Adolfo Braga Neto
Adolfo Braga Neto
Adolfo Braga Neto
São Paulo
2020
2
São Paulo
2020
3
Banca Examinadora
Professor
Instituição: Assinatura: ____________________________
Julgamento: _______________________________________________________________
Professor
Instituição: Assinatura: ____________________________
Julgamento: _______________________________________________________________
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Professor Doutor Francisco José Cahali, por toda a orientação, o estímulo
e, sobretudo, o suporte para o desafio representado por um profissional da iniciativa privada,
entusiasta da Mediação, ter a pretensão de escrever sobre a Mediação e a Administração
Pública.
Para chegar a este momento muitos me ajudaram. A todos, minha admiração e meu
respeito pela imensa amizade, pelo carinho e pela solidariedade, em especial a Guilherme
Assis de Almeida, Nathalia Mazzonetto, Selma Maria Ferreira Lemes, Fabio Humberg e
Carlos Alberto de Salles.
Agradeço também aos amigos do IMAB, Agenor Lisot, Maria Cecília, Joaquim
Tavares e Mariangela Coelho, bem como a todos que estão conosco nesta empreitada.
RESUMO
ABSTRACT
This work researchs Mediation from its characteristics, its cornerstones, and its use in
the Brazilian Public Administration. The Mediation as an access to the legal order, through a
dialog process with the research of its three structural cornerstones, without those it will not
exist, process, participants and mediator, including the study of its agreement components of
the Brazilian Mediation practices. In order to think about Mediation in Brazilian Public
Administration it is necessary to study its elements because some of them is discussed when
the Mediation is used. In order to do so, the study of Administrative Law is required because
in the postmodernism its facing shifts from new trends, among others, the consensus, which
started at the end of last century, when writers of the Administrative Law started to see its
existence and its importance. The research shows the top of this trend is the Mediation Law,
which has a chapter only in this area, in which the field of application is big. That is the
reason why a systematization is necessary: The Mediation in, with and of the Brazilian Public
Administration, which have different components that need attention in order to Mediation
reach its objectives in this area.
LISTA DE ABREVIATURAS
SUMÁRIO Pág.
INTRODUÇÃO......................................................................................................... 10
PARTE II – MEDIAÇÃO............................................................................................... 50
1. MEDIAÇÃO EM BREVES PALAVRAS, A PARTIR DE SEUS TRÊS
EIXOS........................................................................................................... 51
1.1 Processo.................................................................................................... 51
1.2 Participantes............................................................................................... 58
1.3 Mediador.................................................................................................... 63
INTRODUÇÃO
demonstrar o quanto a classificação acima não traduz sua plenitude, sobretudo no contexto da
Administração Pública, seja como promotora da atividade ou como parte na Mediação. Com o
objetivo de tornar mais clara esta perspectiva, outros métodos de resolução de conflitos serão
apenas mencionados e diferenciados, por apontarem em direção ao consensualismo no
contexto público.
Para que se possa alcançar o diferencial acima proposto, necessário se faz pensar no
grande impulsionador da atividade que é a busca da Justiça, hoje compreendida como acesso
à ordem jurídica justa. E, também, em como esse acesso é feito pela Mediação, tendo como
premissa o seu diferencial, sobretudo com os outros métodos, a partir da perspectiva do
significado do que seja justo para os participantes. Por isso, ao se tratar da Mediação e do
ordenamento jurídico, iniciam-se observações sobre o acesso a ordem jurídica justa. Na
sequência, serão pontuados aspectos relevantes sobre a Mediação, especialmente na
perspectiva de diversos autores e a partir de seus três eixos estruturantes, isto é, o processo
dialógico, os participantes e o mediador (terceiro imparcial e independente). Digna de nota é a
não inclusão do componente disparador da Mediação, o conflito. Será mencionado,
evidentemente, com tal status, pois o lume do estudo é sua gestão.
Nesse sentido, importante serem desenvolvidas análises relativas aos textos legais,
mesmo de maneira genérica – o Marco Legal da Mediação e o Código de Processo Civil atual
–, a fim de que se possa mensurar o impacto linguístico que ambas as normas têm promovido
e continuarão a promover, ao mesmo tempo que têm apontado para eventuais dificuldades de
sua implementação dentro do alcance efetivo do texto das normas em referência, já que ambas
propõem novos paradigmas na transformação dos conflitos. Mesmo porque as normas
constituem-se verdadeiras disparadoras dessa nova perspectiva num país onde o positivismo é
a palavra mais adequada para expressar a visão da sociedade.
Por isso, a análise mais atenta de seus textos se faz necessária, tendo como pano de
fundo o refletir sobre a essência do instituto da Mediação, a partir de seus três eixos
estruturantes, processo, mediador e participantes, como mencionado anteriormente.
Inclui também comentários pontuais sobre os dispositivos confrontantes entre os dois
diplomas legais, a fim de mostrar que a pós-modernidade propõe sua harmonização em
função do instituto do diálogo das fontes.
Os eixos acima apontados levam a refletir sobre a perspectiva contratual a que a
Mediação se propõe, já que ela se identifica com componentes contratuais entre os
participantes e o mediador, que os auxiliarão na construção de soluções para o conflito,
12
mesmo não sendo escritas, como é o caso de sua utilização no contexto judicial. E, tendo
como referência essa premissa, há que se lembrar dos elementos de sua estrutura e seus
aspectos contratuais para que assim seja reconhecido o instituto da Mediação. Tais elementos
não parecem claros para muitos autores, em especial os que tratam da Mediação judicial. Essa
situação é agravada por inexistir debate sobre seu regime jurídico, mesmo entre aqueles que
propõem seu uso no contexto da iniciativa privada, dos sistemas de Justiça ou da própria
Administração Pública. E se considera fundamental abordar este aspecto relativo à Mediação,
pois seus elementos contratuais se fazem presentes em todos os contextos em que é
empregada, seja no ambiente judicial, pré-processual, processual ou extrajudicial, seja dentro
de uma instituição ou fora dela, antes, durante e depois de um processo judicial ou arbitral, ou
mesmo no ambiente da Administração Pública. Além disso, esse elemento configura-se como
um dos diferenciadores da própria atividade em relação à autocomposição.
Ao final, como dito anteriormente, pretende-se abordar aspectos relevantes sobre a
Mediação e a Administração Pública, observando todo o potencial de seu uso sob a
perspectiva contratual em diversos contextos do Poder Público, tendo como premissa estar
inserida no Poder Executivo e levar a cabo todos os seus elementos contratuais. Portanto, ao
se tratar de Administração Pública, fundamental se faz diferenciar o significado das palavras,
quando se afirma que a Mediação é realizada na, com e da Administração Pública. Para
cada uma das preposições destacadas acima, um universo específico de conflitos,
participantes e, por que não dizer, mediadores farão parte do processo de Mediação. Em
outras palavras, tais preposições, ao serem empregadas, apresentam cenários múltiplos e
muito diferentes entre si, podendo ser identificados como eixos em que elementos distintos
ocorrerão e que refletirão sobremaneira na Mediação a ser desenvolvida, quando se trata do
contexto público. Por isso, há que se ter muita cautela quando os três eixos da Mediação
estiverem sendo objeto de sua aplicação, pois dependerá deles mesmos para que se possa
utilizá-la de maneira mais adequada e evitar eventuais equívocos em sua prática.
Em outras palavras, trata-se de abordar como a Mediação pode ser utilizada,
respeitando seus princípios e norteadores, sobretudo contratuais, tendo como referência seus
três eixos estruturais, já mencionados: o processo dialógico, o mediador e os participantes, e a
perspectiva de seus integrantes e seu objeto, que é o conflito.
Por isso, é necessário visualizar seu emprego naquele ambiente, marcado pela
amplitude, já que a legislação mencionada constitui um verdadeiro incentivo a todo órgão
público e seus gestores. Pelas próprias características da Mediação, seu emprego é possível
13
Como mencionado na Introdução, por quase três décadas, a Mediação foi praticada no
País sem qualquer definição ou enquadramento no ordenamento jurídico brasileiro. Fernanda
Levy1 enfatiza que o instituto
no Brasil, chega por volta dos anos 80, pelas mãos dos psicólogos e logo a seguir
dos advogados. Com toda a riqueza que essa interdisciplinaridade oferece, a
mediação se instala no Brasil a partir de projetos comunitários, no âmbito judicial e
mais recentemente no educacional e empresarial.
Corroborando com essa perspectiva histórica, Lia Justiniano dos Santos e Luiz
Gonzaga D´Avila Filho2 consideram que, já em 2009, ocorria o uso efetivo da Mediação
“como meio extrajudicial de solução de conflitos”, o que tornava sem razão de ser o debate
em torno de sua introdução ou não no sistema jurídico brasileiro. Tal fato a levou a ser
empregada sem qualquer tipo de identificação jurídica. Nesse sentido, como salientado por
este autor3 em outra oportunidade, “muito embora no Brasil já existia ampla experiência do
emprego da Mediação em vários contextos, no âmbito judicial foi institucionalizada pela
Resolução 125 em 2010”. Camila Nicácio4, por seu turno, em concordância, ressalta que
se é certo que o movimento de institucionalização da mediação (via poderes
Judiciário, Executivo e Legislativo) vêm de longa data no país, não se deixou de
observar, por essa razão, o desenvolvimento de experiências cidadãs desvinculadas
de qualquer referência ou quadro institucional mais amplo, mormente no setor
privado na esteira das organizações e associações. Por um lado, o Judiciário
brasileiro, premido pelo acúmulo de processos e por uma lentidão crônica, tal como
demonstrado em alguns estudos (cf. Diagnóstico do Poder Judiciário, Ministério da
Justiça, 2004 e, desde então, Justiça em números, CNJ), assume papel central na
promoção da mediação como meio não somente de contribuir para o desafogamento
do sistema, mas igualmente, de apostar em uma política de pacificação social.
1
LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Cláusulas escalonadas – A mediação comercial no contexto da arbitragem.
São Paulo: Saraiva, 2013. p. 84.
2
SANTOS, Lia Justiniano dos; D´AVILA FILHO, Luiz Gonzaga. A Mediação de Conflitos e a Mudança de
Paradigma. In SALLES, Carlos Alberto de (coord.). As Grandes Transformações do Processo Civil Brasileiro.
São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 584.
3
BRAGA NETO, Adolfo. Mediação de Conflitos: Conceito e Técnicas. In: SALLES, Carlos Alberto;
LORENCINI, Marco Antonio Garcia Lopes; SILVA, Paulo Eduardo Alves da (org.). Negociação, Mediação,
Conciliação e Arbitragem – Curso de Métodos Adequados de Solução de Controvérsias Rio de Janeiro: Forense,
2019. p. 156.
4
NICÁCIO, Camila Silva. De “alternativa” a método primeiro de resolução de conflitos: horizontes da
mediação para além de sua institucionalização. In: BRAGA NETO, Adolfo. Mediação: uma experiência
brasileira. São Paulo: CLA, 2018. p. 23-24.
15
5
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. 7 Ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 13.
6
GRINOVER, Ada Pellegrini. Ensaio sobe a processualidade. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016. p 65.
16
O conceito de Justiça, e de como alcançá-la, tem se revelado através dos tempos como
um dos mais, senão o mais, complexos a ser concebido, mensurado ou mesmo construído, em
razão dos infinitos componentes semânticos que a própria palavra comporta. Torna-se difícil
também elencar o número de pensadores que ofereceram, em diferentes épocas, e continuam a
oferecer a sua própria perspectiva, numa tentativa de responder à angústia do ser humano
diante de sua busca incessante pela Justiça, sobretudo quando está diante de um conflito.
Para muitos, a Justiça é um componente que se faz imprescindível para o viver, ou do
melhor viver do próprio ser humano. Outros a concebem como elemento a ser buscado nas
relações entre os seres humanos, necessitando estar definida para que possa ser identificada. E
outros, ainda, consideram ser um componente do próprio ser humano, pressuposto de sua
natureza. Há, ainda, aqueles que a vêm como elemento meramente político, propondo a
possibilidade de ser o modo de governar e ser governado.
A palavra Justiça tem origem no latim Justitia, que possui entre outros significados:
justo, direito, correto, lei, injusto, moral, ética, equidade, princípio de Justiça, valor. São
inúmeros conceitos, que, pela sua amplitude, merecem toda a atenção em função do momento
em que são empregados. A palavra é formada a partir do substantivo neutro ius, que
primitivamente significava fórmula religiosa com força de lei. Seu significado, na verdade,
para o ser humano, ao invocá-la, denota elementos que transcendem a vida cotidiana, pois
reflete o campo social, político, econômico, cultural e todos os demais em que o
conhecimento humano está.
Nesse sentido, relevante lembrar alguns pensadores de inúmeras e diferenciadas
épocas, a fim de apontar o que hoje se considera a perspectiva de Justiça oferecida pela
Mediação. A seguir apresentaremos alguns deles e suas pontuais observações sobre Justiça,
que fazem de alguma maneira conexão com elementos da Mediação, a partir do momento
histórico que viveram. Outros poderiam ser mencionados, mas não foram incluídos pelo fato
de seus pensamentos não possuírem a conexão acima mencionada.
7
Platão. Leis (Sobre a legislação. Gênero Político) Livro I. Belém: Universidade do Pará, 1980. p. 85.
8
Platão. Leis (Sobre a legislação. Gênero político) Livro IX. Belém: Universidade do Pará, 1980. p. 288.
9
Platão. Leis (Sobre a legislação. Gênero político) Livro IX. Belém: Universidade do Pará, 1980. p. 310.
10
Aristóteles. Ética a Nicômacos – Livro V. Trad. Mário da Gama Kury. 3ª Ed. Brasília: Universidade de
Brasília, 2007. p. 121.
18
que a Justiça inclui componentes que lhe dão mais amplidão com base numa conduta ética do
homem. Chega a essa conclusão ao questionar as ações justas e injustas adotadas pelos
homens, pois, além de se relacionarem entre si, envolvem a ética, sobretudo na busca do bem
para o próximo.
Nesse sentido, apontava as vertentes possíveis para a Justiça. Identificou
especificamente quatro, que denominou de Justiça em sentido estrito; política; doméstica; e
social. A primeira se divide em Justiça distributiva ou condecorativa, que envolve o seguinte
conceito: dar a cada um o que lhe é devido, tendo como pressuposto seu respectivo papel na
sociedade. Ainda em sentido estrito, denominou de Justiça corretiva ou comutativa aquela em
que, através de regras de conduta, determina-se um agir para correção de alguma conduta.
Utilizou critérios do justo para repartir entre os indivíduos os méritos de cada um, visando ao
restabelecimento do equilíbrio eventualmente rompido entre eles. Nesta última, identificou a
voluntária ou privada, a partir da vontade das pessoas, e a involuntária, com componentes
públicos, em que é permitido o uso da força.
Já a Justiça política está mais centrada nas relações entre os indivíduos e seus iguais,
portanto é aquela que organiza o modo de vida dos homens que compartilham espaços
comuns e usufruem do mesmo status. Divide-se em legal e natural. A primeira é
fundamentada na lei, sendo definida pela vontade do legislador. A natural, por seu turno,
rompe as barreiras políticas, transcende a vontade humana, é imutável e possui a mesma força
em todo lugar em que ocorre.
Por sua vez, a Justiça doméstica é atribuída por Aristóteles no contexto de onde reside
o indivíduo, regendo as relações entre pais, filhos e escravos. É a Justiça do senhor com o
escravo e do pai com o filho, por não possuírem o mesmo status.
E, por último, está a que chamou de Justiça social ou equidade. Ao comparar equidade
e Justiça, conclui que a primeira é melhor por ser justa e não necessariamente segundo a lei,
mas, sim, o que chamou de corretivo de Justiça legal. Para ele, a equidade promove a correção
da própria lei quando existe omissão em função de eventual generalidade ou indefinição da
lei. Sustentava que a equidade promove adequações na lei a partir da situação fática,
atendendo a suas peculiaridades. É importante marcar este último componente, pois integra
também a Mediação, como será exposto mais adiante.
19
Na Roma antiga, a concepção de Justiça adquire valor e sentido mais amplo com o
pensamento de Cícero11, apresentado em suas obras, sobretudo a denominada Dos Deveres.
Seu conceito de Justiça passa por uma evolução e expansão, muito embora também a conceba
como virtude, porém com uma conotação moral e filosófica mais ampla, que espelha o bem
comum e reforça a capacidade de dar a cada um aquilo que lhe é próprio. A Justiça se adequa
aos altos cargos do Estado, qualifica o governante e, ao mesmo tempo, é a faculdade de
julgar, segundo a melhor consciência, já que poderá promover equilíbrio na comunidade e
criar ambiente propício para o nascimento de outros valores morais.
Para Cícero, o conceito de Justiça inclui também a noção de liberdade, uma vez que
eram consideradas partes de uma virtude explicada como o sentimento da comunidade e as
obrigações que dela nascem. Ao homem inserido na sociedade, cabia a obrigação pessoal de
ser justo.
Ele entendia que a liberdade subtraía a aridez e a aspereza jurídica do conceito de
Justiça, atribuindo-lhe afeições humanas pertinentes ao senso de comunidade, de viver junto
com outras pessoas. Para ele, a liberdade era compreendida como intrínseca à Justiça, pois
considerava que o homem se constrói com sua existência no desenvolvimento de sua própria
natureza, baseada na razão.
Impende observar que liberdade e o elemento de inclusão do convívio entre os
indivíduos constituem elementos importantes também para a Mediação nos tempos atuais,
como será mencionado mais adiante.
11
CÍCERO, Marco Túlio. Dos Deveres. Tradução e notas João Mendes Neto. São Paulo: Saraiva, 1965. p.123.
12
AGOSTINHO, Santo. Diálogo sobre o livre arbítrio. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 2001. p. 231.
20
por serem humanas, correm o risco de erros, injustiças derivadas da imperfeição humana. Ao
mesmo tempo, são menores por regrarem o comportamento da sociedade. Ele defendia que
todo governo, para ser justo, deve seguir a lei divina. Identificava que o homem é a união
entre corpo e alma, sendo dotado do livre arbítrio, reconhecendo ser possuidor de liberdade
para agir segundo sua vontade e, por isso, poderia ser julgado por suas escolhas. Defendia que
aquele que pratica o bem o merece. E aquele que pratica o mal o merece também. Percebe-se
nele a dicotomia entre homem e divindade, sendo a Justiça baseada nos parâmetros divinos e
no bem e no mal dessa dicotomia. Fundamental apontar em seu pensamento o livre arbítrio,
outro elemento estruturante da Mediação como será exposto.
Por outro lado, São Tomás de Aquino13, ao se posicionar sobre os conceitos éticos,
concordava também que Justiça é uma virtude, porém considerava estar relacionada à
constante e perpétua vontade de dar a cada um o seu direito.
Chamava a atenção para o elemento vontade, levantando algumas objeções que a
limitam. Acrescentava que a Justiça estará correta se incluir o bem. Para que toda virtude seja
hábito, que é o princípio do ato bom, é necessário que a virtude seja definida mediante ato
bom, sobre a mesma matéria da virtude. Assim, o ato da Justiça se expressa quando se diz que
dá o direito a cada um. Portanto, para que qualquer ato sobre alguma coisa seja virtuoso,
requer-se que seja voluntário, estável e firme.
Estabeleceu diferenças entre as virtudes morais e as virtudes da Justiça. Enquanto as
virtudes morais têm como objetivo estabelecer a justa medida, atendendo às disposições do
sujeito, as virtudes da Justiça se estabelecem igualando com a coisa anteriormente dada ou
recebida. É a virtude da Justiça, entre as demais virtudes, que cuida da conduta exterior do
homem: a virtude como prudência, temperança e bondade. Estão todas intimamente ligadas à
conduta interior, uma vez que convêm a si próprio, no entanto, a Justiça como fator exterior
está diretamente relacionada ao Direito, ou seja, é uma virtude que estabelece relação com o
próximo, isto é, o bem ao próximo.
Importante enfatizar que em ambos os pensadores se nota o elemento comum de
respeito à individualidade, mesmo com forte influência religiosa. Este componente de respeito
à individualidade é outro tema relevante para os tempos atuais e também para a Mediação.
TOMÁS DE AQUINO, São. Suma Teológica – Tratado de Justiça – II Seção da Parte II. Porto: Resjuridica,
13
2002. p. 276.
21
14
HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma, Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Trad. João Paulo
Moraes e Maria Beatriz Nizza da Silva. 2ª Ed. Lisboa: Imprensa Nacional, 2000. p. 89.
15
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. J. Rodrigues de Merege. Lisboa: Edições 70, 2007. p. 256.
22
diferença entre Justiça e a moral estaria no momento de aplicação – mas ambos teriam em sua
base princípios existentes e seriam dedutíveis pela razão. Em ambos, ainda, o princípio
supremo seria a liberdade. Nesse sentido, a vontade aparece como elemento central da visão
kantiana, a grande constituidora da ética, a própria razão pura prática. Mas não a vontade, que
não atende ao princípio da universalidade: a ação moral resume-se a elevar o individual e
subjetivo ao plano do universal e objetivo.
Kelsen16, de sua parte, defendia que o conceito de Justiça deve ser distinto do Direito.
Concebia a Justiça ligada à felicidade. Demonstrava que não é algo simples de se
compreender, pois o sentido de felicidade é algo muito complexo, tanto quanto o de Justiça.
Por isso, indagava como considerar que a Justiça é felicidade se cada indivíduo da sociedade
possui visão diferente. Assim, para ele a Justiça só será possível a partir do momento em que
for feita uma análise da felicidade de acordo com um sentido objetivo-coletivo, aquela que é
indicada pelo legislador e aplicada por um governante. Ressaltava que as necessidades
individuais estão ligadas a juízos de valor e quando há conflitos desses valores a solução é de
caráter subjetivo, sendo avaliada por meio de uma hierarquia de valores. A vida para alguns é
tida como bem supremo; para outros, é a liberdade o maior bem. Kelsen oferece o exemplo de
um prisioneiro ou um escravo que têm de decidir qual desses valores é maior. No caso, a
liberdade para ele seria o suicídio; essa resposta só pode ser subjetiva e válida somente para
quem julga, e não uma constatação válida para todos, pois esse é um juízo de valor e não de
realidade, o que é verificado por meio de experimentação. Assim, a Justiça é o que é justo ao
emocional de quem julga. Em um breve resumo muito pontual, Kelsen afirmava que Justiça
seria a felicidade social, seria o que é aceito pela sociedade, não visualizando o sentimento
individual de Justiça, mas o sentimento coletivo, consubstanciado no direito positivo,
podendo ir em desencontro com o que seja realmente a Justiça, mas nem por esse motivo
deixará de ser eficaz. A Justiça é a que vem das normas positivadas objetivas, que são um
padrão para todos, um significado que surge a partir do dever ser, através de um ato de
valoração. É, além disso, a retribuição a partir de uma norma jurídica violada, que deve ser
punida não através de uma vingança, mas de uma lei que pune o descumprimento de outra.
Seria a separação da ciência e da política, o que lhe parece ideal, pois, assim, evitam-se os
interesses particulares e arbitrários daqueles que julgam.
16
KELSEN, Hans. O que é Justiça? Trad. Luiz Carlos Borges e Vera Barkow. 3ª Ed. São Paulo: Martins Fontes,
2001. p. 79.
23
Nota-se nos três pensadores acima a importância que davam para a liberdade, a
igualdade e a felicidade, todos componentes integrantes da Justiça, que também fazem parte
da Mediação, como será destacado oportunamente mais adiante.
17
PACHUKANIS, Evgeni Bronislávovich. Teoria Geral do Direito e Marxismo. Trad. Silvio Donizete Chagas.
São Paulo: Acadêmica, 1988. p.78.
18
STRAUSS, Leo. Direito Natural e História. Trad. Bruno Costa Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p.
89.
24
Por outro lado, Niklas Luhmann19 destoa por completo da alusão ao direito natural,
por não acreditar que a própria natureza seja justa, por isso afirmava não existir
obrigatoriamente uma relação entre o justo e o natural. Considerava que a Justiça, a partir de
sua teoria dos sistemas no contexto da sociedade complexa, funcionalmente diferenciada,
realiza-se por meio da fórmula de contingência do sistema jurídico, cuja finalidade seria
justamente fornecer controles de consistência e de adequação às decisões jurídicas, baseados
na razoabilidade sistêmica. Nesse sentido, a Justiça ultrapassa explicitamente a consistência
interna; ela não é concebida como imanente ao direito, mas como transcendente a ele. Assim,
para que haja Justiça é necessário que a consistência interna se articule para ter capacidade de
dar resposta adequada às demandas plurais advindas do ambiente. Trata-se de uma forma de
autocontrole do subsistema jurídico que, por um lado, não é identificável com a natureza, pois
isso seria inaceitável em função da fundamentação metafísica que implica. Para ele, essa
forma de autocontrole, proporcionada justamente pelo conceito de Justiça, implica que, no
cumprimento dessa função, seja reelaborada. Note-se, além disso, que a descrição da Justiça
como fórmula de contingência consiste na perspectiva de uma observação externa, ou seja,
sociológica. No interior do sistema jurídico, porém, a Justiça remanesce, como ideia, valor ou
princípio. E, enquanto fórmula de contingência, não visa medir o grau de perfectibilidade do
subsistema jurídico, mas permitir a generalização congruente das expectativas normativas.
Decorre daí a sua ligação indissociável com a consecução da função desse subsistema20, que
se realiza sob a forma de símbolo, não absoluto, mas intrassistêmico, de determinação da
congruência generalizada das expectativas normativas. É nesse sentido que ele define a
Justiça mediante distinções, afirmando que ela é autorreferencial não como operação, mas
como observação que se remete não para o nível do código do subsistema jurídico, mas para a
posição dos programas condicionais. Quando a Justiça se materializa não como teoria, mas
como norma, passível de frustração enquanto tal, tem-se como consequência a possibilidade
de existirem ordenamentos jurídicos injustos (ou dotados de maior ou menor grau de Justiça),
sem que, com isso, seja possível afirmar que a autopoiese operativa desse subsistema, ou do
seu código, possa ser justa. Luhmann, ao oferecer a perspectiva da Justiça dentro do
paradigma da teoria dos sistemas, muda o foco de observação individual ou individualista
metodológico para a observação das comunicações que operam internamente e entre si nos
19
LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito. Vol. 1. Tradução Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Edições Tempo
Brasileiro, 1983. p. 79-134.
20
Idem, p. 87-98.
25
21
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 98.
22
RAWLS, John. Justiça e Democracia. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo, Martins Fontes, 2000. p. 345
23
DWORKIN, Ronald Myles. Levando os Direitos a Sério. Trad. Ivone C. Benedetti São Paulo: Martins Fontes,
2002. p 175.
26
entendimento sobre o que é tido como certo pela comunidade à qual se destina, mas em outros
sentidos é substantiva e normativa, pois procura alcançar um equilíbrio com princípios
julgados por recursos independentes. A igualdade de recursos defendida por Dworkin se
configura, sobretudo, a partir de dois princípios básicos que permeiam toda a sua teoria da
Justiça: escolha e responsabilidade. A escolha como um princípio norteador fundamental tem
o papel de esclarecer o que, de fato, deve ser distribuído na sociedade com a finalidade de
refletir as escolhas das partes envolvidas. Este princípio permite uma avaliação sobre a
relação entre a igualdade e a liberdade na distribuição das riquezas. Enquanto isso, o princípio
da responsabilidade implica a responsabilidade individual que cada qual tem sobre o sucesso
de sua própria vida. Trata-se de um princípio relacional, no qual cada indivíduo deve ser
responsável pelas escolhas que fez e faz no decorrer de sua vida. Resta ao governo a criação
de mecanismos para que os cidadãos alcancem os objetivos refletidos nos planejamentos e
opções disponíveis.
Para Miguel Reale24, autor da teoria tridimensional do direito, justo é indicativo de
algo que tende a Justiça, que é correto, que é o mais adequado ao caso concreto analisado. É,
portanto, a solução que seria mais razoável, mais ajustada ao caso em tela. Ele lembra o termo
moral, que remete a um procedimento com Justiça. Agir com moral seria agir de modo
correto, decente, honesto, íntegro, probo. Para ele, se o direito nem sempre logra êxito na
consecução do valor proposto, é necessário, ao menos, que haja sempre uma tentativa de
realizar o justo. Pouco importa que não se alcance êxito, o que importa é que se incline à
realização do justo. Concorda com Kelsen ao afirmar que o Direito não se perfaz sem a noção
de Justiça, estando estes intimamente correlacionados, sendo que um não existe sem o outro,
porém, sendo distintos e diferentes entre si. Acrescenta que Justiça é, sempre, um laço entre
um homem, como bem do indivíduo, enquanto membro da sociedade, e, concomitantemente,
como bem do todo coletivo. Nesse sentido, o bem social situa-se em outro campo da ação
humana, que é o direito, cuja experiência histórica demonstra que a Justiça é o valor mais alto
que se pode encontrar dentro da sociedade. E mesmo que não seja o mais alto, nem seja o
mais urgente, terá a função de preservar a ordem e a paz, assim como deverá preservar as
condições para que se tenha a conquista do justo. Por isso, pondera que Justiça é a constante
coordenação racional das relações intersubjetivas, para que cada homem possa realizar,
livremente seus valores potenciais, visando atingir a plenitude de seu ser pessoal, em sintonia
24
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 39.
27
com o da coletividade. E aduz dessa antiga afirmação que cada tempo histórico tem o seu
conceito de Justiça.
Para Michael Sandel25, não obstante, existem hoje três abordagens de Justiça, a saber: 1)
aquela que se refere ao significado da maximização da utilidade ou do bem-estar, isto é a busca
de maximizar a felicidade para o maior número de pessoas; 2) a que respeita a liberdade de
escolha, tanto no sentido da escolha real que o cidadão faz em um livre mercado (perspectiva
libertária), quanto a escolha hipotética que o cidadão deveria fazer na posição original de
equanimidade (perspectiva igualitária liberal); e 3) é “a que cultiva a virtude, tem como
referência a preocupação com o bem comum”.
Jürgen Habermas26, por seu turno, com base na teoria do agir comunicativo, contida na
obra Direito e Democracia: entre facticidade e validade, oferece seu conceito de Justiça,
baseado em processos ético-morais e retirado de contextos concretos, em que “os valores são
da igualdade, equidade, reciprocidade e da troca de papéis, entendidos como acordo morais
socialmente celebrados, sem os quais não é possível considerar a moralidade de uma ação”.
Para ele, o objetivo é chegar a juízos que possam levar em conta, de forma imparcial, os
interesses e os pontos de vista de todos os envolvidos. Ao partir da moral kantiana do
imperativo categórico, propõe, entretanto, que sua legitimação seja feita pelo diálogo entre os
envolvidos em um possível discurso sobre os princípios acima mencionados, que devem
orientar as sanções. De acordo com ele, a resolução dos conflitos será mais facilmente
alcançada quanto maior for a capacidade dos membros da comunidade em restringir os
esforços comunicativos e pretensões de validade discursivas, deixando como pano de fundo o
conjunto de verdades compartilhadas e estabilizadoras do conjunto da sociedade. Isso
possibilita que grandes áreas da interação social desfrutem de consensos não problemáticos.
Evidentemente, aponta para o reconhecimento que os seres humanos são capazes de dialogar,
sendo o diálogo o principal meio para definir princípios justos e decidir ações justas.
Segundo Tercio Sampaio Ferraz Júnior27, o conceito de Justiça é, talvez, o mais
disputado na literatura jusfilosófica de todos os tempos. Concentra, desde os primórdios do
pensamento, as mais emocionais controvérsias jurídicas: “Definir Justiça constitui-se uma
iniciativa inesgotável, mas sempre renovada e, ao mesmo tempo, relativa, pois dependerá
25
SANDEL, Michael J. Justiça – O que é fazer a coisa certa. Trad. de Heloisa Matias e Maria Alice Máximo. 6ª
ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. p. 145.
26
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1997. p. 65.
27
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Do Discurso sobre a Justiça. Disponível em www.revistas.usp.br Acesso
em 23 de dezembro de 2019. p. 2.
28
28
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito – Reflexões sobre o Poder, a Liberdade,
a Justiça e o Direito. Rio de Janeiro: Forense. 2006. p. 223.
29
WATANABE, Kazuo. Acesso à Ordem Jurídica Justa (conceito atualizado de acesso à Justiça) Processos
Coletivos e Outros Estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2019. p. 03-10.
29
oposição à modernidade, ou qualquer outro período histórico, mas como aquela que aproveita
a todas elas para construir elementos mais adequados para a sociedade, que assume uma
complexidade cada vez maior, baseada não somente em suas estruturas ou atividades
socioeconômicas, mas, sobretudo, pela multiplicidade de campos de atuação e conhecimentos
especializados. Acoplado a tudo isso, vivencia-se um dinamismo ímpar que atinge
velocidades impensáveis até então, promovendo a existência de realidades muitos distintas em
que pode ser percebida de maneira presencial ou virtual. Para ele, este cenário propicia: a) o
incremento assustador de conflitos de interesses, inclusive coletivos; 2) a impossibilidade de
conhecimento da existência de um direito; e 3) a impossibilidade de avaliação crítica do
sistema jurídico existente. Por isso, a multiplicidade de conflitos, de configurações variadas,
reclama a estruturação da Justiça de forma a corresponder adequadamente, em quantidade e
qualidade, às exigências que os conflitos aportam e as pessoas nele envolvidas desejam.
Nesse sentido, ressalta a importância da comunidade na administração da Justiça, que deve
ser adequadamente organizada para atender aos cidadãos como um todo. Com base nessas
premissas o referido autor30 destaca:
desde o início da década de 1980, quando o sistema processual brasileiro passou por
grandes e revolucionárias transformações, com a criação dos Juizados Especiais de
Pequenas Causas (1984) e a aprovação da Lei da Ação Civil Pública (1985) — com
posterior aprovação do Código de Defesa do Consumidor (1990), que trouxe no
campo processual grandes inovações, em especial a disciplina mais completa e o
aperfeiçoamento das ações coletivas —, o conceito de acesso à Justiça passou por
uma importante atualização: deixou de significar mero acesso aos órgãos judiciários
para a proteção contenciosa dos direitos para constituir acesso à ordem jurídica
justa, no sentido de que os cidadãos têm o direito de ser ouvidos e atendidos não
somente em situação de controvérsias com outrem, como também em situação de
problemas jurídicos que impeçam o pleno exercício da cidadania, como nas
dificuldades para a obtenção de documentos seus ou de seus familiares ou os
relativos a seus bens. Portanto, o acesso à justiça, nessa dimensão atualizada, é mais
amplo e abrange não apenas a esfera judicial, como também a extrajudicial.
Instituições como Poupa Tempo e Câmaras de Mediação, desde que bem
organizadas e com funcionamento correto, asseguram o acesso à justiça aos
cidadãos nessa concepção mais ampla.
Importante lembrar que não se esgota nos filósofos e juristas acima citados o rol
daqueles que se preocupam com o conceito de Justiça e seu acesso. No entanto, com eles se
nota a evolução do pensamento humano acerca do tema, que avançou mais no sentido de se
constituir a busca de uma ordem jurídica justa em que o caminho a ser trilhado pode ser a opção
30
WATANABE, Kazuo. Acesso a Ordem Jurídica Justa. Depoimento. Rio de Janeiro: Cadernos FGV Projetos
Ano 12 nº 30, 2017. p. 20. Na mesma oportunidade o referido jurista esclarece que o termo “métodos adequados
de solução de conflitos” tem sido utilizado na literatura moderna para designar os métodos alternativos de
solução de conflitos. O uso da palavra “adequados” tem o intuito de indicar uma escolha consciente por um dos
vários métodos possíveis de solução de conflitos. Além disso, é pertinente enfatizar que, para a realização de
uma escolha consciente, devem ser considerados o contexto e as particularidades de cada controvérsia.
30
31
SALES, Lília Maia de Morais. A Mediação de Conflitos: relato de experiências sobre a Mediação
Comunitária. In: BRAGA NETO, Adolfo. Mediação – uma experiência brasileira. 2 Ed. São Paulo: CLA, 2019.
p. 113.
32
GRINOVER, Ada Pellegrini. Ensaio sobre a processualidade – Fundamentos para uma nova teoria geral do
processo. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016. p. 75.
33
SILVA, Érica Barbosa e. Conciliação Judicial. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 25.
31
Como consequência das observações anteriores a respeito de Justiça e/ou a ordem jurídica
justa e seus acessos, a sociedade contemporânea já convive com a perspectiva de que o Estado
não mais possui o monopólio de Justiça. É cada vez mais perceptível, não somente para os
operadores do direito, mas também para aqueles que lidam em outras áreas do conhecimento
humano, claro, talvez com menor intensidade. Assim, nos tempos atuais, o Estado não é o
único a fazer Justiça. Candido Rangel Dinamarco e Bruno Vasconcelos Carrilho34, na mesma
linha, afirmam: “é do passado a crença em um monopólio estatal da jurisdição, responsável
pela concentração dos estudos sobre Justiça com o foco lançado exclusivamente sobre a
jurisdição estatal”. Ada Pellegrini Grinover35, por seu turno, bem reforça esta afirmação, ao
enfatizar que
a percepção de uma tutela adequada a cada tipo de conflito modificou maneira de
ver a arbitragem, a mediação e conciliação que, de meios sucedâneos equivalentes
ou meramente alternativos à jurisdição estatal, ascenderam à estatura de
instrumentos mais adequados de solução de conflitos. E tanto assim é que a leitura
atual do princípio constitucional de acesso à Justiça (a lei não excluirá da apreciação
do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito – Const., artigo 5º inciso XXXV) é
hoje compreensiva da Justiça Arbitral e da Conciliativa, incluídas no amplo quadro
da política judiciária e consideradas como espécies de exercício jurisdicional.
Entendemos, portanto, que tanto a arbitragem como a justiça consensual integram o
conceito de jurisdição (que hoje caracterizamos como atividade função e garantia ao
acesso à justiça).
34
DINAMARCO, Cândido Rangel Dinamarco; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do Novo
Processo Civil. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 79.
35
GRINOVER, Ada Pellegrini. Ensaio sobre a processualidade – Fundamentos para uma nova teoria geral do
processo. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016. p. 62.
36
SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 172.
37
LAGRASTA, Valéria Ferioli. Mediação Judicial – Análise da realidade brasileira – origem e evolução até a
Resolução n 125, do Conselho Nacional de Justiça. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 10
32
Ela pontua ainda que na autotutela não existe o terceiro. E acrescenta que a
autocomposição consiste na
ação legítima das próprias partes envolvidas, que buscam obter uma solução
razoável para a disputa existente por meios persuasivos e consensuais, sem
intervenção vinculativa de terceiro. A solução autocompositiva pode ser obtida de
forma unilateral (a critério de uma só das partes, que sacrifica sua pretensão em
nome do fim do conflito) ou bi/multilateral (as duas ou mais partes envolvidas na
disputa buscam uma solução conjunta para a situação apresentada). A última é a
solução negociada do conflito, que envolve mútuas concessões das partes
interessadas, que podem chegar a um acordo por si próprias, por meio da negociação
direta, ou receber o auxílio de um terceiro (facilitador), capacitado em técnicas de
solução de conflitos (conciliador, mediador ou avaliador neutro). O que é importante
ter em mente é que na autocomposição as partes mantêm o poder de decisão sobre a
composição obtida(...)
podendo ser judicial ou extrajudicial. Neste aspecto, convém enfatizar que, para
Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco38,
a autocomposição “é considerada legítimo meio alternativo de solução dos conflitos” entre
pessoas físicas ou jurídicas, consistindo em um ajuste de vontades entre elas sobre seus
respectivos pedidos. Para Petrônio Calmon39
a autocomposição unilateral se manifesta pela renúncia, quando aquele que deduz a
pretensão (atacante) dela abre mão, ou pela submissão, quando o atacado abre mão
de sua resistência. A autocomposição bilateral se manifesta pela transação, acordo
caracterizado por concessões recíprocas, ou seja, quando todos os envolvidos em um
conflito abrem mão parcialmente do que entendem ser de seu direito.
38
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
Geral do Processo, 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 32.
39
CALMON, Petrônio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 54.
40
LAGRASTA, Valéria Ferioli. Mediação Judicial – Análise da realidade brasileira – origem e evolução até a
Resolução n 125, do Conselho Nacional de Justiça. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 11.
33
41
LAGRASTA, Valéria Ferioli. Reflexões sobre o conflito e seu enfrentamento. In: CURY, Augusto (org.).
Soluções Pacíficas de Conflitos para um Brasil Moderno. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 154.
42
NUNES, Antonio Carlos Ozório. Manual de Mediação – Guia Prático da Autocomposição. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2016. p. 34.
43
SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 173-
174.
44
TAKAHASHI, Bruno. Desequilíbrio de poder e conciliação – o papel do conciliador em conflitos
previdenciários. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016. p. 37.
34
É digno de nota que a autora enfatize, ainda, que os processos mistos possuem poucas
experiências no território brasileiro.
Outras classificações são apresentadas, diferenciando os métodos consensuais e não
consensuais, ou mesmo mais pacíficos e amistosos. Por isso, fundamental notar que a grande
maioria acaba por não contemplar todos os parâmetros do processo de resolução de conflitos,
esquecendo-se, na grande maioria das vezes, da própria metodologia, como apontado acima.
Esse elemento não pode ser esquecido, pois cada método empregado possui estrutura própria
e um desencadeamento de atos formais ou informais, orais ou expressos, bem como requisitos
específicos e peculiares a cada um deles. Tais observações fazem sentido quando se propõe a
busca pela Justiça, tomando como referência os três eixos a eles inerentes, a saber: a) o
processo (o método ou metodologia) por ele oferecido; b) os participantes (pessoas físicas ou
jurídicas, privadas ou públicas) envolvidas em um conflito); e c) o terceiro que deve ser
imparcial e independente. Assim, independentemente das classificações acima, o mais
importante é que, ao se considerar todos os eixos inerentes aos métodos, pode-se delineá-los
melhor e, ao mesmo tempo, proporcionar a melhor escolha, sempre tendo como referência
seus significados, seus objetivos, o papel dos participantes e do terceiro imparcial e
45
ASPERTI, Maria Cecília de Araújo. Mediação e a Conciliação de Demandas Repetitivas – Os meios
consensuais de disputas e os grandes litigantes do judiciário. Belo Horizonte: Forum, 2018. p. 49-51.
35
independente, se existir ou não. Nesse sentido, a melhor identificação é aquela em que pelo
nome do método já se supõem seus elementos. Portanto, será realizada uma breve exposição
de cada um dos métodos a partir de suas peculiaridades, mesmo que de maneira muito
pontual, antes de se debater a Mediação com base nos eixos acima.
Convém esclarecer que a inclusão da análise das classificações supramencionadas foi
oferecida pelo fato de que o Marco Legal da Mediação aporta um capítulo inteiro dedicado à
autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública. E, como tal, o legislador
deixou muito claro o incentivo para que a Administração Pública passe a usar não somente a
Mediação, mas também a negociação, seja assistida ou não por um terceiro, e a conciliação. E
talvez outros métodos em que o diálogo se constitui como base. Por isso, Francisco José
Cahali46 afirma ser a autocomposição o ajuste de vontades, no qual, segundo ele, suas
“principais formas são: a negociação, a conciliação e a mediação”.
2.2.1 Negociação
46
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2018. p. 45-46. O referido autor, reforçando os ensinamentos dos autores citados
anteriormente, esclarece e lembra que “primitivamente, os conflitos de interesse eram solucionados por
autotutela ou autodefesa, que representava a definição da questão litigiosa pela imposição da vontade do mais
forte. Esse método de solução foi superado há anos quando o Estado idealizou o monopólio da jurisdição,
impedindo, assim, que as próprias partes fizessem uso de suas razões, o que no atual ordenamento brasileiro, é
até mesmo capitulado como crime.” E acrescenta: “além da autotutela, existem meios heterocompositivos e
autocompositivos de resolução de litígios. As principais formas heterocompositivas de solução de conflito são
promovidas através do processo judicial, desenvolvido perante o Poder Judiciário, e pelos procedimentos
realizados na arbitragem. As principais formas autocompositivas de solução de conflitos são a negociação, a
conciliação e a mediação. Esse tema dos métodos alternativos integra aquilo que se designou de terceira onda
renovatória do direito processual civil, da qual a obra de Mauro Cappelletti e Bryan Garth é fonte de consulta
obrigatória.” Com efeito, este último tema será objeto de reflexões mais adiante nesta dissertação.
47
SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; BRAGA NETO, Adolfo. O que é Mediação de Conflitos. São Paulo:
Brasiliense, 2007. p. 11.
36
Por isso, Valéria Lagrasta50 afirma que “todas as pessoas, desde o nascimento,
negociam em maior ou menor grau com mais ou menos habilidade”. E esclarece que foi a
partir da Segunda Guerra Mundial que a negociação passou a ser estudada como técnica de
solução de conflitos e a ser utilizada nas decisões dos governos e em inúmeros outros
contextos. Com isso, passou a despertar interesse de profissionais, estudiosos e professores de
diversas universidades no mundo. E foi a Universidade de Harvard nos Estados Unidos, com
48
CALMON, Petrônio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.113.
49
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2018. p. 47-48.
50
LAGRASTA, Valéria Ferioli. Mediação Judicial – Análise da realidade brasileira – origem e evolução até a
Resolução n 125, do Conselho Nacional de Justiça. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
37
51
GABBAY, Daniela Monteiro. Negociação. In PELUSO, Min. Antônio Cezar; RICHA, Morgana de Almeida
(coord.). Conciliação e Mediação: Estruturação da Política Judiciária Nacional – CNJ. Rio de Janeiro: Forense,
2011. p. 212-213.
52
Fundamental oferecer estes apontamentos de Fernanda Tartuce, que ressalta ser de 1981 a primeira publicação
do referido best-seller, originalmente escrito por Roger Fischer e Willian Ury com o título Getting to Yes:
Negotiating Agreements Without Giving In, atualizado “em 1991 com a colaboração de Bruce Paton, relevante
publicação em que foram esclarecidos princípios importantes para a teoria da negociação e da mediação, de que
são exemplos mudar o foco de posição para interesses, separar pessoas do problema, inventar opções para ganho
mútuo e utilizar critérios objetivos”. (TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civis. 3 ed. São Paulo:
Forense, 2016. p. 152.).
53
SILVA, Érica Barbosa e. Conciliação Judicial. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 130-131.
54
SILVA, Paulo Eduardo Alves da. Resolução de Disputas: Métodos Adequados para Resultados Possíveis e
Métodos Possíveis para Resultados Adequados. In. SALLES, Carlos Alberto de; LORENCINI, Marco Antônio
Garcia Lopes; SILVA, Paulo Eduardo Alves da (org.). Negociação, Mediação, Conciliação e Arbitragem –
Curso de Métodos Adequados de Solução de Conflitos. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 17.
38
Importante notar que tais ideias, inclusive estimuladoras das soluções alcançadas pela
negociação com o sem o terceiro, serviram de inspiração para adoção de uma política pública
de tratamento adequado de conflitos no Poder Judiciário brasileiro, que será comentada no
tópico seguinte, que trata do Processo Judicial.
Nas palavras de Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido
Dinamarco56
se entre duas pessoas há um conflito, caracterizado pela insatisfação, em princípio o
direito impõe que, se quiser pôr fim a essa situação, seja chamado o Estado-juiz, o
qual virá dizer qual a vontade do ordenamento jurídico para o caso concreto e, se for
o caso fazer com que as coisas se disponham na realidade prática, conforme essa
vontade.
55
SILVA, Érica Barbosa e. Conciliação Judicial. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 40-41. Cabe esclarecer que a
autora, em nota de rodapé, faz referência à edição do livro de Frank Sander: SANDER, Frank E. A. Varieties of
dispute Processing, in The Pound Conference: perspectives on justice in the future. St. Paul, West Publishing
Co., 1979. p. 65-87.
56
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
Geral do Processo. 8ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 24.
57
Idem. p. 39.
39
valores humanos, devendo servir à função jurisdicional pacificadora como fator de eliminação
de conflitos, bem como fazer do processo um meio efetivo para a realização da Justiça.
Dá-se o nome de processo judicial ao que Cândido Dinamarco e Bruno Vasconcelos
Carrilho Lopes58 conceituam como
uma técnica para a solução imperativa de conflitos a partir da experiência dos que
operam nos juízos e tribunais. Seus institutos são modelados segundo conveniências
do exercício de funções e atividades muito específicas e reservadas a profissionais
especializados – e que são a jurisdição exercida por juízes, a ação e a defesa,
praticadas pelas pessoas em conflito através de seus advogados, bem como pelo
Ministério Público nos casos em que a lei lhe dá legitimidade para atuar.
Ao se tratar deste método hoje no País, relevante lembrar o que Humberto Dalla
Bernardina de Pinho e Michele Paumgartten60 destacam:
uma gama de políticas e regras é lançada e projetada no intuito de aprimorar a
resolução de conflitos e, principalmente, acelerar o fluxo dos processos judiciais.
Destaca-se a implementação de uma Política Judiciária Nacional de tratamento
adequado dos conflitos de interesse por meio da Resolução 125/2010 do CNJ, o
reconhecimento da jurisdição arbitral e a promoção da utilização de métodos de
solução consensual de conflitos por juízes, advogados, defensores públicos, e
membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial pelo Código
de Processo Civil em vigor.
58
DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do Novo Processo Civil.
2 ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 15.
59
GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Manual dos MESCs – Meios Extrajudiciais de Solução de
Conflitos. Barueri: Manole, 2016. p. 14.
60
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; PAUMGARTTEN, Michele Pedrosa. Desafios para a Integração
entre o Sistema Jurisdicional e Mediação a Partir do Novo Código de Processo Civil. Quais as perspectivas para
a Justiça Brasileira? In: ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de; PANTOJA, Fernanda Medina; PELAJO,
Samantha (coord.). A Mediação no Novo Código de Processo Civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 2.
61
AZEVEDO, André Gomma de. Desafios de Acesso à Justiça ante o Fortalecimento da Autocomposição como
Política Pública Nacional. In: PELUSO, Min. Antônio Cezar; RICHA, Morgana de Almeida (coord.).
Conciliação e Mediação: Estruturação da Política Judiciária Nacional – CNJ. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.
12-13.
40
2.2.3 Arbitragem
62
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2018. p. 67.
63
Idem. p. 69.
64
MEGNA, Bruno Lopes. Arbitragem e Administração Pública – Fundamentos Teóricos e Soluções Práticas.
Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 177-178.
41
Nesse sentido, convenção arbitral pode ser uma cláusula chamada de compromissória
ou arbitral expressa em um contrato, no qual as partes se comprometem a levar conflitos dele
decorrentes à arbitragem. Tal cláusula afasta a competência primária da jurisdição estatal. E
pode ser também outro instrumento chamado compromisso arbitral, no qual as partes
submetem um conflito à arbitragem. A diferenciação entre ambas reside no fato de que a
primeira existe por força de um contrato e é preventiva, enquanto a segunda pressupõe a
existência do conflito e deve seguir regras, bem como conter requisitos determinados pela lei,
cabendo a solução a um árbitro – qualquer pessoa física capaz que tenha confiança das partes.
Em função dos efeitos que a convenção de arbitragem pressupõe, correntes de
pensamento sobre a natureza jurídica da arbitragem divergem. Por isso, Francisco José
Cahali65 assinala que
são basicamente quatro as teorias a respeito: privatista (contratual), jurisdicionalista
(publicista), intermediária ou mista (contratual-publicista) e a autônoma. A teoria
privatista, também chamada por alguns como contratualista, vê na arbitragem
apenas um negócio jurídico; entende que a arbitragem representa, na essência tão
somente a extensão do acordo firmado entre as partes. A atribuição ao árbitro para
decidir nada mais seria do que o cumprimento do contratado. O vínculo criado entre
o árbitro e a parte é meramente contratual. A teoria publicista ou jurisdicionalista
confere à arbitragem a natureza jurisidicional. E assim se entende por considerar que
o Estado, por meio de disposições legais outorga ao juiz e ao árbitro para resolver
conflitos de interesse. A teoria intermediária ou mista agrega os fundamentos de
uma e outra das teorias anteriores, para concluir que, mesmo pautada no negócio
jurídico realizado entre as partes, e sendo dele decorrente, não se pode desenvolver a
arbitragem fora de um sistema jurídico, pois este método de solução de conflitos
submete-se à ordem legal existente, embora não controlada inteiramente por esse
sistema. Por fim a teoria autônoma identifica-se na arbitragem um sistema de
solução de conflitos totalmente desvinculado de qualquer sistema jurídico existente.
Verifica-se aqui o extremo do princípio da autonomia privada, na medida em que,
diante da liberdade de contratar, as partes subtraem a arbitragem de outros
ordenamentos, tratando-a como soberana. Cria-se, por esta teoria, uma jurisdição
própria independente e diversa da jurisdição que integra um sistema jurídico.
65
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2018. p. 133-135.
66
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo – um comentário à Lei n 9307/96 . 2 ed. São Paulo:
Atlas, 2007. p. 239.
67
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2018. p. 141
42
uma sentença judicial, pois é título executivo judicial, porém não cabe recurso a instância
superior como esta última. Arnoldo Wald 68pondera que
a sentença arbitral proferida em território nacional tem autoridade de coisa julgada
material, produzindo os mesmos efeitos de um título executivo judicial. Por isso
pode ser executada imediatamente. A Lei 9.307/96 não admite a interposição de
recursos contra a sentença arbitral. O único modo de impugná-la é através da ação
de nulidade os casos previstos no artigo 33.
Lembra ainda a referida autora existir também a capacidade negativa, que se refere
às causas de impedimento e suspeições mencionadas no artigo 14 do mesmo diploma legal.
Nesse sentido, o árbitro está sujeito a um regime de incompatibilidades, em que concorrem
os princípios da imparcialidade e da independência.
Por derradeiro, em apertada síntese, convém lembrar que um dos objetivos, com o advento
da Lei 13.129/15, foi o de ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem, estendendo-o para
a Administração Pública Direta e Indireta, tornando superados os debates em torno da
impossibilidade de a Administração Pública dela fazer parte. Além disso, a referida norma
legal lançou luzes sobre a interrupção da prescrição, quando da instituição da arbitragem,
não deixando margem a diferentes interpretações quanto a retroagir à data do requerimento
de sua instauração. A sentença parcial encontrou sua regulamentação nas alterações
realizadas na Lei de Arbitragem, já que o parágrafo 1º do artigo 23 da mencionada lei
expressa a possibilidade de ser proferida sentença parcial pelos árbitros. Trouxe também a
inovação com a Carta Arbitral, que consiste em uma carta expedida pelo árbitro ou pelo
tribunal arbitral para que o órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o
cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato solicitado pelo árbitro. Além
disso, é sabido que a carta arbitral é uma importante forma de interlocução entre o
68
WALD, Arnoldo. A Recente Evolução da Arbitragem no Direito Brasileiro. In. MARTINS, Pedro A. Batista;
GARCEZ, José Maria Rossani. Reflexões sobre Arbitragem – In memorian do Desembargador Claudia Vianna
de Lima. São Paulo, LTR, 2002. p. 155.
69
LEMES, Selma Maria Ferreira. Árbitro – Princípios da Independência e Imparcialidade. São Paulo: LTR,
2001. p.48.
43
2.2.4 Conciliação
70
MEGNA, Bruno Lopes. Arbitragem e Administração Pública – Fundamento Teóricos e Soluções Práticas.
Belo Horizonte: Fórum, 2019. p 93-94.
71
SILVA, Érica Barbosa e. Conciliação Judicial. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 154.
44
presente texto, quando das reflexões sobre o CPC em vigor. Petrônio Calmon72 ressalta que “a
conciliação é o mecanismo para a obtenção da autocomposição tradicionalmente utilizado no
processo judicial, bem como em iniciativas paraprocessuais do Poder Judiciário, atividade
exercida pelo juiz ou por auxiliar, funcionário da Justiça ou nomeado ad hoc”.
Corroborando com este histórico em concordância com a permanente existência da
conciliação na leis brasileiras, Valeria Ferioli Lagrasta73 traça a evolução legislativa que a
conciliação percorreu no Brasil desde o período acima apontado, passando pelos Códigos de
Processo e leis extravagantes, marcando a importância dos Juizados de Pequenas Causas,
regulamentados pela Lei 7.244/84, a Lei 9.099/95 dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais e
a Lei 9.307/96. Para ela, na conciliação existe um
terceiro imparcial, que domina a escuta, sem forçar as vontades dos participantes,
investiga apenas os aspectos objetivos do conflito e sugere opções para sua solução,
estimulando-os à celebração de um acordo”. Considera útil para a solução rápida e
objetiva de problemas superficiais (verdade formal ou posição), que não envolvem
relacionamento entre as partes, não tendo, portanto, a solução encontrada,
repercussão no futuro das vidas dos envolvidos.
Por isso, o conciliador pode apresentar sugestões, pois o objetivo é evitar desgastes de
uma batalha judicial, e um terceiro sem vínculo com as partes de maneira mais livre poderá
fazê-las refletir sobre tais sugestões, que nunca são impositivas ou vinculativas. Nesse
sentido, o objetivo maior da conciliação é o acordo para pôr fim à demanda judicial ou
extrajudicial. Petrônio Calmon75, concordando, leciona que “a conciliação consiste no
desenvolver de um diálogo entre partes e o conciliador, com vistas a encontrar uma posição
final para o conflito, que seja aceitável e factível para ambos os envolvidos”.
Na mesma linha e concordando com os autores acima, Carlos Eduardo de
Vasconcelos76 ressalta que a conciliação
72
CALMON, Petrônio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 105.
73
LAGRASTA, Valéria Ferioli. Mediação Judicial – Análise da realidade brasileira – origem e evolução até a
Resolução n 125, do Conselho Nacional de Justiça. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 15.
74
SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; BRAGA NETO, Adolfo. O que é Mediação de Conflitos. São Paulo:
Brasiliense, 2007. p. 21.
75
CALMON, Petrônio. Op. Cit. p. 105.
76
VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas. 5 ed. São Paulo:
Método, 2016. p. 65.
45
tem por objetivo central a obtenção de um acordo” e lembra que “consoante o inciso
2º do artigo 165 do CPC, o conciliador atuará preferencialmente nos casos em que
não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio,
sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para
que as partes conciliem.
Nesse sentido, o dispositivo legal mencionado na citação logo acima, acrescido de seu
inciso 3º, é acometido de um equívoco ao usar o termo “preferencialmente”, pois acaba por
não expressar com precisão a distinção entre ambos, dando a entender ser opcional sem
especificar para quem, muito embora a redação ofereça esclarecimento a partir de seus
objetivos, os quais são diferentes. Esta confusão é decorrente do desconhecimento da
metodologia empregada em cada um dos métodos. A conciliação é mais célere. Na maioria
dos casos, restringe-se a apenas uma reunião entre as partes e o conciliador. A conciliação se
destina aos casos em que o objeto da disputa é exclusivamente material. Inexiste, portanto,
um relacionamento contínuo entre as partes. Erica Barbosa e Silva77, na mesma linha, enfatiza
que
a conciliação difere da mediação por ter objetivo específico. Nesse sentido, a
diferença fundamental entre mediação e conciliação reside no conteúdo de cada
instituto. Na conciliação, o objetivo é o acordo, ou seja, as partes, mesmo
adversariais, devem chegar a um acordo para evitar o processo judicial.
Francisco José Cahali79 reforça o entendimento dos autores acima citados, concluindo
que
indicação da mediação, por sua vez, pressupõe terem as partes em conflito uma
relação mais intensa e prolongada, verificando o relacionamento tanto por vínculos
pessoais como jurídicos. Ainda tem pertinência em situações em que será gerada
para as partes, a solução do conflito, uma nova relação com direitos e obrigações
77
SILVA, Érica Barbosa e. Conciliação Judicial. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 133-134.
78
DEMARCHI, Juliana. Técnicas de Conciliação e Mediação. In: GRINOVER, Ada Pelegrini; WATANABE,
Kazuo; LAGRASTA NETO, Caetano. Mediação e Gerenciamento do processo – Revolução na Prestação
Jurisdicional – Guia Prático para a Instalação do Setor de Conciliação e Mediação. São Paulo: Atlas, 2007. p. 55.
79
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2018. p. 49.
46
recíprocas, e, pois, com uma perspectiva de futura convivência que se espera que
seja harmônica.
80
PALLAMOLLA, Raffaella. Justiça Restaurativa: da teoria à prática. São Paulo: Ibccrim, 2009. p. 4
81
DE VITO, Renato Campos Pinto. Justiça Criminal, Justiça Restaurativa e Direitos Humanos. In: SLAKMON,
Catherine; DE VITO, Renato Campos; PINTO, Renato Sócrates Gomes (org.). Justiça Restaurativa. Brasília:
Ministério da Justiça, 2005. p. 48.
82
ASSUMPÇÃO, Cecília Pereira de Almeida; YASBEK, Vania Curi. Justiça Restaurativa: um conceito em
desenvolvimento. In: GRECCO, Aimée; ASSUMPÇÃO. Cecília Pereira de Almeida; BERNARDES, Célia et
alii (org.). Justiça Restaurativa em Ação – Práticas e Reflexões. São Paulo: Dash, 2014. p. 49.
47
Este método, mais conhecido no País pela denominação na língua inglesa, segundo
Francisco Maia84, constitui-se em um “painel de especialistas, podendo ser mesclado entre
diferentes profissionais”, como engenheiros, advogados e outros profissionais, que
acompanham o desenvolvimento do contrato desde o início, sendo acionado em casos de
conflito para dirimi-los. Segundo Fernando Marcondes85,
a primeira vez em que foi utilizado remonta à década de 1960, na obra da barragem
denominada Boundary Dan, no Estado de Washington no Estados Unidos, sendo
formado um painel de especialistas chamado para resolver uma determinada
questão, cuja decisão foi acatada prontamente pelas partes, sendo chamados para
outras questões até o final do contrato. Desde então passou a ser incluído em
importantes obras em diversos países, sobretudo em contratos de obras de
infraestrutura. Para o autor acima, é muito útil, pois em uma obra “os impasses,
dúvidas e divergências só se tornam efetivos problemas com o passar do tempo, se
não forem tratados em seu início.
83
ISSLER, Daniel; PENIDO, Egberto de Almeida. A Justiça Restaurativa nas Comarcas de São Paulo e
Guarulhos. In: SALES, Lilia Maia de Morais; BRAGA NETO, Adolfo (org.). Aspectos Atuais sobre a Mediação
e outros Métodos Extrajudiciais de Resolução de Conflitos. Rio de Janeiro: GZ, 2012. p. 232.
84
MAIA NETO, Francisco. Adjudicação e CRD: Formas dinâmicas de soluções de conflito. In: HOLANDA,
Flavia (org.). Métodos Extrajudiciais de Resolução de Conflitos Empresariais – Adjudicação, Dispute Board,
Mediação e Arbitragem. São Paulo: IOB Sage, 2017. p. 85.
85
MARCONDES, Fernando. O papel do Advogado nos Dispute Boards. In: HOLANDA, Flavia (org.). Métodos
Extrajudiciais de Resolução de Conflitos Empresariais – Adjudicação, Dispute Board, Mediação e Arbitragem.
São Paulo: IOB Sage, 2017. p. 235-244.
48
Outros métodos poderiam ser mencionados, mas faço referência a apenas mais um deles
pelo seu atual estágio de promissor desenvolvimento no Brasil: Práticas Colaborativas. Segundo
o site do Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas89, consiste em uma metodologia criada
nos Estados Unidos, no início dos anos 1990, quando um advogado de direito de família,
preocupado com os efeitos negativos dos litígios judiciais, decidiu desenvolver esforços antes
de um processo judicial, dedicando-se com exclusividade à construção de acordos.
Posteriormente, com as contribuições de uma advogada e uma psicóloga, percebeu necessário
agregar o trabalho de uma equipe multidisciplinar. O método é considerado não adversarial,
com os profissionais colaborativos e seus clientes assinando um termo de participação em que
86
CARVALHO, André Castro; LINO, Marcos do Santos. O Dispute Board nos contratos de concessão de
serviços públicos. In: MARCONDES, Fernando (org.). Direito da Construção – Estudos sobre as várias áreas
do Direito aplicadas ao mercado da Construção. São Paulo: Pini, 2014. p. 182.
87
LEVY, Fernanda. Cláusulas escalonadas – a mediação comercial no contexto da arbitragem. São Paulo:
Saraiva, 2013. p. 123.
88
TONIN, Maurício Morais. Arbitragem, Mediação e Outros Métodos de Solução de Conflitos Envolvendo o
Poder Público. São Paulo: Almeida, 2019. p. 88.
89
Disponível em: www.praticascolaborativas.com.br. Acesso em: 11 mar. 2020.
49
90
WEBB, Stuart G.; OUSKY, Ronald D. O caminho colaborativo para o divórcio. Tradução Alexandre Martins.
São Paulo: IBPC, 2017. p. 11.
50
PARTE II MEDIAÇÃO
Segundo Christopher Moore91, a palavra Mediação tem sua origem do latim medius,
medium, que significa no meio. Muito embora o instituto pareça recente, na verdade, possui
longo legado em culturas diferentes: “Na antiga China, Confúcio a incentivava, chamando a
atenção das pessoas para o ambiente de antagonismo do litígio que as deixava irritadas”. O
referido autor sublinha que, em quase todas as culturas, reconhece-se a existência da Mediação,
daí ser identificada como instituto milenar.
Ao mesmo tempo, é possível constatar diversos de seus elementos nos pensadores
incluídos no presente texto, os quais, com breves referências escritas, destacam a importância
do diálogo na superação de disputas. Convém recordar que, a partir dos anos sessenta do século
XX, segundo Valéria Lagrasta92, “a mediação passou a ter contornos formais, sendo
institucionalizada e considerada como método alternativo de resolução de conflito”. E começou
a ser realizada de maneira mais profissional na grande maioria dos países. Tal evolução foi
possível graças ao fato de ter demonstrado ser muito efetiva na solução de conflitos, motivo
pelo qual no Brasil teve início a sua prática na década de 90 no mesmo século.
91
MOORE, Christopher W. O Processo de Mediação. Artmed: Porto Alegre, 1998. p.31.
92
LAGRASTA, Valeria Ferioli. Mediação Judicial – Análise da realidade brasileira – origem e evolução até a
Resolução n 125, do Conselho Nacional de Justiça. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 21.
51
1.1 Processo
93
CALMON, Petrônio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 120.
94
TARTUCE, Fernanda. Mediação em Conflitos Contratuais e Indenizatórios. In: NASCIMBENI, Asdrubal
Franco; BERTASI, Maria Odete Duque; RANZOLIN, Ricardo Borges (org.). Temas de Mediação e Arbitragem.
São Paulo: Lex, 2017. p. 150.
52
95
MUNIZ, Mirian Blanco. Uma outra verdade na Mediação – Um romance que retrata a força da comunicação
na construção do nosso futuro. São Paulo: Dash, 2013. p. 43.
96
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70,
2007. p. 85
97
NUNES, Antônio Carlos Ozório. Manual de Mediação – Guia Prático da Autocomposição. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2016. p. 57
53
Por conseguinte, pode-se afirmar que, pelas observações acima, a Mediação não
possui qualquer caráter impositivo. Ela existirá caso as pessoas efetivamente se interessem em
dela fazer uso, tomará o rumo que elas determinarem e, ao mesmo tempo, incluirá temas por
elas identificados e sobre os quais desejem discorrer. Por isso, não há como impor a Mediação,
mesmo com a previsão legal que hoje existe no Brasil. A Lei no 13.140/15, considerada o
Marco Legal da Mediação, determina a obrigatoriedade da presença em uma primeira reunião,
quando existir um contrato com cláusula de Mediação, não obrigando os contratantes a nela
permanecer. A intenção do legislador, ao tornar obrigatória a primeira reunião, foi promover
conhecimento sobre o método e o ambiente de cooperação, seu pressuposto. Assim, pode-se
afirmar que só é possível o uso da Mediação quando há predisposição dos futuros participantes
em dialogar sobre questões relativas às suas respectivas visões, interações e conexões. E, a
partir do momento em que sentirem que faz sentido participar, permanecerão e, mesmo assim,
enquanto considerarem oportuno e adequado para eles.
A Mediação se baseia na premissa de que o conflito ocorrido faz parte do passado.
Não há como modificá-lo, mas ele pode ser enfrentado e transformado. E, como comentam
Dorothy Della Noce, Joseph Folger e Robert Bush98, esse é o momento em que as pessoas
percebem que estão vivenciando “uma oportunidade única de falar e escutar sobre a inter-
relação entre elas existente”. Por isso, Guilherme Assis de Almeida99 ressalta que
o olhar para o conflito como oportunidade da emergência de subjetividade é permitir
o surgimento de novas possibilidades de resolução de conflitos, não por uma decisão
imposta por um terceiro neutro, mas pela descoberta de uma decisão comum que
satisfaz a todas as pessoas envolvidas no conflito, lhes oferecendo um sentido
compartilhado de existência.
98
FOLGER, Joseph Patrick; BUSH, Robert A. Baruch; DELLA NOCE, Dorothy J. Transformative Mediation: A
Sourcebook. Dayton: ISCT, 2010. p. 132.
99
ALMEIDA, Guilherme Assis de. Mediação e o Reconhecimento da Pessoa. São Paulo: CLA, 2019. p.85.
100
YACHISISIAN, Adriana Machado; FREITAS, Gilberto Passos; CARDOSO, Simone Alves. Mediação –
Instrumento de Cidadania e Pacificação. Santos: Universitária Leopoldianum, 2018.
54
Os mesmos autores lembram que, em muitos casos, as pessoas que dela fazem uso
acabam aprendendo a administrar seus próprios conflitos de maneira diferente e às vezes de
maneira inusitada para elas mesmas e, com isso, se capacitam para lidar com futuras
diferenças. Nesse sentido, apontam o caráter didático da Mediação. Esse desdobramento pode
ser explicado pelo fato de os mediandos se colocarem, ao longo da Mediação, em um lugar de
maior sensibilidade com relação ao outro e, com isso, iniciarem um processo de solidariedade
recíproca a partir do respeito às visões limitadas e muitas vezes ilusórias de cada um. E, como
salienta Luis Alberto Warat101, “a Mediação é um processo que recupera a sensibilidade,
ainda que leve ao crescimento interior na transformação dos conflitos”. A partir disto,
seguindo as palavras do referido autor, promove-se o respeito mútuo às diferenças e o
reconhecimento das limitações próprias e das perspectivas pessoais diferentes ou mesmo
opostas, o que pode proporcionar a integração das visões individuais e a responsabilidade que
pavimentará de maneira robusta a possibilidade da construção de soluções.
Segundo Petrônio Calmon102, “a Mediação não possui formas rígidas, mas sua realização
profissional é caracterizada por métodos elaborados e comprovados com rigor científico”. Nesse
sentido, pode ser realizada em uma única reunião ou em quantas os participantes desejarem.
Como mencionado anteriormente, o mediador estimula o diálogo entre os participantes a fim de
mudar a qualidade da interação decorrente do conflito. O processo de Mediação, aqui entendido
como a intervenção do mediador a partir de sua escolha e da aceitação do encargo, consiste
em momentos em que o diálogo se desenvolve de maneira única na interação entre os
mediandos.
Convém ressaltar que a Mediação de conflitos não visa pura e simplesmente ao
acordo. Visa, antes, como já dito, construir soluções a partir de mudanças ou movimentos
pessoais dos participantes em direção ao seu fortalecimento e ao reconhecimento mútuo.
Inicialmente, a preparação envolve o esclarecimento sobre o processo e sua aplicabilidade ao
101
WARAT, Luis Alberto. Surfando na Pororoca – O ofício do mediador. Florianópolis: Boiteux, 2004, p. 65.
102
CALMON, Petrônio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 121.
55
caso, assim como a adesão dos envolvidos. Nesse primeiro momento, já se prioriza a
autodeterminação dos participantes, pois serão eles que avaliarão a oportunidade ou não de
entrar em um processo no qual serão os protagonistas do início ao fim. Em seguida, procede-se
a uma análise das questões pertinentes ao conflito, a partir de forte interação entre mediador e
mediandos, por intermédio de técnicas. Caberá sempre ao mediador checar os temas que
desejam tratar e a forma como serão abordados (ou não), inclusive com a verificação
permanente da eficácia de sua interação e intervenção para com os mediandos. Por isso, o
mediador promoverá a possibilidade de convidá-los a debater outros temas tão importantes
quanto aqueles que o trouxeram para a Mediação, para que se alcance toda a complexidade da
controvérsia ou controvérsias.
A Mediação, nas palavras de Amedeo Papa103, “difere do processo judicial e da
arbitragem por ser um procedimento informal, célere e predominantemente oral, projetado para
mudar o paradigma da busca de culpados e terceirização do problema para o reconhecimento de
responsabilidades e da autonomia de decisão”.
Na mesma linha apontam Luciano Timm e Danilo Magalhães Junior104, no sentido de que os
participantes do processo, caracterizado pela “ausência de adversariedade, voluntariedade,
imparcialidade e sigilo, possuem total controle sobre a situação”, diferentemente dos métodos
acima citados. E, como qualquer Justiça, possui limitações quanto ao seu emprego, muito
embora legalmente falando esteja limitada a direitos disponíveis. Com base em aspectos
materiais, a Mediação efetivamente não encontra limitação, pois se pode fazer uso dela em
todos os tipos de controvérsias. Há limitações, contudo, no que diz respeito às pessoas que dela
fazem uso. Uma delas é a própria disposição em cooperar durante o processo. Outras
limitações, como já apontado por este autor105 em outra obra,
seriam aquelas ligadas às condições físicas pessoais de cada um dos participantes no
processo, que deverão estar aptos a refletir sobre temas de interesse e livres de
fatores emocionais que os impeçam de fazê-lo. Limitações decorrentes de fatores
psicológicos impedem as pessoas de refletir adequadamente e, com isso, torna-se
difícil para elas colaborar e se responsabilizar por tudo que for tratado na mediação.
Além disso, como método de transformação de conflitos, pode ser usada, por exemplo,
em questões que envolvam:
103
PAPA, Amedeo. Disputas Societárias em Empresas Familiares em busca da autonomia perdida. In: PRADO,
Roberta Nioac (coord.). Empresas Familiares e Famílias Empresárias – Governança e Planejamento Jurídico e
Sucessório. São Paulo: Quartier Latin, 2019. p. 122
104
TIMM, Luciano Benetti; MAGALHÃES JÚNIOR, Danilo Brum de. A Mediação pela Perspectiva da Análise
Econômica do Direito. In: NASCIMBENI, Adrubal Franco; BERTASI, Maria Odete Duque; RANZOLIN,
Ricardo Borges (org.). Temas de Mediação e Arbitragem. São Paulo: Lex, 2017. p. 221.
105
BRAGA NETO, Adolfo. Mediação - uma experiência brasileira. 2 ª Ed. São Paulo: CLA, 2017. p. 97.
56
• Relações trabalhistas, no que se refere aos aspectos legais, como nos casos de
dissídios coletivos e dissídios individuais.
Inúmeros outros conflitos também poderiam fazer parte dessa lista. Dentre eles os
conflitos no contexto da engenharia, conforme mencionam Beatriz Rosa e Ricardo Issa 106, ao
explicar que “a mediação nos assuntos de engenharia é uma ferramenta que permite a
compreensão de cada ocorrência de forma ampla e equânime, adicionando mais e mais
informações aos atores envolvidos, para que possam formar suas conclusões”. Essas
referências são apresentadas apenas para proporcionar uma visão mais ilustrativa sobre o
alcance da Mediação. E pretendem demonstrar, como assinala Leandro Rigueira Rennó
Lima107, que “a mediação não é um método a ser utilizado apenas em relações familiares ou
de vizinhança, aquelas em que há um traço emocional forte e que precisam de um
acolhimento específico. Mediação não é terapia. A mediação é uma forma eficaz de resolução
de conflitos”, para todos os conflitos. Ou, como sublinha Cláudia Elisabete Schwerz
106
ROSA, Beatriz; ISSA, Ricardo. Mediação Empresarial e Engenharia. In: BRAGA NETO, Adolfo (org.).
Mediação Empresarial – experiências brasileiras. São Paulo: CLA, 2019. p. 74
107
LIMA, Leandro Rigueira Rennó. Mediação empresarial e as competições acadêmicas. In: BRAGA NETO,
Adolfo (org.). Mediação Empresarial – experiências brasileiras. São Paulo: CLA, 2019. p. 219.
57
Cahali108, “na verdade, todas as demandas admitem a mediação, seja qual for o objeto ou o
contexto”.
Importante enfatizar que não foram incluídos os conflitos em que órgãos públicos de
diversos níveis estejam envolvidos. Tal fato se explica pela amplitude e complexidade que
poderão alcançar, motivo pelo qual este trabalho pretende apontar em capítulos próprios,
como a Mediação pode contribuir na resolução de inúmeros conflitos públicos, ou mesmo,
eventualmente, eminentemente privados, em que as instituições públicas estejam envolvidas e
que esse instituto possa contribuir na sua resolução. Daí a importância de separá-los a partir
das preposições na, com e da.
Ademais, pela pouca experiência existente na área, observam-se muitas resistências
advindas de preocupações com os princípios inerentes à Administração Pública, dentre eles o
da legalidade, o da supremacia do interesse público, o da indisponibilidade dos interesses
públicos e muitos outros, que também serão objeto de análise. No entanto é cediço que a
Mediação nesta área evoca, dentre outros, o princípio da consensualidade, tema cada vez mais
debatido na área acadêmica por doutrinadores entusiastas e/ou opositores e que têm
reverberado na prática, além de trazer à tona o da eficiência, pela agilidade na resolução dos
conflitos, inclusive no contexto da Administração Pública.
Por outro lado, cabe lembrar ainda, nas palavras de Barbara Musumeci Mourão e Pedro
Strozemberg109, que
uma das principais características da mediação de conflitos é a flexibilidade,
traduzida na possibilidade de moldar-se ao ambiente em que é praticada. Seus
limites e formatos são definidos a partir da combinação de sua capacidade de
institucionalização, alianças, territórios e atores envolvidos. Nesse sentido é
conveniente também antecipar que não será difícil encontrar compreensões distintas
para a mediação e que esse é um terreno em que os preceitos de certo ou errado
terão pouca serventia ao debate. Trata-se de uma matéria em contínuo processo de
adaptação.
Tal caráter flexível da Mediação é tão promotor de novos paradigmas que é possível o
uso de seus princípios, norteadores, características e técnicas sem necessariamente utilizar o
método propriamente dito. Fazendo uso de seus recursos, certamente o resultado será um
ambiente mais acolhedor às pessoas, promovendo, com isso, a transformação de seus
conflitos. Não há nada que impeça que agentes públicos ou mesmo de segurança pública,
educadores, profissionais de distintas áreas em uma instituição ou organização, pública ou
108
CAHALI, Cláudia Elisabete Schwerz. O Gerenciamento de Processos Judiciais – em busca da efetividade da
prestação jurisdicional. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 91.
109
MOURÃO, Barbara Musumeci; STROZEMBERG, Pedro. Mediação de Conflitos nas UPPs: Notícias de uma
experiência. Rio de Janeiro: CESeC/UCAM, 2016. p. 13.
58
1.2 Participantes
110
ALMEIDA, Diogo A. Rezende de; PAIVA, Fernanda. Princípios da Mediação. In: ALMEIDA, Tania;
PELAJO, Samantha; JONATHAN, Eva (coord.). Mediação de Conflitos para iniciantes, praticantes e docentes.
2 ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 103
111
SIMÕES, Alexandre Palermo. Mediação nos conflitos comerciais. In: BRAGA NETO, Adolfo (org.).
Mediação Empresarial – experiências brasileiras. São Paulo: CLA, 2019. p. 36
59
112
MAZZONETTO, Nathalia; PERLMAN, Marcelo. Mediação e os pactos de non compete: uma parceria
necessária. In: BRAGA NETO, Adolfo (org.). Mediação Empresarial – experiências brasileiras. São Paulo:
CLA, 2019. p. 268
113
ZAPPAROLLI, Célia Regina; KRÄHENBUHL, Monica Coelho. Negociação, Conciliação, Mediação,
Facilitação Assistida, Prevenção, Gestão de Crises nos Sistemas e suas Técnicas. São Paulo: LTR, 2012. p. 38
114
AGUIRRE, Caio Eduardo. Mediação em empresas familiares. Dissertação de Mestrado PUCSP, disponível
em www.tede2pucsp.br/handle/handle/6866. Acesso em: 27 dez. de 2019. p. 44. Impende observar que o autor
esclarece em nota de rodapé em seu texto que o termo menoridade foi mencionado por Kant, em 1784, no texto
“O que é esclarecimento”. Significa a incapacidade de um indivíduo se servir de seu próprio entendimento sem a
tutela de outro, por não possuir coragem de seguir seu próprio rumo e por necessitar de outro para que diga o que
deva fazer.
115
TARTUCE, Fernanda. Mediação no Conflitos Civis. 3 Ed. São Paulo: Forense, 2016. p. 176
60
que estão vivenciando e a forma como gostariam que o outro mudasse ou não. Nas palavras
de Luis Alberto Warat116, consiste em
um processo de reconstrução simbólica do conflito, no qual as partes têm a
oportunidade de resolver suas diferenças reinterpretando, no simbólico, o conflito
com o auxílio de um mediador, que as ajuda, com sua escuta, interpretação e
mecanismos de transferência, para que elas encontrem os caminhos de resolução
sem que o mediador participe da resolução ou influa em decisões ou mudanças de
atitude.
116
WARAT, Luis Alberto. Ecologia, psicanálise e mediação. In: WARAT, Luis Alberto (coord.). Em nome do
acordo: mediação no direito. Buenos Aires: Almed, 1998. PP. 31
117
FOLGER, Joseph Patrick; BUSH, Robert A. Baruch. The Promise of Mediation. Nova York: Jossey-Bass,
2005.p. 57.
118
BONILHA, Alessandra Fachada. Conselho de Família, Protocolo Familiar e Gestão Adequadas de Conflitos
como Instrumentos Estratégicos para a Longevidade da Família Empresária. In: PRADO, Roberta Nioac
(coord.). Empresas Familiares e Famílias Empresárias – Governança e Planejamento Jurídico e Sucessório. São
Paulo: Quartier Latin, 2019. p. 228.
119
BEER, Veronica Caterina. O papel do advogado no contexto da mediação. Dissertação de Mestrado PUCSP
disponível em: www.tede2pucsp.br/handle/handle/6866. Acesso em 28 dez. 2019. p. 21.
61
aspectos, acolhendo as emoções que possam surgir, ainda que pareçam desconectadas do foco
principal do conflito.
Com isso, a referência desse método de resolução de conflitos é muito diferente da de
outros instrumentos confundidos com ele, como o assessoramento, que nada mais é do que
disponibilizar informações para que as pessoas saibam como optar pelo melhor caminho a ser
percorrido. Também difere da conciliação, que se constitui em uma tentativa de acordo com o
auxílio de um terceiro imparcial e independente, o conciliador, como explicado anteriormente.
A Mediação tampouco se confunde com o aconselhamento, pois o conselheiro oferece
sugestões para a superação do conflito. Ao conselheiro é possível propor a reconciliação ou
outra opção para os participantes, que no âmbito da Mediação poderá ser uma das hipóteses a
ser pensada pelas pessoas envolvidas no conflito. Além disso, a relação entre cliente e
conselheiro pode envolver alguma dependência durante certo tempo, ao passo que o mediador
procura estimular a capacidade dos participantes de decidir o que é melhor para todos, por
acreditar no potencial que possuem em mudar a qualidade da interação entre eles.
E como revela Teresa Grossi120, a Mediação é
uma ferramenta eficaz, de metodologia participativa, inclusiva, democrática,
viabilizando um melhor entendimento entre as partes, que desenvolvem
competências para serem protagonistas de suas histórias. Por meio de um processo
justo e satisfatório e que tem como benefícios: redução de tempo, dos custos
financeiros e emocionais, prevenção de futuros conflitos, alinhamento de visão
prospectiva.
Nesse sentido nas palavras de Ana Luiza Isoldi121, a Mediação possui como referência
cada pessoa é única, conforme seu contexto, histórica, experiências, características,
fase da vida, que influencia sua reação quando algo sai diferente do que esperava. A
vida é feita de escolhas, e as escolhas geram mudanças. As mudanças fazem parte da
vida. É da natureza humana resistir às mudanças e, como as mudanças são
inevitáveis, surgem os conflitos. Os conflitos refletem as mudanças, e as soluções
reorganizam os conflitos. Assim, imprescindível compreender a dinâmica dos
conflitos para otimizar sua gestão.
120
GROSSI, Teresa Mônica S. B. de Menezes. Mediação: um meio de acesso substancial à Justiça e de elevado
alcance social. In: CANUTO, Alessandra; ISOLDI, Ana Luiza; SITA, Maurício (coord.). Manual de Solução de
Conflitos. São Paulo Literare Books International, 2019. p. 213
121
ISOLDI, Ana Luiza. Gestão de conflito no contexto da hospedagem. In: CANUTO, Alessandra; ISOLDI, Ana
Luiza; SITA, Maurício (coord.). Manual de Solução de Conflitos. São Paulo: Literare Books International, 2019.
p. 20
122
VEZZULLA, Juan Carlos. Mediação Teoria e Prática. Guia para utilizadores e profissionais. Lisboa: CEM,
2003. p. 79.
62
conduta cooperativa e pacífica”. O mediador é o profissional que as auxilia para que possam
perceber o conflito com clareza e distingam os benefícios que poderão obter com o processo,
bem como as possíveis soluções. Ao mesmo tempo, esse autor123 destaca que a Mediação é a
busca do reconhecimento mútuo entre os participantes, já que
o reconhecimento envolve a capacidade de refletir não somente sobre a própria
situação, mas também sobre a do outro, a realidade e o sentir do outro. Esse
reconhecimento não simplesmente formal ou racional, mas fundamentalmente
sensível. É expressado tanto verbalmente como através de ações e reações relativas à
questão trabalhada.
Todas essas características denotam que o ambiente promovido pela Mediação a seus
participantes permite a exposição e o acolhimento de elementos emocionais, que naturalmente
poderão por eles serem expressos. Tal fato acarreta a sensibilização recíproca e, com isso,
melhor compreensão das percepções pessoais sobre o momento vivenciado. Nesse sentido,
Silvia Johonsom di Salvo125 ressalta que a Mediação “procura valorizar laços fundamentais de
relacionamento, incentivar o respeito à vontade dos interessados, ressaltando os pontos
positivos de cada um dos envolvidos na solução do conflito”, resgatando vínculos rompidos e
prevenindo eventuais tensões.
Ao se pensar no contexto da Administração Pública, todos os seus integrantes, sejam
pessoas físicas na qualidade de agentes e representantes de órgãos da Administração direta ou
indireta, ou mesmo pessoas jurídicas públicas, poderão dela participar por inúmeras razões.
Entre elas, pode-se destacar a liberdade de deixar o processo a qualquer tempo, bem como a não
obrigatoriedade de alcançar um resultado ao final do processo, além de não exigir pré-
disposição para participar. Todos estes elementos serão analisados nos itens da parte IV desta
dissertação.
123
VEZZULLA, Juan Carlos. Adolescentes, Família, Escola e Lei. A Mediação de Conflitos. Lisboa: Agora
Comunicação, 2006. p. 77.
124
KROETZ, Maria Candida do Amaral. Mediação em contratos empresariais de longa duração. In: BRAGA
NETO, Adolfo (org.). Mediação Empresarial – experiências brasileiras. São Paulo: CLA, 2019. p. 120.
125
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 46.
63
1.3 Mediador
126
TARTUCE, Fernanda. Técnicas de Mediação. In: SILVA, Luciana Aboim Machado Gonçalves da (org.).
Mediação de Conflitos. São Paulo: Atlas, 2013. p. 46
127
BRAGA NETO, Adolfo. Mediação de Conflitos: Conceito e Técnicas. In: SALLES, Carlos Alberto de;
LORENCINI, Marco Antonio Garcia Lopes; ALVES DA SILVA, Paulo Eduardo (org.). Negociação, Mediação,
Conciliação e Arbitragem – Curso de Métodos Adequados de Solução de Controvérsias. 3ª Ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. p. 175.
64
Com relação à postura exigida do mediador ao longo de sua intervenção, cabe ressaltar
também que muitos autores defendem que esse terceiro deve ser neutro. Aliás, em alguns
países esse profissional é mais conhecido como neutro. Sobre esse aspecto, é importante
lembrar que a natureza humana sempre prima pela associação ao já vivenciado e conhecido,
decorrente de ideologias, mitos, paradigmas, imaginários, ilusórios e mesmo necessidades,
valores pessoais ou o próprio senso de Justiça, o que promove o pensar julgador sempre. No
entanto, é dever do mediador se isentar de seus elementos internos pessoais, pois na Mediação
valem os elementos pessoais dos mediandos. Em outras palavras, a isenção é o valor soberano
do mediador, que deve ser preservado em prol da imparcialidade, sem a qual o processo fica
comprometido.
No momento em que são identificados os temas, as mudanças ou não de cada
mediando, deverão valer as referências pessoais de cada um dos participantes e não as do
mediador. O mediador, portanto, deve deixar de lado quesitos pessoais que possam direcionar
os mediandos para determinadas soluções, mantendo atenção permanente à sua isenção. O
mediador deverá cuidar da equidade de participação dos mediandos. Para isso, a capacitação
em Mediação de conflitos é fundamental, como dito anteriormente, devendo privilegiar
cuidados com relação a esses elementos, tanto no âmbito teórico quanto no prático
supervisionado.
Além disso, a isenção mencionada inclui também o não oferecimento de informações
técnicas especializadas pelo mediador. Por isso, caberá a ele chamar o profissional adequado para
o fornecimento da informação e orientação necessárias. Por outro lado, não poderá oferecer os
conhecimentos de sua profissão de origem para assessorar os participantes em suas decisões, nem
poderá sugerir ou aconselhar quanto a decisões a serem tomadas. Ao mesmo tempo, uma vez
finda a função de mediar o conflito para o qual foi nomeado, deverá evitar exercer outra atividade
ligada ao caso – por exemplo, juiz, árbitro ou consultor. Tal fato explica a necessidade de uma
capacitação mínima. Francisco José Cahali128 pontua claramente que
exclusivamente aos mediadores extrajudiciais, temos a seguinte regra: qualquer
pessoa, independentemente de sua formação de origem, e de participação em algum
entidade de classe, conselho ou associação, pode ser mediador, desde que tenha
confiança das partes, determinando a Lei, ainda, a sua capacitação ( artigo 9o Lei
13.140/15), mas sem que se imponha padrão para tanto (horas mínimas etc., como se
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
128
faz na mediação judicial para a qual, inclusive, se exige graduação há mais de dois
anos em ensino superior).
Por isso, Fernanda Tartuce129 bem ressalta que “é pacífica a visão sobre a necessidade da
capacitação em si, sendo corrente afirmar que ela deve incluir estágio supervisionado, educação
continuada e práticas de mediação com supervisão de casos”.
Com conhecimento aprofundado sobre o conflito e seus reflexos, a comunicação
humana, técnicas que estimulam o diálogo, visão holística e perspectiva ampla da controvérsia,
o mediador deve promover a facilitação de diálogos. Sua competência resulta do seu domínio
sobre os temas citados acima, permitindo seu papel de ajuda no processo de Mediação. Ele
deverá estar permanentemente atento à interação que se estabelece entre os mediandos. Deverá
também estar atento ao grau de fortalecimento pessoal e reconhecimento mútuo dos
participantes, os quais ocorrerão aos poucos. Além disso, como realça Cláudia Elisabete
Schwerz Cahali130, o mediador deve se empenhar “para restabelecer a comunicação,
proporcionando ambiente favorável para que as próprias partes construam a solução”. Por isso,
Cassio Filgueiras131 enfatiza que “o mediador investe no trabalho de facilitação da comunicação
e do diálogo entre as pessoas envolvidas no conflito, ajudando-as a ultrapassar posturas
competitivas, gerando um ambiente de colaboração e de entendimento”.
A respeito do aspecto transdisciplinar inerente à Mediação, Antônio Carlos Ozório
Nunes132 leciona que cabe ao mediador
ligar e religar as perspectivas e os conhecimentos, o que deverá fazer através de uma
mente sempre aberta, uma aptidão constante para o diálogo e aquisição de
conhecimentos diversos. Em suma, com complexidade das relações humanas, o
mediador deverá entender o que ocorre ao seu redor, com um olhar mais ampliado, e
que lhe permita a visão das partes e a percepção do todo, que mostra as relações e as
interconexões, e evidencie a interdependência dos fatores.
129
TARTUCE, Fernanda. Mediação no Conflitos Civis. 3ª Ed. São Paulo: Forense, 2016. p. 276.
130
CAHALI, Cláudia Elisabete Schwerz. O Gerenciamento de Processos Judiciais – em busca da efetividade da
prestação jurisdicional. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 86,
131
FILGUEIRAS, Cassio. A resistência pacífica dos métodos de solução de conflitos. Revista do Advogado. São
Paulo, n. 123, Ano XXXIV, p. 70-74, 2014. p. 73,
132
NUNES, Antonio Carlos Ozório. Manual de Mediação – Guia Prático da Autocomposição. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016. p. 130.
66
entre eles, assim como às mudanças que ocorrerem ao longo do processo; evitar
direcionamentos para o que considerar necessário e adequado aos participantes; e, enfim, de
maneira muito simplista e resumida, facilitar o diálogo. Por isso, Guilherme de Assis
Almeida133 conclui que “fica claro que o papel do mediador, mais do que a decisão de um
conflito, é possibilitar aos participantes fazerem uso da palavra, de modo a permitir (por meio
do seu trabalho de atenta escuta e suave intervenção) diminuir a distância entre as partes”.
Para Joseph Folger e Robert Bush134, “o papel do mediador é o de acompanhar e apoiar
mudanças da interação existente entre os participantes, as quais naturalmente ocorrerão caso o
diálogo diferente efetivamente ocorra, podendo ou não levar à criação de soluções que atendam
a todos os envolvidos”. Nesse sentido, a Mediação de conflitos consiste em um processo em
que um terceiro imparcial e independente ajuda, em reuniões separadas ou conjuntas, com as
pessoas envolvidas em conflitos, sejam elas físicas ou jurídicas, a promover um diálogo
diferente daquele decorrente da interação existente por força do conflito e, na hipótese de
construírem soluções, quase sempre as cumprem espontaneamente. Por isso Lourdes Alves,
Joyce Markovits, Marta Marioni, Rita Aires, Silvia Rawet, ValerIa Perez e Violeta Daou135
afirmam que “o mediador tem a tarefa de auxiliar as pessoas envolvidas a recuperarem pelo
diálogo a capacidade de encontrar soluções para satisfação mútua e de assumir a
responsabilidade pelas decisões e acordos construídos em parceira”. Este mediador é aquele
que não julga, não orienta, não assessora, não faz sugestões ou avaliações sobre o conflito e muito
menos os direciona para algo que considera necessário ou adequado. Segundo Joseph Folger e
Robert Bush136,
esse mediador considera que os participantes possuem recursos próprios para mudar
a interação entre eles e, com isso, eles próprios refletirem e promoverem mudanças
em suas percepções a respeito do conflito e da relação entre eles (de fragilidade e
autocentramento, em direção ao empoderamento e reconhecimento mútuos).
133
ALMEIDA, Guilherme Assis de. Mediação e o Reconhecimento da Pessoa. São Paulo: CLA, 2019. p.84.
134
FOLGER, Joseph Patrick; BUSH, Robert A. Baruch. The Promise of Mediation. Nova York: Jossey-Bass,
2005. p. 5.
135
ALVES, Lourdes Farias; MARIONI, Marta dos Reis; AIRES, Rita Leria; PEREZ, Valeria; DAOU, Violeta;
MARKOVITZ, Joyce; RAWER, Silvia. Mediação de Conflitos em diferentes contextos da vida cotidiana –
Mediação Particular. In: AIRES, Lourdes Farias (org.). Fundamentos e Práticas Transformativas em Mediação
de Conflitos. São Paulo: Dash, 2019. p. 227.
136
FOLGER, Joseph Patrick; BUSH, Robert A. Baruch. The Promise of Mediation. Nova York: Jossey-Bass,
2005. p 1.
67
Além disso, Marilene Marodin137 ressalta que “para cumprir com sua função, o
mediador necessita não só de uma formação profissional específica, que lhe dará
instrumentos, como também possuir algumas características pessoais próprias. A junção
destes dois fatores será responsável” pelas suas intervenções ao longo do processo. Em outras
palavras, a aparente simplicidade mencionada anteriormente promove a identificação de toda a
complexidade de que se reveste a conexão entre o mediador, os participantes e o conflito
instaurado, que se constitui como fruto das relações interpessoais, que, “com sua pluralidade e
liberdade de expressão de percepções, sentimentos, crenças e interesses, ampliam as vivências
de conflito”, conforme ressalta Carlos Eduardo de Vasconcelos138.
Diante dos elementos acima mencionados, não seria repetitivo depreender que o
mediador possui o dever da imparcialidade e independência, dentre outros. Quando se trata de
conflitos no contexto da Administração Pública, a possibilidade de violação destes deveres
estará presente caso o mediador pertença a seu quadro. Com isso, haverá a quebra do conforto
dos participantes e, consequentemente, da confiança inerente ao processo. Este aspecto será
tratado também quando se tratar da Administração Pública nesta dissertação.
Todos os eixos, bem como suas características anteriormente mencionadas, foram
incluídos nos dispositivos contidos na Lei 13.140/15 (Marco Legal da Mediação) e na Lei
13.105/15 (CPC em vigor), oferecendo de maneira geral a estruturação da Mediação, a partir
de seus três eixos – processo, participantes e mediador –, assim como de seus princípios e
norteadores. Ambos diplomas legais devem ser interpretados e aplicados conjuntamente, não
importa o contexto, inclusive o contexto da Administração Pública, que é mencionada
expressamente nos dois diplomas legais, sendo objeto deste trabalho ao final. Por isso, após a
contextualização histórica de sua evolução legislativa, as referidas leis serão objeto de
observações para, na sequência, análise no contexto da Administração Pública.
137
MARODIN, Marilene. Desafios na Capacitação do Mediador. In: NASCIMBENI, Asdrubal Franco;
BERTASI, Maria Odete Duque; RANZOLIN, Ricardo Borges (org.). Temas de Mediação e Arbitragem. São
Paulo: Lex, 2017. p. 333.
138
VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas. 5ª ed. São Paulo:
Método, 2016. p. 22.
68
139
Cabe esclarecer que esta lei, muito embora seja de âmbito municipal, destoando de certa maneira do elenco de
leis federais, foi incluída pelo seu ineditismo, bem como por se constitui na primeira lei sobre Dispute Board.
140
Cabe esclarecer que esta lei, de âmbito municipal, também foi incluída pelo seu ineditismo, bem como por se
constituir na primeira lei do Poder Executivo que estabelece uma política pública de desjudicialização, em que a
mediação se constitui em um dos instrumentos.
70
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
141
Revista dos Tribunais, 2018. p. 13 e 14. Importante destacar que a iniciativa partiu da entidade mencionada
acima, com o objetivo de atingir o maior número de instituições, escritórios, empresas e organismos empresariais
compromissadas com a adoção interna e externa da Mediação e outros métodos consensuais no setor
empresarial, em função dos benefícios que ela aporta ao segmento. Foi inspirado em um outro Pacto elaborado
com os mesmos objetivos em 1984 nos Estados Unidos pelo International Institute for Conflict Prevention &
Resoltution – CPR, renomado instituto sem fins econômicos cuja missão é o desenvolvimento e fomento de
mecanismos menos custosos e mais eficazes de solução de disputas comerciais em negócios globais.
142 SALLES, Carlos Alberto de; LORENCINI, Marco Antônio Garcia Lopes; SILVA, Paulo Eduardo Alves da
(org.). Negociação, Mediação, Conciliação e Arbitragem – Curso de Métodos Adequados de Solução de
Controvérsias. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 1
71
A propósito deste último fato, chama a atenção essa particularidade no Brasil, isto é, a
aproximação entre ambos os institutos, Mediação e arbitragem, que foi desde os primórdios
da década de 1990, com o nascimento do movimento pelas suas respectivas implementações,
ocorridas no mesmo período. Petrônio Muniz relata que, em 1997, as mais expressivas
145
instituições de Mediação e arbitragem foram reunidas pelo movimento Operação Arbiter ,
143
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2018. p. 28
144
BRAGA NETO, Adolfo. Mediação de Conflitos: Conceito e Técnicas. In: SALLES, Carlos Alberto de;
LORENCINI, Marco Antonio Garcia Lopes; ALVES DA SILVA, Paulo Eduardo (org.). Negociação, Mediação,
Conciliação e Arbitragem – Curso de Métodos Adequados de Solução de Controvérsias. 3ª Ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. p. 157.
145
Importante enfatizar que o termo empregado foi a designação dada pelo próprio autor da Operação Arbiter,
Petrônio Muniz, que assim chamava o seu intenso trabalho junto à Câmara e ao Senado, de 1991 (ano de início
do trâmite do PL da Arbitragem) a 1996, de esclarecer os parlamentares sobre as emendas apresentadas ao PL,
que o tornavam sem sentido, pois eram feitas a partir do conhecimento que possuíam do processo judicial, na
72
leitura simplista de que processo arbitral é semelhante ao processo arbitral. Após o advento da lei, o referido
jurista percebeu que seria necessário difundir corretamente seus princípios e parâmetros inspiradores, daí o
nascimento de quatro documentos fundamentais: os Códigos de Ética de Mediação e Arbitragem e os
Regulamentos-Modelo respectivos, para serem objeto de parâmetro para os que iriam se interessar pelo tema.
Cf. OLIVEIRA, Angela. Mediação – Métodos de Resolução de Controvérsias nr 01. São Paulo: LTR, 1999. p.
41. Cabe lembrar, também, que Petrônio Muniz entendia que não bastava a aprovação da lei conforme a redação
original do PL, pois era preciso criar mecanismos que contribuíssem para a efetiva implantação e absorção da
sociedade, para o que necessário se tornava um forte e eficaz processo de reversão cultural, de modo a fazer a
sociedade acreditar serem os seus indivíduos capazes de resolver seus próprios conflitos sem o uso da máquina
estatal. Cf. MUNIZ, Petrônio. Operação Arbiter. 2 Ed. Salvador: AlepBahia, 2016. p.5.
146
SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; BRAGA NETO, Adolfo. O que é mediação de conflitos. Coleção Primeiros
Passos. São Paulo: Brasiliense, 2007 p. 67.
73
para todas as categorias econômicas, com base na variação do IPC-r acumulado dos últimos
12 meses desde a data-base anterior até aquela em que está aberta a negociação. Esta previsão
legal se encontra nos artigos 9º e 10 da Lei 10.192/01, que, ao manter as datas-base das
diversas categorias econômicas, exige que sejam entabuladas negociações para regramento
das relações capital-trabalho uma vez ao ano. Mais adiante, o artigo 11 estabelece a
possibilidade de, uma vez frustrada a negociação, as partes utilizarem um mediador, inclusive
do Ministério do Trabalho, para estimular uma solução negociada, devendo este fazê-lo no
prazo máximo de 30 dias. E, caso não cheguem a um consenso, será lavrada ata negativa com
as causas motivadoras do conflito e as reivindicações econômicas, documento este que
instruirá a representação para ambas as partes para instauração do dissídio coletivo. Estes
dispositivos foram regulamentados, como prevê a referida Lei, pelo Decreto 1.572/95 e pelas
Portarias do Ministério do Trabalho 817 e 818/95.
Data de 1998 o início do processo legislativo de tramitação junto à Câmara de
Deputados das tentativas de legislar sobre o tema no âmbito de ambas as casas do Parlamento,
com cinco projetos de lei, sendo o primeiro deles, e também o mais debatido na comunidade
de especialistas da área, o Projeto de Lei de autoria da Deputada Zulaiê Cobra Ribeiro. Este
trazia a definição da Mediação como uma atividade técnica exercida por terceira pessoa,
escolhida ou aceita pelas partes interessadas, que as escuta e orienta com o propósito de lhes
permitir que, de modo consensual, previnam ou solucionem conflitos, podendo ser sobre
qualquer matéria que admita conciliação, reconciliação, transação ou acordo de outra ordem,
para os fins que consiste a lei civil ou penal. Permitia que a Mediação pudesse versar sobre
parte ou todo o conflito e possibilitava, também, que o juiz, em qualquer tempo e grau de
jurisdição, buscasse convencer as partes da conveniência de se submeterem à Mediação
extrajudicial ou, com a concordância das mesmas, nomeasse mediador, estabelecendo o prazo
de três meses, prorrogável por mais três, a suspensão dos prazos inerentes aos direitos em
discussão para a tentativa de composição. Relevante rememorar que estes aspectos não foram
esquecidos no referido texto legal em análise, pois a sua essência está contida claramente
nele. Em 2002, o referido Projeto de Lei foi aprovado no plenário da Câmara dos Deputados,
sendo encaminhado ao Senado Federal para a Comissão de Constituição e Justiça, sob a
relatoria do Senador Pedro Simon. Em julho de 2006, o plenário do Senado aprovou um novo
texto, ampliando o conteúdo do texto original de 7 para 47 artigos. E, face às várias emendas
que recebeu, retornou à Câmara dos Deputados.
74
Por outro lado, história diversa teve a Lei 13.105/15, que nasceu de um Anteprojeto de
Lei elaborado por renomados juristas liderados pelo Ministro Luiz Fux em 2010. Tramitou no
Senado inicialmente, onde foi aprovado, sendo levado posteriormente à Câmara dos
Deputados, também sendo aprovado no ano de 2015, com um vacacio legis de 1 ano,
entrando em vigor em março/2016. Na verdade, como sustentam Humberto Dalla Bernardina
de Pinho e Marcelo Mazzola148, a referida Lei é fruto de uma evolução histórica do Processo
Civil, que remonta ao Brasil Colônia, passando pelo Império, República, CPC de 1973 e as
sucessivas reformas processuais durante as décadas de 1990 e de 2000, nos quais “diversos
fatores políticos e sociais influenciaram profundamente esse ramo do direito, fazendo-os
passar por diversas mutações.”
Cabe lembrar que, ao propor ambas as leis, o legislador o fez com base em diversos
objetivos, dentre eles o de incorporar a Mediação como instituto jurídico e legitimar tudo o
que foi desenvolvido anteriormente nos contextos judicial e extrajudicial. Ao mesmo tempo,
ofereceu a continuidade de uma evolução legislativa iniciada, como mencionado, com a
Constituição em vigor. Importante oferecer, também, observações gerais a ambos os textos
legais a partir da linguagem por ambos expressada, por mais que exista o risco apontado por
Paulo de Barros Carvalho149 de interpretação, que segundo o próprio autor significa “atribuir
valores aos símbolos, isto é, adjudicar-lhes significações e, por meio dessas, referências a
objetos”. Apesar de ser a típica realização do espírito humano, não deixa de ser objeto da
cultura, impregnada de valores e conteúdos axiológicos. Tudo isso, como o mesmo autor
aponta, constitui-se na busca do conhecer o direito, que é, na verdade, compreendê-lo,
147
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 97 e 98.
148
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; MAZZOLA, Marcelo. Manual de Mediação e Arbitragem. São
Paulo: Saraiva, 2019. p. 27.
149
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 6ª ed. São Paulo: Noeses, 2015. p. 87
75
Quando se observa a estrutura adotada pelo legislador sobre a Lei 13.140/15, constata-
se a existência de dois Capítulos, sendo o primeiro voltado para conflitos entre particulares e
o segundo voltado para conflitos em que interesses públicos estão em jogo, quando ao menos
um dos envolvidos é agente do poder público. O primeiro possui 31 artigos, sem contar os das
disposições finais, ao todo 8 artigos; o mesmo número dedicado à autocomposição de
conflitos no âmbito da Administração Pública de que trata o Capítulo. Nota-se claramente a
intenção do legislador em introduzir um divisor de águas com relação às matérias a serem
objeto de Mediação e como ela deverá ser operacionalizada a partir de elementos
diferenciados em ambos os contextos. O primeiro, voltado para questões entre particulares,
quer se trate de conflitos entre pessoas jurídicas ou entre físicas e jurídicas ou entre pessoas
físicas. E o segundo, quando se tratar de conflitos, como dito acima, em que um dos usuários
do método seja integrante do poder público, para os quais, além da Mediação, o texto propõe
outros métodos autocompositivos, entretanto sem os nomear. Além disso, quanto às seções do
primeiro capítulo, chama atenção a intenção do legislador com relação à distinção entre a
Mediação judicial e a extrajudicial, bem como o mediador judicial. A primeira, com
regramentos por ela estabelecidos, referendando a prática já em curso, advinda com a
Resolução CNJ 125/2010. A segunda, por seu turno, com mais liberdade, estabelecendo
regras mínimas, como será objeto de análise mais adiante. Convém lembrar, também, que o
referido diploma legal possui um uma seção inteira a tratar da confidencialidade e suas
exceções.
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
150
Logo no primeiro artigo, em seu parágrafo único, está contida a definição da Mediação
como atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, escolhido ou
aceito pelas partes, que as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais
para a controvérsia. Em outra oportunidade, este autor151 observou que se percebem neste
conceito os mesmos parâmetros propostos pelo Projeto de Lei de 1998 mencionado acima,
muito embora algumas modificações tenham sido realizadas, pois se estabelecem os
parâmetros do método no sentido de se constituir uma “atividade promovida por um terceiro
imparcial sem qualquer poder sobre os participantes, que como técnico, deverá estar
devidamente capacitado, para ajudar e incentivar os participantes a identificar ou desenvolver
soluções consensuais”.
Com relação à estrutura da lei, chama atenção que o legislador tenha tentado oferecer
a estrutura para sedimentar sua efetiva realização. Em outras palavras, abordou a figura do
mediador e o processo a ser desenvolvido por e com ele, introduzindo o papel dos
participantes, integrando os três eixos mencionados na primeira parte desta dissertação, a
partir de duas lógicas em que hoje a Mediação entre particulares é utilizada, isto é, o âmbito
judicial e extrajudicial. Para tanto, optou também por apontar o que é geral para ambos os
segmentos. Assim é que aos mediadores é dedicada uma Seção que contêm as disposições que
são comuns a ambos os segmentos, seguidas dos elementos mais específicos ligados ao
ambiente extrajudicial e judicial. A mesma lógica é empregada na Seção dedicada ao
procedimento. Este mesmo raciocínio levou à estruturação da autocomposição de conflitos em
que for parte pessoa jurídica de direito público em duas seções, a primeira de caráter geral e a
segunda seção quando envolver conflitos com a Administração Pública federal direta, suas
autarquias e fundações. Não poderia ser deixado de lado o destaque que é dado à
confidencialidade, que é objeto de uma única Seção, a de número 4, que bem define seu
alcance e, eventualmente, suas exceções, muito embora sintetizados em apenas dois artigos.
Na sequência da definição, optou o legislador em tratar da Mediação de maneira
genérica no Capítulo 1º, com o objetivo de abarcar o método como um todo, apresentando os
parâmetros em que ela deve ser desenvolvida no território nacional, a partir de seus
151
BRAGA NETO, Adolfo. Mediação de Conflitos: Conceito e Técnicas. In: SALLES, Carlos Alberto de;
LORENCINI, Marco Antonio Garcia Lopes; ALVES DA SILVA, Paulo Eduardo (org.). Negociação, Mediação,
Conciliação e Arbitragem – Curso de Métodos Adequados de Solução de Controvérsias. 3ª Ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. p. 159.
77
princípios, seu objeto, seu limite e obrigatória aplicabilidade quando prevista em um contrato,
podendo tratar sobre todo o conflito ou parte dele, conforme § 1º do artigo 3.º. Em outras
palavras, como ressaltam Bárbara Bueno Brandão, Eduardo Braga Bacal e Marcela Rodrigues
Souza Figueiredo152, estes artigos conferiram “sistematização por meio de um conjunto de
regras e princípios” que a norteiam, bem como “delimitar as matérias que dela podem ser
objeto. Daí se extrai que os referidos dispositivos, de alcance mais geral são fundamentais
para uma compreensão de todo o texto normativo”.
Com relação aos princípios, foram eleitos nove, muito embora existam outros, os quais
foram elencados no artigo 2º, muitos deles mais compreensíveis como conduta ideal a ser
desenvolvida pelo mediador do que propriamente princípios da atividade. De qualquer
maneira são eles:
1. Imparcialidade do mediador, entendida, dentre outros conceitos, como pressuposto
de sua atuação antes e durante a Mediação com a inexistência de qualquer conflito de
interesses capaz de afetar o procedimento, devendo compreender a realidade dos
mediados, sem que nenhum paradigma, preconceito ou valores pessoais venham a
interferir em sua intervenção;
2. Isonomia entre as partes, compreendida no sentido do tratamento igualitário a ser
oferecido aos participantes da Mediação, inclusive com relação às oportunidades que
também deverão ser igualitárias;
3. Oralidade, percebida que certos atos devem ser praticados oralmente, recomendando
a prevalência da palavra falada em relação à escrita. Na verdade, é onde a Mediação se
estrutura, pois sem o diálogo entre os participantes não será possível sua existência e
muito menos sua continuidade, mesmo que sejam realizadas reuniões individuais;
4. Informalidade, significa a dispensa de requisitos formais sempre que a ausência não
incorrer em prejuízo, assim como a flexibilidade no desenvolvimento do
procedimento, levando-se em consideração a complexidade inerente ao conflito e a
individualidade dos participantes;
5. Autonomia da vontade das partes, percebida como a garantia da voluntariedade, o
poder que as pessoas têm em optar pela participação na Mediação ao conhecê-la,
152
BRANDÃO, Bárbara Bueno; BACAL, Eduardo Braga; FIGUEIREDO, Marcela Rodrigues Souza. Das
Disposições Gerais sobre a Mediação de Conflitos na Lei 13.140/2015. In: PELAJO, Samantha, FIGUEIREDO,
Marcela Rodrigues Souza; MIRANDA NETTO, Fernando Gama; LIMA, Fernando Souza e. Comentários à Lei
de Mediação – Estudos em Homenagem aos 10 anos da Comissão de Mediação de Conflitos da OAB-RJ. Rio de
Janeiro: Processo, 2019. p. 25
78
Quanto a este tema, cabe trazer à análise a prática da Mediação extrajudicial no âmbito
institucional brasileiro. Renomadas instituições administradoras de procedimentos de
arbitragem e outros métodos de resolução de conflitos, como o CAM-CCCBC – Centro de
Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil Canadá153 adotaram em seus
regulamentos a prática da pré-Mediação ou reunião prévia com os possíveis participantes do
procedimento, em que são esclarecidos aspectos importantes do método e de como será
desenvolvido naquela instituição. Assim como esta instituição, outras como CAMARB154,
Câmara de Mediação e Arbitragem da Fiesp/Ciesp155 acabaram por optar pela inclusão desse
momento com o objetivo de melhor esclarecer os objetivos e alcance da Mediação e,
sobretudo, o seu funcionamento naquela instituição. O referido momento inicial, não
considerado por muitos autores como parte do procedimento por ser prévio e preparatório, é
realizado por profissional da instituição, que apresenta o método lá desenvolvido e sua lista de
mediadores para efeito de escolha. Importante seria notar que este momento não pode ser
considerado como o previsto como a primeira reunião obrigatória do §1º do referido artigo,
por vários motivos. Dentre eles, destaca-se o fato de os participantes não estarem com o
mediador escolhido (na verdade, isso ocorrerá na sequência). Ou mesmo por se tratar de
momento prévio e esclarecedor do procedimento que não envolve tomada de decisão com
relação ao conteúdo, mas, sim, com relação ao próprio método e sua adequação ao caso
concreto. Nesse sentido, deve-se de imediato fazer um alerta com relação ao cumprimento do
previsto neste parágrafo, pois a obrigatoriedade não é cumprida com a reunião pré-Mediação,
ou reunião preparatória, mas com a instalação da Mediação a partir da nomeação e do aceite
do mediador ao caso concreto. Este alerta vale especialmente para as instituições que vêm
utilizando esse momento preparatório, sobretudo como marca de qualidade dos serviços
prestados.
Ainda quanto ao mesmo Capítulo, o último artigo, o 3º, aponta no seu caput os limites
com relação à matéria objeto da Mediação, determinando que deverá ser restrita a direitos
disponíveis. Esta limitação não é absoluta, pois o §2º permite que, diante do consenso dos
153
FORBES, Carlos Suplicy de Figueiredo. Mediação Empresarial: a experiência institucional no CAM-CCBC.
In: BRAGA NETO, Adolfo (org.). Mediação Empresarial – experiências brasileiras. São Paulo: CLA, 2019. p.
198. Importante notar que o referido autor, ao mencionar a prática desde sempre da reunião prévia no CAM-
CCBC, salienta o quanto a iniciativa foi coroada de enorme sucesso, pois permite que as partes formulem
perguntas, indaguem sobre a instituição, sua infraestrutura, suas regras internas, custos e outros detalhes sobre a
mediação lá desenvolvida, proporcionando enorme ganho de tempo aos participantes.
154
Disponível em: www.camarb.com.br. Acesso em 13 mar. 2020.
155
Disponível em: www.camaradearbitragemsp.org.br. Acesso em 13 mar. 2020.
80
2.1.2 O Mediador
156
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civis. 2 Ed. São Paulo: Forense, 2015. p. 271.
81
protagonizar a condução de seus rumos de forma não competitiva. Mediar constitui uma
tarefa complexa que demanda preparo, sensibilidade e habilidades”.
A propósito destes terceiros imparciais e independentes, importante ressaltar que o
mediador, seja extrajudicial ou judicial, está equiparado ao juiz nos casos de suspeição,
conforme estabelece o artigo 5º, e da mesma forma é equiparado ao servidor público para
efeitos da legislação penal, na conformidade do artigo 6º, sendo incluídos neste aspecto seus
eventuais assessores que com ele participarem do procedimento.
Ainda com relação ao mediador no âmbito extrajudicial e judicial, é vedada a
possibilidade de prestar qualquer tipo de serviço, na qualidade de assessor, representante ou
patrocinador de qualquer das partes, durante um ano após finda última reunião do
procedimento de Mediação. E também é vedada a ele, conforme o artigo 6º, a possibilidade de
atuar como árbitro em conflito em que já atuou como mediador, preceito respaldado pela
doutrina nacional que também direciona no mesmo sentido de impedimento de ser testemunha
em processos posteriores, conforme artigo 7.º do texto legal ora em foco. Com estes preceitos,
mais uma vez se consagram os Códigos Deontológicos brasileiros acima mencionados.
Os dois artigos seguintes, o 9.º e o 10, tratam do mediador extrajudicial, que pode ser
qualquer pessoa que tenha a confiança dos participantes, capacitada para mediar, ligada ou
não a qualquer instituição. O legislador optou pela realização da Mediação extrajudicial
institucional, bem como fora de uma instituição. Deixou, entretanto, de esclarecer no que
consiste a capacitação. A propósito da capacitação, há que se fazer referência à prática nas
instituições nacionais, que apontam para as regras do FONAME e CONIMA, que a propõem
em duas etapas. “A primeira se refere à imprescindível participação e conclusão em um Curso
teórico/prático de no mínimo 80 horas nos parâmetros ditados pelo Foname/Conima. A
segunda, por seu turno, trata-se da prática supervisionada de casos reais, também com no
mínimo 80 horas, conforme os parâmetros acima apontados”157. Seriam, em outras palavras,
os estágios supervisionados com o acompanhamento e monitoramento permanente de
mediadores com mais experiência que se qualificaram ao longo de sua trajetória na Mediação
na função de supervisores. Evidentemente, o profissional dedicado à Mediação não deve parar
por aí. Esse é o mínimo para poder se auto-observar com mais propriedade e segurança na
função de mediador, mas só será legitimado pelas pessoas quando for por elas nomeado e
reconhecido como tal durante todo o processo. Além disso, o estudo permanente da Mediação
157
Disponível em: www.conima.org.br e www.foname.com.br link CAPACITAÇÃO. Acesso em: 13 mar.
2020.
82
poderá de alguma maneira preencher lacuna deixada por mais horas de prática a fim de
garantir maior qualidade ao profissional. Tudo isso se faz necessário para que o mediador
acolha melhor os participantes e proporcione nos seus serviços parâmetros mencionados
acima. Com isso, o mediador, a partir da continuidade de seus estudos, além de melhor se
estruturar e se desenvolver para ajudar as pessoas, poderá, se o desejar, integrar uma carreira,
em que os próximos passos consistiriam em se tornar um supervisor de futuros mediadores e,
posteriormente, professor em Mediação, ministrando o ensino da Mediação de conflitos e
capacitando profissionais. Este último degrau, é o “nível mais alto da arte e da ciência da
atividade”, segundo Gladys Álvarez158.
O artigo 10 faculta aos participantes a possibilidade de estarem acompanhados de
advogados ou defensores públicos, o que na verdade reforça a autonomia da vontade com
relação ao procedimento, em que não estariam sujeitos a eventuais orientações ou inclinações
de seus representantes legais. Mas o parágrafo único determina, claramente, que, se uma das
partes estiver acompanhada de um deles, deverá o mediador parar o procedimento e requerer
que a outra parte esteja devidamente acompanhada. Um dever ético agregado pela lei ao
mediador: o de ver de cessar o processo para que todos estejam representados.
Nos três artigos seguintes, o legislador se dedicou a traçar os parâmetros para o
mediador judicial, que poderá ser qualquer profissional com nível superior, graduado em
faculdade reconhecida pelo Ministério da Educação com no mínimo dois anos de graduação e
devidamente capacitado por escola de formação em Mediação reconhecida pela Enfam –
Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, observadas as regras do
CNJ – Conselho Nacional de Justiça, em conjunto com o Ministério da Justiça. A propósito
deste tema, importante lembrar que os eixos da capacitação no âmbito extrajudicial são
observados também no âmbito judicial, muito embora em uma proporção talvez menor,
conforme a Resolução 125/2010 e suas emendas de 2013 e 2015.
O artigo seguinte, o 12, determina que os Tribunais Estaduais deverão possuir um
cadastro atualizado de mediadores habilitados e autorizados e realizar mediações judiciais,
sendo possível o requerimento do interessado na área e Tribunal em que pretende exercer sua
atividade. O mesmo artigo determina que cabe aos tribunais estabelecer as regras de
158
ÁLVAREZ, Gladys Stella. Ser um mestre em mediação. In: CASELLA, Paulo Borba; MOESSA, Luciane de
Souza (coord.). Mediação de conflitos: novo paradigma de acesso à Justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p.
89.
83
cadastramento e descadastramento, assim como o pagamento dos seus serviços desde que os
participantes do processo não estejam sob a proteção da assistência jurídica gratuita.
Diante dos elementos novos ou já conhecidos da atividade no dia a dia da prática
brasileira, tanto judicial, quanto extrajudicial (institucional ou não), a redação desta subseção
denota uma opção realizada pelo legislador no sentido de referendá-la, consagrando a escolha
pelo mediador facilitativo. Em outras palavras, o texto legal em comento oferece uma opção
clara em termos da atuação do mediador pela vertente de facilitador do diálogo, primando por
esforço no sentido de priorizar a autonomia plena das vontades daqueles que dela
participaram, participam e participarão. Ao mesmo tempo, respalda de maneira incontroversa
os Códigos de Ética já mencionados, inclusive o da Resolução CNJ 125/2010 e sua emenda
de 2013, muito embora permita que ele ofereça proposta de acordo conforme o dispositivo
que trata da confidencialidade, a ser comentado mais adiante no inc. III do § 1.º do artigo 30.
Ao se fazer uma leitura prima facie da Seção III que trata do procedimento de
Mediação, constata-se que o legislador, com relação ao procedimento, consagrou, mais uma
vez, a prática hoje desenvolvida no País. Por isso, de imediato, o artigo 14 estabelece como
dever do mediador o de lembrar da confidencialidade do procedimento, muito embora na
seção seguinte aponte as possíveis exceções facilmente identificáveis, como será descrito
mais adiante. A observação acima se constata na redação do artigo 15, que estabelece a
possibilidade de ser adotada a comediação, quando se tratar de questões complexas ou a
própria natureza do conflito assim o exigir, a partir da recomendação do mediador ou mesmo
dos participantes, podendo se efetivar caso houver consenso neste sentido.
Além disso, cada vez mais se observa uma tendência de processos judiciais ou
arbitrais serem interrompidos para que os participantes possam tentar uma composição entre
eles. O artigo 16 determina que, se as partes desejarem, tentar deverão solicitar ao juiz ou ao
árbitro a suspensão do processo, que poderá ser em tempo suficiente para a tentativa de
solução consensual. E seus parágrafos determinam: o primeiro, a impossibilidade de recurso
da decisão de deferimento para a tentativa de composição; e o segundo, que mesmo a
suspensão do processo não inviabiliza as possíveis medidas de urgência, as quais poderão ser
tomadas tanto pelo juiz quanto pelos árbitros se solicitadas. Já o artigo 17 determina
claramente o momento da instalação da Mediação, que é a data em que foi marcada a primeira
reunião de Mediação. Este artigo deve ser lido em conjunto com § 1.º do artigo 2.º já
84
comentado, que obriga à realização da primeira reunião de Mediação, quando de sua previsão
contratual, determinando com sua instalação a interrupção da prescrição, conforme o
parágrafo único do mesmo artigo.
Quem já conhece na prática a Mediação de conflitos no Brasil consideraria óbvia a
previsão contida no artigo 18, que estabelece que as reuniões posteriores à primeira só
ocorrerão se houver consenso de sua realização pelos participantes. Na verdade, o legislador
confirmou com este artigo as determinantes de conduta do mediador no sentido de buscar o
consenso com relação ao processo e, claro, com relação a seus honorários, que serão devidos
se o procedimento tiver sua continuidade. Este mesmo raciocínio deve ser levado em conta
com relação ao artigo 19, que permite ao mediador realizar reuniões conjuntas ou separadas e
também solicitar quantas informações sejam necessárias, já que a matéria-prima da atividade
é a informação devidamente escutada, compreendida e reconhecida.
Quanto ao encerramento da Mediação, deverá ser formal com a elaboração de um
acordo que, segundo o parágrafo único do artigo 20, é título executivo extrajudicial e, se
homologado, se transforma em título executivo judicial. Ao mesmo tempo e no mesmo artigo,
a previsão legal determina que o procedimento poderá ser encerrado com uma simples
declaração de um ou dos mediandos ou do mediador que declarem não haverem alcançado a
solução. Todas estas previsões são na verdade a prática comum em território brasileiro.
Com relação à subseção referente à Mediação extrajudicial, são oferecidos elementos
inovadores em termos jurídicos, mais ligados à perspectiva de promoção de maior segurança
jurídica para efetiva instalação e desenvolvimento da Mediação. Por isso, num primeiro
momento, o artigo 21 indica os possíveis meios de comunicação para iniciar o procedimento,
podendo ser qualquer um, o que significa dizer qualquer forma que permita trazer a
informação da intenção de um eventual futuro participante com relação a outro no sentido de
iniciar a Mediação. Exige, no entanto, que o convite deva conter o escopo da Mediação, data e
local da primeira reunião, sendo considerado rejeitado se no prazo de 30 dias não houver
resposta.
Na sequência, o artigo 22 elenca os requisitos mínimos que deverá conter a previsão
contratual da Mediação (vide transcrição logo a seguir), podendo ser substituído pela
indicação de um regulamento de uma instituição idônea de prestação de serviços de Mediação
que constem critérios claros de escolha do mediador e realização da primeira reunião
conforme o § 1º.
Os requisitos acima apontados são:
85
Por outro lado, o mesmo artigo, em seu § 2º, estabelece que na hipótese da previsão
contratual não ser completa, outros requisitos devem ser observados com relação à realização
da primeira reunião de Mediação, a saber:
1) prazo mínimo de 10 dias úteis e prazo máximo de três meses, contado a partir do
recebimento do convite;
2) local adequado a uma reunião que possa envolver informações confidenciais;
3) lista de cinco nomes, informações de contato e referências profissionais de
mediadores capacitados; a parte convidada poderá escolher, expressamente,
qualquer um dos cinco mediadores e, caso a parte convidada não se manifeste,
considerar-se-á aceito o primeiro nome da lista, e
4) o não comparecimento da parte convidada à primeira reunião de mediação
acarretará a assunção por parte desta de 50% das custas e honorários sucumbenciais
caso venha a ser vencedora em procedimento arbitral ou judicial posterior, que
envolva o escopo da mediação para a qual foi convidada.
Todas as previsões legais indicadas acima trazem em seu bojo a preocupação com a
efetivação do método, no sentido de ultrapassar descuidos com a elaboração de uma cláusula
de Mediação em um contrato. Dotá-la de devida força para a instalação do procedimento e ao
mesmo tempo promover um cenário que proporcione, pelo menos inicialmente, o diálogo, que
poderá existir em situações imprevistas. Mais uma vez, a experiência com a arbitragem no
País, sobretudo com relação a redação de cláusulas conhecidas como vazias, foi a inspiração
destes preceitos, que são muito claros.
Já com relação à subseção III, que trata da Mediação judicial, o artigo 24 respalda as
determinações da Resolução CNJ 125/2010 e suas emendas, no sentido de os Tribunais
criarem centros judiciários de solução consensual de conflitos, onde serão desenvolvidos os
procedimentos de Mediação pré e processuais, sendo também responsáveis pelo
desenvolvimento de programas voltados para autocomposição. O artigo 25 estabelece que os
mediadores judiciais estão sujeitos à aceitação das partes e estarão sujeitos aos crimes de
servidores públicos. O artigo 26 determina que as partes devem estar acompanhadas de
advogados ou defensores públicos quando estiverem nas condições exigidas pela assistência
jurídica gratuita.
O artigo 27 determina a obrigatoriedade da designação pelo juiz da Mediação, assim
que aceito o pedido baseado na petição inicial devidamente considerada apta a produzir seus
efeitos jurídicos, devendo o procedimento ser concluído no prazo de 60 dias contados da
86
primeira reunião, conforme previsão do artigo 28. Importante enfatizar estas determinações,
que apontam mais uma vez a obrigatoriedade de as partes comparecerem, pelo menos na
primeira reunião, devendo ser observado nas disposições gerais já comentadas que valem para
toda e qualquer Mediação, seja no âmbito judicial ou extrajudicial. E, por fim, solucionado o
conflito pela Mediação, o juiz homologará por sentença, determinando o arquivamento do
processo e caso seja antes da citação do réu, não sendo devidas as custas judiciais finais,
conforme os artigos 28 parágrafo único e artigo 29.
2.1.4 A Confidencialidade
159
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2018. p. 100.
160
BAYER, Sandra Regina Garcia Olivan. Mediação de Conflitos Familiares. In: NASCIMBENI, Asdrubal
Franco; BERTASI, Maria Odete Duque; RANZOLIN, Ricardo Borges (org.). Temas de Mediação e Arbitragem.
São Paulo: Lex, 2017. p. 293.
87
seção própria. Nesse sentido, cabe lembrar o que Humberto Dalla Bernardini de Pinho e
Marcelo Mazzola161 destacam;
sem a confidencialidade, a mediação não alcançaria todo o seu potencial, não atrairia
tanto interesse e impediria a maximização dos resultados. Sim porque os mediandos
não se sentiriam tão à vontade para um diálogo aberto e para revelarem
preocupações, incertezas, desconfortos e, principalmente, seus interesses. Nesse
contexto, a confidencialidade é uma espécie de antídoto contra o medo – justificável
– de que algo revelado na mediação possa ser usado desfavoravelmente
161
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; MAZZOLA, Marcelo. Manual de Mediação e Arbitragem. São
Paulo: Saraiva, 2019. p.138.
162
Lei 13140/15 – Seção IV
Da Confidencialidade e suas Exceções
Art. 30. Toda e qualquer informação relativa ao procedimento de mediação será confidencial em relação a
terceiros, não podendo ser revelada sequer em processo arbitral ou judicial salvo se as partes expressamente
decidirem de forma diversa ou quando sua divulgação for exigida por lei ou necessária para cumprimento de
acordo obtido pela mediação.
§ 1º O dever de confidencialidade aplica-se ao mediador, às partes, a seus prepostos, advogados, assessores
técnicos e a outras pessoas de sua confiança que tenham, direta ou indiretamente, participado do procedimento
de mediação, alcançando:
I - declaração, opinião, sugestão, promessa ou proposta formulada por uma parte à outra na busca de
entendimento para o conflito;
II - reconhecimento de fato por qualquer das partes no curso do procedimento de mediação;
III - manifestação de aceitação de proposta de acordo apresentada pelo mediador;
IV - documento preparado unicamente para os fins do procedimento de mediação.
§ 2º A prova apresentada em desacordo com o disposto neste artigo não será admitida em processo arbitral ou
judicial.
§ 3º Não está abrigada pela regra de confidencialidade a informação relativa à ocorrência de crime de ação
pública.
§ 4º A regra da confidencialidade não afasta o dever de as pessoas discriminadas no caput prestarem informações
à administração tributária após o termo final da mediação, aplicando-se aos seus servidores a obrigação de
manterem sigilo das informações compartilhadas nos termos do art. 198 da Lei 5172/66 – CTN - Código
Tributário Nacional.
88
notas de rodapé, dada sua importância). Evidentemente, estes parâmetros poderão ser objeto
de tratamento diferenciado quando um dos participantes for órgão público, pois nesta área a
transparência das decisões é o pressuposto de sua própria participação e, claro, aceitação. Este
tema merece uma análise mais atenta e será objeto de observações, quando for trazido ao
presente texto o Princípio da Publicidade no âmbito da Administração Pública (item 3.5 da
Parte III Administração Pública – Alguns Aspectos), dado o já reforçado caráter flexível da
Mediação, que se adequa a qualquer contexto a partir dos requisitos apresentados pelos
participantes.
Art. 31. Será confidencial a informação prestada por uma parte em sessão privada, não podendo o mediador
revelá-la às demais, exceto se expressamente autorizado.
163
ASSED, Alexandre; SANTANNA, Ana Carolina Squadri; CARNEIRO, Mônica. As Câmaras de Prevenção e
Resolução de Conflitos – Primeiras Reflexões. In PELAJO, Samantha; FIGUEIREDO, Marcela Rodrigues
Souza; MIRANDA NETTO, Fernando Gama; LIMA, Fernando Souza e. Comentários à Lei de Mediação –
Estudos em Homenagem aos 10 anos da Comissão de Mediação de Conflitos da OAB-RJ. Rio de Janeiro:
Processo, 2019. p. 244.
89
O mesmo Capítulo, mas na seção II, que versa restritamente sobre conflitos que
envolvam a Administração Pública Federal direta, suas autarquias e fundações, permite, no
artigo 35, que as controvérsias daqueles entes sejam objeto de transação por adesão com
fundamento na autorização do Advogado-Geral da União com base na jurisprudência pacífica
do STF ou demais tribunais superiores, seu parecer aprovado pela Presidência da República.
Os demais artigos indicam elementos de como deverão proceder e os reflexos que a transação
proporcionará. Ao mesmo tempo, oferecem elementos que sustentam juridicamente a escolha
do método e até mesmo determinam que um processo judicial entre órgãos e entidades de
direito público que integram a Administração Pública Federal só poderá ser intentado caso
tiver a autorização da Advocacia Geral da União (artigo 39). Em suma, mais incentivos, como
dito anteriormente, para a prática da Mediação no âmbito público, muito embora seja pequeno
o conhecimento do tema na área pública.
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. 7ª Ed. São
164
Como acréscimo aos incentivos acima mencionados, destaca-se o artigo 40, que
determina a possibilidade de servidores e empregados públicos, ao participarem de processos
de composição extrajudicial, serem responsabilizados civil, administrativa ou criminalmente,
somente quando, por dolo ou fraude, receberem vantagem patrimonial indevida ou ainda
permitirem, facilitarem ou concorrerem sua recepção por terceiro. Como sustentam Humberto
Dalla Bernardina de Pinho e Marcelo Mazzola165, com esta previsão,
cria-se uma regra intermediária. Não custa lembrar que o artigo 37 da Constituição
de 1988 traz norma genérica sobre a temática da responsabilização dos servidores
públicos no seu inciso 6º, que assim dispõe:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa.
Por outro lado, o Código de Processo Civil, ao tratar dos Advogados Públicos,
uniformiza o regramento atinente à responsabilidade dos atores processuais
(promotores, defensores e advogados). Assim o artigo 184 regulamenta a
responsabilidade civil do membro da Advocacia Pública, dispondo que o agente
responde de forma regressiva, quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas
funções. Dessa forma, não é difícil concluir que o principal objetivo do legislador
foi buscar uma regra que se posicionasse mais próxima ao Código de Processo Civil.
Em outras palavras, se houver apenas culpa, ou mesmo se o meio de resolução
consensual não resolver o conflito, essas pessoas não podem ser responsabilizadas
pelo fracasso.
165
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; MAZZOLA, Marcelo. Manual de Mediação e Arbitragem. São
Paulo: Saraiva, 2019 p. 180.
91
mediadores. Além disso, prevê a interpretação ampliada do texto, ao dispor, no seu artigo 42,
que poderá ser aplicada no que couber a outras formas consensuais de resolução de conflitos,
como, por exemplo, o contexto comunitário ou o escolar. Chama a atenção para a exclusão
dos conflitos nas relações capital-trabalho, posto considerar necessária uma lei própria,
conforme o parágrafo único do mesmo artigo. Oferece a possibilidade de os órgãos públicos
possuírem câmaras para resolução de conflitos entre particulares que versem sobre atividades
por eles reguladas ou supervisionadas, conforme o artigo 48. Já os artigos subsequentes
tratam de alterações de leis na área pública que necessitam se adequar aos parâmetros ditados
por este texto. Faz referência, no artigo 46, à já existente prática da Mediação pela internet ou
por outro meio de comunicação à distância, preservando-se o princípio da autonomia da
vontade e, por fim, faculta às pessoas domiciliadas em outros países a utilização da Mediação
nela previstos.
De maneira geral, encerram-se aqui as considerações gerais sobre a Lei 13.140/15,
lembrando que se retornará a ela quando se tratar da Administração Pública. Passo seguinte é
tecer algumas observações sobre o Código de Processo Civil, que como mencionado
anteriormente, tanto trata da Mediação, quanto da Mediação no contexto público.
Antes de oferecer as reflexões mencionadas no título deste item, vale lembrar José
Carlos de Mello Dias166, que esclarece ter a instituição da Mediação, ao ser incluída no
processo judicial, o objetivo de “transformar a cultura do litigio”, sendo o único caminho a ser
perseguido para uma verdadeira reforma da política judiciária no Brasil, sem a qual, apesar de
todos os esforços de simplificação do processo, não chegará jamais a minimizar a
litigiosidade. Já Antônio Rodrigues de Freitas Junior167 enaltece que não pensa “o processo de
Mediação enquanto modelo ideal-típico para os assim chamados meios alternativos de
solução de conflitos, como terapêutica devotada ao enfrentamento da presente crise do
Judiciário, sabidamente grave e preocupante no Brasil como em muitos outros países”. Na
166
DIAS, José Carlos de Mello. A Mediação vista como forma de pacificação de conflitos. In: SALLES, Carlos
Alberto de (coord.). As Grandes Transformações do Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
p. 577.
167
FREITAS JR., Antonio Rodrigues de. Conflitos de Justiça e Limites da Mediação para a Difusão da Cultura
da Paz. In: SALLES, Carlos Alberto de (coord.). As Grandes Transformações do Processo Civil Brasileiro. São
Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 510.
92
mesma linha Marco Antonio Garcia Lopes Lorencini168 pondera que “apresentar os meios
alternativos como caminho para resolver a crise do Poder Judiciário é um equívoco, embora a
sua adoção com maior ênfase no cenário brasileiro constitua uma contribuição valiosa”.
Fernanda Tartuce, por seu turno, salienta que
na seara judicial e no plano normativo a priorização de chances para entabular
acordos vem se intensificando ao longo dos anos. O Código de Processo Civil em
vigor confirma essa tendência ao contemplar muitas regras sobre o fomento a meios
consensuais de abordagem de conflitos. Sob a perspectiva numérica, eis as
ocorrências: a mediação é mencionada em 39 dispositivos, a conciliação aparece em
37, a autocomposição é referida em 20 e a solução consensual consta em 7, o que
totaliza 103 previsões169.
Na mesma linha, Daniela Monteiro Gabbay170 ressalta: “na relação entre processo e a
mediação, a identidade (processual e funcional) da mediação precisa ser assegurada para que
esta relação ocorra de forma equilibrada, tendo por base um círculo virtuoso existente entre
Judiciário e as formas alternativas de solução de conflitos”. Por isso, não é por acaso que o
artigo 139 determina que compete ao Juiz, a qualquer tempo promover:
a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores
judiciais.
168
LORENCINI, Marco Antonio Garcia Lopes. A Contribuição dos Meios Alternativos de Solução de
Controvérsias. In: SALLES, Carlos Alberto de (coord.). As Grandes Transformações do Processo Civil
Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 600.
169
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civis. 2. Ed. São Paulo: Forense, 2015. p. 329.
170
GABBAY, Daniela Monteiro. Mediação & Judiciário no Brasil e nos EUA – Condições, Desafios e Limites
para a institucionalização da Mediação no Judiciário. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 13.
93
conflitos que ocorrem na sociedade”.171 Por isso, Humberto Dalla Bernardina de Pinho e
Marcelo Mazzola172 assinalam que o legislador, ao incluir o referido título, promoveu
verdadeira releitura do princípio da inafastabilidade da jurisdição. E concluem: “com efeito, o
CPC se preocupou com a atividade de conciliação e mediação realizadas judicialmente, sem
prejuízo da possibilidade de esses mecanismos serem utilizados previamente ao processo” ou,
ainda, de outros meios de solução de conflitos escolhidos pelos interessados (artigo 175), que
será objeto de outros comentários mais adiante.
No Título IV – Do Juiz e dos Auxiliares da Justiça, logo no Capítulo I – Dos poderes,
dos deveres e da responsabilidade do Juiz, determina a incumbência de, além de dirigir
processo na conformidade da referida lei, velar pela duração razoável do processo e
promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com o auxílio de
conciliadores e mediadores judiciais. Importante enfatizar que foi criada outra função ao juiz
a possibilidade estimular a Mediação e a conciliação e a qualquer tempo, como mencionado
anteriormente (artigo 139, V). Ainda no mesmo Título, mas no Capítulo III que trata dos
auxiliares do poder judiciários, os mediadores e conciliadores passaram a possuir o referido
status. A intenção do legislador foi a de incluí-los na lista de que fazem parte os auxiliares do
Poder Judiciário, entre eles os tradicionais: o escrivão, o chefe de secretaria, o oficial de
Justiça, o perito, o depositário, o administrador, o intérprete, o tradutor, o mediador, o
conciliador judicial, o partidor, o distribuidor, o contabilista e o regulador de avarias.
No mesmo Capítulo, porém em Seção própria, a de número V – Dos Conciliadores e
Mediadores, mais especificamente dos artigos 165 ao 175, a referida lei estabelece que os
Tribunais criarão centros judiciários de solução consensuais de conflitos, sendo responsáveis
pela realização de sessões e audiências de conciliação e Mediação, bem como programas
destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição, com observação das normas já
existentes do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Nota-se que a preocupação do legislador
se une à do legislador do Marco Legal da Mediação, pois ambos reforçam o que já na prática
existia no contexto judicial, os institutos da Mediação e da conciliação serem pautados pelos
princípios da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da
informalidade e da decisão informada (artigo 166).
171
WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para Tratamento Adequado dos
Conflitos de Interesses. In: PELUSO, Antonio Cezar; RICHA, Morgana (coord.). Conciliação e Mediação:
Estruturação da Política Judiciária Nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 4.
172
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; MAZZOLA, Marcelo. Manual de Mediação e Arbitragem. São
Paulo: Saraiva, 2019 p. 38.
94
permite a admissão de produção antecipada de prova, quando esta for suscetível de viabilizar
a autocomposição. E o artigo 515 considera título executivo judicial a decisão homologatória
de autocomposição judicial, bem como a extrajudicial de qualquer natureza. Sobre este
aspecto cabe lembrar o artigo 784, que lista os títulos extrajudiciais, dentre eles o instrumento
de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia
Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por
Tribunal.
O artigo 565 determina que o juiz deve designar Mediação, quando se tratar de
conflito coletivo relativo a posse de imóvel, quando houver esbulho ou turbação há mais de
um ano. Nota-se a intenção do legislador em prestigiar o instituto em conflitos de uma
coletividade para que possa desenvolver soluções mais céleres e criativas. Nesse sentido,
Amanda Hollercach e Bruno Rego173 esclarecem que, nos conflitos coletivos de posse e
propriedade, a opção pela inclusão da Mediação “é inegavelmente, uma proposta de
abordagem para lidar com remoções e despejos, evitando violações aos direitos humanos,
além de ter destacado a necessária troca de experiências e estabelecimento de estratégias entre
os órgãos públicos, para difusão destes instrumentos”.
O artigo 694 e seguintes estabelecem que, nas ações de família, todos os esforços
serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do
auxílio de mediadores e conciliadores para as reuniões, não importando o número. A
determinação vale para todo processo, porém há um estímulo mais reforçado no início do
processo. Seu parágrafo único permite que, mediante pedido dos conflitantes, o juiz suspenda
o processo para uma Mediação extrajudicial ou um atendimento multidisciplinar. Neste
aspecto, estabelece-se claramente que só será realizada Mediação para área de família e/ou
práticas colaborativas. Sobre estes dispositivos relativos ao Direito de Família, vale lembrar
Evandro Souza e Lima e Samantha Pelajo174, que enaltecem ter sido o legislador processual
peremptório ao prever o norteador da consensualidade para os conflitos familiares, atendendo
aos parâmetros constitucionais. E esclarecem que se percebe, nitidamente, que “a mens legis é
a de se evitar, na máxima e melhor medida do possível, a abordagem adversarial das
173
HOLLERCACH, Amanda Torres; REGO, Bruno de Moraes. A Mediação aplicada aos litígios coletivos sobre
a posse de imóvel: considerações sobre o artigo 565 o do Novo Código de Processo Civil. In: ALMEIDA, Diogo
Assumpção Rezende de; PANTOJA, Fernanda Medina; PELAJO, Samantha (coord.) A Mediação no Novo
Código de Processo Civil. 2 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 250 e 251.
174
PELAJO, Samantha; LIMA, Evandro Souza e. A mediação nas ações de Família. In: ALMEIDA, Diogo
Assumpção Rezende de; PANTOJA, Fernanda Medina; PELAJO, Samantha (coord.) A Mediação no Novo
Código de Processo Civil. 2 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 224 e 226.
96
pretensões resistidas”. Reforçam ainda que, ao afirmar que todos os esforços serão envidados
para a obtenção da solução consensual da controvérsia, o legislador processual está, na
verdade, empoderando os jurisdicionados, tornando-os novamente protagonistas de suas
próprias vidas, num exercício cívico responsável. Esse é um passo importante a caminho da
construção de uma nova cultura: de resolução consensual, quiçá extrajudicial, dos conflitos de
interesses, pois poderá o juiz, também, determinar que o processo seja suspenso para que a
Mediação além da judicial (extrajudicialmente) se realize.
Esse mesmo raciocínio de incentivo à busca constante do consenso entre os litigantes
se aplica ao artigo 932, I, que elenca incumbências ao relator quando o processo estiver em
qualquer instância, dentre elas a de homologar eventual acordo. Antônio Carlos Ozório
Nunes175 complementa que
mesmo havendo sentença e, em caso de recurso, o relator do processo busque levar
as partes aos caminhos da autocomposição, que deverá ser conduzida pelo próprio
Núcleo de Conciliação e Mediação da segunda instância, se houver, ou pelo
CEJUSC ou o Juízo relacionado à Vara de origem daquele caso.
175
NUNES, Antônio Carlos Ozório. Manual de Mediação – Guia Prático da Autocomposição. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016. p. 92.
176
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2018. p. 61.
97
Acrescenta a referida autora que tais dispositivos colidem em alguns aspectos quanto
ao previsto no artigo 32 da Lei 13140/15, cuja determinação vem de forma facultativa
representada pela expressão “poderão”. Por isso, a mesma autora178 conclui que “tal situação
está a indicar um conflito aparente de normas que Grinover sinaliza ser resolvido pelo critério
de especialidade, devendo em caso de colidência prevalecer” esta última, que muito embora
tenha vigência anterior ao CPC, é norma especial.
Impende observar que a situação acima também se repete em outros dispositivos de
ambas as leis, motivo pelo qual se faz necessário apresentar breves ponderações sobre alguns
conflitos entre ambos.
177
NEIVA, Geisa Rosignoli. Conciliação e Mediação pela Administração Pública. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2019. p. 41.
178
Idem. p 41. Importa observar que autora faz referência a um artigo de Ada Pellegrini Grinover que esclarece
de maneira definitiva eventual dúvida a respeito destas disposições. (GRINOVER, Ada Pellegrini. O
minissistema brasileiro de justiça consensual compatibilidade e incompatibilidades. Publicações da Escola
AGU, Brasília, v. 8, n.1, p. 15-36, jan/mar, 2016 Disponível em: http.//dirittoetutela.uniroma2.i/files/2-
13/03/Origens-e-evolução.pdf. Acesso em 29 ago. 2017.).
179
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civis. 3ª Ed. São Paulo: Forense, 2016. p.268.
98
180
NUNES, Antônio Carlos Ozório. Manual de Mediação – Guia Prático da Autocomposição. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016.
181
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civis. 3ª Ed. São Paulo: Forense, 2016. p.272. Convêm
reforçar os ensinamentos da autora, pois esclarece que “ a tese do diálogo das fontes, desenvolvida na Alemanha
por Erik Jaime e trazida ao Brasil por Claudia Lima Marques, preconiza, em essência, que as normas jurídicas
não se excluem – supostamente porque pertencentes a ramo jurídicos distintos – mas se complementam; esse
marco teórico contempla a premissa de uma visão unitária do ordenamento jurídico. A primeira justificativa ara
a aplicação do diálogo das fontes refere-se à funcionalidade: como vivenciamos uma explosão de leis (um Big
Bang Legislativo, na feliz expressão de Ricardo Lorenzetti), nesse mundo pós-moderno, globalizado e complexo
abunda a quantidade de normas jurídicas – a ponto de deixar o aplicador do Direito desnorteado, diga-se de
passagem. Por força do diálogo das fontes é viável reconhecer a possibilidade de subsunção concomitante do
Novo CPC e da Lei de Mediação, afinal, os dois sistemas normativos dispõem de princípios comuns ao
expressar ter como pilares a autonomia da vontade, a imparcialidade, a confidencialidade, a oralidade e a
informalidade. Em caso de dúvida quanto à aplicação de normas de um ou de outro instrumento normativo, o
intérprete deverá conduzir sua conclusão ruma à resposta que mais se coadune com os princípios da mediação.
Tal análise será feita oportunamente quando da apreciação de diversas ocorrências normativas e do perfil de sua
aplicação prática”.
182
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2018. p. 87-88.
99
as regras legais com os princípios constitucionais. Nesse contexto, para Humberto Dalla
Bernardina de Pinho e Marcelo Mazolla, “institutos foram revistos, o procedimento foi
abreviado, deu-se mais valor aos precedentes, viabilizou-se a tramitação do processo por meio
eletrônico. Enfim investiu-se na proclamada efetividade.”183 Além disso, por aportarem novos
paradigmas, dependerão, e muito, do entendimento de cada operador e, por que não dizer, de
cada usuário sobre as interpretações dos objetivos propostos pelo legislador. Nesse sentido,
importante lembrar o impacto linguístico que este microssistema reproduz, sobretudo com os
novos paradigmas que constroem a nova cultura jurídica, não somente no contexto privado,
mas também no público, em especial a Administração Pública.
Para tratar dos impactos linguísticos relativos aos diplomas legais em tela, necessário
se faz lembrar dos elementos relativos às inovações propostas, à luz dos seus significados
concretos. Tais significados incluem não somente os atores envolvidos, mas também os que
direta e indiretamente também são por elas afetados, tendo em vista a linguagem utilizada
pelo legislador a fim de se alcançar efetivamente sua intenção ao editar as referidas normas.
Não se deve olvidar que a metodologia também está inclusa, pelo fato de oferecer também
novos parâmetros.
Como já mencionado anteriormente, vários foram os motivadores do legislador, que o
impulsionaram para a elaboração de ambos os textos, porém destacam-se a inovação, a
adequação ao momento, o volume de processos nos tribunais brasileiros, a litigiosidade
corrente em todo o território nacional, a morosidade dos processos, dentre muitos outros. Tais
elementos fizeram com que uma voz que há muito clamava por ser escutada passasse a sê-lo,
porém sem a intenção de se constituir na única solução para as dificuldades em curso, mas
uma perspectiva de oferecer um caminho de maior autonomia para os cidadãos. Em outras
palavras, a voz de Kazuo Watanabe184, que ressoava na defesa da mudança “da cultura da
sentença para a cultura da pacificação”, passou a ser ouvida. Por isso, destaca Jacqueline
183
PINHO, Humberto Dalla Bernardina; MAZZOLA, Marcelo. Manual de Mediação e Arbitragem. São Paulo:
Saraiva, 2019. p. 33.
184
WATANABE, Kazuo. Acesso à ordem jurídica justa (conceito atualizado de acesso a Justiça) processos
coletivos e outros estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2019. p. 65
100
185
MONTENEGRO, Jacqueline Lima. Prefácio. In: ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de; PANTOJA,
Fernanda Medina; PELAJO, Samantha (coord.). A Mediação no Novo Código de Processo Civil. 2 Ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2016. p. VII.
186
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. 30ª Ed. São Paulo: Cultrix, 2002. p. 13.
187
Idem. p. 56.
101
Acrescido aos elementos acima, oportuno transcrever o que Maria Celeste dos
Santos188 pontifica ao adentrar no campo da linguística, para explicar que “com a frase saímos
do domínio da língua como sistema de signos e se penetra em outro universo, o da língua
como instrumento de comunicação cuja expressão é o discurso”. Ela coincide com Saussure,
pois para ela “o objetivo da análise linguística é o discurso. Somente através do discurso
pode-se conhecer a linguagem, isto é, a totalidade dos elementos de expressão atuais ou
possíveis e as regras para sua combinação”.
A distinção entre língua, linguagem e discurso foi feita com muita propriedade pelo
mesmo linguista, Ferdinand de Saussure, em seu Curso de Linguística Geral. Nele, o autor
define que a fala (a linguagem), embora suficientemente concreta, não é integral como um
conjunto de eventos. Os seus sons implicam movimentos de fala e ambos, como instrumentos
de pensamento, implicam ideias. As ideias, acrescenta, têm um aspecto social e um aspecto
individual, e a cada instante a linguagem subentende um sistema estabelecido e uma
evolução. A língua, para ele, não se confunde com a linguagem. É um produto social, ou seja,
um modelo geral e constante que existe na consciência de todos os membros de uma
comunidade linguística determinada. A linguagem é uma faculdade intrínseca, enquanto a
língua é convencional e adquirida. A língua é um sistema de signos. A linguagem é
representada pelo binômio língua/fala.
Por outro lado, seguindo as palavras Maria Celeste dos Santos189, “há que se fazer uma
distinção entre expressões e atos-discurso”. No primeiro, incluem-se asserções e enunciados
declamatórios e o segundo inclui imperativos, valorações e expressões normativas. Além
disso, também é necessário fazer a distinção entre discurso descritivo e prescritivo, sendo o
primeiro passo para clarificar o que seja poder ao conhecer os diferentes níveis da análise
linguística e as diferentes possibilidades que ela comporta. O fenômeno linguístico concreto é
o discurso. Para ela, um ato-discurso é uma sequência fonética de estrutura sintática correta
com significado semântico e função pragmática. Por isso, discurso é qualquer uso concreto da
linguagem, seja pela sequência de sons (fonemas – unidade de linguagem), seja por conjunto
de frases, a partir de uma sequência de caracteres (morfemas). Como a referida autora
enfatiza, as palavras por si nada significam e passam a ter um significado quando um
pensador as usa para representar algo ou para uma determinada acepção, daí o poder da
188
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. Poder Simbólico e Violência Simbólica. São Paulo: Cultural
Paulista. 1985. p. 126-127.
189
Idem. p. 131.
102
190
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. Poder Simbólico e Violência Simbólica. São Paulo: Cultural
Paulista. 1985. p. 153.
191
STRAUS, Flávio Augusto Saraiva; FERNANDES, Guilherme Antonio de Almeida Lopes. Linguagem,
Violência e Cultura de Paz. In: FREITAS JR., Antonio Rodrigues de; ALMEIDA, Guilherme Assis de (coord.).
Mediação & o novo Código de Processo Civil. Curitiba: Juruá, 2018. p. 131
192
FIORANELLI JUNIOR, Adelmo. Direito e Linguagem. In: DI GIORGI, Beatriz; CAMPILONGO, Celso
Fernandes; PIOVESAN, Flavia (coord.). Direito Cidadania e Justiça - Ensaios sobre lógica, interpretação,
teoria, sociologia e filosofias jurídicas. São Paulo: RT, 1995. p 83.
103
193
ARAÚJO, Clarice von Wertzen de. Semiótica do Direito. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p 45-46.
RODRIGUES, Oswaldo Peregrina. Os novos tipos familiares em face da Lei em vigor – As relações jurídicas
194
privadas e a dignidade das pessoas humanas que as integram. São Paulo: Claris, 2016. p. 9.
104
pela sequência de sons, quer seja pela sequência de caracteres, que repercutem no seu
destinatário, pois a proposições são portadoras de um determinado significado a partir da
linguagem jurídica. Nesse sentido, Sesma afirma que “a linguagem jurídica se divide em:
linguagem legislativa e linguagem dos juristas”195.A primeira, também conhecida como
linguagem da lei, é formulada pelos textos legais e demais fontes do direito. A segunda
compreende a linguagem utilizada pelos juízes e advogados que se referem à primeira. E
acrescenta que, sob o ponto de vida semântico, a segunda é a metalinguagem da primeira, pois
constitui a linguagem do objeto.
Ao se falar nos textos legais sobre a Mediação, é importante reforçar que a linguagem
empregada buscou oferecer os elementos acima, porém dependerá dos atores envolvidos nesta
relação a implementação de suas previsões, daí a importância de se falar da distinção entre
linguagem da lei e linguagem dos juristas, muito bem pontuada por Sesma. Além disso,
fundamental enfatizar que a execução ou não dependerá, e muito, da interpretação a ser dada
não somente por seus atores, como dito acima, mas também dos operadores do Direito,
advogados, membros do Ministério Público e da Magistratura, assim como todos os demais
atores que compõem a sociedade. Por isso, a tópica está na perspectiva pessoal de cada de
seus integrantes e, com certeza, influenciará o pensamento para a implementação na
conformidade do proposto pelo legislador, tanto nos parâmetros percebidos todos os
envolvidos nas posturas no dia a dia daquela relação, como também na forma de resolução de
eventuais conflitos que enfrentam e enfrentarão a futuro. Nesse sentido, é importante lembrar
os exemplos trazidos, que acabaram por ferir as intenções do legislador, que, ao propor
mudanças, idealizou uma adequação ao momento econômico, que continuará se refletindo nas
mudanças e em eventuais retrocessos, necessitando do respaldo dos operadores do Direito e
dos usuários também.
Ao mesmo tempo, é fundamental lembrar as palavras de Silvio de Salvo Venosa196,
que sustenta que “aplicar e interpretar o direito é uma operação complexa una. O intérprete é,
em síntese, um renovador, porque atualiza e adapta a compreensão das normas para o
momento atual”. Nesta mesma direção, Paulo de Barros Carvalho197 acrescenta que
“interpretar o direito é conhecê-lo, atribuindo valores aos símbolos, isto é, adjudicando-lhes
significações e, por meio dessas, fazer referência aos objetos do mundo”. A interpretação
195
SESMA, Victoria Iturral de. Lenguaje Legal y Sistema Jurídico. Madrid: Fundación Enrique Luno Pena,1989.
p. 30.
196
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2017. p. 109.
197
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 6ª ed. São Paulo: Noeses, 2015. p. 86.
105
pressupõe o trabalho penoso de enfrentar o percurso gerador do sentido, fazendo com que o
texto possa dialogar com outros textos, no caminho da intertextualidade, instalando-se a
conversação das mensagens com outras mensagens, passadas, presentes e futuras, numa
trajetória sem fim, expressão da inesgotabilidade. E conclui o mesmo autor198 que
segundo os padrões da moderna ciência da interpretação o sujeito do conhecimento
não extrai ou descobre o sentido que se achava oculto no texto. Ele o constrói em
função de sua ideologia e, principalmente, dentro dos limites de seu universo de
linguagem. Exsurge, com muita força, o axioma da inesgotabilidade do sentido – ao
lado da intertextualidade – que opera não só no território do sistema do direito posto,
mas o transcende, na direção de outros segmentos do saber.
Por oportuno, convém lembrar as palavras de Carlos Alberto Salles199, que destaca que
a Resolução 125 do CNJ, as disposições específicas do Código de Processo Civil de 2015 e a
Lei de Mediação “trouxeram forte incremento para o tratamento jurídico das soluções
consensuais de conflitos. Esse progresso na disciplina jurídica da matéria, no entanto, não foi
suficiente para enraizar este instituto nas práticas cotidianas do profissional do Direito”. Para
ele, as dificuldades do Direito em relação à Mediação se colocam a partir de pelo menos três
polos distintos, representativos de elementos característicos desse mecanismo consensual. Em
primeiro lugar, a interdisciplinaridade, por meio da qual o conhecimento de Mediação se
constrói. Em segundo, o enfoque não dogmático que ela exige para o manejo de seus
instrumentos básicos. Por fim, em terceiro, a difícil apreensão do relacionamento da solução
mediada com o Direito, apontando para a necessidade de seu desenvolvimento à sombra do
Direito. Na mesma linha, Maurício Morais Tonin200 aponta que “não é difícil perceber que os
esforços dos processualistas e do legislador ainda não produziram os resultados esperados,
por vários possíveis fatores, entre eles a cultura de litigiosidade impregnada na sociedade
brasileira e nos próprios operadores do direito.” Tal dificuldade é explicada por Paulo de
Barros Carvalho201, que esclarece:
o comportamento de quem pretende interpretar o direito para conhecê-lo deve ser
orientado pela busca incessante da compreensão desses textos prescritivos. Ora
como todo texto tem um plano de expressão, de natureza material, e um plano de
conteúdo, por onde ingressa a subjetividade do agente para compor as significações
da mensagem, é pelo primeiro, vale dizer, a partir do contato com a literalidade
textual, com o plano dos significantes ou com o chamado plano de expressão, como
algo objetivado, isto é, posto intersubjetivamente, ali onde estão as estruturas
morfológicas e gramaticais, que o intérprete inicia o processo de interpretação,
198
Idem. p. 93.
199
SALLES, Carlos Alberto. Prefácio. In: FREITAS JR., Antônio Rodrigues de; ALMEIDA, Guilherme Assis
de (coord.). Mediação & o novo Código de Processo Civil. Curitiba: Juruá, 2018. p. 5.
200
TONIN, Maurício Morais. Arbitragem, Mediação e Outros Métodos de Solução de Conflitos Envolvendo o
Poder Público. São Paulo: Almedina, 2019. p. 22.
201
CARVALHO, Paulo de Barros. Op. Cit. p. 78.
106
Nesse sentido, merece ser destacado que todos os instrumentos propostos em ambas a
leis estão ainda em construção, muito embora ambas, por sua linguagem prescritiva, já
demandem o dever ser, sobretudo tendo em vista os princípios em ambas elencados. No
entanto, não parece claro para a comunidade jurídica e, muito menos para a sociedade, o
percurso gerador do sentido efetivo de ambas as normas, já que resistências persistem e ações
desconformes são praticadas, com base em leituras associadas à inexistência de experiências
anteriores. Tudo isso para apontar que a Mediação, além de ser um método de solução de
conflitos, constitui-se também em elemento de acesso à ordem jurídica justa, baseada na
vontade de seus participantes de dela fazer uso e, com isso, construírem o futuro para si
mesmos. E, como tal, é uma convenção entre todos os que desejem dela participar, podendo
resultar em outra convenção. Nesse sentido, é essencial ressaltar que a atividade, o método ou
o processo de transformação de conflitos pressupõem aspectos contratuais com todas as
repercussões a eles inerentes. Assim é que o estudo sobre tais aspectos passa a ser
fundamental para melhor entendimento de seus parâmetros nas áreas mencionadas
anteriormente e, sobretudo, no contexto da Administração Pública, foco final do presente
trabalho.
107
Como mencionado anteriormente, com o advento das leis, objeto de breves comentários
acima, a Mediação passou a ser um instituto positivado e regulamentado no ordenamento
jurídico brasileiro. Adquiriu, entretanto, uma identidade complexa e, talvez, de um peculiar
hibridismo, muito decorrente dos aspectos históricos de sua prática no País. Necessário lembrá-
los a fim de melhor expressar que ela propõe para que possa ser mais bem empregada em
inúmeros contextos, especialmente no âmbito da Administração Pública, cujo universo é de
amplo espectro. Com isso, intenta-se compreender a essência do instituto e os elementos que o
constituem, construindo-se suas características, lembrando que estão embasados em
princípios. Em outras palavras, é possível elaborar sua melhor moldura e qualificação a partir
de seus princípios, os quais Maria Helena Diniz202 enfatiza consistirem na “afinidade que um
instituto tem em diversos pontos, com uma grande categoria jurídica, podendo nela ser
incluído a título de classificação”.
Tendo como referência as premissas acima, cabe lembrar o mencionado anteriormente
de que a Mediação já vinha sendo utilizada no Brasil desde meados da década de 90 do século
passado. E em sua prática o componente contratual foi sua marca. Desta forma, tornou-se
instrumento de uma política pública do Poder Judiciário, a Política Pública de Tratamento
Adequado de Resolução de Disputas do CNJ, a partir de 2010, com a Resolução CNJ 125/2010.
Mesmo neste momento, assim como desde o início de sua prática, sempre foi utilizada como
convenção entre os participantes, já que dela participavam a partir da exposição efetiva de suas
vontades. Vários são os exemplos, tanto no contexto extrajudicial, quanto no judicial. Dentre
eles, poderiam ser mencionados os regulamentos das instituições de Mediação e arbitragem, que
já existiam muito antes do advento da Lei 13140/ 2015, as quais haviam adotado o método
como um dos serviços à disposição da sociedade.
As referidas instituições previam em seus respectivos instrumentos legais: (i) cláusulas
padrões, em que indicavam a melhor forma de como inseri-la em um contrato, com base na pré-
disposição de utilizar a Mediação e a referida instituição; (ii) regulamento de Mediação, onde se
encontrava a forma como a Mediação se realizaria naquela instituição; e (iii) a oferta de uma
minuta de contrato de Mediação, denominado Termo de Mediação, para auxiliar os futuros
mediandos a se nortearem no procedimento por eles escolhido. Na verdade, esta prática tomou
202
DINIZ, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p.
34.
108
Outro exemplo deve ser trazido, pois reforça a perspectiva contratual, porém de maneira
verbal, com a utilização da Mediação. Como afirma Guilherme Assis de Almeida205 ao
prefaciar o livro Mediação Familiar: a experiência da 3ª Vara de Família do Fórum do
Tatuapé em São Paulo:
a primeira peculiaridade a ser ressaltada é o fato de essa equipe de mediadores e
mediadoras do IMAB atua como uma verdadeira câmara privada de Mediação.
Explicando melhor: a câmara privada de Mediação está prevista no artigo 167 do
Novo Código de Processo Civil Lei 13.105/2015. A previsão legislativa é de
câmaras privadas, mediadores e conciliadores que atuem no âmbito dos Centros
Judiciários de Solução Judicial de Conflitos (CEJUSCs). A equipe de mediadores
203
O termo ad hoc foi emprestado da arbitragem, remontando à vigência da Lei 9.307/96 e significa arbitragem
realizada fora de uma instituição administradora de procedimentos, isto é desenvolvida com regras criadas pelas
partes e o árbitro imparcial e independente, sem qualquer conexão com alguma instituição. Portanto, para a
Mediação também valem tais elementos, pois poderá ser desenvolvida fora de uma instituição.
204
FORBES, Carlos Suplicy de Figueiredo. Mediação Empresarial: a experiência institucional no CAM-CCBC.
In: BRAGA NETO, Adolfo (org.). Mediação Empresarial – experiências brasileiras. São Paulo: CLA, 2019. p.
194-197
205
ALMEIDA, Guilherme Assis de Almeida. Prefácio. In: BRAGA NETO, Adolfo (org.). Mediação Familiar: a
experiência da 3ª Vara de Família do Tatuapé. São Paulo: CLA, 2018. p. 7 e 8.
109
atua em conjunto com a juíza titular de uma vara de família e sucessões, mas está
fora do âmbito dos CEJUSCs, o que torna possível a essa equipe estabelecer seu
próprio procedimento de atuação. Importante ressaltar que a equipe do IMAB
deliberadamente não tem ciência dos autos do processo judicial e tem a liberdade de
determinar o tempo de duração de uma sessão de mediação. Respeita as diretrizes
traçadas por Joseph Folger, quando afirma que uma instituição de mediação (como o
IMAB) deve assegurar que as práticas de Mediação devem preservar a
autodeterminação das pessoas e o diálogo. Nesse sentido, apesar de as sessões de
Mediação ocorrerem no espaço físico do Fórum do Tatuapé, sua natureza jurídica
não é de uma mediação judicial, pois, como visto anteriormente, não está vinculada
ao CEJUSCs, conforme estabelecido pelo artigo 24 da Lei 13.140/2015. Todavia, é
importante ressaltar que as pessoas envolvidas nesses processos de Mediação não
têm a possibilidade de escolha do mediador – o que contraria o procedimento da
mediação extrajudicial (artigo 22, parágrafo 2, inciso III, Lei 13.140/2015) e está em
consonância com o procedimento da Mediação Judicial que assevera que(...)
mediadores não estarão sujeitos a prévia aceitação das partes (art. 25 da mesma lei).
LM Artigo 25 Na Mediação judicial os mediadores não estarão sujeitos à prévia
aceitação das partes, observado o disposto no art 5º desta Lei.
O referido autor acrescenta que um serviço Mediação como este possui uma natureza
híbrida entre Mediação judicial e extrajudicial, pois ilustra a possibilidade dos mais diversos
arranjos institucionais possíveis entre o Poder Judiciário e instituições da sociedade civil. Para
ele, o inspirador desta perspectiva é justamente a visão contratual da Mediação, com base na
informalidade, pois ocorrerá mediante o encaminhamento do juiz, por um simples despacho, e
a partir da efetiva aquiescência dos interessados, com base no princípio da oralidade e
autonomia plena da vontade dos participantes.
Sobre tais aspectos, Daniela Monteiro Gabbay206 coloca uma interessante pergunta:
“publicização da Mediação ou privatização do processo judicial?”, observando que é recíproca
a influência que a Mediação e o processo judicial exercem um sobre o outro. A interação entre
ambos se dá a partir de algumas tensões, como as de se regulamentar e processualizar mais a
Mediação no âmbito do Judiciário, e de simplificar e flexibilizar mais o processo judicial
quando em contato com a Mediação. E acrescenta, “nessa relação entre os aspectos privados e
contratuais da mediação e os aspectos públicos do processo judicial, surgiria um terceiro
modelo processual para dar conta da mediação no Judiciário”, fundindo aspectos públicos e
privados como resultado da apropriação do Judiciário de modelos privados de resolução de
disputas, fazendo com que as partes utilizassem tais modelos.
Mesmo com este novo status previsto na legislação em vigor, esse componente sempre
esteve presente e ainda se mantêm, motivo pelo qual imprescindível se faz apontar os aspectos
contratuais identificados na atividade e reforçadas na legislação em referência, muito embora a
GABBAY, Daniela Monteiro. Mediação & Judiciário no Brasil e nos EUA – Condições, Desafios e Limites
206
própria não tenha assim definido. Ambas as leis, no entanto, não fazem menção a este aspecto,
restringindo-se à forma como pode ser desenvolvido seu uso, ao ser prevista em uma cláusula
contratual ou no contexto judicial. Preservam suas características contratuais como mencionado
anteriormente, mesmo nos aspectos levantados pela legislação em vigor. Fernanda Levy207
reforça este entendimento, pois salienta que o ordenamento jurídico brasileiro “não cuidou de
tipificar a relação contratual daí advinda”, baseada na premissa do que Luiz Fernando
Guerreiro208 ressalta: “a autonomia da vontade é preceito basilar quando discutem contratos. É
ela que permite a manifestação de vontade livre com outra de mesma natureza emitida por outro
indivíduo representando diverso polo ou grupo de interesses, que se unem para atingir um
determinado fim comum”. E Silvio de Salvo Venosa209 acrescenta: “quando o ser humano usa
de sua manifestação de vontade com a intenção precípua de gerar efeitos jurídicos, a expressão
dessa vontade constitui-se num negócio jurídico”.
Caio Eduardo Aguirre210, voltando pontualmente para a Mediação, pondera que a esta é
contrato, “uma vez que, através de acordo de vontades as partes se obrigam a usar esse meio
como forma de tratar o conflito entre elas”. Lembra que o contrato consiste em fonte de
obrigações, uma espécie de negócio jurídico bilateral, podendo modelar para os próprios
integrantes as regras de suas próprias condutas. No mesmo sentido, Fernanda Levy211 reforça:
“conferimos natureza contratual à convenção de mediação, pois as partes, por meio do exercício
207
LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Cláusulas escalonadas – A mediação comercial no contexto da
arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 183 Importante notar que a autora optou por chamar de convenção e
não contrato, a fim de “oferecer uma conotação mais ampla à estipulação contratual” (p. 166), fazendo referência
ao que Rogério Ferraz Donini destaca: “no Direito Romano nem todos os contratos tinham força obrigatória.
Diferentemente do Direito moderno, contrato e pacto não eram termos sinônimos. O contrato era a conventio,
dotada de força obrigatória, enquanto do pacto não nascia qualquer ação, não possuindo força obrigatória, mas
apenas moral (ex nudo pacto non nascitur actio). Posteriormente, o pacto passou a ter força, razão pela qual
surgiu a expressão pacta sunt servanda (os pactos devem ser observados). Cf. DONINI, Rogério Ferraz.
Responsabilidade civil pós-contratual. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 70.
208
GUERREIRO, Luís Fernando. Efetividade das estipulações voltadas à instituição dos meios multiportas de
solução de litígios. Tese Doutoramento. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-
09042013-150524/pt-br.php. Acesso em: 30 dez. 2019. p. 44.
209
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil 3º vol. – Contratos. 19ª Ed. São Paulo: Atlas, 2019. p.1. O referido
autor esclarece, em parágrafo mais adiante, que, muito embora “nossos Códigos possuam normas gerais de
contratos, as verdadeiras regras gerais do direito contratual são as mesmas para todos os negócios jurídicos e
estão situadas na parte geral, que ordena a real teoria geral dos negócios jurídicos. Trata-se, pois, de uma
estrutura moderna, que não deve ser abandonada, em que pese a necessidade de modernização de velhos
conceitos de direito privado. Portanto, para qualquer negócio jurídico, e não apenas aos contratos, aplicam-se as
regras sobre capacidade do agente, forma e objeto, assim como em relação às normas sobre os vícios de vontade
de vícios sociais. O Código mantém tal estrutura, sob o título ‘negócios jurídicos’”.
210
AGUIRRE, Caio Eduardo de. Mediação em empresas familiares. Dissertação de Mestrado. PUCSP.
Disponível em: www.tede2pucsp.br/handle/handle/6866. Acesso em: 27 dez. 2019. p. 49.
211
LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Cláusulas escalonadas – A mediação comercial no contexto da
arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2013. p.182.
111
da autonomia privada, se unem (o vocábulo contractus significa unir, contrair) para buscar a
composição amigável de interesses contrapostos existentes ou futuros e elegem a mediação
como mecanismo facilitador dessa tarefa.”
Da mesma maneira, Carlos Alberto de Salles212 esclarece que o contrato está na base de
qualquer mecanismo não estatal de solução de controvérsias. “Afinal, esses mecanismos não
são dotados de compulsoriedade, atributo próprio dos sistemas estatais, nos quais a participação
é obrigatória, sob pena de não se responder a determinados ônus processuais e correr o risco de
um resultado negativo no processo”. A esse propósito, a convenção estabelecida entre os
participantes exerce o papel de dotar de obrigatoriedade o mecanismo escolhido por eles para
solucionar suas disputas. Sua submissão e participação no procedimento próprio ao mecanismo
escolhido, de maneira diversa do verificado no processo judicial ou administrativo, depende
desse prévio encontro de vontades das partes envolvidas. Esse encontro de vontades, ou
consenso, deve ser inicial e sua formalização, muitas vezes, é imprescindível como medida de
garantia de seu desenvolvimento.
Nessa mesma direção converge José Roberto de Castro Neves 213, ao afirmar que
o ordenamento jurídico admite que um acordo de vontades sirva como fonte de
obrigações. Se duas ou mais pessoas capazes chegam a um consenso, ajustando
como elas devem agir, dá-se a esse encontro de vontades, desde que seu objeto seja
lícito, uma força especial. Se uma das partes, depois de celebrado o ato, decide
descumpri-lo, a parte interessada tem como reclamar que a atividade estabelecida,
aquela que a contraparte se comprometeu a adotar, seja desempenhada. O nome
desse acordo de vontades é contrato,
212
SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.
202.
213
NEVES, José Roberto de Castro. Contratos 1. Rio de Janeiro: GZ, 2017. p. 2.
214
Idem. p. 3.
215
BITTENCOURT, Sidney. Contratos da Administração Pública – Oriundos de Licitações, Dispensas e
Inexigibilidades. Leme: Jhmizuno, 2015. p. 23.
112
as bases do direito contratual”. E salienta, como Fernanda Levy216, que a palavra “contrato”
possui sua origem no latim contractus, cujo sentido é ajuste, pacto ou transação”. Exterioriza
uma convenção entre pessoas com um objetivo específico ou mesmo um acordo com a
intenção de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos como mencionado
anteriormente.
Por isso, sua acepção, afirma Orlando Gomes217, situa-se no campo das obrigações, pois
para ele contrato é um “negócio jurídico bilateral, ou plurilateral, que sujeita as partes à
observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que regularam”. E não deixa de ser
espécie do gênero negócio jurídico. Em ambos os casos, muito embora com menos integrantes,
dá-se o que Maria Helena Diniz218 define como contrato, que “é o acordo de duas ou mais
vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação
de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações
jurídicas de natureza patrimonial”, muito embora Marcos Gomes da Silva Bruno 219 pondere
que “pode haver contrato que não estabeleça relações patrimoniais, por exemplo: o
casamento”.
Paulo Sérgio Velten Pereira220, ao pontuar sua evolução, desde o antigo regime,
passando pela modernidade e agora com a pós-modernidade, salienta que
o contrato é um elemento histórico-cultural que exprime valores, expressa o mundo
do dever ser (Solen), conectado ao poder da vontade humana de estabelecer vínculos
reguladores do pactuado com outrem. Como fonte formal do Direito, fonte de
natureza negocial, o contrato gera modelos jurídicos prescritivos cujos significados
se alteram através do tempo diante de fatos e valores supervenientes. Mas sua
essência, sua diretriz normativa obrigatória, apta a instaurar vínculos de caráter
coercitivo, como algo inerente ao poder de decidir, é e sempre será a mesma, por
isso faz parte do âmbito material de validez do contrato. Não há contrato que não
seja emanação da autonomia privada, da potestade deferida ao cidadão para que ele
possa decidir sobre o bem da vida que pretende usufruir. E uma vez firmado, não há
contrato, mesmo os de natureza coativa, que não vincule os sujeitos ou que não os
obrigue ao dever de prestar, de cumprir o objeto de prestação. Isso é da essência e da
natureza do contrato.
216
LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Cláusulas escalonadas – A mediação comercial no contexto da
arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2013. p.182.
217
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 245.
218
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 30.
219
BRUNO, Marcos Gomes da Silva. Resumo Jurídico de Obrigações e Contratos. 4. Ed. São Paulo: Quartier
Latin, 2005. p. 41.
220
PEREIRA, Paulo Sérgio Velten. Contratos - Tutela Judicial e Novos Modelos Decisórios. Curitiba: Juruá,
2018. p. 67.
113
como substrato uma operação econômica, por meio da qual as partes visam constituir,
modificar ou extinguir relações jurídicas patrimoniais”, ou não. Nesse sentido, a obrigação
da qual o contrato é fonte constitui-se no vínculo jurídico em que uma pessoa pode exigir de
outra alguma prestação nele incluída. E considera, ainda, que o vínculo jurídico é o núcleo
central das obrigações, sendo baseado no consenso, que, por sua vez é seu elemento central.
Nesse sentido, pondera que o consenso nada mais é do que o acordo entre as partes, sem o
qual o contrato não existe. Em reforço, o embasamento para o entendimento se constituir
em contrato não somente inclui as disposições legais constantes do Código Civil em vigor
relativas aos contratos, mas, sobretudo, o artigo 107º do mesmo diploma legal que assim
expressa:
CC. Artigo 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma
especial, senão quando a lei expressamente a exigir.
221
GRECCO, Renato. O momento da formação do Contrato – Das negociações preliminares ao vínculo
contratual. São Paulo: Almedina Brasil, 2019. p. 18.
222
SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.
202. Impende observar que, neste mesmo trecho, o autor, abordando o papel da convenção de solução alternativa
de controvérsias no contexto de contratos administrativos, esclarece que “o contrato está na base de qualquer
mecanismo não estatal de solução de controvérsias. Afinal, esses mecanismos não são dotados de
compulsoriedade, atributo próprio dos sistemas estatais, nos quais a participação é obrigatória, sob pena de não
se responder a determinados ônus processuais e correr o risco de um resultado negativo no processo. A esse
propósito, a convenção estabelecida entre as partes exerce o papel de dotar de obrigatoriedade o mecanismo
escolhido pelas partes para solucionar suas disputas. Sua submissão e participação no procedimento próprio ao
mecanismo escolhido, de maneira diversa aos verificado no processo judicial ou administrativo, depende desse
prévio encontro de vontades das partes envolvidas. Esse encontro de vontades, ou consenso, deve ser inicial e
sua formalização, muitas vezes, é imprescindível como medida de garantia de seu desenvolvimento”.
223
AGUIRRE, Caio Eduardo. Mediação em empresas familiares. Dissertação de Mestrado PUCSP. Disponível
em: www.tede2pucsp.br/handle/handle/6866. Acesso em: 27 dez. 2019. p. 50.
114
Importante sublinhar este último elemento, pois será objeto de análise a perspectiva
contratual da Mediação mesmo sem um instrumento escrito, pois vale também o verbal, já que
transcende a vontade expressa daqueles que por ela optaram.
Além disso, é relevante lembrar que Luís Fernando Guerreiro224 apresenta duas
situações decorrentes da perspectiva contratual que devem ser sempre levadas em consideração,
a saber: a primeira delas se refere à maior planificação dos integrantes de um contrato em criar
“praticamente um sistema de solução de controvérsias”, tornando-o adequado para eventual
futuro conflito que possam ter. A segunda situação é decorrente de outro cenário, no qual o
conflito já existe e a intenção dos envolvidos é utilizar a Mediação para superá-lo. E conclui que
a Mediação, no tocante a sua origem contratual, não constitui acordo sobre o mérito do conflito,
muito embora os participantes possam chegar a isso, mas significa concordância de vontades de
como tratá-lo, seja preventivamente, seja diante dele. Nesse sentido, ele ressalta que ambas as
perspectivas levam às previsões contidas no Código Civil em vigor, ao identificar os tipos de
contrato, a saber: compromisso e transação. O primeiro previsto nos artigos 851, 852 e 853 e o
segundo, nos artigos 840 a 849.
Ambos institutos, hoje considerados tipos de contrato, passaram por uma evolução ao
longo do tempo, pois outrora eram considerados formas de extinção de obrigações. Com relação
ao primeiro, recebeu forte influência quando da entrada em vigor da Lei 9.307/96, revogando os
dispositivos do Código Civil vigente à época. Como esclarece Silvio Rodrigues225, consiste no
“ato de vontade capaz de criar relações na órbita do direito e, por conseguinte, negócio
jurídico”, que se ultima pelo consenso de vontade de duas ou mais pessoas que indicam como
resolverão suas diferenças. Já a transação, como ressalta José Roberto de Castro Neves226, é um
contrato antigo, “delineada pelos romanos, que a chamavam de transactio. Nela as partes cedem
mutuamente para chegar a um acordo, pondo fim a uma incerteza jurídica”. Classicamente, via-
se a transação apenas como um ato declaratório. Por meio dela, as partes apenas declaravam
uma nova situação, extinguindo uma discussão. Hoje, contudo, admite-se que, ao extinguir uma
obrigação, pode haver uma natureza constitutiva, como ocorre se alguém, para resolver uma
224
GUERREIRO, Luis Fernando. Efetividade das estipulações voltadas à instituição dos meios multiportas de
solução de litígios. Tese de Doutorado. Disponível em: www.tesesusp.br. Acesso em: 30 dez. 2019. p. 47.
225
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, vol III. 30. Ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 380.
226
NEVES, José Roberto de Castro. Contratos II. Rio de Janeiro: GZ, 2017. p. 205.
115
227
GUERREIRO, Luis Fernando. Efetividade das estipulações voltadas à instituição dos meios multiportas de
solução de litígios. Tese de Doutorado. Disponível em: www.tesesusp.br. Acesso em: 30 dez. 2019. p. 63-64.
228
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. O Contrato Administrativo no Brasil. São Paulo: Revista do Advogado,
Ano XXIX, dezembro, 2009. Contratos com o Poder Público. p. 157.
116
sua validade, como um instrumento jurídico, cujo objeto deve ser lícito, possível, determinado
ou, ainda, determinável, constituído por pessoas capazes, que “criam regras com o propósito de
orientar seus comportamentos”229, que não necessariamente tenha que estar previsto em lei.
CC. Artigo 104 A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.”
Dentro dos aspectos em tela, advêm duas formas que devem ser explanadas, a saber:
1) Aquela que possui característica preventiva que ocorrerá quando se estabelecer em
um contrato uma cláusula específica com a opção sobre o método de resolução de conflitos
escolhido, chamada de Cláusula de Mediação. Importante esclarecer que se incluem nesta
cláusula todos os efeitos previstos na Lei 13.140/15, mencionados no subitem 1 do item 3,
isto é, a obrigatoriedade dos integrantes daquele contrato de participar de uma primeira
reunião de Mediação. Não sendo claro no mesmo contrato como ocorrerá a referida reunião, a
própria lei aponta como se realizará. Nesse sentido, como ressalta Fernanda Levy230, “a
Cláusula de Mediação não se confunde com a previsão de conversações informais
considerada como simples recomendações às partes na hipótese de surgimento de conflito
acerca de uma relação jurídica”, sendo, portanto, verdadeira relação jurídica vinculante com a
obrigação, aos que dela participam, de submeter eventual conflito que venha a surgir entre
eles, devendo inclusive atender todos as suas determinações. Não se pode esquecer de que,
conforme a redação contida na Cláusula de Mediação, ela poderá ser institucional ou ad hoc,
extrajudicial ou judicial. Importante reforçar o que expõe Luís Fernando Guerreiro231 o
caráter preventivo do instrumento, que determina o dever agir dos que dela fazem parte.
2) Outra forma seria aquela em que, diante de uma controvérsia em curso, os
envolvidos optam por se submeter a um processo dialógico com a ajuda de um terceiro
imparcial e independente, que aceita a função de colaborar com participantes para construir
soluções a futuro. Para que se realize a Mediação, recomenda-se que elaborem um
instrumento jurídico chamado Termo de Mediação, onde, de maneira antecipada, esteja cada
passo do referido processo, sem qualquer vínculo obrigacional de produzir resultado, podendo
ser interrompido a qualquer tempo. Como o anterior, poderá ser institucional ou ad hoc,
229
NEVES, José Roberto de Castro. Contratos 1. Rio de Janeiro: GZ, 2017. p. 2.
230
LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Cláusulas escalonadas – A mediação comercial no contexto da
arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2013. p.182.
231
GUERREIRO, Luis Fernando. Efetividade das estipulações voltadas à instituição dos meios multiportas de
solução de litígios. Tese de Doutorado. Disponível em www.tesesusp.br. Acesso em 30 dez. 2019. p. 64.
117
Tais elementos são dignos de nota, pois serão objeto de outras considerações quando
forem tratados aspectos contratuais da Mediação.
Cabe lembrar que, se ao final de um processo de Mediação, os participantes criarem
compromissos, tais compromissos também ensejarão vínculos obrigacionais, portanto
elaborarão outro instrumento, porém com características próprias, cuja denominação, na prática
é Acordo de Mediação, onde se concretizam todas as obrigações que se propõem.
Todos estes elementos são identificados na Mediação, mesmo sendo não escrita. No
entanto, é importante ressaltar que deve ser feita distinção entre os instrumentos, pois
estabelecem regras para diferentes participantes, em diferentes momentos e em distintos
contextos. Nesse sentido, deve ser explicitado que, na prática o chamado Termo de
Mediação, tanto judicial, quanto extrajudicial, determina como será desenvolvido o processo
de Mediação. E difere em muito do instrumento chamado de Acordo de Mediação, que é
232
RODRIGUES, Oswaldo Peregrina; STEFANO, Isa Gabriela de Almeida. Teoria Geral do Direito Civil. Vol I.
São Paulo: Verbatim, 2010. p. 87.
233
Idem. p.88.
118
234
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil vol 3 – Contratos. 19 ª Ed. São Paulo: Atlas, 2019. p. 283.
235
MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. Autoridade e utilidade da doutrina: a construção dos modelos
doutrinários. In: MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister (coord.). Modelos de direito privado. São Paulo:
Marcial Pons, 2014. p.13.
236
PEREIRA, Paulo Sérgio Veltena. Contratos - Tutela Judicial e Novos Modelos Decisórios. Curitiba: Juruá,
2018. p. 50.
119
3.1 Princípios
237
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 2 ª Ed. São Paulo: RT, 1991. p. 23.
238
FIORANELLI JUNIOR, Adelmo. Direito e Linguagem. In: DI GIORGI, Beatriz; CAMPILONGO, Celso
Fernandes; PIOVESAN, Flavia (coord.). Direito Cidadania e Justiça - Ensaios sobre lógica, interpretação,
teoria, sociologia e filosofias jurídicas. São Paulo: RT, 1995. p. 55.
239
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais – conteúdo essencial, restrições e eficiência. 2ª Ed. São
Paulo: Malheiros, 2011. p 44-45.
240
DONNINI, Rogerio. Responsabilidade civil na pós-modernidade – Felicidade, proteção, enriquecimento com
causa e tempo perdido. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2015. p 51.
120
explica que princípios e regras são espécies do gênero norma, uma vez que dizem o que deve
ser. Constituem-se em “expressões deônticas que podem implicar um dever, uma proibição ou
uma permissão”. Todavia, há várias diferenças entre eles, assim como critérios idealizados
para essa diferenciação. O primeiro deles é o da generalidade; o segundo, a abstração. No
entanto, as regras são normas com grau relativamente baixo de generalidade, por exemplo,
quando a lei substantiva estabelece que o alienante responde pela evicção nos contratos
onerosos. Neste mesmo sentido, Geraldo Ataliba241 enfatizava que os princípios possuem
maior grau de generalidade e constituem mandamentos permanentes prima facie e de maneira
multifuncional. Por isso, identificava que são chaves e a essência de todo o direito. Nesse
sentido, afirmava, “não há direito sem princípios. Eles são a expressão do querer popular, seus
objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição”. As
regras jurídicas de nada valem se não forem aparadas em princípios sólidos.
Segundo Selma Ferreira Lemes242, os princípios podem ser classificados em três
diferentes funções: (i) fundamentadora e diretiva; (ii)interpretativa; (iii) integrativa (lacunas
legais)”, consideradas por ela como “indissociáveis”. A referida autora explica, ainda, que a
função fundamentadora e diretiva constitui-se nos valores, os quais se inspiram todo o
ordenamento, cumprindo a função diretiva geral de todo o processo de criação do Direito,
expressando um mandato imperativo e impondo o dever de respeitar os valores contidos nas
normas jurídicas. A interpretativa determina aos operadores jurídicos o dever de interpretar
todos os atos jurídicos em conformidade com os valores imperativos da comunidade. E, por
último, a integrativa possui função supletiva, aplicada na falta de norma jurídica ou costume.
Em complemento, Humberto Ávila243 preleciona que “a compreensão concreta do Direito
pressupõe também a implementação de algumas condições. Essas condições são definidas
como postulados normativos aplicativos na medida em que se aplicam para solucionar
antinomias contingentes, concretas e externas”. E explica que os postulados normativos
aplicativos constituem-se em normas imediatamente metódicas, que estruturam a
interpretação e aplicação de princípios e regras mediante a exigência, mais ou menos
específica, de relações entre elementos com base em critérios.
241
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p 191.
242
LEMES, Selma Maria Ferreira. Árbitro – Princípios da Independência e Imparcialidade. São Paulo: LTR,
2001. p. 30-31.
243
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 19. Ed. São
Paulo: Malheiros, 2019. p. 176, p. 218.
121
Corroborando nesta mesma linha de pensamento, Marçal Justen Filho”245, enfatiza que
os princípios obrigam, talvez em termos mais intensos do que as regras. Isso deriva
de que o princípio é uma síntese axiológica: Os valores fundamentais são
consagrados por meio de princípios, que refletem as decisões fundamentais da
Nação. A regra traduz uma solução concreta e definida. Já o princípio indica uma
escolha axiológica, que pode concretizar-se mediante soluções concretas diversas.
Princípios não se confundem com valores. Aqueles são normas jurídicas
diversamente do que se passa com estes. Logo nem todos os valores são normas
jurídicas. Um valor se transforma em princípio na medida em que adquire certa
característica, especialmente a incorporação de sua obrigatoriedade como uma
vivência intersocial, com o seu acolhimento no ordenamento jurídico. Um princípio
apresenta validade e eficácia jurídica, de que deriva um cunho vinculante. Já o valor
não apresenta essa característica de vinculatividade externa (heteronomia).
Com base nas observações acima, o primeiro princípio que vem à mente quando se trata
de contrato é o da autonomia da vontade, pelo fato, já exposto anteriormente, de que se constitui
na verdadeira mola-mestra de sustentação da Mediação.
Paulo Sergio Velten Pereira246 leciona que, “entre as teorias clássicas do contrato, a do
voluntarismo teve um significado marcante para o Direito privado. Segundo essa teoria, que
teve seu auge no século XIX, a vontade humana é sempre preponderante na criação,
modificação e extinção de direitos e obrigações”. Inspirada no liberalismo daquele período, esta
teoria sofreu, com a evolução dos modelos jurídicos, limitações a partir do advento da
244
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19 ª Ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p.
148.
245
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
52-53.
246
PEREIRA, Paulo Sérgio Velten. Contratos - Tutela Judicial e Novos Modelos Decisórios. Curitiba: Juruá,
2018. p. 59.
122
247
JUDT, Tony. Pensando o século XX. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014. p. 369.
248
TIMBÓ, Marcelo. Introdução ao estudo dos Contratos. Salvador: Edufba, 2019. p. 46.
123
processo. Da mesma forma, esta vontade necessita se perpetuar ao longo do processo, pois aos
mesmos caberá interrompê-lo, caso não haja vontade neste sentido.
Silvio de Salvo Venosa249 esclarece que “em sendo um contrato válido e eficaz deve ser
objeto de cumprimento dos contratantes”. Baseado nesta premissa, o princípio da
obrigatoriedade constitui a base do direito contratual, pois os participantes se obrigam a tomar
ações nos parâmetros em que se comprometeram. Cabe lembrar que o referido autor explica ser
consequência desse princípio a intangibilidade do contrato. Ninguém pode alterar
unilateralmente o conteúdo do contrato, nem pode o juiz intervir neste conteúdo. Essa é a regra
geral. As atenuações que a seguir serão analisadas não alteram a substância deste princípio. A
noção decorre do fato de terem as partes contratado de livre e espontânea vontade e submetido
sua vontade à restrição do cumprimento contratual porque tal situação foi desejada.
Como menciona Marcelo Timbó, “existem diversos dispositivos que atestam a
permanência da obrigatoriedade dos acordos firmados entre as partes (CC, artigos 389, 390,
391, etc.)”250, muito embora o conceba mitigado na atualidade em função de outros princípios,
dentre eles o da função social e da boa-fé, que serão analisados mais adiante. Na mesma linha,
destaca José Roberto de Castro Neves251 que este princípio se efetivará desde que o
compromissado seja coerente com o interesse social. Enfatiza que “a ideia da obrigatoriedade,
embora relevante (e, até mesmo, fundamental), há que ser vista com algum tempero. Com
efeito, perde função social o negócio que se transforme num abuso. Eis porque a teoria da
imprevisão passou a gozar, mais recentemente, de enorme destaque”. Para ele, a teoria da
imprevisão, conhecida como cláusula rebus sic stantibus, apenas interfere nos casos em que o
fato excepcional, que alterou o equilíbrio do negócio, não era de sua própria natureza aleatório.
Nesse sentido, ao se pensar a Mediação, este princípio passa a ser a forma atrativa para a efetiva
segurança aos participantes em dela fazer uso e após quando eventualmente contraírem alguma
obrigação
249
VENOSA, Silvio de Salvo. Teoria Geral dos Contratos. São Paulo: Atlas, 1997. p. 26.
250
TIMBÓ, Marcelo. Introdução ao estudo dos Contratos. Salvador: Edufba, 2019. p. 50.
251
NEVES, José Roberto de Castro. Contratos I. Rio de Janeiro: GZ, 2017. p.16.
124
252
NEVES, José Roberto de Castro. Contratos I. Rio de Janeiro: GZ, 2017. p.17.
253
AGUIRRE, Caio Eduardo. Mediação em empresas familiares. Dissertação de Mestrado PUCSP. Disponível
em: www.tede2pucsp.br/handle/handle/6866. Acesso em: 27 dez. 2019. p. 50.
125
caráter objetivo como parâmetro mais seguro para as legítimas expectativas das partes”. E
acrescenta: o conteúdo conceitual e material e a função do contrato mudaram, inclusive para
adequá-lo às exigências de realização da justiça social, que não é só dele, mas de todo o
Direito. Por isso, este princípio também se alinha aos parâmetros propostos pela Mediação,
já que o bom senso, a razoabilidade e o componente social estão presentes na Mediação.
O princípio da boa-fé remonta à Roma Antiga, com o nome de bona fides, conforme
indica Rogério Donnini254. “Bona significa boa, correta, acertada. Fides era considerada uma
deusa com forte conotação religiosa, possuía a qualidade de ser credível, confiável, pois
inspirava confiança às pessoas”. O referido autor explica que o termo fides significava
fidelidade e coerência no cumprimento da expectativa de outrem, independentemente da
palavra que haja sido dada, ou do acordo que tenha sido concluído. Nesse sentido, boa-fé
pode ser compreendida como honestidade ou credibilidade. Por isso, o princípio da boa-fé
impõe um padrão de conduta que pressupõe fidelidade à verdade. Possui também o
significado de lealdade no cumprimento de atos e obrigações, honestidade, credibilidade e
cooperação.
O mesmo autor lembra o Digesto 1.1.10.1, que enumera os preceitos do Direito, que
são viver honestamente, não lesar a outro e dar a cada um o que é seu. A boa-fé está
indiretamente ligada a todos, porém possui mais proximidade com o primeiro. O artigo acima
trata de conceitos abstratos e que se relacionam com conceitos morais que mudam com o
passar do tempo, variando inclusive de acordo com a localidade. Os bons costumes, por
exemplo, se referem a um conjunto de normas morais e comportamentais muito variáveis,
daí a dificuldade de aplicar tais preceitos nos litígios. Contudo, esses conceitos impõem
verdadeira limitação à liberdade contratual, que está longe de ser tão ampla quanto seu
conceito clássico previa.
254
DONNINI, Rogério. Bona fides: do direito material ao processual. Revista de Processo (RePro) n. 251, jan.
2016, p. 113/126, ou pela via eletrônica in http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/4597. p. 1.
126
Trata-se de conduta que tem como referência os interesses de outrem e não a ausência
de má fé. A primeira está ligada a uma atitude psicológica a partir de uma decisão pessoal
tendo como premissa o direito, o correto. Já a segunda pode exigir a lealdade, impõe poder
dever, comportamento honesto, probo e leal. Por isso, o mesmo autor enfatiza sua
255
SUPIOT, Alain. Homo Juridicus – Ensaio sobre a função antropológica do Direito. São Paulo: Martins
Fontes, 2007. p. 97.
256
TARTUCE, Flavio. Direito Civil: Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie, Vol III Série de
Concursos Públicos. São Paulo: Método, 2006. p. 89.
257
REALE, Miguel. Lições Prelminares de Direito. São Paulo: Saraiva 1999. p. 111.
258
DONNINI, Rogério. Bona fides: do direito material ao processual. Revista de Processo (RePro) n. 251, jan.
2016, p. 113/126, ou pela via eletrônica in http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/4597. p. 6.
127
importância, já que não se restringe ao direito privado, retira dele seus parâmetros para
também influenciar todo o direito. Nesse sentido, conclui o mesmo autor259:
por se tratar de um princípio polissêmico, sua incidência está condicionada à função
que é destinada, uma vez que pode ser um princípio geral do direito que, bem de ver,
não está positivado(por exemplo na interpretação da lei), como cláusula geral(
Código Civil artigos 113 e 422) ou como conceito legal indeterminado.
Por outro lado, Silvio de Salvo Venosa260 salienta que o princípio da boa-fé do
contrato, não importando ser objetivo ou subjetivo, pode ser traduzido pelo dever dos
contratantes em “agir de forma correta antes, durante e depois do contrato, isto porque,
mesmo após o cumprimento de um contrato, podem sobrar-lhe efeitos residuais”. Lembra
também o referido autor que na análise do princípio da boa-fé dos contratantes, devem ser
examinadas as condições em que o contrato foi firmado, o nível sociocultural dos
contratantes, o momento histórico e econômico, já que consiste na interpretação da vontade
contratual.
Da mesma forma Judith Costa261 enfatiza que na tradição do Direito brasileiro é
conotada à expressão boa-fé a
acepção subjetiva, assim constando do vigente Código Civil, entre outras passagens,
as normas dos artigos 221, caput e parágrafo único, e 490, caput e parágrafo único.
Contudo, a norma do artigo 422 trata da boa-fé na acepção objetiva. Importante
distingui-las. A expressão boa-fé subjetiva denota estado de consciência ou
convencimento individual de obrar em conformidade ao direito, sendo aplicável, em
regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria possessória. Diz-se
subjetiva justamente porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a
intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima
convicção. Por outro lado, o modelo objetivo de conduta, leva em consideração os
fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultural dos envolvidos, não
se admitindo uma aplicação mecânica do standard, o que vem a significar que, na
concreção da boa-fé objetiva, deve o intérprete desprender-se da pesquisa da
intencionalidade da parte, de nada importando, para a sua aplicação, a sua
consciência individual no sentido de não estar lesionando direito de outrem ou
violando regra jurídica. O que importa é a consideração de um padrão objetivo de
conduta, verificável em certo tempo, em certo meio social ou profissional e em certo
momento histórico.
Com efeito, a mesma autora destaca que da boa-fé nascem, mesmo na ausência de
regra legal ou previsão contratual específica, os deveres, anexos, laterais ou instrumentais de
consideração com o alter, de proteção, cuidado, previdência e segurança com a pessoa e os
bens da contraparte; de colaboração para o correto adimplemento do contrato; de informação,
259
DONNINI, Rogério. Bona fides: do direito material ao processual. Revista de Processo (RePro) n. 251, jan.
2016, p. 113/126, ou pela via eletrônica in http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/4597. p. 7.
260
VENOSA, Silvio de Salvo. Teoria Geral dos Contratos. São Paulo: Atlas, 1997. p. 27.
261
MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A Boa-Fé no Direito Privado: critérios para a sua aplicação. 2ª Ed.
São Paulo: Saraiva, 2018. p. 54.
128
Além disso, seguindo as palavras de José Roberto de Castro Neves264, “para que o
terceiro, inicialmente estranho ao negócio, possa ser de alguma forma responsabilizado é
necessário que ele tenha ciência do contrato celebrado entre outras pessoas, mesmo assim, tenha
atuado de modo determinante para que as prestações previstas neste contrato não se
aperfeiçoassem”. Em outras palavras, o terceiro sabia que sua conduta, por ação ou omissão,
determinaria o inadimplemento de, pelo menos, uma das partes do contrato. Agiu, portanto,
dolosamente. De acordo com a corrente hoje dominante, essa responsabilidade do terceiro
cúmplice, contudo, não tem natureza contratual. Será ato ilícito e, como tal, permitirá ao lesado
262
TIMBÓ, Marcelo. Introdução ao estudo dos Contratos. Salvador: Edufba, 2019. p. 58.
263
VENOSA, Silvio de Salvo. Teoria Geral dos Contratos. São Paulo: Atlas, 1997. p. 26.
264
NEVES, José Roberto de Castro Neves. Contratos 1. Rio de Janeiro: GZ, 2017. p. 25.
129
reclamar do infrator os danos dele decorrentes. Mais um princípio em que a Mediação também
está embasada.
O mesmo autor lembra que muitas vezes os contratos são redigidos por pessoas que
não são técnicas ou sem prática, ou, ainda cometem erros, que acabam por gerar dúvidas
sobre o alcance do negócio, por isso o intérprete deverá buscar uma leitura do mesmo de
maneira que se mantenha a maior quantidade dos seus efeitos, conservando o negócio.
Este princípio também deve ser identificado na Mediação, pois proporciona ao
instituto segurança jurídica.
De acordo com este princípio, basta o acordo de vontade entre os participantes para
o aperfeiçoamento do contrato, sem que haja necessidade de instrumento que o formalize.
Somente será necessária forma específica para o contrato quando a lei assim o exigir. Nesse
sentido, cabe lembrar os ensinamentos de Carlos Alberto Bittar266,
sendo o contrato corolário natural da liberdade e relacionado à forma disciplinadora
reconhecida à vontade humana, tem-se que as pessoas gozam da faculdade de
vincular-se pelo simples consenso, fundadas, ademais, no princípio ético do respeito
à palavra dada e na confiança recíproca que as leva a contratar. Com isso, a lei deve,
em princípio, abster-se de estabelecer solenidades, formas ou fórmulas que
conduzam ou qualifiquem o acordo, bastando para si a definição do contrato, salvo
em poucas figuras cuja seriedade de efeitos exija a sua observância (como no
casamento, na transmissão de direitos sobre imóveis).
265
Idem. p. 25.
266
BITTAR, Carlos Alberto. Curso de Direito Civil. V. 1. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994. p. 76.
130
Maria Helena Diniz267, por seu turno, considera este princípio separadamente do
princípio da autonomia da vontade e o conceitua da seguinte forma: “Simples acordo de
duas ou mais vontades basta para gerar o contrato válido”. Não se exige, em regra, qualquer
forma especial para a formação do vínculo contratual. Embora alguns contratos, por serem
solenes, tenham sua validez condicionada à observância de certas formalidades
estabelecidas em lei, a maioria deles é consensual, já que o mero consentimento tem o
condão de criá-los, sendo suficiente para sua perfeição e validade.
Este princípio também não deixa de ser a base da Mediação, muito embora, como
salientado anteriormente, o consenso deva ser entendido quanto ao uso da forma com que se
levará a eventual disputa entre os envolvidos no conflito e não ao seu conteúdo e muito
menos ao seu resultado. Além disso, hoje se reveste de maior importância quando se trata
de questões que envolvam a Administração Pública, pois, como será analisado adiante, é
considerado uma tendência no Direito Administrativo da pós-modernidade, passando a ser
importante instrumento de desenvolvimento e de realização do interesse público.
Princípio expressamente previsto no Código Civil nos artigos 421 e 2035 parágrafo
único, é considera por Marcelo Timbó como um princípio metaindividual e segundo José
Roberto de Castro Neves268 está albergado pelo princípio da ordem pública.
De fato o contrato exerce uma função social, pois a liberdade de contratar será
exercida em razão e nos limites de sua função social. Evidentemente se o contrato
expressar um abuso, uma acabada injustiça, um mortal desequilíbrio, nele não
haverá função social, de sorte que ele não deverá ser considerado, cabendo ao
Estado revê-lo. Nessa linha, vale mencionar que, até mesmo para interpretar um
contrato, não se pode perder de vista que seu fim é o de cumprir uma função
econômica. As partes sempre buscam algum proveito ou atingir um certo fim.
Mesmo nos negócios graciosos, derivados de pura generosidade de uma das partes,
há um interesse: praticar o ato de altruísmo.
Mais um princípio relacionado à Mediação, pois, tendo como elemento central seus
participantes, toma como referência o conforto do ambiente dialógico para refletir sobre a
perspectiva de futuro. Ao mesmo tempo, revela o componente econômico, mediante menores
custos procedimentais, sem mencionar os emocionais, muito difícil de ser mensurado.
267
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 121.
268
NEVES, José Roberto de Castro. Contratos 1. Rio de Janeiro: GZ, 2017. p. 19.
131
Assim é que com base nestes princípios, agregados às características da atividade e aos
elementos que a definem e delimitam, pode-se afirmar que a Mediação se materializa por
instrumentos jurídicos que dependerão do momento e do contexto em que for empregada. O
próximo item pretende oferecer os aspectos instrumentais em que a Mediação se materializa.
Observando o que foi oferecido nos itens anteriores, temos a perspectiva de que
Mediação é Justiça: estrutura-se em três eixos, sendo que na falta de algum deles o instituto
inexiste; relevantes princípios do Direito Contratual estão nela presentes, cabendo lembrar os
instrumentos de sua efetiva materialidade, mesmo não sendo escrita como será observado mais
adiante. Nesse sentido tais instrumentos são: Cláusula de Mediação e Termo de Mediação Extra
e Judicial, os quais poderão resultar um acordo extra e judicial.
269
Idem. p. 25.
LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Cláusulas escalonadas – A mediação comercial no contexto da
270
via da Justiça dialógica, determinando que os integrantes daquele contrato estejam presentes
em ao menos uma reunião. Ela é elaborada no momento em que o conflito inexiste,
constituindo-se em uma hipótese. Poderá ocorrer ou não. Na hipótese de existir, preserva a
vontade e conveniência de seus participantes, pois a Mediação terá continuidade se assim o
desejarem. E não terá continuidade se desejarem interrompê-la.
Todos os efeitos acima observados serão os mesmos quando um dos integrantes ou
ambos em um contrato administrativo forem órgãos públicos. Tal fato leva a uma eventual
preocupação se a Administração Pública poderia se valer destas cláusulas diante de diversas
limitações a ela inerentes. Diogo de Figueiredo Moreira Neto271 responde no sentido de que:
desponta no quadro da consensualidade como forma de solução de disputas e de
escolhas, o que conduz a uma maior participação dos administrados nos processos
decisórios, à aceitação de que quaisquer atos administrativos se submetem ao
controle de juridicidade, e a afirmação de prevalência do princípio da dignidade da
pessoa humana,
sem dizer das vantagens que esta opção pode oferecer, bem como o bom senso que
inspira permanentemente a Mediação. Este aspecto será objeto de outros comentários quando
for analisada a Mediação e a Administração Pública.
271
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações de Direito Administrativo. Novas considerações
(Avaliação e controle das transformações). Revista Eletrônica sobre Reforma do Estado. Salvador, nº 2,
jun/jul/ago. 2005. Disponível em: httpp://www.direitodoestado.com.br/codrevista.asp?cod=46/. Acesso em: 27
fev. 2020.
134
devedor, que poderá não comparecer. Nesse sentido, Valeria Lagrasta272 esclarece que os
Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania estão divididos em dois setores: o de
solução de conflitos pré-processuais e solução de conflitos processuais. No primeiro
poderão ser recepcionados casos que versem sobre direitos disponíveis em matéria
cível, de família, previdenciária e da competência dos Juizados Especiais, que serão
encaminhados, através de servidor devidamente treinado, para conciliação, a
mediação ou outro método de solução consensual de conflitos. Assim
comparecendo o interessado ou remetendo pretensão via email com os dados
essenciais, o funcionário colherá sua reclamação, sem reduzi-la a termo, emitindo,
no ato, carta convite à parte contrária, informando a data, a hora e o local da sessão
de conciliação ou mediação. Uma vez obtido o acordo, será homologado, após a
manifestação do representante do MP, se for o caso, com registro em livro próprio,
mas sem distribuição. No segundo, serão recebidos processos já distribuídos e
despachados pelos magistrados, que indicarão o método de solução de conflitos a ser
seguido, retornando sempre ao órgão de origem, após a sessão, obtido ou não o
acordo, para extinção do processo ou prosseguimento dos trâmites processuais
normais.
272
LAGRASTA, Valéria Ferioli. Mediação Judicial – Análise da realidade brasileira – origem e evolução até a
Resolução n 125, do Conselho Nacional de Justiça. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
273
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, Vol 3º – Contratos. 19ª Ed. São Paulo: Atlas, 2019. p. 183.
135
conforme o artigo 111 do Código Civil. E, mesmo sendo um contrato verbal, para ser
válido há que preencher os requisitos legais, isto é, possuir agente capaz; objeto lícito e
possível, determinado ou determinável.
Importante explicitar que o Termo de Mediação se diferencia da Cláusula de
Mediação por vários motivos. Dentre eles se destacam: a existência de um conflito e a
exposição de vontade dos nele envolvidos em utilizar a Mediação, mesmo se não atingirem
um consenso ao final do processo. Outro elemento também diferenciador é que os
participantes apontam como pretendem solucionar o conflito, mesmo não sendo por escrito.
Por oportuno, é relevante frisar que tais elementos são observáveis quando a
Mediação for aplicada no contexto da Administração Pública, pois, ao utilizar os serviços
da Mediação Judicial estarão sendo aceitas as regras preestabelecidas pelo próprio
Judiciário, como será exposto nos itens relativos ao contexto público.
274
GUERREIRO, Luís Fernando. Efetividade das estipulações voltadas à instituição dos meios multiportas de
solução de litígios. Tese de Doutoramento. Disponível em:
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-09042013-150524/pt-br.php. Acesso em: 30 dez. 2019.
p.53.
136
275
LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Cláusulas escalonadas – A mediação comercial no contexto da
arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 191.
276
GUERREIRO, Luís Fernando. Efetividade das estipulações voltadas à instituição dos meios multiportas de
solução de litígios. Tese de Doutoramento. Disponível em:
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-09042013-150524/pt-br.php. Acesso em: 30 dez. 2019. p.
51-52.
137
Por isso, Marçal Justen Filho279 enfatiza que “cabe ao Direito Administrativo
conceber e fornecer soluções para o mundo real, visando a promover o desenvolvimento
econômico e social, a eliminar a miséria, a combater a pobreza e a reduzir as desigualdades
277
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
15.
278
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 1126.
279
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
12
139
regionais”, a fim de direcionar a realidade dos fatos, baseada nos preceitos constitucionais,
além de adequá-los aos parâmetros legais inerentes à área.
Tendo como referência estes elementos, é importante notar que o Direito
Administrativo tomou novo impulso após a Constituição de 1988, como Maria Sylvia Di
Pietro280 destaca:
as principais inovações do Direito Administrativo foram introduzidas após a
Constituição de 1988, seja com a adoção dos princípios do estado Democrático de
Direito, seja sob a inspiração do neoliberalismo e da globalização, do sistema da
common law e do direito comunitário europeu, que levaram à chamada Reforma do
Estado, na qual se insere a Reforma da Administração Pública e, em consequência, a
introdução de novidades no âmbito do Direito Administrativo.
Esta observação é complementada por Selma Ferreira Lemes281, ao afirmar que “os
valores e princípios que advêm do Direito Administrativo constitucional projetam-se na
legislação infraconstitucional de modo a outorgar-lhe novos matizes”. E a propósito da Carta
Magna brasileira, Odete Medauar282 explica que ela
não menciona a expressão: Estado Social, nem agrega o termo social aos
qualificativos democrático e de direito, no artigo 1º. Mas indubitável é a
preocupação social, sobretudo pela presença de um capítulo dedicado aos direitos
sociais. Existe um Estado social quando se verifica uma generalização dos
instrumentos e das ações públicas de bem estar social. A preocupação com o social
traz reflexos de peso na atividade da Administração e nos institutos do direito
administrativo. A Administração passa a ter também funções de assistência e
integração social, em cumprimento de exigências de Justiça e dos direitos sociais
declarados na Lei Maior.
Por seu lado, José Matias-Pereira283 aponta que foram duas décadas mais cedo em que
ocorreu o despertar de mudanças na Administração Pública e afirma:
observar-se que, a partir do final da década de 1970, começam ocorrer mudanças
nos paradigmas da Administração Pública, com a instituição de um novo modelo –
denominado gerencial – que tinha como preocupação central a ênfase na eficiência e
no controle dos resultados. Esse novo modelo veio promover a substituição do
modelo orientado para o controle das atividades meio das organizações burocráticas.
A orientação para o cidadão permitiu o surgimento de inúmeros instrumentos que
visam à simplificação dos procedimentos na Administração Pública.
280
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. V. 1. 25ª Ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.27.
281
LEMES, Selma Ferreira. Arbitragem na Administração Pública – Fundamentos Jurídicos e Eficiência
Econômica. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p.55
282
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 45-
46.
283
MATIAS-PEREIRA, José. Curso de Administração Pública – foco nas instituições e ações governamentais. 4
Ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 5.
284
PIERONI, Fabrizio de Lima. A Consensualidade e a Administração Pública: a autocomposição como método
adequado para a solução de conflitos concernentes aos entes públicos. Dissertação de mestrado. Disponível em
www.tede2.pucsp.br. Acesso em 30 jan. 2020. p.93.
140
Carlos Alberto de Salles286, concordando com esta última autora, esclarece que estas
mudanças ou metamorfoses não significam um simples encolhimento ou retirada estatal, mas,
sim, a exigência de “um correspondente aumento da capacidade e atividade regulatória”. Em
outras palavras, criam-se novas funções e atribuições de atuação, articulação, controle e
coordenação de atividades para o Estado. Assim é que o Estado passa a ter outros
qualificativos identificados por Diogo de Figueiredo Moreira Neto287 como Estado-regulador,
Estado-rede, Estado-estratégico, Estado-garantidor, Estado do diálogo, Estado-consensual etc.
Ao mesmo tempo, com tais características, o Estado, paralelamente, passa a incorporar em
seu dia a dia também novos vocábulos até então inexistentes em sua realidade, uma vez que
são mais alinhados à iniciativa privada, agregando palavras como privatização,
desestatização, desregulamentação, parceiras-público privadas, concessões de serviços
públicos etc.
Ao observar tais mudanças ou metamorfoses, Tercio Sampaio Ferraz Júnior288
identifica que a sociedade atual também vivencia constante transformação. Assim, afirma
“que as fronteiras entre público e o privado se tornam cada vez mais porosas”. E Odete
Medauar289, por sua vez, em concordância com este último, avança um pouco mais no sentido
de inferir que na “atualidade, parece estranho pensar em fronteiras rígidas entre o direito
285
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
Desenho Institucional e Procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 25.
286
SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em Contratos Administrativos. São Paulo: Forense, 2011. p. 63.
287
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Poder, Direito e Estado: o direito administrativo em tempos de
globalização. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p.143.
288
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Prefácio. In: GUERRA, Sérgio. Discricionariedade, Regulação e
Reflexividade. 4ª Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 13.
289
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 3ª Ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2017. p. 211.
141
público e o direito privado e se cogitar de que um possa ter primazia sobre o outro. A
separação se coloca, apenas, para fins didáticos e científicos”. Por isso, Vivian Lopez Valle290
explica o Direito Administrativo constituir-se em
um direito que se desenvolve a partir da necessidade de satisfação de direitos num
ambiente de incremento quantitativo e qualitativo das demandas sociais e de uma
proposta de Administração Pública contratualizada. A contemporaneidade exigiu do
Estado uma mudança de papel. De Estado prestador de serviços públicos, através de
estruturas do primeiro setor, passa-se a um Estado-garantidor de prestações de
interesse público. Tais relações pressupõem módulos convencionais capazes de
permitir desenvolvimento e controle da prestação dos serviços públicos e das
atividades econômicas de relevância para o interesse público.
291
Por outro lado, Odete Medauar , ao expressar sua visão sobre o que chamou de
Direito Administrativo contemporâneo, enfatiza que
além da finalidade de limite ao poder e garantia dos direitos individuais ante o
poder, deve preocupar-se em elaborar fórmulas para efetivação de direitos sociais e
econômicos, de direitos coletivos e difusos, que exigem prestações positivas. O
Direito Administrativo tem papel de relevo no desafio de uma nova sociedade em
constante mudança. A transformação sócio-política é propícia a mudança de
conteúdo e de forma do Direito Administrativo para que se torne mais acessível nos
seus enunciados, para que traduza vínculos mais equilibrados entre Estado e
sociedade, para que priorize o administrado, isolado ou em grupos, e não autoridade.
O enfoque evolutivo do Direito Administrativo significa, sobretudo, o intuito do seu
aprimoramento como técnica do justo e, por isso, da paz social.
290
VALLE, Vivian Cristina Lima López. O acordo Administrativo entre o Direito Público e o Direito Privado:
Emergência de uma Racionalidade Jurídico - Normativa Público – Privada? In: OLIVEIRA, Gustavo Justino
de. Acordos Administrativos no Brasil. São Paulo: Almedina, 2020. p. 65.
291
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 3ª Ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2017. p. 387-388.
292
GUERRA, Sérgio. Discricionariedade, Regulação e Reflexividade. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p.36.
293
VALLE, Vivian Cristina Lima López. O acordo Administrativo entre o Direito Público e o Direito Privado:
Emergência de uma Racionalidade Jurídico - Normativa Público – Privada? In: OLIVEIRA, Gustavo Justino
de. Acordos Administrativos no Brasil. São Paulo: Almedina, 2020. p. 63.
142
Nota-se, claramente, que as mudanças por que passa o Estado, seus órgãos, seus
integrantes e suas interações nos diversos níveis de sua atuação oferecem um cenário de
mutação constante, que repercutem em todas as suas atividades. O contexto da Administração
Pública, na qualidade de integrante do Direito Administrativo, não escapa desta tendência,
pois também reflete estas mutações em seus diversos elementos. A estruturação desta nova
perspectiva fez com que Diogo de Figueiredo Moreira Neto296 enfatizasse que
o conceito pós-moderno de Direito Administrativo, que se delineia nesta abertura do
século XXI já passa a se apresentar com características bastantes diferenciadas em
relação ao conceito anterior, tais como:
1º. a de ser mais um direito dos administrados do que um direito do Estado;
2º. a de servir a cidadãos e não mais a súditos;
3º. a de mostrar-se muito mais um direito de proteção e de prestação do que um
direito de imposição;
4º. a de atuar preponderantemente como um direito de distribuição do que um
direito para solucionar conflitos, e
5º. a de tornar-se, cada vez mais, um direito da consensualidade, em vez de um
direito de imperatividades.
294
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 3ª Ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2017. p. 386-387.
295
GUERRA, Sérgio. Discricionariedade, Regulação e Reflexividade. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 36.
296
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. O futuro das cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos.
In: ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Direito Administrativo e seus
novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 189.
143
Nesse sentido, vale lembrar Onofre Alves Batista Júnior297 ao observar que
o Direito Administrativo pós-moderno não pode mais se assentar em um perfil
puramente garantístico, mas deve oferecer instrumentos e condições para que a
Administração Pública possa cumprir sua missão de forma eficiente,
proporcionando o melhor atendimento possível das necessidades e interesses da
coletividade. O direito não deve impedir o movimento do Estado, mas fomentá-lo.
No Estado Democrático de Direito (eficiente, pluralista, participativo e infra-
estrutural) desenhado pela Constituição Federal de 1988, a Administração Pública
necessita se adaptar às mudanças rápidas e frequentes que ocorrem na sociedade
pluralista mutante, devendo para tanto, contar com a flexibilidade necessária para
que possa atuar de forma eficiente.
297
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Transações Administrativas. São Paulo: Quartier Latin, 2007 p. 15.
298
MARRARA, Thiago. Acordos no Direito da Concorrência. In: OLIVEIRA, Gustavo Justino de (coord.).
Acordos Administrativos no Brasil – Teoria e Prática. São Paulo: Almedina, 2020. p. 197.
299
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 3ª Ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2017. p. 387 e p.
413.
300
SANTOS, Bruno Grego dos. Transação Extrajudicial na Administração Pública. Tese de Doutorado.
Disponível em: www.tesesusp.br. Acesso em 30 jan. 2020. p. 333.
144
Nas palavras dos autores acima se nota claramente a necessidade de dinamismo a ser
empreendido pela Administração Pública da pós-modernidade, não somente pelo fato de estar
em constante evolução, mas, sobretudo, pelo enfrentamento de constantes desafios
decorrentes da contemporaneidade, inspirados no Estado social, nos elementos estruturantes
constitucionais, na proximidade cada vez maior entre público e privado, na transformação da
própria sociedade, dentre outros fatores já mencionados.
Conforme pondera Fernando de Almeida301, tomando-se como exemplo o Brasil,
“especialmente desde a adoção da ordem constitucional hoje vigente, de índole democrática,
verifica-se que vem crescendo enormemente a aplicação pela Administração Pública de
instrumento jurídicos fundados em acordos de vontades”. Motivo pelo qual Nathalia
Mazzonetto302 acrescenta que o
novo papel da Administração Pública inaugura um novo paradigma em que o estado
emana não apenas atos de império, orientados pelo Direito Administrativo e seus
princípios fundamentais norteadores, mas também e, sobretudo, atos de gestão, por
via dos quais a Administração Pública desce de seu patamar hierárquico para se
posicionar ao lado do particular, em condições iguais (mas nem tanto – o que não
deixa de ser natural. Afinal, fala em nome de uma coletividade complexa), dando
vida a atos ordinários de negócios jurídicos ou mesmo a contratos.
301
ALMEIDA, Fernando Menezes de. Prefácio. In: OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Acordos Administrativos no
Brasil. São Paulo: Almedina, 2020. p. 18.
302
MAZZONETTO, Nathalia. Novos (e adequados) rumos da Administração Pública na resolução de conflitos.
In: GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI, Bruno (org.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos
consensuais de solução de conflitos. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014. p. 277.
303
PIERONI, Fabrizio de Lima. A Consensualidade e a Administração Pública: a autocomposição como método
adequado para a solução de conflitos concernentes aos entes públicos. Dissertação de mestrado. Disponível em:
www.tede2.pucsp.br. Acesso em 30 jan. 2020. p.98-99.
304
ZARDO, Francisco. Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014. p. 196.
145
A consensualidade, portanto, é um tema que merece uma análise mais acurada, visto
ter sido tornada como uma tendência no Direito Administrativo e, consequentemente, também
na Administração Pública. Ao mesmo tempo, constitui-se como o expoente do cenário que a
Mediação propõe, lembrando que se refere à escolha do processo de resolução e não ao
conflito em si, como já destacado. Este aspecto requer um refletir maior, motivo pelo qual
será objeto de outro item específico ainda nesta mesma parte da presente dissertação.
Para tanto, impende observar a necessidade de se perquirir antes alguns elementos da
própria Administração Pública, partindo de sua delimitação conceitual a alguns de seus
elementos, em que a consensualidade e, por que não dizer, a Mediação atuam ou poderão
atuar. Evidentemente, como envolve a mutação de seus princípios, serão também objeto de
ilações, a fim de que se possa adentar efetivamente no tema da Mediação e a Administração
Pública.
José Matias-Pereira305 referendando lições de Luiz Carlos Bresser Pereira afirma que
a Administração Pública no Brasil passou por três grandes reformas na tentativa de
reestruturar e modernizar a máquina do Estado. A primeira, a Reforma Burocrática
de 1936, inspirada no modelo descrito por Weber; a segunda foi sistematizada no
Decreto-lei nº 200 de 1967. Ambas foram idealizadas e implementadas em contextos
de ditadura política e sem debates com a sociedade. A terceira, iniciada em 1995, foi
a primeira a pensar o setor público do país em um contexto democrático, com ênfase
para o atendimento dos seus cidadãos, e com a consideração de que as instituições
públicas devem ser eficientes e eficazes e o debate com a sociedade deve ser
incrementado.
305
MATIAS-PEREIRA, José. Curso de Administração Pública – foco nas instituições e ações governamentais. 4
Ed. São Paulo: Atlas, 2014. Cabe traz a lume que o autor faz referência à obra de Luiz Carlos Bresser Pereira em
notas de rodapé (BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Uma reforma gerencial da administração pública no
Brasil. Revista do Serviço Público. ENAP, ano 49, n 1, jan/mar. 1998).
306
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 3ª Ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2017. p. 60-61.
146
absolutistas, perdurando até 1930. Remonta a esse ano a doutrina brasileira fortemente
influenciada pelos Estados Unidos, constituindo-se na segunda fase, que é interrompida com o
advento da Constituição Federal de 1988. Esta última propiciou o despertar de maior interesse
sobre o tema, levando a uma aceleração de seu desenvolvimento. A autora ainda defende a
existência de outra fase, iniciada, aproximadamente, em 2003, com novas perspectivas
decorrentes do impulsionamento dado pelo intercâmbio cada vez maior entre os países em
função da globalização. Nota-se que, ao se aproximar os ensinamentos de ambos os autores,
confirma-se que com a Constituição de 1988 um novo impulso foi dado à Administração
Pública, por diversos fatores. Entre eles, destacam-se a consensualidade refletida em muitos
dos seus elementos, os quais serão citados mais adiante. Antes, porém, é relevante demarcá-la
e, na sequência, oferecer alguns de seus elementos em que essa consensualidade estará
presente.
307
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13 Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
141.
308
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 3ª Ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2017. p. 62.
147
os ministérios, suas secretarias e departamentos etc. Maria Sylvia Zanella Di Pietro309, por sua
vez, oferece outra perspectiva, com a separação dos aspectos objetivos e subjetivos da
Administração. Em sentido objetivo, incluem-se:
as funções de fomento (atividade administrativa de incentivo à iniciativa privada), a
polícia administrativa (toda atividade a executar limitações impostas pela lei aos
direitos individuais em favor do interesse público), o serviço público (atividade que
a Administração Pública executa, direta ou indiretamente, para satisfazer à
necessidade coletiva, sob o regime jurídico predominantemente público), e a
intervenção (regulamentação e fiscalização da atividade econômica de natureza
privada).
E, em sentido subjetivo, compreende a administração direta e indireta do Estado,
que pode ser identificada com precisão no art. 4º do Decreto Lei 200/67:
Decreto Lei 200/67 - Art. 4º - Administração Federal compreende:
I - A Administração Direta que se constitui dos serviços integrados na estrutura
administrativa da Presidência da República e dos Ministérios.
II – A Administração Indireta que compreende as seguintes categorias de entidades,
dotadas de personalidade jurídica própria:
a) Autarquias:
b) Empresas Públicas;
c) Sociedades de Economia Mista, e
d) Fundações públicas.
309
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª Ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 49-50.
310
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 62.
311
Idem. p. 63.
148
312
Idem. p. 128.
313
Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo. 13ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
p.217.
314
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 134
149
entre várias soluções, conferido por normas legais, devendo atender a parâmetros no seu
exercício, não se confundindo com arbitrariedade. O poder discricionário ou a escolha
discricionária, segundo Sergio Guerra315, se verifica no ordenamento jurídico pátrio
ao longo dos anos, inclusive em períodos não democráticos, essa sempre foi e
continua sendo uma prática legislativa fortemente adotada no Brasil, em que abre
espaço para a tomada de decisão (escolha) amparada em critérios amplos e de difícil
sindicabilidade, sob o binômio competência e oportunidade.
315
GUERRA, Sérgio. Discricionariedade, Regulação e Reflexibilidade - Uma Nova Teoria sobre as Escolhas
Administrativas. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 97.
316
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 141-
145
317
Idem. p. 67-68.
318
LEMES, Selma Maria Ferreira. Arbitragem na Administração Pública – Fundamentos Jurídicos e Eficiência
Econômica. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p 40-41.
150
Deve, segundo o referido autor, ser perfeito, no sentido de ter completado o ciclo
necessário para sua produção, válido, quando expedido em absoluta conformidade com os
requisitos do sistema normativo, e eficaz, quando produzir ou desencadear efeitos próprios.
Marçal Justen Filho321, por sua vez, identifica-o como a “manifestação de vontade apta a gerar
efeitos jurídicos, produzida no exercício de função administrativa”, não podendo se confundir
319
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p.345. Importante reproduzir, em complemento, que o referido autor identifica nestes tipos de atividades
os: “a) unilaterais, gerais e abstratos, dentre os quais se salientam os regulamentos; b) unilaterais e concretos,
frequentemente designados pura e simplesmente como atos administrativos, os quais, sendo embora atos
jurídicos como quaisquer outros, possuem, entretanto, características próprias no que atina às condições de sua
valida produção e força jurídica peculiar, no que se distinguem dos demais, justificando sejam estudados como
uma categoria à parte; o atendimento pela Administração das finalidades legais que em cada caso deve prover
não resulta da prática de um ato isolado, mas, pelo contrário, é o fruto de uma sucessão itinerária e encadeada de
atos compostos e ordenados em vista do ato final almejado. Esta sequência inúmeras vezes se deflagra por
iniciativa da própria Administração e outras tantas por iniciativa de algum interessado, canaliza a atuação
administrativa dentro de pautas que buscam contê-la em trilhas jurídicas corretas e arrecadas as informações
necessárias para desembocar na solução mais adequada. É isto que se chama processo administrativo ou
procedimentos administrativos, como preferem outros. D) afora os atos unilaterais que pratica, a Administração
também se envolve em atos bilaterais, consensuais, nominados de contratos administrativos, os quais, também
eles, inobstante a doutrina e a legislação pátria os aloquem no gênero contrato, apresentam um regime próprio,
justificando que sejam tratados como uma figura específica do Direito Administrativo.” Cf. p. 345 e 346.
320
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 393-396.
321
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
293-294.
151
com uma declaração, produzindo efeitos jurídicos, por exemplo, uma norma jurídica que
disciplina a conduta de agente público e/ou privado. Pode consistir também na execução de
um comando expresso ou implícito constante de uma norma jurídica pré-existente
(constitucional, legal ou infralegal) e sempre é realizado no exercício de uma função
administrativa.
Odete Medauar322, entretanto, preleciona que o
ato administrativo constitui, assim um dos modos de expressão das decisões
tomadas por órgãos e autoridades da Administração Pública, que produz efeitos
jurídicos, em especial no sentido de reconhecer, modificar, extinguir direitos ou
impor restrições e obrigações com observância da legalidade.
322
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p.169.
323
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 648.
152
Celso Bandeira de Mello325 esclarece que este tipo de contrato possui especificidades
que
se manifestam, sobretudo, no fato de que a Administração, por razões de interesse
público, pode, por decisão unilateral, modifica-los ou prematuramente encerrá-los,
nos limites e casos que a lei indica, além de dispor de amplo poder fiscalizatório
sobre sua execução e possibilidade de aplicar, ela própria, sanções ao contratante
faltoso”. E continua, “sucede que, ao contrário dos particulares, que podem escolher
livremente sua contraparte, a Administração quando se propõe a contratar necessita
realizar procedimento ou processo prévio, salvo em algumas situações que a lei
refere, a fim de eleger em um certame isonômico a proposta mais satisfatória. Este
processo ou procedimento se chama licitação. Assim, tal como os atos
administrativos cujo desenlace final deve ser precedido de um processo (ou
procedimento), também os contratos administrativos são colhidos por um
equivalente trâmite, seja para reconhecer-se que ocorreu uma hipótese legal em que
a licitação é dispensável ou inexigível, seja para deflagrar e desenvolver o certame
licitatório.
324
BITTENCOURT, Sidney. Contratos da Administração Pública – Oriundos de Licitações, Dispensas e
Inexigibilidades. Leme: Jhmizuno, 2015. p. 31-32.
325
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 346.
326
SALLA, Ricardo Medina. Arbitragem e Administração Pública – Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. São
Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 60.
327
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª Ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 251.
153
privadas, para a consecução de fins públicos, segundo regime jurídico de direito público”.
Quanto ao contrato de direito privado, concorda com o autor anterior, pontuando que o
referido contrato passa a ser marcado pela horizontalidade, ao passo que nos contratos
administrativos, a Administração age como poder público, como todo o seu poder de império
sobre o particular, caracterizando-se a relação pelo traço da verticalidade. Por isso, conclui
Ricardo Medina Salla328:
enquanto a finalidade do contratante privado é satisfazer um interesse particular e
auferir lucro, a finalidade oposta da Administração sempre corresponde ao
atendimento do interesse coletivo. De fato, pouco importa se o regime jurídico
aplicável ao contrato é de direito privado ou público, o objetivo da Administração
jamais será outro que não o beneficiamento do interesse público.
Por outro lado, André Rodrigues Junqueira330, próximo a este entendimento, apresenta
um outro critério para este instituto, baseado na evolução legislativa brasileira, que caminhou
no sentido da
criação abrangente de procedimentos, principalmente no bojo da licitação, e
unificação de regimes jurídicos, praticamente extinguindo a distinção doutrinária
entre contratos administrativos e contratos privados celebrados pela Administração,
328
SALLA, Ricardo Medina. Arbitragem e Administração Pública – Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. São
Paulo: Quartier Latin, 2015 p. 61.
329
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 261.
330
JUNQUEIRA, André Rodrigues. Arbitragem nas Parcerias Público-Privadas – Um estudo de caso. Belo
Horizonte: Fórum, 2019. p. 40-49.
154
O processo administrativo, de acordo com Odete Medauar 331, justifica-se pelo fato de
que “nem todos os atos administrativos são editados de imediato pelos agentes
administrativos”. Em muitos casos, o ordenamento impõe a precedência de uma série de
fases, cujo momento final é a edição de um ato administrativo. Assim, alguns atos são
emitidos como resultado de um processo administrativo. Na mesma linha destaca Celso
Bandeira de Mello332 ao afirmar:
é certo que entre a lei e o ato administrativo existe um intervalo, pois o ato não surge
como um passe de mágica. Ele é produto de um processo ou procedimento através
do qual a possibilidade ou a exigência, supostas na lei em abstrato, passam para o
plano de concreção. Nele se estrutura, se compõe, se canaliza e a final se estampa a
vontade administrativa. Evidentemente, existe sempre um modus operandi para
chegar-se a um ato administrativo final.
Nesse sentido, Marçal Justen Filho333 realça que “salvo situações excepcionais, todo
ato administrativo deve ser produzido no bojo de um procedimento. O conteúdo e a validade
dos atos administrativos dependem da observância ao procedimento devido”. Isso não
significa o desaparecimento do instituto do ato administrativo e sua substituição por
procedimentos administrativos. Mas não é cabível examinar o ato administrativo sem
considerar o procedimento a ele referido. E adiciona que a finalidade da procedimentalização
é múltipla, apontando: o controle do poder para evitar o exercício abusivo do poder jurídico;
o exercício da democracia por intermédio da participação dos interessados na formação da
vontade estatal; aperfeiçoamento técnico da atividade administrativa com a contraposição de
teses; redução da litigiosidade por meio da participação dos interessados que poderá propiciar
a composição de interesses. Odete Medauar334 acrescenta de sua parte: “garantia jurídica para
todos; melhor conteúdo das decisões; correto desempenho da função, maior justiça na
331
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 198.
332
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 500.
333
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
263.
334
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p.
200-202.
155
335
BERGAMASCHI, André Luís. A Resolução dos Conflitos envolvendo a Administração Pública por meio de
mecanismos consensuais. Tese de Mestrado. Disponível em www.tesesusp.br. Acesso em 30 dez. 2019. p. 50.
336
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
97.
156
administrativo. Esse enfoque deve ser aperfeiçoado, uma vez que o regime de direito
administrativo é produzido pelos direitos fundamentais (que se manifestam por via de normas
constitucionais de distinta natureza). Os princípios apresentam enorme relevância no âmbito
do direito administrativo. A atividade administrativa traduz o exercício de poderes-deveres, o
que significa vinculação quanto ao fim a ser atingido. Em inúmeras oportunidades, a conduta
a ser adotada dependerá das circunstâncias, o que não equivalerá a consagrar a liberdade para
o agente escolher o que bem entender. Nessas situações, pode haver alguma autonomia de
escolha quanto ao meio a adotar, e os princípios serão o instrumento normativo apropriado
para evitar escolhas inadequadas.
Como assinala Odete Medauar337, “a partir da segunda metade dos anos 90 do século
passado gradualmente os princípios autoritários se atenuaram ou desapareceram”, pois para o
Direito Administrativo assumem valor de garantia e potencial dos direitos e interesses do
cidadão. E ressalta que a importância dos princípios está centrada, também, na possibilidade
de promover soluções de situações não previstas, para permitir melhor compreensão dos
textos esparsos e para conferir certa segurança aos cidadãos quanto à extensão dos seus
direitos e deveres. Ao mesmo tempo, afirma, os princípios revestem-se de função positiva ao
se considerar a influência que exercem na elaboração de normas e decisões sucessivas, na
atividade de interpretação do Direito; atuam, assim, na tarefa de criação, desenvolvimento e
execução do direito e de medidas para que se realize a justiça e a paz social; sua função
negativa significa a rejeição de valores e normas que os contrariam. Por isso, convém
oferecer, mesmo de forma genérica, alguns dos que norteiam esta área e serão úteis para
compreensão das mutações em curso diante do consensualismo e da Mediação.
Antes de adentrar nas breves observações sobre alguns princípios que norteiam a
Administração Pública, desde aqueles constantes na Carta Magna, passando pelos incluídos
na evolução do Direito Administrativo, que muitas vezes podem parecer contrários à
consensualidade, ou mesmo desincentivadores da Mediação, cabe lembrar o que leciona
Celso Antônio Bandeira de Mello338, ao lembrar um princípio da Administração Pública não
positivado, que permeia o pensamento comum da sociedade como um todo, no sentido da
337
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 149.
338
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 59.
157
supremacia do interesse público em dicotomia com o interesse individual. Para ele ninguém
nega a importância da noção jurídica do interesse público. E destaca:
ao se pensar no interesse público, pensa-se, habitualmente, em uma categoria
contraposta à do interesse privado, individual, isto é, ao interesse pessoal de cada
um. Acerta-se em dizer que se constitui no interesse do todo, ou seja, do próprio
conjunto social, assim como acerta-se também em sublinhar que não se confunde
com a somatória dos interesses individuais, peculiares de cada qual. Dizer isto,
entretanto, é dizer muito pouco para compreender-se verdadeiramente o que é o
interesse público.
Ao mesmo tempo, Onofre Alves Batista Junior339 ao discorrer sobre o mesmo tema
lembra que “o Estado e a Administração Pública apenas existem se podem promover o bem
comum”. Compartilhando com a mesma perspectiva, Maurício Morais Tonin340 reforça que a
missão permanente da Administração é a
busca do bem comum e, como dever inalienável a ser cumprido através do exercício
do poder, a prática da justiça. Neste sentido, a ideia de interesse público por certo
engloba a defesa de um interesse privado nos termos do que estiver disposto na
Constituição, isto é, a proteção do interesse privado não é apenas do particular que
possa vir a ser afetado, mas é de interesse de toda a coletividade que seja defendido.
339
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Transações Administrativas. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 315.
340
TONIN, Maurício Morais. Arbitragem, Mediação e Outros Métodos de Solução de Conflitos Envolvendo o
Poder Público. São Paulo: Almedina, 2019. p. 56.
341
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 62. Relevante chamar a atenção para a conclusão a que o autor chega, quando reafirma a importância de
bem conceituar o interesse público por residir em “duplo aspecto; a saber: a) de um lado, enseja mais facilmente
desmascarar o mito que interesses qualificados como públicos são insuscetíveis de serem defendidos por
particulares (salvo em ação popular ou civil pública) mesmo quando seu desatendimento produz agravo
pessoalmente sofrido pelo administrado, pois aniquila o pretenso calço teórico que arrimaria: a indevida
suposição de que os particulares são estranhos a tais interesses; isto é, o errôneo entendimento de que as normas
que os contemplam foram editadas em atenção a interesses coletivos, que não lhes diriam respeito, por irrelatos a
interesses individuais. E b) de outro lado, mitigando a falsa desvinculação absoluta entre uns e outros, adverte
contra o equívoco ainda pior – e, ademais, frequente entre nós – de supor que sendo, sendo os interesses públicos
interesses do Estado, todo e qualquer interesse do Estado (e demais pessoas de Direito Público) seria ipso facto
um interesse público. Trazendo à baila a circunstância de que tais sujeitos são apenas depositários de um
interesse”.
158
Por força da evolução do Direito Administrativo, esses princípios e outros que serão
brevemente comentados a seguir não são tão contrários à Mediação como aparentemente
podem parecer. Mesmo porque, reproduzindo Thiago Marrara342, o
movimento de consensualização do Direito Administrativo contemporâneo, que se
deixa brevemente definir como o fenômeno da valorização de instrumentos
dialógicos contratuais, procedimentais ou organizacionais favoráveis à edificação de
consensos nas relações intra-administrativas, interadministrativas e nas relações
entre Poder Público e sociedade.
E pondera, por outro lado, que este princípio possui a extensão e compostura que a
ordem jurídica lhe houver atribuído na Constituição e nas leis com ela consonantes. Portanto,
jamais caberia invocá-lo abstratamente, com precedência do perfil constitucional que lhe haja
sido derrogado. Não caberia recorrer a ele contra a Constituição ou as leis. Juridicamente, sua
dimensão, intensidade e tônica são fornecidas pelo Direito posto, e só por este ângulo é que
pode ser considerado e invocado.
342
MARRARA, Thiago. Acordos no Direito da Concorrência. In: OLIVEIRA, Gustavo Justino de (coord.).
Acordos Administrativos no Brasil. São Paulo: Almedina, 2020. p. 197.
343
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 99-100.
159
Odete Medauar344, por seu turno, nega a existência de tal princípio pelo fato de ir
contra o interesse da coletividade, automaticamente contra o interesse público, além de se
constituir em um desvio de finalidade da Administração. E argumenta que,
se um dia existiu, enfatiza, está ultrapassado por várias razões, a seguir expostas de
modo sucinto:
a) Ante a Constituição Federal de 1988, que prioriza os direitos fundamentais,
direitos estes essencialmente dos particulares, soa ilógico e incoerente à diretriz
constitucional invocá-lo como princípio do Direito Administrativo;
b) Mostra-se pertinente à Constituição de 1988 e à doutrina administrativa
contemporânea a ideia de que à Administração cabe realizar a ponderação de
interesses presentes numa determinada situação para que não ocorra sacrifício a
priori de nenhum interesse; o objetivo desta função está na busca de compatibilidade
ou conciliação dos interesses, com a minimização dos sacrifícios. Até autores que se
aferram a este princípio reconhecem a necessidade de sua reconstrução, de sua
adequação à dinâmica social, de sai adaptação visando à harmonização dos
interesses.
c) O princípio da proporcionalidade também matiza o sentido absoluto do preceito
pois implica, entre outras decorrências, a busca da providência menos gravosa, na
obtenção de um resultado.
d) Tal princípio não vem indicado na maioria maciça das obras doutrinárias
contemporâneas.
Sergio Guerra345, com a mesma ótica da autora acima citada, ensina que “há por certo
um enriquecimento do direito administrativo no século XXI com o intercâmbio de questões
com suas ramificações com o direito privado e com o direito administrativo alienígena, este
em um ambiente de internacionalização do próprio direito”. Acrescenta ainda que a
supremacia do interesse público e, indiretamente, da Administração Pública, nesta fase, deve
deixar de ser um atributo permanente e prevalente e se converter em um privilégio que deve
ser concedido caso a caso pela lei. Consequentemente, supremacia e unilateralidade se
substituem por consenso e bilateralidade.
Deve-se, dessa forma, enfatizar que este princípio caiu em desuso a partir dos
postulados constitucionais e na atualidade não se constitui em óbice para o consensualismo ou
mesmo para a Mediação. Nesse sentido, reforça a perspectiva de releitura a partir do momento
atual, sobretudo nas palavras de Juliana de Palma346, que assim destaca, ao assinalar a
insuficiência deste princípio para a fundamentação do provimento administrativo:
344
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p.162.
345
GUERRA, Sérgio. Discricionariedade, Regulação e Reflexibilidade - Uma Nova Teoria sobre as Escolhas
Administrativas. Belo Horizonte: Fórum, 2019 ps. 136-137. Deve-se observar que as duas últimas frases são a
tradução livre do espanhol para o português, extraídas do livro La globalización jurídica, de autoria do italiano
Sabino Cassese (traduzido para o espanhol por Luis Ortega, Isaac Martin Delgado e Isabel Gallego. Madrid:
Marcial Pons, 2006. p. 185. A edição original tem o título de Lo spazio giuridico globale (Roma- Bari: Laterza,
2003).
346
PALMA, Juliana Bonacorsi. Atuação Administrativa Consensual. Dissertação de Mestrado. Disponível em
www.tesesusp.br. Acesso em 30 dez. 2019. p. 153.
160
Nesse sentido, em uso ou desuso, superado ou não superado, não significa obstáculo
para a Mediação. Por isso, nem será mencionado a partir de agora.
instaurando com ele o princípio de que todo governo emana do povo, de tal sorte que
os cidadãos é que são proclamados como os detentores do poder. Os governantes nada mais
são, pois, que representantes da sociedade.
347
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
104 e 114.
348
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 103.
161
Odete Medauar349, sob perspectiva, por ela identificada como mais simplista, leciona
que “o princípio da legalidade traduz-se, de modo simples, na seguinte fórmula: a
Administração deve sujeitar-se às normas legais”. Essa aparente simplicidade oculta questões
relevantes quanto ao modo de aplicar, na prática, esse princípio. Por isso, endossando os
ensinamentos de Charles Eisenmann350, a referida autora pontua que pressupõe quatro
aspectos:
a) a Administração pode realizar todo os atos e medidas que não sejam contrários à
lei;
b) a Administração só pode editar atos ou medidas que não sejam contrários à lei;
c) somente são permitidos atos cujo conteúdo seja conforme a um esquema abstrato
fixado por norma legislativa; e
d) a Administração só pode realizar atos ou medidas que a lei ordena fazer.
349
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 150.
350
Charles Eisenmann é conhecido administrativista, foi professor na Sorbonne e escreveu um célebre tratado do
direito administrativo, chamado Curso de Direito Administrativo, ao qual a autora faz alusão, adotando seu
critério. (EISENMANN, Charles. Cours de droit administratif. Paris: LGDJ, 1982. V.1).
351
SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.
237.
352
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 103 e 108.
162
Dentro dos aspectos acima apontados, Onofre Alves Batista Junior353 revela, por outro
lado, que, com o advento do Estado Liberal, seguido do Estado Social e do Estado
Democrático de Direito, acompanhados da crescente complexidade da sociedade e
permanente evolução das instituições, este princípio foi perdendo sua absoluta pujança,
deixando de ser visto como um super-princípio com relação aos demais. E lembra que “a
realidade moderna provou que uma autuação administrativa formalmente perfeita, ajustada
minuciosa e rigidamente em todos os seus elementos e momentos procedimentais, à prévia
regra legal, pode não garantir a obtenção de um resultado ótimo, pode ser ineficiente”. O
princípio da legalidade, segundo o autor, ainda que observado na íntegra, não é suficiente,
sempre, para garantir situações jurídicas subjetivas de maior vantagem para o cidadão.
Perante o dinamismo da realidade deste início de século, o princípio da eficiência faz-se
presente para atenuar a rigidez e o formalismo exacerbado que, tendencialmente, não
favorecem a eficiência, mas como diretriz constitucional autônoma, não se contrapõe aos
ditames da legalidade. Diante do dinamismo da sociedade eletrônica pluralista e democrática,
a Constituição não apenas exige uma atuação administrativa correta, legal, mas também
eficiente, que se desenvolva segundo regras que possibilitem a desburocratização, a
economicidade, a eficácia, o rendimento, a simplicidade, a perfeição, a celeridade etc. Em
síntese, no moderno Estado Democrático de Direito (eficiente e pluralista), perante as
exigências postas pelo princípio da legalidade, não se admite entregar à burocracia,
desprovida de legitimidade democrática, liberdade decisória, ou seja, não se pode pagar com a
legalidade um tributo à eficiência.
No mesmo sentido Odete Medauar354 esclarece que a compreensão desse princípio
hoje
deve abranger não somente a lei formal, mas também os preceitos decorrentes de um
Estado democrático de direito, que é o modo de ser do Estado brasileiro, conforme
prevê o artigo 1º caput da Constituição; e ainda, deve incluir os demais fundamentos
e princípios de base constitucional. Desse modo vincula-se a atividade
administrativa aos valores que informam o ordenamento como um todo.
353
BATISTA JUNIOR, Onofre Alves. Transações Administrativas. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 102-109.
354
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 3. Ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2017. p.174.
163
355
NEIVA, Geisa Rosignoli. Conciliação e Mediação na Administração Pública – Parâmetros para sua
efetivação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p.84.
356
BERGAMASCHI, André Luís. A Resolução dos Conflitos envolvendo a Administração Pública por meio de
mecanismos consensuais. Tese de Mestrado. Disponível em www.tesesusp.br. Acesso em 30 dez. 2019.
357
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
105.
358
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 117.
164
359
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015 p. 151.
360
PIERONI, Fabrizio de Lima. A Consensualidade e a Administração Pública: a autocomposição como método
adequado para a solução de conflitos concernentes aos entes públicos. Dissertação de Mestrado; Disponível em:
www.tede2.pucsp.br. Acesso em 30 jan. 2020. p.110.
165
Onofre Alves Batista Júnior362, entretanto, esclarece que este princípio hoje
“ultrapassa a ideia de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração, para
se tornar um vetor para a função administrativa, que exige uma atuação pautada por conduta
ética, em conformidade com os valores sociais prevalentes, voltada para a justa realização dos
fins estatais”. Por outro lado, sustenta o autor, não carrega a ilusão de poder expurgar todos os
vícios e assentar todas a virtudes da atuação administrativa, mas se volta apenas para alguns
aspectos determinados da conduta da Administração, de grande relevância social. Dentre eles,
destaca a probidade administrativa, a boa-fé, a proteção da confiança dos administrados na
Administração e a veracidade.
Mais um princípio que não obstaculiza a consensualidade ou mesmo a Mediação, já
que pressupõe a tomada de decisão por instâncias de deliberação e controle procedimental, os
quais devem levar a ganhos de eficiência, uma vez que a decisão consensual com a
361
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
105-106.
362
BATISTA JUNIOR, Onofre Alves. Transações Administrativas. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 119-121.
166
363
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 159-
160.
364
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 117.
365
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
106
167
presentes observações, bem demonstra que não se trata de elemento que possa oferecer
alguma dificuldade tanto para o consensualismo, quanto para a Mediação. Muito ao contrário,
face ao pressuposto de ambos, isto é, ao fato de que a estruturação de suas metodologias é
baseada na autonomia plena de seus participantes, a flexibilidade se constitui em outro
componente de excelente adequação.
Nesta perspectiva, Fabrizio Pieroni366 agrega com ênfase:
não há dúvidas de que, pela índole infraconstitucional, a confidencialidade se
submete ao princípio constitucional da publicidade. Ainda que a divulgação dos atos
e das informações produzidas durante o procedimento da Mediação ou da
Conciliação possa ser desestímulo, prevalece o interesse público na transferência e
na publicidade das informações em detrimento do relativo ao acordo. É
inadmissível, portanto, pensar em confidencialidade do procedimento de Mediação
ou de Conciliação envolvendo a Administração Pública quanto aos termos do
acordo, documentos ou informações que permearam a discussão das propostas de
solução.
366
PIERONI, Fabrizio de Lima. A Consensualidade e a Administração Pública: a autocomposição como método
adequado para a solução de conflitos concernentes aos entes públicos. Dissertação de Mestrado; Disponível em:
www.tede2.pucsp.br. Acesso em 30 jan. 2020. p. 112. O referido autor explica na sequência as exceções ao
limite da duplicidade contidas na “Lei de Acesso à informação (Lei 12.527/2011). Assim, na Mediação e na
Conciliação, a publicidade é a regra e a confidencialidade deve ceder espaço, salvo nas situações excepcionais
previstas na Lei, como no caso de informações que ponham em risco a defesa e a soberania nacionais ou a
integridade do território nacional(art 23, I); que possam prejudicar ou por em risco a condução de negociações
ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e
organismos internacionais( art. 23, II); que ponham em risco a vida, a segurança ou a saúde da população (art 23,
III); que ofereçam elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País (art 23, IV); que
prejudiquem ou possam causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas ( art. 23, V); que
possam prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim
como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional (art. 23, VI): que possam pôr em
risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais e estrangeiras e seus familiares ( art. 23, VII);
ou que possam comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em
andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações (a rt. 23, VIII).”. Cf. p. 113.
168
Para ele, este princípio impõe como primeiro dever à Administração evitar o
desperdício e a falha, pois a otimização do uso dos recursos permite a realização mais rápida e
mais ampla dos encargos estatais. Impõe também que o fim buscado pela Administração deva
ser realizado segundo menor custo econômico possível, o que não é a obtenção de maior
lucro.
Onofre Alves Batista Junior371, por sua vez, lembra que este princípio é a expressão
da ideia da boa administração, traduzindo “a necessidade de atendimento abrangente, célere,
367
BERGAMASCHI, André Luís. A Resolução dos Conflitos envolvendo a Administração Pública por meio de
mecanismos consensuais. Tese de Mestrado. Disponível em www.tesesusp.br. Acesso em 30 dez. 2019. p. 59.
368
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
Desenho Institucional e Procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p.99.
369
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno.19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 161.
370
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
108-110.
371
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Transações Administrativas. São Paulo: Quartier Latin, 2007 p. 101-103.
169
Por isso, defende que este princípio deve ser compreendido com as seguintes
vertentes: (i) a eficiência como sinônimo de boa administração; (ii) a eficiência como
comando de otimização das decisões administrativas; e (iii) eficiência como dever de escolha
do meio mais adequado para determinar decisões eficientes ao caso concreto.
Denota-se, ante as considerações dos autores acima e, sobretudo, as de Juliana de
Palma, que este princípio em nada poderá criar impedimentos quer à consensualidade quer à
Mediação. Muito pelo contrário, pode ser considerado um verdadeiro incentivador de ambos.
Luciane Moessa de Souza até atribui a este princípio o fundamento para a adoção da
consensualidade e, em especial, da Mediação, já que pressupõem que os conflitos envolvendo
entes públicos “sejam resolvidos da forma que melhor apresente a relação custo-benefício, o
que se mede segundo o menor custo, no menor tempo, menor desgaste” para os participantes,
372
ÁVILA, Humberto. Moralidade, razoabilidade e eficiência na atividade administrativa. Revista Eletrônica de
Direito do Estado. Salvador, IBDF. N4, out/dez.2005. Disponível em:
http://direitodoestado.com.br/artigo/humberto-avila/moralidade-razoabilidade-e-eficiência-atividade-
administrativa. Acesso em: 30 dez. 2019. p. 15
373
PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação Administrativa Consensual – Estudo dos acordos substitutivos no
processo administrativo sancionador. Dissertação de Mestrado. Disponível em: www.tesesusp.br. Acesso em 30
dez. 2019. p. 91.
170
sem dizer resultados de benefícios mútuos para os que dele participam. André
Bergamaschi374, entretanto, adverte que
é necessário evitar o entendimento errôneo de que a eficiência deve ser levada ao
cabo com sacrifício da legalidade. O princípio da legalidade dos atos da
Administração Pública tem como objetivo fazer valer a finalidade pública, veiculado
pela vontade estatal como representativa da sociedade. Sendo assim, a busca pela
eficiência deve ser canalizada conforme as permissões legais dadas à atuação no
caso, não podendo a Administração valer-se de expedientes que, apesar de atingir a
finalidade de maneira eficiente, desconsideram as margens de sua atuação e violam
a própria segurança do ato.
374
BERGAMASCHI, André Luís. A Resolução dos Conflitos envolvendo a Administração Pública por meio de
mecanismos consensuais. Tese de Mestrado. Disponível em www.tesesusp.br. Acesso em 30 dez. 2019. p. 62.
375
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 77.
376
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 163.
171
377
Carlos Alberto de Salles por seu turno, enfatiza que hoje este princípio,
“inicialmente é um limitador para soluções consensuais, a partir do momento que a
indisponibilidade seja objeto do conflito. Ressalta a necessidade de tratar o tema com maior
atenção, pois deve possuir um significado específico, considerando sua finalidade e função no
sistema jurídico”. Afirma que a característica de indisponibilidade, a esse propósito, deve ser
distinguida de outras situações jurídicas na quais existam condicionamentos específicos para
disposição de determinados bens, como ocorre em muitas situações envolvendo o Poder
Público. Para tanto, propõe a separação entre indisponibilidade material e indisponibilidade
normativa e a diferenciação entre indisponibilidade e reserva de jurisdição. Odete Medauar378,
com base na perspectiva da contemporaneidade, ressalta que
não se mostra adequado invocar tal princípio como impedimento à realização de
acordos, à utilização de práticas consensuais e da arbitragem pela Administração. Na
verdade, o interesse público realiza-se plenamente, sem ter sido deixado de lado,
rápida solução de controvérsias, na conciliação de interesses, na adesão de
particularidades à suas diretrizes, sem ônus e a lentidão da via jurisdicional.
E Silvia Johonsom di Salvo379, por seu turno, agrega a nova visão de seus norteadores,
ao explicar que
admitir-se que todo interesse público é indisponível é negar a própria existência da
contratualização administrativa e assumir a predominância de uma vertente
autoritária e centralizadora da Administração Pública. A partir do fenômeno da
globalização, as sociedades perderam as amarras impostas pelos limites geográficos
de seus Estados-nação. As relações econômico-sociais se intensificaram,
requisitando novos modelos de gestão para esta nova sociedade a aldeia global. As
transformações no modelo de Estado, impingidas por uma nova ideia de função
estatal inspirada na consensualidade e flexibilidade, demandam releitura da
concepção tradicional da indisponibilidade do interesse públicos.
Este é mais um princípio que poderá oferecer obstáculos para o emprego da Mediação
no contexto público. Como todos os demais, muito dependerá de onde for oferecida a
atividade, o conflito em que os possíveis participantes estejam envolvidos e a existência ou
não de todos os elementos estruturantes da Mediação. O tema será debatido na Parte IV da
presente dissertação.
377
SALLES, Carlos Alberto de. A indisponibilidade e a solução consensual de controvérsias. In: GABBAY,
Daniela Monteiro; TAKAHASHI, Bruno (org.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos consensuais de
solução de conflitos. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014. p. 225-226.
378
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 164.
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
379
380
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 113.
381
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 163.
382
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 115.
173
Com base nos elementos acima destacados, Diogo de Figueiredo Moreira Neto386
sublinha que
383
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 132
384
SOUZA, Luciane Moessa de. Mediação de Conflitos envolvendo entes públicos. In: SOUZA, Luciane Moessa
de (coord.). Mediação de conflitos – Novo paradigma de acesso à Justiça. 2 Ed. Santa Cruz do Sul: Essere nel
Mondo, 2015. p. 332.
385
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 3ª Ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2017. p. 314.
386
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. O futuro das cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos.
In: ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Direito Administrativo e seus
novos paradigmas. Belo Horizonte, Forum, 2008. p. 79.
174
Este eixo dogmático, para Vivian Valle388, significa que a Administração, ao optar
pelos métodos dialógicos, está fazendo uma escolha “pelo consenso e não pela autoridade,
adotando um princípio da preferência ao consenso”. Convém destacar este último aspecto, o
qual reforça a grande evolução do Direito Administrativo pátrio e, consequentemente, a
Administração Pública na direção da consensualidade, com a construção de um cenário
pródigo para implementação efetiva da Mediação. Daí a importância de analisar a
Administração Pública e a consensualidade.
387
OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Convênio é acordo, mas não é contrato: contributo de Hely Lopes Meirelles
para a evolução dos acordos administrativos no Brasil. In: WALD, Arnold; JUSTEN FILHO, Marçal;
PEREIRA, Cesar Augusto Guimarães (org.). O direito Administrativo na atualidade: estudos em homenagem ao
centenário de Hely Lopes Meirelles (1917-2017), defensor do estado de direito. São Paulo: Malheiros, 2017. p.
523.
388
VALLE, Vivian Cristina Lima López. O acordo Administrativo entre o Direito Público e o Direito Privado:
Emergência de uma Racionalidade Jurídico – Normativa Público – Privada? In: OLIVEIRA, Gustavo Justino
de. Acordos Administrativos no Brasil. São Paulo: Almedina, 2020. p. 87.
175
389
MEDAUAR, Odete. Considerações sobre o futuro das cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos.
São Paulo. Revista do Advogado, Ano XXIX, Dezembro, 2009, Contratos com o Poder Público. p. 16.
390
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Quatro paradigmas do Direito Administrativo pós-moderno –
Legitimidade – finalidade – eficiência – resultado. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 29-31
391
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 34.
392
PALMA, Juliana Bonacorsi de. A consensualidade na Administração Pública e seu controle judicial. In:
GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI, Bruno (org.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos
consensuais de solução de conflitos. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014. p. 143.
176
393
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos Institutos Consensuais da Ação Administrativa. Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 231, p. 129-156, jan/mar. 2003.
394
BERGAMASCHI, André Luís. A Resolução dos Conflitos envolvendo a Administração Pública por meio de
mecanismos consensuais. Tese de Mestrado. Disponível em www.tesesusp.br. Acesso em 30 dez. 2019. p. 59.
177
Silvia Johonsom di Salvo, por sua vez, considera o consensualismo um dos grandes
marcos de evolução da gestão administrativa no século XIX. Em suas palavras, “em
contraposição à Administração Pública burocrática, a consensualidade rompe com a
concepção clássica de verticalização da relação entre Administração e administrados, incutida
na doutrina e transplantada para a realidade gerencial do Poder Público”396.
Juliana de Palma397, por seu turno, atribui o surgimento do interesse pelo
consensualismo às mudanças anteriormente mencionadas e a uma postura mais instrumental
do Direito Administrativo, baseada na
democracia substantiva, como fator de participação administrativa, a
contratualização, como fenômeno crescente da atuação da Administração para
satisfazer suas competências, privilegiando a figura do contrato administrativo em
detrimento da intervenção direta estatal e abrangendo a concertação administrativa,
e, por derradeiro a eficácia como diretriz de sua atuação.
395
VALLE, Vivian Cristina Lima López. O acordo Administrativo entre o Direito Público e o Direito Privado:
Emergência de uma Racionalidade Jurídico - Normativa Público – Privada? In: OLIVEIRA, Gustavo Justino
de. Acordos Administrativos no Brasil. São Paulo: Almedina, 2020. p. 65.
396
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 23.
397
PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação Administrativa Consensual – Estudo dos acordos substitutivos no
processo administrativo sancionador. Dissertação de Mestrado. Disponível em: www.tesesusp.br. Acesso em 30
dez. 2019. Por oportuno, vale reproduzir os três fatores identificados pela autora: “além de fundamentar a
consensualidade, a democracia substantiva é também considerada fator que enseja a participação administrativa.
Este eixo de desenvolvimento comum ao lado do fato de a participação administrativa ser o pressuposto prático
da celebração de acordos administrativos faz com que a consensualidade seja muitas vezes compreendida no
tema da participação administrativa. Nessa linha, também é comum que a participação administrativa seja
mencionada nos textos sobre consensualidade e até mesmo seja considerada como um instrumento consensual.
Outro fator de ascensão da consensualidade no Direito Administrativo brasileiro debatido corresponde à
contratualização, fenômeno que corresponde ao crescente recurso à módulos contratuais pela Administração
Pública para satisfazer suas competências, privilegiando a figura do contrato administrativo em detrimento da
intervenção direta estatal ou, ainda, das manifestações de autoridade do Poder Público. A contratualização
corresponde a um termo amplo que abrange os contratos administrativos ao lado da concertação administrativa.
Por fim, a eficiência consiste no terceiro fator indicado pela doutrina. No entanto, na maior parte das vezes a
eficiência não é explicitada nos textos, que, ao invés, expõem genericamente as potencialidades dos instrumentos
consensuais no que se convencionou denominar de elogio ao consenso. Com o elogio ao consenso, as
externalidades positivas dos acordos administrativos são enaltecias e apresentadas abstratamente, sem atentar as
especificidades atinentes a cada tipo de instrumento consensual e sem respaldo de estudos de caso.” p.83.
178
398
BERGAMASCHI, André Luís. A Resolução dos Conflitos envolvendo a Administração Pública por meio de
mecanismos consensuais. Tese de Mestrado. Disponível em www.tesesusp.br. Acesso em 30 dez. 2019. p. 64.
399
MAZZONETTO, Nathalia. Novos (e adequados) rumos da Administração Pública na resolução de conflitos.
In: GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI, Bruno (org.) Justiça Federal: inovações nos mecanismos
consensuais de solução de conflitos. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014. p. 277.
400
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 3ª Ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2017. p. 352.
401
PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação Administrativa Consensual – Estudo dos acordos substitutivos no
processo administrativo sancionador. Dissertação de Mestrado. Disponível em: www.tesesusp.br. Acesso em 30
dez. 2019. p. 170-189.
179
regulamenta a Lei Complementar 73/93 sobre a Advocacia Geral da União, a Lei 11.941/09 e
as Leis 13.105/15, 13.129/15 e 13140/15.
Impende observar, portanto, que a tendência da Administração Pública em direção ao
consensualismo é fruto da evolução da legislação brasileira, que buscou se adequar aos
acordos realizados na prática, proporcionando maior segurança jurídica. Tal fato levou Juliana
de Palma402 a afirmar que este é o modelo seguido pelo País, sendo decorrente da
determinação de que os atos administrativos devem ser baseados na legalidade. Ao analisar a
legislação, a autora identifica duas categorias que instrumentam a consensualidade: acordos
substitutivos e acordos integrativos. O primeiro consiste em um ato bilateral resultante do
encontro de vontades, substituindo eventual decisão unilateral e imperativa da Administração
ou findando um processo por ela instaurado. Um exemplo é a Resolução 63/04 da ANEEL,
cujo art. 21 determina: poderá a ANEEL, alternativamente à imposição da penalidade, firmar
com a concessionária permissionária termo de ajuste de conduta, visando à adequação aos
dispositivos contratuais aplicáveis. Já o segundo trata de acordo integrado a um processo
voltado a emissão de um ato imperativo e unilateral pela Administração, caracterizado pelo
delineamento do exercício de sua prerrogativa imperativa estatal. O exemplo seria o artigo 42
do Decreto 99.274/90, que permite termo de compromisso, não substituindo a multa, mas
pode determinar a redução do seu valor em até 90%. Todos eles foram amparados na
legislação, que, por sua vez, impulsionou outros que, posteriormente, constituíram novos
marcos legislativos.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto403, ao se referir ao consensualismo no contexto da
Administração Pública, por ele identificado como Administração concertada, definiu-o como
“uma fórmula sintética designativa para os novos modelos de ação administrativa, ou seja,
aquele módulos organizativos e funcionais caracterizados por uma atividade consensual e
negocial”, que em pouco tempo passou a ser empregada não apenas para o desempenho da
Administração corrente como – e principalmente – para o desenvolvimento de projetos
conjuntos entre a iniciativa privada e as entidades administrativas públicas, e até para a
solução de conflitos. O referido autor atribui tamanha importância ao tema para a
Administração que apresentou uma classificação das inúmeras modalidades consensuais da
402
PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação Administrativa Consensual – Estudo dos acordos substitutivos no
processo administrativo sancionador. Dissertação de Mestrado. Disponível em: www.tesesusp.br. Acesso em 30
dez. 2019. p. 190-200.
403
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos Institutos Consensuais da Ação Administrativa. Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 231, p. 129-156, jan/mar. 2003. p. 45.
180
Além disso, há que se ter clara uma perspectiva de realidade, pois Janaína Castelo
Branco404 destaca a importância de buscar as soluções pacíficas para as controvérsias para a
atuação estatal interna, atendendo ao preâmbulo da Carta Magna. E reforça que tal
entendimento, apesar de não ter caráter normativo, serve como “vetor de interpretação do
texto constitucional”. Por isso, Geisa Rosignoli Neiva405 destaca que
enquanto esses ideais vão se desenvolvendo, o excesso de judicialização começa a
preocupar o legislador que, por anos a fio, incentivou o ingresso no Judiciário e
agora percebeu que esse caminho está cada vez mais congestionado. Com isso
iniciou um movimento inverso no qual se busca a resolução de conflitos por outras
vias, que igualmente asseguram o acesso à ordem jurídica justa.
404
Janaína Soares Noleto Castelo Branco. Advocacia Pública e Solução Consensual dos Conflitos. Salvador:
JusPodvim, 2018 p. 25
405
NEIVA, Geisa Rosignoli. Conciliação e Mediação na Administração Pública – Parâmetros para sua
efetivação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 3.
406
PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação Administrativa Consensual – Estudo dos acordos substitutivos no
processo administrativo sancionador. Dissertação de Mestrado. Disponível em: www.tesesusp.br. Acesso em 30
dez. 2019. p. 138-139.
407
MAZZONETTO, Nathalia. Novos (e adequados) rumos da Administração Pública na resolução de conflitos.
In: GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI, Bruno (org.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos
consensuais de solução de conflitos. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014. p. 277. Relevante trazer à luz as palavras
esclarecedoras da autora em notas de rodapé no mesmo artigo: “arbitragem, conforme a doutrina majoritária,
constitui mecanismo jurisdicional de solução de conflitos. Muito embora seja qualificada como um meio
heterocompositivo , à diferença da mediação, não é se desconsiderar a sua natureza consensual também quando
nos voltamos para sua fonte: a convenção arbitral. Em assim sendo, muito embora um terceiro faça valer com
força de título judicial, sua decisão sobre as partes, tal procedimento não deixa de ser decorrência de um
181
instituto se abrem outras “vias à Administração Pública para resolução de conflitos que a
envolvem, tão adequadas quanto a via judicial pode se apresentar em determinados casos,
porém fundadas num elemento singular o consenso.” Importante destacar que, a partir de
2015, a Lei 13.129, como salienta Odete Medauar408,
alterou a Lei de Arbitragem – Lei 9.307/996, para no artigo 1º, § 1º, possibilitar que
a Administração Pública direta e indireta utilize a arbitragem para dirimir conflitos
referentes a direitos patrimoniais disponíveis (e introduziu outros preceitos para a
arbitragem envolvendo a Administração Pública), não mais revelando pertinentes
quaisquer dúvidas sobre sua incidência na solução de litígios envolvendo a
Administração.
consenso prévio das partes, daí nossa compreensão de integrar também a arbitragem os mecanismos chamados
de consensuais de resolução de conflitos”.
408
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 3ª Ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2017. p. 357.
409
BERGAMASCHI, André Luís. A Resolução dos Conflitos envolvendo a Administração Pública por meio de
mecanismos consensuais. Tese de Mestrado. Disponível em www.tesesusp.br. Acesso em 30 dez. 2019. p. 141-
146.
410
OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Prefácio. In: JUNQUEIRA, André Rodrigues. Arbitragem nas Parceiras
Público-Privadas – um estudo de caso. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 17.
182
411
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 59.
412
GUERRA, Sergio. Discricionariedade, Regulação e Reflexividade. Uma Nova teoria sobre as Escolhas
Administrativas. 5ª Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 265 e 266.
183
Importa salientar que o objetivo almejado não é repetir o que já foi objeto de análise,
mas, sim, esclarecer com maior exatidão o emprego adequado de cada método, pois assim
determina o momento atual. Dessa forma procedendo, reforça-se o que Bruno Megna413
identificou como “um microssistema que trata do poder-dever da Administração Pública em
praticar a tentativa de solução consensual de seus conflitos”, a partir de suas respectivas
especificidades, muito embora Luciane Moessa de Souza414 considere que este capítulo tenha
oferecido
poucos avanços ao que já estava previsto na Lei 9.469, de 1997, sobretudo pela
excessiva remissão à necessidade de regulamentação, já que não são estabelecidos
quaisquer parâmetros ou diretrizes para nortear a celebração de acordos ou
transações nos conflitos envolvendo o Poder Público, sob o aspecto dos critérios
materiais.
Convém lembrar que o referido diploma legal já em 1997 permitia tanto à Advocacia
Geral da União, diretamente ou por delegação, como aos dirigentes máximos das empresas
públicas federais, em conjunto com o dirigente estatutário da área afeta ao assunto,
autorização para realizar acordo ou transações a fim de prevenir ou terminar litígios, inclusive
os judiciais. Permitia também a composição de câmaras especializadas compostas por
servidores públicos ou empregados públicos efetivos com o objetivo de analisar e formular
propostas de acordos ou transações. Ao mesmo tempo, estendeu para o Poder Executivo a
possibilidade de se valer do instrumento legal chamado de Termo de Ajustamento de
Conduta, atribuição criada pelo artigo 211 do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei 8.069/90), do artigo 113 do Código de Proteção do Consumidor ( Lei 8.078/90), ao
Ministério Público, assim como seus titulares, com o objetivo de alcançar acordos e
desenvolver tentativas de transações.
Apesar das críticas citadas pela referida autora, o fato é que o Marco Legal da
Mediação e o Código de Processo Civil servem como mola propulsora das atividades da
Mediação no contexto do Poder Público, pois cada vez mais o tema é motivo de debates,
413
MEGNA, Bruno. A Administração Pública e os meios consensuais de solução de conflitos ou enfrentando o
Leviatã nos novos mares da consensualidade. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo 82
julho/dezembro 2015 p. 1.
414
SOUZA, Luciane Moessa de. Mediação de Conflitos envolvendo entes públicos. In: SOUZA, Luciane Moessa
de (coord.). Mediação de conflitos – Novo paradigma de acesso à Justiça. 2 Ed. Santa Cruz do Sul: Essere nel
Mondo, 2015. p. 332.
184
porém com perspectivas diversas entre os debatedores. Por isso, Juliana de Palma415,
preconiza que
a descrição das linhas de entendimento obre a consensualidade no plano do Direito
Administrativo nacional, que necessariamente remete à consideração de seus
instrumentos jurídicos de efetivação, aponta para a imprecisão teórica do tema, o
que é demonstrada pela disparidade de tratamento conceitual a respeito da atuação
administrativa consensual, bem como de seus instrumentos.
Por isso, é importante lembrar o que destaca Bruno Megna416: que estas leis não
vieram apenas para “inovar textos jurídicos, mas, principalmente, para renovar a mentalidade
que se tem sobre o Direito. Dentre os principais fatores de renovação, está a introdução do
microssistema de solução consensual de conflitos”, devendo a Administração Pública
participar desta renovação, por se tratar de exigência da atual conjuntura social, econômica e
política. Nesse sentido, deverão ser levados em consideração o contexto e os eixos em que a
Mediação é proposta. Mauricio Tonin417, em consonância, complementa que a interpretação
de ambos os diplomas legais deve ser “sistemática”, como mencionado anteriormente.
Com os comentários acima, convém lembrar que, ao se observar a trajetória da
Mediação em território brasileiro, desde os seus primeiros passos, notam-se poucas
experiências em que a Administração Pública esteve envolvida com o tema. Por algum tempo,
noticiou-se a adoção de políticas públicas por algum órgão da Federação, dos estados ou dos
municípios, em que a proposta consistia em empregar a Mediação para conflitos entre
particulares, numa intenção clara de ampliar o acesso à Justiça do cidadão brasileiro,
sobretudo o de menor poder aquisitivo. É digno de nota que tais iniciativas tenham partido do
Poder Executivo dos três níveis: federativo, estadual e municipal. Acabaram por enfrentar
dificuldades em sua continuidade, por diversas razões, dentre elas a mudança de cadeiras de
autoridades responsáveis pelos mesmos a cada final do mandato e a falta de mecanismos para
sua sustentabilidade como política pública. Vários são os exemplos de iniciativas que podem
ser citadas, cujo programa aponta para este objetivo. Dentre elas, as Câmaras de Mediação
dos Centros de Integração da Cidadania das Secretaria da Justiça do Estado de São Paulo,
existentes desde 2004, ou mesmo o Programa Justiça Comunitária do Tribunal de Justiça do
415
PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação Administrativa Consensual – Estudo dos acordos substitutivos no
processo administrativo sancionador. Dissertação de Mestrado. Disponível em: www.tesesusp.br. Acesso em 30
dez. 2019. p. 89.
416
MEGNA, Bruno. A Administração Pública e os meios consensuais de solução de conflitos ou enfrentando o
Leviatã nos novos mares da consensualidade. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo 82
julho/dezembro 2015 p. 24.
417
TONIN, Maurício Morais. Arbitragem, Mediação e Outros Métodos de Solução de Conflitos envolvendo o
Poder Público. São Paulo: Almedina, 2019. p. 23.
185
418
OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Introdução. In: OLIVEIRA, Gustavo Justino de; BARROS FILHO, Wilson
Accioli de (org.). Acordos Administrativos no Brasil. São Paulo: Almedina, 2020. p. 29.
186
sentido de que em alguns casos inexiste um instrumento expresso, que permita maior
visibilidade a este componente contratual.
419
Daí decorre a necessidade de se fazer uma sistematização, como Juliana de Palma
recomenda. Para ela, a listagem dos instrumentos consensuais varia conforme a leitura da
consensualidade, que uma vez
concebida como qualquer forma de acordo de vontades envolvendo a Administração
Pública, abrange: contratos intragovernamentais (caracterizados pelos ajustes
celebrados exclusivamente por partes estatais); contratos administrativos para
prestação de serviço público ou social (contratos de concessão comum e de parceria
público privada); acordos mediados, e ajustes de conduta.
Acrescente-se a isso a existência, hoje, da devida segurança jurídica constituída por lei
e sobretudo pelas Leis em comento, a saber: a Lei 13.105 e a Lei 13.140. Por oportuno, antes
de se adentrar ao tema da Mediação e a Administração Pública, cumpre reforçar que ambas as
leis inauguram uma nova perspectiva para a consensualidade, pois antes de seus adventos a
visão era a de se atingir um acordo entre os protagonistas sem qualquer inclusão
419
PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação Administrativa Consensual – Estudo dos acordos substitutivos no
processo administrativo sancionador. Dissertação de Mestrado. Disponível em: www.tesesusp.br. Acesso em 30
dez. 2019. p. 87.
420
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 60.
187
metodológica. Após o seu advento, fica devidamente definida a oportunidade de opção por
metodologias, as quais serão objeto de escolha pela Administração Pública, podendo,
conforme a relação contratual existente, levar à solução mais adequada para o conflito
instalado. Outro aspecto que vale lembrar, já mencionado anteriormente, no qual a
sistematização parece ser pertinente, é a interpretação das referidas opções no universo da
linguagem empregada, que também será objeto de análise.
188
Segundo Sergio Guerra421, a Administração Pública hoje deve pautar sua atuação por
uma nova fórmula, por ele chamada de reflexividade administrativa, que pressupõe a
observância de mecanismos de prevenção de riscos, assim como a articulação e a mediação de
interesses, que consiste em conjugar
a ideia de que, subjacente ao modo de atuar contemporâneo da Administração
Pública, encontra-se a ideia de troca de pontos de vista, de elaboração em comum de
soluções. Ainda que surjam situações em que não será possível substituir
indiscriminadamente a atuação unilateral da Administração, o consenso entre vários
sujeitos possibilita mais facilmente a compatibilização de interesses todos públicos
ou em parte públicos e em parte privados, trocando-se a decisão pela discussão, o
comando pela negociação, evitando-se decisões unilateralmente impostas.
Abre-se, assim, para os entes públicos uma nova proposta para a gestão de conflitos,
nos quais Mauricio Tonin422 acentua
quando se analisa o tema da Mediação e a Administração Pública, é possível
vislumbrar duas abordagens de interesse. Isso porque a Administração não apenas
figura como parte em conflitos submetidos à autocomposição, mas também como a
promotora da tentativa de composição entre partes em conflito.
Convém acrescentar que, além das duas abordagens apontadas pelo referido autor,
existe a possibilidade de a Administração Pública se constituir como parte em um processo de
Mediação. Como toda e qualquer organização constituída por órgãos, departamentos e
pessoas, está sujeita a enfrentar conflitos ao desenvolver suas atividades em relação aos
demais órgãos públicos. Nesse sentido, impende destacar que a Administração Pública poderá
ser participante como um mediado ou mais mediados e, ainda, constituir-se em um órgão para
administrar conflitos. Além disso, há ainda outro aspecto, que não pode ser esquecido, a
perspectiva da promoção de uma política estimuladora da atividade da Mediação. Para tanto,
há que se ter claro o que efetivamente o ente público se propõe ao adotar a Mediação, pois
deverá estar alerta quanto aos parâmetros preconizados pelo método a partir de todo o exposto
anteriormente, incluindo todos os seus componentes e os seus três eixos: processo,
participantes e mediador. Ao mesmo tempo, não se pode olvidar de suas características
contratuais, a partir de sua linguagem.
421
GUERRA, Sergio. Discricionariedade, Regulação e Reflexividade. Uma Nova teoria sobre as Escolhas
Administrativas. 5 Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 266.
422
TONIN, Maurício Morais. Mediação e Administração Pública: a participação como parte e como mediador
de conflitos. In: NASCIMBEM, Asdrubal Franco; BERTASI, Maria Odete Duque; RANZOLIN, Ricardo
Borges. Temas de Mediação e Arbitragem III. São Paulo: Lex, 2019. p. 172.
189
423
MAZZONETTO, Nathalia. Novos (e adequados) rumos da Administração Pública na resolução de conflitos.
In: GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI, Bruno (org.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos
consensuais de solução de conflitos. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014. p. 283.
424
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos Institutos Consensuais da Ação Administrativa. Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 231, p. 129-156, jan/mar. 2003. p. 46.
425
OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Introdução. In: OLIVEIRA, Gustavo Justino de; BARROS FILHO, Wilson
Accioli de (org). Acordos Administrativos no Brasil. São Paulo: Almedina, 2020. p. 29.
426
TONIN, Maurício Morais. Mediação e Administração Pública: a participação como parte e como mediador
de conflitos. In: NASCIMBEM, Asdrubal Franco; BERTASI, Maria Odete Duque; RANZOLIN, Ricardo
Borges. Temas de Mediação e Arbitragem III. São Paulo: Lex, 2019. p. 172.
190
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
427
Francisco Jose Cahali428, em consonância com o enfoque dado pela autora acima,
quanto à relevância do empreendimento, destaca que
inovações legislativas reconhecem o acerto da iniciativa neste sentido promovida em
2007 pela Advocacia Geral da União pela criação em sua estrutura, da CCAF –
Câmara de Conciliação e Arbitragem da AGU – Advocacia Geral da União, com a
intenção de prevenir e reduzir o número de litígios judiciais que envolvam a União,
suas autarquias, fundações, empresas públicas federais.
Na mesma linha, Helena Dias Leão Costa429 afiança que a criação do órgão no âmbito
a AGU constitui-se em uma iniciativa voltada para redução da litigiosidade, pois “foi criada
com a intenção de diminuir o número litígios judiciais que envolvem a União, suas autarquias,
fundações e empresas públicas federais, na figura de demandante e demandado”.
Vale relevar que a própria Silvia Johonsom di Salvo430 pondera que
a institucionalização da Mediação no âmbito de um órgão da Administração Pública,
tal como a CCAF, levanta uma série de questionamentos, pois ao passo que
contribui para o desenvolvimento de uma cultura de Mediação, por outro lado pode
incluir uma padronização procedimental que desnatura as características inerentes da
Mediação, transformando-a em mero modal do processo administrativo.
428
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. 7 ª Ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 62
429
COSTA, Helena Dias Leão. Os meios alternativos de Solução de Conflitos e a experiência da Câmara de
Conciliação e Arbitragem da Administração Federal – CCAF. In: GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI,
Bruno (org.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos consensuais de solução de conflitos. Brasília: Gazeta
Jurídica, 2014. p. 601.
430
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 19.
192
obrigados a lhe dar fiel cumprimento. Ressalta-se que a referida arbitragem, que se limitaria
apenas aos órgãos da Administração Pública Federal direta, não pode ser considerada a
arbitragem nos termos das Leis 9.307/96 e nº 13.129/15, embora o parecer do Consultor-Geral
seja vinculante para os órgãos envolvidos na controvérsia e a matéria esteja excluída da
apreciação do Poder Judiciário, conforme a jurisprudência dominante.
Em continuidade aos seus aspectos legais, vale lembrar a estrutura da CCAF, que foi
definida pelo Decreto 7.392/2010, alterado pelo Decreto 7.526/2011. Como a conciliação é
uma das atribuições da Consultoria-Geral da União, a CCAF foi instituída no âmbito deste
órgão da AGU. Nesse sentido, o inciso VI do artigo 12 do Decreto 7.392/10 dispõe que à
Consultoria-Geral da União compete: “(...) promover, por meio de conciliação, mediação e
outras técnicas, a solução dos conflitos, judicializados ou não, de interesse da Administração
Federal”. Já o artigo 18 da norma estabelece as competências da CCAF: avaliar a
admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da
Advocacia-Geral da União; requisitar aos órgãos e entidades da Administração Pública
Federal informações para subsidiar sua atuação; dirimir, por meio de conciliação, as
controvérsias entre órgãos e entidades da Administração Pública Federal, bem como entre
esses e a Administração Pública dos Estados, do Distrito Federal, e dos Municípios; buscar a
solução de conflitos judicializados, nos casos remetidos pelos Ministros dos Tribunais
Superiores e demais membros do Judiciário, ou por proposta dos órgãos de direção superior
que atuam no contencioso judicial; promover, quando couber, a celebração de Termo de
Ajustamento de Conduta nos casos submetidos a procedimento conciliatório; propor, quando
couber, ao Consultor-Geral da União o arbitramento das controvérsias não solucionadas por
conciliação, e orientar e supervisionar as atividades conciliatórias no âmbito das Consultorias
Jurídicas nos Estados. Infere-se, portanto, que o órgão possui um amplo campo de atuação
com inúmeras funções.
Importante destacar que a instituição adotou como um dos seus instrumentos a
Conciliação, inclusive no nome, muito embora nas informações veiculadas pela mídia em
geral seja feita referência à Mediação. Neste particular, Silvia Johonsom di Salvo431 destaca
que
a referência à conciliação em verdade se dá pela concepção do ato de pacificação
pelo caminho junto na busca de uma solução que ponha termo o conflito. Por isso, é
preferível a designação de Mediação como prática autocompositiva da CCAF.
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
431
Segundo Helena Dias Leão Costa432, muitas são as vantagens desse novo ambiente de
resolução de conflitos, podendo-se enumerar algumas delas:
1) rápida solução do conflito, especialmente quando comparado ao tempo que o
Poder Judiciário tem decidido suas questões;
2) redução dos gastos suportados pelos envolvidos durante a tramitação do processo;
3) redução do número de conflitos levados ao Poder Judiciário, que assim ganha
condições de julgar mais rapidamente os conflitos que com ele permanecem;
4) aperfeiçoamento da técnica da conciliação, o que tem dado mais credibilidade ao
procedimento conciliatório e a própria CCAF;
5) maior aproximação entre os órgãos e entes públicos, havendo constante troca de
experiências e compartilhamento de informações e atribuições;
6) comprometimento com o acordo assumido, já que foi construído por todos os
órgãos envolvidos, após negociação e sem nenhuma imposição;
7) término do processo com um alto de grau de satisfação das partes envolvidas,
tendo em vista o caráter eminentemente democrático do procedimento conciliatório
e o aprendizado por ele propiciado.
432
COSTA, Helena Dias Leão. Os meios alternativos de Solução de Conflitos e a experiência da Câmara de
Conciliação e Arbitragem da Administração Federal – CCAF. In: GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI,
Bruno (org.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos consensuais de solução de conflitos. Brasília: Gazeta
Jurídica, 2014. p. 603.
194
resistência quanto à implementação de iniciativas como esta, já que se passaram cinco anos
dos adventos de ambos diplomas legais, o Marco Legal da Mediação e o Código de Processo
Civil. Ademais, a mesma pesquisa aponta a veiculação de informações sobre conflitos entre
órgãos públicos que foram levados à CCAF e que resultaram em acordos. Daí o cuidado com
que Silvia Johonsom di Salvo433 assevera:
dada a experiência de gerenciamento de conflitos da CCAF mesmo antes do advento
do marco regulatório da Mediação no Brasil, o desafio da CCAF é avaliar se o
desenho institucional e procedimental até o momento adotado é consentâneo ao
desenvolvimento do consensualismo na Administração Pública brasileira. Dentre os
principais desafios se encontram: a eficiência da CCAF por acordos encetados,
assim como o estabelecimento de métricas de aferimento da qualidade.
Ainda com relação à pesquisa junto à CCAF, no período de 2007 a 2018, nota-se que
o montante acumulado do valor das demandas é da ordem de R$ 4.291.282.048,73, numa
média anual de 25 processos de conciliação em que os envolvidos são órgãos da
Administração Pública direta e indireta nos diversos níveis da Federação, Estados e
Municípios. São conflitos dos mais variados possíveis, que envolvem descumprimentos
contratuais, dificuldades na execução de obras, decisões administrativas, disputas
previdenciárias, custos de manutenção de obras a serviços públicos e operações de
transportes, divulgação de pesquisas científicas etc. Portanto, iniciativas em direção ao
estímulo de acordos, de maneira geral, inovadoras promotoras de perspectivas diferenciadas
para os seus usuários, todos eles órgãos públicos.
É essencial recordar que a atividade já se encontra consolidada, tanto é que em janeiro
de 2020 foi publicado o Decreto 10.201/2020, determinando à AGU ter maior autonomia para
realização de acordos para prevenir ou dar fim a disputas judiciais e administrativas. O
referido Decreto permite à AGU realizar acordos em causas de até R$ 50 milhões em nome da
União, e de até R$ 10 milhões em nome de estatais, sem aval do Executivo, superando o
limite de até R$ 500 mil, estabelecido em um Decreto de 1997. Em termos quantitativos e,
por que não dizer, qualitativos, é um voto a mais de confiança às atividades em crescimento
na instituição, bem como um incentivo para a continuidade de suas atividades.
Conforme esclarece Silvia Johonsom di Salvo434, o serviço de Mediação na CCAF é
desenvolvido por
433
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 127
434
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 185.
195
É muito pertinente este aspecto levantado pela referida autora, o que pontua
claramente não ser exata a identificação da metodologia empregada como Mediação, já que
um dos eixos observados na Parte II – Mediação da presente dissertação não se enquadra na
atividade. Em outras palavras, o mediador da AGU não é um profissional independente, como
requer a Mediação nos moldes da Lei 13.140/15, pois se trata de ex-servidor público de
carreira do Órgão.
A propósito deste último aspecto e de outros levantados anteriormente, convém
oferecer algumas observações quanto à clareza dos institutos utilizados, pois o nome da
Câmara, como já destacado, inclui o termo Conciliação. Na verdade, o desenvolvimento do
método na instituição mais se assemelha a uma negociação assistida. É importante chamar a
atenção para este aspecto, a fim de melhor enquadrar a atividade para promoção do correto
entendimento relativo ao método utilizado, abandonando a classificação de autocomposição
pela sua imprecisão metodológica e sugerindo, nesta dissertação, a nominação direta dos
institutos acima, conforme as observações contidas no item 2.1 da Parte I – Acesso à Justiça
ou à Ordem Jurídica Justa e os Métodos de Resolução de Conflitos.
Para tanto, de pronto se retoma a diferenciação entre a Conciliação e a Mediação já
apresentada no item 2.2.4 – Conciliação da Parte I – Acesso à Justiça ou à Ordem Jurídica
Justa e os Métodos de Resolução de Conflitos, em conjunto com a Parte II Mediação, em que
a própria legislação define a Conciliação para conflitos em que inexiste vínculo entre os
conflitantes e a Mediação para os que possuem vínculo, muito embora, como frisado
anteriormente, incluam o termo “preferencialmente”. É oportuno trazer a estes
esclarecimentos as palavras de André Bergamashi435, que explana:
a princípio, demandas que envolvam relações pontuais e questões patrimoniais
exigem intervenções mais focadas nos próprios resultados práticos do método, na
construção da própria solução, e menos foco na construção da relação entre as partes
e resolução das questões subjacentes ao conflito. Muitas vezes, é o caso da
Administração Pública, em que a necessidade de garantir a isonomia impõe o limite
à consideração de elementos subjetivos que não sejam os mesmos estabelecidos para
os demais indivíduos. É importante, por outro lado, reconhecer também a existência
de zonas cinzentas entre as intervenções, dadas pelos próprios conflitos, que podem
surpreender o mediador/conciliador na condução da intervenção. Os conflitos
435
BERGAMASCHI, André Luís. A Resolução dos Conflitos envolvendo a Administração Pública por meio de
mecanismos consensuais. Tese de Mestrado. Disponível em www.tesesusp.br. Acesso em 30 dez. 2019. p. 118-
119.
196
Nota-se claramente que o referido autor faz referência ao papel do terceiro imparcial e
independente. O fato de a CCAF ter um profissional egresso da Advocacia Geral da União
certamente desenvolverá sua intervenção na perspectiva institucional e baseada na sua
trajetória profissional, portanto sem a isenção, requisito da função, podendo esta afirmação
ser estendida à instituição. Mais uma vez, necessário se faz reforçar que se trata da adequação
ao método, que mais se aproxima ao que é identificado como negociação assistida. Esta
assertiva possui respaldo nas palavras de Silvia Johonsom di Salvo436, que explica:
o impacto do mediador pertencer aos quadros da Administração Pública para a
confiança das partes; por uma questão de imparcialidade, há que se examinar o
conforto das partes em ter como mediador servidor público ou mesmo ex-servidor
público do mesmo ente da Administração Pública que é parte.
A referida autora chama a atenção não somente para a figura do mediador, mas
também para o fato de o órgão avocar para si a atividade. Nesse sentido, cabe ressaltar que na
atividade desenvolvida existe um terceiro talvez parcial e não independente, que ajuda a
reflexão entre os envolvidos, para alcançar um acordo dentro dos parâmetros ditados pelo
órgão. Em outras palavras, na metodologia desenvolvida na CCAF-AGU é a própria
instituição que oferece a assistência para a negociação entre os órgãos públicos federais, a fim
de estimulá-los à criação de um acordo, por intermédio de um terceiro por ela indicado.
Este foi justamente o caso437 de uma negociação assistida promovida na CCAF, em
2009, por um de seus conciliadores, entre o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária, a FUNAI – Fundação Nacional do Índio, o ICMBIO – Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade, a Marinha, o Ministério dos Transportes, o
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e o Estado do Amazonas,
436
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 191.
437
Relato de caso. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2009-ago-21/ano-camara-mediação-agu-resolveu-
200-conflitos. Acesso em 03 jan.2020.
197
sobre uma ponte em construção sobre o Rio Negro, em Manaus. O conflito aconteceu a partir
de uma ação ajuizada pelo Ministério Público Federal, que defendia estar a construção de uma
ponte de interligação entre Manaus e Iranduba, município vizinho, descumprindo a legislação
ambiental, comprometendo, com isso, os interesses dos órgãos públicos federais daquela
região. A negociação entre eles foi feita sob os auspícios da CCAF, sendo firmado um acordo
em que a empresa responsável pela obra se comprometeu a adotar medidas de reparação do
dano ambiental causado pela construção e o Estado do Amazonas a responder com medidas
de proteção do patrimônio arqueológico da região, visando compatibilizar as fases de
obtenção da licença ambientais em urgências com estudos preventivos de arqueologia. Tudo
no sentido de atender aos parâmetros legais interpretados pelos órgãos de controle para
viabilidade da obra.
A mídia virtual vem noticiando outros acordos celebrados pela CCAF com resultados
inéditos. Exemplo disso foi o acordo entre a Philips S/A e sete hospitais federais, em que a
referida empresa se comprometeu a disponibilizar tomógrafos para os pacientes daqueles
hospitais sem a necessidade de obtenção de liminar. Além desse, outro acordo438 firmado
entre a Agência Nacional de Águas – ANA, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do
São Francisco e Parnaíba – CODEVASF e os Estados do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio
Grande do Norte, com o objetivo de que a água da transposição do referido rio seja distribuída
para a população daqueles estados. Outro acordo decorrente da intervenção da CCAF resultou
na divulgação de pesquisa científica destinada à realização do III Levantamento Nacional
sobre o Uso de Drogas pela população brasileira, entre a Secretaria Nacional de Políticas
sobre Drogas do Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Fundação Oswaldo Cruz,
vinculada ao Ministério da Saúde. Percebem-se, nestes casos, os benefícios resultantes das
negociações entre os envolvidos, estimuladas pela CCAF. Dentre eles, pode-se citar o
encerramento de ações anteriormente ajuizadas ou em vias de serem iniciadas,
proporcionando economia aos cofres públicos, evitando gastos com tramitação de processos e
de otimizar o tempo dos advogados da União e dos procuradores federais com relação a
outros processos.
Ao oferecer comentários sobre a iniciativa da CCAF-AGU, é importante notar o
quanto a continuidade possibilitou a consolidação da política pública adotada em 2007, em
especial como instância administrativa de solução de controvérsias entre entes públicos, que
438
Relatos de casos. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2009-ago-21/ano-camara-mediação-agu-
resolveu-200-conflitos. Acesso em 03 jan.2020.
198
têm primado pelo estímulo à negociação entre os órgãos públicos. A iniciativa, além de ter
sido ampliada, tem repercutido em outros Estados da Federação, sobretudo no âmbito das
Procuradorias Gerais Estaduais, que acabaram criando um Rede Nacional de Autocomposição
da Administração Pública. A intenção da referida rede consiste em aproveitar a experiência da
AGU pelos procuradores dos estados, para ajudar na implantação de estruturas semelhantes
no âmbito das advocacias públicas estaduais. A iniciativa é informal, isto é não possui
nenhuma previsão no ordenamento jurídico, muito embora venha ao encontro do atendimento
dos preceitos legais previstos na Lei 13.140/15 e no Código de Processo Civil, que preveem a
criação de instituições de prevenção e resolução de conflitos no contexto da Administração
Pública, como já comentado no item 2.3 da Parte II Mediação da presente dissertação.
Tal fato bem demonstra que os serviços da CCAF-AGU avançarão cada vez mais,
uma vez que estão abertos a todas as atividades da Administração Pública Federal. Além
disso, a tendência é que a iniciativa venha a ser replicada nas várias instâncias da
Administração, quer no âmbito estadual, quer no municipal. E se o forem com adequação do
método utilizado, isto é, com a adoção do instrumento da negociação intermediada pelo órgão
com profissionais preparados para tanto, superarão obstáculos advindos de limitações
relativas ao questionamento sobre a legalidade, indisponibilidade dos interesses públicos, bem
como com a preocupação com a seleção dos casos levados ao órgão e com a voluntariedade
pressuposta no método.
Com essa perspectiva, atende-se aos parâmetros dos impactos linguísticos oferecidos
por ambas as Leis: a 13.105/15 e a 13.140/15, debatidos no item 2.4 da Parte II – Mediação,
na presente dissertação, pois, como mencionado no referido item, os comandos oferecidos por
ambas apontam para o dever de interpretá-las, atribuindo valores a seus símbolos, oferecendo-
lhes significações a partir do percurso gerador do sentido. Apontam, desta forma, para a
desnecessidade do enquadramento contratual pressuposto pela Mediação, ao adotar uma
metodologia mais simples, acessível e natural, que é a negociação também debatida em item
anterior nesta dissertação, o de número 2.2.1 da Parte I – Acesso à Justiça ou à Ordem
Jurídica Justa e os Métodos de Resolução de Conflitos.
Tais elementos devem também ser previstos quando do emprego da Mediação com a
Administração, como será apresentado neste item, a fim de que não somente viabilize sua
participação, mas, sobretudo, promova a oportunidade, que a Mediação propõe. Tudo isso
com o objetivo de justificar a afirmação de André Junqueira442, que afirma que “a negociação,
conciliação, mediação e arbitragem podem estar contidas em um capítulo próprio para
resolução de controvérsias em paralelo a tradicional cláusula de foro comum”, quando um dos
polos da controvérsia é a Administração Pública em um contrato.
439
OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Introdução. Acordos Administrativos – Teoria e Prática. In: OLIVEIRA,
Gustavo Justino de; BARROS FILHO, Wilson Accioli de (org). Acordos Administrativos no Brasil. São Paulo:
Almedina, 2020.
440
TONIN, Maurício Morais. Arbitragem, Mediação e Outros Métodos de Solução de Conflitos Envolvendo o
Poder Público. São Paulo: Almedina, 2019. p. 325.
441
MEGNA, Bruno Lopes. Arbitragem e Administração Pública – Fundamento Teóricos e Soluções Práticas.
Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 353.
442
JUNQUEIRA, André Rodrigues. Arbitragem nas Parcerias Público-Privadas – Um estudo de caso. Belo
Horizonte: Fórum, 2019.
200
443
BITTENCOURT, Sidney. Contratos da Administração Pública – Oriundos de Licitações, Dispensas e
Inexigibilidades. Leme: Jhmizuno, 2015. p. 31.
444
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Do Contrato Administrativo à Administração Contratual. São
Paulo. Revista do Advogado Ano XXIX , dezembro, 2009. Contratos com o Poder Público. p. 74.
445
BITTENCOURT, Sidney. Contratos da Administração Pública – Oriundos de Licitações, Dispensas e
Inexigibilidades. Leme: Jhmizuno, 2015. p. 31-37.
201
findos. Quando tais temas são objeto da Mediação, os participantes têm a oportunidade de
construir acordos, cujo principal objetivo é a satisfação dos interesses de todos os envolvidos
como um todo e a possibilidade de soluções de benefícios mútuos. Tal perspectiva, quando
desenvolvida na esfera da Administração, automaticamente, leva a questionamentos sobre a
indisponibilidade dos interesses públicos, eventuais violações de sua supremacia, bem como a
publicidade com que as atividades públicas devam se desenvolver. Em que pese já ter sido
objeto de observações anteriores nos itens que trataram dos princípios da Administração
Pública, é imprescindível trazer a estes comentários as palavras de Bruno Megna446 quanto ao
primeiro óbice acima citado:
Na nova arena pública, Estado e sujeitos privados desenvolvem formas horizontais
de se relacionar e não mais se concebem interesses públicos dissociados de
interesses populares. Não se nega que o interesse público deve prevalecer, o que se
nega é que isso deva ocorrer sempre com prejuízo para o particular.
446
MEGNA, Bruno Lopes. Arbitragem e Administração Pública – Fundamento Teóricos e Soluções Práticas.
Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 90.
447
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo e Novo Código Civil. Belo Horizonte: Fórum,
2007. p. 67.
448
PALMA, Juliana Bonacorsi de. A consensualidade na Administração Pública e seu controle judicial. In:
GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI, Bruno (org.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos
consensuais de solução de conflitos. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014. p. 168.
202
Imperioso notar que todo e qualquer acordo resultante de uma Mediação está sujeito
ao controle interno e externo, cuja dimensão Floriano Azevedo Marques Neto450 assinala ser
constituído por três aspectos, a saber: o poder, os meios e os objetivos. Na primeira,
trata-se de assegurar a liberdade e prescrever o arbítrio, limitando a atuação estatal; a
segunda, envolve a utilização mais adequada dos recursos públicos, evitando o
desvio de finalidade e improbidade, e a terceira, traduz a necessidade de proteção
dos objetivos existentes, seja assegurando a estabilidade das metas de longo prazo,
seja preservação de mediadas orientadas a satisfazer os interesses dos cidadãos de
modo imediato.
449
VARGAS, Daniel Vianna. A Mediação como instrumento de eficiência na Administração Pública, sob o
prisma da Análise Econômica do Direito. In: PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; RODRIGUES, Roberto
de Aragão Ribeiro (coord.). Mediação e Arbitragem na Administração Pública. Santa Cruz do Sul: Essere nel
Mondo, 2020. p. 32
450
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Os grandes desafios do controle da Administração Pública. Fórum
de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 9, n. 100, p. 7-30, abr. 2010.
451
JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. p.
73.
452
NEIVA, Geisa Rosignoli. Conciliação e Mediação na Administração Pública – Parâmetros para sua
efetivação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 120. Importante destacar a que referida autora no mesmo
capítulo apresenta um precedente do STF no aresto de relatoria da Ministra Ellen Grace, que menciona: “Poder
Público. Transação. Validade. Em regra, os bens e o interesse público são indisponíveis, por que pertencem à
coletividade. É, por isso, o Administrador, mero gestor da coisa pública não tem disponibilidade sobre os
interesses confiados à sua guarda e realização. Todavia, há casos em que o princípio da indisponibilidade do
interesse público deve ser atenuado, mormente quando se tem em vista que a solução adotada pela
Administração é a que melhor atenderá a ultimação desse interesse.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal.
Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário 598.099/MS. Recorrente: Estado do Matogrosso do Sul.
Recorrido: Rômulo Augusto Duarte. Relator Ministro Gilmar Mendes. Plenário. Publicado em 18 dez 2012. Dje
247 Disponível em: http://redir.stf.ju.br/paginadorpub/paginados.jsp/docTP=TP&docID=3216407. Acesso em:
13 jul. 2018).
203
dada a amplitude dos direitos que cabe ao Estado proteger, existirão hipóteses em
que, ou a norma não irá prever determinada situação, o que é extremamente comum
dado a sua natural generalidade e abstração, ou, então, o caminho prescrito pelo
legislador não será, em um caso específico o que melhor representa o interesse da
coletividade.
Segundo Carlos Alberto de Salles453, existem inúmeras vantagens para a opção pela
Mediação. Dentre elas, destaca-se
o sigilo das informações trazidas para a mediação pelas partes, inclusive quanto às
suas expectativas é condicionante da confiança dos participantes. E eventual
testemunho do mediador fica, também, prejudicado, reconhecendo-lhe o direito a
sigilo profissional.
453
SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.
181.
454
NEIVA, Geisa Rosignoli. Conciliação e Mediação na Administração Pública – Parâmetros para sua
efetivação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 124.
455
SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.
181-182.
204
uma visão mais ampliada por parte dos participantes. Claro que isto só é possível se estiverem
participando do processo. Neste aspecto, vale lembrar o efeito que a cláusula de Mediação
promove quando é incluída em um contrato. Imperioso lembrar que tais efeitos também
ocorrerão caso o órgão público, quando contratar, incluir a referida cláusula, isto é,
obrigando-se a participar de uma primeira reunião de Mediação para que possa deliberar se
deseja participar efetivamente do processo. Os comentários apresentados no item 3.2 –
Instrumentos Contratuais da Mediação são válidos para os pontos agora levantados, que por
um lado ajudarão na percepção de que estão diante de processo em que valem todos os
componentes relativos à Administração e que só poderá ocorrer se desejarem fazer parte. Para
tanto, é fundamental conhecer, e o farão, a partir da oportunidade sobre os esclarecimentos
iniciais que ocorrerão na primeira reunião. E, na hipótese de possuírem uma cláusula de
Mediação Extrajudicial, usufruirão dos benefícios que ela propõe, dentre os quais se
destacam: a escolha do mediador, o estabelecimento de como será desenvolvido o processo,
sua duração e temas a que desejarem levar ao debate etc.
Por outro lado, grande preocupação na Administração advém especialmente do agente
público, com relação aos órgãos de controle interno e, em especial externo, como o Ministério
Público e/ou os Tribunais de Contas. Tal fato, muitas vezes, aponta no sentido de inviabilizar
a própria Mediação, sem dizer o seu futuro resultado. Laura de Barros456 bem esclarece este
controle, ao afirmar que, em geral, possuem “atribuições precípuas de acompanhar, avaliar e
eventualmente reprimir desvios relacionados ao desempenho da função administrativa, de
forma tanto preventiva quando a posteriori”. Nota-se aí o objetivo de evitar desvios e não a
possibilidade de reverter ou mesmo punir atitudes que talvez beneficiem a coletividade ou
mesmo a Administração pelo consenso em função de algum contrato que venha a ser objeto
da Mediação. Por isso, a mesma autora defende a necessidade de se aprofundar o debate,
“com vistas a construir balizas mais seguras e exatas para a fixação de limites previsíveis e
confiáveis, objetivamente aferíveis, em prestígio, inclusive da segurança jurídica, igualmente
consagrada na Constituição Federal.” Nesse sentido, mesmo o controle deve ser exercido com
critérios previamente estabelecidos, sobretudo nas condições econômicas, sociais e jurídicas à
época em que foi eventualmente firmado algum acordo para que a Mediação efetivamente
possa contribuir efetivamente na perspectiva de futuro para os contratos administrativos.
BARROS, Laura Mendes Amando de. O que fazer quando o “Fiscalizador-Controlador” assume a Gestão no
456
Além disso, é importante lembrar que a Lei 13.655/18 acresceu novos dispositivos à
LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, no que se refere aos artigos de
20 a 30, sendo relevante para as considerações acima o artigo 26, que prevê expressamente a
possibilidade de celebração de acordos com os envolvidos em conflitos com a Administração
Pública, sobretudo com o objetivo de eliminar incertezas jurídicas e situação contenciosa na
aplicação do direito público. Por isso, Rafael Schwind457 destaca que, desde a edição da
referida lei, “pode-se dizer que está definitivamente sepultada qualquer compreensão de que a
Administração Pública não pode celebrar transações, acordos e compromissos em geral, o que
consagra uma evolução do pensamento jurídico a respeito da indisponibilidade do interesse
público”. Com ela, nota-se a promoção da pavimentação de estruturas que permitam
minimizar eventuais obstáculos para órgãos e agentes públicos em suas ações em direção à
Mediação, oferecendo segurança jurídica aos órgãos e agentes públicos. Ao agregar os dez
dispositivos acima mencionados, proporciona maior segurança jurídica para as decisões e
atividades do poder público quando promoverem inovações, como asseveram Floriano
Marques Neto e Rafael de Freitas458:
estabilidade, na medida em que pretende conferir perenidade aos atos jurídicos e aos
efeitos deles decorrentes, mesmo quando houver câmbios nas normas ou no
entendimento que se faz delas. Tem o vetor da previsibilidade, protraindo mudanças
bruscas, surpresas e armadilhas. E, por fim, tem o vetor da proporcionalidade (e da
ponderabilidade), na medida em que a aplicação do direito não pode nem ser
irracional, nem desproporcional.
Depreende-se que a opção constitucional no que toca este quesito relativo foi no
sentido amplo e complexo, consistindo no que Hely Lopes Meirelles460 define como “todo
457
SCHWIND, Rafael Wallbach. Acordos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB:
Normas de Sobredireito sobre a Celebração de Compromissos pela Administração Pública. In: OLIVEIRA,
Gustavo Justino de (org.). Acordos Administrativos no Brasil – Teoria e Prática. São Paulo: Almedina, 2020. p.
175.
458
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; FREITAS, Rafael Véras de. Comentários à Lei nº 13655/2018 (Lei
da Segurança para a Inovação Pública). Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 18.
459
MATIAS-PEREIRA, José. Curso de Administração Pública – foco nas instituições e ações governamentais.
4ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 217.
460
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
p. 564.
206
aquele realizado pela entidade ou órgão responsável pela atividade controlada, no âmbito da
própria Administração”, sendo inserida organicamente em conformidade com o artigo 74 da
Constituição Federal e podendo ser realizada de forma prévia, concomitante ou
posteriormente. A atuação do controle possui ampla liberdade, sendo preservado espaço
mínimo de independência, livre do restrito controle orçamentário e legal. Já com relação ao
âmbito externo o mesmo autor461 explica ser
o controle que se realiza por órgão estranho à Administração responsável pelo ato
controlado, como por exemplo, a apreciação das contas do Executivo e do Judiciário
pelo Legislativo; a auditoria do Tribunal de Contas sobre a efetivação de
determinada despesa do executivo; a anulação de um ato executivo por decisão do
Judiciário, etc..,
461
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
p. 565.
462
MATIAS-PEREIRA, José. Curso de Administração Pública – foco nas instituições e ações governamentais.
4ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 220.
463
PALMA, Juliana Bonacorsi de. A consensualidade na Administração Pública e seu controle judicial. In:
GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI, Bruno (coord.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos
consensuais de solução de conflitos. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014.
464
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 126.
207
processo de um plano de para sua implementação. Por outro lado, Mauricio Tonin465 assevera
que
o controle judicial dos acordos celebrados pelo Poder Público será
fundamentalmente motivado por terceiros que se sintam prejudicados pela
celebração do pacto ou por instituições de controle, que acionarão o Judiciário para
requerer a invalidação do acordo diante de denúncias de ilegalidade na celebração
do pacto.
Além disso, o mesmo autor defende que o momento demanda a necessidade de quebra
do paradigma da resistência do agente público em tomar decisões baseadas no
consensualismo. Por isso Luciane Moessa de Souza466 enfatiza que,
se existe grande receio por parte de agentes públicos relacionados à assunção de
responsabilidade pela celebração de transações, tal fato se deve a uma cultura que
prepondera no Poder Público em que somente se enfoca a responsabilidade por
ações, olvidando-se, lamentavelmente, nossos órgãos de controle externo de criar
mecanismos que permitam a responsabilização de agentes públicos pela omissão em
seus deveres, tal como ocorre pela não celebração de transações em situações nas
quais da omissão decorram danos ao interesse ou ao patrimônio público.
465
TONIN, Maurício Morais. Arbitragem, Mediação e Outros Métodos de Solução de Conflitos Envolvendo o
Poder Público. São Paulo: Almedina, 2019. p. 121.
466
SOUZA, Luciane Moessa de. Meios consensuais de solução de conflitos envolvendo entes públicos:
negociação, mediação e conciliação na esfera administrativa e judicial. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 258.
467
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 126.
468
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; MAZZOLA, Marcelo. Manual de Mediação e Arbitragem. São
Paulo: Saraiva, 2019. p. 180.
208
deve ter algum benefício para que se torne atraente participar de uma composição
extrajudicial, até porque tem inúmeras vantagens quando é parte em um processo
judicial. As vantagens para a Administração não podem se confundir com vantagens
para os servidores que representam a Administração e participam de uma Mediação,
obviamente.
Vale ainda lembrar que é neste tópico que a Mediação se insere em toda a sua
plenitude. Em outras palavras, é onde os três eixos do processo da Mediação ocorrem
efetivamente. Os participantes normalmente são pessoas jurídicas, sendo uma de direito
público e a outra de direito privado. E o mediador, o terceiro imparcial e independente, é
escolhido entre elas, sendo que esta escolha é baseada na credibilidade inicial que aquele
profissional possui perante os participantes. A matéria objeto da Mediação é o contrato
celebrado decorrente de uma licitação, baseada na Lei 8.666/93. Interessante notar que os
questionamentos mais frequentes são os mencionados anteriormente, acrescidos da questão da
confidencialidade, que pode ser mitigada ou não em função da flexibilidade que a Mediação
propõe. Nesse sentido, o que se observa na prática é o dever da confidencialidade oferecido
pelo mediador, por seu código de conduta, bem como a instituição que poderá estar
administrando o processo, em função do seu próprio código de ética e também de
instrumentos legais inerentes à Mediação lá desenvolvida.
Esta última característica demonstra, pelos instrumentos previstos para
desenvolvimento da Mediação, os elementos contratuais que marcam a atividade. Todos eles
já citados no item 3.2 da Parte II – Mediação da presente dissertação, os quais valerão nos
parâmetros mencionados no referido item, em especial quando existente a cláusula de
Mediação.
469
CÔRTES, Osmar Mendes Paixão. Responsabilidade dos Servidores e Empregados Públicos que participam
de Mediações. In: PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; RODRIGUES, Roberto de Aragão Ribeiro (coord.).
Mediação e Arbitragem na Administração Pública. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2020. p. 237.
209
forte intenção de propor a pacificação. Além disso, conflitos entre o poder público, ou mesmo
de seus órgãos com o cidadão, também podem ser objeto de inclusão nestes serviços. Nesse
sentido, Maurício Tonin470 oferece a denominação Administração Pública Mediadora de
conflitos. O referido autor faz referência ao artigo 3 º inciso 2º do Código de Processo Civil
para enfatizar que “não se restringe à atuação do Estado enquanto parte num conflito. O
dispositivo prevê que o estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos
conflitos, inclusive daqueles dos quais não é parte”. Convém destacar também que o mesmo
autor atribui ainda outro nome à atividade, “Administração na construção de políticas e
estruturas para a Mediação”, numa demonstração do quão ampla pode ser a iniciativa.
Nesse sentido, funciona como uma instituição da iniciativa privada prestadora dos
serviços de Mediação em distintos conflitos e contextos, muito embora seja desenvolvida por
agentes públicos. Célia Zaparolli471 apresenta um exemplo, dos muitos que podem ser
desenvolvidos, denominando-o como política pública de Justiça. Ela sublinha que o objetivo é
de transformação ou mudanças de paradigmas na própria comunidade onde se dá a
implementação. Ela faz referência ao Programa de Justiça Comunitária do Tribunal de Justiça
do Distrito Federal e ao Programa de Mediação de Conflitos da Secretaria da Defesa Social
do Estado de Minas Gerais. E conclui que
os referidos programas deparam com aspectos que ultrapassam as relações
individuais. Atuam no nível das relações intersubjetivas, nos efeitos decorrentes dos
conflitos sociais e violências estruturais, gerados pela imposição de infindáveis
encargos, diante da percepção ou da efetiva escassez de bens materiais/imateriais,
além dos dilemas alocativos. Os dois programas constituem políticas estatais e
visam a redução efetiva da demanda por decisão judiciária, atuando nas
comunidades e procurando gerar modificações de segunda ordem, transformações
individuais, relacionais e comunitárias, com efeitos sociais mais amplos.
Outro exemplo de Mediação da Administração Pública que pode ser lembrado nos
presentes comentários é o CEDPI – Centro de Defesa da Propriedade Intelectual criado pelo
INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial, pela Resolução 84, de 11 de abril de
2013. Segundo Nathalia Mazzonetto472, foi a referida autarquia federal em parceira com a
OMPI, Organização Mundial da Propriedade Intelectual, que
470
TONIN, Maurício Morais. Arbitragem, Mediação e Outros Métodos de Solução de Conflitos Envolvendo o
Poder Público. São Paulo: Almedina, 2019. p. 233.
471
ZAPPAROLI, Celia Regina. Políticas Públicas de Justiça e a Mediação de Conflitos Intra-familiares. In:
SALLES, Carlos Alberto de (coord.). As Grandes Transformações do Processo Civil Brasileiro. São Paulo:
Quartier Latin, 2009. p. 547.
472
MAZZONETTO, Nathalia. Novos (e adequados) rumos da Administração Pública na resolução de conflitos.
In: GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI, Bruno (org.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos
consensuais de solução de conflitos. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014. p. 294-295.
210
Importante notar que o referido centro não previa a utilização de mediadores internos a
fim de oferecer maior garantia de imparcialidade para o terceiro que exercerá função. Além
disso, segundo a mesma autora, o próprio INPI estabeleceu parâmetros a serem seguidos a
saber:
1. Não participação do INPI no procedimento como parte;
2. Integração com os processos administrativos em curso junto à autarquia, podendo
haver a sua suspensão temporária; e
3. Possibilidade de recurso à chamada consulta técnica preliminar sobre a viabilidade,
junto ao INPI, dos acordos de Mediação que recaiam sobre direitos de propriedade
intelectual, respeitando-se a independência inerente aos processos de exame
promovidos pela instituição.
Trata-se de uma integração não vinculante ao INPI, que foi operacionalizada a partir de
um piloto, que não veio a desenvolver muitas atividades, pois mudanças na gestão à frente do
órgão alteraram sua efetiva implementação. Tal descontinuidade, infelizmente, é comum na
Administração Pública, ao ocorrerem mudanças das autoridades públicas no exercício de seus
mandatos. Esta ocorrência é um fator limitador para a consolidação de serviços de Mediação
no contexto público.
Independentemente deste último aspecto vale lembrar Mauricio Tonin473 que exemplifica
casos da Prefeitura de São Paulo, dentre os 257 postos do TJ-SP, alguns deles
instalados e em funcionamento em razão de parcerias com instituições públicas e
privadas. Um deles é fruto do Convênio nº 262/2015, celebrado entre o Tribunal e a
Prefeitura do Municípios de São Paulo, que dispõe o espaço físico e os mediadores
que atuam em conflitos encaminhados pela Defensoria Pública ou daqueles que
procuram diretamente o centro. Há também pautas de casos planejados por interesse
da própria Administração Municipal. Desta, destacam os mutirões quinzenais da
Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo – COHAB, que convida os
seus mutuários inadimplentes a celebrarem acordos e evitarem ações de reintegração
de posse. A Prefeitura também dispõe de Guardas Civis Metropolitanos realizando
mediação extrajudicial na Casas de Mediação, desde 2011. Atualmente são 18
(dezoito) casas espalhadas pela cidade de São Paulo, atendendo conflitos de
vizinhança, família (que não exigem homologação judicial) e questões cíveis.
473
TONIN, Maurício Morais. Arbitragem, Mediação e Outros Métodos de Solução de Conflitos Envolvendo o
Poder Público. São Paulo: Almedina, 2019. p. 234.
211
BITTENCOURT, Sidney. Comentários à Lei 13460 de 26 de junho de 2017 – Novo Código de Defesa dos
474
referência às palavras de Ana Cláudia Paranaguá e Flávia Azeredo de Freitas 475, que reforçam
o já mencionado anteriormente:
para que a Administração Pública participe e, até mesmo, realize um processo de
Mediação, é preciso aliar as regras e princípios administrativos com as ferramentas
de comunicação, procedimentais e negociais. Deve-se conjugar os interesses das
partes, sejam estes privados ou públicos, tendo como propósito atender a demanda
da Justiça Social, que privilegia decisões éticas, transparentes, céleres e menos
custosas aos cofres públicos.
Nessa mesma linha, impende recordar as palavras de Silvia Johonsom Di Salvo476, que
destaca o quanto é relevante o planejamento institucional em se tratando da Mediação da
Administração Pública, para evitar sua estratificação, sob o risco de se transformar em um
processo administrativo. Para tanto,
é necessário atender a demanda de justiça social que leva a prazo mais curtos e
limites temporais que reduzam prazos excessivos. Em relação ao princípio da
publicidade afeto à Administração Pública, a institucionalização da Mediação
conexa à boa Administração impõe que se torne público o sistema de resolução de
conflitos como forma de garantir o acesso cidadão e eficiência da máquina
administrativa. Ainda, sabendo-se que barreiras orçamentárias são uma realidade
para qualquer projeto da Administração Pública, fato é que a análise de custos de em
se implementar métodos de resolução de conflitos deve perpassar também ganhos
consequenciais do emprego do método, que reduz custo de transação e de uso da
máquina pública para a resolução de controvérsia em processo judicial moroso e
oneroso.
475
PARANAGUÁ, Ana Claudia P. Cáo; FREITAS, Flávia Corrêa Azeredo de. Advocacia Pública Federal e a
prática da Mediação Privada: reflexões à luz da Orientação Normativa n.57/2019 do Advogado-Geral da
União. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2020. p. 19.
476
SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di. Mediação na Administração Pública Brasileira – O
desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018. p. 127.
215
Todos estes componentes levam a pensar a Mediação dentro de seu valor único. Por
isso, Francisco Cahali477 afirma:
lembrando que o proveito da Mediação projeta-se muito além da solução de um
litígio para encerrar uma demanda (judicial ou arbitral), o instituto tem aplicação
para tratamento de diversos conflitos, mesmo que deles não decorra, por questões
variadas, um processo (judicial ou arbitral). Em outras palavras, aproveita-se da
Mediação para pacificação de conflitos mesmo que eles não tenham a perspectiva de
chegar às portas do Judiciário,
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação – Conciliação – Tribunal Multiportas. 7 ª Ed.
477
CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS
Todos esses elementos devem ser devidamente interpretados com base na perspectiva
paradigmática do instituto, devendo seus comandos serem observados de maneira única a
partir do percurso gerador do sentido da Mediação em sua essência. Em outras palavras, a
riqueza que os componentes acima identificados oferecem para a Mediação não pode jamais
ser esquecida, sob pena de não se alcançarem os objetivos por ela propostos.
Daí decorre se constituir em um instituto marcado por elementos contratuais, os quais
devem ser respeitados em qualquer contexto, pois oferecerá segurança a todos. Sem tais
elementos, não pode ser considerado, já que a falta de um dos seus componentes basilares
compromete o próprio instituto. Por isso a necessária diferenciação em relação a outras
metodologias, consensuais ou não. Convém lembrar que esta diferenciação ainda é necessária,
pois continua a existir a confusão entre as metodologias de solução de conflitos,
especialmente a Conciliação e a Mediação. Nesta dissertação, buscamos esclarecer esta
diferenciação, sobretudo quando se trata da Administração Pública.
Nota-se claramente que a Mediação consiste em um instrumento único no
ordenamento jurídico brasileiro, especialmente por possuir características próprias e muito
peculiares, não tendo qualquer paradigma anterior que pudesse identificá-la, à exceção de sua
prática, já existente. Além disso, muito embora recente em termos de teorização, possui idade
mais que milenar: existem registros de seu uso em tempos imemoriais, mesmo antes da
Antiguidade. Por isso, é importante enfatizar que todos os seus eixos estruturantes devem ser
levados em consideração e estar sempre regularmente definidos, sob pena de levar a confusão
com outros métodos e metodologias, a partir da construção de novo paradigma, que ela
pressupõe, sempre na tentativa de atender ao conflito e sua complexidade, assim como a seus
participantes, que nada mais são do que seu centro e sua razão de existência.
Cabe lembrar que a Mediação é uma atividade que existirá se assim seus participantes
o desejarem. Da mesma forma, levará a um resultado se a vontade de seus participantes for
nesse sentido. E incluirá ou excluirá elementos de acordo com a intenção dos que aceitam
dela fazer parte. Nesse sentido, os eixos que a estruturam bem apresentam suas características,
que podem ser compreendidas como vantagens, já que sua perspectiva propõe sempre a visão
de futuro para todos os nela envolvidos.
Paralelamente aos componentes enfatizados no parágrafo anterior, é fundamental
lembrar da interpretação que é dada a partir de sua inclusão no ordenamento jurídico, pois
constitui fator importante para se alcançar o significado do instituto. Na verdade, constitui um
instrumento da pós-modernidade, resultante de todo um pensar que evoluiu com a
218
humanidade através dos tempos, desde a Grécia Antiga, passando pela Idade Média, Moderna
e Contemporânea, até a atualidade. Evoluiu com cada pensamento filosófico que retrata uma
época e reflete as aspirações dos cidadãos naquele momento, vindo de todos eles alguns
elementos que fazem parte da Mediação.
Tudo isso faz com que estejam claros quais são os parâmetros oferecidos pela
atividade ao estar devidamente legitimada no ordenamento jurídico brasileiro. Promove-se,
com isso, a exata interpretação do instituto e de suas possíveis aplicações, que se ajustarão
conforme o contexto onde for empregado. Daí decorrem os cuidados que devem ser tomados
quando se trata do contexto público, em especial a Administração Pública.
A Mediação, para além de constituir-se em um método de solução de conflitos, é uma
maneira de promoção de Justiça pautada no diálogo. Além disso, consiste, também, em um
instrumento jurídico concretizado pela vontade de seus participantes e devidamente
institucionalizado no ordenamento jurídico brasileiro, podendo ser utilizado em diversos
contextos, inclusive o da Administração Pública, como apresentado nas duas últimas partes da
presente dissertação.
No que se refere especificamente à Administração Pública, destacam-se os seus
elementos evolutivos a partir da Constituição Federal, cujos componentes principiológicos
impulsionaram a perspectiva consensualista, até então pouco desenvolvida pelo fato de os
agentes público a rejeitarem e a ela muito resistirem. Tal evolução transformou radicalmente a
perspectiva de sua atividade, que hoje é vista como uma nova vertente dogmática, podendo no
futuro se converter em um componente norteador e respeitador de todos os elementos
inerentes ao ambiente público.
A pesquisa efetuada demonstra que se encontra em curso uma nova dogmática no
Direito Administrativo, impulsionado pelo consensualismo na, com a e da Administração
Pública. Tal dogmática desloca o eixo da supremacia e indisponibilidade do interesse público
para maior proximidade ao interesse privado, bem como melhor adequação da eficiência e
garantias sociais constitucionais, em que a dicotomia público-privado perde sentido. Este
cenário revela ser a Mediação um instrumento para a adoção do princípio da preferência ao
consensualismo.
Como demonstrado, a Mediação, ao integrar o direito positivo brasileiro, coroa uma
tendência na Administração Pública para o consensualismo. Tal tendência não significa
atingir consenso quanto ao conflito, mas, sim, consenso em relação ao método escolhido para
solução do conflito. Hoje, a realidade brasileira já permite a escolha do método mais
219
no ambiente privado. No contexto da Administração Pública, por seu turno, deve ser objeto de
análise conjunta dos integrantes do processo, a fim de refletir melhor sobre a
operacionalização dos compromissos nele assumidos, durante a Mediação e posteriormente.
Em função das particularidades da Administração Pública, faz-se necessário pensar a
Mediação, que já se constitui no ápice do consensualismo, como mencionado. Ao mesmo
tempo, não se pode esquecer dos eixos estruturantes da Mediação, isto é, processo,
participantes e mediador. Os elementos de uma e os elementos da outra não podem ser
interpretados como obstáculos para seu uso. Muito pelo contrário: deve-se compreender cada
um dentre todos os seus elementos, a fim de proporcionar o melhor para aqueles que dela
fazem uso no contexto da Administração Pública.
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