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Acordo de Casamento

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J.M.

SOLLO
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
Copyright© Juliana Martins

Este e-book é uma obra de ficção. Embora possa ser feita referência a eventos
históricos reais ou locais existentes, os nomes, personagens, lugares e
incidentes são o produto da imaginação da autora ou são usados de forma
fictícia, e qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas,
estabelecimentos comerciais, eventos, ou localidades é mera coincidência.

Este livro é uma publicação independente. Capa, diagramação e revisão


foram feitos pela autora.
SUMÁRIO
PRÓLOGO
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO QUATORZE
CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZESSEIS
CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE
CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM
CAPÍTULO VINTE E DOIS
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
CAPÍTULO VINTE E CINCO
CAPÍTULO VINTE E SEIS
CAPÍTULO VINTE E SETE
CAPÍTULO VINTE E OITO
EPÍLOGO
Dedicado a todas as leitoras e leitores que gostam de um bom clichê.
PRÓLOGO

Era um acordo comercial.


Era um acordo comercial.
Era uma porra de um acordo comercial.
Talvez se eu repetisse mais cem vezes, aquela informação entrasse na
minha cabeça, e eu parasse de ter a ideia de imbecil de sair correndo como se
fosse um covarde. Como uma mocinha de filme clichê de comédia romântica,
e seria bem estranho um cara de um metro e noventa, de smoking, cravo na
lapela e tudo, sair correndo pelas ruas do Rio de Janeiro como se estivesse
fugindo da polícia.
Um ano, Victor. Um ano ao lado de uma mulher que você pouco conhece
e na qual não poderá tocar – afinal, fora o combinado entre nós dois.
Precisava focar nisso. A mulher do outro lado da porta, aprontando-se
para se tornar a nova Sra. De Lucca, não seria nada além de uma esposa
arranjada. Por mais que parecesse absurdo, era a condição. Para ambos.
Isso sem contar a cláusula de que nenhum dos dois poderia ser infiel.
Ou seja... um ano sem sexo. Eu provavelmente iria enlouquecer nos
três primeiros meses.
Mas se esse fosse o único problema, eu...
Não. Início errado de frase. Se esse fosse o único problema já seria uma
merda de nível astronômico, porque eu não era exatamente um celibatário,
mas em relação a todo o resto, também não conseguia me sentir confortável.
Não era algo simples me unir em matrimônio e morar sob o mesmo teto com
uma pessoa que não parecia ir com a minha cara, ao menos nas duas vezes
em que nos vimos.
Mas nós poderíamos conviver como dois adultos e ter um bom
relacionamento amigável. Não poderíamos?
Fosse como fosse, eu queria dar a ela uma segunda chance. Uma opção,
porque se para mim estava sendo difícil, para ela deveria ser muito pior. Eu
sabia que tinha um namorado e, provavelmente, para uma mulher, a situação
em que nos encontrávamos era, sem dúvidas, muito pior. Mesmo que
fôssemos seguir em frente com aquele plano louco, precisava lhe assegurar
algumas coisas.
Bati na porta, hesitante.
— Entra — ela respondeu mais hesitante ainda.
Abri a porta e me deparei com a noiva. Em qualquer outra situação eu
poderia me considerar um homem de sorte. Mas a verdade era que isso só
tornava tudo pior – Laís Giardelli, minha futura e intocável esposa, era uma
porra de uma mulher deslumbrante.
Apesar de toda a situação, um dos combinados era que o casamento seria
o mais tradicional possível, então, ela usava um vestido de noiva, mas ele não
era exatamente branco, tinha um tom de pêssego muito claro que passava um
recado bem óbvio – ela só seria uma noiva no completo sentido da palavra
para um homem que realmente amasse. Porém aquele negócio era
completamente colado ao corpo dela, num estilo sereia. E o corpo era de tirar
o fôlego.
— Sei que eu não deveria te ver antes de subirmos ao altar e...
Ela deu de ombros.
— Já não estamos começando com muita sorte mesmo, não é? — Laís
falou muito séria, mas com a educação que a princesa que ela era deveria ter
recebido. Além disso, mantinha a primeira coisa que reparei nela quando a
conheci: o tom de voz aveludado, gentil e quase sussurrado.
Fosse como fosse, eu precisava ir direto ao ponto.
— Antes de mais nada, eu queria dizer que sinto muito que as coisas
tenham acontecido assim. Sei que você gosta de outra pessoa e...
— Eu concordei. Não vou voltar atrás, Victor — ela me interrompeu.
— Mas se quiser...
Ela abriu um sorriso quase debochado.
— Nós dois fizemos uma escolha. Aparentemente somos pessoas
ambiciosas. Ao menos temos isso em comum.
Assenti, porque não me restava mais nada. Só que ainda tinha um recado
para dar.
— Não quero que pense que eu vou me aproveitar de qualquer coisa, tudo
bem? Nós combinamos que não aconteceria nada entre nós, que seria apenas
um casamento de fachada, e você pode ficar tranquila, porque não pretendo te
desrespeitar em momento algum. Estará segura comigo.
Laís ouviu tudo o que eu disse calada, e assim ficou por alguns instantes,
analisando-me.
— Obrigada. Significa muito para mim. — Bem, ela poderia estar
agradecendo, mas ainda parecia prestes a ir para o velório de alguém muito
querido e não para um casamento. Seu próprio casamento.
A quem eu poderia enganar? Não estava muito mais empolgado.
Colocando as mãos nos bolsos, encolhi os ombros, sabendo que não havia
muito mais o que dizer. Ela, provavelmente, queria terminar de se arrumar.
— Você está linda — saiu sem que eu nem percebesse. Ela seria minha
esposa, não seria? Não custava ser, ao menos, gentil.
Laís sorriu. Bem mais simpática daquela vez.
— Obrigada. Você também está muito bonito, Victor — formal, mas
poderia ser um início.
Assentindo, ainda envergonhado, comecei a me dirigir para a porta.
— Estarei te esperando no altar, então — tentei uma brincadeira de
péssima qualidade, na intenção de melhorar o clima, mas tive a total certeza
de que pareceria um completo idiota e que ela iria me ignorar completamente.
Mas Laís me surpreendeu ao soar quase doce:
— Na dúvida, serei a de... — Baixou o olhar para a própria roupa e deu
de ombros. — Quase branco.
Bati continência, me sentindo um pouco mais leve.
— Não vou esquecer.
Saí do quarto, então, com a esperança de que poderíamos fazer aquilo dar
certo. De que, ao menos, bons amigos acabaríamos nos tornando.
Era doloroso pensar que eu fui o culpado por tudo ter mudado...
CAPÍTULO UM

CONTAGEM REGRESSIVA: DUAS SEMANAS

Com uma enorme caneca de café na mão, atualizei a contagem na lousa


que ficava presa à geladeira do apartamento.
Duas semanas, e eu estaria livre.
Sentei-me em um dos bancos da cozinha americana, apoiando os
cotovelos no balcão e checando meu celular. Não era exatamente uma grande
novidade que as únicas mensagens recebidas fossem de Érica, durante a
madrugada. Aquela louca trocava a noite pelo dia sempre.
Como minha futura sócia, eu deveria ficar feliz por ela se empenhar tanto
em nossos projetos, mas ainda bem que eu desligava o wi-fi do celular,
porque receber o croqui de um vestido que ela achou a coisa mais linda da
vida às três da madrugada seria um pouco demais.
Embora o vestido fosse mesmo muito lindo.
Conheci a melhor amiga que poderia ter na faculdade de moda, e nós
duas alimentávamos o sonho de ter nossa própria loja de vestidos de noiva.
Era quase engraçado pensar no quanto a vida nos surpreendia – nem sempre
para o melhor –, porque o primeiro que desenhei, que idealizei em um sonho
e que jurei que era o mais lindo que já tinha feito até aquele momento,
mesmo tendo mais experiência e conhecimento, não foi o que usei no meu
próprio casamento.
Ainda tinha esperanças, um dia, de usá-lo com alguém que...
Bem... alguém que, de fato, me amasse.
Não alguém que fazia de tudo para tornar os meus dias infernais.
Um lobo em pele de cordeiro... esta expressão poderia definir o meu
marido.
No dia do nosso casamento, quase um ano atrás, quando gentilmente foi
conversar comigo e me tranquilizar, eu jurei que as coisas ficariam bem. Que
seria por um período curto de tempo e que poderíamos facilitar tudo um para
o outro.
Quem sabe o jogo não virasse ao nosso favor e terminássemos
apaixonados, como em uma daquelas comédias românticas que eu gostava de
assistir?
E por algum tempo continuei com essa impressão. Embora nos
mantivéssemos distantes, por não nos conhecermos tão bem, Victor não foi
nada além de gentil, educado, compreensivo e amigável. Evitávamo-nos ao
máximo, mas quando nos encontrávamos dentro do apartamento, trocávamos
cumprimentos, perguntávamos sobre nossos dias e quase conversávamos
antes de nos trancarmos em nossos quartos e seguirmos com nossas vidas ao
máximo.
Isso durou três meses.
Até que nossos horários casaram e nos pegamos juntos na sala, assistindo
a um filme. Rindo juntos, falando como bons amigos, comendo pipoca e
tomando vinho. Fui iludida por essa “política da boa vizinhança” e me peguei
sorrindo contra o meu travesseiro naquela noite, depois de jurar que o homem
com quem me casei era um cara muito mais legal do que imaginei.
Praticamente não o vi por três dias. Quando aconteceu, ele parecia outra
pessoa.
Desde então, na maioria das vezes em que passávamos mais do que meia
hora juntos, nós discutíamos. Era um inferno.
Mas um inferno que tinha data para terminar. E estava muito perto.
Amém.
Ouvi a porta do quarto dele se abrindo, sinal de que eu não teria muito
mais tempo de paz sozinha, nem mesmo para tomar o meu café.
A cara irritantemente bonita de Victor surgiu à minha frente, ainda um
pouco sonolenta, porque eu sabia que ele tinha ido dormir bem tarde na noite
anterior. Não que eu controlasse a sua vida nem nada. Deus me livre, mas vi
a luz do quarto ao lado acesa quando passei pelo corredor à uma e meia da
manhã e depois, novamente, às cinco, quando acordei para ir ao banheiro.
Eu tinha uma suíte no meu quarto, mas... bem... fiquei curiosa.
— Bom dia — ele cumprimentou. — Ainda tem café?
Mantendo os olhos grudados na tela do meu celular, como se houvesse
algo muito importante ali que merecesse a minha atenção, usei a outra mão,
depois de pousar a minha caneca na bancada, para apontar para a cafeiteira.
Arrastando os pés, Victor foi até ela, servindo-se.
Eu já sabia o que aconteceria – que era nossa rotina de finais de semana:
ele pegaria seu café e iria tomá-lo no quarto ou no escritório, depois trocaria
de roupa e colocaria algo mais confortável para ir à academia do condomínio
onde morávamos. Eu, por minha vez, iria correr ao ar livre, porque odiava
puxar ferro. À tarde, cada um iria almoçar com seus amigos ou pais, e só
voltaríamos para casa à noite, depois de jantarmos, então nos trancaríamos
em nossos quartos.
Um casamento muito bem sucedido, sem dúvidas.
Naquela manhã, porém, vi que algo estava diferente.
Victor pegou sua caneca e colocou-se ao meu lado, com um dos cotovelos
apoiados na bancada, inclinado.
Olhei para ele de soslaio.
— Hoje, não, Victor, por favor — falei baixinho, nem um pouco
interessada nas provocações irritantes dele. Mas parecia que era só isso que
ele gostava de fazer.
— Preciso conversar com você. É sério.
Sem dizer nada, virei-me para ele, dedicando-lhe minha atenção. Se
queria falar comigo, só poderia ser algo mesmo muito sério.
— A festa de nomeação do cargo de sócio vai acontecer daqui a dois
meses — anunciou.
— E...?
Ele deu de ombros.
— Eu preciso que você vá comigo.
Ergui uma sobrancelha.
— Não estaremos mais casados até lá.
— Pois é. É aí que está o problema. Conversei com seu pai ontem, e ele
achou melhor que fôssemos acompanhados. O combinado se mantém.
Assinarei os papeis da sociedade daqui a duas semanas, e você receberá seu
dinheiro também, mas as coisas precisarão ser oficiais para a minha parte.
— Mais dois meses? — minha voz soou tão indignada, que Victor até
pareceu surpreso. Mas não era possível que, tratando-me do jeito que me
tratava, ele ainda tivesse alguma vontade de permanecer casado comigo um
dia a mais do combinado, quanto mais dois meses.
— Três, na verdade, porque o ideal seria que não acontecesse o divórcio
imediatamente depois do evento.
Levantei-me da banqueta, sentindo que se continuasse ali, certamente iria
cair para trás.
— Isso é ridículo! — comentei quase em um murmúrio, dando as costas
para ele e começando a me afastar, saindo da cozinha americana do
apartamento e indo para a sala, deixando o café lá.
Claro que ele me seguiu.
— Por favor, Laís, seja razoável. Já chegamos até aqui.
— Razoável? — quase cuspi as palavras. — Por que eu seria razoável
com você? Meu dinheiro estará na minha conta em duas semanas. Não
preciso mais continuar com esse casamento.
Ele respirou fundo, passando a mão pelos cabelos castanhos escuros e
espetados.
— Olha, eu sei que eu não fui o melhor marido que poderia ter sido e que,
talvez, você me odeie. — Ele fez uma pausa, provavelmente esperando que
eu negasse, mas não o fiz. Claro que eu não odiava Victor, mas também não
nutria uma grande simpatia. — Mas estou jurando que vou fazer de tudo para
que esses últimos três meses sejam mais fáceis. Posso nem aparecer na sua
frente, se for o caso.
— Ah, seria uma alternativa muito mais interessante... — zombei.
— Vamos lá, Laís. Se fosse o contrário eu faria isso por você.
Coloquei ambas as mãos na cintura, franzindo o cenho.
— Faria mesmo?
— Juro. Se algum dia você precisar de mim, não vou hesitar em te ajudar.
Fiquei algum tempo olhando para Victor e amaldiçoando o fato de ele ser
tão bonito. Os olhos pequenos e negros me encaravam cheios de súplica, e
aquela boca desenhada, envolta por uma barba bem feita, típica dos mocinhos
bandidos de filmes e livros que as mulheres tanto adoravam, estava pronta
para argumentar, como o bom advogado que ele era.
Eu iria perder aquela discussão novamente. Não era apenas a beleza de
Victor que me convencia, mas a vontade de não querer me cansar em mais
uma briga com ele, depois de tantas.
— Três meses? — repeti. Eu poderia aguentar, não poderia? — Vou ser
legal com você, Victor, mas o primeiro deslize, a primeira coisa que fizer
para me provocar e me fazer passar raiva, vou pegar minhas malas e sair
dessa casa, só voltando com os papéis do divórcio assinados.
— Tem a minha palavra.
Será que ela valia de alguma coisa?
— Tudo bem. Fechado.
Então ele estendeu a mão enorme na minha direção, e eu hesitei. Não era
uma abertura para sermos amigáveis um com o outro. Eu estava cedendo para
não ter que aturá-lo falando no meu ouvido. Ele e ao meu pai, que eu sabia
que acabaria fazendo a mesma coisa.
Aliás, eu não sabia o que meu pai tinha visto de tão especial naquele cara.
Aceitei o cumprimento finalmente, e ao invés de apertar minha mão e
sacudi-la, Victor a levou à boca e a beijou.
Mas que diabos...?
Arranquei-a rapidamente de seu alcance e de um passo para trás,
recuando, como se temesse que ele pudesse tentar algo mais.
O que era idiota. O homem teve quase um ano para te seduzir e nunca
demonstrou o menor interesse. Por que agora?
— Obrigado, Laís. De verdade.
Nem me dei ao trabalho de responder, principalmente porque ele tomou
seu rumo e entrou no quarto, provavelmente pronto para fazer o que eu falei e
se arrumar para ir à academia.
Eu, por minha vez, fiquei parada no mesmo lugar, pensando no quanto eu
deveria ser mais firme nas minha convicções. No quanto eu deveria
simplesmente ter dito não.
Resignada, caminhei como uma condenada no corredor da morte em
direção à geladeira, apaguei o que tinha acabado de escrever, corrigindo:
CONTAGEM REGRESSIVA: TRÊS MESES E DUAS SEMANAS.
CAPÍTULO DOIS

Finais de semana sempre eram muito complicados. Eu era um cara


caseiro, por mais difícil que pudesse parecer. Adorava sexo... porra, como
gostava... mas a caça... isso era um pouco mais chato.
Ir a barzinhos, flertar, jogar charme, convencer a garota que ir para um
lugar mais reservado comigo era uma boa ideia... tudo isso é muito legal no
início, especialmente quando você percebe que há uma fórmula para que dê
certo. Óbvio, eu não era o cara mais feio do mundo, e isso me ajudava
também. O carro no qual eu as levava também – sem querer ser machista, e
não generalizando, porque a maioria delas queria apenas o mesmo tipo de
diversão que eu –, então ficava fácil.
Só que chega uma hora que esse tipo de rotina cansa. E sair só por sair?
Para encher a cara com um amigo que, no final das contas, acabaria me
deixando sozinho para fazer o que eu costumava fazer no passado? A vontade
se tornava menor ainda.
Eu não poderia trair a minha esposa. Estava no contrato que eu assinei.
E... se fosse sincero, diria – mesmo à contragosto – que desde que disse sim
naquela porra de altar, ainda não tinha encontrado uma mulher mais bonita do
que ela.
Era uma porra de uma maldição.
Naquela noite, apesar da minha vontade zero de fazer qualquer coisa,
concordei em sair com Hugo, meu melhor amigo e colega de trabalho, porque
eu sabia que ir para casa não era a melhor ideia. Provavelmente Laís estava
furiosa comigo, e com razão. Mais do que ninguém, deveria estar ansiosa
para que aquele casamento fosse desfeito.
Eu também estava... não estava?
— Ei, Victor... vai querer beber o quê? — Hugo perguntou, e eu olhei
para a garçonete, que sorriu para mim. Ela era linda, sem dúvidas, mas não
dei bola.
— Caipirinha. E só uma. Não quero chegar bêbado em casa.
A garota sorriu novamente.
— Você não precisa ir para casa... — falou baixinho, e Hugo assobiou,
como se aquela fosse a melhor cantada que alguém já tinha recebido na vida.
— Preciso, sim. — Ergui a mão com a aliança para ela, o que a fez
murchar.
Tudo bem que eu não iria transar com a minha linda esposa, mas
enquanto durasse o casamento, aquela era a minha verdade.
— Porra, cara... eu não tenho uma sorte dessas. Você é doido de rejeitar.
Ninguém iria saber.
— Eu iria.
— Você acha mesmo que a loirinha lá nunca deu uma puladinha de
cerca?
Cerrei um dos meus punhos sob a mesa, porque... sim... aquela merda já
tinha passado pela minha cabeça. Por mais que fosse proibido por contrato,
Laís poderia ser discreta, não? As mulheres eram boas nesse tipo de coisa.
Poderia haver algum cara, em algum lugar, que estava colocando as mãos
nela, quando deveria ser eu e...
Ah, porra! Este era exatamente o tipo de pensamento que eu não deveria
nutrir.
ELA. NÃO. ERA. MINHA.
Não importava quantas vezes fosse necessário, eu repetiria mil, duas mil
vezes, até que minha cabeça idiota entendesse.
A mulher levava meu sobrenome, morava sob o meu teto, tinha minha
aliança no dedo, mas NÃO ERA MINHA.
Não foi há quase um ano, quando nos casamos. Não foi naquela noite,
quando tudo mudou. Não era até aquele momento. O casamento estava quase
acabando, cada um de nós seguiria caminhos diferentes, e não haveria mais
chance de mudar nosso destino.
— Victor? — Voltei meus olhos para ele, quase assustado pelo tom
insistente de sua voz. Será que já tinha me chamado mais de uma vez? —
Está no mundo da lua hoje? O que aconteceu?
A garota voltou com nossas bebidas, e eu aproveitei para dar uma golada
antes de responder.
— Estou um pouco tenso. Contei para Laís sobre os três meses.
— Ai, porra. E a fera? Ficou como?
Dei de ombros.
— Como você acha? Não gostou nada. Aquela maldita contagem
regressiva que ela faz na geladeira é uma prova de que está doida para se
livrar de mim.
— Ué, mas até onde eu sei é o que você quer também... Porque por mais
que eu ache que você é doido nela, não entendo o motivo de ser tão escroto
com a garota.
Meu rosto se contraiu em uma careta, porque ele estava certo. Podia jurar
que algo acontecera entre nós naquele dia, meses atrás, quando finalmente
conversamos como duas pessoas civilizadas... o dia em que quase a beijei.
O mesmo dia em que deixei que a ganância me corrompesse mais uma
vez. Primeiro com o casamento, depois a péssima decisão de seguir o que foi
combinado... Uma decisão que colocou tudo a perder.
Será que minha escolha valia tanto a pena assim?
Ou será que só servira para afastar Laís para sempre?
Walter Giardelli, pai de Laís, era meu chefe. Comecei em sua empresa
como um moleque de dezoito anos, totalmente sem experiência, mas
desesperado para aprender e subir na vida. Sempre fui ganancioso. Mais do
que isso, minha delicada mãezinha costumava dizer que eu nasci com a
bunda inquieta, porque nunca me conformei com a vida medíocre que
vivíamos.
Tornei-me o melhor da classe, porque sabia que D. Marisa dava um duro
danado para que eu pudesse apenas estudar. Comecei a aprender inglês por
conta e até espanhol. Ficava na escola até tarde lendo na biblioteca, todo tipo
de livros. Não porque queria pagar de nerd, mas porque queria ser o melhor
em tudo. Dar orgulho à minha mãe. Queria que o merda do meu pai, que nos
abandonou, morresse de remorso quando eu fosse rico e lhe negasse ajuda.
Então, quando eu consegui a vaga de Office-boy na maior empresa de
consultoria jurídica do Brasil, eu já sonhava em me tornar não apenas um
advogado, mas um dos sócios, por mais impossível que pudesse parecer.
Walter tinha dois sócios minoritários – ambos da sua família, sendo dois
sobrinhos –, mas eu tinha convicção de que minha competência, minha garra
e minha ambição me levariam longe.
E levaram...
Walter literalmente me adotou, pagou meus estudos e me transformou em
seu braço direito. Eu era seu garoto de ouro, ganhando promoção atrás de
promoção, até não restar nada além de uma sociedade como prêmio.
A proposta veio estranha. Ele não poderia me oferecer sociedade se eu
não fosse da família, de alguma forma. Casar-me com sua filha única seria a
solução.
Depois de um ano a sociedade seria minha, eu assinaria um contrato e
voilà. Vida ganha.
Era um preço caro, é claro, ainda mais com toda a questão da fidelidade.
Mas eu jurei para a minha mãe, no dia em que ela pôde pedir demissão como
empregada doméstica, que nunca mais precisaria passar por dificuldades, que
faria qualquer coisa para prover para nossa família. Uma sociedade garantiria
a segurança financeira da mulher que fizera tudo para me tornar o homem
que eu era.
Eu lhe devia isso. E se o preço fosse um casamento de conveniência com
uma mulher que eu mal conhecia, que fosse. Eu poderia suportar um ano.
Mas Walter era um filho da puta manipulador. Permitir que sua preciosa
filha tivesse um final feliz com um pé rapado como eu, um cara sem um
sobrenome poderoso, não fazia parte de seus planos, então, apaixonar-nos
estava fora de questão. Se isso acontecesse, a sociedade seria perdida.
Eu poderia ter mandado o velho se foder. Mas no momento em que
percebi que era uma possibilidade, ainda não estava tão envolvido. Ter Laís
para mim não era algo que eu desejasse tanto. Era uma... coceirinha. Algo
novo e surpreendente. Mas algo que julguei ser passageiro.
Não foi.
E se Laís indiferente me levara àquele ponto, uma Laís carinhosa e
amigável seria a minha ruína. A solução que o babaca aqui encontrou?
Afastá-la. Da pior forma possível, tornando-me intragável, provocador,
insuportável de se conviver.
Descobrir as coisas que ela mais odiava e fazê-las todas, incessantemente.
Tratá-la com desprezo e impaciência. Não deixá-la dormir em algumas noites
ouvindo música alta. Evitando sua presença.
Jurei que, assim, não apenas ela passaria a me odiar, mas meus
sentimentos iriam morrer.
Não morreram.
Mas eu preferia fingir que sim.
— Victor? — mais uma chamada de Hugo. Olhei para ele e me dei conta
de que o copo da caipirinha estava a meio caminho da minha boca. — Hoje
você está um pé no saco, sabia?
— É, parece que sim. — Terminei de beber e pousei o copo na mesa.
Tirei uma nota de vinte do bolso e joguei-a sobre a mesa, levantando-me.
— O que houve? Você vai embora? — indignou-se.
— Não vou ser uma boa companhia hoje — falei, enquanto apontava para
uma mesa a duas da nossa, onde uma mulher sozinha bebia um daqueles
drinques coloridos dos quais eu nunca sabia o nome. — Mas aquela morena
bonita ali vai.
A garota não parava de olhar para Hugo, então julguei que, no final das
contas, estava fazendo uma boa ação.
Saí do bar sem olhar para trás e sem arrependimentos. Voltar para casa
não era a melhor ideia, mas ficar ali também não. A conversa com Laís
naquela manhã e sua hesitação em aceitar ficar comigo por mais três meses –
três malditos meses – me deixaram um pouco frustrado. Voltar para casa e
me enfiar debaixo do edredom seria a melhor escolha.
Assim o fiz, então.
Quando cheguei no apartamento, acendi a luz, mas a apaguei rapidamente
quando percebi que Laís estava apagada no sofá, com a televisão ligada.
Fui me aproximando devagar, parando diante dela, observando-a e
lembrando-me do quanto era linda dormindo.
Queria ser o homem de sorte que poderia vivenciar aquela cena de forma
completamente diferente. Queria poder pegá-la no colo, levá-la para a cama e
deitá-la com cuidado. Acomodar-me ao seu lado, puxando-a contra mim e
dormir sentindo o cheiro de seus cabelos, que sempre tinham um delicioso
aroma de coco.
Mas eu não era esse cara.
O máximo que me restou foi passar em seu quarto, pegar o edredom e
cobri-la, porque a noite estava fria, e voltar para a minha própria cama vazia,
sozinho.
CAPÍTULO TRÊS

CONTAGEM REGRESSIVA: TRÊS MESES

Eu podia contar nos dedos quantas vezes eu e Victor saímos juntos. Com
exceção de compromissos formais da empresa, nos quais precisávamos nos
portar como os pombinhos apaixonados que nunca fomos, era a primeira vez
que meu pai nos convidava para jantar. E não era coincidência o fato de ser
nosso aniversário de casamento.
Um ano.
Na teoria aquele deveria ser um dia feliz, um pelo qual esperei a cada
segundo, mas a contagem regressiva que parecia rir da minha cara não me
permitia nutrir ilusões.
Seriam os três meses mais longos da minha vida.
Victor estava atrasado, aliás. O que não era uma novidade.
Surgiu apressado, ainda ajeitando a gravata, segurando o paletó na
curva do braço. Barba feita, cabelos castanhos penteados com gel, sempre
perfeito. Gato. Um tesão.
Um babaca, Laís. É nisso que você tem que pensar.
— Você está pronta? — ele falou sem se voltar para mim, mas
quando o fez, segundos depois, lá estava aquele olhar que sempre me
confundia.
Seus olhares para mim sempre falavam coisas completamente
diferentes das merdas que saíam de sua boca. Não era apenas luxúria. Eu
sabia disso. Poderia ser uma ilusão da minha cabeça, para acreditar que o
homem com quem me casei não era o total babaca que sempre achei que
fosse, mas havia certa melancolia na forma como eu o pegava olhando para
mim às vezes. O mesmo olhar de alguém que perdeu algo precioso.
Só que, obviamente, eu estava enganada. Eu não era preciosa para
Victor. Se fosse, ele não me trataria com tanta indiferença.
— Sim, estou — respondi, muito séria. Poderia tê-lo provocado,
dizendo que estava ali há meia-hora, esperando, mas eu sempre evitava
causar mais atrito. Só que Victor nunca parecia pensar da mesma forma.
— Você sempre demora tanto que é um milagre. Seu pai odeia
atrasos, sabe disso — lá estava o tom seco de sempre, impaciente, como se eu
fosse a patricinha mimada que ele precisava arrastar de um lado para o outro
porque não tinha escolha.
Eu costumava rebater. Costumava ser menos conformada, mas como
estávamos próximos do fim, comecei a decidir tentar manter a minha paz.
Não adiantava discutir. Não adiantava argumentar. Nada iria mudar, e
também não fazia mais diferença. Dali a alguns dias eu iria receber a quantia
que me fora prometida em troca daquele casamento e iria focar nos meus
negócios. Os últimos três meses seriam de muito trabalho, e eu esperava mal
esbarrar no meu... marido.
Sem dizer nada, apenas peguei minha bolsa, que estava sobre o sofá e
coloquei-a no ombro. Olhei para Victor, que ainda estava parado diante de
mim, sentindo-me confusa. Por que estava me observando daquela forma?
— Podemos ir — falei, em um tom um pouco mais insistente, e passei
por Victor, seguindo em direção à porta, sabendo que continuava sendo
observada. Parei diante dela, começando a ficar irritada e me voltei para meu
irritante marido, com uma sobrancelha erguida. — Por que está me olhando
tanto? Não estou à sua altura? — irritei-me.
Rapidamente aquela postura mais tristonha desapareceu, e Victor
empertigou-se.
— Você está sempre apresentável — falou seco, como se eu fosse
muito inferior.
Apresentável?
Filho da puta!
— Idiota! — murmurei baixinho, finalmente saindo do apartamento e
esperando o elevador.
Ele ainda demorou, e eu precisei segurar a porta para o folgado.
Pegamos um táxi, para que pudéssemos beber um pouco, e Victor
passou a viagem inteira com a cara no celular. Eu não fazia ideia do que tanto
o deixava com um sorriso no rosto, já que para mim ele dificilmente
reservava algum. Mas isso não importava. Contanto que não descumprisse o
contrato, levando outra para cama, o que ele fazia com a vida dele não me
dizia respeito.
Se bem que... o contrato acabava naquele dia. Como seriam os
próximos três meses? Será que ainda precisaríamos manter a fidelidade? Se
não... será que ele sairia transando como um coelho com a primeira que
aparecesse?
Fosse como fosse, eu poderia fazer o mesmo, não? Naquela mesma
noite, se tudo desse certo, sair e transar com o primeiro que aparecesse
poderia ser uma boa ideia.
Chegamos ao restaurante, e meu pai já nos esperava. Tratava-se de
um estabelecimento para o qual era necessário entrar em uma fila de espera,
reservar com antecedência, mas eu sabia que não era o caso. Walter Giardelli
tinha entrada vip na maior parte da cidade.
Beijei-o no rosto, Victor o cumprimentou com um aperto de mão, e
ele chamou o garçom, para nos servir do champanhe que já estava esperando
em um balde de gelo.
— Creio que temos muito a comemorar, não? — meu pai falou,
parecendo animado.
Só ele estava, aparentemente.
— Um ano! Parece que foi ontem que acompanhei minha princesa ao
altar... — Tentei sorrir, mas não me sentia nem um pouco animada, em
nenhum nível. E para mim parecia uma eternidade.
Meu pai pareceu divagar um pouco, e eu tinha total impressão de que
estava encenando ali, como já o tinha visto fazer em vários outros momentos.
Com outras pessoas, era uma constante. Walter Giardelli era conhecido como
o boa praça dos negócios. Um rei do ramo da advocacia, principalmente
porque sua simpatia e falsidade não o faziam possuir inimigos. Rivais, sim.
Inimigos, eu desconhecia.
— Estou muito feliz que tenha dado tudo certo entre vocês, espero
que ao menos tenham nutrido uma bonita amizade, afinal, uma convivência
de um ano não é fácil.
— Sei bem disso — resmunguei, enquanto dava mais um gole no
champanhe. Estava uma delícia, aliás, e eu corria o risco de me empolgar
demais nas taças.
Victor me ouviu, porque se virou de súbito na minha direção, mas
meu pai, não. Os dois, aliás, engataram uma conversa sobre os pratos do
restaurante, e eu quase rezei para que emendassem em outros assuntos para
os quais eu precisasse apenas sorrir e acenar.
Cada um de nós escolheu o que iria comer, e nós anunciamos os
pedidos ao garçom.
— Bem, meus queridos, eu chamei vocês aqui, porque precisava
esclarecer dois pontos. Um deles é que, Victor, seu contrato está pronto e
queria que estivéssemos os três juntos para a sua assinatura.
Como um mágico tirando um coelho da cartola, meu pai retirou um
bloco de papéis de sua pasta, colocando-o na frente de Victor. Por uma
conversa que ouvi do meu digníssimo marido com seu melhor amigo, eles já
tinham lido e relido aquele contrato, feito alterações, então aquela deveria ser
a versão final.
Um sorriso enorme surgiu no rosto bonito de Victor, e meu pai tirou
uma caneta do bolso, entregando a ele.
— Uau, Walter, eu não esperava por isso.
— Era para ser uma surpresa. — Meu pai sorria de orelha a orelha,
orgulhoso como nunca parecera de mim.
E juro... se Victor não fosse o babaca que era, eu estaria feliz por ele. Na
verdade, até estava, porque sabia que, apesar de tudo, era esforçado.
Competente também. Não era uma questão de ciúme ou inveja, era apenas
justiça. Eu também era competente e talentosa, só que nunca fui valorizada,
porque não quis seguir os passos do meu pai.
Quase emocionado, Victor começou a folhear o contrato, dando uma
última olhada, enquanto o mais velho de nós se virava para mim.
— Querida... quanto ao nosso acordo... — Ele hesitou. Hesitação não era
bom. Nada bom. Aquela expressão de pesar também não.
De canto de olho, notei que Victor parou de fazer o que estava fazendo
para prestar atenção. Será que o filho da puta ainda iria zombar de mim
dependendo do que meu pai me dissesse?
— O que tem o nosso acordo, pai?
— Eu preciso que entenda que é necessário que Victor surja na festa onde
ele será apresentado como sócio ao seu lado. Para ele é quase uma exigência,
mas para você... Quem poderia prever se não iria pegar o seu dinheiro e pedir
o divórcio agora?
— Mas eu concordei... eu e Victor chegamos a um acordo. Por que eu
faria isso? — indaguei, totalmente indignada.
— Aquele seu namorado... O perdedor de cabelos compridos e tatuado.
Não me lembro o nome dele... Como vamos saber se não está te esperando?
Você poderia ter uma recaída — meu pai jogou, e eu cerrei as mãos em
punho, cheia de ódio.
— Você sabe que o Manuel já está em outra. Arquitetou muito bem as
coisas para que ele desistisse de mim.
— Não importa. O que quero que saiba é que vai receber o seu dinheiro,
mas daqui a três meses, depois da festa.
Não faria muita diferença, para ser sincera. Claro que eu estava ansiosa e
queria começar as coisas com antecedência, mas era a injustiça o que me
deixava em chamas, puta da vida.
Nunca fui a garotinha mimada do papai. Nunca nada veio fácil para mim,
e eu até agradecia por isso, já que não gostaria de me tornar a patricinha que
todos esperavam que eu fosse. Fiz alguns trabalhos de modelo no passado
para conseguir conquistar as minhas coisas e estava pretendendo juntar meu
dinheiro para construir meu negócio sozinha. A oferta do casamento foi algo
estranho e que eu não deveria ter aceitado, mas meu pai me contou a história
de Victor, e eu... bem... fiquei com pena.
Meu marido foi descrito para mim como um jovem promissor, que
trabalhava como um louco para dar uma boa vida à mãe e para conquistar seu
espaço. Eu me sensibilizei com isso, e não poderia negar que tudo era
verdade. Meu pai só se esqueceu de informar que o cara era um babaca.
— Isso é injusto, pai, e você sabe muito bem — tentei manter meu tom
tranquilo, sem alarde, porque estávamos em público, e eu fui muito bem
treinada para saber que nossa família tinha um sobrenome a zelar. Não estava
muito preocupada com o que meu pai poderia pensar, mas em um futuro,
manchas como aquela acabariam prejudicando também o meu trabalho.
— Eu decido o que é justo ou não a respeito do meu dinheiro, Laís.
Sim, ele estava certo. E lá estava a garota mimada e patricinha que eu
nunca quis ser, mas acabei me tornando. Eu não vivia do dinheiro dele, nunca
lhe pedi nada. Fazia meus trabalhos como freelancer, trabalhava para algumas
marcas de vestidos de noiva e festas, enviando meus projetos, e tanto que
quando ele me ofereceu algo, veio com um preço. Alto, aliás. Teoricamente
não fiz nada de graça, mas cumpri com o acordo.
— Aliás, acho que podemos rever algumas coisas que combinamos. Você
poderia pensar em um projeto mais interessante para investir o seu dinheiro...
algo que...
— Pai! — Precisei respirar fundo antes de perder a cabeça. — É o meu
sonho, você sabe disso.
— Um sonho medíocre. Uma jovem como você, com tantas
oportunidades... trabalhar com moda? Ainda há tempo de fazer uma nova
faculdade. Talvez seja uma boa ideia postergarmos um pouco o seu
pagamento, ao menos até você se matricular e...
— Walter... — a voz de Victor soou, e tanto eu quanto o meu pai olhamos
para ele, já que estava calado até aquele momento. — Não foi o combinado
com Laís.
Aquilo me surpreendeu.
— Lamento por ela que não assinou um contrato. — Meu pai deu de
ombros, bebendo seu champanhe como se nada tivesse acontecido.
Eu não queria chorar, mas uma lágrima intrusa surgiu, e eu a limpei com
raiva. Victor olhava para mim, e eu também não queria que visse minha
fragilidade, mas estava pouco me importando naquele momento.
— Estranho ouvi-lo dizendo isso, já que foi você mesmo que me ensinou
o quanto a nossa palavra, como homens, é importante. — Olhei para Victor,
chocada, e o vi largando a caneta sobre a mesa e fechando os papéis. — Se é
assim, não acho justo que eu tenha direito ao combinado por nosso casamento
se ela não vai receber o dela.
Victor colocou suas duas mãos grandes sobre o bloco de papéis,
empurrando-os na direção do meu pai.
— É do seu interesse assinar isso, Victor! Você sempre quis ser sócio! —
meu pai elevou o tom de voz, parecendo surpreso.
Calmamente, Victor deu um gole na bebida, parecendo muito sério, como
o homem de negócios que eu sabia que ele poderia ser, pousando a taça
novamente na mesa e entrelaçando os dedos em uma postura arrogante.
— Recebi uma proposta há uns dois meses para entrar em sociedade com
o Passani Associados. E devo dizer que foi tentadora... — O sorriso cínico no
rosto de Victor eu conhecia bem, mas ele nunca o usara para me defender.
Passani Associados era a empresa concorrente do meu pai. Vários
grandes contratos eram disputados por ambas, de forma acirrada, e por mais
que meu pai gostasse de Victor como um filho, este não era o único motivo
pelo qual odiaria perdê-lo para a sua maior rival. O ego estava em questão,
obviamente.
— O que está insinuando, garoto? — meu pai falou, já nervoso.
— Se não cumprir a parte no acordo com Laís, eu posso voltar atrás na
minha negativa a Jorge Passani. Ele disse que as portas estavam abertas para
um advogado competente como eu.
Eu não sabia se Victor estava blefando, mas provavelmente não. Fosse
como fosse, sentia-me boquiaberta. E fiquei mais ainda quando vi meu pai
aquiescer.
O que era uma novidade e tanto.
Hesitou por alguns minutos, e a tensão entre nós era quase palpável.
— Tudo bem. Você está certo. Vou preparar um contrato para Laís e
enviarei na semana que vem.
Victor sorriu.
— Ótimo. — Novamente com seu jeitão debochado, ele pegou o contrato,
enrolou-o em um tubo e guardou no bolso do paletó. — Quando o contrato de
Laís estiver pronto, assinaremos os nossos juntos.
Naquele momento, quem precisou beber um bom gole do champanhe fui
eu.
Uma montanha russa de emoções me assolava, e eu não fazia mais ideia
de como agir ou como pensar.
Quem era aquele homem ao meu lado, e o que ele fez com o meu marido?
CAPÍTULO QUATRO

Eu tinha um enorme respeito por Walter. Ele era quase um pai para mim,
já que o meu exemplo não era dos melhores. Só que a forma como ele falou
com Laís me deu vontade de passar dos limites e dar um belo de um soco na
cara dele.
Como um cara que se gabava tanto por ter um nome a zelar, que sempre
dizia cumprir com sua palavra, podia tratar a própria filha daquela forma?
Entramos em nosso apartamento, depois de Laís abrir a porta, e ela tomou
a dianteira, jogando a bolsa sobre o sofá e tirando os sapatos, lançando-os
longe, com raiva. Eu podia entendê-la.
Fechei a porta com calma e segui direto ao bar. Mais prudente seria
deixá-la sozinha e partir para o meu quarto, mas não conseguia ser assim tão
escroto. Faltava muito pouco tempo para terminar nosso casamento, e eu
poderia aguentar mais três meses sem perder a cabeça.
Ao menos pensava que sim.
Fosse como fosse, não gostaria de ser deixado sozinho com aquele tipo de
sentimento a me consumir, então, servi um copo de conhaque para cada um
de nós, entregando um para ela.
Laís ficou surpresa, chegando a me olhar com o cenho franzido.
— Não tem veneno — brinquei, em uma abordagem mais divertida. Ela
não merecia outro babaca em sua vida naquele momento.
Sem dizer nada, apenas respirando fundo, aceitou o copo, levando-o à
boca e bebendo todo o conteúdo.
— Acho melhor trazer a garrafa para cá — ela falou, muito séria, ainda
contrariada.
— Tem certeza? — perguntei, ainda na dúvida.
— Toda. Podemos usar o álcool para comemorar nossa liberdade que está
chegando em breve e, mais ainda, para eu poder afogar as mágoas pelo pai de
merda que tenho.
Uau. Nunca tinha ouvido Laís falar daquela forma, principalmente do pai.
Mas se fosse justo, nós não tínhamos conversado tantas vezes assim para eu
saber reconhecer rompantes diferentes em seu humor.
Não quis contestar, então, apenas voltei ao bar, pegando a garrafa,
servindo-a novamente, sem tirar os olhos dos dela. Daquela vez, Laís pegou o
copo e começou a andar de um lado para o outro na sala. Sem salto, parecia
um pouco mais vulnerável, mais acessível, e o vestido que usava revelava
todas as suas curvas. Quando soltou o cabelo, no meio de sua demonstração
de raiva, e as ondas douradas caíram por suas costas, eu precisei levar uma
das mãos ao bolso – aquela que não segurava o copo – para manter algum
controle.
— Como ele pôde? Como tem coragem de ser tão mesquinho, tão... tão...
— as palavras pareceram lhe faltar — podre?
— Não diga coisas das quais pode se arrepender depois — falei baixinho,
não na intenção de contrariá-la, mas só para aconselhar. Por pior que tivesse
sido sua atitude, Walter era pai dela.
Só que ela entendeu da forma errada, porque veio em direção a mim
furiosa, com os olhos em chamas. Colocou-se à minha frente, com a cabeça
erguida para poder olhar nos meus olhos. Eu poderia me desculpar por dizer
o que disse, mas Laís daquele jeito era uma visão sensual e tentadora demais,
e meus olhos mereciam não ser privados de tal imagem.
— Arrepender? — ela cuspiu as palavras. Então deu uma risadinha
sarcástica. — Você só pode estar brincando. Não sabe nada sobre a minha
relação com ele; nada sobre o que já fez comigo. Quantas vezes já
menosprezou minhas escolhas e meu trabalho... Ele pode ser muito legal com
você, mas comigo...
Ela estava tremendo de raiva. Novamente, eu poderia ignorar isso, mas
sentia meu coração na mão porque imaginava o quanto tudo aquilo a
magoava. Se Walter tivesse feito com ela, no passado, metade do que fizera
naquela noite, já era motivo suficiente para que fosse uma enorme ferida no
coração de Laís.
Ficou algum tempo de costas, e eu podia sentir que respirava com
dificuldade. Quando olhou para mim novamente, vi seus olhos marejados, e
isso partiu meu coração.
Mas eu nem tinha o direito de ficar com raiva de Walter, porque poderia
imaginar que também a tinha magoado ou a levado às lágrimas mais de uma
vez. Odiava-me por isso.
Odiava-me por muitas coisas, na verdade.
— Quer saber? Eu quero ficar muito bêbada esta noite. Quero esquecer
essa droga toda e comemorar que essa merda de casamento está acabando
para nós dois.
Ergui uma sobrancelha, surpreso. Aquilo era sério? Porque se eu conhecia
minha digníssima esposa ao menos um pouco, ela era a garota mais certinha
do mundo. Era comedida com álcool, jamais elevava a voz e nunca era
grosseira. Em nossos trezentos e sessenta e cinco dias de convivência poderia
jurar que nunca a tinha ouvido xingar ou falar um palavrão, e era mais
paciente do que eu poderia merecer.
— Tem certeza? — perguntei, desconfiado e preocupado. — E quer
minha companhia para isso?
— Posso beber sozinha, se você preferir, mas seria cavalheiro da sua
parte me acompanhar. — Pelo amor de Deus! Ela tinha mesmo soado sexy
daquela forma ou era apenas uma impressão?
Não queria me iludir, mas ela estava... flertando comigo?
— Tudo bem. Eu só vou vestir algo mais confortável. Pode ser? —
Mentira. Eu ia jogar uma água gelada no rosto e tentar me manter consciente.
Ela assentiu e foi direto ao bar novamente, provavelmente para escolher
outra bebida.
Fiquei observando-a, sabendo que já não estava completamente sóbria,
mas tudo piorou quando a vi se servir de uma dose de tequila e virá-la em um
só gole. Repetiu logo em seguida o mesmo movimento.
Merda... deixá-la sozinha não era uma boa ideia, mas precisava, antes que
as coisas ficassem complicadas.
— Eu vou lá, ok? — reforcei, e ela assentiu, enquanto continuava
escolhendo as bebidas.
Decidi nem entrar em um banho, apenas trocar de roupa e jogar a água
bem gelada no rosto. Eu precisava me controlar, não precisava? Não era certo
desejá-la, especialmente quando nosso tempo estava acabando.
Por Deus, ela estava comemorando porque iria se livrar de mim. Só se eu
fosse muito babaca para acreditar que iria mudar de ideia em uma noite.
E eu nem merecia isso, já que não fui nada além de um merda com ela.
Só que quando voltei para a sala, senti que tinha sido uma péssima ideia
deixá-la. Laís estava de pé sobre uma cadeira, tentando pegar algo no armário
da cozinha, na ponta dos pés. Na primeira vez em que cambaleou eu estava
longe demais para acudi-la. Na segunda, consegui me aproximar e a peguei
exatamente na hora em que estava prestes a cair.
Com um gritinho assustado foi parar nos meus braços, em meu colo, e eu
nunca a tive assim tão perto.
Não deveria segurá-la tão próxima, tão colada ao meu peito, mas não
conseguia mandar nos meus braços. Não conseguia mandar no meu corpo
inteiro, muito menos no meu coração que respondia a ela como se Laís fosse
a primeira visão de terra firme depois de dias de naufrágio.
— Obrigada — ela falou em um sussurro. — Foi por pouco.
Sua voz me trouxe de volta à realidade. Se não fosse isso eu não a teria
colocado no chão, porque a sensação de tê-la nos meus braços era perfeita.
Como sempre esperei que fosse.
— O que você queria do armário? — perguntei, tentando mudar o foco.
— Uma champanhe especial que meu pai me deu de presente no dia do
nosso casamento. Eu falei que só a abriria no dia em que fôssemos
comemorar o final do contrato. Tinha me esquecido dela, mas...
Queria negar, dizer que seria melhor ela tomar um banho e ir se deitar,
mas ela tinha direito, não tinha? Porra, a garota poderia ficar bêbada o quanto
quisesse. Estava na casa onde morava e não estava sozinha. Eu poderia cuidar
dela, se fosse o caso, não?
Claro que poderia... se não tivesse perdido um pouco a cabeça também e
começado a beber em um nível muito arriscado.
Só que a bebida era deliciosa, e Laís era muito persuasiva. Quando me dei
conta, eu tinha praticamente atacado a champanhe e alternado com uísque e
vodca.
A ressaca no dia seguinte seria das piores.
Mas ainda estava bastante consciente.
Nós dois ríamos de tudo e nada, como dois velhos amigos. Nem
parecíamos um casal que se casara por causa de um contrato e que estava
comemorando a futura separação.
— Ah, pelo amor de Deus, Victor! — Laís falou em meio a uma
gargalhada. — Jura que você nunca percebeu o quanto meu pai fica vermelho
quando está estressado? Tem horas que eu acho que ele vai explodir que nem
um tomate. BUM! — Ela gesticulou, de forma enfática, caindo para trás no
sofá e nem se importando que estava com um vestido bem curto, revelando a
calcinha de renda cor de rosa que usava por baixo.
Puta que pariu! O álcool já estava também tirando todo o meu pudor e o
meu bom senso em não olhá-la com desejo.
Eu ia responder, mas a música que ela tinha ligado há alguns minutos
mudou em sua playlist, e Laís levantou-se de um pulo, colocando-se de pé.
— Eu A.M.O. essa música! — Tratava-se de uma batida sensual, algo
meio latino, um reggaeton, talvez, com uma voz feminina cantando.
Laís subiu na mesa de centro de madeira e começou a dançar. Rebolava
como se não houvesse amanhã, e eu nunca vi nada tão sexy na minha vida.
Os cabelos loiros e longos caíam em ondas por suas costas, e ela passava as
mãos por eles, deixando-os mais rebeldes, menos comportados. O vestido
subia conforme ela se abaixava, e eu não podia tirar os olhos dela.
Um sentimento de posse se infiltrou na minha cabeça enevoada pelo
álcool, lembrando-me de que ela era minha esposa. Minha. Aquela mulher
linda, sensual e toda delicada tinha o meu sobrenome. Por um momento de
total inconsciência eu pensei que não queria que ela me deixasse. Não queria
que nosso casamento terminasse. Queria que ele fosse real, que se
consumasse.
Porra, eu a queria dançando daquele jeito para mim todos os dias. Queria
tê-la na minha cama. Tanto que nem pensei duas vezes quando usou seu dedo
para me chamar para dançar também.
A imprudência falou mais alto quando, sem nem pensar no que fazia,
passei um braço ao redor da cintura dela. Com Laís sobre a mesa de centro,
estávamos da mesma altura. Quando a puxei contra mim, com força, foi por
uma questão de míseros centímetros que nossas bocas não se encostaram.
— Sabe, Victor? Você tem muita cara de quem beija bem. De homem
com pegada... — ela sussurrou, aproximando a boca do meu ouvido, e meu
coração acelerou.
Fiz o mesmo, baixando o tom de voz também, mas ao invés de falar ao pé
de seu ouvido, eu o fiz próximo de sua boca, quase ao ponto de nos tocarmos.
— Eu quero te beijar há muito tempo. Muito tempo, Laís — enquanto
dizia isso, apertei um pouco mais o braço que a envolvia, fazendo-a arfar. —
A cada vez que discutimos, tudo o que quero é te jogar em cima daquela
mesa de jantar e te foder do jeito que você merece ser fodida.
Ela arqueou a cabeça para trás, soltando um gemido delicioso,
demonstrando que tudo o que eu estava propondo seria consentido.
Naquele momento eu deveria ter parado. Sabia que outro passo adiante
me faria cair de um abismo. Só que, por mais que fosse perigoso, a queda
seria prazerosa. Cada etapa dela. E por mais que eu pudesse me machucar no
final do caminho, ter aquela mulher para mim, mesmo que só por uma noite,
valeria a pena.
A mulher que há quase um ano ocupava todos os meus pensamentos, que
eu desejava tanto que meu corpo chegava a doer de vontade de tê-la.
— Me beija. Por favor... por favor... — ela suplicou, quase
choramingando, e eu nem hesitei.
O desespero misturado ao tesão que sentia poderia me tornar um
selvagem, e eu precisava ir com calma, porque Laís... Ah, porra! Laís era
toda delicadeza, feminilidade e perfeição. Uma princesa. Uma que um
vagabundo como eu nem deveria merecer.
Ergui a outra mão, e meus dedos se embolaram em seus cabelos
dourados, segurando sua nuca. Eu não queria apressar nada, então, perdi
algum tempo olhando para aqueles lábios perfeitos, rosados, cheios,
entreabertos, esperando pelos meus. O quão sortudo eu era? Naquele instante,
completamente zonzo pelo álcool e pelo quão inebriado aquela mulher me
deixava, nem me dei conta de que não tinha nada a ver com sorte. Uma noite
me viciaria nela, certamente.
Uma noite seria mais do que suficiente para confirmar o que eu já sabia –
Laís Giardelli tinha que ser minha. Não como um caso ou um passatempo,
mas de verdade. Mas infelizmente eu estraguei tudo.
Quando o beijo aconteceu, eu soube que estava fodido. Quando sua
língua entrou em contato com a minha, quando seu cheiro e seu gosto me
invadiram, quando seu corpo macio, mas esbelto, se moldou em minhas
mãos... eu entendi que nada mais seria o mesmo. Que não poderia mais fingir
que não me importava, que não cairia de quatro por ela se só me pedisse.
Era um caminho sem volta. Mas que se fodesse todo o resto, eu a queria.
E naquela noite ela seria minha.
CAPÍTULO CINCO

Entorpecida. Esta era a palavra que poderia me definir naquele momento.


Pelo bebida? É claro... afinal, fui eu que escolhi me embriagar até
esquecer toda a merda daquela noite e do último ano.
Pelo beijo? Mais ainda.
Eu não estava tão inconsciente ao ponto de não ter noção de que aquele
era o melhor beijo que já tinham me dado em meus vinte e cinco anos. Tudo
bem que nunca duvidei que Victor seria um expert nisso, porque sempre
soube que não era nenhum santo, mas a realidade era muito melhor que a
expectativa.
O homem sabia o jeito perfeito de usar a língua, fazendo-a dançar pela
minha boca, alternando com mordidas sensuais tanto no meu lábio inferior
quanto no superior. Mas mais do que isso, a maneira como me segurava... Ele
era puro músculo, e eu, pequena, delicada, então me sentia completamente
dominada dentro de seu abraço.
Incentivada pela bebida, comecei a desabotoar a blusa dele, aos poucos,
quase segurando a respiração ao vê-lo sem ela, no momento em que a deixei
cair no chão. Chegava a ser engraçado que, apesar de estarmos casados há um
ano, eu nunca tivesse visto Victor sequer com o peito nu.
Deliciada, comecei a passar a mão por cada contorno, pelos gominhos do
abdômen e pelas curvas dos bíceps, sentindo a rigidez e a força. Tentei
guardar na memória cada textura e as sensações, porque sabia que aquela era
a primeira e última vez que iríamos nos tocar daquela forma.
— Deveríamos parar por aqui — ele falou, mas eu sabia que estava
igualmente embriagado. Fingi muito mais do que, de fato, bebi. Não que
fosse tão boa atriz assim, e claro que estava alterada – ou não teria coragem
de fazer o que estava fazendo –, mas bem menos.
Apesar de ter dito isso, ele me olhava como se estivesse pronto para
me devorar.
— Eu acho... — Ousada, toquei seu peito liso e rígido com os lábios,
lambendo-o até chegar ao seu mamilo. Victor grunhiu. — Que você deveria
se deixar levar... Qual é o problema? Somos casados.
Muitos problemas, e eu estava ciente disso. De cada um deles, na
verdade. Victor sempre agiu como um babaca comigo; sempre pareceu
completamente indiferente a mim. Sempre se esforçou muito para me manter
longe. Só que, naquele momento, parecia me querer perto, muito perto.
E a única coisa que eu queria era provar o que ansiava há exatos
trezentos e sessenta e cinco dias. Eu desejava o meu marido de conveniência,
por mais que não pudesse desejar.
Não podia permitir que ele desistisse. Não àquela altura, quando eu já
estava mais do que envolvida.
— A não ser que você não me queira — joguei em tom de
provocação, esperando que ele mordesse a isca.
Pela forma como levou as duas mãos à minha cintura, agarrando-a
com força, quase tirando meu ar, eu meio que tinha a resposta para minha
dúvida, mas Victor a sanou com palavras.
— Eu quero tanto que nem sei como demonstrar.
— Eu sei... — falei, novamente cheia de ousadia, tirando sua calça e
cueca, me ajoelhando sobre a mesa de centro, encostando a língua em seu
pau.
Isso pareceu deixá-lo surpreso, porque Victor soltou um grunhido
muito súbito, seguido de um gemido, como se estivesse no céu.
Bem... se tinha seguido as cláusulas do contrato a risca, ele estava há
um ano sem sexo. Claro que eu não acreditava nisso, porque era um belo de
um canalha, mas não iria pensar nisso enquanto minha língua deslizava por
toda a extensão de seu membro, sem tomá-lo na boca.
Minha intenção era apenas deixá-lo louco o suficiente para esquecer
seus pudores.
Usei a língua de todas as formas possíveis, em todas as direções,
circulando-o, desde a base à cabeça, em espiral, demorando nos pontos em
que o sentia mais sensível. Tomei apenas a parte mais lisa em meus lábios,
beijando-o com intensidade, deleitando-me com os sons que escapavam de
sua garganta.
Sua mão agarrou meus cabelos, tentando me manter no lugar, obviamente
para que eu efetivamente o chupasse, mas continuei com a suave tortura, até
que ele deixou escapar um som gutural, pegando-me pelos braços e me
puxando até ficar de pé. Assim, agarrou minhas coxas, colocando-as
entrelaçadas à sua cintura e levando-me até a mesa de jantar, onde me deitou,
deixando-me bem próxima à beirada.
— Acho que é hora do troco.
Nem tive tempo de dizer nada ou argumentar, porque Victor rapidamente
tirou minha calcinha, erguendo a saia do meu vestido e levou a língua à
minha fenda, imitando o que eu tinha acabado de fazer. Ele me lambeu de
todas as formas, rodeando meu clitóris, mas nunca o atingindo efetivamente.
Foram minutos e minutos de tortura, até que eu arqueei meus quadris,
tentando buscar mais do que ele tinha a oferecer, mas Victor os empurrou
para baixo com suas mãos enormes. Tentei repetir o movimento, porém ele
me segurou com mais força, deixando-me entender que não me mexeria
enquanto não quisesse.
Teimosa, ergui meu tronco, na intenção de provocá-lo, mas Victor
simplesmente parou o que fazia e avolumou-se sobre mim, agarrando meus
punhos, empurrando-me de costas sobre a mesa e me imobilizando.
Só para me provocar mais ainda, ele me manteve naquela posição e
começou a esfregar seu pau na minha entrada, enfiando-o muito de leve,
apenas para que eu o sentisse.
Deixou que apenas uma de suas mãos prendesse meus punhos e com a
outra segurou meus quadris também contra a madeira, impedindo-me de
tentar reivindicar o que eu tanto queria, enquanto me beijava e continuava me
torturando.
— Victor... — choraminguei, em tom de súplica, e, ao ouvir, ele
simplesmente me puxou, colocando-me de pé, de costas para si, empurrando-
me contra a mesa, com a bunda empinada.
Introduziu dois dedos onde eu já estava encharcada, bem fundo, fazendo-
me gemer mais alto. Começou a me masturbar com uma intensidade insana,
agarrando meus cabelos com a outra mão, sem parar, sem piedade.
Quando eu estava prestes a gozar, ele parou e substituiu seus dedos por
seu pau.
Eu não esperava que Victor fosse estocar com tanta força. Muito menos
que suas mãos iriam arrancar meu vestido por cima da cabeça e amassar
meus seios, massageando-os sem sutileza.
— Eu preciso me controlar, Laís. Por que você me enlouqueceu desse
jeito? Por quê? Você não merece ser tratada assim. Sempre imaginei que na
nossa primeira vez eu te levaria no colo para cama e faria amor com você
bem devagar. Mas... porra! Porra! — ele grunhiu, e um único pensamento
preenchia minha cabeça.
— Por que eu não mereço ser tratada assim? — indaguei, arfando.
— Porque você é uma princesa. Eu nunca deveria puxar seu cabelo assim.
— Victor agarrou meu cabelo, arqueando minha cabeça para trás, girando um
dos meus mamilos com seus dedos, enquanto beijava meu pescoço. Era uma
confusão de sensações que ele conseguia provocar, que eu mal sabia em qual
delas focar. — Eu não deveria te foder desse jeito. — Investiu com ainda
mais força. — Não com tanta força, você é muito delicada, Laís. Tão
pequena, tão apertada.
Ao ouvi-lo falar, eu gozei de tal forma, como nunca antes.
A intensidade do orgasmo foi tanta que eu senti a força das minhas pernas
se esvaírem, mas Victor foi rápido em me amparar e em me pegar no colo,
como se eu não pesasse simplesmente nada.
Fui carregada por nosso apartamento até o quarto dele e deitada na cama,
e, de olhos fechados, apenas senti quando seus lábios tocaram cada parte da
minha pele, parando por algum tempo em cada um dos meus seios, sugando
ambos os mamilos, fazendo-me contorcer.
Enquanto ainda estimulava meus seios e me entorpecia com sua boca e
seus dedos nesses pontos sensíveis, ele me penetrou novamente, de súbito, e
eu gritei.
— Grita, linda. Geme meu nome — ele sussurrou no meu ouvido, com
uma voz sexy que só ajudava a me levar ao limite do prazer.
— Victor! — atendi ao seu pedido, até porque seu nome escapou
facilmente, levando em consideração tudo o que ele estava me fazendo sentir.
Seus lábios foram escorregando até minha boca, onde ele me roubou um
beijo como o primeiro – um do qual eu certamente não esqueceria nunca.
Nem mesmo estando levemente embriagada.
Ainda estocando com força, Victor também começou a gemer de uma
forma bastante selvagem, até que eu gozei mais uma vez, e ele me seguiu,
desabando ao meu lado, mas sem tirar o braço de cima de mim.
Assim que voltei a mim, tentei me mover, mas ele não me soltou.
— Pretendo repetir a dose algumas vezes esta noite, linda. Sem
arrependimentos, não é? Então vamos fazer valer a pena.
Já tinha valido. E muito. Eu só queria entender como iria seguir dali em
diante mantendo aquelas novas lembranças e sabendo o que o homem que
vivia comigo e que era meu marido era capaz de fazer comigo.
CAPÍTULO SEIS

Minha cabeça estava explodindo. Por mais que eu não tivesse abusado
tanto quanto quis fazer Victor acreditar, eu era fraca para bebidas. Não estava
acostumada, e na noite passada eu tinha extrapolado um pouco.
Mas não ao ponto de não me lembrar onde estava e com quem estava.
Eu tinha transado com meu digníssimo marido. Não apenas uma, mas
várias vezes. Só paramos, porque eu praticamente desmaiei em seus braços
na última rodada, exausta de tanto gozar. Nem conseguia começar a contar a
quantidade de orgasmos que ele me deu.
Nunca sonhei que isso fosse possível, aliás.
O problema? Eu queria repetir a dose. Queria que ele colocasse em
prática todas as coisas sujas que sussurrou no meu ouvido enquanto me fodia
com força.
O cara era criativo, tinha um pau maravilhoso e seu beijo era quase
indecente de bom. Esse homem era meu marido, aliás, mas eu só descobri
tudo isso meses antes da nossa separação.
E, infelizmente, o que tinha acontecido sobre aquela cama não poderia
acontecer novamente.
Ele estava deitado com o braço sobre a minha cintura, apagado de barriga
para baixo, completamente nu em toda a sua glória. Tentei me desvencilhar,
mas ele era pesado demais para mim, então tive um pouco de dificuldade.
Minutos depois, consegui sair da cama sorrateiramente.
Corri para o meu quarto, enfiando uma roupa qualquer no corpo e
levando uma muda extra. Poderia tomar banho na casa de Fernanda – minha
melhor amiga e para onde pretendia correr naquele instante – e, de
preferência, dormir lá também.
Com que cara iria olhar para Victor depois de tudo o que tínhamos feito?
Se tivéssemos transado uma única vez, eu poderia usar a desculpa de que
fora um lapso. Mas umas cinco – se é que a conta estava certa –, não podia
ser considerado “sem querer”.
Até porque eu quis. Muito.
Eu deveria, de fato, tomar um banho, mas temia demorar demais e Victor
acordar. Queria não estar mais no apartamento quando isso acontecesse,
porque não estava pronta para encará-lo.
Calcei um tênis, vesti um jeans e uma camiseta, prendi os cabelos
desgrenhados em um rabo de cavalo, joguei a muda de roupa extra numa eco
bag, peguei minha bolsa e saí.
No momento em que pisei fora do apartamento, suspirei aliviada. O ar lá
dentro estava me sufocando. Era como se o local inteiro cheirasse a sexo.
Como se cada parede tivesse testemunhado tudo o que tínhamos feito.
Corri para a garagem do prédio, sentindo-me uma fugitiva. Vasculhei a
bolsa atrás da chave do meu carro e entrei nele com pressa, ligando o motor e
partindo.
A casa de Fernanda ficava em um bairro vizinho, mas eu me sentia
inquieta. Precisava desabafar, contar para alguém o que tinha acontecido, mas
só confiava na minha melhor amiga.
Assim que cheguei, ela liberou minha entrada no prédio, e eu subi.
Fernanda morava sozinha em um apartamento bem legal em Jacarepaguá,
com seus dois gatinhos – o Felix e o Frajola, que eram dois opostos.
Enquanto o primeiro era um amorzinho, dengoso e carente, o segundo era
antipático e indiferente.
Minha amiga me conhecia há tanto tempo que foi só olhar para a minha
cara para saber que havia algo de errado. Arranquei Felix do colo dela,
levando-o ao meu, porque precisava de um pouco de amor de bicho para lidar
com minhas emoções.
Sem dizer nada, joguei-me no sofá, com ele nos braços, esfregando a
cabecinha no meu peito, enquanto seu irmão, gordo e preguiçoso, veio dar
uma olhada em quem tinha chegado. Como não era interessante o suficiente
para ele, o safado foi embora e nos deixou na sala.
— O que aconteceu, amiga? O que o idiota do seu marido fez dessa vez?
— Ela me conhecia bem. Durante aquele ano de casamento, não fora apenas
uma vez que apareci na casa dela daquele jeito. Em algumas surgi cheia de
ódio, e, em outras, magoada.
Daquela vez eu nem sabia como me sentia.
Ergui uma sobrancelha na direção dela, quase provocadora.
— O que ele fez? Hum... deixa eu ver se consigo expressar com toda a
ênfase que o assunto merece. — Fingi pensar. — Ele me fodeu de todas as
formas possíveis, em inúmeras posições e me deu tantos orgasmos que eu
nem pensei que seria humanamente possível em uma só noite.
A boca em formato de coração da minha amiga se abriu, e seus lindos
olhos castanhos se arregalaram.
Sem falas, querida? Pois é... eu também.
— Laís, você transou com o Victor? — ela perguntou, como se não
tivesse ficado bem óbvio.
— Não, Nanda. Transar é o que eu fazia com o ex. Com Victor eu
nem sei como poderia chamar o que aconteceu. O homem é... uma bomba
relógio. — Boa definição, cérebro. Ótimo saber que depois de tanta emoção
da noite anterior você ainda não derreteu.
— Calma... calma aí... — Fernanda se remexeu no sofá. — Amiga...
nós nos falamos ontem de tarde, pouco antes de você sair para encontrar o
seu pai. Até onde eu sei, você ainda odiava o cara. O que aconteceu? Como
vocês passaram do “eu te odeio” para o “eu quero transar”?
— Walter Giardelli surgiu no meio da equação.
Minha amiga franziu o cenho.
— Lala, é muito, muito estranho ouvir que seu pai teve algo a ver
com a noite de sexo frenético que você viveu.
Não pude conter uma risada.
— Sabe o que é estranho? Meu pai ter decidido mudar os termos do
acordo comigo, e Victor ter me defendido, fazendo-o mantê-los. Ou seja, o
babaca do meu marido se tornou o meu herói na noite passada.
— Em todos os sentidos, né? Porque ainda te deu uma noite de rainha.
— Quase suspirei me lembrando, mas assenti, enquanto alisava o pelo macio
de Felix. — Mas me diz... o que vocês vão fazer agora?
Aquela era a pergunta de um milhão de dólares. Dei de ombros antes de
respondê-la.
— Se ao menos eu soubesse... Saí correndo como uma fugitiva antes que
ele acordasse.
— Uau. Super maduro da sua parte. — Fernanda revirou os olhos. Mas
quem poderia julgá-la? Eu também condenava a minha atitude. — Vocês
precisam conversar.
— Sim, precisamos. Mas eu nem sei se ele se lembra do que aconteceu.
Estava mais bêbado do que eu.
— Ah! Agora isso fez sentido! Vocês estavam bêbados!
— Então... eu nem tanto quanto quis que ele acreditasse. Nanda, eu fiz
tudo de caso pensado, e o pior é que nem me arrependo. Tem noção de que
eu fingi cair de uma cadeira só para ele me pegar? Se não rolasse nada, eu só
queria que ele... — Suspirei, porque era patético. — Que ele me tocasse.
— Amiga, você poderia ter se machucado.
— Eu sei.
— Bem, mas ele te pegou aparentemente. E não só na queda — brincou.
— Pegou. — Levei uma mão à cabeça. — Pelo amor de Deus, ele me
pegou muito.
— Assim eu vou acabar ficando com inveja. Sabe há quanto tempo não
me dão um trato assim? — Fernanda parou e pensou. — Há vinte e cinco
anos. Minha idade, aliás.
E nós éramos amigas há vinte. Nós nos conhecemos no colégio e nunca
mais nos desgrudamos. Fernanda era minha confidente, minha irmã de alma,
a pessoa que mais me entendia no mundo. Quando contei para ela sobre meu
casamento de conveniência, ela me chamou de louca, e eu a amei mais ainda
por isso. O dinheiro que viria como compensação pelo meu ano de casada
serviria para nosso negócio, então, ela se beneficiaria dele também. Só que
minha amiga era leal o suficiente para pensar primeiro no meu bem estar.
Claro que ela meio que mudou um pouco de ideia ao conhecer Victor e
perceber que o cara era um deslumbre. Durante a festa de casamento, ela me
chamou de sortuda, mesmo eu me sentindo completamente miserável.
Mesmo sentindo como se estivesse me vendendo.
Meu próprio pai tinha, de fato, me vendido. E isso doía.
Eu odiei cada segundo da minha festa de casamento. E naquele momento
eu nem imaginava que Victor se tornaria uma pedra no meu sapato. Até
porque ele se mostrou tão gentil, tão cordial, tão pronto para facilitar as
coisas... Desde que eu dei aquele sim, tudo desandou.
Era errado. Tudo estava errado.
Assim como o sexo da noite passada. Por mais maravilhoso que pudesse
ter sido, não mudava em nada o quão incompatíveis eu e Victor éramos.
Nunca daria certo.
— Seja como for, Nanda, vamos nos separar em três meses.
— Será mesmo? — ela soltou, e eu voltei meus olhos para ela, surpresos.
Nanda era sempre a ferrenha carrasca de Victor. Por ela eu já teria cometido
um homicídio e feito parecer um acidente. Ainda assim... por que estava
duvidando da minha palavra?
— O que você está insinuando?
Ela respirou fundo e puxou Felix para o colo dela.
— Fala sério, Lalá... Você tem uma quedinha por Victor desde aquele
maldito dia em que viram filminho e ficaram quase como namoradinhos no
sofá. Morre de tesão. Ok, o cara é gato, eu sei. Mas as coisas no seu
coraçãozinho são muito confusas em relação a ele. Você nunca foi leviana ou
casual com sexo. Não acho que vai simplesmente esquecer a noite passada e
seguir em frente. — O pior era que ela estava certa, mas não queria pensar
nisso. — Vocês ao menos usaram camisinha?
Camisinha?
Ah... merda!
Não...! Não! Não!
Eu mal lembrei do meu nome enquanto ele colocava aquela boca incrível
em mim, como iria me lembrar de camisinha? E não estava tomando
anticoncepcional há alguns meses.
Merda! Mil vezes merda!
Será que eu poderia contar com a sorte?
CAPÍTULO SETE

Tateei a cama em busca de um corpo quente e macio, mas tudo o que


encontrei foram lençóis vazios. E frios, o que me dizia que Laís tinha se
levantado há algum tempo.
Como se pudesse ser diferente...
Sentindo a cabeça latejar e a boca seca, saí da cama, pegando um short
qualquer na cômoda para cobrir minha nudez, e fui em busca da doida da
minha esposa.
Aliás... agora ela era mesmo minha esposa. Depois de um ano de
casamento falso e arranjado. Na teoria e na prática.
Só de pensar na prática, meu corpo já respondia às lembranças.
Será que permitiria que repetíssemos a dose? O que aconteceria conosco a
partir daquele momento?
Minha cabeça girava só de pensar na oportunidade de finalmente dizer a
ela tudo o que sentia.
Só que o que encontrei assim que saí do quarto foi uma casa vazia.
Ela tinha saído e nem deixara um bilhete, nem avisara.
Dei uma olhada na maldita contagem regressiva, e ela não a atualizara. Se
eu fosse um pouco mais iludido, poderia considerar isso como um bom sinal,
mas sabia que não era o caso.
Esperando aplacar a dor de cabeça, fui preparar um café, decidido a
esperá-la. Laís costumava sair para correr de manhã. Ela poderia ter feito
isso, não?
Com o café na mão, sentei-me no sofá, ligando a TV – o que quase nunca
fazia. Mas, bem... eu também nunca fazia sexo com minha esposa, então,
eram muitas coisas novas para um dia só.
Uma hora passou. Duas... e nada.
Claro que ela não tinha ido correr. Ou melhor... tinha. Mas de mim.
Já estava conformado com a certeza de que ela não chegaria tão cedo,
pronto para começar meu dia, quando meu telefone tocou. Era Hugo.
Por que eu achei que poderia ser Laís? Idiota! Ela quer distância de
você... não ficou claro o suficiente?
— Alô — respondi com um péssimo humor.
— Eita, cara! Já vi que deu merda com a patroa.
— Não exatamente. Ou melhor... deu, mas não do jeito que você está
pensando. — Soltei um suspiro derrotado e passei a mão pelo rosto, meio que
não sabendo o que fazer. — Você está livre agora? Não estou a fim de ficar
em casa. — Não estava mesmo. Muito menos quando cada canto daquela
porra de apartamento me lembrava o que tínhamos feito. A mesinha de
centro, a mesa de jantar...
— Tô. Vamos almoçar juntos?
— Pode ser. Uma churrascaria, pelo amor de Deus. Estou de ressaca e
com uma fome de leão. — Fui me levantando enquanto falava, pronto para ir
tomar um banho.
Combinei o local e a hora com Hugo e entrei debaixo do chuveiro,
quase lamentando tirar o cheiro de Laís de mim.
Se eu já tinha sentimentos por ela, as coisas ficaram muito piores
depois da noite anterior. A forma como se entregou, o jeito como seu corpo
parecia ter sido feito perfeitamente para caber no meu, seus gemidos, sua
expressão de prazer... Seu gosto...
Porra! Só de pensar acabei precisando levar a mão ao meu pau e me
masturbar, porque a visão de Laís se contorcendo durante um orgasmo me
deixou excitado novamente.
Terminei com a cabeça encostada nos ladrilhos, respirando de forma
incerta, com a mão livre cerrada em punho, pronta para socar qualquer coisa
que visse pela frente – de preferência a minha cara, por ser tão imbecil e
estragar tudo.
Arrumei-me assim que saí do chuveiro, com uma camisa pólo, uma
calça jeans, tênis, óculos escuros e peguei o carro, não deixando de reparar
que o de Laís não estava do lado do meu. Eu sabia exatamente para onde ela
tinha ido. Para a casa daquela amiga que não ia com a minha cara.
Ninguém poderia julgá-la.
Encontrei uma vaga no estacionamento da churrascaria e saltei do
carro. Caminhei até a porta e fui recebido pela hostess. Avisei-a de que já
tinha alguém me esperando – porque sabia que Hugo já havia chegado – e
entrei. Tirei meus óculos escuros e o vi.
No momento em que cheguei à mesa, joguei-me na cadeira, lançando
minhas coisas de qualquer jeito à minha frente.
— Se a voz estava ruim, a cara está pior. Nunca pensei que fosse falar
isso de você, porque, né? Tu é o cara mais boa pinta que eu conheço. —
Revirei os olhos para ele, porque não estava a fim daquele tipo de coisa. —
Anda, desembucha. O que aconteceu com a Dona Encrenca?
A ressaca provavelmente estava me afetando, porque não era a
primeira vez que Hugo chamava Laís daquela forma, mas isso me deixou
irritado ao ponto de dar um soco na mesa.
— Não fala assim dela! — Minha reação chamou a atenção de muitas
pessoas ao redor, e eu fiquei um pouco constrangido, mas respirei fundo e me
recompus. — A culpa de estarmos onde estamos não é de Laís. É minha, e
você sabe disso — falei, baixando a voz. — Assim como a culpa de ela ter
ido parar na minha cama na noite passada.
Hugo estava tomando refrigerante, e ele literalmente cuspiu um pouco
da bebida em seu prato. Vazio, ainda bem.
— O quê? Você transou com a esposinha?
— Um bocado.
Se eu fosse bem sincero, poderia dizer que não fora exatamente minha
culpa. A mulher se insinuara para mim como uma cobrinha sinuosa, e eu não
pude resistir. Ela colocou o meu pau na boca, pelo amor de Deus! Como eu
iria dizer não, ainda mais levando em consideração o quanto ela sempre
mexera comigo desde que a conheci.
— Porra, cara! E agora? Como vai ficar a separação? Vai acontecer
mesmo?
Um garçom passou oferecendo carne, e eu nem vi qual era, apenas
aceitei. Precisava colocar algo no estômago para que aquela sensação de
vazio passasse. Só que eu sabia que não era fome. Havia algo a mais a me
corroer por dentro.
Era a sensação de que eu estava prestes a perder algo que já queria
muito, mas que se mostrou ainda mais precioso.
— A julgar pela forma como ela fugiu da minha cama de manhã? Não
sei nem se ela vai querer continuar pelos três últimos meses combinados, até
a festa — lamentei enquanto partia a carne. Em seguida levei o pedaço à
boca.
— Que merda, cara. E como você está? Sei que era algo que você
queria muito e aparentemente não aconteceu da melhor forma.
Era quase sensível da parte dele pensar daquela maneira,
principalmente porque eu sabia que Hugo não era exatamente um cara de
relacionamentos. Ele saía com muitas mulheres, como eu mesmo saí no
passado, e nunca se apegava a ninguém. Estávamos acostumados a ir a
baladas, sempre voltando acompanhados, e ele nunca entendera muito minha
fixação por uma mulher que não poderia ser minha, embora respeitasse.
Só que sua expressão não aconteceu da melhor forma era algo um
pouco contraditório. Porque ele tinha razão, é claro. Há meses eu queria levar
minha esposa para cama. Há meses ela era a dona dos meus pensamentos, e
eles iam longe quando a imaginava deitada sob mim, com os cabelos
dourados espalhados pelo meu travesseiro. No entanto eu nunca pensei que
aconteceria da maneira como foi. Nós dois bêbados – ou quase, porque eu
poderia jurar que nenhum dos dois estava tão pouco consciente assim –, sem
tomarmos nenhum cuidado. Provavelmente Laís tomava anticoncepcional,
mas... O que eu sabia sobre ela?
Apesar desses motivos e de muitos outros, eu nunca poderia dizer que
não foi bom. Porra... foi incrível. Insano. Maravilhoso. Como nunca antes.
Nunca nenhuma outra mulher me fez sentir daquela forma. E eu sabia a
explicação: eu estava apaixonado por Laís há algum tempo, e sexo para mim
não costumava estar combinado a um sentimento. A sensação era única.
Inexplicável. Sublime.
Nunca desejei uma mulher como desejei Laís por todo aquele tempo.
Quando a tive, foi game over para mim. Ela permaneceria marcada no meu
corpo, sem chance de volta.
— Estou bem. As coisas vão continuar como deveriam ser. Vamos
nos separar em três meses e acabou. Ela estará fora da minha vida, e é isso.
Falar era fácil. Imaginar isso era doloroso. Uma porra de um soco no
estômago.
Tentei mudar de assunto durante o almoço, e, ainda bem, Hugo
entendeu e entrou na onda. Falamos sobre trabalho, sobre qualquer merda que
não me lembrasse Laís, mas esquecê-la foi impossível.
Tanto que nem consegui voltar para casa de primeira e fui direto à da
minha mãe, sabendo que ela teria um bom conselho para me dar.
E um pedaço de bolo de laranja, que sempre curava tudo.
D. Marisa era um poço de amor e compreensão. Ela me ouviu,
enquanto eu me deliciava com o doce, tentando não parecer patético ao
contar para a minha própria mãe que eu finalmente tinha feito amor com
minha esposa.
Ah, e ela adorava Laís. Nas poucas vezes em que a encontrou, minha
esposa fora nada além de doce, gentil e cordial com a minha mãe, mesmo eu
sendo o maior babaca da face da terra.
— Sabe o que eu acho engraçado, meu filho? — ela começou a falar,
enquanto bebericava seu chá, observando-me comer.
— Nem ideia, mas imagino que seja a minha cara de idiota depois de
tudo que te contei.
Ela deu uma risadinha.
— Não. O que eu acho é que eu te ensinei a correr atrás das coisas
que sempre quis. Você fez isso com os negócios, chegou longe, está prestes a
assinar uma sociedade com o maior escritório de advocacia do país. Mas não
consegue fazer o mesmo quanto tem a ver com sua vida pessoal. Você gosta
dessa moça, Victor.
Abaixei a cabeça, sabendo que não havia como negar. Não para a
minha mãe.
— Gosto.
— E vai deixá-la escapar?
Ergui os olhos, fitando os da minha mãe. Com seus quase sessenta
anos, ela era tão bonita, tão cheia de vida, tão parceira e minha amiga... Como
lhe responder sem parecer um covarde idiota que estava desistido da única
coisa pela qual valeria a pena lutar?
E, sim, Laís valia muito mais a pena do que uma porra de uma
posição na empresa. Eu era competente, esforçado, poderia abrir meu próprio
escritório e ganhar bastante dinheiro ou, como falei para Walter, partir para a
concorrência. Uma mulher como aquela com quem estava casado era
insubstituível.
— É complicado, mãe.
— Não, eu não acho. Se ela se entregou a você é porque sente alguma
coisa — concluiu com seu jeitinho romântico.
— Ou ela simplesmente me acha atraente.
— Seria louca se não achasse. — Ah, a mãe leoa. Ela sabia bem
interpretar esse papel. — Mas eu acho, sinceramente, que aquela menina não
é assim.
É, eu também achava. Ou melhor... sabia. Em nossas breves
conversas, nos primeiros meses de casados, ela sempre deixou claro que só
teve dois namoros, incluindo o que precisou terminar para se casar comigo.
Não chegamos a falar sobre relações sexuais, mas ela deu a entender que eles
tinham sido os únicos.
E mesmo assim ela me escolheu. Isso deveria dizer alguma coisa, mas
eu não conseguia me iludir. Preferia pensar que era a bebida.
— Não importa, mãe. Ela não gosta de mim. Não me suporta. E eu fui
o culpado.
Minha mãe estalou a língua, parecendo não acreditar no que eu dizia.
— Eu ainda acho que esse final de vocês vai ser feliz.
Que bom que alguém acreditava nisso, porque eu não. Nem por um
segundo.
CAPÍTULO OITO

Andando de um lado para o outro, eu começava a me sentir


verdadeiramente preocupado. Já era domingo, passava das oito da noite, e
Laís ainda não tinha chegado em casa. Tentei ligar algumas vezes para o
celular dela, mas caiu na caixa postal.
Minha razão dizia que ela estava fugindo de mim. O coração batia
acelerado pensando que poderia ter acontecido alguma coisa. Eu estava
disposto a começar a revirar o Rio de Janeiro inteiro em busca dela, colocar
polícia em seu rastro, mas sabia que não tinha esse direito.
Merda! Eu só queria saber se estava bem.
Meu telefone tocou, e eu me sobressaltei, correndo para atendê-lo,
jurando que poderia ser Laís.
Quando vi o nome de Hugo na tela quase joguei o celular longe.
— E aí, cara. Ela apareceu? — Coitado. Por mais doidinho que pudesse
ser, meu amigo estava preocupado.
E não era para menos... provavelmente liguei para ele umas vinte e cinco
vezes.
— Não. Estou preocupado.
— Cara, não fique. Nós sabemos o que aconteceu antes de ela sumir. Laís
deve ter ficado assustada.
Sim, eu sabia disso. Claro que sabia. E era direito dela, porque também
estava. Só que eu queria conversar. Queria que chegássemos a um
denominador comum juntos.
No momento em que eu ia dizer algo ao meu amigo, ouvi o som da chave
entrando na fechadura e sendo girada.
A não ser que fosse um ladrão... minha esposa tinha acabado de voltar
para casa.
— Hugo, ela chegou — avisei.
— Boa sorte. Depois me liga para dizer se está tudo bem.
— Pode deixar.
Encerrei a ligação e joguei o celular sobre o sofá, começando a ponderar
o que fazer. No momento em que a vi, percebendo que estava intacta, minha
vontade foi correr para ela, abraçá-la e dizer que estava aliviado por vê-la
bem. Só que permaneci no mesmo lugar, completamente parado, apenas
observando-a.
Com toda a sua elegância de princesa, Laís entrou, fechou a porta, virou-
se e começou a caminhar na minha direção bem devagar. Não era possível
que estivesse tão calma sendo que eu estava desesperado por dentro.
Além disso... olhar para ela depois de tudo o que fizemos...
Olhar e não poder tocar; provavelmente era um dos castigos utilizados
por Satã quando se chegava ao inferno.
— Boa noite, Victor — ela cumprimentou quando finalmente ficou perto
o suficiente, mas a uma distância segura, que me dizia: você não tem
permissão para se aproximar.
— Boa noite. Fico feliz em saber que você está bem — usei de um pouco
de sarcasmo.
— Desculpa não ter avisado. Eu estava um pouco... perdida.
Cruzei os braços contra o peito, ainda olhando para ela e me sentindo um
idiota por estar indignado. Eu não tinha o direito. Tinha?
— Acho que precisamos conversar — ela falou, mas a expressão em seus
olhos e sua linguagem corporal faziam parecer mais que estava indo a um
velório do que pronta para iniciar uma DR com o marido.
— Você acha?
Respirando fundo, ela simplesmente se jogou no sofá, lançando a bolsa na
poltrona ao lado. Mantive-me de pé, porque não conseguia ser tão blasé
quanto ela. Se pudesse recomeçaria a andar de um lado para o outro, mas não
queria parecer tão idiota.
Embora eu fosse um.
Ela demorou alguns minutos para começar a falar, o que pareceu uma
eternidade. E quando falou, eu senti meu coração se desintegrar no peito.
— Acho que a gente deveria se separar logo — soltou, com aquela voz
sussurrada e doce; a mesma que gemera o meu nome várias vezes na noite
passada.
— O quê?
Ela se remexeu no sofá, inclinando-se para frente e apoiando os braços
nos joelhos.
— Olha, Victor, as coisas mudaram. O que fizemos ontem...
Dei um passo à frente, de súbito, e me ajoelhei diante dela, pegando suas
mãos.
Patético, eu sei. Mas foi impulsivo.
Ah, merda... eu não estava nem pensando.
— Foi incrível. Incrível, Laís. E eu sei que você gostou também.
— Eu estava bêbada — não havia um pingo de segurança em sua
afirmação. E isso me deixou puto. Tanto que me levantei, afastando-me.
— Porra nenhuma! Você estava embriagada, mas sei que se lembra de
tudo, assim como eu.
Ela nem tentou negar. Ao menos isso. Eu sabia que Laís não era uma
mentirosa, estava apenas assustada e insegura, e eu precisava saber lidar com
isso. Até porque, também me sentia da mesma forma.
— Seja como for, Victor, as coisas se complicaram. Como vou morar sob
o mesmo teto que você depois do que fizemos?
— O que pensa que vou fazer? Te agarrar no meio da noite? Te algemar
na cama e te obrigar a repetir a dose? Não, Laís, eu não faria isso — falei
com cinismo.
— Não foi o que eu insinuei, Victor! Não aja assim. Só que a verdade é
que nunca fomos amigos. Nem perto disso. Nós dois não nos suportamos.
— Você não me suporta. — Apontei o dedo para ela, de forma acusadora,
e nem tinha esse direito. A culpa era minha se ela me odiava.
— Ah, então agora vai dizer que gosta de mim? — Levantou-se também,
colocando-se de frente para mim. — E todas as provocações, a indiferença, o
quanto sempre me menosprezou? O quão pouco companheiro e amigo foi
durante os malditos trezentos e sessenta e cinco dias que passamos como
casados? É difícil esquecer... marido — o desdém não me passou
despercebido.
O que eu poderia dizer? Não podia contar a verdade. Talvez ela me
odiasse mais ainda por ter tornado nossa convivência um inferno só por causa
daquele maldito contrato. E eu não queria isso.
Ou melhor... talvez nem fizesse diferença, porque ela já me odiava, mas
não queria colocar mais lenha na fogueira.
Levei as mãos ao cabelo, deslizando-as por ele, tentando manter a calma.
— Olha... por que não repetimos essa conversa daqui a alguns dias?
Estamos os dois de cabeça quente, vamos acabar tomando decisões erradas.
— Para você, né? Porque se eu declinar de ir ao evento, é você que sairá
perdendo.
Mordi o lábio inferior, na intenção de me impedir de dizer algo que eu
sabia que não deveria. Mas as palavras começaram a subir pela minha
garganta, e eu as vomitei mesmo assim:
— Graças a mim você já terá a sua parte no contrato, não é? Já pode cair
fora, se quiser.
Ela respirou fundo. Magoada.
Merda! Boa jogada, Victor! Ótima forma de perder ainda mais uma
mulher que nunca foi sua.
— Sim, foi graças a você. Meu herói. E eu já agradeci. — Laís me
imitou, passando a mão pelos cabelos, e eu vi seu lábio tremer.
Eu era um desgraçado por fazê-la chorar.
— Laís... — eu queria me desculpar, mas nem sabia como.
— Quer saber? Você terá os seus três meses, Victor. Mas nem um dia a
mais. Espero que a sociedade, o dinheiro e o prestígio alimentem bem o seu
ego, porque o coração é completamente vazio.
Marchando, irada, ela pegou sua bolsa na poltrona e se dirigiu à cozinha
americana. Ficou alguns instantes lá e rumou para seu quarto, ainda sem me
dizer nada, fechando a porta com força – tanto que eu consegui ouvir de onde
estava.
Lancei um olhar na direção da geladeira, já sabendo exatamente o que iria
encontrar.
CONTAGEM REGRESSIVA: DOIS MESES E VINTE E OITO
DIAS.

Em uma coisa Laís estava certa. Na verdade, eu achava que ela estava
certa em muitas, mas em uma, em específico, mais. Eu me sentia vazio por
dentro. Completamente.
Comecei a caminhar pelo corredor lentamente, passando pelo quarto
dela.
Queria bater na porta, pedir perdão, conversar e dizer que ela estava
enganada. Eu não a odiava. Era apaixonado por ela. Queria confessar que a
noite passada fora muito mais do que apenas sexo. Que eu amei cada
segundo. Que queria tê-la daquela forma todos os dias.
Mas o que me restou apenas foi encostar a testa na porta e, através da
madeira, ouvi-la chorar. O que me destruiu mais ainda.
CAPÍTULO NOVE

CONTAGEM REGRESSIVA: UM MÊS

Era extremamente frustrante sair do quarto toda embecada para uma


festa e não poder fazer uma espécie de aparição triunfal para meu marido.
Ainda mais depois de termos passado quase dois meses tentando ignorarmos
um ao outro – por uma convivência mais pacífica e fácil, depois de tudo o
que aconteceu.
Mais uma vez ele estava atrasado.
E a contagem regressiva presa à geladeira parecia gritar em neon para
mim.
Fiquei olhando para ela por alguns minutos, tentando me decidir se
estava empolgada ou triste pelo tempo estar passando tão rápido.
Meu dinheiro já fora depositado na minha conta, e eu e Fernanda já
estávamos com a mão na massa, pensando em estratégias de marketing,
orçamento, buscando o ponto ideal para a loja e acertando outros detalhes.
Ou seja, nada mais – absolutamente nada – me prendia àquele casamento.
Nada além da merda de sentimento que renasceu dentro do meu peito.
Um que eu achei que estivesse adormecido, mas que foi revivido naquela
maldita noite.
Tudo estaria bem se eu não tivesse perdido completamente a cabeça.
Estava com sede, mas não queria beber água para não manchar meu
batom. Eu precisava me hidratar, porque aparentemente tinha comido algo no
dia anterior que me fez acordar passando muito mal. Escondi ao máximo de
Victor, porque ele passou o dia inteiro em casa, mas um remedinho me
deixou um pouco melhor. Pronta para a palhaçada que teria que enfrentar.
Por um ano eu consegui me fazer passar pela esposinha dedicada de
Victor, já que era o papel que eu precisava encenar. Só que, naquela noite, eu
não queria. Uma opção muito melhor seria ficar em casa, enterrada na minha
cama, com a cara no travesseiro, porque me sentia exausta. A semana fora
cheia, dormi pouco para poder trabalhar nos preparativos da loja até tarde e
desejava tirar o final de semana para descansar.
Mas tudo bem. Faltava pouco tempo. A contagem presa à minha
geladeira não me deixava mentir.
Ouvi som de passos e permaneci de costas um pouco mais. A visão de
Victor de smoking sempre era desconcertante demais.
— Laís, me desculpa. Eu já estou pronto há alguns minutos, mas minha
mãe ligou e... — Enquanto ele falava, decidi que não poderia continuar
evitando seu olhar, então, me virei.
Imaginei que ele continuaria falando, mas no momento em que ficamos
frente a frente, Victor apenas interrompeu-se, fixando os olhos em mim,
daquele jeito que sempre acontecia quando eu sabia que estava bonita e tinha
caprichado no visual. Não era o olhar de um homem que simplesmente
apreciava uma mulher bem arrumada. Era uma expressão de dor. Cenho
franzido. Olhos melancólicos. Ombros caídos.
Naquela noite eu usava um vestido longo, prata, tomara que caia – com o
decote em formato de coração –, franzido sob os seios. Ele tinha um caimento
bonito na cintura, e a saia era mais solta, ao ponto de que se eu rodopiasse,
ela criaria ondas bonitas. Havia cachos nas pontas dos meus cabelos, e eu
prendi um pedaço da minha franja longa com uma presilha de prata, dando
ares de princesa. A maquiagem era simples, como sempre, mas caprichei nos
cílios e no batom vermelho.
Victor, como sempre, parecia saído de um comercial qualquer de
perfume. Alto, elegante, com o smoking caindo perfeitamente em seus
ombros largos, os cabelos espetados, naquele tom bonito de castanho com
fios um pouco mais claros e naturais, e a barba bem aparada.
Eu ainda podia sentir a sensação daquela barba roçando pelo meu corpo.
— Você está linda — ele falou em um sussurro que causou arrepios por
toda a minha coluna. Precisei respirar fundo, mas não apenas pelo elogio em
si. Pelo conjunto da obra, principalmente pela doçura do tom de sua voz, que
me fazia sentir como se eu fosse especial, não apenas a esposa de
conveniência de quem ele se livraria dali a um mês.
— Obrigada — respondi, sentindo-me ridiculamente tímida. Eu
certamente estava corando, o que era patético.
— Podemos ir? — Victor estendeu a mão para mim, e eu hesitei um
pouco em aceitar, mas o fiz. Acabei me surpreendendo quando ele também
pareceu reticente.
Com minha mão pequena, dentro da sua, muito maior, eu o vi observar
minha aliança e chegar a tocá-la, girando-a em meu dedo. Em um gesto que
me surpreendeu, Victor levou a jóia a boca, beijando-a. Então me puxou
delicadamente contra si, entrelaçando seu braço no meu.
A proximidade foi tão sufocante para mim que eu vi tudo girar. Senti-me
quase perdendo a consciência e caindo no chão, mas ele me segurou
rapidamente. Minha clutch escapou da minha mão, mas nem tentei mantê-la
comigo, de tão estranha que me sentia.
— Laís! — a voz de Victor foi o que me manteve presa à consciência. —
Pelo amor de Deus, o que aconteceu? Você está pálida.
Não consegui responder nem me manter muito estável. Seu braço firme
preso à minha cintura era o que me fazia ficar de pé.
Ele falou mais algumas coisas, mas minha mente ainda estava muito
aérea, então senti suas mãos sob meus braços, tirando-me do chão e me
colocando sentada na bancada de mármore da cozinha, onde estávamos.
Nem vi o que ele estava fazendo, mas comecei a voltar completamente a
mim quando me entregou um copo d’água, de onde bebi alguns goles,
pensando na ironia de que não fiz a mesma coisa antes porque não queria
manchar meu batom.
Victor pegou minha mão, que parecia estar muito fria, segurando-a.
— Não precisamos ir se você não estiver passando bem — falou com
convicção.
— É a sua coroação como sócio — tentei usar um termo brincalhão,
embora não estivesse em um humor muito divertido. — Eu estou bem, mas
mesmo se não estivesse, você poderia ir sozinho.
— Eu não te deixaria sozinha em casa passando mal.
Aquela afirmação, dita com tanta veemência, chegou a me surpreender.
— Fiz uma promessa, não fiz? Ficamos casados esse tempo a mais
exatamente para que eu comparecesse a esse evento.
— Mas se você não estiver bem...
— Estou melhor. Foi só uma queda de pressão. — Tentei abrir um
sorriso, pensando que aquela era uma das raras vezes em que estávamos em
harmonia. — Só preciso que me ajude a descer daqui, porque com este
salto...
Com toda a facilidade do mundo, como se eu não pesasse absolutamente
nada, Victor repetiu o movimento, pegando-me por debaixo dos braços e me
devolvendo ao chão.
Eu realmente me sentia melhor, o que deveria ser um bom sinal, não? Por
isso deixei que ele me conduzisse até a porta, saindo da cobertura.
Fiquei surpresa ao ver que uma limusine nos esperava diante do portão do
prédio. Victor abriu a porta para mim, e eu entrei, deslizando pelo banco para
ele não precisar dar a volta.
Com elegância, Victor fez um gesto para que o motorista partisse, e um
silêncio desconfortável se instalou entre nós. Mas a verdade era que não
tínhamos assuntos um com o outro. Apesar da química maravilhosa que
compartilhávamos e que foi mais do que comprovada na noite em que
fizemos sexo, era difícil acreditar que tínhamos algo em comum.
Ainda assim, enquanto eu tentava retocar o batom, usando um espelhinho
pequeno, ele se esforçou para puxar assunto.
— Como estão as coisas com a loja?
Voltei-me em sua direção, surpresa, não apenas por ele parecer realmente
interessado, mas por saber exatamente que haveria uma loja. Será que eu
tinha contado em algum momento?
Não me lembrava, e olha que nunca tivemos tantas conversas assim para
que eu pudesse estar me confundindo.
— Estão indo bem. Eu e Fernanda estamos trabalhando muito, mas
felizes.
Victor sorriu. Aquele sorriso sexy, de canto, que deveria deixar mulheres
excitadas por toda parte.
— Trabalhar muito é o lema. No início, quando fui promovido pela
primeira vez na empresa do seu pai, fiquei uma semana sem dormir, à base de
cafeína, estudando os casos mais importantes da empresa, tentando aprender
como foram feitas as defesas e o que eu precisava entender para me tornar o
melhor advogado daquele lugar. — Ele falava com tanta paixão que eu
cheguei a estremecer.
— E você conseguiu — falei com suavidade, quase me deliciando com a
primeira conversa real em pouco menos de um ano que tivemos. Já que na
noite em que transamos não houve muitas palavras, afinal.
Ele deu de ombros, parecendo humilde.
— Foi árduo, mas não posso desmerecer o meu esforço. Cheguei onde
queria. — Olhou para mim novamente com aquele olhar melancólico que
nunca compreendi. — Só que deixei alguns arrependimentos pelo caminho.
Eu era um desses arrependimentos? Mas em qual sentido? Casar-se
comigo?
Claro que sim... não deveria nem ser uma dúvida. A julgar pela forma
como sempre me tratou, eu fui um meio para um fim. Apenas isso.
O sexo? Bem... ele era homem. Se estava mesmo há um ano sem levar
ninguém para a cama, fui uma opção prática, obviamente.
Ficamos novamente calados, até que a limusine parou diante de uma casa
de eventos. O motorista abriu a porta para Victor, que estendeu a mão para
mim. Assim que saltei, ele me puxou um pouco para si, firmando um dos
braços em minha cintura.
— Você está mesmo bem? — soou tão gentil, tão cavalheiro, que eu
quase suspirei, mas consegui me controlar.
— Estou, obrigada.
Apesar de estarmos ali parados, de frente para a casa de eventos, Victor
não me soltou. Parecia não se importar com o motorista próximo a nós nem
com as pessoas que passavam, tanto as da rua, que caminhavam
tranquilamente, quanto as que também chegavam para a festa.
Pela forma como seus olhos se fixaram nos meus lábios, pela pressão que
sua mão fazia nas minhas costas, jurei que seria beijada.
— Eu já disse que você está linda esta noite, não disse? — ele novamente
sussurrou.
Não era justo. Nem um pouco. Não com a minha sanidade nem com a
paixonite idiota que eu sentia por ele.
— Já — respondi, sentindo-me uma boba.
— Foi errado da minha parte, então. Você não está linda. É linda. A
mulher mais bonita que eu conheço.
Nem tive tempo de processar o que ele acabou de dizer, porque o rosto de
Victor foi se aproximando do meu, bem lentamente. Eu deveria reagir – fosse
para me esquivar ou para ir de encontro a ele –, mas não conseguia me
mover.
Só que tudo se esvaiu no momento em que alguém pigarreou do nosso
lado.
Eu e Victor olhamos ao mesmo tempo e vimos meu pai, parado, com as
mãos nos bolsos, observando-nos.
— Acho que chegamos juntos — ele comentou, parecendo um pouco
contrariado, mas eu não sabia por quê.
E ele quase me vira beijando Victor.
Mas se insistiu tanto para que nos casássemos, deveria estar feliz com
isso, não?
Ah, droga! Algo me dizia que aquela noite ainda reservaria muitas
surpresas. Boas e ruins.
CAPÍTULO DEZ

Um troféu. Era assim que eu me sentia.


Abraçado a mim, Walter me apresentava a cada um de seus parceiros,
associados, clientes e amigos, contando o quanto me ajudou. O quanto eu era
um menino pobre que tirou da lama e transformou em seu sócio. Ele se
enaltecia como o grande benfeitor, fazendo elogios bem econômicos ao meu
próprio esforço e talento.
E tudo o que eu podia fazer? Sorrir e acenar.
Meu sogro e chefe pediu que eu deixasse Laís em uma "mesa de esposas"
– o que era particularmente ridículo. Laís não era um objeto que eu poderia
deixar parado em uma estante, ou – que ironia – um troféu para eu exibir e
deixar de lado quando me era conveniente. Mas pela forma como o pai dela
estava me tratando, era isso o que ele pensava da própria filha.
Volta e meia eu olhava em sua direção, preocupado, esperando que, ao
menos tentasse conversar com alguém, mas estava isolada, olhando para
baixo, como se algo na toalha de mesa fosse muito interessante. Havia duas
outras mulheres em sua mesa, e eu sabia muito bem quem eram. Eram
advogadas da empresa, em quem eu não confiava muito, que já tinham dado
em cima de mim mais de uma vez e que viviam menosprezando outras. Pela
forma como olhavam para uma moça em específico e riam, podia perceber
que estavam zombando dela. Laís, certamente, não iria querer fazer parte
desse tipo de conversa.
Parecia tão melancólica e linda que tudo o que eu queria era sair de perto
de Walter e tirá-la daquela situação.
Mas...
Para ser sincero...
Mas o quê?
Aquele homem não poderia me manipular para sempre, não é? O contrato
fora assinado, e eu já era sócio. Ele não poderia voltar atrás.
E mesmo se voltasse...
Sem nem hesitar, voltei-me para meu sogro com um sorriso amarelo:
— Walter, Laís está sozinha. Vou lhe fazer companhia — anunciei, não
deixando margem para que pensasse que eu estava pedindo sua permissão.
— Ela vai sobreviver — meu sogro falou em um tom de brincadeira, e os
outros homens ao seu redor riram como hienas; como os puxa-sacos que
eram.
Usei minha expressão mais cínica, um sorriso de canto, e falei:
— Desculpem, senhores, mas devem entender que minha linda esposa é
uma companhia mais interessante. Sem ofensas.
Vi o rosto de Walter ficar vermelho como um pimentão e me lembrei do
que Laís dissera, quando estava embriagada, o que quase me fez rir. Porém só
ele estava ofendido, já que os outros homens começaram a concordar comigo,
elogiando a beleza de Laís e dizendo que eu era um cara de sorte.
Mal sabiam eles...
Terminando o drinque que estava na minha mão, coloquei o copo vazio
sobre uma mesa ao nosso lado e saí de perto daqueles abutres.
Aproximei-me de Laís e estendi a mão, colocando-a à frente de seu rosto.
Ela olhou para cima, finalmente me enxergando ali.
— Quer dançar?
Havia alguns casais em uma pista de dança improvisada. A música que
tocava era lenta, um jazz sensual e bem tocado por uma banda, e por mais
que nunca tivéssemos dançado juntos, eu queria. Queria qualquer migalha de
Laís que pudesse obter.
— Tem certeza? — Ela pareceu surpresa, o que foi como um soco no
meu peito. Por que eu a convidaria se não tivesse certeza? Mas a resposta
estava em seus olhos: Laís não queria que eu fizesse nada por obrigação, e ela
achava que era um fardo para mim, algo que eu precisava suportar para
conseguir o que queria.
— Neste momento? Não há nada que eu queira mais — eu não precisava
me esforçar para soar sincero, mas esperei que ela pudesse ler nos meus olhos
toda a verdade daquela afirmação.
Talvez tivesse dado certo, porque ela aceitou a mão que lhe ofereci e se
levantou.
Conduzi-a até a pista de dança, parando e tomando-a nos meus braços.
Ela parecia tímida, totalmente diferente da mulher provocadora e sensual que
dançou para mim sobre uma mesa. Mas eu gostava de suas duas versões.
Começamos a nos movimentar, ainda calados, embora eu tivesse muitas
coisas a dizer. Só que Laís iniciou o assunto e corroborou completamente
com a teoria de que acreditava que eu a tinha convidado para dançar por
obrigação.
— Você não precisa me fazer companhia se não quiser, Victor. Sei que
precisa socializar com os amigos do meu pai. É parte do seu trabalho.
A forma como ela falou... com sua voz doce e aveludada... Era doloroso
pensar que Laís se sentia tão preterida, tão menosprezada.
Eu não poderia permitir que continuasse pensando daquela maneira.
— Não tem nenhuma companhia neste evento que me interesse mais do
que a sua.
Seus olhos castanhos prenderam-se aos meus, e eles apresentavam uma
mistura de indignação e surpresa.
— Por que, Victor? Por que está me tratando assim hoje? Você quase me
beijou quando estávamos prestes a entrar na casa de festas. O que mudou?
Você já tem tudo o que quer. A sociedade, estamos na festa, não precisa me
bajular, até porque nunca fez isso. Estou confusa.
O que eu poderia responder a ela? Como explicar que não a estava
bajulando, mas fazendo o que sempre deveria ter feito? Como justificar que
meu comportamento até aquele momento fora por pura fraqueza, ganância, e
que estava arrependido? Não tinha o poder de voltar no tempo, mas se
pudesse, teria feito tudo diferente. Estaríamos juntos. Seríamos um casal de
verdade.
Antes que eu pudesse sequer pensar em uma resposta coerente, Walter
aproximou-se de nós, mais uma vez quebrando nosso momento. Em sua
companhia estava um homem cujo rosto eu conhecia. Se não estava enganado
era o herdeiro de uma rede imensa de supermercados, para quem nossa
empresa prestava consultoria jurídica há anos.
Ele tinha mais ou menos a minha idade, era uns dez centímetros mais
baixo e era loiro. Algumas mulheres poderiam achá-lo bonito, de uma forma
mais clássica. O sorriso em seu rosto ao olhar para Laís e a baba imaginária
que vi escorrer do canto de sua boca já me fez ter vontade de socá-lo.
— Desculpa interrompê-los, queridos, mas... Laís, você se lembra do
Otávio?
Otávio, otário... tudo a mesma coisa.
Com todo respeito ao nome em si, é claro.
Não parecendo muito animada, Laís abriu um sorriso discreto.
— Sim, claro. Como vai, Otávio?
Sem nenhum pudor, o filho da puta se aproximou da minha mulher e a
abraçou com força, chegando a assustá-la.
— Os dois foram amigos na infância — Walter explicou para mim, como
se eu estivesse muito interessado em saber.
— Não exatamente amigos — Laís elucidou, e eu quase a beijei naquele
momento pela sinceridade. — Nós brincamos uma ou duas vezes, e Otávio
me chamava de magrela. — Hummm, aparentemente ela não tinha muito
boas lembranças do babaca. Bom saber.
— Eu era um garotinho cego, certeza. Você está deslumbrante, querida.
Querida o caralho!
Em uma atitude babaca de posse, coloquei um braço ao redor da cintura
de Laís, o que a deixou surpresa, olhando para mim novamente com olhos
confusos.
— Obrigada — Laís respondeu, soando um pouco desconfortável.
Então o idiota voltou-se para mim.
— Posso roubá-la de você por alguns minutos? Só uma dança?
E eu posso te dar um murro no meio dessa cara de playboy?, deveria ser
a minha resposta, mas me contive.
— Não é para mim que você tem que perguntar nada. É para ela.
— Ah, claro... sim... claro! Dança comigo, Laís? — Ele estendeu a mão,
tentando bancar o galante, e eu revirei os olhos.
Laís hesitou, e por alguns instantes eu torci que simplesmente dissesse
não, porque queria continuar dançando comigo. Só que mais uma vez Walter
intercedeu.
— Claro que ela quer! — falou, praticamente empurrando os dois para
longe de mim e juntando-os para que começassem a dançar.
Filho da puta manipulador. O que ele estava querendo?
Eu sempre tive a impressão de que ele planejava outras coisas para Laís,
provavelmente chantageá-la de novo para aceitar mais um marido de
conveniência, e começava a pensar que lá estava ele.
Porra, mas aquele babaca? Ela merecia coisa muito melhor.
Melhor do que eu também, é claro.
Eles começaram a dançar, e um ódio começou a subir pelo meu corpo no
momento em que o vi colocando as mãos nela. Trazendo-me de volta a
realidade, ouvi um estalar de dedos em frente ao meu rosto, o que me fez
olhar para Sineia, a minha secretária.
Ela era uma mulher de meia idade, baixinha, loira, de óculos, cheiinha,
quase uma mãe para mim. A melhor que eu poderia ter encontrado. No
momento em que me tirou para dançar, sem perguntar nada, eu entendi que
deveria estar dando muita bandeira da quantidade de ciúme que sentia.
— Se um olhar pudesse matar... — Ela também sabia sobre meus
sentimentos por Laís. Somente ela, minha mãe e Hugo. O que já era gente
demais para me julgar.
— Matar, não. Mas umas porradas eu gostaria de dar.
— Essa testosterona poderia ser até sexy, garoto, se você não tivesse
um nome a zelar.
— Estou pouco me fo...
— Ei! — ela me interrompeu, repreendendo-me. — Olha a boca
quando fala comigo. Não sou qualquer uma.
Não pude deixar de sorrir.
— Não, minha rainha. Você é a melhor — brinquei.
— Então fica calminho e vamos dançar. Quando essa música
terminar, você vai lá e pega a sua princesa de volta.
Eu poderia aguentar, não poderia? Uma música só. Talvez ela
parecesse um pouco mais longa do que deveria, mas eu era um adulto.
Controlado.
Ou quase.
Quando o filho da puta se inclinou para falar no ouvido dela, não
consegui continuar dançando com Sineia. Simplesmente parei, como se meus
pés tivessem criado raízes no chão.
Minha secretária tentou me fazer voltar à realidade, mas eu já estava
consumido. Pronto para ir lá e arrancá-la dos braços do idiota.
Só que...
Foi tudo muito rápido. No momento em que me preparei para me
aproximar, eu vi Laís novamente perder o equilíbrio, como acontecera em
nosso apartamento, pouco antes de sairmos.
Mas o que diabos estava acontecendo com ela?
O idiota a amparava, mas eu nem pensei, apenas corri para ela,
tirando-a de seu alcance e segurando-a contra mim.
— Ela quase desmaiou — o tal Otávio falou, mais branco do que
papel. Então colocou a mão no ombro dela. — Querida, quer que a leve para
tomar um pouco de ar fresco?
— Eu cuido da minha esposa. — Territorialista e escroto? Sim, mas
eu já estava farto daquilo. — Se me der licença...
Lancei um olhar bem incisivo ao merdinha, e ele assentiu, saindo de
perto. Com isso, voltei minha atenção toda para Laís.
— O que aconteceu? Você está bem?
— Um pouco estranha. Tonta... pode ser uma virose, eu não sei — a
voz dela soava frágil demais, e minha preocupação se intensificou.
— Você quer ir a um hospital ou para casa?
— Não! — ela exclamou. — Ainda não tivemos o anúncio formal da
sua sociedade. Foi para isso que viemos.
— Não importa. Se você não está bem...
Novamente fui olhado com aqueles olhos confusos, e eles pareciam
um pouco mais vazios. Talvez preocupados... Mas eu não sabia exatamente o
porquê.
— Vou ficar bem.
Decidi acreditar, mas, mais ainda, minha decisão era que, a partir
daquele momento, ninguém me tiraria do lado dela, ao menos na festa. Nem
seu próprio pai manipulador nem um playboyzinho babaca que só queria
tratá-la como mais um pedaço de carne.
CAPÍTULO ONZE

Victor abriu a porta da cobertura onde morávamos, e eu passei por ele,


entrando. Sentia-me exausta, ansiosa por um banho e para dormir até tarde no
dia seguinte. A noite tinha sido cheia de emoções, e alguma coisa, dentro do
meu peito, me dizia que muitas outras estavam prestes a surgir.
Suspeitas muito assustadoras começavam a me deixar mais do que
preocupada, quase agoniada.
— Boa noite, Victor — cumprimentei-o, querendo logo me afastar.
Só que ele não me deixou ir muito longe, pois segurou meu braço com
delicadeza, mantendo-me consigo. Respirei fundo, não muito satisfeita, mas
deixei que me analisasse, tocando meu rosto e tentando medir minha
temperatura, embora não tivesse parado apenas nisso.
Os nós de seus dedos foram deslizando pelo meu rosto, desenhando uma
trilha até a minha boca. Seu polegar traçou o contorno do meu lábio inferior,
sem que seus olhos desgrudassem dele, como se quisesse decorar cada
detalhe.
— Você está mesmo bem? — perguntou com uma voz sussurrada que era
quase uma canção de ninar.
— Estou. Amanhã vou estar nova em folha.
Aquela era a deixa para ele me soltar. Ou deveria ser.
Mas aparentemente Victor não estava muito a fim de permitir que eu me
afastasse.
— Posso confessar uma coisa? — falou novamente baixinho, fazendo
cada palavra penetrar nas minhas entranhas.
— Devo ter medo disso? — tentei brincar só para não ser afetada pelo
magnetismo que nos rondava.
Apesar disso, Victor não respondeu, foi direto ao ponto.
— Eu fiquei morrendo de ciúmes daquele idiota dançando com você. E o
mais ridículo é que nem tenho o direito. — Ele foi se aproximando, deixando
sua boca a míseros centímetros da minha.
— Não, não tem — arfei, sentindo-me sufocada por sua proximidade.
Mas de um jeito bom.
— Nenhum... absolutamente. Assim como não tenho direito de te beijar,
mas quero tanto... tanto, Laís... — Era quase um tom de súplica, e ficava
muito difícil negar qualquer coisa com ele me olhando daquele jeito, como se
quisesse mesmo me devorar.
Ele não estava me segurando. Apenas sua mão grande acariciava meu
rosto da forma mais delicada possível, e eu poderia me desvencilhar sem
qualquer esforço. Não era como da outra vez que me enlaçara com seu braço
de forma quase possessiva e me arrebatara.
Era somente um toque, uma sensação tão gostosa que me deixei levar.
Permiti que o beijo acontecesse, não apenas porque o desejava, mas
porque me sentia tão vulnerável que queria estar nos braços de Victor, queria
que me puxasse contra si e me abraçasse, por mais que eu soubesse que o que
me afligia de verdade não seria dissipado com carinhos.
Mas não deixei que meus pensamentos vagassem por esse âmbito, até
porque... não dava para pensar em absolutamente nada enquanto a língua de
Victor invadia a minha boca, e o braço, que ele não usara para me segurar,
para que eu pudesse escolher ser ou não beijada, rodeasse minha cintura,
daquela forma que ele sabia fazer como ninguém e que fazia com que me
sentisse feminina e pequena perto dele.
Correspondi, colocando meus braços ao redor de seus ombros,
aproveitando que estava de salto, facilitando que o alcançasse.
Ele suspirou contra a minha boca, deixando escapar um leve grunhido
também, o que só me inspirou ainda mais.
Eu queria tudo que ele poderia me dar, mas as emoções que me provocou
começaram a me deixar fraca, dormente, aérea, e não de um jeito bom.
Afastei-me subita e inconscientemente, começando a sentir as pernas
fracas. Meu nome foi chamado com desespero, e o braço que estava preso à
minha cintura me segurou com mais força, impedindo-me de cair.
Não cheguei a perder a consciência, porque ouvi, senti e tive noção de
tudo que aconteceu. Percebi quando Victor passou a mão pelo meu rosto,
enquanto amparava todo o meu peso, porque eu simplesmente não conseguia
me manter de pé sozinha, e também quando me levantou em seus braços,
carregando-me até o sofá. Fui deitada com cuidado, e, enquanto isso – talvez
pela posição –, comecei a voltar totalmente à consciência.
— Bem porra nenhuma! Você está mais branca do que papel. O que está
acontecendo, Laís? Por acaso está doente e não quer me contar?
Se eu estivesse doente, obviamente ele seria a última pessoa que ficaria
sabendo. Ou talvez eu avisasse, caso precisasse... Bem... como precisei
naquele momento. Era a terceira vez que ele me segurava, afinal, protegendo-
me de cair no chão.
Ter um marido todo fortão não era uma coisa assim tão ruim, na verdade.
— É só um dia ruim, Victor. Vai passar.
Eu tinha a impressão de que não iria passar. Ao menos não por alguns
meses, mas não poderia dizer nada a ele ainda.
— Não importa. Vou te levar ao hospital. — Victor preparou-se para
novamente me pegar no colo, mas eu estendi as mãos.
— Vamos combinar uma coisa? — Ele parou. Ainda bem. — Me deixa
descansar esta noite. Amanhã, se estiver passando mal ainda, você me leva.
Ele me olhou por alguns instantes, analisando a situação, e respirou
fundo, assentindo.
— Promete que vai me contar se não estiver bem?
— Prometo.
Ele novamente balançou a cabeça e se preparou para me pegar mesmo
assim, mas acabei me encolhendo, estranhando a situação. Uma coisa era ser
carregada quase desmaiada ou quase bêbada. Outra, completamente diferente,
era estar nos braços de Victor consciente e sóbria.
Mas ele insistiu, e era uma briga desleal. No final das contas acabei em
seu colo, e cheguei a me comover pela forma como me ajeitou, deixando-me
segura e confortável.
Fiquei um pouco tesa, sem saber exatamente o que fazer com as mãos, e
ele percebeu.
— Relaxa, Laís. Pode encostar a cabeça no meu peito. — Ele riu,
enquanto começava a andar. — Você é uma coisinha pequena e leve, não vou
te deixar cair. — Por que a voz dele tinha que soar tão doce? Por que ele
tinha que estar agindo tão parecido com o cara dos três primeiros meses de
casamento?
Por que meu coração estava batendo tão forte?
Bem, e o dele também, aparentemente, pelo que consegui perceber
quando acatei sua ideia e realmente encostei a cabeça no seu peito.
Victor foi me levando bem devagar para o quarto, e era tão boa a
sensação de segurança, de proteção, que eu quase peguei no sono naqueles
breves instantes.
Ele me colocou de pé, perto da cama, e se colocou às minhas costas,
abrindo o zíper do meu vestido.
— Victor, eu não acho...
— Não vou olhar, Laís. Só estou te ajudando. O zíper é nas costas, e sei
que é difícil abrir. — Terminando sua tarefa, ele se colocou à minha frente.
— Não é como se eu não tivesse te visto nua antes, mas, sem permissão, não
vou ver de novo.
Surpreendendo-me, ele deixou um beijo gentil na minha testa e,
segurando meus braços, disse:
— Qualquer coisa que precisar, me chame.
Assenti, comovida e segurando o vestido, porque começava a cair.
Victor saiu, fechando a porta atrás de si e me deixando sozinha e muito
assustada pelo que estava sentindo.

Na manhã seguinte acordei bem cedo e fiz um pedido na farmácia.


Quando ele acordou, eu já estava sentada na sala, comendo um sanduíche.
— Já acordada? — Jurei que ele iria voltar a agir com frieza, mas até
falou comigo. Era um avanço.
— Sim. Acordei antes das oito.
— Está se sentindo bem? Conseguiu dormir?
Pouco. Havia muitas preocupações e sentimentos conflitantes dentro da
minha cabeça. Mas ele não precisava saber disso.
— Sim… para as duas coisas.
Sorrindo, ele assentiu.
— Mais uma vez... se precisar, vamos ao hospital.
— Tudo bem.
Eu não precisava ir ao hospital. Precisava resolver meu problema ali
mesmo.
Um pouco mais tarde, quando tomei coragem, me tranquei no banheiro e
liguei para Fernanda. Não queria fazer nada sozinha.
— E ai, amiga? Conseguiu? — ela perguntou, já sabendo de tudo, porque
conversamos por mensagem durante a madrugada.
— Comprei, mas ainda não fiz. Preciso de companhia.
— Estou aqui, mas se quiser vir aqui para casa...
— Não. Assim que tiver a resposta, dependendo de qual ela for, vou
precisar falar com Victor. É melhor que eu esteja aqui.
— Então vai, amiga. Não adianta adiar.
Ela estava certa. Que a sorte estivesse ao meu lado daquela vez...
CAPÍTULO DOZE

Uma suave batida na porta me fez erguer os olhos do notebook.


Normalmente nos finais de semana eu costumava sair de casa, fosse para ver
a minha mãe ou para me encontrar com Hugo, mas preferi ficar para manter
meus olhos em Laís.
Os desmaios do dia anterior me preocuparam e quase me deixaram de
cabelos brancos. Estaria ela doente? Porque eu sabia que não me diria nada se
fosse o caso.
Por isso quando a ouvi bater, rapidamente pulei da cama e fui atendê-la.
Ela nunca me procurava quando estávamos sozinhos em casa, então isso me
encheu de preocupação.
Sua expressão, assim que abri a porta, não era das melhores, e ela parecia
um pouco pálida.
— O que houve? — nem tentei disfarçar minha preocupação latente,
porque não queria mais que Laís se sentisse pouco querida ou que me visse
como um insensível que não queria cuidar dela.
Porque eu queria. Todos os dias.
Não apenas por mais uma porra de um mês, mas...
Para sempre?
Era isso mesmo? Eu queria que aquela mulher fosse minha para o resto da
minha vida? Esse era o nível de quão apaixonado eu estava?
Provavelmente.
Eu sabia muito mais dela do que Laís julgava imaginar. Sabia pelo que
via, pelo que ouvia, pelo que me contaram. Seus sorrisos sinceros, a forma
como cantarolava pela casa fingindo que eu não estava ouvindo, como
dançava enquanto abria a geladeira pensando que não havia ninguém por
perto. A companhia silenciosa de minha esposa era melhor do que muitas
outras pessoas que sempre me rondaram, com interesses escusos,
principalmente depois que eu comecei a subir na empresa.
Mas naquele momento o que importava era a expressão amedrontada que
ela apresentava.
— A gente pode conversar? — perguntou constrangida, e eu assenti,
dando passagem para que entrasse.
Eu estava sem camisa, e por mais que... bem... que fôssemos casados,
ainda era estranho que me visse daquele jeito.
Laís não começou a falar de imediato, mas pôs-se a andar de um lado
para o outro, em círculos, e isso me deixou nervoso ao ponto de colocar
minhas mãos nos braços dela, gentilmente empurrando-a para a cama e
sentando-a lá.
Apesar disso, fiquei de pé, porque me sentia mais nervoso a cada segundo
que passava.
— Victor, por favor, eu não quero que você ache que fiz alguma coisa de
caso pensado. Eu nunca... — Ela hesitou e engoliu em seco. O que diabos ela
poderia ter feito para estar tão nervosa? — Eu nunca seria tão calculista a
esse ponto. E você sabe, melhor do que ninguém, o quanto eu quero a nossa
separação para ficarmos livres.
Aquela mulher sabia como me dar um belo de um gancho de direita com
palavras. Infelizmente não o fazia de propósito. Naquele último ano e dois
meses fui o responsável por sua crença de que odiava estar casado com ela.
— Laís, estou ficando um pouco nervoso aqui. Se puder me explicar...
Ela respirou fundo e tirou algo de dentro do bolso do shortinho que usava.
Um teste de gravidez.
Eu não entendia nada daquele negócio dos tracinhos, mas o fato de ela
estar me mostrando combinado com os desmaios do dia anterior...
Ah, porra!
Não precisava ser muito inteligente para descobrir do que se tratava.
— Você está grávida? — era uma pergunta idiota, porque sabia muito
bem qual era a resposta.
Laís apenas assentiu.
Em um ato impulsivo, eu me afastei dela, levando as mãos ao rosto,
sentindo-me atordoado demais para conseguir raciocinar.
Eu ia ser pai.
Este era o fato.
Pai de um bebezinho. Uma criança a quem eu deveria amar, proteger,
educar e lutar para que se tornasse um ser humano de bem. Como minha mãe
fez comigo.
Um filho com quem eu poderia fazer tudo diferente do que meu pai fez
comigo.
De costas para Laís, eu a ouvi falar, com a voz embargada:
— Você não precisa se envolver se não quiser, Victor. Eu entendo que é
repentino e totalmente mal planejado. Não era para acontecer. Eu deveria ter
pensado, avisado que não estou tomando anticoncepcional há algum tempo,
mas... na hora não...
Não precisa se envolver – essa foi a frase dela que começou a girar na
minha mente como um carrossel. Será que ela realmente achava que eu não
iria querer fazer parte da vida do meu filho? Que não iria dar meu sangue
para ser um bom pai?
Então, com o cenho franzido, voltei-me para ela.
— Não me envolver? Por que diabos você acha que é isso que eu quero?
Laís sobressaltou-se, e eu me odiei por ter falado com ela daquela
maneira.
— Não... é que...
— Você me acha tão merda assim, Laís? Acha que eu iria te abandonar
em um momento como esse?
Ela pareceu envergonhada e arrependida. Ao menos isso.
— Não. Não, por favor, não é isso. Eu só estou assustada. Me desculpa.
— Erguendo as mãos, ela cobriu o rosto e começou a chorar mais ainda.
— Ah, não! Por favor... — Aproximei-me dela e me ajoelhei à sua frente,
arrancando as mãos de seu rosto, beijando cada uma delas. — Não, querida.
Não chore. Você não precisa pedir desculpas. Eu sempre fui um idiota com
você sem que merecesse.
— Foi mesmo — a voz dela soou engraçada, e ela ainda olhava para
baixo, sem me encarar, o que quase me fez rir.
Com toda a delicadeza, encostei os dedos sob o queixo de Laís e ergui sua
cabeça, fazendo-a olhar para mim.
— Prometo que não vou ser mais. Agora me conta... você descobriu hoje?
— decidi mudar de assunto para focar no que realmente importava.
— Há algumas horas. Estava pensando em como vir te contar, em como
contar.
— Você até que se saiu bem. — Eu sorri, e Laís me observou com
desconfiança.
— Por que você não está surtando e colocando a culpa em mim?
— Por que eu faria isso? Você não fez esse bebê sozinha.
Ela novamente pareceu confusa, mas quem poderia julgá-la.
— Escuta, Laís... — Baixei os olhos ao mesmo tempo em que movia
minhas mãos para segurarem outra vez as dela, mexendo na aliança que ainda
usava, de forma despretensiosa. — Eu não vou negligenciar essa criança.
Quero ser para ele ou ela um pai como o meu nunca foi. — Então olhei para
ela, bem nos olhos. — E um marido para você como minha mãe nunca teve.
— Victor, você não pode acreditar que tem alguma obrigação de ficar
casado comigo. Não podemos viver mais tempo em um casamento assim. É
cruel. Você pode querer ficar com outras pessoas e...
— Eu quero ficar com você.
Laís ficou completamente em silêncio por alguns instantes. Torturantes
segundos que me faziam pensar em inúmeras coisas, e nenhuma delas era
muito boa. Depois de tudo pelo que a fiz passar, por que iria acreditar na
minha nova faceta?
— Eu não entendo... — falou baixinho, cheia de dúvidas.
Levei uma das mãos à sua barriga que ainda não mostrava nenhum sinal
de gravidez.
— Então vou deixar mais claro. Eu quero esse bebê. Quero muito. Mas
quero a mãe dele também. Pra valer — tentei demonstrar toda a doçura que
eu sentia naquele momento.
Uma lágrima deslizou por seu rosto, e eu a coletei com a outra mão.
— Você... me quer? — a meiguice com que fez aquela pergunta quase me
desmontou.
Eu não tinha aquele tipo de intimidade com ela, mas... bem... Laís estava
gerando um filho meu, o que era a máxima prova de que não éramos assim
tão estranhos um para o outro, então, sentei-me na cama e a puxei para o meu
colo. Bom sinal que não resistiu.
— Quero, linda. Mas sei que preciso lutar muito para te conquistar. Fiz
muitas coisas erradas no nosso relacionamento e é hora de te compensar por
isso.
Laís novamente ficou calada, e isso estava me preocupando.
— Eu preciso de um tempo para assimilar as coisas. Você não quer se
separar? Nem mesmo daqui a um mês, como combinamos?
Afastei uma mecha dourada de cabelo que caía em seus olhos.
— Se for o que você quer, eu não tenho como me opor. Não posso te
prender comigo contra a sua vontade. Mas digo agora que não tenho interesse
em um divórcio. Quero uma família. E estamos começando uma.
Não importava mais o que Walter fizesse. Laís e meu filho passariam a
ser minhas prioridades naquele momento.
— Você está mesmo feliz? Com o bebê, no caso?
Meu sorriso se ampliou.
— Sim, Laís. Estou. — Peguei sua mão e a beijei. — É um presente que
você está me dando sem eu nem merecer. — Fiz uma pausa, ainda
maravilhado por ela não ter saído do meu colo. — Mas... me diga. O que
fazemos agora? Eu nunca fui pai, sabe? Não faço ideia dos próximos passos.
Laís deu uma risadinha. Eu nem me lembrava de ela parecer tão doce e
gentil comigo, em nenhum momento de nosso casamento.
— Assim que descobri, eu marquei uma consulta com a minha médica. É
para um dia de semana. Quinta, às três da tarde. Você vai estar na empresa.
— Mas eu quero ir.
Ela assentiu, embora ainda parecesse um pouco melancólica.
— Não quero que meu pai saiba por enquanto, tudo bem? E sobre o
divórcio... — Ela suspirou, cansada. Enquanto hesitava, meu coração parou.
Aquela maldita palavra. Eu não queria ouvi-la. Não queria pensar nela. Não
queria imaginar Laís assinando a merda de papel que nos separaria para
sempre.
Eu já não queria antes, só não sabia como dizer a ela. O bebê foi um
lampejo de esperança. Uma forma de eu conseguir provar que poderia ser o
marido perfeito, o pai que nosso filho merecia.
— Vamos fazer o seguinte? — tentei. — Temos um mês ainda. Eu vou
dar entrada nos papéis, e você vai pensando. Quando chegar a hora,
decidimos. Mas enquanto isso, vou cuidar de você como tem que ser.
Mais um suspiro, e eu senti Laís um pouco balançada. Isso era bom, não
era?
Eu não queria alimentar esperanças infundadas, mas... porra! O destino
estava me dando tudo. Era a chance que eu precisava para não perdê-la e
ainda ganhar um presentinho extra no processo. Melhor impossível.
CAPÍTULO TREZE

CONTAGEM REGRESSIVA: ...

Estava quase saindo de casa, ainda parada na cozinha, tomando um copo


d’água, quando fiz a pequena mudança na lousa presa à geladeira. Há alguns
dias eu não atualizava a contagem e nem sabia se havia mais algum sentido
em fazê-lo.
Desde domingo, quando contei a Victor sobre a gravidez, este passou a
me surpreender dia após dia. Jantávamos juntos, conversávamos, ele me
perguntava como estava passando, era carinhoso, atencioso e interessado.
Assistimos a um filme juntos em uma das noites, e por mais que o clima
não estivesse tão divertido como na primeira vez em que isso aconteceu, nem
mesmo o silêncio foi desagradável. Compartilhamos risadas – por ser uma
comédia – e fizemos alguns comentários pontuais, como amigos que estavam
começando a se conhecer.
Amigos que estavam esperando um bebê, é claro.
Eu ainda não sabia o motivo de toda aquela mudança e não acreditava que
tinha apenas a ver com o fato de ele ter descoberto que seria pai. Até porque,
se fosse só isso, ele não me olharia daquele jeito.
Mas se fosse sincera e um pouco mais observadora, diria que Victor me
olhava assim há algum tempo. Como se eu fosse mais do que apenas uma
esposa de conveniência.
Talvez eu nunca quisesse perceber.
Terminei de beber a minha água e dei uma checada no relógio. Passava
um pouco das duas, e eu tinha que sair para a minha consulta. Apenas mais
uma passada no banheiro – a gravidez, de fato, me deixava com mais vontade
de fazer xixi – e estaria pronta.
Só não esperava ouvir o barulho da chave na fechadura, muito menos ver
Victor ali.
Eu o via de terno sempre, já que trabalhava assim, mas naqueles últimos
dias tudo em meu marido parecia diferente, como se fosse outro homem. A
sua beleza, que já era bem nítida, passou a ser evidenciada depois que seu
comportamento tornou-se mais plácido, amigável.
— Ufa! Achei que estava atrasado! — ele falou ao me ver.
— Atrasado? — perguntei, mais surpresa do que na dúvida.
— É. A consulta não é às três?
Eu tinha falado com ele sobre a consulta no domingo, quando lhe contei
sobre a gravidez e nunca mais. Não repeti a informação, mas, ainda assim, ele
a decorou. E ali estava.
— Você quer ir comigo? — mais uma vez demonstrei surpresa.
— Mas é lógico. — Victor foi falando enquanto tirava o paletó e a
gravata, ficando apenas com a blusa social branca que evidenciava todos os
seus músculos e mais um pouco.
Eu estava olhando para ele, meio boba, observando-o como agia com
naturalidade, enquanto me sentia zonza.
— O que foi? — Ele percebeu. — Estou te atrasando?
— Ah, não. Desculpa! Só estou surpresa por você ter vindo.
— Por quê? — Victor ergueu uma sobrancelha, como se não entendesse.
Sério mesmo que não entendia? — É meu filho, Laís. Eu quero acompanhar
tudo, desde o início.
Cheguei a me emocionar. Quando, na minha vida, eu pensei, ao pegar
aquele teste de gravidez com o sinal de positivo, que Victor iria curtir a ideia
de ser pai e ainda se moldar em um marido dedicado, completamente
diferente do que sempre foi?
Ele entrou no quarto, deixando-me sozinha, e retornou bem rápido,
vestindo um jeans e uma camiseta preta, também de botões, que eu sabia que
tinha acabado de chegar da lavanderia. Fiquei quase hipnotizada pela cena
dele arregaçando as mangas, que subitamente pareceu muito sexy.
— Pronto, já estou mais confortável. Podemos ir?
Assenti, e nós saímos.
Fomos no carro dele, e o clima foi o mais amigável possível.
Conversamos sobre música, porque eu cheguei a cantar uma que estava
tocando no rádio, que era animada, dando a impressão de que estávamos, de
fato, nos conhecendo. Um pouco atrasados, é claro, mas não era tarde, né?
Chegamos à clínica, e precisei esperar um pouco. Ao meu lado, Victor
pegou uma revista sobre bebês e começou a folheá-la. O sorriso em seu rosto
ao olhar as criancinhas modelos provocava um revirar no meu estômago.
— Você já tinha pensado em ser pai antes? — não resisti em perguntar,
aproveitando que a sala de espera estava vazia.
— Bem... não exatamente. Claro que era uma vontade, mas... — Ele
sorriu de canto, perigosamente lindo. — Ah, acho que todo homem já sonhou
em ter um molequinho ou uma princesinha nos braços, chamando-o de papai.
— Deu de ombros, parecendo envergonhado. — Claro que foi uma surpresa.
Mas uma surpresa boa. Ainda não contei para a minha mãe, mas quando fizer
isso, ela vai surtar.
Era bom ouvir aquelas perspectivas positivas a respeito da gravidez,
embora eu mesma já me sentisse mais animada. Uma coisa era ter aquele
bebê sozinha, divorciada e sem nenhuma assistência, começando um negócio,
mas aparentemente Victor parecia propenso a ajudar. Mais do que isso... ele
queria participar e até mesmo ir às consultas comigo.
— Senhora Laís De Luca?
De Luca...
Era a primeira vez que me chamavam assim, até porque, sempre que eu
preenchia algum cadastro, usava apenas o meu nome de solteira: Giardelli.
Naquele dia algo mudou, e eu me aventurei a colocar apenas Laís De Luca.
Por algum motivo, eu me sentia mais esposa de Victor do que nunca, ao
carregar seu filho no ventre, embora essa fosse uma verdade e um direito na
minha vida há mais de um ano.
Ele entrou comigo, eu me despi e me deitei na maca.
A Dra. Luciana me tratava há alguns anos, então, perguntou-me como eu
estava, como ia meu negócio, meu pai, tudo enquanto preparava os
apetrechos para a ultrassom.
Ela me fez algumas perguntas, e eu lhe passei todas as informações a
respeito de última menstruação, sobre como estava me sentindo, quando fiz o
teste e tudo o mais.
Realizamos todos os procedimentos, e ela começou a realizar o exame.
Na telinha, manchas pretas se manifestavam, até que conseguimos ver uma
forma reconhecível.
Era muito pequenininho – como um pequeno feijão –, mas era quase
possível ver sua cabecinha e o corpinho.
— O bebê de vocês, nesse momento, caberia na palma da mão de Laís.
Mas ele está aqui... sendo formado, firme e forte — disse a Dra. Luciana,
enquanto ainda movia a câmera.
— Não podemos ouvir o coração ainda, né, doutora? Nem saber o sexo?
— Victor perguntou, interessado.
— Não, papai. Não seja apressado.
— Papai... — ele sussurrou, e eu olhei para ele, vendo seus lindos olhos
castanhos marejados.
Sem nem pensar no que fazia, peguei a mão dele que estava sobre a grade
da maca, precisando daquela conexão, enquanto sentia a emoção também me
tomar.
Victor levou minha mão à boca, beijando-a, então olhou para mim e seus
lábios perfeitos formaram um “obrigado”. O beijo que veio em seguida –
apenas um selinho discreto e carinhoso – foi inevitável.
Algo tinha mudado entre nós com a chegada daquele bebê. Só restava
saber se a mudança era ou não para melhor.
CAPÍTULO QUATORZE

CONTAGEM REGRESSIVA: ...

O interfone começou a tocar bem cedo naquela manhã de sábado, e


enquanto o atendia e concordava que subissem com uma correspondência,
olhei para a contagem regressiva presa à geladeira, não conseguindo esconder
minha indignação. Fazia uns bons dias que Laís não a atualizava, o que eu
poderia encarar como um bom presságio, embora, desde nossa última
conversa sobre a separação, no dia em que descobrimos de sua gravidez, eu
ainda não soubesse o que iria acontecer com nosso casamento.
As coisas entre nós tinham melhorado muito, embora, além do beijo
durante a ultrassom, que fora há mais de um mês, eu não tivesse tentado tocá-
la. Mas tínhamos que ir passo a passo, não?
Abri a porta quando a campainha tocou e peguei, de um motoboy, um
envelope plástico lacrado. Assinei, confirmando o recebimento, e cheguei a
sentir um aperto no peito quando me dei conta do que se tratava – os papéis
do divórcio.
Fiquei parado no mesmo lugar por alguns minutos, depois de fechar a
porta, olhando para o que tinha em mãos. Como era possível que algo tão
pequeno pudesse definir todo o meu futuro.
Passamos mais de um ano casados por causa de um contrato. O
combinado era nos separarmos, mas Laís engravidou. E agora queria manter
a ela e meu filho comigo. O que diabos poderia fazer para convencê-la que eu
era a escolha certa?
Segui para o escritório, aproveitando que ela ainda não tinha acordado, e
li toda a papelada. Infelizmente estava tudo correto. Adoraria encontrar um
erro para poder pedir que os papéis retornassem e demorássemos mais tempo
para tê-los novamente. Cada dia era precioso, porque eu sabia que estava
começando a conquistar um pouco mais de simpatia no coração de Laís. E
isso era um passo para algo mais.
Não era?
Eu não precisava entregar para ela. Não naquele dia.
Poderia esperar um pouco... sei lá. Não tínhamos pressa, ainda mais com
o bebê e tudo o mais. Estávamos nos dando melhor e seríamos pais. Não era
bom que uma família ficasse unida? Nem seria uma mentira muito cruel se eu
apenas escondesse aquele envelope em um canto do escritório.
Laís não precisava saber e...
Ah, merda, mas eu saberia. E se queria mesmo começar um
relacionamento com ela, teria que deixar as mentiras de lado. Já havia muitos
segredos entre nós, muitas inverdades e muita manipulação. Era hora de
fazermos as coisas do jeito que deveriam ser.
Sentindo-me destruído, saí do escritório e fui até o quarto dela, com os
papéis na mão. Bati na porta e esperei que atendesse.
E esperei. Esperei.
— Laís? Está aí? — Eu sabia que estava. Não queria acordá-la, mas não
era de acordar tarde.
Mas então me lembrei o quanto uma gravidez podia deixar uma mulher
sonolenta e fiquei arrependido.
Estava pronto para ir embora quando ouvi sua voz vinda lá de dentro.
Não... era mais um choramingo.
— Victor... me ajuda!
Tentei forçar a maçaneta, mas estava trancada. Nem pensei duas vezes,
simplesmente enfiei o pé na porta, com toda a força, arrombando-a.
Encontrei Laís caída no chão, com as costas apoiadas na parede. Usava
uma camisola branca, delicada, e havia uma mancha de sangue nela. Não era
grande, mas eu podia imaginar o quanto estava apavorada.
Sentindo-me um pouco atordoado, joguei os papéis sobre a cama dela,
sem nem me importar com eles.
— Victor... eu não sei o que está acontecendo... estou nervosa. Nosso
bebê... nosso bebê!
Era a primeira vez que se referia ao bebê como nosso. A emoção que me
dominou foi muito forte, tanto para o bem quanto para o mal. Eu não
entendia nada de gestação, não fazia ideia do que aquele sangramento poderia
significar, mas estava apavorado.
Agachei-me diante de Laís, sentindo minhas mãos tremerem. Eu mal
sabia onde tocá-la, temendo machucá-la.
— Você está sentindo alguma coisa? Alguma dor?
— Não. Só estou assustada. — Ah, merda, ela estava chorando. Como eu
poderia lidar com isso? — Me leva para o hospital, por favor? —
praticamente implorou.
Meu coração se apertou dentro do peito. Eu sabia que ela tinha suas
hesitações em relação a mim e para chegar ao nível de me pedir ajuda
daquele jeito era porque estava mesmo apavorada.
Sem dizer nada, levantei-me, colocando os braços sob seu corpo e
erguendo-a do chão, sentindo-a agarrar-se a mim com força.
— Estou aqui, linda. Não vou te deixar... nada vai acontecer ao nosso
bebê. Vai ficar tudo bem — sussurrei enquanto a carregava para fora do
quarto e pela sala. Laís voltou uma de suas mãos para seu ventre como se,
daquela forma, pudesse proteger o filho. Sua cabeça estava encostada no meu
peito, bem diferente da última vez em que a peguei no colo, quando mal sabia
se poderia me tocar.
Coloquei-a no carro com cuidado e partimos para o hospital.
Estava disposto a quebrar o lugar inteiro se não a atendessem
prontamente.
Laís foi levada à sala de ultrassom. Eu sabia que não era a médica em
quem ela confiava, mas era melhor do que nada. Passamos as informações
sobre o tempo de gravidez, enquanto a doutora começava a realizar os
procedimentos. Trabalhando em silêncio, ela me deixou um pouco
apavorado.
— E então, doutora?
Ela respirou fundo, o que me preocupou ainda mais.
— Levando em consideração o seu tempo de gestação, você está tendo
um descolamento do saco gestacional, que está se moldando ao útero.
Quase revirei os olhos. O que os médicos pensavam? Que a gente
carregava uma enciclopédia para entender as porras dos termos que diziam?
— O que isso significa? — indaguei, aflito.
— Que o bebê está bem, sua esposa também, mas que ela vai precisar de
um pouquinho de repouso até que as coisas normalizem.
— Quanto de repouso? — Laís perguntou.
— Nada de atividades físicas, evitar subir escadas, agachar, qualquer
coisa que demande muito esforço. Sexo também será necessário ficar fora
dos planos.
Bem, doutora... isso não será um problema, pensei.
Laís, aparentemente, estava pensando o mesmo que eu, porque ficou um
pouco tímida.
— Por quanto tempo? — ela perguntou.
— Vamos combinar um mês? Daqui a trinta dias você volta ou consulta
sua médica de confiança e veremos se poderá ficar mais tranquila.
— Mas está tudo bem, né? — Segurei a mão de Laís, sentindo-a ainda
muito nervosa.
— Vai ficar. Sei que vocês cuidarão desse garotão aqui e...
— Espera... garotão? — sem nenhuma noção, interrompi a médica,
sentindo como se meu coração estivesse prestes a sair pela boca. — Um
garoto? Um menino?
— Ah, vocês não sabiam? Desculpa! — A médica riu. — Bem, mas é um
menininho, sim. E exibido.
— Como o pai — Laís comentou, descontraída, e eu sorri, vendo que
parecia mais relaxada. Ergui sua mão, dentro da minha, beijando-a com
carinho.
Um sentimento de plenitude se apossou de mim, como se todas as
respostas para todas as minhas perguntas tivessem acabado de ser
respondidas. Foi quando a ficha caiu de vez. Eu estava prestes a ser pai. De
um garotinho! Dali a poucos meses eu teria um bebê nos meus braços, e,
embora um pouco assustado, não conseguia não focar no lado positivo de
tudo isso.
Enquanto conduzia Laís para fora – deixando-a andar com as próprias
pernas só porque a médica insistiu muito que não havia problema –, passei o
braço ao redor dos ombros dela, sem nem perceber que o fazia, e Laís
encostou a cabeça no meu ombro. Voltei meus olhos em sua direção, sorrindo
como um bobo, pensando que ali estavam minha esposa e meu filho. O
orgulho explodia no meu peito.
Ajudei-a a se acomodar no banco do passageiro e abri a porta de trás do
carro, pegando um paletó meu que estava lá, colocando-o ao redor de seus
ombros, afinal, ela ainda estava de camisola e havia uma mancha de sangue
no tecido. Como saímos com pressa, nem pensamos em trocar sua roupa. Por
ela ser bem menorzinha que eu, fechei os botões, esperando que o casaco
ficasse como um sobretudo em seu corpo.
Enquanto fechava os botões, ergui um pouco o rosto, e nossos lábios
ficaram tão próximos que nossas respirações se beijaram.
Vi Laís respirando bem fundo, olhando para mim cheia de expectativa,
mas eu não pretendia beijar a minha mulher ali, no estacionamento de um
hospital, naquelas circunstâncias. Para não nos deixar completamente
indiferentes, encostei meus lábios em sua testa, mantendo-os ali por algum
tempo. Quando me afastei, ela estava sorrindo para mim.
— Um menino! — Ela parecia feliz. Eu nunca a tinha visto sorrir daquela
forma para mim.
— Sim, linda. Teremos um menininho.
Compartilhamos alguns segundos de silêncio e olhares cúmplices, até que
eu me afastei, fechei a porta, dei a volta no carro para entrar também e
partirmos.
Chegamos em casa rapidamente, porque o hospital não ficava tão longe, e
eu a acompanhei até seu quarto.
— Precisa de ajuda para tomar um banho? — perguntei, entre
esperançoso de que aceitasse meu auxílio e com medo de que precisasse vê-la
e tocá-la nua. Seria um martírio, especialmente porque Laís tinha necessidade
de repouso.
— Não, está tudo bem... Se você puder só ficar por perto...
Amém.
Eu poderia ficar por perto. Claro que poderia.
Mas também poderia me controlar para ajudá-la, se fosse preciso.
Poderia fazer qualquer coisa por ela.
— Claro.
Acompanhei-a até seu quarto, e a primeira coisa que ela percebeu foi o
maldito bolo de papeis sobre a cama.
Os documentos do divórcio.
— O que é isso? — ela perguntou, enquanto os pegava e começava a ler.
A julgar pela expressão em seu rosto, não parecia muito satisfeita.
— Chegaram hoje de manhã. Antes de eu te encontrar aqui do jeito que
encontrei.
Laís continuou calada, observando cada palavra escrita, folheando os
papéis.
Então ergueu os olhos para mim, confusa.
— Você queria que eu os assinasse?
O que eu poderia responder? Como mostrar para ela que não, que odiaria
ver o nome dela assinado naquela merda de linha que romperia o nosso
casamento, que cortaria todas as minhas chances de tentar conquistá-la e de
compensar por tudo o que lhe fiz.
A partir daquele momento, só me restava ser sincero.
— Não. Não queria. Só que achei justo trazê-los para que tomasse a sua
decisão. — Laís assentiu, ainda parecendo um pouco melancólica, usando
meu paletó que a engolia. Dei um passo à frente, sentido que aquele momento
era tudo ou nada. — Por mim continuamos casados, mas se eu puder te fazer
um pedido, gostaria que, pelo menos, continuasse morando aqui durante a
gravidez. Depois do que aconteceu hoje, eu ficaria um pouco paranóico se
estivesse longe de mim. Se for pedir demais, vou entender, mas...
— Victor — ela me interrompeu com aquele jeitinho doce, e eu fiquei em
silêncio para ouvi-la. — Vamos esquecer essa história de divórcio até o bebê
nascer, tudo bem?
Eu não queria nem pensar em ser separado do meu filho depois que ele
viesse ao mundo, mas a perspectiva de ter mais meses para convencer Laís de
que poderíamos ser bons juntos era interessante.
Sentindo-me esperançoso, entrelacei meus dedos aos da minha esposa e a
guiei até a cozinha. Ela ainda segurava os papéis, então eu os tirei de sua
mão, pousando-os sobre a bancada. De frente para a geladeira, peguei o pilot
que ela usava para atualizar a contagem regressiva, apaguei as reticências e
mudei o que estava escrito.

CONTAGEM REGRESSIVA: SEIS MESES PARA NOSSO


GAROTÃO
Voltei-me para ela, com uma sobrancelha erguida e uma expressão de
diversão.
— O que acha? — indaguei, esperando que ela respondesse algo bom.
Um momento de suspense, que quase me fez agonizar, e lá estava aquele
lindo sorriso de novo.
— Perfeito.
Sim, era perfeito. Ela era perfeita. Nosso bebê era perfeito.
Nossa família era perfeita.
CAPÍTULO QUINZE

CONTAGEM REGRESSIVA: TRÊS MESES PARA NOSSO


GAROTÃO

Laís não parava de roer os cantinhos das unhas, mais nervosa do que já
tinha visto. Já tinha andado pela casa inteira, de um lado para o outro, e eu
poderia jurar que deveria estar pálida por sob o batom vermelho que pintava
sua boca.
Sua linda barriga de seis meses de gestação se destacava por sob o vestido
branco quase virginal, e ela se penteara de forma meiga, como se isso
pudesse convencer a pessoa que estava chegando de que a omissão, por todos
aqueles meses, não fora por mal. Tínhamos uma história pronta para contar a
ele, mas, conhecendo bem com quem iríamos lidar, sabíamos que não seria
fácil.
Os sons na cozinha ecoavam pela casa, enquanto minha mãe terminava de
preparar o jantar. Durante aqueles últimos meses, ela e Laís se aproximaram
ainda mais, o que eu gostava. Sentia como se isso estivesse estreitando os
nossos laços cada vez mais, além, é óbvio, de nosso relacionamento ter
melhorado imensamente.
Embora não nos tocássemos, eu podia dizer que tínhamos virado bons
amigos. Depois que o susto e o medo de uma perda de nosso bebê passou, as
coisas ficaram leves, e eu comecei a ajudá-la com a parte jurídica de sua loja,
a aconselhá-la, e até Fernanda passou a me tolerar um pouco mais.
Queria contar para ela a verdade sobre meu comportamento durante nosso
primeiro ano de casamento, que fora uma exigência do pai dela que não
nutríssemos sentimentos um pelo outro, mas sabia que já estava tão magoada
com Walter que só serviria para partir seu coração ainda mais; e enquanto
estivesse esperando nosso filho, não queria que sofresse fortes emoções.
E naquele dia teríamos uma.
No momento em que se levantou e começou a andar de um lado para o
outro novamente, precisei segurar seu braço e forçá-la a se sentar novamente.
— Não adianta nada ficar inquieta desse jeito — falei com calma,
esperando que entendesse como um conselho e não como uma reprimenda.
— Não consigo.
Agachei-me à frente dela, pegando ambas as suas mãos que estavam
sobre o colo.
— Você não tem que ter medo do seu pai. Eu estou aqui. Não vou
permitir que seja grosseiro com você.
— Acho que ele vai ficar mais estressado com você. Talvez seja por isso
que estou preocupada.
— Comigo? — Ergui uma sobrancelha, surpreso. Ela estava preocupada
comigo?
— É... eu sei que meu pai gosta muito de você, mas ele também sabe ser
severo e...
Inclinei a cabeça para frente, levando a mão à sua nuca, puxando-a para
mim e beijando sua boca. Fazia meses que eu não tentava absolutamente nada
com ela, porque quis respeitar seu espaço, mas nem era um beijo para seduzi-
la. Não era um beijo com paixão. Era ternura e porque simplesmente não
consegui me conter.
Laís pareceu surpresa, mas eu não poderia dizer que não havia
correspondido, porque senti seus lábios quase se abrindo para os meus. Só
que ao me afastar, ainda com a mão em sua nuca, abri um sorriso.
— Se formos começar com isso, não vou parar.
Peguei-a respirando fundo, e então imitou o meu sorriso.
Bom. Melhor do que sua expressão agoniada de antes.
Infelizmente esta retornou minutos depois, quando o interfone tocou.
Minha mãe o atendeu, ao meu pedido, porque não queria sair do lado de Laís.
Quando Walter chegou, senti meu sangue ferver pelo olhar que dirigiu à
minha mãe. O que não era a primeira vez que acontecia.
D. Marisa era uma mulher bonita, com um corpo firme, cabelos
compridos e castanhos como os meus, e eu sabia que ela chamava atenção.
Adoraria que encontrasse alguém, que vivesse uma história de amor como
nunca tivera direito, mas meu pai partira seu coração de tal forma que ela se
fechara para relacionamentos.
Só que o meu sogro não era o tipo de cara que eu pensaria para ela.
O filho da puta ficou tanto tempo olhando para a minha mãe que demorou
a perceber a protuberância na barriga da filha.
Quando o fez, a expressão em seu rosto quase me deu medo. Sem nem
pensar no que fazia, coloquei-me em frente a Laís, pronto para defendê-la, se
fosse preciso.
— O que significa isso? — Walter apontou para a barriga de Laís, como
se fosse algo muito difícil de se explicar.
— Pai... eu... — ela gaguejou.
Minha mulher não ia fraquejar na frente de ninguém, nem mesmo do pai
dela. Não Laís, que era forte, corajosa e tão decidida. Era doce também, e eu
sabia que não era muito adepta a conflitos, principalmente com o pai, que
exercia uma figura de controle sobre ela, mas eu não iria permitir.
— Minha filha está grávida, e eu só fico sabendo quando a barriga está
deste tamanho? — Walter ergueu a voz, e Laís estremeceu.
Passei um braço ao redor de sua cintura, firmando-a, e franzi o cenho,
disposto a parar com aquela palhaçada.
Dei um passo à frente, mas, para a minha surpresa, quem se intrometeu
foi minha mãe.
— Ah, mas que absurdo! E desde quando podemos controlar ou ditar
quando nossos filhos vão nos dar satisfações da vida deles? É uma escolha de
Victor e Laís compartilhar uma notícia e quando farão isso.
E lá estava minha mãe, diante de um dos homens mais poderosos que eu
conhecia, com ambas as mãos nos quadris, quase parecendo falar comigo
quando eu era mais novo e fazia uma travessura.
Meu sogro ficou olhando para ela sem entender, assim como eu e Laís
também, e eu poderia jurar que uma explosão aconteceria. Ali comigo
estavam duas mulheres importantes para mim, e eu faria qualquer coisa para
não permitir que Walter as ofendesse ou incomodasse. Não importava que
tivéssemos nos tornado sócios, ele não iria desrespeitar minha mãe nem
minha esposa – por mais que fosse sua filha.
Mas ele ergueu um dedo em riste em minha direção.
— Precisamos conversar. A sós.
Fiquei calado por alguns instantes, apenas olhando para ele, estudando
sua proposta – ou seria sua ordem?
Eu não precisava acatar. Não na minha casa, mas decidi ceder, antes que
sobrasse para as outras duas.
Guiei-o até o escritório no meu apartamento, entrando e fechando a porta.
Esperei alguns segundos, de braços cruzados contra o peito, tentando ser
paciente. Walter se manteve de costas para mim, com as mãos na cintura.
Quando se virou para me olhar, havia um sorriso em seu rosto. Mas um que
me preocupou.
— Então eu vou ser avô? — Por que ele não me parecia orgulhoso ou
satisfeito?
— Sim. É um menino — apenas informei.
Ele assentiu.
— Você é um cara esperto, Victor. Cumpriu o contrato certinho,
aproveitou bem sua esposa e ainda se garantiu com o bônus.
Meu cenho se franziu mais ainda, porque não estava entendendo.
— Bônus? — indaguei, confuso.
— Você é um advogado que não lê contratos? Não se lembra de uma das
cláusulas dos papéis que assinou?
Tentei puxar da memória, então me lembrei. Havia, sim, uma cláusula
que especificava que caso Laís engravidasse, eu teria acesso a mais cinco por
cento das ações da empresa.
— Parece que se lembrou. Bem, acho que vou ter que preparar mais um
contrato para você, não é? — Novamente, ele não parecia satisfeito.
— Se não queria que ficássemos juntos, por que colocou essa cláusula?
— tentei. Era uma curiosidade que acabara de me surgir.
— E não quero ainda. Mas queria um neto. Mais de um se eu tiver a sorte.
Laís pode ter outros filhos de outro casamento, mas se já garantirmos um...
Desprezível.
Meu Deus... Laís estava certa. Aquele homem era podre.
— Sua filha não é uma mercadoria, Walter. E ela não vai se casar com
mais ninguém, se eu puder evitar. Quero manter a minha família. — Walter ia
dizer alguma coisa, mas o impedi erguendo a mão. — Estou pouco me
fodendo para o que vai fazer, mas não vai empurrá-la novamente para um
casamento contra a vontade dela. Mais do que isso, não tenho interesse em
mais ações.
Walter arregalou os olhos.
— Como não? Você já foi mais ambicioso, filho — falou com ironia.
— Primeiro, não sou seu filho. E em segundo lugar, o meu bebê não vai
ser mais um trampolim para a minha carreira. Cometi alguns erros e estou
disposto a compensá-los.
Ele ficou olhando para mim por algum tempo, novamente me analisando.
Eu sabia que Walter era capaz de ler muitas coisas com apenas uma analisada
maliciosa daquelas, e ele ganhava casos e casos daquela forma. Só que eu
sabia o quão bom eu também era e não estava disposto a desistir.
E ele cedeu, mas eu sabia que não era uma guerra vencida. Apenas uma
batalha.
— Não estou com fome mais. Peça desculpas à sua mãe. Outro dia nos
encontraremos outra vez.
Então ele saiu do escritório, e eu fui atrás com medo de que fosse
grosseiro com alguém naquela casa.
Só que ele parou na frente de Laís, acariciou sua barriga e falou um
“parabéns” muito sem emoção, saindo em seguida.
Ficamos olhando para a porta que ele mesmo abriu e fechou, os três
completamente sem fala.
— Que homem doido — minha mãe comentou, estalando a língua e
voltando para a cozinha. — Bem, ele perdeu uma lasanha e tanto...
Eu e Laís nos entreolhamos, preocupados. Nós dois sabíamos que aquilo
teria consequências, e eu não estava muito ansioso para experimentá-las.
CAPÍTULO DEZESSEIS

CONTAGEM REGRESSIVA: DUAS SEMANAS PARA O NOSSO


GAROTÃO

— Nosso garotão... — Fernanda falou atrás de mim no momento em que


eu terminei de escrever na pequena lousa ainda presa à geladeira. — Vocês
não têm vergonha de não terem escolhido um nome para essa criança, não?
Lancei um olhar para a minha amiga, e ela estava bebendo o café que
acabara de preparar para nós. Apesar de termos comprado uma sala para
nossa marca, bem próxima do apartamento onde morava, com quase nove
meses de gravidez ficava um pouco difícil me locomover, e Fernanda
decidira que poderíamos trabalhar ali mesmo, principalmente porque Victor
passava a maior parte do dia na empresa.
Na verdade, eu não podia reclamar sobre meu marido em relação a
ausências. Não havia mais compromisso de fidelidade, uma vez que não
precisaríamos sequer estar casados, mas ele saía cedo para trabalhar e voltava
cedo também, dedicando todas as horas que estava em casa para me fazer
companhia.
A única reclamação que eu tinha era de que, com exceção de um beijo
simples, roubado no dia em que meu pai fora à nossa casa, Victor nunca mais
me tocara. Ou melhor... sim, mas não como um marido deveria tocar uma
esposa. E era isso o que me fazia me perguntar o quanto o nosso casamento
ainda poderia se tornar real. A cada dia que passava, eu tinha mais e mais
certeza de que estava apaixonada por ele.
Volta e meia eu tentava buscar em seus olhos uma indicação do que ele
sentia. Era mais bem tratada do que nunca, mimada, mas não sabia se era
apenas porque estava esperando seu filho e porque a ideia de ser pai o deixara
eufórico.
Temia não apenas que aquele amor que eu julgava ver em seus olhos
quando olhava para mim fosse ilusão, mas também que estivesse me
apaixonando por um homem que não era o que eu esperava. Victor já tinha
me decepcionado uma vez, e eu sabia que, daquela, meu coração seria partido
de forma muito mais dolorosa.
Mas eu estava divagando demais, e Fernanda esperava a resposta.
— Estamos em dúvida ainda — respondi apenas, enquanto me dirigia ao
sofá, porque já não conseguia ficar confortavelmente sentada em qualquer
lugar. Ergui meus pés inchados e os coloquei sobre a mesinha de centro.
— E como chamam essa pobre criança? — Minha amiga veio se sentar ao
meu lado.
— De garotão. — Apontei para a lousa da contagem regressiva.
Fernanda revirou os olhos.
— Vocês são dois chatos — ela disse isso, mas eu sabia que não tinha
mais tanto ranço de Victor. Eles até conseguiam conversar quando surgia a
oportunidade.
Ela levou a caneca à boca, sorvendo um gole da bebida fumegante, e seus
olhos pararam no enorme vaso de flores sobre o meu rack.
— Maridão ficou romântico? — Sua cabeça apontou na direção das rosas.
Suspirei, frustrada.
— Não. São do meu pai. É terceiro buquê esta semana.
Fernanda ergueu uma sobrancelha.
— Isso é uma surpresa.
— Ele está tentando uma aproximação, mas não estou preparada. Já me
magoou muito, e enquanto meu bebê não nascer, não quero aborrecimentos.
Ando sensível e nervosa com a ideia do parto, como toda mãe deve ficar, e
não estou a fim de entrar em discussões.
— Faz bem, amiga. Faz bem.
Só que eu não sabia por quanto tempo isso ia durar, muito menos a boa
vontade do meu pai em esperar meu tempo. Conhecendo-o como conhecia,
temia que quanto mais o ignorasse, mais o deixasse irritado.
A verdade era que sempre tive um pouco de receio dele. Não que desse
tantos motivos para isso, porque nunca foi grosseiro ou agressivo, mas
porque impunha um respeito que me assustava um pouco. Minha mãe, antes
de morrer, sempre foi muito submissa a ele e me criou para ser assim
também. Tanto que me casei com o homem que ele escolheu para mim e
quase vacilei na construção do meu sonho, coisa da qual eu iria me
arrepender demais.
Do casamento, por incrível que pudesse parecer, eu não me arrependia de
forma alguma.
Mas falando no meu sonho... era hora de continuar a colocá-lo em prática.
Eu e Fernanda estávamos trabalhando em nossa primeira grande
empreitada. Uma influencer muito poderosa ia se casar dali a oito meses, e
nós lhe prometemos enviar o vestido dos sonhos. Fizemos um esboço, com
todas as referências que ela nos passou, e a mulher surtou.
Comprometemo-nos a lhe apresentar a versão final, com todos os detalhes
dali a três dias, e caso ela aprovasse, o vestido seria totalmente custeado por
nós, contanto que ela fizesse um publi sobre a nossa marca – que se chamava
Nozzi; núpcias em italiano.
A princípio, adiaríamos o sonho de uma loja física, porque a gravidez nos
atrapalhou um pouco, então, decidimos começar dessa forma, fazendo
projetos exclusivos para noivas e entrando em parceria com costureiras da
cidade de cada uma para que elas pudessem experimentar. Tudo estaria
incluído no nosso preço: tecido, o contato com a profissional, os ajustes, o
cuidado com cada detalhe, e este seria o nosso diferencial.
Era um começo, e iríamos investir uma boa quantia em marketing, no
início, à custa do que meu pai me pagou quando eu me vendi em um
casamento que acabou se mostrando mais promissor do que julguei no início.
Não poderia dizer que não estava feliz.
E ainda tinha o bebê...
Como eu poderia imaginar que ficaria tão feliz com a ideia de ser mãe;
que era algo que nem passava pela minha cabeça tão cedo?
Fernanda saiu do meu apartamento por volta das seis, e ela quase
esbarrou com Victor, que chegava. No momento em que ele pisou em casa,
me viu de pé na cozinha, temperando um peixe que iria preparar para nós.
— O que a senhora pensa que está fazendo?
Olhei para ele, confusa.
— O jantar.
Ele largou sua pasta sobre a bancada e veio até mim, tirando o pano de
prato da minha mão e pousando-o ao lado da pia. Surpreendendo-me, tirou-
me do chão em seu colo, carregando-me até o sofá. Os dez quilos que
engordei com meus quase nove meses de gravidez não o fizeram sequer
ofegar.
— Victor, eu nem comecei a fazer... — comecei a falar enquanto ele
voltava para a cozinha, guardando as coisas.
— Até essa criança nascer, você precisa descansar. Nada de ficar em pé,
de se esforçar. Podemos pedir algo no ifood. — Ele voltou rapidamente para
perto de mim, enquanto tirava o paletó.
Queria me fingir de blasé ao ver meu marido gato e que não me tocava há
quase nove meses iniciar o que – na minha visão cheia de hormônios de
grávida – parecia um striptease.
E o cara só estava tirando o blazer.
Quando ele começou a desabotoar as mangas da camisa, meu corpo
inteiro se incendiou.
— Vou tomar um banho e já volto, ok? Não saia daí.
Graças a Deus ele não iria se despir por completo na minha frente.
Não que eu quisesse bancar a esposa completamente obediente, mas
estava tão cansada, e o sofá me parecia tão confortável, que nem protestei.
Cheguei quase a cochilar e acordei instantes depois com duas mãos grandes,
mas delicadas, me posicionando de forma mais confortável, pousando minha
cabeça em seu colo.
— Não queria te acordar — ele sussurrou, enquanto acariciava meus
cabelos.
— E eu não queria dormir — brinquei.
— Olha, eu acabei de pedir uma massa para nós, deve chegar daqui a uns
quarenta minutos. Se quiser descansar, eu te acordo. Se não, queria falar com
você.
Isso me preocupou, porque ele me soou solene demais.
— Pode falar...
Com todo o cuidado, colocou as mãos sob meus braços e me puxou até
que eu fiquei sentada novamente no sofá, mas completamente aninhada em
seu peito. Seus braços me cercaram, e eu estremeci com a intimidade e com a
sensação de segurança que me proporcionavam. Sua mão foi parar na minha
barriga, como acontecia muitas vezes, como se ele esperasse abraçar também
ao nosso filho.
— Estava em reunião com um dos meus clientes, e ele me mostrou a foto
de seu filhinho de dois anos. Uma gracinha de garoto, e o nome dele é
Pedro... Bem... eu gostei.
Victor deixou no ar.
— Pedro?
No exato momento em que falei o nome, nosso bebê remexeu-se dentro
de mim, dando-me um chute certeiro.
Bem, isso deveria ser um sinal.
— Você sentiu isso? — indaguei, sentindo a mão cálida dele sobre o meu
ventre.
— Senti — a voz amorosa de Victor me desmontou. — Acho que nosso
garotão gosta.
— A mãe dele gosta também.
— Então somos três.
Victor beijou o topo da minha cabeça, e eu me desvencilhei de seus
braços.
— O que você...?
Olhei para ele por cima do ombro, sorrindo quase provocadora, e
caminhei até a geladeira, em nossa cozinha americana. De onde estava
sentado, conseguia me ver e o que eu estava fazendo – apagando uma parte
da mensagem que atualizávamos diariamente e modificando-a.

CONTAGEM REGRESSIVA: DUAS SEMANAS PARA PEDRO

Sem dizer nada, voltei para o sofá, aconchegando-me contra o corpo largo
de Victor, e ele me abraçou com ainda mais força. Então nós ficamos ali,
olhando para o nome do nosso filho, que estava prestes a nascer.
Tudo o que eu queria era que ele nos unisse ainda mais.
CAPÍTULO DEZESSETE

Nós ainda dormíamos em malditos quartos separados.


Sim, e essa é uma informação importante para eu compartilhar, porque
era o motivo pelo qual eu me revirava na cama várias noites antes de
conseguir dormir.
Eu a queria ao meu lado. Queria sentir seu corpo aninhado no meu,
repousar a mão em sua barriga protuberante, sentindo nosso filho se mexer.
Queria observá-la acordar, alongando-se nos meus braços, e beijá-la de
bom dia.
Eu queria tudo. Queria que nos tornássemos marido e mulher de verdade,
uma família, que nosso Pedro nos unisse ainda mais.
Mas dormir em um quarto afastado dela, com apenas uma parede a nos
ligar, não era apenas solitário, mas também me fez pular da cama
desesperado quando a ouvi chamar o meu nome e soltar um gemido logo
depois.
Eu estava sem camisa, com uma calça de moletom pendendo da minha
cintura, e corri assim mesmo na direção dela, temendo encontrá-la da mesma
forma como encontrei meses atrás, sangrando, quando juramos que iríamos
perder nosso filho.
Daquela vez, havia um quartinho esperando para ser preenchido, todo em
azul e verde, com papel de parede de bichinhos, um berço lindo, tudo
planejado e pensado, e eu não poderia nem imaginar não ter nosso menino ali
em alguns dias.
Ou nem tantos dias assim...
Entrei no quarto sem bater, irrompendo através da porta, e vendo-a de pé,
olhando para si mesma, um pouco confusa.
— O que houve? — perguntei no desespero, embora já imaginasse o que
estava prestes a acontecer.
— Eu acho... acho que Pedro quer vir ao mundo.
— Mas ainda está cedo, não está? Ele... ele...
Laís abriu um sorriso enorme.
— Acho que ele é um pouco apressado.
Não consegui não me contagiar, não apenas pelo sorriso, mas pela
perspectiva de recebermos nosso filho um pouco antes do tempo.
Ainda assim, me senti completamente atordoado.
— Eu... eu... — Comecei a andar pelo quarto como uma barata tonta. —
Não sei o que fazer. Como agir... como te ajudar.
Laís riu.
— Não preciso de ajuda. Só pegue a minha mala, por favor. Eu já troquei
de roupa, estou pronta e...
— Claro, claro... — Respirei, passei as mãos pelos cabelos, olhando ao
meu redor, sentindo como se estivesse em órbita. Olhei para ela, preocupado:
— Você está com dor? Consegue andar? Precisa que eu te carregue... eu...
Sua mão delicada tomou meu ombro. Como era possível que estivesse
mais calma do que eu?
— Eu estou bem. Mais do que bem. A bolsa estourou, e eu estou com
algumas contrações, mas nada de mais.
— Ah, porra! — Eu não consegui conter mais um sorriso. E outro, e
outro. Também não consegui não puxar Laís para mim e beijá-la. Encostei
meus lábios nos dela, em uma comemoração, porque... Meu Deus! Nosso
filho iria chegar.
Depois tudo aconteceu em um borrão. Peguei a mala que ela indicou, e
estávamos prestes a sair quando ela se virou para mim, quase alarmada.
— Victor, você precisa vestir uma camisa!
Olhei para mim mesmo, constatando o que ela tinha acabado de falar.
Puta merda! Como não pensei nisso...?
Saí correndo para o quarto, vestindo a primeira coisa que vi pela
frente, enquanto voltava para a sala, com nós dois rindo como loucos.
Saímos do apartamento, caminhamos devagar até o elevador,
descemos, e eu a guiei até o carro, ajudando-a a entrar e partimos para a
maternidade.
Se eu precisasse relatar com detalhes todas aquelas horas entre nossa
chegada e o nascimento de Pedro, eu seria completamente incapaz, me
tornaria um iletrado. Eu não conseguiria descrever, com o respeito que seria
merecido, a coragem de Laís, o quão forte ela fora e a emoção que senti
quando ouvi o primeiro choro do meu filho. Quando vi sua carinha amassada,
cheio de placenta, ainda ligado à mãe.
Aquele garoto lindo, cheio de vida e perfeito era fruto do meu
relacionamento com Laís. Não importava que nosso casamento fosse de
fachada, que tivéssemos nos unido por um contrato. O que importava era o
que estávamos construindo. O que aconteceria dali em diante, e eu iria do céu
ao inferno para manter minha família comigo.
Beijei-a algumas vezes, sentindo-a suada, exausta e ofegante. Tudo o
que eu queria era cuidar dos dois, protegê-los e mimar aquela mulher
maravilhosa, que eu desejava que fosse minha para sempre.
E foi o que eu fiz quando voltamos para casa. Não medi esforços para
mantê-los confortáveis e para que Laís tivesse tudo de que precisava.
Contratei alguém para nos ajudar com a casa, além da diarista que já nos
acompanhava, para que minha esposa pudesse dedicar-se não apenas ao bebê,
mas ao seu trabalho.
Percebia que ela não atendia aos telefonemas do pai, o que era uma
escolha que lhe cabia, mas tinha certeza de que acabaria por se arrepender.
Eu não duvidava que Walter acabasse aparecendo a qualquer momento para
conhecer o neto, embora estivesse se mantendo nos bastidores, respeitando a
decisão da filha. Fosse como fosse, ele não iria atravessar aquela porta se
Laís não o quisesse em nossa casa. Eu não iria permitir.
Em contrapartida, minha mãe passava muito tempo conosco. Dormira
em nossa casa nos primeiros dias, ajudando, ensinando e dando um suporte
essencial.
Quando Pedro já tinha três meses, começamos a nos virar melhor
sozinhos, com a ajuda de Maria, a menina que trabalhava lá em casa
cozinhando e limpando. Ainda não tínhamos conversado novamente sobre o
nosso futuro, e isso ainda me assustava.
Não dormíamos juntos, ainda ficávamos cada um em seu quarto, e eu
me mantinha respeitando-a, esperando um sinal de que as coisas poderiam
mudar.
Naquele momento, estávamos unidos, lado a lado, observando nosso
filho dormir no berço, calminho, depois de mamar. Era um bebê calmo, mas
esperto, e eu estava mais apaixonado a cada momento.
E pela mãe dele também, é claro.
Pensando nisso, voltei-me na direção de Laís, observando seu perfil,
seus olhos encantados por nosso bebê e o meio sorriso que curvava seus
lábios. Ela estava debruçada na grade do berço, e eu aproveitei para observá-
la, pensando que nunca tive a oportunidade de lhe dizer como me sentia.
Como ela poderia me dar qualquer indicativo de que me queria se não sabia o
quanto meu coração lhe pertencia?
— Ele é tão lindo, né? — sussurrou, com sua voz delicada, sem tirar
os olhos do pequeno Pedro.
— Ele é — respondi, levando uma mão ao seu braço, segurando-o
com gentileza e fazendo-a olhar para mim. Laís voltou-se na minha direção,
surpresa, um pouco confusa. — Mas a mãe dele também.
Não consegui tirar meus olhos de seu rosto por alguns instantes e não
pude ignorar a forma como pareceu prender a respiração com minha
afirmação, como se fosse algo chocante.
Então percebi o quanto eu mesmo tinha machucado aquela mulher
maravilhosa. Era hora de consertar isso.
Ergui minha mão ao seu rosto, acariciando-o.
— Acho que nunca falei o quanto sou louco por você, não é?
Vi seus olhos castanhos se arregalarem, e eu levei meu polegar a seus
lábios, tocando-os, sentindo a textura e relembrando de cada beijo que já
tínhamos compartilhado, desejando revivê-los.
— Victor, eu... — ela falou bem baixinho, quase ofegante.
— Jura que você não percebeu isso? Nos últimos meses eu tentei
demonstrar, mas aparentemente fiz um péssimo trabalho — tentei brincar,
mas estava nervoso como um adolescente.
— É que as coisas sempre foram tão complicadas entre nós...
— Foram.
Eu deveria falar a verdade para ela. Não queria magoar ainda mais os
sentimentos de Laís em relação a seu pai, mas não queria perdê-la. Algo me
dizia que ela não ficaria muito satisfeita quando descobrisse que eu a tratei
mal por causa da minha ganância, mesmo já estando apaixonado. Não fazia
ideia de qual seria sua reação, se acabaria me afastando ainda mais.
Peguei suas mãos nas minhas, levando-as à minha boca e beijando os
nós de seus dedos várias vezes.
— Acredite, eu estava confuso, mas saiba que, hoje, você e meu filho
são a razão de tudo. E minha mãe, claro, mas juro que estou disposto a ser um
homem melhor por vocês. Quero que me ensine a ser o marido que você quer
e precisa.
Laís suspirou, e eu me senti ansioso para saber o que se passava por
sua cabeça. Queria conseguir ler em seus lindos olhos o que sentia por mim e
imaginar quais seriam suas próximas palavras.
Mas ela não disse nada, apenas deu um passo à frente e encostou seus
lábios nos meus.
Novamente, assim como na primeira vez em que nos beijamos de
verdade, eu queria conseguir manter a delicadeza, a calma, mas estava com
fome daquela mulher. Eu a desejava tanto que sentia como se houvesse um
incêndio dentro de mim; como se meu corpo pudesse pegar fogo a qualquer
momento só por tocá-la.
Segurei seu rosto com ambas as mãos, mantendo-a perto e nossas
bocas unidas, enquanto a explorava lentamente, aproveitando cada segundo,
cada movimento, cada sabor.
Tomei meu tempo, sem pressa, sem correr, sem pensar que precisaria
agarrar tudo de uma vez, porque seria nossa única oportunidade. Não poderia
ser. Tinha que acreditar que haveria mais. Que ela não iria embora e que eu
teria mais chances de provar que as coisas poderiam dar certo.
— Fica comigo — sussurrei, ainda segurando seu rosto e com nossos
lábios muito próximos.
— É o que você quer?
— É o que eu preciso. Preciso de você, do meu filho... preciso da
nossa família.
Laís hesitou, mas passou os braços ao redor dos meus ombros, antes
de responder:
— Vou ficar. Vamos tentar ser felizes.
— Já sou. Você me faz feliz.
Sentindo-a sorrir contra meus lábios, tentei retomar o beijo, mas Laís
se afastou, pegou minha mão e me guiou até o meu quarto. Em seus olhos,
uma promessa que me dizia tudo o que eu precisava saber sobre o que
aconteceria em nossa noite.
E estava ansioso por isso.
CAPÍTULO DEZOITO

O quarto estava em completa penumbra, em total silêncio, e eu até


preferia que ficasse assim. Embora houvéssemos conquistado uma intimidade
razoável nos últimos meses, não era como se eu tivesse uma enorme
facilidade de tirar a roupa na frente de Victor sem me sentir um pouco
envergonhada com isso.
Embora... o tesão que eu sabia que compartilhávamos não corroborasse
com tal ideia.
Encostares de lábios nos últimos meses, toques inocentes e olhares cheios
de intensidade foram nos colocando em uma situação muito complicada. A
cada momento que passava, eu sentia que nossos desejos se avolumavam,
prontos para explodir. Era como se houvesse um termômetro constantemente
medindo nossa temperatura. Naquele momento? Meu corpo mais parecia uma
fornalha, pronto para queimar qualquer coisa que eu tocasse.
Tanto que quando os dedos de Victor se enfiaram por baixo da minha
blusa, afundando na carne da minha cintura, pegando-me daquele jeito que eu
já sabia que ele era capaz, foi difícil respirar.
As mãos grandes que me seguravam me puxaram para frente, colando-me
a um corpo forte e musculoso, que eu já conhecia, mas do qual senti saudade.
Elas permaneceram na curva da minha cintura, uma de cada lado, apertando-
me sem me machucar, mas com força suficiente para fazer o ponto entre
minhas pernas pulsar.
Ergui a cabeça e ofereci meus lábios a ele no escuro, e eu senti Victor
também se aproximar, porque sua respiração quente tocou minha boca e seu
nariz encostou no meu, indicando o quão próximos estávamos.
— Você me trouxe aqui porque me quer. É isso ou estou interpretando as
coisas erradas? — sussurrou com a voz rouca que me deixava louca.
— É isso mesmo. Quero você. Cada pedaço de você.
As mãos me apertaram novamente, subindo um pouco mais, chegando às
minhas costelas, quase no limite dos meus seios, que estavam um pouco
maiores, pesados. Eu tinha acabado de amamentar nosso filho, e os dois
estavam muito sensíveis.
— Sem álcool hoje, Laís. Seremos só eu e você, sem desculpas. Se for
minha esta noite, se me deixar te amar, será sua resposta definitiva a respeito
do nosso casamento. Minha esposa. No papel, na cama e na vida. Seremos
casados da forma como tem que ser.
— Sua esposa... em todos os sentidos. Eu quero ser.
Seus dois polegares subiram aos meus seios, invadindo o sutiã,
acariciando meus mamilos devagarzinho, sorrateiros, mas causando um atrito
que eu senti direto lá embaixo, deixando-me desejosa e úmida.
A ponta de uma língua se esgueirou para lamber meu lábio inferior, e eu
soltei um gemido, enquanto ele ainda estimulava meus seios, o que começava
a me deixar com as pernas bambas.
— Minha. Inteira. Sem restrições. Para eu te venerar dos pés à cabeça.
Porque é isso que eu quero, Laís. Quero colocar minhas mãos e boca em cada
parte do seu corpo. Vai permitir? — ele falava baixinho, e isso combinado
aos movimentos de suas mãos e sua boca, eram uma perdição para a qual eu
não sabia se estava preparada.
— Por favor — foi tudo que consegui dizer.
Uma das mãos continuou o que estava fazendo, mas outra se esgueirou
por dentro da minha calcinha, aproveitando que eu estava usando um vestido
curto, e ele começou a combinar os movimentos, igualando-os, mas um dedo
em um mamilo e o outro em meu clitóris.
— Esta é uma noite para mim, ok? Para eu me presentear, compensar
meu desejo por todos esses meses em que não pude te tocar. E todos os
outros antes de nossa primeira vez. Vai me conceder esse direito?
Por que diabos ele não parava de falar e agia de vez? Eu estava disposta a
topar qualquer coisa, desde que me fizesse gozar.
— Vou — respondi abruptamente.
— Vai ter que confiar em mim, ok?
— Ok.
Eu não fazia ideia do que ele planejava, mas o ouvi sussurrar:
— Me dê um minuto e fique aqui paradinha.
Obedeci, porque estava mais do que curiosa, e Victor não demorou. Ele
partiu para algum canto do quarto, abrindo algumas portas, e logo voltou,
acendendo a luz de um abajur, tirando-nos do breu.
Mas eu não consegui ficar por muito tempo possibilitada de enxergar ao
redor, porque fui vendada.
O som que escapou do meu peito foi de pura surpresa, mas de excitação
também.
Em seguida fui despida. Vestido, sutiã e calcinha. Fui também deitada na
cama, e ele o fez como em todas as outras vezes, como se manipulasse uma
peça de cristal.
Depois de se despir também, novamente me surpreendendo, ele pegou
meus dois punhos, erguendo-os acima da cabeça e usando algo – uma
gravata, talvez – para uni-los. Impedida de enxergar, só me senti sendo
puxada para baixo e perdendo os movimentos dos braços, que ele
provavelmente atou à cabeceira da cama.
— Victor...? — Aquilo era novo para mim. Completamente novo. Mas
deliciosamente empolgante.
— Você é meu presente esta noite, Laís. Não importa o que eu fiz nessa
minha vida de merda, eu ganhei você. E não vou desperdiçar um segundo.
Quero seu corpo inteiro livre para mim. Se não concordar com algo é só
dizer, e eu vou parar.
Ok, eu poderia lidar com isso.
Ao menos foi o que achei a princípio. Mas aquela era uma sensação
completamente nova para mim, então, vendada e amarrada... sem sexo há
alguns meses e com o corpo completamente sensível, resquício dos
hormônios da gravidez... Bem... tudo foi um pouco mais difícil.
Especialmente quando a língua de Victor começou a passear pelo meu
corpo, tomando seu tempo em cada pequeno centímetro, como ele dissera que
iria fazer.
Depois ele me explorou com as mãos. Quentes, fortes, ávidas. Dedos que
se esgueiraram por pontos sensíveis e que terminaram penetrando-me fundo
sem que eu esperasse.
Eu quase gritei, mas lembrei-me de Pedro dormindo no quarto ao lado,
então, contentei-me com um gemido um pouco mais alto do que deveria ser.
Por mais que eu amasse nosso filho, não queria que ele interrompesse aquele
momento.
Não queria que nada interrompesse.
Claro que eu também não queria que meu bebê acordasse assustado com
o grito de sua mãe.
Victor continuou me masturbando mesmo assim, enquanto seu polegar
esfregava meu clitóris novamente. A outra mão seguia me acariciando, como
se decorasse cada contorno, cada curva.
Outro dedo se esgueirou para dentro de mim, tornando o contato mais
intenso, deixando-me choramingando e me remexendo sobre a cama,
enquanto meus braços permaneciam firmemente presos.
Os dedos da mão que passeava pelo meu corpo encontraram um mamilo
sensível, o que me levou ao limite. Prestes a gozar, arqueei os quadris, mas
Victor se movimentou e trocou seus dedos por sua boca.
Senti sua língua quente e úmida no ponto ainda mais úmido, que ansiava
por mais e mais dele. Uma lambida profunda e certeira, que me fez gemer
ainda mais alto.
— É assim que você vai gozar pela primeira vez esta noite. Na minha
boca.
E foi o que, de fato, aconteceu. Victor não teve piedade e me deu um
orgasmo digno de ser contado em livros ou nos melhores contos eróticos. Sua
boca explorou cada ponto da minha intimidade, de todas as formas,
devorando-a no sentido literal da palavra. Ele me chupava, enquanto sugava
minha alma inteira para si; conquistando meu corpo, porque meu coração já
lhe pertencia.
Eu estava apaixonada por meu marido. O casamento fora arranjado,
assinamos um contrato, mas acontecera tudo muito melhor do que eu poderia
imaginar. Quase um conto de fadas.
Perdi-me em um orgasmo devastador, sentindo meu corpo inteiro ser
arrebatado pela sensação. Só que mal consegui terminar de gozar, porque o
senti dentro de mim, grande, grosso, pulsando de tesão.
Victor investiu com cuidado, deslizando devagar, mas chegando bem
fundo, transformando meu orgasmo em algo ainda mais intenso. Dentro de
mim, esperou que me recuperasse, parado. Seus dedos nos meus seios,
girando os bicos com cuidado, porque ele sabia que eu estava amamentando.
Ainda assim, o mais ínfimo toque só contribuía para a minha ruína.
Mal tive tempo de respirar, porque ele estocou uma vez. Ainda com
cuidado, quase gentil, mas isso não demorou a mudar.
Um grunhido escapou de sua boca, além de um xingamento, e ele tirou a
venda dos meus olhos. Os dele estavam presos nos meus, mas ele não soltou
meus braços, deixando-me ainda à sua mercê.
Seus lábios buscaram os meus, enquanto ainda investia, fazendo nossos
corpos se chocarem no ritmo que parecia apenas aumentar. A cama rangia,
nossos gemidos se misturavam, enquanto eu me perdia no momento. Perdia-
me no homem que passei a amar. No homem que passara a me surpreender
dia após dia, que invadira meu coração de mansinho, sem que eu nem
percebesse.
Gozei novamente, sentindo-me saciada de todas as maneiras que uma
mulher poderia se saciar, e Victor logo me seguiu.
Fiquei um pouco perdida no entorpecimento do orgasmo, mas ouvi sua
voz soar baixinha e ofegante:
— Não vou te tirar daí por enquanto. — Depois de se endireitar na cama,
ele deu uma lambida no meu mamilo, fazendo-me estremecer. — Como eu
falei, você é meu presente esta noite, e eu nem comecei a fazer tudo o que
quero fazer.
Bem... seria uma noite longa, mas eu não estava nem um pouco inclinada
a resistir.
CAPÍTULO DEZENOVE

O restaurante estava vazio àquela hora, quase quatro da tarde. Estranhei


quando Jorge Passani me chamou para um almoço tardio, mas ele me pediu
descrição e muita urgência, pois tinha um assunto delicado para tratar.
Qualquer um poderia alegar que eu não deveria me unir à concorrência,
principalmente contra o meu sogro e a empresa da qual era sócio, mas tinha
um apreço por Jorge. Ele fora meu professor na faculdade – para o desespero
de Walter –, e sempre gostou de mim. Exatamente por isso tentou por muito
tempo me levar à Passani Associados, o que era lisonjeiro para mim, porque
era uma firma tão grande quanto a Giardelli.
Quando cheguei, ele já me esperava. Sempre elegante, com seus cabelos
grisalhos meio despenteados, o terno bem cortado e o sorriso largo e sincero.
Algo nele me inspirava mais confiança do que meu próprio sogro, mas
Walter foi quem me estendeu a mão primeiro, então, eu acabei me tornando
leal a um lado.
— E aí, garoto? — Levantou-se para me cumprimentar, dando alguns
tapinhas nas minhas costas de forma paternal. — Como vai essa vida de pai?
Abri um sorriso largo ao pensar no meu bebezinho, que já estava com
seus cinco meses, mas não apenas nisso. No meu casamento, minha esposa.
No quão bom passara a ser voltar para casa, para a minha família.
Quem diria que um casamento por contrato me proporcionaria tanta
felicidade?
— É maravilhosa. Cansativa, mas maravilhosa.
— Sei bem como é. Tive três.
E os três filhos de Jorge eram boas pessoas também. Tanto os dois
rapazes, sendo ambos mais jovens do que eu, quanto a filha, que era mais
velha, casada e mãe. Ele era avô de dois garotinhos, que eram seu orgulho.
Acompanhava sua vida, porque o considerava um amigo, mas imaginava
que Walter comeria meu fígado se soubesse que eu mantinha tanto contato e
uma amizade com aquelas pessoas.
Sentei-me, finalmente, de frente para ele, sentindo-me um espião da KGB
por olhar de um lado para o outro, como se estivesse traindo alguém. Só que
eu sabia que por mais longe que estivesse da sede da Gardelli, qualquer
pessoa que me conhecesse e me visse ali poderia dedurar meu encontro com
Jorge e tudo ser mal interpretado.
Ou não, né? Porque eu não sabia o que o sujeito queria me dizer.
— Estou um pouco curioso, Jorge. Acho que deve entender minha
surpresa quando me chamou aqui. — Precisei fazer uma pausa, porque o
garçom surgiu, e eu lhe pedi um refrigerante e uma salada caesar com uma
peça de carne nobre.
— Claro, me desculpe. — Ele deu uma golada em sua bebida. Não era
nada alcoólico também; aparentemente um chá gelado ou algo assim. — É
um assunto complicado, Victor, e eu lamento por estar trazendo-o a você,
levando em consideração sua situação como marido da filha de Walter...
— Você está me deixando preocupado.
Pela expressão de Jorge eu deveria mesmo ficar.
— A situação é problemática. De verdade. Só que como pretendo tomar
uma atitude, queria falar com você primeiro, porque sabe o quanto te admiro.
Gostaria de te dar uma chance de sair ileso dessa situação e te alertar que a
proposta de vir trabalhar comigo ainda está aberta. — Esperamos que o
garçom servisse minha bebida, e dei logo um bom gole na intenção de que o
nó que estava na minha garganta descesse. Mas Jorge prosseguiu: — Eu
descobri algumas fraudes de evidências em casos que Walter atuou contra
mim. Casos grandes. Com apenas alguns deles, eu poderia causar um tumulto
muito grande, que afetaria a Gardelli inteira. Você iria junto, sendo sócio.
Fraudes?
Mas...
Tentei organizar meus pensamentos, pensando nos últimos casos contra a
Passani, começando a relembrar que ele nunca me deixara trabalhar em
nenhum deles, alegando que eu tinha um apego à concorrência que poderia
nos prejudicar. Sempre achei estranho, porque Walter sabia muito bem o
quão profissional eu era, especialmente em um tribunal.
Mas, naquele momento, analisando o que Jorge me dissera, fazia algum
sentido. Além de profissional, eu era completamente contra aquele tipo de
coisa. Nenhuma vitória valia a minha consciência pesada.
Mais do que isso...
Ah, merda! Começando a conhecer meu sogro mais a fundo, percebia que
ele não era a pessoa idônea e admirável que pensei que fosse. Ele era, na
verdade, capaz de qualquer coisa para obter o que desejava. E vencer Jorge
Passani era sempre sua prioridade.
— Você tem provas disso? — perguntei com cuidado, temendo que ele
pudesse pensar que estava duvidando de sua palavra.
— Claro. Vou enviá-las ao seu e-mail pessoal.
Fiquei em silêncio por alguns instantes, sentindo minha cabeça girar. Era
uma informação pesada demais para receber daquela forma, mas
compreendia que não havia outra forma de me alertar. E eu agradecia Jorge
por isso.
— Não estou duvidando de você, de forma alguma, mas compreenda que,
como advogado, eu preciso analisar as coisas de forma minuciosa. Estamos
falando do meu sócio e pai da minha esposa.
— Eu não esperava menos de você, garoto. Só quero que entenda que vou
esperar algum tempo para agir, porque te quero fora dessa enrascada. Mas se
decidir não fazer nada, não vou poder ficar calado, nem mesmo pelo respeito
que tenho por você.
— Se eu não te conhecesse, poderia jurar que se trata de uma chantagem
— falei com um sorriso desanimado no rosto.
— Eu não faria isso. Mas confesso que a perspectiva de te ver longe de
Walter e trabalhando comigo me anima. Não sou falso, Victor. Sabe o quanto
sempre te quis na minha equipe. Como meu sócio também.
— E você sabe que Walter foi quem criou quem eu sou hoje. Devo muito
a ele — fui sincero, dando mais um gole na minha bebida.
— Esta é uma das coisas que mais admiro em você. Não acho que sem o
seu talento e esforço Walter fosse se interessar tanto por sua educação, por
isso, o mérito é todo seu. — Jorge respirou fundo. — Junto ao e-mail que vou
te enviar, vai encontrar uma proposta formal de sociedade. É um pouco maior
do que o que tem hoje na Gardelli. Posso te dar algum tempo para se decidir.
— Obrigado. Hoje mesmo vou verificar.
E foi o que eu fiz. Depois do almoço com Jorge, voltei para a empresa e
abri os e-mails no meu notebook pessoal. Não poderia confiar que não havia
algum tipo de vigilância nos computadores da Gardelli, e não queria
prejudicar Jorge em sua empreitada.
Pelo que constatei, havia relatórios muito completos e detalhados,
enviados por uma empresa de investigação particular. Evidências forjadas
eram apenas a cereja do bolo, mas havia todo um esquema de corrupção
envolvendo clientes que Walter defendeu usando de todo tipo de falcatrua
possível. Algo que eu abominava.
Em nenhum dos casos eu estava envolvido, nem mesmo os que foram
abertos depois de nossa sociedade. Eu poderia me safar sem problemas,
embora o fato de eu ter ações da empresa pudesse me comprometer
facilmente.
Se eu saísse e me unisse a Jorge naquele momento, poderia participar da
denúncia e ser inocentado. Poderia sair ileso. Isso sem contar a proposta
tentadora que a concorrência estava fazendo.
Em uma situação normal, eu sequer pensaria duas vezes. Mas havia Laís
em todo o processo. Walter era pai dela. Por mais que houvesse uma
animosidade entre eles, o quanto ela sairia ferida se ele fosse preso? Claro
que Jorge estava decidido e nada do que eu fizesse mudaria sua opinião.
Walter seria prejudicado de qualquer forma, mas não pelas minhas mãos.
Será que isso iria nos afastar?
Bem... se eu fosse preso com ele, isso também iria nos afastar – o que era
um pensamento de um humor bem sombrio.
Ainda estava pensando quando meu telefone tocou; uma ligação do ramal
de Walter.
— Victor, por favor, pode vir à minha sala? — ele não soava muito
satisfeito, o que me deixou imediatamente tenso.
Seria possível que soubesse o que eu estava fazendo?
— Ok — respondi e desliguei o telefone, levantando-me e seguindo para
sua sala.
Eu estava alojado no último andar do prédio, no andar da presidência,
então nossas salas não eram exatamente distantes. Apesar de ser dono de
apenas dez por cento das ações, eu era um sócio.
Ah, só para constar... Passani estava me oferecendo dezoito por cento. O
que seria imediatamente tentador.
Bati na porta e ouvi meu sogro, do outro lado, pedir que eu entrasse.
Há alguns meses uma estranha sombra pairava sobre nós; ou melhor,
desde que ele descobriu que Laís estava grávida. Claro que estranhou quando
não terminamos o casamento imediatamente após a festa, que era o esperado,
mas eu e minha esposa combinamos de inventar que iríamos suportar mais
algum tempo para não ficar muito evidente que fora um casamento arranjado.
Na época ele gostou da ideia, mas o bebê mudou tudo.
Ele ainda não fora convidado a conhecer o neto, e eu sabia que isso o
deixava mais e mais irritado.
O cenho franzido em seu rosto corroborava com a minha teoria.
Aproximei-me, sentindo um enorme nojo pelo homem à minha frente –
um sentimento que só aumentava.
— Sente-se — ele falou em tom de comando.
— Estou bem de pé.
Walter deu de ombros.
— Como preferir. — Ele organizou alguns papéis em sua mesa,
entrelaçou os dedos sobre eles e olhou para mim. — Quero te dizer, sem
rodeios, que não aprovo seus almoços com Jorge Passani.
Ergui uma sobrancelha.
— Estou sendo vigiado?
— Não, mas deveria tomar um pouco mais de cuidado quando visita
locais públicos, onde podem haver pessoas que me conhecem. Ninguém
gosta de traidores, Victor.
Olha quem estava falando.
— Não traí ninguém. Estava almoçando com um velho conhecido. Não
sabia que, ao assinar com a Gardelli, estava me inserindo em uma sociedade
secreta onde não posso mais ter amizades que não sejam da nossa religião —
falei com cinismo. Estava farto daquele teatro.
Um sorriso ainda mais irônico se curvou em seu rosto.
— Você deve saber o que faz, não é? Até o momento tem andado na
linha, mas ainda estou aguardando sua separação com Laís. Está na hora de a
minha filha seguir outros planos.
Aquilo fez o meu sangue ferver, e eu soquei sua mesa sem nenhum pudor.
— Entenda uma coisa: eu amo a sua filha. Amo seu neto. Não vou
desistir da minha família. Enfie os planos que criou para Laís onde bem
entender, porque não vou permitir que continue manipulando a vida dela
desta forma. Enquanto ela quiser ficar comigo, ninguém vai tirá-la de mim.
— Modere as palavras comigo. Eu o coloquei onde está hoje, Victor.
Posso destruí-lo com a mesma rapidez. Tudo o que tem, até sua esposinha e
seu filho, fui eu que te dei.
Aquelas palavras me fizeram estremecer. Eu sabia que Walter não era um
inimigo que eu queria ter. Só que eu não poderia deixar que me assustasse.
Sem dizer mais nada, saí de sua sala, mais decidido do que nunca a
arruiná-lo. Eu queria ver quem acabaria rindo por último daquela piada toda.
CAPÍTULO VINTE

Era engraçado sentir um friozinho na barriga ao ouvir a chave girando na


fechadura. E em pensar que meses atrás eu me trancava no quarto para não
vê-lo chegar.
Meu marido lindo cruzou a porta de nossa casa, segurando o paletó no
braço, gravata afrouxada, alguns botões da camisa abertos e o cabelo não tão
arrumadinho como quando ele saía pela manhã. Bonito como o pecado, capaz
de me provocar tantos sentimentos que nem pensei que era possível.
Ainda assim, parecia um pouco chateado. E eu não fazia ideia do motivo.
— Olha, filho, o papai chegou! — exclamei para o bebê no meu colo.
Aos cinco meses, Pedro era uma criança deliciosa. Risonho, esperto,
amável, sapeca, mas calmo quando precisava ser e tão lindo que às vezes eu
me perguntava como conseguia parar de olhar para ele por cinco minutos.
Moreninho como o pai, mas com alguns traços meus, era uma perfeita
mistura de nós dois; como se tivesse nascido exatamente para provar que
nosso casamento tinha potencial. Como alguma coisa que resultou em um
menino tão lindo poderia não ser perfeita?
Victor abriu um sorriso, mas era fácil perceber que havia algo de errado.
— Ei, garotão — falou ao se aproximar, largando tudo no sofá para pegar
nosso filho no colo. Ao mesmo tempo, inclinou-se para me beijar.
Ele era sempre carinhoso, atencioso e nunca negligenciava nenhum de
nós.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntei, preocupada.
Ele respirou fundo, e isso foi a resposta da qual eu precisava, mas o vi
assentir.
— Sim, mas primeiro eu preciso analisar algumas coisas antes de te
contar. Tudo bem?
Balancei a cabeça também, compreendendo-o, mas sentindo-me um
pouco assustada. O que poderia ser?
Eu precisava respeitar o tempo de Victor para me contar seus problemas.
Apesar de estarmos em um clima de romance, ainda havia certa distância
entre nós.
Ele se perdeu em alguns momentos com o bebê, brincando, e isso pareceu
deixá-lo um pouco mais relaxado. Tomou um banho e jantamos juntos,
conversando, e Victor me ouviu mais do que falou. Contei algumas
novidades sobre minha empresa, o quanto estávamos evoluindo, e comecei a
pedir a ele que me ajudasse a preparar um contrato, porque tínhamos uma
primeira cliente pagante, o que, para nós, era um início muito bem sucedido.
Senti-o animado em poder ajudar, e eu esperava que isso nos unisse ainda
mais.
Levamos Pedro para dormir, colocando-o apagado no berço, e fomos para
a sala, porque ainda estava cedo. Depois daquela noite em que fizemos amor,
eu literalmente me mudei para seu quarto, passando a dormir em sua cama
todas as noites, em seus braços, acordando ao seu lado. Na maioria dos dias
ele me seduzia antes de dormirmos e quando acordávamos. Tomávamos
banho juntos, e ele me beijava demoradamente sob o jato d’água e enquanto
comíamos à mesa do café da manhã.
Naquele momento, eu estava aninhada em seu colo, no sofá, e ele me
beijava como se pudesse extrair seu próprio oxigênio da minha boca. Era
engraçado me sentir na fase de namoro com um homem com quem eu estava
casada há mais de dois anos – contando o primeiro ano do contrato, a
gravidez e mais os cinco meses de nosso filho. Cada sensação era
empolgante, cada beijo me era novo, a forma como ele me tocava me
colocava em chamas.
Apesar de tudo isso, de sempre ser um deleite ser beijada por Victor, eu o
sentia muito tenso naquela noite. Sabia que se as coisas estivessem bem, ele
já teria me deitado naquele sofá, colocado-se por cima de mim e começado a
me tocar de forma bem mais íntima, atiçando-me e me preparando para muito
mais. Naquela noite, embora parecesse me desejar, algo o deixava distraído.
Percebendo isso, afastei-me, encerrando o beijo. Tentei sair de seu colo,
mas Victor me segurou, mantendo-me consigo.
— Não. Fique aqui. Sei que não estou sendo uma boa companhia esta
noite, mas...
— Ei! — eu o interrompi, alarmada. — Não diga isso! Você sempre é
uma boa companhia.
Um sorriso desanimado se desenhou em seu rosto, e ele me deu um beijo,
quase como em agradecimento pelo que eu tinha acabado de dizer, mas era a
mais pura verdade. Nos últimos tempos, Victor se tornara a minha companhia
preferida; um amigo que eu nunca esperei ter.
Por causa dos preconceitos do meu pai e da criação que recebi, eu tinha
poucos amigos, e encontrar alguém que sabia me ouvir, aconselhar e que me
divertia no homem com quem casei obrigada foi um golpe de sorte, sem
dúvidas.
— Só estou preocupada — completei. — Sei que tem algo te
aborrecendo, mas quero respeitar seu tempo.
— Obrigado. Eu realmente preciso ir um pouco mais a fundo em coisas
que descobri antes de te envolver nelas. Você me entende, amor?
Claro que eu não era uma boba, muito menos uma adolescente iludida,
mas a palavra amor se destacou em meio às outras naquela frase. Era um
apelido carinhoso, que poderia não ter nada a ver com os sentimentos de
Victor por mim, mas fora a primeira vez que me chamara daquela maneira.
Antes era querida, linda, princesa... mas nunca amor.
Não queria acreditar que tinha algum significado mais profundo, mas não
conseguia controlar meu coração, muito menos a vontade de confessar que o
amava.
— Sim, eu entendo — foi minha resposta. Então fui novamente
arrebatada e beijada, e Victor levantou-se comigo no colo, carregando-me
para a cama, onde salvamos a noite um do outro.
Na manhã seguinte, ele já tinha saído para o trabalho quando o interfone
do apartamento tocou. Julguei que fosse Fernanda, porque ela sempre
chegava mais ou menos àquela hora, mas seu nome já estava na portaria do
condomínio, então ela poderia entrar sem ser anunciada.
Para a minha surpresa, era meu pai.
Não estava muito animada para vê-lo, mas talvez estivesse na hora de
abrir as portas para ele. Ainda não conhecia Pedro, e era um pouco injusto da
minha parte não permitir que visse o próprio neto.
Deixei-o subir e senti meu coração afundar no peito ao vê-lo ali, depois
de tanto tempo. Nosso último encontro não fora dos mais amigáveis, e eu
ainda estava um pouco desconfiada de sua presença, mas tentei abrir minha
mente e esperar o melhor da visita.
— Posso entrar? — Seu jeito cheio de desdém sempre me incomodava,
mas abri passagem. Ele segurava um envelope na mão.
Maria tinha ido ao mercado para mim, então eu estava sozinha com
Pedro. O bebê estava, aliás, naquele momento, deitado no cercadinho, onde o
deixei para atender à porta.
Assim que viu o menino, meu pai foi em direção a ele e o pegou,
deixando o envelope sobre a mesa de centro.
Era estranha a sensação de vê-los juntos, porque, afinal... aquele era o
meu pai, não? Por mais que tivesse seus defeitos, sempre foi bom para mim,
na medida do possível. Nunca me tratara mal, e Pedro, sendo menino, tinha
ainda mais chances de conquistar sua admiração, como jamais aconteceu
comigo.
— Ele é lindo — comentou, parecendo emocionado. Mas eu não saberia
dizer se estava mesmo sensibilizado ou se era mais uma de suas atuações.
— Obrigada — foi tudo o que consegui responder.
— É uma pena que não tenha podido acompanhar seu crescimento. Mas
ainda está em tempo, não está? Ou vai me afastar novamente?
Na verdade não era nem minha intenção me aproximar, ao menos não
ainda, mas sabia que era melhor assim.
— Não, pai. Você é bem-vindo.
Ele assentiu e se sentou no sofá, colocando Pedro em seu colo.
Acomodei-me em uma poltrona, com um distanciamento saudável,
observando-os.
A cena poderia ser até mais comovente se eu ainda não estivesse
desconfiada de sua presença. Algo me dizia que o fato de ter escolhido um
horário em que Victor não estava em casa para me abordar não era
coincidência. O humor sombrio do meu marido na noite anterior também
voltou à minha memória, enquanto eu começava a me perguntar se não
poderia ter algo a ver.
Eu esperava que não.
— Então você e Victor pretendem continuar casados? — ele soltou a
pergunta de forma displicente, como se estivesse falando sobre o tempo.
— Sim. Nós gostamos um do outro.
Meu pai sorriu. Não um sorriso satisfeito de um homem que descobre que
sua filha é feliz no amor, com um pretendente que ele mesmo lhe escolhera.
Isso era algo que me deixava intrigada. Se me obrigara a me casar com
Victor, por que, naquele momento, parecia tão incomodado com o fato de que
o casamento, de fato, dera certo?
— Ele não é o homem certo para você — novamente cuspiu as palavras
sem rodeios.
— O quê? Não estou entendendo...
— Acho que fui bem claro. — Ainda segurando meu filho, ele ergueu os
olhos para mim. Por algum motivo a necessidade de arrancar Pedro de seus
braços me consumiu, mas continuei parada. — Victor não é bom o suficiente
para uma Giardelli. Você é uma princesa, Laís. Precisa de alguém com um
sobrenome tão poderoso quanto o seu.
— Pai, eu não estou entendendo... Você me obrigou a me casar com
Victor. Você nos juntou. Sempre achei que o amava como a um filho.
— Eu tenho um carinho pelo garoto, mas não exagere. Eu precisava que
ele entrasse em cena, porque sabia que você estava planejando se mudar para
morar com aquele idiota que era pior ainda. O casamento veio em boa hora, e
porque eu queria Victor como sócio, mas só podia nomeá-lo se tivesse
ligações com a família.
— E agora quer que nos separemos? — Ainda me sentia confusa.
— Quero. Acho que é o melhor para você.
Levantei-me, indignada.
— Você só pode estar louco se acha que vai me manipular assim. Victor é
pai do meu filho, e eu o amo... eu... — Logo percebi que falei demais, e
quando calei minha boca já era tarde.
Muito devagar, meu pai se levantou também e colocou Pedro de volta no
cercadinho.
— Ah, você o ama? — Enquanto falava foi abrindo o envelope que
deixara sobre a minha mesa. — Acho que está na hora de você entender que,
na maioria das vezes, o amor não passa de uma ilusão.
CAPÍTULO VINTE E UM

O dia amanheceu estranho. Ao menos para mim.


Sabe quando você tem aquela sensação de angústia, como se pudesse
prever que algo vai dar muito errado?
Pois é.
Acordei com Laís nos meus braços, ainda adormecida, e fiquei olhando
um pouco para ela. Sua mão no meu peito despido, quase sobre o meu
coração, era cálida e um indicativo de que estava tudo bem. Ou deveria ser.
Ela respirava serena, ainda nua depois da noite anterior, e eu queria poder
congelar nossa vida naquele momento.
Levantei-me com cuidado para não acordá-la e fui ver Pedro, que ainda
dormia no berço. Eram pouco mais de seis da manhã, e eu sabia que dali a
pouco acordaria para mamar, berrando a plenos pulmões, já sabendo anunciar
o que queria de nós. Também perdi algum tempo admirando-o e entrei no
banho para me aprontar.
Quando saí do quarto, já pronto, Laís estava com a mesa de café da
manhã posta, com nosso bebê preso em seus braços e apoiado na cintura –
uma visão que era puro deleite para mim.
Comemos juntos, e eu saí uma hora depois, beijando os dois, já doido
para voltar para casa.
Era engraçado pensar no quanto eu sempre amei ir à empresa, trabalhar
fazendo o que realmente gostava, e principalmente ganhar meu dinheiro e
ajudar a minha mãe, mas desde o dia anterior, ficar na Giardelli passou a ser
um incômodo.
Depois que Laís dormiu, eu ainda fiquei algum tempo analisando os
documentos que Jorge me enviou, e não havia erros em seu julgamento –
meu sogro e sócio era, de fato, um mau caráter ainda pior do que imaginei a
princípio.
Quando cheguei à empresa, ele não estava presente. Vi sua sala vazia, e
eu até achei melhor assim, porque não estava a fim de olhar em sua cara
depois da discussão do dia anterior.
Comecei o meu trabalho, sentindo-me completamente desmotivado.
Embora fosse ambicioso e tivesse minhas intenções de subir na vida e ganhar
muito dinheiro, minha prioridade sempre foi prezar pelo meu nome. O nome
do meu pai, que eu nem usava – Cardoso –, poderia ir para a lama, mas o da
minha mãe, jamais. Foi ela quem me ensinou o poder da honestidade. Fora
ela que me dissera que por caminhos corretos poderíamos demorar mais a
chegar ao objetivo, mas que quando conquistássemos a vitória, ela seria mais
doce. Era como roubar em um jogo – ganhar poderia ser bom, mas ganhar
por méritos mexia com o orgulho de uma forma muito positiva.
Seus ensinamentos martelavam naquele momento na minha cabeça, então
decidi que precisava conversar com ela mais tarde. Talvez saísse da empresa
um pouco mais cedo para passar em sua casa, antes de ir para a minha. Seria
bom desabafar e pegar seus conselhos preciosos.
Foi mais ou menos uma da tarde, quando eu estava prestes a sair para o
almoço, que Walter surgiu na minha sala. Eu não sabia se já estava na
empresa há mais tempo ou se acabara de chegar, mas ele entrou na minha
sala sem nem bater, como se minha privacidade não valesse de nada.
— Boa tarde, Victor — senti um tom de triunfo em seu tom de voz, algo
que me deixou imediatamente apreensivo.
— Boa tarde.
— Vim te parabenizar. Seu filho é lindo — ele soltou a informação
daquela forma, sem preparação, deixando-me confuso. — Fui ao seu
apartamento hoje de manhã, ver a minha filha. É bom saber que vocês... se
entenderam.
Um novo calafrio percorreu a minha pele novamente pela forma como ele
falou. Ele não parecia achar tão bom assim, o que eu já imaginava.
— O que foi fazer lá? — perguntei, já com medo.
Walter não respondeu de imediato. Ele apenas veio se aproximando da
minha mesa, quase como um predador, apoiando-se nela com as duas mãos e
se inclinando para se aproximar ao máximo.
— Talvez você devesse dar uma corrida em casa... eu posso ter falado
algumas coisas à minha filha que te deixarão em maus lençóis.
Levantei-me de um rompante, empurrando a cadeira de rodinhas para
trás.
— Que merda você falou para ela? — Não conseguia pensar em nada que
pudesse deixar Laís irritada comigo. Sobre o que descobri no dia anterior, eu
tinha prometido que contaria a ela, apenas pedi um tempo para averiguar as
informações. Além do mais, eu não estava envolvido.
Mas o filho da puta poderia mentir, não?
Inclinando-me também, agarrei-o pela gravata, doido para lhe dar um
soco, mas ansioso para que me respondesse.
— Só a verdade. Acho que vocês precisam conversar...
Novamente, eu poderia dar umas porradas naquele desgraçado que um dia
considerei como pai. Ainda assim, Laís era mais importante.
Peguei minhas coisas com pressa, passando por Walter e empurrando-o
no processo. Fosse o que fosse que ele tinha falado com Laís, se prejudicasse
nosso relacionamento, ele iria pagar por isso. Não só pelos meus punhos, mas
eu não teria nenhum remorso em ajudar Jorge Passani em absolutamente tudo
o que ele precisasse.
Corri para o meu carro e acelerei pelas ruas do Rio de Janeiro, quase
cortando sinais. Cheguei ao meu prédio em tempo recorde, estacionando e
subindo ao apartamento.
Quando abri a porta, vi duas malas paradas próximas ao sofá. Laís logo
surgiu, saindo do quarto, com Pedro no colo. O carrinho dele estava parado
ao lado da bagagem.
Seus olhos estavam vermelhos, como se tivesse chorado muito.
Deus... eu não queria vê-la chorar. Não queria que sofresse por minha
causa mais do que já tinha sofrido.
— Laís, o que foi que ele te falou? Por que você fez as malas?
Não eram só as malas. Ela estava de calça jeans e camiseta, pronta para
sair. Fernanda não estava ali, como costumava estar nos dias de semana.
Apesar do escritório alugado, com Pedro pequeno as duas preferiam se reunir
em nossa casa, o que nunca me incomodou.
Cuidadosamente ela colocou nosso filho no carrinho e se voltou para
mim. Sem maquiagem, com a cara limpa, estava tão linda. E aparentemente
inacessível para mim.
— Eu li o contrato que você assinou quando se casou comigo. Pelo que
pude ver, ele era bem diferente do meu — havia mágoa em sua voz.
Profunda. Não parecia ser algo que passaria com uma boa conversa.
— Laís, do que você está falando?
Uma lágrima deslizou por seu rosto delicado. Tudo o que eu queria era
puxá-la para os meus braços, mas não era o momento.
— Você me tratou daquele jeito por todo o primeiro ano do nosso
casamento por ganância? Porque perderia sua sociedade caso nos
apaixonássemos?
Ah, merda!
Merda!
— Foi Walter que te falou isso?
— Ele nem precisou. Não sou burra, consegui deduzir pelas cláusulas que
li. — Ela fez uma pausa. — Mas... pior do que isso. Por que quer ficar
comigo agora, Victor? Por que quis tanto ser presente na vida de Pedro?
— Porque ele é meu filho! Porque você dois são...
— Não! Não comece! — ela se alterou e saiu da minha frente, indo em
direção à mesa de centro e pegando alguns papéis de lá. Assim que voltou
para perto de mim, estendeu-os para que eu os lesse também.
Era o contrato. O maldito contrato que assinei. Aquele que eu amava e
odiava com a mesma intensidade. Fora aquela assinatura que me levara até
Laís e que me dera o meu filho, mas tudo era muito complicado. Nosso
relacionamento se iniciara da forma errada, e eu estava começando a achar
que aquela seria uma mácula que nos seguiria para sempre.
— Cláusula 18. Acho que você deveria reler e se lembrar do que assinou.
Lá estava, a cláusula a respeito de um filho, da qual eu não me lembrei
quando Walter me falou da última vez e para a qual não dei a devida atenção.
Nem no dia da assinatura e nem quando ele a relembrou.
— Dar um neto para o meu pai te garantiria um bônus, não é? — A
expressão de Laís era de pura dor.
— Sim, mas eu não me lembrava disso, Laís! Tanto que não aceitei esse
bônus. Seu pai me ofereceu, mas eu não quis assinar nada.
Então mais lágrimas surgiram quando Laís começou a chorar mais
intensamente. Refazendo seu movimento, ela voltou à mesa de centro e
pegou mais um bolo de papéis.
Aquele eu desconhecia por completo, mas era como um novo contrato. E
estava assinado por mim. Ou, ao menos, tratava-se de uma assinatura muito
parecida com a minha. Muito bem feita. Por um profissional, sem dúvidas.
A data era de semanas depois do nascimento de Pedro.
Havia várias outras informações ali – que se eu continuasse casado até o
meu filho completar dois anos haveria mais um bônus. Que caso acontecesse
outra gravidez no período, mais uma promoção.
Eu não podia culpar Laís por estar tão magoada. Aquele documento
praticamente provava que eu estava com ela, tentando ser um bom marido e
um bom pai, em troca de dinheiro.
— Você precisa acreditar em mim, Laís! Eu não assinei este segundo
contrato. Isso aqui é falso, forjado! — E Walter já tinha um histórico em
falsificação de documentos, não era? Ele conhecia as pessoas certas.
— As assinaturas são idênticas, Victor. Não seria a primeira vez que você
faria algo dessa natureza por sua ganância. Não posso te julgar, porque eu fiz
parecido quando nos casamos, mas nunca envolveria um bebê no processo.
Laís começou a se afastar, mas eu a segurei. Ela rapidamente tentou se
desvencilhar.
— Me solta! — gritou. — Nada do que você diga agora vai me fazer
acreditar nas suas mentiras. — Abriu um sorriso sarcástico. — Você é bom
no que faz, Victor. Me seduziu, me conquistou... Sei que nossa primeira vez
foi incentivada por mim, mas a chegada de Pedro foi bem providencial, não
é?
— Então quer dizer que você não acredita que eu ame nosso filho? —
falei qualquer coisa no desespero. Eu era uma porra de um advogado sem
argumentos.
— Ah, eu acredito. Mas não acredito que tenha sentimentos por mim.
Novamente coloquei as mãos em seus braços, porque não suportava não
poder tocá-la.
— Eu amo você, porra! Amo!
Os olhos de Laís se arregalaram, e por um momento jurei que iria
acreditar me mim, só que ela apenas se desvencilhou mais uma vez,
afastando-se como se eu fosse contagioso.
— Não diga isso. Não agora. Não vai me manter ao seu lado me iludindo
assim, só vai me machucar.
— Não, Laís, por favor. Eu nunca quero te machucar. Não se afaste, me
deixe explicar.
— E tem explicação? Está tudo documentado. Você não tem defesa, Sr.
Advogado. — Apesar de tudo, ela fez uma pausa, olhando para o chão e
passando a mão pelos cabelos dourados, que estavam soltos, caídos por seus
ombros. — Eu preciso de um tempo. Estarei na casa de Fernanda. Quando
quiser ver o seu filho, é só ligar.
Eu queria ver meu filho todos os dias. Queria ver a minha esposa todos os
dias.
— Laís... não... não vá.
— Me deixa esfriar a cabeça um pouco. Daqui a alguns dias conversamos
e tomamos as decisões necessárias.
Que decisões? O que ela queria dizer com aquilo?
Sentindo-me sem ar, atordoado e impotente, deixei que saísse pela porta
com nosso filho, porque não podia prendê-la ali. Não podia magoá-la ainda
mais.
Quando a porta bateu, eu nunca me senti mais sozinho. Nunca me senti
tão perdido.
De que valia todo o dinheiro e sucesso naquele momento, se eu não tinha
mais nada?
CAPÍTULO VINTE E DOIS

Eu estava precisando de um abraço. E Fernanda não me poupou de um.


Ou de vários.
Graças a Deus Pedro decidiu dormir por boa parte do dia, porque tudo o
que eu queria era colo da minha amiga. Passei horas no sofá chorando, como
um nada. Deixei que ela assumisse tudo e só virei gente novamente no
momento em que precisei amamentar meu filho.
Volta e meia, Felix vinha se deitar perto de mim, ou passava sua
cabecinha no meu braço, que pendia para fora do sofá, esperando carinho ou
atenção. Miava baixinho ao meu lado, com uma carinha de pidão, e eu
tentava atendê-lo ao máximo, embora não estivesse de bom humor nem para
um bichinho fofinho.
Frajola, por outro lado, mal me cumprimentou.
Meu telefone, jogado na mesinha de café ao lado do sofá, não parou de
vibrar um só minuto. Pedi que Fernanda ficasse de olho para o caso de ser
algo sobre o nosso trabalho, mas a cada minuto que checava dizia que era
algo de Victor.
Ele parecia verdadeiramente desesperado. E eu queria acreditar que um
pouco de seu empenho de falar comigo tinha a ver com seus sentimentos,
mas meu pai já me envenenara o suficiente para me fazer olhar tudo com
olhos maliciosos e maldosos.
Victor dissera que me amava. Algo que desejei ouvir por algum tempo,
mas não naquelas circunstâncias. A palavra me atingiu como um soco,
porque eu já estava tão magoada, tão ferida...
Como ele tivera coragem de mentir daquela forma?
Mas era isso que me perturbava. E se não fosse mentira? E se Victor
realmente tivesse aprendido a me amar, como acontecera comigo? Até me
descobrir grávida eu sequer suportava sua presença, mas depois tudo mudou.
Naquele momento, eu começava a tentar descobrir como iria viver sem
ele.
— Amiga — Fernanda chamou.
Eu estava deitada em seu sofá, com o travesseiro sob a minha cabeça
molhado das minhas lágrimas. Sentindo-me inútil e miserável, voltei meus
olhos na direção de Fernanda sem nem ter coragem de me levantar.
— É seu pai no telefone. Ligando. Falei que não estava se sentindo bem,
mas... você sabe como ele é insistente.
E cruel…
E vil...
E tantas outras coisas que eu nem queria pensar.
Eu deveria mandá-lo pastar, mas estava quase curiosa para saber o que
queria.
Levantando-me e colocando-me sentada, peguei o telefone da mão de
Fernanda, tirei-o do mudo e o levei à orelha.
— Alô — saudei não muito entusiasmada.
— Como está, querida? Fiquei preocupado com a forma como te deixei
quando saí do apartamento de Victor...
Bem, não era para menos, levando em consideração as informações que
ele me passou. Eu estava chorando, sentindo-me derrotada, e provavelmente
era perceptível em meus olhos, na minha linguagem corporal e nas minhas
poucas palavras.
— Como eu poderia estar, pai? Depois de tudo? Sente-se feliz agora? Saí
da casa de Victor... estou magoada e não quero falar com ele. Era isso que
queria?
— Eu quero o que é melhor para você, princesa.
— Não! Você quer o que é melhor para você. Sempre foi assim. Mas isso
acabou. Esqueça que eu existo. E eu vou te falar uma coisa, pai... se descobrir
que manipulou a verdade de alguma forma para me separar de Victor, você
nunca mais vai ver o seu neto. Se é que isso te importa...
Desliguei o telefone sem esperar que se despedisse, enquanto ainda falava
do outro lado, algo no qual eu nem prestei atenção.
Joguei o telefone longe, sentindo que a tristeza fora substituída por raiva,
que era algo que eu até preferia.
Então por que não conseguia sentir raiva de Victor daquela maneira?
Seria muito mais fácil.
— Amiga... — Fernanda sentou-se sobre a mesa de centro, bem de frente
para mim, observando-me com atenção. — Você realmente acha possível que
seu pai tenha manipulado a verdade de alguma forma?
Ergui os olhos para ela, porque não esperava aquela pergunta. Ela pegava
exatamente na ferida que eu estava querendo ignorar, mas que doía
profundamente no meu peito. A incerteza. O medo de ter cometido um erro.
De ter sido precipitada.
Droga, eu podia estar agindo como uma boba, mas eu via algo nos olhos
de Victor. Eu via a verdade. Enxerguei a sinceridade quando disse que me
amava. Mas aquela assinatura...
Bem... o bebê acontecera, não? E se estava no contrato que ele deveria
ganhar um bônus caso tivéssemos um filho, por que não aceitar? Seria,
inclusive, uma segurança para Pedro ter um pai bem sucedido. Quanto mais
dinheiro ele fizesse, mais chances nossa família teria de...
Não. Eu estava passando pano para Victor. O problema em si não era
apenas ele ter aceitado um dinheiro a mais por causa do nascimento do nosso
filho, mas ter negado. Possivelmente mentido. Se tivesse me falado a
verdade, que decidiu aceitar a oferta do meu pai, porque não tinha nada a
perder, eu ficaria um pouco desconfiada, mas passaria. Nós conseguiríamos
sobreviver a isso.
Mas eu ainda não sabia o que pensar.
— Não sei, Nanda. Não consigo confiar cem por cento no meu pai —
desabafei.
— E em Victor? Você confia?
Aquela era uma pergunta difícil. Eu queria confiar. Muito. Mas, mais do
que isso, eu sabia que não poderia colocar minha mão no fogo por alguém
que já me fizera tanto mal. Talvez estivesse sendo dramática e chata, mas era
meu coração partido falando. Era difícil não me entregar aos pensamentos
negativos.
— Não sei. Seja como for, acho que preciso de um tempo para pensar e
avaliar toda a situação. Meu pai apresentou provas. Eu deveria acreditar no
que vi e não no que quero acreditar.
Fernanda deu de ombros e se levantou da mesa, acomodando-se no sofá,
na outra ponta.
— Seu pai não é o maior exemplo de lealdade. E você sabe que ele gosta
de manipular todo mundo.
Sim, eu sabia.
— Mas qual seria o sentido de ele me juntar a Victor para depois querer
nos separar?
— Você mesma falou, Laís, que antes de qualquer coisa, quando ainda
namorava o Manuel, ele ficava te empurrando para aquele chato do Otávio.
— Põe chato nisso — comentei, pensativa. — Seja como for, hoje eu só
quero ficar na fossa.
— Ah, amiga... então vem que eu te dou colo! — Fernanda abriu os
braços, e eu me deitei sobre suas pernas, permitindo que fizesse cafuné em
meus cabelos, com os gatos ao nosso redor. A sensação era tão boa que eu
dormi ali, só acordando algumas horas depois para amamentar Pedro.
Por conta do tanto que dormi de tarde, acabei ficando desperta de
madrugada, sem conseguir pegar no sono. Como não tínhamos um berço para
Pedro, tivemos que deixá-lo dormindo na cama, cercado por travesseiros, e
eu fiquei com medo de que acabasse caindo, bancando a mãe paranoica.
Aproveitei para ficar contemplando meu lindo bebê e percebendo cada
um dos detalhes que o tornavam tão parecido com o pai. Eu sempre teria
Victor gravado na minha vida através do nosso filho, estivéssemos ou não
separados.
Com um timing perfeito, aliás, meu celular, na mesinha de cabeceira ao
lado da cama do quarto de hóspedes de Fernanda, vibrou. O nome de Victor
piscou na tela, causando um pesado aperto no meu peito.
Ignorei a primeira vez. Ignorei a segunda. Eu poderia ter desligado o
aparelho, mas não o fiz. Quis convencer a mim mesma de que quando atendi,
na terceira tentativa, foi para dar notícias a ele de Pedro.
Só que a voz embolada do outro lado da linha me dizia que estava
bêbado, o que me preocupou.
— Laís... meu Deus... graças a Deus — ele falou, em um tom um pouco
mais alterado pelo álcool. — Por favor, não desliga e me ouve. Eu estou
louco aqui sem você.
— Victor, você está bêbado — era uma constatação idiota, mas eu não
sabia o que dizer.
— Sim, um pouco. Não estou suportando esse apartamento vazio, sem
você e sem Pedro. Volta para mim, por favor. Vamos conversar.
Volta para mim...
Sua voz soou tão desesperada, tão sincera... Não era possível que eu
estivesse tão cega, tão surda e tão iludida.
— Me dá um tempo, Victor. Vou deixar que fale comigo, que me conte o
que quer contar, mas preciso estar com a cabeça fria ou vamos acabar
brigando.
— Não, não vamos. Eu vou me ajoelhar diante de você e te pedir que
fique comigo, que me dê uma chance. Porra, Laís! Eu me controlei como um
louco hoje para não ir até o apartamento da Fernanda... fiquei aqui porque
não posso te obrigar a me receber, não posso te trazer para casa carregada na
merda dos meus ombros, porque não é justo com seus desejos e você já foi
manipulada demais na vida.
Era doce ouvi-lo. Era reconfortante saber que Victor, apesar de tudo,
respeitava minhas vontades, diferente de muitas pessoas que me rondavam.
— Só tenha um pouco de paciência — pedi, sentindo as lágrimas arderem
nos meus olhos, querendo cair.
— Terei, meu amor. Por você eu terei. Mas saiba que vou te provar que é
um engano. Talvez não seja fácil a forma como a verdade virá à tona, mas
estarei ao seu lado para cuidar de você.
Não seria fácil? Do que ele estava falando?
— Victor, o que...?
— Agora não importa, porque você provavelmente não vai acreditar em
mim, e isso só vai servir para nos afastar ainda mais. Eu te amo, Laís. De
verdade. E vou te provar isso.
Então ele desligou sem me deixar falar mais qualquer coisa.
Enquanto olhava para o aparelho na minha mão, sentia-me ainda mais
confusa do que antes. O que Victor teria para me provar?
O que o futuro nos reservaria a partir dali?
CAPÍTULO VINTE E TRÊS

Um merda. Era isso que eu era.


Cada porcaria de decisão que tomei na minha vida me levava a ter mais e
mais noção disso. Eu magoava as pessoas. Permiti-me ser comprado em
busca de sucesso e poder. Mas quando o resultado desse erro mostrou-se o
maior acerto da minha vida, o que eu fazia? Estragava tudo.
Por que não contei a verdade para Laís desde o início? Por que não abri
meu coração, quando percebi que estava começando a me apaixonar,
mostrando-lhe o contrato e dizendo meus motivos para afastá-la? Por que não
permiti que tomássemos as decisões juntos?
Mais ainda... por que não contei a ela sobre as descobertas de Passani?
Ao menos ela tinha me atendido, o que deveria ser um bom sinal. Não
descartara totalmente a ideia de me ouvir. Só que quanto tempo mais
demoraria para estar pronta? Quanto tempo mais me faria esperar?
Eu sabia que não era por pirraça; Laís não era esse tipo de mulher. Ela
estava magoada. E eu era o pior filho da puta do mundo por feri-la.
A campainha tocou, e eu pulei do sofá desesperado. Em minha
embriaguez nem pensei que Laís tinha a chave e poderia ter entrado.
Era de manhã. Eu tinha acabado de acordar e não estava a fim de ver
ninguém. Nem ia aparecer na empresa. Então, sem camisa, com os cabelos
bagunçados, cambaleando e resmungando, abri a porta para ver minha mãe
do outro lado, com um embrulho nas mãos.
Calado, saí da frente dela, deixando-a passar, e apenas me joguei de volta
no sofá.
— Você está péssimo — ela falou sem rodeios.
— Você é minha mãe. Deveria me dizer todos os dias o quanto eu sou
lindo.
— Por ser sua mãe é que devo te dizer a verdade. — Ela foi direto à
cozinha. Abriu a geladeira e guardou o embrulho que trazia. Então deu a
volta e apoiou-se no balcão, olhando direto para mim. — Precisamos
conversar. Vá tomar um banho e ficar decente.
— Mãe, me deixa, por favor. Eu não estou bem — implorei.
— Isso é visível. Estou aqui em missão. Sua esposa me enviou.
Ergui uma sobrancelha.
— Minha esposa? A mesma que me abandonou? Que piada! — falei com
a voz embolada, odiando a mim mesmo por me referir a Laís daquela forma.
Não era culpa dela. Era minha. Da minha ganância.
— Laís me ligou pedindo que eu viesse dar uma olhada em você. É uma
garota preciosa.
— Eu sei disso, mãe.
Só não sabia como fazer para que ela entendesse que eu a considerava
assim. Que meu sentimento não era uma mentira.
— Se sabe, comece valorizando o cuidado que ela teve com você.
Levante-se desse sofá, tome um banho, vista-se e venha almoçar comigo. Eu
trouxe o risoto que você gosta.
Eu estava com o estômago embrulhado da ressaca, mas sabia que minha
mãe estava certa. Precisava voltar a ser um homem minimamente decente se
quisesse começar a lutar para trazer minha esposa e meu filho de volta.
Arrastei-me para o banheiro, enfiando-me debaixo da ducha e demorando
o máximo de tempo possível. Queria que a água lavasse toda a minha
vergonha e meu arrependimento, embora soubesse que não aconteceria.
Voltei para perto da minha mãe já usando uma roupa limpa e vi a mesa
posta para dois. Isso me doeu o coração. Eram assim os jantares com Laís.
Eu, ela, nosso bebê por perto, conversas fáceis, os sorrisos, a comida que
gostava de preparar para nós, por mais que Maria sempre deixasse algo
pronto.
Aliás...
— Cadê a Maria? — Como eu tinha demorado tanto para perceber que a
minha funcionária não havia chegado?
Sentei-me à mesa, enquanto minha mãe tirava a comida do micro-ondas.
— Eu a dispensei hoje. Queria que estivéssemos só nós. — Olhei para ela
com uma expressão desconfiada, mas esperei que prosseguisse. — Ontem
mais cedo você me mandou uma mensagem dizendo que precisava conversar
comigo, que queria uns conselhos.
Ontem...
Parecia que fazia uma eternidade desde que enviei aquela mensagem
para a minha mãe. Parecia que Laís não estava em casa há anos. Meu bebê...
Porra... meu peito doía de saudade do meu filho.
E era isso que me fazia sentir um pouco de raiva dela. Como tivera
coragem de tirar meu garotinho de mim? Fosse por um dia, uma hora... não
importava. Eu deveria tomar uma atitude em relação a isso. Mas o quanto
algo assim nos afastaria ainda mais?
— O que queria me dizer, Victor? — indagou minha mãe,
arrancando-me de meus pensamentos.
— Estou com um problema nas costas. Aparentemente Walter vai ser
acusado de falsificação de evidências. Eu estava um pouco na dúvida se
deveria ou não ajudar a pessoa que vai fazer a denúncia, mas depois de
ontem... Estou muito certo de que é o caminho — confessei, enquanto me
servia e D. Marisa se sentava à minha frente. — Ele está tentando me separar
de Laís depois de ter nos obrigado a casar. O quão escroto é isso?
— Hummm... — minha mãe murmurou enquanto roubava um
camarão de cima da travessa do risoto e o levava à boca. — Você quer
participar da denúncia porque acha que é o certo ou porque quer se vingar?
Abri a boca para responder, mas me impedi antes de falar o que
queria dizer.
— As duas coisas. Mas o fato de eu estar puto apenas me impulsionou
a fazer o certo. O cara colocou inocentes na cadeia, mãe. Fez trabalhadores
perderem seus direitos. Tem gente corrupta solta porque ele manipulou as
coisas.
— Então você já tem a sua resposta. Por que a dúvida?
— Porque eu fiquei com medo de magoar Laís. O cara é pai dela. Se
for preso, como não vai ficar?
— Você pode ir preso com ele se as coisas forem comprovadas? —
Balancei a cabeça, assentindo. — E quer pagar por algo que não cometeu?
Acha que Laís iria gostar de ver pai e marido na cadeia?
— Claro que não.
Minha mãe respirou fundo e colocou a mão sobre a minha, por cima
da mesa.
— Todas as mães se sentem inseguras a respeito da criação que deram
para seus filhos. Eu me sinto assim todos os dias. — Preparei-me para
corrigi-la e dizer que era maravilhosa, que não poderia nunca duvidar disso,
mas ergueu a mão, como se soubesse exatamente o que eu ia fazer. — Só que
de uma coisa eu tenho certeza, Victor. Te criei para ser um homem íntegro.
Para correr atrás dos seus sonhos. Para lutar pelo que quer, mas sem ferir ou
prejudicar pessoas pelo caminho.
— E eu só tenho feito o contrário.
Ela afagou minha mão.
— Não, querido. Não tem. Somos humanos e erramos todos os dias.
Mas consertar nossos erros é o que difere os covardes dos corajosos. E você
não é um covarde.
— Depende. O que eu sinto por Laís me torna um.
D. Marisa sorriu.
— Exatamente por isso é que você vai fazer o certo. Por ela. Por seu
filho.
Sim. Pelos dois eu seria capaz de tudo. Pela família que construímos.
Minha mãe passou a tarde inteira comigo, saindo do meu apartamento
por volta das seis. Quando partiu, novamente senti o vazio da solidão me
preencher.
Vaguei pelo apartamento, indo ao quartinho de Pedro e mexendo nas
coisinhas dele que Laís deixou. Alguns brinquedos que não eram seus
favoritos, algumas roupinhas que ainda tinham o cheirinho dele, mesmo
lavadas. Tentei me agarrar à esperança de que o fato de ela tê-las deixado lá
significava que tinha intenções de voltar.
Depois fui ao nosso quarto, onde ela passara a dormir depois que nos
tornamos, de fato, um casal. Ela ainda guardava suas roupas no outro, mas a
camisola com que dormiu na noite anterior estava pendurada no cabideiro.
E, sim... também tinha o cheiro dela.
Novamente me vi no limiar do ódio e do amor. Parecia que ela tinha
feito aquilo de propósito só para eu ficar louco de saudade.
Levei a peça de roupa para a cama e cheguei a cochilar enrolado nela.
Acordei duas horas depois, completamente decidido.
Peguei meu celular e disquei para Jorge Passani, que atendeu no
segundo toque.
— Ei, garoto, bom receber uma ligação sua. Já decidiu? — perguntou
do outro lado da linha, sempre com aquele tom receptivo. Um som de bebê
vinha dos fundos da ligação, me fazendo imaginar que ele estava com os
netos.
E me matando mais ainda de saudade do meu.
— Já. Estou com você. Tenho acesso a muitas coisas dentro da
Gardelli. Por enquanto quero funcionar como um espião lá dentro. No que
posso ajudar?
Enquanto Passani falava, eu começava a compreender que para ter
tudo o que eu queria, mas de forma justa, teria que estar pronto para a guerra.
Mas eu estava.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO

Foi uma semana de merda.


Afundei-me em trabalho, saindo da Gardelli muito tarde. Não apenas
porque não queria ir para casa e me pegar sozinho, sem Laís e sem Pedro,
mas porque queria aproveitar a empresa quase vazia para começar minha
pequena investigação.
Sabia que Walter era um pouco psicótico com segurança e que havia
câmeras por toda parte, mas eu tinha acesso à maioria das salas, e visitá-las
não seria estranho, especialmente o arquivo.
Certifiquei-me de para quais pontos a câmera apontava, tentando ficar
incógnito ao máximo. Não queria que me vissem mexendo em coisas que não
me pertenciam. Ainda assim, os processos eram organizados alfabeticamente;
cada gaveta representava uma letra, então, eu poderia estar fazendo uma
pesquisa, um estudo.
Walter sabia que eu estava deprimido pela ausência de Laís e de Pedro,
então eu teria uma desculpa para estar tão empenhado em algo, para ocupar a
minha cabeça.
Ainda assim, os dias foram passando, e ele não falou nada. Não
saberia dizer se estava desconfiado, me testando, mas parecia mais animado
comigo e me tratando normalmente. O desgraçado estava feliz pela minha
separação com sua filha. Eu só queria saber quanto tempo iria demorar para
começar a empurrar aquele outro babaca para cima dela.
Eu sentia meu sangue ferver só de pensar nisso.
Fosse como fosse, foram os sete dias mais longos da minha vida.
A minha sorte era chegar em casa quase meia-noite e me jogar na
cama. No final de semana, me enfiei na empresa também, facilitando mais
ainda o meu trabalho na parceria com Jorge. Nem sentia remorso por estar
traindo o meu próprio sogro. Ele não apenas me traíra, mas também me tirara
tudo.
Ou ao menos era o que eu pensava até o dia em que minha campainha
tocou.
Jurei que seria minha mãe ou Hugo, que eram os que tinham entrada
liberada no meu prédio, mas vi Laís na porta. Com Pedro no colo.
Completamente paralisado, fiquei olhando para os dois como um
bobo, como se fosse a primeira vez que os via.
A minha esposa parecia reluzir em meio ao corredor mal iluminado
do prédio. Meu bebê olhava para mim como se não me visse há anos. E era
assim que eu me sentia em relação a ele também. Pedro parecia ter crescido,
mesmo naqueles poucos dias de separação.
— Oi, Victor. Podemos entrar? — Aquela voz... Ela seria capaz de
falar direto com a minha alma com tanta doçura.
Precisei me controlar desesperadamente para não puxá-la para mim,
com bebê e tudo, e beijá-la.
— É a sua casa, Laís — afirmei e abri passagem para ela.
Laís entrou e parou no meio do caminho. Girei o corpo, voltando-me
na direção dela, para olhá-la.
— Eu vim aqui ontem e anteontem, mas você não estava. Acho que
dei sorte hoje... — Sim, pela primeira vez naquela semana eu tinha chegado
um pouco mais cedo em casa, e ainda assim passava das sete.
— Tenho ficado até mais tarde na empresa — expliquei.
— Sua mãe me falou.
Um silêncio recaiu sobre nós, cortado por Pedro, que fez um sonzinho
fofo e estendeu as mãos para mim.
Meus olhos chegaram a arder.
— Posso pegá-lo? — perguntei, um pouco inseguro.
— É seu filho, Victor — ela usou o mesmo tom de voz que eu, ao
dizer que aquele apartamento era dela também.
Sem esperar que eu dissesse nada, Laís me entregou meu bebê, que se
acomodou nos meus braços, de onde nunca deveria ter saído.
Foi impossível não chorar. Impossível não apertá-lo contra mim,
sentindo sua cabecinha encostar no meu ombro, demonstrando que também
sentira saudade.
Beijei-o várias vezes, sussurrando o quanto o amava, esperando que
ele pudesse entender.
Quando ergui meus olhos para Laís, ela estava chorando também.
Segurando Pedro no colo, porque não me sentia capaz de soltá-lo tão
cedo, olhei para ela, emocionado, bem fundo em seus olhos.
— Estava com saudade.
Ela tentou um sorriso, limpando as lágrimas.
— Ele também, com certeza.
— De você, Laís — enfatizei. Não que não estivesse com saudade do
meu filho. Pelo amor de Deus, chegava a doer. Mas não apenas dele. —
Estou com saudade de nós.
Eu a vi respirar fundo, parecendo um pouco desconsertada.
— Precisamos conversar.
— Sim, precisamos.
Foram quase como movimentos ensaiados. Imitando algumas de
nossas noites juntos, sentamo-nos no chão, afastando a mesinha de centro,
sobre o tapete, deixando Pedro sentadinho com seus brinquedos à nossa
frente, enquanto nos olhávamos.
Lado a lado – diferente de quando estávamos juntos, porque ela
sempre se aninhava entre minhas pernas, encostada no meu peito –, ficamos
em silêncio, observando nosso filho brincar ainda descoordenado, mas
próximo o suficiente do nosso alcance e com almofadas a cercá-lo, caso
precisássemos ampará-lo.
— Eu não menti, Laís. Não a respeito de te amar — achei que era
uma boa forma de começar, porque era o mais importante.
— E quando começou? Quando se apaixonou por mim? — foi uma
pergunta inesperada, mas bem-vinda. Algo que precisava ter contado a ela
desde o início.
— Não sei exatamente o momento, mas acho que foi no dia em que
passamos a noite juntos, pouco depois do casamento. — De soslaio, eu a vi
assentir. — Claro que o sentimento foi crescendo, quanto mais eu convivia
com você.
— Não convivemos, Victor. Você não permitiu isso, e agora entendo
o porquê. — Ela finalmente olhou para mim. — É verdade, não é? Você me
afastou por causa da cláusula no contrato.
— É. — Eu não poderia mentir. Não mais. — Mas pense bem, Laís.
No início era só uma fagulha. Algo controlável. Achei que...
— Que era mais importante ganhar sua maldita sociedade do que se
apaixonar por mim?
Foi um soco bem dado. Um que eu merecia.
— Não deveria ser, mas era — fui sincero. O que mais me restava? —
Era o único obstáculo para eu conseguir tudo pelo que tanto lutei. Você
também se casou comigo sem me amar, Laís. Por que eu sou o errado da
história?
— Não é bem assim. Eu nunca me eximi da culpa. Mas estava pronta
para fazer dar certo. Meu coração estava aberto.
— Eu sei! — Passei a mão pelos meus cabelos, sentindo a indignação
me corroer. A raiva de mim mesmo. O arrependimento. — Eu me odeio por
isso. Quanto tempo perdemos. Tudo por minha culpa.
Laís não falou nada. Nem sequer concordou.
Ergui uma mão até seus cabelos, acariciando-a, esperando que não me
repelisse. Ela não se afastou.
— Estou falando a verdade, princesa. E te juro que não assinei aquele
papel. Podemos contratar uma pessoa para avaliar se é uma falsificação.
Podemos...
Eu pretendia continuar falando, mas Laís me interrompeu, avançando
sobre mim. Sua boca encontrou a minha em um beijo atormentado, que dizia
um milhão de coisas.
Dizia que ela me queria.
Dizia que a nossa história ainda não tinha terminado.
Dizia que, por mais magoada que estivesse, ainda havia um
sentimento em jogo.
Dizia que seu coração poderia me dar uma chance.
Ao menos eu esperava que não estivesse enganado.
Levando a mão que estava em seu cabelo ao seu rosto, segurando-o
delicadamente, correspondi. Minha língua incitou-a a abrir os lábios,
recebendo-me e concedendo-me o deleite de seu gosto.
Tentei ser paciente, lento e delicado, embora tudo o que eu quisesse
fosse arrebatá-la da forma mais selvagem possível. Deitá-la naquele chão e
torná-la minha mais uma vez.
Claro que nosso bebê estava ali, e eu não teria coragem, mas meu
corpo tinha ideias contrárias à minha mente.
Bem... isso eu não poderia fazer, mas queria-a mais perto. Passando
os braços sob seu corpo, puxei-a para mim, levantando-me com ela apenas o
suficiente para que nos acomodássemos no sofá, mantendo-a no meu colo,
para que pudéssemos continuar nosso beijo mais confortáveis.
— Eu te amo, Laís. Não é uma forma de te manter comigo, senão eu
teria inventado algo assim antes. É uma certeza. Uma confissão — falei
baixinho.
— Eu acredito.
Isso era o que importava. Poderíamos vencer todo o resto se ela ao
menos confiasse nos meus sentimentos. Se me desse a chance de prová-los.
E eu faria isso. Seria meu mais novo objetivo.
CAPÍTULO VINTE E CINCO

Foram beijos e beijos em silêncio. Não dizíamos nada e nem


precisávamos. Levamos Pedro para o berço, depois de nosso bebê começar a
dar sinais de soninho, e voltamos para a sala.
Tentei dizer alguma coisa, mas Victor me puxou novamente para seu
colo, segurando-me contra si, voltando a me beijar.
Sem o neném por perto, os beijos começaram a se tornar mais quentes,
com seus lábios deslizando por meu pescoço, e sua mão grande fechando-se
em meu seio pequeno.
Arfei com o contato. Sabia que o prudente seria parar e conversarmos um
pouco mais, que ainda havia muita coisa em jogo, mas eu não conseguia.
Victor sabia o jeito certo de me seduzir, e minha cabeça não me obedecia
mais. O centro do meu corpo latejava por ele, então, quando sua mão
começou a se esgueirar por dentro da minha saia, afastando a calcinha e
brincando com meu clitóris, eu gemi, sabendo que aquele seria nosso único
diálogo, por intermédio de beijos e toques e carícias.
Quando introduziu seu dedo dentro de mim, sentindo-me muito molhada,
meu corpo se arqueou, pedindo mais.
— Posso te dar um motivo para ficar, princesa? — ele sussurrou.
Não precisava disso. Eu já queria ficar. Queria retornar para casa, ficar
com ele, com meu filho, reconstruir a minha família. Mas eu não iria negar
que seria ótimo se empenhasse para que me convencer.
— Pode... pode, por favor — respondi em um ofego, e ele introduziu
mais um dedo, chegando bem fundo e me preenchendo, estocando,
masturbando-me com força.
— Próxima vez que se afastar assim de mim, eu vou à casa da Fernanda e
vou te sequestrar de lá. Não vou aguentar mais que fiquemos separados. Não
quero. Vou te trazer para casa carregada e amarrada, mas vou fazer isso.
Seu tom era de brincadeira, então, não pude conter uma risada, mesmo
em meio ao prazer.
— Você ri? — ele brincou.
— Vai ser sexy. Às vezes gosto de um homem das cavernas... — Não sei
de onde tirei coragem para dizer isso, mas saiu.
Victor pareceu entender, porque também deu uma risadinha e parou de
me masturbar. Usando seus braços fortes, ele me ergueu, carregando-me para
o quarto.
Sem nenhuma explicação, deitou-me na cama, colocando-me de bruços.
Desamarrou a faixa que prendia meu vestido pouco abaixo dos seios e a usou
para amarrar meus punhos para trás das costas.
— Você gostou da outra vez, não gostou? — perguntou, com o tom de
voz de comando que me deixava excitada.
— Muito.
Com a minha resposta, ele me posicionou, deixando-me ajoelhada na
cama. Tirou sua própria roupa, ficando completamente nu – delicioso, diga-se
de passagem –, e se esgueirou por baixo de mim, até que seu rosto ficou bem
abaixo da minha vagina, deixando-me montada em sua boca.
Agarrando cada uma das mangas do meu vestido, ele o puxou para baixo,
deixando meus seios expostos, vulneráveis aos seus dedos, que começaram a
estimular os mamilos, girando-os, enquanto me chupava naquela posição.
Meu Deus! Era insano. O que ele estava fazendo comigo? Com meu
corpo?
Minhas mãos presas para trás me deixavam completamente exposta e
vulnerável a ele, e intensificavam as sensações, porque eu gostava da
sensação de ser dominada daquela forma. Era algo novo, que eu estava
descobrindo aos poucos, mas bem-vindo.
Senti o orgasmo chegando, avolumando-se, pegando-me de jeito – tanto
quanto o homem sob mim. Percebendo que meu corpo começava a ficar um
pouco instável, Victor agarrou-me pelas coxas, afundando seus dedos na
minha carne, mantendo-me ali.
Eu estava prestes a gozar violentamente quando ele me ergueu de sua
boca, levando-me até seu pau, que estava mais do que ereto, esperando
atenção. Senti-me deslizar por ele, até encaixar-nos, corpo com corpo, pele
com pele. Tão fundo. Tão grande. Tão intenso.
Ele se remexeu sob mim bem devagar, dando-me apenas um gostinho do
que viria.
Como eu pude julgar ser capaz de viver sem o que ele poderia me dar?
Não apenas pelo sexo, embora fosse maravilhoso, mas pelo que nós dois
éramos juntos. Nós dois e nosso filho. Uma unidade. Éramos inquebráveis,
inseparáveis. Elos de uma corrente infinita. E eu queria que
permanecêssemos assim.
Daquela vez ele me permitiu gozar. E foi apocalíptico. Foi mágico.
Não que não fosse sempre com ele, mas aquela nossa “foda” tinha gosto
de recomeço. De reencontro. De reconciliação.
Gozamos juntos, e eu caí sobre ele, não querendo que nos
desconectássemos. Queria que ele ficasse dentro de mim por mais algum
tempo, que me preenchesse mais e mais.
Victor me soltou, enquanto sussurrava:
— Não usamos camisinha de novo.
Já solta, fiquei literalmente deitada sobre ele, com a cabeça em seu peito,
enquanto ele me rodeava com seu braço, também parecendo querer me
manter ali.
— Voltei a tomar anticoncepcional há uns dois meses.
Ele assentiu, beijando a minha cabeça e me apertando em seus braços,
como se quisesse me segurar contra si. Eu queria que ele me abraçasse
daquela forma para sempre.
Pegamos no sono, mas eu acabei acordando uma horinha depois. Era cedo
ainda, nem dez da noite, mas fui ao quartinho de Pedro para verificá-lo.
Sentei-me na minha poltrona confortável, ao lado do berço, cantando
baixinho, porque ele gostava que eu fizesse isso. A música da vez era Say a
Little Prayer:
Desde o momento em que eu acordo
Antes de me maquiar
Eu faço uma pequena oração por você
Enquanto penteio o meu cabelo
E escolho que vestido vou usar
Eu faço uma pequena oração por você
Para sempre você estará em meu coração
E eu vou te amar
Para sempre, nunca nos separaremos
Oh, e como eu vou te amar
Juntos
Viver sem você
Partiria o meu coração

Era engraçado que aquela música servisse tanto para exemplificar o


amor que eu sentia pelo meu filho quanto pelo meu marido. Viver sem
qualquer um deles destruiria meu coração.
E isso me fez enxergar que eu não poderia mais me privar do que
queria. Talvez eu pudesse fazer uma surpresa para Victor.
Com tal pensamento em mente, tomei uma decisão. Peguei meu bebê,
tirando-o do berço, reuni nossas coisas e parei diante de nossa geladeira.
A contagem regressiva tinha sido apagada e não havia nada em seu
lugar. Peguei o pilot e escrevi: EU TE AMO.
Eu queria que ele soubesse. Ainda lhe diria cara a cara, mas antes de
sair por aquela porta para definir nosso destino, queria que Victor conhecesse
meus sentimentos.
Deixei o apartamento – meu lar – e segui para a garagem, onde
coloquei o bebê na cadeirinha e parti para a casa do meu pai.
Fui recebida pela governanta e guiada até a sala de estar, onde fiquei
com Pedro no colo, aguardando. Imaginei que meu pai estaria jantando.
Sozinho. Completamente solitário. Como eu nunca mais estaria, porque faria
meu filho me amar, me respeitar e querer estar perto de mim, lhe
transmitindo segurança, cumplicidade e amizade.
Eu esperava que tivesse meu marido ao meu lado também.
— Que surpresa, querida. Não esperava vê... — Ele tentou se
aproximar de mim, mas eu recuei.
— Vamos pular a simpatia. Não estou aqui para isso. Vim para dar
um recado: não acredito no que falou sobre Victor e não me importa. O que
eu e ele fizemos no passado está no passado. Não vou me prender a isso
quando tudo o que quero é pensar no meu futuro e no do meu filho.
Meu pai me observava de cima, muito altivo, muito cheio de si.
— Está destruindo seu futuro novamente. Suas escolhas são péssimas
sempre, Laís. É uma pena que você seja minha única herdeira. Talvez esse
garotinho aí me dê um pouco mais de orgulho.
— Você não vai encostar um único dedo no meu filho — afirmei com
veemência, por entre dentes. — Não vai torná-lo um ganancioso como você.
— Ah, eu não preciso disso. Ele vai ter um bom exemplo com o pai.
Ok. Eu precisava engolir aquele tipo de coisa, porque não tinha como
negar – nem mesmo Victor negaria –, mas ele não iria me afetar.
— Ele terá o melhor exemplo que pudermos dar. Mas quero que se
afaste e desista. Nem eu nem meu filho seremos manipulados por você.
Minha mãe, que Deus a tenha, será testemunha disso.
Em um rompante, virei-me de costas para ele, com Pedro no colo,
saindo de sua casa e voltando para o apartamento de Fernanda. Precisava
pegar minhas malas e deixar meu filhinho descansar um pouco. Na manhã
seguinte, eu esperava voltar para casa. Daquela vez para sempre.
CAPÍTULO VINTE E SEIS

A cama estava vazia, mas não dei muita atenção a este fato de início. Nós
tínhamos um bebê, afinal. Havia muitas explicações para aquela ausência.
Ainda assim, me incomodou. Deixou-me angustiado. Depois de vários dias
acordando sem ela, tudo o que queria era sentir seu corpo quente e delicado
ao lado do meu. Encontrar um colchão frio foi algo frustrante.
Levantei-me da cama, vesti-me e segui ao quarto de Pedro, não
encontrando nem minha mulher e nem o meu filho. Já tinha amanhecido, e eu
esperava, ao menos, encontrá-los na sala.
Mas nada.
Em seu lugar, encontrei a frase escrita na pequena lousa presa à geladeira:
EU TE AMO.
Precisei respirar fundo e reler várias vezes para que cada uma daquelas
três palavras entrasse no meu coração. Elas eram uma esperança, não? Mas
por que Laís tinha ido embora?
Sentindo-me confuso, comecei a tentar entender como poderia funcionar
a cabeça da minha esposa. Só que apesar de termos uma convivência
razoavelmente longa e de eu conhecê-la ao menos um pouco, não tínhamos
uma intimidade que pudesse ser considerada relevante para conseguir
compreendê-la a fundo.
Seria aquele EU TE AMO um adeus?
Não, eu não podia pensar nisso. Não queria pensar.
Joguei-me no sofá, sentindo-me novamente um merda e não deixando de
me lembrar da noite anterior; do que fizemos, de como matamos a saudade e
de como jurei que teríamos uma nova chance.
Eu desejava essa chance. Mais do que desejava respirar naquele
momento.
Então precisava lutar por ela.
Lembrei-me de toda a conversa da noite anterior e algumas coisas
começaram a se formar na minha cabeça. Uma ideia perigosa, mas que eu
esperava que nos levasse a um final feliz.
Era hora de me mexer, dar alguns telefonemas e ir recuperar a minha
mulher.
Demorei apenas uma hora fazendo isso e me dei conta de que era pouco
mais de nove da manhã quando saí de casa, completamente decidido. Parti
direto para a casa de Fernanda, de carro. Minha entrada foi liberada em seu
prédio, e a própria atendeu, com meu filho no colo. Seus dois gatos vieram
em seu encalço, e um deles roçou em minha perna, enquanto o outro apenas
se deitou, de olho em toda a movimentação.
Beijei a cabecinha de Pedro, cumprimentando-o, mas eu tinha um
objetivo em mente.
Fernanda estava ciente de tudo, porque telefonei para ela e lhe pedi que
tomasse algumas providências.
— Olha quem chegou — ela zombou, olhando para mim de cima a baixo.
— Fez o que combinamos? — perguntei, ignorando seu comentário.
— Claro. Mas espero que cuide bem de Laís. Ou, da próxima vez que ela
chegar aqui em casa chorando, vou te castrar.
— Se eu a magoar novamente, virei até aqui por livre e espontânea
vontade para que faça isso.
A amiga da minha esposa sorriu, parecendo satisfeita. Quis soar
veemente, para que não houvesse dúvidas de que a última coisa que eu queria
no mundo era ver Laís novamente ferida por minha causa. Em nenhum
aspecto. A partir daquele momento, eu iria cuidar direito da minha família.
— Nanda, o que...? — Laís surgiu enquanto eu e Fernanda nos
encarávamos. Estava colocando um brinco, como se estivesse prestes a sair.
Não demorei a reparar que Pedro também estava de banho tomado, com
os cabelinhos ralos molhados.
Aparentemente ela tinha planos, mas eu iria arruinar todos eles.
Fui na direção de Laís, que parecia ainda surpresa por me ver, e apenas a
peguei no colo sem dizer nada, arrancando um som de surpresa de sua
garganta.
— Victor... o que você está fazendo? — falou em um tom de choque.
— Sequestro. Não foi o combinado? — Ela arregalou os olhos, mas não
se opôs. Um quase sorriso se desenhou em seus lábios, e esse foi o incentivo
de que precisei.
Lancei um olhar para Fernanda, e ela pegou a mãozinha de Pedro,
fazendo-o acenar para nós, e eu saí carregando Laís pela porta aberta,
chamando o elevador de novo, aproveitando que ainda estava no andar, e a
porta deste se abriu.
— Victor, eu estou sem bolsa... não podemos deixar Pedro assim desse
jeito...
— Nada de bolsa, nada de celular. Você não vai precisar de nada disso.
Serão só algumas horas. Você deixou leite para Pedro, não deixou?
— Sim, e agora tudo faz sentido. Fernanda me convenceu a fazer isso.
— Pois é. Por algumas horas você será só minha.
Eu a senti estremecer ao me ouvir dizer isso, o que novamente encarei
como um bom sinal.
Saí do elevador direto para a garagem subterrânea, ainda levando Laís
nos braços. Chegando perto do carro, coloquei-a de pé. Tirei um pano preto
de um dos bolsos da calça, vendando-a.
— O que você pretende fazer se formos parados por uma blitz? — ela
falou, mas completamente divertida.
— Vamos contar que é uma brincadeira entre nós. Você vai corroborar.
Ninguém pode nos criticar por isso.
— Só será constrangedor.
— Não vão nos parar. Os vidros são escuros.
Sem deixar que ela dissesse mais nada, coloquei-a sentada no banco e
prendi o cinto de segurança. Deixei-a ali e dei a volta, sentando-me atrás do
volante.
Comecei a dirigir, tirando-nos do prédio de Fernanda. Olhava para Laís
de soslaio, observando sua respiração incerta. Ela parecia animada,
empolgada. Nervosa, talvez, mas era de se esperar. O que eu estava fazendo
era uma loucura, mas... o que não era válido por amor?
A viagem durou pouco mais de duas horas, mas logo chegamos.
Estacionei na garagem da casa e tirei Laís de dentro do carro novamente no
colo, enquanto ouvíamos o som do mar ao nosso redor.
— Onde estamos? — ela perguntou, curiosa, deixando-se ser levada e até
colocando os braços ao redor dos meus ombros. Era um sinal de confiança,
não era? De que sabia, dentro de seu coração, que eu iria cuidar dela.
— Sinta o cheiro. Ouça o som...
— Você me trouxe para a praia?
Deixei a pergunta dela no ar por algum tempo, enquanto a colocava no
chão. Foi então que percebi que estava descalça e que eu a tirei de casa
daquela forma. Condenei-me por ser um desnaturado e não ter me dado conta
antes. Precisava ficar de olho para que não se machucasse.
Ela provavelmente sentiu a areia sob seus pés, porque sorriu. Seus
cabelos dourados voavam com a brisa, enquanto eu tirava sua venda, girando-
a de frente para a casa.
Quando Laís abriu os olhos, deparou-se com uma linda casa de praia,
toda em madeira, com redes na varanda, muito verde ao redor e um clima
delicioso.
— Onde estamos? — indagou, confusa, mas parecendo maravilhada com
tudo aquilo.
— Búzios. — Apontei para a casa. — Depois do sequestro, este será seu
cativeiro por algumas horas, senhora.
Laís sorriu, girando em direção ao mar. Fiquei olhando para ela, tentando
entender que tipo de sorte eu tinha para que uma mulher como aquela fosse
colocada no meu caminho da forma mais surpreendente possível. Observá-la
daquele jeito me fazia compreender que o destino nem sempre dava suas
cartadas para o mal, porque esta era a única explicação que eu encontrava
para um casamento por contrato ter me levado a conhecer o amor.
— Nada mal — disse em um tom divertido, parecendo encantada. — O
que viemos fazer aqui, Victor? — Olhou para mim de soslaio, usando aquele
tom de voz tão doce de sempre.
— Primeiro porque eu prometi que faria isso caso se afastasse de mim
mais uma vez. E você disse que seria sexy. — Assim que eu terminei de
falar, ela começou a rir, o que eu não entendi. — Por que a graça?
— Porque eu estava prestes a voltar para casa no momento em que
chegou daquele jeito no apê da Fernanda.
— O quê?
Laís ergueu uma das mãos e a levou ao meu rosto, tocando-o. Havia tanto
sentimento em seus olhos que eu não conseguia nem descrever.
— Eu estava voltando de vez para você. Na noite passada saí de casa para
ir confrontar meu pai. Avisar que, de forma alguma, iria permitir que nos
atrapalhasse.
Meu coração quase saltou do peito, e tudo o que eu queria era tomá-la nos
braços e beijá-la, demonstrando o quanto aquela confissão e a certeza de que
não poderia haver obstáculos que nos destruíssem era importante para mim,
mas havia outro motivo para estarmos ali.
— Fico muito aliviado em saber disso, mas temos mais um motivo para
eu ter te trazido para cá. — Sem dizer mais nada, tirei uma caixinha do meu
bolso, ajoelhando-me à sua frente e surpreendendo-a. — Eu sei. Sei que já
estamos casados, mas não da forma como merecemos. Desta vez eu quero
que seja inesquecível. Quero dançar com a minha esposa, dizer um sim real,
beijá-la quando o padre mandar. Quero noite de núpcias, te carregar no colo
quando passarmos pela soleira da porta, pisando com o pé direito... Quero me
emocionar ao te ver entrando, tão linda como a princesa que você é. Quero
beijar sua aliança quando colocá-la no seu dedo, dizer meus votos com todo o
meu coração e acreditar que seremos mesmo felizes até que a morte nos
separe.
— Victor, eu... — ela choramingou, já com lágrimas nos olhos.
— Aceite ser minha esposa, Laís. Seja a Sra. De Luca de verdade, pra
valer, com tudo o que tem direito, e eu vou passar o resto da minha vida
inteira te mimando e me tornando um homem melhor por você e por nosso
filho.
Ela novamente começou a rir, levando uma das mãos ao rosto, cobrindo a
boca, enquanto sua doce gargalhada se misturava ao choro.
— Você me sequestrou para me pedir em casamento?
Não consegui conter o riso também.
— Achei que seria dramático o suficiente. E emocionante, claro.
Laís assentiu, balançando a cabeça por um pouco mais de tempo do que
seria necessário. Então ela falou:
— Sim, Victor. Eu aceito me casar com você. De novo.
Soltei o ar que nem percebi que estava prendendo, aliviado, satisfeito.
Coloquei o anel em sua mão direita, tomando as duas mãos nas minhas e
beijando ambas as jóias – a que representava nosso novo noivado e a que
representava nosso casamento, em sua mão esquerda.
— Acho que nós fazemos tudo ao contrário, não é? — Laís perguntou,
mas antes que eu pudesse responder, ela emendou: — Mas me diz uma coisa:
quando foi que você comprou este anel? E o que é esta casa?
Um sorriso curvou um dos cantos dos meus lábios enquanto me
levantava.
— O anel já estava comigo. Eu comprei há algum tempo, pouco depois de
nos acertarmos de verdade. Queria esperar uma ocasião especial. A casa é de
um amigo. Ele me emprestou.
Laís deu um passo para frente, colocando os braços ao redor dos meus
ombros.
— Temos apenas algumas horas para aproveitá-la, não é? — Assenti,
passando um braço ao redor de sua cintura. Ela se aproximou um pouco mais,
colocando-se na ponta dos pés para sussurrar no meu ouvido: — Então o que
está esperando para me levar para cama?
Feliz e me sentindo bobo como um adolescente, eu novamente a peguei
no colo, fazendo-a rir, e saí correndo para dentro da casa, realmente não
querendo perder nem um segundo a mais.
CAPÍTULO VINTE E SETE

A passos firmes, fui caminhando até a sala de Walter, segurando meu


futuro nas mãos.
Bati em sua porta, esperei que permitisse a minha entrada e quando o fiz,
aproximei-me, jogando o papel em sua mesa, sem dizer nada.
Nossa relação andava muito estremecida há algum tempo, e ao olhar para
ele naquele momento, me perguntava como pude admirar tanto aquele
homem. Como pude vê-lo como um pai? Nas últimas semanas, desde que
comecei a ajudar Passani em sua investigação, descobri tantas coisas, tanta
podridão, que tudo o que eu queria era me ver longe daquele lugar e do
homem em si.
Era uma pena que fôssemos obrigados a ter uma ligação para sempre, já
que eu pretendia ficar com sua filha.
Se bem que Laís estava do meu lado.
Pouco depois de ela voltar para casa, contei-lhe sobre minha pesquisa,
sobre a traição a seu pai. Quis deixar tudo às claras entre nós, porque muito
em breve eu seria o culpado por algo muito grave. Por mais que eu soubesse
que ela tinha seus problemas com Walter, não sabia como iria reagir.
E nem eu sabia como lidaria com a situação, caso ela me pedisse para
deixar de lado a investigação.
Só que Laís não pediu. Ela incentivou e me disse que o que eu estava
fazendo era o correto. Que não importava se o cara era meu sogro, pai da
mulher que eu amava, avô do meu filho, isso não iria sujar o nome de nossa
família, porque agora ela era uma De Luca. Nosso filho também.
Mais seguro, terminei o que precisava fazer na Giardelli e aquele era o
momento de encarar a minha decisão.
— Mas que diabos é isso? — Walter alterou o tom de voz.
— Até onde eu sei está bem detalhado, em português claro e conciso.
Estou vendendo minha porcentagem das ações ao seu sobrinho, Mário. Fiz a
proposta há mais ou menos uma semana, e chegamos a uma negociação bem
satisfatória.
— Você vendeu sua porcentagem nas ações da Giardelli por essa
mixaria? — gritou ainda mais alto.
— Sim. Vendi pelo que elas valiam para mim.
Walter levantou-se, furioso.
— Você poderia vender sua parte por mais de trezentos mil. Vendeu por
metade disso.
— Teria vendido por menos, se seu sobrinho negociasse um pouco mais.
Só quero me livrar de você.
Dando a volta na mesa, ele se colocou à minha frente, como se estivesse
pronto para me socar.
Ele poderia tentar.
— Está levando a minha filha para cama. Procriou com ela. Seu garoto
tem o meu sangue... — Tentei me controlar ao ouvi-lo falar sobre minha
mulher e meu filho com tão pouco respeito. — O que está pensando, garoto
idiota? Que vai se livrar de mim? Se sair daqui para trabalhar com Passani,
vou fazer da sua vida um inferno. Vou separá-lo de Laís. Vai sofrer como
nunca sofreu na vida.
— Vai porra nenhuma. O que é seu está guardado. Seu império vai ruir,
Walter, e eu quero estar bem longe quando acontecer. — Apontei para a
mesa, onde a minha carta informando sobre a venda das ações e sobre meu
afastamento, ainda repousava. — Já dei o meu recado. Passar bem.
Com uma mão no meu ombro, ele me puxou, girando-me e preparando-se
para, de fato, me dar um soco, mas eu o segurei antes, impedindo-o e
torcendo seu braço em suas costas, empurrando-o até a parede mais próxima
e imprensando-o lá, de frente, sem delicadeza, espremendo seu rosto contra o
concreto.
— Não meça forças comigo, Walter. Pode ser poderoso nos negócios, por
enquanto, mas eu sou maior, mais jovem e mais forte. Lembre-se disso se
resolver importunar minha esposa ou meu filho novamente. Se tentar separá-
los de mim, vamos ter uma conversa como esta e eu vou ser bem menos
gentil.
Eu sabia que de nada adiantaria. Walter não era o tipo de homem que se
intimidava por algumas ameaças, mas a minha vontade de enchê-lo de
porradas precisava ser amenizada. Não aconteceu, porque eu ainda sentia
meu sangue correr cheio de ódio nas veias, mas ao menos consegui lhe causar
um pouco de dor.
Nem se comparava à quantidade de dor que ele causara nas famílias de
pessoas que foram presas injustamente ou de trabalhadores que perderam
causas contra empresas grandes que poderiam e deveriam pagar indenizações
que lhes eram de direito.
Não se comparava ao quanto ele fizera Laís sofrer, manipulando-a,
usando-a como um fantoche, menosprezando seu trabalho e seus desejos. Se
dependesse de mim ele nunca mais sequer a veria, mas isso era uma escolha
dela.
Desencostando-o da parede e empurrando-o para que caísse no sofá de
couro, saí finalmente de sua sala, ouvindo-o praguejar.
Enquanto caminhava pela empresa, voltando à minha sala para pegar
minhas coisas, que já estavam encaixotadas, sentia como se tivesse acabado
de lançar uma bomba na sala de Walter. Só que, de certa forma, ela ainda iria
levar algum tempo para explodir.
Peguei meu carro, coloquei as coisas no porta-malas e entrei. Saindo da
Giardelli, toquei em meu telefone, que estava preso no painel, chamando o
número de Jorge Passani.
— E aí, garoto? Livre? — ele perguntou, parecendo animado. Conhecia
cada passo que eu me propus a dar, me incentivou, ajudou e estava muito
empenhado em fazer o certo, assim como eu.
Claro que eu sabia que a ruína da Giardelli seria muito propícia para ele,
mas queria acreditar que havia um pouco de altruísmo também. Eu conhecia
aquele cara, e ele era completamente diferente do meu sogro e (ex) sócio.
— É exatamente assim que me sinto. Livre.
— Vou esperar mais algum tempo para usar nossas provas. Claro que só
de você sair e ter participado da investigação já seria o suficiente para livrar a
sua barra, mas... você sabe. É melhor prevenir.
— Como quiser.
— Ah, e tire quinze dias para ficar com sua família antes de começar
conosco. Vou pedir apenas que pegue algum momento para passar aqui na
empresa, para tomarmos um café, conversarmos e você assinar alguns papéis.
Respirei fundo, sabendo que aquilo seria um choque para ele, mas certo –
novamente – de que era o certo a fazer.
— Escute, Jorge... eu vou para o café, só não vamos trabalhar juntos. Não
me leve a mal, sabe o quanto gosto de você, mas acho que está na hora de eu
seguir meu próprio caminho. Hugo também vai pedir demissão, e nós dois,
juntos, vamos começar um negócio.
Ouvi o silêncio do outro lado da linha. Não era uma surpresa, sabia que
iria chocá-lo, mas eu e meu amigo tivemos aquela conversa há alguns dias e a
discutimos exaustivamente, chegando à conclusão de que poderia dar certo.
Com a venda das ações da Giardelli, mesmo que o preço fosse abaixo do
mercado, eu teria capital suficiente para tal. Hugo também tinha um dinheiro
guardado, então estávamos decididos.
— É um caminho árduo. Tem certeza de que quer segui-lo? Se for por
causa do seu amigo, posso trazê-lo para o nosso time também. Bons
advogados são sempre bem-vindos.
— Não. Não é pelo meu amigo, é por mim. Quero construir minha
história.
Uma risadinha do outro lado da linha me deixou um pouco mais aliviado.
— Eu sabia que a sorte estava sorrindo demais do meu lado. Ainda assim,
fique sabendo que as portas estão abertas. E o que precisar de mim, pode
falar. Seremos concorrentes só quando você começar. Antes disso, ainda sou
seu professor e... espero... amigo.
— Sempre seremos amigos, Jorge.
— Ainda bem.
Nós nos despedimos e desligamos, e eu parti para casa.
Ao chegar, ouvi as vozes de Laís e Fernanda rindo, e as encontrei no sofá,
debruçadas sobre meu bebê, que fazia várias gracinhas para elas.
Fiquei parado diante das duas por algum tempo, chocado por não terem
me ouvido chegar.
Laís foi a primeira a reparar minha presença, sobressaltando-se ao me ver
ali, de braços cruzados, sorrindo e olhando a cena.
— Amor! Você chegou!
Era sempre delicioso quando ela me recebia daquela forma, feliz por eu
chegar em casa, mas eu entendia o motivo de sua animação em específico
naquele dia. Sabia de meu afastamento da Giardelli e do quanto eu estava
ansioso pelo momento.
Tanto que assim que se levantou e veio para mim, eu a beijei, tirando-a
do chão quase como em uma comemoração.
— Deu tudo certo? — perguntou, enquanto eu a colocava novamente
sobre seus próprios pés.
— Vamos saber daqui a alguns dias.
— Bem... você está aqui e sem nenhum hematoma no rosto, podemos
considerar como uma vitória. — Fernanda levantou-se e veio até nós, com
Pedro no colo.
— Ele bem tentou.
— O quê? — Laís soltou, horrorizada, enquanto eu trazia meu filho para
os meus braços. — Meu pai tentou bater em você?
— Sim, mas eu consegui impedi-lo. Fique tranquila que não revidei.
— Pois deveria! Aquele velho está merecendo uma lição.
Tanto eu quanto Laís olhamos para Fernanda, e ela ficou surpresa por
nossa reação.
— Ah, fala sério! Vai dizer que depois de tudo o que ele fez com vocês
ainda estão com pena do cara? Nem você, Laís. Ele não merece. É um pai de
merda. Ele merecia uns socos. — Virou-se para mim: — Victor, você foi
muito controlado e cavalheiro. Não seja na próxima vez.
Afastando-se, ela pegou a bolsa que estava sobre o sofá.
— Bem, vejo vocês amanhã, pombinhos.
— Até amanha! — eu e Laís dissemos em uníssono, e Fernanda saiu,
fechando a porta, deixando-nos sozinhos com nosso filho.
Dirigimo-nos ao sofá, nos sentando juntos. Ajeitei Pedro no meu colo e
puxei Laís para que se aninhasse contra mim. Beijei sua cabeça, apertando-a
com carinho e respirando fundo.
— Tem certeza de que está tudo bem? Com o que pode acontecer com
seu pai... — perguntei com cuidado.
— Bem não está, é claro, porque eu não queria ter um pai como o que
tenho. Mas sobre o que você fez? Era o certo, Victor. Pessoas pagaram pela
ganância do meu pai, e eu não quero que aconteça com mais ninguém.
— Nem eu. — Fiz uma pausa, tentando focar a atenção em Pedro um
pouco, porque ele a estava exigindo, praticamente começando a escalar o
meu peito. — Falei com Passani também. Já contei sobre meus planos com
Hugo.
— E como ele reagiu?
— Como sempre. Amigável, gentil e dizendo que as portas estão abertas
para mim.
— Que bom.Espero que tudo dê certo a partir de agora.
Aproveitando que Pedro estava bem aninhado em mim, usei a mão para
erguer seu queixo, fazendo-a me olhar nos olhos.
— Contanto que eu tenha vocês dois, nada mais importa. Tudo pode
explodir ao meu redor, mas se eu voltar para casa e encontrar minha esposa e
meu filho, estarei feliz.
Laís sorriu e se arqueou para me beijar na boca.
Tentei aprofundar o beijo, saboreando minha mulher da forma como ela
merecia ser saboreada, mas fomos impedidos por uma mãozinha intrusa, que
foi parar no meu rosto, novamente chamando a minha atenção e de sua mãe.
Não conseguimos conter uma gargalhada e puxamos nosso bebê para o
meio de nós, onde o enchemos de cosquinhas, fazendo-o unir-se a nós nas
risadas.
Que som maravilhoso era o som do amor.
CAPÍTULO VINTE E OITO

Foi questão de algumas semanas até que tudo explodisse. Acordei ao lado
do meu marido, com meu telefone tocando incessantemente – ligações de
números desconhecidos.
Victor despertou também, pegando meu celular e pedindo autorização
para atendê-lo. E ainda bem que fez isso, porque era a imprensa.
Eles foram os responsáveis por eu receber a notícia de que meu pai tinha
sido preso na noite anterior.
As acusações eram muitas, mas eu já sabia de todas elas. Sabia de toda a
maldade, o quanto de pessoas foram prejudicadas, do quanto de propina ele
recebeu para defender criminosos ricos e para forjar evidências que os
absolveram. Era vergonhoso, mas justo. Jurei que poderia suportar aquelas
provações, embora temesse que manchasse o meu negócio também.
Mas isso não aconteceu. Usando o nome Laís DeLuca, com a marca
Nozze, começamos a crescer em pouco tempo, e o ápice de tudo chegou um
ano depois, quando me casei com Victor pela segunda vez, usando meu
vestido dos sonhos, cujo desenho estava guardado há muitos anos.
Claro que eu fiz alguns ajustes, porque fui pegando experiência com o
tempo, mas o resultado foi exatamente o que sempre sonhei.
Era um vestido em um estilo medieval, com decote ombro a ombro e a
manga bem aberta até os punhos. Um corpete todo perolado, com rendas, e
uma saia de princesa, digno de um conto de fadas completavam a peça.
Branco, finalmente.
Muitas fotos foram tiradas e postadas tanto nas redes sociais da Nozze, o
que nos rendeu novos seguidores, admiradores e projetos nos quais trabalhar,
como em outros veículos de imprensa. As coisas foram crescendo e...
Ah, ok. Calma... primeiro acho que vocês querem saber do meu
casamento, né?
Pois é... Completamente diferente do que aconteceu no primeiro, eu não
conseguia parar de sorrir enquanto caminhava pelo corredor montado na casa
de festas, em direção ao altar. Sozinha. Meu pai permanecia preso, depois de
julgado, embora, pelo que dissessem, ainda esperasse entrar com recursos
para ser absolvido.
Victor e Hugo montaram sua empresa de consultoria em advocacia, e
ambos contrataram muitos dos funcionários da Gardelli, que eram tão
inocentes quanto os dois, e as coisas estavam no início, mas tinham potencial.
Ok... eu estou divagando novamente.
Naquele dia lindo do meu casamento, eu cruzei o corredor até o altar,
chegando a Victor, que me recebeu com os olhos marejados. Beijou ambas as
minhas mãos e sussurrou:
— Linda.
Meu sorriso se alargou, e eu não consegui contê-lo nem mesmo enquanto
me voltava para o padre e começava a ouvir suas palavras.
Apesar de não ser a primeira vez, a sensação era de que nossa história
estava começando naquele momento. Era como se tivéssemos muito a
descobrir, explorar e esperar.
Tudo foi tão mágico, tão perfeito, e meu marido estava tão lindo que tudo
o que eu queria era ficar olhando para ele e me deleitar com a ideia de que era
todo meu.
Olhando ao nosso redor, eu enxergava as pessoas que amávamos. A mãe
de Victor, minha querida sogra, estava dançando próxima a nós com Pedro,
em seu colo – meu bebê era doido pela avó, e como não seria? Hugo e
Fernanda também estavam por perto, como um casal. Quem diria que nossos
melhores amigos iriam se conhecer e se apaixonar mais rápido do que
pensamos ser possível?
Claro que eu gostaria de ver meu pai ali, em meio a nossos amigos e
clientes. Queria que fosse uma pessoa melhor e que eu pudesse contar com
seu amor, mas nem tudo é perfeito, né? Não poderia reclamar da minha vida,
pois eu sabia que as coisas estavam cada vez melhores.
E ficariam ainda mais.
— No que está pensando, princesa? — a voz suave de Victor surgiu em
meus ouvidos ainda mais melodiosa do que a música no ritmo da qual ele me
embalava.
— Em no quanto estou feliz.
O braço ao redor da minha cintura puxou-me com vontade, e seus lábios
colaram nos meus.
— A partir deste momento, eu juro que vou me esforçar dia após dia para
que esta seja a sua realidade sempre.
— Hummm... — murmurei em um tom provocador. — Champanhe,
música, meu marido em um lindo smoking e eu em um vestido enorme como
este? — Ergui uma sobrancelha, em uma expressão brincalhona.
— Não exatamente. Champanhe e música, ok. Mas prefiro a ideia de nós
dois nus, uma cama e... — ele se aproximou, sussurrando em meu ouvido: —
E minha boca em cada parte do seu corpo.
Senti um calafrio percorrer minha espinha em total expectativa, enquanto
Victor novamente me puxava para si, para outro beijo.
— Mamã. Papá... — a vozinha de Pedro soou muito próxima.
Como sempre, o melhor empata beijos de todo o nosso relacionamento.
Salvos pelo gongo, antes que começássemos a nos pegar ali no meio da
pista de dança, sem nenhum pudor, percebemos que minha sogra estava ao
nosso lado, com nosso filho, e Victor o pegou, fazendo-o dançar conosco.
Nosso lindo bebê era tão esperto, tão doce, tão cheio de personalidade...
Ele iluminava nossas vidas todos os dias, e fora por causa dele que eu e
Victor nos unimos. Se não fosse aquela gravidez inesperada, provavelmente
cada um de nós teria seguido um caminho diferente e não estaríamos juntos,
tão felizes e apaixonados. Eu nunca teria compreendido o quão maravilhoso
era o homem que tinha ao meu lado, porque ele nunca me mostraria esse
lado.
Seríamos sempre um e se na vida um do outro.
Ainda bem que as coisas aconteceram da forma como aconteceram.
Quando a festa terminou, eu e Victor partimos para um hotel, onde
passaríamos a noite. Minha sogra ficaria em nosso apartamento, cuidando de
Pedro, que no dia seguinte seguiria conosco para nossa viagem de lua de mel,
na Itália. Não queríamos que nosso pequeno perdesse nada do que iríamos
curtir.
Achei estranho que Victor tivesse me pedido para não tirar o vestido, que
permanecesse com o de noiva, e mais ainda que decidisse ir dirigindo seu
próprio carro.
Antes que entrássemos nele, assim como aconteceu no dia em que me
tirou da casa de Fernanda, Victor me vendou.
— Tenho algumas surpresas — sussurrou no meu ouvido, de um jeito tão
sensual que quase me deixou de pernas bambas. Um de seus braços enlaçou
minha cintura, puxando-me contra si e colando minhas costas ao seu peito
largo. Um beijo em meu pescoço completou o pacote.
Muitas expectativas, Laís, controle-se.
Ele me ajudou a me acomodar no carro, e novamente partimos.
Poucas conversas dentro do carro, apenas a música ambiente, e volta e
meia Victor pegava minha mão e beijava as duas alianças, que eu decidi usar.
Tínhamos nos casado duas vezes, e por mais que tudo tivesse sido muito
conturbado, aquele primeiro casamento, onde eu estava tão infeliz, fora o
início de tudo. Com aquele beijo, ele demonstrava o quanto o momento era
importante.
Era para mim também. Por mais que já fôssemos casados antes, sentia
que nossa ligação era mais verdadeira, real. Daquela vez, tínhamos dito sim
diante do altar com todo o nosso coração.
Quem diria que de um casamento por contrato eu acabaria ligada ao
homem mais romântico e apaixonado do mundo? E o melhor pai que meu
filho poderia ter?
Seguimos viagem, e eu não saberia precisar quanto tempo ficamos dentro
do carro, até que paramos. Victor saltou primeiro, abriu a minha porta e me
tirou de lá de dentro no colo.
O mar rugia ao nosso redor, e eu não pude deixar de sorrir. Já imaginava
onde estávamos.
— Estou tendo um déjà vu? — brinquei.
— Será? — enigmático, ele respondeu, enquanto caminhava comigo em
seus braços. Encostei a cabeça em seu peito, respirando fundo e sentindo meu
coração bater mais forte.
Fui colocada no chão com cuidado, sentindo meus pés afundarem na
areia.
— Acho que vamos sujar um pouco o seu vestido — ele falou baixinho,
enquanto uma brisa deliciosa me dava boas-vindas.
— Não me importa. Aliás, pensei, de verdade, que você fosse rasgá-lo...
conhecendo-o como te conheço.
A risadinha maliciosa de Victor me dizia que sim, que esta era
exatamente a intenção dele.
Eu não me oporia.
— Pensei que iríamos para um hotel.
— Eu quis fazer uma surpresa.
Então ele tirou a venda.
Eu sabia o que encontraria ao meu redor, mas não imaginava que haveria
mais. Muito mais.
Victor havia preparado um verdadeiro cenário de conto de fadas para nós
dois, com direito a tenda, tochas iluminando a noite, um colchão branco sobre
a areia, cheio de pétalas de rosas voando com a brisa, vinho, frutas, além de
uma música baixinha que vinha de uma caixinha de som.
— Como preparou tudo isso? — perguntei, de olhos arregalados,
maravilhada.
— Tenho meus contatos.
Comecei a caminhar pela areia, segurando meu vestido, observando tudo
e pensando na noite de sonhos perfeita que Victor havia preparado para mim.
Para nós.
— Lembra que da primeira vez eu te trouxe aqui para te pedir em
casamento? — ele indagou, observando-me, com as mãos nos bolsos. Eu
assenti. — Desta vez tenho alguns motivos também.
Ergui uma sobrancelha, curiosa.
— E quais seriam?
— Um deles... — ele começou, dando um passo à frente e pegando uma
das minhas mãos. Aquela com as duas alianças. Seus olhos se perderam um
pouco nelas, observando-as com um olhar quase solene, usando seu polegar
para acariciá-las. — O padre nos fez repetir várias palavras ensaiadas, pela
segunda vez, mas eu acho que eu tenho mais coisas a dizer. — Ele ergueu os
olhos para mim, muito sério. Lindo. Deslumbrante. — Eu não prometo ser
fiel, só por ser uma obrigação. Eu desejo ser fiel, porque você é a única
mulher à qual meu coração e meu corpo respondem. Nenhuma é mais bonita,
mais perfeita para mim.
Ok. Meus olhos começaram imediatamente a reagir à declaração. Mas ele
continuou:
— Eu não prometo te proteger apenas. Prometo dar minha vida por você
e por nosso filho, se for preciso, porque viver sem um de vocês dois seria
insuportável. Prometo cuidar para que vocês sejam sempre felizes e que
permaneçam em segurança, bem cuidados, amados. Não quero ser só seu
marido, Laís. Quero ser o seu companheiro, seu melhor amigo, seu parceiro
de vida. Éramos casados desde antes, e um contrato nos unia, mas agora eu
quero que seja apenas o amor. — Ele beijou minha mão, enquanto lágrimas
começavam a deslizar pelo meu rosto. — Quero seus sorrisos todos os dias,
quero olhar para você e vê-la acordar, quero mais filhos, quero compensar
qualquer dor que as pessoas tenham te causado, te fazendo sentir-se tão
amada que nada mais vai te ferir. Quero chegar em casa todos os dias e beijar
você como se fosse a primeira vez, nunca negligenciando nada. Quero
envelhecer do seu lado e continuar te beijando desse jeito, porque eu nunca
vou deixar de te desejar e te amar.
— Victor... — saiu como um gemido, um choramingo cheio de
sentimento. — Eu nem sei o que dizer...
Eu poderia falar muitas coisas, na verdade, mas naquele momento minhas
palavras eram insuficientes. Ainda mais quando ele se aproximou novamente,
deixando-nos a míseros centímetros de distância, enlaçando a minha cintura e
com os olhos intensos fixos nos meus.
— Diga que me ama e já vai ser suficiente.
Nunca seria suficiente, mas isso eu poderia fazer.
— Eu te amo, Victor. Em todos os sentidos, de todas as formas, com todo
o meu coração.
Com isso ele me beijou. Daquele jeito que apenas ele sabia beijar,
elevando minha alma inteira até as estrelas que estavam sobre nossas cabeças.
Mas afastou-se rápido demais, o que me deixou confusa.
— Bem... tem outra coisa que eu preciso que me diga...
— O que seria?
— Se você gosta da ideia de que esta casa seja nossa a partir de agora.
Novamente arregalei os olhos e fiquei boquiaberta.
— Nossa? Mas...
Victor tirou um par de chaves do bolso, entregando-as para mim. Havia
uma plaquinha como chaveiro, de madeira, com a mensagem gravada:
PERTENCE A VICTOR, LAÍS E PEDRO.
— Quero passar mais horas preguiçosas com você aqui e trazer Pedro.
Assim teremos um refúgio só nosso.
Eu mal conseguia conter meu sorriso.
— Eu amei. Amei! — Joguei-me em seus braços, e Victor me pegou,
tirando-me do chão e me girando. Era tanta felicidade que mal cabia no meu
peito.
Então ele me ajeitou nos braços, segurando-me como a noiva que eu, de
fato, era.
— Agora, senhora De Luca... você é só minha.
Gargalhando, coloquei os braços ao redor de seus ombros, enquanto ele
me levava em direção à tenda e me deitava sobre o colchão. Olhos nos olhos,
meu marido pairando sobre mim, suspirei, sabendo que a vida podia ser
muito perfeita.
— Eu sou sua. Para sempre.
— E eu sou seu.
O beijo selou nosso acordo, fazendo-nos acreditar mais uma vez que o
amor poderia surgir de formas completamente improváveis.
Nós éramos a prova disso. E eu esperava que o destino continuasse nos
surpreendendo com o melhor que poderia nos oferecer.
EPÍLOGO

TRÊS ANOS DEPOIS

A passos silenciosos, comecei a caminhar pela casa, fingindo que não


fazia ideia de onde meu garotinho tinha se escondido. Só que eu conseguia
ver um pedaço de seu pezinho bem atrás do sofá.
Ele até que estava melhorando naquela brincadeira, porque antigamente
eu precisava fingir muito mais para que acreditasse que era invencível no
pique esconde.
Na casa nova, onde morávamos naquele momento, ele até tinha mais
opções, mas era um tantinho preguiçoso. Isso quando nosso vira-lata, Apolo,
não denunciava onde Pedro tinha se escondido. Daquela vez o cachorro
estava completamente entediado, deitado num canto da sala, nem um pouco
preocupado com a confusão que acontecia.
Laís não estava em casa, o que ajudava e muito para a bagunça ser mais
intensa.
— Caramba, filho, agora você se escondeu muito bem, hein? — Mentira,
eu o estava vendo desde o início, mas claro que não iria falar e o deixaria
ganhar a brincadeira.
Virei de costas para ele, fingindo não vê-lo, então senti sua mãozinha
tocar minha perna.
— Ganhei! — sua vozinha de criança me fez girar o corpo e pegá-lo do
chão, erguendo-o.
— Meu campeão!!!!
Fui correndo pela casa com ele, deixando numa posição como um Super-
homem, fazendo-o “voar”.
Jogamo-nos no sofá, e eu o enchi de cosquinhas, só porque adorava sua
gargalhada.
Enquanto ríamos juntos, ouvi o som da fechadura. Minha garota estava
chegando.
Ela saiu cedo, sem dar muitas explicações de para onde ia, só afirmando
que precisava fazer algo importante, mas para eu não me preocupar.
Impossível. Tanto que estava me distraindo com Pedro para não surtar e ficar
ligando para ela de cinco em cinco minutos.
Eu tinha algum trabalho a fazer. Embora fosse sábado, a empresa tinha
crescido muito nos últimos anos, e estávamos cheios de clientes – inclusive
empresas grandes – e ainda havia nosso projeto social onde prestávamos
ajuda jurídica a pessoas que não tinham condições de pagar. Estávamos com
uma fila enorme de espera, e eu odiava deixar aquela gente na mão. Tinha
alguns casos para ler, pois dávamos prioridade aos mais sérios, graves e que
envolviam famílias que sofriam violência de companheiros, mulheres
vulneráveis e trabalhadores lesados por empresas exploradoras. Ainda assim,
minha vontade era ajudar todo mundo. Só que era impossível.
Walter ainda estava preso, porque foram descobertos mais crimes em seu
nome, até de extorsão, assédio a funcionárias e ligações com crime
organizado. Laís ficara arrasada na época, mas as coisas estavam
melhorando.
Por falar nela, deixei que se aproximasse de nós, e havia algo em sua
expressão que me preocupou. Não que parecesse assustada ou qualquer coisa
assim, mas... ansiosa. Só que eu não sabia por quê.
— Amor, o que houve? — perguntei, soltando Pedro imediatamente e
voltando minha atenção para ela.
— Eu quero te contar uma coisa, mas acho que tenho uma forma especial
de fazer isso.
Ela pousou sua bolsa sobre a mesa de centro e partiu para a nossa
cozinha. Deixando nosso filho sentadinho no sofá, eu a segui, entre
preocupado e curioso.
Laís foi direto à pequena lousa que ainda mantínhamos presa à geladeira.
Não havia nada escrito ali naquele momento, mas costumávamos deixar
bilhetes um para o outro quando saíamos mais cedo de casa. Às vezes
escrevíamos recadinhos românticos, e antes que Pedro conseguisse lê-los, até
alguns picantes em código. Precisávamos aproveitar, porque ele já tinha
cinco anos; dali a um ou dois começaria a se tornar um perigo.
Prontifiquei-me a ler o que Laís escrevia na lousa, mas ela se colocou à
minha frente, para que eu não pudesse fazê-lo até que terminasse.
Quando saiu da frente, suas palavras me deixaram confuso por um tempo:

CONTAGEM REGRESSIVA: SEIS MESES PARA CAROLINA

Carolina? Mas quem era Carolina?


Puxando pela memória, eu me lembrava que tínhamos conversado uma
vez que se tivéssemos outro filho e fosse uma menina, gostaríamos que se
chamasse Carolina.
Mas...
Ah, meu Deus!
Era sério mesmo?
— Amor... você... você... — gaguejei. — Está grávida?
Ela assentiu, levando uma mão ao rosto, parecendo emocionada.
Radiante.
— Você vai ser papai novamente!
Transbordando de alegria e de uma emoção que eu nem saberia explicar,
aproximei-me dela, abraçando-a com força. Tomei seu rosto nas mãos,
beijando-a e sentindo o gosto das minhas lágrimas misturando-se às dela.
— Você foi fazer o exame? Como... Por que não quis que eu fosse junto?
Ela limpou as lágrimas antes de responder.
— Eu queria ter certeza. Não podia te dar esperanças, porque sei que você
estava querendo muito um segundo bebê e...
— Um bebê? — Pedro pareceu nos ouvir e veio até nós, esfregando o
olhinho. — Eu vou ter um irmãozinho, mamãe?
Nós nos agachamos na frente dele, e até Apolo também se aproximou,
unindo nossa família inteira.
— Vai, querido. Uma irmãzinha. Gosta da ideia? — Laís perguntou com
seu doce tom de voz, e nosso garotinho abriu um enorme sorriso. Fazia tempo
que ele vinha pedindo um irmão ou irmã.
— Gosto! — comemorou dando um soquinho no ar e alguns pulinhos.
Vendo a felicidade do meu filho, olhei para a minha esposa, ao mesmo
tempo em que ela olhou para mim. Nossa conexão estava ali. Mas o amor
também. E este sempre estaria. Era algo que eu sabia, a maior certeza que eu
tinha:
Nada mais poderia nos separar.

FIM
Books By This Author
O BEBÊ SECRETO DO CEO
Eu o amava
Mas ele me deixou
Só não sabia que eu estava grávida.

Bruno Fazolatto é o CEO por trás de um império. Poderoso, lindo, o tipo de


homem que poderia ter qualquer mulher nas suas mãos e na sua cama.

Mas ele escolheu a mim. Jurou seu amor, iludiu-me e me fez sentir especial.
Até que o conto de fadas ruiu, e eu me vi abandonada e grávida, com o
coração partido.

Um ano e meio depois o destino nos coloca novamente frente a frente, e eu


sou obrigada a revelar a ele que temos uma filha, porque nós duas precisamos
de sua proteção.

Eu não poderia cair em tentação novamente - isso era o que eu dizia a mim
mesma. Mas Bruno parecia ter outros planos, porque ele queria nós duas, mãe
e filha, para si, para sempre.

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