Acordo de Casamento
Acordo de Casamento
Acordo de Casamento
SOLLO
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
Copyright© Juliana Martins
Este e-book é uma obra de ficção. Embora possa ser feita referência a eventos
históricos reais ou locais existentes, os nomes, personagens, lugares e
incidentes são o produto da imaginação da autora ou são usados de forma
fictícia, e qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas,
estabelecimentos comerciais, eventos, ou localidades é mera coincidência.
Eu podia contar nos dedos quantas vezes eu e Victor saímos juntos. Com
exceção de compromissos formais da empresa, nos quais precisávamos nos
portar como os pombinhos apaixonados que nunca fomos, era a primeira vez
que meu pai nos convidava para jantar. E não era coincidência o fato de ser
nosso aniversário de casamento.
Um ano.
Na teoria aquele deveria ser um dia feliz, um pelo qual esperei a cada
segundo, mas a contagem regressiva que parecia rir da minha cara não me
permitia nutrir ilusões.
Seriam os três meses mais longos da minha vida.
Victor estava atrasado, aliás. O que não era uma novidade.
Surgiu apressado, ainda ajeitando a gravata, segurando o paletó na
curva do braço. Barba feita, cabelos castanhos penteados com gel, sempre
perfeito. Gato. Um tesão.
Um babaca, Laís. É nisso que você tem que pensar.
— Você está pronta? — ele falou sem se voltar para mim, mas
quando o fez, segundos depois, lá estava aquele olhar que sempre me
confundia.
Seus olhares para mim sempre falavam coisas completamente
diferentes das merdas que saíam de sua boca. Não era apenas luxúria. Eu
sabia disso. Poderia ser uma ilusão da minha cabeça, para acreditar que o
homem com quem me casei não era o total babaca que sempre achei que
fosse, mas havia certa melancolia na forma como eu o pegava olhando para
mim às vezes. O mesmo olhar de alguém que perdeu algo precioso.
Só que, obviamente, eu estava enganada. Eu não era preciosa para
Victor. Se fosse, ele não me trataria com tanta indiferença.
— Sim, estou — respondi, muito séria. Poderia tê-lo provocado,
dizendo que estava ali há meia-hora, esperando, mas eu sempre evitava
causar mais atrito. Só que Victor nunca parecia pensar da mesma forma.
— Você sempre demora tanto que é um milagre. Seu pai odeia
atrasos, sabe disso — lá estava o tom seco de sempre, impaciente, como se eu
fosse a patricinha mimada que ele precisava arrastar de um lado para o outro
porque não tinha escolha.
Eu costumava rebater. Costumava ser menos conformada, mas como
estávamos próximos do fim, comecei a decidir tentar manter a minha paz.
Não adiantava discutir. Não adiantava argumentar. Nada iria mudar, e
também não fazia mais diferença. Dali a alguns dias eu iria receber a quantia
que me fora prometida em troca daquele casamento e iria focar nos meus
negócios. Os últimos três meses seriam de muito trabalho, e eu esperava mal
esbarrar no meu... marido.
Sem dizer nada, apenas peguei minha bolsa, que estava sobre o sofá e
coloquei-a no ombro. Olhei para Victor, que ainda estava parado diante de
mim, sentindo-me confusa. Por que estava me observando daquela forma?
— Podemos ir — falei, em um tom um pouco mais insistente, e passei
por Victor, seguindo em direção à porta, sabendo que continuava sendo
observada. Parei diante dela, começando a ficar irritada e me voltei para meu
irritante marido, com uma sobrancelha erguida. — Por que está me olhando
tanto? Não estou à sua altura? — irritei-me.
Rapidamente aquela postura mais tristonha desapareceu, e Victor
empertigou-se.
— Você está sempre apresentável — falou seco, como se eu fosse
muito inferior.
Apresentável?
Filho da puta!
— Idiota! — murmurei baixinho, finalmente saindo do apartamento e
esperando o elevador.
Ele ainda demorou, e eu precisei segurar a porta para o folgado.
Pegamos um táxi, para que pudéssemos beber um pouco, e Victor
passou a viagem inteira com a cara no celular. Eu não fazia ideia do que tanto
o deixava com um sorriso no rosto, já que para mim ele dificilmente
reservava algum. Mas isso não importava. Contanto que não descumprisse o
contrato, levando outra para cama, o que ele fazia com a vida dele não me
dizia respeito.
Se bem que... o contrato acabava naquele dia. Como seriam os
próximos três meses? Será que ainda precisaríamos manter a fidelidade? Se
não... será que ele sairia transando como um coelho com a primeira que
aparecesse?
Fosse como fosse, eu poderia fazer o mesmo, não? Naquela mesma
noite, se tudo desse certo, sair e transar com o primeiro que aparecesse
poderia ser uma boa ideia.
Chegamos ao restaurante, e meu pai já nos esperava. Tratava-se de
um estabelecimento para o qual era necessário entrar em uma fila de espera,
reservar com antecedência, mas eu sabia que não era o caso. Walter Giardelli
tinha entrada vip na maior parte da cidade.
Beijei-o no rosto, Victor o cumprimentou com um aperto de mão, e
ele chamou o garçom, para nos servir do champanhe que já estava esperando
em um balde de gelo.
— Creio que temos muito a comemorar, não? — meu pai falou,
parecendo animado.
Só ele estava, aparentemente.
— Um ano! Parece que foi ontem que acompanhei minha princesa ao
altar... — Tentei sorrir, mas não me sentia nem um pouco animada, em
nenhum nível. E para mim parecia uma eternidade.
Meu pai pareceu divagar um pouco, e eu tinha total impressão de que
estava encenando ali, como já o tinha visto fazer em vários outros momentos.
Com outras pessoas, era uma constante. Walter Giardelli era conhecido como
o boa praça dos negócios. Um rei do ramo da advocacia, principalmente
porque sua simpatia e falsidade não o faziam possuir inimigos. Rivais, sim.
Inimigos, eu desconhecia.
— Estou muito feliz que tenha dado tudo certo entre vocês, espero
que ao menos tenham nutrido uma bonita amizade, afinal, uma convivência
de um ano não é fácil.
— Sei bem disso — resmunguei, enquanto dava mais um gole no
champanhe. Estava uma delícia, aliás, e eu corria o risco de me empolgar
demais nas taças.
Victor me ouviu, porque se virou de súbito na minha direção, mas
meu pai, não. Os dois, aliás, engataram uma conversa sobre os pratos do
restaurante, e eu quase rezei para que emendassem em outros assuntos para
os quais eu precisasse apenas sorrir e acenar.
Cada um de nós escolheu o que iria comer, e nós anunciamos os
pedidos ao garçom.
— Bem, meus queridos, eu chamei vocês aqui, porque precisava
esclarecer dois pontos. Um deles é que, Victor, seu contrato está pronto e
queria que estivéssemos os três juntos para a sua assinatura.
Como um mágico tirando um coelho da cartola, meu pai retirou um
bloco de papéis de sua pasta, colocando-o na frente de Victor. Por uma
conversa que ouvi do meu digníssimo marido com seu melhor amigo, eles já
tinham lido e relido aquele contrato, feito alterações, então aquela deveria ser
a versão final.
Um sorriso enorme surgiu no rosto bonito de Victor, e meu pai tirou
uma caneta do bolso, entregando a ele.
— Uau, Walter, eu não esperava por isso.
— Era para ser uma surpresa. — Meu pai sorria de orelha a orelha,
orgulhoso como nunca parecera de mim.
E juro... se Victor não fosse o babaca que era, eu estaria feliz por ele. Na
verdade, até estava, porque sabia que, apesar de tudo, era esforçado.
Competente também. Não era uma questão de ciúme ou inveja, era apenas
justiça. Eu também era competente e talentosa, só que nunca fui valorizada,
porque não quis seguir os passos do meu pai.
Quase emocionado, Victor começou a folhear o contrato, dando uma
última olhada, enquanto o mais velho de nós se virava para mim.
— Querida... quanto ao nosso acordo... — Ele hesitou. Hesitação não era
bom. Nada bom. Aquela expressão de pesar também não.
De canto de olho, notei que Victor parou de fazer o que estava fazendo
para prestar atenção. Será que o filho da puta ainda iria zombar de mim
dependendo do que meu pai me dissesse?
— O que tem o nosso acordo, pai?
— Eu preciso que entenda que é necessário que Victor surja na festa onde
ele será apresentado como sócio ao seu lado. Para ele é quase uma exigência,
mas para você... Quem poderia prever se não iria pegar o seu dinheiro e pedir
o divórcio agora?
— Mas eu concordei... eu e Victor chegamos a um acordo. Por que eu
faria isso? — indaguei, totalmente indignada.
— Aquele seu namorado... O perdedor de cabelos compridos e tatuado.
Não me lembro o nome dele... Como vamos saber se não está te esperando?
Você poderia ter uma recaída — meu pai jogou, e eu cerrei as mãos em
punho, cheia de ódio.
— Você sabe que o Manuel já está em outra. Arquitetou muito bem as
coisas para que ele desistisse de mim.
— Não importa. O que quero que saiba é que vai receber o seu dinheiro,
mas daqui a três meses, depois da festa.
Não faria muita diferença, para ser sincera. Claro que eu estava ansiosa e
queria começar as coisas com antecedência, mas era a injustiça o que me
deixava em chamas, puta da vida.
Nunca fui a garotinha mimada do papai. Nunca nada veio fácil para mim,
e eu até agradecia por isso, já que não gostaria de me tornar a patricinha que
todos esperavam que eu fosse. Fiz alguns trabalhos de modelo no passado
para conseguir conquistar as minhas coisas e estava pretendendo juntar meu
dinheiro para construir meu negócio sozinha. A oferta do casamento foi algo
estranho e que eu não deveria ter aceitado, mas meu pai me contou a história
de Victor, e eu... bem... fiquei com pena.
Meu marido foi descrito para mim como um jovem promissor, que
trabalhava como um louco para dar uma boa vida à mãe e para conquistar seu
espaço. Eu me sensibilizei com isso, e não poderia negar que tudo era
verdade. Meu pai só se esqueceu de informar que o cara era um babaca.
— Isso é injusto, pai, e você sabe muito bem — tentei manter meu tom
tranquilo, sem alarde, porque estávamos em público, e eu fui muito bem
treinada para saber que nossa família tinha um sobrenome a zelar. Não estava
muito preocupada com o que meu pai poderia pensar, mas em um futuro,
manchas como aquela acabariam prejudicando também o meu trabalho.
— Eu decido o que é justo ou não a respeito do meu dinheiro, Laís.
Sim, ele estava certo. E lá estava a garota mimada e patricinha que eu
nunca quis ser, mas acabei me tornando. Eu não vivia do dinheiro dele, nunca
lhe pedi nada. Fazia meus trabalhos como freelancer, trabalhava para algumas
marcas de vestidos de noiva e festas, enviando meus projetos, e tanto que
quando ele me ofereceu algo, veio com um preço. Alto, aliás. Teoricamente
não fiz nada de graça, mas cumpri com o acordo.
— Aliás, acho que podemos rever algumas coisas que combinamos. Você
poderia pensar em um projeto mais interessante para investir o seu dinheiro...
algo que...
— Pai! — Precisei respirar fundo antes de perder a cabeça. — É o meu
sonho, você sabe disso.
— Um sonho medíocre. Uma jovem como você, com tantas
oportunidades... trabalhar com moda? Ainda há tempo de fazer uma nova
faculdade. Talvez seja uma boa ideia postergarmos um pouco o seu
pagamento, ao menos até você se matricular e...
— Walter... — a voz de Victor soou, e tanto eu quanto o meu pai olhamos
para ele, já que estava calado até aquele momento. — Não foi o combinado
com Laís.
Aquilo me surpreendeu.
— Lamento por ela que não assinou um contrato. — Meu pai deu de
ombros, bebendo seu champanhe como se nada tivesse acontecido.
Eu não queria chorar, mas uma lágrima intrusa surgiu, e eu a limpei com
raiva. Victor olhava para mim, e eu também não queria que visse minha
fragilidade, mas estava pouco me importando naquele momento.
— Estranho ouvi-lo dizendo isso, já que foi você mesmo que me ensinou
o quanto a nossa palavra, como homens, é importante. — Olhei para Victor,
chocada, e o vi largando a caneta sobre a mesa e fechando os papéis. — Se é
assim, não acho justo que eu tenha direito ao combinado por nosso casamento
se ela não vai receber o dela.
Victor colocou suas duas mãos grandes sobre o bloco de papéis,
empurrando-os na direção do meu pai.
— É do seu interesse assinar isso, Victor! Você sempre quis ser sócio! —
meu pai elevou o tom de voz, parecendo surpreso.
Calmamente, Victor deu um gole na bebida, parecendo muito sério, como
o homem de negócios que eu sabia que ele poderia ser, pousando a taça
novamente na mesa e entrelaçando os dedos em uma postura arrogante.
— Recebi uma proposta há uns dois meses para entrar em sociedade com
o Passani Associados. E devo dizer que foi tentadora... — O sorriso cínico no
rosto de Victor eu conhecia bem, mas ele nunca o usara para me defender.
Passani Associados era a empresa concorrente do meu pai. Vários
grandes contratos eram disputados por ambas, de forma acirrada, e por mais
que meu pai gostasse de Victor como um filho, este não era o único motivo
pelo qual odiaria perdê-lo para a sua maior rival. O ego estava em questão,
obviamente.
— O que está insinuando, garoto? — meu pai falou, já nervoso.
— Se não cumprir a parte no acordo com Laís, eu posso voltar atrás na
minha negativa a Jorge Passani. Ele disse que as portas estavam abertas para
um advogado competente como eu.
Eu não sabia se Victor estava blefando, mas provavelmente não. Fosse
como fosse, sentia-me boquiaberta. E fiquei mais ainda quando vi meu pai
aquiescer.
O que era uma novidade e tanto.
Hesitou por alguns minutos, e a tensão entre nós era quase palpável.
— Tudo bem. Você está certo. Vou preparar um contrato para Laís e
enviarei na semana que vem.
Victor sorriu.
— Ótimo. — Novamente com seu jeitão debochado, ele pegou o contrato,
enrolou-o em um tubo e guardou no bolso do paletó. — Quando o contrato de
Laís estiver pronto, assinaremos os nossos juntos.
Naquele momento, quem precisou beber um bom gole do champanhe fui
eu.
Uma montanha russa de emoções me assolava, e eu não fazia mais ideia
de como agir ou como pensar.
Quem era aquele homem ao meu lado, e o que ele fez com o meu marido?
CAPÍTULO QUATRO
Eu tinha um enorme respeito por Walter. Ele era quase um pai para mim,
já que o meu exemplo não era dos melhores. Só que a forma como ele falou
com Laís me deu vontade de passar dos limites e dar um belo de um soco na
cara dele.
Como um cara que se gabava tanto por ter um nome a zelar, que sempre
dizia cumprir com sua palavra, podia tratar a própria filha daquela forma?
Entramos em nosso apartamento, depois de Laís abrir a porta, e ela tomou
a dianteira, jogando a bolsa sobre o sofá e tirando os sapatos, lançando-os
longe, com raiva. Eu podia entendê-la.
Fechei a porta com calma e segui direto ao bar. Mais prudente seria
deixá-la sozinha e partir para o meu quarto, mas não conseguia ser assim tão
escroto. Faltava muito pouco tempo para terminar nosso casamento, e eu
poderia aguentar mais três meses sem perder a cabeça.
Ao menos pensava que sim.
Fosse como fosse, não gostaria de ser deixado sozinho com aquele tipo de
sentimento a me consumir, então, servi um copo de conhaque para cada um
de nós, entregando um para ela.
Laís ficou surpresa, chegando a me olhar com o cenho franzido.
— Não tem veneno — brinquei, em uma abordagem mais divertida. Ela
não merecia outro babaca em sua vida naquele momento.
Sem dizer nada, apenas respirando fundo, aceitou o copo, levando-o à
boca e bebendo todo o conteúdo.
— Acho melhor trazer a garrafa para cá — ela falou, muito séria, ainda
contrariada.
— Tem certeza? — perguntei, ainda na dúvida.
— Toda. Podemos usar o álcool para comemorar nossa liberdade que está
chegando em breve e, mais ainda, para eu poder afogar as mágoas pelo pai de
merda que tenho.
Uau. Nunca tinha ouvido Laís falar daquela forma, principalmente do pai.
Mas se fosse justo, nós não tínhamos conversado tantas vezes assim para eu
saber reconhecer rompantes diferentes em seu humor.
Não quis contestar, então, apenas voltei ao bar, pegando a garrafa,
servindo-a novamente, sem tirar os olhos dos dela. Daquela vez, Laís pegou o
copo e começou a andar de um lado para o outro na sala. Sem salto, parecia
um pouco mais vulnerável, mais acessível, e o vestido que usava revelava
todas as suas curvas. Quando soltou o cabelo, no meio de sua demonstração
de raiva, e as ondas douradas caíram por suas costas, eu precisei levar uma
das mãos ao bolso – aquela que não segurava o copo – para manter algum
controle.
— Como ele pôde? Como tem coragem de ser tão mesquinho, tão... tão...
— as palavras pareceram lhe faltar — podre?
— Não diga coisas das quais pode se arrepender depois — falei baixinho,
não na intenção de contrariá-la, mas só para aconselhar. Por pior que tivesse
sido sua atitude, Walter era pai dela.
Só que ela entendeu da forma errada, porque veio em direção a mim
furiosa, com os olhos em chamas. Colocou-se à minha frente, com a cabeça
erguida para poder olhar nos meus olhos. Eu poderia me desculpar por dizer
o que disse, mas Laís daquele jeito era uma visão sensual e tentadora demais,
e meus olhos mereciam não ser privados de tal imagem.
— Arrepender? — ela cuspiu as palavras. Então deu uma risadinha
sarcástica. — Você só pode estar brincando. Não sabe nada sobre a minha
relação com ele; nada sobre o que já fez comigo. Quantas vezes já
menosprezou minhas escolhas e meu trabalho... Ele pode ser muito legal com
você, mas comigo...
Ela estava tremendo de raiva. Novamente, eu poderia ignorar isso, mas
sentia meu coração na mão porque imaginava o quanto tudo aquilo a
magoava. Se Walter tivesse feito com ela, no passado, metade do que fizera
naquela noite, já era motivo suficiente para que fosse uma enorme ferida no
coração de Laís.
Ficou algum tempo de costas, e eu podia sentir que respirava com
dificuldade. Quando olhou para mim novamente, vi seus olhos marejados, e
isso partiu meu coração.
Mas eu nem tinha o direito de ficar com raiva de Walter, porque poderia
imaginar que também a tinha magoado ou a levado às lágrimas mais de uma
vez. Odiava-me por isso.
Odiava-me por muitas coisas, na verdade.
— Quer saber? Eu quero ficar muito bêbada esta noite. Quero esquecer
essa droga toda e comemorar que essa merda de casamento está acabando
para nós dois.
Ergui uma sobrancelha, surpreso. Aquilo era sério? Porque se eu conhecia
minha digníssima esposa ao menos um pouco, ela era a garota mais certinha
do mundo. Era comedida com álcool, jamais elevava a voz e nunca era
grosseira. Em nossos trezentos e sessenta e cinco dias de convivência poderia
jurar que nunca a tinha ouvido xingar ou falar um palavrão, e era mais
paciente do que eu poderia merecer.
— Tem certeza? — perguntei, desconfiado e preocupado. — E quer
minha companhia para isso?
— Posso beber sozinha, se você preferir, mas seria cavalheiro da sua
parte me acompanhar. — Pelo amor de Deus! Ela tinha mesmo soado sexy
daquela forma ou era apenas uma impressão?
Não queria me iludir, mas ela estava... flertando comigo?
— Tudo bem. Eu só vou vestir algo mais confortável. Pode ser? —
Mentira. Eu ia jogar uma água gelada no rosto e tentar me manter consciente.
Ela assentiu e foi direto ao bar novamente, provavelmente para escolher
outra bebida.
Fiquei observando-a, sabendo que já não estava completamente sóbria,
mas tudo piorou quando a vi se servir de uma dose de tequila e virá-la em um
só gole. Repetiu logo em seguida o mesmo movimento.
Merda... deixá-la sozinha não era uma boa ideia, mas precisava, antes que
as coisas ficassem complicadas.
— Eu vou lá, ok? — reforcei, e ela assentiu, enquanto continuava
escolhendo as bebidas.
Decidi nem entrar em um banho, apenas trocar de roupa e jogar a água
bem gelada no rosto. Eu precisava me controlar, não precisava? Não era certo
desejá-la, especialmente quando nosso tempo estava acabando.
Por Deus, ela estava comemorando porque iria se livrar de mim. Só se eu
fosse muito babaca para acreditar que iria mudar de ideia em uma noite.
E eu nem merecia isso, já que não fui nada além de um merda com ela.
Só que quando voltei para a sala, senti que tinha sido uma péssima ideia
deixá-la. Laís estava de pé sobre uma cadeira, tentando pegar algo no armário
da cozinha, na ponta dos pés. Na primeira vez em que cambaleou eu estava
longe demais para acudi-la. Na segunda, consegui me aproximar e a peguei
exatamente na hora em que estava prestes a cair.
Com um gritinho assustado foi parar nos meus braços, em meu colo, e eu
nunca a tive assim tão perto.
Não deveria segurá-la tão próxima, tão colada ao meu peito, mas não
conseguia mandar nos meus braços. Não conseguia mandar no meu corpo
inteiro, muito menos no meu coração que respondia a ela como se Laís fosse
a primeira visão de terra firme depois de dias de naufrágio.
— Obrigada — ela falou em um sussurro. — Foi por pouco.
Sua voz me trouxe de volta à realidade. Se não fosse isso eu não a teria
colocado no chão, porque a sensação de tê-la nos meus braços era perfeita.
Como sempre esperei que fosse.
— O que você queria do armário? — perguntei, tentando mudar o foco.
— Uma champanhe especial que meu pai me deu de presente no dia do
nosso casamento. Eu falei que só a abriria no dia em que fôssemos
comemorar o final do contrato. Tinha me esquecido dela, mas...
Queria negar, dizer que seria melhor ela tomar um banho e ir se deitar,
mas ela tinha direito, não tinha? Porra, a garota poderia ficar bêbada o quanto
quisesse. Estava na casa onde morava e não estava sozinha. Eu poderia cuidar
dela, se fosse o caso, não?
Claro que poderia... se não tivesse perdido um pouco a cabeça também e
começado a beber em um nível muito arriscado.
Só que a bebida era deliciosa, e Laís era muito persuasiva. Quando me dei
conta, eu tinha praticamente atacado a champanhe e alternado com uísque e
vodca.
A ressaca no dia seguinte seria das piores.
Mas ainda estava bastante consciente.
Nós dois ríamos de tudo e nada, como dois velhos amigos. Nem
parecíamos um casal que se casara por causa de um contrato e que estava
comemorando a futura separação.
— Ah, pelo amor de Deus, Victor! — Laís falou em meio a uma
gargalhada. — Jura que você nunca percebeu o quanto meu pai fica vermelho
quando está estressado? Tem horas que eu acho que ele vai explodir que nem
um tomate. BUM! — Ela gesticulou, de forma enfática, caindo para trás no
sofá e nem se importando que estava com um vestido bem curto, revelando a
calcinha de renda cor de rosa que usava por baixo.
Puta que pariu! O álcool já estava também tirando todo o meu pudor e o
meu bom senso em não olhá-la com desejo.
Eu ia responder, mas a música que ela tinha ligado há alguns minutos
mudou em sua playlist, e Laís levantou-se de um pulo, colocando-se de pé.
— Eu A.M.O. essa música! — Tratava-se de uma batida sensual, algo
meio latino, um reggaeton, talvez, com uma voz feminina cantando.
Laís subiu na mesa de centro de madeira e começou a dançar. Rebolava
como se não houvesse amanhã, e eu nunca vi nada tão sexy na minha vida.
Os cabelos loiros e longos caíam em ondas por suas costas, e ela passava as
mãos por eles, deixando-os mais rebeldes, menos comportados. O vestido
subia conforme ela se abaixava, e eu não podia tirar os olhos dela.
Um sentimento de posse se infiltrou na minha cabeça enevoada pelo
álcool, lembrando-me de que ela era minha esposa. Minha. Aquela mulher
linda, sensual e toda delicada tinha o meu sobrenome. Por um momento de
total inconsciência eu pensei que não queria que ela me deixasse. Não queria
que nosso casamento terminasse. Queria que ele fosse real, que se
consumasse.
Porra, eu a queria dançando daquele jeito para mim todos os dias. Queria
tê-la na minha cama. Tanto que nem pensei duas vezes quando usou seu dedo
para me chamar para dançar também.
A imprudência falou mais alto quando, sem nem pensar no que fazia,
passei um braço ao redor da cintura dela. Com Laís sobre a mesa de centro,
estávamos da mesma altura. Quando a puxei contra mim, com força, foi por
uma questão de míseros centímetros que nossas bocas não se encostaram.
— Sabe, Victor? Você tem muita cara de quem beija bem. De homem
com pegada... — ela sussurrou, aproximando a boca do meu ouvido, e meu
coração acelerou.
Fiz o mesmo, baixando o tom de voz também, mas ao invés de falar ao pé
de seu ouvido, eu o fiz próximo de sua boca, quase ao ponto de nos tocarmos.
— Eu quero te beijar há muito tempo. Muito tempo, Laís — enquanto
dizia isso, apertei um pouco mais o braço que a envolvia, fazendo-a arfar. —
A cada vez que discutimos, tudo o que quero é te jogar em cima daquela
mesa de jantar e te foder do jeito que você merece ser fodida.
Ela arqueou a cabeça para trás, soltando um gemido delicioso,
demonstrando que tudo o que eu estava propondo seria consentido.
Naquele momento eu deveria ter parado. Sabia que outro passo adiante
me faria cair de um abismo. Só que, por mais que fosse perigoso, a queda
seria prazerosa. Cada etapa dela. E por mais que eu pudesse me machucar no
final do caminho, ter aquela mulher para mim, mesmo que só por uma noite,
valeria a pena.
A mulher que há quase um ano ocupava todos os meus pensamentos, que
eu desejava tanto que meu corpo chegava a doer de vontade de tê-la.
— Me beija. Por favor... por favor... — ela suplicou, quase
choramingando, e eu nem hesitei.
O desespero misturado ao tesão que sentia poderia me tornar um
selvagem, e eu precisava ir com calma, porque Laís... Ah, porra! Laís era
toda delicadeza, feminilidade e perfeição. Uma princesa. Uma que um
vagabundo como eu nem deveria merecer.
Ergui a outra mão, e meus dedos se embolaram em seus cabelos
dourados, segurando sua nuca. Eu não queria apressar nada, então, perdi
algum tempo olhando para aqueles lábios perfeitos, rosados, cheios,
entreabertos, esperando pelos meus. O quão sortudo eu era? Naquele instante,
completamente zonzo pelo álcool e pelo quão inebriado aquela mulher me
deixava, nem me dei conta de que não tinha nada a ver com sorte. Uma noite
me viciaria nela, certamente.
Uma noite seria mais do que suficiente para confirmar o que eu já sabia –
Laís Giardelli tinha que ser minha. Não como um caso ou um passatempo,
mas de verdade. Mas infelizmente eu estraguei tudo.
Quando o beijo aconteceu, eu soube que estava fodido. Quando sua
língua entrou em contato com a minha, quando seu cheiro e seu gosto me
invadiram, quando seu corpo macio, mas esbelto, se moldou em minhas
mãos... eu entendi que nada mais seria o mesmo. Que não poderia mais fingir
que não me importava, que não cairia de quatro por ela se só me pedisse.
Era um caminho sem volta. Mas que se fodesse todo o resto, eu a queria.
E naquela noite ela seria minha.
CAPÍTULO CINCO
Minha cabeça estava explodindo. Por mais que eu não tivesse abusado
tanto quanto quis fazer Victor acreditar, eu era fraca para bebidas. Não estava
acostumada, e na noite passada eu tinha extrapolado um pouco.
Mas não ao ponto de não me lembrar onde estava e com quem estava.
Eu tinha transado com meu digníssimo marido. Não apenas uma, mas
várias vezes. Só paramos, porque eu praticamente desmaiei em seus braços
na última rodada, exausta de tanto gozar. Nem conseguia começar a contar a
quantidade de orgasmos que ele me deu.
Nunca sonhei que isso fosse possível, aliás.
O problema? Eu queria repetir a dose. Queria que ele colocasse em
prática todas as coisas sujas que sussurrou no meu ouvido enquanto me fodia
com força.
O cara era criativo, tinha um pau maravilhoso e seu beijo era quase
indecente de bom. Esse homem era meu marido, aliás, mas eu só descobri
tudo isso meses antes da nossa separação.
E, infelizmente, o que tinha acontecido sobre aquela cama não poderia
acontecer novamente.
Ele estava deitado com o braço sobre a minha cintura, apagado de barriga
para baixo, completamente nu em toda a sua glória. Tentei me desvencilhar,
mas ele era pesado demais para mim, então tive um pouco de dificuldade.
Minutos depois, consegui sair da cama sorrateiramente.
Corri para o meu quarto, enfiando uma roupa qualquer no corpo e
levando uma muda extra. Poderia tomar banho na casa de Fernanda – minha
melhor amiga e para onde pretendia correr naquele instante – e, de
preferência, dormir lá também.
Com que cara iria olhar para Victor depois de tudo o que tínhamos feito?
Se tivéssemos transado uma única vez, eu poderia usar a desculpa de que
fora um lapso. Mas umas cinco – se é que a conta estava certa –, não podia
ser considerado “sem querer”.
Até porque eu quis. Muito.
Eu deveria, de fato, tomar um banho, mas temia demorar demais e Victor
acordar. Queria não estar mais no apartamento quando isso acontecesse,
porque não estava pronta para encará-lo.
Calcei um tênis, vesti um jeans e uma camiseta, prendi os cabelos
desgrenhados em um rabo de cavalo, joguei a muda de roupa extra numa eco
bag, peguei minha bolsa e saí.
No momento em que pisei fora do apartamento, suspirei aliviada. O ar lá
dentro estava me sufocando. Era como se o local inteiro cheirasse a sexo.
Como se cada parede tivesse testemunhado tudo o que tínhamos feito.
Corri para a garagem do prédio, sentindo-me uma fugitiva. Vasculhei a
bolsa atrás da chave do meu carro e entrei nele com pressa, ligando o motor e
partindo.
A casa de Fernanda ficava em um bairro vizinho, mas eu me sentia
inquieta. Precisava desabafar, contar para alguém o que tinha acontecido, mas
só confiava na minha melhor amiga.
Assim que cheguei, ela liberou minha entrada no prédio, e eu subi.
Fernanda morava sozinha em um apartamento bem legal em Jacarepaguá,
com seus dois gatinhos – o Felix e o Frajola, que eram dois opostos.
Enquanto o primeiro era um amorzinho, dengoso e carente, o segundo era
antipático e indiferente.
Minha amiga me conhecia há tanto tempo que foi só olhar para a minha
cara para saber que havia algo de errado. Arranquei Felix do colo dela,
levando-o ao meu, porque precisava de um pouco de amor de bicho para lidar
com minhas emoções.
Sem dizer nada, joguei-me no sofá, com ele nos braços, esfregando a
cabecinha no meu peito, enquanto seu irmão, gordo e preguiçoso, veio dar
uma olhada em quem tinha chegado. Como não era interessante o suficiente
para ele, o safado foi embora e nos deixou na sala.
— O que aconteceu, amiga? O que o idiota do seu marido fez dessa vez?
— Ela me conhecia bem. Durante aquele ano de casamento, não fora apenas
uma vez que apareci na casa dela daquele jeito. Em algumas surgi cheia de
ódio, e, em outras, magoada.
Daquela vez eu nem sabia como me sentia.
Ergui uma sobrancelha na direção dela, quase provocadora.
— O que ele fez? Hum... deixa eu ver se consigo expressar com toda a
ênfase que o assunto merece. — Fingi pensar. — Ele me fodeu de todas as
formas possíveis, em inúmeras posições e me deu tantos orgasmos que eu
nem pensei que seria humanamente possível em uma só noite.
A boca em formato de coração da minha amiga se abriu, e seus lindos
olhos castanhos se arregalaram.
Sem falas, querida? Pois é... eu também.
— Laís, você transou com o Victor? — ela perguntou, como se não
tivesse ficado bem óbvio.
— Não, Nanda. Transar é o que eu fazia com o ex. Com Victor eu
nem sei como poderia chamar o que aconteceu. O homem é... uma bomba
relógio. — Boa definição, cérebro. Ótimo saber que depois de tanta emoção
da noite anterior você ainda não derreteu.
— Calma... calma aí... — Fernanda se remexeu no sofá. — Amiga...
nós nos falamos ontem de tarde, pouco antes de você sair para encontrar o
seu pai. Até onde eu sei, você ainda odiava o cara. O que aconteceu? Como
vocês passaram do “eu te odeio” para o “eu quero transar”?
— Walter Giardelli surgiu no meio da equação.
Minha amiga franziu o cenho.
— Lala, é muito, muito estranho ouvir que seu pai teve algo a ver
com a noite de sexo frenético que você viveu.
Não pude conter uma risada.
— Sabe o que é estranho? Meu pai ter decidido mudar os termos do
acordo comigo, e Victor ter me defendido, fazendo-o mantê-los. Ou seja, o
babaca do meu marido se tornou o meu herói na noite passada.
— Em todos os sentidos, né? Porque ainda te deu uma noite de rainha.
— Quase suspirei me lembrando, mas assenti, enquanto alisava o pelo macio
de Felix. — Mas me diz... o que vocês vão fazer agora?
Aquela era a pergunta de um milhão de dólares. Dei de ombros antes de
respondê-la.
— Se ao menos eu soubesse... Saí correndo como uma fugitiva antes que
ele acordasse.
— Uau. Super maduro da sua parte. — Fernanda revirou os olhos. Mas
quem poderia julgá-la? Eu também condenava a minha atitude. — Vocês
precisam conversar.
— Sim, precisamos. Mas eu nem sei se ele se lembra do que aconteceu.
Estava mais bêbado do que eu.
— Ah! Agora isso fez sentido! Vocês estavam bêbados!
— Então... eu nem tanto quanto quis que ele acreditasse. Nanda, eu fiz
tudo de caso pensado, e o pior é que nem me arrependo. Tem noção de que
eu fingi cair de uma cadeira só para ele me pegar? Se não rolasse nada, eu só
queria que ele... — Suspirei, porque era patético. — Que ele me tocasse.
— Amiga, você poderia ter se machucado.
— Eu sei.
— Bem, mas ele te pegou aparentemente. E não só na queda — brincou.
— Pegou. — Levei uma mão à cabeça. — Pelo amor de Deus, ele me
pegou muito.
— Assim eu vou acabar ficando com inveja. Sabe há quanto tempo não
me dão um trato assim? — Fernanda parou e pensou. — Há vinte e cinco
anos. Minha idade, aliás.
E nós éramos amigas há vinte. Nós nos conhecemos no colégio e nunca
mais nos desgrudamos. Fernanda era minha confidente, minha irmã de alma,
a pessoa que mais me entendia no mundo. Quando contei para ela sobre meu
casamento de conveniência, ela me chamou de louca, e eu a amei mais ainda
por isso. O dinheiro que viria como compensação pelo meu ano de casada
serviria para nosso negócio, então, ela se beneficiaria dele também. Só que
minha amiga era leal o suficiente para pensar primeiro no meu bem estar.
Claro que ela meio que mudou um pouco de ideia ao conhecer Victor e
perceber que o cara era um deslumbre. Durante a festa de casamento, ela me
chamou de sortuda, mesmo eu me sentindo completamente miserável.
Mesmo sentindo como se estivesse me vendendo.
Meu próprio pai tinha, de fato, me vendido. E isso doía.
Eu odiei cada segundo da minha festa de casamento. E naquele momento
eu nem imaginava que Victor se tornaria uma pedra no meu sapato. Até
porque ele se mostrou tão gentil, tão cordial, tão pronto para facilitar as
coisas... Desde que eu dei aquele sim, tudo desandou.
Era errado. Tudo estava errado.
Assim como o sexo da noite passada. Por mais maravilhoso que pudesse
ter sido, não mudava em nada o quão incompatíveis eu e Victor éramos.
Nunca daria certo.
— Seja como for, Nanda, vamos nos separar em três meses.
— Será mesmo? — ela soltou, e eu voltei meus olhos para ela, surpresos.
Nanda era sempre a ferrenha carrasca de Victor. Por ela eu já teria cometido
um homicídio e feito parecer um acidente. Ainda assim... por que estava
duvidando da minha palavra?
— O que você está insinuando?
Ela respirou fundo e puxou Felix para o colo dela.
— Fala sério, Lalá... Você tem uma quedinha por Victor desde aquele
maldito dia em que viram filminho e ficaram quase como namoradinhos no
sofá. Morre de tesão. Ok, o cara é gato, eu sei. Mas as coisas no seu
coraçãozinho são muito confusas em relação a ele. Você nunca foi leviana ou
casual com sexo. Não acho que vai simplesmente esquecer a noite passada e
seguir em frente. — O pior era que ela estava certa, mas não queria pensar
nisso. — Vocês ao menos usaram camisinha?
Camisinha?
Ah... merda!
Não...! Não! Não!
Eu mal lembrei do meu nome enquanto ele colocava aquela boca incrível
em mim, como iria me lembrar de camisinha? E não estava tomando
anticoncepcional há alguns meses.
Merda! Mil vezes merda!
Será que eu poderia contar com a sorte?
CAPÍTULO SETE
Em uma coisa Laís estava certa. Na verdade, eu achava que ela estava
certa em muitas, mas em uma, em específico, mais. Eu me sentia vazio por
dentro. Completamente.
Comecei a caminhar pelo corredor lentamente, passando pelo quarto
dela.
Queria bater na porta, pedir perdão, conversar e dizer que ela estava
enganada. Eu não a odiava. Era apaixonado por ela. Queria confessar que a
noite passada fora muito mais do que apenas sexo. Que eu amei cada
segundo. Que queria tê-la daquela forma todos os dias.
Mas o que me restou apenas foi encostar a testa na porta e, através da
madeira, ouvi-la chorar. O que me destruiu mais ainda.
CAPÍTULO NOVE
Laís não parava de roer os cantinhos das unhas, mais nervosa do que já
tinha visto. Já tinha andado pela casa inteira, de um lado para o outro, e eu
poderia jurar que deveria estar pálida por sob o batom vermelho que pintava
sua boca.
Sua linda barriga de seis meses de gestação se destacava por sob o vestido
branco quase virginal, e ela se penteara de forma meiga, como se isso
pudesse convencer a pessoa que estava chegando de que a omissão, por todos
aqueles meses, não fora por mal. Tínhamos uma história pronta para contar a
ele, mas, conhecendo bem com quem iríamos lidar, sabíamos que não seria
fácil.
Os sons na cozinha ecoavam pela casa, enquanto minha mãe terminava de
preparar o jantar. Durante aqueles últimos meses, ela e Laís se aproximaram
ainda mais, o que eu gostava. Sentia como se isso estivesse estreitando os
nossos laços cada vez mais, além, é óbvio, de nosso relacionamento ter
melhorado imensamente.
Embora não nos tocássemos, eu podia dizer que tínhamos virado bons
amigos. Depois que o susto e o medo de uma perda de nosso bebê passou, as
coisas ficaram leves, e eu comecei a ajudá-la com a parte jurídica de sua loja,
a aconselhá-la, e até Fernanda passou a me tolerar um pouco mais.
Queria contar para ela a verdade sobre meu comportamento durante nosso
primeiro ano de casamento, que fora uma exigência do pai dela que não
nutríssemos sentimentos um pelo outro, mas sabia que já estava tão magoada
com Walter que só serviria para partir seu coração ainda mais; e enquanto
estivesse esperando nosso filho, não queria que sofresse fortes emoções.
E naquele dia teríamos uma.
No momento em que se levantou e começou a andar de um lado para o
outro novamente, precisei segurar seu braço e forçá-la a se sentar novamente.
— Não adianta nada ficar inquieta desse jeito — falei com calma,
esperando que entendesse como um conselho e não como uma reprimenda.
— Não consigo.
Agachei-me à frente dela, pegando ambas as suas mãos que estavam
sobre o colo.
— Você não tem que ter medo do seu pai. Eu estou aqui. Não vou
permitir que seja grosseiro com você.
— Acho que ele vai ficar mais estressado com você. Talvez seja por isso
que estou preocupada.
— Comigo? — Ergui uma sobrancelha, surpreso. Ela estava preocupada
comigo?
— É... eu sei que meu pai gosta muito de você, mas ele também sabe ser
severo e...
Inclinei a cabeça para frente, levando a mão à sua nuca, puxando-a para
mim e beijando sua boca. Fazia meses que eu não tentava absolutamente nada
com ela, porque quis respeitar seu espaço, mas nem era um beijo para seduzi-
la. Não era um beijo com paixão. Era ternura e porque simplesmente não
consegui me conter.
Laís pareceu surpresa, mas eu não poderia dizer que não havia
correspondido, porque senti seus lábios quase se abrindo para os meus. Só
que ao me afastar, ainda com a mão em sua nuca, abri um sorriso.
— Se formos começar com isso, não vou parar.
Peguei-a respirando fundo, e então imitou o meu sorriso.
Bom. Melhor do que sua expressão agoniada de antes.
Infelizmente esta retornou minutos depois, quando o interfone tocou.
Minha mãe o atendeu, ao meu pedido, porque não queria sair do lado de Laís.
Quando Walter chegou, senti meu sangue ferver pelo olhar que dirigiu à
minha mãe. O que não era a primeira vez que acontecia.
D. Marisa era uma mulher bonita, com um corpo firme, cabelos
compridos e castanhos como os meus, e eu sabia que ela chamava atenção.
Adoraria que encontrasse alguém, que vivesse uma história de amor como
nunca tivera direito, mas meu pai partira seu coração de tal forma que ela se
fechara para relacionamentos.
Só que o meu sogro não era o tipo de cara que eu pensaria para ela.
O filho da puta ficou tanto tempo olhando para a minha mãe que demorou
a perceber a protuberância na barriga da filha.
Quando o fez, a expressão em seu rosto quase me deu medo. Sem nem
pensar no que fazia, coloquei-me em frente a Laís, pronto para defendê-la, se
fosse preciso.
— O que significa isso? — Walter apontou para a barriga de Laís, como
se fosse algo muito difícil de se explicar.
— Pai... eu... — ela gaguejou.
Minha mulher não ia fraquejar na frente de ninguém, nem mesmo do pai
dela. Não Laís, que era forte, corajosa e tão decidida. Era doce também, e eu
sabia que não era muito adepta a conflitos, principalmente com o pai, que
exercia uma figura de controle sobre ela, mas eu não iria permitir.
— Minha filha está grávida, e eu só fico sabendo quando a barriga está
deste tamanho? — Walter ergueu a voz, e Laís estremeceu.
Passei um braço ao redor de sua cintura, firmando-a, e franzi o cenho,
disposto a parar com aquela palhaçada.
Dei um passo à frente, mas, para a minha surpresa, quem se intrometeu
foi minha mãe.
— Ah, mas que absurdo! E desde quando podemos controlar ou ditar
quando nossos filhos vão nos dar satisfações da vida deles? É uma escolha de
Victor e Laís compartilhar uma notícia e quando farão isso.
E lá estava minha mãe, diante de um dos homens mais poderosos que eu
conhecia, com ambas as mãos nos quadris, quase parecendo falar comigo
quando eu era mais novo e fazia uma travessura.
Meu sogro ficou olhando para ela sem entender, assim como eu e Laís
também, e eu poderia jurar que uma explosão aconteceria. Ali comigo
estavam duas mulheres importantes para mim, e eu faria qualquer coisa para
não permitir que Walter as ofendesse ou incomodasse. Não importava que
tivéssemos nos tornado sócios, ele não iria desrespeitar minha mãe nem
minha esposa – por mais que fosse sua filha.
Mas ele ergueu um dedo em riste em minha direção.
— Precisamos conversar. A sós.
Fiquei calado por alguns instantes, apenas olhando para ele, estudando
sua proposta – ou seria sua ordem?
Eu não precisava acatar. Não na minha casa, mas decidi ceder, antes que
sobrasse para as outras duas.
Guiei-o até o escritório no meu apartamento, entrando e fechando a porta.
Esperei alguns segundos, de braços cruzados contra o peito, tentando ser
paciente. Walter se manteve de costas para mim, com as mãos na cintura.
Quando se virou para me olhar, havia um sorriso em seu rosto. Mas um que
me preocupou.
— Então eu vou ser avô? — Por que ele não me parecia orgulhoso ou
satisfeito?
— Sim. É um menino — apenas informei.
Ele assentiu.
— Você é um cara esperto, Victor. Cumpriu o contrato certinho,
aproveitou bem sua esposa e ainda se garantiu com o bônus.
Meu cenho se franziu mais ainda, porque não estava entendendo.
— Bônus? — indaguei, confuso.
— Você é um advogado que não lê contratos? Não se lembra de uma das
cláusulas dos papéis que assinou?
Tentei puxar da memória, então me lembrei. Havia, sim, uma cláusula
que especificava que caso Laís engravidasse, eu teria acesso a mais cinco por
cento das ações da empresa.
— Parece que se lembrou. Bem, acho que vou ter que preparar mais um
contrato para você, não é? — Novamente, ele não parecia satisfeito.
— Se não queria que ficássemos juntos, por que colocou essa cláusula?
— tentei. Era uma curiosidade que acabara de me surgir.
— E não quero ainda. Mas queria um neto. Mais de um se eu tiver a sorte.
Laís pode ter outros filhos de outro casamento, mas se já garantirmos um...
Desprezível.
Meu Deus... Laís estava certa. Aquele homem era podre.
— Sua filha não é uma mercadoria, Walter. E ela não vai se casar com
mais ninguém, se eu puder evitar. Quero manter a minha família. — Walter ia
dizer alguma coisa, mas o impedi erguendo a mão. — Estou pouco me
fodendo para o que vai fazer, mas não vai empurrá-la novamente para um
casamento contra a vontade dela. Mais do que isso, não tenho interesse em
mais ações.
Walter arregalou os olhos.
— Como não? Você já foi mais ambicioso, filho — falou com ironia.
— Primeiro, não sou seu filho. E em segundo lugar, o meu bebê não vai
ser mais um trampolim para a minha carreira. Cometi alguns erros e estou
disposto a compensá-los.
Ele ficou olhando para mim por algum tempo, novamente me analisando.
Eu sabia que Walter era capaz de ler muitas coisas com apenas uma analisada
maliciosa daquelas, e ele ganhava casos e casos daquela forma. Só que eu
sabia o quão bom eu também era e não estava disposto a desistir.
E ele cedeu, mas eu sabia que não era uma guerra vencida. Apenas uma
batalha.
— Não estou com fome mais. Peça desculpas à sua mãe. Outro dia nos
encontraremos outra vez.
Então ele saiu do escritório, e eu fui atrás com medo de que fosse
grosseiro com alguém naquela casa.
Só que ele parou na frente de Laís, acariciou sua barriga e falou um
“parabéns” muito sem emoção, saindo em seguida.
Ficamos olhando para a porta que ele mesmo abriu e fechou, os três
completamente sem fala.
— Que homem doido — minha mãe comentou, estalando a língua e
voltando para a cozinha. — Bem, ele perdeu uma lasanha e tanto...
Eu e Laís nos entreolhamos, preocupados. Nós dois sabíamos que aquilo
teria consequências, e eu não estava muito ansioso para experimentá-las.
CAPÍTULO DEZESSEIS
Sem dizer nada, voltei para o sofá, aconchegando-me contra o corpo largo
de Victor, e ele me abraçou com ainda mais força. Então nós ficamos ali,
olhando para o nome do nosso filho, que estava prestes a nascer.
Tudo o que eu queria era que ele nos unisse ainda mais.
CAPÍTULO DEZESSETE
A cama estava vazia, mas não dei muita atenção a este fato de início. Nós
tínhamos um bebê, afinal. Havia muitas explicações para aquela ausência.
Ainda assim, me incomodou. Deixou-me angustiado. Depois de vários dias
acordando sem ela, tudo o que queria era sentir seu corpo quente e delicado
ao lado do meu. Encontrar um colchão frio foi algo frustrante.
Levantei-me da cama, vesti-me e segui ao quarto de Pedro, não
encontrando nem minha mulher e nem o meu filho. Já tinha amanhecido, e eu
esperava, ao menos, encontrá-los na sala.
Mas nada.
Em seu lugar, encontrei a frase escrita na pequena lousa presa à geladeira:
EU TE AMO.
Precisei respirar fundo e reler várias vezes para que cada uma daquelas
três palavras entrasse no meu coração. Elas eram uma esperança, não? Mas
por que Laís tinha ido embora?
Sentindo-me confuso, comecei a tentar entender como poderia funcionar
a cabeça da minha esposa. Só que apesar de termos uma convivência
razoavelmente longa e de eu conhecê-la ao menos um pouco, não tínhamos
uma intimidade que pudesse ser considerada relevante para conseguir
compreendê-la a fundo.
Seria aquele EU TE AMO um adeus?
Não, eu não podia pensar nisso. Não queria pensar.
Joguei-me no sofá, sentindo-me novamente um merda e não deixando de
me lembrar da noite anterior; do que fizemos, de como matamos a saudade e
de como jurei que teríamos uma nova chance.
Eu desejava essa chance. Mais do que desejava respirar naquele
momento.
Então precisava lutar por ela.
Lembrei-me de toda a conversa da noite anterior e algumas coisas
começaram a se formar na minha cabeça. Uma ideia perigosa, mas que eu
esperava que nos levasse a um final feliz.
Era hora de me mexer, dar alguns telefonemas e ir recuperar a minha
mulher.
Demorei apenas uma hora fazendo isso e me dei conta de que era pouco
mais de nove da manhã quando saí de casa, completamente decidido. Parti
direto para a casa de Fernanda, de carro. Minha entrada foi liberada em seu
prédio, e a própria atendeu, com meu filho no colo. Seus dois gatos vieram
em seu encalço, e um deles roçou em minha perna, enquanto o outro apenas
se deitou, de olho em toda a movimentação.
Beijei a cabecinha de Pedro, cumprimentando-o, mas eu tinha um
objetivo em mente.
Fernanda estava ciente de tudo, porque telefonei para ela e lhe pedi que
tomasse algumas providências.
— Olha quem chegou — ela zombou, olhando para mim de cima a baixo.
— Fez o que combinamos? — perguntei, ignorando seu comentário.
— Claro. Mas espero que cuide bem de Laís. Ou, da próxima vez que ela
chegar aqui em casa chorando, vou te castrar.
— Se eu a magoar novamente, virei até aqui por livre e espontânea
vontade para que faça isso.
A amiga da minha esposa sorriu, parecendo satisfeita. Quis soar
veemente, para que não houvesse dúvidas de que a última coisa que eu queria
no mundo era ver Laís novamente ferida por minha causa. Em nenhum
aspecto. A partir daquele momento, eu iria cuidar direito da minha família.
— Nanda, o que...? — Laís surgiu enquanto eu e Fernanda nos
encarávamos. Estava colocando um brinco, como se estivesse prestes a sair.
Não demorei a reparar que Pedro também estava de banho tomado, com
os cabelinhos ralos molhados.
Aparentemente ela tinha planos, mas eu iria arruinar todos eles.
Fui na direção de Laís, que parecia ainda surpresa por me ver, e apenas a
peguei no colo sem dizer nada, arrancando um som de surpresa de sua
garganta.
— Victor... o que você está fazendo? — falou em um tom de choque.
— Sequestro. Não foi o combinado? — Ela arregalou os olhos, mas não
se opôs. Um quase sorriso se desenhou em seus lábios, e esse foi o incentivo
de que precisei.
Lancei um olhar para Fernanda, e ela pegou a mãozinha de Pedro,
fazendo-o acenar para nós, e eu saí carregando Laís pela porta aberta,
chamando o elevador de novo, aproveitando que ainda estava no andar, e a
porta deste se abriu.
— Victor, eu estou sem bolsa... não podemos deixar Pedro assim desse
jeito...
— Nada de bolsa, nada de celular. Você não vai precisar de nada disso.
Serão só algumas horas. Você deixou leite para Pedro, não deixou?
— Sim, e agora tudo faz sentido. Fernanda me convenceu a fazer isso.
— Pois é. Por algumas horas você será só minha.
Eu a senti estremecer ao me ouvir dizer isso, o que novamente encarei
como um bom sinal.
Saí do elevador direto para a garagem subterrânea, ainda levando Laís
nos braços. Chegando perto do carro, coloquei-a de pé. Tirei um pano preto
de um dos bolsos da calça, vendando-a.
— O que você pretende fazer se formos parados por uma blitz? — ela
falou, mas completamente divertida.
— Vamos contar que é uma brincadeira entre nós. Você vai corroborar.
Ninguém pode nos criticar por isso.
— Só será constrangedor.
— Não vão nos parar. Os vidros são escuros.
Sem deixar que ela dissesse mais nada, coloquei-a sentada no banco e
prendi o cinto de segurança. Deixei-a ali e dei a volta, sentando-me atrás do
volante.
Comecei a dirigir, tirando-nos do prédio de Fernanda. Olhava para Laís
de soslaio, observando sua respiração incerta. Ela parecia animada,
empolgada. Nervosa, talvez, mas era de se esperar. O que eu estava fazendo
era uma loucura, mas... o que não era válido por amor?
A viagem durou pouco mais de duas horas, mas logo chegamos.
Estacionei na garagem da casa e tirei Laís de dentro do carro novamente no
colo, enquanto ouvíamos o som do mar ao nosso redor.
— Onde estamos? — ela perguntou, curiosa, deixando-se ser levada e até
colocando os braços ao redor dos meus ombros. Era um sinal de confiança,
não era? De que sabia, dentro de seu coração, que eu iria cuidar dela.
— Sinta o cheiro. Ouça o som...
— Você me trouxe para a praia?
Deixei a pergunta dela no ar por algum tempo, enquanto a colocava no
chão. Foi então que percebi que estava descalça e que eu a tirei de casa
daquela forma. Condenei-me por ser um desnaturado e não ter me dado conta
antes. Precisava ficar de olho para que não se machucasse.
Ela provavelmente sentiu a areia sob seus pés, porque sorriu. Seus
cabelos dourados voavam com a brisa, enquanto eu tirava sua venda, girando-
a de frente para a casa.
Quando Laís abriu os olhos, deparou-se com uma linda casa de praia,
toda em madeira, com redes na varanda, muito verde ao redor e um clima
delicioso.
— Onde estamos? — indagou, confusa, mas parecendo maravilhada com
tudo aquilo.
— Búzios. — Apontei para a casa. — Depois do sequestro, este será seu
cativeiro por algumas horas, senhora.
Laís sorriu, girando em direção ao mar. Fiquei olhando para ela, tentando
entender que tipo de sorte eu tinha para que uma mulher como aquela fosse
colocada no meu caminho da forma mais surpreendente possível. Observá-la
daquele jeito me fazia compreender que o destino nem sempre dava suas
cartadas para o mal, porque esta era a única explicação que eu encontrava
para um casamento por contrato ter me levado a conhecer o amor.
— Nada mal — disse em um tom divertido, parecendo encantada. — O
que viemos fazer aqui, Victor? — Olhou para mim de soslaio, usando aquele
tom de voz tão doce de sempre.
— Primeiro porque eu prometi que faria isso caso se afastasse de mim
mais uma vez. E você disse que seria sexy. — Assim que eu terminei de
falar, ela começou a rir, o que eu não entendi. — Por que a graça?
— Porque eu estava prestes a voltar para casa no momento em que
chegou daquele jeito no apê da Fernanda.
— O quê?
Laís ergueu uma das mãos e a levou ao meu rosto, tocando-o. Havia tanto
sentimento em seus olhos que eu não conseguia nem descrever.
— Eu estava voltando de vez para você. Na noite passada saí de casa para
ir confrontar meu pai. Avisar que, de forma alguma, iria permitir que nos
atrapalhasse.
Meu coração quase saltou do peito, e tudo o que eu queria era tomá-la nos
braços e beijá-la, demonstrando o quanto aquela confissão e a certeza de que
não poderia haver obstáculos que nos destruíssem era importante para mim,
mas havia outro motivo para estarmos ali.
— Fico muito aliviado em saber disso, mas temos mais um motivo para
eu ter te trazido para cá. — Sem dizer mais nada, tirei uma caixinha do meu
bolso, ajoelhando-me à sua frente e surpreendendo-a. — Eu sei. Sei que já
estamos casados, mas não da forma como merecemos. Desta vez eu quero
que seja inesquecível. Quero dançar com a minha esposa, dizer um sim real,
beijá-la quando o padre mandar. Quero noite de núpcias, te carregar no colo
quando passarmos pela soleira da porta, pisando com o pé direito... Quero me
emocionar ao te ver entrando, tão linda como a princesa que você é. Quero
beijar sua aliança quando colocá-la no seu dedo, dizer meus votos com todo o
meu coração e acreditar que seremos mesmo felizes até que a morte nos
separe.
— Victor, eu... — ela choramingou, já com lágrimas nos olhos.
— Aceite ser minha esposa, Laís. Seja a Sra. De Luca de verdade, pra
valer, com tudo o que tem direito, e eu vou passar o resto da minha vida
inteira te mimando e me tornando um homem melhor por você e por nosso
filho.
Ela novamente começou a rir, levando uma das mãos ao rosto, cobrindo a
boca, enquanto sua doce gargalhada se misturava ao choro.
— Você me sequestrou para me pedir em casamento?
Não consegui conter o riso também.
— Achei que seria dramático o suficiente. E emocionante, claro.
Laís assentiu, balançando a cabeça por um pouco mais de tempo do que
seria necessário. Então ela falou:
— Sim, Victor. Eu aceito me casar com você. De novo.
Soltei o ar que nem percebi que estava prendendo, aliviado, satisfeito.
Coloquei o anel em sua mão direita, tomando as duas mãos nas minhas e
beijando ambas as jóias – a que representava nosso novo noivado e a que
representava nosso casamento, em sua mão esquerda.
— Acho que nós fazemos tudo ao contrário, não é? — Laís perguntou,
mas antes que eu pudesse responder, ela emendou: — Mas me diz uma coisa:
quando foi que você comprou este anel? E o que é esta casa?
Um sorriso curvou um dos cantos dos meus lábios enquanto me
levantava.
— O anel já estava comigo. Eu comprei há algum tempo, pouco depois de
nos acertarmos de verdade. Queria esperar uma ocasião especial. A casa é de
um amigo. Ele me emprestou.
Laís deu um passo para frente, colocando os braços ao redor dos meus
ombros.
— Temos apenas algumas horas para aproveitá-la, não é? — Assenti,
passando um braço ao redor de sua cintura. Ela se aproximou um pouco mais,
colocando-se na ponta dos pés para sussurrar no meu ouvido: — Então o que
está esperando para me levar para cama?
Feliz e me sentindo bobo como um adolescente, eu novamente a peguei
no colo, fazendo-a rir, e saí correndo para dentro da casa, realmente não
querendo perder nem um segundo a mais.
CAPÍTULO VINTE E SETE
Foi questão de algumas semanas até que tudo explodisse. Acordei ao lado
do meu marido, com meu telefone tocando incessantemente – ligações de
números desconhecidos.
Victor despertou também, pegando meu celular e pedindo autorização
para atendê-lo. E ainda bem que fez isso, porque era a imprensa.
Eles foram os responsáveis por eu receber a notícia de que meu pai tinha
sido preso na noite anterior.
As acusações eram muitas, mas eu já sabia de todas elas. Sabia de toda a
maldade, o quanto de pessoas foram prejudicadas, do quanto de propina ele
recebeu para defender criminosos ricos e para forjar evidências que os
absolveram. Era vergonhoso, mas justo. Jurei que poderia suportar aquelas
provações, embora temesse que manchasse o meu negócio também.
Mas isso não aconteceu. Usando o nome Laís DeLuca, com a marca
Nozze, começamos a crescer em pouco tempo, e o ápice de tudo chegou um
ano depois, quando me casei com Victor pela segunda vez, usando meu
vestido dos sonhos, cujo desenho estava guardado há muitos anos.
Claro que eu fiz alguns ajustes, porque fui pegando experiência com o
tempo, mas o resultado foi exatamente o que sempre sonhei.
Era um vestido em um estilo medieval, com decote ombro a ombro e a
manga bem aberta até os punhos. Um corpete todo perolado, com rendas, e
uma saia de princesa, digno de um conto de fadas completavam a peça.
Branco, finalmente.
Muitas fotos foram tiradas e postadas tanto nas redes sociais da Nozze, o
que nos rendeu novos seguidores, admiradores e projetos nos quais trabalhar,
como em outros veículos de imprensa. As coisas foram crescendo e...
Ah, ok. Calma... primeiro acho que vocês querem saber do meu
casamento, né?
Pois é... Completamente diferente do que aconteceu no primeiro, eu não
conseguia parar de sorrir enquanto caminhava pelo corredor montado na casa
de festas, em direção ao altar. Sozinha. Meu pai permanecia preso, depois de
julgado, embora, pelo que dissessem, ainda esperasse entrar com recursos
para ser absolvido.
Victor e Hugo montaram sua empresa de consultoria em advocacia, e
ambos contrataram muitos dos funcionários da Gardelli, que eram tão
inocentes quanto os dois, e as coisas estavam no início, mas tinham potencial.
Ok... eu estou divagando novamente.
Naquele dia lindo do meu casamento, eu cruzei o corredor até o altar,
chegando a Victor, que me recebeu com os olhos marejados. Beijou ambas as
minhas mãos e sussurrou:
— Linda.
Meu sorriso se alargou, e eu não consegui contê-lo nem mesmo enquanto
me voltava para o padre e começava a ouvir suas palavras.
Apesar de não ser a primeira vez, a sensação era de que nossa história
estava começando naquele momento. Era como se tivéssemos muito a
descobrir, explorar e esperar.
Tudo foi tão mágico, tão perfeito, e meu marido estava tão lindo que tudo
o que eu queria era ficar olhando para ele e me deleitar com a ideia de que era
todo meu.
Olhando ao nosso redor, eu enxergava as pessoas que amávamos. A mãe
de Victor, minha querida sogra, estava dançando próxima a nós com Pedro,
em seu colo – meu bebê era doido pela avó, e como não seria? Hugo e
Fernanda também estavam por perto, como um casal. Quem diria que nossos
melhores amigos iriam se conhecer e se apaixonar mais rápido do que
pensamos ser possível?
Claro que eu gostaria de ver meu pai ali, em meio a nossos amigos e
clientes. Queria que fosse uma pessoa melhor e que eu pudesse contar com
seu amor, mas nem tudo é perfeito, né? Não poderia reclamar da minha vida,
pois eu sabia que as coisas estavam cada vez melhores.
E ficariam ainda mais.
— No que está pensando, princesa? — a voz suave de Victor surgiu em
meus ouvidos ainda mais melodiosa do que a música no ritmo da qual ele me
embalava.
— Em no quanto estou feliz.
O braço ao redor da minha cintura puxou-me com vontade, e seus lábios
colaram nos meus.
— A partir deste momento, eu juro que vou me esforçar dia após dia para
que esta seja a sua realidade sempre.
— Hummm... — murmurei em um tom provocador. — Champanhe,
música, meu marido em um lindo smoking e eu em um vestido enorme como
este? — Ergui uma sobrancelha, em uma expressão brincalhona.
— Não exatamente. Champanhe e música, ok. Mas prefiro a ideia de nós
dois nus, uma cama e... — ele se aproximou, sussurrando em meu ouvido: —
E minha boca em cada parte do seu corpo.
Senti um calafrio percorrer minha espinha em total expectativa, enquanto
Victor novamente me puxava para si, para outro beijo.
— Mamã. Papá... — a vozinha de Pedro soou muito próxima.
Como sempre, o melhor empata beijos de todo o nosso relacionamento.
Salvos pelo gongo, antes que começássemos a nos pegar ali no meio da
pista de dança, sem nenhum pudor, percebemos que minha sogra estava ao
nosso lado, com nosso filho, e Victor o pegou, fazendo-o dançar conosco.
Nosso lindo bebê era tão esperto, tão doce, tão cheio de personalidade...
Ele iluminava nossas vidas todos os dias, e fora por causa dele que eu e
Victor nos unimos. Se não fosse aquela gravidez inesperada, provavelmente
cada um de nós teria seguido um caminho diferente e não estaríamos juntos,
tão felizes e apaixonados. Eu nunca teria compreendido o quão maravilhoso
era o homem que tinha ao meu lado, porque ele nunca me mostraria esse
lado.
Seríamos sempre um e se na vida um do outro.
Ainda bem que as coisas aconteceram da forma como aconteceram.
Quando a festa terminou, eu e Victor partimos para um hotel, onde
passaríamos a noite. Minha sogra ficaria em nosso apartamento, cuidando de
Pedro, que no dia seguinte seguiria conosco para nossa viagem de lua de mel,
na Itália. Não queríamos que nosso pequeno perdesse nada do que iríamos
curtir.
Achei estranho que Victor tivesse me pedido para não tirar o vestido, que
permanecesse com o de noiva, e mais ainda que decidisse ir dirigindo seu
próprio carro.
Antes que entrássemos nele, assim como aconteceu no dia em que me
tirou da casa de Fernanda, Victor me vendou.
— Tenho algumas surpresas — sussurrou no meu ouvido, de um jeito tão
sensual que quase me deixou de pernas bambas. Um de seus braços enlaçou
minha cintura, puxando-me contra si e colando minhas costas ao seu peito
largo. Um beijo em meu pescoço completou o pacote.
Muitas expectativas, Laís, controle-se.
Ele me ajudou a me acomodar no carro, e novamente partimos.
Poucas conversas dentro do carro, apenas a música ambiente, e volta e
meia Victor pegava minha mão e beijava as duas alianças, que eu decidi usar.
Tínhamos nos casado duas vezes, e por mais que tudo tivesse sido muito
conturbado, aquele primeiro casamento, onde eu estava tão infeliz, fora o
início de tudo. Com aquele beijo, ele demonstrava o quanto o momento era
importante.
Era para mim também. Por mais que já fôssemos casados antes, sentia
que nossa ligação era mais verdadeira, real. Daquela vez, tínhamos dito sim
diante do altar com todo o nosso coração.
Quem diria que de um casamento por contrato eu acabaria ligada ao
homem mais romântico e apaixonado do mundo? E o melhor pai que meu
filho poderia ter?
Seguimos viagem, e eu não saberia precisar quanto tempo ficamos dentro
do carro, até que paramos. Victor saltou primeiro, abriu a minha porta e me
tirou de lá de dentro no colo.
O mar rugia ao nosso redor, e eu não pude deixar de sorrir. Já imaginava
onde estávamos.
— Estou tendo um déjà vu? — brinquei.
— Será? — enigmático, ele respondeu, enquanto caminhava comigo em
seus braços. Encostei a cabeça em seu peito, respirando fundo e sentindo meu
coração bater mais forte.
Fui colocada no chão com cuidado, sentindo meus pés afundarem na
areia.
— Acho que vamos sujar um pouco o seu vestido — ele falou baixinho,
enquanto uma brisa deliciosa me dava boas-vindas.
— Não me importa. Aliás, pensei, de verdade, que você fosse rasgá-lo...
conhecendo-o como te conheço.
A risadinha maliciosa de Victor me dizia que sim, que esta era
exatamente a intenção dele.
Eu não me oporia.
— Pensei que iríamos para um hotel.
— Eu quis fazer uma surpresa.
Então ele tirou a venda.
Eu sabia o que encontraria ao meu redor, mas não imaginava que haveria
mais. Muito mais.
Victor havia preparado um verdadeiro cenário de conto de fadas para nós
dois, com direito a tenda, tochas iluminando a noite, um colchão branco sobre
a areia, cheio de pétalas de rosas voando com a brisa, vinho, frutas, além de
uma música baixinha que vinha de uma caixinha de som.
— Como preparou tudo isso? — perguntei, de olhos arregalados,
maravilhada.
— Tenho meus contatos.
Comecei a caminhar pela areia, segurando meu vestido, observando tudo
e pensando na noite de sonhos perfeita que Victor havia preparado para mim.
Para nós.
— Lembra que da primeira vez eu te trouxe aqui para te pedir em
casamento? — ele indagou, observando-me, com as mãos nos bolsos. Eu
assenti. — Desta vez tenho alguns motivos também.
Ergui uma sobrancelha, curiosa.
— E quais seriam?
— Um deles... — ele começou, dando um passo à frente e pegando uma
das minhas mãos. Aquela com as duas alianças. Seus olhos se perderam um
pouco nelas, observando-as com um olhar quase solene, usando seu polegar
para acariciá-las. — O padre nos fez repetir várias palavras ensaiadas, pela
segunda vez, mas eu acho que eu tenho mais coisas a dizer. — Ele ergueu os
olhos para mim, muito sério. Lindo. Deslumbrante. — Eu não prometo ser
fiel, só por ser uma obrigação. Eu desejo ser fiel, porque você é a única
mulher à qual meu coração e meu corpo respondem. Nenhuma é mais bonita,
mais perfeita para mim.
Ok. Meus olhos começaram imediatamente a reagir à declaração. Mas ele
continuou:
— Eu não prometo te proteger apenas. Prometo dar minha vida por você
e por nosso filho, se for preciso, porque viver sem um de vocês dois seria
insuportável. Prometo cuidar para que vocês sejam sempre felizes e que
permaneçam em segurança, bem cuidados, amados. Não quero ser só seu
marido, Laís. Quero ser o seu companheiro, seu melhor amigo, seu parceiro
de vida. Éramos casados desde antes, e um contrato nos unia, mas agora eu
quero que seja apenas o amor. — Ele beijou minha mão, enquanto lágrimas
começavam a deslizar pelo meu rosto. — Quero seus sorrisos todos os dias,
quero olhar para você e vê-la acordar, quero mais filhos, quero compensar
qualquer dor que as pessoas tenham te causado, te fazendo sentir-se tão
amada que nada mais vai te ferir. Quero chegar em casa todos os dias e beijar
você como se fosse a primeira vez, nunca negligenciando nada. Quero
envelhecer do seu lado e continuar te beijando desse jeito, porque eu nunca
vou deixar de te desejar e te amar.
— Victor... — saiu como um gemido, um choramingo cheio de
sentimento. — Eu nem sei o que dizer...
Eu poderia falar muitas coisas, na verdade, mas naquele momento minhas
palavras eram insuficientes. Ainda mais quando ele se aproximou novamente,
deixando-nos a míseros centímetros de distância, enlaçando a minha cintura e
com os olhos intensos fixos nos meus.
— Diga que me ama e já vai ser suficiente.
Nunca seria suficiente, mas isso eu poderia fazer.
— Eu te amo, Victor. Em todos os sentidos, de todas as formas, com todo
o meu coração.
Com isso ele me beijou. Daquele jeito que apenas ele sabia beijar,
elevando minha alma inteira até as estrelas que estavam sobre nossas cabeças.
Mas afastou-se rápido demais, o que me deixou confusa.
— Bem... tem outra coisa que eu preciso que me diga...
— O que seria?
— Se você gosta da ideia de que esta casa seja nossa a partir de agora.
Novamente arregalei os olhos e fiquei boquiaberta.
— Nossa? Mas...
Victor tirou um par de chaves do bolso, entregando-as para mim. Havia
uma plaquinha como chaveiro, de madeira, com a mensagem gravada:
PERTENCE A VICTOR, LAÍS E PEDRO.
— Quero passar mais horas preguiçosas com você aqui e trazer Pedro.
Assim teremos um refúgio só nosso.
Eu mal conseguia conter meu sorriso.
— Eu amei. Amei! — Joguei-me em seus braços, e Victor me pegou,
tirando-me do chão e me girando. Era tanta felicidade que mal cabia no meu
peito.
Então ele me ajeitou nos braços, segurando-me como a noiva que eu, de
fato, era.
— Agora, senhora De Luca... você é só minha.
Gargalhando, coloquei os braços ao redor de seus ombros, enquanto ele
me levava em direção à tenda e me deitava sobre o colchão. Olhos nos olhos,
meu marido pairando sobre mim, suspirei, sabendo que a vida podia ser
muito perfeita.
— Eu sou sua. Para sempre.
— E eu sou seu.
O beijo selou nosso acordo, fazendo-nos acreditar mais uma vez que o
amor poderia surgir de formas completamente improváveis.
Nós éramos a prova disso. E eu esperava que o destino continuasse nos
surpreendendo com o melhor que poderia nos oferecer.
EPÍLOGO
FIM
Books By This Author
O BEBÊ SECRETO DO CEO
Eu o amava
Mas ele me deixou
Só não sabia que eu estava grávida.
Mas ele escolheu a mim. Jurou seu amor, iludiu-me e me fez sentir especial.
Até que o conto de fadas ruiu, e eu me vi abandonada e grávida, com o
coração partido.
Eu não poderia cair em tentação novamente - isso era o que eu dizia a mim
mesma. Mas Bruno parecia ter outros planos, porque ele queria nós duas, mãe
e filha, para si, para sempre.