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Adolfo Braga Neto

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

ADOLFO BRAGA NETO

A Mediação e a Administração Pública

São Paulo
2020
2

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

ADOLFO BRAGA NETO

A Mediação e a Administração Pública

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para
obtenção do Título de MESTRE em Direito Civil,
sob a Orientação do Professor Doutor Francisco José
Cahali

São Paulo
2020
3

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

ADOLFO BRAGA NETO

A Mediação e a Administração Pública

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para
obtenção do Título de MESTRE em Direito Civil,
sob a Orientação do Professor Doutor Francisco José
Cahali

Aprovado em: ____/____/_____

Banca Examinadora

Professor Doutor Francisco José Cahali (Orientador)


Instituição: PUC-SP Assinatura: ____________________________
Julgamento: _______________________________________________________________

Professor
Instituição: Assinatura: ____________________________
Julgamento: _______________________________________________________________

Professor
Instituição: Assinatura: ____________________________
Julgamento: _______________________________________________________________
4

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por sempre me acompanhar, e à minha querida família, por me


apoiar em todos os meus momentos.

Agradeço ao Professor Doutor Francisco José Cahali, por toda a orientação, o estímulo
e, sobretudo, o suporte para o desafio representado por um profissional da iniciativa privada,
entusiasta da Mediação, ter a pretensão de escrever sobre a Mediação e a Administração
Pública.

Agradeço a todos os professores da Pós-Graduação da PUC-SP pelos seus


ensinamentos, os quais resultaram em aportes fundamentais para a presente dissertação. Com
eles, identifiquei-me como civilista.

Para chegar a este momento muitos me ajudaram. A todos, minha admiração e meu
respeito pela imensa amizade, pelo carinho e pela solidariedade, em especial a Guilherme
Assis de Almeida, Nathalia Mazzonetto, Selma Maria Ferreira Lemes, Fabio Humberg e
Carlos Alberto de Salles.

Agradeço também aos amigos do IMAB, Agenor Lisot, Maria Cecília, Joaquim
Tavares e Mariangela Coelho, bem como a todos que estão conosco nesta empreitada.

Registro, finalmente, um agradecimento a todos amigos não mencionados, que direta e


indiretamente contribuíram nesta jornada.
5

RESUMO

A presente dissertação pesquisa a Mediação, a partir de suas características, seus eixos


e sua utilização em diversos contextos, em especial no da Administração Pública. Será
abordada a Mediação como acesso à ordem jurídica justa, por intermédio de um processo
dialógico, com os seus três eixos estruturantes, sem os quais o instituto inexiste: processo,
participantes e mediador. Nesse sentido, serão examinados os componentes contratuais
verificados na sua prática no País. Para refletir sobre a Mediação e a Administração Pública, a
análise envolverá os elementos a ela inerentes e sua utilização, uma vez que cada vez mais é
debatida e intentada de forma regular ou irregular naquele contexto. Para tanto, adentra-se o
estudo do Direito Administrativo, que, nos tempos da pós-modernidade, passa por uma
mutação a partir de novas tendências, dentre as quais se destaca o consensualismo, que
remonta ao final do século passado, quando autores da área passaram a identificar sua
existência e, ao mesmo tempo, atribuir relevância a ele. A pesquisa aponta como ápice dessa
tendência o Marco Legal da Mediação, que dedica um capítulo inteiro para a Administração
Pública, na qual o espectro de utilização é muito amplo. Além disso, faz referência à
importância de dispositivos do CPC que também tratam do tema. Daí se propõe a uma
sistematização da Mediação na, com a e da Administração Pública, instâncias que, por
possuírem componentes distintos, necessitam atenção para que a Mediação possa ser aplicada
em toda a sua dimensão e alcance.

Palavras – chave: Métodos Adequados de Solução de Conflitos. Mediação. Consensualismo.


Administração Pública. Mediação na Administração Pública. Mediação com a Administração
Pública. Mediação da Administração Pública.
6

ABSTRACT

This work researchs Mediation from its characteristics, its cornerstones, and its use in
the Brazilian Public Administration. The Mediation as an access to the legal order, through a
dialog process with the research of its three structural cornerstones, without those it will not
exist, process, participants and mediator, including the study of its agreement components of
the Brazilian Mediation practices. In order to think about Mediation in Brazilian Public
Administration it is necessary to study its elements because some of them is discussed when
the Mediation is used. In order to do so, the study of Administrative Law is required because
in the postmodernism its facing shifts from new trends, among others, the consensus, which
started at the end of last century, when writers of the Administrative Law started to see its
existence and its importance. The research shows the top of this trend is the Mediation Law,
which has a chapter only in this area, in which the field of application is big. That is the
reason why a systematization is necessary: The Mediation in, with and of the Brazilian Public
Administration, which have different components that need attention in order to Mediation
reach its objectives in this area.

Key Words: Adequate Dispute Resolution. Mediation. Consensus. Brazilian Public


Administration. Mediation in The State Administration. Mediation with The Brazilian Public
Administration. Mediation of The Brazilian Public Administration.
7

LISTA DE ABREVIATURAS

ADR – Alternative Dispute Resolution, sigla que designa comumente os métodos


extrajudiciais ou alternativos, hoje denominados adequados de solução de controvérsias,
disputas ou conflitos
ADMINISTRAÇÃO – Administração Pública
AGU – Advocacia Geral da União
CAMARB – Câmara de Arbitragem Empresarial
CAM-CCBC – Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-
Canadá
CCAF – Câmara de Conciliação e Arbitragem Federal
CEJUSC – Centro Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania
CC – Código Civil Brasileiro, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002
CPC – Código de Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015
CNJ – Conselho Nacional de Justiça
Const. – Constituição Federal
coord. – Coordenador/Coordenadores/Coordenação
Ed. – Edição
LA – Leis de Arbitragem, Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, e Lei 13.129, de 10 de
agosto de 2015
LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Lei 12.376, de 30 de
dezembro de 2010
Marco Legal da Mediação – Lei de Mediação, Lei 13.140
MASC – Métodos Adequados de Solução de Conflitos
NUPEMEC – Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos
op. cit. – Obra já citada
ONU – Organização das Nações Unidas
Ordenamento – Ordenamento Jurídico
org. – Organizador/Organizadores/Organização
p. – Página
vol. – Volume
8

SUMÁRIO Pág.
INTRODUÇÃO......................................................................................................... 10

PARTE I – ACESSO À JUSTIÇA OU À ORDEM JURÍDICA JUSTA E OS MÉTODOS


DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS..................................................................... 14

1. ACESSO À JUSTIÇA OU À ORDEM JURÍDICA JUSTA.............. 16


1.1 Pensadores da Antiguidade....................................................................... 16
1.2 Pensadores da Idade Média...................................................................... 19
1.3 Pensadores da Idade Moderna.................................................................. 21
1.4 Pensadores da Contemporaneidade........................................................... 23

2. MÉTODOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS............................... 31


2.1 Autotutela, Autocomposição e Heterocomposição.................................... 31
2.2 Métodos de Solução de Conflitos mais utilizados no Brasil, além da
Mediação..................................................................................................... 35
2.2.1 Negociação........................................................................................... 35
2.2.2 Processo Judicial................................................................................... 38
2.2.3 Arbitragem............................................................................................ 40
2.2.4 Conciliação............................................................................................ 43
2.2.5 Justiça Restaurativa............................................................................... 46
2.2.6 Comitê de Resolução de Disputas (Dispute Board) ............................. 47

PARTE II – MEDIAÇÃO............................................................................................... 50
1. MEDIAÇÃO EM BREVES PALAVRAS, A PARTIR DE SEUS TRÊS
EIXOS........................................................................................................... 51
1.1 Processo.................................................................................................... 51
1.2 Participantes............................................................................................... 58
1.3 Mediador.................................................................................................... 63

2. MEDIAÇÃO E SUA EVOLUÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO


BRASILEIRO................................................................................................ 68
2.1 Considerações Gerais sobre a Lei 13.140/15 – Marco Legal da Mediação...... 75
2.1.1 A definição de Mediação..................................................................... 76
2.1.2 O Mediador.......................................................................................... 80
2.1.3 O Processo de Mediação.................................................................... 83
2.1.4 A Confidencialidade............................................................................ 86
2.1.5 A Autocomposição de Conflitos com entes públicos.......................... 88
2.1.6 As Disposições Finais........................................................................... 90
2.2 Breves Reflexões sobre os principais dispositivos relativos à Mediação contidos na
Lei 13.105/15 – Código de Processo Civil.......................................................... 91
2.3 Algumas ponderações sobre os conflitos entre os dois diplomas legais............... 97
2.4 Observações sobre o impacto linguístico no ordenamento jurídico brasileiro do
Marco Legal da Mediação e dos dispositivos sobre Mediação no Código de
Processo Civil.................................................................................................... 99
9

3. MEDIAÇÃO E SUA PERSPECTIVA CONTRATUAL ......................... 107


3.1 Princípios..................................................................................................... 119
3.1.1 Princípios Gerais do Contrato e suas conexões com a Mediação... 121
3.1.2 Princípio da Autonomia da Vontade............................................... 121
3.1.3 Princípio da Obrigatoriedade........................................................... 123
3.1.4 Princípio da Ordem Pública............................................................. 124
3.1.5 Princípio da Boa Fé........................................................................ 125
3.1.6 Princípio da Relatividade Contratual............................................. 128
3.1.7 Princípio da Conservação............................................................... 129
3.1.8 Princípio da Consensualismo.......................................................... 129
3.2.9 Princípio do fim social do Contrato............................................... 130
3.2 Instrumentos Contratuais da Mediação.................................................. 131
3.2.1 Cláusula de Mediação.................................................................... 131
3.2.2 Termo de Mediação Judicial........................................................... 133
3.2.3 Termo de Mediação Extrajudicial................................................... 135

PARTE III – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – ALGUNS ASPECTOS................. 138


1. Momento Atual da Administração Pública e do Direito Administrativo... 138

2. Alguns Elementos da Administração Pública............................................... 145


2.1 Conceito, Atividades e Poderes da Administração Pública............................ 146
2.2 Ato Administrativo......................................................................................... 150
2.3 Contrato Administrativo................................................................................. 151
2.4 Processo Administrativo................................................................................. 154

3. Alguns Princípios da Administração Pública.............................................. 155


3.1 Breves Observações sobre alguns Princípios da Administração Pública....... 156
3.2 Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Privado...... 158
3.3 Princípio da Legalidade.................................................................................. 160
3.4 Princípio da Impessoalidade.......................................................................... 163
3.5 Princípios da Moralidade............................................................................... 165
3.6 Princípio da Publicidade... ............................................................................ 166
3.7 Princípio da Eficiência................................................................................... 168
3.8 Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público..................................... 170
3.9 Outros Princípios da Administração Pública................................................ 172

4. A Administração Pública e a Consensualidade.......................................... 175

PARTE IV – A MEDIAÇÃO E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.......................... 188


1. A MEDIAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA......................... 190
2. A MEDIAÇÃO COM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA..................... 198
3. A MEDIAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA......................... 208
CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS........................................................................ 216
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 221
10

INTRODUÇÃO

O advento da Lei 13.140/2015, considerada o Marco Legal da Mediação, e a entrada


em vigor do CPC – Lei 13.105/15, normas que promoveram mudanças em direção à
estruturação de novos paradigmas na cultura jurídica brasileira, para além de inaugurarem no
ordenamento jurídico novos institutos, consagraram também uma pratica já existente no País
há mais de 20 anos, institucionalizando-a na forma de diplomas legais. Ambas trouxeram
também diversas inovações, que estão sendo incorporadas aos poucos na realidade jurídica, ao
criarem um verdadeiro microssistema de incentivo ao uso da Mediação e os demais métodos
autocompositivos de solução de conflitos em diversos contextos, inclusive no da
Administração Pública.
Dentre as inovações oferecidas pelo legislador, destaca-se o Capítulo II da primeira lei
acima citada e alguns dispositivos da segunda, que tratam da autocomposição de conflitos, em
que um dos participantes, ou todos, constitui pessoa jurídica de direito público ou um agente
público. Nesse sentido, ambos os diplomas legais parecem transcender à Mediação, sobretudo
quando se trata de pensar a atividade como um dos métodos, e não o único, de resolução de
conflitos. Além disso, ambos oferecem também um momento marcante em prol de um
movimento que hoje a doutrina identifica como tendência na Administração Pública e, por
conseguinte, no Direito Administrativo, em direção ao consensualismo.
A propósito do Código de Processo Civil em vigor, vem à mente o Direito Processual,
que em sua doutrina identifica ser a autocomposição o ajuste de vontades; ao seu lado, aponta
a autotutela como método de resolução de conflitos, muito embora o considere a mais
primitiva das formas, correspondendo à imposição de vontade de um sobre o outro. Indica,
ainda a heterocomposição, em que a solução é decorrente da decisão de um terceiro,
imposta aos envolvidos, estando a ela vinculados. Nota-se que nas duas primeiras,
autocomposição e autotutela, não há necessariamente a existência da intervenção de um
terceiro imparcial e independente como na última, motivo pelo qual poderá dar margem a
eventuais dúvidas sobre o método utilizado, sobretudo tendo como perspectiva atual a
escolha do método adequado para o conflito.
Nesse sentido, apesar da eventual confusão que possa gerar a redação de ambas as leis,
que optaram por assim definir sem ter claros outros aspectos, como os elementos intrínsecos
ao processo de Mediação, o presente texto pretende alcançar sua amplitude, bem como
11

demonstrar o quanto a classificação acima não traduz sua plenitude, sobretudo no contexto da
Administração Pública, seja como promotora da atividade ou como parte na Mediação. Com o
objetivo de tornar mais clara esta perspectiva, outros métodos de resolução de conflitos serão
apenas mencionados e diferenciados, por apontarem em direção ao consensualismo no
contexto público.
Para que se possa alcançar o diferencial acima proposto, necessário se faz pensar no
grande impulsionador da atividade que é a busca da Justiça, hoje compreendida como acesso
à ordem jurídica justa. E, também, em como esse acesso é feito pela Mediação, tendo como
premissa o seu diferencial, sobretudo com os outros métodos, a partir da perspectiva do
significado do que seja justo para os participantes. Por isso, ao se tratar da Mediação e do
ordenamento jurídico, iniciam-se observações sobre o acesso a ordem jurídica justa. Na
sequência, serão pontuados aspectos relevantes sobre a Mediação, especialmente na
perspectiva de diversos autores e a partir de seus três eixos estruturantes, isto é, o processo
dialógico, os participantes e o mediador (terceiro imparcial e independente). Digna de nota é a
não inclusão do componente disparador da Mediação, o conflito. Será mencionado,
evidentemente, com tal status, pois o lume do estudo é sua gestão.
Nesse sentido, importante serem desenvolvidas análises relativas aos textos legais,
mesmo de maneira genérica – o Marco Legal da Mediação e o Código de Processo Civil atual
–, a fim de que se possa mensurar o impacto linguístico que ambas as normas têm promovido
e continuarão a promover, ao mesmo tempo que têm apontado para eventuais dificuldades de
sua implementação dentro do alcance efetivo do texto das normas em referência, já que ambas
propõem novos paradigmas na transformação dos conflitos. Mesmo porque as normas
constituem-se verdadeiras disparadoras dessa nova perspectiva num país onde o positivismo é
a palavra mais adequada para expressar a visão da sociedade.
Por isso, a análise mais atenta de seus textos se faz necessária, tendo como pano de
fundo o refletir sobre a essência do instituto da Mediação, a partir de seus três eixos
estruturantes, processo, mediador e participantes, como mencionado anteriormente.
Inclui também comentários pontuais sobre os dispositivos confrontantes entre os dois
diplomas legais, a fim de mostrar que a pós-modernidade propõe sua harmonização em
função do instituto do diálogo das fontes.
Os eixos acima apontados levam a refletir sobre a perspectiva contratual a que a
Mediação se propõe, já que ela se identifica com componentes contratuais entre os
participantes e o mediador, que os auxiliarão na construção de soluções para o conflito,
12

mesmo não sendo escritas, como é o caso de sua utilização no contexto judicial. E, tendo
como referência essa premissa, há que se lembrar dos elementos de sua estrutura e seus
aspectos contratuais para que assim seja reconhecido o instituto da Mediação. Tais elementos
não parecem claros para muitos autores, em especial os que tratam da Mediação judicial. Essa
situação é agravada por inexistir debate sobre seu regime jurídico, mesmo entre aqueles que
propõem seu uso no contexto da iniciativa privada, dos sistemas de Justiça ou da própria
Administração Pública. E se considera fundamental abordar este aspecto relativo à Mediação,
pois seus elementos contratuais se fazem presentes em todos os contextos em que é
empregada, seja no ambiente judicial, pré-processual, processual ou extrajudicial, seja dentro
de uma instituição ou fora dela, antes, durante e depois de um processo judicial ou arbitral, ou
mesmo no ambiente da Administração Pública. Além disso, esse elemento configura-se como
um dos diferenciadores da própria atividade em relação à autocomposição.
Ao final, como dito anteriormente, pretende-se abordar aspectos relevantes sobre a
Mediação e a Administração Pública, observando todo o potencial de seu uso sob a
perspectiva contratual em diversos contextos do Poder Público, tendo como premissa estar
inserida no Poder Executivo e levar a cabo todos os seus elementos contratuais. Portanto, ao
se tratar de Administração Pública, fundamental se faz diferenciar o significado das palavras,
quando se afirma que a Mediação é realizada na, com e da Administração Pública. Para
cada uma das preposições destacadas acima, um universo específico de conflitos,
participantes e, por que não dizer, mediadores farão parte do processo de Mediação. Em
outras palavras, tais preposições, ao serem empregadas, apresentam cenários múltiplos e
muito diferentes entre si, podendo ser identificados como eixos em que elementos distintos
ocorrerão e que refletirão sobremaneira na Mediação a ser desenvolvida, quando se trata do
contexto público. Por isso, há que se ter muita cautela quando os três eixos da Mediação
estiverem sendo objeto de sua aplicação, pois dependerá deles mesmos para que se possa
utilizá-la de maneira mais adequada e evitar eventuais equívocos em sua prática.
Em outras palavras, trata-se de abordar como a Mediação pode ser utilizada,
respeitando seus princípios e norteadores, sobretudo contratuais, tendo como referência seus
três eixos estruturais, já mencionados: o processo dialógico, o mediador e os participantes, e a
perspectiva de seus integrantes e seu objeto, que é o conflito.
Por isso, é necessário visualizar seu emprego naquele ambiente, marcado pela
amplitude, já que a legislação mencionada constitui um verdadeiro incentivo a todo órgão
público e seus gestores. Pelas próprias características da Mediação, seu emprego é possível
13

em imenso universo da Administração Pública, direta ou indireta, como será demonstrado. Ao


mesmo tempo, pretendemos reforçar a distinção existente no emprego das preposições
mencionadas, pois as características serão distintas conforme cada uma delas, a partir dos
eixos mencionados e do conflito a ser objeto da Mediação, inclusive na perspectiva de ser
adotada como política pública de algum órgão da Administração Pública, quer sobre o ângulo
funcional, quer sobre o ângulo organizacional.
14

PARTE I – ACESSO À JUSTIÇA OU À ORDEM JURÍDICA JUSTA E OS MÉTODOS


DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

Como mencionado na Introdução, por quase três décadas, a Mediação foi praticada no
País sem qualquer definição ou enquadramento no ordenamento jurídico brasileiro. Fernanda
Levy1 enfatiza que o instituto
no Brasil, chega por volta dos anos 80, pelas mãos dos psicólogos e logo a seguir
dos advogados. Com toda a riqueza que essa interdisciplinaridade oferece, a
mediação se instala no Brasil a partir de projetos comunitários, no âmbito judicial e
mais recentemente no educacional e empresarial.

Corroborando com essa perspectiva histórica, Lia Justiniano dos Santos e Luiz
Gonzaga D´Avila Filho2 consideram que, já em 2009, ocorria o uso efetivo da Mediação
“como meio extrajudicial de solução de conflitos”, o que tornava sem razão de ser o debate
em torno de sua introdução ou não no sistema jurídico brasileiro. Tal fato a levou a ser
empregada sem qualquer tipo de identificação jurídica. Nesse sentido, como salientado por
este autor3 em outra oportunidade, “muito embora no Brasil já existia ampla experiência do
emprego da Mediação em vários contextos, no âmbito judicial foi institucionalizada pela
Resolução 125 em 2010”. Camila Nicácio4, por seu turno, em concordância, ressalta que
se é certo que o movimento de institucionalização da mediação (via poderes
Judiciário, Executivo e Legislativo) vêm de longa data no país, não se deixou de
observar, por essa razão, o desenvolvimento de experiências cidadãs desvinculadas
de qualquer referência ou quadro institucional mais amplo, mormente no setor
privado na esteira das organizações e associações. Por um lado, o Judiciário
brasileiro, premido pelo acúmulo de processos e por uma lentidão crônica, tal como
demonstrado em alguns estudos (cf. Diagnóstico do Poder Judiciário, Ministério da
Justiça, 2004 e, desde então, Justiça em números, CNJ), assume papel central na
promoção da mediação como meio não somente de contribuir para o desafogamento
do sistema, mas igualmente, de apostar em uma política de pacificação social.

A Resolução 125 do CNJ, em 2010, elegeu a Mediação e a Conciliação como métodos


adequados de tratamento dos conflitos, com o objetivo de incorporá-las no panorama jurídico-
judiciário brasileiro, em um esforço de resposta àquela crise, bem como de tentar fomentar a

1
LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Cláusulas escalonadas – A mediação comercial no contexto da arbitragem.
São Paulo: Saraiva, 2013. p. 84.
2
SANTOS, Lia Justiniano dos; D´AVILA FILHO, Luiz Gonzaga. A Mediação de Conflitos e a Mudança de
Paradigma. In SALLES, Carlos Alberto de (coord.). As Grandes Transformações do Processo Civil Brasileiro.
São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 584.
3
BRAGA NETO, Adolfo. Mediação de Conflitos: Conceito e Técnicas. In: SALLES, Carlos Alberto;
LORENCINI, Marco Antonio Garcia Lopes; SILVA, Paulo Eduardo Alves da (org.). Negociação, Mediação,
Conciliação e Arbitragem – Curso de Métodos Adequados de Solução de Controvérsias Rio de Janeiro: Forense,
2019. p. 156.
4
NICÁCIO, Camila Silva. De “alternativa” a método primeiro de resolução de conflitos: horizontes da
mediação para além de sua institucionalização. In: BRAGA NETO, Adolfo. Mediação: uma experiência
brasileira. São Paulo: CLA, 2018. p. 23-24.
15

cultura da autocomposição no lugar da cultura da sentença. Inaugura-se, assim, uma Política


Pública de Tratamento Adequado aos conflitos, identificada por Francisco José Cahali 5 como
uma iniciativa de reconhecido sucesso por ter sido incluída no Código de Processo Civil de
2015, definitivamente incorporando o chamado Tribunal Multiportas no sistema processual
estatal e, com isso, introduzindo “como etapa procedimental a autocomposição, integrando
facilitadores (mediadores e conciliadores) como auxiliares da Justiça, conferindo ainda maior
relevância aos institutos, inclusive com maiores detalhes de seu regramento”.
Ao mesmo tempo, aqueles que já a utilizavam a percebiam como uma forma
diferenciada de Justiça, que passa pela autonomia da vontade efetiva de seus integrantes.
Justiça esta considerada como um dos métodos integrantes da “Justiça Conciliativa”, nas
palavras de Ada Pelegrini Grinover6. Daí a importância de tratar do tema acesso à Justiça ou
acesso à ordem jurídica justa, bem como do termo Justiça.

5
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. 7 Ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 13.
6
GRINOVER, Ada Pellegrini. Ensaio sobe a processualidade. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016. p 65.
16

1. ACESSO À JUSTIÇA E/OU ACESSO À ORDEM JURÍDICA JUSTA

O conceito de Justiça, e de como alcançá-la, tem se revelado através dos tempos como
um dos mais, senão o mais, complexos a ser concebido, mensurado ou mesmo construído, em
razão dos infinitos componentes semânticos que a própria palavra comporta. Torna-se difícil
também elencar o número de pensadores que ofereceram, em diferentes épocas, e continuam a
oferecer a sua própria perspectiva, numa tentativa de responder à angústia do ser humano
diante de sua busca incessante pela Justiça, sobretudo quando está diante de um conflito.
Para muitos, a Justiça é um componente que se faz imprescindível para o viver, ou do
melhor viver do próprio ser humano. Outros a concebem como elemento a ser buscado nas
relações entre os seres humanos, necessitando estar definida para que possa ser identificada. E
outros, ainda, consideram ser um componente do próprio ser humano, pressuposto de sua
natureza. Há, ainda, aqueles que a vêm como elemento meramente político, propondo a
possibilidade de ser o modo de governar e ser governado.
A palavra Justiça tem origem no latim Justitia, que possui entre outros significados:
justo, direito, correto, lei, injusto, moral, ética, equidade, princípio de Justiça, valor. São
inúmeros conceitos, que, pela sua amplitude, merecem toda a atenção em função do momento
em que são empregados. A palavra é formada a partir do substantivo neutro ius, que
primitivamente significava fórmula religiosa com força de lei. Seu significado, na verdade,
para o ser humano, ao invocá-la, denota elementos que transcendem a vida cotidiana, pois
reflete o campo social, político, econômico, cultural e todos os demais em que o
conhecimento humano está.
Nesse sentido, relevante lembrar alguns pensadores de inúmeras e diferenciadas
épocas, a fim de apontar o que hoje se considera a perspectiva de Justiça oferecida pela
Mediação. A seguir apresentaremos alguns deles e suas pontuais observações sobre Justiça,
que fazem de alguma maneira conexão com elementos da Mediação, a partir do momento
histórico que viveram. Outros poderiam ser mencionados, mas não foram incluídos pelo fato
de seus pensamentos não possuírem a conexão acima mencionada.

1.1 Alguns Pensadores da Antiguidade

Na Antiguidade, evidentemente o primeiro nome que vem à mente é Sócrates e seu


pensamento concretizado nos diálogos de Platão.
17

Ambos os filósofos7 consideravam Justiça como uma das virtudes e sabedorias


humanas, que incluía dar a cada um o que lhe é devido, e consideravam não ser justo causar
dano a qualquer pessoa. Defendiam8 também conservar a cada um o que é seu e fazer o que
lhe compete, cuidando a cada um do que lhe diz respeito. Platão9, além disso, preocupava-se
com eventuais desvios que o ser humano pudesse trilhar, enfatizava que o homem justo perdia
do injusto, pois este sabia obter para si as maiores vantagens. Pregava que Injustiça é mais
forte, mais livre, mais atrativa e dominadora do que a Justiça. A perfeita Injustiça é mais
vantajosa que a perfeita Justiça. Homem injusto visa levar vantagem sobre o outro, sendo que
o justo não visava obter vantagem sobre seu semelhante. Para ele o homem justo é bom e
sábio e o injusto é ignorante e mau.
Percebe-se em seu pensamento elementos maniqueístas, que marcaram não somente
sua obra, mas também o pensamento clássico, tendo como grande influência o componente
religioso na crença do temor aos deuses. Salientava que a Injustiça faz nascer o ódio entre os
homens, consequentemente lutas e dissensões entre eles, enquanto a Justiça gera amizade e
concórdia. Por isso, dava muita importância para a temperança, a tal ponto que propunha o
dever de dar precedência à virtude da Justiça. Entendia que era uma espécie de domínio sobre
o prazer e a forma de o homem ser senhor de si mesmo e evitar se deixar levar pelo desejo. Já
anunciava, de certa forma, a existência da Justiça voluntária, à qual o homem poderia se
submeter por vontade própria, e a involuntária, à qual não teria como controlar. Muito embora
não tenha oferecido em seus diálogos mais detalhes sobre tais componentes, é importante
marcar o elemento de voluntariedade do próprio homem em busca do justo e também a
perspectiva da temperança. Ambos constituem componentes importantes no que será exposto
sobre a Mediação.
A propósito da Justiça voluntária e involuntária, convém lembrar o discípulo de
Platão, Aristóteles10, que em Ética a Nicômacos, referendava esses conceitos e os ampliava
com o objetivo de esclarecer que a Justiça, muito embora se constitua na mais elevada forma
de excelência moral, não deixando de ser uma virtude, é baseada na disposição da alma das
pessoas ao agirem na conformidade do que é justo. Não menosprezava o papel relevante
exercido pela moral, pois o sentido que dá a ela permanece nele, entretanto buscava apontar

7
Platão. Leis (Sobre a legislação. Gênero Político) Livro I. Belém: Universidade do Pará, 1980. p. 85.
8
Platão. Leis (Sobre a legislação. Gênero político) Livro IX. Belém: Universidade do Pará, 1980. p. 288.
9
Platão. Leis (Sobre a legislação. Gênero político) Livro IX. Belém: Universidade do Pará, 1980. p. 310.
10
Aristóteles. Ética a Nicômacos – Livro V. Trad. Mário da Gama Kury. 3ª Ed. Brasília: Universidade de
Brasília, 2007. p. 121.
18

que a Justiça inclui componentes que lhe dão mais amplidão com base numa conduta ética do
homem. Chega a essa conclusão ao questionar as ações justas e injustas adotadas pelos
homens, pois, além de se relacionarem entre si, envolvem a ética, sobretudo na busca do bem
para o próximo.
Nesse sentido, apontava as vertentes possíveis para a Justiça. Identificou
especificamente quatro, que denominou de Justiça em sentido estrito; política; doméstica; e
social. A primeira se divide em Justiça distributiva ou condecorativa, que envolve o seguinte
conceito: dar a cada um o que lhe é devido, tendo como pressuposto seu respectivo papel na
sociedade. Ainda em sentido estrito, denominou de Justiça corretiva ou comutativa aquela em
que, através de regras de conduta, determina-se um agir para correção de alguma conduta.
Utilizou critérios do justo para repartir entre os indivíduos os méritos de cada um, visando ao
restabelecimento do equilíbrio eventualmente rompido entre eles. Nesta última, identificou a
voluntária ou privada, a partir da vontade das pessoas, e a involuntária, com componentes
públicos, em que é permitido o uso da força.
Já a Justiça política está mais centrada nas relações entre os indivíduos e seus iguais,
portanto é aquela que organiza o modo de vida dos homens que compartilham espaços
comuns e usufruem do mesmo status. Divide-se em legal e natural. A primeira é
fundamentada na lei, sendo definida pela vontade do legislador. A natural, por seu turno,
rompe as barreiras políticas, transcende a vontade humana, é imutável e possui a mesma força
em todo lugar em que ocorre.
Por sua vez, a Justiça doméstica é atribuída por Aristóteles no contexto de onde reside
o indivíduo, regendo as relações entre pais, filhos e escravos. É a Justiça do senhor com o
escravo e do pai com o filho, por não possuírem o mesmo status.
E, por último, está a que chamou de Justiça social ou equidade. Ao comparar equidade
e Justiça, conclui que a primeira é melhor por ser justa e não necessariamente segundo a lei,
mas, sim, o que chamou de corretivo de Justiça legal. Para ele, a equidade promove a correção
da própria lei quando existe omissão em função de eventual generalidade ou indefinição da
lei. Sustentava que a equidade promove adequações na lei a partir da situação fática,
atendendo a suas peculiaridades. É importante marcar este último componente, pois integra
também a Mediação, como será exposto mais adiante.
19

Na Roma antiga, a concepção de Justiça adquire valor e sentido mais amplo com o
pensamento de Cícero11, apresentado em suas obras, sobretudo a denominada Dos Deveres.
Seu conceito de Justiça passa por uma evolução e expansão, muito embora também a conceba
como virtude, porém com uma conotação moral e filosófica mais ampla, que espelha o bem
comum e reforça a capacidade de dar a cada um aquilo que lhe é próprio. A Justiça se adequa
aos altos cargos do Estado, qualifica o governante e, ao mesmo tempo, é a faculdade de
julgar, segundo a melhor consciência, já que poderá promover equilíbrio na comunidade e
criar ambiente propício para o nascimento de outros valores morais.
Para Cícero, o conceito de Justiça inclui também a noção de liberdade, uma vez que
eram consideradas partes de uma virtude explicada como o sentimento da comunidade e as
obrigações que dela nascem. Ao homem inserido na sociedade, cabia a obrigação pessoal de
ser justo.
Ele entendia que a liberdade subtraía a aridez e a aspereza jurídica do conceito de
Justiça, atribuindo-lhe afeições humanas pertinentes ao senso de comunidade, de viver junto
com outras pessoas. Para ele, a liberdade era compreendida como intrínseca à Justiça, pois
considerava que o homem se constrói com sua existência no desenvolvimento de sua própria
natureza, baseada na razão.
Impende observar que liberdade e o elemento de inclusão do convívio entre os
indivíduos constituem elementos importantes também para a Mediação nos tempos atuais,
como será mencionado mais adiante.

1.2 Pensadores da Idade Média

Na Idade Média, a Igreja exerceu forte influência no pensamento filosófico e, da


mesma maneira, no conceito de Justiça, ainda que os dois pilares mencionados anteriormente
continuem a sustentar a concepção do justo.
Assim, emerge o pensamento de Santo Agostinho12 no período em que a atenção do
homem é mais voltada para a vida contemplativa, numa crença predominante de que o mais
importante era preservar e salvar a alma. Por isso, a ideia de Justiça para ele está associada à
divindade, com aspiração à perfeição. Ele tenta demonstrar a perfeição das leis divinas,
considerando-as infinitamente boas e justas, e faz uma distinção com as leis humanas, que,

11
CÍCERO, Marco Túlio. Dos Deveres. Tradução e notas João Mendes Neto. São Paulo: Saraiva, 1965. p.123.
12
AGOSTINHO, Santo. Diálogo sobre o livre arbítrio. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 2001. p. 231.
20

por serem humanas, correm o risco de erros, injustiças derivadas da imperfeição humana. Ao
mesmo tempo, são menores por regrarem o comportamento da sociedade. Ele defendia que
todo governo, para ser justo, deve seguir a lei divina. Identificava que o homem é a união
entre corpo e alma, sendo dotado do livre arbítrio, reconhecendo ser possuidor de liberdade
para agir segundo sua vontade e, por isso, poderia ser julgado por suas escolhas. Defendia que
aquele que pratica o bem o merece. E aquele que pratica o mal o merece também. Percebe-se
nele a dicotomia entre homem e divindade, sendo a Justiça baseada nos parâmetros divinos e
no bem e no mal dessa dicotomia. Fundamental apontar em seu pensamento o livre arbítrio,
outro elemento estruturante da Mediação como será exposto.
Por outro lado, São Tomás de Aquino13, ao se posicionar sobre os conceitos éticos,
concordava também que Justiça é uma virtude, porém considerava estar relacionada à
constante e perpétua vontade de dar a cada um o seu direito.
Chamava a atenção para o elemento vontade, levantando algumas objeções que a
limitam. Acrescentava que a Justiça estará correta se incluir o bem. Para que toda virtude seja
hábito, que é o princípio do ato bom, é necessário que a virtude seja definida mediante ato
bom, sobre a mesma matéria da virtude. Assim, o ato da Justiça se expressa quando se diz que
dá o direito a cada um. Portanto, para que qualquer ato sobre alguma coisa seja virtuoso,
requer-se que seja voluntário, estável e firme.
Estabeleceu diferenças entre as virtudes morais e as virtudes da Justiça. Enquanto as
virtudes morais têm como objetivo estabelecer a justa medida, atendendo às disposições do
sujeito, as virtudes da Justiça se estabelecem igualando com a coisa anteriormente dada ou
recebida. É a virtude da Justiça, entre as demais virtudes, que cuida da conduta exterior do
homem: a virtude como prudência, temperança e bondade. Estão todas intimamente ligadas à
conduta interior, uma vez que convêm a si próprio, no entanto, a Justiça como fator exterior
está diretamente relacionada ao Direito, ou seja, é uma virtude que estabelece relação com o
próximo, isto é, o bem ao próximo.
Importante enfatizar que em ambos os pensadores se nota o elemento comum de
respeito à individualidade, mesmo com forte influência religiosa. Este componente de respeito
à individualidade é outro tema relevante para os tempos atuais e também para a Mediação.

TOMÁS DE AQUINO, São. Suma Teológica – Tratado de Justiça – II Seção da Parte II. Porto: Resjuridica,
13

2002. p. 276.
21

1.3 Pensadores da Idade Moderna

A liberdade em Thomas Hobbes14 sempre deve ser considerada segundo os


ordenamentos da lei, as quais estabelecem os critérios do justo e do injusto. Assim, o
conceito de liberdade, para ele, poderia ser descrito no sentido de que o homem possui o
direito de agir da maneira como sua razão ordenar, dentro dos limites da lei, assim como de
pactuar a partir dessa liberdade. Consequentemente, é medida de Justiça o devido
cumprimento dos pactos firmados, porém, dada a natureza má do homem, este poderá não
cumprir os pactos acordados e agir de modo injusto por estar de acordo com sua consciência,
se perceber que a quebra do pacto não lhe acarretará nenhum prejuízo, e ainda gozará dos
benefícios, não hesitando em agir desta maneira. Percebe-se nestes aspectos pontuais o
posicionamento de Hobbes no tocante ao que ele chamava de Justiça Geral, em que há a
necessidade de algo a ser imposto no cumprimento do pacto acordado ou para agir com
Justiça. Para ele, a lei e o Estado consistiriam em mecanismos para assegurar a Justiça, que
estaria no cumprimento do pacto, uma vez que, cumprindo a lei ou o pacto, o homem estaria
cumprindo com sua palavra, agindo de acordo com o esperado pelo seu próximo, de maneira
que este próximo agiria da mesma forma. Todos cumprindo mutuamente com suas
obrigações, derivadas de sua livre vontade na hora da contratação. Neste sentido, a Justiça não
é algo inerente à condição humana do indivíduo, pois, não havendo pacto, é justo cada um
fazer o que bem entender, uma vez que se está em um estado de natureza. No entanto, na
medida em que, por sua livre manifestação de vontade, o sujeito contrata, dando a sua palavra
para o outro indivíduo, este pacto deve ser cumprido. Trair o pacto firmado é ser injusto.
Por outro lado, a base do pensamento jurídico, razão de ser do Direito, para Kant15, a
Justiça impõe-se a todos como uma reflexão permanente. A identificação da liberdade, como
primeiro bem a ser reconhecido a cada ser humano, termina por relacioná-la
indissoluvelmente à ideia de Justiça. Pertencendo a liberdade à natureza humana, remete à
igualdade, que deve existir para todos igualmente e deve compatibilizar-se com o exercício da
liberdade de todos os iguais. Chega-se, assim, à concepção de Justiça, sendo justa somente a
ação que privilegia a liberdade de arbítrio de cada um, podendo coexistir com a liberdade de
todos. Kant defendia que todo ser dotado de razão tem capacidade moral e não necessita de
nenhum sistema de regras para conhecê-la e decidir-se pelo bem ou pelo mal. Para ele, a

14
HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma, Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Trad. João Paulo
Moraes e Maria Beatriz Nizza da Silva. 2ª Ed. Lisboa: Imprensa Nacional, 2000. p. 89.
15
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. J. Rodrigues de Merege. Lisboa: Edições 70, 2007. p. 256.
22

diferença entre Justiça e a moral estaria no momento de aplicação – mas ambos teriam em sua
base princípios existentes e seriam dedutíveis pela razão. Em ambos, ainda, o princípio
supremo seria a liberdade. Nesse sentido, a vontade aparece como elemento central da visão
kantiana, a grande constituidora da ética, a própria razão pura prática. Mas não a vontade, que
não atende ao princípio da universalidade: a ação moral resume-se a elevar o individual e
subjetivo ao plano do universal e objetivo.
Kelsen16, de sua parte, defendia que o conceito de Justiça deve ser distinto do Direito.
Concebia a Justiça ligada à felicidade. Demonstrava que não é algo simples de se
compreender, pois o sentido de felicidade é algo muito complexo, tanto quanto o de Justiça.
Por isso, indagava como considerar que a Justiça é felicidade se cada indivíduo da sociedade
possui visão diferente. Assim, para ele a Justiça só será possível a partir do momento em que
for feita uma análise da felicidade de acordo com um sentido objetivo-coletivo, aquela que é
indicada pelo legislador e aplicada por um governante. Ressaltava que as necessidades
individuais estão ligadas a juízos de valor e quando há conflitos desses valores a solução é de
caráter subjetivo, sendo avaliada por meio de uma hierarquia de valores. A vida para alguns é
tida como bem supremo; para outros, é a liberdade o maior bem. Kelsen oferece o exemplo de
um prisioneiro ou um escravo que têm de decidir qual desses valores é maior. No caso, a
liberdade para ele seria o suicídio; essa resposta só pode ser subjetiva e válida somente para
quem julga, e não uma constatação válida para todos, pois esse é um juízo de valor e não de
realidade, o que é verificado por meio de experimentação. Assim, a Justiça é o que é justo ao
emocional de quem julga. Em um breve resumo muito pontual, Kelsen afirmava que Justiça
seria a felicidade social, seria o que é aceito pela sociedade, não visualizando o sentimento
individual de Justiça, mas o sentimento coletivo, consubstanciado no direito positivo,
podendo ir em desencontro com o que seja realmente a Justiça, mas nem por esse motivo
deixará de ser eficaz. A Justiça é a que vem das normas positivadas objetivas, que são um
padrão para todos, um significado que surge a partir do dever ser, através de um ato de
valoração. É, além disso, a retribuição a partir de uma norma jurídica violada, que deve ser
punida não através de uma vingança, mas de uma lei que pune o descumprimento de outra.
Seria a separação da ciência e da política, o que lhe parece ideal, pois, assim, evitam-se os
interesses particulares e arbitrários daqueles que julgam.

16
KELSEN, Hans. O que é Justiça? Trad. Luiz Carlos Borges e Vera Barkow. 3ª Ed. São Paulo: Martins Fontes,
2001. p. 79.
23

Nota-se nos três pensadores acima a importância que davam para a liberdade, a
igualdade e a felicidade, todos componentes integrantes da Justiça, que também fazem parte
da Mediação, como será destacado oportunamente mais adiante.

1.4 Pensadores da Contemporaneidade

Evgeni Bronislávovich Pachukanis17 afirma que o conceito de Justiça nos tempos


contemporâneos é proveniente única e exclusivamente da relação de troca e não contém,
essencialmente, nada de novo com relação ao conceito de igualdade entre todos os homens.
Ele não via sentido estar contido neste conceito qualquer tipo de critério autônomo e absoluto.
Entretanto, tendo como habitual esta perspectiva, leva-se à interpretação da desigualdade
como igualdade, sendo conivente para camuflar a ambiguidade de forma ética. Cabe lembrar
que considerava Justiça ser a via de conduta entre ética e o direito. A conduta moral deve ser
livre, enquanto a Justiça pode ser obtida pela força. A coação que impede a conduta moral
tende a negar sua própria realidade. Para ele, esses elementos devem estar adequados da
melhor forma pelo poder do Estado, podendo a relação jurídica se realizar igualmente sem a
sua intervenção graças ao direito consuetudinário, à arbitragem voluntária, à Justiça pessoal.
Leo Strauss18, por seu turno, ressalta que o direito natural pressupõe que a Justiça é de
importância vital para o homem, que não pode viver sem ela e, sobretudo, viver bem sem ela.
Por isso, para ele a vida exige o conhecimento sobre os princípios de Justiça. Cada homem
possui sua perspectiva de Justiça e seus princípios de Justiça, o que leva ao debate sobre justo
e injusto. O justo pode perfeitamente variar de cidade para cidade e de época para época: a
variedade das coisas justas não é apenas compatível com o princípio de Justiça, com a
identidade entre o que é justo e o bem comum, mas é, mais ainda, a sua consequência
necessária. Ao mesmo tempo, Justiça é compreendida como o hábito de abster-se de
prejudicar os outros ou como o hábito de ajudá-los ou de subordinar o interesse de um
indivíduo ou segmento ao interesse do outro. Assim entendida, ela é necessária para a
preservação da cidade.

17
PACHUKANIS, Evgeni Bronislávovich. Teoria Geral do Direito e Marxismo. Trad. Silvio Donizete Chagas.
São Paulo: Acadêmica, 1988. p.78.
18
STRAUSS, Leo. Direito Natural e História. Trad. Bruno Costa Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p.
89.
24

Por outro lado, Niklas Luhmann19 destoa por completo da alusão ao direito natural,
por não acreditar que a própria natureza seja justa, por isso afirmava não existir
obrigatoriamente uma relação entre o justo e o natural. Considerava que a Justiça, a partir de
sua teoria dos sistemas no contexto da sociedade complexa, funcionalmente diferenciada,
realiza-se por meio da fórmula de contingência do sistema jurídico, cuja finalidade seria
justamente fornecer controles de consistência e de adequação às decisões jurídicas, baseados
na razoabilidade sistêmica. Nesse sentido, a Justiça ultrapassa explicitamente a consistência
interna; ela não é concebida como imanente ao direito, mas como transcendente a ele. Assim,
para que haja Justiça é necessário que a consistência interna se articule para ter capacidade de
dar resposta adequada às demandas plurais advindas do ambiente. Trata-se de uma forma de
autocontrole do subsistema jurídico que, por um lado, não é identificável com a natureza, pois
isso seria inaceitável em função da fundamentação metafísica que implica. Para ele, essa
forma de autocontrole, proporcionada justamente pelo conceito de Justiça, implica que, no
cumprimento dessa função, seja reelaborada. Note-se, além disso, que a descrição da Justiça
como fórmula de contingência consiste na perspectiva de uma observação externa, ou seja,
sociológica. No interior do sistema jurídico, porém, a Justiça remanesce, como ideia, valor ou
princípio. E, enquanto fórmula de contingência, não visa medir o grau de perfectibilidade do
subsistema jurídico, mas permitir a generalização congruente das expectativas normativas.
Decorre daí a sua ligação indissociável com a consecução da função desse subsistema20, que
se realiza sob a forma de símbolo, não absoluto, mas intrassistêmico, de determinação da
congruência generalizada das expectativas normativas. É nesse sentido que ele define a
Justiça mediante distinções, afirmando que ela é autorreferencial não como operação, mas
como observação que se remete não para o nível do código do subsistema jurídico, mas para a
posição dos programas condicionais. Quando a Justiça se materializa não como teoria, mas
como norma, passível de frustração enquanto tal, tem-se como consequência a possibilidade
de existirem ordenamentos jurídicos injustos (ou dotados de maior ou menor grau de Justiça),
sem que, com isso, seja possível afirmar que a autopoiese operativa desse subsistema, ou do
seu código, possa ser justa. Luhmann, ao oferecer a perspectiva da Justiça dentro do
paradigma da teoria dos sistemas, muda o foco de observação individual ou individualista
metodológico para a observação das comunicações que operam internamente e entre si nos

19
LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito. Vol. 1. Tradução Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Edições Tempo
Brasileiro, 1983. p. 79-134.
20
Idem, p. 87-98.
25

diversos subsistemas sociais. O conceito de comunicação ocupa, portanto, um lugar central,


pois a considerava o limite da sociedade e onde se inicia o estudo da sociologia, além de
possuir a função de reprodução do sistema social. E, numa sociedade altamente complexa,
para se proporcionar Justiça é preciso adaptar a complexidade social à comunicação
sistêmica. Em outras palavras, é preciso moldar a complexidade externa ao sistema jurídico
para, consequentemente, produzir comunicação adequada. Para tanto, deve ser identificada
com a igualdade, expressando um elemento formal, o qual consigna todos os conceitos de
Justiça, sendo vista como princípio que se autolegitima e com ela se confunde, passando a ser
um princípio de racionalidade. Isso significa que a igualdade passa a funcionar, no âmbito do
subsistema do direito, como postulado regulador da congruência jurídica.
A Justiça em Norberto Bobbio21 não deixa de ser um fim social, assim como a
igualdade, liberdade, democracia e o bem-estar. Para ele, a diferença é que os últimos são
termos descritivos e a Justiça não, pois consiste em uma noção ética fundamental e não
determinada. Ao fazer referência a um conceito normativo, equipara-a a legalidade,
imparcialidade, igualitarismo e acaba se confundindo o ser e o dever ser, o que leva mais uma
vez à dicotomia ética e moral. Nesse sentido, convém lembrar as possíveis classificações por
ele identificadas como distributiva e reparadora, já identificadas por Aristóteles: a primeira se
materializa com a distribuição de honras, bens materiais ou qualquer outra coisa divisível; e a
segunda oferece a possível reparação a alguém que tenha perdido algo, podendo ser
compensativa ou corretiva.
John Rawls22, por seu turno, dizia “Justiça é a primeira virtude das instituições sociais,
assim como a verdade é a primeira virtude dos sistemas de pensamento”. Ronald Myles
Dworkin23, por outro lado, ao fazer referência a Rawls, identificava que os indivíduos
possuem diferentes concepções de Justiça, entendimento considerado por ele como frágil ou
quase vazio de conteúdo real. Por isso, recomendava que os pensadores da Justiça se
engajassem no projeto interpretativo que chamou de busca do equilíbrio reflexivo, adequando
os princípios de alcance geral com os julgamentos concretos sobre o que é justo e injusto.
Desta forma, seria possível inscrever uma teoria sobre as condições de veracidade das
proposições de direito em uma concepção mais ampla do valor considerado conveniente. A
filosofia jurídica assim concebida é descritiva porque começa com algum tipo de

21
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 98.
22
RAWLS, John. Justiça e Democracia. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo, Martins Fontes, 2000. p. 345
23
DWORKIN, Ronald Myles. Levando os Direitos a Sério. Trad. Ivone C. Benedetti São Paulo: Martins Fontes,
2002. p 175.
26

entendimento sobre o que é tido como certo pela comunidade à qual se destina, mas em outros
sentidos é substantiva e normativa, pois procura alcançar um equilíbrio com princípios
julgados por recursos independentes. A igualdade de recursos defendida por Dworkin se
configura, sobretudo, a partir de dois princípios básicos que permeiam toda a sua teoria da
Justiça: escolha e responsabilidade. A escolha como um princípio norteador fundamental tem
o papel de esclarecer o que, de fato, deve ser distribuído na sociedade com a finalidade de
refletir as escolhas das partes envolvidas. Este princípio permite uma avaliação sobre a
relação entre a igualdade e a liberdade na distribuição das riquezas. Enquanto isso, o princípio
da responsabilidade implica a responsabilidade individual que cada qual tem sobre o sucesso
de sua própria vida. Trata-se de um princípio relacional, no qual cada indivíduo deve ser
responsável pelas escolhas que fez e faz no decorrer de sua vida. Resta ao governo a criação
de mecanismos para que os cidadãos alcancem os objetivos refletidos nos planejamentos e
opções disponíveis.
Para Miguel Reale24, autor da teoria tridimensional do direito, justo é indicativo de
algo que tende a Justiça, que é correto, que é o mais adequado ao caso concreto analisado. É,
portanto, a solução que seria mais razoável, mais ajustada ao caso em tela. Ele lembra o termo
moral, que remete a um procedimento com Justiça. Agir com moral seria agir de modo
correto, decente, honesto, íntegro, probo. Para ele, se o direito nem sempre logra êxito na
consecução do valor proposto, é necessário, ao menos, que haja sempre uma tentativa de
realizar o justo. Pouco importa que não se alcance êxito, o que importa é que se incline à
realização do justo. Concorda com Kelsen ao afirmar que o Direito não se perfaz sem a noção
de Justiça, estando estes intimamente correlacionados, sendo que um não existe sem o outro,
porém, sendo distintos e diferentes entre si. Acrescenta que Justiça é, sempre, um laço entre
um homem, como bem do indivíduo, enquanto membro da sociedade, e, concomitantemente,
como bem do todo coletivo. Nesse sentido, o bem social situa-se em outro campo da ação
humana, que é o direito, cuja experiência histórica demonstra que a Justiça é o valor mais alto
que se pode encontrar dentro da sociedade. E mesmo que não seja o mais alto, nem seja o
mais urgente, terá a função de preservar a ordem e a paz, assim como deverá preservar as
condições para que se tenha a conquista do justo. Por isso, pondera que Justiça é a constante
coordenação racional das relações intersubjetivas, para que cada homem possa realizar,
livremente seus valores potenciais, visando atingir a plenitude de seu ser pessoal, em sintonia

24
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 39.
27

com o da coletividade. E aduz dessa antiga afirmação que cada tempo histórico tem o seu
conceito de Justiça.
Para Michael Sandel25, não obstante, existem hoje três abordagens de Justiça, a saber: 1)
aquela que se refere ao significado da maximização da utilidade ou do bem-estar, isto é a busca
de maximizar a felicidade para o maior número de pessoas; 2) a que respeita a liberdade de
escolha, tanto no sentido da escolha real que o cidadão faz em um livre mercado (perspectiva
libertária), quanto a escolha hipotética que o cidadão deveria fazer na posição original de
equanimidade (perspectiva igualitária liberal); e 3) é “a que cultiva a virtude, tem como
referência a preocupação com o bem comum”.
Jürgen Habermas26, por seu turno, com base na teoria do agir comunicativo, contida na
obra Direito e Democracia: entre facticidade e validade, oferece seu conceito de Justiça,
baseado em processos ético-morais e retirado de contextos concretos, em que “os valores são
da igualdade, equidade, reciprocidade e da troca de papéis, entendidos como acordo morais
socialmente celebrados, sem os quais não é possível considerar a moralidade de uma ação”.
Para ele, o objetivo é chegar a juízos que possam levar em conta, de forma imparcial, os
interesses e os pontos de vista de todos os envolvidos. Ao partir da moral kantiana do
imperativo categórico, propõe, entretanto, que sua legitimação seja feita pelo diálogo entre os
envolvidos em um possível discurso sobre os princípios acima mencionados, que devem
orientar as sanções. De acordo com ele, a resolução dos conflitos será mais facilmente
alcançada quanto maior for a capacidade dos membros da comunidade em restringir os
esforços comunicativos e pretensões de validade discursivas, deixando como pano de fundo o
conjunto de verdades compartilhadas e estabilizadoras do conjunto da sociedade. Isso
possibilita que grandes áreas da interação social desfrutem de consensos não problemáticos.
Evidentemente, aponta para o reconhecimento que os seres humanos são capazes de dialogar,
sendo o diálogo o principal meio para definir princípios justos e decidir ações justas.
Segundo Tercio Sampaio Ferraz Júnior27, o conceito de Justiça é, talvez, o mais
disputado na literatura jusfilosófica de todos os tempos. Concentra, desde os primórdios do
pensamento, as mais emocionais controvérsias jurídicas: “Definir Justiça constitui-se uma
iniciativa inesgotável, mas sempre renovada e, ao mesmo tempo, relativa, pois dependerá

25
SANDEL, Michael J. Justiça – O que é fazer a coisa certa. Trad. de Heloisa Matias e Maria Alice Máximo. 6ª
ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. p. 145.
26
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1997. p. 65.
27
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Do Discurso sobre a Justiça. Disponível em www.revistas.usp.br Acesso
em 23 de dezembro de 2019. p. 2.
28

muito da perspectiva do indivíduo e de grupos de indivíduos”. Em diferentes planos, pode ser


lançada tanto em dimensões ideais como um alvo ético a perseguir, quanto imiscuída na
própria existência como uma tarefa constantemente realizada. Pode ser, também, apontada
como um dado lógico da axiomática jurídica. Nesse sentido, a noção de Justiça é um tema do
qual, dogmática, crítica ou ceticamente, não se pode fugir. Afirma claramente que o homem
se deixa persuadir com frequência pelo discurso e que é sempre possível opor-se
persuasivamente a um argumento contrário ou tornar mais forte a razão mais fraca. Assim, se
o discurso, de um lado, deixa de ser um instrumento de informação, não tendo qualquer
sentido epistemológico, ele facilita, por outro, a coexistência humana, pois passa a ter sentido
ético. Conclui que, se o direito tem, no seu momento normativo, uma estrutura monológica,
enquanto direito justo, ele é um misto de monólogo e diálogo. Um sistema jurídico qualquer
pode, nestes termos, aproximar-se mais ou menos da estrutura estritamente monológica,
embora nunca chegue a instaurá-la totalmente. Assim, por exemplo, quando o Estado tenta
substituir a jurisprudência pela atividade legislativa, na qual as dúvidas surgidas na aplicação
da lei são subtraídas à apreciação judiciária e resolvidas por uma nova lei, está se
aproximando de um modelo monológico, em que a Justiça é, consequentemente, minimizada.
A monologização total, entretanto, nunca se realiza. Daí a dupla impossibilidade de reduzir-se
o mundo jurídico ao mundo da ciência, do discurso monológico, ou de reduzi-lo, ao contrário,
ao mundo do discurso puramente dialógico. Por outro lado, ele28 ressalta que a presença da
Justiça como um código de ordem superior, cujo desrespeito produz resistência e cuja
ausência resulta em desorientação, leva a pensar no papel racional de regras de convivência
dando sentido à vida. Daí a necessária distinção entre justiça formal e justiça material.
Todos autores acima mencionados apontam componentes importantes que integram a
Mediação, a saber: a liberdade de escolha da forma a ser utilizada para a resolução do
conflito; a capacidade do ser humano em dialogar para exercer suas escolhas e o primado de
ser a Justiça um discurso dialógico que na atualidade não se coaduna com o monológico. Por
isso, é importante lembrar Kazuo Watanabe29, que entende “estar a sociedade não mais na
busca do acesso à Justiça, mas sim da ordem jurídica justa”, em que a Justiça é o componente
diferenciador e disparador dos elementos apontados pelos autores elencados, que
contribuíram para o pensamento da chamada pós-modernidade. Entendida, não como

28
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito – Reflexões sobre o Poder, a Liberdade,
a Justiça e o Direito. Rio de Janeiro: Forense. 2006. p. 223.
29
WATANABE, Kazuo. Acesso à Ordem Jurídica Justa (conceito atualizado de acesso à Justiça) Processos
Coletivos e Outros Estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2019. p. 03-10.
29

oposição à modernidade, ou qualquer outro período histórico, mas como aquela que aproveita
a todas elas para construir elementos mais adequados para a sociedade, que assume uma
complexidade cada vez maior, baseada não somente em suas estruturas ou atividades
socioeconômicas, mas, sobretudo, pela multiplicidade de campos de atuação e conhecimentos
especializados. Acoplado a tudo isso, vivencia-se um dinamismo ímpar que atinge
velocidades impensáveis até então, promovendo a existência de realidades muitos distintas em
que pode ser percebida de maneira presencial ou virtual. Para ele, este cenário propicia: a) o
incremento assustador de conflitos de interesses, inclusive coletivos; 2) a impossibilidade de
conhecimento da existência de um direito; e 3) a impossibilidade de avaliação crítica do
sistema jurídico existente. Por isso, a multiplicidade de conflitos, de configurações variadas,
reclama a estruturação da Justiça de forma a corresponder adequadamente, em quantidade e
qualidade, às exigências que os conflitos aportam e as pessoas nele envolvidas desejam.
Nesse sentido, ressalta a importância da comunidade na administração da Justiça, que deve
ser adequadamente organizada para atender aos cidadãos como um todo. Com base nessas
premissas o referido autor30 destaca:
desde o início da década de 1980, quando o sistema processual brasileiro passou por
grandes e revolucionárias transformações, com a criação dos Juizados Especiais de
Pequenas Causas (1984) e a aprovação da Lei da Ação Civil Pública (1985) — com
posterior aprovação do Código de Defesa do Consumidor (1990), que trouxe no
campo processual grandes inovações, em especial a disciplina mais completa e o
aperfeiçoamento das ações coletivas —, o conceito de acesso à Justiça passou por
uma importante atualização: deixou de significar mero acesso aos órgãos judiciários
para a proteção contenciosa dos direitos para constituir acesso à ordem jurídica
justa, no sentido de que os cidadãos têm o direito de ser ouvidos e atendidos não
somente em situação de controvérsias com outrem, como também em situação de
problemas jurídicos que impeçam o pleno exercício da cidadania, como nas
dificuldades para a obtenção de documentos seus ou de seus familiares ou os
relativos a seus bens. Portanto, o acesso à justiça, nessa dimensão atualizada, é mais
amplo e abrange não apenas a esfera judicial, como também a extrajudicial.
Instituições como Poupa Tempo e Câmaras de Mediação, desde que bem
organizadas e com funcionamento correto, asseguram o acesso à justiça aos
cidadãos nessa concepção mais ampla.

Importante lembrar que não se esgota nos filósofos e juristas acima citados o rol
daqueles que se preocupam com o conceito de Justiça e seu acesso. No entanto, com eles se
nota a evolução do pensamento humano acerca do tema, que avançou mais no sentido de se
constituir a busca de uma ordem jurídica justa em que o caminho a ser trilhado pode ser a opção

30
WATANABE, Kazuo. Acesso a Ordem Jurídica Justa. Depoimento. Rio de Janeiro: Cadernos FGV Projetos
Ano 12 nº 30, 2017. p. 20. Na mesma oportunidade o referido jurista esclarece que o termo “métodos adequados
de solução de conflitos” tem sido utilizado na literatura moderna para designar os métodos alternativos de
solução de conflitos. O uso da palavra “adequados” tem o intuito de indicar uma escolha consciente por um dos
vários métodos possíveis de solução de conflitos. Além disso, é pertinente enfatizar que, para a realização de
uma escolha consciente, devem ser considerados o contexto e as particularidades de cada controvérsia.
30

da escolha de um método a partir de seus integrantes, no qual o diálogo pode promover a


Justiça. Nesta linha de pensamento, Lilia Maia de Morais Sales31 sublinha que a
Mediação de Conflitos representa um tema instigante em função de seu caráter
interdisciplinar, de sua constante evolução e de aplicabilidade em várias searas do
conhecimento e da sociedade. Os temas relacionados a acesso à Justiça,
democratização do Judiciário, instrumentos de pacificação social. Inovações no
ensino jurídico, empoderamento humano, habilidade para o profissional do século
XXI são algumas das vertentes que encontram na Mediação de Conflitos campo
para a inovação.

Ao mesmo tempo se percebe que elementos estruturantes da Mediação são identificados


em todos eles, o que leva à constatação de que a possibilidade da utilização de um método que
privilegie a vontade é uma forma de acesso à ordem jurídica justa, além de corresponder à
virtude com a conotação de preocupação com o bem comum e o que é justo. Reforçam com isso
o que Ada Pelegrini Grinover32 leciona:
o efetivo acesso à Justiça é aquele gera acesso à ordem jurídica justa, por intermédio
de uma tutela adequada que solucione os conflitos e leve à pacificação social. Isso
vai além do acesso ao Judiciário, não podendo o tema ser estudado nos acanhados
limites de acesso aos órgãos judiciários existentes no país.

Erica Barbosa e Silva33, neste aspecto, agrega que


a complexidade dos conflitos reclama a estruturação da Justiça de forma a
corresponder em quantidade e qualidade às suas estreitas exigências, com a máxima
aderência possível. Isso significa que o direito de acesso deve ser pautado por uma
adequada organização estrutural, embasada em instrumentos aptos á efetiva
realização da Justiça, com uma composição eficiente do Judiciário, bem como
institutos e categoriais processuais que denotem técnicas apropriadas à resolução de
conflitos.

Nesse sentido, cabe oferecer breves reflexões sobre os métodos de resolução de


conflitos, o que será feito a seguir.

31
SALES, Lília Maia de Morais. A Mediação de Conflitos: relato de experiências sobre a Mediação
Comunitária. In: BRAGA NETO, Adolfo. Mediação – uma experiência brasileira. 2 Ed. São Paulo: CLA, 2019.
p. 113.
32
GRINOVER, Ada Pellegrini. Ensaio sobre a processualidade – Fundamentos para uma nova teoria geral do
processo. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016. p. 75.
33
SILVA, Érica Barbosa e. Conciliação Judicial. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 25.
31

2. MÉTODOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

Como consequência das observações anteriores a respeito de Justiça e/ou a ordem jurídica
justa e seus acessos, a sociedade contemporânea já convive com a perspectiva de que o Estado
não mais possui o monopólio de Justiça. É cada vez mais perceptível, não somente para os
operadores do direito, mas também para aqueles que lidam em outras áreas do conhecimento
humano, claro, talvez com menor intensidade. Assim, nos tempos atuais, o Estado não é o
único a fazer Justiça. Candido Rangel Dinamarco e Bruno Vasconcelos Carrilho34, na mesma
linha, afirmam: “é do passado a crença em um monopólio estatal da jurisdição, responsável
pela concentração dos estudos sobre Justiça com o foco lançado exclusivamente sobre a
jurisdição estatal”. Ada Pellegrini Grinover35, por seu turno, bem reforça esta afirmação, ao
enfatizar que
a percepção de uma tutela adequada a cada tipo de conflito modificou maneira de
ver a arbitragem, a mediação e conciliação que, de meios sucedâneos equivalentes
ou meramente alternativos à jurisdição estatal, ascenderam à estatura de
instrumentos mais adequados de solução de conflitos. E tanto assim é que a leitura
atual do princípio constitucional de acesso à Justiça (a lei não excluirá da apreciação
do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito – Const., artigo 5º inciso XXXV) é
hoje compreensiva da Justiça Arbitral e da Conciliativa, incluídas no amplo quadro
da política judiciária e consideradas como espécies de exercício jurisdicional.
Entendemos, portanto, que tanto a arbitragem como a justiça consensual integram o
conceito de jurisdição (que hoje caracterizamos como atividade função e garantia ao
acesso à justiça).

Dentro desta perspectiva, cabe lembrar as ponderações de Carlos Alberto de Salles36:


no Brasil, quando se trata de distinguir as chamadas formas alternativas de solução
de controvérsias, costuma-se indicar classificação em autocompositivas e
heterocompositivas. Pretende-se distinguir, com isso, as hipóteses de soluções
pautadas no âmbito da vontade das partes, daquelas nas quais um terceiro apresenta
uma decisão, impondo, de maneira vinculante, a solução para disputa.

2.1 Autotutela, Autocomposição e Heterocomposição

Valéria Ferioli Lagrasta37 lembrando os ensinamentos de Niceto Alcalá-Zamora y


Castilho destaca que os mecanismos de solução de conflitos se classificam em autotutela,
autocomposição e heterocomposição.

34
DINAMARCO, Cândido Rangel Dinamarco; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do Novo
Processo Civil. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 79.
35
GRINOVER, Ada Pellegrini. Ensaio sobre a processualidade – Fundamentos para uma nova teoria geral do
processo. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016. p. 62.
36
SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 172.
37
LAGRASTA, Valéria Ferioli. Mediação Judicial – Análise da realidade brasileira – origem e evolução até a
Resolução n 125, do Conselho Nacional de Justiça. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 10
32

A autotutela, considerada a mais primitiva da formas de solução de conflitos,


corresponde à imposição, pela violência moral (vis relativa) ou física (vis absoluta)
de uma vontade sobre a outra, vencendo a resistência do adversário”, isto é
“corresponde a imposição de vontade do mais forte ( força física, política ou
econômica), na medida em que o próprio indivíduo envolvido no conflito garante a
satisfação de seus interesses de acordo com seus próprios recursos.

Ela pontua ainda que na autotutela não existe o terceiro. E acrescenta que a
autocomposição consiste na
ação legítima das próprias partes envolvidas, que buscam obter uma solução
razoável para a disputa existente por meios persuasivos e consensuais, sem
intervenção vinculativa de terceiro. A solução autocompositiva pode ser obtida de
forma unilateral (a critério de uma só das partes, que sacrifica sua pretensão em
nome do fim do conflito) ou bi/multilateral (as duas ou mais partes envolvidas na
disputa buscam uma solução conjunta para a situação apresentada). A última é a
solução negociada do conflito, que envolve mútuas concessões das partes
interessadas, que podem chegar a um acordo por si próprias, por meio da negociação
direta, ou receber o auxílio de um terceiro (facilitador), capacitado em técnicas de
solução de conflitos (conciliador, mediador ou avaliador neutro). O que é importante
ter em mente é que na autocomposição as partes mantêm o poder de decisão sobre a
composição obtida(...)

podendo ser judicial ou extrajudicial. Neste aspecto, convém enfatizar que, para
Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco38,
a autocomposição “é considerada legítimo meio alternativo de solução dos conflitos” entre
pessoas físicas ou jurídicas, consistindo em um ajuste de vontades entre elas sobre seus
respectivos pedidos. Para Petrônio Calmon39
a autocomposição unilateral se manifesta pela renúncia, quando aquele que deduz a
pretensão (atacante) dela abre mão, ou pela submissão, quando o atacado abre mão
de sua resistência. A autocomposição bilateral se manifesta pela transação, acordo
caracterizado por concessões recíprocas, ou seja, quando todos os envolvidos em um
conflito abrem mão parcialmente do que entendem ser de seu direito.

Valéria Ferioli Lagrasta40 esclarece, também, que a heterocomposição

decorre da imposição de uma decisão de um terceiro, a qual as partes se vinculam.


Ou seja, o poder de decisão é transferido das partes para este terceiro, de forma mais
ou menos institucionalizada. Os principais exemplos de meios heterocompositivos
de solução de conflitos são o processo judicial (heterocomposição pública ou estatal)
e a arbitragem (heterocomposição privada), esta surgida bem antes que aquele,
quando a sociedade ainda não era organizada em termos institucionais.

A mesma autora41 apresenta um resumo na perspectiva dos dias atuais, explanando


que uma vez se afastando a autotutela como meio egoísta e pouco civilizado de

38
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
Geral do Processo, 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 32.
39
CALMON, Petrônio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 54.
40
LAGRASTA, Valéria Ferioli. Mediação Judicial – Análise da realidade brasileira – origem e evolução até a
Resolução n 125, do Conselho Nacional de Justiça. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 11.
33

solução de conflitos, verificam-se duas formas de solução pacífica de conflitos: a


autocomposição e a heterocomposição. Esta, também definida como método
adversarial de solução de conflitos, se levada em conta a postura das partes frente ao
conflito, caracteriza-se pelo enfrentamento das partes e pela imposição de uma decisão
por um terceiro (árbitro escolhido pelas próprias partes, ou juiz), na qual um ganha e
outro perde. Aquela, como método não adversarial de solução de conflitos,
caracteriza-se por uma busca conjunta das partes por um resultado que atenda aos
interesses de ambas, através do diálogo, prevalecendo a cooperação sobre a
competição, ou seja, é a obtenção da solução por obra dos próprios litigantes, podendo
ser obtida espontaneamente ou após o incentivo praticado por meio de mecanismos
apropriados.
Na mesma linha Antonio Carlos Ozório Nunes42 destaca que a
autocomposição possibilita que o conflito seja analisado numa perspectiva
complexa, como um todo juntado às partes e estas ao todo, com o aprofundamento
das posições e a ampla identificação dos interesses (emoções, valores, sentimentos,
e necessidades não atendidas, etc...)

Carlos Alberto de Salles43, a respeito da classificação acima, chama a atenção no


sentido de que possui o
inconveniente de ser focada na atividade das partes em relação à solução da
controvérsia, sem destacar o papel de terceiros nessa tarefa. Não se trata aqui, por
óbvio, de negar a centralidade da posição em uma situação de conflito, mas de
destacar a pouca serventia desse critério. Afinal, para pensar mecanismos
institucionalizados, públicos ou privados, de resolução de disputas, o foco não deve
estar nas partes, mas nos vários agentes – terceiros – encarregados de propiciar o
resultado, levando-se em conta as várias maneiras pelas quais é possível alcançá-lo.
O diferencial, portanto, deve estar na maneira como esses terceiros atuam em
relação às partes e a seus direitos, com a finalidade de eliminação da controvérsia
pendente.

Na mesma linha, Bruno Takahashi44 destaca:


de fato, é a presença ou não do terceiro que vai diferenciar a forma de solução do
conflito e alterar a própria relação existente entre as partes. Em casos mais simples,
as partes conseguem resolver seus conflitos por si mesmas, como ocorre na
negociação. A partir do momento em que tal solução não é possível, procura-se o
auxílio de um terceiro facilitador. Esse terceiro não irá retirar o poder de decisão das
partes, mas irá auxiliá-las na busca de uma solução consensual.

41
LAGRASTA, Valéria Ferioli. Reflexões sobre o conflito e seu enfrentamento. In: CURY, Augusto (org.).
Soluções Pacíficas de Conflitos para um Brasil Moderno. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 154.
42
NUNES, Antonio Carlos Ozório. Manual de Mediação – Guia Prático da Autocomposição. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2016. p. 34.
43
SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 173-
174.
44
TAKAHASHI, Bruno. Desequilíbrio de poder e conciliação – o papel do conciliador em conflitos
previdenciários. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016. p. 37.
34

Interessante notar que, conforme avançam os debates sobre os métodos de solução de


conflitos, mais se apresentam outras classificações. Carlos Alberto de Salles propõe outra
classificação mais alinhada com a função do terceiro, enfatizando que, sob essa perspectiva, é
possível classificar os processos de solução de controvérsias – mesmo os não alternativos,
como o judicial – em três espécies: (a) adjudicatórios; (b) consensuais, e (c) mistos. E Maria
Cecília de Araújo Asperti45 os explica com outros nomes, ao enfatizar que o
espectro inclui processos primários, considerados como adjudicatórios e
consensuais, e processos mistos, delineados pela combinação de características dos
processos primários. No feixe de processos tido como primários, os mecanismos
adjudicatórios são aqueles em que um terceiro neutro colocado em posição
equidistante às partes em confronto é capaz de decidir ou de adjudicar uma solução
entre elas, escolhendo uma entre outras soluções possíveis para colocar fim ao
conflito existente. Segundo essa classificação, o processo judicial e o processo
administrativo são as principais formas adjudicatórias estatais de resolução de
disputas, enquanto a arbitragem, por exemplo, é considerada um mecanismo
adjudicatório não estatal de base contratual. Já os mecanismos consensuais são
calcados no uso de técnicas ou na ordenação de meios que visam criar condições
para uma solução do conflito que não seja imposta por um terceiro, mas sim
transacionada pelos envolvidos. Assim como nos meios adjudicatórios há uma vasta
gama de possibilidade, sendo os meios primários consensuais mais utilizados no
Brasil a conciliação e a mediação

É digno de nota que a autora enfatize, ainda, que os processos mistos possuem poucas
experiências no território brasileiro.
Outras classificações são apresentadas, diferenciando os métodos consensuais e não
consensuais, ou mesmo mais pacíficos e amistosos. Por isso, fundamental notar que a grande
maioria acaba por não contemplar todos os parâmetros do processo de resolução de conflitos,
esquecendo-se, na grande maioria das vezes, da própria metodologia, como apontado acima.
Esse elemento não pode ser esquecido, pois cada método empregado possui estrutura própria
e um desencadeamento de atos formais ou informais, orais ou expressos, bem como requisitos
específicos e peculiares a cada um deles. Tais observações fazem sentido quando se propõe a
busca pela Justiça, tomando como referência os três eixos a eles inerentes, a saber: a) o
processo (o método ou metodologia) por ele oferecido; b) os participantes (pessoas físicas ou
jurídicas, privadas ou públicas) envolvidas em um conflito); e c) o terceiro que deve ser
imparcial e independente. Assim, independentemente das classificações acima, o mais
importante é que, ao se considerar todos os eixos inerentes aos métodos, pode-se delineá-los
melhor e, ao mesmo tempo, proporcionar a melhor escolha, sempre tendo como referência
seus significados, seus objetivos, o papel dos participantes e do terceiro imparcial e

45
ASPERTI, Maria Cecília de Araújo. Mediação e a Conciliação de Demandas Repetitivas – Os meios
consensuais de disputas e os grandes litigantes do judiciário. Belo Horizonte: Forum, 2018. p. 49-51.
35

independente, se existir ou não. Nesse sentido, a melhor identificação é aquela em que pelo
nome do método já se supõem seus elementos. Portanto, será realizada uma breve exposição
de cada um dos métodos a partir de suas peculiaridades, mesmo que de maneira muito
pontual, antes de se debater a Mediação com base nos eixos acima.
Convém esclarecer que a inclusão da análise das classificações supramencionadas foi
oferecida pelo fato de que o Marco Legal da Mediação aporta um capítulo inteiro dedicado à
autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública. E, como tal, o legislador
deixou muito claro o incentivo para que a Administração Pública passe a usar não somente a
Mediação, mas também a negociação, seja assistida ou não por um terceiro, e a conciliação. E
talvez outros métodos em que o diálogo se constitui como base. Por isso, Francisco José
Cahali46 afirma ser a autocomposição o ajuste de vontades, no qual, segundo ele, suas
“principais formas são: a negociação, a conciliação e a mediação”.

2.2 Métodos de Solução de Conflitos mais utilizados no Brasil, além da Mediação

Importante reforçar que, independentemente das classificações e eventuais críticas, como


mencionado acima, faz-se necessário oferecer breves comentários sobre os métodos de
solução de conflitos que têm sido mais praticados no País, a saber:

2.2.1 Negociação

Este autor em conjunto com Lia Sampaio47, assim a definiram como


o instrumento primeiro e natural de resolução de conflitos que é buscado às vezes
inconscientemente por seus agentes quando algo se faz incômodo na inter-relação
existente, quer seja ela de ordem afetiva, profissional ou mesmo comercial. Ao fazê-

46
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2018. p. 45-46. O referido autor, reforçando os ensinamentos dos autores citados
anteriormente, esclarece e lembra que “primitivamente, os conflitos de interesse eram solucionados por
autotutela ou autodefesa, que representava a definição da questão litigiosa pela imposição da vontade do mais
forte. Esse método de solução foi superado há anos quando o Estado idealizou o monopólio da jurisdição,
impedindo, assim, que as próprias partes fizessem uso de suas razões, o que no atual ordenamento brasileiro, é
até mesmo capitulado como crime.” E acrescenta: “além da autotutela, existem meios heterocompositivos e
autocompositivos de resolução de litígios. As principais formas heterocompositivas de solução de conflito são
promovidas através do processo judicial, desenvolvido perante o Poder Judiciário, e pelos procedimentos
realizados na arbitragem. As principais formas autocompositivas de solução de conflitos são a negociação, a
conciliação e a mediação. Esse tema dos métodos alternativos integra aquilo que se designou de terceira onda
renovatória do direito processual civil, da qual a obra de Mauro Cappelletti e Bryan Garth é fonte de consulta
obrigatória.” Com efeito, este último tema será objeto de reflexões mais adiante nesta dissertação.
47
SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; BRAGA NETO, Adolfo. O que é Mediação de Conflitos. São Paulo:
Brasiliense, 2007. p. 11.
36

lo por intermédio de um diálogo, se busca atender ao reclamo de uma parte para


com a outra ou vice-versa.

Constitui-se, portanto, como a primeira instância de tentativa de resolução de conflito


entre as pessoas, pois, uma vez alcançada uma decisão, que atenda as possibilidades de
ambas, pode ser solucionado por um acordo entre elas.
Em outras palavras, como Petrônio Calmon48 ressalta, a
negociação é o mecanismo de solução de conflitos com vistas à obtenção da
autocomposição caracterizado pela conversa direta entre os envolvidos sem qualquer
intervenção de terceiro como auxiliar ou facilitador. É uma atividade inerente à
condição humana, pois o homem tem por hábito apresentar-se diante de outra pessoa
envolvida sempre que possui interesse a ela ligado. Ao apresentar-se para
demonstrar seu interesse (pretensão), é sempre possível que seja atendido, não se
caracterizando a resistência, não havendo o que falar em conflito. Em decorrência da
aproximação para demonstrar a pretensão, é natural que havendo resistência
(constituindo-se o conflito) se inicie imediatamente o diálogo (o que caracteriza a
negociação) com vistas a solução. Trata-se, então, de prática que pode ser pessoal e
informal, fazendo parte da natural convivência em sociedade.

Francisco José Cahali49 recorda que


a negociação é rotineiramente utilizada para contratação (formação da relação
jurídica) e praticamente integra a natureza humana. Mas também pode ser
aproveitada para a solução de divergências, ou seja, como processo de
autocomposição. Pela negociação, as partes tentam resolver suas divergências
diretamente. Negociam com trocas de vantagens, diminuição de perdas, aproveitam
oportunidades e situações de conforto, exercitam a dialética, mas, em última análise,
querem uma composição, e para tanto, o resultado deve propiciar ganhos recíprocos,
em condições mutuamente aceitáveis e, em certa medida, equitativas, caso contrário,
será rejeitado por uma das partes. Embora comumente se refira à negociação como
método exercido pelos próprios interessados, nada impede que seja promovida por
terceiros – os negociadores. Porém, neste caso, o terceiro não será um facilitador em
benefício das partes, mas um representante de uma delas, e em nome desta
defenderá os seus interesses. Ou seja, o terceiro comparece para negociar a melhor
solução em favor daquele por quem atua. Aliás, no mundo dos negócios,
principalmente em grandes corporações, a figura do negociador profissional cada
vez mais ganha destaque.

Por isso, Valéria Lagrasta50 afirma que “todas as pessoas, desde o nascimento,
negociam em maior ou menor grau com mais ou menos habilidade”. E esclarece que foi a
partir da Segunda Guerra Mundial que a negociação passou a ser estudada como técnica de
solução de conflitos e a ser utilizada nas decisões dos governos e em inúmeros outros
contextos. Com isso, passou a despertar interesse de profissionais, estudiosos e professores de
diversas universidades no mundo. E foi a Universidade de Harvard nos Estados Unidos, com

48
CALMON, Petrônio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.113.
49
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2018. p. 47-48.
50
LAGRASTA, Valéria Ferioli. Mediação Judicial – Análise da realidade brasileira – origem e evolução até a
Resolução n 125, do Conselho Nacional de Justiça. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
37

o Programa de Negociação da Harvard Law School, a grande mentora da estruturação de uma


teoria para a negociação. Daniela Monteiro Gabbay51 sublinha que
foi criado em 1983 para promover, de forma interdisciplinar e em parceira com
outras Faculdades (Massachusetts Institute of Technology e Tufts Univrsity) um
projeto de pesquisa voltado à teoria e à prática da negociação e outras formas de
solução de conflitos. Este programa desenvolve cursos, seminários, conferências,
além da publicação de livros e artigos sobre o tema, sob diferentes perspectivas
(comercial, governamental, psicológica, econômica, antropológica, educacional,
jurídica). Ao se voltar aos desafios teóricos e práticos, promove uma troca de
diferentes visões sobre a negociação, considerada tanto como arte quanto como
ciência.

Fundamental lembrar que três professores daquela Universidade e participantes do


referido Programa, Roger Fisher, Bruce Paton e Willian Ury, foram os autores da denominada
negociação por princípios, estruturada no livro chamado Como Chegar ao Sim, considerado
um verdadeiro best-seller, por possuir inúmeras edições e ter sido traduzido para mais de 20
idiomas52. Erica Barbosa e Silva53 bem esclarece o sentido proposto pelos ensinamentos dos
referidos professores, ao ressaltar que
a negociação é meio idôneo de tratamento de conflitos, baseado na alteração de
paradigmas. Há criação de propostas colaborativas entre as partes, com substituição
da premissa ganha-perde para o desenvolvimento do ganha-ganha. Isso porque os
envolvidos tentarão influenciar a parte adversa, mas parece que as maiores
possibilidades de as partes entrarem em entendimento estão nas propostas que
redundam em vantagens para ambos os lados, com o atendimento de interesses
recíprocos.

Cerca de 10 anos antes do advento do projeto acima mencionado, outro professor da


mesma universidade, preocupado com a crise que se avizinhava no poder judiciário naquele
país e, com base na credibilidade que o judiciário possuía (ainda a possui), bem como com a
possibilidade de escolha de métodos adequados ao conflito existente, cunhou a expressão
meios alternativos de solução de conflitos, que, segundo Paulo Eduardo Alves da Silva54,

51
GABBAY, Daniela Monteiro. Negociação. In PELUSO, Min. Antônio Cezar; RICHA, Morgana de Almeida
(coord.). Conciliação e Mediação: Estruturação da Política Judiciária Nacional – CNJ. Rio de Janeiro: Forense,
2011. p. 212-213.
52
Fundamental oferecer estes apontamentos de Fernanda Tartuce, que ressalta ser de 1981 a primeira publicação
do referido best-seller, originalmente escrito por Roger Fischer e Willian Ury com o título Getting to Yes:
Negotiating Agreements Without Giving In, atualizado “em 1991 com a colaboração de Bruce Paton, relevante
publicação em que foram esclarecidos princípios importantes para a teoria da negociação e da mediação, de que
são exemplos mudar o foco de posição para interesses, separar pessoas do problema, inventar opções para ganho
mútuo e utilizar critérios objetivos”. (TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civis. 3 ed. São Paulo:
Forense, 2016. p. 152.).
53
SILVA, Érica Barbosa e. Conciliação Judicial. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 130-131.
54
SILVA, Paulo Eduardo Alves da. Resolução de Disputas: Métodos Adequados para Resultados Possíveis e
Métodos Possíveis para Resultados Adequados. In. SALLES, Carlos Alberto de; LORENCINI, Marco Antônio
Garcia Lopes; SILVA, Paulo Eduardo Alves da (org.). Negociação, Mediação, Conciliação e Arbitragem –
Curso de Métodos Adequados de Solução de Conflitos. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 17.
38

corresponde à homônima em língua inglesa alternative dispute resolution (ADR)”,


representando “uma variedade de métodos de resolução de disputas distintos do
julgamento que se obtêm ao final de um processo judicial conduzido pelo estado. A
expressão em língua portuguesa é atribuída a Frank Sander, professor de clínicas
jurídicas da escola de direito de Harvard, em uma apresentação feita na década de
1970, em congresso organizado para se discutir as causas da insatisfação popular
com o a justiça americana. Ao defender a diversificação de meios de solução de
disputas, ele incidentalmente menciona o termo ADR, enfatizando o caráter de
contraposição à justiça estatal.

Erica Barbosa e Silva55 explica que


em 1976, Frank E. A Sander fixou num discurso a base do Sistema de Múltiplas
Portas. A publicação posterior dessas ideias se deu no artigo Varieties of Dispute
Processing, segundo o qual mais portas deveriam ser oferecidas para resolver
conflitos, sendo vantajoso para todos haver uma gama de possibilidades, o que se
realizaria mediante um sistema de Justiça que pudesse fazer uma triagem e indicasse
os mecanismos corretos, partindo das especificidades de cada conflito e
considerando os interesses envolvidos. Para tanto, o autor idealizou centros que
concentrariam diversas resoluções atuantes dentro do Poder Judiciário, e que um
funcionário público se vinculasse dessa triagem, direcionando o conflito para uma
resolução. Com isso, seria possível abranger maior número de conflitos. Sobretudo
ao canalizar os que estavam relegados à margem de uma resolução institucional.

Importante notar que tais ideias, inclusive estimuladoras das soluções alcançadas pela
negociação com o sem o terceiro, serviram de inspiração para adoção de uma política pública
de tratamento adequado de conflitos no Poder Judiciário brasileiro, que será comentada no
tópico seguinte, que trata do Processo Judicial.

2.2.2 Processo Judicial

Nas palavras de Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido
Dinamarco56
se entre duas pessoas há um conflito, caracterizado pela insatisfação, em princípio o
direito impõe que, se quiser pôr fim a essa situação, seja chamado o Estado-juiz, o
qual virá dizer qual a vontade do ordenamento jurídico para o caso concreto e, se for
o caso fazer com que as coisas se disponham na realidade prática, conforme essa
vontade.

Para os referidos autores57, essa função é incluída na extensa lista de atividades do


Estado Social, que possui como atribuição fundamental a promoção da plena realização dos

55
SILVA, Érica Barbosa e. Conciliação Judicial. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 40-41. Cabe esclarecer que a
autora, em nota de rodapé, faz referência à edição do livro de Frank Sander: SANDER, Frank E. A. Varieties of
dispute Processing, in The Pound Conference: perspectives on justice in the future. St. Paul, West Publishing
Co., 1979. p. 65-87.
56
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
Geral do Processo. 8ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 24.
57
Idem. p. 39.
39

valores humanos, devendo servir à função jurisdicional pacificadora como fator de eliminação
de conflitos, bem como fazer do processo um meio efetivo para a realização da Justiça.
Dá-se o nome de processo judicial ao que Cândido Dinamarco e Bruno Vasconcelos
Carrilho Lopes58 conceituam como
uma técnica para a solução imperativa de conflitos a partir da experiência dos que
operam nos juízos e tribunais. Seus institutos são modelados segundo conveniências
do exercício de funções e atividades muito específicas e reservadas a profissionais
especializados – e que são a jurisdição exercida por juízes, a ação e a defesa,
praticadas pelas pessoas em conflito através de seus advogados, bem como pelo
Ministério Público nos casos em que a lei lhe dá legitimidade para atuar.

Em outras palavras, como Luiz Fernando Almeida Guilherme59 pondera,


o processo judicial é o meio pelo qual o Estado recebe a função de intervir e de
decidir em uma situação em que seja vislumbrada uma lesão ou uma ameaça de
lesão. Sendo assim, o Estado confere ao Judiciário a atribuição de poderes para que
este promova a distribuição de Justiça. Uma vez instaurado o processo judicial, são
formalizados os polos – ativo (autor) e passivo (réu) -, além da presença do órgão
indicante, o Judiciário, que incumbe ao magistrado a função de julgar a lide e de
estabelecer uma sentença que a finalize.

Ao se tratar deste método hoje no País, relevante lembrar o que Humberto Dalla
Bernardina de Pinho e Michele Paumgartten60 destacam:
uma gama de políticas e regras é lançada e projetada no intuito de aprimorar a
resolução de conflitos e, principalmente, acelerar o fluxo dos processos judiciais.
Destaca-se a implementação de uma Política Judiciária Nacional de tratamento
adequado dos conflitos de interesse por meio da Resolução 125/2010 do CNJ, o
reconhecimento da jurisdição arbitral e a promoção da utilização de métodos de
solução consensual de conflitos por juízes, advogados, defensores públicos, e
membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial pelo Código
de Processo Civil em vigor.

Como resultado do terceiro período do movimento mundial, André Gomma de


Azevedo61 enfatiza:
historicamente pode-se dividir o movimento de acesso à Justiça em três períodos: i)
mero acesso ao Poder Judiciário; ii) acesso ao Poder Judiciário com resposta
tempestiva, e iii) acesso a uma solução efetiva para o conflito por meio da
participação adequada do Estado. O primeiro período pode ser constatado pela
apresentação de Roscoe Pound sobre as causas de insatisfação da população com

58
DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do Novo Processo Civil.
2 ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 15.
59
GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Manual dos MESCs – Meios Extrajudiciais de Solução de
Conflitos. Barueri: Manole, 2016. p. 14.
60
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; PAUMGARTTEN, Michele Pedrosa. Desafios para a Integração
entre o Sistema Jurisdicional e Mediação a Partir do Novo Código de Processo Civil. Quais as perspectivas para
a Justiça Brasileira? In: ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de; PANTOJA, Fernanda Medina; PELAJO,
Samantha (coord.). A Mediação no Novo Código de Processo Civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 2.
61
AZEVEDO, André Gomma de. Desafios de Acesso à Justiça ante o Fortalecimento da Autocomposição como
Política Pública Nacional. In: PELUSO, Min. Antônio Cezar; RICHA, Morgana de Almeida (coord.).
Conciliação e Mediação: Estruturação da Política Judiciária Nacional – CNJ. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.
12-13.
40

administração da Justiça perante a ordem dos advogados norte-americanos


(American Bar Association) e, 1906; pela Conferência Pound em homenagem ao
referido professor em 1976; e pela obra intitulada Acesso à Justiça, dos autores
Bryant Garth e Mauro Cappelletti, publicada em 1978. Nesse primeiro modelo
preconizavam-se três ondas renovatórias que envolviam a assistência judiciária aos
pobres, a representação dos interesses difusos e os então chamados métodos
alternativos de resolução de conflitos. Esses movimentos provocaram reformas
estruturais no Judiciário, bem como no sistema processual dos países ocidentais,
inclusive no Brasil, visando a tornar o Poder Judiciário mais acessível e a
participação em processos heterocompositivos estatais mais simplificados.

Por isso, Francisco José Cahali62 ressalta:


consolidou-se no Brasil, com a Resolução 125/2010 a implantação do Tribunal
Multiportas, sistema pelo qual o Estado coloca à disposição da sociedade
alternativas variadas para se buscar a solução mais adequada de controvérsias,
especialmente valorizados os mecanismos de pacificação (meios consensuais), e não
mais restrita à oferta ao processo clássico de decisão imposta pela sentença judicial.
Cada uma das opções (mediação, conciliação, orientação, a própria ação judicial
contenciosa etc.), representa uma porta, a ser utilizada de acordo com a
conveniência do interessado, na perspectiva de se ter a maneira mais apropriada de
administração e resolução do conflito.

E acrescenta o referido autor63 que


neste novo ambiente, bem germinada, crescida e com os melhores frutos, a semente
do Tribunal Multiportas plantada pela Res. CNJ 125, em campo fértil pois bem
cuidado por todos os envolvidos (CNJ, tribunais, mediadores, conciliadores
judiciais, e de um modo geral os gestores do sistema e pessoas que o integram) veio
o passo seguinte em homenagem aos meios consensuais de solução de conflitos: o
Código de Processo Civil de 2015.

2.2.3 Arbitragem

Segundo Bruno Lopes Megna64, antes mesmo da instauração do processo arbitral, já


existe uma relação jurídica entre as partes compromissadas.
A fase pré-arbitral se inicia com assinatura da convenção de arbitragem, mas se
mantêm dormente até o surgimento do conflito. Ela se prolonga até a aceitação da
nomeação dos árbitros. É um campo em que, por excelência, misturam-se direito
material e direito processual, delimitando o objeto e o modo de ser da arbitragem. A
convenção arbitral é o pacto (negócio) pelo qual as partes se obrigam a submeter a
um árbitro (e não a um juiz estatal) a controvérsia sobre a relação jurídica de direito
material (relação material subjacente) que será decidida definitivamente por meio de
um procedimento dotado de normatividade (processo arbitral). Assim, a arbitragem
tem conteúdo jurisdicional, mas origem negocial. A doutrina majoritária associa a
convenção arbitral à noção de negócio jurídico, fala-se em convenção processual,
contrato processual ou negócio jurídico processual, nomenclatura esta aqui usada
para destacar a utilidade metodológica da teoria dos negócios jurídicos na análise de
seus elementos de existência, requisitos de validade e fatores de eficácia.

62
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2018. p. 67.
63
Idem. p. 69.
64
MEGNA, Bruno Lopes. Arbitragem e Administração Pública – Fundamentos Teóricos e Soluções Práticas.
Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 177-178.
41

Nesse sentido, convenção arbitral pode ser uma cláusula chamada de compromissória
ou arbitral expressa em um contrato, no qual as partes se comprometem a levar conflitos dele
decorrentes à arbitragem. Tal cláusula afasta a competência primária da jurisdição estatal. E
pode ser também outro instrumento chamado compromisso arbitral, no qual as partes
submetem um conflito à arbitragem. A diferenciação entre ambas reside no fato de que a
primeira existe por força de um contrato e é preventiva, enquanto a segunda pressupõe a
existência do conflito e deve seguir regras, bem como conter requisitos determinados pela lei,
cabendo a solução a um árbitro – qualquer pessoa física capaz que tenha confiança das partes.
Em função dos efeitos que a convenção de arbitragem pressupõe, correntes de
pensamento sobre a natureza jurídica da arbitragem divergem. Por isso, Francisco José
Cahali65 assinala que
são basicamente quatro as teorias a respeito: privatista (contratual), jurisdicionalista
(publicista), intermediária ou mista (contratual-publicista) e a autônoma. A teoria
privatista, também chamada por alguns como contratualista, vê na arbitragem
apenas um negócio jurídico; entende que a arbitragem representa, na essência tão
somente a extensão do acordo firmado entre as partes. A atribuição ao árbitro para
decidir nada mais seria do que o cumprimento do contratado. O vínculo criado entre
o árbitro e a parte é meramente contratual. A teoria publicista ou jurisdicionalista
confere à arbitragem a natureza jurisidicional. E assim se entende por considerar que
o Estado, por meio de disposições legais outorga ao juiz e ao árbitro para resolver
conflitos de interesse. A teoria intermediária ou mista agrega os fundamentos de
uma e outra das teorias anteriores, para concluir que, mesmo pautada no negócio
jurídico realizado entre as partes, e sendo dele decorrente, não se pode desenvolver a
arbitragem fora de um sistema jurídico, pois este método de solução de conflitos
submete-se à ordem legal existente, embora não controlada inteiramente por esse
sistema. Por fim a teoria autônoma identifica-se na arbitragem um sistema de
solução de conflitos totalmente desvinculado de qualquer sistema jurídico existente.
Verifica-se aqui o extremo do princípio da autonomia privada, na medida em que,
diante da liberdade de contratar, as partes subtraem a arbitragem de outros
ordenamentos, tratando-a como soberana. Cria-se, por esta teoria, uma jurisdição
própria independente e diversa da jurisdição que integra um sistema jurídico.

Há que se destacar, segundo Carlos Alberto Carmona66, que “uma arbitragem é


instituída quando aceita a nomeação pelo árbitro, se for único, ou por todos, se forem vários”,
sempre em número ímpar. Segundo Francisco José Cahali67, a arbitragem pode ser
“institucional ou avulsa, mais conhecida como ad hoc”. E, quando for instituída, há que
resultar em uma sentença arbitral, que deve ser prolatada, salvo convenção das partes, no
máximo em 180 dias a contar de sua instituição. Possui, talvez, um valor jurídico maior que

65
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2018. p. 133-135.
66
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo – um comentário à Lei n 9307/96 . 2 ed. São Paulo:
Atlas, 2007. p. 239.
67
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2018. p. 141
42

uma sentença judicial, pois é título executivo judicial, porém não cabe recurso a instância
superior como esta última. Arnoldo Wald 68pondera que
a sentença arbitral proferida em território nacional tem autoridade de coisa julgada
material, produzindo os mesmos efeitos de um título executivo judicial. Por isso
pode ser executada imediatamente. A Lei 9.307/96 não admite a interposição de
recursos contra a sentença arbitral. O único modo de impugná-la é através da ação
de nulidade os casos previstos no artigo 33.

Nas palavras de Selma Lemes 69


árbitro é um terceiro, eleito pelas partes, para decidir determinada controvérsia. A
palavra árbitro é herança do Direito Romano, que já regulava o instituto,
denominando aquele terceiro que tinha poderes de julgar, de arbiter. Para ser
nomeado árbitro há necessidade de este terceiro possua determinadas características
intrínsecas. Por exemplo, na Lei Brasileira de Arbitragem, está definido no artigo 13
que pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes. Estas
duas características dizem respeito à: (i) capacidade segundo a lei civil, e (ii) à
confiança, que se refere à retidão moral e capacidade profissional denominada pelos
romanos de bonus vir, afeta a sua quase totalidade, aos aspectos éticos.

Lembra ainda a referida autora existir também a capacidade negativa, que se refere
às causas de impedimento e suspeições mencionadas no artigo 14 do mesmo diploma legal.
Nesse sentido, o árbitro está sujeito a um regime de incompatibilidades, em que concorrem
os princípios da imparcialidade e da independência.
Por derradeiro, em apertada síntese, convém lembrar que um dos objetivos, com o advento
da Lei 13.129/15, foi o de ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem, estendendo-o para
a Administração Pública Direta e Indireta, tornando superados os debates em torno da
impossibilidade de a Administração Pública dela fazer parte. Além disso, a referida norma
legal lançou luzes sobre a interrupção da prescrição, quando da instituição da arbitragem,
não deixando margem a diferentes interpretações quanto a retroagir à data do requerimento
de sua instauração. A sentença parcial encontrou sua regulamentação nas alterações
realizadas na Lei de Arbitragem, já que o parágrafo 1º do artigo 23 da mencionada lei
expressa a possibilidade de ser proferida sentença parcial pelos árbitros. Trouxe também a
inovação com a Carta Arbitral, que consiste em uma carta expedida pelo árbitro ou pelo
tribunal arbitral para que o órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o
cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato solicitado pelo árbitro. Além
disso, é sabido que a carta arbitral é uma importante forma de interlocução entre o

68
WALD, Arnoldo. A Recente Evolução da Arbitragem no Direito Brasileiro. In. MARTINS, Pedro A. Batista;
GARCEZ, José Maria Rossani. Reflexões sobre Arbitragem – In memorian do Desembargador Claudia Vianna
de Lima. São Paulo, LTR, 2002. p. 155.
69
LEMES, Selma Maria Ferreira. Árbitro – Princípios da Independência e Imparcialidade. São Paulo: LTR,
2001. p.48.
43

Judiciário e o Juízo Arbitral. Assim, será expedido um instrumento que facilitará a


realização de medidas coercitivas requeridas pelos árbitros ao Judiciário. É de
conhecimento também que o Código de Processo Civil trouxe ampla regulamentação sobre
o tema, ao dispor sobre a carta arbitral nos artigos 237, inciso IV e 260 § 3º. Outrossim,
dispôs que a carta arbitral seria categoria de cooperação jurisdicional entre os órgãos
(artigo. 69, § 1º).
Cabe esclarecer que aspectos mencionados acima, em especial, relativos à
arbitragem na Administração Pública serão oferecidos em outros temas por estarem ligados
em função do objeto da presente dissertação. No entanto, convém trazer neste aspecto as
palavras de Bruno Megna 70 ao contextualizar a arbitragem no movimento pela
consensualidade na Administração Pública. Para o referido
trata-se de assunto importante. A arbitragem se insere, assim, a um só tempo, no
movimento dos métodos consensuais de solução de conflitos lato sensu (consensuais
na fonte, embora não no conteúdo) e do consensualismo na Administração.
Realmente, a chamada Reforma do Estado e a nova arena pública tratam não só de
conceber uma Administração contratual, pensando em relações comutativas, mas em
um contexto mais amplo de conceber uma Administração consensual, aberta ao
diálogo com os administrados e que prestigie soluções concertadas de boa-fé a
litígios judiciais – cujas externalidades negativas por vezes superam os benefícios do
próprio provimento judicial favorável.

2.2.4 Conciliação

Segundo Erica Barbosa e Silva71


a conciliação sempre esteve presente no ordenamento brasileiro muito embora tenha
experimentado desenvolvimento mais acentuado nas últimas décadas. Desde o
período imperial, com a emancipação política brasileira consumada em 1822, a
Constituição do Império, de 25 de março de 1824, incentivava expressamente a
solução de litígios por outros meios que não a decisão judicial, dispondo sobre o
Poder Judicial em capítulo único, conforme artigos 151 e 164. A tentativa de
conciliação à época, era considerada condição prévia indispensável ao
processamento de qualquer causa e, para a sua realização deveriam ser eleitos juízes
de paz, cujos distritos e atribuições seriam regulados por lei.

A autora supracitada explica a existência de vários dispositivos legais no


ordenamento, oferecendo a perspectiva de que a conciliação está intrinsecamente ligada ao
contexto judicial, podendo ser desenvolvida pelo próprio juiz, como será mencionado no

70
MEGNA, Bruno Lopes. Arbitragem e Administração Pública – Fundamento Teóricos e Soluções Práticas.
Belo Horizonte: Fórum, 2019. p 93-94.
71
SILVA, Érica Barbosa e. Conciliação Judicial. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 154.
44

presente texto, quando das reflexões sobre o CPC em vigor. Petrônio Calmon72 ressalta que “a
conciliação é o mecanismo para a obtenção da autocomposição tradicionalmente utilizado no
processo judicial, bem como em iniciativas paraprocessuais do Poder Judiciário, atividade
exercida pelo juiz ou por auxiliar, funcionário da Justiça ou nomeado ad hoc”.
Corroborando com este histórico em concordância com a permanente existência da
conciliação na leis brasileiras, Valeria Ferioli Lagrasta73 traça a evolução legislativa que a
conciliação percorreu no Brasil desde o período acima apontado, passando pelos Códigos de
Processo e leis extravagantes, marcando a importância dos Juizados de Pequenas Causas,
regulamentados pela Lei 7.244/84, a Lei 9.099/95 dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais e
a Lei 9.307/96. Para ela, na conciliação existe um
terceiro imparcial, que domina a escuta, sem forçar as vontades dos participantes,
investiga apenas os aspectos objetivos do conflito e sugere opções para sua solução,
estimulando-os à celebração de um acordo”. Considera útil para a solução rápida e
objetiva de problemas superficiais (verdade formal ou posição), que não envolvem
relacionamento entre as partes, não tendo, portanto, a solução encontrada,
repercussão no futuro das vidas dos envolvidos.

Segundo Lia Sampaio e Adolfo Braga 74


a conciliação é muito rápida, pois ela não requer o conhecimento da inter-relação
das partes em conflito, já que inexiste. Como é o caso de um abalroamento de
veículos, uma relação de consumo, onde as partes não convivem, mas somente
necessitam de um terceiro que as ajude a refletir qual seria a melhor solução para a
controvérsia e se valeria a pena enfrentar a outra parte de forma litigiosa.

Por isso, o conciliador pode apresentar sugestões, pois o objetivo é evitar desgastes de
uma batalha judicial, e um terceiro sem vínculo com as partes de maneira mais livre poderá
fazê-las refletir sobre tais sugestões, que nunca são impositivas ou vinculativas. Nesse
sentido, o objetivo maior da conciliação é o acordo para pôr fim à demanda judicial ou
extrajudicial. Petrônio Calmon75, concordando, leciona que “a conciliação consiste no
desenvolver de um diálogo entre partes e o conciliador, com vistas a encontrar uma posição
final para o conflito, que seja aceitável e factível para ambos os envolvidos”.
Na mesma linha e concordando com os autores acima, Carlos Eduardo de
Vasconcelos76 ressalta que a conciliação

72
CALMON, Petrônio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 105.
73
LAGRASTA, Valéria Ferioli. Mediação Judicial – Análise da realidade brasileira – origem e evolução até a
Resolução n 125, do Conselho Nacional de Justiça. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 15.
74
SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; BRAGA NETO, Adolfo. O que é Mediação de Conflitos. São Paulo:
Brasiliense, 2007. p. 21.
75
CALMON, Petrônio. Op. Cit. p. 105.
76
VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas. 5 ed. São Paulo:
Método, 2016. p. 65.
45

tem por objetivo central a obtenção de um acordo” e lembra que “consoante o inciso
2º do artigo 165 do CPC, o conciliador atuará preferencialmente nos casos em que
não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio,
sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para
que as partes conciliem.

Nesse sentido, o dispositivo legal mencionado na citação logo acima, acrescido de seu
inciso 3º, é acometido de um equívoco ao usar o termo “preferencialmente”, pois acaba por
não expressar com precisão a distinção entre ambos, dando a entender ser opcional sem
especificar para quem, muito embora a redação ofereça esclarecimento a partir de seus
objetivos, os quais são diferentes. Esta confusão é decorrente do desconhecimento da
metodologia empregada em cada um dos métodos. A conciliação é mais célere. Na maioria
dos casos, restringe-se a apenas uma reunião entre as partes e o conciliador. A conciliação se
destina aos casos em que o objeto da disputa é exclusivamente material. Inexiste, portanto,
um relacionamento contínuo entre as partes. Erica Barbosa e Silva77, na mesma linha, enfatiza
que
a conciliação difere da mediação por ter objetivo específico. Nesse sentido, a
diferença fundamental entre mediação e conciliação reside no conteúdo de cada
instituto. Na conciliação, o objetivo é o acordo, ou seja, as partes, mesmo
adversariais, devem chegar a um acordo para evitar o processo judicial.

Ao tentar esclarecer, Juliana Demarchi78 ressalta que:


quando a negociação direta não surte o efeito almejado, as pessoas podem se valer
da ajuda de um terceiro imparcial para a solução do conflito, que pode ser um
conciliador ou um mediador. A conciliação é mais adequada à resolução de conflitos
objetivos, como os que surgem em decorrência de acidentes de trânsito, por
exemplo. As partes não se conhecem anteriormente e o único vínculo existente entre
eles é a necessidade de reparação dos danos causados. Trata-se de relacionamento
meramente circunstancial. Os esclarecimentos sobre o conflito não necessitam ser
muito aprofundados, pois inexiste uma relação contínua que envolva as partes. As
tratativas voltam-se diretamente ao problema – e não primeiramente ao
relacionamento interpessoal existente como na mediação – o que permite ao
conciliador sugerir diversas propostas de acordo.

Francisco José Cahali79 reforça o entendimento dos autores acima citados, concluindo
que
indicação da mediação, por sua vez, pressupõe terem as partes em conflito uma
relação mais intensa e prolongada, verificando o relacionamento tanto por vínculos
pessoais como jurídicos. Ainda tem pertinência em situações em que será gerada
para as partes, a solução do conflito, uma nova relação com direitos e obrigações

77
SILVA, Érica Barbosa e. Conciliação Judicial. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 133-134.
78
DEMARCHI, Juliana. Técnicas de Conciliação e Mediação. In: GRINOVER, Ada Pelegrini; WATANABE,
Kazuo; LAGRASTA NETO, Caetano. Mediação e Gerenciamento do processo – Revolução na Prestação
Jurisdicional – Guia Prático para a Instalação do Setor de Conciliação e Mediação. São Paulo: Atlas, 2007. p. 55.
79
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2018. p. 49.
46

recíprocas, e, pois, com uma perspectiva de futura convivência que se espera que
seja harmônica.

Muito embora ocorra certa convergência na doutrina quanto à diferenciação, na prática


persiste a confusão entre ambos os institutos, inclusive no contexto da Administração Pública,
motivo pelo qual este tema será objeto de análise, quando forem oferecidas observações sobre
a Mediação e a Mediação no ambiente da Administração Pública.

2.2.5 Justiça Restaurativa

Segundo Raffaella Pallamolla80, Justiça Restaurativa “é uma técnica de solução de


conflito e violência que se orienta pela criatividade e sensibilidade a partir da escuta dos
ofensores e das vítimas e pessoas indiretamente envolvidas interessadas em refletir sobre o
dano ocorrido”. Esse é o conceito institucional, adotado pelo CNJ, e a sua prática apresenta
iniciativas cada vez mais diversificadas no País. Promove um novo direcionamento à maneira
de compreender, viver e aplicar o direito penal. Renato De Vito81, por seu turno, considera
que “a Justiça Restaurativa representa um novo paradigma aplicado ao processo penal, que
busca intervir de forma efetiva no conflito que é exteriorizado pelo crime, e restaurar as
relações que foram abaladas a partir do evento”.
A denominação “restaurativa” confere ao tema da aplicação de Justiça a ideia de
restaurar, sendo possível por meio de um processo colaborativo entre os protagonistas da
relação processual, vale dizer, a condução por um facilitador ou um juiz e o diálogo entre o
transgressor da lei e a vítima que foi atingida pelo fato ilícito e mais os indiretamente
envolvidos interessados em debater como reparar o dano ocorrido. Por isso, Cecília
Assumpção e Vania Yasbek82 enfatizam que Justiça Restaurativa consiste em um “termo
genérico para todas as abordagens do delito que buscam ir além da condenação e da punição e
abordar as causas e as consequências das transgressões por meio de formas que promovam a
responsabilidade, a cura e Justiça”.

80
PALLAMOLLA, Raffaella. Justiça Restaurativa: da teoria à prática. São Paulo: Ibccrim, 2009. p. 4
81
DE VITO, Renato Campos Pinto. Justiça Criminal, Justiça Restaurativa e Direitos Humanos. In: SLAKMON,
Catherine; DE VITO, Renato Campos; PINTO, Renato Sócrates Gomes (org.). Justiça Restaurativa. Brasília:
Ministério da Justiça, 2005. p. 48.
82
ASSUMPÇÃO, Cecília Pereira de Almeida; YASBEK, Vania Curi. Justiça Restaurativa: um conceito em
desenvolvimento. In: GRECCO, Aimée; ASSUMPÇÃO. Cecília Pereira de Almeida; BERNARDES, Célia et
alii (org.). Justiça Restaurativa em Ação – Práticas e Reflexões. São Paulo: Dash, 2014. p. 49.
47

Segundo Daniel Issler e Egberto Penido83, a Justiça Restaurativa consiste em um


processo de resolução de conflito participativo, por meio do qual, pessoas afetadas
direta e indiretamente pelo conflito (intersubjetivo, disciplinar, correspondente ao
ato infracional ou a um crime) se reúnem voluntariamente e de modo previamente
ordenado, para juntas, com a ajuda de um facilitador, estabelecerem pelo diálogo,
um plano de ação que atenda as necessidades e garanta os direitos de todos os
afetados, com esclarecimento e atribuição de responsabilidades.

Os mesmos autores explicam que com a Justiça Restaurativa se busca a compreensão


dos envolvidos no conflito quanto às razões que os levaram a praticar o ato, evitando futuras
infrações e passando a ter maior consciência do dano causado. Além disso, poderá promover
maior aproximação entre vítima e ofensor e evitar a judicialização de casos eminentemente da
esfera privada. Nesse sentido, constitui um instrumento de implementação de ações voltadas à
responsabilização, reparação e prevenção, que, antes de tudo, expressa-se por meio de atitudes
garantidoras de direito pela participação de adolescentes, seus familiares e comunidades onde
residem.

2.2.6 Comitê de Resolução de Disputas (Dispute Board)

Este método, mais conhecido no País pela denominação na língua inglesa, segundo
Francisco Maia84, constitui-se em um “painel de especialistas, podendo ser mesclado entre
diferentes profissionais”, como engenheiros, advogados e outros profissionais, que
acompanham o desenvolvimento do contrato desde o início, sendo acionado em casos de
conflito para dirimi-los. Segundo Fernando Marcondes85,
a primeira vez em que foi utilizado remonta à década de 1960, na obra da barragem
denominada Boundary Dan, no Estado de Washington no Estados Unidos, sendo
formado um painel de especialistas chamado para resolver uma determinada
questão, cuja decisão foi acatada prontamente pelas partes, sendo chamados para
outras questões até o final do contrato. Desde então passou a ser incluído em
importantes obras em diversos países, sobretudo em contratos de obras de
infraestrutura. Para o autor acima, é muito útil, pois em uma obra “os impasses,
dúvidas e divergências só se tornam efetivos problemas com o passar do tempo, se
não forem tratados em seu início.

83
ISSLER, Daniel; PENIDO, Egberto de Almeida. A Justiça Restaurativa nas Comarcas de São Paulo e
Guarulhos. In: SALES, Lilia Maia de Morais; BRAGA NETO, Adolfo (org.). Aspectos Atuais sobre a Mediação
e outros Métodos Extrajudiciais de Resolução de Conflitos. Rio de Janeiro: GZ, 2012. p. 232.
84
MAIA NETO, Francisco. Adjudicação e CRD: Formas dinâmicas de soluções de conflito. In: HOLANDA,
Flavia (org.). Métodos Extrajudiciais de Resolução de Conflitos Empresariais – Adjudicação, Dispute Board,
Mediação e Arbitragem. São Paulo: IOB Sage, 2017. p. 85.
85
MARCONDES, Fernando. O papel do Advogado nos Dispute Boards. In: HOLANDA, Flavia (org.). Métodos
Extrajudiciais de Resolução de Conflitos Empresariais – Adjudicação, Dispute Board, Mediação e Arbitragem.
São Paulo: IOB Sage, 2017. p. 235-244.
48

O Dispute Board é formado para resolvê-los em seu nascedouro, justamente para


evitar que se tornem futuras demandas. Nesse sentido, André Carvalho e Marcos Lino86
salientam que é “destinado a atuar durante a execução de alguma atividade ou obra, que se
procrastinasse no tempo, mediante a contenção de desentendimentos, com o escopo de evitar
disputas e decidir de forma neutra, técnica e célere os conflitos que venham a se formar”. É
composto por um órgão colegiado, geralmente três especialistas, os quais acompanharão de
perto e periodicamente as atividades, com o objetivo, segundo Fernanda Levy87, “de manter
as obras em andamento, preservar o relacionamento entre os envolvidos e ainda obter
decisões tecnicamente qualificadas para questões altamente técnicas e complexas”.
Maurício Tonin explica que existem três modelos distintos, a saber: o primeiro,
chamado de dispute review board, emite apenas recomendações aos envolvidos, que decidem
livremente se as acatam ou não; o segundo, denominado de dispute adjudication board,
decide a controvérsia, sendo uma determinação vinculante para as partes; e o terceiro,
conhecido como combined dispute board, emite recomendações, bem como decisões,
dependendo das disposições contidas no contrato. O mesmo autor88 lembra que

o Município de São Paulo promulgou a Lei 16.187, de 22 de fevereiro de 2018,


prevendo a possibilidade de utilização do Dispute Board com o nome de Comitês de
Prevenção e Solução de Disputas para dirimir conflitos relativos a direitos
patrimoniais disponíveis em contratos administrativos continuados.

Outros métodos poderiam ser mencionados, mas faço referência a apenas mais um deles
pelo seu atual estágio de promissor desenvolvimento no Brasil: Práticas Colaborativas. Segundo
o site do Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas89, consiste em uma metodologia criada
nos Estados Unidos, no início dos anos 1990, quando um advogado de direito de família,
preocupado com os efeitos negativos dos litígios judiciais, decidiu desenvolver esforços antes
de um processo judicial, dedicando-se com exclusividade à construção de acordos.
Posteriormente, com as contribuições de uma advogada e uma psicóloga, percebeu necessário
agregar o trabalho de uma equipe multidisciplinar. O método é considerado não adversarial,
com os profissionais colaborativos e seus clientes assinando um termo de participação em que

86
CARVALHO, André Castro; LINO, Marcos do Santos. O Dispute Board nos contratos de concessão de
serviços públicos. In: MARCONDES, Fernando (org.). Direito da Construção – Estudos sobre as várias áreas
do Direito aplicadas ao mercado da Construção. São Paulo: Pini, 2014. p. 182.
87
LEVY, Fernanda. Cláusulas escalonadas – a mediação comercial no contexto da arbitragem. São Paulo:
Saraiva, 2013. p. 123.
88
TONIN, Maurício Morais. Arbitragem, Mediação e Outros Métodos de Solução de Conflitos Envolvendo o
Poder Público. São Paulo: Almeida, 2019. p. 88.
89
Disponível em: www.praticascolaborativas.com.br. Acesso em: 11 mar. 2020.
49

os advogados assumem o compromisso de não litigar e os demais profissionais possuem o


dever de retirada do processo caso não cheguem a um acordo. A base é a negociação, sendo a
transparência pressuposto para todos os participantes. Para Stuart Webb e Ronald Ousky90,
difere da Mediação, pois “em vez de utilizar uma parte neutra (mediador), que não pode
oferecer conselhos ou dar opiniões”, o processo colaborativo permite que os usuários
contratem representantes legais atuantes e profissionais da área financeira e/ou da área de
saúde mental que os aconselhem. Todos insistem e estimulam a colaboração.

90
WEBB, Stuart G.; OUSKY, Ronald D. O caminho colaborativo para o divórcio. Tradução Alexandre Martins.
São Paulo: IBPC, 2017. p. 11.
50

PARTE II MEDIAÇÃO

Segundo Christopher Moore91, a palavra Mediação tem sua origem do latim medius,
medium, que significa no meio. Muito embora o instituto pareça recente, na verdade, possui
longo legado em culturas diferentes: “Na antiga China, Confúcio a incentivava, chamando a
atenção das pessoas para o ambiente de antagonismo do litígio que as deixava irritadas”. O
referido autor sublinha que, em quase todas as culturas, reconhece-se a existência da Mediação,
daí ser identificada como instituto milenar.
Ao mesmo tempo, é possível constatar diversos de seus elementos nos pensadores
incluídos no presente texto, os quais, com breves referências escritas, destacam a importância
do diálogo na superação de disputas. Convém recordar que, a partir dos anos sessenta do século
XX, segundo Valéria Lagrasta92, “a mediação passou a ter contornos formais, sendo
institucionalizada e considerada como método alternativo de resolução de conflito”. E começou
a ser realizada de maneira mais profissional na grande maioria dos países. Tal evolução foi
possível graças ao fato de ter demonstrado ser muito efetiva na solução de conflitos, motivo
pelo qual no Brasil teve início a sua prática na década de 90 no mesmo século.

91
MOORE, Christopher W. O Processo de Mediação. Artmed: Porto Alegre, 1998. p.31.
92
LAGRASTA, Valeria Ferioli. Mediação Judicial – Análise da realidade brasileira – origem e evolução até a
Resolução n 125, do Conselho Nacional de Justiça. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 21.
51

1. Mediação em breves palavras, a partir de seus três eixos – Processo –


Participantes – Mediador

A Mediação como processo de solução de conflitos se desenvolve em três eixos: o


processo, quem participa do mesmo e alguém que os ajuda a construir algo. Nesse sentido, nos
subitens que seguirão serão comentados pontualmente cada um deles.

1.1 Processo

A Mediação pode ser compreendida, segundo Petrônio Calmon93, como “um


mecanismo não adversarial em que um terceiro imparcial, que não tem poder sobre as partes, as
ajuda para que, em forma cooperativa, encontrem o ponto de harmonia do conflito”. Na mesma
linha, Fernanda Tartuce94 enfatiza que consiste em uma “técnica vantajosa por possibilitar o
tratamento dos aspectos objetivos do negócio e permitir a consideração de fatores subjetivos da
relação para superar dificuldades”.
Trata-se de um processo em que um terceiro imparcial e independente ajuda em
reuniões separadas ou conjuntas com as pessoas envolvidas em conflitos, sejam elas físicas ou
jurídicas, a promover um diálogo diferente daquele decorrente da interação existente por força
do conflito. E, na hipótese de construírem alguma solução ou soluções, quase sempre cumprem
espontaneamente os compromissos assumidos. Esta simplicidade conceitual encobre o caráter
complexo do método, operado por meio da intervenção de um terceiro imparcial e independente
com funções diferentes das de outros profissionais, entre as quais proporcionar momentos de
interação inéditas, até então não vivenciadas pelos participantes. Em outras palavras, essa
aparente simplicidade promove a identificação de toda a complexidade de que se revestem a
conexão entre aquelas pessoas e o conflito instaurado. A Mediação se propõe a refletir sobre
essa complexidade para, com ela, promover o repensar sobre a perspectiva de futuro dos
participantes, seja com a continuidade ou não do convívio, ou a ruptura sem traumas ou
sequelas entre eles.

93
CALMON, Petrônio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 120.
94
TARTUCE, Fernanda. Mediação em Conflitos Contratuais e Indenizatórios. In: NASCIMBENI, Asdrubal
Franco; BERTASI, Maria Odete Duque; RANZOLIN, Ricardo Borges (org.). Temas de Mediação e Arbitragem.
São Paulo: Lex, 2017. p. 150.
52

Nas palavras de Mirian Blanco Muniz95, a Mediação como um processo de solução de


conflitos constitui-se num “sistema formado por seres humanos que têm a possibilidade de se
comunicar” em um espaço onde a vontade de todos é o elemento basilar. Por isso, dentre os
elementos essenciais da Mediação de conflitos, a autonomia da vontade possui grande
protagonismo, talvez o mais relevante, pois o caráter voluntário da Mediação constitui-se na
grande mola propulsora da atividade. Só existirá a Mediação se as pessoas efetivamente
quiserem dela fazer parte e, para tanto, é fundamental que conheçam seus objetivos, seu
dinamismo, bem como seu alcance e limitações. Da mesma maneira, esse elemento permite às
pessoas, ao longo do processo, administrar o conflito conforme suas vontades com base em
aspectos por elas mesmas definidos, buscando resgatar o respeito às individualidades e à
liberdade de todos, sempre a partir de seus limites e perspectivas pessoais, com base em suas
visões individuais únicas. A partir disto, promove-se o respeito mútuo às diferenças e o
reconhecimento das limitações próprias e das perspectivas pessoais diferentes ou mesmo
opostas, o que pode proporcionar a integração das visões individuais, abrindo um terreno
fértil para a responsabilidade, que pavimentará de maneira robusta a possibilidade da
construção de soluções.
Ainda sobre o princípio da autonomia da vontade, oportuno seria lembrar as palavras
de Immanuel Kant96 ao considerá-lo como princípio supremo da moralidade, definindo-o
como uma propriedade que passa a ser lei para ela mesma. Para ele, este princípio significa
“não escolher senão de modo a que as máximas da escolha estejam incluídas
simultaneamente, no querer mesmo como lei universal”, e como tal passa a ser o único
princípio da moral. Nesse sentido, a Mediação assim a referenda, pois só existirá se os
participantes efetivamente quiserem dela fazer parte e, para tanto, é fundamental que
conheçam seus objetivos, seu dinamismo, bem como seu alcance e limitações, a fim de que
possam deliberar se desejam efetivamente dela fazer uso. Da mesma maneira, esse princípio
permite às mesmas, ao longo do processo, administrar o conflito conforme suas vontades,
como já dito.
Em outras palavras, seguindo o que preleciona Antônio Carlos Ozório Nunes97,

95
MUNIZ, Mirian Blanco. Uma outra verdade na Mediação – Um romance que retrata a força da comunicação
na construção do nosso futuro. São Paulo: Dash, 2013. p. 43.
96
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70,
2007. p. 85
97
NUNES, Antônio Carlos Ozório. Manual de Mediação – Guia Prático da Autocomposição. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2016. p. 57
53

a mediação é um meio de autocomposição horizontal e democrático para solução de


conflitos no qual as partes, de olhos abertos e de modo consciente buscam construir
as melhores soluções para os seus interesses, num caminho de coordenação, de
diálogo, de conhecimento dos interesses dos outros envolvidos para se chegar às
negociações necessárias à composição do conflito.

Por conseguinte, pode-se afirmar que, pelas observações acima, a Mediação não
possui qualquer caráter impositivo. Ela existirá caso as pessoas efetivamente se interessem em
dela fazer uso, tomará o rumo que elas determinarem e, ao mesmo tempo, incluirá temas por
elas identificados e sobre os quais desejem discorrer. Por isso, não há como impor a Mediação,
mesmo com a previsão legal que hoje existe no Brasil. A Lei no 13.140/15, considerada o
Marco Legal da Mediação, determina a obrigatoriedade da presença em uma primeira reunião,
quando existir um contrato com cláusula de Mediação, não obrigando os contratantes a nela
permanecer. A intenção do legislador, ao tornar obrigatória a primeira reunião, foi promover
conhecimento sobre o método e o ambiente de cooperação, seu pressuposto. Assim, pode-se
afirmar que só é possível o uso da Mediação quando há predisposição dos futuros participantes
em dialogar sobre questões relativas às suas respectivas visões, interações e conexões. E, a
partir do momento em que sentirem que faz sentido participar, permanecerão e, mesmo assim,
enquanto considerarem oportuno e adequado para eles.
A Mediação se baseia na premissa de que o conflito ocorrido faz parte do passado.
Não há como modificá-lo, mas ele pode ser enfrentado e transformado. E, como comentam
Dorothy Della Noce, Joseph Folger e Robert Bush98, esse é o momento em que as pessoas
percebem que estão vivenciando “uma oportunidade única de falar e escutar sobre a inter-
relação entre elas existente”. Por isso, Guilherme Assis de Almeida99 ressalta que
o olhar para o conflito como oportunidade da emergência de subjetividade é permitir
o surgimento de novas possibilidades de resolução de conflitos, não por uma decisão
imposta por um terceiro neutro, mas pela descoberta de uma decisão comum que
satisfaz a todas as pessoas envolvidas no conflito, lhes oferecendo um sentido
compartilhado de existência.

A Mediação, desde o primeiro momento da preparação, a pré-Mediação, assim como


ao longo de todo o processo, busca resgatar o respeito às individualidades de todos, sempre a
partir de seus limites e perspectivas pessoais, com base em suas visões individuais únicas. Por
isso, Adriana Machado, Gilberto Freitas e Simone Cardoso100 ponderam que

98
FOLGER, Joseph Patrick; BUSH, Robert A. Baruch; DELLA NOCE, Dorothy J. Transformative Mediation: A
Sourcebook. Dayton: ISCT, 2010. p. 132.
99
ALMEIDA, Guilherme Assis de. Mediação e o Reconhecimento da Pessoa. São Paulo: CLA, 2019. p.85.
100
YACHISISIAN, Adriana Machado; FREITAS, Gilberto Passos; CARDOSO, Simone Alves. Mediação –
Instrumento de Cidadania e Pacificação. Santos: Universitária Leopoldianum, 2018.
54

a mediação é uma forma de tomar decisões de modo cooperativo, permitindo o


desenvolvimento dos processos de comunicação abertos para além das estruturas
hierárquicas. A maneira pela qual as pessoas resolvem disputas tem um impacto
sobre o modelo como a sociedade e suas instituições são governadas. Não é uma
atividade reservada para os Estados e diplomatas, mas uma arte, um artesanato, que
pode ser aprendida e praticada por indivíduos com uma aptidão em inteligência
emocional. Diante disso, a mediação exige, cada vez mais, uma integração e
envolvimento de pesquisadores puramente acadêmicos, políticos e mediadores
práticos.

Os mesmos autores lembram que, em muitos casos, as pessoas que dela fazem uso
acabam aprendendo a administrar seus próprios conflitos de maneira diferente e às vezes de
maneira inusitada para elas mesmas e, com isso, se capacitam para lidar com futuras
diferenças. Nesse sentido, apontam o caráter didático da Mediação. Esse desdobramento pode
ser explicado pelo fato de os mediandos se colocarem, ao longo da Mediação, em um lugar de
maior sensibilidade com relação ao outro e, com isso, iniciarem um processo de solidariedade
recíproca a partir do respeito às visões limitadas e muitas vezes ilusórias de cada um. E, como
salienta Luis Alberto Warat101, “a Mediação é um processo que recupera a sensibilidade,
ainda que leve ao crescimento interior na transformação dos conflitos”. A partir disto,
seguindo as palavras do referido autor, promove-se o respeito mútuo às diferenças e o
reconhecimento das limitações próprias e das perspectivas pessoais diferentes ou mesmo
opostas, o que pode proporcionar a integração das visões individuais e a responsabilidade que
pavimentará de maneira robusta a possibilidade da construção de soluções.
Segundo Petrônio Calmon102, “a Mediação não possui formas rígidas, mas sua realização
profissional é caracterizada por métodos elaborados e comprovados com rigor científico”. Nesse
sentido, pode ser realizada em uma única reunião ou em quantas os participantes desejarem.
Como mencionado anteriormente, o mediador estimula o diálogo entre os participantes a fim de
mudar a qualidade da interação decorrente do conflito. O processo de Mediação, aqui entendido
como a intervenção do mediador a partir de sua escolha e da aceitação do encargo, consiste
em momentos em que o diálogo se desenvolve de maneira única na interação entre os
mediandos.
Convém ressaltar que a Mediação de conflitos não visa pura e simplesmente ao
acordo. Visa, antes, como já dito, construir soluções a partir de mudanças ou movimentos
pessoais dos participantes em direção ao seu fortalecimento e ao reconhecimento mútuo.
Inicialmente, a preparação envolve o esclarecimento sobre o processo e sua aplicabilidade ao

101
WARAT, Luis Alberto. Surfando na Pororoca – O ofício do mediador. Florianópolis: Boiteux, 2004, p. 65.
102
CALMON, Petrônio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 121.
55

caso, assim como a adesão dos envolvidos. Nesse primeiro momento, já se prioriza a
autodeterminação dos participantes, pois serão eles que avaliarão a oportunidade ou não de
entrar em um processo no qual serão os protagonistas do início ao fim. Em seguida, procede-se
a uma análise das questões pertinentes ao conflito, a partir de forte interação entre mediador e
mediandos, por intermédio de técnicas. Caberá sempre ao mediador checar os temas que
desejam tratar e a forma como serão abordados (ou não), inclusive com a verificação
permanente da eficácia de sua interação e intervenção para com os mediandos. Por isso, o
mediador promoverá a possibilidade de convidá-los a debater outros temas tão importantes
quanto aqueles que o trouxeram para a Mediação, para que se alcance toda a complexidade da
controvérsia ou controvérsias.
A Mediação, nas palavras de Amedeo Papa103, “difere do processo judicial e da
arbitragem por ser um procedimento informal, célere e predominantemente oral, projetado para
mudar o paradigma da busca de culpados e terceirização do problema para o reconhecimento de
responsabilidades e da autonomia de decisão”.
Na mesma linha apontam Luciano Timm e Danilo Magalhães Junior104, no sentido de que os
participantes do processo, caracterizado pela “ausência de adversariedade, voluntariedade,
imparcialidade e sigilo, possuem total controle sobre a situação”, diferentemente dos métodos
acima citados. E, como qualquer Justiça, possui limitações quanto ao seu emprego, muito
embora legalmente falando esteja limitada a direitos disponíveis. Com base em aspectos
materiais, a Mediação efetivamente não encontra limitação, pois se pode fazer uso dela em
todos os tipos de controvérsias. Há limitações, contudo, no que diz respeito às pessoas que dela
fazem uso. Uma delas é a própria disposição em cooperar durante o processo. Outras
limitações, como já apontado por este autor105 em outra obra,
seriam aquelas ligadas às condições físicas pessoais de cada um dos participantes no
processo, que deverão estar aptos a refletir sobre temas de interesse e livres de
fatores emocionais que os impeçam de fazê-lo. Limitações decorrentes de fatores
psicológicos impedem as pessoas de refletir adequadamente e, com isso, torna-se
difícil para elas colaborar e se responsabilizar por tudo que for tratado na mediação.

Além disso, como método de transformação de conflitos, pode ser usada, por exemplo,
em questões que envolvam:

103
PAPA, Amedeo. Disputas Societárias em Empresas Familiares em busca da autonomia perdida. In: PRADO,
Roberta Nioac (coord.). Empresas Familiares e Famílias Empresárias – Governança e Planejamento Jurídico e
Sucessório. São Paulo: Quartier Latin, 2019. p. 122
104
TIMM, Luciano Benetti; MAGALHÃES JÚNIOR, Danilo Brum de. A Mediação pela Perspectiva da Análise
Econômica do Direito. In: NASCIMBENI, Adrubal Franco; BERTASI, Maria Odete Duque; RANZOLIN,
Ricardo Borges (org.). Temas de Mediação e Arbitragem. São Paulo: Lex, 2017. p. 221.
105
BRAGA NETO, Adolfo. Mediação - uma experiência brasileira. 2 ª Ed. São Paulo: CLA, 2017. p. 97.
56

• Laços afetivos ou familiares entre as pessoas, divórcio, revisão de pensão, guarda


de filhos, adoção, conflitos entre pais e filhos ou entre amigos etc.

• Relações dentro de empresas ou entre empresas, bem como entre empresas e


organizações, instituições ou mesmo corporações.

• Conflitos na área civil, como locação, relações condominiais, dissolução de


sociedades empresariais ou não, inventários e partilhas, perdas e danos.

• Divergências no âmbito comercial, como contratos em geral, títulos de crédito,


fretes, seguros etc.

• Relações trabalhistas, no que se refere aos aspectos legais, como nos casos de
dissídios coletivos e dissídios individuais.

• Meio ambiente, incluindo conflitos com órgãos de fiscalização, pessoas jurídicas e


físicas e órgãos públicos.

• Relações na comunidade, desde problemas de vizinhança, passando por familiares


e entre vizinhos, até conflitos coletivos.

• Conflitos na escola, que poderá fazer uso do instrumento a partir de um plano em


que se implementa a cultura da paz.
• Conflitos na área penal, como brigas em família, de vizinhos etc.

Inúmeros outros conflitos também poderiam fazer parte dessa lista. Dentre eles os
conflitos no contexto da engenharia, conforme mencionam Beatriz Rosa e Ricardo Issa 106, ao
explicar que “a mediação nos assuntos de engenharia é uma ferramenta que permite a
compreensão de cada ocorrência de forma ampla e equânime, adicionando mais e mais
informações aos atores envolvidos, para que possam formar suas conclusões”. Essas
referências são apresentadas apenas para proporcionar uma visão mais ilustrativa sobre o
alcance da Mediação. E pretendem demonstrar, como assinala Leandro Rigueira Rennó
Lima107, que “a mediação não é um método a ser utilizado apenas em relações familiares ou
de vizinhança, aquelas em que há um traço emocional forte e que precisam de um
acolhimento específico. Mediação não é terapia. A mediação é uma forma eficaz de resolução
de conflitos”, para todos os conflitos. Ou, como sublinha Cláudia Elisabete Schwerz

106
ROSA, Beatriz; ISSA, Ricardo. Mediação Empresarial e Engenharia. In: BRAGA NETO, Adolfo (org.).
Mediação Empresarial – experiências brasileiras. São Paulo: CLA, 2019. p. 74
107
LIMA, Leandro Rigueira Rennó. Mediação empresarial e as competições acadêmicas. In: BRAGA NETO,
Adolfo (org.). Mediação Empresarial – experiências brasileiras. São Paulo: CLA, 2019. p. 219.
57

Cahali108, “na verdade, todas as demandas admitem a mediação, seja qual for o objeto ou o
contexto”.
Importante enfatizar que não foram incluídos os conflitos em que órgãos públicos de
diversos níveis estejam envolvidos. Tal fato se explica pela amplitude e complexidade que
poderão alcançar, motivo pelo qual este trabalho pretende apontar em capítulos próprios,
como a Mediação pode contribuir na resolução de inúmeros conflitos públicos, ou mesmo,
eventualmente, eminentemente privados, em que as instituições públicas estejam envolvidas e
que esse instituto possa contribuir na sua resolução. Daí a importância de separá-los a partir
das preposições na, com e da.
Ademais, pela pouca experiência existente na área, observam-se muitas resistências
advindas de preocupações com os princípios inerentes à Administração Pública, dentre eles o
da legalidade, o da supremacia do interesse público, o da indisponibilidade dos interesses
públicos e muitos outros, que também serão objeto de análise. No entanto é cediço que a
Mediação nesta área evoca, dentre outros, o princípio da consensualidade, tema cada vez mais
debatido na área acadêmica por doutrinadores entusiastas e/ou opositores e que têm
reverberado na prática, além de trazer à tona o da eficiência, pela agilidade na resolução dos
conflitos, inclusive no contexto da Administração Pública.
Por outro lado, cabe lembrar ainda, nas palavras de Barbara Musumeci Mourão e Pedro
Strozemberg109, que
uma das principais características da mediação de conflitos é a flexibilidade,
traduzida na possibilidade de moldar-se ao ambiente em que é praticada. Seus
limites e formatos são definidos a partir da combinação de sua capacidade de
institucionalização, alianças, territórios e atores envolvidos. Nesse sentido é
conveniente também antecipar que não será difícil encontrar compreensões distintas
para a mediação e que esse é um terreno em que os preceitos de certo ou errado
terão pouca serventia ao debate. Trata-se de uma matéria em contínuo processo de
adaptação.

Tal caráter flexível da Mediação é tão promotor de novos paradigmas que é possível o
uso de seus princípios, norteadores, características e técnicas sem necessariamente utilizar o
método propriamente dito. Fazendo uso de seus recursos, certamente o resultado será um
ambiente mais acolhedor às pessoas, promovendo, com isso, a transformação de seus
conflitos. Não há nada que impeça que agentes públicos ou mesmo de segurança pública,
educadores, profissionais de distintas áreas em uma instituição ou organização, pública ou

108
CAHALI, Cláudia Elisabete Schwerz. O Gerenciamento de Processos Judiciais – em busca da efetividade da
prestação jurisdicional. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 91.
109
MOURÃO, Barbara Musumeci; STROZEMBERG, Pedro. Mediação de Conflitos nas UPPs: Notícias de uma
experiência. Rio de Janeiro: CESeC/UCAM, 2016. p. 13.
58

privada, apropriem-se das técnicas de Mediação, mesmo se tratando de conflitos públicos.


Este último aspecto será objeto de comentários quando se abordar a Administração Pública
em função de experiências já consolidadas na Advocacia Geral da União.
Antes de adentrar no outro eixo, convém enfatizar algumas diferenças entres a
Mediação e os outros Métodos de Solução de Conflitos, pois, à exceção da negociação, todos
pressupõem um terceiro imparcial e independente, porém com funções diferentes. Na
Mediação, o terceiro estimula o diálogo, como será exposto no item subsequente, para que, se
desejarem, construam uma solução, diferente da Conciliação, cujo objetivo é um acordo. A
Justiça Restaurativa, por outro lado, também possui esta mesma finalidade, reunindo, no
entanto, participantes direta ou indiretamente envolvidos no conflito. Na Justiça togada,
entretanto, o juiz decide, assim como o árbitro, porém em conflitos restritos a direitos
patrimoniais disponíveis. Tais observações são relevantes, pois, hoje, todos eles podem ser
empregados em conflitos da, com e na Administração Pública e, em especial, a Mediação,
objeto do presente estudo.

1.2 Participantes

De acordo com Diogo A. Rezende de Almeida e Fernanda Paiva110, na Mediação, “os


participantes devem ser agentes ativos e porta-vozes de suas próprias questões e sentimentos,
responsáveis naturais pelos resultados do processo”. São autores, gerindo seu próprio conflito
e tomando suas próprias decisões ao longo do processo. São eles os responsáveis pela decisão
final dos termos de qualquer acordo que seja celebrado. Em outras palavras como aponta
Alexandre Palermo Simões111, eles “devem agir e usar ao máximo o mediador e os seus
respectivos advogados para junto deles obterem seus objetivos, transitando de um ponto de
partida em que cada qual expõe suas posições e motivos, para um ponto em que possam tratar
mais abertamente de seus verdadeiros interesses e necessidades”. Tudo isso a partir de um
ambiente que proporciona aos participantes “um espaço de investigação, esclarecimentos e

110
ALMEIDA, Diogo A. Rezende de; PAIVA, Fernanda. Princípios da Mediação. In: ALMEIDA, Tania;
PELAJO, Samantha; JONATHAN, Eva (coord.). Mediação de Conflitos para iniciantes, praticantes e docentes.
2 ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 103
111
SIMÕES, Alexandre Palermo. Mediação nos conflitos comerciais. In: BRAGA NETO, Adolfo (org.).
Mediação Empresarial – experiências brasileiras. São Paulo: CLA, 2019. p. 36
59

adequada tratativa de conceitos vagos, abertos e subjetivos” como afirmam Nathalia


Mazzonetto e Marcelo Perlman112.
A Mediação se propõe a refletir sobre a complexidade da controvérsia entre os que
dela participam. Não busca resgatar os laços eventualmente perdidos, mas, sim, o vivenciar de
novos elementos de mudanças em torno da fragilidade e do autocentramento de seus
participantes, em direção ao fortalecimento e reconhecimento mútuos, a partir do respeito
recíproco. Como ponderam Célia Zapparolli e Monica Krähenbuhl113 “o objetivo da mediação
não é necessariamente a obtenção do acordo, mas gerar a transformação no padrão de
comunicação entre os mediandos, para a construção da funcionalidade relacional”, pois se
propõe o trabalho dos conflitos em sua integralidade, tanto no âmbito intersubjetivo como em
suas interfaces comunitárias e sociais.
Caio Eduardo Aguirre114, por seu turno, exalta que a
ideia chave da Mediação é fazer com que as partes, e não o Estado, sejam
protagonistas da solução dos próprios problemas. E isso não só porque haverá um
maior comprometimento com o que restar decidido, mas também porque a mediação
tem incutida em si a ideia de emancipação do cidadão. Através da mediação os
cidadãos deixam de terceirizar seus problemas e assumem as rédeas do caminho que
eles próprios optaram por seguir. Escolhendo pela mediação, saem da menoridade
para uma maioridade, agindo por um lado com mais liberdade e, por outro,
assumindo as consequências de suas próprias escolhas.

Na mesma perspectiva, destaca Fernanda Tartuce115 que a “Mediação permite que os


envolvidos na controvérsia atuem cooperativamente em prol de interesses comuns ligados à
superação de dilemas e impasses, afinal, quem poderia divisar melhor a existência de saídas
produtivas do que os protagonistas da história?”.
O conflito traz sempre o desrespeitar mútuo, que pode ser identificado tanto com
relação à falta de reconhecimento sobre aspectos pessoais quanto com relação à imposição de
vontade de um sobre o outro. A Mediação se propõe a ajudar os participantes a se
reconhecerem mutuamente, oferecendo instrumentos que espelhem claramente o momento

112
MAZZONETTO, Nathalia; PERLMAN, Marcelo. Mediação e os pactos de non compete: uma parceria
necessária. In: BRAGA NETO, Adolfo (org.). Mediação Empresarial – experiências brasileiras. São Paulo:
CLA, 2019. p. 268
113
ZAPPAROLLI, Célia Regina; KRÄHENBUHL, Monica Coelho. Negociação, Conciliação, Mediação,
Facilitação Assistida, Prevenção, Gestão de Crises nos Sistemas e suas Técnicas. São Paulo: LTR, 2012. p. 38
114
AGUIRRE, Caio Eduardo. Mediação em empresas familiares. Dissertação de Mestrado PUCSP, disponível
em www.tede2pucsp.br/handle/handle/6866. Acesso em: 27 dez. de 2019. p. 44. Impende observar que o autor
esclarece em nota de rodapé em seu texto que o termo menoridade foi mencionado por Kant, em 1784, no texto
“O que é esclarecimento”. Significa a incapacidade de um indivíduo se servir de seu próprio entendimento sem a
tutela de outro, por não possuir coragem de seguir seu próprio rumo e por necessitar de outro para que diga o que
deva fazer.
115
TARTUCE, Fernanda. Mediação no Conflitos Civis. 3 Ed. São Paulo: Forense, 2016. p. 176
60

que estão vivenciando e a forma como gostariam que o outro mudasse ou não. Nas palavras
de Luis Alberto Warat116, consiste em
um processo de reconstrução simbólica do conflito, no qual as partes têm a
oportunidade de resolver suas diferenças reinterpretando, no simbólico, o conflito
com o auxílio de um mediador, que as ajuda, com sua escuta, interpretação e
mecanismos de transferência, para que elas encontrem os caminhos de resolução
sem que o mediador participe da resolução ou influa em decisões ou mudanças de
atitude.

A Mediação, nesse sentido, busca ajudar também os participantes a administrar os


conflitos a partir de seus próprios saberes e recursos. Para tanto, já que no Brasil o método
ainda é muito desconhecido, deverão ter a informação antecipada sobre o processo para
tomadas de decisões. O seu empoderamento a partir da escolha do método, como defendem
Joseph Folger e Robert Bush117, “é outro elemento imprescindível para a Mediação, que
poderá se dar pelo acesso às informações privilegiadas antes do processo e sobre todas as
questões a serem discutidas durante o seu andamento, além de, obviamente, com a conexão
com o outro”. Durante o processo, como ressalta Alessandra Fachada Bonilha, “a tomada de
qualquer decisão permite que as pessoas envolvidas pelo conflito se tornem protagonistas e
tenham a total responsabilidade pelo futuro. Muito diferente de uma sentença proferida por
um juiz, ou mesmo por um árbitro em uma arbitragem”118.
A Mediação de conflitos significa acolher pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas, e não
casos. Em outras palavras, seu foco de ação privilegia as pessoas com base em suas próprias
perspectivas. Parte-se do pressuposto da existência de dificuldades e limitações momentâneas
dos participantes em transformar seus conflitos e, em razão disso, da possibilidade de um
terceiro lhes auxiliar na sua gestão. Na mesma linha, sustenta Veronica Beer119 que o
acolhimento das emoções dos participantes é outro elemento fundamental da Mediação, “pois
as emoções motivam as ações, interferem na razão, transformam sensações e provocam
impactos no pensamento, na linguagem e na conduta, influenciando as percepções”. Dessa
forma, por mais que as partes procurem a objetividade e não demonstrem interesse em
aprofundar questões subjetivas relacionadas ao conflito, o mediador deverá estar atento a esses

116
WARAT, Luis Alberto. Ecologia, psicanálise e mediação. In: WARAT, Luis Alberto (coord.). Em nome do
acordo: mediação no direito. Buenos Aires: Almed, 1998. PP. 31
117
FOLGER, Joseph Patrick; BUSH, Robert A. Baruch. The Promise of Mediation. Nova York: Jossey-Bass,
2005.p. 57.
118
BONILHA, Alessandra Fachada. Conselho de Família, Protocolo Familiar e Gestão Adequadas de Conflitos
como Instrumentos Estratégicos para a Longevidade da Família Empresária. In: PRADO, Roberta Nioac
(coord.). Empresas Familiares e Famílias Empresárias – Governança e Planejamento Jurídico e Sucessório. São
Paulo: Quartier Latin, 2019. p. 228.
119
BEER, Veronica Caterina. O papel do advogado no contexto da mediação. Dissertação de Mestrado PUCSP
disponível em: www.tede2pucsp.br/handle/handle/6866. Acesso em 28 dez. 2019. p. 21.
61

aspectos, acolhendo as emoções que possam surgir, ainda que pareçam desconectadas do foco
principal do conflito.
Com isso, a referência desse método de resolução de conflitos é muito diferente da de
outros instrumentos confundidos com ele, como o assessoramento, que nada mais é do que
disponibilizar informações para que as pessoas saibam como optar pelo melhor caminho a ser
percorrido. Também difere da conciliação, que se constitui em uma tentativa de acordo com o
auxílio de um terceiro imparcial e independente, o conciliador, como explicado anteriormente.
A Mediação tampouco se confunde com o aconselhamento, pois o conselheiro oferece
sugestões para a superação do conflito. Ao conselheiro é possível propor a reconciliação ou
outra opção para os participantes, que no âmbito da Mediação poderá ser uma das hipóteses a
ser pensada pelas pessoas envolvidas no conflito. Além disso, a relação entre cliente e
conselheiro pode envolver alguma dependência durante certo tempo, ao passo que o mediador
procura estimular a capacidade dos participantes de decidir o que é melhor para todos, por
acreditar no potencial que possuem em mudar a qualidade da interação entre eles.
E como revela Teresa Grossi120, a Mediação é
uma ferramenta eficaz, de metodologia participativa, inclusiva, democrática,
viabilizando um melhor entendimento entre as partes, que desenvolvem
competências para serem protagonistas de suas histórias. Por meio de um processo
justo e satisfatório e que tem como benefícios: redução de tempo, dos custos
financeiros e emocionais, prevenção de futuros conflitos, alinhamento de visão
prospectiva.

Nesse sentido nas palavras de Ana Luiza Isoldi121, a Mediação possui como referência
cada pessoa é única, conforme seu contexto, histórica, experiências, características,
fase da vida, que influencia sua reação quando algo sai diferente do que esperava. A
vida é feita de escolhas, e as escolhas geram mudanças. As mudanças fazem parte da
vida. É da natureza humana resistir às mudanças e, como as mudanças são
inevitáveis, surgem os conflitos. Os conflitos refletem as mudanças, e as soluções
reorganizam os conflitos. Assim, imprescindível compreender a dinâmica dos
conflitos para otimizar sua gestão.

E a Mediação busca atender esta complexidade.


Juan Carlos Vezzulla122 sublinha que “a mediação oferece um ambiente propício para
que duas ou mais pessoas envolvidas num conflito possam dialogar sobre ele, assumindo uma

120
GROSSI, Teresa Mônica S. B. de Menezes. Mediação: um meio de acesso substancial à Justiça e de elevado
alcance social. In: CANUTO, Alessandra; ISOLDI, Ana Luiza; SITA, Maurício (coord.). Manual de Solução de
Conflitos. São Paulo Literare Books International, 2019. p. 213
121
ISOLDI, Ana Luiza. Gestão de conflito no contexto da hospedagem. In: CANUTO, Alessandra; ISOLDI, Ana
Luiza; SITA, Maurício (coord.). Manual de Solução de Conflitos. São Paulo: Literare Books International, 2019.
p. 20
122
VEZZULLA, Juan Carlos. Mediação Teoria e Prática. Guia para utilizadores e profissionais. Lisboa: CEM,
2003. p. 79.
62

conduta cooperativa e pacífica”. O mediador é o profissional que as auxilia para que possam
perceber o conflito com clareza e distingam os benefícios que poderão obter com o processo,
bem como as possíveis soluções. Ao mesmo tempo, esse autor123 destaca que a Mediação é a
busca do reconhecimento mútuo entre os participantes, já que
o reconhecimento envolve a capacidade de refletir não somente sobre a própria
situação, mas também sobre a do outro, a realidade e o sentir do outro. Esse
reconhecimento não simplesmente formal ou racional, mas fundamentalmente
sensível. É expressado tanto verbalmente como através de ações e reações relativas à
questão trabalhada.

Como leciona Maria Candida do Amaral Kroetz124,


sendo um mecanismo informal e flexível, a mediação possibilita que o mediador e
os participantes abordem a problemática por diversos ângulos e tragam soluções
criativas e inovadoras para a difícil tarefa que é a harmonização dos interesses das
partes numa nova conjuntura. É uma chance para que arrefeçam as tensões
emergentes no novo contexto e reavaliem a dinâmica da contratação com um olhar
prospectivo, sem preocupar-se com fortalecer posições antagônicas, abertos a buscar
espaços propícios a frutíferos rearranjos.

Todas essas características denotam que o ambiente promovido pela Mediação a seus
participantes permite a exposição e o acolhimento de elementos emocionais, que naturalmente
poderão por eles serem expressos. Tal fato acarreta a sensibilização recíproca e, com isso,
melhor compreensão das percepções pessoais sobre o momento vivenciado. Nesse sentido,
Silvia Johonsom di Salvo125 ressalta que a Mediação “procura valorizar laços fundamentais de
relacionamento, incentivar o respeito à vontade dos interessados, ressaltando os pontos
positivos de cada um dos envolvidos na solução do conflito”, resgatando vínculos rompidos e
prevenindo eventuais tensões.
Ao se pensar no contexto da Administração Pública, todos os seus integrantes, sejam
pessoas físicas na qualidade de agentes e representantes de órgãos da Administração direta ou
indireta, ou mesmo pessoas jurídicas públicas, poderão dela participar por inúmeras razões.
Entre elas, pode-se destacar a liberdade de deixar o processo a qualquer tempo, bem como a não
obrigatoriedade de alcançar um resultado ao final do processo, além de não exigir pré-
disposição para participar. Todos estes elementos serão analisados nos itens da parte IV desta
dissertação.

123
VEZZULLA, Juan Carlos. Adolescentes, Família, Escola e Lei. A Mediação de Conflitos. Lisboa: Agora
Comunicação, 2006. p. 77.
124
KROETZ, Maria Candida do Amaral. Mediação em contratos empresariais de longa duração. In: BRAGA
NETO, Adolfo (org.). Mediação Empresarial – experiências brasileiras. São Paulo: CLA, 2019. p. 120.
125
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 46.
63

1.3 Mediador

Como afirma Fernanda Tartuce126, “mediar é facilitar a comunicação entre as pessoas


para propiciar que elas próprias possam, a partir de uma compreensão ampliada dos meandros
da situação controvertida, engendrar respostas conjuntas sobre as questões relevantes do
conflito”.
Por isso, o mediador deve pautar sua conduta pela imparcialidade, independência,
discrição, diligência e dever de revelação. Exige-se dele domínio do conhecimento e
experiência do processo de Mediação, assim como uma forma de intervenção de maneira a
propiciar um ambiente de diálogo entre os mediandos, o que se obtém a partir de um
treinamento específico, acompanhado de um aperfeiçoamento permanente, para que possa
aprender com sua prática e evoluir continuamente em termos de auto-observação,
questionamentos, atitudes, dificuldades e habilidades. Ao mesmo tempo, ele deve estar aberto a
vivenciar a educação continuada em Mediação de conflitos, além de manter postura ética
inatacável.
Nesse sentido, este autor127, em outra oportunidade, enfatizou que ao mediador cabe os
deveres abaixo, que se constituem
valores irrenunciáveis e não negociáveis:
Imparcialidade: compreendida no sentido de manter a devida equidistância dos
participantes, com o objetivo de evitar que qualquer paradigma, ilusório, preconceito,
mito, expectativa etc. interfira em sua intervenção ao longo do processo. Ele não
poderá tomar atitudes que possam sugerir parcialidade ou favorecimento para qualquer
mediando. Para isso, jamais deverá receber presentes, favores ou outros itens de valor,
a não ser os honorários de sua prestação de serviço.
Independência: entendida como a inexistência de qualquer conflito de interesse ou
relacionamento anterior capaz de afetar a credibilidade do mediador e a condução do
processo de mediação.
Confidencialidade: significa que todos os fatos, situações, documentos,
informações e propostas apresentados ou produzidos durante o processo devem ser
mantidos sob sigilo, como já foi dito.
Competência: o mediador deverá comprovar capacidade para efetivamente mediar
o conflito de maneira eficaz e eficiente, reunindo os requisitos mínimos e as
qualificações necessárias para coordenar o processo. Caso o mediador não se sinta
capaz de coordenar o processo com essa premissa, deverá se retirar do processo.
Diligência: consiste no cuidado para observar a regularidade do processo,
assegurando sua qualidade e procedendo da melhor maneira possível quanto à
investigação dos fatos relacionados ao conflito e à sua administração.

126
TARTUCE, Fernanda. Técnicas de Mediação. In: SILVA, Luciana Aboim Machado Gonçalves da (org.).
Mediação de Conflitos. São Paulo: Atlas, 2013. p. 46
127
BRAGA NETO, Adolfo. Mediação de Conflitos: Conceito e Técnicas. In: SALLES, Carlos Alberto de;
LORENCINI, Marco Antonio Garcia Lopes; ALVES DA SILVA, Paulo Eduardo (org.). Negociação, Mediação,
Conciliação e Arbitragem – Curso de Métodos Adequados de Solução de Controvérsias. 3ª Ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. p. 175.
64

Dever de Revelação: o mediador deverá informar qualquer fato ou circunstância


que leve a eventual dúvida justificada sobre sua independência e imparcialidade de
sua conduta ao longo do processo em que esteja colaborando.

Com relação à postura exigida do mediador ao longo de sua intervenção, cabe ressaltar
também que muitos autores defendem que esse terceiro deve ser neutro. Aliás, em alguns
países esse profissional é mais conhecido como neutro. Sobre esse aspecto, é importante
lembrar que a natureza humana sempre prima pela associação ao já vivenciado e conhecido,
decorrente de ideologias, mitos, paradigmas, imaginários, ilusórios e mesmo necessidades,
valores pessoais ou o próprio senso de Justiça, o que promove o pensar julgador sempre. No
entanto, é dever do mediador se isentar de seus elementos internos pessoais, pois na Mediação
valem os elementos pessoais dos mediandos. Em outras palavras, a isenção é o valor soberano
do mediador, que deve ser preservado em prol da imparcialidade, sem a qual o processo fica
comprometido.
No momento em que são identificados os temas, as mudanças ou não de cada
mediando, deverão valer as referências pessoais de cada um dos participantes e não as do
mediador. O mediador, portanto, deve deixar de lado quesitos pessoais que possam direcionar
os mediandos para determinadas soluções, mantendo atenção permanente à sua isenção. O
mediador deverá cuidar da equidade de participação dos mediandos. Para isso, a capacitação
em Mediação de conflitos é fundamental, como dito anteriormente, devendo privilegiar
cuidados com relação a esses elementos, tanto no âmbito teórico quanto no prático
supervisionado.
Além disso, a isenção mencionada inclui também o não oferecimento de informações
técnicas especializadas pelo mediador. Por isso, caberá a ele chamar o profissional adequado para
o fornecimento da informação e orientação necessárias. Por outro lado, não poderá oferecer os
conhecimentos de sua profissão de origem para assessorar os participantes em suas decisões, nem
poderá sugerir ou aconselhar quanto a decisões a serem tomadas. Ao mesmo tempo, uma vez
finda a função de mediar o conflito para o qual foi nomeado, deverá evitar exercer outra atividade
ligada ao caso – por exemplo, juiz, árbitro ou consultor. Tal fato explica a necessidade de uma
capacitação mínima. Francisco José Cahali128 pontua claramente que
exclusivamente aos mediadores extrajudiciais, temos a seguinte regra: qualquer
pessoa, independentemente de sua formação de origem, e de participação em algum
entidade de classe, conselho ou associação, pode ser mediador, desde que tenha
confiança das partes, determinando a Lei, ainda, a sua capacitação ( artigo 9o Lei
13.140/15), mas sem que se imponha padrão para tanto (horas mínimas etc., como se

CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
128

Revista dos Tribunais, 2018. p. 100.


65

faz na mediação judicial para a qual, inclusive, se exige graduação há mais de dois
anos em ensino superior).

Por isso, Fernanda Tartuce129 bem ressalta que “é pacífica a visão sobre a necessidade da
capacitação em si, sendo corrente afirmar que ela deve incluir estágio supervisionado, educação
continuada e práticas de mediação com supervisão de casos”.
Com conhecimento aprofundado sobre o conflito e seus reflexos, a comunicação
humana, técnicas que estimulam o diálogo, visão holística e perspectiva ampla da controvérsia,
o mediador deve promover a facilitação de diálogos. Sua competência resulta do seu domínio
sobre os temas citados acima, permitindo seu papel de ajuda no processo de Mediação. Ele
deverá estar permanentemente atento à interação que se estabelece entre os mediandos. Deverá
também estar atento ao grau de fortalecimento pessoal e reconhecimento mútuo dos
participantes, os quais ocorrerão aos poucos. Além disso, como realça Cláudia Elisabete
Schwerz Cahali130, o mediador deve se empenhar “para restabelecer a comunicação,
proporcionando ambiente favorável para que as próprias partes construam a solução”. Por isso,
Cassio Filgueiras131 enfatiza que “o mediador investe no trabalho de facilitação da comunicação
e do diálogo entre as pessoas envolvidas no conflito, ajudando-as a ultrapassar posturas
competitivas, gerando um ambiente de colaboração e de entendimento”.
A respeito do aspecto transdisciplinar inerente à Mediação, Antônio Carlos Ozório
Nunes132 leciona que cabe ao mediador
ligar e religar as perspectivas e os conhecimentos, o que deverá fazer através de uma
mente sempre aberta, uma aptidão constante para o diálogo e aquisição de
conhecimentos diversos. Em suma, com complexidade das relações humanas, o
mediador deverá entender o que ocorre ao seu redor, com um olhar mais ampliado, e
que lhe permita a visão das partes e a percepção do todo, que mostra as relações e as
interconexões, e evidencie a interdependência dos fatores.

Em outras palavras, a função do mediador é auxiliar os mediandos a conduzir o


processo de Mediação a um resultado que atenda de maneira igualitária e equilibrada a todos.
A ele cabe acolher os participantes, acompanhados ou não dos seus advogados; prestar os
esclarecimentos relativos ao processo; estimular a participação de todos os envolvidos,
assegurar suas livres expressões; buscar a clareza; estar conectado permanentemente à interação

129
TARTUCE, Fernanda. Mediação no Conflitos Civis. 3ª Ed. São Paulo: Forense, 2016. p. 276.
130
CAHALI, Cláudia Elisabete Schwerz. O Gerenciamento de Processos Judiciais – em busca da efetividade da
prestação jurisdicional. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 86,
131
FILGUEIRAS, Cassio. A resistência pacífica dos métodos de solução de conflitos. Revista do Advogado. São
Paulo, n. 123, Ano XXXIV, p. 70-74, 2014. p. 73,
132
NUNES, Antonio Carlos Ozório. Manual de Mediação – Guia Prático da Autocomposição. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016. p. 130.
66

entre eles, assim como às mudanças que ocorrerem ao longo do processo; evitar
direcionamentos para o que considerar necessário e adequado aos participantes; e, enfim, de
maneira muito simplista e resumida, facilitar o diálogo. Por isso, Guilherme de Assis
Almeida133 conclui que “fica claro que o papel do mediador, mais do que a decisão de um
conflito, é possibilitar aos participantes fazerem uso da palavra, de modo a permitir (por meio
do seu trabalho de atenta escuta e suave intervenção) diminuir a distância entre as partes”.
Para Joseph Folger e Robert Bush134, “o papel do mediador é o de acompanhar e apoiar
mudanças da interação existente entre os participantes, as quais naturalmente ocorrerão caso o
diálogo diferente efetivamente ocorra, podendo ou não levar à criação de soluções que atendam
a todos os envolvidos”. Nesse sentido, a Mediação de conflitos consiste em um processo em
que um terceiro imparcial e independente ajuda, em reuniões separadas ou conjuntas, com as
pessoas envolvidas em conflitos, sejam elas físicas ou jurídicas, a promover um diálogo
diferente daquele decorrente da interação existente por força do conflito e, na hipótese de
construírem soluções, quase sempre as cumprem espontaneamente. Por isso Lourdes Alves,
Joyce Markovits, Marta Marioni, Rita Aires, Silvia Rawet, ValerIa Perez e Violeta Daou135
afirmam que “o mediador tem a tarefa de auxiliar as pessoas envolvidas a recuperarem pelo
diálogo a capacidade de encontrar soluções para satisfação mútua e de assumir a
responsabilidade pelas decisões e acordos construídos em parceira”. Este mediador é aquele
que não julga, não orienta, não assessora, não faz sugestões ou avaliações sobre o conflito e muito
menos os direciona para algo que considera necessário ou adequado. Segundo Joseph Folger e
Robert Bush136,
esse mediador considera que os participantes possuem recursos próprios para mudar
a interação entre eles e, com isso, eles próprios refletirem e promoverem mudanças
em suas percepções a respeito do conflito e da relação entre eles (de fragilidade e
autocentramento, em direção ao empoderamento e reconhecimento mútuos).

133
ALMEIDA, Guilherme Assis de. Mediação e o Reconhecimento da Pessoa. São Paulo: CLA, 2019. p.84.
134
FOLGER, Joseph Patrick; BUSH, Robert A. Baruch. The Promise of Mediation. Nova York: Jossey-Bass,
2005. p. 5.
135
ALVES, Lourdes Farias; MARIONI, Marta dos Reis; AIRES, Rita Leria; PEREZ, Valeria; DAOU, Violeta;
MARKOVITZ, Joyce; RAWER, Silvia. Mediação de Conflitos em diferentes contextos da vida cotidiana –
Mediação Particular. In: AIRES, Lourdes Farias (org.). Fundamentos e Práticas Transformativas em Mediação
de Conflitos. São Paulo: Dash, 2019. p. 227.
136
FOLGER, Joseph Patrick; BUSH, Robert A. Baruch. The Promise of Mediation. Nova York: Jossey-Bass,
2005. p 1.
67

Além disso, Marilene Marodin137 ressalta que “para cumprir com sua função, o
mediador necessita não só de uma formação profissional específica, que lhe dará
instrumentos, como também possuir algumas características pessoais próprias. A junção
destes dois fatores será responsável” pelas suas intervenções ao longo do processo. Em outras
palavras, a aparente simplicidade mencionada anteriormente promove a identificação de toda a
complexidade de que se reveste a conexão entre o mediador, os participantes e o conflito
instaurado, que se constitui como fruto das relações interpessoais, que, “com sua pluralidade e
liberdade de expressão de percepções, sentimentos, crenças e interesses, ampliam as vivências
de conflito”, conforme ressalta Carlos Eduardo de Vasconcelos138.
Diante dos elementos acima mencionados, não seria repetitivo depreender que o
mediador possui o dever da imparcialidade e independência, dentre outros. Quando se trata de
conflitos no contexto da Administração Pública, a possibilidade de violação destes deveres
estará presente caso o mediador pertença a seu quadro. Com isso, haverá a quebra do conforto
dos participantes e, consequentemente, da confiança inerente ao processo. Este aspecto será
tratado também quando se tratar da Administração Pública nesta dissertação.
Todos os eixos, bem como suas características anteriormente mencionadas, foram
incluídos nos dispositivos contidos na Lei 13.140/15 (Marco Legal da Mediação) e na Lei
13.105/15 (CPC em vigor), oferecendo de maneira geral a estruturação da Mediação, a partir
de seus três eixos – processo, participantes e mediador –, assim como de seus princípios e
norteadores. Ambos diplomas legais devem ser interpretados e aplicados conjuntamente, não
importa o contexto, inclusive o contexto da Administração Pública, que é mencionada
expressamente nos dois diplomas legais, sendo objeto deste trabalho ao final. Por isso, após a
contextualização histórica de sua evolução legislativa, as referidas leis serão objeto de
observações para, na sequência, análise no contexto da Administração Pública.

137
MARODIN, Marilene. Desafios na Capacitação do Mediador. In: NASCIMBENI, Asdrubal Franco;
BERTASI, Maria Odete Duque; RANZOLIN, Ricardo Borges (org.). Temas de Mediação e Arbitragem. São
Paulo: Lex, 2017. p. 333.
138
VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas. 5ª ed. São Paulo:
Método, 2016. p. 22.
68

2. A MEDIAÇÃO E SUA EVOLUÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO


BRASILEIRO

Hoje o ordenamento jurídico brasileiro conta com leis ordinárias, complementares,


decretos e normas administrativas, que têm propiciado ao cidadão a possibilidade de escolher
o método de resolução mais adequada para os conflitos em que esteja envolvido, muito
embora ainda não faça parte de seu cotidiano por puro desconhecimento. Todo este cabedal
legislativo está no bojo de uma evolução iniciada em 1988, com o advento da Constituição
Federal, mais conhecida como Constituição Cidadã, que já em seu Preâmbulo anunciava de
forma antecipatória o dever de instituir o Estado Democrático Brasileiro com a missão de
promover soluções pacíficas para os conflitos, estabelecendo que o País está:
destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a Justiça como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias.

Simultaneamente lançou também as bases estruturais para criação de instrumentos jurídicos


adaptados à realidade pós-moderna e devidamente enquadrados no sistema legislativo
nacional, numa tentativa de acompanhar a complexidade dos conflitos decorrentes da
evolução da sociedade brasileira. Para se ter uma ideia da evolução da legislação pós-
constituinte, segue abaixo uma breve lista, que aponta em diversos temas e direções, nos quais
as normas jurídicas nacionais têm promovido mudanças cada vez mais paradigmáticas:
• Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/90;
• Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8.069/90;
• Legislação de Defesa Comercial (anti-dumping – subsídios – salvaguardas
medidas compensatórias), a partir da Lei 9.019/95;
• Lei de Propriedade Intelectual – Lei 9.279/96;
• Lei de Arbitragem – Lei 9.307/96;
• Lei que amplia os TACs para órgãos públicos – Lei 9.469/97;
• Legislação Regulatória da ANATEL – Lei 9.472/97, ANP - Lei 9.478/97, ANEEL
– Lei no 10.848/04 etc.;
• Lei de Crimes Ambientais – Lei 9.605/ 98;
• Lei dos Planos de Saúde – Lei 9.656/ 98;
• Código Civil – Lei 10.406/02;
• Estatuto do Idoso – Lei 10.741/03:
69

• Lei Parceria Público Privada – Lei 11.079/05;


• Lei de Recuperação Judicial de Empresas – Lei 11.101/05;
•Lei das Concessões Comuns – Lei 11.196/05;
• Lei dos Juizados Especiais Federais – Lei 12.153/09;
• Lei de Regime Diferenciado de Contratação – Lei 12.462/11;
• Lei de Defesa da Concorrência – Lei 12.529/12;
• Lei de Exploração de Portos e Instalações Portuárias – Lei 12.815/13;
• Lei de Arbitragem – Lei 13.129/15;
•Código de Processo Civil – Lei 13.105/15;
• Marco Legal da Mediação Lei 13.140/15;
• Lei de Regime Diferenciado de Contratação – Lei 13.190/15;
• Lei de Modificações dos contratos de PPP – Lei 13.448/17;
• Lei de Participação, Proteção e Defesa dos Direito dos usuários dos serviços da
Administração Pública - Lei 13.460/17;
• Reforma Trabalhista – Lei 13.467/17;
• Lei do Dispute Board do município de São Paulo - Lei 16.187/18139;
• Lei da Segurança para Inovação Pública – Lei 13.655/18;
• Lei de Execução de Títulos Extrajudiciais – Lei 13.850/19;
• Lei de Desapropriação – Lei 13.867/19;
• Lei de Liberdade Econômica – Lei 13874/19;
• Lei Anticrime – Lei 13.964/19;
• Lei de Franquia – Lei 13.966/19;
• Lei de Desjudicialização no âmbito da Administração Pública do município de São
Paulo – Lei 17.324140.
Paralelo a este esforço, constata-se na lista meramente exemplificativa acima, muito
embora não possua a intenção de exaurir todas as leis que tratam do tema, a evolução
legislativa em prol da utilização de métodos de resolução d
e conflitos, para além do Judiciário, bem como o empenho da sociedade em geral em direção
ao consensualismo. Por isso, Francisco José Cahali141 comenta que

139
Cabe esclarecer que esta lei, muito embora seja de âmbito municipal, destoando de certa maneira do elenco de
leis federais, foi incluída pelo seu ineditismo, bem como por se constitui na primeira lei sobre Dispute Board.
140
Cabe esclarecer que esta lei, de âmbito municipal, também foi incluída pelo seu ineditismo, bem como por se
constituir na primeira lei do Poder Executivo que estabelece uma política pública de desjudicialização, em que a
mediação se constitui em um dos instrumentos.
70

na esfera privada, acompanhando a onda de valorização da autocomposição, além da


intensificação dos debates a respeito em Congressos e Universidades, nota-se a
concentração de esforços no desenvolvimento da mediação por instituições
particulares, ou profissionais independentes. E dentre as diversas iniciativas anote-se
o movimento para fortalecimento da cultura da pacificação intitulado Pacto de
Mediação, lançado em 11 de novembro de 2014 pelo Centro e Federação das
Indústrias de São Paulo (CIESP/FIESP) para consolidação das soluções consensuais
de conflitos especialmente no mundo empresarial. Este Pacto de Mediação firmado
entre algumas Instituições de Ensino, e diversas Entidades representativas de
categorias econômicas da indústria, comércio, prestação de serviços, etc., cria o
compromisso dos signatários em prestigiar e incentivar a prática destes mecanismos
amistosos de gestão de disputas, de maneira colaborativa e integrativa.

Convém lembrar que dentre as instituições de ensino signatárias do referido Pacto


destaca-se a Faculdade de Direito da PUC/SP. Na solenidade de assinatura, esteve presente o
referido Professor representando o Diretor à época, Dr. Paulo Manus.
Todo este cenário consagrou o ano de 2015 como pródigo em termos de instrumentos
legais incentivadores de instrumentos em prol da autocomposição. Nesta linha, assinalam
Carlos Alberto de Salles, Marco Antônio Garcia Lorencini e Paulo Eduardo Alves da Silva142:
o Brasil dispõe, com as reformas legislativas recentes, de um conjunto de normas
relativas aos métodos de resolução de disputas cíveis. Já se conta mais de 10 anos
desde que iniciativas de promoção da conciliação, mediação, negociação, arbitragem
junto ao Poder Judiciário e outros desenhos variados de resolução de disputas foram
reunidas em torno de uma pauta comum de políticas públicas judiciarias. Esta pauta
ganhou impulso especial com a confirmação do volume de processos e recursos nos
tribunais e se concretizou com a edição de uma sequência de diplomas normativos
entre os anos de 2010 e 2015.

No ano de 2015, duas comissões, uma no Ministério da Justiça e outra no Senado


Federal, debruçaram-se sobre o tema da Mediação e outra já instalada há algum tempo
estudava como atualizar o Código de Processo Civil. Por isso, importante oferecer
considerações gerais sobre a Lei 13.140/2015 e breves reflexões sobre Código de Processo
Civil em vigor nos aspectos em que apresentam previsões relativas à autocomposição e à
Mediação. Antes, porém, fundamental se faz marcar a relevância da lei mais conhecida como
o Marco Legal da Mediação no Brasil, país positivista por natureza, que utilizava esse
instituto e vem dele se utilizando há mais de uma década em diversos segmentos e áreas sem

CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
141

Revista dos Tribunais, 2018. p. 13 e 14. Importante destacar que a iniciativa partiu da entidade mencionada
acima, com o objetivo de atingir o maior número de instituições, escritórios, empresas e organismos empresariais
compromissadas com a adoção interna e externa da Mediação e outros métodos consensuais no setor
empresarial, em função dos benefícios que ela aporta ao segmento. Foi inspirado em um outro Pacto elaborado
com os mesmos objetivos em 1984 nos Estados Unidos pelo International Institute for Conflict Prevention &
Resoltution – CPR, renomado instituto sem fins econômicos cuja missão é o desenvolvimento e fomento de
mecanismos menos custosos e mais eficazes de solução de disputas comerciais em negócios globais.
142 SALLES, Carlos Alberto de; LORENCINI, Marco Antônio Garcia Lopes; SILVA, Paulo Eduardo Alves da
(org.). Negociação, Mediação, Conciliação e Arbitragem – Curso de Métodos Adequados de Solução de
Controvérsias. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 1
71

possuir um instrumento legal que o definisse ou o identificasse como instituto jurídico


devidamente institucionalizado. Este marco legal, indesejado e desejado por muitos, explica a
relevância de sua existência. Há que destacar que a referida Lei marca também um novo
tempo para a Mediação no País, não somente no sentido de passar a ser devidamente
institucionalizada, mas sobretudo, por apontar direções para onde deve seguir. No mesmo
sentido, pode-se dizer do atual Código de Processo Civil, que se constitui na promoção de
uma verdadeira reforma, “através de mudanças normativas e de paradigmas, com o objetivo
de dar maior eficiência à prestação jurisdicional”143.
Nesse sentido, cabe lembrar o relato oferecido por este autor144 em outra oportunidade,
em que revela ser a Mediação um instituto não nacional, que
deu seus primeiros passos na década de 90, quando especialistas estrangeiros em seu
maior número, americanos e argentinos, faziam frequentes visitas ao Brasil para
ministrar palestras ou cursos de mediação em distintas partes do território brasileiro.
Nestes eventos, os especialistas apresentavam o trabalho que vinham desenvolvendo
em seus países, deixando a plateia cada vez mais entusiasmada com o tema. Este
entusiasmo levou os participantes destes eventos a se preocuparem com sua
capacitação, visto que desconheciam profissionais com experiência para aqui
desenvolver o instituto. Assim, os interessados no tema iniciaram um processo de
capacitação teórica em países como os Estados Unidos, França, Inglaterra e
Argentina, com o objetivo de se preparar estruturalmente para difundir e capacitar
outros profissionais brasileiros, além é claro, de implementar a atividade no Brasil.
No mesmo período, alguns outros especialistas estrangeiros que costumavam visitar
o Brasil com maior frequência passaram a ter residência fixa no País e acabaram
criando instituições voltadas para a difusão e a capacitação de profissionais. A partir
do ano de 1996, com o advento da Lei 9.307, lei que deu nova roupagem à
arbitragem, como mencionado anteriormente, o País vivenciou o nascimento de um
número expressivo de câmaras de arbitragem, que incluíam também em sua
denominação a mediação de conflitos e ofereciam ambos os serviços: a arbitragem e
a mediação.

A propósito deste último fato, chama a atenção essa particularidade no Brasil, isto é, a
aproximação entre ambos os institutos, Mediação e arbitragem, que foi desde os primórdios
da década de 1990, com o nascimento do movimento pelas suas respectivas implementações,
ocorridas no mesmo período. Petrônio Muniz relata que, em 1997, as mais expressivas
145
instituições de Mediação e arbitragem foram reunidas pelo movimento Operação Arbiter ,

143
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2018. p. 28
144
BRAGA NETO, Adolfo. Mediação de Conflitos: Conceito e Técnicas. In: SALLES, Carlos Alberto de;
LORENCINI, Marco Antonio Garcia Lopes; ALVES DA SILVA, Paulo Eduardo (org.). Negociação, Mediação,
Conciliação e Arbitragem – Curso de Métodos Adequados de Solução de Controvérsias. 3ª Ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. p. 157.
145
Importante enfatizar que o termo empregado foi a designação dada pelo próprio autor da Operação Arbiter,
Petrônio Muniz, que assim chamava o seu intenso trabalho junto à Câmara e ao Senado, de 1991 (ano de início
do trâmite do PL da Arbitragem) a 1996, de esclarecer os parlamentares sobre as emendas apresentadas ao PL,
que o tornavam sem sentido, pois eram feitas a partir do conhecimento que possuíam do processo judicial, na
72

com o intuito de criar padrões mínimos de qualidade que guiassem o desenvolvimento da


arbitragem. Foi seguido pelos que desenvolviam e estudavam a Mediação. Nasceram, assim,
os documentos norteadores de ambas as atividades: o regulamento modelo de arbitragem,
assim como o de Mediação, bem como códigos de ética para mediadores e para árbitros.
Ambos foram os inspiradores da criação do CONIMA – Conselho Nacional das Instituições
de Mediação e Arbitragem.
No ano seguinte, em 1998, foi dado início a um processo de inclusão das palavras
Mediação e mediador na qualidade de um terceiro interveniente, imparcial e independente em
leis extravagantes, numa tentativa de implementar a atividade em situações específicas, as
quais possuíam como fonte inspiradora “o negociado vale mais que o legislado”. Com este
propósito é que a Lei 10.101/01 foi editada. Ela dispõe sobre a participação dos trabalhadores
nos lucros e resultados das empresas, prevendo, em seu artigo 4º, que naquelas negociações,
caso ocorra algum impasse, estabeleça-se a possibilidade de utilização da Mediação,
coordenada por mediador independente, mediador pertencente ao quadro oficial do Ministério
do Trabalho e Emprego ou ainda mediador vinculado a alguma instituição privada, escolhido
de comum acordo entre as partes. Fruto de uma medida provisória editada pela primeira vez
em 1994, faz parte das ações do então Poder Executivo Federal com vistas a prestigiar e
estimular a negociação entre ambos os atores. Desde sua entrada em vigor, os principais
protagonistas daquelas relações não vislumbraram confiabilidade em instituições ou
profissionais da área da Mediação, optando pelo Ministério do Trabalho, que oferece
auditores e mesas de entendimento.
Paralelo a isto, como apontam Lia Sampaio e este autor146, “no bojo das medidas
econômicas implementadas com o Plano Real no mesmo ano de 1994, foram adotadas
medidas complementares como a desindexação da economia, acompanhada por iniciativas
como o expurgo do reajuste automático salarial”. Nasce, então, o reajuste anual dos salários

leitura simplista de que processo arbitral é semelhante ao processo arbitral. Após o advento da lei, o referido
jurista percebeu que seria necessário difundir corretamente seus princípios e parâmetros inspiradores, daí o
nascimento de quatro documentos fundamentais: os Códigos de Ética de Mediação e Arbitragem e os
Regulamentos-Modelo respectivos, para serem objeto de parâmetro para os que iriam se interessar pelo tema.
Cf. OLIVEIRA, Angela. Mediação – Métodos de Resolução de Controvérsias nr 01. São Paulo: LTR, 1999. p.
41. Cabe lembrar, também, que Petrônio Muniz entendia que não bastava a aprovação da lei conforme a redação
original do PL, pois era preciso criar mecanismos que contribuíssem para a efetiva implantação e absorção da
sociedade, para o que necessário se tornava um forte e eficaz processo de reversão cultural, de modo a fazer a
sociedade acreditar serem os seus indivíduos capazes de resolver seus próprios conflitos sem o uso da máquina
estatal. Cf. MUNIZ, Petrônio. Operação Arbiter. 2 Ed. Salvador: AlepBahia, 2016. p.5.
146
SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; BRAGA NETO, Adolfo. O que é mediação de conflitos. Coleção Primeiros
Passos. São Paulo: Brasiliense, 2007 p. 67.
73

para todas as categorias econômicas, com base na variação do IPC-r acumulado dos últimos
12 meses desde a data-base anterior até aquela em que está aberta a negociação. Esta previsão
legal se encontra nos artigos 9º e 10 da Lei 10.192/01, que, ao manter as datas-base das
diversas categorias econômicas, exige que sejam entabuladas negociações para regramento
das relações capital-trabalho uma vez ao ano. Mais adiante, o artigo 11 estabelece a
possibilidade de, uma vez frustrada a negociação, as partes utilizarem um mediador, inclusive
do Ministério do Trabalho, para estimular uma solução negociada, devendo este fazê-lo no
prazo máximo de 30 dias. E, caso não cheguem a um consenso, será lavrada ata negativa com
as causas motivadoras do conflito e as reivindicações econômicas, documento este que
instruirá a representação para ambas as partes para instauração do dissídio coletivo. Estes
dispositivos foram regulamentados, como prevê a referida Lei, pelo Decreto 1.572/95 e pelas
Portarias do Ministério do Trabalho 817 e 818/95.
Data de 1998 o início do processo legislativo de tramitação junto à Câmara de
Deputados das tentativas de legislar sobre o tema no âmbito de ambas as casas do Parlamento,
com cinco projetos de lei, sendo o primeiro deles, e também o mais debatido na comunidade
de especialistas da área, o Projeto de Lei de autoria da Deputada Zulaiê Cobra Ribeiro. Este
trazia a definição da Mediação como uma atividade técnica exercida por terceira pessoa,
escolhida ou aceita pelas partes interessadas, que as escuta e orienta com o propósito de lhes
permitir que, de modo consensual, previnam ou solucionem conflitos, podendo ser sobre
qualquer matéria que admita conciliação, reconciliação, transação ou acordo de outra ordem,
para os fins que consiste a lei civil ou penal. Permitia que a Mediação pudesse versar sobre
parte ou todo o conflito e possibilitava, também, que o juiz, em qualquer tempo e grau de
jurisdição, buscasse convencer as partes da conveniência de se submeterem à Mediação
extrajudicial ou, com a concordância das mesmas, nomeasse mediador, estabelecendo o prazo
de três meses, prorrogável por mais três, a suspensão dos prazos inerentes aos direitos em
discussão para a tentativa de composição. Relevante rememorar que estes aspectos não foram
esquecidos no referido texto legal em análise, pois a sua essência está contida claramente
nele. Em 2002, o referido Projeto de Lei foi aprovado no plenário da Câmara dos Deputados,
sendo encaminhado ao Senado Federal para a Comissão de Constituição e Justiça, sob a
relatoria do Senador Pedro Simon. Em julho de 2006, o plenário do Senado aprovou um novo
texto, ampliando o conteúdo do texto original de 7 para 47 artigos. E, face às várias emendas
que recebeu, retornou à Câmara dos Deputados.
74

Como pontua Francisco José Cahali147,


além deste projeto então em curso, foram apresentados ao Senado dois anteprojetos
a respeito, embora com especificidades (um deles voltado à mediação privada, outro
abrangendo também a mediação pública). Com os trâmites pertinentes, encerram-se
os trabalhos resultando em um único projeto, contemplando a edição privada, a
mediação no Judiciário e a mediação envolvendo o Poder Público. Sendo sua origem
o PLS 517/2011, à sua tramitação, em conjunto, foram reunidos o PLS 405/2013 e o
PLS 434/2013. A redação final do PL 517/2011, aprovada pelo Senado Federal,
unificava também os projetos de 2013, e foi encaminhada à Câmara dos Deputados
onde recebeu o número PL 7.168/2014, e após a aprovação com alterações, retornou
ao Senado. Finalmente, acolhidas em parte as sugestões, feitos ajustes necessários,
chegou-se à aprovação final do texto, sancionado pela Presidência sem qualquer
veto, transformando-se na Lei 13.140/15.

Por outro lado, história diversa teve a Lei 13.105/15, que nasceu de um Anteprojeto de
Lei elaborado por renomados juristas liderados pelo Ministro Luiz Fux em 2010. Tramitou no
Senado inicialmente, onde foi aprovado, sendo levado posteriormente à Câmara dos
Deputados, também sendo aprovado no ano de 2015, com um vacacio legis de 1 ano,
entrando em vigor em março/2016. Na verdade, como sustentam Humberto Dalla Bernardina
de Pinho e Marcelo Mazzola148, a referida Lei é fruto de uma evolução histórica do Processo
Civil, que remonta ao Brasil Colônia, passando pelo Império, República, CPC de 1973 e as
sucessivas reformas processuais durante as décadas de 1990 e de 2000, nos quais “diversos
fatores políticos e sociais influenciaram profundamente esse ramo do direito, fazendo-os
passar por diversas mutações.”
Cabe lembrar que, ao propor ambas as leis, o legislador o fez com base em diversos
objetivos, dentre eles o de incorporar a Mediação como instituto jurídico e legitimar tudo o
que foi desenvolvido anteriormente nos contextos judicial e extrajudicial. Ao mesmo tempo,
ofereceu a continuidade de uma evolução legislativa iniciada, como mencionado, com a
Constituição em vigor. Importante oferecer, também, observações gerais a ambos os textos
legais a partir da linguagem por ambos expressada, por mais que exista o risco apontado por
Paulo de Barros Carvalho149 de interpretação, que segundo o próprio autor significa “atribuir
valores aos símbolos, isto é, adjudicar-lhes significações e, por meio dessas, referências a
objetos”. Apesar de ser a típica realização do espírito humano, não deixa de ser objeto da
cultura, impregnada de valores e conteúdos axiológicos. Tudo isso, como o mesmo autor
aponta, constitui-se na busca do conhecer o direito, que é, na verdade, compreendê-lo,

147
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 97 e 98.
148
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; MAZZOLA, Marcelo. Manual de Mediação e Arbitragem. São
Paulo: Saraiva, 2019. p. 27.
149
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 6ª ed. São Paulo: Noeses, 2015. p. 87
75

interpretá-lo, construindo conteúdo, sentido e alcance da comunicação legislada. Além disso,


como bem observa Francisco José Cahali150, ambos diplomas legais possuem “pontos de
intimidade”, mesmo sendo um voltado para a Mediação judicial e o outro para a extrajudicial.
E conclui que “o diploma processual é expresso em determinar a aplicação do quanto nele
previsto à mediação extrajudicial (artigo 175, parágrafo único do CPC/2015), e, por sua vez, a
Lei 13140/2015 traz disposições comuns e também exclusivas da mediação judicial e
extrajudicial”.

2.1 Considerações Gerais sobre a Lei 13.140/15 – Marco Legal da Mediação

Quando se observa a estrutura adotada pelo legislador sobre a Lei 13.140/15, constata-
se a existência de dois Capítulos, sendo o primeiro voltado para conflitos entre particulares e
o segundo voltado para conflitos em que interesses públicos estão em jogo, quando ao menos
um dos envolvidos é agente do poder público. O primeiro possui 31 artigos, sem contar os das
disposições finais, ao todo 8 artigos; o mesmo número dedicado à autocomposição de
conflitos no âmbito da Administração Pública de que trata o Capítulo. Nota-se claramente a
intenção do legislador em introduzir um divisor de águas com relação às matérias a serem
objeto de Mediação e como ela deverá ser operacionalizada a partir de elementos
diferenciados em ambos os contextos. O primeiro, voltado para questões entre particulares,
quer se trate de conflitos entre pessoas jurídicas ou entre físicas e jurídicas ou entre pessoas
físicas. E o segundo, quando se tratar de conflitos, como dito acima, em que um dos usuários
do método seja integrante do poder público, para os quais, além da Mediação, o texto propõe
outros métodos autocompositivos, entretanto sem os nomear. Além disso, quanto às seções do
primeiro capítulo, chama atenção a intenção do legislador com relação à distinção entre a
Mediação judicial e a extrajudicial, bem como o mediador judicial. A primeira, com
regramentos por ela estabelecidos, referendando a prática já em curso, advinda com a
Resolução CNJ 125/2010. A segunda, por seu turno, com mais liberdade, estabelecendo
regras mínimas, como será objeto de análise mais adiante. Convém lembrar, também, que o
referido diploma legal possui um uma seção inteira a tratar da confidencialidade e suas
exceções.

CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
150

Revista dos Tribunais, 2018. p. 98.


76

2.1.1 A Definição da Mediação e disposições gerais

Logo no primeiro artigo, em seu parágrafo único, está contida a definição da Mediação
como atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, escolhido ou
aceito pelas partes, que as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais
para a controvérsia. Em outra oportunidade, este autor151 observou que se percebem neste
conceito os mesmos parâmetros propostos pelo Projeto de Lei de 1998 mencionado acima,
muito embora algumas modificações tenham sido realizadas, pois se estabelecem os
parâmetros do método no sentido de se constituir uma “atividade promovida por um terceiro
imparcial sem qualquer poder sobre os participantes, que como técnico, deverá estar
devidamente capacitado, para ajudar e incentivar os participantes a identificar ou desenvolver
soluções consensuais”.
Com relação à estrutura da lei, chama atenção que o legislador tenha tentado oferecer
a estrutura para sedimentar sua efetiva realização. Em outras palavras, abordou a figura do
mediador e o processo a ser desenvolvido por e com ele, introduzindo o papel dos
participantes, integrando os três eixos mencionados na primeira parte desta dissertação, a
partir de duas lógicas em que hoje a Mediação entre particulares é utilizada, isto é, o âmbito
judicial e extrajudicial. Para tanto, optou também por apontar o que é geral para ambos os
segmentos. Assim é que aos mediadores é dedicada uma Seção que contêm as disposições que
são comuns a ambos os segmentos, seguidas dos elementos mais específicos ligados ao
ambiente extrajudicial e judicial. A mesma lógica é empregada na Seção dedicada ao
procedimento. Este mesmo raciocínio levou à estruturação da autocomposição de conflitos em
que for parte pessoa jurídica de direito público em duas seções, a primeira de caráter geral e a
segunda seção quando envolver conflitos com a Administração Pública federal direta, suas
autarquias e fundações. Não poderia ser deixado de lado o destaque que é dado à
confidencialidade, que é objeto de uma única Seção, a de número 4, que bem define seu
alcance e, eventualmente, suas exceções, muito embora sintetizados em apenas dois artigos.
Na sequência da definição, optou o legislador em tratar da Mediação de maneira
genérica no Capítulo 1º, com o objetivo de abarcar o método como um todo, apresentando os
parâmetros em que ela deve ser desenvolvida no território nacional, a partir de seus

151
BRAGA NETO, Adolfo. Mediação de Conflitos: Conceito e Técnicas. In: SALLES, Carlos Alberto de;
LORENCINI, Marco Antonio Garcia Lopes; ALVES DA SILVA, Paulo Eduardo (org.). Negociação, Mediação,
Conciliação e Arbitragem – Curso de Métodos Adequados de Solução de Controvérsias. 3ª Ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. p. 159.
77

princípios, seu objeto, seu limite e obrigatória aplicabilidade quando prevista em um contrato,
podendo tratar sobre todo o conflito ou parte dele, conforme § 1º do artigo 3.º. Em outras
palavras, como ressaltam Bárbara Bueno Brandão, Eduardo Braga Bacal e Marcela Rodrigues
Souza Figueiredo152, estes artigos conferiram “sistematização por meio de um conjunto de
regras e princípios” que a norteiam, bem como “delimitar as matérias que dela podem ser
objeto. Daí se extrai que os referidos dispositivos, de alcance mais geral são fundamentais
para uma compreensão de todo o texto normativo”.
Com relação aos princípios, foram eleitos nove, muito embora existam outros, os quais
foram elencados no artigo 2º, muitos deles mais compreensíveis como conduta ideal a ser
desenvolvida pelo mediador do que propriamente princípios da atividade. De qualquer
maneira são eles:
1. Imparcialidade do mediador, entendida, dentre outros conceitos, como pressuposto
de sua atuação antes e durante a Mediação com a inexistência de qualquer conflito de
interesses capaz de afetar o procedimento, devendo compreender a realidade dos
mediados, sem que nenhum paradigma, preconceito ou valores pessoais venham a
interferir em sua intervenção;
2. Isonomia entre as partes, compreendida no sentido do tratamento igualitário a ser
oferecido aos participantes da Mediação, inclusive com relação às oportunidades que
também deverão ser igualitárias;
3. Oralidade, percebida que certos atos devem ser praticados oralmente, recomendando
a prevalência da palavra falada em relação à escrita. Na verdade, é onde a Mediação se
estrutura, pois sem o diálogo entre os participantes não será possível sua existência e
muito menos sua continuidade, mesmo que sejam realizadas reuniões individuais;
4. Informalidade, significa a dispensa de requisitos formais sempre que a ausência não
incorrer em prejuízo, assim como a flexibilidade no desenvolvimento do
procedimento, levando-se em consideração a complexidade inerente ao conflito e a
individualidade dos participantes;
5. Autonomia da vontade das partes, percebida como a garantia da voluntariedade, o
poder que as pessoas têm em optar pela participação na Mediação ao conhecê-la,

152
BRANDÃO, Bárbara Bueno; BACAL, Eduardo Braga; FIGUEIREDO, Marcela Rodrigues Souza. Das
Disposições Gerais sobre a Mediação de Conflitos na Lei 13.140/2015. In: PELAJO, Samantha, FIGUEIREDO,
Marcela Rodrigues Souza; MIRANDA NETTO, Fernando Gama; LIMA, Fernando Souza e. Comentários à Lei
de Mediação – Estudos em Homenagem aos 10 anos da Comissão de Mediação de Conflitos da OAB-RJ. Rio de
Janeiro: Processo, 2019. p. 25
78

podendo interrompê-la a qualquer tempo, e, também, da autodeterminação, poder que


as pessoas têm de gerir seu próprio conflito e tomar suas próprias decisões, durante ou
ao final do procedimento.
6. Busca do consenso, determinando que só existirá o procedimento se houver consenso
dos participantes antes, durante e após seu advento;
7. Confidencialidade, englobando todas as informações, fatos, relatos, situações,
propostas e documentos, oferecidos ou produzidos durante toda a sua realização,
sendo vedado qualquer uso para proveito de quem quer que seja, salvo os limites
estabelecidos no contexto em que a prática da Mediação se dá e/ou previsão em
contrário estabelecida entre os mediandos e a própria, que assim determina mais
adiante, e
8. Boa-fé, não sendo indicada como objetiva ou subjetiva, por se tratar do pressuposto de
conduta dos participantes de forma honesta, leal e proba.
Com relação ao item 5 acima, que trata da autonomia da vontade, no §1º do mesmo
artigo chama a atenção o fato de estar prevista a obrigatoriedade do comparecimento dos
participantes na primeira reunião de Mediação, quando estiver prevista em um contrato. Com
esta redação se mitiga os efeitos do referido princípio, determinando-se imperativamente o
dever de estar presente no primeiro encontro. Já o §2º, ao contrário, reforça o mesmo
princípio, desobrigando a continuidade da Mediação se não houver vontade dos participantes
em dela continuar. Denota-se uma incoerência clara no próprio artigo, pois, ao nomear a
autonomia da vontade como o quinto princípio a ser seguido, viola-o, ao determinar esta
obrigatoriedade. Ao se tentar buscar os objetivos do legislador com estas determinações,
percebe-se que a intenção foi oferecer segurança jurídica à opção feita pela Mediação, quando
da lavratura do contrato. Em outras palavras, a opção pelo método é fruto do consenso quando
da elaboração do contrato, portanto não poderá fugir do compromisso de ir à Mediação
quando da existência da controvérsia. Importante ressaltar que este efeito vinculante da
cláusula que obriga os contratantes ao método escolhido, quando da elaboração do contrato,
foi inspirado na experiência brasileira com a Lei 9.317/1996 (arbitragem), que, ao dar força
vinculante à cláusula arbitral, promoveu verdadeira mudança de realidade da arbitragem no
Brasil, dotando a arbitragem de maior segurança jurídica. Percebe-se que este foi o inspirador
para que possam coexistir garantias às pessoas para conhecerem o método e optarem se o
desejam ou não. Com isso, a Mediação passa a ter maior difusão e ampliação do
conhecimento de sua existência e alcance.
79

Quanto a este tema, cabe trazer à análise a prática da Mediação extrajudicial no âmbito
institucional brasileiro. Renomadas instituições administradoras de procedimentos de
arbitragem e outros métodos de resolução de conflitos, como o CAM-CCCBC – Centro de
Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil Canadá153 adotaram em seus
regulamentos a prática da pré-Mediação ou reunião prévia com os possíveis participantes do
procedimento, em que são esclarecidos aspectos importantes do método e de como será
desenvolvido naquela instituição. Assim como esta instituição, outras como CAMARB154,
Câmara de Mediação e Arbitragem da Fiesp/Ciesp155 acabaram por optar pela inclusão desse
momento com o objetivo de melhor esclarecer os objetivos e alcance da Mediação e,
sobretudo, o seu funcionamento naquela instituição. O referido momento inicial, não
considerado por muitos autores como parte do procedimento por ser prévio e preparatório, é
realizado por profissional da instituição, que apresenta o método lá desenvolvido e sua lista de
mediadores para efeito de escolha. Importante seria notar que este momento não pode ser
considerado como o previsto como a primeira reunião obrigatória do §1º do referido artigo,
por vários motivos. Dentre eles, destaca-se o fato de os participantes não estarem com o
mediador escolhido (na verdade, isso ocorrerá na sequência). Ou mesmo por se tratar de
momento prévio e esclarecedor do procedimento que não envolve tomada de decisão com
relação ao conteúdo, mas, sim, com relação ao próprio método e sua adequação ao caso
concreto. Nesse sentido, deve-se de imediato fazer um alerta com relação ao cumprimento do
previsto neste parágrafo, pois a obrigatoriedade não é cumprida com a reunião pré-Mediação,
ou reunião preparatória, mas com a instalação da Mediação a partir da nomeação e do aceite
do mediador ao caso concreto. Este alerta vale especialmente para as instituições que vêm
utilizando esse momento preparatório, sobretudo como marca de qualidade dos serviços
prestados.
Ainda quanto ao mesmo Capítulo, o último artigo, o 3º, aponta no seu caput os limites
com relação à matéria objeto da Mediação, determinando que deverá ser restrita a direitos
disponíveis. Esta limitação não é absoluta, pois o §2º permite que, diante do consenso dos

153
FORBES, Carlos Suplicy de Figueiredo. Mediação Empresarial: a experiência institucional no CAM-CCBC.
In: BRAGA NETO, Adolfo (org.). Mediação Empresarial – experiências brasileiras. São Paulo: CLA, 2019. p.
198. Importante notar que o referido autor, ao mencionar a prática desde sempre da reunião prévia no CAM-
CCBC, salienta o quanto a iniciativa foi coroada de enorme sucesso, pois permite que as partes formulem
perguntas, indaguem sobre a instituição, sua infraestrutura, suas regras internas, custos e outros detalhes sobre a
mediação lá desenvolvida, proporcionando enorme ganho de tempo aos participantes.
154
Disponível em: www.camarb.com.br. Acesso em 13 mar. 2020.
155
Disponível em: www.camaradearbitragemsp.org.br. Acesso em 13 mar. 2020.
80

envolvidos, quando se tratar de indisponibilidade de direitos, mas transigíveis, a homologação


por parte do Judiciário é obrigatória depois do parecer do Ministério Público. Em outras
palavras, ao optar por permitir a transação quando se tratar de direitos indisponíveis desde que
alguns cuidados sejam tomados, consagrou o legislador a prática hoje realizada no País,
repetindo o desenvolvido em vários países no contexto familiar, ambiental, dentre outros.

2.1.2 O Mediador

Inaugurando as Subseções do texto legal, o legislador optou por estabelecer os


parâmetros do trabalho a ser desenvolvido pelo mediador e determinou a conduta a ser por ele
promovida com as disposições gerais que são válidas tanto para o âmbito extrajudicial quanto
para o âmbito judicial. E oferece, de imediato, no caput do artigo 4º, a possibilidade de ser
designado pelo Tribunal ou escolhido pelas partes. Em outras palavras, definiu-se que no
âmbito judicial a nomeação partirá exclusivamente do Tribunal, como ocorre hoje no sentido
de ser designado pelo juiz, que encaminha para a Mediação, e o trabalho é desempenhado por
algum mediador à disposição, não permitindo que naquele âmbito possa ser escolhido, como é
usual no âmbito extrajudicial, tanto institucional, quanto por mediadores independentes. No
mesmo artigo, o §1º determina a maneira como o mediador deverá agir diante dos mediados
no sentido de intervir na comunicação como um facilitador para a resolução do conflito por
meio do estímulo ao entendimento e ao consenso. A esta conduta é acrescido o dever ético
contido no parágrafo único do artigo seguinte, o 5º, com o dever do mediador de revelar
qualquer tipo de conflito de interesse que o impeça de autuar naquela qualidade, sendo
taxativo ao determinar este dever ao perceber qualquer tipo de fato ou circunstância que leve
a eventual dúvida sobre sua imparcialidade. Cabe enfatizar que se agrega à Mediação um
dever ético comumente atribuído ao árbitro e ao juiz, posto ao ser designado ou escolhido, de
verificar eventuais conflitos de interesse que levem a eventuais dúvidas sobre sua atuação na
qualidade de terceiro imparcial e independente. Convém lembrar que este dever foi objeto de
inclusão em diversos Códigos de Ética para mediadores brasileiros elaborados pelo
CONIMA, FONAME e outras instituições nacionais. Todos eles reforçam os ensinamentos de
Fernanda Tartuce156, que ressalta: o mediador precisa estar “apto a trabalhar com resistências
pessoais e obstáculos decorrentes do antagonismo de posições para restabelecer a
comunicação. Seu papel é facilitar o diálogo para que os envolvidos na controvérsia possam

156
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civis. 2 Ed. São Paulo: Forense, 2015. p. 271.
81

protagonizar a condução de seus rumos de forma não competitiva. Mediar constitui uma
tarefa complexa que demanda preparo, sensibilidade e habilidades”.
A propósito destes terceiros imparciais e independentes, importante ressaltar que o
mediador, seja extrajudicial ou judicial, está equiparado ao juiz nos casos de suspeição,
conforme estabelece o artigo 5º, e da mesma forma é equiparado ao servidor público para
efeitos da legislação penal, na conformidade do artigo 6º, sendo incluídos neste aspecto seus
eventuais assessores que com ele participarem do procedimento.
Ainda com relação ao mediador no âmbito extrajudicial e judicial, é vedada a
possibilidade de prestar qualquer tipo de serviço, na qualidade de assessor, representante ou
patrocinador de qualquer das partes, durante um ano após finda última reunião do
procedimento de Mediação. E também é vedada a ele, conforme o artigo 6º, a possibilidade de
atuar como árbitro em conflito em que já atuou como mediador, preceito respaldado pela
doutrina nacional que também direciona no mesmo sentido de impedimento de ser testemunha
em processos posteriores, conforme artigo 7.º do texto legal ora em foco. Com estes preceitos,
mais uma vez se consagram os Códigos Deontológicos brasileiros acima mencionados.
Os dois artigos seguintes, o 9.º e o 10, tratam do mediador extrajudicial, que pode ser
qualquer pessoa que tenha a confiança dos participantes, capacitada para mediar, ligada ou
não a qualquer instituição. O legislador optou pela realização da Mediação extrajudicial
institucional, bem como fora de uma instituição. Deixou, entretanto, de esclarecer no que
consiste a capacitação. A propósito da capacitação, há que se fazer referência à prática nas
instituições nacionais, que apontam para as regras do FONAME e CONIMA, que a propõem
em duas etapas. “A primeira se refere à imprescindível participação e conclusão em um Curso
teórico/prático de no mínimo 80 horas nos parâmetros ditados pelo Foname/Conima. A
segunda, por seu turno, trata-se da prática supervisionada de casos reais, também com no
mínimo 80 horas, conforme os parâmetros acima apontados”157. Seriam, em outras palavras,
os estágios supervisionados com o acompanhamento e monitoramento permanente de
mediadores com mais experiência que se qualificaram ao longo de sua trajetória na Mediação
na função de supervisores. Evidentemente, o profissional dedicado à Mediação não deve parar
por aí. Esse é o mínimo para poder se auto-observar com mais propriedade e segurança na
função de mediador, mas só será legitimado pelas pessoas quando for por elas nomeado e
reconhecido como tal durante todo o processo. Além disso, o estudo permanente da Mediação

157
Disponível em: www.conima.org.br e www.foname.com.br link CAPACITAÇÃO. Acesso em: 13 mar.
2020.
82

poderá de alguma maneira preencher lacuna deixada por mais horas de prática a fim de
garantir maior qualidade ao profissional. Tudo isso se faz necessário para que o mediador
acolha melhor os participantes e proporcione nos seus serviços parâmetros mencionados
acima. Com isso, o mediador, a partir da continuidade de seus estudos, além de melhor se
estruturar e se desenvolver para ajudar as pessoas, poderá, se o desejar, integrar uma carreira,
em que os próximos passos consistiriam em se tornar um supervisor de futuros mediadores e,
posteriormente, professor em Mediação, ministrando o ensino da Mediação de conflitos e
capacitando profissionais. Este último degrau, é o “nível mais alto da arte e da ciência da
atividade”, segundo Gladys Álvarez158.
O artigo 10 faculta aos participantes a possibilidade de estarem acompanhados de
advogados ou defensores públicos, o que na verdade reforça a autonomia da vontade com
relação ao procedimento, em que não estariam sujeitos a eventuais orientações ou inclinações
de seus representantes legais. Mas o parágrafo único determina, claramente, que, se uma das
partes estiver acompanhada de um deles, deverá o mediador parar o procedimento e requerer
que a outra parte esteja devidamente acompanhada. Um dever ético agregado pela lei ao
mediador: o de ver de cessar o processo para que todos estejam representados.
Nos três artigos seguintes, o legislador se dedicou a traçar os parâmetros para o
mediador judicial, que poderá ser qualquer profissional com nível superior, graduado em
faculdade reconhecida pelo Ministério da Educação com no mínimo dois anos de graduação e
devidamente capacitado por escola de formação em Mediação reconhecida pela Enfam –
Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, observadas as regras do
CNJ – Conselho Nacional de Justiça, em conjunto com o Ministério da Justiça. A propósito
deste tema, importante lembrar que os eixos da capacitação no âmbito extrajudicial são
observados também no âmbito judicial, muito embora em uma proporção talvez menor,
conforme a Resolução 125/2010 e suas emendas de 2013 e 2015.
O artigo seguinte, o 12, determina que os Tribunais Estaduais deverão possuir um
cadastro atualizado de mediadores habilitados e autorizados e realizar mediações judiciais,
sendo possível o requerimento do interessado na área e Tribunal em que pretende exercer sua
atividade. O mesmo artigo determina que cabe aos tribunais estabelecer as regras de

158
ÁLVAREZ, Gladys Stella. Ser um mestre em mediação. In: CASELLA, Paulo Borba; MOESSA, Luciane de
Souza (coord.). Mediação de conflitos: novo paradigma de acesso à Justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p.
89.
83

cadastramento e descadastramento, assim como o pagamento dos seus serviços desde que os
participantes do processo não estejam sob a proteção da assistência jurídica gratuita.
Diante dos elementos novos ou já conhecidos da atividade no dia a dia da prática
brasileira, tanto judicial, quanto extrajudicial (institucional ou não), a redação desta subseção
denota uma opção realizada pelo legislador no sentido de referendá-la, consagrando a escolha
pelo mediador facilitativo. Em outras palavras, o texto legal em comento oferece uma opção
clara em termos da atuação do mediador pela vertente de facilitador do diálogo, primando por
esforço no sentido de priorizar a autonomia plena das vontades daqueles que dela
participaram, participam e participarão. Ao mesmo tempo, respalda de maneira incontroversa
os Códigos de Ética já mencionados, inclusive o da Resolução CNJ 125/2010 e sua emenda
de 2013, muito embora permita que ele ofereça proposta de acordo conforme o dispositivo
que trata da confidencialidade, a ser comentado mais adiante no inc. III do § 1.º do artigo 30.

2.1.3 O Processo de Mediação

Ao se fazer uma leitura prima facie da Seção III que trata do procedimento de
Mediação, constata-se que o legislador, com relação ao procedimento, consagrou, mais uma
vez, a prática hoje desenvolvida no País. Por isso, de imediato, o artigo 14 estabelece como
dever do mediador o de lembrar da confidencialidade do procedimento, muito embora na
seção seguinte aponte as possíveis exceções facilmente identificáveis, como será descrito
mais adiante. A observação acima se constata na redação do artigo 15, que estabelece a
possibilidade de ser adotada a comediação, quando se tratar de questões complexas ou a
própria natureza do conflito assim o exigir, a partir da recomendação do mediador ou mesmo
dos participantes, podendo se efetivar caso houver consenso neste sentido.
Além disso, cada vez mais se observa uma tendência de processos judiciais ou
arbitrais serem interrompidos para que os participantes possam tentar uma composição entre
eles. O artigo 16 determina que, se as partes desejarem, tentar deverão solicitar ao juiz ou ao
árbitro a suspensão do processo, que poderá ser em tempo suficiente para a tentativa de
solução consensual. E seus parágrafos determinam: o primeiro, a impossibilidade de recurso
da decisão de deferimento para a tentativa de composição; e o segundo, que mesmo a
suspensão do processo não inviabiliza as possíveis medidas de urgência, as quais poderão ser
tomadas tanto pelo juiz quanto pelos árbitros se solicitadas. Já o artigo 17 determina
claramente o momento da instalação da Mediação, que é a data em que foi marcada a primeira
reunião de Mediação. Este artigo deve ser lido em conjunto com § 1.º do artigo 2.º já
84

comentado, que obriga à realização da primeira reunião de Mediação, quando de sua previsão
contratual, determinando com sua instalação a interrupção da prescrição, conforme o
parágrafo único do mesmo artigo.
Quem já conhece na prática a Mediação de conflitos no Brasil consideraria óbvia a
previsão contida no artigo 18, que estabelece que as reuniões posteriores à primeira só
ocorrerão se houver consenso de sua realização pelos participantes. Na verdade, o legislador
confirmou com este artigo as determinantes de conduta do mediador no sentido de buscar o
consenso com relação ao processo e, claro, com relação a seus honorários, que serão devidos
se o procedimento tiver sua continuidade. Este mesmo raciocínio deve ser levado em conta
com relação ao artigo 19, que permite ao mediador realizar reuniões conjuntas ou separadas e
também solicitar quantas informações sejam necessárias, já que a matéria-prima da atividade
é a informação devidamente escutada, compreendida e reconhecida.
Quanto ao encerramento da Mediação, deverá ser formal com a elaboração de um
acordo que, segundo o parágrafo único do artigo 20, é título executivo extrajudicial e, se
homologado, se transforma em título executivo judicial. Ao mesmo tempo e no mesmo artigo,
a previsão legal determina que o procedimento poderá ser encerrado com uma simples
declaração de um ou dos mediandos ou do mediador que declarem não haverem alcançado a
solução. Todas estas previsões são na verdade a prática comum em território brasileiro.
Com relação à subseção referente à Mediação extrajudicial, são oferecidos elementos
inovadores em termos jurídicos, mais ligados à perspectiva de promoção de maior segurança
jurídica para efetiva instalação e desenvolvimento da Mediação. Por isso, num primeiro
momento, o artigo 21 indica os possíveis meios de comunicação para iniciar o procedimento,
podendo ser qualquer um, o que significa dizer qualquer forma que permita trazer a
informação da intenção de um eventual futuro participante com relação a outro no sentido de
iniciar a Mediação. Exige, no entanto, que o convite deva conter o escopo da Mediação, data e
local da primeira reunião, sendo considerado rejeitado se no prazo de 30 dias não houver
resposta.
Na sequência, o artigo 22 elenca os requisitos mínimos que deverá conter a previsão
contratual da Mediação (vide transcrição logo a seguir), podendo ser substituído pela
indicação de um regulamento de uma instituição idônea de prestação de serviços de Mediação
que constem critérios claros de escolha do mediador e realização da primeira reunião
conforme o § 1º.
Os requisitos acima apontados são:
85

1) prazo mínimo e máximo para realização da primeira reunião, contado a partir da


do recebimento do convite;
2) local da primeira reunião de mediação;
3) critérios de escolha do mediador ou equipe de mediação, e
4) penalidade em caso de não comparecimento da parte convidada à primeira
reunião.

Por outro lado, o mesmo artigo, em seu § 2º, estabelece que na hipótese da previsão
contratual não ser completa, outros requisitos devem ser observados com relação à realização
da primeira reunião de Mediação, a saber:
1) prazo mínimo de 10 dias úteis e prazo máximo de três meses, contado a partir do
recebimento do convite;
2) local adequado a uma reunião que possa envolver informações confidenciais;
3) lista de cinco nomes, informações de contato e referências profissionais de
mediadores capacitados; a parte convidada poderá escolher, expressamente,
qualquer um dos cinco mediadores e, caso a parte convidada não se manifeste,
considerar-se-á aceito o primeiro nome da lista, e
4) o não comparecimento da parte convidada à primeira reunião de mediação
acarretará a assunção por parte desta de 50% das custas e honorários sucumbenciais
caso venha a ser vencedora em procedimento arbitral ou judicial posterior, que
envolva o escopo da mediação para a qual foi convidada.

Todas as previsões legais indicadas acima trazem em seu bojo a preocupação com a
efetivação do método, no sentido de ultrapassar descuidos com a elaboração de uma cláusula
de Mediação em um contrato. Dotá-la de devida força para a instalação do procedimento e ao
mesmo tempo promover um cenário que proporcione, pelo menos inicialmente, o diálogo, que
poderá existir em situações imprevistas. Mais uma vez, a experiência com a arbitragem no
País, sobretudo com relação a redação de cláusulas conhecidas como vazias, foi a inspiração
destes preceitos, que são muito claros.
Já com relação à subseção III, que trata da Mediação judicial, o artigo 24 respalda as
determinações da Resolução CNJ 125/2010 e suas emendas, no sentido de os Tribunais
criarem centros judiciários de solução consensual de conflitos, onde serão desenvolvidos os
procedimentos de Mediação pré e processuais, sendo também responsáveis pelo
desenvolvimento de programas voltados para autocomposição. O artigo 25 estabelece que os
mediadores judiciais estão sujeitos à aceitação das partes e estarão sujeitos aos crimes de
servidores públicos. O artigo 26 determina que as partes devem estar acompanhadas de
advogados ou defensores públicos quando estiverem nas condições exigidas pela assistência
jurídica gratuita.
O artigo 27 determina a obrigatoriedade da designação pelo juiz da Mediação, assim
que aceito o pedido baseado na petição inicial devidamente considerada apta a produzir seus
efeitos jurídicos, devendo o procedimento ser concluído no prazo de 60 dias contados da
86

primeira reunião, conforme previsão do artigo 28. Importante enfatizar estas determinações,
que apontam mais uma vez a obrigatoriedade de as partes comparecerem, pelo menos na
primeira reunião, devendo ser observado nas disposições gerais já comentadas que valem para
toda e qualquer Mediação, seja no âmbito judicial ou extrajudicial. E, por fim, solucionado o
conflito pela Mediação, o juiz homologará por sentença, determinando o arquivamento do
processo e caso seja antes da citação do réu, não sendo devidas as custas judiciais finais,
conforme os artigos 28 parágrafo único e artigo 29.

2.1.4 A Confidencialidade

Com relação à confidencialidade, Francisco José Cahali159 destaca a sua importância


como uma das características da Mediação. Ele salienta que se constitui “de extrema
relevância para que as partes se sintam confortáveis no desenvolvimento” do processo.
Propõe que seja absoluta para que informações, fatos, relatos, situações, propostas e
documentos trazidos, oferecidos ou produzidos ao longo de seu processo sejam cobertos pelo
manto do sigilo, não podendo ser revelados a pessoas que dele não participam. Sandra
Bayer160, por sua vez, agrega que “a transparência do mediador e o respeito à
confidencialidade são fundamentais para que se crie um ambiente de confiança e boa-fé”, já
que, ao optar pela Mediação, os mediandos o fizeram baseados na confiança de que esse
método é o mais adequado para o conflito que enfrentam. A mesma confiança deverá ser
projetada, posteriormente, ao mediador, que, sem ela, não alcançará o ambiente necessário
para as mudanças em torno do fortalecimento e reconhecimento que os participantes buscam,
muitas vezes inconscientemente.
Na mesma direção, cabe lembrar que o legislador objetivou proporcionar à Mediação
em qualquer contexto um ambiente seguro para revelação de informações importantes ao
diálogo, podendo somente ser mitigado a partir do princípio da autonomia dos participantes
ou quando a legislação assim o disser. Demonstrou, entretanto, ter adotado a
confidencialidade como princípio, não o considerando como absoluto, daí a inclusão em uma

159
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2018. p. 100.
160
BAYER, Sandra Regina Garcia Olivan. Mediação de Conflitos Familiares. In: NASCIMBENI, Asdrubal
Franco; BERTASI, Maria Odete Duque; RANZOLIN, Ricardo Borges (org.). Temas de Mediação e Arbitragem.
São Paulo: Lex, 2017. p. 293.
87

seção própria. Nesse sentido, cabe lembrar o que Humberto Dalla Bernardini de Pinho e
Marcelo Mazzola161 destacam;
sem a confidencialidade, a mediação não alcançaria todo o seu potencial, não atrairia
tanto interesse e impediria a maximização dos resultados. Sim porque os mediandos
não se sentiriam tão à vontade para um diálogo aberto e para revelarem
preocupações, incertezas, desconfortos e, principalmente, seus interesses. Nesse
contexto, a confidencialidade é uma espécie de antídoto contra o medo – justificável
– de que algo revelado na mediação possa ser usado desfavoravelmente

em futuras ações judiciais ou arbitrais.


Em outras palavras, qualquer informação trazida à Mediação será confidencial em
relação a terceiros, vedada a sua utilização em processos de resolução de conflitos posteriores
e respeitando, sempre, o princípio da autonomia da vontade. Esta regra vale para os
participantes da Mediação, seus prepostos, advogados, assessores técnicos e outras pessoas
que tenham participado direta ou indiretamente do procedimento. E inclui declarações,
opiniões, reconhecimento de fatos dos participantes ou eventual manifestação de eventual
aceite de propostas e documentos produzidos para o procedimento. O mesmo tratamento de
sigilo é dado para as informações oferecidas em reuniões individuais, só podendo ser revelado
com autorização de quem as revelou. Reforça o legislador o que a doutrina especialmente
propõe. A regra de confidencialidade não afasta o dever de os acima citados prestarem
informações à administração tributária. Tudo conforme os artigos 30 e 31162 (transcritos em

161
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; MAZZOLA, Marcelo. Manual de Mediação e Arbitragem. São
Paulo: Saraiva, 2019. p.138.
162
Lei 13140/15 – Seção IV
Da Confidencialidade e suas Exceções
Art. 30. Toda e qualquer informação relativa ao procedimento de mediação será confidencial em relação a
terceiros, não podendo ser revelada sequer em processo arbitral ou judicial salvo se as partes expressamente
decidirem de forma diversa ou quando sua divulgação for exigida por lei ou necessária para cumprimento de
acordo obtido pela mediação.
§ 1º O dever de confidencialidade aplica-se ao mediador, às partes, a seus prepostos, advogados, assessores
técnicos e a outras pessoas de sua confiança que tenham, direta ou indiretamente, participado do procedimento
de mediação, alcançando:
I - declaração, opinião, sugestão, promessa ou proposta formulada por uma parte à outra na busca de
entendimento para o conflito;
II - reconhecimento de fato por qualquer das partes no curso do procedimento de mediação;
III - manifestação de aceitação de proposta de acordo apresentada pelo mediador;
IV - documento preparado unicamente para os fins do procedimento de mediação.
§ 2º A prova apresentada em desacordo com o disposto neste artigo não será admitida em processo arbitral ou
judicial.
§ 3º Não está abrigada pela regra de confidencialidade a informação relativa à ocorrência de crime de ação
pública.
§ 4º A regra da confidencialidade não afasta o dever de as pessoas discriminadas no caput prestarem informações
à administração tributária após o termo final da mediação, aplicando-se aos seus servidores a obrigação de
manterem sigilo das informações compartilhadas nos termos do art. 198 da Lei 5172/66 – CTN - Código
Tributário Nacional.
88

notas de rodapé, dada sua importância). Evidentemente, estes parâmetros poderão ser objeto
de tratamento diferenciado quando um dos participantes for órgão público, pois nesta área a
transparência das decisões é o pressuposto de sua própria participação e, claro, aceitação. Este
tema merece uma análise mais atenta e será objeto de observações, quando for trazido ao
presente texto o Princípio da Publicidade no âmbito da Administração Pública (item 3.5 da
Parte III Administração Pública – Alguns Aspectos), dado o já reforçado caráter flexível da
Mediação, que se adequa a qualquer contexto a partir dos requisitos apresentados pelos
participantes.

2.1.5 A Autocomposição de Conflitos com entes públicos

O Capítulo II, na seção primeira, em linhas gerais, especifica a possibilidade da


autocomposição de conflitos, aqui entendida como garantia de direitos, da legalidade, de
maneira breve, eficaz e humanizada, quando pessoa jurídica de direito público for parte no
procedimento, não importando se são duas ou mais em polos opostos ou em um deles pessoa
do direito privado. A intenção do legislador foi de disciplinar de maneira genérica a
autocomposição e, por sua vez, a Mediação também na esfera administrativa, podendo
qualquer órgão ou ente público participar na condição de integrante de processos
autocompositivos, “bem como celebrar Termo de Ajustamento de Conduta. Além disso, a lei
citada alcança conflitos envolvendo o particular e o Poder Público, de maneira que a lide seja
composta antes do ingresso na via judicial”163. Nota-se a intenção do legislador de não se
restringir à Mediação, optando por um termo que propõe a utilização de métodos
caracterizados como autocompositivos, já trazidos a cola no item 2.1 – Autotutela,
Autocomposição e Heterocomposição, constante da Parte I – Acesso à Justiça ou à Ordem
Jurídica Justa e os Métodos de Resolução de Conflitos. E, para efeitos da presente dissertação,
a intenção foi também a de estimular todos os métodos dialógicos, como a Negociação, a
Negociação Assistida e a Conciliação, entre outros, no ambiente dos órgãos públicos.
Assim é que o artigo 32 permite que a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios criem Câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito

Art. 31. Será confidencial a informação prestada por uma parte em sessão privada, não podendo o mediador
revelá-la às demais, exceto se expressamente autorizado.
163
ASSED, Alexandre; SANTANNA, Ana Carolina Squadri; CARNEIRO, Mônica. As Câmaras de Prevenção e
Resolução de Conflitos – Primeiras Reflexões. In PELAJO, Samantha; FIGUEIREDO, Marcela Rodrigues
Souza; MIRANDA NETTO, Fernando Gama; LIMA, Fernando Souza e. Comentários à Lei de Mediação –
Estudos em Homenagem aos 10 anos da Comissão de Mediação de Conflitos da OAB-RJ. Rio de Janeiro:
Processo, 2019. p. 244.
89

nos respectivos órgãos da Advocacia Pública. E o mesmo artigo cria a possibilidade de as


referidas entidades dirimirem conflitos entre órgãos e entidades da Administração Pública,
avaliar pedidos de resolução de conflitos nos casos entre particular e pessoa jurídica de direito
público e também promover a realização de termos de ajustamento de conduta, atribuição já
exercida de há muito pelo Ministério Público. Na verdade, o referido artigo é um verdadeiro
incentivo a todas as instituições públicas a criarem câmaras nestes moldes, muito embora não
se estabeleça a maneira como devam ser desenvolvidas, apesar da previsão contida no artigo
33º, que estipula claramente a utilização dos parâmetros do procedimento previsto para a
Mediação nas disposições comuns enquanto a instituição não for criada, estando limitada ao
campo de atuação que a mesma delimitar.
Em síntese, nesta linha Francisco José Cahali164 enfatiza que a referida
Lei trata da criação de câmaras de prevenção e resolução de conflitos pela União,
Estados, Distrito Federal e Municípios, estabelecendo critérios e regras gerais de
atuação, procedimento e matéria a ser submetida ao sistema. Traz interessantíssima
e ousada inovação ao admitir de ofício ou mediante provocação, procedimento de
mediação coletiva de conflitos relacionados á prestação de serviços públicos. Prevê
a suspensão da prescrição pela instauração de procedimento administrativo para a
resolução consensual de conflitos. Apresenta também regras gerais de transação por
adesão mesmo se pendente processo judicial sobre o conflito. Também merece
anotar que a Lei, embora com restrições, trata inclusive de composição extrajudicial
relativa a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal.

O mesmo Capítulo, mas na seção II, que versa restritamente sobre conflitos que
envolvam a Administração Pública Federal direta, suas autarquias e fundações, permite, no
artigo 35, que as controvérsias daqueles entes sejam objeto de transação por adesão com
fundamento na autorização do Advogado-Geral da União com base na jurisprudência pacífica
do STF ou demais tribunais superiores, seu parecer aprovado pela Presidência da República.
Os demais artigos indicam elementos de como deverão proceder e os reflexos que a transação
proporcionará. Ao mesmo tempo, oferecem elementos que sustentam juridicamente a escolha
do método e até mesmo determinam que um processo judicial entre órgãos e entidades de
direito público que integram a Administração Pública Federal só poderá ser intentado caso
tiver a autorização da Advocacia Geral da União (artigo 39). Em suma, mais incentivos, como
dito anteriormente, para a prática da Mediação no âmbito público, muito embora seja pequeno
o conhecimento do tema na área pública.

CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. 7ª Ed. São
164

Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 62.


90

Como acréscimo aos incentivos acima mencionados, destaca-se o artigo 40, que
determina a possibilidade de servidores e empregados públicos, ao participarem de processos
de composição extrajudicial, serem responsabilizados civil, administrativa ou criminalmente,
somente quando, por dolo ou fraude, receberem vantagem patrimonial indevida ou ainda
permitirem, facilitarem ou concorrerem sua recepção por terceiro. Como sustentam Humberto
Dalla Bernardina de Pinho e Marcelo Mazzola165, com esta previsão,
cria-se uma regra intermediária. Não custa lembrar que o artigo 37 da Constituição
de 1988 traz norma genérica sobre a temática da responsabilização dos servidores
públicos no seu inciso 6º, que assim dispõe:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa.
Por outro lado, o Código de Processo Civil, ao tratar dos Advogados Públicos,
uniformiza o regramento atinente à responsabilidade dos atores processuais
(promotores, defensores e advogados). Assim o artigo 184 regulamenta a
responsabilidade civil do membro da Advocacia Pública, dispondo que o agente
responde de forma regressiva, quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas
funções. Dessa forma, não é difícil concluir que o principal objetivo do legislador
foi buscar uma regra que se posicionasse mais próxima ao Código de Processo Civil.
Em outras palavras, se houver apenas culpa, ou mesmo se o meio de resolução
consensual não resolver o conflito, essas pessoas não podem ser responsabilizadas
pelo fracasso.

Depreende-se da redação do referido artigo e dos comentários dos autores acima a


intenção do legislador de encorajar o gestor público a ter como referência a possibilidade do
uso da Mediação, para além de ser incentivo em direção ao consensualismo.
Importante enfatizar que o capítulo em comento, assim como alguns artigos da referida lei
que tratam da Administração Pública nas Disposições Finais, voltarão a ser debatido, a partir
de elementos inerentes à Administração Pública, constantes nas Partes: III – Administração
Pública – Alguns Aspectos; e IV – A Mediação e a Administração Pública da presente
dissertação.

2.1.6 As disposições finais

O Capítulo III, destinado exclusivamente às disposições finais, pelo fato de fechar o


texto legal, inclui dispositivos relativos aos dois Capítulos anteriores. Nesse sentido,
estabelece no artigo 41 que a Escola Nacional de Mediação e Conciliação do Ministério da
Justiça possa criar banco de dados sobre boas práticas em Mediação e possuir relação de

165
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; MAZZOLA, Marcelo. Manual de Mediação e Arbitragem. São
Paulo: Saraiva, 2019 p. 180.
91

mediadores. Além disso, prevê a interpretação ampliada do texto, ao dispor, no seu artigo 42,
que poderá ser aplicada no que couber a outras formas consensuais de resolução de conflitos,
como, por exemplo, o contexto comunitário ou o escolar. Chama a atenção para a exclusão
dos conflitos nas relações capital-trabalho, posto considerar necessária uma lei própria,
conforme o parágrafo único do mesmo artigo. Oferece a possibilidade de os órgãos públicos
possuírem câmaras para resolução de conflitos entre particulares que versem sobre atividades
por eles reguladas ou supervisionadas, conforme o artigo 48. Já os artigos subsequentes
tratam de alterações de leis na área pública que necessitam se adequar aos parâmetros ditados
por este texto. Faz referência, no artigo 46, à já existente prática da Mediação pela internet ou
por outro meio de comunicação à distância, preservando-se o princípio da autonomia da
vontade e, por fim, faculta às pessoas domiciliadas em outros países a utilização da Mediação
nela previstos.
De maneira geral, encerram-se aqui as considerações gerais sobre a Lei 13.140/15,
lembrando que se retornará a ela quando se tratar da Administração Pública. Passo seguinte é
tecer algumas observações sobre o Código de Processo Civil, que como mencionado
anteriormente, tanto trata da Mediação, quanto da Mediação no contexto público.

2.2 Breves reflexões sobre os principais dispositivos relativos à Mediação contidos na


Lei 13.105/15 – Código de Processo Civil

Antes de oferecer as reflexões mencionadas no título deste item, vale lembrar José
Carlos de Mello Dias166, que esclarece ter a instituição da Mediação, ao ser incluída no
processo judicial, o objetivo de “transformar a cultura do litigio”, sendo o único caminho a ser
perseguido para uma verdadeira reforma da política judiciária no Brasil, sem a qual, apesar de
todos os esforços de simplificação do processo, não chegará jamais a minimizar a
litigiosidade. Já Antônio Rodrigues de Freitas Junior167 enaltece que não pensa “o processo de
Mediação enquanto modelo ideal-típico para os assim chamados meios alternativos de
solução de conflitos, como terapêutica devotada ao enfrentamento da presente crise do
Judiciário, sabidamente grave e preocupante no Brasil como em muitos outros países”. Na

166
DIAS, José Carlos de Mello. A Mediação vista como forma de pacificação de conflitos. In: SALLES, Carlos
Alberto de (coord.). As Grandes Transformações do Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
p. 577.
167
FREITAS JR., Antonio Rodrigues de. Conflitos de Justiça e Limites da Mediação para a Difusão da Cultura
da Paz. In: SALLES, Carlos Alberto de (coord.). As Grandes Transformações do Processo Civil Brasileiro. São
Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 510.
92

mesma linha Marco Antonio Garcia Lopes Lorencini168 pondera que “apresentar os meios
alternativos como caminho para resolver a crise do Poder Judiciário é um equívoco, embora a
sua adoção com maior ênfase no cenário brasileiro constitua uma contribuição valiosa”.
Fernanda Tartuce, por seu turno, salienta que
na seara judicial e no plano normativo a priorização de chances para entabular
acordos vem se intensificando ao longo dos anos. O Código de Processo Civil em
vigor confirma essa tendência ao contemplar muitas regras sobre o fomento a meios
consensuais de abordagem de conflitos. Sob a perspectiva numérica, eis as
ocorrências: a mediação é mencionada em 39 dispositivos, a conciliação aparece em
37, a autocomposição é referida em 20 e a solução consensual consta em 7, o que
totaliza 103 previsões169.

Na mesma linha, Daniela Monteiro Gabbay170 ressalta: “na relação entre processo e a
mediação, a identidade (processual e funcional) da mediação precisa ser assegurada para que
esta relação ocorra de forma equilibrada, tendo por base um círculo virtuoso existente entre
Judiciário e as formas alternativas de solução de conflitos”. Por isso, não é por acaso que o
artigo 139 determina que compete ao Juiz, a qualquer tempo promover:
a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores
judiciais.

Chamam a atenção os primeiros artigos do referido código, constantes na Parte Geral,


Livro I – Das Normas Processuais Civis, Título Único – Das Normas Fundamentais da
Aplicação das Normas Procedimentais, logo no Capítulo I, uma espécie de pré-anúncio das
mudanças que a referida lei buscou desenvolver. Já nos parágrafos do artigo 3o, que trata da
competência jurisdicional relativa à ameaça e à lesão de direitos – o primeiro tratando da
arbitragem na forma da lei e o seguinte da exigência de que o próprio Estado deve promover a
solução consensual sempre que possível. No seguinte, esclarece como será este dever,
estabelecendo que conciliação, Mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos
deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério
Público, inclusive no curso do processo judicial. São dignas de nota estas previsões que
apresentam modificações paradigmáticas no trato do processo judicial, pois incorporam os
“meios alternativos de resolução de conflitos, em especial dos consensuais, ao instrumental à
disposição do Judiciário para o desempenho de sua função de dar tratamento adequado aos

168
LORENCINI, Marco Antonio Garcia Lopes. A Contribuição dos Meios Alternativos de Solução de
Controvérsias. In: SALLES, Carlos Alberto de (coord.). As Grandes Transformações do Processo Civil
Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 600.
169
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civis. 2. Ed. São Paulo: Forense, 2015. p. 329.
170
GABBAY, Daniela Monteiro. Mediação & Judiciário no Brasil e nos EUA – Condições, Desafios e Limites
para a institucionalização da Mediação no Judiciário. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 13.
93

conflitos que ocorrem na sociedade”.171 Por isso, Humberto Dalla Bernardina de Pinho e
Marcelo Mazzola172 assinalam que o legislador, ao incluir o referido título, promoveu
verdadeira releitura do princípio da inafastabilidade da jurisdição. E concluem: “com efeito, o
CPC se preocupou com a atividade de conciliação e mediação realizadas judicialmente, sem
prejuízo da possibilidade de esses mecanismos serem utilizados previamente ao processo” ou,
ainda, de outros meios de solução de conflitos escolhidos pelos interessados (artigo 175), que
será objeto de outros comentários mais adiante.
No Título IV – Do Juiz e dos Auxiliares da Justiça, logo no Capítulo I – Dos poderes,
dos deveres e da responsabilidade do Juiz, determina a incumbência de, além de dirigir
processo na conformidade da referida lei, velar pela duração razoável do processo e
promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com o auxílio de
conciliadores e mediadores judiciais. Importante enfatizar que foi criada outra função ao juiz
a possibilidade estimular a Mediação e a conciliação e a qualquer tempo, como mencionado
anteriormente (artigo 139, V). Ainda no mesmo Título, mas no Capítulo III que trata dos
auxiliares do poder judiciários, os mediadores e conciliadores passaram a possuir o referido
status. A intenção do legislador foi a de incluí-los na lista de que fazem parte os auxiliares do
Poder Judiciário, entre eles os tradicionais: o escrivão, o chefe de secretaria, o oficial de
Justiça, o perito, o depositário, o administrador, o intérprete, o tradutor, o mediador, o
conciliador judicial, o partidor, o distribuidor, o contabilista e o regulador de avarias.
No mesmo Capítulo, porém em Seção própria, a de número V – Dos Conciliadores e
Mediadores, mais especificamente dos artigos 165 ao 175, a referida lei estabelece que os
Tribunais criarão centros judiciários de solução consensuais de conflitos, sendo responsáveis
pela realização de sessões e audiências de conciliação e Mediação, bem como programas
destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição, com observação das normas já
existentes do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Nota-se que a preocupação do legislador
se une à do legislador do Marco Legal da Mediação, pois ambos reforçam o que já na prática
existia no contexto judicial, os institutos da Mediação e da conciliação serem pautados pelos
princípios da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da
informalidade e da decisão informada (artigo 166).

171
WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para Tratamento Adequado dos
Conflitos de Interesses. In: PELUSO, Antonio Cezar; RICHA, Morgana (coord.). Conciliação e Mediação:
Estruturação da Política Judiciária Nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 4.
172
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; MAZZOLA, Marcelo. Manual de Mediação e Arbitragem. São
Paulo: Saraiva, 2019 p. 38.
94

Por oportuno, importante ressaltar que os incisos 2º e 3º do artigo anterior (o de


número 165) cometem um equívoco ao estabelecer as diferenças entre a atuação do
conciliador e do mediador, determinando que o primeiro deverá desenvolver sua atividade
preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre os participantes. Para o
segundo, a atuação será preferencialmente quando os mesmos tiverem vínculo anterior. É um
equívoco, pois o termo “preferencialmente” pode dar margem a interpretação de maior
intensidade da diferença entre ambos, não deixando claro para quem, muito embora a redação
tente esclarecer o ideal a partir de suas respectivas funções. A distinção entre Mediação e
conciliação, decorrente das funções de ambos os profissionais, inerente ao artigo em comento,
será objeto de análise mais adiante, quando se tratar da autocomposição no contexto da
Administração Pública.
O artigo 167 estabelece que conciliadores, os mediadores e as câmaras privadas devem
estar inscritos em cadastro nacional e em cadastro de Tribunal de Justiça ou de Tribunal
Regional Federal, sendo que os mediadores e conciliadores devem preencher o requisito da
capacitação mínima, por meio de curso realizado por entidade credenciada, conforme
parâmetros já definidos pelo CNJ na Resolução 125/10 e suas emendas. Os incisos do referido
artigo regulam a forma dos credenciamentos dos profissionais e das instituições, estabelecem
que os conciliadores e mediadores judiciais cadastrados, se forem advogados, estarão
impedidos de exercer a advocacia nos juízos em que desempenhem suas funções, estando
proibidos de atuar para aqueles mediados em outra atividade pelo prazo de um ano. Já o artigo
seguinte, o de número 168, prevê a possibilidade de os participantes escolherem o profissional
e, diante da falta de escolha, define o regime de distribuição entre eles, prevista pelo tribunal.
O artigo seguinte estabelece que ambos, conciliador e mediador, deverão ser remunerados.
O parágrafo único do artigo 221 determina a suspensão dos prazos durante a execução
de programa instituído pelo Poder Judiciário destinado a promover a autocomposição e o
artigo 319 determina que a petição inicial deve indicar, dentre outros, a opção do autor pela
realização ou não de audiência de conciliação ou de Mediação, sob pena de ser considerada
inepta. E o artigo 334 estabelece que, em sendo a petição inicial apta, o juiz designará
audiência de conciliação ou de Mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias,
devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência, podendo haver mais
de uma reunião, não podendo exceder a 2 (dois) meses da data de realização da primeira
sessão, desde que necessárias à composição das partes. E, na hipótese de se alcançar
autocomposição, será reduzida a termo e homologada por sentença. O inciso II do artigo 381
95

permite a admissão de produção antecipada de prova, quando esta for suscetível de viabilizar
a autocomposição. E o artigo 515 considera título executivo judicial a decisão homologatória
de autocomposição judicial, bem como a extrajudicial de qualquer natureza. Sobre este
aspecto cabe lembrar o artigo 784, que lista os títulos extrajudiciais, dentre eles o instrumento
de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia
Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por
Tribunal.
O artigo 565 determina que o juiz deve designar Mediação, quando se tratar de
conflito coletivo relativo a posse de imóvel, quando houver esbulho ou turbação há mais de
um ano. Nota-se a intenção do legislador em prestigiar o instituto em conflitos de uma
coletividade para que possa desenvolver soluções mais céleres e criativas. Nesse sentido,
Amanda Hollercach e Bruno Rego173 esclarecem que, nos conflitos coletivos de posse e
propriedade, a opção pela inclusão da Mediação “é inegavelmente, uma proposta de
abordagem para lidar com remoções e despejos, evitando violações aos direitos humanos,
além de ter destacado a necessária troca de experiências e estabelecimento de estratégias entre
os órgãos públicos, para difusão destes instrumentos”.
O artigo 694 e seguintes estabelecem que, nas ações de família, todos os esforços
serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do
auxílio de mediadores e conciliadores para as reuniões, não importando o número. A
determinação vale para todo processo, porém há um estímulo mais reforçado no início do
processo. Seu parágrafo único permite que, mediante pedido dos conflitantes, o juiz suspenda
o processo para uma Mediação extrajudicial ou um atendimento multidisciplinar. Neste
aspecto, estabelece-se claramente que só será realizada Mediação para área de família e/ou
práticas colaborativas. Sobre estes dispositivos relativos ao Direito de Família, vale lembrar
Evandro Souza e Lima e Samantha Pelajo174, que enaltecem ter sido o legislador processual
peremptório ao prever o norteador da consensualidade para os conflitos familiares, atendendo
aos parâmetros constitucionais. E esclarecem que se percebe, nitidamente, que “a mens legis é
a de se evitar, na máxima e melhor medida do possível, a abordagem adversarial das

173
HOLLERCACH, Amanda Torres; REGO, Bruno de Moraes. A Mediação aplicada aos litígios coletivos sobre
a posse de imóvel: considerações sobre o artigo 565 o do Novo Código de Processo Civil. In: ALMEIDA, Diogo
Assumpção Rezende de; PANTOJA, Fernanda Medina; PELAJO, Samantha (coord.) A Mediação no Novo
Código de Processo Civil. 2 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 250 e 251.
174
PELAJO, Samantha; LIMA, Evandro Souza e. A mediação nas ações de Família. In: ALMEIDA, Diogo
Assumpção Rezende de; PANTOJA, Fernanda Medina; PELAJO, Samantha (coord.) A Mediação no Novo
Código de Processo Civil. 2 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 224 e 226.
96

pretensões resistidas”. Reforçam ainda que, ao afirmar que todos os esforços serão envidados
para a obtenção da solução consensual da controvérsia, o legislador processual está, na
verdade, empoderando os jurisdicionados, tornando-os novamente protagonistas de suas
próprias vidas, num exercício cívico responsável. Esse é um passo importante a caminho da
construção de uma nova cultura: de resolução consensual, quiçá extrajudicial, dos conflitos de
interesses, pois poderá o juiz, também, determinar que o processo seja suspenso para que a
Mediação além da judicial (extrajudicialmente) se realize.
Esse mesmo raciocínio de incentivo à busca constante do consenso entre os litigantes
se aplica ao artigo 932, I, que elenca incumbências ao relator quando o processo estiver em
qualquer instância, dentre elas a de homologar eventual acordo. Antônio Carlos Ozório
Nunes175 complementa que
mesmo havendo sentença e, em caso de recurso, o relator do processo busque levar
as partes aos caminhos da autocomposição, que deverá ser conduzida pelo próprio
Núcleo de Conciliação e Mediação da segunda instância, se houver, ou pelo
CEJUSC ou o Juízo relacionado à Vara de origem daquele caso.

Em sua perspectiva, significa a comprovação da busca constante para o consenso,


inclusive em nada impedindo que, em havendo sentença e, em caso de recurso, o relator do
processo busque que as partes construam soluções por si mesmas.
Por derradeiro, infringindo a ordem numérica de exposição dos artigos em comento,
cabe lembrar que o artigo 174, considerado por Francisco José Cahali como avanço176,
determina para a União, os Estados, Distrito Federal e os Municípios o dever de criar câmaras
de Mediação e conciliação para solucionar conflitos no âmbito administrativo que envolvam
órgãos e entidades da Administração Pública. Além disso, prevê a possibilidade de avaliar
admissibilidade de pedidos de conciliação levados a efeito por quaisquer órgãos da
Administração Pública, bem como promover a celebração de termos de ajustamento de
condutas. Nota-se claramente a intenção do legislador de atribuir aos três níveis da
Administração Pública nacional ações no sentido de implementar câmaras de resolução de
conflitos, podendo fazê-lo sem efetiva institucionalização e se utilizar da iniciativa privada
para tanto, para além de desenvolver termos de ajustamento de condutas.
O artigo seguinte, de número 175, encerrando a seção, determina que todas as
disposições da seção não excluem outras formas de conciliação ou mediações extrajudiciais

175
NUNES, Antônio Carlos Ozório. Manual de Mediação – Guia Prático da Autocomposição. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016. p. 92.
176
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2018. p. 61.
97

vinculadas a órgãos institucionais ou realizadas por profissionais independentes, podendo ser


regulada por lei específica. Seu parágrafo único permite que as disposições da seção sejam
aplicadas às câmaras privadas. Em resumo muito estrito, convém lembrar que esta seção na
verdade respalda o que já existia na prática junto ao Poder Judiciário, proporcionado por sua
política pública de tratamento adequado dos conflitos, através da Resolução CNJ 125/10.
Geisa Rosignoli Neiva177, por seu turno, destaca que o legislador, ao prestigiar as
práticas consensuais de solução de conflitos,
previu a obrigação de que a Administração Pública, nos três níveis de governo,
institua câmaras de mediação e conciliação. Dispôs ainda, que tal obrigação não
exclui a faculdade de a Administração se valer de outras formas extrajudiciais por
instituições públicas ou privadas, o que poderá ser estabelecido por regramento
próprio.

Acrescenta a referida autora que tais dispositivos colidem em alguns aspectos quanto
ao previsto no artigo 32 da Lei 13140/15, cuja determinação vem de forma facultativa
representada pela expressão “poderão”. Por isso, a mesma autora178 conclui que “tal situação
está a indicar um conflito aparente de normas que Grinover sinaliza ser resolvido pelo critério
de especialidade, devendo em caso de colidência prevalecer” esta última, que muito embora
tenha vigência anterior ao CPC, é norma especial.
Impende observar que a situação acima também se repete em outros dispositivos de
ambas as leis, motivo pelo qual se faz necessário apresentar breves ponderações sobre alguns
conflitos entre ambos.

2.3 Algumas ponderações sobre conflitos entre os dois diplomas legais

Como já observado o Código de Processo Civil contempla regras sobre a Mediação


Judicial em diversos dispositivos. Segundo Fernanda Tartuce179,
o legislador, contudo, não pareceu satisfeito nem disposto a deixar que o Código
processual se tornasse o marco legal sobre o tema. A Lei de Mediação foi prevista
para incidir no ordenamento antes do CPC em vigor. Embora haja dispositivos
semelhantes, há também diferenças marcantes entres as previsões.

177
NEIVA, Geisa Rosignoli. Conciliação e Mediação pela Administração Pública. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2019. p. 41.
178
Idem. p 41. Importa observar que autora faz referência a um artigo de Ada Pellegrini Grinover que esclarece
de maneira definitiva eventual dúvida a respeito destas disposições. (GRINOVER, Ada Pellegrini. O
minissistema brasileiro de justiça consensual compatibilidade e incompatibilidades. Publicações da Escola
AGU, Brasília, v. 8, n.1, p. 15-36, jan/mar, 2016 Disponível em: http.//dirittoetutela.uniroma2.i/files/2-
13/03/Origens-e-evolução.pdf. Acesso em 29 ago. 2017.).
179
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civis. 3ª Ed. São Paulo: Forense, 2016. p.268.
98

Dentre eles destacam-se: Mediação ou Conciliação; mediador ou conciliador; perfil do


mediador/conciliador; capacitação para mediador judicial e não para extrajudicial; audiências
ou sessões de Mediação; Mediação ou comediação; modalidades de Mediação;
obrigatoriedade ou faculdade dos órgãos públicos criarem Centros de Solução de Conflitos
etc. Tais situações levam Antônio Carlos Ozório Nunes180 a acentuar que
todas essas normas apostam nos meios autocompositivos, estabelecem princípios e
regramentos sobre a mediação, buscam a cooperação dos atores envolvidos no
processo e preconizam uma cultura do diálogo. Por esse motivo, o CPC e a Lei de
Mediação precisam ser harmonizadas e integradas, pois há uma perfeita interação
entre elas.

Fernanda Tartuce181, nesta mesma direção, lembra a “proposta contemporânea no


sentido de promover a substituição da análise estrita dos clássicos critérios da legislação mais
recente revogar disposição anterior ou mesmo da lei especial revogar a geral. Tal proposta
oferece o diálogo das fontes”, sugerindo, essencialmente, que as normas jurídicas não se
excluem, mas, sim, complementam-se. Nesse sentido, Francisco José Cahali182 leciona que
de qualquer forma, para a mediação judicial as previsões são compatíveis e possíveis
de harmonização”, por inexistir incompatibilidade entre as Leis, não obstante a certa
crítica à duplicidade normativa se deve direcionar. Pelo bom senso e critérios de
ponderação se encontram meios saudáveis para sustentar a convivência harmônica
entre as inovações, pois o objetivo de ambas é comum: prestigiar os meios
consensuais de solução de conflitos.

Em conclusão muito pontual a respeito das inúmeras mudanças acima mencionadas,


inclusive com as questões polêmicas mencionadas, pode-se afirmar que o Código em vigor se
estruturou em uma nova ideologia e uma nova compreensão do processo civil. É nítida a
inspiração neoconstitucional e pós-positivista, havendo sempre a preocupação em sintonizar

180
NUNES, Antônio Carlos Ozório. Manual de Mediação – Guia Prático da Autocomposição. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016.
181
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civis. 3ª Ed. São Paulo: Forense, 2016. p.272. Convêm
reforçar os ensinamentos da autora, pois esclarece que “ a tese do diálogo das fontes, desenvolvida na Alemanha
por Erik Jaime e trazida ao Brasil por Claudia Lima Marques, preconiza, em essência, que as normas jurídicas
não se excluem – supostamente porque pertencentes a ramo jurídicos distintos – mas se complementam; esse
marco teórico contempla a premissa de uma visão unitária do ordenamento jurídico. A primeira justificativa ara
a aplicação do diálogo das fontes refere-se à funcionalidade: como vivenciamos uma explosão de leis (um Big
Bang Legislativo, na feliz expressão de Ricardo Lorenzetti), nesse mundo pós-moderno, globalizado e complexo
abunda a quantidade de normas jurídicas – a ponto de deixar o aplicador do Direito desnorteado, diga-se de
passagem. Por força do diálogo das fontes é viável reconhecer a possibilidade de subsunção concomitante do
Novo CPC e da Lei de Mediação, afinal, os dois sistemas normativos dispõem de princípios comuns ao
expressar ter como pilares a autonomia da vontade, a imparcialidade, a confidencialidade, a oralidade e a
informalidade. Em caso de dúvida quanto à aplicação de normas de um ou de outro instrumento normativo, o
intérprete deverá conduzir sua conclusão ruma à resposta que mais se coadune com os princípios da mediação.
Tal análise será feita oportunamente quando da apreciação de diversas ocorrências normativas e do perfil de sua
aplicação prática”.
182
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2018. p. 87-88.
99

as regras legais com os princípios constitucionais. Nesse contexto, para Humberto Dalla
Bernardina de Pinho e Marcelo Mazolla, “institutos foram revistos, o procedimento foi
abreviado, deu-se mais valor aos precedentes, viabilizou-se a tramitação do processo por meio
eletrônico. Enfim investiu-se na proclamada efetividade.”183 Além disso, por aportarem novos
paradigmas, dependerão, e muito, do entendimento de cada operador e, por que não dizer, de
cada usuário sobre as interpretações dos objetivos propostos pelo legislador. Nesse sentido,
importante lembrar o impacto linguístico que este microssistema reproduz, sobretudo com os
novos paradigmas que constroem a nova cultura jurídica, não somente no contexto privado,
mas também no público, em especial a Administração Pública.

2.4 Observações pontuais sobre o impacto linguístico no ordenamento jurídico


brasileiro do Marco Legal da Mediação e dos dispositivos sobre Mediação no
Código de Processo Civil

Para tratar dos impactos linguísticos relativos aos diplomas legais em tela, necessário
se faz lembrar dos elementos relativos às inovações propostas, à luz dos seus significados
concretos. Tais significados incluem não somente os atores envolvidos, mas também os que
direta e indiretamente também são por elas afetados, tendo em vista a linguagem utilizada
pelo legislador a fim de se alcançar efetivamente sua intenção ao editar as referidas normas.
Não se deve olvidar que a metodologia também está inclusa, pelo fato de oferecer também
novos parâmetros.
Como já mencionado anteriormente, vários foram os motivadores do legislador, que o
impulsionaram para a elaboração de ambos os textos, porém destacam-se a inovação, a
adequação ao momento, o volume de processos nos tribunais brasileiros, a litigiosidade
corrente em todo o território nacional, a morosidade dos processos, dentre muitos outros. Tais
elementos fizeram com que uma voz que há muito clamava por ser escutada passasse a sê-lo,
porém sem a intenção de se constituir na única solução para as dificuldades em curso, mas
uma perspectiva de oferecer um caminho de maior autonomia para os cidadãos. Em outras
palavras, a voz de Kazuo Watanabe184, que ressoava na defesa da mudança “da cultura da
sentença para a cultura da pacificação”, passou a ser ouvida. Por isso, destaca Jacqueline

183
PINHO, Humberto Dalla Bernardina; MAZZOLA, Marcelo. Manual de Mediação e Arbitragem. São Paulo:
Saraiva, 2019. p. 33.
184
WATANABE, Kazuo. Acesso à ordem jurídica justa (conceito atualizado de acesso a Justiça) processos
coletivos e outros estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2019. p. 65
100

Lima Montenegro185, “a Mediação chega a nosso ordenamento jurídico e a nossa prática


profissional como uma mudança de paradigma”, isto é, distanciando-se de um sistema que há
anos estimulava a judicialização dos conflitos como única saída possível para alcançar a
pacificação de interesses, para uma nova forma cuja essência é o estímulo à solução
consensual, negociada e alcançada pelos próprios contendores a partir da ajuda do mediador.
No entanto, como mencionado anteriormente, a legislação em referência buscou manter a
prática até então existente. Por isso, importante recordar que as características da atividade já
praticada no País foram preservadas na legislação. Tais características são, dentre outras, a de
preservar os elementos contratuais presentes na Mediação, como será observado mais adiante.
Com base nestes elementos, importante se faz apresentar breves considerações
relativas ao sentido que as palavras “impacto linguístico” significam conjunta e
separadamente. Convém lembrar que impacto é uma palavra originária do latim impactus, que
significa choque de um objeto contra o outro, ou mesmo o efeito de uma ação humana ou da
natureza sobre alguma coisa ou pessoa. O termo “linguístico”, por seu turno, é de origem
francesa, concebido como ciência, que se ocupa dos fatos e estudos sobre a linguagem, aqui
entendida como uma forma de comunicação, em que se expressa por signos, pensamentos,
ideias, opiniões e sentimentos. Como se refere às consequências das referidas inovações, nada
mais lógico que a análise seja feita a partir do discurso legislativo empregado. Nesse sentido,
resgatando-se a definição de Saussure para o discurso, que considerava a própria “linguagem
em ação”186, importante observá-lo como um fenômeno linguístico concreto com repercussão
nas relações interpessoais.
Por outro lado, não se pode esquecer da importância da linguagem como fundamento
do fenômeno jurídico, baseada em seus elementos linguísticos, que, de acordo com o mesmo
autor187, consistem em
uma série de diferentes de sons combinados com uma série de diferentes ideias,
confrontadas com um certo número de signos acústicos, com outras tantas divisões
feitas na massa do pensamento, engendrando um sistema de valores. Justamente este
sistema de valores, que constitui o vínculo efetivo entre os elementos fônicos e
psíquicos no interior de cada signo. Conquanto o significado e o significante sejam
considerados, cada qual à parte, puramente diferenciais e negativos, sua combinação
é um fato positivo; é mesmo a única espécie de fatos que a língua comporta, pois o
próprio da instituição linguística é justamente manter o paralelismo entre essas duas
ordens de diferenças.

185
MONTENEGRO, Jacqueline Lima. Prefácio. In: ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de; PANTOJA,
Fernanda Medina; PELAJO, Samantha (coord.). A Mediação no Novo Código de Processo Civil. 2 Ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2016. p. VII.
186
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. 30ª Ed. São Paulo: Cultrix, 2002. p. 13.
187
Idem. p. 56.
101

Acrescido aos elementos acima, oportuno transcrever o que Maria Celeste dos
Santos188 pontifica ao adentrar no campo da linguística, para explicar que “com a frase saímos
do domínio da língua como sistema de signos e se penetra em outro universo, o da língua
como instrumento de comunicação cuja expressão é o discurso”. Ela coincide com Saussure,
pois para ela “o objetivo da análise linguística é o discurso. Somente através do discurso
pode-se conhecer a linguagem, isto é, a totalidade dos elementos de expressão atuais ou
possíveis e as regras para sua combinação”.
A distinção entre língua, linguagem e discurso foi feita com muita propriedade pelo
mesmo linguista, Ferdinand de Saussure, em seu Curso de Linguística Geral. Nele, o autor
define que a fala (a linguagem), embora suficientemente concreta, não é integral como um
conjunto de eventos. Os seus sons implicam movimentos de fala e ambos, como instrumentos
de pensamento, implicam ideias. As ideias, acrescenta, têm um aspecto social e um aspecto
individual, e a cada instante a linguagem subentende um sistema estabelecido e uma
evolução. A língua, para ele, não se confunde com a linguagem. É um produto social, ou seja,
um modelo geral e constante que existe na consciência de todos os membros de uma
comunidade linguística determinada. A linguagem é uma faculdade intrínseca, enquanto a
língua é convencional e adquirida. A língua é um sistema de signos. A linguagem é
representada pelo binômio língua/fala.
Por outro lado, seguindo as palavras Maria Celeste dos Santos189, “há que se fazer uma
distinção entre expressões e atos-discurso”. No primeiro, incluem-se asserções e enunciados
declamatórios e o segundo inclui imperativos, valorações e expressões normativas. Além
disso, também é necessário fazer a distinção entre discurso descritivo e prescritivo, sendo o
primeiro passo para clarificar o que seja poder ao conhecer os diferentes níveis da análise
linguística e as diferentes possibilidades que ela comporta. O fenômeno linguístico concreto é
o discurso. Para ela, um ato-discurso é uma sequência fonética de estrutura sintática correta
com significado semântico e função pragmática. Por isso, discurso é qualquer uso concreto da
linguagem, seja pela sequência de sons (fonemas – unidade de linguagem), seja por conjunto
de frases, a partir de uma sequência de caracteres (morfemas). Como a referida autora
enfatiza, as palavras por si nada significam e passam a ter um significado quando um
pensador as usa para representar algo ou para uma determinada acepção, daí o poder da

188
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. Poder Simbólico e Violência Simbólica. São Paulo: Cultural
Paulista. 1985. p. 126-127.
189
Idem. p. 131.
102

palavra. O discurso é toda prática enunciativa considerada em função de suas condições


sociais de produção, que são fundamentalmente condições institucionais, ideológico-culturais
e histórico-conjunturais.
A mesma autora190 salienta, ainda, que
a linguagem surge de um tecido subjacente de potencialidade para a compreensão de
um laço de empatia entre pessoas, de compartilhar uma estrutura, uma capacidade
para identificar-se com o outro. Tal potencialidade para a compreensão está
constituída muito mais que por meras palavras: implica uma condição em que o nós,
denota uma entidade real, um vínculo que une potencialmente as pessoas.

A partir deste vínculo dialético entre as pessoas, o indivíduo se encontra ligado e


vinculado aos demais; ao mesmo tempo, é independente deles. A noção de ponte do símbolo é
facilmente identificada ao se buscar sua origem grega, que indica o que aproxima unindo ou
que reúne diferentes aspectos, consciente e inconsciente, individual e o social, o passado e o
presente. Por isso, Flavio Straus e Guilherme Fernandes191 acrescentam: “a importância da
língua numa cultura em evolução é sua capacidade de fornecer formas simbólicas através das
quais podemos nos revelar e os outros podem ser revelados a nós", sendo este fator o
diferencial do ser humano dos demais animais.
Para serem apreciados os principais aspectos da linguagem das normas jurídicas com o
intuito de interpretá-las e aplicá-las, Adelmo Fioranelli Junior192 considera importante
inicialmente fazer referência à linguagem natural. Para isso, é necessário fazer a distinção
entre signo e símbolo. O primeiro expressa uma representação natural da realidade.
“Exemplo: poças de água na rua representam que choveu naquele lugar, um nexo de
causalidade entre o fato e a interpretação realizada”. Os símbolos expressam uma
representação cultural da realidade. Seu uso é decorrente de costumes e convenções sociais.
Como sabido, a linguagem consiste no sistema de símbolos articulados por uma comunidade
para representar a sua respectiva realidade, que se divide em linguagem natural e artificial.
Para o referido autor, a primeira é a de que os usuários se servem na comunicação normal e
cotidiana. A segunda, por seu turno, é aquela elaborada teoricamente para fins de
compreensão rigorosa de uma determinada realidade. A expressão linguística das normas

190
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. Poder Simbólico e Violência Simbólica. São Paulo: Cultural
Paulista. 1985. p. 153.
191
STRAUS, Flávio Augusto Saraiva; FERNANDES, Guilherme Antonio de Almeida Lopes. Linguagem,
Violência e Cultura de Paz. In: FREITAS JR., Antonio Rodrigues de; ALMEIDA, Guilherme Assis de (coord.).
Mediação & o novo Código de Processo Civil. Curitiba: Juruá, 2018. p. 131
192
FIORANELLI JUNIOR, Adelmo. Direito e Linguagem. In: DI GIORGI, Beatriz; CAMPILONGO, Celso
Fernandes; PIOVESAN, Flavia (coord.). Direito Cidadania e Justiça - Ensaios sobre lógica, interpretação,
teoria, sociologia e filosofias jurídicas. São Paulo: RT, 1995. p 83.
103

jurídicas abrange necessariamente palavras e expressões da linguagem natural, o que não


significa que não possam conter alguns termos técnicos, elaborados pela teoria jurídica e
incorporados aos textos legislativos. E o são sob este aspecto, face à necessidade de seu
cumprimento pelos seus destinatários. Ele alerta que não se pode confundir a linguagem da
norma jurídica com a linguagem das proposições normativas. E aponta ser o propósito básico
do jurista não simplesmente compreender um texto, como faz, por exemplo o historiador ao
estabelecer-lhe o sentido e o movimento no seu contexto, mas também determinar-lhe a força
e o alcance, colocando o texto normativo em presença dos dados atuais de um problema.
Nesse sentido, a intenção do jurista não é apenas conhecer, mas conhecer tendo em vista as
condições de debilidade de conflitos com base na norma enquanto diretiva para o
comportamento.
Quanto aos elementos acima, convém trazer à luz as palavras de Clarice von Oertzen
de Araújo193, que alerta que “para que uma norma apresente o estatuto de mensagem, é
necessário que ela deflagre um significado. O significado das normas está, mediata ou
imediatamente, relacionado com a ordenação das condutas humanas em sociedade”. Ou seja,
o seu significado é a informação que transmitem. Transmitem comandos que poderiam ser
classificados em obrigações, permissões e proibições. Para ela, uma mensagem constitui um
grupo finito de elementos, retirados de um repertório e dispostos em forma sequencial,
conforme padrões de organização sintática, previamente estabelecidos pelo próprio código
(ortografia, sintática, lógica, gramática). No sistema jurídico, é possível identificar mensagens
como uma sequência de enunciados prescritos combinados, constituindo-se na norma jurídica.
Esta constatação leva Oswaldo Peregrina Rodrigues194 a afirmar que “as relações sociais
sofrem mutações no mundo do fato, rotineiramente; quando possível o legislador as
amparar, editando normas legais que assegurem, protejam e garantam os direitos e
interesses, como os respectivos deveres, decorrentes desses relacionamentos”. Nesse
sentido, o Direito não pode deixar de acolher os anseios da sociedade, pois, uma vez que os
valores sociais se alteram ao longo do tempo, da mesma forma deve ocorrer a valorização
jurídica, para que as normas alcancem o seu real sentido.
Todos estes elementos constituem importantes aspectos para explicar a escolha do
discurso feita pelo legislador sob os auspícios da Lei 13.105/15 e da Lei 13.140/15, quer seja

193
ARAÚJO, Clarice von Wertzen de. Semiótica do Direito. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p 45-46.
RODRIGUES, Oswaldo Peregrina. Os novos tipos familiares em face da Lei em vigor – As relações jurídicas
194

privadas e a dignidade das pessoas humanas que as integram. São Paulo: Claris, 2016. p. 9.
104

pela sequência de sons, quer seja pela sequência de caracteres, que repercutem no seu
destinatário, pois a proposições são portadoras de um determinado significado a partir da
linguagem jurídica. Nesse sentido, Sesma afirma que “a linguagem jurídica se divide em:
linguagem legislativa e linguagem dos juristas”195.A primeira, também conhecida como
linguagem da lei, é formulada pelos textos legais e demais fontes do direito. A segunda
compreende a linguagem utilizada pelos juízes e advogados que se referem à primeira. E
acrescenta que, sob o ponto de vida semântico, a segunda é a metalinguagem da primeira, pois
constitui a linguagem do objeto.
Ao se falar nos textos legais sobre a Mediação, é importante reforçar que a linguagem
empregada buscou oferecer os elementos acima, porém dependerá dos atores envolvidos nesta
relação a implementação de suas previsões, daí a importância de se falar da distinção entre
linguagem da lei e linguagem dos juristas, muito bem pontuada por Sesma. Além disso,
fundamental enfatizar que a execução ou não dependerá, e muito, da interpretação a ser dada
não somente por seus atores, como dito acima, mas também dos operadores do Direito,
advogados, membros do Ministério Público e da Magistratura, assim como todos os demais
atores que compõem a sociedade. Por isso, a tópica está na perspectiva pessoal de cada de
seus integrantes e, com certeza, influenciará o pensamento para a implementação na
conformidade do proposto pelo legislador, tanto nos parâmetros percebidos todos os
envolvidos nas posturas no dia a dia daquela relação, como também na forma de resolução de
eventuais conflitos que enfrentam e enfrentarão a futuro. Nesse sentido, é importante lembrar
os exemplos trazidos, que acabaram por ferir as intenções do legislador, que, ao propor
mudanças, idealizou uma adequação ao momento econômico, que continuará se refletindo nas
mudanças e em eventuais retrocessos, necessitando do respaldo dos operadores do Direito e
dos usuários também.
Ao mesmo tempo, é fundamental lembrar as palavras de Silvio de Salvo Venosa196,
que sustenta que “aplicar e interpretar o direito é uma operação complexa una. O intérprete é,
em síntese, um renovador, porque atualiza e adapta a compreensão das normas para o
momento atual”. Nesta mesma direção, Paulo de Barros Carvalho197 acrescenta que
“interpretar o direito é conhecê-lo, atribuindo valores aos símbolos, isto é, adjudicando-lhes
significações e, por meio dessas, fazer referência aos objetos do mundo”. A interpretação

195
SESMA, Victoria Iturral de. Lenguaje Legal y Sistema Jurídico. Madrid: Fundación Enrique Luno Pena,1989.
p. 30.
196
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2017. p. 109.
197
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 6ª ed. São Paulo: Noeses, 2015. p. 86.
105

pressupõe o trabalho penoso de enfrentar o percurso gerador do sentido, fazendo com que o
texto possa dialogar com outros textos, no caminho da intertextualidade, instalando-se a
conversação das mensagens com outras mensagens, passadas, presentes e futuras, numa
trajetória sem fim, expressão da inesgotabilidade. E conclui o mesmo autor198 que
segundo os padrões da moderna ciência da interpretação o sujeito do conhecimento
não extrai ou descobre o sentido que se achava oculto no texto. Ele o constrói em
função de sua ideologia e, principalmente, dentro dos limites de seu universo de
linguagem. Exsurge, com muita força, o axioma da inesgotabilidade do sentido – ao
lado da intertextualidade – que opera não só no território do sistema do direito posto,
mas o transcende, na direção de outros segmentos do saber.

Por oportuno, convém lembrar as palavras de Carlos Alberto Salles199, que destaca que
a Resolução 125 do CNJ, as disposições específicas do Código de Processo Civil de 2015 e a
Lei de Mediação “trouxeram forte incremento para o tratamento jurídico das soluções
consensuais de conflitos. Esse progresso na disciplina jurídica da matéria, no entanto, não foi
suficiente para enraizar este instituto nas práticas cotidianas do profissional do Direito”. Para
ele, as dificuldades do Direito em relação à Mediação se colocam a partir de pelo menos três
polos distintos, representativos de elementos característicos desse mecanismo consensual. Em
primeiro lugar, a interdisciplinaridade, por meio da qual o conhecimento de Mediação se
constrói. Em segundo, o enfoque não dogmático que ela exige para o manejo de seus
instrumentos básicos. Por fim, em terceiro, a difícil apreensão do relacionamento da solução
mediada com o Direito, apontando para a necessidade de seu desenvolvimento à sombra do
Direito. Na mesma linha, Maurício Morais Tonin200 aponta que “não é difícil perceber que os
esforços dos processualistas e do legislador ainda não produziram os resultados esperados,
por vários possíveis fatores, entre eles a cultura de litigiosidade impregnada na sociedade
brasileira e nos próprios operadores do direito.” Tal dificuldade é explicada por Paulo de
Barros Carvalho201, que esclarece:
o comportamento de quem pretende interpretar o direito para conhecê-lo deve ser
orientado pela busca incessante da compreensão desses textos prescritivos. Ora
como todo texto tem um plano de expressão, de natureza material, e um plano de
conteúdo, por onde ingressa a subjetividade do agente para compor as significações
da mensagem, é pelo primeiro, vale dizer, a partir do contato com a literalidade
textual, com o plano dos significantes ou com o chamado plano de expressão, como
algo objetivado, isto é, posto intersubjetivamente, ali onde estão as estruturas
morfológicas e gramaticais, que o intérprete inicia o processo de interpretação,

198
Idem. p. 93.
199
SALLES, Carlos Alberto. Prefácio. In: FREITAS JR., Antônio Rodrigues de; ALMEIDA, Guilherme Assis
de (coord.). Mediação & o novo Código de Processo Civil. Curitiba: Juruá, 2018. p. 5.
200
TONIN, Maurício Morais. Arbitragem, Mediação e Outros Métodos de Solução de Conflitos Envolvendo o
Poder Público. São Paulo: Almedina, 2019. p. 22.
201
CARVALHO, Paulo de Barros. Op. Cit. p. 78.
106

propriamente dito, passando a construir os conteúdos significativos dos vários


enunciado ou frases prescritivas. Tudo isso, porém, requer o envolvimento do
exegeta com as proporções inteiras do todo sistemático, incursionando pelos
escalões mais altos e de lá regressando com os valores axiológicos ditados por juízos
que chamamos de princípios.

Nesse sentido, merece ser destacado que todos os instrumentos propostos em ambas a
leis estão ainda em construção, muito embora ambas, por sua linguagem prescritiva, já
demandem o dever ser, sobretudo tendo em vista os princípios em ambas elencados. No
entanto, não parece claro para a comunidade jurídica e, muito menos para a sociedade, o
percurso gerador do sentido efetivo de ambas as normas, já que resistências persistem e ações
desconformes são praticadas, com base em leituras associadas à inexistência de experiências
anteriores. Tudo isso para apontar que a Mediação, além de ser um método de solução de
conflitos, constitui-se também em elemento de acesso à ordem jurídica justa, baseada na
vontade de seus participantes de dela fazer uso e, com isso, construírem o futuro para si
mesmos. E, como tal, é uma convenção entre todos os que desejem dela participar, podendo
resultar em outra convenção. Nesse sentido, é essencial ressaltar que a atividade, o método ou
o processo de transformação de conflitos pressupõem aspectos contratuais com todas as
repercussões a eles inerentes. Assim é que o estudo sobre tais aspectos passa a ser
fundamental para melhor entendimento de seus parâmetros nas áreas mencionadas
anteriormente e, sobretudo, no contexto da Administração Pública, foco final do presente
trabalho.
107

3 MEDIAÇÃO E SUA PERSPECTIVA CONTRATUAL

Como mencionado anteriormente, com o advento das leis, objeto de breves comentários
acima, a Mediação passou a ser um instituto positivado e regulamentado no ordenamento
jurídico brasileiro. Adquiriu, entretanto, uma identidade complexa e, talvez, de um peculiar
hibridismo, muito decorrente dos aspectos históricos de sua prática no País. Necessário lembrá-
los a fim de melhor expressar que ela propõe para que possa ser mais bem empregada em
inúmeros contextos, especialmente no âmbito da Administração Pública, cujo universo é de
amplo espectro. Com isso, intenta-se compreender a essência do instituto e os elementos que o
constituem, construindo-se suas características, lembrando que estão embasados em
princípios. Em outras palavras, é possível elaborar sua melhor moldura e qualificação a partir
de seus princípios, os quais Maria Helena Diniz202 enfatiza consistirem na “afinidade que um
instituto tem em diversos pontos, com uma grande categoria jurídica, podendo nela ser
incluído a título de classificação”.
Tendo como referência as premissas acima, cabe lembrar o mencionado anteriormente
de que a Mediação já vinha sendo utilizada no Brasil desde meados da década de 90 do século
passado. E em sua prática o componente contratual foi sua marca. Desta forma, tornou-se
instrumento de uma política pública do Poder Judiciário, a Política Pública de Tratamento
Adequado de Resolução de Disputas do CNJ, a partir de 2010, com a Resolução CNJ 125/2010.
Mesmo neste momento, assim como desde o início de sua prática, sempre foi utilizada como
convenção entre os participantes, já que dela participavam a partir da exposição efetiva de suas
vontades. Vários são os exemplos, tanto no contexto extrajudicial, quanto no judicial. Dentre
eles, poderiam ser mencionados os regulamentos das instituições de Mediação e arbitragem, que
já existiam muito antes do advento da Lei 13140/ 2015, as quais haviam adotado o método
como um dos serviços à disposição da sociedade.
As referidas instituições previam em seus respectivos instrumentos legais: (i) cláusulas
padrões, em que indicavam a melhor forma de como inseri-la em um contrato, com base na pré-
disposição de utilizar a Mediação e a referida instituição; (ii) regulamento de Mediação, onde se
encontrava a forma como a Mediação se realizaria naquela instituição; e (iii) a oferta de uma
minuta de contrato de Mediação, denominado Termo de Mediação, para auxiliar os futuros
mediandos a se nortearem no procedimento por eles escolhido. Na verdade, esta prática tomou

202
DINIZ, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p.
34.
108

emprestada a experiência da arbitragem das instituições brasileiras para a Mediação


institucional brasileira. Importante lembrar, que o mesmo já ocorria com as Mediações
realizadas fora de uma instituição, denominadas, no mundo jurídico, Mediação ad hoc203, ou as
realizadas por mediador independente em seu escritório ou consultório.
Por oportuno, convêm lembrar Carlos Suplicy de Figueiredo Forbes204, ao traçar um
breve histórico da trajetória da Mediação junto ao Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara
de Comércio Brasil-Canadá, um dos mais antigos do gênero, se não o mais antigo, fundado em
1979. O referido autor esclarece que, em 1998, o referido Centro introduziu um Roteiro de
Mediação, explicando que a ideia era a de disponibilizar os serviços de Mediação aos
interessados, baseados em providências preliminares,
como uma reunião inicial, para apresentar a metodologia de trabalho, as
responsabilidades dos participantes e do mediador, e todas as outras informações
necessárias, inclusive com o auxílio da escolha do mediador e a apresentação de
uma minuta do Termo de Mediação. Em 2012, o roteiro foi ampliado e passou a se
chamar Regimento de Mediação com todos os elementos anteriores, porém mais
aperfeiçoados, com melhor preparo para os participantes com a reunião inicial
chamada de pré-mediação e demais instrumentos mais adequados ao momento. E
com o advento da Lei de Mediação, tornou-se necessário atualizar as regras da
Mediação. Não porque havia incompatibilidade ou incongruência com as normas
existentes no CAM-CCBC, mas porque houve uma decisão estratégica de investir
em Mediação Empresarial, acreditando que a evolução cultural dos negócios no
Brasil implicaria maior conhecimento e utilização do instituto. Após longo e detido
estudo, comissão especialmente criada para análise e detalhamento da legislação, em
agosto de 2016 novo Regulamento veio a desenhar procedimento mais detalhado e
sistemático, para que o usuário melhor faça uso da mediação, incluído cláusula
padrão, reunião prévia e minuta do Termo de Mediação.

Outro exemplo deve ser trazido, pois reforça a perspectiva contratual, porém de maneira
verbal, com a utilização da Mediação. Como afirma Guilherme Assis de Almeida205 ao
prefaciar o livro Mediação Familiar: a experiência da 3ª Vara de Família do Fórum do
Tatuapé em São Paulo:
a primeira peculiaridade a ser ressaltada é o fato de essa equipe de mediadores e
mediadoras do IMAB atua como uma verdadeira câmara privada de Mediação.
Explicando melhor: a câmara privada de Mediação está prevista no artigo 167 do
Novo Código de Processo Civil Lei 13.105/2015. A previsão legislativa é de
câmaras privadas, mediadores e conciliadores que atuem no âmbito dos Centros
Judiciários de Solução Judicial de Conflitos (CEJUSCs). A equipe de mediadores

203
O termo ad hoc foi emprestado da arbitragem, remontando à vigência da Lei 9.307/96 e significa arbitragem
realizada fora de uma instituição administradora de procedimentos, isto é desenvolvida com regras criadas pelas
partes e o árbitro imparcial e independente, sem qualquer conexão com alguma instituição. Portanto, para a
Mediação também valem tais elementos, pois poderá ser desenvolvida fora de uma instituição.
204
FORBES, Carlos Suplicy de Figueiredo. Mediação Empresarial: a experiência institucional no CAM-CCBC.
In: BRAGA NETO, Adolfo (org.). Mediação Empresarial – experiências brasileiras. São Paulo: CLA, 2019. p.
194-197
205
ALMEIDA, Guilherme Assis de Almeida. Prefácio. In: BRAGA NETO, Adolfo (org.). Mediação Familiar: a
experiência da 3ª Vara de Família do Tatuapé. São Paulo: CLA, 2018. p. 7 e 8.
109

atua em conjunto com a juíza titular de uma vara de família e sucessões, mas está
fora do âmbito dos CEJUSCs, o que torna possível a essa equipe estabelecer seu
próprio procedimento de atuação. Importante ressaltar que a equipe do IMAB
deliberadamente não tem ciência dos autos do processo judicial e tem a liberdade de
determinar o tempo de duração de uma sessão de mediação. Respeita as diretrizes
traçadas por Joseph Folger, quando afirma que uma instituição de mediação (como o
IMAB) deve assegurar que as práticas de Mediação devem preservar a
autodeterminação das pessoas e o diálogo. Nesse sentido, apesar de as sessões de
Mediação ocorrerem no espaço físico do Fórum do Tatuapé, sua natureza jurídica
não é de uma mediação judicial, pois, como visto anteriormente, não está vinculada
ao CEJUSCs, conforme estabelecido pelo artigo 24 da Lei 13.140/2015. Todavia, é
importante ressaltar que as pessoas envolvidas nesses processos de Mediação não
têm a possibilidade de escolha do mediador – o que contraria o procedimento da
mediação extrajudicial (artigo 22, parágrafo 2, inciso III, Lei 13.140/2015) e está em
consonância com o procedimento da Mediação Judicial que assevera que(...)
mediadores não estarão sujeitos a prévia aceitação das partes (art. 25 da mesma lei).
LM Artigo 25 Na Mediação judicial os mediadores não estarão sujeitos à prévia
aceitação das partes, observado o disposto no art 5º desta Lei.

O referido autor acrescenta que um serviço Mediação como este possui uma natureza
híbrida entre Mediação judicial e extrajudicial, pois ilustra a possibilidade dos mais diversos
arranjos institucionais possíveis entre o Poder Judiciário e instituições da sociedade civil. Para
ele, o inspirador desta perspectiva é justamente a visão contratual da Mediação, com base na
informalidade, pois ocorrerá mediante o encaminhamento do juiz, por um simples despacho, e
a partir da efetiva aquiescência dos interessados, com base no princípio da oralidade e
autonomia plena da vontade dos participantes.
Sobre tais aspectos, Daniela Monteiro Gabbay206 coloca uma interessante pergunta:
“publicização da Mediação ou privatização do processo judicial?”, observando que é recíproca
a influência que a Mediação e o processo judicial exercem um sobre o outro. A interação entre
ambos se dá a partir de algumas tensões, como as de se regulamentar e processualizar mais a
Mediação no âmbito do Judiciário, e de simplificar e flexibilizar mais o processo judicial
quando em contato com a Mediação. E acrescenta, “nessa relação entre os aspectos privados e
contratuais da mediação e os aspectos públicos do processo judicial, surgiria um terceiro
modelo processual para dar conta da mediação no Judiciário”, fundindo aspectos públicos e
privados como resultado da apropriação do Judiciário de modelos privados de resolução de
disputas, fazendo com que as partes utilizassem tais modelos.
Mesmo com este novo status previsto na legislação em vigor, esse componente sempre
esteve presente e ainda se mantêm, motivo pelo qual imprescindível se faz apontar os aspectos
contratuais identificados na atividade e reforçadas na legislação em referência, muito embora a

GABBAY, Daniela Monteiro. Mediação & Judiciário no Brasil e nos EUA – Condições, Desafios e Limites
206

da Mediação no Judiciário. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 46.


110

própria não tenha assim definido. Ambas as leis, no entanto, não fazem menção a este aspecto,
restringindo-se à forma como pode ser desenvolvido seu uso, ao ser prevista em uma cláusula
contratual ou no contexto judicial. Preservam suas características contratuais como mencionado
anteriormente, mesmo nos aspectos levantados pela legislação em vigor. Fernanda Levy207
reforça este entendimento, pois salienta que o ordenamento jurídico brasileiro “não cuidou de
tipificar a relação contratual daí advinda”, baseada na premissa do que Luiz Fernando
Guerreiro208 ressalta: “a autonomia da vontade é preceito basilar quando discutem contratos. É
ela que permite a manifestação de vontade livre com outra de mesma natureza emitida por outro
indivíduo representando diverso polo ou grupo de interesses, que se unem para atingir um
determinado fim comum”. E Silvio de Salvo Venosa209 acrescenta: “quando o ser humano usa
de sua manifestação de vontade com a intenção precípua de gerar efeitos jurídicos, a expressão
dessa vontade constitui-se num negócio jurídico”.
Caio Eduardo Aguirre210, voltando pontualmente para a Mediação, pondera que a esta é
contrato, “uma vez que, através de acordo de vontades as partes se obrigam a usar esse meio
como forma de tratar o conflito entre elas”. Lembra que o contrato consiste em fonte de
obrigações, uma espécie de negócio jurídico bilateral, podendo modelar para os próprios
integrantes as regras de suas próprias condutas. No mesmo sentido, Fernanda Levy211 reforça:
“conferimos natureza contratual à convenção de mediação, pois as partes, por meio do exercício

207
LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Cláusulas escalonadas – A mediação comercial no contexto da
arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 183 Importante notar que a autora optou por chamar de convenção e
não contrato, a fim de “oferecer uma conotação mais ampla à estipulação contratual” (p. 166), fazendo referência
ao que Rogério Ferraz Donini destaca: “no Direito Romano nem todos os contratos tinham força obrigatória.
Diferentemente do Direito moderno, contrato e pacto não eram termos sinônimos. O contrato era a conventio,
dotada de força obrigatória, enquanto do pacto não nascia qualquer ação, não possuindo força obrigatória, mas
apenas moral (ex nudo pacto non nascitur actio). Posteriormente, o pacto passou a ter força, razão pela qual
surgiu a expressão pacta sunt servanda (os pactos devem ser observados). Cf. DONINI, Rogério Ferraz.
Responsabilidade civil pós-contratual. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 70.
208
GUERREIRO, Luís Fernando. Efetividade das estipulações voltadas à instituição dos meios multiportas de
solução de litígios. Tese Doutoramento. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-
09042013-150524/pt-br.php. Acesso em: 30 dez. 2019. p. 44.
209
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil 3º vol. – Contratos. 19ª Ed. São Paulo: Atlas, 2019. p.1. O referido
autor esclarece, em parágrafo mais adiante, que, muito embora “nossos Códigos possuam normas gerais de
contratos, as verdadeiras regras gerais do direito contratual são as mesmas para todos os negócios jurídicos e
estão situadas na parte geral, que ordena a real teoria geral dos negócios jurídicos. Trata-se, pois, de uma
estrutura moderna, que não deve ser abandonada, em que pese a necessidade de modernização de velhos
conceitos de direito privado. Portanto, para qualquer negócio jurídico, e não apenas aos contratos, aplicam-se as
regras sobre capacidade do agente, forma e objeto, assim como em relação às normas sobre os vícios de vontade
de vícios sociais. O Código mantém tal estrutura, sob o título ‘negócios jurídicos’”.
210
AGUIRRE, Caio Eduardo de. Mediação em empresas familiares. Dissertação de Mestrado. PUCSP.
Disponível em: www.tede2pucsp.br/handle/handle/6866. Acesso em: 27 dez. 2019. p. 49.
211
LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Cláusulas escalonadas – A mediação comercial no contexto da
arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2013. p.182.
111

da autonomia privada, se unem (o vocábulo contractus significa unir, contrair) para buscar a
composição amigável de interesses contrapostos existentes ou futuros e elegem a mediação
como mecanismo facilitador dessa tarefa.”
Da mesma maneira, Carlos Alberto de Salles212 esclarece que o contrato está na base de
qualquer mecanismo não estatal de solução de controvérsias. “Afinal, esses mecanismos não
são dotados de compulsoriedade, atributo próprio dos sistemas estatais, nos quais a participação
é obrigatória, sob pena de não se responder a determinados ônus processuais e correr o risco de
um resultado negativo no processo”. A esse propósito, a convenção estabelecida entre os
participantes exerce o papel de dotar de obrigatoriedade o mecanismo escolhido por eles para
solucionar suas disputas. Sua submissão e participação no procedimento próprio ao mecanismo
escolhido, de maneira diversa do verificado no processo judicial ou administrativo, depende
desse prévio encontro de vontades das partes envolvidas. Esse encontro de vontades, ou
consenso, deve ser inicial e sua formalização, muitas vezes, é imprescindível como medida de
garantia de seu desenvolvimento.
Nessa mesma direção converge José Roberto de Castro Neves 213, ao afirmar que
o ordenamento jurídico admite que um acordo de vontades sirva como fonte de
obrigações. Se duas ou mais pessoas capazes chegam a um consenso, ajustando
como elas devem agir, dá-se a esse encontro de vontades, desde que seu objeto seja
lícito, uma força especial. Se uma das partes, depois de celebrado o ato, decide
descumpri-lo, a parte interessada tem como reclamar que a atividade estabelecida,
aquela que a contraparte se comprometeu a adotar, seja desempenhada. O nome
desse acordo de vontades é contrato,

ocupando, portanto, posição proeminente entre as fontes de obrigação. Por isso,


acrescenta o mesmo autor, que sem o poder que o ordenamento jurídico dá ao contrato,
a sociedade viveria em absoluta insegurança e conflito. Se os acordos firmados não
tivessem força, nada impediria que as pessoas simplesmente mudassem de ideia e
não respeitassem o que antes combinaram. Para garantir a tranquilidade social, dá-se
ao acordo de vontade enorme repercussão.214

Como enfatiza Sidney Bittencourt 215, “o contrato confunde-se com as origens do


próprio Direito, notadamente quando se alargaram os ajuntamentos civilizados e a circulação
de riquezas. Sem dúvida, o progresso econômico mundial alicerçou-se paulatinamente sobre

212
SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.
202.
213
NEVES, José Roberto de Castro. Contratos 1. Rio de Janeiro: GZ, 2017. p. 2.
214
Idem. p. 3.
215
BITTENCOURT, Sidney. Contratos da Administração Pública – Oriundos de Licitações, Dispensas e
Inexigibilidades. Leme: Jhmizuno, 2015. p. 23.
112

as bases do direito contratual”. E salienta, como Fernanda Levy216, que a palavra “contrato”
possui sua origem no latim contractus, cujo sentido é ajuste, pacto ou transação”. Exterioriza
uma convenção entre pessoas com um objetivo específico ou mesmo um acordo com a
intenção de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos como mencionado
anteriormente.
Por isso, sua acepção, afirma Orlando Gomes217, situa-se no campo das obrigações, pois
para ele contrato é um “negócio jurídico bilateral, ou plurilateral, que sujeita as partes à
observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que regularam”. E não deixa de ser
espécie do gênero negócio jurídico. Em ambos os casos, muito embora com menos integrantes,
dá-se o que Maria Helena Diniz218 define como contrato, que “é o acordo de duas ou mais
vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação
de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações
jurídicas de natureza patrimonial”, muito embora Marcos Gomes da Silva Bruno 219 pondere
que “pode haver contrato que não estabeleça relações patrimoniais, por exemplo: o
casamento”.
Paulo Sérgio Velten Pereira220, ao pontuar sua evolução, desde o antigo regime,
passando pela modernidade e agora com a pós-modernidade, salienta que
o contrato é um elemento histórico-cultural que exprime valores, expressa o mundo
do dever ser (Solen), conectado ao poder da vontade humana de estabelecer vínculos
reguladores do pactuado com outrem. Como fonte formal do Direito, fonte de
natureza negocial, o contrato gera modelos jurídicos prescritivos cujos significados
se alteram através do tempo diante de fatos e valores supervenientes. Mas sua
essência, sua diretriz normativa obrigatória, apta a instaurar vínculos de caráter
coercitivo, como algo inerente ao poder de decidir, é e sempre será a mesma, por
isso faz parte do âmbito material de validez do contrato. Não há contrato que não
seja emanação da autonomia privada, da potestade deferida ao cidadão para que ele
possa decidir sobre o bem da vida que pretende usufruir. E uma vez firmado, não há
contrato, mesmo os de natureza coativa, que não vincule os sujeitos ou que não os
obrigue ao dever de prestar, de cumprir o objeto de prestação. Isso é da essência e da
natureza do contrato.

Em outras palavras como afirma Renato Grecco 221, o “contrato pressupõe a


congruência entre duas ou mais declarações negociais contrapostas e convergentes, tendo

216
LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Cláusulas escalonadas – A mediação comercial no contexto da
arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2013. p.182.
217
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 245.
218
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 30.
219
BRUNO, Marcos Gomes da Silva. Resumo Jurídico de Obrigações e Contratos. 4. Ed. São Paulo: Quartier
Latin, 2005. p. 41.
220
PEREIRA, Paulo Sérgio Velten. Contratos - Tutela Judicial e Novos Modelos Decisórios. Curitiba: Juruá,
2018. p. 67.
113

como substrato uma operação econômica, por meio da qual as partes visam constituir,
modificar ou extinguir relações jurídicas patrimoniais”, ou não. Nesse sentido, a obrigação
da qual o contrato é fonte constitui-se no vínculo jurídico em que uma pessoa pode exigir de
outra alguma prestação nele incluída. E considera, ainda, que o vínculo jurídico é o núcleo
central das obrigações, sendo baseado no consenso, que, por sua vez é seu elemento central.
Nesse sentido, pondera que o consenso nada mais é do que o acordo entre as partes, sem o
qual o contrato não existe. Em reforço, o embasamento para o entendimento se constituir
em contrato não somente inclui as disposições legais constantes do Código Civil em vigor
relativas aos contratos, mas, sobretudo, o artigo 107º do mesmo diploma legal que assim
expressa:
CC. Artigo 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma
especial, senão quando a lei expressamente a exigir.

Portanto, a evolução que se realizou com os contratos, ao longo de sua existência,


mesmo com o advento do Estado Social, com a tutela dos interesses sociais, em sendo
negócio jurídico deve atender aos requisitos mínimos previstos em lei, mais especificamente
o artigo 104 do Código Civil, que determina contemplar seus requisitos de validade, isto é,
ser constituído por um agente capaz, possuir objeto lícito, possível, determinado ou
determinável e forma prescrita ou não em lei. Importante notar que este último requisito é
relativo, pois o artigo 107 da mesma norma expressamente declara que a validade da
manifestação de vontade não depende de forma especial a não ser quando a lei
expressamente exigir. Além disso, deve ser reforçada a perspectiva oferecida por Carlos
Alberto de Salles222, que leciona: “a base jurídica para o funcionamento de técnicas privadas de
resolução de controvérsias é eminentemente contratual, seja o contrato formalizado ou não”.
Por isso, Caio Eduardo Aguirre223, esclarece:

221
GRECCO, Renato. O momento da formação do Contrato – Das negociações preliminares ao vínculo
contratual. São Paulo: Almedina Brasil, 2019. p. 18.
222
SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.
202. Impende observar que, neste mesmo trecho, o autor, abordando o papel da convenção de solução alternativa
de controvérsias no contexto de contratos administrativos, esclarece que “o contrato está na base de qualquer
mecanismo não estatal de solução de controvérsias. Afinal, esses mecanismos não são dotados de
compulsoriedade, atributo próprio dos sistemas estatais, nos quais a participação é obrigatória, sob pena de não
se responder a determinados ônus processuais e correr o risco de um resultado negativo no processo. A esse
propósito, a convenção estabelecida entre as partes exerce o papel de dotar de obrigatoriedade o mecanismo
escolhido pelas partes para solucionar suas disputas. Sua submissão e participação no procedimento próprio ao
mecanismo escolhido, de maneira diversa aos verificado no processo judicial ou administrativo, depende desse
prévio encontro de vontades das partes envolvidas. Esse encontro de vontades, ou consenso, deve ser inicial e
sua formalização, muitas vezes, é imprescindível como medida de garantia de seu desenvolvimento”.
223
AGUIRRE, Caio Eduardo. Mediação em empresas familiares. Dissertação de Mestrado PUCSP. Disponível
em: www.tede2pucsp.br/handle/handle/6866. Acesso em: 27 dez. 2019. p. 50.
114

convém registrar que as partes não precisam, necessariamente, entabular um


contrato formal, escrito, para que criem entre si o vínculo obrigacional, já que no
direito brasileiro, em relação à forma dos negócios jurídicos, vige o consensualismo,
isto é, a forma dos negócios jurídicos é livre, salvo quando a lei exigir o contrário.

Importante sublinhar este último elemento, pois será objeto de análise a perspectiva
contratual da Mediação mesmo sem um instrumento escrito, pois vale também o verbal, já que
transcende a vontade expressa daqueles que por ela optaram.
Além disso, é relevante lembrar que Luís Fernando Guerreiro224 apresenta duas
situações decorrentes da perspectiva contratual que devem ser sempre levadas em consideração,
a saber: a primeira delas se refere à maior planificação dos integrantes de um contrato em criar
“praticamente um sistema de solução de controvérsias”, tornando-o adequado para eventual
futuro conflito que possam ter. A segunda situação é decorrente de outro cenário, no qual o
conflito já existe e a intenção dos envolvidos é utilizar a Mediação para superá-lo. E conclui que
a Mediação, no tocante a sua origem contratual, não constitui acordo sobre o mérito do conflito,
muito embora os participantes possam chegar a isso, mas significa concordância de vontades de
como tratá-lo, seja preventivamente, seja diante dele. Nesse sentido, ele ressalta que ambas as
perspectivas levam às previsões contidas no Código Civil em vigor, ao identificar os tipos de
contrato, a saber: compromisso e transação. O primeiro previsto nos artigos 851, 852 e 853 e o
segundo, nos artigos 840 a 849.
Ambos institutos, hoje considerados tipos de contrato, passaram por uma evolução ao
longo do tempo, pois outrora eram considerados formas de extinção de obrigações. Com relação
ao primeiro, recebeu forte influência quando da entrada em vigor da Lei 9.307/96, revogando os
dispositivos do Código Civil vigente à época. Como esclarece Silvio Rodrigues225, consiste no
“ato de vontade capaz de criar relações na órbita do direito e, por conseguinte, negócio
jurídico”, que se ultima pelo consenso de vontade de duas ou mais pessoas que indicam como
resolverão suas diferenças. Já a transação, como ressalta José Roberto de Castro Neves226, é um
contrato antigo, “delineada pelos romanos, que a chamavam de transactio. Nela as partes cedem
mutuamente para chegar a um acordo, pondo fim a uma incerteza jurídica”. Classicamente, via-
se a transação apenas como um ato declaratório. Por meio dela, as partes apenas declaravam
uma nova situação, extinguindo uma discussão. Hoje, contudo, admite-se que, ao extinguir uma
obrigação, pode haver uma natureza constitutiva, como ocorre se alguém, para resolver uma

224
GUERREIRO, Luis Fernando. Efetividade das estipulações voltadas à instituição dos meios multiportas de
solução de litígios. Tese de Doutorado. Disponível em: www.tesesusp.br. Acesso em: 30 dez. 2019. p. 47.
225
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, vol III. 30. Ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 380.
226
NEVES, José Roberto de Castro. Contratos II. Rio de Janeiro: GZ, 2017. p. 205.
115

disputa, transfere um bem a outra. Evidentemente, se a obrigação antiga se extinguir pela


criação de outra, haverá, na realidade, uma novação. Assim, a transação se caracteriza por ser
uma forma de extinção completa da lide que antes havia entres as partes, podendo ocorrer antes
de iniciado um litígio judicial ou arbitral, ou mesmo em seu curso. Luís Fernando Guerreiro227,
ao destacar o avanço que o Código Civil e o Código de Processo Civil promoveram para a
transação, enfatiza que “está sedimentado o entendimento de que a transação representa uma
forma de prevenção ou extinção de litígios, não necessariamente de obrigações”. Ampliou-se,
portanto, o campo de utilização do instituto, conferindo-lhe um caráter relevantíssimo na
disciplina dos métodos de solução de controvérsias. Cabe lembrar que os dispositivos legais em
referência restringem o objeto de ambos os contratos, limitados a direitos disponíveis, muito
embora seja pertinente enfatizar que, quando se trata da Mediação, a legislação em vigor
permite ser empregada para direitos indisponíveis que admitam transação.
Diante dos elementos apresentados, pode-se afirmar que as Leis 13.105/15 e 13.140/15
conferem os componentes contratuais que inspiram a Mediação de conflitos no Brasil. Ao
mesmo tempo, como mencionado anteriormente, respaldam a prática já existente antes de
entrarem em vigor. Importante esclarecer que, por mais próximos que possa parecer de outros
tipos de contrato, em especial o compromisso ou mesmo a transação, não se confunde com eles,
pois possui características próprias.
Além disso, impende sublinhar que as características contratuais ora invocadas são
aquelas que Romeu Felipe Bacellar Filho228 defende, no sentido de que “se estende ao direito
público o módulo contratual, a fim de fundamentar atos consensuais que até então eram
construídos como mera manifestação da supremacia do Estado e que reservavam a particular
contratante a posição de mero súdito”. O mesmo autor preleciona que o contrato é uma
categoria jurídica que não pertence – em termos de exclusividade – nem ao direito privado nem
ao direito público. Para melhor compreensão das presentes reflexões, faz-se necessário trazer à
análise os princípios a eles inerentes. Por conseguinte, o raciocínio que se seguirá passará pela
constatação de consistir em um negócio jurídico, seguido dos princípios balizadores do
contrato, para depois identificar seus reais parâmetros com base nos elementos a ele inerentes.
Assim é que como contrato, a Mediação não deixa de ser um negócio jurídico, devendo,
portanto, atender aos ditames do artigo 104 do Código Civil, que expressamente determinam

227
GUERREIRO, Luis Fernando. Efetividade das estipulações voltadas à instituição dos meios multiportas de
solução de litígios. Tese de Doutorado. Disponível em: www.tesesusp.br. Acesso em: 30 dez. 2019. p. 63-64.
228
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. O Contrato Administrativo no Brasil. São Paulo: Revista do Advogado,
Ano XXIX, dezembro, 2009. Contratos com o Poder Público. p. 157.
116

sua validade, como um instrumento jurídico, cujo objeto deve ser lícito, possível, determinado
ou, ainda, determinável, constituído por pessoas capazes, que “criam regras com o propósito de
orientar seus comportamentos”229, que não necessariamente tenha que estar previsto em lei.
CC. Artigo 104 A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.”

Dentro dos aspectos em tela, advêm duas formas que devem ser explanadas, a saber:
1) Aquela que possui característica preventiva que ocorrerá quando se estabelecer em
um contrato uma cláusula específica com a opção sobre o método de resolução de conflitos
escolhido, chamada de Cláusula de Mediação. Importante esclarecer que se incluem nesta
cláusula todos os efeitos previstos na Lei 13.140/15, mencionados no subitem 1 do item 3,
isto é, a obrigatoriedade dos integrantes daquele contrato de participar de uma primeira
reunião de Mediação. Não sendo claro no mesmo contrato como ocorrerá a referida reunião, a
própria lei aponta como se realizará. Nesse sentido, como ressalta Fernanda Levy230, “a
Cláusula de Mediação não se confunde com a previsão de conversações informais
considerada como simples recomendações às partes na hipótese de surgimento de conflito
acerca de uma relação jurídica”, sendo, portanto, verdadeira relação jurídica vinculante com a
obrigação, aos que dela participam, de submeter eventual conflito que venha a surgir entre
eles, devendo inclusive atender todos as suas determinações. Não se pode esquecer de que,
conforme a redação contida na Cláusula de Mediação, ela poderá ser institucional ou ad hoc,
extrajudicial ou judicial. Importante reforçar o que expõe Luís Fernando Guerreiro231 o
caráter preventivo do instrumento, que determina o dever agir dos que dela fazem parte.
2) Outra forma seria aquela em que, diante de uma controvérsia em curso, os
envolvidos optam por se submeter a um processo dialógico com a ajuda de um terceiro
imparcial e independente, que aceita a função de colaborar com participantes para construir
soluções a futuro. Para que se realize a Mediação, recomenda-se que elaborem um
instrumento jurídico chamado Termo de Mediação, onde, de maneira antecipada, esteja cada
passo do referido processo, sem qualquer vínculo obrigacional de produzir resultado, podendo
ser interrompido a qualquer tempo. Como o anterior, poderá ser institucional ou ad hoc,

229
NEVES, José Roberto de Castro. Contratos 1. Rio de Janeiro: GZ, 2017. p. 2.
230
LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Cláusulas escalonadas – A mediação comercial no contexto da
arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2013. p.182.
231
GUERREIRO, Luis Fernando. Efetividade das estipulações voltadas à instituição dos meios multiportas de
solução de litígios. Tese de Doutorado. Disponível em www.tesesusp.br. Acesso em 30 dez. 2019. p. 64.
117

extrajudicial ou judicial. E ainda poderá não existir expressamente, bastando simplesmente a


manifestação de vontade daqueles que desejam participar e adotar atitudes que levem à leitura
de aceite.
Cabe lembrar, com relação a este último aspecto, o que Oswaldo Peregrina Rodrigues e
Isa Gabriela de Almeida Stefano232 sustentam quanto à manifestação da vontade. Para eles
consiste na declaração de vontade, que para ser válida exige que
seja feita de forma livre e de boa fé. Ela pode se dar de forma expressa, tácita ou
presumida. Expressa: é a realizada por meio da palavra, falada ou escrita, e de
gestos, sinais ou mímicas, de modo explícito, possibilitando o conhecimento
imediato da intenção do agente. Tácita: se revela por meio do comportamento do
agente. Exemplo: aquisição da propriedade por ocupação. Presumida: é a declaração
não realizada expressamente, mas que a lei deduz de certos comportamentos do
agente. Exemplo: se o devedor estiver na posse do título de crédito presume-se ter
paga a obrigação.

Diante destas observações, pergunta-se se o silêncio seria uma forma tácita ou


presumida de expressão da vontade? Os referidos autores233 respondem no seguinte sentido:
em regra o silêncio é uma ausência de manifestação de vontade, não produzindo
efeitos no mundo jurídico. Só terá relevância jurídica, sendo interpretado como
manifestação tácita de vontade, quando a lei conferir a ele tal efeito. Para que o
silêncio seja considerado como anuência é necessário que esteja autorizado pelas
circunstâncias ou usos e que a lei não exija a declaração de vontade expressa.
Exemplo: se na doação, o doador estipula um prazo para o donatário aceitar ou não a
doação, passado o prazo estipulado sem manifestação alguma de vontade, presume-
se que a doação foi aceita artigo 539º do CC.

Tais elementos são dignos de nota, pois serão objeto de outras considerações quando
forem tratados aspectos contratuais da Mediação.
Cabe lembrar que, se ao final de um processo de Mediação, os participantes criarem
compromissos, tais compromissos também ensejarão vínculos obrigacionais, portanto
elaborarão outro instrumento, porém com características próprias, cuja denominação, na prática
é Acordo de Mediação, onde se concretizam todas as obrigações que se propõem.
Todos estes elementos são identificados na Mediação, mesmo sendo não escrita. No
entanto, é importante ressaltar que deve ser feita distinção entre os instrumentos, pois
estabelecem regras para diferentes participantes, em diferentes momentos e em distintos
contextos. Nesse sentido, deve ser explicitado que, na prática o chamado Termo de
Mediação, tanto judicial, quanto extrajudicial, determina como será desenvolvido o processo
de Mediação. E difere em muito do instrumento chamado de Acordo de Mediação, que é

232
RODRIGUES, Oswaldo Peregrina; STEFANO, Isa Gabriela de Almeida. Teoria Geral do Direito Civil. Vol I.
São Paulo: Verbatim, 2010. p. 87.
233
Idem. p.88.
118

resultante de um processo de Mediação, seja judicial ou extrajudicial, que resulta de um


processo dialógico, após a execução do primeiro.
Todas estas diferenças voltarão a ser objeto de explanações mais adiante, numa
tentativa de esclarecer diversos aspectos a elas inerentes, sobretudo porque, quando se
observa a evolução do direito dos contratos, sua grande complexidade aporta novos
paradigmas, que acabam por mudar os modelos tradicionais. Nesse sentido, Silvio Venosa234
observa que
a coexistência de novas manifestações contratuais com os chamados contratos
clássicos nem sempre é pacífica e estreme de dúvidas. Importa em cada caso
examinar a evolução do negócio contratual no curso da história, a fim de obter sua
devida classificação e, consequentemente, sua natureza jurídica, crucial para
definição dos respectivos efeitos.

E Judith Costa235 acrescenta:


cabe à doutrina expressar um método de trabalho, reconduzir cada preceito,
proibição e conceito vago referido pelo legislador à sua instituição correspondente,
ao seu específico setor do ordenamento, estabelecendo um nexo interno, lógico,
racional e operativo, construindo soluções jurídicas úteis à realidade e capazes de
resolver os problemas da convivência humana.

Além disso, Paulo Sérgio Velten Pereira236 salienta que,


muito embora não seja dotada de poderes de prescritividade e vinculabilidade
(como sucede com os modelos), a doutrina possui poder de fato, um poder
persuasivo, que contribui para a formação da experiência jurídica e construção da
própria dogmática, compreendida como o campo da ciência do Direito dedicada a
interpretação e à sistematização das normas jurídicas.

Todos estes elementos característicos da Mediação também são encontrados quando


aplicada no contexto da Administração Pública, pois, quando adotada, seus participantes o farão
com todos os seus preceitos, mesmo se inexistir um documento formal assinado por eles,
valendo as suas atitudes e intenção, como mencionado anteriormente. Evidentemente, esta
característica é mais visível quando se trata de contratos administrativos, mas ocorrerá também
em outros contextos com órgãos públicos, como será observado mais adiante.
Com o objetivo de se atingir maior clareza sobre tal constatação, há que se lembrar
aspectos relevantes sobre os princípios que norteiam os contratos, sobretudo os que estarão
presentes na Mediação, não importando onde seja empregada, inclusive no ambiente da

234
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil vol 3 – Contratos. 19 ª Ed. São Paulo: Atlas, 2019. p. 283.
235
MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. Autoridade e utilidade da doutrina: a construção dos modelos
doutrinários. In: MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister (coord.). Modelos de direito privado. São Paulo:
Marcial Pons, 2014. p.13.
236
PEREIRA, Paulo Sérgio Veltena. Contratos - Tutela Judicial e Novos Modelos Decisórios. Curitiba: Juruá,
2018. p. 50.
119

Administração Pública. Antes, porém, cabe lembrar o significado de princípios para


ordenamento jurídico, para a Mediação, assim como para a Mediação no contexto da
Administração Pública.

3.1 Princípios

Ao se falar em princípios há que se lembrar que etimologicamente o termo princípio,


do latim principium, oferece a ideia de começo, origem ou mesmo base. Como lembra Roque
Carazza237, “a palavra foi introduzida por Platão com o sentido de fundamento do raciocínio,
para Aristóteles era uma premissa maior de uma demonstração e para Kant toda proposição
geral que pode servir como premissa maior num silogismo”. O referido autor considera
princípio um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade,
ocupa posição de preponderância em qualquer área do Direito. Por isso, Adelmo Fioranelli
Junior238 defende que o princípio “vincula, de modo inexorável, o entendimento e aplicação
das normas jurídicas com que eles se conectam”. Em outras palavras, pressupõe a figura de
um patamar privilegiado, que torna mais fácil a compreensão ou a demonstração de algo,
podendo ser considerado como pedra angular de qualquer sistema.
Nesse sentido, segundo este último autor, violar um princípio é mais grave que violar
uma norma, pois implica na ofensa não a um mandamento, mas a todo sistema de comando. A
ofensa a ele poderia ser chamada de ilegalidade. Além disso, segundo Virgílio Afonso da
Silva239, existem “diferenças de grau entre princípios e regras”. A partir de suas diferenças, os
primeiros são normas mais importantes para um ordenamento jurídico, ao passo que as regras
seriam normas que concretizam os princípios. Além disso, há distinção a partir do grau de
generalidade e abstração. Os princípios seriam mais gerais e abstratos que as regras. No
entanto, para maior sedimentação da linguagem, é necessário tomar a definição do referido
autor como “mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce” do mesmo.
Nesta mesma linha, Rogério Donnini240 afirma que princípios podem ser confundidos
por regras. Todo princípio positivado se consubstancia como regra, daí a confusão. Por isso,

237
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 2 ª Ed. São Paulo: RT, 1991. p. 23.
238
FIORANELLI JUNIOR, Adelmo. Direito e Linguagem. In: DI GIORGI, Beatriz; CAMPILONGO, Celso
Fernandes; PIOVESAN, Flavia (coord.). Direito Cidadania e Justiça - Ensaios sobre lógica, interpretação,
teoria, sociologia e filosofias jurídicas. São Paulo: RT, 1995. p. 55.
239
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais – conteúdo essencial, restrições e eficiência. 2ª Ed. São
Paulo: Malheiros, 2011. p 44-45.
240
DONNINI, Rogerio. Responsabilidade civil na pós-modernidade – Felicidade, proteção, enriquecimento com
causa e tempo perdido. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2015. p 51.
120

explica que princípios e regras são espécies do gênero norma, uma vez que dizem o que deve
ser. Constituem-se em “expressões deônticas que podem implicar um dever, uma proibição ou
uma permissão”. Todavia, há várias diferenças entre eles, assim como critérios idealizados
para essa diferenciação. O primeiro deles é o da generalidade; o segundo, a abstração. No
entanto, as regras são normas com grau relativamente baixo de generalidade, por exemplo,
quando a lei substantiva estabelece que o alienante responde pela evicção nos contratos
onerosos. Neste mesmo sentido, Geraldo Ataliba241 enfatizava que os princípios possuem
maior grau de generalidade e constituem mandamentos permanentes prima facie e de maneira
multifuncional. Por isso, identificava que são chaves e a essência de todo o direito. Nesse
sentido, afirmava, “não há direito sem princípios. Eles são a expressão do querer popular, seus
objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição”. As
regras jurídicas de nada valem se não forem aparadas em princípios sólidos.
Segundo Selma Ferreira Lemes242, os princípios podem ser classificados em três
diferentes funções: (i) fundamentadora e diretiva; (ii)interpretativa; (iii) integrativa (lacunas
legais)”, consideradas por ela como “indissociáveis”. A referida autora explica, ainda, que a
função fundamentadora e diretiva constitui-se nos valores, os quais se inspiram todo o
ordenamento, cumprindo a função diretiva geral de todo o processo de criação do Direito,
expressando um mandato imperativo e impondo o dever de respeitar os valores contidos nas
normas jurídicas. A interpretativa determina aos operadores jurídicos o dever de interpretar
todos os atos jurídicos em conformidade com os valores imperativos da comunidade. E, por
último, a integrativa possui função supletiva, aplicada na falta de norma jurídica ou costume.
Em complemento, Humberto Ávila243 preleciona que “a compreensão concreta do Direito
pressupõe também a implementação de algumas condições. Essas condições são definidas
como postulados normativos aplicativos na medida em que se aplicam para solucionar
antinomias contingentes, concretas e externas”. E explica que os postulados normativos
aplicativos constituem-se em normas imediatamente metódicas, que estruturam a
interpretação e aplicação de princípios e regras mediante a exigência, mais ou menos
específica, de relações entre elementos com base em critérios.

241
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p 191.
242
LEMES, Selma Maria Ferreira. Árbitro – Princípios da Independência e Imparcialidade. São Paulo: LTR,
2001. p. 30-31.
243
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 19. Ed. São
Paulo: Malheiros, 2019. p. 176, p. 218.
121

Odete Medauar244, por seu turno, afirma que


no direito administrativo, os princípios revestem-se de grande importância. Por ser
um direito de elaboração recente e não codificado, os princípios auxiliam a
compreensão e consolidação de seus institutos. Acrescente-se que, no âmbito
administrativo, muitas normas são editadas em vista de circunstâncias de momento,
resultando em multiplicidade de textos, sem reunião sistêmica. Daí a importância
dos princípios, sobretudo, para possibilitar a solução de casos não previstos, para
permitir melhor compreensão dos textos esparsos e para conferir certa segurança aos
cidadãos quanto à extensão dos seus direitos e deveres.

Corroborando nesta mesma linha de pensamento, Marçal Justen Filho”245, enfatiza que
os princípios obrigam, talvez em termos mais intensos do que as regras. Isso deriva
de que o princípio é uma síntese axiológica: Os valores fundamentais são
consagrados por meio de princípios, que refletem as decisões fundamentais da
Nação. A regra traduz uma solução concreta e definida. Já o princípio indica uma
escolha axiológica, que pode concretizar-se mediante soluções concretas diversas.
Princípios não se confundem com valores. Aqueles são normas jurídicas
diversamente do que se passa com estes. Logo nem todos os valores são normas
jurídicas. Um valor se transforma em princípio na medida em que adquire certa
característica, especialmente a incorporação de sua obrigatoriedade como uma
vivência intersocial, com o seu acolhimento no ordenamento jurídico. Um princípio
apresenta validade e eficácia jurídica, de que deriva um cunho vinculante. Já o valor
não apresenta essa característica de vinculatividade externa (heteronomia).

3.1.1 Princípios Gerais do Contrato e sua conexão com a Mediação

Com base nas observações acima, o primeiro princípio que vem à mente quando se trata
de contrato é o da autonomia da vontade, pelo fato, já exposto anteriormente, de que se constitui
na verdadeira mola-mestra de sustentação da Mediação.

3.1.2 Princípio da Autonomia da Vontade

Paulo Sergio Velten Pereira246 leciona que, “entre as teorias clássicas do contrato, a do
voluntarismo teve um significado marcante para o Direito privado. Segundo essa teoria, que
teve seu auge no século XIX, a vontade humana é sempre preponderante na criação,
modificação e extinção de direitos e obrigações”. Inspirada no liberalismo daquele período, esta
teoria sofreu, com a evolução dos modelos jurídicos, limitações a partir do advento da

244
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19 ª Ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p.
148.
245
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
52-53.
246
PEREIRA, Paulo Sérgio Velten. Contratos - Tutela Judicial e Novos Modelos Decisórios. Curitiba: Juruá,
2018. p. 59.
122

Revolução Industrial, as normas de comportamento concebidas para disciplinar a vida nas


grandes metrópoles, a massificação da sociedade, com a massificação dos contratos
determinando a necessidade de harmonizar o interesse social com o interesse individual. São
exemplo claro os contratos de adesão e os regulamentados, que possuem condições gerais de
contratação, nascidos das vicissitudes da modernidade marcada pela massificação e regida pelo
automatismo e praticidade decorrentes da padronização em massa. Outro componente que
proporcionou sua limitação foi o princípio da dignidade humana, amparado pela Constituição
Federal e conformando o próprio estado de direito. Com isso, segundo Tony Judt247, “o
voluntarismo perde seu título de nobreza e o individualismo liberal, sua onipotência. Nasce o
Estado Social e o Estado de Bem-Estar e com ele a necessidade de intervenção com leis de
proteção contra cláusulas contratuais abusivas, que assegurem o equilíbrio de forças e a Justiça
contratual.”
Inspirado na teoria do voluntarismo, o princípio da autonomia da vontade nos tempos da
pós-modernidade deve ser compreendido com a distinção entre a autonomia da vontade e a
autonomia privada. Nesse sentido, a primeira, que remonta ao paradigma burguês do
individualismo, passou por uma evolução mais coerente com o estado social de direito da pós-
modernidade, em que o consenso entre as partes, mesmo sendo legitimado pelo ordenamento
jurídico, deve obedecer aos pressupostos de validade. Por isso, Marcelo Timbó248 salienta que
de acordo com a noção da autonomia privada, o negócio jurídico não nasce da
simples manifestação autônoma de vontade das partes (declaração ou
comportamento) deve também estar disciplinada no ordenamento jurídico vigente,
obedecendo a todos os pressupostos de validade que este exige (artigo 104º, CC). É
esta realidade que vivemos hoje em relação aos negócios jurídicos, na qual a
vontade do sujeito deve ser equilibrada com o interesse dos demais indivíduos e de
todo o meio social. Em outras palavras, podemos dizer que a vontade autônoma é
requisito para a existência do negócio jurídico, mas não é suficiente para a sua
validade. Os negócios jurídicos realizados apenas de acordo com a vontade do
agente, mas contrários aos preceitos da lei ou aos preceitos de ordem pública, são
considerados como negócios ilícitos.

E finaliza o mesmo autor, ressaltando que a autonomia privada é a autonomia da


vontade que não desatende a função social, este último consistindo em outro princípio dos
contratos, o do fim social dos contratos, que será analisado mais adiante.
Como já observado, este princípio se constitui na grande mola impulsionadora da
Mediação, que existirá se efetivamente seus participantes manifestarem a vontade de iniciar o

247
JUDT, Tony. Pensando o século XX. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014. p. 369.
248
TIMBÓ, Marcelo. Introdução ao estudo dos Contratos. Salvador: Edufba, 2019. p. 46.
123

processo. Da mesma forma, esta vontade necessita se perpetuar ao longo do processo, pois aos
mesmos caberá interrompê-lo, caso não haja vontade neste sentido.

3.1.3 Princípio da Obrigatoriedade

Silvio de Salvo Venosa249 esclarece que “em sendo um contrato válido e eficaz deve ser
objeto de cumprimento dos contratantes”. Baseado nesta premissa, o princípio da
obrigatoriedade constitui a base do direito contratual, pois os participantes se obrigam a tomar
ações nos parâmetros em que se comprometeram. Cabe lembrar que o referido autor explica ser
consequência desse princípio a intangibilidade do contrato. Ninguém pode alterar
unilateralmente o conteúdo do contrato, nem pode o juiz intervir neste conteúdo. Essa é a regra
geral. As atenuações que a seguir serão analisadas não alteram a substância deste princípio. A
noção decorre do fato de terem as partes contratado de livre e espontânea vontade e submetido
sua vontade à restrição do cumprimento contratual porque tal situação foi desejada.
Como menciona Marcelo Timbó, “existem diversos dispositivos que atestam a
permanência da obrigatoriedade dos acordos firmados entre as partes (CC, artigos 389, 390,
391, etc.)”250, muito embora o conceba mitigado na atualidade em função de outros princípios,
dentre eles o da função social e da boa-fé, que serão analisados mais adiante. Na mesma linha,
destaca José Roberto de Castro Neves251 que este princípio se efetivará desde que o
compromissado seja coerente com o interesse social. Enfatiza que “a ideia da obrigatoriedade,
embora relevante (e, até mesmo, fundamental), há que ser vista com algum tempero. Com
efeito, perde função social o negócio que se transforme num abuso. Eis porque a teoria da
imprevisão passou a gozar, mais recentemente, de enorme destaque”. Para ele, a teoria da
imprevisão, conhecida como cláusula rebus sic stantibus, apenas interfere nos casos em que o
fato excepcional, que alterou o equilíbrio do negócio, não era de sua própria natureza aleatório.
Nesse sentido, ao se pensar a Mediação, este princípio passa a ser a forma atrativa para a efetiva
segurança aos participantes em dela fazer uso e após quando eventualmente contraírem alguma
obrigação

249
VENOSA, Silvio de Salvo. Teoria Geral dos Contratos. São Paulo: Atlas, 1997. p. 26.
250
TIMBÓ, Marcelo. Introdução ao estudo dos Contratos. Salvador: Edufba, 2019. p. 50.
251
NEVES, José Roberto de Castro. Contratos I. Rio de Janeiro: GZ, 2017. p.16.
124

3.1.4 Princípio da Supremacia da Ordem Pública

Como já mencionado, o Código Civil garante às pessoas físicas e jurídicas a faculdade e


a liberdade de celebrar ou não contratos, sem a intervenção do Estado. Nesse sentido, possuem
ampla liberdade de estabelecer vínculos, criar direitos e obrigações por meio de contratos. Cabe
lembrar que esta liberdade não é absoluta, pois possui limitação quanto à ordem pública. Assim,
há uma supremacia de que as pessoas devem obedecer a questões de natureza social, moral e
bons costumes, a exemplo de limitações impostas por leis especiais, como o CDC ou a lei da
economia popular e muitas outras.
De acordo com este princípio, o interesse da sociedade deve prevalecer sobre o
interesse individual, quando colidirem. Ele teve origem na constatação, no início do século
passado, de que uma liberdade irrestrita de contratar poderia ocasionar desequilíbrios e
exploração do mais fraco, tornando necessária a intervenção do Estado para assegurar a
igualdade econômica. É de difícil classificação, cabendo aos tribunais decidir em cada caso
concreto se a ordem pública está ameaçada. Cabe lembrar o artigo 17 da Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro, que dispõe que
LINDB artigo 17 - As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer
declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania
nacional, a ordem pública e os bons costumes.

O artigo acima trata de conceitos abstratos e que se relacionam com conceitos


morais que mudam com o passar do tempo, variando inclusive de acordo com a localidade.
Os bons costumes, por exemplo, referem-se a um conjunto de normas morais e
comportamentais muito variáveis, daí a dificuldade de aplicar tais preceitos nos litígios.
Contudo, esses conceitos impõem verdadeira limitação à liberdade contratual, que está
longe de ser tão ampla quanto seu conceito clássico previa.
José Roberto da Castro Neves 252 pondera que inicialmente este princípio não era
relevante e através dos tempos tem ampliado sua importância e mais recentemente “ganhou
nova força” com os conceitos de Justiça econômica e da função social do contrato. Na
mesma linha enfatiza Caio Eduardo Aguirre253: “com o advento do Estado Social, os
interesses exclusivamente individuais passaram a compartilhar a tutela jurídica com os
interesses sociais e públicos. Houve uma superação do voluntarismo pela razoabilidade de

252
NEVES, José Roberto de Castro. Contratos I. Rio de Janeiro: GZ, 2017. p.17.
253
AGUIRRE, Caio Eduardo. Mediação em empresas familiares. Dissertação de Mestrado PUCSP. Disponível
em: www.tede2pucsp.br/handle/handle/6866. Acesso em: 27 dez. 2019. p. 50.
125

caráter objetivo como parâmetro mais seguro para as legítimas expectativas das partes”. E
acrescenta: o conteúdo conceitual e material e a função do contrato mudaram, inclusive para
adequá-lo às exigências de realização da justiça social, que não é só dele, mas de todo o
Direito. Por isso, este princípio também se alinha aos parâmetros propostos pela Mediação,
já que o bom senso, a razoabilidade e o componente social estão presentes na Mediação.

3.1.5 Princípio da Boa-Fé

O princípio da boa-fé remonta à Roma Antiga, com o nome de bona fides, conforme
indica Rogério Donnini254. “Bona significa boa, correta, acertada. Fides era considerada uma
deusa com forte conotação religiosa, possuía a qualidade de ser credível, confiável, pois
inspirava confiança às pessoas”. O referido autor explica que o termo fides significava
fidelidade e coerência no cumprimento da expectativa de outrem, independentemente da
palavra que haja sido dada, ou do acordo que tenha sido concluído. Nesse sentido, boa-fé
pode ser compreendida como honestidade ou credibilidade. Por isso, o princípio da boa-fé
impõe um padrão de conduta que pressupõe fidelidade à verdade. Possui também o
significado de lealdade no cumprimento de atos e obrigações, honestidade, credibilidade e
cooperação.
O mesmo autor lembra o Digesto 1.1.10.1, que enumera os preceitos do Direito, que
são viver honestamente, não lesar a outro e dar a cada um o que é seu. A boa-fé está
indiretamente ligada a todos, porém possui mais proximidade com o primeiro. O artigo acima
trata de conceitos abstratos e que se relacionam com conceitos morais que mudam com o
passar do tempo, variando inclusive de acordo com a localidade. Os bons costumes, por
exemplo, se referem a um conjunto de normas morais e comportamentais muito variáveis,
daí a dificuldade de aplicar tais preceitos nos litígios. Contudo, esses conceitos impõem
verdadeira limitação à liberdade contratual, que está longe de ser tão ampla quanto seu
conceito clássico previa.

254
DONNINI, Rogério. Bona fides: do direito material ao processual. Revista de Processo (RePro) n. 251, jan.
2016, p. 113/126, ou pela via eletrônica in http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/4597. p. 1.
126

Como enfatiza Alain Supiot255, a boa-fé provém de fidelidade e designa confiança


objetivamente na credibilidade entre as pessoas. Daí, segundo ele, “o fiel deve ser fiel a sua
palavra e claro respeito à palavra dada”, sendo percebida como regra moral.
Nesta linha, Flavio Tartuce256 pondera a respeito das suas origens romanas também,
pois a boa-fé pode ser considerada como algo que deve estar presente em todas as relações
jurídicas e sociais existentes, porém a concepção clássica de contrato baseada no princípio da
autonomia da vontade prevaleceu sobre alguns aspectos e em certos ordenamentos durante
muito tempo e teve seu apogeu no século XIX. “Este princípio está presente na locução
latina pacta sunt servanda que, como mencionado, significa a obrigatoriedade do
cumprimento das cláusulas contratuais”. Portanto, entendia-se por este princípio que as
pessoas tinham o poder de estabelecer todo o conteúdo do contrato. Fica nítida a influência
que teve o liberalismo no instituto. Miguel Reale257, por seu turno, vai mais além, pontuando
que “a boa-fé não constitui um imperativo ético abstrato, mas, sim, uma norma que
condiciona e legitima toda a experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos
legais e das cláusulas contratuais até as suas últimas consequências”. Daí a necessidade de ser
ela analisada como conditio sine qua non da realização da Justiça ao longo da aplicação dos
dispositivos emanados das fontes do Direito, legislativa, consuetudinária, jurisdicional e
negocial.
Em reforço aos ensinamentos dos autores acima citados, Rogério Donnini258, esclarece
que existem
duas espécies de boa-fé: a subjetiva e a objetiva. A primeira diz respeito ao
desconhecimento ou ignorância de uma pessoa na lesão do direito de outrem,
conforme se constata na posse de boa-fé, em que o possuidor ignora o vício ou o
obstáculo que impossibilita a obtenção da coisa (Código Civil artigo 1201º). A
segunda, por sua vez é norma de comportamento de atitude leal, conduta segundo a
ideia de correção que tem incidência por ocasião de sua aplicação pelo magistrado,
no caso concreto.

Trata-se de conduta que tem como referência os interesses de outrem e não a ausência
de má fé. A primeira está ligada a uma atitude psicológica a partir de uma decisão pessoal
tendo como premissa o direito, o correto. Já a segunda pode exigir a lealdade, impõe poder
dever, comportamento honesto, probo e leal. Por isso, o mesmo autor enfatiza sua

255
SUPIOT, Alain. Homo Juridicus – Ensaio sobre a função antropológica do Direito. São Paulo: Martins
Fontes, 2007. p. 97.
256
TARTUCE, Flavio. Direito Civil: Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie, Vol III Série de
Concursos Públicos. São Paulo: Método, 2006. p. 89.
257
REALE, Miguel. Lições Prelminares de Direito. São Paulo: Saraiva 1999. p. 111.
258
DONNINI, Rogério. Bona fides: do direito material ao processual. Revista de Processo (RePro) n. 251, jan.
2016, p. 113/126, ou pela via eletrônica in http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/4597. p. 6.
127

importância, já que não se restringe ao direito privado, retira dele seus parâmetros para
também influenciar todo o direito. Nesse sentido, conclui o mesmo autor259:
por se tratar de um princípio polissêmico, sua incidência está condicionada à função
que é destinada, uma vez que pode ser um princípio geral do direito que, bem de ver,
não está positivado(por exemplo na interpretação da lei), como cláusula geral(
Código Civil artigos 113 e 422) ou como conceito legal indeterminado.

Por outro lado, Silvio de Salvo Venosa260 salienta que o princípio da boa-fé do
contrato, não importando ser objetivo ou subjetivo, pode ser traduzido pelo dever dos
contratantes em “agir de forma correta antes, durante e depois do contrato, isto porque,
mesmo após o cumprimento de um contrato, podem sobrar-lhe efeitos residuais”. Lembra
também o referido autor que na análise do princípio da boa-fé dos contratantes, devem ser
examinadas as condições em que o contrato foi firmado, o nível sociocultural dos
contratantes, o momento histórico e econômico, já que consiste na interpretação da vontade
contratual.
Da mesma forma Judith Costa261 enfatiza que na tradição do Direito brasileiro é
conotada à expressão boa-fé a
acepção subjetiva, assim constando do vigente Código Civil, entre outras passagens,
as normas dos artigos 221, caput e parágrafo único, e 490, caput e parágrafo único.
Contudo, a norma do artigo 422 trata da boa-fé na acepção objetiva. Importante
distingui-las. A expressão boa-fé subjetiva denota estado de consciência ou
convencimento individual de obrar em conformidade ao direito, sendo aplicável, em
regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria possessória. Diz-se
subjetiva justamente porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a
intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima
convicção. Por outro lado, o modelo objetivo de conduta, leva em consideração os
fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultural dos envolvidos, não
se admitindo uma aplicação mecânica do standard, o que vem a significar que, na
concreção da boa-fé objetiva, deve o intérprete desprender-se da pesquisa da
intencionalidade da parte, de nada importando, para a sua aplicação, a sua
consciência individual no sentido de não estar lesionando direito de outrem ou
violando regra jurídica. O que importa é a consideração de um padrão objetivo de
conduta, verificável em certo tempo, em certo meio social ou profissional e em certo
momento histórico.

Com efeito, a mesma autora destaca que da boa-fé nascem, mesmo na ausência de
regra legal ou previsão contratual específica, os deveres, anexos, laterais ou instrumentais de
consideração com o alter, de proteção, cuidado, previdência e segurança com a pessoa e os
bens da contraparte; de colaboração para o correto adimplemento do contrato; de informação,

259
DONNINI, Rogério. Bona fides: do direito material ao processual. Revista de Processo (RePro) n. 251, jan.
2016, p. 113/126, ou pela via eletrônica in http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/4597. p. 7.
260
VENOSA, Silvio de Salvo. Teoria Geral dos Contratos. São Paulo: Atlas, 1997. p. 27.
261
MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A Boa-Fé no Direito Privado: critérios para a sua aplicação. 2ª Ed.
São Paulo: Saraiva, 2018. p. 54.
128

aviso e aconselhamento; e os de omissão e segredo, os quais, enucleados na conclusão e


desenvolvimento do contrato, situam-se, todavia, também nas fases pré e pós contratual,
consistindo, em suma, na adoção de determinados comportamentos, impostos pela boa-fé em
vista do fim do contrato, dada a relação de confiança que o contrato fundamenta,
comportamentos variáveis com as circunstâncias concretas da contratação. Este é mais um
princípio que se agrega a base propulsora e sedimentadora da Mediação.

3.1.6 Princípio da Relatividade Contratual

Face aos elementos mencionados anteriormente, Marcelo Timbó enfatiza 262


o contrato é um ato jurídico negocial, derivado da vontade consciente das partes em
realizar um negócio jurídico com efeitos desejados por elas. É um instituto de direito
pessoal, que gera efeitos somente entre as partes que manifestaram a vontade. A
regra geral é a de que só as partes negociantes se vinculam ao conteúdo do acordo.
Entretanto, com base na função social dos contratos, em alguns casos, o princípio da
relatividade dos efeitos contratuais pode ser excepcionado, ou seja, o acordo pode
gerar efeitos perante terceiros

dentre eles os previstos nos artigos 436 a 440 do Código Civil.


Como lembra Silvio Salvo Venosa263
há que se ter em mente ser o contrato coisa palpável, tangível, percebido por outras
pessoas que dele não participaram. Essa é razão pela qual Orlando Gomes distingue
os efeitos internos dos contratos. Por estes, o contrato somente afeta os partícipes do
negócio. Ninguém pode tornar-se credor ou devedor contra vontade. Este princípio
não se aplica tão-somente em relações às partes, mas também em relação ao objeto.
O contrato sobre bem que não pertence aos sujeitos não atinge terceiros. Essa regra
geral pode também sofrer exceções. Nesse sentido, conclui-se que o contrato não
produz efeito com relação a terceiros, a não ser nos casos previstos em lei.

Além disso, seguindo as palavras de José Roberto de Castro Neves264, “para que o
terceiro, inicialmente estranho ao negócio, possa ser de alguma forma responsabilizado é
necessário que ele tenha ciência do contrato celebrado entre outras pessoas, mesmo assim, tenha
atuado de modo determinante para que as prestações previstas neste contrato não se
aperfeiçoassem”. Em outras palavras, o terceiro sabia que sua conduta, por ação ou omissão,
determinaria o inadimplemento de, pelo menos, uma das partes do contrato. Agiu, portanto,
dolosamente. De acordo com a corrente hoje dominante, essa responsabilidade do terceiro
cúmplice, contudo, não tem natureza contratual. Será ato ilícito e, como tal, permitirá ao lesado

262
TIMBÓ, Marcelo. Introdução ao estudo dos Contratos. Salvador: Edufba, 2019. p. 58.
263
VENOSA, Silvio de Salvo. Teoria Geral dos Contratos. São Paulo: Atlas, 1997. p. 26.
264
NEVES, José Roberto de Castro Neves. Contratos 1. Rio de Janeiro: GZ, 2017. p. 25.
129

reclamar do infrator os danos dele decorrentes. Mais um princípio em que a Mediação também
está embasada.

3.1.7 Princípio da Conservação

Na verdade, para José Roberto de Castro Neves265, trata-se de um princípio da Teoria


Geral do Direito, sendo que
a ideia de conservação decorre do pressuposto de seriedade de propósito dos
participantes quando se engajam num negócio, da utilidade e do interesse social que
os negócios produzem efeitos. Ocorre que, por vezes, o negócio pode ter uma
interpretação que o condene, pois acarrete uma invalidade ou uma absoluta
ineficácia do acordo. Caso reconhecido esse vício, o negócio será fulminado e
perderá qualquer chance de produzir efeitos. Nessas horas o intérprete deve buscar
um resultado útil ao contrato, a fim de conservá-lo. Bem vistas as coisas, trata-se de
encontrar uma interpretação que dê eficácia ao contrato e, com isso, salvá-lo.

O mesmo autor lembra que muitas vezes os contratos são redigidos por pessoas que
não são técnicas ou sem prática, ou, ainda cometem erros, que acabam por gerar dúvidas
sobre o alcance do negócio, por isso o intérprete deverá buscar uma leitura do mesmo de
maneira que se mantenha a maior quantidade dos seus efeitos, conservando o negócio.
Este princípio também deve ser identificado na Mediação, pois proporciona ao
instituto segurança jurídica.

3.1.8 Princípio do Consensualismo

De acordo com este princípio, basta o acordo de vontade entre os participantes para
o aperfeiçoamento do contrato, sem que haja necessidade de instrumento que o formalize.
Somente será necessária forma específica para o contrato quando a lei assim o exigir. Nesse
sentido, cabe lembrar os ensinamentos de Carlos Alberto Bittar266,
sendo o contrato corolário natural da liberdade e relacionado à forma disciplinadora
reconhecida à vontade humana, tem-se que as pessoas gozam da faculdade de
vincular-se pelo simples consenso, fundadas, ademais, no princípio ético do respeito
à palavra dada e na confiança recíproca que as leva a contratar. Com isso, a lei deve,
em princípio, abster-se de estabelecer solenidades, formas ou fórmulas que
conduzam ou qualifiquem o acordo, bastando para si a definição do contrato, salvo
em poucas figuras cuja seriedade de efeitos exija a sua observância (como no
casamento, na transmissão de direitos sobre imóveis).

265
Idem. p. 25.
266
BITTAR, Carlos Alberto. Curso de Direito Civil. V. 1. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994. p. 76.
130

Maria Helena Diniz267, por seu turno, considera este princípio separadamente do
princípio da autonomia da vontade e o conceitua da seguinte forma: “Simples acordo de
duas ou mais vontades basta para gerar o contrato válido”. Não se exige, em regra, qualquer
forma especial para a formação do vínculo contratual. Embora alguns contratos, por serem
solenes, tenham sua validez condicionada à observância de certas formalidades
estabelecidas em lei, a maioria deles é consensual, já que o mero consentimento tem o
condão de criá-los, sendo suficiente para sua perfeição e validade.
Este princípio também não deixa de ser a base da Mediação, muito embora, como
salientado anteriormente, o consenso deva ser entendido quanto ao uso da forma com que se
levará a eventual disputa entre os envolvidos no conflito e não ao seu conteúdo e muito
menos ao seu resultado. Além disso, hoje se reveste de maior importância quando se trata
de questões que envolvam a Administração Pública, pois, como será analisado adiante, é
considerado uma tendência no Direito Administrativo da pós-modernidade, passando a ser
importante instrumento de desenvolvimento e de realização do interesse público.

3.1.9 Princípio do Fim Social do Contrato

Princípio expressamente previsto no Código Civil nos artigos 421 e 2035 parágrafo
único, é considera por Marcelo Timbó como um princípio metaindividual e segundo José
Roberto de Castro Neves268 está albergado pelo princípio da ordem pública.
De fato o contrato exerce uma função social, pois a liberdade de contratar será
exercida em razão e nos limites de sua função social. Evidentemente se o contrato
expressar um abuso, uma acabada injustiça, um mortal desequilíbrio, nele não
haverá função social, de sorte que ele não deverá ser considerado, cabendo ao
Estado revê-lo. Nessa linha, vale mencionar que, até mesmo para interpretar um
contrato, não se pode perder de vista que seu fim é o de cumprir uma função
econômica. As partes sempre buscam algum proveito ou atingir um certo fim.
Mesmo nos negócios graciosos, derivados de pura generosidade de uma das partes,
há um interesse: praticar o ato de altruísmo.

Mais um princípio relacionado à Mediação, pois, tendo como elemento central seus
participantes, toma como referência o conforto do ambiente dialógico para refletir sobre a
perspectiva de futuro. Ao mesmo tempo, revela o componente econômico, mediante menores
custos procedimentais, sem mencionar os emocionais, muito difícil de ser mensurado.

267
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 121.
268
NEVES, José Roberto de Castro. Contratos 1. Rio de Janeiro: GZ, 2017. p. 19.
131

Todos estes princípios permeiam a Mediação de alguma maneira, dando-lhe forma


própria no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido cabe lembrar as palavras de José
Roberto de Castro Neves269, que preleciona:
diante de tantos princípios, o papel do intérprete ganha complexidade. Na anamnese
de um contrato, deve-se conjugar todos esses valores, a fim de ponderá-los,
entendendo qual aquele, naquele negócio específico, que ganha maior repercussão
social. Não existe uma solução pré-determinada de qual princípio deva prevalecer.
Apenas o caso concreto com as suas peculiaridades, indicará as normas aplicáveis e
os princípios regentes, depois de ponderados todos os valores em jogo. Embora a
segurança jurídica tenha fundamental importância, por vezes, como a execução de
um contrato afeta a dignidade da pessoa humana, a segurança terá que, em parte,
ceder.

Assim é que com base nestes princípios, agregados às características da atividade e aos
elementos que a definem e delimitam, pode-se afirmar que a Mediação se materializa por
instrumentos jurídicos que dependerão do momento e do contexto em que for empregada. O
próximo item pretende oferecer os aspectos instrumentais em que a Mediação se materializa.

3.2 Instrumentos Contratuais da Mediação

Observando o que foi oferecido nos itens anteriores, temos a perspectiva de que
Mediação é Justiça: estrutura-se em três eixos, sendo que na falta de algum deles o instituto
inexiste; relevantes princípios do Direito Contratual estão nela presentes, cabendo lembrar os
instrumentos de sua efetiva materialidade, mesmo não sendo escrita como será observado mais
adiante. Nesse sentido tais instrumentos são: Cláusula de Mediação e Termo de Mediação Extra
e Judicial, os quais poderão resultar um acordo extra e judicial.

3.2.1 Cláusula de Mediação

Como mencionado anteriormente a Cláusula de Mediação é aquela prevista em um


contrato em que os integrantes optam por levar à Mediação futuro conflito. Fernanda Levy270
ao analisá-la esclarece que
se apresenta como um contrato complexo, com multiplicidade de sujeitos e
prestações, pois prevê que as partes participarão de um procedimento de Mediação
que será conduzido por terceiro (ou terceiros na hipótese de comediadores) e ainda,
podendo ser administrado por uma entidade de Mediação.

269
Idem. p. 25.
LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Cláusulas escalonadas – A mediação comercial no contexto da
270

arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 183-184.


132

Cabe ressaltar que a escolha pela Mediação é feita no momento da elaboração do


contrato, podendo ser para o contexto Judicial, bem como o Extrajudicial. Em sendo
Extrajudicial, poderá ser institucional e ad hoc. Conforme já mencionado, o artigo 26 da Lei
13.140/15 estipula que a previsão contratual deve conter minimamente:
I – prazo mínimo e máximo para a realização da primeira reunião de Mediação,
contado a partir da data de recebimento do convite;
II- Local da primeira reunião de Mediação;
III- critérios de escolha do mediador ou equipe de Mediação;
IV- penalidade em caso de não comparecimento da parte convidada à primeira
reunião de Mediação.

O parágrafo primeiro do mesmo artigo determina que a indicação de um regulamento de


instituição idônea prestadora de serviços de Mediação, no qual constem critérios claros para a
escolha do mediador e para a realização da primeira reunião de Mediação, substitui de alguma
maneira os requisitos acima. Esta redação dá margem a interpretar que a Cláusula nomeando
uma instituição também substitui os mesmos requisitos, pois toda instituição prestadora dos
serviços de Mediação possui um regulamento de Mediação. Aspecto relevante, no entanto deve
ser trazido à análise, pois esta Cláusula tem mais o caráter de se constituir em Extrajudicial.
Tal constatação advém da interpretação do Código de Processo Civil, que determina no início
do processo judicial a obrigatoriedade de as partes informarem se desejam ou não a Mediação
no âmbito daquele processo judicial.
Como enfatizado anteriormente, tal opção acarreta a obrigatoriedade de participar de
uma primeira reunião, a fim de que as partes possam manifestar a vontade de participar ou não
do processo, assim como decidir sobre sua continuidade. Em outras palavras, as partes em um
contrato, diante de um conflito, devem primeiro instalar a Mediação e na sua primeira reunião
optar pela sua continuidade ou não.
Importante enfatizar que o Código Civil não a prevê, pois faz referência à cláusula
compromissória ou arbitral, cujo efeito vinculante é a obrigatoriedade dos integrantes do
contrato com a arbitragem, como já explicado no item relativo a esse instituto. A Cláusula de
Mediação, muito embora não esteja prevista no Código Civil, não se confunde com esta última,
pelo fato de estarem ligadas a institutos distintos e também possuírem efeitos distintos. A
cláusula arbitral obriga ao processo arbitral como um todo e a cláusula de Mediação obriga a
uma reunião inicial. Em outras palavras, obriga a comparecer à primeira reunião e não a
permanecer na Mediação.
Outro elemento que merece comentários quanto à Cláusula de Mediação é seu caráter
preventivo. Ela é incluída no contrato como uma previsão, constituindo-se em uma opção pela
133

via da Justiça dialógica, determinando que os integrantes daquele contrato estejam presentes
em ao menos uma reunião. Ela é elaborada no momento em que o conflito inexiste,
constituindo-se em uma hipótese. Poderá ocorrer ou não. Na hipótese de existir, preserva a
vontade e conveniência de seus participantes, pois a Mediação terá continuidade se assim o
desejarem. E não terá continuidade se desejarem interrompê-la.
Todos os efeitos acima observados serão os mesmos quando um dos integrantes ou
ambos em um contrato administrativo forem órgãos públicos. Tal fato leva a uma eventual
preocupação se a Administração Pública poderia se valer destas cláusulas diante de diversas
limitações a ela inerentes. Diogo de Figueiredo Moreira Neto271 responde no sentido de que:
desponta no quadro da consensualidade como forma de solução de disputas e de
escolhas, o que conduz a uma maior participação dos administrados nos processos
decisórios, à aceitação de que quaisquer atos administrativos se submetem ao
controle de juridicidade, e a afirmação de prevalência do princípio da dignidade da
pessoa humana,

sem dizer das vantagens que esta opção pode oferecer, bem como o bom senso que
inspira permanentemente a Mediação. Este aspecto será objeto de outros comentários quando
for analisada a Mediação e a Administração Pública.

3.2.2 Termo de Mediação Judicial

A Mediação, como já dito, normalmente decorre de determinação de uma autoridade,


despacho do juiz da causa, ficando neste instrumento definido em quanto tempo deverá ser feita
a tentativa de acordo, podendo ser uma ou mais reuniões. Dependerá e muito de como o juiz vê
a atividade. Esta Mediação é denominada judicial, isto é, aquela que é desenvolvida no curso de
um processo judicial, podendo ser decorrente também do pedido de uma ou mais partes em um
processo judicial em curso ou ainda para atender os parâmetros do Código de Processo Civil,
como mencionado anteriormente.
Por outro lado, existe a chamada Mediação Judicial Pré-processual, cujo trâmite inicial
se realiza de outra maneira, mediante um convite feito por um funcionário do Poder Judiciário
que, a pedido de uma pessoa física ou jurídica, levou sua demanda ao Fórum e aceitou dialogar
com o eventual devedor. Neste caso, é realizado um registro simples do pedido, sem autuação,
pois é para um único ato a tentativa acima descrita no caso do comparecimento do possível

271
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações de Direito Administrativo. Novas considerações
(Avaliação e controle das transformações). Revista Eletrônica sobre Reforma do Estado. Salvador, nº 2,
jun/jul/ago. 2005. Disponível em: httpp://www.direitodoestado.com.br/codrevista.asp?cod=46/. Acesso em: 27
fev. 2020.
134

devedor, que poderá não comparecer. Nesse sentido, Valeria Lagrasta272 esclarece que os
Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania estão divididos em dois setores: o de
solução de conflitos pré-processuais e solução de conflitos processuais. No primeiro
poderão ser recepcionados casos que versem sobre direitos disponíveis em matéria
cível, de família, previdenciária e da competência dos Juizados Especiais, que serão
encaminhados, através de servidor devidamente treinado, para conciliação, a
mediação ou outro método de solução consensual de conflitos. Assim
comparecendo o interessado ou remetendo pretensão via email com os dados
essenciais, o funcionário colherá sua reclamação, sem reduzi-la a termo, emitindo,
no ato, carta convite à parte contrária, informando a data, a hora e o local da sessão
de conciliação ou mediação. Uma vez obtido o acordo, será homologado, após a
manifestação do representante do MP, se for o caso, com registro em livro próprio,
mas sem distribuição. No segundo, serão recebidos processos já distribuídos e
despachados pelos magistrados, que indicarão o método de solução de conflitos a ser
seguido, retornando sempre ao órgão de origem, após a sessão, obtido ou não o
acordo, para extinção do processo ou prosseguimento dos trâmites processuais
normais.

O instrumento legal em ambas as situações é o Termo de Mediação Judicial escrito ou


verbal. Consiste em um acordo de vontades em que as partes em um processo ou antes dele
submetem seu conflito à Mediação. Na maioria das vezes, é verbal, sendo subentendido como
tal por todos aqueles que aderem à Mediação Judicial. Tal adesão se inicia com a comunicação
do mediador ao desenvolver a abertura dos trabalhos da sessão em que todos estão presente e à
qual compareceram espontaneamente. Não havendo resistência quanto às condições de
continuar ali, considera-se que todos concordaram em tentar buscar um entendimento com a
ajuda de um mediador, que se pressupõe ter sido aceito pelos participantes. Além disso, estes
últimos aceitam também implicitamente os elementos que estruturam o momento em que
desenvolverão uma interação dialógica para tentar superar o conflito ou colocar um fim ao
processo. Com relação a tais elementos, fundamental lembrar Silvio de Salvo Venosa273, que
explica:
o silêncio por si só não representa uma manifestação de vontade: quem cala não
nega, mas também não afirma. Ele não se confunde com a manifestação tácita, que
deixa perceptível o consentimento pelos atos e fatos externos de comportamento do
agente”. E conclui que o silêncio somente estará apto a materializar um
consentimento contratual quando vier acompanhado de outras circunstâncias ou
condições, que envolvem a vontade contratual no caso concreto. Trata-se,
portanto, de um silêncio qualificado que equivale a uma manifestação de vontade,

272
LAGRASTA, Valéria Ferioli. Mediação Judicial – Análise da realidade brasileira – origem e evolução até a
Resolução n 125, do Conselho Nacional de Justiça. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
273
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, Vol 3º – Contratos. 19ª Ed. São Paulo: Atlas, 2019. p. 183.
135

conforme o artigo 111 do Código Civil. E, mesmo sendo um contrato verbal, para ser
válido há que preencher os requisitos legais, isto é, possuir agente capaz; objeto lícito e
possível, determinado ou determinável.
Importante explicitar que o Termo de Mediação se diferencia da Cláusula de
Mediação por vários motivos. Dentre eles se destacam: a existência de um conflito e a
exposição de vontade dos nele envolvidos em utilizar a Mediação, mesmo se não atingirem
um consenso ao final do processo. Outro elemento também diferenciador é que os
participantes apontam como pretendem solucionar o conflito, mesmo não sendo por escrito.
Por oportuno, é relevante frisar que tais elementos são observáveis quando a
Mediação for aplicada no contexto da Administração Pública, pois, ao utilizar os serviços
da Mediação Judicial estarão sendo aceitas as regras preestabelecidas pelo próprio
Judiciário, como será exposto nos itens relativos ao contexto público.

3.2.3 Termo de Mediação Extrajudicial

Diferentemente do anterior, é sempre recomendado no contexto extrajudicial que o


Termo de Mediação Extrajudicial seja por escrito, uma vez que é decorrente da manifestação de
vontade dos próprios participantes, não havendo nenhuma autoridade que o determine, mas,
sim, os próprios envolvidos no conflito e/ou seus representantes legais, caso existam. A
exemplo do anterior, constitui-se em um acordo de vontades em que as pessoas envolvidas em
conflito o submetem à Mediação e determinam qual será a forma como o solucionarão, se o
desejarem. Pressupõe a existência do conflito, podendo ocorrer com ou sem Cláusula de
Mediação. Segundo Luís Fernando Guerreiro274, nada mais é do que um instrumento em que os
participantes definem de que modo o conflito será solucionado, podendo indicar também como
terceiro imparcial e independente “atuará e quais serão as consequências dessa atuação”.
Exige atenção aos seus requisitos mínimos, a fim de que alcance sua validade e
eficácia jurídica, podendo ser ad hoc ou institucional. O primeiro é realizado sem uma
instituição que administre o processo, podendo ocorrer em qualquer local, inclusive no
escritório do próprio mediador, de preferência em local neutro. Diferente do segundo, em que

274
GUERREIRO, Luís Fernando. Efetividade das estipulações voltadas à instituição dos meios multiportas de
solução de litígios. Tese de Doutoramento. Disponível em:
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-09042013-150524/pt-br.php. Acesso em: 30 dez. 2019.
p.53.
136

existe uma instituição que dá apoio administrativo ao processo e que já possui um


regulamento, normalmente simples, para desenvolvimento da Mediação.
Fernanda Levy275 ressalta que o Termo de Mediação deverá conter as seguintes
previsões:
a. Menção expressa de que o mediador pautará sua conduta pelos princípios da
imparcialidade, independência, diligência, competência, confidencialidade,
credibilidade e dever de revelação;
b. Referência de que os mediandos participarão do processo baseados em suas
próprias vontades, boa fé e real compromisso de se esforçarem para colaborar
mutuamente (para a resolução dos conflitos que os trouxeram para a mediação);
c. Qualificação completa dos mediandos e dos seus advogados, devendo estes
apresentar os documentos legais que lhes conferem poderes de representação legal,
nos termos da lei, caso seja no contexto extrajudicial;
d. Qualificação completa do mediador e do co-mediador e outros da equipe, se for o
caso de co-mediação com observadores;
e. Previsão de número indicativo de reuniões para o bom andamento do processo de
mediação;
f. Definição sobre honorários do mediador, bem como sobre as despesas incorridas
durante a mediação e respectivas formas de pagamento, os quais, na ausência de
estipulação expressa em contrário, serão suportados na mesma proporção pelos
mediandos (quando envolver a remuneração do profissional);
g. Disposição sobre a faculdade de qualquer dos mediandos e do mediador de se
retirarem, a qualquer momento, do processo, comprometendo-se a dar um pré-aviso
desse fato ao mediador e vice-versa;
h. Disposição de cláusula de confidencialidade relativa a todo o processo com relação
ao conteúdo da mediação, nos termos da qual os mediandos e o mediador, comediador
e todos os pertencentes à equipe de mediação se comprometem a manter em sigilo a
realização da mediação e a não utilizar qualquer informação documental ou não, oral,
escrita ou informática, trazida ou produzida durante ou em resultado da mediação, para
efeitos de utilização posterior em processo arbitral ou judicial, e
i. O lugar e o idioma da mediação.

Nota-se que se trata de um instrumento jurídico simples, que traduz característica da


própria atividade. Por oportuno, vale lembrar a previsão do artigo 16 da Lei 13.140: caso
esteja em curso um processo judicial ou arbitral, as partes poderão requerer a suspensão pelo
prazo que considerarem suficiente para a solução consensual. Ademais, é possível sua
aplicação no contexto da Administração Pública, a exemplo do Judicial.
É digna de comentários a possível confusão do Termo de Mediação, seja Judicial ou
Extrajudicial, com a transação ou o compromisso. Fundamental trazer à luz as palavras de
Luis Fernando Guerreiro276 que sublinha:
modernamente, o compromisso pode ter aplicação mais ampla. Pode ser utilizado
em qualquer sucedâneo ao Judiciário como forma de extinção de conflitos e

275
LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Cláusulas escalonadas – A mediação comercial no contexto da
arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 191.
276
GUERREIRO, Luís Fernando. Efetividade das estipulações voltadas à instituição dos meios multiportas de
solução de litígios. Tese de Doutoramento. Disponível em:
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-09042013-150524/pt-br.php. Acesso em: 30 dez. 2019. p.
51-52.
137

obrigações. Desta feita, o instrumento jurídico está estabelecido e as partes podem,


utilizando a autonomia da vontade e os limites das leis processuais, em certos casos,
disciplinar suas formas de solução de controvérsias. A transação e o compromisso
são instrumentos jurídicos. Arbitragem, Mediação, de outro lado, são métodos de
solução de controvérsias que utilizam instrumentos diversos em seu bojo. Frise-se
sempre que o entendimento sobre o compromisso não se restringe à arbitragem.
Portanto, o compromisso se mostra um meio idôneo para que as partes definam de
que modo o conflito entre elas será solucionado, indicando de que modo eventual
terceiro neutro atuará e quais serão as consequências dessa atuação. Tal terceiro
poderá ser um facilitador da comunicação entre as partes e aí estaremos diante de
um compromisso para a Mediação.

Esse compromisso mencionado pelo autor é o Termo de Mediação.


À luz das observações dos dois itens anteriores, cabe asseverar que o instrumento que
espelha a vontade dos participantes, caso cheguem a algum acordo, após participarem da
Mediação é o Acordo de Mediação Judicial ou Extrajudicial. Com ele, encerram-se a
Mediação e o conflito, para além de finalizar um processo judicial ou um processo arbitral.
Normalmente segue um padrão convencional, de acordo com o que é determinado pelo
Judiciário, o Código de Processo Civil e ou a legislação pertinente em vigor, caso seja
judicial. Entretanto, sendo extrajudicial, institucional ou ad hoc, seguirá o padrão que os
participantes determinarem e, evidentemente, o bom senso e a legislação também. É
recomendável que contenha a qualificação dos seus integrantes e todos os compromissos que
assumem, o como, o quando e o onde o cumprirão. Possui o status de título executivo
extrajudicial, quando assinado por duas testemunhas no contexto extrajudicial. E, caso seja
Judicial, se for homologado por um juiz, passará a ser título executivo judicial. Tal lógica
também se observa quando se tratar do contexto da Administração Pública.
138

PARTE III ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – ALGUNS ASPECTOS

Feitas as considerações relativas à Mediação, na qualidade de Justiça e de método de


solução de conflitos, a partir de seus eixos estruturantes e suas vertentes contratuais, o foco da
presente dissertação passa a ser o tema da Administração Pública. Inicialmente, será oferecido o
momento atual por ela vivenciado, alguns de seus elementos, sobretudo aqueles em que a
Mediação pode ser utilizada, passando pelos princípios a ela inerentes, os quais vivem
transformações que constroem novos paradigmas para a Administração Pública e propiciam
terreno fértil para a tendência de reconhecer a importância da consensualidade na
Administração Pública contemporânea, cujo ápice é, sem dúvida, a Mediação.

1. MOMENTO ATUAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DO DIREITO


ADMINISTRATIVO

Ao se abordar a Administração Pública e, sobretudo, o momento atual, é natural fazer


referência, inicialmente, ao Direito que rege as relações e conexões entre os órgãos e agentes
públicos e entres estes a e sociedade. Segundo Marçal Justen277, o Direito Administrativo “é
o conjunto das normas jurídicas que disciplinam a função administrativa do Estado e a
organização e o funcionamento dos sujeitos e órgãos encarregados de seu desempenho”. O
Direito Administrativo, como qualquer direito, recebe influência do momento em que se
encontra a sociedade. Nesse sentido, vale lembrar as palavras de Celso Bandeira de Mello278:
as ideias jurídicas vigentes em um dado período sofrem inevitável influência do
ambiente cultural em que estejam imersas. Com efeito, o mundo do Direito não vive
em suspensão, alheio ao contexto socioeconômico que lhe serve de engaste. Pelo
contrário, as concepções dominantes em uma sociedade são as que ofertam a
matéria-prima trabalhada pelos legisladores e depois pelos intérpretes das regras por
eles produzidas.

Por isso, Marçal Justen Filho279 enfatiza que “cabe ao Direito Administrativo
conceber e fornecer soluções para o mundo real, visando a promover o desenvolvimento
econômico e social, a eliminar a miséria, a combater a pobreza e a reduzir as desigualdades

277
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
15.
278
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 1126.
279
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
12
139

regionais”, a fim de direcionar a realidade dos fatos, baseada nos preceitos constitucionais,
além de adequá-los aos parâmetros legais inerentes à área.
Tendo como referência estes elementos, é importante notar que o Direito
Administrativo tomou novo impulso após a Constituição de 1988, como Maria Sylvia Di
Pietro280 destaca:
as principais inovações do Direito Administrativo foram introduzidas após a
Constituição de 1988, seja com a adoção dos princípios do estado Democrático de
Direito, seja sob a inspiração do neoliberalismo e da globalização, do sistema da
common law e do direito comunitário europeu, que levaram à chamada Reforma do
Estado, na qual se insere a Reforma da Administração Pública e, em consequência, a
introdução de novidades no âmbito do Direito Administrativo.

Esta observação é complementada por Selma Ferreira Lemes281, ao afirmar que “os
valores e princípios que advêm do Direito Administrativo constitucional projetam-se na
legislação infraconstitucional de modo a outorgar-lhe novos matizes”. E a propósito da Carta
Magna brasileira, Odete Medauar282 explica que ela
não menciona a expressão: Estado Social, nem agrega o termo social aos
qualificativos democrático e de direito, no artigo 1º. Mas indubitável é a
preocupação social, sobretudo pela presença de um capítulo dedicado aos direitos
sociais. Existe um Estado social quando se verifica uma generalização dos
instrumentos e das ações públicas de bem estar social. A preocupação com o social
traz reflexos de peso na atividade da Administração e nos institutos do direito
administrativo. A Administração passa a ter também funções de assistência e
integração social, em cumprimento de exigências de Justiça e dos direitos sociais
declarados na Lei Maior.

Por seu lado, José Matias-Pereira283 aponta que foram duas décadas mais cedo em que
ocorreu o despertar de mudanças na Administração Pública e afirma:
observar-se que, a partir do final da década de 1970, começam ocorrer mudanças
nos paradigmas da Administração Pública, com a instituição de um novo modelo –
denominado gerencial – que tinha como preocupação central a ênfase na eficiência e
no controle dos resultados. Esse novo modelo veio promover a substituição do
modelo orientado para o controle das atividades meio das organizações burocráticas.
A orientação para o cidadão permitiu o surgimento de inúmeros instrumentos que
visam à simplificação dos procedimentos na Administração Pública.

E Fabrizio de Lima Pieroni284 complementa

280
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. V. 1. 25ª Ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.27.
281
LEMES, Selma Ferreira. Arbitragem na Administração Pública – Fundamentos Jurídicos e Eficiência
Econômica. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p.55
282
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 45-
46.
283
MATIAS-PEREIRA, José. Curso de Administração Pública – foco nas instituições e ações governamentais. 4
Ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 5.
284
PIERONI, Fabrizio de Lima. A Consensualidade e a Administração Pública: a autocomposição como método
adequado para a solução de conflitos concernentes aos entes públicos. Dissertação de mestrado. Disponível em
www.tede2.pucsp.br. Acesso em 30 jan. 2020. p.93.
140

com o Estado Social e as exigências de prestações positivas, o cidadão deixa de ser


mero objeto do poder administrativo para ser titular de direitos, obrigando o poder
público a prestar serviços. A Administração Pública burocrática, com seu excesso de
formalismo e sacralização de procedimentos, perde a capacidade de compreender
sua própria existência e não consegue prestar, com eficiência, os inúmeros serviços
demandados, nem tampouco atender aos diferentes interesses elementares dos mais
variados grupos de uma sociedade cada vez mais complexa. Sem deixar de ser
burocrática, mas acompanhando a evolução social e orientada para os resultados,
passa a tentar conciliar a burocracia com a eficiência e a razoabilidade no exercício
de sua atividade, com vista à melhoria da qualidade da prestação do serviço público.

Dentro deste espectro, Silvia Johonsom di Salvo285 observa:


a evolução do Direito Administrativo está bastante ligada às metamorfoses do
regime político de determinado Estado, que alcança os próprios traços de seus
objetivos. Fala-se da mudança de papel do Estado, porém não se trata de se afirmar
se o Estado deve aumentar ou diminuir sua atuação, mas sim de que forma o Estado
pode melhorar a sua atuação.

Carlos Alberto de Salles286, concordando com esta última autora, esclarece que estas
mudanças ou metamorfoses não significam um simples encolhimento ou retirada estatal, mas,
sim, a exigência de “um correspondente aumento da capacidade e atividade regulatória”. Em
outras palavras, criam-se novas funções e atribuições de atuação, articulação, controle e
coordenação de atividades para o Estado. Assim é que o Estado passa a ter outros
qualificativos identificados por Diogo de Figueiredo Moreira Neto287 como Estado-regulador,
Estado-rede, Estado-estratégico, Estado-garantidor, Estado do diálogo, Estado-consensual etc.
Ao mesmo tempo, com tais características, o Estado, paralelamente, passa a incorporar em
seu dia a dia também novos vocábulos até então inexistentes em sua realidade, uma vez que
são mais alinhados à iniciativa privada, agregando palavras como privatização,
desestatização, desregulamentação, parceiras-público privadas, concessões de serviços
públicos etc.
Ao observar tais mudanças ou metamorfoses, Tercio Sampaio Ferraz Júnior288
identifica que a sociedade atual também vivencia constante transformação. Assim, afirma
“que as fronteiras entre público e o privado se tornam cada vez mais porosas”. E Odete
Medauar289, por sua vez, em concordância com este último, avança um pouco mais no sentido
de inferir que na “atualidade, parece estranho pensar em fronteiras rígidas entre o direito

285
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
Desenho Institucional e Procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 25.
286
SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em Contratos Administrativos. São Paulo: Forense, 2011. p. 63.
287
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Poder, Direito e Estado: o direito administrativo em tempos de
globalização. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p.143.
288
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Prefácio. In: GUERRA, Sérgio. Discricionariedade, Regulação e
Reflexividade. 4ª Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 13.
289
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 3ª Ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2017. p. 211.
141

público e o direito privado e se cogitar de que um possa ter primazia sobre o outro. A
separação se coloca, apenas, para fins didáticos e científicos”. Por isso, Vivian Lopez Valle290
explica o Direito Administrativo constituir-se em
um direito que se desenvolve a partir da necessidade de satisfação de direitos num
ambiente de incremento quantitativo e qualitativo das demandas sociais e de uma
proposta de Administração Pública contratualizada. A contemporaneidade exigiu do
Estado uma mudança de papel. De Estado prestador de serviços públicos, através de
estruturas do primeiro setor, passa-se a um Estado-garantidor de prestações de
interesse público. Tais relações pressupõem módulos convencionais capazes de
permitir desenvolvimento e controle da prestação dos serviços públicos e das
atividades econômicas de relevância para o interesse público.

291
Por outro lado, Odete Medauar , ao expressar sua visão sobre o que chamou de
Direito Administrativo contemporâneo, enfatiza que
além da finalidade de limite ao poder e garantia dos direitos individuais ante o
poder, deve preocupar-se em elaborar fórmulas para efetivação de direitos sociais e
econômicos, de direitos coletivos e difusos, que exigem prestações positivas. O
Direito Administrativo tem papel de relevo no desafio de uma nova sociedade em
constante mudança. A transformação sócio-política é propícia a mudança de
conteúdo e de forma do Direito Administrativo para que se torne mais acessível nos
seus enunciados, para que traduza vínculos mais equilibrados entre Estado e
sociedade, para que priorize o administrado, isolado ou em grupos, e não autoridade.
O enfoque evolutivo do Direito Administrativo significa, sobretudo, o intuito do seu
aprimoramento como técnica do justo e, por isso, da paz social.

Com todos estes elementos que agregam novas e inusitadas responsabilidades e


funções para o Direito Administrativo, mas que não deixam de também de serem estendidos à
Administração Pública, Sergio Guerra292 declara categoricamente que o Direito
Administrativo “está em mutação”, assim como a Administração Pública, pois ambos são
impactados fortemente pelo sentido pós-moderno de interesse público, reforma do Estado,
globalização, desestatização, sem mencionar a evolução tecnológica e outros componentes
que integram suas evoluções, assim como da sociedade. Compartilhando da mesma visão,
Vivian López Valle293 insere que
entre uma construção teórica sustentada na unilateralidade e verticalidade e o
aumento significativo da complexidade das relações Estado-Sociedade, com
emergência de relações paritárias, que pressupõem novos papeis para o Estado e
para a Sociedade Civil Organizada, e a novas possibilidades na relação com o
mercado.

290
VALLE, Vivian Cristina Lima López. O acordo Administrativo entre o Direito Público e o Direito Privado:
Emergência de uma Racionalidade Jurídico - Normativa Público – Privada? In: OLIVEIRA, Gustavo Justino
de. Acordos Administrativos no Brasil. São Paulo: Almedina, 2020. p. 65.
291
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 3ª Ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2017. p. 387-388.
292
GUERRA, Sérgio. Discricionariedade, Regulação e Reflexividade. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p.36.
293
VALLE, Vivian Cristina Lima López. O acordo Administrativo entre o Direito Público e o Direito Privado:
Emergência de uma Racionalidade Jurídico - Normativa Público – Privada? In: OLIVEIRA, Gustavo Justino
de. Acordos Administrativos no Brasil. São Paulo: Almedina, 2020. p. 63.
142

Por isso, Odete Medauar294 pondera


esse momento revela mudanças que vêm se realizando no Direito Administrativo no
sentido de tal atualização e revitalização, para que entre em sintonia com o cenário
atual da sociedade e do estado. Algumas tendências podem ser extraídas:
a) desvencilhamento de resquícios absolutistas, sobretudo no aspecto da vontade da
autoridade impondo-se imponente;
b) absorção de valores e princípios do ordenamento consagrados na Constituição; c)
assimilação da nova realidade do relacionamento Estado-sociedade;
d) abertura para o cenário sócio-político-econômico em que se situa;
e) abertura para conexões científicas interdisciplinares, e
f) disposição de acrescentar novos itens à temática clássica.

Na mesma linha de raciocínio leciona Sergio Guerra295 as formas pós-moderna


de administração do interesse público – este que se direciona, doutrinária e
jurisprudencialmente, para não mais ser encarado como prevalente e absoluto em
qualquer situação frente aos direitos individuais – devem formular e fomentar
projetos, mediar interesses e implementar políticas estratégicas para suas respectivas
sociedades, tanto no sistema social, quanto no campo científico e tecnológico,
ambos umbilicalmente atados ao sistema econômico para proteger e assegurar os
direitos fundamentais dos cidadãos. O direito administrativo do século XXI deve
acompanhar as características, as carências e os riscos por que passa a sociedade
contemporânea, que, por isso, indo além das preocupações sobre o ato
administrativo, clama por uma releitura de categorias fórmulas e institutos desse
ramo do direito público, cunhados há dois séculos para a solução dos problemas
surgidos pelos novos temas.

Nota-se, claramente, que as mudanças por que passa o Estado, seus órgãos, seus
integrantes e suas interações nos diversos níveis de sua atuação oferecem um cenário de
mutação constante, que repercutem em todas as suas atividades. O contexto da Administração
Pública, na qualidade de integrante do Direito Administrativo, não escapa desta tendência,
pois também reflete estas mutações em seus diversos elementos. A estruturação desta nova
perspectiva fez com que Diogo de Figueiredo Moreira Neto296 enfatizasse que
o conceito pós-moderno de Direito Administrativo, que se delineia nesta abertura do
século XXI já passa a se apresentar com características bastantes diferenciadas em
relação ao conceito anterior, tais como:
1º. a de ser mais um direito dos administrados do que um direito do Estado;
2º. a de servir a cidadãos e não mais a súditos;
3º. a de mostrar-se muito mais um direito de proteção e de prestação do que um
direito de imposição;
4º. a de atuar preponderantemente como um direito de distribuição do que um
direito para solucionar conflitos, e
5º. a de tornar-se, cada vez mais, um direito da consensualidade, em vez de um
direito de imperatividades.

294
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 3ª Ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2017. p. 386-387.
295
GUERRA, Sérgio. Discricionariedade, Regulação e Reflexividade. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 36.
296
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. O futuro das cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos.
In: ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Direito Administrativo e seus
novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 189.
143

Nesse sentido, vale lembrar Onofre Alves Batista Júnior297 ao observar que
o Direito Administrativo pós-moderno não pode mais se assentar em um perfil
puramente garantístico, mas deve oferecer instrumentos e condições para que a
Administração Pública possa cumprir sua missão de forma eficiente,
proporcionando o melhor atendimento possível das necessidades e interesses da
coletividade. O direito não deve impedir o movimento do Estado, mas fomentá-lo.
No Estado Democrático de Direito (eficiente, pluralista, participativo e infra-
estrutural) desenhado pela Constituição Federal de 1988, a Administração Pública
necessita se adaptar às mudanças rápidas e frequentes que ocorrem na sociedade
pluralista mutante, devendo para tanto, contar com a flexibilidade necessária para
que possa atuar de forma eficiente.

A eficiência acima apontada é fruto do que Thiago Marrara298 identifica, quando


salienta que
as transformações do Direito Administrativo como teoria das relações jurídicas da
Administração Pública são movimentadas por impulsos provenientes de avanços
diluídos por campos setoriais. As inovações construídas em políticas públicas
específicas para atender a demandas pontuais, ao demonstrarem sucesso e utilidade,
espraiam-se pelo direito positivo e pelo direito doutrinário a ponto de se consagrar
como tendência e forçar a revisão de antigos paradigmas.

E Odete Medauar 299acrescenta


o administrativista contemporâneo tem consciência da diversificação e capilaridade
das funções do Estado atual, realizadas, em grande parte, pela atuação da
Administração Pública. Por conseguinte, o Direito Administrativo, além da
finalidade de limite ao poder e garantia dos direitos individuais ante o poder, deve
preocupar-se em elaborar fórmulas para a efetivação de direitos sociais e
econômicos, de direitos coletivos e difusos, que exigem prestações positivas. A
Administração Pública tem papel de relevo no desafio de uma nova sociedade em
constante mudança.

E Bruno Grego dos Santos300 adiciona


a Administração Pública brasileira conta, na contemporaneidade, com novos
paradigmas para a sua atuação, que visam a renová-la, a adequá-la para o
enfrentamento dos desafios da pós-modernidade. Essas tendências contemporâneas
se relacionam axialmente com a adoção da transação extrajudicial pela
Administração Pública, em um caminho de movimentos e tend6encias que, apesar
de não ser linear, permite traçar convergências. A partir de um câmbio pós-
positivista, em que sua vinculação normativa evolui de um referencial da Lei para a
obediência ao Direito, observa-se o crescente protagonismo da ordem constitucional
e dos princípios como balizas para o esterçamento da gestão pública. Esta tendência,
que implica em movimentos de transparência, protagonismo social e razoabilidade,
tem como consentâneo a crescente processualização dos mecanismos de tomadas de
decisão estatal, em um movimento que gradualmente abandona posicionamentos
adotados por ato unilateral em favor de soluções dialogicamente com os
interessados.

297
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Transações Administrativas. São Paulo: Quartier Latin, 2007 p. 15.
298
MARRARA, Thiago. Acordos no Direito da Concorrência. In: OLIVEIRA, Gustavo Justino de (coord.).
Acordos Administrativos no Brasil – Teoria e Prática. São Paulo: Almedina, 2020. p. 197.
299
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 3ª Ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2017. p. 387 e p.
413.
300
SANTOS, Bruno Grego dos. Transação Extrajudicial na Administração Pública. Tese de Doutorado.
Disponível em: www.tesesusp.br. Acesso em 30 jan. 2020. p. 333.
144

Nas palavras dos autores acima se nota claramente a necessidade de dinamismo a ser
empreendido pela Administração Pública da pós-modernidade, não somente pelo fato de estar
em constante evolução, mas, sobretudo, pelo enfrentamento de constantes desafios
decorrentes da contemporaneidade, inspirados no Estado social, nos elementos estruturantes
constitucionais, na proximidade cada vez maior entre público e privado, na transformação da
própria sociedade, dentre outros fatores já mencionados.
Conforme pondera Fernando de Almeida301, tomando-se como exemplo o Brasil,
“especialmente desde a adoção da ordem constitucional hoje vigente, de índole democrática,
verifica-se que vem crescendo enormemente a aplicação pela Administração Pública de
instrumento jurídicos fundados em acordos de vontades”. Motivo pelo qual Nathalia
Mazzonetto302 acrescenta que o
novo papel da Administração Pública inaugura um novo paradigma em que o estado
emana não apenas atos de império, orientados pelo Direito Administrativo e seus
princípios fundamentais norteadores, mas também e, sobretudo, atos de gestão, por
via dos quais a Administração Pública desce de seu patamar hierárquico para se
posicionar ao lado do particular, em condições iguais (mas nem tanto – o que não
deixa de ser natural. Afinal, fala em nome de uma coletividade complexa), dando
vida a atos ordinários de negócios jurídicos ou mesmo a contratos.

Todo este cenário oferece a perspectiva da consensualidade no âmbito da


Administração Pública, pois como bem destaca Fabrício de Lima Pieroni303,
a concepção autoritária e burocrática de Administração Pública, forjada no século
XIX, não mais subsiste aos contornos democráticos da Constituição vigente, o que
acarreta a revisão de alguns princípios orientadores, como os da supremacia, da
indisponibilidade do interesse público e da legalidade. A consensualidade surge
como um dos grandes vetores da eficiência administrativa, seja na elaboração, seja
na execução e, com muito mais razão, na composição de controvérsias que
envolvam políticas públicas.

E Francisco Zardo304 complementando, explica que


o impacto da consensualidade sobre as concepções tradicionais é significativo, e que
o uso moderado das prerrogativas especiais da Administração deve ser mitigado
sempre que possível pela via consensual, especialmente ao se demonstrar maior
vantajosidade ao próprio interesse público.

301
ALMEIDA, Fernando Menezes de. Prefácio. In: OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Acordos Administrativos no
Brasil. São Paulo: Almedina, 2020. p. 18.
302
MAZZONETTO, Nathalia. Novos (e adequados) rumos da Administração Pública na resolução de conflitos.
In: GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI, Bruno (org.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos
consensuais de solução de conflitos. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014. p. 277.
303
PIERONI, Fabrizio de Lima. A Consensualidade e a Administração Pública: a autocomposição como método
adequado para a solução de conflitos concernentes aos entes públicos. Dissertação de mestrado. Disponível em:
www.tede2.pucsp.br. Acesso em 30 jan. 2020. p.98-99.
304
ZARDO, Francisco. Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014. p. 196.
145

A consensualidade, portanto, é um tema que merece uma análise mais acurada, visto
ter sido tornada como uma tendência no Direito Administrativo e, consequentemente, também
na Administração Pública. Ao mesmo tempo, constitui-se como o expoente do cenário que a
Mediação propõe, lembrando que se refere à escolha do processo de resolução e não ao
conflito em si, como já destacado. Este aspecto requer um refletir maior, motivo pelo qual
será objeto de outro item específico ainda nesta mesma parte da presente dissertação.
Para tanto, impende observar a necessidade de se perquirir antes alguns elementos da
própria Administração Pública, partindo de sua delimitação conceitual a alguns de seus
elementos, em que a consensualidade e, por que não dizer, a Mediação atuam ou poderão
atuar. Evidentemente, como envolve a mutação de seus princípios, serão também objeto de
ilações, a fim de que se possa adentar efetivamente no tema da Mediação e a Administração
Pública.

2. ALGUNS ELEMENTOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

José Matias-Pereira305 referendando lições de Luiz Carlos Bresser Pereira afirma que
a Administração Pública no Brasil passou por três grandes reformas na tentativa de
reestruturar e modernizar a máquina do Estado. A primeira, a Reforma Burocrática
de 1936, inspirada no modelo descrito por Weber; a segunda foi sistematizada no
Decreto-lei nº 200 de 1967. Ambas foram idealizadas e implementadas em contextos
de ditadura política e sem debates com a sociedade. A terceira, iniciada em 1995, foi
a primeira a pensar o setor público do país em um contexto democrático, com ênfase
para o atendimento dos seus cidadãos, e com a consideração de que as instituições
públicas devem ser eficientes e eficazes e o debate com a sociedade deve ser
incrementado.

Odete Medauar306, também, dentro de contextualização histórica, sob um olhar mais


jurídico, compara a evolução da Administração Pública brasileira com a de outros países,
como França, Itália, Inglaterra, Estados Unidos, entre outros. A referida autora entende que no
Brasil passou por diferentes fases, sendo que a primeira, e mais longa, iniciada com a
Constituição de 1824, com forte influência francesa, constituiu a base das estruturas mais

305
MATIAS-PEREIRA, José. Curso de Administração Pública – foco nas instituições e ações governamentais. 4
Ed. São Paulo: Atlas, 2014. Cabe traz a lume que o autor faz referência à obra de Luiz Carlos Bresser Pereira em
notas de rodapé (BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Uma reforma gerencial da administração pública no
Brasil. Revista do Serviço Público. ENAP, ano 49, n 1, jan/mar. 1998).
306
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 3ª Ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2017. p. 60-61.
146

absolutistas, perdurando até 1930. Remonta a esse ano a doutrina brasileira fortemente
influenciada pelos Estados Unidos, constituindo-se na segunda fase, que é interrompida com o
advento da Constituição Federal de 1988. Esta última propiciou o despertar de maior interesse
sobre o tema, levando a uma aceleração de seu desenvolvimento. A autora ainda defende a
existência de outra fase, iniciada, aproximadamente, em 2003, com novas perspectivas
decorrentes do impulsionamento dado pelo intercâmbio cada vez maior entre os países em
função da globalização. Nota-se que, ao se aproximar os ensinamentos de ambos os autores,
confirma-se que com a Constituição de 1988 um novo impulso foi dado à Administração
Pública, por diversos fatores. Entre eles, destacam-se a consensualidade refletida em muitos
dos seus elementos, os quais serão citados mais adiante. Antes, porém, é relevante demarcá-la
e, na sequência, oferecer alguns de seus elementos em que essa consensualidade estará
presente.

2.1 Conceito, Atividades e Poderes da Administração Pública

Importante recordar que a expressão Administração Pública, para Marçal Justen


Filho307, “indica, de modo amplo, o conjunto de entes e organizações titulares da função
administrativa. Tal conceito pressupõe dois sentidos: o objetivo, e o subjetivo”. O primeiro
consiste no conjunto dos bens e direitos necessários ao desempenho da função administrativa,
no qual se subentende o enfoque funcional, cuja perspectiva se concretiza em uma
atividade que, no âmbito estatal, contrapõe-se às atividades de cunho jurisdicional,
legislativa e de controle. Já o sentido subjetivo é aquele integrado não apenas por
indivíduos e pessoas jurídicas, mas também por órgãos e estruturas estatais não
dotadas de personalidade jurídica autônoma.

Por outro lado, Odete Medauar308, ao identificar dificuldades para definir


adequadamente a Administração Pública, opta por apresentá-la sob dois ângulos: o funcional
e o organizacional, lecionando que no primeiro ângulo pode ser conceituada como o
conjunto de atividades do Estado que auxiliam as instituições políticas de cúpula no
exercício de funções de governo, que organizam a realização das finalidades
públicas postas por tais instituições e que produzem serviços, bens e utilidades para
a população, como por exemplo, ensino público, calçamento de ruas, etc...

Em relação ao aspecto organizacional, esclarece representar “o conjunto de órgãos e


entes estatais que produzem serviços, bens e utilidades para a população, coadjuvando com as
instituições políticas de cúpula no exercício das funções de governo”, tendo como exemplos

307
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13 Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
141.
308
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 3ª Ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2017. p. 62.
147

os ministérios, suas secretarias e departamentos etc. Maria Sylvia Zanella Di Pietro309, por sua
vez, oferece outra perspectiva, com a separação dos aspectos objetivos e subjetivos da
Administração. Em sentido objetivo, incluem-se:
as funções de fomento (atividade administrativa de incentivo à iniciativa privada), a
polícia administrativa (toda atividade a executar limitações impostas pela lei aos
direitos individuais em favor do interesse público), o serviço público (atividade que
a Administração Pública executa, direta ou indiretamente, para satisfazer à
necessidade coletiva, sob o regime jurídico predominantemente público), e a
intervenção (regulamentação e fiscalização da atividade econômica de natureza
privada).
E, em sentido subjetivo, compreende a administração direta e indireta do Estado,
que pode ser identificada com precisão no art. 4º do Decreto Lei 200/67:
Decreto Lei 200/67 - Art. 4º - Administração Federal compreende:
I - A Administração Direta que se constitui dos serviços integrados na estrutura
administrativa da Presidência da República e dos Ministérios.
II – A Administração Indireta que compreende as seguintes categorias de entidades,
dotadas de personalidade jurídica própria:
a) Autarquias:
b) Empresas Públicas;
c) Sociedades de Economia Mista, e
d) Fundações públicas.

Nota-se que, quando se fala em Administração Pública, um grande universo de atores,


instituições e contextos aflora, o que leva Odete Medauar310 a afirmar que na qualidade de
“objeto precípuo do Direito Administrativo encontra-se inserida no Poder Executivo”.
Convém salientar que a Administração Pública agrega um grau de complexidade cada
vez maior, adquirindo caráter multiforme em suas atuações, ao exercer amplo leque de
atividades. Tal fato faz com que mesma autora311 enfatize que daí decorre a dificuldade de sua
definição e identificação de suas funções como um todo, quando não deveria sê-lo em razão
da teoria clássica da separação e independência dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário. Por conseguinte, ela conclui que a Administração Pública “se deixa descrever, mas
não se deixa definir, sobretudo ante sua complexidade e o atributo multiforme de suas
atuações.” Entretanto, acrescenta que, hoje, inexiste a separação absoluta de tais funções, pois
a própria Constituição Federal, dentre outras previsões, estabelece atividade legislativa para o
Executivo (artigo 62), assim como determina que o Legislativo exerça função jurisdicional
(artigo 86). Por isso, enfatiza que permanece a cada um dos Poderes um núcleo de atividades
típicas que possibilita caracterizá-lo e diferenciá-lo dos demais, sendo que para a

309
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª Ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 49-50.
310
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 62.
311
Idem. p. 63.
148

Administração Pública o aspecto predominantemente de sua atividade não se traduz na função


jurisdicional e muito menos legislativa.
A mesma autora312 enfatiza que este “complexo de órgãos e entes personalizados,
conduzidos por um corpo de agentes, que forma a Administração Pública, realiza grande
número de atividades”. As atividades destinam-se precipuamente a atender as necessidades e
interesses da população e fragmentam-se em inúmeras variedades, cada qual com
características jurídicas e técnicas próprias. A Administração Pública desempenha, assim,
amplo e diversificado leque de atividades para cumprir as tarefas que o ordenamento lhe
confere, atividades essas de diferentes tipos, sob várias formas e regimes. Marçal Justen
Filho313 concordando com isso, acrescenta que atividade administrativa é diferente de função
administrativa, muito embora constitua
dois aspectos de um mesmo fenômeno jurídico. Mais ainda, são dois aspectos
indissociáveis entre si. Não teria sentido que o ordenamento jurídico criasse a
função administrativa sem prever a atividade administrativa. É indispensável que a
função administrativa – considerada como um conjunto de atribuições vinculadas à
realização de determinadas finalidades – seja acompanhada do desenvolvimento de
um conjunto ordenado de atividades.

Em outras palavras a função administrativa estatal é o conjunto de competências


estatais criadas pelo ordenamento jurídico, sendo o exercício dessas competências feito por
ações das pessoas jurídicas e físicas que compõem o quadro de servidores públicos. E o
exercício concreto das competências administrativas constitui a atividade administrativa.
Odete Medauar314, por sua vez, acrescenta que a função administrativa possui o poder
vinculado, também conhecido por competência vinculada, que ocorre quando “a autoridade,
ante determinada circunstância, é obrigada a tomar decisão determinada, pois sua conduta é
ditada previamente pela norma jurídica”. O ordenamento confere ao administrador um poder
de decisão, mas predetermina as situações e condições, canalizando-o a uma só direção. Por
isso, ela esclarece que há matérias de reserva legal absoluta, em que o vínculo da
Administração Pública ao bloco de juridicidade é máximo. Se houver uma só solução como
consequência da aplicação de uma norma, ocorre o exercício do poder vinculado. Para a
mesma autora, paralelo ao poder vinculado, existe o poder discricionário, que consiste na
faculdade conferida à autoridade administrativa de, ante certa circunstância, escolher uma
entre várias soluções possíveis. É o poder, caracterizado essencialmente como escolha de uma

312
Idem. p. 128.
313
Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo. 13ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
p.217.
314
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 134
149

entre várias soluções, conferido por normas legais, devendo atender a parâmetros no seu
exercício, não se confundindo com arbitrariedade. O poder discricionário ou a escolha
discricionária, segundo Sergio Guerra315, se verifica no ordenamento jurídico pátrio
ao longo dos anos, inclusive em períodos não democráticos, essa sempre foi e
continua sendo uma prática legislativa fortemente adotada no Brasil, em que abre
espaço para a tomada de decisão (escolha) amparada em critérios amplos e de difícil
sindicabilidade, sob o binômio competência e oportunidade.

Em paralelo a ambos poderes, Odete Medauar316 aponta outros, como o poder


normativo que consiste na “faculdade de emitir normas para disciplinar matérias não
privativas de lei”, muito utilizado em órgãos colegiados tanto da Administração direta quanto
da indireta. Outro seria o poder hierárquico, baseado nas relações hierarquizadas dos órgãos
públicos, configurando um instrumento para que as atividades de um órgão sejam realizadas
de maneira coordenada, harmônica e eficiente, sempre observando a legalidade e o interesse
público. Por derradeiro, o poder disciplinar, que é atribuído ao agente público com o objetivo
de apurar e punir faltas funcionais ou atividade irregulares, incidindo, a princípio nos
servidores, podendo, entretanto, abranger outras pessoas físicas ou jurídicas.
Odete Medauar317 conclui que “a existência de uma estrutura própria em cada ente da
Federação revela uma divisão vertical da Administração brasileira”, existindo também a
horizontal. Explica que a primeira é decorrente da forma federativa, mesmo sem qualquer
conotação hierárquica entre elas, e a segunda é decorrente do grau de complexidade da
própria Administração Pública, pois se subdivide em Administração Pública direta ou
indireta. Selma Ferreira Lemes318 reforça esta perspectiva ao sublinhar que
integram a Administração Direta, os órgãos que compõem as pessoas jurídicas
políticas (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), e a Administração Pública
Indireta, as autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e
fundações públicas. Apesar desta classificação defluir do Decreto-Lei 200, de
25.02.67, com redação dada pela Lei 7.596, de 10.04.87, de alçada federal, seus
conceitos e princípios, com algumas ressalvas efetuadas pela doutrina, aplicam-se
nas esferas estaduais e municipais.

315
GUERRA, Sérgio. Discricionariedade, Regulação e Reflexibilidade - Uma Nova Teoria sobre as Escolhas
Administrativas. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 97.
316
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 141-
145
317
Idem. p. 67-68.
318
LEMES, Selma Maria Ferreira. Arbitragem na Administração Pública – Fundamentos Jurídicos e Eficiência
Econômica. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p 40-41.
150

E Celso Bandeira de Mello319 leciona que, “para desempenhar as atividades de sua


alçada a Administração Pública dispõe de meios técnico-jurídicos consistentes na expedição
de atos infralegais”, a saber:
a) unilaterais, subdivididos em gerais, abstratos e concretos, e
b) bilaterais, subdivididos em consensuais e nominados.
Independentemente da subdivisão acima oferecida, o referido autor deixa claro que
que as atividades da Administração Pública consistem no ato administrativo, no contrato
administrativo, bem como no processo administrativo. Todos eles serão objeto de breves
considerações a seguir, pois hoje também refletem a tendência da consensualidade.

2.2. Ato Administrativo

O mesmo autor320, em conceito amplo, entende que o ato administrativo consiste na


declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um
concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas,
manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe
dar cumprimento, é sujeita a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.

Deve, segundo o referido autor, ser perfeito, no sentido de ter completado o ciclo
necessário para sua produção, válido, quando expedido em absoluta conformidade com os
requisitos do sistema normativo, e eficaz, quando produzir ou desencadear efeitos próprios.
Marçal Justen Filho321, por sua vez, identifica-o como a “manifestação de vontade apta a gerar
efeitos jurídicos, produzida no exercício de função administrativa”, não podendo se confundir

319
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p.345. Importante reproduzir, em complemento, que o referido autor identifica nestes tipos de atividades
os: “a) unilaterais, gerais e abstratos, dentre os quais se salientam os regulamentos; b) unilaterais e concretos,
frequentemente designados pura e simplesmente como atos administrativos, os quais, sendo embora atos
jurídicos como quaisquer outros, possuem, entretanto, características próprias no que atina às condições de sua
valida produção e força jurídica peculiar, no que se distinguem dos demais, justificando sejam estudados como
uma categoria à parte; o atendimento pela Administração das finalidades legais que em cada caso deve prover
não resulta da prática de um ato isolado, mas, pelo contrário, é o fruto de uma sucessão itinerária e encadeada de
atos compostos e ordenados em vista do ato final almejado. Esta sequência inúmeras vezes se deflagra por
iniciativa da própria Administração e outras tantas por iniciativa de algum interessado, canaliza a atuação
administrativa dentro de pautas que buscam contê-la em trilhas jurídicas corretas e arrecadas as informações
necessárias para desembocar na solução mais adequada. É isto que se chama processo administrativo ou
procedimentos administrativos, como preferem outros. D) afora os atos unilaterais que pratica, a Administração
também se envolve em atos bilaterais, consensuais, nominados de contratos administrativos, os quais, também
eles, inobstante a doutrina e a legislação pátria os aloquem no gênero contrato, apresentam um regime próprio,
justificando que sejam tratados como uma figura específica do Direito Administrativo.” Cf. p. 345 e 346.
320
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 393-396.
321
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
293-294.
151

com uma declaração, produzindo efeitos jurídicos, por exemplo, uma norma jurídica que
disciplina a conduta de agente público e/ou privado. Pode consistir também na execução de
um comando expresso ou implícito constante de uma norma jurídica pré-existente
(constitucional, legal ou infralegal) e sempre é realizado no exercício de uma função
administrativa.
Odete Medauar322, entretanto, preleciona que o
ato administrativo constitui, assim um dos modos de expressão das decisões
tomadas por órgãos e autoridades da Administração Pública, que produz efeitos
jurídicos, em especial no sentido de reconhecer, modificar, extinguir direitos ou
impor restrições e obrigações com observância da legalidade.

A mesma autora acrescenta ainda seus elementos estruturantes, a saber: agente


competente, isto é, emanado por aquele que possui atribuições decorrente da lei para fazê-lo;
objeto ou conteúdo no sentido de se constituir o efeito prático pretendido com sua edição ou
modificar o ordenamento jurídico; forma, significando a exteriorização da vontade ou da
decisão para efeitos de produzir resultado no âmbito jurídico; motivo, isto é, as circunstâncias
de fato ou os elementos de direito que provocam e precedem a edição do ato; e fim, indicando
o objetivo de alcançar uma consequência final em função do ato, sempre de interesse público
e se desdobrando em uma enorme gama de tipos.

2.3 Contrato Administrativo

Ao se abordar aspectos relevantes quanto ao contrato administrativo, importa


aproveitar as observações contidas no item 3 – Parte II – Mediação da presente dissertação,
quando oferece aspectos relevantes sobre o contrato, os princípios e seus instrumentos
incidentes na Mediação. Vale recordar também Celso Bandeira de Mello323, que sustenta:
tradicionalmente entende-se por contrato a relação jurídica formada por um acordo
de vontades, em que as partes se obrigam reciprocamente a prestações concebidas
como contrapostas e de tal sorte que nenhum dos contratantes pode unilateralmente
alterar ou extinguir o que resulta da avença. Daí o dizer-se que o contrato é uma
forma de composição pacífica de interesses e que faz lei entre as partes. Seus traços
nucleares residem na consensualidade para formação do vínculo e na autoridade de
seus termos, os quais se impõem igualmente para ambos s contratantes. Nem todas
as relações jurídicas travadas entre a Administração Pública e terceiros resultam de
atos unilaterais. Muitas delas procedem de acordos de vontades entre o Poder
Público e terceiros. A estas últimas costuma-se denominar contratos.

322
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p.169.
323
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 648.
152

Para Sidney Bittencourt324, “sempre que a Administração Pública celebra um ajuste


com um terceiro, visando à execução de um objeto pelo qual será procedida uma
remuneração, estará estabelecendo um contrato. Neste caso, convencionou-se no ordenamento
jurídico brasileiro a denominação contrato da Administração. Tal expressão é utilizada em
sentido lato, abrangendo qualquer contrato celebrado pela Administração, que poderá reger-se
tanto pelo direito público quanto pelo direito privado”. Este conceito advém do artigo 2º da
Lei 8666/93:
Lei 8666/93 Artigo 2º - Para fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer
ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que
haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de
obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.

Celso Bandeira de Mello325 esclarece que este tipo de contrato possui especificidades
que
se manifestam, sobretudo, no fato de que a Administração, por razões de interesse
público, pode, por decisão unilateral, modifica-los ou prematuramente encerrá-los,
nos limites e casos que a lei indica, além de dispor de amplo poder fiscalizatório
sobre sua execução e possibilidade de aplicar, ela própria, sanções ao contratante
faltoso”. E continua, “sucede que, ao contrário dos particulares, que podem escolher
livremente sua contraparte, a Administração quando se propõe a contratar necessita
realizar procedimento ou processo prévio, salvo em algumas situações que a lei
refere, a fim de eleger em um certame isonômico a proposta mais satisfatória. Este
processo ou procedimento se chama licitação. Assim, tal como os atos
administrativos cujo desenlace final deve ser precedido de um processo (ou
procedimento), também os contratos administrativos são colhidos por um
equivalente trâmite, seja para reconhecer-se que ocorreu uma hipótese legal em que
a licitação é dispensável ou inexigível, seja para deflagrar e desenvolver o certame
licitatório.

Ricardo Medina Salla326, ao adicionar elementos ao instituto, observa que “para o


ordenamento brasileiro, é legítimo à Administração Pública celebrar contratos regidos pelo
direito privado e/ou pelo direito público”. Para ele, no primeiro caso, a Administração se
nivela aos particulares para estabelecer uma relação contratual e, no segundo, a
Administração impõe sua supremacia contra o particular, rogando para si poderes unilaterais.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro327, por sua vez, destaca, de maneira mais ampla, que “a
expressão contrato administrativo é reservada para designar tão somente os ajustes que a
Administração, nessa qualidade, celebra com pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou

324
BITTENCOURT, Sidney. Contratos da Administração Pública – Oriundos de Licitações, Dispensas e
Inexigibilidades. Leme: Jhmizuno, 2015. p. 31-32.
325
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 346.
326
SALLA, Ricardo Medina. Arbitragem e Administração Pública – Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. São
Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 60.
327
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª Ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 251.
153

privadas, para a consecução de fins públicos, segundo regime jurídico de direito público”.
Quanto ao contrato de direito privado, concorda com o autor anterior, pontuando que o
referido contrato passa a ser marcado pela horizontalidade, ao passo que nos contratos
administrativos, a Administração age como poder público, como todo o seu poder de império
sobre o particular, caracterizando-se a relação pelo traço da verticalidade. Por isso, conclui
Ricardo Medina Salla328:
enquanto a finalidade do contratante privado é satisfazer um interesse particular e
auferir lucro, a finalidade oposta da Administração sempre corresponde ao
atendimento do interesse coletivo. De fato, pouco importa se o regime jurídico
aplicável ao contrato é de direito privado ou público, o objetivo da Administração
jamais será outro que não o beneficiamento do interesse público.

Odete Medauar329 concorda com tais observações e acrescenta que


o módulo contratual da Administração desdobra-se em alguns tipos, que podem ser
enfeixados do seguinte modo: a) contratos administrativos clássicos, regidos pelo
direito público, como contrato de obras, o de compras, as concessões; b) contratos
regidos parcialmente pelo direito privado, também denominados semipúblicos,
como a locação, em que o poder público é o locatário; c) figuras contratuais
recentes regidas precipuamente pelo direito público, como os convênios, contratos
de gestão, consórcios públicos.

Por outro lado, André Rodrigues Junqueira330, próximo a este entendimento, apresenta
um outro critério para este instituto, baseado na evolução legislativa brasileira, que caminhou
no sentido da
criação abrangente de procedimentos, principalmente no bojo da licitação, e
unificação de regimes jurídicos, praticamente extinguindo a distinção doutrinária
entre contratos administrativos e contratos privados celebrados pela Administração,

ao positivar diversos contratos possíveis de serem celebrados com e pela


Administração.
Em outras palavras, o referido autor concorda com a classificação quanto ao contrato
típico, que nominou de clássico brasileiro, incluindo no geral os disciplinados pela Lei
8666/93, que, segundo ele, não atendem aos novos regimes jurídicos demandados pelos
contratos mais complexos.
Nesse sentido, a legislação tem propiciado sua revisitação, pois vem criando regras
específicas em função das necessidades sociais recentes. O referido autor se reporta aos

328
SALLA, Ricardo Medina. Arbitragem e Administração Pública – Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. São
Paulo: Quartier Latin, 2015 p. 61.
329
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 261.
330
JUNQUEIRA, André Rodrigues. Arbitragem nas Parcerias Público-Privadas – Um estudo de caso. Belo
Horizonte: Fórum, 2019. p. 40-49.
154

contratos de concessão de serviço público, contratos de parceria público-privada, assim como


a todas as outras parcerias com a Administração Pública.

2.4 Processo Administrativo

O processo administrativo, de acordo com Odete Medauar 331, justifica-se pelo fato de
que “nem todos os atos administrativos são editados de imediato pelos agentes
administrativos”. Em muitos casos, o ordenamento impõe a precedência de uma série de
fases, cujo momento final é a edição de um ato administrativo. Assim, alguns atos são
emitidos como resultado de um processo administrativo. Na mesma linha destaca Celso
Bandeira de Mello332 ao afirmar:
é certo que entre a lei e o ato administrativo existe um intervalo, pois o ato não surge
como um passe de mágica. Ele é produto de um processo ou procedimento através
do qual a possibilidade ou a exigência, supostas na lei em abstrato, passam para o
plano de concreção. Nele se estrutura, se compõe, se canaliza e a final se estampa a
vontade administrativa. Evidentemente, existe sempre um modus operandi para
chegar-se a um ato administrativo final.

Nesse sentido, Marçal Justen Filho333 realça que “salvo situações excepcionais, todo
ato administrativo deve ser produzido no bojo de um procedimento. O conteúdo e a validade
dos atos administrativos dependem da observância ao procedimento devido”. Isso não
significa o desaparecimento do instituto do ato administrativo e sua substituição por
procedimentos administrativos. Mas não é cabível examinar o ato administrativo sem
considerar o procedimento a ele referido. E adiciona que a finalidade da procedimentalização
é múltipla, apontando: o controle do poder para evitar o exercício abusivo do poder jurídico;
o exercício da democracia por intermédio da participação dos interessados na formação da
vontade estatal; aperfeiçoamento técnico da atividade administrativa com a contraposição de
teses; redução da litigiosidade por meio da participação dos interessados que poderá propiciar
a composição de interesses. Odete Medauar334 acrescenta de sua parte: “garantia jurídica para
todos; melhor conteúdo das decisões; correto desempenho da função, maior justiça na

331
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 198.
332
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 500.
333
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
263.
334
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p.
200-202.
155

Administração; aproximação entre a Administração e cidadão, e sistematização da atuação


administrativa”.
Todas estas atividades, atos, contratos, processos etc. possuem peculiaridades
próprias, as quais são constituídas a partir dos poderes atribuídos a cada uma delas e refletem
a evolução por que passa a Administração. Impende recordar que todas, sem exceção, são
norteadas por princípios, os quais são impactados também pelas mudanças em curso. E
passam a ser maiores ainda quando se identifica a tendência em direção à consensualidade,
tema impensado nos primórdios do Direito Administrativo até o advento da Constituição de
1988, como já exposto anteriormente. O mesmo vale para a Mediação a ser debatida nos itens
finais desta dissertação.
Este cenário é qualificado por André Bergamaschi335 como o momento para a
Administração de “releitura dos princípios da legalidade e da supremacia do interesse público,
a introdução do princípio da eficiência e do desenvolvimento de formas consensuais de
atuação administrativa”. No entanto, dada a interligação entre todos os princípios do Direito
Administrativo e da Administração e toda sua atuação, pode-se acrescentar a releitura para
todos eles, pois são fruto de seu próprio aperfeiçoamento, para além da introdução dos
elementos consenso e eficiência. Por isso, é necessário tecer breves comentários sobre eles, a
partir da evolução hoje em curso, bem como da relevância que possuem para a Administração
Pública da pós-modernidade. E, claro, sobre como se adequam à tendência ao consensualismo
e como podem acolher a Mediação.

3 ALGUNS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Ao se falar de princípios, convêm lembrar os ensinamentos dos autores citados no


item 3.1, que são somados ao que Marçal Justen Filho336 leciona: “é usual a afirmativa de que
o regime de direito administrativo é produzido a partir de uma pluralidade de princípios”.
Também é comum a doutrina produzir um elenco dos chamados princípios de direito

335
BERGAMASCHI, André Luís. A Resolução dos Conflitos envolvendo a Administração Pública por meio de
mecanismos consensuais. Tese de Mestrado. Disponível em www.tesesusp.br. Acesso em 30 dez. 2019. p. 50.
336
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
97.
156

administrativo. Esse enfoque deve ser aperfeiçoado, uma vez que o regime de direito
administrativo é produzido pelos direitos fundamentais (que se manifestam por via de normas
constitucionais de distinta natureza). Os princípios apresentam enorme relevância no âmbito
do direito administrativo. A atividade administrativa traduz o exercício de poderes-deveres, o
que significa vinculação quanto ao fim a ser atingido. Em inúmeras oportunidades, a conduta
a ser adotada dependerá das circunstâncias, o que não equivalerá a consagrar a liberdade para
o agente escolher o que bem entender. Nessas situações, pode haver alguma autonomia de
escolha quanto ao meio a adotar, e os princípios serão o instrumento normativo apropriado
para evitar escolhas inadequadas.
Como assinala Odete Medauar337, “a partir da segunda metade dos anos 90 do século
passado gradualmente os princípios autoritários se atenuaram ou desapareceram”, pois para o
Direito Administrativo assumem valor de garantia e potencial dos direitos e interesses do
cidadão. E ressalta que a importância dos princípios está centrada, também, na possibilidade
de promover soluções de situações não previstas, para permitir melhor compreensão dos
textos esparsos e para conferir certa segurança aos cidadãos quanto à extensão dos seus
direitos e deveres. Ao mesmo tempo, afirma, os princípios revestem-se de função positiva ao
se considerar a influência que exercem na elaboração de normas e decisões sucessivas, na
atividade de interpretação do Direito; atuam, assim, na tarefa de criação, desenvolvimento e
execução do direito e de medidas para que se realize a justiça e a paz social; sua função
negativa significa a rejeição de valores e normas que os contrariam. Por isso, convém
oferecer, mesmo de forma genérica, alguns dos que norteiam esta área e serão úteis para
compreensão das mutações em curso diante do consensualismo e da Mediação.

3.1 Breves observações sobre alguns princípios da Administração Pública

Antes de adentrar nas breves observações sobre alguns princípios que norteiam a
Administração Pública, desde aqueles constantes na Carta Magna, passando pelos incluídos
na evolução do Direito Administrativo, que muitas vezes podem parecer contrários à
consensualidade, ou mesmo desincentivadores da Mediação, cabe lembrar o que leciona
Celso Antônio Bandeira de Mello338, ao lembrar um princípio da Administração Pública não
positivado, que permeia o pensamento comum da sociedade como um todo, no sentido da

337
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 149.
338
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 59.
157

supremacia do interesse público em dicotomia com o interesse individual. Para ele ninguém
nega a importância da noção jurídica do interesse público. E destaca:
ao se pensar no interesse público, pensa-se, habitualmente, em uma categoria
contraposta à do interesse privado, individual, isto é, ao interesse pessoal de cada
um. Acerta-se em dizer que se constitui no interesse do todo, ou seja, do próprio
conjunto social, assim como acerta-se também em sublinhar que não se confunde
com a somatória dos interesses individuais, peculiares de cada qual. Dizer isto,
entretanto, é dizer muito pouco para compreender-se verdadeiramente o que é o
interesse público.

Ao mesmo tempo, Onofre Alves Batista Junior339 ao discorrer sobre o mesmo tema
lembra que “o Estado e a Administração Pública apenas existem se podem promover o bem
comum”. Compartilhando com a mesma perspectiva, Maurício Morais Tonin340 reforça que a
missão permanente da Administração é a
busca do bem comum e, como dever inalienável a ser cumprido através do exercício
do poder, a prática da justiça. Neste sentido, a ideia de interesse público por certo
engloba a defesa de um interesse privado nos termos do que estiver disposto na
Constituição, isto é, a proteção do interesse privado não é apenas do particular que
possa vir a ser afetado, mas é de interesse de toda a coletividade que seja defendido.

Com a mesma perspectiva Celso Antônio Bandeira de Mello341 acrescenta que “o


interesse público deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto dos interesses
que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da
Sociedade e pelo simples fato de o serem”. Tais parâmetros lançam as bases dos princípios
contidos na Constituição e outros positivados em leis extravagantes. Os da Constituição
constam no artigo 37:
CONST. FED. - Artigo 37: A administração pública direta e indireta de qualquer
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá
aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

339
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Transações Administrativas. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 315.
340
TONIN, Maurício Morais. Arbitragem, Mediação e Outros Métodos de Solução de Conflitos Envolvendo o
Poder Público. São Paulo: Almedina, 2019. p. 56.
341
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 62. Relevante chamar a atenção para a conclusão a que o autor chega, quando reafirma a importância de
bem conceituar o interesse público por residir em “duplo aspecto; a saber: a) de um lado, enseja mais facilmente
desmascarar o mito que interesses qualificados como públicos são insuscetíveis de serem defendidos por
particulares (salvo em ação popular ou civil pública) mesmo quando seu desatendimento produz agravo
pessoalmente sofrido pelo administrado, pois aniquila o pretenso calço teórico que arrimaria: a indevida
suposição de que os particulares são estranhos a tais interesses; isto é, o errôneo entendimento de que as normas
que os contemplam foram editadas em atenção a interesses coletivos, que não lhes diriam respeito, por irrelatos a
interesses individuais. E b) de outro lado, mitigando a falsa desvinculação absoluta entre uns e outros, adverte
contra o equívoco ainda pior – e, ademais, frequente entre nós – de supor que sendo, sendo os interesses públicos
interesses do Estado, todo e qualquer interesse do Estado (e demais pessoas de Direito Público) seria ipso facto
um interesse público. Trazendo à baila a circunstância de que tais sujeitos são apenas depositários de um
interesse”.
158

Por força da evolução do Direito Administrativo, esses princípios e outros que serão
brevemente comentados a seguir não são tão contrários à Mediação como aparentemente
podem parecer. Mesmo porque, reproduzindo Thiago Marrara342, o
movimento de consensualização do Direito Administrativo contemporâneo, que se
deixa brevemente definir como o fenômeno da valorização de instrumentos
dialógicos contratuais, procedimentais ou organizacionais favoráveis à edificação de
consensos nas relações intra-administrativas, interadministrativas e nas relações
entre Poder Público e sociedade.

3.2 Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Privado

Para Celso Antônio Bandeira de Mello343, o princípio da supremacia do interesse


público sobre o privado, além de integrar o Direito Administrativo e, portanto, a
Administração, constitui-se em um princípio geral do Direito, inerente a qualquer sociedade,
sendo a própria condição de sua existência. Assim, asseverando
como expressão desta supremacia, a Administração, por representar o interesse
público, tem a possibilidade, nos termos da lei, de constituir terceiros em obrigações
mediante atos unilaterais. Tais atos são imperativos como quaisquer atos do Estado.
Demais disso, trazem consigo a decorrente exigibilidade, traduzidas na previsão
legal de sanções ou providências indiretas que induzam o administrado a acatá-las.
Bastas vezes ensejam, ainda, que a própria Administração possa, por si mesma,
executar a pretensão traduzida no ato, sem necessidade de recorrer previamente às
vias judiciais para obtê-lo. É a chamada autoexecutoriedade dos atos
administrativos. Esta, contudo, não ocorre sempre, mas apenas nas seguintes duas
hipóteses: a) quando a lei expressamente preveja tal comportamento; b) quando a
providência for urgente ao ponto de demandá-la de imediato, por não haver outra via
de igual eficácia e existir sério risco de perecimento do interesse público se não for
adotada.

E pondera, por outro lado, que este princípio possui a extensão e compostura que a
ordem jurídica lhe houver atribuído na Constituição e nas leis com ela consonantes. Portanto,
jamais caberia invocá-lo abstratamente, com precedência do perfil constitucional que lhe haja
sido derrogado. Não caberia recorrer a ele contra a Constituição ou as leis. Juridicamente, sua
dimensão, intensidade e tônica são fornecidas pelo Direito posto, e só por este ângulo é que
pode ser considerado e invocado.

342
MARRARA, Thiago. Acordos no Direito da Concorrência. In: OLIVEIRA, Gustavo Justino de (coord.).
Acordos Administrativos no Brasil. São Paulo: Almedina, 2020. p. 197.
343
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 99-100.
159

Odete Medauar344, por seu turno, nega a existência de tal princípio pelo fato de ir
contra o interesse da coletividade, automaticamente contra o interesse público, além de se
constituir em um desvio de finalidade da Administração. E argumenta que,
se um dia existiu, enfatiza, está ultrapassado por várias razões, a seguir expostas de
modo sucinto:
a) Ante a Constituição Federal de 1988, que prioriza os direitos fundamentais,
direitos estes essencialmente dos particulares, soa ilógico e incoerente à diretriz
constitucional invocá-lo como princípio do Direito Administrativo;
b) Mostra-se pertinente à Constituição de 1988 e à doutrina administrativa
contemporânea a ideia de que à Administração cabe realizar a ponderação de
interesses presentes numa determinada situação para que não ocorra sacrifício a
priori de nenhum interesse; o objetivo desta função está na busca de compatibilidade
ou conciliação dos interesses, com a minimização dos sacrifícios. Até autores que se
aferram a este princípio reconhecem a necessidade de sua reconstrução, de sua
adequação à dinâmica social, de sai adaptação visando à harmonização dos
interesses.
c) O princípio da proporcionalidade também matiza o sentido absoluto do preceito
pois implica, entre outras decorrências, a busca da providência menos gravosa, na
obtenção de um resultado.
d) Tal princípio não vem indicado na maioria maciça das obras doutrinárias
contemporâneas.

Sergio Guerra345, com a mesma ótica da autora acima citada, ensina que “há por certo
um enriquecimento do direito administrativo no século XXI com o intercâmbio de questões
com suas ramificações com o direito privado e com o direito administrativo alienígena, este
em um ambiente de internacionalização do próprio direito”. Acrescenta ainda que a
supremacia do interesse público e, indiretamente, da Administração Pública, nesta fase, deve
deixar de ser um atributo permanente e prevalente e se converter em um privilégio que deve
ser concedido caso a caso pela lei. Consequentemente, supremacia e unilateralidade se
substituem por consenso e bilateralidade.
Deve-se, dessa forma, enfatizar que este princípio caiu em desuso a partir dos
postulados constitucionais e na atualidade não se constitui em óbice para o consensualismo ou
mesmo para a Mediação. Nesse sentido, reforça a perspectiva de releitura a partir do momento
atual, sobretudo nas palavras de Juliana de Palma346, que assim destaca, ao assinalar a
insuficiência deste princípio para a fundamentação do provimento administrativo:

344
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p.162.
345
GUERRA, Sérgio. Discricionariedade, Regulação e Reflexibilidade - Uma Nova Teoria sobre as Escolhas
Administrativas. Belo Horizonte: Fórum, 2019 ps. 136-137. Deve-se observar que as duas últimas frases são a
tradução livre do espanhol para o português, extraídas do livro La globalización jurídica, de autoria do italiano
Sabino Cassese (traduzido para o espanhol por Luis Ortega, Isaac Martin Delgado e Isabel Gallego. Madrid:
Marcial Pons, 2006. p. 185. A edição original tem o título de Lo spazio giuridico globale (Roma- Bari: Laterza,
2003).
346
PALMA, Juliana Bonacorsi. Atuação Administrativa Consensual. Dissertação de Mestrado. Disponível em
www.tesesusp.br. Acesso em 30 dez. 2019. p. 153.
160

ainda que se admita o princípio da supremacia, o ato consensual pode ser


considerado o próprio interesse público, de forma que a atuação administrativa
consensual não determina a prevalência do interesse privado em detrimento do
interesse público, pelo contrário, segundo esse argumento a consensualidade
corresponderia ao processo de satisfação do interesse público concretizado no
acordo administrativo. O ponto está em considerar não apenas o ato administrativo
como expressão do interesse público, mas também o acordo firmado entre
Administração e administrado no âmbito do processo no qual não haja negociação
da prerrogativa pública. Tendo em vista os possíveis efeitos positivos da
consensualidade – como a efetividade da decisão bilateral, a economia de tempo e
de custos, bem como a maior adequação da solução negociada em relação às
particularidades da situação concreta – é importante que se reconheça o ato
consensual como a própria expressão do interesse público.

Nesse sentido, em uso ou desuso, superado ou não superado, não significa obstáculo
para a Mediação. Por isso, nem será mencionado a partir de agora.

3.3 Princípio da Legalidade

Segundo Marçal Justen Filho347, “a legalidade está abrangida na concepção da


democracia republicana. Significa a supremacia da lei (expressão que abrange a
Constituição), de modo que a atividade administrativa encontra na lei seu fundamento e seu
limite de validade”. O autor o considera como uma garantia fundamental a toda sociedade, em
especial ao cidadão e, como tal, norteia a atividade administrativa do Estado, sendo traduzida
na participação do povo ou de seus representantes eleitos na produção de normas que
introduzam inovação na ordem jurídica. Celso Antônio Bandeira de Mello348, por sua vez,
adiciona
para avaliar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo,
cumpre atentar para o fato de que ele é a tradução jurídica de um propósito político:
o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo – um quadro
normativo que embargue favoritismos, perseguições ou desmandos. Contrapõe-se,
portanto, e visceralmente, a quaisquer tendências de exacerbação personalista dos
governantes. Opõe-se a todas as formas de poder autoritário”, sendo um antídoto
natural do poder monocrático ou oligárquico,

instaurando com ele o princípio de que todo governo emana do povo, de tal sorte que
os cidadãos é que são proclamados como os detentores do poder. Os governantes nada mais
são, pois, que representantes da sociedade.

347
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
104 e 114.
348
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 103.
161

Odete Medauar349, sob perspectiva, por ela identificada como mais simplista, leciona
que “o princípio da legalidade traduz-se, de modo simples, na seguinte fórmula: a
Administração deve sujeitar-se às normas legais”. Essa aparente simplicidade oculta questões
relevantes quanto ao modo de aplicar, na prática, esse princípio. Por isso, endossando os
ensinamentos de Charles Eisenmann350, a referida autora pontua que pressupõe quatro
aspectos:
a) a Administração pode realizar todo os atos e medidas que não sejam contrários à
lei;
b) a Administração só pode editar atos ou medidas que não sejam contrários à lei;
c) somente são permitidos atos cujo conteúdo seja conforme a um esquema abstrato
fixado por norma legislativa; e
d) a Administração só pode realizar atos ou medidas que a lei ordena fazer.

E conclui: nota-se que, na ordem dessa enumeração, o vínculo da Administração com


a norma vai aumentando, de tal modo que o segundo significado implica limitação mais
acentuada que o primeiro, o terceiro agrava mais que o segundo, o quarto fixa maior restrição.
Como lembra Carlos Alberto de Salles351, “o chamado princípio da legalidade ocupa
um papel central na estruturação conceitual do Direito Administrativo. De maneira geral, ele
vem expresso pela assertiva de que a Administração só pode fazer o que a lei permite”. Por
isso, preleciona o referido autor, o espaço de liberdade da atuação administrativa é
circunscrito à lei, na forma de discricionariedade. Diversamente do que ocorre em relação ao
particular, esse espaço de liberdade não se estende àquela zona de possibilidade decorrente da
falta de regulamentação pelo ordenamento jurídico. É necessário para a Administração a
existência de um comando legal específico, consistente em um permissivo para a prática de
determinada modalidade de ato ou atividade.
Celso Antônio Bandeira de Mello352 leciona que
no Brasil o princípio da legalidade, além de assentar-se na própria estrutura do
Estado de Direito e, pois, do sistema constitucional como um todo, está radicado
especificamente nos artigos 5º, I, 37, caput e 84, IV da Constituição Federal. Estes
dispositivos atribuem ao princípio em causa uma compostura muito estrita e
rigorosa”, o que significa dizer que a Administração nada pode fazer senão o que a
lei determina. Ao contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei
não proíbe. Donde administrar é prover aos interesses públicos, assim caracterizados
em lei, fazendo-o na conformidade dos meios e formas nela estabelecidos ou

349
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 150.
350
Charles Eisenmann é conhecido administrativista, foi professor na Sorbonne e escreveu um célebre tratado do
direito administrativo, chamado Curso de Direito Administrativo, ao qual a autora faz alusão, adotando seu
critério. (EISENMANN, Charles. Cours de droit administratif. Paris: LGDJ, 1982. V.1).
351
SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.
237.
352
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 103 e 108.
162

particularizados segundo suas disposições. Segue-se que a atividade administrativa


consiste na produção de decisões e comportamentos que, na formação escalonada do
Direito, agregam níveis maiores de concreção ao que já se contêm abstratamente nas
leis.

Dentro dos aspectos acima apontados, Onofre Alves Batista Junior353 revela, por outro
lado, que, com o advento do Estado Liberal, seguido do Estado Social e do Estado
Democrático de Direito, acompanhados da crescente complexidade da sociedade e
permanente evolução das instituições, este princípio foi perdendo sua absoluta pujança,
deixando de ser visto como um super-princípio com relação aos demais. E lembra que “a
realidade moderna provou que uma autuação administrativa formalmente perfeita, ajustada
minuciosa e rigidamente em todos os seus elementos e momentos procedimentais, à prévia
regra legal, pode não garantir a obtenção de um resultado ótimo, pode ser ineficiente”. O
princípio da legalidade, segundo o autor, ainda que observado na íntegra, não é suficiente,
sempre, para garantir situações jurídicas subjetivas de maior vantagem para o cidadão.
Perante o dinamismo da realidade deste início de século, o princípio da eficiência faz-se
presente para atenuar a rigidez e o formalismo exacerbado que, tendencialmente, não
favorecem a eficiência, mas como diretriz constitucional autônoma, não se contrapõe aos
ditames da legalidade. Diante do dinamismo da sociedade eletrônica pluralista e democrática,
a Constituição não apenas exige uma atuação administrativa correta, legal, mas também
eficiente, que se desenvolva segundo regras que possibilitem a desburocratização, a
economicidade, a eficácia, o rendimento, a simplicidade, a perfeição, a celeridade etc. Em
síntese, no moderno Estado Democrático de Direito (eficiente e pluralista), perante as
exigências postas pelo princípio da legalidade, não se admite entregar à burocracia,
desprovida de legitimidade democrática, liberdade decisória, ou seja, não se pode pagar com a
legalidade um tributo à eficiência.
No mesmo sentido Odete Medauar354 esclarece que a compreensão desse princípio
hoje
deve abranger não somente a lei formal, mas também os preceitos decorrentes de um
Estado democrático de direito, que é o modo de ser do Estado brasileiro, conforme
prevê o artigo 1º caput da Constituição; e ainda, deve incluir os demais fundamentos
e princípios de base constitucional. Desse modo vincula-se a atividade
administrativa aos valores que informam o ordenamento como um todo.

E lembra que a multiplicidade de fontes existente no ordenamento jurídico brasileiro


dificulta a determinação de um modelo que, recomenda, seja em rede. Por isso, Geisa

353
BATISTA JUNIOR, Onofre Alves. Transações Administrativas. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 102-109.
354
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 3. Ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2017. p.174.
163

Neiva355 enaltece que o “constitucionalismo contemporâneo, fundado na valorização dos


direitos do homem, deixa de lado a legalidade estrita, apoiada apenas nas razões do estado e
na supremacia do interesse público, com elevado formalismo procedimental para prestigiar a
democracia participativa”.
Com base nas observações acima, André Bergamaschi356 conclui:
esta nova visão sobre a legalidade administrativa altera diretamente o sentido da
norma constitucional, a qual se sobrepõe como norma superior, mas também se
aplica diretamente ao caso concreto pela autoexecutoriedade de seu mandamento e
efetiva aplicabilidade direta dos princípios constitucionais. A compreensão desses
sentidos da legalidade administrativa é importante por que repercute na discussão
sobre a possibilidade ou não de adoção de meios consensuais independentemente de
previsão legal específica.

Depreende-se claramente que o princípio da legalidade não pode ser considerado


como elemento de resistência para o emprego do consensualismo ou mesmo da Mediação, já
que se agrupa naqueles em que está sendo objeto de releitura a partir da evolução por que
passa a Administração Pública. Em outras palavras, a Administração da atualidade abandona
o perfil de simples aplicadora da lei para participar de um processo de construção normativo,
pois continua a depender de autorização legal, mas não necessariamente expressa, podendo
ser implícita, decorrente de um bloco normativo ou mesmo de valores do ordenamento
jurídico.

3.4 Princípio da Impessoalidade

Segundo Marçal Justen Filho357, “a impessoalidade é uma faceta da isonomia, tendo


em vista especificamente a aplicação da lei pelo Estado. Todos são iguais perante o Estado”.
A impessoalidade não afasta a exigência de tratamento igualitário para os iguais e não
igualitário para os desiguais. Reside em impedir que algum sujeito receba tratamento mais
vantajoso ou prejudicial do que o reservado para o conjunto da população. Em outras
palavras, como sublinha Celso Antônio Bandeira de Mello358, neste princípio
se traduz a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem
discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo, nem perseguições são

355
NEIVA, Geisa Rosignoli. Conciliação e Mediação na Administração Pública – Parâmetros para sua
efetivação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p.84.
356
BERGAMASCHI, André Luís. A Resolução dos Conflitos envolvendo a Administração Pública por meio de
mecanismos consensuais. Tese de Mestrado. Disponível em www.tesesusp.br. Acesso em 30 dez. 2019.
357
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
105.
358
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 117.
164

toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem


interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários de facções ou
grupos de qualquer espécie.

O autor considera que este princípio se confunde com o da igualdade e o da isonomia.


Odete Medauar359, com outra perspectiva, observa que este princípio “recebe várias
interpretações da doutrina e, nelas inspiradas, defende que visa impedir que fatores pessoais,
subjetivos, sejam os verdadeiros móveis e fins das atividades administrativas”. Com o
princípio da impessoalidade, a Constituição busca que predomine o sentido função, isto é, a
ideia de que os poderes atribuídos finalizem-se ao interesse de toda a coletividade, portanto a
resultados desconectados de razões pessoais. Em situações que dizem respeito a interesses
coletivos ou difusos, a impessoalidade significa a exigência de ponderação equilibrada de
todos os interesses envolvidos, para que não se editem decisões movidas por preconceitos ou
radicalismos de qualquer tipo. Para ela, este princípio está interligado ao da moralidade e da
publicidade, que serão objetos de análise nos próximos itens.
Com este princípio não se constata também eventual dificuldade com a
consensualidade e muito menos com a Mediação, pois poderá promover soluções possíveis e
adequadas ao atendimento das demandas da sociedade e à abertura de certa margem de
discricionariedade decisória ao agente público, o que permite à Administração uma tomada de
decisão mais eficiente em casos excepcionais, que exigem diretrizes diferenciadas. Além
disso, a possibilidade de tratamento diferenciado em situações especiais permite àqueles que
estiverem em situações semelhantes tratamento similar, o que certamente coincide com a
necessária isonomia na tomada de decisão. Esses conceitos possibilitam a abertura de certa
margem de liberdade ao agente público, uma vez que não apresentam uma descrição rígida e
fechada da atuação da Administração e, em contrapartida, direcionam sua atuação em prol do
interesse público, pautado pela busca do bem comum. Nesse sentido, bem conclui Fabrízio
Pieroni360 ao declarar que este princípio deve ser entendido como importante atenção à
discricionariedade, pois impede “atuação caprichosa do agente público, fora dos padrões
estabelecidos”.

359
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015 p. 151.
360
PIERONI, Fabrizio de Lima. A Consensualidade e a Administração Pública: a autocomposição como método
adequado para a solução de conflitos concernentes aos entes públicos. Dissertação de Mestrado; Disponível em:
www.tede2.pucsp.br. Acesso em 30 jan. 2020. p.110.
165

3.5 Princípio da Moralidade

Marçal Justen Filho361 esclarece que o princípio da moralidade “exige que a


Administração Pública seja desenvolvida de modo leal e que assegure a toda a comunidade a
obtenção de vantagens justas”. O autor exclui a aplicação do provérbio “os fins justificam os
meios”. Nem mesmo a invocação do bem comum ou do interesse público abstrato legitima a
expropriação ardilosa de bens ou a destruição de interesse de um particular. Para ele, a
moralidade consiste na exigência de compatibilidade da atividade administrativa com os
valores éticos genericamente considerados. Reside no respeito à identidade, à autonomia e aos
interesses dos terceiros e interdita a obtenção de vantagens não respaldadas pela boa-fé,
excluindo a legitimidade de conduta fundada em subterfúgios, no aproveitamento da ausência
de conhecimento ou de condições de defesa do próximo.
Segundo Odete Medauar, este princípio
é de difícil expressão verbal. A doutrina busca apreendê-lo, ligando-o a termos e
noções que propiciem seu entendimento e aplicação. Talvez porque seja impossível
enquadrar em ou dois vocábulos a ampla gama de condutas e práticas desvirtuadoras
das verdadeiras finalidades da Administração. Em geral, a percepção da moralidade
administrativa ocorre no enfoque contextual, ou melhor, ao se considerar o contexto
em que a decisão foi ou será tomada. A decisão, de regra, destoa do contexto, e do
conjunto de regras de conduta extraídas da disciplina geral norteadora da
Administração.

Onofre Alves Batista Júnior362, entretanto, esclarece que este princípio hoje
“ultrapassa a ideia de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração, para
se tornar um vetor para a função administrativa, que exige uma atuação pautada por conduta
ética, em conformidade com os valores sociais prevalentes, voltada para a justa realização dos
fins estatais”. Por outro lado, sustenta o autor, não carrega a ilusão de poder expurgar todos os
vícios e assentar todas a virtudes da atuação administrativa, mas se volta apenas para alguns
aspectos determinados da conduta da Administração, de grande relevância social. Dentre eles,
destaca a probidade administrativa, a boa-fé, a proteção da confiança dos administrados na
Administração e a veracidade.
Mais um princípio que não obstaculiza a consensualidade ou mesmo a Mediação, já
que pressupõe a tomada de decisão por instâncias de deliberação e controle procedimental, os
quais devem levar a ganhos de eficiência, uma vez que a decisão consensual com a

361
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
105-106.
362
BATISTA JUNIOR, Onofre Alves. Transações Administrativas. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 119-121.
166

participação e contribuição de vários atores os torna corresponsáveis pela medida tomada.


Dispensam comentários os ganhos que poderão advir com a Administração em rede e a gestão
compartilhada, em que são vários os atores participam e contribuem com experiências e
conhecimentos diversos. Dessa forma, todas as instâncias de deliberação funcionam com
corresponsabilidade, visando à tomada de decisão consensual.

3.6 Princípio da Publicidade

Odete Medauar363, ao analisar o princípio da publicidade, recorda que está ligado à


transparência ou visibilidade, “também tratado como publicidade da atuação administrativa,
encontrando-se associado a reivindicação geral de democracia administrativa, vigorando para
todos os setores e todos os âmbitos da atividade administrativa”.
No mesmo sentido, preleciona Celso Antônio Bandeira de Mello364, enfatizando que,
com ele, “consagra-se o dever administrativo de manter plena transparência em seus
comportamentos”.
Marçal Justen Filho365 explica que este princípio “exige que os atos estatais sejam
levados ao conhecimento de todos, ressalvadas as hipóteses em que se justificar o sigilo”.
Para ele, a publicidade desempenha duas funções complementares. Por um lado, assegura a
todos o poder de obter informações relativamente às ações e omissões praticadas por agentes
estatais e mesmo não estatais, quando na gestão de recursos públicos. Por outro lado, a
garantia do conhecimento por quaisquer terceiros é um fato de desincentivo à prática de atos
reprováveis, eis que eleva a possibilidade de que as práticas reprováveis sejam reveladas,
envolvendo a divulgação ao público em geral da informação de um modo impessoal e
generalizado.
Ao se tratar deste princípio, de imediato vem à mente uma característica da Mediação
e que, em seu Marco Legal, passou a ter o status de princípio: a Confidencialidade. Para se
responder a este quesito, é necessário reforçar a validade das considerações disponibilizadas
no item 2.1.5, relativo à Confidencialidade, contida no item 2.1 sobre as Considerações Gerais
quanto à Lei 13.140/15, da Parte II – Mediação. Além de acolhê-las sem exceção nas

363
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 159-
160.
364
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 117.
365
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
106
167

presentes observações, bem demonstra que não se trata de elemento que possa oferecer
alguma dificuldade tanto para o consensualismo, quanto para a Mediação. Muito ao contrário,
face ao pressuposto de ambos, isto é, ao fato de que a estruturação de suas metodologias é
baseada na autonomia plena de seus participantes, a flexibilidade se constitui em outro
componente de excelente adequação.
Nesta perspectiva, Fabrizio Pieroni366 agrega com ênfase:
não há dúvidas de que, pela índole infraconstitucional, a confidencialidade se
submete ao princípio constitucional da publicidade. Ainda que a divulgação dos atos
e das informações produzidas durante o procedimento da Mediação ou da
Conciliação possa ser desestímulo, prevalece o interesse público na transferência e
na publicidade das informações em detrimento do relativo ao acordo. É
inadmissível, portanto, pensar em confidencialidade do procedimento de Mediação
ou de Conciliação envolvendo a Administração Pública quanto aos termos do
acordo, documentos ou informações que permearam a discussão das propostas de
solução.

E conclui o referido autor que, em se tratando de conflitos envolvendo entes públicos,


a publicidade é a regra e a confidencialidade é exceção prevista no ordenamento jurídico
brasileiro, em especial a Lei 12.527/2011.
Importante lembrar que este princípio poderá se chocar com um dos princípios da
Mediação, criada e inspirada no ambiente privado, constituindo-se também em um elemento
atrativo para seu uso. Trata-se da confidencialidade. Dada a importância de que ambos
componentes se revestem, será objeto de considerações quando esta dissertação adentrar na
Mediação e a Administração Pública. De maneira pontual e antecipatória, poderão ambos se
acomodar, dependendo dos eixos estruturantes da Mediação, de que tema conflituoso se trata
e de onde parte sua aplicação.

366
PIERONI, Fabrizio de Lima. A Consensualidade e a Administração Pública: a autocomposição como método
adequado para a solução de conflitos concernentes aos entes públicos. Dissertação de Mestrado; Disponível em:
www.tede2.pucsp.br. Acesso em 30 jan. 2020. p. 112. O referido autor explica na sequência as exceções ao
limite da duplicidade contidas na “Lei de Acesso à informação (Lei 12.527/2011). Assim, na Mediação e na
Conciliação, a publicidade é a regra e a confidencialidade deve ceder espaço, salvo nas situações excepcionais
previstas na Lei, como no caso de informações que ponham em risco a defesa e a soberania nacionais ou a
integridade do território nacional(art 23, I); que possam prejudicar ou por em risco a condução de negociações
ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e
organismos internacionais( art. 23, II); que ponham em risco a vida, a segurança ou a saúde da população (art 23,
III); que ofereçam elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País (art 23, IV); que
prejudiquem ou possam causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas ( art. 23, V); que
possam prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim
como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional (art. 23, VI): que possam pôr em
risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais e estrangeiras e seus familiares ( art. 23, VII);
ou que possam comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em
andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações (a rt. 23, VIII).”. Cf. p. 113.
168

3.7 Princípio da Eficiência

Segundo André Bergamaschi367, “o princípio da eficiência administrativa foi


introduzido no art. 31 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional 19/98. É
naturalmente um conceito aberto, de desdobramentos que não foram dados pelo texto
constitucional.” Silvia Johonsom di Salvo368, sobre este princípio, salienta que a “nova
postura da Administração Pública consciente de sua instrumentalidade para consecução de
sua finalidade foi bem pontuada com o advento da referida emenda, que consagrou a
eficiência como um dos vetores da atuação da Administração Pública”.
Na mesma linha, Odete Medauar369 enfatiza que “a eficiência é princípio que norteia
toda a atuação da Administração Pública. Determina a ela o dever agir, de modo rápido e
preciso, para produzir resultados que satisfaçam as necessidades da população”, contrapondo-
se à lentidão, ao descaso, à negligência e à omissão. E conclui que tem sido suscitado
entendimento equivocado de que, em nome da eficiência, a legalidade seria sacrificada.
Ambos devem ser compatíveis entre si, fazendo com que a Administração atue com eficiência
dentro da legalidade.
Marçal Justen Filho370 de sua parte, explica que
quando se afirma que atividade estatal é norteada pela eficiência, não se impõe a
subordinação da atividade administrativa à pura e exclusiva racionalidade
econômica. Eficiência administrativa não é sinônimo de eficiência econômica. Ao
contrário, a atividade estatal deverá traduzir valores de diversas ordens e não apenas
de cunho econômico.

Para ele, este princípio impõe como primeiro dever à Administração evitar o
desperdício e a falha, pois a otimização do uso dos recursos permite a realização mais rápida e
mais ampla dos encargos estatais. Impõe também que o fim buscado pela Administração deva
ser realizado segundo menor custo econômico possível, o que não é a obtenção de maior
lucro.
Onofre Alves Batista Junior371, por sua vez, lembra que este princípio é a expressão
da ideia da boa administração, traduzindo “a necessidade de atendimento abrangente, célere,

367
BERGAMASCHI, André Luís. A Resolução dos Conflitos envolvendo a Administração Pública por meio de
mecanismos consensuais. Tese de Mestrado. Disponível em www.tesesusp.br. Acesso em 30 dez. 2019. p. 59.
368
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
Desenho Institucional e Procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p.99.
369
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno.19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 161.
370
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
108-110.
371
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Transações Administrativas. São Paulo: Quartier Latin, 2007 p. 101-103.
169

completo, de determinado fim, incondicionalmente, porque os fins estatais são múltiplos,


devendo dispor de novas estratégias, utilizar práticas gerenciais modernas, preparar-se para
atender às novas necessidades dos administrados, sem abdicar de sua visão pública”. E
determina também para a Administração o dever positivo de atuação otimizada,
considerando-se os resultados da atividade exercida, bem como a adequação da relação entre
os meios e os fins que se pretende alcançar. Na mesma linha, Humberto Ávila372 considera
que:
eficiente é a atuação administrativa que promove e forma satisfatória os fins em
termos quantitativos, qualitativos e probabilísticos. Para que a administração esteja
de acordo com o dever de eficiência, não basta escolher meios adequados para
promover seus fins. A eficiência exige mais do que mera adequação. Ela exige
satisfatoriedade na promoção dos fins atribuídos à administração. Escolher um meio
adequado para promover um fim, mas que promove o fim de modo insignificante,
com muitos efeitos negativos paralelos ou com pouca certeza, é violar o dever de
eficiência administrativa. O dever de eficiência traduz-se, pois, na exigência de
promoção satisfatória dos fins atribuídos à Administração Pública, considerando
promoção satisfatória, para esse propósito, a promoção minimamente intensa e certo
do fim.

Juliana de Palma373, por seu turno, leciona que


tendo em vista a natureza de conceito jurídico indeterminado de eficiência
corroborada pelo seu viés principiológico, o preceito é caracterizado pela
multiplicidade de significados que decorrem da textura semântica aberta. A
concretização do comando exige, assim, a adoção de uma linha de entendimento.

Por isso, defende que este princípio deve ser compreendido com as seguintes
vertentes: (i) a eficiência como sinônimo de boa administração; (ii) a eficiência como
comando de otimização das decisões administrativas; e (iii) eficiência como dever de escolha
do meio mais adequado para determinar decisões eficientes ao caso concreto.
Denota-se, ante as considerações dos autores acima e, sobretudo, as de Juliana de
Palma, que este princípio em nada poderá criar impedimentos quer à consensualidade quer à
Mediação. Muito pelo contrário, pode ser considerado um verdadeiro incentivador de ambos.
Luciane Moessa de Souza até atribui a este princípio o fundamento para a adoção da
consensualidade e, em especial, da Mediação, já que pressupõem que os conflitos envolvendo
entes públicos “sejam resolvidos da forma que melhor apresente a relação custo-benefício, o
que se mede segundo o menor custo, no menor tempo, menor desgaste” para os participantes,

372
ÁVILA, Humberto. Moralidade, razoabilidade e eficiência na atividade administrativa. Revista Eletrônica de
Direito do Estado. Salvador, IBDF. N4, out/dez.2005. Disponível em:
http://direitodoestado.com.br/artigo/humberto-avila/moralidade-razoabilidade-e-eficiência-atividade-
administrativa. Acesso em: 30 dez. 2019. p. 15
373
PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação Administrativa Consensual – Estudo dos acordos substitutivos no
processo administrativo sancionador. Dissertação de Mestrado. Disponível em: www.tesesusp.br. Acesso em 30
dez. 2019. p. 91.
170

sem dizer resultados de benefícios mútuos para os que dele participam. André
Bergamaschi374, entretanto, adverte que
é necessário evitar o entendimento errôneo de que a eficiência deve ser levada ao
cabo com sacrifício da legalidade. O princípio da legalidade dos atos da
Administração Pública tem como objetivo fazer valer a finalidade pública, veiculado
pela vontade estatal como representativa da sociedade. Sendo assim, a busca pela
eficiência deve ser canalizada conforme as permissões legais dadas à atuação no
caso, não podendo a Administração valer-se de expedientes que, apesar de atingir a
finalidade de maneira eficiente, desconsideram as margens de sua atuação e violam
a própria segurança do ato.

Dentre os princípios em comento, este parece ser o mais adequado à possibilidade da


Mediação face à Administração Pública, pois, como mencionado pelos autores acima,
demanda elementos mais atuais e adequados à Administração da pós-modernidade, e a
Mediação, sem dúvida, pode proporcionar esta eficiência.

3.8 Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público

Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello375,


a indisponibilidade dos interesses públicos significa que sendo interesses
qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público – não se
encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio
órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no
sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita
conformidade do que predispuser o intentio legis. Na Administração os bens e os
interesses não se acham entregues à livre disposição da vontade do administrador.
Antes, para este, coloca-se a obrigação, o dever de curá-los em termos de finalidade
a que estão adstritos. É a ordem legal que dispõe sobre ela. Relembre-se que a
Administração não titulariza interesses públicos. O titular deles é o Estado, que, em
certa esfera, os protege e exercita através da função administrativa, mediante o
conjunto de órgãos veículos da vontade estatal consagrada em lei.

Odete Medauar376, leciona que,


segundo tal princípio, é vedado à autoridade administrativa deixar de tomar
providências ou retardar providências que são relevantes ao atendimento do
interesse público, em virtude de qualquer outro motivo. Por exemplo: desatender ao
princípio a autoridade que deixar de apurar a responsabilidade por irregularidade de
quem tem ciência; desatender ao princípio a autoridade que deixar de cobrar débitos
para com a Fazenda Pública, embora a Administração, por vezes, deixe de cobrar
débitos de pequeno valor, ante a desproporção entre o elevado custo da cobrança e a
pequena quantia a ser auferida.

374
BERGAMASCHI, André Luís. A Resolução dos Conflitos envolvendo a Administração Pública por meio de
mecanismos consensuais. Tese de Mestrado. Disponível em www.tesesusp.br. Acesso em 30 dez. 2019. p. 62.
375
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 77.
376
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 163.
171

377
Carlos Alberto de Salles por seu turno, enfatiza que hoje este princípio,
“inicialmente é um limitador para soluções consensuais, a partir do momento que a
indisponibilidade seja objeto do conflito. Ressalta a necessidade de tratar o tema com maior
atenção, pois deve possuir um significado específico, considerando sua finalidade e função no
sistema jurídico”. Afirma que a característica de indisponibilidade, a esse propósito, deve ser
distinguida de outras situações jurídicas na quais existam condicionamentos específicos para
disposição de determinados bens, como ocorre em muitas situações envolvendo o Poder
Público. Para tanto, propõe a separação entre indisponibilidade material e indisponibilidade
normativa e a diferenciação entre indisponibilidade e reserva de jurisdição. Odete Medauar378,
com base na perspectiva da contemporaneidade, ressalta que
não se mostra adequado invocar tal princípio como impedimento à realização de
acordos, à utilização de práticas consensuais e da arbitragem pela Administração. Na
verdade, o interesse público realiza-se plenamente, sem ter sido deixado de lado,
rápida solução de controvérsias, na conciliação de interesses, na adesão de
particularidades à suas diretrizes, sem ônus e a lentidão da via jurisdicional.

E Silvia Johonsom di Salvo379, por seu turno, agrega a nova visão de seus norteadores,
ao explicar que
admitir-se que todo interesse público é indisponível é negar a própria existência da
contratualização administrativa e assumir a predominância de uma vertente
autoritária e centralizadora da Administração Pública. A partir do fenômeno da
globalização, as sociedades perderam as amarras impostas pelos limites geográficos
de seus Estados-nação. As relações econômico-sociais se intensificaram,
requisitando novos modelos de gestão para esta nova sociedade a aldeia global. As
transformações no modelo de Estado, impingidas por uma nova ideia de função
estatal inspirada na consensualidade e flexibilidade, demandam releitura da
concepção tradicional da indisponibilidade do interesse públicos.

Este é mais um princípio que poderá oferecer obstáculos para o emprego da Mediação
no contexto público. Como todos os demais, muito dependerá de onde for oferecida a
atividade, o conflito em que os possíveis participantes estejam envolvidos e a existência ou
não de todos os elementos estruturantes da Mediação. O tema será debatido na Parte IV da
presente dissertação.

377
SALLES, Carlos Alberto de. A indisponibilidade e a solução consensual de controvérsias. In: GABBAY,
Daniela Monteiro; TAKAHASHI, Bruno (org.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos consensuais de
solução de conflitos. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014. p. 225-226.
378
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 164.
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
379

desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 98.


172

3.9 Outros Princípios

Outros princípios que acabam por não impedir a consensualidade ou mesmo a


Mediação poderiam ser citados. Por exemplo, o da proporcionalidade, que, segundo Celso
Antônio Bandeira de Mello380, “enuncia a ideia que as competências administrativas só
podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade correspondentes ao que seja
realmente demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que estão
atreladas”. Concordando em parte com o autor acima, Odete Medauar381 explica que este
princípio consiste, principalmente, “no dever de não serem impostas, aos indivíduos em geral,
obrigações, restrições ou sanções em medida superior àquela estritamente necessária ao
atendimento do interesse público, segundo critério de razoável adequação dos meios aos fins”.
Para ela, autores pátrios separam este princípio do da razoabilidade, que ela considera
possuírem o mesmo sentido.
Além do citado no parágrafo anterior, o princípio da motivação deve ser mencionado.
Celso Bandeira de Mello382 esclarece que é dever da Administração “justificar seus atos,
apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os
eventos e situações que deu por existentes e a providência tomada, nos casos em que este
último aclaramento seja necessário para aferir-se a consonância da conduta administrativa
com a lei que lhe serviu de arrimo”. Interessante chamar a atenção para o fato de que este
princípio, além de não se constituir entrave para o consensualismo ou mesmo para a
Mediação – pois é elemento pressuposto de eventual entendimento entre e com entes públicos
–, também é fator de convencimento para o melhor tratamento do conflito para os que não
integraram o processo de atingimento da solução, sem mencionar o atendimento aos
requisitos de legitimidade e validade dos atos da Administração.
Outros princípios, como os da segurança jurídica, continuidade, presunção de
legalidade e veracidade, autoexecutoriedade, autotutela administrativa, ou mesmo da
finalidade, poderiam ser pontualmente trazidos a breve análise. Isso não significa afirmar que
sejam menos importantes; significa, sim, fugir ao critério adotado por Celso Antônio Bandeira

380
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 113.
381
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 163.
382
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 115.
173

de Mello383, que separa aqueles eminentemente estruturantes da Administração e aqueles que


se constituem na “essência do próprio Direito, notadamente de um Estado Democrático de
Direito, de tal sorte que faz parte do sistema constitucional como um todo”. Esses outros
princípios enquadram-se entre os princípios gerais do Direito Administrativo ou os da própria
Administração Pública de forma estrita, e ao mesmo tempo não criam obstáculos para o uso
da Mediação no contexto da Administração Pública.
Por outro lado, Luciane Moessa de Souza384 destaca que a própria Constituição
Federal aponta os fundamentos para que a Administração Pública possa adotar a
consensualidade na resolução de conflitos, a saber:
1) o princípio do acesso à Justiça, previsto no artigo 5º, XXXV, que exige a
disponibilização de métodos adequados sob os aspectos temporal, econômico e de
resultados não se limitando ao acesso ao Poder Judiciário, sendo dele decorrente o
princípio da razoabilidade na duração do processo administrativo;
2) o princípio da eficiência, estabelecido no caput do artigo 37 que determina os
conflitos sejam resolvidos de maneira a equilibrar custo e benefício, menores custos,
menos tempo, menos desgastes entre os atores, e
3) o princípio de democrático, que preceitua não ser o Estado um fim em si mesmo e
reclama, portanto, que, “quando o Poder Público se veja envolvido em conflitos
com particulares, ele se disponha, em primeiro ligar, a dialogar com estes para
encontrar uma solução adequada.

Como enfatizado, com a evolução da sociedade, os princípios do Direito


Administrativo passaram a evoluir também, assim como outros princípios passam a ser
incorporados em função da permanente necessidade de atualização e adequação da
Administração, como já ressaltado neste texto em relação a distintos aspectos. Por isso, Odete
Medaur 385salienta que a partir de 1990
novos itens foram se inserindo na temática do Direito Administrativo. Tais assuntos
não figuravam quer na sua elaboração clássica, quer no rol de matérias
acrescentadas nas décadas de 70 e 80 do século passado. Passaram a ser estudados e
incluídos nos manuais, teses, dissertações, artigos a contar de 1990. Alguns desses
itens emergiram anteriormente, mas se expandiram no Direito Administrativo na
referida época.

Com base nos elementos acima destacados, Diogo de Figueiredo Moreira Neto386
sublinha que

383
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 132
384
SOUZA, Luciane Moessa de. Mediação de Conflitos envolvendo entes públicos. In: SOUZA, Luciane Moessa
de (coord.). Mediação de conflitos – Novo paradigma de acesso à Justiça. 2 Ed. Santa Cruz do Sul: Essere nel
Mondo, 2015. p. 332.
385
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 3ª Ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2017. p. 314.
386
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. O futuro das cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos.
In: ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Direito Administrativo e seus
novos paradigmas. Belo Horizonte, Forum, 2008. p. 79.
174

o conceito pós-moderno do Direito Administrativo, que se delineia nesta abertura do


século XXI, já passa a se apresentar com características bastantes diferenciadas em
relação ao conceito anterior, tais como:
1º. a de ser mais um direito dos administrados do que um direito do Estado;
2º. a de servir a cidadãos e não mais a súditos;
3º. a de mostrar-se muito mais um direito de proteção e de prestação do que um
direito de imposição;
4º. a de atuar preponderantemente como um direito de distribuição do que um direito
para solucionar conflitos, e
5º. A de tornar-se, cada vez mais, um direito da consensualidade, em vez de um
direito da imperatividade.

Dentre eles, destaca-se o tema da consensualidade, que Gustavo Justino de Oliveira387


considera representar novo eixo dogmático, ao salientar que
tradicionalmente orientado pela lógica da autoridade, imposição e unilateralidade, o
direito administrativo contemporâneo passa a ser permeado e combinado com a
lógica do consenso, da negociação e da multilateralidade. O modelo burocrático –
baseado na hierarquia e racionalização legal das competências – passa a coexistir
com outros modelos que prestigiam de modo mais acentuado a eficácia e resultados
(gerencialismo) e também a democraticidade e legitimidade das relações jurídico-
administrativas (nova governança pública e Administração Pública paritária).

Este eixo dogmático, para Vivian Valle388, significa que a Administração, ao optar
pelos métodos dialógicos, está fazendo uma escolha “pelo consenso e não pela autoridade,
adotando um princípio da preferência ao consenso”. Convém destacar este último aspecto, o
qual reforça a grande evolução do Direito Administrativo pátrio e, consequentemente, a
Administração Pública na direção da consensualidade, com a construção de um cenário
pródigo para implementação efetiva da Mediação. Daí a importância de analisar a
Administração Pública e a consensualidade.

387
OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Convênio é acordo, mas não é contrato: contributo de Hely Lopes Meirelles
para a evolução dos acordos administrativos no Brasil. In: WALD, Arnold; JUSTEN FILHO, Marçal;
PEREIRA, Cesar Augusto Guimarães (org.). O direito Administrativo na atualidade: estudos em homenagem ao
centenário de Hely Lopes Meirelles (1917-2017), defensor do estado de direito. São Paulo: Malheiros, 2017. p.
523.
388
VALLE, Vivian Cristina Lima López. O acordo Administrativo entre o Direito Público e o Direito Privado:
Emergência de uma Racionalidade Jurídico – Normativa Público – Privada? In: OLIVEIRA, Gustavo Justino
de. Acordos Administrativos no Brasil. São Paulo: Almedina, 2020. p. 87.
175

4 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A CONSENSUALIDADE

Segundo Odete Medauar389, a Administração Pública da pós-modernidade é marcada


por duas grandes tendências: a constitucionalização, através de seus princípios, regras de
licitações e contratos nela elencados, e a consensualidade. Por isso, identifica o momento
como a
era da Administração Consensual, para o estabelecimento de amplas negociações,
antes que imposições, visando a colaboração entre a Administração e entidades
privadas, mediante acordos e parcerias, e até mesmo à cooperação entre as próprias
pessoas de direito público de diferentes esferas.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto390, por sua vez, acrescenta


na pós-modernidade a Administração Pública mais do que se conformar-se com os
velhos atributos do ato administrativo, que se encerravam na verificação da sua
existência, do atingimento à sua finalidade e da eficácia, precisa também revesti-los
de legitimidade. Essa somente será alcançada se houver uma certa concordância,
ainda que tácita, da sociedade em relação às escolhas públicas, o que leva à
conclusão de que o consenso é uma medida eficaz de realização das finalidades
constitucionais reservadas aos Estado.

Para Silvia Johonsom di Salvo391


é inegável que, pela mutação das funções administrativas como forma de promoção
do bem comum, a Administração Pública necessita contar com uma postura
colaborativa dos particulares, sendo bem verdade que o consenso entre
Administração Pública e sociedade civil representa forma de legitimação da atuação
estatal, uma vez que representa participação dos interesses, poderes e humores
privados dentro do exercício da função pública, em um inter-relacionamento
harmônico. Dessa forma, o consenso instrumentaliza o atingimento do bem comum,
em nova forma de se estabelecer o interesse público.

Como afirma Juliana de Palma392,


assiste-se hoje, no âmbito da Administração Pública, ao desenvolvimento de uma
das mais promissoras – e desafiadoras – técnicas de ação administrativa: a atuação
administrativa consensual. Acompanhando um cenário mais abrangente, que tem
como principal protagonista o Judiciário, a partir da década de 1990 a
Administração Pública passou a fazer uso da consensualidade para exercício de suas
competências administrativas, fazendo do acordo administrativo um instrumento
juridicamente viável e à disposição do gestor público ao lado do ato administrativo.
Primeiramente tímido, pois que restrito a técnicas de participação administrativa
como audiências e consultas públicas, o movimento de abertura á consensualidade
expandiu-se significativamente nos últimos 15 anos e, hoje, a consensualidade

389
MEDAUAR, Odete. Considerações sobre o futuro das cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos.
São Paulo. Revista do Advogado, Ano XXIX, Dezembro, 2009, Contratos com o Poder Público. p. 16.
390
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Quatro paradigmas do Direito Administrativo pós-moderno –
Legitimidade – finalidade – eficiência – resultado. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 29-31
391
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 34.
392
PALMA, Juliana Bonacorsi de. A consensualidade na Administração Pública e seu controle judicial. In:
GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI, Bruno (org.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos
consensuais de solução de conflitos. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014. p. 143.
176

adquire importância inquestionável na gestão pública, podendo-se recolher cada vez


mais exemplos de técnicas que prezam pelo diálogo na esfera administrativa.

Conclui a mesma autora que a projeção da consensualidade na Administração Pública


desafia o modelo da ação administrativa tradicionalmente utilizado pelo Poder Público
visando à satisfação de finalidades públicas e, consequentemente, finalidades sociais. Nota-se,
portanto, que a consensualidade abarca diversos elementos, transpondo barreiras até então
impensadas, adequando seus princípios à evolução da sociedade como um todo, promovendo
ações inovadoras e, muitas vezes, inéditas, ampliando com isso o seu aperfeiçoamento como
instituição do Estado voltada para atender seus cidadãos, oferecendo nova perspectiva não
somente para a Administração em todas as suas atividades, mas também ao seu usuário.
Tudo isso, resulta no que Diogo de Figueiredo Moreira Neto393 destaca como
vantagens, pois para ele
é inegável que o consenso como forma alternativa de ação estatal representa para
Política e para o Direito uma benéfica renovação, pois contribui para aprimorar a
governabilidade (eficiência), propicia mais freios contra os abusos (legalidade),
garante a atenção de todos os interesses (Justiça), proporciona decisão mais sábia e
prudente (legitimidade), evitam os desvios morais (licitude), desenvolve a
responsabilidade das pessoas (civismo) e torna os comandos estatais mais aceitáveis
e facilmente obedecidos (ordem). Ocorre, assim, uma interdependência sempre
mais forte entre atuação administrativa e as necessidades da população.

André Bergamaschi394 reforça as vantagens da adoção do consensualismo por outros


aspectos, o que não significa
privilegiar o particular em detrimento do público. O interesse público (aquele obtido
após a ponderação dos diversos interesses existentes) pode ser veiculado também
pelo ato consensual. Basta notar os Termos de Compromisso firmados no âmbito
das Ações Civis Públicas, as quais em tese, mesmo sendo frutos de consenso,
procuram veicular a própria proteção do interesse público. Além disso, as vantagens
que podem decorrer de um método consensual, como a economia de tempo e
recursos, o grau de legitimidade proporcionado pela participação do particular na
construção da solução, podem atender a um outro aspecto do interesse público.

Neste cenário de mutação e maior aproximação entre público e privado, levando a


confundir fronteiras, a legislação tem buscado acompanhar esta evolução, por isso o estímulo
ao uso de métodos extrajudiciais de resolução de conflito e, consequentemente, uma
importância cada vez maior para o consensualidade. Nessa mesma linha, Vivian López

393
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos Institutos Consensuais da Ação Administrativa. Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 231, p. 129-156, jan/mar. 2003.
394
BERGAMASCHI, André Luís. A Resolução dos Conflitos envolvendo a Administração Pública por meio de
mecanismos consensuais. Tese de Mestrado. Disponível em www.tesesusp.br. Acesso em 30 dez. 2019. p. 59.
177

Valle395 concorda que Administração Pública na pós-modernidade reflete a reformulação de


sua dogmática em diversos espaços jurídicos, tratando-se de uma realidade de interpenetração
público-privada. Para ela tal fato é resultante de
um direito que se desenvolve a partir da necessidade de satisfação de direitos num
ambiente de incremento quantitativo e qualitativo das demandas sociais e de uma
proposta de Administração Pública contratualizada. Nesse espaço o consensualismo
administrativo apresenta-se como fundamento de legitimidade de alternativa ao
regime jurídico administrativo da unilateralidade e verticalidade.

Silvia Johonsom di Salvo, por sua vez, considera o consensualismo um dos grandes
marcos de evolução da gestão administrativa no século XIX. Em suas palavras, “em
contraposição à Administração Pública burocrática, a consensualidade rompe com a
concepção clássica de verticalização da relação entre Administração e administrados, incutida
na doutrina e transplantada para a realidade gerencial do Poder Público”396.
Juliana de Palma397, por seu turno, atribui o surgimento do interesse pelo
consensualismo às mudanças anteriormente mencionadas e a uma postura mais instrumental
do Direito Administrativo, baseada na
democracia substantiva, como fator de participação administrativa, a
contratualização, como fenômeno crescente da atuação da Administração para
satisfazer suas competências, privilegiando a figura do contrato administrativo em
detrimento da intervenção direta estatal e abrangendo a concertação administrativa,
e, por derradeiro a eficácia como diretriz de sua atuação.

André Bergamaschi398 acrescenta que

395
VALLE, Vivian Cristina Lima López. O acordo Administrativo entre o Direito Público e o Direito Privado:
Emergência de uma Racionalidade Jurídico - Normativa Público – Privada? In: OLIVEIRA, Gustavo Justino
de. Acordos Administrativos no Brasil. São Paulo: Almedina, 2020. p. 65.
396
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 23.
397
PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação Administrativa Consensual – Estudo dos acordos substitutivos no
processo administrativo sancionador. Dissertação de Mestrado. Disponível em: www.tesesusp.br. Acesso em 30
dez. 2019. Por oportuno, vale reproduzir os três fatores identificados pela autora: “além de fundamentar a
consensualidade, a democracia substantiva é também considerada fator que enseja a participação administrativa.
Este eixo de desenvolvimento comum ao lado do fato de a participação administrativa ser o pressuposto prático
da celebração de acordos administrativos faz com que a consensualidade seja muitas vezes compreendida no
tema da participação administrativa. Nessa linha, também é comum que a participação administrativa seja
mencionada nos textos sobre consensualidade e até mesmo seja considerada como um instrumento consensual.
Outro fator de ascensão da consensualidade no Direito Administrativo brasileiro debatido corresponde à
contratualização, fenômeno que corresponde ao crescente recurso à módulos contratuais pela Administração
Pública para satisfazer suas competências, privilegiando a figura do contrato administrativo em detrimento da
intervenção direta estatal ou, ainda, das manifestações de autoridade do Poder Público. A contratualização
corresponde a um termo amplo que abrange os contratos administrativos ao lado da concertação administrativa.
Por fim, a eficiência consiste no terceiro fator indicado pela doutrina. No entanto, na maior parte das vezes a
eficiência não é explicitada nos textos, que, ao invés, expõem genericamente as potencialidades dos instrumentos
consensuais no que se convencionou denominar de elogio ao consenso. Com o elogio ao consenso, as
externalidades positivas dos acordos administrativos são enaltecias e apresentadas abstratamente, sem atentar as
especificidades atinentes a cada tipo de instrumento consensual e sem respaldo de estudos de caso.” p.83.
178

a consensualidade emerge como um novo paradigma do Direito Administrativo,


com a promessa de atender às demandas do Estado garante de direitos fundamentais,
sobretudo em cenários de pluralidade de interesse. A ideia é não somente arbitrar
interesses, mas também, compô-los, sejam dois ou mais particulares, sejam entre
particulares e o Poder Público e entre o próprio Poder Público.

Em concordância com esse autor, Nathalia Mazzonetto399 destaca:


tal novo papel da Administração Pública inaugura novo paradigma em que o Estado
emana não apenas atos de império, orientados pelo Direito Administrativo e seus
princípios fundamentais norteadores, mas também e, sobretudo, atos de gestão, por
via dos quais a Administração Pública desce de seu patamar hierárquico para se
posicionar ao lado do particular, em condições iguais(mas nem tanto – o que não
deixa de ser natural, afinal, fala em nome de uma coletividade complexa), dando
vida a atos ordinários de negócios jurídicos ou mesmo a contratos.

Ao recordar alguns aspectos, Odete Medauar400, de sua parte, salienta que,


muito embora se realizassem anteriormente práticas consensuais na Administração
Pública, o tema, seu estudo e aplicação se divulgaram e expandiram, com
intensidade, desde os primórdios do século XXI. Autores nacionais e estrangeiros
passaram a discorrer sobre consensualidade em trabalhos específicos ou destinados a
apontar transformações na Administração Pública e no Direito Administrativo.

Juliana de Palma401 destaca, ainda, que a consensualidade se encontra dispersa no


ordenamento jurídico, pois é
disciplinada em diversas normas que versam sobre os diferentes instrumentos
consensuais à disposição da Administração, assim como nos casos em que estaria
autorizada a atuar de forma concertada ou, ainda, o modo de atuação consensual.
Trata-se de um modelo de previsão normativa difusa da atuação administrativa
consensual, marcada pela pontualidade de suas prescrições.

Nesse sentido, esclarece que o primeiro diploma legal no ordenamento jurídico


brasileiro remonta ao Decreto-Lei 3.365/41, que disciplina o processo de desapropriação,
posteriormente vieram as Leis 6.902 e 6.938, ambas de 1981, cujas modificações foram
introduzidas pelo Decreto-Lei 94.764/87, recebendo na década de 1990 mais impulso ainda
com as normativas das Agências Reguladoras, a Lei 9.099/95 dos Juizados Especiais Civis e
Criminais, algumas já mencionadas anteriormente, a Lei 10.259/01 do Juizados Especiais
Cíveis e Criminais da Justiça Federal, a Lei 8.197/91, que trata da transação judicial
envolvendo a Administração federal direta e indireta, a Lei 9.307/ 96, a Lei 9.469/97, que

398
BERGAMASCHI, André Luís. A Resolução dos Conflitos envolvendo a Administração Pública por meio de
mecanismos consensuais. Tese de Mestrado. Disponível em www.tesesusp.br. Acesso em 30 dez. 2019. p. 64.
399
MAZZONETTO, Nathalia. Novos (e adequados) rumos da Administração Pública na resolução de conflitos.
In: GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI, Bruno (org.) Justiça Federal: inovações nos mecanismos
consensuais de solução de conflitos. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014. p. 277.
400
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 3ª Ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2017. p. 352.
401
PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação Administrativa Consensual – Estudo dos acordos substitutivos no
processo administrativo sancionador. Dissertação de Mestrado. Disponível em: www.tesesusp.br. Acesso em 30
dez. 2019. p. 170-189.
179

regulamenta a Lei Complementar 73/93 sobre a Advocacia Geral da União, a Lei 11.941/09 e
as Leis 13.105/15, 13.129/15 e 13140/15.
Impende observar, portanto, que a tendência da Administração Pública em direção ao
consensualismo é fruto da evolução da legislação brasileira, que buscou se adequar aos
acordos realizados na prática, proporcionando maior segurança jurídica. Tal fato levou Juliana
de Palma402 a afirmar que este é o modelo seguido pelo País, sendo decorrente da
determinação de que os atos administrativos devem ser baseados na legalidade. Ao analisar a
legislação, a autora identifica duas categorias que instrumentam a consensualidade: acordos
substitutivos e acordos integrativos. O primeiro consiste em um ato bilateral resultante do
encontro de vontades, substituindo eventual decisão unilateral e imperativa da Administração
ou findando um processo por ela instaurado. Um exemplo é a Resolução 63/04 da ANEEL,
cujo art. 21 determina: poderá a ANEEL, alternativamente à imposição da penalidade, firmar
com a concessionária permissionária termo de ajuste de conduta, visando à adequação aos
dispositivos contratuais aplicáveis. Já o segundo trata de acordo integrado a um processo
voltado a emissão de um ato imperativo e unilateral pela Administração, caracterizado pelo
delineamento do exercício de sua prerrogativa imperativa estatal. O exemplo seria o artigo 42
do Decreto 99.274/90, que permite termo de compromisso, não substituindo a multa, mas
pode determinar a redução do seu valor em até 90%. Todos eles foram amparados na
legislação, que, por sua vez, impulsionou outros que, posteriormente, constituíram novos
marcos legislativos.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto403, ao se referir ao consensualismo no contexto da
Administração Pública, por ele identificado como Administração concertada, definiu-o como
“uma fórmula sintética designativa para os novos modelos de ação administrativa, ou seja,
aquele módulos organizativos e funcionais caracterizados por uma atividade consensual e
negocial”, que em pouco tempo passou a ser empregada não apenas para o desempenho da
Administração corrente como – e principalmente – para o desenvolvimento de projetos
conjuntos entre a iniciativa privada e as entidades administrativas públicas, e até para a
solução de conflitos. O referido autor atribui tamanha importância ao tema para a
Administração que apresentou uma classificação das inúmeras modalidades consensuais da

402
PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação Administrativa Consensual – Estudo dos acordos substitutivos no
processo administrativo sancionador. Dissertação de Mestrado. Disponível em: www.tesesusp.br. Acesso em 30
dez. 2019. p. 190-200.
403
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos Institutos Consensuais da Ação Administrativa. Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 231, p. 129-156, jan/mar. 2003. p. 45.
180

Administração segundo a natureza da função e o resultado administrativo visado, face aos


interesses públicos. Nesse sentido, leciona que
a promoção do interesse público se dá pela função decisória administrativa, em
abstrato ou em concreto; a função de satisfação do interesse público se dá pela
função executiva das decisões abstratas ou concretamente tomadas e a função de
recuperação do interesse público, se dá pela função judicativa administrativa, em
que se reaprecia a juridicidade das decisões administrativas, das execuções e mesmo
das decisões judicativas de que caibam recursos. São em suma: a função decisória
administrativa abstrata ou concreta, como manifestação de vontade primária da
Administração Pública: a função executiva administrativa, como transformação do
ato em fato e a função judicativa administrativa, como técnica de superação de
conflitos.

Além disso, há que se ter clara uma perspectiva de realidade, pois Janaína Castelo
Branco404 destaca a importância de buscar as soluções pacíficas para as controvérsias para a
atuação estatal interna, atendendo ao preâmbulo da Carta Magna. E reforça que tal
entendimento, apesar de não ter caráter normativo, serve como “vetor de interpretação do
texto constitucional”. Por isso, Geisa Rosignoli Neiva405 destaca que
enquanto esses ideais vão se desenvolvendo, o excesso de judicialização começa a
preocupar o legislador que, por anos a fio, incentivou o ingresso no Judiciário e
agora percebeu que esse caminho está cada vez mais congestionado. Com isso
iniciou um movimento inverso no qual se busca a resolução de conflitos por outras
vias, que igualmente asseguram o acesso à ordem jurídica justa.

Juliana de Palma406, em concordância, lembra que a arbitragem, “considerada como


um acordo consensual em sentido amplo, é reconhecida como uma das principais
exteriorizações da consensualidade na prática do Direito Administrativo”. Ela defende que,
em razão de vantagens como flexibilidade, tecnicidade e celeridade – largamente considerada
inerentes ao instituto da arbitragem –, este é de longa data um relevante mecanismo de gestão
pública, tendo a Administração colecionado relevante experiência no emprego do instituto
para dirimir seus conflitos. Nathalia Mazzonetto407, da mesma maneira, ressalta que com este

404
Janaína Soares Noleto Castelo Branco. Advocacia Pública e Solução Consensual dos Conflitos. Salvador:
JusPodvim, 2018 p. 25
405
NEIVA, Geisa Rosignoli. Conciliação e Mediação na Administração Pública – Parâmetros para sua
efetivação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 3.
406
PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação Administrativa Consensual – Estudo dos acordos substitutivos no
processo administrativo sancionador. Dissertação de Mestrado. Disponível em: www.tesesusp.br. Acesso em 30
dez. 2019. p. 138-139.
407
MAZZONETTO, Nathalia. Novos (e adequados) rumos da Administração Pública na resolução de conflitos.
In: GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI, Bruno (org.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos
consensuais de solução de conflitos. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014. p. 277. Relevante trazer à luz as palavras
esclarecedoras da autora em notas de rodapé no mesmo artigo: “arbitragem, conforme a doutrina majoritária,
constitui mecanismo jurisdicional de solução de conflitos. Muito embora seja qualificada como um meio
heterocompositivo , à diferença da mediação, não é se desconsiderar a sua natureza consensual também quando
nos voltamos para sua fonte: a convenção arbitral. Em assim sendo, muito embora um terceiro faça valer com
força de título judicial, sua decisão sobre as partes, tal procedimento não deixa de ser decorrência de um
181

instituto se abrem outras “vias à Administração Pública para resolução de conflitos que a
envolvem, tão adequadas quanto a via judicial pode se apresentar em determinados casos,
porém fundadas num elemento singular o consenso.” Importante destacar que, a partir de
2015, a Lei 13.129, como salienta Odete Medauar408,
alterou a Lei de Arbitragem – Lei 9.307/996, para no artigo 1º, § 1º, possibilitar que
a Administração Pública direta e indireta utilize a arbitragem para dirimir conflitos
referentes a direitos patrimoniais disponíveis (e introduziu outros preceitos para a
arbitragem envolvendo a Administração Pública), não mais revelando pertinentes
quaisquer dúvidas sobre sua incidência na solução de litígios envolvendo a
Administração.

A propósito da perspectiva de que o modelo do consensualismo brasileiro está


estruturado na legislação, André Bergamaschi409 aponta que, mesmo antes das sanções dos
diplomas legais mencionados, outras leis já previam de forma direta a utilização de
mecanismos privados de resolução de controvérsias. Cita cronologicamente e nominalmente
a Lei de Licitações – Lei 8.666/93, a Lei Geral de Concessões – Lei 8.987/95, Lei Geral de
Telecomunicações – Lei 9.472/97, Lei de Política Energética Nacional – Lei 9.478/97, Lei
dos Transportes Aquaviário e Terrestre – Lei 9.432/97, Lei de Comercialização de Energia
Elétrica – Lei 10.848/04 e Lei das Parcerias Público-Privadas – Lei 11.079/04. Importante
chamar atenção de que, com este componente, nota-se outra tendência oferecida pela
legislação: a da inserção de maneira mais direta com foco direcionado abertamente para
métodos de resolução de conflitos estruturados para atender às peculiaridades e
especificidades da área pública.
Nesse sentido, vale lembrar Gustavo Justino de Oliveira410, que esclarece:
apesar de ainda envolta por críticas e preconceitos, a temática dos ADRs como a
Arbitragem, a Mediação, a Conciliação e os Dispute Boards pela Administração
Pública brasileira vem encontrando o seu espaço e o seu caminho no direito pátrio e
no sistema administrativo. Da década de 90 do século passado para cá, há um
intenso crescimento do interesse e da aplicação desses institutos originalmente tidos
como alternativos à resolução de disputas e que hoje em virtude não somente da
prática, mas também de um novo marco regulador material e processual – Leis
Federais 13.105/15 (CPC) 13.129 (Reforma da Lei de Arbitragem) e 13.140/15 (Lei
Geral de Mediação e Autocomposição Administrativa), entre muitas outras – deixam
para trás esta marca de alternatividade: a depender da modelagem contratual do
negócio, do tipo de litígio e dos interesses em jogo, tais institutos deixam de ser

consenso prévio das partes, daí nossa compreensão de integrar também a arbitragem os mecanismos chamados
de consensuais de resolução de conflitos”.
408
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 3ª Ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2017. p. 357.
409
BERGAMASCHI, André Luís. A Resolução dos Conflitos envolvendo a Administração Pública por meio de
mecanismos consensuais. Tese de Mestrado. Disponível em www.tesesusp.br. Acesso em 30 dez. 2019. p. 141-
146.
410
OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Prefácio. In: JUNQUEIRA, André Rodrigues. Arbitragem nas Parceiras
Público-Privadas – um estudo de caso. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 17.
182

mera alternativa à solução jurisdicional ordinária, passando a ser considerados como


adequado ou até preferenciais.

Assim é que a doutrina considera a arbitragem um caso paradigmático na


Administração Pública, em termos de consensualidade, por diversas razões, em especial pelo
fato de que a legislação afeta à Administração Pública, pela primeira vez, consagra a
utilização de um método de resolução de conflitos que não a negociação direta ou mesmo o
acordo como seu produto final. Por isso, a Lei 13.140, do mesmo ano, ao criar um Capítulo
inteiro dedicado à Administração, e o Código de Processo Civil, que determina a criação da
Câmaras no mesmo âmbito, passam a ser então a consagração da tendência pela
consensualidade na área, promovendo, como mencionado anteriormente, novo eixo
dogmático e empreendendo grandes mudanças no Direito Administrativo, sobretudo pelo
estímulo à utilização de um método em que os participantes decidem a partir de suas próprias
especificidades. Nesta mesma linha concorda Silvia Johonsom di Salvo411, ao afirmar que
a adoção da mediação pela Administração Pública para a resolução de seus conflitos
revela importante passo para a efetivação do consensualismo na atividade
administrativa. A resolução de conflitos da Administração Pública por meio da
Mediação indica cumprimento da eficiência administrativa por meio de uma
resolução de disputas versátil e menos onerosa, ao passo que contribui para
legitimação da decisão do conflito, ao viabilizar maior participação colaborativa dos
players na chegada de um acordo.

E, em consonância da visão acima, Sérgio Guerra412, afirma que


pode configurar o meio capaz de produzir um ordenamento apto a substituir, em
determinadas situações, a coerção pelo consenso, o comando pela negociação, a
decisão imperativa pela persuasão, a imposição pelo acordo, a subordinação pela
coordenação, a intervenção controladora por mecanismos descentralizados de
autodireção.

Importante lembrar que o referido Capítulo possui o título “Da Autocomposição de


Conflitos em que for parte pessoa jurídica de Direito Público”. Portanto, propõe claramente a
utilização de metodologias que resultem em acordo, não se restringindo à Mediação,
incluindo assim a negociação ou a negociação assistida por um terceiro não necessariamente
imparcial e independente, bem como a conciliação. Todos estes métodos já comentados no
item 2 da Parte I – Acesso à Justiça ou à Ordem Jurídica Justa e os Métodos de Resolução de
Conflitos desta dissertação, serão objeto de outras observações ao tratar da Administração e
como estão sendo empregados na prática.

411
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 59.
412
GUERRA, Sergio. Discricionariedade, Regulação e Reflexividade. Uma Nova teoria sobre as Escolhas
Administrativas. 5ª Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 265 e 266.
183

Importa salientar que o objetivo almejado não é repetir o que já foi objeto de análise,
mas, sim, esclarecer com maior exatidão o emprego adequado de cada método, pois assim
determina o momento atual. Dessa forma procedendo, reforça-se o que Bruno Megna413
identificou como “um microssistema que trata do poder-dever da Administração Pública em
praticar a tentativa de solução consensual de seus conflitos”, a partir de suas respectivas
especificidades, muito embora Luciane Moessa de Souza414 considere que este capítulo tenha
oferecido
poucos avanços ao que já estava previsto na Lei 9.469, de 1997, sobretudo pela
excessiva remissão à necessidade de regulamentação, já que não são estabelecidos
quaisquer parâmetros ou diretrizes para nortear a celebração de acordos ou
transações nos conflitos envolvendo o Poder Público, sob o aspecto dos critérios
materiais.

Convém lembrar que o referido diploma legal já em 1997 permitia tanto à Advocacia
Geral da União, diretamente ou por delegação, como aos dirigentes máximos das empresas
públicas federais, em conjunto com o dirigente estatutário da área afeta ao assunto,
autorização para realizar acordo ou transações a fim de prevenir ou terminar litígios, inclusive
os judiciais. Permitia também a composição de câmaras especializadas compostas por
servidores públicos ou empregados públicos efetivos com o objetivo de analisar e formular
propostas de acordos ou transações. Ao mesmo tempo, estendeu para o Poder Executivo a
possibilidade de se valer do instrumento legal chamado de Termo de Ajustamento de
Conduta, atribuição criada pelo artigo 211 do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei 8.069/90), do artigo 113 do Código de Proteção do Consumidor ( Lei 8.078/90), ao
Ministério Público, assim como seus titulares, com o objetivo de alcançar acordos e
desenvolver tentativas de transações.
Apesar das críticas citadas pela referida autora, o fato é que o Marco Legal da
Mediação e o Código de Processo Civil servem como mola propulsora das atividades da
Mediação no contexto do Poder Público, pois cada vez mais o tema é motivo de debates,

413
MEGNA, Bruno. A Administração Pública e os meios consensuais de solução de conflitos ou enfrentando o
Leviatã nos novos mares da consensualidade. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo 82
julho/dezembro 2015 p. 1.
414
SOUZA, Luciane Moessa de. Mediação de Conflitos envolvendo entes públicos. In: SOUZA, Luciane Moessa
de (coord.). Mediação de conflitos – Novo paradigma de acesso à Justiça. 2 Ed. Santa Cruz do Sul: Essere nel
Mondo, 2015. p. 332.
184

porém com perspectivas diversas entre os debatedores. Por isso, Juliana de Palma415,
preconiza que
a descrição das linhas de entendimento obre a consensualidade no plano do Direito
Administrativo nacional, que necessariamente remete à consideração de seus
instrumentos jurídicos de efetivação, aponta para a imprecisão teórica do tema, o
que é demonstrada pela disparidade de tratamento conceitual a respeito da atuação
administrativa consensual, bem como de seus instrumentos.

Por isso, é importante lembrar o que destaca Bruno Megna416: que estas leis não
vieram apenas para “inovar textos jurídicos, mas, principalmente, para renovar a mentalidade
que se tem sobre o Direito. Dentre os principais fatores de renovação, está a introdução do
microssistema de solução consensual de conflitos”, devendo a Administração Pública
participar desta renovação, por se tratar de exigência da atual conjuntura social, econômica e
política. Nesse sentido, deverão ser levados em consideração o contexto e os eixos em que a
Mediação é proposta. Mauricio Tonin417, em consonância, complementa que a interpretação
de ambos os diplomas legais deve ser “sistemática”, como mencionado anteriormente.
Com os comentários acima, convém lembrar que, ao se observar a trajetória da
Mediação em território brasileiro, desde os seus primeiros passos, notam-se poucas
experiências em que a Administração Pública esteve envolvida com o tema. Por algum tempo,
noticiou-se a adoção de políticas públicas por algum órgão da Federação, dos estados ou dos
municípios, em que a proposta consistia em empregar a Mediação para conflitos entre
particulares, numa intenção clara de ampliar o acesso à Justiça do cidadão brasileiro,
sobretudo o de menor poder aquisitivo. É digno de nota que tais iniciativas tenham partido do
Poder Executivo dos três níveis: federativo, estadual e municipal. Acabaram por enfrentar
dificuldades em sua continuidade, por diversas razões, dentre elas a mudança de cadeiras de
autoridades responsáveis pelos mesmos a cada final do mandato e a falta de mecanismos para
sua sustentabilidade como política pública. Vários são os exemplos de iniciativas que podem
ser citadas, cujo programa aponta para este objetivo. Dentre elas, as Câmaras de Mediação
dos Centros de Integração da Cidadania das Secretaria da Justiça do Estado de São Paulo,
existentes desde 2004, ou mesmo o Programa Justiça Comunitária do Tribunal de Justiça do

415
PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação Administrativa Consensual – Estudo dos acordos substitutivos no
processo administrativo sancionador. Dissertação de Mestrado. Disponível em: www.tesesusp.br. Acesso em 30
dez. 2019. p. 89.
416
MEGNA, Bruno. A Administração Pública e os meios consensuais de solução de conflitos ou enfrentando o
Leviatã nos novos mares da consensualidade. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo 82
julho/dezembro 2015 p. 24.
417
TONIN, Maurício Morais. Arbitragem, Mediação e Outros Métodos de Solução de Conflitos envolvendo o
Poder Público. São Paulo: Almedina, 2019. p. 23.
185

Distrito Federal, que se tornou um programa público do Ministério da Justiça, replicado em


várias cidades brasileiras em parcerias com o poder executivo local.
Por outro lado, em momentos não tão longínquos, agentes públicos passaram a estudar
o tema, pois recebiam determinações expressas de agentes financeiros internacionais que, ao
investirem com seus capitais em obras e iniciativas governamentais, exigiam a inclusão nos
contratos administrativos de cláusulas de Mediação/conciliação e arbitragem. Tal fato exigiu
de agentes públicos o estudo dos métodos alternativos de resolução de disputas, passando a
ser eventualmente entusiastas e defensores do tema, o que na verdade ajudou a afastar
resistências a seu uso. Ao mesmo tempo, propiciou, como ressalta Gustavo Justino418, a
ampliação do emprego dos Termos de Ajustamento de Conduta, “Protocolos de Intenções,
Contratos de Gestão, Termos de Parcerias, Acordos Concorrenciais no âmbito do CADE –
Conselho de Defesa Econômica, Acordos no âmbito de Agências Reguladoras, Acordos de
Leniência, Termos de fomento e de colaboração”.
Outras iniciativas poderiam ser citadas, dentre elas a da Prefeitura Municipal de Porto
Alegre com a Câmara de Conciliação e Mediação e a de São Paulo com as Casas de
Mediação, que contam com 17 (dezessete) unidades para atender os residentes de suas
respectivas cidades com qualquer conflito, com o objetivo de auxiliá-los a resolvê-los de
maneira mais informal, evitando o Judiciário. Ou mesmo a CCAF – Câmara de Conciliação e
Arbitragem da Administração Federal da Advocacia Geral da União (AGU), cujos
componentes transcendem os parâmetros metodológicos referendados no início da presente
dissertação.
Nota-se claramente que são iniciativas diferentes e que se desenvolvem com
elementos distintos ao se observar os eixos estruturantes da Mediação já percorridos
anteriormente, a saber: processo, participantes, mediador. Também incluem o conflito,
matéria-prima do método. Ao mesmo tempo, obedecem a uma variada gama de elementos,
muito em função do desenvolvimento de seus objetivos. Importante notar em todos eles a
forte tendência de buscar identificação com a Mediação, muito embora em alguns casos sejam
utilizadas a negociação e a negociação assistida, ou mesmo a conciliação identificada por seus
agentes em função do resultado. Além disso, em todos eles se percebem os componentes
contratuais da Mediação, ainda que com as características mencionadas anteriormente, no

418
OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Introdução. In: OLIVEIRA, Gustavo Justino de; BARROS FILHO, Wilson
Accioli de (org.). Acordos Administrativos no Brasil. São Paulo: Almedina, 2020. p. 29.
186

sentido de que em alguns casos inexiste um instrumento expresso, que permita maior
visibilidade a este componente contratual.
419
Daí decorre a necessidade de se fazer uma sistematização, como Juliana de Palma
recomenda. Para ela, a listagem dos instrumentos consensuais varia conforme a leitura da
consensualidade, que uma vez
concebida como qualquer forma de acordo de vontades envolvendo a Administração
Pública, abrange: contratos intragovernamentais (caracterizados pelos ajustes
celebrados exclusivamente por partes estatais); contratos administrativos para
prestação de serviço público ou social (contratos de concessão comum e de parceria
público privada); acordos mediados, e ajustes de conduta.

Em outras palavras, com base nessas observações e tendo como referência as


experiências acima comentadas, que merecem uma análise mais acurada, é necessário pensar
a Mediação na Administração Pública, a Mediação com a Administração Pública e a
Mediação da Administração Pública. Nesse sentido, faz-se necessário apontar as diferenças
em cada uma delas, lembrando que, quando se trata de Administração Pública, faz-se
referência exclusivamente ao Poder Executivo em qualquer nível, incluindo todos os seus
órgãos. Tais características exigem encaminhamento específico e poderão sofrer tratamento
distinto a partir do conflito existente e do método mais adequado para geri-lo, escolhido por
seus participantes. Ademais, conforme se apresenta o conflito e se desenvolve o processo de
sua solução, poderá também configurar-se outro método distinto da Mediação. Silvia
Johonsom di Salvo420, ao fazer referência a esta questão, enfatiza
a administração da Justiça, no âmbito da Administração Pública passa também pelo
valor da boa Administração, aplicado aos órgãos que ocupam da distribuição da
Justiça. Construindo-se standards de boa Administração para a resolução de
conflitos, chega-se a modelos de qualidade que garantem direitos procedimentais e
do processo de tomada de decisão da Administração Pública. Dentro desse padrão
de qualidade gerado pela aplicação do consensualismo e da boa Administração a
resolução de disputas, a Mediação insere-se como um método possível.

Acrescente-se a isso a existência, hoje, da devida segurança jurídica constituída por lei
e sobretudo pelas Leis em comento, a saber: a Lei 13.105 e a Lei 13.140. Por oportuno, antes
de se adentrar ao tema da Mediação e a Administração Pública, cumpre reforçar que ambas as
leis inauguram uma nova perspectiva para a consensualidade, pois antes de seus adventos a
visão era a de se atingir um acordo entre os protagonistas sem qualquer inclusão

419
PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação Administrativa Consensual – Estudo dos acordos substitutivos no
processo administrativo sancionador. Dissertação de Mestrado. Disponível em: www.tesesusp.br. Acesso em 30
dez. 2019. p. 87.
420
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 60.
187

metodológica. Após o seu advento, fica devidamente definida a oportunidade de opção por
metodologias, as quais serão objeto de escolha pela Administração Pública, podendo,
conforme a relação contratual existente, levar à solução mais adequada para o conflito
instalado. Outro aspecto que vale lembrar, já mencionado anteriormente, no qual a
sistematização parece ser pertinente, é a interpretação das referidas opções no universo da
linguagem empregada, que também será objeto de análise.
188

PARTE IV A MEDIAÇÃO E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Segundo Sergio Guerra421, a Administração Pública hoje deve pautar sua atuação por
uma nova fórmula, por ele chamada de reflexividade administrativa, que pressupõe a
observância de mecanismos de prevenção de riscos, assim como a articulação e a mediação de
interesses, que consiste em conjugar
a ideia de que, subjacente ao modo de atuar contemporâneo da Administração
Pública, encontra-se a ideia de troca de pontos de vista, de elaboração em comum de
soluções. Ainda que surjam situações em que não será possível substituir
indiscriminadamente a atuação unilateral da Administração, o consenso entre vários
sujeitos possibilita mais facilmente a compatibilização de interesses todos públicos
ou em parte públicos e em parte privados, trocando-se a decisão pela discussão, o
comando pela negociação, evitando-se decisões unilateralmente impostas.

Abre-se, assim, para os entes públicos uma nova proposta para a gestão de conflitos,
nos quais Mauricio Tonin422 acentua
quando se analisa o tema da Mediação e a Administração Pública, é possível
vislumbrar duas abordagens de interesse. Isso porque a Administração não apenas
figura como parte em conflitos submetidos à autocomposição, mas também como a
promotora da tentativa de composição entre partes em conflito.

Convém acrescentar que, além das duas abordagens apontadas pelo referido autor,
existe a possibilidade de a Administração Pública se constituir como parte em um processo de
Mediação. Como toda e qualquer organização constituída por órgãos, departamentos e
pessoas, está sujeita a enfrentar conflitos ao desenvolver suas atividades em relação aos
demais órgãos públicos. Nesse sentido, impende destacar que a Administração Pública poderá
ser participante como um mediado ou mais mediados e, ainda, constituir-se em um órgão para
administrar conflitos. Além disso, há ainda outro aspecto, que não pode ser esquecido, a
perspectiva da promoção de uma política estimuladora da atividade da Mediação. Para tanto,
há que se ter claro o que efetivamente o ente público se propõe ao adotar a Mediação, pois
deverá estar alerta quanto aos parâmetros preconizados pelo método a partir de todo o exposto
anteriormente, incluindo todos os seus componentes e os seus três eixos: processo,
participantes e mediador. Ao mesmo tempo, não se pode olvidar de suas características
contratuais, a partir de sua linguagem.

421
GUERRA, Sergio. Discricionariedade, Regulação e Reflexividade. Uma Nova teoria sobre as Escolhas
Administrativas. 5 Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 266.
422
TONIN, Maurício Morais. Mediação e Administração Pública: a participação como parte e como mediador
de conflitos. In: NASCIMBEM, Asdrubal Franco; BERTASI, Maria Odete Duque; RANZOLIN, Ricardo
Borges. Temas de Mediação e Arbitragem III. São Paulo: Lex, 2019. p. 172.
189

Por outro lado, é relevante lembrar os cuidados levantados por Nathalia


Mazzonetto423, que destaca não poderem ser negligenciados quando da participação da
Administração Pública numa Mediação, pois
imperioso observar os nortes que direcionam as suas atividades, que terão impacto
direto no procedimento da Mediação, tais como a publicidade, esferas e alçadas de
decisões, limitação de atuação e indisponibilidade de interesses, dentre outros. Estes
últimos, sobretudo, se a conclusão da Mediação resultar num acordo, aí sim
necessário observar seu objeto e eventuais limites decorrentes.

Tais abordagens, portanto, estruturam-se a partir de três perspectivas: a Mediação na,


com e da Administração Pública. A primeira toma como referência a Administração sendo o
órgão incentivador de um acordo, antes de proferir uma decisão que é da sua alçada. O papel
do terceiro neste caso é assistir aos participantes na negociação para a chegada de um
resultado adequado aos parâmetros dos participantes. Neste aspecto, a imparcialidade e
independência inexistem, tendo como pressuposto a possibilidade da concertação, como
mencionado por Diogo Figueiredo Moreira Neto424, ou ainda ajustes de dificuldades na
concretização de alguma empreitada ou outra hipótese a ser comentada mais adiante. Já a
segunda possui como pressuposto estar a Administração envolvida em conflito, isto é, ela se
encontra em um dos polos do conflito e optou pelo método para tentar alcançar uma solução,
baseada em bom senso, razoabilidade, boa-fé e/ou redução de custos, visando maior
eficiência em suas ações, podendo ser compreendida com o que Gustavo Justino425 identifica
como contratualização da Administração Pública. E na última a Administração propõe o
serviço da Mediação para toda e qualquer pessoa, seja física ou jurídica, como forma de
acesso à ordem jurídica justa. A referência neste diapasão são o mediador e seu serviço, que
Maurício Tonin426 denomina a “Administração como mediadora de conflitos”.
Estas três perspectivas ligadas diretamente ao processo – participantes, mediador e
conectados pela perspectiva contratual – serão objeto dos três últimos tópicos contidos neste
trabalho, delineando assim, de forma talvez ambiciosa, o que se denomina a Mediação e a
Administração Pública.

423
MAZZONETTO, Nathalia. Novos (e adequados) rumos da Administração Pública na resolução de conflitos.
In: GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI, Bruno (org.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos
consensuais de solução de conflitos. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014. p. 283.
424
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos Institutos Consensuais da Ação Administrativa. Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 231, p. 129-156, jan/mar. 2003. p. 46.
425
OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Introdução. In: OLIVEIRA, Gustavo Justino de; BARROS FILHO, Wilson
Accioli de (org). Acordos Administrativos no Brasil. São Paulo: Almedina, 2020. p. 29.
426
TONIN, Maurício Morais. Mediação e Administração Pública: a participação como parte e como mediador
de conflitos. In: NASCIMBEM, Asdrubal Franco; BERTASI, Maria Odete Duque; RANZOLIN, Ricardo
Borges. Temas de Mediação e Arbitragem III. São Paulo: Lex, 2019. p. 172.
190

1. MEDIAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A referida sistematização e este título remetem imediatamente à polêmica apontada no


item 2.3 da Parte II – Mediação da presente dissertação, que tratou dos conflitos entre o
Código de Processo Civil e o Marco Legal da Mediação, mais especificamente os artigos que
criam o dever ou a possibilidade de os órgãos públicos criarem instituições de prevenção e
resolução de conflitos entre órgãos públicos. Interessante apontar que, na redação do primeiro
diploma legal mencionado na frase anterior, há obrigatoriedade de criação de câmaras de
conciliação e Mediação com atribuições de soluções consensuais para os conflitos
administrativos. Já no segundo, a opção é pela criação de câmaras de prevenção e resolução
administrativa de conflitos no âmbito dos respectivos órgãos da advocacia pública.
Depreende-se uma diferença pela linguagem empregada por ambos textos legais, pois a
obrigatoriedade de criação de instituições de conciliação e Mediação é ordenada pelo Código
de Processo Civil e a possibilidade de criação de câmaras de prevenção e resolução de
conflitos restritamente para órgãos da advocacia pública é recomendada pelo Marco Legal da
Mediação, que no âmbito da Administração Pública insere outros métodos, além da
Mediação. Além disso, conclui-se que a obrigatoriedade vale para os institutos da Conciliação
e da Mediação, métodos de resolução de conflitos, não incluindo a prevenção, que permite
outros métodos. Independentemente do valer o dever ou do valer a faculdade, os dispositivos
constituem-se em verdadeiro incentivo dos métodos dialógicos de solução de conflitos para a
Administração Pública, como mencionado anteriormente.
Ao se pensar na moldura de ambos os artigos, importante marcar que se destinam a
atender conflitos entre órgãos públicos. Neste aspecto, destaca-se a iniciativa promovida pela
Advocacia Geral da União, que, em 27 de setembro de 2007, criou, pelo Ato Regimental nº
5, a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Geral – CCAF, muito antes de
ambos os diplomas legais, com o objetivo de prevenir e reduzir o número de processos
judiciais que envolvem a União, suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e
empresas públicas federais. Posteriormente, seu objeto foi ampliado e hoje abarca
controvérsias entre entes da Administração Pública Federal e entre estes e a Administração
Pública dos Estados, Distrito Federal e Municípios. A repercussão da inédita iniciativa é de tal
ordem que Silvia Johonsom di Salvo427 enaltece constituir-se

SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
427

desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 19.


191

a consolidação da Mediação como método eficiente e apropriado para resolução de


conflitos por órgãos e entes da Administração Pública, assim depende
invariavelmente da institucionalização desse método – no que a criação da CCAF
pode ser considerada um marco de legitimação da Mediação na Administração
Pública – e do desenho procedimental conferido ao instituto.

Francisco Jose Cahali428, em consonância com o enfoque dado pela autora acima,
quanto à relevância do empreendimento, destaca que
inovações legislativas reconhecem o acerto da iniciativa neste sentido promovida em
2007 pela Advocacia Geral da União pela criação em sua estrutura, da CCAF –
Câmara de Conciliação e Arbitragem da AGU – Advocacia Geral da União, com a
intenção de prevenir e reduzir o número de litígios judiciais que envolvam a União,
suas autarquias, fundações, empresas públicas federais.

Na mesma linha, Helena Dias Leão Costa429 afiança que a criação do órgão no âmbito
a AGU constitui-se em uma iniciativa voltada para redução da litigiosidade, pois “foi criada
com a intenção de diminuir o número litígios judiciais que envolvem a União, suas autarquias,
fundações e empresas públicas federais, na figura de demandante e demandado”.
Vale relevar que a própria Silvia Johonsom di Salvo430 pondera que
a institucionalização da Mediação no âmbito de um órgão da Administração Pública,
tal como a CCAF, levanta uma série de questionamentos, pois ao passo que
contribui para o desenvolvimento de uma cultura de Mediação, por outro lado pode
incluir uma padronização procedimental que desnatura as características inerentes da
Mediação, transformando-a em mero modal do processo administrativo.

Em outras palavras, a referida autora aponta questionamentos com relação ao critério


de seleção dos conflitos levados à CCAF-AGU, a voluntariedade dos seus participantes e a
figura do mediador. Tais questionamentos procedem e devem ser objetivo de análise. Antes,
porém, faz-se necessário contextualizar a iniciativa e comentar alguns casos práticos.
As normas que regulamentam o funcionamento da CCAF determinam que, se não for
alcançado acordo na conciliação, e somente nos casos envolvendo órgãos e entes da
Administração Pública Federal, poderá ser proposta ao Consultor-Geral da União a
deliberação das controvérsias, que será feita por meio de parecer. O parecer, se aprovado pelo
Advogado-Geral da União e pela Presidência da República, vincula os órgãos e entes da
administração pública, por força dos artigos 39 a 41 da Lei Complementar nº 73/93. O §1º do
artigo 40, em especial, prevê que órgãos e entidades da Administração Pública Federal ficam

428
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. 7 ª Ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 62
429
COSTA, Helena Dias Leão. Os meios alternativos de Solução de Conflitos e a experiência da Câmara de
Conciliação e Arbitragem da Administração Federal – CCAF. In: GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI,
Bruno (org.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos consensuais de solução de conflitos. Brasília: Gazeta
Jurídica, 2014. p. 601.
430
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 19.
192

obrigados a lhe dar fiel cumprimento. Ressalta-se que a referida arbitragem, que se limitaria
apenas aos órgãos da Administração Pública Federal direta, não pode ser considerada a
arbitragem nos termos das Leis 9.307/96 e nº 13.129/15, embora o parecer do Consultor-Geral
seja vinculante para os órgãos envolvidos na controvérsia e a matéria esteja excluída da
apreciação do Poder Judiciário, conforme a jurisprudência dominante.
Em continuidade aos seus aspectos legais, vale lembrar a estrutura da CCAF, que foi
definida pelo Decreto 7.392/2010, alterado pelo Decreto 7.526/2011. Como a conciliação é
uma das atribuições da Consultoria-Geral da União, a CCAF foi instituída no âmbito deste
órgão da AGU. Nesse sentido, o inciso VI do artigo 12 do Decreto 7.392/10 dispõe que à
Consultoria-Geral da União compete: “(...) promover, por meio de conciliação, mediação e
outras técnicas, a solução dos conflitos, judicializados ou não, de interesse da Administração
Federal”. Já o artigo 18 da norma estabelece as competências da CCAF: avaliar a
admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da
Advocacia-Geral da União; requisitar aos órgãos e entidades da Administração Pública
Federal informações para subsidiar sua atuação; dirimir, por meio de conciliação, as
controvérsias entre órgãos e entidades da Administração Pública Federal, bem como entre
esses e a Administração Pública dos Estados, do Distrito Federal, e dos Municípios; buscar a
solução de conflitos judicializados, nos casos remetidos pelos Ministros dos Tribunais
Superiores e demais membros do Judiciário, ou por proposta dos órgãos de direção superior
que atuam no contencioso judicial; promover, quando couber, a celebração de Termo de
Ajustamento de Conduta nos casos submetidos a procedimento conciliatório; propor, quando
couber, ao Consultor-Geral da União o arbitramento das controvérsias não solucionadas por
conciliação, e orientar e supervisionar as atividades conciliatórias no âmbito das Consultorias
Jurídicas nos Estados. Infere-se, portanto, que o órgão possui um amplo campo de atuação
com inúmeras funções.
Importante destacar que a instituição adotou como um dos seus instrumentos a
Conciliação, inclusive no nome, muito embora nas informações veiculadas pela mídia em
geral seja feita referência à Mediação. Neste particular, Silvia Johonsom di Salvo431 destaca
que
a referência à conciliação em verdade se dá pela concepção do ato de pacificação
pelo caminho junto na busca de uma solução que ponha termo o conflito. Por isso, é
preferível a designação de Mediação como prática autocompositiva da CCAF.

SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
431

desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 131.


193

Segundo Helena Dias Leão Costa432, muitas são as vantagens desse novo ambiente de
resolução de conflitos, podendo-se enumerar algumas delas:
1) rápida solução do conflito, especialmente quando comparado ao tempo que o
Poder Judiciário tem decidido suas questões;
2) redução dos gastos suportados pelos envolvidos durante a tramitação do processo;
3) redução do número de conflitos levados ao Poder Judiciário, que assim ganha
condições de julgar mais rapidamente os conflitos que com ele permanecem;
4) aperfeiçoamento da técnica da conciliação, o que tem dado mais credibilidade ao
procedimento conciliatório e a própria CCAF;
5) maior aproximação entre os órgãos e entes públicos, havendo constante troca de
experiências e compartilhamento de informações e atribuições;
6) comprometimento com o acordo assumido, já que foi construído por todos os
órgãos envolvidos, após negociação e sem nenhuma imposição;
7) término do processo com um alto de grau de satisfação das partes envolvidas,
tendo em vista o caráter eminentemente democrático do procedimento conciliatório
e o aprendizado por ele propiciado.

Independentemente das vantagens pela opção da metodologia consensual, nota-se


claramente que constituem iniciativas diferentes, em que os componentes específicos de cada
uma das áreas promovem perspectivas diversas, as quais poderão gerar o risco de utilização
do instituto da Mediação de maneira desconforme. Evidentemente que cada órgão público
possui suas próprias características, em razão das funções que lhe são peculiares. Na
realidade, há que se ter claro que os elementos estruturantes da Mediação devem estar
devidamente estabelecidos para que possa promover o resultado esperado. Em outras
palavras, os participantes, o processo e a presença de um terceiro imparcial e independente se
fazem fundamentais para que a Mediação possa promover os resultados buscados.
No mesmo sentido, deve ser lembrado o componente do conflito que neste aspecto é
efetivamente público, por tratar de disputas entre órgãos públicos. Além disso, impende
observar que as resistências decorrentes do imperativo do interesse público e a eventual
indisponibilidade de direitos podem ser impeditivos a serem enfrentados, bem como o órgão
público que sedia a disputa, por se tratar de órgão de controle, para além de também ser
instância decisória caso o entendimento proposto não seja alcançado. Estes últimos aspectos
serão objeto de análise mais adiante.
Cabe mencionar que, na pesquisa destinada a esta dissertação, o autor não identificou
outra instituição no padrão e experiência da CCAF-AGU, seja em nível estadual ou
municipal. Tal fato demonstra o pioneirismo e ineditismo da AGU e, ao mesmo tempo, a

432
COSTA, Helena Dias Leão. Os meios alternativos de Solução de Conflitos e a experiência da Câmara de
Conciliação e Arbitragem da Administração Federal – CCAF. In: GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI,
Bruno (org.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos consensuais de solução de conflitos. Brasília: Gazeta
Jurídica, 2014. p. 603.
194

resistência quanto à implementação de iniciativas como esta, já que se passaram cinco anos
dos adventos de ambos diplomas legais, o Marco Legal da Mediação e o Código de Processo
Civil. Ademais, a mesma pesquisa aponta a veiculação de informações sobre conflitos entre
órgãos públicos que foram levados à CCAF e que resultaram em acordos. Daí o cuidado com
que Silvia Johonsom di Salvo433 assevera:
dada a experiência de gerenciamento de conflitos da CCAF mesmo antes do advento
do marco regulatório da Mediação no Brasil, o desafio da CCAF é avaliar se o
desenho institucional e procedimental até o momento adotado é consentâneo ao
desenvolvimento do consensualismo na Administração Pública brasileira. Dentre os
principais desafios se encontram: a eficiência da CCAF por acordos encetados,
assim como o estabelecimento de métricas de aferimento da qualidade.

Ainda com relação à pesquisa junto à CCAF, no período de 2007 a 2018, nota-se que
o montante acumulado do valor das demandas é da ordem de R$ 4.291.282.048,73, numa
média anual de 25 processos de conciliação em que os envolvidos são órgãos da
Administração Pública direta e indireta nos diversos níveis da Federação, Estados e
Municípios. São conflitos dos mais variados possíveis, que envolvem descumprimentos
contratuais, dificuldades na execução de obras, decisões administrativas, disputas
previdenciárias, custos de manutenção de obras a serviços públicos e operações de
transportes, divulgação de pesquisas científicas etc. Portanto, iniciativas em direção ao
estímulo de acordos, de maneira geral, inovadoras promotoras de perspectivas diferenciadas
para os seus usuários, todos eles órgãos públicos.
É essencial recordar que a atividade já se encontra consolidada, tanto é que em janeiro
de 2020 foi publicado o Decreto 10.201/2020, determinando à AGU ter maior autonomia para
realização de acordos para prevenir ou dar fim a disputas judiciais e administrativas. O
referido Decreto permite à AGU realizar acordos em causas de até R$ 50 milhões em nome da
União, e de até R$ 10 milhões em nome de estatais, sem aval do Executivo, superando o
limite de até R$ 500 mil, estabelecido em um Decreto de 1997. Em termos quantitativos e,
por que não dizer, qualitativos, é um voto a mais de confiança às atividades em crescimento
na instituição, bem como um incentivo para a continuidade de suas atividades.
Conforme esclarece Silvia Johonsom di Salvo434, o serviço de Mediação na CCAF é
desenvolvido por

433
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 127
434
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 185.
195

mediadores egressos das carreiras da advocacia pública, alocados na CCAF de


forma voluntária ou por designação, permanecendo por prática na CCAF por ao
menos um ano. Se por um lado é tranquilizador o fato de servidores públicos
altamente especializados na matéria de fundo serem os mediadores, há preocupações
quanto à confiança das partes na sua imparcialidade.

É muito pertinente este aspecto levantado pela referida autora, o que pontua
claramente não ser exata a identificação da metodologia empregada como Mediação, já que
um dos eixos observados na Parte II – Mediação da presente dissertação não se enquadra na
atividade. Em outras palavras, o mediador da AGU não é um profissional independente, como
requer a Mediação nos moldes da Lei 13.140/15, pois se trata de ex-servidor público de
carreira do Órgão.
A propósito deste último aspecto e de outros levantados anteriormente, convém
oferecer algumas observações quanto à clareza dos institutos utilizados, pois o nome da
Câmara, como já destacado, inclui o termo Conciliação. Na verdade, o desenvolvimento do
método na instituição mais se assemelha a uma negociação assistida. É importante chamar a
atenção para este aspecto, a fim de melhor enquadrar a atividade para promoção do correto
entendimento relativo ao método utilizado, abandonando a classificação de autocomposição
pela sua imprecisão metodológica e sugerindo, nesta dissertação, a nominação direta dos
institutos acima, conforme as observações contidas no item 2.1 da Parte I – Acesso à Justiça
ou à Ordem Jurídica Justa e os Métodos de Resolução de Conflitos.
Para tanto, de pronto se retoma a diferenciação entre a Conciliação e a Mediação já
apresentada no item 2.2.4 – Conciliação da Parte I – Acesso à Justiça ou à Ordem Jurídica
Justa e os Métodos de Resolução de Conflitos, em conjunto com a Parte II Mediação, em que
a própria legislação define a Conciliação para conflitos em que inexiste vínculo entre os
conflitantes e a Mediação para os que possuem vínculo, muito embora, como frisado
anteriormente, incluam o termo “preferencialmente”. É oportuno trazer a estes
esclarecimentos as palavras de André Bergamashi435, que explana:
a princípio, demandas que envolvam relações pontuais e questões patrimoniais
exigem intervenções mais focadas nos próprios resultados práticos do método, na
construção da própria solução, e menos foco na construção da relação entre as partes
e resolução das questões subjacentes ao conflito. Muitas vezes, é o caso da
Administração Pública, em que a necessidade de garantir a isonomia impõe o limite
à consideração de elementos subjetivos que não sejam os mesmos estabelecidos para
os demais indivíduos. É importante, por outro lado, reconhecer também a existência
de zonas cinzentas entre as intervenções, dadas pelos próprios conflitos, que podem
surpreender o mediador/conciliador na condução da intervenção. Os conflitos

435
BERGAMASCHI, André Luís. A Resolução dos Conflitos envolvendo a Administração Pública por meio de
mecanismos consensuais. Tese de Mestrado. Disponível em www.tesesusp.br. Acesso em 30 dez. 2019. p. 118-
119.
196

tipicamente patrimoniais e que envolvam relações efêmeras podem revelar, por


exemplo, um elemento de reconhecimento pessoal ou coletivo que justifique
aprofundar no trato das razões do conflito e possa adicionar pautas que seriam, a
princípio, estranhas a uma intervenção superficial. Ambos os métodos buscam a
solução do conflito pelo consenso, e é na atividade do terceiro para a obtenção do
consenso que se terá a diferença entre eles. Na conciliação, busca-se um consenso
entre duas pessoas que não mantêm relação, e o acordo que se busca é simples,
geralmente patrimonial, e permite que ambas sigam em frente. A atuação do terceiro
é voltada a busca de um arranjo que seja factível e de comum interesse. Já a
Mediação, a questão patrimonial não é a única envolvida, e o acordo não mira
apenas a satisfação da questão objetiva, pois o relacionamento das partes continuará,
o que exigirá do mediador uma imersão maior nas raízes do conflito. Deverá
conhecer as partes e a dimensão do conflito, não bastando uma faixa de acordo de
comum interesse.

Nota-se claramente que o referido autor faz referência ao papel do terceiro imparcial e
independente. O fato de a CCAF ter um profissional egresso da Advocacia Geral da União
certamente desenvolverá sua intervenção na perspectiva institucional e baseada na sua
trajetória profissional, portanto sem a isenção, requisito da função, podendo esta afirmação
ser estendida à instituição. Mais uma vez, necessário se faz reforçar que se trata da adequação
ao método, que mais se aproxima ao que é identificado como negociação assistida. Esta
assertiva possui respaldo nas palavras de Silvia Johonsom di Salvo436, que explica:
o impacto do mediador pertencer aos quadros da Administração Pública para a
confiança das partes; por uma questão de imparcialidade, há que se examinar o
conforto das partes em ter como mediador servidor público ou mesmo ex-servidor
público do mesmo ente da Administração Pública que é parte.

A referida autora chama a atenção não somente para a figura do mediador, mas
também para o fato de o órgão avocar para si a atividade. Nesse sentido, cabe ressaltar que na
atividade desenvolvida existe um terceiro talvez parcial e não independente, que ajuda a
reflexão entre os envolvidos, para alcançar um acordo dentro dos parâmetros ditados pelo
órgão. Em outras palavras, na metodologia desenvolvida na CCAF-AGU é a própria
instituição que oferece a assistência para a negociação entre os órgãos públicos federais, a fim
de estimulá-los à criação de um acordo, por intermédio de um terceiro por ela indicado.
Este foi justamente o caso437 de uma negociação assistida promovida na CCAF, em
2009, por um de seus conciliadores, entre o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária, a FUNAI – Fundação Nacional do Índio, o ICMBIO – Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade, a Marinha, o Ministério dos Transportes, o
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e o Estado do Amazonas,

436
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 191.
437
Relato de caso. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2009-ago-21/ano-camara-mediação-agu-resolveu-
200-conflitos. Acesso em 03 jan.2020.
197

sobre uma ponte em construção sobre o Rio Negro, em Manaus. O conflito aconteceu a partir
de uma ação ajuizada pelo Ministério Público Federal, que defendia estar a construção de uma
ponte de interligação entre Manaus e Iranduba, município vizinho, descumprindo a legislação
ambiental, comprometendo, com isso, os interesses dos órgãos públicos federais daquela
região. A negociação entre eles foi feita sob os auspícios da CCAF, sendo firmado um acordo
em que a empresa responsável pela obra se comprometeu a adotar medidas de reparação do
dano ambiental causado pela construção e o Estado do Amazonas a responder com medidas
de proteção do patrimônio arqueológico da região, visando compatibilizar as fases de
obtenção da licença ambientais em urgências com estudos preventivos de arqueologia. Tudo
no sentido de atender aos parâmetros legais interpretados pelos órgãos de controle para
viabilidade da obra.
A mídia virtual vem noticiando outros acordos celebrados pela CCAF com resultados
inéditos. Exemplo disso foi o acordo entre a Philips S/A e sete hospitais federais, em que a
referida empresa se comprometeu a disponibilizar tomógrafos para os pacientes daqueles
hospitais sem a necessidade de obtenção de liminar. Além desse, outro acordo438 firmado
entre a Agência Nacional de Águas – ANA, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do
São Francisco e Parnaíba – CODEVASF e os Estados do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio
Grande do Norte, com o objetivo de que a água da transposição do referido rio seja distribuída
para a população daqueles estados. Outro acordo decorrente da intervenção da CCAF resultou
na divulgação de pesquisa científica destinada à realização do III Levantamento Nacional
sobre o Uso de Drogas pela população brasileira, entre a Secretaria Nacional de Políticas
sobre Drogas do Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Fundação Oswaldo Cruz,
vinculada ao Ministério da Saúde. Percebem-se, nestes casos, os benefícios resultantes das
negociações entre os envolvidos, estimuladas pela CCAF. Dentre eles, pode-se citar o
encerramento de ações anteriormente ajuizadas ou em vias de serem iniciadas,
proporcionando economia aos cofres públicos, evitando gastos com tramitação de processos e
de otimizar o tempo dos advogados da União e dos procuradores federais com relação a
outros processos.
Ao oferecer comentários sobre a iniciativa da CCAF-AGU, é importante notar o
quanto a continuidade possibilitou a consolidação da política pública adotada em 2007, em
especial como instância administrativa de solução de controvérsias entre entes públicos, que

438
Relatos de casos. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2009-ago-21/ano-camara-mediação-agu-
resolveu-200-conflitos. Acesso em 03 jan.2020.
198

têm primado pelo estímulo à negociação entre os órgãos públicos. A iniciativa, além de ter
sido ampliada, tem repercutido em outros Estados da Federação, sobretudo no âmbito das
Procuradorias Gerais Estaduais, que acabaram criando um Rede Nacional de Autocomposição
da Administração Pública. A intenção da referida rede consiste em aproveitar a experiência da
AGU pelos procuradores dos estados, para ajudar na implantação de estruturas semelhantes
no âmbito das advocacias públicas estaduais. A iniciativa é informal, isto é não possui
nenhuma previsão no ordenamento jurídico, muito embora venha ao encontro do atendimento
dos preceitos legais previstos na Lei 13.140/15 e no Código de Processo Civil, que preveem a
criação de instituições de prevenção e resolução de conflitos no contexto da Administração
Pública, como já comentado no item 2.3 da Parte II Mediação da presente dissertação.
Tal fato bem demonstra que os serviços da CCAF-AGU avançarão cada vez mais,
uma vez que estão abertos a todas as atividades da Administração Pública Federal. Além
disso, a tendência é que a iniciativa venha a ser replicada nas várias instâncias da
Administração, quer no âmbito estadual, quer no municipal. E se o forem com adequação do
método utilizado, isto é, com a adoção do instrumento da negociação intermediada pelo órgão
com profissionais preparados para tanto, superarão obstáculos advindos de limitações
relativas ao questionamento sobre a legalidade, indisponibilidade dos interesses públicos, bem
como com a preocupação com a seleção dos casos levados ao órgão e com a voluntariedade
pressuposta no método.
Com essa perspectiva, atende-se aos parâmetros dos impactos linguísticos oferecidos
por ambas as Leis: a 13.105/15 e a 13.140/15, debatidos no item 2.4 da Parte II – Mediação,
na presente dissertação, pois, como mencionado no referido item, os comandos oferecidos por
ambas apontam para o dever de interpretá-las, atribuindo valores a seus símbolos, oferecendo-
lhes significações a partir do percurso gerador do sentido. Apontam, desta forma, para a
desnecessidade do enquadramento contratual pressuposto pela Mediação, ao adotar uma
metodologia mais simples, acessível e natural, que é a negociação também debatida em item
anterior nesta dissertação, o de número 2.2.1 da Parte I – Acesso à Justiça ou à Ordem
Jurídica Justa e os Métodos de Resolução de Conflitos.

2. MEDIAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Ao se falar da Mediação com Administração Pública, de pronto, vem à mente a


conceito pós-moderno da Administração contratual. O foco, portanto, passa a ser os contratos
199

envolvendo o poder público em geral e a iniciativa privada. Nesse sentido, consiste no


emprego da Mediação para resolução de conflitos decorrentes de contratos com entes públicos
findos ou em execução. E, em se tratando deste tema, ao se observar a tendência direção ao
consensualismo na Administração Pública, denominada por Gustavo Justino de Oliveira439
como o “novo eixo da dogmática do Direito Administrativo”, o instituto da arbitragem chama
a atenção pelo seu percurso. De um momento de forte resistência, acalorados debates
acadêmicos, doutrinários e jurisprudenciais, passou a ter reconhecimento legal, com o advento
da Lei 13.129/15, já mencionada no item 2.2.3 da Parte I da presente dissertação. Maurício
Tonin440 ao comentar a referida lei, ressalta que
inseriu no ordenamento jurídico a previsão expressa de que a Administração Pública
direta e indireta pode se valer da arbitragem para resolver conflitos que envolvam
direitos patrimoniais disponíveis. Com isso, encerrou com uma discussão que se
arrastava acerca da possibilidade ou não da Administração se utilizar desse
mecanismo de solução de conflitos.

Em concordância com a assertiva acima, entretanto, adicionando alguns cuidados,


Bruno Megna441 acentua que
superada a fase de resistência da Administração à arbitragem, o processo arbitral
devido à Administração é aquele que observa o regime jurídico administrativo,
assim compreendido não como um regime de autoridade, mas simplesmente um
conjunto de regras especiais a que este sujeito de direito também está submetido,
sem prejuízo das demais regras do ordenamento. Esse regime condiciona as opções
que se podem fazer na convenção arbitral e, consequentemente, influencia no modo
de ser do processo arbitral, cujas regras não só advém da convenção arbitral como,
em alguns casos, advém diretamente da lei, na medida em que os estatuto social
deste sujeito de direitos se confunde com a própria legalidade.

Tais elementos devem também ser previstos quando do emprego da Mediação com a
Administração, como será apresentado neste item, a fim de que não somente viabilize sua
participação, mas, sobretudo, promova a oportunidade, que a Mediação propõe. Tudo isso
com o objetivo de justificar a afirmação de André Junqueira442, que afirma que “a negociação,
conciliação, mediação e arbitragem podem estar contidas em um capítulo próprio para
resolução de controvérsias em paralelo a tradicional cláusula de foro comum”, quando um dos
polos da controvérsia é a Administração Pública em um contrato.

439
OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Introdução. Acordos Administrativos – Teoria e Prática. In: OLIVEIRA,
Gustavo Justino de; BARROS FILHO, Wilson Accioli de (org). Acordos Administrativos no Brasil. São Paulo:
Almedina, 2020.
440
TONIN, Maurício Morais. Arbitragem, Mediação e Outros Métodos de Solução de Conflitos Envolvendo o
Poder Público. São Paulo: Almedina, 2019. p. 325.
441
MEGNA, Bruno Lopes. Arbitragem e Administração Pública – Fundamento Teóricos e Soluções Práticas.
Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 353.
442
JUNQUEIRA, André Rodrigues. Arbitragem nas Parcerias Público-Privadas – Um estudo de caso. Belo
Horizonte: Fórum, 2019.
200

A propósito do tema contrato, vale recordar as palavras de Sidney Bittencourt443, que


explica ser “tal expressão usada em sentido lato, abrangendo qualquer contrato celebrado pela
Administração, que poderá reger-se tanto pelo Direito Público quanto pelo Direito Privado”.
Floriano Marques Neto444, ao apontar a evolução dos contratos administrativos, pondera não
ser
exagero dizer que vivemos uma transformação radical no papel que o instituto
contrato cumpre no Direito Administrativo. Desde o final da primeira metade do
século passado até os dias de hoje, a ideia de um contrato de que participe o Poder
Público percorreu uma longa trajetória, que vai desde a rejeição de que o Poder
Público pudesse se travar relações obrigacionais com os privados até o momento
atual em que se pode falar do contrato como instrumento para o exercício das
atividades fins da Administração, e não apenas como instrumento para suas
atividades-meio.

Voltando a Sidney Bittencourt445, os contratos com a Administração se subdividem em


dois tipos: os Contratos Privados celebrados pela Administração e os chamados Contratos
Administrativos. Os primeiros
são firmados pela Administração com terceiros regidos pelo Direito privado. Nessa
situação, a Administração situa-se no mesmo plano jurídico do particular. São
exemplos: a locação de um bem imóvel para uso da Administração, que é regulado
pela Lei do inquilinato, o contrato de permuta, regido pelo Direito Civil, o contrato
de comodato, também sob a égide do Direito Civil, dentre outros. Já os Contratos
Administrativos são ajustes que a Administração celebra com terceiros visando a
consecução de objetivos de interesse público. Regem-se precipuamente pelo Direito
Público, com aplicação supletiva das normas de Direito Privado. É o que prescreve o
artigo 54 da Lei nº 8666/93. São suas características:
a) presença da Administração;
b) finalidade pública, em face do interesse público;
c) ter como precedente a licitação (ou sua dispensa ou inexigibilidade);
d) bilateralidade, por ser um acordo de vontades que prevê obrigações e direitos de
ambas as partes;
e) onerosidade, porque sempre remunerado;
f) formalismo, expressando-se sempre por escrito, obedecendo à forma prescrita em
lei;
g) comutatividade, porque estabelece deveres recíproco; natureza personalíssima,
não podendo o particular deixar de atendê-lo de forma direta, estando impedido de
transferi-lo para ser executado por terceiros, a não ser com a anuência da
Administração, e
h) existência de cláusulas exorbitantes.

Tendo como referência potenciais conflitos decorrentes dos contratos acima, de


imediato, como já mencionado anteriormente, vem à mente, de forma geral, o
descumprimento de cláusulas contratuais e, possivelmente, a oneração de contratos, quando

443
BITTENCOURT, Sidney. Contratos da Administração Pública – Oriundos de Licitações, Dispensas e
Inexigibilidades. Leme: Jhmizuno, 2015. p. 31.
444
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Do Contrato Administrativo à Administração Contratual. São
Paulo. Revista do Advogado Ano XXIX , dezembro, 2009. Contratos com o Poder Público. p. 74.
445
BITTENCOURT, Sidney. Contratos da Administração Pública – Oriundos de Licitações, Dispensas e
Inexigibilidades. Leme: Jhmizuno, 2015. p. 31-37.
201

findos. Quando tais temas são objeto da Mediação, os participantes têm a oportunidade de
construir acordos, cujo principal objetivo é a satisfação dos interesses de todos os envolvidos
como um todo e a possibilidade de soluções de benefícios mútuos. Tal perspectiva, quando
desenvolvida na esfera da Administração, automaticamente, leva a questionamentos sobre a
indisponibilidade dos interesses públicos, eventuais violações de sua supremacia, bem como a
publicidade com que as atividades públicas devam se desenvolver. Em que pese já ter sido
objeto de observações anteriores nos itens que trataram dos princípios da Administração
Pública, é imprescindível trazer a estes comentários as palavras de Bruno Megna446 quanto ao
primeiro óbice acima citado:
Na nova arena pública, Estado e sujeitos privados desenvolvem formas horizontais
de se relacionar e não mais se concebem interesses públicos dissociados de
interesses populares. Não se nega que o interesse público deve prevalecer, o que se
nega é que isso deva ocorrer sempre com prejuízo para o particular.

No que concerne ao segundo aspecto, com o acordo se pressupõe a possibilidade de ter


sido desenvolvida uma transação entre o órgão público e a iniciativa privada, com a
intervenção de um mediador. Neste cenário, Romeu Felipe Bacellar Filho447 explica que
a Administração Pública pode celebrar acordos e transacionar a fim de evitar litígios
despropositados que somente prejudicariam o bom andamento de suas atividades. A
transação pressupõe a existência de um espaço de conformação que a Lei outorga ao
administrador (em outras palavras, discricionariedade) para valorar, no caso
concreto, as medidas necessárias para a proteção do interesse público. A transação
existe pra permitir a concretização do interesse público, sem excluir a participação
dos particulares interessados na solução da contenda.

Em relação a este aspecto, impende lembrar os esclarecimentos oferecidos nos item


2.1 sobre Autotutela, Autocomposição e Heterocomposição e no item 3.2 sobre os
Instrumentos Contratuais da Mediação, os quais esclarecem que o instituto civil da transação,
como negócio jurídico, não se confundo com Mediação por inúmeras razões, dentre elas
componentes nela imprescindíveis e não existentes na transação e os objetivos distintos a
serem alcançados por ambos os institutos.
A propósito dos resultados, Juliana de Palma448 chama atenção para o fato de que
quando os acordos resultam “da convergência de vontades entre o Poder Público e
particulares, a decisão consensual tende a ser cumprida espontaneamente. O cumprimento

446
MEGNA, Bruno Lopes. Arbitragem e Administração Pública – Fundamento Teóricos e Soluções Práticas.
Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 90.
447
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo e Novo Código Civil. Belo Horizonte: Fórum,
2007. p. 67.
448
PALMA, Juliana Bonacorsi de. A consensualidade na Administração Pública e seu controle judicial. In:
GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI, Bruno (org.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos
consensuais de solução de conflitos. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014. p. 168.
202

espontâneo das obrigações pactuadas tende a reduzir sobremaneira a litigiosidade em torno da


decisão.” Consequentemente, os acordos terminam por serem respostas mais imediatas à
sociedade. Adiciona-se a isso a potencial economia de tempo e de recursos orçamentários.
Além disso, como salienta Daniel Vargas449, corroboram na construção da
nova Administração, de caráter gerencial, que deve ter por norte a ciência insculpida
do artigo 37 da Constituição da República, diante da escassez de recursos e a
necessidade de sua alocação de forma racionalizada. A adequação dos recursos
financeiros, humanos e materiais aos objetivos pretendidos pelo Estado na busca do
bem comum deve desbordar dos critérios exclusivamente empresariais, através de
uma maior capacidade de governança e atuação que oriente decisões
administrativas.

Imperioso notar que todo e qualquer acordo resultante de uma Mediação está sujeito
ao controle interno e externo, cuja dimensão Floriano Azevedo Marques Neto450 assinala ser
constituído por três aspectos, a saber: o poder, os meios e os objetivos. Na primeira,
trata-se de assegurar a liberdade e prescrever o arbítrio, limitando a atuação estatal; a
segunda, envolve a utilização mais adequada dos recursos públicos, evitando o
desvio de finalidade e improbidade, e a terceira, traduz a necessidade de proteção
dos objetivos existentes, seja assegurando a estabilidade das metas de longo prazo,
seja preservação de mediadas orientadas a satisfazer os interesses dos cidadãos de
modo imediato.

Marçal Justen Filho451 agrega que


a consensualidade indica um conjunto muito mais amplo de situações, em que o
exercício de competências administrativas unilaterais é subordinado a um processo
de composição de interesses com outros sujeitos. Mediante acordos com os diversos
segmentos da sociedade, a Administração atinge soluções consensuais, que
adquirem cunho vinculante para os diversos envolvidos.

Geisa Neiva452, por seu turno, destaca:

449
VARGAS, Daniel Vianna. A Mediação como instrumento de eficiência na Administração Pública, sob o
prisma da Análise Econômica do Direito. In: PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; RODRIGUES, Roberto
de Aragão Ribeiro (coord.). Mediação e Arbitragem na Administração Pública. Santa Cruz do Sul: Essere nel
Mondo, 2020. p. 32
450
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Os grandes desafios do controle da Administração Pública. Fórum
de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 9, n. 100, p. 7-30, abr. 2010.
451
JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. p.
73.
452
NEIVA, Geisa Rosignoli. Conciliação e Mediação na Administração Pública – Parâmetros para sua
efetivação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 120. Importante destacar a que referida autora no mesmo
capítulo apresenta um precedente do STF no aresto de relatoria da Ministra Ellen Grace, que menciona: “Poder
Público. Transação. Validade. Em regra, os bens e o interesse público são indisponíveis, por que pertencem à
coletividade. É, por isso, o Administrador, mero gestor da coisa pública não tem disponibilidade sobre os
interesses confiados à sua guarda e realização. Todavia, há casos em que o princípio da indisponibilidade do
interesse público deve ser atenuado, mormente quando se tem em vista que a solução adotada pela
Administração é a que melhor atenderá a ultimação desse interesse.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal.
Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário 598.099/MS. Recorrente: Estado do Matogrosso do Sul.
Recorrido: Rômulo Augusto Duarte. Relator Ministro Gilmar Mendes. Plenário. Publicado em 18 dez 2012. Dje
247 Disponível em: http://redir.stf.ju.br/paginadorpub/paginados.jsp/docTP=TP&docID=3216407. Acesso em:
13 jul. 2018).
203

dada a amplitude dos direitos que cabe ao Estado proteger, existirão hipóteses em
que, ou a norma não irá prever determinada situação, o que é extremamente comum
dado a sua natural generalidade e abstração, ou, então, o caminho prescrito pelo
legislador não será, em um caso específico o que melhor representa o interesse da
coletividade.

Segundo Carlos Alberto de Salles453, existem inúmeras vantagens para a opção pela
Mediação. Dentre elas, destaca-se
o sigilo das informações trazidas para a mediação pelas partes, inclusive quanto às
suas expectativas é condicionante da confiança dos participantes. E eventual
testemunho do mediador fica, também, prejudicado, reconhecendo-lhe o direito a
sigilo profissional.

Este é um aspecto relevante, pois, em razão do princípio da publicidade, a


Administração Pública está livre para informar o que desejar, valendo o mesmo para a
instituição ou a empresa privada, e não sendo possível para o mediador e talvez a instituição,
caso existirem previsões neste sentido, quando se tratar da Mediação institucional. Nesse
sentido, não pode ser considerado como obstáculo para o uso da Mediação neste campo.
Além disso, Geisa Neiva454 acrescenta outra vantagem, ao enfatizar que
é inegável que esses arranjos consensuais trazem grandes vantagens para a
sociedade, já que, além de serem obtidos com maior celeridade, com menos custos
para o Poder Público – se comparados com as infindáveis demandas judiciais que
exigem grande movimentação estatal - ainda serão mais eficientes, ao passo que as
saídas as soluções tomadas por consenso tendem a ser cumpridas voluntariamente,
ao contrário daquelas impostas por lei, que demandam maior grau de
coercibilidade.

Carlos Alberto de Salles 455, por seu turno, agrega que a


predisposição a ajudar as partes na percepção do conflito e de como ele pode ser
resolvido, não apenas no sentido de perceber corretamente o conflito, em suas
dimensões objetivas e subjetivas. Há situações em que imersas em suas próprias
posições e interesses, as partes não chegam a reconhecer a situação conflituosa por
desconhecer a posição do outro sujeito. Assim a Mediação deve ser capaz de gerar
elementos que permitam às partes a percepção e compreensão do conflito, de seu
posicionamento em relação a ele e das alternativas para a solução. Por detrás da
necessidade de levar a uma correta percepção do conflito, existe, sem dúvida, uma
tarefa informacional, consistente em uma das mais vitais e mais controvertidas da
mediação. Afinal, a informação é condição básica para que o livre consentimento
possa ser dado em bases minimamente legítimas.

Fundamental acrescentar as estas vantagens o ambiente de troca de informação e


intercâmbio de perspectivas que a Mediação pode proporcionar, o que naturalmente ajudará a

453
SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.
181.
454
NEIVA, Geisa Rosignoli. Conciliação e Mediação na Administração Pública – Parâmetros para sua
efetivação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 124.
455
SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.
181-182.
204

uma visão mais ampliada por parte dos participantes. Claro que isto só é possível se estiverem
participando do processo. Neste aspecto, vale lembrar o efeito que a cláusula de Mediação
promove quando é incluída em um contrato. Imperioso lembrar que tais efeitos também
ocorrerão caso o órgão público, quando contratar, incluir a referida cláusula, isto é,
obrigando-se a participar de uma primeira reunião de Mediação para que possa deliberar se
deseja participar efetivamente do processo. Os comentários apresentados no item 3.2 –
Instrumentos Contratuais da Mediação são válidos para os pontos agora levantados, que por
um lado ajudarão na percepção de que estão diante de processo em que valem todos os
componentes relativos à Administração e que só poderá ocorrer se desejarem fazer parte. Para
tanto, é fundamental conhecer, e o farão, a partir da oportunidade sobre os esclarecimentos
iniciais que ocorrerão na primeira reunião. E, na hipótese de possuírem uma cláusula de
Mediação Extrajudicial, usufruirão dos benefícios que ela propõe, dentre os quais se
destacam: a escolha do mediador, o estabelecimento de como será desenvolvido o processo,
sua duração e temas a que desejarem levar ao debate etc.
Por outro lado, grande preocupação na Administração advém especialmente do agente
público, com relação aos órgãos de controle interno e, em especial externo, como o Ministério
Público e/ou os Tribunais de Contas. Tal fato, muitas vezes, aponta no sentido de inviabilizar
a própria Mediação, sem dizer o seu futuro resultado. Laura de Barros456 bem esclarece este
controle, ao afirmar que, em geral, possuem “atribuições precípuas de acompanhar, avaliar e
eventualmente reprimir desvios relacionados ao desempenho da função administrativa, de
forma tanto preventiva quando a posteriori”. Nota-se aí o objetivo de evitar desvios e não a
possibilidade de reverter ou mesmo punir atitudes que talvez beneficiem a coletividade ou
mesmo a Administração pelo consenso em função de algum contrato que venha a ser objeto
da Mediação. Por isso, a mesma autora defende a necessidade de se aprofundar o debate,
“com vistas a construir balizas mais seguras e exatas para a fixação de limites previsíveis e
confiáveis, objetivamente aferíveis, em prestígio, inclusive da segurança jurídica, igualmente
consagrada na Constituição Federal.” Nesse sentido, mesmo o controle deve ser exercido com
critérios previamente estabelecidos, sobretudo nas condições econômicas, sociais e jurídicas à
época em que foi eventualmente firmado algum acordo para que a Mediação efetivamente
possa contribuir efetivamente na perspectiva de futuro para os contratos administrativos.

BARROS, Laura Mendes Amando de. O que fazer quando o “Fiscalizador-Controlador” assume a Gestão no
456

lugar do Gestor? O Acordo Administrativo “sitiado” e o Problema da Ineficiência e da Responsabilização da


Administração pelo Ministério Público. In: OLIVEIRA, Gustavo Justino de (org.). Acordos Administrativos no
Brasil – Teoria e Prática. São Paulo: Almedina, 2020. p. 127.
205

Além disso, é importante lembrar que a Lei 13.655/18 acresceu novos dispositivos à
LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, no que se refere aos artigos de
20 a 30, sendo relevante para as considerações acima o artigo 26, que prevê expressamente a
possibilidade de celebração de acordos com os envolvidos em conflitos com a Administração
Pública, sobretudo com o objetivo de eliminar incertezas jurídicas e situação contenciosa na
aplicação do direito público. Por isso, Rafael Schwind457 destaca que, desde a edição da
referida lei, “pode-se dizer que está definitivamente sepultada qualquer compreensão de que a
Administração Pública não pode celebrar transações, acordos e compromissos em geral, o que
consagra uma evolução do pensamento jurídico a respeito da indisponibilidade do interesse
público”. Com ela, nota-se a promoção da pavimentação de estruturas que permitam
minimizar eventuais obstáculos para órgãos e agentes públicos em suas ações em direção à
Mediação, oferecendo segurança jurídica aos órgãos e agentes públicos. Ao agregar os dez
dispositivos acima mencionados, proporciona maior segurança jurídica para as decisões e
atividades do poder público quando promoverem inovações, como asseveram Floriano
Marques Neto e Rafael de Freitas458:
estabilidade, na medida em que pretende conferir perenidade aos atos jurídicos e aos
efeitos deles decorrentes, mesmo quando houver câmbios nas normas ou no
entendimento que se faz delas. Tem o vetor da previsibilidade, protraindo mudanças
bruscas, surpresas e armadilhas. E, por fim, tem o vetor da proporcionalidade (e da
ponderabilidade), na medida em que a aplicação do direito não pode nem ser
irracional, nem desproporcional.

Retomando a questão do controle, José Mathias-Pereira459 lembra que


a Constituição Federal de 1988 – artigo 70 estabelece que a fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da
administração direta e indireta é exercida pelo Congresso Nacional, mediante
controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada poder. Estabelece
também que o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, é exercido com o
auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual incumbe uma série de competências
exclusivas.

Depreende-se que a opção constitucional no que toca este quesito relativo foi no
sentido amplo e complexo, consistindo no que Hely Lopes Meirelles460 define como “todo

457
SCHWIND, Rafael Wallbach. Acordos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB:
Normas de Sobredireito sobre a Celebração de Compromissos pela Administração Pública. In: OLIVEIRA,
Gustavo Justino de (org.). Acordos Administrativos no Brasil – Teoria e Prática. São Paulo: Almedina, 2020. p.
175.
458
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; FREITAS, Rafael Véras de. Comentários à Lei nº 13655/2018 (Lei
da Segurança para a Inovação Pública). Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 18.
459
MATIAS-PEREIRA, José. Curso de Administração Pública – foco nas instituições e ações governamentais.
4ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 217.
460
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
p. 564.
206

aquele realizado pela entidade ou órgão responsável pela atividade controlada, no âmbito da
própria Administração”, sendo inserida organicamente em conformidade com o artigo 74 da
Constituição Federal e podendo ser realizada de forma prévia, concomitante ou
posteriormente. A atuação do controle possui ampla liberdade, sendo preservado espaço
mínimo de independência, livre do restrito controle orçamentário e legal. Já com relação ao
âmbito externo o mesmo autor461 explica ser
o controle que se realiza por órgão estranho à Administração responsável pelo ato
controlado, como por exemplo, a apreciação das contas do Executivo e do Judiciário
pelo Legislativo; a auditoria do Tribunal de Contas sobre a efetivação de
determinada despesa do executivo; a anulação de um ato executivo por decisão do
Judiciário, etc..,

sendo previsto no artigo 71 da Constituição Federal, “dotando ampla competência,


exigindo a adoção de medidas de reestruturação de modo a dotar as Cortes de Contas de
capacidade operacional, celeridade e eficácia, imprescindível para assegurar uma eficiente
fiscalização dos atos da Administração”, segundo José Matias- Pereira462. Diante de todo este
amplo controle, seja interno ou externo, incluindo neste último o judicial, cumpre trazer as
palavras de Juliana de Palma463, que salienta que a decisão pelo acordo “deve ser tomada
discricionariamente, considerando as especificidades do caso concreto para a modelagem da
decisão que se mostre a mais eficiente. Trata-se de uma formulação empírica, lastreada em
estudos de caso e análises de custo benefício”. Depreende-se, portanto, que a referida autora
evoca em sua recomendação os componentes de discricionariedade do agente e a
fundamentação como elemento basilar do acordo realizado. Silvia Johonsom di Salvo464, por
seu turno, acrescenta que, no que toca às soluções derivadas da Mediação, “há elementos
necessários a serem observados para garantia da efetividade, para além do consenso entre os
participantes”. A concessão de publicidade ao acordo confeccionado garante a transparência
de todo o processo e da tomada de decisões, como forma de legitimação do instituto e dos
resultados dele derivados. A participação efetiva daqueles que executarão os compromissos
assumidos no processo constitui outro elemento a ser pensado, aliado à inclusão na pauta do

461
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
p. 565.
462
MATIAS-PEREIRA, José. Curso de Administração Pública – foco nas instituições e ações governamentais.
4ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 220.
463
PALMA, Juliana Bonacorsi de. A consensualidade na Administração Pública e seu controle judicial. In:
GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI, Bruno (coord.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos
consensuais de solução de conflitos. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014.
464
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 126.
207

processo de um plano de para sua implementação. Por outro lado, Mauricio Tonin465 assevera
que
o controle judicial dos acordos celebrados pelo Poder Público será
fundamentalmente motivado por terceiros que se sintam prejudicados pela
celebração do pacto ou por instituições de controle, que acionarão o Judiciário para
requerer a invalidação do acordo diante de denúncias de ilegalidade na celebração
do pacto.

Além disso, o mesmo autor defende que o momento demanda a necessidade de quebra
do paradigma da resistência do agente público em tomar decisões baseadas no
consensualismo. Por isso Luciane Moessa de Souza466 enfatiza que,
se existe grande receio por parte de agentes públicos relacionados à assunção de
responsabilidade pela celebração de transações, tal fato se deve a uma cultura que
prepondera no Poder Público em que somente se enfoca a responsabilidade por
ações, olvidando-se, lamentavelmente, nossos órgãos de controle externo de criar
mecanismos que permitam a responsabilização de agentes públicos pela omissão em
seus deveres, tal como ocorre pela não celebração de transações em situações nas
quais da omissão decorram danos ao interesse ou ao patrimônio público.

Diante deste cenário, Silvia Johonsom Di Salvo467 apresenta a expectativa de que os


órgãos de controle possuam maior “amadurecimento de seu entendimento quanto ao uso do
instituto da Mediação, para que seja reconhecido como instrumento legítimo de resolução de
controvérsias” no âmbito da Administração Pública.
Ainda sobre a resistência, convém lembrar as observações oferecidas sobre o Capítulo
II da Lei de Mediação, constantes no item 2.1.5 da Parte II Mediação desta dissertação, que
podem ser repetidas neste aspecto, uma vez que o legislador buscou demonstrar a intenção de
criar, pelo artigo 40 da Lei 13.140/2015, norma protetiva para os funcionários públicos,
quando participarem de uma Mediação, com o intuito de blindá-los no exercício de suas
atribuições. “Poderão somente ser responsabilizados civil, administrativamente ou
criminalmente quando, mediante dolo ou fraude, receberem qualquer vantagem patrimonial
indevida, permitirem ou facilitarem sua recepção por terceiros”, segundo Humberto Dalla
Bernardina de Pinho e Marcelo Mazzola468. Osmar Côrtes469, por seu turno, acrescenta pelo
lado da Administração que

465
TONIN, Maurício Morais. Arbitragem, Mediação e Outros Métodos de Solução de Conflitos Envolvendo o
Poder Público. São Paulo: Almedina, 2019. p. 121.
466
SOUZA, Luciane Moessa de. Meios consensuais de solução de conflitos envolvendo entes públicos:
negociação, mediação e conciliação na esfera administrativa e judicial. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 258.
467
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 126.
468
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; MAZZOLA, Marcelo. Manual de Mediação e Arbitragem. São
Paulo: Saraiva, 2019. p. 180.
208

deve ter algum benefício para que se torne atraente participar de uma composição
extrajudicial, até porque tem inúmeras vantagens quando é parte em um processo
judicial. As vantagens para a Administração não podem se confundir com vantagens
para os servidores que representam a Administração e participam de uma Mediação,
obviamente.

Vale ainda lembrar que é neste tópico que a Mediação se insere em toda a sua
plenitude. Em outras palavras, é onde os três eixos do processo da Mediação ocorrem
efetivamente. Os participantes normalmente são pessoas jurídicas, sendo uma de direito
público e a outra de direito privado. E o mediador, o terceiro imparcial e independente, é
escolhido entre elas, sendo que esta escolha é baseada na credibilidade inicial que aquele
profissional possui perante os participantes. A matéria objeto da Mediação é o contrato
celebrado decorrente de uma licitação, baseada na Lei 8.666/93. Interessante notar que os
questionamentos mais frequentes são os mencionados anteriormente, acrescidos da questão da
confidencialidade, que pode ser mitigada ou não em função da flexibilidade que a Mediação
propõe. Nesse sentido, o que se observa na prática é o dever da confidencialidade oferecido
pelo mediador, por seu código de conduta, bem como a instituição que poderá estar
administrando o processo, em função do seu próprio código de ética e também de
instrumentos legais inerentes à Mediação lá desenvolvida.
Esta última característica demonstra, pelos instrumentos previstos para
desenvolvimento da Mediação, os elementos contratuais que marcam a atividade. Todos eles
já citados no item 3.2 da Parte II – Mediação da presente dissertação, os quais valerão nos
parâmetros mencionados no referido item, em especial quando existente a cláusula de
Mediação.

3. MEDIAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A Mediação da Administração Pública consiste na inclusão da Mediação como serviço


voltado para a população como um todo, podendo incluir pessoas físicas e/ou jurídicas,
inclusive do ambiente público, sem qualquer limitação quanto aos conflitos levados à
instituição, que presta serviços por intermédio de pessoas treinadas como mediadores,
podendo ser funcionários públicos e/ou profissionais do contexto privado. Na maioria das
vezes, serão conflitos privados, familiares e de vizinhança, podendo incluir coletivos, com

469
CÔRTES, Osmar Mendes Paixão. Responsabilidade dos Servidores e Empregados Públicos que participam
de Mediações. In: PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; RODRIGUES, Roberto de Aragão Ribeiro (coord.).
Mediação e Arbitragem na Administração Pública. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2020. p. 237.
209

forte intenção de propor a pacificação. Além disso, conflitos entre o poder público, ou mesmo
de seus órgãos com o cidadão, também podem ser objeto de inclusão nestes serviços. Nesse
sentido, Maurício Tonin470 oferece a denominação Administração Pública Mediadora de
conflitos. O referido autor faz referência ao artigo 3 º inciso 2º do Código de Processo Civil
para enfatizar que “não se restringe à atuação do Estado enquanto parte num conflito. O
dispositivo prevê que o estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos
conflitos, inclusive daqueles dos quais não é parte”. Convém destacar também que o mesmo
autor atribui ainda outro nome à atividade, “Administração na construção de políticas e
estruturas para a Mediação”, numa demonstração do quão ampla pode ser a iniciativa.
Nesse sentido, funciona como uma instituição da iniciativa privada prestadora dos
serviços de Mediação em distintos conflitos e contextos, muito embora seja desenvolvida por
agentes públicos. Célia Zaparolli471 apresenta um exemplo, dos muitos que podem ser
desenvolvidos, denominando-o como política pública de Justiça. Ela sublinha que o objetivo é
de transformação ou mudanças de paradigmas na própria comunidade onde se dá a
implementação. Ela faz referência ao Programa de Justiça Comunitária do Tribunal de Justiça
do Distrito Federal e ao Programa de Mediação de Conflitos da Secretaria da Defesa Social
do Estado de Minas Gerais. E conclui que
os referidos programas deparam com aspectos que ultrapassam as relações
individuais. Atuam no nível das relações intersubjetivas, nos efeitos decorrentes dos
conflitos sociais e violências estruturais, gerados pela imposição de infindáveis
encargos, diante da percepção ou da efetiva escassez de bens materiais/imateriais,
além dos dilemas alocativos. Os dois programas constituem políticas estatais e
visam a redução efetiva da demanda por decisão judiciária, atuando nas
comunidades e procurando gerar modificações de segunda ordem, transformações
individuais, relacionais e comunitárias, com efeitos sociais mais amplos.

Outro exemplo de Mediação da Administração Pública que pode ser lembrado nos
presentes comentários é o CEDPI – Centro de Defesa da Propriedade Intelectual criado pelo
INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial, pela Resolução 84, de 11 de abril de
2013. Segundo Nathalia Mazzonetto472, foi a referida autarquia federal em parceira com a
OMPI, Organização Mundial da Propriedade Intelectual, que

470
TONIN, Maurício Morais. Arbitragem, Mediação e Outros Métodos de Solução de Conflitos Envolvendo o
Poder Público. São Paulo: Almedina, 2019. p. 233.
471
ZAPPAROLI, Celia Regina. Políticas Públicas de Justiça e a Mediação de Conflitos Intra-familiares. In:
SALLES, Carlos Alberto de (coord.). As Grandes Transformações do Processo Civil Brasileiro. São Paulo:
Quartier Latin, 2009. p. 547.
472
MAZZONETTO, Nathalia. Novos (e adequados) rumos da Administração Pública na resolução de conflitos.
In: GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI, Bruno (org.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos
consensuais de solução de conflitos. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014. p. 294-295.
210

inaugurou, de modo pioneiro, o universo dos centros especializados em propriedade


intelectual, abrindo o caminho para que outros com a ABPI -Associação Brasileira
da Propriedade Intelectual também viessem na sequência. Para a referida autora o
centro possui o objetivo central de “administrar procedimentos de mediação e
arbitragem envolvendo disputas relacionadas aos direitos resguardados pela referida
Autarquia Federal (marcas, patentes, softwares, etc...)

Importante notar que o referido centro não previa a utilização de mediadores internos a
fim de oferecer maior garantia de imparcialidade para o terceiro que exercerá função. Além
disso, segundo a mesma autora, o próprio INPI estabeleceu parâmetros a serem seguidos a
saber:
1. Não participação do INPI no procedimento como parte;
2. Integração com os processos administrativos em curso junto à autarquia, podendo
haver a sua suspensão temporária; e
3. Possibilidade de recurso à chamada consulta técnica preliminar sobre a viabilidade,
junto ao INPI, dos acordos de Mediação que recaiam sobre direitos de propriedade
intelectual, respeitando-se a independência inerente aos processos de exame
promovidos pela instituição.
Trata-se de uma integração não vinculante ao INPI, que foi operacionalizada a partir de
um piloto, que não veio a desenvolver muitas atividades, pois mudanças na gestão à frente do
órgão alteraram sua efetiva implementação. Tal descontinuidade, infelizmente, é comum na
Administração Pública, ao ocorrerem mudanças das autoridades públicas no exercício de seus
mandatos. Esta ocorrência é um fator limitador para a consolidação de serviços de Mediação
no contexto público.
Independentemente deste último aspecto vale lembrar Mauricio Tonin473 que exemplifica
casos da Prefeitura de São Paulo, dentre os 257 postos do TJ-SP, alguns deles
instalados e em funcionamento em razão de parcerias com instituições públicas e
privadas. Um deles é fruto do Convênio nº 262/2015, celebrado entre o Tribunal e a
Prefeitura do Municípios de São Paulo, que dispõe o espaço físico e os mediadores
que atuam em conflitos encaminhados pela Defensoria Pública ou daqueles que
procuram diretamente o centro. Há também pautas de casos planejados por interesse
da própria Administração Municipal. Desta, destacam os mutirões quinzenais da
Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo – COHAB, que convida os
seus mutuários inadimplentes a celebrarem acordos e evitarem ações de reintegração
de posse. A Prefeitura também dispõe de Guardas Civis Metropolitanos realizando
mediação extrajudicial na Casas de Mediação, desde 2011. Atualmente são 18
(dezoito) casas espalhadas pela cidade de São Paulo, atendendo conflitos de
vizinhança, família (que não exigem homologação judicial) e questões cíveis.

473
TONIN, Maurício Morais. Arbitragem, Mediação e Outros Métodos de Solução de Conflitos Envolvendo o
Poder Público. São Paulo: Almedina, 2019. p. 234.
211

Depreende-se que os componentes de estruturação dos eixos da Mediação não levam a


dificuldades apontadas pelos itens anteriormente citados, pois muitas vezes o conflito é
privado e, caso seja público, ao envolver um cidadão e um órgão público, normalmente já
existe autorização legal para o órgão público possa participar. Além disso, o mediador que
desenvolverá o processo é um profissional capacitado, que exercerá sua função desprendido
do sistema público em que está situado, mesmo sendo integrante do mesmo. Portanto,
obstáculos decorrentes de questionamentos de indisponibilidade do interesse público,
arguição de previsão legal anterior ou mesmo publicidade acabam não ocorrendo.
Além disso, pelo fato de estar ligado à Mediação da Administração Pública, aflora o
debate em torno da adoção de políticas em direção à desjudicialização no âmbito da
Administração Pública, muito embora não seja elemento disparador da Mediação. Nesse
sentido, a Prefeitura do Município de São Paulo tornou-se no início de 2020 um exemplo
claro da adoção de uma política pública com esta perspectiva. Conseguiu aprovar na Câmara
de Vereadores um projeto de lei de política de desjudicialização, coordenada pela
Procuradoria Geral, incluindo a Administração direta e indireta de toda a cidade de São Paulo,
elegendo a Mediação e arbitragem como instrumentos da referida política, somando-se à
ampliação da Câmara de Resolução de Conflitos mencionada anteriormente. Dada sua
importância no ordenamento jurídico brasileiro, e por se situar num grande avanço em prol da
consensualidade, será objeto de breves observações a seguir.
A Lei 17.324, de 19 de janeiro de 2020 dispõe sobre uma série de medidas a serem
adotadas pela municipalidade, que visam reduzir a litigiosidade, estimular a solução adequada
de controvérsias, promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos e
aprimorar o gerenciamento do volume de demandas administrativas e judiciais. A política de
desjudicialização é coordenada pela Procuradoria Geral do Município, que ficará responsável,
dentre outras, por:
1) dirimir conflitos por autocomposição;
2) arbitrar controvérsias não solucionadas por meios autocompositivos;
3) celebrar termos de ajustamento de conduta, quando couber e estiver no âmbito de sua
competência;
4) propor, em regulamento, a organização e a uniformização dos procedimentos e
parâmetros para a celebração de acordos envolvendo a Administração direta, bem
como as autarquias e fundações representadas judicialmente pela Procuradoria Geral
do Município;
212

5) disseminar a prática de negociação e coordenar negociações realizadas por órgãos de


execução; e
6) identificar matérias elegíveis à solução consensual de controvérsias.
Nessa linha, ainda, a lei autoriza o Poder Executivo a criar, por decreto, a Câmara de
Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos no Município de São Paulo, vinculada à
Procuradoria Geral do Município. E ao mesmo tempo já determina que a celebração de
acordos para a solução consensual de controvérsias deverá observar alguns critérios como:
1) Serem os direitos, disponíveis ou indisponíveis, objeto de acordo passíveis de
transação;
2) Antiguidade do débito;
3) Observância da isonomia perante outros interessados em situação similar;
4) Capacidade contributiva;
5) Qualidade da garantia oferecida; e
6) Edição de ato regulamentar das condições e parâmetros objetivos para celebração de
acordos a respeito de determinada controvérsia quando for o caso.
Observa-se a inclusão de inúmeros temas envolvendo todos os órgãos municipais,
constituindo-se verdadeira política pública em torno da consensualidade, ao mesmo tempo em
que inclui temas tributários, pois estabelece que os acordos regulamentados por essa lei
abarcam tanto débitos tributários quanto os não tributários, que deverão ser quitados em
parcelas mensais e sucessivas. Todavia, os acordos da lei são limitados a R$ 510.000,00
(quinhentos e dez mil reais) e não se aplicam aos acordos firmados em Programas de
Parcelamento Incentivado (PPI) anteriores. Ademais, a efetivação do parcelamento, por
qualquer forma, implica confissão irretratável do débito e renúncia ao direito sobre o qual se
funda a defesa ou recurso interposto no âmbito administrativo ou judicial. Medida
interessante é a que prevê a possibilidade de a Administração Pública incluir cláusula de
Mediação nos contratos administrativos, convênios, parcerias, contratos de gestão e
instrumentos congêneres e utilizar-se de arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos
patrimoniais disponíveis, muito embora não fossem necessárias suas inclusões. Porém,
reforçam a segurança jurídica para seu uso.
Observa-se, diante do ordenamento jurídico brasileiro, que um grande passo foi tomado
pela Administração Pública municipal paulistana em direção ao consensualismo, com a
Mediação, avançando de maneira inédita numa perspectiva mais ousada, que consiste na
desjudicialização. Tal iniciativa demonstra grande abertura em todas as suas atividades em
213

prol do atendimento às determinações mais sociais da Constituição Federal, com a


incorporação efetiva da eficiência em seus serviços, em que a Mediação é uma de suas
vertentes e preciosa metodologia, não somente como usuária, mas também como estimuladora
e promotora institucional do instituto. Trata-se de um exemplo que, se for seguido pelas mais
de cinco mil prefeituras municipais brasileiras, com certeza construirá uma nova realidade
local com relação aos conflitos entre cidadãos, entre cidadãos e órgãos públicos e entre órgãos
públicos, além de atender de forma ampla aos ditames do artigo 174 do Código de Processo
Civil.
Em paralelo a estas iniciativas isoladas, ao se retomar à esfera federal, é importante
observar, na legislação citada no item 2 da Parte II – Mediação da presente dissertação, que
algumas leis vão no sentido de estimular iniciativas pontuais em serviços públicos diversos,
além das já citadas em itens anteriores. Cabe lembrar a Lei 13.460/17, que dispõe sobre a
participação, proteção e defesa dos direitos dos usuários dos serviços públicos da
Administração direta e indireta. Segundo Sidney Bittencourt474, constitui-se em um “novo
Código de Defesa dos Usuários de Serviços Públicos”, prescrevendo direitos básicos para
todos eles em todos os serviços públicos, sem exceção. Chamam a atenção, para efeito da
presente dissertação, os serviços de ouvidoria, que deverão, dentre outros, promover a adoção
de Mediação entre o usuário e o órgão ou entidade pública, sem prejuízo de outros órgãos
competentes. Nota-se, mais uma vez, a intenção na determinação legal em prol da
implementação de uma política pública, neste caso de espectro federal, em direção ao
estímulo do instituto da Mediação entre ente público e usuário dos seus serviços.
Outro exemplo é a Lei 13.988, de 14 de abril de 2020, que dispõe sobre os requisitos e
condições para que os órgãos federais e os devedores realizem transação resolutiva de litígio,
relativo à cobrança de créditos da Fazenda Pública, tanto de natureza tributária como não
tributária. Trata-se de outro avanço, pois estimula a criação de mecanismos dialógicos, como
a Mediação, para questões de natureza fiscal, numa tentativa de modificar a prática periódica
de parcelamentos especiais, com concessão de prazos e descontos. Em outras palavras,
amplia-se a perspectiva da Mediação para o âmbito tributário. No entanto, é importante fazer

BITTENCOURT, Sidney. Comentários à Lei 13460 de 26 de junho de 2017 – Novo Código de Defesa dos
474

Usuários de Serviços Públicos. Curitiba: CRV, 2017. p. 14.


214

referência às palavras de Ana Cláudia Paranaguá e Flávia Azeredo de Freitas 475, que reforçam
o já mencionado anteriormente:
para que a Administração Pública participe e, até mesmo, realize um processo de
Mediação, é preciso aliar as regras e princípios administrativos com as ferramentas
de comunicação, procedimentais e negociais. Deve-se conjugar os interesses das
partes, sejam estes privados ou públicos, tendo como propósito atender a demanda
da Justiça Social, que privilegia decisões éticas, transparentes, céleres e menos
custosas aos cofres públicos.

Nessa mesma linha, impende recordar as palavras de Silvia Johonsom Di Salvo476, que
destaca o quanto é relevante o planejamento institucional em se tratando da Mediação da
Administração Pública, para evitar sua estratificação, sob o risco de se transformar em um
processo administrativo. Para tanto,
é necessário atender a demanda de justiça social que leva a prazo mais curtos e
limites temporais que reduzam prazos excessivos. Em relação ao princípio da
publicidade afeto à Administração Pública, a institucionalização da Mediação
conexa à boa Administração impõe que se torne público o sistema de resolução de
conflitos como forma de garantir o acesso cidadão e eficiência da máquina
administrativa. Ainda, sabendo-se que barreiras orçamentárias são uma realidade
para qualquer projeto da Administração Pública, fato é que a análise de custos de em
se implementar métodos de resolução de conflitos deve perpassar também ganhos
consequenciais do emprego do método, que reduz custo de transação e de uso da
máquina pública para a resolução de controvérsia em processo judicial moroso e
oneroso.

Ademais, voltando ao elemento da continuidade, esta faz-se mais do que


imprescindível, pois os usuários passam a usufruir de suas vantagens e a descontinuidade
reverterá todos os ganhos e vantagens que a Mediação proporciona e ainda proporcionará.
Tudo isso para que efetivamente seja construída a Mediação a partir de seus eixos já citados
anteriormente, o que deve ser objeto de constante preocupação da Administração Pública.
Por derradeiro, muito embora constituam ações de órgãos do Poder Judiciário, não
poderiam ser omitidas as iniciativas que se inspiraram na Resolução CNJ 125/2010, ao
adotarem políticas nacionais em direção ao consensualismo. Nesse sentido, cabe lembrar a
Resolução 118/2014 do Conselho Nacional do Ministério Público, assim como as ações da
Associação Nacional da Defensoria Pública, que em 2014 editou um manual com parâmetros
para o desenvolvimento da Mediação em seus órgãos. Tais instrumentos têm resultado no
desenvolvimento de Núcleos e órgãos em todos os Estados da Federação em que o serviço de
Mediação é oferecido aos cidadãos.

475
PARANAGUÁ, Ana Claudia P. Cáo; FREITAS, Flávia Corrêa Azeredo de. Advocacia Pública Federal e a
prática da Mediação Privada: reflexões à luz da Orientação Normativa n.57/2019 do Advogado-Geral da
União. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2020. p. 19.
476
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 127.
215

Todos estes componentes levam a pensar a Mediação dentro de seu valor único. Por
isso, Francisco Cahali477 afirma:
lembrando que o proveito da Mediação projeta-se muito além da solução de um
litígio para encerrar uma demanda (judicial ou arbitral), o instituto tem aplicação
para tratamento de diversos conflitos, mesmo que deles não decorra, por questões
variadas, um processo (judicial ou arbitral). Em outras palavras, aproveita-se da
Mediação para pacificação de conflitos mesmo que eles não tenham a perspectiva de
chegar às portas do Judiciário,

inclusive e, em especial aqueles do contexto público como apresentado na presente


dissertação.
Tendo em vista a perspectiva que a Mediação apresenta, seria por demais incompleta
eventual omissão quanto ao momento vivenciado por toda a sociedade contemporânea com a
pandemia iniciada em dezembro de 2019 na região de Wuhan, na China, que se espalhou por
todo o mundo. Esta pandemia tem exigido o distanciamento social entre os cidadãos, bem
como a paralisia de muitas atividades econômicas por longo período de tempo, levando a
mudanças nos costumes de maneira muito rápida. Tem demandado, ao mesmo tempo, a
criação de novos paradigmas em uma velocidade inusitada, promovendo maior
conscientização da interdependência entre seres humanos, sobretudo com relação à proteção
que precisa ser individual para que o coletivo também usufrua, resultando na proteção de
todos. Tal cenário também se estende à Administração Pública, de maneira ampla, em todos
os seus espectros.
Na verdade, vivenciam-se momentos únicos, que exigem decisões rápidas e
conscientes, as quais, em função dos conflitos instalados, requerem maior abertura para o
diálogo e a Mediação parece ser uma resposta mais do que adequada por promovê-lo, para
além de propor a reflexão do vivenciado por todos, que já estão sendo afetados em proporções
diferentes. Este caminho oferecido pela Mediação perpassa o instituto jurídico da força maior,
cujos parâmetros permeiam a revisão de pactos e contratos que necessitam ser atualizados, já
que a realidade mudou substancialmente. Tudo pode ser feito por intermédio da tecnologia,
que se encontra à disposição de todos, em particular da Mediação, cuja atuação se estende à
Administração Pública, que também poderá dela se valer para superar impasses provocados
pela referida pandemia.

CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. 7 ª Ed.
477

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 107.


216

CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

A presente pesquisa partiu do debate em torno da Justiça e de como a


contemporaneidade oferece novos paradigmas para seu acesso, que deve ser observado a
partir da construção da Ordem Jurídica Justa, compreendida como a utilização do meio mais
adequado ao conflito existente. Em paralelo a isso, observou-se que adequação não é fruto do
método oferecido, mas a opção realizada para aqueles que estão envolvidos no conflito. Em
outras palavras, o adequado não é o método, mas, sim, a forma que seus participantes o veem,
pois são eles a identificar a adequação para o que vivenciam.
O sobrevoo geral e pontual percorrido a partir da contribuição do pensamento
representado por diversos autores desde a Antiguidade até a Contemporaneidade demonstrou,
além da preocupação quanto ao tema para o ser humano, a evolução de seu conceito através
dos tempos. Isso leva a uma multiplicidade de perspectivas, cuja subjetividade aflora de tal
maneira que o sentido de Justiça passa a ser muito pessoal, sendo transferido para o método
utilizado, cuja multiplicidade peculiar aos tempos atuais exige o conhecimento claro de sua
estrutura, consciência de sua magnitude e, sobretudo, o alcance de resultados ao usuário.
A pós-modernidade, compreendida como uma soma de distintas perspectivas, sem o
componente de negação de outros momentos anteriores, aponta para a diversidade de métodos
de resolução de conflitos cujas características próprias demonstram especificidades para a
complexidade inerente ao conflito. Tal fato proporciona a vantagem da escolha, que não
necessariamente precisa ser acertada, mas mensurada nas características únicas daquela
complexidade. Dentre elas, destaca-se a Mediação, instrumento contratual, devidamente
instituído legalmente, cujo centro é o diálogo entre aqueles incluídos na complexidade
conflituosa.
Ao se observar as quatro partes da presente dissertação, chama a atenção o diálogo
com os mais variados autores, de uma extensa gama de disciplinas e distintos saberes: de
pensadores da Antiguidade, Idade Média, Modernidade até a Contemporaneidade, passando
por temas como Filosofia, Sociologia, Filosofia do Direito, Direito dos Contratos, Direito
Administrativo, Direito Processual Civil, Economia, entre outros. Tal fato demonstra a sólida
marca que a Mediação apresenta, não somente pela flexibilidade, mas, sobretudo, pela
complexidade que ela promove e poderá promover ainda mais. Aponta para a perspectiva
interdisciplinar, pressuposto de sua existência, bem como a adequação metodológica,
característica amplamente visível de seu método.
217

Todos esses elementos devem ser devidamente interpretados com base na perspectiva
paradigmática do instituto, devendo seus comandos serem observados de maneira única a
partir do percurso gerador do sentido da Mediação em sua essência. Em outras palavras, a
riqueza que os componentes acima identificados oferecem para a Mediação não pode jamais
ser esquecida, sob pena de não se alcançarem os objetivos por ela propostos.
Daí decorre se constituir em um instituto marcado por elementos contratuais, os quais
devem ser respeitados em qualquer contexto, pois oferecerá segurança a todos. Sem tais
elementos, não pode ser considerado, já que a falta de um dos seus componentes basilares
compromete o próprio instituto. Por isso a necessária diferenciação em relação a outras
metodologias, consensuais ou não. Convém lembrar que esta diferenciação ainda é necessária,
pois continua a existir a confusão entre as metodologias de solução de conflitos,
especialmente a Conciliação e a Mediação. Nesta dissertação, buscamos esclarecer esta
diferenciação, sobretudo quando se trata da Administração Pública.
Nota-se claramente que a Mediação consiste em um instrumento único no
ordenamento jurídico brasileiro, especialmente por possuir características próprias e muito
peculiares, não tendo qualquer paradigma anterior que pudesse identificá-la, à exceção de sua
prática, já existente. Além disso, muito embora recente em termos de teorização, possui idade
mais que milenar: existem registros de seu uso em tempos imemoriais, mesmo antes da
Antiguidade. Por isso, é importante enfatizar que todos os seus eixos estruturantes devem ser
levados em consideração e estar sempre regularmente definidos, sob pena de levar a confusão
com outros métodos e metodologias, a partir da construção de novo paradigma, que ela
pressupõe, sempre na tentativa de atender ao conflito e sua complexidade, assim como a seus
participantes, que nada mais são do que seu centro e sua razão de existência.
Cabe lembrar que a Mediação é uma atividade que existirá se assim seus participantes
o desejarem. Da mesma forma, levará a um resultado se a vontade de seus participantes for
nesse sentido. E incluirá ou excluirá elementos de acordo com a intenção dos que aceitam
dela fazer parte. Nesse sentido, os eixos que a estruturam bem apresentam suas características,
que podem ser compreendidas como vantagens, já que sua perspectiva propõe sempre a visão
de futuro para todos os nela envolvidos.
Paralelamente aos componentes enfatizados no parágrafo anterior, é fundamental
lembrar da interpretação que é dada a partir de sua inclusão no ordenamento jurídico, pois
constitui fator importante para se alcançar o significado do instituto. Na verdade, constitui um
instrumento da pós-modernidade, resultante de todo um pensar que evoluiu com a
218

humanidade através dos tempos, desde a Grécia Antiga, passando pela Idade Média, Moderna
e Contemporânea, até a atualidade. Evoluiu com cada pensamento filosófico que retrata uma
época e reflete as aspirações dos cidadãos naquele momento, vindo de todos eles alguns
elementos que fazem parte da Mediação.
Tudo isso faz com que estejam claros quais são os parâmetros oferecidos pela
atividade ao estar devidamente legitimada no ordenamento jurídico brasileiro. Promove-se,
com isso, a exata interpretação do instituto e de suas possíveis aplicações, que se ajustarão
conforme o contexto onde for empregado. Daí decorrem os cuidados que devem ser tomados
quando se trata do contexto público, em especial a Administração Pública.
A Mediação, para além de constituir-se em um método de solução de conflitos, é uma
maneira de promoção de Justiça pautada no diálogo. Além disso, consiste, também, em um
instrumento jurídico concretizado pela vontade de seus participantes e devidamente
institucionalizado no ordenamento jurídico brasileiro, podendo ser utilizado em diversos
contextos, inclusive o da Administração Pública, como apresentado nas duas últimas partes da
presente dissertação.
No que se refere especificamente à Administração Pública, destacam-se os seus
elementos evolutivos a partir da Constituição Federal, cujos componentes principiológicos
impulsionaram a perspectiva consensualista, até então pouco desenvolvida pelo fato de os
agentes público a rejeitarem e a ela muito resistirem. Tal evolução transformou radicalmente a
perspectiva de sua atividade, que hoje é vista como uma nova vertente dogmática, podendo no
futuro se converter em um componente norteador e respeitador de todos os elementos
inerentes ao ambiente público.
A pesquisa efetuada demonstra que se encontra em curso uma nova dogmática no
Direito Administrativo, impulsionado pelo consensualismo na, com a e da Administração
Pública. Tal dogmática desloca o eixo da supremacia e indisponibilidade do interesse público
para maior proximidade ao interesse privado, bem como melhor adequação da eficiência e
garantias sociais constitucionais, em que a dicotomia público-privado perde sentido. Este
cenário revela ser a Mediação um instrumento para a adoção do princípio da preferência ao
consensualismo.
Como demonstrado, a Mediação, ao integrar o direito positivo brasileiro, coroa uma
tendência na Administração Pública para o consensualismo. Tal tendência não significa
atingir consenso quanto ao conflito, mas, sim, consenso em relação ao método escolhido para
solução do conflito. Hoje, a realidade brasileira já permite a escolha do método mais
219

adequado de acordo com o conflito enfrentado e os elementos estruturantes mencionados


acima, consagrando a busca pela ordem jurídica justa. A utilização da Mediação nessa área
parece ser mais do que adequada e adaptada aos parâmetros públicos.
Quando aplicada à Administração Pública, a Mediação irradia efeitos, da mesma
maneira em que ocorre no contexto privado, apesar de estar se desenvolvendo em ambiente
muito diferente, em que as condições nem sempre são as mais favoráveis, em função das
resistências à sua utilização. Tal fato não significa dizer que inexista resistência ou rejeição no
contexto da iniciativa privada, mas, sim, que no ambiente público elas são maiores, pelo fato
de ser ainda mais nova a sua prática. Diante disto, existe a necessidade de preservar todos os
seus elementos intrínsecos, para que possa promover o método efetivo e criar perspectivas
para o futuro dos que dela fizerem uso, resultando na eficiência buscada pela Administração
Pública e em tantos outros objetivos a ele inerentes. A legislação contribui para isso.
Daí decorre a importância de sua sistematização e diferenciação quanto à Mediação
realizada na, com a e da Administração Pública, pois cada uma delas possui elementos
próprios que se estruturam e desenvolvem perspectivas próprias a partir de seus elementos
intrínsecos. Tal fato leva à construção de processos dialógicos únicos, que só podem ser
utilizados para aquele caso concreto, já que obedece a parâmetros próprios e muito peculiares.
Quando se trata da Mediação na Administração Pública, o conflito é muito peculiar à
área pública, os participantes são integrantes do mesmo contexto e nada mais lógico que o
mediador seja imparcial e independente. Com relação à Mediação com a Administração
Pública, os elementos são outros, o conflito é decorrente de um contrato entre um órgão
público e um particular e ambos possuem a oportunidade de escolher o mediador – aquele que
mais consideram que possa manter sua imparcialidade e independência antes, durante e após o
processo. Quanto à Mediação da Administração Pública, o mediador normalmente é da área
pública e os participantes podem ser somente da área privada, ou da privada e da pública, e o
conflito poderá ser tanto público quanto privado. Daí o necessário tratamento diferenciado,
pois o processo deverá ser flexível para atender a estas diferenças.
A Mediação e a Administração Pública constroem conjuntamente um espaço e um
momento, em que o diálogo promove a perspectiva única de visualizar e viabilizar o futuro
entre os envolvidos no conflito. No contexto da Administração Pública, este momento e
espaço obtêm um regime jurídico administrativo próprio e único, no sentido de criar matizes
próprias, categorizadas em formas distintas. Exemplo disso, dentre muitos outros, é a própria
confidencialidade, característica e fator de convencimento do método como a melhor opção
220

no ambiente privado. No contexto da Administração Pública, por seu turno, deve ser objeto de
análise conjunta dos integrantes do processo, a fim de refletir melhor sobre a
operacionalização dos compromissos nele assumidos, durante a Mediação e posteriormente.
Em função das particularidades da Administração Pública, faz-se necessário pensar a
Mediação, que já se constitui no ápice do consensualismo, como mencionado. Ao mesmo
tempo, não se pode esquecer dos eixos estruturantes da Mediação, isto é, processo,
participantes e mediador. Os elementos de uma e os elementos da outra não podem ser
interpretados como obstáculos para seu uso. Muito pelo contrário: deve-se compreender cada
um dentre todos os seus elementos, a fim de proporcionar o melhor para aqueles que dela
fazem uso no contexto da Administração Pública.
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