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Caso Glória

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CASO GLÓRIA – por Carl Rogers

Glória –A principal coisa que quero lhe falar é que estou divorciada há pouco tempo, que já fiz
terapia antes e que me senti aliviada quando parei. Agora que sai do casamento, a grande
mudança é me ajustar à vida de solteira. E o que mais me incomoda são os homens. Chegar em
casa com eles e como isso afeta as crianças. E a coisa que vem a minha cabeça é que eu tenho
uma filha de 9 anos que em certa época pareceu ter muitos problemas emocionais e... [gostaria
de parar de tremer] e estou realmente consciente das coisas que estão a afetando. Não quero que
ela fique triste, que fique traumatizada. Quero que ela me aceite... e somos francas uma com a
outra, especialmente sobre sexo. Outro dia ela viu uma moça solteira, mas grávida e ela me
perguntou se uma garota poderia ficar grávida mesmo solteira. E a conversa estava ótima até
que ela me perguntou se eu tinha feito amor com outro homem depois que me separei do pai
dela e eu menti. Desde então isso não sai da minha cabeça e me sinto tão culpada por ter
mentido para ela, pois nunca minto e quero que ela confie em mim. Gostaria de uma resposta
sua se isso irá afetá-la. O fato de eu falar a verdade ou não.

Rogers – E é essa preocupação com ela e com o fato de que você não está... esse
relacionamento franco entre vocês, como se estivesse desaparecido?

Glória –Sim, tenho que ter cuidado com isso, porque eu me lembro quando eu era criança,
quando soube que meu pai e minha mãe tinham relações sexuais, o que era sujo e terrível, deixei
de gostar da minha mãe por uns tempos. Não quero mentir para Pammy e não sei...

Rogers – Queria realmente poder lhe dar a resposta que você poderia dar a ela.

Glória –Temia que o senhor fosse me dizer isso

Rogers – Pois o que você quer na realidade é uma resposta

Glória –Quero saber especialmente se a traumatizaria o fato de eu ser completamente aberta


com ela ou se a mentira a traumatizaria. Temo por que menti para ela.

Rogers – Acha que ela virá a suspeitar, ou saber que algo não está bem?

Glória –Sim, acho que com o tempo ela desconfiará de mim. E pensei também quando ela
crescer um pouco mais e se encontrar em situações delicadas. Talvez não queira admiti-lo
porque pensa que sou tão boa e pura. Por outro lado, tenho medo de que ela pense que sou u m
demônio. Quero tanto que ela me aceite. Não sei até que ponto uma menina de 9 anos pode
suportar.

Rogers –Na realidade, ambas as alternativas a preocupam. Que ela possa pensar que você seja
tão boa ou melhor do que é. Ou que ela pense que você seja pior do que é.

Glória –Não pior do que sou. Não sei se ela me aceitaria como eu sou. Penso que me imagino
como sendo maternal e tenra. Mas também me envergonho de meus aspectos não muito claros.

Rogers – Compreendo... Você nunca terá certeza de que, se ela a conhecesse como é mesmo,
ela iria ou poderia aceita-la.

Glória –É isso o que eu não sei. Não quero que ela se afaste de mim. Nem sei como me sinto a
esse respeito, porque em certos momentos sinto-me tão culpada, como quando estou com um
homem em casa, que tenho que fazer um plano especial para ficar a sós com ele de forma que a
menina não possa apanhar-me fazendo essas coisas. Eu sei sobre isso... mas mesmo assim tenho
esses desejos.

Rogers – Então está bastante claro que não é só o problema dela, ou o relacionamento de vocês,
o problema também está em você.

Glória –Em minha culpa... Sinto-me culpada com muita frequência.

Rogers – Qual a melhor coisa que posso fazer?... E você compreende que com essa espécie de
subterfúgios precavendo-se para não ser surpreendida por ela, você está agindo com base na sua
culpa, não é?

Glória –Sim, e não me agrada. Eu gostaria de me sentir a vontade com tudo o que faço. Se eu
resolver não dizer a verdade a Pam, queria sentir-me a vontade, queria que ela entendesse, mas
não consigo. Quero ser honesta, mas existem áreas que nem eu aceito.

Rogers – Se você não pode aceita-las em você, como conseguiria contar a ela sem se perturbar?

Glória –Tem razão

Rogers – Portanto, como disse, você tem esses desejos e esses sentimentos, mas você não se
sente bem com eles, certo.

Glória –Sinto que o senhor vai ficar ai sentado e deixar-me cozinhar nesse caldo e eu preciso
mais. Quero que o senhor me livre dos meus sentimentos de culpa... Se eu puder me livrar dos
meus sentimentos de culpa por mentir ou ir para cama com um homem solteiro vou sentir-me
mais aliviada.

Rogers – E eu penso que eu gostaria de dizer: “Não quero que você fique cozinhando em seus
sentimentos”, mas por outro lado, também sinto que isso é uma coisa pessoal que eu não
poderia responder para você. Mas lhe asseguro que farei tudo para ajuda-la a achar uma
resposta... Não sei se faz sentido para você, mas é isso que quero dizer.

Glória –Bem, gostei de ouvi-lo dizer isso (sorrindo). Parece dizer o que está pensando. Mas não
sei aonde ir. Nem consigo pensar para onde ir. Pensei que havia resolvido a maior parte de meus
sentimentos de culpa e agora que estão voltando sinto-me desapontada comigo mesmo. Gosto
de sentir-me bem comigo mesma quando faço alguma coisa mesmo que contrarie a minha moral
ou o modo como fui educada. E agora não estou me sentindo bem. É como se tivesse uma
menina agindo em mim, e que, de uma forma ou de outra, me protege como uma mãe e penso
que ela pensa que sou toda doçura, e com certeza não quero mostrar meu lado mais irritadiço e
mau. Quero ser meiga, mas me é tão difícil... tudo isso parece tão novo outra vez e é tão
desapontador.

Rogers – Sim, entendo seu desapontamento, pois você pensou que tinha resolvido todas essas
coisas e agora lhe vem essa culpa e a sensação de que só uma parte sua é aceitável

Glória –Sim

Rogers – Pois é isso... creio que entendo o enigma... que você julga ser mais ou menos assim:
“Puxa vida, o que é que eu faço?”
Glória –Sim, e sabe o que eu penso, doutor? É que tudo que começo a fazer, que seja impulsivo
parece natural que eu diga a Pamela sair para um encontro ou outra coisa. Sinto-me a vontade
até que começo a lembrar do que passei quando criança.Ai fico confusa. É como se eu quisesse
muito ser uma boa mãe... e eu sinto que sou uma boa mãe, mas existem essas pequenas
exceções. Como minha culpa por trabalhar fora. É bom ter um dinheiro extra. Gosto de trabalhar
a noite, mas quando eu penso que não estou sendo boa com as crianças ou não lhes dando
atenção suficiente, começo a me sentir culpada de novo. Então, é por isso que é uma dupla
ligação. É justamente o que parece ser. Quero fazer isso e me parece certo, mas não estou sendo
uma boa mãe. E quero ser ambas as coisas. Como cada vez mais percebo como sou
perfeccionista. É isso que me parece que quero ser – toda perfeita. Ou quero ser perfeita
segundo meus padrões, ou não quero mais tê-los.

Rogers – Creio que vejo as coisas um pouco diferente que você quer parecer perfeita, mas isso
significa muito, é muito importante para você ser uma boa mãe e você quer parecer ser uma boa
mãe, mesmo que alguns de seus sentimentos divirjam desse objetivo, é isso?

Glória –Acho que não é isso que quero dizer. Não é isso que sinto. Eu sempre quero ser
aprovada, mas meus atos não me deixam. Eu quero ser aprovada por mim mesma

Rogers – Compreendo... para você é como se seus atos fossem exteriores a você. Você quer
aprovar-se a si mesma, mas o que você faz de uma forma ou de outra, não lhe permite aprovar-
se a si mesma.

Glória –É como se eu não pudesse aprovar-me com relação, por exemplo, a minha vida sexual.
Essa é a grande questão. Se eu me apaixonasse mesmo por um homem, o respeitasse e adorasse,
creio que não me sentiria tão culpada por dormir com ele e nem me sentiria obrigada a inventar
desculpas para as crianças, porque elas poderiam ver a atenção que eu dedicaria a ele. Mas
quando sou envolvida por desejos físicos eu digo: “Ora, por que não?, e é o que quero, sinto-me
culpada depois. Odeio enfrentar as crianças, odeio olhar para mim mesma e raramente sinto
prazer no sexo. É isso que quero dizer. Se as circunstâncias fossem diferente, creio que não me
sentiria tão culpada, pois acharia que estaria fazendo o que era certo.

Rogers – Creio que você quis dizer: “Se o que estava fazendo quando me deitava com um
homem fosse realmente verdadeiro e cheio de amor e respeito, e tudo isso, eu não me sentiria
culpada com relação aPam. Eu me sentiria verdadeiramente à vontade com a situação”

Glória –Sim, é o que sinto. É como se eu quisesse uma situação perfeita, mas é como me sinto,
e entretanto não posso parar de ter desejos. Tentei isso também. Tentei dizendo: “Está bem, me
odeio quando faço isso, portanto não quero mais fazer”. Nesse instante fico com raiva das
crianças. Penso: “por que elas me impediriam de fazer o que quero. Não é ruim”.

Rogers – Mas creio que você disse que não é só pelas crianças, mas você também não gosta
disso, quando não é realmente

Glória –É isso mesmo. Estou certa de que sei que é isso. Provavelmente mais do quetenho
consciência, mas só noto com maior intensidade quando vejo refletido nas crianças. Nesse
momento posso nota-lo também em mim mesma.

Rogers – E de certa maneira, as vezes, é como se você se sentisse acusando-as pelo sentimento
que você tem. Por que elas iriam impedi-la de ter uma vida sexual normal?
Glória –Bem, uma vida sexual, eu diria, não normal porque algo em mim diz que não é muito
saudável entregar-se ao sexo só porque se sente atraída, ou qualquer coisa... ou uma necessidade
física. Algo me diz que isso, de alguma forma, não é correto.

Rogers – Mas você sente realmente, que às vezes você está agindo de uma forma que não está
de acordo com os seus próprios padrões íntimos.

Glória –Correto.

Rogers – Mas você disse também, há alguns minutos, que você não pode fazer nada em
contrário.

Glória –Eu gostaria de poder. É isso. E eu não posso. Sinto agora que não posso me controlar
como poderia antes. Por uma determinada razão, agora eu não posso. Simplesmente eu não me
deixo levar e há muitas coisas que faço erradas e que me sinto culpada e não gosto disso...
Quero muito que o senhor me dê uma resposta direta, e vou fazer uma pergunta, embora não
espera uma resposta direta, quero saber (risos)... O senhor acha que para mim a coisa mais
importante é ser franca e honesta e se não posso ser uma coisa nem outra com meus filhos,
acredita que isso os prejudicaria? Se por exemplo, eu dissesse a Pam: “Sentir-me mal por ter-lhe
mentido, Pammy, e quero dizer a verdade” e se lhe dissesse a verdade e a chocasse, e a deixasse
nervosa, se isso perturbasse ainda mais?... Queria livrar-me de minhas culpas, e isso me ajudará,
mas não quero colocar essas culpas nelas. O senhor acha que isso poderia magoá-la?

Rogers – Certo. Estou certo de que o que vou lhe dizer lhe parece evasivo, mas parece-me que,
talvez, a pessoa com quem você não está sendo franca é você mesma... Surpreendeu-me
bastante quando você disse: “Se me sinto bem por ter feito o que fiz, seja ir para a cama com um
homem ou outra coisa qualquer, se sinto que isso é certo, então não deveria me preocupar com o
que dizer para a Pam ou com meu relacionamento com ela”

Glória –Certo, o senhor tem razão. Agora entendo o que quer dizer (pausa) É claro. É por isso,
que quero fazer o que puder para aceitar-me. Quero me sentir bem com isso. Isso faz
sentido. Isso passará a ser natural e não precisarei preocupar-me com Pam. Mas quando as
coisas parecem tão erradas para mim sinto um impulso de fazê-las, como posso aceitar isso?

Rogers – O que você gostaria de fazer é sentir-se mais receptiva com relação a você mesma
quando faz coisas que acha errada. Estou certo?

Glória –Sim

Rogers – Parece meio difícil conseguir isso...

Glória –Sim. Sinto como se o senhor fosse dizer: “Ora, por que pensa que são errados?” E ai
também meus sentimentos são confusos. Pela terapia eu direi: “Pensando bem, eu sei que isso é
natural. As mulheres sentem isso – é verdade. Não falamos muito sobre isso em sociedade, mas
todas as mulheres sentem, e é natural”. Tenho tido relações nos últimos 11 anos e ainda
voudesejar tê-las. Mas ainda penso que é errado, a menos que você seja realmente apaixonada
por um homem e meu corpo parece não concordar. Assim, não sei como aceitar isso.

Rogers – Isto parece como se fosse um triângulo, não? Você sente que eu, os terapeutas em
geral, ou outras pessoas dizemos “Está tudo certo, isso é natural, vá em frente”. E creio que o
seu corpo se inclina para isso, para esse lado da questão. Porém, algo em você diz: “Mas não
gosto dessa maneira, só quando está realmente certo”

Glória –Correto (pensativa). Tenho uma sensação de desesperança. Quero dizer, essas coisas
que sinto está bem, mas e dai?

Rogers – Você sente que esse é o conflito e que ele é simplesmente insolúvel, portanto, não há
esperança e você está aqui me olhando e parece que eu não ajudo em nada.

Glória –Certo. Sei que o senhor não pode responder por mim, mas quero que o senhor me guie
ou me mostre por onde começar de forma a não parecer tão sem esperança. Sei que posso
continuar vivendo com esse conflito, e sei que, no final, tudo ficará resolvido. Queria sentir-me
mais a vontade com a maneira como vivo e não me sinto.

Rogers – Pergunto-lhe uma coisa, o que você queria que eu dissesse?

Glória –Eu gostaria que o senhor me dissesse para ser honesta e enfrentar o risco de que
Pammy venha me aceitar. E também sinto que se pudesse mostrar isso a Pammy, mais do que
qualquer outra pessoa, eu seria capaz de dizer: “Veja como essa menina me aceita, portanto, não
sou tão má assim” Se ela soubesse que demônio eu sou, e puder me amar me auxiliaria a
aceitar-me a mim como se não fosse tão ruim assim. Quero que me diga para ir em frente e ser
honesta, mas não quero a responsabilidade de que meus atos a aborreçam. E ai não quero
assumir a responsabilidade.

Rogers –Você sabe muito bem o que queria fazer nesse relacionamento. Você queria ser você
mesma e gostaria que ela soubesse que você não é perfeita e que faz certas coisas que talvez
nem ela aprovaria, que você mesma desaprovaria de certo modo, mas que ela assim mesmo a
amaria e a aceitaria como uma pessoa imperfeita.

Glória –Sim, imagino que se minha mãe tivesse sido mais franca comigo e talvez não tivesse
essa atitude com relação ao sexo. Se eu tivesse pensado que ela pudesse ser, entende, sensual e
ordinária, até mesmo execrável, não teria olhado para ela como uma mãe tão boazinha, pensaria
que ela também teria o outro lado. Mas ela não falava sobre isso. Talvez ai formei minha
imagem. Não sei bem o que quero, mas quero que Pammy me veja como uma mulher completa,
mas também que me aceite.

Rogers –Você não parece tão insegura

Glória –Não? O que o senhor quer dizer? (sorri)

Rogers – O que quero dizer é que você está aí, dizendo-me o que gostaria de fazer nesse
relacionamento com Pam.

Glória –Eu gostaria, mas não quero arriscar a fazer, a não ser que uma autoridade me diga...

Rogers – De uma coisa tenho certeza: viver é uma coisa bastante arriscada (silêncio). Você
estaria colocando em jogo o seu relacionamento com ela e correndo um risco ao deixar que ela
saiba quem você é realmente.

Glória –Sim, mas não me arriscar a me sentir amada e aceita por ela também não me sentiria
bem, jamais.
Rogers – Se o amor e a aceitação dela se baseassem numa falsa imagem de você, de que servem
afinal? É isso o que você está querendo dizer?

Glória –Sim, é isso, mas também sinto que ser mãe é grande responsabilidade. Não quero
sentir-me causadora de grandes traumas nas crianças. Eu não gosto de toda essa
responsabilidade. Penso que é isso. Não gosto, e sentir isso talvez seja falha minha.

Rogers – Creio que foi isso que eu quis dizer com “A vida é arriscada”. Assumir a
responsabilidade de ser a pessoa que você queria ser com relação a ela é uma grande
responsabilidade.

Glória –É mesmo

Rogers – Uma responsabilidade bastante assustadora

Glória –O senhor sabe, vejo tudo isso sob dois aspectos. Gosto de saber que estou sendo
honesta com as crianças, de orgulhar-me de mim mesma, não importa o que eu diga a elas ou
que me julguem má, terei sido honesta e nosso relacionamento será mais completo e profundo.
Por outro lado fico com ciúmesquando estão com o pai delas. Sinto que ele é mais descontraído,
não tão verdadeiro nem tão honesto, mas eles têm uma imagem muito boa do seu pai. Ele é todo
bondade e luz e eu tenho inveja disso também. Quero que elas me vejam tão boa como o vêem,
apesar de saber que ele não é muito autêntico com elas. Parece-me, portanto, que tenho que
escolher uma coisa ou outra e sei que isso é o que mais quero, mas sinto falta dessa Glória.

Rogers – Sente como se: eu quero que elas tenham uma imagem tão boa de mim como tem do
pai e, se a dele não é muito autêntica, então a minha também pode não ser... Talvez seja um
pouco forte

Glória –Mas é isso que quero dizer. Sei, porém, que ela pode ter uma imagemtão perfeita de
mim, se eu fosse honesta (sorri). Sinto que sou um pouco mais ordinária do que o pai delas.
Provavelmente faço mais coisas que elas desaprovariam.

Rogers – Então dificilmente você crê que elas a amem se elas chegarem a conhecê-la?

Glória –Sim, é isso, é exatamente assim.

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