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Rio Baixo, Um Salto Grande - A Construção de Identificação de Discursos em Ituporanga (SC)

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Eduardo Luiz Formagi

RIO ABAIXO, UM SALTO GRANDE:


A CONSTRUÇÃO DE DISCURSOS DE IDENTIFICAÇÃO EM
ITUPORANGA (SC)

Trabalho de conclusão de curso submetido ao


curso de graduação em Ciências Sociais da
Universidade Federal de Santa Catarina para a
obtenção do Grau de bacharel em Ciências Sociais
Orientador: Prof. Dr. Ernesto Seidl

Florianópolis
2016
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor
através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da
UFSC.

Formagi, Eduardo Luiz Rio Abaixo, um Salto Grande : A construção de


discursos de identificação em Ituporanga (SC) / Eduardo Luiz Formagi ;
orientador, Ernesto Seidl - Florianópolis, SC, 2016. 77 p.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) - Universidade Federal de


Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Graduação em
Ciências Sociais.

Inclui referências

1. Ciências Sociais. 2. história/memória. 3. identidade. 4. Ituporanga (SC). I.


Seidl, Ernesto. II. Universidade Federal de Santa Catarina. Graduação em
Ciências Sociais. III. Título.
Eduardo Luiz Formagi

RIO ABAIXO, UM SALTO GRANDE: A CONSTRUÇÃO DE


DISCURSOS DE IDENTIFICAÇÃO EM ITUPORANGA (SC)

Este trabalho de conclusão de curso foi julgado adequado para obtenção do


Título de bacharel em ciências sociais, e aprovado em sua forma final pelo curso de
graduação em ciências sociais.

Florianópolis, 29 de Fevereiro de 2016

________________________
Prof. Jeremy Paul Jean Loup Deturche, Dr.
Coordenador do Curso

Banca Examinadora:

________________________
Prof. Ernesto Seidl, Dr.
Orientador
Universidade Federal de Santa Catarina

________________________
Prof.ª Letícia Borges Nedel, Dr.ª
Membro da banca
Universidade Federal de Santa Catarina

________________________
Prof. Alexandre Bergamo Idargo, Dr.
Membro da banca
Universidade Federal de Santa Catarina
Este trabalho é dedicado a todos aqueles
que, dia a dia, construíram a Ituporanga de
hoje.
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a minha família pelo recebido durante toda a


graduação, e pela paciência durante todo o andamento desta pesquisa.
A Amábili Danieli Back, minha namorada, por respeitar as minhas decisões
e apoiar as minhas escolhas, além de me ceder por incontáveis horas para esta
pesquisa.
Ao meu grande amigo, atual colega de graduação e futuro de mestrado,
Gustavo Hildebrand Schmitt. Suas sugestões, desde o começo, foram valiosíssimas.
Ao professor Ernesto Seidl, pela orientação paciente. Suas sugestões sempre
se mostraram proveitosas, e, pouco a pouco, a sua ajuda me tornou um pesquisador
muito melhor.
A todos os entrevistados, por me receberem e reservarem um tempo para me
ajudar. Aracy dos Santos, Arnoldo Hoepers, Édio Carlos Machado, Ingelore Porthum,
Ingo Strube, João Nicolau Sens, José Fernando Sens, José Gervásio Maciel, Nelson
Sens, Nilo Evaldo Ludwig, Orlando Adilson Turnes e Valmor Holetz, muito obrigado
a todos vocês.
As professoras Letícia Borges Nedel e Maria Ignez Silveira Paulilo, pelas
sugestões dadas na qualificação do projeto de pesquisa.
RESUMO

Esta pesquisa procurou analisar o processo de construção de discursos de


identificação em Ituporanga (SC). Esses discursos aparecem, principalmente, de
quatro maneiras: a narrativa sobre a origem de Ituporanga, a divisão territorial entre
católicos e luteranos, a afirmação da etnicidade alemã e a associação entre o município
e a cebola. Para isso, foram usados dois procedimentos: entrevistas semi-estruturadas
e pesquisa documental. As principais categorias de análise que apareceram na
pesquisa são identificação, categorização, discurso, história, memória, etnicidade e
tradição. Através destes referenciais, mostramos como o passado da cidade é
construído, seja através de materiais impressos ou da narrativa de ituporanguenses.
Articulando, então, uma sociologia com elementos de história, buscamos compreender
qual a Ituporanga que os ituporanguenses querem construir, levando em consideração
a posição dos que falam sobre a cidade.

Palavras-chave: identificação, categorização, memória, história, Ituporanga (SC),


discurso.
ABSTRACT

This research analyzes the process of constructing identity discourses in


Ituporanga (SC). These discourses appear primarily in four ways: The narrative about
the origin of Ituporanga, the territorial division between Catholics and Lutherans, the
German ethnicity of the statement and the association between the municipality and
the onion. For this, we used two procedures: semi-structured interviews and
documentary research. The main categories of analysis that appear in this research are
identification, categorization, speech, history, memory, ethnicity and tradition.
Through these references, we show how the past of the city is built, either through
printed materials or narrative of the natives. Articulating then a sociology with tones
of history, we seek to understand which Ituporanga that ituporanguenses want to build,
taking into account the position of speaking about the city.

Keywords: identification, categorization, memory, history, Ituporanga (SC),


discourse.
Sumário

1.Introdução...................................................................................................15
1.1A Pesquisa.....................................................................................15
1.2Apresentando Ituporanga..............................................................17
1.3Procedimentos de pesquisa.......................................................... 19
2.Pressupostos teóricos..................................................................................23
2.1História e memória, formas de discurso........................................23
2.2Teorias da identidade....................................................................26
3.A história e seus intérpretes.......................................................................31
3.1Os autores......................................................................................31
3.2O suporte material por trás da narrativa........................................32
3.3O suporte simbólico da história de Ituporanga.............................34
3.4Os limites de Ituporanga...............................................................42
3.5As demais versões sobre a história................................................43
4.Narrativas sobre o passado e um olhar para o futuro.............................46
4.1Duas freguesias, duas categorias...................................................46
4.2Etnicidade em Salto Grande..........................................................49
4.3De olho no campo: a Capital da Cebola........................................61
5.Considerações finais...................................................................................71
Referências bibliográficas...............................................................75
Entrevistas........................................................................................76
15

1. INTRODUÇÃO

1.1 A PESQUISA

O projeto de pesquisa que originou esta pesquisa começou a se desenhar em


2014, durante a disciplina “Métodos e Técnicas de Pesquisa I”, ministrada pelo
professor Ernesto Seidl. De lá para cá, a problemática, o objeto, e até mesmo o tema
da pesquisa sofreram modificações substanciais, até chegar aos termos finais. A única
coisa clara para nós, desde o começo da pesquisa, é que ela iria envolver, de alguma
maneira, a cidade de Ituporanga (SC), no qual residimos por muitos anos. Porém, só
mais tarde ficou claro para nós que Ituporanga não seria o lugar onde faríamos o
trabalho de campo, mas que tomaríamos a própria cidade como tema da pesquisa.
Uma categoria de análise que esteve desde o começo em vista foi “identidade”. Após
um longo processo, definimos como objeto de pesquisa os discursos de identificação
em Ituporanga.
Esta pesquisa visa analisar o processo de construção de discursos de
identificação na cidade de Ituporanga. Estes podem ser divididos em três tipos, de
acordo com quem e o que identificam. Primeiro, há os discursos que falam sobre a
própria cidade, como textos sobre a “história da cidade”, ou o principal rótulo
atribuído ao local, “capital da cebola”. Um pressuposto fundamental desta pesquisa é
considerar que estes discursos são indissociáveis de processos de identificação. Neste
caso, os discursos identificam “Ituporanga”. Aqui estamos tratando da cidade em sua
existência simbólica, abstrata. Tal qual Benedict Anderson (2008) analisa a construção
simbólica dos modernos estados-nação, analisaremos a construção simbólica da
“comunidade imaginada” Ituporanga, através destes discursos.
Além destes discursos, temos os discursos que identificam o
“ituporanguense”. Estes, porém, não serão muito discutidos, por serem sempre muito
genéricos.
16

Discutiremos também discursos que identificam os ituporanguenses com


relação a categorias étnicas e religiosas, ainda que tais categorias nem sempre sejam
relacionadas explicitamente a “comunidade imaginada” Ituporanga.
Definir um objeto de pesquisa intimamente relacionado com algo tão
próximo ao pesquisador é algo que deve ser problematizado. Há diferentes formas de
conceber a relação entre o pesquisador e o objeto, nas ciências sociais. Esta pesquisa
adotou os pressupostos defendidos por Max Weber (2004), de que o sociólogo não
deve impor convicções pessoais na sua pesquisa. Para isso, procurou-se adotar a
postura que Louis Pinto (1996) chama de “ruptura objetivante”:

... a objetivação sociológica, possui uma dupla dimensão: a


desconfiança em relação a experiência; e o fato de levar em
consideração essa mesma experiência. Limitar-se a primeira
dimensão conduziria ao “objetivismo”, isto é, a exclusão das
significações vividas em nome de uma representação do
conhecimento científico que leva a tratá-las como se fossem
resíduos inessenciais e ininterpretáveis. Pretender ter acesso
direto a segunda dimensão conduziria, na melhor das hipóteses,
a uma espécie de explicitação do vivido desprovida dos
princípios suscetíveis de lhe fornecerem um fundamento.
(PINTO, 1996, p.14)

Quer dizer, usamos conhecimento que temos com relação à cidade, mas, para
concretizar a “objetivação sociológica”, questionamos pré-noções nossas a respeito da
mesma, e dos alvos da pesquisa de campo. A experiência na cidade, aliada com a
residência em Ituporanga, se mostrou muito útil durante a realização da pesquisa de
campo. Entre as facilitações proporcionadas por estas questões, estão o
estabelecimento de contato com os entrevistados, bem como a disponibilidade para
realizar as entrevistas no horário que os beneficiasse. Além disso, alguns materiais de
pesquisa documental só puderam ser encontrados devido aos fatores citados.
17

Para concretizar estes objetivos, o texto, além da introdução e das


considerações finais, será dividido em três capítulos. No primeiro, “Pressupostos
teóricos”, discutimos e definimos quais as principais categorias de análise que
utilizamos, e qual a perspectiva adotada sobre eles. Neste capítulo tratamos,
principalmente, de história/memória, discurso e o que chamaremos de teorias da
identidade, ou seja, teorias que lidam com a identidade enquanto fenômeno social,
ainda que não utilizem o próprio termo “identidade”.
O segundo capítulo entrará em um objeto voltado a história da cidade, a
analise da história hegemônica de Ituporanga. “A história hegemônica e seus
intérpretes” se preocupará, além de compreender os elementos simbólicos e
referenciais que perpassam o que é dito sobre a história da cidade, em aspectos
materiais da constituição da obra. É importante lembrar que a separação entre
elementos simbólicos e elementos materiais não é clara, e que ambos, enquanto
categorias de análise, são complementares. Com aspectos materiais me refiro a
questões que envolvem o processo de constituição do texto que conta a história,
porque este autor escreveu, e não outro, as condições econômicas e políticas sob as
quais ele escreveu, como ocorreu a impressão e a divulgação, etc.
Já o terceiro capítulo, “Narrativas sobre passado, e um olhar para o futuro”,
pretende analisar os discursos de identificação nos primeiros cinquenta anos da cidade.
Neste capitulo, analisamos, em primeiro lugar, questões referentes a processos de
identificação relativa a categorias étnicas e religiosas na cidade. Depois, nos
concentramos em analisar o processo de implantação da cebola como principal
produto agrícola da cidade, e, ainda mais importante, da divulgação e consolidação do
título de “capital da cebola”.

1.2 APRESENTANDO ITUPORANGA

Ituporanga é um município de Santa Catarina, localizado na mesorregião do


Vale do Itajaí. É “cortada” pelo Rio Itajaí do Sul, um dos dois rios que formam o Rio
Itajaí-Açu, que dá nome a região, na cidade de Rio do Sul.
18

A cidade, que teve sua “colonização” iniciada oficialmente em 1912.


Portanto, neste sentido, conta com pouco mais de cem anos de história. Nos primeiros
anos, o local foi conhecido como “Rio Abaixo do Itajahy”, segundo Sens (2012).
Posteriormente, o nome “Salto Grande” se tornou popular, e era justificado pela
existência de uma queda do Rio Itajaí do Sul nas proximidades da vila. Inicialmente,
pertencia ao município de Palhoça. Porém, houve certa discussão com o município de
Blumenau, que reivindicava parte do território. Salto Grande, então, estava próxima do
limite entre os dois municípios.
Em 1922, foi criado o município de Bom Retiro, e Salto Grande era parte de
seu território. Em 1924, foi criado um distrito no local, que passou a ser chamado de
“Generosópolis”, em suposta homenagem ao presidente do diretório catarinense do
Partido Republicano. Segundo Sens (2012) e Nelson Sens, a denominação era
“apenas” oficial, e, informalmente, o distrito era chamado de Salto Grande. Em 1943,
o distrito passou a se chamar “Ituporanga”. A palavra deriva do tupi-guarani, e
equivale a “bela queda de água”, uma alusão ao antigo nome, Salto Grande. É
fundamental lembrar, porém, que esta “homenagem” aos indígenas (que ocupavam o
território muito antes dos colonos, e travaram vários embates sangrentos com os
colonos, até a segunda década do século XX) não partiu de lideranças do próprio local.
Segundo Nelson Sens, ainda criança na época da mudança, o nome “veio de cima”,
numa alusão a um poder político mais amplo, provavelmente o governo do estado de
Santa Catarina. A questão do combate entre colonos e indígenas será tratada mais
adiante. A vila se tornou município em 1949, quando foi emancipada do município de
Bom Retiro. É importante notar que, durante o texto, quando nos referirmos a Salto
Grande ou Ituporanga, estaremos falando da mesma localidade.
Assim como Palhoça e Bom Retiro, Ituporanga também teve seu território
inicial fragmentado pela emancipação de novos municípios. Petrolândia, Imbuia,
Atalanta e Chapadão do Lageado. Por este motivo, é difícil considerar estatísticas
antigas sobre a história de Ituporanga. Até mesmo dados sobre a população só podem
ser considerados a partir dos anos 2000 (Chapadão do Lageado foi emancipada no
final dos anos 1990).
19

A cidade contava, em 20101, com 22.250 habitantes, distribuídos em 336,93


km². Este número a deixa fora até das 50 maiores cidades de Santa Catarina. Apesar
de ser uma cidade com população pequena, Ituporanga é cercada de seus ex-distritos,
que tem, sem exceção, populações bastante menores.
Destes, 17.7672 eram adeptos do catolicismo. A população rural, em termos
relativos, era de 33%3, significativamente maior do que a média de Santa Catarina,
19%4, e mais do dobro que a do país, 15%5.

1.3 PROCEDIMENTOS DE PESQUISA

A pesquisa de campo foi composta por dois procedimentos principais.


Entrevistas e interações diretas e pesquisa documental. Com as entrevistas, os
objetivos eram analisar alguns detalhes que dificilmente apareceriam na palavra
escrita, como os sentidos da etnicidade, quem é entendido como ituporanguense, quem
se interessa por Ituporanga. Imaginou-se que, para alcançar estas respostas, perguntas
diretas não seriam eficazes. Portanto, optou-se por trabalhar com entrevistas semi-
estruturadas, nos quais o pesquisador apenas “indica”, por assim dizer, os rumos da
conversa, deixando o entrevistado falar livremente sobre a sua vida, pois nas
entrelinhas destas palavras, poderíamos obter material sobre questões de identificação
com algum coletivo.
O critério para a escolha dos entrevistados não foi dos mais simples. Houve
três critérios: pessoas que vivem há muitos anos na cidade, muitas vezes membros de
famílias supostamente “tradicionais”; pessoas que têm algum envolvimento com
alguma produção escrita na cidade, e sobre ela; por último, atores com atuação

1
Fonte: IBGE, disponível em
http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=420850&idtema
=1&search=santa-catarina|ituporanga|censo-demografico-2010:-sinopse-,
acessado em 07/10/2015.
2
Idem.
3
Idem.
4
Idem.
5
Idem.
20

destacada no cenário político de Ituporanga. O número final foi de 13 entrevistas,


realizadas entre abril e dezembro de 2015. Alguns entrevistados tinha uma boa
disponibilidade de tempo, por serem mais velhos, e não possuírem mais emprego. Mas
mesmo os muito ocupados, como Gervásio Maciel, Édio Machado e Valmor Holetz,
se mostraram muito interessados em contribuir para a pesquisa. O local da realização
foi deixado a critério do entrevistado. Alguns preferiam fazê-la em seus locais de
trabalho. Outros, porém, nos convidaram a fazer a entrevista em suas próprias
residências. A única entrevista que não foi feita em Ituporanga foi a de João Sens. Ela
foi realizada no apartamento no qual ele reside, no município de Balneário Camboriú
(SC). Utilizamos de duas sugestões de Beaud & Weber (2007), de nos apresentarmos
como estudantes e de afirmar que estávamos interessados na história da cidade. Isso,
pelo que pude perceber, tornou os entrevistados muito mais receptivos. É claro,
algumas pessoas se interessaram mais do que outras, e isso se refletiu na duração das
entrevistas. Elas variaram desde entrevistas bastante curtas, com cerca de trinta
minutos (como a Arnoldo Hoepers e João Sens, por exemplo), até gravações de quase
três horas (como a de Nilo Ludwig e Valmor Holetz). Porém, a duração da entrevista
não reflete, necessariamente, o quanto ela contribuiu com a pesquisa. A entrevista de
João Sens, de 34 minutos, por exemplo, foi muito importante para tratar de questões
bastante específicas, como o uso dos dialetos alemães antes da Segunda Guerra
Mundial (1939-1945). Citarei aqui cada um de meus entrevistados, para que eu possa
justificar a escolha por eles:
 Aracy dos Santos Sens: Escritora do livro lançado em alusão ao centenário de
colonização de Ituporanga;
 Arnoldo Hoepers: Com 99 anos quando entrevistado, chegou a Ituporanga com
dezessete anos, vive na cidade deste então. Foi escolhido por conhecer a cidade a
muito tempo;
 Édio Carlos Machado: O vereador com maior número de legislaturas (sete), muito
presente na política municipal;
 Ingelore Porthum: Com 77 anos quando entrevistada, Ingelore faz parte de uma
minoria da cidade, os cristãos de confissão luterana;
 Ingo Strube: Com 85 anos, também é de confissão luterana;
21

 João Nicolau Sens: Além de ser membro do grupo familiar “Sens”, tido como
“pioneiro” da cidade, foi prefeito da cidade e escreveu um livro sobre os “Sens”.
Segundo ele mesmo, a pessoa mais velha, ainda viva, a nascer na cidade. Tem 94
anos;
 José Fernando Sens: Professor aposentado, atualmente trabalha na rádio local, e é uma
pessoa muito respeitada na cidade;
 José Gervásio Maciel: Ex-prefeito, dono da rádio local, sócio do primeiro jornal a
obter razoável sucesso, e muito importante no processo de consolidação da “Capital da
cebola”;
 Nelson Sens: Com 82 anos, primo de João Nicolau Sens, dono da tipografia que
imprimiu o livro do cinquentenário;
 Nilo Ludwig: Um dos primeiros dentistas da cidade, hoje com 85 anos, a pessoa mais
interessada em registrar oralmente a história da cidade;
 Orlando Adilson Turnes: Um dos sócios do jornal “A Região”, juntamente com José
Gervásio Maciel, e proprietário do jornal “A Comarca”, o mais antigo ainda editado da
cidade;
 Valmor Holetz: Médico muito prestigiado em Ituporanga, luterano, também muito
interessado na história da cidade;
A pesquisa documental foi utilizada com diversos tipos de material escrito.
Analisamos jornais e livros. Os jornais são os publicados na cidade, que foram
encontrados. O mais antigo deles é o “A Região”, que data de meados de 1978 até
1990. Além dele, temos “A Comarca”, de 1995 em diante, “Destaque” de 2012 a
2015, e o “Vale Sul”, de 2012 em diante. A princípio, o objetivo era ler toda esta
produção escrita. Porém, o andamento da pesquisa mostrou que isto era dispensável,
pois não houve ganhos significativos. Então, nos concentramos em analisar datas
relevantes para a cidade, como aniversários de emancipação e colonização, por
exemplo. Os livros são os que falam, direta ou indiretamente, sobre a cidade. Sobre a
própria cidade, o mais antigo é o livro do cinquentenário, datado de 1962. Além deste,
há o livro lançado em alusão ao centenário de colonização, em 2012. Existem ainda
outros três livros, que contam histórias de grupos familiares da cidade, e a acabam
mencionando, de uma forma ou outra. Um deles é o “Família Sens: uma história para
22

se contar”, de autoria de João Nicolau Sens (2005), no qual, além da árvore


genealógica dos Sens, a partir do casal Adão e Lidvina Sens, é contada “a história da
cidade”. O outro é o livro “João Carlos Thiesen: sua família, sua história”, de autoria
de Antonio Ervino Hammes (1999). Já o livro “Homenagem a Ituporanga”,
organizado por Nilson José Boeing (2012), reúne histórias, em sua maioria contadas
por membros do grupo familiar “Boeing”, que têm como cenário a cidade de
Ituporanga. É uma obra importante, no sentido de fornecer um panorama da cidade,
num momento histórico do qual muito se perdeu. Porém, o foco não são as origens da
cidade (do qual “os Boeing”, inclusive, não fazem parte). Todo esse material
bibliográfico foi encontrado em diversos lugares. O primeiro a Biblioteca Municipal
Dr. Jorge Lacerda, em Ituporanga. Depois, a Biblioteca Universitária da Universidade
Federal de Santa Catarina. Além disso, arquivos pessoais foram consultados.
23

2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Neste capítulo, demonstramos os principais pressupostos teóricos da


pesquisa. Primeiramente, discutiremos “história” e “memória” como categorias de
análise, a partir de Jacques Le Goff (1990). Depois, falaremos sobre “discurso”, para
que fique claro o que essa pesquisa considera como tal, a partir de Michel Foucault
(1996). Em seguida, faremos uma discussão um pouco maior a respeito de teorias
relativas a “identidade”, tomada como categoria de análise. Embora a discussão
envolva vários autores, Rogers Brubaker & Fredrik Cooper (2000) são indispensáveis
para definir nossos pressupostos.

2.1 HISTÓRIA E MEMÓRIA, FORMAS DE DISCURSO

Primeiro, é importante definir a memória como uma “propriedade de


conservar certas informações” (LE GOFF, 1990, p.423). Mas o autor argumenta que,
além de conservar, o “processo da memória coletiva” implica a releitura dos vestígios
do passado. Da mesma maneira, a memória implica todo um processo de seleção
inconsciente do que será lembrado. É importante destacar que o processo de
constituição da memória é permeado por interesses de atores específicos. No nosso
caso, a memória coletiva sobre a cidade se traduz em definições a respeito “da
história” da cidade.
Um pressuposto fundamental de Le Goff (1990) é o de que é impossível
reconstituir o passado em sua totalidade. O que podemos obter são fragmentos. Esses
fragmentos constituem a memória coletiva de Ituporanga. Aqui, a veracidade desta
memória não tem importância central. Para esta pesquisa, é mais importante
compreender e analisar o processo de construção destes fragmentos. Sobre a história e
a memória como categorias de análise, tomaremos como pressuposto que a história da
cidade é construída a partir de uma versão de memória coletiva sobre Ituporanga.
O autor também lembra de que a memória coletiva sempre foi objeto de
disputa:
24

Do mesmo modo, a memória coletiva foi posta em jogo de


forma importante na luta das forças sociais pelo poder.
Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das
grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos
que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os
esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses
mecanismos de manipulação da memória coletiva. (LE GOFF,
1990, p. 426)

E não é apenas a memória coletiva que é objeto de disputa. Tal noção pode
ser expandida para qualquer tipo de classificação. Bourdieu defende esta noção:

As lutas a respeito da identidade étnica ou regional, quer dizer,


a respeito de propriedades (estigmas ou emblemas) ligadas à
origem através do lugar de origem e dos sinais duradouros que
lhe são correlativos, como o sotaque, são um caso particular das
lutas das classificações, lutas pelo monopólio de fazer ver e
crer, de dar a conhecer e de fazer reconhecer, de impor a
definição legítima das divisões do mundo social e, por este
meio, de fazer e de desfazer os grupos. (BOURDIEU, 1989,
p.113)

Estas lutas pelas classificações são fundamentais em nossa pesquisa. A luta


pela “identidade” de um município, da qual o autor fala, passa pela definição de sua
memória coletiva, ou melhor, da história da cidade. Para que o autor desta narrativa
possa impor a sua visão de história, é necessário que possua os atributos necessários
para que seu texto seja aceito. Em alguns casos, é possível que haja uma disputa entre
duas ou mais versões da história. Em Ituporanga, porém, não houve tal disputa pela
“história da cidade”, até onde a pesquisa pôde constatar. A potencialidade de fazer um
conjunto de pessoas acreditar (e provavelmente o próprio autor) que aqueles
25

fragmentos sobre o passado são a história do local é um atributo fundamental de quem


escreve uma narrativa que é tornada hegemônica.
A memória coletiva aparece principalmente, segundo Le Goff (1990), nos
“monumentos” e nos “documentos”. O “monumento” é entendido como tudo aquilo
que remete ao passado. É, na concepção do termo, a memória coletiva materializada.
O “documento”, escolha do historiador, é entendido para a escola positivista, segundo
o autor, como o testemunho escrito que serve como “prova histórica”. Neste sentido, é
entendido como objetivo, verdadeiro por si mesmo.
Le Goff (1990) contesta essa versão. Segundo ele, o documento é um
monumento. Essa afirmação significa que não existe documento que seja totalmente
objetivo. O documento é uma produção contextualizada historicamente. Ou seja, ele
foi produzido em um contexto de relações de poder. É fundamental interpretar o
documento como instrumento de poder, considerar os aspectos materiais e simbólicos
de sua produção. Mesmo que tenha sido escrito de “boa-fé”, e que o autor cite o que
ele pensa ser “a verdade”, o documento esconde uma “intencionalidade inconsciente”,
um desejo de dizer o que é, e, consequentemente, o que não é. Entendido desta
maneira, o documento vai além da oposição entre verdadeiro e falso. Todos eles são
verdadeiros e falsos. Verdadeiro porque constrói uma realidade. E falso porque
mascara uma intencionalidade sempre presente. Como diz o autor, “[...] tendo em
conta o fato de que todo o documento é ao mesmo tempo verdadeiro e falso, trata-se
de por a luz as condições de produção e de mostrar em que medida o documento é um
instrumento de poder.” (LE GOFF, 1990, p. 534)
A memória coletiva é discurso. Mas vamos tentar entender o que é um
discurso. Todavia, é difícil dar uma definição clara desta categoria. Poderíamos fazer
uma tentativa dizendo que discurso é tudo aquilo que quer dizer uma verdade. Aliás,
isto é muito claro: a relação entre discurso e verdade. Segundo Foucault (2014), o
discurso carrega uma “vontade de verdade”, quem faz com que só percebamos a
verdade dita pelo discurso, e não a intencionalidade deste. Nas palavras do francês:
“[...] os nossos olhos só veem uma verdade que é riqueza, fecundidade, força doce e
insidiosamente universal. E, ao invés, não vemos a vontade de verdade enquanto
prodigiosa maquinaria destinada a excluir.” (FOUCAULT, 2014, p.19)
26

Quer dizer, enquanto afirma um saber, o discurso nega outros, os exclui. Por
isso, a memória coletiva é discurso, seja na forma escrita ou oral. Enquanto ela
defende uma narrativa, exclui outras. Por isso os rótulos são também discursos.
Enquanto elegem um atributo da cidade, negam outros. O discurso ao mesmo tempo é
verdade e mentira, tal qual o documento, é um instrumento de poder e, na forma da
memória coletiva, opera como um mecanismo de identificação.

2.2 TEORIAS DA IDENTIDADE

Mas em que consiste a “identificação”? E por que não “identidade? A grande


referência ao tratarmos de teorias de identidade são as ideias expostas em “Beyond
Identity”, de Rogers Brubaker & Frederik Cooper (2000). Os autores defendem que,
nas ciências sociais, há basicamente duas maneiras de pensar as teorias da identidade.
A primeira são as chamadas teorias “pesadas” da identidade. O que as definiriam seria
o uso do termo “identidade” segundo o seu uso comum, dando ênfase na continuidade
através do tempo. Estes pontos de vista teriam quatro afirmações problemáticas,
segundo os autores. Primeira, “identidade” é tido como algo que todas as pessoas têm,
devem ter ou estão buscando. Depois, “identidade” é algo que todos os grupos, ou ao
menos grupos de um certo tipo (étnico, racial ou nacional) têm ou devem ter. A
terceira é a de que tanto pessoas como grupos podem ter “identidade” sem estarem
conscientes disto, além de ser algo a respeito do qual eles podem estar enganados. Por
último, as visões “pesadas” ou “fortes” da identidade implicam, segundo os autores,
grupos com alto grau de homogeneidade e fronteiras claras entre insiders e outsiders.
A teoria que Roberto Cardoso de Oliveira (1976) expõe em “Identidade,
etnia e estrutura social” se aproxima, em alguns momentos, da classificação de
Brubaker & Cooper (2000). Um exemplo é que o autor considera a existência de
identidades étnicas “virtuais”, ao explicar a situação de pessoas com ascendência de
dois “grupos étnicos”, e como elas manipulam seus laços de sangue de acordo com a
situação (OLIVEIRA, 1976, p.11). Ora, se existem identidades “virtuais”, é razoável
imaginar que o pesquisador pressupõe que existam identidades “reais”. E, se existem
27

identidades “reais”, caímos numa forma de essencialismo típica de concepções


“fortes” da identidade.
De outro lado, são destacadas as concepções “leves” da “identidade. Estas,
que ganharam muita força nas últimas décadas, segundo os autores, são destacadas por
tentar romper com os usos comuns do termo, e negar o essencialismo das concepções
“fortes” de “identidade”. Porém, os pesquisadores destacam três problemas destas
teorias, chamadas também de “construtivistas”. A primeira questão é o que os autores
chamaram de “clichês construtivistas”. Quer dizer, a “identidade” tem sido qualificada
por vários termos: múltipla, instável, negociável, construída etc. Isso faz com que
muitas vezes estes adjetivos sejam lidos e escritos de maneira automática, se tornando
assim simples lugares comuns. A próxima crítica é a do uso da própria palavra
“identidade”. E isto porque, no uso comum, a palavra carrega um significado de
permanência. Os pesquisadores se questionam o porquê de continuar a usar a palavra
se um significado central do termo é tão fortemente repudiado por estas teorias. A
última questão diz respeito à elasticidade de “identidade” nas teorias construtivistas.
Segundo os autores, no esforço de se afastar das concepções “fortes”, formularam-se
concepções, muito parecidas, que têm uma amplitude enorme. Isto faz com que o
conceito perca seu potencial analítico, por se tornar muito vago.
Brubaker & Cooper (2000) chamam a teoria de Stuart Hall de um exemplo
de teoria construtivista da identidade. Hall (2011), em “A identidade cultural na pós-
modernidade”, afirma que as velhas identidades entraram em colapso, pois novos
referenciais surgiram, fazendo com que o sujeito se tornasse fragmentado e
contraditório. A esse processo, o autor chama de “crise de identidade”. O sujeito
nunca é algo único e estático. Ele é “composto”, por assim dizer, por várias referências
sobre o que ele é e qual seu lugar no mundo, ou seja, várias identidades (que estão
sempre mudando), e é perfeitamente plausível que essas referências sejam
contraditórias, provocando dilemas e escolhas difíceis para o indivíduo. Isso leva a
outra questão a se considerar: na teoria de Hall, as identidades são situacionais. Quer
dizer, a manipulação das identidades, para um indivíduo, passa diretamente pelo
contexto no qual o indivíduo está inserido. Nestas ideias, podemos perceber que, como
28

dizem Brubaker & Cooper (2000), a identidade está em todo lugar, e, portanto, em
lugar algum.
Mas, afinal, qual a solução proposta pelos autores? É a construção de teorias
da identidade sem o uso do próprio termo “identidade”. Esta sugestão é justificada
pela ambiguidade da palavra, que leva a problemas, passíveis de ser contornados com
o uso de outros termos, que definem com maior precisão os diferentes usos que
“identidade” pode tomar. Segundo os autores, o uso da palavra “identidade” como
categoria da prática não justifica a necessidade de usá-la como categoria de análise.
A primeira sugestão é o uso do termo “identificação”. Em primeiro lugar, ele
é um termo processual. A identificação, seja por si mesmo ou por outros, não implica
grupos coesos, com fronteiras definidas. Esse processo - fundamentalmente
situacional e contextual -, é indissociável da vida social. Ele pode acontecer de duas
maneiras, segundo os autores. Pode ser uma identificação relacional, quando os
agentes são identificados com relação a redes, como redes de parentesco, amizade,
profissional etc. Ou pode ser uma identificação que se refira a uma classe de pessoas
que dividem um atributo em comum, ou, para usar outro termo, uma categorização.
Alguns exemplos são identificações com “nacionalidades”, “gênero”, “etnias” etc.
Apesar de ser importante revelar os agentes responsáveis pela identificação, nem
sempre é possível fazê-lo. Quer dizer, a identificação pode ser feita por discursos
anônimos.
É precisamente este o processo de identificação concretizado pelos discursos
que estudaremos. No caso dos discursos que identificam “Ituporanga” e não o
“ituporanguense”, o processo de categorização não identifica agentes diretamente.
Quer dizer, o que a “história de Ituporanga” e a noção de “Capital da cebola”
identificam é “a cidade”, a “comunidade”. Certamente, eles o fazem de maneiras
diferentes. A história é mais do que um “identificador”, ela é o próprio fundamento de
todo o imaginário a respeito de Ituporanga. Já a “Capital da cebola” atribui uma
classificação à cidade, transforma em uma relação identitária algo que a princípio era
“apenas” um produto agrícola do município.
Porém, é importante lembrar que, quando se fala de Ituporanga,
inevitavelmente fala-se da cidade como um todo. Quer dizer, não existe, no nível de
29

senso comum, uma separação entre o que é a “cidade simbólica”, os “lugares da


cidade”, os “ituporanguenses” etc. Por isso, considerar que estes discursos identificam,
em primeiro lugar, a cidade “imaginada”, não equivale a dizer que não identifiquem os
agentes que fazem parte da comunidade, indiretamente. Cabe destacar que a cidade
não existe sem pessoas que a imaginem. Portanto, imaginar a cidade, em um plano
“abstrato”, é um processo que produz efeitos reais na comunidade vivida, por assim
dizer. Como lembra Bourdieu, “os símbolos são os instrumentos por excelência da
‘integração social’”. (BOURDIEU, 1989, p.10). Quer dizer, imaginar a cidade
significa identificar e integrar seus habitantes.
30
31

3. A HISTÓRIA E SEUS INTÉRPRETES

Neste capítulo é analisada a escrita da história de Ituporanga. Primeiro,


mostrarei características dos principais narradores da história da cidade. Depois,
falamos sobre as condições materiais de produção dos livros. Em seguida, analisamos
a narrativa sobre a origem da cidade, em sua primeira versão escrita. Por último,
tratamos da relação entre as versões posteriores sobre a história da cidade, e sua
relação com a “pioneira”.

3.1 OS AUTORES

O autor da primeira versão escrita sobre a história da cidade é Edevaldo Cyro


Thiesen. A trajetória dos “Thiesen” tem início em Salto Grande em 1919, quando João
Carlos Thiesen foi designado pelo governo de Palhoça (SC), município o qual a vila
pertencia, como professor da primeira escola do local, a “Escola Pública Estadual de
Salto Grande”. Quatro anos depois, em 1923, casou-se com Cecília Köpp. Além de
professor, João Carlos foi prefeito da cidade em duas ocasiões, sendo inclusive o
primeiro eleito, em 1949. Além disso, ocupou diversos cargos públicos, como
intendente distrital, delegado de polícia, exator estadual, vereador, etc. Também foi
sócio e proprietário de alguns empreendimentos na cidade. Inicialmente, residiu na
propriedade de Matias Gil Sens, o principal “pioneiro” de Salto Grande. Após o
casamento, residiu em Cerro Negro (hoje uma localidade rural da cidade), e,
posteriormente, comprou um terreno do mesmo Matias Gil, onde residiu a partir de
então. João Carlos e Cecília tiveram dez filhos.
O terceiro mais velho, Edevaldo Cyro Thiesen, nasceu em 31 de janeiro de 1931,
em Salto Grande. Estudou, segundo Hammes (1999), no Grupo Escolar Santo
Antônio, que sucedeu a Escola Pública, na qual seu pai lecionou. Formou-se técnico
de contabilidade. Foi protético, tendo estudado em Itajaí, para tal. Além disso, foi
comerciante e ocupou diversos cargos públicos, com destaque para o de vice-prefeito
de Ituporanga, entre 1977 e 1982. Em 1955, casou-se em Palhoça (SC), com Maria
32

Tereza da Luz, natural de Florianópolis, filha de Waldemar Luz. A sua origem


familiar, formação educacional e atuação no serviço publico evidenciam uma provável
condição privilegiada do autor no contexto ituporanguense. Além disso, ele era
católico e descendente de alemães, duas características bastante comuns na cidade.
Faleceu em 01 de janeiro de 1991.
O outro livro escrito com foco na história da cidade é “Ituporanga: 100 anos de
história” (2012), e é de autoria de Aracy dos Santos Sens. A autora vem de uma
família que migrou para Ituporanga, vinda da região de Tubarão entre as décadas de
1940 e 1950 (a autora não soube precisar a data). O motivo da migração foi uma
suposta prosperidade da região, que estaria começando a crescer naquele momento.
Segundo ela mesma, o pai era “caboclo” e mãe “de família mais clara”. Inicialmente,
seus pais se fixaram no “Ribeirão Matilde” (comunidade rural próxima a Ituporanga).
Depois de alguns anos, a família se desfez dos terrenos rurais e fixou residência no
centro urbano da cidade, onde adquiriram uma casa comercial, que, segundo ela, era
“muito antiga” no local.
Já em Ituporanga, Aracy dos Santos nasceu em 1954. Estudou no Grupo Escolar
Mont’Alverne, sucessor do Grupo Escolar Santo Antônio. Depois disto, estudou no
Colégio Maria Auxiliadora (colégio católico, na época exclusivo para meninas), em
Rio do Sul. Voltou a Ituporanga para cursar o equivalente ao ensino médio atual no
Colégio Normal Roberto Moritz. Em 1962, ela se casou com José Fernando Sens,
descendente dos principais “pioneiros” de Salto Grande. Assim como seu antecessor,
ela detém escolaridade relativamente alta, porém com certa experiência na área de
ciências humanas, tendo lecionado por muitos anos disciplinas como história e
geografia. Ela também é católica.

3.2 O SUPORTE MATERIAL POR TRÁS DA NARRATIVA

Uma narrativa não acaba em seu texto. Para compreendê-la, é preciso ir além
das palavras. Conhecer os agentes que narram a história, aos quais é atribuído o título
de “autor” é um passo não apenas importante, mas fundamental. Uma narrativa
impressa, como é o nosso caso, porém, dá margem a novos questionamentos.
33

O suporte material mobilizado para a publicação das narrativas foi diferente.


Apesar de muitas informações sobre o livro do cinquentenário terem se perdido,
devido ao falecimento do seu autor, nada indica que houve algum apoio de alguma
instituição significativa na cidade (prefeitura, igreja etc.). Além disso, há anúncios de
diversas empresas da região, o que torna até questionável se o material é um livro ou
uma revista. Logo, é razoável pressupor que estes anúncios proporcionaram o suporte
financeiro necessário para a divulgação da pesquisa. Outra incógnita diz respeito a
impressão e tiragem. Não é indicado, em nenhum momento, onde o livro foi impresso,
nem quantas cópias foram feitas. O livro cinquentenário, lembremos, não foi escrito
apenas por Edevaldo Cyro Thiesen. Waldemar Luz, seu sogro, divide a autoria da
obra. Mas por que, então, atribuímos o texto sobre a origem de Ituporanga ao
primeiro?
Neste sentido, o livro de Aracy dos Santos Sens tem características bastante
distintas. A iniciativa, segundo ela, de produzir um livro sobre a cidade em
homenagem o seu centenário partiu da Secretaria de educação e cultura do município.
Havia mais pessoas, porém, interessadas em escrevê-lo. Segundo informa, foi
realizada uma seleção, por envio de currículo, e ela foi escolhida por “ter mestrado”
(ela é mestre em Educação e Cultura), formada em história e também (nas suas
palavras) “por ser do lugar, né”. Além disso, afirmou que ouviu que algumas pessoas
haviam sugerido que ela fosse a encarregada da autoria do livro.
A prefeitura municipal, além de idealizar o livro, foi responsável por ajudar
nos custos da pesquisa de campo (havia carro e motorista para levar a autora até seus
entrevistados, por exemplo), bem como de impressão. Esta foi realizada na vizinha
Rio do Sul, e a tiragem foi de duzentos exemplares (muito menos que tiragens
regulares de periódicos da cidade[Que passam dos 1.500 exemplares]). A divulgação
do livro, que foi alvo de reclamações por parte da autora, foi muito restrita. Nenhuma
edição foi colocada a venda. A própria autora ficou com um número reduzido de
cópias, que foram usadas para presentear parentes próximos. Quando da realização da
entrevista, ela possuía apenas um exemplar em sua posse. Quer dizer, a autoria da
pesquisa é de Aracy dos Santos Sens, mas o ator responsável por todo o suporte
34

material foi a Prefeitura Municipal, principalmente através da Secretaria de educação e


cultura.

3.3 O SUPORTE SIMBÓLICO DA HISTÓRIA DE ITUPORANGA

Antes, apenas o explendor da Natureza. Serras e matas


expandindo-se. O chirrear da passarada em mistura com a
agitação de outros animais selvagens. Apenas o selvicola
conseguira penetrar nos segredos daquele chão inexplorado pela
agricultura.
O rio Itajaí do Sul corria pelas sinuosidades do seu
leito, gorgolejando no encachoeiramento, em demanda do
esgotamento rápido das suas águas no mar. Mas, havia
necessidade de que o homem-colono penetrasse nessas matas,
procurando servir-se dessas terras dadivosas, de húmus
aflorado, para garantia dos seus produtos agrícolas. Ninguém,
entretanto. Atrevia-se na empreitada. Gente das vizinhanças,
não. Outros, mais aventureiros, se entregariam a isto. E,
provavelmente, não faltaria, para os lados do litoral, quem se
aventurasse no intento. E, efetivamente, assim foi.
A origem da colonização de Ituporanga veio da
fundação, sem dúvida alguma, da Colônia Militar de Santa
Tereza, hoje distrito de Catuíra, a margem do rio Itajaí do Sul,
pelo govêrno imperial, em 1853. Essa colônia estava sob a
direção de um comandante militar e nela se engajavam os
colonos, por determinado tempo, com a incumbência de
escoltarem tropas e viajantes através do sertão em direção a
Lajes, a fim de protejê-los contra os frequentes ataques dos
índios.
Além desse serviço, essa força militarizada incumbia-
se dos consertos e desmatamento da estrada geral, ou trabalhava
35

na lavoura em conta própria, nos seus lotes doados pelo governo


federal.
Em 1908, o coronel Carlos Napoleão Poeta, que então
se dedicava, com afinco e estoicismo, ao desbravamento do
sertão rumo ao planalto, contratou, com o governo do Estado, a
construção de uma estrada carroçável entre o lugar Barracão,
hoje município de Alfredo Wagner, na estrada Florianópolis-
Lajes, até a Barra do Rio Oeste, na estrada Blumenau. Essa
estrada, seguindo pela margem do rio Itajaí do Sul abaixo,
atravessava, justamente, o local onde se encontra hoje a florida
e garrida cidade de Ituporanga.
A empreitada não foi das mais fáceis. Lutando contra
muitos obstáculos encontrados, o maior deles a existência de
bugres bravios nesta região, a finalidade, do bandeirante
catarinense, entretanto, foi conseguida, dentro de regular espaço
de tempo.
Animados por esta primeira providência para
penetração na região inóspita, por terra e rio Itajaí abaixo, em
canoas improvisadas, Matias Pedro Sens e Egídio Pedro Sens se
localizaram em certos pontos da hoje povoação Vila Nova, nas
proximidades desta cidade, e João Steffen, em Barra do
Perimbó, sendo este o primeiro proprietário de uma balsa sobre
o rio Itajaí, dando acesso a serra, cuja construção dessa barcaça
foi custeada, em parte, pela Prefeitura Municipal de Palhoça, de
cujo município eram naturais esses corajosos desbravadores.
Matias Gil Sens, após esses, acompanhado da esposa,
Catarina Gorges Sens, e filhos Balduino Sens, Apolônia Sens
Ludwig e esposo, Ernesto Pedro Ludwig, todos vindos de São
Pedro de Alcântara, no município de São José, aproveitando-se
dessa estrada e, possivelmente, encorajados pelos primeiros
residentes nos locais acima mencionados, aventuraram-se a
36

conhecer as terras, mais acima existentes, no percurso em


direção a Blumenau, com o fim de se estabelecerem com
moradias.
No percurso de São Pedro de Alcântara até ao local
exato onde levantaram o modesto rancho de rachões de
pinheiros [...], foi feito em sete dias. Conduziram os utensílios
de primeiras necessidades em uma carroça e um cargueiro.
A data conhecida da chegada e localização desses
primeiros colonizadores no hoje perímetro desta cidade,
portanto, sendo considerado como os que fundaram o local
exato de Ituporanga, foi 15 de agosto de 1912. (THIESEN &
LUZ, 1962 s/p.)

São estas as exatas palavras usadas por Edevaldo C. Thiesen para descrever a
origem de Ituporanga. Aqui, podemos notar algumas características que fazem com
que este texto ofereça um “mito de origem” da cidade. Neste texto, estão expostos
todos os referenciais que perpassam a narrativa da história da cidade (que não se limita
a este texto). Quer dizer, nestas palavras podemos encontrar uma síntese dos marcos
simbólicos (e, portanto, morais) da cidade.
Um primeiro marco observável no texto é a caracterização dos primeiros
moradores do local. Estes ostentam o título de “pioneiros” da cidade. Classificações
como o “homem-colono”, “bandeirante catarinense”, “primeiros colonizadores”
,glorificam as funções supostamente exercidas por estas pessoas. O papel do pioneiro,
protagonista da narrativa, aparece em outros momentos, sugerindo a sua importância
no contexto ituporanguense. O “pioneirismo” é atribuído a um seleto grupo de
pessoas, que são aquelas que terão seus nomes lembrados. No livro do centenário, tal
título é atribuído, por exemplo, ao já citado João Carlos Thiesen, que, como dito
anteriormente, chegou ao local em 1919. Carlos Jensen Filho, por exemplo, chegou de
Blumenau em 1918, e é referenciado, num artigo que trata da paróquia luterana, como
o primeiro morador “não-católico” de Salto Grande. Em nenhum momento, porém, é
atribuído a ele um prestígio equivalente ao de João Carlos Thiesen, ou aos irmãos
37

Balduino, Jacob, Fernando e Adão Sens, filhos de Matias Gil Sens. Este, por sua vez,
é referenciado como o “principal pioneiro” da cidade, o seu fundador. Portanto, como
qualquer classificação social, ela não é aleatória. Captar os critérios de categorização é
uma tarefa difícil, mas necessária. Para isso, é preciso considerar todas as
características da narrativa. Porque o rótulo de pioneiro não pode ser analisado
isoladamente. Ao contrário, devemos considerar os outros marcos que perpassam o
discurso.
A religião é, ao que o livro indica, um deles. Segundo todas as referências
sobre a religião em Ituporanga, houve, por “muito tempo”, duas igrejas presentes no
local. A primeira é a de confissão católica, com cerca de três quartos da população
atualmente, e, segundo todas as entrevistas que realizamos, sempre maioria na cidade.
Era a religião dos ditos pioneiros. A outra é a Igreja Evangélica de Confissão Luterana
do Brasil. Como mencionado, o primeiro adepto desta confissão foi Carlos Jensen
Filho, que chegou a cidade em 1918. Embora seja difícil precisar datas, posteriormente
vieram Emílio Altemburg, Henrique Holetz e Ulrich Muller, todos acompanhados dos
familiares, todos luteranos que se estabeleceram em Salto Grande ainda em seus
primeiros anos. Vamos analisar como as duas confissões são tratadas no livro de
Edevaldo Cyro Thiesen. A religião católica é, claramente, tratada com mais atenção.
Começando pela capa do livro, que contém uma figura (a única da página) de uma das
torres da Igreja Matriz Santo Estevão, inaugurada anos antes pelos católicos locais.
Além disso, fica clara a primazia dos católicos na narrativa em dois temas. Desde o
começo da atividade católica de Salto Grande, a localidade sempre foi atendida pela
congregação franciscana, até hoje. Na figura de seus religiosos (tanto os padres quanto
as “irmãs”), ela teve influência, principalmente, na saúde e na educação.
O livro do cinquentenário narra a história das escolas na cidade, da origem
até 1962. Deixa claro que a primeira instrução ministrada a crianças ituporanguenses
foi a catequese. Em 1919, foi criada a escola pública, que teve como primeiro
professor João Carlos Thiesen. Em 1933, foi criado o Grupo Escolar Santo Antônio,
sob a direção do pároco local, frei Gabriel Zimmer. É lembrado que, neste momento,
Salto Grande teve três escolas funcionando: “uma católica, uma luterana e uma
pública” (THIESEN, 1962). Não há, porém, qualquer outra informação sobre a Escola
38

Luterana. Além de fornecer muitas informações sobre a escola católica da cidade (que
já fora fechada em 1948), a narrativa quase ignora a escola luterana. O “sucessor”
(apesar de estadual, era influenciado pelos franciscanos) do Grupo Santo Antônio,
Grupo Escolar Mont’Alverne, também é enaltecido posteriormente.
Com relação à saúde, há um fato significativo na narrativa. A cidade teve,
algum tempo, duas instituições hospitalares. O mais antigo é o Hospital Bom Jesus,
fundado em 1939 (e ativo ainda hoje) por frei Gabriel Zimmer, primeiro pároco da
paróquia Santo Estevão de Ituporanga, e ainda hoje é administrada pela Congregação
das Irmãs Franciscanas de São José (SENS, 2012). A Maternidade Nossa Senhora das
Graças, por sua vez, foi fundada em 1957 por Vanio Mario Colaço de Oliveira. Em
1968, foi vendida para as irmãs franciscanas, mesma organização que administra o
Hospital Bom Jesus. No livro de 1962, embora existissem as duas instituições
hospitalares, só o hospital é mencionado. Na primeira linha do texto que fala dele, está
escrito que “O Hospital Bom Jesus é o melhor dos estabelecimentos hospitalares da
cidade” (LUZ & THIESEN, 1962). Além do elogio ao hospital, podemos inferir uma
crítica à Maternidade, que era a outra instituição hospitalar de Ituporanga. É
importante lembrar que, na época, a Maternidade era administrada, possivelmente, por
Vânio Mario Collaço de Oliveira (médico e político local). Já em 1974, em material
comemorativo sobre Ituporanga organizado por Waldemar Luz e por Nelson Sens,
tanto a maternidade quanto o hospital tem um texto explicando a sua trajetória. O
texto sobre o hospital não fala que ele é o “melhor da cidade”. Já o texto sobre a
maternidade, embora cite a fundação deste por parte de Vânio Mario Collaço de
Oliveira, dá preferência em tratar da administração da época, realizada pelas irmãs
franciscanas. Poderíamos argumentar que a mudança na maneira como a maternidade
foi tratada diga respeito a possíveis rivalidades políticas na cidade, haja vista que
Vânio de Oliveira foi importante membro da UDN (União Democrática Nacional)
municipal, ao passo que João Carlos Thiesen foi o grande expoente do diretório
ituporanguense do PSD (Partido Social Democrata). Essa rivalidade entre PSD e UDN
foi lembrada várias vezes nas entrevistas, como na de Nilo Ludwig e Édio Machado,
por exemplo. Porém, como dito anteriormente, há grandes elogios, no livro do
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cinquentenário, a membros dos dois partidos. Isso reforça a ideia de que a diferença de
tratamento se deve à entrada da Congregação Franciscana na maternidade.
Tudo que foi exposto nos parágrafos anteriores deixa clara a prioridade
atribuída a confissão católica na narrativa histórica de Edevaldo Cyro Thiesen.
Prioridade, porém, não significa um esquecimento dos luteranos do local. É
fundamental lembrar que há algumas páginas, no livro do cinquentenário, que citam a
história da paróquia luterana de Ituporanga. Portanto, os luteranos são lembrados, mas
em segundo plano.
A relação entre a cidade e alguma possível origem “alemã” é um tema
importante, que exige que falemos também do livro do centenário da cidade. Mas
comecemos pelo texto de 1962. Na narrativa sobre a origem da cidade, transcrita
acima, não há menção de nada que lembre a Alemanha. Absolutamente nada. No texto
que fala sobre a trajetória das instituições educacionais no local, Thiesen (1962) usa,
para enaltecer o Grupo Escolar Santo Antônio, o exemplo das festividades de 7 de
Setembro. Nesta ocasião, segundo ele, o juiz Norberto de Miranda Ramos teria escrito,
no livro de visitantes, um elogio ao Frei Manuel Fillipi, diretor da instituição, na
época, dizendo que ele era “elemento destacado na grande obra de nacionalização...”
(THIESEN & LUZ, 1962). Há várias referências à “pátria brasileira” ao longo do
livro. Além disso, a narrativa se passa, inteiramente, no Brasil. A história de
Ituporanga, para Edevaldo Cyro Thiesen, começa em São Pedro de Alcântara.
Porém, é fácil perceber, pela grafia dos sobrenomes, que a maioria das
pessoas que habitaram a vila, em seus primórdios, eram, se não alemães, caso de uma
minoria, filhos ou netos destes. Era o caso de Matias Gil Sens, por exemplo, cujo pai
chegou ao Brasil com seis anos de idade. E é justamente pela viagem dos antepassados
do principal pioneiro de Ituporanga, através do oceano, que Aracy dos Santos Sens
(2012) começa a contar a história do lugar. Antes disso, ela já havia dito que a
colonização da cidade foi feita por “italianos, alemães e portugueses”. Quando fala
sobre Matias Gil, ela lembra que ele “falava alemão fluentemente”. Quer dizer, no
livro do centenário, não há esforço em lembrar que a cidade teve (e possivelmente
ainda tem, é difícil afirmar isto com precisão) nos descendentes de alemães a maioria
da população.
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Na entrevista realizada com Nilo Ludwig (neto de Matias Gil), houve uma
peculiaridade. Antes de responder às perguntas elaboradas pelo pesquisador, o
entrevistado narrou a “história” que teria ouvido de seu tio, Ernesto Ludwig (o mesmo
que acompanhou Matias Gil na migração que deu origem à cidade). Segundo ele,
Matias Gil, Ernesto e mais algumas pessoas fizeram uma viagem de prospecção, para
conhecer o território. Nesta viagem, eles subiram em um morro nas proximidades do
que se tornaria o centro urbano, para obter melhor vista. Lá em cima, Matias Gil teria
dito para eles descerem do morro naquele momento, com urgência. Todos
obedeceram. Chegando lá embaixo, Ernesto teria indagado Matias sobre o porquê de
terem que descer tão depressa. Matias respondeu- disse Nilo Ludwig-, “em alemão,
porque eles só falavam alemão”, que havia uma onça no local. Num momento
posterior da narrativa, Matias está na sua casa, em São Pedro de Alcântara, e fala
sobre uma possível mudança para o Vale daquele rio. Novamente, Nilo Ludwig frisa
que ele falava alemão com Catarina, sua esposa. É interessante que, nessa narrativa, o
entrevistado fez questão de lembrar, mais de uma vez, que seus antepassados falavam
alemão. Quer dizer, as narrativas sobre a cidade divergem neste ponto, de caracterizar
ou não os pioneiros como “alemães” ou não. O que podemos concluir, observando as
diferentes versões, é que, no livro do cinquentenário, a origem étnica dos primeiros
habitantes de Salto Grande foi esquecida. Como mostramos a partir de Le Goff
(1990), a memória é seletiva, e, portanto, optou-se, conscientemente ou não (o próprio
Edevaldo Cyro Thiesen era um descendente direto de imigrantes alemães, nasceu em
uma época em que “o alemão” era muito falado na vila) em criar uma história de
Ituporanga na qual essa ligação não seja lembrada. Essa questão será debatida, sob
outra perspectiva, no capítulo seguinte.
Porém, se a etnicidade germânica foi silenciada na narrativa do
cinquentenário, e não foi ligada à categoria “pioneiro”, nem por isso essa última
perdeu em complexidade. É bastante clara, na narrativa, a relação entre a figura do
“pioneiro” e a figura do “colono”. Podemos inferir, então, que a relação acontece da
seguinte maneira. “O colono” é uma figura mais ampla, que engloba todos aqueles que
“colonizaram” o território. Já “o pioneiro” vai além deste. Ele é como que um
“colono” superior, por supostas contribuições à comunidade, ou até por ser
41

responsável pela própria existência da comunidade. Aqui, porém, trataremos da figura


mais ampla, do “colono”, sem aprofundar a distinção entre colono e pioneiro.
Podemos perceber que o colono vai além, na história de Ituporanga, de um
agricultor. O colono é mais do que uma profissão, é uma categoria no qual estão
incluídos os católicos e os luteranos, os “alemães”, os “italianos”, os “brasileiros”.
Como vimos anteriormente, uma identificação étnica tem como característica
fundamental a definição por contraste, por oposição. A fronteira esboçada para reunir
todas estas pessoas, em torno de suas características comuns são os antigos habitantes
do território, os “índios”. Na narrativa de Edevaldo Cyro Thiesen, eles têm seu espaço:

Dos apontamentos existentes, um pouco confusos, entretanto,


em relação aos primeiros anos de colonização, consta que a 8 de
maio de 1913, pelo meio-dia, descansando em seu ranchinho,
Egídio Sens, irmão de Matias Pedro Sens, viu-se de surpresa
atacado por um bando de índios botocudos, em número de
setenta, mais ou menos. Fazendo ele uso de sua espingarda,
feriu um deles atacantes na cabeça, e enquanto os outros
recuavam, fugiu para a casa de seu irmão Matias, salvando-se
milagrosamente. Das muitas flexas que lhe jogaram, uma só lhe
acertou, atravessando-lhe o braço direito. Ele mesmo a
arrancou, em pedaços, do braço ferido, defendendo-se no
assalto como poude. O curativo do ferimento recebido foi feito
pelo então capitão Rosinha (general Vieira da Rosa, já falecido,
que casualmente estava fazendo o levantamento da estrada de
rodagem da região). (THIESEN & LUZ, 1962, s.p.)

Esta narrativa é um excelente exemplo de como a oposição entre colono e


índio é pensada. O colono está em seu rancho, pacatamente, quando é atacado pelos
índios. É interessante notar que, antes de ser atacado, o colono atira com sua
espingarda, vitimando um dos “botocudos”. Espingarda que é o símbolo do que o
colono trouxe para aquela terra: a tecnologia, a precisão, o domínio sobre a natureza.
42

Os “atacantes” então, fazem o que a narrativa diz que fazem: atacam o colono, com
flechas. Estas que são o contrário da espingarda, no sentido de serem rudimentares,
toscas, primitivas, justamente o contrário da civilização que o colono veio trazer para
aquele vale. Felizmente, eles atiram muito mal, e só uma flecha atinge o braço direito
do colono, que milagrosamente, sai ileso, ao sair correndo para a casa do irmão. Esta é
a fronteira fundamental entre o colono e o índio: de um lado, o progresso e a
civilização, sempre ameaçados pelo perigo iminente; de outro, o índio, rude, selvagem
e ameaçador. E tudo, na narrativa, caminha no sentido de glorificar o colono, com
destaque para o colono pioneiro (a divisão dentro da divisão), e, mesmo, demonizar,
caracterizar o índio como o outro, o diferente, que ameaça o progresso e a colonização
ordeira.
A intenção do texto é então enaltecer a figura do colono pioneiro, que funda
Ituporanga. A própria estrutura da narrativa, que começa com contornos de uma
epopeia, revela uma prosa que busca enaltecer os fatos que descreve. Os cenários e os
personagens são comuns na história das colônias fundadas por descendentes de
europeus, entre os séculos XIX e XX no sul do Brasil. A descrição do território antes
da colonização, ressaltando o caráter “virgem”, “intocado pela civilização”; A
afirmação subentendida de que habitar o local é uma missão com riscos, uma
“aventura”; A suposta necessidade em “habitar” as matas; Tudo isto corrobora essa
intencionalidade da história de Ituporanga.

3.4 OS LIMITES DE ITUPORANGA

Ituporanga tem uma parte significativa de sua população vivendo no campo,


como dito anteriormente. Esta população reside ao longo de estradas conhecidas como
tifas ou estradas gerais, mas que em outros locais recebem nomes como linhas, vilas
etc.
Note-se que, à época de sua emancipação do município de Bom Retiro, em
1949, o município de Ituporanga possuía territórios que, a partir de 1962, se tornariam
novos municípios (Imbuia, Petrolândia, Atalanta e Chapadão do Lageado).
43

É importante, então, fazer uma distinção entre o que o município de


Ituporanga, e o que é Ituporanga como uma “comunidade”. Quando falamos do
município, a referência é ao território subordinado à Prefeitura Municipal de
Ituporanga, que é muito mais do que o núcleo urbano da cidade (há mais de quinze
localidades rurais em Ituporanga). É, em outras palavras, a Ituporanga formal. Já a
Ituporanga informal, a comunidade, nem sempre corresponde ao município de
Ituporanga. No “mito de origem” da cidade, isto fica evidente.
Embora haja algumas referências a outras cidades no livro do cinquentenário,
quando se fala da origem de Ituporanga, o que é abordado é a origem de Salto Grande,
localidade que mais tarde se transformou no centro urbano de Ituporanga. A história e
as afirmações de pioneirismo deixam isso claro. Diz-se, por exemplo, que dois
sobrinhos de Matias Gil Sens teriam chegado ao que hoje é o bairro Vila Nova em
1911. Este bairro é distante cerca de um a dois quilômetros de onde Matias fixou sua
primeira residência. Eles teriam chegado um ano antes do tio, a um local bastante
próximo ao local que hoje é o centro da cidade, que cresceu, principalmente, sobre as
terras de Matias. Além disso, em nenhum material pesquisado é contada a origem das
tifas e comunidades rurais do município. Portanto, a história de Ituporanga não é a
história do município de Ituporanga, e sim do centro urbano de Ituporanga.

3.5 AS DEMAIS VERSÕES SOBRE A HISTÓRIA

Essa análise do livro do cinquentenário não seria útil, porém, se não


considerássemos a influência da obra em materiais posteriores, que tratam da história
da cidade. Em 1974, foi publicada uma revista em alusão ao natal daquele ano,
organizada por Waldemar Luz, sogro de Edevaldo Thiesen, e Nelson Sens, que a
imprimiu em sua tipografia. Nas suas páginas, há uma versão que, apesar de não usar
o mesmo texto do livro do cinquentenário, segue o mesmo caminho, narrando o
mesmo passado, sob a mesma perspectiva.
44

Em 1985, Dorvalino Koch e João Momm publicaram “Famílias Pioneiras de


Salta Grande” (1985). Apesar do nome sugestivo, o principal assunto da obra são as
famílias Koch e Momm, presentes nos primeiros anos, na região de Salto Grande,
relacionadas com o contexto municipal. A origem da cidade, porém é contada de
maneira bastante resumida. Os nomes citados são os mesmos. Há duas pequenas
diferenças, porém. Como demonstrado no item anterior, a origem de Ituporanga, no
livro do cinquentenário, é a origem do seu centro urbano. Já em Koch & Momm
(1985), os primeiros pioneiros de “Salto Grande” são os irmãos Egídio e Matias Pedro
Sens, que se estabeleceram em Vila Nova, fora do que se tornou o centro urbano da
cidade, mais tarde. Outra diferença é que a narrativa começa falando da imigração
alemã em Santa Catarina, para só depois chegar a Salto Grande.
Apesar de concordar com datas e nomes do livro do cinquentenário, o livro
“Família Sens: uma história para se contar” (2005), de autoria de João Nicolau Sens,
traz uma estrutura diferente. Assim como em Koch & Momm (1985), a história de
Ituporanga começa na Europa. Diferentemente deste, porém, Sens (2005) conta a
história a partir do ponto de vista de seus tataravôs. Apesar de, invariavelmente, a
origem da cidade estar relacionada a Matias Gil Sens, a versão de Thiesen (1962), bem
como todas as que se basearam integralmente nela, começam a história em São Pedro
de Alcântara, focando nos desdobramentos políticos (como a criação da Colônia
Militar Santa Tereza, por exemplo) que levaram à colonização daquele território. Já
Sens (2005) se preocupa em mostrar a trajetória de seus familiares, desde a Europa,
passando pela “penosa viagem” que os fez “imigrantes”, até a “fundação” de
Ituporanga em 15 de agosto de 1912, por parte de Matias Gil Sens. Quer dizer, o autor
dá ênfase à relação entre “os Sens” e a cidade, reivindicando a origem da cidade para
“sua família”.
Os outros dois livros relacionados a grupos familiares são “João Carlos
Thiesen: sua família, sua história” (1999), de autoria de Antônio Ervino Hammes,
esposo de uma neta do “primeiro professor” de Salto Grande. Nesta obra, a origem da
cidade não é abordada. Salto Grande só vai aparecer na narrativa quando João Carlos
chega à cidade, como representante de Palhoça, para reivindicar o domínio do
45

território, antes disputado com Blumenau, por estar situado no limite entre os dois
municípios. A sua figura, porém, está intimamente relacionada com a cidade:

Assim, pode-se dizer que João Carlos Thiesen saiu de


cena política [renunciando ao cargo de prefeito] de uma forma
não merecedora, tendo em vista todos os seus feitos na vida
pública, em prol de Ituporanga, durante mais de quatro décadas.
Afinal de contas, sua história faz parte e está intimamente ligada
a história deste município. (HAMMES, 1999, p. 37)

Além da grandiosidade conferida a ele no contexto saltograndense merece


destaque a publicação do livro no ano do cinquentenário da emancipação do
município, o que demonstra que o documento tem a intenção de estabelecer uma
relação entre os “Thiesen” e a vida política de Ituporanga.
O outro livro “de família”, que guarda algumas peculiaridades em relação
aos demais é “Homenagem a Ituporanga” (2012), organizado por Nilson José Boeing.
Ele contém escritos de quatorze autores, a maioria familiares do organizador.
Diferentemente dos outros, que contêm uma genealogia mais ou menos detalhado, este
traz “causos” que tem como pano de fundo, ora o distrito de Salto Grande, ora a
cidade de Ituporanga, que os pais de Nilson Boeing, Joaquim e Adelaide Boeing
habitaram por mais de quarenta anos. De todos os citados, este é o que traz uma
relação menos explícita entre os Boeing e a cidade. Porém, o fato de haver um livro,
publicado por diversos irmãos desta família, em 2012, ano em que foi comemorado o
centenário de colonização da cidade, sugere a relação afetiva que os irmãos Boeing
têm com Ituporanga.
Neste sentido, o livro de Aracy dos Santos Sens (2012) é parecido. Porém,
trata-se de uma obra que tenta ser mais inclusiva, valorizando as diferentes maneiras
de contar a história. Nesse sentido, podemos perceber a mesma tentativa de simbiose
entre o sobrenome “Sens” e a origem da cidade, que podemos encontrar em Sens
(2005). Mas também podemos perceber a narrativa que dá ênfase ao “colono
46

pioneiro”, brasileiro, que enfrenta o perigo “selvagem” para fazer “a” colonização, que
podemos observar em Luz & Thiesen (1962).

4. NARRATIVAS SOBRE O PASSADO E UM OLHAR PARA O


FUTURO

No capítulo anterior, discutimos a construção da história hegemônica de


Ituporanga, considerando-a um discurso chave, a base para toda construção imaginária
posterior a respeito da cidade. Como argumentamos, a imaginação constrói a
realidade, e vice-versa. Neste capítulo, assim como no seguinte, nos preocuparemos
com a identificação na vida cotidiana do ituporanguense. É inútil discutir, porém, se a
história vem antes da identificação, ou o contrário. Tomaremos como pressuposto de
que se trata de uma relação mútua. Quer dizer, uma constrói e reafirma a existência da
outra.

4.1 DUAS FREGUESIAS, DUAS CATEGORIAS

Salto Grande era, nos seus primeiros anos, uma vila que crescia nas margens
do rio Itajaí do Sul. Neste período, ela era equivalente a outras comunidades rurais,
que mais tarde pertenceriam ao município de Ituporanga. A vila, porém, era dividida
em duas frações. Existia a “Freguesia de cima” e a “Freguesia de baixo”.
A primeira, segundo Nelson Sens, cresceu nas terras que inicialmente
pertenceram a Matias Gil Sens e à Sociedade Colonizadora Catarinense, ponto no qual
foi “fundada” a vila, em 15 de Agosto de 1912. Era conhecida como um local habitado
quase que exclusivamente pelos católicos da cidade. Segundo Ingelore Porthum, desde
que ela pôde recordar, foi o ponto mais movimentado, o verdadeiro centro da cidade, o
que se consolidaria posteriormente, já que a Freguesia de cima é hoje o bairro Centro,
local onde se concentra a maior parte do comércio da cidade.
47

Já a Freguesia de baixo estava localizada cerca de um quilômetro rio abaixo.


Seu primeiro morador foi o já mencionado Carlos Jensen Filho, que chegou ao local
em 1918, para administrar a venda de lotes para a Companhia Jensen, Agricultura,
Indústria e Comércio. Era conhecida como o local de residência dos luteranos de Salto
Grande. Hoje, esta porção da cidade constitui os bairros Santo Antônio e Jardim
América. Enquanto a divisão perdurou, não houve igreja católica nesta freguesia, nem
luterana na Freguesia de cima.
Essa divisão suscita algumas questões. A primeira delas diz respeito à
direção dos fluxos migratórios que deram origem às duas freguesias. Os católicos de
Salto Grande migraram, principalmente, da região de São Pedro Alcântara, próxima de
Florianópolis. Além de Matias Gil Sens, patriarca dos “Sens”, vieram rio abaixo os
Ludwig, os Clasen, os Steffens, os Hoepers, os Thiesen, os Koch, os Momm, os
Philippi etc. Já os luteranos, quase que exclusivamente, vieram da região de
Blumenau. Ou seja, migraram rio acima. Werner Strube, Henrique Holetz, Emílio
Altenburg, Ulrich Muller, Carlos Jensen Filho, Henrique Jensen e Leopoldo Schmitt
etc. Todos estes vieram, junto com seus familiares, da região de Blumenau. A única
exceção, neste sentido, são os pais de Ingelore Porthum, luteranos que vieram da
região de Anitápolis.
Neste sentido, Salto Grande foi o encontro da migração católica rio abaixo e
rio acima. É importante lembrar, também, que a Escola Pública, inaugurada em 1919,
só foi feita pela prefeitura de Palhoça por uma questão de disputa de limites com o
município de Blumenau. Quer dizer, enquanto Palhoça afirmava que o limite entre
ambos era no encontro entre o Rio Batalha e o Rio Itajaí do Sul (distante cerca de dois
quilômetros da Freguesia de baixo, no sentido Ituporanga-Blumenau), Blumenau dizia
que este estava situado na barra do Rio dos Bugres (cerca de quinze quilômetros
distante da Freguesia de cima, no sentido Ituporanga- Alfredo Wagner). Essa disputa
pelo território de Salto Grande “obrigou” o município de Palhoça a impor sua presença
de maneira mais efetiva na vila, com a criação da primeira escola. Não há, até onde é
possível captar, uma relação entre os primeiros luteranos que migraram rio acima e
essa disputa entre os dois municípios.
48

É possível perceber também uma preocupação em caracterizar as freguesias


como lar de duas igrejas diferentes. Como qualquer classificação, esta é construída
socialmente, de acordo com interesses específicos, que partem de agentes específicos.
É impossível recuperar a gênese desta classificação. Entretanto, podemos perceber que
há uma vontade de atribuir um local da cidade a cada religião. Portanto, há um
interesse em separar a vila entre luteranos e católicos. O que reforça isto é que
nenhuma das freguesias era habitada exclusivamente por membros da religião a que
eram associadas, principalmente a Freguesia de cima. Nesta, havia a família de Emílio
Altenburg, Henrique Holetz e Ulrich Muller, por exemplo, entre os luteranos.
Há uma preocupação, tanto em materiais escritos quanto nas entrevistas, de
lembrar, que, “apesar da divisão territorial”, “não existia tensão” entre luteranos e
católicos de Salto Grande. Fernando Boeing diz a esse respeito: “A divisão era apenas
geográfica, pois as pessoas de ambas as religiões entendiam-se bem e se davam as mil
maravilhas.” (Boeing, 2012, p.67). Nelson Sens, Nilo Ludwig, Ingo Strube e Ingelore
Porthum concordaram em afirmar que a convivência era pacífica. Além disso, outras
falas indicam que as pessoas participavam facilmente de atividades ligadas a outra
religião. Ingelore Porthum e Ingo Strube, por exemplo, estudaram no Grupo Escolar
Santo Antônio, dirigido por membros do clero católico local, mesmo sendo luteranos.
Segundo eles, eram tratados pelos padres da mesma maneira que as crianças. Além
disso, Nilo Ludwig, por exemplo, afirmou que os jovens da Freguesia de cima
frequentavam os bailes do Salão do Poldi, espaço recreativo localizado na Freguesia
de baixo, conhecido por ser o local onde se hospedavam (também funcionava um hotel
no mesmo prédio) os viajantes que vinham de Blumenau.
O consenso sobre a facilidade da convivência e o livre fluxo de pessoas em
ambientes públicos das duas freguesias nos indica que nunca houve tensão que
motivasse conflitos e discussões mais intensos entre luteranos e católicos, em Salto
Grande. Isso não significa, porém, que a religião não fosse um elemento fundamental
para a auto-identificação dos salto-grandenses. A mesma separação entre luteranos e
católicos, que nunca gerou um conflito aberto, nos demonstra como a religião era uma
fronteira capaz de separar a população da cidade em duas frações. E isso porque,
apesar de tudo que foi dito anteriormente, havia uma regra social importante: não
49

houve, até onde foi possível capturar, casamentos inter-religiosos em Salto Grande, de
1912 até 1960, ano em que Nilo Ludwig e Rizonha Koehler (nascida em Blumenau,
residente na Freguesia de baixo) se casaram. Porém, o casamento não foi um processo
simples. Segundo o noivo, era bastante comum um moços e moças católicos e
luteranos terem namoros fugazes, sem compromisso. Mas não casar. Casar, devemos
lembrar, é um processo que passa pela igreja, pelas instituições religiosas, ao passo
que os namoros acontecem de maneira muito mais informal, com regras diferentes.
Num primeiro momento, Waldemar Koehler, pai da noiva, consentiu com o
casamento, desde que o noivo se convertesse. Nilo Ludwig disse, durante a entrevista,
que jamais poderia fazer isso, pois seria uma desilusão para seu pai. A noiva, então,
aceitou casar-se em segredo, na igreja católica. Dias depois da cerimônia, o sogro de
Nilo Ludwig exigiu que ele participasse do culto dominical, na igreja luterana da
Freguesia de baixo. Após negativa, pai e filha ficaram cerca de um ano sem contato,
com ela morando na Freguesia de cima, com seu esposo, e frequentando a igreja
católica. Esse rompimento, causado pelo casamento com um católico, só foi atenuado
pelo nascimento da primeira filha do casal.
Portanto, se existe uma proibição referente a dois coletivos diferentes, que
classificam as pessoas de Salto Grande de acordo com a religião, existem duas
categorias de identificação: os católicos e os luteranos. A religião, então, era um
instrumento fundamental de distinção e identificação, nas primeiras décadas após o
começo da colonização. A fronteira simbólica entre ambos, consolidada na divisão
territorial e na proibição (informal) do casamento nos permite concluir isso.

4.2 ETNICIDADE EM SALTO GRANDE

Todavia, a religião não é a única categoria de identificação que podemos


observar em Ituporanga. Anteriormente, foi citado que os primeiros imigrantes eram
descendentes de alemães. Vamos analisar, então, como essa origem é entendida e
como se transforma numa categoria de identificação étnica. A nossa primeira tarefa,
entretanto, é discutir do que estamos falando ao citar uma categoria “étnica”.
50

Fredrik Barth (1969) diz que, em linhas gerais, a literatura antropológica


define grupo étnico a partir de quatro pontos: Primeiro, uma comunidade que se
perpetua biologicamente entre ela mesma; Segundo, divide valores culturais básicos;
Terceiro, cria um campo de comunicação e interação; E quarto, há certa identificação
do indivíduo com o grupo e um reconhecimento de outros grupos.
Estas definições tendem a considerar o grupo étnico “suporte” de uma
cultura. Barth (1969) adiciona duas ideias que mudaram a maneira com a etnicidade,
ou os grupos étnicos, são entendidos nas teorias contemporâneas. Primeiro, o foco da
definição e delimitação não pela cultura, mas através das fronteiras. Desta maneira, o
autor define a identidade étnica como construída através da oposição em relação ao
outro. É esta fronteira que caracteriza uma organização social étnica, segundo Barth
(1969). A afirmação de uma identidade étnica é a negação de outra. Isto leva
diretamente ao segundo ponto. O fato de “possuir”, por assim dizer, uma mesma
cultura, não define o grupo étnico. O autor considera isto mais uma consequência do
que uma necessidade. Quer dizer, é possível que um grupo étnico mude
completamente seus hábitos, valores e crenças, sem que suas características étnicas
sofram mudanças semelhantes. Da mesma maneira, é possível que os grupos de
referência a partir do qual um grupo étnico estabelece suas fronteiras tenham
semelhanças culturais com o próprio grupo, sem que isso signifique que a fronteira
étnica que os divide seja menos intensa. Em poucas palavras, talvez seja suficiente
dizer que, para Barth (1969), cultura e etnicidade nem sempre andam juntas.
O trabalho clássico a respeito da colonização alemã no sul do Brasil, que tem
em Barth (1969) seu principal aporte teórico, é o de Giralda Seyferth. O livro
“Nacionalismo e identidade étnica” (SEYFERTH, 1981) é o que melhor condensa as
conclusões da autora a respeito deste processo, iniciado na década de 1820, e que teve
diversas fases, desde a década de 1820 até as primeiras décadas do século XX. Esse
evento deixou marcas que perduram até hoje nas ex-colônias, como Ituporanga.
Segundo a autora, a identidade étnica de um grupo teuto-brasileiro (descendente de
imigrantes alemães) está diretamente ligada à germanidade ou deutschtum (a autora os
trata como sinônimos). A autora deixa clara a “elasticidade” do deutschtum. Ele pode
ser entendido, segundo ela, como o próprio “geist” (espírito, alma) do povo alemão,
51

sendo, portanto, muito difícil impor-lhe limites. De maneira genérica, podemos dizer,
baseados não só em Seyferth, mas também em Frotscher (2000), por exemplo, que os
dois principais componentes do deutschtum teuto-brasileiro são o uso do idioma
alemão na vida privada e a divulgação da “superioridade” do “trabalho alemão”.
Apesar de defender um conceito amplo (portanto, um tanto vago para fins
analíticos, como Brubaker fala com relação à “identidade”), que pode ter vários
significados, a autora acaba caindo num essencialismo cultural da etnia. Ou seja, ao
vincular o deutschtum (que nada mais é do que um conjunto de práticas e valores,
portanto, necessariamente cultural) e a identidade étnica teuto-brasileira, a autora cai
no que Barth (1969) critica: associar a permanência de um grupo étnico com a
persistência de uma cultura particular.
Mas Barth (1969) também nos diz que a etnia se afirma em oposição ao que
lhe é diferente. Desta maneira, o grupo étnico teuto-brasileiro afirmou e defendeu o
seu deutschtum, segundo Seyferth (1981), em oposição ao que alguns jornais
chamavam de “nativismo”. O “nativismo” é personificado pelos luso-brasileiros,
índios e negros. A defesa do deutschtum estava baseada na negação destes, aos quais
eram atribuídas características como preguiçosos, por exemplo. Outra alegação que a
autora encontra em periódicos editados em língua alemã na época é a de que os teuto-
brasileiros não poderiam abrir mão do deutschtum em favor da nação brasileira, já que
segundo eles esta não existe. Quer dizer, o Brasil era um Estado, com seus cidadãos,
mas não existiria uma “nação brasileira”. Os nativistas, por outro lado, condenavam os
teuto-brasileiros por não aderirem totalmente à nova nação.
A autora nos mostra que essa discussão acontecia principalmente por uma
visão diferente de nacionalidade e cidadania. Enquanto para os nativistas,
nacionalidade e cidadania andam juntas, e a nacionalidade é adquirida através do jus
solis (o direito de nascimento), para os teutos nacionalidade e cidadania são coisas
diferentes, e a nacionalidade é herdada, através do jus sanguinis (direito de sangue).
Quer dizer, estes periódicos em língua alemã defendem que os alemães são bons
cidadãos e trabalham (repare na menção ao trabalho) para o crescimento de sua nova
pátria, o Brasil. E, por isso, acham que têm direito de conservar seus costumes
52

herdados da nação germânica, sem que isso implique qualquer tipo de ligação com o
Estado alemão.
Mas as teorias da etnicidade mais recentes nos abrem novas possibilidades
para pensar a hipótese da influência de certa “cultura germânica” em Ituporanga.
Podemos perceber que, mesmo na literatura inspirada por Barth, como o é a de
Seyferth, em certa medida, “o” grupo étnico é tomado como a expressão óbvia da
etnicidade. Rogers Brubaker (2002) argumenta a favor de uma tese que vai contra
parte do legado deixado por Barth nessa área das ciências sociais. Ele parte da ideia de
que cientistas sociais devem evitar o uso comum das palavras, sem a crítica necessária.
Neste caso, é perigoso reificar algumas categorias, especialmente “etnicidade” (ou
etnia) e “grupo étnico”, e assumir a sua existência como um dado óbvio. Com relação
ao primeiro termo, o autor pensa que ele não pode ser entendido como uma “coisa”
que existe (tal como o é no uso comum), mas sim como um processo, como algo em
andamento, estendendo o seu pensamento aos termos “raça” e “nacionalidade”.
Brubaker diz que “eles não são coisas no mundo, mas perspectivas no mundo”
[tradução nossa] (BRUBAKER, 2002, p.174.). Porque eles só existem como nossas
percepções, interpretações, representações, categorizações e identificações.
E isso nos leva diretamente ao segundo ponto. Porque o autor também não
aceita a tese, pressuposta por Barth, de que falar de etnicidade seja sinônimo de falar
de grupos étnicos. Segundo o autor, não é sua preocupação discutir a definição de
“grupo”, mas sim, novamente, buscar dissociar o uso comum da palavra e o termo
como categoria de análise. No seu uso comum, o “grupo” é reificado e tomamos a
existência destes como postulado, ou, como diria Brubaker, os entendemos como
“coisas no mundo”. Mas, como categoria de análise, ele não pode ser posto dessa
maneira, segundo o autor. Inclusive, ele sugere que, na pesquisa, seja usado o termo
“coletividade” em vez de “grupo” E isto porque a existência de um grupo deve ser
tratada não como algo dado, mas como algo que acontece. A coletividade “acontece”,
em momentos de alta coesão e intensa solidariedade entre as pessoas, que podem ou
não permanecer.
A etnicidade será entendida, nesta pesquisa, como uma maneira de se
identificar, que estabelece como limite de pertencimento ao coletivo um tipo de
53

“origem comum”. Isto pode, é claro, estar relacionado com elementos culturais, mas
não há dependência disto. Neste sentido, estaremos de acordo com as propostas de
Barth (1969). Porém, discordaremos deste e de Seyferth (1981) quanto à associação
entre etnicidade e grupos étnicos (ou etnias). A existência do primeiro não é
condicionada pela existência do segundo.
Dito isto, é importante lembrar que as primeiras famílias de “Salto Grande”
eram todas descendentes de “alemães”6. Segue lista fornecida por Koch & Momm
(1985), a respeito de famílias que teriam chegado a Salto Grande num segundo
momento, até cerca de 1930:

Famílias que chegaram a Salto Grande entre 1915 e 1930

Adolfo Knabben e Zulina Fernandes Afonso Zimmermann e Elza Goedert


Afonso Hoffmann e Ermínia Trieweiler Alfredo Jensen e Irma Erndt

Antônio de S. Pereira e Elisabeth Dirksen Augusto Momm e Cecília Kuhnen


Antônio Emiliano Sá e Clara Bunn Antônio Thiesen e Júlia de Oliveira
Carlos Thiesen e Joaquina Michels Dona Deolinda Santos
Emílio Altenburg e Paulina Marian Jacó Hoffmann e Maria Kirchner
Jacó Knihs e Bárbara Petry Jacó Philippi e Isabel Thiesen
João Clasen e Hermínia Sens João Carlos Thiesen e Cecília Köpp
Jordino Coelho e Gertrudes Thiesen José Carlos Koch e Maria Momm
José Hoffmann e Maria Winter José Steffens e Verônica Clasen
Leonel Thiesen e Ana Campos Leopoldo Goedert e Albertina Bröering
Paulo Guimarães e Olívia Melo Pedro Loffi e Cecília Momm
Pedro Momm e Cristina Ely Pedro Meurer e Frida Scheidt
Waldemiro Karsten Ulrich Muller e Lúcia Hering
Fonte: KOCH & MOMM, 1985, p.17.

6
Esses “alemães” são assim chamados por terem sobrenomes germânicos, mas a
nacionalidade da maioria deles e de seus antepassados é incerta, sendo possível
que fizessem parte de países vizinhos (austríacos, poloneses, suíços, etc.).
54

As famílias que vieram nestes anos eram compostas de uma maioria de


descendentes de alemães. Mas já apareciam sobrenomes supostamente “brasileiros”.
Portanto, talvez com exceção feita aos primeiros anos, Salto Grande nunca foi
habitada apenas por descendentes de alemães. Dos cinquenta e quatro nomes que
aparecem na lista, cerca de dez têm sobrenomes aparentemente luso-brasileiros. Todos
os outros são, aparentemente, descendentes de alemães. Seyferth afirma que:

O grupo étnico é perfeitamente identificável porque os


seus membros mantém certos limites étnico- representados pela
língua e/ou origem alemã e um comportamento que
teoricamente seria resultante da fidelidade às tradições alemãs-
apesar do relacionamento com pessoas de outras etnias. Os
membros do grupo tendem a interagir na maior parte dos setores
da vida comunitária. Essa tendência à interação, que constitui a
mais importante característica do grupo étnico [...]
(SEYFERTH, 1981, p.213)

Aqui a autora pontua dois elementos que nos permitem observar grupos
étnicos, de acordo com Barth (1969) e Cohen (1974): os limites interétnicos e a
interação em uma mesma comunidade. Neste sentido, não existiu, em nenhum
momento de Salto Grande, um fenômeno que pudéssemos caracterizar como grupo
étnico. Há alguns indícios que nos permitem concluir isto. O primeiro deles está
exposto na tabela citada anteriormente. E não é tanto porque cerca de 20% da lista é
composta por sobrenomes luso-brasileiros. Mas o que chama mesmo a atenção é o
número de casamentos entre descendentes de alemães e “brasileiros”. Dos vinte e seis
casais, seis são interétnicos, ou seja, entre “alemães” e “brasileiros”. Apenas um dos
casais não tem conjugues “alemães”. Este elevado número de casamentos interétnicos
é muito significativo, porque demonstra que as pessoas das duas origens tem uma
tendência à interação mútua. Lembremos, por exemplo, que apesar de luteranos
frequentarem escolas católicas, não havia casamentos interreligiosos. Havia, inclusive,
55

pessoas desta lista que ocupavam posição de destaque na vila. É o caso de Antônio de
Souza Pereira, professor da Escola Pública Salto Grande, e que, segundo Koch &
Momm (1985), por pouco não foi primeiro prefeito de Ituporanga. João Sens também
fez questão de lembrar, mesmo sem ser questionado, durante a entrevista, que Antônio
de Souza Pereira foi seu professor, fato do qual diz se orgulhar até hoje. Antônio
Emiliano Sá também é lembrado com menções honrosas por Luz & Thiesen (1962),
que afirmam que ele desempenhou “várias funções públicas” em Salto Grande.
Seyferth (1981) também dirá que a comunidade teuto-brasileira de Brusque,
anterior à Segunda Guerra Mundial, esteve baseada em algumas instituições-chave
para a reprodução do deutschtum. Entre elas, podemos destacar a escola, a igreja e as
instituições recreativas, como clubes de tiro ao alvo, de ginástica, de canto etc.
A igreja é, talvez, a primeira que salte à vista. A igreja católica de
Ituporanga, assim como em Brusque, é etnicamente heterogênea. Os “brasileiros” dos
primeiros anos de Salto Grande são todos católicos, assim como a maioria dos
“alemães”. Apesar disto, há informações de que alguns párocos locais eram
descendentes de alemães, e inclusive falavam alemão fluentemente, como Frei Gabriel
Zimmer e Frei Arthur Kleba. Contudo, não há motivos para afirmar que a Igreja
católica tenha atuado no sentido de contribuir para a reprodução de elementos
culturais germânicos. Já a igreja evangélica de confissão luterana do Brasil, pelo
contrário, foi responsável por criar a única fração de Ituporanga que podemos definir
como “etnicamente homogênea”. E isto porque, dos luteranos mais antigos dos quais
tivemos conhecimento, todos são alemães ou descendentes de alemães. Visitando o
cemitério luterano local, por exemplo, encontramos exclusivamente sobrenomes de
origem supostamente germânica. Seyferth (1981) chama atenção que, para a
comunidade luterana, manter elementos culturais germânicos é um objetivo
intimamente relacionado à fé, o que não se pode dizer da comunidade católica. Nesta
direção, só faria algum sentido considerar a existência de grupos étnicos nesta fração
da população salto grandense.
Porém, essa possibilidade será refutada, ao menos na maior parte do tempo.
Em Brusque, segundo Seyferth (1981), tanto a Igreja católica quanto a luterana
mantinham escolas relacionadas às suas paróquias locais. A primeira instrução em
56

Ituporanga, segundo Luz & Thiesen (1962) foi a catequese, ministrada por padres que
prestavam assistência à nascente vila. Em 1919, João Carlos Thiesen veio para
lecionar na Escola Pública Salto Grande, mantida pelo governo de Palhoça. Não há
menção a quando essa escola teve suas atividades encerradas, mas podemos considerar
isto acontecendo em 1933, quando a escola pública perdeu seus alunos para o Grupo
Santo Antônio. A única pessoa que encontramos que estudou neste estabelecimento
foi João Sens.
Em 1924, segundo Sens (2012), foi criada a Escola Alemã Salto Grande, no
Rio Batalha (na época uma comunidade vizinha de Salto Grande, hoje uma localidade
rural de Ituporanga). Segundo a mesma autora, esta escola teve seu nome modificado,
em 1935, para Escola Evangélica Paroquial, e embora as informações sejam escassas,
tudo indica que foi transferida para a Freguesia de baixo, nesta data. Não pudemos
achar, contudo, nenhuma pessoa que sequer lembrasse desta escola, e menos ainda que
tivesse estudado nela. Ela não durou muito tempo e foi fechada nos anos seguintes por
conta da campanha de nacionalização, da qual falaremos em seguida. Em 1933, frei
Gabriel Zimmer inaugurou o Grupo Escolar Santo Antônio, mantido pela comunidade.
Luz & Thiesen afirmam, que, naquela data, Salto Grande contava com uma escola
pública, uma católica e uma luterana. Porém, como dito anteriormente, nenhum dos
três luteranos que entrevistamos estudou na escola luterana. Com excessão de João
Sens, as pessoas que eram crianças nesta época estudaram no Grupo Escolar Santo
Antônio. Mesmo os luteranos Ingelore Porthum e Ingo Strube, residentes na Freguesia
de baixo, frequentaram a escola católica. Segundo eles, não encontravam nenhum tipo
de preconceito ou discriminação naquele estabelecimento. Em 1948, para atender à
crescente demanda, foi inaugurado pelo governo do estado o Grupo Escolar
Mont’Alverne, para substituir o Grupo Santo Antônio.
O outro ponto que nos induz a concluir que não podemos falar em grupo
étnico alemão, germânico ou teuto-brasileiro em Salto Grande é a não existência de
instituições recreativas na comunidade local. Em nenhum dos livros que tratam da
cidade, e em nenhuma entrevista, houve notícia de algum clube de tiro ao alvo, de
ginástica ou de canto. Na região de Brusque, estes grupos existiam em grande número,
segundo Seyferth (1981), até a época da Segunda Guerra Mundial. Neste período, a
57

maioria destes grupos foi fechado, assim como escolas alemãs (Deutsche schule). E
isto porque havia um interesse do governo Vargas em assimilar os descendentes de
imigrantes, fazendo desaparecer seus traços culturais herdados de seus antepassados.
Isto se insere num processo mais amplo, normalmente conhecido como “campanha de
nacionalização”, e que visava, grosso modo, fortalecer o nacionalismo brasileiro.
Além disso, esse movimento, que rendeu muitas prisões e interdições, foi
especialmente problemático com os descendentes de alemães e italianos, haja visto
que estes tinham costumes e práticas que remetiam a estes países, á época inimigos do
Brasil na guerra. Fomos procurar, então, a existência destas instituições no período
anterior a Segunda Guerra. Nada, porém, foi encontrado. Nem nos livros que falam da
cidade, nem nas entrevistas. As organizações recreativas que existiam na cidade eram
salões de baile, muito diferentes das sociedades de tiro ao alvo e semelhantes,
descritas por Seyferth (1981).
Neste sentido, podemos concluir que Salto Grande sempre foi uma
comunidade enticamente heterogênea, sem, entretanto, constituir dois ou mais
subgrupos etnicamente definidos, apesar da maioria de origem alemã. A única
excessão poderia ser a comunidade evangélica, e a falta de casamentos interétnicos
nesta. Porém, a coesão não parece ser muito forte entre os luteranos, pois mesmo a
Escola Luterana não resistiu muito tempo, e as crianças estudavam na escola católica,
que tinha um ambiente mais diversificado etnicamente. Além disso, podemos perceber
nos depoimentos dos luteranos locais que as atividades de sua igreja eram muito
limitadas a religião, e que mesmo esta não parecia ser tão importante quanto era a fé
para os católicos.
Aparentemente, porém, os luteranos valorizam mais do que os católicos os
costumes germânicos. Ao analisarmos o uso do idioma alemão na cidade, temos
afirmações que nos levam a acreditar nisto. Seidl (2008) demonstra que a alta
hierarquia da igreja católica do Rio Grande do Sul, nas primeiras décadas do século
XX, esteve preocupada, com exceção dos jesuítas, em construir uma igreja sem
qualificações étnicas, apesar de ter muitos membros “europeus”, incluindo o arcebispo
de Porto Alegre, D. João Becker, alemão de nascimento. Ele mostra também como,
naquele estado, a alta hierarquia católica se preocupou em fomentar a criação de
58

escolas ligadas ao catolicismo. Na Escola Pública Salto Grande, Hammes (1999)


afirma que João Carlos Thiesen, primeiro professor, ministrava as aulas em português.
João Sens, que foi aluno de Antônio de Souza Pereira, afirmou que só teve aulas em
português na Escola Pública. No Grupo Santo Antônio, segundo todos os
entrevistados que lá estudaram (Ingelore Porthum, Ingo Strube, Nelson Sens e Nilo
Ludwig) afirmaram que as aulas eram todas em português. Contudo, Koch & Momm
afirmam que, em 1934, quando o grupo era dirigido por frei Gabriel, o grupo
“Deutsche Heimat” (cuja tradução literal é “pátria alemã”, o que sugere um grupo com
orientação ideológica germanista), de Benedito Novo (SC), teria passado um filme
sobre agricultura e cantado várias músicas em alemão. Os autores até citaram um
verso da canção, da qual um deles se lembrava. Porém, é possível que a alta hierarquia
da igreja católica em Santa Catarina pensava da mesma maneira que a do Rio Grande
do Sul. D. João Becker, segundo Klug (1998), foi arcebispo de Florianópolis até 1911,
e, embora Seidl (2008) não especifique, parece ter sido arcebispo de Porto Alegre
depois disso. Em Florianópolis, segundo Klug (1998), ele se preocupou em fomentar
as escolas católicas, com o fortalecimento, inclusive, do Colégio Catarinense, e
induzindo luteranos que estudavam lá a se converterem ao catolicismo. Além disso, D.
João ordenou, por meio de cartas, segundo Klug (1998), que os seus paroquianos
colocassem os filhos em escolas paroquiais (como o Grupo Santo Antônio, em Salto
Grande). Caso os sucessores de D. João em Florianópolis tenham seguido as políticas
do antecessor, temos a explicação do porque o Grupo Santo Antônio, apesar de ter
sido criado por um padre “alemão”, tinha o ensino totalmente em português.
Já na escola luterana, é possível que o ensino fosse feito na língua alemã. A
única indicação que temos neste sentido é uma foto, reproduzida em Sens (2012), em
que há um grupo de crianças, alguns adultos e uma placa dizendo: Deutsche Schule
Salto Grande, 1927. “Deustsche Schule” significa “escola alemã”. É possível que,
sendo o nome da escola na língua alemã, o idioma usado nas aulas também fosse este.
Porém, não há indícios conclusivos a este respeito. Na verdade, há pouquíssimas
informações sobre qualquer assunto relativo a esta escola.
Na casa, parece que há um antes e um depois da campanha de
nacionalização, do período da Segunda Guerra. Entrevistamos pessoas de diferentes
59

idades. As únicas que já eram maiores na época da campanha de nacionalização eram


Arnoldo Hoepers, nascido em 1915, e em Salto Grande desde 1933, e João Sens,
nascido em 1920 e criado na vila. Arnoldo já falava alemão quando veio para Salto
Grande e disse que só se falava alemão no local. Ele, porém, falava um dialeto
diferente (a maioria das pessoas se expressava em dialetos, é importante lembrar), o
“westphalen”, enquanto que na vila se falava o dialeto “plate” (o que foi confirmado
por João Sens). Por esse motivo, afirma nunca ter gostado de falar alemão em Salto
Grande. Nosso objetivo, porém, não é analisar os diferentes dialetos de origem
supostamente “germânica”. Por esse motivo, não abordamos essa questão com
maiores detalhes
Por outro lado, nascido em Salto Grande, João afirmou que o dialeto alemão
era a língua familiar. Não especificou se toda a família era bilíngue, mas deixou claro
que seu pai e sua mãe sabiam falar português. Pararam de falar, porém, na época da
Segunda Guerra (1939-1945), pois havia a proibição de falar alemão. Ao casar ele
teria perdido a prática do idioma (sua falecida esposa não era descendente de alemães
e, portanto, não o conhecia), e, segundo ele mesmo, hoje fala muito pouco.
A geração seguinte, por sua vez, representa um corte importante, ao menos
entre os católicos. Nelson Sens e Nilo Ludwig, católicos nascidos na década de 1930,
afirmaram coisas parecidas. O primeiro disse que seus pais falavam alemão. Sua mãe,
na verdade, sequer sabia falar português, motivo pelo qual teria sido repreendida e
obrigada a tomar óleo de rícino durante a campanha de nacionalização 7. Por ter
crescido nessa época, o entrevistado só se lembrava de falar alemão quando muito
pequeno. Hoje, não se lembra de muita coisa.
Nilo Ludwig, por sua vez, sequer aprendeu o idioma. Seus pais o falavam,
mas achavam importante os filhos falarem português, portanto, só o ensinaram este
idioma. Já os luteranos, que eram pequenos durante a campanha de nacionalização são
Ingelore Porthum e Ingo Strube. Ambos se lembram da proibição, ouviam falar de
problemas relacionados ao uso dos dialetos alemães. Ambos, porém, afirma que
continuaram falando-o. A primeira nunca se casou, mas sempre usou o idioma em

7
Essa prática era adotada como forma de tortura, pois causa uma diarreia quase
instantânea.
60

casa, junto da mãe. Ingo ainda fala “um pouco” com a esposa, que também é
descendente de alemães. Seus filhos, entretanto, só falam o português.
Mas é notável como os luteranos têm mais interesse em preservar o idioma
do que os católicos, que o deixaram de lado com mais facilidade, ao passo que os
luteranos insistiram, mesmo passando por anos difíceis, neste sentido, com a
campanha de nacionalização. O resultado da campanha de nacionalização é que o
alemão inexiste, hoje, na vida pública, pois, como Nilo Ludwig pontuou, “todos que
sabiam foram morrendo”. E, já que a reprodução do idioma foi interrompida (já na
geração da década de 1930 entre os católicos; na dos filhos desta geração, entre os
luteranos), somente pessoas mais velhas conhecem os dialetos. Mesmo pessoas como
Valmor Holetz, luterano nascido no final da década de 1940, nunca tiveram a prática
do idioma. O mesmo vale para todos os outros entrevistados.
Como exposto, Seyferth (1981) diz que o idioma alemão e a origem alemã
são usados como limites étnicos, que definem o grupo étnico teuto-brasileiro. Já
descartamos a existência de um grupo étnico na cidade. Mas isso, lembremos
Brubaker (2002), não significa que descartemos a existência de processos étnicos. Mas
será que o uso frequente de dialetos “alemães”, nas primeiras décadas de Salto
Grande, define a etnicidade? Não concordamos. Isso porque a etnicidade é definida
pela origem, que pode ser compreendida quando observamos o contraste estabelecido
entre membros e não-membros. Nas entrevistas isso pode ser percebido. Nelson Sens,
por exemplo, considerava a sua família alemã. E isto porque, ao falar sobre o episódio
em que sua mãe teria disso forçada a tomar óleo, por falar alemão, ele disse não
entender por que haviam feito, aquilo, pois “os Stadnick” (família a qual pertenciam as
pessoas que atacaram sua mãe) também eram alemães. Quer dizer, ele se incluía nesta
categoria.
Orlando Adilson Turnes, um dos entrevistados que não é descendente de
alemães, expôs uma visão de alguém que está excluído da categoria étnica. Ele disse
que, lá pelos anos 1970, no escritório contábil do qual era proprietário, trabalhava um
rapaz negro. Segundo ele, um excelente funcionário. Mas o rapaz teria sido vítima de
racismo. O motivo, segundo Orlado Turnes, seria que Ituporanga é “terra de alemão”.
Ao caracterizar o rapaz como “negro”, em oposição a suposta maioria “alemã”, essa
61

história indica uma identificação, por parte de nosso entrevistado, de duas categorias
étnicas distintas de sua própria (haja visto que ele não é nem descendente de alemães,
nem negro). Essa pequena história nos mostra um dos limites da etnicidade alemã em
Ituporanga.
Ingo Strube, por sua vez, ao falar de um antigo companheiro de caçadas
pelas matas de Ituporanga, disse que ele era “italiano”, e que, enquanto iam caçando
juntos, ele falava alemão e o companheiro falava italiano. Quer dizer, ele fez questão
de demarcar a diferença entre ambos, apesar de sua evidente amizade. Esse, aliás, é
um excelente exemplo de como o fenômeno étnico existe em Ituporanga. É claro, seria
necessário um estudo muito mais amplo, focado apenas neste assunto, para
compreender como a etnicidade germânica se relaciona com as outras origens étnicas
minoritárias da cidade (como o luso-brasileiro, o afro-descendente, o italiano, o polaco
etc.); mas, de maneira geral, é possível afirmar que, embora não haja um grupo coeso,
baseado na origem étnica, que impeça a entrada de diferentes, existe uma consciência,
por parte dos entrevistados, de sua origem étnica, e uma demarcação de sua diferença
com relação às outras origens.

4.3 DE OLHO NO CAMPO: A CAPITAL DA CEBOLA

Se nas primeiras décadas de Ituporanga a identificações religiosa e étnica


nortearam a vida comunitária, as mudanças pelas quais a cidade passou,
principalmente no plano econômico, criaram uma poderosa categoria de identificação
nas últimas décadas. Esta categoria, assim como a narrativa histórica, identifica a
cidade. Esta categoria atribuída à cidade é a de “capital nacional da cebola”. Ainda
que este rótulo seja amplamente divulgado, não cabe aqui a discussão sobre o que
significa morar na “capital da cebola”, ou seja, discutir as lógicas do processo de
identificação, mas sim, analisar o processo de construção de uma categoria que
identifica a cidade. Primeiro, vamos entender como a cebola se insere no
contexto econômico da agricultura local. Em 1962, à época da escrita do livro relativo
ao cinquentenário de colonização, a cebola era uma cultura marginal. Não há, por
exemplo, uma referência sequer à cebola no livro, com exceção de um dado estatístico
62

sobre o produto dois anos antes, em 1960. A cebola era apenas o 9º produto mais
rentável da agricultura ituporanguense. A produção de melancia e abóbora, por
exemplo, era maior do que a de cebola, o que parece algo absurdo hoje. A única
cultura ao qual é atribuído um destaque (há um texto de uma página e meia) é o fumo,
do qual é dito que “Dentro do Estado, o município de Ituporanga é o que tem o plantio
de fumo mais desenvolvido” (LUZ & THIESEN, 1962) e que “Isto se deve as suas
terras, as mais férteis e preparadas para esse gênero de lavoura” (LUZ & THIESEN,
1962). É difícil obter estatísticas exatas da evolução da produção ao longo do tempo,
mas, segundo indicações, e o livro de Sens (2012), podemos pressupor um aumento
considerável da produção de cebola entre a metade final dos anos 1960 e os primeiros
anos da década de 1970. Segundo a autora, “em função da qualidade dos produtos e
dos ótimos preços alcançados, outros comerciantes entraram no negócio.” (SENS,
2012, p.125)
Em 1974, podemos afirmar que houve um aumento significativo na
produção, e que a cebola caminhava a passos largos para se tornar o principal produto
local, embora ainda não o fosse, naquele momento. Em hectares plantados, a cebola
era a quarta colocada, com mil hectares plantados. Veremos, em seguida, que esse
número aumenta mais de quatro vezes no século XXI. Porém, temos que notar a
ascensão do produto no período de 1960 até 1974, passando de nona cultura, em
ordem de importância (o que, num município das dimensões de Ituporanga, significa
que o cultivo em larga escala era inexpressivo) para a quarta (o que significa que o
plantio, além de vir ascendendo, era uma alternativa econômica real para os pequenos
e médios produtores que caracterizam a cadeia produtiva da cebola). Além disso, é
possível afirmar que a ascensão da cebola já havia sido observada, e era vista com
bons olhos, haja vista que em 1974 foi realizada a primeira Exposição Catarinense de
Cebola (EXPOCACE), embrião da atual Festa Nacional da Cebola, de maneira
bastante simples, no pátio da igreja matriz católica. Gervásio Maciel afirmou que a
Festa da cebola foi criada visando atrair compradores de cebola para a cidade. Quer
dizer, podemos concluir que, neste momento, havia a intenção de fortalecer a cadeia
econômica gerada pelo cultivo da cebola, para torná-la um produto importante da
cidade.
63

Depois disto, em 1978, a cebola já era tratada como o principal produto da


economia ituporanguense, tendo um espaço reservado apenas para discutir assuntos
técnicos, relacionados à sua produção, no jornal A Região, lançado naquele ano.
Devido a dificuldade na obtenção de estatísticas a respeito da produção agrícola local,
mesmo buscando-as nos órgãos envolvidos com a agricultura, só podemos tratar, com
elevado grau de precisão, da agricultura local, a partir de 2004, a partir do qual o
IBGE disponibiliza dados estatísticas sobre a agricultura de Ituporanga.

Produção Agrícola de Ituporanga

8000
7000
6000
Hectares plantados

5000
4000
3000
2000
1000
0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Ano

Fonte dos dados: IBGE. Disponível em: <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?


lang=&codmun=420850&search=santa-catarina|ituporanga>, acessado em 19/01/2016. Gráfico do
autor.

Como podemos ver no gráfico acima, a agricultura da cidade produz


principalmente cebola, fumo e milho, e tem soja e feijão na sequência. Há ainda outros
produtos com menor produção, como batata inglesa e trigo, por exemplo. Podemos
perceber também que o milho, em 2004, tinha muito mais hectares plantados do que a
64

cebola, mas sofreu uma queda vertiginosa nos anos seguintes, para voltar a crescer
apenas em 2011. O fumo, por sua vez, teve uma subida de 2004 até 2006, quando
começou a decair lentamente até 2012, último ano analisado. A produção da cebola é
notável por um aspecto: a constância no período observado. Ela mudou muito pouco,
seja para mais ou para menos, e prova disto é que a maior diferença de hectares
plantados nos anos observados é de 740, entre 2005 (4300 hectares) e 2010 (5040)
hectares. Mas, apesar dessa liderança da cebola de 2009 para frente, esta não ocorre
com larga vantagem. O que pretendemos dizer com tudo isto é que, embora
importante, a agricultura ituporanguense, na última década, pelo menos, não se resume
à cebola.
Apesar disto, a reportagem “Por que a cebola faz rir em Santa Catarina”, do
Diário Catarinense8, afirma que, há vinte anos, Ituporanga mantém o status de maior
produtor de cebola do Brasil. Além disso, é dito que a cidade “respira, cheira e vive da
planta”. O website9 da prefeitura municipal vai além, e afirma que o município fornece
12% da cebola consumida no Brasil, sendo o maior produtor desta, em nível nacional.
Não foi encontrada, porém, a fonte desta informação, nem a qual safra específica se
refere. Quer dizer, apesar de a agricultura municipal ter outros importantes produtos, a
cebola é tida como o produto da economia ituporanguense, por excelência.
O que podemos afirmar é que a produção de cebola cresceu juntamente com
a Festa da Cebola. Além da edição de 1974, houve ainda duas edições realizadas no
pátio da igreja católica (1976, 1979). Como a festa tomava maiores proporções,
segundo Sens (2012), para a realização de sua quarta edição, em 1982, foi construído o
Pavilhão de Exposições João Carlos Thiesen, durante a gestão do prefeito Leo Muller.
Mas a prefeitura municipal pretendia expandir ainda mais a festa. Em 1985,
durante o governo de Gervásio Maciel, foi construído um novo espaço para a
realização do evento. Afastado do centro urbano da cidade, o novo lar da agora
Exposição Nacional da Cebola exigiu que a prefeitura municipal contraísse uma dívida

8
Disponível em < http://www.clicrbs.com.br/sites/swf/DC_cebola/#abre>,
acessado em 19/01/2016.
9
Disponível em < http://www.ituporanga.sc.gov.br/cidade/historia.html>,
acessado em 19/01/2016.
65

proporcionalmente grande, relativa à desapropriação do terreno no qual o novo parque


foi construído. Esta deveria ser paga com o lucro da festa. Segundo Gervásio Maciel, o
lucro da festa foi cinco vezes maior do que o da prefeitura em um ano inteiro.
Também em 1985, foi construída em Ituporanga a Estação Experimental da EMPASC,
órgão vinculado ao governo estadual que realiza pesquisas relacionadas a técnicas
agropecuárias. Desde 1991, o órgão se chama EPAGRI. Segundo Gervásio M\zaciel, a
criação da Estação Experimental da EMPASC em Ituporanga proporcionou um
enorme incentivo à produção em larga escala de cebola, haja vista que o órgão tornou
a cidade uma referência no desenvolvimento de novas variedades do produto.
Desde então, o evento mudou de nome algumas vezes, mas sempre foi
conhecido como Festa da Cebola. Hoje, atrai muitos turistas de fora do município.
Para termos uma dimensão do que o evento significa, a última edição, de 2014, levou
cem mil pessoas ao parque onde é realizada a festa, segundo a Rádio Educadora AM 10,
em quatro dias de evento, o que nos dá uma média de vinte e cinco mil pessoas por
dia, cerca de duas mil e quinhentas pessoas, ou aproximadamente dez por cento da
população do município. Em 2016, será realizada a vigésima segunda edição da festa.
Além da Festa da Cebola, foi criado para Ituporanga o título de Capital da
cebola. É importante lembrar, porém, que a categoria de identificação que chamamos
de “capital da cebola” assume várias formas diferentes. Ituporanga é ou já foi
chamada, por exemplo, de “capital nacional da cebola”, “terra da cebola”, “capital
estadual da cebola”. Além disso, foi construída para o município uma espécie de
liderança entre algumas cidades vizinhas, que faz com que a região seja conhecida
como “microrregião da cebola”, tendo em Ituporanga seu município mais importante,
o que sugere uma associação equivalente. Em primeiro lugar, tentamos descobrir na
pesquisa quem inventou ou onde surgiu a ideia de chamar a cidade de “Capital da
cebola”. Para isso, entrevistamos atores estratégicos na mídia e na política local, os
dois principais setores envolvidos na divulgação da categoria. Porém, ninguém soube
informar quem criou a categoria. Gervásio Maciel, quando indagado se o título de
capital da cebola havia sido criado para promover a festa, ou se ele existia antes desta,

10
Disponível em <http://www.educadora.am.br/noticia/festa-nacional-da-cebola-
atraiu-cerca-de-100-mil-visitantes/>, acessado em 21/01/2016.
66

afirmou que ele veio após a criação da festa, para valorizar o evento. Voltaremos a
esta questão daqui a pouco. Antes, mostraremos como o título de capital da cebola é
divulgado. Os dois principais atores neste sentido são a prefeitura municipal e a mídia
municipal. Seria possível argumentar contra essa separação, afirmando que a
prefeitura municipal teve diferentes governos, de diferentes partidos, desde os anos
1974, e que a mídia não é uma só, ela é quatro periódicos e uma rádio. Porém, todos
os governos municipais trabalharam na mesma direção, independentemente do partido
ou de rivalidades políticas, e todas as mídias locais associam Ituporanga à cebola,
ainda que umas mais que as outras, como veremos adiante.
No website11 da prefeitura municipal, por exemplo, o título da página que
conta a história da cidade é “A Capital Nacional da Cebola”. Além disso, cada placa
que dá nome as ruas da cidade tem escrito: “Ituporanga: capital nacional da cebola”.

Fotografia 1

Fotografia 1- Placa indicativa da rua Carlos Thiesen, Ituporanga. Foto do autor, 25/01/2016.

11
Disponível em http://www.ituporanga.sc.gov.br/cidade/historia.html, acessado
em 22/01/2016.
67

A própria realização da festa pela prefeitura municipal é muito importante


para a associação entre a cebola e o município. Uma extensão importante da ideia de
capital da cebola é a de microrregião da cebola. Segundo Gervásio Maciel, por atuação
de seu governo, no ano de 1985, o governo de Santa Catarina criou a microrregião da
cebola, que tem sua sede em Ituporanga, e engloba ainda municípios vizinhos, como
Imbuia, Petrolândia, Atalanta, Vidal Ramos, Chapadão do Lageado e Aurora. Quer
dizer, a prefeitura municipal, além de ter criado a festa, fundamental para a associação
entre a cebola e o município, consolidou uma imagem da cidade como líder com
relação aos municípios vizinhos.
Se a prefeitura municipal agiu mais no sentido de criar as condições para a
associação entre a cebola e o município, com a realização da Festa da Cebola, a
implantação da estação experimental da EMPASC e a criação da microrregião da
cebola, a mídia também cumpriu papel fundamental. Talvez tenha sido ela a grande
responsável em naturalizar o título de capital da cebola. Quer dizer, ela tem tido uma
atuação central no trabalho de atribuir esta categoria de identificação ao município.
O website12 da Rádio Sintonia, principal organização midiática na cidade,
começa divulgando a microrregião da cebola e a liderança de Ituporanga: “A Rádio
Sintonia 1310 AM, está localizada na cidade de Ituporanga, polo da microrregião da
cebola”. A Comarca, mais antigo jornal ainda em circulação na cidade, na edição da
segunda metade de fevereiro de 201213, tem como principal manchete o aniversário de
sessenta e três anos de emancipação política de Ituporanga. O curioso é que a foto
escolhida para ilustrar este acontecimento foi a de dois caminhões carregados de
cebola, fazendo o trajeto entre Ituporanga e Rio do Sul. Já as edições que circularam
na cidade no ano de 200314 tinham, na numeração das páginas, um pequeno desenho
de uma cebola, que demonstra uma associação clara entre o jornal ituporanguense e o
principal produto de sua agricultura. O jornal Vale Sul afirma, em sua página virtual15:

12
Disponível em <http://www.sintonia.am.br/a-radio.html>, acessado em
23/01/2016.
13
Jornal A Comarca. 15 de fevereiro de 2012. Ano 16, Ed. 372. Pg.01
14
Por exemplo: Jornal A Comarca. Nº 157, 2ª quinzena de fevereiro, 2003.
15
Disponível em <http://www.jornalvalesul.com.br/sobre-jvs.html>, acessado em
23/01/2016.
68

“O Jornal Vale Sul é o caçula dos periódicos na Capital da Cebola”. Podemos afirmar
também que o uso do título de capital da cebola é muito mais frequente na Rádio
Sintonia do que nos jornais em circulação no município, embora eles façam a
associação de maneiras diferentes (e menos frequentes).
Anteriormente, afirmei que não foi possível encontrar a origem da associação
entre a cebola e Ituporanga, sintetizada por nós sob o rótulo de capital da cebola. Essa
categoria de identificação, concluímos, é uma “tradição inventada” no município.
Usaremos a categoria de análise “tradição” assim como Hobsbawn (1984) a pensa:

[…] um conjunto de práticas, normalmente reguladas


por regras tácita ou abertamente aceita; Tais práticas, de
natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e
normas de comportamento através da repetição, o que implica,
automaticamente, uma continuidade com o passado.
(Hobsbawn, 1984, pg. 9)

Se observarmos como a prefeitura e a mídia divulgam o rótulo, fica evidente


como a repetição do título de capital da cebola, como homônimo de Ituporanga, faz
com que essa associação ganhe contornos de tradição. E isso porque ela não é
questionada, é naturalizada. Em outras palavras, ela é uma categoria de identificação
que é repetida de maneira quase mecânica.
Outra indicação de que esta categoria de identificação tem características das
“tradições inventadas” é a sua contextualização histórica. Embora a pesquisa
documental tenha nos indicado que o período de tempo no qual a associação entre a
cebola e Ituporanga foi criada (1978-1985), nossos entrevistados, ainda que muito
próximos da prefeitura e da mídia , não deram nenhuma pista de como, quando ou
onde surgiu esta categoria. Todavia, é difícil não imaginar que ao menos um destes
atores não tenha, no mínimo, ouvido falar sobre a origem da capital da cebola. Esse
esquecimento (seja intencional ou não) faz com que essa classificação tenha sua
origem incerta no tempo. Quer dizer, ele é ligado a um passado indefinido, e é tratado
como se fosse obra do acaso. Segundo Hobsbawn (1984), é mais difícil captar a
69

origem da tradição quando esta é informal, tal como a capital da cebola, que só é
documentada a partir de 1985, já consolidada, no jornal A Região.
Hobsbawn (1984) distingue entre dois “modelos” distintos, por assim dizer,
de tradições inventadas. Segundo ele, existem tradições que são “criadas” a partir de
elementos novos ou recentes, que se transformam facilmente em antigos na mente das
pessoas. Também existem as que se utilizam de elementos presentes no passado,
remodelando-os, transformando-os, para construir uma nova tradição a partir de
elementos antigos. O caso aqui tratado se encaixa na primeira situação. É importante
dizer que tudo aconteceu de maneira muito rápida. Em 1974, a cebola era uma
alternativa econômica viável, e era realizada uma festa em sua homenagem.
Entre 1974 e 1978, podemos concluir que a produção de cebola se tornou
mais importante para a cidade, pois já as primeiras edições do jornal A Região, em
1978, lhe dão muita importância em suas páginas, mas ainda não chamam Ituporanga
de capital da cebola. Mais adiante, em 1985, encontramos uma notícia 16 que afirma
que o governo estadual assinaria o decreto que daria origem à microrregião da cebola,
o que já demonstra haver, a esta altura, uma associação entre a cebola e o município.
Para construir essa tradição em um curto espaço de tempo, aproveitou-se de um
produto que começava a se tornar importantíssimo para a economia local. Quer dizer,
foi usado um elemento que veio à tona poucos anos antes da própria associação.

16
“Microrregião da cebola será criada semana que vem”. Jornal A Região. Edição
de 5 de outubro de 1985- nº 334, pg.08.
70
71

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a elaboração do projeto de pesquisa, decidimos que procuraríamos


investir numa discussão em torno dos processos de construção de discursos de
identificação. O recorte empírico escolhido foi a cidade de Ituporanga. O objetivo
geral consistiu em compreender o processo de construção de discursos de identificação
no município de Ituporanga. Talvez por isto esta pesquisa não ofereça uma grande
conclusão, de onde ramificam outras. O que temos aqui, mais propriamente, são
algumas ramificações. Quer dizer, pudemos apresentar várias pequenas conclusões ao
longo do texto.
Como foi possível perceber, em vários momentos tentamos suavizar nossas
conclusões. Isto se deve, em grande parte, às dificuldades da pesquisa. Algumas são
relativas à própria temática. E isto porque ela envolve uma série de categorias de
análise que, apesar de aparecerem em diversos autores e quase sempre tratadas
isoladamente, apareceram intimamente relacionadas na nossa pesquisa. Quer dizer,
embora haja muitas pesquisas que tratem de “identidade” na sociologia, por exemplo,
dificilmente encontramos esta categoria sendo tratada em relação à “história” ou à
“memória”. Uma das poucas exceções é a pesquisa de Voigt (2014), que articula essas
categorias, assim como a nossa (embora trate um objeto bastante distinto).
Também é importante lembrar as dificuldades impostas pelo campo. Em
primeiro lugar, tudo o que temos sobre Ituporanga, com excessão, em parte, pelo livro
do centenário, são relatos escritos por amadores interessados na história da cidade. Em
segundo lugar, a cidade é bastante diferente de outras ex-colônias. E isto porque a
divulgação das origens da cidade é mínima. Tratamos de vários discursos, mas não há
um discurso de identificação realmente “poderoso” na cidade. Isto é, no princípio,
estivemos buscando coisas que pareciam nunca ter existido, mesmo que o autor da
pesquisa tenha residido na cidade por cerca de uma década. Os principais indícios
disto são a escassa divulgação do livro do centenário e a quase inexistência do livro do
cinquentenário.
Vale dizer, não é possível afirmar sequer que haja mais exemplares além do
que chegou ao nosso alcance. Ou seja, Ituporanga passa a impressão de ser uma cidade
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que não valoriza o seu passado, com excessão de esporádicas ações da prefeitura
municipal e da mídia. Trata-se de algo muito diferente, por exemplo, de estudar
cidades como Pomerode, que consolidou com maestria o título de “cidade mais alemã
do Brasil”, que remete a sua origem, ou Blumenau, que com o discurso étnico de sua
origem, faz uma festa que atrai turistas do mundo inteiro. Podemos lembrar, também,
que há “Casa da Cultura” no município, e até o “Museu Edevaldo Cyro Thiesen”.
Porém, as ações da primeira, são, basicamente, uma biblioteca sem bibliotecária (o
empréstimo do livro do centenário, por parte do autor, venceu há meses, e ninguém o
procurou para exigir explicações), e aulas de atividades como música, língua
estrangeira e dança.
O ponto aqui não é menosprezar as atividades, mas mostrar que lá não é
desenvolvida nenhuma atividade que remeta a Ituporanga. O museu, então, sequer
pudemos visitar. E isto porque não há funcionário que trabalhe lá (ele é administrado,
em tese, pela prefeitura municipal) e permaneceu fechado durante todo o ano de 2015.
O que conseguimos, então, foi consultar algumas fontes sobre a história da cidade,
considerando os limites de um trabalho de conclusão de curso. Segundo as narrativas
que analisamos, temos algumas pequenas conclusões.
Todos os livros que tratam, direta ou indiretamente, do passado da cidade,
foram escritos por católicos. Apesar dos evangélicos luteranos, a outra religião da
cidade, segundo todas as versões da história, terem espaço para contar sua trajetória na
cidade, fica evidente a maior importância atribuída à igreja católica;
As pessoas que escreveram sobre Ituporanga tem descendência, ao menos
parcial, de imigrantes “alemães”. A versão hegemônica sobre a origem de Ituporanga,
porém, não caracteriza os fundadores da cidade como “alemães” ou “imigrantes” em
nenhuma linha. Apenas uma versão pouco difundida, de autoria de João Sens, retrata a
saga da imigração da Europa para o Brasil;
A principal categoria de identificação na narrativa de Edevaldo Cyro Thiesen
(que é a primeira e quase que a única difundida) é a de “colono”. Essa faz a distinção
entre o colono, que é “civilizado”, promove o “progresso”, faz a colonização
“ordenada”, e o índio, que é “selvagem”, “imprevisível”. É importante lembrar que o
“colono” é uma categoria bastante ampla, que se refere a luso-brasileiros, alemães,
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italianos, católicos, luteranos, negros etc. Neste sentido, o pioneiro é um título


atribuído a colonos específicos, supostamente os primeiros a fazerem determinada
ação. Estes detém um status elevado dentro da comunidade;
A partir de 1918, quando chegou o primeiro evangélico luterano a Rio
Abaixo, teve início um processo de suposta divisão territorial da vila entre estes e os
católicos. Apesar da convivência entre as duas comunidades religiosas não encontrar
tensões acentuadas, o casamento entre ambas era “proibido”, o que indica que havia
duas comunidades religiosas relativamente fechadas;
O idioma alemão (ou dialetos deste) eram, aparentemente, muito falados em
Salto Grande antes da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Havia, inclusive,
algumas mulheres que não falavam português. Os efeitos deste evento e da “campanha
de nacionalização” realizada pelo governo Vargas (1930-1945) fizeram com que
alguns católicos locais deixassem de ensinar a língua para a geração que crescia
naquela época, se concentrando apenas no português. Alguns filhos mais velhos,
nascidos antes da década de 1930, tiveram educação bilíngue. Entre os luteranos, o
alemão foi deixado de lado, mas, aparentemente, mais tarde. Os nossos entrevistados
que fazem parte da geração que nasceu pouco antes ou durante a Segunda Guerra
Mundial era bilíngues. Seus filhos, porém, perderam a prática. Com exceção de uma
escola vinculada à Igreja evangélica (sobre a qual não podemos afirmar nada),
nenhuma escola teve aulas ministradas em alemão.
A língua é importante como elemento de distinção entre “alemães” e “não-
alemães”. A distinção étnica, que não aparece na narrativa histórica de Edevaldo Cyro
Thiesen, aparece nas narrativas sobre o passado de nossos entrevistados. Mesmo que
de maneira sutil, tivemos indicações de distinções entre “alemães”, “brasileiros” e
“italianos”. Portanto existe, nas memórias dos entrevistados, uma referência ligada a
etnicidade. Todavia, não detectamos um espaço de interação (que existiria em torno de
instituições como a escola e associações recreativas, no caso dos alemães) entre os
membros de cada categoria, o que nos fez induz a considerar que a noção de “grupo
étnico” não se aplica a caso examinado.
Na década de 1970, a cebola ganhou espaço de destaque na produção
agrícola de Ituporanga. Não só a produção, como toda a cadeia produtiva da cebola
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(como compradores) se consolidaram após a Festa da Cebola, que teve sua primeira
edição em 1974. Em 1985, a criação da Microrregião da Cebola, por parte do governo
de Santa Catarina, fortalece a associação entre Ituporanga e seu principal produto
agrícola. Com essas bases, surgiu o título de “capital da cebola”, categoria de
identificação mais destacada da cidade em nossos dias.
Este título, inclusive, parece ter contornos de uma tradição inventada. E isto
porque a sua repetição é exaustiva, tomado como sinônimo de Ituporanga. Além disso,
a origem do título nos indica esta direção, pois nossos entrevistados sequer se
lembram do período em que rótulo “capital da cebola” foi popularizado. Quer dizer, a
sua existência, tomando as entrevistas como parâmetro, aparece como obra do acaso.
Porém, partimos do pressuposto de que categorias como esta são construídas
socialmente. Por este motivo, acreditamos que esta maneira de situar (ou não situar)
historicamente a categoria é comum às tradições.
É possível, portanto, que existam outras fontes, dos quais não tomamos
conhecimento. Como uma primeira incursão do autor nesta relação, tão subestimada
na sociologia, entre memórias, identificações e discursos, pudemos ter uma noção de
como essas categorias podem ser articuladas para compreender os coletivos.
Esperamos, no futuro, poder contribuir mais para neste sentido.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 2004.

ENTREVISTAS

HOEPERS, Arnoldo. Entrevista concedida a Eduardo Luiz Formagi. Ituporanga,


03/04/2015.
HOLETZ, Valmor. Entrevista concedida a Eduardo Luiz Formagi. Ituporanga,
13/06/2015.
LUDWIG, Nilo Evaldo. Entrevista concedida a Eduardo Luiz Formagi.
Ituporanga, 24/03/2015.
MACHADO, Edio Carlos. Entrevista concedida a Eduardo Luiz Formagi.
Ituporanga, 06/08/2015.
MACIEL, Gervásio José. Entrevista concedida a Eduardo Luiz Formagi.
Ituporanga, 21/11/2014.
PORTHUM, Ingelore. Entrevista concedida a Eduardo Luiz Formagi. Ituporanga,
27/04/2015.
SENS, Aracy dos Santos. Entrevista concedida a Eduardo Luiz Formagi.
Ituporanga, 18/08/2015.
SENS, João Nicolau. Entrevista concedida a Eduardo Luiz Formagi. Ituporanga,
14/05/2015.
SENS, José Fernando. Entrevista concedida a Eduardo Luiz Formagi. Ituporanga,
17/07/2015.
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SENS, Nelson. Entrevista concedida a Eduardo Luiz Formagi. Ituporanga,


19/03/2015.
STRUBE, Ingo. Entrevista concedida a Eduardo Luiz Formagi. Ituporanga,
08/05/2015.
TURNES, Orlando Adilson. Entrevista concedida a Eduardo Luiz Formagi.
Ituporanga, 24/07/2015.

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