Siqueira, 2009
Siqueira, 2009
Siqueira, 2009
ISSN 2176-4603 X
Resumo Abstract
O abrigamento consiste em uma medida de proteção The shelter is a temporar y and exceptional
provisória e excepcional, sendo impor tante a garantia protective measure; it is impor tant to guarantee
do direito à convivência familiar e comunitária the right to family and community life of
dos jovens institucionalizados. Assim, este estudo institutionalized young. Thus, this study aimed
objetivou investigar a par ticipação da escola no to investigate the role of school in the family
processo de reinserção familiar e na rede de apoio, reunification and suppor t network, from the
a par tir da análise qualitativa de dois casos. Foram qualitative analysis of two cases. Inter views of
realizadas entrevistas de reinserção, anotações reunification were conducted, besides the field
no diário de campo e visitas domiciliares. Entre os diar y and visits. Among the results, there was an
resultados, pode-se perceber um incremento no increase in the interest of the school from the girl,
interesse escolar da menina, levando a melhorar seu leading to improvement in school per formance.
desempenho escolar. Quanto ao menino, ocorreu um As for the boy, there was a progressive disinterest
progressivo desinteresse nas atividades escolares, in school activities, leading to failure at the
levando à reprovação ao final do ano. Apesar da end of the year. Despite the poor education of
pouca escolaridade das familiares responsáveis family members of responsible of adolescents,
pelos jovens, constatou-se que par ticiparam e there were their par ticipation and constant
constantemente incentivaram nas atividades e encouragement of these activities and school
desempenho escolar dos adolescentes. Por outro per formance of adolescents. Moreover, the
lado, a escola se manteve distante das famílias e dos school was apar t to families and adolescents.
adolescentes. Também são discutidas estratégias Action strategies toward to teachers, to enable
de ação junto aos professores, que os capacitem e them and raise awareness about its potential for
sensibilizem quanto ao seu potencial de apoio social. social suppor t, are discussed.
Palavras-chave: Escola; Rede de Apoio; Abrigo. Key words: School; Suppor t Network; Shelter.
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Introdução consolidadas, estudos indicam a importância de
programas de combate à pobreza, da preparação
O abrigamento no Brasil é uma medida prévia das famílias antes da reunificação, de
de proteção utilizada sempre que jovens se visitas periódicas e acompanhamento após o
encontram em situação de risco, tendo seus desligamento, para o sucesso na reunificação
direitos violados. De acordo com o Estatuto entre pais e filhos (DAVIS; LANDSVERK;
da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), NEWTON; GANGER, 1996; LANDY; MUNRO,
legislação vigente, essa medida deve ser 1998; WARSH; PINE, 2000).
provisória e excepcional, permanecendo Estudos na realidade brasileira têm destacado
o jovem pouco tempo afastado de seus os fatores que promovem a reinserção e a situação
familiares, visto que é direito fundamental de dos egressos e seus familiares, compreendendo
toda criança conviver em família. Contudo, esse fenômeno em seu processo (SILVA; NUNES,
a realidade mostra a existência de períodos 2004; SIQUEIRA, 2006; SIQUEIRA; DELL’AGLIO,
prolongados de institucionalização e o uso 2007). As pesquisas relatam a influência e
dessa medida, muitas vezes, como a primeira importância da escola nesse processo, como
opção frente a situações de risco. Estudos importante parte da rede de apoio dos jovens,
indicam os fatores que dificultam a efetivação mas também demonstram a fragilidade da relação
do caráter provisório dessa medida, citando, família-escola.
entre eles, a dificuldade de comunicação A par tir dessas considerações iniciais,
entre as entidades sociais, tais como escola, constatou-se a carência de estudos sobre o
instituição de abrigo e família; a existência de papel das instituições sociais, em especial
ações pontuais e fragmentadas; a fragilidade a escola, para jovens institucionalizados.
dos recursos humanos nos abrigos, tanto em Assim, o objetivo desse estudo foi investigar
quantidade como na sua qualificação; e, ainda, a par ticipação da escola no processo de
a fragilidade das famílias, que se posicionam reinserção familiar e na rede de apoio, a par tir
passivamente frente às ações que poderiam da análise qualitativa de dois casos.
resultar no desabrigamento de seus filhos
(JULIANO, 2005). PRINCIPAIS PERSPECTIVAS TEÓRICAS
No que tange ao desabrigamento e reinserção
familiar, segundo o ECA (BRASIL, 1990), é Silva e Nunes (2004) focalizaram a situação
tarefa das instituições de abrigo: (1) promover do egresso e sua família, encontrando que, após o
o restabelecimento e a preservação dos retorno à família, os jovens acabam sendo inseridos
vínculos familiares; (2) proceder a um estudo na situação de vulnerabilidade social na qual seus
social e pessoal de cada família; (3) reavaliar familiares encontravam-se, como a inserção
periodicamente cada caso, dando ciência à no mercado informal de trabalho, abandono e
autoridade competente; (4) manter programas evasão escolar e relações afetivas pobres na
destinados ao apoio e acompanhamento de família. As autoras concluíram que, ao retornar ao
egressos, entre outras determinações. Em países contexto familiar, os jovens demonstravam muita
nos quais as políticas de reinserção familiar estão dificuldade de manterem-se na escola em função
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da necessidade de colaborar no sustento da processo de adaptação a situações de stress
família, ausência de incentivo e um “significado” e de suscetibilidade a distúrbios físicos e
da escola para as famílias, além da ausência emocionais (MASTEN; GARMEZY, 1985;
de interesse intrínseco dos próprios jovens. RUTTER, 1987; SAMUELSSON; THERNLUND;
Siqueira e Dell’Aglio (2007), ao acompanharem RINGSTRÖM, 1996). A ausência de uma rede de
o processo de reinserção de uma adolescente apoio social pode produzir um senso de solidão
institucionalizada, observaram uma frágil relação e falta de significado de vida (SAMUELSSON;
entre a jovem/família e a instituição escolar THERNLUND; RINGSTRÖM, 1996). Dessa forma,
localizada na comunidade da família, pautada na a rede de apoio social e afetivo opera como fator
desvalorização da escola por parte dos familiares, de proteção. O apoio social está sendo cada
falta da assiduidade escolar, sentimento de vez mais estudado pelos inúmeros campos do
rejeição escolar sentido pela jovem e ausência conhecimento, tais como Sociologia, Antropologia
de engajamento e envolvimento da escola no e Psicologia, por constituir uma interface entre o
acolhimento da jovem em processo de reinserção sujeito e o sistema social do qual ele faz parte.
familiar. Essa escola, por sua vez, apresentava A rede de apoio social e afetiva define como
uma percepção de descrédito direcionada à o indivíduo percebe seu mundo social, como se
família e à adolescente, afirmando que não havia orienta nele, suas estratégias e competências
“solução”. Todos esses fatores, associados a para estabelecer vínculos, e com os recursos que
outros, culminaram na repetência escolar da esse lhe oferece, como proteção e força, frente
adolescente ao final do ano letivo. As autoras a situações de risco que se apresentam (BRITO;
concluíram que a instituição escolar, muitas KOLLER, 1999). Segundo Garmezy e Masten
vezes, mantém-se à parte dessas questões (1994), a rede de apoio contribui para o aumento
sociais das famílias, não exercendo o importante na competência individual, que reforça o senso
papel de fonte de apoio social e afetivo, que pode de dignidade, a autoimagem e a autoeficácia
atuar como fator de proteção para jovens em necessários para alcançar um objetivo. Para
situação de vulnerabilidade. Rutter (1987), a rede de apoio social oportuniza
A relação entre escola e família tem sido o aprofundamento dos relacionamentos, a fim
estudada por inúmeros pesquisadores, sendo de melhorar o padrão de adaptação. Esses bons
especialmente importante compreender essa relacionamentos modificam o autoconceito e
relação em populações advindas de condições protegem o indivíduo de posteriores situações
desfavoráveis de vida. A escola pode ser de risco. A rede de apoio social é dinâmica
considerada uma importante fonte de apoio social e construída em todas as fases da vida. Um
e afetivo e parte da rede de apoio dos indivíduos, alto nível de apoio social pode melhorar o
mitigando o processo de vulnerabilidade, funcionamento pessoal e proteger o indivíduo de
contribuindo para a sua superação e promovendo efeitos negativos causados por adversidades e
processos de resiliência. A rede de apoio estresse (NEWCOMB, 1990).
social tem uma profunda influência na O efeito protetivo que o apoio social oferece
saúde e no bem-estar do indivíduo, sendo está relacionado ao desenvolvimento da
considerada um fator fundamental para o capacidade de enfrentamento de adversidades,
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promovendo características de resiliência e da história individual dos par ticipantes e da
desenvolvimento adaptativo (BRITO; KOLLER, família; o processo de institucionalização;
1999; GARMEZY; MASTEN, 1994; RUTTER, o processo de desligamento; e aspectos da
1987). Cada esfera da vida, tais como família, convivência familiar dos par ticipantes. Para
amigos, profissão, vizinhos, escola, instituição alcançar o objetivo proposto, serão enfatiza-
de abrigo, entre outras, assume o papel de dos os dados relacionados à relação entre
identidade social capaz de fornecer apoio nas família/adolescente e escola, dados sobre o
relações em que o indivíduo estabelece com os desempenho escolar, como também sobre a
outros. Quanto mais ele percebe com satisfação par ticipação da instituição escolar no proces-
sua rede de apoio, mais sentimentos de so de reinserção familiar.
satisfação com sua vida terá (ORFORD, 1992). Esta pesquisa cumpriu todas as exigências
Dessa forma, a instituição escolar tem potencial da legislação brasileira sobre pesquisa com
de proporcionar o apoio social para seus alunos, seres humanos (registro no Comitê de
fazendo parte da sua rede de apoio. Ética do Instituto de Psicologia da UFRGS
nº 25000.089325/2006-58). As famílias e
Metodologia os adolescentes foram contatados e após
esclarecimentos sobre a pesquisa, assinaram
Neste estudo, ocorreu uma pesquisa o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
qualitativa e longitudinal, cujo delineamento foi Foram realizadas 14 visitas domiciliares
de Estudo de Caso Múltiplo e Embutido (YIN, em cada caso, ao longo de 18 meses de
2005). Par ticiparam dois adolescentes, uma acompanhamento, sendo que entrevistas com
menina e um menino, que estavam abrigados os adolescentes e um familiar foram realizadas
em uma instituição governamental de Por to aos três, seis e nove meses de desligamento.
Alegre, RS/Brasil, e foram acompanhados por As entrevistas foram gravadas e transcritas,
um período de 18 meses após o retorno à as conversas informais e as observações
família. A amostra foi assim composta por se foram anotadas em diário de campo. A análise
tratar dos únicos casos de adolescentes em de dados foi quali tativa, considerando
processo de reinserção familiar no momento da os aspectos relacionados à escola e à
realização da pesquisa, na instituição de abrigo relação entre família/escola. Os resultados,
pesquisada. Segundo Robson (1993), apesar apresentados a seguir, par tiram da descrição
de não ser randômica e não possibitar achados e do relato dos casos estudados, utilizando-se
representativos, a amostragem por conveniência nomes fictícios.
constitui-se, nas ciências humanas, em uma
forma útil de seleção por envolver a escolha Resultados
de par ticipantes mais próximos e referir-se à
realidade que se quer estudar. Caso de Pedro
Foram utilizadas entrevistas de reinserção Pedro era o terceiro filho de seis irmãos.
com os adolescentes e um representante da fa- Ele tinha 15 anos e cursava a 8ª série do Ensino
mília. Essas entrevistas investigaram aspectos Fundamental de uma escola pública de Por to
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Alegre, repetiu o ano escolar duas vezes, na série. Além disso, ele não apresentava muita
4ª e 6ª séries. Ele chegou ao abrigo aos quatro motivação e vontade em estudar, faltava à aula
anos. Sua referência familiar era a tia paterna. com frequência e apresentava notas baixas.
Não tinha contato com o pai e sua mãe faleceu Ao final do ano letivo, Pedro não obteve notas
na prisão quando ele estava com cerca de mínimas e foi reprovado. Ele não apresentava
10 anos. Pedro permaneceu institucionalizado conhecimento sobre o sistema escolar, sobre
durante 10 anos e um mês. como chegar à universidade e também não sabia
Ele foi reinserido na família da tia paterna, que profissão gostaria de exercer no futuro.
que era composta por sete pessoas (Pedro, Apesar da falta de entrosamento e dificuldade
tia paterna, seu companheiro, três filhos e o de aprendizagem, a tia paterna de Pedro
genro da tia). Antes do desligamento, Pedro demonstrava muita preocupação com a situação
passou a visitar a tia nos finais de semana. escolar do menino e o incentivava ao estudo.
A residência da tia se localizava na região
metropolitana de Por to Alegre e a própria Caso de Rosa
instituição providenciava o transpor te até o Rosa era a quinta filha de sete irmãos.
local. Sua tia possuía pouca escolaridade, não Ela tinha 13 anos e cursava a 5ª série do Ensino
possuía emprego fixo, a família era mantida Fundamental de uma escola pública de Por to
por trabalhos eventuais do companheiro da tia Alegre, repetiu o ano escolar duas vezes, na
trabalho de limpeza da tia, e recursos advindos 2ª e 5ª séries. Ela não tinha contato com o pai
de um programa social do governo federal. biológico, sua mãe possuía problemas mentais
Após a reinserção familiar, Pedro foi e era internada frequentemente. A irmã de 22
matriculado na escola pública do bairro, dando anos era a responsável pela família, tendo
continuidade aos seus estudos. Segundo sua buscado de forma ativa o desabrigamento
percepção, a escola era muito boa, contudo não de Rosa e de seu outro irmão de nove anos,
estava conseguindo se enturmar com os novos assumido a responsabilidade por eles. Rosa
colegas e professores. Afirmou que não tinha permaneceu institucionalizada durante seis
amigos na escola em decorrência de sua timidez. anos e nove meses.
Lembrava-se da sua antiga escola onde estudou Rosa foi reinserida na sua família de
durante os anos em que esteve na instituição de origem, que era composta por seis pessoas
abrigo. Afirmou que naquela escola, tinha vários (Rosa, sua mãe, padrasto, irmãs de 22, 16 e
amigos e conhecia todo mundo. Sua tia paterna irmão de oito anos). A residência da família
acompanhava o desenvolvimento escolar de estava em precário estado de conservação,
Pedro, cobrava mais interesse, incentivava possuindo muita umidade, problemas de
o estudo, estava em contato com a escola. goteira e cupins. Além disso, a casa não
Para sua tia, Pedro tinha dificuldades de fazer possuía sistema de água e esgoto, o acesso
novos amigos na escola e também possuia à água potável era possível somente após as
uma importante dificuldade de aprendizagem, 23 horas, por meio de um sistema informal
visto que foi avisada pela escola que o nível de de fornecimento (“gato”). Os adultos da
escolaridade de Pedro não correspondia à oitava família, mãe, padrasto e irmã mais velha, não
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possuíam empregos fixos. A irmã de 22 anos Discussão
havia abandonado os estudos para trabalhar e
contribuir para o sustento da família, além de Foi possível perceber que os dois casos
cuidar da mãe. A renda familiar era composta apresentados representam exemplos importantes
por trabalhos eventuais do padrasto e da irmã de reinserção familiar, contribuindo para o
mais velha, além da pensão que a mãe recebia. entendimento desse fenômeno, especialmente
Muitas vezes, a família passava dificuldade quanto às questões da escola. A adolescente
para obter a alimentação. retornou para a família nuclear (mãe biológica)
e o adolescente para um membro da família
Rosa não mudou de escola após o retorno
ex tensiva (tia paterna). Constatou-se que as
à família, visto que a escola ficava próxima à
famílias com as quais os adolescentes viviam
residência de sua família, apesar de ter que utilizar
possuíam precárias condições financeiras,
transpor te coletivo. Rosa demonstrava interesse
presença de doença mental e muitos membros
pela escola e percebeu-se um incremento no coabitando a mesma residência. Também
seu envolvimento escolar ao longo dos primeiros recebiam recurso de um programa social de
meses de reinserção. Ela afirmava gostar da transferência de renda do Governo Federal e os
escola, embora não tivesse um professor cuidadores possuíam baixa escolaridade e não
preferido ou com quem pudesse contar. possuíam emprego fixo. Precárias condições
Tinha várias amizades na escola, inclusive econômicas, família numerosa, doença mental,
a sua melhor amiga, com quem morava no desemprego ou subemprego, baixa escolaridade
abrigo. A irmã de 22 anos de Rosa demonstrava dos responsáveis pela família são fatores de
interesse no desenvolvimento escolar da risco descritos na literatura e características
irmã, incentivando-a e ajudando-a nas tarefas apontadas como frequentes entre as famílias de
sempre que podia. Também acompanhava jovens institucionalizados e na realidade brasileira
a rotina escolar quando havia reuniões, (FONSECA, 1987; IBGE, 2000; SILVA, 2004).
contudo afirmou que nenhum professor havia Quanto ao contexto escolar, foi possível
conversado com ela ou com Rosa sobre o perceber pouco envolvimento da escola no
retorno familiar, mesmo após a escola ter sido processo de retorno dos jovens às suas famílias.
notificada sobre isso. A família também passou Em ambos os casos, as famílias apresentavam
engajamento e interesse na trajetória escolar dos
a receber o Bolsa Família, em função de Rosa
adolescentes, incentivando-os e exigindo um bom
e os irmãos mais jovens estarem matriculados
desempenho escolar. Contudo, não foi relatado
na escola. Esse recurso era ex tremamente
pela família o interesse da escola em colaborar
impor tante para a complementação da renda nesse processo, não atuando como agente
familiar. Rosa apresentava clareza sobre a ativo na rede de apoio social. Esse dado
impor tância da escola e do significado da sugere que a escola não está sendo incluída
escolaridade para sua vida. Planejava terminar na rede de proteção das crianças em situação
o Ensino Médio, para assim arrumar um de risco, refletindo uma desar ticulação das
“serviço” melhor e poder contribuir com a políticas de atenção aos direitos da criança
renda familiar. e do adolescente. Do ponto de vista dos
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adolescentes, observaram-se percepções pessimista e negativa de profissionais da saúde e da
diferentes. Pedro apresentou dificuldade de educação sobre as famílias advindas das camadas
integrar-se à nova escola, não fez amigos populares, que são consideradas acomodadas
e obteve bai xo desempenho escolar. Isso à pobreza, “desorganizadas”, “comprometidas”
pode estar atrelado à sua timidez e ao fato e “desestruturadas” (YUNES; SZYMANSKI,
de mudar de escola, evento que pode ser 2003). Na percepção desses profissionais, as
pensado como estressante para Pedro. famílias pobres têm escassas possibilidades de
Já no caso de Rosa, que não mudou de sucesso diante das adversidades da pobreza.
escola e não precisou se adaptar a um Essa caracterização acaba reproduzindo
contex to escolar diferente, obser vou-se uma ideia depreciativa dessas famílias,
uma melhora no seu desempenho escolar reforçando ainda mais a impotência
e no seu interesse pela escola, aspectos atribuída a elas. Por outro lado, vale a pena
incrementados pela irmã de 22 anos, que destacar a impor tância de considerar o
passou a incentivá-la e aux iliá-la. potencial saudável de algumas famílias, e não
Chama a atenção o fato de Pedro generalizar a ideia de que todas as famílias
apresentar uma defasagem na relação pobres são desinteressadas e incapazes
desempenho escolar/escolaridade do ponto (FERRARI; KALOUSTIAN, 1994). Enxergar o
de vista de seus professores, indicando um núcleo familiar como um recurso saudável é um
impor tante problema social. O fato de Pedro desafio e tarefa necessárias para uma tentativa
não apresentar desempenho compatível com a de inversão desse panorama (CABRAL, 2002;
8ª série demonstrou que houve falhas no seu YUNES; SZYMANSKI, 2003). As famílias dos
processo de aprendizagem anterior, quando adolescentes deste estudo contrariaram essa
ele morava na instituição de abrigo. Esse perspectiva, pois estavam acompanhando-os
aspecto remete a uma possível influência dos e incentivando-os, demonstrando o valor da
aspectos macrossistêmicos relacionados escolaridade.
à institucionalização, pois as crianças e
adolescentes abrigados são por tadores de Considerações Finais
problemas, produzindo um sentimento de
“pena” nas pessoas (ARPINI, 2003; RIZZINI; A partir da análise dos casos de reinserção
RIZZINI, 2004; SIQUEIRA; BETTS; DELL’AGLIO, familiar, foi possível conhecer como tem
2006). Talvez esse aspecto tenha feito com que sido a participação da instituição escolar no
Pedro não fosse exigido durante seu processo importante processo de reinserção familiar.
de aprendizagem e sem permitir sua aprovação Primeiramente, observou-se uma grave situação
e aquisição de conhecimento mínimo. de vulnerabilidade social na qual as famílias
As famílias dos jovens demonstraram estavam inseridas. As famílias eram chefiadas
engajamento no desenvolvimento escolar e, por mulheres, que possuíam baixa escolaridade
apesar da pouca escolaridade, incentivavam e não tinham emprego formal e fixo. Por par te
os adolescentes e valorizavam seus estudos. da família, havia um acompanhamento e
Pesquisas têm demonstrado uma percepção engajamento nas atividades escolares dos
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adolescentes. Por par te da escola, houve REFERÊNCIAS
pouca par ticipação no processo de
reinserção familiar, demonstrando que ARPINI, D. Violência e exclusão: adolescência
a escola não está exercendo o potencial em grupos populares. São Paulo: EDUSC, 2003.
de fornecedora de apoio social e afetivo. BRASIL. Estatuto da Criança e do
Essa característica é crucial para jovens em Adolescente. Lei n. 8069, de 13 de julho de
situação de vulnerabilidade, visto que, no caso 1990. Brasília: Câmara dos Deputados, 1990.
das famílias apresentarem fatores de risco, a
escola poderia ser principal instituição a ser BRITO, R.; KOLLER, S. H. Desenvolvimento
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de reinserção familiar. Outro ponto frágil do quem cuida: reintegração familiar de crianças e
estudo se refere à ausência de triangulação dos adolescentes em situação de rua. Rio de Janeiro:
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