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Administracao Publica Claudia Costin

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“Ao apresentar a evolução da administração pública no Brasil, perm eada

de conceitos e exemplos, Claudia Costin construiu um material de estudo


diferenciado e extrem am ente rico para o aprim oram ento da gestão do
Estado. A sua experiência na condução de iniciativas em prol da moderniza­
ção da gestão pública, somada à sua trajetória acadêmica, permitiram elabo­
rar uma ampla visão histórica e conceituai, que aborda desde o Brasil
Colônia até o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.”
Jorge Cerdau

“Há algum tem po a comunidade de especialistas em gestão pública deman­


dava um livro-texto de Administração Pública, pois em tem po relativamente
reduzido —pouco mais de uma década - o interesse pela melhoria da gestão .
dos serviços públicos, no Brasil, tem feito multiplicarem-se os cursos de
graduação e pós-graduação, as escolas de governo, o interesse de servidores , ,s
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e de dirigentes políticos, bem como da sociedade organizada. v
E p o r essa razão que Administração Pública nos chega em boa hora.” v
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Claudia Costin

ADMINISTRAÇÃO
PUBLICA
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reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos,
fotográficos, gravação ou quaisquer outros.

Copidesque: Adriana Kramer

Revisão Gráfica: Caravelas Produções Editoriais

Editoração Eletrônica: DTPhoenix Editorial

Elsevier Editora Ltda.


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ISBN 978-85-352-3225-7

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ocorrer erros de digitação, impressão ou dúvida conceituai. Em qualquer das hipóteses,
solicitamos a comunicação ao nosso Serviço de Atendimento ao Cliente, para que possamos
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Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou
perdas a pessoas ou bens, originados do uso desta publicação.

OP-Brasil. Catalogação-na-fonte.
Sindicato Nacional dos Editores de livros, RJ

C 885a Costin, Claudia


Administração p ú b lic a / Claudia Costin. — Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

Contém questões para aprofundamento


Inclui bibliografia
ISBN 978-85-352-3225-7

1. Administração pública — Brasil. I. Título.

CDD: 351.81
10-1258 CDU: 35(81)
Tive muitos mestres. Alguns me marcaram, de forma particular, na crença
de que é possível uma outra Administração Pública num outro mundo
possível: Maria Augusta do Amaral, Franco Montoro, Paulo Modesto, Luiz
Carlos Bresser Pereira, Pedro Parente, Mauricio Tragtenberg, Evelyn Levy,
Celso Daniel e Nelson Màrconi. Nos outros terrenos, meu pai, sempre. A
estes mestres dedico este livro.
Prefácio
ésss?

o a p r e s e n t a r a e v o l u ç ã o da administração pública no Brasil, permeada


A de conceitos e exemplos, Claudia Costin construiu um material de estudo
diferenciado e extremamente rico para o aprimoramento da gestão do Estado. A
sua experiência na condução de iniciativas em prol da modernização da gestão
pública, somada à sua trajetória acadêmica, permitiram elaborar uma ampla
visão histórica e conceituai, que aborda desde o Brasil Colônia até o governo de
Luis Inácio Lula da Silva.
Ao mesmo tempo em que apresenta esses conceitos, Claudia relata o pro­
cesso de evolução das instituições e o movimento de centralização e descentra­
lização da gestão pública no Brasil, considerando os níveis federal, estadual e
municipal, um tema debatido há décadas e que segue absolutamente atual.
Nesse processo histórico, é claramente possível perceber a evolução do papel
do Estado. Em um passado remoto, sua atuação, por exemplo, era focalizada na
segurança e na arbitragem de conflitos e, ao longo do tempo, assumiu um eleva­
do grau de complexidade. Passou a ser papel do Estado a prestação de serviços
- tais como educação e saúde - , a regulação de atividades, a proteção do meio
ambiente, o desenvolvimento de políticas sociais, entre outros, que tornaram
cada vez mais necessária a gestão eficiente da máquina pública, considerando a
escassa disponibilidade de recursos e as crescentes demandas da população.
Nos dias de hoje, o Estado não tem apenas a função de atender as neces­
sidades de sua comunidade, mas também de promover o desenvolvimento da
sociedade como um todo, diante da escalada da competitividade no mercado
internacional. Além disso, é preciso debater sobre os papéis do Estado nos pró-
Isso quer dizer que o Estado deve focalizar sua atuação em áreas prioritárias
e não atuar em setores nos quais a iniciativa privada tem m aior experiência
de gestão e, consequentemente, maior capacidade de fazer mais com menos
recursos.
Também cabe destacar as análises realizadas em relação à estrutura do Es­
tado no que concerne aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e que en­
volve, ademais, o Ministério Público. A harmonia e a conjugação desses poderes
têm sido oneradas pela exigência de agilidade de forma a atender a premência
das demandas da sociedade.
Portanto, o Estado, diante dessa realidade, deve, cada vez mais, entender as
expectativas da sociedade nas áreas da economia, educação e saúde, assim como
oferecer melhores condições para o Brasil competir m undialmente e gerar mais
empregos e divisas. Acredito que esse é um dos maiores desafios do país, em
razão da complexidade dos temas e da sua vinculação com a política.
No final da década de 1990, tive a oportunidade de trabalhar com Claudia
Costin, na época ministra da Administração Federal e Reforma do Estado, ju n ­
tamente com o ministro Bresser Pereira, no lançamento do Prêmio Nacional da
Qualidade na Gestão Pública, um a iniciativa voltada para reconhecer, anual­
mente, os melhores cases de gestão na esfera pública. Agora, a sua obra oferece
mais um a im portante contribuição para o aprirnoramento do Estado, desta vez,
a ser utilizada por estudiosos, acadêmicos e futuras gerações de administradores
públicos, estimulando o debate sobre a necessidade de termos um Estado m o­
derno, competitivo e ajustado às novas realidades.

Jo rg e G e rd a u J o h a n n p e te r
Presidente do Conselho de Administração da Gerdau e
presidente fundador do M ovimento Brasil Competitivo (MBC)
Apresentação

Á a l g u m t e m p o a c o m u n i d a d e d e e s p e c ia lis ta s e m g e s tã o p ú b l ic a d e m a n ­
dava um livro-texto de Administração Pública, pois em tempo relativamen­
te reduzido - pouco mais de uma década - o interesse pela melhoria da gestão dos
serviços públicos, no Brasil, tem feito multiplicarem-se os cursos de graduação
e pós-graduação, as escolas de governo, o interesse de servidores e de dirigentes
políticos, bem como da sociedade organizada. A ampliação e reestruturação dos
serviços públicos e a redistribuição das responsabilidades entre os entes federa­
dos tem aumentado o contingente de servidores e o número de áreas em que o
poder público se faz presente. Ao lado desses aspectos quantitativos, observam-
se mudanças qualitativas, cuja intensidade não é menor. A saudável competição,
trazida pela democracia, tem dado ensejo a uma intensa experimentação por
parte de governos locais, estaduais e da União. Tem igualmente induzido à bus­
ca de uma revisão nos modos de operação da Justiça e do Legislativo. Inovações
são produzidas em todos esses nichos, em busca de maior eficiência, efetividade,
transparência e participação dos cidadãos. Existe, portanto, um a efervescência in­
telectual nesse campo, como há muito não se via. Não se quer aqui admitir que a
Administração Pública no Brasil apresente graus de excelência em toda parte, ou
que antigas mazelas tenham desaparecido. Mas, há sim um movimento positivo,
que se expressa fortemente onde a sociedade se faz presente e onde os dirigentes
públicos assumem a liderança que lhes é requerida e incentivam os funcionários
a desenvolverem suas competências. Nem sempre a mídia capta essa variedade e
criatividade que se realiza às vezes nas localidades mais remotas do país. Mas, por
exemplo, através dos diversos prêmios de inovação, criados por diversas institui-
x I A dm inistração Pública ELSEVIER

Trata-se talvez de um momento de florescimento na relação entre socie­


dade e Estado, em que objetivos seculares começam a ser conquistados. Como
observou o historiador Eric Hobsbawn, em meados dos anos 1990, depois dos
brasileiros constatarem a.crise que se abatia sobre o país, depois de analisá-la,
eles começaram então a enfrentá-la. E esse enfrentamento coletivo, que se dá
pela construção de amplos consensos, se concretiza, em grande medida, pela
atuação das organizações públicas.
É por essa razão que Administração Pública nos chega em boa hora. Pois a
busca por conhecimento sobre a operação da máquina estatal, os valores que de­
vem norteá-la e as possibilidades de aperfeiçoá-la cresceram consideravelmente.
Mas, se esse trabalho não nos chegou antes é por que escrever um livro-texto
exige m uita coragem. Pois nele se desenvolvem os fundamentos sobre os quais
futuramente irão ser construídas as práticas da vida pública. É semeadura em
campo limpo: se as sementes forem fracas não trarão nem colheita abundante
nem de boa qualidade.
Por este livro, no entanto, a iniciação (ou a revisão) se dará por caminhos
traçados por mãos criteriosas. Além de rigor, quem navegar por essas páginas,
irá encontrar, ao mesmo tempo, um retrato - analítico e crítico - das instituições
da Administração Pública no Brasil contemporâneo e sua evolução histórica. E
por se tratar de um texto saboroso, escrito por quetn tem por paixão a literatura,
fará essa viagem provavelmente com encantamento e muito interesse.
Logo, faltava alguém com coragem. Mas coragem talvez seja um a das carac­
terísticas mais notáveis da autora. Egressa dos cursos de Administração Públi­
ca da Fundação Getulio Vargas, Claudia se engajou precocemente em embates
políticos severos. Pouco depois iniciou uma carreira de sucessivos e grandes
desafios no Governo Federal, onde chegou à ministra de Estado; no Governo
do Estado de São Paulo, no qual foi Secretária da Cultura; no Banco Mundial;
na Fundação Vitor Civita; e agora, enquanto Secretária Municipal da Educação
do Rio de Janeiro. Em todas essas situações, Claudia Costin tem deixado um
im portante legado e foi construindo o entendimento que agora compartilha co­
nosco. Portanto, é de conhecimento e de coragem que é feito esse livro, não por
acaso ingredientes essenciais com os quais se deve construir também a Admi­
nistração Pública.

E v ely n L evy
Introdução

ste livro resulta de uma paixão. Desde menina, debatia-me com questões
E relativas ao que é coletivo e merece ser transformado. Problemas como o
analfabetismo, a pobreza, as epidemias ou a poluição, influenciaram minha es­
colha de carreira e fizeram-me passar do terreno da militância política para o da
atuação profissional junto a diferentes líderes políticos, de igualmente diferentes
afiliações partidárias.
É também com paixão que o escrevi. Fui aluna da Escola de Administração
de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas, no curso de Adminis­
tração Pública. Gostei imensamente do curso e tive grandes professores. Depois
de toda uma carreira na Administração Pública e de anos de ensino em diferen­
tes cursos universitários, pensei em dialogar com os novos alunos. O que teria
a lhes dizer? Que saberes, fruto do trabalho ou de pesquisas, foram-me úteis
na minha prática profissional ou ajudariam jovens estudantes de graduação a
entender a complexidade da Administração Pública?
Trata-se de um livro introdutório. Procuro dar uma visão panorâmica dos
diferentes temas envolvidos na Administração Pública. Como esta área é, por
natureza, interdisciplinar, há conteúdos do campo da Ciência Política, da So­
ciologia, da Administração e da Economia combinando-se para conformar as
visões apresentadas sobre cada aspecto abordado.
Procurei organizar o livro, pensando em um aluno de primeiro ano do curso
de Administração Pública (ou de uma eletiva em curso de Administração), na
forma de capítulos que poderão, no futuro, merecer um olhar mais detalhado de
rlicritVlina«; pxnecíficas. O aluno poderá também, posteriormente, aprofundar-se
xii I Adm inistração Pública ELSEVIER

em cada uma delas por meio de uma bibliografia sugerida no livro ou por seus
professores.
Podem-se beneficiar com a leitura atenta do livro candidatos a postos eleti­
vos, especialistas em políticas públicas específicas, como profissionais de saúde
pública ou de Educação, que queiram se aprofundar na compreensão da máqui­
na burocrática e nas injunções do Estado na sua operação.
A cada capítulo, incluí uma parte conceituai que caminha junto com a legis­
lação, a evolução histórica da área no Brasil e questões para trabalhar em sala ou
como forma de aprofundamento por alunos. No capítulo sobre Administração
Tributária, por exemplo, mostro não apenas o que são tributos e como se estru­
turam no país, mas sua evolução histórica, desde os tempos do Brasil Colônia.
Um alerta: dada a natureza da Administração Pública, regulada que é pela
Constituição e por leis, mudanças legais podem tornar aspectos do livro ultra­
passados. Neste sentido, procurarei realizar atualizações sempre que necessário,
embora ocasionalmente possa haver um intervalo de tempo entre a mudança
legal e uma eventual nova edição do livro.
Parte deste livro foi elaborada durante o tempo em que atuei na Fundação
Victor Civita e dava aulas de Economia das Políticas Públicas no então IBMEC-
SP; outra, enquanto estive no Canadá, como professora visitante da Escola Na­
cional de Administração Pública da Universidade de Québec. As três institui­
ções me ajudaram de diferentes formas no trabalho e sou-lhes muito grata por
isso. Na fase mais recente da elaboração contei com a ajuda do pesquisador Fe­
lipe Asensi, a quem igualmente agradeço. Minha família teve que compartilhar
o pouco de tempo de que dispunha à noite, quando não envolvida com meus
compromissos profissionais, com o livro. Ao Nabuco, Marina e Maurício, m eu
sincero agradecimento e pedido de desculpas pela paixão da sua esposa e mãe.
Meu maior agradecimento aqui vai ao meu pai, Maurice Costin, imigrante
que escolheu o Brasil como seu país e ensinou-me a amá-lo de forma a desejar
sua transformação. Empresário, soube entender e admirar a opção profissional
da filha a quem transmitiu um rigor ético que, se traz, por vezes, decepções pro­
fundas, permitem-me crer que um a outra ordem de coisas é possível. Sonhar
sempre, transformar com ação competente quando o impossível está pronto
para virar realidade!
Sumário

P?-'-

flr
Capítulo 1
P Estado e a Administração Pública na sociedade contemporânea
1.1. As funções econômicas do Estado e os bens públicos 4
1.2. Evolução histórica do Estado 8
■1.3. O Estado brasileiro 15
1.3.1. Poder Executivo 16
1.3.2. Poder Legislativo 17
1.3.3. Poder Judiciário 18
1.3.4.0 Ministério Público 22
1.4. Questões para aprofundamento 24
1.5. Bibliografia complementar 25

Capítulo 2
A Administração Pública 27
2.1. Administração Pública Direta e Indireta 29
2.2. Três formas históricas de administração 31
2.3. Setores do aparelho do Estado 36
2.4. Evolução da Administração Pública no Brasil 40
2.4.1. A República 47
2.4.2. A Reforma Administrativa de 1967 59
2.4.3. A Redemocratização e a Constituição de 1988 62
2.4.4. A Reforma da Gestão Pública de 1995 68
2.5. Questões para aprofundamento 71
2 .6 . R lK llflfir ífio rA m r ~ > Ip m o n t*a r 79
xiv I A dm inistração Pública ELSEVIER

Apêndice A — Participação de Bresser-Pereira: Pequena história da reforma


gerencial de 1995 74 v

Capítulo 3
Os impostos e a administração tributária 81
3.1. Alguns dos principais tributos brasileiros 83
3.2.0 Sistema Tributário e seus princípios 85
3.3. Evolução do Sistema Tributário Nacional no Brasil 87
3.4. Questões para aprofundamento 94
3.5. Bibliografia complementar 94

Capítulo 4
O orçamento e as finanças públicas 97
4 .1.0 ciclo orçamentário 99
4.2. Princípios orçamentários 100
4.3.0 processo orçamentário e a legislação no Brasil 102
4.4. O ciclo orçamentário, seu calendário e órgãos envolvidos 109
4.4.LO PPA 109
4.4.2. A LDO 110
4.4.3. Orçamento Anual 112
4.5. Conceitos de Finanças Públicas 115
4.6. Resultado primário do governo central 119
4.7. A Dívida Pública 120
4.8. A evolução histórica do orçamento e das finanças públicas no Brasil 121
4.9. A Revolução Institucional da década de 1980 128
4.10. Questões para aprofundamento 137
4.11. Bibliografia complementar 137
Apêndice B — Participação de Tarso Genro: Orçamento Participativo:
a experiência de Porto Alegre 139

Capítulo 5
As relações de trabalho no setor público 149
5.1. Recursos Humanos no Estado Contratual 154
5.2. Conceitos em Gestão de Recursos Humanos e sua aplicação
no setor público 157
5.3. Evolução da Administração de Recursos Humanos no R rasil ifá
ELSEVIER Sumário I xv

5.4. Questões para aprofundamento 179


5 .5 . Bibliografia complementar 180

C apítu lo 6
Administração de recursos materiais e logística no setor público 183
6.1. Administração de materiais e patrimonial no setor público 184
6.2. As compras e as contratações governamentais 185
6.3. As obras e os serviços 190
6.4. Contratação, convênios, parcerias e cooperação em obras e serviços 193
6.5. A evolução da área de Compras e Gestão de Materiais na
Administração Pública Brasileira 196
6.6. Questões para aprofundamento 202
6.7. Bibliografia complementar 203

Capítulo 7
As relações entre o Estado e o setor privado 205
7.1. Mudando um a cultura burocrática 207
7.2. Direitos de propriedade 208
7.3. Excesso e sobreposição de organizações envolvidas na regulação
e no controle do comércio 210
7.4. Modificação frequente da legislação acerca do setor privado 214
7.5. Baixa qualidade da mão-de-obra 216
7.6. Conclusões 217
1.7. Questões para aprofundamento 219
7.8. Bibliografia complementar 220

Capítulo 8
Instituições políticas no Brasil 221
8.1.0 Estado Brasileiro 230
8.2. A Constituição 231
8.3. Poder Executivo 232
8.4. Poder Legislativo 234
8.5. Poder Judiciário 235
8.6. O Ministério Público 237
8.7.0 poder dos estados e das municipalidades 237
8.8. Os partidos políticos 241
o n A . — ..*i
xvi I Adm inistração Pública ELSEVIER

8.10. Os partidos da base de Lula 245


8.11. Os partidos de oposição a Lula 2Í9
8.12. Conclusões 253
8.13. Questões para aprofundamento 254
8.14. Bibliografia complementar 255

Bibliografia 257

>•
Capítulo

O Estado e a Administração Pública


na sociedade contemporânea

se travam sobre o tam anho do Estado ou sua interfe­


u ita s d is c u s s õ e s

M rência na vida econômica. Mais recentemente, debate-se sobre a eventua­


lidade de a globalização destruir os Estados-nação, seja agrupando-os em enti­
dades süpraestatais, como a União Europeia, ou im pondo regras por meio de
organismos internacionais, como o FMI ou o Banco Mundial, que lhes retiraria
parte da soberania. Mas, o que é Estado?
Não se pode iniciar um livro-texto sobre Administração Pública sem uma
definição sobre estes dois importantes conceitos: Estado e Administração Públi­
ca. Por outro lado, nada mais difícil, dada a pluralidade de enfoques, associados
a diferentes orientações políticas.
Opto aqui por um a definição operacional que procura fugir dos embates
ideológicos, sem desconsiderá-los. Neste caso, o Estado é o conjunto de regras,
pessoas e organizações que se separam da sociedade para organizá-la. Essa visão
parte do pressuposto de que o Estado nem sempre existiu, mesmo que algu­
ma forma de organização da sociedade exista até em comunidades primitivas,
como as de povos indígenas, em que as funções de organização da vida em so­
ciedade são exercidas por Conselhos de Anciãos, pelo pajé e pelo cacique. Ob­
serve-se que em nenhum desses casos ocorre uma cisão com a comunidade.
Todo ancião, em princípio, é possível membro do Conselho. O Estado só passa
a existir quando o comando da comunidade é garantido por algum tipo de apa­
relho ou instância especializada que, funcionando de forma hierárquica, separa
claramente governantes e governados. O Estado m oderno — com exceção do
2 I A dm inistração Pública ELSEVIER

direção à modernidade — passa a ser pensado a partir das ideias de representa­


ção e de separação entre o público e o priyado.
Tal Estado moderno, na visão de Weber, detém o monopólio da coerção físi­
ca legítima, ou seja, é a única entidade que pode empregá-la ou delegar seu uso
com a obediência dos cidadãos porque se trata de uma dominação legítima. O
Estado necessita disso para fazer prevalecer a ordem estabelecida, logicamente
defrontando-se com a possibilidade de contraforças que se lhe opõem, como
o crime, invasões externas, interesses comerciais hostis, ou manifestações que
buscam construir outros ordenamentos, por meios não estabelecidos pelas ins­
tituições vigentes.
Em sua versão moderna, o Estado contém um conjunto de organismos de
decisão (Parlamento e governo) e de execução (Administração Pública). Nessa
concepção, a organização estatal possui um a dimensão legiferante — associada
à produção de normas que regerão a vida social — e uma dimensão administra­
tiva — associada ao cotidiano da gestão das instituições e das relações políticas.
Assim, o Estado é mais amplo que o governo ou que a Administração Pública,
como veremos um pouco mais adiante.
Num a outra classificação, o Estado é integrado por três poderes, a que cor­
respondem três funções básicas: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. O pri­
meiro estabelece as leis a serem seguidas por uma sociedade. O Executivo, por
sua vez, tem por responsabilidade im por e fiscalizar a aplicação dessas leis, além
de regulamentar, nas bases por elas previstas, a legislação aprovada pelo Le­
gislativo, implementar políticas públicas, coletar impostos para o desempenho
das funções do Estado e de seus componentes. O Judiciário, por fim, detém a
capacidade de julgar, na maioria dos casos, a correta aplicação da lei e das penas
correspondentes a seu desrespeito.
Investido desses três poderes, o Estado possui um caráter ambíguo: designa
o comando da comunidade, como autoridade soberana que se exerce sobre um
povo e um território determinados e, ao mesmo tempo, representa, por meio de
um a pessoa que o encarna, a Nação. Essa pessoa é o chefe de Estado, correspon­
dente, num país como o nosso, ao Presidente, e, num regime m onarquista como
o inglês, ao rei ou à rainha.
Bresser-Pereira (2004, p. 4) estabelece um a distinção entre Estado-nação e
Estado. Para ele, enquanto o Estado-nação é o “ente político soberano no con­
certo das demais nações, o Estado é a organização que, dentro desse país” tem
o poder de legislar e tributar a sociedade. O autor associa ao Estado tanto uma
dimensão de organização com “poder extroverso sobre a sociedade que lhe dá
origem e legitimidade” quanto o sistema constitucional-legal “dotado de coerci-
bilidade sobre todos os membros do Estado Nacional”.
ELSEVIER Capítulo 1: O Estado e a Administração Pública na sociedade contem porânea | 3

Há basicamente duas formas de Estado: o Estado Unitário e o Estado Fe­


derativo. No primeiro caso, o país é governado a partir do governo central que,
embora possa delegar poderes a níveis inferiores de governo, cham ados unida­
des subnacionais, detém a autoridade para revogar essa delegação e reto m ar esse
poder quando necessário. Assim, podem haver subdivisões territoriais — em ge­
ral, denominadas de províncias — com fins meramente administrativos, isto é,
sem qualquer autonomia política, um a vez que as unidades subnacionais podem
ser criadas ou extintas e ter seus poderes modificados pelo governo central.
Já o Estado Federativo conta com unidades subnacionais autônom as, com
governo próprio, com competências estabelecidas pela Constituição d o pais e
que não podem ser revogadas pelo governo central. Trata-se de um a form a de
Estado que se traduz na reunião de várias unidades federativas, cada qual com
um a certa independência e autonomia interna, mas obedecendo todos a um a
Constituição única, que é o marco de delimitação das competências e limitações
de cada um a dessas unidades. As federações podem surgir de duas maneiras:
pela união de estados independentes, como foi o caso americano (união das
13 colônias), ou pela decisão do poder constituinte originário, com o foi o caso
brasileiro, na Constituição de 1891, em que foi atribuída autonom ia às antigas
províncias, agora denominadas estados. São também federações, entre outros, a
Argentina, a Alemanha, o Canadá e a Austrália.
O governo se diferencia do Estado por se restringir ao comando direto e à
sanção da desobediência, visando à aplicação das leis estabelecidas em um país.
Em outros termos, trata-se geralmente do Poder Executivo, em bora não seja
descabido aplicá-lo em outros contextos, em que se quer enfatizar a tom ada de
decisão ou a forma de gestão interna nos outros poderes.
É curioso observar que o conceito de governo precede historicam ente
o de Estado. Tanto Platão com o Aristóteles se pronunciam sobre o governo
ideal, mas o term o “Estado” aparece apenas mais tarde, inicialmente como
um a ampliação do term o “status”, que significava, em latim da época do Im­
pério Romano, m aneira ou form a de ser, estatuto. No século XVI, Maquiavel
(1981, p. 31) o utiliza em italiano já com o conteúdo que lhe atribuímos hoje:
“Todos os estados, todos os domínios que existiram ou existem e possuem im­
pério sobre os homens, foram ou são repúblicas ou principados”. Mas isso não
quer dizer que os gregos, os romanos ou mais tarde os escolásticos não tivessem
o conceito de Estado. Outras palavras designavam de maneira parcial a forma
política de organização da sociedade.
A Administração Pública pode ser definida “objetivamente”, segundo Ale­
xandre Moraes (2003, p. 310), como “a atividade concreta e imediata que o
Estado desenvolve para assegurar interesses coletivos” como saúde, educação
4 I Adm inistração Pública ELSEVIER

ou proteção à infância e, “subjetivamente como o conjunto de órgãos e de


pessoas jurídicas aos quais a Lei atribdi o exercício da função administrativa
do Estado”.
Assim, se o Estado é a instância que organiza a sociedade num a determ ina­
da estrutura de poder, a Administração Pública, formada por órgãos espesso as
que trabalham contratadas pelo Estado, operacionaliza suas decisões na forma
de prestação de serviços públicos, fiscalização, regulação e exercício de funções
de soberania. Essa característica não vai aparecer sem problemas, já que ao se
inserir como realizadora de propostas e decisões definidas no “contexto geral do
sistema político de um Estado”, analisa Odete Medauar (1998, p. 28), irá refletir
e expressar “as características e distorções desse sistema”. Assim, num sistema
neopatrimonial e clientelista, a Administração Pública será formada de pessoas
que possuem laços de lealdade política, e não relações profissionais com os di­
rigentes públicos eleitos.

1.1. As funções econômicas do Estado e os bens públicos


Segundo Musgrave (1980, p. 6-13), em sua análise sobre a teoria e a prática
das finanças públicas, o Estado possui basicamente três funções econômicas:
alocativa, distributiva e estabilizadora.
A função alocativa se refere à destinação dos recursos do Governo, norm al­
mente previstos em orçamento, para fornecer diferentes bens públicos, como
rodovias, iluminação ou segurança, bens semipúblicos ou meritórios, como
educação e saúde ou desenvolvimento. Essa função tem forte associação com a
democracia. É aqui que se discute o que o governo vai ou não vai fazer conside­
rando-se os recursos provenientes do pagamento de impostos ou de contrata­
ção de dívida. Além disso, por exemplo, a partir da função alocativa, se constrói
um a ponte ou uma estratégia de vacinação de crianças, dá-se um aumento ao
funcionalismo, se contratam mais professores, melhoram-se as estradas ou se
investe em saneamento básico. Trata-se norm alm ente de interesses coletivos,
necessidades da população que precisam ser atendidas, e a alocação do dinheiro
público para fazê-lo é relevante função do poder público.
Conforme salientam Calabresi e Bobbit (1978), a atividade de alocação de
recursos enseja “escolhas trágicas”. Toda decisão trágica comportaria, assim, dois
momentos. O primeiro momento é o do impasse: quando se apresenta à socie­
dade a necessidade de emanar uma decisão a respeito da alocação dos recursos
escassos, que seria uma necessidade de determinação em primeira ordem. A
escassez permanece como um fato, sem qualquer característica de imposição,
pois a sociedade desenvolve uma decisão a Dartir dp rnntpvto« alnrar-gr, A* r<>_
ELSEVIER Capítulo 1: O Estado e a Administração Pública na sociedade contemporânea I 5

cu rso s. Aqui se observa o segundo momento, que se constitui por um a sucessão


de decisões racionalizadas desenvolvidas como escolhas trágicas.
Numa democracia, o orçamento é norm alm ente preparado como proposta
pelo Executivo, a partir de uma certa expectativa de receita (proveniente de im­
postos ou de endividamento), e enviado ao Legislativo, onde é apreciado pelos
parlamentares, para verificar se a destinação proposta de recursos corresponde
às suas expectativas e às de seus eleitores. M últiplos interesses aparecem nes­
sa discussão e, por vezes, parlamentares representam interesses de segmentos
econômicos ou interesses de regiões específicas. Para aprovar, muitas vezes os
parlamentares refazem a projeção de receita a ser obtida pelo governo, de forma
a abrir mais espaço para a apresentação das dem andas de seus eleitores, o que
obriga os governantes a programarem cuidadosam ente o envio de dinheiro a
ministérios ou secretarias, para evitar o esgotam ento dos recursos antes do fim
do período em caso de não confirmação dos valores estipulados.
A função distributiva consiste na redistribuição de rendas realizada atra­
vés das transferências, dos impostos e dos subsídios governamentais. É o caso
de programas de transferência de renda a populações carentes ou de taxação
progressiva para cobrar mais impostos a quem detém m aior renda. Observe-se
que, muitas vezes, o oferecimento de serviços públicos pode realizar a função
alocativa e distributiva simultaneamente. A educação pública, um a im portante
destinação de recursos do governo, pode garantir um a m elhor renda a quem
dela se beneficiar.
Diferentes visões de m undo apresentam propostas alternativas sobre o pa­
pel do Estado em relação à função distributiva: h á quem afirme que não cabe
qualquer ação pública nessa direção, por acreditar que isso leva a situações de
dependência ou agiganta a máquina pública sem qualquer vantagem ao cida­
dão, enquanto outros nela enxergam um im portante papel do Estado na busca
de justiça social e prevenção de violência. Mais à frente, voltaremos a este tema,
analisando diferentes abordagens a respeito.
A função estabilizadora consiste na utilização de instrum entos de política
econômica para promover o emprego, o desenvolvimento e a estabilidade, dada
a percepção de um a incapacidade do mercado de garantir tais objetivos. Assim,
juros, preços, taxa de câmbio, impostos e até gastos públicos podem ser usa­
dos para promover o crescimento, garantir emprego ou combater a inflação, no
exercício da função estabilizadora.
Os economistas atribuem a necessidade do exercício dessas funções à exis­
tência de falhas de mercado. Em outros termos, com o o mercado não é perfeito,
não aloca os fatores de produção de forma a garantir equidade (em termos de
íonqlHarlp r\p nnnrtnnirlaHpsV arpsso informações íoara se poder fazer esco­
6 I A dm inistração Pública ELSEVIER

lhas em termos de produção, consumo, investimento e poupança), atendimento


a necessidades para as quais não há como cobrar de forma individualizada ou
excluir quem não paga e mesmo que o mercado não tem condições de ofertar
ou não deseja fazê-lo. /
Essas falhas de mercado podem ser classificadas como:

• Existência de bens públicos — são aqueles cujo consumo é indivisível.


Não há como restringir seu uso a apenas algumas pessoas e, ao mesmo
tempo, claramente impedir outras de deles usufruir. São bens de consu­
mo coletivo ou “não rival”. Não estão, portanto, sujeitos ao princípio da
exclusão, como é o caso da segurança pública, descobertas científicas (ver
a respeito Sachs, 2008, p. 32) e iluminação pública, entre outros. Já que
não há como definir quem deveria pagar por esse bem, o mercado não
tem como atuar e cobrar um preço. Assim, o poder público os oferece e
financia com o dinheiro arrecadado por meio de impostos.
• M onopólios naturais — referem-se a setores em que o processo pro­
dutivo se caracteriza por retornos crescentes de escala e, normalmente,
investimento elevado. Nesse caso, não compensaria para o mercado atuar
em condições de grande competição, pois isso implicaria um nível de
produção muito baixo e, portanto, custos de produção mais elevados. Em
tal situação, o Estado pode atuar diretamente (ou por meio de concessão)
ou regular o setor, para evitar que preços abusivos sejam praticados ou
que interesses coletivos sejam desatendidos. A primeira situação pode ser
ilustrada pelo serviço de saneamento, ao passo que a segunda pela ativi­
dade de mineração.
• Externalidades — ocorrem quando as ações de um agente econômico
implicam benefícios ou prejuízos a outros agentes econômicos. Exigem
a ação do setor público para produzi-las ou induzi-las (no caso de ex­
ternalidades positivas, como a educação ou a requalificação de áreas ur­
banas degradadas) ou mesmo para coibi-las ou atenuar os efeitos no­
civos (no caso de externalidades negativas, em que governantes podem
desapropriar áreas por efeitos danosos ao meio ambiente, proibir o fumo
em locais públicos ou obrigar a colocação de filtros em chaminés indus­
triais). Um caso extremamente im portante de externalidade a justificar a
atuação do poder público para garantir o direito da população atual e de
futuras gerações é o dos danos ao meio ambiente. Eles são externalidades,
pois “os custos ambientais são sentidos pela sociedade, mas são externos
aos estreitos cálculos de ganhos e perdas feitos por empresas individuais
e escolhas orçamentárias de indivíduos” (Sachs, 2008, p. 35). O governo
ELSEVIER Capítulo 1 : O Estado e a Administração Pública na sociedade contemporânea I 7

deverá, nesse caso, intervir por meio de políticas públicas para alinhar
incentivos privados com os interesses da sociedade.
• Mercados incompletos — aparecem quando um bem ou serviço con­
siderado relevante não é ofertado pelo setor privado, ainda que o seu
custo de produção esteja abaixo do preço que os consumidores estariam
dispostos a pagar. Nesse caso, o poder público pode atuar, oferecendo o
bem, seja produzindo diretamente ou estabelecendo uma concessão para
que um a empresa privada o faça. O utra modalidade de atuação seria ofe­
recer incentivos fiscais ou incentivos para quem se dispuser a garantir o
produto. Um exemplo de bem não ofertado são algumas modalidades de
financiamento de longo prazo, vitais para o desenvolvimento, que o siste­
ma financeiro privado do país pode não oferecer. Por conta dessa neces­
sidade, bancos de investimento são criados em diversos países e mesmo
como instâncias supranacionais, como o caso do Banco Mundial ou do
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
• Falhas de inform ação — ocorrem quando um agente econômico não
possui informação necessária sobre bens ou serviços transacionados. O
desconhecimento e a consequente assimetria de informações entre agen­
tes podem provocar ineficiências no mercado. Nesse caso, o governo pode
tornar obrigatória a divulgação de informações relevantes para que sejam
conhecidas por todos os participantes do mercado. É o caso de informa­
ções relativas à validade de produtos comestíveis ou de medicamentos,
em que se exige não apenas o cumprimento da legislação específica, mas
a divulgação das datas exatas de vencimento ao consumidor. Da mesma
forma, a Lei das S.A. demanda a publicação de relatórios contábeis dessas
empresas para que acionistas, parceiros e o público em geral possam in­
teragir de forma sólida com a empresas.
• Desemprego e inflação — apesar de a Teoria do Bem-Estar Social preco­
nizar que (conforme Fabio Giambiagi e Ana Claudia Além, 2000, p. 24)
“Sob certas condições, os mercados competitivos geram uma alocação
de recursos que se caracteriza pelo fato de que é impossível promover
uma realocação de recursos de tal forma que um indivíduo aumente o
seu grau de satisfação sem que, ao mesmo tempo, isso esteja associado
a um a piora na situação de outro indivíduo” (Ótimo de Pareto), a pre­
sença dessas falhas de mercado impede que tal alocação ideal aconteça.
Assim, a presença de desemprego pode não ser rara, especialmente num
m undo globalizado em que o mercado conta com fontes inesgotáveis de
m ão-de-obra barata em vários locais do m undo e a intensa mecanização
e automatização dos processos produtivos. O desemprego pode ser oca-
8 I Adm inistração Pública ELSEVIER

sionado também por sazonalidades na economia dos países ou mudanças


introduzidas pela evolução tecnológica no perfil da demanda. Em todos
os casos, o governo pode atuar, criando incentivos ao emprego, capaci­
tando os trabalhadores ou incentivando o empreendedorismo.

1.2. Evolução histórica do Estado


Como vimos, o Estado não existiu sempre. Surgiu num determinado m o­
mento histórico em função de uma série de fatores sociais, políticos, econômi­
cos etc., com o objetivo de organizar a sociedade sob uma nova estrutura insti­
tucional de poder. Para analisarmos as formas históricas assumidas pelo Estado,
retomamos a tipologia utilizada por Norberto Bobbio em seu Estado, Governo
e Sociedade que inclui esta sequência: Estado feudal, Estado estamental, Estado-
absoluto, Estado representativo.
O Estado feudal pode parecer a muitos um a contradição em termos, mas
trata-se, evidentemente, de um a forma de Estado em que há um a fragmenta­
ção do poder em múltiplos agregados sociais e, por outro lado, a concentração
de diferentes funções diretivas nas mãos das mesmas pessoas. Ao poder “cen­
tral” do rei caberia apenas a organização do exército e a estruturação da defesa
do território, ao passo que o protagonismo político pertenceu aos senhores
feudais. '•
O Estado estamental — outra categoria nessa tipologia baseada na evolução
histórica — caracteriza-se pela constituição de órgãos colegiados que reúnem
indivíduos possuidores da mesma condição social, os estamentos, que detêm os
mesmos direitos e privilégios frente ao poder soberano. Essa forma de Estado
difere do Estado feudal em virtude da transformação das relações pessoais entre
os indivíduos, além da própria relação entre as instituições, pois as assembleias
de estamento surgem como contrapoder ao rei e aos seus funcionários. Poste­
riormente, o Absolutismo tenderá a acabar com essa contraposição de poderes
a partir da ênfase na ideia de poder soberano e absoluto.
O Estado absoluto surge com a concentração e centralização de poderes
num determinado território, tendo como referencial a figura do monarca. Com
o fim da fragmentação do poder político, pode-se pensar na constituição dos
Estados-nação, com o exercício da soberania sobre um território e suas gentes.
A soberania se expressa agora no poder de ditar leis sobre um a coletividade,
no poder do uso exclusivo da força para proteção contra ameaças externas e
imposição da ordem, e no poder de coletar impostos que é assegurado ao rei e
elimina poderes autônomos estranhos a ele. Em outros termos, o poder de cida­
des, sociedades comerciais ou corporações só pode existir mediante autorização
ELSEVIER Capítulo 1: O Estado e a Administração Pública na sociedade contemporânea I 9

do poder central ao qual se subordinam, ganhando relevo termos tais como


“centralização”, “soberania” e “contrato social”.
O Estado representativo aparece na Europa na sequência da Revolução Glo­
riosa de 1688 e da Revolução Francesa de 1789 e, nos Estados Unidos, após a
consolidação da independência no século XVIII. O conceito de representação
associa-se à ideia de que um corpo escolhido por cidadãos age em nome destes,
e tal corpo é escolhido por meio de um procedimento eleitoral racionalmente
estabelecido. Trata-se, antes de tudo, do Parlamento, em que um conjunto de re­
presentantes é eleito para decidir que leis deverão governar aquela sociedade e,
mais especificamente, que políticas públicas serão implementadas. Inclui tam ­
bém o poder executivo, em que o presidente ou primeiro ministro age repre­
sentando a coletividade que lhe outorgou o poder para tanto, por um período
especificado, mas equilibrando seu poder com o do corpo legislativo.
No regime representativo, o poder conferido aos representantes pode ser
retirado seja por um a não renovação do mandato no m om ento das eleições, seja
por decisão dos demais representantes, caso alguma lei que rege a conduta dos
parlamentares ou do chefe do Executivo tenha sido burlada, justificando, assim,
a cassação do mandato, no caso, dos membros do Poder Legislativo, ou o impe-
achment no caso do presidente. Eleições parlamentares que mostrem um novo
desejo dos eleitores podem levar, no sistema parlamentarista, à nova escolha de
primeiro ministro.
A democracia representativa é realizada através de um a representação con­
centrada que se divide nos poderes executivo e legislativo. É importante salientar
a análise de Pitkin sobre o tema, que realiza um a reflexão histórica e semântica
do conceito de representação. Segundo a autora, “representação” tem sua ori­
gem na palavra latina representare, que significa “tornar presente ou manifesto;
ou apresentar novamente” (Pitkin, 2006, p. 17). Por outro lado, em virtude da
complexidade da representação, surgem desafios sobre como tornar presente
o que não está efetivamente presente. Desse modo, a ausência do representado
é atenuada por meio de mecanismos em que a atuação do representante seja
publicizada e, de certa forma, passível de controle, o que não quer dizer que esse
controle seja absoluto e que não haja um a margem de autonomia nas ações do
representante.
Por essa razão, segundo Manin (1995), é possível identificar três sentidos no
âmbito da democracia representativa:

a) Significa que as decisões devam ser realizadas por representantes cuja


legitimidade advém da lei ou do voto, pois, embora o povo não governe,
“ele não está confinado ao papel de designar e autorizar os que governam.
Como o governo representativo se fundamenta em eleições repetidas, o
povo tem condições de exercer um a certa influência sobre as decisões do
governo” (idem, 8);
b) Afasta a ideia de poder absoluto, na medida em que o representante de­
ve agir nos limites impostos pelos representados, desfrutando de relativa
margem de autonomia. Por outro lado, isso não quer dizer que o repre­
sentante deva fazer o que o representado determina. O que possibilita
essa relação conflituosa é a liberdade de opinião, que atenua a não vincu-
lação do governante às opiniões do governado, já que a “liberdade de opi­
nião surge, assim, como contrapartida à ausência do direito de instrução”
(idem, 12);
c) Significa um a alternativa à complexidade moderna, na qual não há mais
espaços para modelos democrático-participativos diretos, a exemplo da
polis grega. Assim, “a vontade popular se torna um componente reconhe-.
eido do ambiente que cerca um a decisão” (idem), tendo em vista que a se­
leção de representantes ocorre por meio de um procedimento eleitoral.

Como avanço histórico, o Estado representativo introduziu a ideia de que


o indivíduo precede o Estado. Ao contrário do Estado estamental, em que a
representação se faz por categorias ou corporações, aqui indivíduos singulares
(inicialmente, esclarece Bobbio, só os proprietários) detêm direitos naturais e
por lei que podem, inclusive, fazer valer contra o Estado. Esse reconhecimento
dos direitos do homem e do cidadão representou um a revolução no relaciona­
m ento entre governantes e governados.
Para Bobbio, a evolução da democracia representativa caminhou lado a lado
com o alargamento dos direitos políticos até a introdução do sufrágio universal.
Mas tal complexidade trouxe como consequência a necessidade de se formarem
partidos e associações, o que, ao organizarem as eleições, levou à perda da noção
originária de representação a qual já não seria mais dos indivíduos singulares,
e sim das agremiações que acabam recebendo “um a delegação em branco dos
eleitores”.
Mesmo cõm esses problemas, o Estado representativo é hoje ao menos a
referência, mesmo em constituições de países com modelos marcadamente au­
toritários. Procura-se manter, no texto do ordenamento jurídico da m aior parte
dos países, ao menos a referência ao Estado representativo.
A partir de outros pressupostos, Bresser-Pereira acrescenta à tipologia o Es­
tado Social, marca de uma evolução que, na sequência das manifestações so­
cialistas do fim do século XIX e, mais recentemente, após a crise de 1929 e suas
graves implicações na qualidade de vida das populações europeia e americana,
tornou o cidadão portador de direitos sociais e o aparelho estatal uma fonte de
atendimento das necessidades e eles associadas.
Mais precisamente, em decorrência da mudança nas relações sociais causa­
das, em especial, pela industrialização, buscou-se um novo tipo de Estado que
reconhecesse as desigualdades sociais. A falta de condições salubres de trabalho,
a ausência de direitos trabalhistas e a exploração foram os problemas que o
direito social procurou resolver. Exigiu-se, para tal, uma atuação positiva por
parte do Estado no âmbito das relações privadas. Predomina, no Estado social,
a preocupação de proteger o homem do próprio homem e, para tal, o Estado
deve ser o ator redutor de diferenças sociais, praticando uma verdadeira justiça
distributiva.
Na concepção de Bresser-Pereira, o Estado Social apresentaria três versões:
o Estado do Bem-Estar, o Estado Desenvolvimentista e o Estado Comunista.
As propostas estruturam sistemas bastante distintos entre si, mas com uma
preocupação comum: dotar o Estado de competências para promover maior
igualdade econômica entre cidadãos que, para a etapa mais recente do Estado
Representativo, já contariam com igualdade de direitos civis e políticos. Isso
envolve um fortalecimento das capacidades de formulação e implementação de
políticas sociais e, ao mesmo tempo, um a ênfase na promoção do desenvolvi­
mento e no apoio à indústria local. Além disso, estabelece-se um diálogo firme
e constante com sindicatos e associações de trabalhadores.
A crise do Estado no início dos anos 1980 e a posterior derrocada da União
Soviética e das economias dos regimes do Leste Europeu trouxeram um pro­
fundo questionamento do Estado Social. Criticava-se sua dependência de uma
carga tributária elevada, a inibir a produtividade e a saúde financeira das mes­
mas empresas locais que se pretendia impulsionar e sua desvinculação com uma
lógica de trabalho como fator de crescimento humano. Acreditava-se que au­
xílios pecuniários dissociados de esforço pessoal levariam à dependência e à
acomodação do ser humano. Outros criticam a insuficiência do Estado Social
em resolver os problemas a que se propõe, criando atenuantes, como salário-
desemprego, em vez de combater o desemprego, ajudas em espécie ou dinheiro
em vez de criar reais oportunidades.
Mas Peter Lindert (2002, p. 2) demonstra que não há evidências estatísticas
de que os Estados com modelos sólidos de bem-estar social financiados por
uma carga tributária relativamente elevada tenham experimentado reduções
no crescimento do seu PIB e da produtividade. Isso se deve, segundo ele, entre
outros fatores, à constituição de uma competência para desenhar desincentivos
à evasão do trabalho por parte da juventude, à seleção de um mix de impostos
mais favorável ao crescimento e ao efeito positivo do gasto social sobre o cres-
•HbSbVitR

cimento. Não apenas a educação aumenta o PIB per capita, mas outros gastos
sociais também o fazem.
Em seu modelo predominante hoje em dia, o Estado pode ser diferenciado,
no entanto, pelas diferentes tarefas e p'àpéis que assume, o que, por sua vez, re­
sulta também de um a evolução histórica.
Há pouco consenso nessa matéria. Mas, nos tem pos em que a expressão
Estado começou a ser utilizada, com Maquiavel, o papel do Estado era per­
cebido, sobretudo, como o de prover segurança à população para conduzir
suas atividades frente a agressões externas ou crimes internos, cabendo às en­
tidades religiosas registrar os nascimentos e óbitos, acudir os necessitados e,
para quem quisesse integrar seus quadros, a educação necessária para tanto.
O utros recebiam educação de preceptores contratados. O controle de contra­
tos privados surge inicialmente mais relacionado à cobrança de impostos do
que à sua garantia. Além disso, a função judiciária já era exercida antes desse
período. O soberano, mesmo antes de se pensar em separação de poderes, atua­
va muitas vezes como árbitro em desavenças entre seus súditos, no perdão de
dívidas entre particulares ou para com o Tesouro Real, e estabelecia sentenças
frente a crimes.
Progressivamente as instituições religiosas e, em alguns casos, as próprias
comunidades (como no caso americano) foram se responsabilizando pela ofer­
ta de educação a um número m aior de crianças e jovens, independentemente de
vocações religiosas.
O antigo reino da Prússia foi o primeiro país a introduzir, inspirado por
M artinho Lutero, a educação pública gratuita e compulsória, de oito anos de du­
ração, para todas as crianças, ainda no século XVIII. A essas alturas, as primeiras
escolas públicas americanas já existiam e conviviam com escolas comunitárias
e privadas. Na França, onde já existia um sem-número de escolas religiosas, o
sistema público foi introduzido nos anos 1880, por Jules Ferry, junto com um
processo vigoroso de laicização do ensino (Werebe, 2004). No Brasil, o governo
provisório de Deodoro da Fonseca institui, em 1890, o “ensino leigo e livre, em
todos os níveis e gratuito no primário” (Decreto 501/1890). Na ocasião, apenas
12% das crianças em idade escolar tinham acesso à educação. Vamos demorar
mais 106 anos para universalizar o ensino fundamental.
A saúde surge como preocupação do poder público bem antes disso. Os ro­
manos já apresentavam obras de saneamento, afastando os dejetos hum anos de
áreas de concentração de pessoas. Posteriormente, epidemias mereceram aten­
ção de governos como foi o caso da peste negra que levou à infrutífera queima
de cadáveres seguida pela mais eficiente queima de bairros inteiros. Da mesma
forma, o Estado passou a estabelecer, especialmente a partir dos séculos XVIII e
i p P ^ ^ K V l b K ... yapituio i: u tstaoo e a Agmimstraçao HuDlica na sociedade contemporânea 113 "

XIX, condições para o estabelecimento de cemitérios, venda de alimentos e des-


tinação do lixo num intróito ao que se chama hoje de Vigilância Sanitária. Nesse
sentido, fez construir também esgotos (como o famoso de Londres, cuja obra
se fez na sequência da epidemia de cólera de 1854) e aterros sanitários. Pouco a
pouco, a partir do século XIX, o Estado começou a vacinar para prevenir doen­
ças, ao mesmo tempo que, em muitos países se estabelecia um sistema de vigi­
lância epidemiológica. Essas novas atribuições demandaram a constituição de
uma rede de novos equipamentos públicos, em adição a hospitais, inicialmente
operados por ordens religiosas a partir de contribuições filantrópicas. Aqui no
,, Brasil tivemos as Santas Casas de Misericórdia, a primeira datando de 1540, de ♦
í criação apoiada pelo imperador, mas efetivamente não públicas. O mesmo mo-
-■l vimento seguiu o Québec um século mais tarde, com a criação do Hotel-Dieu
du Précieux-Sang em 1639 e o Hotel-Dieu de Montreal em 1640. No século XX,
o Estado passou a possuir hospitais, ambulatórios e centros de higiene poste- j
riormente chamados de centros de saúde. 1
f O utra atividade assumida pelo Estado desde os seus primórdios, embora
não com exclusividade, foi a de construção de estradas. No auge do Império
Romano, um a vasta rede de estradas interligava rotas comerciais e permitia o
deslocamento de tropas na Europa, norte da África, Anatólia, índia e China.
O império chinês fora responsável pela construção do segmento que interli­
gava a China à Anatólia e à índia, conhecida como “rota da seda”. Essa porção
tinha um a existência de aproximadamente 1.400 anos quando das viagens de
Marco Polo, (1270 a 1290 da era comum), certamente sua fase mais im portan­
te. As companhias comerciais com seus exércitos privados, as guildas, senhores
feudais, a Igreja (inclusive na coordenação das cruzadas) empresas e mesmo
proprietários individuais fizeram construir estradas para facilitar o comércio,
apoiar movimentação de tropas ou integrar partes distintas de um a mesma pro­
priedade. Mas, essa função foi percebida durante a maior parte do tempo como
um a atribuição do poder público, mais modernamente concedida a empresas
de construção civil, mediante contratos de concessão ou, mais recentemente,
parcerias público-privadas (outra modalidade de concessão).
As primeiras estradas brasileiras foram construídas no século XIX. Nos
anos 1920 temos nossas primeiras rodovias. A primeira rodovia pavimentada
foi inaugurada em 1928, a Rio-Petrópolis.
Juntam-se às estradas a construção de outras obras de infraestrutura para o
desenvolvimento, como portos, ferrovias (que curiosamente surgem no Brasil
como empreendimento privado, de propriedade do Barão de Mauá), sistema
de ruamento urbano, usinas de geração, distribuição e transmissão de energia
elétrica e, mais recentemente, aeroportos e empresas de telecomunicações.
Mas as atividades do Estado na promoção do desenvolvimento não se res­
tringem a obras de infraestrutura. Incluem a formulação de uma política eco­
nômica adequada à atração de investimentos e promoção do comércio, um sis­
tema de arbitragem de disputas comerciais estruturado e confiável, um regime
de patentes que favoreça a inovação e dê segurança a quem nela desejar investir.
Além disso, pode conter uma política industrial que favoreça e financie empre­
endimentos nacionais.'
Cada vez mais o Estado tem sido chamado, nos países em desenvolvimento,
a assumir um importante papel no incentivo à competitividade do que neles é
produzido. Esse papel, no entanto, deve ser equilibrado com duas outras fun­
ções do poder público: a redistributiva e a estabilizadora.
Em situações de pobreza e desigualdades sociais, políticas compensatórias
podem completar os investimentos públicos em saúde e educação. Isso, por ou­
tro lado, gera um impacto, em termos de carga tributária, que encarece os produ­
tos nacionais e rouba-lhes a competitividade e a possibilidade de criação de em­
pregos — o que agrava a situação social. Da mesma maneira, a política industrial
pode, dependendo de seu desenho, levar a desequilíbrios orçamentários que, por
sua vez, acarretam inflação, endividamento ou ônus a políticas sociais.
Recentemente, o Estado vem se retirando da produção direta de bèns e ser­
viços para o mercado. Isso se deve a um a combinação de fatores: o surgimento
de um conjunto de empresas em condições de assumir a direção de empresas
públicas que anteriormente ofereciam esses bens, a crise fiscal que resultou no
esgotamento da capacidade de investimento do setor público e um a visão ideo­
lógica de defesa da redução do tam anho do Estado (o que se convencionou
chamar de neoliberalismo).
Mas é interessante observar que, se o Estado se retirou da atividade produ­
tiva em diferentes setores, ele retornou com outras atribuições, geralmente as­
sociadas à regulação de serviços públicos concedidos, em mercados que tendem
à formação de monopólios. No Brasil, em energia elétrica, área em que muitas
empresas de distribuição foram privatizadas, foi criada a ANEEL(Agência Na­
cional de Energia Elétrica), com funcionários de carreira e independência para
atuar no segmento. Da mesma forma, em telecomunicações, a ANATEL (Agên­
cia Nacional de Telecomunicações) se propõe a regular a atuação das empresas
que receberam a concessão de serviços de telecomunicações.
Primeiramente, tais agências se situam na interface entre Estado e governo
e não se submetem à hierarquia funcional, orçamentária e decisória da admi­
nistração pública clássica. Em segundo lugar, o que reforça essa liberdade de
decisão das agências é o próprio arcabouço jurídico-normativo presente nas
diversas legislações de cada uma delas. Em linhas gerais, algumas característi­
cas presentes nas agências são centrais para o seu desenvolvimento institucio­
nal autônomo, tais como: a) mandatos dos diretores não coincidentes com os
m andatos do chefe do poder executivo que os nomeou; b) garantias em relação
à demissibilidade ad nutum ; c) autonom ia funcional e financeira que permita
se organizar livremente; d) a impossibilidade de reforma de suas decisões pe­
la administração pública direta. Em terceiro lugar, as agências reguladoras se
distinguem também do ponto de vista do conteúdo da decisão. No contexto
regulatório, opera-se uma desconcentração das competências e atribuições, de
m odo que à administração pública caiba proferir decisões políticas, ao passo
que às agências caiba proferir as decisões técnicas.
O conjunto das atividades públicas desenvolvidas hoje nos países com Esta­
do estruturado contempla ainda a fiscalização, a diplomacia, a defesa e o poli­
ciamento — atividades que, junto com a regulação, são normalmente definidas
como exclusivas de Estado. A segurança dos cidadãos frente a agressões externas
ou a crimes internos, a representação da nação e de seus interesses no exterior, a
arrecadação de impostos vitais para a implantação de políticas públicas e a ve­
rificação da conduta de empresas e particulares frente a leis e políticas públicas
que protegem o ambiente, a saúde da população e dos rebanhos ou a correta
aplicação dos recursos da seguridade social são algumas dessas atividades que
o Estado precisa desempenhar para m anter uma sociedade organizada e prote­
gida em seus direitos (inclusive os chamados direitos republicanos) (Bresser-
Pereira).

1.3. O Estado brasileiro


O Brasil tem um Estado republicano, democrático e representativo. Trata-se
de um a República federativa e presidencialista composta de três poderes inde­
pendentes: Executivo, Legislativo e Judiciário. A federação é formada pela união
dos 26 estados, municípios e do Distrito Federal, localizado em Brasília e sob
gestão autônoma. São, assim, três os níveis de governo: União, estados e municí­
pios. A República brasileira constitui-se em um Estado democrático de direito e,
assim, rege-se por um a Constituição e, considerando-se a configuração política
de federação, também possui Constituições estaduais que devem respeitar os
preceitos estabelecidos pela Constituição federal, além das leis e dos decretos
que as regulamentam.
As eleições no Brasil ocorrem a cada quatro anos para os agentes políticos,
tais como para presidente, governador, prefeito, deputados federais, senadores,
deputados estaduais ou distritais (os do distrito federal) e vereadores. O alista­
mento eleitoral e o voto são obrigatórios para todos os brasileiros maiores de
^ ã^ m m ( ^ mJ ^ 'ls tn ç S o Pública ELSEVIER

18 anos e são facultativos para analfabetos, maiores de 70 anos e maiores de 16


e menores de 18 anos. Além disso, é vedado o alistamento eleitoral durante o
período de serviço militar dos conscritos.
O Brasil prevê expressamente, em sua Constituição, o pluripartidarismo.
Nesse sentido, é livre a criação de partidos, que podem autonomamente defi­
nir sua estrutura interna, organização e funcionamento e estabelecer coligações.
Esses partidos, contudo, devem ter um caráter nacional, prestar contas à Justiça
Eleitoral e não podem receber recursos de entid&de ou governo estrangeiro. To­
dos os candidatos a cargos eletivos devem ter filiação partidária.

1.3.1. Poder Executivo


No Brasil, as funções de chefe de Estado e de chefe de governo são perten­
centes ao ocupante do cargo de presidente da República, que é eleito pelo voto
direto e com mandato de quatro anos com possibilidade de um a reeleição. O
presidente tem como funções básicas representar o país internacionalmente e
m anter relações e tratados com países estrangeiros, ser o comandante supremo
das forças armadas, propor políticas públicas ao Congresso e implantá-las, di­
rigir a Administração Pública Federal (inclusive a administração tributária) e
garantir o cumprimento das leis. Para isso, tem o poder, entre outros, de propor
leis ao Congresso, entre elas o Orçamento anual, editar, em casos de emergência,
medidas provisórias que têm de imediato o valor de leis, mas devem ser votadas
em seguida pelo Legislativo, sancionar ou promulgar leis ou vetar projetos de
lei. Conta também com a Polícia Federal e com a Agência Brasileira de Inteli­
gência. Conta com os recursos dos tributos arrecadados pela União, além de ser
assessorado por Ministros de Estado que pode nom ear livremente. No caso de
P ^ É L S E V ÍE K Capítulo 1: O Estado e a Administração Pública na sodedadecontem porânea j ÍT

impedimento do presidente eleito, assumem o cargo, na sequência, o vice-pre­


sidente, o presidente da C âm ara dos Deputados, o do Senado e o do Supremo
Tribunal Federal.
Nos estados federados, o chefe do Executivo é o governador, que também é
eleito por voto direto por quatro anos, com direito a um a reeleição. Nos termos
da Constituição estadual, o governador tam bém deve propor à Assembleia Le­
gislativa e im plantar políticas públicas estaduais, dirigir a Administração Públi­
ca estadual (inclusive a arrecadação de tributos estaduais) e garantir o cum pri­
mento das leis em seu estado. Para isso tam bém conta com instrumentos, desde
que referendados por suas constituições estaduais. Contam, em primeiro lugar,
com os recursos de tributos estaduais arrecadados pelo estado e com a partilha
dos impostos arrecadados em outros níveis. Alguns estados contam com medi­
das provisórias, como o Governo Federal, e todos podem e têm iniciativas de leis
(como a Lei Orçamentária Anual), sendo possível sancioná-las ou promulgá-las
ou vetar projetos de lei. O governador preside a polícia civil, a polícia militar
e o corpo de bombeiros; estes dois últimos são, no entanto, forças auxiliares e
reserva do exército nacional. Pode propor ação direta de inconstitucionalidade
ao Supremo Tribunal Federal, além de ser assessorado por secretários estaduais
que pode nomear livremente.
Nos municípios, o chefe do Executivo é o prefeito, que também é eleito por
voto direto e com mandato de quatro anos com possibilidade de um a reeleição.
O prefeito tem como funções básicas propor políticas públicas municipais à Câ­
mara de Vereadores, nos termos da Lei orgânica do município (lei que Organiza
e orienta as ações realizadas no município de acordo com os preceitos da Cons­
tituição Federal e estadual do estado em que se localiza) e implantá-las, dirigir
a Administração Pública municipal (inclusive a arrecadação de tributos m u­
nicipais) e garantir, no limite das suas atribuições, o cumprimento das leis em
seu município. Pode e deve propor leis à Câmara Municipal (inclusive a Lei do
Orçamento Anual), sancionar ou promulgar leis municipais ou vetar projetos
de lei. Algumas prefeituras contam com guardas municipais. O prefeito é asses­
sorado por secretários ou diretores municipais, por ele livremente escolhidos.

1.3.2. Poder Legislativo


O Legislativo elabora as leis do país, estado ou município. É exercido pelo
Congresso no âmbito federal. O Congresso Nacional é bicameral, ou seja, inte­
grado por duas Câmaras: a Câmara dos Deputados, com 513 integrantes com
mandatos de quatro anos, e o Senado, com 81 senadores eleitos para mandatos
de oito anos, sendo que, a cada eleição, é renovado um terço do Senado e, na
eleição subsequente, dois terços das cadeiras ocupadas pelos senadores. A Câ­
18 I Adm inistração Pública ELSEVIER

mara dos Deputados é composta por representantes do povo, que são eleitos
pelo sistema proporcional, em cada estado, território e no Distrito Federal. O
núm ero de deputados depende do núm ero de eleitores de cada estado, sendo
que nenhum a unidade da Federação terá menos de oito ou mais de 70 deputa­
dos. O Senado Federal é composto por representantes dos estados e do Distrito
Federal, que são eleitos pelo sistema majoritário, em que cada estado é repre­
sentado por três senadores. Compõe também o Congresso o Tribunal de Con­
tas da União, órgão que presta auxílio ao Congresso Nacional nas atividades de
controle e fiscalização externa.

. Câm ara de D eputados (513) ,.: Senado: Federal (81) * *

Representantes Do povo Dos estados e do DF

Representação Proporcional (limites de 8 e 70) Paritário (3 por Estado)

Sistema eleitoral Proporcional Majoritário

Duração do mandato 4 anos 8 anos (1/3 e 2/3)

Nos estados, o Legislativo é exercido pelas Assembleias Legislativas e, no


Distrito Federal, a partir de um sistema híbrido que incorpora as competências
legislativas de estado e município pela Câmara Distrital. O núm ero de inte­
grantes das Assembleias Legislativas está relacionado ao núm ero de deputados
federais, e a remuneração dos deputados estaduais não pode exceder a 75% do
que ganham os federais.
Nos municípios, o Legislativo é exercido pela Câmara Municipal, e tanto
o núm ero de vereadores quanto sua remuneração serão um percentual do que
ganham os deputados estaduais, crescente de acordo com sua população.

1.3.3. Poder Judiciário


O Poder Judiciário — que é a instituição estatal responsável pela atividade j
jurisdicional de resolução de conflitos — somente pode agir para a concreti- ]
zação de direitos mediante provocação de quem se sentir lesado pela ação ou
omissão de outrem. O ordenamento jurídico brasileiro possui princípios que <
reforçam essa perspectiva e traduzem garantias para a inércia judicial, a exem -,
pio do princípio do juiz natural e o princípio da inércia da jurisdição ou do
impulso oficial. ,}
O princípio do ju iz natural — expressamente previsto no art. 5a, XXXVII,
e LIII da CRFB — tem como conteúdo não apenas a prévia definição do órgão
investido de poder jurisdicional de decisão sobre a causa (vedação aos tribunais
de exceção, por exemplo), mas também a própria garantia de justiça material,
isto é, a independência e a imparcialidade dos juizes (impossibilidade de esco­
ELSEVIER Capítulo 1 : O Estado e a Administração Pública na sociedade contemporânea l 19

lher o juiz ao qual será distribuída a ação, por exemplo). Os referidos dispositi­
vos jurídicos versam o seguinte:

Art. 5a: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXVIII
- não haverá juízo ou tribunal de exceção (...); LIII - ninguém será processado nem sen­
tenciado senão pela autoridade competente. (Brasil, 1988)

O princípio da inércia da jurisdição — expressamente previsto no art. 2a


do Código de Processo Civil — determina que o início do processo, em regra,
seja somente por iniciativa das partes. Assim, faz-se necessária a petição inicial,
que é o documento pelo qual o autor invoca a prestação jurisdicional e, a partir
disso, o processo é regido por meio do impulso oficial provocado pelas partes
no órgão jurisdicional. O referido dispositivo jurídico versa o seguinte:

Art. 2a Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessa­
do a requerer, nos casos e forma legais. (Brasil, 1973)

Desse modo, o Judiciário exerce a função jurisdicional, isto é, possui a capa­


cidade de julgar, de acordo com a Constituição e as leis do país, quando provo­
cado por uma parte que ajuíza um a ação para resolver um conflito com outra
parte. O acesso à justiça é um direito fundamental do cidadão.
São órgãos do Poder Judiciário o Supremo Tribunal Federal, o Conselho
Nacional de Justiça, o Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Federais e juizes
federais, os Tribunais Eleitorais e juizes eleitorais, os Tribunais do Trabalho e ju­
izes do trabalho, os Tribunais Militares e juizes militares, os Tribunais Estaduais
e juizes estaduais e do distrito federal e territórios. Observe que, no Brasil, os
juizes são considerados órgãos.
20 I Adm inistração Pública ELSEVIER

Seu órgão máximo é o Supremo Tribunal Federal (STF), formado por 11 jui­
zes de notável saber jurídico e reputação ilibada, escolhidos pelo presidente da
República com aprovação do Senado. Seu papel é de guardião da Constituição e
cabe-lhe, entre outros, julgar ações diretas de inconstitucionalidade, ações con­
tra o Presidente, seus ministros, membros do Congresso Nacional e o Procura­
dor-Geral, litígios da União, estados e Distrito Federal com Estados estrangeiros
e organismos internacionais, conflitos entre estados e a União ou entre estados,
conflitos de competência entre tribunais superiores, julgar em recurso como
última instância decisões que se acreditam ter contrariado a Constituição.
O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 membros, com mandato
de dois anos, admitida uma recondução, entre eles um Ministro do Supremo
Tribunal Federal, que o preside, um Ministro do Superior Tribunal de Justiça,
um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, juizes, membros do Ministério
Público, advogados e dois cidadãos, de notável saber jurídico e de reputação
ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.
Os membros do Conselho serão nomeados pelo Presidente da República, depois
de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.
Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do
Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juizes, cabendo-
lhe zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatu­
to da Magistratura, apreciar a legalidade dps atos administrativos praticados
por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, receber
reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo aplicar ;
sanções administrativas, se for o caso.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) compõe-se de, no mínimo, 33 Minis­
tros, nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros de notável saber
jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federâl.
Compete ao STJ, entre outros, processar e julgar, originariamente: nos crimes
comuns, os governadores dos estados e do Distrito Federal, os mandados de se­
gurança e os habeas data contra ato de Ministro de Estado, dos Comandantes d
Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal; as revisões cr
minais e as ações rescisórias de seus julgados; os mandados de segurança de
didos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribun.
dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão;
causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, c
um lado, e do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no país; p
gar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, p p .
Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos estados, do Distrito Fed
e territórios, quando a decisão de que se recorre contrariar tratado ou leitfe ,
ELSEVIER Capítulo 1: O Estado e a Administração Pública na sociedade contemporânea I 21

ral, julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal ou der a
lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
São órgãos da Justiça Federal: os Tribunais Regionais Federais e os Juizes Fe­
derais. Os Tribunais Regionais Federais compõem-se de, no mínimo, sete juizes,
recrutados, quando possível, na respectiva região e nomeados pelo Presidente
da República. Compete aos Tribunais Federais, entre outros, processar e julgar,
originariamente: os juizes federais da área de sua jurisdição, as revisões criminais
e as ações rescisórias de julgados seus ou dos juizes federais da região; os m an­
dados de segurança e os habeas-data contra ato do próprio Tribunal ou de juiz
federal; os conflitos de competência entre juizes federais vinculados ao Tribunal.
Julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juizes federais e pelos juizes
estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição.
Há também, no Poder Judiciário Federal, estruturas especializadas, como a
Justiça Eleitoral, a Justiça Militar e a Justiça do Trabalho.
São órgãos da Justiça Eleitoral: o Tribunal Superior Eleitoral, os Tribunais
Regionais Eleitorais, os Juizes Eleitorais e as Juntas Eleitorais. Trata-se de uma
justiça sui generis tendo em vista sua total composição por membros integrantes
de outros órgãos judiciários. Não há ingresso diretamente na carreira da magis­
tratura eleitoral. O Tribunal Superior Eleitoral é o órgão máximo da estrutura
, da Justiça Eleitoral. É o ápice da estrutura. É composto por sete membros: três
juizes dentre os ministros do Supremo. Tribunal Federal, eleitos por voto se-
' ereto; dois juizes dentre os ministros do Superior Tribunal de Justiça, eleitos
<por voto secreto; dois juizes, dentre seis advogados de notável saber jurídico e
idoneidade moral, indicados pelo Supremo Tribunal Federal e nomeados pelo
presidente da República.
. A Justiça Militar da União tem como órgãos de sua composição: o Superior
lf Tribunal Militar, a Auditoria de Correição, o Conselho de Justiça, os Juízes-Au-
gjditores e os Juizes-Auditores Substitutos. Para efeito de administração da Justiça
IMilitar, o território nacional é dividido em Circunscrições Judiciárias Militares.
|Átualmente são 12 Circunscrições, e cada um a possui um a ou mais Auditorias
|dà< Justiça Militar. O primeiro grau de jurisdição da Justiça Militar, fugindo à
^•tradição do Poder Judiciário, é um órgão colegiado. Trata-se do Conselho de
|||? stiça, composto pelo Conselho Especial de Justiça e pelo Conselho Perma-
ggente de Justiça. São eles responsáveis pelo processo e julgamento dos casos
ifjf c°mpetência da Justiça Militar da União, os crimes militares definidos em
I f 1- O Superior Tribunal de Justiça tem sede na Capital Federal e jurisdição em
0 0 território nacional. É composto de 15 ministros, sendo todos nomeados
K ^ m e n te pelo presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo
■ piado Federal.
22 I A dm inistração Pública ELSEVIER

São órgãos da. Justiça do Trabalho: o Tribunal Superior do Trabalho, os Tri­


bunais Regionais do Trabalho e os Juízes’do Trabalho. O Tribunal Superior do
Trabalho compõe-se de 27 ministros, escolhidos dentre brasileiros nomeados
pelo Presidente da República após aprovação pela maioria absoluta do Sena­
do Federal. Compete à Justiça do Trabalho, entre outras atividades: processar
e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, mesmo as da Administração
Pública, as ações que envolvam exercício do direito de greve; as ações sobre
representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores e entre
sindicatos e empregadores.
Nos estados, no distrito federal e nos territórios o Poder Judiciário é exer­
cido pelo Tribunal de Justiça, com atribuições definidas em Constituição esta­
dual. A Justiça Estadual é o ramo da Justiça comum competente para apreciar as
matérias que não estejam afetas constitucionalmente à Justiça especializada ou
à Justiça Federal, também pertencente à Justiça comum. Trata-se, portanto, de
um a competência residual. A Constituição Federal prevê como órgãos do Poder
Judiciário Estadual os tribunais e juizes dos estados e do Distrito Federal e ter­
ritórios. São, portanto, dois graus de jurisdição. O segundo grau de jurisdição é
integrado pelos Tribunais de Justiça, com sede na capital do Estado e jurisdição
em todo o território estadual. São órgãos colegiados compostos por membros
chamados desembargadores. Poderá tam bém ser criada, por lei, a Justiça militar
estadual, envolvendo os policiais militares e os bombeiros. Pela Constituição de
1988, os municípios não possuem poder Judiciário. .

1.3.4. O M inistério Público


Em linhas gerais, o Ministério Público (MP) é um a instituição dinâmica de
garantia e efetivação de direitos, haja vista não precisar ser provocado para atuar
em prol de sua concretização. Principalmente em relação aos direitos presta-
cionais, isto é, direitos que exigem a atuação do Estado para concretizá-los por
meio de políticas públicas, a possibilidade de agir independentemente de pro­
vocação possibilitou ao MP ocupar um espaço singular no plano da efetivação
de direitos.
No Brasil, o MP adquiriu um perfil distinto não só em relação ao regime
constitucional anterior, mas também em relação a qualquer configuração cons­
titucional já existente. A Constituição de 1988 se dedica especificamente ao MP
entre os artigos 127 e 130, estabelecendo um a série de diretrizes e norm as gerais
de funcionamento e atuação dessa instituição no âmbito dos direitos sociais e
coletivos.
Seguramente, se trata de um a das legislações institucionais mais inovadoras
Ho mundo. Doraue situou o Parquet fora da subordinação ou direção de quais-
ELSEVIER Capítulo 1: O Estado e a Administração Pública na sociedade contemporânea I 23

quer dos Poderes, mantendo, porém, um a similitude com o Poder Judiciário,


pois estabeleceu princípios e garantias comuns àquelas aplicáveis ao referido
Poder e aos seus juizes. Considerado função essencial à justiça, é responsável
pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis. A configuração institucional do MP é a seguinte:

'M in is té rio R ú b lic o tjá a lite iã o ■<■>; r


-ML s*" ' *

j£,è * íu . . - : * ÍMÃ 'ri


.".Ministerial fc’* Ministério. * , Ministério, ’w .
=•*: ; Minjstério
, *■! l?ublico'»4* , J ff; Publico do, ?>ii'rf^Pútilicò.»v/T.
A»?* j ’
Rúblicó' Militar
' Federal Trabalho ■ .~i vi-V/Eleítoral,,.- . -

I - Ministério Público da União, que compreende:


a) Ministério Público Fedéral;
b) Ministério Público do Trabalho;
c) Ministério Público Militar;
d) Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;
II - Ministérios Públicos dos Estados.

No Ministério Público da União, a chefia é ocupada pelo Procurador-Geral


da República, que é escolhido pelo Presidente da República dentre os integran­
tes da carreira de Procurador da República, após a aprovação de seu nom e pela
maioria absoluta do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a
recondução.
Nos estados e no Distrito Federal, o Ministério Público elabora lista tríplice
dentre integrantes da carreira para escolha do Procurador-Geral de Justiça, que
será escolhido pelo governador, para mandato de dois anos, permitida uma re­
condução.
As funções do Ministério Público são, entre outras: zelar pelo respeito dos
Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados
nesta Constituição; promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a pro­
teção do patrim ônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos; promover a ação de inconstitucionalidade ou representa­
ção para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta
Constituição; defender judicialmente os direitos e interesses das populações in­
24 I Adm inistração Pública BLSEVIHR

dígenas; exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei com­


plementar mencionada no artigo anterior.

.4. Questões para aprofundamento j,


í
1. Quais as principais transformações políticas, sociais e econômicas pelas j
quais tem passado o Estado contemporâneo?
2. Diferencie os conceitos de Estado e Administração Pública e estabeleça
uma relação entre eles.
3. O Estado no Brasil já foi unitário e é hoje federativo. Em que período
histórico foi adotado cada modelo e por quê?
4. A Administração Pública pode adotar posições distintas das decididas
pelo governo? Em caso afirmativo, em que contexto?
5. Estabeleça alguns desafios políticos da operacionalização das decisões de
Estado pela Administração Pública. Considere a questão do patrimonia-
lismo.
6. O Brasil já teve uma experiência parlamentarista. Pesquise um pouco o
período, descreva-o brevemente e discuta as vantagens e desvantagens do
parlamentarismo no caso brasileiro.
7. Em que casos há a possibilidade de conflitos entre as funções econômicas
do Estado? '
8. Apresente exemplos de externalidades positivas e negativas que, a seu ver,
justificariam uma atuação do poder público. •
9. Quais as vantagens, a seu ver, da separação de poderes? No parlamenta­
rismo, como se dá essa separação?
10. O poder executivo pôde, em várias ocasiões, fazer aprovar boa parte de
suas propostas pelo legislativo. Isso configura um desequilíbrio entre po­
deres?
11. Em alguns países, os juizes do Supremo Tribunal são nomeados pelo pre­
sidente (caso brasileiro). Em outros, podem ser por ele destituídos (caso,
por exemplo, do Paquistão). Como fica a independência dos poderes nes­
ses casos?
12. Estabeleça um a diferença entre as ideias de Estado liberal e Estado so­
cial.
13. Reflita sobre duas políticas públicas típicas do Estado social, de m odo a
estabelecer suas características e estratégias de ação.
14. Pesquise no Boletim Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamen­
to, no Boletim do Tesouro Nacional ou em outras fontes e informe o
tamanho do Estado no Brasil em termos de carga tributária, núm ero de
ELSEVIER Capítulo 1 : O Estado e a Administração Pública na sociedade contemporânea I 25

funcionários públicos em relação à população, despesa pública em rela­


ção ao PIB. Parece grande? Por quê? Você acredita que vem crescendo?
15. Quais as principais características políticas do Estado brasileiro?
16. Quais as principais diferenças entre Ministério Público e Poder Judiciá­
rio? Pense em algumas situações cotidianas.
17. As mudanças no papel do Estado, nos 50 últimos anos, são expressivas.
Que novas atribuições parecem fazer mais sentido? Em que funções o
Estado se sairia melhor se fizesse um a parceria com o setor privado?

1.5. Bibliografia Complementar


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Impetus, 2007.
ARANTES, Rogério Bastos. “Direito e política — o Ministério Público e a defesa dos direitos coletivos.”
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Barbosa. São Paulo: Martins, 1965.
BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e efetividade de suas normas — limites e possibilidade
da Constituição Brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. Rio de Janeiro: Forense, 1980.
CALABRESI, Guido 8c BOBBIT, Phillip. Tragic choices. Nova York e Londres: W.W. Norton & Company,
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CAMPOS, Francisco. O Estado Nacional. Rio de Janeiro: José Olympio, 1940.
D’ARAÜJO, Maria Celina. “Reforma política e democracia.” In: OLIVEIRA, Fátima. Política de gestão
pública integrada. Rio de Janeiro: FGV, 2000.
FOUCAULT, Michel. “A govemamentalidade”. In: MACHADO, R. (Org.). Microfísica do poder. São Pau­
lo: Graal, 2004.
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
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21, na 60,2006.
MACPHERSON, C. B. A democracia liberal: origens e evolução. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.
MANIN, Bernard. “As metamorfoses do governo representativo.” Revista Brasileira de Ciências Sociais,
n° 29,1995.
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SOUZA NETO, Cláudio Pereira de 8c SARMENTO, Daniel (Orgs.). Direitos sociais — fundamentos,
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URUGUAI, Visconde do. “Ensaio sobre o Direito Administrativo.” In: CARVALHO, J. M. de (org.).
Visconde do Uruguai. São Paulo: Editora 34,2002.
WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: Unb, 1991.
Capítulo

A Administração Pública

Administração Pública decorre do que


m a d e fin iç ã o o p e r a c io n a l d e

U vimos anteriormente sobre o Estado. Inclui o conjunto de órgãos, fun­


cionários e procedimentos utilizados pelos três poderes que integram o Estado,
para realizar suas funções econômicas e os papéis que a sociedade lhe atribuiu
no momento histórico em consideração. Assim, temos dois qualificativos para
associar a esta afirmação: a Administração Pública não existe só no Executivo e
ela m uda constantemente, pois as expectativas da sociedade em relação a ela e
as disputas que se fazem na esfera política para fazer valer propostas diferentes
de atuação estatal também são cambiantes.
Assim, a Administração Pública não se confunde com a função adminis­
trativa, uma vez que esta é mais ampla e se refere ao Estado como um todo. O
juiz que dirige um determinado fórum emite uma série de atos administrativos
em relação à lotação de servidores, por exemplo, ao passo que o presidente do
Congresso Nacional também adota um a série de medidas administrativas no
que concerne ao trânsito de indivíduos no interior da casa parlamentar.
Para um Estado do qual se espera que apenas proteja contratos e garanta a
proteção dos habitantes contra ameaças externas ou crimes internos, a Adminis­
tração Pública será extremamente enxuta e provavelmente formada por órgãos
e funcionários ligados à polícia, às Forças Armadas, ao Judiciário e ao fisco. Já se
pensamos em contratação de obras públicas como hidrelétricas, estradas, ferro­
vias, portos, ou, ainda, se associarmos ao rol de atividades públicas a educação das
crianças e jovens, o apoio à ciência e tecnologia, a saúde da população, a Adminis­
tração Pública passa a se tornar bem mais complexa, mesmo que para a realização
28 I Adm inistração Pública

dessas tarefas possa assumir diferentes desenhos dependendo do interesse da so­


ciedade ou de quem tem uma voz mais forte na definição das instituições.
De acordo com a definição de Hely Lopes Meirelles, “a Administração é o
instrumental de que dispõe o Estado para pôr em prática as opções políticas de
governo.” (Meirelles, 1993, p. 56-61). Num a democracia, essas escolhas resultam
de embates que se travam no Legislativo entre os representantes da população e
mesmo dentro do Executivo, entre diferentes membros do governo, certamente
com influência de servidores públicos. Tais escolhas, como vimos, podem in­
fluenciar a própria configuração da Administração Pública.
■v Num Estado Federativo, como o nosso, a Administração Pública pode ser
federal, estadual ou municipal. Mas os princípios que a regem, sua estruturação,
os cargos e seus titulares são os mesmos nos três níveis de governo.
Assim, estabelece a Constituição que a Administração Pública de qualquer dos
Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá
aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência
(esse último princípio acrescentado pela Emenda Constitucional n2 19 de 1988).
Paulo Modesto — jurista que participou diretamente da redação da proposta de
Emenda Constitucional que consagrou este princípio — assim justifica sua inclu­
são entre os princípios que deveriam reger a Administração Pública,

na administração prestadora, constitutiva, não bajta ao administrador atuar de forma


legal e neutra, é fundamental que atue com eficiência, com rendimento, maximizando
recursos e produzindo resultados satisfatórios. (Modesto, 2000, p. 113)

E prossegue explicitando o conteúdo do princípio. “A obrigação de atua­


ção eficiente, portanto, em termos simplificados, impõe” diz o autor, “a) ação
idônea (eficaz); b) ação econômica (otimizada); c) ação satisfatória (dotada de
qualidade).”
A Constituição prossegue estabelecendo um conjunto de regras como a exi­
gência de concurso público para acesso a cargos e empregos públicos, a limita­
ção do acesso da grande maioria dos cargos a brasileiros (as exceções são para
professores em Universidades ou cientistas em Institutos de pesquisa), a obriga­
toriedade de lei para criar empresa estatal, autarquia ou fundação.
É interessante observar que a Constituição passou a considerar o princípio
da eficiência como norteador da Administração Pública apenas após a Reforma
da Gestão Pública de 1995, por meio da Emenda Constitucional n2 19 de 1988.
De certa maneira, é como se bastasse que a Administração Pública fosse impes­
soal, moral, governada pela lei e desse publicidade a seus atos — não precisaria
ser eficiente no atendimento às necessidades da população. Falaremos da Refor-
ELSEVIER
Capítulo 2: A Administração Pública I 29

ma um pouco mais adiante, mas vale a pena ressaltar esse aparente esquecimen­
to das Constituições anteriores.

2.1. Administração Pública Direta e Indireta

A Administração Pública pode ser direta ou indireta, segundo a Constitui­


ção. A administração direta inclui os serviços desempenhados pela e s tru tu ra
administrativa da Presidência da República e dos ministérios (no caso da admi­
nistração federal). A administração indireta, também chamada d escen tralizad a,
inclui as autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fun­
dações públicas que desempenham atividades que lhes foram atribuídas (ou
descentralizadas).
De acordo com o Decreto-lei 200 de 1967, as entidades da Administração
Direta possuem personalidade jurídica própria, patrimônio próprio e devem
ser vinculadas à administração direta. Observe-se que a ideia é de vinculação e
não subordinação, o que refletiria hierarquia, só aplicável dentro da adm inis-
tração direta.

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Lei'8112/90 (lei federal) 5T>> •• % •' *i ":■*


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Regime Estatutário ou
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Regime do Cargo Público
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>• »* aprovação-prévia,em'. .
■” ' concurso públieèV *
Autarquias são, nos termos do referido Decreto-lei, serviços autônomos,
criados por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para
executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu
m elhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizadas.
Fundações são entidades dotadas de personalidade jurídica de direito pú­
blico, sem fins lucrativos, criadas em virtude de autorização legislativa, com au­
tonom ia administrativa, patrim ônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de
direção e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes.
Observe-se que a Constituição de 1988 transformou as fundações, até então
de direito privado, em entidades de direito público, tornando assim superado
o estabelecido até então. Repassava-se a um a fundação “o desenvolvimento de
atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público”
(DL 200, art. 52 IV). O objetivo era controlar um pouco o que alguns conside­
ravam um ralo por onde se esvaíam recursos públicos e, por outros, um a porta
aberta para o clientelismo e o fisiologismo, já que sua administração comportava
maior flexibilidade e permitia, por exemplo, admissão de funcionários sem con­
curso público e a não submissão a regras e controles típicos de órgãos públicos.
Empresas Públicas são entidades dotadas de personalidade jurídica de di­
reito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criados
por lei para a exploração de atividades econômicas que o governo seja levado
a exercer. Aqui, há dois elementos importantes: o direito privado a reger parte
dos procedimentos das empresas (não todos, ptois cabe às empresas públicas e
sociedades de economia mista aplicar os princípios constitucionais que regem
a Administração Pública e algumas prescrições, como a exigência de concurso
público, de licitações para compras e contratações de serviços, entre outros) e
a exigência de capital exclusivo da União que é o que as tornará diferentes das
sociedades de economia mista. Um exemplo de empresa pública é a Embrapa,
empresa brasileira de pesquisa agropecuária.
Sociedades de economia mista são entidades dotadas de personalidade jurí­
dica de direito privado, criadas por lei para a exploração de atividade econômi­
ca, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam
em sua maioria à União ou a entidade da administração indireta. Observe-se
que essas empresas estatais são submetidas à Lei das S.A. e, ao mesmo tempo,
aos preceitos constitucionais mencionados. A possibilidade de acionistas outros
que não o poder público, desde que minoritários, as distingue das empresas p ú ­
blicas. Um exemplo de sociedade de economia mista é a Petrobras S.A.
A Constituição Federal estabelece um a natureza híbrida para as empresas
estatais e sociedades de economia mista, pois estas estão sujeitas “ao regime ju­
rídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto a direitos e obrigações
civis, comerciais, trabalhistas e tributários” e não poderão gozar de privilégios
fiscais não extensivos às do setor privado, mas devem, ao mesmo tempo, como
dissemos há pouco, realizar concursos públicos para contratar pessoal e prom o­
ver licitações para compras, de acordo com os limites estabelecidos na Lei 8666
de 1993 e observar os princípios da administração pública para contratação de
obras, serviços, compras e alienações.

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2.2. Três formas históricas de administração
Segundo Bresser-Pereira (1998, p. 20-22), há três formas de administrar o
Estado: a administração patrimonialista, a administração pública burocrática e
a administração pública gerencial, que outros autores chamam de pós-burocrá-
tica. O autor tira o qualificativo de pública da administração patrimonialista,
pois esta não visaria o interesse público.
A administração patrimonialista era o modelo de administração própria
das monarquias absolutas, em que o patrim ônio do rei se confundia com o pa­
trim ônio público. O Estado não era apenas o rei, como no célebre dito atribuído
a Luís XIV. O Estado era considerado propriedade do rei. O Tesouro Real seria o
tesouro público, num a clara confusão de público e privado. Uma visão religiosa
do exercício da autoridade real associava o rei, investido de poder pela provi­
dência divina, à imagem de protetor e proprietário de seus súditos que deveriam
lealdade a ele, não à nação. O regicídio, ou qualquer ameaça ao poder do rei,
seria, nesse contexto, um sacrilégio.
Essa forma de administração transpôs-se, com algumas modificações, a
outros contextos. Associou-se, nas democracias representativas incipientes, ao
clientelismo e ao fisiologismo, mas com o seu amadurecimento, mostrou-se in­
compatível com a lógica e as demandas de um a sociedade civil estruturada, ur­
bana e um a economia de mercado. Em outro texto (1996, p. 4), Bresser-Pereira
procura esclarecer por que esse modelo de administração não convive com a
sociedade industrial moderna: “É essencial para o capitalismo”, escreve o autor
“a clara separação entre o Estado e o mercado; a democracia só pode existir
quando a sociedade civil, formada por cidadãos, distingue-se do Estado ao mes­
mo tempo em que o controla”.
Nesse contexto, de forma progressiva, a evolução do capitalismo industrial
tende a tornar obsoleta e insustentável essa forma de administração e a buscar
a constituição de outra forma de administração pública que partisse de uma
separação entre o espaço púbüco e o privado (sem, contudo, eliminar a possibi­
lidade de influências) e o domínio do político e do técnico. Trata-se da adminis­
tração burocrática, associada ao tipo ideal de dominação racional-legal de Max
'3 2 '('"'Adm inistração P ública ’ ’ : TESEW EK”

Weber. Aqui, busca-se estabelecer o comportamento esperado pelo servidor ou


administrador público na forma de regulamentos exaustivos, enfatizar a im ­
pessoalidade, seja na forma de acesso aqj, serviço público, seja na progressão na
carreira (o que, no fim das contas, leva a tornar quase impossível a premiação
do desempenho diferenciado) e torna o conhecimento das regras um recurso de
poder (o que decorre do poder racional-legal de Weber). Esse modelo inspirou
(e ainda inspira) a Administração Pública em muitos países avançados. Alguns
princípios básicos da Administração Burocrática seriam, em síntese:

• formalismo — atividades, estruturas e procedimentos estão codificados


em regras exaustivas para evitar a imprevisibilidade e instituir maior se­
gurança jurídica nas decisões administrativas;
• impessoalidade — interessa o cargo e a norma, e não a pessoa em sua
subjetividade. Por isso, carreiras bem estruturadas em que a evolução do
funcionário possa ser prevista em bases objetivas são próprias desta for­
ma de administração;
• hierarquização — a burocracia contém uma cadeia de comando longa e
clara, em que as decisões obedecem a um a lógica de hierarquia adminis­
trativa, prescrita em regulamentos expressos, com reduzida autonom ia
do administrador;
• rígido controle de meios — para se evitar a imprevisibilidade e intnjduzir
ações corretivas a tempo, um constante m onitoramento dos meios, espe­
cialmente dos procedimentos adotados pelos membros da administração
no cotidiano de suas atividades.

Enquanto o Estado desempenhava um papel restrito a pouco mais que a


proteção de contratos, segurança interna e externa da população e arbitragem
de seus conflitos, esse modelo de administração pública pareceu ser suficiente,
naturalmente com algumas contaminações do modelo anterior. A complexida­
de das novas tarefas atribuídas ao poder público no Estado Social — como a
prestação de diversos serviços públicos, como educação e saúde, a regulação de
atividades passíveis de externalidades, como a vigilância sanitária, a proteção do
meio ambiente, as diferentes políticas sociais voltadas ao combate às desigual­
dades — tornou indispensável a ideia da eficiência da máquina pública, a qual,
para tanto, deveria levar em conta seus custos, ter uma administração menos
hierárquica e mais flexível e, sobretudo, buscar a melhoria da qualidade dos
serviços prestados ao cidadão.
Mesmo assim, ao longo dos chamados Trinta Anos Gloriosos (1945-1973)
e em parte dos anos 1980, a burocracia weberiana continuou a ser o modelo de
’EESEVIEK V ” 7 " Càpítiíló 27 A Administração’Pública | 33

boa parte das administrações públicas dos países da OCDE, agora mais com­
plexas. Mas a necessidade de um novo modelo foi reforçada, segundo Bachir
Mazouz, Joseph Facal e Imad Hatimi (2007, p. 368), por alguns fatores, como:

• a crise das finanças públicas devido a déficits acumulados e a mudanças


demográficas em curso;
• preocupações crescentes da sociedade com ética, transparência e imputa­
bilidade dos dirigentes e políticos;
• pressões por maior competitividade devido à globalização;
• as possibilidades abertas com a tecnologia da informação;
• o fortalecimento de uma visão liberal de governança pública.

Com essa convergência de fatores, surge o que Bresser chama de administra­


ção gerencial, também chamada de Nova Gestão Pública. Esse modelo vem do
que pode ser chamado de reformas de segunda geração, por incluir não apenas
medidas de contenção fiscal, mas, sobretudo, o fortalecimento do gerenciamen­
to público, de instituições de controle e imputação de resultados e estruturas
mais flexíveis em que o cidadão pode se perceber e ter voz, como usuário de
serviços públicos e contribuinte.
A implementação da Nova Gestão Pública iniciou-se na Inglaterra, sob a
administração de Margaret Thatcher, junto com um forte discurso de defesa
do Estado mínimo. Margaret Thatcher assumiu o cargo de primeiro-ministro
no Reino Unido, em 1979, com a firme determinação de reformular o que ela
percebia como um a economia britânica em crise e um serviço público, em suas
palavras, letárgico (Thatcher, 1993, p. 41-49).
Mas a dama de ferro não teve controle sobre sua reforma do aparelho do Es­
tado. A intenção era realizar inúmeras privatizações, reduzir programas sociais
e mesmo, em outras esferas da economia, acabar com o salário mínimo, poste­
riorm ente reintroduzido pelo trabalhista Tony Blair. Mas a participação de altos
funcionários públicos, que tinham um a agenda distinta, ligada à retomada do
prestígio do funcionalismo público inglês fizeram com que a reforma, em vez de
se ater à proposta liberal de Thatcher, focasse mais na modernização do apare­
lho de Estado. Como resultado, a participação do Estado na renda nacional não
se reduziu em seu governo.
Por outro lado, a ideia de m ensurar resultados, dar autonom ia gerencial aos
dirigentes e responsabilizá-los pelo desempenho de suas unidades ganhou mui­
ta ênfase, com o programa Value for Money (que procurava investigar o valor
agregado por atividades selecionadas frente ao investimento que o contribuinte
,aí fazia). A reestruturação de departamentos, a descentralização do orçamento,
e criou a Casa da Moeda. Para aparelhar as Forças Armadas, inaugurou uma
fábrica de pólvora, duas Academias, a Militar e a da Marinha, e organizou fun­
dições de ferro.
D. João VI criou também Escolas de Medicina, de Matemática, Física e En­
genharia e de Belas-Artes. É interessante observar que a novidade constituía na
introdução do ensino não apenas superior, mas leigo. A fundação da Biblioteca
Real, do Teatro Lírico e do Museu Nacional favoreceu a vinda de cientistas e
artistas que retrataram o país, como a famosa missão francesa, vinda em 1816,
logo após a derrota de Napoleão.
Com a Revolução Liberal do Porto, em 1820, a família real volta a Portu­
gal, drenando os recursos do Banco do Povo, devolvendo o país à condição de
colônia, mas aqui deixando um início de m áquina pública, com a concessão
de empregos já associada ao patrimonialismo. A intensificação do comércio e
o incremento da participação do território da colônia nas relações internacio­
nais im pediram que o Brasil regressasse à situação de mera colônia extrativista.
Com isso, um ano após a saída da corte, é declarada a Independência do Brasil
por D. Pedro I, filho de D. João VI. ~
O primeiro reinado, de 1822 a 1831, é marcado inicialmente pelos confli­
tos entre o Partido Português, que almejava a reunificação com Portugal, e os
desejos de maior poder do imperador, de um lado e, do outro, a forte oposição
a esses anseios pelo partido liberal na Câmara dos Deputados e pela im pren­
sa. Logo após a independência, sentindo um clima desfavorável na Assembleia
Constituinte por ele convocada em 1823, D. Pédro outorgou a Constituição de
1824, elaborada por um Conselho de Estado composto de dez membros. Essa
Constituição estabelecia um Governo monárquico, hereditário, constitucional,
representativo. Foi criada a Assembleia Geral, órgão máximo do Poder Legis­
lativo, composta pelo Senado e pela Câmara dos Deputados, cujos integrantes
eram escolhidos pelo voto dos cidadãos. A carta de 1824 estabelecia também
um sistema de eleições indiretas e censitárias. Para a Câmara dos Deputados
elegia-se um corpo eleitoral que, posteriormente, seria responsável pela eleição
dos deputados para um período de quatro anos. A renda anual mínima para ser
eleitor era de 100 mil réis e, nessas condições, o voto era obrigatório. Os candi­
datos a cargos políticos deveriam ser católicos.
A Carta estabelecia como atribuições da Assembleia Geral, entre outras:
fixar as despesas anuais e as respectivas contribuições, autorizar o governo a
contrair empréstimos e estabelecer os meios convenientes para pagamento da
dívida pública. A iniciativa referente a impostos era privativa da Câmara de
Deputados. O Poder Judiciário era apresentado como independente e o cargo
de juiz era vitalício (perpétuo, nos termos da Constituição), mas o imperador
poderia suspendê-los por certo período devido a queixas contra eles, ouvido o
Conselho de Estado.
Quanto à administração fiscal, estabelecia a Constituição que a Receita e a
despesa da Fazenda Nacional seriam de responsabilidade de um Tribunal, sob o
nome de Tesouro Nacional, em cujas unidades, devidamente estabelecidas por
Lei, seriam reguladas sua administração, arrecadação e contabilidade, em recí­
proca correspondência com as tesourarias e autoridades das províncias do Im­
pério. Em relação aos empregados públicos, civis e militares, ficavam garantidas
as recompensas conferidas pelos serviços feitos ao Estado. Em contrapartida,
eles seriam responsáveis pelos abusos e omissões praticadas no exercício das
suas funções, e por não cobrarem responsabilidades de seus subalternos.
Como serviços aos cidadãos, a Carta estabelecia a instrução primária gra­
tuita e os socorros públicos.
O traço mais marcante dessa Constituição foi a instituição de um quarto
poder, exclusivo do Imperador, o Moderador, ao lado do Executivo, Legislativo
e Judiciário. Por meio do Poder Moderador, o imperador nomeava os membros
vitalícios do Conselho de Estado, os presidentes de província, as autoridades
eclesiásticas da Igreja Católica, o Senado vitalício, os magistrados do Poder Ju­
diciário e os ministros do Poder Executivo. Podia igualmente vetar decisões da
Assembleia Geral e convocar otl dissolver a Câmara dos Deputados.
Na prática conseguiu nomear portugueses de sua confiança nos principais
órgãos públicos civis e militares, o que demonstra que o preenchimento dos
cargos na administração pública esteve amplamente relacionado ao arbítrio do
Imperador, e não a procedimentos meritocráticos de seleção.
Governando em meio a grandes conflitos e oposição, a situação foi agravada
com a falência do primeiro Banco do Brasil em 1829, pela morte de D. João VI
e pela participação do imperador nas discussões sobre a sucessão em Portugal.
A inflação e as crises sociais resultantes não o ajudaram, inclusive em função da
própria pressão exercida por Portugal pelo seu retorno. Abdicou em 1831, em
favor de seu filho m enor Pedro.
Diante da menoridade de Pedro II, a solução adotada no Brasil foi o período
das regências, que fora o mecanismo estabelecido na Constituição de 1824 para
lidar com a transição de Pedro I para Pedro II. Foi uma fase conturbada, repleta
de rebeliões regionais e conflitos entre restauradores, que haviam integrado o
Partido Português e o Liberal. A situação econômica já difícil era agravada pelos
tumultos, e um a das tarefas dos regentes foi justamente aparelhar o Estado para
enfrentar desordens internas. A Guarda Nacional, uma força paramilitar criada
em agosto de 1831, por Feijó, então Ministro da Justiça, como guardiã da nova
Constituição, foi sendo estruturada ao longo das regências, para substituir os an-
econômica diferenciada de cada capitania. Apenas Pernambuco e São Vicente
prosperaram.
Para apoiar as capitanias, Portugal criou o Governo Geral em 1548. Preten­
dia-se centralizar administrativamente-a organização da Colônia, mantendo-se,
porém, o sistema de capitanias hereditárias como estratégia para o fortaleci­
mento da colonização. O governador geral passou a assumir muitas funções
antes desempenhadas pelos donatários. É interessante observar que o controle
da aplicação da justiça cabia ao governador, que também era responsável pela
disseminação da fé cristã, num a parceria nem sempre tranquila com os jesuítas.
A partir de 1720, os governadores passaram a receber o título de vice-rei. O Go­
verno Geral permaneceu até a vinda da família real para o Brasil, em 1808.
Tanto o donatário como o governador ou vice-rei tinham ampla latitude pa­
ra escolher eventuais funcionários, aplicar a justiça e recolher tributos nos limites
da sua jurisdição, respeitados apenas o monopólio do rei sobre o pau-brasil e as
especiarias e sua parcela nos demais impostos. O acesso à riqueza estava assim
associado a um cargo, sinecura ou propriedade fornecida pela coroa ou por seus
representantes, em troca de lealdade e preservação de seus interesses no país.
A subida ao poder, em Portugal, de Sebastião de Carvalho e Melo, o futuro
Marquês de Pombal, que durante 27 anos comandou a política e a economia
portuguesa, trouxe consequências importantes para a administração no Brasil.
Nomeado para Secretário de Estado por D. José I, teve de enfrentar uma grave
crise econômica, resultante dos gastos excessivos que se seguiram à descoberta
de ouro no Brasil. Quando um terremoto devastador destruiu Lisboa em 1755,
Pombal organizou as forças de auxílio e planejou a reconstrução da cidade. A
partir de 1756, seu poder foi quase absoluto e realizou um programa moder-
nizador. Aboliu a escravidão, reorganizou o sistema educacional, elaborou um
novo código penal, introduziu novos colonos nos domínios coloniais portu­
gueses e fundou a Companhia das índias Orientais. Praticamente acabou com
a Inquisição em Portugal e nas colônias (embora não pudesse fazê-lo formal­
mente) e consolidou o Tratado de Madri, que ampliava as fronteiras, entrando
em confronto direto com as missões jesuíticas. Acusando a Companhia de Jesus
de conspiração contra a Coroa, expulsou os jesuítas de Portugal e das colônias.
Para substituir o ensino ministrado pelos religiosos, foram criadas as “aulas ré­
gias”, sustentadas por um novo tributo, o “subsídio literário”. O ensino deveria
se dar exclusivamente em português. A administração das missões passou para
funcionários do governo.
Pombal ainda criou o Tribunal da Relação no Rio de Janeiro e juntas de
justiça nas sedes das capitanias gerais, fomentando o surgimento de vilas, e
determ inou a transferência da capital da Colônia de Salvador para o Rio de
Janeiro, em 1763, para combater o contrabando de ouro e diamantes em um
período em que a redução dos tributos sobre metais e pedras preciosas se tor­
nava expressiva.
A subida de Bonaparte ao poder, em 1799 na França, trouxe consequências
fortes para Portugal. A Inglaterra era tradicional adversária da França, mesmo
antes da Revolução Francesa (a Guerra dos Sete Anos entre os dois países, ven­
cida pela Inglaterra, precedeu em poucos anos a Revolução Francesa, e também
a independência dos Estados Unidos). Ocorre que a economia portuguesa ha­
via muito se encontrava subordinada à inglesa, e o bloqueio continental que
Napoleão decretou em 1806 contra a Inglaterra, na impossibilidade de vencê-la
militarmente, prejudicaria o reino português. A saída, sugerida pelos ingleses
a seus parceiros portugueses, por meio do Lord Strangford, embaixador da
Inglaterra em Portugal, foi a transferência da Corte portuguesa para o Brasil,
que passaria a ser a sede do reino. Assim, o bloqueio poderia ser furado e,
para os ingleses, abrir-se-ia a possibilidade de compensação para os prejuízos
econômicos causados pelo bloqueio. A fuga da Corte para o Rio de Janeiro foi
decidida quando da im inente invasão napoleônica, após m uita indecisão do
regente D. João.
As consequências para o Brasil foram extremamente importantes: rompeu-
se o pacto colonial que estabelecia exclusividade à metrópole nas relações com
a colônia, e as estruturas públicas da corte foram transplantadas para o Brasil.
Em 1808, D. João decretou a abertura dos portos às nações amigas. Com isso
houve um grande afluxo de mercadorias para o anteriormente estéril porto do
Rio de Janeiro. Mas as taxas aduaneiras foram reduzidas e o afluxo de dinheiro
que também aqui chegou, para fazer face ao déficit na balança comercial, veio
na forma de empréstimo, com juros importantes. Além disso, como bem lembra
Laurentino Gomes (2007, pp. 215 e 216), logo na chegada ao Rio, foi concedi­
da liberdade de comércio e de indústria manufatureira no Brasil, revogando-se
um alvará de 1785 que proibia a fabricação de qualquer produto na colônia.
“Combinada com a abertura dos portos, representava na prática o fim do sis­
tema colonial. O Brasil libertava-se de três séculos de m onopólio português e
se integrava ao sistema internacional de produção e comércio como uma na­
ção autônoma”. Da mesma maneira, autorizou-se a abertura de novas estradas,
igualmente proibida desde 1733.
A corte se instalou no Rio de Janeiro e trouxe a reurbanização da cidade e
inúmeras desapropriações para instalar os reinóis, mas tam bém a implantação
de uma série de entidades públicas ligadas ao comércio, à incipiente indústria,
à educação e à cultura. Pouco depois de chegar, D. João instalou o Banco do
Brasil, inicialmente chamado de Banco do Povo, implantou aqui os Ministérios
40 I A dm inistração Pública ~ :EIXEVIER

o controle da corrupção ou a evitar favoritismos descabíveis. Outra argumen­


tação negativa diz respeito à possibilidade de feudalização de espaços públicos.
As organizações sociais administrando museus, por exemplo, ou uma obra que
é construída, tendo seu serviço operado posteriormente por uma empresa pri­
vada, poderiam ficar isoladas da política pública definida para o setor, favore­
cendo o chamado rent-seeking ou viabilizando uma privatização disfarçada da
destinação da ação pública.
Ambos os argumentos alertam para possibilidades que podem ser resolvi­
das por mecanismos previstos em lei e que demandam gestão. Corrupção tem
sido um problema grave nas práticas normais da Administração Direta, mesmo
com todo aparato normativo estabelecido para coibi-la.
Assim, observamos que não há uma forma ou modelo de Administração
Pública que seja adequada em sua integralidade a todos os setores de atuação
do Estado. Da mesma maneira como os países levam em consideração sua rea­
lidade histórica e cultural ao optar por diferentes estruturas — instituições que
conformam sua Administração Pública — dentro de cada país, contribuiçõés de
cada modelo aparecem de formas diferenciadas dependendo do setor de atua­
ção do aparelho de Estado em pauta.

2.4. Evolução da Administração Pública no Brasil


Num breve esforço para reconstituir as linhas gerais da evolução históri­
ca da Administração Pública no Brasil, poderíamos destacar basicamente nove
momentos:

• a Administração Colonial;
• o Brasil como sede do império português;
• o Império ( l e reinado, regências e 2fi reinado);
• a República Velha;
• o varguismo e a implantação da Reforma de 1936;
• o desenvolvimentismo e o início da Reforma do Ministério da Fazenda;
• o regime militar, o estatismo, a modernização e a Reforma de 1967;
• a democratização e o retorno ao formalismo;
• a reforma da Gestão Pública de 1995.

Em cada um desses períodos, embora traços gerais de uma das três formas
históricas de administração citadas tenham sido predominantes, outros ele­
mentos importantes ou esforços de reforma merecem ser mencionados. E im­
portante observar, igualmente, que as diferentes configurações foram influen­
capitulo i : A A d m in is tra ç ã o H ú blica I 4T

ciadas pelo papel que o Estado brasileiro assumia no momento, pelos debates
presentes na sociedade e por modelos adotados em outros países e mesmo no
setor privado.
No período colonial, o patrimonialismo veio para o Brasil com os portu­
gueses. Um sistema político-administrativo centrado na mistura entre público
e privado e na concessão de cargos em troca de lealdade política, amizade ou
interesses partilhados, como vimos anteriormente, vai marcar nossa incipiente
administração (Murilo de Carvalho, 2004, p. 27), num contexto em que a po­
lítica econômica vigente, o mercantilismo, buscava nas colônias as condições
para obter uma balança comercial favorável, inicialmente pela busca de metais
preciosos (bem-sucedida apenas no século XVIII) e de pau-brasil.
A primeira expedição mais importante do ponto de vista da preservação do
território brasileiro foi a de Martim Afonso de Sousa, de 1530 a 1532, enviada
por Dom João III. Veio para combater os traficantes franceses, penetrar as terras
para procurar metais preciosos e estabelecer núcleos de povoamento no litoral.
Para tanto, M artim Afonso possuía amplos poderes. Designado capitão-mor da
esquadra e do território descoberto, deveria fundar núcleos de povoamento,
exercer justiça civil e criminal, tom ar posse das terras em nom e do rei, nomear
funcionários e distribuir sesm arias, lotes de terra para cultivo.
As capitanias hereditárias, um sistema de colonização e administração da
nova colônia, também criado por Dom João III, destinava vastos territórios a
nobres e amigos do rei, que passavam a ser chamados de donatários, represen­
tantes da Coroa portuguesa em suas propriedades. Atendendo a um processo
de povoamento do território da colônia visando a evitar invasões externas, as
capitanias ainda serviram para o desenvolvimento da colonização no Brasil a
partir da associação entre o público e o privado. A doação de um a capitania era
feita através de dois documentos: a Carta de Doação e a Carta Foral. Pela Carta
de Doação, o donatário recebia a terra, podendo transmiti-la para seus filhos
mas não vendê-la. Recebia também uma sesmaria de dez léguas da costa. Devia
fundar vilas, construir engenhos, nomear funcionários e aplicar a justiça.
A Carta Foral tratava dos tributos a serem pagos pelos colonos. Definia ain­
da o que pertencia à Coroa e ao donatário. Se descobertos metais e pedras pre­
ciosas, 20% seriam da Coroa, e ao donatário caberiam 10% dos produtos do
solo. A Coroa detinha o monopólio do comércio do pau-brasil e de especiarias.
O donatário podia doar sesmarias aos que pudessem colonizá-las e defendê-las,
tornando-se assim colonos.
De fato, o sistema dificultou o acesso de franceses, holandeses e espanhóis
por um certo tempo, mas a colonização pretendida não ocorreu de forma ho­
mogênea, tendo em vista a extensão territorial brasileira e a própria capacidade
mente bons quadros, podem ser algumas das ações relevantes para se dotar a
Administração Pública de um a cúpula apta a apoiar a tradução de programas
de governo em ações que promovam o» desenvolvimento sustentável do país.
Mas a adoção de princípios da administração burocrática não impede que esses
funcionários tenham metas claras de desempenho, possam dar voz ao cidadão
na elaboração, seleção e avaliação de projetos que consubstanciam as políti­
cas públicas aprovadas pelo Legislativo, características mais associadas com a
administração gerencial;' Aliás, é do próprio Núcleo Estratégico que partem os
“contratos” que serão firmados com órgãos públicos os quais se responsabiliza­
rão pela implantação das políticas, estejam eles associados ao setor de atividades
exclusivas de Estado ou ao setor de atividades não exclusivas.
As atividades exclusivas de Estado, por exigirem um trabalho menos asso­
ciado à concepção e uma independência maior na sua condução, precisam se
estruturar em agências autônomas, profissionalizadas e dissociadas do proces­
samento político das prioridades de governo. Tais agências, que podem se dedi­
car a fiscalização, regulação, diplomacia, entre outras atividades, deveriam ser
formadas por funcionários de carreira, especializados na atividade da entidade.
Aqui também concursos anuais e salários competitivos ajudariam a trazer bons
profissionais e quebrar corporativismos negativos, por oxigenar a máquina p ú ­
blica. É um setor em que a administração burocrática fornece padrões im por­
tantes para sua estruturação: códigos de conduta claros devem ser estabelecidos
em lei, como forma de controle do poder de pôlícia, e em que mecanismos de
seleção, evolução na carreira, movimentação de funcionários e demissão não
podem ficar ao arbítrio dos gerentes, por mais competentes que o sejam. A so­
ciedade deve ser protegida de eventuais excessos do poder extroverso, e os fun­
cionários, de perseguições políticas, devido à sua atuação em defesa de interes­
ses mais permanentes de Estado.
No setor de atividades não exclusivas de Estado, ügadas à implementação de
políticas em áreas em que a sociedade civil acumulou experiências que possam
ser aproveitadas pelo setor público, abre-se um amplo terreno para parcerias.
Essas parcerias podem ocorrer com organizações sociais, entidades sem fins lu­
crativos com as quais o Estado pode firmar um contrato de gestão e, assim, re­
passar a gestão de atividades que demandem mais flexibilidade ou criatividade,
ou com empresas privadas, mediante parcerias público-privadas (PPP), nos ter­
mos de recente lei federal (Lei Federal n2 11.079), que busca captar a capacidade
de investimento e gestão da iniciativa privada para empreendimentos públicos,
especialmente em infraestrutura.
Essas PPPs constituem espécies do gênero “concessão” e se dividem em pa­
trocinadas e administrativas. Em ambas, o parceiro privado realiza investimen-
im iiio iid ^ctu ru u iiC d | àv

tos de, no mínimo, R$20 milhões prévios à prestação de serviços, e o poder


público estabelece o objeto e entra na composição da remuneração ao inves­
tidor, que pode ser integral, como na concessão administrativa, ou parcial, na
concessão patrocinada, em que uma parte do pagamento se dá pelo usuário dos
serviços, na forma de tarifas. Como bem salienta Carlos Ari (Sundfeld, 2005, p.
23), a característica central que motivou a lei “é a de gerar compromissos finan­
ceiros estatais firmes e de longo prazo”. A ideia é, por um lado, impedir que o
administrador atual assuma compromissos de forma irresponsável e, por outro,
dar garantias que convençam a empresa privada a investir.
A legislação exige, ainda, que o vencedor da licitação para contratação por
intermédio de PPP constitua sociedade de propósito específico para o projeto,
cujo controle não poderá ser alterado sem a prévia aprovação do poder públi­
co. A licitação para contratação das PPPs deverá ser por meio da modalidade
concorrência e ser precedida de estudo técnico que comprove a conveniência
e a oportunidade de contratação pela. modalidade PPP. Caso o poder público
deixe de pagar a contraprestação pactuada, o parceiro privado poderá recorrer
à garantia. No que se refere às PPPs da União, o art. 16 autorizou a União, suas
autarquias e fundações públicas a participar, no limite global de R$6 bilhões
em Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas, com a finalidade de pres­
tar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros
públicos federais.
As duas modalidades de PPP se diferenciam pela remuneração do investi­
dor e pela forma de prestação de serviços pela empresa privada. Na concessão
administrativa, a Administração assina com a empresa um contrato de parceria
em que a empresa, além de fazer o investimento, detalha o objeto do serviço
apresentado pelo poder público e recebe a contraprestação somente do governo.
Não há cobrança de tarifas pelos usuários.
Na concessão patrocinada, o poder público detalha o serviço, a empresa rea­
liza o investimento e é ressarcida tanto por tarifas quanto por um adicional de
tarifa pago pelo governo.
Aqui a adesão aos princípios da administração gerencial são bem mais cla­
ros. Não apenas existe um processo de contratualização de resultados, como
autonomia dos dirigentes para estabelecer a parceria, por um lado e, por outro,
da associação ou da empresa para operar o serviço ou a obra, de forma a melhor
atingir os resultados pactuados, desde que respeitados os termos do contrato.
Toda forma de parceria, no entanto, levanta, num país marcadamente clien-
telista, como o Brasil, suspeitas de mau uso de recursos públicos. Argumenta-se
que o que o poder público busca, na verdade, ao construir essas parcerias, seja
nos termos da Lei das PPP quanto das OS, seria fugir de amarras voltadas para
36 I A dm inistração Pública ELSEVIER

quina pública desempenhando atividades de Estado. Países como a Inglaterra, a


França, o Japão, o Canadá ou a Alemanha mantiveram serviços públicos estru­
turados, profissionalizados e recentemç nte modernizados.
A melhor forma de garantir um a estruturação da Administração Pública
que se modernize sem perder continuidade, assegurar políticas de longo prazo
e as proteções necessárias a funcionários que possam contrariar interesses de
governo em nom e de interesses de Estado é compreender as diferentes áreas e
setores de atuação do Estado e estabelecer um a forma de organização das tarefas
compatível com a natureza dessas funções.

2.3. Setores do aparelho do Estado


O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Ministério da Admi­
nistração e Reforma do Estado, 1995) se refere a quatro setores que integrariam
o aparelho do Estado, com reflexos na organização da Administração Pública:

• Núcleo estratégico — corresponde ao governo, em sentido lato. É o setor


que define as políticas públicas e coordena sua implantação e fiscalização,
formula leis, acompanha e atua no desenvolvimento da jurisprudência,
cobra seu cumprimento e também julga as transgressões que a elas se in­
terpõem. Corresponde aos Poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério
Público e, no Poder Executivo, ao Presidente da República, aos ministros
e à equipe responsável pelo apoio técnico à formulação e coordenação de
políticas públicas.
• Atividades exclusivas — é o setor em que são prestados serviços que só
o Estado pode realizar. São serviços que, geralmente, encontram-se asso­
ciados ao poder de polícia, de modo que também se exerça o extroverso
do Estado — o poder de regulamentar, fiscalizar, fomentar, como, por
exemplo, a cobrança e fiscalização de tributos, a polícia, a fiscalização do
cumprimento de normas sanitárias, o serviço de trânsito, o controle do
meio ambiente.
• Serviços não exclusivos — corresponde ao setor em que o Estado atua
simultaneamente com outras organizações públicas não estatais e pri­
vadas. As organizações que atuam nesse setor não possuem o poder de
polícia, mas o Estado está presente porque os serviços envolvem direitos
fundamentais, como educação, saúde ou cultura, e também porque tais
direitos geram “externalidades” relevantes que se espalham para o res­
tante da sociedade, não podendo ser transformados em atividades mera­
mente lucrativas, como hospitais, centros de pesquisa, teatros e museus.
P ^ E ÍS e VÍER Capítulo 2: A Administração Pública I 37

• Produção de bens e serviços para o mercado — corresponde à área de


atuação das empresas. É caracterizado pelas atividades econômicas vol­
tadas para o lucro que ainda permanecem no aparelho do Estado como,
por exemplo, as do setor de infraestrutura. Tais atividades encontram-se
no Estado por envolverem eixos considerados estratégicos, por faltar ca­
pital ao setor privado para realizar o investimento ou por serem ativida­
des naturalmente monopolistas, nas quais o controle via mercado não é
possível, tornando-se necessário, no caso de privatização, a regulamenta­
ção rígida por parte do poder público.

Cada setor desses demanda formas de organização e procedimentos dife­


rentes, dada a natureza das suas funções. Não se pode imaginar a polícia ou
a fiscalização da Receita Federal, por exemplo, que exercem poder extroverso
frente ao cidadão ou ao contribuinte, dispondo de flexibilidade para contratar
pessoal, estabelecer códigos de conduta não aprovados pelos representantes da
sociedade ou com grande autonomia de seus dirigentes para demitir profissio-
; nais. Isso certamente traria riscos de perseguições políticas. Em contrapartida, a
* gestão de um museu ou de uma escola de artes do governo, em que a criativida­
de se torna extremamente importante, pode ser gerida com entusiasmo e uma
{ administração menos próxima da burocrática.
Em cada um desses setores caberia um a forma distinta de estruturação da
ação do poder público. Aqui, vamos nos ater ao Executivo, para facilitar a expli­
cação. No chamado Núcleo Estratégico, dá-se a formulação e a coordenação de
políticas públicas que, num a democracia, é de responsabilidade do Parlamento,
mas deve ser apoiada no Executivo por um a área que faz o processamento téc-
nico-político das questões, situado na Administração Direta e com organização
própria da máquina pública, ainda com traços da administração burocrática
weberiana. Isso significa que deve ser povoado por funcionários de carreira,
generalistas, bem formados, especialmente em gestão e avaliação de projetos
complexos, com múltiplas instâncias de implementação, no entendimento das
finanças públicas e de articulação política com o Congresso (ou Legislativos
estaduais e municipais), com parceiros da sociedade civil ou do mercado. Es­
ses profissionais poderiam ter exercício em qualquer ministério ou secretaria,
evitando-se, assim, a rigidez na alocação de pessoas especializadas, não num
segmento, mas na própria gestão das políticas públicas e favorecendo, em con­
trapartida, a integração da ação governamental. O investimento em capacitação,
o acesso desburocratizado desse núcleo a “Think Tanks”, que, estes sim, podem
e devem contar com especialistas em cada política específica, a realização de
concursos anuais e salários de mercado, que tragam para esse núcleo anual-
o treinamento dos funcionários e parcerias com entidades da sociedade civil
completaram o processo de mudança, que, no essencial, foi mantido no novo
governo trabalhista. *
Outro país pioneiro foi a Nova Zelândia, que, segundo Bresser-Pereira, re­
presenta um caso extremo de Reforma Gerencial (Bresser-Pereira,1998, p.55). O
governo trabalhista, normalmente grande intervencionista, foi eleito em 1984 e,
em meio a uma crise econômica forte, decidiu acatar sugestões de altos funcio­
nários do Tesouro neozelandês que propunham uma solução radical, incluindo
privatizações e uma profunda reforma do Estado (Osborne & Plastrik, 1997, p.
75-83). Assim, ao lado de mudanças econômicas para enfrentar a crise, que in­
cluíram reduções importantes do gasto público, o governo introduziu expressi­
va autonomia aos dirigentes de agências e departamentos e, ao mesmo tempo,
definição clara e monitoramento de resultados. Os dirigentes e funcionários da
cúpula da administração tiveram sua admissão para a função regulada por um
contrato baseado em um acordo de desempenho baseado nos serviços deles ad­
quiridos por outros órgãos públicos que, em diversas situações, tinham a opção
de comprá-los de outros órgãos ou até de empresas privadas. A remuneração e
mesmo a permanência no cargo desses administradores passaram a ser definidas
por esses resultados. Para m onitorar e avaliar resultados alcançados, foi utilizada
a Audit Neo-Zeland. Ela audita os resultados alcançados pelas diversas entiaades
públicas e os compara com os compromissos assumidos no início do ano. Além
da verificação formal da contabilidade, existe também um a avaliação de desem­
penho, com base nos contratos de gestão, estipulando as metas para o exercício,
que cada entidade do governo tem de apresentar nò início do ano. Essas metas
definem os recursos necessários que estarão disponíveis no orçamento.
A partir dessas duas experiências pioneiras, a reforma se estendeu para di­
versos países avançados. Mas, como todo modelo, ele não foi implantado inte­
gralmente da mesma maneira em todos eles. Além disso, conheceu dissonâncias
nos discursos que justificavam sua implantação, disputas entre emergências
fiscais e esforços por inovação e, no caso de países em que a administração bu­
rocrática convivia com a administração patrimonialista, como o caso brasileiro,
embates entre correntes preocupadas com a possibilidade de que um a m enor
rigidez fosse uma porta aberta para o clientelismo e correntes mais apressadas
em modernizar a máquina.
As características mais relevantes da administração gerencial podem ser de­
preendidas dessa evolução, mas podemos sintetizá-las como:

• sistemas de gestão e controle centrados em resultados e não mais em pro­


cedimentos;
VII.IV \~apuuiu r\ rxuiitiiKMici^ciu ru u iit.d i .5:»

• maior autonomia gerencial do administrador público;


• avaliação (e divulgação) de efeitos/produtos e resultados tornam -se cha­
ves para identificar políticas e serviços públicos efetivos;
• estruturas de poder menos centralizadas e hierárquicas, perm itindo
m aior rapidez e economia na prestação de serviços e a participação dos
usuários;
• contratualização de resultados a serem alcançados, com explicitação mais
clara de aportes para sua realização;
• incentivos ao desempenho superior, inclusive financeiros;
• criação de novas figuras institucionais para realização de serviços que não
configuram atividades exclusivas de Estado, como PPP (parcerias públi-
co-privadas) e Organizações Sociais e Oscips (Organizações da Sociedade
Civil de Interesse Público) que podem estabelecer parcerias com o poder
público.

É interessante observar que, a despeito de entusiasmos ou exageros iniciais,


a reforma da gestão pública, na maioria dos países, teve uma lógica de preserva­
ção de traços importantes da administração burocrática, tais como:

• carreiras estruturadas e com exigência de concursos públicos para ativi­


dades de policiamento, fiscalização, regulação e coordenação de políticas
públicas;
• exigência de procedimentos estruturados, incluindo licitações e tomadas
formais de preços para compras governamentais e contratação de obras e
serviços;
• procedimentos previstos em leis e regulamentos para elaboração, movi­
mentação e arquivamento de documentos oficiais;
• mecanismos de proteção do servidor público contra perseguições polí­
ticas;
• estruturas de controle interno e externo (que continuam a verificar in­
clusive adequação a procedimentos estabelecidos), mesmo na presença
de um a sociedade vigilante e de contratação de empresas de auditoria.

Parece ser necessário estruturar a Administração Pública com mais cuidado


para que a maior flexibilidade e permeabilidade à sociedade civil não se faça
em detrimento de interesses públicos de longo prazo, como a preservação da
memória, a defesa das políticas de Estado contra interesses imediatos de gover­
nantes de plantão, a lisura e controles firmes nos investimentos e programas
públicos e maior rigor na contratação de servidores que permanecerão na má-
tigos corpos de milícias, as ordenanças e as guardas municipais. Era subordinada
ao Ministério da Justiça e era recrutada entre os cidadãos com renda anual supe­
rior a 200 mil réis, nas grandes cidades, e 100 mil réis nas demais regiões. No Rio
de Janeiro, foi criado o Corpo de Guaçdas Municipais Permanentes. Além disso,
foram estabelecidos limites ao poder moderador, agora exercido pelos regentes,
impedindo-os de exercer a prerrogativa de dissolver a Assembleia Geral.
Inicialmente, os regentes eram escolhidos entre seus pares, isto é, por m em ­
bros da Assembleia Geral. Após o Ato Adicional de 1834, a regência passou a
ser um a e eleita por voto censitário para um mandato de quatro anos. A im ­
portância do Ato Adicional está associada ao fato de que propiciou uma expe­
riência republicana e federalista em pleno interstício entre impérios. Inspira­
do na Constituição Americana, o Ato Adicional criou também as Assembleias
Legislativas Provinciais, com deputados igualmente eleitos por voto censitário,
dotando as províncias de autonomia legislativa. O Ato foi elaborado por Feijó e
incluía entre seus dispositivos o estabelecimento do status de município neutro
para a cidade do Rio de Janeiro.
Feijó, autor do Ato Adicional e primeiro regente uno, no entanto, enfrentou
forte oposição dos chamados regressistas e da imprensa da época. Além disso,
não conseguiu sufocar as revoltas populares. Ao renunciar, iniciou-se um perío­
do de centralização do poder e um a revisão dos preceitos do Ato.Adicional, o
que reforça a ideia de que o período regencial fora fortemente conturbado.
Nesse período das regências, alguns órgãos públicos foram fundados, como
o Colégio Pedro II, o Arquivo Nacional e o Instituto Histórico e Geográfico.
O segundo reinado — que se inicia com a antecipação da maioridade de
Pedro II em função dos problemas políticos da regência — foi marcado pela es­
tabilização do país, inicialmente às voltas com as rebeliões que marcaram todo e
período regencial. Dom Pedro II, inspirado no Parlamentarismo inglês, criou o
Conselho de Ministros, não previsto na Constituição de 1824.0 chefe do Con­
selho, encarregado de organizar o gabinete do Governo, exerceria a função de
chefe de governo ou primeiro-ministro na tradição inglesa. Responsável, pois,
pelo Poder Executivo, para governar, ele deveria se apoiar nos representantes de
seu partido, que deveria deter a maioria das cadeiras na Câmara dos Deputa­
dos. Na hipótese de perda da maioria, o ministério deveria ser desfeito. Mas no
parlamentarismo brasileiro da época do segundo reinado, por conta do Poder
Moderador, a decisão estava nas mãos do imperador, já que ele podia dissolver a
Câmara e convocar novas eleições para garantir o gabinete de sua preferência.
No que se refere às instituições e ao aparelho do Estado, o segundo reinado
foi um período de modernização e desenvolvimento econômico, com a intro­
dução do Código Comercial, para dar segurança às atividades econômicas e de
medidas protecionistas, como a tarifa Alves Branco, que aumenta as taxas adua­
neiras sobre diversos artigos manufaturados. A ideia era melhorar a balança co­
mercial, mas a tarifa acabaria impulsionando uma substituição de importações e
a instalação de inúmeras fábricas no Brasil. O fim do tráfico negreiro deslocaria
também capitais empregados no comércio de escravos para a industrialização.
No mesmo sentido, a Casa da Moeda passou a assumir o papel de comissão
de pesos e medidas e, em 1862, por sugestão do Ministro da Fazenda, foi votada
a Lei 1.157 que introduziu, no Brasil, o sistema métrico francês, mas cujo regu­
lamento definitivo viria apenas em dezembro de 1872, dez anos depois.
A primeira linha de telégrafo elétrico, ligando o palácio de São Cristóvão ao
quartel do Campo, no Rio de Janeiro, foi implantada também em 1862. Poucos
anos mais tarde, o sistema de telegrafia já permitia a comunicação entre várias
capitais brasileiras e até com a Europa. Outros serviços públicos foram implanta­
dos no período como a iluminação pública que passou a ser feita a gás em 1872.
A telefonia entrou em operação em 1877 no Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador.
Os bondes elétricos começaram a funcionar em 1892. Boa parte desses serviços
foi realizada pelo Barão de Mauá, que também se associou ao poder público para
construção de várias estradas de ferro, a construção da Estrada União e Indústria
e ao lançamento do cabo submarino, ligando Brasil-Europa, em 1874.
A atividade postal, que já existia no Brasil desde o século XVII, foi moder­
nizada com um a série de medidas inspiradas por reformulações ocorridas no
sistema postal inglês. Em 1842, foi adotado o selo postal para pagamento prévio
de tarifa pelo remetente, não mais pelo destinatário. Os primeiros selos postais
brasileiros, os olhos de boi foram emitidos no ano seguinte. Pouco tempo de­
pois foram criados o corpo de carteiros e o de condutores de mala e o sistema
de entrega de correspondência a domicílio.
O Tribunal do Tesouro Nacional, instituído pela Constituição de 1824,
sofreu um a profunda reforma em 1850, por iniciativa do Visconde de Itabo-
raí, em que se reorganizaram as Tesourarias das Províncias e se estruturou a
administração central da Fazenda em: Secretaria de Estado dos Negócios da
Fazenda, Diretoria Geral das Rendas Públicas, responsável pela administração
tributária, Diretoria Geral da Despesa Pública, Diretoria Geral da Contabili­
dade, Diretoria Geral do Contencioso, Tesouraria-geral e Primeira e Segunda
Pagadorias do Tesouro e Cartório.

2.4.1. A República
A Proclamação da República trouxe modificações à máquina administrati­
va, embora tenha preservado o mesmo modelo de administração patrimonialis-
ta, marcada pela troca de cargos e favores e lealdade política. Ainda no governo
provisório, foi decretado o federalismo e houve a transformação das antigas
províncias em “estados” de uma federação. Além disso, separou-se o Estado da
Igreja com o fim do padroado e a instituição do casamento e do registro civil.
A Constituição de 1891, que corfsagra o regime republicano, introduz ino­
vações importantes na organização do Estado, na sua relação com o cidadão e
com a Administração Pública. A primeira delas é a federação. O Brasil já havia
dotado as antigas províncias e suas Assembleias Provinciais de alguma autono­
mia, mas a Carta de 1891 consagra o federalismo, um pouco diferente do ameri­
cano que a inspirou, por ter esse último modelo resultado da união de colônias
com estruturas de poder desvinculadas. No caso brasileiro, vínhamos de muitos
anos de Estado unitário e com o poder, no período do império, bastante cen­
tralizado. Assim, o preceito estabelecido no primeiro artigo — de que “a nação
brasileira adota como forma de governo, sob regime representativo, a República
Federativa, (...), formada pela união perpétua e indissolúvel, das suas antigas
províncias, em Estados Unidos do Brasil” — significou um a descentralização
sem precedentes na nossa história. A Carta chegou, inclusive, a vedar o poder
central de intervir nos estados federados, listando poucas exceções. Por outro
lado, considerou hipóteses de trabalho conjunto entre União e estados.
O Poder Moderador deixou de existir. Foi adotado um sistema presiden­
cialista, com independência dos poderes, reproduzido também nos estados fe­
derados. Agora as antigas Assembleias Províncias tornam-se autônomas como
Assembleias Legislativas.
É mantido o bicameralismo do Legislativo Federal, exercido pelo Congresso
Nacional e formado pela Câmara de Deputados e pelo Senado. A Constituição
acabou com a eleição indireta, o voto censitário (embora tenha vedado o voto
dos mendigos), a escolha de senadores pelo imperador e sua vitaliciedade.
Por eleição direta também seriam escolhidos 0 presidente e o vice-presidente
da República. Tanto para essa eleição como para os membros do Congresso, o
corpo eleitoral é formado por brasileiros maiores de 21 anos, excetuados os anal­
fabetos, os praças, os mendigos, as mulheres, os integrantes de ordens religiosas.
Essa forma de eleição só ocorreria três anos depois, e os dois primeiros presidentes
foram eleitos por sufrágio indireto (com Floriano Peixoto como vice-presidente e,
depois, frente à renúncia de Deodoro, assumindo até o final do mandato).
O Congresso manteve seu papel de fixação anual da despesa, agora feder
e o orçamento da receita, mas assumiu também um papel que antes cabia ao
Ministério da Fazenda, especificamente a tomada de contas da receita e despesa
de cada exercício financeiro. Isso resultou da instituição do Tribunal de Con­
tas da União, como controle externo e braço do Legislativo Federal. Manteve
igualmente a prerrogativa de autorizar o governo a contrair empréstimos, mas,
T nsnvT E R - Tiap<tulo~2:“A‘Administraçáó"Pública i 49

numa expansão de atribuições, passou a ter o poder de legislar sobre a dívida


pública e estabelecer os meios para o seu pagamento. Em consonância com a
política de Encilhamento de Rui Barbosa, cabia-lhe tam bém a competência de
criar bancos de emissão, a qual desapareceu na Constituição de 1934.
A estruturação das Forças Armadas e seu efetivo foram também associados
a competências do Congresso Nacional que deveria fixar anualmente as forças
de terra e m ar e legislar sobre a organização do Exército e da Armada. Da mesma
maneira, caberia ao Legislativo a competência para criar e suprimir empregos
públicos federais, fixar-lhes as atribuições, estipular-lhes os vencimentos. Tra­
tava-se evidentemente de uma tentativa de segurar o gasto público e procurar
enfrentar o patrimonialismo, mas sem resultados.
O Executivo Federal, exercido pelo Presidente da República, tinha como
atribuições, entre outras: nomear e demitir livremente os Ministros de Estado;
exercer ou indicar quem exercesse o comando supremo das forças de terra e
mar; administrar o Exército e a Armada e distribuir as respectivas forças; prover
os cargos civis e militares de caráter federal; dar conta anualmente da situação
i do país ao Congresso Nacional, indicando-lhe as providências e reformas urgen­
tes; nomear os magistrados federais mediante proposta do Supremo Tribunal;
nomear os membros do Supremo Tribunal Federal e os Ministros diplomáticos,
sujeitando a nomeação à aprovação do Senado.
O Poder Judiciário, que na constituição anterior poderia ter seus membros
suspensos por queixa ao Poder Moderador do Imperador, agora ganha real inde­
pendência. Os magistrados devem não apenas ser indicados pelo Supremo Tri­
bunal Federal, como não podem ser disciplinados pelo Executivo ou Legislativo.
L Apenas nos crimes de responsabilidade cabia ao Senado julgar os ministros do
* Supremo que, por sua vez, julgavam os juizes federais inferiores. Os juizes conti­
nuavam vitalícios, e seus salários, fixados em lei, eram irredutíveis.
O Supremo Tribunal Federal, instituído nesta Constituição, é o órgão supre­
mo do Judiciário. Os tribunais federais deviam eleger de seu seio os seus presi­
dentes e organizar secretarias para apoiar a ação dos juizes. A nomeação e a de­
missão dos empregados da secretaria e o provimento dos ofícios de justiça — os
oficiais judiciários, com responsabilidade de executar as sentenças e ordens dos
juizes federais — nas circunscrições judiciárias, competiam aos presidentes dos
tribunais. Foi criado também um Supremo Tribunal Militar, sem clara menção
a atribuições ou instâncias inferiores. Foram instituídas também as Justiças dos
estados, com igual autonom ia frente aos outros poderes.
Os estados federados teriam, assim, um Poder Executivo, embora não ha­
ja menção à figura e ao papel dos governadores (apenas um a menção breve a
governos dos estados), uma Assembleia Legislativa e um a Justiça Estadual. Os
estados arrecadariam seus próprios tributos, elaborariam suas constituições e
teriam seus próprios funcionários. Os municípios merecem reduzida atenção
nessa Constituição. Um único artigo afirma sua autonomia que, curiosamente,
deve ser assegurada pelos estados.
Os cargos públicos, afirma a Constituição de 1891, são acessíveis a todos os
brasileiros. Curiosamente, embora a Constituição estabeleça que a criação de
empregos públicos deva ser objeto de decisão legislativa, a menção a cargos apa­
rece apenas no capítulo referente a direitos, o que é bastante consistente com a
lógica da época em que o cargo aparecia, em geral, dissociado de uma prestação
de serviços. Inexistia o instituto da aposentadoria por idade, tempo de trabalho
ou contribuição. A única hipótese de concessão de aposentadoria apontada na
Constituição é a de “invalidez a serviço da nação”.
Pouco se pronunciava a Constituição de 1891 sobre os serviços públicos,
mas a separação entre Estado e Igreja leva à menção de novos serviços como o
registro de nascimento e de casamento civil e os cemitérios públicos (antes, em
geral, de responsabilidade da Igreja). Da mesma maneira, a Carta se referia à lai­
cização do ensmo público (que não era apresentado como obrigação de Estado)
e à vedação de subvenções a instituições ou cultos religiosos.
Mas a configuração da Administração Pública, embora guardasse uma m ar­
ca dos preceitos constitucionais de 1891, foi muito influenciada pela chamada
“política dos governadores”, posta em marcha por Campos Sales, e pelo próprio
coronelismo que se desenvolveu no início o século XX. Eleito em 1898, afastou
os militares da política e tentou obter o apoio do Congresso através de relações
de clientelismo e favorecimento político entre o governo central, os governa­
dores de estado e os coronéis, influentes sobre os municípios. Por esse pacto
político, o governo central deveria respeitar as decisões dos partidos no poder
em cada Estado, desde que estes elegessem bancadas fiéis no Congresso. Os co­
ronéis possibilitavam aos partidos estaduais assegurar a composição das ban­
cadas, por meio do controle que detinham sobre o eleitorado, garantido pelos
“currais eleitorais” e pela inexistência do voto secreto. Os votos acabavam sendo
trocados por benefícios como vagas em escolas e hospitais ou cargos públicos.
Assim, ganhou nova conformação o patrimonialismo já existente no Império e
que agora deveria conviver com um a república federalista. Pode-se dizer que o
patrimonialismo, assim como a política brasileira, se federalizou.
No período da República Velha, alguns órgãos federais foram criados, tais
como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), hoje importante centro de pesquisa
de saúde pública e de produção de vacinas. Surgiu, inicialmente, em 1900, com o
nom e de Instituto Soroterápico Federal, na fazenda de Manguinhos, em Inhaú­
ma, sob a direção técnica e, posteriormente, direção geral de Oswaldo Cruz.
A figura de Oswaldo Cruz associa-se ao início da saúde pública no Brasil.
Designado por Rodrigues Alves como Diretor Geral de Saúde Pública, em 1903,
no Ministério da Justiça e Negócios Interiores (não existia na época Ministério
da Saúde), Oswaldo Cruz participou do esforço empreendido pelo governo pa­
ra sanear a cidade do Rio de Janeiro, então assolada pela febre amarela, peste
bubônica e varíola. Tais doenças prejudicavam não só os habitantes da cidade e
a vinda de eventuais imigrantes que se pretendia trazer ao país, mas também a
economia devido às frequentes quarentenas de navios.
O governo elaborou uma proposta de Código Sanitário que entra em vigor
em 1904, instituindo a obrigação da vacinação antivariólica, fato que acabou
gerando a chamada Revolta da Vacina e levou à revogação da obrigatoriedade.
Mas o saneamento da cidade não foi interrompido e, em 1907, a febre amarela
foi erradicada do Rio de Janeiro. Em 1910, ela também foi eliminada no Pará.
No período varguista, a Administração Pública experimentou uma profun­
da reestruturação. Centrada na crítica à política dos governadores e às práticas
dos coronéis com seus currais eleitorais, a proposta de Vargas, vitoriosa com a
Revolução de 1930, teve de inaugurar um novo modelo de administração. Na
sequência da crise de 1929, que afetou a frágil economia brasileira de forma
contundente, obrigando o governo a queimar estoques de café, Vargas atuava
num contexto em que crescia no m undo um a visão mais intervencionista do
Estado. Em 1936, com os ecos da crise ainda fortes, John Maynard Keynes pu­
blicava sua Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, criticando a economia
ortodoxa baseada nas ideias de Adam Smith, Ricardo e Say. Na Itália, o fascismo
passava a adotar o sistema corporativista nas relações capital-trabalho, em que o
Estado teria um papel relevante junto aos sindicatos de trabalhadores, inclusive
proporcionando sua participação em decisões anteriormente restritas a parla­
mentares.
No Brasil, a elaboração da Carta de 1934 ocorreu sob a influência dessas
ideias, contando na Assembleia Constituinte com o Congresso e mais 40 repre­
sentantes dos sindicatos, propostos pelo Presidente. A Constituição de 1934,
inspirada também na carta da República de Weimar e elaborada após a Revo­
lução Constitucionalista de 1932, teve curta vigência, apenas um ano, já que
mesmo antes de editada a Constituição do Estado Novo, três anos depois, foi
suspensa pela Lei de Segurança Nacional.
Entre suas disposições podemos destacar: a instituição do voto secreto,
obrigatório a maiores de 18 anos, e do voto feminino (já autorizado pelo Có­
digo Eleitoral de 1932, mas não previsto na Constituição de 1891), a criação da
Justiça Eleitoral e da Justiça do Trabalho, com eleição de seus membros, sendo
metade formada pelas associações representativas dos empregados e metade
pelas dos empregadores, além do presidente, de livre nomeação do governo. O
governo ainda nacionalizou as riquezas do subsolo, como outros países, num
claro prenúncio do clima que propiciou a criação da Petrobrás, pouco menos
de vinte anos depois. Introduziu diversos direitos sociais, tais como a jornada de
oito horas, o repouso semanal obrigatório, férias remuneradas, a proibição do
trabalho infantil, indenização para trabalhadores demitidos sem justa causa.
A Educação, apresentada como competência conjunta dos poderes públicos
e das famílias, foi introduzida na Constituição de 1934 como direito de todos,
foi previsto um Plano Nacional de Educação, a ser elaborado pelo Conselho
Nacional de Educação, com previsão de ensino primário integral gratuito e de
frequência obrigatória extensivo aos adultos e com tendência à gratuidade do
ensino educativo ulterior ao primário. Os estados e o Distrito Federal deveriam
organizar e manter sistemas educativos, para os quais era garantida um a vincu-
lação orçamentária (de, ao menos, 10% das receitas de impostos para a União
e municípios e de 25% para os estados e o Distrito Federal). Para o magistério,
demais cargos de carreira do funcionalismo, membros do Ministério Público
e juizes, passou a ser exigido na primeira investidura concurso de provas ou
títulos. Mas previa também para os professores a realização de provas escolares
de habilitação.
A Constituição associava a contratação por concurso à estabilidade. Assim,
estabelecia que os funcionários públicos, depois de dois anos, quando nom ea­
dos em virtude de concurso de provas, e, em geral, depois de dez anos de efe­
tivo exercício, só poderiam ser destituídos em virtude de sentença judicial ou
mediante processo administrativo. Previa também a elaboração de um Estatuto
dos Funcionários Públicos, que seria referencial normativo para as atribuições
do funcionalismo público brasileiro.
Em 1936, iniciava-se a Reforma Administrativa com a instituição do Conse­
lho Federal do Serviço Público Civil, posteriormente denominado DASP (De­
partamento Administrativo do Serviço Público). A característica básica dessa
reforma, conduzida por Maurício Nabuco e Luís Simões Lopes, seria, nas pa­
lavras de Beatriz Wahrlich (1974, p.28), “a ênfase na reforma dos meios (ati­
vidades de administração geral) mais do que na dos próprios fins (atividades
substantivas)”. Seus líderes diziam observar os “princípios de Administração”
ligados a teorias em voga nos países avançados, num modelo que ela descreve
como “taylorista/fayolista/weberiano”. A reforma se propunha a modernizar a
administração de pessoal, a administração de materiais, o orçamento e os pro­
cedimentos administrativos.
A mudança mais significativa foi certamente na administração de pessoal.
Foram detalhados diferentes procedimentos estabelecidos pela Constituição de
1934, como o concurso público, mas foram também estabelecidos mecanismos
novos como os planos de classificação de cargos e fixação de salários, institucio­
nalização de treinamento e aperfeiçoamento dos funcionários públicos, intro­
dução de sistema de mérito, medidas voltadas a dotar de racionalidade a m á­
quina pública. Aqui, a ideia central era a da impessoalidade e da valorização do
saber técnico, traços importantes da administração burocrática que se pretendia
implantar. Em 1939, foi elaborado o Estatuto do Funcionário Público que fora
previsto na Constituição de 1934.
No orçamento, a proposta foi associar rubricas a planos de trabalho e, na ad­
ministração de materiais, promover um sistema de classificação/codificação de
materiais para facilitar compras e procedimentos de almoxarifado e introduzir
processos licitatórios. A Reforma culminou com a revisão geral de estruturas que
resultou na criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (desvincu­
lando o tema do anterior Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio).
Mas Vargas havia feito mudanças de estrutura ainda antes da Constituição.
Observe-se que uma das primeiras medidas do governo provisório de Vargas,
ainda em 1930, foi a criação do Ministério da Educação, com o nom e de Minis­
tério da Educação e Saúde Pública. Nesse domínio, importantes reformas foram
introduzidas, especialmente na longa gestão de Gustavo Capanema, que contou
com a assessoria de intelectuais fámosos, como Carlos Drum m ond de Andrade,
Heitor Villa Lobos e Mário de Andrade, entre outros. Entre as medidas adotadas
estão a reforma do ensino secundário e o grande projeto de reforma univer­
sitária, que resultou na criação da Universidade do Brasil, hoje Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
No mesmo ano em que foi promulgada a Constituição, Getulio Vargas cria o
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), instalado apenas dois anos
depois, mas de toda forma um órgão extremamente importante para nortear o
esforço de planejamento da industrialização e modernização do país que se pre­
tendia fazer sob a liderança do Estado. Mais tarde, em 1944, surgia a Fundação
Getulio Vargas, por sugestão e empenho de Luís Simões Lopes, presidente do
DASP, com o objetivo de preparar pessoal qualificado para a administração pú­
blica e privada brasileira. Para formar mão-de-obra para a indústria, Vargas criou
o Senai, com recursos garantidos pela contribuição compulsória dos estabeleci­
mentos industriais do país, correspondente a 1% de sua folha de pagamento.
Em novembro de 1937, alegando um plano comunista para a tomada do
poder, o Plano Cohen, Getulio instaurava o Estado Novo e outorgava a Consti­
tuição que ficou conhecida como Polaca, embora incluísse elementos da Cons­
tituição da Itália fascista e da Carta Del Lavoro. De acordo com ela, o presidente
detinha plenos poderes, inclusive o de legislar por decreto-lei-, permitia-lhe no­
mear interventores nos estados, aos quais Getulio deu ampla autonom ia na to­
mada de decisões; o mandato passava para seis anos; as greves foram proibidas;
o governo podia demitir os funcionários civis ou militares cujas ações não se
ajustassem às diretrizes do regime efoi introduzida a censura. Nacionalizaram-
se os recursos minerais, as fontes de energia e as indústrias de base. O prefeito
seria de nomeação do governador de estado, ou do interventor. A Constituição
previa tam bém um novo Poder Legislativo, que acabou não sendo eleito. Esse
poder seria exercido pelo Parlamento Nacional com a colaboração do Conselho
da Economia Nacional, como órgão consultivo e do Presidente da República,
pela iniciativa e sanção dos projetos de lei e promulgação dos decretos-leis. O
Parlamento nacional seria composto por duas câmaras: a Câmara dos Depu­
tados e o Conselho Federal, composto por um representante de cada estado,
escolhidos pelas Assembleias Legislativas e sujeitos ao veto do governador ou
interventor, e dez membros escolhidos pelo Presidente.
Vargas não convocou eleições durante todo o Estado Novo, tampouco realizou
o plebiscito previsto nesta Constituição. O Estado Novo foi um governo de grande
centralização administrativa e política. Nos estados não apenas os interventores
eram nomeados diretamente por Getulio, mas as Assembleias Legislativas foram
substituídas por departamentos administrativos, cujos membros eram nomeados
tam bém pelo Presidente da República. As Forças Armadas passaram a controlar as
forças públicas estaduais, que passaram a só poder utilizar armas leves.
O governo orientou-se crescentemente para a intervenção estatal na econo­
mia, o nacionalismo econômico e a industrialização. Desde 1939, o ministro da
Fazenda, Sousa Costa, preparava um Plano Quinquenal, que ihcluía a implanta­
ção de uma usina de aço, a criação de uma usina hidrelétrica em Paulo Afonso,
de um a fábrica de aviões, entre outros. Vargas negociou com o Departamento de
Estado americano o financiamento da construção de uma usina de aço no Bra­
sil, o que resultou num empréstimo de vinte milhões de dólares pelo Eximbank,
criando-se assim, em 1941, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), uma socie­
dade anônima de economia mista que desempenhou papel fundamental no que
concerne à indústria de base brasileira. Com novos empréstimos, o governo fede­
ral ampliou os investimentos estatais no plano da infraestrutura e, em 1942, surge
a Companhia do Vale do Rio Doce, uma empresa de mineração de capital misto,
com controle acionário do governo federal. Com isso, Vargas garantia insumos
importantes para a industrialização no Brasil. Em 1943, nesse mesmo esforço,
criavam-se a Companhia Nacional de Álcalis e a Fábrica Nacional de Motores.
Em 1938, dentro dessa orientação nacionalista, havia sido criado o Conselho
Nacional do Petróleo, em 1938, organismo subordinado diretamente ao chefe
do governo. Mas foi apenas no segundo governo Vargas que ocorreu a criação
da Petrobrás, na sequência de insistentes solicitações formuladas por carta por
Monteiro Lobato (que lhe resultou em prisão por certo tempo) e da campanha
“O petróleo é nosso”. A Lei n£ 2004 instituiu em 1953 a Petróleo Brasileiro S.A
(Petrobrás) como monopólio estatal de pesquisa e lavra, refino e transporte do
petróleo e seus derivados. As condições para a industrialização se aprimoraram.
Igualmente no segundo governo, foi fundado o Banco Nacional de Desenvolvi­
mento Econômico (BNDE), importante fonte de financiamento para a moder­
nização da indústria, além de ter sido criado o Plano Lafer (Plano Nacional de
Reaparelhamento Econômico).
Mas tais criações ocorreram após a redemocratização do país. A entrada do
Brasil na guerra ao lado dos aliados na Segunda Guerra Mundial havia trazido
sérias consequências para o Estado Novo. A luta contra o nazi-fascismo colocara
em xeque a preservação do regime autoritário no país. O Estado Novo, em crise,
terminaria em outubro de 1945, conferindo espaço para a ascensão de novas
personalidades políticas.
Assumiria Dutra, com apoio de Getulio, e prosseguiria a forte atuação do
Estado na industrialização do país por meio de criação de empresas estatais e
de investimentos públicos de infraestrutura. Assim, foi criada, nesse período, a
CHESF (Companhia Hidrelétrica do Vale do São Francisco) e aprovado o Plano
SALTE (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia). Mas o mais importante foi
a Constituição de 1946 que, ao reintroduzir a federação (nunca formalmente
descartada, mas na prática abolida pela centralização do Estado Novo), as liber­
dades políticas e a eleição direta e obrigatória para presidente, governadores e
prefeitos e todos os cargos do Legislativo federal, estadual e municipal, permitiu
que avanços em direitos sociais e a modernização iniciada convivessem com
princípios democráticos estabelecidos na Constituição do início da República.
Essa síntese foi extremamente relevante para a evolução do país.
Juscelino prosseguiu com o esforço desenvolvimentista, embora não mais
com um tom nacionalista exacerbado. Teve no Plano de Metas, que estabelecia
31 objetivos para serem cumpridos durante seu mandato, o instrumento de es­
truturação da intervenção do Estado em prol da industrialização, prevendo aber­
tura da economia brasileira ao capital estrangeiro, com subsídios à importação
de máquinas e equipamentos industriais, no sentido de modernizar a indústria,
e isenção de impostos para capitais estrangeiros associados a investimentos lo­
cais. Além disso, prosseguiu com a substituição de importações, financiando a
indústria automobilística e naval e investindo diretamente na indústria pesada,
na construção de usinas siderúrgicas e hidrelétricas, como Furnas, criada em
1957 (embora só começasse a funcionar em 1963), e Três Marias (que entrou
em operação em 1962), além de ter construído rodovias.
Criou a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, a Sudene, em -1
1959, tendo Celso Furtado como seu primeiro presidente. Pretendia reduzir de- |
sequilíbrios regionais, desenvolvendo a região e integrando-a ao mercado na- 1
cional. Transferiu a capital para Brasília, cumprindo preceito já estabelecido na
Constituição de 1891, com vistas a*interiorizar e densificar o desenvolvimento.
Mas o desenvolvimento não ficou barato. O Brasil contraiu um empréstimo
do FMI de 47,7 milhões de dólares para financiar o seu plano industrial, conce- ]
deu linhas de crédito em condições favoráveis, enfrentou um grande aumento |
no déficit do balanço de pagamentos e teve de emitir para financiar os elevados i
investimentos estatais e pagar as dívidas. Com isso, a inflação elevou-se de for­
ma expressiva, agravando as condições negativas que enfrentaria seu sucessor.
A Sumoc (Superintendência de Moeda e Crédito), criada em 1945, no final do
Estado Novo, mas já no clima de Bretton Woods, com a finalidade de exercer o
controle monetário no Brasil, encontrava-se impotente para lidar com o pro­
blema nesse clima. Na verdade, cabia-lhe apenas fixar os percentuais de reservas
obrigatórias dos bancos comerciais, as taxas do redesconto e da assistência fi­
nanceira de liquidez, e os juros sobre depósitos bancários.
Mas Juscelino também procurou modernizar a máquina pública. Em 1956,
instituiu a Comissão de Estudos e Projetos Administrativos (CEPA), encarrega­
da de promover estudos para a Reforma Administrativa. A CEPA propôs, en­
tre outras ações: reestruturação de vários órgãos, simplificação do sistema de
pagamento dos funcionários públicos, simplificação da elaboração, execução e
controle orçamentários, utilização do princípio da descentralização da execu­
ção e centralização do controle, expansão do sistema de mérito e fortalecimento
da autoridade do DASP. Parte im portante dessas sugestões fcíIncorporada, ou
de imediato ou posteriormente. Mas o sistema de mérito e o fortalecimento do
DASP não foram implementados. O utra comissão que igualmente não resultou
em mudanças administrativas importantes foi a Comissão de Simplificação Bu­
rocrática, criada junto ao DASP.
Nos anos que se seguiram, a máquina pública continuou a crescer dentro
de um a mesma perspectiva desenvolvimentista e de uma administração pública
burocrática, embora com traços importantes de patrimonialismo. No governo
Jango, um parlamentarismo para solucionar um problema político foi construí­
do de forma provisória, descartado em plebiscito e sem alterar significativamen­
te a estruturação mais permanente da aparelho de Estado. Mas um a im portante
reforma com vistas a modernizar o Ministério da Fazenda se iniciou, ainda na
administração de San Tiago Dantas, em parceria com a Fundação Getulio Var­
gas. O Brasil havia contraído um a dívida com o FMI, precisava modernizar sua
m áquina de arrecadação e aperfeiçoar seu controle de gastos. Falaremos dessa
reforma no próximo capítulo. O ímpeto reformista resultou ainda na criação do
Ministério Extraordinário da Reforma Administrativa, sob a liderança de Ama­
ral Peixoto. Em pouco tempo, o ministro elaborou um plano para a execução da
reforma administrativa, contemplando muitas das propostas feitas no período
imediatamente anterior, elaborou seu projeto de reforma administrativa e di­
vulgou-o. Mas não teve muito tempo de atuar.* Iniciavam-se as movimentações
para a impropriamente chamada Revolução de 1964.
Após a deposição de Jango, o Brasil conheceriaum período de nova centrali­
zação do poder e restrição de liberdades individuais. Mas a ênfase na abordagem
da coisa pública foi no caminho da consolidação da administração burocrática
e de redução do espaço dado ao clientelismo, ou seja, à administração patrimo­
nial. Ainda fortemente influenciados pelo positivismo e pela crítica ao político
como espaço de irracionalidade, o empenho dos governos militares foi pela ra­
cionalidade técnica e exclusão da participação de não iniciados n a condução
da máquina pública. Mas não deixaram de aproveitar o diagnóstico e muitas
das propostas elaboradas por Amaral Peixoto e de constituir uma Comissão de
Reforma Administrativa.
A elevada inflação e o endividamento externo, bem como a impossibilidade
de implantação de um mercado de capitais no Brasil, levou o governo a modifi­
car profundamente a política econômica e as instituições a ela associadas. Ainda
em 1964, foi posto em marcha o PAEG (Plano de Ação Econômica do Governo),
elaborado por Octávio Bulhões (ministro da Fazenda) e Roberto Campos (mi­
nistro do Planejamento) que continha ações de combate à inflação e reformas
estruturais da economia. Dentre essas medidas, a correção monetária propiciou
não apenas a preservação do valor arrecadado em tributos, mas a possibilida­
de de um mercado de capitais (por permitir que aos juros, então limitados a
12%, se somasse a correção monetária, permitindo a correta remuneração do
dinheiro investido), transformação de impostos de efeito cascata em impostos
de valor adicionado, como o IPI, o ICM e o ISS, centralização de impostos na
União, criação dos fundos de participação de estados e municípios nos recursos
de tributos arrecadados pela União e pelos estados e criação de poupança com­
pulsória na forma de fundos parafiscais como o PIS e o FGTS.
Foram também criadas as Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional
(ORTN), título público que, prevendo correção monetária, permitia a captação
de recursos para financiamento do déficit fiscal, o Conselho Monetário Nacio­
nal, órgão máximo deliberativo do Sistema Financeiro Nacional, responsável
por estabelecer as diretrizes gerais das políticas monetária, cambial e creditícia.—____
" \
Foi revogada a Lei de Remessas de Lucros de Jango Goulart, facilitando a entra­
da de investimentos estrangeiros no país. O Banco Central surgiu em 1967, em
substituição à Sumoc (Superintendência de Moeda e Crédito), embora continu­
asse a exercer o papel de autoridade m onetária junto com o Banco do Brasil. Foi
criado o Sistema Financeiro de Habitação e o BNH (Banco Nacional de Habita­
ção), para incentivar a construção civil e reduzir o déficit habitacional. Da mes­
m a maneira, a criação do mercado de capitais trouxe nova fonte de financia­
m ento para as empresas, por meio das Bolsas de Valores. Com essa engenharia
institucional, o impulso para industrialização brasileira foi não só mantido, mas
também permitiu, por um lado, o financiamento e a estabilidade necessárias
para empreendimentos privados e, por outro, o controle dos salários.
Ainda em 1964, sob a liderança de Roberto Campos, ministro de Planejamen­
to e Coordenação, e de João Paulo dos Reis Velloso, recém-chegado de Yale e pri­
meiro presidente do órgão, foi criado o Escritório de Pesquisa Econômica Aplica­
da, posteriormente denominado IPEA. “A ideia”, afirma Velloso em depoimento a
Maria Celina de Araújo, Ignez Cordeiro de Farias e Lucia Hippólito (2004, p.15):

era constituir um órgão pensante do governo, fora da rotina da Administração, ...que


fizesse pesquisa econômica aplicada, ou seja, policy-oriented e que ajudasse o governo a
formular o planejamento, numa visão estratégica de médio e longo prazos... uma espé­
cie de think tank do governo.

Sua primeira tarefa foi justamente a revisão do PAEG, elaborada por Mario
Henrique Simonsen.
Em 1967, um projeto de nova Constituição foi aprovado peto Congresso,
transformado em Assembleia Constituinte em função de dispositivos do Ato
Institucional na 1. Suas principais disposições foram o fortalecimento do Exe­
cutivo federal, que passava a ter a principal responsabilidade em relação ao or­
çamento e à segurança, tornava a eleição de presidente indireta, através de um
Colégio Eleitoral integrado pelos membros do Congresso e de delegados das
Assembleias Legislativas, para um mandato de cinco anos, e a fragilização da fe­
deração, com redução dos poderes dos governadores e Assembleias Legislativas.
Pela primeira vez, a Constituição se referia a Administração Direta e Indireta,
especificamente ao falar de orçamento, porém sem definir esses termos. Men­
cionava, porém em vários artigos as autarquias, empresas públicas e sociedades
de economia mista. O capítulo do funcionalismo foi mantido praticamente o
mesmo da Constituição de 1946, mas há um reforço na exigência de concurso
público e na vinculação da estabilidade a esse instituto, decorridos dois anos. A
Constituição de 1967 recebeu em 1969 uma Emenda decretada pelos “Ministros
da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar”, considerada por
especialistas, uma emenda à Constituição de 1967, uma nova Constituição. Bai­
xada pela Junta Militar que assumiu o governo com a doença de Costa e Silva, a
Emenda Constitucional concentrou ainda mais o poder no Executivo, decretou
uma Lei de Segurança Nacional, uma Lei de Imprensa e a Censura.

2.4.2. A Reforma Administrativa de 1967


Mas o governo militar também empreendeu uma reforma administrativa,
capitaneada por Hélio Beltrão. Curiosamente e paradoxalmente, a reforma de
1967 foi basicamente descentralizadora, embora também contivesse um forte
conteúdo de estruturação, nos moldes da administração burocrática.
Castelo Branco encontrara, ao assumir o poder, as propostas de Amaral
Peixoto já no Congresso. Negociou o retorno do Anteprojeto para o Executi­
vo. Para a discussão dessa agenda, criou a COMESTRA (Comissão Especial de
Estudos de Reforma Administrativa), sob a presidência do Ministro Extraordi­
nário de Planejamento e Coordenação Econômica. Foi sugerida a supressão de
controles meramente formais, a criação de um sistema mais efetivo de controle
das despesas e de responsabilização de seus agentes, o orçamento-programa, a
instituição de um sistema de acompanhamento de programas de trabalho e a
profissionalização e valorização da função pública.
Essas primeiras ideias resultaram na aprovação do Decreto-lei 200 — Refor­
ma Administrativa, e do Decreto 199 — Lei Orgânica do Tribunal de Contas.
O Decreto-lei 200 tinha um forte componente de estruturação das atividades
exercidas pela Administração Pública. Contemplava, embora com uma lingua­
gem um pouco diferente, boa parte dos princípios que nortearam as propostas
anteriores de reforma, que foram feitas durante o período democrático. Assim,
baseava-se no planejamento voltado para o desenvolvimento econômico-social
do país (o que leva Bresser-Pereira acertadamente a atribuir um caráter desen-
volvimentista a essa reforma) (Bresser-Pereira, 1998, p.167), na coordenação, na
descentralização das atividades em três níveis: dentro da própria Administração
Federal, da Administração Federal para os estados, desde que aparelhados para
tanto (afirmação mais declaratória que efetiva); da Administração Federal pa­
ra a esfera privada mediante contrato ou concessão, delegação de competência
como principal instrum ento de descentralização, para dar mais agilidade às de­
cisões; e, finalmente, o controle sobre os meios, tanto o exercido pelo superior
hierárquico quanto o controle de legalidade. Curiosamente, é nesse item que
Hélio Beltrão incluiu a urgência da simplificação de processos.
O Decreto-lei inicia com a explicitação dos componentes da Administração
Pública Federal, distinguindo-os em integrantes da Administração Direta e In­
direta. Em sua definição, as entidades da Administração Indireta incluiriam as
fundações instituídas em virtude de lei federal e de cujos recursos participasse a
União. Eram, no texto legal, equiparadas às empresas públicas. Esse dispositivo
foi revogado em 1969. Em 1987, a Lei na 7596 incluiu, como integrante da Ad­
ministração Indireta, as fundações públicas.
Em seguida, o Decreto-lei estabelecia uma operacionalização de cada um
dos princípios em que se baseava. O planejamento aparecia como demandando
a elaboração de um plano geral de governo, programas gerais, setoriais e re­
gionais, de duração plurianual, o orçamento-programa anual e a programação
financeira de desembolso (o que se revelou mais tarde particularmente útil em
períodos de elevada inflação). A coordenação, função administrativa associada
ao papel da chefia imediata, era também associada à estruturação do nível su­
perior da Administração Federal, em que a coordenação deveria ser assegurada
por meio de reuniões do Ministério, reuniões de Ministros de Estado respon­
sáveis por áreas afins, atribuição de incumbência coordenadora a um dos Mi­
nistros de Estado, funcionamento das secretarias gerais ou coordenação central
dos sistemas de atividades auxiliares. Avançava, inclusive, em procedimentos de
despachos presidenciais, ao estipular que, quando submetidos ao Presidente da
República, os assuntos deveriam ser previamente coordenados com todos os se­
tores envolvidos, mediante consultas e entendimentos, resultando em soluções
integradas e harmonizadas com a política geral e setorial do Governo.
No que se refere à Descentralização, o Decreto-lei estabelecia que a execução
das atividades da Administração Federal deveria ser amplaffientê descentraliza­
da. A ideia era que, em cada órgão da Administração Federal, a estrutura central
de direção fosse liberada das rotinas de execução, para qüe pudessem concen-
trar-se em atividades de planejamento, supervisão, coordenação e controle. A
execução de programas federais de caráter local deveria ser delegada, mediante
convênio, a órgãos estaduais ou municipais, com controle e fiscalização federal.
Previa-se também a descentralização mediante contrato para realização privada
de tarefas executivas. O Decreto-lei prosseguia operacionalizando os princípios
de delegação de competências, como instrumento de delegação e controle.
Parte importante do Decreto-lei, que teremos oportunidade de aprofundar
no Capítulo IV, refere-se ao orçamento-programa e à programação financeira.
A cada ano, deveria ser elaborado um orçamento-programa, porm enorizando a
etapa do programa plurianual a ser realizada no exercício seguinte e que serviria
de roteiro à execução coordenada do programa anual. Para ajustar o ritm o de
execução do orçamento-programa ao fluxo provável de recursos, o Ministério
do Planejamento e Coordenação Geral e o Ministério da Fazenda deveriam ela­
borar, em conjunto, a programação financeira de desembolso, para assegurar a
liberação oportuna dos recursos necessários à execução dos programas anuais
de trabalho. A prestação de contas do exercício anterior feita pelo Presidente da
República ao Congresso seria anual e incluiria parecer prévio do Tribunal de
Contas. O decreto previa um plano de contas único para os órgãos da Adminis­
tração Direta e a observação de normas gerais de contabilidade e da auditoria
aprovadas pelo Governo.
Foram criados também sistemas para coordenar as atividades administrati­
vas desenvolvidas pelos órgãos federais nas áreas de pessoal, orçamento, estatís­
tica, administração financeira, contabilidade e auditoria e serviços gerais. Cada
sistema teria um órgão central, responsável pela elaboração de normas técnicas,
pela orientação, supervisão técnica e fiscalização.
O Decreto-lei estabelecia em seguida a estruturação da Presidência da Re­
pública e dos Ministérios, destacando o papel do Ministro coordenador, defini­
do, salvo escolha específica do Presidente, como o Ministro do Planejamento. A
Presidência da República comportava, na ocasião do Decreto: o Gabinete Civil e
o Gabinete Militar; e como órgãos de assessoramento do Presidente, o Conselho
de Segurança Nacional, o Serviço Nacional de Informações (SNI), o Estado-
maior das Forças Armadas, o DASP, a Consultoria Geral da República e o Alto
Comando das Forças Armadas.
Os ministérios, à época, foram agrupados nos seguintes setores: Política
(Ministério da Justiça e Ministério das Relações Exteriores), Planejamento Go­
vernamental (Ministério do Planejamento e Coordenação Geral), Econômico
(Ministério da Fazenda; Ministério dos Transportes; Ministério da Agricul­
tura; Ministério da Indústria e Comércio; Ministério das Minas e Energia e
Ministério do Interior), Social (Ministério da Educação e Cultura, Ministério
do Trabalho e Previdência Social, Ministério da Saúde e Ministério das Com u­
nicações), Militar (Ministério da Aeronáutica, Ministério do Exército e Minis­
tério da Marinha).
Na área de pessoal, o documento legal baseava-se em alguns princípios,
como a valorização e dignificação da função pública e do servidor público.
Houve o aumento da produtividade, a profissionalização e aperfeiçoamento
do servidor público, o fortalecimento do Sistema do Mérito para ingresso na
função pública, acesso a função superior e escolha do ocupante de funções de
direção e assessoramento, retribuição baseada na classificação das funções a
desempenhar, concessão de maior autonomia aos dirigentes e chefes na admi­
nistração de pessoal.
A ideia de dar autonom ia aos gestores aparecia associada simultaneamente a
um sistema de mérito próprio da administração burocrática e da possibilidade
de contratar especialistas para atender às exigências de trabalho técnico em ins­
titutos, órgãos de pesquisa e outras entidades especializadas da Administração
Direta ou autarquia, nos termos da Legislação trabalhista, o que introduz con­
teúdos mais assemelhados à Administração Gerencial.
A respeito dessas medidas, comentaJBresser-Pereira (1988, p. 167):

... seja porque esta reforma tenha sido de iniciativa do regime militar que então dirigia
o país, seja porque faltavam-lhe alguns conceitos essenciais para uma reforma gerencial,
como os indicadores de desempenho e os contratos de gestão, seja porque não deu a
devida importância ao fortalecimento do núcleo estratégico do Estado, a reforma foi
anulada pelo novo regime democrático instalado no Brasil em 1985.

Na verdade, no texto do Decreto-lei aparece um claro intuito de fortalecer


o que no Plano Diretor da Reforma passaria a ser chamado de núcleo estratégi­
co, mas dispositivos nessa direção não foram operacionalizados. O que acabou
ocorrendo foi a utilização de empresas estatais para contratar funcionários para
pagar salários mais elevados ao núcleo estratégico, prática esta que se mantém
ainda hoje importante na administração estadual.
A condução da Reforma foi de responsabilidade da Semor (Subsecretaria de
Modernização e Reforma Administrativa) e do DASP. A atuação da Semor foi,
na prática, associada a aprovar e rever estruturas, a partir de projetos enviados
pelos órgãos. O papel do DASP prendeu-se à elaboração de um novo Plano de
Classificação de Cargos. Mas, como comenta Bresser-Pereira (1998, p. 171), não
apenas não “logrou revigorar o enfraquecido sistema de mérito”, como o con­
ceito de carreira “manteve-se cingido aos escalões inferiores da estrutura de car­
gos, sem alcançar a gerência de nível médio nem os cargos de direção superior,
que permaneceram sendo preenchidos a critério da Presidência da República”.
Hélio Beltrão, a partir de 1979, assumiu o cargo de Ministro Extraordinário
da Desburòcratização e iniciou um movimento, com base em seu Programa
Nacional de Desburocratização (nunca formalmente extinto), contra o forma­
lismo, a lentidão administrativa, o excesso de requerimentos sobre os cidadãos
e o centralismo. Foram recebidas inúmeras propostas da sociedade civil que
resultaram em dezenas de medidas simplificadoras das relações do cidadão com
a máquina administrativa e importantes inovações, como o Estatuto da Micro-
empresa e os Juizados de Pequenas Causas.

2.4.3. A Redemocratização e a Constituição de 1988


Muitos autores criticam o que enxergam como um retrocesso da Constitui­
ção de 1988, a Constituição cidadã, no que diz respeito ao setor público. De fato,
frente a descalabros administrativos do período anterior, em vez de confiar no
potente mecanismo de controle que é a imprensa livre e a maior participação
da população propiciada pela redemocratização, preferiu-se, em muitos casos,
fortalecer controles burocráticos e tirar a ainda reduzida autonomia de gestão
dos dirigentes públicos. Por outro lado, a Constituição de 1988 teve um forte
papel descentralizador, especialmente das políticas sociais e de fortalecimento
do vínculo entre a população e a Administração Pública.
No que concerne à Administração Pública, o novo contexto democrático
possibilitou ao cidadão inúmeros canais adicionais para manifestar suas de­
mandas, críticas e sugestões sobre os serviços públicos que lhe eram fornecidos
aos políticos ou diretamente à máquina pública, criando assim condições para
a construção de um setor público orientado ao cidadão. Além disso, o fortale­
cimento do instituto do concurso público se, em alguns casos, gerou irracio-
nalidades (como a dificuldade de contratação de professores ou pesquisadores
estrangeiros para as Universidades, posteriormente sanada por Emenda Cons­
titucional), por outro, ajudou a remover alguns elementos remanescentes do
sistema patrimonialista.
Outro aspecto interessante do processo de redemocratização e da legislação
por ele gerada é a persistência de um a abordagem tecnocrática dos problemas e,
particularmente, da crise econômica que o Brasil vivia nos anos 80, novamente
marcada por elevada inflação e endividamento externo. O governo autoritário
havia silenciado o Legislativo e erigido os técnicos num pedestal, opondo-os aos
políticos tachados quase sem distinção de clientelistas. Essa valorização do saber
técnico em detrimento da representação e suas dificuldades (ainda não comple­
tamente diagnosticadas nesse momento de redemocratização incipiente) levou
a decisões na esfera econômica e na reestruturação do Estado que alijavam o
Congresso, justificando o excesso de medidas provisórias e de segredo buro­
crático pela urgência das soluções, centradas inicialmente apenas na redução
(algumas vezes infrutífera) das despesas.
“A partir da instauração da Nova República, em 1985”, afirma Eli Diniz
(1997, p.21), “a tentativa de conter a inflação se deu pelo privilegiamento de
estratégias coercitivas, com sérias consequências para o aprimoramento das
instituições democráticas.” De fato, perdeu-se uma chance de envolver o Con­
gresso num processo de decisão que ajudaria a nação a consolidar instituições
democráticas, e, mesmo assim, as medidas iniciais implantadas na década de
1980 e início de 1990 não solucionaram a crise, nem eliminaram a inflação.
“A busca de m aior eficácia e rapidez na administração da crise”, prossegue a
autora:

“foi recorrentemente interpretada mediante o recurso ao estilo tecnocrático de gestão e


ao enclausuramento burocrático das decisões, reforçando a centralização regulatória do
Estado e acentuando o divórcio entre o Executivo e o sistema de representação”.
Sobre algumas medidas adotadas então para solucionar a crise e melhorar o
controle das Finanças Públicas, falaremos no Capítulo IV.
Uma medida importante, no que se refere à Administração Federal (pos­
teriormente replicada por vários governos estaduais e mesmo alguns munici­
pais), foi a criação pelo governo Sarney de uma carreira de especialistas em
políticas públicas e gestão governamental. Inspirada na experiência francesa, a
carreira surgiu para dotar a máquina pública de altos administradores de sólida
formação e aptos a ocupar cargos em diferentes ministérios, enfatizando-se as­
sim competências em gestão de projetos públicos e não especialidades setoriais.
Com isso, pretendia-se reforçar a capacidade institucional de gerenciar políticas
públicas, alocar de forma mais flexível esses profissionais, diminuindo a pressão
por recursos humanos (cada ministério enfatizando seu quadro próprio) e, ao
mesmo tempo, evitar a segmentação excessiva da Administração Pública. Rea­
lizado um concurso, porém, a carreira foi abandonada, para só ser retomada,
com concursos anuais, por Bresser-Pereira.
A Constituição de 1988 consagrou o retorno à democracia, assegurou direi­
tos sociais importantes, mas claramente dissociados da capacidade que o Estado
tinha no momento de fazê-lo. A constitucionalização de uma série de medidas
que beneficiavam grupos específicos de funcionários públicos e o enrijecimento
de regras relativas a pessoal, compras e contratações públicas trouxeram graves
dificuldades ao enfrentamento da crise econômica que se vivia e à possibilidade
de prestação ágil de serviços públicos em diversos segmentos.
Foi retomada a eleição direta para os cargos de Presidente da República,
Governador de estado (e, pela primeira vez, do Distrito Federal, que ganha­
ra na Constituição autonomia política), prefeito, deputado (federal, estadual e
distrital), senador e vereador. A Constituição estabeleceu que o Distrito Federal
deveria ser regido por lei orgânica (e não constituição estadual) e atribuiu-lhe as
competências legislativas reservadas tanto a estados quanto a muncípios.
A Carta fortaleceu e ampliou as competências do Poder Legislativo e pos­
sibilitou maior descentralização das políticas públicas em direção a estados e
municípios, que passaram a ser unidades da Federação.
Foram elencados como direitos sociais: a educação, a saúde, o trabalho, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados. Em 2000, Emenda Constitucional acrescentou a
essa lista a moradia. A saúde mereceu uma seção específica no capítulo da Segu­
ridade Social. Consagravam-se propostas da V Conferência Nacional de Saúde,
como a universalização, o fim de uma saúde para os que tinham contrato de
trabalho formal e outra para os demais, a descentralização e a hierarquização.
Assim, estabelece a Constituição que:
Tgapuuiu^wMumiinsnaçaoTumrrs i bb

as ações e os serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarqui­


zada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento
integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assis-
tenciais; III - participação da comunidade (artigo 198).

Os direitos trabalhistas foram ampliados, incluindo, entre outros, jornada


de trabalho semanal máxima de 44 horas, pagamento da hora-extra em valor
50% maior do que a hora comum de trabalho, remuneração de férias acrescida
de um terço do valor normal do salário, licença-gestante de 120 dias, licença
paternidade, proibição de trabalho do m enor de 16 anos. Esses direitos foram
estendidos ao trabalhador rural, que passou a ter condições mais adequadas
para aposentadoria. O trabalhador doméstico também passou a ter direito a
13a salário, remuneração de férias com valor acrescido em um terço, repouso
semanal remunerado, aviso prévio e aposentadoria.
Ampliaram-se os mecanismos de participação popular, como a iniciativa po­
pular, incluíram-se os analfabetos e os maiores de 16 anos e menores de 18 entre
os aptos a votar (embora seu voto seja facultativo) e alguns instrumentos foram
acrescentados para possibilitar o exercício dos direitos constitucionais como:

• Habeas Data — tem o objetivo de proteger a esfera íntima dos indiví­


duos, possibilitando-lhes a obtenção e retificação de dados e informações
constantes de entidades governamentais ou de caráter público.
• Ação Popular — é o instrumento disponível ao cidadão para obter a inva­
lidação de atos ou contratos administrativos ilegais e lesivos ao patrimônio
federal, estadual ou municipal, ou ao patrimônio de autarquias, entidades
paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiro público.
• Habeas Corpus — tem o objetivo de proteger quem sofre ou está na imi­
nência de sofrer coação ou ameaça ou, ainda, constrangimento na sua
liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder, ou sèjà, pode
ser preso ou está preso.
• Mandado de Segurança — para proteger direito líquido e certo de um
indivíduo, não amparado por habeas corpus ou habeas data sempre que,
ilegalmente ou com abuso do poder, alguém sofrer violação ou houver
justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for
e sejam quais forem as funções que exerça.
• Mandado de Segurança Coletivo — busca proteger o direito de partidos
políticos, sindicatos, entidades de classe e associações de defesa dos inte­
resses de seus membros ou associados, sob os pressupostos do mandado
de segurança tradicional.
• Mandado de Injunção — para viabilizar o exercício de um direito constitu­
cionalmente previsto e que ainda depende de regulamentação. Consiste no
mandamento judicial concedido na falta de norma regulamentadora, cuja
ausência torna inviável o exercícíò de direitos e liberdades constitucionais e
das prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberania e cidadania.

O Judiciário teve sua independência expressivamente ampliada, mas uma


Reforma do Judiciário na forma de uma Emenda Constitucional foi aprovada
em 2004 e, entre outros dispositivos, criou o Conselho Nacional de Justiça para
controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cum ­
prim ento dos deveres funcionais dos juizes (uma forma de controle externo do
Judiciário) e criou a Súmula Vinculante, para desafogar os tribunais e evitar ex­
pedientes como recursos meramente protelatórios. Ela se dá mediante decisão
de dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal, o qual, após reite­
radas decisões sobre matéria constitucional, pode aprovar súmula que, a partir
de sua publicação, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder
Judiciário e à administração pública direta e indireta.
No capítulo da Administração Pública, foi reforçado o instituto do concurso
público, agora aplicável também às estatais e fundações, e criado o Regime Jurí­
dico Ünico que igualava o sistema de contratação e o regime de aposentadoria,
pela remuneração integral, de todos os servidores da Administração Direta, das
autarquias e fundações. Muitos deles (especialmente nas universidades públi­
cas) nunca haviam contribuído em valores compatíveis com um a aposentadoria
integral. As reclamações sobre serviços públicos teriam canais específicos, o que
na Emenda Constitucional na 19 de 1998 ampliou-se para incluir a participação
do usuário nos serviços públicos. A estabilidade após dois anos de exercício era
m antida, salvo condenação em sentença judicial ou em processo administrativo.
Na hipótese de extinção do cargo, o servidor deveria ser colocado em disponi­
bilidade remunerada até seu posterior aproveitamento em outro órgão. Dado o
m om ento de elevada inflação, foi estabelecido um momento anual de revisão
obrigatória das remunerações, para preservar-lhe o poder de compra.
O m om ento era de uma inflação que, num processo perverso, simultanea­
mente financiava o Estado (que podia postergar pagamentos ou retardar corre­
ções salariais a seus servidores) e configurava a crise fiscal. Mas era tam bém de
crise do m odo de intervenção do Estado na economia. Ambas as crises passaram
despercebidas ao constituinte e à sociedade em 1987.
Seria somente depois do episódio de hiperinflação de 1990, segundo Bresser-
Pereira (1998, p. 178-179), que a sociedade iria se dar conta da gravidade da crise,
o que faria com que reformas econômicas e o ajuste fiscal ganhassem impulso no
governo Collor. “Será esse governo contraditório, senão esquizofrênico”, pontua
o autor, “que afinal se perdeu em meio à corrupção generalizada, que dará os
passos decisivos no sentido de iniciar a reforma da economia e do Estado”. Elo­
giando algumas medidas desse governo, especialmente a abertura da economia
e o ajuste fiscal que, embora com medidas temporárias, reduziu a dívida interna,
Bresser observa, contudo, que “na área da Administração Pública, as tentativas de
reforma do governo Collor foram equivocadas”, por erro de diagnóstico ou com­
petência técnica. “O fracasso deveu-se, principalmente, à tentativa desastrada de
reduzir o aparelho do Estado, demitindo funcionários e eliminando órgãos, sem
antes assegurar a legalidade das medidas com a reforma da Constituição”. No
fim, o resultado foi que a “sua intervenção na administração pública desorga­
nizou ainda mais a já precária estrutura burocrática existente, e desprestigiou
os servidores públicos, de repente acusados de todos os males do país e identifi­
cados com o corporativismo”. Mas o gasto com pessoal ainda seria aumentado
graças a outro mecanismo, adotado pelo mesmo governo que tentou, para cortar
despesas, demitir grande número de funcionários. A Constituição de 1988 criara
o Regime Jurídico Ünico (sem estabelecer que regime seria este e como introdu­
zi-lo). A Lei 8.112 de 1990, elaborada durante o governo Collor, permitiu, nas
palavras de Bresser-Pereira (1998, p. 176) que “de um golpe, mais de 400 mil
funcionários celetistas das fundações e autarquias se transformassem em funcio­
nários estatutários, detentores de estabilidade e aposentadoria integral”.
Mesmo assim, a reforma, nesse contexto, confundia-se com o ajuste fiscal,
não buscava a melhoria da performance do aparelho do Estado. No período,
apenas o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade, liderado por Do-
rothea Werneck e Antonio Maciel, era exceção. Havia um segmento voltado es­
pecificamente para o setor público, muitos funcionários foram treinados e certo
entusiasmo pela gestão para a qualidade contaminava a administração pública
federal. Mas o discurso oficial do governo mantinha-se associado ao número de
funcionários, ao tamanho do Estado e aos marajás. O antigo DASP, que em 1990
passara a se denominar SAF (Secretaria da Administração Federal da Presidência
da República), foi incorporado dois anos depois, num esforço feito por Collor
para mostrar que se pode reduzir de forma expressiva o número de ministérios,
ao Ministério do Trabalho. Itamar Franco reinstituiria a SAF em 1993.
As demissões do governo Collor não apenas desmontaram, sem uma estra­
tégia de planejamento da força de trabalho, órgãos importantes da República,
como tiveram de ser revistas, dada a ilegalidade das demissões. No final, uma
Medida Provisória foi adotada e posteriormente transformada em lei (Lei na
8.878/1994), reintegrando os demitidos. Os baques financeiro e organizacional
dessa reforma foram importantes.
2.4.4. A Reforma da Gestão Pública de 1995 *■.
Ao anunciar seu ministério, Fernando Henrique Cardoso evidenciou sua ‘
intenção de promover a reforma do Estado brasileiro, ao divulgar o nome dolj
Ministério atribuído a Bresser-Pereira — Ministério da Administração Federal f
e Reforma do Estado (Mare). Com vasta experiência pública e autor de diversos f
livros sobre o Estado brasileiro, o novo m inistro não perdeu tempo. Iniciou!
imediatamente a elaboração do Plano Diretor da Reforma do aparelho do Esta-'
do e de uma trabalhosa proposta de emenda constitucional.
A reforma foi recebida com ceticismo inicialmente, dados os descalabros...
daquela empreendida no governo Collor e a agenda ligada à administração bu­
rocrática que havia sido reforçada pelo clima que culminou no impeachment
daquele presidente. A resposta ao clientelismo e à corrupção foi dada na forma
de defesa de intensificação de controles formais e de estruturação de carreiras 1
criadas sem possibilidade de premiar o desempenho diferenciado (para se evi­
tarem fisiologismos).
A reforma partia de um diagnóstico da crise da administração pública brasi­
leira em que se associavam aos problemas fiscais enfrentados por diversos países
o desaparelhamento financeiro e administrativo do Estado para enfrentar as de­
mandas crescentes da população, especialmente na área social, e o esgotamento
do modelo econômico centrado na substituição de importações mediante forte
atuação empresarial do Estado. Tratava-se, pois, de um a crise simultaneamente
fiscal, de modelo econômico e gerencial, e que, portanto, mereceria um a atenção
em diferentes aspectos da atuação estatal. Essa situação era também a brasileira.
Nessas condições, os modelos anteriores de reforma não poderiam ser ado­
tados, por serem parciais. O Plano Diretor explicitava que para um a crise co­
m o aquela era importante atuar em cinco frentes ao mesmo tempo, propondo
(1995, p. 11):

1) um ajustamento fiscal duradouro; 2) reformas econômicas orientadas para o mer­


cado, que, acompanhadas de uma política industrial e tecnológica, garantam a concor­
rência interna e criem condições para o enfrentamento da competição internacional;
3) a reforma da Previdência Social; 4) a inovação dos instrumentos de política social,
proporcionando maior abrangência e promovendo maior qualidade para os serviços
sociais e 5) a reforma do aparelho do Estado, com vistas a aumentar sua ‘governança’, ou
seja, sua capacidade de implementar, de forma eficiente, políticas públicas.

Os primeiros pontos dependiam de uma adequada articulação entre o Ma­


re e outros ministérios responsáveis por essas medidas, mas o último era de
coordenação do Ministério dirigido por Bresser-Pereira e é nele que o Plano
Diretor se concentrou. Estabeleceu, para tanto, três dimensões básicas a serem
contempladas no esforço de reforma: a dimensão institucional-legal,visando a
ER Capítulo 2: A Administração Pública I 69

sanar gargalos jurídicos para melhorar a eficiência da Administração Pública; a


dimensão cultural, para enfrentar os resquícios patrimonialistas e a resposta bu­
rocrática para o problema, disseminando valores e medidas que criassem uma
cultura compatível com um a administração pública gerencial; e, finalmente,
iima dimensão gerencial, relacionada às práticas de gestão.
<v Na dimensão institucional-legal, a primeira medida foi elaborar o projeto
de Emenda Constitucional que envolveu:

• a introdução da eficiência entre os princípios que deveriam nortear a Ad­


ministração Pública (antes incluíam apenas a legalidade, a impessoalida­
de, a moralidade e a publicidade);
• a flexibilização da estabilidade, incluindo-se, como hipóteses para demis­
são de servidores, a insuficiência de desempenho e o excesso de quadros
(com direito a indenização). No primeiro caso, trata-se de um instrum en­
to de gestão, no segundo, uma m aneira de poder reduzir a pressão sobre
as finanças públicas, parcialmente regulamentada pela Lei de Responsa­
bilidade Fiscal. A não definição pelo Congresso de carreiras de Estado
(por pressões corporativistas e erros de condução do próprio executivo),
que teriam proteções adidonais, em caso de configuração de situações de
demissão, tornou inócuo esse dispositivo;
• o fim do Regime Jurídico Único — o Estado não se viu obrigado a apenas
contratar servidores estatutários. Esse dispositivo encontra-se pendente
de decisão do Supremo, devido à Ação Direta de Inconstitucionalidade
interposta pelo PT, PSB e PC do B em 2000. Mas um a liminar concedida
em agosto de 2007 reinstituiu a redação original do artigo em que se in­
troduzia a possibilidade de diferentes regimes jurídicos;
• participação popular e proteção dos usuários de serviços públicos — dis­
positivo estabelece na Constituição a participação, popular em decisões
da Administração Pública e a elaboração de lei de defesa dos usuários de
serviços públicos;
• contratos de Gestão — instrum ento im portante para se estabelecer o
controle por resultados, base da Administração Gerencial. A Constitui­
ção estabeleceu que uma lei deveria ampliar a autonomia gerencial, or­
çamentária e financeira dos órgãos da Administração Pública, mediante
contrato “que tenha por objeto a fixação de métas de desempenho”;
• tetos de remuneração — limite máximo à remuneração de servidores, já
incluído na Constituição de 1988, mas imperfeições de redação permiti­
ram ao STF excluir do dispositivo vantagens pessoais. Nova redação foi
dada para evitar o problema;
• estágio probatório — o servidor só se tornará efetivo depois de três
anos (antes o estágio probatório era de dois, mas a efetivação era quase
automática). *

Muitas medidas não foram regulamentadas. A pressão de associações e sin­


dicatos de funcionários públicos, temerosos de perder prerrogativas, foi muito
grande e, por outro lado, reflete o apego cultural à Administração burocrática.
Erros também foram cometidos pelo Executivo. A proposta de utilização de em­
pregos públicos pela Casa Civil, para as recém-criadas agências reguladoras, por
motivações meramente econômicas (evitar aposentadorias integrais), desconhe­
cendo que se tratava claramente de uma função de Estado — situação em que
cargos públicos são o mecanismo contratual correto — , levou a um a derrota do
governo no Supremo e a um consequente retardo na implantação das agências.
No mesmo sentido, a definição de carreiras de Estado para poder tornar
operacional a flexibilização da estabilidade envolveu muitas idas e voltas do pro­
jeto ao Congresso e, na mudança de governo, à paralisação da regulamentação
da Constituição, nesse aspecto.
Mas outras mudanças importantes foram feitas no modelo de gestão pública
por legislação ordinária. Uma revisão completa da Lei 8.112, que rege o funciona­
lismo federal, foi feita tanto para reduzir gastos e adequá-la à Emenda Constitu­
cional, quanto para profissionalizar a função pública. Novos modelos organizacio­
nais também foram introduzidos por lei, como as agências executivas, as agências
reguladoras e as organizações sociais. Falaremos desses novos modelos e de outras
formas de modernização do aparelho do Estado nos capítulos seguintes.
Houve, de fato, alguns avanços no processo de reforma, especialmente na
implantação de agências reguladoras nos segmentos de energia elétrica, tele­
comunicações, aviação civil, petróleo e gás e planos privados de saúde. Outros
se referem à implantação de organizações sociais (OS), verdadeiras parcerias
público-privadas em que o núcleo estratégico, responsável pela formulação e
coordenação de políticas públicas, contrata uma parceria com uma organização
do terceiro setor para realizar um determinado serviço público por meio de um
contrato de gestão em que se especificam recursos repassados e resultados a
serem atingidos. Já em 1998 foram instaladas as primeiras OS: uma para operar
um a televisão educativa (Fundação Roquete Pinto ) e outra para atuar no cam­
po da pesquisa científica (Laboratório de Astrofísica Luz Síncontron).
A reforma sobreviveu à mudança de governo. Apesar de ter encontrado críti­
cas severas do Partido dos Trabalhadores quando na oposição, o componente de
orientação para o cidadão, de flexibilização de estruturas, ênfase em desempenho
e as novas figuras institucionais, como as agências reguladoras (inicialmente ataca-
das em sua independência) e as organizações sociais (recriadas agora com o nome
de fundações públicas de direito privado, conforme estabelecido em projeto de lei
enviado ao Congresso pelo governo Lula) foram preservadas pelo novo governo.
Mas os avanços mais importantes se deram na esfera estadual. Nem sempre
as reformas ocorreram na mesma direção que as adotadas no governo fede­
ral, mas há que se reconhecer elementos comuns em boa parte delas. Segundo
Abrucio e Gaetani (2006, p. 28), essas reformas vêm sendo impulsionadas por
cinco fatores inter-relacionados:

1) a crise financeira dos governos estaduais;


2) a propagação das ideias da Nova Gestão Pública após 1995;
3) a disseminação de boas práticas e inovações administrativas pelo país;
4) o fortalecimento de espaços federativos como o CONSAD (Conselho Na­
cional de Secretários Estaduais de Administração);
5) a rede criada entre a União e os estados na proposição e negociação do
PNAGE (Programa Nacional de Apoio à Modernização da Gestão e do
Planejamento dos Estados e do Distrito Federal), um programa de finan­
ciamento da modernização das administrações públicas estaduais con­
tratado com o BID, em 2006.

Abrucio e Gaetani admitem que houve, inicialmente, resistências a novas


ideias e modelos, mas constatam que “as resistências de políticos e burocratas
foram paulatinamente reduzidas à medida que as propostas eram implementa­
das segundo as condições locais e começavam a mostrar resultados” (Abrúcio e
Gaetani, 2006, p. 32).
Os resultados das reformas estaduais não são homogêneos, mas constatam-
se inúmeras experiências de introdução de gestão por programas, articulando a
gestão com o orçamento (sobretudo com os Planos Plurianuaís [PPA] de insta­
lação de Organizações Sociais, adotadas por 12 governos estaduais, num total de
67 em todo o país, em diferentes segmentos como saúde, educação, pesquisa e
cultura, de contratualização de resultados, inclusive com a Administração Dire­
ta e de fortalecimento do Núcleo Estratégico, inclusive com a criação de carreira
de especialistas em políticas públicas.

2.5. Questões para aprofundamento


1. Diferencie administração pública de função administrativa.
2. O que diferencia a Administração direta da indireta? Por que essa dife­
rença se atenuou muito após a Constituição de 1988?
72 I Adm inistração Pública ELSEV IER

3. Quais são os três setores componentes da administração pública? E quais


as suas peculiaridades e diferenças?
4. Quais são as três formas de administração do Estado discutidas por Bres-
ser-Pereira?
5. Pesquise a história das reformas administrativas no Brasil. Compare as linhas |j.;
básicas da Reforma de 1936, de Vargas, com a de 1967, do regime militar.
6. De que forma a Administração Patrimonialista ainda se m antém no Brasil?
7. Reflita sobre as principais transformações que ocorreram rum o ao Es­
tado gerencial e reflita sobre quais características do Estado burocrático
permaneceram.
8. Dê dois exemplos de autarquias, dois de fundações públicas, dois de em ­
presas públicas e dois de sociedades de economia mista, da esfera federal.
Pesquise a data de criação dessas entidades, sua missão e a que M inistério
se vinculam. Evidencie a diferença entre as empresas estatais e as socieda­
des de economia mista nos casos escolhidos.
9. Como a Nova Gestão Pública tal como implantada na Nova Zelândia e no
Reino Unido influenciou a Reforma do Estado no Brasil?
10. O Brasil alternou momentos de centralização com m om entos de descen­
tralização administrativa. Como, quando e por que isso ocorreu?
11. Em que contexto se podem construir boas parcerias público-privadas?
12. Que atividades concretas na Administração Pública do seu estado podem
se associar ao Núcleo Estratégico e ao ‘Setor de Atividades Exclusivas de
Estado? Dê exemplos precisos.
13. Como se pode combinar gestão por resultados com combate à corrup­
ção? Como se poderia reestruturar ou aperfeiçoar os órgãos de controle
externo e interno para fazê-lo?
14. Quais fatores contribuíram para o teor social da Constituição? Em que
sentido a Constituição apresenta características reguladoras e gerenciais?
15. Um dos princípios da Administração Gerencial envolve a orientação para
o cidadão, percebido como cliente da Administração Pública e, ao mesmo
tempo, alguém que pode ter voz na definição dos serviços oferecidos e
mesmo na sua avaliação. Como tornar efetivas esta orientação e a partici­
pação do cidadão?
16. Busque discutir os limites e desafios atinentes aos remédios constitucionais.

2.6. Bibliografia complementar


ARAGÀO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do Direito Administrativo Econômico.
2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
FPÉESEVIER Capítulo 2: A Administração Pública 1 7T

ASENSI, F. D. “Entre o pluralismo no processo político-decisório e o pluralismo jurídico tradicional:


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BARROSO, L. R. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas — limites e possibilidades da
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túlio Vargas a Lula. 5. ed. São Paulo: Editora 34,2003.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6. ed. Lisboa: Al-
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curadores do Novo Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
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MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
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Administração de Empresas, São Paulo, v.45, n.l, jan./mar. 2005. Disponível em: <http://www.rae.
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SCHWARTZMAN, Simon. Bases do autoritarismo brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier,
1988.
TROSA, S. Gestão Pública por resultados — Quando o Estado se compromete. Rio de Janeiro: Revan,
2001.
Apêndice A
Pequenaliistória da
reforma gerencial de 1995
Luiz Carlos Bresser-Pereira

O
Estado brasileiro passou por duas grandes reformas administrativas — á
burocrática, iniciada em 1937, e a gerencial, que começa em 1995. A pri­
meira ocorreu no primeiro governo Vargas, e teve como objetivo transformar a
administração pública brasileira, que até então era patrimonial, em um serviço
público profissional. Já a segunda reforma teve início no últim o quartel do sé­
culo XX, e seu objetivo foi e continua sendo tornar os grandes serviços sociais
do Estado mais eficientes. Ao começar a reforma gerencial menos de dez anos
depois de ela haver sido iniciada na Grã-Bretanha, o Brasil antecipou-se inclu­
sive aos três países desenvolvidos que haviam realizado reformas burocráticas
mais profundas, mais'weberianas': a França, a Alem anha e o Japão.
A Reforma Gerencial de 1995, como as demais reformas dessa natureza,
respondeu ao grande aum ento do tam anho do Estado que implicou sua trans­
formação em um Estado Social; ao to m ar a administração pública ou a organi­
zação do Estado mais eficiente, legitimou os grandes serviços sociais de educa­
ção, saúde, previdência e assistência social que, a partir da Revolução de 1930
e da transição democrática de 1985, resultaram na transformação do regime
político de oligárquico-liberal brasileiro em um regime democrático e social:
Entre os países em desenvolvimento, o Brasil foi o primeiro a iniciar uma
reforma gerencial. Fui diretam ente responsável pela iniciativa, mas esta cou­
be tam bém ao presidente Fernando Henrique Cardoso, que, diante da minha
manifestação de interesse em dirigir a Secretaria da Administração Federal,
a transformou em Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado.
Treze anos depois, a reforma continua a se realizar em todo o país nas esferas
federal, estadual e municipal. Os princípios mais gerais da reforma e as formas
de colocá-los em prática não estão mais restritos a um pequeno grupo de ini­
ciadores, mas são patrimônio intelectual comum da alta burocracia pública bra­
sileira e dos seus consultores administrativos. Hoje, quando no Brasil se pensa

74
em reforma administrativa, quando se busca tornar o aparelho do Estado mais
eficiente, mais capaz de prestar ou financiar serviços sociais, culturais e cientí­
ficos com baixo custo e boa qualidade, pensa-se em reforma gerencial ou da
gestão pública.
Desde 1995, a Reforma Gerencial fez importantes avanços, mas natural­
mente não transformou do dia para a noite a organização do Êstado brasilei­
ro; uma reforma desse tipo dem ora 30 a 40 anos para poder ser julgada rela­
tivam ente completa. Já não é mais apenas um a reforma de uma pessoa ou de
um governo, mas uma reforma adotada e conduzida pela altat administração
pública — uma reforma que começou no governo Fernando Henrique, está
sendo continuada e atualizada pelo governo Lula e os atuais governadores, e
certamente terá prosseguimento independentem ente de quem sejam seus su­
cessores. Além de as práticas gerenciais continuarem a se expandir no governo
federal, estão sendo criadas organizações sociais.
Diante do quase consenso positivo em rélàção à reforma, é.comum.que mé
façam perguntas como: por que decidiu iniciara reforma? Foi iniciativa sua, do
governo, ou teria sido iniciativa do Banco M undial/que era o principal respon­
sável pelas reformas neoliberais nos anosr1990? Nelà, o quefoi mais importante
— a Emenda Constitucional 19 (aprovada em}1998).ou o PIano Biretorda Refor-
ma do Aparelho do Estado (1995)?Afinal~>erabu nãoíuma reforma neoliberal?
Quais foram os principais obstáculos cjue,yocê encontrou?, Você seguiu algurha
estratégia política fundam ental para levá-la !a-bom termo? Fòuela*bem-suce­
dida? Ou, se não foi, por que as pessoascontinuam sempre a*fálar*nela,- não ‘
obstante já tenham passado mais de nove anos desde que você saiù do Mare
(Ministério da Administração Pública e Reforma do Estado) é'estefo i extinto?
Nesta pequena história respondo a algumas dessas perguntas. * L ^
Tive várias experiências na vida pública, mas meu trabalho nolMare, entre
1995 e 1998, foi aquele que me deu mais satisfação, porque a réforma gerencial
do Estado então iniciada foi bem-sucedida no plano institucional,-ao aprovar
uma em enda constitucional e algumas leis básicas, no plano cultural, âo ganhar
o coração e as mentes da alta administração pública brasileira, erio>plano da
gestão, porque continua a ser realizada na esfera federal, e, com avanços ainda
maiores nas esferas estadual e municipal. Vários serviços que utilizam os princí:
pios gerenciais da administração pública revelam substancial aurhentódé efici­
ência e de qualidade. Finalmente, voltando ao plano cultural, porque a opinião
pública, que apoiou a reforma enquanto ela era discutida em âm bito nacional
entre 1995 e 1998, a mantém na memória como algo im portante e positivo que
ocorreu então para o país.
Além de ajudar a iniciar e definir a reforma gerencial, um a das tarefas à
qual mais me em penhei foi a de valorizar as carreiras de Estado e garantir a elas
suprimento regular de pessoal de altq. nível. Para isso, terminei com a prática
absurda da realização de grandes concursos públicos sem qualquer rotina, im­
previsíveis para os que desejavam prestá-los, seguida pela convocação dos can­
didatos aprovados através dos anos, na medida em que se abriam vagas. Em vez
disso, logrei transformarem rotina anual os concursos públicos para as carreiras
de Estado. Os concursos deixaram de ser de habilitação, de maneira que em ca­
da um passaram a ser considerados aprovados apenas um número limitado de
melhores candidatos — o que permitiu que os jovens brasileiros interessados
em servir o governo federal pudessem, a partir de então, planejar sua vida pes­
soal desde a universidade. Hoje, depois de muitos concursos geralmente anuais
em todas as carreiras de Estado, o governo federal conta com um bom número
de burocratas públicos de alta qualidade. Diante dessa minha iniciativa, para a
qual contei com a colaboração decisiva de minha secretária executiva, Claudia
Costin, algumas pessoas me perguntaram se essas medidas não eram parte da
reforma burocrática. Minha resposta foi sempre muito simples: a administração
gerencial só pode ser realizada com bons administradores, para a qual eles são
até mais importantes que para a administração burocrática, já que se atribui a
eles mais autonomia e mais responsabilidades e se espera deles boas decisões.
Sempre entendi que o serviço público é uma tarefa republicana que envolve
virtude e espírito público. Não faz sentido entrar para a vida pública para aten­
der principalmente a seus interesses pessoais. No caso da Reforma Gerencial de
1995, vários amigos e conhecidos alertaram-me que era arriscado iniciar uma re­
forma administrativa tão ampla porque, ainda que ela beneficiasse a maioria dos
servidores, seria sempre prejudicial a um número de servidores suficientemente
grande para que se organizassem contra ela. Estava, porém, convencido de que
a administração pública brasileira necessitava uma ampla reforma, e estava dis­
posto a assumir a responsabilidade pela iniciativa. Na primeira reunião que tive
com o presidente, alguns dias antes de começar o novo governo, disse a ele que
planejava realizar essa reforma, da qual deveria constar em enda constitucional
definindo de maneira mais flexível a estabilidade dos servidores porque entendia
a absoluta estabilidade existente no Brasil incompatível com uma administração
moderna. Fernando Henrique observou que essa reforma não estava na agenda,
que não fizera parte dos compromissos de sua campanha. Não me impediu, en­
tretanto, de dar os primeiros passos em direção a ela, deixando apenas claro que
a decisão de apresentar uma emenda constitucional deveria aguardar o tem po
necessário para saber se haveria suficiente apoio político para ela ou não.
JSíJ' L1L5ÜV1ÜK reqüênà nistona aa retorma gerencial de lyyb / Luiz Larlos tifessêr-Peréira' l"7 7

Ao assumir o Mare, fiz um curto discurso e^ erri seguida, em meio à confu­


são da posse, dei uma rápida entrevista aos jornalistas resumindo minha dispo^
sição a iniciar a reforma que incluiria a ideia de tornar mais flexível a instituição
da estabilidade. O resultado foi uma tem pestade de críticas. Estas;eram,fruto da
surpresa e da desinformação, confirmando à observação de Fernando Henrique
de que o tem a não estava na agenda. Era razoável que a sociedade brasileira es­
tivesse desinformada, porque as ideias eram realmente novas no Brasil, novas
quase no mundo. No primeiro mês no Mare,tfiçqu;çlaro para-mimquem-seriam
meus maiores aliados. Eram os govemadoressel prefeitos>das grandes cidades
que tinham grandes serviços a prestar, e precisavam de maior flexibilidade para
administrar os recursos públicos, contratar e dem itir servidores públicos. Apoio
que recebi de praticam ente todos, mas principalm ente do,governador de São
Paulo, Mario Covas, e do governador do Rio Grande do Sul, Antomo Britto. Esse
apoio foi fundam ental e chegou ao conhecim ento de Fernando*Henrique, que,
três meses depois de iniciado o governo, autorizou?que eu elaborassese apre­
sentasse a em enda constitucional da reformaíadministrativa.-íf^ / s»
Há quem afirm e que a Reforma Gerencial de 1995. foi neoliberal. Um aprova
de que não foi é o fato de que o Banco Mundialíse opôs a ela? Aprendi; entretan-
*■ " % 1 v*
to, com os ingleses. Em abril de^1995r fiz uma viagemta-Londres^eom apoio do
British Council, que foi decisiva para a reformarAlenvde conhecerçasreforma bri-'
tânica, obtivemos o apoio do governo britâ^mco paraóim projetoaèíâssistência
técnica, que foi dirigido por KateJenkinsrEla esseugrupo de assessVres hdmeris'
e mulheres práticos, que haviam tido experiênciaíreçenteinaíreforma/gerencial
britânica, foram utilíssimos. ft ^

Ao assumir o Mare, minha primeira tarefasfoi,naturalmente, formar a equi­


pe. As primeiras pessoas que contratei forarmClaudiaaGostin;-Secretaria Exe­
cutiva, Ângela Santana, Secretária da ReformaídoíEstado, e'Regina>Pacheco,
Presidente da ENAP. As duas primeiras eram minhas ex-alunas; a primeira; no
Mestrado de Economia, a segunda no de Administração Pública.na FGV.dé;São
Paulo, a terceira, minha jovem colega na mesma escola. Ao grupo logo.se.jun^
tou Evelyn Levy — tam bém minha ex-orientadaemÁdmmistraçãosPúbliçâ? A
essas quatro magníficas servidoras, somaram-se.algumas pessoas* quejjá cito
aqui, José W alter Vasquez, meu chefe de gâbinéte,.Cârlos'Pimenta,. Secretario
de Logística e Tecnologia da Informação, e bs assessores Pedro César de Lima
Farias, Ciro Cristo Fernandes, Letícia Schwarz e Vera Petrucci. Citarei outros”no-
mes no correr do relato. -4
Também de alto nível foi o Conselho da Reforma do Estado q u e criei", e no
qual discutimos os grandes problemas que relacionavam o.Éstado.e suaadm i-
nistração pública com a sociedade brasileira. Esse conselho reunia-se a cada
três meses, rotativam ente em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Formado por
empresários, intelectuais e servidores públicos, participaram dele Antonio Er-
mírio de Moraes, João Geraldo Piquef Carneiro, Joaquim Falcão, Celina Vargas;
Gerald Reiss, Jorge W ilheim e Lourdes Sola.
Iniciei a reforma gerencial no Brasil, e ajudei a dar um em purrão nela no
âm bito da América Latina. Isso foi possível porque, entre 1995 e 1998, fui presi­
dente do Clad (Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvolvi­
m ento) — pequeno órgão multilateral dedicado à administração pública, com
sede em Caracas. Quando assumi sua presidência, o órgão estava em profunda
crise, mas tinha como objetivo "reformar o Estado na América Latina". Mudei o
objetivo da instituição para que ela tivesse o objetivo mais modesto de debater
e difundir as ideias da reforma gerencial; defini como tarefa principal do Clad a
realização de um grande congresso anual que praticamente se autofinanciaria;
e promovi o primeiro deles no Rio de Janeiro. Foi um enorm e sucesso. Desde
então todos os anos o Clad realiza seu congresso em algum dos países m em ­
bros, com grande afluência de pessoas. No Clad, contei com a magnífica cola­
boração de Nuria Cunill Grau, e de toda uma equipe que soube com preender a
importância da mudança que estava ocorrendo naquele momento?
Para a realização do meu trabalho, além da equipe do Mare, contei com
alguns apoios externos. Na área jurídica, Antônio Augusto Anastasia, que era
então Secretário Executivo do Ministério do Trabalho, foi de grande ajuda. Ad-
ministrativista com petente, ele me assessorou principalmente na formulação
da lei das organizações sociais. Depois, com o Secretário do Planejam ento eV i-
ce-governardor de Minas Gerais, ele lideraria naquele estado uma am pla refor­
ma gerencial para a qual contou com a colaboração de um grande núm ero de
m embros da equipe Mare. Entre os intelectuais brasileiros e estrangeiros, contei
tam bém com apoios significativos.
A Reforma Gerencial de 1995 foi constituída por dois docum entos básicos:
o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (de 1995) e a Emenda Cons­
titucional 19 aprovada em abril de 1998, depois de três anos de debates. Para
aprová-la, além de informar a opinião pública (cuja atitude foi positiva), logrei
form ar uma coalizão política favorável a ela que envolvia, de um lado, a: alta
burocracia pública brasileira (sem ela, nenhum a reforma poderia sèr feita) e,
de outro, os governadores e prefeitos das grandes cidades. Para a aprovação
da em enda saliento a contribuição de dois colaboradores: a de Paulo Modesto,
que garantiu alta qualidade jurídica ao texto original da em enda e trabalhou
intensam ente para que no Congresso o resultado fosse afinal satisfatório do
ponto de vista jurídico, e a de Jaura Rodrigues, minha assessora parlamentar,
que trabalhou sem descanso e com efetividade pela emenda.
O grande docum ento da Reforma Gerencial de 1995 foi o Plano Diretor. De­
cidi elaborá-lo na minha volta de Santiago de Compostela, usando como base
para ele a matriz que havia lá desenvolvido, e que a partir de então constituía
a base das muitas conferências que realizava. Para escrever o documento, cha­
mei dois competentes assessores, Caio Marini e Sheila Ribeiro, e forneci a eles
o esquema do docum ento, que deveria começár por um diagnóstico, e, em se­
guida, resumir a proposta de reforma. Pèdi tam bém a.colaboração de Regina
Pacheco e de Marianne Nassuno, esta, minha ex-aluna de Mestrado em Eco­
nomia, para me ajudarem a pensar e pesquisar dados. Para levantar os dados
para o diagnóstico, chamei meu ex-orientado dé mestrado e doutorado, Nelson
Marconi, que, além de colaborar para o Plano Diretor, a partir de então se en­
carregou de form ular uma nova política de;recurs 0 síhúmanós e de estruturar
e passar a publicar informações sobre a administração pública federal em um
Boletim Estatístico regular — tarefa essenciaí.dada a inexistência de uma pu­
blicação que organizasse, arquivasse e publicasse, informações e dadòssobre a
administração federal. i J>
*.%( t -s-* ^ t*K K% ,l ' *
O maior sucesso da reforma aconteceu em relação ao SUS -^.o Sistema Uni­
ficado de Saúde. O êxito aí ocorreu nòs;plario*s!institucional,ícúlturah'e da g e s -‘
tão. A decisão de criar o SUS foi da Constituição'de:,1988; na qualTseestabeleceu ■
o direito universal aos cuidados de saúde. Entretanto/não estavam disponíveis,
nem a organização administrativa nem os recursos orçamentários-necessários
para transformar o dispositivo constitucional èm feálidade.'Vinte anòs‘depois,
o SUS é a grande realização da democracia brasiteira. O uso de uma estratégia
gerencial na norma que organiza o sistema, a NOB 96, foi funSamental para o
êxito do programa. ' v ’ tf
No início de 1998, faltando um ano para terminar o primeiro governo de
Fernando Henrique, propus ao presidente que no início do governo seguinte,
para o qual ele provavelmente seria reeleito/fosse o Mare integrado aó Minis-
tério do Planejamento. Fiz essa proposta porque, baseado na experiência dos
Estados Unidos e do Chile, fiquei então convencido de que a reforma gerencial
poderia avançar mais se estivesse em um jm im sterio com o poder derivado da
elaboração do orçamento federal. Hoje/entretanto, chego a acreditar que teria
sido melhor haver mantido o Mare, desde qué orespectivo ministro contasse
com o apoio do presidente. Afinal, uma reforma adrriiríistrativasóiogra êxito se,
além de responder às necessidades reais da^admiriistração pública, contar com
o em penho pessoal do chefe do Governo.
Capítulo

3
Os impostos e a
administração tributária

í.

ara desempenhar as atividades descritas no Capítulo I, os Estados con­


P tam, basicamente, com três formas de financiamento da sua ação: os tribu­
tos, o endividamento e a inflação. Em outros termos, o dinheiro necessário para
■o funcionamento de escolas, hospitais, centros de saúde, delegacias de polícia,
estradas ou agências de regulação vem dos pagamentos feitos pelos contribuin­
tes, das dívidas feitas junto a instituições financeiras, pessoas físicas e jurídicas
ou da queda do valor de mercado do dinheiro. Essa última modalidade — m ui­
to presente no Brasil nos anos 1980 — perm itiu que, num m om ento em que o
Estado assumia muitas atribuições novas no pagamento do que ficou conhecido
como a “dívida social”, a carga tributária pudesse não se elevar de form a expres­
siva. Explico: se a inflação atingisse o índice de 20% ao mês (de fato, no Brasil,
superamos em muito essa marca no período), bastava atrasar em poucos meses
o pagamento a fornecedores ou congelar por seis meses os salários do funciona­
lismo, para equilibrar as contas públicas.
A Constituição de 1988 dá um tratam ento específico ao Direito Tributário,
o que é um fato inédito na nossa história constitucional. O art. 124, §1“ diz que
compete concorrentemente à União, ao Distrito Federal e estados legislar sobre
Direito Financeiro e Direito Tributário. E a forma mais conhecida de financia­
mento das atividades estatais é a cobrança de tributos.
Definiremos aqui tributo como toda obrigação imposta a pessoas, empresas
ou entidades de recolher dinheiro ao Estado para financiar bens públicos. O
Código Tributário Nacional o define como “toda prestação pecuniária compul­
sória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua san-

81
82 I Actmmistraçao ruui/cd

ção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa


plenamente vinculada”. Ou seja, impostos e taxas são tributos, mas multas não
o são. Portanto, excluídos do conceito de tributo estão todas as obrigações que
resultem de aplicação de pena ou sanção; os tributos sempre são obrigações que
resultam de um fato ocorrido.
Há três tipos básicos de tributos no Brasil:

• imposto — comümente confundido com tributo, é, no entanto, apenas


um a espécie de tributo, aquele não vinculado a um a despesa pública es­
pecífica. Assim, recolhemos, por exemplo, imposto sobre a renda (IRPF,
IRPJ), sobre a circulação de mercadorias e serviços (ICMS) que finan­
ciam diversas despesas associadas ao funcionamento da m áquina pública
e à prestação de serviços públicos.
• taxa — é o recolhimento relativo ao pagamento por um serviço específico
prestado pelo setor público, como a taxa de iluminação pública, a taxa de
coleta de lixo ou a taxa de licenciamento anual de veículo.
• contribuição de melhoria — um valor pago para financiar um a obra p ú ­
blica, incidente somente na região por ela beneficiada.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal aumentou o rol de tributos ao


estabelecer duas novas categorias: os empréstimos compulsórios e as contribui­
ções especiais. O empréstimo compulsório é de exclusividade da União e pode
ser instituído em casos de calamidade pública, guerra ou iminência e investi­
m ento público urgente e relevante, ao passo que as contribuições especiais são,
em princípio, de exclusividade da União e podem ser de três tipos: a) contribui­
ção Social (por exemplo: PIS/PASEP; COFINS); b) contribuição de intervenção
no dom ínio econômico (contribuição para controle de produção de açúcar, café
etc); c) contribuição de interesse de categorias profissionais ou econômicas (ex:
contribuições sindicais). Essas categorias já estavam previstas na Constituição,
mas havia dúvidas jurídicas, que foram pacificadas pela Corte Suprema.
Todo tributo deve ter um fato gerador, um conjunto de contribuintes, uma
base de cálculo e um a alíquota. O fato gerador é a situação que, prevista em lei,
justifica a cobrança do tributo e obriga o contribuinte a pagá-lo ou a desempe­
nhar alguma outra obrigação acessória prevista em lei. Por exemplo, no ISSQN
— Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, o fato gerador é a própria
prestação do serviço. No Imposto de Renda da Pessoa Física, o fato gerador é,
nos termos do Código Tributário Nacional (art. 43), a “aquisição da disponibili­
dade econômica ou jurídica da renda, assim entendido o produto do capital, do
trabalho ou da combinação de ambos, e de proventos de qualquer natureza, as­
sim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no conceito de
renda”. Em outros termos, é fato gerador o ganho ou a apropriação de valores.
A base de cálculo é o valor sobre o qual se aplica a alíquota (um percentual
ou, em alguns casos, um valor fixo) para definir o quanto de tributo será pago.
Os contribuintes são as pessoas, empresas ou entidades que devem pagar os
tributos.
Para cada esfera de governo, numa federação, costuma-se estabelecer, geral­
mente na Constituição, quais os tributos de sua competência, definida como a ca­
pacidade da União, estados e municípios, não apenas de instituir, mas de aumen­
tar ou diminuir, por lei, um determinado tributo estabelecido pela constituição.

3.1. Alguns dos principais tributos brasileiros


União:
a) impostos
• II - Imposto sobre a importação de produtos estrangeiros
• IE - Imposto sobre a exportação de produtos nacionais ou nacionali­
zados
• IR - Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza
• IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados
• IOF - Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou rela­
tivas a Títulos ou Valores Mobiliários
• ITR - Imposto Territorial Rural
b) taxas
• Taxa de Avaliação in loco das Instituições de Educação e Cursos de
Graduação
• Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental — TCFA
• Taxa de Fiscalização de Sorteios, Brindes ou Concursos
c) contribuições
• COFINS — Contribuição para Financiamento da Seguridade Social.
São contribuintes da COFINS as pessoas jurídicas de direito privado,
exceto as microempresas e as empresas de pequeno porte submetidas
ao regime do Simples Federal
• CSLL — Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Destina-se ao
financiamento da S eguridade Social. Aplicam-se à CSLL as mesmas
normas de apuração e de pagamento estabelecidas para o imposto de
renda das pessoas jurídicas
• CIDE Combustíveis — Contribuição de Intervenção no Domínio
Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de pe-
84 1 Adm inistração Pública - üi^jitiViüK. "

Ú'
Ff
ii
tróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool etílico d
combustível. O produto da arrecadação da Cide financia o pagamento
de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, de gás na- j
tural e seus derivados e de derivados de petróleo; projetos ambientais l
relacionados com a indústria do petróleo e do gás; e programas de í]
infraestrutura de transportes. >
!
d) empréstimos compulsórios — A União poderá criar, através de lei com-
♦ m
plementar, empréstimos compulsórios para atender despesas extraordi-
nárias decorrentes de calamidade pública, guerra externa ou sua im inên­
cia, caso em que ocorre um a exceção ao princípio da anterioridade (que
será explicado logo em seguida), pois pode ser cobrado no mesmo exer­
cício financeiro em que for publicada a lei que o instituiu; ou no caso de
investimento público de caráter urgente e de relevante interesse, em que
deve ser obedecido o princípio da anterioridade. Esse tributo é associado
a um a despesa pública específica, como no caso das taxas e contribuições.
Diz-se, portanto, vinculado.

Estados:
a) impostos
• ICMS — Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
• IPVA — Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores
• ITCMD — Imposto sobre Transmissões Causa Mortis e Doações de
qualquer bem ou direito
b)taxas
• Taxa de incêndio (em Minas Gerais, é devida somente por contribuin­
tes de classe não residencial (edificações utilizadas para prestação de
serviços, comércio e indústria). Os recursos arrecadados são destina­
dos ao Corpo de Bombeiros.
• Taxa de controle e fiscalização ambiental estadual (cobrada de con­
tribuintes que se dedicam a atividades potencialmente poluidoras e à
extração, à produção, ao transporte e à comercialização de produtos
potencialmente perigosos ao meio ambiente para financiar o exercício
regular do poder de polícia conferido a órgãos públicos estaduais). I] I
• Taxa Florestal j,;
i
I-
Municípios: j,
a) impostos jp
• IPTU — Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana Í,J;
S E V IE ir Capitulo 3: Us impostos e"a'administração tributária- | 8 5 '

• ITBI — Imposto sobre Transmissão Inter Vivos de Bens e Imóveis e de


Direitos Reais a Eles Relativos
• IW C — Imposto sobre Vendas a Varejo de Combustíveis Líquidos e
Gasosos (extinto)
• ISSQN — Impostos sobre Serviços de Qualquer Natureza
b) taxas
• Taxa de Fiscalização Sanitária (cobrada anualmente de estabelecimen­
tos que atuam em atividades que envolvem riscos à saúde)
• Taxa de Licença para Funcionamento (cobrada anualmente a estabe­
lecimentos comerciais)
• Taxa de Localização (quando da abertura de estabelecimento co­
mercial)

3.2. O Sistema Tributário e seus princípios


O Sistema Tributário consiste no conjunto de regras que regem a arreca­
dação de tributos num país. No caso brasileiro, o Sistema Tributário aparece
explicitado na Constituição, na forma de previsão de competências para ins­
tituir, por meio de leis, tributos. Assim, a União, os estados e os municípios
só podem criar tributos se a competência específica estiver estabelecida na
Constituição.
Esse sistema obedece a alguns princípios que também são apresentados na
Constituição Federal. Alguns dos princípios mais importantes, voltados para
proteger o contribuinte contra situações de arbítrio e injustiça dos governantes
na busca de recursos para financiar suas ações são:

• legalidade — nenhum tributo pode ser instituído ou aumentado sem


um a lei que o estabeleça. Assim, o Congresso, a Assembleia Legislativa ou
a Câmara de Vereadores terá de aprovar a criação ou majoração de um
tributo, o que coloca um eventual contrapeso a posições do Executivo. Há
uma exceção a esse princípio no caso de alteração de alíquotas de impos­
tos, todos federais, de importação, exportação, IPI e IOF.
• anterioridade — nenhum tributo pode ser cobrado no mesmo exercício
financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.
Isso se deve a um princípio mais geral de segurança jurídica. Na prática,
o Estado deve aguardar o início do próximo exercício financeiro para
iniciar a cobrança do tributo criado ou aumentado no exercício anterior.
Uma emenda constitucional exigiu que os tributos não fossem cobra­
dos antes de 90 dias da sua aprovação. Aqui, novamente, há exceções no
caso brasileiro, como os impostos de importação, exportação, IPI, IOF,
os empréstimos compulsórios decorrentes de calamidade pública ou de
guerra.
• capacidade contributiva — os^contribuintes deverão pagar, sempre que
possível, de acordo com sua capacidade econômica
• igualdade tributária — não se podem tratar iguais de forma diferente. As­
sim, dentro da mesma capacidade contributiva, não se pode estabelecer
alíquotas diferentes, por exemplo, para etnias distintas.
• irretroatividade — os tributos não podem ser cobrados com base em si­
tuações ocorridas antes da vigência da lei que os instituiu. Se um a deter­
minada atividade passa a ser taxada neste ano, não podem cobrar tributos
do contribuinte que a exercia apenas até o ano anterior.
• caráter não confiscatório dos tributos — quando o tributo estiver aquém
da capacidade contributiva ele será confiscatório, pois não estará garan­
tindo o m ínim o existencial ao cidadão, comprometendo assim seus di­
reitos básicos, conflitando com o preceito constitucional de dignidade da
pessoa hum ana ou tam bém de um a atividade produtiva.

No entanto, não basta ao Sistema Tributário proteger os direitos do contri­


buinte. Ele deve tam bém ser eficiente do ponto de vista das funções econômicas
do Estado (alocativa, distributiva e estabilizadora). Assim, alguns autores apre­
sentam como princípios da tributação, o seguinte conjunto:
>.
• neutralidade — os tributos devem interferir o m ínim o possível na alo­
cação de recursos da economia, já que alterações nos preços relativos de
bens e serviços provocadas por modificações da tributação poderiam
causar um a redução do bem-estar;
• equidade — corolário do princípio constitucional da capacidade contri­
butiva, estabelece que os tributos devem garantir um a distribuição equi­
tativa do ônus tributário pelos indivíduos. Fabio Giambiagi relaciona
esse princípio com dois preceitos: o do beneficio que estabelece que o
ônus tributário deveria ser repartido entre os indivíduos de acordo com
o beneficio que cada um recebe do poder público e a capacidade contri­
butiva, explicitada na Constituição, ou seja, o ônus tributário deveria ser
proporcional à capacidade individual de contribuição;
• simplicidade — os tributos devem ser concebidos de modo que os proce­
dimentos sejam suficientes para se minimizarem os custos demandados
pela fiscalização e pela arrecadação e garantir um fácil entendimento por
parte dos contribuintes.
3.3. Evolução do Sistema Tributário Nacional no Brasil
No período inicial da exploração das costas brasileiras, já alguns tributos fo­
ram adotados, como o quinto do pau-brasil, pago em espécie a rendeiros repre­
sentantes dos interesses da Coroa. Posteriormente, com o Governo-geral, foram
introduzidas as Rendas da Real Fazenda, constantes das Cartas de Foral e cobra­
das pelo monopólio do comércio, direitos das alfândegas, quinto dos metais e
pedras e a dízima, ou ainda as rendas do Governo-geral cobradas pelo mono­
pólio de engenhos, direitos de passagem do rios, posse de escravos, o quinto do
pau-brasil e o comércio com especiarias e drogas. Aqui, novamente, os tributos
eram pagos em espécie. Ficou particularmente conhecido o expediente adotado
para se obterem tributos que se consideravam não pagos (por não se atingirem
cotas pretendidas): a derram a ou arrecadação forçada de ouro em Minas Gerais
que esteve na raiz da Inconfidência Mineira.
A administração tributária era então desempenhada pelas Provedorias da
Fazenda Real. Criadas junto com as capitanias hereditárias, suas funções não se
restringiam à arrecadação de tributos. Eram responsáveis pela defesa, pela admi­
nistração de portos, por obras públicas e pelos serviços essenciais. Seus titulares
eram geralmente brasileiros e o cargo frequentemente hereditário, o que favore­
ceu sua integração na sociedade brasileira. Assim, no ciclo do ouro, a metrópole
optou por retirar-lhe a função de arrecadar o imposto do ouro, que passou a ser
de responsabilidade de ouvidores e intendentes geralmente portugueses, direta­
mente subordinados à Coroa. Em 1549, criou-se a Provedoria-mor da Fazenda
Real do Brasil, para coordenar a ação das provedorias das capitanias. Em 1760,
o Marquês de Pombal, em sequência a escândalos em duas provedorias, decide
criar as juntas da Real Fazenda, órgãos colegiados em que o poder adminis­
trativo era exercido por governadores e ouvidores e a tecnocracia egressa da
Universidade de Coimbra. As juntas eram formadas por um ouvidor-geral, um
intendente da Marinha, um Procurador da Coroa e um escrivão, sob a presidên­
cia de um Capitão-mor, nomeado pela Coroa; e as alfândegas, administradas por
um juiz, um ouvidor, além de um escrivão, um tesoureiro, oficiais e guardas. Em
1761, a Coroa portuguesa centralizou a Administração Tributária de seu império
por meio do Erário Régio, órgão criado após a extinção da Casa de Contos do
Reino. O primeiro a presidir o Erário Régio foi justamente o então Conde de
Eiras, mais conhecido por seu título posterior de Marquês de Pombal.
Pouco a pouco, o sistema foi recebendo novos tributos, mas o fisco só se tor­
nou mais complexo com as guerras napoleônicas e a consequente vinda da família
real ao Brasil. Com a sede do império se transferindo para o Rio de Janeiro e a
abertura dos portos às nações amigas (Inglaterra), foi introduzido o uso de moe­
das no comércio brasileiro e a possibilidade de se pagarem tributos em dinheiro.
Pagar impostos nesse período não estava associado ao financiamento de po­
líticas públicas ou de prestação de qualquer serviço público. Tratava-se de ga­
rantir recursos ao Tesouro Real no início e posteriormente à instalação da corte
no Brasil. Esse período pode ser descrito como de Administração Patrimonial
(ver Capítulo II), em que o patrimônio público se confunde com o patrimônio
do próprio imperador.
Uma das primeiras medidas adotadas foi, em junho de 1808, a instalação do
Erário Régio no Rio de Janeiro. O Erário incluía então diversas repartições, tais
como: a Diretoria Geral dos Diamantes, a Junta Administrativa dos Novos Im­
postos, o Real Empréstimo, a Tesouraria Geral dos Ordenados e a administração
do Dízimo do Açúcar. Proclamada a Independência, a parte do Real Erário que
permaneceu no Rio de Janeiro passou a ser o Tesouro Público do Rio de Janeiro.
O nom e Ministério da Fazenda só foi adotado a partir da Constituição de 1824,
que se refere ao Ministro de Estado da Fazenda, mas a atribuí, como vimos no
capítulo anterior, a um Tribunal denominado Tesouro Nacional a competência
de regular a administração, a arrecadação e a contabilidade referente às receitas
e despesas públicas, em recíproca correspondência com as tesourarias e autori­
dades das províncias.
A estrutura tributária se manteve basicamente a mesma durante o Im pé­
rio e assim foi transferida para a República. O Brasil tinha à época um a eco­
nom ia essencialmente agrícola, voltada para a exportação, o que trazia como
consequência, como bem m ostra Varsano (1^96, p. 5), que as receitas públicas
adviessem em grande medida do comércio exterior, basicamente do imposto de
importação. O autor nos mostra que, às vésperas da proclamação da República,
esse imposto era responsável por metade da receita total do governo.
Mas a proclamação da República obrigou o novo governo e o constituinte
de 1891 a modificar o sistema tributário para nele inserir a ideia de federalismo.
Os impostos eram, até então, arrecadados apenas pelo governo central. Agora,
estados passavam a ter também competências tributárias.
A Constituição de 1891 estabelecia como competência exclusiva da União
decretar:

• impostos sobre a importação de procedência estrangeira;


• direitos de entrada, saída e estadia de navios, sendo livre o comércio de
cabotagem às mercadorias nacionais, bem como às estrangeiras que já
tivessem pago impostos de importação;
• taxas de selo, e
• taxas dos correios e telégrafos federais
Para os estados, a Constituição reservava a competência de estabelecer im­
postos sobre:

• a exportação de mercadorias de sua própria produção;


• imóveis rurais e urbanos;
• transmissão de propriedade;
• indústrias e profissões

E outros tributos, como:

• taxas de selos quanto aos atos emanados de seus respectivos governos e


negócios de sua economia;
• contribuições concernentes aos seus telégrafos e correios.

A Constituição estabelecia também imunidade tributária entre estados e


União. Não explicitava a competência de tributar dos municípios, apenas apon­
tava a importância de se garantir sua autonomia. Mas tampouco identificava
todos os impostos passíveis de ser cobrados pela União e demais entes federa­
dos. Varsano observa que os impostos discriminados na Constituição “são rela­
tivos ao comércio exterior ou impostos tradicionais sobre a propriedade, sobre
a produção e sobre as transações internas”. No final do século, o imposto sobre
o fumo é estendido aos demais produtos, na criação de um imposto sobre o
consumo. O imposto sobre a renda será criado apenas em 1924.
É interessante observar que até a Primeira Guerra Mundial o imposto de
importações fornecia boa parte dos recursos de que a República precisava pa­
ra operar os incipientes serviços públicos. Mas a guerra trouxe um a redução
expressiva do comércio exterior e obrigou o Estado a buscar novas fontes de
financiamento de suas ações. Assim, o imposto sobre o consumo, de reduzida
importância até então, passa a ter poder arrecadatório.
Em 1934, a competência da União para decretar o imposto de renda foi con­
sagrada na Constituição Federal, que continuava reservando ao governo central
o imposto de importação, sobre o consumo (excetuado o de combustíveis que
aparece como competência estadual) e transferência de fundos para o exterior,
entre outros. Nesse mesmo ano, a administração tributária passou a ser exercida
pela Direção Geral da Fazenda Nacional, subordinada ao Ministro da Fazenda
e constituída pelos Departamentos de Rendas Internas, Rendas Aduaneiras e
Imposto de Renda.
O caráter mais centralizador da Constituição de 1937 contribuiu para reti­
rar aos estados o poder de taxar os combustíveis e, aos municípios, a renda de
propriedades rurais. Impostos de competência privativa não prevista na Cons­
tituição e que poderiam ser assumidos pelos estados não precisariam ter sua
arrecadação partilhada com os municípios. Em 1940, a Lei Constitucional n2 4
centralizou na União a competência para criar impostos sobre carvão e com­
bustíveis e lubrificantes líquidos.
Na década de 1940, os estados que até então tinham como principal fonte de
arrecadação o imposto de exportação passaram a contar com 45% de sua receita
tributária oriunda do imposto sobre vendas e consignações. Da mesma manei­
ra, o imposto sobre o consumo e o imposto de renda, nessa ordem, tornaram-se
os de m aior poder arrecadatório da União (e não mais o imposto de im por­
tação). A guerra novamente teve um papel em reduzir o impacto de impostos
ligados ao comércio exterior. Mas, desta vez, a mudança veio para ficar. O Brasil
constituiu, nos anos seguintes, um mercado interno importante.
Após a guerra, ventos democratizantes passaram a soprar. Assim, a Consti­
tuição de 1946 foi mais descentralizadora. “Ela mostra”, ressalta Varsano (1998,
p. 8), “a intenção de aum entar a dotação de recursos dos municípios”. Ao mesmo
tempo, por contra, retirou um imposto estadual, ao repassá-lo aos municípios
e limitou a alíquota do imposto de exportação a 5%. Mas a grande novidade
da Constituição de 1946 foi instituir um sistema de transferência de impostos
entre entes da Federação. Os estados passaram a ter participação no resultado
da arrecadação do imposto de combustíveis, e os municípios (com exceção das
capitais) tornaram-se recipientes de 10% do imposto de renda e de 30% do
excesso de arrecadação dos estados sobre a arrecadação dos municípios em seu
território. Essa última forma de transferência, contudo, não ocorreu na prática
em boa parte dos municípios. As cotas de Imposto de Renda eram distribuídas
com atraso, o que corroía seu valor. Outro problema foi o aumento expressivo
no núm ero de municípios, sendo que a cada um cabia uma parte igual da re­
partição dos tributos considerados. Além disso, boa parte das transferências era
vinculada a despesas específicas. Assim, o reforço das finanças municipais não
passou do terreno das intenções.
O crescimento das despesas públicas na década de 1950 foi associado ao
apoio ao desenvolvimento industrial e regional. Os incentivos fiscais, por outro
lado, reduziam o potencial de arrecadação. O déficit resultante era coberto pela
emissão ou, em outros termos, pela inflação, que se tom ou extremamente eleva­
da. Formou-se um consenso de que um a reforma tributária era urgente “não só
para resolver o problema orçamentário como para prover os recursos necessá­
rios às demais reformas” (Varsano, 1998, p. 10), as chamadas reformas de base.
Mas, além de modificar o sistema tributário, percebia-se como urgente a m o­
dernização do Ministério da Fazenda. Afinal, era a máquina arrecadadora e de
controle de gastos do governo. Torná-la mais eficiente parecia urgente. Assim,
ainda em 1962, iniciou-se um a profunda reforma no Ministério da Fazenda, com
a assessoria da Fundação Getúlio Vargas, que prosseguiu e mesmo se intensificou
com a subida ao poder do regime militar. Interessante observar que a reforma foi
elaborada e implantada atravessando a gestão de cinco ministros.
A reforma consolidou o sistema de transferências do resultado da arreca­
dação entre entes federados, eliminou impostos cumulativos, permitiu a co­
brança de contribuições de melhoria por parte da União, estados e municípios.
A Emenda Constitucional 18/65 e o Código Tributário (de outubro de 1966)
registraram essas e outras mudanças que veremos adiante. A Comissão da Re­
forma introduziu ainda a informatização na gestão do Ministério da Fazenda,
inclusive no que se refere ao cadastro de contribuintes, à arrecadação e à fisca­
lização. Para tanto, foi criado o Serviço Federal de Processamento de Dados, o
SERPRO, em 1964, para apoiar a futura Secretaria de Receita Federal, que seria
criada pelo Decreto 63.659 de 20 de novembro de 1968.
Mas a mudança de estrutura interna, proposta pela equipe da Fundação
Getúlio Vargas, não pôde ser implantada, tendo em vista a elaboração de uma
proposta mais geral para a Administração Pública, que acabou consubstanciada
no Decreto-lei 200 de 1967 que estabeleceria regras para todos os Ministérios e
demais órgãos da Administração Pública (ver Capítulo II).
“Desta reforma pode-se dizer”, afirmava Beatriz Wahrlich em artigo escrito
pouco menos de dez anos após a implantação da reforma (Beatriz Wahrlich, p. 43),

que trouxe o Ministério da Fazenda para o convívio com a moderna tecnologia admi­
nistrativa, tributária e fiscal. Seu impacto, inspirando reforma da própria constituição
da República, que consagra a nova sistemática tributária nacional, concebida pela refor­
ma, teve efeitos até sobre a mentalidade do cidadão brasileiro que, habituado tradicio­
nalmente a considerar normal que o contribuinte lese o fisco, está sendo cada vez mais
levado a prestar informações fidedignas ao Tesouro Nacional.

Apesar desse excesso de otimismo sobre o comportamento da população, a


autora ressalta que isso parece resultar “da própria modernização tecnológica
introduzida, que torna bem difícil a manutenção da impunidade fiscal preva­
lecente anteriormente”. Se é real que mesmo a segunda assertiva contém certo
otimismo, a verdade é que a Receita Federal obteve com a reforma um instru­
mental importante para identificar a situação fiscal de cada contribuinte e, as­
sim, criar condições de fortalecer a fiscalização.
Então, entre 1964 e 1968, uma série de mudanças foi sendo implantada, com
a vantagem agora de não precisar ser submetida ao Congresso e, quando isso
tinha de ocorrer, a de encontrar interlocutores dóceis ou emudecidos. O novo
-nnoevTEKT

sistema tributário procurava combinar o equilíbrio do orçamento federal com


uma redução do ônus que recaía sobre os empresários, grandes apoiadores do
regime. O Imposto de Renda foi reforçado com consequente aumento da arreca­
dação, e o IPI substituiu o imposto sobre o consumo. Com essas medidas, houve
uma recuperação im portante da receita do Tesouro e passamos a ter realmente
um sistema tributário articulado. Para os estados, o ICM, imposto de operações
relativas à circulação de mercadorias, e as transferências intergovernamentais
para completar os recursos de unidades de reduzida capacidade de arrecadação.
Mas a autonomia dos estados se m antinha restrita, pois as possibilidades de
modificar a legislação do ICM eram limitadas, e as transferências, no mais das
vezes, eram vinculadas a despesas específicas.
Com o avanço da centralização nos anos seguintes, a autonomia fiscal dos
estados foi ainda mais reduzida. O Ato Complementar n2 40 de 1968 reduziu de
forma im portante a participação de estados e municípios no resultado da arre­
cadação do Imposto de Renda e do IPI e criou mais condições para o repasse
desses valores.
Com a Constituição de 1988, a descentralização é retomada. De fato, atri­
buiu-se a competência aos estados de fixar autonomamente as alíquotas do ICMS
(antigo ICM, agora incluindo a prestação de serviços de transporte interestadual
e intermunicipal e de comunicação), eliminou-se a possibilidade de a União con­
ceder isenções de impostos estaduais e municipais e foram proibidas as condi-
cionalidades para o repasse de valores de impostos da União aos demais entes
da Federação. Além disso, foram bastante ampliados os percentuais do produto
da arrecadação do Imposto de Renda e de IPI para os Fundos de Participação de
Estados e Municípios. A bancada municipalista na Constituinte mostrava um a
nítida preferência por aumento de transferências em relação a intensificação de
esforço fiscal próprio, antipático frente aos eleitores e custoso para suas finanças.
É interessante observar o contexto em que a Constituição foi elaborada.
Com o fim do período autoritário, dois movimentos simultâneos ocorreram: a
busca de uma atuação mais forte do poder público na redução das desigualda­
des sociais presentes no país (o pagamento da chamada dívida social) e o desejo
de tornar a feitura da nova Carta, inclusive no que se refere ao sistema tributário
nacional, um processo mais democrático. Na prática, ampliaram-se em m uito as
despesas (especialmente com educação), o que reforçou a pressão inflacionária
já então bastante importante, assim como o endividamento público e permitiu
uma discussão mais aprofundada sobre o Estado e, mais particularmente, sobre
a relação entre poder e tributação.
Mas os riscos, alertava Varsano, não foram pequenos: o tempo reduzido pa­
ra levar a cabo o processo participativo e a fragmentação das comissões, dentre
'EESEVIETT Lapitulo'3: U s ^rripos tos e a a d m ir iís trã ç ã o tr ib ü tá r ia i 93

as quais a do sistema tributário, e a desinformação geral sobre o estado das con­


tas públicas trouxeram dificuldades imensas para que a participação resultasse
num desenho mais adequado da estrutura de tributos do país. “A Assembleia
Nacional Constituinte”, comenta o autor,

criou um sistema de financiamento insuficiente para o tamanho do Estado implicita­


mente definido nas diversas comissões. Este, por sua vez, não se fundamentou em uma
previsão realista da disponibilidade de recursos para o financiamento de suas ações. A
situação de desequilíbrio orçamentário que já existia, em vez de ser eliminada, consoli-
dou-se (Varsano, 1998, p. 13).

Ressalte-se que outro problema agravou a situação: embora tenha descen-


^ tralizado recursos, a Constituição não criou um mecanismo de transição pa-
: %, ra estados e municípios construírem a capacidade de absorver as atividades de
' J educação e assistência social que lhes foram destinadas pela nova Carta. Assim,
?? recursos foram repassados, mas não em m ontante suficiente para o investimen-
tf, * to inicial em tais atividades, o que fez com que a União perdesse recursos, mas
•„ * continuasse a desempenhar tarefas.
Depois de 1988, diversas modificações ocorreram no Sistema Tributário
~-í; Nacional. Refletem a busca de equilíbrio orçamentário, num contexto em que
t o poder público passou a assumir novas tarefas, especialmente a luta contra as
. V desigualdades e a manutenção de um sistema previdenciário bastante benevo-
r Y- lente, por um lado, e a tentativa de garantir o processo de descentralização de
5v*_f encargos para estados e municípios, por outro.
A tentativa de tornar o país mais competitivo ensejou várias tentativas de
modificar o sistema tributário. Uma delas foi a chamada Lei Kandir, aprovada
em 1996, para livrar as exportações de produtos primários e semielaborados
" do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), assim como
se passa em boa parte dos países que competem com o Brasil. Outro conjunto
im portante de modificações foram propostas mas não implantadas nesse perí­
odo. Estas buscam reduzir a cumulatividade dos tributos, a complexidade do
sistema, a falta de neutralidade (inclusive a guerra fiscal, que acaba ocorrendo
tanto com o ICMS quanto com o ISS) e o ônus excessivo sobre a produção. Mais
do que o excesso de carga tributária, que se relaciona menos com um desenho
específico de sistema tributário e mais com as opções de modelo e papel do Es-
.j tado escolhidos pelos representantes da população, as propostas dizem respeito
’ à qualidade dos tributos, percebida como ruim, por roubar competitividade ao
país, introduzir injustiças e penalizar a criação de empregos.
No que se refere à estrutura operacional do fisco, em 2003, uma importante
mudança, visando à eficiência da arrecadação e fiscalização, foi a possibilidade
C L ^ c -V ltK

introduzida pela Emenda Constitucional ne 42, que permitiu o compartilha­


m ento de cadastros e de informações fiscais e a possibilidade de atuação con­
junta em fiscalizações. *

3.4. Questões para aprofundamento

1. Reflita sobre os pressupostos da afirmação de que os tributos são a prin­


cipal fonte de renda do Estado. Pense em exemplos que reforcem tal as-
sertiva. % i?
2. Quais os principais tipos de tributos, incluindo os que o Supremo Tri- “
bunal Federal estabeleceu recentemente à constitucionalidade? Dê dois
exemplos da cada um.
3. Quais as principais características do sistema tributário brasileiro?
4. Em que situações os princípios da tributação podem entrar em conflito?
Quais princípios a Constituição Federal de 1988 consagra em seu texto?
5. Escolha um imposto federal e explicite: a base tributária, as alíquotas f
aplicáveis, os contribuintes e o fato gerador. I
6. Escolha um imposto estadual e explicite quando foi criado, qual sua base |
de incidência, alíquotas aplicáveis, contribuintes, fato gerador e informe
se substituiu algum outro imposto. fi|
7. Quais são as principais diferenças entre taxa e imposto?
8. Quais foram as duas últimas alterações introduzidas no Sistema Tributá­
rio Nacional?
9. Reflita criticamente sobre os princípios do direito tributário brasileiro.
10. Qual a estrutura interna da Secretaria da Receita Federal do Brasil e qual
o papel de cada unidade?
11. Qual a estrutura interna da unidade de arrecadação e fiscalização de tri­
butos da Secretaria Estadual de Fazenda de seu estado? E do município?
12. Quais as críticas mais importantes hoje postas ao Sistema Tributário Na­
cional?
13. Qual a principal diferença entre o sistema tributário anterior a 1964 e o
que foi introduzido pelo governo militar?

3.5. Bibliografia complementar


AFONSO, J.R., RESENDE, F., VARSANO, R. Reforma Tributária no Plano Constitucional: uma proposta
para o debate. Brasília: IPEA, 1998. (Texto para Discussão n. 606)
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002.
ÀVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.
c i^ ü v ic .K Capítulo 3: O s impostos e a administração tributária I 95

AZEVEDO, S. e MELO, M. A. “A política da reforma tributária: Federalismo e Mudança Constitucio­


nal.'’Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 12, n“ 35. São Paulo, Fev. 1997.
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
BORBA. Cláudio. Direito Tributário — teoria e 1.000 questões. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2006.
CONTI, J. M. Sistema Constitucional Tributário interpretado pelos tribunais. São Paulo: Oliveira Mendes,
1997.
FALCÃO, Amílcar de Araújo. O fato gerador da obrigação tributária. São Paulo: Edições Financeiras,
1994.
GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. São Paulo: Dialética, 1995.
HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e Elisão — Rotas Nacionais e Internacionais do Planejamento Tributá­
rio. São Paulo: Saraiva, 1997.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2004.
REZENDE, F. “Evolução da estrutura tributária: experiências recentes e tendências futuras.” Planeja­
mento e Políticas Públicas, n. 13, p. 1-32, Jun. 1996.
_________. “Globalização, federalismo e tributação.” Planejamento e políticas públicas, n.20, dez. 1999.
p. 3-18.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
________. Tratado do Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
VARSANO, R. et alii. Uma análise da carga tributária do Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, agosto, 1998.
(Texto para Discussão n. 583).
XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
Capítulo

O orçamento e as
finanças públicas

e u m a f o r m a g e r a l , é possível afirmar que a atividade financeira do Esta­

D do consiste no conjunto de atos voltados para a obtenção e administração


de recursos financeiros com o objetivo de viabilizar a satisfação das necessidades
públicas. A atividade financeira é um instrumento para o alcance de determi­
nado fim, na medida em que é através dela que o Estado viabiliza a consecução
de suas finalidades. ■
O orçamento público, por sua vez, é o instrumento legal mais importante
das Finanças Públicas, em dois sentidos:

• estabelece todas as despesas que poderão ser feitas pelo poder público,
com base num a estimativa de receita;
• envolve um relacionamento técnico e político relevante entre o Executivo
e o Legislativo para sua elaboração, aprovação e para o controle de sua
execução.

No primeiro sentido, o orçamento ganha relevância, pois nada pode ser fei­
to que envolva dispêndios, por nenhum dos três poderes, sem que esteja pre­
viamente estabelecido no orçamento. Trata-se, na verdade, do plano do governo
(para o ano ou período), expresso em dinheiro e, eventualmente, tam bém em
unidades físicas.
Para saber o quanto se pode gastar, é fundamental estimar as receitas com
que o Estado poderá contar, especialmente as provenientes de tributos. Erros
nessa previsão justificam posteriormente a redução do valor liberado pelo Te-
souro para a realização das despesas fixadas no Orçamento ou mesmo a não
realização de algumas delas.
O segundo sentido, na verdade reflexo de um a evolução na prática orçamen­
tária, envolve, num a democracia, o direito do cidadão de participar na definição
de como se gastar o dinheiro da coletividade, recolhido na forma de tributos,
entre diferentes opções de programas ou atividades. Numa democracia repre­
sentativa, os parlamentares representam os contribuintes nessa escolha e terão a
chance de avaliar se o orçamento proposto pelo Executivo atende às suas expec­
tativas. Observe que se trata de uma segunda avaliação dos cidadãos. A primeira
foi no processo eleitoral, ao escolher o melhor candidato, idealmente, a partir de
um programa de governo. Agora, o representante escolhido também pelo cida­
dão julga se suas prioridades estão refletidas no orçamento enviado ainda como
proposta pelo governante eleito. Mas a participação do Legislativo não para aí.
Ele também controlará, por meio de tribunal especializado (no caso brasileiro, o
Tribunal de Contas da União, dos estados e, em alguns casos, dos municípios), a
execução do orçamento, ou seja, como essas despesas foram realizadas.
O orçamento é, assim, um documento legal que prevê a receita e fixa a des­
pesa, “de form a a evidenciar a política econômica financeira e o programa de
trabalho do governo”, segundo a Lei 4.320, que instituiu no Brasil normas para
a elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos estados, dos
municípios e do Distrito Federal. A lei, escrita no período autoritário, não res­
salta a finalidade dessa disponibilização de informações, mas o que se deriva da
definição legal são três dimensões importantes:

• a possibilidade do controle social (também chamado de controle cida­


dão);
• o uso do orçamento como instrum ento de gestão;
• a aprovação e o controle do Legislativo sobre a aplicação dos recursos
oriundos de tributos.

No Decreto-lei 200 e, posteriormente, na Constituição de 1988, ficou evidente


a associação aqui insinuada entre planejamento e orçamento. O Decreto-lei 200
estabelece, como vimos no Capítulo II, o planejamento como um dos princípios
que regem as atividades de administração federal, inclusive as finanças públicas.
Apresenta o Orçamento-programa anual como um dos seus instrumentos bási­
cos. A Constituição de 1988, nas palavras de Giacomoni (2005, p.62), “reforçou
a concepção que associa planejamento e orçamento como elos de um mesmo
sistema, ao tornar obrigatória a elaboração de planos plurianuais abrangendo as
despesas de capital e demais programas de duração continuada.”
wiyciinciHv c «is iincíiii^ds puuucas i yy

É im portante observar que, embora registrado num documento legal, o or­


çamento contém tam bém um caráter dinâmico. Isso se deve não apenas ao fato
de que expressa um plano ou um programa de trabalho concreto a ser acom­
panhado, avaliado e eventualmente refeito, mas porque envolve um processo
longo e complexo para sua elaboração, aprovação e monitoramento. “O docu­
mento orçamentário, apresentado na forma de lei”, esclarece Giacomoni (2005,
p.189), “caracteriza apenas um momento de um processo complexo, marcado
por etapas que foram cumpridas e que ainda deverão ser vencidas. É o desenro­
lar desse processo que possibilita ao orçamento cumprir seus múltiplos papéis
e funções”.

4.1. O ciclo orçamentário


O processo se inicia com a elaboração, pelo Executivo, do projeto de lei do
Plano Plurianual, o PPA. O projeto é analisado inicialmente, no Congresso, pela
Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização, responsável por
emitir parecer, por meio de um relatório sobre esse plano e demais documentos
de planejamento e orçamento da União. Posteriormente, o PPA será analisado, a
partir desse parecer, e deve ser aprovado pelo Legislativo. Transformado em lei,
o PPA define as prioridades do Governo pelo período de quatro anos, contados
a partir do segundo ano do mandato do governante, e estabelece, de forma re­
gionalizada, diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para
as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos progra­
mas de duração continuada.
A partir do PPA, é elaborado, pelo Executivo, o projeto de Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO), que traduz o Plano Plurianual para o exercício fiscal
seguinte. Ele compreende, segundo a Constituição Federal, “as metas e priori­
dades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para
o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária
anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a políti­
ca de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento”. Essa proposta será
igualmente apreciada pela Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e
Fiscalização (CMO) e aprovada pelo Congresso.
Com base na Lei de Diretrizes Orçamentárias, será elaborado pelo Executivo
o Orçamento Geral da União, como projeto de lei, considerando as prioridades
apresentadas no PPA e confirmadas na LDO. Essa elaboração obedece geral­
mente a um cronograma em que o Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão — responsável pela coordenação do processo — inicialmente estipula,
a partir de um modelo econométrico, a receita esperada para o período. Fixa-se
iuu - | /\am inistraçao Füblica' ELSEVIER

então um teto (limite máximo) de gasto a ser comprometido pelos Ministérios e


órgãos a eles vinculados, reservando-se um valor para as prioridades de governo
estabelecidas no PPA e na LDO e par% as contrapartidas previstas em emprés­
timos internacionais assinados pela União. Os ministérios fazem seu exercício
de estabelecimento de programas que, a partir do fixado no PPA e na LDO,
tencionam incluir no Orçamento. A Secretaria de Orçamento Federal, órgão
da estrutura do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, consolidará
a proposta e a enviará ao Congresso para, como os outros documentos de pla­
nejamento e orçamento, ser apreciada pela Comissão Mista e, a partir daí, pelo
Congresso.
0 Orçamento Geral da União contém e consolida três orçamentos:

1 - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e


entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituí­
das e mantidas pelo Poder Público;
II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou
indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;
III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e ór­
gãos da área da saúde e da previdência social, da administração direta ou
indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo
Poder Público. A proposta de orçamento da seguridade social deve ser
elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, pre­
vidência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades
estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias.

4.2. Princípios Orçamentários


Para Giacomoni (2005, p.70-87), embora existam princípios a reger a boa
prática orçamentária, eles não são universalmente aceitos. Alguns, porém, pa­
recem representativos do que foi integrado à legislação brasileira, mesmo que
com adaptações. São eles:

• princípio da unidade — o orçamento deve ser uno para cada unidade


governamental. Este princípio é importante, pois é o que vai evitar o que,
como veremos mais à frente, foi a regra durante boa parte do período au­
toritário: tínhamos dois orçamentos, o fiscal, submetido ao parlamento,
equilibrado e passível de acompanhamento, e o orçamento monetário,
não submetido a aprovação legislativa, mantido como peça acompanha­
da apenas pela tecnocracia e frequentemente desequilibrado. Embora o
ELSEVIER Capítulo 4: O orçamento e as finanças públicas | 101

orçamento geral da União seja composto de três orçamentos, sua consoli­


dação e aprovação conjunta, acredita-se, não fere o princípio da unidade.
Para Giacomoni, essa versão revisada poderia ser denominada de prin­
cípio da totalidade, pois mesmo com múltiplos orçamentos pode-se ter
uma “visão geral do conjunto das finanças públicas”;
• princípio da universalidade — o orçamento deve conter todas as des­
pesas e receitas do Estado. É este princípio que perm ite ao Legislati­
vo exercer o controle sobre as finanças públicas. De certa maneira, é
um corolário do princípio da unidade ou da totalidade. Este princípio
tam bém foi descuidado pelo regime autoritário, já que diversas despe­
sas realizadas pelo Banco do Brasil, claramente de natureza fiscal, não
se encontravam expressas no orçamento da União. A Constituição de
1988 e, antes dela, a própria prática da área econômica do governo a
partir de 1985, como veremos ainda neste capítulo, resgatou o prin­
cípio da universalidade. Observe-se que a prática gerencial m oderna
pode prescindir de um a discriminação precisa de todas as despesas, es­
pecialmente no que se refere a empresas estatais, dada a natureza de
suas operações, ou organizações sociais, em que um contrato de gestão
estipula o m ontante a ser repassado a essas entidades para prestação de
um serviço público para o qual se fixam metas claras, tam bém sujeitas
ao controle social;
• princípio do orçamento bruto — a receita e despesa constantes no Or­
çamento Público devem aparecer pelo valor total, sem deduções. Mesmo
que, para a realização de um a despesa, receitas estejam associadas (como
no caso de taxas por serviços públicos) ou, no caso de receitas, ocorram
despesas (como na arrecadação de impostos), cada receita e despesa deve
ser discriminada em separado. O objetivo é perm itir o controle financei­
ro pelo Legislativo. O risco de que, ao m ostrar valores líquidos, alguma
despesa escape ao controle parlamentar ou social, tornaria o voto pelos
impostos ilegítimo. Evidentemente, quando se trata de empresas estatais
não dependentes de recursos do Tesouro, ou de organizações sociais, este
princípio acaba sendo ou desnecessário ou impraticável;
• princípio da anualidade ou periodicidade — o orçamento público deve
ser elaborado e autorizado para um período específico, chamado de exer­
cício financeiro. Praticamente todos os países trabalham com o princípio
da anualidade de seus orçamentos, mesmo que, como no caso brasileiro,
existam planos ou mesmo autorizações de despesas que ultrapassem o
exercício financeiro. No caso brasileiro, o exercício financeiro correspon­
de ao ano civil;
princípio da não vinculação (ou não afetação) de receitas — recomenda
a boa prática que se evitem receitas vinculadas a despesas específicas. Isso
se deve à necessidade de se dotar o governante de condições e recursos
para implementar seu programa de governo. Com boa parte das receitas
já comprometidas, pouco resta ao dirigente público para realizar o que
prometera aos eleitores. As vinculações acarretam também irracionali-
dades no gasto. Em algum momento, recursos podem sobrar em alguma
rubrica, mas a afetação da receita pode impedir sua alocação ótima. Por
outro lado, existem objetivos de Estado independentes de interesses de
governos específicos. Assim, optou o constituinte de 1987 por vincular
recursos, nos três níveis de governo, à educação;
princípio da discriminação ou especialização — para facilitar o trabalho
de fiscalização do Legislativo, as despesas e receitas devem aparecer no
orçamento de forma discriminada, para que se possa estabelecer, com
clareza, a origem dos recursos e sua aplicação. A ideia é que se discrimine
a despesa até o nível de elemento, “desdobramento da despesa”, segundo
a Lei 4.320 de 1964, “com pessoal, materiais, serviços, obras ou outros
meios de que se serve a administração pública para a consecução dos
seus fins”. Aqui também, a nova concepção de controle por resultados, a
necessidade de permitir ao cidadão um a participação mais informada no
processo orçamentário e as novas figuras institucionais como as organi­
zações sociais podem justificar um a exceção ao princípio. Da mesma m a­
neira, certos programas de investimento são apresentados pela Lei 4320
como isentos da exigência estabelecida pelo princípio;
princípio da exclusividade — o orçamento deverá conter apenas a previ­
são de receita, a fixação da despesa, eventuais aberturas de créditos suple­
mentares e contratação de operações de crédito. Essa restrição se deve ao
fato de que sendo um a lei que tram ita com certa celeridade, artigos que
se pretendiam fazer passar sem muita discussão poderiam (e foram, no
caso brasileiro, especialmente na República Velha) ser incluídos na Lei do
Orçamento Anual;
princípio do equilíbrio — tradicionalmente, buscam-se orçamentos equi­
librados em que as despesas não sejam superiores às receitas. Mas alguns
investimentos justificam operações de crédito e crises podem demandar
recursos extraordinários para ativar a economia. A opção brasileira, tal
como expressa na Constituição de 1988, é evitar déficits nas operações
correntes, exigindo que a realização de operações de crédito não exceda o
m ontante das despesas de capital;
<_a(iuuio •»: u orçamemo e as rinanças públicas | 103

• princípio da clareza — o orçamento deve ser apresentado em linguagem


clara e compreensível para permitir a participação da sociedade civil na
sua discussão e controle;
• princípio da publicidade — não apenas deve o orçamento ser tornado
público pelos meios convencionais (publicação no Diário Oficial), mas
deve utilizar as modernas tecnologias da informação para dar amplo
acesso à população tanto no que se refere à lei, como à sua execução. Da
mesma maneira, o orçamento (e outros documentos do ciclo orçamen­
tário) deve suscitar ampla discussão sobre as prioridades selecionadas,
programas eventualmente descontinuados ou a regionalização do gasto;
• princípio da exatidão— busca evitar não apenas falhas técnicas ou éticas,
mas o frequente superdimensionamento na previsão de receitas para aco­
m odar programas que se quer incluir apenas para evidenciar empenho
junto a um grupo de interesse ou de eleitores;
• princípio da programação — voltado para uma visão mais moderna do
orçamento, não restrita ao papel de autorização de gastos ou de controle
parlamentar sobre os meios. Trata-se aqui da ligação entre planejamento,
gestão e controle social, em que o orçamento explicita o programa de
trabalho do governo que pode ser mais bem gerido por dirigentes pú­
blicos, m onitorado e avaliado pela sociedade civil, sem deixar de sofrer o
controle do Legislativo e ser por ele aprovado.

4.3. O processo orçamentário e a legislação no Brasil


Como vimos anteriormente, o processo orçamentário, integrado com o
planejamento e a gestão, contém três instrumentos: o Plano Plurianual, a Lei
de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual. Elaborados pelo Exe­
cutivo, devem ser enviados ao Congresso para apreciação e votação em sessão
conjunta da Câmara Federal e do Senado e, posteriormente, devolvidos ao Exe­
cutivo para sanção. Envolve, assim, uma interação constante entre Executivo
e Legislativo transcendendo, aliás, os envios do documento legal de um poder
para o outro. Em diversas ocasiões, negociações importantes ocorrem entre os
poderes, como:

• escolha dos membros da Comissão de Planos, Orçamento e Fiscalização


(CMO);
seleção de relatores dos projetos; X

texto dos relatórios;


104 I Adm inistração Pública ELSEVIER

validação do modelo macroeconômico e da previsão de receita, base para


o orçamento anual;
emendas e vetos. e

A cada situação, o Executivo procurará influenciar as ações do Legislativo, <j


o que se tom ará mais fácil caso disponha de um a maioria leal no parlamento, f
Mesmo nessas condições, o processo político na aprovação destes documentos é |
intenso, mobilizam-sepoderes e interesses e configura-se um momento privile- 'jx
giado para atuação e visibilidade dos parlamentares. É quando um parlamentar |
pode mostrar mais serviço à sua região (e seus eleitores), a um setor de atividade I
(associando-se à bancada ruralista, à saúde pública ou ao setor de transportes, |i
por exemplo) ou ganhar notoriedade (e poder) por sua abordagem mais técnica ,|
ou atuação mais leal ao Executivo, como relator. §
Além disso, o próprio processo de elaboração de cada instrum ento de
planejamento e orçamento é povoado de negociações e articulações políticas,
embora, geralmente dentro do próprio governo (embora aqui também parla­
mentares interfiram). Isso ocorre particularmente na feitura do projeto de lei
orçamentária. O Ministério do Planejamento, com base num a expectativa de
receita, estipula montantes a serem distribuídos aos diferentes ministérios, que,
pressionados por suas secretarias e órgãos vinculados, pressionarão por valores
maiores. O comandante do processo no Ministério, a Secretaria de Orçamento
Federal (SOF), vê-se em uma situação difícil. ''
O processo político de elaboração do orçamento é assim descrito por Pontes
Lima e Miranda (2006, p. 327):

Os ministros setoriais pressionam o Ministro do Planejamento diretamente, mas tam­


bém pressionam o Presidente da República. Os parlamentares da base de apoio ao gover­
no igualmente pressionam o Presidente por verbas a favor dos setores que representam
(bancada da saúde, bancada ruralista, bancada sindical etc.). O Presidente posiciona-se
de diversas maneiras, conforme a situação. Em ano eleitoral, há uma tendência do Presi­
dente em preferir um orçamento menos rígido. Em situações de crise econômica, como
a crise russa em 1998, que ocasionou ataques especulativos à moeda nacional, o presi­
dente tende a prestigiar mais os ministérios econômicos, tornando-se menos suscetíveis
às pressões por expansão dos gastos públicos. fí
■fe
Observe-se também que é nesse processo que se exerce a função alocativa j
do Estado, ou seja, associam-se os recursos coletados pelo aparelho do Estado jj
a bens ou serviços distintos a serem oferecidos a seus cidadãos. Em contexto f
democrático, essa função é um momento privilegiado de interação dos atores i
envolvidos em configurar a oferta pública.
ELSEV1ER Capítulo 4'fÒ~õrçârnéntb e as finanças públicas I 105

Um papel muito importante será exercido, no Legislativo, pela Comissão


Mista de Planos, Orçamentos e Fiscalização (CMO). É nela que se analisam os
projetos de lei enviados pelo Executivo para se tornarem os futuros PPA, LDO
e LOA e se elaboram os relatórios que servirão de base para votação, em sessão
conjunta, dos três instrumentos legais.
Os membros da CMO são escolhidos e indicados anualmente, segundo um
número de vagas por partido definido com base na proporcionalidade partidá­
ria. A indicação dos membros da CMO, comentam Maria Helena Castro Santos,
Érica Machado e Paulo Eduardo Moura Rocha (1997, p. 97):

“é objeto de intensa disputa entre os partidos e, dentro das bancadas, entre os parlamen­
tares, já que existe a clara percepção de que a participação na Comissão é uma forma
importante de influenciar a destinação de recursos para seus redutos eleitorais.”

O ciclo orçam entário inicia-se no Brasil com a elaboração do Plano Plu-


rianual, um plano de médio prazo, concebido para vigorar por um período
de quatro anos. Nenhum a obra de grande vulto ou cuja execução ultrapasse
um exercício financeiro pode ser iniciada sem prévia inclusão no plano plu-
rianual.
Diz a Constituição, em seuÁto das Disposições Constitucionais Transitórias
(ADCT), que “o projeto do plano plurianual, para vigência até o final do pri­
meiro exercício financeiro do mandato presidencial subsequente, será encami­
nhado até quatro meses antes do encerramento do primeiro exercício financeiro
e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa”, ou seja, deve
ser elaborado no primeiro ano de mandato presidencial.
Lei Complementar deveria estabelecer regras mais permanentes para o PPA,
mas até hoje não foi estabelecida regulamentação outra que o ADCT para esse
instrumento. A Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece regras para a LDO e
para a lei orçamentária, mas o dispositivo da Lei sobre o PPA foi vetado.
O PPA, no entanto, tem sofrido um a crise de credibilidade. Segundo Pontes
Lima e M iranda (2006, p. 323),

o principal problema enfrentado pelo PPA é que ele constitui, grosso modo, uma de­
claração de intenções do governo quanto aos investimentos a serem realizados nos pró­
ximos anos. Contudo, como os investimentos têm sido a rubrica mais sacrificada pelo
esforço de ajuste fiscal, pouco do que está ali previsto se executa.

Assim, acaba não servindo para estruturar a ação do governo nem os parla­
mentares podem m ostrar a seus eleitores seu empenho em fazer aprovar obras
ou programas em suas áreas de atuação, neste plano de médio prazo. Mesmo
assim, há um empenho im portante da equipe do Ministério do Planejamento
em tornar o plano realidade.
Mas o PPA tem trazido ao processo de planejamento governamental a gran­
de oportunidade de inovar na direção 3e organizar a ação do governo em pro­
gramas passíveis de acompanhamento pela sociedade e de gestão estruturada
pelos ministérios e por gestores de ações intersetoriais, com metas claras e prio­
ridades bem definidas (e, nos últimos governos, compatíveis com as prioridades
que os governantes colocaram em documentos como Avança Brasil, Brasil em
Ação ou PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] e, em certa medida,
puseram em ação mesmo em situações de crise).
De acordo com o Plano de Gestão do PPA 2004-2007 (2004, p. 13):

O PPA organiza a atuação governamental em programas, inserindo na administração


pública a orientação do gasto para resultados na sociedade. Por essa razão, complemen­
ta a ótica da gestão das organizações, que se orientam pelas suas missões. Nesse sentido,
a gestão por programas procura combinar as preocupações do gestor público com a
qualidade, potencializada pela otimização da gestão organizacional, com a tendência do
Estado contemporâneo em orientar sua atuação para resultados diretos na sociedade.
Nesse ambiente favorável à melhoria do desempenho do setor público, ganha relevância
a necessidade de incorporar a cultura dos controles gerenciais e de avaliação em três
dimensões da ação governamental, isto é, a efetividade, eficácia e eficiência.

Elaborado pela Secretaria de Planejam ento e Investimentos Estratégicos,


o Plano é enviado pelo Presidente ao Congresso e inicia sua tram itação na
CMO. É alvo, norm alm ente, de embates políticos menos intensos que os que
costum am ocorrer com os demais instrum entos de planejam ento e orçam en-
tação, pois não aloca recursos, apenas fixa parâm etros para a elaboração da
LDO e da LOA.
Aprovado o PPA e sancionado pelo Presidente da República, serve de base
para a elaboração e aprovação tanto da Lei de Diretrizes Orçamentárias quanto
do Orçamento Anual.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) é preparada a cada ano e tem por
objetivo orientar a elaboração dos orçamentos fiscal, de seguridade social e de
investimento das empresas estatais. A LDO deveria “traduzir” para o exercício
fiscal seguinte as diretrizes, prioridades e metas do PPA. Não tem sido capaz de
fazê-lo, dada a reduzida aplicabilidade do Plano Plurianual, como vimos ante­
riormente. Por outro lado, a LDO, como afirmam Pontes Lima e M iranda (2006,
p.324) “tem conseguido ser um instrum ento que estabelece os parâm etros ge­
rais para a elaboração do orçamento”, principalmente depois do advento da Lei
de Responsabilidade Fiscal.
A LDO dispõe tam bém sobre as alterações na legislação tributária e esta­
belece a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento. Por
força da Lei de Responsabilidade Fiscal, um dos avanços mais importantes das
finanças públicas no período recente, a LDO deve dispor também sobre:

• o equilíbrio entre receitas e despesas;


• os critérios e a forma de limitação de empenho (o empenho da despesa
é o ato adotado por alguém autorizado que cria para o Estado obrigação
de pagamento a um fornecedor, caso o que foi contratado seja realizado
— Art. 58 da Lei 4.320/64; é, de certa forma, o registro da despesa);
• normas relativas ao controle de custos e à avaliação dos resultados dos
programas financiados com recursos dos orçamentos;
• demais condições e exigências para transferências de recursos a entidades
públicas e privadas.

O projeto de lei de diretrizes orçamentárias deve conter também um Anexo


de Metas Fiscais, em que serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes
e constantes, relativas a receitas, despesas, os resultados nominal e primário e o
montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois
seguintes.
Esse anexo inclui:

• avaliação do cum prim ento das metas relativas ao ano anterior;


• demonstrativo das metas anuais, com memória e metodologia de cálculo
que justifiquem os resultados pretendidos, comparando-as com as fixa­
das nos três exercícios anteriores e evidenciando a consistência delas com
as premissas e os objetivos da política econômica;
• evolução do patrim ônio líquido, tam bém nos últimos três exercícios,
destacando a origem e a aplicação dos recursos obtidos com a alienação
de ativos;
• avaliação da situação financeira e atuarial dos regimes geral de previ­
dência social e próprio dos servidores públicos, do Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT), dos demais fundos públicos e programas estatais de
natureza atuarial;
• demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia de receita e da
margem de expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado.

A lei de diretrizes orçamentárias deve conter também um Anexo de Riscos


Fiscais em que se avaliam os passivos contingentes e outros riscos que possam
afetar as contas públicas e as providências a serem tomadas, caso se concreti- 11
zem os riscos. ' íf-1
Aprovada e sancionada a LDO, elabora-se o projeto de Lei Orçam entária t '
Anual. O orçamento anual é um a Iei*(LOA) em que estão estimadas as receitas ■)<
que serão arrecadadas durante o ano e fixadas as despesas que o governo preten- ]•
de realizar com esses recursos. A LOA, conforme vimos, contém três orçamen- ^,
tos: o fiscal, o da seguridade social e o de investimento das empresas estatais. r,*J
A Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece que a LOA deve: ^

• conter, em anexo, demonstrativo da compatibilidade da programação


lij
dos orçamentos com objetivos e metas constantes do Anexo de Metas
Fiscais da LDO; 14
• ser acompanhada de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as re- |;jj
ceitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e J^j
benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia, bem como das ff|
medidas de compensação a renúncias de receita e ao aumento de despe­
sas obrigatórias de caráter continuado;
• conter reserva de contingência, conforme estabelecido na LDO, destinada
ao atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais
imprevistos;
• explicitar todas as despesas relativas à dívida pública, mobiliária ou con­
tratual, e as receitas que as atenderão;
• evidenciar, de forma separada, o refinanciamento da dívida pública;
• incluir investimentos com duração superior a um exercício apenas se es­
tiverem previstos no PPA ou em lei que autorize sua inclusão;
• conter as despesas do Banco Central referentes a pessoal e encargos so­
ciais, custeio administrativo e a investimentos.

^Formulação v -' ^ “ S P jS p re c ia ç ã o è ' y A p re s In S p ^ a fíÍD p jS l


1
‘ apresentação àoVPfy' 1 — ► , ^ a d e q u a ç ã o do<PPA -----► i S p I
..
•*
í.-ípelo Executivo;. ■* <

> L e g is la tjv o * ; I g jíf p e lg E x e c íU iv õ llife
J

1 ‘ Elaboração*^

H
ApreibiaçãoV. ^
adequação da LDO^ apresentação d a .L O A . .^adéqDaJ®J^lToXf.
' pe]o|Législátivo pelo Executivo . í . J pélS Leg isíãtivo^ JlJ 1,

Execuçãpido Controle pela avaliação


orçamentoaprovado
■ pelò-Uegislativõ
J da execução: e .
controle dé contas
Veja a seguir o Ciclo Orçamentário e a tramitação do PPA, da LDO e da lei
orçamentária dentro do Congresso, conforme síntese do Portal do Orçamento
no Senado. As principais regras para o processo orçamentário no Legislativo
estão na Resolução núm ero 1 de 2006 do Congresso Nacional.

4 .4 .0 ciclo orçamentário, seu calendário e órgãos envolvidos


(Fonte: Senado Federal- Portal do Orçamento)
4.4.1. PPA
P rojeto de L ei

O projeto de PPA (PPPA) é elaborado pela Secretaria de Planejamento e


Investimentos Estratégicos (SPI) do Ministério do Planejamento, Orçamento
e Gestão e encaminhado ao Congresso Nacional pelo Presidente da República,
que possui exclusividade na iniciativa das leis orçamentárias. Composto pelo
texto da lei e diversos anexós, o projeto de lei deve ser encaminhado ao Congres­
so Nacional até 31 de agosto do primeiro ano de mandato presidencial, devendo
vigorar por quatro anos. Recebido pelo Congresso Nacional, o projeto inicia a
tramitação legislativa. O projeto de lei é publicado e encaminhado à Comissão
Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização — CMO.

Parecer P r e l im in a r
O parlamentar designado para ser o relator do projeto de plano pluriãnual
(PPPA) deve, primeiramente, elaborar Relatório Preliminar sobre o projeto, o
qual, aprovado pela CMO, passa a denominar-se Parecer Preliminar. Esse pa­
recer estabelece regras e parâmetros a serem observados quando da análise e
apreciação do projeto, tais como: i) condições para o remanejamento e cance­
lamento de valores financeiros constantes do projeto; ii) critérios para alocação
de eventuais recursos adicionais decorrentes da reestimativa das receitas; e iii)
orientações sobre apresentação e apreciação de emendas.
A CMO pode tam bém realizar audiências públicas regionais para debater
o projeto.
Ao relatório preliminar podem ser apresentadas emendas por parlamenta­
res, Comissões Permanentes da Câmara e do Senado e Bancadas Estaduais.

A presentação de Em e n d a s
Após aprovado o parecer preliminar, abre-se prazo para a apresentação de
emendas ao projeto de plano plurianual, com vistas a inserir, suprimir, subs­
tituir ou modificar dispositivos constantes do projeto. Ao projeto podem ser
apresentadas até dez emendas por parlamentar, até cinco emendas por Comis­
são Permanente da Câmara e do Senado e até cinco emendas por Bancada Esta­
dual. As emendas são apresentadas perante a CMO, que sobre elas emite parecer
conclusivo e final, o qual somente poderá ser modificado mediante a aprovação
de destaque no Plenário do Congresso ííacional.

R e l a t ó r io
O relator deve analisar o projeto de plano plurianual e as emendas apresen­
tadas, tendo como orientação as regras estabelecidas no Parecer Preliminar, e
formalizar, em relatório,’as razões pelas quais acolhe ou rejeita as emendas. De­
ve também justificar quaisquer outras alterações que tenham sido introduzidas
no texto do projeto de lei. O produto final desse trabalho, contendo as alterações
propostas ao texto do PPPA, decorrentes das emendas acolhidas pelo relator e
das por ele apresentadas, constitui a proposta de substitutivo. O relatório e a
proposta de substitutivo são discutidos e votados no Plenário da CMO, sendo
necessária para aprová-los a manifestação favorável da maioria dos membros de
cada um a das Casas que integram a CMO. O relatório aprovado em definitivo
pela Comissão constitui o parecer da CMO, o qual será encaminhado à Secreta­
ria Geral da Mesa do Congresso Nacional, para ser submetido à deliberação das
duas Casas, em sessão conjunta.

A u t ó g r a f o e L eis
Após aprovado, o parecer da CMO é submetido à discussão e votação no
Plenário do Congresso Nacional. Os Congressistas podem solicitar destaque pa­
ra a votação em separado de emendas, com o objetivo de modificar os pareceres
aprovados na CMO. Esse requerimento deve ser assinado por um décimo dos
congressistas e apresentado à Mesa do Congresso Nacional até o dia anterior
ao estabelecido para discussão da matéria no Plenário do Congresso Nacional.
Concluída a votação, a matéria é devolvida à CMO para a redação final. Recebe
o nom e de Autógrafo o texto do projeto ou do substitutivo aprovado definiti­
vamente em sua redação final assinado pelo Presidente do Congresso, que será
enviado à Casa Civil da Presidência da República para sanção.
O Presidente da República pode vetar o autógrafo, total ou parcialmente, no
prazo de 15 dias úteis contados da data do recebimento. Nesse caso, comunicará ao
Presidente do Senado os motivos do veto. A parte não vetada é publicada no Diário
Oficial da União como lei. O veto deve ser apreciado pelo Congresso Nacional.

4.4.2. LDO
P rojeto de L ei

O projeto de LDO (PLDO) é elaborado pela Secretaria de Orçamento Fe­


deral e encaminhado ao Congresso Nacional pelo Presidente da República, que
possui exclusividade na iniciativa das leis orçamentárias. Composto pelo texto
da lei e os anexos, o projeto de lei deve ser encaminhado ao Congresso Nacional
até 15 de abril de cada ano.
Recebido pelo Congresso Nacional, o projeto inicia a tramitação legislativa.
O projeto de lei é publicado e encaminhado à Comissão Mista de Planos, Orça­
mentos Públicos e Fiscalização (CMO).

P arecer P r e l im in a r

O parlamentar designado para ser o relator do projeto de diretrizes orça­


mentárias (PLDO) deve, primeiramente, elaborar Relatório Preliminar sobre o
projeto, o qual, aprovado pela CMO, passa a denominar-se Parecer Preliminar.
Esse parecer estabelece regras e parâmetros a serem observados quando da análi­
se e apreciação do projeto, tais como: i) condições para o cancelamento de metas
constantes do projeto; ii) critérios para o acolhimento de emendas; e iii) disposi­
ções sobre apresentação e apreciação de emendas individuais e coletivas.
Além disso, o parecer preliminar avalia os cenários econômico-fiscal e so­
cial, bem como os parâmetros macroeconômicos utilizados na elaboração do
projeto e as informações constantes de seus anexos, com o objetivo de promover
análises prévias ao conteúdo apresentado. Como complemento à análise inicial,
a CMO realiza audiência pública com o M inistro do Planejamento, Orçamento
e Gestão, antes da apresentação do Relatório Preliminar. Ao relatório preliminar
podem ser apresentadas emendas por parlamentares e pelas Comissões Perma­
nentes da Câmara e do Senado.

Em e n d a s
Após aprovado o parecer preliminar, abre-se o prazo para a apresentação
de emendas. Cada parlamentar, Comissão Permanente do Senado Federal e da
Câmara de Deputados e Bancada Estadual do Congresso Nacional podem apre­
sentar até cinco emendas ao anexo de metas e prioridades. Ao texto do projeto
de lei, as emendas são ilimitadas. As emendas são apresentadas perante a CMO,
que sobre elas emitirá parecer conclusivo, que somente poderá ser modificado
mediante aprovação de destaque no Plenário do Congresso Nacional.

R e l a t ó r io
O relator deve analisar o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as emen­
das apresentadas, com base no parecer preliminar. Deve evidenciar, no relatório,
por que acolhe ou rejeita as emendas e justificar quaisquer outras alterações in­
troduzidas no projeto de lei. O produto final deste trabalho, contendo as emen­
das e alterações introduzidas, constitui a proposta de substitutivo. O relatório e
TT2 T Adm inistração Pública ELSEVIER

o substitutivo são discutidos e votados no plenário da CM O, sendo necessário


para aprová-los a maioria dos membros de cada uma das casas (Câmara Federal
e Senado) que integram a CMO. A constituição federal não estipula prazo para
a aprovação da LDO, mas estabelece que o Congresso não terá direito a reces­
so, a partir de 17 de julho, se o projeto de LDO não for aprovado. O relatório
aprovado em definitivo pela Comissão constitui o parecer da CMO, que será
submetido à deliberação das duas casas em sessão conjunta.

A u t ó g r a f o e L eis

Após aprovado, o parecer da CMO é submetido à discussão e aprovação do


Plenário do Congresso Nacional. Os congressistas podem solicitar destaque para
votação em separado de emendas, a fim de modificar os pareceres aprovados pela
CMO. Esse requerimento deve ser assinado por um décimo dos congressistas e
apresentado à Mesa do Congresso Nacional até o dia anterior ao estabelecido
para votação da matéria. Concluída a votação, a matéria é devolvida à CMO para
a redação final. Recebe o nome de autógrafo o texto do projeto ou do substitutivo
aprovado em sua versão final, assinado pelo Presidente do Congresso, enviado à
sanção do Presidente, que poderá vetar o autógrafo, parcial ou totalmente, no
prazo de 15 dias úteis, contados da data do recebimento. Nesse caso, comunicará
ao Presidente do Senado os motivos do veto. A parte não vetada será publicada
no Diário Oficial como lei. O veto deverá ser apreciado pelo Congresso.
y
4.4.3. Orçamento Anual
P rojeto de L ei

O projeto de lei orçamentária anual (LOA) é elaborado pela Secretaria de


Orçamento Federal (SOF) e encaminhado ao Congresso Nacional pelo Presi­
dente da República. Composto pelo texto da lei, quadros orçamentários con­
solidados e anexos dos três orçamentos, o projeto de lei deve ser enviado para
apreciação do Congresso até dia 31 de agosto de cada ano. Recebido pelo Con­
gresso, o projeto é publicado e encaminhado à apreciação da CMO. A comis­
são realiza audiências públicas com ministros ou representantes dos órgãos de
Planejamento; Orçamento e Fazenda do Executivo ou com representantes das
diversas áreas que integram o orçamento.

R e l a t ó r io d a R eceita
É nomeado um relator da receita que, com o auxílio do Comitê da Recei­
ta da CMO, analisa a previsão de receita do Executivo. O objetivo é verificar
se o montante-estipulado é compatível com os parâmetros econômicos para o
ano seguinte. Caso encontre algum erro, a CMO pode propor nova estimativa.
ET-SEVIER Capítulo 4: O orçamento e as finanças públicas I 113

O relator apresenta o Relatório da Receita, contendo o exame da conjuntura


macroeconômica e do impacto do endividamento sobre as finanças públicas, a
análise da evolução da arrecadação das receitas nos últimos exercícios, frente a
sua estimativa no projeto recebido, as receitas reestimadas e os pareceres sobre
as emendas apresentadas. Caso haja mudanças na legislação tributária durante a
tramitação do projeto, o prazo máximo para propor alterações é de até dez dias
após a votação do últim o relatório setorial.

P arecer P r e l im in a r
É designado um relator geral do projeto de lei que deverá elaborar um rela­
tório preliminar contendo os parâmetros e critérios a serem obedecidos na apre­
sentação de emendas e na elaboração do relatório pelo relator geral e pelos relato­
res setoriais. O relatório preliminar é composto de duas partes. A primeira, geral,
contém as metas fiscais, um exame de compatibilidade com o PPA, a LDO e a Lei
de Responsabilidade Fiscal, avaliação das despesas por áreas temáticas, entre ou­
tros temas. A segunda parte, especial, inclui as regras para a atuação dos relatores
setoriais e geral e as orientações específicas referentes às emendas. Define também
a composição da reserva de recursos a ser utilizada para o atendimento das emen­
das apresentadas. Ao relatório preliminar podem ser apresentadas emendas.

Em e n d a s
As emendas à despesa podem ser de remanejamento, de apropriação ou de
cancelamento. A emenda de remanejamento é aquela que propõe acréscimo ou
inclusão de dotações e, simultaneamente, como fonte de recursos, a anulação
equivalente de outras dotações, exceto a de Reserva de Contingência. A emenda
de apropriação é a que propõe acréscimo ou inclusão de dotações e, simultanea­
mente, como fonte de recursos, a anulação equivalente de recursos da Reserva
de Recursos ou outras dotações definidas no Parecer Preliminar. Emenda de
cancelamento é aquela que reduz simplesmente dotações existentes no projeto.
A emenda proposta somente será aprovada se:

• for compatível com o PPA e a LDO;


• indicar os recursos necessários;
• não for constituída de várias ações que devam ser objeto de emendas
distintas;
• não contrariar norm as regimentais sobre a matéria.

As bancadas estaduais e as comissões permanentes do Senado Federal e da


Câmara de Deputados podem apresentar emendas ao projeto, nas matérias di­
retamente ligadas a suas áreas de atuação. Cada parlam entar pode apresentar
25 emendas individuais, no valor definido no Parecer Preliminar. Os relatores
somente podem apresentar emendas para corrigir erros e omissões, recompor
total ou parcialmente dotações canceladàs e atender às especificações do Parecer
Preliminar.

C ic l o S eto r ia l

O projeto de LOA é dividido em dez áreas temáticas, como educação, saúde


ou agricultura. Para cada um a é designado um relator setorial que deve avaliar o
projeto encaminhado, as emendas relativas ao tema e encaminhar um relatório
setorial, com suas conclusões e parecer.
Os relatores setoriais devem debater o projeto nas Comissões Permanentes,
antes de apresentar os relatórios, podendo ser convidados, na oportunidade,
representantes da sociedade civil. Na elaboração dos projetos setoriais, serão
observados os limites e critérios fixados no Parecer Preliminar. O relator deve
verificar a compatibilidade do projeto com o PPA, a LDO e a Lei de Responsa­
bilidade Fiscal, a execução orçam entária recente e os efeitos dos créditos adi­
cionais dos últimos quatro meses. Os créditos utilizados para a distribuição
dos recursos e as medidas adotadas quanto às obras e serviços, com indícios
de irregularidades graves apontadas pelo TCU, tam bém deverão constar do
relatório. Os relatórios setoriais serão discutidos e votados individualmente
pela CMO.

C ic l o G eral
Após a aprovação dos relatórios setoriais, é tarefa do Relator Geral compilar
as decisões setoriais em um único documento, chamado Relatório Geral, que
será submetido à CMO. O papel do relator geral é verificar a constitucionali-
dade e legalidade das alocações de recursos e zelar pelo equilíbrio regional da
distribuição realizada.
No relatório geral, assim como nos setoriais, são analisados a compatibilida­
de do projeto com o PPA, a LDO e a Lei de Responsabilidade Fiscal, a execução
orçamentária recente e os efeitos dos créditos adicionais dos últimos quatro m e­
ses. Os critérios utilizados pelo relator na distribuição dos recursos e as medi­
das adotadas quanto às obras e serviços com indícios de irregularidades graves
apontadas pelo TCU tam bém devem constar do relatório.
Integram ainda o Relatório Geral os relatórios dos Comitês Permanentes e
daqueles constituídos para assessorar o relator geral.
As emendas ao texto e as de cancelamento são analisadas exclusivamente
pelo relator geral, que sobre elas emite parecer.
A apreciação do Relatório Geral, na CMO, somente terá início após a apro­
vação, pelo Congresso Nacional, do projeto de plano plurianual ou de projeto
de lei que o revise.
O Relatório Geral é lido, discutido e votado no plenário da CMO. Os Con­
gressistas podem solicitar destaque para a votação em separado de emendas,
com o objetivo de modificar os pareceres propostos pelo Relator.
O relatório aprovado em definitivo pela Comissão constitui o parecer da
CMO, o qual será encaminhado à secretaria geral da mesa do Congresso Nacio­
nal, para ser submetido à deliberação das duas Casas, em sessão conjunta.

A u t ó g r a f o e L eis

O parecer da CMO é submetido à discussão e votação no Plenário do Con­


gresso Nacional. Os Congressistas podem solicitar destaque para a votação em
separado de emendas, com o objetivo de modificar os pareceres aprovados na
CMO. Esse requerimento deve ser assinado por um décimo dos congressistas e
apresentado à Mesa do Congresso Nacional até o dia anterior ao estabelecido
para discussão da matéria no Plenário do Congresso Nacional.
Concluída a votação, a matéria é devolvida à CMO para a redação final.
Recebe o nome de Autógrafo o texto do projeto ou do substitutivo aprovado
definitivamente em sua redação final assinado pelo Presidente do Congresso,
que será enviado à Casa Civil da Presidência da República para sanção.
O Presidente da República pode vetar o autógrafo, total ou parcialmente, no
prazo de 15 dias úteis, contados da data do recebimento. Nesse caso, comunica­
rá ao Presidente do Senado os motivos do veto. A parte não vetada é publicada
no Diário Oficial da União como lei. O veto deve ser apreciado pelo Congresso
Nacional.

4.5. Conceitos de Finanças Públicas


As finanças públicas dizem respeito à captação de recursos pelo Estado e os
gastos públicos que procuram atender às necessidades da população. Em outros
termos: trata do gasto e de seu financiamento.
O Estado pode financiar seus gastos por meio de três formas básicas:

• recursos provenientes de tributos ou mesmo venda de serviços;


• endividamento (por meio de dívida externa ou interna);
• inflação (emitindo papel moeda para cobrir seus gastos ou retardando
pagamento de fornecedores ou pessoal em contexto inflacionário).
No orçamento público alocamos os recursos obtidos pelo Estado entre usosi
alternativos. Definimos quanto será gasto em saúde, educação, apoio a agricul-"
tores, estradas ou incentivos à exportação. A intenção é que gastemos apenas o.
que arrecadamos, ou até que deixemos uma margem para situações adversas.
Mas há alguns problemas: parte im portante do nosso desenvolvimento foi fi: ?
nanciada com endividamento, e essa dívida deve ser amortizada. Além disso*-
para alguns empreendimentos, vale a pena obter novos financiamentos. J
Por outro lado, nem sempre o que está estabelecido no orçamento mostra-se;
verdadeiro no momento da execução orçamentária. A receita pode estar supeA
restimada (o que ocorre com frequência), necessidades diferentes podem apare-?
cer demandando créditos adicionais (autorizações de despesa não computadas*
ou insuficientemente dotadas na Lei de Orçamento), um governo fiscalmentef
irresponsável pode fazer gastos excessivos, esperando financiar-se com inflação]
ou endividamento. Mas, em qualquer situação, adotar dois procedimentos qué j
se associam à boa gestão das finanças públicas: í
13

• estabelecer a programação financeira e o cronograma de execução men-'|


j
sal de desembolso;
• estipular um resultado fiscal positivo que permita pagar parcelas da dívi-J
da e acompanhar sua evolução. 'J
I
O primeiro procedimento resulta da incerteza quanto aos recursos dispo-1
níveis, bem como da sazonalidade e distribdição ao longo do tempo de alguns]
gastos. A economia pode se desaquecer, a sonegação pode aumentar, a receitai
estava estimada de forma incorreta, significando, por consequência, menos re-íj
•j
cursos provenientes de tributos. Por outro lado, a área econômica do governo, ]
em articulação com os respectivos ministérios, sabe que certos gastos ocorrem
apenas mais tarde no ano, enquanto outros precisam acontecer logo no início. ]
Assim, tanto a incerteza e a receita quanto a necessária organização do gasto;
ao longo do exercício financeiro, para não prejudicar atividades ou gerar m o­
mentos de ilusória abundância (seguidos de previsível escassez), levaram o le­
gislador brasileiro a estipular, na Lei de Responsabilidade Fiscal, a program a­
ção financeira acompanhada de um cronograma rígido de desembolsos. Essa
programação, na verdade, um a série de atividades voltadas a ajustar o ritm o de
execução do orçamento ao fluxo provável de recursos financeiros, é coordenada
pela Secretaria do Tesouro Nacional, que para tanto acompanha de perto a exe­
cução orçamentária e financeira e a situação econômica do país.
O segundo procedimento se exprime na busca de um superávit primário,
um -conceito de resultado fiscal que significa a economia feita nas operações
--------------;-------- -id p u m u -^ ir e f U i^cHUtfl 110é'aj>'finanças puDiicas T l i r

normais de governo para pagar os juros da dívida pública. É um dos conceitos


de resultado fiscal. Falaremos sobre eles logo adiante.
Uma parte das finanças públicas diz respeito à política tributária, já analisa­
da no capítulo anterior. Neste capítulo analisaremos alguns conceitos relativos
ao resultado fiscal e ao endividamento público, conceitos bastante relacionados.
Em seguida, faremos uma breve trajetória histórica do orçamento e das finanças
públicas no Brasil.

R e s u lt a d o F iscal o u as N ecessidades de F in a n c ia m e n t o d o S etor P ú b l ic o

O resultado fiscal define-se, de forma simples, como a diferença entre o to­


tal das despesas e as receitas do poder público. Se houve despesas inferiores às
receitas, ou seja, gastou-se menos do que foi arrecadado, o resultado é positivo e
dizemos, neste caso, que há um superávit. Caso contrário, estamos diante de um
déficit, e é necessário financiá-lo.
Assim, o resultado fiscal do governo é também conhecido como Necessi­
dades de Financiamento do Setor Público — NFSP. Na verdade, esse conceito
avalia o desempenho fiscal da Administração Pública dentro do exercício finan­
ceiro, no caso brasileiro, de l fi de janeiro a 31 de dezembro, e verifica o montante
de recursos que o setor público-não financeiro precisa captar junto ao setor
financeiro para pagar suas despesas.
Em-outros-termos, nas palavras de Fabio Giambiagi e Cláudia Além (2000,
p. 74), “as NFSP correspondem à variação do endividamento do setor público
não financeiro junto ao setor financeiro e ao setor privado, doméstico e do resto
do m undo”:

NFSP= CSP+JSP+ISP- T

Onde CSP é o consumo do setor público, JSP, os juros da dívida, ISP, o inves­
timento e T, a receita tributária. Ou seja, consiste na diferença entre as despesas
do setor público e suas receitas. Esse é o valor da variação do endividamento
(soma-se ou, eventualmente, subtrai-se do valor da dívida já existente).
As necessidades de financiamento são apuradas nos três níveis de governo,
federal, estadual e municipal. No nível federal, as NFSP são apuradas separa­
damente pelos orçamentos fiscal e da seguridade social e pelo orçamento de
investimentos. O resultado dos dois primeiros orçamentos é chamado de “Ne­
cessidades de Financiamento do Governo Central”, enquanto o resultado do
orçamento de investimentos recebe o nom e de “Necessidades de Financiamento
das Empresas Estatais”.
A Lei de Responsabilidade Fiscal determina que seja apurado o resultado
fiscal, segundo dois conceitos (fonte: Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão-Sistema Orçamentário):

• Resultado primário: registra o desempenho fiscal do governo no perío­


do, ou seja, permite verificar se o governo está conseguindo poupar para
reduzir suas dívidas. É a diferença entre os valores arrecadados em im ­
postos, taxas, contribuições e outras receitas do Estado (excluindo-se as
receitas de aplicações financeiras), e suas despesas no período, (excluin­
do-se as despesas com amortização, juros e encargos da dívida, bem co­
m o as despesas com concessão de empréstimos).
• Resultado nominal: evidencia o quanto precisou ser captado junto ao
setor financeiro, ao setor privado e ao resto do m undo para pagar as
despesas do governo. Para a apuração do resultado nominal, deve-se
acrescentar ao resultado prim ário os valores pagos e recebidos de juros
nom inais junto ao sistema financeiro, o setor privado não financeiro
e o resto do mundo. No Brasil, as Necessidades de Financiamento do
Setor Público são apuradas pelo conceito de caixa, ou seja, as despesas
são consideradas como tendo acontecido apenas quando pagas, com
exceção das despesas de juros, apuradas pelo conceito de competência.
Segundo Fábio Giambiagi e Cláudia Além (2000, p.68), isso é feito para
se evitar que 1'

se o governo emite títulos de prazo muito longo, com pagamentos concentrados no


tempo, o déficit seja artificialmente baixo durante algum tempo e depois ‘estoure’ no
momento do vencimento. Ao apropriar juros pelo conceito de competência, o BC
torna a despesa de juros mais regular ao longo do tempo.

Existem duas formas de apuração dos resultados ou das chamadas Neces­


sidades de Financiamento do Setor Público. São os critérios “abaixo da linha”
e “acima da linha”. O critério “abaixo da linha” leva em consideração apenas os
passivos ou dívidas, apurando o desempenho fiscal do governo por intermédio
do cálculo de variação do endividamento líquido em determinado período. Já o
“acima da linha” apura o desempenho fiscal do governo por meio dos fluxos de
receitas e despesas orçamentárias em determinado período.
A Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda publica mensal­
mente relatórios do Tesouro Nacional em que consta o cálculo, mensal e anua-
lizado, do resultado primário do Governo Central.
, . . . -------------- i .iium -jCw (juuncdb | |

4.6. Resultado Primário do Governo Central


BRASIL (demonstrativo do cálculo de Resultado Primário
— fonte Secretaria do Tesouro Nacional-2008)

I. RECEITA TOTAL
1.1. Receitas do Tesouro
1.1.1. Receita Bruta
1.1.2. (-) Restituições
1.1.3. (-) Incentivos Fiscais
1.2. Receitas da Previdência Social
1.3. Receitas do Banco Central
II. TRANSFERÊNCIAS A ESTADOS E MUNICÍPIOS
III. RECEITA LlQUIDA TOTAL (I-II)
IV. DESPESA TOTAL
IV. 1. Despesas do Tesouro
IV. 1.1. Pessoal e Encargos Sociais
IV. 1.2. Custeio e Capital
IV. 1.2.1. Despesa dò FAT
IV. 1.2.2. Subsídios e Subvenções Econômicas
IV.1.2.3. Benefícios Assistenciais (LOAS/RMV)
IV. 1.2.4. Outras Despesas de Custeio e Capital
IV. 1.2.4.1. Outras Despesas de Custeio
IV. 1.2.4.2. Outras Despesas de Capital
IV. 1.3. Transferência do Tesouro ao Banco Central
IV.2. Despesas da Previdência Social (Benefícios)
IV.3. Despesas do Banco Central
V. RESULTADO PRIMÁRIO GOVERNO CENTRAL (III - IV)
V.l. Tesouro Nacional
V.2. Previdência Social (RGPS)
V.3. Banco Central
VI. RESULTADO PRIMÁRIO/PIB

Como podemos ver, obtemos a Receita Líquida Total descontando-se do


valor das Receitas do Tesouro, da Previdência e do Banco Central as transferên­
cias feitas a estados e municípios. Parte im portante dos impostos arrecadados
pelo Governo Federal deve ser transferida, por exigência da Constituição, a es-
HLSHVÍEr

tados e municípios. As principais transferências constitucionais são o Fundo de ,


Participação dos Estados (FPE), Fundo de Participação dos Municípios (FPM)
(art. 159 da Constituição Federal), Imposto Territorial Rural (ITR), Imposto
Sobre Operações Financeiras/Ouro (IÕF-Ouro), o Fundo de Manutenção e De­
senvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FIJN-
DEF) e o Fundo de Compensação pela Exportação de Produtos Industrializados
(FPEX).
Da Receita Líquida, abatem-se as despesas do Tesouro, as despesas da Pre­
vidência e as despesas do Banco Central, para se chegar ao resultado primário
do Governo Central. Esse resultado é confrontado com o PIB, para termos uma
ideia do peso desse resultado para o tamanho da economia e podermos acom­
panhar sua evolução à medida que a economia se aquece ou estagna.

4,7. A Dívida Pública


A dívida pública é constituída da soma de tudo o que o setor público não
financeiro deve ao setor privado e ao setor financeiro, doméstico e do resto do
mundo, pela dívida interna e pela dívida externa. Considera-se, nos dois casos,
a dívida líquida do setor público, já que o governo é tam bém credor. Assim,
opta-se por trabalhar com o saldo líquido do endividamento do setor público,
ou seja, “o balanceamento entre as dívidas e os créditos do setor público não
financeiro e do Banco Central” (Banco Central^2006, p. 113).
Considera-se como setor público não financeiro as administrações diretas
federal, estaduais e municipais, as administrações indiretas, o sistema público
de previdência social e as empresas estatais não financeiras federais, estaduais
e municipais, além da Itaipu Binacional. Incluem-se também no conceito de
setor público não financeiro os fundos públicos que não possuem característica
de intermediários financeiros (aqueles cuja fonte de recursos é constituída de
contribuições fiscais ou parafiscais). Ou seja, inclui tudo o que no setor público
não seja banco ou tenha um papel assemelhado.
A dívida pública interna é formada por todos os débitos contraídos pelo
setor público junto ao setor privado e ao setor financeiro do próprio país, por­
tanto, em moeda nacional. A dívida externa pode ser pública ou privada e inclui
todos os débitos contraídos pelo setor público e privado, na forma de emprés­
timos e financiamentos, fora do país. No caso do setor privado, os empréstimos
ou financiamentos ocorrem com aval do governo, para fornecimento das divisas
que servirão às amortizações e ao pagamento de juros. Para sabermos se a dívi­
da externa está em patamares saudáveis, é importante acompanhar as reservas
que o país detém em divisas estrangeiras e a relação dívida externa/exportações,
ÈLSEVIER Capítulo 4: O orçamento e as finanças públicas | 121

uma vez que essa dívida geralmente é paga em moeda estrangeira que o país
obtém através de saldos comerciais com o exterior ou através de novos emprés­
timos em moeda forte.
Para avaliar a capacidade de pagar a dívida, utiliza-se, especialmente no ca­
so de países emergentes, a relação dívida/PIB. Observa-se também o perfil da
dívida (interna ou externa, mais concentrada em curto prazo ou longo pra­
zo, indexada a moeda nacional ou estrangeira e indexador utilizado). Na seção
seguinte, referente à evolução histórica do orçamento e acompanhamento das
Finanças Públicas no Brasil, comentaremos sobre a evolução da dívida interna
e externa brasileiras.

4.8. A evolução histórica do Orçamento e das


Finanças Públicas no Brasil
No período colonial, a preocupação central das norm as vigentes sobre Fi­
nanças Públicas era com a garantia de pagamento de impostos devidos à Coroa.
Como vimos no capítulo anterior, o Foral, os cargos voltados à coleta de impos­
tos, mereceram diretrizes do Império Português. Da mesma maneira, como nos
lembra Giacomoni (2005, p. 52) ,*a Inconfidência Mineira teve como ponto de
partida o descontentamento com “disposições tributárias emanadas de Portu­
gal. Ao suspender a ‘derrama’— cobranças de impostos atrasados — as autori­
dades fizeram abortar o movimento...”
A vinda da família real para o Brasil trouxe consigo um a estruturação das
finanças públicas. A maior complexidade do comércio que agora se abria às
“nações amigas” e os gastos da corte e de um país que se tornara sede do império
exigiram a criação de novas instituições e normas.
Em 1808, eram criados, como vimos, o Erário Público (que, em 1821, pas­
sou a ser o Ministério da Fazenda) e o regime de contabilidade.
A Constituição de 1824 consagrou o Ministério da Fazenda criado três
anos antes, e estabelecia que caberia à Assembleia Geral (poder Legislativo)
fixar anualm ente as despesas públicas e repartir a contribuição direta. Cabia-
lhe tam bém a autorização para que o governo contraísse empréstimos e a
definição dos meios para pagamento da dívida pública (art. 15). Era privativa
da Câm ara de Deputados a iniciativa sobre impostos (art. 15). A Receita e
a despesa da Fazenda Nacional foi encarregada a um Tribunal, denom inado
‘Tesouro Nacional”, que cuidaria da administração, arrecadação e contabili­
dade, “em recíproca correspondência com as Tesourarias e Autoridades das
Províncias do Im pério” (art. 170). E menciona, pela prim eira vez, a palavra
orçamento. Diz o artigo 172,
O Ministro de Estado da Fazenda, havendo recebido dos outros Ministros os orçamen­
tos relativos às despesas das suas Repartições, apresentará na Câmara dos Deputados
anualmente, logo que esta estiver reunida, um balanço geral da receita e despesa do Te­
souro Nacional do ano antecedente, e igualmente o orçamento geral de todas as despesas
públicas do ano futuro, e da importância de todas as contribuições, e rendas publicas.

Na verdade, como evidencia Giacomoni (2005, p. 52), “este dispositivo,


avançado para a época, teve dificuldade de ser implementado nos primeiros
anos”. Além disso, pontüa o autor, dificuldades de arrecadação nas províncias
e nas comunicações, assim como conflitos com normas legais do período co­
lonial, podem ter contribuído para frustrar a nossa primeira lei orçamentária.
Para ele, o primeiro orçamento brasileiro “teria sido, então, aquele aprovado pe­
lo Decreto Legislativo de 15/12/1830, que fixava a despesa e orçava a receita das
antigas províncias para o exercício de 1/7/1831 a 30/6/1832”, portanto, durante
o período regencial.
Também durante as regências foi promulgado o Ato Adicional, aprovado
pela Lei de Emenda Constitucional n2 16 de 12 de agosto de 1834, modificando
a Constituição Imperial e ampliando os poderes dos Conselhos Gerais, que pas­
saram a denominar-se Assembleias Legislativas provinciais. Foi um a curta ex­
periência de descentralização que atribuiu ao legislativo estadual a competência
de elaborar o seu próprio regimento e legislar sobre vários assuntos, em especial
a fixação de despesas municipais e provinciais e impostos necessários para aten­
der esses encargos, a repartição das rendas entre municípios e a fiscalização do
emprego das mesmas, além da criação de cargos e empregos.
A Constituição Republicana, como vimos, promoveu forte descentraliza­
ção, assegurando autonomia às antigas províncias, agora denominadas estados.
Além disso, consagrou a independência dos poderes, estabelecendo para o Con­
gresso (que veio a substituir a antiga Assembleia Geral, mantido, porém o bica-
meralismo) competência privativa para:

• orçar a receita, fixar a despesa federal anualmente e tom ar as contas da


receita e despesa de cada exercício financeiro;
• autorizar o Poder Executivo a contrair empréstimos a fazer operações de
crédito;
• legislar sobre a dívida pública e estabelecer os meios para o seu paga­
mento;
• regular a arrecadação e a distribuição das rendas federais.

Observe-se que, na Constituição anterior, embora coubesse à Assembleia


Geral a fixação das despesas e a estimativa da receita, ela se fazia por iniciati-
ijuiv t-rfpuuiu *♦; Kj uivdm eiuu e as nnanças puDiicas | 123

va do Executivo, por meio de ato do Ministro da Fazenda. Outro dispositivo


im portante para o processo orçamentário é o que estabelecia que o eventual
descumprimento do orçamento votado pelo Congresso constituía crime de res­
ponsabilidade por parte do Presidente (artigo 54).
A Constituição de 1891 instituiu ainda o Tribunal de Contas da União “para
liquidar as contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade, antes de serem
prestadas ao Congresso” (artigo 89). Seus membros deveriam ser nomeados pe­
lo Presidente da República com aprovação do Senado, e somente perderiam os
seus lugares por sentença.
Dados os abusos verificados na feitura e aprovação do Orçamento pelo Con­
gresso n a República Velha, a Emenda Constitucional foi elaborada em 1926,
estabelecendo, pela primeira vez de forma clara, o princípio da exclusividade.
Pretendia-se combater a abusiva prática da República Velha das chamadas “cau­
das orçamentárias”, dispositivos estranhos à matéria orçamentária, incluídos no
orçamento quando de sua tramitação no Congresso. A emenda estabeleceu, em
seu art. 34 que:

§ Io — As leis de orçamento não podem conter disposições estranhas à previsão da


receita e à despesa fixada para os-serviços anteriormente criados. Não se incluem nessa
proibição:
a) a autorização para a abertura de créditos suplementares e para operações de crédito
como antecipação da receita;
b) a determinação do destino a dar ao saldo do exercício ou do modo de coibir o
déficit.
§ 2a - É vedado ao Congresso conceder créditos ilimitados.

Ainda na República Velha, outra inovação importante nas finanças públi­


cas foi o Código de Contabilidade. Foi elaborado na sequência de um episó­
dio deplorável: a Inglaterra em 1914 se recusou a conceder um empréstimo ao
Brasil por falta de documentação contábil do Tesouro que informasse sobre as
garantias oferecidas. Formou-se então um a Comissão, posteriormente trans­
formada em Seção Técnica da Diretoria Geral de Contabilidade, para organizar
os serviços de contabilidade do Tesouro Nacional. Essa seção retoma o método
das partidas dobradas, que havia sido abandonado no final do século XIX. Em
1921 instituiu-se a Contadoria Central da República, e, em 1922, por meio do
Decreto n. 4.536, de 28/01/1922, aprovou-se o Código de Contabilidade.
Apesar de surgir dentro da vigência da Constituição de 1891, que, como vi­
mos, atribuía a iniciativa da lei orçamentária à Câmara de Deputados, o código
“acabou tendo de formalizar o que informalmente já acontecia: o Executivo for­
necia ao Legislativo todos os elementos para que este exercitasse sua atribuição
T x t— r n u rmmbiiciiyciU PUUIILd' ELSEVIER

de iniciar a feitura da lei orçamentária”, lembra-nos Giacomoni (2005, p. 54).


Assim, o código estabelecia que o governo enviasse à Câmara de Deputados
até 31 de maio de cada ano, a proposta de fixação da despesa, como cálculo da
receita geral da República, para servir de base à iniciativa da Lei de Orçamento
(art. 13).
O Governo Vargas introduziu uma lógica estruturadora à Administração
Pública e fez o mesmo com nossas Finanças. Foi a consagração da Administra­
ção burocrática e da manualização de procedimentos. Mas foi tam bém o perío­
do em que se fortalece a presença do Estado na economia, com sérias conse­
quências para o desenvolvimento e para o déficit público. Para empreender essa
tarefa, Getúlio centralizou o poder e, portanto, a administração fiscal. Essa nova
ordem já se torna clara na efêmera Constituição de 1934.
Essa Constituição vai dedicar toda uma sessão ao orçamento, que, pela pri­
meira vez num a Constituição, consagra, além do princípio da anualidade, o da
exclusividade, expresso, como vimos na Emenda Constitucional de 1926. Assim,
diz o texto constitucional (art. 50):

A lei de orçamento não conterá dispositivo estranho à receita prevista e à despesa fixada
para os serviços anteriormente criados. Não se incluem nesta proibição:
a) a autorização para abertura de créditos suplementares e operações de créditos por
antecipação de receita;
b) a aplicação de saldo, ou o modo de cobrir o déficit.

Afirma também o princípio da universalidade, ou seja, que o orçamento de­


ve conter todas as receitas e todas as despesas do Estado. Por outro lado, previa
duas partes na fixação da despesa, um a fixa outra variável.
A iniciativa do Presidente na proposta de orçamento, introduzida pelo Có­
digo de Contabilidade, foi também incluída na Constituição. A Câmara dos De­
putados não mais terá, desde então, a iniciativa orçamentária. Observe-se que
nunca teve na prática, apenas formalmente.
Em 1937, o presidente decreta um a nova Constituição centralizando ain­
da mais o poder e detalhando procedimentos para o orçamento e as finanças
públicas. Entre outros, foi estabelecido que o Presidente da República poderia
expedir decretos-leis sobre as matérias de competência legislativa da União, mas
excetuava o orçamento, os impostos, os empréstimos públicos e a alienação e
oneração de bens imóveis da União. Observe-se, porém, que a despeito da ve­
dação, no capítulo sobre elaboração do orçamento, o presidente se reserva o
direito de publicar o orçamento enviado para apreciação das duas casas, se ela
não houvesse terminado, nos prazos prescritos, a votação do projeto de lei.
ELSEVIER Capítulo 4: O orçamento e as finanças públicas I 125

Na verdade, segundo Giacomoni (2005, p. 55), “as duas casas legislativas


nunca foram instaladas e o orçamento federal foi sempre elaborado e decretado
pelo chefe de Executivo”.
A proposta de lei orçamentária, pelo texto constitucional, seria elaborada
por um Departamento Administrativo mantido junto à Presidência da Repúbli­
ca, com as seguintes atribuições (art. 67):

a) o estudo pormenorizado das repartições, departamentos e estabeleci­


mentos públicos, com o fim de determinar, do ponto de vista da econo­
mia e eficiência, as modificações a serem feitas na organização dos ser­
viços públicos, sua distribuição e agrupamento, dotações orçamentárias,
condições e processos de trabalho, relações de uns com os outros e com
o público;
b) organizar anualmente, de acordo com as instruções do Presidente da Re­
pública, a proposta orçamentária a ser enviada por este à Câmara dos
Deputados;
c) fiscalizar, por delegação do Presidente da República e na conformidade
das suas instruções, a execução orçamentária.

Esse órgão, como vimos, foi o DASP (Departamento Administrativo do Ser­


viço Público), criado em 1938, com um a Divisão de Orçamento que só pôde se
constituir anos mais tarde. O DASP se insere na iniciativa de reforma e planeja­
mento que possibilitou um a nova configuração dos órgãos estatais, permitindo
a valorização dos órgãos planejadores e fiscalizadores à época. Por um longo
período, o Ministério da Fazenda, por meio de sua Comissão de Orçamento,
com subordinação administrativa ao Ministério da Fazenda e técnica ao DASP,
preparava a proposta de orçamento. Em 1945, a Comissão de Orçamento foi
extinta e o DASP ativou sua Divisão de Orçamento.
Pouco mais tarde, em 1939, foi definido, num a nova onda de centralização,
que os estados e municípios teriam seus orçamentos submetidos a um depar­
tamento administrativo, formado por membros nomeados pelo Presidente que
fiscalizariam igualmente sua execução.
Com a vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial, houve a redemo-
cratização do país e o retorno a um a onda de descentralização. A Constituição
de 1946 foi elaborada nesse espírito e trouxe novamente mudanças no processo
orçamentário e no controle das finanças públicas. A retomada da separação de
poderes trouxe consequências para o processo orçamentário, agora novamente
de iniciativa do Executivo e votação pelo Legislativo. O Tribunal de Contas, que
merecera bastante destaque nas Constituições de 1934 e 1937, ganhando uma
seção específica, agora aparece como integrante do processo orçamentário. Seu
papel aparece no artigo 22, da seguinte forma: “A administração financeira, es­
pecialmente a execução do orçamento, será fiscalizada na União pelo Congresso
Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas”. Suas competências, expressas
na seção intitulada Do Orçamento (seção VI), são:

I - acompanhar e fiscalizar diretamente, ou por delegações criadas em lei, a execução


do orçamento;
II - julgar as contas dos responsáveis por dinheiros e outros bens públicos, e as dos ad­
ministradores das entidades autárquicas;
III - julgar da legalidade dos contratos e das aposentadorias, reformas e pensões.

O governo militar, como vimos, adotou um a lógica centralizadora e moder-


nizadora no trato da administração pública, preservando iniciativas de estrutu­
ração lideradas por Amaral Peixoto e Hélio Beltrão. O esforço desenvolvimen-
tista dos governos anteriores foi igualmente mantido. Especificamente no que se
refere às finanças públicas, o novo governo, ao assumir, encontrou uma situação
bastante complicada: a inflação era elevada e inexistiam mecanismos para aferir
a gravidade do déficit fiscal.
Para lidar com a inflação, sem prejudicar o tom ainda desenvolvimentista
do governo, foi lançado, em novembro de 1964, o PAEG (Programa de Ação
Econômica do Governo). Como constatam Fábio Giambiagi e Ana Cláudia
Além (2000, p. 106):

O PAEG constituiu-se em um programa de estabilização que enfatizava a importância


da recuperação das taxas de crescimento da economia. Em outras palavras, o objetivo
era combater a inflação de forma a não ameaçar o ritmo da atividade produtiva. O Pro­
grama incluía diferentes reformas estruturais visando a modernização e adequação dos
mecanismos financeiros à situação econômica vigente.

O Programa incluiria um a política bancária voltada a fortalecer o sistema de


crédito, um a política de investimentos públicos para superar gargalos de infra-
estrutura, um a política tributária para aum entar a arrecadação, corrigir distor­
ções e modernizar a máquina, a consolidação da dívida externa, entre inúmeras
outras reformas.
Mas, para combater o déficit fiscal e estabelecer ordem nas finanças públi­
cas, o mais urgente era procurar combater a inflação (enquanto se construía um
mecanismo temporário de correção monetária de títulos para permitir a cria­
ção de um mercado interno de títulos públicos) e aperfeiçoar a arrecadação.
O governo tem três maneiras de financiar sua ação: tributos, dívida e in­
flação. Sabemos que a inflação traz consequências desastrosas para a econo­
*A1_.1V i-apifuio 4: o orçamento e as finanças públicas I 127

mia, assim restaria ao governo reduzir gastos e adotar um a combinação de


m elhoria da arrecadação e de organização de um sistema de endividamento
sustentável. Vimos, no capítulo anterior, o esforço feito no período para m o­
dernizar a arrecadação. Com relação ao endividamento, havia um problema:
com a inflação presente no país logo após a m udança de regime, havia pouco
interesse em adquirir títulos públicos. Afinal, a lei da usura, que proibia taxas
de juros nominais acima de 12%, impedia um a adequada remuneração para
os títulos públicos. A adoção das ORTN (Obrigações Reajustáveis do Tesouro
Nacional) trouxe simultaneamente a correção m onetária e a viabilização de
um mercado voluntário de títulos públicos. Significou também um incentivo
à poupança individual.
O utra reforma im portante prevista no PAEG, também iniciada ainda em
1964, a reforma bancária consistiu em substituir a SUMOC (Superintendên­
cia da Moeda e do Crédito), criada em 1945, pelo Banco Central, com funções
de autoridade m onetária e vocação para ser o “banco dos bancos”. Porém,
algumas distorções adotadas para dar conta de situações transitórias e a na­
tureza mesma do regime, avesso à transparência, levaram a que o Banco do
Brasil também figurasse como autoridade monetária. Por outro lado, o Banco
Central acabou tam bém assumindo funções alheias a seu papel de autorida­
de m onetária, como a gestão de alguns programas de fomento, registradas
no chamado orçam ento m onetário e, portanto, não sujeitas à aprovação do
Congresso. Os princípios da universalidade e da unidade orçamentária se en­
contravam, portanto, feridos.
Assim, o Banco Central e o Banco do Brasil assumiam funções de autorida­
de monetária, o que gerava problemas de confusão institucional. Esse problema
se agravava com o mecanismo pelo qual o relacionamento entre as duas ins­
tituições acontecia: a conta movimento, que registrava os pagamentos e rece­
bimentos realizados pelo Banco do Brasil por conta dos serviços prestados ao
Banco Central, ainda sem estrutura para funcionar. Diariamente a conta era co­
berta. Sem grande controle e, sobretudo sem transparência, essa conta passou a
ser um mecanismo para financiar o que não se queria introduzir no orçamento
anual. Maílson da Nóbrega (2004) em correspondência a Gustavo Franco assim
descrevia o mecanismo:

A conta nivelava diariamente os desequilíbrios entre ativos e passivos do BB. Por exem­
plo, se o banco fizesse empréstimos de um bilhão de cruzeiros e não captasse nem um
tostão, no fim do dia a conta apresentaria um saldo credor do mesmo valor no balancete
do BB. Criou-se a rosca sem fim das autoridades monetárias (depois o esquema seria
estendido para a área de fomento do BB).
128 I Administração Pública ELSEVIER

Em seguida, lamentava: “o provisório durou 20 anos”.


Em 1967, o Congresso, transformado por força do Ato Institucional na 4
em Assembleia Constituinte e expurgadtf da oposição, aprovou um a nova cons­
tituição que legitimava o novo regime. Nela mantêm-se as medidas voltadas
para dotar o orçamento e as finanças públicas de controles, porém retira-se do
Congresso a possibilidade de interferência no processo orçamentário. Falamos,
há pouco, da multiplicidade de orçamentos e da pouca transparência no proces­
so. Mas a Constituição impedia também ao Congresso participar por meio de
emendas, ao estabelecer no artigo 67 que fixa a competência exclusiva do Exe­
cutivo para criar ou majorar despesas públicas, um a restrição clara no parágrafo
l fl, nos seguintes termos:
“Não serão objeto de deliberação emendas de que decorra aumento da des­
pesa global ou de cada órgão, projeto ou programa, ou as que visem a modificar
o seu montante, natureza e objetivo”.
Ao comentar tal dispositivo, Giacomoni (2005, p. 56) afirma que

com essa redação exaustiva, o parágrafo 1“ acabou, praticamente, com qualquer possi­
bilidade de que emendas importantes fossem propostas em âmbito legislativo. O papel
desse Poder passou a ser o de aprovar o projeto de lei oriundo do Executivo, já que a
hipótese de rejeição era impossível de ser considerada, pois o governo não teria como
iniciar seu exercício financeiro sem um orçamento como guia.

A Emenda Constitucional no 1, outorgada pela junta militar, iria preservar


esse dispositivo.

4.9. A Revolução Institucional da Década de 1980


Na década de 1980, um esforço muito interessante e efetivo foi feito para
melhorar a organização das finanças públicas brasileiras, mesmo antes da m u­
dança da Constituição. Uma missão do FMI que veio preparar as bases de um
acordo a ser implementado a partir de 1983 teve im portante papel nas m udan­
ças. Mas também o teve uma equipe de técnicos do Banco Central e do Banco
do Brasil que delinearam um novo papel para o Conselho Monetário Nacional,
o Banco Central, o Banco do Brasil, que deixaria de ser autoridade monetária e
que culminaram no fim da multiplicidade de orçamentos, na extinção da conta
movimento e na criação da Secretaria do Tesouro Nacional. Entre eles, Maílson
da Nóbrega, Pedro Parente, João Baptista de Abreu.
A missão do FMI procurou, inicialmente, preparar o Banco Central para um
registro mais adequado do endividamento público. Tratou também de estabe­
lecer critérios comuns entre o governo e o fundo para mensuração do déficit. A
ELSEVIER Capítulo 4: O orçamento e as finanças públicas I 129

elevada inflação brasileira tornava pouco prático e mesmo distorcido o uso das
Necessidades de Financiamento do Setor Público (NFSP) pelo critério nominal
(Despesas - Receitas, sem expurgar a inflação). Como resultado dessas negocia­
ções, relatam Fábio Giambiagi e Ana Cláudia Além (2000, p. 131), passaram a
ser divulgados simultaneamente o resultado nom inal com o operacional (com
expurgo da inflação), ficando esse último como indicador do desempenho da
política fiscal.
Em 1986, extinguiu-se a conta movimento. Desde 1983 tentava-se fazê-lo.
Maílson da Nóbrega coordenou um grupo que deveria propor mudanças para
aperfeiçoar institucionalmente as finanças públicas e o sistema financeiro no
Brasil. Propôs, junto com outros técnicos, acabar com esse mecanismo provisó­
rio, mas que se mantivera por duas décadas, acumulando distorções. Nessa pri­
meira tentativa de extinção, as motivações eram claras. Segundo Gilda Portugal
Gouvêa (1994, p. 227-228), o Palácio do Planalto, então ocupado por Figueire­
do, queria evitar que o novo governo, que deveria ser ocupado por Tancredo,
dispusesse dos mesmos recursos dos militares, sem necessitar prestar contas
de sua aplicação. No mesmo sentido, os técnicos que integravam a Comissão
de Reordenamento das Finanças Públicas tem iam que, nas palavras da autora,
“com a maior participação do Congresso nas decisões de Governo, as pressões
clientelistas acabassem saindo vencedoras nas decisões das autoridades mone­
tárias. A forma de ter-se um antídoto para essa situação era abrir as contas do
governo para a sociedade via Congresso Nacional”.
Mas a proposta encontrou resistências corporativistas. As propostas, embo­
ra aprovadas pelo Conselho M onetário Nacional (CMN), foram rejeitadas por
liminar na justiça. Dois anos depois, com a redemocratização, o clima adequa­
do estava criado para a proposta. Preparava-se o Plano Cruzado, e decidiram
incluir medidas na área fiscal. O relato de Maílson (2004), em tom informal,
esclarece como iniciou a revolução institucional que resultou num a profunda
transformação da gestão das finanças públicas.

Pediram ao João Batista Abreu, então secretário geral do Ministério da Fazenda (e de­
pois ministro do Planejamento) para estudar o que fazer. O João tinha sido o vice-pre­
sidente daquela comissão que eu presidia. A resposta óbvia foi “está tudo pronto. Basta
desarquivar”. E foi o que se fez. O processo voltou ao CMN, que aprovou o fim da conta
(...) Dílson Funaro enfrentou uma rebelião de funcionários do BB em memorável reu­
nião no auditório do ministério. A extinção da “conta de movimento” foi o primeiro de
uma série de passos previstos no relatório: criaçáo da Secretaria do Tesouro Nacional
(que absorveria as funções de execução orçamentária a cargo de um departamento do
BB), extinção das funções do fomento do Banco Central e do Orçamento Monetário,
transferência para o Congresso Nacional da competência para autorizar a expansão da
130 I A dm inistração Pública ELSEVIER

dívida pública (antes do CMN), idem, do BC para o Tesouro, da atribuição de gerir


a dívida pública. O processo limpou o BC^de funções que não lhe diziam respeito e
preparou o caminho para reformas posteriores que trouxeram o banco à sua invejável
situação atual. No lado fiscal, o processo culminou na aprovação da Lei de Responsabi­
lidade Fiscal.

De certa maneira, a conta movimento será substituída mais tarde, em 1988,


pela conta única gerida pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Esse ór­
gão, criado dois anos antes, em 10 de março de 1986, com a centralização das
atividades financeiras federais, desempenharia im portante papel na gestão das
finanças públicas. A STN passou a contar, pouco depois de sua instituição com
um Sistema Integrado de Administração Financeira, o SLAFI, extremamente
inovador para a época, que possibilitou a interligação de cinco mil unidades,
com cerca de 34.000 executores de despesas dos orçamentos Fiscal e de Segu­
ridade Social. Ainda em 1987, ocorre a criação da carreira finanças e controle,
dotando a Secretaria de pessoal selecionado especificamente para o exercício
dessas funções.
A implantação da Conta Ünica, sob administração do Tesouro, acabou por
eliminar mais de cinco mil contas bancárias governamentais, perm itindo im­
portante redução de custos bancários, perdas resultantes de atrasos em aplica- á
ção de dinheiro em um período de elevada inflação, em suma, um controle mais Ç
eficaz do fluxo de caixa do Governo. A unificação dos orçamentos, consagrada
na Constituição de 1988, concluiria essa fase de aperfeiçoamentos institucionais 1
do fim dos anos 1980. |
A Constituição de 1988 veio consagrar esses e outros aperfeiçoamentos nas |
finanças públicas brasileiras, embora tenha, paradoxalmente, pressionado os ||g
gastos públicos com a universalização de alguns serviços (o que era fundamen-1
tal para combater a pobreza e as desigualdades sociais) e concedido benefícios
exageradamente generosos a algumas categorias. f'
Como vimos anteriormente, um a das grandes inovações da Constituição jpj
foi dar m aior transparência aos gastos públicos e ao seu processo de aprovação, ^
acabando com a multiplicidade orçamentária, especialmente com os mecanis-
mos voltados para a aprovação de despesas sem submetê-las ao Congresso, c o -,,
mo foi o caso da Conta Movimento e do orçamento monetário. Na verdade, ’, ^
tratava-se mais de consagração de medidas em curso: a conta movimento, como
vimos, ocorreu em 1986, e o orçamento m onetário foi sendo progressivamente
incorporado ao Orçamento Geral da União, a partir de 1985.
O utra importante mudança foi a exigência de três instrumentos orçamen­
tários hierarquizados, todos submetidos ao Congresso: o Plano Plurianual, as
ELSEVIER Capítulo 4: O orçamento e as finanças públicas I 131

Diretrizes Orçam entárias e os orçamentos anuais. Como vimos, o Plano Plu-


rianual deve estabelecer, de forma regionalizada, diretrizes, objetivos e metas
da adm inistração pública federal para as despesas de capital e outras delas
decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada. A lei de
diretrizes orçam entárias compreende as metas e prioridades da administração
pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro
subsequente; orienta a elaboração da lei orçamentária anual, dispõe sobre
as alterações na legislação tributária e estabelece a política de aplicação das
agências financeiras oficiais de fomento. Já a lei orçamentária anual explicita
todas as despesas previstas para o ano e deve ser compatibilizada com os dois
instrum entos anteriores.
Outros elementos reforçados pela Constituição de 1988 foram: a capacidade
do Congresso de fazer emendas ao orçamento, poder retirado pela legislação
de exceção no regime militar, o papel do controle interno (que ganha previsão
constitucional) e do controle externo.
Mas certamente o aspecto mais im portante da Constituição de 1988, do
ponto de vista das finanças públicas, foi a vigorosa descentralização dos re-
\ cursos em direção aos estados e municípios. Tal descentralização, junto com
a fragilidade política do governo pós-democratização (afinal, Sarney assumiu
>5 j contando com a desconfiança geral, associado que foi ao regime militar), os
| gastos relacionados a novos serviços e benefícios ditados pela Constituição e os
^ efeitos da crise externa trouxeram um impacto importante nas contas do gover-
Skjj no central. É certo que todo o setor público (inclusive estados e municípios, no
|(í"S agregado), sofreu uma piora, mas a União acusou mais fortemente o golpe. Esse
E., j fato trará consequências paradoxais para os estados. Como nos mostra Marta
Arretche (2007, p.45 e 46), essa escassez de recursos, agravada pelo aumento do
! vol ume de transferências obrigatórias para estados e municípios, levou a União
Vj a adotar dois cursos de ação:
i
ír*
i ; • criar contribuições fiscais não sujeitas à partilha com essas entidades sub-
nacionais;
• desvincular parcelas de recursos constitucionalmente reservados a de­
terminadas áreas, como por exemplo, retendo 20% das transferências a
estados e municípios.

Além disso, a Constituição não se ateve a descentralizar. Ela também con­


centrou poder decisório tanto no que se refere a impostos estaduais e munici­
pais, definindo como serão coletados, quanto em algumas políticas públicas, em
que a União legisla sobre assuntos atribuídos a governos subnacionais.
132 I Administração Pública ELSEVIER ,
s

Por outro lado, um país com os desafios complexos como os nossos deve ar­
ticular ações desenvolvidas em vários níveis e criar algumas soluções nacionais
a problemas, especialmente no que se refere a desigualdades regionais e sociais.
“O estabelecimento de padrões nacionais”, esclarece Abrúcio (2003, p. 236):

é fundamental para aumentar a esperança por maior simetria entre os atores, especial-
mente quando a situação federativa for marcada por um alto grau de desigualdade, seja f'
socioeconômica, política ou cultural (étnica ou religiosa). Nesse aspecto, está em jogo o *j_
equilíbrio entre a garantia dos direitos dos pactuantes e a criação de respostas nacionais %
à heterogeneidade, sendo estas últimas, muitas vezes, as responsáveis pela manifestação
política autônoma dos entes mais fracos na balança federativa de poder. f>

Após a promulgação da Constituição, as modificações no arranjo institu­


cional das finanças públicas foram feitas para regulamentar artigos ou tentar ~
assegurar bases mais seguras de financiamento das políticas públicas estabeleci­
das na Constituição. Ao mesmo tempo, começava a ser questionado o modelo
de substituição de importações que vigorara desde a era Vargas. O Brasil, assim
como outros países da América Latina e da Europa do Leste, no período pós-
queda do muro de Berlim, começava a se abrir comercialmente para o mundo.
O combate ao déficit público (que era, em 1990, da ordem de 8%) tornou-se
algo muito importante, a partir dos anos 1990. A inflação continuava muito alta
e, naturalmente, isso era associado à insuficiência de recursos para fazer frente a
gastos percebidos como excessivos.
Anunciado em 16 de março de 1990, dia seguinte ao da posse de Fernando
Collor de Melo, o Plano Collor incluía congelamento de preços e salários, m u­
dança de moeda e bloqueio de liquidez.
Esse bloqueio efetuou-se por meio da conversão da moeda antiga, o cruzado
novo, para a moeda nova, o cruzeiro, na base de Cr$l,00 para cada NCz$l,00.
Cada pessoa pôde fazer a conversão imediata de apenas Cr$50 mil. O restante
permaneceu depositado em cruzados novos, em conta bloqueada m antida em
nom e de cada correntista nos bancos, à ordem do Banco Central, por 18 meses.
Após esse período, o saldo da conta em cruzados começou a ser convertido em .f
cruzeiros e liberado em 12 parcelas mensais. %
A inflação não foi debelada e, em 1991, teve de ser editado o Plano Collor II. -
Mas, a subindexação da dívida interna, segundo Giambiagi e Além (2000, p. 145), C
A'
íí
quando a totalidade dos títulos públicos foram bloqueados pelo governo, tendo sido !
restituídos a partir de 1991, porém com uma correção acumulada que não compensou
a inflação ocorrida no período, permitiram por sua vez diminuir consideravelmente os
juros da dívida pública. i
' e l s e v ie r Capítulo 4: O orçamento e as finanças públicas I 133

A saída do presidente em 1992, após o processo de impeachment, teve um


sentido m uito im portante para o país. Utilizamos as regras constitucionais e
não golpes de Estado para resolver crises, neste caso associados ao mau uso
da m áquina pública. Mas, lembram os autores, a maioria das iniciativas de
modernização e saneamento da economia foi continuada por seu sucessor,
Itamar Franco.
Fernando Henrique Cardoso teve um papel importante no combate à infla­
ção, como ministro da Fazenda de Itamar, com a edição e implantação do Plano
Real. O resultado foi, de fato, o fim do fenômeno que distorcia as contas públi­
cas e atingia particularmente os mais pobres, reduzindo expressivamente o va­
lor de seus salários. Mas se agora os números públicos se tornaram mais claros
e os salários menos corroídos pela elevação geral de preços, os governantes per­
deram uma fonte im portante de financiamento dos gastos públicos e tiveram
de recorrer a outras, como o endividamento e o aumento da carga tributária. A
redução de gastos públicos não pareceu um a solução possível (dadas as dificul­
dades na formação de consenso para aprovar a Reforma Previdenciária e a força
da pressão por transferências de renda que pouco contribuem para eliminar a
pobreza), nem desejável (frente à expressiva desigualdade de renda e atraso na
universalização da educação e dos serviços de saúde).
De fato, a expansão do gasto público foi expressiva, como mostram Arman­
do Castelar e Fabio Giambiagi (2006, p. 46) num governo que ficou erronea­
mente associado como fiscalista e pouco empenhado nas políticas sociais. Os
dados indicam exatamente o oposto: o gasto primário do Governo Central, evi­
denciam os autores, cresceu em termos reais 7% ao ano de 1995 a 1998 e 5%
entre 1999 e 2002, “com forte ênfase nos gastos sociais”. É importante lembrar
que foi nesse governo que finalmente se universalizou o acesso ao Ensino Fun­
damental e se introduziu o Bolsa-Escola, que distribuía renda para famílias que
mantivessem as crianças na escola e fora do trabalho infantil (depois rebatizado
como Bolsa-Família).
Mas, do ponto de vista das finanças públicas, o grande avanço do governo
Fernando Henrique foi, como vimos em capítulos anteriores, a aprovação da Lei
de Responsabilidade Fiscal, um instrumento previsto na Reforma Administrati­
va para evitar desequilíbrios nas finanças da União, estados e municípios. A lei
estabelece sanções fortes para quem gasta mais do que arrecada com impostos,
combate gastos apenas eleitoreiros e tenta preservar a capacidade de investi­
mento dos governos, controlando os gastos de pessoal. Dessa forma, restringe
também o endividamento público.
O governo Fernando Henrique viveu instabilidades fortes nas suas relações
com o m undo externo. À crise asiática de 1997, sucedeu a crise russa e nossa
própria crise, afetando de maneira im portante a economia brasileira e eviden-
ciando nossa vulnerabilidade externa. A pronta intervenção da área econômica '5
do governo evitou um desastre maior. Por outro lado, a crise foi indutora de {
correções de rumo, consolidando esforços de saneamento das contas públicas 1
iniciados anteriormente. j-;
Para se entender o panoram a das finanças públicas no governo Fernando v
Henrique Cardoso, é importante distinguir dois períodos: o de 1995-1998, an- p,
tecedendo as crises internacionais, e o de 1998 a 2002.0 primeiro, pouco depois jj;
do lançamento do Plano Real, foi marcado pela estabilização da economia e ^
trouxe consigo um aumento do déficit público, compreensível dada a experiên- ^
cia passada de governantes dos três níveis de governo de aceitar as demandas da Ç
população ou pedidos de aumento do funcionalismo e retardar pagamentos a
fornecedores ou congelar por alguns meses os salários e, assim, m anter equili- ííL-x

bradas as contas. “Era necessário passar a negociar em novas bases”, argumen-


tam Giambiagi e Além (2000, p. 155), “e era natural que, no início, nem quem
reivindicava, nem o setor público estivessem preparados para isso”. A inflação
continuou sua trajetória de queda iniciada em 1994, mas as despesas não para-
vam de crescer. Alguns chegaram a profetizar o fracasso do plano a curto prazo,
o que não se m ostrou verdadeiro.
Embora o governo central tivesse im portante responsabilidade na deterio­
ração das contas públicas, especialmente por meio de aumento das transferên­
cias a estados e municípios, aumento dos gastos com benefícios previdenciários
do INSS (causado sobretudo pelo aumento bem acima da inflação do salário
m ínim o a que constitucionalmente eles estavam vinculados) e do aumento de
outras despesas de custeio e capital, os estados e municípios tiveram um peso
maior na configuração do déficit prim ário no período.
Os estados, particularm ente, viveram um a crise pior. Muitos governado- ^
res alegavam que a crise em seus estados se devia à perda de receita do ICMS ;
relacionada à chamada Lei Kandir. A lei estabelecia um a desoneração de ICMS
nas exportações. Embora verdadeira, a explicação se aplicava apenas parcial- t
mente, pois mecanismos de compensação foram criados, cobrindo um a parte
das perdas.
Na verdade, os estados estavam m uito endividados junto a seus bancos es­
taduais e ao sistema financeiro em geral e tiveram seus gastos substancialmente
ffj
ampliados diante de aumentos dados ao funcionalismo pouco depois de tom ar j.
]v*i?
posse, em 1995, quando a memória inflacionária ainda estava presente. Outros
estados viveram situações semelhantes, por generosidade, eleitoreira ou não, de
governadores em fins de mandatos, em 1994, tam bém acostumados com a cor- », ^
reção que a inflação introduzia em eventuais excessos populistas.
---r—. | 103

No período, diversos mecanismos de controle dos déficits estaduais foram


introduzidos, afetando igualmente municípios (Giambiagi e Além, p. 164):

• bancos estaduais que tradicionalmente financiavam governos agora estão


impedidos de fazê-lo, seja por conta de privatizações ou de sua transfor­
mação em bancos de fomento;
• antecipações de receitas orçamentárias, mecanismo muito utilizado até
1995 pelos governos para se financiar junto a instituições financeiras, fo­
ram limitadas pela legislação;
• empresas estaduais igualmente não poderiam mais financiar governos
estaduais porque a maior parte delas foi privatizada;
• houve um a importante renegociação das dívidas dos governos estaduais,
com a federalização da dívida mobiliária, a uma taxa de juros de 6%,
tendo como colateral o pagamento de receita futura dos estados por 30
anos. Com isso, as Necessidades de Financiamento do Setor Público dos
estados foram reduzidas, pois no acordo eles ficaram obrigados a pagar
não só os juros, mas também o principal. Além disso, a possibilidade de
retenção pela União de uma parcela dos fundos de participação dos es­
tados e dos impostos estaduais foi incorporada aos contratos para cobrir
não pagamentos;
• aprovação da reforma administrativa, sobre a qual já falamos.

O segundo período, de 1999 a 2002, foi marcado pelo ajuste fiscal e pela
aprovação de algumas reformas estruturais de importância para as contas pú­
blicas. O ano de 1999, em que se vivia ainda o impacto das crises asiáticas e russa
e do calote da dívida de Minas Gerais (na prática de pouco efeito fiscal, mas de
efeito devastador na imagem do país, levando à perda de mais de U$ 1 bilhão/dia
de reservas), o Brasil concluiu negociações com o FMI para obtenção de um
pacote emergencial que tirasse o país da situação de risco. O ato desastroso de
Itamar Franco obrigou o Brasil a deixar o câmbio flutuar e, assim, promover
uma maxidesvalorização do real, o que agravou a situação da dívida externa.
Mas o acordo com o FMI, com metas ousadas de superávit primário para
o setor público, fez o governo cortar gastos de forma importante, pela primeira
vez. E isso sem descontinuar importantes programas sociais. Ao mesmo tempo,
as condições para a aprovação, nos anos seguintes da Lei de Responsabilidade
Fiscal, estavam dadas. Menos favorável, contudo, foi o clima para mudanças mais
profundas na Previdência, embora medidas pontuais tenham sido adotadas.
O ano de 2002 foi marcado novamente por uma forte instabilidade, desta
vez resultante de um temor do mercado acerca da política econômica do futu-
136 i Administração Pública -tUaüEVlüK

ro governo Lula, percebida, inicialmente, como distante da ortodoxia e de um


compromisso com a estabilização. Fernando Henrique Cardoso foi considerado
pelos investidores como muito comprometido com a estabilização da economia,
que conseguiu preservar, mesmo com as sucessivas crises externas e o calote de
Minas Gerais. Os investidores temiam que Lula não mantivesse a mesma pos­
tura firme. Mas a política econômica do governo Lula, conduzida inicialmente
por Antonio Palocci, um médico sanitarista, surpreenderia a muitos, não só as­
segurando a estabilidade econômica, como obtendo certo crescimento, dentro *
da onda global de prosperidade. f
A despesa primária do Governo Central continuou crescendo bastante, fi- jL‘
nanciada por um a dívida interna que não consegue cair e por um a carga tribu- 'A
tária em constante crescimento. O investimento, tão necessário para o desenvol-
vimento do país, tem sido pequeno e, assim, obras importantes de infraestrutura §
não são implementadas, e o país não cresce tanto quanto poderia num a conjun­
tura internacional que até 2007 mostrou-se favorável.
Além disso, a reforma da Previdência, que poderia aliviar as contas públicas,
não encontrou no governo Lula condições políticas de suporte para aprovação 1
melhores do que no governo FHC. Algumas medidas complementares às ante- if
riormente aprovadas por emendas constitucionais foram adotadas, mas o peso
da Previdência se manteve grande.
O terreno em que houve maiores avanços na Economia diz respeito à fun- |
ção distributiva do Estado. Houve um avanço,importante no governo Lula na |
desconcentração de renda. É verdade que os tremendos desequilíbrios de ren- f
da que tornam o Brasil tristemente famoso vêm diminuindo desde o governo |
Fernando Henrique Cardoso. Ricardo Paes de Barros (2008, p. 3) constata que, ,i
a despeito de ainda existir um contingente importante de pessoas em situação f
de extrema pobreza no país (cerca de 20 milhões em 2006) e de persistir um a /
situação de concentração de renda, “entre 2001 e 2006, o país viveu um a que- |*
da constante e expressiva na desigualdade de renda, atingindo seu m enor nível í
nos últimos 30 anos. O grau de desigualdade declinou fortemente, com um a {
redução média anual de 1,2% entre 2001 e 2006”. O mais interessante para este
capítulo de finanças públicas é a fonte dessa desconcentração: o Bolsa-Família,
um programa de transferência social que remunera 11 milhões de famílias ca- |
rentes por enviar seus filhos à escola e vacinar suas crianças. Mais do que uma j,
solução temporária para uma situação de penúria, o programa tem diminuído jt
a concentração de renda e garantido a saída da situação de dependência das £
futuras gerações. A educação é o mecanismo mais efetivo para combater a po- j
breza e as desigualdades, como mostra o estudo do Banco Mundial “Redução f
da Pobreza e crescimento: círculos virtuosos e círculos viciosos”, de 2006.0 que )
recjv <_apituiõ'4: O orçamento e as finanças públicas I 137

garante a saída de uma família da situação de pobreza é a mãe ter concluído o


Ensino Médio.
Essa associação entre transferência social e educação parece um a chave in­
teressante para melhor aplicar os recursos públicos num esforço de combate à
pobreza.

4.10. Questões para aprofundamento


1. O orçamento público é fim ou meio? Busque fundam entar a resposta
com exemplos.
2. Quais as principais características do orçamento no Brasil? Procure reali­
zar comparações sob o prisma da federação e da economia política.
3. Por que é possível afirmar que orçamento e planejamento andam juntos
no sistema brasileiro?
4. Escolha três princípios relativos ao orçamento público e busque estabele­
cer relações entre eles.
5. Imagine um governo que se encontra endividado. Articulando seu co­
nhecimento sobre finanças públicas, estabeleça duas estratégias para re­
duzir tal dívida.
6. Busque estabelecer três características históricas do orçamento no Brasil
e as diferenças em relação à Constituição de 1988.
7. Quais são as principais vantagens da conta única do governo que se cons­
tituiu no período pré-constitucional?
8. Estabeleça uma reflexão sobre as principais transformações das finanças
públicas no Brasil a partir do século XXI.
9. De que forma o investimento em programas como o Bolsa-Família po­
dem contribuir para reduzir as desigualdades sociais?

4.11. Bibliografia complementar


ABREU, M. de P. O Brasil e a economia mundial, 1930-1945. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Tributário na Constituição e no STF. Niterói: Im-
petus, 2001.
BALEEIRO, Alíomar. Uma introdução à Ciência das Finanças. Rio de Janeiro: Forense, 1986.
BOCCHI, J.I. “Restrições Externas e Desenvolvimento Econômico no Brasil: o eterno retorno”, ín: B oo
chi, J.I. (Org.) Restrições externas e desenvolvimento econômico no Brasil, Cadernos PUC-Economia,
n“ 9, Educ, São Paulo, 2000.
COUTINHO, L.G. e BELLUZZO, L.G.M. “Desenvolvimento e Estabilização sob Finanças Globalizadas”,
Economia e Sociedade, Campinas, (7), dezembro, 1996.
DELFIM NETTO, A. “O Plano Real e a Armadilha do Crescimento Econômico”, em: MERCADANTE,
A. (Org.) O Brasil Pós-Real: a política econômica em debate. Campinas, IE-Unicamp, 1997.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988: interpretação e crítica da ordem econô­
mica. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. São Paulo: Atlas, 1996.
JÜNIOR, Luiz Emygdio F. da Rosa. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. Rio de Janeiro:
Renovar, 1993.
PIRES, Adilson Rodrigues; TÔRRES, Heleno Taveira (orgs.). Princípios de Direito Financeiro e Tributá­
rio: estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
REZENDE, Fernando. Finanças Públicas. São Paulo: Atlas, 1979.
RIANI, Flávio. Economia do Setor Público: uma abordagem introdutória. São Paulo: Atlas, 1986.
ROSS, Stephen A.; WESTERFIELD, R.; JAFFE, Jeffrey F. Administração Financeira. 2. ed. São Paulo:
Atlas, 2002.
SANTOS, Adroaldo Quintela. Democratização do Orçamento Público Federal: comentários e sugestões,
Brasília, 1983, p. 3-18.
SILVA, L. M. da. Contabilidade Governamental um enfoque administrativo. São Paulo: Atlas.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1995.
Apêndice B j
Orçamento Participativo;:
a experiência de Porto Alegre,
'*A'
i; l% ! í i f
Tarso Genro "íi

V?, ' !l •**


1. A implantação e as dificuldades '
A ideia do Orçamento Participativo na cidade de Porto Alegre começou
com a campanha para a Prefeitura, em 1988. Naquele momento- o programa de
governo do Partido dos Trabalhadores propunha democratizar as.dècisões de
uma nova gestão, a partir de Conselhos Populares. O objetivo erá permitir que
cada cidadão pudesse interferir na criação das políticas públicas/é nás demais
decisões de governo que tivessem importância para o futuro da cidacle. ■
A proposta era assentada muito mais em princípios gerais,-originários da
■ Comuna de Paris e dos sovietes, do que propriamente em experiências colhidas
na realidade local. ’• ^ 4' fe f ~
i A visão dom inante no PT e tam bém nos demais partidos que sustentaram a
I candidatura da esquerda, naquela oportunidade (1988); era realizar üm aespé- ‘
| cie de"transferência"de poder, para a classe trabalhadora organizada. Com isso
f seria gradativamente "substituída" a representação política tradicional;* vinda
È das urnas, pela democracia direta. r “â
i Era, sem dúvida, uma visão progressiva e positiva, em bora extremante sim-
f plista. O programa de governos não desenhava como essa transferência" pode-
^ ria ser operada, como surgiriam as novas instituições de poder,popular/e como
seria "resolvida" a própria relação com a Câmara de Vereadores, a quem consti­
tucionalmente é atribuída uma enorme soma de competências, além de serum
v organismo com evidente legitimidade política. |
No primeiro ano do governo que emergiu comia vitória da esquerda,‘ocor»
reu uma grande afluência da população em -todas as plenárias .popularêsçde
, bairro. Nas 16 regiões do Orçamento Participativo; as comunidatíesimais pobires
‘ afluíam maciçamente às reuniões. Elas, mediante súa participação'cliijeta^tenam
a missão de decidir sobre investimentos que.eram défriandadoslhavra décadas.
Mas todos queriam tudo ao mesmo tem po. Exigiam que o governoiresgatajse
as "promessas" eleitorais e iniciasse "imediatamente" as obràs. destmadasía me-
140 I Adm inistração Pública ELSEVIER

lhorar a quãlid ad e^e vida naquelas regiões, historicamente abandonadas pelo


poder público municipal. * 1
O governo, porémj'não tinha recursos nem projetos. Era preciso, antes, fa ­
zer uma profundá reforma tributária, gerar uma poupança local (por meio dos á
próprios impóstós lòcais) e assim potencializar o governo da cidade para res- j
ponder às demandas e criar um nível mínimo de credibilidade. Era necessário |
dialogar com acidade-para responder às demandas e criar um nível mínim o de |
credibilidade. Eraínecessário dialogar com a cidade, criar condições políticas I
para que os cidadãos acreditassem nos novos métodos de governar, os quais, y
pela primeira vez na história da cidade, incluiriam os cidadãos comuns. Jf
Por meio de« uma ^difícil negociação com a Câmara de Vereadores, com
grande participação dos delegados e representantes do Orçamento Participa
tivo, realizou-se.aíprimeira grande reforma tributária. Outras modificações tri
butárias foram feitas ao [ongo dos dois governos do PT e da Frente Popular.Tais
modificações tiyerám cqmo consequência o ju m e n to da capacidade arrecada
dorá do m unicípjojarreçadaçãp própria), quê subiu gradativam ente de 25% da j
receita total.(arrecadados no prjmeiro ano, 1989) para algo em torno de 51 % |
da receita total (ènv,1996):’Essa marca fòi ajcançada no último ano do segundo ;;
governo da FrenteiPopular na cidade, que findou em 31 de dezem bro de 1996. 4

O "dinheiro em^caix^spõrém, tam bém não fazia as obras aparecerem im e-


diatamente^ porque|era) necessário, antes, pagar as contas pendentes do go­
verno anterior.sAsintensá participação das comunidades, que ocorreu em 1989,
caiu consideravelmente!no ano seguinte, nas reuniões do Orçamento Partici- ‘
pativo destinadas-:ai?discutir a receita" e "programar as obras". A decepção era
grande. A reformastributária (procedida ao longo do primeiro ano de governo)
P Stsfak2*1ü** I.T' 1-*■f
so foi .surtirvefeitosisensíveis para a população a partir de 1992. Nesse ano foi
iniciada a,maioria das óbras decididas ao longo dos dois primeiros anos de Or­
çamento Participativo/â?
Mesmoscomiaíescassa participação da cidadania nas plenárias de 1990
(segundo anòsdo primeiro governo), a prefeitura assim mesmo respeitou as
decisões tomadas pela população. Quando os investimentos começaram, em ­
bora com atraso,1circulou nos bairros das classes populares, e principalmente
naqueles em que moravam e moram os trabalhadores de mais baixa renda, que
"aquelas obras tihhanvsido decididas com a participação de várias entidades
comunitárias". De fato, a natureza e o tipo da obra já expressavam o grau de
consciência de cadáiregião e o nível de organização alcançada pela comuni­
dade até aquele*momento. A resposta concreta às demandas colocadas pela
própria população teve um efeito extraordinário.
ELSEVIER Orçamento Participativo: a experiência de Porto Alegre / Tarso Genro I 141

2. Consolidação da experiência, 1' - ví '

A partir do fim do segundo ano de governo (1990); o Orçamento Partici­


pativo já se desenhava como um novoífato^politico, estruturadoVíIdê úma no­
va relação política de Estado com a sociedade'em Porto Alegre. Com as obras
aparecendo, com as informações qúe,circulavam,"boca a boca"e tam bem com
as informações veiculadas por meio de um,programa de TV, orientado péla;Co-
ordenação de Comunicação Social daíPrèfeituraras comunidades^começaram
a ter consciência de que "valia a pena ir no Orçamento": A cidade começou á ter
consciência de que o governo realmente reconhecia; nos seus cidadãos; arfonte
vgoyernar;

Esse algo de novo , que era o cum prim ento dás decisões tornadas por uma
, . . . , .
base social pobre e mobilizada, somada a transparência nas informações; come-
çou a formar um novo imaginario;populârlNatbènferia oaxidadefas lideranças
. ., u /..
mais identificadas com o clientelismo"e eorime*ercicio:de;influendiatpessoâis,
- t. . ...» m . ; ■.
ou foram ficando sem audiência o uío m eçaram la mudaiKseu®ompoi;tamento.‘ |
. . . . , „ . *
Ao longo da implantaçao;doiOrçamenfolRarticipativcffoigoverno'sfezíum
esforço perm anente para deixarfclarolqu & n tlwdisGriminavaaffbresencafde'
qualquer cidadao. Nem porconViGçoeSiideAsiÈasinemípsSeornpnomissos de>
natureza partidária. Sempre fi cavai re ité r a l õ ^ f e o i p rocessòífe ralufrifp rot es so í I
. . „ . ...-.-a«*- ‘ ?•*. v |? a íá « |,í
aberto, que todos eram ig u a is .p e ja n te s p a ^ S I^ ^ K e w â o & tó rg e M y te m e n -/,-;
te a sua influência e lutar p e lò f jíw est]nnf|
isso, bastava que mostrassem a participaç
processos decisórios.

3 .0 papel dos coordenadores regiònài:


As plenárias do Orçamento Participativossãosprecedidasideíumsconjúnto
de informações transmitidas pelas associações comünitáriaslpoVrhéiÔídos jor-
. . . . . . . . .im sm m *,*-.. .
nais de bairro, dos boletins das entidades e mesmo de panfletos especialmente
redigidos pelo governo municipal, cdriypeamo; pará|a assembleia;!®: governo,
caso seja solicitado, coloca à disposição dos delegados e consejheiros da região
um carro de som para passar rios principaistlocàfs dosbairros-e^das,vilas, nos
dias que precedem a reunião, inform ando o local e o hofário.da mesma^que é
aberta a qualquer cidadão. s* P íp ” «V
A primeira etapa da plenária é o "credenciamento" de cada.unn dos partici­
pantes. Eles dão o seu nom e e endereço pará)que,fiqueíregistrado:'o'quórum,
composto exclusivamente por pessoas residentes na;regiãó emrqüe-se realiza
a sua plenária. ,, & i
142 I Adm inistração Pública ELSEVIER

Para^que a* com unidade não se canse com a "espera"scomo é com uniiem


jí. •,E - v,■E
’ reuniões;desse tipo, a ,Secretaria Municipal da Cultura providencia um ajpro-
ígramação,:nórm jJm ente,teatralizações que inform am a comunidade a respei*
s.to das^puestoes sociais da cidade e do país. Isso é feito por meio de teatro de, j
»bonecos;-musiça ou dé pequenas peças relacionadas com assuntos relevantes;;
’ para afCidadània.-É tam bém normal que seja mostrado um v íd e o fornecendo^
informações sobfe o andam ento dos Planos de Investimento,jnocjual, a^lém dos -
i l representantes do governo* tam bém falam liderançasjda re g iã o |j ,
«Umâ plenária,é sempre precedida de uma certa tensão polítíca, nãò sq por- .
f'!- que a-; presença do prefeito e dos,secretários municipais excita eíestim ula.críti-J
S cas e apresentação d e demandás, mas tam bém porque existem.contradições i
" ' X ■ ' ■1 i- . &•,) f " :: > s

entre,as próprias lideranças da região, que disputam entre)Si_;um papel- mais


efetivo nosprocesso. 4 2 ? ; "t V ;; '.V'.
. O esforço.feito pelos CROPs (Coordenadores Regionais do 0 (rçamento Par^ $
ticipativo) ;é.para que.a<lista>de;qradoresjseja trabalhada por^eonsenso.jprivj,-
- legia'n'do,cada-uma das.microrregjoes e procurandorfazer. comi que expressei
pluralidade dasMOosicões»bolítlcas:na‘ região: Quem, decide,-porem, quais serã<) ^
4 os oíaclpres; são as'propriasjentidades comuhitária‘s|representadas por suãs li-
deranças mais expressivas* # > j, -»v I ‘ »*> ; t *3
>vMaria Eunice.deAndrade Araujo, CROP da regiao|súle leste de Porto AJegrevl
entreos anos de-1992a{l 9.96, da seu depoim ento sòbrè ^atuação desses agen- í |
tesfaoiO rçànW nto<PartiãpativoaEunice.éiórm ada je m 4füosofia;e pédagogia, ^
comiespeciálizaçãô êm educação,popular.,CÕnta-nqs:de sua experiência^, o ■ ’ 'ij
'■' íy/i* ‘ I':; f í j /'

íi-»Ss ‘i t l ^ t > J f ^ ss., . I S * 21 ~ A *5«


ísigOs Coordenadores Regionais do O rçam ento Participativo são quadros políticos ^
d o governo,-vinculacios à C oordenação d e Refações com àlC om unidãde: Atuam des- 1

1 > ■ de3l991s?eitêm«três tarefas básicas:: 4j , ’ - 29 » 1 *. , íd


,, "iíhl .«Monitorar, em cada região do Orçamento Participativo, o processo de discus-^
*v‘feí * * " T, £’ ’'>4. íjM]
sao^do'iorcamento, sem interferir diretam en te nas-decisões, m astgarantindo o d e -.J j
b ate:dem ocrático e prestando esclarecimentos quárftosabs critérios que norteiam J |

■aídefiniçao;dos investimentos.-São ta m b ém um a das,fontes d e informações.sobre a^ j


,_ a '■ , ' V■ Íí I
'execu ção do R la n ò d e Investim entos, estim ulando a criaçãô d e comissões de acom -,#i
%- J ‘ *" '■ - ’• I * ■ >1- *•; r,
* pa n h am e n to d e obras. * * - $ i* ,
“ » >■
2. Globalizar as ações d e governo na região, incidindo assim contra a fr a g m e n ia -| J
*. * ui ' í 1s ‘
çào.da;estrutura adm inistrativa; O GROP ajuda a program ar ó co iita to d a ‘popu|açaotT|

*• * “com o governo, por m eiô d e reuniões com o as dos fóruns d ê serviços, qu e tratam d a 9?“1
, + 'cQÓservação e da m anutenção. Ao longo d o te m p o , fom os assum indo papéÍS|àlém ^
' -das-questões apenas de orçam ento. O CROP passou a ser um "centro adm inistrativo#
ELSEVIER Orçamento Participativo: a experiência de Porto Alegre/Tarso Genro I 143

ambulante", principalmente nas regiões onde hãpTOviàt— à época — jGentros Admi­


nistrativos constituídos , ~
ft-' ' r-W, I
3. Outra tarefa do CROP e;preservar.;e difundir determinados valores. O Orca-
mento Participativo exige que se tenha a intenção,deconstrumprocessoscoope-
X y .ai;..» .. “ i JS*' -V L
’rativoste de solidariedade,, caso contrário/sestabelece-se a lógica da.Competição e
do ievar vantagem" do ganho a qualquer-preço;,gerando processos1de, exclusão:
’ * - *3* ^ *• ** B ■« 'v
Portanto, negociações inspiradas numa pratica rsolidaria devem ser uma constante
> ■» at V ..s§k ,.
na ação pedagógica que o.CROP.exercejunto a cidadania. * ‘
- 'í ^ t * "V ‘ V
. Ví)
,£• fundamental, para a tarefa do CROP, queele;conheçao interior do-qóvèrno e -
a dinamica da.maquina administrativa" Ele não substitui asílideranças comunitárias
mas auxilia naíelação entrè.pqder1públicà e popúTãçãõl»encurtando caminhos"

junto?aò primeiro escalão Boigoverno/aiCàpácidade^e-inYèrlocuçãoTeSm tòâòs os"


setores da sociedade, pois^em situações dél®nflitp*muitas vezes e chamado a uma
„ação m ediadora. Portarito,fé ürhalfffiíeaá í/qúahficaçao^bomjsensóje dedh,
v.*-arfe í*.%isií-kísi»!rís.*5«» "W à ■
P . ... i
caçao e, por isso, deve ser exercida p e L

Nao na cursos ou qutraíform aSieíG


• , * ■' ■< . à„ „ .
,* constantes m om entos de. reflexaa crit-i!
''
* * . « Rodem ocorrer problem as1efóiâsweHK ff&ROfSgor^lprnplofassui 1
. n m i'
. ' •.T
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-K ir•*o- papel de. dirig ente
' -Váco
1vJmaJE,.H
u nitariom
ClI.ie.v'."!«' *'esr
•' ,0 jaiautonornia|dBSlchovimen-

.. - - ... , „ .x ^ R --------,-T----------- r------ ~ *


subordinação e d e p e n d e n c ia a in d a fe s ta o .ò re s e n ^ ^ m m a s s a cultura B0 ÍftrcafOutro.j
- '' ’■t Sf^lí i. w; w»
w tidésvio,m ediado pór um a,históriã^é'm ilitân.eiá(cfntenbfhà rígiãò/ê^asslfnir-átifudest
í -j n a n a r z - i a l i H a r l o ' r n n t r ^ r i ^ n ^ A ' ^ n a r f i
»de parcialidade/contrariândtfoDêrfil.deisênçãòWam^érsaiídãciê rr n i l / t • «* . í x , > X ^ « . / Í « a
queS,funíaoexige' 1
^■ D j : ., . . •
íRpr- isso, a Coordenaçao de Relações comiãíGomutfidade?adotõu>uma!regra:<CROP'
z ..................... > ,is .5 %r a s r n â ■
•i/ia o pode exercer seu trabalho'na regiao*ohaé3rforáifRorioutro lado, recaii sob
sobre ele
ía árdua tarefa de ser a "ca’rà" visível do podeitífifiniêrpâl mais próxima dá população,
i reçebepdo os impactos positivos e^nègativosdakáções do governbsnps|séüs'acèr-
-tos e erros. Ao longo dos anos, .temos presenGiado^a participação cada vezsmaíõr da
população da cidade no Orçãmento Participativo^iyiesmo com a tránsitoriedade dè
sum grande núm ero d e pessoas, característicaipresente no^m ovim entoícom unitariq,
são visíveis os sinais de ampliação e qualificação do.movimento organizádò de.Porto
Alegre. Cada vez mais, detejminâdostémas becarater universal dá^cidade sãòicolo-
~ ./ T h ’i " ''-ã. r‘ f í ' - 4 r' t
cados em discussão (as paütasjdos grupositemátiçovosRlano Diretor,.entre^útros
.exemplos), e a população tem respondido positivamente. E>importante reconhecer
que essa conquista é fruto, tambem/da.-ação militante dos CROPs na.Administração
Popular. ' * , - ,* i s
pwjm-j --- --------------------------
144 I Administração Pública ELSEVIER

■"»'qrar ; s " jj: ’ I ^


£.sAs lideranças comunitárias ! *r , i
1 Como te stemunha pessoal deste processo ao logo de oito anos, posso afir- ,■
í - mar a ocorrência de três fenômenos, em relação às lideranças1comunitárias das;. >
W règiões do Orçamento Participativo. ' % * s t|
v' % '! „ ,ê«. .-V«
i s a) Um primeiro grupo de lideranças efetivam eritê ésgota á sua participaçaó, *
(»ívjíj.fypf.v.tri »V , , '% '■-■' J1
rcomunitaria neste processo. Acostumado a trabalhar de maneira"diehtelistá,«4
_ rç k ____ ...______ ________________________________ 1 _______ &2_____
-• não consegue superar essás limitações e passa a^ser paülatinamente^rejéitadol^
.í • !1
pela comunidade. * < •*' T ’' ' ' ,\if , i
<\ b) Um segundo,grüpo de lideranças efetivam ente transforma-se dürante* J
«o? i Aj- ■ iM ÈW PwSStírf
ií ofprocesso. Adquire, uma nova linguagem,/recicla-se, e as lideranças passam a í
üsfazer.uma verdadeira intermediaçao entre os desejos da suaíbase e oiEstado;!#!
J r ,y -- n " í.v ■. 9 ,» 8 ;-< T 4 a
^ m o d u la n d o a tensão política de acordo com.o obietivo que pretendem ’alcana|3
•« i mi v i • , . - ,, ■■ i
í;?çar:.ou seja; realmente disputam as obras necessarias as comunidades; co n tras -i
' V , .«A**
w tadas com as demandas,coocadas pelas outrasmicrorregioes:
sm » « r ' i * I fW p K W N S a g
r i . ^ d Um terceiro qrupo de lideranças poderia;ser classificayó;cbmò’He"liaèn!B
1 f . ’ , ... ' v ‘s‘ ^ « ® II.^ » IS s g l
•!i;rançaslemerqentes , outseia, aqueles lideres, comunitários que;ssurgiram5c o m s i
„ n H tv
i i o proprio Orçamento Participativo e formaram-se por- m eio:dossm etodos{de»
.■ ' -!* ‘ ■ .......j * .
trabalho que ele ensejou. São os òue adquirem maior prestígio., ■- . # -t«**»
, E necessário c o m p ree nde r que, assim .com o a co m u n id a d e forjaro p ro cesso »
do Orçamento, o fa to de que as dem andas e n tre .as regiões’s è jim ”cd n cÔ rre h té sM
e:disputadas na cena pública ta m b é m transforma as IÍderantas..Estas:passama|
>a com preender rião só^os lim ites do p0 de r:p ú b liC 0 í'C 0 m ó -ta rh l3 e m !;à tR ró p riâ |i
^ - ■; '
"relatividade"das suas necessidades, comparandofas cõm outràs.màis ü raéhtessi
e importantes . . ^ .A f f Í f ’3 |
f O processo dp.O rçam ento Participativo não>se choca som ente'com a . ,
v estreiteza e as limitações da democracia representativa. Ele^am beni^e*dj|eT | |
:« rencia do"conselhismo puro" aquele processo não r e g r a d o íe |^ |ju e ^ mais |
hábeis e ativos levam vantagem. E tam bém do "populismò tradicional";.mera- ■{ i
m ente consultivo, no qual a participação poípülar é um simples élèm eh to ijle 4

’^conhecimento, para que o Executivo tome^as decisões q u e ’lhespareçam mais £


í .jc 4' 4 * í ,T ;? ’k*
lv convenientes. » i. ^ *

; . í ' - / , 0 fatòíde o Orçamento Participativo ser regrado, com previsibilidade, e ão


fj:’mesmo.tempo aberto (óu seja, qualquer cidadão pode dele participar);;efetiva-
^ m e n te cria uma cultura e uma psicologia nas quais as lideranças precisam ter
i»* conhecimento das regras do processo. Devem respeitá-las e tám b e m ||tiva r a
^.participação do maior número de pessoas possível, procurando aum entar a suã
^ In flu ê n c ia nos resultados. 3
ELSEVIER Orçamento Participativo: a experiência de Porto Alegre /Tarso Genro I 145

0"po pu lism o consultivo" estimula a subrmissãô.’porque,’ errí!úlfima instân­


cia, é o líder que tem poder decisorio. O “conselhismo tradicional” estimula ape­
nas a habilidade política para ganhar plenárias e emocionar seus integrantes
pelo discurso, porque ele não tem regras’^ n e ir v a u tô n o m a s 'nem do Estado
— que organizem de form a dem ocraticaas disputas.4' « ,
No processo do Orçamento Participativo a .decisão tem um percurso deter-
minado, que necessariamente precisa senarticulado com demandas>de. outras
regiões, as quais tam bem têm o seu pesote se^fazem respeitar. O.núm ero de
participantes, a habilidade em conversar/o. respeito às regras consensuais e aos
demais líderes combinam-se numsmesmo processo,’até a decisão final.
i * * «■_V
t*«*'“
,5 ' V rA* f\ -4 x
tX ^ M ■& *
5 .0 Orçamento Participativo e a Imprensa, * » ’
O processosdo Orçamento Participativo;jamais‘teve estímulo;e aceitação
plena na imprensa local.lPoderseídizerate.mesmò que.foi ignorado;pelos prin-
'v 5 v # í “ -h- /f 4 -*1
cipais meios de comunicação da cidade,snão”so porsser identificado como “coisa
do PT"(o que evidentem ente prestigiariafolpartidpde.forma "demasiada'0? mas
tam bém pelo fato ld e queioiprocesso^soeializaíasinfluência^sòbresofíEstado e,
sobretudo, retira o Estado da mfluência-exclusiva dos.formadores de opinião e
dos grupos econôm icos,Ou seja, a-influêirGiaiSdbre'0 Estado^passa a^sèr exer-
cida de baixo para cima, e õsprivilegiado|sapíbs>quê;se?díspõemJàsparticipar,
não mais os que têm influência jun to .a_míd ifjfe uy*untô’aos’in d iv id u o s u e com­
põem a própria administração publica
Foram raros os comunicadores que^sêíâispuseram a" partieipãrvdasrAssem-
bleias do Orçamento Participativo,’ mas ósfquelq fizeramificaramicom5uma im­
pressão altam ente favoravel,com oos jornalistas RauIsMoreau^Affònso Ritter e
" •;« ç- ,v.
outros poucos como eles que, mesmo nãoitendo qualquer ligação com o PT,
passaram a simpatizar com o-processo e*o divulgaram: conforme-asisuas pos­
sibilidades. - ' ’ *s "
Quando o Orçamento Participativo foi selecionado para o Habitat II (Segun­
da Conferência Mundial sobre Assentamentos Urbanos) da ONU. em lsta’mbul,
os meios de comunicação e os formadores de opiriião que o rejeitavam ficaram
numa situação extrem am ente constrangedora; ja què ele passou-a te r dimen-
são internacional. M esm o assim, muitos jornalistas continuaram dédicandó-lhe
críticas infundadas e preconceituosas, nãojperdendo a oportunidade de des-
moralizá-lo. Indicavam -no como se éle fosse ápenas um "nascedoujjó de peque­
nas obras"sem maior importância para o futura da ciãade.
À medida que o Orçamento Participativo aprovou tambénVgrandes obras,
como a reforma do Mercado Público, a Estação'de Tratamento áe/Esgôtos de
146 I Adm inistração Pública ELSEVIER

Ipanem a e a-construção de cinco vias estruturais — 'pbras .estratégicas pára o


futurò da cidade — os argumentos de‘sses comunjçajdores foram se tornando
cada vez mais débeis. Fortem ente influenciadòs ponsua.ideològia conservado-^,
ra, passaram a adm itir que os "vileirosf tinham discernimento público apenas.
1 para d e c id ir sobre in ve stim e n to s q u e eràm de "seu in te re s s ê íifie d ia to . ,
| O jo rn a lis ta Pedro Luiz da Silveira O sorio, co o rd e n a d o r de,C om unicação So- •*;
: ciald aP refeitu ra de 1993 a 1996, analisa a* relação dajmídiaícom o Orçamento
Participativo: * , < *i * 1 ' 1 ^ |
ti* * ,í \ *
* ~ V E ? \ V * * *1
* - £
São conhecidos os critérios assumidos;pelas empresas jornalísticas para a publi- ;
3 *? » '*
cação d e notícias. Em linhas gerais, eles dizem respeito a aspectós com o a p ro x im id a-,.
de d o fato, seu in editism o e sua repercussão; social/seusaspectospitorescos, espaço ,
disponível nos noticiosos, gastos paraíobtejiainoticiaftatençãolào:. desem penho da

concorrência relativam en te a um assunto, adequação a(Cultura'do leitor. São critérios j"


tip ica m en te jornalísticos,-que-assum em ; hieràrquia -d iferenciada/conform e ,a: linha „

editorial ad otada pelas orqanizações noticiosas; Em Porto Alegre, a desconsideração- ,


- f .« . K í t *! í'"'” , (‘J
«jornalística pelo O rçam ento'Participativo deve-se; basieam ente/ao reco n h e cim en tç,: 3
- * • * 1* m V uí * 1 1 * , 4 * J , '■ i j
* ,pelas,em presas„do pòten cialrevolu cio nario e transform adorjcontido nas;suas prati- n
{■ a -L .. ' ( r K * ' '
cas, flag ran tem en te contrarias aos seus interesses e aos.grupos sociais q u e represen
‘ **• r |
r’ \ - í \ i s,i. ' , 1» j/1 •
, ta m . A té hoje. òs'jornais (à exceção dos mais de,40 jornais djs.bairros e comunidades,^ |
qu e abrirem suas páginas às noticias do.Qrçamentto Participativo ),1radios e televisões -wí
• da capital g a u th á spraticam en te não noticiaram 0 extraordinario.fato jornalístico q u e .
- =» ■ "•*•/% ’ f í , i i 1# >t *■ - * -
é o O rçam ento Participativo. E ntretanto/trata-se d e u m a c o n te c im e n to d e caracteris-

ticas airída inéditas, reúne m ilh a res d e pessoas; ocorre na cidade sede das em presasr
"" -;v ' :>
■ yr ’ ■> ' y ' * ■
jornalísticásf(não gerando, poi tantoícustos" extraordinariosf de- cobertu ra),itêm im -# • 1
â í. •; * ’„ f “! -y «
portância social p e rió d jc áe publicam ente confirm ada, ja foi noticiado pela im prensa h

;do eixo Rio*—-"’São Paulo è d e outras regiões,íteve estem reconhecim ento e repèr- '
cussão internacionais e diz respeito ao 'co tid ia n o 'd e m ilhares d e porto-alegrenses
... . j. <Á . V Z1
(justificando, sé necessário fosse, suainserção.no n ó tic iario lo cal):S e tais evidências - 1
sociais fossem ainda insuficientes para justificar a atenção das em presas jornalísticas,-
i „* '1, \ l * '■ -■
’ é ''
se podéria dizer q u e o O rçam en to Participativo oferece cenas singularm ente pitores- »

ças, ihstantaneam ente>reveladoras; ao olhar profissional/de possibilidades imensas

s e extraordinárias d e pautas/m atérias, reportagens e fotos.'Àareum õès d o O rçam ento


- ' ' ' í, 1 .
r Participativo poderiam ser pontos de partida tanto .para noticias e m atenas sobre a
j ■' adm inistração m unicipal — pois lá estãolexpostásiuas dêbiliciades e seus eventuais
f m éritos — como, e principalm ente, para:repqrtãgéhssqb“re a c da d e e seu povo. Por
| fim , nunca será dem ais lem brar qu e os gaúchos'desta|çam-se por sua politização, e os

I debates estim ulados pelo O rçam ento Participafivò estão ,dé'ácordo com a índole<e
bL StíV ltíK Orçamento Participativo: a experiência de Porto Alegre/Tarso Genro | 147

a cultura local. São tão grandes as obviedades jornalísticas qu e só m esm o um a fo rté ”j


pressão em presarial, m ovida p or interesses políticos e econômicos, p ode determ inar j

a perm anência do silêncio em to rn o d o O rçam ento Participativo. Mas, transcorridos

oito anos, qualquer jornalista deve ta m b ém perguntar se seus colegas não tiveram

ou tê m dificuldades em discernir o qu e seus em pregados hábil e rapidam ente per­


k l. ceberam . A distância que os jornalistas m antêm do Orçam ento Participativo decorre

unicam ente d a pressão patronal e dos funcionários subservientes? Os jornalistas não

estarão, nos últim os tem pos, caudatários'de um a visão social simplificada e niilista?

Não estarão cativos d e um a postura que privilegia a denúncia com o a prática que dá
significado às suas trabalhosas vidas profissjohais? Em que m edida foi percebido, de

fato, o significado político e social d o Orçam ento Participativo? Por certo, um debate

sobre o lugar d o jornalism o e do^jornalista ,na,sociedade contribuiria para enfrentar

o cerco im postò pelas empresas d e comunicação. Pois, entre os m uitos motivos que
elas possuem para desrespeitar, cotidianam ente às regras do b om jornalism o e o pú*

blico d o qual vivem , há um m otivò q u e x e rta m è h tg ã s preocupa m uito: essa "mania"


d e controle público p o d e Mpegarr e lo g ao s r nunicação estarão prestando
contas a sociedade sobre os seus desmanda

-A

j
Capítulo

s
As relações de trabalho
no setor público

t r a b a l h o n o s e t o r p ú b l i c o reveste-se de características especiais, pois

O tanto a natureza da função exercida, o empregador, quanto o beneficiário


da ação contratado possuem traços distintivos:

• trata-se da coletividade organizada que dem anda serviços a serem de­


sempenhados por pessoas (embora com a mediação de um representante
e de um a burocracia em que o trabalho será exercido);
• a definição do trabalho a ser feito ocorre num contexto político de sele­
ção de prioridades (refletidas no orçamento e em outros documentos de
planejamento);
• a existência de trabalhadores da máquina pública leais a este ou aquele
político pode ser um recurso de poder im portante nos embates do Le­
gislativo (ou entre este e o Executivo), nos „processos eleitorais ou nas
disputas entre órgãos e seus titulares no próprio Executivo; .
• o acesso à função pública pode ser a principal alternativa de trabalho em
uma dada sociedade ou região ou a mais atrativa por assegurar salários
mais elevados ou estabilidade no emprego;
• o trabalho pode dar a seu executor visibilidade política, prestígio ou po­
der na comunidade. Em contrapartida, seu desempenho deficiente (ou a
percepção de deficiência, mesmo que não verdadeira) pode resultar em
hostilidade da população;
• o seu desempenho pode estigmatizar o trabalhador de forma a dificultar
o acesso posterior ao setor privado ou, dependendo da área em que a fun-
150 1 A a m m is tr a ç a o ruD tica ÍZL^OJJ, V

ção foi exercida, dar visibilidade ao profissional de forma a abrir as portas


a possibilidades atrativas fora da esfera do setor público.

Por essas razões, alguns cuidados têm sido historicamente adotados no recru­
tamento, seleção e na gestão da carreira desses profissionais. Tais cuidados estão
associados aos diferentes modelos de Administração Pública (ver Capítulo 2). '
Na transição da administração pública patrimonialista para a burocrática,
por exemplo, houve uni grande esforço no sentido de se eliminar o conteúdo ■
subjetivo na seleção de pessoas para ocuparem cargos públicos e na evolução na -
carreira. A ideia era que, se funcionários leais podem ser usados por políticos Ç-
clientelistas como recurso de poder ou de ampliação de espaço, seria fundamen- |í
tal se estabelecerem regras e controles rígidos que tornassem quase impossível a l|
captura fisiológica da máquina. g p |f
Por conta disso, apareceu a proposta de concursos públicos que contivessem
provas escritas e a exigência de diplomas e certificados para atestar escolaridade bhé
e aptidão para o desempenho de determinadas funções, a exigência de tempo de ■-
serviço para evolução na carreira (critério evidentemente desprovido de caráter
subjetivo) e a estabilidade do funcionário público, para se evitarem demissões f.'\ ’
de caráter político. Na mesma direção, a percepção de que algumas categorias
de funcionários podem eventualmente contrariar interesses momentâneos de
governo em nom e de políticas de Estado reforçou a tendência ao fortalecimento 4
de carreiras estruturadas com base em critérios1basicamente objetivos. í-í
Essa ênfase na objetividade não se prendeu apenas às circunstâncias especí- ,
ficas do setor público. Correspondeu também à forma de se ver a administração £ -~
nas empresas privadas, no mesmo período. A burocracia, tão bem analisada por ~
Weber, centrava-se na tentativa de prever com bastante precisão o comporta- ,í n J L , ,
m ento hum ano, por meio de regras escritas e exaustivas, no estabelecimento de i& 4
um a cadeia verticalizada de comando (ou seja, de um a hierarquia longa e rígi- }
da, com reduzido poder de decisão na ponta) e na valorização do saber técnico |
que, dependendo da organização, podia-se confundir com o conhecimento das
norm
n n r m oas que
e n nf* a
a regem.
re>ae*m ’} è£ *
ftm . r

Ora, esse modelo de organização foi a base de estruturas tanto governamen- ^ '
tais como privadas. No caso destas últimas, sua prescrição foi reforçada pelo *
taylorismo que, buscando aumento de produtividade na indústria, procurava !'
r .
dim inuir o espaço de discricionariedade do trabalhador e estabelecer a forma ■ *
correta e manualizada de se fazer cada tarefa. Isso correspondia, no m undo do !, *•
trabalho, a um a separação rígida entre concepção e execução. O trabalhador J
executava tarefas preestabelecidas, da forma como os programadores de produ- j
ção estipulavam. Não lhe cabia qualquer papel nas decisões sobre como produ- »
liLòtVIfciK Capítulo 5: As relações de trabalho no setor público I 151

zir ou na avaliação do trabalho feito. Não por acaso, alguns esforços de reforma
administrativa no Brasil fizeram menção a práticas tayloristas. Junto a essas te­
ses, um modelo de produção em massa de produtos, baseada em padronização
e segmentação dos processos de trabalho e num a linha de montagem em que
cada etapa contribuía para a introdução de um componente no produto ou rea­
lização de um a tarefa específica acabou recebendo o nome de fordismo, dado
seu im portante papel na construção de automóveis daquela marca na primeira
metade do século XX.

Fordism o (paradigm a industrial) ? Íg £ f"V !

Realização de uma única tarefa pelo Múltiplas tarefas.


trabalhador.

Pagamento pro rata (baseado em critéiros da Pagamento pessoal em função de resultado


definição do emprego). por equipe.

Alto gau de especialização de tarefas. Eliminação da delimitação de tarefas.


Pouco ou nenhum treinamento no trabalho Longo treinamento no trabalho “educação
(disciplinamento da força de trabalho). continuada” do trabalhador.

Nenhuma ou pouca preocupação com a Grande estabilidade no emprego para


segurança no trabalho. trabalhadores centrais (emprego vitalício).

Autocracia. Liderança participativa.

Layout compartilhado (ambiente de trabalho La yout flexível e aberto (ambiente de trabalho


fechado). panorâmico)

Fonte: FECAP

A partir do final dos anos 1940, um a série de críticas foi publicada por
teóricos das organizações como Merton, Selznick e Gouldner, que, sem pro­
por caminhos totalmente diversos dos presentes nas organizações burocráticas,
mostravam seus limites. Basicamente falavam de disfunções burocráticas como
o surgimento de objetivos departamentais conflitantes com os propostos pela
organização, a conformidade excessiva com as normas, o que tolheria a criati­
vidade e levaria a um atendimento inadequado das demandas dos clientes ou
usuário dos seus serviços e à lentidão nas operações.
Mas a verdadeira revolução no m undo das organizações viria mais tarde
com a disseminação do uso da Tecnologia da Informação nas empresas. Inicial­
mente o correio eletrônico acarretou uma maior velocidade na comunicação,
permitiu acesso simultâneo a diferentes níveis da hierarquia e contato assíncro­
no, mas rápido (sem que o funcionário precisasse estar presente no momento
do envio, embora sem a lentidão de uma carta), e eliminou a necessidade de
parte do pessoal de apoio administrativo que datilografava cartas e circulares
T52 I Administração Púb/ica . ELSEVIER

internas, transportava esses documentos, carimbava e arquivava. Em seguida, o


acesso à Internet permitiu que a empresa obtivesse informações que lhe interes­
savam de forma também mais veloz e fornecesse a seus clientes informações e,
posteriormente, serviços. Com isso, todo o processo de trabalho de obtenção de
informações e de comunicação das empresas foi transformado, assim como, em
muitas, sua forma de comercialização. A introdução de Sistemas Integrados de
Gestão (os ERPs) trouxe consigo a noção de reengenharia de processos, aproxi­
mando ou fundindo segmentos que contribuíam para a prestação de serviço ou
preparação de um produto a um mesmo cliente ou tipo de cliente. f* &
Antes disso, surge um movimento que ficou conhecido como toyotismo, dado
o fato de que a Toyota foi a primeira empresa a implantar tal modelo de organização
e gestão mais leve, com uma cadeia de comando menos verticalizada e produção
mais flexível. Concebido por Taiichi Ono, esse novo modelo baseava-se em alguns
princípios como: flexibilização da produção — produzir apenas o necessário,
com redução de estoques; automatização — utilização intensiva de máquinas;
just in time (na hora certa) — desenvolver um sistema para detectar a demanda
e produzir os bens, sem necessidade de estoques, na medida da colocação dos
pedidos; Kanban (etiqueta ou cartão) — program ar a produção, de modo que
iff, *-*-
o just in time se efetive; e trabalho em equipe — os trabalhadores passaram a
trabalhar em grupos ou células, de forma, a eliminar tempos mortos ou desper­
ü*?
dícios de tempo. ,.
O toyotismo se difundiu em várias empresas, mas mais do que isso, disse­
m inou a visão da flexibilidade como um conceito importante à m aior produti­ ,3;
vidade e eficiência das organizações. Como nos lembra Francisco Longo (2007, «S f-INIe 's5!
p. 34 e 35), a flexibilidade e a noção de empresa flexível surgem num contexto I-BÍ
em que ocorre um aumento da concorrência global, uma mudança tecnológica y
importante, especialmente nas informações e comunicações, a volatilidade dos
mercados de produtos e a transição da economia industrial para a chamada eco­
nomia do conhecimento. Essa flexibilidade inclui as relações contratuais com os
trabalhadores que, embora sujeitos a um trabalho menos mecânico e de mera m-'-,
execução, têm de lidar com instabilidades e indefinições anteriormente menos %
ÍT
presentes. De forma coerente, haveria, para Longo, duas visões de flexibilidade.
%
A primeira “ancora-se numa percepção dominante das pessoas como restrição
e se centra na redução de custos de pessoal.” A segunda

tende a perceber as pessoas mais como oportunidade, e coloca a ênfase na flexibilidade


da Gestão de Recursos Humanos (GRH), como apoio à geração de valor por parte das
pessoas. Sintoniza-se com os discursos empresariais da qualidade total(...), do nivela­
mento de estruturas e da promoção de autonomia pessoal para decidir (empowerment)
ELSEVIER Capítulo 5: As relações de trabalho no setor público I 153

ou com práticas de alto desempenho (...) e se orienta principalmente para a melhora


qualitativa das políticas de recursos humanos, especialmente das mais relacionadas com
o envolvimento e o compromisso das pessoas.

Outra ideia em voga na Gestão de Recursos Humanos enfatizada por Longo


é a da gestão por competência. Introduzida por McClelland, essa noção parte
da constatação do “vínculo existente entre o sucesso no trabalho (...) e a práti­
ca reiterada de um a série de comportamentos observáveis no contexto de sua
atividade produtiva”. Tais comportamentos relacionam-se com características
individuais e evidenciam que o desempenho tem por base mais do que conhe­
cimentos técnicos específicos (facilmente identificáveis em concursos públicos),
associando-se tam bém a traços de caráter, motivações, atitudes e valores, de
identificação prelim inar mais difícil e gestão mais complexa. Esse enfoque esta­
ria associado à ideia de inteligência emocional, popularizada por Daniel Gole-
man, que se relaciona à capacidade de lidar com os sentimentos e emoções ao
trabalhar num a organização.
Essas mudanças no m undo do trabalho foram acompanhadas por altera­
ções no cenário da própria Administração Pública. Afinal, as organizações pú­
blicas não são isoladas da sociedade. As mesmas pressões que levam empresas
privadas a priorizar flexibilidade para reduzir custos, prazos de entrega e me­
lhorar a qualidade dos produtos e serviços oferecidos a seus clientes conduzem
a alterações assemelhadas no setor público. O consumidor que se acostuma à
maior rapidez no atendimento e à maior qualidade no que compra ou contrata
de empresas privadas passa a demandar o mesmo de suas relações com o apare­
lho de Estado. Para tanto, o poder público, na experiência internacional, acabou
tendo de rever suas práticas, enfatizando:

• a orientação para o cidadão usuário, que passa a ter voz ativa no dese­
nho e na execução dos serviços públicos (por meio de mecanismos como
orçamento participativo, associações de usuários, conselhos de escolas,
entre outros) e a merecer foco no atendimento que lhe é prestado em
organizações públicas;
• a flexibilidade, que se torna um a orientação relevante, para permitir ade­
quação a novas demandas e a constante transformação da realidade;
• persistência estratégica, em programas de longa maturação e reduzida
visibilidade eleitoral no curto prazo;
• a constante revisão dos custos envolvidos em programas de governo, para
evitar desperdícios e compromissos exagerados com despesas correntes
que possam comprometer a capacidade de investimento do Estado.
154 I Administração Pública ELSEVIER

Com isso, surge a proposta da gestão por resultados, associada ao Estado


contratual (Sylvie Trosa, 2001, p.17). Para assegurar a flexibilidade necessária,
sem perder a qualidade das políticas públicas que demandam permanência
e constância, ou em outros termos, para perm itir que os serviços atendam as =
demandas cambiantes do cidadão, mas respeitando investimentos públicos de -
longo prazo, é fundamental combinar um reforço à capacidade institucional
instalada dé formular e gerenciar políticas públicas no centro (núcleo estra­
tégico), ao mesmo tempo que se descentraliza (ou contrata) dentro e fora da ^f
m áquina pública a implementação dos programas resultantes. O núcleo estra- |
tégico, formado de profissionais de carreira, será responsável, como vimos no v '
Capítulo 2, pelo assessoramento à formulação de políticas públicas (propostas , \*J
geralmente pelo chefe do Executivo e aprovadas pelo Legislativo) e coordenar ‘t
sua implantação. Órgãos públicos descentralizados e parceiros públicos não es- ; ^
tatais ou privados são contratados para torná-las realidade, a partir de orça-
mentos e metas fixados em contratos de gestão.
Mas que tipo de relação de trabalho pode concretizar esse novo desenho do
aparato estatal, associado à chamada revolução gerencial?

5.1. Recursos Humanos no Estado Contratual


O Estado contratual é necessariamente ma^s complexo, em sua estrutura de ;
pessoal, que o da administração burocrática. Demanda diferentes tipos de pro­
fissionais para cada tipo de atuação estatal. O Estado contratual pressupõe um a
relação de compromisso entre os membros da organização do trabalho, além do
compromisso institucional com o cidadão. ííi
Para o núcleo estratégico, responsável pela formulação e gestão de políti- jjM||
cas públicas e funções de soberania, seriam necessários funcionários de car- | | j | |
reira, m uito bem formados e aptos a conceber, coordenar e avaliar programas * |» |
públicos. Trata-se de profissionais com capacidade de gestão de projetos, m o- j j à l l
nitoram ento de custos e articulação entre áreas de governo. Nesse sentido, o |jg |j
ideal é um perfil mais polivalente e menos especializado num a política pública j á »
específica. Os especialistas podem ser muito úteis para o Núcleo Estratégico,
mas num a estrutura matricial, poderiam integrar centros de estudos e pesqui-
sa ou universidades e participar de equipes de projeto, mediante contratação >í^p|
específica ou empréstimo entre órgãos públicos. Em outros termos: o núcleo Ò
estratégico deve ser povoado por generalistas, bem formados, especialmente na i .>f;
gestão de projetos complexos, com múltiplas instâncias de implementação, no <_
entendimento das finanças públicas e de negociação política com outros ór- , :
gãos públicos, com o Congresso (ou Legislativos estaduais e municipais) e com t j
ELSEVIER Capítulo 5: As relações de trabalho no setor público l 155

parceiros da sociedade civil ou do mercado. Esses profissionais poderiam ter


exercício em qualquer ministério ou secretaria, evitando-se assim a rigidez na
alocação de pessoas especializadas não num segmento, mas na própria gestão
das políticas públicas, e favorecendo, em contrapartida, a integração da ação go­
vernamental. O investimento em capacitação, o acesso desburocratizado desse
núcleo a “Think Tanks”, que estes, sim, podem e devem contar com especialistas
em cada política específica, a realização de concursos anuais e salários de merca­
do, que tragam para esse núcleo anualmente bons quadros podem ser algumas
das ações relevantes para se dotar a Administração Pública de uma cúpula apta
a apoiar a tradução de programas de governo em ações que promovam o desen­
volvimento sustentável do país.
As atividades de fiscalização, regulação e policiamento, por serem atividades
exclusivas de Estado, com exercício de poder de policia, demandam um pro­
fissional diferente, menos polivalente, formado na área em que vai atuar, mas
com algumas proteções contra demissões imotivadas ou perseguições de gover­
nantes face à defesa de interesses de Estado. Estas atividades são, na síntese de
Carlos Morales “atividades monopolistas através das quais o poder de Estado é
exercido. São atividades que o Estado não pode delegar, contratar ou privatizar,
como criar leis, fazer justiça, m anter a ordem, tributar e arrecadar, disciplinar
as atividades econômicas e representar o país”. Por exigirem uma independên­
cia maior na sua condução, precisam se estruturar em agências autônomas,
profissionalizadas e dissociadas do processamento político das prioridades de
governo. Aqui também concursos anuais e salários competitivos ajudariam a
trazer bons profissionais e quebrar corporativismos negativos, por oxigenar a
máquina pública.
Nas atividades não exclusivas, em que o Estado atua, mas outras entidades
também podem ofertar serviços, parcerias podem ser muito vantajosas para o
cidadão, como vimos. Aqui, pode-se pensar em concessões simples, patrocinadas
ou administrativas (estas duas últimas contempladas pela Lei Federal 11.079 de
2004 de normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada
— PPPs no âmbito dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos
municípios). A concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de
obras públicas, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários,
um pagamento em dinheiro do poder público (parceiro público) ao parceiro
privado. Já a concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de
que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva
execução de obra ou fornecimento e instalação de bens. Em ambos os casos, o
poder público licita a prestação de um serviço ou realização de uma obra e o
financia parcial ou totalmente.
156 I Administração Pública ELSEVIER

Pode, assim, fazer uma parceria, nos moldes da chamada Lei das PPPs para
operar parques, hospitais ou construir estradas. As parcerias público-privadas
foram introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro, em âmbito federal, por
intermédio da Lei n 2 11.079/2004, ao passo que as demais concessões são disci­
plinadas pela Lei na 8.987/1995. Uma das finalidades das PPPs consiste em ante­
cipar investimentos que exigiriam m uito tempo para serem realizados somente
com recursos públicos, conferindo ao parceiro privado a obrigação de investir
recursos a serem restituídos no futuro. Ou seja, cabe à iniciativa privada realizar
primeiramente os investimentos e a obra necessários à colocação do serviço
à disposição da população. Apenas após estar o serviço em funcionamento, o
poder público ingressa então com recursos financeiros, seja complementando a
tarifa ou remunerando integralmente o serviço prestado.
Outra possibilidade interessante são as parcerias com organizações sociais
ou com Organizações da Sociedade Civil sem fins lucrativos (OSCIPs). Nesse
caso, a relação é entre o Estado e uma organização não governamental que,
mediante um contrato de gestão ou um term o de parceria, assume a gestão e/ou
a operação de um serviço público e recebe recursos para fazê-lo. Nesse caso, o
investimento costuma ser público, embora doações privadas possam comple­
tá-lo. Tal modalidade de parceria tem sido utilizada para a gestão de museus,
hospitais, centros de pesquisa e até para TVs públicas.
O Estado em qualquer forma de parceria continua responsável pela forma
como são geridos os recursos humanos. As equipes não integram o aparelho
do Estado, mas se houver descumprimento das leis trabalhistas ou tratamento
inadequado de pessoal (inclusive nepotismo induzido por dirigentes públicos),
o poder público pode se tornar corresponsável. Assim, boa parte das leis que
permitem o estabelecimento de parcerias prevê que as instituições parceiras
apresentem seu regulamento de contratação e de gestão de pessoal para poder
firmar contratos de gestão ou termos de parceria com o Estado.
Independentemente do setor de atuação do aparelho do Estado, alguns f
princípios são importantes nas relações de trabalho:

!'
• profissionalização, ou seja, procurar atrair e desenvolver talentos para ^
melhorar a formulação, gestão e implementação de políticas públicas, re- ,
gulação, fiscalização e avaliação;
• evitar uma visão tecnocrática e linear da gestão de recursos humanos, tra- ^
tando de forma distinta diferentes funções, adequando, por exemplo, os >
concursos públicos à natureza da atividade a ser desenvolvida e adotando
com critérios eventuais bônus por desempenho ou adicionais por insalu- -<
bridade ou localidade. Nem todas as funções num mesmo órgão justifi- j
ELSEVIER Capítulo 5: As relações de trabalho no setor público I 157

cam essas remunerações, mesmo que pressões corporativistas busquem


estendê-las ao conjunto dos servidores públicos de um mesmo órgão;
• privilegiar o trabalho em equipe, especialmente em projetos interseto-
riais, desenvolvendo em programas de capacitação competências de arti­
culação entre órgãos, coordenação de times e negociação de agendas com
outros níveis de governo e organizações da sociedade civil;
• promover o aprendizado organizacional referente a custos e resultados,
colocando essas competências como pré-requisitos em seleções públicas,
em escolhas de organizações parceiras e como conteúdo de programas de
capacitação para servidores públicos e parceiros. Avaliar e premiar equi­
pes e organizações parceiras por resultados obtidos, por meio de bônus e
prêmios de qualidade, de eficiência e de superação de metas;
• investir em tecnologias de trabalho que fomentem desburocratização,
agilidade e melhores serviços prestados ao cidadão, eliminando etapas
desnecessárias no trabalho, evitando competição interburocrática dis-
funcional e capacitando times para um uso mais efetivo da tecnologia da
informação, inclusive para gestão do conhecimento.

5.2. Conceitos em Gestão de Recursos Humanos e


sua aplicação no setor público
A configuração e o conteúdo da área de Recursos Humanos são fortemente
influenciados pela natureza do trabalho em cada indústria e pela estratégia de ca­
da organização. Uma empresa de alta tecnologia que demanda profissionais mui­
to especializados tenderá a ter atividades de gestão de seus talentos basicamente
distintas de uma empresa de construção civil. Da mesma maneira, um a empresa
que deseja se internacionalizar tenderá a transformar seu Departamento de Re­
cursos Humanos ou a forma como os gerentes atuam com suas equipes, para fa­
vorecer essa nova diretriz. Mas, normalmente, todas as organizações apresentam,
mesmo que de forma esboçada, o seguinte conjunto de atividades de Recursos
Humanos, que podem ser agrupadas em funções ou subsistemas como:

• Planejamento de Recursos Humanos (incluindo o perfil dos funcionários


ou das equipes de trabalho);
• Provisão de Recursos Humanos (recrutamento, seleção e alocação);
• Desenvolvimento de Recursos Humanos (treinamento, formação, educa­
ção continuada, universidades corporativas e gestão do conhecimento);
• Cadastro, carreiras, cargos, salários e benefícios (também chamada de Ad­
ministração de Pessoal, área hoje bastante informatizada nas empresas);
158 I Administração Pública ELSEVIER

• Administração de desempenho (inclui avaliação de desempenho de fun­


cionários ou equipes e encaminhamento das soluções para cada caso).

Esses subsistemas não são estanques. Apresentam várias interações e inter­


faces entre eles. O planejamento de Recursos Humanos vai definir, por exemplo,
o tipo de profissional que se deve buscar para a empresa. Isso vai dar subsídios
para a provisão de Recursos Humanos. Mas essa pessoa já pode estar dentro da
casa, o que pode ser evidenciado pela Administração de Desempenho, expressa
nos dados do cadastro. Da mesma maneira, a Administração de Desempenho
fornece informações sobre profissionais a serem treinados e em que temas, ali­
m entando assim o desenvolvimento de Recursos Humanos.
O planejamento de Recursos Humanos consiste em identificar, frente aos
desafios expressos no planejamento estratégico da organização, que tipos de
competências e conhecimentos serão necessários e, com base num diagnóstico
dos conhecimentos e potenciais existentes, como suprir lacunas e carências. O
processo implica:

• identificar, frente ao cenário de atuação da organização, que competên­


cias e conhecimentos serão necessários para o período do plano;
• mapear competências e conhecimentos já existentes ou de obtenção fácil
(considerando inclusive melhor uso de íecnologia da informação para
disponibilização de informações hoje restritas a um grupo reduzido de
colaboradores ou para realização de tarefas que demandam trabalho ex­
cessivamente rotineiro);
• localizar lacunas entre o que é desejável e o que se dispõe ou facilmente
disponibiliza na organização;
• programar, no espaço e no tempo, formas de se adquirir competências e
conhecimentos não disponíveis, precisando perfis de profissionais a se­
rem recrutados e selecionados e outras modalidades de obtenção de pro­
ficiências ou habilidades (como cursos e treinamento, desenvolvimento
de equipes ou compra de sistemas e equipamentos que realizam tarefas
antes atribuíveis a funcionários).

No setor público, é m uito incipiente o planejamento de Recursos Hum a­


nos. Só recentemente alguns estados e o Governo Federal começaram a preparar
concursos anuais a partir de um diagnóstico de carências profissionais concre­
tas. Normalmente o que ocorre é um a m istura de clientelismo, com indicação
de pessoas para os ainda numerosos cargos de confiança com base em com pro­
missos políticos e um atendimento de demandas emergenciais, por parte dos
ELSEVIER Capítulo 5: As relações de trabalho no setor público I 159

órgãos de orçamento e finanças, a partir de solicitações de dirigentes públicos


que querem fortalecer institucionalmente as unidades que comandam.
Como afirma Nelson Marconi (2005, p. 338):

a contratação de novos funcionários é uma das principais alternativas para conseguir


profissionais com o perfil ideal, quantitativo e qualitativo, para ocupar quadros nos ór­
gãos públicos, constituindo a porta de entrada, muitas vezes permanente, no serviço
público. Por esse motivo, tal processo deve ser realizado de forma muito precisa.

É por esse motivo que deve ser precedida de um cuidadoso processo de pla­
nejamento da força de trabalho, definindo com clareza as “competências dese­
jadas para o desempenho dos diversos processos de trabalho, de acordo com as
funções que deverão ser desempenhadas pela organização nos próximos anos”
e um a definição dos quantitativos de pessoal para os diversos cargos, a partir
de um a análise histórica e eventuais modificações nas tarefas ou formas de se
trabalhar em cada função. Isso deve ser feito pelo órgão responsável pela gestão
que, junto com a área econômica, analisará e proporá ao chefe do executivo um
plano de mais longa duração com as contratações programadas de pessoal. Evi­
ta-se, assim, o atendimento casuístico de demandas, que pode inchar a máquina
pública e o sucateamento de órgãos. A oxigenação é fundamental para permitir
que um a geração de funcionários tenha condições de, antes de se aposentar, re­
passar conhecimentos a um a nova coorte de profissionais que, por sua vez, terá
a oportunidade de trazer novas ideias e disposição à unidade em que ingressa.
A provisão de Recursos Humanos consiste nó recrutamento e seleção de
profissionais para ocupar posições na organização, estagiários para aprender
enquanto ajudam na realização de tarefas e contratados para desenvolver proje­
tos temporários. Envolve:

• estudar os perfis de profissionais definidos pelo Planejamento de Recur­


sos Humanos para definir alternativas de recrutamento, regiões geográfi­
cas e períodos de divulgação e busca de talentos;
• propor, a partir de estudo do mercado de trabalho das regiões-alvo e da
complexidade das funções, estruturas salariais e de benefícios que pos­
sam ser atrativas e justas para as pessoas que se quer recrutar para a orga­
nização;
• definir se o recrutam ento e a seleção inicial serão feitos diretamente pela
organização ou por empresas de recrutamento de mão-de-obra ou de
head hunting (busca de executivos). Nesse caso, é muito importante que
a organização encomende com precisão o que procura, para não haver
perdas inúteis de tempo e recursos;
160 I Administração Pública ELSEVIER k ^ jf|

• divulgar (a organização contratante ou a empresa externa de recrutam en­


to e seleção) em canais que atinjam os públicos-alvo do recrutamento a
proposta de trabalho, incluindo désafios, requisitos do cargo e a remune­
ração proposta. Esse canal pode estar associado à mídia (jornais, revistas
segmentadas ou não, rádio, televisão ou sites na Internet) ou a contatos
pessoais (incluindo os de colaboradores atuais da empresa). Em algumas
situações, sindicatos e associações atuam também na indicação de profis­
sionais. Para estagiários, escolas e entidades especializadas participam do
recrutamento ajudando a divulgar e, por vezes, a selecionar candidatos; m):
• reprogramar a forma de escolha, caso a procura exceda ou não atenda às
expectativas iniciais. Esta fase e um plano de contingência normalmente
estão previstos nas etapas anteriores;
• selecionar os candidatos que irão trabalhar na organização ou que inte­
grarão seu banco de talentos para posterior contratação e negociar, den­
tro das faixas definidas, salários e benefícios;
• renegociar, se necessário, condições, com os candidatos que porventura
demandem tempo para se afastar do trabalho atual;
• preparar, junto com a área responsável, a integração dos novos funcioná­
rios à organização.

A Administração Pública tem suas próprias formas de recrutamento e se­


leção, com base em dispositivos legais muito específicos e detalhados. Quando
se trata de dotar o núcleo estratégico, responsável pela coordenação de políticas 1*5
públicas, ou o setor de atividades exclusivas de Estado, envolvido com regula­
ção, fiscalização, administração de benefícios previdenciários ou policiamento,
há três tipos de situação;

acesso a cargos públicos, o que é feito mediante concursos públicos, que


devem ser amplamente divulgados, assegurar impessoalidade na adm i­
nistração de provas, análise de títulos e eventuais entrevistas ou provas
práticas;
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acesso a cargos temporários, o que pode ser feito por meio de processos
fr
seletivos simplificados que também incluem provas e o respeito aos prin­ 4'
Hz■■■
cípios da impessoalidade e publicidade. Normalmente esses processos
destinam-se a professores substitutos, atividades relacionadas ao Censo
(IBGE) ou a projetos e obras; . .
acesso a cargos de confiança, o que normalmente é feito por nomeação
direta'pelo titular do órgão ou pelo chefe do Executivo.
ti’
ELSEVIER Capítulo 5: As relações de trabalho no setor público I 161

No setor de atividades não exclusivas, quando não há parcerias com a so­


ciedade civil, a lógica é a mesma apontada anteriormente. Quando, porém, há
uma parceria com um a organização social, norm alm ente a lei estabelece que a
organização, para ser qualificada e, assim, poder receber recursos públicos, deve
ter um regulamento de pessoal e de contratações público.
No recrutamento e seleção, o importante, para Nelson Marconi, é garan­
tir um a oferta rápida e contínua de “servidores competentes e qualificados, de
acordo com o perfil necessário”. A programação dos concursos e seleções simpli­
ficadas para um horizonte temporal mais longo ajuda a trazer bons quadros ao
setor público, especialmente se a estratégia de contratação consistir em realizar
concursos de curta validade e repeti-los regularmente, de forma a se evitarem
listas longas de espera por convocação. Torna o processo também menos pro­
penso a exercer pressões orçamentárias, pois o ingresso de novos funcionários
não se faz de chofre, de um a só vez. Além disso, permite um a absorção mais
estruturada da cultura organizacional e um a oxigenação contínua dos órgãos. O
encurtamento do prazo entre o início do concurso e a nomeação dos candidatos
aprovados (ou, alternativamente, entre a fase de provas e a subsequente seleção
por meio de curso de qualificação, como em algumas carreiras no governo fe­
deral) é vital para se garantir que'os recursos necessários para o pagamento das
remunerações estejam disponíveis no m om ento certo.
Além disso, permite, a quem quer trabalhar no setor público, maior controle
sobre sua vida profissional, ao lhe fornecer informações precisas sobre quando,
a cada ano, serão realizados os concursos e, eventualmente, quais os conteúdos
demandados nas provas, para que a pessoa possa se preparar adequadamente.
Há uma forte tendência, em muitos concursos, de se demandar conhecimen­
tos que guardam pouca relação com as competências que o profissional deve de­
monstrar em sua futura função. Um exemplo claro disso são as provas para seleção
de professores. Pesquisa encomendada pela Fundação Victor Civita para a Funda­
ção Carlos Chagas em 2008 mostra que a maior parte dos concursos faz perguntas
excessivamente acadêmicas ou vinculadas, sobretudo, à legislação educacional e,
dessa forma, dissociadas das situações que os futuros mestres encontrarão em sala
de aula. Assim, são selecionados professores inadequados, e os cursos superiores
de Educação são estimulados a não dar a devida atenção à prática.
Os concursos podem e devem conter provas que incluem, além de conhe­
cimentos próprios da área de atuação do profissional, situações-problema que
capturem a capacidade do futuro servidor em lidar com questões complexas,
trabalhar a intersetorialidade própria de diversas áreas do setor público e, espe­
cialmente, provas práticas, capacitações complementares com caráter seletivo e
entrevistas, quando pertinentes à função a ser desempenhada.
162 I Administração Pública

O modelo de descrição de cargos adotado e o desenho dos sistemas de en-


carreiramento na Administração Pública interferem no tipo de concursos ado­
tado. Barbara Nunberg (1998, p. 35) descreve dois tipos de sistemas de recruta­
m ento adotados nos países industrializados:

• sistemas hierárquicos rígidos de acesso reduzido, com limitada mobilida­


de interclasses e interórgãos;
• sistemas mais abertos, com acesso indireto, maior mobilidade vertical e
horizontal e mecanismos de admissão mais flexíveis.

O Brasil adota claramente a prim eira posição desde a Constituição de 1988,


com o fim do chamado provimento derivado ou ascensão funcional e um cui­
dado grande em se evitarem desvios de função que têm rendido inúmeras ações
na Justiça. Ninguém pode subir na carreira ou assumir novas responsabilidades
não previstas na descrição de seu cargo sem passar por novo concurso público.
Mas cada vez mais o governo federal e os governos dos estados adotam des­
crições mais amplas de cargos e as chamadas carreiras horizontais — que podem
ter exercício em diferentes órgãos, como a carreira de especialista em políticas
públicas e gestão governamental, apelidada de gestores. Há hoje gestores na área
da saúde, educação, infraestrutura e mesmo nas finanças.
O desenvolvimento de Recursos Humanos consiste na potencialização dos
talentos reunidos pela organização, por meio de programas de treinamento,
desenvolvimento de equipes, cursos, m entoramento e outras modalidades de
educação no trabalho. Tem forte relação com os outros subsistemas de gestão de
pessoas e envolve basicamente as seguintes atividades:

• integrar os novos colaboradores na organização, passando-lhe conheci- ||


mentos, contatos e socializando-o na cultura organizacional estabelecida; |,í
• preparar funcionários para o desempenho de novos cargos (inclusive ge- jj
renciais), por meio de cursos, mentoramento, estágios ou acesso a reuni- j|
ões de trabalho associados à nova função; |
• mapear expectativas individuais de crescimento, compatibilizá-las com ^
as necessidades da organização e oferecer a possibilidade de acesso aos
conhecimentos demandados; ^
• complementar conhecimentos, habilidades e atitudes identificados como jj
insuficientes em avaliações de desempenho realizadas com o colaborador; j.
• melhorar o espírito de time, o clima e a integração em áreas da orga- f
nização com técnicas como grupos operativos, dinâmicas de grupo ou
mesmo a mera contratação de um observador externo qualificado; ':
tlL Ò Ü V ltK Capítulo 5: As relações de trabalho no setor público I 163

• identificar talentos ou competências ausentes nas equipes de trabalho e,


na impossibilidade de desenvolver seus atuais integrantes, recomendar a
contratação externa ou interna de novas pessoas;
• fornecer aos diferentes níveis das organizações informações sobre talen­
tos existentes e desenvolvidos para facilitar trajetórias internas ou melho­
rar a percepção gerencial sobre os integrantes das equipes;
• alimentar a organização com dados de entrevistas de desligamento pa­
ra apoiar eventuais modificações de práticas gerenciais, de atividades de
recrutamento e seleção de recursos humanos, ou cursos e treinamentos
oferecidos.

No caso do setor público, a capacitação é conduzida pelas unidades de re­


cursos hum anos de cada órgão e por órgãos centrais como escolas de Governo
ou centros de capacitação, a partir de cursos previstos nas carreiras ou de de­
mandas dos próprios funcionários.
A vinculação de capacitações às carreiras é uma estratégia interessante, pois,
além de permitir o desenvolvimento de competências próprias de uma fun­
ção específica, possibilita a criação de um a rede informal de profissionais que
poderá ser útil para fortalecer à cultura organizacional, facilitar processos de
mudança ou agilizar o processo de trabalho no dia-a-dia.
Mas a formação não pode se restringir aos requisitos de carreira. Há diferen­
tes cargos em cada órgão, e é fundamental, como vimos, complementar carên­
cias identificadas em avaliações de desempenho e fortalecer times de trabalho
por meio de dinâmicas grupais, inclusive a partir de demandas pontuais. Um
exemplo de desenvolvimento de capacitação de times é o estudo conjunto que
muitas áreas de Consultoria Jurídica fazem a partir de mudanças na legislação.
As demandas pessoais por capacitação devem ser qualificadas: dentro de
um a visão de empregabilidade, ou seja, de que cabe a cada pessoa, como sujeito
de sua vida no trabalho, fortalecer suas competências e se preparar para novos
desafios, essas solicitações merecem atenção especial. No entanto, ao se planejar
um processo de capacitação dos servidores, é importante separar o que é de
interesse pessoal de um funcionário, desvinculado da missão do órgão ou da
Administração Pública, daquilo que complementa conhecimentos e habilida­
des da unidade. No primeiro caso, o órgão pode eventualmente liberar certas
horas de trabalho para o funcionário realizar o curso ou mesmo pagar parte dos
custos, num programa de incentivos para bons funcionários, mas não lhe cabe
arcar com todos os custos. No segundo caso, o de coincidência de objetivos pes­
soais e organizacionais, a Administração acolhe a demanda como uma atitude
de proatividade do funcionário.
164 I Adm inistração Pública ELSEVIER

Em qualquer situação, é urgente profissionalizar o servidor público. Num


bonito texto sobre a relação do desenvolvimento com a Gestão Pública, Rubens
Ricúpero (1994, p.149) lèmbra que “uma das pré-condições mais importantes
para o desenvolvimento econômico de um páís é a qualidade da administração
pública” que ele relaciona à profissionalização. “A boa administração governa­
mental”, diz o ex-diplomata e Ministro da Fazenda, “está inevitavelmente vincu­
lada à profissionalização do funcionário público”.
E profissionalização significa capacitação, mas muito mais do que isso: envol­
ve a autopercepção como alguém que tem orgulho de suas práticas, é respeitado
por seus pares, por seus superiores e por seus “clientes”, no caso, o cidadão.
Administração de Pessoal (cadastro, carreiras, cargos, salários e benefícios)
é um subsistema que consiste no acompanhamento e documentação formal da
vida funcional dos colaboradores da organização. Inclui todos os registros feitos
por gerentes e pela área de pessoal sobre cada funcionário, as análises do mer­
cado de trabalho e propostas e gestão de carreiras, cargos, salários, requisitos de
acesso e benefícios, interação com órgãos de fiscalização trabalhista e controle
de desligamentos, sanções e aposentadorias de colaboradores.
No setor público, esse subsistema tem toda um a previsão legal, já que cada
cargo, carreira, remuneração e beneficio deve ser estabelecido por lei. O registro
de cada funcionário é feito em sistemas de gestão de pessoal hoje normalmente
informatizados e conectados com sistemas de finanças públicas, dado que pes­
soal costuma ser uma das maiores despesas de governos.
A Administração de Desempenho, claramente vinculada aos subsistemas
anteriores, consiste na avaliação de desempenho de indivíduos e times da or­
ganização e o encaminhamento de soluções ou recompensas para os resultados
detectados. Inclui, entre outros:

• definir e compartilhar objetivos e metas de cada área da organização, de


acordo com os planos e orçamentos globais;
• pactuar resultados a serem atingidos por cada gerente e colaborador, com
regras claras sobre consequências previstas e condições para eventuais
repactuações;
• m onitorar e promover revisões periódicas de desempenho para evitar
surpresas ao final do processo e adotar correções de rum o se assim for
necessário;
• implementar programas de bônus por resultado, com explicitação clara
de critérios para concessão, razões para eventuais não concessões e admi­
n is tr a r ã o r t r i i m n pnrSc «nrpKKns m i in su c e sso s D essoais o u d a u n id a d e .
ELSEVIER Capítulo 5: As relações de trabalho no setor público I 165

• encaminhar colaboradores para capacitação, se detectadas necessidades


de complementação ou oportunidades de crescimento em processos de
avaliação de desempenho;
• alertar formalmente profissionais com insuficiência de desempenho não
justificada sobre urgências na modificação de condutas;
• sugerir o desligamento de colaboradores que na avaliação demonstraram
recorrentes problemas de desempenho.

No setor público, a administração de desempenho envolve alguns instru­


mentos formais, como a avaliação de estágio probatório, feita normalmente
após três anos de exercício do novo funcionário no cargo, a avaliação de desem­
penho de funcionário efetivado e a avaliação funcional e institucional feita em
algumas carreiras.
Boa parte desses instrumentos é utilizada de forma ritualística, ou seja, não
se constitui em um sistema de retorno ao profissional ou a suas chefias sobre a
sua performance e não alimenta um processo de confirmação de permanência,
de remuneração ou de bônus por desempenho. Normalmente, os.servidores em
estágio probatório são confirmados independentemente do desempenho apre­
sentado por eles e, para tanto, a avaliação é sempre favorável, “por tradição”.
Algumas carreiras, no entanto, preveem avaliações que resultam em conse­
quências mais fortes para o servidor. A de especialista em finanças e controle da
Secretaria do Tesouro Nacional é uma delas. Contempla uma avaliação do desem­
penho do órgão, que resulta em uma parte da remuneração variável e outra de
desempenho individual, que completa o que é pago mensalmente ao servidor.
Os governos agora começam a pagar bônus por atingimento de metas em
diversas áreas, como educação ou meio ambiente. Esse pagamento configura
um tipo de 14a salário e contempla, em geral, equipes e não indivíduos isolados.
Na área da educação, começa-se a pagar bônus para toda a equipe da escola
pela melhoria da aprendizagem das crianças medida por testes nacionais ou
subnacionais.
A avaliação pode ser utilizada no serviço público também para subsidiar
a decisão de quebra da estabilidade por insuficiência de desempenho. É im ­
portante observar que a estabilidade é um a proteção para o Estado. O servidor
público estável, no seu trabalho, é um agente dos poderes públicos. Ele age em
nome do Estado e, por essa razão, pode estar sujeito a pressões e conflitos no
m omento em que, para fazer cumprir a lei e as decisões do Estado, ele contraria
interesses. Mas essa proteção deve ser entendida como uma garantia dos interes­
ses públicos contra a apropriação privada de seus recursos e nunca a defesa de
Privilégios de maus funcionários ou como obstáculo à boa gestão.
166 í Aúm inistraçao ru o tic a U.LOUV1L<1\

Nesse sentido, a Emenda Constitucional na 19 de 1998 aprovou a possibili­


dade de demissão por insuficiência de desempenho, por meio de avaliação perió­
dica, na form a de lei complementar, assegurada ampla defesa. Entretanto, até o
momento, não foi aprovada a referida lei complementar, o que enseja desafios
ao aperfeiçoamento da avaliação por desempenho.
A avaliação também aparece na Emenda como condição para aquisição
da estabilidade. O § 4a do art. 41 passou a estabelecer como condição para a
aquisição da estabilidade a submissão do servidor a um a avaliação especial de
desempenho feita por comissão instituída para esse fim. Desse modo, pode-se
afirmar que, nos exatos termos do texto constitucional, a EC na 19 term inou
com a possibilidade de aquisição de estabilidade por decurso de prazo, como
era a regra até então.
Em suma, a avaliação de desempenho passa a ter, ao menos na legislação,
algum peso real. Mas, por ora, poucos governos têm utilizado efetivamente ins­
trum entos de Administração de Desempenho.

5.3. Evolução da Administração de Recursos Humanos no Brasil


As primeiras funções públicas exercidas no Brasil foram funções vendidas
ou trocadas por lealdade ou serviços prestados à Coroa. Incluem-se neste caso,
entre outras, a de capitão donatário, de desembargador ou ouvidor.
A evolução das funções e dos cargos púí>licos acompanhou a criação de
tarefas para a estrutura de administração da colônia, algumas vezes desempe­
nhadas p or órgãos outras vezes por pessoas isoladas.
Criaram-se inicialmente cargos mais estruturados com o estabelecimento
do Governo Geral. O Estado português estabeleceu para tanto, pelo regimento
de 17 de dezembro de 1548, além do cargo de Governador (Governador Geral, a
partir de 1577), alguns cargos de assessoria, como o Ouvidor-mor, responsável
por funções jurídicas, nomear juizes e seus auxiliares; o Provedor-mor, para exe­
cutar a política fazendária, arrecadando os tributos e fiscalizando sua aplicação;
o Capitão-mor, que se ocupava da defesa e fiscalização da costa e o Alcaide-mor,
o chefe das milícias.
Nessa fase, existiam também as câmaras municipais, órgãos políticos com­
postos pelos “homens-bons”, na verdade proprietários que definiam os cami­
nhos das vilas e cidades. Alguns funcionários eram contratados para apoiar seus
trabalhos. É interessante observar que a função de um juiz, no período colonial,
acabava assumindo características dos três poderes: era um a função judiciária,
na medida em que registrava as queixas dos crimes ocorridos nas vilas; era
legislativa, pois como membro da câmara poderia elaborar leis; e, finalmente,
■ - »■•VXI—
IV Lapltulo 5: As relações de trabalho no setor público | 167

executiva, porque o juiz, como membro da câmara, administrava as vilas junto


com os vereadores. Não existia a figura do prefeito.
O primeiro Tribunal criado no Brasil foi o Tribunal de Relação da Bahia,
criado em 1587, mas instalado somente em março de 1609. O Tribunal con­
tava com dez desembargadores, bacharéis em direito, nomeados pelo rei, que
serviam em cada Relação pelo período de seis anos. O governador geral tinha o
poder de intervenção na Relação e se servia dela como seu órgão consultivo para
assuntos políticos e administrativos.
Em 1751 foi instalado o Tribunal de Relação do Rio de Janeiro, com ju­
risdição sobre Minas Gerais e as Capitanias do Sul do Brasil, para desafogar
o acúmulo de processos na Bahia. Outros tribunais de relação se seguiram.
Segundo Arno e M aria José Wehling (2004, p. 143 e 144), o magistrado do
Tribunal da Relação do Rio de Janeiro no período anterior à chegada de Dom
João era um

desembargador nomeado pelo rei, por intermédio da Mesa do Desembargo do Paço.


Havia cumprido, como seus congêneres das Relações do Porto, Goa e Bahia, um cursus
honorum, que se iniciara com a formatura em Direito na Universidade de Coimbra,
passara pelo exame de ingresso ao serviço público (...) e continuara peia prestação
de serviços na administração judiciária, geralmente como juiz de fora e ouvidor de
comarca.

Mais tarde, com a vinda da Família Real, o Tribunal de Relação do Rio foi
transformado em Casa da Suplicação. Criou-se ainda o Desembargo do Paço
e o Conselho Supremo Militar e de Justiça, em Ia de abril de 1808. A Casa de
Suplicação, um tribunal diretamente ligado ao poder real que, segundo Luiz
Viana Queiroz, “além de suas funções especificamente judiciárias, conhecia das
petições, perdões e quaisquer solicitações ao rei (...)”. Era constituído de 20 de­
sembargadores. De suas decisões podia-se recorrer para o Desembargo do Paço
que se reunia diariamente e despachava toda sexta-feira com o vice-rei.
É interessante observar que, com o padroado — conjunto de privilégios
concedidos pela Santa Sé aos reis de Portugal e de Espanha (posteriormente
estendidos aos imperadores do Brasil) — , a Coroa dispunha de poder admi­
nistrativo sobre todo o clero. O padroado funcionava como um instrumento
jurídico claramente medieval que possibilitava o controle direto da Coroa em
assuntos religiosos, especialmente em seus aspectos administrativos, jurídicos e
financeiros. Padres, religiosos e bispos eram funcionários da Coroa portuguesa
no Brasil colonial. No período colonial, as atribuições do padroado eram admi­
nistradas por dois órgãos do Reino português: a Mesa de Consciência e Ordens
e o Conselho Ultramarino.
168 I Adm inistração Pública ELSEVIER

A estrutura de cargos e funções no Brasil pouco m udou ao longo do perío­


do colonial até a vinda da família real* embora a urbanização e o ciclo do ouro
tenham trazido novas tarefas e órgãos ao poder público.
A família real veio ao Brasil, como vimos, na sequência do Bloqueio Conti- J
nental de Napoleão e trazendo com eles a nobreza e o alto funcionalismo civil
e militar. Com a sede do Império se transferindo para o país, a administração „
pública e a estrutura de cargos sofreram um a profunda transformação. A admi­
nistração foi reorganizada por D. João, e foram criados três ministérios (Guerra
e Estrangeiros; Marinha; Fazenda e Interior) com seus respectivos cargos, a fun­
dação do Banco do Brasil, a instalação da Junta Geral do Comércio e da Casa
de Suplicação, já mencionada. Introduziu também a Educação laica e, com isso,
criou os cargos de professores, para substituir os jesuítas e deu-lhes a função de
formar as elites e funcionários para a Administração. •'
A independência foi consagrada por meio da Constituição de 1824, que afir- J
ma, no parágrafo 14, do artigo 179, que “Todo cidadão pode ser admitido aos
Cargos Públicos Civis, Políticos, ou Militares, sem outra diferença que não seja
dos seus talentos e virtudes.” A Constituição estabelecia também que o Judiciário
seria formado por magistrados nomeados pelo Imperador. O Legislativo era for- .l
mado por deputados e senadores vitalícios, estes últimos igualmente nomeados^
por D. Pedro. O Conselho de Estado seria o órgão de aconselhamento do im pera-J
dor. Observe-se que, pelo sistema do padroado, também consagrado na Consti-.,
tuição de 1824, os bispos também seriam escolhidos pelo imperador e pagos pelojt
Estado, configurando-se assim, na prática, em funcionários públicos. a
Com a abdicação de D. Pedro I a favor de seu filho ainda criança, foram j
implantadas as regências, que adotaram algumas medidas para robustecer a in-jJ;
cipiente administração pública brasileira. Criaram, por exemplo, as Assembleias!
Legislativas das províncias e a figura do legislador local, além de centralizarem!
a Polícia e a Justiça. ||
O Exército, composto basicamente de militares de origem humilde sem;|
portanto, usufruir da confiança do império, era completado pela Guarda Na-|,
cional, um corpo policial mais confiável. f/
D. Pedro II, ao assumir o poder, era ainda m uito jovem e levou algum tempOj.
para evidenciar sua visão sobre o aparelho do Estado. Manteve as instituições^
até então vigentes, inclusive a Constituição de 1824, o Ato Adicional e a Lei-
Interpretativa. Um dado curioso é que seu entusiasmo pelas artes e ciência re-"
sultou na criação de órgãos que receberam a doação de recursos pessoais do
Imperador, mantendo-se privados e, portanto, sem fonte de recursos ou fim-,
cionários públicos. Com isso, alguns deles não sobreviveram. Foi o fundador e
mantenedor, por exemplo, do observatório astronômico, do Instituto Agronô;’
ELSEVIER Capítulo 5: As relações de trabalho no setor público I 169

mico de Campinas, do Museu Paraense, da Sociedade Auxiliadora da Indústria,


do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil.
Outro elemento curioso sobre sua atuação foi a Questão Religiosa (1872). O
padroado, descrito anteriormente, dava poder ao Imperador de nomear, geren­
ciar e exonerar bispos. Numa divergência sobre condutas dos bispos D. Vital e
D. Macedo Costa, que teriam desafiado o poder real, o Imperador permitiu que
fossem julgados e condenados pelo Supremo Tribunal. Por pressão da Igreja,
porém, foi-lhes concedida anistia, o que foi considerado um ato de fraqueza de
D. Pedro II.
Com a proclamação da República, novas instituições e novos cargos foram
criados. Parte deles resulta de um novo movimento de descentralização em di­
reção às antigas províncias, agora chamadas de estados. A Constituição de 1891
estabelece inclusive que “as leis da União, os atos e as sentenças de suas autori­
dades serão executadas em todo o país por funcionários federais, podendo, to­
davia, a execução das primeiras ser confiada aos governos dos estados, mediante
anuência destes”. Ou seja, as leis da União poderiam ser implantadas por agentes
dos governos dos estados, o que acabou resultando na contratação de funcioná­
rios estaduais. No mesmo espírito da Constituição de 1824, a nova carta torna
os cargos públicos civis ou militares acessíveis a todos os brasileiros, desde que
“observadas as condições de capacidade especial que a lei estatuir” e, num es­
forço por estabelecimento de regras mais claras, estabelece que são vedadas as
acumulações remuneradas e, novidade, que a aposentadoria só poderia ser dada
aos funcionários públicos em caso de invalidez no serviço da nação. Observe-se
que a Constituição de 1824 sequer citava a hipótese de aposentadoria.
Mas a marca da Administração Pública da chamada República Velha foi o
fisiologismo e a administração patrimonialista. Cargos, quando existentes na
incipiente máquina pública, eram de controle do “coronel” que os utilizava para
favorecer a eleição de políticos protegidos ou para ampliar os recursos à sua
disposição. A profissionalização era inexistente. Como essa situação tinha fortes
vínculos com o sistema eleitoral, em que fraudes e compra de votos eram o tra­
ço marcante, com a Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio Vargas, criou-se
uma expectativa de que o fisiologismo diminuísse.
De fato, o governo Vargas fez duas coisas importantes no que diz respeito
à estrutura de cargos e gestão de pessoas no setor público: ampliou bastante as
tarefas e o tamanho do Estado e, consequentemente, o núm ero de pessoas re­
muneradas pelo setor público e introduziu o primeiro plano de cargos e salários
da Administração Pública. Surge no contexto da aceleração da industrialização
brasileira, em que o Estado assumiu papel decisivo, intervindo pesadamente no
setor produtivo. A partir da reforma empreendida no governo Vargas por Mau-
170 I A dm inistração Pública

rício Nabuco e Luiz Simões Lopes, a administração pública sofre um processo


de racionalização que se traduziu no surgimento das primeiras carreiras e na
tentativa de adoção do concurso como fbrma de acesso ao serviço público.
Conforme o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, “ a implan- „
tação da administração pública burocrática é uma consequência clara da emer- ,
gência de um capitalismo m oderno no país”. Para promover a modernização
das estruturas administrativas, foi criado, como vimos, o Departamento Admi- ,
nistrativo do Serviço Público (DASP), em 1938. No que diz respeito à adminis? ■,
tração dos recursos humanos, o DASP representou a tentativa de formação d a J
burocracia nos moldes weberianos, baseada no princípio do mérito profissio-
nal. Entretanto, pontua o documento que:

embora tenham sido valorizados instrumentos importantes à época, tais como o insti­
tuto do concurso público e do treinamento, não se chegou a adotar consistentemente
uma política de recursos humanos que respondesse às necessidades do Estado. O patri-
monialismo (contra o qual a administração pública burocrática se instalara), embora
em processo de transformação, mantinha ainda sua própria força no quadro político
brasileiro. J

É im portante observar, no entanto, que a consagração do princípio do con-‘


curso público, na Constituição de 1937, mesmo que pouco observado ou mesmo
de aplicação nem sempre correta, foi um avanço, pois permitiu posteriormente
um a base legal e foi um passo im portante no combate ao fisiologismo. Da mes­
ma maneira, a criação do DASP consolidou o processo de reforma, dando-lhe-
um órgão executor forte na estrutura da Presidência da República. J ,'
“A reforma burocrática de 1936”, descreve e qualifica Bresser-Pereira',
(2007), V
/
que tivera como precursor o embaixador Maurício Nabuco, terá em Luiz Simões Lopes^
a figura política e administrativa principal. Em seguida, a Carta Constitucional de 1937!
dá um passo adiante com a exigência de concurso público para os funcionários públicos
e com a previsão de um departamento administrativo junto à presidência da Repúbli-’^
ca. No ano seguinte, este último dispositivo efetiva-se com a criação do Departamento,
Administrativo do Serviço Público (DASP), que passou a ser o poderoso órgão executor
da reforma. ]
•■ I. '

Nesse mesmo artigo, Bresser mostra que a burocracia pública iria prosperar .
nas empresas públicas criadas para construir as bases da industrialização bra­
sileira, mas não na administração direta. “Enquanto a burocracia pública em
sentido amplo desenvolvia-se a passos largos no âmbito do Banco do Brasil, do ,
BNDES e das empresas estatais, a burocracia pública estatutária, que a Reforma
Burocrática de 1936 procurara definir e tornar meritocrática, retrocedera”. No
segundo governo Vargas, ele tenta restabelecer a reforma e envia ao Congresso,
em 1953, um projeto de reforma administrativa, que fortaleceria a Administra­
ção Direta, mas não consegue aprová-lo, como tampouco conseguirá Juscelino
Kubitschek.
A Constituição de 1946 havia introduzido diversas cláusulas sobre o funcio­
nalismo, preservando o esforço de dotar a máquina pública de uma burocracia
sólida. Entre elas, destacam-se:

a) a preservação da obrigação de nacionalidade brasileira para cargos públi­


cos, prevista nas Constituições anteriores;
b) a autorização de acumulação de cargos para a área de educação e desta
com cargos de natureza técnica ou científica, bem como a de juiz com o
magistério secundário; contanto que houvesse correlação de matérias e
compatibilidade de horário;
c) a manutenção da exigência, prevista na constituição de 1937, de a primei­
ra investidura em cargo de carreira efetuar-se mediante concurso;
d) a extensão da vitaliciedade para todos os magistrados, os ministros do
Tribunal de Contas, os oficiais de Justiça e os professores catedráticos;
e) a possibilidade de demissão de funcionários tidos como estáveis no pro­
cesso administrativo tal como estabelecido na Constituição de 1937 e só se
tornavam estáveis após dez anos de exercício se não fossem concursados.
A Constituição de 1946 estabelece que são estáveis: depois de dois anos
de exercício, os funcionários efetivos nomeados por concurso; e somente
depois de cinco anos de exercício os funcionários efetivos nomeados sem
concurso;
e) a criação do instituto da disponibilidade remunerada, para o caso da ex­
tinção do cargo, até o aproveitamento do funcionário em outro cargo de
natureza e vencimentos compatíveis, sem regra de proporcionalidade por
tempo de serviço, como na Constituição anterior;
f) o estabelecimento da aposentadoria compulsória, aos 70 anos (e não
mais aos 6 8 ), a preservação da aposentadoria por invalidez e a criação da
aposentadoria por tempo de serviço, com vencimentos integrais após 30
anos de serviços e proporcionais se o tempo for menor;
g) a determinação de correção monetária igual para vencimentos de apo­
sentadoria e remuneração dos funcionários em atividade.

Apesar da aparente organização do serviço público que Vargas iniciou e os


presidentes seguintes consagraram não só nas constituições, mas nas leis que a re-
172 I Adm inistração Pública ELSEVIER

gulamentaram, a administração burocrática não se implantou totalmente, tendo


de conviver com a desprofissionalização própria da Administração Patrimonial.
Ao mesmo tempo, alguns esforços foram feitos para tornar a máquina p ú ­
blica mais flexível e ajustada a planos de desenvolvimento, combatendo assim o
enrijecimento, próprio da Administração Burocrática que se queria im plantar e
que convivia com a falta de coordenação e os descontroles próprios da adminis­
tração patrimonial. Juscelino, para implantar o Programa de Metas, necessitava
de estruturas flexíveis, não burocráticas e capacidade de coordenação. Como
nos lembra Sheila Maria Reis Ribeiro (2002, p. 10),

a estratégia de JK para enfrentar possíveis embates com a burocracia foi a constituição de


estruturas paralelas para proceder a reformas. Criaram-se os Grupos Executivos e o Con­
selho de Desenvolvimento, que atuavam na linha da formulação política, paralelamente
às atividades de rotina sob a responsabilidade da burocracia tradicional. Realizaram-se
estudos e projetos de reforma, dentre os quais se destaca o anteprojeto de Reforma Geral
da Administração Federal, no qual o tema descentralização foi mencionado pela primeira
vez com programa de governo, após o longo período de centralização iniciado em 1930.

Foi criada a Comissão de Simplificação Burocrática (COSB) para propor


formas de descentralização por meio de delegação de competências e definição
de responsabilidades que produziram ideias que, embora não tenham tido re­
sultados à época, deixaram “conceitos e diretrizes que serviram de subsídio a
reformas posteriores”.
No governo João Goulart foi criado um Ministério Extraordinário dà Re­
forma Administrativa, liderado por Amaral Peixoto. Em 1964, ao tom ar o poder,
o presidente Castello Branco aproveitou o diagnóstico feito por Amaral Peixoto
e criou uma Comissão de Reforma Administrativa.
Piquet Carneiro, participante e observador privilegiado do esforço de des-
burocratização no Brasil, comenta os embates vividos na Comissão e seus resul­
tados nos seguintes termos:

Na Comissão ocorreu o embate de duas correntes de pensamento: uma, tradicional,


que enxergava o processo de reforma como um problema de adequação das estruturas
governamentais, com ênfase especial na concepção de um novo organograma para o go­
verno federal. A outra corrente, defendida por Helio Beltrão, percebia a reforma como
um verdadeiro processo, no qual o elemento humano tinha importância fundamental.

Segundo ele, Beltrão dizia, naquela época, que “as organizações, assim como
os planos de governo, valem exatamente o que valem as pessoas que as adminis­
tram e os executam”.
ELSEVIER Capítulo 5: As relações de trabalho no setor público I 173

A Reforma Administrativa de 1967 foi desburocratizante, no sentido que o


termo viria a adquirir anos mais tarde: a ênfase na descentralização administra­
tiva, na delegação de competência e na ampliação da autonom ia das entidades
da administração indireta, especialmente das estatais.
O Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) era o órgão
central do sistema de pessoal, responsável pelo estudo, formulação de diretri­
zes, orientação, coordenação, supervisão e controle dos assuntos concernentes
à administração do pessoal civil da União. Em cada ministério era previsto um
órgão de pessoal integrante do sistema.
Ao Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) cabia, entre
outros:

• cuidar dos assuntos referentes ao pessoal civil da União, adotando medi­


das visando ao seu aprimoramento e maior eficiência;
• elaborar os projetos de regulamentos necessários à execução das leis que
dispõem sobre a função pública e os servidores civis da União;
• zelar pela observância dessas leis e regulamentos, orientando, coordenan­
do e fiscalizando sua execução, e expedir normas gerais obrigatórias para
todos os órgãos;
• estudar e propor sistemas de classificação de cargos e remunerações para
o serviço civil, administrando sua aplicação;
• recrutar e selecionar candidatos para os órgãos da administração direta e
autarquias, podendo delegar a realização das provas;
• manter estatísticas atualizadas sobre os servidores civis;
• zelar pela aplicação dos princípios de administração de pessoal visando
ao tratamento justo dos servidores civis;
• promover medidas visando ao bem-estar social dos servidores civis da
União e ao aprim oram ento das relações humanas no trabalho.

Era previsto um Centro de Aperfeiçoamento para as atividades de recru­


tamento, seleção, aperfeiçoamento e administração para a Alta Administração
Pública.
Mas um aspecto mais relevante do Decreto-lei n 2 200, do ponto de vista da
Administração de Recursos Humanos, foi o fortalecimento da Administração
Indireta, com forte autonom ia e dotada de condições operacionais superiores à
Administração Direta. Foram criadas inúmeras fundações e autarquias e, como
consequência, a partir de meados da década de 1970, houve um a proliferação
de planos de cargos específicos de autarquias em regime especial e fundações.
Isso ocorre de forma concomitante à expansão das empresas estatais que ocor-
reu nas décadas de 1970 e 1980, cujo resultado refletiu na existência de mais
de 600 empresas no âmbito da administração pública. Até 1985, foram criadas
104 tabelas especiais e emergenciais, envolvendo cerca de 100.000 empregados
celetistas contratados sem concurso para atividades em que a remuneração era
superior ao Plano de Classificação de Cargos (PCC) estabelecido em 1970 e que
abrangia, basicamente, a Administração Direta.
Com a redemocratização, houve um a preocupação grande em assegurar di­
reitos aos funcionários (muitos deles contratados em período em que não se
exigia concurso público) e, ao mesmo tempo, em se remover autonomias dadas
no regime autoritário a fundações e autarquias. A autonom ia era percebida co­
m o porta de entrada para contratações clientelistas e para o fisiologismo.
Ao mesmo tempo, reforça-se a exigência de concurso público para todos
os postos da Administração Direta e Indireta, inclusive fundações e empresas,
onde as admissões ocorriam, em geral, por outras formas de recrutam ento e
seleção. Estabelece-se o regime jurídico único, ou seja, os funcionários públi­
cos (Administração Direta, autárquica e fundacional) passam a ser contratados
como estatutários, ou seja, como servidores regidos pelo Estatuto do Servidor
Público que concede a todos os que trabalham no setor público estabilidade,
aposentadoria integral e um sistema de gestão que independe da função desem­
penhada pelo profissional.
Com isso, a rigidez na gestão de pessoas na Administração Pública torna-se
m uito maior, fazendo com que algumas áreas‘fiquem particularmente difíceis
de administrar, como cultura, pesquisa científica, hospitais e universidades. Em
cada um a dessas áreas, a flexibilidade é vital ao desempenho de seu papel públi­
co e não há exercício de poder de polícia ou função exclusiva de Estado.
As novas disposições da Constituição na área de gestão de pessoas foram
consagradas na Lei n 2 8.112 de 1990, que institui o Regime Jurídico dos Servi­
dores Públicos Civis da União, das autarquias e das fundações públicas fede­
rais. Boa parte dos estados e municípios editou leis assemelhadas. A lei, bastante
detalhada, estabelece regras tanto para servidores efetivos, ou seja, ocupantes
de cargos públicos e para pessoas nomeadas para cargos em comissão, de livre
nomeação e exoneração. Essa lei estabelece a forma de acesso a esses cargos, a
remuneração, o regime disciplinar, a evolução na carreira e as licenças autori­
zadas. Algumas atualizações importantes foram feitas em 1997, para dar maior
flexibilidade e consistência à lei, frente à Reforma da Gestão Pública iniciada
em 1995 pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado, dirigido por
Bresser-Pereira. De um lado, procurava-se fortalecer o núcleo estratégico, res­
ponsável pela formulação de políticas públicas e o setor de atividades exclusi­
vas de Estado, contribuindo para a profissionalização dessas funções; por outro,
<_apnuio 3: as reiaçoes de trabalho no setor público | 175

tentava-se dotar esses segmentos e mesmo outros que posteriormente legislação


específica associaria a atividades não exclusivas, de instrumentos mais moder­
nos e flexíveis de gestão.
A consequência imediata da aprovação da Lei 8112 foi a aposentadoria, com
remuneração integral, de centenas de professores de universidades públicas que
haviam sido até então celetistas, ou seja, eram regidos pela Consolidação das
Leis do Trabalho e que, portanto, esperavam anteriormente se aposentar de
acordo com 0 Regime Geral da Previdência Social, como todos os demais tra­
balhadores desse regime. A sangria nos cofres públicos resultante dessa decisão
foi significativa. A pressão dos professores foi muito grande, e o Governo Collor,
que curiosamente defendia demissão de funcionários para economizar dinheiro
dos impostos, cortou com um a mão e deu com outra.
Fernando Collor de Mello anunciara, como primeira medida, ao tomar pos­
se no dia 15 de março de 1990, um pacote de modernização administrativa e
fortalecimento da Economia, o chamado plano Collor I, que previa, entre ou­
tras coisas:

• o retom o do Cruzeiro como moeda;


• o congelamento de preços e salários;
• o bloqueio de contas bancárias e poupanças no prazo de 18 meses;
• a demissão de servidores públicos e empregados de empresas estatais,
junto com a redução do tamanho da máquina pública.

A demissão de funcionários atingiu entre funcionários da Administração


Direta, empregados de estatais e os de empresas e órgãos extintos, cerca de
80.000 pessoas. Todos obtiveram posteriormente readmissão pela via judicial
ou administrativa. A demissão ferira preceitos jurídicos e o clima gerado com
a perda, a renúncia e posterior impeachment do presidente (o Congresso não
aceitou a renúncia) facilitou a votação de uma Lei de Anistia às vítimas do Pla­
no Collor em 1994. Em maio de 1994, o Congresso aprovou a Lei n2 8.878 que
concedia anistia aos servidores públicos que haviam sido demitidos no período
compreendido entre 16 de março de 1990 e 30 de setembro de 1992. A lei pre­
via anistia para servidores dispensados com violação de dispositivo constitu­
cional ou legal; com violação legal, regulamentar ou de cláusula constante de
acordo, convenção ou sentença normativa; dispensados por motivação política
ou movimentação grevista. Foram criadas a Comissão Especial de Anistia e as
Subcomissões Setoriais para analisar os casos e promover a reintegração dos
anistiados. Nessa época, muitos servidores foram readmitidos. Observe-se que
a anistia só gerava efeitos financeiros a partir do efetivo retorno à atividade.
176 I Adm inistração Pública ELSEVIER

Mesmo assim, alguns entraram na justiça e conseguiram pagamentos relativos


ao período em que estiveram afastados. !<
Em 1995, o Ministério Público instaurou inquérito para investigar possível .!
“trem da alegria” e determinou ao governo Fernando Henrique Cardoso o re- 3
exame das readmissões. Houve demissões e novamente os anistiados bateram "
às portas do Judiciário. Nove anos depois, o governo Lula criou um a Comissão ^
Especial Interministerial para reexaminar a anistia dos demitidos, que deve se- J
guir as orientações jurídicas da AGU consolidadas no parecer para analisar os
pedidos.
O governo Itamar foi tímido na gestão de pessoas na Administração Públi- g
ca. Realizou poucos concursos públicos, investindo pouco em profissionaliza­
ção da máquina pública. Aprovou, por intermédio do Decreto n 2 1.171, de 22
de junho de 1994, o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do ^
Poder Executivo Federal. ^
A grande reforma na maneira de gerir funcionários públicos viria com Fer- 9 -
nando Henrique Cardoso. A elaboração do Plano Diretor da Reforma do Apare­
lho do Estado apresentou uma abordagem integrada em que a gestão de pessoas
dentro da Administração Pública se relacionava a um a nova forma de entender
a máquina estatal, na verdade a transição da Administração Burocrática para a
Administração Gerencial.
Essa transição demandava a separação clara de áreas de atuação do poder,
público e o desempenho de tarefas distintas nâgestão de pessoas. Como vimos
em capítulos anteriores, o Núcleo Estratégico demandava funcionários ocupan­
tes de cargos públicos, preferencialmente com carreiras horizontais, ou seja, a
mesma carreira independente da natureza das atividades desempenhadas pelo
Ministério ou Secretaria. A ideia aqui era recrutar pessoas capacitadas a for­
mular e gerenciar políticas, programas e projetos públicos e não especialistas
em segmentos ou áreas específicas. Assim, por exemplo, o Ministério da Saúde
deveria ter um conjunto de especialistas em políticas públicas e gestão governar
mental e não apenas epidemiologistas, oncologistas ou especialistas em doenças
tropicais. »/
No setór de atividades exclusivas de Estado, como policiamento, fiscalização
ou regulação, seria fundamental também recrutar pessoas para ocupar cargos
efetivos, mas de forma diferente do Núcleo Estratégico, em que se propugnava
a construção de carreiras horizontais, a ideia aqui era carreiras para diferentes'-
naturezas de atividade. Assim, para as atividades de policiamento, m antinham -’ "
se as carreiras de agente e delegado da Polícia Federal, as de policial Rodoviário
Federal, ou ainda a de policial florestal. Para a regulação, a de Especialista em '“
Regulação (criada apenas em 2004, no governo Lula). /
177— --------
ELSEVIER Capítulo 5 : As relações de trabalho no setor público

Já para as atividades não exclusivas, em que não há exercício de poder de


polícia nem formulação ou gestão de políticas públicas, a ideia era enfatizar
parcerias com a sociedade civil e contar com o trabalho de especialistas que não
viriam a ser necessariamente funcionários. Assim, para a gestão de orquestras,
por exemplo, não caberia fazer um concurso público para maestro ou músicos,
e sim fazer um a parceria com uma organização sem fins lucrativos que, respei­
tados alguns princípios, pactuasse o cum prim ento de certas metas para o que
receberiam recursos públicos.
Inúmeras medidas foram adotadas para dar concretude às novas propostas
contidas no Plano Diretor. Foi enviada ao Congresso Projeto de Emenda à Cons­
tituição que resultou na Emenda Constitucional 19. D e n tr e as várias medidas
c o n tid a s na Emenda, destacam-se, por exemplo, o c o n tr a to de gestão, inspirado
no modelo francês, reproduzido no parágrafo 8 “ do artigo 37 da Constituição.
Com isso, pretendia-se dar autonomia gerencial, orçamentária e financeira a
orgaos e entidades públicas, que, por sua vez, teriam de cumprir metas de de­
sempenho fixadas no contrato.
Com objetivo similar, introduziu-se em 2000 a nova modalidade licitatória
do pregão, bem mais ágil e hoje de ampla utilização, inclusive em sua versão
eletrônica.
Para o servidor público, papel que, segundo o modelo proposto no Plano
Diretor, seria reservado para atividades exclusivas de Estado e para o núcleo
estratégico, algumas medidas chamam a atenção, ao evidenciar um esforço por
dotar a m áquina pública de eficiência. É o caso do aum ento do prazo de estágio
probatório, da exigência de avaliação de desempenho para aquisição de estabili­
dade e da possibilidade de demissão do servidor p o r insuficiência de desempe­
nho. No mesmo sentido, observa-se a possibilidade de se conferir ao funcioná­
rio um prêm io de produtividade, dotando a m áquina de instrumento concreto
para promover a meritocracia.
Mas as m udanças mais importantes para o servidor vieram na forma de
carreiras que buscaram aproximar a remuneração com o que paga o mercado
para fiinções assemelhadas, de forma a atrair bons profissionais e o pagamento
de um a parcela da remuneração associada ao desempenho. Em muitas carreiras
que seguiram essa proposta, como a de Analista de Finanças e Controle, a ava­
liação combinava um componente organizacional, o desempenho do Tesouro,
com a avaliação profissional.
Junto com tais mudanças, veio a realização de concursos anuais para todas
as carreiras de Estado, ou seja, aquelas em que se tinha certeza de que era uma
atividade do núcleo estratégico ou do setor de atividades exclusivas de Estado,
ptou-se, dada a crise fiscal, por se repor apenas um a parte das aposentadorias,
178 I Adm inistração Pública

mas com seleções anuais, para poucas vagas, sem gerar excedentes, ou seja, o
concurso tinha validade limitada ao tem po necessário para concluir o processo
de ocupação das vagas. Assim, aos moldes do concurso tradicional do Itamaraty
para seleção de diplomatas, a seleção de gestores públicos passou a ter validade
pelo prazo do curso que se segue à realização da prova seletiva, ou seja, cerca de
seis meses. Anteriormente, a maior parte dos concursos era de dois anos, segui­
dos de mais dois. Com isso, pode-se trazer oxigenação à Administração Pública,
com entrada regular de novos servidores públicos em cada órgão.
Uma parte im portante dos impactos esperados da Reforma da Gestão Públi­
ca foi invalidada pelo Supremo Tribunal Federal. A possibilidade de diferentes
regimes jurídicos, como a proposta de emprego público, foi afastada liminar­
mente pelo STF. Ao retomar o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionali- , -v
dade (ADI) n 2 2.135, com o voto-vista do ministro Cezar Peluso em 2007, o Ple- j; i
nário do STF resolveu, por maioria, conceder liminar para suspender a vigência '
do artigo 39, caput, da Constituição Federal, em sua redação dada pela Emenda -
Constitucional (EC) 19/98. A norm a eliminava a exigência do Regime Jurídico ■' *
Único e planos de carreira para os servidores da Administração Pública Federal, ^
das autarquias e fundações públicas. Assim, a ideia de termos, como na maior
parte dos países desenvolvidos, o cargo estatutário reservado apenas para algu-
mas funções não foi adiante, apesar de ainda aguardar decisão final do STF.
No governo Lula, a política de pessoal foi modificada. Ela foi construída, ini-
cialmente, na contramão dos esforços empreendidos na administração anterior.
Foi abandonada a ideia de fortalecer o núcleo estratégico, com concursos públi- Jfgj|
cos anuais e um a política de remuneração que buscasse aproximar os salários ' j |
dos praticados pelo mercado, a cada função, de forma a atrair bons quadros. Foi J l
igualmente abandonada a tentativa de dim inuir o núm ero de carreiras, em prol |jjp
de m aior consistência e simplicidade na gestão de recursos humanos. * |jf
Remunerações passaram a ser corrigidas em resposta a pressões corporati-
vistas e sem um a estratégia de atração de bons quadros. O fato de que determi- "1
nada carreira já pagava mais que o setor privado era impeditivo para correção:
salarial. Da mesma maneira, a proposta passou a ser a antiga visão de dimi- *
nuir a diferença entre a maior e a m enor remuneração, visando a m aior justiça
social intra corpori. Na verdade, com isso, apenas se deterioram as condições «.
de se atrairem bons profissionais para o Estado, e gastos relevantes .acabaram
sendo feitos sem clareza de seu sentido. Carreiras novas verticais, ou seja, para
desempenho em apenas um Ministério, foram criadas, tornando mais rígida e
fragmentada a gestão de Recursos Humanos.
O Plano Diretor foi deixado de lado e o discurso mudou. No entanto, seria
retomado pouco depois, embora com nomes novos. Concursos anuais conti-
C J^E -V lüK Capítulo 5: As relações de trabalho no setor público | 179

nuaram a ser realizados para as principais carreiras (embora agora não mais
para um grupo reduzido de funcionários, dado o cenário fiscal favorável), e os
salários tiveram correções que mantiveram a atratividade, embora o reajuste
muito acima da inflação de outras, que já se achavam muito acima do mercado,
tenha agravado a situação fiscal, sem vantagens para a profissionalização.
Houve, no entanto, um a área im portante de avanço, a substituição, por fun­
cionários de carreira, de terceirizados e de pessoas contratadas por organismos
internacionais. Isso deu maior estabilidade funcional à máquina pública, espe­
cialmente porque não se acabou com todas as formas de terceirização e houve
critérios na construção do processo que permitiram a preservação de alguma
flexibilidade na alocação de recursos.
Com o agravamento da crise, as correções de salário e as contratações em
grandes números tornaram-se um problema fiscal. A conta de pessoal do gover­
no federal cresceu muito e, apesar da im portância de se avançar na profissiona­
lização, quando o orçamento está em boa parte comprometido com despesas de
funcionalismo o país não tem como crescer.
A evolução dessa área passa certamente por fugir de esquemas clientelistas
ainda presentes em parte importante dos cargos de confiança dos três poderes,
consolidar a profissionalização obtida especialmente no executivo federal e em
1
alguns estados e fazer parcerias inteligentes e imunes ao fisiologismo com orga­
nizações não governamentais para implementação de políticas públicas.

5.4. Questões para aprofundamento


% 1. Busque refletir sobre três traços distintivos do trabalho desenvolvido na
administração pública, de m odo a estabelecer exemplos.
2. Estabeleça dois avanços relativos à inserção da tecnologia da informação
na administração pública.
3. Quais as principais contribuições do taylorismo, fordismo e toyotismo
para a organização do trabalho?
4. Identifique os pressupostos inerentes à ideia de gestão de competências e
busque refleti-los à luz da administração pública.
5. Como é possível pensar o cidadão num contexto de gestão de compe­
tências? De que forma a ideia de cidadania reconfigura a atividade da
administração pública?
6 . Identifique os pressupostos inerentes à ideia de gestão por resultados e
busque refleti-los à luz da administração pública.
7. Quais são as principais atividades do Estado contratual?
180 I Adm inistração Pública ELSEVIER

t
8.
Diferencie as características das PPPs daquelas atinentes às concessões f.
comuns? '
9. Construa duas relações entre os^subsistemas das atividades de recursos
humanos, estabelecendo um a rede de sinergias e m útua influência.
10. Diferencie as formas de recrutamento e seleção da administração pública ^'
das formas da administração privada.
11. Em que sentido a capacitação e a qualificação do servidor público são
essenciais para o exercício de suas funções?
12. O que significa dizer que, no Brasil, adotaram-se sistemas hierárquicos
rígidos de acesso reduzido à administração pública, com limitada m obi­
lidade interclasses e interórgãos?
13. Quais as implicações que podem advir do fato de a avaliação de desempe­
nho, em boa parte dos casos, ser aplicada somente de forma ritualística?.
14. Estabeleça de forma comparativa as diferenças entre o sistema colonial e
o sistema democrático atual no que concerne a recrutamento e seleção d e ,
recursos humanos.
15. Identifique os principais avanços trazidos pelo Decreto-lei na 200 no que
concerne à administração pública no Brasil.
16. Quais as vantagens e desvantagens de, no Brasil, haver um Regime Jurídi- ê
co Ünico para os servidores federais?

5.5. Bibliografia complementar


ABREU, Aline F. Gestão Tecnológica e Planejamento Estratégico. Convênio UFSC/IDAQ. Florianópolis, ç
1996.
AMARAL, Antônio Carlos Cintra. Concessão de serviço público. 2. ed. São Paulo:
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HIPÖLITO, J.A.M.; REIS, G.G. (Org.). As pessoas na organização. São Paulo: Gente, 2002.
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Capítulo

6
Administração de recursos materiais
e logística no setor público

é um a área da gestão que visa a assegurar


a d m i n i s t r a ç ã o d e m a t e r i a is

A que a organização disponha, de m odo contínuo, dos insumos necessários


para suas atividades. Cinco fatores são fundamentais para uma boa gestão de
recursos materiais:

a) qualidade do material;
b) quantidade necessária;
c) prazo de entrega
d) preço;
e) condições de pagamento.

Esses fatores remetem à im portância de se ter, na organização, mecanis­


mos de especificação, recebimento, triagem, monitoração e avaliação compe­
tentes (para assegurar a qualidade do material recebido), estocagem e distri­
buição (para garantir que as quantidades certas cheguem a cada destino, sem
danos à qualidade inicial), administração dos prazos de entrega, com soluções
construídas para caso de eventuais atrasos, processo de compras com pesqui­
sas de preço, dentro da qualidade especificada, e negociação das condições de
pagamento.
Mais recentemente, associam-se à administração de materiais os serviços a
eles relacionados, como assistência técnica, seguros, distribuição regionalizada
e reposição automática. Também é a área de materiais que se ocupa de contra­
tação de serviços e gerenciamento dos contratos.
184 I Adm inistração Pública ELSEVIER

A informatização dos processos nas organizações vem modificando de for- y


ma relevante a Administração de Recursos Materiais nas organizações. Os cha- ■
mados ERP, ou sistemas integrados de festão, têm vinculado a entrada de insu-
mos, seu armazenamento, novos pedidos e distribuição à produção e venda de
bens, contabilidade e obrigações fiscais, tudo no mesmo sistema informatizado.
Com isso, a rotina dessas áreas foi alterada.
A partir dos anos 90, como nos relata Luiz Fernando Bandeira (2006, p.
410), surgiu uma nova onda de sistemas automatizados de compra de produ­
tos que foi batizada pela doutrina empresarial americana de e-procurement, ou
compras por meio eletrônico. Descreve o autor:

Os sistemas de e-procurement se caracterizam por um trato totalmente ou quase total­


mente informatizado das entradas de mercadorias, seu consumo e as emissões de novos
pedidos de fornecimento, sempre de maneira integrada com o fornecedor, por meio de
um sistema eletrônico e com mínima intervenção humana.

Nas empresas comerciais adaptadas ao e-procurement, por exemplo, são re­


gistradas as vendas de mercadorias e, assim que o estoque atinge um patamar
mínimo, dispara-se uma ordem de compra imediata ao fornecedor. Tudo feito
eletronicamente. Se o sistema for bem desenhado, além da agilidade, pode-se
ter a vantagem de possibilitar controles mais inteligentes e m ãior transparência
dos gastos. '■
Mas, independentemente da tecnologia utilizada na administração de ma-
teriais, uma preocupação relevante é com a lisura nos processos de compra. j
Não é apenas no setor público que problemas éticos podem ocorrer nessa área.
Quem trabalha com materiais pode especificar a qualidade para atender a uma
empresa específica que lhe proporciona vantagens pessoais, ou desviar estoques
para revendê-los. Assim, é comum, além do controle informatizado, realizarem-se
auditorias focadas em estoques, procedimentos de compra e buscar construir
uma relação mais profissionalizada e de fidelização com fornecedores de mer­
cadorias, insumos ou serviços mais utilizados.
Mas vamos ver como a Administração de Materiais ocorre no setor público
e descrever os principais procedimentos nos tempos atuais.

6.1. Administração de materiais e patrimonial no setor público


Como o Brasil conta com um sistema federativo, a Administração de Mate­
riais e Patrimonial no setor público é feita por cada ente federado. No entanto,
as normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as
ELSEVIER Capítulo 6: Administração de recursos materiais e logística no setor público I 185

administrações públicas diretas, autárquicas e íundacionais da União, estados,


Distrito Federal e municípios são estabelecidas privativamente pela União.
Integram o processo de Administração de Materiais e Patrimoniais as fun­
ções de:

• Compras governamentais e contratações de serviços;


• Armazenamento e administração de estoques;
• Distribuição;
• Administração patrimonial.

No setor público, cada um a delas é fortemente regulada, ganhando destaque


especial, neste sentido, a função de compras governamentais.
O Decreto-lei 200 de 1967 instituiu o Sistema de Serviços Gerais, integrado
pelos órgãos e pelas entidades da Administração Federal Direta, Autárquica e
Fundacional. Entre as atividades incluídas no sistema, estão licitações, contra­
tações, transportes, comunicações administrativas, documentação e adminis­
tração de edifícios públicos e de imóveis funcionais. Esse modelo acabou sendo
replicado na maior parte dos estados.
Mais recentemente, todo o processo vem sendo modificado pelo advento
t da Tecnologia da Informação, em que sistemas de gestão financeira vêm sendo
implantados e integrados com sistemas de administração de serviços gerais.

6.2. As compras e as contratações governamentais


Como o governo é um com prador de escala, ou seja, compra em grandes
quantidades, o impacto das compras governamentais na economia é sempre
relevante, seja para suas atividades rotineiras, como material de escritório, equi­
pamentos para hospitais e centros de saúde, armas para a polícia ou material
escolar, seja em políticas protecionistas, como aquisição de estoques para pre­
servação de preços agrícolas ou de insumos industriais. Da mesma maneira,
as compras, por terem esse poder enorme de viabilizar ou fazer falir empresas,
podem ser sujeitas a pressões políticas, fisiologismo e corrupção. Por isso, esta
é um a área muito regulada na maior parte dos países e mesmo no organismo
multilateral responsável pelo comércio internacional, a OMC.
Essa regulação tem se m ostrado ineficaz para coibir a corrupção e com im­
pactos importantes na gestão. Por conta disso, vários países têm empreendido
esforços importantes para desburocratizar a área, sem perder a possibilidade de
controle sobre corrupção e de preservação da competição no fornecimento a
governos.
1 tib— l Aam im siraçao ru o u c a ’ h lje v ic r

No caso brasileiro, as compras e contratações de serviços são regidas pela


Constituição de 1988 e pela Lei 8 .6 6 6 de 1993. A Constituição estabelece co­
m o princípios que regem a administrâção pública, com forte impacto sobre
os procedim entos de compras, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a
publicidade e a eficiência. Na prática, isso quer dizer que antes de se com prar
há que tornar públicos a todos os eventuais interessados o que, como e quanto
se quer adquirir, com base em procedimentos legalmente estabelecidos, sem
favoritismos e com urna relação adequada custo-benefício. Estabelece tam - < $||

bémqU6:
ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e aliena-
í|j
Q l
ções serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade
de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pa- f jjj
gamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente
permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do i.W
cumprimento das obrigações (CF- Artigo 37- XXI). p i
1

A lei 8 .6 6 6 , por sua vez, estabelece as norm as gerais sobre licitações e con- fÇlj
tratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, fa
compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos estados, |
do Distrito Federal e dos municípios. Ou seja: aplica-se a toda a Administração jg|
Pública, seja nas compras, obras, contratação de serviços e alienações.
A licitação é um processo legal que estabeíece como se dará a escolha do f|g |
fornecedor que venderá bens ou serviços ao Estado ou ainda como o poder
público venderá ou repassará bens. A ideia é assegurar que não haja favoreci-
mentos na compra e alienação de bens públicos ou na contratação de serviços. A ^ Jj
licitação busca, assim, garantir a moralidade dos procedimentos da Administra-
ção Pública, e, ao mesmo tempo, a promoção da livre iniciativa ao possibilitar {
igualdade de oportunidades na prestação de serviços e na compra ou venda ao | l j |
Poder Público. I fl
•j iSpi
Segundo Hely Lopes Meirelles (1996, p. 23), licitação é “o procedimento a 3j
administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta
mais vantajosa para o contrato de seu interesse”. Em outros termos, a licitação iC
envolve um processo formal, em que a lei procura reduzir o espaço de discri- ‘ -■’
cionariedade (ou seja, o poder de decisão independente) do poder público, com >?■
um a clara preocupação de se evitarem escolhas que tenham outro foco que não ,
o interesse público. ]
O procedimento licitatório se inicia com a definição do objeto que se dese- ' ■
ja contratar. Em seguida, elabora-se o instrum ento convocatório — Edital ou <;
Carta Convite. Esse instrumento, no caso de Edital, deverá ser publicado obri- " ’
u^oo'» TErv V_J[)I1UIU o: Aaminisiraçao de recursos materiais e logística no setor público I 187

gatoriamente sem um Diário Oficial, da União, do estado, ou do município, ou


ainda em um jornal de grande circulação. Em caso de carta-convite, essa obri­
gatoriedade não existe, sendo necessário apenas que os convidados, no mínimo
três, sejam informados dos pré-requisitos exigidos para a contratação.
Todo o interessado poderá enviar a sua proposta, juntamente com a docu­
mentação exigida, para verificação junto ao Conselho da entidade contratante
para então participar de todo o processo.
A documentação é conferida em sessão pública, em que serão habilitados
todos os proponentes que corresponderem ao exigido no edital. Em seguida,
tem-se o julgamento e a classificação das propostas habilitadas. A empresa que
apresentar a melhor proposta, considerando tudo o que consta no edital, será a
contratada.
Há quatro tipos de licitações previstas no art. 45 da lei 8.666/1993: menor
preço, melhor técnica, melhor técnica e preço e maior lance ou oferta.
O tipo “m enor preço” leva em conta apenas os preços absolutos, desde que
satisfeitas as condições preestabelecidas no edital, ganhando a proponente que
oferecer menor preço.
Os tipos “melhor técnica” e “melhor técnica e preço” são utilizáveis exclusi­
vamente para serviços de natureza predominantemente intelectual, em especial,
na elaboração de projetos, cálculos, fiscalização, supervisão e gerenciamento.
O último tipo, “maior lance ou oferta”, restringe-se a alienações e certas con­
cessões, diferenciando-se das licitações para aquisição.
Há diferentes modalidades de licitação. Como veremos adiante, o valor es­
timado para contratação é o principal elemento que a lei estabelece para que se
escolha a modalidade de licitação, exceto quando se trata de pregão, que pode
ser adotado independentemente de valores. É interessante observar que todas as
modalidades estão previstas na Lei 8 .6 6 6 , com exceção do pregão, estabelecido
na Lei Federal 10.520 de 2002, a qual prevê inclusive a possibilidade de pregão
eletrônico.

Concorrência
Modalidade mais morosa. É precedida de uma habilitação em que os con­
correntes têm de comprovar possuir os requisitos mínimos de qualificação
pedidos pelo edital para execução do objeto de licitação. Todos os habilitados
podem participar, e vence quem apresentar a proposta mais vantajosa para a
Administração. É modalidade obrigatória quando o valor superar:

a) em obras e serviços de engenharia- R$1.500.000,00;


b) em compras e outros serviços- R$650.000,00;
188 I Adm inistração Pública ELSEVIER

Tom ada de preços


Modalidade realizada entre interessados cadastrados ou que atenderem às
condições exigidas para cadastramentot até o terceiro dia anterior à data do re­
cebimento das propostas, observada a necessária qualificação. Esta modalidade
é recomendada em obras e serviços de Engenharia com valores superiores a
R$150.000,00 e inferiores a R$1.500.000,00.

Convite
É a modalidade de licitação mais simples. É realizada entre interessados do
ramo de atividades de que trata o objeto da licitação, escolhidos e convidados
pela Administração Pública, em núm ero m ínimo de três.
A Administração escolhe quem quer convidar, entre os possíveis interessa­
dos, cadastrados ou não. A divulgação deve ser feita mediante afixação de cópia
do convite em quadro de avisos do órgão ou entidade, localizado em lugar de
ampla divulgação.
Podem participar interessados que não tenham sido convidados, mas que
sejam do ramo do objeto licitado, desde que cadastrados no órgão ou entidade
licitadora ou no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores — SI-
CAF, do Governo Federal. Esses interessados devem solicitar o convite com an­
tecedência de até 24 horas da apresentação das propostas.
Para que a contratação seja possível, são necessárias pelo menos três pro­
postas válidas, isto é, que atendam a todas as texigências do ato convocatório.
Não basta que se obtenham três propostas. As três devem ser válidas. Caso con­
trário, a Administração deve repetir o convite e convidar mais um interessado,
ressalvadas as hipóteses de limitação de mercado ou manifesto desinteresse dos
convidados.

Pregão
É a modalidade de licitação em que a disputa pelo fornecimento de bens e
serviços é feita em um a sessão pública. Os participantes apresentam suas pro­
postas de preço por escrito e por lances verbais, e a escolha da proposta é feita
antes da análise da documentação. Por conta disso, ela é muito mais rápida do
que as outras modalidades.
O pregão é modalidade alternativa ao convite, à tom ada de preços e à con­
corrência para contratação de bens e serviços comuns.
O pregão, também chamado de leilão reverso (termo usado por favorecer
quem dá preço m enor e não quem dá um preço maior como em leilões comuns)
vem se tornando prática cada vez mais frequente. Essa modalidade é empregada
na aquisição de bens e serviços comuns que podem ser definidos de forma clara
ELSEVIER Capítulo 6: Administração de recursos materiais e logística no setor público | 189

por especificações usuais de mercado. Produtos de alta complexidade não são


adequados para uso do pregão. Justamente por tratar de bens e serviços comuns
é que o critério de julgamento será sempre o menor preço.
Seu procedimento simplificado reduz significativamente os custos, além de
conferir maior transparência e rapidez aos processos. A redução do tempo de
aquisição de bens e serviços assegurada por esta modalidade é devida à inversão
entre o processo de habilitação e o de classificação das propostas. Na licitação
tradicional, a habilitação das proponentes ocorre no início do processo, dando
vazão à entrada de recursos administrativos e judiciais, o que retarda sobrema­
neira o procedimento. Como a revisão dos documentos ocorre só para a empre­
sa vencedora, gastam-se menos tempo e dinheiro nesta modalidade.
As principais características do pregão são as seguintes:

a) no pregão, o critério de julgamento é sempre o m enor preço, dado que o


pregão pode ser utilizado para produtos e serviços comuns;
b) há um a inversão da ordem das fases de habilitação e julgamento de pro­
postas. No pregão, inicialmente vem a etapa de preços e, só depois, a fase
de habilitação;
c) caso o pregoeiro não consiga atingir pelo m enos o preço de referência,
mesmo após a negociação, ele tem a possibilidade de desclassificar es­
se com petidor e convidar a empresa que obteve a segunda colocação
para negociar. Se tal procedimento não vingar, o pregão pode acabar
anulado;
d) Lei dos 10% — no dia do pregão, antes de se iniciar o leilão reverso,
abrem-se as propostas comerciais dos participantes. Só passam para o
leilão reverso as empresas que apresentarem propostas com o preço no
máximo 1 0 % superior à menor proposta;
e) Leilão reverso — o pregão funciona como um leilão, só que reverso (ao
invés de quem dá mais, vale o quem dá menos). As empresas apresentam
suas propostas de preços e, em seguida, começam a dim inuir seus preços,
sem limite para queda dos valores;
f) Fase de negociação — após a fase de lances, o pregoeiro, que exerce a
função de coordenador dos pregões, tem a possibilidade de negociar uma
redução de preços ainda maior com a empresa vencedora.

Ainda mais rápido e transparente é o pregão eletrônico, igualmente previsto


na legislação, em que o procedimento se dá com utilização da Tecnologia da
Informação, mais precisamente da Internet. Há duas diferenças básicas entre o
pregão e o pregão eletrônico:
a) na versão eletrônica não existe a lei dos 1 0 %, as empresas participantes
podem oferecer a proposta inicial sem se preocupar com a desclassifica­
ção por exceder em demasia o valor da melhor proposta, como ocorre ‘
nos pregões presenciais;
b) o local de realização dos pregões eletrônicos é virtual e não físico co-:
m o no caso dos presenciais. Ocorrem na Internet, por meio de portais
eletrônicos de compras governamentais, sítios que possuem sistemas de
compras (e-procurement). i
,} .
Uma im portante vantagem do pregão eletrônico é que, por se tratar de um
processo informatizado, qualquer fornecedor pode obter informações e partici­
par do pregão de qualquer local do país. E isso tende a aum entar a concorrência 7 V/
entre fornecedores e, consequentemente, contribuir para a diminuição do preço. 7 ’ -
Mas não é só a Administração Pública que se beneficia do pregão eletrônico. As
empresas participantes acabam reduzindo suas despesas porque não precisam r '
m andar representantes para participar de licitações presenciais. Isso favorece a
participação de micro e pequenas empresas no certame.
Outras modalidades de escolha são possíveis, desde que previstas em lei,
como a tom ada de preços ou a contratação direta de serviços profissionais por
notória especialização ou de obras e serviços em que os valores não superem
um m ontante estabelecido para dispensa de licitação. Nesta última hipótese, a
justificativa é que o custo de um procedimento licitatório poderia ser superior
ao benefício que dele se possa obter.
A dispensa de licitação e a inexigibilidade são duas outras opções de escolha
de fornecedores. Em ambos os casos, não se estabelece um a competição pelo for­
necimento, embora as razões para tanto sejam diferentes em cada caso. Como
vimos, as hipóteses de dispensa abrangem os casos em que, embora haja possibi­
lidade de competição a justificar a licitação, a lei permite à Administração Pública
não realizá-la, tendo em vista o pequeno valor envolvido, a existência de certas
situações excepcionais, o objeto da contratação, ou a pessoa do contratado.
A inexigibilidade envolve os casos em que não existe possibilidade de com ­
petição — só havendo um objeto, ou um a pessoa, que atenda às necessidades do
interesse público — sendo inviável, por conseguinte, realizar-se licitação.

6.3. As obras e os serviços


Para a execução de obras e serviços, faz-se necessário, como vimos, a realiza­
ção de um a licitação, salvo nas hipóteses de inexigibilidade ou dispensa previs­
tas em lei. A legislação brasileira prevê, para tanto, estas etapas sequenciais:
I - projeto básico;
II - projeto executivo;
III - execução das obras e serviços.

O Projeto Básico, segundo a Lei 8 .6 6 6 , é o conjunto de elementos neces­


sários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra
ou serviço, objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos
técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado trata­
mento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação
do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo
conter os seguintes elementos;

• desenvolvimento da solução escolhida de forma a fornecer visão global


da obra e identificar todos os seus elementos constitutivos com clareza;
• soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de
forma a minimizar a necessidade de reformulação ou de variantes duran­
te as fases de elaboração do projeto executivo e de realização das obras e
montagem;
• identificação dos tipos de serviços a executar e de materiais e equipamen­
tos a incorporar à obra, bem como suas especificações que assegurem
os melhores resultados para o empreendimento, sem frustrar o caráter
competitivo para a sua execução;
• informações que possibilitem o estudo e a dedução de métodos cons­
trutivos, instalações provisórias e condições organizacionais para a obra,
sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;
• subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compre­
endendo a sua programação, a estratégia de suprimentos, as normas de
fiscalização e outros dados necessários em cada caso;
• orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quanti­
tativos de serviços e fornecimentos propriamente avaliados.

O projeto executivo é o conjunto dos elementos necessários e suficientes à


execução completa da obra, de acordo com as normas pertinentes da Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
Observe-se que não se pode iniciar o projeto executivo ou a execução da
obra sem a conclusão e aprovação, pela autoridade competente, do projeto
básico. Já o projeto executivo poderá ser desenvolvido concomitantemente
com a execução das obras e serviços, desde que também autorizado pela Ad­
ministração.
..... —- -

192 I Administração Pública ELSEVIER

Além do projeto básico, disponível para exame dos interessados em participar


do processo licitatório, a legislação exige que se tenha, antes da licitação, um orça­
mento detalhado com a composição de todos os seus custos unitários, a previsão
de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorren­
tes de obras ou serviços a serem executados no exercício financeiro em curso e a
explicitação de seu produto nas metas estabelecidas no Plano Plurianual.
0 autor do projeto básico ou executivo não poderá participar da licitação
ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários.
Tampouco podem a empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela
elaboração do projeto básico ou executivo ou da qual o autor do projeto seja J
dirigente, gerente, acionista ou detentor de mais de 5% do capital com direito a
voto ou controlador, responsável técnico ou subcontratado e servidores públi­
cos ou dirigentes de órgãos contratantes ou responsáveis pela licitação. É per­
mitida, porém, a participação do autor do projeto ou da empresa, na licitação
de obra ou serviço, ou na execução, como consultor ou técnico, nas funções de
fiscalização, supervisão ou gerenciamento, mas somente a serviço da Adminis­
tração Pública.
As obras e serviços poderão ser executados nas seguintes formas:

1 - execução direta — é feita pelos órgãos e entidades da Administração, pe­


los próprios meios;
II - execução indireta — o órgão ou entidade contrata com terceiros sob
qualquer dos seguintes regimes:
a) empreitada por preço global — quando se contrata a execução da obra
ou do serviço por preço certo e total;
b) empreitada por preço unitário — quando se contrata a execução da
obra ou do serviço por preço de unidades determinadas;
c) tarefa — quando se contrata m ão-de-obra para pequenos trabalhos
por preço certo, com ou sem fornecimento de materiais;
d) empreitada integral — quando se contrata um empreendimento em
sua integralidade, compreendendo todas as etapas das obras, serviços
e instalações necessárias, sob inteira responsabilidade da contratada
até a sua entrega ao contratante em condições de entrada em opera­
ção, atendidos os requisitos técnicos e legais para sua utilização em
condições de segurança estrutural e operacional e com as característi-
cas adequadas às finalidades para que foi contratada. £

ír
A fiscalização das obras realizadas é tão ou mais im portante que o meca-
nismo pelo qual a obra é contratada, Para realizar um a fiscalização adequada
ELSEVIER Capítulo 6: Administração de recursos materiais e logística no setor público I 193

e garantir a qualidade das obras, a Administração deve designar um fiscal (in­


tegrante dos quadros da Administração ou externo, contratado para tanto)
que deverá proceder às anotações das ocorrências no Diário de Obras, m e­
dir os serviços executados, providenciar os Boletins de Medição e, ao final da
obra, verificar as condições de funcionamento. O instrum ento previsto pela
legislação para receber as obras são os Termos de Recebimento Provisório e
Definitivo.
Esses documentos permitem o m onitoramento dos prazos e da qualidade
e possibilitam uma identificação precoce de problemas e sua solução. Vejam a
seguir a definição de cada um destes instrumentos:

• Diário de Obras — documento em que são anotados, pelo fiscal ou enge­


nheiro da obra, os fatos acontecidos na execução de um a obra, sejam elas
pendências ou não;
• Boletim de Medição — documento que discrimina os serviços efetiva­
mente executados pela empresa contratada, medidos no período e aceitos
pela fiscalização. É fornecido para caracterizar o andamento de cada in­
tervenção isolada do empreendimento e possibilita a realização dos pro­
cedimentos de aferição da evolução do contrato;
• Termos de Recebimento Provisório e Definitivo -s- termos circunstan­
ciados, pelos quais os responsáveis pelo acompanhamento das obras e
serviços de engenharia recebem o objeto da licitação, provisoriamente ou
definitivamente, depois de corrigidas, reparadas ou ,removidas as falhas
no total ou em parte do objeto do contrato em que forem verificados
vícios, defeitos ou incorreções.

6.4. Contratação, convênios, parcerias e cooperação


em obras e serviços
Alei no 8 .6 6 6 considera serviço toda atividade destinada a obter determina­
da utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto,
instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, m anuten­
ção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-pro-
fissionais. Obra é toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou amplia­
ção, realizada por execução direta ou indireta.
Para sua realização, quando a execução não é direta pelo órgão que precisa
dela, é necessário um contrato que, em quase todos os casos, demanda um a lici­
tação para poder ser celebrado. Um contrato administrativo é um instrumento
que formaliza a relação de contratação por parte da Administração Pública m m
um a organização privada ou pública para realização de objetivos de interesse
público.
Mas, em alguns casos, a legislação .prevê outras formas de participação de
outros órgãos e empresas na execução de obras e serviços. Vejamos quais são
essas formas e os instrumentos utilizados.

Term o de Cooperação
Termo de Cooperação é um docum ento que se estabelece quando todas as
partes envolvidas combinam coordenar esforços e recursos para atingir objeti­
vos comuns, como o combate à pirataria ou à exploração sexual de crianças e
adolescentes. Pode envolver entes públicos apenas ou uma combinação de entes
públicos e privados.
O Termo de Cooperação entre Entes Públicos de níveis diferentes tem sido
utilizado especialmente na saúde, no contexto do SUS (Sistema Ünico de Saú­
de) quando, em um município houver um a unidade prestadora de serviços per­
tencente a outra esfera administrativa, ou seja, ele visa a normatizar a pactuação
entre as diferentes esferas de governo, município, estado e união, sobre o uso de
um a determinada unidade prestadora de serviços sob gerência de um a esfera
de governo e gestão de outra, fixando as metas desse acordo e determinando a
elaboração de um plano operativo.

C onvênio ’■
O Convênio pode ser definido como forma de ajuste entre o poder público
e entidades públicas ou privadas, para a realização de objetivos de interesse co­
m um . Por essa razão, no convênio, a posição jurídica dos signatários é um a só,
idêntica para todos, embora com papéis diferentes para cada um. Nesse sentido,
o convênio é diferente do contrato, em que os interesses são opostos e contradi­
tórios. Observe-se que para a efetivação de um contrato é imprescindível o pro­
cesso licitatório, já no convênio a licitação é inexigível, pois não há viabilidade
de competição.
Pode-se fazer um convênio, por exemplo, com uma creche administrada
por uma instituição filantrópica para atender a crianças em idade pré-escolar
ou com a Associação de amigos de um museu para apoiar as ações de aumento
de público ou de visitação escolar.
No convênio há um a colaboração que pode ocorrer de diversas formas: re­
passe de recursos na forma de incentivo, cessão de uso de equipamentos, recur­
sos humanos, materiais e imóveis. No caso de repasse de recursos, a entidade
conveniada deve utilizar o valor recebido para a execução da atividade que foi
acertada. Dessa forma, o valor repassado não perde o caráter público, só poden­
tLüH V lH R Capítulo 6: Administração de recursos materiais e logística no setor público | 195

do ser utilizado para os fins explicitados no convênio, e a entidade conveniada


fica obrigada a prestar contas sobre a utilização do recurso público aos órgãos
de controle interno e externo.

Contrato de Gestão
O Contrato de Gestão é um instrumento voltado para estabelecer uma par­
ceria entre entes públicos e privados sem fins lucrativos, ao mesmo tempo que
se lhe atribuem metas associadas a uma atividade em que se pretende cooperar
e recursos a serem repassados para assegurar o financiamento necessário.
É o principal instrumento utilizado para regular a relação entre o Estado e
as organizações sociais. A Lei no 9.637 de 1998 define-o como um instrumento
de parceria. O contrato de gestão é descrito como o instrumento firmado entre
o; poder público e a entidade qualificada como organização social, visando à
formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades re­
lativas às áreas de ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico,
à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde. Observe-se que
essas áreas coincidem com as atividades não exclusivas de Estado que vimos no
Capítulo II.
As organizações sociais são dispensadas de licitação para firmarem contratos
de gestão com o poder público. São também dispensadas de obedecer à Lei de Li­
citações, por serem entidades de direito privado. No entanto, a lei estipula que as
OS devem ter um manual de compras e contratações de serviços publicado, com
regras claras de aquisição para poderem firmar contratos de gestão com o poder
público. Têm, dessa forma, mais flexibilidade, mas não podem comprar ou con­
tratar serviços sem critérios anteriormente fixados em seu contrato de gestão.
Em alguns estados, o termo contrato de gestão foi substituído por outro
como termo de parceria, previsto na lei das OSCIPs (Organizações da Sociedade
Civil de Interesse Público — Lei 9.790 de 1999) que dispõe sobre a qualificação
de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações
da Sociedade Civil de Interesse Público e institui e disciplina o Termo de Par­
ceria. Essas entidades poderão ser qualificadas como OSCIPs se atuarem em
algumas atividades previstas na lei, tais como: a promoção da assistência social;
a promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;
a promoção gratuita da educação, a promoção gratuita da saúde; a promoção
da segurança alimentar e nutricional; a defesa, preservação e conservação do
meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; ou a promoção do
voluntariado.
Os contratos de gestão também têm sido usados para introduzir uma cul­
tura de desempenho e qualidade dentro da administração pública, estabelecen-
1% I Administração Pública ELSEVIER

do metas e prazos para entes da Administração indireta, a fim de perm itir um


alinhamento estratégico dos órgãos e um melhor controle de resultados. Nesse
caso, associa-se o cumprimento do çontrato de gestão com uma maior autono­
mia administrativa.

Plano O perativo
O Plano Operativo é um instrumento no qual são apresentados ações, servi­
ços, atividades, metas quantitativas e qualitativas e indicadores a serem pactua­
dos entre gestores e prestadores de serviços de saúde. Nele, deverá constar tam ­
bém a caracterização da instituição, sua missão na rede, a capacidade instalada
e sua utilização, a definição de oferta e fluxo de serviços.
O Plano Operativo deverá acompanhar todos os ajustes realizados entre a
administração pública e setor privado no âmbito do Sistema Único de Saúde
(SUS).
Também pode ser utilizado pelo gestor na rede própria para diagnosticar a
capacidade instalada, organizar a rede e, assim, dem onstrar a real necessidade
de contratação de serviços para fins de complementação de rede.

6.5. A evolução da área de Compras e Gestão de Materiais na


Administração Pública Brasileira
O Brasil estabelece norm as sobre procedimentos de compras públicas há
mais de cem anos, tendo-se como marco normativo o Decreto federal n 2 2.926,
de 1862, do então Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Esse
decreto regulamentou as arrematações dos serviços a cargo do referido Minis­
tério. Ainda estabeleceu regras gerais relacionadas à arrematação no Brasil, bus­
cando constituir marcos normativos sobre a tem ática..
Após o advento de diversas outras leis que trataram de forma abreviada do
assunto, o procedimento compras públicas, sobretudo por meio da licitação, foi
consolidado, no âmbito federal, pelo Decreto n 2 4.536, de 1922, que referendou
o Código de Contabilidade da União.
O Código de Contabilidade estabeleceu, dentre outros assuntos, a centra­
lização do serviço de contabilidade, além de dispor sobre diversas normas de
ordem financeira e contas públicas e minuciar regras atinentes à receita e des­
pesa pública. O Código ainda dedica especial atenção à normatização dos bens
públicos do Estado e às questões relacionadas à responsabilidade pela sua m a­
nutenção.
Desde esse Código, o procedimento de compras públicas veio evoluindo,
com o objetivo de conferir maior eficiência e racionalidade às contratações pú­
ELSEVIER Capítulo 6 ; Administração de recursos materiais e logística no setor público I 197

blicas, sendo, por fim, sistematizado através do Decreto-lei na 200, de 1967, que
estabeleceu a reforma administrativa federal. Esse Decreto-lei já foi analisado
no capítulo em que se estudou a Administração Pública brasileira, cabendo res­
saltar que tal norma foi estendida, com a aprovação da Lei na 5.456, de 1968, às
Administrações dos Estados e Municípios.
O Decreto-lei na 2.300, de 1986, que foi atualizado em 1987 pelos Decretos-
lei 2.348 e 2.360, instituiu, pela primeira vez, o Estatuto Jurídico das Licitações
e Contratos Administrativos, reunindo normas gerais e especiais relacionadas
à matéria. O referido decreto estabeleceu uma série de normas a respeito das
compras públicas no Brasil, inclusive apresentando princípios relacionados ao
processo licitatório. Mukai (1988) elenca as seguintes características:

• obrigatoriedade do processo licitatório para as contratações públicas,


• observância obrigatória dos princípios licitatórios;
• admissibilidade da contratação somente quando existentes recursos or
çamentários;
• indicação dos recursos financeiros para o pagamento de compras, com a
devida caracterização do seu objetivo;
• subordinação das alienações à existência de interesse público devidamen
te justificado e obrigatoriedade das demais normas referentes ao contrato
administrativo subsequente.

O decreto ainda estabeleceu as hipóteses de dispensabilidade e inexigibi


lidade de licitação, inaugurando, simultaneamente, as seguintes modalidades,
concorrência, tom ada de preços, concurso, leilão e convite. Tais modalidades
são explicadas de forma bastante didática e precisa, o que permite afirmar a
constituição de um arcabouço jurídico e econômico.
A Constituição de 1988, por sua vez, representou um visível avanço em ter
mos de institucionalização e democratização da Administração Pública. Apesar
de os textos constitucionais anteriores contemplarem dispositivos relaciona os
ao acesso à função pública e ao regime do funcionalismo estatal, a verdadeira
constitucionalização da Administração Pública somente foi desencadeada pe a
Carta de 1988.
A partir de 1988, a licitação como fundamento das compras públicas rece
beu status de princípio constitucional, de observância obrigatória pela Adminis
tração Pública direta e indireta de todos os poderes da União, e s t a d o s , Distrit^
Federal e municípios. No Brasil, está estabelecida na Constituição a exigência
processo licitatório para a compra ou alienação de bens e a contratação de o ^^
e serviços de qualquer natureza, visando a assegurar a igualdade de con Ç
198 1 Administração Pública ELSEVIER

a todos os interessados em vender ou comprar do Estado. As modalidades, os


procedimentos e os requisitos legais de compra e venda por meio de licitações
públicas vieram especificados na Lei n 2 8 .6 6 6 , de 1993. Os dispositivos dessa lei
também orientam a aquisição de bens e serviços pelas entidades da administra­
ção indireta e pela administração pública dos estados e municípios.
Fernandes (2003) salienta que a Lei na 8 .6 6 6 foi elaborada e aprovada em
contexto histórico peculiar, marcado pela repercussão sobre a opinião pública
de denúncias de corrupção no Estado. Essa circunstância contribuiu para a mi­
núcia de procedimentos e o caráter exaustivo da lei, que deixou pouca ou ne­
nhum a margem para a tom ada de decisão subjetiva pelo gestor público, para a
adaptação de procedimentos a circunstâncias específicas e para a normalização
autônom a em cada órgão ou entidade. Fernandes explica as seguintes modali­
dades de licitação para compras e contratações:

a) Concorrência: os interessados devem comprovar atender a requisitos de


qualificação exigidos em edital; aplica-se a compras em valores acima de
R$650 mil (US$216 mil) ou de R$1,5 milhão (US$500 mil), no caso de
obras e serviços de engenharia;
b) Tomada de Preços: convoca fornecedores previamente cadastrados, apli-
cando-se a compras em valores até R$650 mil (US$216 mil) ou até R$1,5
milhão (US$500 mil), no caso de obras e serviços de engenharia;
c) Pregão: aberto aos interessados que atendam aos requisitos de qualifica­
ção, aplica-se à aquisição de bens e serviços comuns, de qualquer valor;
d) Convite: prevê a escolha e convite a um m ínimo de três fornecedores no
ramo pertinente ao objeto, podendo ser adotada para compras em valor
até R$80 mil (US$26 mil), ou R$150 mil (US$50 mil), em se tratando de
obras e serviços de engenharia;
e) Concurso: adotado para a escolha de trabalho técnico, científico ou artís­ ííjy y
tico, mediante atribuição de prêmio ou remuneração conforme critérios m m
&9*F
definidos em edital; If
f) Leilão: modalidade adotada para venda de bens inservíveis, produtos £ áS|l w
p
apreendidos ou penhorados, mediante lances. ir.m-. 1
B
I
Como critérios para julgamento das propostas, a legislação prevê as alterna­ ftit
tivas de m enor preço, melhor técnica, a combinação entre técnica e preço. Além ã
disso, é permitida a dispensa de licitação, que pode ocorrer até um valor limite
(R $ 8 mil e R$16 mil, respectivamente, para bens e serviços ou obras e serviços T
\\ í ftj
de engenharia), em situações excepcionais de emergência, calamidade, guerra e r
quando o processo licitatório conduzir a resultados antieconômicos. Fernandes
1 L*.
ELSEVIER Capítulo 6: Administração de recursos materiais e logística no setor público | 199

salienta que grande variedade de outras hipóteses de dispensa foi prevista em


lei, relativamente a produtos ou serviços com características peculiares, sendo
que sucessivas emendas estabeleceram outras situações de dispensa, perfazendo
atualmente um total de 24 exceções, previstas em lei. Além disso, são admitidas
inúmeras situações de inexigibilidade de licitação, que se aplicam a produtos ou
serviços de natureza singular que pressuponham “notória especialização”, ou no
caso de profissionais artísticos.
A Lei Complementar n 2 101, de 2000, conhecida como Lei de Responsa­
bilidade Fiscal, também é um a das principais leis que devem ser observadas
na gestão dos processos de compras nas entidades públicas. Ela estabelece um
novo referencial de governo por meio do planejamento transparente, em que se
previnem riscos capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas. Além disso,
promove a ideia do accountability ao valorizar o desempenho, a responsabilida­
de e o dever de prestar contas do governante.
A Lei Federal n 2 10.520, de 2002, instituiu a modalidade de licitação cha­
mada Pregão, abrangendo União, estados, Distrito Federal e municípios. Dife­
rentemente das outras modalidades de licitação, o pregão apresenta as seguintes
características: limitação do uso a compras e serviços comuns; possibilidade de
o licitante reduzir o valor da proposta durante a sessão; inversão das fases de
julgamento da habilitação e da proposta.
Desse modo, durante o desenvolvimento das compras públicas no Brasil,
pode-se afirmar que tal procedimento veio evoluindo no sentido de conferir
maior eficiência às contratações realizadas pela administração pública.
De fato, devido à sua natureza institucional, as compras públicas são em
certo sentido diferentes das compras realizadas no âmbito do setor privado. Co­
mo visto, no Brasil se desenvolveu, ao longo do tempo, uma série de regras e
procedimentos visando a aum entar a eficiência de suas compras. Isso foi feito
basicamente por meio de um a sólida e detalhada legislação que passou a ser
aplicada a todas as compras realizadas pelo setor público. Assim, as instituições
que organizam, realizam ou efetuam as compras recebem destaque especial, pois
é por meio delas que se determina qual será o grau de competição, que fatores
econômicos terão peso nas decisões de compras, quais os requisitos básicos de
concretização da compra etc.
No Brasil, é possível afirmar que a legislação garante incipiente preferência
à participação das pequenas empresas no processo de compras públicas. De fa­
to, são reduzidos os instrumentos legais que regulamentam a concorrência no
mercado de compras governamentais, sobretudo no que concerne à discrepân­
cia econômica entre grandes e pequenas empresas no processo licitatório.
200 I Adm inistração Pública ELSEVIER

Uma outra questão refere-se às características institucionais do Estado bra­


sileiro. Segundo o próprio site do Ministério do Planejamento, o cargo de Mi­
nistro Extraordinário responsável pelo Planejamento do país foi criado pela Lei
Delegada n 2 1 , de 1962, e ocupado por Celso Furtado. Até então, só existia na
estrutura governamental o Conselho de Desenvolvimento, criado em 1956, que '<
detinha atribuições de coordenação e planejamento da política econômica, que 4
passou a ser subordinado ao Ministério criado. I'
Em 1964, as atribuições do ministro foram ampliadas com a inclusão da ^
Coordenação Econômica. Em 1965, foi criado o Conselho Consultivo do Plane­
jamento como órgão de consulta do ministério. Em 1967, o Decreto-lei n 2 200
alterou o nome do ministério para Ministério do Planejamento e Coordenação
Geral. Em Ia de maio de 1974, com a Lei n 2 6.036, o Planejamento deixou de ser
Ministério e passou a ser uma Secretaria, cuja sigla seria SEPLAN. Com status
de ministério e ligada à Presidência da República, a SEPLAN se tornaria, pelo
comando de seus ministros, o centro das decisões econômicas do país, inclusive
no que concerne às compras públicas.
A partir dos anos 1980, diante da inflação elevada e dos problemas econô­
micos a ela associados, houve uma nova reconfiguração das ações desenvolvi­
das, relegando ao segundo plano as atividades de planejamento, em favor do
desenvolvimento de medidas de curto prazo. Em decorrência disso, desencadea­
ram-se várias mudanças organizacionais que situaram a SEPLAN basicamente
como um órgão coordenador das ações econômicas imediatas do governo.
Mais precisamente em 1985, embora a SEPLAN continuasse a participar efe- K
tivamente da formulação da política econômica de curto prazo, os órgãos que t
formulavam, executavam e fiscalizavam a política de preços, abastecimento e
compras foram transferidos para a SEAP (Secretaria de Abastecimento e Preços), ‘>j,
o CIP (Conselho Interministerial de Preços), a SUNAB (Superintendência Na- [
cional de Abastecimento) e a SECIN (Secretaria Central de Controle Intemo). |
Além disso, um ano depois, em 1986, a SEMOR (Secretaria de Moderniza-
ção Administrativa) passou a ser o órgão que, juntam ente com as áreas de pia- |
nejamento e orçamento referidas anteriormente, com punha a base do Sistema i,|
de Planejamento Federal, sendo também transferida da SEPLAN. |
A partir de 1987, com nova mudança em sua administração, outro papel foi íf
reservado à secretaria. Embora fosse responsável, formalmente, pela coordena- f.
ção das ações do governo federal, não mais teve em sua estrutura a SEST (Secre- '3
taria de Controle das Empresas Estatais), além de ter extintas suas delegacias no
Rio de Janeiro, São Paulo e Recife. 1'
Com essas mudanças, a SEPLAN perdia não só o controle da execução de !
ações na área econômica como funções absolutamente ligadas ao seu próprio 1
ELSBV1ER Capítulo 6: Administração de recursos materiais e logística no setor público I 201

campo de atuação. A concessão de recursos para o atendimento de pequenas


obras ou atividades no âmbito social tornou-se um de seus principais campos
de ação, o que revela ainda um nicho destinado às compras públicas em sua es­
trutura. Por isso, foram transferidas para a SEPLAN a SEAC (Secretaria de Ação
Comunitária) e a CORDE (Coordenadoria para Integração da Pessoa Portadora
de Deficiência).
O retorno da SEPLAN ao desenvolvimento das ações básicas de planeja­
mento só se deu em 1988, com a nova administração, quando foi novamente
reformulada para atender às novas funções definidas pela Constituição Federal.
A secretaria voltou a ser o centro das decisões de política econômica, cuja po­
sição somente foi substituída em 1990, no Governo Fernando Collor, pelo Mi­
nistério da Economia. A SEPLAN foi extinta e reduzida à condição de Secretaria
Nacional, subordinada ao Ministério recém-criado, ocupado por Zélia Cardoso
de Mello.
De acordo com a Lei ns 8.490, de 1992, depois do impeachment do Presiden­
te Collor e a assunção de Itamar Franco à Presidência da República, a SEPLAN
foi recriada com o status de ministério e com o nome de Secretaria de Planeja­
mento, Orçamento e Coordenação da Presidência da República.
Em 1995, com a reforma administrativa realizada pelo governo Fernando
Henrique Cardoso, a SEPLAN foi transfoririada no Ministério dõ Planejamento
e Orçamento (MPO). A SEPLAN é ainda hojè uma sigla que identifica o órgão
de planejamento federal, seja pelos servidores ou pela população em geral, de­
vido ao período em que centralizava todas as importantes decisões da economia
brasileira, inclusive no que concerne às compras públicas.
Já em 1999, no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Car­
doso, com a modificação feita pela Medida Provisória n° 1.795, o MPO passa a
se chamar Ministério do Orçamento e Gestão (MOG). A partir de 30 de julho
de 1999, com a Medida Provisória na 1.911-8, o MOG recebeu o nom e atual de
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG).
As transformações estruturais do setor de compras públicas ainda estiveram
associadas à incorporação da tecnologia da informação nos procedimentos de
compras e contratações da administração federal no Brasil, sobretudo no que
concerne aos sistemas de compras eletrônicas.
Segundo Fernandes (2003), o Sistema Integrado de Administração de Servi­
ços Gerais (SIASG) consiste na ferramenta de apoio informatizado aos proces­
sos de licitação, que tem percorrido trajetória de avanço em direção à sua con­
solidação como ferramenta de uso unificado e abrangente. Além disso, o SIASG
tem contemplado a tentativa de aprofundar a exploração das potencialidades da
tecnologia em direção à introdução de inovações nos procedimentos de com-
202 I A dm inistração Pública ELSEVIER

pra, considerando inclusive a revisão de leis e normas. Um marco nesse sentido


foi a criação do portal de compras Comprasnet, que permitiu a ampliação do
leque de funcionalidades oferecido, bem como a forma de acesso.
Fernandes salienta que a área de compras governamentais está organizada
na forma de sistema, integrado por unidades administrativas distribuídas por
todos os ministérios, autarquias e fundações públicas da administração federal.
Trata-se do Sistema de Serviços Gerais (SISG), cujo órgão central é a Secretaria
de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI), que compõe a estrutura do Mi­
nistério do Planejamento, Orçamento e Gestão. O SISG abrange os ministérios
civis, as Secretarias da Presidência da República e mais de 300 autarquias e fun­
dações públicas. Esse sistema organiza a gestão das atividades de serviços gerais,
o que inclui licitações, contratações, transportes, comunicações administrativas,
documentação e administração de edifícios públicos e de imóveis funcionais.
As funções relacionadas às compras e contratações governamentais estão
concentradas no Departamento de Logística e Serviços Gerais (DLSG). Com
esse propósito, o DLSG expede normas e orienta a sua aplicação nas áreas de
administração de materiais, obras e serviços, transportes, comunicações admi­
nistrativas e licitações e contratos. O DLSG também é responsável pelo geren­
ciamento e operacionalização sistêmica das atividades do SISG, por meio do
SIASG, cujos serviços de operação são prestados pela empresa pública Serviço
Federal de Processamento de Dados (SERPR0).
No âmbito de cada órgão ou entidade, a responsabilidade pelas compras e
contratações é das unidades administrativas setoriais de serviços gerais, geral­
mente subordinadas a um gestor (Subsecretário de Administração, Planejamen­
to e Orçamento), responsável pela gestão de todas as funções administrativas
(planejamento, orçamento, execução financeira, informática e serviços gerais).
Na prática, a gestão direta das compras e contratações é realizada por gerentes
nas denominadas Unidades Administrativas de Serviços Gerais (UASG), disse­
minadas nos ministérios, autarquias e fundações públicas.

6.6. Questões para aprofundamento


1. Busque estabelecer nexos organizacionais entre duas funções do processo
de administração de materiais.
2. De que forma a informatização pode auxiliar na administração de mate­
riais? Estabeleça dois exemplos aplicáveis ao setor público.
3. Quais as principais características do regime de contratação e compras da
administração pública no Brasil?
ELSEVlER Capítulo 6: Administração de recursos materiais e logística no setor público I 203

4. Um dos principais avanços em termos de compras na administração pú­


blica consiste na licitação. Aponte os principais elementos característicos
desse processo, além dos seus pressupostos de existência.
5. Por que a modalidade do pregão é assumida como mais rápida do que as
demais modalidades licitatórias?
6 . Enumere duas diferenças entre o pregão e o pregão eletrônico.
7. Quais são as etapas sequenciais do processo licitatório? Busque pensar
em exemplos que necessariamente obedeçam a tais fases.

6.7 Bibliografia complementar


BARADEL, Evandro Meira. “A tecnologia da informação em prol das compras públicas.” In: III Workshop
de Pós-Graduação e Pesquisa, São Paulo, 2008.
BARADEL, Evandro M.; SILVA, Ivan P. “Mudança institucional na forma de licitar: a lei do pregão e
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E-goverment: o governo eletrônico no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2004.
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zacional. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001.
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uma avaliação exploratória da possibilidade de quantificação. Texto para Discussão ns 943. Brasília. Ins­
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204 I Adm inistração P ública ELSEVIER

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Uma Abordagem de Decisão Multicritério Agregando Valor às Compras Públicas no Brasil.
MORA, Mônica. Governo eletrônico e aspectos fiscais: a experiência brasileira. (Texto para Discussão n.
1089). Rio de Janeiro: IPEA; 2005. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/pub/td/2005/td_1089.
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MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações e contratos. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública.
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PINTO, Solon Lemos. “A Aplicação da Tecnologia da Informação às Compras Governamentais na Ad­
ministração Federal” in: Informática Pública, ano 2, na 2, dez/2000.
PIRES, Silvio. “Gestão da Cadeia de Suprimentos e o Modelo de Consórcio Modular.” Revista de Admi­
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SPECK, Bruno W. (Org.). Caminhos da transparência: análise dos componentes de um sistema nacional
de integridade. Campinas: Unicamp, 2002.
VIANA, João José. Administração de materiais: um enfoque prático. São Paulo: Atlas, 2000.
Capítulo

7
As relações entre o Estado
e o setor privado

1990, o Brasil vem se abrindo para uma econo­


e s d e o in íc io d o s a n o s

D mia mundial cada vez mais globalizada. Dependendo do analista, a inte­


gração da economia brasileira no mercado mundial é vista como algo muito
positivo ou, sob uma perspectiva diferente, como uma perda de soberania ou
um a submissão a potências estrangeiras (ou impérios). No mesmo cenário, a
globalização em si tem sido apresentada ao povo brasileiro como o motivo para
o crescimento da China e o expressivo aumento da classe média no Brasil ou
como culpada pela crise na qual o m undo está mergulhando e aparentemente
veio para ficar.
Na realidade, a globalização é a nova fase da economia capitalista, e se fechar
para ela — se é que isso é possível — seria uma tragédia para o país. A pergunta
que permanece é como fazer para o Brasil obter vantagens da aceleração do
comércio internacional e das alterações financeiras, de modo a permitir que
o país seja mais competitivo. A ideia é produzir a custos mais baixos o que for
demandado, atrair investimentos diretos internacionais e gerar mercados para
nossos produtos.
O Brasil, a potência econômica mais relevante da América Latina, tem
chamado atenção devido a seu tam anho gigantesco, à diversidade de sua pro­
dução e, acima de tudo, ao tam anho de seu mercado interno. Atualmente,
a classe média do país representa mais da metade da população. O país é o
m aior exportador do m undo de carne bovina, laranja, açúcar, soja, café, carne
suína e aves. Mesmo assim, como nos lembra Parag Khana (2008, p. 210), a
agricultura representa apenas 1 0 % da economia do país, uma das dez maio-
res do m undo”. O Brasil tam bém tem um a indústria ainda em crescimento
que, apesar da crise, m antém o país no topo da diversidade industrial e dos
processos industriais de valor agregado na,região. As recentes descobertas nas
áreas de petróleo e gás e a existência de im portantes recursos hídricos fazem
com que o Brasil esteja pronto para participar do mercado global de energia
em um a posição privilegiada. Além disso, o Brasil tem a sexta m aior reserva
de ferro do m undo (cerca de 8 % do total do planeta) e é o segundo produtor
m undial, superado apenaspela China. O ferro está entre os cinco itens princi­
pais da pauta de exportação do país.
O Brasil também é o segundo maior produtor de manganês, mineral que
tam bém é im portante na produção do aço, superado pela África do Sul, e o
terceiro produtor de bauxita, um minério de alumínio.
Mas se o potencial de desenvolvimento e competitividade é alto, os resulta­
dos ainda são inconsistentes. O crescimento vem ficando para trás nos últimos
anos, enquanto a economia mundial tem apresentado um desempenho positi­
vo, embora os números ainda coloquem o país próximo dos outros membros
do que tem sido chamado de BRICs (Brasil, Rússia, índia e China).
Alguns obstáculos institucionais têm se colocado no caminho da competi­
tividade brasileira. Muitos advêm do período em que a economia era mais fe­
chada para o mundo; outros, de um a cultura de gestão autorreferida que ainda
sobrevive. Dentre eles, podemos destacar:

• um a visão de administração e de controle públicos voltada para proces­


sos, e não para resultados, que enfatiza os rituais seguidos por funcioná­
rios públicos naquilo que Bresser-Pereira (1998, p. 15) chama de adm i­
nistração burocrática, com base na análise de Weber;
• a ainda muito recente consolidação dos direitos de propriedade e criação
de agências reguladoras;
• o excesso e a sobreposição de órgãos públicos envolvidos na regulação,
não totalmente dissociados dos partidos políticos;
• a frequente modificação da legislação acerca do setor privado, o que torna
arriscados os investimentos;
• a baixa qualidade da mão-de-obra, causada:
- pela recente universalização do acesso às escolas de ensino fundamen­
tal e o consequente declínio na qualidade da educação oferecida;
pelo baixo núm ero de anos de escolaridade;
- pela ênfase nas ciências humanas e desprestígio das ciências exatas e
do ensino técnico no nível médio e superior.
Esses desafios precisam ser abordados um por um, se quisermos estar pron­
tos para competir em um a economia mundial mais integrada. Vamos conside­
rar cada um deles e buscar maneiras de superar ou resolver as dificuldades que
esses obstáculos representam para o desenvolvimento.

7.1. Mudando uma cultura burocrática


O clientelismo é altamente enraizado na cultura política brasileira, trazendo
consigo uma forte tendência à corrupção, opacidade nas relações entre o pú­
blico e o privado, favoritismo e riscos para os investimentos. No entanto, para
combater esse problema, o país adotou um remédio que pode ser tão prejudicial
quanto a doença.
No Brasil, o Estado não foi originalmente projetado para oferecer serviços
públicos universais. Historicamente, ele foi concebido para exercer dois papéis:
gerar renda e empregos para a população branca pobre que veio com a Família
Real fugindo de Napoleão no início do século XIX; e reduzir o custo da pro­
dução de capital, através de investimentos que pudessem facilitar a instalação
de um setor privado em condições de operar de maneira sustentável no país.
A primeira função foi muito influenciada pelo sistema clientelista, que trocava
votos e fidelidade política por empregos (não necessariamente trabalho). Aqui,
eram oferecidos cargos no que se chama de administração direta, em que os sa­
lários eram sempre mais baixos e os serviços, de m á qualidade. O segundo item
foi resolvido, basicamente, pelas empresas estatais, que pagavam bons salários e
se mostraram altamente eficientes e importantes na promoção do desenvolvi­
mento do país. Isso foi feito através de todo o complexo do aço, da energia, da
construção de estradas e, mais recentemente, das telecomunicações.
Na verdade, havia um a terceira função, oferecer serviços e gerar oportu­
nidades para segmentos das elites e da classe média em ascensão, ou evitar
problemas que pudessem colocar em perigo toda a população, como doenças
infectocontagiosas ou desastres naturais. Podemos claramente inserir aqui a si­
tuação das escolas públicas, até a década de 1930, restrita, no Brasil, a 21,5% das
crianças em idade escolar, como mostra Lindert (2004, p. 92) em seu magnífico
Growing Public, enquanto países como a Argentina já tinham, na mesma época,
62%. Apesar disso, na maioria dos casos, o papel do Estado não era visto como
oferta de serviços públicos universais ou redução da pobreza. O Estado não es­
tava preparado nem equipado para isso.
Essa crise relaciona-se às mudanças nos procedimentos da administração
pública, que foram necessárias quando os cidadãos começaram a ter voz. Com
a democracia e a exigência de serviços melhores, toda a lógica que governava
os serviços públicos teve de mudar. Dessa forma, o sistema jurídico aceitou que
a lógica não deveria ter a eficiência como principal força motriz da máquina
estatal, mas a moralidade ou o uso de procedimentos não discricionários para
lidar com assuntos estatais e do serviço civil. Na prática, isso significava que não
era permitido um plano de carreira por sistema de mérito (já que isso geraria
a possibilidade de um chefe usar critérios políticos para as promoções); um
sistema de seleção pública muito rígido (apesar de muitas vezes ser ineficiente,
especialmente no caso de alguns cargos) foi estabelecido para recrutar servido­
res públicos; e os salários, especialmente de cargos mais complexos, não se com­
paravam aos do mercado privado de mão-de-obra. A argumentação por trás ^
dessa opção relaciona-se ao que era visto como o papel principal do Estado. Se
o Estado não está preocupado com o fornecimento de serviços públicos univer­
sais, mas apenas em oferecer empregos e renda para alguns, devemos assegurar
que o fisiologismo não domine o processo todo. Foi por isso que a isonomia
entre servidores públicos e o impedimento do livre julgamento de diretores se
tornaram mais importantes que a eficiência.
Com a Constituição de 1988, curiosamente, as coisas ficaram piores na área
da administração pública. Devido a excessos administrativos que ocorreram
durante a ditadura, quando a imprensa era censurada e não havia possibilidade
de controle social, o espírito da época se tornou moralizar os serviços públicos
através da introdução de rígidos controles legais. Isso provocou um enorme im­
pacto sobre os procedimentos administrativos e, muitas vezes, rituais substituí­
ram a busca por melhores resultados para o cidadaò e para o desenvolvimento.
Nesse contexto, a inovação, que exige flexibilidade, ficou muito difícil.
A ênfase no controle, para evitar a corrupção e o clientelismo, fez com que a
boa gestão fosse quase impossível e transformou em pesadelo a vida de empre­
sas e indivíduos que tinham contato com o governo.

7.2. Direitos de propriedade


A constituição do país protege os direitos de propriedade e até os considera
um direito humano (artigo 5a) e um importante princípio da ordem econômica
(artigo 170), junto com a função social da propriedade, que, de certa maneira,
limita o exercício total do direito constitucional. A herança também é um di­
reito assegurado. A desapropriação é possível, mas apenas para quitar dívidas
contraídas em juízo, pagar direitos trabalhistas, impostos estabelecidos por lei
ou assegurar um interesse coletivo — e, nesse caso, deve ser precedida de pa­
gamento ao proprietário do bem que, dependendo da situação, pode ser em
dinheiro ou em títulos públicos.
^a puui» / . rv> i<jiavuiaynMLm'UT!.iaü0'e'0'5et0i‘ privaao- i~ i m

No Brasil, essa provisão legal tem sido utilizada principalm ente para re-
modelagem urbana ou reforma agrária. No segundo caso, se a propriedade
rural for produtiva ou for a única propriedade de um pequeno ou médio pro­
prietário de terras, ela não pode ser desapropriada. A desapropriação para
reforma agrária pode ser feita através do pagamento antecipado de títulos de
dívida rural pública.
O Brasil tem um sistema judicial independente. Na maioria dos casos, os
tribunais costumam respeitar os direitos de propriedade, com um a exceção: os
direitos dos trabalhadores vêm em primeiro lugar em tribunais especializados,
criados no período da ditadura de Getúlio Vargas, inspirado nas leis trabalhistas
de Mussolini: os Tribunais do Trabalho.
Mais recentemente, houve uma consolidação dos direitos de propriedade
industrial ou, em outros termos, do direito temporário dos autores em relação
a invenções industriais, propriedade de marcas e nomes de empresas, com pri­
vilégios relacionados à sua utilização. O mesmo aconteceu com outro compo­
nente dos direitos de propriedade intelectual: o direito autoral, relacionado a
artistas, trabalhos literários, programas de computador e domínios da Internet.
A lei brasileira associa o direito autoral às criações do espírito e fornece um a
lista de trabalhos protegidos, como textos de trabalhos literários, artísticos e
científicos, conferências, coreografias, música com ou sem letra, programas de
computador, traduções e trabalhos artísticos semelhantes.
O órgão responsável pelos direitos industriais é o INPI — Instituto Nacional
da Propriedade Industrial — , encarregado do registro de marcas, concessão de
patentes, contratos de transferências de tecnologia, programas de computador
e semelhantes processos e produtos industriais. Embora tenha sido criado em
1970, em um período no qual o governo estava buscando ativamente a indus­
trialização do país, até muito recentemente era ineficaz, desorganizado e sujeito
à corrupção. Apesar disso, ainda há um longo caminho a percorrer para reduzir
a burocracia e o excesso de documentação.
Outra instituição muito importante para a proteção do direito de proprie­
dade é a lei de falências. A nova lei brasileira sobre falências é recente e data de
2005. A lei anterior era de 1945 e era claramente incapaz de lidar com os desafios
da época atual. A nova instituição prescreve um processo de recuperação da em 1
presa e, ao mesmo tempo, estabelece um a clareza para o com prador em relação
aos procedimentos judiciais envolvidos no encerramento do ativo adquirido.
Para respeitar os direitos de propriedade, é igualmente im portante a criação
e o bom funcionamento de agências reguladoras que possam oferecer trans­
parência nas regras relacionadas à operação privada de serviços de utilidade
pública e serviços públicos e, dessa forma, assegurar ao investidor que sua pro­
priedade e seus investimentos serão respeitados. Na década de 1990, o Brasil
estabeleceu, logo depois das privatizações, agências reguladoras para diferentes
objetivos, como a ANEEL (agência de energia elétrica), a ANATEL (agência de
telecomunicações) e a ANP (agência de petróleo). Outras agências se seguiram,
com a mesma meta de evitar tarifas abusivas em áreas nas quais monopólios
ou oligopólios são possíveis e de estabelecer regras claras e independentes para
investidores.
A independência dessas agências é fundamental para assegurar que o inves­
tim ento privado seja protegido contra a descontinuidade das políticas gover­
namentais. Mesmo assim, isso não aconteceu em todas as circunstâncias. Sinais
confusos foram enviados pelo atual governo em seu primeiro mandato, assegu­
rando a independência, mas, ao mesmo tempo, pressionando os conselhos dire­
tores das agências para mudarem as regras ou renunciarem. Felizmente, parece
que agora há um melhor entendimento do modelo das agências reguladoras.
O utra situação na qual a propriedade e os investimentos privados podem
correr risco, mesmo quando protegidos pela lei, é quando se adota um a aborda­
gem populista em concessões de estradas ou em outros setores de infraestrutura
e políticas sociais. Com maior frequência do que gostaríamos de admitir, os
governantes tentam aumentar sua popularidade logo depois das eleições amea­
çando congelar as tarifas definidas por contrato com um a operadora privada
de pedágios em estradas. Um deles chegou até mesmo a apoiar um a invasão
popular das cabines de pedágio. No final, as tarifas foram ajustadas conforme
estabelecido nos contratos, mas por trás dessa amèaça existe um a cultura con­
trária ao investimento privado.

7.3. Excesso e sobreposição de organizações envolvidas na regulação e


no controle do comércio
O Brasil precisa crescer e, para isso, precisa de investimentos. Devido à crise
fiscal e à rigidez orçamentária, gastos com pessoal e despesas correntes, o inves­
timento privado torna-se fundamental para o país. Nesse contexto, é im portan­
te analisar as organizações brasileiras que podem favorecer ou desestimular o
investimento direto internacional e o investimento privado local.
Uma pequena lista de organizações envolvidas com o investimento privado
no país incluiria:

• APEX — Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos


— criada em 1997, funcionou como departamento especial do SEBRAE
(Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) até 2003,
quando foi renomeada APEX-Brasil e começou a agir como agência autô­
nom a que funciona em associação com o Ministério do Desenvolvimen­
to, Indústria e Comércio Exterior. Com seu novo status, a APEX-Brasil
assumiu a função de coordenar e implementar políticas de promoção do
comércio endossadas pelo Governo Federal. Sua principal atribuição é
expandir a inserção de empresas brasileiras no mercado mundial, diver­
sificar as exportações no Brasil, aumentar o volume de exportação, con­
solidar mercados existentes e abrir novos;
ABDI — Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial — criada em
2004, funciona como uma organização do Ministério do Desenvolvimen­
to, com a missão de promover a implementação da política industrial do
país, de acordo com o comércio exterior e as políticas de ciência e tecno­
logia;
CAMEX — Câmara Brasileira de Comércio Exterior — pertence à es­
trutura do Conselho de Governo, com o objetivo de formular, adotar,
implementar e coordenar políticas e atividades relacionadas ao comércio
exterior de bens e serviços, incluindo o turismo. Dentre suas funções, po­
demos enfatizar a coordenação de organizações relacionadas ao comércio
exterior, a regulamentação de certificações de empresas para a prática do
comércio exterior, a classificação de produtos e regras de origem e pro­
cedência de produtos, a formulação de diretrizes sobre tarifas e diretrizes
para negociações bilaterais e multilaterais, para práticas abusivas no co­
mércio exterior e no financiamento de exportações;
SRF — Secretaria da Receita Federal, subordinada ao Ministério da Fa­
zenda, responsável pela administração dos tributos federais, incluindo
contribuições para a Previdência Social e impostos sobre operações de
comércio exterior, além de um a parcela significativa das contribuições
sociais do país. Ao mesmo tempo, ajuda o Poder Executivo do governo
na formulação da política brasileira de impostos e é responsável pela
prevenção e combate à evasão de impostos, contrabando, falsificações e
fraudes comerciais, além de outros atos ilícitos relacionados ao comércio
internacional. A SRF também é responsável pela gestão e execução da
administração, inspeção e controle alfandegários;
MDIC — Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exte­
rior — responsável por diferentes aspectos da promoção de indústrias,
comércios e serviços, como propriedade intelectual e transferência de
tecnologia; medidas, normas e qualidade industrial; política de comér­
cio exterior; regulação do comércio exterior e implementação de pro­
gramas e mecanismos de proteção na área; participação em negociações
■ZTZ—I— AUiniDimiaçao ru ijlic a ELSEVIER

internacionais; apoio a pequenas e médias empresas; e atividades de


registro comercial. Isso é realizado através das Secretarias que integram
a estrutura do ministério: as decretarias de Comércio Exterior, de Dè-
senvolvimento Industrial, Comércio e Serviços e a Secretaria de Tecno­
logia Industrial. O m inistério também abriga a Secretaria Executiva da
CAMEX e outras organizações relacionadas ao desenvolvimento indus­
trial, como a SUFRAMA (Superintendência da Zona Franca de Manaus)
e as seguintes organizações, que prefiro analisar um a a uma. ,v.
INPI — Instituto Nacional da Propriedade Industrial, órgão responsável *
pelo registro de marcas, patentes, contratos de transferência de tecnolo­
gia e franquias de empresas, bem como o registro de software, projetos
industriais e indicações geográficas. \
INMETRO — Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Q u a li­
dade Industrial — age como Secretaria Executiva do Conselho Nacional
de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial e é responsável pelo
cumprimento das regras técnicas e jurídicas relacionadas à medição de
processos industriais. Também é responsável pela harmonização das me-J
dições com padrões internacionais e pelas atividades de credenciamento,
de laboratórios de calibragem, de organizações de certificação, inspeção
e treinamento necessários para o desenvolvimento da infraestrutura de ‘
serviços tecnológicos no país. O INMETRO coordena a certificação com-.,
pulsória e voluntária de produtos, processos, serviços e a certificação vo
luntária de pessoal;
• BNDES — Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social — '
empresa pública federal que tem por objetivo apoiar projetos que con­
tribuem para o desenvolvimento do país. Desde sua criação, em 1952, o
banco financiou grandes obras públicas e privadas nas áreas de indústria,
agricultura, transportes públicos e infraestrutura. Ele também contribui
para o fortalecimento da estrutura de capital de empresas privadas e para
o desenvolvimento de mercados financeiros;
SDAA — Secretaria de Defesa Agropecuária — parte do Ministério da
Agricultura, a SDAA coordena o Sistema de Defesa Agropecuária, in­
cluindo a Vigilância Agropecuária Internacional;
CADE — Conselho Administrativo de Defesa Econômica — é o órgão
antitruste, integra a estrutura do Ministério da Justiça e tem o papel de
orientar, auditar, investigar e prevenir o comportamento abusivo de uma
empresa que domina o mercado ou práticas anticompetitivas que ten­
dam a levar a essa posição dominante. Julga os casos e pode interromper
processos de fusão e aquisição;
ELSEVIER Cáp?tulo"7: As relaçoesenrfti O-EbuuM^ »— -

, ;,i • IBAMA — Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Reno-


? jj váveis — órgão federal que pertence à estrutura do Ministério do Meio
,5( Ambiente, responsável pela implementação da Política Nacional do Meio
Ambiente. O IBAMA também é responsável pelo controle e investigação
do uso de recursos naturais e o licenciamento de grandes investimentos
i que podem ter impacto ambiental. Para comércios locais e internacionais
que possam colocar em risco espécies ameaçadas de extinção, o IBAMA
também é um relevante órgão de autorização;
• Outras agências reguladoras para setores específicos, como a ANATEL,
ÍP de telecomunicações, a ANA, de água e saneamento, a ANEEL, de energia
'I elétrica, a ANP, de petróleo, a ANTT, de transportes rodoviários e ferro-
l| viários, e a ANVISA, de vigilância sanitária.

Para lidar com as inevitáveis disputas burocráticas entre as diferentes agên-


J cias envolvidas no comércio exterior e simplificar os procedimentos para as era-
■presas, o governo federal criou o SISCOMEX, um sistema integrado para ser
^ operação oficial do comércio exterior. O SISCOMEX é uma ferramenta que
} reduz (mas não elimina) controles paralelos e, dessa forma, diminui a docu-
‘ mentação envolvida nas operações,.Ele faz isso ao integrar, com a ajuda da tec-
■nologia da informação, as atividades de todas as organizações envolvidas com
comércio exterior, permitindo o monitoramento, a orientação e o controle das
diferentes fases dos processos de importação e exportação. Possuí um módulo
específico para exportações, outro para importações e um terceiro para devolu­
ção eletrônica de impostos.
Outros órgãos também podem dificultar os negócios se estes não forem con­
duzidos de maneira apropriada. São as agências reguladoras de nível estadual e
local. O Brasil é uma federação, e os governos estaduais estabelecem suas próprias
organizações para assuntos abordados nas leis de concorrência. Na maioria dos
estados, por exemplo, existe uma agência e uma Secretaria do Meio Ambiente
que também são responsáveis por autorizar ou impedir obras que podem afetar
rios, o ar e os biomas. O mesmo acontece com as agências locais. Com mais
frequência do que se deseja, um investimento recebe aprovação de um nível do
governo e não é aprovado pelas agências dos outros níveis.
Muitos esforços têm sido dedicados à coordenação das exigências das dife­
rentes agências envolvidas na operação e no investimento privado no país, e já
foram conseguidos alguns progressos, como o SISCOMEX. Infelizmente, a cul­
tura por trás da legislação e até mesmo na interpretação da lei por algumas de
suas agências ainda é preconceituosa em relação ao setor privado e, consequen­
temente, em relação à própria possibilidade de desenvolvimento. Como declara
214 I Administração Hública ELSEVIER

João Paulo Reis Velloso (2009, p. 6 ), resumindo a opinião dos participantes de


um painel dedicado à necessidade de modernização da gestão pública no país,
devemos “fazer com que a democracia brasileira e as instituições políticas sejam
favoráveis ao desenvolvimento”.
Um participante do mesmo painel, João Geraldo Piquet Carneiro (2009, p.
167), prevê um futuro negro para a gestão estatal se não forem tomadas provi­
dências.

O presidente está muito irritado com o ritmo lento da burocracia, os ministros alegam
que as licitações públicas são quase impossíveis de implementar devido ao excesso de
exigências formais, as disputas entre concorrentes no sistema judiciário ameaçam para­
lisar o uso da energia do rio Madeira.

E ele continua: “iniciativas para simplificar o comércio exterior [...] esbar­


ram no conservadorismo das quase 40 organizações e autoridades necessaria­
mente chamadas para darem suas opiniões no processo”. E não é só o Executivo
que deve ser culpado. “O Tribunal de Contas da União (controle externo) atesta
irregularidades em 70% das obras em aeroportos. O Ministério Público Federal
recebe mandados judiciais para suspender obras em andamento.” Sua receita
para a m udança é simples: introduzir flexibilidade no formato do Estado, o que
exigiria, entre outras medidas, a simplificação dos processos de licitação e mais
autonom ia efetiva para os órgãos públicos. ’'
A escolha dos diretores de alguns desses órgãos não é dissociada dos parti­
dos políticos, e isso pode provocar a possibilidade de captação política para a
criação de leis e um a grave descontinuidade, o que pode prejudicar investimen­
tos de longo prazo. A aprovação de nomes pelo Senado e os mandatos fixos são
medidas que introduziram algumas proteções no processo, mas aparentemente
não são suficientes. As dificuldades do governo eleito em 2003 de entender as
agências reguladoras colocaram o modelo em risco, na medida em que ele pres­
sionou os diretores das agências a renunciarem. Felizmente, os mal-entendidos
aparentemente foram passageiros.

7.4. Modificação frequente da legislação acerca do setor privado


O Brasil passou, nos últimos 12 anos, por uma mudança espetacular nas
instituições e criou um clima de investimento mais favorável ao setor privado
(embora a cultura política ainda tenha um longo caminho a percorrer nesse
sentido). Esses avanços não seriam possíveis sem um a enorme transformação
na Constituição, nas leis e nas regulamentações.
ELSEVIER Capítulo 7: As relações entre o Estado e o setor privado | 215

O Judiciário se orgulha de sua independência arduamente construída, de­


pois de anos de ditadura, e a reforma da Justiça (feita por uma emenda cons­
titucional e diferentes leis) é responsável por isso. Constituição Organizações
foram criadas (como as agências reguladoras) ou fortalecidas (como o CADE)
e isso também foi feito por meio de emendas constitucionais e leis. A lei de con­
cessões, por exemplo, foi fundamental para as telecomunicações. Essas agências
recém-criadas publicaram as regulações havia muito esperadas.
A Secretaria da Receita Federal foi modernizada e atualizou o processo de
declaração de Imposto de Renda, que pode ser realizada via Internet. As ativi­
dades de regulação promovidas pelo órgão também foram ajustadas à época da
tecnologia de informação e telecomunicação. Por outro lado, as empresas ainda
aguardam a redução dos custos e da época de pagamento de impostos no país.
A quantidade de empregados e a documentação necessária para pagar impostos
e estabelecer um a relação com o governo aumentam os custos dos produtos e
da operação das empresas.
Outra lei im portante recente é a Lei de Falência e Recuperação de Empresas
(Lei 11.101, publicada em 2005, que substitui a anterior DL 7.661, que ficou
em vigor de 1945 até 2005). A nova lei de falências, que se aplica à maioria das
corporações, oferece mais proteção e flexibilidade para os devedores se reorga­
nizarem enquanto a empresa continua a funcionar. Ao mesmo tempo, os cre­
dores podem aum entar suas expectativas de recebimento das dívidas quando as
empresas forem liquidadas, o que lhes proporciona um papel mais im portante
na negociação de planos de reestruturação e procedimentos de reorganização
do que na lei de falências anterior.
Sobre a possibilidade de Parcerias Público-Privado, uma lei federal foi pu­
blicada em dezembro de 2004, e alguns estados estabeleceram suas próprias leis
sobre a questão. A legislação estabeleceu que as PPPs funcionem como um con­
trato financiado e operado através de um a parceria entre o governo e uma ou
mais empresas privadas, na qual o parceiro privado é responsável pelo investi­
mento e o setor público paga uma taxa adicional sobre a tarifa praticada (con­
cessão patrocinada) ou paga pelo serviço sem que o usuário precise pagar por
ele (concessão administrativa). Qualquer que seja o formato, as PPPs exigem
licitação. No entanto, o processo é tão complicado e a visão burocrática está tão
impregnada na nossa cultura administrativa que poucas PPPs saíram do papel.
Mas a lei certamente foi um avanço e é apenas questão de tempo até que mais
empreendimentos sejam apoiados.
Todas essas leis certamente ajudaram as empresas, e o desenvolvimento e as
mudanças foram bem recebidos, mas a instabilidade e as incertezas introduzi­
das pela frequente reemissão de documentos legais e os questionamentos jurí-
216 I Adm inistração Pública ELSEVIER

dicos acerca de sua constitucionalidade dificultaram as decisões empresariais. A


inexperiência do país com agências reguladoras e sua própria imaturidade fize­
ram com que as regulações mudassem com mais frequência do que deveriam. í
A novidade tem um custo. A divisão do trabalho entre os ministérios (que de-
veriam coordenar as políticas nacionais) e as agências, em relação a regulações, ;'
inspeções e concessões, também foi motivo de tensão e teve impacto sobre as %
operações do setor privado. jf

7.5. Baixa qualidade da mão-de-obra


í
;
Infelizmente, o Brasil tem sido lento em fornecer acesso à educação básica f
para todas as crianças em idade escolar. Enquanto, na década de 1960, o acesso "
à escola era semelhante na maioria dos países da Ásia, em 1990 o país ainda <
tinha um longo caminho a percorrer. Só em 1997 o objetivo de colocar todas as ■
crianças na escola se tornou realidade.
Como resultado, o Brasil ainda tem, em sua população adulta, 10% de anal-
fabetos e 74% de analfabetos funcionais (adultos que são capazes de escrever o
próprio nome, mas incapazes de ler um livro). Apenas 65% das crianças m atri­
culadas concluem o ensino fundamental e apenas 42% concluem o ensino mé­
dio. A média de anos de escolaridade da população adulta é 7,4, e é importante
observar que um ano adicional de escolaridade rço país tem o poder de aum en­
tar a renda dos trabalhadores em cerca de 10%. Existe um a evolução visível se
considerarmos anos anteriores, mas a velocidade das mudanças é baixa.
Quanto à qualidade da educação oferecida em ambos os níveis, a maioria
das crianças em idade escolar não está aprendendo o que se espera para sua
idade e série em matemática e leitura. O Ministério da Educação iniciou um
esforço agressivo para mudar esses números, relacionado à matrícula de pessoas
pobres, que, até recentemente, eram excluídas das escolas. O investimento em
treinamento de professores, o auxílio e a intervenção em escolas com baixo de­
sempenho e a ajuda com o transporte de crianças de áreas rurais até as escolas
são algumas das medidas adotadas. Mas a maioria das medidas se tornou possí­
vel através de mudanças no sistema de financiamento da educação pública.
Na administração de Fernando Henrique Cardoso, o ministério fortaleceu
a avaliação que foi iniciada no governo anterior e revitalizou o INEP, órgão
responsável pelas avaliações e estatísticas de educação. Mas essas realizações fo­
ram possibilitadas por um competente sistema de financiamento, o Fundef, um
fundo público para a educação fundamental que organiza a distribuição dos
recursos para os estados e municípios, de acordo com a quantidade de crianças
matriculadas. O dinheiro para a educação no orçamento ficou marcado nos
ELSEVIER Capítulo 7: As relações entre o Estado e o setor privado I 217

níveis federal, estadual e municipal, e o financiamento público para a área au­


mentou significativamente. Na administração Lula, o fundo foi estendido para
as escolas de ensino médio e a pré-escola, e a extensão da avaliação para todas as
crianças da 4a e da 8 a séries, com um índice que possibilitou o monitoramento
escola por escola e assegurou um melhor estabelecimento de metas para as po­
líticas educacionais.
Esses avanços são muito importantes e compensam a falta de interesse dos
políticos eleitos no desempenho educacional. Na verdade, seus eleitores não os
pressionam para obter resultados nessa área. Uma pesquisa recente feita pelo
IBOPE, instituto de pesquisa de opinião pública, descobriu que apenas 1% dos
eleitores consideram as propostas educacionais de seus candidatos quando vo­
tam para prefeito.
Infelizmente, ainda há um longo caminho a percorrer. O Brasil teve um
desempenho ruim no PISA (Program for International Student Assessment
— programa de avaliação internacional de estudantes), um teste da OCDE (Or­
ganização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) aplicado a alunos
de 15 anos em 57 países. O Brasil participa desde 2000 e ficou entre os desempe­
nhos mais baixos em todas as três edições do teste realizadas desde então.
Como resultado, a mão-de-obra é mal preparada e, como o acesso à univer­
sidade é ainda mais restritivo e os mesmos problemas de má qualidade também
estão presentes nesse nível, um diploma de graduação não é garantia de um
trabalhador competente. Para piorar as coisas, uma ênfase excessiva em ciências
humanas e academicismo em algumas universidades não ajuda a preparar uma
m ão-de-obra competitiva para cargos mais altos.

7.6. Conclusões
O Brasil tem condições de se tornar um dos mais importantes BRICs, como
sugeriu o nome de um recente seminário no Rio de Janeiro. Isso pode ser con­
seguido através de algumas medidas nas quais as instituições exercem um papel
importante.
Em primeiro lugar — e mais importante —, o Brasil tem de continuar a con­
solidar a democracia e o Estado de direito. Como vimos anteriormente, foram
feitos avanços importantes nos últimos anos, especialmente com a independência
do Judiciário; a transição pacífica de um governo eleito para outro, embora fos­
sem oponentes; mudanças em importantes leis; e até mesmo a Constituição cria­
da pelo Congresso eleito, usando mecanismos legais para assegurar o processo.
Em segundo lugar, o país tem de implementar novas medidas para sim­
plificar a vida dos cidadãos e das empresas em seus contatos com o governo.
Isso exigiria um esforço para substituir um a cultura burocrática, baseada nos
controles sobre rituais e no intenso uso de documentos, por uma cultura mais
administrativa, baseada nos resultados apresentados. Se o nom e do jogo é um
desenvolvimento inclusivo e sustentável, não são organizações com excessivos
controles e exigências competitivas de diferentes agências que vão ajudar.
Essa m udança cultural exigiria um intenso treinamento em medições. Os
servidores civis e funcionários públicos deveriam ficar confortáveis com a iden­
tificação dos custos envolvidos em projetos e com comparações entre metas
previstas e resultados atingidos em cada programa do governo. Medições como
“contratos de programas internos”, adotadas pelo governo de Minas Gerais, em
que cada secretaria ou órgão tem objetivos a serem alcançados e tetos para gas­
tos orçamentários, poderiam ser um a boa ideia.
Também é im portante desenvolver mais ferramentas para avaliar o impacto
de cada política pública. Avanços importantes, como o IDEB (índice de Desen­
volvimento da* Educação Básica), que permite um a comparação entre sistemas
escolares e a experiência internacional, ou medições na saúde ou na previdência
pública, foram introduzidos e, agora, o esforço deve ser no sentido de desen­
volver prestações de contas e recompensas para o alcance das metas. Devem ser
abordados benchmarks e boas práticas.
O respeito aos direitos de propriedade e ao investimento privado tem apre­
sentado grandes avanços e progressos institucionais. A nova lei de falências
certamente está entre eles, bem como o recente fortalecimento do INPI, órgão
da propriedade industrial. Mas, para garantir que os direitos de propriedade
sejam totalmente respeitados, o INPI ainda tem um longo caminho a percor­
rer, e a propriedade intelectual deve receber mais apoio. Existe um a mística
infeliz no país relacionada à necessidade de socialização de ideias e inspirações.
No entanto, por mais poético que possa parecer, por trás dessa proposta apa­
rentem ente generosa, isso implica desrespeito pelo trabalho intelectual e pelo
investimento.
Na sobreposição de organizações que lidam com o investimento privado
e o comércio internacional, o SISCOMEX (sistema de informação que integra
órgãos envolvidos com o comércio exterior) e a criação de agências regulado­
ras são melhorias significativas (embora não sejam tão recentes). Mas deve-se
tom ar m uito cuidado para, por um lado, assegurar que documentos adicionais
não sejam exigidos fora do sistema, em um a demonstração de micropoder em
disputas burocráticas, e, por outro lado, m anter a independência das agências
para publicar regulações e evitar práticas abusivas não competitivas.
Uma definição melhor dos papéis dos governos federal, estadual e m uni­
cipal em diferentes políticas organizaria não apenas os serviços públicos, mas
ELSEVIER Capítulo 7: As relações entre o Estado e o setor privado I 219

as exigências competitivas de cada nível. Cidadãos e empresas não devem ser


punidos por operarem em áreas ambíguas da regulação.
A incorporação de exigências ambientais deveria ser enfatizada no projeto
de empreendimentos, para economizar tempo e dinheiro em grandes projetos.
Por outro lado, a simplificação e a redução das exigências burocráticas e disputas
interorganizacionais (relacionadas ao envolvimento dos três níveis da federação
em análises de impacto ambiental e licenciamento) devem ser consideradas pa­
ra permitir que bons investimentos sejam realizados com mais rapidez.
Mudanças na legislação acerca da operação e do investimento no setor
privado ocorreram recentemente, precedidas de audiências públicas. Essa é
um a iniciativa mais do que bem-vinda. A abordagem tecnocrática que pre­
valeceu durante o período da ditadura infelizmente sobreviveu à época de
autoritarismo, e ouvir todos os grupos envolvidos é uma evolução que deve
ser preservada.
Também é im portante entender que algumas mudanças são realmente ne­
cessárias para se modernizar a maneira como o mercado opera e sua relação
com o Estado. Por outro lado, a previsibilidade é essencial para empresas e per­
mite investimentos de longo prazo.
As instituições políticas devem ser modernizadas, assegurando que o dien-
telismo e o paternalismo sejam parte do passado brasileiro, e não um traço cul­
tural a ser preservado. Embora a possibilidade de Reforma Política continue
remota por enquanto, o clima para mudanças precisa ser criado, permitindo
uma melhoria do sistema eleitoral e o fortalecimento dos partidos políticos (o
melhor antídoto contra o populismo).
Por último, mas não menos im portante, a atenção dedicada atualmente
à educação básica deve ser ampliada, com a universalização do acesso ao en­
sino médio e um forte investimento em educação técnica e carreiras científi­
cas. O Brasil precisa de mais engenheiros, mais professores de ciência e mais
pesquisadores. As instituições estão prontas; só precisamos de persistência
estratégica.

7.7. Questões para aprofundamento


1. De que forma a globalização pode influenciar os países em desenvolvi­
mento, tais como o Brasil?
2. Quais características econômicas do Brasil ampliam o processo globaliza-
tório?
3. Disserte sobre dois obstáculos institucionais à e c o n o m i a brasileira e bus­
que relacioná-los entre si.
220 I Adm inistração Pública ELSEVIER

4. Analise os desafios advindos da cultura burocrática brasileira no que


concerne à relação entre o setor privado e o Estado.
5. De que forma o excesso e a sobreposição de organizações envolvidas na
regulação e no controle do comércio podem servir como entraves ao de­
senvolvimento nacional?
6 . Explique a seguinte frase: “Uma definição melhor dos papéis dos gover­
nos federal, estadual e municipal em diferentes políticas organizaria não
apenas os serviços públicos, mas as exigências competitivas de cada nível.
Cidadãos e empresas não devem ser punidos por operarem em áreas am­
bíguas da regulação”.
7. Em que sentido a educação básica pode ser um vetor de desenvolvimento
do Brasil? Explique de forma fundamentada.

7.8. Bibliografia complementar


AMARAL, N. C.; CATANI, A. M.; OLIVEIRA, J. F. “O financiamento público da educação superior
brasileira: mudanças e desafios.” São Paulo: RBPAE (Revista Brasileira de Política em Administração
Educacional), 2003.
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico.
Rio de Janeiro: Forense, 2005
FERNANDES, Rubem César. Privado porém Público: O Terceiro Setor na América Latina. Rio de Janeiro:
Relume-Dumará. 1994.
FIORI, J. L. 60 lições dos 90: Uma década de neoliberalismo. Rio de Janeiro: Record, 2001.
GIAMBIAGI, F.; MOREIRA, M. M. A economia brasileira nos anos 90. Rio de Janeiro: BNDES, 1999.
HARVEY, D. Condição Pós-Modema. 9a Ed.. São Paulo: Loyola, 2000.
IANNI, O. Estado eplanejamento econômico no Brasil (1930-1970). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1971.
JAMESON, F. A cultura do dinheiro: ensaios sobre a globalização. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
PINHEIRO, A. C. A experiência brasileira de privatização: o que vem a seguir? Rio de Janeiro: BNDES,
textos para discussão, 2000.
RATTNER, H. (coord.). Instituições financeiras e desenvolvimento tecnológico autônomo: o Banco Nacio­
nal de Desenvolvimento Econômico e Social. São Paulo: IPE/USP, Fapesp, 1991.
SINGER, P. “Interpretação do Brasil: uma experiência histórica de desenvolvimento.”
In: FAUSTO, B. (org.). História geral da civilização brasileira. São Paulo: Bertrand
Brasil, 1995.
Capítulo

B
Instituições políticas no Brasil

Brasil é um a república federativa formada pela união de 26 estados, um


O Distrito Federal (onde se situa Brasília) e 5.561 municipalidades.* É o
país mais vasto e o mais populoso da América Latina, com um a superfície de
8.547.400 kilômetros quadrados e com quase 184 milhões de habitantes. O país
cobre perto da metade do continente sul-americano (47,3%) e possui fronteiras
com quase todos os países da região (também com a França, através do departa­
mento da Guiana Francesa), exceto o Chile e o Equador. De acordo com o censo
de 2000,81,25% de sua população m ora em áreas urbanas.
Antiga colônia de Portugal, o Brasil foi “descoberto” em 1500, durante o
período das grandes expedições navais de Portugal e Espanha. O Brasil sofreu
uma colonização marcada pela difusão da fé cristã e da procura por riquezas a
curto prazo com pouco investimento do reino português em sua nova colônia
(Murilo de Carvalho, 2004, p. 2 1 ). O “pau-brasil”, madeira vermelha útil para a
pintura de tecidos, o ouro, os diamantes, o dinheiro e a borracha foram os ob­
jetos cobiçados pelos portugueses. Diferentemente da colonização dos Estados
Unidos da América, homens sozinhos sem suas famílias vieram a terras brasilei­
ras no começo desse período. A mestiçagem, uma característica muito forte da
população brasileira, teve início nessa época.
Os recursos do Brasil não eram tão atraentes quanto aqueles que provinham
das Índias Orientais, mas Portugal temia perder sua conquista para os espanhóis

* A Constituição brasileira considera as municipalidades como parte da Federação.


222 I A dm inistração Pública ELSEVIER

ou para França.A Coroa portuguesa foi assim forçada a colonizar as terras des­
cobertas e a fazê-las produzir para o mercadq. europeu.
O açúcar foi o primeiro produto exportado para a Europa, graças às ter­
ras tomadas dos povos indígenas que foram escravizados para sua exploração.
Desde a segunda parte do século XVI, os portugueses agregaram à mão de obra
indígena escravos africanos da costa ocidental. Durante três séculos desse co­
mércio degradante, o Brasil trouxe quatro milhões de escravos africanos, o que '
terá um impacto importante na demografia e na cultura do país. j
Murilo de Carvalho nos m ostra que a forma de produção da cana-de-açú- -i
car, baseada na grande propriedade, na escravidão e no mercado externo, segui­
da da cultura do café de acordo com os mesmo princípios, estabeleceu as bases s,’
da política da sociedade brasileira (p. 2 2 ). *
A colonização de um país tão grande começou pelo estabelecimento das | ‘í
“capitanias hereditárias”, imensos pedaços de terra, cortados horizontalmente ,
na linha de Tordesilhas* até o Oceano Atlântico e dados de presente a nobres
portugueses leais à Coroa. Foram dados logo em seguida pedaços menores, as !j ■
“sesmarias”, a outros que se queria gratificar, na condição expressa de proteger
essas terras da invasão estrangeira. O insucesso da experiência levou ao estabe-
lecimento de um governo geral em Salvador, primeira capital do país. O frac­
cionamento do poder nesse modelo teve consequências longas para o futuro das
instituições políticas brasileiras. i.
É im portante ressaltar que o patrimonialismo** chegou ao Brasil com os
portugueses. Um sistema político e administrativo baseado na confusão entre o
público e o privado, na concessão de posições em troca de lealdade, amizade ou
interesses comuns, marcou a administração brasileira de antemão.
As guerras napoleônicas desempenharam igualmente um papel no de- ’p A
senho do sistema político do país. Aconselhado por seus aliados ingleses, o
príncipe regente, D. João, se refugiou, em 1808, com sua família e toda a Corte, f f '
na colônia sul-americana. A sede no Reino de Portugal foi então transferida
para os trópicos, e o Brasil conheceu um desenvolvimento inesperado como ^
consequência.
A economia portuguesa estava extremamente aliada à da Inglaterra nessa t f
época, e o bloco continental, decretado por Napoleão em 1806 contra a Ingla- j*-
terra, acarretava graves problemas ao Reino português. Lord Strangford, em-

* Linha de demarcação da partilha do Novo Mundo entre Espanha e Portugal estabelecida no final do século
XVIII.
** Patrimonialismo, termo proveniente das teorias de Max Weber, é utilizado mais aqui do que patronagem,
uma vez que ele exprime a falta de distinção entre o domínio público e o domínio privado dentro da gestão
de nogócios do Estado.
ELSEVIER Capítulo 8: Instituições políticas no Brasil I 223

baixador inglês em Portugal, sugeriu então a seus parceiros transferir a Corte


para o Brasil. Diante da eminência da invasão francesa, Dom João aceitou o
conselho.
As consequências para o Brasil foram extremamente importantes: o pacto
colonial assegurou a exclusividade das relações entre a metrópole e sua colônia,
e as estruturas públicas da corte foram transferidas para o Brasil. Em 1808, D.
João decretou abertura dos portos às nações amigas, dando vida a um grande
fluxo de mercadorias para o porto do Rio de Janeiro, antes inativo. A tarifas
alfândegárias foram reduzidas, e o dinheiro chegou também sob a forma de em­
préstimos, com altas taxas de juros. Além disso, como ressalta bem Laurentino
Gomes (2007, p. 215-216), a liberdade de comércio e de produção manufatu-
reira foi estabelecida. Logo após a chegada ao país, houve a revogação de uma
lei de 1785 que impedia a fabricação de qualquer produto na colônia. Dentro
da mesma linha, a abertura de rotas, interditadas desde 1733, foram igualmen­
te autorizadas. Diversos prédios públicos foram sendo construídos e abertos à
população, como a Biblioteca Nacional, o Museu Nacional, o Teatro Lírico e as
Escolas Superiores de Medicina, Matemática, de Belas Artes e de Engenharia
Civil. Um grupo de artistas foi convidado para documentar a vida urbana e a
natureza brasileira.
O território encontrava-se ainda bastante rural, embora a urbanização pro­
gredisse mais rapidamente. O Brasil se diferencia dos outros países pelo caráter
único da conquista da independência. Na realidade, o filho do rei decidiu sepa­
rar o país de sua metrópole para se tornar soberano. Em 1822, quase sem confli­
tos, sob a iniciativa de D. Pedro, o país se torna independente e é imediatamente
reconhecido pela Inglaterra.
Uma Constituição foi outorgada em 1824 baseada nos princípios da m o­
narquia constitucional e do parlamentarismo, ao estabelecer uma forte centra­
lização do poder nas mãos do imperador. Um quarto poder foi criado, o poder
moderador, que dava a D. Pedro I o poder de nomear membros pela via do
Conselho de Estado; os presidentes das províncias (os Estados federais de hoje
em dia), as autoridades da Igreja Católica, os senadores, os juizes e os ministros.
A Constituição lhe cedia também um poder de veto nas decisões do Poder Le­
gislativo. Ele podia dissolver o Parlamento e criar novas eleições, censitárias ou
indiretas.
O primeiro imperador não permaneceu até sua morte no país cujo nasci­
mento ele provocou. D. Pedro voltou a Portugal, onde se tornou rei depois de ter
abdicado do trono brasileiro em favor do seu filho menor, assim nomeado Pedro.
Após um período de regências e de conflitos separatistas e sociais, D. Pedro II foi
nomeado imperador, com a idade de 14 anos.
224 I Adm inistração Pública ELSEVIER

Um período de estabilidade teve início, mesmo com rebeliões das regências


e uma guerra contra o Paraguai que engqjia parte das energias do Reino. D. Pe­
dro II governou sob a mesma Constituição (com somente uma modificação im ­
portante em 1834) outorgada pelo seu pai, baseada em um sistema parlamen­
tarista e centralizador. Numerosas iniciativas de modernização das instituições
e de desenvolvimento do país foram realizadas, como a adoção de um código
comercial, a instituição de um sistema de pesos e medidas, um a administração
postal, o desenvolvimento do telégrafo e das primeiras estradas de ferro e aveni­
das. A medida mais importante foi, sem nenhum a dúvida, a abolição da escra­
vidão em 1888 (após o final do tráfico negreiro, decretado em 1850) que custará
seu trono. De acordo com Murilo de Carvalho (2004, p.29), a abolição marcou
um passo essencial na história do país, incorporando à sociedade nacional uma
grande parte de pessoas antes excluídas da cidadania brasileira. “Foi somente
após a abolição que se pôde pensar na constituição de um a nação brasileira”.
A proclamação da república, no ano seguinte, foi o resultado de uma m obi­
lização de militares, sem grande base social, e o descontentamento de uma par­
te da elite, frustrados pela abolição da escravidão que, embora em decadência,
desempenhava um papel importante na produção do café e da cana-de-açúcar
(Abrucio, 2003, p. 245). Os militares, influenciados pelas ideias vindas dos Es­
tados Unidos, que haviam estabelecido um a república federativa e presidencial
no norte do continente, decidiram seguir o mesmo exemplo. A Constituição
de 1891 consagra assim um regime republicano e um federalismo um pouco
diferente do seu modelo de inspiração americano. Na realidade, o modelo bra­
sileiro repousa em uma descentralização do poder para as antigas províncias,
agora chamadas de estados, e não na união de colônias com estruturas políticas
separadas, como é o caso dos Estados Unidos da América. No caso brasileiro, o
modelo de origem foi baseado em um Estado unitário e um poder central forte
nas mãos do imperador, um meio de Poder M oderador (abolido no segundo tex­
to constitucional). O novo regime presidencial incorporava a independência dos
poderes, não somente no nível federal, mas tam bém para os estados federados,
dispondo cada um de um presidente eleito e um a Assembleia Legislativa. O voto,
tom ado direto, foi aberto aos homens de mais de 21 anos (permaneceram excluí­
dos as mulheres, os analfabetos, os mendigos e os membros de ordens religiosas).
O sufrágio permitia a eleição de representantes do poder legislativo e executivo.
Para Abrucio (2003, p. 246), nesse projeto federativo, havia um forte com­
ponente de autonomia, mas pouco espaço para a interdependência. Essa proble­
mática foi agravada pela forte assimetria entre os Estados de fato, “com São Pau­
lo e Minas Gerais detendo um poder e um a riqueza bem maiores que a maior
parte das unidades, o que tornava difícil o equilíbrio horizontal da Federação”.
ELSEVIER Capítulo 8: Instituições políticas no Brasil I 225

Tal características do federalismo nascente é acompanhada por Abrucio e por


o.S outros, a) a oligarquização do sistema político no plano subnacional sob íi
n u ncia a construção de governos e de suas máquinas administrativas; e b)
o car ter centrífugo da descentralização será responsável pela consolidação de
um ator muito importante na política do período que foi chamado de“Repú-
íca e a ou Oligarquia, o coronel, nome provindo da antiga guarda nacional,
cria a durante o império. Como os chefes dessa corporação eram nomeados
? efl° ^overno central ou pelos presidentes das províncias, um longo tráfico de
m uencias e corrupção era associados a eles. Os coronéis, normalmente gran­
es proprietários de terra, obtinham seus cargos ao ajudarem seus protegidos
nas suas campanhas políticas.
Quando a república introduziu o federalismo, os governadores de estado
oram o rigados a se submeter às eleições para ter acesso ao poder. Eles recor­
reram aos coronéis para vencer as eleições. “Houve, assim, um pacto entre go­
verna ores e coronéis, em que os últimos davam aos candidatos do governo os
votos que eles precisavam e o governo lhes dava o controle das posições políticas
locais (Murilo de Carvalho, 2004, p. 27).
A proclamação da República reforçou então o papel dos dois estados eco­
nomicamente mais importantes, São Paulo e Minas Gerais. São Paulo já era
um estado hegemônico, graças à cultura extensiva de café em terras novas e à
m^ lares imigrantes italianos. Minas construiu sua riqueza no sé-
o II após a descoberta e exploração do ouro e diamantes, mas continuou
onstruí a em razão da sua pecuária produtora de leite. A base de apoio do
governo republicano foi então, de acordo com Murilo Macedo, transferida para
um acordo entre os estados mais ricos que foi batizado de “política dos estados”.
rK^USa ° S Pro<^u^os principais dos dois estados mencionados, ela recebeu
am m o nome de política do café com leite, por significar a alternância dos
ois estados como berço de futuros presidentes da República.
Em 1930, o equilíbrio será abalado. Rio Grande do Sul, estado excluído dos
acor os estabelecidos na República Oligárquica, quer participar do poder, e após
uma e eição fraudulenta (além disso, como a maioria dos votos nesse momento)
ao a o pôde pela segunda vez nomear o candidato oficial, Julio Prestes. Ele
oi e eito, como normalmente acontecia nessa democracia primitiva, com uma
margem expressiva em comparação ao outro candidato, Getúlio Vargas. Minas
erais se aliou ao Rio Grande do Sul. A Aliança Liberal, que havia lançado Ge-
t o Var8as e J°ão Pessoa, do estado da Paraíba, como vice-presidente, reunia
os inte ectuais, os militares e os descontentes com a crise econômica que após a
erroca a a bolsa em 1929 se abateu sobre os países. O assassinato de João Pes­
soa em julho (crime passional. a D a r e n tp m p n tí» '» <»a fraurlp Ha pleirão r e s u l t a r a m
226 I Adm inistração Pública ELSEVIER

em um a revolta armada inevitável. Em novembro, um a “junta” militar passa o


poder a Getúlio, que terá um dos papéis mais importantes na configuração do
Brasil do século XX.
O varguismo foi, nas palavras de Fernando Abrucio (2003, p. 246), “um
projeto de centralização do poder, com o reforço do governo federal — este foi
a criação efetiva da União como ator político do jogo federativo”. Nesse perío­
do, a administração pública viveu um a profunda reestruturação. Baseado na
crítica à política dos governadores e às práticas dos coronéis e seus “estábulos
eleitorais” (grupos de eleitores sob o controle de um coronel), a proposição de
Vargas, vitorioso com a Revolução de 1930, teve de conter um novo modelo
de administração. O presidente atuava dentro de um contexto em que emer­
gia um a visão mais intervencionista do Estado. Após a crise de 1929, que obri­
gou o governo a queimar os estoques de café, o m undo abandonou, ao menos
parcialmente, os discursos e as práticas econômicas mais ortodoxas e demanda
um papel mais ativo e protecionista das estruturas estatais. Ao mesmo tempo, a
Itália, onde o facismo adotava um sistema corporativo na relação entre capital
e trabalho, teve um a grande influência nas duas constituições elaboradas sob a
direção de Vargas e de suas políticas públicas (Costin, 2008, mimeo).
Para modernizar a Administração Pública, o presidente criou em 1938 o
DASP (Departamento Administrativo do Setor Público) que vai tentar dar mais
racionalidade ao aparelho do Estado. Instituiu selçções públicas para os candi­
datos a cargos do governo federal e dos estados. O modelo econômico adotado
foi baseado na substituição de importações: o país teve de produzir os bens in­
dustrializados que sempre importava. O Estado construiu infraestrutura neces­
sária para acelerar a industrialização: depois de ter criado a Fundação Getúlio
Vargas para preparar chefes para a administração privada e pública, e o SENAI
para treinar equipes para a indústria, Vargas criou em 1941 a CSN (Companhia
Siderúrgica Nacional) e no ano seguinte a Companhia Vale do Rio Doce, uma
companhia de mineração, as duas sob o controle acionário do setor público. Em
1943, novas empresas importantes foram adicionadas a essas duas, dentre elas a
FNM (Fábrica Nacional de Motores).
Bresser-Pereira (2007, p. 6 ), ao analisar esse personagem controverso da his­
tória brasileira, não tem nenhum a dúvida em classificá-lo como o hom em de
Estado do século XX. O que é certamente correto. “Getúlio Vargas foi um ho­
mem de Estado porque ele teve a visão da oportunidade que a Grande Depres­
são dos anos 30 abria para o Brasil começar sua industrialização e completar
sua Revolução Nacional. Este foi um líder nacional e populista que encontrou
um país rural e atrasado quando tom ou o poder e, 24 anos depois, o deixou
industrializado e dinâmico”.
ELSEVIER Capítulo 8: Instituições políticas no Brasil | 227

Quanto ao social, Vargas não somente reconheceu os sindicatos (mesmo se


de um a certa maneira os criou) e estabeleceu uma legislação do trabalho mo­
derna para a época, mas também criou os institutos de previdência social. Além
disso, ele estabeleceu a Justiça do Trabalho e a Justiça Eleitoral como filiais es­
pecializadas do Judiciário, buscando relação direta com os trabalhadores, sem a
mediação de partidos políticos, o que fez dele um populista. Mas esse populismo
político se torna um a repetição geral da democracia que será construída no país.
Ele incorporou, mesmo de uma forma totalmente incorreta, os trabalhadores à
vida política.Todas essas realizações justificam o apelido de “Pai dos Pobres”.
Mas tal esforço combinado à centralização do poder, exercido de forma au­
toritária, não acabou com o patrimonialismo. Vargas foi obrigado a fazer alian­
ças também, e as oligarquias regionais se adaptaram ou trocaram de titulares.
No entanto, os governos do período seguinte, da redemocratização e do popu­
lismo, receberam um governo central mais estruturado e profissionalizado. Da
mesma forma, a economia estava bem diversificada e baseada no que foi chama­
do de desenvolvimentismo nacional.
Houve dois governos Vargas, no tocante às instituições políticas: o da di­
tadura e o do modelo corporativista, de 1930 a 1945 (embora a ditadura pro­
priam ente dita tenha começado somente em 1937, quando foi estabelecido o
“Estado Novo”), e o período democrático, como presidente eleito, de 1951 a
1954, quando se suicidou. No segundo governo, ele teve de viver com uma
Constituição que novamente deu autonom ia aos estados federados e reesta-
beleceu o equilíbrio entre os poderes. Mas agora tinha-se um governo central
estruturado. A democracia, ou como disse Abrucio (2003, p. 248), “a democra­
tização progressiva do país”, iniciada com o fim da Segunda Guerra Mundial
(onde viveu-se um a amálgama de federalismo e uma democracia primitiva),
vai durar até 1964.
Os governos que seguiram até 1964 continuaram o modelo de substituição
de importações — o desenvolvimentismo nacional — e estabeleceram uma re­
lação com seus eleitorados, talvez descritos como populistas, dentro da mesma
lógica empregada anteriormente: a procura de uma relação direta entre dirigen­
tes políticos e o povo, sem mediação de partidos políticos. Os partidos políticos,
mesmo existentes, eram ainda fracos e sem consistência ideológica.
Mas é nessa época que o Brasil viveu um a outra experência de parlamenta­
rismo. Um presidente eleito em 1960 com a maior votação jamais obtida por um
candidato até esse momento, Jânio Quadros, renunciou à presidência somente
sete meses depois. Nessa época, a eleição do presidente e do vice-presidente era
independente, o que significa que um podia escolher o presidente de um parti­
do e o vice de outro. Ou seja, Jânio Quadros foi eleito com o vice-presidente de
228 | Administração Pública ÉLSEVIER

um a outra coligação, Jango Goulart, que foi considerado pelos militares como
um pouco da esquerda. Quando o presidente renunciou, os militares se recu­
saram a admitir Jango Goulart comÓ o novo presidente. O impasse se resolveu
por um a Emenda Constitucional na Constituição de 1946 que estabeleceu o
parlamentarismo novamente no Brasil em setembro de 1961.
O Ato Adicional significou um a diminuição de poderes que pôde derrubá-
lo por plebiscito um ano e meio depois. Como assinala Cintra (2004, p. 63), “o
parlamentarismo de 1961 nasceu sob maus presságios e dentro de uma situação
de crise, operou de forma errada, sabotado pelo presidente e mesmo pelos m i­
nistros, e não foi difícil de convencer o povo a rejeitá-lo”.
A democracia brasileira, frágil e mal consolidada, sofreu um golpe em 1964,
quando a elite e os militares se juntaram para combater o que eles, dentro do
clima de guerra fria, percebiam como um a ameaça ao estabelecimento de um
regime comunista no Brasil. O Congresso foi fechado, as liberdades políticas
suprimidas e, como na Argentina e no Chile, os oponentes do regime foram
levados para a prisão. O regime militar, como a ditadura desse período é fre­
quentemente chamada, durou 21 anos. De um a forma curiosa e diferente da
ditadura de Portugal, a modernização do país continuou (e mesmo acelerada), e
o modelo desenvolvimentista-nacional foi preservado. Com um discurso de di­
reita, os militares asseguraram um desenvolvimento independente e a um ritm o
intenso, além disso continuaram as reformas administrativas iniciadas por Ge-
túlio Vargas para profissionalizar a administração federal. Os estados federados
e as municipalidades perderam, por outro lado, seus poderes recentemente ad­
quiridos. Os partidos políticos foram postos na ilegalidade e dois novos foram
criados: O ARENA (a situação) e o MDB (a oposição consentida).
A redemocratização foi o resultado de uma confluência de fatores: a crise
econômica que deixou as elites menos contentes com o governo militar, um
clima internacional mais favorável aos democratas e menos paranoico sobre os
riscos de ter um regime comunista no Brasil e um a alternativa de poder viável
e aceitável à oposição. Ela foi precedida de um a descompressão planejada que
durou quase dez anos com idas e vindas. A eleição indireta de Tancredo Neves,
o candidato da oposição consentida, e a subsequente nomeação de seu vice-
presidente, logo após sua morte, alguns dias depois da data estabelecida para
sua posse, concluiu o processo de transição.
Com a redemocratização, os governos dos estados foram reforçados, em
um processo que lançou suas bases em 1982, ainda durante os anos finais do
governo militar e, de acordo com Abrucio (2003, p. 252), durou até o início do
Plano Real (o nome da moeda adotada no Brasil a partir de 1994). “Nesse pe­
ríodo, prevaleceu uma concepção mais defensiva e predatória dos estados, q u e
ELSEVIER Capítulo 8: Instituições políticas no Brasil I 229

conseguiram transferir uma parte pertinente de seus custos à União, via dívida
externa, e a competição horizontal entre eles, cujo maior evento foi a ‘guerra
fiscal. Com a ascensão e a duração do mandato de Fernando Henrique Cardoso,
medidas foram tomadas para resolver uma parte desses problemas, com a extin­
ção dos bancos dos estados, a renegociação das dívidas e a aprovação da Lei de
Responsabilidade Fiscal.
Uma nova constituição marcou o retorno da democracia, a carta de 1988.
Ela consagrou as instituições democráticas e os direitos sociais e políticos bem
maiores que os das Constituições anteriores, estabeleu regras de prudência fiscal
e de controle legislativo mais apertado sobre o orçamento e as despesas públi­
cas, e deu uma autonomia maior aos estados e municipalidades, que se torna­
ram entidade integrantes da federação.
No entanto, escrita em um clima de rancor contra a ditadura e busca de
justiça para os trabalhadores e os mais pobres, alguns erros foram claramente
cometidos:

• O texto constitucional era extremamente longo (345 artigos), porque se


queria assegurar os direitos e demandas dos grupos de interesses;
• Os direitos sociais incluíam bem mais serviços que o orçamento público
poderia-pagar, sem um a transição;
Os funcionários públicos receberam proteções constitucionais, além de ter
garantido uma estabilidade de emprego para todos os cargos, uma correção
anual dos salários independente da existência de inflação, condições bem
mais favoráveis para a aposentadoria e mesmo o estabelecimento de um
valor de salário para os cargos específicos, como chefe de polícia;
A inclusão de todos os professores universitários, pesquisadores e funcio­
nários públicos trabalhando sob as leis trabalhistas, no mesmo regime de
emprego e previdência social, representando um grave problema atuarial
ao sistema de aposentadorias de funcionários públicos e uma degradação
de salários de seus especialistas;
• A exigência de que todos os recrutados do Estado sejam brasileiros não
é razoável para as orquestras públicas, as universidades e os centros de
pesquisas;
• O Judiciário não estava submetido a nenhum controle externo adminis­
trativo, e suas condições de operação se renderam insuficientes;
A constituição estabelecia uma taxa mínima de juros.

Ames (1995, p. 325) enfatiza os erros cometidos pelo Congresso durante e


depois da elaboração da Constituição e os associa às fragilidades dos procedi-
» 'i -IW«—I *

mentos legislativos e do sistema político-eleitoral do país. Mas esses erros não


invalidam a importância da Constituição dentro do processo de consolidação
de um a democracia mais inclusiva e madura. Eles justificaram ainda correções
por meio de emendas constitucionais que foram propostas pelos governos Car­
doso e Lula e foram chamadas de reformas, em sintonia com as proposições de
reformas econômicas feitas pelo Banco Mundial e o FMI.
Mas mesmo com suas fraquezas alegadas, como dem onstra Armijo et al.
(2006, p. 763), vale ressaltar como o Brasil se manteve politicamente estável
desde a remocratização, apesar de um presidente que renunciou para evitar seu
impeachment, Fernando Collor de Mello, e uma passagem tranquila de cargo
para um presidente no comando da coligação de centro-direita, Fernando Hen­
rique Carsdoso, para um presidente de esquerda, Lula.
Do ponto de vista macroeconômico e de competitividade, o país dem ons­
tra resultados consistentes e positivos, com um superávit fiscal im portante,
sem aum ento da dívida interna e externa, um crescimento sustentável, um a
taxa de desemprego reduzida e a inflação (ainda) sob controle. Os resultados
das políticas sociais são também favoráveis: a taxa de crianças na escola au­
m entou, a m ortalidade infantil dim inuiu (de 31,9 a cada 1.000 recém-nascidos
vivos em 1997 para 22,58 p or 1.000 em 2004 — dados do Ministério da Saúde)
e mesmo a concentração de renda, considerada um a das piores do m undo, se
reduziu. Paes de Barros et al. (2007, p. 7) registraram que o progresso edu­
cacional entre os anos de 1995 e 2005 esteve vis->à-vis com aquele da década
anterior. A desigualdade de renda começou tam bém a declinar. Entre 2001 e
2005, o coeficiente de Gini saltou quase 5%, alcançando seu nível mais baixo
dos últimos 30 anos.
Esses resultados positivos possuem necessariamente uma correlação com as
instituições políticas e com o processo de aperfeiçoamento institucional do país.
Com as institituições em más condições, resultados similares não seriam possíveis
nem sustentáveis. Na próxima sessão, vou descrever os componentes do Estado
Brasileiro tal como regrado na Constituição e no sistema legal brasileiro.

8.1. O Estado Brasileiro


O Brasil possui um Estado republicano, democrático e representativo. É uma
república federativa e presidencialista composta de três poderes independentes:
Executivo, Legislativo e Judiciário. A federação é formada pela união de 26 es­
tados, municipalidades e o Distrito Federal, situado em Brasília e sob gestão
autônoma. São, então, três níveis de governo: União, estados e municipalidades.
A república brasileira constitui um Estado democrático de direito e, assim, é
tlL ò ü V IK K Capítulo 8: Instituições políticas no Brasil | 231

regida por uma Constituição, por constituições dos estados que devem respeitar
os preceitos por ela estabelecidos, pelas leis e decretos que a regulamentam.
As eleições no Brasil são para os cargos de presidente, prefeito, deputados
federais, senadores, deputados da Assembleias Legislativas dos estados ou da
Câmara do Distrito Federal e para representantes das câmaras municipais. O
registro eleitoral e o voto são obrigatórios para todos os brasileiros com mais
de 18 anos de idade e são facultivos para os analfabetos, maiores de 70 anos e os
adolescentes entre 16 e 18 anos. Os recrutados para o serviço militar obrigatório
do ano vigente não podem votar.
O Brasil professa claramente, na Constituição, o pluripartidarismo. Nesse
sentido, está livre da criação de partidos que possuem o poder de definir suas
estruturas internas, organização e estabelecer coligações. Os partidos, no en­
tanto, devem possuir um caráter nacional, prover contas à Justiça Eleitoral e
não podem receber recursos de um entidade ou governo estrangeiro. Todos os
candidatos a cargos eletivos devem ter um a filiação a um partido.

8.2. A Constituição
A Constitução brasileira foi preparada por uma Assembleia Constituinte
convocada especificamente para elaborar a Constituição, mas formada pelos
deputados e senadores eleitos para compor a próxima legislatura. É curioso ob­
servar que os senadores nomeados, os biônicos, participaram também da ela­
boração da Constituição de 1988, porque as eleições, como aquelas de 1986, só
renovaram um a parte dos senadores a cada vez.
O espírito da época era celebrar a liberdade, assegurar os direitos políticos
e sociais aos cidadãos, descentralizar as políticas públicas e acabar com o auto­
ritarismo, e a Constituição reflete bem esse clima. “A nova constituição”, cons­
tatam Alston, Melo, Mueller e Pereira (2005, p. 12) “reflete um certo número
de princípios há muito tempo preconizados pela oposição: a descentralização,
a transparência de participação, de controle social e de redistribuição”. Esses
princípios produziram um a grande transformação dentro dos modelos de for­
mulação e execução das políticas públicas.
Um dos domínios sobre o qual a Constituição evoluiu, marcando o fim do
autoritarismo, foi a retomada da separação dos poderes e, especialmente, a afir­
mação de um Judiciário independente. O cabeça desse poder é o STF (Supremo
Tribunal Federal),última instância de recurso em diversos processos e centro de
decisão para as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN).
Houve também um a grande descentralização e devolução da autonomia ad­
ministrativa aos gorvernos subnacionais e uma nova redistribuição de respon-
232 I A dm inistração Pública ELSEVIER

sabilidades. Os estados e municipalidades receberam, além disso, novos poderes


para estabelecer e coletar seus próprios impostos e uma parte mais generosa dos
impostos federais. A Constituição criou novos fundos para os estados e m unicí­
pios obrigando transferências automáticas do dinheiro federal.
Um outro aspecto importante da Constituição de 1988 é que ela foi escri­
ta em um clima de ausência de confiança dentros das fracas instituições polí­
ticas e da urgência em ver as diferentes expectativas e esperanças dirigidas, o
que resultou em uma Constituição muito longa, com quase 250 artigos e 74
disposições provisórias, “porque ela foi formulada dentro de um a conjuntura
histórica única, ela incorporou um a vasta faixa de demandas políticas, sociais e
corporativas que foram mantidas sem expressão sob o regime militar”. Alguns
anos após sua redação, foi constatado que muitos tópicos mereciam uma mo­
dificação, porque a rigidez introduzida por essa constitucionalização de temas
que mereciam, talvez, leis ou decretos, tornava a ação do governo muito difícil.
É por isso que a Constituição de 1988 é a mais alterada da história do país e que
diversas reformas realizadas por Cardoso e Lula foram, na realidade, desconsti-
tucionalizações.
A Constituição foi generosa ao assegurar os direitos, não somente políticos,
mas sociais também. Assim, todos os direitos trabalhistas, a universalização das
políticas de saúde, de previdência social, com regras de aposentadoria favore­
cendo júbilos precoces, e de educação (incluindo q gratuidade das universidades
públicas) foram dados, sem preocupação com a viabilidade econômica dessas
mudanças.
Por essas duas razões, Armijo, Faucher e Dembrinska (2006, p. 780) atri­
buem o apelido de populista a essa constituição ao dizer que “A Constituição
populista de 1988 é ridiculamente detalhada, demandando emendas constitu­
cionais para reformar minutas como a fórmula para calcular as pensões de fun­
cionários públicos”.
Por outro lado, em um país com tamanha desigualdade, os avanços introdu­
zidos pela Carta Magna brasileira merecem mais elogios que censuras. Alguns
excessos puderam ser corrigidos, mas as bases necessárias para construir um a
sociedade mais justa estão corretamente inscritas e devem permanecer dentro
do texto constitucional.

8.3. Poder Executivo


O chefe do Estado e, dentro da União, o chefe do governo, é o presidente da
república, eleito pelo voto direto e com um mandato de quatro anos com uma
possibilidade de reeleição para somente um outro mandato. O presidente tem
ELSEVIER Capítulo 8: Instituições políticas no Brasil I 233

por funções representar o país no cenário internacional, ser o chefe supremo


das Forças Armadas, propor políticas públicas ao Congresso e as executar, diri- i
gir a administração pública federal (incuindo a coleta de impostos) e assegurar ‘
e respeitar a lei. Por isso, ele tem a prerrogativa, entre outros, de propor leis ao
Congresso, como a lei do orçamento anual, em caso de emergência, legislar ele
próprio por meio de “medidas provisórias”, de leis públicas pelo Executivo, que |
entram em exercício imediatamente, mas devem depois estar aprovadas pelo |
Legislativo, e de sancionar ou recusar projetos de lei. I
Alston, Melo, Mueller e Pereira (2005, p. 13) argumentam que, apesar do
fato de que a Assembleia Constituinte tenha sido caracterizada por um forte de­
sejo de romper com o autoritarismo que marcou a época precedente, o desenho
final foi um Presidente forte.

Isso inclui, designadamente, um número de prerrogativas que aprecia o executivo (sig­


nifica o poder de lançar ‘medidas provisórias’, direito de veto, o poder de lançar novas
legislações, incluindo emendas constitucionais, o direito executivo de começar uma no­
va legislação em certos domínios tais como orçamento e leis administrativas e a prerro­
gativa de estabelecer limites de urgência para os procedimentos de voto). ,

O presidente conta também com a Polícia Federal, mesmo com um a inde-


pendência relativa em relação a ele, e a Agência Brasileira de Inteligência para
assegurar a justiça e a segurança interna. Na frente externa, ele tem o Itamara-
ty, nome do Ministério dos Negócios Estrangeiros. A carreira de diplomata é
profissionalizada, prevê uma seleção anual rigorosa e competitiva, além de um
curso de formação sólida, organizado pela escola de formação de diplomatas,
chamada Instituto Rio Branco.
Para suas ações e projetos, o Executivo utiliza o dinheiro dos impostos co­
letados pela União. Ele é aconselhado pelo Ministro de Estado, de diferentes
assuntos, que ele pode livremente nomear e reenviar. O Ministro que exerce a
coordenação das ações do governo antes que elas sejam propostas ao Presidente
e durante a execução é o Ministro Chefe da Casa Civil.
No caso de impedimento do presidente, substituem-no, em sequência, o
vice-presidente, o presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado e o do
Supremo Tribunal Federal, a instância mais alta da Justiça.
Para os estados federados, o chefe do Executivo é o governador, assim elei- .
to por voto direto por quatro anos, com uma única reeleição possível. Dentro
dos termos da Constituição do estado, o governador deve propor à Assembleia
Legislativa e executar políticas públicas em nível do estado, dirigir a adminis­
tração pública (incluindo a coleta de impostos) e assegurar o respeito à lei de
seu estado. Para isso, ele conta com instrumentos como os recursos de impostos
234 I A dm inistração Pública ELSEVIER

estabelecidos dentro da sua competência, coletados em seu estado e com a par­


tilha de impostos coletados de outros níveis.
Alguns estados previram também em sua constituição “medidas provisó­
rias” como o governo federal, e eles todos têm a iniciativa de criar algumas leis,
como a lei do orçamento anual, e podem igualmente sancionar, publicar ou
refutar projetos de lei. O governador preside a polícia civil, a polícia militar, o <
corpo de bombeiros, que são, esses dois últimos, no entanto, forças auxiliares e
de reserva do Exército nacional. *
O Executivo federal pode também propor um a ação direta de inconstitucio-
nalidade ao Supremo Tribunal Federal. Ele é aconselhado em diferentes domí-
nios por secretarias que pode nomear livremente. $,
Nas municipalidades, o chefe do Executivo é o prefeito, eleito por voto di-
reto e com um mandato de quatro anos e possibilidade de um a renovação. O '|í
prefeito tem como funções principais propor políticas públicas à Câmara de fr-
Conselheiros Municipais, dentros dos termos da Lei Orgânica do Município
(um a lei que organiza e orienta as ações realizadas no município, em acordân- j
cia com os preceitos da Constituição federal e do estado dentro do qual ele se p
localiza), e executá-las, dirigir a administração municipal (incluindo a coleta de fc
impostos) e assegurar, dentro do limite de suas atribuições, o respeito à lei em :
seu município. j.
Ele pode e deve propor leis à Câmara de Conselheiros Municipal (incluindo jl
a lei do orçamento anual), sancionar ou publicar leis municipais ou recusar É
projetos de lei. Algumas municipalidades possuem Guardas Municipais. O pre- jj
feito é aconselhado em algumas áreas pelas secretarias ou diretores municipais jt
livremente escolhidos por ele. |
1
8.4. Poder Legislativo ?1
í
Hl
O legislativo aprova as leis do país, do estado ou da municipalidade. >
• í
Ele é exercido pelo Congresso em nível federal. O Congresso nacional é -
bicameral, o que significa que ele é formado por duas Câmaras: A Câmara dos j
Deputados, com 513 membros que têm mandatos de quatro anos, e o Sena­
do, com 81 senadores eleitos por mandatos de 8 anos, renovados um terço dos
membros em uma eleição e dois terços na eleição subsequente.
A Câmara dos Deputados, estes eleitos proporcionalmente ao núm ero de
habitantes de cada estado, representa a população nacional, os desejos da maio­
ria. O Senado é composto por três senadores para cada estado, independente­
mente de sua população. Nesse sentido, ele representa cada estado federado.
Ci^OCViCJ* v . a p i i u i v » w . II fJu m n _ c » 5 n u D ld b ll |

Integra também a Legislação Federal o Tribunal de Contas da União, orga­


nização que oferece assistência ao Congresso nas atividades de controle e mo­
nitoramento externo. Eles analisam a reedição das contas do presidente e dos
organismos da União.
Nos estados, o Legislativo é exercido pelas Assembleias Legislativas, e no Distri­
to Federal, um híbrido de estado e município, pela Câmara do Distrito. O número
de membros da Assembleia Legislativa está ligado ao número de deputados fede­
rais e o salário dos deputados não pode exceder 75% do que ganham os federais.
Nas municipalidades, o Legislativo é exercido pela Câmara Municipal, e o
núm ero de conselheiros e seus salários serão um a porcentagem do número do
que ganham os deputados estaduais, mas dentro de um a escala crescente de
acordo com a sua população.

8.5. Poder Judiciário


Exerce a função judicial, o que quer dizer que ela possui a capacidade de jul­
gar conforme a Constituição e as leis do país. O acesso à Justiça é considerado,
pela Constituição, um direito essencial do cidadão.
Os órgãos do Poder Judiciário são: O Supremo Tribunal Federal, o Conselho
Nacional de Justiça (criado recentemente na Reforma do Judiciário realizada em
2004 como instância de normalização administrativa e controle externo sobre
esse poder), o Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais e os juizes federais, os
tribunais e os juizes do trabalho, os tribunais e os juizes militares e os tribunais
e os juizes de estado e do Distrito Federal. É importante entender que, no Brasil,
os juizes são considerados como órgãos.
O órgão mais alto da Justiça brasileira é o Supremo Tribunal Federal (STF),
formado por 11 juizes (chamados Ministros), escolhidos pelo presidente da Re­
pública entre os juristas celébres e de reputação intocada. Eles devem ser tam­
bém confirmados pelo Senado e têm um mandato sem término. Seu papel é de
guardião da Constituição e eles devem, entre outras atividades, julgar as ações
diretas de inconstitucionalidade, ações contra o Presidente, seus ministros,
membros do Congresso Nacional e o Procurador-Geral, litígios da União, esta­
dos e Distrito Federal com Estados estrangeiros ou organismos internacionais,
conflitos entre estados e União ou entre estados, conflitos de competência entre
tribunais superiores. Os ministros do STF devem também julgar em recurso, co­
mo última instância, as decisões que se crê terem contrariado a Constituição.
O Conselho Nacional de Justiça é composto por quinze membros, com
mandato de dois anos, permissão para renovação, entre eles um Ministro do
Supremo Tribunal Federal que preside, um Ministro do Superior Tribunal de
iib I Aaminisiraçao Pública ” ELSEV IBK "1'

Justiça, um Ministro do Superior Tribunal do Trabalho, juizes, advogados e dois


cidadãos, propostos um pela Câmara de Deputados e outro pelo Senado Fede­
ral. Os membros do Conselho são nomeados pelo Presidente, depois de ter sua
escolha aprovada pelo Senado.
A responsabilidade do Conselho é de controlar a atividade administrativa e
financeira do Poder Legislativo e do cum prim ento dos deveres funcionais dos
juizes. Constitui também sua função assegurar a autonomia do Poder Judiciário \
e a conclusão do Status da Magistratura, endossar a legalidade dos atos admi- '
nistrativos particados pelos membros ou órgãos do Judiciário, podendo anulá-
los, receber reclamações contra os membros ou órgãos do Judiciário e aplicar
sanções, se necessário.
O Superior Tribunal da Justiça (STJ) é composto de, no mínimo, 33 minis­
tros nomeados pelo Presidente da República, entre os brasileiros de conheci­
mento jurídico renomeado e reputação intocada, após a aprovação da escolha
pelo Senado Federal.
Dentre as funções do STJ se inclui julgar originalmente os crimes comuns
aos governos, os mandatos de segurança, os habeas data contra o atos do minis­
tro de Estado.
Comandante das forças armadas brasileiras ou do próprio tribunal; os m an­
datos de seguranças decidos em uma única instância pelos Tribunais Regionais
Federais ou pelos tribunais dos estados, quando a decisão for negada; as causas
onde são partidas um Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um la­
do, e do outro, uma municipalidade ou um a pessoa residente no país: julga, em
recurso, as causas decididas, em um a única e últim a instância, pelos Tribunais
Regionais Federais ou pelos tribunais dos estados, quando a decisão contrariar
um tratado ou um a lei federal; julgar válido o ato do governo local constatado
contra um a lei federal. A Justiça Federal tem para órgãos os Tribunais Federais
e os Juizes Federais. Os Tribunais Regionais são compostos de, no mínimo, sete
juizes nomeados pelo Presidente da República. Os tribunais são responsáveis,
dentre outras atividades, pelas revisões criminais e pelas ações recisórias de seus
próprios juizes ou de juizes da região, os mandatos de segurança e os habeas data
contra atos do próprio tribunal ou do juiz, os conflitos de competência entre
juizes federais ligados ao tribunal e as causas decididas pelos juizes federais e
pelos juizes dos estados.
Existem também no Poder Judiciário Federal estruturas especializadas co­
mo a Justiça Eleitoral, a Justiça do Trabalho e a Justiça Militar.
No estados, o poder judiciário é exercido pelo Tribunal de Justiça, e suas
funções são estabelecidas na Constituição de cada estado.
Os municípios não possuem Poder Judiciário.
ELSEVIER Capiiuio'HI'msnWIVUb^pui uiu'dy iiirui crsi

8.6. O Ministério Publico


Considerado como função essencial na justiça, o Ministério Público é res­
ponsável pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais. Ele compreende:

I - o Ministério Público da União, que inclui:


a) o Ministério Público Federal;
b) o Ministério Público do Trabalho;
c) o Ministério Público Militar;
d) o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios;
II - os Ministérios Públicos dos estados.

O Ministério Público é presidido pelo Procurador-Geral, escolhido, no caso


da União, pelo Presidente da República entre os integrantes da carreira de pro­
curador, depois de ter a aprovação de seu nome pela maioria do Senado Federal,
para um mandato de dois anos, permitida uma renovação.
Nos Estados e no Distrito Federal, o Ministério Público prepara uma lista de
três nomes entre os integrantes da carreira e o governador escolhido pelo pro­
curador geral, para um mandatò de dois anos, e uma renovação é permitida.
A funções do Ministério Público são,, dentre outras, de garantir o respeito
pelos poderes públicos e pelos serviços de relevância aos direitos assegurados na
Constituição, promover investigações e ações civis públicas para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses coletivos,
promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para preparar uma
intervenção da União ou dos estados, no caso, previstos na Constituição, de­
fender em justiça os direitos e interesses dos povos indígenas e exercer controle
externo da atividade da polícia.

8.7. O poder dos estados e das municipalidades


O Brasil é uma federação, e os estados e municipalidades possuem uma im­
portância autônoma face ao governo central. Os estados têm sua própria cons­
tituição, votada pela sua Assembleia Legislativa, sua polícia, e o direito de esco­
lher, dentro dos limites de competências estabelecidas pela Constituição federal,
suas políticas públicas. As municipalidades também possueniiuma Lei Orgânica
do Município, votada pelo Conselho Municipal, e o direito de escolher suas
políticas públicas. A Constituição federaí estabelece como, competências dos
municípios, entre outras, as seguintes: > fr ~ ^ r
• instituir e coletar os impostos de sua competência e aplicar a renda;
• organizar e fornecer, diretamente ou sob regime de concessão os serviços
públicos de interesse local, incluindo o transporte coletivo;
• manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado,
programas de educação de crianças, de ensino elementar, de saúde e de
assistência social;
• promover a proteção do patrim ônio histórico e cultural local.

As competências refletem um processo de descentralização de políticas so­


ciais, sobretudo dentro da área de educação, da saúde e da assistência social. Da
mesma forma se teve, em 1988, uma forte descentralização de recursos provin­
dos de impostos federais e dos estados e um aumento da capacidade de coletar
os impostos pelas municipalidades.
As competências dos estados são residuais, o que significa que elas são res­
ponsáveis por tudo que não é de responsabilidade do município ou da União.
Os estados possuem, geralmente, como responsabilidades, entre outras, as se­
guintes:

• instituir e coletar os impostos de sua competência e aplicar a renda;


• m anter os programas de ensino médio, de saúde (normalmente os pro­
gramas e os centros de saúde de maior complexidade e a maior parte dos
hospitais são de responsabilidade dos estados);
• organizar os transportes intermunicipais dentro de seu território;
• estruturar e m anter a polícia civil e m ilitar e garantir a segurança dos
cidadãos;
• manter, com a cooperação técnica e financeira da União, o sistema de
prisões.

No entanto, mesmo tendo havido um a descentralização im portante das po­


líticas sociais e dos recursos necessários para os estados e municipalidades, o
poder de decisão sobre como gastar o dinheiro e obter fontes de financiamento
das iniciativas dos governos subnacionais é claramente limitado pela Constitui­
ção e leis federais. M arta Arrechte, em um artigo interessante sobre o poder de
veto dos estados no Brasil (2007, p. 42) demonstra que existe um a centralização
do processo de tomada de decisão sobre os impostos dos estados, as despesas e
as responsabilidades sobre diversas políticas públicas.

A União concentra a autoridade de legislar sobre a maior parte de políticas públicas de


responsabilidade dos estados e municipalidades, o que transforma as arenas federais em
v.apilU)Uu. iiiMiiuiyuc} pumu-os >
"

principais locus de to m ad a d e decisão sobre questões federais, perm itindo, ao mesmo


tempo, que uma parte importante dessas matérias sejam resolvidas sob a forma de le­
gislação ordinária.

Naturalmente, a aprovação dessas leis é bem mais fácil que uma emenda
constitucional. A lém disso, acrescenta o autor, os deputados e senadores pro­
vindos de um mesmo estado (bancadas estaduais) não se comportam como
jogadores coletivos, mesmo sobre os interesses de seu estado.
Os estados possuem um poder também limitado para se endividar. Eles
devem submeter suas demandas de financiamento externo ao Senado Federal,
depois de um a análise e aprovação do Executivo. Além do mais, uma disciplina
financeira foi imposta sobre os estados pela União, dentro dos esforços para me­
lhorar a situação fiscal do país. De acordo com Fabio Giambiaggi e Ana Cláudia
Salem (2000, p. 164 a 166), as mudanças que foram estabelecidas no fim de 1990
incluíram:

• O fim da utilização dos bancos públicos para o financiamento dos tesou­


ros dos estados, sobretudo pela privatização de suas instituições ou pelas
regras que os impede de emprestar a outros estados;
• um maior controle sobre as antecipações das rendas orçamentárias, am­
plamente utilizadas até 1995;
• a inibição de precatórias, após um a comissão parlamentar que demons­
trou que essas cartas, normalmente estabelecidas para pagar as decisões
da Justiça contra o poder público, foram utilizadas frequentemente pelos
estados para outras finalidades;
• o fim da utilização de companhias públicas para financiar o tesouro dos
estados, graças à privatização da maior parte delas, negociada com seus
governos (frequentemente em troca da renegociação de suas dívidas com
a União);
• a renegociação de dívidas mobiliárias dos estados;
• a reforma administrativa que impediu o recrutamento de pessoal adi­
cional e fornecimento de instrumentos para uma gestão mais eficaz nos
estados.

Diversas medidas foram adotadas logo após a publicação da lei que esta­
beleceu o Programa de Reestruturação Fiscal e Financeira, em 1997, que pôde
avançar no controle de finanças dos estados, porque a constituição1assegura à
União, como esclarecem Mora et Giambiaggi (2007, p. 475), não somente o po­
der de reter as transferências constitucionais a estados insolúveis, ínas também
ter acesso às contas em que são depositados seus próprios impostos.

e c s e v ie it

No entanto, o mais importante dos limites a despesas e endividamentos dos


estados foi a Lei de Responsabilidade Fiscal. Promulgada em maio de 2000, essa
lei que define as regras de gestão orçamentária do governo federal, dos esta­
dos e das municipalidades completa a reforma administrativa estabelecida pela
emenda constitucional. Esses dispositivos mais importantes são (Costin, 2008,
p. 122):

• o estabelecimento de tetos de despesas totais de pessoal para cada um dos


poderes (Executivo; Legislativo e Judiciário);
• a obrigação de se inscrever dentro das leis nas diretrizes orçamentárias
(publicada anualmente, ela traduz o plano plurianual em orçamento
anual) os objetivos fiscais dos três anos seguintes (da eliminação de dé-
ficits ou estabelecimento de excedentes primários), levando em conta os
cenários econômicos e financeiros;
• a proibição a todo organismo fundamental de proceder tranferências vo­
luntárias a outros membros da Federação que não coletam corretamente
seus impostos;
• a responsabilidade de toda despesa que preveja compromissos financeiros
a um horizonte superior a dois anos a um a situação de receita suficiente
para financiá-los durante ao menos três anos;
• a contabilidade de empregados admitidos por contrato (terceirização)
dentro das despesas de pessoal, a fim de calcular a porcentagem entre o
total de despesas e as receitas líquidas, delimitadas pela lei.

A lei também estabeleceu limites para as despesas em períodos pré-eleitorais,


tentando, assim, limitar o clientelismo. No entanto, todas essas iniciativas ligadas
à procura de uma disciplina fiscal trazem problemas ao conceito próprio de fe­
deralismo. Os governadores e o Legislativo dos estados federados se ressentem da
invasão a suas esferas de responsabilidade. Eles não possuem um papel de “veto-
player” sobre as questões mais importantes associadas à segurança de recursos
necessários para fornecer serviços públicos e promover o desenvolvimento.
No entanto, se admite, como o faz Costa (2004, p. 182), que a lei de respon­
sabilidade fiscal procurou combater um dos principais problemas do federalis­
m o brasileiro, “a tendência dos estados e municípios de transferir os custos de
suas atividades à União”. Ao longo da história republicana do país, os governos
dos estados tentaram tranferir suas dívidas ao governo federal, “em um ciclo
eterno de endividamento e inflação”.
Abrucio (2003, p. 252) compartilha também essa visão: ele se refere ao com­
portam ento
ELSEVIER LSpitUlU U^iriMllUiytH-j'pun

defensivo e predador dos estados, que conseguiram repassar uma parte importante de
seus custos à União, por meio de endividamento público, e da competição horizontal
entre eles, em um evento que foi conhecido como a ‘guerra fiscal’.

Para ele, os problemas do federalismo à la brasileira são a centralização de


impostos, a falta de coordenação de políticas públicas, a ausência de uma defini­
ção mais clara das competências exclusivas dos estados e o excessivo poder dos
governos vis-à-vis à Assembleia Legislativa.
É interessante observar que em um país onde a federação inclui os muni­
cípios como membros da União, as Assembleias Legislativas são unicamerais.
Ao contrário da União, em que o Senado representa os estados federados e a
Câmara de Deputados, os cidadãos com tal, não existem, dentro dos estados,
uma “câmara que organize e estruture a representação dos interesses munici­
pais” (Anastasia, 2004, p. 190). O contraste realizador nessa matéria, a federação
brasileira com a dos Estados Unidos, onde 49 de 50 estados são bicamerais.

8.8. Os partidos políticos


O Brasil conheceu, depois de sua independência, uma monarquia consti­
tucional que, consolidada no Segundo Reino (1840-1889), trouxe com ela um
sistema de dois partidos que se alternavam no poder: o Partido Conservador e o
Partido Liberal. No fim desse período, um Partido Republicano foi criado.
O Partido Liberal foi responsável pelo que é conhecido como “o golpe da
maior idade”, quando o período de regências term inou e D. Pedro adolescente
foi nomeado imperador. É natural que logo após o golpe um gabinete de liberais
fosse formado.
No entanto, um pouco depois o partido conservador conquistou o poder.
Para controlar o país, o partido que se encontrava no governo nomeava os presi­
dentes das provindas que mais lhe agradava e substituía autoridades judiciárias
e membros do aparelho policial de lealdade duvidosa.
Nas eleições, os chefes políticos tinham bandos armados que ameaçavam os
eleitores e fraudavam os resultados. Esse tipo de eleição (quase todas do segun­
do reino, foi conhecida como “eleição do cacete”).
Apesar das violentas disputas políticas, os partidos conservador e liberal não
eram muito diferentes. Os dois eram formados por grandes proprietários rurais
escravistas. Mas, em pouco tempo, a aristrocacia rural de São Paulo, produtor
de café, se tornou mais importante que os outros proprietários e, com as elites
de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, a capital do país, controlou os partidos e a
política natural.
Com a chegada da Republica, a política ficou rapidamente controlada pelos
dois partidos: o PRP (Partido Republicano de São Paulo) e o PRM (Partido
Republicano de Minas Gerais). Dirigentes de dois estados controlaram o Con­
gresso e se alternaram na Presidência da^República. Era o sistema do “café com
leite” (café para São Paulo e leite para Minas Gerais).
Após a Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas tom ou o poder, não so­
mente o sistema do café com leite terminou, mas também os partidos que es­
tavam na base dessa hegemonia regional. Mas, como sublinha Fleischer (2004,
p. 250), “nos 15 anos seguintes (que marcaram o primeiro governo Vargas), a
atividade político-partidária foi restrita ao período de 1933 a 1937”. Os partidos
se baseavam ainda em agrupamentos políticos no interior de alguns estados fe­
derados e de movimentos ideológicos em nivel nacional, saídos da polarização
vivida nessa época na Europa. Assim, a AIB (Ação Integralista Brasileira), criada
em 1932, foi inspirada por ideias fascistas, e o PCB (Partido Comunista do Bra­
sil), fundado em 1922, é rapidamente dado como ilegal pelo governo da época
(governo Epitácio Pessoa), porque essas relações com a Comunista Internacio­
nal eram evidentes. A Igreja Católica, como em outros países, teve um papel
político m uito im portante na época, e adotou uma abordagem integralista. Em
1932, ela apoiou a criação da Liga Eleitoral Católica (LEC), com um programa
m ínim o baseado sob três pontos: o ensino da religião nas escolas públicas, a
indissolubilidade do casamento, a assistência religiosa às casernas e às prisões.
Para melhor compreender o sistema partidário brasileiro atual, é necessário,
de acordo com Fleischer (2004, p. 249), procurar* suas raízes no período que
começa em 1945, o que significa a redemocratização do país e dos governos
militares que se seguiram. Nos primeiros anos desse período, partidos nacionais
foram criados, embora somente três tenham conseguido realmente ter uma ex­
pressão nos diferentes estados.
Descreve Fleischer:

O Brasil continuou a ser uma república presidencialista federativa, com um legislativo


nacional bicameral, mas com legislativos de estados unícamerais. Adotou-se um sistema
de representação proporcional, com uma lista aberta para a Câmara dos Deputados,
as Assembleias Legislativas e os Conselhos municipais, mas sem cláusula de exclusão.
Coligações foram autorizadas em todos os níveis, e candidaturas simultâneas para car­
gos majoritários e proporcionais. Os mandatos legislativos eram de quatro anos e o do
presidente e de mais da metade de 22 governos de estados era de cinco anos. Esta não
coincidência de mandatos resultou problemática.

Os partidos maiores eram o PSD (Partido Social Democrático), o PTB (Par­


tido Trabalhista Brasileiro) e a UDN (União Democrática Nacional). O primei­
ro e o segundo foram criados por Getúlio Vargas, e o terceiro preenchia um
papel de forte oposição ao varguismo.
O PTB foi fundado em 1945 para articular o apoio político da nova massa
de trabalhadores urbanos. Aparentemente a ideia era fazer face à influência do
Partido Comunista entre os operários e, ao mesmo tempo, assegurar seus votos.
Mas embora a burocracia do Ministério do Trabalho e sindicatos agrupados
pelo varguismo tenha tido um papel im portante na sua consolidação, o PTB
foi claramente um partido de esquerda. Seu programa era baseado na reforma
agrária, urbana e educativa. O partido propunha também a nacionalização dos
recursos, o que fazia dele um partido nacionalista. Fleischer (2004, p. 251) o
descreve, seguindo outros autores, como “um partido nacionalista, ao estilo de
‘populismo de esquerda’”. Em 1950, ele elegeu o próprio presidente Vargas, logo
em seguida a um movimento chamado “queremismo”. Mais tarde, foi também
o PTB o responsável pelo acesso ao poder do vice-presidente e depois do presi­
dente João Goulart, em 1955 (com mais votos que o presidente, Juscelíno Ku-
bitschek) e 1960 (como vice-presidente de Jânio Quadros e seu sucessor, depois
da sua renúncia).
O PSD, criado também em 1945 pelos agentes de intervenção dos governos
dos estados nomeados por Vargas durante o “Estado Novo”, foi um partido da
classe média, dos empresários e dos proprietários rurais, organizado a partir de
um a demanda do presidente em 1943, quando se deu conta de que a redemo-
cratização aconteceria. Frequentemente esse partido se associava ao PTB e então
possuía grades sucessos eleitorais. O PSD era o maior partido no Congresso do
período de 1945 a 1965.
A UDN, o partido mais forte de oposição à Getúlio Vargas, também foi cria­
do em 1945. Seu maior rival nas eleições era o PSD. Logo após o suicídio de
Vargas, em 1954, o partido ocupou a presidência, porque o vice-presidente, Café
Filho, pertencia à UDN. Em 1960, o partido apoiou Jânio Quadros que ficou no
poder somente sete meses.
Outros partidos importantes foram: o Partido Democrata Cristão — PDC,
sucessor da Liga Eleitoral Católica (LEC), que lançou Jânio Quadros como can­
didato ao governo de São Paulo e à presidência da república, e o Partido Social
Progressista, associado a um político populista de São Paulo, Ademar de Barros,
governador eleito por duas vezes ao estado. Este último, nas palavras de Fleis­
cher (2004, p. 252), era um “partido populista de direita”.
Em 3 de outubro de 1965, depois da tomada do poder pelos militares no
ano anterior, com algumas mudanças de regras, o país teve eleições para go­
vernador por meio do voto direto. A “ linha dura” dos militares e da UDN, que
havia claramente apoiado a “revolução”, não gostou dos resultados das um as e
fez pressão sobre o presidente marechal Castelo Branco, mais moderado, para
estabelecer regras mais rígidas. I
Assim, o Ato Institucional número 2 foi publicado e estabeleceu a eleição
indireta para presidente da república, que não poderia mais ser reeleito, a disso- :
lução de todos os partidos políticos e a possibilidade do presidente de dissolver
o Congresso, reenviar funcionários públicos considerados “incompatíveis com i
a revolução” e decretar estado de sítio por 180 dias, sem escutar o Congresso. {.
Alguns dias mais tarde, um ato complementar definiu as regras a seguir para a y
reestruturação dos partidos. f
As novas regras estabeleceram que, para formar um novo partido políti- ^
co, seria necessário reunir 120 deputados e 20 senadores, o que poderá permi- «;
tir a formação de três partidos. Mas somente dois foram formados: o ARENA
(Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro).
O ARENA reunia os parlamentares que apoiavam o governo autoritário, e o |
MDB foi a oposição consentida.
Esse sistema bipartidário iria durar até 27 de novembro de 1979, quando o
ARENA foi transformado em Partido Democrático Social (PDS), e o MDB m u­
dou de nome para se adaptar às novas regras e se tornou o Partido do Movimento
Democrático Brasileiro. O PTB foi recriado, após uma disputa entre dois supostos
herdeiros do suposto varguismo trabalhista. O Tribunal Superior Eleitoral, total­
mente dependente nessa época, preferiu dar a legenda a Ivete Vargas, sobrinha de
Getúlio Vargas, pessoa de confiança do regime autoritário. Brizola, o cunhado de
Getúlio, antigo governador do Rio Grande do Sul e importante personagem do
trabalhismo varguista, fundou então o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Anteriormente a essa nova reestruturação dos partidos, o sistema biparti­
dário conheceu 14 anos de história. O MDB começou fraco e teve mesmo difi­
culdade para se constituir como partido face às novas regras estabelecidas pelos
militares (o MDB precisou de um a ajuda do governo para conseguir 20 senado­
res necessários para se aprovar um a associação política). O endurecimento do
regime em 1968 e o “milagre econômico”, situação percebida como miraculosa,
graças a um crescimento do PIB, entre 1968 e 1973 de 10% por ano, em média,
não ajudou o MDB, oposição consentida.
No entanto, o desaceleramento do crescimento, a partir de 1974, a urbani­
zação e a liberação das regras eleitorais contribuíram para deixar o MDB cada
vez mais forte. Nas eleições desse ano, a ditadura sofreu um grande fracasso
nas urnas. A oposição ganhou nos estados e cidades mais importantes do país.
Geisel, o presidente dessa época, respeita a legalidade das eleições e começa sua
política de “abertura lenta, gradual e segura». Mas essa abertura seria marcada
por certas idas e vindas.
O fracasso das eleições de 1974, por exemplo, contribuiu para a criação da
Lei Falcão, que suspendeu os debates políticos na mídia. No ano seguinte, a cen­
sura foi oficialmente abolida.
Mas um novo insucesso eleitoral em 1976 levou o governo a fechar o Con­
gresso e a publicar em 1977 o “pacote de abril”, um aglomerado de decretos
que transformaram a eleição de um de dois senadores indireta (o que valeu a
seus parlamentares o sobrenome de biônico), manteve a eleição indireta para os
governadores, agora com colégios eleitorais mais favoráveis para o ARENA, par­
tido do governo, e modificou as regras para eleição de deputados na mesma di­
reção. Para descrever essa situação, um novo termo é adicionado ao vocabulário
político brasileiro: o “casuísmo” — expressão que denota a utilização frequente
de modificações de regras para assegurar a vitória.
A vitoria estava, no entanto, longe de ser assegurada. O último governo mi­
litar, o do general João Baptista Figueiredo, aceitou quando o Congresso, em
1980, aprovou a emenda constitucional que restabeleceu as eleições diretas para
governador e a extinção dos senadores nomeados, os biônicos. Por outro lado,
percebendo que o MDB só se fortalecia, Figueiredo decidiu retomar o sistema
do pluripartidarismo para tentar um melhor controle da transição. Esse foi o
fim do ARENA e do MDB.

8.9. Os partidos no Brasil contemporâneo


O retorno à democracia, em 1985, foi um momento de grande euforia cívica
e de esperança de participação, mas foi também um momento em que a união
forjada pela luta contra a ditadura se rompeu. Os diferentes grupos sociais e
políticos que se puseram juntos para demandar as “Diretas Já”, ou eleições dire­
tas imediatamente, possuíam agora diferentes leituras da realidade nacional e a
urgência de fazer face ao que se chamou na época de dívida social.
O pluripartidarismo presente resulta, de alguma forma, da ruptura do pacto
estabelecido após a luta pela democracia.

8.10. Os partidos da base de Lula


O MDB, que havia conhecido um a primeira divisão depois da tentativa de
pluripartidarismo introduzido por Figueiredo, com a criação do PTB, do PDT,
do PP e do PT, teve um a diminuição dos parlamentares de 189 em 1979 a 113
em 1981, sob o novo nome de PMDB.
O PP (Partido Popular), apresentado como novo partido de centro, era for­
mado pelos moderados do antigo MDB, sob a direção de Tancredo Neves e dos
dissidentes do ARENA. Dois anos depois, ele se juntou novamente aos chefes do
PMDB, para se preparar para as eleições presidenciais, quando, pela primeira
vez, a oposição teria um a chance (e efetivamente a obteve e ganhou), mesmo
sob o sistema indireto. Para essa eleição, um a facção liberal do PDS, a “Frente
Liberal”, formada pelo presidente do partido, senador José Sarney, pelo vice-
presidente da república, Aureliano Chaves e o senador Marco Maciel romperam
com o PDS e decidiram apoiar Tancredo Neves e candidatar (com sucesso) para
a vice-presidência José Sarney (Fleischer, 2004).
Os outros partidos continuaram. O PTB e o PDT, como foi visto, herdeiros
do trabalhismo, tiveram dificuldades em estabelecer sua identidade: o primeiro
deu um apanhado original (o fato de que Ivete Vargas não possuía nenhum a
identidade com o trabalhismo); e o segundo porque era, ao menos no inicio, o
partido de um único homem, Brizola.
Posteriormente, com a morte de Ivete Vargas, em 1984, o partido se tornou
um espaço para políticos não associados à herança de Getúlio Vargas e recente­
mente ganhou as páginas dos jornais devido às denúncias de corrupções feitas
pelo seu presidente Roberto Jefferson (ele mesmo encontrado em situação de
fraude) contra os parlamentares que recebiam um “mensalão” (dinheiro depo­
sitado a cada mês pelo governo, em troca de lealdade, em um esquema suposta­
mente organizado por José Dirceu, ministro-chefe da Casa Civil sob o primeiro
governo Lula).
O partido é atualmente aliado ao governo Lu|a, e por sua lealdade recebeu
do governo o Ministério das Relações Institucionais, cujo titular é José Mú-
cio, senador do partido. Ele também tem entre seus chefes o senador Fernando
Collor de Mello (PTB-AL), presidente da república que foi submetido a um pro­
cesso de impeachment pela corrupção, e o PT teve um papel muito importante
para assegurar que ele não continuaria em seu cargo. O PTB não conseguiu
eleger governadores em 2006, mas, por outro lado, tem entre seus membros 8
senadores e 21 deputados.
O PDT, outro partido de origem varguista, entrou em crise após a m orte de
Brizola. Esse partido de esquerda que, logo depois de sua criação, teve um a força
eleitoral importante, com a eleição do governador (Brizola) e senador (Satur­
nino Braga) do estado do Rio de Janeiro, e de mais 24 deputados federais, per­
deria um pouco de peso com o crescimento do PT (Partido dos Trabalhadores,
também de esquerda), as fracas performances dos governandores eleitos pelo
partido e, finalmente, com a m orte do velho “caudilho” em 2004.
Atualmente, o partido reconquistou um pouco de espaço, e graças à crise
do “mensalão” (quando um a parte dos intelectuais de esquerda preferiram essa
associação) se vê envolvido em uma crise ética. Paulinho, um sindicalista e pre-
sidente do partido em São Paulo, foi acusado de participar de um esquema de
fraude nas liberações de empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social — BNDES. Ele foi forçado a renunciar a seu cargo, durante
as investigações necessárias.
Nas eleições de 2006,* o PDT elegeu 23 deputados federais, 5 senadores e
2 governadores, estados do Amapá e do Maranhão (onde a filha de Sarney, um
forte político e oligarca local, foi vencida por Jackson Lago).
O PT, o partido do presidente Lula, foi criado em Sáo Paulo, em 1980, por
um grupo de sindicalistas, intelectuais de esquerda e militantes católicos ligados
à Teologia da Liberação. Teve por base a eclosão de novos movimentos operários
no fim dos anos 70. Esses movimentos rejeitam o sindicalismo oficial, atrelado
ao Estado, e estão inspirados pelo socialismo democrático, embora, mais tarde,
o partido tenha criticado seus limites. O partido não se alinhava ao Partido Co­
munista Brasileiro e ao Partido Comunista do Brasil (ainda clandestinos), mas
mais tarde ele estabeleceu alianças importantes com o último.
Ao longo dos primeiros anos do PT, certas correntes trotskistas escolheram se
abrigar no partido. Baiochi e Checa (2007, p.416) se referem a esse fenômeno co­
mo a possibilidade, admitida pelo partido, de utilizar “duas camisas”, uma do par­
tido e, embaixo, um a outra do grupo de pertencimento. Com o fim da ditadura e
a possibilidade de organização de novos partidos, eles foram expurgados do PT ou
preferiram criar suas próprias associações políticas. Assim, nasceram nos anos 90
e iniciaram desde 2000 o PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores.Unificado,
muito ativo no sindicalismo dos funcionários públicos), o PCO (Partido da Causa
Operária) e o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade, m ás recentemente, criado
em 2004, depois da expulsão de diversos parlamentares de esquerda do?PT).
Hoje o PT, bem diferente do que era nos anos 80, tem umi projeto de poder
sustentável e real, o que explica a modificação de seu discursãjEle conseguiu
eleger em 2006 não somente o presidente Lula duas vezes, jnas também cinco
governadores, nos estados do Acre, Bahia (onde Jaques Wagnen.yenceu o poder
potente do falecido Antonio Carlos Magalhães — o “carlismo”), I?iauí, Sergipe
e Pará. Nas eleições de 2006, 27 cadeiras do Senado,•fõran^disputadas (1/3 dos
senadores). O PT teve somente dois desses cargosrmasjpossui^aindã 17% de
senadores, no total. O PFL (agora com um novo nome; UKM)..control.a 23%, e o
PMDB, 22% (FIESP, 2007). Ele tem também, e n t r e , oschefes,i83-deputados.
Quando se analisam os dados da eleição de 2 0 0 .6 ,’adivergência entre o voto
para Lula e para o PT é digna de nota. As razões são<fâceis;de!cpmpreender. Lula

* Pelos dados da eleição de 2006, ver FIESP (2007)


^248 i Adm inistração Pública'

tem certamente mais carisma que seu partido, e suas ori8ens como imigrante
pobre do Nordeste do país lhe assegurou um a capacidade de se com unicar bem
com as massas e de se excluir de acusações^éticas. Além disso, como Cesar Zuccò
(2008, p. 33) constata de maneira correta,

Lula é mais conhecido que seu partido; ele foi o único candidato presidencial da história
do PT, e se tornou um constante da política b r a s ile ir a no curso dos últimos 30 anose,.
com o o presidente em exercício, Lula esteve c o n s t a n t e m e n t e sob o fogo dos projetores, '
e pôde alargar o reconhecimento de seu nome. *.

Mas a dissociação entre o partido e Lula foi causada por um a mudança d j .


base eleitoral do presidente. . , í

Enquanto os dois, Lula e o PT, obtiveram tradicionalmente melhores resultado-, n.n.


regiões mais desenvolvidas do país, e o partido continua nas eleições de 2006, LuJa, fu la jj
primeira vez, atraiu muito mais apoio das regiões mais atrasadas do país. g

Guzo nos mostra que não é somente um a questão de Sul e Sudeste contra |
Norte e Nordeste; em 22 dos 26 estados, existe urna relação negativa entre a
te das vozes obtida por Lula e o nível de desenvolvimento socioeconômico d r-
municípios. Além disso, quando se comparam as duas últimas eleições, coií^
ta-se que “Lula ganhou espaço nas m u n i c i p a l i d a d e s menos desenvolvidas #
detrimento das regiões mais desenvolvidas”. As wzões para esse sucesso sãó
duas ordens: ‘í
'8HÍ.
• O padrão no Brasil é que o candidato no poder tenha norm alm ente uma ,
performance melhor nas localidades menos desenvolvidas, Ç»
• O Bolsa Família, um programa de redução da pobreza ligado à educação
das crianças, e o aumento do salário m ínim ° trouxeram um a melhora
nas condições de vida dessas populações. "

O governo Lula é baseado na maior coligação construída na história do país.


12 partidos a'compõem: PT, PMDB, PRB, PC do B, PP. PR» PTB, PV, PDT, PSC
e PAN. Seus presidentes ou dirigentes integram o Conselho Político que se reú­
ne toda semana com Lula.Três outros pequenos partidos votam sempre coxrí ò
governo no Congresso, o PTdo B, o PMN e o PHS.
Desses partidos, três são considerados de esquerda: o PT, o PC do B e o PDT-
O PV (Partido Verde) tem um programa mais humanista, que pode se aproxi­
m ar de um a esquerda mais moderna. O PP (não confundir com o partido cria­
do por Tancredo Neves) é um partido claramente de direita, fundado e dirigido
por Paulo Maluf, o candidato do ARENA e do regime m ilitar para enfrentar
Tancredo Neves na eleição indireta que enterrou a ditadura em 1985.
O PC do B (Partido Comunista do Brasil) foi originariamente um partido
clandestino, de inspiração maoísta (que ele rejeitou mais tarde, inicialmente pa­
ra substituir as ideias de Enver Hodja, da Albânia) e é hoje um a organização ati­
va entre os universitários (controla a União Nacional do Estudantes — UNE) e
certos movimentos sindicais. O partido ocupa hoje o Ministério dos Esportes.
No entanto, o maior partido da coligação é o PMDB. Chamado frequente­
mente de “partido ônibus”, porque com porta as mais diferentes visões, na verda­
de é um agrupamento de partidos regionais. Em alguns estados, ele é altamente
associado ao clientelismo e em outros tem um a posição progressista. Na eleição
de 2006, conseguiu eleger sete governadores, nos estados do Amazonas, Espírito
Santo, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Paraná, Rio de Janeiro e Santa Catarina.
É tam bém o partido que tem o maior grupo de deputados na Câmara Federal
(89), um aumento de 18,66% dos deputados eleitos pelo partido em 2002. No
senado, o PMDB chegou a 22% de senadores depois da eleição de 2006 (FIESP,
2007). O partido tem hoje seis ministérios no governo Lula (Agricultura, Defe­
sa, Integração National, Saúde, Comunicações e Energia).
É interessante observar que o PMDB também fez parte da base de apoio ao
governo Cardoso. Reinhold Stephanes (PMDB-PR), o m inistro da Agricultura,
era Ministro da Segurança Social de Fernando Henrique Cardoso, Romero Jucá
(PMDB-RR), líder do governo no Senado, ocupou a mesma posição no gover­
no anterior ao de Lula. Esse fenômeno que se completa com as mudanças de
partidos para poder pertencer ao governo é chamado na nomenclatura política
brasileira de “adesismo”, o u o ato de aderir.

8.11 Os partidos de oposição a Lula


No campo da oposição, se situam o PSDB, o DEM e o PPS. É importante
observar que não se pode definir claramente a situação de oposição em termos
de direita e esquerda. Diversos partidos considerados de direita pertencem à base
de apoio de Lula, e o PPS (Partido Progressista Social), antigo partido comunista,
atualmente rebatizado, se pôs como adversário do governo. Nas eleições de 2006,
o PPS apoiou Geraldo Alckmin, o candidato do PSDB à presidência, contra Lula.
Um outro comentário essencial para compreender os jogos da política bra­
sileira é que as alianças são diferentes em nível federal e estadual. O PV é aliado
ao PT no nível nacional, mas tam bém ao PSDB (oposição do PT) no estado
de São Paulo. No entanto, a afiliação a um partido ou a outro é também uma
questão que pode ter uma ênfase local, com um olhar sob os benefícios ofere-
eidos pelo governo federal. Um partido de um estado pode estar fechado a um
político, porque ele “pertence” a uma oligarquia local de um a família inimiga
— então esse candidato a deputado ou a^senador deve escolher um outro, pre­
ferencialmente, da base de apoio do governo.
Isso explica por que os partidos nacionais são, como nos descrevem Armijo,
Faucher e Dembinska (2006, p. 762) “federações de partidos de estados”. Os autores
m ostram que, mesmo após as reformas dos últimos anos 90, os elementos centrais
do federalismo brasileiro se mantiveram e contaminaram a vida partidária: “uma
base de recursos constitucionalmente estabelecida pelos governos subnacionais
(sem responsabilidades claras para os estados), de governos altamente poderosos
e dominação pelas elites tradicionais com interesses políticos paroquiais.”
O PSDB é um partido que nasceu do antigo MDB, em junho de 1988, a
partir da ação de um grupo chamado “autênticos” do MDB. Eles utilizam esse
term o para se diferenciar dos políticos que entraram no partido por causa de
sua popularidade, adquirida por sua luta contra a ditadura. Dentro do grupo
inicial, políticos de peso como Franco Montoro (ex-governador de São Paulo
e um dos organizadores do movimento Diretas Já), Fernando Henrique Car­
doso (senador que renunciou a sua posição de líder do PMDB no senado para
construir esse novo partido como intelectual respeitado), M ário Covas (senador
e ex-líder do grupo majoritário na Assembleia Constituinte) e o senador José
Richa. Graças a esses grandes nomes, à origem intelectual e independente de
diversos dentre eles, e à capacidade reduzida de mobilizar militantes, o partido
foi frequentemente chamado de partido de “muito chefes e poucos índios” na
linguagem ainda politicamente incorreta dos anos 90.
As motivações da saída do PMDB foram associadas a um a insatisfação com
a condução do partido nos trabalhos de elaboração da constituição de 1988,
quando ele apoiou a formação de um a articulação de centro-direita, o “Cen-
trão”. Sua inspiração era a democracia social europeia.
O novo partido se organizou e lançou a candidatura do senador Mário Co­
vas à Presidência da República em 1989, na primeira eleição direta após 20 anos
de ditadura militar (Folha de S.Paulo, 11 de junho de 2006). Nessas eleições, no
primeiro dos dois turnos, Mário Covas obteve o quarto lugar e 7.786.939 votos,
11,52% dos votos válidos. Para o segundo turno, o partido recomendou o voto
em Lula. Collor, que “ganhou apoiado por um partido artificialmente criado
para lhe dar apoio, venceu candidatos e líderes políticos nacionais, pertencendo
a estruturas partidárias consolidadas” (Lima Júnior, 1999, p. 21), e foi eleito em
um segundo turno, contra Lula.
O PSDB avançou nas eleições de 1990, mas elegeu somente um senador e
um governador (os dois no Ceará, sob influência política de Tasso Jereissati) e
bLSüVIER Capítulo 8: Instituições políticas no Brasil I 251

38 deputados, havendo perdido algumas cadeiras, e 67 deputados nas Assem­


bleias Legislativas dos estados (havia somente 30 anteriormente).
Três anos depois, o partido apoiou uma causa perdida: o programa do par­
tido e sua posição na Assembleia Constituinte eram pelo parlamentarismo. Na
realidade, o anteprojeto sobre o tema produzido pela Assembleia continha uma
proposição concreta do parlamentarismo (Câmara dos Deputados, 1987). Mas
a Assembleia escolheu fazer um plebiscito sobre o tema, cinco anos depois da
promulgação da Constituição. O PSDB foi o líder da proprsição parlamentaris­
ta, contra o PFL, o PT e o PDT. No final, o povo preferiu o presidencialismo. O
parlamentarismo obteve somente 18,3% dos votos.
O partido também participou ativamente no processo de impeachment de
Collor e participou do governo de seu sucessor e vice-presidente, Itamar Franco.
O governo Franco pôs como prioridade solucionar a situação catastrófica da
economia brasileira, de forma a terminar com a inflação. Fernando Henrique
Cardoso, chamado no começo como Ministro das Relações Estrangeiras do go­
verno, foi conduzido logo em seguida ao Ministério das Finanças. Com a ajuda
de um grupo im portante de economistas, ele preparou o “Plano Real” que pôs
fim ao termo “inflação” que afligia o povo brasileiro havia mais de 10 anos.
Com o sucesso do Plano Real, Cardoso reuniu políticos ativos para se eleger,
em 1994, com o apoio do presidente Itamar Franco, presidente do Brasil. O
PSDB terá, nessas eleições, outros bons resultados. Ele elegeu os governadores
de três estados mais importantes: Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Fer­
nando Henrique foi o primeiro em todos os estados, exceto no Rio Grande do
Sul e no Distrito Federal, o que levou à necessidade de um segundo turno nessa
eleição, que o fez ganhar no fim.
A eleição de Fernando Henrique Cardoso produziu um fenômeno que se re­
produziria mais tarde com o PT. Todos os dois governaram estados antes de ter
acesso à presidência, mas as responsabilidades dos estados não são sempre per­
cebidas como ligadas à grande política. Quando Cardoso teve de tomar decisões
difíceis em termos de ajustamento fiscal (o que Lula teve de fazer alguns anos
mais tarde) ou fez alianças com “clientelistas” ou partidos considerados longe de
seu programa ou mesmo de direita, uma recorrência no sistema brasileiro que
Sérgio Abranches (1988, p. 371-372) chamou de “modelo de presidencialismo
de coalizão”, os militantes do partido se sentiram traídos e a oposição não para­
va de lembrá-los dessa presumida traição.
Mas esses sentimentos não o impediram de passar uma emenda para a re­
eleição do presidente, governadores e prefeitos e, em 1998, de reeleger Cardoso
no primeiro turno contra Lula. Nas negociações necessárias para aprovar essa
emenda houve acusações de fraude, que colaram como um estigma no partido.
252 I Adm inistração Pública ELSEVIER

Em 2002, depois de ter tentado se fazer eleger sem sucesso por três vezes, Lula
foi eleito no segundo turno, contra José Serra do PSDB. Para sua reeleição, em
2006, ele foi obrigado, novamente, a passar para o segundo turno, desta vez
contra o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.
Os “tucanos”, como os membros do PSDB são conhecidos (o tucano é o
símbolo do partido), tiveram um ótimo resultado eleitoral em 2006. Elegeram ^
seis governadores, incluindo José Serra para São Paulo (eleito no primeiro tur­
no), e Aécio Neves para Minas Gerais (também eleito no primeiro turno). Para £
a Câmara dos Deputados, eles elegeram 66 parlamentares (quatro a menos do ^
que nas eleições de 2002) e um senador para a renovação prevista de 1/3 dos
membros do Senado. Atualmente o PSDB possui 14 senadores.
Um outro partido im portante de oposição é o DEM (Democratas), criado
em 2007. Ele sucedeu o PPL (Partido da Frente Liberal) em um esforço de m o­
dernização e atração de jovens que o partido realizava. O PFL, por sua vez, foi
fundado em 1985, após as negociações para a eleição de Tancredo Neves, como
um dissidente do PDS, partido do governo militar. Ele fundou com o PMDB a
Aliança Democrática. Com a morte de Tancredo, o partido integrou a base de
apoio do presidente José Sarney e, em seguida, de todos os presidentes até Lula.
Eles professam um a visão liberal e uma economia de mercado.
O partido começou em grande estilo. Nas eleições de 1988, eles elegeram
24,7% dos prefeitos, porcentagem que diminuiu um pouco nas eleições seguin­
tes, mas se manteve importante. Nas eleições para1deputados em 1994, eles con­
seguiram ocupar 89 cadeiras (17,3%), e,-em 1998, mais ainda: 105 cadeiras e es­
te foi o partido que mais teve deputados eleitos. Esse ano, o PFL elegeu também
cinco senadores e seis governadores de estado.
Nas eleições de 2006, o partido, ainda com seu antigo nome, se alia a Geral­
do Alckmin, e perdeu espaço político para governador de estado, conquistando
apenas um, o do Distrito Federal. A perda da Bahia, um tradicional centro de
votos para o PFL, em sua versão “carlista” (do falecido Antonio Carlos Maga­
lhães), foi inalcançável. Pode-se dizer o mesmo para o fracasso de Roseana Sar­
ney, a filha José Sarney, no Maranhão. Mas os eleitos do partido pela Câmara
dos Deputados, mesmo se menos numerosos que nas eleições de 2002, consti­
tuem ainda um número importante: 66 deputados, e 12,87% eleitos. No senado,
o DEM possui hoje o maior grupo de parlamentares, 18.
O PPS é um outro partido que se alinha à oposição do governo Lula. É um
antigo partido comunista que, depois da queda do muro de Berlim e do colapso
da União Soviética, decidiu mudar de nome e proposições. Ele apoiou, no segundo
turno, o presidente Lula em 2002, e integrou a base de apoio do governo, mas rom­
peu com a coligação e, em 2006, trabalhou ativamente para a eleição de Alckmin.
ELSEVIER Capítulo 8: Instituições políticas no Brasil | 253

8.12. Conclusões
As instituições políticas brasileiras são marcadas de um lado pela opção
republicana, federalista e presidencialista e de outro por um a história de clien-
telismo, patronagem e o que Bolivar Lamounier chama de “consociativismo”
— uma diversidade de centros de poder. Certamente, o federalismo propõe
um a multiplicidade de atores, mas os partidos políticos se conduzem como
federações de partidos locais, os governos com um grande poder de bloque­
ar políticas públicas para obter vantagens específicas para seus eleitores e as
oligarquias regionais jogam como “veto-players” para todo o esforço de m o­
dernização do país.
Essas instituições favorecem ainda a separação de objetivos ou, em outros
termos, como resumem Armijo, Faucher e Dembinska (2006),“múltiplos atores
são responsáveis diante das diversas e fragmentadas circunscrições”. O Brasil
tem uma representação proporcional em listas abertas, dentro das quais os can­
didatos de cada partido estão em concorrência também entre eles, o que enco­
raja o voto pessoal e a indisciplina no interior dos partidos políticos.
Para fazer face a essas dificuldades, o presidente deve construir uma base
um pouco mais larga, dentro do que se configura como um presidencialismo
de coligação. Fernando Henrique Cardoso, que governou com um a base um
pouco mais estreita, disse em um a entrevista alguns dias antes da posse de seu
sucessor:

A politíca que no Brasil é um pouco esgotada no nosso sistema, o presidencialismo de


coligação... Ou se faz uma coligação, para obter a maioria, ou não se governa. E devemos
refazer tudo quase todos os dias e não são três, quatro ou cinco partidos. É com uma
dezena de políticos porque tudo é muito disperso, (entrevista a IstoÉ, 19 de dezembro
de 2002)

Essa fragmentação não impede o presidente de movimentar as coisas, como


a história do país m ostrou bem. No entanto, o preço é pago em pork-barrel, ou
em clientelismo. A sobrevivência do modelo de Estado patrimonialista no país
é uma das decepções de intelectuais e militantes que se combateram pela demo­
cracia, e viram as práticas do período precedente à ditadura se reproduzirem no
governo de líderes que propuseram inovações.
Mas as instituições democráticas são bem mais sólidas atualmente do que
naquela época. Os poderes são realmente independentes; as proposições do go­
verno devem ser aprovadas pelo Congresso, que às vezes as rejeita; existe uma
alternância razoável no poder de partidos, seja no nível federal, seja no nível
subnacional, isto sem provocar crises políticas graves como 'anteriormente.
Além disso, o aparelho do Estado é organizado: agências de regulação estão
em vigor, e são suficientemente independentes, o que assegura um a continui­
dade de regras, minimiza os riscos de investimento, dá uma previsibilidade da
qualidade dos serviços oferecidos aos cidadãos e constitui um serviço público,
ao menos em nível federal, profissionalizado, razoavelmente bem pago e recru­
tado por seleções públicas competitivas e corretas.
Essas boas notícias estão começando a se reproduzir nos estados. Um finan­
ciamento aprovado pelò BID em 2006 teve como objetivo reforçar a adminis­
tração pública dos estados, de forma a torná-la mais profissional, transparente
e moderna. Após dois anos de programa, as mudanças começam a ser visíveis.
Embora um a parte importante dos cargos na m áquina pública ainda livres de
nomeação pelo governador e os procedimentos administrativos continuem ain­
da lentos e submetidos a um sistema em que a corrupção tem um papel não tão
pequeno, os serviços públicos são oferecidos de forma mais universalizada e
com um a qualidade que lentamente se aprimora.
As razões que colocam o Brasil (com a companhia do Chile) entre os países
da América Latina com instituições sólidas é a presença de um a imprensa livre e
independente. De acordo com o documento do BID (Banco Interamericano de
Desenvolvimento), “A política das políticas públicas” (2007), o Brasil e o Chile,
apesar de suas diferenças de modelos, constituem os melhores exemplos de boa
governança e as mais institucionalizadas da região. Na mesma direção, Omar
Sanchez (2008, p. 334), na sua excelente análise do processo de desinstituciona-
lização de partidos políticos políticos na América do Sul, situa o Brasil e o Chile
como as únicas exceções no continente. E permanece, aparentemente, ainda, a
esperança para este grande país.

8.13. Questões para aprofundamento


1. Quais as características da formação brasileira que a diferenciam da for­
mação norte-americana?
2. Indique e explique três características políticas da sociedade brasileira.
3. Estabeleça semelhanças e diferenças entre as constituições brasileiras.
4. Explique a seguinte frase de José Murilo de Carvalho: “Foi somente após
a abolição que se pôde pensar na Constituição de um a nação brasileira”.
5. Disserte sobre as principais inovações da Carta de 1988.
6. Enumere e explique três características do Estado brasileiro.
7. É possível afirmar que o Brasil possui um federalismo com a proeminên­
cia da União? Justifique.
8. Analise os principais atributos do sistema partidário brasileiro atual­
mente.
9. Realize um mapeamento dos partidos aliados e de oposição dos governos
pós-Constituição de 1988.

8.14. Bibliografia complementar


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