Artigo para Mestrado
Artigo para Mestrado
Artigo para Mestrado
Sylvio Gadelha*
RESUMO
O artigo em tela trata, grosso modo, de questões que articulam a biopolítica
à educação no contexto das sociedades de controle. Para fins de delimita-
ção dessa ampla e complexa temática, restringe seu intuito à tentativa de
identificar, descrever, articular e problematizar quatro vetores considerados
estratégicos ao agenciamento entre biopolítica e educação, sobretudo, ao
governo e à regulação das condutas na contemporaneidade. Para tanto, parte
da premissa de que, desde o advento de uma governamentalidade neoliberal,
tanto de caráter ordoliberal quanto de matiz estadunidense, colocou-se em
marcha, particularmente nas sociedades ocidentais, um amplo e intensivo
processo de empresariamento da sociedade. Este, dentre outras coisas, teve
por efeito reorganizar e redefinir o que tradicionalmente se tem entendido
por educação desde a Modernidade. Tais transformações remetem a um
novo agenciamento, educativo-empresarial, que opera a partir da articulação
simultânea entre o desempenho (performance), a gestão (management), a
visibilidade e as novas tecnologias da informação e da comunicação (TICs).
De outra parte, em termos teórico-metodológicos, as argumentações são de-
senvolvidas e concatenadas em estreito diálogo com formulações de autores
DOI: 10.1590/0104-4060.54712
*
Universidade Federal do Ceará. Faculdade de Educação. Fortaleza, Ceará, Brasil. Rua
Waldery Uchôa, 01. Benfica. CEP 60020-060. E-mail: sylviogadelha@uol.com.br; facedufc@ufc.br
ABSTRACT
This article deals with questions that articulate biopolitics to education
in the context of societies of control. In order to delimit this broad and
complex thematic, it restricts its intent to identifying, describing, articulating
and problematizing four vectors considered strategic to the assemblage
between biopolitics and education, above all, to the government and to
the regulation of conduct in Contemporaneity. To this end, it starts from
the premise that, since the advent of a neoliberal governmentality, both in
its ordoliberal character and in its American nuance, a broad and intensive
process of entrepreneurship of society was set in motion. Among other
things, this process had the effect of reorganizing and redefining the
meaning of education since Modernity. Such transformations refer to a
new educational-entrepreneurial sort of mediation that operates through
a simultaneous articulation between performance, management, visibility
and new information and communication technologies (ICTs). On the other
hand, in theoretical-methodological terms, the arguments are developed
and linked in close dialogue with formulations of authors such as Michel
Foucault, Gilles Deleuze, Richard Sennett, Alain Ehremberg, Vincent de
Gaulejac, Christian Laval and Paula Sibilia, among others.
Keywords: Biopolitics. Neoliberal governmentality. Education. Control.
Management.
Introdução
Uma vez que a motivação religiosa que animava essa disciplina ascético-
-racional protestante foi relativamente esvaziada, sendo substituída, assimilada
e/ou encampada por outro tipo de disciplina, que visava à produção de corpos
dóceis (em termos políticos) e úteis (em termos produtivos), tal como magis-
tralmente demonstrado por Foucault em obras como Vigiar e punir e A vontade
de saber, resta-nos buscar compreender o capitalismo, ainda tomando Weber
como intercessor privilegiado, como perfazendo, mais do que tudo, uma singular
lógica, uma forma de racionalidade sui generis, decerto econômica, mas também
simultaneamente social, burocrática, administrativa e jurídica. Nessa perspectiva,
a essência do capitalismo, sem que se deixe de lado uma agonística do social,
deve ser buscada, conforme assevera Rusconi (2010, p. 144),
4 Rigorosamente falando, há que se ter em conta que a biopolítica, como se verá mais adiante,
não é propriamente desenvolvida por Foucault no curso de 1979-1980. Felizmente, todavia, ele nos
disponibiliza, nessa e em outras obras, importantes elementos para que a pensemos e a atualizemos,
cartografando seus novos funcionamentos em nossa contemporaneidade.
um mínimo que a natureza das coisas fixava para aquele que exercia o governo,
ou seja, para o poder soberano. Em outras palavras, tratava-se de saber se era
possível exercer o governo atentando-se para, ou levando-se em conta, o que
seriam necessidades intrínsecas às próprias ações ou práticas governamentais.
É deste terceiro e último regime de verdade, cujo instrumento intelectual ou
forma de cálculo era a economia política clássica, tal como articulada ao princípio
de autolimitação do governo e ao exercício de biopoderes, que, em princípio,
pensamos que Foucault trataria no curso Nascimento da biopolítica. Ocorre,
contudo, que no fim das contas Foucault terminou, na verdade, se ocupando do
exame e da problematização da governamentalidade neoliberal, tanto em sua
versão alemã (ordoliberalismo) quanto em sua versão estadunidense (Escola
de Chicago), sugerindo que a compreensão do liberalismo e do neoliberalismo
constituía um pré-requisito crucial para uma boa compreensão do que vem a
ser a biopolítica. De todo modo, retomemos essa governamentalidade moderna,
característica do liberalismo clássico, bem como seu instrumento intelectual, a
forma de cálculo por ela privilegiada para perscrutar o exercício do governo, a
economia política. Quanto à primeira, afirma Foucault (2008a, p. 17-18):
Digamos que entramos aqui, como vocês veem, numa era que é a da razão
governamental crítica. Essa razão governamental crítica ou essa crítica
interna da razão governamental, vocês veem que ela não vai mais girar
em torno da questão do direito, que ele não vai mais girar em torno da
questão da usurpação e da legitimidade do soberano. Não vai ter mais
essa espécie de aparência penal que o direito público ainda tinha nos
séculos XVI e XVII, quando dizia: se o soberano desconsidera essa lei,
deve ser punido com uma sanção de ilegitimidade. Toda a questão da
razão governamental crítica vai girar em torno de como não governar
demais. Não é ao abuso da soberania que se vai objetar, é ao excesso de
governo. E é comparativamente ao excesso de governo, ou em todo caso
à delimitação do que seria excessivo para um governo, que se vai medir
a racionalidade da prática governamental.
e compradores de bens e/ou serviços. Por outro lado, no mercado, essas trocas ou
transações são moduladas pelo jogo de forças que não só envolve como deter-
mina a relação entre a oferta e a demanda; os preços, por seu turno, constituem
o nexo entre a primeira e a segunda. Eles são os indícios que nos sinalizam se a
oferta, ou a demanda de um determinado produto e/ou serviço está aumentando,
ou diminuindo. Além disso, os preços raramente estão em equilíbrio – condição
que os qualificaria como “justos”, haja vista serem suscetíveis aos efeitos da
sazonalidade e de “ruído”. Para o que nos importa, devemos ter em mente os
atributos que caracterizam esses agentes econômicos, ou melhor, esse homo
oeconomicus do liberalismo clássico e do capitalismo industrial. Sua principal
característica, tal como se depreende de A riqueza das nações, publicado em
1766 por Adam Smith (1723-1790), é a de que ele age em interesse próprio,
isto é, na direção de uma maximização dos seus lucros e de seu bem-estar (“su-
jeito de interesse”), de forma racional, ponderada, acrescentando-se a isso que
sua conduta, desde que agraciada com a liberdade, terminaria por reverter-se
positivamente em prol da felicidade (aumento do bem-estar) da coletividade5.
De outra parte, em decorrência das inovações e transformações introdu-
zidas pela segunda Revolução Industrial, além das organizações propriamente
fabris, organizações financeiras e de crédito passam a compor o cenário capita-
lista, dando-lhe uma nova dimensão, eminentemente financeira. Isto, segundo
Risk e Tereso (2011), dá lugar a três fenômenos: a) acumulações de capital
provenientes de trustes e fusões de empresas; b) separação entre a propriedade
particular e a direção das empresas; c) aparecimento das holding companies
(empresas controladoras) para coordenar e integrar negócios. Em paralelo,
dá-se um movimento de transmutação na estrutura e no funcionamento das
organizações capitalistas, as quais, até então, ainda operavam sob a influência
5 Neste momento, talvez seja oportuno abrir um pequeno parêntesis acerca da relação entre
governo, entendido como condução da conduta de alguém, e liberdade, atributo de que gozaria o
indivíduo liberal. Para tanto, permitam-me citar um breve trecho de autoria de Viviane Klaus (2011,
p. 66), pesquisadora que problematiza a relação entre gestão e educação, a partir das formulações
de Michel Foucault. Diz ela: “A doutrina liberal precisa de liberdade para poder agir: liberdade de
expressão, liberdade de discussão, liberdade de mercado etc. A elaboração e a intervenção do poder
público estão diretamente relacionadas com o princípio da utilidade, que indica no que o Governo
pode mexer e no que o Governo não deve mexer. O Governo estará preocupado continuamente
com o jogo entre interesses coletivos e interesses individuais, entre liberdade e segurança, ou seja,
ao mesmo tempo em que a liberdade é produzida – pois o liberalismo é definido no livre jogo dos
interesses individuais –, é preciso estabelecer limites e controles às liberdades. [...] No liberalismo,
a liberdade é entendida muito mais como espontaneidade do que como liberdade jurídica reconhe-
cida como tal para os indivíduos [...], de forma que é preciso deixar as pessoas agirem, falarem,
participarem. [...], liberdade aqui tem relação direta com o sujeito de interesse, com o homem
empresário de si mesmo.”
alguns breves comentários sobre essa primeira fase desse processo de empre-
sariamento, destacando a ideia de que uma série de valores, princípios, normas,
procedimentos, tecnologias, mecanismos, normas e condutas, cuja proveniência
remete ao mundo corporativo-empresarial capitalista, não só migrou para além
desses limites organizacionais, espraiando-se para outras esferas da sociedade
e por entre a vida cotidiana dos indivíduos e das populações nas grandes me-
trópoles e cidades dos países desenvolvidos, mas chegou mesmo a redefinir e a
transformar as relações que mantinham com o tempo e o espaço, bem como a
relação com o consumo, os modos e estilos de vida, redesenhando inteiramente,
portanto, essas sociedades. Nessa perspectiva, em diálogo com David Harvey,
Klaus (2011) sustenta a ideia de que a administração científica, seja como en-
contrada no bojo do sistema produtivo, seja aplicada às esferas outras da vida
social, como, por exemplo, no campo das relações de sociabilidade, terminou por
converter-se como marco da racionalidade corporativa burocrática, ensejando,
assim, não só um sistema de produção em massa de bens e serviços, mas o que
seria uma ampla e intensiva constituição de modos e/ou estilos de vida massifi-
cados, padronizados, homogeneizados, em suma, engendrando uma espécie de
homem unidimensional, na expressão do filósofo frankfurtiano Herbert Marcuse.
Nos EUA, nas décadas de 1930 e 1940, emergiu uma nova classe média,
a qual foi estudada pelo grande sociólogo Charles Wright Mills (1969), que
terminou por designar aqueles a ela pertencentes como os White Collars (“os
de colarinhos brancos”). Costa e Mota (2016, p. 824-825) assim a descrevem:
Após a II Grande Guerra Mundial, por sua vez, desenvolveu-se uma ver-
dadeira indústria cultural, uma massificação do consumo e de estilos de vida,
bem como a constituição de uma cultura juvenil, como questão e/ou problema
psicossocial e educacional. Isso implicava também mudanças na mentalidade
e nos costumes, ainda mais com a entrada em cena do Rock and Roll e de uma
indústria cinematográfica que consagrava nas telas os jovens “rebeldes sem cau-
sa” e seus ícones, como Natalie Wood, James Dean, Sal Mineo, Marlon Brando
e Paul Newman, dentre outros. Já a década seguinte, a de 1950, foi marcada,
sobretudo, por agitações relacionadas às lutas empreendidas pelos movimentos
das minorias negras contra o racismo, o preconceito, bem como no sentido de
conquista de igualdade e afirmação de direitos civis. Em ritmo crescente, so-
bretudo a partir da Guerra do Vietnã, com o concurso de fenômenos como o da
contracultura, o das rebeliões estudantis e o da revolução sexual, a ordem social
constituída ao longo da primeira metade do século XX, o establishment, o status
quo, em boa medida associados ao consumismo exacerbado, à burocratização e
à uniformização das formas de vida (tornando-as programadas e estereotipadas)
e ao imperativo de um ajustamento e/ou submissão às regras e aos costumes
estabelecidos pela tradição, foram duramente questionados e contestados, dando
ensejo ao que Luc Boltanski e Ève Chiapello (2009) designaram de “crítica
estética” ao capitalismo.
Com efeito, as diversas convulsões político-econômicas, socioculturais
e todo esse clima insurrecional característicos dos anos 1960 terminaram por
demandar, segundo esses autores, que o capitalismo construísse para si e para a
sociedade em geral uma nova legitimação à sua existência. Legitimação esta que,
se por um lado empenhou-se em absorver estrategicamente elementos e reivindi-
cações constituintes da referida crítica estética dirigida ao sistema (valorização
da singularidade, da criatividade, da diferença, da aventura, do alternativo, da
invenção, da experimentação, da improvisação e da participação horizontal e
democrática na tomada de decisões); por outro lado, rechaçou ou mostrou-se
cinicamente indiferente a outra crítica que também lhe foi endereçada no mes-
mo período, uma “crítica social”. Diferentemente da primeira, esta deslocava
seu foco e seus questionamentos para as desigualdades político-econômicas e
sociais, para a produção da miséria e para a exploração e opressão das classes
pobres e operárias pelas classes ricas e/ou privilegiadas.
Parece evidente que, a partir de meados dos anos 1970, sem que se possa
esquecer da revolução operada no campo da informática e da crise na antiga
União Soviética (URSS), com o advento tanto da globalização quanto do neo-
liberalismo, sobretudo mediante as gestões de Margareth Thatcher, à frente da
Inglaterra, e de Ronald Reagan, à frente dos EUA, temos não só o funciona-
mento, de fato, de um novo tipo de capitalismo, mas também a construção de
um novo espírito ou representação social deste. Embora o que Foucault designe
por governamentalidade neoliberal tenha suas primeiras formulações e debates
localizados temporalmente imediatamente antes da II Grande Guerra Mundial
(no Colóquio Walter Lippmann, realizado em 1938, que contou com a presen-
ça dos ordoliberais da Escola Austríaca, ou Escola de Viena) e imediatamente
após a mesma guerra (na Criação da Sociedade Mont-Pèlerin, em 1947), no
presente trabalho preferimos situar o que seria uma segunda fase do processo de
empresariamento da sociedade, a que aludimos anteriormente, como se dando,
principalmente a partir de meados da década de 1970, impulsionada, sobretudo,
pelos efeitos das análises, formulações e políticas econômicas realizadas e/ou
inspiradas pelos economistas da Escola de Chicago (Friedrich Hayek, Milton
Friedman, Theodore Schultz, Gary Becker, George Stigler, Robert Lucas Jr.,
dentre outros).
Essa nova fase do empresariamento da sociedade não se reduz apenas à
privatização, ao enxugamento e à diminuição do Estado e à despadronização
do mundo do trabalho (desregulamentação, terceirização, flexibilização, le-
asing, precarização etc.), como vem destacando toda uma literatura crítica e
progressista, que busca compreender, inspirada no marxismo, o que se passa
na transição entre as sociedades modernas e as sociedades contemporâneas. Se
nossa problematização pretende focar-se, em termos amplos, no modo como
os indivíduos passam a ser formados, educados, subjetivados e governados
em meio ao e pelo neoliberalismo – essa “nova razão do mundo”, como dizem
Laval e Dardot (2016) –, convém apontar e tornar inteligíveis ao menos alguns
dos fatores estratégicos aí implicados. Com base nos fatores originalmente
apontados por Costa e Mota (2016), atualizando-os e estabelecendo algumas
precisões, destacamos os seguintes:
a) a disseminação da “forma-empresa” (sua lógica, seu modus operan-
di, valores, princípios, normas, padrões de conduta e procedimentos
comuns) por todo o tecido social; mais do que isso, tal movimento
interfere diretamente na produção de subjetividades na contempora-
neidade, haja vista que não só os indivíduos são produzidos mediante
sua conversão à forma de uma microempresa, tornando-se empresários
de si mesmos, empreendedores, mas também as famílias passam a
brevíssima; uma vez que, de uma maneira ou de outra, parte significativa deste
trabalho tem se reportado, direta, ou indiretamente, a ele. O fundamental a reter
desse culto à gestão é o fato dela ter se transformado numa verdadeira visão
de mundo e num efetivo dispositivo de normatividade social, fazendo com
que questões e/ou problemas de natureza política, psicossocial e/ou cultural se
convertam em questões eminentemente empresariais. Ou seja, questões cujo
enfrentamento e o bom encaminhamento demandam a utilização de todo um
conjunto de princípios e valores, de um lado, e de todo um arsenal de técnicas,
mecanismos e procedimentos, de outro. Esses, uma vez agenciados entre si e
disseminados ao extremo, terminam por compor um meio, uma ambiência,
ou atmosfera social com a qual os indivíduos e coletividades devem se fami-
liarizar, se adaptar, e na qual devem se inserir como sendo seu espaço social
vital. Para regular e modular as condutas e as subjetividades dos indivíduos, a
governamentalidade neoliberal atua indiretamente, através da manipulação de
algumas variáveis ambientais, fazendo desses indivíduos seres responsivos e
previsíveis. Nesse contexto, a educação se vê, em primeiro lugar, reduzida a uma
gestão tecnicista de competências e desempenhos, com vistas a uma triagem
dos indivíduos que deverão ter suas vidas qualificadas, tornando-se passíveis de
inclusão no sistema, cujas vidas serão desqualificadas, engrossando as fileiras
dos excluídos sociais. Em segundo lugar, ela se vê alijada da possibilidade de
operar com uma tábua de valores que não seja aquela emanada do mercado;
por isso, precisamente, não tem como problematizar uma série de significações
vitais, como, por exemplo, os sentidos de sucesso e o fracasso, felicidade e
infelicidade, justiça e injustiça etc.
Uma terceira variável implicada às relações entre governamentalidade
neoliberal, educação e subjetivação alude a uma espécie de imperativo de visibi-
lidade/transparência. Por um lado, há como que um chamado a que os indivíduos
se exponham, ganhem visibilidade, exibam-se, tornem-se transparentes, inclusi-
ve, como bem mostrou Paula Sibilia (2008), à custa do escancaramento de sua
intimidade. Essa exortação à exibição tem lá sua conexão com alguns valores
e práticas que fazem parte do campo do management, em particular a ideia de
que não basta ao indivíduo realizar bem o seu trabalho ou dar conta, de forma
correta e pontual, de suas responsabilidades para ser reconhecido, valorizado
e, com isso, promovido. Há que se ir mais adiante, atentando-se ao fato de que,
para aumentar a probabilidade de vir a obter uma almejada aprovação e de vir
a ser premiado por seu desempenho, ele deve espetacularizá-lo, de modo a dar
ampla repercussão (visibilidade e dizibilidade) à sua performance, encontrando
maneiras diversas de se fazer notar, seja, principalmente, por seus superiores,
seja pelos que estão em posições hierárquicas semelhantes a sua, seja, enfim,
pelos que se encontram abaixo dele na hierarquia organizacional.
Cordeiro (2013), por sua vez, num discurso típico de literatura de auto-
ajuda empresarial, distingue três modalidades de accountability, das quais a
primeira, dita governamental, é justamente a que acabamos de definir acima;
a segunda, a contábil, refere-se à prestação de contas em assuntos atinentes à
contabilidade (tesouraria, tributação, balanço patrimonial, dentre outros). A
terceira modalidade de accountability, por seu turno, designada por Cordeiro
como pessoal, caracteriza-se por ser uma atitude ética, de caráter ativo, que um
indivíduo não só pode como deve manter para com os outros. Por outro lado,
essa postura é equiparada, por Cordeiro (2013, p. 6), a uma habilidade capaz
de levar o indivíduo a “crescer acima e além das circunstâncias, fazendo tudo
o que está ao seu alcance para atingir os melhores resultados, principalmente
no que se refere às responsabilidades do dia a dia, tanto no ambiente familiar
quanto no profissional”. É nítido como esse imperativo ético se encontra agen-
ciado às novas tecnologias de gestão do “Eu”, à maximização da performance
e ao aumento da visibilidade.
Voltemos agora àquelas questões políticas levantadas por Innerarity (2017).
Elas dizem respeito tanto à necessidade de que os indivíduos sejam relativamente
vigiados (por mecanismos que os submetam a certa visibilidade), quanto aos
perigos de vivermos em sociedades em que a transparência seja alçada à condição
de um valor absoluto. Assim, pondera Innerarity (2017, p. 215):
Por fim, a última variável crucial que perpassa a relação entre governo,
subjetivação e educação é constituída pelas novas tecnologias da informação e
da comunicação (TICs). As TICs ganharam especial impulso a partir de meados
dos anos 1970, quando foram desenvolvidas interfaces cada vez mais amigáveis
entre computadores e usuários, e quando se assistiu a um avanço vertiginoso em
relação à capacidade de armazenamento e processamento de informações. Não
bastasse isso, seu alcance assumiu uma dimensão planetária com o advento da
internet, redefinindo nossas relações com o tempo, o espaço e nossas relações de
REFERÊNCIAS