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A Teologia Simbólica Da Patristica

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ARTHUR CESAR DE CARVALHO SANTANA

JOSÉ GABRIEL SILVA KAFA


RICARDO DOS SANTOS PESSOA

A TEOLOGIA SIMBÓLICA DA PATRÍSTICA

G2 – MÉTODO DE PESQUISA EM TEOLOGIA (TEO1814)


PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO

Rio de Janeiro,
Junho de 2024
INTRODUÇÃO
O “período patrístico” corresponde ao lapso de tempo de quase sete séculos
compreendidos entre a morte do último Apóstolo de Cristo (por volta do ano 100 d.C.) e
o começo da Idade Média, no ano 750 d.C. 1, e recebe essa nomenclatura pelo fato de
muitos dos escritores cristãos deste tempo serem conhecidos sob o título de “Padres da
Igreja”2.
Esse período da história da Igreja poder ser dividida em três etapas: a primeira, que
se estende do início do século II até o Concílio de Nicéia; a segunda, que compreende o
período que vai desde o Concílio de Nicéia até a queda do Império Romano do Ocidente,
em 476 d.C.; e a terceira, que vai desde o começo do século VI até meados do século
VIII, e corresponde à transição à Idade Média no Ocidente Europeu3. O mais célebre
destes períodos é o segundo, entendido como a “Idade de Ouro” da Patrística, sendo “o
período das obras mais importantes e das formulações doutrinárias básicas”4, e onde se
encontram autores como Santo Agostinho, Basílio de Cesareia, Gregório de Nisa,
Gregório de Nazianzo e São João Crisóstomo.
Ao longo deste trabalho, traçar-se-á, de maneira breve, um percurso pelos mais
célebres autores deste período, segundo uma ordem cronológica. Deste modo, será
possível compreender aquilo que há de central no pensamento de cada um, considerando
o contexto histórico de cada Padre da Igreja e a forma como isso influencia no seu
pensamento.

1. A PATRÍSTICA E A GNOSE
A compreensão do pensamento gnóstico vigente nos primórdios da era patrística é
fundamental para a compreensão das obras desse período. Essa ideia de gnose “não
consiste em puro conhecimento conceitual, e sim numa postura complexiva, na qual
intervêm afeto, vontade, conceito, raciocínio, intuição e atitudes de vida”5 e ocupa-se, em
primeiro lugar, “da questão humana global e concreta da felicidade do ser humano, de sua
perfeição total e unitária (salvação), a partir de suas condições existenciais”6. De maneira
resumida, a gnose pode ser definida como “a miragem de um conhecimento perfeito,
revelado, possuído e transmitido por iniciados, com a pretensão de dar uma explicação
total do mundo e do mistério da existência com base dualista”7.
Dentre as características próprias da gnose, é possível destacar a angústia do mal
nesse mundo; o sentimento de alienação e de decadência em relação ao paraíso perdido;
a nostalgia da unidade primordial; uma ideia de salvação que consiste na libertação da
matéria; e a ideia de que, através do conhecimento, o ser humano é capaz de tomar
consciência de sua verdadeira natureza da ser espiritual8. No que diz respeito
especificamente ao gnosticismo cristão herético, podemos destacar:
1.ª La concepción de Dios como sumamente alejado del Universo, essencialmente bueno y, por
consiguiente, incapaz de ser la causa del mal.

1
SARANYANA, J. La Filosofía Medieval, p. 23.
2
“Se reserva el nombre de “Padre de la Iglesia” a los autores que reúnen las siguientes cuatro notas: 1)
ortodoxia en la doctrina católica; 2) santidad de vida; 3) reconocimiento o aprobación por parte de la Iglesia
Católica; y 4) antigüedad”. SARANYANA, J. La Filosofía Medieval, p. 23.
3
SARANYANA, J. La Filosofía Medieval, p. 23-24.
4
VERDETE, C., História da Igreja, p. 149.
5
LIBÂNIO, J. B.; MURAD, A., Introdução à teologia, p. 117.
6
LIBÂNIO, J. B.; MURAD, A., Introdução à teologia, p. 117.
7
BOGAZ, A. S.; COUTO, M. A.; BANSEN, J. B., Patrística: caminhos da tradição cristã, p. 85.
8
BOGAZ, A. S.; COUTO, M. A.; BANSEN, J. B., Patrística: caminhos da tradição cristã, p. 86.
2.ª Una complicadísima serie de seres intermedios entre Dios y el mundo, según el gusto del
platonismo medio y del neoplatonismo.
3.ª El ínfimo lugar de la escala de los seres, producida por emanación del Primer Ser, corresponde
al mundo sensible. Por ser mala la materia sensible, el mundo sensible tuvo que ser producido por
algún ser intermedio pecador.
4.ª El hombre está compuesto de dos elementos: uno malo, que es la materia, y otro bueno, espiritual,
psíquico, pneumático, que es el alma, la cual procede del mundo superior y está aprisionada en el
cuerpo. Esa alma es capaz de salvación y de retornar al mundo superior del que ha caído, por medio
de un esfuerzo ascético y moral. (En este punto no fue coincidente la actitud de las distintas sectas
gnósticas: algunas fueron muy exigentes en el aspecto ascético; otras cayeron en aberraciones de
todo tipo).9
Os Padres da Igreja desenvolveram a reflexão teológica imbuídos por um espírito
que considerava que “em Cristo se encontra recapitulado tudo o que de verdadeiro, bom
e belo está presente no universo”10. Deste modo, desenvolveu-se a gnose sapiencial cristã,
que se diferencia do gnosticismo herético, conjugando harmoniosamente três estratos: “o
cultural, comum aos povos da Antiguidade, o hebraico e o especificamente centrado na
pessoa de Jesus Cristo”11. Além disso, “apresenta como objeto especifico o mistério
cristão, compreendendo implicações e consequências a todos os níveis: hermenêutico,
histórico, ontológico, humano e cosmológico, ético, místico, operativo, individual e
social, atual e escatológico”12.
É nesse contexto que os Padres da Igreja propagaram a fé ao longo dos primeiros
séculos do cristianismo. No entanto, o pensamento patrístico não se deteve nessas
características iniciais, mas foi se desenvolvendo e se aprofundando cada vez mais em
questões teológicas mais profundas e de assuntos e necessidades diversas.

2. A REFLEXÃO DA FÉ NOS PADRES DA IGREJA


Em sua reflexão teológica, os Padres da Igreja procuraram ainda entender a teologia
enquanto “anagogia”, isto é, em um movimento ascendente ao mistério divino, divergindo
assim diametralmente da concepção gnóstica. Neste contexto, a teologia patrística
procura condicionar fé e inteligência, a partir do qual emerge um fundamental princípio
patrístico enunciado pelo bispo de Hipona – “Intellige ut credas, crede ut intelligas”13 –
onde a fé, admitida às verdades reveladas, exerce seu papel de penetrá-las e aprofundar
seu conhecimento.
Deste modo, Deus torna-se não apenas um objeto de conhecimento científico, mas
é identificado também enquanto fonte deste mesmo saber. Assim, apesar da utilidade da
especulação, os Padres reconhecem sua limitação, na medida em que “nello stesso sforzo
intellettuale per capire la propria fede, essi praticano l'amore, diventa per la sua stessa
natura fonte di nuova intelligenza”14.
A teologia patrística, majoritariamente inaugurada no período entre o Concílio de
Nicéia e de Calcedônia, recebeu o nome de “idade de ouro”, não somente pela vasta
literatura eclesiástica escrita, mas também pela sua qualidade. Para além de sacerdotes e
leigos, boa parte dos escritos patrísticos possuem por autores bispos, de tal modo que para
além de uma excelente formação retórica, seu conteúdo era predominantemente pastoral.
Neste contato íntimo com a comunidade eclesial, verifica-se que “a reflexão de fé dos
padres é marcadamente bíblica, litúrgica. crítico-eclesial, inculturada e plural”15.
9
SARANYANA, J. La Filosofía Medieval, p. 46.
10
LIBÂNIO, J. B.; MURAD, A., Introdução à teologia, p. 116.
11
LIBÂNIO, J. B.; MURAD, A., Introdução à teologia, p. 117.
12
LIBÂNIO, J. B.; MURAD, A., Introdução à teologia, p. 117.
13
AGOSTINHO, S. Sermo XLIII.
14
CONGREGAZIONE PER L'EDUCAZIONE CATTOLICA. Istruzione sullo studio dei padri della chiesa
nella formazione sacerdotale. n. 39.
15
LIBANIO, J.B.; MURAD, A. Introdução à Teologia. p. 118.
Em relação à primeira característica supracitada, destaca-se o primeiro e
fundamental pressuposto da leitura teológica patrística, a saber, a “palavra de Deus
escrita, capaz de mudar a vida de seus receptores”16. As primeiras escolas teológicas
surgidas na época, dentre as quais destacam-se as de Antioquia e Alexandria, possuíam
seu modo próprio de interpretação das Escrituras a fim de atingir este fim pastoral.
De modo especial, destaca-se a escola que originou grandes nomes da literatura
patrística como Clemente e Orígenes, que dentre suas características marcantes,
assinalam-se a “preferencia por la filosofía platónica y tendencia a la interpretación
alegórica del Antiguo Testamento”17. Justamente deste tipo de interpretação, nasce o
conceito de “teologia simbólica”. Assim, “o simbolismo, com tal grau de
desenvolvimento, traduz-se muitas vezes em hermenêutica alegórica”18.
Esta interpretação simbólica, principalmente do Antigo Testamento, garante seu
fundamento em uma chave de leitura cristológica como “anticipación simbólica (typos) o
profética de Cristo y de la Iglesia,”19 de tal modo que, ao tratar de um estilo do fazer
teológico patrístico, é possível afirmar que foi “profundamente bíblico, con un frecuente
recurso al símbolo y a la alegoría para que en el texto bíblico comentado reverberase la
totalidad del designio salvífico divino”20.
Além do aspecto bíblico, a reflexão patrística da fé também perpassa a dimensão
litúrgica. Para os Padres, “a liturgia era pensada e vivida como momento particularmente
feliz de verdadeira e autêntica teologia.”21. Nesse sentido, considera-se a liturgia enquanto
não apenas como “teologia em ação”, mas também como “primeira teologia”.22
Assim, ao mesmo tempo em que a liturgia se apresenta como “expressão completa
da fé”, torna-se critério de avaliação de sua ortodoxia, de tal modo que:
Los cristianos sólo realizan esta unidad cuando hacen uno con su obispo mediante la fe, la
obediência y, en particular, mediante la participación en el culto divino. No reconoce una
independencia individualista en la vida espiritual o en la unión mística con Cristo. Su misticismo
brota del culto litúrgico. Su terminología depende de símbolos y frases tomadas de la liturgia. 23
Ainda se verifica a dimensão crítico-eclesial enquanto objeto da reflexão patrística,
afinal, “los frutos de esa realización teológica se comunican, en primer lugar, a los
destinatarios de una determinada comunidad eclesial, si bien, después, se convierten en
patrimonio de toda la Iglesia y de la humanidad, en el decurso de los siglos.”24 Assim, “la
espiritualidad eclesial, a modo de comunión entre los bautizados, no sólo la sitúa a nivel
sacramental, sino también en la vivencia cotidiana de la unidad y la paz en la Iglesia.”25
Por fim, a reflexão da fé no período patrístico também se manifesta na dimensão
criativa, cultural e plural. Afinal, inseridos num contexto das categorias hebraicas e
cultura helenista, fez-se necessário uma inculturação da teologia e do cristianismo, da
qual afirma-se grande sucesso,26 pois “a figura de Jesus Cristo unifica os diversos
aspectos da reflexão teológica, nascida no interior da Igreja inculturada e destinada a
fortalecer sua presença e atuação na sociedade”27.

16
LIBANIO, J.B.; MURAD, A. Introdução à Teologia. p. 119.
17
RAMOS-LISSÓN, D. Patrología. p. 156.
18
LIBANIO, J.B.; MURAD, A. Introdução à Teologia. p. 119.
19
TREVIJANO, R. Patrología. p. 230.
20
ILLANES, J.; SARANYANA, J. Historia de la Teología. p. 18.
21
MARSILI, S. Teologia Litúrgica. p. 1177.
22
LIBANIO, J.B.; MURAD, A. Introdução à Teologia. p. 121.
23
TREVIJANO, R. Patrología. p. 37.
24
RAMOS-LISSÓN, D. Patrología. p. 40.
25
RAMOS-LISSÓN, D. Patrología. p. 367.
26
LIBANIO, J.B.; MURAD, A. Introdução à Teologia. p. 123.
27
LIBANIO, J.B.; MURAD, A. Introdução à Teologia. p. 123.
3. FASES PREDOMINANTES

A teologia patristica viveu fases bem distintas, mas não se pode dizer que nasceu
de uma formulação nova e desprovida de tradições, pelo contrário, foi um
desenvolvimento em âmbito extenso da filosofia antiga e aqui podemos apontar a
exposição da filosofia grega, de modo especial do sistema platônico e do neoplatonismo.
A teologia patrística não é um conjunto teológico independente, mas uma peça
consistente levantada dentro de uma estrutura filosófica entrelaçada com os fins desta,
isto é, é uma filosofia religiosa a serviço dos ensinamentos da fé, por essa razão, é “bem
difícil traçar a divisória entre a história do dogma e a história da filosofia” 28. Esta
dificuldade provém da própria natureza do conteúdo trabalhado que, por sua vez,
confronta o valor e as normas do cristianismo com os do tempo estimulando e fecundando
o pensamento por meio da especulação das questões mais profundas sobre questões da
vida e dos esforços humanos.
O período patrístico compreende o lapso temporal de quase sete séculos
compreendidos desde “la muerte del último de los Apóstoles de Jesucristo, acaecida hacia
el año 100 de nuestra Era, y el comienzo de la Edad Media (hacia el 750)”29. Nesse
período histórico coexistiam ainda os remanescentes do platonismo médio e do
neoplatonismo e a primeira investidura filosófica praticadas por pensadores cristãos
advindos do paganismo.
Os primeiros sete séculos de filosofia cristã geralmente se dividem em 3 etapas:
a) Do início do séc II até o Concílio Ecumênico de Niceia (ano 325);
b) De Niceia ao fim do Império Romano do ocidente (ano 476);
c) Do começo do século VI até metade do sec VIII.

3.1 DO ALVORECER DO SÉCULO II ATÉ O CONCÍLIO ECUMÊNICO DE NICEIA


3.1.1. Os Padres Apostólicos
Entende-se por Padres Apostólicos aqueles autores cristãos do século I ou início do
século II que, verdadeira ou supostamente, estiveram em relação com os Apóstolos.
“Aunque posiblemente algún autor neotestamentario pudiera ser posterior a algún padre
apostólico. Son discípulos inmediatos de los Apóstoles o de alguno de sus sucesores
inmediatos; sin embargo, no constituyen entre sí un grupo homogéneo”30.
Os escritos dos padres apostólicos por seu conteúdo e expressão mostram intimas
relações com a Sagrada Escritura e, sobretudo com as cartas dos Apóstolos, além de que
“conocen muy bien la teología judeocristiana de aquel tempo”31.
Destacam-se entre os padres apostólicos San Clemente Romano, terceiro sucessor
de São Pedro na sede episcopal de Roma; Santo Ignacio de Antioquía, terceiro bispo de
Antioquía; E São Policarpo de Esmirna

3.1.2. Os apologistas do Séc. II


Esta tendência surgiu de um contexto de perseguição ao cristianismo, em primeiro
lugar por parte do judaísmo e depois por parte do império romano, dos intelectuais e do
próprio povo. Os textos desse século geralmente são em forma de diálogo ou discurso
conforme as regras da retórica grega. É importante se destacar que os padres apologistas
não faziam apenas defesa de sua fé, mas também a eles se impôs uma tarefa nova de expor
em suas apologias a doutrina revelada e seus pressupostos. “De todo eso se deduce que

28
GRABMANN, P. Filosofia medieval, p. 22.
29
SARANYANA, J. La Filosofía Medieval, p. 23.
30
ALVAREZ, J. História de la Iglesia Antiga, p. 293.
31
ALVAREZ, J. História de la Iglesia Antiga, p. 293.
los apologistas van más allá de una simple defensa del cristianismo, para convertirse en
verdaderos evangelizadores de sus lectores paganos o judíos.”32
A literatura especializada divide os apologistas em dois grupos: os gregos e latinos.
Dentro os apologistas gregos pode-se falar de Cuadrato, Aristides, Taciano, Aristón de
Pella, Teófilo de Antioquía, Atenágoras, Melitón de Sardes, mas o maior deles foi São
Justino. São Justino (195 d.C). Nasceu em Siquém, Flavia Neapolis (Palestina), de pais
gregos. Era filósofo e em seu pensamento, buscar a verdade era buscar a Deus. Iniciou,
com isso, buscas com os estoicos, mas estes eram incrédulos. Não se identificou com
peripatéticos, pois cobravam dinheiro, nem com os pitagóricos, porque exigiam
conhecimentos científicos prévios. Se identificou com os platônicos, pois para eles seria
possível sim observar a Deus, porém, segui-los seria tolice, pois se exigia muito tempo
até se chegar ao objetivo.
São Justino encontrou no cristianismo a solução para seu problema. Passou a
ensinar que Deus havia conduzido providentemente o povo de Israel por meio da
Revelação sobrenatural contida no Antigo Testamento. Aos demais homens, no entanto,
ela foi guiada pela luz natural da razão.
É São Justino quem faz a separação do logos divino e do natural. Para ele há apenas
um Logos Divino, pois um só é o Filho. O logos Divino serviu como paradigma/modelo
para que Deus criasse os logos naturais. À luz do Logos Divino, Deus Pai criou o Logos
Natural (a nossa razão, todo ser racional possui).
Entre os latinos destaque-se Tertuliano, este nasceu em Cartago por volta do ano de
160 d.C e era advogado. Possuía entendimento diverso de São Justino. Se para S. Justino
a filosofia era propedêutica da fé, Tertuliano rechaçava completamente sua presença em
âmbito religioso. Tertuliano era um crítico da ideia de que a filosofia tenha alguma
utilidade para a vida cristã. Com isso, defendia um conflito insuperável entre filósofos e
profetas, afinal, o que os profetas receberam por Revelação não deve nada e não recebe
nada da Filosofia.

3.2 DE NICEIA AO FIM DO IMPÉRIO ROMANO DO OCIDENTE (ANO 476)


3.2.1. Escola Catequética de Alexandria
Nessa escola foi que pela primeira vez o cristianismo encontrou a melhor
oportunidade para se vestir com a roupagem filosófica grega, especialmente neoplatónica,
que naquela época. “A teologia Alexandrina baseava-se no Neoplatonismo, embora
também selecionasse alguns elementos de outras escolas; ela tirou os fundamentos da
Lógica do aristotelismo, e tudo o que diz respeito à Ética do Estoicismo”33.
Os temas preferidos pelos Padres Alexandrinos giravam em torno dos elevados
mistérios divinos: a Trindade, a Divindade do Filho e do Espírito Santo, a hipóstase divina
de Jesus Cristo.
Um dos dois importantes pais desta escola de São Clemente de Alexandria, o autor
do célebre pensamento de que a filosofia é propedêutica da teologia. “A sua tese
fundamental consiste na proclamação de que o cristianismo e a sabedoria secular grega
não só não estão em oposição, mas que o cristianismo é o culminar das verdades contidas
nos mais diversos textos gregos”34. Clemente escreveu seu Protreptico, um manual de
iniciação cristã para pagãos no qual tenta converter os pagãos à religião cristã. Aos que
desejavam progredir nos estudos da religião cristã, S. Clemente escreveu Paidagogos,
onde ele apresentou Jesus como um Pedagogo, isto é, um servo que conduz uma criança
ao mestre para dizer que Ele era o pedagogo da humanidade. Clemente também escreveu
Stromata. ‘Stromata’ era uma palavra usada para definir tapetes, onde todos os fios por

32
ALVAREZ, J. História de la Iglesia Antiga, p. 297.
33
ALVAREZ, J. História de la Iglesia Antiga, p. 304.
34
ALVAREZ, J. História de la Iglesia Antiga, p. 304.
mais distintos que sejam formam uma unidade bela. Aqui Clemente fala aos que já se
converteram e já conhecem a catequese, me buscam uma visão superior. Aqui discute a
questão da Santíssima Trindade e doutrinas mais complexas.
Clemente nos apresenta Jesus como filósofo, mas após a encarnação, a Filosofia é
apologética da fé cristã. A revelação do Logos é contínua, dessa forma Clemente de
Alexandria defende que o Deus do antigo testamento é o mesmo Deus do novo
testamento.
Outro célebre padre da escola de Alexandria foi Orígenes. Entre as obras de
Orígenes destacam-se o De principie, que é o primeiro estudo sistemático de teologia
cristã; Contra Celsum, que é a maior obra de apologética cristã antes do De civitate Dei,
de Santo Agostinho e a extensa produção literária dedicada a exegese bíblica e, por isso,
justamente chamado de fundador da ciência escriturística.
Orígenes, que não era filósofo nem pela sua finalidade nem pelo seu método,
propôs-se a extrair tudo o que lhe parecesse útil dos sistemas filosóficos que pudesse
conhecer, legou ao cristianismo medieval a sua poderosa e sugestiva exegese alegórica,
ele também transmitiu consigo boa parte das teses dessas filosofias. Foi, portanto, um
mestre na arte do que hoje chamamos de “inculturação” e nesse sentido desenvolveu um
método exegético altamente desenvolvido para a Igreja que consiste nas três hierarquias
de leitura bíblica, a saber: i) o método literário, típico dois homens carnais; ii) o método
moral, ele próprio dois homens que aplicamos aos ensinamentos bíblicos não na vida
cotidiana, mas em homens psíquicos; iii) método espiritual ou místico, que consiste nas
mais altas homenagens, próprias ao santo Cristo.

3.2.2. A Escola teológica de Antioquia


A Escola de Antioquia, foi fundada por Luciano de Antioquia e contou entre seus
discípulos o famoso bispo Ário, declarado herege. Ao contrário da Escola Alexandrina,
que se baseava no platonismo para as suas especulações teológicas, esta baseava-se mais
no aristotelismo. “Em vez de se concentrarem nos elevados mistérios divinos, como
fizeram os teólogos alexandrinos”35, os autores antioquenos trataram preferencialmente
de questões práticas: os costumes e a vida social cristã, embora o estudo da Sagrada
Escritura também ocupasse a mente de seus grandes professores, tais. como Eusébio de
Cesareia e São João Crisóstomo.
Eusébio de Cesaréia recebeu esse título porque era bispo da cidade. Ele era um
amigo próximo de Constantino. Eusébio ajudou Ário e os arianos; Certamente assentiu
com o Símbolo Niceno, possivelmente mais para agradar a Constantino do que por
convicção pessoal. “El Concilio II de Nicea (787) lo calificó de «doble alma», y lo
catalogó entre los sospechosos de herejía por sus vacilaciones durante la controversia
arriana”36. “Eusebio es considerado con todo derecho padre de la historia de la Iglesia,
porque compuso una Crónica, cuya primera parte se conserva en lengua armena, y la
segunda parte en la traducción de San Jerónimo que la continuó hasta su tempo”37; porém,
Eusebio é conhecido sobretudo por sua Historia Eclesiástica, cujo levantamento histórico
das sedes episcopais intentavam reforçar a vitória do cristianismo frente o paganismo.
Outro expoente foi São João Crisóstomo, Patriarca de Constantinopla, que foi
vítima da raiva da Imperatriz Eudoxia, a qual ordenou para ele um desterro. Morreu ao
caminho para o desterro no ano de 407; “mereció el apelativo de «crisóstomo» (boca de
oro) por su extraordinaria elocuencia; pero se le conoce también como «el príncipe de los
exegetas» porque nadie ha explicado como él la Sagrada Escritura”38.

35
ALVAREZ, J. História de la Iglesia Antiga, p.309.
36
ALVAREZ, J. História de la Iglesia Antiga, p.309.
37
ALVAREZ, J. História de la Iglesia Antiga, p.309.
38
ALVAREZ, J. História de la Iglesia Antiga, p.311.
3.2.3 Padres Capadocios (Padres pós Nicenos)
Estes pais da Igreja não só compartilham sua origem na região da Capadócia, mas
também uma série de afinidades que os tornam um grupo homogêneo: “su amistad y
parentesco, su eficácia en la defensa de la ortodoxia contra los arrianos y pneumatómacos,
su afición a la literatura clásica y su formación teológica al estilo de la Escuela
alejandrina”39; e os três foram bispos.
São Basílio: Nasceu em Cesareia, seus pais e irmãos são santos, foi amigo de São
Gregório de Nazianzo, se distinguiu como teólogo e filósofo; bispo de Cesareia da
Capadócia; tentou superar sua atitude de desconfiança em relação aos homoousianos. As
dificuldades se acentuaram quando entrou no debate a questão da essência do Espírito
Santo. “Embora Basílio defendesse objetivamente a consubstancialidade do Espírito com
o Pai e com o Filho, ele era dos que, fiéis à tradição oriental, não tolerava que o predicado
homoousios ao Pai. Em sua grande obra "Sobre o Espírito Santo", defende a divindade
do Espírito Santo, sua igualdade de natureza, ou "consubstancialidade", com o Pai e o
Filho, contra teses arianas e de outras heresias que negavam a existência do Espírito Santo
como pessoa da Santíssima Trindade.
São Gregório Nazianzeno de Nazianzo, foi eleito bispo de Constantinopla (381),
mas teve que renunciar, após três meses, porque naquela época, segundo a lei canônica,
não se podia mudar de sede episcopal. Teve impacto significativo na formação da teologia
trinitária tanto entre os teólogos latinos como entre os gregos, e é lembrado como o
“teólogo trinitário”.
Sobre este assunto, Gregório foi o primeiro a utilizar a ideia de “processão” para
descrever a relação entre o Espírito Santo e a Divindade: “O Espírito Santo é realmente
um Espírito, vindo realmente do Pai, mas não da maneira do Filho, pois não é por geração,
e sim por 'processão', uma vez que eu preciso cunhar uma nova palavra pelo bem da
clareza”40. Embora Gregório não tenha desenvolvido completamente o conceito, a ideia
da "processão" iria formatar a maior parte do pensamento posterior sobre o assunto.
Ele enfatizou que Jesus não deixou de ser Deus quando se tornou homem, nem
perdeu nenhum dos seus atributos divinos quando tomou a natureza humana. Além disso,
Gregório afirmou que Jesus Cristo era completamente humano, incluindo ter uma alma
humana completa. Ele também proclamou a eternidade do Espírito Santo, dizendo que
Suas ações estavam como que escondidas no Antigo Testamento, mas que passaram a
aparecer muito mais claramente desde a ascensão de Jesus ao Céu e a descida do Espírito
Santo na festa de Pentecostes.
Por fim, São Gregório de Nisa, que foi irmão de São Basílio; foi exegeta e teólogo.
Morreu no ano de 395 d.C. Entre suas obras destacam-se Grande Discurso catequético e
Contra Eunomio, Macrina, que foi um discurso sobre a escatologia, posto em boca de sua
irmã que havia abraçado a virgindade consagrada; mas também escreveu algumas
homilias sobre a virgindade;
No que tange a Cristologia, Gregório de Nisa apresenta uma nítida distinção entre
as duas naturezas de Cristo. “Não existe confusão quando consideramos cada uma delas
em si mesma. Assim, nem a carne existe desde sempre, nem o Verbo começou a existir
no fim dos tempos impacto significativo”41 na formação da teologia trinitária tanto entre
os teólogos latinos como entre os gregos, e é lembrado como o 'teólogo trinitário'.

3.3. DO COMEÇO DO SÉCULO IV ATÉ METADE DO SEC VIII.

39
ALVAREZ, J. História de la Iglesia Antiga, p.312.
40
Nazianzo. G. A oração, s.p.
41
Cf. ALVAREZ, J. História de la Iglesia Antiga, p. 313.
Este período histórico é marcado por clima de paz baseado na elevação do
cristianismo a religião do Império e na sanção conciliar do dogma da consubstancialidade
do Pai e do Filho (Concílio Ecumênico de Nicéia, 325). O pensamento cristão estava cada
vez mais orientado para a fundação positivo e especulativo. Assim surgiu a Idade de Ouro
da Patrística. Falou-se na seção anterior dos padres capadócios, que floresceram após o
Concílio de Niceia, mas também pode-se falar, no ocidente, de Santo Ambrósio, São
Jerônimo e Santo Agostinho, sendo este o de maior destaque.
Santo Agostinho nasceu em Tagaste (Numídia) no ano 356; filósofo, percorreu
todos os sistemas filosóficos; durante sua juventude, ele levou uma vida bastante
licenciosa. Foi para Milão como professor de retórica e lá se converteu ao cristianismo,
sendo batizado por Santo Ambrósio. Ouviu de Santo Ambrósio a explicação da causa do
mal “que reside en el uso depravado de nuestra libertad. Por último, leyendo las epístolas
de San Pablo (Rom 13, 13-14) cayó en la cuenta de que el hombre es presa del pecado y
que únicamente puede liberarse de él por la gracia que Jesucristo nos ha merecido”42.
Por algum tempo abraçou a vida monástica. No ano de 391 foi ordenado sacerdote
da Igreja de Hipona, cujo bispo, Valério, o nomeou bispo auxiliar; e quando ele morreu,
o sucedeu na diocese. Dedicou a maior parte da sua vida a escrever contra as heresias do
maniqueísmo, donatismo, pelagianismo.
Su producción literaria es asombrosa; mencionamos solamente sus obras más importantes:
Confesiones (historia de su vida), llena de psicología y de teología a la vez; La Ciudad de Dios, es
la primera obra propiamente dicha de Teología y Filosofía de la Historia, en la que presenta la lucha
continua entre la Ciudad de Dios y la Ciudad terrena; Enchiridion ad Laurentium, es una exposición
sistemática del dogma católico; Sobre la doctrina cristiana; Sobre la Trinidad 43.
Santo Agostinho se destaca também pelo embate com o ceticismo e dai resulta a
célebre obra solilóquios que propôs uma serie de interlocuções Para Agostinho, a busca
da felicidade supõe a busca do conhecimento da imortalidade. Essa, por sua vez, supõe
certezas antropológicas (existenciais) que ninguém pode duvidar, a saber: que existo, que
vivo, que quero conheço, que quero ser feliz.
Santo Agostinho também propôs um estudo sobre a pessoa, que foi diferente
daquela proposta consagrada em Boécio, que se pressupõe uma definição. Santo
Agostinho não está ocupado com definições, próprias do aristotelismo, mas por ser
influenciado pelo neoplatonismo, opta pelo método da relação, assim, a pessoa de Deus
se é estudada pelas relações entre a Trindade.
Para Agostinho, o termo <pessoa> significa individualidade (ipseidade), ou seja,
aquilo que cada ser humano tem de próprio e o distingue dos demais. Isto significa que
tudo o que o Pai é, é na e pela relação com o Filho; tudo o que o Filho é, é na e pela
relação com o Pai; e tudo o que o Espírito Santo é, é na e pela relação com o Pai e o Filho.
Um é pelo outro, e no outro.
Conforme mencionado, outros Padres da Igreja contribuíram antes e depois de
Santo Agostinho, porém, se encontra em sua volumosa obra e naquilo que fora produzido
anteriormente o apogeu e consolidação das principais doutrinas cristãs e a diminuição das
grandes controvérsias teológicas que haviam marcado os séculos anteriores. Com isso,
pode-se constatar que a Patrística foi fundamental para a Igreja Católica, estabelecendo
as bases teológicas e filosóficas que sustentam a fé cristã até hoje. Os Padres da Igreja,
através de seus escritos e ensinamentos, articularam e defenderam as doutrinas essenciais
do cristianismo, enfrentando heresias e dialogando com a cultura clássica. Assim, a
Patrística foi crucial para o desenvolvimento intelectual, espiritual e institucional da
Igreja.

42
SARANYANA, J. La Filosofía Medieval, p.81.
43
ALVAREZ, J. História de la Iglesia Antiga, p. 316.
CONCLUSÃO
Conclui-se, portanto, que a teologia patrística desempenhou um papel crucial na
formação da doutrina cristã, enfrentando heresias e dialogando com a cultura clássica para
articular e defender os fundamentos da fé cristã. Os padres da igreja, por meio de seus
escritos e ensinamentos, estabeleceram as bases teológicas e filosóficas que sustentam a
fé cristã até hoje, e a reflexão teológica patrística, marcada por uma profunda conexão
com a Bíblia, a liturgia e a vida pastoral, foi essencial para consolidar as principais
doutrinas cristãs e reduzir as grandes controvérsias teológicas dos primeiros séculos do
cristianismo.
Além disso, convém ressaltar que a era patrística, frequentemente referida como a
“idade de ouro” da teologia cristã, não apenas produziu uma vasta literatura eclesiástica
de alta qualidade, mas também promoveu uma inculturação bem-sucedida da teologia
cristã nas categorias culturais hebraicas e helenísticas. Este período foi caracterizado por
um esforço contínuo para harmonizar a fé e a inteligência, como exemplificado pela já
referida máxima de Santo Agostinho: “intellige ut credas, crede ut intelligas”. Assim, a
teologia patrística não apenas respondeu às necessidades teológicas de sua época, mas
também deixou um legado duradouro que continua a influenciar o pensamento teológico
contemporâneo.

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