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Semiótica Da Comunicação

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de 2010

Mikhail Bakhtin: contribuições para o estudo da semiótica da comunicação1

Francismar FORMENTÃO2
Universidade Estadual do Centro-Oeste, Guarapuava, PR

RESUMO
Os estudos em torno do filósofo russo Mikhail Bakhtin têm ganhado importância e
quantidade nos últimos anos entre estudiosos de diversas áreas do conhecimento. Nesta
pesquisa, destacam-se suas contribuições ao estudo da semiótica da comunicação. Uma
concepção dialógica da linguagem e da comunicação que engloba a relação vida/cultura,
o real concreto, a formação da consciência dos indivíduos e a materialidade sígnica de
todas as produções humanas dotadas de valor; descentralizando o sujeito e o
reconduzindo à situação de agente ativo em interação constante e fluída: um sujeito
responsivo e responsável. Nessa concepção, a mediação é integrante teórico-prática no
plano volitivo-emocional, ético-cognitivo e estético, unindo o mundo sensível e o
mundo inteligível em conteúdo-forma-processo.

PALAVRAS-CHAVE: semiótica discursiva; filosofia da linguagem; comunicação;


Mikhail Bakhtin.

A semiótica trouxe importantes contribuições aos pesquisadores da


comunicação, diversas propostas de estudiosos recebem destaque neste campo: Charles
Sanders Peirce (1839-1914), Ferdinand de Saussure (1857-1913), Roland Barthes
(1915-1980), Algirdas Julien Greimas (1917-1992), Umberto Eco (nascido em 1932),
por exemplo. Neste estudo, discute-se as contribuições de Mikhail Bakhtin (1895-1975)
para o estudo da semiótica da comunicação, a relevância de um método que apresenta
movimentos dialéticos que colocam em evidência uma de suas maiores contribuições ao
pensamento semiótico: o signo ideológico.
É importante ressaltar que o próprio Bakhtin em seus escritos prefere a auto-
denominação de filósofo da linguagem, e não semiótico (PONZIO, 2008). Neste estudo
não se busca qualificar o método bakhtiniano com sendo uma filosofia da linguagem,
semiótica discursiva ou simplesmente dialogismo, mas sim, ressaltar a sua
multiplicidade e contribuições à semiótica no estudo da comunicação.
Ao estudar a comunicação, sua forma e seus conteúdos, temos na mediação
o processo que instaura a linguagem, e signo ideológico representa um elo dinâmico na

1
Trabalho apresentado no GP Semiótica da Comunicação, X Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação,
evento componente do XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2
Graduado em jornalismo, Especialista em Comunicação, Educação e Artes, Mestre em Letras – Linguagem e
Sociedade (Unioeste), Doutorando em Comunicação e Cultura (UFRJ); docente da Universidade Estadual do Centro-
Oeste (Unicentro) Guarapuava – PR. E-mail: fformentao@yahoo.com.br

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interação e na socialização do homem e fator fundamental da ação material que


transforma o próprio homem e a natureza. Os signos assumem forma e conteúdo,
conduzindo o sentido para a materialização dos processos de comunicação. Um
exemplo de signo que absorve uma interação onipresente é a palavra.

As características da palavra enquanto signo ideológico (...) fazem


dela um dos mais adequados materiais para orientar o problema no
plano dos princípios. (...) a palavra penetra literalmente em todas as
relações entre indivíduos, nas relações de colaboração, nas de base
ideológica, nos encontros fortuitos da vida cotidiana, nas relações de
caráter político etc. As palavras são tecidas a partir de uma multidão
de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em
todos os domínios. É portanto claro que a palavra será sempre o
indicador mais sensível de todas as transformações sociais, [...].
(BAKHTIN, 1995, p. 41).

Bakhtin apresenta a compreensão da importância sígnica, entendendo que o


signo está presente em enunciados que constituem-se signos e são resultado de uma
relação com campo social e esfera ideológica definidos. O signo reflete e refrata a
realidade, que lhe é exterior, no confronto de interesses sociais nos limites de uma só e
mesma comunidade semiótica, que se enfrentam e se confrontam com atitudes de valor
contraditório (BAKHTIN, 1995, p. 46). Para Bakhtin, a “(...) única maneira de fazer
com que o método sociológico marxista dê conta de todas as profundidades e de todas
as sutilezas das estruturas ideológicas 'imanentes' consiste em partir da filosofia da
linguagem concebida como filosofia do signo ideológico [...].” (BAKHTIN, 1995, p.
38). Evidenciando assim, a importância dada ao autor a semiótica proposta no signo
ideológico.
Os parâmetros epistemológicos deste método formam uma arquitetura que
dimensiona as relações homem-mundo, sujeito-objeto do conhecimento e conectados à
ação humana. A arquitetônica do conhecimento semiótico incorpora dialogicamente o
processo histórico e as condições de elaboração de epistemes no processo de
transformação contínua, na dinâmica das forças vivas sociais que se determina ética e
esteticamente. Bakhtin une dialeticamente sua fundamentação do signo ideológico e da
alteridade das relações sociais com essa arquitetônica vinculada a diversas categorias
conceituais, como dialogismo, cronotopo, exotopia, polifonia, palavra, esfera, campo,
enunciação, ética, estética, entre outras.
Bakhtin apresenta a semiótica como condição intencional e com uma
objetivação específica: a totalidade que implica a consequente reflexão sobre os planos,

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níveis, interações dos discursos produzidos entre a infra- e a superestrutura existentes


concretamente, articulando elementos físicos, mentais, emocionais, perceptivos,
cognitivos e “psicológicos” entre si e na produção do sentido.
Assim, a totalidade se determina historicamente nas mediações e pelas
mediações “pelas quais suas partes específicas ou complexas – isto é, as ‘totalidades
parciais’ – estão relacionadas entre si, numa série de inter-relações e determinações
recíprocas que variam constantemente e se modificam” (BOTTOMORE, 1988, p. 381).
Ou seja, as esferas/campos que se dialogizam, estabelecendo conteúdo e forma sígnica
na produção de sentido.

O conceito de esfera da comunicação discursiva (ou da criatividade


ideológica, ou da atividade humana, ou da comunicação social, ou da
utilização da língua, ou simplesmente da ideologia) está presente ao
longo de toda a obra de Bakhtin e de seu Círculo, iluminando, por um
lado, a teorização dos aspectos sociais nas obras literárias e, por outro,
a natureza ao mesmo tempo onipresente e diversa da linguagem verbal
humana. (GRILLO. In: BRAIT, 2006, p. 133-134).

Os signos materializados nas esferas/campos sócio-históricos (jornais,


círculos sociais) refratam as relações comunicativas existentes na linguagem e, através
da linguagem, refletindo e refratando a própria materialidade ideológica sígnica.

No domínio dos signos, isto é, na esfera ideológica, existem


diferenças profundas, pois este domínio é, ao mesmo tempo, o da
representação, do símbolo religioso, da fórmula científica e da forma
jurídica etc. Cada campo da criatividade ideológica tem seu próprio
modo de orientação para a realidade e refrata a realidade à sua
maneira. Cada campo dispõe de sua própria função no conjunto da
vida social. (BAKHTIN, 1995, p. 33).

Eixo central do pensamento baktiniano, o dialogismo (relações discursivas


entre homem-mundo, homem-natureza e sujeito-objeto do conhecimento) ocorre entre
discursos que interagem na comunicação e, nessa interação, produzem o processo de
significação. “O discurso escrito é de certa maneira parte integrante de uma discussão
ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as
respostas e objeções potenciais, procura apoio etc”. (BAKHTIN, 1995, p. 123). Através
da linguagem, os discursos são produzidos em condições específicas (enunciação),
estabelecendo formas num intercurso social (enunciados) que, além de instaurar
relações entre o eu e os outros, veicula o universo ideológico.
Como o dialogismo é também o princípio gerador da linguagem e da
produção de sentido do discurso, todos os discursos empreendem o dialogismo

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“retrospectivos e prospectivos com outros enunciados/discursos” (SOBRAL. In:


BRAIT, 2005, p. 106). O sujeito descentralizado, interativo, forma a sua consciência
pela cadeia ideológica.

Essa cadeia ideológica estende-se de consciência individual em


consciência individual, ligando umas às outras. Os signos só emergem,
decididamente, no processo de interação entre uma consciência individual
e uma outra. E a própria consciência individual está repleta de signos. A
consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo
ideológico (semiótico) e, conseqüentemente, somente no processo de
interação social. (BAKHTIN, 1995, p. 34)

Trata-se de uma cadeia de significação de aproximação de um signo a outro


ou outros signos conhecidos, ocorrendo a compreensão pelo seu próprio encadeamento.

E essa cadeia de criatividade e de compreensão ideológicas,


deslocando-se de signo em signo para um novo signo, é única e
contínua: de um elo de natureza semiótica (e, portanto, também de
natureza material) passamos sem interrupção para um outro elo de
natureza estritamente idêntica. (BAKHTIN, 1995, p. 34).

Para a comunidade semiótica, o que realmente importa é a interação dos


significados das palavras e seu conteúdo ideológico, não só do ponto de vista
enunciativo, mas também das condições de produção e da interação entre sujeitos. O
sentido refratado e refletido signicamente tem nas marcas ideológicas a materialização
das esferas e dos campos sociais, demonstram objetivamente a forma ideológica
determinada por um horizonte social de uma época (espaço/tempo) e de um grupo social
que carrega um índice de valor (conteúdo) (BAKHNTIN, 1995, p. 44). Juntos, forma e
conteúdo, na interação social, produzem sentido ideológico que, na sua época,
axiologicamente tenciona as tramas das diversas esferas ideológicas e dos campos
sociais.
A concepção dialógica da criação verbal engloba a relação vida/cultura, o real
concreto, a formação da consciência dos indivíduos e a materialidade sígnica de todas as
produções humanas, dotadas de valor; descentraliza o sujeito e o reconduz à situação de
agente ativo em interação constante e fluída, um sujeito responsivo e responsável. Nessa
concepção, a mediação é integrante teórico-prático no plano volitivo-emocional e ético-
cognitivo, unindo o mundo sensível e o mundo inteligível em conteúdo-forma-processo.
A originalidade desta concepção reside em articular elementos como discurso,
enunciado, enunciado concreto e alteridade, são elementos nucleares dessa concepção

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explicitados em sua materialidade histórica, em sua materialidade semiótica, social e


cultural da interação comunicativa. As relações entre linguagem-sociedade-ideologia
são examinadas por Mikhail Bakhtin, considerando o discurso em sua forma e conteúdo
como objeto de significação na cultura social e histórica, que inclui a enunciação
(contexto) em suas particularidades (enunciações anteriores e posteriores que são o
fluxo de circulação de discursos) e conecta sujeitos que se integram em um processo
verbal e extraverbal. Essa necessidade do outro é celebrada na alteridade e no discurso
sua evidência e entendimento está no dialogismo. Tornando-se, deste modo, a categoria
primordial através da qual Bakhtin pensará as relações culturais. Todos os fenômenos
analisados à luz do dialogismo são considerados em sua multidirecionalidade, a
orientação de um eu para o outro (MACHADO, 1995, p. 310).
O sujeito, no evento de ser, processo de devir existencial, constitui-se como tal
na cultura em tempo e espaço dinâmicos que entrelaçam passado e presente,
compartilhados pelos demais sujeitos sociais e principalmente, num espaço ou arena de
confronto de valores. Define-se, desse modo, o produtor do discurso, todo e qualquer
sujeito, as criações artísticas, culturais e científicas, o tempo homogêneo/heterogêneo
nas esferas da comunicação. As fronteiras entre o homem e a natureza são do sujeito do
conhecimento imerso na contradição histórica e nos impelem ao questionamento das
relações entre eu e os outros em termos de formação de consciência, de identidades,
valores, educação, direitos e deveres, de uma existência particular numa vida coletiva.
Assim a identidade constituída em um circuito de comunicação, de signos
valorados axiologicamente, é forjada interativamente no e pelo outro(s) sustenta-se na
diferença, apresentando aspectos “subjetivos” e “objetivos” provenientes do processo de
internalização de relações sócio-histórico-ideológicas e culturais no fluxo da cadeia
sígnica. Esta identidade caracteriza-se pelo agir do sujeito no fluxo da comunicação,
pela compreensão responsiva que tem deste fluxo e pela compreensão responsiva que
empreende em suas relações interdiscursivas, tanto quanto pela perspectiva de meio
social/cultural em que está inserido, isto é, no uso do material semiótico que se encontra
a sua disposição, no confronto sígnico de valores contraditórios.
Também é importante lembrar neste estudo, a existência de múltiplas formas de
interpretação teórica e metodológica dos estudos de Bakhtin e seu círculo; os problemas
relacionados a autoria e a traduções de seus textos; as suas raízes epistemológicas –
entre outros aspectos – reiteradamente salientadas por inúmeros autores (Cristóvão
Tezza, Katerina Clark, Michael Holquist, Irene Machado, Diana Luz Pessoa de Barros,

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Robert Stam, Beth Brait, Edward Lopes, por exemplo). A pertinência e a atualidade
teórica e metodológica de Bakhtin são demonstradas pelo acúmulo de pesquisas
realizadas no Brasil nos últimos anos, assumindo esses aspectos salientados uma
condição de enfrentamento necessário ao pesquisador. De fato, a

[...] obra de Bakhtin e de seu Círculo deu origem a uma das correntes
de pensamento mais influentes do século XX. Entre os aspectos
responsáveis pela sua repercussão, está a formulação de uma
complexa malha conceitual, construída nos interstícios de diversos
domínios das Ciências Humanas (a Filologia, a Filosofia da
Linguagem, a Lingüística, a Sociologia, a Estética, a História, a
Antropologia) e, por isso mesmo, capaz de produzir questões, de
orientar abordagens e de apontar caminhos de pesquisa que não se
esgotam em uma única disciplina acadêmica. Essa natureza
interdisciplinar pode explicar o fato de que a obra do Círculo tenha
sido incorporada e articulada a diversos outros teóricos, das formas as
mais variadas. (GRILLO. In: BRAIT, 2006, p. 133).

Esta profusão de perspectivas, uma multiplicidade que reside já na gênese da


produção bakhtiniana, os problemas de autoria, os relacionamentos no chamado Círculo
de Bakhtin, e ainda, os usos das ciências na atualidade para respostas ligeiras e
superficiais, têm levado a banalização de conceitos e métodos em torno da filosofia da
linguagem. Percebe-se

[...] que há – em especial no campo da comunicação – uma crescente


banalização dos conceitos bakhtinianos em artigos, dissertações e
teses que tentam aplicá-los na análise dos mais variados objetos.
Reproduzidos e instrumentalizados, esses conceitos tornaram-se
autoexplicativos, já dados como prontos para o uso, sem a necessidade
de reflexão crítica. Os abusos das noções de dialogismo e de polifonia
são, sem dúvida, os mais evidentes resultados desse processo de
apropriação, muitas vezes, impreciso e superficial. Não raro, quando
há pesquisas com o objetivo de identificar “vozes de diálogo” em
fenômenos lingüístico-comunicacionais, já se pressupõe estar
utilizando conceitos de polifonia e dialogismo. Certamente, não se
trata apenas disso. Em geral, aspectos importantes desses conceitos,
como a imiscibilidade e a equipolência entre vozes, bem como a
orquestração delas, são esquecidos, e o que é ainda mais preocupante
– subtrai-se daqueles fenômenos o social, o contextual, em favor de
um novo aprisionamento ao texto – de um novo formalismo, portanto.
(RIBEIRO e SACRAMENTO, 2010, p. 12-13).

Mikhail Bakhtin ultrapassa a visão marxista de troca equivalente entre o sujeito


e o objeto do conhecimento. Esclarece a heterogeneidade entre a consciência e a
matéria, enfatizando o material em sua externalidade; o marxismo ocidental direcionou-
se para as considerações de reflexo entre sujeito e objeto do conhecimento.

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A apreensão dos fundamentos teórico-metodológicos de Mikhail Bakhtin no


estudo da semiótica e da comunicação apresenta pertinência na sua tradutibilidade e
compreensão do passado e do presente históricos (inerentes ao signo e a própria
comunicação) em relações dialógicas (interdisciplinares, de interação discursiva)
privilegiando a tradição dialética/dialógica e materialista histórica (conteúdo/forma),
mas ampliando-a: conteúdo se constitui para Bakhtin no elemento ético-cognitivo e a
forma em elemento estético de sentido. Unem-se a realidade do conhecimento “como o
mundo e seus momentos” com todos os seus valores éticos e a forma ao expressar “uma
relação substancial com todos os valores do conhecimento e do ato” (BAKHTIN, 1998,
p. 35).
A unidade forma-conteúdo foi explicada por Marx para expor o funcionamento
da sociedade capitalista e a emancipação da classe trabalhadora. Ele preocupou-se com
a reconciliação de forma e conteúdo no vir-a-ser histórico e no potencial da realização
humana. Bakhtin efetiva essa reconciliação apresentando a perspectiva estética, para ele

[...] o conteúdo e a forma se interpenetram, são inseparáveis, porém,


também são indissolúveis para a análise estética, ou seja, são
grandezas de ordem diferente: para que a forma tenha um significado
puramente estético, o conteúdo que a envolve deve um sentido ético e
cognitivo possível, a forma precisa do peso extra-estético do
conteúdo, sem o qual ela não pode realizar-se enquanto forma.
(BAKHTIN, 1998, p. 37).

O elemento ético-cognitivo está por sua vez, também, indissoluvelmente ligado


com o mundo real e como objeto do conhecimento e do ato ético, dotado de valores. A
forma estética só adquire sentido na mesma medida axiológica que expressa uma
relação consistente os valores do conhecimento e do ato ético. (BAKHTIN, 1998, p. 35-
37).
Em Bakhtin percebe-se uma filiação ao conceito de ideologia como foi
concebida por Karl Marx e Friedrich Engels: ambos criticaram as concepções com
relação à religião feita pelos materialistas franceses e notadamente por Ludwig
Feurbach, tanto quanto as análises teóricas da filosofia alemã expressas no idealismo de
George Wilhelm Friedrich Hegel. Embora o idealismo de Hegel concedesse ao sujeito a
primazia de sua atividade em sua ação no mundo, essa atividade reduzia-se à atividade
da consciência e é exatamente nesse ponto que Marx e Engels explicam como o
idealismo produzia formas invertidas de consciências humanas em relação a suas
próprias existências materiais.

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No pensamento Bakhtiniano a ideologia aparece de forma material no signo e


não oculta as contradições do capitalismo “[...] promovida pelas forças dominantes, e
aplicada ao exercício legitimador do poder político” (MIOTELLO. In: BRAIT, 2005, p.
168), e sim, traz a materialização dessas contradições no signo. O autor apresenta
movimentos dinâmicos entre uma ideologia oficial e uma do cotidiano, estando ambas
em interação na circulação permanente de signos e de sujeitos em interação e em devir,
atingindo nestes signos a materialidade que apresenta a função ideológica que determina
a vida histórica-material.

[...] Bakhtin e seu círculo puderam estabelecer, bem a seu gosto, uma
relação dialética se dando entre ambos3, na concretude. De um lado a
ideologia oficial, com estrutura e conteúdo, relativamente estável; de
outro, a ideologia do cotidiano, com acontecimento, relativamente
instável; e ambas formando o contexto ideológico completo e único,
em relação recíproca, sem perder de vista o processo global de
produção e reprodução social. (MIOTELLO. In: BRAIT, 2005, p.
169).

O próprio indivíduo, consumidor da vida através dos discursos, nas interações


cotidianas ou nas interações com o processo de comunicação, como a observada neste
estudo, tem a própria consciência formada por interações que têm valores por meio do
reflexo e da refração de signos ideológicos numa realidade material, física, de sua vida
histórica, formando signos com sentidos ideológicos e imaginários.

[...] a ideologia é sistema sempre atual de representação de sociedade


e de mundo construído a partir das referências constituídas nas
interações e nas trocas simbólicas desenvolvidas por determinados
grupos sociais organizados. É então que se poderá falar do modo de
pensar e de ser de um determinado indivíduo, ou de determinado
grupo social organizado, de sua linha ideológica, pois que ele vai
apresentar um núcleo central relativamente sólido e durável de sua
orientação social, resultado de interações sociais ininterruptas, em que a
todo momento se destrói e se reconstrói os significados do mundo e dos
sujeitos. Se poderá então dizer: o Mundo sempre Novo, que se dá na
ressurreição plena de todos os sentidos. (MIOTELLO. In: BRAIT, 2005,
p. 176).

A contribuição de Bakhtin define-se numa interação dialética de conteúdo-forma


na ação objetiva/subjetiva de seres humanos socialmente organizados, evidenciando as
contradições produzidas e materializadas em cadeias semióticas que existem com
inúmeros valores axiológicos em níveis que variam da ideologia oficial a do cotidiano

3 O autor se refere à ideologia como ideologia do cotidiano e como o instante em que “[...] a divisão social do
trabalho separa trabalho manual e intelectual” (MIOTELLO. In: BRAIT, 2005, p. 169).

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em constante movimento e devir em tempo/espaço, fornecendo subsídios para a


compreensão das condições sociais da comunicação e da materialização histórica do
homem.

Pois bem, para Bakhtin, todo ato comunicativo é contextual – situado


por sujeitos, instituições, tempos e espaços definidos. Nesse sentido,
comunicar é um processo dialógico. Não se trata apenas de dizer
alguma coisa para alguém, mas para alguém e com outrem. Ou seja,
leva-se em conta a alteridade, o interlocutor, os modos e as
circunstâncias da interação verbal. Nosso autor foi incisivo ao
considerar o interlocutor (seja leitor, espectador ou ouvinte) como um
personagem ativo do processo de comunicação, que age, que trabalha,
sobre o que lhe é ofertado. Ou seja, Bakhtin critica o que se
convencionou chamar de “recepção”, entendida como o cumprimento
das tarefas interpretativas determinadas pelo enunciador, num jogo
abstrato e idealista de estímulo-resposta. (RIBEIRO e
SACRAMENTO, 2010, p. 14).

Nesse processo de alteridade, o outro é de fundamental importância, pois implica


em interação entre o eu e o outro, em que ambos se incluem mutuamente, numa relação
recíproca, se definindo na tríade eu-para-mim, outro-para-mim e eu-para-o outro, numa
ação concreta. Essa ação se materializa no ato, no discurso, requer uma compreensão
responsiva e responsável de ordem ética e cognitiva (conhecimento), dos sujeitos em
interação em um devir também situado, contextualizado no tempo histórico.
Nas relações sociais existe uma dinâmica fluída, dialógica que conduzem à
produção do sentido. Em Bakhtin, essa produção do sentido não é absolutizada e nem
relativizada axiologicamente, e sim, estabelecida como um processo aberto do vir-a-ser
humano. Acontecimento que carrega a alteridade do homem como fator fundamental de
um processo que, pela linguagem, dá ao signo sentido e existência ideológica. O homem
– num entendimento que não se deixa levar por um reducionismo economicista – é um
ser social imerso nesta dinâmica, pois,

Para entrar na história é pouco nascer fisicamente: assim nasce o


animal, mas ele não entra na história. É necessário algo como um
segundo nascimento, um nascimento social. O homem não nasce
como um organismo biológico abstrato, mas como fazendeiro ou
camponês, burguês ou proletário: isto é o principal. [...] Só essa
localização social e histórica do homem o torna real e lhe determina o
conteúdo da criação da vida e da cultura (BAKHTIN, 2004, p. 11).

A comunicação situa-se como um espaço de produção de discursos que se


instaura no dialogismo, “o princípio constitutivo da linguagem e a condição do sentido

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do discurso” (BARROS. In: FARACO et al, 2001, p. 33). Como gênero, assume esferas
e campos de circulação e significação que recriam em signos uma materialidade
específica da realidade, uma mediação da mediação.
Percebe-se uma proposta dialética que se centra no aprofundamento do
conhecimento iniciado por uma precedente síntese precária e por uma compreensão
genérica imediata para, gradativamente, conduzir o que é conhecido do complexo e
abstrato ao mais simples, retornando ao mais complexo, ao concreto. “E devemos
sublinhar outra coisa: cada totalidade tem a sua maneira diferente de mudar; as
condições da mudança variam, dependendo do caráter da totalidade e do processo
específico do qual ela é um momento.” (KONDER, 2000, p. 40).
A concepção dialética de conteúdo e forma constitui uma mediação, que nega o
concreto filosófico geral que “designa o conjunto de elementos, dos aspectos que
constituem uma coisa dada, um objeto dado” (CHEPTULIN, 1982, p. 263). Descartando
as concepções idealistas e metafísicas de conteúdo e forma, o monismo materialista
concebe que esses elementos formam uma única unidade orgânica, interdependente. “O
papel determinante nas relações conteúdo-forma é desempenhado pelo conteúdo. Ele
determina a forma e suas mudanças acarretam mudanças correspondentes da forma. Por
sua vez, a forma reage sobre o conteúdo, contribui para seu desenvolvimento ou o
refreia.” (CHEPTULIN, 1982, p. 268).
O conteúdo transforma-se constantemente e a forma tende a manter-se estável de
modo relativo, por um tempo maior. A partir do momento em que a forma (sistemas
estáveis) se torna um obstáculo ao conteúdo (conjunto de processos), a não-
correspondência entre ambos eclode em eliminação dessa forma, e o aparecimento de
outra que atinge um nível qualitativo diferenciado; como quando na literatura se diz “da
refeição e da destruição da antiga forma e da criação de uma forma nova, temos, em
geral, uma vista às mudanças na forma que a adaptam ao desenvolvimento do conteúdo
no quadro da antiga forma” (CHEPTULIN, 1982, p. 269).
Adail Sobral (2005), em “Filosofias (e Filosofia) em Bakhtin”, especifica que os
intelectuais do Círculo de Bakhtin, no conceito da unidade singularidade/generalidade,
propunham a análise de objetos de estudo mediante “procedimentos” que
contemplassem a “identificação e explicação de relações (não dicotômicas) entre
elementos dos objetos estudados” (SOBRAL. In: BRAIT, 2005, p. 137). O autor destaca
entre elas “forma-conteúdo-material, resultado-processo, material-organização-
arquitetônica, universalidade-singularidade, objetividade (o real concreto) – objetivação

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(manifestação semiótica da objetividade), estética/ética/cognitiva” entre outras.


Em Bakhtin, também existe uma originalidade em demonstrar que, mantendo-se
a unidade conteúdo-forma, acrescenta-se a “natureza do material” e os “procedimentos
por ele condicionados” (BAKHTIN, 2003, 177-178). A forma é dependente do
conteúdo e do material. Nos signos ideológicos, o objetivo é o conteúdo. Este conteúdo
ético-cognitivo será enformado e concluído, subordinando o material ao próprio
objetivo. Concluir implica a subordinação do material e alcançar o objetivo ético-
cognitivo ou “tensão ético-cognitiva”. Há necessidade de superar o material na tarefa
comunicativa.
Assim, a comunicação mediada, um processo de trânsito de conteúdos e formas,
supera a linguagem a fim de um sentido, ou a superação da própria forma para a
conclusão de um novo discurso, evidencia a obediência de uma lógica criativa, “uma
lógica imanente da criação”, com os valores da produção de sentido, o contexto do “ato
criador”.

[...] antes de tudo precisamos compreender a estrutura dos valores e do


sentido em que a criação transcorre e toma consciência de si mesma
por via axiológica, compreender o contexto em que se assimila o ato
criador. A consciência criadora (...) nunca coincide com a consciência
lingüística, a consciência lingüística é apenas um elemento, um
material (...). (BAKHTIN, 2003, 179).

O conteúdo apresenta os elementos do mundo da vida, forjado em parâmetros


éticos e cognitivos. Interligado, conteúdo e forma são mutuamente condicionados,
produzindo sentido na própria criação. A atividade estética agrega sentidos de forma
acabada, e auto-suficiente. Trata-se de um ato que passa a existir em um novo campo
axiológico, num devir da interação comunicativa. Assim, o material também se
condiciona com forma e conteúdo, em que o signo é o meio de expressão; o material
deve ser superado, aperfeiçoado num contexto de criação em que forma e conteúdo
revelam o signo em sua superação, numa mediação social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As sínteses, o pensar dialético do abstrato ao concreto, contemplam as


contradições e mediações. A representação, a opinião, o conceito, a experiência do
sujeito no mundo, movimentam-se do imediato para sínteses ricas, articuladas,

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compreensíveis: “o concreto se torna compreensível através da mediação do abstrato, o


todo através da mediação da parte” (KOSÍK, 1976, p. 30).
É desta forma que o dialogismo nos textos de Bakhtin e seu Círculo trata do
“princípio geral do agir” dos seres humanos, pois, toda interação comunicativa tem
como ponto de referência o “contraste com relação a outros atos de outros sujeitos”
(SOBRAL, In: BRAIT, 2005, p. 106). É também o princípio gerador da linguagem e da
produção de sentido do discurso, todos os discursos empreendem o dialogismo
“retrospectivos e prospectivos com outros enunciados/discursos” (SOBRAL. In:
BRAIT, 2005, p. 106).
O estudo da semiótica e a própria dialogia consistem em conceber a linguagem
como geradora de todos os aspectos que erigem uma sociedade e que consequentemente
produzem a dinâmica da vida social política-econômica em geral e os resultados das
ações humanas sobre a natureza. Fundamentado no materialismo histórico, percebe-se
que em Bakhtin existe um método que têm como objeto “os processos de significação”
que se definem pela compreensão responsiva entre interlocutores e
discursos/enunciados em um processo de mediação que materializa a própria
comunicação.
Para compreender a comunicação e sua relação com o signo ideológico, Bakhtin
determina que o signo sempre precisa ser pensado na sua materialidade, não separando a
ideologia desta realidade material, integrando-o às formas concretas da comunicação social
organizada e também não dissociando a comunicação e suas formas da base material da
sociedade (BAKHTIN, 1995, p. 44).

Para Bakhtin, o embate ideológico localiza-se no centro vivo dos


discursos, seja na forma de um texto artístico, seja com intercâmbio
cotidiano da linguagem. Na vida social do enunciado (seja ela uma frase
proferida verbalmente, um texto literário, um filme, uma propaganda ou
um desfile de escola de samba), cada “palavra” é dirigida a um
interlocutor específico numa situação específica, palavra essa sujeita a
pronúncias, entonações e alusão distintas. (STAM, 2000, p. 62).

Esta direção carrega as marcas ideológicas e a materialização dos signos nas


esferas e dos campos sociais, em um horizonte social de uma época (espaço/tempo) e de
um grupo social com um índice de valor? (conteúdo) (BAKHNTIN, 1995, p. 44).
Juntos, forma e conteúdo, na interação social, produzem sentido ideológico que,
axiologicamente tenciona as tramas destes campos envolvidos.

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