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782-Texto Do Artigo-929-1641-10-20210211

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A PROGRESSÃO DE REGIME E SEU CONTEXTO HISTÓRICO: avanço ou

retrocesso1

Amaury M. Queiroz2
Daphine Hauck Rabeca3
Gabriel Arantes de Mendonça4
Vitória Barros Mouro5

RESUMO

O presente artigo tem como fito abordar a progressão de regime bem como o as
resultâncias de seu contexto histórico no sistema prisional brasileiro com a nova lei
anticrime. Como forma de alcançar tal objetivo, foi utilizada como metodologia a
pesquisa bibliográfica e documental a respeito de tal temática. O referido estudo
demonstra que o transpassar da progressão até o limiar da nova sistemática de
regime, trouxe mudanças substanciais, com o aumento da duração do tempo mínimo
de cumprimento de pena até que haja a possibilidade de progressão de regime.

PALAVRAS CHAVE: PROGRESSÃO DE REGIME. SISTEMA PRISIONAL.


PACOTE ANTICRIME.

1
Artigo elaborado na disciplina “Direito Penal” do primeiro semestre de 2020.
2
Graduando do 3ºp do curso de Direito das Faculdades Integradas Vianna Júnior
amaurymanhaes@yahoo.com
3
Graduanda do 3ºp do curso de Direito das Faculdades Integradas Vianna Júnior
daphine.rabecca@hotmail.com
4
Graduando do 3ºp do curso de Direito das Faculdades Integradas Vianna Júnior
mendonca.gabriel21@gmail.com
5
Graduanda do 3ºp do curso de Direito das Faculdades Integradas Vianna Júnior
vitoriabarros34@yahoo.com.br

397
INTRODUÇÃO

A progressão de regime prisional é o último dos três momentos do princípio


da individualização da pena que é previsto constitucionalmente no art. 5º, inciso
XLVI, CF88. Tal princípio garante que sejam analisadas as particularidades do caso
concreto, fazendo com que penas distintas sejam aplicadas a indivíduos que se
encontram em situações distintas, garantindo a isonomia material. Além disso, a
progressão de regime é de extrema importância para a ressocialização do preso,
também ajudando na diminuição da população carcerária e de gastos econômicos.
Entretanto, essa garantia constitucional de individualização da pena do
condenado através da progressão de regime, passou por algumas mudanças desde
que a Lei de Execução Penal entrou em vigor, em 1984. A primeira delas ocorreu em
1990 com a Lei de Crimes Hediondos, que vedava a progressão de regime para
aqueles condenados que praticaram delitos e que se enquadram na previsão da
mesma lei. Em 2007 essa lei foi alterada após o Supremo Tribunal Federal declarar
inconstitucional a vedação expressa anteriormente. A mais nova alteração foi feita
em 2019, quando foi aprovada a lei anticrime pelo Congresso Nacional, que
modificou o tempo necessário de cumprimento de pena para que o condenado
possa progredir de regime.
Neste seguimento, este trabalho tem como propósito geral, analisar a
aplicação da progressão de regime desde sua entrada em vigor até a nova
modificação trazida pelo pacote anticrime, apontando as discussões geradas em
cada uma das diferentes formas de aplicação. Para isso, será utilizado como
metodologia, pesquisa bibliográfica e documental, com conceitos e ideias de
doutrinadores análogos ao propósito apresentado.
O fundamento por qual essa tese foi escolhida, relaciona-se à questão de que
a progressão de regime é de fato um direito de todo cidadão, mas na atual
conjuntura social, advindo ainda o quesito do pacote anticrime, qual seria as
consequências para o sistema prisional brasileiro, bem como para a economia do

398
país. Ademais, o fito do projeto também é mostrar que o preso é disposto a um
tratamento execrável, o qual faz com que ele sofra os mais variados tipos de castigo,
acarretando na degradação de sua personalidade e na perda de sua dignidade, em
um processo, portanto, que não oferece quaisquer condições de preparar o seu
retorno útil à sociedade.
Sendo assim, na próxima seção será abordado o Princípio de Individualização
da Pena e sua relação com a Constituição Federal. Em seguida, será analisada a Lei
de Crimes Hediondos no que tange o trajeto da progressão de regime, da sua
vedação à sua permissão, e como isso acarretou um encarceramento em massa.
Posteriormente, será apresentada a declaração de inconstitucionalidade do
dispositivo das Leis de Crimes Hediondos, pelo Supremo Tribunal Federal, que
vedava a progressão de regime para aqueles que praticam tais crimes. Logo após,
será estudada a Lei n. 11.462/2007, que modificou o texto do artigo 2º da Lei de
Crimes Hediondos, em seguida da declaração de inconstitucionalidade de tal artigo.
E por fim, serão abordadas as mudanças trazidas com a aprovação do Pacote
Anticrime, analisando se essas modificações trouxeram avanços ou retrocessos para
a progressão de regime.

1 A CONSTITUIÇÃO E O PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

A priori, torna-se relevante refazer uma retomada histórica acerca dos direitos
adquiridos pelos cidadãos, assim, tem-se a partir do Iluminismo, o Direito Penal, na
esmagadora maioria dos países democráticos que abarcou um caráter menos cruel
do que ocorria no Estado Absolutista. Logo, muitos princípios foram incorporados ao
trazer uma ideia de igualdade e liberdade, limitando a intervenção estatal. Com o
passar dos anos, tais princípios receberam um caráter constitucional, no qual Cezar
Roberto Bitencourt (2012, p. 46 apud SILVA, 2016) aponta como “Princípios
Fundamentais de Direito Penal de um Estado Social e Democrático de Direito”.

399
Ademais, o texto constitucional da República do Brasil de 1988, trouxe uma
série de princípios garantidores dos direitos dos cidadãos perante o poder punitivo
estatal. O próprio preâmbulo, o qual reflete posição ideológica, filosófica e política,
estabelece valores supremos a serem seguidos, como: liberdade, igualdade e
justiça. Desse modo, tais valores são também, por consequência, orientadores de
interpretações sobre matéria penal em normas infraconstitucionais (SILVA, 2016).
Em um segundo momento, é válido ressaltar no que tange a temática da
progressão de regime, o direito da individualização das penas para todos os
cidadãos, o qual está assegurado no art. 5º, inciso XLVI, da Constituição da
República, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros, residentes no País, a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: a lei regulará a individualização da pena”
(BRASIL, 1988). Essa garante aos indivíduos, no momento de uma condenação em
um processo penal, que a sua pena seja individualizada, isto é, levando em conta as
peculiaridades aplicadas para cada caso em concreto (ROMANO, 2018). Assim, tal
princípio consagra a isonomia material, pois atribui tratamento diverso a indivíduos
que se encontram em situações distintas. Cuida-se, com efeito, de tratar os
desiguais desigualmente, na medida de suas desigualdades, objetivando-se a
efetiva Justiça.
A aplicação do princípio da individualização da pena pode ser dividida em três
etapas diferentes. O primeiro momento é uma etapa que se chama de fase in
abstrato. O legislador faz a aplicação deste princípio para elaboração do tipo penal
incriminador, com a determinação das penas em abstrato, estabelecendo os
patamares, mínimo e máximo de pena, que poderão ser aplicados, pelo juiz, a cada
caso concreto. A segunda fase, a individualização judiciária, é o momento em que o
juiz faz a aplicação do tipo penal ao ato que o acusado cometeu, verificando qual
será a pena mais adequada, levando em conta as características pessoais de cada
réu. E a última fase, quanto à aplicação da sanção, é aquela em que o magistrado

400
responsável pela execução da pena do apenado vai determinar o cumprimento
individualizado da sanção aplicada (ROMANO, 2018).
Segundo Rogério Greco (2000, p. 71 apud MACARAJÁ, 2013):

A esta fase seletiva, realizada pelos tipos penais no plano abstrato,


chamamos de cominação. É a fase que cabe ao legislador, dentro de
um critério político, de valorar os bens que estão sendo objeto de
proteção pelo Direito Penal, individualizando a pena de cada infração
penal de acordo com a sua importância e gravidade.

Franco (2020) aponta que o princípio da individualização, garante a todo


cidadão, condenado num processo crime, uma pena particularizada, pessoal e
distinta e, portanto, inextensível a outro cidadão, em situação fática igual ou
assemelhada. Trata-se, pois de verdadeiro direito fundamental do cidadão
posicionado frente ao poder repressivo do Estado.
Logo, segundo o Romano ( 2018, p. 366)

Não é possível, em face da ordem constitucional vigente, a


cominação legal de pena, exata na sua quantidade, nem a aplicação
ou execução de pena, sem intervenção judicial, para efeito de
adaptá-la ao fato concreto, ao delinquente ou às vicissitudes de seu
cumprimento.

Explica Silva (2012, p. 144): “[…] o legislador deve cominar aos delitos penas
proporcionais, que sejam coerentes com a gravidade do injusto penal”. Logo, ele não
deve impor pena insuficiente, nem muito menos mais gravosa; ela deve
simplesmente ser justa/proporcional.
Outrossim, no momento em que o juiz cumpre o que consta no artigo 59 do
Código Penal :

O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta


social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e
consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima,

401
estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação
e prevenção do crime (BRASIL, 1940).

Dessa maneira, ao individualizar a pena, ele fixa a exata proporção entre o


crime e a sanção penal correspondente. Trata-se não só de um dever do Estado, no
exercício de punir quem violar o ordenamento penal, mas também um direito do
condenado, de saber com exatidão as razões porque lhe foi aplicada determinada
pena (MACARAJÁ, 2013).

2 LEI DE CRIMES HEDIONDOS, DA VEDAÇÃO À PROGRESSÃO

Crimes hediondos são os crimes entendidos pelo Poder Legislativo como os


que merecem maior reprovação por parte do Estado. No Brasil, encontra-se
expressamente previstos na Lei Nº 8.072 de 1990.
Os crimes hediondos, do ponto de vista da Criminologia sociológica, são os
crimes que estão no topo da pirâmide de desvaloração axiológica criminal, devendo
ser, portanto, entendidos como crimes mais graves, mais revoltantes, que causam
maior aversão à sociedade. São considerados hediondos os crimes cuja lesividade é
acentuadamente expressiva, ou seja, crime de extremo potencial ofensivo, ao qual
denominamos crime “de gravidade acentuada” (ARRUDA,2015).

402
Tabela 1: Dos crimes considerados hediondos e equiparados ao tráfico de drogas.

Fonte: L8072. LEI Nº 8.072, DE 25 DE JULHO DE 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos,
nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências.

Ontologicamente, ainda para Arruda (2015), o conceito de crime hediondo


repousa na ideia de que existem condutas que se revelam como a antítese extrema
dos padrões éticos de comportamento social, de que seus autores são portadores de
extremo grau de perversidade, de perniciosa ou de periculosidade e que, por isso,
merecem sempre o grau máximo de reprovação ética por parte do grupo social e,
em consequência, do próprio sistema de controle.
Marcus Vinicius Gonçalves da Cruz (2002) diz que o contexto que fez surgir a
lei de crimes hediondos foi resultado de novas tendências de um controle penal mais
rígido, vingativo e dirigido a grupos sociais específicos, considerados "ofensores
potenciais", verificadas em países da Europa e nos Estados Unidos, com a difusão
dessa tendência para a América Latina, apesar de todas as suas especificidades
institucionais locais. A concentração das causas do problema nos processos
estruturais mais amplos, como o processo de desindustrialização; as transformações
produtivas, sociais e urbanas; os preconceitos raciais e sociais sugerem que o
Estado não deve se preocupar com as causas da criminalidade das classes pobres.

403
O discurso conservador, ao contrário, indica como solução um Estado
punitivo, no qual os menos favorecidos devem ser punidos com eficácia e
intransigência. A máxima "tolerância zero" passa a ser o princípio policial que orienta
as práticas criminológicas. Diminuição da tolerância para com crimes e desvios, uso
de medidas punitivas drásticas para alcançar esse objetivo, retorno a padrões
passados de respeitabilidade, ordem e civilidade; estabelecimento de uma relação
de continuidade entre incivilidades e crime, considerando pequenas infrações tão
problemáticas à "qualidade de vida" como os crimes (CRUZ, 2002).
André de Abreu Costa (2011) aborda que a redação original da Lei 8.072/90
previa que o sentenciado por crime hediondo ou assemelhado a hediondo deveria
cumprir sua pena totalmente no regime fechado, sem possibilidade de progressão.
Acontece que, posteriormente, o parágrafo 7º, da Lei 9.455/97 (lei de tortura), previa
para estes crimes, regime inicial fechado, o que deixava aberta a porta para o
benefício de progressão. Analisando tal dispositivo, o STF (apud, COSTA, 2011) fixou,
por Súmula, o entendimento de que:

Súmula 698: Não se estende aos demais crimes hediondos a


admissibilidade de progressão no regime de execução da pena
aplicada ao crime de tortura.

Entretanto, a partir do julgamento do Habeas Corpus 82.959-7/SP, de que foi


relator o Ministro, Marco Aurélio Mello, o STF entendeu pela inconstitucionalidade do
parágrafo 1º, do artigo 2º, da Lei 8.072/90. Naquela oportunidade, o Ministro Relator,
Marco Aurélio (Apud COSTA, 2011), afirmou que:

Diz-se que a pena é individualizada porque o Estado-Juiz, ao fixá-la,


está compelido, por norma cogente, a observar as circunstâncias
judiciais, ou seja, os fatos objetivos e subjetivos que se fizeram
presentes à época do procedimento criminalmente condenável. Ela o é
não em relação ao crime considerado abstratamente, ou seja, ao tipo
definido em lei, mas por força das circunstâncias reinantes à época da
prática.

404
Destarte, tenho como inconstitucional o preceito do §1º do artigo 2º da Lei
8.072/90, no que dispõe que a pena imposta pela prática de qualquer dos crimes
nela mencionados será cumprida, integralmente, no regime fechado. (HC 82.959-
7/SP, p. 516) (apud COSTA, 2011).
Para tanto, Costa (2011), diz que a razão de ser dada a consideração da
inconstitucionalidade daquele dispositivo legal foi, justamente, sua violação à
garantia constitucional da individualização da pena, reinante no sistema penal
brasileiro e expressa no art. 5º, XLVI, da Constituição.
Posto isto, depois do julgamento do citado HC, que se deu em 23 de fevereiro
de 2006, passou-se a considerar possível que os réus que houvessem cometido
crimes hediondos ou assemelhados pudessem fruir do benefício da progressão de
regime prisional, considerando para isso a necessidade cumprir ⅙ da pena.
Entretanto, como abordado por Costa (2011), em 29 de março de 2007, foi
publicada a lei 11.464, que deu nova redação ao artigo 2º, da Lei 8.072/90,
disciplinando a questão da progressão de regime para os crimes hediondos e
assemelhados – seguindo a orientação do STF – mas dando tratamento mais severo
a tais infrações penais. Tal lei entrou em vigor, conforme suas disposições gerais, no
mesmo dia de sua publicação, e dizia que:

A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos


neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da
pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente
(artigo 2º, da Lei 8.072/90).

Assim, nos crimes hediondos e assemelhados, haveria critério mais severo


para a progressão de regime de cumprimento da pena privativa de liberdade do que
para os demais crimes. Consistindo a Lei 11.464/07 em novatio legis in pejus, já que
alterou em desfavor do réu o critério até então existente, concluiu André (2011).

405
2. 1 Encarceramento em massa

Sérgio Oliveira de Souza (2014) diz que é notória a necessidade de


políticas públicas que viabilizem a imediata implantação de novos métodos
prisionais, com participação do poder público e iniciativa privada. Além da
aplicação do Regime Disciplinar Diferenciado para criminosos líderes das
facções criminosas, há necessidade de implantação da Justiça Restaurativa para
detentos de menor periculosidade e recém encarcerados, evitando assim a
multiplicação do crime organizado e viabilizando a ressocialização e reabilitação
dos detentos de uma forma eficaz.
A própria LEP tem que ser seguida à risca em todos seus termos, pois
temos uma das mais completas do mundo, mas pela omissão do Estado, não é
executada em seu contexto integral. O sistema penitenciário brasileiro apresenta
como objetivo a ressocialização do indivíduo, porém, para que este objetivo se
concretize, seria preciso a existência de diversas condições sociais no interior
dos presídios. Entretanto, o que observamos, é que tem se tornado cada vez
mais difícil realizar a tarefa ressocializadora e punitiva a que se propõe o sistema
penitenciário, tendo em vista a escassez de condições dignas para os presos e a
falência na questão da segurança, que faz com que as facções detenham um
poder que não deveriam possuir (SOUZA, 2014).
Segundo o Conselho Nacional do Ministério Público no projeto "Sistema
Prisional em números", que reúne dados, mapas e gráficos sobre as prisões
brasileiras com base nas visitas de membros do Ministério Público, o aumento do
número de presos e a falta de novas vagas fizeram crescer o índice de ocupação
nas unidades penitenciárias no país. A taxa em 2017 foi de 172,7%, 161,9% no
ano passado e 160,7% em 2015. São mais de 700 mil pessoas atrás das grades
para cerca de 410 mil vagas. A região Norte é a mais afetada pela superlotação
carcerária. A região possui capacidade para 30.725 pessoas, porém o número de

406
presos alcança lamentáveis 62.170, obtendo uma taxa de ocupação de 202,34%
(SOUZA, 2014).
Bernardo Mello Portella Campos (2015) cita que o sistema mostra, ainda,
que em 81 estabelecimentos houve registro interno de maus-tratos a presos
praticados por servidores e em 436 presídios foi registrada lesão corporal a
preso, praticada por funcionários. O número é inferior ao constante no relatório
de 2017, que contabilizava, respectivamente, 82 e 449 estabelecimentos com
incidentes, a partir de um universo de 1.494 prisões. Na mesma época,
testemunharam-se 3.551 casos de lesões corporais ocorridas nessas
circunstâncias e 350 de maus-tratos.
Em razão desse problema estrutural e sistêmico, o Supremo reconheceu,
no julgamento da ADPF 347, o Estado de Coisas Inconstitucional do sistema
penitenciário brasileiro. Conforme voto do Exmo. Min. Marco Aurélio (apud
CAMPOS, 2015):

Diante de tais relatos, a conclusão deve ser única: no sistema


prisional brasileiro, ocorre violação generalizada de direitos
fundamentais dos presos no tocante à dignidade, rigidez física e
integridade psíquica. A superlotação carcerária e a precariedade das
instalações das delegacias e presídios, mais do que inobservância,
pelo Estado, da ordem jurídica correspondente, configuram
tratamento degradante, ultrajante e indigno a pessoas que se
encontram sob custódia. As penas privativas de liberdade aplicadas
em nossos presídios convertem-se em penas cruéis e desumanas.
Os presos tornam-se “lixo digno do pior tratamento possível”, sendo-
lhes negado todo e qualquer direito à existência minimamente segura
e salubre. Daí o acerto do Ministro da Justiça, José Eduardo
Cardozo, na comparação com as “masmorras medievais”. Nesse
contexto, diversos dispositivos, contendo normas nucleares do
programa objetivo de direitos fundamentais da Constituição Federal,
são ofendidos: o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º,
inciso III); a proibição de tortura e tratamento desumano ou
degradante de seres humanos (artigo 5º, inciso III); a vedação da
aplicação de penas cruéis (artigo 5º, inciso XLVII, alínea “e”); o dever
estatal de viabilizar o cumprimento da pena em estabelecimentos
distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e sexo do
apenado (artigo 5º, inciso XLVIII); a segurança dos presos à

407
integridade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX); e os direitos à
saúde, educação, alimentação, trabalho, previdência e assistência
social (artigo 6°) e à assistência judiciária (artigo 5°, inciso LXXIV).

Para Campos (2015), no que se tange à questão do índice de reincidência


é muito grande. O STF já declarou que o sistema penitenciário brasileiro está
vivendo um Estado de inconstitucionalidades. A ressocialização é de interesse
público sem apoio da sociedade, o preso revoltado não vai nunca aceitar ser
ressocializado. Uma vez que, a sociedade contribui na culpa por falta de apoio ao
preso, por motivo de não concordar em ressocializar o apenado, o preso
revoltado, não aceita ser ressocializado pelo motivo de que a sociedade não
aceita um ex-preso como funcionário, após cumprimento da pena.

Quadro 1. Pessoas privadas de liberdade no Brasil junho de 2017.

Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias -Infopen, Junho/2017;


IBGE,2017.* Dados referentes a dezembro de 2016.

O quadro acima traz dados gerais sobre a população prisional brasileira,


em junho de 2017 em 1.507 unidades prisionais cadastradas no INFOPEN. No
período observado existem 726.354 pessoas privadas de liberdade no Brasil, das
quais 706.619 pessoas são mantidas em unidades administradas pelas
Secretarias Estaduais. Há ainda as pessoas que são custodiadas em

408
carceragens de delegacias de polícia ou outros espaços de custódia,
administrados pelos Governos Estaduais, totalizando 19.735 pessoas
custodiadas nestes espaços. (INFOPEN, 2017).
É importante destacar que, até a data de fechamento deste relatório, não
foram validados os dados relativos a junho de 2017 para as pessoas custodiadas
em carceragens de delegacias de polícia ou outros espaços de custódia
administrados pelos Governos Estaduais. Assim, por questão metodológica,
optou-se por considerar os dados validados em dezembro de 2016. Em relação
ao número total de vagas, é possível observarmos um déficit total de 303.112mil
vagas, perfazendo uma taxa de ocupação de 171,62% (INFOPEN, 2017).

Tabela 2: Evolução das pessoas privadas de liberdade entre 1990 e 2017.

Fonte: Ministério da Justiça. A partir de 2005, dados do Infopen Nota: Número de pessoas em
milhares

Desde o ano 2000, o Brasil teve, em média, uma taxa anual de crescimento
de sua população prisional de 7,14%. Trata-se de uma redução de cerca de 0,16%
por ano, se considerado o valor encontrado de 7,3% no levantamento referente a
junho de 2016. Tendo como data base dezembro de 2005, a taxa média de
crescimento foi cerca de 6,26% ao ano. (INFOPEN, 2017).

409
3 O STF E A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

O artigo 5° da Constituição Federal (1988) enumera em seus incisos os


direitos e garantias fundamentais, sendo que um deles, o inciso XLVI prevê que “a
lei regulará a individualização da pena”, isto é, há a previsão constitucional da
criação de uma lei ordinária que disponha sobre a individualização da pena.
Portanto, assim a fez o legislador ordinário, que obedecendo ao comando dado pela
Constituição, fixou os parâmetros que devem ser seguidos pelo julgador para
efetivação dessa individualização, estando eles dispostos no Código Penal e na Lei
de Execução Penal (BITENCOURT, 2019).
Consequentemente, ainda de acordo com Bitencourt (2019), a prerrogativa
conferida pela norma constitucional ao legislador ordinário de regular a
individualização da pena, permite a ele que a regule em cada fase (legal, judicial e
executória), porém não dispõe ou autoriza suprimi-la em qualquer uma das etapas,
uma vez que ela é um direito e garantia fundamental.
A Lei dos Crimes Hediondos sempre foi motivo de polêmica e discussão
desde sua publicação em 1990, especialmente no que tange à proibição da
progressão de regime e o cumprimento da pena integralmente no regime fechado
(artigo 2º, §1º). Devido a isso, a Lei n. 8.072/90 em seu artigo 2º, §1º, era
considerada inconstitucional por muitos, o que levou a vários julgamentos pelo
Supremo Tribunal Federal (STF), ao qual sempre foi pedida uma manifestação sobre
a vedação da progressão de regime. Todas as vezes que isso ocorria, mantinha a
constitucionalidade do dispositivo, sendo um dos questionamentos feitos à eventual
ofensa do princípio constitucional da individualização da pena, que para os Ministros,
na época, não era ofendido, uma vez que entendiam que a individualização não era
realizada na execução do regime, mas apenas pelo legislador e pelo magistrado
(RIBEIRO, 2006).
Entretanto, a problemática trazida em volta do artigo 2º, §1º da Lei dos Crimes
Hediondos acentuou-se com a Lei n. 9.455/97 (Lei de Tortura), que permitia a

410
progressão de regime para quem fosse condenado por esses crimes, o que levou a
uma interpretação extensiva dessa nova lei para estendê-la aos outros crimes
definidos como hediondos e equiparados. Além disso, as duas leis eram conflitantes,
sendo assim essa contradição aparente deve encontrar uma solução no próprio
sistema, que somente ocorreu com o julgamento do HC 82.959 em 2006, pelo
Supremo Tribunal Federal (BITENCOURT, 2019).
O Habeas Corpus foi impetrado por um condenado pelo crime de atentado
violento ao pudor, sendo declarada a inconstitucionalidade do artigo 2º, §1º da Lei n.
8.072/90 através de um controle constitucional difuso-incidental em 23 de fevereiro
de 2006. Assim, cabe ao Juiz da Vara de Execução Penal analisar o comportamento
do apenado por crime hediondo ou equiparado que pediu a progressão,
individualizando a pena, sendo ressaltado pelo Plenário que a declaração de
inconstitucionalidade não trará consequências jurídicas a penas já extintas
(MOREIRA, 2006).
O relator do processo, Ministro Marco Aurélio, considerou a norma
inconstitucional, com o principal argumento dela, ferir o princípio constitucional da
individualização da pena. Os ministros que seguiram o seu voto são adeptos da
mesma opinião, como o Ministro Sepúlveda Pertence (apud MOREIRA, 2006), que
votou:

De nada vale individualizar a pena no momento da aplicação, se a


execução, em razão da natureza do crime, fará que penas idênticas,
segundo os critérios da individualização, signifiquem coisas
absolutamente diversas quanto a sua efetiva execução. […] ninguém
tem dúvidas de que a mesma pena de três anos de reclusão imposta
a alguém que cometeu crime por peculato e ao "vapozeiro" (popular
avião) do fornecedor de maconha na favela são coisas diferentes, se
uma pode ser cumprida com os mais liberais substitutivos e a outra
terá de ser cumprida pelo encarceramento em regime fechado
durante toda a sua duração. Esse movimento de exacerbação de
penas como solução ou como arma bastante ao combate à
criminalidade só tem servido a finalidades retóricas e simbólicas.

411
A declaração de inconstitucionalidade do dispositivo da Lei dos Crimes
Hediondos que previa que o condenado, pela prática de crime hediondo, deveria
cumprir sua pena integralmente, em regime fechado, reconheceu o sistema
progressivo e a individualização da pena como direitos e garantias fundamentais, o
que permite que o legislador ordinário disciplinar sobre essas matérias, nas fases
legislativa, judicial e executória, não o permitindo, entretanto, excluí-la nessas
etapas, como tinha feito com o artigo 2º, §1º da Lei n. 8.072/90 (BITENCOURT,
2019).
Quando o STF julga direitos de um caso concreto, como o HC 82.959 que
levou à declaração de inconstitucionalidade da vedação da progressão de regime
para crimes hediondos, ele o faz através de um controle de constitucionalidade
difuso-incidental, no qual a decisão produz efeitos inter partes e ex tunc (retroativo).
Porém, de acordo com Bitencourt (2019, p. 644 a 646), o STF atribui efeito erga
ormnes a essa decisão, isto é, eficácia contra todos, e efeito ex nunc (produz efeitos
a partir do momento da decisão), fazendo-o pela segurança jurídica e pelo interesse
social, também para dar oportunidade que processos em andamento ou em fase
recursal pudessem ser beneficiados por essa declaração, além de não atribuir efeito
retroativo à decisão, impede que ela abranja aqueles que não cumpriram
integralmente suas condenações. Porém, como era apenas uma decisão
jurisprudencial, muitos juízes proferiram suas sentenças contrárias a ela. Devido a
isso, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante 26 (2009):

Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por


crime hediondo ou equiparado, o juízo da execução observará a
inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990,
sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche ou não, os
requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar,
para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame
criminológico.

412
4 LEI 11464/2007

A Lei 11.464/2007 modifica o texto do artigo 2º da Lei 8.072/1990, que dispõe


sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição
Federal. A modificação deixa de proibir a liberdade provisória para os que praticaram
crimes hediondos, além de deixar de ser fixa a pena completa em cumprimento de
regime integral fechado, colocando prazos diferenciados para a progressão de
regime nos casos de crimes hediondos (MARCÃO, 2017).
Ainda se tratando da progressão de regime, de acordo com a Súmula 471 de
2011, os crimes hediondos cometidos antes da Lei 11.464/2007, estão submetidos
ao artigo 112 da LEP para a progressão de regime:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma


progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser
determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
(Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o
crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em
crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; (Incluído
pela Lei nº 13.964, de 2019)
III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário
e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave
ameaça; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em
crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; (Incluído
pela Lei nº 13.964, de 2019)
V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado
pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;
(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for: (Incluído
pela Lei nº 13.964, de 2019)
a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com
resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional;
(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de
organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo
ou equiparado; ou (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

413
c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;
(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente
na prática de crime hediondo ou equiparado; (Incluído pela Lei nº
13.964, de 2019)
VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente
em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o
livramento condicional. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 1º Em todos os casos, o apenado só terá direito à progressão de
regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor
do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a
progressão. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 2º A decisão do juiz que determinar a progressão de regime será
sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público
e do defensor, procedimento que também será adotado na
concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas,
respeitados os prazos previstos nas normas vigentes. (Redação
dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 3º No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por
crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão
de regime são, cumulativamente: (Incluído pela Lei nº 13.769, de
2018)
I - não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
(Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018)
II - não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;
(Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018)
III - ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime
anterior; (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018)
IV - ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado
pelo diretor do estabelecimento; (Incluído pela Lei nº 13.769, de
2018)
V - não ter integrado organização criminosa. (Incluído pela Lei nº
13.769, de 2018)
§ 4º O cometimento de novo crime doloso ou falta grave implicará a
revogação do benefício previsto no § 3º deste artigo. (Incluído pela
Lei nº 13.769, de 2018)
§ 5º Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste
artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei
nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. (Incluído pela Lei nº 13.964, de
2019)
§ 6º O cometimento de falta grave durante a execução da pena
privativa de liberdade interrompe o prazo para a obtenção da
progressão no regime de cumprimento da pena, caso em que o
reinício da contagem do requisito objetivo terá como base a pena
remanescente. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

414
Assim, por força deste artigo da LEP, a progressão de regime do fechado
para o semiaberto e do semiaberto para o aberto, que exigia o cumprimento de ⅙ da
pena para o preso progredir, e agora com a Lei 11.464 passou a se exigir o
cumprimento de ⅖ da pena para réu primário, e ⅗ se reincidente. Logo, após a
decisão do STF com a súmula 471, todo o preso, ainda que por crimes hediondos,
antes da aplicação da Lei 11.464 de 2007, irá ter progressão de regime adquirida ao
se cumprir ⅙ da pena. Com isso, a lei nova não retroagirá, pelo fato desta nova lei
de 2007 prejudicar o preso sobre condenação de crimes hediondos, decisão essa do
STF (PRATES, 2014).
Contudo, notamos que as mudanças do “Pacote Anticrime” para esta lei,
trouxeram uma melhora, para os que cometeram crimes hediondos, onde eles são
tratados com mais humanidade, pois a pena não será mais em cumprimento integral
fechado, mesmo com mais tempo de pena e alteração no cumprimento da mesma
para progressão de regime. Desta forma, os presos por crimes hediondos, terão uma
chance de quererem melhorar, assim como deveria ser o modelo prisional, uma
penalidade a ser cumprida, com o objetivo de reeducar o preso para uma vida mais
honesta. Com essa melhora na situação da pena para crimes hediondos, é notória a
importância do âmbito humano para os presos, e essas mudanças vem com a Lei
11.464/2007, deixando mais dignidade para eles, tornando-se melhor o novo
desenvolvimento humano desses presos.

5 LEI 13964/19: AVANÇO OU RETROCESSO

Com relação à Lei 13.964/19, é válido ressaltar que, ela é mais conhecida
como a Lei responsável por instaurar em nosso ordenamento jurídico o tão debatido
“Pacote Anticrime”. Este mesmo pacote introduziu significativas mudanças na
legislação brasileira, tais como no Código Penal, no Código de Processo Penal e na
Lei de Execução Penal. O “Pacote Anticrime”, no seu artigo 1º aperfeiçoa a

415
legislação penal e processual penal, buscando estabelecer medidas contra a
corrupção, o crime organizado e os crimes praticados com grave violência à pessoa,
assim configurando sua principal essência.
Mostrando assim, dois lados de uma mesma moeda, em que por alguns o
Pacote é fortemente apoiado e por outros é repudiado rigorosamente. Aqueles que
apoiam a proposta de mudança de Sérgio Moro dizem que, em razão da dita
mudança, os criminosos serão tratados da forma devida, e que irá cessar a
imunidade que muitos criticam e que haverá, ainda, uma redução nos níveis de
criminalidade. Entretanto, como toda tese a favor, possui uma tese contrária. Há
aqueles que se opõem a esta e que defendem que nada mudará e que o
endurecimento levará a um acréscimo exagerado e inútil na população carcerária
brasileira, o que, por sua vez, somente afetará aos pobres e adversários políticos.
Como a rigidez da lei penal, por si só, não desenvolve um decrescimento da
violência, o que, de forma alguma, não significa que a legislação precisa de
atualização. Se repararmos nas mudanças passadas, iremos nos deparar com os
implementos de normas mais duras para a repressão penal, através da atuação do
legislador. A título de exemplos, nas palavras de Limongi (2019):

No já distante ano de 1990, surgiu a Lei dos Crimes Hediondos,


estabelecendo penas mais duras para determinados crimes,
tornando-os insuscetíveis de anistia e indulto, além de estabelecer
maior rigor para a progressão de regime. Não se pode dizer, apesar
dos méritos da lei, que houve expressiva diminuição na prática de
latrocínios, homicídios qualificados, sequestros e estupros, todos
crimes hediondos. Dois anos depois, surge a chamada Lei de
Improbidade Administrativa com a ambição de combater atos de
corrupção. Também aqui, apesar dos méritos da lei, não se pode
dizer que o receio de punições (suspensão dos direitos políticos e
proibição de contratar com a administração, entre outras) tenha
acarretado a diminuição da corrupção.

Desta maneira, é possível verificar, ainda, muitas outras mudanças rigorosas


na lei, como a interceptação telefônica para apuração de crimes gravíssimos, em

416
1996. A lei que tipificou a conduta de lavagem ou ocultação de bens, direitos e
valores com a criação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), em
1998. A edição do Estatuto do Desarmamento, em 2003, que criminaliza o porte e
posse de arma de fogo. A Lei de Drogas, em 2006, que buscou punir com mais rigor
os traficantes, e, por último, mas não menos importante, em 2013, a lei que expandiu
o conceito de crime organizado e introduziu a tão polêmica delação premiada. Dito
isto, conclui-se que as alterações realizadas ao longo dos anos não desempenharam
a função que lhes foram impostas, ou seja, não foram suficientes para um declínio
significativo na corrupção, no crime organizado e nos crimes praticados com
violência à pessoa.
Portanto, a constatação irrefutável de que o pacote de mudanças legislativas
apresentadas não é um erro, como defendem alguns, não significa dizer que o
mesmo não tenha tópicos positivos e que deva ser simplesmente menosprezado.
Por consequência, ainda que outras medidas não legais (investimento na educação,
melhor distribuição de rendas etc.) sejam indispensáveis, não há como negar que,
em inúmeros pontos, o Pacote Anticrime apresenta avanços consideráveis, tais
como a possibilidade de execução provisória da condenação após julgamento em
segunda instância, a maior eficácia das decisões provenientes do tribunal do júri, a
possibilidade de introduzir soluções negociadas no processo penal e a realização,
como regra, de interrogatório por videoconferência.
Além disso, um importante comentário pode ser feito em razão da
implantação do crime de feminicídio no ordenamento jurídico, que estabelecem
penas mais rigorosas contra seus autores. Entretanto, é possível afirmar que não
houve uma diminuição no número de crimes contra mulheres, praticados por seus
maridos ou companheiros, pelo contrário, é possível constatar um aumento no
referido crime. Importante frisar que não é pelo fato de a supracitada lei não ter
alcançado diminuição no número de violência contra mulheres que a mesma não
seja relevante para a sociedade.

417
Diante de todas as exposições, de modo geral, depreende-se que, segundo
Valber Melo, 2018, o Pacote Anticrime em que pese tenha definido mecanismos
processuais mais democráticos e justos, buscando implementar um processo
acusatório, acabou recrudescendo demasiadamente as punições penais. Ou seja,
“evolui processualmente, mas retrocede materialmente”. À vista disso, restam-nos
reconhecer seus méritos, seus defeitos e contribuir para seu aperfeiçoamento, pois,
indubitavelmente, todas as leis podem e devem ser aperfeiçoadas.

CONCLUSÃO

A Constituição e o Princípio da Individualização da Pena compreendem-se os


termos e suas respectivas denominações, sendo eles os Princípios Fundamentais e
a Constituição, além de seus papéis e exemplos expostos durante suas
denominações, continua-se a discussão da junção das conjunturas acima, cujo elas
se encontram nos Princípios do Direito Penal, o qual também foi exposto em sua
sequência. Fechando-se o capítulo com a aplicação do princípio da individualização
da pena, que se divide em três fases, sendo elas a fase in abstrato, a fase da
individualização judiciária e por último a fase da aplicação da sanção, demonstrando
que apesar de ser o dever do Estado punir quem não respeita suas normas, é
também direito do cidadão saber com exatidão todas as razões da pena que lhe
foram aplicadas.
É válido dizer que o encarceramento em massa, mostra os problemas e as
necessidades do sistema carcerário brasileiro. Sinalizando um problema de ciclo
vicioso, pois o sistema tem o objetivo da ressocialização do indivíduo, e isso não
ocorre. Porém, o sistema da maneira em que se encontra não faz com que esse
objetivo se conclua, por diversos problemas estruturais do próprio sistema, assim
fazendo com que o indivíduo não se ressocialize, retornando ao sistema prisional
(dados expostos pelos órgãos governamentais). É pertinente ressaltar também, que

418
o STF e a declaração de Inconstitucionalidade vêm da discussão do conflito
normativo presente no estado de cumprimento de pena para crimes hediondos, onde
foi exposto os digníssimos argumentos dos ministros do STF, mostrando esse
conflito de inconstitucionalidade, o que levou à decisão de efeitos inter partes e ex
tunc para este conflito, porém por desrespeito judicial o STF resolve criar a Súmula
Vinculante 26 de 2009.
Em sede de conclusão, Lei 11464/2007 que discorre sobre crimes hediondos,
deixa de proibir liberdade provisória para os praticantes do crime, além de modificar,
demasiadamente, a progressão de regime, notando assim uma mudança
humanitária para os praticantes de crimes hediondos, mudanças feitas pelo “Pacote
Anticrime”, tendo assim, esses presos a chance de quererem melhorar. Para
finalizar, a ‘Lei 13964/19: avanço ou retrocesso?’, que traz uma discussão pertinente
para o sistema Penal, o “Pacote Anticrime”, o que diante de todas as exposições
feitas notamos um retrocesso materialmente e um avanço processualmente.

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o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 8.072, de 25
de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os
requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de
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