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Bioquimica Dos Ruminantes - Gilberto Vilmar Kozloski 2

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Gilberto Vilmar Kozloski

BIOQUÍMICA
DOS RUMINANTES
3ª edição revista e ampliada
Sumário

Apresentação............................................................... 4
Introdução geral........................................................... 6
capítulo 1
Metabolismo microbiano ruminal....................................... 9
1.1 Introdução.............................................................. 9
1.2 Caracterização da população bacteriana ruminal....... 10
1.3 Digestão extracelular............................................. 14
1.3.1 Aderência bacteriana.......................................... 14
1.3.2 Degradação dos carboidratos............................... 19
1.3.3 Degradação das proteínas, ácidos nucleicos e outros
compostos nitrogenados .............................................. 29
1.3.4 Degradação dos lipídios e biohidrogenação dos ácidos
graxos insaturados....................................................... 33
1.3.5 Taxa de degradação............................................ 39
1.4 Crescimento bacteriano e a constante de saturação... 41
1.5 Transporte de nutrientes através das membranas...... 46
1.5.1 Difusão passiva.................................................. 47
1.5.2 Difusão facilitada............................................... 48
1.5.3 Transporte ativo................................................. 49
1.5.4 Regulação dos sistemas de transporte.................. 54
1.6 Metabolismo celular bacteriano............................... 55
1.6.1 Conceitos básicos em bioenergética...................... 55
1.6.2 Metabolismo dos carboidratos e produção dos ácidos
graxos voláteis............................................................ 62
1.6.3 Metabolismo dos compostos nitrogenados............. 76
1.6.4 Integração do metabolismo bacteriano ruminal...... 82
1.6.5 Estequiometria e regulação do metabolismo bacteria-
no ruminal.................................................................. 86
1.6.6 Efeito do pH sobre a fermentação ruminal............. 93
1.7 Considerações sobre o metabolismo de protozoários e
fungos ....................................................................... 98
Bibliografia recomendada............................................. 99

capítulo 2
Digestão, absorção e metabolismo visceral...................... 105
2.1 Digestão e absorção dos carboidratos.................... 105
2.2 Digestão e absorção dos compostos nitrogenados.... 113
2.3 Digestão e absorção dos lipídios............................ 123
2.4 Metabolismo visceral .......................................... 129
2.4.1 Fundamentos e técnicas de estudo..................... 129
2.4.2 Metabolismo portal........................................... 136
2.4.3 Metabolismo hepático....................................... 149
2.4.4 Metabolismo visceral das purinas ...................... 159
2.4.5 Metabolismo energético visceral (utilização de oxigê-
nio)......................................................................... 162
2.4.6 Composição do fluxo portal e visceral de energia.. 166
Bibliografia recomendada........................................... 169

capítulo 3
Metabolismo intermediário............................................ 177
3.1 Introdução.......................................................... 177
3.2 Metabolismo no estado alimentado....................... 178
3.3 Metabolismo de jejum......................................... 189
3.4 Metabolismo de vacas leiteiras no início da lactação... 193
3.5 Metabolismo dos ácidos graxos de cadeia longa e produ-
ção de ácido linoleico conjugado ................................ 198
Bibliografia recomendada........................................... 200

Créditos.............................................................. 203
Apresentação

Por experiência própria, como estudante de graduação e pós-


-graduação nas ciências agrárias, é relativamente raro encontrar
publicações sobre bioquímica dos ruminantes na língua portu-
guesa e, mesmo em inglês, encontrar bibliografia atualizada que
apresente uma visão global do assunto. É com esta proposta que
este livro foi concebido.
Durante várias décadas, a pesquisa com animais ruminantes
concentrou-se basicamente em estudos de manejo, digestão e
balanço nutricional. Somente a partir de meados dos anos 1980,
os estudos de absorção e de metabolismo visceral foram inten-
sificados. No entanto, muito pouco ainda é conhecido sobre o
metabolismo intermediário e dos tecidos periféricos dos ruminantes,
particularmente se comparado com o conhecimento existente
sobre o metabolismo dos monogástricos. As afirmações feitas ao
longo do texto derivam da análise de resultados experimentais
e de revisões previamente publicadas em diversos periódicos
internacionais.
A primeira edição do livro foi proposta como uma revisão, na
língua portuguesa, que apresentasse, de forma relativamente
objetiva e simplificada, uma abordagem global e fisiologicamen-
te integrada da bioquímica dos ruminantes, útil como material
para consulta a estudantes de graduação e pós-graduação nas
ciências agrárias.
Com base em depoimentos de estudantes e colegas professo-
res, creio que esta lacuna bibliográfica foi preenchida com êxito.
No entanto, desde a primeira edição, passaram-se mais de nove
anos e, ao longo desse tempo, muita informação nova relevante
foi produzida, assim como vários conceitos foram reformulados
pelas pesquisas desenvolvidas nessa área de conhecimento.
Bioquímica dos Ruminantes | 5

Desse modo, vários aspectos e/ou temas que não haviam sido
considerados anteriormente foram agora incluídos, assim como
vários temas previamente incluídos foram aprofundados e/ou
reformulados.
Nesta terceira edição, foi mantido o caráter objetivo e simpli-
ficado das edições anteriores, ou seja, com exceção de algumas
figuras e tabelas específicas, obtidas na literatura, as referências
não estão incluídas no corpo do texto e são listadas somente no
final dos capítulos.
Os paradigmas científicos estão constantemente sendo criados
e reformulados e, desse modo, esta terceira edição de Bioquímica
dos Ruminantes também não constitui um trabalho acabado, mas
um projeto em contínua construção e em constante processo de
avaliação e aperfeiçoamento. Desse modo, tanto a crítica como
as proposições sempre serão oportunas.

Gilberto Vilmar Kozloski,


Autor.
Introdução geral

As primeiras formas de vida na Terra surgiram, provavelmente, há


cerca de 4 bilhões de anos. Formas acelulares, com capacidade de
autorreprodução, surgiram, inicialmente, na superfície rochosa do
fundo dos oceanos, as quais evoluíram para as células procariotas
(células sem núcleo ou organelas), anaeróbicas e, a seguir, para
as fotossintetizantes. As primeiras bactérias fotossintetizantes
oxidavam sulfeto de hidrogênio (H2S). Posteriormente, surgiram
as cianobactérias, cujo mecanismo de fotossíntese se diferenciou
por resultar na oxidação da água (H2O) com liberação de oxigênio
(O2). Com o aumento do teor de oxigênio na atmosfera, liberado
pela fotossíntese, surgiram, há cerca de 1,5 bilhão de anos, os
procariotas aeróbicos e os eucariotas (células com núcleo e orga-
nelas). Os primeiros organismos multicelulares surgiram há menos
de um bilhão de anos, quando, então, a atmosfera terrestre con-
tinha oxigênio suficiente para viabilizar a sua existência. A maior
parte das espécies vegetais e animais presentes, atualmente, no
planeta, particularmente os mamíferos e as plantas angiospermas,
evoluíram a partir do final do período Cretáceo, com a extinção
dos dinossauros, há cerca de 65 milhões de anos. Por sua vez,
os ruminantes com alta atividade fermentativa pré-gástrica e com
capacidade de digerir celulose evoluíram a partir de, aproximada-
mente, 14 milhões de anos. Além da evolução natural, as espécies
de ruminantes domésticos, principalmente os bovinos e ovinos,
sofreram um intenso processo de seleção pelo homem, de forma
que, atualmente, esses rebanhos são constituídos por animais
com uma alta capacidade produtiva, embora, muitas vezes, com
uma limitada capacidade digestiva.
O sucesso dos ruminantes no processo evolutivo tem sido
atribuído à existência de uma relação simbiótica do hospedeiro
Bioquímica dos Ruminantes | 7

com micro-organismos ruminais. O animal fornece alimento e


um ambiente – o rúmen – para o crescimento dos microrganis-
mos que, de sua parte, supre o animal com ácidos resultantes
da fermentação e com proteína microbiana. Os mamíferos não
possuem enzimas capazes de digerir as fibras dos alimentos, as
quais podem ser fermentadas por várias espécies de bactérias
ruminais. Além disso, os microrganismos ruminais podem utilizar
formas de nitrogênio não proteico para síntese de suas proteínas, as
quais serão posteriormente digeridas e metabolizadas pelo animal.
Nos ruminantes, os alimentos ingeridos ficam sujeitos a um
processo fermentativo nos pré-estômagos antes de alcançarem
o abomaso e o intestino delgado. A taxa e a proporção com que
são fermentados no rúmen dependem de uma série de fatores,
sendo os mais importantes a composição da dieta e o nível de
consumo. Assim, por exemplo, os açúcares e as proteínas solúveis
são os mais rápida e totalmente fermentados. O amido, quase
sempre, é fermentado rapidamente, mas a taxa e a proporção
com que isso ocorre diminuem com a sua solubilidade. Algumas
proteínas da parede celular vegetal são fermentadas lentamente
e outras passam intactas para os intestinos. Por fim, celulose
e hemicelulose são as frações dos alimentos mais lentamente
fermentadas.
Essas características digestivas determinam também padrões
absortivos e metabólicos próprios das espécies ruminantes, em
vários aspectos diferentes do que ocorre nos monogástricos.
A proposta deste livro é apresentar os principais aspectos do
metabolismo bacteriano ruminal, da bioquímica da digestão e
absorção, da bioquímica do sistema visceral e do metabolismo
intermediário dos ruminantes, nos quais as diferenças com os
monogástricos são mais significativas.
Metabolismo microbiano ruminal

1.1 Introdução
O rúmen é considerado um ecossistema microbiano diverso e
único. Seu meio é anaeróbico (baixa concentração de oxigênio),
com temperatura em torno de 39 a 42ºC, pH que varia normal-
mente entre 6,0 e 7,0, e com presença permanente de substratos
e de atividade fermentativa, embora com intensidades variáveis.
Habitam o interior do rúmen três tipos de microrganismos ativos:
bactérias, protozoários e fungos. Embora muitas mais já tenham
sido isoladas, cerca de 20 espécies bacterianas predominam
no rúmen, em número de cerca de 1010 células/ml. A massa
bacteriana presente no rúmen varia com o tipo de dieta, nível de
consumo e tempo após a ingestão do alimento. Em um bovino
de, aproximadamente, 450kg, por exemplo, a massa bacteriana
ruminal associada à fase líquida (BAL) varia em torno de 300g
antes a 700g depois, e aquela associada à fase sólida (BAS) varia
em torno de 700g antes a mais de 2.000g depois da ingestão do
alimento. Nessas condições, as concentrações bacterianas variam
em torno de 12 a 20g de matéria seca de BAL por litro de fluido
e de 250 a 400g de matéria seca de BAS por kg de material
sólido presente no interior do rúmen. Os protozoários ocorrem em
número de, aproximadamente, 106 células/ml e são, na maioria,
ciliados. A biomassa dos protozoários no rúmen normalmente
corresponde a cerca de 10%, mas pode alcançar até 50% da
biomassa microbiana total. Foram também identificadas espécies
de fungos estritamente anaeróbicos que habitam o rúmen, com
Bioquímica dos Ruminantes | 10

uma população de cerca de 104 zoósporos/ml, constituindo até


8% da biomassa microbiana total.
As bactérias normalmente constituem a maior parte da
biomassa microbiana ruminal (60 a 90%). São as mais ativas
fermentadoras, mais estudadas e consideradas as mais impor-
tantes nutricionalmente. Comparado às bactérias, pouco é co-
nhecido a respeito do metabolismo e fisiologia dos protozoários
e fungos ruminais.
Neste capítulo, serão descritos os principais aspectos associa-
dos ao metabolismo bacteriano ruminal, incluindo mecanismos
de digestão extracelular, de transporte através da membrana e
metabolismo intracelular de substratos. Serão feitas também
algumas considerações sobre a participação dos protozoários e
fungos no ecossistema ruminal.

1.2 Caracterização da população


bacteriana ruminal

A identificação das espécies, assim como o estudo do metabolismo


das bactérias ruminais, foi viabilizada somente após a Segunda
Guerra Mundial (meados do século XX), pelo desenvolvimento
de técnicas de cultivo bacteriano em meio anaeróbico. Até então,
pouco era conhecido sobre a fermentação no rúmen. Com o de-
senvolvimento de métodos mais rigorosos de cultivo anaeróbico,
assim como de novos métodos de isolamento e de identificação
(como a biologia molecular), dezenas de espécies bacterianas
estritamente ruminais, assim como suas características fermen-
tativas, já são conhecidas. No entanto, o ambiente ruminal é
altamente complexo e dinâmico, de tal forma que a maior parte
das espécies bacterianas ainda não foram identificadas e pouco
ainda é conhecido sobre as interações metabólicas que ocorrem
entre elas. Essas interações podem ser de competição, entre
aquelas que utilizam um mesmo substrato, ou, de outra forma,
de interdependência, em que o produto da degradação ou do
metabolismo de uma espécie bacteriana é utilizado por outra. De
outra forma, algumas espécies bacterianas produzem e liberam
Bioquímica dos Ruminantes | 11

peptídios que atuam como antibióticos específicos (bacteriocinas)


contra outras espécies. Além disso, algumas espécies são relati-
vamente especializadas na utilização de algum tipo de substrato,
enquanto outras são relativamente generalistas e metabolizam
uma grande variedade de moléculas diferentes.
As espécies bacterianas ruminais variam em relação à forma
(i.e. cocos ou bacilos, entre outras), tamanho (aproximadamente
0,5 a 2,0 μm de diâmetro e 1,0 a 6,0 μm de comprimento) e
tipo de parede celular (Figura 1.1). As bactérias gram-positivas
possuem uma membrana externa simples protegida por uma
espessa camada glicopeptídica, enquanto as gram-negativas
possuem duas membranas externas interligadas por uma camada
relativamente menos espessa de glicopeptídios. As características
estruturais e fermentativas de algumas das principais espécies
bacterianas que habitam o rúmen são apresentadas na tabela 1.1.
Bioquímica dos Ruminantes | 12

Figura 1.1 – Características estruturais da parede celular de bactérias gram-


-positivas e gram-negativas.
Tabela 1.1 – Características estruturais e fermentativas de algumas das principais espécies bacterianas ruminais

*A= acetato, P= propionato, B= butirato, S= succinato, L= lactato, iB= isobutirato, V= valetato.

As bactérias podem ser agrupadas (consórcios) em função de


sua estratégia nutricional ou característica fermentativa comum
(sintropia) em:
a) Fermentadoras de carboidratos fibrosos: associam-se às fibras
dos alimentos e degradam componentes da parede celular dos ve-
Bioquímica dos Ruminantes | 13

getais, particularmente celulose e hemicelulose; têm uma taxa de


crescimento relativamente mais lenta e dependem de amônia e de
ácidos graxos de cadeia ramificada para síntese de suas proteínas
(isovalerato, isobutirato e 2-metilbutirato). Exemplos: Ruminococcus
albus, Ruminococcus flavefaciens e Fibrobacter succinogenes;
b) Fermentadoras de carboidratos não fibrosos: associam-se às
partículas de grãos de cereais ou grânulos de amido e degradam
os carboidratos de natureza não estrutural, como o amido, assim
como outros tipos de carboidratos solúveis presentes no rúmen,
como dextrinas, frutosanas e açúcares; sua taxa de crescimento
é relativamente bem mais alta e podem utilizar amônia, amino-
ácidos ou peptídeos para síntese de suas proteínas. Exemplos:
Streptococcus bovis, Ruminobacter amylophilus, Lactobacillus
sp. e Prevotella sp.;
c) Proteolíticas (aminolíticas): a maior parte das espécies bacte-
rianas ruminais degrada proteínas. No entanto, existem algumas
poucas espécies que utilizam principalmente aminoácidos como
substratos energéticos e têm uma atividade proteolítica bem
mais intensa que as demais. Exemplos: Peptostreptococci sp.
e Clostridium sp.;
d) Lácticas: utilizam, entre outros, ácido láctico como substrato
energético. Exemplos: Megasphaera elsdenii e Selenomonas
ruminantium;
e) Pectinolíticas: fermentam pectina. Embora a pectina seja um
polímero de natureza estrutural, sua fermentação, assim como
as características das bactérias que a utilizam, é semelhante
àquelas que fermentam os carboidratos não estruturais. Exemplos:
Succinivibrio dextrinosolvens;
f) Lipolíticas: hidrolisam triglicerídeos em glicerol e ácidos graxos.
Exemplos: Anaerovibrio lipolytica;
g) Ureolíticas: apresentam-se aderidas ao epitélio ruminal e hidro-
lisam ureia, liberando amônia no rúmen. Exemplos: Enterococcus
faecium;
h) Metanógenas: são archaebacterias, as quais se diferenciam das
demais bactérias ruminais, entre outros aspectos, pela estrutura
da parede celular e por serem quimiotróficas. A parede celular é
ausente nessas bactérias, e os lipídeos de membrana são éteres
de glicerol em vez de ésteres glicerol. São as mais estritamente
Bioquímica dos Ruminantes | 14

anaeróbicas do rúmen e produzem metano a partir de CO2 e H2.


Exemplos: Methanobacterium sp. e Methanobrevibacter sp.

1.3 Digestão extracelular


1.3.1 Aderência bacteriana

A maior parte dos alimentos ingeridos é constituída de estruturas


moleculares complexas e de alto peso molecular, indisponíveis
às células bacterianas ruminais. O suprimento das necessidades
nutricionais bacterianas depende de uma prévia degradação des-
sas complexas moléculas em unidades monoméricas passíveis de
entrarem na célula e serem metabolizadas. Dessa maneira, por
exemplo, amido ou celulose são degradados extracelularmente
até mono ou dissacarídeos, e as proteínas são degradadas até
aminoácidos ou pequenos peptídeos (Figura 1.2).
Proteínas Polissacarídeos

Grandes peptídeos Oligossacarídeos


Dissacarídeos
Monossacarídeos

Oligopeptídeos
Aminoácidos
Meio externo

Membrana celular bacteriana


Citoplasma

Aminoácidos Monossacarídeos
ADP ATP NH3
ADP NAD+
ATP

ADP ATP NADH


NAD
+
NH3

NADH

Proteína
microbiana
AGV
Figura 1.2 – Esquema geral da degradação extracelular e intracelular de
proteínas e carboidratos pelas bactérias ruminais. Essas moléculas com-
plexas são degradadas extracelularmente até suas unidades menores, as
Bioquímica dos Ruminantes | 15

quais entram na célula bacteriana. No interior da célula, os aminoácidos e


monossacarídeos podem ser degradados ou utilizados na síntese de moléculas
estruturais, como as proteínas microbianas. ATP e nucleotídios reduzidos
(NADH) são produzidos ao longo da degradação e utilizados nos processos
de síntese. O produto final são os ácidos graxos voláteis (AGV).
O primeiro passo para a degradação é a aderência e colonização
das partículas pelas células bacterianas. Essa colonização se estabe-
lece na forma de biofilmes, definidos como matrizes compactas de
populações bacterianas aderidas entre si e à superfície da partícula.
Esse processo permite a aproximação das enzimas aos substratos
e é considerado um fator importante de competição pelo alimento
entre as espécies bacterianas. A degradação das macromoléculas
se dá por hidrólise catalisada por enzimas presentes na superfície
externa da membrana das células bacterianas (o fluido ruminal livre
de células tem baixa atividade hidrolítica). Nos biofilmes, a diges-
tão é concentrada em uma pequena área, onde as enzimas ficam
relativamente protegidas, e uma maior proporção dos nutrientes
liberados pela hidrólise é capturada pela célula bacteriana aderida
em vez de se dispersar pelo fluido ruminal. Além disso, as populações
aderidas são menos suscetíveis ao engolfamento por protozoários
e permanecem mais tempo no rúmen que as bactérias que estão
livres no fluido. Na figura 1.3, é apresentada, esquematicamente,
a sequência de degradação de uma partícula de alimento pelas
bactérias no rúmen e, na figura 1.4, são apresentadas microfoto-
grafias de partículas fibrosas colonizadas por bactérias ruminais.

Omasso

Figura 1.3 – Representação esquemática da colonização e degradação de


uma partícula de alimento pelas bactérias ruminais. Bactérias livres no fluido
ruminal colonizam as partículas de alimento recém-ingeridas, degradando-as
progressivamente a partir da superfície pela ação de enzimas extracelulares.
Bioquímica dos Ruminantes | 16

A degradação de tecidos vegetais, de outra forma, também pode ocorrer


internamente à medida que as bactérias tenham acesso ao interior da par-
tícula de forragem através dos vacúolos, feixes vasculares ou qualquer região
de tecido vegetal danificada pela mastigação. No final do ciclo, a partícula
colonizada sai do retículo-rúmen em direção ao omaso carregando a maior
parte das bactérias aderidas. Uma parte das bactérias, contudo, retorna
à fase livre no fluido ruminal para colonizar novas partículas de alimento.

Figura 1.4 – Microfotografia de populações bacterianas ruminais mistas


aderidas à superfície de tecidos vegetais. A e D: visão geral de populações
aderidas à parede celular de células vegetais; B e C: aproximação que
permite identificar protuberâncias nas células bacterianas aderidas que
provavelmente estão associadas às adesinas, ou seja, aos fatores de ligação
específica da bactéria à superfície vegetal (publicadas originalmente por
Miron; Ben-Guendalia; Morrison, 2001; Krause et al., 2003).

O processo de adesão bacteriana às partículas de alimento


pode ser dividido em quatro fases:
a) Fase I: inicia poucos minutos após a ingestão do alimento e
envolve o contato aleatório das populações bacterianas que estão
livres no fluido ruminal com a partícula recém-ingerida (substrato);
b) Fase II: ocorre adesão não específica, envolvendo a participação
de moléculas de natureza proteica, lipídica e glicídica, presentes
na superfície externa da célula bacteriana (denominado glicocalix),
que interagem com moléculas da superfície das partículas atra-
vés de pontes de hidrogênio, interações iônicas (provavelmente
cátions divalentes, como cálcio e magnésio, também participam
dessas interações), hidrofóbicas e/ou forças de Van Der Walls;
Bioquímica dos Ruminantes | 17

c) Fase III: definida como o processo pelo qual há interação espe-


cífica e induzida entre moléculas presentes na superfície externa
bacteriana (denominadas ligantes ou adesinas) que reconhecem
receptores na superfície exposta da partícula;
d) Fase IV: envolve a proliferação celular e formação de colônias
bacterianas (biofilmes) sobre as áreas expostas e potencialmente
digestíveis das partículas de alimento.
Em estudos laboratoriais (in vitro), as primeiras três fases da
aderência ocorrem em um intervalo de tempo inferior a uma hora,
enquanto a máxima colonização, expressa como massa bacteria-
na aderida por unidade de massa residual de substrato, ocorre
geralmente em torno de 24 horas após o início da incubação.
Normalmente, cerca de 70 a 80% da biomassa bacteriana
ruminal é representada por populações aderidas, as quais são
responsáveis por cerca de 80% das atividades glicolítica e proteo-
lítica ruminal. As populações bacterianas livres no fluido ruminal,
que representam em torno de 20% do total, embora não tenham
momentaneamente uma função na digestão das partículas inso-
lúveis de alimento, são as que se aderem e iniciam a digestão
daquele alimento mais recentemente ingerido. Menos de 1% das
bactérias ruminais são representadas por populações associadas ao
epitélio ruminal ou aderidas à superfície de protozoários e fungos.
O processo de aderência e colonização bacteriana é afetado
por fatores relacionados às bactérias, ao substrato e ao ambiente
ruminal. Máxima adesão tem sido observada em culturas bac-
terianas a estágios intermediários de sua curva de crescimento,
e qualquer fator que altere a integridade dos componentes do
glicocalix, principalmente de suas frações proteicas e polissaca-
rídicas, interfere na adesão. Também foi observado, em estudos
in vitro, que algumas espécies bacterianas competem entre si
por sítios de adesão no substrato. No substrato, a camada cuti-
cular da superfície de grãos e forragens, assim como a lignina
da parede celular dos vegetais, os taninos, a camada proteica
que envolve os grânulos de amido e o excesso de gordura na
dieta, representam barreiras à aderência e à atividade hidrolítica
bacteriana. Entre os tecidos vegetais, o mesófilo e o floema são
altamente susceptíveis à colonização e à degradação, enquanto
o esclerênquima e xilema são altamente lignificados e resistentes
Bioquímica dos Ruminantes | 18

à degradação pelas bactérias ruminais. Os tecidos de gramíneas


forrageiras de clima temperado, por exemplo, são mais acessí-
veis e susceptíveis à aderência e colonização bacteriana (e são
mais extensamente degradados) que os das gramíneas tropicais
(Figura 1.5). Independentemente do tipo de forragem, entretanto,
a mastigação durante a ruminação tem papel importante como
fator que, além de facilitar a hidratação das partículas, rompe
várias dessas barreiras físicas, auxiliando a penetração e a colo-
nização do interior dos tecidos vegetais pelas bactérias ruminais.
A degradabilidade é diretamente relacionada ao grau de aderência
bacteriana nas partículas de alimento, sendo ambos afetados pelo
pH do fluido ruminal (Figura 1.5). A presença de cátios divalentes,
como Ca2+ e/ou Mg2+, assim como de Na+, também são essenciais
ao processo de adesão. Por outro lado, a adesão bacteriana pode
ser negativamente afetada pela presença de açúcares solúveis que
exerceriam um efeito inibidor competitivo nos sítios de ligação
específica entre a bactéria e a superfície da partícula.
Azevém Cynodon

0.8

0.7
Degradabilidade da MS

0.6
0.5

0.4

0.3

0.2
0.1

80
(mg de P/g MS residual)
Aderência bacteriana

70
60
50
40
30
20
0.1
0
5.5 6 6.5 7
pH inicial
Bioquímica dos Ruminantes | 19

Figura 1.5 – Degradabilidade e grau de aderência bacteriana sobre a matéria


seca (MS) residual de amostras de azevém e cynodon incubadas in vitro
durante 48 horas a diferentes valores de pH do meio de incubação.

1.3.2 Degradação dos carboidratos

A maior parte da energia normalmente consumida pelos rumi-


nantes é derivada de polissacarídeos presentes na parede das
células vegetais (carboidratos fibrosos: celulose, hemicelulose
e pectina, principalmente) ou de polissacarídos de reserva das
plantas (carboidratos não fibrosos: amido, principalmente).
Na tabela 1.2, é apresentada a composição típica de carboidratos
das principais classes de plantas forrageiras, as quais geralmente
constituem o principal componente dietético na maior parte dos
sistemas de produção de ruminantes. No entanto, também é usual
a inclusão na dieta de grãos de cereais e/ou de oleaginosas, assim
como de vários subprodutos agroindustriais cuja composição química
é amplamente variável. Por exemplo, grãos de cereais são ricos
em amido, enquanto grãos de oleaginosas são ricos em gordura
e proteína; subprodutos de origem animal são ricos em proteína
e subprodutos do processamento de frutas são ricos em pectina.

Tabela 1.2 – Concentração aproximada (% na matéria seca) dos diferentes


carboidratos nos principais grupos de plantas forrageiras

Na figura 1.6, é apresentado um modelo geral do arranjo das


diferentes estruturas moleculares na parede de células vegetais.
Bioquímica dos Ruminantes | 20

Como pode ser visto nesta figura, polímeros de celulose estão


organizados paralelamente, interagindo fortemente entre si através
de Pontes de Hidrogênio, constituindo, dessa forma, camadas de
cobertura da célula vegetal relativamente resistentes. Entre essas
camadas de celulose estão presentes outros e variados polissa-
carídeos (principalmente hemicelulose e pectina) e compostos
fenólicos (principalmente lignina) que interagem e arranjam-se
entre si de maneira relativamente irregular e complexa.

Figura 1.6 – Modelo do arranjo das principais estruturas moleculares presen-


tes na parede das células vegetais. Estruturas variadas de polissacarídeos e
compostos fenólicos, arranjados de forma relativamente irregular e complexa,
estão presentes entre polímeros de celulose organizados paralelamente.

A celulose é um homopolissacarídeo constituído por unida-


des de glicose ligadas entre si por ligações glicosídicas β-1,4. A
hemicelulose e a pectina, de outra forma, constituem frações
relativamente heterogêneas em sua composição de monossa-
Bioquímica dos Ruminantes | 21

carídeos. A hemicelulose é representada principalmente por


cadeias de arabinoxilanas, mas também fazem parte dessa
fração xiloglicanas e glicomananas. A pectina, por sua vez, é um
heteropolissacarídeo complexo, constituído de cadeias de ácido
galacturônico (e seu metil derivado), de galactose e arabinose.
As principais características da estrutura da celulose e arabinoxi-
lanas são apresentadas na figura 1.7, e da pectina na figura 1.8.

Figura 1.7 – Representação da estrutura química da celulose, da arabinoxi-


lana (principal polímero que constitui a hemicelulose) e dos produtos de sua
degradação no rúmen. Algumas unidades de xilose da cadeia principal da
arabinoxilana podem estar substituídas por resíduos de arabinose. Os locais
indicados por letras entre parênteses representam as ligações hidrolisadas
Bioquímica dos Ruminantes | 22

por enzimas bacterianas ruminais: a= exoglicanase; b= endoglicanase;


c= celodextrinase; d= celobiase; e= endoxilanase; f= glicuronidase; g=
arabinosidase; h= xilobiase.

Figura 1.8 – Representação da estrutura química da pectina. Símbolos: O=



ácido galacturônico; = metil éster de ácido galacturônico; R= ramnose;
G= galactose; A= arabinose.

Os principais produtos da hidrólise total dos carboidratos


presentes na parede celular das folhas de gramíneas forrageiras
são a glicose e xilose, e das leguminosas são glicose, xilose
e ácidos urônicos. Isso indica uma participação mais alta de
pectina na parede celular das leguminosas comparando-se
com gramíneas. Outros monossacarídeos, como arabinose,
galactose, manose, entre outros, são liberados em proporções
Bioquímica dos Ruminantes | 23

bem inferiores. A estrutura química dos monossacarídeos mais


importantes presentes no amido e nos carboidratos fibrosos é
apresentada na figura 1.9.
Bioquímica dos Ruminantes | 24

Figura 1.9 – Estrutura química dos principais monossacarídeos presentes


na celulose, hemicelulose e pectina.

No rúmen, os polissacarídeos são degradados por sistemas


enzimáticos associados à membrana das bactérias, provavelmente
como glicoproteínas. O mais estudado e mais bem caracterizado
é o complexo associado à degradação da celulose e hemicelu-
lose denominado celulossoma (Figura 1.10). O celulossoma é
uma estrutura glicoproteica multifuncional associada à parede
da célula bacteriana, constituída por subunidades catalíticas
(enzimas) e não catalíticas. As subunidades catalíticas incluem
celulases, glicosidases e xilanases, entre outras. As subunidades
não catalíticas, por sua vez, são responsáveis pela ligação do
complexo enzimático com a parede celular bacteriana e pela
ligação (aderência) específica da bactéria com o substrato.

Figura 1.10 – Representação esquemática do celulossoma, o qual consiste


em um complexo multifuncional associado à parede da célula bacteriana.
Esse complexo é constituído por subunidades catalíticas (enzimas) e de
ligação (não catalíticas) de natureza proteica e glicoproteica (adaptado de
Krause et al., 2003). Apesar de o sítio de ligação ser específico para celulo-
se, os sítios catalíticos são constituídos por várias enzimas diferentes, que
degradam, além da celulose, também hemicelulose.
Bioquímica dos Ruminantes | 25

A figura 1.11 apresenta uma visão esquemática e simplificada


da sequência de degradação dos carboidratos no rúmen. Em geral,
todos os polissacarídeos são degradados extracelularmente até
suas unidades fundamentais (monossacarídeos), os quais entram
na célula bacteriana, são metabolizados por uma rota comum
até piruvato e este, por sua vez, origina os ácidos graxos voláteis
(AGV). Eventualmente, oligossacarídeos, contendo duas ou três
unidades monoméricas, também podem ser transportados para
o interior da célula bacteriana.

Polissacarídeos
(celulose, hemiculose, amido, pectina, frutosanas)

Oligossacarídeos

Monossacarídeos
Meio externo

Membrana celular bacteriana


Citoplasma

Monossacarídeos
(glicose, frutose, galactose, ribose, xilose,...)

Piruvato

AGV
Figura 1.11 – Esquema geral da degradação dos carboidratos pelas bacté-
rias ruminais. A degradação extracelular e, posteriormente, o metabolismo
intracelular de todos os carboidratos origina um produto final comum (o
piruvato), que é o precursor dos ácidos graxos voláteis (AGV).
Bioquímica dos Ruminantes | 26

Nas figuras 1.7 e 1.12 são apresentados alguns detalhes da


ação das enzimas bacterianas ruminais sobre os polímeros de ce-
lulose e hemicelulose. A celulose é degradada pela ação sequencial
e integrada de várias endocelulases, exocelulases e ß-glicosidases
que hidrolisam as ligações ß-1,4, no interior e no final da cadeia do
polímero, e liberam glicose como produto final. Ao longo desse pro-
cesso de degradação, também são liberados celodextrinas e celobios

Figura 1.12 – Representação esquemática das etapas, enzimas envolvidas e


produtos da degradação da celulose pelas bactérias ruminais. Os polímeros de
celulose são degradados até glicose pela ação sequencial de endoglucanases,
exoglucanases e glicosidases. A degradação dos demais polissacarídeoas
(como amido e hemicelulose) também segue esse padrão multienzimático.
Bioquímica dos Ruminantes | 27

A digestão da hemicelulose provavelmente envolve sistemas


enzimáticos mais complexos, considerando que a estrutura e as
formas de associação desse polímero com outros componentes
da parede celular são heterogêneas, variando entre os tipos de
forragens e, em uma mesma planta, entre os tecidos. O produto
final da hidrólise bacteriana das hemiceluloses é, principalmente,
xilose e, em menor proporção, arabinose e ácido glicurônico.
O amido é um polissacarídeo de reserva das plantas e é
constituído por amilose e amilopectina (Figura 1.13).

Figura 1.13 – Estrutura da amilose e amilopectina. A amilose é um polímero


não ramificado de glicoses ligadas por ligações glicosídicas α-1,4, enquanto
Bioquímica dos Ruminantes | 28

a amilopectina é altamente ramificada. Destaca-se, no detalhe ampliado


da amilopectina, os pontos de ramificação no qual as ligações glicosídicas
são do tipo α-1,6.

A amilose é um polímero não ramificado de glicose (ligadas


por ligações glicosídicas α-1,4), enquanto a amilopectina é alta-
mente ramificada (incluindo ligações do tipo α-1,6 nos pontos de
ramificação). Esses polissacarídeos são hidrolisados por amilases
bacterianas do tipo α e β e também por α-glicosidases (Figura
1.14). As α-amilases hidrolisam ligações no interior da cadeia
(endoglicosidases), liberando maltose como produto final. As
β-amilases atuam no final da cadeia do polímero (exoglicosida-
ses), liberando glicose. Por sua vez, as α-glicosidases hidrolisam
as ligações α-1,6 nos pontos de ramificação do polímero, assim
como hidrolisam ligações α-1,4 de oligossacarídeos (como mal-
tose e maltotriose). A estrutura desse complexo enzimático não
está elucidada, mas é provável que seja similar ao celulossoma.
A pectina pode ser degradada pela atividade de duas enzimas
bacterianas diferentes: as pectina liases, que rompem ligações
do polímero sem adição de água e liberam, principalmente, ga-
lactourinídeos insaturados; e as pectinases, que se diferenciam
das liases por romper ligações entre os ácidos galacturônicos da
pectina com adição de água (Figura 1.15). A atividade desta
última enzima parece ser negligível no rúmen. A estrutura, assim
como o grau de associação dessas enzimas com a membrana
bacteriana, contudo, não são claramente conhecidos.
Bioquímica dos Ruminantes | 29

Figura 1.14 – Representação da estrutura química da amilopectina e principais


produtos da hidrólise enzimática. Os locais indicados por letras entre parênteses
representam as ligações hidrolisadas por enzimas bacterianas ruminais: a=
a-amilase; b= b-amilase; c= a-1,6-amiloglicosidases e d= maltase.

Figura 1.15 – Degradação extracelular de polímeros de ácido galacturônico (prin-


cipal fração das pectinas). A clivagem do polímero pela pectina liase (sem adição
de água) resulta na liberação de galactouronídeos insaturados (ácido 4-desoxi-5-
-cetourônico), enquanto as hidrolases (pectinases) liberam ácido galacturônico.

1.3.3 Degradação das proteínas, ácidos nucleicos e


outros compostos nitrogenados

As proteínas são os principais compostos nitrogenados presentes


nos alimentos dos ruminantes. No entanto, sua concentração e
degradação ruminal variam amplamente entre os diferentes tipos de
alimentos. Assim, por exemplo, o teor proteico é bem mais alto nas
plantas leguminosas que nas gramíneas, e as proteínas presentes
em alimentos de origem vegetal são degradadas mais amplamente
Bioquímica dos Ruminantes | 30

que as de origem animal. Da mesma forma, as proteínas solúveis


do interior das células vegetais são degradadas mais ampla e ra-
pidamente que aquelas presentes na parede das células vegetais.
Como os polissacarídeos, a degradação das proteínas no rúmen é
efetuada por sistemas multienzimáticos associados à membrana
celular bacteriana. A sequência geral da degradação das proteínas
é apresentada na figura 1.16. Inicialmente, as moléculas proteicas
são hidrolisadas em oligopeptídeos, particularmente nos pontos de
sua cadeia contendo resíduos de serina, cisteína ou aspartato. Os
oligopeptpídeos são hidrolisados por aminopeptidases, liberando
dipeptídeos e estes, por sua vez, são hidrolisados por dipeptidases,
liberando os aminoácidos. Após a degradação extracelular, os pep-
tídeos e aminoácidos resultantes são prontamente captados pelas
células bacterianas ruminais, de modo que suas concentrações no
fluido ruminal normalmente são muito baixas. Tem sido sugerido
que o gasto energético para o transporte de peptídeos e aminoáci-
dos através das membranas bacterianas é o mesmo e, por isso, a
captação de peptídeos pelas bactérias seria energeticamente mais
eficiente e quantitativamente mais importante que a de aminoácidos.
Aminoácidos e oligopeptídeos com até cinco resíduos podem entrar
na célula bacteriana. Os peptídeos que entram na célula, no entanto,
são hidrolisados no citoplasma liberando aminoácidos, os quais são,
então, metabolizados. Como será visto mais adiante, os aminoáci-
dos que entram na célula bacteriana podem ser incorporados em
proteínas ou desaminados e metabolizados a ácidos graxos voláteis.
Os ácidos nucleicos constituem uma menor fração entre
os compostos nitrogenados do alimento (entre 5 a 9% do N
de gramíneas forrageiras, por exemplo) e, normalmente, são
totalmente degradados no rúmen por nucleases extracelulares
bacterianas. Exceção são os nucleotídios presentes em fontes
proteicas de origem animal, como farinha de carne ou de peixe,
cuja degradabilidade ruminal é baixa. O produto liberado é uma
mistura de nucleotídios, nucleosídios e bases nitrogenadas, além
de ribose e fosfato, os quais são todos captados e metabolizados
pelos microrganismos.
A ureia é um composto nitrogenado não proteico que, usualmente,
é incorporada na dieta dos ruminantes, mas que também entra no
rúmen via saliva ou diretamente do sangue via transepitelial. Esse
Bioquímica dos Ruminantes | 31

composto é prontamente hidrolisado enzimaticamente (urease) no


rúmen, liberando amônia (Figura 1.17). A urease é uma enzima
que possui níquel em sua estrutura e está associada à membrana
bacteriana. Várias espécies bacterianas ruminais produzem urease,
mas são as populações aderidas ao epitélio ruminal que apresentam
maior atividade ureolítica (Figura 1.18). Tem sido sugerido que
esta característica estaria associada à passagem transepitelial de
ureia do sangue para o rúmen, de modo que essas bactérias teriam
acesso prioritário a essa fonte de nitrogênio. A hidrólise enzimática
da ureia é termodinamicamente favorável, com variação negativa
da entalpia em torno de 10 a 15 kcal/mol. No entanto, não foi
encontrada, na literatura, qualquer referência de acoplamento
dessa reação com síntese de ATP pelas bactérias.

Proteínas
(polipeptídeos)

Oligopeptídeos

Aminoácidos
Meio externo

Membrana celular bacteriana


Citoplasma

Aminoácidos NH3

Proteína mocrobiana  - cetoácidos

AGV
Figura 1.16 – Esquema geral da degradação proteica pelas bactérias rumi-
nais. A degradação extracelular origina aminoácidos que são desaminados,
Bioquímica dos Ruminantes | 32

liberando amônia e α-cetoácidos, ou utilizados pelas bactérias para a síntese


de suas proteínas. Os α-cetoácidos, por sua vez, são utilizados como fonte
de energia e convertidos em ácidos graxos voláteis (AGV).

Figura 1.17 – A hidrólise total da ureia pelas bactérias origina uma molécula
de dióxido de carbono e duas moléculas de amônio. Inicialmente, a molécula
de ureia é hidrolisada enzimaticamente pela urease, produzindo carbamato e
uma molécula de amônio livre. O carbamato é, posteriormente, hidrolisado
não enzimaticamente, liberando outra molécula de amônio e bicarbonato.
Este último origina dióxido de carbono e água.

Figura 1.18 – Microfotografias de populações bacterianas aderidas no epi-


télio ruminal de bovinos: A= bacilos; B= cocos (publicado originalmente
por McCowan et al., 1980).

Nitratos (NO3) e nitritos (NO2) também podem estar presentes


em altas concentrações em alguns alimentos, particularmente em
gramíneas forrageiras no início do estágio vegetativo, fertilizadas com
grandes quantidades de nitrogênio. Nessas condições, os nitratos
podem representar mais de 30% do N das plantas. No rúmen, o
nitrato é reduzido a nitrito e este à amônia (Figura 1.19). A neces-
sidade de equivalentes de redução (elétrons ou hidrogênio), para
reduzir nitrato a nitrito, é bem menor que para reduzir este último
à amônia, de modo que a taxa de redução de nitrato é cerca de
Bioquímica dos Ruminantes | 33

2,5 vezes maior que a redução do nitrito. Em função disso, quando


a presença de nitratos no rúmen é alta e/ou a disponibilidade de
carboidratos prontamente fermentáveis é baixa, ocorre acumulação
de nitrito. O nitrito em altas concentrações (acima de 3 mM) é tóxico
às bactérias e também pode causar intoxicação aguda no animal.
Neste caso, o nitrito é absorvido, entra na circulação sanguínea,
liga-se ao grupo heme da hemoglobina, formando metahemoglobina,
e diminui sensivelmente a capacidade de oxigenação dos tecidos.
As enzimas nitrato redutase e nitrito redutase estão presentes na
membrana externa de várias espécies bacterianas ruminais e são
induzidas, ou seja, são produzidas somente quando há presença
do substrato. Estão associadas a um sistema de transporte de elé-
trons, envolvendo quinonas, citocromos e desidrogenases (similar
à cadeia respiratória presente nas mitocôndrias dos eucariotas). A
variação da energia livre padrão (∆Go) de cada uma das reações
de redução, do nitrato e do nitrito é altamente negativa (em torno
de -10 kcal/mol), de modo que, possivelmente, estão acopladas à
translocação de prótons (H+) para fora da célula e síntese de ATP.

Figura 1.19 – Reações de redução do nitrato e nitrito a amônia no rúmen.


Essas reações ocorrem na face externa das bactérias, mas os doadores de
elétrons, que podem ser o hidrogênio molecular (H2), NADH, FADH2, piruvato,
lactato ou succinato, são provenientes do citoplasma bacteriano.

1.3.4 Degradação dos lipídios e biohidrogenação


dos ácidos graxos insaturados

Nutricionalmente, os lipídios podem ser agrupados em lipídios


de reserva (principalmente triglicerídeos em sementes), lipídios
de membranas (galactolipídios e fosfolipídios) e em uma mistura
Bioquímica dos Ruminantes | 34

heterogênea de outras estruturas moleculares solúveis em éter


(ceras, carotenoides, clorofila etc.). Os lipídios presentes nas plantas
forrageiras são representados, principalmente, por galactolipídios
e fosfolipídios, enquanto a gordura animal e aquela presente nos
grãos de cereais ou oleaginosas são basicamente triglicerídeos.
A estrutura básica dessas moléculas é apresentada na figura
1.20. A maior parte dos ácidos graxos das plantas forrageiras
e dos óleos vegetais é insaturada (geralmente mais de 70%) e
representada principalmente pelo linoleico (cis-9, cis-12, 18:2)
e linolênico (cis-9, cis-12, cis-15, 18:3).
Logo após ingeridos pelo animal, os galactolipídios e os demais
lipídios esterificados (principalmente triglicerídeos) são extensi-
vamente hidrolisados por lipases associadas à membrana celular
bacteriana, liberando glicerol, galactose e uma mistura de ácidos
graxos de cadeia longa saturados e insaturados (Figura 1.21).

Figura 1.20 – Representação esquemática da estrutura química do galactoli-


pídio, fosfolipídio e triglicerídeo. Os galactolipídios diferem dos triglicerídeos
por terem uma ou duas moléculas de galactose substituindo um ou dois
ácidos graxos nas ligações ésteres com o glicerol. No fosfolipídio, um dos
ácidos graxos é substituído por um grupo alcoólico ou nitrogenado (X) ligado
ao glicerol por uma ligação fosfodiéster (P).

As bactérias não são capazes de utilizar esses ácidos graxos


como fonte de energia e, provavelmente, nem para qualquer
função estrutural. O teor de lipídios das bactérias (presente
principalmente nas membranas) é em torno de 10% do seu
peso seco e é representado por fosfolipídios (30 a 40%), ácidos
graxos não esterificados (em torno de 40%) e outras moléculas
solúveis em éter, que incluem lipídios neutros (triglicerídeos) e
lipídios não saponificáveis. Em relação ao perfil dos ácidos graxos,
mais de 90% são saturados e representados, principalmente,
pelo palmítico e esteárico. As bactérias ruminais sintetizam a
Bioquímica dos Ruminantes | 35

maior parte dos seus ácidos graxos de cadeia longa a partir de


açúcares, mas são incapazes de sintetizar ácidos graxos poliin-
saturados, de modo que a presença deles nas membranas é
insignificante (menos que 5%) e proveniente do fluido ruminal.
As bactérias também sintetizam ácidos graxos com número
ímpar de carbonos (15 a 17) e ácidos graxos com cadeia ra-
mificada. Os ácidos graxos insaturados tem a propriedade de
se adsorverem rapidamente a superfícies livres, incluindo a
superfície das células bacterianas e das partículas de alimento.
Em função disso, parte deles pode penetrar e ser incorporado
aos lipídios de membrana das bactérias.
Lipídios esterificados
(ação de lipases, fosfolipases e galactosidases)

Glicerol Ácidos graxos Ácidos graxos


Galactose saturados insaturados
NAD+ NADH

Meio externo

Membrana Celular Bacteriana


Citoplasma

NAD+ NADH
Glicerol
Galactose AGV
ADP ATP

Figura 1.21 – Esquema geral da degradação dos lipídios pelas bactérias


ruminais. A hidrólise extracelular dos lipídios esterificados, pela ação de
lípases, fosfolipases e galactosidades, libera glicerol, galactose e ácidos
graxos de cadeia longa. O glicerol e a galactose entram na célula bacteriana
e são prontamente metabolizados a ácidos graxos voláteis (AGV). Os ácidos
graxos de cadeia longa insaturados, por sua vez, são em grande parte redu-
zidos a saturados pelo processo de biohidrogenação, o qual utiliza NADH
proveniente do citoplasma bacteriano.

A maior parte dos ácidos graxos insaturados liberados pela


lipólise são rapidamente hidrogenados (saturados) pelas bactérias
ruminais. As figuras 1.22 e 1.23, respectivamente, apresentam
um esquema detalhado desse processo, em que a atividade
Bioquímica dos Ruminantes | 36

sequencial de isomerazes e redutases convertem ambos, os


ácidos linoleico (18:2) e linolênico (18:3), a esteárico (18:0).
Ao longo desse processo, vários intermediários são formados.
Destaca-se, no entanto, a formação do ácido linoleico conjugado
cis-9, trans-11 (CLA) durante a biohidrogenação do ácido lino-
leico. O CLA, assim como outros isômeros formados em menor
proporção, como o trans-10, cis-12, está envolvido em vários
processos fisiológicos que incluem efeitos anticarcinogênicos,
antiteratogênicos, modulação do metabolismo intermediário e
modulação da resposta imune dos animais.
Com base na propriedade adsortiva dos ácidos graxos
insaturados e em observações de que a atividade de biohi-
drogenação do fluido ruminal é negligível, conclui-se que as
enzimas responsáveis pela biohidrogenação estão presentes
na membrana de bactérias aderidas às partículas de alimento.
Adicionalmente, evidências experimentais indicam também
que, embora Butyrivibrio fibrisolvens seja uma das que tem
mais alta capacidade de biohidrogenação, a biohidrogenação
completa dos ácidos graxos insaturados depende da atividade
conjugada de mais de uma espécie bacteriana ruminal, incluin-
do, por exemplo, Fusocillus sp. Contudo, não está claramente
estabelecido, até o momento, qual a função do processo de
biohidrogenação. Uma vez que os ácidos graxos insaturados
são tóxicos a muitas bactérias ruminais, a função mais pro-
vável é detoxificante. No entanto, a biohidrogenação também
pode ser uma forma de drenar equivalentes de redução (H2 ou
NADH) do meio ruminal.
Vários fatores dietéticos podem afetar a biohidrogenação,
tanto em termos quantitativos como qualitativos. O aumento da
proporção de concentrado na dieta, por exemplo, diminui as taxas
de lipólise e biohidrogenação, assim como modifica o perfil dos
intermediários desse processo, aumentando a proporção de ácidos
graxos insaturados do grupo trans-10. Essas modificações devem-se,
provavelmente, a efeitos conjugados de queda do pH e alteração
da composição das espécies bacterianas ruminais. Adicionalmente,
para ser biohidrogenado, o grupo carboxila do ácido graxo deve
estar livre. Em função disso, o fornecimento de gordura na forma
de sais de cálcio insolúveis previne a sua biohidrogenação.
Bioquímica dos Ruminantes | 37

Figura 1.22 – Esquema da biohidrogenação do ácido linoleico. Os números


dos carbonos na cadeia são contados a partir da carboxila. As ligações
duplas nos carbonos 9 e 12 são originalmente do tipo cis. A primeira etapa
do processo forma um isômero em que a ligação dupla do carbono 12 é
transferida na forma trans para o carbono 11, formando o ácido rumênico
(ácido linoleico conjugado cis-9 trans-11, CLA). A seguir, as ligações duplas
são substituídas por ligações simples em reações catalisadas por redutases na
seguinte sequência: carbonos 9 e 11. O doador dos hidrogênios no processo
de biohidrogenação, apresentado neste esquema, é somente o NADH. No
entanto, embora essa molécula seja o doador inicial, outras duas moléculas
participam do processo de transferência dos hidrogênios: tocoferolquinona e
uma flavina. Abaixo da rota metabólica de biohidrogenação, é apresentada,
com detalhe, a característica das ligações Cis e Trans entre os hidrogênios e
carbonos que participam da ligação dupla na cadeia do ácido graxo.
Bioquímica dos Ruminantes | 38

Figura 1.23 – Esquema da biohidrogenação do ácido linolênico. As ligações


duplas nos carbonos 9, 12 e 15 são originalmente do tipo cis. A primeira
etapa do processo forma um isômero em que a ligação dupla do carbono 12
é transferida na forma trans para o carbono 11. A seguir, as ligações duplas
são substituídas por ligações simples em reações catalisadas por redutases
na seguinte sequência: carbonos 9, 15 e 11.

A dieta de ruminantes alimentados somente com forrageiras


tem baixo teor de lipídios (entre 1 a 5% da matéria seca). Níveis
mais altos de lipídios são obtidos pela adição de gordura animal,
óleo vegetal ou pela inclusão de sementes ou resíduos vegetais
ricos em gordura. No entanto, a fermentação ruminal é inibida
se o conteúdo de lipídios for superior a 7% da matéria seca da
dieta. A explicação para esse efeito é sustentada por duas teorias.
Bioquímica dos Ruminantes | 39

Uma delas está associada à propriedade adsortiva dos ácidos


graxos insaturados, que, em excesso, formariam uma cobertura
de natureza hidrofóbica na célula bacteriana ou na partícula de
alimento que impediria o metabolismo da bactéria ou sua adesão
na partícula. Outra teoria propõe a existência de um efeito tóxico
direto em que esses ácidos graxos incorporam-se à membrana
bacteriana e mudam sua fluidicidade e permeabilidade. Níveis
mais altos de lipídios poderiam ser adicionados somente na
forma de gordura saturada ou protegida da fermentação ruminal
(na forma de sais de ácidos graxos, por exemplo).

1.3.5 Taxa de degradação

A susceptibilidade dos diferentes carboidratos e compostos


nitrogenados à degradação bacteriana é amplamente variável,
dependendo das suas características físico-químicas ou dos
fatores que limitam o acesso das enzimas bacterianas ao
substrato. Embora existam exceções, a taxa de degradação,
em geral, é diretamente relacionada à solubilidade dos subs-
tratos. Assim, por exemplo, proteínas de origem animal e os
carboidratos presentes na parede celular dos tecidos vegetais
têm baixa solubilidade e são lentamente degradados. Amido,
pectina e proteínas presentes no conteúdo celular das plantas
têm alta solubilidade e são rapidamente degradados no rúmen.
A degradabilidade do amido, contudo, varia entre fontes e tipos
de amido. Por exemplo, amilopectina é mais solúvel e tem
maior degradabilidade que amilose. Entre as fontes de amido,
aqueles presentes em grãos de cereais de inverno ou em raízes
são mais degradáveis que o amido do grão de milho ou sorgo.
As taxas de degradação medidas in vitro variam de menos de
0,1%/h para aquelas frações de carboidratos ou proteínas mais
complexas e menos solúveis a valores bem acima de 100%/h
para as frações solúveis. Na figura 1.24, são apresentados
exemplos de como o tipo de dieta pode afetar a concentração
no fluido ruminal de alguns produtos da degradação microbiana
ao longo do tempo após a ingestão do alimento.
Bioquímica dos Ruminantes | 40

30
Amônia
25

20
mg/dl
15

10

15.0
-amino N
13.5
12.0
10.5
9.0
mg/dL

7.5
6.0
4.5
3.0
1.5
0.0

50
45
Açúcares
40
35
30
mg/dL

25
20
15
10
5
0
0 1 2 3 4 6 8
Tempo após a refeição (horas)

Figura 1.24 – Concentração ruminal de amônia, aminoácidos, peptí­deos e


açúcares ao longo do tempo após a refeição em ovinos recebendo diferentes
dietas: somente com azevém sem suplementação ( ) ou suplementados com
farinha de mandioca ( ), refinazil ( ), farinha de mandioca mais farelo de
glúten de milho ( ) ou farinha de mandioca mais caseinato de cálcio ( ).
Bioquímica dos Ruminantes | 41

1.4 Crescimento bacteriano e a


constante de saturação

O crescimento bacteriano pode ser definido como o aumento da


sua população por unidade de tempo, a qual é denominada taxa
de crescimento. Considerando-se um sistema de cultura fechado,
ignorando-se o tempo de colonização (lag time) e se todas as
condições forem favoráveis, esse crescimento se dá em escala
logarítmica, segundo a equação: µ = ln 2 / td , em que: µ =
taxa de crescimento (proporção/h), ln 2 = logaritmo natural de
2 e td = tempo de duplicação (h) (Figura 1.25). O tempo de
duplicação é aquele necessário para que a biomassa bacteriana
duplique seu tamanho. No caso das bactérias ruminais, os tempos
de duplicação variam em torno de 20 minutos até 2 horas, sendo
menor nas espécies que degradam carboidratos não fibrosos e
maior nas que fermentam carboidratos fibrosos.
A forma de crescimento exponencial, apresentada acima,
transcorre quando todas as condições de meio são favoráveis
à bactéria: temperatura, pH, osmolaridade e suprimento de nu-
trientes em quantidade e qualidade adequadas. Se, em todos os
casos, estes pré-requisitos fossem atendidos, os microrganismos
logo alcançariam volumes incompatíveis com a sobrevivência de
outras espécies vivas. Não acontece assim porque o crescimento
é regulado pela disponibilidade de nutrientes limitantes, também
chamados de fatores de crescimento. Neste caso, a taxa de cres-
cimento irá variar com a concentração do substrato limitante no
meio, sendo definida pela seguinte equação: µ = µmax. S / (S +
Ks), em que µ= taxa de crescimento (/h), µmax= taxa máxima de
crescimento (/h), S = concentração do substrato limitante (mmol)
e Ks = constante de saturação (mmol) (Figura 1.26). O valor de
Ks é indicativo do grau de afinidade da bactéria pelo substrato (i.e.,
quanto maior o Ks, menor a afinidade). O substrato limitante pode
ser, por exemplo, um mineral, uma vitamina, um aminoácido, um
carboidrato etc. Não precisa, obrigatoriamente, ser uma fonte de
suprimento energético. O substrato limitante varia entre as cepas
bacterianas, e a necessidade funcional deste nutriente, expressa
em termos quantitativos, é que constitui a constante de saturação.
Bioquímica dos Ruminantes | 42

8
7
Taxa de crescimento (/h)

6 Bactérias  = In2/td
5 amilolíticas

4
3
2 Bactérias
fibrolíticas
1
0
0 0,5 1 1,5 2
Tempo de duplicação (td, em horas)

Figura 1.25 – Relação entre o tempo de duplicação (td) e a taxa de cres-


cimento bacteriano (µ). Em geral, espécies bacterianas amilolíticas têm
menor tempo de duplicação e maior taxa de crescimento que as ficrolíticas.

A equação acima é análoga à de Michaelis-Menten, a qual


expressa a cinética da atividade enzimática. Assim como o Km das
enzimas representa a concentração de substrato, em que a taxa da
reação catalisada pela enzima alcança a metade da taxa máxima,
o Ks significa a concentração de substrato necessária para a taxa
de crescimento bacteriano atingir a metade da sua taxa máxima.
Quanto menor o valor do Ks, menor concentração de substrato é
necessária para alcançar taxas de crescimento relativamente altas.
Em decorrência desta propriedade particular, os microrganismos
detentores de Ks baixo para um determinado nutriente conseguem
sustentar o seu crescimento em meio contendo baixa concentração
desse nutriente. Nesta condição, a biomassa proporcional dessas
cepas de microrganismos irá predominar sobre as demais que
possuem um Ks mais alto para esse mesmo nutriente.
Os parâmetros da cinética de crescimento bacteriano são,
usualmente, medidos em sistemas de cultura abertos, em que o
volume da cultura e a biomassa microbiana são mantidos cons-
tantes, mas o meio de cultura é renovado continuamente. Valores
de Ks e de µmax de algumas cepas bacterianas ruminais, obtidos
com esta metodologia, são apresentados na tabela 1.3. Observa-
Bioquímica dos Ruminantes | 43

se que tanto o grau de afinidade (Ks) quanto as taxas máximas


de crescimento são altamente variáveis entre cepas bacterianas
e entre substratos. As taxas de crescimento, por exemplo, podem
variar de menos de 10% a mais de 200%/h, e os valores de Ks
de menos de 0,01 a mais de 5 mmol. Em geral, observa-se que
as espécies bacterianas que degradam carboidratos fibrosos têm
maior grau de afinidade pelos substratos, mas menor potencial de
crescimento que as espécies que degradam amido.
max
Taxa de crescimento (/h)

 = (max.S)/(S+Ks)

Ks
Concentração de substrato (s)
Figura 1.26 – Relação entre a concentração de substrato limitante no meio de
cultura e a taxa de crescimento bacteriano. Ks é a concentração de substrato
em que a taxa de crescimento (µ) da população bacteriana corresponde à
metade da taxa de crescimento máxima (µmax).

As taxas de crescimento, apresentadas na tabela 1.3, foram


obtidas com culturas puras, incubadas somente com um tipo de
substrato. No entanto, foi observado, em estudos in vitro, que as
diferentes espécies bacterianas podem utilizar, preferencialmente,
um determinado substrato em detrimento de outro, de modo
que a taxa de utilização desses substratos é autorregulada em
função da presença ou ausência do outro. Assim, por exemplo, S.
ruminantium só utiliza maltose ou celobiose se xilose, glicose ou
sacarose estiverem ausentes. Da mesma forma, B. fibrisolvens
utiliza celobiose e xilose somente se maltose e sacarose estiverem
ausentes, e S. bovis somente utiliza maltose e celobiose se glicose
e sacarose estiverem ausentes no meio de incubação. Além disso,
Bioquímica dos Ruminantes | 44

várias interações existem entre populações mistas de bactérias,


de modo que as taxas de crescimento estimadas nas condições
normalmente existentes no rúmen são somente em torno de 0,05,
para as bactérias que degradam carboidratos fibrosos, e 0,15,
para as que degradam carboidratos não fibrosos. Ou seja, a cada
hora a biomassa bacteriana ruminal dessas espécies aumenta em
torno de 5 e 15%, respectivamente. Os valores de Ks estão estrei-
tamente associados às características dos sistemas de transporte
de membrana bacteriano, os quais serão descritos posteriormente.
algumas espécies bacterianas ruminais incubadas in vitro com diferentes substratos
Tabela 1.3 – Grau de afinidade (Ks) e taxa de crescimento máxima (µmax) de

*sc= sem crescimento ou substrato não utilizado pelas bactérias.


(Russel; Baldwin, 1978, 1979)

Além da taxa de crescimento e da Ks, outro parâmetro de


importância nutricional a ser conhecido é o rendimento microbia-
no, ou seja, a quantidade de biomassa bacteriana produzida por
unidade de substrato fermentado. Esse conceito está associado à
eficiência energética bacteriana. Somente uma parte da energia
Bioquímica dos Ruminantes | 45

presente originalmente no substrato fermentado vai ser recupe-


rada como aumento da massa microbiana. Além da perda de
energia na forma de calor, inerente à termodinâmica das reações
químicas que ocorrem nos sistemas biológicos, a acumulação de
biomassa bacteriana é limitada também pelos custos energéticos
de manutenção dessas populações.
Gasto energético de mantença inclui, entre outros, motilidade
celular, renovação de macromoléculas celulares, manutenção
de gradiente iônico, síntese de enzimas e transporte de subs-
tâncias para o interior das células. Também é incluído, como
custo energético de manutenção, a reposição de células bacte-
rianas mortas. Para exemplificar, em torno de 30% da energia
proveniente da fermentação ruminal é gasta nos sistemas de
transporte ativo das membranas celulares bacterianas, e cerca
de 30 a 60% da biomassa bacteriana ruminal é continuamente
reciclada (novas células bacterianas são produzidas para repor
bactérias mortas, permitindo a manutenção da população bac-
teriana). No rúmen, estima-se que as bactérias que degradam
os carboidratos fibrosos têm um custo de manutenção cerca
de três vezes menor que as que degradam os não fibrosos
(cerca de 0,05 vs 0,150 g de carboidrato/g de matéria seca
bacteriana/h). Em condições práticas, o rendimento bacteriano
ruminal é estimado como a quantidade de nitrogênio ou ma-
téria orgânica de origem bacteriana que flui para o duodeno
em relação à quantidade de carboidratos ou matéria orgânica
(MO) fermentada no rúmen. Os valores de rendimento, assim
obtidos, variam de 0,10 a 0,35 g de MO bacteriana/g de MO
fermentada ou, de outra forma, de 10 a 50 g de nitrogênio
bacteriano/kg de MO fermentada no rúmen.
Normalmente, quando a dieta de um animal ruminante é
alterada de uma à base de forragem, cuja degradação ruminal
é mais lenta, para outra rica em grãos, que é degradada mais
rapidamente, as espécies amilolíticas passam a predominar e a
biomassa bacteriana ruminal total aumenta significativamente.
Como visto anteriormente, as espécies que fermentam carboi-
dratos não fibrosos possuem Ks, taxa de crescimento e custo
de manutenção bem mais altos que aquelas que fermentam os
Bioquímica dos Ruminantes | 46

fibrosos. Desse modo, o maior custo energético de manutenção


das primeiras é amplamente compensado pela sua maior taxa de
crescimento em condições de alta disponibilidade de substratos.

1.5 Transporte de nutrientes


através das membranas

O rúmen constitui-se em um ecossistema que contém substratos


em abundância, mas na forma de grandes, insolúveis e, algumas
vezes, complexos polímeros. Estes devem ser degradados por
enzimas extracelulares até substâncias mais simples e de baixo
peso molecular, capazes de entrarem e serem metabolizadas
pelas células bacterianas. Por outro lado, a densidade celular
bacteriana é relativamente alta e com taxas de crescimento po-
tenciais normalmente superiores à disponibilidade de nutrientes
no rúmen. Desse modo, as taxas de crescimento possíveis e a
predominância de espécies bacterianas individuais dependem,
além da formação de nichos aderidos às partículas de alimento,
da sua capacidade de retirar nutrientes em um meio altamente
competitivo. Isso, por sua vez, depende das características dos
sistemas de transporte presentes na membrana celular bacteriana,
entre as quais se destacam o grau de afinidade e especificidade
pelo substrato e os mecanismos de regulação.
Uma apresentação esquemática dos principais sistemas
de transporte de nutrientes existentes nas membranas das bac-
térias ruminais é apresentada na figura 1.27.
Bioquímica dos Ruminantes | 47

Difusão passiva

Difusão facilitada

Próton simporter

Sódio simporter

Transporte choque
sensitivo

Sistema
fosfotransferase

Figura 1.27 – Mecanismos de transporte de substratos (S) através da mem-


brana celular (M) das bactérias ruminais. Embora uma ampla variedade de
pequenas moléculas sejam utilizadas pelas bactérias ruminais, os principais
substratos que entram nas suas células são monossacarídeos (glicose, ga-
lactose, ribose, arabinose, entre outros), ácidos orgânicos (malato, fumarato,
succinato, entre outros) e aminoácidos. Importante notar a existência de um
gradiente eletroquímico em nível de membrana, ou seja, o meio extracelular
tem maior concentração de íons sódio e de prótons e é mais eletropositivo
que o meio intracelular.

1.5.1 Difusão passiva

Esse sistema de transporte é caracterizado pela passagem de


moléculas através das membranas sem gasto de energia e sem
o envolvimento de proteínas carreadoras de membrana (perme-
ases). Esse mecanismo de transporte é utilizado somente para
Bioquímica dos Ruminantes | 48

a passagem de moléculas ionicamente neutras ou altamente


hidrofóbicas e a favor de um gradiente de concentração (ou seja,
para entrar na bactéria, por exemplo, a concentração extracelular
da molécula deve ser bem superior à concentração intracelular).
No rúmen, os ácidos graxos de cadeia longa (hidrofóbicos) e as
formas não ionizadas de pequenos ácidos orgânicos (como os
AGV, malato, fumarato, succinato, entre outros) e de amônia
atravessam a membrana das bactérias por difusão passiva.
Nas condições normais de pH ruminal (± 6,5), no entanto, a
maior parte da amônia (pK ± 9,5) e dos ácidos orgânicos (pK
± 4,5) estão ionizados (Figura 1.28) e utilizam outros sistemas
de transporte.

não ionizado

não ionizado

Figura 1.28 – Formas ionizadas e não ionizadas de um ácido graxo volátil


e da amônia.

1.5.2 Difusão facilitada

Assim como no caso da difusão passiva, esse sistema de trans-


porte ocorre sem gasto de energia e, portanto, somente a favor de
gradientes de concentração. No entanto, envolve a participação
de proteínas carreadoras de membrana e permite a passagem de
moléculas polares ou eletricamente carregadas (ionizadas). A taxa
de transporte de substrato por esse sistema é diretamente propor-
cional à amplitude do gradiente existente, ou seja, será tanto mais
alta quanto maior a diferença de concentração do substrato no
Bioquímica dos Ruminantes | 49

fluido ruminal em relação à concentração no citoplasma bacteriano.


Embora já tenha sido observada a utilização desse mecanismo para
o transporte de alguns aminoácidos, particularmente glutamato
e glutamina e também de glicerol e glicose, é provável que, nas
condições ruminais, ele tenha pouca importância. Normalmente, as
concentrações desses substratos no fluido ruminal são relativamente
baixas, de modo que o gradiente existente e a taxa de transporte
para o interior da célula são bem menores que o exigido para o
crescimento das bactérias ali presentes.

1.5.3 Transporte ativo

A passagem de monossacarídeos (ou oligossacarídeos), assim


como de aminoácidos, oligopeptídeos ou ácidos orgânicos para
o interior das células bacterianas ruminais ocorre, predominan-
temente, através de sistemas de transporte ativo. As principais
características desses sistemas são: o gasto de energia, o en-
volvimento de proteínas carreadoras de membrana e o fluxo de
substrato contra gradientes de concentração.
A energia utilizada nesses sistemas é derivada da hidrólise de
ATP (talvez também acetil-fosfato) ou da força próton-motora gerada
pelo gradiente de pH e elétrico existentes em nível de membrana
celular bacteriana. Como visto na figura 1.27, a concentração
de íons H+ e Na+ é mais alta e a carga elétrica é mais positiva
no exterior que no interior celular. O citoplasma bacteriano tem
pH mais alcalino e é eletricamente mais negativo que o fluido
ruminal. Isso constitui uma força próton-motora capaz de dirigir
o transporte de moléculas para o interior das células e acumulá-
-los contra gradientes extremamente altos (até ± 107, ou seja, o
substrato é ‘bombeado’ para dentro da célula de modo que a sua
concentração intracelular alcance valores cerca de dez milhões
de vezes mais altos que a concentração extracelular). A força
próton-motora, nas bactérias ruminais, normalmente varia de 140
a 160 mV, sendo em torno de 90% dela gerada pelo gradiente
elétrico (∆y) e 10% pelo gradiente de pH (∆pH).
Os gradientes iônicos são mantidos pela atividade de vários
sistemas de bombeamento de íons presentes na membrana
Bioquímica dos Ruminantes | 50

celular das bactérias (Figuras 1.29 e 1.30). A maior parte das


bactérias ruminais utiliza principalmente ATPases para expelir
prótons (H+). No entanto, prótons também podem ser expulsos
das células por cadeias de transporte de elétrons que oxidam
NADH, H2, lactato, piruvato ou outras moléculas reduzidas.
Neste caso, como a presença de oxigênio no meio ruminal é
insignificante, outros receptores de elétrons estariam presentes,
como nitratos, nitritos e sulfatos. O sódio, por sua vez, pode
sair da célula pela atividade de descarboxilases (glutamato,
oxaloacetato ou succinato descarboxilases), de ATPases asso-
ciadas ao sódio ou pela atividade de proteínas trocadoras de
Na+/H+ (antiporter). Neste último caso, a saída de sódio pode
ser dirigida pelo gradiente de pH, com a entrada de um próton,
ou pelo gradiente elétrico, com a entrada de dois prótons por
átomo de sódio expulso da célula.
Os sistemas de transporte de membranas podem ser cons-
titutivos ou induzidos. Os constitutivos estão sempre presentes
nas células, independentemente da presença ou ausência da
molécula que ele transporta. Os induzidos, por sua vez, aparecem
somente se o meio de cultivo tiver uma concentração significativa
da molécula a ser transportada.

próton e sódio simporter

É o sistema de transporte predominante nas bactérias ruminais.


Como descrito anteriormente, pela ação de H+ e Na+-ATPases,
é formado um gradiente eletroquímico em nível da membrana
celular bacteriana, onde a concentração externa de prótons (H+)
e sódio é bem mais alta e a carga elétrica é mais positiva que a
interna. A passagem desses íons para dentro das células, através
de proteínas carreadoras específicas de membrana, libera uma
quantidade de energia associada à força próton-motora formada
por esse gradiente. Essa energia dirige a entrada simultânea na
célula de uma molécula de substrato. O gradiente de prótons e
sódio é utilizado para o transporte de açúcares, ácidos orgâni-
cos (como malato, fumarato e succinato) e aminoácidos para o
interior da bactéria.
Bioquímica dos Ruminantes | 51

Cadeia de transporte
de eletróns

antiporter

Figura 1.29 – Mecanismos geradores de gradientes eletroquímicos em nível


de membrana (M) nas bactérias ruminais. Nos sistemas próton e sódio-
-ATPase, a ATPase é orientada para expulsão desses íons do interior da célula
bacteriana com gasto de ATP. Nas mitocôndrias das células eucarióticas
aeróbicas, as ATPases estão presentes na membrana mitocondrial interna
e sintetizam ATP, utilizando a energia gerada pela passagem de prótons do
espaço intermembrana para a matriz mitocondrial. No sistema sódio des-
carboxilase, o sódio pode ser expulso da célula, utilizando a energia gerada
pela descarboxilação de glutamato, oxaloacetato ou succinato.
Bioquímica dos Ruminantes | 52

Figura 1.30 – Representação esquemática da integração de sistemas de


transportes de íons e elétrons na membrana celular bacteriana e do uso do
gradiente de íons para transporte de substratos para o interior da célula ou
para a realização de trabalho mecânico (flagelos).
Bioquímica dos Ruminantes | 53

sistema choque-sensitivo

Esse sistema é dirigido pela hidrólise de uma molécula de ATP,


liberando ADP e Pi. Envolve, além de proteínas carreadoras inse-
ridas na membrana, a participação de uma proteína periplasmá-
tica capaz de ligar-se à molécula a ser transportada. Embora em
menor proporção, é o sistema de transporte de maior afinidade
e especificidade presente nas bactérias ruminais, sendo crucial
nas situações de deficiência de substrato. É utilizado para o
transporte de açúcares.

sistema fosfotransferase (ft)

Esse sistema de transporte envolve uma sequência de translocação


de um grupo fosfato a partir do fosfoenolpiruvato até a fosfori-
lação da molécula de substrato que entra na célula. Na etapa
inicial, o grupo fosfato do fosfoenolpiruvato é transferido para
uma proteína citoplasmática denominada Enzima I. A Enzima I,
por sua vez, transfere o fosfato para uma segunda proteína cito-
plasmática fosfocarreadora, a HPr, e esta transfere o fosfato para
uma proteína carreadora de membrana denominada Enzima II, a
qual, finalmente, fosforila e transfere o substrato para o interior
da célula. Esse sistema é utilizado, fundamentalmente, para o
transporte de açúcares por bactérias que degradam carboidratos
não fibrosos. Tem alta afinidade pelo substrato e é energetica-
mente mais eficiente que os demais sistemas de transporte
ativo (Figura 1.31). No entanto, é bem menos utilizado que os
demais sistemas, sendo, possivelmente, importante somente em
condições de baixa disponibilidade de substrato, baixa taxa de
crescimento bacteriano e em pH próximo ao neutro. Em condi-
ções práticas, é possível que esse sistema seja utilizado pelas
bactérias em situações de jejum, ou várias horas após a ingestão
do alimento, ou, ainda, quando a dieta consiste apenas de vo-
lumosos de baixa qualidade. Nesta situação, a manutenção de
uma população mínima das espécies que degradam carboidratos
não fibrosos dependeria desse sistema de transporte para captar
algum substrato do meio ruminal.
Bioquímica dos Ruminantes | 54

Figura 1.31 – As bactérias anaeróbicas metabolizam a glicose pela clássica


rota metabólica de Embden-Meyerhof-Parnas (glicólise). Nessa rota, a hexose
é, inicialmente, duplamente fosforilada, consumindo dois ATPs e, poste-
riormente, produz quatro ATPs, dois pela reação catalisada pela glicerato
quinase e mais dois pela piruvato quinase. A princípio, o rendimento líquido
de ATPs, dessa maneira, é dois. Nos demais sistemas de transporte ativo,
um ATP é gasto no transporte da molécula para o interior da célula. Desse
modo, o rendimento líquido da glicólise diminui para um ATP. Pelo sistema
fosfotransferase (FT), a molécula já entra na célula fosforilada, economizando
um ATP que seria gasto na reação inicial catalisada pela hexoquinase. Desse
modo, é gasto somente um ATP na reação catalisada pela fosfofrutoquinase
e são produzidos três ATPs. O rendimento líquido, então, é de dois ATPs.
G=glicose; G6P=glicose-6-fosfato; F16DP= frutose-1,6-difosfato; G3P=
gliceraldeído-3-fosfato; PEP=fosfoenolpiruvato e PIR=piruvato.

1.5.4 Regulação dos sistemas de transporte

O transporte de um substrato para dentro da célula bacteriana é


a primeira etapa no processo fermentativo e, normalmente, uma
Bioquímica dos Ruminantes | 55

bactéria é capaz de utilizar vários substratos diferentes. Dessa


maneira, seria plausível que existissem mecanismos de regulação
da entrada dessas moléculas na célula, de modo a ordenar a sua
utilização. Pouco é conhecido sobre a regulação do transporte de
compostos nitrogenados nas bactérias ruminais, mas tem sido su-
gerida a existência de alguns mecanismos que atuariam regulando
o transporte de açúcares. Um deles seria a competição entre dois
ou mais açúcares pelo mesmo sítio de ligação em uma proteína
carreadora de membrana (permease), sendo que a preferência por
um ou outro dependeria de suas concentrações no meio e de suas
afinidades relativas pelo sítio de ligação na permease. Neste caso,
o substrato com menor Ks seria predominantemente transportado.
Outro mecanismo envolveria a inibição alostérica de permeases
por açúcares-fosfatatados que se acumulariam no interior celular
e se ligariam em um sítio regulador da proteína carreadora. Vários
outros mecanismos reguladores foram identificados, mas envolvem
o sistema fosfotransferase, o qual, como visto anteriormente, não
é o que predomina nas bactérias ruminais. Além disso, regulam
basicamente qual açúcar será preferencialmente transportado,
mas não a quantidade total que entra na célula. De fato, parece
que a maior parte das espécies bacterianas ruminais tem uma
capacidade limitada de controlar a entrada de substratos na célula,
particularmente quando as concentrações destes substratos no meio
são altas, em excesso às suas necessidades. Nessas condições, as
bactérias utilizam outros mecanismos para evitar acúmulo excessivo
de metabólitos na célula, os quais serão descritos mais adiante.

1.6 Metabolismo celular bacteriano


1.6.1 Conceitos básicos em bioenergética

A fermentação ruminal é um processo exergônico que converte


matérias-primas fermentáveis em ácidos graxos voláteis (AGV),
dióxido de carbono, metano, amônia e, ocasionalmente, ácido
láctico. Ao longo das reações, parte da energia liberada pela
degradação dos substratos é captada na síntese de ATP, parte é
conservada como energia potencial na forma de gradientes ele-
Bioquímica dos Ruminantes | 56

troquímicos transmembrana (força próton-motora) e, uma parte


é, inevitavelmente, perdida como calor (Figura 1.32). O ATP é
utilizado nos processos anabólicos, ou seja, na síntese de moléculas
estruturais ou enzimáticas bacterianas, e a força próton-motora
gerada ao nível de membrana, utilizada no transporte ativo de
nutrientes para o interior da célula.
O metabolismo bacteriano ruminal obedece aos mesmos
princípios e fundamentos que regem todas as transformações
biológicas e que têm por base a dinâmica da energia nos sistemas
e no universo. Esses fundamentos estão expressos em conceitos e
leis da termodinâmica, em relação aos quais serão feitas algumas
considerações a seguir.
A primeira lei da termodinâmica enuncia que a energia pode
tomar diferentes formas (i.e., térmica, química, elétrica, cinética,
gravitacional, entre outras), mas a quantidade de energia do uni-
verso é sempre constante. Não se pode medir o teor de energia
de uma substância ou de um sistema de reação; no entanto, é
possível medir a variação da energia quando o sistema se trans-
forma, expressa pela seguinte equação:

∆E = ∆H + W,

em que ∆E é a variação da energia total do sistema, ∆H representa a


variação da entalpia (calor) e W é a realização de trabalho (mudança
de pressão e/ou volume, por exemplo). A variação da entalpia de uma
reação pode ser positiva, se absorver calor (reação endotérmica), ou
negativa, se liberar calor para o ambiente (exotérmica). A primeira
lei permite quantificar o grau de interconversão da energia, mas não
indica em qual sentido o sistema tende a evoluir espontaneamente.
Além disso, a energia útil para os sistemas biológicos deve ser capaz
de gerar trabalho (como síntese de macromoléculas, contração mus-
cular, transporte através de membranas, entre outros) à temperatura
e à pressão pressão constantes.
A direção das reações espontâneas nos sistemas biológicos é
indicada por uma segunda lei, traduzida termodinamicamente pelo
norte-americano Josiah Willard Gibbs em 1876. Ele introduziu
o conceito de ‘potencial químico’ que, posteriormente, em sua
homenagem, foi denominado ‘Energia Livre de Gibbs’ ou ‘Função
Bioquímica dos Ruminantes | 57

de Gibbs’ (G). Segundo esse conceito, em todas as transformações


físicas ou químicas na natureza, a variação da energia livre (∆G)
do sistema em transformação é sempre negativa e a entropia do
universo (∆S(universo)) sempre aumenta, mesmo que a entropia do
sistema (∆S(sistema)) diminua:

∆S(universo) =
∆S(sistema) + ∆S(externa) > 0,

∆G(sistema) = -T∆S(universo),

em que T é temperatura em °K.


A entropia (S) é uma grandeza física que indica uma função de
estado da matéria. É inversamente associada ao grau de ordem,
ou seja, quanto mais desorganizado o sistema, maior sua entropia.
Considera-se, por exemplo, que a entropia da forma pura e crista-
lina de uma substância à temperatura de zero absoluto (-273°K)
é nula. A entropia é que dá a direção às reações espontâneas e,
em função disso, tem sido denominada de ‘Flecha do Tempo’. Os
organismos vivos (sistemas) são altamente organizados e pobres
em entropia. Isso implica que a existência humana se dá à custa
do aumento da entropia do meio externo.
A variação da energia livre de qualquer reação ou processo
intracelular pode ser estimada utilizando equações matemáticas
específicas para cada situação. Por exemplo, a variação da energia
livre de cada reação individual, que ocorre no interior das células,
pode ser calculada com base na sua constante de equilíbrio e
nas concentrações dos produtos em relação à dos reagentes
atualmente presentes no meio:

∆G°’= - RTln(Keq),

∆G = ∆G°’ + RTln([produtos]/[reagentes]),

em que ∆G°’ é a variação da energia livre padrão (i.e., a 25°C, 1


atmosfera de pressão e quando as concentrações iniciais dos pro-
dutos e reagentes é 1M), R é a constante dos gases (1,987kcal/
Bioquímica dos Ruminantes | 58

mol.K), T é temperatura (°K), Keq é a constante de equilíbrio da


reação medida em condições padrões e ∆G (kcal/mol) é a variação
da energia livre real, a qual depende das concentrações dos produ-
tos e reagentes atualmente existentes no sistema. Esta equação é
baseada no conceito de que as reações espontâneas no interior das
células ocorrem na direção do seu equilíbrio e indica que, quanto
mais longe do equilíbrio estiverem as atuais concentrações dos
componentes da reação, mais energia livre é liberada. A direção da
reação, nesse caso, independe se a variação da entalpia é positiva
ou negativa. Quando a reação atinge o equilíbrio, a ∆G é nula.
Nos sistemas biológicos, o metabolismo energético é carac-
terizado principalmente por reações de oxirredução, em que a
energia é liberada pela transferência de elétrons de átomos com
menor eletronegatividade ou potencial de redução (que indica o
grau de afinidade por elétrons) para outros com maior eletrone-
gatividade. Quanto maior a diferença de eletronegatividade entre
o doador e o receptor de elétrons, mais energia é liberada. Dos
principais átomos que constituem a matéria orgânica, o oxigênio é
o átomo mais eletronegativo; e o carbono e hidrogênio os menos
eletronegativos. O nitrogênio e o enxofre têm eletronegatividade
intermediária. Desse modo, a degradação da matéria orgânica é
caracterizada por reações de oxidação, em que os elétrons compar-
tilhados entre átomos de carbonos e hidrogênios são transferidos
para compartilhamento com o oxigênio. O calor liberado, ou seja,
a variação da entalpia que resulta desta ‘corrente elétrica’ pode
ser medida em uma bomba calorimétrica.
A matéria orgânica pode ter diferentes graus de oxidação (Figura
1.33), sendo que, quanto menos oxigênio tiver na molécula, maior
seu potencial energético de oxidação. Assim, por exemplo, o calor
liberado pela oxidação total de um grama de triglicerídeos, cuja
molécula tem pouco oxigênio, é mais que o dobro do calor liberado
pela oxidação total de um grama de carboidrato (em torno de 9
versus 4 kcal), cuja molécula tem alta proporção de oxigênio. A
∆G de cada reação de oxiredução que ocorre no interior das células
pode ser calculada com base no número de elétrons transferidos,
na diferença de potencial de redução (eletronegatividade) entre o
doador e receptor dos elétrons e nas concentrações do doador e
receptor de elétrons no meio de reação:
Bioquímica dos Ruminantes | 59

∆G = - nF∆E,

E = E° + (RT/nF)ln([aceptor de e-]/[doador de e-]),

em que n representa o número de elétrons transferidos, F é


a constante de Faraday (23 kcal/V.mol) e ∆E é a variação do
potencial de redução. O potencial de redução (E) representa o
grau de afinidade do átomo ou molécula pelos elétrons, tendo
o hidrogênio como referência. É medido em Volts e depende do
potencial de redução padrão (E°) e da atual concentração dos
doadores e receptores de elétrons no meio. O E° de qualquer par
redox conjugado (por exemplo, NAD+/NADH, FAD+/FADH2, O2/
H2O, entre outros) é medido conectando uma meia célula que
contém 1 mol das espécies oxidadas e reduzidas do par redox,
a pH 7, com outra contendo solução saturada com H2 e 1 mol
de H+ (referência). O E° tem valor positivo quando os elétrons
fluírem da célula de referência para aquela contendo o par redox,
e negativo quando o fluxo for ao contrário.
A força próton-motora, conservada na forma de gradientes
eletroquímicos transmembrana, também pode ser convertida em
energia livre, a qual é calculada com base no gradiente de pH e
elétrico da seguinte forma:

∆G = 2,3RT∆pH + F∆y,

∆pH = pHexterno - pHinterno,

em que y é o potencial elétrico medido em Volts.


Nas reações de oxidação, a variação da energia livre de Gibbs
também pode ser calculada em função da variação da entalpia
(H) e da entropia (S), segundo a seguinte equação:

∆G = ∆H - T∆S.

A variação da entalpia dos processos catabólicos (i.e., oxi-


dativos) é sempre negativa e alcança valores bem mais altos
se comparada à variação da entropia. De qualquer maneira, a
variação da entropia do sistema é sempre positiva nessas reações,
Bioquímica dos Ruminantes | 60

de modo que a energia livre liberada é sempre mais alta (mais


negativa) que a variação da entalpia. Isto pode ser ilustrado
avaliando a reação de oxidação total da glicose:

C6H12O6 + 6O2 6CO2 + 6H2O


∆H = -673 kcal/mol (medido em bomba calorimétrica)
∆S = 0,044 kcal/mol (obtido de tabelas de termodinâmica)
T = 298°K (25°C)

∆G = ∆H - T∆S

∆G = - 673 - (298 × 0,044) = - 686 kcal/mol.

Da mesma forma, a variação da entalpia da hidrólise do ATP


é de, aproximadamente, 5 kcal/mol. No entanto, nas condições
celulares, a variação da energia livre é sempre bem mais alta
que este valor, podendo alcançar 12 kcal/mol.
No ambiente ruminal, a presença de oxigênio molecular é pra-
ticamente nula e, desse modo, a oxidação dos substratos depende
do oxigênio presente nas próprias moléculas. Em função disso, a
oxidação é incompleta, tornando o rúmen um ambiente altamente
reduzido (rico em moléculas passíveis de oxidação, como os AGV
e H2). A variação da energia livre e a síntese de ATP no processo
fermentativo anaeróbico ruminal são em torno de sete a dez vezes
menores que na oxidação aeróbica de um substrato. A síntese de
ATP ocorre através de fosforilação em nível de substrato e não
em cadeias de transporte de elétrons. O número de sistemas de
transporte de elétrons presentes na membrana celular das bactérias
anaeróbicas é reduzido. Além disso, como visto nas figuras 1.29
e 1.30, as ATPases de membrana, nas bactérias ruminais, estão
orientadas para a expulsão de prótons da célula, dirigida pela
hidrólise de ATP, e não o inverso, como ocorre com as ATPases do
tipo F0F1 presentes na cadeia respiratória mitocondrial das células
eucarióticas. Independente disso, ao longo do processo evolutivo
dos sistemas biológicos terrestres, as bactérias anaeróbicas foram
selecionadas em função da presença de mecanismos eficientes de
conservação da energia liberada pela fermentação, de modo que,
Bioquímica dos Ruminantes | 61

muitas vezes, as taxas de crescimento dessas células são semelhantes


às de bactérias aeróbicas. De fato, tem sido demonstrado que, em
muitas situações, a limitação do crescimento bacteriano ruminal
deve-se à deficiência de moléculas precursoras, como aminoácidos,
por exemplo, e não à deficiência de ATP.

Fontes de C e N Fontes energéticas

Calor Fermentação Metano, AGV, CO2

Energia metabólica
(ATP, gradientes eletroquímicos)

Reações de Custo energético Reações


polimerização de mantença fúteis

Calor

Matéria seca
bacteriana

Figura 1.32 – Representação esquemática geral do fluxo de matéria e energia


no metabolismo bacteriano ruminal. Parte dos carboidratos e compostos
nitrogenados que entram na célula é utilizada para a síntese de moléculas
estruturais bacterianas. No entanto, a maior parte é fermentada para produzir
ATP e gradientes eletroquímicos em nível de membrana celular, constituindo
uma energia potencial que é utilizada para mantença (i.e., motilidade celular,
renovação de macromoléculas, manutenção do gradiente iônico, síntese de
enzimas, transporte de substâncias para o interior das células e reposição de
células bacterianas mortas) e em reações de síntese celular (polimerização
e multiplicação celular). Parte da energia nas reações de síntese e toda a
energia utilizada para mantença é, finalmente, perdida como calor. Muitas
vezes, quantidades excessivas de substratos fermentáveis entram nas células
e são degradadas. Nesse caso, a energia potencial derivada deste excesso
de substratos é liberada como calor em reações cíclicas consideradas fúteis
para a célula bacteriana.
Bioquímica dos Ruminantes | 62

Figura 1.33 – Graus de oxidação do carbono presente na matéria orgânica.


O estado mais reduzido do carbono é como metil, e o mais oxidado é como
dióxido de carbono. Quanto mais reduzida, maior o potencial energético de
oxidação da molécula orgânica. Ou seja, mais energia é liberada pela oxidação
(‘queima’) em uma bomba calorimétrica ou pelo catabolismo intracelular.

1.6.2 Metabolismo dos carboidratos e


produção dos ácidos graxos voláteis

Uma parte dos monossacarídeos que entram na célula microbiana


é utilizada em reações de síntese, principalmente de polímeros
associados à parede celular. A maior parte deles, no entanto,
é fermentada pelas bactérias ruminais, transformando-se em
AGV. As hexoses são metabolizadas principalmente pela rota
glicolítica de Embden-Meyerhof-Parnas (EMP) (Figura 1.34),
considerada a forma mais comum de conversão dessas molé-
culas a piruvato em todos os organismos vivos. Ao longo desta
rota, a glicose é fosforilada, isomerizada a frutose, a qual é
fosforilada novamente e clivada, dando origem a duas trioses-
-fosfato (duas moléculas de gliceraldeído-3-fosfato). Cada
gliceraldeído-3-fosfato é, então, desidrogenado e desfosforilado
em cinco etapas, até formar piruvato a partir do fosfoenolpiruvato.
Nesse processo, dois ATPs são consumidos na fase inicial, de
fosforilação das hexoses, e quatro ATPs são formados durante
a oxidação das trioses. A frutose entra na rota glicolítica como
Bioquímica dos Ruminantes | 63

frutose-6-fosfato. A galactose e manose são fosforiladas e


previamente convertidas à glicose-6-fosfato e frutose-6-fosfato,
respectivamente, antes de entrar na rota glicolítica.
As pentoses também são fosforiladas (com gasto de um ATP)
ao entrar na célula, formando pentose-fosfato. Aproximadamente
25% das pentoses fosfatadas são clivadas por uma fosfocetolase,
produzindo acetil-fosfato e gliceraldeído-3-fosfato (Figura 1.35).
A maior parte, no entanto (cerca de 75%), é convertida para
frutose-6-fosfato e gliceraldeído-3-fosfato através da via não
oxidativa do ciclo das pentoses (Figura 1.36). O rendimento de
ATP, para a bactéria, é superior caso as pentoses sejam oxidadas
por esta última via do que pela via da fosfocetolase.
Os ácidos urônicos, resultantes da degradação da pectina, são
metabolizados em reações que seguem a rota de Entner-Doudoroff
de metabolismo da glicose (i.e., via 6-fosfogliconato), mas com
algumas reações e intermediários diferentes. Os ácidos urônicos
insaturados (4-desoxi-5-cetouronato) são metabolizados por
uma via que tem como intermediário um dicetouronato (Figura
1.37), enquanto o metabolismo do ácido galacturônico é via
tagauronato (Figura 1.38). Por essas vias, os ácidos urônicos
são fosfatados somente uma vez e, posteriormente, são clivados,
gerando duas trioses, sendo uma fosfatada (gliceraldeído-3-P) e
outra não (piruvato).
O piruvato é o intermediário comum do catabolismo dos
carboidratos pelas bactérias ruminais. A partir do piruvato, no
entanto, várias rotas diferentes podem ser utilizadas até a forma-
ção dos ácidos graxos voláteis (AGV), que são os produtos finais
da fermentação, sendo o acetato, propionato e butirato os mais
importantes. A ramificação das rotas metabólicas no processo
fermentativo ruminal permite uma maior flexibilidade e maior
capacidade de adaptação das bactérias às variações do ambiente
ruminal e, portanto, melhores condições para sua sobrevivência,
como será visto mais adiante.
Bioquímica dos Ruminantes | 64

Piruvato quinase

Figura 1.34 – Glicólise via Embden-Meyerhof-Parnas (EMP). Na primeira


fase, a glicose entra na célula, é fosforilada duas vezes (gasto de dois ATPs)
e origina frutose 1,6 difosfato. Na segunda fase, a frutose 1,6 difosfato
origina duas moléculas de piruvato em reações sequenciais que resultam
também na liberação de quatro ATPs e dois NADHs. Outras hexoses também
são catabolizadas por esta via, embora a fase inicial possa diferir entre elas.

O piruvato pode ser metabolizado para produtos mais oxidados,


como o acetato e butirato, ou para outros mais reduzidos, como o
propionato e lactato (Figura 1.39). Na tabela 1.4, é apresentado
o balanço de ATP e equivalentes de redução (NADH), resultantes
Bioquímica dos Ruminantes | 65

do metabolismo da glicose pela via EMP em função do produto


final. A proporção com que cada um dos AGV e lactato é produ-
zido depende da espécie bacteriana, que pode ser especializada
em produzir um tipo ou outro e, principalmente, da concentração
de NADH e H2 na célula. As espécies bacterianas predominantes
e a disponibilidade de NADH e H2, por sua vez, dependem do
tipo da dieta ingerida pelo animal. O efeito da dieta sobre a es-
tequiometria da fermentação ruminal será descrito mais adiante.

Figura 1.35 – Metabolismo das pentoses pela via da fosfocetolase. Por esta
via metabólica, cada pentose é fosforilada ao entrar na célula (gasto de um
ATP) e depois é clivada por fosforólise, originando um gliceraldeído-3-fosfato
e um acetil-fosfato.

Figura 1.36 – Metabolismo das pentoses pela via não oxidativa do Ciclo
das Pentoses. Três pentoses fosforiladas vão originar duas hexoses e uma
triose, também fosforiladas.
Bioquímica dos Ruminantes | 66

Figura 1.37 – Metabolismo dos ácidos urônicos insaturados pela rota Entner-
Doudoroff (via dicetouronato). Cada ácido urônico origina uma molécula
de piruvato e uma de gliceraldeído-3-fosfato, sendo gasto um ATP e um
NADH no processo.

O gás H2 é produzido pela oxidação do NADH em uma reação


catalisada por uma desidrogenase e mediada por uma ferredoxina
presente na membrana bacteriana:

NADH + H+ NAD+ + H2.

As ferredoxinas são pequenas proteínas que contêm agregados


ferro-enxofre, os quais podem receber ou fornecer elétrons e mudar
o estado de oxidação dos átomos de ferro (Fe2+ ou Fe3+). Dessa
forma, as ferredoxinas atuam como carreadores de elétrons nas
reações redox biológicas. O aumento na concentração de H2 na
célula desfavorece a desidrogenação do NADH, o qual se acumula
Bioquímica dos Ruminantes | 67

e dirige o metabolismo para a síntese de produtos mais reduzidos.


A retirada de H2 do meio ruminal, no entanto, depende da ativida-
de das bactérias metanógenas que o utilizam para reduzir CO2 a
metano. Quanto mais H2 é retirado do meio, maior proporção do
NADH é convertida a H2 e maior é o rendimento de acetato e de
ATP por mol de açúcar fermentado. Ao contrário, se o H2 não fosse
‘drenado’ pelas metanógenas, ele iria se acumular no meio ruminal,
impedindo a reoxidação do NADH e, desse modo, impedindo tam-
bém a continuidade do catabolismo intracelular. A consequência
seria a morte bacteriana e o cessamento da fermentação ruminal.

Figura 1.38 – Metabolismo do ácido galacturônico pela rota Entner-Doudoroff


(via tagauronato). Cada ácido galacturônico origina uma molécula de piruvato,
uma de gliceraldeído-3-fosfato e uma de água, sendo gasto um ATP e um
Bioquímica dos Ruminantes | 68

NADH no processo.

Tabela 1.4 – Reações enzimáticas e balanço de ATP e de equivalentes de


redução (NADH) na fermentação de glicose a ácidos graxos voláteis ou
lactato pelas bactérias ruminais.

Produto final
Enzima
Acetato Butirato Propionato* Lactato
Balanço de ATP:
Glicoquinase -1 -1 -1 -1
Fosfofrutoquinase -1 -1 -1 -1
Glicerato quinase 2 2 2 2
Piruvato quinase 2 2 2 2
Acetato quinase 2 – – –
Fumarato redutase – – 2* –
Butirato quinase – 1 – –
Total (ATP) 4 3 2 ou 4 2
Balanço de equivalentes de redução (2H ou NADH):
Gliceraldeído 3-P
2 2 2 2
desidrogenase
Piruvato oxiredutase 2 2 – –
Malato desidrogenase – – -2* –
Fumarato redutase – – -2* –
Lactato
– – -2+ -2
desidrogenase
Acrilil-SCoA redutase – – -2+ –
B-OH-butirato
– -1 – –
desidrogenase
Butiril-SCoA
– -1 – –
desidrogenase
Total (2H) 4 2 -2 0

* Metabolismo pela via do succinato


+
Metabolismo pela via do acrilato
Bioquímica dos Ruminantes | 69

monossacarídeo
NAD
+
Fdox H
+

NADH Fdred H2
Metanógenas

+
piruvato 4H 2 + CO2
NAD NADH ADP

ATP
NADH NAD
+

CH 4 + 2 H2 O

produtos mais oxidados produtos mais reduzidos


(i. e. acetato ou butirato) (i. e. propionato, succinato e lactato)

Figura 1.39 – Ramificações da fermentação bacteriana ruminal. A degradação


dos monossacarídeos até piruvato resulta na produção de NADH, o qual pode
ser oxidado por ferredoxinas oxidadas (Ferox) ou ser utilizado na síntese de
moléculas mais reduzidas a partir do piruvato. As ferredoxinas reduzidas
(Ferred), por sua vez, transferem seus elétrons para prótons, originando o
gás H2. O H2 sai das células bacterianas para o fluido ruminal e é utilizado
pelas bactérias metanógenas em uma reação em que o dióxido de carbono
é reduzido a metano, resultando na produção de ATP. A oxidação de piruvato
a acetato ou butirato, por outro lado, produz NADH e, desse modo, também
envolve a participação de ferredoxinas e a liberação de H2.

acetato

A formação de acetato a partir de piruvato, na fermentação ru-


minal, é apresentada na figura 1.40. Inicialmente, a molécula
de piruvato é degradada para CO2 e acetil-SCoA, sendo a reação
catalisada por uma oxiredutase e a transferência de elétrons me-
diada por uma ferredoxina. A seguir, a coenzima-A é substituída
por um grupo fosfato, formando acetil-fosfato e, na última fase,
é liberado acetato e ATP. Dos produtos da fermentação ruminal,
o acetato é o mais oxidado e sua formação resulta em máximo
rendimento de ATP para a bactéria. A oxidação completa de uma
molécula de glicose para acetato resulta na formação líquida de
dois acetatos e quatro moléculas de ATP.
Bioquímica dos Ruminantes | 70

Figura 1.40 – Formação de acetato pelas bactérias ruminais. HSCoA=


coenzima-A; Pi = fosfato inorgânico. Uma molécula de piruvato é convertida
a acetato lliberando um CO2, um ATP e um NADH.
Bioquímica dos Ruminantes | 71

propionato

O propionato pode ser formado por duas rotas diferentes: a do


succinato ou do acrilato. No primeiro caso (Figura 1.41), o fos-
foenolpiruvato é convertido a piruvato por uma piruvato quinase,
com produção de uma molécula de ATP. O piruvato é, então,
convertido a malato, com gasto de um ATP, por uma ou outra
forma: diretamente pela ação da enzima málica ou indiretamente
tendo oxaloacetato como intermediário. Neste último caso, o
piruvato é carboxilado a oxaloacetato pela piruvato carboxilase,
e o oxloacetato é reduzido a malato pela malato desidrogenase.
Alternativamente, em vez de originar piruvato, o fosfoenolpiruvato
pode ser convertido diretamente a oxaloacetato pela ação de
uma transcarboxilase, tendo metilmalonil-SCoA como o doador
do grupo carboxila. O malato é convertido, então, a succinato por
uma sequência de reações catalisadas pelas enzimas fumarase e
fumarato redutase. Esta última enzima está associada a citocro-
mos (proteínas carreadoras de elétrons que contêm átomos de
ferro) na membrana celular, e a redução do fumarato a succinato
resulta na síntese de uma molécula de ATP. A seguir, o succinato é
convertido a succinil-SCoA pela ação de uma HSCoA-transferase.
Nesta reação, o doador da coenzima é propionil-SCoA e é libe-
rado propionato. Succinil-SCoA é, então, finalmente convertido
a propionil-SCoA via metilmalonil-SCoA.
A maior parte das espécies bacterianas ruminais produz succi-
nato, mas poucas espécies são hábeis a descarboxilar succinato a
propionil-SCoA via succinil-SCoA. Entre estas últimas, destaca-se
Streptococcus ruminantium. Outro aspecto desta rota de síntese
de propionato é que, na descarboxilação de metilmalonil-SCoA,
catalisada pela metilmalonil-SCoA descarboxilase, está acoplado
o efluxo (saída) de um íon sódio da célula.
Propionato também pode ser produzido via acrilato (Figura
1.42). Por esta rota, o piruvato é, inicialmente, reduzido para
lactato, o qual se associa com a coenzima-A, formando lactil-SCoA.
A seguir, lactil-SCoA é desidratado, formando acrilil-SCoA, que
é reduzido, formando propionil-SCoA e, finalmente, propionato.
A redução do acrilil-SCoA envolve uma cadeia de transporte de
elétrons na membrana e ferredoxina. A formação de propionato
Bioquímica dos Ruminantes | 72

por esta rota não resulta na síntese de ATP. Entre as espécies


bacterianas ruminais, a Megasphaera elsdenni destaca-se entre
as demais por utilizar principalmente esta rota para metabolizar
lactato a propionato.

Figura 1.41 – Formação de propionato pelas bactérias ruminais (via succi-


nato). Uma molécula de piruvato é convertida a propionato utilizando dois
NADH e liberando um ATP.
Bioquímica dos Ruminantes | 73

Figura 1.42 – Formação de propionato pelas bactérias ruminais (via acrilato).


Uma molécula de piruvato é convertida a propionato utilizando dois NADH,
sem liberação de ATP.

butirato

Muitas espécies o fazem, mas existem algumas espécies bacteria-


nas ruminais que são especialmente produtoras de butirato, cuja
formação, neste último caso, não é influenciada pela pressão de
H2. Entre essas espécies destaca-se a Butyrivibrio fibrisolvens. A
sequência de reações para a síntese de butirato na fermentação
é apresentada na figura 1.43. O butirato é formado a partir da
condensação inicial de duas moléculas de acetil-SCoA, formando
Bioquímica dos Ruminantes | 74

acetoacetil-SCoA, o qual é sequencialmente reduzido, desidratado


e reduzido novamente para formar butiril-SCoA. O grupo SCoA é
substituído, então, por um grupo fosfato, originando butiril-fosfato,
o qual é desfosforilado, liberando butirato. Um ATP é formado
nesta última reação.

Figura 1.43 – Formação de butirato pelas bactérias ruminais. Duas moléculas


de piruvato são convertidas em uma de butirato, liberando um ATP.
Bioquímica dos Ruminantes | 75

lactato

O ácido láctico não é um AGV, mas é um importante produto


da fermentação bacteriana ruminal, principalmente quando a
dieta tem alta proporção de carboidratos não fibrosos (amido e
açúcares). Estes carboidratos têm alta taxa de degradação, que
resulta em alta disponibilidade de hexoses para as bactérias.
Nessas condições, grande proporção do piruvato é reduzida
por uma desidrogenase a lactato, para permitir maior taxa de
reciclagem de NADH para NAD+ (Figura 1.44). A principal es-
pécie bacteriana produtora de lactato é Streptococus bovis, a
qual é relativamente mais resistente à acidose ruminal que as
demais bactérias ruminais. O lactato é um ácido mais forte (pK
= 3,1) que os demais AGV (pK = 4,8) e sua acumulação no
rúmen está associada a uma disfunção digestiva e metabólica
(acidose). Os dois isômeros de lactato são sintetizados (D e L).
O isômero D é metabolizado mais lentamente que o L, tanto
pelas bactérias ruminais quanto pelos tecidos do animal, e, por
isso, é considerado mais tóxico. Em condições normais de pH,
predomina a produção do isômero L (aproximadamente 80%)
enquanto a valores de pH abaixo de 5 passa a predominar
a produção do isômero D. Nesta situação, o crescimento da
Megasphaera elsdenii, principal espécie bacteriana que meta-
boliza lactato, está inibido.

Figura 1.44 – Formação dos isômeros L e D-lactato pelas bactérias ruminais


a partir de piruvato. Um NADH é utilizado na reação.
Bioquímica dos Ruminantes | 76

1.6.3 Metabolismo dos compostos nitrogenados

amônia

Normalmente, a maior parte do nitrogênio consumido pelos


animais é convertida em amônia pelas bactérias ruminais. De
outro modo, cerca de 40 a 100% do nitrogênio bacteriano é
derivado da amônia. Embora a maioria das espécies bacterianas
ruminais (mais de 90%) possam utilizar amônia para síntese de
seus compostos nitrogenados, para uma parte destas, particular-
mente aquelas que degradam os carboidratos fibrosos (cerca de
25% das espécies), a amônia é essencial para seu crescimento.
Como visto anteriormente, a amônia tem um pK relativamente
bem mais alto (9,5) que os valores de pH normalmente encontrados
no rúmen (entre 6-7). Desse modo, a maior parte desta molécula
encontra-se ionizada no ambiente ruminal, como íon amônio:

ionizado não ionizado


(amônio) (amônia)
NH4+ NH3 + H+

A menos que seja especificado, o termo amônia é usado neste


livro com caráter geral e representa a soma das duas formas:
ionizada e não ionizada. A concentração de amônia no fluido ru-
minal varia de menos de 1mM a valores próximos a 40mM. O íon
amônio não consegue atravessar a membrana celular livremente,
mas estudos in vitro têm demonstrado que o gradiente de con-
centração de amônia entre o fluido ruminal e o meio intracelular
é geralmente baixo. Isso indica que esta molécula é transportada
para o interior da célula bacteriana predominantemente por me-
canismos de difusão passiva ou facilitada, envolvendo alguma
proteína transportadora de membrana neste último caso. Nas
condições dietéticas que resultem em altas concentrações de
amônia no fluido ruminal sem queda do pH, o transporte passivo
da fração dissociada (não ionizada) pode ser significativo.
A amônia que entra na célula bacteriana pode ser captada em
reações catalisadas por várias enzimas diferentes, dependendo
da sua concentração na célula. O sistema enzimático de maior
Bioquímica dos Ruminantes | 77

afinidade (Km = 0,2 a 1,8mM) é a glutamina sintetase-glutamato


sintase (Figura 1.45), cuja atividade é predominante quando as
concentrações de amônia no fluido ruminal são baixas. Por este
sistema, a amônia é inicialmente incorporada como o grupo amida
da glutamina pela glutamina sintetase, utilizando glutamato como
substrato e gastando uma molécula de ATP:

Glutamato + NH4+ + ATP Glutamina + ADP + Pi + H+.

Figura 1.45 – Captação de amônia pelas bactérias ruminais, utilizando o


sistema glutamina sintetase-glutamato sintase.

A seguir, o grupo amida da glutamina é transferido para o


α-cetoglutarato, formando glutamato, em uma reação catalisada
pela glutamato sintase:

Glutamina + α-cetoglutarato + NADPH + H+ 2 Glutamato + NADP+

Na maior parte das situações dietéticas, contudo, predomina a


atividade de sistemas de captação de amônia de menor afinidade.
Entre estes, destaca-se a glutamato desidrogenase dependente
Bioquímica dos Ruminantes | 78

de NADH (Km = 20 a 33 mM) ou dependente de NADPH (Km


= 1,8 a 3,1mM). Na reação catalisada pela glutamato desidro-
genase (Figura 1.46), a amônia é captada através da síntese de
glutamato a partir de α-cetoglutarato:

α-cetoglutarato + NH4+ + NADH + H+ Glutamato + H2O + NAD+.

Além da transferência de seu grupo amida para o α-cetoglutarato,


a glutamina também é a fornecedora deste grupamento para a
síntese das bases nitrogenadas (purinas e pirimidinas) e dos ami-
noácidos triptofano e histidina. O glutamato, por sua vez, participa
como o doador do seu grupo amino em reações de transaminação
para a síntese dos demais aminoácidos bacterianos.

Figura 1.46 – Captação de amônia pelas bactérias ruminais, utilizando o


sistema glutamato desidrogenase.

aminoácidos, peptídeos e bases nitrogenadas

Um esquema geral das possíveis rotas do metabolismo dos


peptídios, aminoácidos e das bases nitrogenadas pelas bactérias
ruminais é apresentado esquematicamente na figura 1.47. Ao
entrar na célula bacteriana, os peptídeos são imediatamente
hidrolisados. O destino dos aminoácidos livres na célula de-
pende de vários aspectos, incluindo espécie bacteriana, taxa
Bioquímica dos Ruminantes | 79

de crescimento, disponibilidade de substratos energéticos e


perfil de aminoácidos disponíveis. Em uma condição de alta
disponibilidade de substratos energéticos, por exemplo, as
espécies bacterianas que degradam carboidratos não fibrosos
têm alta taxa de crescimento e podem incorporar quantidades
significativas de aminoácidos em suas proteínas. Já as bacté-
rias que degradam carboidratos fibrosos não são hábeis para
utilizar aminoácidos pré-formados. A maior parte das espécies
bacterianas, adicionalmente, tem baixa capacidade desami-
nativa e, desse modo, raramente usam aminoácidos como
fonte de energia. Algumas poucas espécies, no entanto, têm
alta capacidade desaminativa, são capazes de crescer usando
aminoácidos como fonte de energia e são as principais pro-
dutoras de amônia no rúmen (por exemplo, Peptostreptococci
sp. e Clostridium sp.). Entre os tipos de aminoácidos, os hi-
drofílicos (como arginina e treonina) são os mais prontamente
degradados, enquanto lisina, fenilalanina, leucina e isoleucina
têm taxas de degradação intermediária, e valina e metionina
são mais lentamente degradados (mais hidrofóbicos). As rotas
metabólicas da fermentação dos aminoácidos não são conhe-
cidas com detalhes, mas incluem transaminases, desaminases,
transferases, oxiredutases, desidratases, carboxilases e desi-
drogenases. Em geral, as reações de degradação convergem
para piruvato, acetil-SCoA ou algum intermediário do Ciclo de
Krebs (Figura 1.48). O rendimento em ATP é bem mais baixo
que a fermentação de açúcares. Por exemplo, a fermentação
de um mol de leucina ou glutamato resulta, respectivamente,
na formação de 0,33 e 1,50 mol de ATP.
De particular importância é o catabolismo dos aminoácidos
de cadeia ramificada valina, leucina e isoleucina e sua conversão
aos ácidos graxos de cadeia ramificada (AGVR) isobutirato, iso-
valerato e 2-metilbutirato, respectivamente. Estes ácidos graxos
são produzidos e liberados para o fluido ruminal, principalmente
pelas bactérias com alta atividade desaminativa, e são substratos
essenciais para o crescimento das bactérias que degradam os
carboidratos fibrosos. Foi observado que a inibição da produção
de metano inibe a produção dos AGVR. Isso ocorre porque, nesta
situação, o gás H2 acumula no meio ruminal, diminui a taxa de
Bioquímica dos Ruminantes | 80

reoxidação do NADH e aumenta a relação NADH/NAD+ no meio


intracelular. Os aminoácidos de cadeia ramificada são moléculas
relativamente mais reduzidas que os demais aminoácidos, e sua
degradação depende da disponibilidade de NAD+ (Figura 1.49).

PROTEÍNAS

Proteolíticas

AMINOÁCIDOS
UREIA
AMINOÁCIDOS Ureolíticas

α-CETO ÁCIDOS AMÔNIA AMÔNIA

PROTEÍNA
MICROBIANA AMÔNIA
AGV AMINOÁCIDOS
Aminolíticas α-CETO ÁCIDOS

PROTEÍNA
CHO MICROBIANA
Outras espécies bacterianas

Figura 1.47 – Metabolismo dos compostos nitrogenados pelas bactérias


ruminais. A maior parte das bactérias ruminais hidroliza as proteínas do
alimento, liberando aminoácidos. As bactérias aminolíticas utilizam estes
aminoácidos para a síntese de suas proteínas e, principalmente, como fonte
de energia, liberando amônia. A amônia, que pode ser originada também
pela hidrólise da ureia, é utilizada pela maior parte das espécies bacterianas
ruminais para a síntese de suas proteínas. Neste caso, carboidratos são as
fontes de carbono. CHO = carboidratos; AGV= ácidos graxos voláteis.

As bactérias ruminais sintetizam a maior parte de suas proteínas.


Para tal, utilizam, principalmente, aminoácidos sintetizados ‘de
novo’ a partir de amônia e α-cetoácidos. As rotas biossintéticas
são variáveis, e os aminoácidos podem ser divididos em grupos,
conforme a fonte de carbono utilizado para sua síntese: grupo do
glutamato (glutamato, glutamina, prolina e arginina), da serina
(serina, glicina e cisteína), do aspartato (asparagina, lisina, me-
tionina, treonina e isoleucina), do piruvato (alanina, isoleucina,
leucina e valina), dos aromáticos (fenilalanina, tirosina e triptofano)
e da histidina. Com algumas exceções (histidina e os aminoácidos
Bioquímica dos Ruminantes | 81

aromáticos), a maior parte das cadeias de carbono utilizadas para


síntese dos aminoácidos é proveniente de intermediários da rota
glicolítica (EMP) ou do Ciclo de Krebs. É preciso salientar, no en-
tanto, que a funcionalidade deste ciclo é bem menor nas bactérias
anaeróbicas que nas aeróbicas e, desse modo, muitas vezes, a
disponibilidade dos precursores pode ser limitante à biossíntese
de aminoácidos pelas bactérias ruminais.

Figura 1.48 – Esquema geral da degradação dos aminoácidos pelas bac-


térias aminolíticas. As setas largas claras indicam os produtos originados
pela degradação dos diferentes grupos de aminoácidos. As setas estreitas
pontilhadas indicam as reações convencionais do Ciclo de Krebs, e as setas
estreitas cheias indicam a direção das reações com probabilidade de ocor-
rência maior nas bactérias ruminais. Neste caso, os principais produtos finais
serão acetato e butirato, produzidos a partir de acetil-SCoA, e propionato,
produzido a partir de succinil-SCoA.

As bases nitrogenadas provenientes da dieta, por sua vez, são


utilizadas em uma parte para síntese dos ácidos nucleicos das
bactérias, enquanto a maior parte é fermentada a AGV, CO2 e
amônia. O conteúdo de nitrogênio das bactérias ruminais varia
em torno de 10% (base matéria seca), estando cerca de 75%
presentes nos aminoácidos e 25% nas bases nitrogenadas.
Bioquímica dos Ruminantes | 82

Figura 1.49 – Formação dos ácidos graxos voláteis de cadeia ramificada a


partir dos aminoácidos de cadeia ramificada pelas bactérias aminolíticas.
Neste processo, NAD+ é reduzido à NADH, mas as reações e enzimas
envolvidas neste processo de desaminação e descarboxilação oxidativa
não são claramente conhecidas. É provável, no entanto, que inclua a
participação de a-cetoglutarato e glutamato em reações de transamina-
ção e desaminação.

1.6.4 Integração do metabolismo bacteriano ruminal

O ecossistema ruminal é caracterizado pela existência de relações


de competição e de interdependência entre as diversas espécies
bacterianas que o habitam. Somente algumas raras espécies bac-
Bioquímica dos Ruminantes | 83

terianas sobrevivem no rúmen independentemente e sem afetar o


metabolismo de outras.
A sobrevivência de muitas espécies bacterianas ruminais está
associada à sua capacidade de competir por substratos presentes
em quantidades limitantes no meio ruminal e à síntese de substân-
cias que inibem o crescimento de outras espécies. Um mecanismo
importante de competição pelos substratos é representado pelo
processo de aderência, colonização e formação dos biofilmes na
superfície das partículas de alimento, criando um microambiente
onde os produtos da hidrólise extracelular dos carboidratos e proteí-
nas ficam indisponíveis às demais bactérias que não fazem parte do
biofilme. A competição também ocorre pela presença de sistemas
de transporte de membrana com diferentes graus de afinidade pelos
substratos. Além disso, muitas espécies bacterianas são capazes
de sintetizar e liberar moléculas solúveis de natureza proteica que
inibem o crescimento de outras espécies: as bacteriocinas. As
bacteriocinas geralmente têm espectro de ação muito estreito, de
modo que sua toxicidade se restringe a espécies bacterianas que
têm estreita relação com a espécie produtora desta substância. A
maior parte dos estudos e do conhecimento existente sobre essas
substâncias envolve E. coli e algumas bactérias lácticas. Já foram
encontradas várias evidências da produção dessas substâncias por
bactérias ruminais (por exemplo, por S. bovis e R. albus), mas
esses estudos ainda são incipientes, e pouco é conhecido até o
momento sobre essas substâncias no ambiente ruminal.
A relação de interdependência entre diferentes grupos bacteria-
nos, de outra forma, resulta na otimização do uso dos substratos
presentes no meio. Nessa relação, o produto da degradação ou
fermentação de um substrato por um grupo de bactérias pode
servir como substrato para outro(s) grupo(s). As figuras 1.50 e
1.51 ilustram algumas dessas interações. Assim, por exemplo: a)
não há necessidade de incluir vitaminas do grupo B na dieta dos
ruminantes, mas nem todas as espécies bacterianas ruminais são
capazes de sintetizar essas vitaminas; b) devido à falta de sistemas
de transporte de membrana para pentoses, algumas espécies
bacterianas, que participam da degradação de hemicelulose e
pectina, não são hábeis para captar e metabolizar os produtos
dessa degradação, os quais são utilizados por outras bactérias;
c) bactérias celulolíticas liberam celodextrinas, que são utilizadas
Bioquímica dos Ruminantes | 84

por espécies não celulolíticas; d) bactérias amilolíticas liberam


maltodextrinas, que são utilizadas por espécies celulolíticas; e)
ácidos graxos de cadeia ramificada e amônia, produzidos por
espécies aminolíticas, são substratos essenciais para o cresci-
mento de espécies celulolíticas; e f) o succinato liberado por
algumas espécies é utilizado para a síntese de propionato por
outras (principalmente Selenomonas ruminantium).

Figura 1.50 – Representação esquemática da interação entre espécies


produtoras de succinato e Selenomonas ruminantium, que metaboliza suc-
cinato a propionato, e entre as produtoras de gás hidrogênio e metanógenas.

Outro exemplo importante de interdependência entre as bac-


térias ruminais está associado às metanógenas. Essas bactérias
utilizam o gás H2 como fonte de energia. Nessa reação, CO2 é
reduzido a metano, e a variação da energia livre permite a sínte-
se de uma molécula de ATP (∆G = -15kcal/mol, considerando
concentração ruminal de H2 de, aproximadamente, 1µM):

ADP ATP

CO2 + 4H2 CH4 + 2H2O


Bioquímica dos Ruminantes | 85

Essa reação é particularmente importante para a fermentação


ruminal porque, como visto anteriormente, os produtos da fer-
mentação ruminal são dependentes, entre outros, da pressão de
H2 e, consequentemente, da concentração de NADH nas células
bacterianas. Qualquer fator que iniba a atividade das metanógenas,
como o uso de ionóforos, por exemplo, modula a fermentação
ruminal no sentido do aumento da síntese de propionato devido
ao acúmulo de NADH nas bactérias.

Figura 1.51 – Representação esquemática de interações metabólicas entre


espécies bacterianas ruminais. Bactérias aminolíticas utilizam aminoácidos
(aa) liberados no fluido ruminal pela atividade de espécies proteolíticas e
produzem amônia e ácidos graxos voláteis de cadeia ramificada (AGVCR),
Bioquímica dos Ruminantes | 86

que são substratos fundamentais para as bactérias que degradam a fibra.


Adicionalmente, as bactérias fibrolíticas podem utilizar os produtos da hi-
drólise extracelular do amido, assim como as amilolíticas podem utilizar os
produtos da degradação da fibra como fonte de energia.

1.6.5 Estequiometria e regulação do metabolismo


bacteriano ruminal

A estequiometria da conversão de um mol de glicose para um


dos ácidos graxos voláteis ou lactato é a seguinte:

Glicose  2 acetato + 2 CO2 + 4H2 (∆H = -251 kcal/mol)


Glicose  butirato + 2 CO2 + 2H2 (∆H = -118 kcal/mol)
Glicose + 2H2  2 propionato (∆H = + 60 kcal/mol)
Glicose  2 lactato (∆H = -16 kcal/mol)

Observa-se, pelas equações acima, que a variação da entalpia


(∆H) das reações é tanto mais negativa quanto mais oxidado for
o produto da fermentação. A variação da entalpia para conversão
total de um mol de glicose em duas moléculas de propionato é
positiva e, em função disso, não ocorre em condições naturais.
No rúmen, a formação dos produtos da fermentação das hexoses
é interdependente e representa a soma das seguintes reações
individuais:

Glicose 1,33 propionato + 0,67 acetato + 0,67CO2 (1)


Glicosepropionato + acetato + H2 + CO2 (1a)
Glicose 2 acetato + 2CO2 + 4H2 (2)
Glicose butirato + 2CO2 + 2H2 (3)
6H2 + 1,5CO21,5CH4 + 3H2O (4)
7H2 + 1,75CO2 1,75CH4 + 3,5H2O (4a)

As equações 2 e 3, que resultam na produção de acetato e


butirato, são altamente dependentes da equação 4 ou 4a, ou seja,
a produção de acetato e butirato depende da retirada de H2 do
ambiente ruminal. A estequiometria geral da fermentação das
hexoses no rúmen vai depender das taxas com que cada uma
Bioquímica dos Ruminantes | 87

das reações vai ocorrer. Por exemplo, fazendo a simples soma


das diferentes reações tem-se:

a) Somando 1 + 2 + 3 + e 4:
3 Glicose  1,33 propionato + 2,67 acetato + butirato +
1,5CH4 + 3,17CO2 + 3H2O;

b) Somando 1a + 2 + 3 + 4a:
3 Glicose  propionato + 3 acetato + butirato +
1,75CH4 + 3,25CO2 + 3,5H2O.

A taxa com que cada uma das reações vai ocorrer depende
do tipo de dieta e das populações microbianas predominantes no
rúmen. No entanto, o acetato sempre vai ser o ácido graxo volátil
produzido em maior quantidade, e a produção de metano vai ser
diretamente proporcional à produção de acetato. As proporções
molares normalmente produzidas são de 45 a 75% de acetato,
15 a 45% de propionato e 11 a 13% de butirato. Ácidos graxos
voláteis de cadeia maior e/ou ramificados (i.e., valerato, isobutirato,
isovalerato e 2-metilbutirato) representam, usualmente, menos de
5% do total. Para exemplificar, alguns valores estequiométricos são
apresentados a seguir, para duas situações alimentares diferentes:

a) Dieta à base de forragem (volumoso):

1 hexose 1,34 acetato + 0,45 propionato + 0,11 buti-


rato + 0,61 mol CH4;

b) Dieta à base de grãos (concentrado):

1 hexose  0,90 acetato + 0,70 propionato + 0,20 buti-


rato + 0,38 mol CH4.

A fermentação ruminal também pode ser analisada do ponto


de vista de sua eficiência energética para a bactéria. Tomando
como exemplo a estequiometria descrita a seguir, a qual é típica
da fermentação da glicose, tem-se:
Bioquímica dos Ruminantes | 88

57,5 glicose  65 acetato + 20 propionato + 15 butira-


to+ 35CH4 + 60CO2 + 25H2O.

Considerando, ainda, as seguintes variações da entalpia (∆H)


de oxidação:
glicose = -677 kcal/mol;
acetato = -210 kcal/mol;
propionato = -367 kcal/mol;
butirato = -524 kcal/mol;
CH4 = -210 kcal/mol.

Deduz-se da equação acima que em torno de 73% da energia


potencial de oxidação da glicose é liberada como AGV e 18% como
metano. O restante (menos de 10%) corresponde à energia conservada
na forma de ATP ou na geração de gradientes eletroquímicos ao nível
da membrana celular bacteriana e em energia liberada como calor
ao longo das reações catabólicas. A energia conservada também
será, em grande parte, liberada como calor quando os ATPs forem
utilizados (hidrolisados) e quando os íons Na+ e H+ entrarem na
célula bacteriana a favor do gradiente de concentração. Somente
uma fração muito pequena da energia da glicose fica armazenada
nas reações de síntese de macromoléculas estruturais. Dessa análise,
é possível deduzir também que padrões fermentativos que resultem
em aumento da oferta de energia para as bactérias diminuem a oferta
de substratos energéticos ao animal. Se o substrato for fermentado,
preferencialmente na direção da produção de acetato, maior propor-
ção da energia do substrato é disponibilizada para a bactéria, assim
como maior proporção é perdida como metano. De outra forma, se
a relação acetato/propionato diminuir, maior proporção da energia
original do substrato é absorvida pelo animal como AGV.
O rendimento de ATP, para as bactérias, pela fermentação
de um mol de glicose (ou outro monossacarídeo), varia com os
produtos da fermentação. A quantidade líquida de ATP produzida
em rotas metabólicas específicas da fermentação é relativamente
bem conhecida, embora não totalmente. Pode atingir um valor
máximo de quatro moléculas de ATP quando o açúcar é fermen-
tado totalmente até acetato e tende a diminuir com a formação
de propionato, butirato ou lactato (ver tabela 1.3). No entanto,
Bioquímica dos Ruminantes | 89

devido às interações metabólicas existentes entre as espécies


bacterianas e as diferentes rotas metabólicas que podem estar
ocorrendo simultaneamente em uma mesma ou em diferentes
células bacterianas, a estimativa do rendimento de ATP durante
a fermentação ruminal se torna difícil e pouco precisa.
De qualquer maneira, foi observado que o metabolismo bac-
teriano parece ser dirigido pela produção de ATP por unidade de
tempo, de modo que os produtos da fermentação nem sempre estão
associados à máxima quantidade de energia capaz de ser obtida
do substrato. Em função disso, quando a dieta do ruminante muda
de uma à base de forragem para outra à base de grãos de cereais,
a taxa de fermentação aumenta, acompanhada do aumento da
produção de lactato. O aumento da produção de lactato a partir do
piruvato é consequência do aumento da concentração intracelular
de frutose-1,6-difosfato e da diminuição do pH intracelular, os
quais ativam a enzima lactato desidrogenase. Nessas condições,
mesmo que a produção de ATP por açúcar fermentado diminua (i.
e., a fermentação de piruvato até AGV, em vez de lactato, resultaria
em maior produção de ATP), a produção de ATP por unidade de
tempo aumenta, uma vez que grandes quantidades de açúcares
estão disponíveis e são metabolizadas pelas células bacterianas.
Como visto anteriormente, as bactérias não têm mecanismos
eficientes para controlar a entrada de substratos na célula. De outro
modo, tem sido demonstrado que tanto as taxas de crescimento quanto
as de síntese de componentes estruturais das células bacterianas são
limitadas mais pela disponibilidade de moléculas precursoras do que
pela disponibilidade de ATP. Desse modo, quando as concentrações
de substratos energéticos estão em excesso à capacidade bacteriana
de captar a energia em reações de síntese, o metabolismo é dirigido
tanto no sentido de diminuir a produção quanto no de aumentar o
gasto de ATP em reações denominadas ‘fúteis’.
A diminuição da produção de ATP ocorre, em um primeiro mo-
mento, pela formação de moléculas mais reduzidas como produto
final da fermentação, ou seja, propionato e lactato. Além disso, a
síntese de propionato passa a ocorrer em grande proporção pela
via do acrilato, a qual não envolve produção de ATP. De outra for-
ma, embora menos significante, parte dos açúcares que entra na
célula pode ser utilizada na síntese de polissacarídeos de reserva.
Bioquímica dos Ruminantes | 90

Em condições de alta disponibilidade de carboidratos fermentáveis,


algumas bactérias são capazes de sintetizar polímeros de glicose
α-ligados (semelhante ao amido). Esses polissacarídeos de reserva
podem constituir até 30% da matéria seca bacteriana.
A diminuição da síntese de ATP também ocorre em função da
utilização da rota do metilglioxal para fermentação dos açúcares,
a qual é alternativa à rota de Embdem-Meyerhof-Parnas (Figura
1.52). Esta rota metabólica tem como produto final D-lactato e
não há formação de ATP. Metilglioxal é uma molécula altamente
reativa e tóxica, podendo danificar o DNA, inibir a síntese pro-
teica e matar a bactéria. Na presença de altas concentrações
de substratos fermentáveis ou em condições de deficiência de
aminoácidos, este metabólito pode acumular-se no fluido ruminal
e diminuir o número de células bacterianas viáveis.
Bioquímica dos Ruminantes | 91

Figura 1.52 – Catabolismo da glicose via rota do metilglioxal.


Em condições de excesso de açúcares fermentáveis, além de
diminuir a produção, as bactérias também utilizam mecanismos
de aumento de gasto de ATP em reações denominadas ‘fúteis’, nas
quais a energia de hidrólise do ATP é totalmente liberada como calor.
Um mecanismo que tem sido proposto para as bactérias ruminais
é apresentado na figura 1.53 e envolve o transporte de prótons
através da membrana celular. O ATP produzido em excesso pela
fermentação dos açúcares seria utilizado para expulsar prótons
da célula, os quais estariam continuamente entrando na célula
em função do elevado gradiente de concentração formado em
nível de membrana. Nesta situação, o aumento da concentração
intracelular de frutose-1,6-difosfato atuaria como um estimulador
alostérico da H+-ATPase.
Antibióticos ionóforos, como monensina e lasalocida, são
frequentemente utilizados como aditivos na alimentação de bo-
vinos de corte e de leite, com o objetivo de aumentar a eficiência
alimentar. Os ionóforos são moléculas altamente lipofílicas. Em
função disso, acoplam-se à membrana das bactérias gram-positivas
e permitem a passagem de sódio e prótons para o interior celular,
dissipando o gradiente eletroquímico em nível de membrana.
Isso diminui a entrada de substratos fermentáveis na célula e o
metabolismo celular (Tabela 1.5).

Tabela 1.5 – Efeito da monensina sobre a concentração de íons e ATP em


bactérias ruminais gram-positivas

Fonte: publicado originalmente em Hobson e Stewart (1997, p. 547).


Bioquímica dos Ruminantes | 92

Figura 1.53 – Efeito da disponibilidade de substratos energéticos sobre o


padrão metabólico de algumas bactérias ruminais. Quando a disponibilidade
é baixa, o ATP produzido nas reações catabólicas é usado prioritariamente em
reações biossintéticas, e os produtos da fermentação são ácidos graxos voláteis
(AGV). Quando a disponibilidade de substratos energéticos é alta, aumenta a
concentração intracelular de frutose-1,6-difosfato (F16DP), que estimula a H+-
ATPase e lactato desidrogenase. Em função disso, o excesso de ATP sintetizado
é utilizado para expulsar prótons da célula contra um gradiente de concentração,
e lactato passa a ser o principal produto da fermentação. Os prótons entram
novamente na célula a favor do gradiente, usando como canal de transporte
proteínas de membrana sensíveis à variação da força próton-motora (VGMC,
voltage-gated membrane channels). A energia do potencial eletroquímico,
neste caso, se dissipa como calor quando o próton entra na célula.

A dupla camada de membranas das bactérias gram-negativas


tornam-nas resistentes aos ionóforos. Devido à redução da ativi-
dade fermentativa das bactérias gram-positivas, há menor pro-
dução de H2 e CO2 e menor oxidação de aminoácidos no rúmen.
Consequentemente, diminui a produção de metano e de amônia.
Bioquímica dos Ruminantes | 93

Os ionóforos também aumentam a produção de propionato no


rúmen, principalmente por favorecer o crescimento de bactérias
gram-negativas produtoras de propionato. Além disso, em animais
alimentados com dietas ricas em grãos, os ionóforos inibem as
bactérias produtoras de lactato, impedindo, desse modo, a pro-
dução de ácido láctico e a queda do pH ruminal. O aumento da
eficiência alimentar em animais que recebem ionóforos é resultado
do aumento da produção de propionato, da redução da energia
perdida como metano e do aumento da passagem de proteína do
alimento para os intestinos sem ser degradada no rúmen.

1.6.6 Efeito do pH sobre a fermentação ruminal

O rúmen é um ambiente relativamente bem tamponado, mas o


pH pode variar de aproximadamente 8,0 a valores menores que
5,0, dependendo do tipo de dieta e do tempo após a ingestão
do alimento. Inclusão de altas proporções de carboidratos não
fibrosos na dieta, os quais têm alta taxa de degradação, geral-
mente resulta em queda do pH e da digestibilidade da fibra no
rúmen. Alguns ensaios in vitro e in situ indicaram que a presença
em si de altas concentrações de açúcares no fluido ruminal tem
efeito inibitório sobre a atividade fibrolítica. No entanto, vários
outros estudos têm demonstrado que este efeito é, em grande
parte, consequência da queda do pH. Os mecanismos associados
ao efeito do pH não estão totalmente elucidados, mas incluem
efeitos sobre o processo de aderência à fibra (ver figura 1.5) e,
principalmente, sobre o metabolismo bacteriano.
Como visto anteriormente, a sobrevivência e o crescimento
bacteriano são dependentes da existência de um gradiente
elétrico e de pH transmembrana capaz de gerar uma força
próton-motora que permita captar substratos do meio externo.
Paradoxalmente, no entanto, altos gradientes de pH podem
ter um efeito negativo sobre o metabolismo bacteriano e com-
prometer seu crescimento. É amplamente conhecido que, em
meio ácido, mas não em meio alcalino, os ácidos orgânicos são
tóxicos às bactérias. Em função disso, vários deles são usados
como conservantes de alimentos. A forma protonada dos ácidos
Bioquímica dos Ruminantes | 94

orgânicos (XCOOH) é lipofílica, tornando-os capazes de atraves-


sar as membranas livremente (Figura 1.54). Em função dessa
propriedade, as suas concentrações no meio externo e no meio
intracelular estão sempre em equilíbrio, ou seja, são iguais. Uma
vez que o pH do citoplasma bacteriano é sempre maior que o pH
do fluido ruminal, a forma protonada dos ácidos graxos voláteis
que entram na bactéria se dissocia, liberando o próton (H+) e
sua forma aniônica (XCOO -). Os prótons podem ser expelidos
novamente da célula por ação de H+-ATPases, mas os ânions
dos ácidos graxos não passam livremente pelas membranas e
se acumulam no citoplasma. O grau de acumulação de ânions
dos ácidos graxos voláteis na célula bacteriana vai depender
do gradiente de pH transmembrana e pode ser calculado com
base na equação de Henderson-Hasselbach, descrita a seguir:

pH = pKa + log ([ânion]/[ácido]).

O pKa está relacionado à constante de dissociação do ácido


e representa o pH da solução em que a concentração da forma
protonada (ácido) é igual à dissociada (ânion). O pKa do acetato
é 4,76, do propionato é 4,87 e do lactato é 3,86. Com base na
equação acima, é possível calcular a relação entre as concentrações
das duas formas de qualquer ácido orgânico a qualquer pH, em que:

log ([ânion]/[ácido]) = pH – pKa.

Utilizando o acetato como exemplo:

a) à pH 7,0:
log ([ânion]/[ácido]) = 7,0 - 4,76,
log ([ânion]/[ácido]) = 2,24,
[ânion]/[ácido] = antilog de 2,24 = 173,78;

b) à pH 6,0:
log ([ânion]/[ácido]) = 6,0 - 4,76,
log ([ânion]/[ácido]) = 1,24,
[ânion]/[ácido] = antilog de 1,24 = 17,38;
Bioquímica dos Ruminantes | 95

c) à pH 5,0:
log ([ânion]/[ácido]) = 5,0 - 4,76,
log ([ânion]/[ácido]) = 0,24,
[ânion]/[ácido] = antilog de 0,24 = 1,738.

É possível observar que a variação de uma unidade de


pH altera em dez vezes a proporção da forma protonada em
relação à forma ionizada do acetato. Por exemplo, se o fluido
ruminal tiver pH 6,0 e concentração total de acetato de 70mM,
a concentração da forma aniônica será em torno de 66mM e
da forma ácida em torno de 4mM. Nesta situação, se o pH
intracelular bacteriano for 7,0, a concentração citoplasmática
da forma ácida também será em torno de 4mM, mas o ânion
acetato iria acumular, no meio intracelular, a uma concentração
em torno de 660mM.
A sensibilidade a variações do pH é diferente entre as bacté-
rias ruminais. Espécies que degradam fibra, como Butyrivibrio
fibrisolvens, Bacteroides succinogenes, Ruminococcus albus
e Ruminococcus flavefaciens, cessam seu crescimento quando
o pH do meio de incubação diminui a valores abaixo de 6,0,
enquanto as bactérias amilolíticas, como Selenomonas ruminan-
tium e Streptococcus bovis, diminuem a taxa de crescimento,
mas continuam a crescer mesmo a valores de pH próximos a
5,0. As bactérias mais resistentes à acidez ruminal (acidofílicas)
são capazes de reduzir o pH intracelular na mesma proporção
que diminui o pH extracelular, de modo a manter um gradiente
de pH entre o meio externo e o citoplasma relativamente cons-
tante, em torno de 0,7 (i.e., pH externo mais ácido que o pH
intracelular). Com base na equação de Henderson-Hasselbach,
se a concentração de acetato no fluido ruminal for 70mM, mas
o pH for 6,3, este gradiente de pH (∆pH = 7,0 – 6,3 = 0,7)
resultaria em uma concentração intracelular de acetato em torno
de somente 350mM. Estudos in vitro têm demonstrado que as
atividades de várias enzimas, como piruvato desidrogenase e
acetato quinase, são inibidas quando a concentração do ânion
acetato alcança valores acima de 800mM. No entanto, o cresci-
mento bacteriano, mesmo das bactérias ácido-resistentes, cessa
quando a diferença entre o pH extracelular e intracelular atinge
Bioquímica dos Ruminantes | 96

valores acima de 0,7. As bactérias fibrolíticas são neutrofílicas,


ou seja, elas mantêm o pH intracelular próximo à neutralidade
(i. e., a valores acima de 6,5), independente das variações
do pH extracelular. Quando o pH do fluido ruminal se reduz
a valores abaixo de 6,0, o gradiente de pH aumenta a níveis
acima de 0,7, resultando em acumulação de ânions de ácidos
graxos a concentrações tóxicas para a bactéria. As bactérias
acidofílicas resistem à redução do pH a valores até em torno
de 5,0. No entanto, reduzem a taxa de crescimento e mudam
o padrão metabólico. A produção dos ácidos graxos voláteis a
partir de piruvato é inibida, a enzima lactato desidrogenase é
estimulada e a fermentação passa a ser homoláctica.
O mecanismo associado à toxicidade da acumulação intrace-
lular de ânions não está claramente elucidado. Além de ocorrer
inibição metabólica pela acumulação dos produtos, como a
inibição da piruvato desidrogenase e acetato quinase descrita
acima), há também efeito negativo sobre a força próton-motora
transmembrana. Como visto anteriormente, a força próton-motora
é diretamente proporcional ao gradiente de prótons (Z∆pH) e,
principalmente, ao gradiente elétrico (∆y) existente em nível
de membrana. A princípio, então, o aumento do gradiente de
pH resultante da redução do pH extracelular deveria aumentar
o potencial energético da bactéria. De forma paradoxal, no
entanto, o aumento do gradiente de pH a valores acima de
0,7, apesar de aumentar o Z∆pH, reduz drasticamente o ∆y
e a força próton-motora total. Esses resultados indicam que,
paralelo ao aumento do gradiente de pH, o acúmulo de ânions
no citoplasma induz à entrada e à acumulação de cátions no
interior da célula, provavelmente de íons Na+, em proporções que
dissipam o gradiente elétrico. O próton liberado no citoplasma
pelo AGV é expulso novamente pela ação de H+-ATPases de
membrana, mas não há mecanismos ou, se existem, não são
eficientes para expulsar outros cátions que entram na célula,
como o sódio, por exemplo.
Bioquímica dos Ruminantes | 97

Meio externo M Meio intracelular


+ +
[H ] [H ]
ΔΨ
[Na] Δ pH [Na]
(+) (–)

FPM

Cátions (Na+) Cátions (Na+)

– –
XCOO XCOO

+ +
H H

XCOOH XCOOH

ATP
+
H

ADP+Pi

Figura 1.54 – Efeito do pH sobre a passagem de íons através da membrana


bacteriana (M). Ácidos graxos voláteis protonados entram livremente no
citoplasma bacteriano e liberam o próton neste meio que é mais alcalino.
O próton pode ser expulso da célula novamente pela ação de H+-ATPases
para manter o gradiente de prótons (∆pH), mas o ânion de ácido graxo não
pode atravessar a membrana e se acumula no interior da célula. Devido ao
acúmulo de ânions, outros cátions também entram na célula e dissipam o
gradiente elétrico (∆y). Com isso, a força próton-motora (FPM) de mem-
brana é reduzida (ou eliminada totalmente), inibindo o metabolismo e o
crescimento bacteriano.
Bioquímica dos Ruminantes | 98

1.7 Considerações sobre o metabolismo


de protozoários e fungos

A maior parte dos protozoários do rúmen são ciliados e dividem-se


em dois gupos: os entodiniomorfos, que ingerem preferencial-
mente partículas insolúveis suspensas no fluido ruminal e estão
presentes em maior número quando a dieta é à base de forragem;
e os holotriquias, que têm maior capacidade de ingerir materiais
solúveis e grânulos de amido e estão presentes em maior número
quando a dieta é rica em grãos de cereais.
Todos os ciliados ingerem bactérias como sua principal fonte de
aminoácidos e de ácidos nucleicos, sendo que o engolfamento é mais
intenso em dietas ricas em grãos. Em dietas à base de forragem, as
bactérias constituem sítios de aderência e dificultam o engolfamento
pelos protozoários. Os entodinomorfos são capazes de aderirem-se
às fibras e possuem atividade celulolítica e hemicelulolítica.
O material ingerido pelos protozoários é digerido em vacúolos
presentes no interior do protoplasma. Os protozoários podem engol-
far grânulos de amido, os quais são degradados mais lentamente
que a degradação efetuada pelas bactérias. Isso pode contribuir
para evitar queda brusca do pH em animais alimentados com
dietas ricas em concentrado. No entanto, o excesso de ingestão
de amido pode matar o protozoário. Em relação às proteínas, mais
da metade daquelas digeridas são excretadas novamente para o
fluido ruminal na forma de amônia, aminoácidos ou peptídeos.
Em função disso, a presença dos protozoários, usualmente, está
associada a uma redução da oferta de proteína microbiana no
intestino delgado e a um aumento da reciclagem do nitrogênio
no rúmen, assim como, nas bactérias, açúcares e parte dos
aminoácidos são fermentados até ácidos graxos voláteis, CO2 e
amônia. No entanto, ao contrário de produzir, os protozoários são
ativos fermentadores de lactato, o que também pode diminuir o
efeito depressivo do pH ruminal em dietas ricas em amido. Os
protozoários são, ainda, ativos na biohidrogenação de ácidos
graxos insaturados. Contudo, não está claramente estabelecido
se esta atividade é resultado da ação de enzimas do protozoário
ou de bactérias engolfadas por estes microrganismos.
Bioquímica dos Ruminantes | 99

Diferente das bactérias, que saem do rúmen com a digesta


e são digeridas no abomaso e intestino delgado, a maior parte
dos protozoários são reciclados no interior do rúmen. Os proto-
zoários aumentam a concentração de amônia e a reciclagem de
nitrogênio total no rúmen.
Os fungos ruminais são, obrigatoriamente, anaeróbicos e
colonizam, preferencialmente, as fibras. A colonização das fibras
pelos fungos ocorre, principalmente, nas regiões mais lignificadas,
como o esclerênquima e, comparado às bactérias, sua atividade
fibrolítica é bem mais intensa. Através de um sistema rizomicelial,
os fungos penetram na parede celular e liberam polissacaridases
extracelulares contra os carboidratos estruturais. Produzem altas
quantidades de celulases e xilanases bastante ativas; no entan-
to, parecem não degradar pectina. Diferente das bactérias, são
capazes de penetrar através da cutícula das lâminas foliares de
gramíneas e solubilizar lignina. Os principais produtos da fermen-
tação fúngica ruminal são: acetato, lactato, succinato, CO2 e H2.

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Digestão, absorção
e metabolismo visceral

2.1 Digestão e absorção dos carboidratos


fermentação ruminal e produção
dos ácidos graxos voláteis

Um esquema geral da digestão dos carboidratos nos ruminantes


é apresentado na figura 2.1. Como visto no capítulo anterior,
a maior parte dos carboidratos do alimento são fermentados
no rúmen, originando os ácidos graxos voláteis (principalmen-
te acetato, propionato e butirato), amônia, gases e células
microbianas. O gás ruminal é constituído por cerca de 2/3 de
CO2 e 1/3 de metano, além de uma pequena fração de outros
gases, como H2, H2S, N2 e O2. Uma parte do metano pode ser
absorvida pelo epitélio ruminal, entrar na circulação sanguínea
e sair com o ar expirado pelos pulmões. No entanto, a maior
parte sai do rúmen juntamente com outros gases durante a
erutação. Os ácidos graxos voláteis podem ser considerados
um resíduo da fermentação para os microrganismos, mas,
para o ruminante, representam a principal fonte de energia.
Normalmente, contribuem com 50 a 70% da energia digestível
do alimento. A concentração total de ácidos graxos voláteis no
fluido ruminal normalmente varia de 60 a 160 mmol/l, mas
valores mais extremos podem ocorrer.
Bioquímica dos Ruminantes | 106

CHO ingeridos Erutação

SANGUE
RÚMEN
PORTAL
CHO Co2, CH4

biomassa
microbiana
AGV AGV

INTESTINO
DELGADO
CHO

Glicose Glicose

INTESTINO
GROSSO
CHO

biomassa
microbiana AGV AGV

FEZES

Células bacterianas e resíduos indigestíveis


Figura 2.1 – Esquema geral da digestão dos carboidratos nos ruminantes.
A maior parte dos carboidratos (CHO) da dieta é fermentada no rúmen,
originando ácidos graxos voláteis (AGV) e células microbianas. Os CHO não
degradados no rúmen passam para o intestino delgado. Se amido estiver
incluído nessa fração, será passível de hidrólise pelas enzimas pancreáticas
e intestinais, liberando glicose, que será absorvida. Parte dos carboidratos
residuais que chegam ao intestino grosso podem ser fermentadas da mesma
maneira como no rúmen. A maior parte, contudo, é excretada nas fezes.
Bioquímica dos Ruminantes | 107

As taxas de produção dos ácidos graxos voláteis variam com


o tempo após a ingestão e com o tipo de alimento. Quando o
alimento é à base de concentrado, a curva é mais aguda e o pico
de produção ocorre em torno de 2 a 3 horas após a ingestão. De
outro modo, quando a dieta consiste de forragem (volumoso), a
curva de produção é menos aguda e o pico ocorre em torno de
4 a 5 horas após a ingestão (Figura 2.2).
rúmen

Figura 2.2 – Curvas características de produção ruminal de ácidos graxos


voláteis (AGV) em animais recebendo dietas à base de concentrado ou de
volumoso.

A taxa de degradação ruminal, no entanto, varia com a fonte


e/ou tipo de amido. Em ordem decrescente, a taxa de degrada-
ção ruminal do amido é: mandioca > trigo > cevada > aveia
> milho e sorgo.
A maior parte dos ácidos graxos voláteis é absorvida pelo
próprio epitélio ruminal. Contudo, uma pequena proporção (em
torno de 10 a 20%) pode sair com a digesta e ser absorvida no
omaso e abomaso. A absorção dos ácidos graxos voláteis do rú-
men ocorre principalmente por difusão passiva de sua forma não
ionizada, a qual é capaz de atravessar as membranas livremente,
ou seja, sem envolvimento de proteínas transportadoras e sem
gasto de energia. A absorção é favorecida pelo alto gradiente
de concentração e pelo gradiente de pH existente entre o fluido
Bioquímica dos Ruminantes | 108

ruminal e o sangue, assim como pelo metabolismo de parte dos


ácidos absorvidos que ingressam nas células epiteliais. O pH
sanguíneo é normalmente mais alcalino, e a concentração dos
ácidos graxos voláteis no sangue portal, a qual varia em torno
de somente 3 a 4 mmol/l, é bem inferior à concentração no
fluido ruminal. Em função da sua constante de dissociação e da
lei de ação de massas, cada molécula absorvida do rúmen na
forma ácida (protonada) é balanceada pela formação de outra
(Figura 2.3). A taxa de absorção, em quantidades absolutas
(g/h), é diretamente proporcional à concentração dos ácidos
no fluido ruminal e, desse modo, é mais alta para o acetato,
intermediária para o propionato e menor para o butirato. No
entanto, como a proporção da concentração de cada ácido, as
taxas de absorção aumentam com o tamanho da cadeia, sendo
em torno de 76%/h para o acético, 102%/h para o propiônico
e 135%/h para o butírico (considerando somente a forma não
ionizada dos ácidos). As taxas de absorção aumentam com a
redução do pH do fluido ruminal como consequência do aumento
da proporção da forma não ionizada dos ácidos e do aumento
do gradiente de pH. No entanto, nas situações em que o pH
ruminal for relativamente alto, reduzindo o gradiente com o
sangue para valores próximos a zero, pode ocorrer a absorção
de ânions de ácidos graxos. Nesse caso, como a absorção des-
sas moléculas é eletricamente neutra, é provável que existam
mecanismos de troca aniônica entre as células do epitélio e o
lúmen ruminal, envolvendo cloreto (Cl-) e bicarbonato (HCO3-).
Esses mecanismos não estão elucidados e nem é conhecida sua
relevância em condições fisiológicas, mas as taxas de absorção
das formas ionizadas são bem inferiores às das formas ácidas,
variando em torno de somente 16, 18 e 22%/h para o acetato,
propionato e butirato, respectivamente.
Bioquímica dos Ruminantes | 109

Figura 2.3 – Mecanismo de absorção dos ácidos graxos voláteis no rúmen. O


fluido ruminal contém altas concentrações das formas ionizadas (XCOO-) e
não ionizadas (XCOOH) dos ácidos graxos voláteis. A proporção dessas duas
formas é equilibrada em função da sua constante de dissociação e do pH do
fluido ruminal. A forma não ionizada atravessa livremente as membranas em
direção ao sangue, a favor de um gradiente de concentração. Ao alcançar a
circulação, o ácido graxo tende a se dissociar em função do pH mais alcalino
do sangue, impedindo sua volta ao rúmen. A absorção também é favorecida
pelo metabolismo de parte dos ácidos graxos pela célula epitelial, o qual
contribui para aumentar o gradiente de concentração entre o fluido ruminal
e o citoplasma das células epiteliais.

digestão e absorção intestinal

Concomitante ao processo fermentativo, parte da digesta rumi-


nal, representada principalmente por partículas pequenas (em
torno de 1 a 2mm) e mais densas, sai deste compartimento em
direção ao abomaso e ao intestino delgado. A digestão abomasal
e a intestinal nos ruminantes têm algumas particularidades.
Uma das principais é que o fluxo de digesta a partir do rúmen
é relativamente contínuo (e não pulsativo, como nos monogás-
Bioquímica dos Ruminantes | 110

tricos). Da mesma forma, as enzimas digestivas também são


secretadas continuamente e em menores concentrações que
nos monogástricos, principalmente aquelas responsáveis pela
digestão intestinal dos carboidratos e dos lipídios. Os carboi-
dratos que chegam com a digesta ao abomaso e ao intestino
delgado são representados, principalmente, por aqueles do
alimento que não foram fermentados pelos microrganismos
ruminais e também por quantidades variáveis de carboidratos
sintetizados e armazenados pelas próprias células microbianas.
Em torno de 10 a 30% da biomassa bacteriana ruminal pode
ser constituída por polissacarídeos de reserva.
Não existe atividade carbohidrásica no abomaso. As secre-
ções abomasais são constituídas de HCl, muco, pepsinogênio
e lisozimas. O tempo de permanência da digesta no abomaso
é curto, cerca de 1 a 2 horas, e o pH neste compartimento é
baixo, em torno de 2 a 2,5. A digestão pós-ruminal dos car-
boidratos inicia após a digesta entrar no duodeno e se misturar
com a secreção pancreática, a qual é alcalina e possui ativi-
dade a-amilásica. A secreção biliar também contribui para a
neutralização do pH da digesta no duodeno.
A α-amilase pancreática hidrolisa as ligações α-1,4 gli-
cosídicas do interior da cadeia do amido (e dos polímeros de
glicose de origem bacteriana), liberando maltose, maltotrioses
e dextrinas. As dextrinas são oligossacarídeos remanescentes
da digestão da amilopectina e são ricas em ramificações com
ligações glicosídicas α-1,6. Quando as dietas dos ruminantes
consistem somente de forragem, os carboidratos presentes
na digesta que chega ao intestino delgado são representados
fundamentalmente por celulose e hemicelulose, sendo que
quantidades insignificantes, ou mesmo nulas, de amido estão
presentes. Nessa situação, a quantidade de α-amilase secretada
pelo pâncreas e a atividade amilásica também é insignifican-
te. No entanto, quando as dietas são constituídas por altas
proporções de grãos de cereais, principalmente de milho ou
sorgo, quantidades significativas de amido podem passar pelo
rúmen sem serem fermentadas e são digeridas nos intestinos.
A síntese de α-amilase pancreática é grandemente estimulada
pela presença de proteínas e de amido no abomaso e duodeno.
Bioquímica dos Ruminantes | 111

Os produtos resultantes da atividade α-amilásica são hidroli-


sados por α-1,4 e α-1,6, glicosidases presentes na membrana
luminal das células do epitélio intestinal, liberando glicose,
que será absorvida. Os ruminantes têm menor capacidade que
os monogástricos para digerir amido no intestino delgado. As
causas dessa limitação não estão claramente elucidadas, mas,
possivelmente, incluem os seguintes fatores: capacidade limitada
do pâncreas em produzir α-amilase, baixa atividade da α-1,4
glicosidase nos enterócitos, proteção física superficial dos grâ-
nulos de amido que escapam da fermentação ruminal e pouco
tempo de exposição à ação enzimática intestinal. Assim como
no abomaso, o tempo de permanência da digesta no intestino
delgado também é relativamente curto, cerca de 3 horas.
Os ruminantes não secretam sacarase. De qualquer maneira,
a presença e absorção de açúcares solúveis no intestino delgado
desses animais, além da eventual glicose derivada do amido,
são raras e insignificantes em razão da total fermentação prévia
desses carboidratos no rúmen.
A absorção de glicose no intestino delgado dos ruminantes
ocorre por um mecanismo similar ao existente nos monogástricos
(Figura 2.4). A glicose é absorvida da luz intestinal, utilizando
uma proteína transportadora dependente de Na+ presente na
membrana apical (luminal) das células do epitélio do intestino
delgado (enterócitos) e a favor de um gradiente de concentra-
ção de sódio (i.e., a concentração de sódio na luz intestinal
é bem mais alta que no citoplasma dos enterócitos). A baixa
concentração de Na+ no citoplasma dos enterócitos é mantida
pela expulsão desses íons em direção ao sangue, contra um gra-
diente de concentração e com gasto de ATP, pela ação de uma
Na+/K+ATPase presente na membrana basal dessas células. A
passagem da glicose do enterócito para o sangue pode ocorrer
por difusão facilitada a favor de um gradiente de concentração
quando a concentração de glicose no citoplasma for mais alta
que no sangue (o que ocorre nos monogástricos). No entanto, as
células epiteliais têm alta demanda por glicose e, nos ruminantes,
geralmente metabolizam toda a glicose eventualmente absorvida
da luz intestinal, além de uma quantidade variável de glicose que
chega com o sangue arterial.
Bioquímica dos Ruminantes | 112

+
2Na Glicose
LUZ INTESTINAL [Na+]

ENTERÓCITO [Na+]
+
2Na Metabolismo

Na
+ Glicose Glicose
ATP
ADP + Pi
Na+
+

+ +
K
Na / K ATPase
+
K Glicose

Figura 2.4 – Mecanismo de absorção de glicose no intestino delgado. Glicose


é carreada da luz intestinal para o citoplasma do enterócito, utilizando uma
proteína transportadora dependente de Na+ e a favor do gradiente de con-
centração do sódio. A baixa concentração de Na+ no citoplasma é mantida
pela expulsão desses íons do citoplasma em direção ao sangue pela ação
de uma Na+/K+ ATPase presente na membrana basal dos enterócitos, com
gasto de ATP. A passagem de glicose do enterócito para o sangue pode ocorrer
por difusão facilitada através de uma proteína transportadora presente na
membrana basal. Nos ruminantes, no entanto, é provável que o enterócito
metabolize toda a glicose eventualmente absorvida da luz intestinal, além
de glicose captada da circulação sanguínea.

No intestino grosso, chegam os carboidratos que não foram


fermentados no rúmen nem foram digeridos e absorvidos no in-
testino delgado. São representados, principalmente, por celulose
e hemicelulose, mas também podem ter pequenas proporções de
amido, dextrinas e oligossacarídeos quando a dieta dos animais
for rica em grãos de milho ou sorgo. Assim como no rúmen, parte
desses carboidratos é fermentada por populações bacterianas
presentes nesses compartimentos, originando ácidos graxos
voláteis. Entre os polissacarídeos estruturais, a fermentação hemi-
celulolítica neste compartimento é mais intensa que a celulolítica.
As ligações furanosídicas da hemicelulose são mais sensíveis à
acidez do abomaso que as ligações β-1,4 glicosídicas da celu-
lose. Desse modo, a hemicelulose indisponível à fermentação
ruminal torna-se disponível à fermentação no intestino grosso. A
Bioquímica dos Ruminantes | 113

absorção dos ácidos graxos voláteis no intestino grosso ocorre


de forma similar ao rúmen, ou seja, são absorvidos por difusão
passiva da forma protonada (não ionizada). Também similar ao
que ocorre no rúmen, a forma ionizada pode ser absorvida por um
mecanismo que envolve também o fluxo de íons Na+, H+, Cl- e
HCO3-. O mecanismo e a importância fisiológica dessa forma de
absorção, contudo, não está ainda elucidada. A digestão no ceco
e intestino grosso contribui com cerca de 6 a 16% da energia
digestível normalmente consumida pelos ruminantes.

2.2 Digestão e absorção


dos compostos nitrogenados

degradação ruminal, produção de amônia e


síntese proteica microbiana

Na figura 2.5, é apresentado um esquema geral da digestão


dos compostos nitrogenados no trato gastrintestinal total dos
ruminantes. Assim como os carboidratos, a maior parte dos
compostos nitrogenados ingeridos é previamente degradada pelos
microrganismos no rúmen.
As características e a composição dos compostos nitrogenados
presentes nos alimentos pode ser amplamente variável. Para
exemplificar, do nitrogênio total presente em forragens verdes, mais
da metade pode ser representada por nitrogênio não proteico, ou
seja, nitratos, ácidos nucleicos, aminas, amidas e aminoácidos.
Grãos de cereais ou oleaginosas, por sua vez, contêm nitrogênio
basicamente proteico. Como visto no capítulo anterior, os com-
postos nitrogenados não proteicos são prontamente metabolizados
pelas bactérias ruminais enquanto a degradabilidade ruminal das
proteínas pode ser amplamente variável.
Na figura 2.6, é apresentado um diagrama, representando
quantitativamente o fluxo típico do nitrogênio no rúmen de um
ovino alimentado com alfafa. No entanto, embora ilustrativo
de uma condição específica, a dinâmica da digestão do nitro-
Bioquímica dos Ruminantes | 114

gênio, apresentada nessa figura, é relativamente simplificada


e não é representativa de todas as condições dietéticas, ou
seja, o fluxo de nitrogênio no rúmen é grandemente afetado
pela composição da dieta e do nível de consumo. De qualquer
maneira, geralmente a maior parte dos compostos nitrogenados
que chegam ao rúmen é degradada pelos microrganismos, libe-
rando aminoácidos, peptídeos e, principalmente, amônia. Uma
proporção altamente variável desses compostos é incorporada
às células microbianas ruminais. Por exemplo, em torno de
40 a 95% da proteína microbiana total pode ser derivada da
incorporação de amônia, e o restante da incorporação direta
de aminoácidos e peptídeos (i.e., 5 a 60%). A incorporação
de amônia é predominante em dietas à base de volumosos,
enquanto maiores proporções de aminoácidos e peptídeos
são incorporadas à medida que aumenta a participação de
concentrados na dieta.
A amônia que não é incorporada nos compostos nitrogenados
microbianos é, em grande parte, absorvida através do epitélio
ruminal e entra na circulação portal.
Bioquímica dos Ruminantes | 115

Figura 2.5 – Esquema geral da digestão dos compostos nitrogenados nos


ruminantes. O N total disponível no rúmen é representado por N proteico (Np)
e N não proteico (NNP). A amônia originada no rúmen a partir de aminoá-
cidos (aa) e do NNP é incorporada em parte como N microbiano (Nm) e o
restante é absorvido e transformado em ureia no fígado. A proteína total (Pt)
disponível no intestino delgado é representada por aquela não degradada do
alimento (PND) mais a proteína verdadeira microbiana (Pvm). Parte da Pt é
digerida, originando aa e peptídios (pp) que são absorvidos. A maior parte
das bases nitrogenadas (BN) bacterianas também é absorvida no intestino
delgado. O N excretado nas fezes é representado por proteína indigestível
do alimento (Pi) mais o N de células bacterianas que se multiplicaram no
intestino grosso, utilizando ureia reciclada e outros substratos de origem
endógena (Nend), incluindo secreções e descamações.
Bioquímica dos Ruminantes | 116

A absorção da amônia é diretamente proporcional à sua


concentração no rúmen e aumenta com o aumento do pH do
fluido ruminal. Em função disso, conclui-se que a sua absorção
ocorre por difusão passiva da sua forma dissociada, ou seja, de
sua forma não ionizada. Uma parte da amônia pode ainda sair
com a digesta e ser absorvida nos intestinos. A amônia absor-
vida é convertida em ureia no fígado, a qual retorna, em parte,
novamente ao trato gastrintestinal via saliva ou via transepitelial.
Além do nitrogênio alimentar, soma-se ao pool ruminal nitrogênio
reciclado na forma de ureia e nitrogênio presente em secreções
e células epiteliais descamadas.

Figura 2.6 – Diagrama representando quantitativamente o fluxo típico do


nitrogênio (g/dia) no rúmen de ovinos consumindo alfafa.

reciclagem do nitrogênio

A reciclagem de nitrogênio nos ruminantes é proporcionalmente


maior, dinamicamente mais complexa e nutricionalmente mais
importante que nos monogástricos.
Na figura 2.7, é apresentado um esquema geral com valores
médios ilustrativos da reciclagem de nitrogênio nos ruminan-
tes. Nessa figura, observa-se que, em média, 33% da ureia
Bioquímica dos Ruminantes | 117

sintetizada no fígado é excretada na urina e 67% retorna para


o trato digestivo via saliva ou via transepitelial. Do nitrogênio
reciclado na forma de ureia, em média 10% são excretados
nas fezes, 40% são reabsorvidos como amônia e 50% são
utilizados anabolicamente, ou seja, na síntese de proteína
microbiana ruminal. No entanto, esse processo é altamente
variável e é afetado pelo tipo de dieta (proporção de volumoso
e concentrado, teor de proteína e carboidratos degradáveis
no rúmen, entre outros) e nível de consumo, assim como por
aspectos relacionados ao animal, como condição fisiológica e
potencial genético. Por exemplo, a proporção pode variar de
40 a 80% da ureia sintetizada no fígado que retorna ao trato
gastrintestinal, aumentando a disponibilidade de nitrogênio a
valores que podem equivaler a consumos de nitrogênio diges-
tível acima de 100% do nitrogênio total presente no alimento.

33%
33%

Uréia
Ureia
67%
67%

50% 40%
Pm NH3
10%

Figura 2.7 – Reciclagem de nitrogênio na forma de ureia no trato gastrintestinal


dos ruminantes. Os valores nos círculos representam as proporções médias da
ureia sintetizada no fígado, que é excretada na urina (33%) ou que retorna para
o trato digestivo via saliva ou via transepitelial (67%). O destino do nitrogênio
ureico que entra no trato digestivo é apresentado nos retângulos. Em média,
10% são excretados nas fezes, 40% são reabsorvidos como amônia e 50% são
utilizados anabolicamente, ou seja, na síntese de proteína microbiana ruminal
(Pm). (Publicado originalmente por Lapierre; Lobley, 2001).

A entrada da ureia no lúmen do trato digestivo pode ser via


saliva ou transepitelial. A passagem da ureia da circulação san-
Bioquímica dos Ruminantes | 118

guínea para o interior dos ácinos das glândulas salivares, assim


como a passagem transepitelial, ocorre por transporte facilitado,
utilizando carreadores de membrana. A entrada transepitelial
de ureia no rúmen, no entanto, depende também da atividade
ureásica de bactérias aderidas ao epitélio ruminal. A camada de
queratina que reveste o epitélio impede a passagem da ureia,
mas não da amônia.
A concentração de ureia na saliva representa, geralmente,
cerca de 60 a 70% do N salivar total e 30 a 65% da concen-
tração plasmática de ureia. À proporção que entra com a saliva,
pode variar em torno de 15% a mais de 90% da ureia total
reciclada, sendo os menores valores observados em animais
alimentados com dietas ricas em concentrado, enquanto os
maiores valores são característicos de animais recebendo dietas
à base de volumosos.
A entrada transepitelial de ureia, por sua vez, não tem relação
com a concentração plasmática e pode ocorrer no rúmen ou nos
intestinos. A proporção relativa dessas duas formas de passagem
da ureia para o trato digestivo também é amplamente variável,
de modo que a entrada no rúmen pode variar de menos de 10
a mais de 90% da entrada transepitelial total. Quando a con-
centração de amônia ruminal é baixa ou quando as dietas são
ricas em concentrado energético, a ureia entra principalmente no
rúmen. Em situação oposta, quando a concentração de amônia
ruminal é alta ou a dieta é à base de volumoso, a ureia entra
principalmente no lúmen intestinal.
O destino da ureia reciclada para o interior do trato digestivo
também pode ser altamente variável. Por exemplo, a proporção
reabsorvida como amônia pode variar de 25 a mais de 50%,
enquanto a proporção utilizada anabolicamente, para síntese
de proteína microbiana ruminal, pode variar de pouco mais
de 10% em animais recebendo à vontade dietas à base de
forragem e a mais de 80% em animais alimentados em níveis
próximos à mantença com dietas ricas em concentrado. Outro
aspecto relevante é que a ureia reciclada e reabsorvida como
amônia pode reingressar no trato digestivo novamente. Essa
múltipla reciclagem pode aumentar em até 50% o uso da ureia
em processos anabólicos no rúmen. A ureia que entra no lúmen
Bioquímica dos Ruminantes | 119

intestinal pode ser novamente reabsorvida como amônia ou sair


com a digesta para o ceco e intestino grosso.

digestão e absorção intestinal

Os compostos nitrogenados que chegam ao abomaso e intestino


delgado com a digesta são representados principalmente por
proteínas do alimento não degradadas no rúmen (normalmente
entre 15 a 40% do N duodenal total) e compostos nitrogenados
microbianos (entre 55 a 80% do N duodenal total). Do nitrogênio
microbiano, em torno de 80% são representados por proteína
verdadeira e, o restante, por bases nitrogenadas. Embora em
proporção bem menor, também chega ao duodeno N amoniacal
(em torno de até 5% do nitrogênio duodenal total) e nitrogênio
de origem endógena, este último presente nas secreções gástricas
e intestinais e em células epiteliais descamadas. A contribuição
da fração endógena no fluxo duodenal de nitrogênio é quantita-
tivamente significativa somente quando as dietas são fibrosas e
deficientes em nitrogênio (i.e., com menos de 1% de N).
A digestão pós-ruminal das proteínas inicia já no abomaso
pela atividade pepsinogênica. Nos ruminantes, a atividade das
lisozimas, presentes na secreção gástrica, tem papel importante
nesse processo. As lisozimas hidrolisam os componentes da
parede celular bacteriana e, desse modo, auxiliam a pepsina
na digestão das proteínas microbianas provenientes do rúmen.
A digestão intestinal das proteínas nos ruminantes é seme-
lhante a dos monogástricos. O pâncreas secreta as formas
inativas da tripsina, quimotripsina e elastase (endopeptidases,
i.e., hidrolisam ligações peptídicas do interior do polipeptídio),
assim como das carboxipeptidases A e B (exopeptidases, i.e.,
hidrolisam ligações peptídicas na extremidade do polipeptídio
contendo a carboxila livre). A tripsina é ativada inicialmente
pela enteroquinase, uma proteína presente na membrana
luminal dos enterócitos. A tripsina, por sua vez, ativa suas
demais proenzimas, assim como as formas inativas das demais
enzimas proteolíticas. Um resumo das características da ativi-
dade das enzimas proteolíticas é apresentado no quadro 2.1.
O produto final da atividade dessas enzimas são aminoácidos
Bioquímica dos Ruminantes | 120

e oligopeptídeos. A digestibilidade intestinal das proteínas de


origem bacteriana é relativamente constante, em torno de 75
a 85%. A digestibilidade da proteína residual do alimento, de
outra forma, pode ser altamente variável, dependendo do tipo
e processamento do alimento. Por exemplo, a digestibilida-
de da proteína diminui se o alimento for processado a altas
temperaturas.
Assim como os monossacarídeos, os aminoácidos e oligo-
peptídeos são absorvidos no intestino delgado, principalmente
através de sistemas de transporte ativo dependentes de sódio
ou prótons. No entanto, a absorção de alguns aminoácidos
também pode ocorrer utilizando outros sistemas de transporte,
como transporte facilitado e difusão passiva (Figura 2.8). As
taxas de absorção são diferentes entre os aminoácidos, sendo
mais altas para a leucina, lisina e fenilalanina. A glicina tem
a menor taxa de absorção entre os aminoácidos. Os oligopep-
tídeos absorvidos são hidrolisados por oligopeptidases (como
aminopeptidases e dipeptidases) presentes na membrana apical
(luminal) dos enterócitos e, desse modo, entram na circulação
como aminoácidos (Figura 2.9). Evidências experimentais indicam,
no entanto, que quantidades significativas de oligopeptídeos
também podem alcançar a circulação portal.
Os ácidos nucleicos representam a principal forma de nitrogênio
não proteico presente na digesta que chega ao intestino delgado
e são, basicamente, de origem microbiana. Cerca de 75 a 90%
desses ácidos nucleicos são digeridos e absorvidos no intestino
delgado. A digestão ocorre, inicialmente, por ribo e desoxiribo-
nucleases secretadas pelo pâncreas, liberando nucleotídios e
oligonucleotídios. Posteriormente, estes produtos são hidrolisados
por nucleotidases e nucleosidases ligadas à mucosa intestinal,
liberando pentoses e bases nitrogenadas purinas e pirimidinas,
as quais são absorvidas.
Bioquímica dos Ruminantes | 121

Fonte Enzima Atividade


Suco Pepsina Hidroliza as ligações peptídicas
gástrico formadas pelos grupos carboxila da
fenil-alanina, tirosina, triptofano,
aspartato e glutamato.
Suco Tripsina Hidroliza as ligações peptídicas
pancreático formadas pelos grupos carboxila da
arginina e lisina.
Quimiotripsina Hidroliza as ligações peptídicas
formadas pelos grupos carboxila da
fenil-alanina, tirosina e triptofano.

Elastase Hidroliza as ligações peptídicas


formadas pelos grupos carboxila
da glicina, alanina, valina, leucina,
isoleucina e prolina.
Carboxipeptidase A Hidroliza as ligações peptídicas dos
aminoácidos carboxi-terminais, fenil-
alanina, tirosina, triptofano, valina,
leucina e isoleucina.
Carboxipeptidase B Hidroliza as ligações peptídicas dos
aminoácidos carboxi-terminais lisina,
arginina e histidina.
Mucosa Aminopeptidases Hidroliza as ligações peptídicas dos
intestinal aminoácidos amino-terminais
Dipeptidases Hidroliza dipeptídeos

Quadro 2.1 – Características da atividade das principais enzimas digestivas


proteolíticas.

Do nitrogênio que chega ao intestino grosso com a digesta,


foi observado, em alguns estudos, que cerca de 40 a 60% são
representados por aminoácidos, 15% por ureia, 4% por ácidos
nucleicos e até 13% por amônia livre. Dos aminoácidos, uma
fração variável pode estar presente em proteínas do alimento
que não foram degradadas no rúmen nem digeridas no intestino
delgado e o restante tem origem endógena, ou seja, está presente
nas secreções intestinais e em células descamadas. A partici-
pação endógena pode chegar a até 20% do nitrogênio total que
chega ao intestino grosso. Mucinas, por exemplo, são proteínas
secretadas pela mucosa do trato digestivo, ricas em treonina e
Bioquímica dos Ruminantes | 122

valina, e só são parcialmente digeridas e reabsorvidas. Ureia


sanguínea também pode entrar no lúmen do intestino grosso
via transepitelial. Com exceção das proteínas indigestíveis do
alimento, esses compostos nitrogenados podem ser utilizados
como substrato para crescimento das populações microbianas
presentes neste compartimento do trato gastrintestinal. A amônia,
proveniente do intestino delgado ou produzida pelo metabolis-
mo microbiano e que não é utilizada pelos microrganismos, é
novamente reabsorvida. Já a absorção de aminoácidos no in-
testino grosso, se existe, é insignificante. Normalmente, a maior
parte do nitrogênio excretado nas fezes é de origem microbiana
(das populações bacterianas existentes no intestino grosso) e
é referida como de origem endógena. Desse modo, qualquer
fator que aumente a disponibilidade de substratos e a atividade
fermentativa no intestino grosso, como o fornecimento de dietas
ricas em grãos de milho ou sorgo, aumenta a excreção fecal de
nitrogênio de origem endógena.

Figura 2.8 – Mecanismo de absorção de aminoácidos no intestino delgado. A


maior parte dos aminoácidos é absorvida da luz intestinal para o citoplasma
do enterócito, utilizando uma proteína transportadora dependente de Na+
e a favor do gradiente de concentração do sódio. Alguns aminoácidos, no
entanto, podem ser absorvidos por difusão facilitada (independente de Na+),
e aminoácidos hidrofóbicos são absorvidos por difusão passiva (atravessam
a membrana livremente sem necessidade de proteínas transportadoras).
Proporções variáveis dos aminoácidos absorvidos são metabolizadas no
próprio enterócito e o restante entra na circulação portal. Assim como no
caso da glicose, os enterócitos têm alta demanda por aminoácidos, os quais
também podem ser captados da circulação sanguínea.
Bioquímica dos Ruminantes | 123

Figura 2.9 – Mecanismo de absorção de oligopeptídios no intestino delgado.


Os pequenos peptídios (principalmente di ou tripeptídios) seriam absorvidos
da luz intestinal para o citoplasma do enterócito, utilizando uma proteína
transportadora dependente de H+ e a favor do gradiente de pH (pH do
citoplasma é mais alcalino que da luz intestinal). Este gradiente é mantido
pela expulsão do próton novamente para a luz intestinal em troca da entrada
de sódio. O sódio, por sua vez, é expulso da célula em direção à circulação
sanguínea pela atividade de uma Na+/K+ ATPase.

2.3 Digestão e absorção dos lipídios


Um esquema geral da digestão dos lipídios nos ruminantes é
apresentado na figura 2.10. Normalmente, a concentração de
lipídios na dieta desses animais é baixa, cerca de 1 a 5%, e estão
presentes, principalmente, na forma de ésteres de glicerol. Como
visto no capítulo anterior, os ésteres de glicerol são hidrolisados,
e os ácidos graxos insaturados liberados são, em grande parte,
biohidrogenados pelos microrganismos ruminais. Desse modo,
enquanto os ácidos graxos insaturados representam cerca de 80%
dos ácidos graxos totais presentes nos alimentos normalmente
utilizados nas dietas dos ruminantes, passam a representar me-
nos que 25% daqueles que chegam com a digesta no intestino
delgado. Na figura 2.11, são apresentados exemplos do perfil
quantitativo de ácidos graxos ingeridos, comparados com os que
chegam ao duodeno de novilhos recebendo diferentes dietas.
Bioquímica dos Ruminantes | 124

As bactérias ruminais sintetizam os ácidos graxos de suas


membranas a partir de carboidratos. A incorporação e/ou utilização
de ácidos graxos da dieta pelas bactérias é nula ou insignificante.
Desse modo, geralmente a quantidade de lipídios que chega ao
duodeno é maior que a quantidade ingerida pelos animais. Os
lipídios que chegam ao intestino delgado representam a soma
daqueles lipídios do alimento mais os de origem microbiana e
são compostos por cerca de 70% de ácidos graxos livres e 10
a 20% de fosfolipídios. Em menor proporção, pigmentos (como
clorofila) e algumas vitaminas (vitaminas A, D, E e K) também
fazem parte da fração lipídica da digesta duodenal.
Os lipídios estão presentes na digesta duodenal em duas fases:
uma adsorvida às partículas fibrosas da digesta e outra dissolvida
na forma de glóbulos microscópicos (i.e., micelas). A adsorção
é favorecida no abomaso e na porção inicial do duodeno devido
ao baixo pH, condição em que os ácidos graxos encontram-se
predominantemente protonados. À medida que fluem ao longo
do intestino delgado, o aumento do pH e a ação detergente dos
sais biliares e fosfolipídios determinam a passagem dos ácidos
graxos da fase particulada para a micelar, permitindo sua absor-
ção, que ocorre por difusão passiva. As micelas são formadas em
função da propriedade anfipática de moléculas, como os ácidos
graxos livres, os fosfolipídios, o colesterol, os sais biliares, entre
outras. Essas moléculas são caracterizadas por possuírem uma
parte polar que interage com a água, a qual fica exposta na face
externa das micelas, e outra parte que é apolar e fica confinada
no interior do glóbulo (Figura 2.12).
Bioquímica dos Ruminantes | 125

Lipídios ingeridos

RÚMEN SANGUE POR TAL

glicerol
PIG VIT LE galactose AGV AGV

AGI AGS CHO

LEm

INTESTINO
DELGADO
LEm
FL
MG Lipoproteínas
AGp AGm
VIT

INTESTINO
GROSSO
PIG CHO
LEm

FEZES

Lipídios fecais

Figura 2.10 – Esquema geral da digestão dos lipídios nos ruminantes. Os


lipídios ingeridos são representados, principalmente, por lipídios esterificados
(LE, incluindo triglicerídios, galactolipídios e fosfolipídios [FL]), mas podem
conter também vitaminas (VIT) e pigmentos (PIG). Os LE são hidrolisados
pelas bactérias ruminais, liberando, entre outros, glicerol e galactose, os
quais são metabolizados a acidos graxos voláteis (AGV), e os ácidos graxos
de cadeia longa saturados (AGS) e insaturados (AGI). Estes últimos são, em
grande parte, convertidos a AGS. Os lipídios que chegam no intestino delgado
incluem VIT, PIG, ácidos graxos adsorvidos a partículas de digesta (AGp) ou
em micelas (AGm) e os lipídios esterificados microbianos (LEm) sintetizados
a partir de carboidratos (CHO) no rúmen. Com exceção dos PIG, todos estes
lipídios são absorvidos via linfa como lipoproteínas. Os lipídios fecais são
representados principalmente por PIG e LEm produzidos no intestino grosso.
MG = monoglicerídios.
Bioquímica dos Ruminantes | 126

poli-insaturados

Figura 2.11 – Perfil quantitativo do consumo e do fluxo duodenal de ácidos


graxos de cadeia longa em bovinos alimentados com diferentes dietas:
silagem de milho mais concentrado (A), silagem de azevém (B) ou silagem
de milheto mais papuã (C).
Bioquímica dos Ruminantes | 127

Nos monogástricos, a formação das micelas é incrementada


pela presença de monoglicerídeos. Essas moléculas, contudo,
estão praticamente ausentes na digesta intestinal dos ruminantes.
Nestas espécies, em vez dos monoglicerídeos, os compostos
fundamentais para a formação das micelas são os sais biliares
e os fosfolipídios. O principal fosfolipídio presente na digesta
duodenal dos ruminantes é fosfatidilcolina (i.e., um glicerofos-
folipídio denominado também de lecitina), o qual tem origem
microbiana ruminal, mas também está presente no suco biliar
e pancreático. Na luz intestinal, fosfolipases de origem pancre-
ática hidrolisam a ligação éster no carbono dois do resíduo de
glicerol da fosfatidilcolina, liberando um ácido graxo e originando
lisofosfatidilcolina (lisolecitina), o qual tem alto poder detergente
(formação de micelas).
Em algumas situações dietéticas, os triglicerídeos do alimento
são protegidos da degradação ruminal e podem alcançar o intestino
delgado. Neste caso, a digestão é semelhante à dos monogástri-
cos, na qual a lipase pancreática tem a função de hidrolisar os
ésteres de glicerol, liberando ácidos graxos e monoglicerídeos,
os quais são, então, absorvidos. A gordura pode ser protegida
da fermentação ruminal por encapsulação em algum material
inerte, por enriquecimento com ácidos graxos saturados ou por
formação de sais de cálcio de ácidos graxos.

Figura 2.12 – Representação de uma micela. A parte polar das moléculas


anfipáticas (ácidos graxos livres, fosfolipídios, colesterol, sais e ácidos biliares,
entre outras) formam a camada externa (em contato com a água), enquanto
a parte apolar destas moléculas fica confinada no interior dos glóbulos.
Bioquímica dos Ruminantes | 128

Durante o processo de absorção dos lipídios, em torno de 10%


do estearato é insaturado para oleato e a maior parte dos ácidos
graxos é reesterificada nos enterócitos a triglicerídeos, fosfolipí-
dios e ésteres de colesterol. Somente uma pequena proporção
dos ácidos graxos entra livre na circulação portal. Os lipídios
esterificados são absorvidos na forma de lipoproteínas sinteti-
zadas nos enterócitos, as quais são lançadas, inicialmente, na
linfa e, posteriormente, na circulação sanguínea. As lipoproteínas
são glóbulos com estrutura e propriedades similares às micelas
descritas anteriormente. No entanto, são maiores, mais ricas em
triglicerídeos e ésteres de colesterol e, entre as moléculas anfipá-
ticas, incluem também proteínas (Figura 2.13). As lipoproteínas
produzidas no intestino dos ruminantes são classificadas como
lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL), enquanto nos
monogástricos a absorção de lipídios ocorre, principalmente, na
forma de quilomícrons. Descrição mais detalhada das diferentes
lipoproteínas presentes na circulação dos ruminantes será apre-
sentada no próximo capítulo.

Figura 2.13 – Estrutura geral das lipoproteínas. Como nas micelas, a parte
polar das moléculas anfipáticas (fosfolipídios, colesterol e proteínas) forma
a camada externa (em contato com a água), enquanto a parte apolar destas
moléculas, assim como outras moléculas apolares, como as vitaminas A, D,
E e K, os triglicerídeos (TG) e ésteres de colesterol (EC), ficam confinadas
no interior dos glóbulos.
Bioquímica dos Ruminantes | 129

2.4 Metabolismo visceral


2.4.1 Fundamentos e técnicas de estudo

O sistema visceral é representado pelo sistema portal mais


o fígado. O sistema portal, por sua vez, é representado pelo
trato grastrintestinal (rúmen, retículo, omaso, abomaso e in-
testinos), pâncreas, baço e tecido adiposo mesentérico. Depois
de ingerido, o alimento sofre uma série de processamentos
físicos e químicos ao longo do trato gastrintestinal, de modo
que estruturas complexas constituintes do alimento são de-
gradadas a unidades moleculares mais simples e passíveis de
serem absorvidas para a corrente sanguínea. Esse processo
(i.e., digestão e absorção) é a primeira etapa da extração de
substratos ou de energia do alimento, necessários para suprir
a demanda do organismo animal. Em uma segunda etapa, com
exceção dos lipídios, todos os demais nutrientes absorvidos são
transportados através do sistema venoso portal diretamente para
o fígado. O fígado também capta nutrientes do sangue arterial
que são provenientes dos tecidos periféricos e, em contrapartida,
fornece uma variedade de moléculas que são substratos para
os demais tecidos do organismo. A figura 2.14 apresenta uma
visão geral do sistema circulatório animal.
Os tecidos gastrintestinais representam, desse modo, uma
interface entre a dieta e o animal, tendo uma influência direta
no fluxo de nutrientes do lúmen para a corrente sanguínea. O
fígado, por sua vez, constitui-se no órgão central que reúne
os nutrientes absorvidos e os procedentes da circulação geral,
moderando-os e distribuindo-os para os tecidos periféricos. Desse
modo, atua como o principal local de regulação da oferta de
nutrientes que contribuem para a manutenção, o crescimento,
a lactação, a reprodução e as atividades físicas dos animais.
As funções exercidas por esse conjunto de órgãos viscerais
têm, no entanto, um custo energético e proteico significativo,
de forma que quantidades variáveis de substâncias são meta-
bolizadas pelos tecidos que os compõem, envolvendo oxidação
para obtenção de energia, transformação ou síntese de outros
compostos. Como consequência, o padrão de nutrientes que
Bioquímica dos Ruminantes | 130

aparece na circulação portal não reflete, necessariamente, a


quantidade e a forma daqueles disponíveis para absorção no
lúmen gastrintestinal. Da mesma forma, o padrão de nutrientes
disponíveis aos tecidos periféricos é geralmente bem diferente
daquele que chegou ao fígado pelo sistema portal e arterial.
Variações na atividade metabólica desses tecidos podem alterar
a proporção e a quantidade líquida de metabólitos disponíveis
aos tecidos periféricos e, consequentemente, influenciar o
metabolismo geral do organismo.
O metabolismo visceral pode ser avaliado por técnicas in
vitro e/ou in vivo. Nos estudos in vitro, são utilizados seg-
mentos intestinais na forma de ‘sacos invertidos’, vesículas
isoladas de membranas, cultura de tecidos em monocamadas,
incubação de fragmentos de tecidos e/ou órgãos e técnicas de
biologia molecular, entre outros. Essas metodologias permitem
estudar processos bioquímicos específicos, como a atividade
de enzimas, taxas e mecanismos de transporte de nutrientes
através das membranas, taxa do metabolismo de nutrientes
pelos tecidos e sua variação frente a diferentes estímulos
químicos ou hormonais, entre outros aspectos. No entanto,
a heterogeneidade dos tecidos que compõem os órgãos dos
animais, por exemplo, é geralmente maior que a existente no
conjunto de células utilizadas nos estudos in vitro. Além disso,
nas técnicas in vitro, há uma limitada troca metabólica entre
as células presentes no meio de cultura, as concentrações de
substratos utilizados geralmente são suprafisiológicos e, princi-
palmente, não há presença de fluxo sanguíneo que constante-
mente fornece substratos e retira resíduos metabólicos. Dessa
forma, as respostas metabólicas obtidas in vitro podem diferir
marcadamente daquelas que ocorrem in vivo.
Bioquímica dos Ruminantes | 131

Cabeça, pescoço, extremidades anteriores,


cérebro, glândulas, medula óssea etc.

Pulmões
Veia cava
cranial

A. pulmonar
Vv. pulmonares
A. brônquica
Ducto Aorta
torácico
A. coronária

Veia cava Coração


caudal

Fígado

A. hepática

Veia porta Baço


A. esplênica
Tubo gastrintestinal

Artérias gastrintestinais

Rins

A. renal

Musculatura do abdome, lombo e


extremidades posteriores, glândulas, medula óssea etc.

Figura 2.14 – Visão geral do sistema circulatório animal. O sangue arterial


proveniente dos pulmões, rico em oxigênio (à direita), é bombeado pelo coração
aos tecidos e o sangue venoso, pobre em oxigênio (à esquerda), é drenado de
volta ao coração que o bombeia aos pulmões para reoxigenação. Diferentemente
de outros órgãos, o fígado recebe ambos, sangue arterial e sangue venoso
portal, que se misturam e são drenados pela veia hepática e veia cava caudal.

As técnicas in vivo, por sua vez, podem ser divididas em


três grupos, e podem ser utilizadas isolada ou simultaneamente:
Bioquímica dos Ruminantes | 132

a) primeiro grupo: aquelas que envolvem a canulação do


trato digestivo em diferentes locais (i.e., rúmen, abomaso, duo-
deno, íleo etc.) e que permitem estudar o local e a dinâmica do
desaparecimento de componentes do alimento, assim como a
produção e o fluxo de compostos no lúmen do trato digestivo
(proteína microbiana, por exemplo);
b) segundo grupo: aquelas que utilizam infusão de isótopos (no
interior do trato digestivo ou intravenosamente) e que permitem
medir a distribuição de um composto pelo organismo, a produção,
utilização ou excreção de um composto por um órgão, a oxidação
e a interconversão de metabólitos em um tecido;
c) terceiro grupo: aquelas que envolvem a multicateterização
de vasos sanguíneos específicos e que medem o fluxo sanguíneo
e a produção ou utilização líquida de qualquer substância por um
órgão ou conjunto de órgãos. Isto pode ser estimado pela medida da
diferença da concentração veno-arterial da substância multiplicada
pelo fluxo sanguíneo no sistema de interesse (Figura 2.15). Desse
modo, por exemplo, medidas quantitativas de absorção gastrintesti-
nal e de metabolismo hepático podem ser razoavelmente feitas em
nível de sistema venoso portal e hepático, respectivamente. Este
método mede o fluxo líquido de metabólitos pelo sistema, contu-
do, não identifica a origem, nem o metabolismo dos mesmos no
interior do sistema (Figura 2.16), nem corresponde à quantidade
de acetato absorvida do rúmen. Por exemplo, o acetato que chega
no sangue portal pode ter vindo do rúmen, do intestino grosso ou
do sangue arterial.
Órgão ou Sistema

Utilização (-)
[A]> [v]>
Sangue arterial Metabolismo Sangue venoso

[A]< [v]<
Produção (+)

Figura 2.15 – A utilização (i.e., quando a [V] < [A]) ou produção (i.e., quando
a [V] > [A]) de um metabólito por um órgão ou sistema pode ser medida
multiplicando-se o fluxo de sangue local pela diferença de concentração
venosa ([V]) menos a concentração arterial ([V]) do metabólito.
Bioquímica dos Ruminantes | 133

Ramo arterial Ramo venoso

metabólito metabólito

metabólito Metabolismo Célula


intracelular epitelial

Luz do
metabólito TGI

Figura 2.16 – Representação da dinâmica metabólica entre a luz do trato


gastrintestinal, o epitélio e o sangue. A quantidade líquida de um metabólito
que chega ao sangue venoso portal é resultado do balanço entre o que chega
com o sangue arterial, o que é absorvido da luz do trato digestivo e o que é
utilizado ou produzido pelo metabolismo epitelial.

O fluxo de sangue através de um vaso pode ser estimado


pela instalação de sensores de ultrassom, por termodiluição ou
por diluição de corantes, isótopos, eritrócitos marcados, entre
outros. A maior parte dos dados de fluxo de sangue portal e
visceral, reportados na literatura, foi obtida com o uso de pa-
raminohipurato (PAH) como indicador. Esta substância é total-
mente excretada na urina e, em função disso, era originalmente
utilizada para medir função renal. O uso de PAH, para medir
fluxo de sangue, foi inicialmente descrito por Katz e Bergman
em 1969, em um estudo com ovinos. A técnica implica no uso
de animais implantados com catéteres permanentes em vasos
sanguíneos específicos e consiste na infusão contínua de uma
solução de PAH em um pequeno ramo das veias mesentéricas,
associado a coletas simultâneas de amostras de sangue arterial,
portal e/ou hepático. A taxa de infusão e concentração do indi-
cador na solução não deve ultrapassar a capacidade de filtração
glomerular e excreção renal. Uma representação esquemática
e resumida do método é apresentada na figura 2.17. O fluxo
de sangue na veia porta (FSP) ou hepática (FSV) é calculado
Bioquímica dos Ruminantes | 134

com base na diferença de concentração (mg/l) portal [P] ou


hepática [H], menos a concentração arterial [A] em relação ao
grau de infusão (GI) do PAH:

FSP ou FSV (l/h) = GI (mg/h)/([P ou H]-[A]).

O fluxo de sangue arterial no fígado é calculado como a dife-


rença entre o FSV menos o FSP.
O fluxo líquido (mmol/h) de qualquer nutriente pelo sistema
portal (FP) ou pelo sistema visceral total (FV) é calculado como
a diferença entre a concentração portal ou hepática, menos a
concentração arterial do nutriente, multiplicado pelo fluxo de
sangue na veia porta ou hepática, respectivamente:

FP ou FV (mmol/h) = FSP ou FSV (l/h) × ([P ou H]-[A]).

Se a concentração venosa for mais alta que a arterial, o fluxo


será positivo e indicará produção do nutriente, enquanto se a
situação for inversa, o fluxo será negativo e indicará utilização
líquida do nutriente pelo órgão ou sistema. Por exemplo, o
fluxo portal de amônia ou ácidos graxos voláteis é sempre po-
sitivo, enquanto o fluxo portal ou visceral de oxigênio é sempre
negativo. Contudo, da quantidade total de um nutriente que
é metabolizado pelo sistema portal, ou seja, que desaparece
entre a luz do trato digestivo e o sangue portal, este método não
permite medir qual proporção foi captada da luz intestinal ou
do sangue arterial. Isto só é possível mensurar com a infusão
auxiliar de moléculas marcadas isotopicamente. Descrição
detalhada dessa técnica pode ser obtida na literatura e não
será objeto deste livro.
Considerando que o metabolismo visceral total é resultado da
soma do metabolismo portal e hepático, a produção ou utilização
de um metabólito pelo fígado (FH) pode ser calculada como a
diferença entre o FV menos o FP deste metabólito. Adicionalmente,
uma vez que dois ramos venosos centrais originam a veia porta
(um proveniente dos intestinos, ramo central mesentérico, e outro
dos estômagos, ramo gastro-esplênico), colocando-se um cateter
adicional no ramo central da veia mesentérica, é possível separar
Bioquímica dos Ruminantes | 135

do fluxo portal total aquele associado ao metabolismo intestinal


ou ao metabolismo ruminal.
A técnica de multicateterização também tem sido utilizada
para medir o metabolismo de outros órgãos, como da glândula
mamária, dos membros posteriores e do sistema reprodutivo
(feto) de ruminantes.
sangue venoso

1
fígado
2

3
coração
intestino rúmen

sangue arterial

Figura 2.17 – Representação esquemática da técnica utilizada para medir o


fluxo de sangue pelo sistema portal ou visceral. Cateteres permanentes são
implantados nas veias hepática (1), porta (2) e mesentérica (3) e em uma
artéria (4). O sangue arterial pode ser obtido de qualquer artéria, não neces-
sariamente de um ramo mesentérico. O método é baseado no pressuposto de
que a mesma quantidade de sangue arterial que entra no sistema portal ou
visceral sai pela veia porta ou hepática, respectivamente. O PAH é infundido
continuamente através do cateter mesentérico e amostras de sangue arterial,
portal e/ou hepático são coletadas simultaneamente a intervalos regulares de
tempo durante o período de infusão. O fluxo de sangue é calculado com base
no grau de diluição do indicador no sangue portal ou hepático em relação
ao grau de infusão. O fluxo de metabólitos é calculado como a diferença de
concentração venosa menos a arterial, multiplicado pelo fluxo de sangue.

Muitas informações relevantes e vários conceitos inovadores


sobre a digestão e o metabolismo dos ruminantes têm sido
formulados com base em resultados obtidos com essa metodo-
logia. No entanto, ela apresenta algumas limitações, que têm
dificultado a expansão do seu uso, como o alto custo do PAH,
a complexidade do método de preparação, a implantação dos
Bioquímica dos Ruminantes | 136

cateteres e os problemas com a viabilidade dos cateteres ao


longo do experimento. Além disso, pequenos erros associados à
medida da concentração sanguínea de algum nutriente, quando
multiplicado pelo fluxo de sangue, resultam em alta variação
nos resultados de fluxo líquido desse nutriente.

2.4.2 Metabolismo portal

ácidos graxos voláteis e corpos cetônicos

Como visto no capítulo anterior, a maior parte dos carboidratos


e uma menor proporção de outros constituintes do alimento são
fermentados a ácidos graxos voláteis, os quais são absorvidos
no rúmen. Embora em proporções bem menores, ácidos graxos
voláteis também são produzidos e absorvidos no intestino grosso
e ceco dos ruminantes. Dependendo das condições dietéticas,
as proporções molares de cada um dos principais ácidos graxos
voláteis, normalmente produzidas no rúmen, variam de 45 a 75%
de acetato, 15 a 45% de propionato e 11 a 13% de butirato. No
entanto, a quantidade de cada um deles que aparece no sangue
portal é amplamente diferente daquela produzida no interior
do rúmen, uma vez que eles são metabolizados a diferentes
extensões pela mucosa ruminal durante o processo de absorção.
Em alguns estudos, em que quantidades conhecidas dos ácidos
graxos foram infundidas no rúmen de bovinos e ovinos, verificou-
-se que em torno de 25% do butirato, 70 a 95% do propionato
e 70 a 90% do acetato foram recuperados no sistema portal.
Já em outros, em que a produção ruminal dessas moléculas foi
medida ou estimada em animais alimentados normalmente, a
recuperação do butirato, propionato e acetato no sangue por-
tal foi, em média, de 25%, 57% e 59%, respectivamente. É
importante salientar que estes valores representam o balanço
total líquido do que entra no sangue portal em relação ao que
sai do rúmen. Portanto, inclui também os ácidos graxos voláteis
absorvidos no intestino grosso. Outro aspecto a ser considerado
é que ácidos graxos voláteis que chegam com o sangue arterial,
principalmente acetato, também são metabolizados pelos tecidos
drenados pela veia porta. As taxas de fluxo portal líquido dos
Bioquímica dos Ruminantes | 137

ácidos graxos voláteis estão diretamente relacionadas com as


taxas de produção ruminal, as quais variam com a composição
da dieta e com o tempo após a refeição.
Um esquema geral do metabolismo dos ácidos graxos
voláteis pelo epitélio ruminal é apresentado na figura 2.18. A
primeira reação é a ativação dessas moléculas por acil-SCoA
sintetases, presentes nas mitocôndrias das células epiteliais,
com gasto de uma molécula de ATP. Existem dois tipos de
acil-SCoA sintetases: um específico para butirato e outro não
específico, que ativa todos os ácidos graxos voláteis.
Mais de 80% do acetato ativado a acetil-SCoA é oxidado via
Ciclo de Krebs até CO2 e H2O. Uma menor proporção, no entanto,
pode ser convertida para corpos cetônicos. Embora a proporção
de acetato metabolizado em relação ao absorvido seja similar ao
propionato e menor que o butirato, como ele é produzido e ab-
sorvido em maiores quantidades, sua participação no suprimento
celular de energia é significativa.
O propionato, da mesma forma, é inicialmente ativado a
propionil-SCoA, o qual, então, é metabolizado a succinil-SCoA,
via metilmalonil-SCoA (Figuras 2.18 e 2.19).
Após ingressar no Ciclo de Krebs como succinil-SCoA, mais
de 95% do propionato é oxidado até CO2 e H2O. Uma pequena
proporção, no entanto (2 a 5%), pode originar lactato ou alanina,
os quais entram na circulação portal. A síntese de lactato ou alanina
ocorre pela saída de malato da mitocôndria para o citoplasma, o
qual é convertido a piruvato, e este, então, metabolizado a lac-
tato (Figuras 2.18 e 2.20) ou alanina. A proporção de piruvato
que é convertida a lactato ou alanina depende do estado redutor
da célula, ou seja, da concentração de NADH. Quanto maior a
concentração de NADH, maior a proporção convertida em lactato.
Por sua vez, a formação de alanina a partir do piruvato ocorre
por uma reação de transaminação com glutamato, liberando
α-cetoglutarato (Figura 2.21).
Bioquímica dos Ruminantes | 138

propionato acetato butirato


LÚMEN RUMINAL

CITOPLASMA
alanina

lactato piruvato

+
NAD NADH FEP

malato oxaloacetato

MITOCÔNDRIA
HSCoA HSCoA
ATP ATP

ADP + Pi ADP + Pi

propionil–SCoA butiril–SCoA

acetil–SCoA CC
oxaloacetato

malato citrato

CICLO
fumarato DE isocitrato
KREBS

succinato -cetoglutarato

metilmalonil–SCoA succinil–SCoA

Figura 2.18 – Metabolismo dos ácidos graxos voláteis pelas células do epi-
télio ruminal. Em torno de 10 a 40% do acetato e propionato e 70 a 90%
do butirato absorvido do rúmen são metabolizados pelas células epiteliais.
Todos esses ácidos são, inicialmente, ativados na matriz mitocondrial por
acil-SCoA sintetases. O propionato e o acetato são, em grande parte, oxida-
dos no Ciclo de Krebs, enquanto o butirato é, principalmente, convertido a
corpos cetônicos (CC). Pequena proporção do propionato pode ser convertido
a lactato ou alanina. FEP = fosfoenolpiruvato; HSCoA = coenzima A.
Bioquímica dos Ruminantes | 139

O butirato, depois de ativado a butiril-SCoA, é convertido, em


sua maior parte, a corpos cetônicos. Somente em torno de 10
a 15% do butirato é oxidado no Ciclo de Krebs. A síntese dos
corpos cetônicos no epitélio ruminal ocorre via succinil-SCoA
transferase ou via ß-OH-metilglutaril-SCoA (Figura 2.22). Em
torno de 85% dos corpos cetônicos produzidos e que entram
na circulação portal são representados por ß-OH-butirato, e
15%, por acetoacetato. A condição redutora relativamente
alta das células do epitélio ruminal favorece a conversão de
acetoacetato para ß-OH-butirato. A liberação de acetona é
insignificante. A captação e a metabolização de quase todo
o butirato absorvido pelo epitélio ruminal estão associadas
a um conjunto de fatores que tornam o processo importante
para o organismo animal e que justificam a presença de uma
acil-SCoA sintetase específica para este ácido graxo volátil
no epitélio ruminal: a) o metabolismo do butirato aumenta
o gradiente de concentração em relação ao lúmen ruminal,
aumentando também a taxa de absorção; b) ao contrário do
butirato, o ß-OH-butirato que chega pelo sistema portal não
é captado pelos hepatócitos e fica totalmente disponível para
os tecidos periféricos, os quais o usam como fonte de energia,
poupando glicose e ácidos graxos; c) o butirato tem efeitos
citotóxicos in vitro (in vivo, no entanto, o butirato aumenta a
proliferação das células do epitélio ruminal) e, no hepatócito,
inibe a neoglicogênese.
Estima-se que cerca de 50% da demanda total de energia
das vísceras drenadas pela veia porta é suprida pela oxidação
de ácidos graxos voláteis, principalmente acetato. No entanto,
entre os órgãos que compõem o sistema portal, os ácidos
graxos voláteis são, preferencialmente, utilizados como fonte
de energia pelos tecidos ruminais, ceco e cólon, mas não pelo
intestino delgado.
Bioquímica dos Ruminantes | 140


COO

CH2 (propionato)

CH 3
HSCoA
ATP
Propionil-SCoA sintetase
AMP + PPi

SCoA

C=O
(propionil-SCoA)
CH 2

CH 3

HCO3
ATP
Propionil-SCoA carboxilase
ADP + Pi

SCoA

C=O
(metilmalonil-SCoA)
CHCH3

COO

Mutase

SCoA

C=O

CH 2 (succinil-SCoA)

CH2

COO

Figura 2.19 – Formação de succinil-SCoA a partir de propionato no epitélio


ruminal.
Bioquímica dos Ruminantes | 141
– – –
COO COO COO
+ CO2
NAD NADH GTP GDP

CHOH C=O COPO3
malato FEP carboxiquinase
CH 2 desidrogenase
CH 2 CH 2

COO –
COO –
(fosfoenol-
piruvato)
(malato) (oxaloacetato)

ADP
piruvato quinase
ATP

COO– NAD
+
NADH COO–

CHOH C=O
lactato
CH 3 desidrogenase CH 2
(lactato) (piruvato)

Figura 2.20 – Formação de lactato a partir de malato no citoplasma das


células do epitélio ruminal.

– – –
COO COO– alanina
COO COO
aminotransferase
NH3+ C H + C=O C=O + NH3
+
C H

CH2 CH 3 CH 2 CH 3

CH2 (piruvato) CH 2 (alanina)

– –
COO COO
(glutamato) (-cetoglutarato)

Figura 2.21 – Reação de transaminação catalisada pela enzima alanina


aminotransferase a partir de glutamato e piruvato.

A quantidade líquida de ácidos graxos voláteis que entra no


sistema portal é, usualmente, diretamente relacionada ao consumo
de energia digestível ou metabolizável. Energia digestível é aquela
representada pela energia total do alimento menos a energia perdida
nas fezes, e energia metabolizável é a energia digestível menos a
energia perdida na urina e nos gases liberados pela fermentação
ruminal (CH4 e H2). A compilação de dados de alguns estudos
Bioquímica dos Ruminantes | 142

com bovinos indicou que a energia (kcal) associada à quantidade


líquida dos ácidos graxos voláteis absorvidos pelo sistema portal
representou 43% do consumo de energia metabolizável (Figura
2.23). Outras revisões de literatura, contudo, verificaram que
essa proporção pode ser ainda mais alta (em torno de até 50%
do consumo de energia digestível e 65% do consumo de energia
metabolizável). Há uma tendência, no entanto, de que a proporção
de energia absorvida na forma de ácidos graxos voláteis, para mes-
mos níveis de consumo de energia digestível, aumenta à medida
que diminui a proporção de concentrado na dieta.
O
CH 3 CH2 CH2 C SCoA (butiril-SCoA)

FAD+
desidrogenase
FADH2 O
CH 3 CH CH C SCoA (enoil-SCoA)

H2O
hidratase

O O
(β -OH-acil-SCoA) (acetil-SCoA)
CH 3 CHOH CH2 C SCoA CH 3 C SCoA

desidrogenase tiolase acetil-SCoA


+
NAD
O O
NADH
CH 3 C CH2 C SCoA (acetoacetil-SCoA)
acetil-SCoA + H2O

HMG -SCoA sintase


HSCoA succinato

succinil-SCoA transferase
O CH 3 O
succinil-SCoA
O- C CH2 COH CH2 C SCoA

(β -OH-ßmetil-glutaril-SCoA)

HMG -liase
acetil-SCoA
O O

(acetoacetato) CH 3 C CH2 C O

β-OH-butirato desidrogenase NADH


+
NAD

O
CH 3 CHOH CH2 C O–

(β -OH-butirato)

Figura 2.22 – Formação dos corpos cetônicos no epitélio ruminal.


Bioquímica dos Ruminantes | 143

No rúmen, um dos principais efeitos da variação na relação


volumoso:concentrado é uma mudança na proporção molar dos
ácidos graxos de cadeia curta cetogênicos (acetato e butirato) e
glicogênicos (propionato e lactato) produzidos pela fermentação
bacteriana. A produção ruminal desses dois grupos é negativamente
correlacionada, ou seja, à medida que aumenta a proporção de
concentrado, por exemplo, diminui a relação cetogênicos:glicogênicos.
Diferente do que ocorre no rúmen, contudo, a proporção de ceto-
gênicos e glicogênicos, liberada no sistema portal, apresenta alta
correlação, ou seja, é relativamente constante, independentemente
do tipo de dieta consumida pelo animal. Medido como equivalente
energético (i.e., kcal/dia), o fluxo portal líquido dos glicogênicos e
cetogênicos é proporcionalmente similar.
Outro aspecto relevante é que, quando dietas ricas em con-
centrado e com altas proporções de grãos de milho ou sorgo são
ingeridas pelos animais, parte do amido pode escapar do rúmen,
alcançar o intestino grosso, ser fermentado por bactérias e resultar
em absorção de ácidos graxos voláteis neste compartimento do
trato digestivo, os quais podem contribuir significativamente para
o fluxo líquido portal total destes nutrientes.

10
9
y=0,433x - 0,7344
8 r2=0,8645
Fluxo portal de AGV

7
6
(Mcal/dia)

5
4
3
2
1
0
0 5 10 15 20 25
Consumo de EM (Mcal/dia)

Figura 2.23 – Fluxo líquido de glicose (mmol/h/kg de MS) pelo sistema portal
de novilhos alimentados somente com alfafa ou com 90% de concentrado
(REYNOLDS; HUNTINGTON, 1988). Fluxos positivos indicam produção,
e negativos indicam utilização do metabólito. No animal alimentado com
concentrado, existe absorção de glicose no intestino, que é contrabalançada
pelo uso de glicose sanguínea pelos estômagos, de modo que o fluxo portal
é negativo, independentemente da dieta.
Bioquímica dos Ruminantes | 144

glicose

Em função da fermentação ruminal dos carboidratos, a disponibili-


dade e a absorção de glicose no intestino delgado são, geralmente,
insignificantes. Como visto anteriormente, os tecidos que constituem
os estômagos, o ceco e o intestino grosso utilizam, preferencialmente,
os ácidos graxos voláteis como substratos energéticos. Esses tecidos
somente usam glicose quando esses substratos preferenciais não
estiverem disponíveis em quantidades suficientes. No entanto, a
glicose é um dos principais substratos energéticos utilizados pelo
intestino delgado. Normalmente, entre 20 a 30% da glicose total
utilizada pelo organismo é usada pelos tecidos que compõem o
sistema portal, principalmente o intestino delgado. Em função disso,
o fluxo líquido de glicose através do sistema portal dos ruminantes
é, geralmente, negativo ou insignificante. Quando as dietas são
ricas em grãos de milho ou sorgo, foi visto anteriormente que uma
proporção significativa do amido ingerido pode alcançar o intestino
delgado. No entanto, mesmo com altos níveis de consumo desse
tipo de dieta, raramente o fluxo portal líquido de glicose é positi-
vo. A explicação para isso é que, por um lado, a maior parte da
glicose absorvida a partir do amido disponível na luz intestinal é
utilizada pelas células do próprio epitélio intestinal e não alcança
a circulação portal. Por outro lado, o fluxo líquido de glicose pelo
sistema mesentérico, o qual drena os intestinos, pode até ser po-
sitivo. Porém, os tecidos que compõem os estômagos aumentam
a utilização de glicose que chega com o sangue arterial, contra-
balançando a quantidade absorvida nos intestinos (Figura 2.23).
É importante lembrar-se de que o sangue que chega à veia porta
provém dos intestinos (veia mesentérica) e dos estômagos (veia
gastroesplênica) e, desse modo, o metabolismo portal representa
a soma do metabolismo dos estômagos e intestinos.
A glicose proveniente do lúmen do intestino delgado represen-
ta, usualmente, no máximo 30% da glicose total utilizada pelo
ruminante. Dessa forma, a biossíntese (neoglicogênese) passa a
ser uma necessidade absoluta, pois o tecido nervoso, a medula
renal, os eritrócitos, os tecidos embrionários e o epitélio intestinal
utilizam glicose como única ou principal fonte de energia. Além
disso, a glicose é necessária, na glândula mamária, para a síntese
Bioquímica dos Ruminantes | 145

de lactose, e, em todos os tecidos, para a síntese de glicoproteínas


e glicolipídios.

compostos nitrogenados

Os ruminantes são caracterizados pela presença de uma população


microbiana ativa nos estômagos, a qual degrada grande parte da
proteína e outros compostos nitrogenados do alimento e também
utiliza compostos nitrogenados não proteicos, como a ureia, para
síntese de suas próprias proteínas. As principais consequências
desse processo são a síntese de proteína microbiana e a produção
de amônia no interior do rúmen. A digesta, que alcança o intestino
delgado dos ruminantes, contém compostos nitrogenados de na-
tureza proteica, a qual pode ser de origem alimentar, microbiana
ou endógena, bases nitrogenadas (principalmente de origem mi-
crobiana), amônia e outras formas não identificadas de nitrogênio.
A amônia também é produzida no ceco e intestino grosso pelas
populações bacterianas existentes nesses compartimentos.
A amônia, presente no interior do rúmen e dos intestinos, difunde-
-se rapidamente para o sangue portal. Parte da amônia que entra no
sangue portal também é originada em reações de desaminação de
aminoácidos não essenciais (principalmente glutamina) nas células
do epitélio intestinal. O fluxo portal líquido de amônia foi diretamente
relacionado com o consumo de nitrogênio digestível em alguns
estudos com novilhos e novilhas (Figura 2.24), mas, geralmente,
tem baixa correlação com o consumo de nitrogênio total. O fluxo
portal líquido de amônia pode variar em torno de somente 15% a
mais de 90% do nitrogênio total ingerido. Os menores valores são
associados à baixa disponibilidade de nitrogênio degradável e/ou à
alta disponibilidade de carboidratos fermentáveis no rúmen, enquanto
os valores mais altos foram observados em animais alimentados
com dietas contendo altas proporções de proteína degradável e/ou
baixos teores de carboidratos fermentáveis no rúmen.
O trato digestivo dos ruminantes possui em torno de somente
5% da proteína, mas é responsável por até 35% da síntese diária
total de proteína do organismo em animais adultos (Figura 2.25).
A taxa diária de renovação proteica desses tecidos varia em
torno de 40% (rúmen) a mais de 120% (duodeno). Da síntese
Bioquímica dos Ruminantes | 146

proteica do trato digestivo, em torno de 20% são representadas


por proteínas presentes nas secreções epiteliais e glandulares ou
associadas à renovação tecidual. Além disso, glutamato, glutami-
na e leucina também são utilizados como substratos energéticos
pelos tecidos que compõem o sistema portal, principalmente o
intestino delgado. A alta demanda desses tecidos é suprida por
aminoácidos absorvidos da luz intestinal e também por aque-
les que chegam com o sangue arterial. Como consequência, a
quantidade e o perfil dos aminoácidos disponíveis no sangue
portal são, geralmente, bem diferentes daqueles absorvidos.
Assim como no caso da amônia, o fluxo portal líquido de ami-
noácidos totais também é, geralmente, bastante variável. Pode
representar entre 20 a 95% do nitrogênio total consumido, 20
a 70% dos aminoácidos que desaparecem do lúmen intestinal
ou 30 a 90% dos compostos nitrogenados totais que fluem pelo
sistema portal. Diferente da amônia, é pouco relacionado com
o consumo de nitrogênio digestível, mas, por um lado, tende a
diminuir com o aumento da concentração ruminal de butirato e,
por outro lado, tende a aumentar com o aumento da absorção
de propionato. O butirato estimula a queratinização do epitélio
ruminal e, com isso, a demanda por aminoácidos. O propionato,
por sua vez, tem um efeito poupador de aminoácidos como fonte
de energia no epitélio ruminal.
700
Fluxo portal de amônia–N
600 Produção hepática de ureia–N

500
mmol/h

400
y=4,9582x - 167,38
300 r2=0,7824

200
y=2,6225x - 57,964
100 r2=0,8619

0
0 20 40 60 80 100 120 140 160
Consumo de N digestível (g/dia)

Figura 2.24 – Relação entre o consumo de nitrogênio (N) digestível com o fluxo
portal de nitrogênio na forma de amônia (amônia-N) ou com a produção hepá-
tica de ureia (ureia-N) em bovinos. Dados compilados de: Gross et al. (1988);
Huntington; Prior (1983); Reynolds et al. (1991); Taniguchi et al. (1995).
Bioquímica dos Ruminantes | 147

Embora todos os tecidos que compõem o sistema portal utilizem


aminoácidos, somente o intestino delgado absorve aminoácidos.
Em função disso, o fluxo líquido de aminoácidos pelo sistema
mesentérico é sempre superior ao fluxo portal (usualmente 25
a 35% maior). Além disso, a utilização de aminoácidos não
essenciais por esses tecidos é proporcionalmente mais alta que
os essenciais, de modo que o fluxo mesentérico ou portal líquido
dos primeiros geralmente é menor que dos últimos.
% proteína total % síntese total
A
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Músculo Fígado TGI

% proteína total % síntese total


45 B
40

35
30
25

20
15

10

5
0
Músculo Fígado TGI

Figura 2.25 – Participação do tecido muscular, do fígado e do trato gastrin-


testinal no teor e na síntese total de proteínas em ovinos jovens lactentes
(A) ou adultos (B). A participação do músculo na síntese diária de proteína
diminui enquanto a do TGI aumenta grandemente com o avanço da idade
dos animais (adaptado de Attaix et al., 1988 e 2005).
Bioquímica dos Ruminantes | 148

A figura 2.26 apresenta alguns resultados médios, ilustrativos


do fluxo portal líquido de aminoácidos em ovinos. Os amino-
ácidos essenciais são prioritariamente utilizados na síntese de
proteínas, enquanto os não essenciais são usualmente oxidados
para produção de ATP. De particular importância é o metabolismo
da glutamina pelas células do epitélio intestinal. Inicia pela sua
conversão para glutamato por uma glutaminase mitocondrial. A
amônia liberada nessa reação entra livre na circulação portal ou na
forma de citrulina. O glutamato, por sua vez, transfere seu grupo
amino para o piruvato, formando alanina, que entra na circulação
portal, e libera α-cetoglutarato, que é oxidado no Ciclo de Krebs.
A alanina aminotransferase é encontrada tanto na mitocôndria
como no citoplasma das células intestinais. A glutamina também
é incorporada em proteínas ou utilizada para síntese de purinas e
pirimidinas, de modo que o fluxo portal líquido desse aminoácido
é, normalmente, negativo.

100

Gli
mg de N/dia/kg de peso metabólico

Ala
50 Leu
Fen Ser Val
Glmato Isol

50

-100

-150 Glmina

Figura 2.26 – Fluxo portal líquido médio de alguns aminoácidos em ovinos


alimentados (adaptado de Van der Walt, 1993). Gli= glicina; Glmina= glu-
tamina; Glmato= glutamato; Fen= fenilalanina; Ala= alanina; Ser= serina;
Isol= isoleucina; leu= leucina; Val= valina. Destaca-se o fluxo altamente
negativo de glutamina, indicando que o sistema portal utilizou glutamina
proveniente do sangue arterial.
Bioquímica dos Ruminantes | 149

2.4.3 Metabolismo hepático

ácidos graxos voláteis e corpos cetônicos

Um esquema geral do metabolismo dos ácidos graxos voláteis pelo


fígado é apresentado na figura 2.27. Dos ácidos graxos voláteis
que entram no sangue portal, o fígado capta praticamente todo o
propionato e o butirato. Embora uma pequena parte do propionato
possa ser oxidada, normalmente a maior parte é convertida em
glicose pelos hepatócitos. O metabolismo do propionato no hepa-
tócito é semelhante ao que ocorre no epitélio ruminal. No entanto,
o fosfoenolpiruvato, produzido no citoplasma a partir do malato
que saiu da mitocôndria, segue, predominantemente, a rota neo-
glicogênica, e somente uma menor parte é convertida a piruvato.
Além disso, o piruvato, produzido dessa forma, entra na mito-
côndria para ser oxidado no Ciclo de Krebs, em vez de ser reduzido
a lactato, como no epitélio ruminal.
Assim como no epitélio ruminal, o butirato é convertido a ß-
-OH-butirato. No entanto, a rota predominante no hepatócito é via
metilglutaril-SCoA. A quantidade liberada deste corpo cetônico pelo
fígado é, geralmente, mais que o dobro da quantidade de butirato
captado da circulação portal, indicando que ele também é produzido
a partir de outros substratos, como os ácidos graxos de cadeia longa.
O fígado normalmente não capta acetato, que chega pelo
sistema portal. Ao contrário, em animais alimentados com dietas
ricas em concentrado, pode ocorrer até mesmo a produção de
acetato pelos hepatócitos.
Em resumo, o sistema visceral metaboliza praticamente todo
o butirato e propionato e, dos ácidos graxos voláteis produzidos
no trato gastrintestinal, somente o acetato torna-se disponível
aos tecidos periféricos (Figura 2.28).
Como visto anteriormente, os ruminantes no estado alimen-
tado produzem corpos cetônicos (ß-OH-butirato e acetoacetato)
no epitélio ruminal, que são absorvidos pela veia porta. O fíga-
do não utiliza o ß-OH-butirato, mas remove a maior parte do
acetoacetato. No citoplasma dos hepatócitos, o acetoacetato é
convertido a ß-OH-butirato, o qual é lançado na veia hepática e
disponibilizado para os tecidos periféricos.
Bioquímica dos Ruminantes | 150

Veia Porta Veia Hepática Veia Cava Caudal

acetato acetato

propionato -OH-butirato
butirato glicose

glicose
-OH-butirato

fosfoenolpiruvato
acetoacetato

malato

Citoplasma
Mitocôndria

propionil-SCoA buritil-SCoA acetoacetato

acetoacetil-SCoA acetil-SCoA

metilmalonil-SCoA
malato oxaloacetato

fumarato citrato

CICLO
DE
KREBS
succinato isocitrato

succinil-SCoA -cetoglutarato

Figura 2.27 – Esquema geral do metabolismo hepático dos ácidos graxos


voláteis. Os hepatócitos não utilizam o acetato, mas captam praticamente
todo o propionato e butirato que chega com o sangue portal. A maior parte
deles é convertida à glicose e a corpos cetônicos, respectivamente, os quais
são liberados para a circulação periférica a partir da veia hepática. Uma
parte deles, contudo, também é oxidada no Ciclo de Krebs.
Bioquímica dos Ruminantes | 151

Acetato Propionato Butirato


200

150

100

50

-50
27% 63% 27% 63% 27% 63%

Portal Fígado Visceral

Figura 2.28 – Fluxo líquido de ácidos graxos voláteis (mmol/h/kg de MS) pelo
sistema visceral de novilhos alimentados com dietas contendo 27 ou 63%
de concentrado (HUNTINGTON et al., 1996). Os fluxos positivos indicam
produção, e os negativos indicam utilização do metabólito. Praticamente a
totalidade do propionato e butirato que entra no sangue portal é captada
pelo fígado. Somente o acetato é disponibilizado para os tecidos periféricos.

glicose

O fígado dos ruminantes praticamente não oxida glicose, mas é o


principal órgão produtor de glicose. No estado alimentado, mais
de 90% da produção total de glicose do organismo é originada
da neoglicogênese hepática. Menos de 10% da síntese de glicose
ocorre nos rins. Existe alta correlação entre consumo de energia
digestível, captação de propionato e síntese de glicose pelo fígado
dos ruminantes. No estado alimentado, a quantidade de propionato
removida do sangue portal poderia resultar em até 75% da glicose
total sintetizada pelo fígado dos bovinos e ovinos. Outros impor-
tantes precursores neoglicogênicos são os aminoácidos, o lactato,
o isobutirato e o glicerol. Este último, no entanto, é um precursor
quantitativamente importante somente em condições de jejum.
Embora exista uma forte relação com o consumo de energia
digestível, a produção hepática e a liberação visceral líquida de
glicose também são influenciadas pela composição da dieta. À me-
dida que aumenta a proporção de concentrado e a disponibilidade
de amido no intestino delgado, para iguais consumos de energia
Bioquímica dos Ruminantes | 152

metabolizável, por um lado, o fluxo portal líquido de glicose tende


a ser menos negativo e, por outro lado, a produção hepática de
glicose tende a aumentar (Figura 2.29). Como balanço final, maior
quantidade de glicose é disponibilizada para os tecidos periféricos.
27% 63%
35
30
25
20
15
10
5
0
-5
-10
Intestino Portal Fígado Visceral

Figura 2.29 – Fluxo líquido de glicose (mmol/h/kg de MS) pelo sistema


visceral de novilhos alimentados com dieta contendo 27 ou 63% de con-
centrado (HUNTINGTON et al., 1996). Fluxos positivos indicam produção,
e negativos indicam utilização do metabólito. A glicose que sai do sistema
visceral para os tecidos periféricos é proveniente principalmente do fígado
(neoglicogênese). Dietas com mais concentrado aumentam a disponibilidade
periférica de glicose.

aminoácidos

O fígado tem alta demanda por aminoácidos, os quais são, em


parte, oxidados para produção de ATP ou utilizados para síntese de
glicose, de proteínas (celulares e sanguíneas) e neurotransmissores,
ou são usados na formação de conjugados com xenobióticos, ou,
ainda, como intermediários do ciclo da ureia. Nos ruminantes,
apesar do conteúdo proteico do fígado equivaler a somente 1
a 2% da proteína total, a quantidade de proteína sintetizada
diariamente equivale a 12 a 15% da síntese proteica total do
organismo. A taxa diária de renovação proteica desse órgão dimi-
nui linearmente de 100% em animais recém-nascidos para em
torno de 30% em animais adultos. Uma proporção variável da
síntese proteica hepática (15 a 40%), contudo, é representada
por proteínas de exportação (sanguíneas).
Bioquímica dos Ruminantes | 153

O grau de captação hepática dos aminoácidos que chegam com


o sangue portal é variável entre os diferentes grupos de aminoácidos.
Resultados médios ilustrativos do grau de extração hepática de
diferentes aminoácidos absorvidos ou infundidos na veia mesentérica
de bovinos e ovinos são apresentados na figura 2.30. Em geral, o
fígado capta quase a totalidade dos aminoácidos neoglicogênicos
ou associados ao ciclo da ureia, mas uma proporção bem menor
dos aminoácidos essenciais de cadeia ramificada (leucina, iso-
leucina e valina). A captação dos aminoácidos neoglicogênicos é
inversamente relacionada à disponibilidade de outros precursores
neoglicogênicos (como propionato e lactato), enquanto a captação
de arginina pelo fígado é diretamente relacionada à absorção de
amônia e consequente síntese de ureia. De outra forma, em vez
de captar, o fígado pode produzir glutamina a partir de glutamato.
Esse processo também tem relação com a captação da amônia e
síntese de ureia e será descrito a seguir com mais detalhes.

metabolismo da amônia e síntese de ureia

Praticamente toda a amônia que alcança o sangue portal é cap-


tada e metabolizada pelo fígado. Uma pequena parte é utilizada
em reações de transaminação, mas a maior parte é convertida à
ureia. A captação hepática de amônia previne a possibilidade de
intoxicação por este metabólito. Concentrações arteriais acima
de 0,5 mmol/l (0,8 mg/dl) já podem ser tóxicas, e concentrações
acima de 2 mmol/l (3,4 mg/dl) podem induzir ao coma e à morte.
A base molecular dessa toxicidade não está totalmente elucidada,
mas está associada ao tecido cerebral e envolve mudanças no pH
intracelular, depleção de intermediários do Ciclo de Krebs e da
produção de ATP, assim como depleção na produção de neuro-
transmissores. Como visto no capítulo anterior, o pK de amônia é
em torno de 9,5 e, nas condições de pH sanguíneo e intracelular
(em torno de 7,4), parcela significativa dessa molécula está
dissociada. A forma dissociada da amônia atua como uma base
forte, de modo que o aumento de sua concentração pode alcali-
nizar o fluido intracelular e resultar em efeitos complexos sobre o
metabolismo da célula. O aumento da concentração de amônia
nos neurônios também estimula a atividade da glutamato desidro-
Bioquímica dos Ruminantes | 154

genase, que converte a-cetoglutarato em glutamato (dependente


de NADH), e da glutamina sintetase, que converte glutamato em
glutamina (com gasto de ATP). A concentração dessas enzimas
nos neurônios é alta e representa a principal forma de captar o
excesso de amônia neste tecido. Como conse­quência do aumento
destas reações, diminui a disponibilidade de NADH e ATP, os
quais são altamente necessários para o funcionamento normal do
cérebro. Adicionalmente, uma vez que o glutamato é precursor do
g-aminobutirato (GABA), a redução da concentração de glutamato,
devido à sua conversão à glutamina, pode reduzir sensivelmente
a disponibilidade desse neurotransmissor.
1.00

0.90

0.80

0.70

0.60

0.50

0.40

0.30

0.20

0.10

0.00
Gli His Met Fen Ala Tir Arg Ser Pro Tre Lis Isol Leu Val

Figura 2.30 – Extração hepática de aminoácidos individuais. Valores no eixo


Y representam a proporção média de cada aminoácido absorvido do trato
digestivo e/ou infundido na veia mesentérica de bovinos e ovinos que foi
captado pelo fígado (adaptado de Seal; Parker, 2000). Gli= glicina; His=
histidina; Met= metionina; Fen= fenilalanina; Ala= alanina; Tir= tirosina;
Arg= arginina; Ser= serina; Pro= prolina; Tre= treonina; Lis= lisina; Isol=
isoleucina; leu=leucina e Val= valina.

Um esquema das reações envolvidas na conversão da amônia


em ureia (ciclo da ureia) é apresentado na figura 2.31. Pode-se
observar que um dos grupos amino da ureia entra via carbamoil
fosfato (amônia livre) e o outro vem do aspartato, ou seja, a síntese
de ureia depende da disponibilidade de quantidades molares equi-
valentes de amônia livre e de aspartato no hepatócito. A amônia
livre, que ingressa no ciclo da ureia, pode ser aquela absorvida
dessa forma do trato digestivo ou originada a partir da desaminação
Bioquímica dos Ruminantes | 155

mitocondrial da glutamina ou do glutamato pela ação da gluta-


minase ou do glutamato desidrogenase, respectivamente (Figura
2.32). O aspartato também pode ser proveniente do trato digestivo
ou gerado a partir de glutamato em uma reação de transaminação
com a-cetoglutarato. O glutamato, por sua vez, pode ser aquele
absorvido do trato digestivo ou gerado a partir de outros aminoácidos
em reações de transaminação com a-cetoglutarato no citoplasma.

MITOCÔNDRIA
O
2- 1. C 2-
2ATP + HCO3+ NH3 H2N OPO3 + 2ADP + Pi
+
Carbamobil-fosfato NH2
2. O C
NH
Ornitina
Citrulina +
NH3
-O H

O
O
+ -O
NH3 H
+
NH3 Citrulina
O
=

O-
+ C
NH H2N NH3 O Aspartato ATP
-O H Ureia O
-O 3.
O
O -O
Ornitina +
+
NH3 H NH3
AMP+PPi
H2N C N C
5. O- H NH
NH O O-
Fumarato O
H2O
+
+
NH3 NH3
H 4. -O H
-O
CITOSOL
O O
Arginina Arginosuccinato

Figura 2.31 – Reações do ciclo da ureia nos hepatócitos. As enzimas que


catalisam as reações do ciclo são: 1= carbamoil fosfato sintetase I; 2=
ornitina transcarbamoilase; 3= argininosuccinato sintetase; 4= arginino-
succinato liase e 5= arginase. Um dos grupos amino da ureia entra via
carbamoil fosfato (amônia livre) e outro vem do aspartato. Considerando
que a conversão de AMP a ADP implica no gasto de uma molécula de ATP,
quatro ATPs são gastos no ciclo. Além da ureia, o ciclo também resulta na
liberação de uma molécula de fumarato.
Bioquímica dos Ruminantes | 156

Aminoácidos -Cetoglutarato

1 Glutamina
-Cetoácidos Glutamato

CITOPLASMA

MITOCÔNDRIA

4
Oxaloacetato Glutamato Glutamina
2
3 NH4
+

Carbamoil
Aspartato -Cetoglutarato fosfato

Figura 2.32 – Reações envolvidas na produção de amônia e seu ingresso


no ciclo da ureia a partir da desaminação de aminoácidos no hepatócito.
Aminoácidos provenientes do trato gastrintestinal ou dos tecidos periféricos
transferem seu grupo amino para o a-cetoglutarato por ação de transami-
nases (1), produzindo glutamato. Este entra na mitocôndria e, pela ação
da glutamato desidrogenase (2), libera amônia e a-cetoglutarato. Aspartato
é produzido em uma reação de transaminação catalisada pela aspartato
aminotransferase (3) entre glutamato e oxaloacetato. Glutamina também
pode carrear amônia para o fígado. Na mitocôndria, a glutamina origina
glutamato e amônia livre pela ação da glutaminase (4).

Em princípio, se todo o aspartato que ingressasse no ciclo da


ureia fosse gerado a partir de aminoácidos, a proporção molar
entre a quantidade de N-amônia removida do sistema portal e
a quantidade de N-ureia sintetizada pelo fígado deveria ser 0,5.
Isso implicaria também que a demanda hepática por aminoá-
cidos fosse diretamente proporcional à quantidade de amônia
absorvida. No entanto, o aumento da carga hepática de amônia
nem sempre resulta em aumento proporcional da captação de
aminoácidos, e estudos com isótopos têm identificado que os
dois grupos amino da ureia podem ser originados de amônia livre
absorvida. Isso ocorre porque a reação catalisada pela glutamato
desidrogenase mitocondrial é reversível e a Keq da reação favorece
Bioquímica dos Ruminantes | 157

a síntese de glutamato a partir de amônia e a-cetoglutarato. Esse


mecanismo é fundamental, principalmente em situações em que
o fluxo portal líquido de amônia exceda a capacidade hepática
de produzir glutamato a partir de outros aminoácidos. Em uma
situação contrária, se a disponibilidade e o catabolismo hepático
de aminoácidos forem relativamente bem mais altos que a ab-
sorção de amônia livre, a atividade da glutaminase mitocondrial
será estimulada para produzir mais amônia necessária à síntese
de carbamoil-fosfato.
Os dados obtidos de estudos com novilhos e novilhas, apre-
sentados na figura 2.24, indicam que, assim como o fluxo portal
de amônia, a produção hepática de ureia também foi diretamente
relacionada com o consumo de nitrogênio digestível. Contudo,
outras compilações de dados obtidos de estudos com ovinos,
novilhos e vacas de leite e publicados na literatura indicaram
baixa correlação entre essas variáveis. Nestes casos, a produção
hepática de ureia variou em torno de somente 50% a mais de
200% do consumo de nitrogênio digestível. De fato, a ureagênese
hepática é influenciada não somente pelo consumo de nitrogênio
digestível, mas também pelo tipo de nitrogênio presente na dieta
(i.e., proteico vs. não proteico e/ou degradável vs. não degradável
no rúmen), pelo nível de consumo de energia metabolizável e pela
condição fisiológica ou potencial produtivo do animal. Como já
visto, a quantidade de nitrogênio convertido à ureia é, usualmente,
mais alta que a quantidade de amônia captada pelo fígado, sendo
o nitrogênio adicional originado da desaminação de aminoácidos
provenientes tanto do trato digestivo como dos tecidos periféricos.
Desse modo, os fatores dietéticos que resultam em aumento da
absorção da amônia e/ou aminoácidos, ou que resultem em baixo
consumo de energia metabolizável, assim como todos os fatores
relacionados ao animal que determinam alta demanda por energia
e/ou baixa demanda por aminoácidos para síntese proteica têm,
como consequência, o aumento da produção de ureia pelo fígado.
Da ureia produzida pelo fígado, uma parte é excretada na urina
e, como visto, outra parte é reciclada para o trato digestivo via
saliva e via transepitelial. A figura 2.33 ilustra a dinâmica visceral
de amônia, ureia e aminoácidos em novilhos alimentados com
dietas contendo diferentes proporções de concentrado.
Bioquímica dos Ruminantes | 158

Outro aspecto relevante que tem relação, principalmente, com


o metabolismo do nitrogênio no fígado é que o metabolismo não
é homogêneo em todos os hepatócitos que constituem um ácino.
As características e a atividade metabólica dos hepatócitos peri-
portais, ou seja, daqueles localizados mais próximos dos ramos
venosos portais e dos capilares, são diferentes dos perivenosos,
ou seja, daqueles presentes no lado oposto, próximos aos ramos
venosos hepáticos. As principais diferenças são apresentadas no
quadro 2.2. Observa-se que os hepatócitos periportais têm alta
capacidade de captação de amônia, mas as enzimas envolvidas
nesse processo, particularmente a carbamoil-sintetase (ligada ao
ciclo da ureia), têm baixa afinidade por esta molécula (Km em torno
de 1 a 2 mM). Em situação oposta, os hepatócitos perivenosos
não sintetizam ureia; no entanto, são capazes de captar amônia
através da síntese de glutamina a partir de glutamato pela ação
da glutamina sintetase, a qual tem baixa capacidade, mas alta
afinidade por amônia (Km em torno de 0,1 a 0,3 mM). A efe-
tividade desses dois sistemas de captação garante que mais de
98% da amônia absorvida seja neutralizada como ureia no fígado.
N-amônia N-ureia N-aa
150

100

50

-50

-100

-150
27%C 63%C 27%C 63%C 27%C 63%C

Portal Hepático Visceral

Figura 2.33 – Fluxo portal e visceral (mmol/h) de compostos nitrogenados


em novilhos alimentados com dieta contendo 27 ou 63% de concentrado
(HUNTINGTON et al., 1996), mas com mesmo consumo de N total e de
energia digestível. Os fluxos positivos indicam produção, e os negativos in-
dicam utilização do metabólito. Praticamente toda a amônia e metade dos
aminoácidos que ingressam no sangue portal são metabolizados pelo fígado.
Somente uma pequena proporção dos aminoácidos fica disponível aos tecidos
periféricos. De outra forma, a maior parte da ureia produzida no fígado é captada
pelo sistema portal (i.e., entra na luz ruminal e intestinal via transepitelial).
Bioquímica dos Ruminantes | 159

A síntese de ureia tem um custo energético. A princípio,


três ATPs são gastos e são formados dois ADPs e um AMP.
No entanto, a conversão de AMP para ADP implica no gasto
de uma molécula de ATP, de modo que, no total, quatro ATPs
são gastos no ciclo. O gasto líquido de ATP, contudo, pode ser
menor. Além de ureia, o ciclo também resulta na liberação de
uma molécula de fumarato, que, ao ingressar no Ciclo de Krebs
(Figura 2.34), resulta na formação de um NADH. A oxidação do
NADH, na cadeia respiratória mitocondrial, resulta na síntese
de três ATPs.
Atividade Periportal Perivenoso

Disponibilidade de oxigênio alta baixa


Capacidade de captação de amônia alta baixa
Afinidade pela amônia (Km) baixa alta
Síntese de ureia presente ausente
Atividade da glutaminase presente ausente
Atividade da glutamina sintetase ausente presente
Disponibilidade de substratos alta baixa
Neoglicogênese alta baixa
Número de mitocôndrias alto baixo
Metabolismo oxidativo alto baixo
Atividade de transaminases alta baixa

Quadro 2.2 – Padrões metabólicos e atividades enzimáticas predominantes


nos hepatócitos periportais e perivenosos.

2.4.4 Metabolismo visceral das purinas

Dos compostos nitrogenados, é importante destacar também


o metabolismo visceral das purinas (adenina e guanina), uma
vez que os produtos derivados do seu metabolismo e excretados
na urina têm sido utilizados para estimar a síntese de proteína
microbiana no rúmen.
Como já visto, ácidos nucleicos presentes nas bactérias e que
saem do rúmen com a digesta são digeridos e absorvidos no in-
testino delgado como nuleosídios e bases nitrogenadas livres. As
Bioquímica dos Ruminantes | 160

bases nitrogenadas absorvidas podem ser, então, metabolizadas


pelas células da mucosa intestinal.
Um esquema do metabolismo das purinas é apresentado
na figura 2.35. Nesse aspecto, existe uma diferença entre os
bovinos e os ovinos. Na mucosa intestinal dos bovinos (inclusive
no sangue e na maior parte dos outros tecidos), existe uma alta
atividade da xantina oxidase, a qual converte praticamente to-
das as purinas absorvidas (e aquelas derivadas do catabolismo
intracelular) em ácido úrico. Desse modo, as purinas absorvidas
chegam ao fígado como ácido úrico e não estão disponíveis ao
animal para incorporação nos nucleotídios de seus tecidos. A
maior parte do ácido úrico é convertida à alantoína no fígado
e nos rins dos bovinos.
Fumarato Arginina Ureia

Malato

Arginino Ciclo da
succinato ureia Omitina

Aspartato Citrulina Citoplasma

Aspartato Citrulina Ornitina


– Cetoglutarato
Glutamato Carbamoil
fosfato
NADH
+
NAD
Malato Ciclo de
Krebs
Matriz
Fumarato mitocondrial

Figura 2.34 – Visão geral do ciclo da ureia e sua relação com o Ciclo de
Krebs. Esses processos resultam na formação de ureia e de um NADH no
Ciclo de Krebs.

Nos ovinos, a atividade da xantina oxidase é praticamente


nula e, consequentemente, as purinas absorvidas podem ser
utilizadas pelos tecidos. No entanto, as purinas que não são
incorporadas nos nucleotídios teciduais são completamente
convertidas para os produtos finais hipoxantina, xantina, ácido
úrico e alantoína, os quais são, então, excretados na urina.
Bioquímica dos Ruminantes | 161

Devido à diferença vista anteriormente, os produtos derivados


do metabolismo das purinas e excretados na urina também
são diferentes entre os bovinos e ovinos. A urina dos bovinos
contém somente ácido úrico (15 a 20%) e alantoína (80 a
85%), enquanto na urina dos ovinos estão presentes, além
de alantoína (60 a 80%) e ácido úrico (10 a 30%), também
xantina e hipoxantina (5 a 10%).
AMP
H2O
5'-nucleotidase
Pi

GMP Adenosina
H2O H2O
5'-nucleotidase deaminase
Pi Nh3

Guanosina Inosina Adenina


H2O + O2
H2O H2O
deaminase
nucleosidase nucleosidase
Nh3
Ribose Ribose

Guanina Hipoxantina
H2O H2O + O2
deaminase xantina oxidase
NH3 H2O2

Xantina
H2O + O2
5'-nucleotidase
H2O2

Ácido úrico
H2O + 1/2O2
urato oxidase (uricase)
CO2

Alantoína
Figura 2.35 – Esquema da degradação das bases purinas e formação dos
derivados de purinas. AMP = adenosina monofosfato; GMP = guanosina
monofosfato.
Bioquímica dos Ruminantes | 162

2.4.5 Metabolismo energético visceral


(utilização de oxigênio)

O trato gastrintestinal e o fígado possuem uma alta atividade


metabólica. O trato gastrintestinal representa somente cerca de
5 a 10% da massa total, mas utiliza em torno de até 20% do
oxigênio total utilizado pelo organismo; o fígado representa em
torno de 1 a 3% da massa e utiliza até 40% do oxigênio total
utilizado pelo organismo. Os principais componentes do gasto
de energia no trato gastrintestinal são a Na+,K+-ATPase (30 a
60%) e a síntese proteica (em torno de 25%), e, no fígado, os
ciclos de substratos que envolvem fosforilação e desfosforilação,
Na,K-ATPase, síntese proteica, síntese de ureia e neoglicogênese.
Em relação à síntese de ureia, como visto anteriormente,
o gasto de quatro moléculas de ATP para cada molécula de
ureia sintetizada parece ser contrabalanceado, em parte, pela
formação de uma molécula de fumarato. No Ciclo de Krebs, o
fumarato libera um NADH, o qual pode resultar na síntese de
três moléculas de ATP. Dessa forma, o gasto líquido de energia,
para sintetizar ureia, pode ser menor que o tradicionalmente
proposto. O gasto de oxigênio hepático em estudos em que
amônia é infundida na veia mesentérica tem sido variável e, nem
sempre, apresenta correlação com a carga de amônia infundida.
Em muitos casos, inclusive, observou-se que a administração
mesentérica de amônia aumentou em duas a oito vezes o gasto
hepático de oxigênio acima do gasto teórico equivalente a quatro
ATPs (i.e., 0,66 mol de O2).
Está relativamente bem estabelecido que o aumento no
consumo de proteína bruta aumenta a utilização de oxigênio
pelo sistema portal e pelo fígado. Da mesma forma, a análise
de dados de alguns estudos com bovinos indicou que existe
uma alta correlação entre o gasto de oxigênio e a produção
de ureia pelo fígado (Figura 2.36). No entanto, as razões para
esse acréscimo no gasto de energia, particularmente pelo fígado,
parecem ser mais complexas que o gasto de energia para síntese
da ureia, podendo estar relacionada à incrementada utilização de
aminoácidos pelo fígado, efeitos na neoglicogênese e nas trocas
Bioquímica dos Ruminantes | 163

de carbono via Ciclo de Krebs. É possível que, à medida que


mais aminoácidos tenham de ser desaminados, para sustentar
a incrementada síntese de ureia, fornecendo os intermediários
deste ciclo, mais substratos neoglicogênicos estarão disponí-
veis no hepatócito. A neoglicogênese tem um custo energético
significativo e variável, dependendo do substrato disponível.
Na figura 2.37, é apresentado um esquema geral da entrada
dos diferentes substratos na rota neoglicogênica. A síntese de
glicose, a partir de propionato, implica um balanço negativo
de quatro moléculas de ATP por molécula de glicose produzida.
Na síntese de glicose a partir do lactato, o balanço é de seis
moléculas de ATP negativo, e, a partir de glicerol, o balanço é
positivo em quatro moléculas de ATP. Quando aminoácidos são
os precursores, o balanço de ATP na rota neoglicogênica torna-se
amplamente variável, dependendo do intermediário do Ciclo de
Krebs gerado pelo aminoácido. Na tabela 2.1, são apresentados
os intermediários do Ciclo de Krebs produzidos na degradação
dos aminoácidos neoglicogênicos, e, no quadro 2.3, as reações
da rota neoglicogênica que produzem ou gastam ATP e os res-
pectivos balanços finais. Como pode ser visto nessa tabela, o
balanço poderia ser até positivo se α-cetoglutarato e succinil-
-SCoA fossem os precursores da glicose. No entanto, em vez de
ingressar na rota neoglicogênica, o α-cetoglutarato é utilizado,
prioritariamente, nas reações de transaminação com os demais
aminoácidos, formando o glutamato, que ingressará no ciclo
da ureia. No caso do succinil-SCoA, os principais precursores
são aqueles aminoácidos captados em menor quantidade pelo
fígado. É provável, então, que além de propionato, os principais
precursores de glicose no fígado dos ruminantes, no estado
alimentado, sejam os aminoácidos alanina e glicina. A partir
destes aminoácidos, a neoglicogênese tem um custo energéti-
co significativo. Esta hipótese, contudo, dependeria de que o
efeito inibitório da insulina sobre a enzima piruvato carboxilase
fosse insignificante nestes animais, o que necessita ainda ser
estabelecido. De outra forma, o aumento do gasto de ATP pelo
fígado em função do aumento do consumo de proteína pode
estar associado também a um possível aumento do ciclo fútil
oxaloacetato-fosfoenolpiruvato-piruvato-oxaloacetado.
Bioquímica dos Ruminantes | 164

O consumo de alimento parece ser um dos fatores mais im-


portantes que afetam o gasto de energia pelo sistema visceral.
Como proporção do oxigênio total utilizado pelo organismo, o
trato gastrintestinal diminui e o fígado aumenta a utilização de
oxigênio em animais em jejum, comparado com animais alimen-
tados. No jejum, os tecidos, em geral, diminuem relativamente
mais suas atividades metabólicas do que o fígado, que continua
a sintetizar glicose e passa a catabolizar mais ácidos graxos cir-
culantes. A utilização de oxigênio pelo sistema visceral aumenta
linearmente, tanto em valores absolutos como em proporção
do total utilizado pelo organismo, com o aumento no consumo
de alimento. Além disso, o gasto aeróbico de energia pelo sis-
tema portal, em relação ao consumo de energia metabolizável,
aumenta com o aumento na proporção de volumoso na dieta
e com a diminuição da qualidade do volumoso. Nestes casos,
o aumento no gasto de energia pelo sistema portal tem sido
associado ao aumento na massa desses órgãos com relação à
massa total do organismo e também ao aumento da atividade
muscular desses tecidos (peristaltismo).
1400
Utilização hepática de oxigênio

1200
y=2,081x + 265,08
1000 r2=0,7012
(mmol/h)

800

600

400

200

0
100 150 200 250 300 350 400 450
Produção hepática de ureia-N (mmol/h)

Figura 2.36 – Relação entre produção hepática de ureia e gasto de oxigênio


hepático em bovinos. Dados compilados de: Guerino et al. (1991), Reynolds
et al. (1992), Bauer et al. (1995) e Taniguchi et al. (1995).
Bioquímica dos Ruminantes | 165

Em dietas ricas em grãos de cereais, o gasto de energia pelo


sistema visceral é afetado pelo local de digestão do amido, ou
seja, é maior quando o amido é digerido no intestino delgado do
que quando digerido no rúmen. A absorção ruminal de ácidos
graxos voláteis não envolve gasto de ATP, ao contrário da absorção
intestinal de glicose.
glicose
Pi G6P
F6P Pi
F16DP

dihidroxi
acetona-fosfatoP gliceraldeído-3-P
Pi
NADH
1,3-difosfoglicerato
glicerol ATP

3-fosfoglicerato

2-fosfoglicerato
GTP CO2
H2O
lactato
PEP
oxaloacetato
piruvato aa
ATP
NADH malato
CITOPLASMA
NADH CO2 aa MITOCÔNDRIA
ATP

malato oxaloacetato acetil-SCoA


H2O

aa fumarato citrato
CICLO
FADH2 DE
KREBS
succinato isocitrato
NADH
GTP CO2

succinil-SCoA -cetoglutarato

propionato

aa CO2 NADH aa

Figura 2.37 – Esquema geral da neoglicogênese hepática e os locais de entrada


dos precursores (setas pontilhadas). O citrato e o isocitrato não participam
da rota neoglicogênica. aa= aminoácidos; PEP= fosfoenolpiruvato; F16DP=
frutose-1,6-difosfato; F6P = frutose-6-fosfato; G6P= glicose-6-fosfato.
Bioquímica dos Ruminantes | 166

Quadro 2.3 – Agrupamento dos aminoácidos neoglicogênicos de acordo com


o local de entrada no Ciclo de Krebs.

Tabela 2.1 – Reações neoglicogênicas e balanço de ATP de acordo com o


precursor neoglicogênico¹
Reação PIR αCG SCoA FUM OXAC
Piruvato → Oxaloacetato -2 – – – –
Oxaloacetato → Malato 2
-6 – – – -6
α-Cetaglutarato → Succinil-SCoA2 – +6 – – –
Succinil-SCoA → Succinato 3
– +3 +2 – –
Succinato → Fumarato2 – +4 +4 – –
Malato → Oxaloacetato2 +6 +6 +6 +6 +6
Oxaloacetato → Fosfoenolpiruvato3 -2 -2 -2 -2 -2
3-Fosfoglicerato → 1,3-Difosfoglicerato -2 -2 -2 -2 -2
1,3-Difosfoglicerato → Gliceraldeído-3-P2 -6 -6 -6 -6 -6
Balanço total de ATP -12 +8 +2 -4 -10
1
PIR= piruvato; αCG= α-cetoglutarato; SCoA= succinil-SCoA; FUM=
fumarato; OXAC= oxaloacetato.
² Nestas reações, o número de moléculas de ATP foi estimado pela liberação
ou utilização de NADH (3 ATP) ou FADH2 (2 ATP).
³ Nestas reações, o doador ou receptor do grupo fosfato é GTP, contabilizado
como ATP.

2.4.6 Composição do fluxo portal e


visceral de energia

A quantidade de energia associada ao fluxo portal de metabó-


litos tem representado uma proporção variável do consumo de
energia metabolizável (em torno de 60 a 90%) de bovinos e
Bioquímica dos Ruminantes | 167

ovinos. Da mesma forma, a participação dos diferentes nutrien-


tes no fluxo portal de energia também tem sido amplamente
variável. Por exemplo, a energia presente nos ácidos graxos
voláteis que fluem pelo sistema portal tem representado entre
35 a 55%; o lactato, 3 a 10%; os corpos cetônicos, 2 a 10%;
os aminoácidos, 5 a 20%; e o oxigênio utilizado, 10 a 25% do
consumo de energia metabolizável. Seria esperado que a ener-
gia presente no fluxo portal líquido de metabólitos (incluindo a
energia associada ao gasto de oxigênio) fosse 100% ou mais da
energia metabolizável consumida. A diferença entre os valores
obtidos e o esperado tem sido associada aos metabólitos nor-
malmente não determinados nas amostras de sangue – como
as bases nitrogenadas, os peptídeos, os fenóis, entre outros – e
aos metabólitos absorvidos através da linfa, como os lipídios.
Além disso, a variação desses resultados pode ser também por
causa de, pelo menos em parte, uma possível inexatidão da
estimativa do conteúdo de energia metabolizável do alimento,
da imprecisão inerente à medida de fluxo portal dos nutrientes
descrita anteriormente, assim como das variações pós-prandiais
no fluxo portal de metabólitos.
A quantidade de energia associada ao fluxo visceral total de
metabólitos (trato gastrintestinal + fígado), por sua vez, tem
apresentado relação direta e linear com o consumo de energia
metabolizável. A liberação visceral total de energia tem represen-
tado em torno de 120%, mas a energia presente em compostos
metabolizáveis tem representado somente em torno de 85% da
energia metabolizável consumida. A liberação visceral total de
energia é maior que o consumo de energia metabolizável porque
o fígado também recebe metabólitos do sangue arterial, além
daqueles que chegam através do sistema portal. A diferença entre
a liberação total e aquela na forma de compostos metabolizáveis
seria representada por energia liberada como calor (estimado
pelo consumo visceral de oxigênio) e por aquela presente em
metabólitos não utilizáveis pelos tecidos, como a ureia. Nem
toda a energia presente nos compostos metabolizáveis liberados
pelo sistema visceral é retida no organismo. Aproximadamente
metade dessa energia é perdida como calor liberado nas reações
metabólicas dos tecidos periféricos.
Bioquímica dos Ruminantes | 168

Para os mesmos níveis de consumo de energia metabolizável,


a variação da relação volumoso:concentrado da dieta ou do local
da digestão do amido parecem não alterar a quantidade total de
energia liberada pelo sistema visceral. No entanto, os componentes
metabolizáveis dessa energia são diferentes. Dietas à base de
volumosos ou quando o amido é digerido no rúmen tendem a
liberar alta proporção na forma de acetato. Quando as dietas são
ricas em concentrados ou quando o amido é digerido no intestino
delgado, a participação da glicose na liberação visceral de energia
é incrementada. Em geral, a liberação visceral de acetato tem
representado 20 a 30%; o ß-OH-butirato, 15 a 20%; a glicose,
15 a 20%; e os aminoácidos, 1 a 5% do consumo de energia
metabolizável (Figura 2.38).
30

25
% da E M consumida

20

15

10

0
Acetato BOHB Glicose aa

Figura 2.38 – Participação média dos diferentes nutrientes na liberação vis-


ceral de energia aos tecidos periféricos, expresso como proporção da energia
metabolizável (EM) ingerida. BOHB = ß-OH-butirato; aa = aminoácidos.

O aumento no consumo de proteína tende a diminuir, mas o


local de digestão da proteína do alimento não influencia significa-
tivamente nem a quantidade total nem a composição da energia
visceral liberada como componentes metabolizáveis, relativo à
energia metabolizável consumida.
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Metabolismo intermediário

3.1 Introdução
Os ruminantes, assim como as demais espécies animais, mantêm-
-se em um estado de equilíbrio dinâmico com o meio ambiente. A
viabilidade do organismo e de suas funções vitais depende, por um
lado, da manutenção da sua homeostase, ou seja, da concentração
intracelular relativamente constante dos metabólitos solúveis e, por
outro, da oferta contínua de energia e substratos para processos
oxidativos e sintéticos. Além disso, embora contínuo, o fluxo de
matéria e energia no organismo varia em intensidade ao longo
do tempo e entre os diferentes tecidos, dependendo, por exemplo,
do nível de atividade ou da condição fisiológica do animal. No
entanto, em vez de contínua, a obtenção de substratos do meio
ambiente ocorre somente após a ingestão dos alimentos, que é
um processo intermitente. Desse modo, os animais desenvol­
veram a capacidade de adaptar o seu metabolismo, pelo menos
até certos limites, para resolver o problema do excesso ou da
escassez de substratos que ocorrem durante a ingestão de um
alimento ou durante o jejum, respectivamente. Os ruminantes,
especificamente, também têm seu metabolismo caracterizado
por essas situações. No entanto, em razão de o alimento ser pre-
viamente fermentado nos pré-estômagos, o metabolismo desses
animais possui algumas particularidades importantes quando
comparados aos monogástricos.
Neste capítulo, será apresentado o metabolismo intermediário
característico dos ruminantes, assim como suas principais formas
Bioquímica dos Ruminantes | 178

de regulação, considerando três situações: no estado alimentado,


no estado de jejum e durante a lactação. Adicionalmente, será
apresentada também uma breve descrição do metabolismo dos
ácidos graxos de cadeia longa com ênfase na produção de ácido
linoleico conjugado (CLA).

3.2 Metabolismo no estado alimentado


O estado alimentado é considerado também como o estado
absortivo, no qual, após a ingestão de um alimento, existe uma
entrada significativa de nutrientes na circulação, provenientes
do trato gastrintestinal. Essa condição é relativamente menos
aguda e, em termos de tempo, mais variável e demorada nos
ruminantes que nos monogástricos. Isso ocorre porque o ali-
mento ingerido é previamente fermentado nos pré-estômagos
a taxas variáveis, e o fluxo de digesta, para os intestinos, é
relativamente mais constante que nos monogástricos. Como
visto nos capítulos anteriores, as taxas de fermentação e de
produção dos ácidos graxos voláteis são amplamente diferentes
entre alimentos concentrados e volumosos. Enquanto nos mo-
nogástricos considera-se que o estado absortivo mantém-se até,
aproximadamente, quatro horas após a ingestão do alimento,
em um ruminante que ingere uma dieta à base de forragem,
esta fase pode durar em torno de até oito horas.
Na tabela 3.1, são apresentadas as concentrações dos prin-
cipais metabólitos no sangue arterial e venoso dos ruminantes,
cujos valores representam médias normalmente observadas em
duas situações: no estado alimentado (absortivo) ou no jejum
(pós-absortivo). Comparado aos monogástricos em mesma
situação metabólica, os ruminantes apresentam concentrações
sanguíneas de glicose normalmente mais baixas e de corpos
cetônicos e ureia mais altas.
Um esquema geral do metabolismo absortivo é apresentado
na figura 3.1. A característica principal dessa condição é que o
metabolismo está orientado em direção à extração, pelos teci-
dos periféricos, do excesso de nutrientes lançados na circulação
pelos tecidos viscerais. Como visto anteriormente, os principais
Bioquímica dos Ruminantes | 179

nutrientes absorvidos são acetato, propionato, corpos cetônicos,


lactato e aminoácidos. Glicose raramente é absorvida em quan-
tidades significativas. Contudo, semelhante aos monogástricos,
alguns tecidos dos ruminantes, como o cérebro, os eritrócitos, a
medula renal e o epitélio intestinal, dependem de glicose como
a única ou a mais importante fonte de energia. Desse modo, a
neoglicogênese hepática é um processo constante nos ruminantes
e, inclusive, é mais intensa no estado alimentado que no jejum.
A medula renal também é capaz de produzir glicose, mas sua
participação é mais significativa no jejum.

Tabela 3.1 – Concentrações arteriais e venosas médias dos principais


metabólitos em ruminantes alimentados não lactantes e não gestantes
(mg/100 ml de sangue)

Estado Absortivo Estado Pós-Absortivo


Metabólito
Venosa Arterial Venosa Arterial
Glicose 50 60 35 45
Acetato 5,0 7,0 2,0 2,5
Corpos cetônicos 3,0 4,5 6,0 8,0

Ácidos graxos livres 1,5 2,0 2,5 3,0


Aminoácidos 20 25 25 30
Ureia* 25 30 25 30

* As concentrações sanguíneas médias de ureia apresentadas na ta-


bela são propositalmente as mesmas nos dois estados metabólicos e
são somente indicativas. Entre os principais metabólitos sanguíneos, a
concentração de ureia é que está sujeita ao mais alto grau de variação.
Por exemplo, concentrações arteriais de ureia em bovinos e ovinos re-
portadas na literatura variam de menos de 15 a mais de 40mg/dl, e
a relação entre a concentração no jejum e no estado alimentado nem
sempre é a esperada, como ocorre com os demais metabólitos.

Em animais não lactantes e não gestantes, o cérebro utiliza


cerca de 10% e o trato gastrintestinal em torno de 20 a 30%
da glicose total absorvida ou produzida pelo organismo. O uso
de glicose por esses tecidos é independente da insulina. Já a
utilização de glicose pelo tecido muscular e adiposo é estimu-
lada pela insulina. No estado alimentado, o músculo utiliza
Bioquímica dos Ruminantes | 180

entre 20 a 40% e o tecido adiposo em torno de 10% da glicose


total utilizada pelo organismo. No músculo, a glicose é princi-
palmente convertida a glicogênio, enquanto no tecido adiposo,
é metabolizada a glicerol, o qual é necessário para a síntese
dos triglicerídeos. O útero e o feto em gestantes, assim como
a glândula mamária em fêmeas lactantes, também utilizam
proporções significativas de glicose. Contudo, a participação
desses órgãos no uso de glicose vai depender, respectivamente,
do mês de gestação ou do estágio de lactação (produção de leite).
Após a ingestão do alimento, aumenta a concentração portal
de propionato e a concentração arterial de glicose, os quais
estimulam a liberação de insulina pelas células ß do pâncreas
endócrino. A insulina é liberada no sangue portal e, desse modo,
alcança, inicialmente, o fígado. Cerca de 40 a 60% da insulina
que chega ao fígado com o sangue portal é captada pelos he-
patócitos. De qualquer maneira, a quantidade que escapa do
fígado eleva a concentração arterial desse hormônio a valores
próximos a 3 ng/ml de sangue (Figura 3.2). Nos hepatócitos,
este hormônio usualmente inibe a neoglicogênese a partir de
substratos como lactato, glicerol e alanina. No entanto, não
afeta a taxa de produção de glicose a partir de propionato, que
depende, basicamente, da disponibilidade deste nutriente na
célula, ou mesmo a partir de aminoácidos que originam inter-
mediários do Ciclo de Krebs que não o piruvato (ver figura 2.37
do capítulo anterior). Isto ocorre porque a atividade da enzima
fosfoenolpiruvato carboxiquinase, que converte o oxaloacetato
em fosfoenolpiruvato no citoplasma, não é influenciada pela
insulina, enquanto a enzima piruvato carboxilase, que converte
piruvato a oxaloacetato na mitocôndria, é bem mais sensível
ao status hormonal. Contudo, como visto no capítulo anterior,
a alanina é o principal aminoácido metabolizado pelo fígado
dos ruminantes no estado absortivo. Desse modo, ou o grau
de inibição da piruvato carboxilase pela insulina é somente
parcial ou a alanina é, em grande parte, oxidada no Ciclo de
Krebs, poupando propionato da oxidação, para ser utilizado na
rota neoglicogênica.
INTESTINO SANGUE CIRCULAÇÃO
DELGADO PORTAL FÍGADO GERAL TECIDO NERVOSO

Glicose CO2 + H2O


Proteína

TECIDO MUSCULAR

aa aa aa aa Proteína

CO2 + H2O Glicose Glicogênio


Glicose Glicose
RÚMEN Acetato CO2 + H2O

Propionato Propionato
CC

TECIDO ADIPOSO
Lactato Lactato

Acetato Acetato Acetato CO2 + H2O

AG TG
Butirato CC CC

Figura 3.1 – Esquema geral do metabolismo absortivo nos ruminantes. A absorção de glicose e de ácidos graxos de cadeia longa não foi considerada
neste esquema. Os fluxos apresentados são os predominantes de cada metabólito, mas não são os únicos. Por exemplo, a glicose também é utilizada
pelo sistema visceral como fonte de energia e, no tecido adiposo, como fonte de glicerol, o qual é necessário para a síntese de triglicerídios. aa,
Bioquímica dos Ruminantes | 181

aminoácidos; CC, corpos cetônicos; AG, ácidos graxos de cadeia longa; e TG, triglicerídios.
Bioquímica dos Ruminantes | 182

Insulina Glucagon
3

2,5

1,5

0,5

5
Absortivo Pós-absor tivo

Figura 3.2 – Concentração sanguínea média (ng/dl) de insulina e glucagon


em ruminantes no estado absortivo e pós-absortivo (jejum).

No estado absortivo, as necessidades energéticas (ATP)


dos hepatócitos são supridas pela oxidação de L-lactato, de
propionato e de aminoácidos. Como visto no capítulo anterior,
acetato e ß-OH-butirato que chegam com o sangue portal não
são captados pelo fígado. Esses nutrientes passam diretamente
para a circulação geral e são utilizados, prioritariamente, pelo
tecido muscular e adiposo como fonte de energia. Em um animal
não lactante e não gestante, em média, acima de dois terços
do acetato absorvido é oxidado, de modo que, do CO2 total pro-
duzido pelo organismo, cerca de 30% originam-se da oxidação
deste metabólito. Em torno de 10% do CO2 é proveniente da
oxidação do ß-OH-butirato.
No tecido adiposo, a insulina estimula a síntese de ácidos
graxos e de triglicerídeos. Contudo, diferente dos monogástri-
cos, cerca de 90% da síntese de ácidos graxos nos ruminantes
ocorre neste tecido, e o principal precursor é o ace­tato. Nos
monogástricos, ocorre principalmente no fígado e têm a glicose
e, eventualmente aminoácidos, como principais precursores.
Nos ruminantes, em vez da clivagem de citrato, os grupos
acetil-SCoA, precursores na síntese dos ácidos graxos de
cadeia longa, são produzidos diretamente a partir do acetato,
Bioquímica dos Ruminantes | 183

que é ativado a acetil-SCoA por uma acetil-SCoA sintetase


presente na face externa da membrana mitocondrial interna.
Em um animal não lactante e não gestante, cerca de um
terço do acetato absorvido é armazenado como triglicerídeo.
A síntese de ácidos graxos de cadeia longa também depende
da disponibilidade de equivalentes de redução (NADPH). Nos
monogástricos, as principais fontes de NADPH são a oxidação
da glicose pela via oxidativa do ciclo das pentoses no fígado e,
no tecido adiposo, a oxidação de malato a piruvato pela enzima
málica. No entanto, tanto as enzimas associadas ao ciclo das
pentoses como a enzima málica têm baixa atividade nos adi-
pócitos de ruminantes. Nesses animais, o NADPH necessário
para a síntese dos ácidos graxos no tecido adiposo é derivado,
principalmente, da atividade de uma isocitrato desidrogenase
citoplasmática dependente de NADP+. Nessa rota metabólica,
o acetato entra na mitocôndria e origina acetil-SCoA, o qual
entra no Ciclo de Krebs para formar citrato. O citrato ou iso-
citrato formado sai da mitocôndria para o citoplasma através
de uma proteína transportadora de ácidos tricarboxílicos. O
citrato é, então, isomerizado a isocitrato, o qual é oxidado
por uma isocitrato desidrogenase citoplasmática dependente
de NADP+, formando α-cetoglutarato e liberando NADPH. O
mecanismo de retorno do α-cetoglutarato para a mitocôndria
não está claramente estabelecido. A princípio, poderia entrar
na mitocôndria através de uma proteína transportadora malato-
α-cetoglutarato, sendo, então, oxidado até oxaloacetato no Ciclo
de Krebs. No entanto, este processo, nos ruminantes, envolve
também reações de transaminação e transporte de aspartato
e glutamato entre a mitocôndria e o citoplasma (Figura 3.3).
Neste esquema, o α-cetoglutarato formado no citoplasma é
transaminado com aspartato, formando glutamato e oxaloace-
tato. O glutamato entra na mitocôndria e, em transaminação
reversa, origina oxaloacetato e aspartato. Este último sai para
o citoplasma para continuar o ciclo da reação. O oxaloacetato
formado no citoplasma é reduzido a malato pela ação de uma
malato desidrogenase dependente de NAD+, o qual entra na
mitocôndria para ser oxidado a oxaloacetato em reação re-
versa. O NADH necessário para essa reação citoplasmática é
Bioquímica dos Ruminantes | 184

originado, em parte, pela glicólise, mas, principalmente, pela


oxidação de lactato proveniente do trato gastrintestinal e que
não foi captado pelo fígado. A enzima lactato desidrogenase é
bastante ativa no tecido adiposo dos ruminantes. A disponibi-
lidade de lactato aos tecidos periféricos pode ser significativa
em algumas situações. Quando as dietas dos animais são à
base de concentrado e o nível de consumo é alto, a quantidade
absorvida é relativamente alta, e o fígado capta somente uma
pequena fração desse lactato.
A síntese proteica no estado alimentado também está es-
timulada, principalmente, no tecido muscular. No entanto, o
efeito da insulina nesse processo é menor nos ruminantes que
nos monogástricos e parece ser mais significativo em animais
jovens em crescimento que em animais adultos. No organismo
animal, as proteínas estão constantemente sendo sintetizadas
e degradadas a taxas que variam em função de vários fatores,
como, por exemplo, o tipo de proteína, tipo de tecido, condição
fisiológica, entre outros. Como apresentado no capítulo anterior
(ver figura 2.25), por exemplo, a taxa de renovação diária das
proteínas do músculo é bem menor que do fígado ou do trato
gastrintestinal. No entanto, uma vez que a massa proteica
muscular é predominante, este tecido responde por uma alta
proporção da síntese diária total de proteína do organismo. Em
geral, tanto as taxas de síntese como de degradação aumentam
com o consumo de alimento e diminuem com a idade. Em animais
em crescimento, contudo, a acumulação proteica é resultante de
uma maior taxa de síntese do que de degradação. Em animais
jovens e lactentes, a taxa diária de renovação proteica alcança
valores em torno de 25%, enquanto em um ruminante adulto,
cerca de somente 5% da proteína total é renovada diariamente,
respondendo por 15 a 35% do calor total gerado pelo organis-
mo. Estima-se que são gastos cerca de 7 a 10 moléculas de
ATP por ligação peptídica sintetizada e degradada. Esse gasto
está associado à formação e elongação da cadeia peptídica, ao
transporte de aminoácidos, à síntese de RNA, aos gastos com
a degradação nos lisossomos e no sistema ubiquitina, ao ciclo
de substratos, entre outros.
MITOCÔNDRIA CITOPLASMA

Acetato Acetato

Acetil-SCoA Citrato Citrato

Isocitrato Acetil-SCoA Glicose-6-P


NADP+

NADPH
Oxaloacetato -cetoglutarato AG Glicerol
Aspartato Aspartato
TG
NADH Glutamato Glutamato
Oxaloacetato Lactato
+
NAD NAD+

NADH
Malato Malato

Piruvato Piruvato

Figura 3.3 – Esquema proposto para a produção de equivalentes de redução (NADPH) no tecido adiposo dos ruminantes. Os NADPH serão utilizados
Bioquímica dos Ruminantes | 185

para converter acetato em ácidos graxos de cadeia longa (AG), os quais serão armazenados como triglicerídeos (TG).
Bioquímica dos Ruminantes | 186

O teor de lipídios nas dietas normalmente consumidas pelos


ruminantes é baixo, em torno de 4%. Em função disso, a concen-
tração sanguínea de triglicerídeos nos ruminantes é cerca de cinco
vezes menor que nos monogástricos (em torno 50 a 200 mg/litro
vs. 900 a 1200mg/litro de sangue). No estado alimentado, em
torno de 95% dos lipídios plasmáticos totais estão associados a
lipoproteínas. Somente cerca de 5% são ácidos graxos não esteri-
ficados (AGNE), os quais circulam ligados à albumina. Dos lipídios
associados às lipoproteínas, em torno de 90% são fosfolipídios e
colesterol e somente em torno de 10% são triglicerídeos.
Várias lipoproteínas diferentes estão presentes na circulação,
as quais se diferenciam de acordo com vários fatores, como:
densidade, tamanho, forma, composição química e função.
Detalhes da composição química de diferentes lipoproteínas
presentes no sangue de bovinos são apresentados na tabela
3.2. Um esquema geral das funções e inter-relações entre as
lipoproteínas plasmáticas é apresentado na figura 3.4. Como
visto no capítulo anterior, a entrada na circulação dos lipídios
absorvidos ocorre, principalmente, na forma de lipoproteínas de
muito baixa densidade (VLDL). A participação dos quilomícrons
no transporte de lipídios no sangue dos ruminantes normalmen-
te é pequena, sendo mais importante somente quando o teor
de gordura da dieta e a absorção intestinal de ácidos graxos
aumentam grandemente. Nos monogástricos, as VLDL também
são sintetizadas no fígado. Nos ruminantes, contudo, tanto a
síntese de ácidos graxos e colesterol como a síntese de VLDL
no fígado são insignificantes.
Nos tecidos periféricos, particularmente o músculo e tecido
adiposo, a insulina estimula a atividade da lipoproteína lipase
(LPL), a qual está ancorada na superfície externa das células do
endotélio capilar. Ao passar pelos capilares, as VLDL interagem
(são ‘represadas’) quimicamente (interação entre resíduos de
carboidratos presentes na LPL e em componentes glicoproteicos
da VLDL) e hidrolisam rapidamente os triglicerídeos, liberando
monoglicerídeos e ácidos graxos livres. Uma pequena parte dos
ácidos graxos liberados pode entrar na circulação e sair do tecido
como AGNE, mas a maior parte dessas moléculas se difunde
para o interior das células teciduais. O destino desses substratos
Bioquímica dos Ruminantes | 187

no interior das células vai depender do tipo de tecido e condição


metabólica. No tecido adiposo, por exemplo, são principalmente
reconvertidos a triglicerídeos, enquanto no tecido muscular são
oxidados para produção de ATP. As lipoproteínas remanescentes
(principalmente lipoproteínas de baixa densidade (LDL)), por sua
vez, são, em grande parte, captadas e degradadas pelos tecidos
periféricos. Nos monogástricos, as LDL representam a principal
forma de transferência de colesterol do trato digestivo ou fígado
para os tecidos periféricos. É importante lembrar que o colesterol
é um nutriente essencial, necessário à estrutura das membranas
e precursor de uma série de moléculas que incluem hormônios,
pigmentos, carreadores de elétrons, entre outras. O fígado também
produz lipoproteínas de alta densidade (HDL). A principal função
dessas lipoproteínas nos monogástricos é captar e transferir o ex-
cesso de colesterol das LDL e dos tecidos periféricos para o fígado.
No entanto, enquanto o plasma dos monogástricos usualmente
tem altas concentrações de LDL, nos ruminantes, a concentração
plasmática de HDL é que é predominante. Além disso, a função
das LDL nos monogástricos, ou seja, transferir colesterol para os
tecidos periféricos, é efetuada pelas HDL nos ruminantes. Diferente
também dos monogástricos, a LPL do fígado dos ruminantes tem
baixa atividade, de forma que a captação de lipoproteínas plas-
máticas por este órgão é relativamente bem menor.

Tabela 3.2 – Características físicas e composição química média das principais


lipoproteínas* presentes no plasma de bovinos (adaptado de Bauchart, 1993)

* VLDL= lipoproteínas de muito baixa densidade; LDL= lipoproteínas de


baixa densidade; HDL= lipoproteínas de alta densidade.
Bioquímica dos Ruminantes | 188

Colesterol
tecidual Colesterol
(excesso) tecidual
Nascente (captação)
(discoidal)
LCAT
HDL HDL HDL
Fígado

Apo-CII Lisolecitina
Componente de superfície em excesso
(apo-C, apo-A, fosfolipídios, colesterol)

LPL LPL
Intestino

IDL LDL
Quilomicrons Tecidos
VLDL periféricos

Figura 3.4 – Representação esquemática do metabolismo das lipoproteínas


nos animais. Quilomícrons ou lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL)
provenientes do intestino delgado ou do fígado adquirem apoproteínas (CII)
de lipoproteínas de alta densidade (HDL) sintetizadas no fígado. A apo-CII
ativa as lipoproteínas lipases (LPL) dos tecidos periféricos que hidrolisam e
extraem os triglicerídeos dos quilomícrons e VLDL e produzem lipoproteínas
de densidade intermediária (IDL) e, posteriormente, de baixa densidade (LDL).
As IDL e LDL transferem alguns componentes de superfície para as HDL e
são degradadas, transferindo colesterol para o fígado ou para os tecidos
periféricos. As HDL captam o excesso de colesterol dos tecidos periféricos
e converte-os em ésteres de colesterol pela ação da lecitina-colesterol acil-
-transferase (LCAT). Nesta reação, a ligação éster de um dos ácidos graxos da
lecitina é transferida para ligação com o colesterol, e a lisolecitina resultante é
liberada para circulação. Os ésteres de colesterol são incorporados pela HDL
e transferidos ao fígado, que os converte em sais biliares. Em ruminantes, as
HDL também têm como função transferir colesterol para os tecidos periféricos.

A participação dos AGNE no metabolismo de ruminantes


não lactantes e no estado absortivo é bem menos significativa
que a dos demais nutrientes. De qualquer maneira, parte dos
AGNE presentes na circulação é captada e utilizada pelo tecido
muscular, coração e fígado. Enquanto no fígado, durante o esta-
do alimentado, eles são, em sua maior parte, reesterificados e
retornam para a circulação incorporados em VLDL, nos outros
tecidos, o principal destino dos AGNE é a oxidação. O propio-
Bioquímica dos Ruminantes | 189

nato, cuja disponibilidade é alta durante o estado absortivo,


inibe tanto a oxidação (b-oxidação) como a síntese de ácidos
graxos no fígado dos ruminantes. A oxidação é inibida porque
em uma das reações associadas ao metabolismo do propionato
(i.e., a conversão de succinato a fumarato) FAD+ é reduzido a
FADH2 (ver figura 2.37 do capítulo anterior). Isso resulta na
diminuição da concentração de FAD+ mitocondrial, o qual tam-
bém é necessário para a b-oxidação. O mecanismo de inibição
da síntese, contudo, não está estabelecido.

3.3 Metabolismo de jejum


O metabolismo de jejum também pode ser denominado metabo-
lismo do estado pós-absortivo. Representa o metabolismo que
inicia em um determinado tempo após uma refeição, a partir
do qual já não ocorre uma absorção significativa de nutrientes
do trato gastrintestinal. Ao contrário do que ocorre no estado
absortivo, a característica principal do metabolismo de jejum é
que ele está orientado em direção à mobilização de substratos
previamente armazenados ou incorporados aos tecidos perifé-
ricos, os quais serão utilizados como substratos alternativos
aos ácidos graxos voláteis como fonte de energia, assim como
serão usados como substratos alternativos ao propionato como
precursores neoglicogênicos no fígado.
No estado pós-absortivo, ocorre redução da glicemia e, conse-
quentemente, da relação insulina/glucagon no sangue. No estado
absortivo, a concentração de insulina no sangue alcança valores
que chegam a ser oito vezes mais altos que de glucagon (entre 2,0
a 3,0 ng/ml vs. cerca de 0,25 ng/ml de sangue). No entanto, esta
relação pode diminuir para valores próximos de um no jejum. A
redução da diferença entre a concentração desses dois hormônios
se deve mais a uma redução da concentração de insulina que a um
aumento da concentração de glucagon. A redução da insulinemia
diminui os efeitos antagônicos deste hormônio aos do glucagon
no tecido hepático e também aos da adrenalina no tecido adiposo.
Um esquema geral do metabolismo pós-absortivo é apre-
sentado na figura 3.5. Em animais não lactantes em jejum, o
Bioquímica dos Ruminantes | 190

cérebro e o trato gastrintestinal, além dos eritrócitos, passam a


ser os principais consumidores da glicose sanguínea. Nos mono-
gástricos, a glicemia é mantida durante o estado pós-absortivo,
inicialmente pela mobilização de glicose a partir de glicogênio
hepático. Nos ruminantes, no entanto, as reservas de glicogênio
hepático são insignificantes (menos de 3% do peso seco do
fígado) e praticamente não contribuem para tal objetivo. Desse
modo, assim como no estado alimentado, a neoglicogênese
hepática nesses animais continua a ser o principal processo
responsável pela manutenção da glicemia durante o jejum.
Diferente da neoglicogênese no estado alimentado, contudo,
a atividade da enzima piruvato carboxilase está estimulada e
aminoácidos (alanina, glutamina e glicina) provenientes do tecido
muscular, assim como glicerol proveniente do tecido adiposo,
passam a ser os principais precursores de glicose. A participa-
ção de lactato como substrato neoglicogênico é variável, mas é
menos importante nos ruminantes que nos monogástricos. Os
rins também aumentam sua atividade neoglicogênica no jejum.
Nessa situação, estima-se que até 10% da produção total de
glicose pelo organismo tenha origem renal.
No jejum, o glucagon e a adrenalina estimulam a atividade
da lipase de triglicerídeos no tecido adiposo, determinando a
mobilização da gordura previamente armazenada e a liberação
de AGNE e glicerol na circulação sanguínea. Nessa situação me-
tabólica, então, os AGNE, cuja concentração sanguínea passa a
ser mais alta que no estado alimentado (Tabela 3.1), tornam-se
os principais substratos energéticos utilizados, tanto pelo próprio
tecido adiposo, como pelo tecido muscular e fígado.
A captação hepática de ácidos graxos é diretamente proporcio-
nal à sua concentração no sangue. Os ácidos graxos captados são
oxidados (ß-oxidação) nas mitocôndrias até acetil-SCoA, o qual,
por sua vez, é oxidado até dióxido de carbono no Ciclo de Krebs.
Os elétrons são captados neste processo oxidativo, inicialmente
como equivalentes de redução (FADH2 e NADH). Posteriormente,
são transferidos para o oxigênio através de reações sequenciais
de oxi-redução na cadeia respiratória mitocondrial, resultando,
finalmente, na formação de H2O e ATP. No entanto, em algumas
situações, a quantidade de ácidos graxos captados no jejum
Bioquímica dos Ruminantes | 191

é maior que a demanda energética das células, determinando


uma saturação do Ciclo de Krebs e um acúmulo mitocondrial de
acetil-SCoA. Estes são, então, convertidos a corpos cetônicos e
lançados na circulação sanguínea. Nos monogástricos em jejum,
assim como nos ruminantes alimentados, o principal corpo ce-
tônico circulante é o ß-OH-butirato. Contudo, nos ruminantes
em jejum, predomina a formação de acetoacetato. Isso ocorre
porque, no hepatócito dos ruminantes, a enzima ß-OH-butirato
desidrogenase está localizada, principalmente, no citoplasma,
enquanto no hepatócito dos monogástricos e no epitélio ruminal
dos ruminantes ela está localizada, principalmente, nas mitocôn-
drias. No jejum, a concentração de NADH é bem mais alta nas
mitocôndrias que no citoplasma dos hepatócitos, o que diminui
a possibilidade de conversão de acetoacetato a ß-OH-butirato
nos ruminantes em jejum.
A diminuição da insulinemia determina também uma menor
captação de glicose pelo tecido muscular. Assim como no fíga-
do, a mobilização das reservas de glicogênio no músculo dos
ruminantes normalmente é pouco significativa, a não ser em
situação de stress ou de aumento agudo da atividade muscular.
Nesse tecido, os principais substratos energéticos no estado
pós-absortivo são os AGNE e corpos cetônicos circulantes.
Além disso, diminui a taxa de síntese proteica e aumenta a
quantidade de aminoácidos desaminados e oxidados. Os grupos
amino são, em grande parte, transferidos para o fígado como
glutamina, gerada a partir de glutamato, ou como alanina,
produzido em reações de transaminação dos diferentes amino-
ácidos com priruvato. Em menor proporção, glicina também é
liberada na circulação pelo tecido muscular. No jejum, embora
normalmente aumente a concentração dos aminoácidos totais
circulantes, a principal alteração está relacionada à composição
destes aminoácidos (i.e., aumenta a proporção de glutamina,
alanina e glicina).
INTESTINO SANGUE CIRCULAÇÃO
DELGADO PORTAL FÍGADO GERAL TECIDO NERVOSO

Glicose CO2 + H2O


Proteína

TECIDO MUSCULAR

aa aa aa Proteína

CC
Glicose Glicose
RÚMEN CO2 + H2O
CO2 + H2O
AG

CC
TECIDO ADIPOSO
CC

CO2 + H2O

AG AG AG TG

Figura 3.5 – Esquema geral do metabolismo pós-absortivo nos ruminantes. Os fluxos apresentados são os predominantes de cada metabólito, mas não
são os únicos. Por exemplo, a glicose também é utilizada pelo sistema visceral como fonte de energia, e glicerol também é liberado do tecido adiposo
e utilizado como precursor neoglicogênico no fígado. aa, aminoácidos; CC, corpos cetônicos; AG, ácidos graxos de cadeia longa e TG, triglicerídios.
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Bioquímica dos Ruminantes | 193

3.4 Metabolismo de vacas leiteiras


no início da lactação

As raças bovinas com aptidão leiteira vêm sendo selecionadas ao


longo de décadas para essa função. A produtividade de alguns
rebanhos pode alcançar mais de 30 litros/vaca/dia, e algumas
vacas individuais chegam a produzir mais de 70 litros de leite
diariamente. No entanto, o alto grau de especialização para
a produção de leite não foi acompanhado de um aumento na
capacidade de ingestão de alimentos. Desse modo, em algumas
situações, particularmente durante as primeiras semanas de lac-
tação, essas vacas apresentam um balanço energético negativo,
que determina um metabolismo característico, diferente das duas
situações apresentadas anteriormente.
No início da lactação, quando o balanço energético é negativo,
as concentrações sanguíneas do hormônio do crescimento, liberado
pela adenohipófise, são relativamente mais altas, e as de insulina,
relativamente mais baixas que em outros momentos fisiológicos
da vaca. O hormônio do crescimento exerce um controle home-
orrético sobre o metabolismo, ou seja, ele diminui os efeitos da
insulina e aumenta os efeitos do glucagon e da adrenalina sobre
os tecidos, dirigindo os nutrientes para a glândula mamária. Como
resultado, ao mesmo tempo em que há ingestão de alimento e os
nutrientes estão sendo absorvidos a partir do trato gastrintestinal,
há também mobilização de gordura e proteína do tecido adiposo
e muscular, respectivamente.
A figura 3.6 apresenta um esquema geral do metabolismo,
e o quadro 3.1 lista as principais adaptações metabólicas que
ocorrem nos diferentes tecidos da vaca no início da lactação.
Adicionalmente, a figura 3.7 compara os fluxos predominantes
de nutrientes entre os tecidos dos ruminantes em diferentes
situações metabólicas: jejum, alimentado e início da lactação.
No início da lactação, a taxa de síntese proteica no tecido
muscular da vaca é menor que a taxa de degradação, de modo
que aminoácidos passam a serem oxidados e, principalmente, li-
berados para a circulação sanguínea. A demanda energética desse
tecido é suprida, principalmente, pela oxidação de corpos cetônicos,
Bioquímica dos Ruminantes | 194

acetato e AGNE circulantes. No tecido adiposo, da mesma forma,


o efeito lipolítico da adrenalina se torna mais intenso que o efeito
lipogênico da insulina. Uma parte dos ácidos graxos e do glicerol
liberados dos triglicerídeos são oxidados, mas a maior parte sai
para a circulação sanguínea. O metabolismo hepático, por sua vez,
passa a ser mais intenso que em qualquer outra situação metabó-
lica. A neoglicogênese ocorre a partir de substratos provenientes
tanto do trato gastrintestinal (propionato, aminoácidos e lactato)
como daqueles provenientes dos tecidos periféricos (aminoácidos
e glicerol). A síntese de ATP no fígado ocorre, principalmente, pela
oxidação de AGNE captados da circulação sanguínea.
O leite bovino é composto, em média, por 3,5% de gordura,
3,5% de proteína e 4,8% de lactose, além de menos de 1%
de outros compostos orgânicos e minerais. O restante é água.
Sendo assim e considerando que a absorção líquida de glicose
é normalmente insignificante, o fígado de uma vaca produzindo
30 litros de leite/dia necessitaria sintetizar em torno de 1500 g
de glicose diariamente, somente para formar lactose na glândula
mamária. A síntese hepática diária total de glicose nessa condi-
ção pode alcançar 3000 g. A glândula mamária pode extrair até
50% da glicose e do acetato que chega com o sangue arterial.
Da glicose captada, em torno de 60% são utilizadas na síntese
de lactose e o restante são oxidadas. Do acetato captado, por
sua vez, cerca de 30% são oxidados, e o restante é utilizado na
síntese de gordura secretada no leite. No entanto, da gordura
total do leite, entre 60 a 80% são sintetizadas a partir de AGNE
captados da circulação sanguínea. Da mesma forma que lipídios
e lactose, a síntese proteica na glândula mamária também é
significativa e, desse modo, a demanda por aminoácidos é in-
crementada. Ema uma vaca produzindo em torno de 30 litros
diários, cerca de 25% da síntese proteica total do organismo
ocorre nesse órgão.
Nas situações em que o balanço energético negativo atinge
níveis relativamente mais extremos, pode desenvolver-se uma
patologia metabólica, caracterizada, clinicamente, como cetose.
Bioquímica dos Ruminantes | 195

Tecido Processo Adaptação

Número de células secretórias aumento


Glândula mamária Uso de nutrientes aumento
Fluxo de sangue aumento
Consumo aumento
Tamanho aumento
Trato digestivo
Capacidade absortiva aumento
Peristaltismo aumento
Tamanho aumento
Fígado Neoglicogênese aumento
Síntese proteica aumento
Síntese de lipídios redução
Tecido adiposo
Degradação de lipídios aumento
Utilização de glicose redução

Tecido muscular Síntese proteica redução


Degradação proteica aumento
Tecido ósseo Mobilização de Ca e P aumento
Insulina redução
Somatotropina aumento
Prolactina aumento
Hormônios plasmáticos Glicocorticoides aumento
Tiroxina redução

IGF-1 redução

Quadro 3.1 – Lista das principais adaptações metabólicas que ocorrem


nos diferentes tecidos das vacas no início da lactação.

Essa condição tem sido observada principalmente em vacas


leiteiras de alto potencial produtivo no início da lactação, assim
como em ovelhas com gestação gemelar no terço final da gestação.
Ela é caracterizada, de um lado, por um aumento significativo da
mobilização de gordura do tecido adiposo e das concentrações
sanguíneas de AGNE e corpos cetônicos e, de outro, por uma dimi-
nuição da glicemia. Nessas condições, a concentração sanguínea
de AGNE pode ser duas vezes, e a de corpos cetônicos três vezes
maior se comparadas a uma situação de jejum normal.
INTESTINO SANGUE CIRCULAÇÃO
DELGADO PORTAL FÍGADO GERAL TECIDO NERVOSO

Glicose CO2 + H2O


Proteína

TECIDO MUSCULAR

aa aa aa aa Proteína

Acetato

CC CO2 + H2O
Glicose Glicose AG
RÚMEN

Propionato Propionato GLÂNDULA MAMÁRIA

aa Proteína

Lactato Lactato Glicose Lactose

Acetato CO2 + H2O


Acetato Acetato
AG TG
CO2 + H2O AG AG
TECIDO ADIPOSO

Butirato CC CC AG TG

CO2 + H2O

Figura 3.6 – Esquema geral do metabolismo das vacas no início da lactação. A absorção de glicose e de ácidos graxos de cadeia longa não foi considerada
neste esquema. Os fluxos apresentados são os predominantes de cada metabólito, mas não são os únicos. Por exemplo, a glicose também é utilizada
pelo sistema visceral como fonte de energia e, na glândula mamária, como fonte de glicerol, o qual é necessário para síntese de triglicerídios. O glicerol
também é liberado do tecido adiposo e utilizado como precursor neoglicogênico no fígado. aa, aminoácidos; CC, corpos cetônicos; AG, ácidos graxos de
Bioquímica dos Ruminantes | 196

cadeia longa e TG, triglicerídios.


Bioquímica dos Ruminantes | 197

A glicemia, por sua vez, é reduzida a valores extremamente


baixos, até um quarto menor que a glicemia usual do jejum.
Além disso, enquanto a gordura normalmente representa menos
de 5% do peso seco do fígado, em uma condição cetótica, pode
ultrapassar 20%. O fígado dos ruminantes tem uma capacidade
limitada para oxidar os AGNE, assim como de sintetizar corpos
cetônicos e lipoproteínas (VLDL). Desse modo, o excesso de
AGNE captados é reesterificado a triglicerídeos e acumula-se
como glóbulos de gordura nos hepatócitos.
a) Direção do metabolismo no estado alimentado

Outros
tecidos

Tecido
TGI e
muscular e
fígado
adiposo

b) Direção do metabolismo no jejum

Outros
tecidos

Tecido
TGI e
muscular e
fígado
adiposo

c) Direção do metabolismo no início da lactação

Outros
tecidos

Tecido
TGI e
muscular e
fígado
adiposo

Glândula
mamária

Figura 3.7 – Fluxo predominante de nutrientes (indicado pelas setas) nos rumi-
nantes em diferentes condições metabólicas (fisiológicas). Outros tecidos incluem,
principalmente, os tecidos nervoso, renal e vascular. TGI= trato gastrintestinal.
Bioquímica dos Ruminantes | 198

3.5 Metabolismo dos ácidos graxos


de cadeia longa e produção de ácido
linoleico conjugado

Um aspecto particularmente importante nos ruminantes é o


metabolismo dos ácidos graxos de cadeia longa. Como visto
no primeiro capítulo, a maior parte dos ácidos graxos poliinsa-
turados da dieta são biohidrogenados pelas bactérias ruminais,
de modo que a gordura absorvida e depositada na carne e no
leite tem baixo teor desse tipo de ácido graxo e alta proporção
de ácidos graxos saturados. Mais da metade da gordura da
carne e do leite dos bovinos, por exemplo, é constituída por
ácidos graxos saturados, enquanto a proporção de ácidos graxos
poliinsaturados é usualmente menor que 4%. O consumo de
alimentos ricos em ácidos graxos saturados tem sido associa-
do ao aumento nos níveis de LDL sanguíneo e ao aumento na
incidência de doenças coronarianas e outros problemas car-
diovasculares. Contudo, foi demonstrado, recentemente, que
os produtos derivados dos ruminantes, principalmente o leite,
são fontes naturais de ácido linoleico conjugado (CLA), o qual
tem várias funções fisiológicas importantes e benéficas à saúde
humana, incluindo efeitos anticarcinogênicos, antiteratogênicos,
imnunoestimulantes, entre outras.
Foi visto, no primeiro capítulo, que o CLA é um intermediário
no processo de biohidrogenação bacteriana do ácido linoleico e que
parte dele pode escapar do rúmen com a digesta e ser absorvido
no intestino delgado. Inicialmente, foi proposto que esta era a
principal origem de CLA nos ruminantes. A proporção de CLA na
gordura da carne e do leite desses animais é usualmente baixa
(inferior a 1%). No entanto, a quantidade depositada é geralmente
bem superior àquela absorvida. Além disso, foi observado, em
vários estudos, que o aumento do teor de ácido linolênico na dieta
aumenta o teor de CLA depositado no organismo ou excretado na
gordura do leite. Como visto no primeiro capítulo, a biohidrogena-
ção do ácido linolênico não produz CLA. A explicação para essa
discrepância é que os tecidos dos ruminantes, particularmente o
fígado, o tecido adiposo e a glândula mamária, possuem a enzima
∆9- dessaturase (redutase), que converte o ácido vacênico em
Lipídios dietéticos

Hidrólise

Glicerol Ácidos graxos livres

Ácidos graxos saturados Ácidos graxos insaturados


Propionato C18:3 C18:2
C18:0 cis-9C18:1
Rúmen
cis-9, trans-11, cis-15
cis-9, trans-11 CLA

trans-11, cis-15

trans-11C18:1
convertido, então, em CLA (Figura 3.8).

Intestino C18:0 trans-11C18:1 cis-9, trans-11 CLA

Tecidos
C18:0 trans-11C18:1 cis-9, trans-11 CLA
periféricos 9-desaturase

Leite e carne

Figura 3.8 - Visão geral da relação entre o metabolismo ruminal dos lipídios e a origem do ácido
em maior proporção que o CLA. Nos tecidos do ruminante, é
poliinsaturados para vacênico é mais rápida que a conversão de

tende a se acumular no rúmen e fluir para o intestino delgado


vacênico para esteárico. Como consequência, o ácido vacênico
e foi observado que a taxa de conversão desses ácidos graxos
CLA. Tanto a biohidrogenação de linoleico como do linolênico
Bioquímica dos Ruminantes | 199

linoleico conjugado (CLA) depositado na carne e no leite dos ruminantes (adaptado de Tanaka, 2005).
produzem, como intermediário, ácido vacênico (trans 11-C18:1),
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universidade federal de santa maria
Reitor Paulo Afonso Burmann
Vice-Reitor Paulo Bayard Dias Gonçalves
Diretor da Editora Daniel Arruda Coronel
Conselho editorial Antonio Guilherme Schmitz Filho
Daniel Arruda Coronel (Presidente)
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Projeto gráfico Daiana Christ (bolsista)
Capa Monike Borsoi (bolsista)

K88b Kozloski, Gilberto Vilmar


Bioquímica dos ruminantes [recurso eletrônico]
/ Gilberto Vilmar Kozloski. – 3. ed. rev. e ampl. –
Santa Maria :
Ed. da UFSM, 2017.
1 e-book : il.

ISBN: 978-85-7391-266-1

1. Zootecnia 2. Ruminantes 3. Bioquímica


4. Metabolismo animal 5. Nutrição animal I. Título.

CDU 636.2/.3
636.2/.3.06
577:636.2/.3

Ficha catalográfica elaborada por Maristela Eckhardt - CRB-10/737


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