Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Aula 08 Formação Docente No Brasil

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 17

FORMAÇÃO DOCENTE NO BRASIL

AULA 08
CONDIÇÕES MATERIAIS
DO TRABALHO E DA
PRÁTICA DOCENTE

A prática docente sofreu, ao longo da história, profundas alterações no


que tange às leis que regem a profissão, às diretrizes pedagógicas e até
mesmo à conduta em sala de aula, migrando de um ambiente mais tradicional
para a mediação da apropriação do conhecimento. Nesse quesito, tanto na
educação básica quanto no ensino superior, o papel do professor tem sido
debatido e deve ser, de fato, (re)pensado.
Seja por meio de uma prática docente presencial ou a distância, hoje
em dia, com a velocidade da produção de informação, o professor será aquele
que ajudará o aluno a separar o joio (desinformação ideológica) do trigo
(conhecimento com base na veracidade dos fatos).
Neste capítulo, você conhecerá o contexto da prática docente no Brasil
e suas ramificações ao longo da história recente. Além disso, verá o papel do
docente desde a educação básica até o ensino superior. Por fim, verá a
relevância da prática docente crítica e reflexiva.
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Descrever a prática docente no Brasil e sua evolução histórica.


• Analisar a prática docente em cada uma das etapas da educação
básica ao ensino superior.
• Discutir a prática docente a partir de uma abordagem dialógica, crítica
e reflexiva.
8 DOCÊNCIA NO BRASIL: UMA PRÁTICA EM CONSTANTE
TRANSFORMAÇÃO

Não há como negar que os contextos de temporalidade de cada época trazem


consigo resquícios de um dado comportamento social e econômico, aliado a
demandas que, por vezes, são debatidas e orientadas no âmbito das políticas públicas
(GODINHO; FARIAS, 2018). Nesse sentido, como afirma Godinho e Farias (2018, p.
192), “A cada período, década ou século que se passa os contextos vão se
modificando, a demanda gera uma nova necessidade, da necessidade saciada surge
um novo hábito, que origina novas rotinas e assim surge um novo ciclo [...]”.
É sob essa ótica que a evolução histórica da prática docente no Brasil se
assenta, e, por vezes, como meros expectadores dos resultados, os professores
lamentam pelos índices que classificam o País e depreciam a imagem nacional
(INSTITUTO PAULO MONTENEGRO, 2016). Mas de que vale se preocupar com a
fotografia (resultados imediatos), e não lançar mão de meios para educar-se a si
primeiro, para, depois, buscar contornar os reflexos (consequências) dessa paisagem
(constatação), que ainda serão sentidos por anos e anos a fio? De quem seria a
responsabilidade e a autoridade pela educação de crianças e jovens? Desde quando
e como acontece a prática docente no Brasil? Qual o papel da prática docente da
educação básica ao ensino superior? Diplomas e artigos científicos bastariam para
qualificar essa prática docente?
Por muito tempo, no Brasil, aprender a ler era uma possibilidade restrita a
poucos, e, com a expansão da escolarização, a alfabetização, com seus questionáveis
métodos, foi ganhando cada vez mais espaço. Assim, o analfabetismo estrito caiu
vertiginosamente, porém convém admitir que o letramento, por si só, não basta. Hoje
em dia, existem as dificuldades do aproveitamento escolar, o que sublinha a
preocupação emergente com o analfabetismo funcional (INSTITUTO PAULO
MONTENEGRO, 2016). Saber decodificar códigos e números e ler as sentenças sem
conseguir interpretá-las torna-se um impasse limitante para a contratação e o
progresso profissional de muitos formados em nível médio e até mesmo em nível
superior.
Nesse ínterim, os alunos que passaram compulsoriamente pelos ciclos
escolares durante esse período da vida foram teoricamente formados para serem
bons cidadãos e, com base nas atuais diretrizes educacionais instrumentalizados,
trabalhadores (RIBEIRO, 1993). No entanto, muito antes desse atual panorama
educacional, que serve como engrenagem para manter o sistema financeiro e seu
poderio na formação do “capital” humano, o ideal de educação e prática docente que
se iniciou no Brasil a partir da sua colonização, no século XVI, esteve atrelado à
educação católica e ao modelo de escolas jesuíticas (NEGRÃO, 2000; RIBEIRO,
1993). Na prática, tal cenário foi uma resposta imediata ao declínio da formação
intelectual vivenciada no velho continente e além-mar, implementada na Terra de
Santa Cruz. Nesse sentido, foram os padres os primeiros educadores de muitos
brasileiros nos primórdios do País (NEGRÃO, 2000).
Mas, afinal, de quem seria a responsabilidade e a autoridade pela educação
das crianças e jovens brasileiros? Para responder a essa questão, faz-se necessário
observar o modelo de organização da sociedade atual e de antigamente. Um fato que
distorce a resposta, hoje, é a “necessidade” da terceirização do ensino, haja visto que
os pais se lançam avidamente no mercado de trabalho em busca de retorno financeiro,
logo, paira um senso comum de que caberia à escola a educação dos pequenos. No
entanto, se a ordem natural fosse observada e levada em consideração, com a análise
de que esse sucateamento traz inúmeras consequências à formação moral e
intelectual das crianças e dos jovens, nossa imediata resposta seria dizer que é a
família o primeiro núcleo educacional que tem a responsabilidade e a autoridade pela
educação dos seus.
No Brasil, a história recente conduziu-nos ao atual e questionável consenso
que reside sobre a perspectiva de educação do ensino básico ao superior. Se, para
alguns pensadores, “lugar de criança é na escola”, você já parou para pensar por que
o Estado, a partir de um Ato Institucional em 1834, tomou para si a responsabilidade
de educar os pequenos, alegando sua suposta autoridade sobre os pagadores de
impostos? Se a Educação é um direito de todos, promulgado na Constituição de 1988,
seria, de fato, o Estado responsável por cumprir esse papel? O Estado estaria
interessado em formar bons cidadãos e trabalhadores ou em controlar a sociedade
para manter o poder sobre os seus?
O Quadro 1, a seguir, apresenta um breve histórico da trajetória nacional da
educação até hoje, com base nos achados de Ribeiro (1993) e Godinho e Farias
(2018).
Quadro 1 – Trajetória nacional da educação
Ano Cenário Educacional

Na Era Vargas, foi criado o Ministério de Educação e Saúde,


em 1930, ocupando a pasta Francisco Campos. Em 1932,
como uma resposta à encíclica de Pio XI, no Brasil, foi
publicado o Manifesto dos Pioneiros, na tentativa de
descentralizar o poder educacional da Igreja, entregando os
educandos ao Estado, movimento conhecido como Escola
Nova. Na mentalidade desses profissionais, o ensino deveria
ser “leigo”, gratuito, universal e obrigatório. Essa aparente
“neutralidade” nas políticas educacionais entregou cada vez
1930–1945 as crianças e os adolescentes sob a “égide” do Estado. Além
disso, a Constituição de 1934 atribuiu à União a competência
privativa de traçar as diretrizes educacionais do País. Em
1942, pelo Decreto-Lei nº 4.048, ocorreu a criação do Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), para ampliar
a formação mínima ao operariado. Nesse mesmo ano,
ocorreu a Reforma Capanema, voltada para o patriotismo e
o nacionalismo, difundindo disciplina e ordem por meio dos
cursos de moral e civismo e de educação militar para os
alunos do sexo masculino nas escolas secundárias.

Durante o período conhecido no Brasil como nacional


desenvolvimentismo, foi criado, em 1946, pelo Decreto-Lei nº
8.621, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
(SENAC). Além disso, as empresas foram obrigadas a
empregar menores e matriculá-los nas escolas de
1946–1964
aprendizagem do SENAC. Em 1948, uma comissão,
presidida por Lourenço Filho, elaborou um anteprojeto de
educação, que foi discutido durante 13 anos e somente
aprovado em 1961, com a promulgação da Lei nº 4.024,
primeira Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Durante o Período Militar, houve a promulgação da Lei nº


1964–1984 5.692, de 1971, que fixa diretrizes e bases para o ensino de
1º e 2º graus e dá outras providências.

1984–1988 Transição democrática.

Durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, houve a


1996 promulgação da Lei nº 9.394, que estabelece as Diretrizes e
Bases da Educação Nacional. Ainda no mesmo ano, houve
a divulgação da Lei nº 9.424, que dispõe sobre o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
de Valorização do Magistério (Fundeb).

Ainda durante o Governo Fernando Henrique Cardoso,


2001 houve a aprovação da Lei nº 10.172, que aprova o Plano
Nacional de Educação e dá outras providências.

Durante o Governo Lula, houve a autorização da concessão


de bolsas de estudo e de pesquisa a participantes de
2006
programas de formação inicial e continuada de professores
para a educação básica a partir da Lei nº 11.273.

No ano seguinte, a Lei nº 11.494 regulamentou o Fundeb.


Ainda durante o Governo Lula, houve uma alteração nas
2007 competências e na estrutura organizacional da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) a
partir da Lei nº 11.502.

Em 2010, foi promulgado o Decreto nº 7.219, que dispõe


2010 sobre o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência (Pibid).

Durante o Governo Dilma, foi promulgado o Decreto nº 8.752,


2016 que dispõe sobre a Política Nacional de Formação dos
Profissionais da Educação Básica.

Fonte: Própria autoria

Diante desse cenário, qual o papel da prática docente da educação básica ao


ensino superior? Diplomas e artigos científicos bastariam para qualificar a prática
docente? De fato, há quem diga que a prática docente requer um constante
aprendizado sobre a arte de ensinar que acompanha o aspirante a professor desde a
sua iniciação na graduação, durante o exercício da profissão até a formação
continuada (MARQUEZAN; SCREMIN; SANTOS, 2017). O processo formativo, quer
queira ou não, parece ser sempre inacabado e em constante transformação
(TAVARES, 2010), por isso, cabe ao professor estar atento para atualizar-se frente às
demandas da sociedade atual.
Cabe destacar que, pelo fato de a prática docente ser um constante
aprendizado (MARQUEZAN; SCREMIN; SANTOS, 2017), assentar sua intervenção
no simples fato de ter um diploma ou na quantidade de artigos científicos depositados
no currículo evidentemente não basta. Com a invenção dos diplomas pela
Universidade de Paris, no século XIX, passou-se a buscar mais a titulação do que a
formação. Contudo, produtividade acadêmica não necessariamente é sinônimo de
verdadeiro caminho de formação intelectual (BERTANCINI et al., 2018). Além disso,
é importante considerar que, nesse esboço, encontra-se apenas um recorte do
panorama educacional no País.
Formado por grandes estudiosos desde o século XVI, o processo educacional
no Brasil entrou em deriva com a maré controladora do Estado, em concordância com
as diretrizes educacionais internacionais (BARRETO; FILGUEIRAS, 2007). Se, por
um lado, a educação é, de fato, um direito, o dever de suprir tal necessidade está
centrado na autoridade da família em dispor os meios e decidir a quem e quando
delegar parte da formação. Nessa trajetória, reside o professor, para o qual os pais,
por força de leis, se veem impelidos a confiar compulsoriamente os seus. A missão
formativa do professor é ainda mais salutar quando ele se torna capaz de enxergar
pela lupa da veracidade dos fatos a realidade educacional brasileira.

8.1 Prática docente: da educação básica ao ensino superior

Há quem diga que a prática docente é uma tríade formada por: conhecimento,
docente e discente (PESSOA; MACEDO, 2018). O arcabouço teórico é o elo entre
aqueles que almejam ensinar e aqueles que tem sede por aprender. Nesse ínterim,
reside o processo de ensino-aprendizagem, com seus métodos e técnicas específicas
para cada área do conhecimento. Diante desse cenário, a prática docente recebe
fundamental importância, visto que ela possui grande responsabilidade pela formação
intelectual dos alunos. É a partir desse panorama formativo que se inicia a discussão
deste capítulo: qual o papel da prática docente da educação básica ao ensino
superior?
No Brasil, à docência sofreu profundas transformações, visto que, do século XX
até hoje, o processo educacional teve várias intervenções estatais, na tentativa de
ampliar a escolarização (NÓVOA, 1992). Nesse contexto, a prática docente passou a
ser majoritariamente efetuada nas escolas, por meio da matrícula obrigatória das
crianças e dos adolescentes em seus mais variados ciclos. O professor, por sua vez,
era tido como mero mediador do processo de ensino-aprendizagem, quando, na
realidade, ao observar a dimensão da prática docente na formação inicial dos
educandos, percebe-se a singular missão de ser mestre e guia da vida intelectiva de
outrem em busca da verdade. Sob essa ótica, confiar-se a ser educado por outra
pessoa permeia uma relação de troca de saberes e de proximidade (GALVÃO, 2002).
Assim, o docente precisa ser alguém revestido de virtudes, para que seja capaz de
ensinar e corrigir os erros encontrados pelo caminho enquanto oportunidade de
aprendizado para o aluno (GALVÃO, 2002).
Dito isso, a prática docente está presente nas escolas desde a educação
infantil, perpassando o ensino fundamental até os concluintes da educação básica,
representados pelos alunos do ensino médio. De acordo com Nóvoa (2009), a
constante busca pela formação também continua dentro da escola, de modo que deve
compor a postura docente a necessidade por atualizar-se para intervir. Tratando-se
da educação infantil, de acordo com o disposto pelas Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCNEI), esse ciclo escolar tem por objetivo articular as experiências e os saberes do
público infantil com os conhecimentos que compõem o patrimônio cultural, científico e
tecnológico da sociedade, a fim de promover o desenvolvimento integral das crianças
de 0 a 5 anos de idade (BRASIL, 2010). Ciente disso, é um desafio e tanto para um
professor recém-formado assumir um cargo nesse ciclo educacional (RODRIGUES;
BOER, 2019), uma vez que engloba crianças desde o berçário, passando pelo
maternal até as ramificações da pré-educação.
Outro aspecto a ser destacado é o fato de que, além de ser um público que
requer múltiplos conhecimentos por parte do professor, tal dimensão formativa
confronta a realidade de que pouco se ensina na formação universitária sobre como
e quando intervir (RODRIGUES; BOER, 2019). Com base nisso, e devido ao fato de
que cada vez mais as crianças são levadas desde cedo ao cuidado dos professores
nas escolas, há educadores que compactuam com a seguinte perspectiva
educacional: que ao educador cabe a missão de observar as práticas das crianças, a
fim de desenvolver a interpretação das mensagens que são ditas mesmo que palavra
alguma seja verbalizada. Nesse sentido, a prática docente levaria em consideração
os saberes do público infantil observados durante os momentos de interação e
brincadeiras (RODRIGUES; BOER, 2019).
Já nos ensinos fundamental e médio, a prática docente recebe contornos de
formação letrada e pautada nos ditames das diretrizes educacionais vigentes
(BRASIL, 2013). Nesse interim, o aluno é formado para ser um cidadão capaz de atuar
na sociedade, e os finais da educação básica deveriam permiti-lo alcançar, caso
almeje, a formação de nível superior. No Brasil, há vários alunos que ficam pelo
caminho (LEBLANCK; SILVA, 2019), mas a grande maioria termina a escolarização,
mesmo que o letramento tenha sido alcançado em contraposição ao precário
aproveitamento escolar (INSTITUTO PAULO MONTENEGRO, 2016).
A prática docente no ensino superior perpassa atividades de ensino, pesquisa
e extensão universitária. É interessante observar que, durante muito tempo, a
formação universitária foi restrita a uma parcela da população. Em contrapartida, a
esse passado recente, cabe destacar que possibilitar apenas o acesso à universidade
não resolve o problema de analfabetismo funcional e precariedade da escolarização
no País, uma vez que tal dilema encontra eco nos cursos de formação de professores
(LEBLANCK; SILVA, 2019).
Formados por um sistema educacional ineficiente, pressupondo o domínio do
conteúdo a ser aprendido, os professores ensinam visando ao retorno financeiro.
Aqueles conscientes das suas limitações e de que precisam se educar aparentam
conhecer um pouco mais da realidade educacional brasileira, ao passo que a grande
maioria deixa-se ludibriar por ela. Nossa “pátria educadora” estaria de fato educando
os filhos seus? Outra indagação pertinente seria esta: será que de fato caberia a ela
tal missão?
Desse modo, pode-se verificar que a prática docente perpassa desde os anos
iniciais até o ensino superior. Cabe destacar que, independentemente da área de
atuação profissional e formação inicial, o professor precisa de uma formação
acadêmica que contribua para a sua intervenção profissional.

8.2 Prática docente: percepções e perspectivas

Na prática, a abordagem crítico-reflexiva leva o educador, ainda durante seu


processo de formação inicial, por meio dos estágios supervisionados ou até mesmo
da prática como componente curricular, a questionar a separação entre a teoria e a
prática.
Dito isso, em um primeiro momento, faz-se necessário desmembrar a
concepção de professor crítico-reflexivo, a fim de entender os pressupostos teóricos
(teoria reflexiva e teoria crítica) e o pensamento dos autores que estão por trás de
tudo isso. Para chegar nessa visão de uma prática docente crítico-reflexiva no campo
das ideias, a teoria foi (re)formulada por vários pensadores desde o início do século
XX. Suas raízes históricas mais profundas estão atreladas aos pressupostos teóricos
de John Dewey, um filósofo da educação norte-americana, que viveu entre os anos
1859 e 1952. Para Dewey, a educação é um instrumento estatal que serve para
educar o homem ao mercado de trabalho (ZEICHNER, 2008). Essa formação, embora
questionável, compôs o arcabouço teórico de um dos responsáveis pelas reformas
educacionais no Brasil na década de 1920, Anísio Teixeira. Haja vista sua atuação,
até hoje seu nome é homenageado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP) (RIBEIRO, 1993).
Mas, afinal, qual a relação entre os pressupostos de Dewey para a educação e
o cenário de escolarização atual e a prática docente no Brasil? É possível constatar
sua influência ao observar atentamente como ocorre a alfabetização, a escolarização
e a prática docente na atualidade. Conscientes disso ou não, muitos docentes servem
a este fim, embora não seja mais para formar um sujeito de virtudes que busca a
verdade. Na prática, muitos alunos são treinados para serem capazes de atuar na
sociedade e, nesse contexto, serem trabalhadores.
No Brasil, tal debate se iniciou a partir de intensas discussões sobre o objetivo
da educação, o que culminou na promulgação da 1ª e 2ª Leis de Diretrizes de Bases
(LDB) (Quadro 1, mencionado na seção anterior). Nesse interim, foram décadas de
debates e embates, projetos de lei e correções das diretrizes sancionadas. Além
disso, cabe relembrar que houveram severas alterações no cenário político e
educacional ao longo do século XX, e também das influências de pensadores além-
mar (RIBEIRO, 1993), como Donald Schön, um pedagogo estadunidense que se
debruçou a estudar a teoria da reflexividade tendo como base a visão de Dewey sobre
a educação (PINTO, 2015; RANGEL-BETTI; BETTI, 1996). Schön desenvolveu seu
trabalho sobre a teoria da reflexividade atrelada à formação profissional. Para o autor,
a reflexão na e sobre a ação deveria seguir a sequência de pensamento apresentada
na Figura 1 (PINTO, 2015).
Figura 1 – Teoria reflexiva na concepção de Donald Schön

Fonte: adaptada de Pinto (2015)

Na concepção de Zeichner (2008, p. 545), há diferentes formas de se pensar a


formação docente reflexiva, e “[…] todos os professores são reflexivos de alguma
forma. É importante considerar o que queremos que os professores reflitam [...]”.
Diante dessa revelação, cabe pensar sob qual jugo se assenta a ideia de um professor
crítico-reflexivo. Observe que, para Zeichner (2008), o conceito de reflexão ainda
significa para muitos professores uma ajuda aos seus pares quanto a melhor forma
de corresponder aos currículos vigentes e, por conseguinte, à adequação aos
métodos de ensino em voga. Nas palavras do autor, “[…] a pergunta que se faz aqui
sobre a ‘reflexão’ é a seguinte: Em que medida a minha prática está de acordo com
aquilo que alguém deseja que eu faça?” (ZEICHNER, 2008, p. 541).
Assim, cabe alertar sobre as raízes ideológicas que têm a pretensão de reger
a reflexividade na docência, sob a égide de que a reflexão teria um caráter político.
Alguns teóricos acreditam que a missão do professor reflexivo seria contribuir para
uma sociedade na qual fosse intensificada a tensão social, haja vista a pretensão de
igualdade e transferência de poder aos educadores (ZEICHNER, 2008).
Em vários países, a concepção de prática reflexiva de Schön pode ser
constatada, por exemplo, por meio dos estudos de Shulman e Zeichner, nos Estados
Unidos, Garcia e Pérez-Gómez, na Espanha, Perrenoud, na França e Nóvoa, em
Portugal (RANGEL-BETTI; BETTI, 1996). No Brasil, a influência de Donald Schön
remonta à década de 1980, de forma mais proeminente a partir dos anos 1990,
quando educadores brasileiros tiveram contato com a produção acadêmica do
professor português Antônio Nóvoa, em seu livro Os professores e sua formação
(PINTO, 2015).
A ideia por trás da teoria reflexiva na formação de professores era formar
educadores que pensassem a prática profissional antes, durante e depois da
intervenção (RANGEL-BETTI; BETTI, 1996).
Conforme destaca Zeichner (2008, p. 538):

Quando Donald Schön publicou o livro “O profissional reflexivo”, em 1983 [...],


isso marcou a reemergência da prática reflexiva como um tema importante
da formação docente norte-americana. A ideia da prática reflexiva já existia
há muito tempo, tanto na filosofia ocidental como na não ocidental, incluindo
a grande influência que o livro de John Dewey, “Como pensamos” exerceu
na educação nos EUA, no início dos anos de 1900. Após a publicação do livro
do Schön e da grande quantidade de literatura sobre o tema que ele estimulou
a produzir no planeta inteiro, e do trabalho de outros educadores no mundo,
incluindo o de Paulo Freire, no Brasil [...], e o de Jurgen Habermas, na Europa
[...] formadores de educadores de diferentes países começaram a discutir
como eles preparavam seus estudantes para serem professores reflexivos.
O ensino reflexivo tornou-se rapidamente um slogan adotado por formadores
de educadores das mais diferentes perspectivas políticas e ideológicas para
justificar o que faziam em seus programas e, depois de certo tempo, ele
começou a perder qualquer significado específico.

Atualmente, a discussão gira em torno da aproximação da teoria da


reflexividade da teoria crítica (PINTO, 2015). É diante dessas ideias que, ainda nas
décadas de 80 e 90, surgiram os trabalhos de autores como Libâneo e Saviani a
respeito das formulações críticas (PINTO, 2015) e tais estudos influenciaram outros
educadores. Haja visto esse panorama, centrado na prática docente diante da
abordagem dialógica, crítica e reflexiva, a preocupação dos formadores de
educadores se voltou para a formação inicial e continuada (RANGEL-BETTI; BETTI,
1996).
Conforme destacado por Pinto (2015), durante a formação inicial de
educadores, por intermédio das práticas curriculares e extracurriculares, a formação
crítico-reflexiva deve protagonizar o desenvolvimento do licenciando frente ao seu
contexto de atuação profissional (PINTO, 2015). Nesse âmbito, almejando formar um
bom professor, tem-se a concepção de professor bem-sucedido (GALVÃO, 2002), que
pressupõe o cumprimento de três características centrais. Em um primeiro momento,
o professor bem-sucedido é aquele que apresenta o domínio do conteúdo e da
metodologia. Além disso, tal docente mostra envolvimento com a realidade dos seus
educandos, fato que contribuiria, por conseguinte, para o caráter reflexivo de sua
prática docente (GALVÃO, 2002).
Como visto, a prática docente no Brasil é fruto da institucionalização do
processo educacional. Entre normativas e diretrizes, a prática docente ocorre por meio
da interação entre o conhecimento, o docente e o discente. Este último (os
educandos), com a atual perspectiva da educação — de formar capital humano para
o mercado de trabalho —, vê entre a realidade da prática profissional e as teorias
acadêmicas um distanciamento entre a teoria e a prática. Frente a isso, ainda que
limitadas e questionáveis, estão as teorias crítica e reflexiva, defendidas por
educadores, em uma tentativa de superar modelos curriculares antes implementados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAGNARA, I. C.; FENSTERSEIFER, P. E. Relação entre formação inicial e ação


docente: o desafio político da educação física escolar no centro do debate. Revista
Brasileira de Ciências do Esporte, [s. l.], v. 41, n. 3, p. 277–283, 2019.
BARRETO, A. L.; FILGUEIRAS, C. A. L. Origens da universidade brasileira. Química
Nova, São Paulo, v. 30, n. 7, p. 1780–1790, 2007.
BERTANCINI, M. O. A et al. A prática docente e a sua relação com o sistema nacional
de avaliação do ensino superior. Revista CAMINE: Caminhos da Educação, Franca,
v. 10, n. 2, p. 105–115, 2018.
BETTI, M.; ZULIANI, L. R. Educação física escolar: uma proposta de diretrizes
pedagógicas. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 1, n.
1, p. 73–81, 2002.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 27 de
jan de 2023.
BRASIL. Decreto nº 7.219, de 24 de junho de 2010. Dispõe sobre o Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID e dá outras providências.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2010/decreto/d7219.htm. Acesso em: 27 de jan. de 2023.
BRASIL. Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834. Faz algumas alterações e adições à
Constituição Política do Império, nos termos da Lei de 12 de outubro de 1832.
Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim16.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2
016%20DE%2012%20DE%20AGOSTO%20DE%201834.&text=Faz%20algumas%2
0altera%C3%A7%C3%B5es%20e%20addi%C3%A7%C3%B5es,12%20de%20Outu
bro%20de%201832.. Acesso em: 27 de jan de 2023.
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes curriculares nacionais gerais da
educação básica. Brasília: MEC, 2013.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes
curriculares nacionais para a educação infantil. Brasília: MEC, 2010.
DARIDO, S. C. Teoria, prática e reflexão na formação profissional em educação física.
Motriz, Rio Claro, v. 1, n. 2, p. 124–128, 1995.
GALVÃO, Z. Educação física escolar: a prática do bom professor. Revista Mackenzie
de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 65–72, 2002.
GODINHO, J. D.; FARIAS, M. E. Formação docente no Brasil: analisando os contextos
social e legislativo através de cinco décadas. Nuances: Estudos sobre Educação,
Presidente Prudente, v. 29, n. 2, p. 192–210, 2018.
INSTITUTO PAULO MONTENEGRO. Indicador de alfabetismo funcional – INAF:
estudo especial sobre alfabetismo e mundo do trabalho. São Paulo: IPM, 2016.
LEBLANCK, R. H.; SILVA, G. T. F. Alfabetização versus letramento: escrever, ler e
pensar. Pensar Acadêmico, Manhuaçu, v. 17, n. 2, p. 207–221, 2019.
MARQUEZAN, F. F.; SCREMIN, G.; SANTOS, E. A. G. Aprendizagem da docência
na formação inicial de professores: contribuições do Pibid/Pedagogia. Educação por
Escrito, Porto Alegre, v. 8, n. 1, p. 112–128, 2017.
NEGRÃO, A. M. M. Resenhas. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n.
14 2000. Resenha de: FRANCA, S. J. L. O método pedagógico dos jesuítas: o "Ratio
Studiorum": introdução e tradução. Rio de Janeiro: Livraria Agir, 1952.
NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA, A. (coord.).
Os professores e a sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992. p. 13–
33.
NÓVOA, A. Professores: imagem do futuro presente. Lisboa: EDUCA, 2009
PESSOA, P. S.; MACEDO, E. P. Prática docente e políticas educacionais no ensino
superior e os quatro pilares da Educação. Revista de Educação, Brasília, ano 41, n.
157, p. 108–119, 2018.
PINTO, C. A. S. A formação do professor crítico-reflexivo na Educação Física:
realidades e possibilidades no âmbito do PIBID IFCE. 2015. Dissertação (Mestrado
em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro de Educação
Estadual do Ceará, Fortaleza, 2015.
RANGEL-BETTI, I. C.; BETTI, M. Novas perspectivas na formação profissional em
educação física. Motriz, Rio Claro, v. 2, n. 1, p. 10–15, 1996.
RIBEIRO, P. R. M. História da educação escolar no Brasil: notas para uma reflexão.
Paidéia, Ribeirão Preto, n. 4, p. 15–30, 1993.
RODRIGUES, J. S. M.; BOER, N. Da epistemologia à prática docente na educação
infantil: relato de uma sequência didática. Research, Society and Development, [S.
l.], v. 8, n. 6, p. e166969, 2019.
TAVARES, M. Inovações pedagógicas na prática curricular da Esef-UPE:
contribuições teórico-metodológicas para formação inicial de professores em
educação física. In: TERRA, D. V.; SOUZA JÚNIOR, M. Formação em educação
física e ciências do esporte: políticas e cotidiano. São Paulo: Aderaldo e Rothschild,
2010. p. 93–129.
ZEICHNER, K. M. Uma análise crítica sobre a “reflexão” como conceito estruturante
na formação docente. Educação & Sociedade, Campinas, v. 29, n. 103, p. 535–554,
2008.

Você também pode gostar