Nicole Avancini,+Gerente+Da+Revista,+22785 83543 1 CE
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Revista DIAPHONÍA
Apoio:
Grupo PET Filosofia 2019/1º Semestre
Conselho Editorial
Conselho Científico
Entrevistas:
Entrevista com o professor e psicólogo clínico Ricardo José Perin............p. 14
REVISTA DIAPHONÍA
Artigos:
Considerações sobre o Compendium musicae de Descartes: matemática,
música e a produção de afetos......................................................................p. 24
CÉSAR AUGUSTO BATTISTI
Resenhas:
Filosofia da Educação.......................................... ................................................p. 182
FÁBIO BATISTA
Traduções:
Marx, Darwin e a “História crítica da tecnologia”......................................p. 187
FABIO RAIMONDI
ENTREVISTA – DIAPHONÍA – v. 5, n. 1 – 2019
Após quase três anos e meio de vida religiosa percebi que não daria conta de
suportar tal desafio. É o momento de uma desconversão, mas, ao mesmo tempo, de
uma nova conversão. Desta experiência de compromisso com a alteridade,
proporcionada pela vida religiosa, brotou uma nova possibilidade de envio ao
acolhimento do outro, a Psicologia.
Assim, em agosto de 1982, iniciei o curso de psicologia na UEM. Retomei
minha atividade de professor, no mesmo colégio católico em que havia lecionado
matemática, topografia, desenho arquitetônico e geometria descritiva, agora, porém,
com um horizonte voltado às ciências humanas. Assim, juntamente com a equipe
pedagógica, em 1984, decidimos implantar as disciplinas de Sociologia e Filosofia,
das quais fui professor, provavelmente, sendo uma experiência pioneira à época.
Concluído, em 1988, o curso de Psicologia, me transladei para Toledo, minha
verdadeira terra natal, iniciando a atividade de professor na Facitol.
D – A sua trajetória também é marcada pela formação seminarística
especialmente, pelo contato que teve com a obra de Henrique Cláudio de Lima Vaz
que, aliás, fora seu professor. Que memórias essa relação intelectual lhe trouxe?
RJP – Minha vida no seminário iniciou em 1979, nos jesuítas, em Porto Alegre.
Em 1982 fui para Belo Horizonte para iniciar o curso de Filosofia no Instituto Santo
Inácio, onde se centralizou toda a formação acadêmica jesuítica do Brasil. Para
ingressar na Filosofia, havia um vestibular que constava de uma avaliação escrita e
17
de uma avaliação oral. O avaliador oral era Lima Vaz. Foi este o motivo de meu
primeiro encontro com ele. A Lima Vaz coube a função de fazer a avaliação de todos
os candidatos em conhecimentos gerais. Começamos a avaliação de um modo
informal, através de uma breve história de minha vida antes do ingresso nos
jesuítas. A partir disso, Lima Vaz decidiu que a avaliação versaria sobre conteúdos
referentes aos estudos que já havia feito. Não fez nenhuma pergunta, apenas
conversamos sobre temas ligados à Física e ao cálculo. Na medida em que a
conversa transcorria, fui percebendo a grandeza da sabedoria daquela figura
humana, aparentemente frágil em seu aspecto. Ele falava de Galileu, de Newton, de
Leibniz de Fourrie com tal propriedade que, em alguns momentos, me produzia a
sensação de ser um principiante. Foi nesse momento que entendi o verdadeiro
sentido do que significa ser filósofo.
Ingressado na Filosofia, tive o privilégio de ter Lima Vaz como professor de
história da filosofia. As suas aulas permitiam fazer uma experiência de viagem no
tempo. Ao falar sobre as origens do pensamento grego como, por exemplo, o eidos
platônico, produzia no ouvinte tal sensação de regressão, a ponto de permitir
imaginar-se um espectador dos jogos olímpicos gregos, para entender o que
significava ver para eles.
Outro momento marcante foi uma conversa com Lima Vaz como orientador
de estudos. Disse, em alto e bom som, que para estudar Filosofia seria necessário
saber grego. Acompanhando seu dito me estendeu uma cópia de uma gramática
grega, juntamente com um evangelho de Marcos no original. Guardo com carinho o
evangelho em grego, pois é uma lembrança viva do Pe. Vaz. A ele, devo as poucas
palavras que sei de grego.
Estas são as memórias que guardo de nossa breve convivência, pois saí do
seminário em final de maio de 1982. Portanto, meu contato inicial com a obra de
Lima Vaz se deu mediante a escuta e de alguns textos. Porém, a presença mais
significativa do pensamento do Pe. Vaz ocorreu através do livro Escritos de filosofia
II: ética e cultura. Em 1988, quando estive em Belo Horizonte para participar de um
congresso da CUT, pois era vice-presidente do Sintemar (sindicato dos
trabalhadores em estabelecimentos de ensino de Maringá), ocorreu o último
encontro com o Pe. Vaz. À época fui agraciado, por ele, com o referido livro, que
acabava de ser publicado, acompanhado de uma carinhosa dedicatória. Após
concluir o curso de Psicologia fui fazer uma pós-graduação, na UFPR, em Psicologia
Clínica e Psicanálise. Para fazer o trabalho de conclusão escolhi o tema de Ética e
Psicanálise. O conhecimento da obra de Lima Vaz foi fundamental, pois me
permitiu fazer uma aproximação entre ética e psicanálise. Foi a partir da leitura da
fenomenologia do ethos, desenvolvida por Lima Vaz, que a articulação com a 18
psicanálise se deu. A perspectiva do ethos designando a morada, a casa do homem,
permitiu fazer a aproximação com a psicanálise por intermédio do dito de Freud,
extraído do Compêndio de Psicanálise, de que o ego não é dono nem da própria casa.
Pela ótica apresentada na fenomenologia do ethos, o homem, através do seu agir, é
desafiado a dominar a physis para poder construir seu espaço próprio, sua morada.
Portanto, o ethos brota desse agir constante, manifestando-se nos costumes e nos
hábitos. Isso diz respeito ao comportamento que resulta de uma repetição constante
dos mesmos atos, exigindo do homem um apropriar-se de um modo de ser que o
vincula com a alteridade e, portanto, o vincula ao coletivo. Como dirá Lima Vaz: “O
ethos como costume, ou na sua realidade histórico-social, é princípio e norma dos
atos que irão plasmar o ethos como hábito (ethos-hexis). Há, pois, uma circularidade
entre os três momentos: costume (ethos), ação (práxis), hábito (ethos-hexis), na
medida em que o costume é fonte das ações tidas como éticas e a repetição dessas
ações acaba por plasmar os hábitos”. Há, pois, uma circularidade dialética presente
na relação entre o coletivo e o individual, exigindo de cada indivíduo um
movimento de integração no coletivo para constituir-se como personalidade ética.
Como é sabido, Freud apresenta duas formas da conflitiva existência humana
estruturar o psiquismo; ambas as formas ocorrendo na dinâmica temporal de
convívio com a alteridade. A primeira, em 1900, através da estrutura de
inconsciente-pré-consciente-consciente. A segunda, por volta de 1920, conhecida
ideal de ego. Isso nos transforma em um sujeito errante, tal qual Édipo, tendo que ir
ao encontro do seu destino.
Esse breve histórico da articulação entre Psicanálise e Filosofia mostra um
percurso que aconteceu, em grande parte, pelo encontro com o pensamento de
Lima Vaz. E que repercute até hoje, pois, dando continuidade à pós-graduação feita
na UFPR, ainda encontro-me com o desafio de aprofundar tal temática. Para dar
continuidade ao tema, fiz parte do doutorado de Fundamentos y Desarrollos
Psicoanalíticos, na Espanha, e que ficou inconcluso, mas que me permitiu a
obtenção do título de Diploma de Estudios Avanzados, que me concede a formação
de pesquisador na área de conhecimento de Personalidad, Evaluación y Tratamiento
Psicológico. Um título equivalente ao mestrado, pois em alguns países da Europa
tem a denominação de Diploma de Estudos Avançados.
D – O que lhe levou fazer a passagem final pela formação em Psicologia?
RJP – Talvez a palavra conversão seja a mais apropriada para responder esta
pergunta. Como sabemos, ela remete a uma mudança de direção, uma mudança de
caminho. Como falei anteriormente, fui construindo um caminho profissional que
me levou de relojoeiro, entendedor de uma atividade técnica-mecânica, para a
Engenharia, cujo horizonte de ação é a aplicação objetiva do conhecimento. Já a
atividade de professor de Física e Matemática proporcionou a abertura de uma
mudança de direção, aproximando-me da dimensão da subjetividade. Sendo esta
20
atividade praticada no âmbito de uma escola católica, a proximidade com a religião
proporcionou o solo fértil à conversão religiosa, dando uma nova possibilidade de
comprometimento com a subjetividade, agora no interior do seminário. Aqui, a
subjetividade passa a ser significativamente entendida como uma relação com a
alteridade, visando o bem do outro.
No seminário, tive a oportunidade de ler Erich Fromm, psicanalista vinculado
à Escola de Frankfurt. Da leitura de Fromm, fui remetido ao pensamento de Herbert
Marcuse, com quem Fromm rivalizava. O pensamento frankfurtiano abriu as portas
para vislumbrar a articulação entre Filosofia e Psicanálise, através do casamento do
pensamento marxista com o pensamento freudiano. Também tive a oportunidade
de ler a tese doutoral de história de Martin Jay, La imaginación dialéctica. Isso me
permitiu vislumbrar uma primeira perspectiva da psicologia, uma ciência capaz de
ajudar a pensar os conflitos sociais. Assim, quando, em junho de 1982, saí do
seminário, o curso de Psicologia se apresentou como uma nova conversão de
compromisso com a alteridade, agora pautado em um horizonte científico, com uma
possível articulação filosófica, para acolher o sofrimento humano.
D – Conte-nos sobre a sua experiência na UNIOESTE, enquanto instituição,
desde sua fundação até sua consolidação.
segundo Aristóteles. É ela que liga os indivíduos entre si na partilha da palavra e dos
atos que dizem respeito ao viver coletivamente. Portanto, a palavra foi o verdadeiro
instrumento na determinação da construção do entendimento para os rumos
necessários para o convívio em comum. O desafio, no entanto, consiste em suportar
a ambiguidade própria da palavra, pois ela não garante uma univocidade. Assim, o
modo de classificar as coisas necessárias e fundamentais para esse convívio, que é o
mais próprio da palavra categoria, exigia o debate sobre o diferindo para se chegar
ao entendimento. Portanto, a possibilidade de proposição de uma determinada
causa de interesse comum, sustentada através argumentos que, também, segundo
Aristóteles, derivariam de uma retórica, proporcionou esse modo de sabedoria
fundamental que determinou a origem do Ocidente, a partir desse povo agonal, por
excelência.
Decorridos tantos anos dessa experiência originária, hoje encontramos esta
sabedoria fundamental, praticamente reduzida a uma profissão, no espaço público
universitário. Portanto, a universidade passou a ter um papel preponderante para a
formação de filósofos, mas confinada ao espaço de formação de mão-de-obra
profissional. No contexto histórico em que a tecno-ciência, o mundo da técnica,
ocupa a posição de principal produtora de conhecimento, a Filosofia passa a ser
avaliada por esse viés, perdendo, no entendimento da grande maioria, toda a
tradição histórica de produtora de uma sabedoria fundamental para o convívio com 22
o diferindo. Entretanto, é importante que o saber filosófico se faça presente em
outros espaços públicos, principalmente no espaço de expressão da palavra mais
utilizado, as redes sociais, para que a população perceba a sua importância e deixe
de se colocar ao lado de quem, por interesses ideológicos, apresenta uma suposta
visão filosófica, tornando a terra plana.
D – Qual a sua perspectiva para área da Psicologia no país? Que desafios ela
tem pela frente?
RJP – A Psicologia como ciência, desde sua origem, traz em seu interior um
debate que a cinde em várias correntes. Inclusive há aqueles que não a vêm como
um conhecimento científico. Quando se utiliza o critério epistemológico para
dividi-la, tendemos a pensá-la a partir da ótica que a aproxima das ciências naturais,
ou o critério que a aproxima das ciências humanas. Na prática, quando se pensa, por
exemplo, em um tratamento clínico, ouve-se das pessoas que a corrente cognitivo-
comportamental pode ser mais eficaz. O que permeia esse tipo de compreensão é
um entendimento de que o conhecimento das ciências naturais produz mais
resultados. Portanto, a ideia da produção, presente no mundo da técnica, gera esse
tipo de visão que é predominante hoje, sobretudo pela influência do pensamento
tecno-científico, fortemente enraizado no senso comum.
No horizonte das ciências humanas, encontramos, na Psicologia, a perspectiva
hermenêutico-fenomenológica. Nela, a palavra emerge fundamentalmente como a
Abstract: The present exhibition intends to make some considerations on the Compendium
Musicae, written by Descartes, still very young, at the end of the year of 1618, 400 years ago.
The objective is to present some elements of the work and compare it with those present in
Geometry, in order to show structural parallels and similarities of epistemological and
methodological nature between them. All this, besides evidencing certain categorical
characteristics used by the philosopher with a view to the production of the intelligibility
(that is, of the rationality) of the phenomena or problems studied. As a second purpose, we
intend to examine the course carried out by Descartes with a view to understanding the
musical phenomenon, its structure and its component elements. This begins with the
physical nature of sound, passing through the mathematical structure of music (its main
properties, time and height, relations of greater or lesser consonance between notes), until
it becomes a phenomenon related to our sensitivity and capable of to bring about in our
soul different affections and passions. As Descartes says, the object of music is sound, and
its end is the production of pleasure and the emergence of affections in the human being.
Circumscribed to the human sensibility, the music is no longer understood within a
cosmological perspective and linked to the harmony of the celestial spheres, starting to be
configured as a phenomenon relative to human subjectivity, or rather to its soul-body
compound.
Keywords: Descartes. Compendium Musicae. Music. Mathematics. Affections. Pleasure.
1
Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação (Stricto sensu) em Filosofia da UNIOESTE. E-
mail: cesar.battisti@hotmail.com.
1. Introdução
2. O fenômeno
2
Uma primeira versão desta pesquisa foi apresentada, em outubro de 2018, na XXI Semana de
Filosofia da UFU, promovida pelo Instituto de Filosofia dessa universidade.
3
Para informações sobre o Compendium, sobre sua estrutura e sobre a história do texto, cf. as partes
introdutórias elaboradas por De Buzon à sua tradução (DESCARTES, 1987).
4
Poder-se-ia, por sua vez, aproximar essa Regra com os quatro preceitos metodológicos da Segunda
Parte do Discurso do Método.
3. Dinâmica geral
5
A obra, depois de tratar rapidamente de seu objeto, apresenta oito Observações Preliminares, cuja
importância é fundamental (cf. DESCARTES, 1987, p. 54-59).
4. Conclusão
Referências
34
DANIELLE ANTUNES1
Abstract: From the interpretation of the philosophy of the essay proposed by Montaigne in
the Renaissance, as an ethical and political position of the author before the modes of
production of knowledge and subjectivities in the cultural and pedagogical scope of his
time, we believe that this position is still far reaching today. Therefore, we try to
problematize the relationship established between philosophy and popular education in
Brazilian higher education, proposing the essay exercise as an alternative to the practices of
philosophy teaching. Our interpretation aims at approaching the concept of essay in
Montaigne from its understanding as a performative method or procedure of research,
training and creation, which provides students with a teaching-learning experience through
much closer and authentic writing. Our interpretation aims at approaching the concept of
essay in Montaigne from its understanding as a performatic method of investigation,
training and creation. Such a procedure gives students a teaching-learning experience
through much closer and authentic writing.
Keywords: Montaigne. Philosophy. Test. Teaching. Method.
1
Doutora em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina (2018), mestre em Educação na
linha de pesquisa Filosofia da Educação (2012) e graduada em Filosofia (bacharelado e licenciatura)
pela mesma instituição (2008). Atualmente sou professora adjunta na Universidade Estadual do
Oeste do Paraná (UNIOESTE), campus Foz do Iguaçu e no Centro Universitário Dinâmica das
Cataratas (UDC). Realizei estágio de doutorado (Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior -
bolsista CAPES) na Universidade Jean Moulin - Lyon III, na França (2015). Atuei como coordenadora
filosófico-pedagógica no Centro de Filosofia Educação para o Pensar, Florianópolis (2005-2008).
Professora de Filosofia da rede estadual de ensino de SC, no Colégio Militar Feliciano Nunes Pires
(2011 e 2012). Atuei também como tutora da disciplina História da Filosofia Moderna no curso de
Filosofia da UFSC, modalidade EaD (2013.2). Coordenei o Grupo de Leitura dos Ensaios de Montaigne
na UFSC (2016.1). E-mail: daniguassu@gmail.com.
É preciso trazer o fogo do conhecimento para a nossa própria casa, não para
mobiliar a memória, mas para formar o juízo, para nos ensinar a pensar bem e a
36
bem agir, pois, como diz Montaigne, “qualquer outra ciência é prejudicial para
quem não tem a ciência da bondade” (Ibidem, 210). Assim, a dúvida cética presente
no procedimento do ensaio se faz um antídoto contra a autoridade da tradição que,
se repassada como um dogma inquestionável, não faz mais que tornar as “cabeças
estúpidas” (Ibidem, 203). É por este motivo que Montaigne afirma:
A questão que se põe nos Ensaios, especialmente nos capítulos que abordam a
problemática da educação - mas não apenas nestes -, é a respeito do modo como nos
relacionamos com os saberes: pois se tratados como verdades definitivas incorremos
nas armadilhas do dogmatismo, e, se utilizados apenas para tornar-nos mais
eruditos e sabichões, revestem-nos de hipocrisia e falsidade. É precisamente sobre
2
Adotamos como padrão para referência às citações dos Ensaios de Montaigne a disposição livro,
capítulo, página da edição brasileira, nesta mesma ordem, como por exemplo: (I, 26, 243), onde “I”
corresponde ao livro, “26” ao capítulo e “243” à página da edição brasileira.
[C] Não fiz meu livro mais do que meu livro me fez, livro
consubstancial a seu autor, com uma ocupação própria, parte de
minha vida; não com uma ocupação e finalidades terceiras e alheias,
como todos os outros livros. Terei perdido meu tempo por prestar-
me contas de mim tão continuadamente, tão cuidadosamente? Os
que se repassam apenas em pensamento e oralmente, de passagem,
não se examinam tão essencialmente nem se penetram como quem
faz disso seu estudo, sua obra e seu ofício, quem se propõe a um
registro de duração, com todo seu ânimo, com toda sua força. (II, 18,
498).
Quem pode mandar, quem deve obedecer - isso ali se ensaia! Ah,
com tantas buscas, conjecturas, fracassos, aprendizados e novos
ensaios!
A sociedade humana: é um ensaio, como eu ensino - uma longa
busca: mas ela busca aquele que manda! –
Um ensaio, ó meus irmãos! E não um “contrato”!
Destroçai, destroçai essa palavra dos corações débeis, e meio-isso,
meio-aquilo! (NIETZSCHE, 2011, p. 2013).
[A] Que ele [o preceptor] o faça passar tudo pelo crivo [l’étamine] e
nada aloje em sua [do aluno] cabeça por simples autoridade e
confiança; que os princípios de Aristóteles não lhe sejam princípios,
não mais que os dos estóicos e epicuristas. Que lhe proponham essa
diversidade de opiniões; ele escolherá se puder; se não, permanecerá
em dúvida. [C] Seguros e convictos há apenas os loucos” (I, 26, 226).
Referências
Abstract: The article aims only to summarize the meaning and scope of the so - called
“Copernican revolution” operated by Kant in the Critique of Pure Reason as a sort of
watershed in the context of a new theory of knowledge as a critical counterpoint to
metaphysics.
Keywords: Kant. Copernican Revolution. Reason.
Introdução
O presente texto tem por objetivo clarificar como a obra do filósofo alemão
Immanuel Kant foi um divisor de águas para filosofia moderna. Ora, esse divisor
pode bem ser circunscrito por aquilo que ele denomina “revolução copernicana”
operada no nível de uma teoria do conhecimento a partir de uma crítica à
metafísica.
É o que passaremos, sumariamente, em revista, agora.
1
Graduada em Filosofia pela UNIOESTE. E-mail: juh_ana_gt@hotmail.com.
Portanto, com essa inversão de método, em que o objeto se regula pelo sujeito
do ponto de vista tanto sensível (formas puras da sensibilidade) quanto inteligível 44
(conceitos do entendimento), acentua-se a estrutura do conhecimento (do objeto)
como assentada no sujeito. Assim, a obra kantiana critica a tradição, no marco de
um estudo metafísico prévio à proposta da revolução copernicana e em outro estudo
metafísico iniciado a partir dessa revolução: seu objetivo é um projeto na qual se
fundamenta, diz Silva: “[...] qualquer tipo de saber em nível transcendental [...]”
(SILVA, 2016, p. 24). Por isso deixa evidente que a metafísica no sentido tradicional
não alcançou o sucesso que espera-se a essa atual, afirma Kant: “O destino não foi
até agora tão benevolente com a metafísica, um conhecimento especulativo da razão
inteiramente isolado, que se eleva por completo para além dos ensinamentos da
experiência” (KANT, 2015, p. 28, CRP B XIV, grifo do autor), pois, até que a razão se
autoesclareça, será necessário à “ [...] metafísica [...] voltar inúmeras vezes sobre o
caminho, pois se percebe que ela não conduz aonde se quer chegar”(KANT, 2015, p.
29, CRP B XIV). Por isso, conclui ele dizendo: “[...] não há nenhuma dúvida [...] de
que o seu procedimento foi até aqui um tatear às cegas e, o que é pior, um tatear
entre conceitos puros” (KANT, 2015, p. 29, CRP B XV).
A fim de defender a sua perspectiva da razão desde uma investigação pura e
transcendental, dirá Kant (2015, p. 29-30, CRP B XVI):
Nota-se que a metafísica tateou conceitos vazios, que não possuem referência
à natureza (matéria empírica). Mas a questão central a investigação kantiana busca
elucidar é a seguinte; diz: Silva “[...] como pode a metafísica ser o campo de maior
interesse da razão e mesmo assim ela nunca conseguir provar uma verdade sequer?”
(SILVA, 2016, p. 27).
A resposta a isso se ligada ao fato de que a metafísica para Kant aponta para
um horizonte de maior complexidade do que se supunha. Em vez de ela apontar
somente para a possibilidade de um conhecimento verdadeiro, Kant descobre nela a
tarefa mais ampla de conceber a distinção entre “conhecer” – o fenômeno (o que se
mostra) – e “pensar” – o númeno (o que não se mostra, mas é um dever pensar). É
desde a inversão de perspectiva, relativo à metafísica dogmática, que Kant dá os
primeiros passos para resolver essa questão. A saber, através da revolução
copernicana aplicada na filosofia.
O modelo da metafísica tradicional mostrava a razão como dependente de
uma objetividade previamente admitida, pela qual o sujeito devia se orientar, tanto
do ponto de vista dos sentidos quanto dos conceitos. Daí que devia ser conduzida a
inversão de lugar do objeto e do sujeito: se na metafísica tradicional o sujeito se
regulava pela natureza do objeto – onde a razão se mostra como meramente
receptora e em nada autora da experiência cognitiva –, para Kant o sujeito deve
assumir o lugar central na constituição do conhecimento e da experiência. Observa
ele:
Considerações finais
2
A intuição é a capacidade de perceber os objetos pelos sentidos.
3
O espaço e o tempo são formas puras a priori do sujeito.
Referências
KANT, I. Crítica da Razão Pura. Tradução e notas de Fernando Costa Mattos. 4. ed.
Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Universitária São Francisco, 2015. (Coleção
Pensamento Humano)
4
A priori é todo o conhecimento que antecede toda a experiência.
48
Abstract: The motivations that influence the human will, submitted to the conditions
coming from the sensibility is the focus of our research. The question that challenges us in
this sense is: how is it possible to live exclusively by mobiles, ignoring (deliberately) the "a
priori" principles of determination of morality? Our general objective, therefore, is to
understand why Kant disqualifies any and all subjective objects and subjective and / or
objective conditions relative to experience when they influence the will of the moral subject
and the specific objective. It is also a question of understanding to what extent the rational
will, when mixed with the mobiles, constitutes a will incapable of recognizing dignity in
itself and in others.
Keywords: Motivation. Will. Condition. Happiness. Moral law.
A natureza humana subjetiva ‘em si’ não é corrompida; ou seja, desviante da lei
moral, pois quando agimos buscamos suprir as necessidades de conservação
naturais no sentido da sobrevivência; a questão surge quando estamos diante dos
outros em sociedade e somos valorados ou considerados em função de nossa
condição empírica, aí somos cobrados segundo padrões relativos, considerando-se o
grau de estudo, a classe social, a nossa etnia, a religião, etc. a que pertencemos.
Contudo, aí ainda não reside o pior, o problema maior ocorre quando permitimos
relativizar as situações ‘a meu favor’ arrogando-nos de nossa condição empírica para
daí extrair algum valor no interesse de não ser desprezado (a) pelos outros ou de
obter algum benefício ou vantagem para si e para os familiares. Em resumo:
corremos o risco de mergulharmos num convencionalismo, esquecendo-nos dos
princípios dirigentes da moralidade, relativizando o respeito à lei moral, desviando
por completo do que determina a ‘urgência necessária e universal’ do
incondicionado presente dentro de nós.
A boa vontade presente na Fundamentação da metafísica dos costumes jamais
pode ser contingente, ou seja, refém de alguma condição exigida para a sua
manifestação, caso contrário ela pode tornar-se interesseira e utilitarista; por isso
Kant inicia a primeira seção desta obra mostrando a vontade moral enquanto
irrestritamente boa, ou seja, aquela que não está submetida a condição, restrição ou
sejam úteis a ponto de levar “algo a funcionar” segundo o curso do seu destino
natural ou segundo os propósitos projetados pelo artifício humano. Na condução
das decisões está a vontade, cuja finalidade última é a felicidade, entendida segundo
uma “lógica” de cálculo inteligente onde a necessidade do bem estar individual
convergiria para a satisfação pública e vice-versa.
Por fim, entende-se a proposta do pensador inglês como um sistema cujos
meios são escolhidos em função do fim visado – a felicidade.
Retornemos a consideração kantiana em relação à felicidade:
Kant não nega o valor teleológico da felicidade quando esta constituí o bem
motivacional da vontade não contrário a lei moral, somente nos alerta para o caráter
objetual a que estamos inclinados a incorrer, visto sermos seres sensíveis cuja
inteligência se volta constantemente a resolução de questões práticas do cotidiano,
onde, por motivos de utilidade, tendemos a realizar escolhas cujos objetos do
interesse resolvam os nossos problemas de modo menos penoso e desgastante e
mais aprazível e auto protetivo.
O problema está em considerar a felicidade ‘fundamento determinante
supremo do arbítrio’, pois aí cada qual considera o que lhe é mais conveniente para
usufruto prático e a experiência dirigida por alguém cuja vontade é tão prática que
chega a ignorar os princípios “a priori” do dever se torna objetualizante, colocando o 55
próprio sujeito dotado de liberdade numa condição de objeto. Na ilusão de estar
fazendo bem a si mesmo o sujeito racional calcula as máximas (como meios)
subordinando-as a inclinação dirigida ao objeto visado pelo desejo.
Vejamos o que nos diz Kant sobre o ‘princípio do amor de si’:
todos, pois o caráter fundante da utilidade recaí num relativismo moral repleto de
princípios úteis aqueles que fazem parte do “campo relacional”, mas quando se está
em outro “campo relacional” aquilo que é útil muda, exigindo que se escolha o que é
útil naquela concepção de felicidade.
Sabendo da ocorrência do princípio utilitarista na contingência empírica, Kant
considera o primeiro nível das decisões humanas sob a direção dos imperativos
hipotéticos, cujo sentido está voltado à busca da felicidade.
Referências
BENTHAM, J. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. Trad. Luiz João
Baraúna. Sistema de Lógica dedutiva e indutiva e outros textos. Trad. João Marcos Coelho,
Pablo Mariconda. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979 (Os Pensadores)
HOFFE, O. Immanuel Kant. Tradução: Valério Rohden et ali. São Paulo: Martins Fontes,
2005.
KANT, I. A religião nos limites da simples razão. Tradução: Artur Morão. Lisboa: Edições 70,
1992.
______. Fundamentação da metafísica dos costumes; tradução: Guido Antônio de Almeida -
São Paulo: Discurso Editorial: Barcarolla, 2009 (Coleção philosophia)
______. Crítica da razão prática. 2. ed. Tradução: Valério Rohden. São Paulo: Martins
Fontes, 2008 (Clássicos)
______. A metafísica dos costumes. Tradução: Edson Bini. 2. ed. Bauru, SP: Edipro, 2008
(Série Clássicos Edipro).
______. Ideia de uma História universal do ponto de vista Cosmopolítico. Tradução: Jean
Michel Muglioni e Yves Chateau. Lisboa – Portugal: Didática, 1999.
59
Abstract: This article aims to analyze Schelling’s critique of the schools of dogmatism and
criticism about the possibility of the human being to achieve self – knowledge. For Spinoza,
by immanence with substance man can truly know; however, Schelling defines this
intellectual intuition of himself (of man) as having been inadvertently objectified, since in
this way man puts himself to think initially considered as an object. The author also
ponders interpretation to Kantian criticism, since it made possible the existence of all
systems, as Kant did, however, without establishing a new system. In this sense, criticism, if
founded as a system and brings to the ultimate goal of philosophizing the unconditioned as
practically attainable, is equated with dogmatism, since both systems identify themselves in
the search for the absolute.
Keywords: Criticism. Dogmatism. Intellectual intuition. Self-knowledge.
Introdução
1
Possui graduação em Psicologia pela Faculdade de Ciências Aplicadas de Cascavel (2014). É
acadêmica do Programa de Pós-Graduação Stricto sensu (Mestrado em Filosofia da UNIOESTE). E-
mail: angeliana2@gmail.com.
Espinosa e de Kant, de modo que, inicialmente, para expor como a teoria espinosana
entende ser possível uma intuição intelectual, recorrerei à Ética e, em seguida, à
Crítica da Razão Pura a fim de apresentar, brevemente, o modo pelo qual a teoria
kantiana admite a possibilidade do conhecimento de si do sujeito (seja teórico, seja
praticamente), fazendo isso à luz da compreensão dessas teorias por Schelling.
Na Ética, o homem foi definido por Espinosa como um modo finito que possui
sua existência em uma substância única e infinita, e que também é por ela
concebido. Nada pode existir fora dela, pois ela é a causa única de tudo o que existe,
inclusive de si mesma. Conforme descreve Espinosa, a essência da substância
envolve necessariamente a existência, ou seja, o existir é característica de sua
própria natureza.
A essência infinita e eterna da substância é exprimida através de seus atributos
que, por pertencerem a ela, são igualmente infinitos e eternos, e não partes dela,
pois ela é indivisível tal como as características que também a exprimem.
Diferentemente do entendimento de Descartes, para Espinosa o ser humano é
resultado de dois atributos da substância – do atributo pensamento e do atributo
extensão. A composição humana inclui uma mente e um corpo resultantes destes 61
atributos, conforme exposto no escólio da preposição 7, na segunda parte do livro:
A união entre esses dois atributos ocorre porque o corpo existente é o objeto
da mente humana. A mente é uma coisa pensante e, visto que o pensamento é um
atributo, ela é parte do entendimento infinito da substância. Por ser uma coisa
pensante, a mente forma conceitos, definidos na Ética como ideias:
2
O termo “conhecimento verdadeiro” é aqui empregado para tratar do conhecimento adequado, ou
seja, aquele proveniente da substância. Conforme dispõe Espinosa (2009, p. 11): “O que, aliás, deve ser
igualmente dito a respeito de qualquer uma das partes do próprio indivíduo que é o corpo humano.
Assim, o conhecimento de cada uma das partes que compõe o corpo humano existe em Deus,
enquanto ele é afetado de muitas ideias de coisas, e não enquanto tem exclusivamente a ideia do
corpo humano, isto é, a ideia que constitui a natureza da mente humana. Portanto, a mente humana
não envolve o conhecimento adequado das partes que compõem o corpo humano.”
A mente humana tem ideias por meio das quais percebe a si própria,
o seu corpo e os corpos exteriores, como existentes em ato.
Portanto, ela tem um conhecimento adequado da essência eterna e
infinita de Deus. (ESPINOSA, 2009, p. 88).
Nas Cartas, Schelling define que esse seria o ponto de unificação entre
criticismo e dogmatismo, um ser absoluto, que não pode ser objeto do saber
humano, mas apenas objeto da liberdade; logo, está acima do saber humano e,
conforme identifica a teoria kantiana, inacessível.
No entanto, se esse saber absoluto for interpretado como acessível, então o
criticismo tem de ser visto como tendo estabelecido, do ponto de vista prático-
moral, o conhecimento absoluto como realizável (como conhecimento prático), com
cuja admissão, entretanto, ele passa a se apresentar como dogmatismo, pois nesse
caso ele dá por concluída a tarefa de pensar o absoluto, ao admiti-lo tê-lo já
apreendido e abarcado; o que é impossível, porque tal conceito não é abarcável
teoricamente.
Na Nona Carta, Schelling assevera que se fossem considerados como sistemas
completos e perfeitos, tanto o criticismo como o dogmatismo teriam de ter
suprimido a tensão existente entre sujeito e objeto, eliminando com isso a
contradição e levando à identidade absoluta. Só que em decorrência disso todo o
conhecimento objetivo estaria perdido para o sujeito, pois por essa unificação e 68
identificação a consciência do sujeito seria definitivamente suprimida pelo infinito
conjuntamente com a do objeto.
Segundo o autor, a interpretação que deve ser dada à Crítica da Razão Pura é a
de que a existência desses sistemas foi condicionada pela razão crítica que, em si
mesma, não visou fornecer um sistema novo, mas só um método para dois sistemas
possíveis: o criticismo, que visa representar o conhecimento verdadeiro como
alcançável em seu sistema, e o dogmatismo, que não pode salvar-se da acusação de
conduzir a um delírio místico.
Nesse sentido, o autor das Cartas propõe para função da crítica da razão servir
de cânon para preparar a subsistência de dois sistemas possíveis, ainda que
diretamente contrapostos, deduzidos, é certo, da ideia indeterminada de um
método geral para todos os sistemas. Como havia dito Kant (2001, p. 81):
Conclusão
Referências
70
Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar o conto O crime de lorde Arthur
Savile, do escritor, poeta e dramaturgo irlandês Oscar Wilde, que narra as decisões tomadas
pelo protagonista após ser indicado, por um quiromante, que seria o autor de um
assassinato. Para tal, partimos do artigo Performative and Subversive: Oscar Wilde’s ‘Lord
Arthur Savile’s Crime’ de Masahide Kaneda, que interpreta o conto a partir de conceitos da
linguística e da semiótica de Ferdinand de Saussure. Nesse texto, é defendido que a estória
representa um antiessencialismo, por ilustrar como a realidade é construída do mesmo
modo em que se dá a estruturação da linguagem, isto é, de modo performativo, além de
estar sujeita a interpretações arbitrárias. Neste trabalho, entretanto, pretendemos contra-
argumentar tal posicionamento. Em nossa teorização, realizamos uma análise do contexto
em que a obra foi escrita - a Inglaterra vitoriana do final do século XIX - e adotamos como
base excertos do ensaio de Wilde A alma do homem sob o Socialismo, bem como algumas
ideias apresentadas por Liam Lynch em seu artigo Complex Truth from Simple Beauty: Oscar
Wilde’s Philosophy of Art. Com isso, enfatizamos, primordialmente, o aspecto de crítico
social do escritor, propondo que ele acreditava, de fato, numa essência intrínseca humana a
ser desenvolvida por meio da liberdade de ação. Por conseguinte, identificamos o conto
como uma representação dessa sua visão, que tem como finalidade promover uma objeção
aos valores impostos pela sociedade da época - exercendo, assim, seu papel de sátira.
Palavras-chave: Oscar Wilde. Conto. Essencialismo. Crítica social.
Abstract: This article aims to analyze The tale of Lord Arthur Savile, by Irish writer and poet
and playwright Oscar Wilde, which chronicles the decisions taken by the protagonist after
being indicated by a palmist who would be the author of a murder. For that, we start from
the article Performative and Subversive: Oscar Wilde's 'Lord Arthur Savile's Crime' by
Masahide Kaneda, who interprets the tale from the concepts of linguistics and the semiotics
of Ferdinand de Saussure. In this text, it is argued that the story represents an
antiessentialism, to illustrate how reality is constructed in the same way in which the
structuring of language occurs, that is, in a performative way, besides being subject to
arbitrary interpretations. In this work, however, we intend to counter-argument such
positioning. In our theorising, we conducted an analysis of the context in which the work
was written – Victorian England at the end of the nineteenth century. Its based on excerpts
from Wilde's essay The Soul of Man under Socialism. As well as some ideas presented by
Liam Lynch in article Complex Truth from Simple Beauty: Oscar Wilde’s Philosophy of Art. In
this, we primarily emphasize the writer's social critic, proposing that he believed, in fact, in
an intrinsic human essence to be developed through freedom of speech action. We
therefore identify the tale as a representation of this view, which aims to promote an
objection to the values imposed by society at the time – thus exercising its role of satire.
Keywords: Oscar Wilde. Tale. Essentialism. Social critic.
1
Graduanda em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná. E-mail:
nicole_avancini@hotmail.com.
Introdução
Em 1891, sob o título original de Lord Arthur Savile’s Crime and Other Stories, o
escritor irlandês Oscar Wilde apresenta-nos uma coletânea de quatro contos –
sendo o quinto adicionado em edições posteriores. Um deles, o qual dá nome ao
livro, é o tema que o presente artigo propõe estudar.
A curta estória retrata as atitudes tomadas pelo protagonista, Lord Arthur
Savile, após ter seu destino revelado por meio da quiromancia, realizada pelo sr.
Septimus Podgers. Examinada sua mão, Arthur é previsto como autor de um
assassinato, e logo reconhece isso como um dever – o dever de realmente cometer o
ato para que, só então, tenha o direito de casar-se com Sybil Merton.
Masahide Kaneda, em seu artigo Performative and Subversive: Oscar Wilde’s
“Lord Arthur Savile’s Crime”2, analisa tal conto relacionando a caracterização das
personagens à maneira como a linguística é desenvolvida. De acordo com ele, a
realidade do protagonista é concebida de modo performativo, análogo ao modo
geral de construção da linguagem literária. Ou seja, valendo-se de termos da
semiótica de Saussure, o autor defende sua tese de que o conto trata de uma
representação alegórica da performatividade da linguagem, identificada nos efeitos
da quiromancia. Sendo assim, Kaneda argumenta em torno de um antiessencialismo
em Wilde, baseado na constatação de que as ações cometidas por Arthur advêm de 72
sua própria interpretação dos sinais que lhe são apresentados, à medida que decorre
a estória. Assim, é inferido que não há uma natureza inerente à referida
personagem, pois seu caráter é construído conforme sua leitura particular dos sinais.
Além disso, Kaneda afirma que o senso da personagem é invertido quando
decide por cometer o homicídio, demonstrando como os significados são
arbitrários. O autor afirma não haver explicação exata ao que controla suas ações,
mas sugere que a quiromancia é a metáfora para o caráter performativo, e os atos de
Arthur seriam produtos de sua interpretação arbitrária dos acontecidos da narrativa.
No entanto, teria lorde Arthur Savile cometido o crime se não soubesse, de
fato, de seu destino? Propomos, então, no presente trabalho, uma análise sob outra
perspectiva. Defendemos que o personagem fora, de fato, corrompido por tal
revelação e impelido a agir de forma contrária a sua real natureza e vontade. Logo, o
conto trata de uma crítica às virtudes valorizadas na sociedade vitoriana, a qual
parece-nos concretizar o conceito de determinismo com a presença de uma
autoridade que retira liberdades individuais e conduz a um conformismo.
Primeiramente, partimos da constatação de que Oscar Wilde era um crítico
social - não somente em seus ensaios, mas, sobretudo, em suas obras de ficção – e
que tal fato viu-se refletido na construção de seus escritos. Por isso, tomaremos
2
KANEDA, 1999, p. 81-98.
3
WILDE, 2004.
4
LYNCH, 2014.
5
Disponível em: http://www.victorian-era.org/victorian-era-society.html (acesso em: 11/08/2018)
artistas que discordavam do sistema vigente, como Oscar Wilde. Esse fato, no
entanto, não o impediu de escrever suas críticas, seja na forma de ensaios, seja
implícito em seus romances e curtas estórias.
6
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mXMAU5Of4SI (acesso em: 16/08/2018)
7
Todas as traduções são da autora.
se sujeitam, ao ponto de acreditar que aquilo que lhe fora imposto é o melhor para
si. Tendo essas ideias finalmente fixadas em sua mente, resta a Arthur determinar
quem será sua vítima.
Primeiramente, após deliberar entre amigos e familiares, escolhe lady
Clementina Beauchamp, uma senhora e sua prima de segundo grau, bem como o
envenenamento como o melhor método. Ele compra uma cápsula, guarda-a numa
bonbonnière e leva-a pessoalmente até a casa da senhora. Devido ao fato de ela
sofrer de uma aflição cardíaca, Arthur a convence de que a cápsula é, na verdade,
um remédio, que deve ser ingerido ao sentir as dores que antecedem um ataque, a
fim de apaziguá-lo. Desse modo, seria possível simular uma morte natural. Arthur,
então, sai de viagem à Veneza, com a consciência plena de haver cumprido seu
dever. Lá, ele recebe a notícia de que lady Clementina havia falecido, porém não de
acordo com seu plano. Ao retornar, descobre que a cápsula não fora ingerida e o
motivo da morte fora, de fato, sua frágil condição.
Frustrado, Arthur leva algum tempo para se recompor, mas ainda mantém sua
decisão. Na segunda tentativa, escolhe seu tio como vítima, o deão de Chichester.
Sendo ele um apaixonado colecionador de relógios, o protagonista toma proveito e
encomenda uma peça com um mecanismo explosivo para oferecê-lo como presente.
Feita a entrega e passados alguns dias, não encontra menção nos jornais sobre a
possível morte do deão. Mas, após mais algum tempo, Arthur lê uma carta que sua 81
mãe havia recebido da decania de Chichester, que relatava sobre o presente
recebido – de fato, ele funcionava como um despertador, e dava apenas pequenas
explosões ao longo do dia. Ou seja, nada que pudesse ser uma ameaça a alguém.
Vendo seu plano falhar mais uma vez, Arthur se entristece. Sobre isso, o
narrador afirma: “Tentara cumprir seu dever, porém o próprio Destino o traía.
Sentia-se oprimido com a sensação da esterilidade das boas intenções, da futilidade
de tentar ser correto.” (WILDE, 1994, p. 114). Ressaltamos, por conseguinte, que o
personagem está disposto a cometer o crime somente porque ele acredita que é o
que lhe está determinado, a ponto de compreender sua decisão como uma boa
intenção e, qualquer ação que destoasse disso, seria incorreta. Portanto, concluímos
que, se Arthur não soubesse de seu destino, ele não viria a cometer o assassinato.
O que se desenrola na trama a seguir é, no mínimo, surpreendente. Enquanto
caminhava por Londres após um jantar no clube, Arthur avista um homem escorado
num parapeito às margens do rio Tâmisa. Quando o sujeito vira o rosto em direção
ao protagonista, a luz do lampião revela que é sr. Podgers. Sem pensar duas vezes e
num piscar de olhos, Arthur agarra-se a ele e atira-o no rio. Pouco tempo depois, os
jornais noticiam o ocorrido como um caso de suicídio e, imediatamente, Arthur vai
de encontro à Sybil para propor que eles se casem no dia seguinte.
De fato, o autor parece acreditar numa suposta perfeição a ser atingida pelos
homens. Liam Lynch, na seção intitulada Aristotle and That at Which Everything
Aims, de seu artigo Complex Truth from Simple Beauty: Oscar Wilde’s Philosophy of
Art, apresenta Oscar Wilde como um leitor das obras dos gregos antigos, e afirma
82
que ele fora influenciado pela ideia aristotélica de que o homem tende a alcançar
uma vida elevada, ao contrário de simplesmente mantê-la tal como é:
quiromancia e confessa que sr. Podgers era um impostor. A respeito disso, podemos
ponderar se, conforme já exposto, os diagnósticos feitos pelo quiromante não eram
mesmo legítimos, ou se lady Windermere simplesmente não acreditava nessa
prática, e toda a manifestação que ela havia feito em torno dela foi apenas para
atrair e entreter seus convidados. Porém, quando questiona a Arthur se ele
realmente acredita na quiromancia, e ele responde que a ela deve toda a felicidade
de sua vida (neste caso, Sybil), o conto encerra com lady Windermere exclamando:
“Que tolice! Nunca ouvi tamanha tolice em toda a minha vida” - essa fala evidencia
o conto como uma sátira, que tem a finalidade de criticar, efetivamente, toda a
estrutura social do período vitoriano.
Referências
LYNCH, L. “Aristotle and that at which everything aims”. In: Complex Truth from Simple
Beauty: Oscar Wilde’s Philosophy of Art, Degree of Doctor of Philosophy of Curtin
University, 2014.
KANEDA, M. Performative and subversive: Oscar Wilde’s “Lord Arthur Savile’s Crime”, Osaka
Literary Review. 38, p. 81-98, 1999.
WILDE, O. Contos inéditos. Tradução: Barbara Heliodora. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1994.
_____. A alma do homem sob o socialismo. Tradução: Mia Wallace e Vincent Veja, 2004.
Acesso em: 83
https://libcom.org/files/WILDE,%20Oscar.%20A%20alma%20do%20homem%20sob%20o%
20socialismo.pdf
Abstract: The present study aims to thematize the influence of Lange's work on young
Nietzsche while still a student of Classical Philology in Leipzig, circa 1866-68. We will try to
show that the History of Materialism occupies a central place among the main sources of
information from which the young Nietzsche can carry out a series of readings, especially
on the science of his time, which will be fundamental and decisive in the elaboration plan of
his main writings of the 1870s.
Keywords: Nietzsche. Lange. Schopenhauer. Science.
1
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior - Brasil (CAPES) - código de Financiamento 001.
2
Graduado em Filosofia pela UNICENTRO. Mestre em Filosofia pela UNIOESTE. Doutorando em
Filosofia pela UNIOESTE. E-mail: neomarmignoni@hotmail.com.
3
Mittasch (1952, p. 13) é categórico em afirmar que foi através da obra de Lange que Nietzsche obteve
um preciso conhecimento sobre o darwinismo.
4
Lange até chegou a citar Nietzsche numa nota na segunda edição de sua obra (vol I., nota 44, p. 60),
porém Nietzsche não chegou a ter conhecimento dessa referência, pois a versão que ele adquiriu em
1887, nada mais era do que uma edição econômica da quarta edição da obra de Lange editada em um
único volume por H. Cohen. Embora essa quarta edição adquirida por Nietzsche seja uma
reprodução fiel do texto da segunda edição ela não reproduziu as notas da segunda edição. Inclusive
na primeira tiragem, não havia nem mesmo o índice dos autores citados. A segunda tiragem passou a
contar com o índice de nomes, porém o nome de Nietzsche não chegou a aparecer, pois, como já
dissemos, ela não reproduziu as notas existentes na segunda edição (cf. SALAQUARDA, 1992, p. 24-
25).
5
Cf. FP 25 [318] e 25[424] da primavera de 1884 e 34[99] de abril - junho de 1885.
6
Cf. Nietzsches persönaliches Bibliothek, p. 339.
7
Exemplo de um trabalho dessa natureza é, sem dúvidas, a obra de G. J. Stack, Lange and Nietzsche,
na qual são investigadas as singulares temáticas do pensamento de Nietzsche em relação a Lange
dentre elas questões relativas ao conhecimento e à verdade, à teoria do eterno retorno do mesmo, à
vontade de potência. A partir delas e sem desmerecer a originalidade do filósofo, o autor evidencia a
maneira pela qual a profunda conexão entre a obra de Lange e os escritos de Nietzsche se conectam
entre si e de como, em alguns casos, aparenta que o filósofo tenha desenvolvido tais teorias a partir
de conteúdos ainda embrionários presentes na História do materialismo.
8
Salaquarda (1979, p. 142) defende que Nietzsche foi influenciado por esse fenomenalismo de Lange,
porém somente com a publicação de Humano Demasiado Humano I ele se tornaria público. Segundo
ele, Nietzsche chegou a dar sinais dessa influência em outros de seus escritos como, por exemplo,
Verdade e mentira no sentido extra-moral e Sobre o Pathos da Verdade (um dos “Cinco prefácios para
ciência assim como ao homem é necessária uma cultura ideal de valores, Lange
procuraria uma espécie de harmonia entre o Wissenschaften e o Geisteswissenschaft
numa atitude que anteciparia muitas tendências do final do século XIX e início do
XX (cf. STACK, 1983, p. 18).
Isso certamente permitiu o jovem filólogo expandir seu pensamento sob um
vasto terreno sobre o qual pode desenvolver muitos aspectos de sua filosofia ainda
em fase experimental. Talvez seja sob essa perspectiva que Nietzsche se refira à
História do materialismo como um “verdadeiro tesouro” (Epistolario, I, 562), uma
vez que o fenomenalismo, o ceticismo, a ideia de que a ciência não nos oferece uma
“verdade”, bem como a crítica das verdades “em si”, com as quais Nietzsche se
confronta, podem ser encontradas, ainda que de forma embrionária, no pensamento
de Lange. Ao estabelecer sua crítica do empreendimento científico pela via
filosófica, Lange tornou visível à Nietzsche que a reflexão filosófica pode alcançar
um profundo valor ao compreender tanto os aspectos materiais quanto os
espirituais. Desse modo, todo e qualquer empreendimento filosófico que pretenda
dar conta da realidade não pode eximir-se de considerar o longo e vasto acúmulo de
conhecimento advindo das ciências. Provavelmente Nietzsche tenha compreendido
tal proposito, uma vez que desde o período de sua formação, quando descobriu
Lange, dedicou-se assiduamente à filosofia confrontando-se constantemente com a
problemática científica, sem esquecer os aspectos mais ideais da vida humana, como 88
por exemplo, a arte, a religião e a metafísica. Sob esse aspecto, parece-nos que o viés
argumentativo de Humano, demasiado humano (sobretudo o §251) seja o exemplo
mais palpável de tais influências.
Nesse sentido, assim como Brobjer (2016, p. 26) podemos afirmar que a
descoberta de Schopenhauer em 1865 juntamente com a descoberta de Lange em
1866, mais do que despertar e Nietzsche para a filosofia revelou-se determinante
para o seu crescente interesse acerca das ciências naturais. Desse modo, Lange foi
tão crucial para o debate de Nietzsche com o pensamento científico quanto
Schopenhauer o foi no campo da filosofia. Foi também através de Lange e
Schopenhauer que Nietzsche aprofundou-se, num primeiro momento, na filosofia
de Kant, sua terceira grande influência desse período. Não é à toa que tenha escrito
“Kant, Schopenhauer e este livro de Lange – de nada mais preciso” (Epistolario, I,
526) na carta à Mushacke.
A influência de Kant em Nietzsche, especialmente nesses anos de Leipzig é
grande, mesmo que o jovem estudante não o tenha lido em primeira mão, pois, ao
contrário de Schopenhauer e Lange de quem leu as próprias obras, o conhecimento
sobre o filósofo de Königsberg, se deu, na maior parte, a partir de fontes
cinco livros não escritos”), o qual foi entregue a Cosima Wagner como presente de natal e aniversário
em 1872, porém diante da reserva e da frieza com que os Wagners receberam tal escrito é bastante
provável que ele tivesse decidido manter-se em silêncio tanto quanto possível sobre isso.
secundárias. Kant é também um dos filósofos a quem Nietzsche mais faz referências,
seja porque é a partir dele que se desenvolve quase toda a filosofia alemã posterior,
da qual Schopenhauer e Lange fazem parte, seja porque grande parte da sua crítica à
filosofia moderna, incluída aqui a alemã, é dirigida a Kant ou levada a termo a partir
de Kant. Imediatamente após tomar conhecimento sobre Kant, Nietzsche
demonstrou um profundo interesse pelo filósofo, e, como procuramos evidenciar
acima, chegou inclusive a planejar uma dissertação filosófica “metade científica e
metade filosófica” relacionada ao filósofo (cf. Epistolario, I, 568). Anos mais tarde, já
em sua filosofia tardia, Kant viria a tornar-se um de seus principais antípodas,
denominado de “o grande chinês de Königsberg”9 (BM, §210), a quem dirige muitas
das suas críticas.
Para compreender essa mudança de perspectiva, é imprescindível que se leve
em conta as leituras feitas sobre Kant. Provavelmente o primeiro contato com a
filosofia de Kant tenha se dado através de Schopenhauer que, além da grande
influência kantiana, também discutiu vários argumentos de Kant em seus escritos.
Por outro lado, é bastante provável que o entusiasmo de Nietzsche para com Kant
tenha sido motivado também pela leitura da obra de Lange. A História do
materialismo divide-se em dois volumes cuja argumentação sobre o materialismo
divide-se em “antes de Kant” (vol. I) e “depois de Kant” (vol. II). Lange era
assumidamente kantiano e além da centena de páginas dedicadas ao filósofo, ainda 89
manteve um profundo diálogo com o autor ao longo de toda a obra, especialmente
no segundo volume.
Uma terceira e talvez bastante decisiva fonte que Nietzsche se utilizou sobre
Kant é a Geschichte der neuern Philosophie de Kuno Fischer, que dedica os volumes
III e IV a Immanuel Kant. Entwicklungsgeschischte und System der kritischen
Philosophie (Mannheim, 1860), provavelmente lida entre outubro de 1867 e abril de
1868. Muitas das citações de Kant são advindas da obra de Fischer que também é
citado por Nietzsche repetidas vezes10. Há ainda uma outra fonte secundária que
possivelmente também tenha contribuído para com Nietzsche no conhecimento
sobre Kant. Trata-se da obra Über die Natur der Cometen: Beiträge zur Geschichte
und Theorie der Erkenntnis (1872) de Johann K. Zöllner, na qual encontram-se
algumas dezenas de páginas acerca de Kant.
9
“O grande chinês de Königsberg” (BM, §210) e “Chinesismo Königsberniano” (CI, §11),
“Königsberniana” (CI, Como o “mundo verdadeiro” se tornou finalmente em fábula) são
evidentemente referências a Kant. Para melhor compreender a designação recorde-se a crítica de
Nietzsche à Kant enquanto moralista, evidenciada, por exemplo, no §11 do Anticristo, levando-se em
conta ainda que a China é, para Nietsche, “um país onde a insatisfação em grande escala e a
capacidade de mudança se extinguiram séculos atrás” (GC, §24).
10
Nietzsche também faz referências a Friedrich Überweg especialmente a Grundriss der Geschichte
der Philosophie des Alterthums e Grundriss der Geschichte der neueren Philosophie. Na Biblioteca de
Nietzsche, além dessa obra de Überweg, encontra-se também Kant und die Epigonen de Otto
Liebmann (Stuttgart, 1865) (cf. Nietzsches persönaliche Bibliothek, p. 627-28 e 356 respectivamente).
12
Note-se que os de cadernos do outono de 1867 - da primavera de 1868 trazem uma sequência de
temas e de autores. Por exemplo, o caderno P I 4 a, como evidenciamos acima, trata de Demócrito, da
mesma forma que o P I 6 a que mescla desde Demócrito, La Mettrie, Gassendi, Locke, Epicuro,
Lucrécio e Lange. Nesse mesmo caderno ele escreve o Sobre Schopenhauer com críticas ao autor. No
caderno P I 7 a torna a falar de Demócrito e inclui discussões sobre a ciência, e aqui temos referências
à química, medicina, até chegar à temática da teleologia que será aprofundada no caderno seguinte, o
P I 8 a que traz o projeto de dissertação A teleologia de Kant em diante. Em todos esses escritos não é
difícil perceber o quanto as obras de Schopenhauer, Fischer e Lange, com a proeminência deste
último, se mesclam num único agregado (cf. NIETZSCHE, 1993, p. 66-162).
13
Referimo-nos a temáticas que comportam desde o radicalismo materialista, Darwin, as questões
sobre a teleologia e a explicação mecanicista de mundo cuja problematização de Lange gira em torno
do materialismo e, por vezes, relacionando Darwin a Demócrito. Nesse sentido, recomenda-se a
leitura da introdução feita por Giuliano Campioni e Federico Gerratana ao volume Appunti Filosofici
1867-1869 – Omero e la Filologia Clássica, Adelphi, 1993, p. 9-54. Nesse volume, também se
encontram os cadernos de Nietzsche aqui citados.
14
Nesse caso vale lembrar que Lange divide sua obra em dois volumes, sendo que no segundo toda a
abordagem gira em torno do “Materialismo de Kant”, que inclusive é o subtítulo desse volume. Para
Gori (2007, p. 45), Lange dividiria assim a história da ciência em “antes de Kant” e “depois de Kant” o
que evidencia ainda mais a importância que Lange atribui a Kant.
uma série de leituras cujas obras refletem, em certa medida, seus interesses no
período. Conforme a reconstrução de Mittasch (1952, p. 21-22), feita a partir das
anotações do jovem estudante, o quadro de leituras divide-se em tratados de
medicina, fisiologia, lógica e ciências da natureza, conforme o elenco abaixo:
Schopenhauer, Über den Willen in der Natur.
Treviranus, Über die Erscheinungen und Gesetze des
organischen Lebens 1832.
Czolbe, Neue Darstellung des Sensualismus Leipz.
1855.
Czolbe, Die Grenzen und der Ursprung der
menschlichen Erkenntniß.1865.
Moleschott, Kreislauf des Lebens 1862.
Moleschott, Die Einheit des Lebens 1864.
Virchow, Vier Reden über Leben und Kranksein 1862.
Virchow, Gesam. Abhandl. zur wissensch. Med. 1856.
Trendelenburg, Logische Untersuchungen 1862.
Überweg, System der Logik.
Helmholtz, Über die Erhaltung der Kraft Berlin 1847.
Helmholtz, Über die Wechselwirkung der Naturkräfte
1854.
Wundt, Vorlesungen über die Menschen- und
Thierseele 93
Lotze, Streitschriften
Lotze, Medicin. Psychologie
Trendelenburg, Monatsber. Berl. Akad., Nov 1854, Feb 1856.
Trendelenburg, Historische Beiträge zur Philosophie 1855
Herbart, Analyt. Beleuchtung des Naturechtes und
der moral.
Schelling, Ideen zu einer Philosophie der Natur
Herder, Ideen zur Philos. der Gesch. der Menschheit.
Bichat, Recherches physiologiques sur la vie et la
mort.
Joh. Müller, Über das organische Leben
Joh. Müller, Über die Physiologie der Sinne.
Kant, Kritik der Urtheilskraft 1790.
Fries, Mathematische Naturphilosophie 1822.
Schleiden, Über den Materialismus in der neueren
Naturwissenschaft 1863. (Mechan.
Erklärbarkeit der Organismen).
C. Rosenkranz, Schelling Vorles 1843.
Sal. Maimon, 1790. (Berliner Journal für Aufklärung von A.
Riem Bd. VIII S. 2-9).
Schelling, System des transcendent. Idealismus.
Oken, Die Zeugung 1805.
Referências
Resumo: Nietzsche nos diz que assim como toda vida orgânica não apenas necessita de luz,
mas também da escuridão, esquecer torna-se uma ação precisa para o fortalecimento da
vida. A partir dessa reflexão, o presente trabalho propõe analisar a tese nietzschiana do
“esquecimento” enquanto força plástica [Plastiche kraft], capaz de libertar o homem dos
sofrimentos decorrentes do excesso de memória. Dessa forma, veremos parte da crítica do
filósofo feita ao sentido histórico da modernidade, denunciando-o então como uma doença
histórica [Die historiche], em razão da incapacidade durante tal época de reconhecer suas
falsas aplicações. Tempo ainda que mostrou-se incapaz de promover as devidas críticas ao
mundo e a sociedade em geral, consagrando de forma restrita as conquistas do passado,
além de expandi-las de maneira desmedida e universalizante.
Palavras-chave: Nietzsche. Ética. Esquecimento histórico. Modernidade.
Abstract: Nietzsche tells us that just as all organic life not only requires light, but also
darkness, forgetting becomes an action needed to strengthen life. Based on this reflection,
this study aims to analyze the Nietzschean thesis of "oblivion" as a plastic force [Plastiche
kraft] able to free man from the suffering caused by excessive memory. Thus, here we see
part of the philosopher’s critique of the historical meaning of modernity, denouncing it as a
historical disease [Die Historiche], due to the inability, at the time, to recognize its false
applications. A time that also proved unable to promote the necessary critique of the world
and society in general, narrowly consecrating past achievements, and expanding them in a
disproportionate and universalizing way.
Keywords: Nietzsche. Ethics. Oblivion historical. Modernity.
1
Doutorando em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. E-mail:
abraaofilosofia@gmail.com.
2
Para Nietzsche, o filisteu da cultura representa todo aquele que esteja à mercê da cultura decadente,
de forma que esse filisteu deva então ser entendido como um homem destituído de conhecimento de
si mesmo e que, dessa maneira, acolhe a crença de estar ciente de que a sua cultura seria a expressão
máxima do verdadeiro espírito [Geist] alemão. De acordo com Marton (cf. 1993, p. 18), Nietzsche vê o
filisteu como expoente oposto aquilo que de fato tem a ver com a cultura superior [Kultur], pois
diante da sua incapacidade de criação, acaba por se restringir à mera imitação e ao consumismo. O
problema é que o filisteu costuma denominar-se como alto representante da cultura, influenciando
suas ideias nos diferentes segmentos políticos e culturais, que, por isso acabou assumindo suas fortes
influências. Desse modo, vê-se então o embrutecimento do ser humano, dispersado e enaltecido por
uma falsa cultura, que entende o Estado como uma espécie de fim último da humanidade, e na
propriedade, o reflexo de uma vida feliz.
3
MOURA, Carlos A.R. Nietzsche: Civilização e Cultura, p. 161.
5
HL/Co. Ext. VIII, p. 145.
6
HL/Co. Ext. II, p. 73.
[...] esquecer não é uma simples vis inertiae [força inercial], como
crêem os superficiais, mas uma força inibidora ativa, positiva no 101
mais rigoroso sentido graças à qual o que é por nós experimentado,
vivenciado, em nós acolhido não penetra mais em nossa
consciência, no estado de digestão (ao qual poderíamos chamar de
assimilação psíquica), do que todo o multiforme processo da nossa
nutrição corporal ou assimilação física.10
7
HL/Co. Ext. II, p. 74.
8
Sobre a história da publicação da II Consideração Extemporânea, ocorrida em fevereiro de 1874, é
importante destacar a contribuição de Carl von Gersdorff, responsável por redigi-la, assim como
Erwin Rhode, que na mesma época fez as correções. No ano de 1886, Nietzsche, entretanto, chegou a
rever esta obra, corrigindo-a novamente e acrescentando as novas alterações ao texto original,
motivo pelo qual notamos no ressurgimento do tema do “esquecimento” [Vergessenheit] na
Genealogia da Moral, de 1887 preservada a mesma linha de argumentação.
9
Vania Dutra considera que o retorno do tema do “esquecimento” em GM tem como novidade o ato
de assumir a tarefa de “guardião da ordem psíquica enquanto se liga o ato de esquecer ao poder agir,
criar, organizar, enfim, dominar” (Das vantagens e desvantagens da História da Filosofia para o ensino
da Filosofia, p. 68). Ora, diante dessa definição não percebemos qualquer alternância da linha
argumentativa já apresentada na Segunda extemporânea. Certamente, a obra GM demonstra sua
inovação metodológica se comparada aos escritos anteriores, a exemplo de seu método genealógico
em substituição ao método histórico, conforme visto na juventude. De toda forma, reitero não haver
qualquer tipo de revisão da definição dada ao esquecimento em 1886, que não seja apenas a
articulação dessa tese com as ideias sobre a moral, que vinham em processo de maturação desde
Aurora e Para Além de Bem e Mal.
10
GM, II, 1.
Referências
11
GM, II, 1.
103
Abstract: This paper seeks to investigate the aspects of Nietzsche’s thinking about morality.
Unlike the approach of many moralists, the German philosopher did not seek to analyze
morality from absolute concepts. In this article, we will observe that the historical
investigation of the moral feelings and the obedience to the tradition addressed in the first
writings constitutes an important step for the Nietzschean project of overcoming the feeling
of guilt.
Keywords: Nietzsche. Moral feelings. Guilt Feeling.
Introdução
1
Graduada em História pela UNIPAR e em Filosofia pela UNIOESTE. Mestre em Filosofia pela
UNIOESTE. E-mail: gkbourscheid@hotmail.com.
irresponsabilidade sobre as ações para se livrar da culpa moral. Nietzsche nos indica
que, assim como a moralidade fez surgir o homem culpado, consciente de sua culpa,
o conhecimento dos aspectos históricos da moralidade permitirá o surgimento de
um novo homem, um homem sábio e inocente. Essa inversão no modo de ver as
ações permite que o homem recuse todos os mecanismos que limitam a expansão de
suas forças. Observamos que a investigação histórica dos sentimentos morais e da
obediência à tradição abordada nos primeiros escritos constitui uma etapa
importante para o projeto nietzschiano de superação do sentimento de culpa.
2
Nos escritos de Nietzsche, o termo moral compreende todas as coisas humanas, desde o âmbito
fisiológico até as relações sociais. Sentimentos, avaliações, pensamentos, atos, relações hierárquicas
entre homens e impulsos, regulamentações vigentes, todas essas coisas humanas estão no âmbito da
moral.
3
Em sua análise sobre o Humano, demasiado humano I, Itaparica pontua que Nietzsche não aceita as
explicações das ações humanas sem o devido respaldo de elementos históricos, afirma que “fica
explícito assim que o ponto de partida do empreendimento teórico inaugurado por Nietzsche em
Humano, demasiado Humano é a eliminação de qualquer componente transcendente na explicação
das ações morais. vivendo na ‘época da comparação’, o filósofo não pode mais acatar explicações que
tomam como critério uma concepção tardia e limitada do homem e da moral. Tendo conhecimento
de outras civilizações e comparando-as com a sua própria, pode-se perceber que, além de possuírem
uma origem anterior à própria humanidade, as concepções morais variam no tempo e no espaço”
(ITAPARICA, 2002, p. 29).
efetivas. Para que seja possível uma análise sobre o surgimento e desenvolvimento
da moralidade, Nietzsche recorre aos aspectos históricos que determinam como os
sentimentos morais surgiram e de que modo foram transmitidos.
O filósofo considera os sentimentos morais a partir das inclinações e aversões
do homem4 “um impulso em direção ou para longe de algo, sem o sentimento de
querer o que é proveitoso ou se esquivar do que é nocivo, [...] não existe no homem”
(MAI/HHI §32). Esclarece que nossas ações são motivadas, mas não possuem
característica boa ou má em si, “todas as ‘más’ ações são motivadas pelo impulso de
conservação ou, mais exatamente, pelo propósito individual de buscar o prazer e
evitar o desprazer; são, assim, motivadas, mas não são más” (MAI/HHI §99).
Investigando o mecanismo desta cadeia de motivações, Nietzsche pontua que as
ações humanas são motivadas pela sensação de prazer, “sem prazer não há vida; a
luta pelo prazer é a luta pela vida” (MAI/HHI §104). Na vida comunitária o homem
sente prazer ao fazer aquilo que é habitual. O filósofo observa que a crença de que
os costumes são comprovada sabedoria de vida faz com que o homem se adeque às
coerções morais e limite seus impulsos naturais.
O sentimento de prazer ao realizar alguma ação comprovadamente útil à
comunidade torna o homem obediente. Em Humano, demasiado humano I, o
filósofo afirma que bom “é chamado aquele que, após longa hereditariedade e quase
por natureza, pratica facilmente e de bom grado o que é moral”. E, sobre a 106
concepção tradicional do homem moral esclarece “ser moral, morigerado, ético
significa prestar obediência a uma lei ou tradição há muito estabelecida” (MAI/HHI
§96). A obediência aos costumes morais é apontada pelo filósofo como central para
a compreensão deste sentimento de dever moral herdado e perpetuado
historicamente.
Percebendo a força da tradição moral, o filósofo nos indica que a libertação do
homem da obediência moral e do sentimento de culpa será possível a partir do
avanço das investigações das ciências naturais. Nietzsche considera que o filosofar
sobre a moralidade requer análises cuidadosas sobre as origens dos sentimentos.
Diante dessa perspectiva seria possível evidenciar que toda a tradição moral é
formada a partir de fatos históricos, de criações humanas e não de verdades
4
No verbete “Sentimentos” do Dicionário de ética e filosofia moral, Wotling nos indica que Nietzsche
compreende os sentimentos morais como uma herança que nos foi transmitida por meio da
educação da nossa afetividade. Esse sentimento se manifesta sob a forma de inclinação ou
repugnância em obedecer ou se afastar dos hábitos morais. O pesquisador observa que os conceitos
morais não têm efetivamente uma autoridade reguladora das ações “com efeito, só se transmitem os
sentimentos, ou seja, as reações afetivas manifestando-se sob a forma de inclinação ou repugnância.
Os conceitos morais não possuem, no que se refere a eles, nenhuma autoridade reguladora
fundamental: eles só aparecem e interpretam um certo papel num período tardio da história da
moral, e a transmissão da moralidade própria a uma comunidade efetua-se, essencialmente, por meio
da educação da afetividade por intermédio do hábito, quer dizer, pela criação de regularidades
infraconscientes, o que Nietzsche denomina instintos” (Wotling, 2013, p. 946).
Tudo o que necessitamos, e que somente agora nos pode ser dado,
graças ao nível atual de cada ciência, é uma química das
representações e sentimentos morais, religiosos e estéticos, assim
como de todas as emoções que experimentamos nas grandes e
pequenas relações da cultura e da sociedade (MAI/HHI §1).
6
Na observação de Frezzatti, um dos papéis da filosofia histórica em Humano, demasiado humano I é
indicar que a vida deve ser observada a partir desse processo histórico dinâmico que nos permite
visualizar uma nova fase de cultura humana. “Em Humano, demasiado humano I, esboça-se o que
temos chamado de “ciclo vital da cultura”. Ao considerar as fases culturais, o fisiopsicólogo
nietzschiano pode recorrer a uma tipologia das culturas, pois o movimento cíclico, embora apresente
expressões diferentes em cada cultura, tem como possibilidade a mesma sequência de fases. [...]
Nietzsche entende, portanto, o processo histórico em Humano, demasiado humano I como um
movimento cíclico e repartido em fases. Seu sentido histórico permite que possamos conhecer,
experimentando-as, fases anteriores do desenvolvimento” (FREZZATTI , 2018, p. 27). O sentido
histórico como um movimento cíclico e repartido em fases nos indica que o conhecimento detalhado
das manifestações morais, religiosas, artísticas possibilitará o surgimento de uma nova fase histórica
da humanidade.
Conclusão
Referências
112
Abstract: Karl Marx's Capital has as its main legacies the demystification of the
presupposed legitimacy of the capitalist system and the explication of its exploratory logic.
As the logic of the capitalist empire impregnated almost all human potentialities, making it
difficult to dissociate the "man" forged by the capitalist system of the human being, it seeks
to verify which influences and conditionings of the mode of production and capitalist
ideology can be identified in political action and in collective decision-making. Indeed, in
this essay the analogy between the alienation of the worker from himself and other humans
in the labor process and the alienation of the citizen in the political process forged only in
election and representation. It has the effect of alienating the citizen from others, from
political and community issues, and from preventing the discussion of this presupposed
structure of symbolic legitimation embodied in the vote.
Keywords: Capitalism. Politics. Alienation. Worker. Citizen.
1. Introdução
1
Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná-PUCPR (2004). Pós-
graduado em Direito aplicado pela Escola do Ministério Público do Estado do Paraná (2005) e pela
Escola da Magistratura do Estado do Paraná (2006). Atualmente é advogado sócio do escritório
Wypych, Broetto & Advogados Associados e está cursando (2015) pós-graduação em Direito
Processual Civil. Mestre em Filosofia pela UNIOESTE. E-mail: rafaellfcabral@hotmail.com.
2
É oportuno lembrar a perspicaz observação do Professor Rosalvo Schütz “... poder questionar algo a
partir de sua gênese constituidora, é preciso entender suas condições de possibilidade, ou, em outras
palavras, a processualidade social e humana pressuposta. O mérito da reflexão de Marx em relação ao
tema, no escrito em questão, é que, em vez de afirmar que a propriedade privada é a causa da
alienação, como faziam os socialistas utópicos, afirma o contrário: que o trabalho alienado é a causa
(condição de possibilidade) da propriedade privada” (SCHÜTZ, 2008).
3
Marx faz expressa citação de Aristóteles, vide, MARX, 1996, p. 443.
4
Karl Marx bem demonstra o círculo vicioso decorrente da alienação do trabalhador em seu objeto
que “se expressa pelas nacional-econômicas, em que quanto mais o trabalhador produz, menos tem
para consumir; quanto mais valores cria, mais sem-valor e indigno ele se torna; quanto mais bem
formado o seu produto, tanto mais deformado ele fica; quanto mais civilizado seu objeto, mais bárbaro
o trabalhador; que quanto mais poderoso o trabalho, mais impotente o trabalhador se torna; quanto
mais rico de espírito o trabalho, mais pobre de espírito e servo da natureza se torna o trabalhador”
(MARX, 2008, p. 82).
5
No Brasil, tal problemática se evidencia de forma contundente ao se observar que pesquisa
estatística informa que 13% da população nacional admite já ter trocado o voto por emprego,
5. A mais-valia política
5. Conclusão
dinheiro ou presente. Esta informação vinculada pelo instituto de pesquisa Datafolha mostra que 13%
dos ouvidos admitem já ter trocado voto por emprego, dinheiro ou presente - cerca de 17 milhões de
pessoas maiores de 16 anos no universo de 132 milhões de eleitores. Alguns declararam ter cometido
essas práticas de forma concomitante. Separados por benefício, 10% mudaram o voto em troca de
emprego ou favor; 6% em troca de dinheiro; 5% em troca de presente. Notícia veiculada no site Folha
Online 04/10/2009: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2009/10/633061-dezessete-milhoes-de-
brasileiros-admitem-ter-vendido-voto.shtml.
Referências
120
Submissão: 10.10.2018 / Aceite: 15.12.2018.
Resumo: Este trabalho tem por objetivo apresentar o método sintático de Carnap, para
análise da linguagem científica, no The logical syntax of language e o seu possível fracasso.
O método consiste na elaboração de uma teoria lógico-linguística, a sintaxe lógica, para
lidar com estruturas linguísticas no nível sintático. A sintaxe lógica é a proposta de Carnap e
a formulação desta é feita por meio da sintaxe de duas linguagens artificialmente
construídas, as Linguagens I e II, e a tentativa de uma Sintaxe Geral aplicável a qualquer
linguagem. Com a construção de L.I, Carnap mostrou ser possível formular a sintaxe lógica
de uma linguagem valendo-se da própria linguagem objeto. Em L.II, introduziu regras
indefinidas de transformação para elaboração de um critério completo de validade para as
sentenças da Matemática. Na discussão da Sintaxe Geral, considerou regras físicas de
transformação para uma linguagem sintática. Contudo, ao tentar formular a definição de
analiticidade na Linguagem II, Carnap teve que admitir a impossibilidade de construir a
definição de “analítico” com base nos recursos de L.II Contrariando os resultados obtidos
com L.I, não é possível formular completamente a sintaxe de uma linguagem mais rica com
base apenas nos recursos linguísticos de si mesma. Além deste problema, a construção de
“analítico em II”, em uma metalinguagem mais rica, utilizou um método semântico. Tanto o
apelo a uma metalinguagem mais rica, quanto o recurso a um método semântico, minam o
projeto puramente sintático de Carnap.
Palavras-chave: Método sintático. Analítico. Logical syntax. Rudolf Carnap. Fracasso.
Abstract: This paper aims to present the syntactic method of Carnap, for analysis of
scientific language, in The logical syntax of language and its possible failure. The method
consists in the elaboration of a logic-linguistic theory, the logical syntax, to deal with
linguistic structures at the syntactic level. The logical syntax is the proposal of Carnap and
the formulation of this is made through the syntax of two languages artificially constructed,
Languages I and II, and the attempt of a General Syntax applicable to any language. With
the construction of L.I Carnap showed that it is possible to formulate the logical syntax of a
language using the object language itself. In L.II, he introduced indefinite rules of
transformation to elaborate a complete criterion of validity for the sentences of
Mathematics. In the discussion of General Syntax, he considered physical rules of
transformation for a syntactic language. However, in attempting to formulate the definition
of analyticity in Language II, Carnap had to admit the impossibility of constructing the
definition of "analytic" on the basis of L.II's resources. Contrary to the results obtained with
LI, it is not possible to formulate the syntax of a richer language based only on the linguistic
resources of itself. In addition to this problem, the construction of "analytic in II", in a
richer metalanguage, used a semantic method. Both the appeal to richer metalanguage and
the use of a semantic method undermine the purely syntactic design of Carnap.
Keywords: Syntactic method. Analytical. Logical syntax. Rudolf Carnap. Failure.
Introdução
1
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Londrina, graduado em Licenciatura em
Filosofia pela mesma universidade (2018). E-mail: pedropizzutti@gmail.com.
2
Doravante, Logical syntax.
Identificando Lógica da Ciência com sintaxe lógica, essa é quem substitui a Filosofia
em seu sentido tradicional (CARNAP, 2017, p. xiii).
Carnap considera a sintaxe lógica como uma teoria formal acerca das formas
linguísticas de uma linguagem. A teoria procura formular regras formais que regem
uma linguagem e as consequências que derivam destas regras. A formalidade das
regras, definições e da própria teoria, decorre delas não fazerem nenhuma referência
ao significado dos símbolos, aos sentidos das expressões ou aos falantes. Portanto, a
teoria é formal porque faz referência única e exclusivamente aos tipos, estrutura e
ordenação dos símbolos (CARNAP, 2017, p.1). Em resumo, pode-se dizer que a
função da sintaxe lógica é dar regras de construção e dedução de sentenças, tendo
uma linguagem qualquer de referência, através de arranjos simbólicos sem nenhuma
atribuição extralinguística (PEREIRA, 2013, p. 36).
Para a construção de uma sintaxe lógica, são necessárias, ao menos em
princípio, duas linguagens, a saber, a linguagem objeto e a metalinguagem 3. A
primeira é a linguagem que é o objeto de investigação, é para ela que se propõe a
formulação de sua sintaxe; a segunda é a linguagem que utilizamos para falar das
formas sintáticas da linguagem objeto escolhida (CARNAP, 2017, p. 4). Na
construção feita por Carnap, há a utilização de duas linguagens simbólicas, as
chamadas Linguagem I e II [L.I e L.II], como linguagens objeto e, como
metalinguagem, em um primeiro momento, a língua inglesa com a adição de 123
símbolos góticos.
De modo geral, considerado do ponto de vista sintático, isto é, quando o
interesse é apenas a estrutura formal da linguagem, toda linguagem é interpretada
como um cálculo. As regras de um cálculo determinam apenas em que
circunstâncias uma sequência de símbolos forma uma expressão e sob quais
condições é possível transformar uma expressão em outra. Deste modo, um cálculo
contém apenas um vocabulário (os símbolos) e uma sintaxe (as regras de formação e
transformação)4 (PEREIRA, 2013, p. 37-38).
De modo específico, há uma distinção entre sintaxe pura e descritiva. A pura
tem por referência padrões simbólicos de uma linguagem, sem levar em conta se de
fato existe uma linguagem para qual aquela seria sua sintaxe. Por sua vez, a
descritiva diz respeito às estruturas, propriedades e relações de expressões,
sentenças e linguagens, que são empiricamente dadas, isto é, com as expressões de
um livro de literatura em língua portuguesa ou as de uma teoria científica como a da
Relatividade Geral de Einstein, por exemplo (CARNAP, 2017, p. 6-7).
3
Embora Carnap tenha se referido a esta como linguagem sintática, seu termo não ficou consagrado
para a literatura. Por conta disso, adotamos o termo metalinguagem, que não só é o correspondente
para a ideia carnapiana, mas é amplamente reconhecido.
4
É importante ressaltar que Carnap atribui o status de cálculo apenas à parte sintática de uma
linguagem, ou seja, não há a defesa da ideia de que linguagens são meramente cálculos. Cf. Carnap,
2017, p. 5.
A situação, então, pode ser sumariada assim: Para realizar uma das
tarefas lógicas mais importantes de seu livro (a circunscrição da
Considerações finais
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Resumo: A questão sobre o ser sempre acompanhou Heidegger em todos seus caminhos
filosóficos. À luz desse projeto principal, outros temas ganharam a atenção do filósofo à
medida que servem a pensar o ser. Um desses temas é o afeto, tema do presente trabalho.
Ao falar sobre afetos, Heidegger utiliza dois termos, a saber Befindlichkeit e Stimmung.
Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é analisar esses fenômenos, especificamente na
analítica existencial do ser-aí. Encontra-se no início do §29 de Ser e tempo a seguinte
indicação: “O que indicamos ontologicamente com o termo disposição [Befindlichkeit] é,
onticamente, o mais conhecido e o mais cotidiano, a saber, o humor [die Stimmung], o estar
afinado num humor [das Gestimmtsein]”. Nesse sentido pode-se questionar: o que o autor
quer indicar com os termos Befindlichkeit e Stimmung? Os termos disposição e humor
traduzem precisamente esses fenômenos? Existem outras palavras que melhor traduzam?
Para além da tradução, como compreender a Befindlichkeit e a Stimmung? São eles dois
fenômenos ou um único? Tentando pensar essas questões, será utilizado uma revisão
narrativa de literatura, especificamente de Ser e tempo e de tradutores e comentadores da
obra heideggeriana, indicando que, embora sejam fenômenos de difícil tradução é possível
pensar de maneira mais afinada com Heidegger dependendo do termo utilizado para
traduzir alguns de seus termos ao português. Também será possível compreender que,
embora dois fenômenos, Befindlichkeit e Stimmung são fenômenos correlatos ôntico-
ontológico. E, ainda que de maneira provisória, ter-se-á uma visão do papel que os afetos
assumem na economia, não só da ontologia fundamental, mas do próprio exercício do
pensamento na obra heideggeriana.
Palavras-chave: Befindlichkeit; Stimmung. Afetos. Analítica existencial. Heidegger.
Abstract: The question of being has always accompanied Heidegger in all his philosophical
ways. In the light of this main project, other themes have gained the attention of the
philosopher as they serve to think the being. One of these themes is affection, the theme of
this work. When speaking about affections, Heidegger uses two terms, namely
Befindlichkeit and Stimmung. In this sense, the objective of this work is to analyze these
phenomena, specifically in the existential analytic of being-there. It is found at the
beginning of §29 of Being and Time the following statement: "What we indicate
ontologically with the term disposition [Befindlichkeit] is, on the one hand, the best known
and the most everyday, namely humor [die Stimmung] to be tuned in [Gestimmtsein] mood.
" In this sense one can question: what does the author mean by the terms Befindlichkeit and
Stimmung? Do the terms mood and mood translate precisely these phenomena? Are there
other words that translate better? Beyond Translation, how to understand Befindlichkeit
and Stimmung? Are they two phenomena or a single one? Trying to think about these
questions, we will use a narrative revision of literature, specifically of Being and time and of
translators and commentators of the Heideggerian work, indicating that, although they are
difficult to translate phenomena, it is possible to think more closely with Heidegger
depending on the term used for translate some of its terms into Portuguese. It will also be
1
Graduado em Psicologia, pelo Centro Universitário FAAT. Mestrando em Filosofia pela UNIOESTE.
E-mail: santos.gio@live.com.
possible to understand that although two phenomena, Befindlichkeit and Stimmung are
ontological-ontological correlated phenomena. And, although in a provisional way, one will
have a vision of the role that the affections assume in the economy, not only of the
fundamental ontology, but of the own exercise of the thought in the Heideggerian work.
Keywords: Befindlichkeit; Stimmung. Affections. Existential analytical. Heidegger.
Considerações iniciais
2
Cf. HEIDEGGER, M. Fenomenologia da vida religiosa. Tradução de Enio Paulo Giachini, Jairo
Ferrandin e Renato Kirchner. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São
Francisco, 2010.
3
Cf. HEIDEGGER, M. Contribuições à filosofia: do acontecimento apropriador. Tradução de Marco
Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Via Verita, 2014.
4
Cf. HEIDEGGER, M. BOSS, M. (ed.). Seminários de Zollikon. Tradução de Gabriela Arnhold e Maria
de Fátima de Almeida Prado. São Paulo: EDUC; Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
5
Cf. Heidegger (1962), p. 172, notas dos tradutores 2 e 3.
6
“[...] pour traduire véritavlement Stimmung... il faudrait pouvoir em quelque sorte additionner en
um seul mot: vocation, résonance, ton, ambience, accord affetif subjectif et objectif – ce qui est
évidemment impossible”.
7
Cf. HEIDEGGER, M. O conceito de tempo. Tradução de Irene Borges-Duarte. 2. ed. Lisboa: Fim do
Século, 2008. (Edição bilíngue português-alemão).
8
“De la misma forma en que hay uma diferencia ontológica entre compreensión y posibilidad, así la
disposioción afectiva [Befindlichkeit] es pues ontológicamente diferente al temple [Stimmung]. A
pesar de que el temple es algo diferente a la disposición, su carácter de ser es disposicional. Así como
el ente es, así el templo dispone. Lo afectivamente disposicional no es outra cosa que el carácter
ontológico del temple. Y vice-versa, el temple no es outra cosa que el carácter óntico de la
disposición afectiva. De esta forma, el temple es siempre afectivamente disposicional y la disposición
es siempre templata. Así como no hay ser sin ente ni ente sin ser, así no hay temple sin disposioción
Casanova (2017, p. 158) corrobora também para essa interpretação ao dizer que:
ni disposición sin temple. Sin embargo, la diferencia se mantiene y, así como el ser no se agota em el
ente, la disposición no se extingue em el temple”.
9
“The terms ‘Befindlichkeit’ and ‘Stimmung’ hence designate one and the same phenomenon, each,
however, signifying it in a different way. As an ontological structure of Dasein’s existence,
Befindlichkeit is a basic mode of existence in, and openness to, the world. As the ontic manifestation
of Befindlichkeit, Stimmungen are the various and specific ways in which Dasein can relate to and
disclose the world, all of which occur against the backdrop of the structure of Befindlichkeit. Insofar
as Befindlichkeit belongs to the structure of Dasein’s existence and insofar as it is always manifested
through mood […]”.
Considerações finais
Referências
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Blackwell Publishers, 1962.
_____. Sein und Zeit. In: Gesamtausgabe Band 2. Framkfurt am Main: Vittorio Klostermann,
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XOLOCOTZI, Á. Introducción. In: Studia Heideggeriana. v. 4. 2015. p. 9-20.
1
Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná – UNICENTRO. E-
mail: patyyoliveirasant@hotmail.com.
Nesse âmbito, Lacey traz a luz os três fatores que sustentam ou podem
sustentar a agroecologia e o conhecimento obtido por meio da pluralidade de
estratégias na pesquisa científica. Segundo ele, os três fatores se sustentam e por
esse motivo, se algum deles “falha” “não se desenvolve” adequadamente, os outros
dois fatores são afetados diretamente, ocasionando obstáculos até mesmo
insuperáveis. Esses fatores podem ser assim enunciados:
O êxito da condução da pesquisa segundo as estratégias
agroecológicas, a expansão e o aperfeiçoamento da agricultura
agroecológica e as atividades e o crescimento dos movimentos que
incorporam os valores da participação popular estão
inseparavelmente interligados (LACEY, 2006, p. 181).
de suas vidas informadas por suas crenças”. Nesse sentido, quando uma pessoa
possui uma crença tal como um valor ético que considera como uma característica
fundamental para considerar sua vida “bem vivida”, esse valor (e outros) é
incorporado e passa a ser condição necessária para uma vida digna. A grande
questão é que a capacidade de ação contém uma variedade de condições, tais como,
que crenças derivadas da ação de um indivíduo são verdadeiras e que um indivíduo
tenha acesso e controle sobre objetos tecnológicos, etc. Entretanto, o próprio Lacey
afirma que “quando essas condições para a capacidade de ação não são satisfeitas,
ela é enfraquecida” (Ibidem). Com isso, a capacidade de ação acaba se tornando um
fenômeno social relevante pelo fato de que ela gera “sofrimentos”.
Esses sofrimentos por sua vez, são a frustação, a depressão, entre outros
problemas que podem gerar um mal-estar. Essa combinação da capacidade de ação
enfraquecida e os sofrimentos decorrentes dela, geram a opressão. Sendo que,
aqueles indivíduos que se encontram nessa opressão desejam ser livres e desamarrar
as cordas da opressão, ou seja, desejam chegar a uma emancipação. Contudo, para
que a emancipação ocorra é necessário a transformação estrutural, que serve
somente se ela produz estruturas que envolvem valores que sejam livremente
sustentados por aqueles que a querem. Sendo assim, a opressão enquanto fenômeno
social relevante, é derivada de estruturas sociais que não fornecem condições para a
capacidade de ação efetiva para todos os seus participantes; em outros termos, a 144
estrutura social favorece somente alguns de seus participantes, e não todos. Dessa
forma, o problema é: como a emancipação é possível onde a estrutura social é o
maior causador da opressão? (LACEY, 2006, p. 188). A resposta para esta questão
pode ser encontrada nela mesma pois, emancipação e opressão são coisas distintas,
mas só há desejo de emancipação quanto há opressão. Mesmo assim, ainda é preciso
compreender o que significa uma estrutura social.
Segundo Lacey, uma estrutura social é um conjunto de relações mais ou menos
duradouras entre seus participantes que definem os papeis ou lugares para a
atividade de seus participantes (Ibidem). A estrutura social reflete as ações dos
chamados agentes, que são os participantes dessa estrutura sendo que, os papeis dos
agentes são o resultado da ação intencional dos mesmos, que podem ou não estar
conscientes. Além disso, a estrutura social manifesta valores populares ou sociais
que têm profunda relação com à distribuição da riqueza, do conhecimento
científico, etc. Dado que há uma mútua relação entre esse tipo de estrutura e os
participantes, é preciso um respeito mútuo entre os próprios participantes, assim
como valores sociais, pessoais e éticos mais ou menos parecidos. Porém, isso não
significa que não pode haver manifestação de valores concorrentes em uma
estrutura social. Aqui, é possível perceber uma certa relação com Thomas Kuhn e
suas noções de comunidade científica e paradigma. Tal fato parece se assemelhar
com essas noções, por haver uma mudança na própria estrutura e haver a abertura
para que as crenças que um indivíduo possui para sustentar certos valores sejam
alimentadas; logo, há uma abertura para se convencer os demais participantes a
compartilharem dos mesmos valores e, quanto a essa colaboração dos que se
solidarizam, é justamente nesse momento que emerge ou ressurge a capacidade de
ação efetiva como uma grande força. Diante disso, será necessária uma nova
estrutura social, baseada em novos valores que consideram necessários, tais como a
participação democrática.
Contudo, ainda permanece a questão de como investigar empiricamente
“outro mundo é possível”. Primeiramente, o FSM como forte contraposição ao
neoliberalismo, mantém todos os anos seus encontros internacionais. Nesse evento,
há a troca de conhecimento entre seus participantes, novas estratégias são
apresentadas, novos estudos relacionados, novas teorias fundamentadas enfim, há
uma espécie de entendimento científico (sistemático, empírico, prático) que
procura, por exemplo, fortalecer cada vez mais os movimentos, incentivar mais
pesquisas voltadas as práticas sustentáveis, favorecer a participação democrática e,
principalmente, sustenta-se como alternativa. Em 2018, a Carta das Convergências
Agroecológicas do Fórum Social Mundial relatou sobre sua evolução:
Referências
_____. Carta das Convergências Agroecológicas no Fórum Social Mundial, 2018. Disponível
em: <http://www.moc.org.br/publicacao/geral/2743/carta-das-convergencias-
agroecologicas-no-forum-social-mundial> Último acesso em: 29 de Outubro de 2018.
LACEY, H. A controvérsia sobre os transgênicos: questões científicas e éticas. Aparecida, SP:
Ideias & Letras, 2006.
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78, jul 2007, p. 31-39.
SANTOS, B. S. O Fórum Social Mundial: manual de uso. Madison, Dezembro 2004.
_____. Ciência e senso comum. In: Introdução a uma ciência pós-moderna. Porto,
Afrontamento, 1995.
WOLFE, M. S. “Crop strength through diversity”, in: Nature, vol. 406, 2000, p. 681-682.
148
Resumo: O artigo busca propiciar reflexões sobre a jovem democracia brasileira, pensada
aqui sob à luz da excêntrica filosofia de Rancière. Se considerarmos os tempos da República
brasileira, constatamos que os períodos democráticos são breves e sempre sofreram
ameaças. Há três décadas vivemos em um regime democrático que, no entanto, ainda é
frágil. Do ponto de vista histórico, a democracia brasileira é jovem e continua sendo
construída sob ameaças, sua vigência carece de vigilância constante, pois, de vários lados,
há forças que a fragilizam, especialmente aquelas que proclamam a ordem e o consenso. O
que tais forças querem, ainda que digam falar em nome da democracia, é a organização da
vida e do poder de um modo hierárquico e o esvaziamento dos espaços públicos que,
necessariamente, são conflituosos e orientados por uma racionalidade dissensual. Para essa
comunicação, perguntamo-nos se, no entanto, essa fragilidade da jovem democracia
brasileira não é, justamente, característica da própria democracia, desde a sua invenção na
Grécia. Trata-se, pois, de pensar, outra vez, quais são os sentidos disso que chamamos de
democracia, regime político no qual o povo detém o poder. Jacques Rancière desenvolve
uma perspectiva excêntrica acerca da democracia e nos mostra que desde o seu surgimento
ela foi alvo de ódio e sempre está em risco, daí ele escrever um livro intitulado Ódio à
democracia (2014). Esta perspectiva nos interessa, na medida em que se situa a contrapelo
do que se consensuou entender por democracia e por política como a mera organização da
vida coletiva. A partir da filosofia de Rancière, procura-se, então, resgatar o que é próprio de
uma investigação filosófica acerca da política, abordando em que âmbito e quando esta
existe e mostrando que, inúmeras vezes, ela se confunde com polícia; o que implicará trazer
à tona o que Rancière diz ser fundamental para a existência da política e da democracia, a
saber, a lógica do desentendimento.
Palavras-chave: Democracia. Política. Desentendimento. Polícia.
Abstract: The article seeks to provide reflections on the young Brazilian democracy,
thought here in the light of the eccentric philosophy of Rancière. If we consider the times of
the Brazilian Republic, we find that democratic periods are brief and have always been
threatened. For three decades we have lived in a democratic regime which, however, is still
fragile. From a historical point of view, Brazilian democracy is young and continues to be
built under threat, its validity is not constantly monitored, because there are forces that
weaken it, especially those that proclaim order and consensus. What these forces want,
even if they speak in the name of democracy, is the organization of life and power in a
hierarchical way and the emptying of public spaces that are necessarily conflictive and
oriented by a dissensual rationality. For this communication, we wonder if, however, this
fragility of the young Brazilian democracy is not exactly characteristic of democracy itself,
since its invention in Greece. It is therefore a matter of thinking, again, what are the
meanings of what we call democracy, a political regime in which the people hold power.
Jacques Rancière develops an eccentric perspective on democracy and shows us that since
his emergence he has been a target of hatred and is always at risk, hence he wrote a book
entitled Hating Democracy (2014). This perspective interests us, as it is situated against the
grain of what has been agreed to be understood by democracy and politics as the mere
organization of collective life. From the philosophy of Rancière, it is sought, then, to rescue
what is proper to a philosophical investigation about politics, addressing in what scope and
1
Graduado e Mestre em Filosofia pela UNIOESTE. E-mail: valmir_10santos@hotmail.com.
when it exists and showing that, on many occasions, it confuses itself with police; which
implies bringing up what Rancière says is fundamental to the existence of politics and
democracy, namely, the logic of misunderstanding.
Keywords: Democracy. Politics. Disagreement. Police.Resumo em língua estrangeira.
Introdução
2
Walter Kohan, em Infância e educação em Platão, ao tratar da etimologia de “infantil”, mostra a
importância da fala dada pelos gregos e justifica, etimologicamente, o uso abrangente da
denominação de infantil para os incapazes: “Infans está formado por um prefixo privativo in e fari,
‘falar’, dali seu sentido de “que não fala”, “incapaz de falar”. Tão forte é seu sentido originário que
Lucrécio emprega ainda o substantivo derivado infantia com o sentido de “incapacidade de falar”.
Mas logo infans — substantivado — e infantia são empregados no sentido de “infante”, “criança” e
“infância”, respectivamente. Desse sentido surgem vários derivados e compostos, na época imperial,
como infantilis, “infantil” e infanticidium, “infanticídio”. Quintiliano (I, 1, 18) fixa a idade em que a
criança é considerada como incapaz de falar até por volta dos sete anos e, por isso, infans pode
designar a criança no sentido ordinariamente reservado a puer. Na verdade, há usos de infans
referindo-se a pessoas de até, pelo menos, quinze anos, com o qual devemos entender que infans não
remete especificamente à criança pequena que não adquiriu ainda a capacidade de falar, mas que,
antes, refere-se aos que, por sua minoridade, não estão ainda habilitados para testemunhar nos
tribunais: infans seria assim “o que não pode valer-se de sua palavra para dar testemunho”. A palavra
infantes também passa a designar a muitas outras classes de marginais que não participam da
atividade pública, como os doentes mentais. (disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/ep/v29n1/a02v29n1.pdf). (os destaques finais, em itálico, são nossos).
É por meio da fala que os homens se diferem dos outros animais e escravos. É
apenas com o uso da fala que é possível a existência de uma comunidade de iguais.
Um ser dotado de logos é capaz de compreender o que outro ser fala. Esse é o
princípio de uma comunicação entre iguais. Somente os homens dotados de fala
conseguem se comunicar.
Rancière nunca deixará de nos lembrar que no seio da filosofia política e,
especificamente da democracia, habita a aporia, uma dificuldade própria e insolúvel
do próprio pensamento. Refere-se ainda a Aristóteles, como sendo o primeiro a
tratar da união entre filosofia e política e também evidenciar a aporia própria desses
casos. Escreve: “Aristóteles nos indica isso numa frase que é um dos primeiros 152
encontros entre o substantivo ‘filosofia’ e o adjetivo ‘política’ [a saber]: ‘Do que há
igualdade e do que há desigualdade, a coisa leva à aporia e à filosofia política’”
(RANCIÈRE, 1996a, p. 11), porque segundo o filósofo, “a filosofia torna-se ‘política’
quando escolhe a aporia ou o embaraço próprio da política” (RANCIÈRE, 1996a, p.
11).
A aporia citada aqui, surge quando problematizamos os ditos possuintes de
logos e os apenas possuintes de voz, com isso, a aporia que surge daí, Rancière diz
que é em função da distribuição de partes de uma comunidade: “aqueles
supostamente apenas dotados de voz, os escravos, são capazes de compreender o
comando daqueles possuintes da fala”. Rancière interroga: “como pode alguém
compreender o que desconhece?” (RANCIÈRE, 1996a). O fato de o escravo, carente
de palavra, unicamente possuidor de voz, compreender o que um ser dotado de fala,
possuinte de logos ordena, já faz com que exista algo em comum, inimaginável até
então. Há algo que iguala escravos e homens livres. É desse tipo de aporia, segundo
Rancière, da qual trata a filosofia política.
Vale ainda lembrar que Rancière não concebe a filosofia política com um ramo
natural da árvore filosofia3. Para ele, a filosofia torna-se política justamente por essa
aporia presente na política. A política passa a ser então, um objeto da filosofia. Mas
3
Referente aos ramos da árvore filosofia atribuída por Descartes.
o que o filósofo entende por filosofia política? Para nosso filósofo, ela é “a atividade
que tem por princípio a igualdade, e o principio da igualdade transforma-se em
repartição das parcelas de comunidade ao modo do embaraço: de quais coisas há e
não há igualdade entre quais e quais? (RANCIÈRE, 1996a, p. 11), e ainda, “O que são
esses “quais”, quem são esses “quais”“? De que modo a igualdade consiste em
igualdade e desigualdade? ”(RANCIÈRE, 1996a, p. 11)”. É dessa aporia que trata a
filosofia política, e para que tal encontro seja produtivo, [o da filosofia com a
política], é preciso achar seu ponto de desentendimento. Mas o que é tal
desentendimento?
Por desentendimento, Rancière se refere a um tipo determinado de situação de
palavra, “aquela em que um dos interlocutores ao mesmo tempo entende e não
entende o que diz o outro” (RANCIÈRE, 1996a, p. 12). Não é o desentendimento
entre duas pessoas que dizem coisas diferentes, ao contrário, é o conflito entre
aqueles que dizem a mesma coisa, mas não dão a mesma significação para essas
coisas. Para melhor entender, Rancière vai afirmar que “é o conflito entre aquele que
diz branco e aquele que diz branco, mas não entende a mesma coisa, ou não
entende de modo algum que o outro diz a mesma coisa com o nome de brancura”
(RANCIÈRE, 1996a, p. 12). Não pode de maneira alguma sem entendido como
sinônimo de desconhecimento. Por desconhecimento, uma das partes, ou ambas,
por ignorância não sabe o que o outro diz. Também não é tampouco um simples 153
“mal-entendido produzido pela imprecisão das palavras” (RANCIÈRE, 1996a, p. 12).
Os casos de desentendimento são aqueles no qual “a disputa sobre o que quer
dizer falar constitui a própria racionalidade de situação de palavra (RANCIÈRE,
1996a, p. 12)”. Não é um caso da filosofia da linguagem, onde a imprecisão das
palavras causa um mal-entendido. No caso do desentendimento, os interlocutores
entendem e não entendem aí a mesma coisa nas mesmas palavras. Há uma série de
fatores para que isso ocorra, pois, embora alguém entenda o que o outro diz, esse
não vê o objeto do qual o outro lhe fala, ou então “porque ele entende e deve
entender, vê e quer fazer ver um objeto diferente sob a mesma palavra, uma razão
diferente no mesmo argumento” (RANCIÈRE, 1996a, p. 12).
Um caso que pode ser ilustrado aqui é a famosa máxima que diz respeito à
justiça; ela [a justiça] consiste em dar a cada um o que lhe é devido. Evidentemente,
o conceito de justiça não é interpretado da mesma forma, e não só por conta da
significação da palavra, as ações daqueles que a entendem também difere. “As
estruturas de desentendimento são aquelas em que a discussão de um argumento
remete ao litígio acerca do objeto da discussão e sobre a condição daqueles que o
constituem como objeto”. Logo é perceptível que o desentendimento não diz
respeito apenas as palavras, mas também a própria situação daqueles que falam.
Em busca de esclarecer a composição de tal conceito, Rancière põe luz sobre
algo que para nós, que estamos habituados com a definição de democracia como
“poder do povo”, passa despercebido. Ele nos mostra quem era o “povo” na Grécia,
quem é o demos que está na base da democracia:
4
O conceito de igualdade é bastante caro para Rancière. Ele trata disso com maior ênfase em seu
livro O mestre Ignorante, todavia tal conceito se faz presente em todo seu pensamento político. A
afirmação e verificação deste principio de igualdade é o que faz ser possível a existência de da própria
política e por conseguinte, da democracia. É a partir da afirmação dessa igualdade que é primeira que
se reivindica reconhecimento, que gera o dissenso, ou seja o desentendimento.
5
Em Montgomery, capital do Alabama, as primeiras filas dos ônibus eram, por lei, reservadas para
passageiros brancos. Atrás vinham os assentos nos quais os negros podiam sentar-se. No dia 1° de
dezembro de 1955, Rosa Parks tomou um desses ônibus a caminho do trabalho para casa e sentou-se
num dos lugares situados ao meio do ônibus. Quando o motorista – branco – exigiu que ela e outros
três negros se levantassem para dar lugar a brancos que haviam entrado no ônibus, Parks se negou a
cumprir a ordem. Ela continuou sentada e, por isso, foi detida e levada para a prisão. O protesto
silencioso de Rosa Parks propagou-se rapidamente. O Conselho Político Feminino organizou, a partir
daí, um boicote de ônibus urbanos, como medida de protesto contra a discriminação racial no país.
Martin Luther King Jr. foi um dos que apoiou a ação. O ativista e músico Harry Belafonte lembra-se
como sua vida mudou, após o dia em que King o chamou por telefone para pedir apoio à ação da
mulher que ficou conhecida como a "mãe dos movimentos pelos direitos civis" nos EUA. "A atitude
de Rosa Parks nos permitiu reagir contra as pressões política e social que caracterizavam nossa
sociedade. Quando King me telefonou, me chamando para um encontro, comecei, pela primeira vez,
a lutar oficialmente por essa causa. Quando nós nos vimos e falamos sobre seus planos, percebi que a
partir dali eu me engajaria no movimento liderado por ele e Rosa Parks. Foi um momento muito
importante", lembrou Belafonte. Disponível em http://www.dw.com/pt/1955-rosa-parks-se-recusa-a-
ceder-lugar-a-um-branco-nos-eua/a-340929. Acesso em 08. out. 2018.
Considerações finais
Resumo: O presente artigo tem como finalidade discutir como os portadores de doenças
mentais eram tratados na Grécia e Roma Antiga, na Idade Média e Renascentismo e a
chegada do século XX. Trata-se de uma pesquisa sobre a história dos transtornos mentais,
com abordagem sobre saúde e doença e as definições entre o que era normal e o patológico
das pessoas com problemas de saúde mental. Para isso, discutiremos as definições da
anormalidade entre os séculos IV a.C e II d.C, III e XII d.C, Renascentismo do Século XVIII e
século XX. A pesquisa é de caráter bibliográfico e incluiu artigos, livros e dissertações e teses
para fundamentar o assunto e o conteúdo sobre historicidade dos transtornos mentais e
suas repercussões no decorrer dos séculos citados. A saúde e a doença não são fenômenos
isolados que possam ser definidos em si mesmos, mas, sim profundamente vinculados ao
contexto socioeconômico-cultural, tanto em suas produções como na percepção do saber
que investiga e propõe soluções para o adoecimento.
Palavras-chave: Historicidade. Transtorno Mentais. Epidemiologia. Pressão Social.
Abstract: The purpose of this article is to discuss how the mentally ill were treated in
Greece and Ancient Rome in the Middle Ages and Renaissance and the arrival of the
twentieth century. It is a research on the history of mental disorders, with an approach to
health and illness, and the definitions between what was normal and the pathological of
people with mental health problems. For this, we will discuss the definitions of the
abnormality between the fourth and fourth centuries BC, III and XII AD, Renaissance XVIII
and XX century. The research is bibliographical and included articles, books and
dissertations and theses to substantiate the subject and the content on the historicity of
mental disorders and their repercussions over the centuries cited. Health and disease are
not isolated phenomena that can be defined in themselves, but are deeply linked to the
socioeconomic and cultural context, both in their production and in the perception of the
knowledge that investigates and proposes solutions for illness.
Keywords: Historicity. Mental Disorder. Epidemiology. Social Pressure.
Introdução
1
Mestranda do PPGECEM – UNIOESTE. E-mail: beatrizbencke@hotmail.com.
2
Mestrando do PPGE.E – UNIOESTE. E-mail: arquitetoess@hotmail.com.
3
Possui graduação em Filosofia Licenciatura Plena pela Universidade Federal de Santa Maria (1994),
mestrado em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria (1997) e doutorado em Educação
pela Universidade de São Paulo (2007). Professor doutor na UNIOESTE. E-mail:
vilmar.malacarne@unioeste.br.
Historicidade da psiquiatria
Grécia e Roma
Idade Média
Nesse período, ainda não se falava em doença mental, e o descaso com os seres
com transtornos mentais persistia. As pessoas que manifestavam condutas
Século XX
Conclusão
Referências
167
1
Texto da palestra proferida no encerramento da XXII Semana Acadêmica de Filosofia – Filosofia e
Literatura: pensando esse encontro, realizada no dia 17 de maio de 2019.
2
Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2008-2012). Mestrado em
Educação pelo PPGEDu/UFRGS (2012-2014). Doutorado em Educação pelo PPGEDu/UFRGS (2015-
2018). Experiência em formação continuada com professores da Educação Infantil, Anos Iniciais e
Finais da Educação Básica, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos na modalidade presencial e
EAD. Coordenadora pedagógica no Colégio Marista Maria Imaculada Canela/RS. E-mail:
lvvbandeira@gmail.com.
3
Projeto Escrileituras: um modo de ler-escrever em meio à vida, do Observatório da Educação
(OBEDUC- Edital 038 – 2010 – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) sob a
orientação da Professora Dra. Sandra Mara Corazza (PPGEDU/UFRGS). O projeto foi desenvolvido
em regime de colaboração entre quatro núcleos situados em Instituições de Ensino Superior: UFRGS
- coordenado pela Profa. Dra. Sandra Mara Corazza; UFEPel - coordenado pela Profª Drª Carla
Gonçalves Rodrigues; UFMT – coordenado pelo Prof. Dr. Silas Borges Monteiro e UNIOESTE Campus
Toledo PR – coordenado pela Profa. Dra. Ester Maria Dreher Heuser e teve a execução das oficinas
propostas, de forma sistemática, em escolas de educação básica. As ações desenvolvidas durante a
vigência do Projeto resultaram em qualificada produção educacional, didático-pedagógicas,
produções bibliográficas, teses e dissertações, cujo impactos das ações/atividades do projeto na:
formação de professores; licenciaturas envolvidas; educação básica; pós-graduação e escolas
participantes produziram desdobramentos institucionais.
Qual o mal de nosso dia? Quanto do mal de nosso dia nos basta?
Dado o título da palestra, ainda no mês de março, iniciei um texto que ficou
sempre em construção, como falar sobre isso que é considerado delírio febril de
jovens inquietos nos campus de hoje?
Como falar do que é delirante, quando não basta apenas construir campus em
espaços mais distantes do centro da cidade, mas é mais fácil e mais rápido silenciar
tais cursos no seu apagamento dos currículos das escolas, na base nacional comum
curricular, ou simplesmente dizer que: “Não é adequado usar dinheiro público em
tais cursos, o ideal é direcionar esses investimentos a cursos mais sérios, por
170
exemplo, medicina ou engenharia.”
Ou o que dizer de um tempo marcado por uma sucessão de fatos arbitrários e
insensatos desprovidos de sentido?
Ainda em março, envolvida com as questões que são comuns ao início do ano
letivo em uma escola com 450 estudantes de anos finais e ensino médio, procurava
com urgência um professor de filosofia, acreditem eles são raros e muito difíceis de
achar, e muitas vezes, ainda hoje, quem ocupa esse lugar é o professor com
licenciatura em geografia ou história. Principalmente em cidades pequenas do
interior. Além de raros, os professores de filosofia têm uma carga horária pequena, e
algumas vezes restrita ao ensino médio. O que torna ainda mais difícil encontra-los
nas cidades pequenas. Já em desespero, na segunda quinzena de março consegui
contratar um professor de filosofia, com mestrado e que percorre 320 quilômetros
por semana para fechar a carga horária de 40 horas lecionando em três cidades
próximas.
O campo curricular é um campo de batalha de forças econômicas, mais do que
políticas, subtrair a Filosofia, assim como a Sociologia e a Arte do currículo é um
risco que corremos todos os dias. Em uma das reuniões pedagógicas que acontecem
na escola todas as semanas solicitei para cada um dos professores de cada uma das
áreas do conhecimento, que fizessem um exercício para tentar convencer os colegas
Exercício 1
Exercício 2
do banco, a letra da música que insistimos em ouvir, flocos finos, singulares, únicos,
delicados, porém afiados. Eles se acumulam e formam uma grossa camada de gelo
sobre nós, se conseguirmos nos mover sob o peso e a pressão que nos causam,
podemos remover com uma pá no final do dia. A ferramenta para a escrita floco de
neve é a pá, que remove em quantidade sem quebrar a estrutura. Os flocos
aparecem no texto, ainda brilhantes e afiados.
Exercício 3
Exercício 4
Referências
VERÍSSIMO, Érico. Olhai os lírios do campo. 24. ed. Porto Alegre: Globo, 1966.
VVAA. Bíblia sagrada. Tradução de Padre Antônio Pereira de Figueredo. Rio de Janeiro:
Encyclopaedia Britannica, 1980. Edição Ecumênica.
ZALLA, J. “Utopia e Paixão”: sociabilidades estudantis e militância política na constituição
do Centro Acadêmico de História da UFRGS – CHIST (1984-1987) in História Agora – A
Revista de História do Tempo Presente, disponível em:
<http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/2010/Historia/a
rtigos/3zalla_artigo.pdf>.
174
1
Este texto foi apresentado no III Encontro Mulheres & Filosofia, realizado na UFMS nos dias 17 e 18
de maio de 2018.
2
Professora adjunta de Filosofia na UFMS; Professora Permanente do PPG de Filosofia da
UNIOESTE; coordenadora do Grupo de Estudos Democráticos (CNPQ):
www.estudosdemocraticos.com.br. E-mail: nunesdacosta77@gmail.com.
espaço é a premissa de que algo ou alguém pode nele aparecer, enquanto outros
devem ficar de fora. A noção de ‘espaço público’ foi construída sobre o seu ‘outro’, o
‘espaço privado’, ocupado exclusivamente por mulheres.
Daqui não é difícil dar os passos seguintes, e desvelar toda uma lógica que nos
acompanha até hoje, quer seja pelo viés de uma análise do ‘capitalismo’, quer seja
pelo viés de uma análise do ‘patriarcado’. Esta última permite reconstruir as origens
de um discurso (religioso) até à secularização das práticas em que as mulheres
devem naturalmente obediência aos homens. A primeira, a análise do capitalismo,
permite compreender como o próprio modo de produção capitalista só se pode
consolidar tendo já naturalizado a lógica patriarcal, sendo sobre ela que se consolida
igualmente a distinção esfera pública/esfera privada. A esfera pública é a esfera do
homem, do trabalho fora de casa, onde o valor é produzido e reproduzido. A esfera
privada, é a esfera da mulher, de dentro de casa, que não tem valor (e valor é sempre
valor social) aparente. Porém, isso é apenas aparência pois sem esse trabalho
tornado sem valor (dentro de casa) não seria sequer possível o trabalho no espaço
público. Ou seja, o trabalho invisível das mulheres é condição necessária ao sistema
capitalista.
Expliquei no livro Ensaios no Feminino as nuances e evolução dos conceitos e
relações entre visibilidade/invisibilidade, capitalismo e patriarcado. Aqui, quero
explicar como cheguei ao tema de hoje. 176
Se o espaço público é tradicionalmente ocupado por homens, isso reflete-se no
nosso aparato teórico e no nosso olhar: o que tem valor está fora; esse fora é
ocupado por homens; homens têm (mais) valor; as mulheres não têm (tanto) valor;
e mesmo quando aparecem no público a sua presença é desvalorizada, o seu valor é
desigual.
Esta crença, este dogma, esta leitura estereotipada da realidade atua sem
darmos por isso. Olhemos em nossa volta: quantas mulheres na esfera pública são
‘referência’ nos nossos debates, nas nossas reflexões, no nosso diálogo? Quem faz a
mediação entre o nosso pensamento e o pensamento dos outros? Ou se quiserem,
pensem por outro ângulo: a própria noção de ‘intelectual público’. Esta noção,
embora seja em teoria neutra quanto à questão de género, é na prática aplicada a
um papel desempenhado predominantemente por homens, de forma a que a
história das mulheres enquanto intelectuais tende a permanecer desvalorizada. Esta
desvalorização – enquanto processo ativo – traduz-se numa discriminação
institucionalizada (do qual a academia não é exceção) o que explica, pelo menos em
parte, os contra-movimentos considerados ‘feministas’ (e entendo aqui feminismo
no sentido de uma ideologia que advoga uma igualdade radical entre os sexos).
Então, o que significa ser um ‘intelectual público’? O dicionário dá-nos uma
primeira resposta: “um intelectual que expressa posições (especialmente em tópicos
populares’ com intenção de que estas sejam acessíveis a uma audiência geral’’. Mas
será que isto é tão óbvio? Afinal o que significa hoje ser ‘intelectual’? Será que ser
‘intelectual’ significa ter uma profissão relacionada ao intelecto, à academia? O
intelectual é aquele que busca conhecimento? De que forma, e em que sentido?
Quem se dedica à pesquisa científica deve automaticamente ser considerado
intelectual público? Ou essa ‘descrição’ tem um domínio mais vasto? Será que o
intelectual público se define pelo pensamento crítico? E se for pelo pensamento
crítico, pode / deve não ser limitado pela ocupação / profissão que ocupa, isto é,
podemos ter intelectuais públicos no meio da academia mas também de outras
áreas? O ‘intelectual público’ é aquele que tem domínio específico da sua própria
área, isto é, ele é um ‘especialista’? Sendo especialista, como pensamos a hierarquia
dentro do exercício da sua função? Precisamos agora dar mais atenção ao termo
‘público’ – o que este ‘público’ significa? Significa falar, dirigir-se fisicamente para
um público? Mas então, qualquer pessoa que fale em público exerce o papel de
intelectual público? Se assim fosse, todos os professores seriam naturalmente
intelectuais públicos, mas sabemos que não é o caso. Então, será que não tem
apenas a ver com o público ao qual o discurso se dirige, mas também o ‘tema’
tratado e a forma de tratamento que lhe é dada? O intelectual público fala de que
lugar? De um lugar público ou privado, de uma universidade pública ou de uma
instituição privada?
177
A estas podemos acrescentar um número vasto de outras questões: qual a
relação entre o intelectual público, a verdade e o conhecimento? Ele/ela falam de
um lugar privilegiado? Quais as suas características, como o classificar?
Vejam que há diferentes possibilidades: podemos pensar no intelectual público
como especialista; como crítico, como aquele que denuncia o que está errado, como
astro ‘pop’ que contribui para a divulgação de ‘conhecimentos’, mas devemos incluir
hoje o papel das redes sociais, pois elas transformaram significativamente a ‘esfera
pública’. A esfera pública constrói-se a partir de dentro; ela não reside apenas no
‘fora’ tradicional (pensemos que Habermas falava dos jornais e revistas como meio
original que constituiu a própria definição desse espaço, no século XIX). A cisão
entre detentores dos meios de comunicação e consumidores de comunicação
também está fragmentada. Não entrarei nas implicações de todos estes aspectos; o
meu propósito era mais modesto, apenas mostrar a complexidade de uma expressão,
de um termo, que geralmente tomamos como ‘óbvio’.
Se olharmos como na história este conceito/ categoria vem sido exemplificada,
vemos que a maioria dos exemplos são de homens. Isso encontra explicação nas
naturalizações históricas e internalizações de desigualdades socialmente
construídas. Mas então, como nos posicionamos hoje em relação a mulheres que
ocupam esse espaço público? Ou seja, o que eu quero que façam é que olhem para o
modo como recebem as informações, as críticas, os conteúdos? Esse modo varia caso
seja homem ou mulher? Se sim, por que será que isso acontece? E como
transformar?
Quero dar-vos apenas dois exemplos. O primeiro, Olympe de Gouges e Mary
Wollstonecraft. Olympe de Gouges escreve a Declaração dos Direitos da Mulher e da
Cidadã (1791) como resposta à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
(1789). Mary Wollstonecraft escreve Reivindicação dos Direitos da Mulher (1792).
Ambas as autoras, contemporâneas da Revolução Francesa, podem ser vistas como
intelectuais públicas: elas ‘entram’ na ‘esfera pública’ da sua época, escrevendo
panfletos ou livros – as suas posições são divulgadas amplamente no meio por elas
frequentadas. Ambas partem do pressuposto iluminista do ‘direito natural’; ambas
denunciam a contradição de promover um discurso de igualdade e liberdade à conta
da exclusão de metade do género humano. Elas fazem-no de forma clara; elas dão
argumentos e mostram como o discurso universalista está condenado se perpetuar a
lógica da dominação. Mas mais do que isso. Elas afirmam-se como exemplos de algo
muito mais forte e mais fundamental: elas reivindicam o próprio direito de existir –
de existir publicamente. O ethos da mulher é por isso diferente do ethos do homem.
O homem fala e é ouvido; o homem fala porque ele já existe, isto é, ele já é
reconhecido como homem, i.e, como igual e livre, detentor do direito de aparecer
(isto é, do direito de ser para os outros); a mulher não. O direito à existência não é
dado anteriormente; ele é criado pelo ato da fala e da escrita; à mulher não lhe é 178
dado o direito de falar, de participar, de existir politicamente – o que é no mínimo
curioso o fato de que no contexto revolucionário francês, as mulheres terem sido
proibidas de participar politicamente, ao mesmo tempo que a figura que representa,
visível e simbolicamente a liberdade, é a figura da mulher (representação nos
quadros, nos panfletos, etc.). Retomo, porque à mulher não lhe é reconhecido esse
direito (que seria um direito natural), ela deve conquistá-lo pelo ato de se recriar,
como sujeito/ sujeita, a partir da palavra. O ato da escrita torna-se ato existencial, de
afirmação do eu; a criação de uma voz que insistiam em negar, abafar, suprimir,
matar, silenciar. E esse ato revolucionário de existência para os outros a partir da
escrita conviveu de forma flagrante com a negação dos direitos universais, que
estavam sendo proclamados, de cidadania. A mulher não era cidadã; à mulher não
lhe foi concedido o direito de construir o novo mundo da igualdade. Sobre a mulher
foi construída a promessa de uma igualdade eternamente desigual, pelo menos
enquanto durar a própria ideologia da qual é refém. Mary Wollstonecraft e Olympe
de Gouges cumpriram o seu destino como intelectuais públicas – elas reivindicaram
o seu lugar na história, na história revolucionária, na história do pensamento, na
história e percurso sentido das mulheres. Elas denunciaram o erro da narrativa
iluminista e rousseauniana; elas denunciaram a injustiça da desigualdade de género
e da desigualdade racial (ambas estavam comprometidas com a abolição da
escravatura), elas denunciaram os limites da Razão e do próprio projeto de
esclarecimento humano.
160 anos mais tarde escreve Simone de Beauvoir O Segundo Sexo. Também ela
se afirmou como intelectual pública – e a sua obra é marco exatamente porque
obrigou a romper, e rompeu de fato, com a hegemonia do discurso masculino. Mas
Beauvoir fez mais do que isso: ela obrigou à revisão das nossas convicções mais
profundas e ao confronto com os nossos preconceitos mais naturais. Ela foi
intelectual pública exatamente porque ela se mostrou pela escrita a um público e
contribuiu para a criação de uma pauta que antes não existia. Até hoje trabalhamos
no horizonte dessa pauta desenhada por ela.
Poderia acrescentar uma outra referência, a saber, Hannah Arendt. Arendt é
sem dúvida um exemplo de uma intelectual pública, mulher; mas ela é mais do que
isso – ela dá-nos não só uma ‘crítica da condição presente’ como sobretudo um novo
meio para pensar em conjunto. Como? Subvertendo, transformando as categorias
tradicionais da teoria política. A sua escrita, que é ao mesmo tempo cativante e
perturbadora (porque nos faz navegar pela própria experiência do pensamento sem
necessariamente se cristalizar e sem se deixar sistematizar) pode ser interpretada
como um convite – um convite a pensar em conjunto. É isso, afinal, que nos
distingue de todos os outros seres vivos: o juízo enquanto capacidade de pensar com
os outros, um pensamento que é necessariamente inseparável da presença dos
outros.
Os exemplos foram breves, mas quero terminar com uma reflexão. 179
As quatro mulheres pensadoras, autoras, intelectuais públicas que mencionei
partilham de uma perspectiva que as torna intelectuais públicas: 1. Todas têm
conhecimento ‘teórico’; 2. Todas têm conhecimento prático (i.e., sentem na pele); 3.
Todas pensam criticamente, i.e., os seus textos revelam uma crítica bem
fundamentada da ‘ordem’ dominante na qual se inserem; 3. Todas escrevem na
intenção de transformar o que é, fazendo do texto um instrumento de denúncia e
combate à injustiça. De onde falam? De um lugar que sim, partilha, a ideologia
dominante; porém, elas criticam essa mesma ideologia, mesmo sem a querer (ou
poder) superar.
E hoje? Qual o papel do intelectual público, mas mais precisamente, qual o
papel da mulher como intelectual pública? Que papel pode ter a mulher como
intelectual pública no Brasil?
A resposta deve ser dada por partes. Em relação à primeira, é preciso perceber
que só há intelectuais públicos e públicas se, e enquanto, houver público – não
apenas um público receptor/passivo, mas um público engajado, um público leitor.
Habermas, numa entrevista recente3 disse que hoje nos deparamos com inúmeros
obstáculos para que esse ‘espaço’ de troca possa efetivamente existir. Por um lado,
temos o problema da privatização dos meios de comunicação e tudo o que isso
3
Ver https://elpais.com/elpais/2018/05/07/inenglish/1525683618_145760.html
implica (Brasil e EUA são exemplos chocantes desse fenómeno); por outro, o
problema da mercantilização visível na internet, para não falar de um outro
fenômeno que é as fake News. Neste contexto, aquele ou aquela que se candidata a
desempenhar este papel – de intelectual pública – não terá um percurso fácil, a não
ser que ceda aos ‘avanços’ e imperativos capitalistas, liquidando a própria promessa
que o ato encerra em si.
Ora, para uma mulher a tarefa é ainda mais difícil – por ser mulher, sem
dúvida. Mas também pela tarefa implicada: não basta hoje ‘falar’ em tom de
especialista; é preciso falar como mulher que pensa e quer pensar com os outros, para
lá das disciplinas e das dicotomias, para lá das compartimentalizações e reduções;
para lá dos egos auto-insuflados que buscam nichos que visibilidade quase imorais...
Por isso, de onde deve a mulher, intelectual pública, falar?
Desse lugar que se constrói na crítica do espaço que ela mesma ocupa. O lugar
da desconfiança, da suspeição, mas também o lugar que se faz ele mesmo a partir da
questão e do confronto, da não aceitação, da rebelião, da resistência. O lugar que se
cria por oposição ao que é errado e que se orienta por alguma ideia de justiça. A
mulher enquanto intelectual pública deve criar e ocupar esse lugar: o lugar do não
conformismo, o lugar da desobediência, inclusive, e talvez ainda mais importante
hoje, da desobediência às ideologias que, por se tornarem tão dominantes se
tornaram rígidas, inflexíveis, e por isso facilmente perigosas. Rousseau dizia que era 180
preciso educar a mulher para a obediência e docilidade4, pois via nela, ou melhor,
via em todas as mulheres o potencial da subversão e da irreverência. Ele sabia, como
talvez tantos outros homens, que as mulheres não podem ser realmente
controladas; que elas representam um perigo à ordem masculina. E ele estava certo.
Porém, toda esta resistência tem de ser conjunta; toda esta denúncia tem de
manifestar a união de muitas, uma união que guarda em si a pluralidade das
experiências; toda esta crítica deve traduzir o movimento existencial, concreto, de
mulheres reais que pensam em conjunto. A mulher, ou melhor, as mulheres
enquanto intelectuais públicas no Brasil devem contribuir para refazer a própria
‘esfera pública’ e o que nela é incluído, isto é, devem contribuir para introduzir
novas pautas e novas lutas e devem dar o exemplo, lutando contra a ‘pseudo’ cultura
que nos prende numa cacofonia cada vez mais ampla e absorvente a cada dia que
passa – se as mulheres, no seu papel de intelectuais públicas, derem o exemplo do
questionamento das bandeiras e ideologias que inclusive elas mesmas levantaram
num determinado momento da história, talvez se criem as condições para um novo
horizonte de luta e de atribuição de sentido à nossa vida em comum.
Referências
4
Ver Emílio.
181
Filosofia da Educação
FÁBIO BATISTA1
1
Doutorando no Curso de Pós-Graduação (Stricto sensu) em Filosofia pela Universidade Estadual do
Oeste do Paraná – UNIOESTE. E-mail: fabiobatista1985@bol.com.br.
discípulo aquele que deseja a verdade. Velasco também enfatiza que a filosofia
hindu implica a prática de uma forma de vida, isto é, que há uma identidade entre a
filosofia e a vida.
Todavia, diz nosso autor, o ocidente pôs em questão a verdade representada
pelo mestre e potencialmente adquirida pelo discípulo: o que é esta verdade?
Podemos conhecê-la de forma plena? Ainda: “o educador é possuidor da verdade”?
“Cabe transmiti-la ao discípulo, esperando dele obediência cega, reverência e
serviço”? (VELASCO, 2018, p. 14). Isso porque o mestre hindu é um sábio, diz
Velasco, Sócrates, na Grécia clássica, é um filósofo, alguém que tem amizade ou
amor pelo saber e a sabedoria, e se dedica a buscá-los. A verdade, no caso da
filosofia socrática, confundir-se-á com a definição correta buscada por meio do
diálogo entre Sócrates e os seus interlocutores. “Agora, assim como se exigia na
Índia, também os mais insignes nomes da filosofia grega clássica defenderam a ideia
de que o ensino do mestre deveria ter um eco perfeito na sua conduta para
demonstrar sua solidez” (VELASCO, 2018, p. 17).
Da antiguidade passamos a Rousseau no século das Luzes: como o filósofo
genebrino compreende a relação mestre-discípulo em sua filosofia da educação?
Primeiro há que se dizer que Rousseau não passa na prova da concordância entre
pensamento e vida, pois observa Velasco que o filósofo e autor do Émile entregou
seus filhos a orfanatos, isto é, Rousseau apenas se dedicou ao aspecto teórico sem 183
levar em consideração a prática. Embora, certamente e independente disso, seu
pensamento sobre a educação seja de importância ímpar à filosofia da educação.
No seu Émile (1762) ao tratar da relação mestre-discípulo mostra “o que pode a
educação de um homem” (VELASCO, 2018, p. 25). Émile passa assim por cinco
etapas formativas demarcadas pela idade, do berço até o casamento, passando pela
educação corporal, a aprendizagem de um ofício e posterior conhecimento
especializado como a astronomia e as ciências naturais. Entre os quinze e vinte
anos, passado já então por três fases, ele é introduzido na sociedade.
O filósofo uruguaio, Vaz Ferreira, também está entre os pensadores que
dedicaram atenção ao problema da educação, considerando aspectos da educação
doméstica e social, e a relação entre ciência e pedagogia, ou entre a tríade, ciência,
pedagogia e filosofia, cabendo à ciência as questões e esclarecimentos sobre “o que o
ser humano é, enquanto que a Filosofia (e a Pedagogia) lhes cabe o que se quer que
o ser humano seja”, diz nosso autor (VELASCO, 2018, p. 33) citando Vaz Ferreira.
Sobre a relação entre educador e educando, diz Vaz Ferreira, que ela
compreende a dimensão teórica, mas também afirma que o ensino da moral é
teórico e prático. E ainda que o educando deve ter uma mente aberta, uma atitude
crítica e consciente daquilo que ignora. No entanto, não dispensa, no nível médio de
ensino, que o professor assuma uma postura diretiva.
186
FABIO RAIMONDI2
Abstract: The researches on the relation between Marx and the so-called hard sciences are
now quite broad, albeit inferiors to that of other fields. Of lesser magnitude, however, are
the researches on the relation between Marx and the technology. Despite numerous
contributions, there is still a very arduous path to be followed in order to clarify the relation
that Marx and Engels had with the scientific knowledge available in their time and its
importance for the formation of their political thinking. The purpose of this article is to
offer a first contribution, in the form of a hypothesis, to clarify what Marx understood as the
“critical history of technology” and what relation of that had with the Darwin’s Origin of
Species.
Keywords: Marx. Darwin. Technology.
1
A versão completa do presente artigo está disponível em:
http://eprints.sifp.it/356/1/MARX_e_DARWIN.pdf
2
Professor da Università di Udine, Itália. E-mail: fabio.raimondi@uniud.it
3
Tradutor do texto. Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Unioeste. E-
mail:douglasfedel@gmail.com; douglasfedel@hotmail.com
Essa história deveria ser social e crítica: tanto porque o homem social é o
homem organizado em sociedade pela extensão da produção (cf. RABINBACH, 1990,
p. 73), quanto porque não faz abstração da tecnologia como base material da
produção da vida humana, de suas relações sociais e de suas ideias (cf. também
MARX, 1980, p. 214). O paralelismo com Darwin é construído sobre a analogia entre
a tecnologia natural e os órgãos produtivos do homem social. Combinando os dois
aspectos, poderíamos dizer que o propósito de Marx seria uma história evolutiva da
produção (natural), por parte do homem social, de seus órgãos artificiais. Desse
modo, Marx coloca sua investigação na esteira da “visão tecnológica da evolução
[technological view of evolution]” (CORNELL, 1984, p. 313) traçada por Darwin,
ocupando-se sobre como os órgãos artificiais e produtivos do homem social se
*
Optamos por traduzir as citações de Marx e Engels diretamente do italiano. Contudo, para isso,
servimo-nos das seguintes edições em língua portuguesa como apoio: ENGELS, Friedrich. A situação
da classe trabalhadora na Inglaterra. Trad. de B. A. Schumann. São Paulo: Boitempo, 2010. MARX,
Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I: o processo de produção do capital. Trad. de
Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013. MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro
II: o processo de circulação do capital. Trad. de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2014. MARX,
K. O capital: crítica da economia política. Livro III: o processo global da produção capitalista. Trad.
de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017. MARX, K. Teorias da mais-valia: história crítica do
pensamento econômico. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. Vol. III. São Paulo: DIFEL, 1985 (N. do
T.).
introduziriam na história natural (cf. VADÉE, 1998, p. 375 ep. 378-380), ou seja, na
perspectiva de uma “interpretação tecnológica da história da vida, que faz da
natureza um agente externo em si mesmo à imagem do homem, e, ao mesmo
tempo, um produto de forças externas como os organismos sob o controle do
homem [a technologica linterpretation of the history of life that makes nature both an
external agent itself in the image of man and at the same time a product of external
forces like the organisms underman’s control]” (CORNELL, 1984, p. 320). Essa
hipótese é corroborada seja pelo fato de que a ideia daquilo que Marx chamou de
“tecnologia natural” tenha sido derivada do estudo de Darwin acerca das técnicas de
criação [allevamento], como pelo fato de que essas últimas estão ligadas ao
problema da “acumulação” (cf. ao menos DARWIN, 1994, p. 199, p. 213-214). Assim,
Marx procurou inserir-se na perspectiva darwiniana (talvez para completá-la?)
através de uma “história crítica da tecnologia”:
4
A história humana também procede movida por fins propriamente humanos. O “neolamarckismo”
de Marx e Engels nasce de Haeckel, que, em sua recepção de Darwin, diante do problema para
explicar quais teriam sido as causas das variações e o mecanismo de sua hereditariedade, usou a
teoria lamarckiana da hereditariedade das características adquiridas, embora continuasse a falar de
“seleção natural”, produzindo, assim, certa confusão. Marx e Engels adotaram a proposta de Haeckel
(cf. BENTON, 1979, p. 113-114 e p. 133), mesmo que isso não afete seu “darwinismo”.
5
Em Marx a “história natural chega a subsumir sob si a história humana, do mesmo modo que a
história humana chega a subsumir a história natural” (cf. KRADER, 1978, p. 213 e SCHMIDT, 1969).
Esse movimento, mais que alienação (como afirma Krader), é a “objetificação progressiva ou
exteriorização do conhecimento, memória e gestos em artefatos que tornam possível a real
subsunção do trabalho” (cf. BRADLEY, 2011, p. 33-34).
6
Entiwicklungsgangnão é uma referência a Darwin, que usa evolution somente na sexta edição da
Origem das espécies (1872; cf. DESMOND, MOORE, 1992, p. 672), a qual Marx não cita. “Evolução”
indicava, na linguagem comum, o “aparecimento, em sucessão ordenada, de uma longa série de
eventos e, ainda mais importante, continha um conceito de desenvolvimento progressivo: uma
ordenada expansão do simples ao complexo [...]. É com esse significado que Darwin usou o verbo
evoluir”, e não tanto para definir aquilo que ele chamava de “descendência por modificação”, que não
implicava absolutamente uma ideia de progresso, uma vez que não portava consigo o juízo de
“definir um organismo como ‘superior’ ou ‘inferior’”. Um forte impulso à sinonímia, não darwiniano,
entre “evolução”, “descendência por modificação” e “progresso” veio de Spencer, que em “seus
FirstPrinciples de 1862” definiu a “evolução” como uma “integração da matéria e uma concomitante
dispersão de movimento no curso da qual a matéria passa de uma homogeneidade indefinida e
coerente para uma heterogeneidade definida e coerente” (cf. GOULD, 1990, p. 28-30).
7
A manufatura surge como a “combinação de diferentes ofícios sob o comando de um mesmo
capital”, ou como ocupação simultânea “na mesma oficina, por parte do mesmo capital, [de] muitos
artesãos que fazem a mesma coisa ou coisas análogas”; por meio da pressão de “circunstâncias
externas”, o trabalho desses últimos é “subdividido [e, posteriormente,] essa subdivisão casual se
repete, manifesta suas vantagens peculiares e, pouco a pouco, se ossifica, se tornando a sistemática
divisão do trabalho” (cf. MARX, 1980b, p. 379-380, grifo nosso). Talvez Marx não tenha entendido a
“seleção natural” (cf. ao menos CHRISTEN, 1982, p. 53-66 e LECOURT, 2007, p. 20), mas essa
passagem, a “seleção cumulativa, onde a “natureza fornece uma série de variações e o homem as faz
convergir nas direções a ele convenientes” (cf. DARWIN, 1994, p. 213), e o aparecimento casual de
uma variação que, revelando-se útil, é selecionada e acumulada, ou seja, transmitida às gerações
futuras por via hereditária (cf. DARWIN, 1994, p. 217-218) propõe uma sequência – “variação casual,
repetição (hábito), seleção, acumulação (ossificação, instituição), transmissão (hereditariedade)” –
que Marx apenas pode ter aprendido com Darwin (cf., por exemplo, DARWIN, 1994, p. 214 e MARX,
1980b, p. 382).
Embora não citado, Darwin está muito presente (cf. DARWIN, 1994, p. 285-
192
288), mesmo que Marx enfatize que a análise político-econômica deva separar-se de
Darwin, como se a analogia servisse apenas para marcar uma específica diferença,
cujo indicador [spia] se encontra na referência à “lei social”. O conteúdo daquilo que
é hereditário na natureza é decretado como lei somente no mundo humano, onde as
variações, selecionadas, acumuladas e transmitidas pela via hereditária tendem a se
tornar leis, às vezes imperativas, que a sociedade se preocupa em defender,
conservar e reproduzir8. Em “um certo estágio [grado] de desenvolvimento” das
sociedades humanas entra em jogo uma dinâmica política que visa governar a
acumulação por hereditariedade. A sociedade e a política são, no mundo humano,
os fatores que, unidos àqueles naturais e técnicos, determinam a variação, a seleção,
a acumulação e a hereditariedade. Isso demonstra que a política, apesar de ancorada
na estrutura biológica do ser humano, tem leis próprias, o que, todavia, não implica
em sua total autonomia.
Além disso, esses fatores são decisivos na produção da consciência científica
(cf. CORBELLINI, 2013, p. 121), como emerge quando se procura fixar o critério da
produção das variações:
8
Esta é a “imanência”, igualmente ideológica da “transcendência”, porque é a hipostatização de uma
tendência histórica em lei da história.
A passagem de uma forma de produção para a outra envolve a evolução dos 193
instrumentos de trabalho:
9
Em seguida, Marx especifica que, na manufatura, as ferramentas, uma vez que tenham alcançado a
“forma adequada”, são “enrijecidas”, sendo transmitidas inalteradamente “por milênios”, enquanto
isso não acontece na fábrica (cf. MARX, 1980b, p. 532-533).
10
Carta de Marx para Engels em 28 de janeiro de 1863 (ENGELS, MARX, 1974a, p. 321).
11
Ver as analogias com a “correlação de crescimento [sviluppo]” darwiniana (cf. DARWIN, 1994, p. 203
e p. 220). As modificações tecnológicas dentro da fábrica repercutem externamente, o que, porém,
não é mero reflexo, como Marx (1993, p. 69) parecia afirmar em uma célebre passagem na Misère de
laphilosophie.
12
“A reforma da agricultura, e, portanto, também essa merda de propriedade sobre a qual ela se
funda, é o alfa e o ômega da futura revolução. Sem isso, o pai Malthus tem razão” (carta de Marx para
Engels em 14 de agosto de 1851, em ENGELS, MARX, 1963, p. 314).
13
Cf. carta de Marx para Engels em 18 de junho de 1862 (ENGELS, MARX, 1974a, p. 249) e para Laura
e Paul Lafargue em 15 de fevereiro de 1869 (ENGELS, MARX, 1974b, p. 592).
14
E muitos outros marxistas (cf. MACKENZIE, 1984, p. 474-477), seguidos pelos defensores do assim
chamado “determinismo tecnológico” (cf. MARX, SMITH, 1994 e SHAW, 1979).
**
Luddismo: movimento de trabalhadores originado na Grã-Bretanha por volta de 1810, que possuía o
objetivo de sabotar o maquinário introduzido nas indústrias, que era considerado como a causa do
desemprego e dos baixos salários (N. do. T).
15
No curto prazo, o maquinismo capitalista é devastador (cf. MARX, 1970, p. 387-94; MARX, 2002, p.
77-78) e de nada serve as barreiras educativas e legislativas (cf. MARX, 1980b, p. 437-462, p. 533-537
ep. 549), mas a longo prazo a situação pode mudar (MARX, 1970, p. 394-395 e p. 401-402). Sobre isso,
cf. também RAIMONDI, 2018.
Referências
ADLER, P. S. “Marx, Machines, and Skill”, in Technology and Culture, Baltimore, v. 31, n. 4,
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