, Piaget estuda neste livro a comunicação
da criança, revelando a inter-relação entre imitação e jogo, bem como a
imagem e sua representação interna.

Fonte: PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e


sonho, imagem e representação. São Paulo: LTC, 2013.

Bases teóricas da aquisição da linguagem 95


U2

Piaget aponta que, desde os primeiros meses de vida, o bebê manipula objetos
para saciar sua curiosidade intelectual, criando diversas situações agrupadas sob o
nome de brincadeira. Por exemplo, o bebê gosta de levar objetos à boca; é uma forma
eficiente de descobrir o objeto, pois, em função da mamada, o bebê tem a região
bucal muito mais desenvolvida como órgão do sentido do que as mãos e os olhos.
Posteriormente, o bebê bate os objetos, produzindo sons. Também atira objetos,
fazendo outros tipos de “testes” e aprendendo com os resultados. Mais à frente, a
criança executa várias outras manipulações: puxa, estica, atira, senta em cima, bate e
vai adquirindo novos esquemas a partir da experiência em manipular estes objetos. A
todas essas experiências chamamos brincadeira, visto que a criança não tem intenção
de quebrar nada, apenas de descobrir o que se pode fazer com esses objetos.

Em dado momento de seu amadurecimento, a criança começa a brincar com


objetos atribuindo-lhes novo significado – o início da função simbólica demarca que
ela é capaz desenvolver a linguagem social, pois, como já descobrimos, a linguagem
é construída a partir do signo linguístico (significado + significante). É desta forma,
na visão do Cognitivismo, que a criança desenvolve a capacidade de atribuir sons a
objetos, conceitos, sentimentos, pensamentos etc.

No estádio pré-operatório, Piaget faz uma segmentação entre 2 e 4 anos, momento


conhecido como período de faz de conta em que a linguagem aparece efetivamente.
É aqui que o jogo simbólico e a brincadeira se revestem de fundamental importância.
Enquanto a criança brinca, ela utiliza recursos próprios e cria um mundo fantástico,
onde é capaz de transformar o objeto presente em outro que lhe traga mais satisfação.
Por exemplo, ao brincar, a criança pega uma caixinha de suco e faz de conta que é um
carrinho, pega umas folhas de árvore e faz de conta que são cadeiras de bonequinhas,
pega o sapato e faz de conta que é um armário; a colher se transforma em um médico,
o bicho de pelúcia é o papai, o cabo da vassoura é o cavalo. Nesta época, também
aparece o animismo (dar característica humana a objetos inanimados), por exemplo:
“a bola está chorando”, “a boneca está dormindo”, “o carrinho está com fome”. A
brincadeira ou o jogo simbólico é uma forma de exercício intelectual no qual a criança
exercita a função simbólica com total autonomia: ela modifica o sentido original do
objeto atribuindo a ele outro sentido, mostrando uma forte capacidade de abstração.

Piaget chamou de fala egocêntrica a fala que ocorre nos primeiros anos de vida,
desde o início das vocalizações até os monólogos. Nesta categoria estão inseridas:

a) Fala repetitiva: a criança repete palavras, mas ainda não atribui sentido a
elas, bem como usa sílabas sem função social definida (balbucio) ou repetições sem
compreensão por parte da criança.

b) Monólogo: conversa da criança consigo mesma.

c) Monólogo social: a criança fala em voz alta com outra ou outras crianças,
como se estivesse em uma conversa social, porém não há relação com a frase

96 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

que a outra ou outras crianças estão falando (você já observou crianças pequenas
conversando entre si, porém cada qual com seu tema, sem se importar se as demais
estão compreendendo ou interagindo? Este é o monólogo social, onde não há
preocupação com o interlocutor).

Na fala egocêntrica, a criança não percebe que a outra pessoa pode ter um ponto
de vista diferente do seu, o que indica que a criança ainda não se adaptou ao meio.
Porém, conforme a inteligência e o pensamento vão amadurecendo, a linguagem
acompanha esse movimento interno.

O segundo momento do estádio sensório-motor ocorre entre 4 e 7 anos e é


conhecido como “idade dos porquês”, já que a criança procura por esclarecimentos o
tempo todo. A criança ainda tem seu pensamento centrado em si mesma, geralmente
não consegue manter uma conversação longa, mas é capaz de adaptar suas respostas
quando outra pessoa faz perguntas diretas ou estabelece alguma comunicação.

Entre 7 e 12 anos, temos o estádio das operações concretas, onde a criança já


consegue manter a comunicação através de uma linguagem social, capaz de
discutir diferentes pontos de vista para chegar a um consenso (neste estádio, a fala
egocêntrica já desapareceu). Após os 12 anos, temos o estádio das operações formais,
auge do desenvolvimento da inteligência, e a linguagem evolui para o discurso e para
elaboração de conclusões. E assim prossegue por toda a vida.

De certa forma, o Cognitivismo aceita a ideia de uma capacidade inata para a


aquisição da linguagem, como o Inatismo. Porém, Piaget sofreu algumas críticas, por
centrar sua pesquisa apenas no desenvolvimento cognitivo do indivíduo, deixando a
influência social em segundo plano. Ele não nega sua existência, mas não exalta a
correlação entre o meio social e o desenvolvimento da inteligência, o que é feito pela
Abordagem Interacionista, objeto de estudo da nossa próxima seção.

Vocabulário
Adaptação: processo de organização do conhecimento, onde as crianças
passam de um nível mais simples de conhecimento para um nível mais
complexo. O conceito de adaptação também é conhecido como
equilibração. Desenvolve-se em duas etapas:

Assimilação: é um processo cognitivo que recebe e integra (classifica) uma


nova informação percebida, sentida (de ordem motora) ou conceitual às
estruturas cognitivas já existentes.

Acomodação: significa modificação dos esquemas anteriores, ou seja,


além de receber e integrar a nova informação, ela modifica o conhecimento
anterior, sendo incluída definitivamente nas concepções da criança.

Bases teóricas da aquisição da linguagem 97


U2

Esquema: é um conjunto de conhecimentos, que se modifica sempre


que uma nova informação é assimilada e acomodada.

Sem medo de errar

Olá, estudante! Agora vamos refletir sobre a Abordagem Cognitivista e sobre a teoria
da Epistemologia Genética ou Cognitivista, proposta por Jean Piaget, retomando a
situação-problema.

Na situação-problema foi solicitado que você elaborasse a terceira parte do relatório


de estágio que exemplifique e explique (à luz da teoria estudada) fatos observados
e relativos ao comportamento verbal das crianças no processo de aquisição e
desenvolvimento da linguagem.

O seu terceiro desafio é apresentar três situações específicas observadas no estágio:

- Uma situação de comportamento verbal da criança relativa ao estádio sensório-


motor.

- Uma situação de comportamento verbal da criança correspondente ao estádio


pré-operatório.

- Uma situação de comportamento verbal da criança relativa ao jogo simbólico


(brincadeira).

Você se lembra das características do estádio sensório-motor? Este estádio ocorre


entre 0 e 18 meses de vida e a criança está emitindo apenas as primeiras vocalizações,
ou seja, é quando exercita alguns sons, faz o balbucio e é capaz de falar uma sílaba ou
até mesmo uma palavra, mas não exatamente no sentido que a palavra é empregada
por seu grupo social. Na seção “Não pode faltar” trouxemos vários exemplos, agora
é sua vez de procurar um exemplo diferente. Que outros tipos de vocalização,
balbucio, sílaba ou palavra global você é capaz de sugerir? Lembra de alguma situação
interagindo com bebê ou um vídeo que pode ajudar neste momento?

O segundo exemplo solicitado diz respeito ao estádio pré-operatório, que


compreende a idade entre 18-24 meses até os 7 anos e se caracteriza pelo emprego
cada vez mais especializado da fala. Recorda-se da holófrase? E da fala egocêntrica?
São estes os exemplos que estamos procurando. Acima, trouxemos vários exemplos,
mas é sua vez de refletir, portanto, você pode procurar vídeos ou interagir com crianças
pequenas. Se você conseguir localizar um exemplo de situação verbal ocorrendo com
uma criança entre 2 e 4 anos, você observará claramente o conteúdo apresentado na
seção.

98 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

Por fim, o último exemplo solicita especificamente uma situação em que apareça
o jogo simbólico.

Atenção
O jogo simbólico não é qualquer tipo de jogo ou brincadeira. No jogo
simbólico ocorre a representação de um objeto ausente, a partir da
comparação entre o objeto existente e o objeto imaginado. Por esse
motivo, a criança utiliza alguns objetos, atribuindo-lhes outras características
enquanto brinca. Isso ocorre em alguns tipos de brincadeiras, mas não
ocorre em jogos de tabuleiro, por exemplo, nem em brincadeiras como
pular corda ou pega-pega.

Para auxiliar a construir o terceiro exemplo, você pode pesquisar vídeos sobre o
período de faz de conta ou mesmo jogo simbólico. Este talvez seja o exemplo mais
simples, aquele que você pode imaginar, afinal você já possui a função imagética
bastante elaborada, não é mesmo?

Avançando na prática
Encenando o jogo simbólico

Descrição da situação-problema

Seu professor trouxe a situação a seguir descrita por Piaget. Trata-se de uma
colaboração entre crianças, onde a função do jogo simbólico aparece. As crianças são
Lev (menino, 5 anos e 11 meses), Ari (menino, 4 anos e 1 mês), Den (menina, 4 anos e
5 meses), Arn (menino, 5 anos e 9 meses):

Lev: Eu sou o pai, você é a mãe e Ari é a babá.


Ari: Sim, e a babá cuida bem das crianças.
Den: Você é o pai, Lev, você vai à caça, você vai à Alemanha.
Lev: Vamos brincar depois de balão.
Arn: Como, balão?
Lev: Você sabe, nós vamos dizer que estamos no céu. Quem
quer ser a areia? Arn, você vai ser a areia.
Arn: A areia não.
Lev (dirigindo-se a Arn): Você vai ser o balão, eu a cesta, quem
vai ser a areia? (PIAGET, 2003, p. 78)

Bases teóricas da aquisição da linguagem 99


U2

Neste diálogo, percebe-se que as crianças estão se organizando para brincar,


pensando nas atribuições que cada uma terá na situação de uma família e na situação
de um balão. Esse tipo de brincadeira se chama jogo simbólico e também se aplica
quando a criança emprega um objeto com outro sentido (por exemplo, quando se
senta em uma pedra e diz que está dirigindo um táxi, gesticulando como motorista). O
uso de animismo também é importante na execução do jogo simbólico.

Lembre-se

Animismo é a capacidade de dar características humanas a objetos


inanimados, por exemplo: “a bola está chorando”, “a boneca está
dormindo”, “o carrinho está com fome”.

Seu professor solicitou que você forme (com seus colegas) um grupo com 4
integrantes, juntos elaborem uma situação fictícia de jogo simbólico, descrevam a
situação e encenem para a sala. Ainda apresentou o seguinte desafio: “vocês podem
usar qualquer objeto que tenham em sua bolsa ou mochila como elemento da
brincadeira”.

Resolução da situação-problema

Aqui não é importante se preocupar com os objetos que vocês possuem. No jogo
simbólico, a origem do objeto que assumirá nova função não é importante (afinal,
como um ser humano pode ser areia, na situação proposta acima?). Concentrem-se
na situação que podem propor e depois atribuam o valor simbólico dos objetos. As
crianças entre 4 e 7 anos (estádio pré-operatório) costumam brincar de escolinha,
de casinha, de família, de super-herói, de trabalhar... São situações de faz de conta.
Decidida a brincadeira, atribua os papéis dos integrantes (nem todos precisam
encenar), criem o desenvolvimento da situação e selecionem os objetos que utilizarão
(por exemplo, uma folha de papel pode ser a capa do super-herói, um estojo pode ser
um secador de cabelo etc.)

Faça você mesmo


Observe este monólogo coletivo das crianças sentadas todas ao redor
de uma mesa, enquanto fazem um desenho logo após terem ouvido a
história de Cachos de Ouro:

100 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

Lev (menino, 5 anos e 11 meses): Isto começa com


a história de Cacho de Ouro. Estou escrevendo a
história de dois ursos. O urso pai está morto. Ele
estava muito doente.
Glen (menino, 5 anos e 11 meses): Eu morava antes
em Salève. Morava numa casinha e tínhamos de
tomar o funicular para ir fazer compras.
Geo (menino, 6 anos): Eu não consigo fazer o urso...
Li (menina, 6 anos e 10 meses): Este é Cacho de
Ouro.
Lev: Eu não tenho cachos. (PIAGET, 2003, p. 78)

Agora é a sua vez! Relembre situações reais vividas ou mesmo observadas,


em que crianças estão na fala egocêntrica. Conte para seus colegas e para
o docente da disciplina.

Faça valer a pena

1. Assinale a alternativa que corresponde à Abordagem Cognitivista:


a) Parte do princípio de que todo o conhecimento provém única e
exclusivamente da experiência do ser humano com o meio ambiente.
Este conhecimento é limitado ao que pode ser captado pelos órgãos
dos sentidos (visão, tato, paladar, olfato e audição) ou deduzido por
reflexão pessoal (introspecção) a partir das experiências vividas.
b) Parte do princípio de que o conhecimento provém do exercício
da inteligência, um processo mental de adaptação do ser humano ao
meio ambiente, a partir das primeiras experiências que o bebê tem em
relação às situações as quais é exposto. A partir destas experiências
iniciais, o bebê assimila novas experiências, modifica-as e as transforma
em novos conhecimentos.
c) Parte do princípio de que a razão é a única via possível para explicar
os fenômenos da natureza. A razão e a lógica iluminam a realidade e
permitem que se enxerguem as conexões e relações existentes entre
os objetos do conhecimento. Deve-se seguir apenas os pressupostos
lógicos, pois são universalmente válidos.

Bases teóricas da aquisição da linguagem 101


U2

d) Parte do princípio de que a mente deve ser estudada, o que não foi
realizado em outras abordagens. Assim, procura-se explicar como a
mente funciona, bem como o processo de raciocínio para a resolução
de problemas encontrados no cotidiano. A razão é apenas uma das
possibilidades de funcionamento da mente, não esquecendo do
aspecto emocional.
e) Parte do princípio de que a aprendizagem do ser humano ocorre na
inter-relação dos contextos históricos (determinados lugares e tempo),
sociais (determinados grupos de pessoas) e culturais (determinada
sociedade). Assim, tanto a razão, quanto a mente, quanto o grupo
social são fatores determinantes para que a aprendizagem ocorra.

2. “Se preocupa com a gênese (nascimento) do conhecimento científico


(epistemê, em grego). Para desenvolver a linguagem científica, é importante
conhecer e entender como ocorre a aquisição e o desenvolvimento da
linguagem natural”. (Retirado do livro didático).
Assinale a alternativa que apresenta o nome desta corrente teórica:
a) Sociointeracionismo.
b) Behaviorismo.
c) Inatismo.
d) Cognitivismo.
e) Conexionismo.

3. Jean Piaget elaborou uma teoria que recebeu o nome de Cognitivismo.


Há outro nome que ele emprega bastante para designar a mesma teoria.
Assinale a alternativa que apresenta este nome:
a) Inatista.
b) Simbólica.
c) Epistemologia genética.
d) Genetista.
e) Gerativa.

102 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

Seção 2.4

Abordagens interacionistas de aquisição da


linguagem
Diálogo aberto

Prezado estudante! Seja bem-vindo à última seção desta unidade! Ao final desta
unidade, chegaremos à metade do livro-didático! Já percorremos um bom caminho,
não? Bem, vamos aos estudos!

Os objetivos desta seção são:

1. Compreender o que é a abordagem interacionista de aquisição de linguagem.

2. Conhecer a teoria Sociointeracionista, pertencente a esta abordagem.

3. Identificar as ideias principais desta teoria e refletir sobre exemplos que a


esclareçam.

Para apoiar a sua aprendizagem, vamos retomar brevemente a SGA e apresentar uma
nova situação-problema: a SGA proposta que elaboramos trata do estágio curricular,
parte significativa na sua formação profissional. Suponha que é o seu momento
de realizar o estágio, onde você vivenciará situações relacionadas à aquisição e ao
desenvolvimento da linguagem, pois a etapa inicial do estágio, nesta SGA, ocorrerá
em uma escola de educação infantil, com crianças de 0 a 6 anos. O objetivo desta
fase do estágio é fazer uma reflexão teórica acerca das situações práticas observadas.
Nesta seção, você elaborará parte do relatório de estágio que exemplifique e explique
(à luz da teoria estudada) fatos observados e relativos ao comportamento verbal das
crianças no processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem.

O seu último desafio é apresentar três situações específicas observadas no estágio:

- Uma situação de comportamento verbal da criança em que apareça a linguagem


social.

- Uma situação de comportamento verbal da criança em que apareça a linguagem


egocêntrica.

Bases teóricas da aquisição da linguagem 103


U2

- Uma situação de comportamento verbal da criança em que apareça a linguagem


interior.

Nesta Seção 2.4, “Abordagens interacionistas de aquisição da linguagem”, você


terá acesso à teoria Sociointeracionista de Vygotsky, pertencente à abordagem
interacionista, e você precisará destes conhecimentos para resolver a quarta situação-
problema.

Desejo a vocês uma excelente aprendizagem!

Não pode faltar


Você já percebeu que as teorias referentes à aquisição de linguagem vão se
justapondo a partir de novos olhares e novas percepções, de questionamentos
e pontos frágeis, de novas experiências e descobertas. Assim, o Behaviorismo foi
criticado pelo Inatismo, o Inatismo foi complementado pelo Cognitivismo.

Há ainda uma quarta teoria para explicar a aquisição e o desenvolvimento da


linguagem, chamada Sociointeracionismo. Esta teoria faz parte da Abordagem
Interacionista da Aquisição de Linguagem.

A Abordagem Interacionista compreende que a aquisição da linguagem é feita


a partir da associação e da influência mútua entre criança e meio social. Enfoca,
portanto, a interação contínua entre seres humanos que permite à criança desenvolver
um repertório de habilidades. A participação no mundo simbólico dos adultos é feita
através de uma ferramenta mediadora: a linguagem, de forma que a criança passa
a partilhar a história, os costumes e os hábitos do grupo social ao qual pertence. A
Abordagem Interacionista compreende que a aquisição e o desenvolvimento da
linguagem se dá em uma rede de relações, onde alguém mais experiente serve de
modelo para as crianças que estão aprendendo.

Piaget, nos estudos cognitivistas, considera o interacionismo exclusivamente do


ponto de vista do indivíduo: preocupa-se eminentemente com as relações que a criança
estabelece com o objeto de estudo. Já a Abordagem Interacionista considera que a
interação não se dá apenas na perspectiva do indivíduo, mas que o grupo social exerce
forte influência nesta interação, de forma que a linguagem é a ferramenta mais significativa
no processo de interação. Neste sentido, a linguagem é adquirida a partir da mediação
social e, em seguida, a linguagem se torna uma ferramenta de mediação cultural.

Assimile
A Abordagem Interacionista: parte do princípio que todo conhecimento é
construído a partir da mediação realizada por outros indivíduos e pelo uso

104 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

de sistemas simbólicos. Assim, o processo de aquisição do conhecimento


é dinâmico, pois à medida que o indivíduo investiga seu objeto de
conhecimento, ele é modificado por este conhecimento, mas também
exerce influência sobre ele, modificando-o, na medida em que lhe atribui
novos significados a partir do seu trabalho investigativo.

Vocabulário
Objeto de conhecimento: aquilo que se pretende aprender. Pode ser
um objeto propriamente dito, como um cubo, um brinquedo, um jogo.
Porém, se refere mais a um tema ou assunto que se pretende estudar ou
analisar. Assim, para um linguista, o objeto de conhecimento é a língua e
todas as relações necessárias para compreendê-la. Para o pedagogo, o
objeto de conhecimento é a educação e todas as relações decorrentes
de processos educacionais.

Na Abordagem Interacionista, o ser humano é compreendido como um ser de


relações, que se humaniza a partir das relações que estabelece com outros seres
humanos e com o conhecimento.

Figura 2.4 | Vygotsky: maior representante da abordagem interacionista

Fonte: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/8f/Lev_Vygotsky_1896-1934.jpg>. Acesso em: 6 jul. 2016.

O maior representante desta abordagem é Lev Semenovitch Vygotsky, nascido


em 1896, na Bielorrússia, antiga província da Rússia. Quando Vygotsky completou 20
anos, a Rússia começou um grande processo de reestruturação, marcado por uma
guerra civil, uma intervenção externa e uma grave situação econômica, que resultou

Bases teóricas da aquisição da linguagem 105


U2

em falta de alimento, levando o governo a instaurar o comunismo. Ao longo dos


duros anos, a comunidade científica foi chamada a construir uma nova perspectiva
que elevasse a Rússia a um reconhecimento mundial. Vygotsky dedicou-se, junto
a outros pesquisadores, a elaborar uma “nova psicologia”, propondo novas linhas
de investigação. Assim, Vygotsky compreende o ser humano como um ser de
relações, moldado pelas interações estabelecidas com outros indivíduos no contexto
sociocultural. As relações são mediadas por ferramentas intelectuais (funções
psicológicas superiores), como o pensamento, o raciocínio e a linguagem, entre outros.
Esta nova perspectiva sobre o homem é conhecida como teoria Sociointeracionista.

Assimile
Sociointeracionismo: esta teoria parte do princípio de que a aprendizagem
do ser humano ocorre na inter-relação dos contextos históricos
(determinados lugares e tempo), sociais (determinados grupos de pessoas)
e culturais (determinada sociedade). Assim, o grupo e sua experiência
prévia são fatores determinantes para que a aprendizagem ocorra, de
forma que esta aprendizagem será sempre mediada por estes fatores. Ao
se incorporar novos elementos, a aprendizagem também corresponderá
ao novo contexto.

Vygotsky acredita que a linguagem é adquirida por crianças a partir da relação que
se estabelece entre elas e outros indivíduos do mesmo grupo no ambiente em que
está imersa. Porém, a linguagem não é apenas uma aprendizagem adquirida. Entre
a linguagem e o pensamento há uma relação fundamental de interdependência. E a
linguagem, na perspectiva vygotskyana, é um instrumento intelectual complexo que
permite a comunicação e a vida em sociedade, humanizando o indivíduo.

Vamos entender isso melhor. Desde o nascimento, a criança está imersa em


um ambiente sociocultural permeado intensamente pela linguagem. A linguagem é
utilizada quando os adultos se dirigem ao bebê e também quando tentam explicar o
que o bebê está fazendo ou balbuciando. Porém, para Vygotsky, o pensamento e a
linguagem têm uma origem diferente no cérebro. Assim, por mais que os adultos tentem
compreender o que o bebê está balbuciando, não quer dizer que o bebê realmente
esteja tentando expressar aquilo que os adultos compreenderam. A interpretação
que os adultos fazem sobre as primeiras manifestações do bebê são consideradas
mediações. Isto se deve ao fato de os adultos não conseguirem captar exatamente o
que o bebê tenta comunicar e acabam atribuindo sentido às manifestações do bebê
de acordo com sua interpretação. O bebê, por sua vez, aceita a mediação do adulto
por sua incapacidade de se manifestar e porque a mediação é capaz de trazer algum
alívio para sua situação.

Para Vygotsky, o choro do bebê e o balbucio dos primeiros meses de vida

106 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

ainda não representam uma expressão de pensamento, são apenas um estágio de


desenvolvimento. No Sociointeracionismo, o pensamento do bebê ainda não é um
pensamento verbal, ou seja, não é marcado pela fala ou por alguma outra forma de
manifestação verbal. Da mesma forma, os sons emitidos não são considerados uma
fala intelectual (pensada e expressa), ou seja, os sons que os bebês emitem são apenas
manifestações emocionais.

Vygotsky chama de período pré-linguístico do pensamento quando o bebê ainda


não consegue expressar seu pensamento de alguma forma e chama de período
pré-intelectual da fala, aquele em que o bebê vocaliza, produz sons inarticulados, dá
risada e gesticula, porém, não possui um pensamento ou uma reflexão que sustentam
as emissões sonoras. São dois domínios de aprendizagens com origens genéticas
diferenciadas, que não se cruzam.

Figura 2.5 | Períodos pré-linguísticos

PENSAMENTO LINGUAGEM

Fonte: elaborada pela autora.

Em dado momento, os dois domínios de aprendizagem se encontram. Isso ocorre


por volta dos 2 anos de idade, quando o pensamento cruza com a fala (linguagem) e
surge um novo comportamento, que Vygotsky chama de fala racional ou pensamento
verbal. Nesta época, a criança descobre que todas as coisas (objetos do conhecimento)
possuem um nome e que pode se referir a esta coisa a partir de um signo específico,
que a designa: uma palavra. Novamente, aqui, voltamos à ideia de signo linguístico
(significado + significante), proposto por Saussure.

Figura 2.6 | Períodos pré-linguísticos

PENSAMENTO LINGUAGEM

PENSAMENTO
VERBAL

Fonte: elaborada pela autora.

Vygotsky dá importância fundamental para o significado, pois é exatamente no


significado que se percebe que o pensamento se une com a fala, pois pertence a
ambos os domínios.

No Sociointeracionismo, a aquisição da linguagem passa por três fases:

Bases teóricas da aquisição da linguagem 107


U2

Linguagem social: tem a função de estabelecer a comunicação, é a primeira que


surge, tem a característica de ser interpsíquica.

Linguagem egocêntrica: Vygotsky considera que a fala egocêntrica é posterior à


fala social, é um movimento de transição interpsíquica para intrapsíquica, parte de uma
fala mais coletiva para uma fala mais individualizada, pois, para ele, a fala segue o curso
do pensamento: do coletivo para o individual.

Reflita
Piaget, quando desenvolve a teoria Cognitivista ou Epistemologia Genética
(Seção 2.3), também propõe uma fase chamada de “fala egocêntrica”.
Para Piaget, a fala egocêntrica precede a fala social e depois desaparece.
Para Vygotsky, é exatamente o contrário. Veja:

Esquema Cognitivista Esquema Sociointeracionista


Fala egocêntrica → Fala Social → Fala social → Fala egocêntrica → Fala
Desaparecimento interior

Linguagem interior: as palavras podem ser pensadas, sem necessariamente serem


verbalizadas. Vygotsky chama de fala interior e ocorre quando o indivíduo se volta para
o pensamento, ou seja, para o exercício das funções psicológicas superiores. Assim, a
criança reflete antes de falar e passa a usar a fala como mecanismo de autocontrole.

Linguagem
Exemplificando Linguagem social Linguagem interior
egocêntrica

Bebê fazendo gestos ou As crianças falam, porém As crianças interiorizaram a fala,


balbuciando, tentando se em um monólogo indi- demonstrando que a linguagem
comunicar. vidual: está associada às funções psi-
- A cor que eu mais gosto cológicas superiores:
Fonte: <http://goo.gl/ é azul. “Estou com fome. Mamãe guarda
nb4Q7R>. Acesso em: 6 - Preciso da peça pequena as bolachas na parte de cima do
jul. 2016. - Não é uma casa, é um armário. Posso alcançar as bola-
castelo chas se eu levar uma cadeira até lá
- Vou por isso aqui e e subir em cima...” (a criança utiliza
depois isso aqui. a linguagem para ordenar o pensa-
mento e suas ações). Pode haver
Fonte: Disponível em: <goo. verbalização, mas nem sempre a
gl/kZGUkV>.Acesso em: 6 criança fala em voz alta.
jul. 2016.
Fonte: <goo.gl/kW5pNg>.Acesso em: 6
jul. 2016.

108 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

Pesquise mais
Para conhecer a fundo a pesquisa de Vygotsky, sua explicação sobre o
processo de aquisição e o desenvolvimento da linguagem, você deve ler
seu livro:

VYGOTSKY, Lev Semenovich. Pensamento e linguagem. São Paulo:


Martins Fontes, 2008.

Vygotsky considera que a linguagem é mais do que apenas uma forma de


relacionamento social e cultural do indivíduo. Para ele, a linguagem é tanto uma
consequência do desenvolvimento da criança quanto um impulso que estimula seu
desenvolvimento. Há uma forte relação entre linguagem e pensamento, sendo que a
linguagem instrumentaliza o pensamento e vice-versa.

Desta forma, no Sociointeracionismo, quanto mais elaborada for a linguagem,


mais elaborado será o pensamento. Da mesma forma, quanto mais elaborado o
pensamento for, mais necessidade de desenvolvimento da linguagem haverá, para
esclarecer, organizar e externar este pensamento.

Veja como isso é interessante! Pense primeiramente em uma situação pessoal em


que a linguagem ajuda a organizar o pensamento. Agora, veja o exemplo:

Exemplificando
Digamos que você acordou pela manhã e, antes mesmo de se levantar,
fez uma lista mental de suas atividades ao longo do dia:

“Vou tomar café, depois vou ao mercado comprar os produtos para


fazer a sobremesa e quando voltar vou organizar a cozinha e fazer... não,
espera, acabou o gás, vou primeiro comprar o gás, para depois tomar o
café e fazer tudo isso”.

Quem nunca passou por algo semelhante? Você já percebeu como pensa
utilizando os recursos da linguagem e, no nosso caso particular, da língua
portuguesa? Você já se ouviu dando conselhos a si mesmo? “Ih, não vai
por aí que é fria! ”.

A mesma coisa ocorre com as crianças, veja estas situações:

Criança se aproxima da tomada na parede, balbuciando:

Mãe: - Não coloque a mão na tomada porque dá choque (linguagem


social).

Bases teóricas da aquisição da linguagem 109


U2

Criança com 3-4 anos: - Mamãe disse para não colocar a mão na tomada
porque dá choque (fala oralizada, linguagem egocêntrica).

Criança com 5-6 anos: Não vou colocar a mão na tomada porque dá
choque (lembrando que esta fala pode ser oralizada ou internalizada).

Concluindo: Vygotsky propõe que a função inicial da fala é o contato social, pois
a vivência em sociedade é fundamental para o ser humano. Porém, quando o bebê
sente a necessidade de se comunicar com o ambiente e com outras pessoas, o
desenvolvimento da linguagem é impulsionado, e o bebê chora, balbucia, gesticula.
Estes são os princípios que organizarão a aquisição e o desenvolvimento da linguagem.
Conforme entra em contato com outros adultos ou indivíduos mais experientes
que ela em termos de linguagem, a criança vai aprendendo a nomear objetos e a
estabelecer novas relações e novas situações de manipulação destes objetos que lhe
permitirão construir significados a partir da mediação que ocorrerá entre a criança
e o grupo sociocultural. Desta forma, a linguagem é mais e mais empregada para
construir uma rede de significados densa que funciona como um instrumento do
pensamento, sendo utilizada cada vez mais para organizar ideias, resolver problemas,
explicar fenômenos naturais etc.

Sem medo de errar


Nesta situação-problema, você deverá elaborar a parte final do relatório de estágio
que exemplifique e explique (à luz da teoria estudada) fatos observados e relativos ao
comportamento verbal das crianças no processo de aquisição e desenvolvimento da
linguagem. O seu último desafio é apresentar três situações específicas observadas
no estágio:

- Uma situação de comportamento verbal da criança em que apareça a linguagem


social.

- Uma situação de comportamento verbal da criança em que apareça a linguagem


egocêntrica.

- Uma situação de comportamento verbal da criança em que apareça a linguagem


interior.

Estas situações podem ser diálogos entre duas crianças, diálogo individual (fala
da criança com ela mesma) ou diálogo entre uma criança e um adulto. Você não
precisa trazer todas as situações da mesma criança, mas deve contextualizar a idade
da criança e alguma informação específica sobre o que está ocorrendo (por exemplo:
disputando um brinquedo, fazendo lição, horário de lanche etc.). Numere cada

110 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

uma das três situações, descreva o exemplo e explique teoricamente o processo de


aquisição e desenvolvimento da linguagem subjacente a cada situação.

Considerando que talvez você ainda não esteja realizando seu estágio real, as
situações solicitadas nesta SP podem ser retiradas da internet, criadas por você ou
obtidas a partir de suas experiências pessoais. Certifique-se de que todas as situações
descritas remetam à aquisição e ao desenvolvimento da linguagem e estejam
relacionadas às teorias estudadas nesta seção.

Para resolver esta SP, você deverá saber que a teoria Sociointeracionista
compreende que a linguagem é adquirida e desenvolvida a partir da interação da
criança com outras pessoas que vão se influenciando mutuamente, portanto, em um
determinado contexto sócio-histórico.

Atenção
A Abordagem Interacionista: parte do princípio de que todo conhecimento
é construído a partir da mediação realizada por outros indivíduos e pelo
uso de sistemas simbólicos.

É importante retomar o que a teoria Sociointeracionista define como as três fases


de desenvolvimento da linguagem: a linguagem social, a linguagem egocêntrica e a
linguagem interior.

Agora você tem todos os elementos para resolver esta situação-problema. Lembre-
se de explicar teoricamente os exemplos que você apresentar! Desejo a vocês um
bom trabalho!

Avançando na prática
Cálculo mental

Descrição da situação-problema

Marina tem 6 anos. Sua professora iniciou o processo de estímulo ao cálculo


mental, para que as crianças consigam resolver cálculos simples “de cabeça”, sem
suporte de lápis e papel. Nesta atividade, a professora entregou a Marina 20 lápis grafite
e pediu que ela distribuísse igualmente entre os integrantes do seu grupo (contando
com Marina, são 3 crianças). Marina pensou: “X”, pegou o conjunto de lápis e entregou
três lápis para cada criança, separando 3 para ela. Em seguida, olhou para o montante
que ainda possuía para dividir e pensou: “Y”, entregou dois para cada criança, separou
2 para ela. Em seguida, parou, olhou e pensou: “Z” e separou 1 lápis para si, entregou 1
lápis para cada criança. Devolveu dois lápis para a professora.

Bases teóricas da aquisição da linguagem 111


U2

Considerando que Marina já está no período da linguagem interior e deveria ter


feito os cálculos mentalmente, qual seria a linha de pensamento com a respectiva
fala interior que adotou em “X”, “Y” e “Z”? Escreva a provável conversa que Marina teve
consigo mesma nestes três momentos, para organizar seu pensamento e suas ações.

Lembre-se

Na linguagem interior, as palavras podem ser pensadas, sem


necessariamente serem verbalizadas. Vygotsky chama de fala interior e
ocorre quando o indivíduo se volta para o pensamento, ou seja, para o
exercício das funções psicológicas superiores. Assim, a criança reflete
antes de falar e passa a usar a fala como mecanismo de autocontrole.

Resolução da situação-problema

Por incrível que pareça, crianças com 3 anos de idade já são capazes de resolver este
tipo de problema, sabia? Pois bem, Marina tem 6 anos e já apresenta uma capacidade
de raciocínio bastante elaborada. Ao ser estimulada a resolver um problema usando
cálculo mental (sem usar lápis nem papel), Marina sente a necessidade de manter um
diálogo interno, conhecido na teoria Sociointeracionista como linguagem interior. A
linguagem interior serve para organizar o pensamento e também para estruturar as
ações que serão tomadas.

Abaixo, segue um provável exemplo da linguagem interior que Marina empregou:

Ao receber o montante de 20 lápis, ela olhou para a quantidade e provavelmente


pensou:

X: “Tem bastante lápis aqui. Não vou dar de um em um porque demora muito. Vou
dar logo três para cada um e ver quanto sobra. Se faltar, eu pego de volta ”.

Percebendo que ainda sobraram vários lápis, mas a quantidade caiu pela metade,
ela provavelmente pensou:

Y: “Bom, agora acho que não dá para dar 3 lápis para cada um, então vou dar 2. Se
faltar, eu pego 1 de volta”.

Considerando que ainda sobraram lápis no monte, provavelmente pensou:

Z: “Bom, agora tenho 5 lápis na mão. Não posso mais dar 2 para cada um, pois
seriam 6, mas posso dar 1 para cada um.”.

Você pode ter criado um diálogo completamente diferente, que é válido, sem
dúvida, desde que demonstre a sequência de passos e a quantidade correta de lápis
empregada.

112 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

Faça você mesmo


Retome os exemplos dados em Exemplificando. Agora é a hora de buscar
exemplos pessoais! Pense em seus momentos de linguagem interior e
redija exatamente o que pensou. Você irá contar para seus colegas e
professor, portanto, pense em exemplos que possam ser discutidos
publicamente, hein!

Você pode ir mais longe. Pense em momentos em que anda falando


sozinho, como na linguagem egocêntrica. Quem nunca fez isso? Se
pegou falando em voz alta sozinho!!!!

Por fim, pense se alguma vez você fez um gesto ou “caras e bocas” e isso
foi interpretado de forma diferente do que você queria expressar. Deve ter
sido bem engraçado! Conte para seus colegas e professor. Este exemplo
pode ser considerado uma fala social.

Faça valer a pena!

1. Assinale a alternativa que completa a frase: “A abordagem que parte do


princípio de que todo conhecimento é construído a partir da mediação
realizada por outros indivíduos e pelo uso de sistemas simbólicos é
chamada de___________________”.
a) Tradicionalista.
b) Empirista.
c) Interacionista.
d) Racionalista.
e) Cognitivista.

2. A abordagem interacionista da aquisição de linguagem parte do


princípio de que todo conhecimento é construído a partir da mediação
realizada por outros indivíduos e pelo uso de sistemas simbólicos. Assim,
o processo de aquisição do conhecimento é dinâmico, pois à medida
que o indivíduo investiga seu objeto de conhecimento, ele é modificado
por este conhecimento, mas também exerce influência sobre o objeto,
modificando-o, na medida em que lhe atribui novos significados a partir
do seu trabalho investigativo.
Assinale a alternativa que apresenta a teoria relacionada a esta
abordagem:

Bases teóricas da aquisição da linguagem 113


U2

a) Sociointeracionista.
b) Conexionista.
c) Cognitivista.
d) Inatista.
e) Behaviorista.

3. Com relação ao Sociointeracionismo de Vygotsky, é correto afirmar


que:
a) O que é captado pelos órgãos do sentido são determinantes para
que a linguagem seja adquirida, de forma que esta aprendizagem será
sempre dependente do funcionamento dos órgãos do sentido.
b) Todo ser humano possui uma base biológica, herdada geneticamente,
que lhe habilita a adquirir e desenvolver a linguagem, portanto, esta
aprendizagem depende da base biológica cerebral.
c) É apenas a partir de experiências empíricas que a linguagem é
adquirida, portanto, esta aprendizagem depende de uma manipulação
cognitiva para que ocorra.
d) O grupo e o contexto cultural são fatores determinantes para que
a linguagem seja adquirida, de forma que esta aprendizagem será
sempre mediada por estes dois fatores.
e) As conexões neurais são resultantes de aprendizagem. A cada
nova aprendizagem, se forma uma sinapse. Portanto, a aprendizagem
sempre dependerá de uma conexão bem-feita.

114 Bases teóricas da aquisição da linguagem


U2

Referências

CHOMSKY, Noam. A ciência da linguagem: conversas com James McGilvray. São


Paulo: Unesp, 2014.
CRUZ, Bruna da; MACENO, Franciele. SALDAN, Juliana. Jean Piaget: fases do
desenvolvimento. Youtube, 28 nov. 2009. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=EnRlAQDN2go>. Acesso em: 20 maio 2016.
DIAS, Fernanda. O desenvolvimento cognitivo no processo de aquisição de linguagem.
Eletrônica, v. 3, n. 2, p. 107-119, dez. 2010. Disponível em: <http://revistaseletronicas.
pucrs.br/ojs/index.php/letronica/article/view/7093/5931>. Acesso em: 28 maio 2016.
GONÇALVES, Rodrigo T. Chomsky e o aspecto criativo da linguagem. Revista Virtual de
Estudos da Linguagem – ReVEL, v. 5, n. 8, mar. 2007. Disponível em: <http://www.revel.
inf.br/files/ce8601463eb68737b653e5ddde2d7421.pdf>. Acesso em: 28 maio 2016.
GOSUEN, Adriano. A importância do brincar: Tisuko Kishimoto (USP). Youtube, 24 abr.
2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=0al1A_UBdWA>. Acesso
em: 24 out. 2016.
JOENK, Inhelora Kretzschmar. Uma introdução ao pensamento de Vygotsky. Revista
Linhas, v. 3, n. 1, 2002. Disponível em: <http://www.periodicos.udesc.br/index.php/
linhas/article/view/1276/1087>. Acesso em: 28 maio 2016.
KENEDY, Eduardo Skinner e o Behaviorismo. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=RgFUKDeCFjk>. Acesso em 20 abr. 2016.
MARIA FARINHA FILMES. O começo da vida: trailer 1. Youtube, 28 jan. 2016. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=TzT0OUHGPhc>. Acesso em: 20 maio 2016.
MAGRO, Cristina. Da história à implementação de sistemas conexionistas. Veredas
Revista De Estudos Linguísticos, Juiz de Fora, v. 7, n. 1 e n. 2, p. 169-185, jan./dez. 2003.
Disponível em: <http://www.ufjf.br/revistaveredas/files/2009/12/artigo72.pdf>. Acesso
em: 28 maio 2016.
MONTOYA, Adrián Oscar Dongo. Pensamento e linguagem: percurso piagetiano de
investigação. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 11, n. 1, p. 119-127, jan./abr. 2006. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/pe/v11n1/v11n1a14.pdf>. Acesso em: 20 maio 2016.
OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky. Vídeo. Realização Atta Mídia e Educação. Youtube,
28 nov. 2011. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=wY6zGXL2OfA>.
Acesso em: 28 maio 2016.

Bases teóricas da aquisição da linguagem 115


U2

PASSOS, Maria de Lourdes. Bloomfield e Skinner língua e comportamento verbal. Rio


de Janeiro: Nau, 2004.
PASSOS, Maria de Lourdes Rodrigues da Fonseca. A análise funcional do comportamento
verbal em Verbal Behavior (1957) de B. F. Skinner. Revista Brasileira De Terapia
Comportamental E Cognitiva. , São Paulo, v. 5, n. 2, dez. 2003. Disponível em: <http://
pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-55452003000200009>.
Acesso em: 28 maio 2016.
PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e
representação. São Paulo: LTC, 2013.
PIAGET, Jean. A linguagem e o pensamento da criança. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
PINKER, Steven. O instinto da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
PORTAL EDUCAÇÃO. Videoaula. Aquisição da linguagem oral. Youtube, 12 jul. 2012.
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QUADROS, Ronice Müller de; FINGER, Ingrid. Teorias de aquisição de linguagem
2007. Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/Ronice_Quadros/
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ROSSA, Adriana.; ROSSA, Carlos. (Orgs.). Rumo à psicolinguística conexionista. Porto
Alegre: Edipucrs, 2004.
SKINNER, Burrhus Frederic. O comportamento verbal. São Paulo: Cultrix Edusp, 1978.
SMOLKA, A. L. B. A concepção de linguagem como instrumento: um questionamento
sobre práticas discursivas e educação formal. Temas em psicologia, Ribeirão Preto,
vol. 3, n. 2. 1995. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1413-389X1995000200003>. Acesso em: 28 maio 2016.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

116 Bases teóricas da aquisição da linguagem


Unidade 3

Aquisição e o desenvolvimento
da linguagem infantil

Convite ao estudo

Prezado estudante, seja bem-vindo à Unidade 3! Aqui tomaremos contato


especificamente com a aquisição e desenvolvimento da linguagem infantil.

Estudamos na Unidade 1 (Conceitos básicos dos estudos da linguagem)


aspectos específicos da linguagem humana, inclusive aqueles que nos
diferenciam de outros animais. Vimos na Unidade 2 (Bases teóricas da
aquisição da linguagem) as quatro principais teorias que explicam como o ser
humano adquire e desenvolve a linguagem, partindo de distintas abordagens
científicas.

E agora é a vez de enfocar especificamente uma rica, significativa e valiosa


fase do desenvolvimento humano, que é a infância. Conheceremos os
estágios de desenvolvimento da linguagem (como as primeiras produções
orais, a consciência fonológica, a aquisição do léxico e construção de sentido,
entre outras). Em seguida, enfocaremos as metodologias dos estudos em
aquisição da linguagem (coleta de dados espontâneos e experimentais).

Desta forma, os objetivos desta unidade são:

1. Conhecer e diferenciar os estágios de desenvolvimento da


linguagem infantil;

2. Conhecer e diferenciar as metodologias dos estudos em aquisição


da linguagem.

Para apoiar sua aprendizagem nesta unidade, vamos propor uma nova
Situação Geradora de Aprendizagem (SGA).
U3

A iniciação científica é uma atividade possível de ser realizada no período


da graduação, que propicia ao(à) estudante iniciar o percurso da investigação
científica em um campo de saber, ou seja, é o momento em que o(a)
aluno(a) aprende a fazer uma pesquisa de forma metódica, utilizando
procedimentos científicos para responder a uma pesquisa de relevância
social e acadêmica. Nesta SGA, você aprofundará seus estudos para preparar
um projeto de pesquisa de iniciação científica. A pergunta norteadora de sua
pesquisa é: “Como ocorre a aquisição e o desenvolvimento da linguagem
infantil?”. A fase inicial de formulação de um projeto corresponde à pesquisa
bibliográfica e aos resumos, fichamentos e resenhas dos textos lidos. Em
cada seção desta unidade você receberá um desafio para desenvolver os
estudos que vão sustentar a criação do seu projeto de pesquisa, de forma a
concretizar a fase fundamental de exploração da bibliografia.

Ao longo desta unidade, você conhecerá os estágios do desenvolvimento


da linguagem bem como as metodologias utilizadas para o estudo da
aquisição e desenvolvimento da linguagem infantil, aprofundando cada vez
mais o seu conhecimento. Vamos avançar em nossos estudos! Encante-se
por esta oportunidade e descubra cada vez mais!

118 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

Seção 3.1

Estágios de desenvolvimento da linguagem I

Diálogo aberto
Acreditamos que, a partir da leitura deste livro didático, você deva estar se
perguntando: Como, efetivamente, as crianças adquirem a linguagem? Quais
situações práticas evidenciam a aquisição e o desenvolvimento da linguagem? Como
a criança começa a falar, quais suas primeiras experiências vocais? Como essas
experiências vocais evoluem até o desenvolvimento completo da linguagem? Esta
seção é dedicada ao estudo dos estágios de desenvolvimento da linguagem infantil e
tem como objetivo:

1. Conhecer e diferenciar os estágios de desenvolvimento da linguagem infantil.

2. Elucidar as produções e discriminações vocais na primeira infância.

3. Compreender o papel da prosódia na aquisição e desenvolvimento da

linguagem infantil.

4. Desvendar como a criança constrói a consciência da estrutura fonológica.

Nesta unidade, propusemos uma nova situação geradora de aprendizagem (SGA)


para facilitar sua aprendizagem. Você aprofundará seus estudos para elaborar seu
projeto de pesquisa visando responder: Como ocorre a aquisição e o desenvolvimento
da linguagem infantil?

Para organizar seus estudos, é importante sistematizar ideias principais, portanto,


esta é sua primeira situação-problema (SP): organizar as ideias principais sobre Aquisição
e Desenvolvimento da Linguagem Infantil. Desta forma, você preencherá uma tabela
onde apresentará como são as primeiras produções e discriminações vocais da
infância, executados durante os estágios iniciais de aquisição e desenvolvimento da
linguagem.

Esta é a tabela que você preencherá:

Estágio Idade aproximada Característica Exemplo

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 119


U3

Anote todas as referências utilizadas. Lembre-se que nesta situação-problema você está
iniciando um percurso no campo da pesquisa científica e acadêmica e, portanto, precisa
tomar notas de todas as leituras e pesquisas que fizer, para sustentar suas descobertas!

Para realizar a primeira situação-problema, você estudará os estágios do


desenvolvimento infantil, as produções e discriminações vocais na primeira infância e
o papel da prosódia, bem como a construção da consciência da estrutura fonológica
por parte da criança.

Desejamos a você uma excelente leitura e uma boa aprendizagem!

Não pode faltar

Você já deve ter percebido que, para adquirir a linguagem humana, a criança
precisa, em primeiro lugar, aprender a controlar o conjunto de sons que é capaz de
produzir. O desenvolvimento do sistema de sons da criança ocorre desde bebê.

Após observar as manifestações espontâneas dos bebês e das crianças, a maior


parte dos pesquisadores acredita que é possível dividir o processo de aquisição e de
desenvolvimento da linguagem em estágios, pois, mesmo em diversas sociedades,
aparentemente o processo tem a mesma sequência. Pode ser que uma criança avance
mais rapidamente do que outra pelos estágios, em decorrência do ambiente social
onde está imersa. Isso não quer dizer que as outras crianças estão em defasagem,
apenas levam um tempo próprio para se desenvolver.

O primeiro estágio refere-se aos primeiros meses de vida, que vai de 0 aos 6 meses,
aproximadamente. Você sabia que o bebê nasce com dois reflexos: o da sucção e o
do choro? Pois é, chorar é, inicialmente, uma manifestação inata do bebê e não quer
dizer que há algo errado com ele. Chama-se Reflexo de Moro a sequência motora de
fechar os olhos, movimentar os braços como se estivesse agarrando alguma coisa
no ar e chorar. O Reflexo de Moro é uma das manifestações do bebê que indica
que seu cérebro está funcionando conforme esperado para a idade. Portanto, até
os 2 meses de vida, o bebê chora não necessariamente porque está com fome ou
sono ou porque precisa de uma troca de fraldas. O choro é apenas uma manifestação
inata. Mas essa é uma manifestação sonora, talvez a primeira manifestação sonora
do bebê, portanto deve ser considerada no nosso estudo acerca dos estágios de
aquisição e desenvolvimento da linguagem. Outra manifestação que ocorre durante
os 2 primeiros meses de vida são os sons vegetativos. Neste grupo estão os arrotos e
os espirros. Porém, percebe-se que os bebês desde muito cedo são extremamente
sensíveis às propriedades e estruturas da sua língua materna, percebendo, inclusive,
quando se emprega uma outra língua.

120 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

Exemplificando
Agora você deve ter sentido curiosidade em saber como os pesquisadores
sabem que bebês são capazes de diferenciar a língua materna de outra
língua. Para saber se o bebê diferencia uma língua e outra, os pesquisadores
costumam medir alguns índices, por exemplo, a taxa de sucção na mamada
e o ritmo cardíaco. Assim, um bebê mama normalmente enquanto escuta
a língua materna (mede-se a taxa de sucção por minuto), porém quando
o bebê é exposto a uma nova língua no momento da mamada, sua taxa
de sucção cai, indicando que ele está prestando atenção em alguma coisa
nova, no caso uma nova língua. Não é à toa que dizem que os bebês
devem ser amamentados em lugar tranquilo! Agora, pasme: a mudança
desses índices pode ser observada desde os 4 dias de vida de um bebê!

Continuando ainda no estágio que compreende os 6 primeiros meses de vida, logo


após completar 2 meses, o bebê é capaz de arrulhar e dar risadas, emitindo sons que
ainda não possuem sentido na língua materna. O arrulhar, no caso de bebês, é um som
semelhante mesmo ao que os pássaros fazem, um som ainda não vocalizado. Mas,
muito rapidamente, quando está próximo a completar 6 meses, o bebê desenvolve o
que chamamos de “brincadeira vocal”, caracterizada por estalar a língua (clá clá clá),
assoprar, fazer bolhas com a saliva, colocar a língua em várias posições na boca (para
dentro e para fora, próximo e distante dos dentes, para cima e para baixo, perto, longe
e entre os lábios). É também capaz de emitir alguns sons primitivos (“uh” “uh”), porém
estes sons também não possuem sentido na língua materna.

O segundo estágio compreende o período que vai dos 6 aos 10 meses de vida.
Neste estágio, as crianças começam a balbuciar sílabas que são repetidas por um
longo período (“ba” “ba” “ba” “ba”...). Chama-se “balbucio reduplicado”. Algumas
pesquisas indicam que, independentemente de onde a criança tenha nascido, elas
costumam balbuciar as mesmas sílabas e até bebês surdos balbuciam nesta idade.
Observe que estes dois fatos nos indicam que o balbucio não depende de um input
externo (isto quer dizer que o fato de ouvir palavras ou mesmo não as ouvir é pouco
significativo para o balbucio). Por este motivo é que os linguistas acreditam que há um
comportamento interno da criança guiado para a aquisição e desenvolvimento da
linguagem, que se inicia de forma inata. Lembra-se da Teoria Inatista ou Gerativa de
Noam Chomsky? Pois apenas esta teoria pode explicar este fato, por este motivo é a
mais aceita pelos linguistas modernos.

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 121


U3

Vocabulário
Input: significa entrada. No caso da linguagem, um input linguístico são
dados da linguagem aos quais a criança é exposta (fonemas, palavras,
orações, entre outros).

O terceiro estágio ocorre entre os 10 e 12 meses de vida. Neste momento, o bebê


muda a sua forma de balbuciar e passa a reproduzir os sons que ouve. Observe como
isso é importante. Por volta dos 10 meses o bebê inicia o processo de assemelhar suas
emissões à língua materna. Para isso, procura desenvolver sons parecidos com as
sílabas entoacionais de sua língua. Explicando de uma forma simples, o bebê procura
acentuar e entoar suas emissões vocais, procurando assemelhar suas vocalizações
aos sons que escuta.

É neste momento que os pesquisadores costumam apontar a diferença entre o que


é uma herança genética e o que é aprendido em termos de linguagem. Neste sentido,
o papel da prosódia é muito importante. Prosódia é uma área da gramática que se
dedica a estudar as características de emissão da fala, especificamente a acentuação
e a entoação. Pois bem, os bebês percebem (através de inputs da fala de adultos)
o emprego de entonação e acentuação e tentam reproduzi-las em seus balbucios,
que ficam mais fortes. Portanto, aqui o bebê já exibe um comportamento aprendido
e não um comportamento inato. Os bebês nesta idade estão mapeando a língua
materna a manipulando os sons, emitindo-os, agora, propositalmente. Há quem diga
que, neste momento, os bebês fazem testes com seus balbucios, procurando pistas
nas reações dos adultos para saber se estão no “caminho certo”. Obviamente, esses
momentos não são totalmente conscientes, são apenas experimentais. Assim, o bebê
usa as entonações para começar a manifestar sentimentos como “Á” “Á” “Á” “Á” para
expressar que está feliz. Pode ocorrer que a prosódia do bebê coincida com o nome
de alguma pessoa (como em “Álvaro”) ou com um elemento do seu contexto (como
“água”) e as pessoas compreendam que a emissão sonora do bebê é intencional. Não
há como ter certeza disso.

Até este momento, a criança não tem total consciência da estrutura fonológica da
linguagem, ou seja, ela não compreendeu que a língua falada pode ser segmentada,
de forma que a frase pode ser segmentada em palavras, as palavras podem ser
segmentadas em sílabas e as sílabas, por sua vez, podem ser segmentadas em
fonemas. Mas, também não se pode dizer que a consciência fonológica se inicia em
um período específico, já que bebês com cerca de 4 dias de vida percebem diferença
de ritmo na fala do idioma nativo com relação a um idioma estrangeiro, como vimos
logo no início do texto.

122 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

Vocabulário
Fonema: é a menor unidade sonora do sistema de uma língua. O fonema
é de fundamental importância para distinguir palavras. Observe, por
exemplo faca X vaca: as pronúncias são parecidas, apenas os fonemas /f/
e /v/ é que diferenciam uma palavra da outra.

O quarto estágio ocorre entre 1 ano e 1 ano e meio. Nesta idade, o desenvolvimento
da linguagem passa por um processo de refinamento e a criança começa a pronunciar
as primeiras palavras. Normalmente, estas primeiras palavras nomeiam objetos e
pessoas comuns em seu ambiente, como: “papai”, “mamãe”, “pepeta”. Nesta idade, a
criança emprega uma palavra com sentido de uma frase. Estas palavras são chamadas
holófrase, conforme estudamos na unidade anterior. Por exemplo, ao falar “aua”, pode
ser que a criança esteja falando “quero água”, ou ainda “está chovendo”.

Nesta idade, elas utilizam gestos que complementam sua intenção comunicacional,
por exemplo, levantando os braços ao mesmo tempo que diz: “colo”, indicando que
querem ser pegas no colo.

Pesquise mais
Este livro defende a teoria Inatista, segundo a qual os bebês nascem
biologicamente preparados para adquirir e desenvolver a linguagem.
O livro também expõe as fases de desenvolvimento da linguagem,
explicando os comportamentos dos bebês e das crianças. Trata-se de
uma leitura simples e objetiva, que você aproveitará muito!

COSTA, João.; SANTOS. Ana. Lúcia. A falar com bebês. Lisboa: Caminho,
2003.

O quinto estágio inicia com 1 ano e meio e nesta idade a criança já consegue
combinar duas palavras, que ainda não representam uma sentença, porém são
empregadas com uma pausa entre elas (palavras isoladas). Por exemplo: “nenê água”.
É surpreendente perceber que a criança, nesta idade, já tem a capacidade de utilizar
as palavras na sequência adequada de um enunciado compreensível (no exemplo,
podemos entender: “o nenê quer água”). Assim, as formas mais comuns de emprego
de duas palavras são:

• Sujeito+ação: “bola cai” (pode ser: “a bola caiu”).

• Ação+objeto: “pega mamá” (pode ser: “pegue a mamadeira”).

• Sujeito+objeto: “papai bola” (pode ser: “papai joga bola”).

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 123


U3

• Ação+lugar: “nenê sofá” (pode ser: “o nenê quer ir no sofá”).

Observe que, mesmo com ausência de algumas palavras ou conectores, as palavras


são apresentadas conforme a ordem clássica da linguagem do adulto. As crianças desta
idade quase nunca erram a ordem quando começam a combinar duas palavras.

O sexto estágio ocorre quando a criança atinge os 2 anos de idade,


aproximadamente, e dura um ano. Quando chega aos 2 anos, a criança possui um
vocabulário de aproximadamente 400 palavras, mas não usa artigos (“o”, “a”) nem
conjunções (“e”, “mas”). Ao final do segundo ano, terá um vocabulário de 900 palavras
e já usará artigos e pronomes (“ele”, “ela”). Nessa idade, a criança começa a entender a
flexão de verbos e compreende o uso do verbo no passado, por exemplo:

Adulto: - Comeu toda a fruta?

Criança: - Comi.

Aqui se percebe que a criança vai compreendendo regras da linguagem e as


emprega de forma constante, ocasionando, naturalmente, equívocos como:

Adulto: - Pegou a bola?

Criança: - Pegui.

Ou:

Adulto: - Deu a bala para seu amiguinho?

Criança: - Eu di.

A criança apenas não aprendeu que existem verbos irregulares, tais como trazer,
fazer, entre outros, cuja formação do tempo passado é diferente dos verbos regulares,
tais como comer, correr, dormir, entre outros. Assim, os verbos regulares finalizados
em “er” e “ir” possuem, no tempo passado, a terminação “ i ” (comer/comi; correr/
corri; dormir/dormi, entre outros) diferente dos verbos irregulares, que precisam
ser aprendidos um a um (trazer/trouxe; pôr/pus, entre outros). Muitas vezes ocorre
também a confusão com os regulares terminados em “ar”: pegar/pegui; dar/di.

É importante frisar que nesta idade não podemos dizer que as crianças estão
errando a conjugação verbal, pois, aos 3 anos, elas estão testando hipóteses para
verificar se a regra aprendida (primeira pessoa do tempo passado dos verbos regulares
finalizados em “er”) se aplicam a quaisquer outros verbos no passado. Dizemos que,
neste caso, as crianças ampliam seu repertório produzindo novas formas que nunca
foram ouvidas (pois os adultos não utilizam: “pegui”, “di”, “trazi”, “fazi”). Na verdade, a
criança se baseia na regularidade da língua para testar sua hipótese e, aos poucos,
descobre que sua forma de empregar os verbos irregulares no tempo passado precisa
mudar para se assemelhar à linguagem do adulto.

124 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

No sétimo estágio é que consciência da estrutura fonológica da língua vem à


tona. Agora a criança compreende que a língua falada é composta por segmentos
sonoros, de forma que a frase pode ser segmentada em palavras, as palavras podem
ser segmentadas em sílabas e as sílabas, por sua vez, podem ser segmentadas em
fonemas.

Assimile
Consciência fonológica é uma capacidade do ser humano que lhe permite
refletir de forma consciente sobre a estrutura da linguagem oral, analisando
sua composição e segmentação. Divide-se nos níveis: noção de palavra,
noção de rima, aliteração (capacidade de identificar e repetir a sílaba ou
fonema inicial de uma palavra), consciência silábica e consciência fonêmica
(capacidade de isolar e manipular as unidades sonoras constituintes da
palavra). A partir da compreensão da segmentação de orações e palavras
a criança poderá compor novas palavras e novas orações, dominando a
organização da linguagem utilizada por sua comunidade.

Este estágio diz respeito às crianças com mais de 3 anos de idade. Após completar
3 anos de idade, o vocabulário da criança atingiu 1.200 palavras e ela começa a
empregar preposições (antes, depois, para, até, entre outras). Com 4 anos, seu
vocabulário atingiu 1.900 palavras. Com 5 anos, as crianças já adquiriram praticamente
todas as possibilidades de construção de orações da língua materna, tais como:

• Orações relativas: “Hoje, a professora conversou com quem chega atrasado


na escola” (a palavra quem é um pronome relativo).

• Orações clivadas: “Foi na festa que a Maria caiu” (duas orações partidas com
um verbo em cada – uma variação que denota intensidade no predicado e não no
sujeito; no caso deste exemplo, poder-se-ia dizer simplesmente: “Maria caiu na festa”).

• Perguntas: “Quando vamos na casa da vovó?”

• Orações passivas: “O bolo foi comido pelas crianças” (neste caso, o sujeito “o
bolo” sofre a ação do verbo “foi comido”. Poder-se-ia simplesmente dizer: “As crianças
comeram o bolo” – oração ativa).

Neste momento, a criança já demonstra uma grande compreensão da estrutura


fonológica da língua. Logo após os 3 anos, a criança se mostra sensível às regras
fonológicas de sua língua e vai se desenvolvendo com o uso de rimas em jogos e
brincadeiras (prazer lúdico) muitas vezes estimulada em ambiente escolar. Após
compreender o funcionamento das rimas, o próximo passo é aprender a criar rimas,

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 125


U3

ação muito estimulada também no ambiente escolar.

Com 4 anos, a criança já mostra a capacidade de divisão silábica de palavras


compostas por duas sílabas, competência essencial para aquisição de novas palavras
e ampliação de seu vocabulário. Com 6 anos, já consegue segmentar praticamente
todas as palavras. A consciência fonêmica atinge o seu ápice quando a criança começa
a escrever, consolidando todas as hipóteses criadas anteriormente por ela. Algumas
regras e detalhes da língua precisam ser ensinados e este processo também faz parte
do desenvolvimento da linguagem infantil.

Reflita
Percebeu como a aquisição e o desenvolvimento da linguagem humana
ocorre em uma velocidade impressionante? Aos 5 anos a criança já é
capaz de utilizar as formas mais arrojadas da língua materna e nem sempre
conseguiu se desenvolver com tamanha desenvoltura em outros campos,
por exemplo, na motricidade e na escrita.

É fundamental ressaltar que a criança está exposta a um número finito de inputs


de sentenças no meio social onde está inserida, porém é capaz de criar um número
infinito delas, já que a criança não adquire as sentenças propriamente ditas, mas a
regra de construção de cada tipo de sentença. Assim, ela consegue gerar sentenças
novas que nunca foram ouvidas anteriormente.

Sem medo de errar


Muito bem! O seu desafio nesta seção é aprofundar os estudos antes de elaborar
um projeto de iniciação científica, tendo como questão norteadora: “Como ocorre a
aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil?”.

Para tanto, você preencherá uma tabela para sistematizar as ideias principais, de
forma que:

- Apresente como são as primeiras produções e discriminações vocais da infância,


executados durante os estágios iniciais de aquisição e desenvolvimento da linguagem.

Neste sentido, você pode dar um título à sua produção, por exemplo:

Projeto de Pesquisa: “Aquisição e desenvolvimento da linguagem infantil”

Sistematização das ideias principais

126 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

Em seguida, você pode apresentar a tabela, contendo os seguintes itens a serem


preenchidos:

Estágio Idade aproximada Característica Exemplo Referências

Porém, você deve ficar atento(a) para contemplar outras ideias importantes, como:
o papel da prosódia e o desenvolvimento da consciência da estrutura fonológica da
linguagem.

Como trata-se do primeiro momento de leitura e fixação das ideias e conceitos


principais, é importante você incluir no quadro as referências bibliográficas utilizadas.
Você deverá citar como fonte de consulta, tanto o próprio livro didático, incluindo as
leituras complementares indicadas nele, como as indicadas na webaula.

Atenção
Tanto a prosódia quanto a estruturação da consciência fonológica são
elementos centrais para explicar a aquisição e o desenvolvimento da
linguagem das crianças. São marcadores significativos que apontam a
intenção da criança em aproximar as suas emissões sonoras da linguagem
dos adultos.

Bom trabalho!

Avançando na prática

Estimulando a aquisição e o desenvolvimento da linguagem de bebês

Descrição da situação-problema

O site http://br.guiainfantil.com/dialogo-na-familia/326-a-linguagem-entre-pais-e-
filhos.html traz o artigo intitulado. Como estimular a fala do bebê. Adaptamos o trecho
final:

Dicas para incentivar a conversa com o bebê

Devemos estimular a aquisição da linguagem desde que as crianças nascem.


Veja como:

- Converse com o bebê e diga o que você está fazendo no momento, mesmo
quando o bebê for bem pequeno.

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 127


U3

- Cante músicas e leia histórias para ele.

- Estabeleça contato com os olhos quando conversar com ele.

- Acompanhe as suas palavras com gestos.

- Elogie as crianças quando elas disserem algo certo.

- Aproveite ao jogar com elas para ensinar novo vocabulário (cores, animais...).

- Ensine os sons dos animais para ele.

Justifique, de acordo com a teoria estudada nesta seção, o motivo destas


orientações serem corretas.

Lembre-se

Ao longo da evolução dos estágios de aquisição e desenvolvimento


da linguagem, a criança demonstra seu avanço a partir da utilização da
prosódia, da holófrase, da conscientização acerca da estrutura fonológica
da linguagem, do emprego da palavra, de duas palavras e, posteriormente,
múltiplas combinações de palavras, culminando com o emprego de
sentenças complexas da língua materna.

Resolução da situação-problema

É muito importante que você ressalte, em sua resposta, alguns aspectos principais,
tais como a existência prévia de um aparato biológico (herança genética) que permite
a aquisição e desenvolvimento da linguagem, predispondo a criança a aprender e
utilizar a língua utilizada na comunidade da qual faz parte. Desta forma, o estímulo
(input) constante favorece que a aquisição e desenvolvimento da linguagem ocorra
de forma gradual e harmônica. As orientações fornecidas no texto trazem inputs
diversos para que o bebê ou a criança tenha acesso a um grande repertório que vai,
aos poucos, reforçando o emprego da entonação e da acentuação na linguagem.
Por volta dos 10 meses de idade, o bebê modifica seu balbucio, tornando-o mais
próximo da linguagem humana e emprega a prosódia (dar entonação e acentuação
próprias da linguagem de sua comunidade) para assemelhar suas produções vocais
à fala dos adultos. Ao mesmo tempo, o bebê vai adquirindo consciência da estrutura
fonológica da língua (sonorização das palavras e das segmentações de palavras) o que
lhe permitirá, mais à frente, utilizar palavras e frases que nunca ouviu antes.

128 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

Faça você mesmo


Agora é a sua vez de criar um roteiro de orientações para pais e professores!
Indique entre três e cinco situações que propiciam a aquisição e
desenvolvimento da linguagem infantil. Dê exemplos para cada situação!
Você pode se basear nas dicas apresentadas aqui e pode pesquisar na
internet também. Lembre-se de escrever um texto autoral (sem cópias) e
com o máximo de exemplos que conseguir.

Faça valer a pena

1. Assinale a alternativa que apresenta o que é considerado como a


primeira emissão sonora do bebê:
a) Reflexo de Moro.
b) Balbucio.
c) Choro.
d) Gritinhos.
e) Holófrase.

2. Além do choro do bebê, há outra manifestação considerada como


emissão sonora própria dos dois primeiros meses de vida, chamada “sons
vegetativos”. Assinale a resposta que apresenta os sons vegetativos do
bebê por volta dos dois meses de idade:
a) Arrotos e espirros.
b) Choros e gritinhos.
c) Arrulhos e sorrisos.
d) Deglutição e digestão.
e) Deitar e rolar.

3. Leia o texto: “Quando está próximo de completar seis meses, o bebê


desenvolve o que chamamos de “__________________”, caracterizando-
se por estalar a língua (clá clá clá), assoprar, fazer bolhas com a saliva,
colocar a língua em várias posições na boca (para dentro e para fora,
próximo e distante dos dentes, para cima e para baixo, perto, longe e entre
os lábios). É também capaz de emitir alguns sons primitivos (“uh” “uh”),
porém estes sons também não possuem sentido na língua materna”.

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 129


U3

Assinale a alternativa que apresenta o(s) termo(s) que completa(m)


corretamente o espaço em branco do texto acima:
a) Holófrase.
b) Brincadeira fonológica.
c) Brincadeira nasal.
d) Brincadeira vocal.
e) Balbucio.

130 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

Seção 3.2

Estágios de desenvolvimento da linguagem II

Diálogo aberto

Prezados estudantes, sejam bem-vindos a mais uma seção da Unidade 3!

Começamos esta unidade estudando parte do desenvolvimento da linguagem das


crianças, tratando especificamente das produções e discriminações vocais na primeira
infância, do papel da prosódia e a consciência da estrutura fonológica. Nesta seção, os
objetivos de aprendizagem são:

- Descobrir como ocorre a aquisição do léxico no desenvolvimento da linguagem


infantil;

- Discutir a emergência da sintaxe; e

- Detalhar como ocorre a composição do sentido quando a criança está


desenvolvendo a linguagem.

Para apoiar sua aprendizagem, vamos apresentar a segunda situação-problema.


Você se lembra da situação geradora de aprendizagem (SGA), não? Na SGA desta
unidade, você aprofundará os estudos para elaborar seu futuro projeto de iniciação
científica. A segunda SP é dar continuidade ao desenvolvimento da pesquisa,
explicando agora como a criança adquire o léxico, como a sintaxe emerge e como se
constrói o sentido.

Assim, você dará continuidade à pesquisa bibliográfica e leituras dela decorrentes


a fim de dar suporte à pesquisa que será realizada em seu futuro projeto de iniciação
científica, abordando especificamente:

- O que é o léxico e como a criança o adquire durante suas experiências com a


linguagem;

- O que é a sintaxe e como ela emerge durante o desenvolvimento da linguagem


infantil; e

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 131


U3

- Como ocorre o processo de composição de sentido durante o desenvolvimento


da linguagem pela criança.

Desenvolva um texto dissertativo que dialogue com o quadro que você produziu
na primeira SP. Para apoiar sua aprendizagem, estudaremos nesta seção: a aquisição
do léxico, a emergência da sintaxe e a composição do sentido.

Lembre-se de que as produções da primeira e da segunda situações-problema são


interligadas, portanto você deve prestar atenção para deixá-las coesas, procurando
usar o mesmo estilo de redação. Você pode dividir este texto em pequenas seções,
se preferir.

Por fim, anote todas as referências utilizadas. Lembre-se que nesta SP você está
iniciando um percurso no campo da pesquisa científica e acadêmica e, portanto,
precisa tomar notas de todas as leituras e pesquisa que fizer, para sustentar suas
descobertas!

Agora, leia o Não pode faltar e aprofunde seus estudos no fantástico campo da
Aquisição e Desenvolvimento da Linguagem!

Não pode faltar


Você já descobriu como ocorrem as primeiras produções e discriminações
vocais da infância, bem como que a prosódia tem papel fundamental na aquisição e
desenvolvimento da linguagem. Descobriu também que a consciência da estrutura
fonológica da linguagem é que permite à criança se desenvolver cada vez mais,
compreendendo as regras da linguagem e desenvolvendo novas combinações a partir
da derivação das regras que aprendeu.

Em paralelo, ocorrem mais três habilidades básicas que sustentam o desenvolvimento


da linguagem, a saber: a aquisição do léxico, a emergência da sintaxe e a composição
do sentido (semântica). Convidamos você a estudar cada uma delas a partir de agora!

Você deve estar curioso para entender mais sobre o léxico:

Vocabulário
Léxico: nada mais é do que o conjunto de palavras de um idioma.

Sintaxe: refere-se à organização dos elementos da frase, ou seja, trata das


relações de ordem, concordância e subordinação entre as palavras.

132 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

Assim, a criança, ao desenvolver a linguagem, precisa conhecer as palavras que


fazem parte do idioma de sua comunidade, bem como o emprego específico das
palavras nas frases de acordo com seu sentido.

Este estudo é muito importante, pois as palavras são a base da comunicação e


da linguagem. A aquisição de uma nova palavra implica em conseguir reproduzi-la
oralmente (repetir os sons que a compõem) e compreender seu sentido. Se a palavra
vai ser utilizada posteriormente é outra questão que implicaria em utilizá-la intencional
e adequadamente nas frases. Esta é uma situação lógica: nós, adultos, sabemos muito
mais palavras do que empregamos e a criança também sabe. Chamamos de léxico
passivo o maior volume de conhecimentos que temos e léxico expressivo as palavras
que, de fato, utilizamos em nosso dia a dia.

Nos estudos sobre a aquisição e desenvolvimento da linguagem, é fundamental


saber que o léxico que a criança adquire está intimamente relacionado com o
contexto social do qual ela faz parte. Assim, o desenvolvimento lexical ocorre a partir
da aquisição das palavras novas e das relações que vão se estabelecendo entre elas.

Estudamos na seção anterior que as primeiras emissões vocais intencionais da


criança estão relacionadas a um objeto afetivo do seu entorno (pode ser uma pessoa
ou um animal, inclusive) que satisfazem sua necessidade ou seu desejo. Normalmente,
a emissão é formada por uma consoante e uma vogal, ou seja, uma sílaba, que é
emitida em duplicata (“mãmã” “pápá” “bôbô” “nênê” “têtê”).

Neste ponto, a criança está desenvolvendo as seguintes habilidades:

a) Consegue distinguir o objeto a que se refere do contexto onde está inserido


(este é o “bôbô” = vovô, não é a mesa, não é a cadeira);

b) Descobre que há um item léxico específico para designar este objeto (“bôbô”
só serve para designar o vovô; para mamãe se usa outra palavra, para bola se usa outra
palavra e assim sucessivamente);

c) Percebe que o item léxico (palavra) que designa o objeto não muda, mesmo
que o objeto mude de contexto (o “bôbô” = vovô é a mesma pessoa se estiver na sala,
no quintal, brincando ou dormindo);

d) Percebe também que o sentido do item léxico utilizado também não muda,
mesmo que se mude o contexto (“bôbô” pai da mamãe, de cabelo branco, que cuida
de mim na sala, no quarto, no quintal);

e) Organiza internamente a relação dos objetos no espaço (por exemplo, o bebê


de dez meses já atribuiu uma palavra a seu brinquedo específico e já sabe onde fica
guardado), bem como já assimilou as características sensitivas deste objeto (texturas,
cores, sons, sabores, odores).

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 133


U3

É possível observar essas capacidades por volta dos 9 ou 10 meses de vida de uma
criança.

Os estudos sobre aquisição e desenvolvimento da linguagem dão particular


atenção ao período holofrásico. Lembra-se da holófrase, que estudamos na seção
anterior e em outras?

Pois bem, o período holofrásico ocorre entre 12 e 18 meses de vida, quando o


desenvolvimento da linguagem passa por um processo de refinamento, pois a criança
começa a pronunciar as primeiras palavras, que, normalmente, nomeiam objetos e
pessoas comuns em seu ambiente, como: “papai”, “mamãe”, “pepeta”. Nesta idade, a
criança emprega uma palavra com sentido de uma frase. Estas palavras são chamadas
holófrase. Por exemplo, ao falar “aua”, pode ser que a criança esteja falando “quero
água”, ou ainda “está chovendo”.

A hipótese mais aceita é que a holófrase empregada pela criança tem uma força
primitiva e é uma expressão rudimentar da fala dos adultos, visto que a criança, neste
momento de seu desenvolvimento, usa uma palavra única para nomear, repetir,
praticar, chamar, solicitar, responder, saudar, rotular e protestar, de forma que o
adulto acaba usando frases completas para parafrasear a palavra isolada da criança,
demonstrando sua força de comunicação.

Assim, compreende-se que a força da holófrase da criança é percebida pela


entonação que ela usa ao produzi-la. Posteriormente, cada um dos componentes
(nomear, repetir, praticar, chamar, solicitar, responder, saudar, rotular e protestar) se
desenvolvem, aproximando-se do enunciado dos adultos e a holófrase se torna uma
frase completa. É importante observar os gestos que acompanham a fala da criança
no período da holófrase, para compreender o sentido de sua emissão.

Exemplificando
Imagine a seguinte situação: uma criança olha para sua mãe e para um
par de meias e diz: “meia”. Ela pode estar apenas nomeando o objeto.
Em seguida, vai brincar com outra coisa. Volta para o quarto e pega o
par de meias. Entrega para a mãe e diz: “meia”. A mãe segura o par e diz:
“Isso mesmo, meia!”. Coloca em cima da mesa. A criança estica o braço
para pegar as meias e diz: “meia” (agora, pode estar pedindo o par de
meias de volta). A mãe entrega. A criança estica o braço segurando as
meias e diz novamente: “meia”. A mãe entende que a criança quer vesti-
las e fala: “Ah, o nenê quer vestir as meias!”. E tenta calçá-las na criança.
A criança pega o par novamente e diz: “Meia!” com entonação mais forte
e os braços levantados. Então a mãe fala: “ah, você quer que guarde as
meias na gaveta?” e se dirige para o armário, abrindo a gaveta, seguida
pela criança que entrega o par de meias para a mãe, para que guarde na

134 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

gaveta. Assim que o par é depositado na gaveta, a criança fala novamente:


“meia”. Percebeu o que ocorreu aqui? O adulto usa frases completas
para compreender o que a criança quer dizer e a criança vai mudando a
entonação para ser compreendida. Neste pequeno exemplo, a holófrase
“meia” aparentemente assumiu as seguintes funções: nomear, repetir,
solicitar ou protestar, chamar, solicitar, saudar.

No exemplo acima, se a criança dissesse: “meia gaveta” seria muito mais simples
compreender sua intenção. Por volta dos 18 meses e até os 24 meses, a criança
entra no estágio chamado Duas Palavras, onde ela começa a usar duas palavras que
se relacionam. Curiosamente, ainda não conseguimos esclarecer totalmente esse
mecanismo. Sabe-se que a criança estabelece uma relação entre as duas palavras que
começa a usar, mas não há uma definição clara sobre a sintaxe ou semântica...

Reflita
Ao falar “meia gaveta” a criança pode estar tentando expressar: “guarde
a meia na gaveta” estabelecendo, aí sim, uma relação sintática entre as
palavras. Mas ela pode apenas estar nomeando: “meia” e “gaveta”. Na
verdade, enquanto a criança não utilizar as preposições (de, em, a, o,
desde, com, até, para...) não temos como ter certeza da relação que ela
estabelece entre duas palavras.

Aparentemente, o Estágio das duas palavras não possui características sintáticas


e semânticas, apenas indícios da emergência destas duas habilidades da fala. Assim,
com o tempo, a criança começará a usar outros elementos da gramática para deixar
suas ideias claras e precisas, tais como:

- A bola é grande!

- Joga bola alto! Alto! Grande!

- A bola tá pulando!

Aos 14 meses de vida, a criança é capaz de compreender os constituintes básicos


de frases simples (sujeito-verbo-predicativo do sujeito, como em: “a sopa está quente”),
embora ainda não seja capaz de falar uma frase simples. Entre 2 e 3 anos de idade, a
criança consegue corrigir suas frases para que sejam mais compreensíveis. Algumas
curiosidades surgem na construção da semântica. Aparentemente, as crianças
aprendem mais facilmente termos como mais, grande e comprido do que menos,
pouco e pequeno. Embora não haja uma explicação definitiva para esta ocorrência,
sugere-se que as crianças conseguem compreender esses significados porque maior,
grande e comprido são mais facilmente percebidos e observados em seu cotidiano

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 135


U3

(pois provocam uma grande alteração) do que menos, pouco e pequeno (que
provocam pequena alteração). Assim, menos, pouco e pequeno não são construídos
em relação às experiências da criança, mas por oposição de conceitos, demonstrando
uma reestruturação de suas estratégias de linguagem.

Outra descoberta é que as crianças de 3 anos compreendem melhor as frases


ativas (“o menino chutou a bola”) do que passivas (“a bola foi chutada pelo menino”)
e, por conseguinte, expressam mais frases ativas. O processo de compreensão das
frases passivas melhora aos 4 anos e as frases passivas perfeitamente compreendidas
aos 11 anos.

Pesquise mais
Neste interessante livro, a autora discorre sobre o processo da produção
articulada do som até a elaboração completa do discurso, detalhando a
emergência da linguagem em crianças a partir de 4 anos, onde o contexto
social do qual fazem parte é destacado. Esta leitura complementa o
assunto da Seção 3.2!

KAIL, Michèle. Aquisição de linguagem. São Paulo: Parábola, 2013.

Aqui precisamos discutir algumas ideias importantes. Você deve estar se


perguntando: “Como a criança aprende tudo isso se não houve ensino específico
realizado durante os primeiros anos de vida, como se ensina em um curso de língua
estrangeira?”. A hipótese mais plausível é que, quando os adultos conversam entre si
e/ou com a criança, eles utilizam todas as regras da linguagem, portanto a criança
recebe esses inputs (lembra que estudamos isso na seção anterior?) e vai construindo
e reconstruindo as regras da linguagem internamente, ao mesmo tempo em que se
apropria do léxico, da sintaxe e da semântica. Sim, tudo junto e misturado, de forma
que cada criança percorre um caminho pessoal!

Além disso, precisamos considerar que a expressão da linguagem quase nunca se


dá de forma organizada, ou seja, é comum que, ao falarmos, interrompemos as ideias,
mudamos a rota da conversa, tossimos, desistimos da fala, usamos todos os tempos
verbais de uma só vez, fazemos flexões erradas... ainda assim a criança descobre as
regras e passa a usá-las. Ah, considere que você aprendeu da mesma forma!!!!

Outra descoberta bastante interessante é que as crianças trabalham melhor com


o sentido literal e mais objetivo das palavras, por exemplo: “Este bife é saboroso!”.
Já um uso derivado da palavra causa estranheza, como: “A parede é saborosa!”.
Isso nos indica que as derivações, aproximações, sarcasmos e brincadeiras com as
palavras são mais bem compreendidos e utilizados após certa idade (após 5 ou 6
anos, aproximadamente, e totalmente compreendidos aos 12 anos). Mas isso nos

136 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

indica um outro aspecto bem sutil da linguagem. Há princípios universais que regem
todas as línguas, portanto que favorecem a emergência da linguagem da criança
(o que nos sugere novamente que a hipótese que melhor sustenta a aquisição e o
desenvolvimento da linguagem é a Inatista, criada por Noam Chomsky, que defende
a Gramática Universal). Posteriormente, a criança aprende os itens lexicais e os
parâmetros da língua materna (que podem diferir de uma língua para outra).

Para encerrar esta seção, é preciso apenas pontuar que há duas correntes explicativas
para a aquisição da linguagem do ponto de vista inatista. Uma é a maturacionista, que
afirma que nem todos os princípios da linguagem e os possíveis parâmetros da língua
estão disponíveis quando a criança nasce. Dependem da maturação cerebral e se
consolidam até os 5 anos de idade. Já a corrente continuísta aponta que princípios e
parâmetros estão disponíveis, porém, o desenvolvimento deles depende da aquisição
dos itens lexicais e da semântica, que não ocorre de forma automática e instantânea,
pelo contrário, depende da vivência social.

Assimile
Nesta seção estudamos o desenvolvimento lexical, sintático e semântico
da linguagem. Descobrimos que as crianças dependem da exposição à
linguagem dos adultos para que sua linguagem emerja e que a construção
desta linguagem ocorre no crescimento da tríade lexical-semântica-
sintática. Descobrimos também que há princípios básicos que regem
todas as línguas (por exemplo, o uso de sujeito seguido de verbo), porém
há parâmetros de variação que só são compreendidos e empregados
após uma maior experiência de utilização da língua, por exemplo, frases
na voz passiva.

Esperamos que você tenha aproveitado muito a leitura desta seção!

Agora dê continuidade à resolução da segunda situação-problema!

Sem medo de errar


Na situação-problema referente a esta seção, você desenvolverá um texto que
dialogue com a tabela proposta na situação-problema da Seção 3.1.

É fundamental que, para resolver esta situação-problema, você leia os textos


indicados no livro didático e na webaula. Suas pesquisas pessoais também são de
grande valia, portanto invista em sua aprendizagem.

Uma possibilidade de desenvolver esta situação-problema é abordar separadamente


cada um dos critérios apontados. Assim, você pode escrever uma pequena seção

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 137


U3

que explique o que é o léxico e como ele é adquirido pela criança, outra seção que
explique o que é a semântica e como ela é associada à aprendizagem dos itens do
léxico e, por fim, pode escrever uma última seção onde explique o que é sintaxe e
como a ela emerge a partir da vivência social.

Porém, se achar interessante, pode produzir um texto onde vá descrevendo a


associação entre as três habilidades no processo de desenvolvimento da linguagem.

Você se lembra de que a criança inicia as experiências vocais produzindo sílabas


balbuciadas. Em seguida, aparece a holófrase, um termo que representa a força e
intenção de uma frase completa. É a partir da holófrase que marcamos o início da
aquisição do léxico. Aparentemente, assim que a criança inicia a aquisição do léxico,
automaticamente as outras habilidades são ativadas e vão se associando, num
crescimento contínuo e mútuo.

Atenção
O léxico é o conjunto de palavras que compõem uma língua e as primeiras
palavras que a criança emprega estão relacionadas a objetos ou pessoas
do seu convívio e de sua afeição. Ao ouvir e repetir palavras, a criança vai
compreendendo e construindo seu sentido (semântica). Vai também, ao
mesmo tempo, compreendendo e aplicando as regras da linguagem dos
adultos, por exemplo, usar sujeito e verbo.

Aproveite para trazer exemplos que possam ilustrar a construção teórica de sua
situação-problema, como as holófrases e algumas falas iniciais. Isso deixará sua
produção mais rica!

Avançando na prática
Nenê dormir

Descrição da situação-problema

Observe o seguinte diálogo entre a mãe e seu filho de 2 anos e 10 meses:

Mãe: “Vamos deitar, hora de dormir!”

Filho: “Dormir. Nenê dormir.”

Mãe coloca o filho na cama e fala: “Boa noite, durma bem.”

Filho: “Nenê dormir” e puxa a coberta para cima. “Nenê dormir.”

138 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

Mãe: “Isso mesmo, nenê dormir, hora de dormir, fechar os olhinhos...”

Filho: “Nenê dormir” e fecha os olhos.

Reflita sobre este diálogo e explique o desenvolvimento da linguagem da criança


de acordo com a aquisição do léxico, a emergência da sintaxe e a composição do
sentido da fala (semântica).

Lembre-se

O desenvolvimento da linguagem da criança depende do contexto social


onde está inserida, pois é a partir desse contexto que a criança construirá
o léxico e, a partir disso, construirá o sentido das palavras e aprenderá a
empregá-las de acordo com a língua dos adultos.

Resolução da situação-problema

No diálogo acima, podemos afirmar que a criança está em processo de aquisição


do léxico e que já conhece algumas palavras, como “nenê”, que utiliza para referir-se
a si própria, e “dormir”, verbo empregado em posição correta na frase, demonstrando
que já conhece o sentido (semântica) das palavras, embora ainda não apresente a
concordância verbal esperada, pois o desenvolvimento da sintaxe só estará finalizado
anos à frente.

Faça você mesmo


Agora é a sua vez! Localize exemplos que ilustrem a relação da aquisição
do léxico, da construção do sentido e da emergência da sintaxe. Você
pode usar exemplos colhidos de seu cotidiano e da sua família, do seu
trabalho ou vistos em filmes, vídeos da internet ou mesmo em histórias.
Traga estes exemplos e discuta em classe.

Faça valer a pena

1. O desenvolvimento da linguagem fundamenta-se na aquisição


_________________________, que nada mais é do que o conjunto de
palavras de uma língua.
Assinale a alternativa que completa corretamente o espaço em branco:
a) do balbucio

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 139


U3

b) da sintaxe
c) da consciência fonológica
d) da semântica
e) do léxico

2. Há um processo que ocorre simultaneamente à aquisição do léxico


pela criança, que é compor o sentido da palavra assim que cada uma
é aprendida. O nome do ramo da Linguística que estuda o sentido das
palavras é:
a) Significado.
b) Significante.
c) Semântica.
d) Sintaxe.
e) Sociointeracionismo.

3. Um fato curioso é que a criança, logo após aprender as primeiras palavras,


por volta dos 2 anos de idade, já começa a empregá-las na ordem utilizada
pelos adultos, demonstrando que _________________________
emerge muito cedo na vida do ser humano.
Assinale a alternativa que completa corretamente o espaço em branco:
a) a sintaxe
b) a semântica
c) o léxico
d) o significante
e) a ideologia

140 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

Seção 3.3

Metodologias dos estudos em aquisição da


linguagem I
Diálogo aberto

Olá, estudante! Esperamos que esteja tudo bem com você!

Bem-vindo à terceira seção da Unidade 3, que trata da aquisição e desenvolvimento


da linguagem infantil. A esta altura, você deve estar se perguntando como é que os
pesquisadores descobriram tanto sobre a aquisição e desenvolvimento da linguagem.
Deve ter alguma curiosidade sobre as técnicas e métodos de investigação neste
campo, direcionado especificamente a bebês e crianças, não é? Nesta seção,
estudaremos um tipo de metodologia de estudo da aquisição de linguagem, ou seja,
uma das formas de se fazer pesquisa sobre este tema com bebês e crianças. Assim, os
objetivos da Seção 3.3 são:

- Identificar o que são dados espontâneos na coleta de informações;

- Conhecer a metodologia de estudos de dados espontâneos, suas características,


seus alcances e suas limitações.

Nesta unidade, a situação geradora de aprendizagem (SGA) é aprofundar os estudos


para elaborar seu projeto de pesquisa visando responder: Como ocorre a aquisição e
o desenvolvimento da linguagem infantil? Nas situações-problema anteriores, você
sistematizou as ideias principais sobre aquisição e desenvolvimento da linguagem
infantil. A partir de agora tomará contato com uma das possibilidades de realizar
pesquisas nesta área. Sua terceira situação-problema é sistematizar as ideias principais
sobre o estudo de dados espontâneos, tratando de suas características, alcances e
limitações. Para tanto, você preencherá uma ficha contendo os seguintes campos:

Coleta de dados espontâneos


Definição:
Características:
Alcances:
Limitações:

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 141


U3

Esta ficha será anexada ao material preparado anteriormente, pois, nesta SGA, você
está realizando um estudo para elaborar seu projeto de iniciação científica e precisará,
posteriormente, optar por um dos métodos de coleta de dados (o segundo método
será estudado na próxima seção).

Anote todas as referências utilizadas. Lembre-se de que nesta SP você está


desenvolvendo um percurso no campo da pesquisa científica e acadêmica e, portanto,
precisa tomar notas de todas as leituras e pesquisas que fizer, para sustentar suas
descobertas!

Para realizar a terceira situação-problema, você estudará um dos métodos de


pesquisa em aquisição e desenvolvimento da linguagem infantil: a coleta de dados
espontâneos, suas características, alcances e limitações. Desejamos a você uma
excelente leitura e uma boa aprendizagem!

Não pode faltar


Você já aprendeu muitas coisas sobre aquisição e desenvolvimento da linguagem
infantil, como os estágios, o papel da prosódia, a consciência da estrutura fonológica,
a aquisição do léxico, a composição do sentido e a emergência da sintaxe. São
conhecimentos linguísticos bastante específicos e abstratos, porém a criança não tem
noção dessas nomenclaturas e classificações.

A esta altura, você deve estar se perguntando: Como os pesquisadores chegaram


a estas descobertas? Como desenvolveram pesquisas aprofundadas e cientificamente
comprovadas que permitiram a eles formularem teorias consistentes e claras?

No campo da aquisição e desenvolvimento da linguagem, as pesquisas devem ser


desenvolvidas com muita atenção e cuidado. Não há como perguntar diretamente
à criança de que forma ela construiu uma ideia ou uma frase, ou o motivo de ter
escolhido uma forma de expressão gramatical e não outra, como poderíamos
perguntar a um adulto.

Para investigar a aquisição e desenvolvimento da linguagem infantil há duas formas:


podemos colher dados espontâneos das crianças, onde não guiamos a fala da criança,
e podemos construir uma pesquisa experimental, ou seja, estruturar uma pesquisa de
forma a levar a criança a produzir determinadas construções.

Nesta seção, vamos conhecer a metodologia de estudo de dados espontâneos,


suas características, os alcances e as limitações (a pesquisa experimental será abordada
na próxima seção).

As primeiras pesquisas realizadas sobre a linguagem infantil normalmente foram


feitas pelos próprios pais das crianças, que gravavam ou anotavam as falas de seus

142 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

filhos. Desta forma nasceu a coleta de dados espontâneos: consiste em deixar a


criança falar naturalmente e, posteriormente, analisar suas construções.

Pesquise mais
Neste livro, organizado por Alessandra Del Ré, você encontrará uma leitura
muito interessante e pertinente ao estudo que estamos realizando agora.
Indicamos a leitura do primeiro capítulo, que se chama A pesquisa em
aquisição de linguagem: teoria e prática, onde você terá a oportunidade
de ver os dados de uma pesquisa real.

DEL RÉ, Alessandra (Org.). Aquisição da linguagem: uma abordagem


psicolinguística. São Paulo: Contexto, 2006.

Normalmente, a coleta de dados espontâneos é feita com a utilização de gravador


ou com algum sistema de áudio e vídeo (podendo ser realizada até mesmo com uma
câmera de celular).

Assim, qualquer pessoa pode fazer a coleta de dados espontâneos: basta decidir o
tempo de gravação (a sessão de gravação pode durar quinze minutos, meia hora ou
até mais, porém é importante verificar a quantidade de tempo adequado para a criança
não se sentir cansada). Deve-se decidir a periodicidade com que será realizada, pois é
preciso constância na coleta de dados para investigar a aquisição e desenvolvimento
da linguagem infantil. A periocidade pode ser semanal, quinzenal ou mensal. Também
é preciso decidir a duração da coleta de dados espontâneos: um ano, dois, três... até
cinco anos ou mais.

É importante ter em mente que o objetivo na sessão de gravação é deixar a criança


à vontade para que fale o que ela desejar e da forma como desejar. Ao final de todo
o período, é possível ter uma boa visão de como a criança adquire e desenvolve a
linguagem através do estudo de sua fala espontânea. Aqui devemos prestar atenção
em algumas orientações.

Em primeiro lugar, é importante que as sessões de gravação sejam realizadas


em lugar bastante tranquilo, contando apenas com a presença da criança e do(a)
pesquisador(a). É preciso que neste espaço não haja televisores, rádios ou outros
equipamentos que emitem som, como celulares, por exemplo. Se estes objetos
estiverem presentes no espaço e não forem motivo da investigação, eles devem ser
desligados, pois o funcionamento deles pode distrair a criança.

Também não é interessante gravar a criança enquanto ela come, pois, além
de poder distrair-se, o fato de mastigar pode comprometer a produção vocal e a
articulação da fala da criança. Outro cuidado que o(a) pesquisador(a) deve tomar é
nunca expor a criança, por este motivo ela nunca pode ser gravada enquanto dorme,

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 143


U3

toma banho, se troca ou usa o toalete. As construções gramaticais da criança não


sofrem variação se ela estiver se trocando, por exemplo. Por este motivo devemos
sempre respeitar a privacidade da criança.

Numa sessão, você pode permitir que a criança utilize brinquedos diversos, livros,
objetos da casa, roupas, entre outros elementos, de forma que ela possa manipulá-los
e falar sobre eles.

O(a) pesquisador(a) deve prestar atenção à sua conduta. Em primeiro lugar, não
deve demonstrar emoções ou expressões que possam conduzir a produção oral da
criança. Claro que deve estimular a criança a falar, mas não deve interferir. Quando
a criança estiver no meio de uma frase, não deve interrompê-la, deve esperar que
termine para só depois dirigir a palavra a ela.

A transcrição dos dados, na metodologia que utiliza a coleta de dados espontâneos,


merece destaque. Pode-se usar a transcrição manual, que normalmente é demorada,
ou a digitação. Estima-se que uma hora de gravação leve oito horas de transcrição
manual ou digitação. Posteriormente, ocorre a parametrização ou tratamento
dos dados. Primeiramente criam-se as categorias para divisão dos dados, que são
classificados de acordo com as categorias elaboradas e, em seguida, quantifica-se
quantos dados foram encontrados em cada categoria.

Por outro lado, o pesquisador pode optar por trabalhar com um programa
desenvolvido especificamente para transcrição e análise de dados da linguagem infantil,
que é bem particularizada em termos de entonação e estruturação fonológica, se
comparada com a linguagem de um adulto. Este programa se chama CHILDES (Child
Language Data Exchange System) e foi criado por Brian MacWhinney, da Carnegie
Mellon University, disponível no site: <http://childes.psy.cmu.edu>. Este programa
sugere uma forma única de codificação da fala infantil, assim fica mais simples
parametrizar os dados coletados. Além disso, com o crescimento de utilização, o
programa se transformou numa plataforma e é possível acessar e comparar dados de
outras crianças na mesma faixa etária, que utiliza a mesma ou outra língua.

A pesquisa com dados espontâneos permite descobrir a frequência com que


determinada construção linguística é utilizada pela criança e até mesmo pelo(s)
adulto(s) que interage(m) com a criança.

Ocorre que, no método de coleta de dados espontâneos, os pesquisadores ficam


limitados exclusivamente àquilo que a criança quer falar, não àquilo que ela é capaz
de falar. Vamos explicar melhor. Quando está em situação espontânea, a criança
verbaliza, conversa, canta, brinca com as palavras, emite sons diversos. Entretanto, faz
tudo isso no calor do momento, de acordo com cada situação, escolhendo a forma
como se expressa.

É preciso considerar então que os dados espontâneos são limitados, pois, se a

144 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

criança não emitir um tipo de frase durante o tempo da pesquisa, pode-se erroneamente
concluir que ela não adquiriu a estrutura deste tipo de frase.

Exemplificando
Imagine a seguinte situação: você iniciou uma pesquisa com uma criança,
coletando os dados espontâneos de sua fala. Fez isso durante um ano, no
período em que a criança estava com idade entre 4 e 5 anos. Ao longo
deste período, a criança não emitiu nenhuma frase na voz passiva, por
exemplo: “A boneca foi molhada pela minha amiguinha”. Normalmente,
a criança diria: “Minha amiguinha molhou a boneca”, utilizando voz ativa,
pois é muito mais comum. Mas, durante sua pesquisa, como não houve
nenhuma frase na voz passiva, é fácil concluir que a criança ainda não
adquiriu este esquema, correto? Não, não é correto. Uma criança com 5
anos já possui a capacidade de produzir frases na voz passiva (conforme
estudamos na Seção 3.2), mas é mais raro utilizá-la. Desta forma, a coleta
de dados espontânea pode ser enganosa.

Com dados espontâneos, não conseguimos dizer com certeza se a criança ainda
não adquiriu a estrutura em questão ou se apenas preferiu não a utilizar, porém
permitem uma análise da frequência de uso das construções linguísticas da criança.
Os dados espontâneos permitem analisar como se dá a aquisição e análise das
construções gramaticais da linguagem da criança, trazendo um grande número de
informações significativas, permitindo aos pesquisadores descobrirem tendências
gerais de desenvolvimento da linguagem humana.

Assimile
Dados espontâneos são colhidos em sessões específicas nas quais as
crianças podem se expressar oralmente de forma livre. Essas expressões
são gravadas e posteriormente transcritas, classificadas e quantificadas,
o que permite tanto obter informações sobre tendências gerais a
respeito da aquisição e desenvolvimento da linguagem bem como para
comparar as emissões individuais com as tendências gerais. Ao mesmo
tempo que permite investigar um grande volume de informações e a
riqueza da produção linguística infantil, este método deve ser observado
com cuidado, pois pode induzir a equívocos, por exemplo, concluir
que a criança em determinada faixa etária não tem condições de emitir
determinada construção gramatical, quando, na verdade, ela possui essa
capacidade, apenas preferiu não utilizá-la ou não ocorreu momento
oportuno para demonstrá-la.

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 145


U3

Da mesma forma que os dados espontâneos trazem informações sobre as


tendências gerais de aquisição e desenvolvimento da linguagem, o mesmo tipo de
metodologia pode fornecer informações sobre divergências individuais na linguagem.
Por exemplo: comparando os dados individuais de uma criança com dados gerais,
é possível observar como ela está adquirindo e desenvolvendo a linguagem, se está
aquém ou além do esperado. Por outro lado, isso pode ser perigoso, o(a) pesquisador(a)
deve tomar cuidado para não super ou subestimar a capacidade da criança com
relação à linguagem.

Reflita
Toda a forma de pesquisa trará algum dado significativo para análise. No
caso de crianças, é preciso tomar muito cuidado, pois seu desenvolvimento
está relacionado ao meio social onde está inserida. Então, ao colher
dados espontâneos, o(a) pesquisador(a) deve refletir sobre os fatores
externos, como o estímulo linguístico ao qual a criança está submetida, à
frequência de uso de determinadas construções gramaticais por adultos
que convivem com a criança, ao ambiente, se a criança frequenta a escola
ou não, pois todos esses fatores podem influenciar a produção dos dados
espontâneos.

Sem medo de errar


Agora é hora de resolver a terceira situação-problema (SP). Como sabe, você
começou a aprofundar seus conhecimentos sobre aquisição e desenvolvimento da
linguagem infantil para elaborar um projeto de iniciação científica.

Nesta situação-problema, você organizará as ideias principais sobre o estudo


de dados espontâneos, tratando de suas características, alcances e limitações,
preenchendo o quadro abaixo:

Coleta de dados espontâneos


Definição:

Características:

Alcances:

146 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

Limitações:

Atenção
Dados espontâneos são aqueles obtidos através da observação e escuta
das falas de crianças, onde não há uma orientação específica por ordem
do(a) pesquisador(a). Esses dados permitem organizar tendências gerais
a respeito da aquisição e desenvolvimento da linguagem. Note que estes
dados devem ser observados com cuidado, pois pode induzir a equívocos.

Para ajudar a preencher este quadro, você pode se orientar pelas seguintes
perguntas:

• O que é uma coleta de dados espontâneos?

• Qual o propósito de realizar este tipo de coleta de dados?

• Quais são as possibilidades que este tipo de coleta de dados traz?

• E, por fim, quais são as potenciais restrições relacionadas a este tipo de coleta
de dados?

Avançando na prática
Brincando sozinha

Descrição da situação-problema

Veja a transcrição da fala de uma menina de 4 anos:

− Esta boneca é a Jéssica. A Jéssica gosta muito de dançar.

(a criança pega a boneca)

− Vem, Jé, vem dançar com eu!

(a criança levanta e segura a boneca pelas mãos)

− Lá lá lá, Jéssica dança, dança, dança.

(a criança balança a boneca e rodopia)

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 147


U3

− Nossa, é tarde, é hora de Jéssica ir para casa tomar lanche e fazer lição de casa.

Pelos dados observados, quais são as conquistas que a criança já apresentou? Estas
conquistas estão apropriadas à faixa etária?

Lembre-se

A coleta de dados espontâneos permite comparar as emissões individuais


com as tendências gerais, ou seja, permite verificar se a fala da criança
corresponde à expectativa para sua faixa etária.

Resolução da situação-problema

Observando a fala da criança, que foi transcrita, observa-se que o discurso está
apropriado à faixa etária. Nota-se que a prosódia e a sintaxe já correspondem à
linguagem utilizada por adultos, embora a criança ainda esteja na fala egocêntrica, ou
seja, fala sozinha, sem considerar a presença do(a) pesquisador(a). Apresenta traços de
animismo (atribui características humanas a objetos inanimados – no caso, a boneca).

Ao falar, a criança já possui propriedade de associação do léxico com o sentido e a


sintaxe (organização das frases) corresponde à linguagem esperada para a faixa etária.

Faça você mesmo


Agora é sua vez! Localize uma fala infantil sequenciada, ou seja, frases
seguidas, e faça a transcrição. Procure por exemplos que sejam curtos, de
um minuto no máximo. Você pode localizar esses exemplos em vídeos
na internet, com alguma criança de seu convívio pessoal ou profissional
(lembre-se apenas que esta coleta de dados é espontânea, portanto você
não deve interferir na produção oral da criança). Depois da transcrição, faça
uma análise dos dados, considerando os estudos realizados nesta seção.

Faça valer a pena

1. A coleta de dados que não guia a produção oral da criança é chamada:


a) Coleta de dados esporádicos.
b) Coleta de dados espontâneos.
c) Coleta de dados especiais.
d) Coleta de dados esperados.
e) Coleta de dados específicos.

148 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

2. Assinale a alternativa que apresenta como é feita a coleta de dados


espontâneos:
a) Através de sites e vídeos na internet.
b) Através de brincadeiras e nas aulas.
c) Através de jogos e cantigas.
d) Através de explicações e leituras.
e) Através de gravações ou filmagens.

3. Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta de tratamento


dos dados obtidos em coleta espontânea:
a) Descrição, classificação, quantificação.
b) Definição, transcrição, quantificação.
c) Transcrição, classificação, quantificação.
d) Transcrição, definição, descrição.
e) Descrição, qualificação, quantificação.

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 149


U3

150 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

Seção 3.4

Metodologias dos estudos em aquisição da


linguagem II
Diálogo aberto

Olá! Estamos chegando ao final da Unidade 3 e você já aprendeu muita coisa até
aqui! Esta unidade é destinada à aquisição e desenvolvimento da linguagem infantil e
anteriormente enfocamos as produções e discriminações vocais na primeira infância,
o papel da prosódia, a consciência da estrutura fonológica, a aquisição do léxico, a
emergência da sintaxe, a composição do sentido. Por fim, estudamos uma metodologia
de estudo em aquisição da linguagem baseada na coleta de dados espontâneos. Nesta
seção, estudaremos outra metodologia de estudo em aquisição da linguagem, agora
baseada em dados experimentais, que ocorre quando o pesquisador emprega uma
forma de guiar a fala da criança para verificar o estágio em que se encontra.

Mais uma vez, direcionaremos uma situação-problema para ajudar sua


aprendizagem. Como se lembra, a proposta da SGA é aprofundar os estudos antes
de elaborar o projeto de iniciação científica, tendo como questão norteadora: Como
ocorre a aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil?

Na situação-problema anterior, você organizou as ideias principais sobre a coleta


de dados espontâneos. Na quarta e última situação-problema desta unidade, você
organizará as principais ideias sobre coleta de dados experimentais. Para tanto, você
pode preencher uma ficha contendo:

Coleta de dados experimentais


Definição:
Tarefas de produção eliciada:
Tarefas de compreensão:
Alcances e Limitações:
Referência(s):

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 151


U3

Para realizar a quarta situação-problema, você estudará outro método de pesquisa


em aquisição e desenvolvimento da linguagem infantil, conhecido como coleta de
dados experimentais, os dois tipos de tarefa (produção eliciada e compreensão), bem
como os alcances e as limitações desta coleta de dados. Lembre-se que é importante
incluir na ficha as referências bibliográficas utilizadas. Você deverá citar como fonte de
consulta, tanto o próprio livro didático, incluindo as leituras complementares indicadas
nele, como as indicadas na webaula.

Os objetivos de estudo desta seção são:

- identificar o que são dados experimentais na coleta de informações;

- conhecer os dois tipos de tarefas: produção eliciada e compreensão;

- identificar os alcances e as limitações da coleta de dados experimentais.

Desejamos a você uma boa leitura e excelentes reflexões!

Não pode faltar


Vamos conhecer um pouco mais sobre processos de pesquisa em aquisição e
desenvolvimento da linguagem infantil?

Na seção anterior, você estudou o processo de coleta de dados espontâneos, ou


seja, um processo de documentação da fala espontânea da criança, onde ela tem
liberdade para exprimir o que desejar e o pesquisador não dirige uma experiência
nem a fala da criança. Você descobriu que essa coleta de dados é bem interessante,
pois permite sugerir algumas “regras” gerais sobre aquisição e desenvolvimento da
linguagem, porém pode trazer interpretações inadequadas, por exemplo, indicar que
a criança não atingiu um determinado tipo de construção gramatical quando, na
verdade, ela apenas não sentiu necessidade de utilizá-la.

Quando ocorrem dúvidas com relação à aquisição e desenvolvimento da


linguagem infantil, o pesquisador pode optar por conduzir um experimento onde a
fala da criança é dirigida. Assim, construções gramaticais que nunca ou raramente
são faladas espontaneamente pelas crianças podem ser investigadas. A construção
tipicamente infantil (diferente da linguagem do adulto) é muito importante de ser
investigada.

Reflita
Antes de atingir a fala tipicamente adulta, a criança passa por fases ou
hipóteses tipicamente infantis. Por exemplo, quando começa a construir
frases, a criança tende a conjugar os verbos irregulares como regulares,

152 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

portanto falas como “eu gosti”, “eu trazi”, “eu sabo”, entre outras, são bem
comuns. Aos poucos, a criança compreende que alguns verbos possuem
a conjugação diferente e abandonam a forma tipicamente infantil para
adotar a fala do adulto. A criança atravessa estágios intermediários antes
de alcançar as construções consideradas lícitas na língua. Muitas vezes,
em pesquisas com dados espontâneos, a fala tipicamente infantil não
aparece. É preciso criar um experimento especialmente dedicado a este
tipo de investigação. Para isso, se utiliza a metodologia de coleta de dados
experimentais.

Outra diferença entre os dados espontâneos e os experimentais, é que os


espontâneos demandam uma longa coleta e um grande trabalho de transcrição. Já
os dados experimentais permitem uma coleta em grande escala, ou seja, permite que
a experiência seja reproduzida por um número grande de crianças, proporcionando
generalizações mais confiáveis.

Vocês devem estar sentindo curiosidade para entender melhor como funciona
este método.

Imagine a seguinte situação: os pesquisadores no campo de aquisição e


desenvolvimento da linguagem querem investigar a aquisição de perguntas no
português brasileiro. Veja aqui o relato:

Exemplificando
“Em um estudo sobre aquisição de perguntas no português brasileiro,
formulamos um contexto em que seria adequado que a criança fizesse
perguntas a um fantoche. O contexto era o seguinte: um fantoche, um
sapinho de pelúcia chamado Caco, achava que sabia todas as coisas
do mundo. Ele dizia à criança que ela podia perguntar a ele o que ela
quisesse, e ele acertaria a resposta. Ficava combinado com a criança que,
se ele acertasse, a criança daria um inseto (de plástico) para ele comer,
pois essa era sua comida preferida. Se ele errasse, a criança daria uma
comida amarga que ele não gostava, como punição [...].

Pesquisadora: Vamos começar com a primeira brincadeira?

Criança: Vamos.

Pesquisadora: A gente tem aqui o Super-Homem e tem uma coisa que


ele gosta de comer, uma que ele gosta de beber e uma pessoa que ele
gosta de abraçar. As coisas são: um chocolate, uma garrafa de leite e a
Minnie. O Super-Homem prefere comer chocolate, beber leite e abraçar a
Minnie. Vamos relembrar? O Super-Homem prefere comer o...?

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 153


U3

Criança: Chocolate.

Pesquisadora: E beber?

Criança: Leite.

Pesquisadora: E abraçar?

Criança: A Minnie.

Pesquisadora: Isso mesmo. Vamos chamar o Caco e ver se ele adivinha


tudo? Chama ele.

Criança: Caco!!

Fantoche (manipulado por um segundo pesquisador): Cheguei. Pode


perguntar. Eu vou adivinhar tudo!

Pesquisadora: Você lembra o que o Super-Homem prefere comer? (Se


aproxima da criança para que ela fale no ouvido da pesquisadora e o Caco
não ouça).

Criança: Chocolate (sussurra no ouvido da pesquisadora).

Pesquisadora: Isso. Pergunte para ele o que ele acha.

Criança: O que você acha que o Super-Homem prefere comer? [grifo das
autoras].

Fantoche: Chocolate!!

Criança: Acertou! Vai ganhar um inseto.”

(GROLLA; SILVA, 2014, p. 102-104).

Observe que foi preparado um contexto natural de brincadeira, onde a


criança tem sua fala guiada (no caso, solicita-se que ela faça perguntas).
Mesmo sendo perguntas bastante complexas, elas foram realizadas com
tranquilidade pela criança.

Quando se faz pesquisa deste tipo, é preciso tomar alguns cuidados:

• É preciso que algum comitê de ética em pesquisa aprove a pesquisa, pois esta
deve estar de acordo com a Resolução 196/1996 do Conselho Nacional da Saúde,
que trata dos aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos.

154 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

Pesquise mais
Conheça a Resolução 196/1996 do Conselho Nacional da Saúde,
disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/1996/reso196.
doc>. Acesso em: 15 jul. 2016.

• Além da aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, os pais das crianças precisam


autorizar a participação de seus filhos e suas filhas na pesquisa, já que as crianças não
respondem por si próprias.

• Os pesquisadores e as pesquisadoras devem cuidar sempre do bem-estar das


crianças, elas não podem perceber que estão fazendo parte de uma pesquisa, para
não as inibir e para que as respostas não sejam tendenciosas.

• Só podem ser usados os dados que forem colhidos em respostas verdadeiras e


confiáveis das crianças, que precisam estar à vontade durante a pesquisa.

• O plano de ação dos pesquisadores deve ser executado de maneira uniforme em


todas as coletas de dados (sessões) para gerar dados confiáveis e comparáveis.

• É ideal que o plano de ação seja testado previamente com adultos e com crianças
mais velhas (se estes grupos tiverem dificuldades, as crianças menores também terão).

• É interessante fazer um período prévio de adaptação das crianças com o(a)


pesquisador(a): normalmente são realizados quatro encontros prévios.

• O local deve ser apropriado à pesquisa e as crianças participam do teste individualmente.

Este tipo de pesquisa é direcionado a crianças com mais de 3 anos de idade. Há duas
formas mais comuns de pesquisa: estudar como as crianças produzem determinadas
construções gramaticais e estudar como elas compreendem as estruturas. Para tanto,
são elaboradas “tarefas”, ou seja, um plano de ação para levar as crianças a construírem
sentenças (no caso de tarefas de produção) ou responderem se conseguem
compreender (ou não) determinadas sentenças preparadas pelos pesquisadores
(tarefas de compreensão). Os pesquisadores decidem por um tipo de tarefa (tarefa de
produção ou tarefa de compreensão) de acordo com os dados que desejam coletar.
Normalmente, as tarefas de produção são mais interessantes do que as tarefas de
compreensão, pois nas tarefas de compreensão as crianças respondem “sim” ou “não”
para indicar se entenderam ou não determinadas sentenças, mas isso pode gerar
dados incorretos (por exemplo, quando a criança afirma que compreendeu uma
determinada sentença, mas não é verdade).

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 155


U3

Assimile
Tarefas de produção são planos de ação investigativos organizados que
guiam a fala da criança dentro de um contexto preparado para verificar
se ela é capaz de produzir uma dada estrutura (isso indica que ela tem
conhecimento desta estrutura). Tarefas de compreensão são perguntas
realizadas pelo(a) pesquisador(a) para as quais a criança responde sim ou
não. Também pode-se expressar uma determinada construção e solicitar
que a criança encene aquilo que ouviu (através da encenação percebe-se
se a criança compreendeu ou não o que foi apresentado). As tarefas de
produção são mais complexas do que as tarefas de compreensão.

Nas tarefas de produção, destacam-se as tarefas de produção eliciada. O tópico


Exemplificando traz a descrição de uma tarefa de produção eliciada. Leia novamente
para compreender melhor como o plano de ação foi construído e como a criança é
induzida a fazer as perguntas para o boneco.

Vocabulário
Eliciar: significa “fazer emergir”. No caso de tarefas de produção eliciada,
o(a) pesquisador(a) elabora um determinado plano de ação que procura
guiar a fala da criança, para verificar se ela adquiriu ou desenvolveu
determinada construção gramatical. Desta forma, a condução do
experimento “faz emergir” a construção gramatical pesquisada. Caso
a criança não tenha desenvolvido esta competência, a construção não
aparecerá em sua fala ou aparecerá uma construção diferente da esperada

Observe o seguinte: o exemplo que você acabou de reler traz um experimento


que elicia a emissão de determinado tipo de perguntas que são extremamente raras
nas falas espontâneas de crianças (afinal nós só empregamos: “O que você acha que
fulano prefere comer?” quando vamos preparar uma refeição especial...), mas, de
acordo com este experimento, observa-se que as crianças são capazes de empregá-
las tranquilamente e em larga escala, o que nos mostra que esta capacidade já foi
compreendida, adquirida e pode ser empregada com sucesso.

Normalmente, em tarefas de produção eliciada, utiliza-se um fantoche para que


a pesquisa fique mais parecida com uma brincadeira. Outro fato a observar nesse
tipo de tarefa é que o contexto é repetido várias vezes, para que a criança tenha
várias oportunidades de demonstrar a construção gramatical esperada (ou seja, são
executadas várias oportunidades para que a criança demonstre o uso esperado de
determinada construção – retome o exemplo e veja que a sequência de perguntas
incluiria: “O que o Super-Homem prefere beber?” e “O que (ou quem) o Super-Homem

156 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

prefere abraçar?” – de forma que a criança tem a oportunidade de demonstrar a


mesma construção diversas vezes remetendo-se a contextos diferentes: comida,
bebida, objeto).

Não se pode esquecer que, nesse tipo de teste, a criança que estiver cansada pode
começar a dar respostas evasivas, o que atrapalharia os resultados. Assim, ao longo
do teste, costuma-se colocar as chamadas “sentenças distratoras” que não estão
relacionadas ao teste, tais como: “o que você prefere assistir na TV?” – caso a criança
responda prontamente seu programa preferido (ela pode citar vários, comentar sobre
eles e até comparar um com o outro) indica que ela ainda está atenta e pode-se
dar continuidade ao teste. Caso a criança responda: “Sei lá”, “Não lembro” ou traga
respostas evasivas, pode-se suspeitar de que ela esteja cansada e é interessante
interromper o teste. A tarefa de produção eliciada é um método de pesquisa bastante
eficiente e largamente utilizado na investigação sobre a aquisição e desenvolvimento
da linguagem infantil.

Outro método de coletar dados experimentais é chamado de tarefa de


compreensão. Trata-se de atividades mais simples do que as tarefas de produção, pois
as crianças não precisam construir estruturas, apenas responder “sim” e “não”, encenar
uma determinada situação ou escolher figuras.

As tarefas de compreensão podem ser divididas em Tarefas de Julgamento de


Valor de Verdade (TJVV), Tarefas de Julgamento de Gramaticalidade (TJG), Tarefas de
Encenação (TASK ou ACT) e Tarefas de Escolha de Figura (TEF).

- TJVV: apresenta-se uma sentença e um contexto para a criança e ela diz se a


sentença é verdadeira ou falsa de acordo com esse contexto (um exemplo de TJVV
seria: o pesquisador ou a pesquisadora contam uma história para a criança e para
um fantoche, porém o fantoche parece distraído e não presta grande atenção à
história; em seguida, o fantoche é convidado a recontar a história e a criança avalia
se o fantoche está contando certo; quando acerta, a criança dá uma comidinha de
brinquedo para o fantoche e quando ele se atrapalha, a criança lhe dá, como punição,
um papel para comer – assim, quando dá uma comidinha, a criança está julgando a
sentença do fantoche como verdadeira).

- TJG: a criança faz o julgamento sobre a gramaticalidade de uma sentença


proferida (um exemplo de TJG seria: apresentar um fantoche à criança dizendo que
ele está aprendendo a língua portuguesa, por isso ele fala às vezes alguma coisa errada
ou estranha; como o fantoche precisa de ajuda, ele pede à criança que o avise quando
fala alguma coisa errada ou estranha, tal como: Pedro Maria bola para a pediu).

- Tarefa de encenação: a criança escuta uma sentença e pede-se que ela encene
o que entendeu (um exemplo da tarefa de encenação seria: “Temos aqui o sapinho
Caco e o Super-Homem. Mostre o ele dando banho no Super-Homem”; caso a criança
encene corretamente, significa que ela já compreendeu o uso do pronome ele).

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 157


U3

- TEF: após ouvir uma sentença, a criança escolhe uma entre duas ou mais figuras
que represente o que ouviu (um exemplo de TEF seria: “Nessas figuras temos o Caco
e o Super-Homem. Escolha a figura em que ele limpa o Super-Homem”. Pode-se
apresentar três figuras, uma onde o Caco limpa o Super-Homem, uma onde o Super-
Homem se limpa e outra onde o Super-Homem limpa o Caco).

Nesta seção, estudamos o método de coleta de dados experimentais, onde o(a)


pesquisador(a) prepara um experimento específico para colher as respostas da criança,
propiciando oportunidades que estimulem a criança a utilizar uma determinada
construção. Vimos também que os dados experimentais se dividem em tarefas de
produção e tarefas de compreensão.

Em comparação com os dados espontâneos, a coleta de dados experimentais


permite entrevistar um número bem maior de crianças e permite investigar a aquisição
e desenvolvimento de aspectos muito específicos da gramática. Porém, é preciso
muita destreza dos(as) pesquisadores(as) para conduzir esses experimentos.

Os métodos de coleta de dados espontâneos e experimentais são complementares,


já que permitem uma melhor visão sobre o desenvolvimento infantil com relação à
linguagem.

Pesquise mais
No livro organizado por Alessandra Del Ré, você encontrará várias seções
dedicadas à pesquisa em aquisição e desenvolvimento da linguagem:

DEL RÉ, Alessandra (Org.). Aquisição da linguagem: uma abordagem


psicoliguística. São Paulo: Contexto, 2006.

No livro de Grolla e Silva, há um capítulo específico que trata das


metodologias utilizadas em estudos em aquisição e desenvolvimento da
linguagem:

GROLLA, Elaine.; SILVA, Maria Cristina Figueiredo. Para conhecer aquisição


de linguagem. São Paulo: Contexto, 2014.

De posse dessas informações, é hora de resolver a quarta SP!!!! Vamos lá?

Sem medo de errar


Agora é hora de resolver a quarta situação-problema. Como sabe, você começou
a aprofundar seus conhecimentos sobre aquisição e desenvolvimento da linguagem
infantil para elaborar um futuro projeto de iniciação científica.

158 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

Nesta situação-problema, você organizará as ideias principais sobre o estudo de


dados experimentais, tratando de suas características, os dois tipos de tarefa, bem
como os alcances e as limitações, preenchendo o quadro abaixo:

Coleta de dados experimentais

Definição:

Tarefas de produção eliciada:

Tarefas de compreensão:

Alcances:

Limitações:

Atenção
Dados experimentais são obtidos através de planos de ação que
guiam as falas de crianças, com orientação específica por ordem do(a)
pesquisador(a).

Para ajudar a preencher este quadro, você pode se orientar pelas seguintes
perguntas:

• O que é uma coleta de dados experimentais e qual o propósito de realizar este


tipo de coleta de dados?

• Quais são e como funcionam os dois tipos de tarefas associados aos dados
experimentais?

• E, por fim, quais são as possibilidades as potenciais restrições relacionadas a


este tipo de coleta de dados?

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 159


U3

Avançando na prática

Tarefa de produção eliciada

Descrição da situação-problema

Leia sobre um experimento com tarefa de produção eliciada:

Ao longo da produção de sua dissertação de mestrado, Elaine Grolla percebeu


que as crianças utilizam perguntas do tipo: “Onde a gente tá indo? Quem você viu? O
que você comprou?”. E nunca ou quase nunca utilizam perguntas como: “A gente tá
indo onde? Você viu quem? Você comprou o quê?”. Para investigar se as crianças já
adquiriram este tipo de construção, Grolla e Silva (2014) prepararam um experimento
semelhante a um teatro, onde a criança inicia conversando com Shrek (boneco
manipulado por um pesquisador) e um cenário. Após um momento introdutório, o
boneco Shrek conta que Fiona foi ao mercado e pediu que ele tomasse banho antes
de ela voltar. Porém, não o fez e agora estava com medo de que Fiona fosse brigar
com ele. Foi exatamente o que aconteceu quando Fiona voltou: além de brigar com
Shrek, Fiona disse que não falaria mais com ele. Shrek, então, pede à criança que
intermedeie uma conversa entre ele e Fiona. Porém, para que a criança não copie
exatamente a pergunta do boneco, um experimentador entre em ação e inicia um
diálogo om a criança:

Experimentador: Shrek quer muito saber onde Fiona foi. A Fiona foi para algum
lugar e ele não sabe. Você é capaz de perguntar a ela?

Criança: Você foi aonde?

Fiona (manipulada por outro experimentador): Fui ao mercado comprar comida


e já guardei.

Experimentador: Shrek está muito faminto, mas ele não sabe onde está a comida.
A Fiona guardou a comida em algum lugar e ele quer que você pergunte a ela.

Criança: Você guardou a comida onde?

Fiona: Guardei nessas panelas.

(Adaptado de: GROLLA, Elaine.; SILVA, Maria Cristina Figueiredo. Para conhecer
aquisição de linguagem. São Paulo: Contexto, 2014. p. 105-107).

Neste experimento foi possível observar que a criança é capaz de deslocar a palavra
interrogativa para o meio ou fim da sentença.

160 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

Agora, você deve fazer a análise deste experimento e responder às seguintes


questões:

1. Com o que os pesquisadores tiveram de se preocupar quando construíram esta


tarefa?

2. No experimento acima, quais são os personagens?

3. Quantas pessoas participam deste experimento além da criança?

4. Crie mais uma etapa do experimento, levando a criança a fazer uma pergunta à
Fiona.

Lembre-se

As tarefas de produção eliciada levam as crianças a produzirem


determinadas construções gramaticais, caso elas já tenham adquirido ou
desenvolvido este aspecto da linguagem.

Por fim, há uma série de cuidados que um pesquisador deve tomar


quando sua investigação é feita com seres humanos e com crianças.
Você pode retomar em Não pode faltar ou ainda na Resolução 196/1996
do Conselho Nacional da Saúde.

Resolução da situação-problema

Você deve estar se preocupando como é possível fazer uma pesquisa com dados
experimentais. Analisar uma pesquisa já realizada e refletir sobre se ela é um bom
caminho. Veja só algumas possibilidades de resposta para as perguntas desta nova SP:

1. Com o que os pesquisadores tiveram de se preocupar quando construíram esta


tarefa?

Há alguns aspectos essenciais que devem ser observados pelos pesquisadores.


Eles devem obedecer às normas da Resolução 196/1996 do Conselho Nacional da
Saúde, desenvolvendo uma pesquisa que respeite a ética de tratamento dos seres
humanos e a idade das crianças. Devem submeter o plano de ação da pesquisa a
algum Comitê de Ética em Pesquisa e aguardar e respeitar as orientações que vão
receber. Devem cuidar do espaço onde a pesquisa será realizada, bem como com o
tema de tal pesquisa. Os pais devem concordar que seus filhos participem da pesquisa,
bem como as crianças também precisam estar de acordo, já que não devem ser
obrigadas a participar, mesmo que seus pais permitam. O plano de ação deve ser
executado com adultos e crianças mais velhas, para verificar se está adequado à faixa
etária que se pretende investigar. Por fim, o(a) pesquisador(a) deve ter alguns contatos

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 161


U3

com as crianças que participarão do teste, para que haja familiaridade. Você pode
acrescentar outros cuidados!

2. No experimento acima, quais são os personagens?

São dois: Shrek e Fiona.

3. Quantas pessoas participam deste experimento além da criança?

O experimentador que conversa com a criança, o experimentador que manipula


Shrek e o experimentador que manipula Fiona.

4. Crie mais uma etapa do experimento, levando a criança a fazer uma nova
pergunta a Fiona.

Você poderia fazer uma simples continuação, como:

Experimentador: Shrek já comeu, mas agora ficou com sede. Shrek realmente
está com muita sede e gostaria de beber um suco, mas não sabe onde Fiona guardou.
Você é capaz de perguntar a ela?

Faça você mesmo


Muito bem! Vamos exercitar mais? Que tal agora você criar um pequeno
experimento? Sugerimos que trabalhe com uma das possibilidades
das tarefas de compreensão. Você se lembra delas? As tarefas de
compreensão podem ser divididas em Tarefas de Julgamento de Valor de
Verdade (TJVV), Tarefas de Julgamento de Gramaticalidade (TJG), Tarefas
de Encenação (TASK ou ACT) e Tarefas de Escolha de Figura (TEF). Volte
ao Não pode faltar, escolha uma das tarefas e elabore um experimento!
Depois compartilhe com seus colegas!

Faça valer a pena

1. A coleta de dados que guia a produção oral da criança é chamada:


a) Coleta de dados espontâneos.
b) Coleta de dados experimentais.
c) Coleta de dados extraordinários.
d) Coleta de dados esperados.
e) Coleta de dados específicos.

162 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

2. Assinale a alternativa que apresenta como é feita a coleta de dados


experimentais:
a) Através de experimentos preparados por pesquisadores que
promovem a construção de determinadas sentenças gramaticais.
b) Através da fala espontânea, em que a criança não é guiada, pelo
contrário, é apenas estimulada a falar o que quiser.
c) Através de experimentos que a criança cria e sobre o qual ela
comenta posteriormente com os pesquisadores.
d) Através de conjecturas dos pesquisadores, que passaram muito
tempo estudando a aquisição e desenvolvimento da fala infantil.
e) Através de filmagens de crianças que são disponibilizadas na internet,
assim é possível trabalhar com dados fiéis onde não há autorização da
família.

3. Assinale a alternativa que apresenta os dois tipos de métodos utilizados


em estudos experimentais em aquisição e desenvolvimento da linguagem:
a) Tarefa de promoção e tarefa de construção.
b) Tarefa de preparação e tarefa de compreensão.
c) Tarefa de preparação e tarefa de continuação.
d) Tarefa de produção e tarefa de continuação.
e) Tarefa de produção e tarefa de compreensão.

Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil 163


U3

164 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


U3

Referências

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inicial. ReVEL, v. 6, n. 11, ago. 2008. Disponível em: <http://www.revel.inf.br/files/artigos/
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BRASIL. Ministério da Saúde. Resolução 196/1996 do Conselho Nacional da Saúde.
Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/1996/reso196.doc>. Acesso
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166 Aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil


Unidade 4

O contexto comunicativo da
aquisição da linguagem

Convite ao estudo

Caro estudante, seja bem-vindo à Unidade 4!

Percorremos um grande caminho até aqui, não é mesmo? Vimos,


por exemplo, na Unidade 1, os conceitos básicos sobre os estudos da
linguagem, tais como a linguagem animal e a linguagem humana, a
língua, a fala e o signo linguístico, os elementos da comunicação verbal
e as funções de linguagem, bem como aspectos do discurso associados
à ideologia. Na Unidade 2, tratamos das bases teóricas da aquisição da
linguagem, investigando as concepções behaviorista, conexionista, inatista,
cognitivista e sociointeracionista. Na Unidade 3 abordamos a aquisição e o
desenvolvimento da linguagem infantil e as primeiras produções vocais na
infância, a prosódia e a consciência fonológica, a aquisição do léxico e a
composição de sentido, a emergência da sintaxe e a pesquisa com dados
espontâneos e experimentais.

Você deve estar curioso e curiosa para saber como a comunicação vai
se constituindo a partir da convivência da criança com a família, com outras
crianças e com outros adultos. É o que estudaremos nesta unidade.

Para ajudar a aprender sobre contexto comunicativo da aquisição e da


linguagem infantil, vamos propor uma situação da realidade profissional
(SR) que estimule a pesquisa, a reflexão e a aplicação prática dos conceitos
que serão estudados nesta unidade. Esta SR é muito comum no ambiente
profissional e diz respeito ao processo comunicacional de crianças.

Como professor ou professora em uma escola de educação infantil,


U4

muitas vezes somos questionados pelos pais sobre a evolução da


linguagem de seus filhos, os nossos alunos. Próximo à última reunião entre
pais e mestres do semestre, a coordenadora pedagógica da escola em que
você trabalha pediu que você fizesse uma pequena apresentação para os
pais da sua turma de alunos sobre a importância do contexto comunicativo
da aquisição de linguagem de crianças até 3 anos de idade e como a escola
incorpora em sua forma de interagir com as crianças os conceitos e teorias
relacionados ao estudo e caracterização desse contexto. Em cada seção
desta unidade você receberá um desafio para compor esta apresentação.

Na Unidade 4, última unidade que compõe este livro, o objetivo é


tomar contato com o contexto comunicativo da aquisição e da linguagem
infantil, de forma a compreender como ocorre a linguagem na interação
criança e o adulto cuidador; conhecer e refletir sobre o uso afetivo, lúdico,
prático, representativo e dialético da linguagem infantil e, por fim, investigar
o processo de interação comunicacional da criança com outras crianças e
com os adultos.

Parabéns por chegar até aqui, você pode se considerar na etapa final!

168 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


U4

Seção 4.1

A fala da mãe (ou figura de mãe) com a criança


Diálogo aberto

Muito bem! Chegamos ao primeiro desafio da situação da realidade profissional (SR).


Como você viu anteriormente, a coordenadora pedagógica da escola em que você
trabalha pediu que você fizesse uma apresentação sobre o contexto comunicativo
da aquisição de linguagem de crianças até 3 anos de idade, para ser apresentada na
próxima reunião de pais e mestres.

Esta apresentação não deve ser muito longa, pois ela deve ocupar apenas uma
parte da reunião de pais e mestres. Nessa primeira parte da apresentação, você se
dedicará a explicar o que são os primeiros estímulos relacionados à linguagem (input),
a sua importância e o seu funcionamento para a aquisição e desenvolvimento da
linguagem.

Portanto, o desafio inicial é elaborar três primeiros slides da apresentação que será
realizada no dia da reunião de pais e mestres (estes slides podem ser feitos em um
programa de apresentações eletrônicas, no próprio editor de texto ou até no formato
de três pequenos cartazes).

Cada slide terá uma proposta diferente:

1º. – apresentação do título (escolha um título criativo e significativo!) e da autoria


desta apresentação (é você, coloque seu nome!).

2º. – como a linguagem que a mãe (ou figura de mãe) emprega ao cuidar do bebê
influencia a aquisição e desenvolvimento da linguagem e como a escola age com
relação a esta situação.

3º. – como os inputs linguísticos estimulam a aquisição e desenvolvimento da


linguagem e como a escola age nesta situação.

Lembre-se de que o formato de apresentação organizado em slides não é adequado


para o desenvolvimento de grandes textos dissertativos, portanto, procure utilizar
esquemas ou frases de impacto que possam organizar logicamente sua apresentação.

Nesta seção, estudaremos especificamente fala da mãe (ou figura de mãe) com a

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 169


U4

criança. Os objetivos propostos são:

- Compreender como se dá o processo de aquisição e linguagem da criança a


partir da interação da mãe (ou figura de mãe) com a criança;

- Conhecer o processamento de inputs linguísticos no processo de aquisição e


desenvolvimento da linguagem.

Cada objetivo encerra o conteúdo de cada um dos slides que você preparará.
Agora, mãos à obra e bons estudos!

Não pode faltar


Você já parou para pensar que uma criança inicia o processo de aquisição e
desenvolvimento de linguagem ainda muito pequena porque ela tem como objetivo
se comunicar conforme os adultos ou crianças mais velhas fazem? Já pensou que
a linguagem de uma criança cresce exponencialmente em função da língua-meta?
Pois bem, uma das formas de estudar a aquisição e o desenvolvimento da linguagem
infantil é observar como a língua é usada pelas pessoas que são próximas dos bebês
e das crianças. Esta é uma investigação importante, pois a principal forma de uma
criança conhecer a língua falada em sua comunidade é obter informações a partir dos
enunciados orais dirigidos a ela por adultos ou crianças mais velhas.

Vocabulário
Língua-meta: a criança, imersa em um contexto social, está exposta à
língua praticada pelos integrantes da família ou dos adultos que cuidam
dela. Desta forma, é esta língua que a criança procura compreender e
empregar. A língua-meta (meta = objetivo) é aquela que a criança irá
desenvolver em função do contexto social ao qual pertence.

Um fato curioso é que os adultos tendem a falar com crianças de forma muito
diferente da que falam com adultos. Já percebeu isso? Os adultos não têm o hábito
de comentar com as crianças as complexidades da vida, por exemplo, a forma de
se calcular juros compostos na parcela do carnê. Também não esperam que elas
tenham capacidade de compreender longas explicações. Além disso, é comum
empregar expressões mais fortes, como grandes exaltações quando algo que a
criança faz nos agrada, por exemplo: “Nossaaaaa!!!! Que GRANDE e LINDO SORRISO
você deu agora!!!!!”. Muitos adultos empregam um vocabulário especial quando falam
com crianças, por exemplo: “Que gudi-gudi do titio!!!”.

O conjunto de habilidades que o adulto emprega ao se dirigir oralmente de forma


diferenciada à criança recebeu o nome de “maternês”. Você deve ter percebido que

170 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


U4

este nome é dado em função da interação entre a mãe e a criança nos primeiros
tempos de vida do bebê. Você também encontrará este conjunto de habilidades com
o nome de “maternalês”, “manhês” e “motherese” (em inglês).

Maternês é uma forma de falar que os adultos empregam ao dirigirem-se a bebês


e crianças pequenas, principalmente a pessoa que cuida da criança mais diretamente
(normalmente a mãe mesmo). São vocalizações claras, reforçando cada som e
repetindo o que diz, deixando a linguagem descomplicada e permitindo que as
crianças escutem várias vezes. Esta forma de falar é muito atrativa para os bebês e é
realizada durante um tempo adequado para que eles adquiram a linguagem.

Normalmente, o maternês é acompanhado de contatos físicos e visuais, cuidados,


atenção e carinho, o que se torna uma espécie de estimulo para o bebê se interessar
pela língua-meta. Quando o bebê faz suas primeiras vocalizações, ele costuma ser
recompensado com carinhos, respostas orais, olhares e estímulos da pessoa que com
ele estão no momento. Ou seja, mais maternês.

Reflita
A concepção mais aceita sobre a aquisição e desenvolvimento da
linguagem é a concepção inatista, desenvolvida por Noam Chomsky
(Seção 2.2 deste livro didático). Para Chomsky, a linguagem é uma
capacidade biológica humana, inata, de forma que os seres humanos
possuem uma prontidão natural para desenvolver a língua da comunidade
onde estão inseridos. Porém, ao avançar nas pesquisas sobre aquisição
e desenvolvimento da linguagem infantil, principalmente a partir de
1970, começou-se a perceber que as experiências sociais possuem forte
influência neste processo. Ainda que a concepção sociointeracionista
(estudada na Seção 2.4) não seja exclusivamente aceita, sua contribuição
não pode mais ser minimizada.

O debate entre defensores da concepção inatista e da concepção sociointeracionista


estimulou a descoberta de características específicas da fala “maternês”:

- A pessoa que cuida da criança (mãe ou figura de mãe) tende a enfatizar as palavras
mais importantes da frase, facilitando assim a compreensão da criança.

Assimile
É importante compreender que nem sempre a mãe biológica é a pessoa
que pode cuidar da criança. Pode ocorrer que esta criança seja adotada
por uma nova família, pode ser que a mãe esteja impossibilitada de cuidar
da criança, pode ser que a mãe tenha que trabalhar a maior parte do tempo
e deixou a criança sob os cuidados de outra pessoa. Chamamos de figura

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 171


U4

de mãe aquela pessoa que passa a maior parte do tempo cuidando da


criança quando a mãe não está ocupando esse lugar. Assim, uma avó que
cuida do neto é compreendida como “figura de mãe”. O pai que cuida da
criança a maior parte do tempo enquanto a mãe trabalha ocupa o lugar
de “figura de mãe”. Como figura de mãe, podemos ter a babá, a madrasta,
um irmão mais velho ou qualquer outra pessoa que está no lugar da mãe
durante a maior parte do tempo. Assim, sempre que você ler MÃE, deverá
compreender que este papel pode ser representado por alguém no lugar
de FIGURA DE MÃE.

- A fala também é sintaticamente mais simples, ou seja, as frases utilizadas são


curtas e objetivas.

- O vocabulário e a complexidade das frases são propositalmente simplificados.

- O maternês é restrito a comunicações rápidas e relacionadas ao momento, em


geral não se faz menção ao passado nem projeções futuras.

- A forma de comunicação empregada pela mãe com a criança tem um forte


componente de interação, isto é, a comunicação é construída de forma a estimular a
interação da criança no processo.

Exemplificando
Observe este exemplo. Imagine uma mãe ou mesmo uma berçarista se
dirigindo a um bebê: “O bebê está feliz? Tá feliz? Tá feliz sim!!!”. Imagine
a entonação que a pessoa adulta utiliza ao se dirigir à criança. Pois bem,
agora, observe os marcadores acima: algumas palavras tendem a ser
enfatizadas (“bebê” e “feliz”, posteriormente o “sim”); a frase é simples;
o vocabulário é simples; a comunicação é rápida e trata do estado da
criança no presente; o fato de se dirigir diretamente à criança provocará
algum tipo de resposta da criança (uma agitação das pernas, um arrulho,
um sorriso – serão compreendidos como interação).

Após iniciar uma comunicação com o bebê, a mãe tende a esperar uma
resposta, e isso ocorre através de gestos, expressões faciais, balbucio, vocalizações
simples, agitação das pernas e/ou braços, arrulhos. Estas respostas são facilmente
compreendidas pelo adulto que está interagindo com o bebê e isso propicia que se
estabeleça um tipo de conversa. Em dado momento, o bebê desenvolve a capacidade
de dar respostas com vocalizações simples, bastante aceitas pelos adultos. Chamamos
este período de protoconversação ou protolinguagem.

A interação entre adulto e criança é fundamental para o desenvolvimento da


linguagem infantil. Essa interação representa um sistema dinâmico, pois a comunicação

172 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


U4

é influenciada por ambos os participantes: adulto e criança. A oportunidade precoce


de interação da com a criança estabelece muito do que pode ser aprendido em
termos de desenvolvimento da linguagem posteriormente.

O adulto representa o papel de pessoa mais experiente na zona de desenvolvimento


proximal (ZDP), proposta por Vygotsky. Você já estudou sobre isso? A ZDP é a
capacidade de a criança funcionar em dois níveis: o nível real (onde a criança emprega
habilidades pessoais já plenamente desenvolvidas) e o nível proximal (onde a criança
emprega habilidades que ainda não foram totalmente desenvolvidas com a ajuda
de um adulto mais experiente). Ou seja, a presença de uma mãe ajuda a criança a
estruturar as habilidades que estão em estágio de desenvolvimento proximal (aquilo
que a criança não faz sozinha, sem a ajuda de uma pessoa mais experiente), de forma
que em pouco tempo essas habilidades se fortaleçam no nível de desenvolvimento
real da criança (aquilo que ela faz sem a ajuda de outra pessoa mais experiente).

Pesquise mais
Para conhecer a fundo a pesquisa de Vygotsky, sua explicação sobre o
processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem, bem como a
definição de zona de desenvolvimento proximal, recomendamos a leitura
do livro:

VYGOTSKY, Lev Semenovich. Pensamento e linguagem. São Paulo:


Martins Fontes, 2008.

É praticamente impossível que uma criança desenvolva a linguagem humana


sem os devidos amparos e estímulos sociais (veja o que estudamos na Seção 1.1 e os
exemplos das crianças perdidas e criadas por outros animais).

Na interação entre mãe e criança, a pessoa mais experiente promove o que


chamamos de “edificação da fala”, ou seja, responde ao enunciado produzido pela
criança de forma a encorajá-la e instruí-la a usar a linguagem de forma cada vez mais
elaborada léxica e sintaticamente. Conforme a criança vai adquirindo e desenvolvendo
a linguagem, a mãe retira gradualmente seu apoio.

Enfim, observa-se que as informações e experiências linguísticas as quais as


crianças são expostas desde muito cedo são extremamente importantes para a
aquisição e desenvolvimento da linguagem infantil. Desde que nasce, o bebê está
imerso em um mundo social, cheio de ruídos, sons ambientes, falas, risadas, choros,
músicas, além dos sons de seu próprio corpo. O conjunto de todas essas informações
que estão disponíveis e são captadas pelo sistema auditivo do bebê recebe o nome
de input. Um input linguístico refere-se aos insumos proporcionados à criança nos
momentos em que ela está em contato com a linguagem humana. Esses insumos
podem ser entoacionais, lexicais, sintáticos, semânticos, culturais e incluem também

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 173


U4

as informações sobre a própria linguagem, sobre a língua e ambas na cultura do grupo


social.

Há uma característica do input que certamente ajuda a criança a desenvolver


a linguagem, que é a contingência da fala materna, ou seja, o fato de a mãe
responder imediatamente com uma vocalização ou expressão quando a criança
emite vocalizações, favorece o estabelecimento e manutenção de uma “conversa”,
ajudando, portanto, na aquisição da linguagem pela criança.

Outras características do input que favorecem a aquisição e desenvolvimento da


linguagem infantil são:

- apresentar feedback à criança: dar um feedback de repetição (quando o adulto


repete a fala da criança corrigindo, modificando ou enriquecendo) permite à criança
refletir sobre seu comportamento linguístico e reinterpretá-lo, de forma a aproximá-lo
cada vez mais da fala do adulto. Já o feedback de expansão ou reformulação (quando
o adulto insere elementos faltantes na comunicação ou oferece à criança versões
corrigidas ou alternativas parar suas emissões) permite que a criança preencha as
lacunas de sua aprendizagem com novos elementos comunicacionais empregados
na linguagem dos adultos.

- fazer solicitações à criança para que tente falar ou reformular a fala.

- sintonia entre mãe e criança durante a conversa.

- atenção conjunta: momento em que mãe realiza alguma tarefa junto com a
criança, como brincar ou jogar.

Por outro lado, ausência de feedback de reformulações parece ser um fator que
inibe ou atrasa a aquisição da linguagem. Da mesma forma, os inputs linguísticos
relacionados à diretividade (ordens, comandos, instruções) usados em exclusividade
ou em demasia podem vir a ocasionar atraso ou dificuldade na aquisição e
desenvolvimento da linguagem.

Assim, observa-se que os estilos linguísticos presentes na interação mãe e criança


contribuem para que a criança adquira e desenvolva a linguagem.

Assimile
Maternês é uma forma específica de interação linguística que ocorre entre
a criança e o adulto que cuida dela. Normalmente, este adulto é a própria
mãe (mas pode ser qualquer pessoa que ocupe o lugar de mãe), de onde
deriva o nome do conjunto de características empregadas especialmente
em dado momento do desenvolvimento infantil, favorecendo de forma
implícita ou explícita a aquisição e desenvolvimento da linguagem.

174 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


U4

Junto com um linguajar específico, o maternês costuma ser associado a


cuidados, carinhos, estímulos, atenção, olhares intensos.

Há falas específicas (inputs linguísticos) que estimulam o desenvolvimento


da linguagem, como os feedbacks, e há falas que causam o efeito
contrário, assim como a falta de interação linguística entre a mãe também
proporciona atraso ou inibição na aquisição e desenvolvimento da
linguagem infantil.

Você percebeu como este estudo é riquíssimo? Agora, de posse desse novo
conhecimento, você já pode resolver o desafio proposto nesta seção. Vamos lá?

Sem medo de errar


Muito bem! Agora você tem os elementos necessários para resolver a primeira
situação de aprendizagem desta unidade. Na situação da realidade profissional, a
coordenadora pedagógica da escola em que você trabalha solicitou que você fizesse
uma breve apresentação para os pais dos alunos de sua turma, explicando como
ocorre o processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem de crianças até 3
anos de idade.

Agora é hora de juntar os conhecimentos e elaborar os três primeiros slides desta


apresentação. Lembre-se de que você pode usar outros instrumentos para fazer sua
apresentação, como pequenos cartazes, o próprio editor de texto, flip-chart, entre
outros. Verifique os recursos disponíveis e o que é mais adequado à situação.

Aqui você encontrará algumas sugestões e orientações para desenvolver a situação-


problema. Tenha sempre em mente que você é uma pessoa criativa e pode escolher
outra forma de fazer a apresentação.

Um bom caminho para iniciar a atividade é relacionar os cuidados iniciais da mãe


(ou da pessoa que ocupa esse lugar) e a aquisição e o desenvolvimento da linguagem
a partir desta interação. Lembre-se de mencionar que nem sempre é a mãe que pode
passar mais tempo com a criança, então, a figura de mãe pode ser ocupada por um
irmão mais velho, pelo pai, pela madrasta, pelos avós e outros.

O primeiro slide (ou outro recurso) deve conter apenas um título para a sua
apresentação e o seu nome. Você pode colocar uma imagem relacionada a aspectos
da interação linguística entre um adulto e uma criança (ou bebê). Você também pode
escolher um outro elemento sugestivo, como um brinquedinho de bebê ou o trecho
de uma cantiga. Tome cuidado para não banalizar seu trabalho, escrevendo BLÁ-BLÁ-
BLÁ ou colocando uma imagem de criança chorando, por exemplo. Lembre-se de
apontar a referência de onde retira a imagem e os trechos.

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 175


U4

Agora você deve estar se perguntando como introduzir o assunto do segundo slide
(ou outro recurso), que trata da linguagem que a mãe (ou figura de mãe) emprega
com o bebê.

Atenção
A partir desse momento, é muito importante você se referir sempre à mãe
acompanhando sua fala da figura de mãe. Lembre-se que hoje as mães
trabalham muito e às vezes a criança é cuidada a maior parte do tempo
por uma avó, por um professor ou professora, mas pode ser também pelo
pai ou um cuidador. Reforce que, mesmo havendo a figura de mãe, esta
pessoa nunca ocupará o lugar da mãe, apenas é a pessoa que tem mais
contato com a criança naquele momento.

É muito simples. Se você mostrar uma imagem de alguns bebês (represente a


diversidade!), automaticamente as pessoas começam a falar de uma forma apropriada
à criança. Isso pode ser muito divertido e você pode aproveitar para colocar algumas
palavras significativas nesse segundo slide para ajudá-lo(a) a apresentar as características
do maternês, tais como: ênfase nas palavras mais importantes, simplicidade na fala,
falas curtas relacionadas ao momento e interação.

Já o terceiro slide pode ser composto de um detalhamento das palavras significativas


já mencionadas, onde você pode apresentar ou solicitar exemplos relacionados à
contingência, feedback, solicitações, sintonia e atenção conjunta.

Viu como ficou mais simples? Para aprofundar seus conhecimentos, faça a leitura
do material sugerido, tanto no livro didático quanto na webaula. E bom trabalho!

Avançando na prática

Interação

Descrição da situação-problema

Cabeça, ombro, joelho e pé (Head, shoulders, knees & toes) – M. Cook/J. Fatt/ A.
Field/ G. Page

Versão Vanessa Alves

176 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


U4

Cabeça, ombro, joelho e pé Olhos, ouvidos, boca e nariz Hum e hum


Joelho e pé Hum, hum, hum e pé Hum, hum, hum e hum
Cabeça, ombro, joelho e pé Joelho e pé Hum e hum
Joelho e pé Hum, hum, hum e hum Hum, ouvidos, boca e nariz
Olhos, ouvidos, boca e nariz Joelho e pé Hum, hum, hum e hum
Cabeça, ombro, joelho e pé Hum, hum, hum e hum Hum e hum
Joelho e pé Joelho e pé Hum, hum, hum e hum
Hum, ombro, joelho e pé Olhos, ouvidos, boca e nariz Hum e hum
Joelho e pé Hum, hum, hum e hum Hum, hum, hum e hum
Hum, ombro, joelho e pé Joelho e pé Hum e hum
Joelho e pé Hum, hum, hum e hum Hum, hum, boca e nariz
Olhos, ouvidos, boca e nariz Hum e pé Hum, hum, hum e hum
Hum, ombro, joelho e pé Hum, hum, hum e hum Hum e hum
Joelho e pé Hum e pé Hum, hum, hum e hum
Hum, hum, joelho e pé Olhos, ouvidos, boca e nariz Hum e hum
Joelho e pé Hum, hum, hum e hum Hum, hum, hum e hum
Hum, hum, joelho e pé Hum e pé Hum e hum
Joelho e pé Hum, hum, hum e hum Hum, hum, hum e hum
Olhos, ouvidos, boca e nariz Hum e hum Hum, hum, hum e hum
Hum, hum, joelho e pé Hum, hum, hum e hum Hum e hum
Joelho e pé Hum e hum
Hum, hum, hum e pé Olhos, ouvidos, boca e nariz
pé Hum, hum, hum e hum
Hum, hum, hum e pé Hum e hum
pé Hum, hum, hum e hum

Cantar é uma prática muito comum no maternês. Em geral, adultos adoram cantar
para crianças, que, por sua vez, adoram ouvir entonações diferentes, alegram-se e
acalmam-se. A música citada - uma conhecida música infantil (Cabeça, ombro, joelho
e pé) - costuma ser cantada com gestos (apontando ou tocando a parte do corpo
mencionada) para crianças com mais de 1 ano. Para crianças menores, os adultos
costumam tocar na parte do corpo mencionada ou levar a mãozinha do bebê até
as partes do corpo, conforme cantam a música. Leia a música atentamente e faça
uma associação com os assuntos estudados nesta seção. Focalize particularmente o
maternês e os inputs linguísticos.

Lembre-se

A tradução da palavra inglesa input para o português é “entrada”. Um bebê


ou uma criança convive com sons do ambiente, falas, cantigas, risadas, sons
do seu próprio corpo, choros, entre outros, dirigidos especificamente ao
bebê ou não. Todos os sons são captados pelo bebê, os sons linguísticos
são “entradas” linguísticas ou inputs linguísticos.

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 177


U4

Resolução da situação-problema

O maternês possui algumas características, possíveis de serem associadas à música


em questão. Vejamos:

• A música é propícia à ênfase de palavras principais, que são as partes do corpo.

• A música possui frases simples, curtas e objetivas, bem como o vocabulário e


a complexidade do tema.

• A comunicação é rápida e trata de uma situação presente, que é a descoberta


do próprio corpo.

• Há um forte componente de interação entre a mãe e o bebê, pois o cantar


dirigido é realizado sempre de forma próxima.

• Por fim, esta música, especificamente, sugere um forte um contato físico,


suave e carinhoso, entre mãe e bebê.

Do ponto de vista do input linguístico, temos:

• Feedback: o adulto repete um conjunto de palavras por várias vezes, o que


permite ao bebê ou criança refletir sobre o comportamento linguístico e interpretá-lo.

• A mãe estimula o bebê a tocar a parte do corpo enquanto canta ou, no caso
de bebês mais velhos, estimula a repetição das palavras principais.

• Durante o cantar, ocorre a sintonia entre mãe e bebê.

• Cantar para um bebê é um exemplo de atenção conjunta, tal como brincar


ou jogar.

Faça você mesmo


Muito bem, agora é a sua vez! Localize uma música infantil ou um jogo
infantil com o(a) qual seja possível relacionar o maternês e apresente a
forma como ocorre o input linguístico.

Faça valer a pena


1. Analise a relação abaixo e atribua M(aternês) às características que
são associadas ao conjunto de habilidades linguísticas que os adultos
empregam para favorecer a aquisição e desenvolvimento da linguagem
infantil e I(nput) para as características do input linguístico que também
favorecem a aquisição e desenvolvimento da linguagem:

178 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


U4

1) Vocabulário especial.
2) Vocalizações claras.
3) Contingência da fala materna.
4) Atenção conjunta.
5) Repetição do que diz.
6) Fazer solicitações à criança para que tente falar.
7) Sintonia entre mãe (ou figura de mãe) e criança.
8) Frases curtas e objetivas.
9) Apresentar feedback à criança.
10) Atenção conjunta.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta de M e I.


a) 1M, 2M, 3M, 4M, 5M, 6I, 7I, 8I, 9I, 10I
b) 1I, 2I, 3I, 4I, 5I, 6M, 7M, 8M, 9M, 10I
c) 1I, 2I, 3I, 4I, 5I, 6M, 7M, 8M, 9M, 10M
d) 1M, 2I, 3M, 4I, 5M, 6I, 7M, 8I, 9M, 10I
e) 1M, 2M, 3I, 4I, 5M, 6I, 7I, 8M, 9I, 10I

2. Leia o trecho a seguir, retirado do livro didático: “Você já parou para


pensar que uma criança inicia o processo de aquisição e desenvolvimento
de linguagem ainda muito pequena porque ela tem como objetivo se
comunicar conforme os adultos ou como as crianças mais velhas fazem?
Já pensou que a linguagem de uma criança cresce exponencialmente em
função da língua-meta? Pois bem, uma das formas de estudar a aquisição
e o desenvolvimento da linguagem infantil é observar como a língua é
usada pelas pessoas que são próximas dos bebês e das crianças. Esta
é uma investigação importante, pois a principal forma de uma criança
conhecer a língua falada em sua comunidade é obter informações a partir
dos enunciados orais dirigidos a ela por adultos ou crianças mais velhas.”
Assinale a alternativa que corresponde ao significado de “língua-meta”:
a) Língua portuguesa.
b) Língua inglesa.
c) Uma língua inespecífica.
d) A língua que o adulto usa.
e) O esperanto.

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 179


U4

3. Assinale a alternativa que traz o nome atribuído ao conjunto de


habilidades que o adulto emprega ao se dirigir oralmente de forma
diferenciada à criança:
a) Maternês.
b) Língua-meta.
c) Manhoso.
d) Linguagem mágica.
e) Linguagem técnica.

180 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


U4

Seção 4.2

Funções da linguagem aplicada à aquisição (1ª


parte)

Diálogo aberto

Muito bem! Iniciamos a Seção 4.2, que vai estudar parte das funções da linguagem
aplicada à aquisição da linguagem. Esta seção tem como objetivo conhecer os usos
afetivo, lúdico e prático da linguagem, especialmente no contexto da linguagem
infantil.

Assim, para apoiar o desenvolvimento da sua aprendizagem, você resolverá a


segunda situação-problema. Como já visto anteriormente na situação da realidade
profissional (SR) desta unidade, a coordenadora pedagógica da escola em que você
trabalha pediu que você fizesse uma apresentação sobre o contexto comunicativo
da aquisição de linguagem de crianças até 3 anos de idade, para ser apresentada na
próxima reunião de pais e mestres.

Esta apresentação não deve ser muito longa, pois deve ocupar apenas uma parte
da reunião de pais e mestres. Você já desenvolveu o início dessa apresentação e agora
fará mais uma parte.

Desta forma, a segunda situação-problema é elaborar mais três slides da


apresentação que será realizada no dia da reunião de pais e mestres (estes slides
podem ser feitos em um programa de apresentações eletrônicas, no próprio editor de
texto ou até no formato de três pequenos cartazes).

Cada slide terá uma proposta diferente:

4º. – explicar o que é e como ocorre o uso afetivo da linguagem.

5º. – explicar o que é e como ocorre o uso lúdico da linguagem.

6º. – explicar o que é e como ocorre o uso prático da linguagem.

Você não precisa apresentar os slides na ordem sugerida, pode invertê-los, mas
deve se certificar de que os três slides estejam presentes na apresentação.

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 181


U4

Lembre-se de que o formato de apresentação organizado em slides não é adequado


para o desenvolvimento de grandes textos dissertativos, portanto, procure utilizar
esquemas ou frases de impacto que possam organizar logicamente sua apresentação.

Faça a leitura do livro didático, leia as indicações sugeridas na webaula bem como
pesquise mais sobre o assunto.

Sua apresentação e sua aprendizagem serão enriquecidas!

Agora, mãos à obra e bons estudos!

Não pode faltar


Nesta seção, você aprenderá sobre as funções da linguagem aplicada à aquisição,
o que é diferente do contexto das funções de linguagem estudadas na Seção 1.3 -
Funções da linguagem. Na Seção 1.3, as funções de linguagem foram descritas no
contexto de comunicação verbal, quando os envolvidos em uma comunicação já
possuem conhecimento mais aprofundado da língua e da linguagem e já as empregam
de forma cotidiana em processos comunicacionais intencionais.

Vamos tratar aqui de aspectos específicos do processo de aquisição da linguagem


e como as funções afetiva, lúdica e prática aparecem no processo de aquisição. É
igualmente importante compreender que a aquisição da linguagem passa por algumas
fases, de forma que a criança vai evoluindo nesse processo. Como vimos na seção
anterior, a abordagem inatista representou muito claramente o processo de aquisição
e desenvolvimento da linguagem infantil e foi aceita amplamente no meio acadêmico
por explicar que possuímos uma tendência (uma capacidade) inata para desenvolver
a linguagem do grupo social no qual estamos imersos. Porém, com a realização de
estudos científicos envolvendo bebês e crianças em situação real, se tornou evidente
que a interação social tem papel preponderante no desenvolvimento da linguagem da
criança, inclusive com uma prática linguística diferenciada realizada pelos adultos que
cuidam diretamente da criança, conhecida como maternês.

A interação social é o conceito chave da concepção sociointeracionista da


aquisição e desenvolvimento da linguagem. Esta concepção, desenvolvida por
Vygotsky, defende que os seres humanos possuem um nível de desenvolvimento real,
correspondendo àquilo que o indivíduo já sabe e consegue executar sozinho, sem
a ajuda de outras pessoas. Porém, existe um outro nível próximo ao real, chamado
zona de desenvolvimento proximal (ZDP), no qual o indivíduo consegue realizar
algumas atividades, desde que seja orientado ou apoiado por um outro indivíduo mais
experiente nesse contexto. No caso da linguagem, a concepção sociointeracionista
aponta que quando pessoas utilizam a linguagem verbal para dirigir-se a um bebê, atua
diretamente na ZDP deste bebê, que aos poucos vai adquirindo e desenvolvendo a
linguagem do grupo social, por ouvir e tentar interagir com as pessoas ao redor.

182 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


U4

Porém esse processo não é tão simples. O bebê não compreende imediatamente
o que lhe é dito, ao mesmo tempo que não possui as estruturas fonológicas
amadurecidas o suficiente para iniciar uma comunicação. Essas estruturas
amadurecem com o tempo, assim como a compreensão sobre a linguagem, que
com o passar do tempo, fica mais clara para o bebê. Inicialmente, as manifestações
do bebê não podem ser compreendidas claramente pelo adulto, que acaba
interpretando essa fala. Desta forma, dizemos que, até certo momento, a fala da
criança é “externa”. O que queremos dizer com isso? Até por volta dos 16 meses de
idade, a fala da criança é interpretada pelos adultos que a acompanham. Podemos
dizer, inclusive, que a influência da linguagem é feita do social – por isso externa
– para o intrapsíquico, ou seja, até que a criança fale de forma inteligível para os
adultos, são os adultos que darão o sentido para a fala da criança.

Exemplificando
Se a criança balbucia “Bá Bá Bá” ela pode ter uma intenção comunicacional,
ela pode estar solicitando ser pega no colo, por exemplo. Porém, o adulto
pode interpretar que ela está pedindo a chupeta e dar a chupeta a ela. Assim,
a criança que possuía uma intenção comunicacional prévia “aprende” que
quando falar “Bá Bá Bá” ganhará a chupeta. Embora a criança não tenha a
sua intenção atendida, o fato de receber a chupeta traz conforto suficiente
para que aceite a conduta do adulto. Desta forma, entendemos que a
compreensão externa acaba determinando a fala da criança.

Porém, em dado momento, a intenção comunicativa da criança começa a ser


mais refinada, e ela começa a refletir (ainda que não tome consciência imediata)
sobre a forma de se comunicar para ter sua necessidade ou solicitação atendida.
Ou seja, ela começa a refletir sobre a linguagem, sobre a língua e sobre a intenção
comunicacional antes de verbalizar e durante a verbalização.

A aquisição e o desenvolvimento da linguagem infantil vai ocorrer a partir dos


usos (funções) que o bebê (e posteriormente, a criança) faz da linguagem. Podemos,
então, distinguir os seguintes usos da linguagem: a) uso afetivo; b) uso lúdico; c) uso
prático; d) uso representativo; e) uso dialético. Os três primeiros serão tratados nesta
seção e os dois últimos, na seção seguinte.

Estes usos não surgem de forma concomitante. Não aparecem ao mesmo


tempo. O uso afetivo da linguagem é o mais primitivo no desenvolvimento da
linguagem da criança. Ele precede o uso lúdico e o uso lúdico precede o uso prático.
Posteriormente surgem os outros dois.

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 183


U4

Pesquise mais
No livro indicado seguir, Inês Sim-Sim desenvolve temas marcantes, como
capacidade de aprendizagem, cognição, comunicação, desenvolvimento
da criança e da linguagem bem como psicolinguística e psicologia da
criança. Você encontrará várias menções aos usos afetivo, lúdico e prático
da linguagem.

SIM-SIM, Inês. Desenvolvimento da linguagem. Lisboa: Universidade


Aberta, 1998.

Não podemos deixar de lado o importante papel do “maternês”. Maternês é uma


forma de falar que os adultos empregam ao se dirigirem a bebês e crianças pequenas,
principalmente a pessoa que cuida da criança mais diretamente (normalmente a
mãe mesmo). São vocalizações claras, reforçando cada som e repetindo o que diz,
deixando a linguagem descomplicada e permitindo que as crianças escutem várias
vezes. Essa forma de falar é muito atrativa para os bebês e é realizada durante um
tempo adequado para que eles adquiram a linguagem. Estudamos isso na seção
anterior.

Assimile
Normalmente, o maternês é acompanhado de contatos físicos e visuais,
cuidados, atenção e carinho, o que se torna uma espécie de estimulo para
o bebê se interessar pela linguagem-meta. Assim, o maternês estimula
a criança a adquirir e desenvolver os usos afetivo, lúdico e prático da
linguagem.

O uso afetivo da linguagem é o uso inicial e também acaba sendo o mais


consolidado pela criança. Trata especificamente da expressão das emoções, que
ocorre de forma espontânea e se caracteriza pelas verbalizações, pelos gestos e
expressões que acompanham a expressão de emoções.

Você perceberá o uso afetivo da linguagem quando ocorrer:

a) Modulação de voz – a voz se modifica de acordo com a mensagem a ser


transmitida, modificando a altura, o volume, a intensidade e/ou a velocidade.

b) Uso espontâneo de exclamações (!!!!!) e interjeições (“oh!”, “ah!”, “Meu Deus!”)


e uso de insultos, xingamentos.

c) Ênfase em termos predicativos (“A boneca está TRISTE!!!!”) e

d) Agramatismo (ocorre quando trocamos termos na frase devido ao alto


grau de emoção, por exemplo: ao invés de dizer “O brinquedo quebrou”, a criança

184 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


U4

diz emocionada e chorando: “O brinquedo é desmontado!!!! O brinquedo é


desmontadoooo...”.

O uso da linguagem afetiva é mais amplo que a linguagem verbal, pois inclui a
gesticulação do corpo e as expressões faciais que acompanham a verbalização. O
termo “afetivo” é empregado na linguagem acadêmica e científica como a expressão e
controle das emoções, portanto, estamos tratando aqui de sensações internas, como
medo, alegria, tristeza, dor, excitação, entre outras.

Veja que o uso afetivo da linguagem está presente desde as primeiras emissões vocais
da criança, por isso dizemos que é o uso mais primitivo da linguagem. O choro, por
exemplo, é um uso afetivo da linguagem, bem como os gritinhos de alegria ou de cólica.

Já o uso lúdico está vinculado às manifestações de satisfação, calma e


experimentação. De certa forma associa-se também ao uso afetivo, porém, há um
aspecto diferenciado, que é o aspecto da intencionalidade que ocorre quando o bebê
quer aproximar sua linguagem da linguagem do adulto. Lembra-se da prosódia? É
isso mesmo, a prosódia pode ser considerada como uso lúdico da linguagem. Estas
emissões caracterizam-se por repetições ritmadas, conforme encontramos no
balbucio e no balbucio reduplicado.

No uso lúdico da linguagem, a criança realiza emissões sonoras e escuta a si


mesma, sentindo prazer nesse circuito. Quando o balbucio começa se cristalizar, isto
é, a criança passa a repetir a mesma sílaba sequencialmente, dizemos que o balbucio é
reduplicado (“BÁ BÁ BÁ BÁ”). Isso mostra estruturação, e esse circuito passa a ter função
de jogo quando a repetição se torna palilálica (brincadeira com sílabas próximas, como
BÁ BÁ PÁ PÁ, enquanto bebê e, posteriormente, com palavras: boneca-bochecha-
bolacha...).

Outro momento em que aparece a função lúdica da linguagem é quando o bebê


começa a apontar objetos aleatoriamente e o adulto passa a falar o nome de um
por vez. Você já viu ou já participou de uma vivência como esta? Um adulto com
uma criança pequena nos braços que vai apontando para uma coisa de cada vez,
esperando que o adulto diga o nome do objeto apontado? O bebê ainda não tem
estrutura para adquirir as palavras faladas pelo adulto. A ludicidade de apontar e ouvir a
palavra é o aspecto mais significativo no momento.

Assim que a criança compreende o uso representativo da linguagem, ou seja,


compreende que tudo pode ser representado por uma palavra ou conjunto de palavras,
ela inicia um outro percurso lúdico, normalmente sozinha: começa a encadear
fonemas sem sentido, apenas pela ludicidade de pronunciá-los. Pode, inclusive,
formar frases sem significação. Pode usar palavras atribuindo-lhes outro sentido e
formando frases incoerentes (“Zim zanzim, zanzeca, zecacaca”, por exemplo). O que
motiva isso? Aparentemente, a experimentação com características de diversão, ou
seja, puramente lúdica.

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 185


U4

Por fim, temos o uso prático da linguagem, que funciona como um facilitador do
processo de ação da criança, durante a aquisição da linguagem. Trata-se de chamados,
ordens, orientações, concordâncias, censuras, desculpas, indicações de objetos ou
de gestos, queixas de si para si, os esforços, fracassos e sucessos que ocorrem no
momento em que as crianças brincam ou interagem com outras crianças e com
adultos. É um uso da linguagem muito comum.

Podemos considerar que o período holofrásico (aquele em que a criança é capaz


de sintetizar uma frase em uma única palavra) já introduz o uso prático da linguagem.
Você se lembra do que é uma holófrase? Tratamos disso na Seção 3.2 – Estágios de
desenvolvimento da linguagem II. O período holofrásico ocorre entre 12 e 18 meses de
vida, quando o desenvolvimento da linguagem passa por um processo de refinamento,
pois a criança começa a pronunciar as primeiras palavras, que, normalmente, nomeiam
objetos e pessoas comuns em seu ambiente, como: “papai”, “mamãe”, “pepeta”. Nessa
idade, a criança emprega uma palavra com sentido de uma frase. Estas palavras são
chamadas holófrase. Por exemplo, ao falar “aua”, pode ser que a criança esteja falando
“quero água”, ou ainda “está chovendo”.

Posteriormente, a criança evolui para uma construção mais complexa do uso


prático da linguagem, conforme o exemplo:

Exemplificando
Um exemplo de uso prático da linguagem seria um diálogo da criança
consigo mesma:

“ – Mãe?

- Quero bolacha.

- Eu pego sozinho!!! Eu pego sozinho!!!

- Bobobolacha, eu pego sozinho, vou pegar a bobobolacha!

- Já peguei.

- Eu sou muito bom em pegar bolacha.

- E nem vai atrapalhar o almoço.”

Todas as falas são explicativas ou facilitadoras da ação da criança.

186 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


U4

Reflita
Você consegue perceber que cada uso da linguagem engloba os usos
anteriores? Ou seja, quando a criança desenvolve um processo mais
elaborado de linguagem, os usos anteriores são englobados e passam a
fazer parte do novo esquema. Observe no Exemplificando o uso afetivo e
lúdico ao mesmo tempo que prático.

Sem medo de errar


Muito bem! Agora você tem os elementos necessários para resolver a segunda
situação-problema. Na situação da realidade profissional, a coordenadora pedagógica
da escola em que você trabalha solicitou que você fizesse uma breve apresentação
para os pais dos alunos de sua turma, explicando como ocorre o processo de aquisição
e desenvolvimento da linguagem de crianças até 3 anos de idade.

Agora é hora de juntar os conhecimentos e elaborar os três próximos slides desta


apresentação. Lembre-se de que você pode usar outros instrumentos para fazer sua
apresentação, como pequenos cartazes, o próprio editor de texto, flip-chart, entre
outros. Verifique os recursos disponíveis e o que é mais adequado à situação.

Aqui você encontrará algumas sugestões e orientações para desenvolver


a segunda SP. Tenha sempre em mente que você é uma pessoa criativa e pode
escolher outra forma de fazer esta apresentação.

O quarto slide (ou outro recurso) refere-se ao uso afetivo da linguagem e você
pode estruturar esse slide com imagens ou sons capturados da internet. Imagens de
um bebê chorando ou rindo são capazes de esclarecer o conceito do uso afetivo da
linguagem, porém é preciso aprofundar retomando aspectos da fala, por exemplo,
gritinhos de satisfação ou manifestações corporais de emoções. Construa esse slide
de forma criativa!

O quinto slide trata do uso lúdico da linguagem. Você pode trabalhar com
exemplos de balbucio: “DAPABA” e balbucio reduplicado: “PÉPÉPÉPÉ”. Pense
em outras possibilidades que remetam ao uso lúdico da linguagem, conforme
apresentamos nesta seção.

Por fim, o sexto slide trará exemplos do uso prático da linguagem, quando a
criança já é capaz de expressar uma intenção com a linguagem, tratando de algum
aspecto como: chamados, ordens, orientações, concordâncias, censuras, desculpas,
indicações de objetos ou de gestos, queixas de si para si, os esforços, fracassos e
sucessos. Veja como você pode colocar um exemplo de fala da criança: “Bola!” – no
sentido de: “Quero brincar com a bola”. Que tal?

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 187


U4

Atenção
Conhecer os usos da linguagem permite que o adulto possa interagir com
o bebê de forma mais assertiva. A cada slide, procure refletir e apresentar
formas de como os adultos podem desenvolver a comunicação com
bebês, estimulando-os a adquirir e desenvolver a linguagem.

Viu como ficou mais simples? Para aprofundar seus conhecimentos, faça a leitura
do material sugerido tanto no livro didático quanto na webaula. E bom trabalho!

Avançando na prática
Consultoria

Descrição da situação-problema

Você foi contratado(a) para fazer uma consultoria em uma creche. Nesta creche,
a diretora solicitou que você elaborasse um material para orientar os professores ou
as professoras a estimular a aquisição e o desenvolvimento da linguagem das crianças
até 2 anos de idade.

Você passou cinco dias observando a rotina da creche, dada a seguir:

6:00 às 08:00 - Chegada das crianças.

08:30 - Café da manhã.

08:45 às 09:00 - Hora da higiene dental.

09:00 - Recreação (hora de brincar) ou hora do vídeo/TV.

09:30 - Atividades pedagógicas.

10:30 - Hora do banho.

11:40 - Almoço.

12:30 - Hora da higiene dental e hora do repouso.

14:30 - Atividades pedagógicas e hora do vídeo/TV.

15:30 - Lanche.

16:00 - Hora do banho.

17:00 - Hora do descanso final – TV ou som.

17:30 - Início da saída.

18:00 - Encerramento.

188 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


U4

E agora, é hora de apresentar propostas de estimulação para aquisição e


desenvolvimento da linguagem. Distribua ao menos uma proposta de cada tipo de
uso: afetivo, lúdico e prático, ao longo da rotina.

Se preferir consultar um material, veja que proposta interessante foi criada por Lígia
Ebner Melchiori e Julio Pérez-López, intitulado Linguagem de bebês – manual de
estimulação (Curitiba: Juruá Editora, 2013). No site: https://www.jurua.com.br/shop_
item.asp?id=23036, você consegue folhear algumas páginas.

Lembre-se

A aquisição da linguagem organiza-se nas possibilidades de utilização. O


uso afetivo é o primeiro a surgir, pois expressa as emoções e sentimentos
internos. Posteriormente, aparece o uso lúdico, quando a criança brinca
e explora as possibilidades fonológicas da linguagem. E, por fim, aparece
o uso prático, que funciona como um facilitador do processo de ação da
criança, no qual aparecem os chamados, as ordens, as orientações, as
concordâncias, as censuras etc.

Resolução da situação-problema

Esta é uma atividade muito importante, pois uma das competências que você deve
desenvolver ao longo de sua formação acadêmica é aprender a apoiar e estimular o
desenvolvimento da linguagem. Nada melhor do que começar com os bebês. Uma
atividade relacionada ao uso afetivo pode ser feita no horário do repouso, quando
os professores ou as professoras podem acarinhar os bebês ao mesmo tempo que
pronunciam palavras suaves, tais como: “que gostoso!”, “que soninho!”, “macio!”,
“tranquilo”, “muito bem”.

O uso lúdico pode ser proposto em um momento de atividade pedagógica,


por exemplo, quando as crianças estão explorando brinquedos, os professores ou
as professoras podem entoar canções ou brincar com as palavras. Se as crianças
estiverem na fase do balbucio reduplicado, é uma ótima oportunidade de estimular
a fala.

Por fim, o uso prático da linguagem pode ocorrer no horário do lanche ou do


banho, quando os professores ou as professoras apontam e nomeiam partes do
corpo e dos alimentos.

Viu como é até simples?

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 189


U4

Faça você mesmo


Agora é sua vez. Procure músicas ou poemas que podem servir de
apoio para a aquisição da linguagem de crianças até 2 anos de idade,
especificamente com relação ao uso afetivo, lúdico e prático. Lembre-
se de que há grupos específicos que desenvolvem material para crianças
pequenas, como o grupo Palavra Cantada. Vale a pena conhecer!

Faça valer a pena

1. Há duas abordagens que são mais empregadas para explicar o


processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem infantil. Assinale
a alternativa que traz as duas abordagens:
a) Behaviorista e cognitivista.
b) Inatista e cognitivista.
c) Cognitivista e sociointeracionista.
d) Behaviorista e inatista.
e) Inatista e sociointeracionista.

2. Leia o trecho retirado do livro didático: “Se a criança balbucia “Bá Bá


Bá” ela pode ter uma intenção comunicacional, ela pode estar solicitando
ser pega no colo, por exemplo. Porém, o adulto pode interpretar que
ela está pedindo a chupeta e dar a chupeta a ela. Assim, a criança que
possuía uma intenção comunicacional prévia “aprende” que quando falar
“Bá Bá Bá” ganhará a chupeta. Embora a criança não tenha a sua intenção
atendida, o fato de receber a chupeta traz conforto suficiente para que
aceite a conduta do adulto”. Este trecho aborda uma conduta prévia ao
uso intencional da linguagem feita pelo bebê. Assinale a alternativa que
traz o nome desta fala:
a) Fala externa.
b) Fala interna.
c) Fala egocêntrica.
d) Fala inteligível.
e) Fala intrapsíquica.

3. Em dado momento de seu desenvolvimento, a criança reflete, mesmo


que não perceba, sobre a linguagem e começa a usar a linguagem
intencionalmente. Veja a lista a seguir:

190 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


U4

a) Uso típico.
b) Uso moral.
c) Uso prático.
d) Uso representativo.
e) Uso lúdico.
f) Uso moderado.
g) Uso dialético.
h) Uso cognitivo.
i) Uso afetivo.

Assinale a alternativa que traz a sequência de possibilidades de uso da


linguagem no processo de sua aquisição por bebê e crianças:
a) A-C-E-G-I
b) C-D-E-G-I
c) D-E-F-G-H
d) A-B-C-E-F
e) C-E-F-G-H

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 191


U4

192 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


U4

Seção 4.3
Funções da linguagem aplicada à aquisição (2ª
parte)

Diálogo aberto
Prezado graduando, seja bem-vindo a mais uma seção que estuda o contexto
comunicativo da aquisição da linguagem. Chegamos ao terceiro desafio da situação
da realidade profissional (SR). Como você viu anteriormente, a coordenadora
pedagógica da escola onde você trabalha pediu que você fizesse uma apresentação
sobre o contexto comunicativo da aquisição de linguagem de crianças até 3 anos de
idade, para ser apresentada na próxima reunião de pais e mestres e você já preparou
seis slides desta apresentação.

Nesta terceira parte da apresentação, você se dedicará a explicar a importância dos


usos representativo e dialético no contexto comunicativo da aquisição da linguagem,
bem como a escola os incorpora na forma de agir com as crianças.

Portanto, a situação-problema desta seção é elaborar mais três slides da


apresentação que será realizada no dia da reunião de pais e mestres (lembre-se, estes
slides podem ser feitos em um programa de apresentações eletrônicas, no próprio
editor de texto ou até no formato de três pequenos cartazes).

Cada slide terá uma proposta diferente:

7º. – explicar o que é e como ocorre o uso representativo no contexto comunicativo


da aquisição da linguagem.

8º. – explicar o que é e como ocorre o uso dialético no contexto comunicativo da


aquisição da linguagem.

9º. – apresentar como a escola incorpora em sua forma de interagir com as


crianças os usos representativo e dialético no contexto comunicativo da aquisição da
linguagem.

Lembre-se de que o formato de apresentação organizado em slides não é adequado


para o desenvolvimento de grandes textos dissertativos, portanto, procure utilizar
esquemas ou frases de impacto que possam organizar logicamente sua apresentação.

Nesta seção, estudaremos especificamente a segunda parte das funções de

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 193


U4

linguagem aplicadas à aquisição, a saber: os usos representativo e dialético. Esta


seção tem como objetivo conhecer os usos representativo e dialético no contexto
da aquisição de linguagem. O conteúdo desta seção é fundamental para realizar a SP
proposta. Agora, mãos à obra e bons estudos!

Não pode faltar


Olá, como você tem passado? Estamos dando continuidade aos estudos sobre o
contexto comunicativo da aquisição da linguagem e esperamos que você aproveite
muito esta aprendizagem.

Você já aprendeu que vivemos em um mundo onde a linguagem tem papel


fundamental. O bebê percebe isso desde muito cedo, quando nota que os adultos
usam a linguagem para tentar se comunicar de forma assertiva. Desde o nascimento,
os adultos interagem com as crianças usando linguagem verbal e não verbal. Assim
que nasce, a capacidade de interação do bebê é muito pequena. Por este motivo,
o adulto desempenha o papel mais importante na comunicação com a criança,
cabendo-lhe o papel de entender e responder às necessidades de comunicação da
criança e também por promover um ambiente rico e intenso em comunicação. O
bebê precisa de boas condições para desenvolver as capacidades comunicativas e as
competências necessárias para adquirir e desenvolver a língua-meta.

Você já deve ter percebido que é por meio da interação comunicativa da criança
com outras pessoas que ela adquire a língua da comunidade à qual pertence. As
trocas comunicacionais são determinantes no processo de desenvolvimento da
linguagem da criança. E a criança vai aprendendo sobre a linguagem a partir dos usos
comunicacionais que ela faz.

Na seção anterior, estudamos os usos afetivo, lúdico e prático. E agora, temos


mais duas funções da linguagem, que são empregadas pela criança tão logo ela evolui
no contexto comunicativo. Estamos falando dos usos representativo e dialético. Mais
uma vez, estes usos não ocorrem de forma simultânea. O primeiro uso comunicativo
que a criança faz da linguagem é o uso afetivo, seguido do uso lúdico, seguido do
uso prático, seguido do uso representativo e, por fim, seguido do uso dialético. O uso
subsequente incorpora o uso anterior, conforme o esquema apresentado a seguir:
Figura 4.1 | Usos da linguagem

AFETIVO LÚDICO PRÁTICO REPRESENTATIVO DIALÉTICO

Fonte: elaborada pela autora.

194 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


U4

Vimos primeiramente que a criança faz uso afetivo da linguagem, procurando


expressar suas emoções e sentimentos. Isso ocorre desde o nascimento. Logo em
seguida, o uso lúdico aparece quando a criança começa a brincar com os sons e com
as sílabas (balbucio reduplicado) e continua, quando canta e brinca com palavras. O
uso prático inicia quando a criança utiliza a língua para satisfazer suas necessidades,
investigar sobre o mundo, nomear objetos, entre outros. O conhecimento sobre as
possibilidades da linguagem vai aumentando conforme a criança fica mais velha.

Assimile
Os dois últimos usos da linguagem empregados pela criança ainda em
situação de aquisição são os usos representativo e dialético. Estes dois
usos da linguagem só são possíveis quando a criança atinge uma idade
maior e está mais madura. Os usos representativo e dialético também são
estimulados com processos de interação entre os adultos e a criança.

Por volta dos 2 anos de idade, a criança começa a desenvolver a capacidade


representativa da linguagem, isto é, compreende que a língua é um sistema
representativo daquilo que existe e daquilo que ela pode pensar. Assim, a criança
descobre que seu pensamento pode ser expresso em palavras. As palavras são capazes
de representar o mundo interior e exterior.

O uso representativo da linguagem é um limiar importante que a criança atravessa,


pois ela compreende que a linguagem não é determinada pela expressão afetiva
momentânea e pode ser utilizada de forma imaginativa, representando aquilo que
está ausente.

Exemplificando
O uso representativo da linguagem aparece quando, por exemplo, a
criança fala: “Os astronautas estão no céu”, mesmo sem tê-los visto.

Por volta dos 2 anos de idade, a criança desenvolve a função simbólica, que lhe
permite representar na mente os esquemas de ação, como jogar, desenhar, imaginar,
criar histórias e aprimorar cada vez mais a linguagem. No jogo simbólico ocorrem
exemplos significativos do uso representativo da linguagem. Leia o trecho destacado
da Seção 2.3 deste livro didático para retomar a ideia de jogo simbólico:

É aqui que o jogo simbólico e a brincadeira se revestem de


fundamental importância. Enquanto a criança brinca, ela
utiliza recursos próprios e cria um mundo fantástico, onde
é capaz de transformar o objeto presente em outro que

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 195


U4

lhe traga mais satisfação. Por exemplo, ao brincar, a criança


pega uma caixinha de suco e faz de conta que é um carrinho,
pega umas folhas de árvore e faz de conta que são cadeiras de
bonequinhas, pega o sapato e faz de conta que é um armário; a
colher se transforma em um médico, o bicho de pelúcia é o papai,
o cabo da vassoura é o cavalo. Nesta época, também aparece o
animismo (dar característica humana a objetos inanimados), por
exemplo: “a bola está chorando”, “a boneca está dormindo”, “o
carrinho está com fome”. A brincadeira ou o jogo simbólico é
uma forma de exercício intelectual no qual a criança exercita a
função simbólica com total autonomia que ela modifica o sentido
original do objeto atribuindo a ele outro sentido, mostrando uma
forte capacidade de abstração.

Os exemplos nesta citação mostram um nível muito elaborado da representação,


conhecido como representação independente – momento em que a criança utiliza
substitutos simbólicos que correspondem a palavras, gestos e objetos.

Para que o uso representativo da linguagem ocorra, é preciso que a criança consiga
recorrer a símbolos para expressar seus pensamentos, intenções, questionamentos. A
capacidade representativa surge com gestos, palavras e objetos que são empregados,
mas não estão presentes no momento.

Reflita
Você já pensou como os adultos ou os professores nas escolas de
educação infantil estimulam o uso representativo da linguagem? Sempre
que se refere a algo que não está presente, utiliza-se a representação,
como no diálogo:

Criança: Meu primo tem um cão.

Adulto: É mesmo? Como é o cão?

Criança: Grande, branco com pintas pretas.

Adulto: E onde dorme o cão?

Criança: Na varanda. Deve ser grande também.

Outras formas de estimular o uso representativo da linguagem são:

a) Criar e estimular momentos para conversa.

196 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


U4

b) Conversar enquanto a criança está brincando.

c) Propor atividades em que o adulto e a criança trabalhem colaborativamente e


que possam conversar sobre o que fazem e sobre o resultado da atividade.

d) Encorajar a criança a se comunicar por gestos e desenhos.

e) Ler diariamente para a criança e conversar sobre o tema.

O uso representativo da linguagem é um alicerce para a próxima etapa que a


criança galga: o uso dialético da linguagem.

Vocabulário
Dialética: trata-se de um processo de diálogo e debate, onde se busca
a verdade para que o conhecimento supere as aparências superficiais e
alcance a essência.

O uso dialético da linguagem consiste em operar com categorias bastante abstratas


e lógicas, em termos explicativos para aquisição de novos conceitos (conhecimentos)
e para argumentação em defesa de determinadas ideias. O uso dialético da linguagem
necessita de lógica e isso depende do amadurecimento das crianças e da ampliação
das relações interativas om outros adultos, o que normalmente ocorre no ambiente
escolar.

O uso dialético da linguagem emprega as capacidades de abstração, classificação,


conceituação, problematização e solução de problemas, generalizações, entre outros.
O uso da palavra passa a ser cada vez mais preciso, mais elaborado, mais detalhado.

Exemplificando
Veja um exemplo de uso dialético da linguagem, no qual uma professora
conversa com alguns alunos de três anos de idade sobre os acontecimentos
mais significativos do fim de semana.

Menina: Fiz buracos no chão! Com meu avô.

Professora: Por que fizeram buracos no chão?

Menina: Para plantar flor.

Professora: Ah, então vocês plantaram flores?

Menino: Eu também já plantei flores com a minha avó.

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 197


U4

Menina: Depois meu avô tampou os buracos e colocou água.

Menino: Não, tem que colocar água antes e depois de tampar o buraco.

Menina: Não, meu avô só colocou depois, para molhar a florzinha.

Menino: Se molhar antes também molha a florzinha.

Menina: Então para quê molhar depois?

Menino: Para deixar bem molhado, oras!

Menina: Ah, é...

Conforme as crianças vão crescendo e aprimorando sua linguagem, o uso dialético


passa a ser mais frequente. Questionamentos, argumentações e defesas de ponto de
vista são mais presentes. Veja outro exemplo:

Mãe: Precisa vestir o casaco antes de sair.

Criança (4 anos): Não quero, mãe.

Mãe: Mas está frio lá fora e precisa usar casaco!

Criança: Mas este casaco é feio! Vou colocar o outro, que é mais bonito.

Mãe: Tudo bem, desde que você se agasalhe!

Reflita
Você já pensou em como os adultos ou os professores nas escolas de
educação infantil estimulam o uso dialético da linguagem? Sempre que
ocorre um debate sobre pontos de vista diversos, utiliza-se a dialética,
como no diálogo:

Criança 1: Vamos brincar de pega-pega.

Criança 2: Não, vamos brincar de esconde-esconde.

C1: Mas pega-pega é melhor!

C2: Esconde-esconde, dá para brincar sem se machucar. Você lembra


que o Lucas caiu e se machucou ontem?

Adulto: É mesmo, esse é um ponto importante para refletir antes de tomar


a decisão.

C1: Tá bom, vamos brincar de esconde-esconde.

198 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


U4

Outras formas de estimular o uso dialético da linguagem são:

a) Pedir que pais e outras pessoas da comunidade participem de discussão de


assuntos que são de interesse das crianças.

b) Relatar experiências interessantes.

c) Contar histórias tradicionais da comunidade.

d) Encorajar as crianças a formularem opiniões.

e) Discutir sobre situações pouco prováveis. Por exemplo, como sobreviver na


selva, como chegar a ser presidente, seria possível viajar para outro planeta? Entre
outros.

Muito bem! Chegamos ao final desta seção e gostaríamos de recomendar uma


leitura complementar. Aproveite para rever alguns conceitos e aprofundar o contexto
comunicativo da aquisição da linguagem, as ações de interação entre adultos e
crianças e os usos de linguagem que a criança faz para desenvolvê-la.

Pesquise mais
Neste interessante artigo, a autora explica o processo de aquisição e
desenvolvimento da linguagem com o uso de determinadas funções de
linguagem, que ocorrem a partir da relação interacionista dos adultos
com a criança.

SOARES, Maria. Vilani. Aquisição da linguagem segundo a Psicologia


Interacionista: três abordagens. Trabalho final da Disciplina Tópicos
em Aquisição da Linguagem II, ministrada pela Profa. Dra. Ana Cristina
Pelose do Programa de Pós-Graduação em Linguística – UFC.
Documento eletrônico. Disponível em: <http://www.ufjf.br/revistagatilho/
files/2009/12/maria_vilani_soares.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2016.

Sem medo de errar


A situação-problema proposta nesta seção é dar continuidade (elaborando mais
três slides) à apresentação que será realizada na reunião de pais e mestres na escola
em que você trabalha. Os slides devem versar sobre:

7º. – uma explicação do que é e como ocorre o uso representativo no contexto


comunicativo da aquisição da linguagem.

8º. – uma explicação do que é e como ocorre o uso dialético no contexto


comunicativo da aquisição da linguagem.

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 199


U4

9º. – uma breve apresentação sobre como a escola incorpora, em sua forma de
interagir com as crianças, os usos representativo e dialético no contexto comunicativo
da aquisição da linguagem.

Um bom caminho para resolver esta SP é voltar ao texto e definir o que é o uso
representativo e o uso dialético da linguagem no contexto comunicativo, resumindo
estas definições ao máximo.

Em seguida, tal como apresentado no texto, você pode apresentar um diálogo no


qual ocorre o uso representativo da linguagem e puxar setas em falas específicas para
fazer a explicação, tal como a seguir:

Criança: Diálogo diálogo diálogo


diálogo diálogo diálogo diálogo
Breve explicação
Adulto: Diálogo diálogo diálogo
diálogo diálogo diálogo diálogo

Criança: Diálogo diálogo diálogo


Breve explicação
diálogo diálogo diálogo diálogo

Adutlo: Diálogo diálogo diálogo


diálogo diálogo diálogo diálogo

Você pode fazer isso para o uso representativo e para o uso dialético, nos 7º e 8º
slides, respectivamente.

Já para o 9º slide, que deve trazer uma breve apresentação sobre como a escola
incorpora em sua forma de interagir com as crianças os usos representativo e dialético
no contexto comunicativo da aquisição da linguagem, você pode apresentar uma
série de ações que a escola adota, dividindo em dois quadros:

Uso representativo: Uso dialético:

Ação 1 Ação 1

Ação 2 Ação 2

Ação 3 Ação 3

... ...

200 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


U4

Atenção
Observe que o livro didático traz duas listas com diversas possibilidades
de estimular e apoiar o uso representativo e o uso dialético em contexto
de comunicação. Você pode escolher algumas opções destas listas bem
como pode apresentar outras, fruto de sua reflexão e de suas pesquisas.

Agora, mãos à obra! Elabore os três slides solicitados. Lembre-se de que o formato
de apresentação organizado em slides não é adequado para o desenvolvimento de
grandes textos dissertativos, portanto procure utilizar esquemas ou frases de impacto
que possam organizar logicamente sua apresentação.

Avançando na prática
Compreendendo o contexto comunicativo da aquisição da linguagem e refletindo

Descrição da situação-problema

Você já entendeu que a criança adquire e desenvolve a linguagem a partir do


uso que faz dela. Nesta seção, estudamos o uso representativo e o uso dialético
da linguagem. A seguir, trazemos dois exemplos, cada um referente a um dos usos
estudados aqui. Sua tarefa é explicar a função da linguagem empregada pela criança
e como você, adulto(a) ou professor(a) daria continuidade ao diálogo para estimular a
criança a desenvolver a linguagem:

1. Uso representativo

Criança: Mãe, sabia que tem uma professora nova de inglês?

Mãe: Que legal, filho! Qual o nome dela?

Criança: Ela chama teacher também, igual à outra!!!!

2. Uso dialético

Criança: Mamãe, amanhã tem reunião de pais.

Mãe: Eu sei filha, a mamãe vai.

Criança: Mas não é reunião de mães, é reunião de pais!

(Fonte: Papo de criança. Disponível em: <http://www.tudointeressante.com.


br/2015/04/papo-de-crianca-27-coisas-no-minimo-encantadoras-e-hilarias-ditas-
pelos-pequenos.html>. Acesso em: 29 ago. 2016).

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 201


U4

Lembre-se

Por volta dos 2 anos de idade, a criança começa a desenvolver a


capacidade representativa da linguagem, isto é, compreende que a língua
é um sistema representativo daquilo que existe e daquilo que ela pode
pensar.

O uso dialético da linguagem consiste em operar com categorias


bastante abstratas e lógicas, em termos explicativos para aquisição de
novos conceitos (conhecimentos) e para argumentação em defesa de
determinadas ideias.

Resolução da situação-problema

É preciso ficar atento(a) para estimular a criança a desenvolver o uso tanto


representativo quanto dialético. Desta forma, se o(a) professor(a) ou adulto(a) der uma
resposta definitiva, a criança não terá exercitado o uso da linguagem.

No primeiro exemplo, uso representativo da linguagem, a criança compreendeu


que o nome da professora nova de inglês é teacher, então está representando a
pessoa com a palavra teacher. Ora, sabemos que esta palavra significa “professor(a)”
em português, mas a criança não. Então, é preciso levá-la a refletir sobre isso. Uma das
formas possíveis é questionar a criança: “Ué, você não acha engraçado que as duas
professoras de inglês tenham o mesmo nome?” ou ainda: “Nossa, isso me parece
outra língua, será que é o nome mesmo?”. Pode-se conduzir a conversa para uma
pesquisa, pode-se sugerir que a criança converse com a teacher e esclareça isso...
sugere-se apenas não finalizar com uma explicação direta, que não levará a criança
a pesquisar e desenvolver a linguagem, tal como: “teacher significa professora em
português, não é o nome dela”.

Já no segundo exemplo, a criança tenta argumentar que reunião de pais é apenas


para “os” pais e não para “os” pais e “as” mães. Aqui a criança deve ser conduzida a
refletir sobre o uso da língua e pode-se trabalhar com relações lógicas, por exemplo:

“Filho, sabe quando uma pessoa tem dois filhos, um menino e uma menina? Essa
pessoa fala: olha os meus filhos. O que você acha disso?”

Ou ainda:

“Filho, vamos ler o comunicado da escola para entender direitinho o que estão
propondo?”

Ou ainda:

“Na escola, você não tem professores e professoras? Mas quando falamos de
todos, não dizemos só os professores? O que você acha disso?”

202 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


U4

No uso dialético, deve-se sempre argumentar e pedir que a criança reflita.

Faça você mesmo


Agora é a sua vez! Localize falas infantis onde apareçam o uso
representativo e dialético. Você pode usar sites da internet, como o
que usamos anteriormente (Papo de criança), ou pode usar exemplos
que tenha vivenciado em seu trabalho ou em sua família. Se preferir,
pode localizar trechos em filmes e desenhos. Faça a classificação (uso
representativo ou dialético), explique o que ocorre e finalize trazendo
sugestões de como estimular as funções de linguagem empregadas pelas
crianças em contextos comunicativos da aquisição de linguagem.

Faça valer a pena


1. Leia o trecho retirado do livro didático: “Vivemos em um mundo
onde a __________________ tem papel fundamental. O bebê
percebe isso desde muito cedo, quando nota que os adultos usam a
____________________ para tentar se ___________________ de
forma assertiva. Desde o nascimento, os adultos interagem com as
crianças usando __________________________”. Assinale a alternativa
que traz as palavras na ordem correta que preenchem as lacunas:
a) Mãe, mãe, transfigurar, a fantasia de mãe.
b) Internet, internet, comunicar, os computadores e aparelhos
tecnológicos.
c) Política, política, sobressair, o discurso e a ideologia.
d) Linguagem, linguagem, comunicar, linguagem verbal e não verbal.
e) Escola, escola, explicar, as aulas e as técnicas didáticas.

2. Assim que nasce, a capacidade de interação do bebê é muito pequena.


Por este motivo, o adulto desempenha o papel mais importante na
comunicação com a criança. Assinale a alternativa que apresenta
corretamente as formas com as quais os adultos interagem com os bebês:
a) Ninando e colocando o bebê para dormir; dando a chupeta e não
deixando o bebê chorar ou, ao contrário, deixando chorar sem acudi-lo.
b) Entendendo e respondendo às necessidades de comunicação da
criança; promovendo um ambiente rico e intenso em comunicação.
c) Comprando brinquedos e livros infantis; permitindo que o bebê
explore livremente seu corpo; mantendo o máximo de silêncio possível.

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 203


U4

d) Inibindo as possibilidades de comunicação do bebê; não


correspondendo às intenções comunicativas que surgem desde de
muito cedo.
e) Ensinando as normas e a gramática da língua desde o nascimento;
usando linguajar culto e rebuscado; mantendo-se distante.

3. Assinale as afirmativas abaixo com V(erdadeiro) ou F(also):


I - É através da interação comunicativa da criança com outras pessoas
que ela adquire a língua da comunidade a qual pertence.
II - As trocas comunicacionais não são determinantes no processo de
desenvolvimento da linguagem da criança.
III - A criança vai aprendendo sobre a linguagem a partir dos usos
comunicacionais que ela faz.
Agora, assinale a alternativa que traz a sequência correta de V e F:
a) I-V; II-F; III-V
b) I-F; II-V; III-F
c) I-V; II-V; III-V
d) I-F; II-F; III-F
e) I-V; II-F; III-F

204 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


U4

Seção 4.4

O uso social da linguagem

Diálogo aberto
Parabéns, estudante!

É com muito orgulho que você chega à última seção deste livro didático!

Nesta aula, você vai estudar o uso social da linguagem, especificamente no campo
das interações sociais. Esta seção tem como objetivo compreender o contexto
comunicativo da criança em sua interação com outras crianças e com adultos.

Assim, para apoiar o desenvolvimento da sua aprendizagem, você receberá a


quarta e última situação-problema. Como você viu anteriormente na situação da
realidade profissional (SR) desta unidade, a coordenadora pedagógica da escola em
que você trabalha pediu que fizesse uma apresentação sobre o contexto comunicativo
da aquisição de linguagem de crianças até 3 anos de idade, para ser apresentada na
próxima reunião de pais e mestres.

Esta apresentação não deve ser muito longa, pois deve ocupar apenas uma parte
da reunião de pais e mestres. Você já desenvolveu a maior parte desta apresentação e
agora fará a finalização.

Desta forma, a quarta situação-problema é elaborar mais três slides da apresentação


que será realizada no dia da reunião de pais e mestres (esses slides podem ser feitos
em um programa de apresentações eletrônicas, no próprio editor de texto ou até no
formato de três pequenos cartazes).

Cada slide terá uma proposta diferente:

10º. – explicar o contexto comunicativo da criança em interação com adultos.

11º. – explicar o contexto comunicativo da criança em interação com outras


crianças.

12º. – encerrar a apresentação com uma mensagem para os pais, valorizando o


processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem infantil.

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 205


U4

Lembre-se de que o formato de apresentação organizado em slides não é adequado


para o desenvolvimento de grandes textos dissertativos, portanto procure utilizar
esquemas ou frases de impacto que possam organizar logicamente sua apresentação.

Faça a leitura do livro didático, leia as indicações sugeridas na webaula bem como
pesquise mais sobre o assunto.

Este é seu último exercício, portanto finalize-o com total dedicação e empenho,
coroando sua aprendizagem!

Não pode faltar

A aquisição da linguagem no contexto comunicativo é um dos tipos mais


desafiantes de estudo, pois há diversas premissas que o compõe. Do ponto de vista
do desenvolvimento interno da criança, há estruturas neurais e cognitivas que são
mobilizadas para que ocorra a aquisição da linguagem. Neste aspecto, devemos
ressaltar a concepção inatista proposta por Noam Chomsky. Como estudamos
anteriormente (principalmente na Seção 2.2), a concepção inatista parte do princípio
de que todos os seres humanos são dotados de uma capacidade inata de desenvolver
a linguagem de seu grupo social. Assim, há uma base biológica que os capacita a se
comunicar.

Quando se começou a olhar mais atentamente e a realizar pesquisas específicas


sobre a aquisição e desenvolvimento da linguagem infantil, tendo bebês reais como
sujeitos de pesquisa, notou-se que a relação que a mãe (ou figura de mãe) estabelece
com o bebê é extremamente significativa para o desenvolvimento da linguagem.

Pois bem, você já deve ter percebido que as mães utilizam uma forma muito
especial de falar com os bebês, chamada maternês. O maternês é uma simplificação
da fala que permite e estimula o bebê a adquirir e desenvolver a linguagem do grupo
social. Então, é comum ouvir as mães usando frases curtas, enfatizando algumas
palavras ou algumas sílabas, fazendo expressões orofaciais que podem ser copiadas
pela criança, estimulando a oralidade da criança. Junto a tudo isso normalmente há o
toque carinhoso, a intimidade, os sorrisos, a brincadeira e gestos.

Exemplificando
A expressão orofacial é utilizada sempre, significa que a expressão de
nosso rosto, juntamente com os movimentos dos lábios, acompanham
os sons emitidos em nossa fala. Veja o exemplo: a mãe, olhando para a
criança, levanta a sobrancelha, abre bem os olhos e articula os lábios para
falar um alto e longo “OOOOOOOO”. Consegue imaginar a cena? Isso

206 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


U4

pode ser facilmente imitado pelo bebê. Outas sílabas que normalmente
são acompanhadas de uma forte expressão orofacial são: “MÃMÃMÔ,
“VÓVÓVÓ”, “PÁPÁPÁ”. Você consegue pensar em algumas outras?

Ao se dar conta do significativo papel da mãe no processo de aquisição e


desenvolvimento da linguagem, os pesquisadores chegaram à conclusão de que a
interação social é o grande responsável pelo bom andamento desse processo. Ou seja,
ainda que o ser humano seja equipado biologicamente para adquirir e desenvolver a
linguagem, a interação social é uma grande potencializadora desse processo.

Por este motivo, os estudos realizados por Vygotsky e sua equipe se tornaram
significativos. O conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) é extremamente
valioso, pois com ele podemos explicar claramente como a interação da criança
com outras crianças e com adultos permitem a aquisição e o desenvolvimento da
linguagem.

Vamos conhecer melhor este conceito. A ZDP é definida como a capacidade que
o indivíduo tem de realizar alguma tarefa acima da sua competência real com a ajuda
de uma pessoa mais experiente. Você consegue pensar em situações em que isso
ocorre?

Imagine a seguinte situação: você gostaria de aprender o flamenco, conhecida dança


espanhola. Você já possui muitas habilidades, como andar, movimentar os braços e as
mãos, dar passos longos e curtos, bater os calcanhares no chão, andar na ponta dos
pés e já sabe até mesmo movimentar os quadris de um lado para o outro. Você põe
a música e começa a dançar, mas percebe que não possui a leveza de movimentos,
a cadência e a agilidade necessárias para dançar o flamenco. Neste momento, decide
frequentar aulas com um professor particular. Esta pessoa vai ensinando uma série
de movimentos e exercícios, primeiramente sem a música, os quais você copia.
Em seguida, seu professor coloca a música e vocês, juntos, vão ajustando a dança.
Depois de alguns dias, certos movimentos se tornam simples e automáticos, ou seja,
foram aprendidos. Então o professor introduz novos movimentos, que vão sendo
incorporados aos anteriores. Após alguns meses você já sabe dançar algumas músicas
e no final de um ano já está preparado(a) para apresentar seu primeiro show!

O que aconteceu aqui? O professor de flamenco atuou diretamente na sua Zona


de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Isto é, a partir da sua capacidade real (chamada
de Zona de Desenvolvimento Real – ZDR) de andar, pisar na ponta dos pés, bater os
calcanhares, movimentar os quadris, girar, mover os braços e as mãos, o professor
fez alguns movimentos e exercícios e pediu para você copiá-los. Você reuniu as
capacidades que já possuía e, observando os novos movimentos, passou a imitá-
los. Esses movimentos foram aprimorados e se tornaram simples, porque foram
aprendidos. Depois dessa aprendizagem, os novos movimentos não estão mais na
sua ZDP, agora eles fazem parte da sua ZDR.

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 207


U4

Agora, vamos refletir sobre a aquisição e desenvolvimento da linguagem infantil. Um


bebê ainda muito novo não possui capacidades maiores do que sugar, chorar, fazer
movimentos corporais sem controle. Porém, cada vez que ele faz isso, ele aprende
alguma coisa nova. Por exemplo, a cada mamada, o bebê aprende a sugar melhor;
a cada movimento esparso, o bebê fortalece os músculos e aprende a controlá-los.

Um bebê está exposto à linguagem do mundo adulto desde seu nascimento. Se


sua capacidade auditiva não for comprometida, ele receberá os inputs linguísticos de
sua comunidade desde o nascimento. Inicialmente, serão apenas sons indistintos.
Posteriormente, o bebê perceberá que estes sons são comumente repetidos pelas
pessoas. A identificação desses sons como sons proveniente “das pessoas” é uma das
primeiras capacidades linguísticas que o bebê desenvolve. Ou seja, ele sabe que há
sons que não são provenientes de pessoas, como miados, latidos, entre outros. Mais à
frente ainda, o bebê percebe que há sons que ocorrem com mais frequência (nomes
próprios, ações repetitivas etc.). Essas capacidades (identificação de sons provenientes
das pessoas e sons repetidos) pertencem à Zona de Desenvolvimento Real (ZDR) do
bebê. Porém, conforme o bebê amadurece, os inputs linguísticos começam a agir
em sua ZDP. Ao mesmo tempo que o bebê recebe a influência destes inputs, o bebê
também sente interesse em se apropriar desta ferramenta cognitiva, que é a linguagem.

Assimile
Os estudos de Vygotsky se dirigiram às funções mentais superiores
(pensamento, raciocínio, memória, atenção, lembrança, planejamento,
entre outras). A linguagem também é uma função mental superior e é
entendida como um instrumento do pensamento, já que a forma como
pensamos passa a ser estruturada de forma linguística, bem como
nossos pensamentos podem ser expressos oralmente. A linguagem, para
Vygotsky, exerce o papel de ferramenta cognitiva, pois é por meio dela
que nos apropriamos de novos conhecimentos, ampliamos nosso saber,
divulgamos nosso pensamento e novas descobertas.

Muito bem. Já descobrimos que é a interação social, por meio de inputs linguísticos,
uma potencializadora de elementos atuantes na Zona de Desenvolvimento Potencial
da criança (ZDP). É chegada a hora de refletir sobre quem emite os inputs linguísticos
que irão estimular a aquisição e desenvolvimento da linguagem das crianças. Demos
muito destaque à mãe e à figura de mãe, que são os elementos clássicos nos
processos de interação com o bebê. Porém, a família moderna vem passando por
grandes transformações, se comparada à clássica família correspondente ao modelo
pai-mãe-vários filhos.

208 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


U4

Reflita
Você já parou para pensar nas mudanças ocorridas na família? Hoje as
famílias não se constituem de tantos filhos. A dinâmica social e econômica
proporcionou o ingresso das crianças em berçários e creches desde
meses de vida. Isto é um fenômeno mundial, não apenas brasileiro. Assim,
a interação social das crianças modernas saiu do âmbito familiar e foi
ampliada para o círculo de colegas da escola e para os(as) professores(as)
da educação infantil, ocasionando novos processos de interação.

Desta forma, compete-nos estudar o uso social da linguagem quando a criança


está em interação com outras crianças e com adultos.

No novo contexto social que se apresenta, onde os bebês ingressam desde


cedo no berçário ou creche, o adulto responsável pela interação é o professor,
mas o cargo geralmente é ocupado por uma mulher, portanto vamos adotar a
nomenclatura “professora” a partir de agora. No berçário, a maior parte do tempo
é dedicado ao cuidado da criança e esse cuidado se manifesta na troca de fraldas,
banho, alimentação, hidratação, satisfação de suas necessidades, incluindo-se aí
também a satisfação cognitiva. A interação social deve ser compreendida como
uma necessidade do bebê e isso ocupa grande parte do tempo no berçário, já que é
desenvolvida concomitantemente às outras atividades citadas.

O contexto comunicativo da aquisição de linguagem nos momentos em que a


criança está no berçário ocorre quando a professora procura formas de se comunicar
com a criança, tentando estabelecer alguma conversação, mesmo que seja mínima.
Ocorre também quando a professora observa a criança e lhe dirige a palavra,
comentando alguma coisa, tal como: “Nossa, seu cabelo cresceu um pouquinho,
Lucas!”, ao mesmo tempo em que toca no cabelo, ou quando pergunta: “Tá com
fome, Helena?”, olhando diretamente para o bebê e procurando sinais que permitam a
continuidade da conversa. Os momentos da troca de fralda e do banho são embalados
com cantorias, quando partes do corpo e objetos são nomeados. Todos estes são
inputs linguísticos que atuam na ZDP do bebê.

Outras ações da professora que permitem a aquisição e desenvolvimento da


linguagem é a narração das ações. Ocorre quando a professora narra o que está
fazendo ou vai fazer, por exemplo: “Agora a ‘prô’ vai pegar a Isabela no colo, vai tirar
a roupinha para dar banho nela! Vamos tirar a calça, vamos tirar a fraldinha!”. Os
momentos em que a professora narra a ação da criança são igualmente importantes:
“O Heitor está balançando a cabeça e sorrindo, né, Heitor? O Heitor está com o
dedinho na boca agora, que dedinho saboroso!”.

Deve-se dar especial atenção ao momento da brincadeira, que pode ser dirigido
pela professora, quando, por exemplo, a professora seleciona os objetos da brincadeira

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 209


U4

(blocos, bichinhos de pelúcia, entre outros) e os disponibiliza para a criança ao mesmo


tempo em que brinca com ela. Estes são ótimos momentos em que observamos a
interação da criança com o adulto, pois este, ao brincar com a criança, vai nomeando
os objetos e conversando sobre suas propriedades e características (“Você pegou o
bloco amarelo, como ele é grande e pesado!”).

No momento da brincadeira livre, onde a criança escolhe o brinquedo e, quando


tiver mais idade escolhe também a brincadeira, a professora também faz intervenções,
aparecendo como uma personagem ou fazendo pequenas falas que levam ao
desenvolvimento da linguagem.

Nesta interação, é muito importante observar as “pistas” que a criança dá no


processo comunicativo. Sorrisos, expressões faciais animadas, olhares atentos mas
não assustados, tentativa de balbucio, são indícios de que o bebê está aberto para a
aquisição e são bons momentos para investir na comunicação e na fala com ele.

Por volta dos dois anos, as crianças começam um processo de interação maior
com outras crianças e tentam se expressar através da fala. O jogo simbólico ou a
brincadeira simbólica aparece com muita ênfase a partir desta idade. No processo de
aquisição e desenvolvimento da linguagem, a interação com outras crianças permite
que os conhecimentos linguísticos sejam expandidos, devido à diversidade cultural
propiciada à criança por seus pares infantis. Assim, ao desenvolver uma brincadeira,
mesmo que muito simples, a linguagem se faz presente e pode ser estimulada com a
intervenção da professora. Observe este exemplo:

Imagine um bebê de 1 ano e 8 meses, sentado no chão segurando bloco de


encaixe. Este bebê bate o bloco no chão ao mesmo tempo em que fala: “EI!”. Logo
um bebê de 1 ano e meio se aproxima e pega um bloco. Senta-se e começa a bater o
bloco no chão em sintonia com o outro bebê, também falando: “EI!”. Está aí um novo
input linguístico para o bebê de 1 ano e meio. Agora, imagine que a professora se junte
a eles e pegue um terceiro bloco, começando a batê-lo no chão enquanto fala: “EI!”.
Durante um curto período de tempo, os três fazem o mesmo movimento e falam
em sintonia, mas logo a professora começa a dizer: “Bateu!”, quando bate o bloco no
chão. E diz “Levantou!”, quando suspende o bloco. Então inicia uma nova sequência:
“LevantOOOOOUUUU... – BatEU!”. Observe a entonação. Depois de repetir algumas
vezes, a criança com um 1 e 8 meses começa a balbuciar: “Vantooooo... TEU!” e a
menor: “TO – TEU”. Veja como a intervenção da professora atua na ZDP das duas
crianças, obviamente de forma diferente devido ao amadurecimento cognitivo delas.

O mesmo pode ocorrer quando a criança brinca com outras crianças. Como dito
anteriormente, por volta dos 2 anos de idade, a brincadeira ou jogo simbólico começa
a aparecer com muita frequência e observa-se que a criança gosta de representar
papéis, como mamãe e filhinha, professora e alunos, vovô e netinho, entre outros. O
simples fato de precisar conversar com as demais crianças (interação), para apresentar

210 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


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seu ponto de vista (ou seja, a brincadeira que quer desenvolver) já é um processo de
desenvolvimento da linguagem. Em seguida, normalmente se negociam os papéis,
ou seja, quem vai ser quem e quais situações serão representadas. Novamente, a
linguagem entra em ação, pois tudo precisa ser explicado e negociado. Durante a
brincadeira, que geralmente segue um roteiro previamente estabelecido pelas próprias
crianças, a professora pode fazer intervenções, de forma a lançar pequenos desafios
que levarão as crianças a fazerem uso da linguagem. Por exemplo, em um momento
onde as crianças estão brincando de organizar um piquenique, a professora pode
aparecer como uma repórter do noticiário informando que dali a poucos minutos
haverá muita chuva na cidade toda. O que as crianças farão? Como decidirão os
novos rumos da brincadeira? Como negociarão o sentido e o significado de tudo isso?

Muitos outros exemplos podem ser citados em situações de interação da criança


com outras crianças e com adultos, como a roda de conversa, que normalmente
ocorre logo após a chegada das crianças e onde elas contam coisas interessantes
e importantes de suas vidas. Imagine uma situação em que uma criança diga:
“Ontem meu pai me levou na pagalia e comprou pão e sorvete”. Este é um exemplo
interessante que a professora pode usar para desenvolver a linguagem da criança. E
essa intervenção deve ser feita de forma que a criança construa o significado, portanto a
professora não deve dizer: “Não se fala pagalia, se diz padaria”. Neste caso, recomenda-
se que a professora construa frases em que a palavra que foi dita de forma diferente da
convencional seja dita da forma esperada. Então, a professora pode comentar: “Quem
já foi à padaria alguma vez?”, “O que mais tem na padaria?”, “Tem padaria perto da sua
casa?”, “Quem trabalha na padaria?”. Então, se isso acontecer com você, você já sabe
como agir, não é mesmo?

Pesquise mais
Este importante manual de orientações para a educação infantil traz uma
grande contribuição para a compreensão do uso social da linguagem no
contexto comunicativo da criança em interação com outras crianças e
com adultos. Esta é uma leitura fundamental!

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação


Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil.
Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/
arquivos/pdf/volume2.pdf. Acesso em: 7 set. 2016.

Sem medo de errar


Muito bem! Você já tem os elementos necessários para resolver a quarta e última
situação-problema. Na situação da realidade profissional, a coordenadora pedagógica

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 211


U4

da escola em que você trabalha solicitou que você fizesse uma breve apresentação para
os pais dos alunos de sua turma, explicando como o ocorre o processo de aquisição e
desenvolvimento da linguagem de crianças até 3 anos de idade.

Agora é hora de juntar os conhecimentos e elaborar os três últimos slides desta


apresentação. Lembre-se de que você pode usar outros instrumentos para fazer sua
apresentação, como pequenos cartazes, o próprio editor de texto, flip-chart, entre
outros. Verifique entre os recursos disponíveis o que é mais adequado à situação.

Aqui você encontrará algumas sugestões e orientações para desenvolver a quarta SP.

O décimo slide (ou outro recurso) refere-se ao contexto comunicativo da criança


em interação com adultos e você pode estruturar este slide com imagens de bebês em
interação com a professora do berçário (no material sugerido para a leitura – Pesquise
mais – você encontrará imagens sugestivas que mostram a interação da professora
com bebês e crianças pequenas). Utilizando imagens como estas, apresente frases
que remetam ao contexto social da aquisição de linguagem, semelhantes ou iguais
às que exemplificamos no livro didático. É importante que você cite a fonte de onde
retirou as imagens e as frases. Construa este slide de forma criativa!

O décimo primeiro slide trata do contexto comunicativo da criança em interação


com outras crianças. Novamente, você pode trabalhar com imagens ou pequenos textos
que remetam à interação entre crianças. Numa situação real, você poderia apresentar
fotos dos bebês ou das crianças que participam da sua turma. Como estamos fazendo
apenas um exercício, utilize imagens retiradas da internet ou de outras fontes (sempre
apresente a fonte de onde as imagens vieram!) que demonstrem crianças interagindo.
Pode ser uma brincadeira, um jogo simbólico, o horário da refeição etc., é importante
que você contextualize a situação e explique como a apresentação da brincadeira,
a negociação de sentidos e de regras e as intervenções são potencializadoras do
desenvolvimento da linguagem.

Por fim, o último slide serve para encerrar a apresentação e sugerimos que você
utilize uma frase significativa de um dos autores que estudamos nesta seção (Lev
Vygotsky ou Noam Chomsky). Veja um exemplo interessante: "A criança nasce inserida
num meio social, que é a família, e é nela que estabelece as primeiras relações com a
linguagem na interação com os outros.". Esta frase é atribuída a Vygotsky e é preciso
conferir se a origem está correta. Veja esta, atribuída a Chomsky: “O ensino deve inspirar
os estudantes a descobrir por si mesmos, a questionar quando não concordarem,
a procurar alternativas se acham que existem outras melhores, a revisar as grandes
conquistas do passado e aprender porque algo lhes interessa”. Novamente, é preciso
conferir a veracidade da frase.

212 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


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Atenção
Você enfrentará um aspecto delicado, que ocorre quando uma pessoa
substitui a mãe e se torna a figura de mãe, como é o caso da professora
do berçário. É preciso compreender que os adventos da vida moderna
empurram a mulher para o mercado de trabalho, motivo pelo qual as crianças
são direcionadas ao berçário desde muito cedo. É importante ter uma fala
cuidadosa com os pais, não emitindo nenhum julgamento negativo sobre
sua escolha de deixar os pequenos na escola desde muito cedo.

Avançando na prática
Intervenção para o desenvolvimento da linguagem

Descrição da situação-problema

Sua turminha de alunos é composta por crianças de 3 a 4 anos de idade. O momento


fictício aqui relatado é o da brincadeira livre, onde a pequena Helena, de 4 anos, tenta
convencer seu amigo Lucas, também de 4 anos, a brincar de casinha. Leia o diálogo,
reflita e responda as questões apresentadas:

Helena: “Lucas, vamos brincar de casinha?”

Lucas: “Vamos!”.

Helena: “Você vaite(r)que ser o pai e eu vaite(r)que ser a mãe”.

Lucas: “Mas eu queria ser o filhinho!”

Helena: “Lucas, alguém vaite(r)que ser o pai, outro vaite(r)que ser o filho.”

Lucas: “Mas eu queria ser o filhinho!”

Helena: “E quem vaite(r)que ser o pai?”

Lucas: “Vamos chamar o Pedro para vaite(r)que ser o filhinho!”

Reflita e responda:

1. O que parece que está ocorrendo aqui? Por que Helena fala sempre “vaite(r)que”?

2. Como a fala de Helena interfere na ZDP de Lucas?

3. Você, como responsável por esta sala, como conduziria uma intervenção para
tentar reconstruir o uso dos verbos IR e TER (que)?

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 213


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Lembre-se

A correção direta não é recomendada para a construção autônoma de


conceitos por parte da criança, portanto dizer: Não se fala “vaite(r)que”
para tudo, você precisa concordar o verbo com o sujeito, não surtirá
efeito neste caso.

Resolução da situação-problema

Respondendo às perguntas:

1. Que parece que está ocorrendo aqui? Por que Helena fala sempre “vaite(r)que”?

O que ocorre aqui é um processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem


que está em andamento. Os equívocos na conjugação de verbos e na segmentação
de frases são comuns na faixa etária das crianças do exemplo dado. Possivelmente
Helena ouviu muito as pessoas dizendo: Eu vou ter que... Eu vou ter que sair, eu vou ter
que tomar banho, eu vou ter que ir ao mercado etc., e procurou fazer a conjugação:
Ela vai ter que sair, ele vai “tê” que tomar banho, a mamãe vaite(r)que ir ao mercado.
Possivelmente foi esta a derivação que ocorreu.

2. Como a fala de Helena interfere na ZDP de Lucas?

Lucas também está aprendendo sobre a linguagem e a língua a partir dos inputs
linguísticos que recebe. Neste caso, ele acabou ouvindo várias vezes o termo “vaite(r)
que”, portanto usou suas estruturas cognitivas para acomodar a nova informação, ainda
que não seja uma forma de expressão oral convencional.

3. Você, como responsável por esta sala, como conduziria uma intervenção para
tentar reconstruir o uso dos verbos IR e TER (que)?

A melhor forma nunca é fazer uma correção direta ou pedir que a criança repita a
forma correta. O melhor é fazer uma intervenção na brincadeira, se aproximando das
crianças e dizendo:

“Oi, eu vou brincar aqui também. Eu posso ser a filhinha. O que eu vou ter que fazer?”

Se Helena disser: “Você vaite(r)que fingir que está dormindo”, você pode dizer: “Ah,
então eu vou ter que fingir que estou dormindo e o Lucas vai ter que ser o papai, é isso?”
“E, você, Helena, você vai ter que fazer o quê?”, e assim estruturar um diálogo dentro da
brincadeira, introduzindo a forma convencional de flexão dos verbos.

214 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


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Faça você mesmo


Agora é sua vez! Localize exemplos como o apresentado nesta atividade –
é muito comum que crianças troquem letras em palavras ou significados
de palavra (por exemplo, falar pissama ao invés de pijama) – e estruture uma
forma de intervenção semelhante à resolução do exercício apresentado.

Faça valer a pena

1. Assinale a alternativa que apresente as duas grandes premissas


fundamentais aos estudos sobre a aquisição da linguagem no contexto
comunicativo:
a) A concepção inatista de Chomsky e o construtivismo de Piaget.
b) O behaviorismo de Skinner e o sociointeracionismo apontado por
Vygotsky.
c) O behaviorismo de Skinner e o construtivismo de Piaget.
d) A concepção inatista de Chomsky e o sociointeracionismo apontado
por Vygotsky.
e) A concepção inatista de Chomsky e o behaviorismo de Skinner.

2. A interação social é a base para a aquisição e desenvolvimento da


linguagem. Apesar de o bebê estar exposto ao ambiente social desde o
nascimento, é na interação com a mãe (ou figura de mãe) que o bebê
iniciará seu processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem. A
mãe utiliza uma forma muito particular de falar com a criança. Assinale
a alternativa que traz o nome desta forma de comunicação e suas
características:
a) Maternês: uso de frases curtas, ênfase em algumas palavras ou
algumas sílabas, estímulo à oralidade da criança, acompanhado de
toque carinhoso, sorrisos, brincadeiras e expressões faciais agradáveis.
b) Língua-meta: uso da língua portuguesa com ênfase na gramática
e normas cultas, reforço negativo quando o bebê pronuncia algo
ininteligível, distanciamento e pouco contato.
c) Manhoso: uso de palavras no diminutivo, com largo emprego de
muxoxos e gemidos, balbucios e brincadeiras sonoras, expressões
faciais engraçadas e emprego de muita risada.
d) Linguagem mágica: uso de linguagem específica de contos de fadas
e invenção de palavras desconhecidas, uso de palavras estrangeiras,
muito contato físico e visual, porém sem relação com a fala.

O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 215


U4

E. Linguagem técnica: uso da língua portuguesa com ênfase


na gramática e normas cultas, uso de termos técnicos e pouco
relacionados com o universo infantil, reforço negativo quando o bebê
pronuncia algo ininteligível.

3. Assinale a alternativa que traz a definição correta de Zona de


Desenvolvimento Proximal (ZDP):
a) Trata-se do nível em que o professor apresenta o conteúdo ao
aluno, desconsiderando sua aprendizagem prévia e a capacidade de
investigação autônoma para a construção da aprendizagem.
b) Trata-se do nível de resolução de problemas que ocorre de forma
grupal, em que cada integrante age de forma cooperativa e colaborativa
para atingir o resultado coletivo e beneficiar todo o grupo.
c) Trata-se do nível cognitivo de investigação que leva a criança a fazer
experimentos e a tirar suas próprias conclusões sozinha, pois toda a
ação partiu exclusivamente da criança, portanto, sem a participação
de outros indivíduos
d) Trata-se do nível em que a criança é capaz de realizar atividades
de forma independente, sem ajuda e sem consulta a nenhum tipo de
material pedagógico.
e) Trata-se do nível de desenvolvimento potencial em que a criança é
capaz de realizar certas atividades, que não são possíveis a ela, com a
ajuda de adultos ou crianças com mais experiência

216 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem


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Referências

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linguagem: considerações da perspectiva da interação social. Psicologia: Reflexão
e Crítica, v. 16, n. 2, p. 327-336, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/prc/
v16n2/a13v16n2.pdf>. Acesso em: 1 ago. 2016.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.
Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume2.pdf>. Acesso em: 7
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O contexto comunicativo da aquisição da linguagem 217


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SOARES, Maria Vilani. Aquisição da linguagem segundo a psicologia interacionista: três


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VYGOTSKY, Lev Semenovich. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes,
2008.

218 O contexto comunicativo da aquisição da linguagem

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