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José Ribamar de Montello Furtado

(SANTO MONTELLO)

CONTINÊNCIA À MORTE
EDIÇÃO COMEMORATIVA DOS SETENTA ANOS DO DIA DA VITÓRIA

Organizadores:
Ana Paula de Ribamar Furtado Araújo Neves
Afrânio Franco de Oliveira Mello
Jefferson Biajone

1° Edição

Itapetininga/SP
Gráfica Regional
2015
Revisão, Ampliação e Edição Portal dos Ex-Combatentes de Itapetininga
http://pec.itapetininga.com.br

Projeto Gráfico e Diagramação Gráfica Regional, Itapetininga/SP

Capa e Assistência Editorial Fabio Silveira


Jefferson Biajone

Copyright © 2015 by José Ribamar de Montello


Furtado - Todos os direitos reservados ao
autor e a seus descendentes

FURTADO, José Ribamar de Montello, 1901 - 1983


920 Continência à Morte:
B4702I Edição Comemorativa dos 70 anos do Dia da Vitória
Itapetininga (SP), Gráfica Regional / 2015

Organizadores:
Ana Paula de Ribamar Furtado Araújo Neves
Afrânio Franco de Oliveira Mello
Jefferson Biajone

ISBN 978-85-65703-08-6

Índice:
1. Itapetininga (SP) - História; 2. Itapetininga (SP) - História
Militar; 3. Segunda Guerra Mundial; 4. Força Expedicionária
Brasileira; 5. Exército Brasileiro; 6. Biografia.
CDD-920
NOTA DE AGRADECIMENTO

A Família do 1° Tenente José Ribamar de Montello


Furtado, responsável pela publicação de Continência à
Morte: Edição Comemorativa dos 70 anos do Dia da Vitória
agradece aos seus organizadores, Ana Paula de Ribamar
Furtado Araújo Neves, Afrânio Franco de Oliveira Mello
e Jefferson Biajone, bem como a todos os prefaciadores
convidados, o 2° Tenente Edomar Wiedtheuper (Exército
Brasileiro), o jornalista Helio Rubens de Arruda e Miranda
(instituto Histórico Geográfico e Genealógico de Itapetininga),
o Padre Mário Donato Sampaio (Academia Itapetiningana
de Letras), o jornalista Edmundo José Vasques Nogueira
(Portal dos Ex-Combatentes de Itapetininga) e o historiador e
entusiasta da Segunda Guerra Mundial Dérek Destito Vertino
(Portal FEB).

Os agradecimentos da Família do 1° Tenente José


Ribamar de Montello Furtado são também extensivos ao
Exército Brasileiro, em especial às pessoas do Major Inf
Jadilson Tadeu da Silva dos Santos da 14° Circunscrição de
Serviço Militar (14° CSM) em Sorocaba, do Capitão Ref PTTC
José Antônio Maciel Barros da Diretoria de Civis, Inativos,
Pensionistas e Assistência Social (DCIPAS) em Brasília, do
2° Tenente QAO Edomar Wiedtheuper da Secretária Geral do
Exército Brasileiro (SGEx) em Brasília, do 1° Tenente QAO
Marco Aurélio Roda da 15° Delegacia de Serviço Militar (15°
Del da 14° CSM) em Itapetininga, do 1° Sargento Eng Sergio
Walber Fontoura Cordeiro e do 1° Sargento Inf Cláudio Bento
Garcia, ambos do Tiro de Guerra da 2° Região Militar (TG
02-076) em Itapetininga, por todo apoio que prestaram nas
pesquisas que necessárias se fizeram para a publicação
dessa edição comemorativa, em particular no resgate de
documentos para reconstituição histórica da carreira militar
de seu autor.
Outrossim, acreditamos que a finalidade da publicação
de Continência à Morte: Edição Comemorativa dos 70
anos do Dia da Vitória foi atingida, porquanto suas páginas
continuam tão atuais quanto o foram na sua primeira edição
em 1951.

De fato, tanto naquelas quanto nestas páginas, nas


quais reverberam atos de bravura, desprendimento e
heroísmo, pode seu leitor, de ontem e de hoje, depreender
com entusiasmo, patriotismo e emoção que Itapetininga
nunca soube poupar os melhores de seus filhos para os
sacrifícios que a luta pela Liberdade e pela Democracia
sempre dela exigiu dentro e fora de nosso país. Assim o foi
na Guerra do Paraguai (1864-1870), na Revolta da Armada
(1893-1894), na Revolução Federalista (1893-1895), na
Revolução Paulista de 1924, na Revolução de 1930, na
Revolução Constitucionalista de 1932 e na Segunda Grande
Guerra Mundial (1939-1945).

Que o testemunho em versos de nosso 1° Tenente


José Ribamar de Montello Furtado seja mais um atestado
inconteste de que um filho teu não foge à luta e nem teme
quem adora a própria morte! brado retumbante este que não
só ecoa nos céus de nossa Pátria pela letra de nosso Hino
Nacional, mas que desejamos que ecoe também no coração
de todos os brasileiros nas merecidas comemorações destes
setenta anos do Dia da Vitória!

Família de José Ribamar de Montello Furtado


Itapetininga, 8 de maio de 2015
Mantendo acesso o
Cachimbo da Vitória!
Dedicatória

Aos valorosos soldados da


FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA,
que escreveram na Itália, mais um capítulo
de glória para a nossa história e elevaram
entre povos de outras terras, mais um
marco de honra para nós.
Sumário
Apresentação
1º Tenente José Ribamar de Monteiro Furtado ...............11

Nota de Introdução à Edição Comemorativa


Professor Jefferson Biajone . ..........................................13

Prefaciadores Convidados
Ana Paula de Ribamar Furtado Araújo Neves .................19
Edomar Wiedtheuper .......................................................21
Afrânio Franco de Oliveira Mello .....................................23
Helio Rubens de Arruda e Miranda ..................................27
Mário Donato Sampaio .....................................................30
Edmundo José Vasques Nogueira ..................................33
Derek Destito Vertino .......................................................35

Pracinhas Itapetininganos falecidos em combate


Soldado Joaquim Antonio de Oliveira ..............................36
Soldado Sebastião Garcia ...............................................37

Primeira Parte

I. ........................................................................................39
II. .......................................................................................45
III. ......................................................................................49
IV . .....................................................................................53
V . ......................................................................................57
VI . .....................................................................................61
VII . ....................................................................................65
VIII . ...................................................................................69
IX . .....................................................................................73
X . ......................................................................................77
XI . .....................................................................................81
XII . ....................................................................................85
XIII . ...................................................................................91
XIV . ...................................................................................95
Segunda Parte

I.........................................................................................99
II........................................................................................103
III.......................................................................................105
IV.......................................................................................111
V........................................................................................117
VI.......................................................................................121
VII......................................................................................125

Terceira Parte

I.........................................................................................129
II........................................................................................139
III.......................................................................................143

Santo Montello
Um esboço biográfico........................................................147

À Memória
1º Tenente José Ribamar de Monteiro Furtado ................155

Comemorações dos 70 anos do Dia da Vitória ...........157

Referências Bibliográficas.............................................159
Apresentação

Caro leitor:

Este é um livro de versos bem diferente dos


demais que você já leu.

Não foi moldado dentro das normas de metrificação


conhecidas.

Não é parnasiano.
Não é também futurista.
Não tem mesmo pretensão alguma.

É um livro sentido e ideado dentro das trincheiras


da guerra e escrito dentro das trincheiras da vida.
Nestes versos não encontrará o que procuras –
beleza e arte. Falta-lhes mesmo a rima que dá
esplendor e harmonia ao verso, mas encontrará
na sua forma estúpida e violenta, a grandeza
brutal da morte estraçalhando a vida.

Este é o meu livro.

É o livro de um soldado para outros soldados.

É a gratidão de um brasileiro a outros brasileiros.


Àqueles que lutaram pela minha pátria. Àqueles
que morreram e jazem sob a terra e àqueles que
voltaram e jazem sob a vida.

Recebe este livro, caro leitor, não como uma obra


com pretensões literárias, mas como um tiro de
canhão que arrebentasse em versos.

O Autor
8 de maio de 1951
Nota de Introdução à Continência à Morte:
Edição Comemorativa dos 70 anos do Dia da Vitória

Jefferson Biajone (*)

Continência à Morte! Um título poderoso, expressivo,


convidativo às maiores e profundas reflexões.
Foi assim, sob tais impressões, que em meados de julho
de 2011, eu organizava o conteúdo hipertextual relativo à
participação do 1° Tenente José Ribamar de Montello Furtado,
ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e
oficial reformado do Exército Brasileiro, em uma das páginas
do então em vias de criação “Portal dos Ex-Combatentes de
Itapetininga” sob o endereço http://pec.itapetininga.com.br/
ribamar.htm.
De fato, foi no curso do levantamento de seus dados
escritos no verso de sua fotografia da Galeria de Ex-
Combatentes da FEB existente no Tiro de Guerra de nossa
cidade (TG 02-076) que li, pela primeira vez, o título da obra
que publicou em 1951, qual foi, Continência à Morte!
Recordo-me que este título me impressionou o bastante
para que eu não mais o esquecesse nos anos seguintes.
De fato, três anos depois, quando da reinauguração
do Monumento aos Pracinhas de Itapetininga, a 19 de julho
de 2014, na sede do Tiro de Guerra, recordei-me do livro e
indaguei ao amigo Afrânio Franco de Oliveira Mello se era
do conhecimento dele a existência e o paradeiro de tal obra.
Para minha grata surpresa, Afrânio não só reconheceu
a obra de imediato, como declarou ter sido amigo de José
Ribamar de Montello Furtado e de sua família há anos, tendo
deles recebido de presente um exemplar de Continência à
Morte! para o acervo de sua biblioteca.
Outrossim, meses depois naquele mesmo ano de 2014,
mais precisamente a 12 de novembro, Afrânio, Edmundo José
Vasques Nogueira e eu lançamos pela Gráfica Regional nova
edição do clássico Heroísmo Desconhecido de Edmundo
Prestes Nogueira, esta comemorativa dos 90 anos da
Revolução de 1924. A noite de autógrafos deste livro ocorreu
na Câmara Municipal de Itapetininga tendo sido coroada
por discursos e homenagens realizadas por autoridades e
familiares ao seu saudoso autor falecido em 1994.
Quando dessa solenidade, imaginei que poderíamos
fazer publicar uma edição comemorativa também de
Continência à Morte! A justificativa, muito providencial,
colocava essa nova edição em uma situação toda favorável
para a sua publicação: em 2015, o Dia da Vitória das Forças
Aliadas na Segunda Guerra Mundial, comemorado desde 8
de maio de 1945 ao redor do mundo, completaria setenta
anos.
E foram nessas circunstâncias muito fortuitas que
concebida foi a ideia de trazer a lume para as gerações
presentes e futuras do século XXI a obra poética de
Continência à Morte!
E com ela o testemunho em versos de José Ribamar de
Montello Furtado, um cidadão brasileiro, itapetiningano não
de nascimento, mas de coração, que de fio a pavio participe
foi do maior conflito armado do século anterior, a Segunda
Grande Guerra Mundial.
E na leitura de seus versos, prenhes de idealismo,
realismo e reflexão, percebe-se emergir o soldado patriota
que não hesitou em tomar das armas e defender a Liberdade
e a Democracia ameaçadas por regimes totalitários.
Foram esses mesmos ideais que nortearam trinta
e um outros itapetininganos, que como José Ribamar,
voluntariamente ingressaram na FEB para o desconhecido
de toda uma odisseia de sacrifícios que o conflito armado em
escala mundial haveria de lhes impor, fosse pela presença
constante da morte nos combates, fosse a crescente
incerteza se estariam vivos ou não nas horas seguintes.
De fato, esses trinta e dois itapetininganos, cujas fotos
desde 1995 ilustram galeria de honra existente na sala de
instrução de nosso Tiro de Guerra e, desde 2011, páginas
hipertextuais no Portal dos Ex-Combatentes, foram, na
sua maioria, jovens ao redor dos dezoito a vinte anos que
integraram os três regimentos organizados pelo Exército
Brasileiro para compor a FEB em 1944.
Com efeito, do 1° Regimento de Infantaria “Regimento
Sampaio” da FEB, o 1° RI, pertenceram Argemiro de Toledo
Filho, Benedito Ayres de Campos, Benedito Nunes da Costa,
Domingos Barreira Sobrinho, Guiomar da Costa Pinto, José
de Ribamar Montello Furtado, Joaquim Antonio de Oliveira,
José Rolim de Oliveira, Luiz Folegatti, Manoel Evaristo de
Moura, Nelson Barreiros, Nelson Medeiros e Pedro Gomes
de Oliveira.
Do 6° Regimento de Infantaria “Regimento Ipiranga”
da FEB, o 6° RI, pertenceram Aniceto Vieira Branco,
Benedito Bento Mariano, Davino da Costa Calhares, Higino
Mendes de Andrade, José da Silva Reis, João Domingues,
João Leonel de Medeiros, João Luizon, Luiz Braitt, Mario de
Souza, Reinaldo Rolim e Sebastião Garcia.
E, por fim, do 11° Regimento de Infantaria “Ipiranga”,
o 11° RI, pertenceram Amasilio Paulo de Campos, Benedito
Morelli, Francisco Mathias de Campos, Honorio Negrisoli,
Itaboraí Marcondes Machado, Joaquim Arcanjo de Carvalho,
Leandro Paulino da Cruz, Miguel França e Victório Nalesso.
Todos esses itapetininganos, na sua grande parte
prestando o Serviço Militar Inicial no 5° Batalhão de Caçadores,
unidade sediada em prédio onde hoje se encontra a 2°
Diretoria Regional do Departamento de Estradas de Rodagem
(DER), saídos foram de Itapetininga para os escalões de
embarque que seus respectivos regimentos tomaram com
destino à Itália, entre os meses de julho a setembro de 1994,
nos navios General Mann e General Meigs.
De fato, incorporados à FEB, grande unidade
divisionária forte em 25.334 homens que nos meses de
embarque cruzaram um oceano de dúvidas e incertezas em
duas semanas que antecederiam sete meses e dezenove
dias de campanha de guerra total contra o jugo nazifascista
naquele país.
Uma campanha que inscreveu nos Anais da História
Militar mundial o nome do Brasil em fortes matizes de
abnegação, luta, sacrifício, desprendimento, coragem,
bravura e heroísmo revelados em combates que nossos
pracinhas empreenderam na libertação de Massarosa,
Camaiore, Monte Prano, Monte Acuto, San Quirico d’Orcia,
Gallicano, Barga, Monte Castello, La Serra, Castelnuovo,
Soprassasso, Montese, Paravento, Zocca, Marano Sul
Panaro, Collecchio e Fornovo di Taro.
Combates esses em que tombaram em ação
quatrocentos e cinquenta e quatro integrantes da FEB e cinco
pilotos da Força Aérea Brasileira, além de duas mil mortes
resultantes de ferimentos em combate, e de mais de doze
mil baixas originadas por mutilação e/ou variadas outras
causas incapacitantes, completando assim essa expressiva
estatística da epopeia de sacrifícios que a campanha na Itália
custou ao Brasil.
Dois de nossos trinta e dois pracinhas itapetininganos
estiveram entre aqueles que tombaram em ação.
Foram eles, o soldado Joaquim Antonio de Oliveira,
do 1° RI, a 29 de novembro de 1944, em combate ao 197°
Regimento de Infantaria Alemão quando do segundo de
três ataques empreendidos às posições inimigas fortemente
alojadas no lendário Monte Castello.
E o soldado Sebastião Garcia, este do 6° RI, a 28 de
abril de 1945, em combate ao 348° Regimento de Infantaria
alemão na libertação de Collechio.
A morte de Sebastião Garcia foi provavelmente uma
das últimas sofridas pela FEB, porquanto a 29 de abril de
1945, em Fornovo di Taro, toda a 148ª Divisão de Infantaria
Alemã se rendeu aos brasileiros, perfazendo um total de
14.779 prisioneiros, 4.000 cavalos, mais de 1.500 viaturas,
80 canhões de diversos calibres e vasta quantidade de fuzis
e munição.
Da extraordinária captura de toda uma divisão inimiga
ao término da guerra passariam apenas mais algumas
semanas, dado que a 6 de julho de 1945 embarcava com
destino ao Brasil o 1° escalão dos agora ex-combatentes da
FEB, a qual por fim dissolvida foi em 1° de janeiro de 1946.
Os anos que seguiram ao retorno de nossos pracinhas
ao Brasil correram céleres.
Associações de Ex-Combatentes como a de Itapetininga
– esta em 1955 – foram fundadas em várias localidades no
Brasil e, mais recentemente, com o advento da Internet e
das redes sociais digitais, portais de resgate da odisseia
expedicionária foram criados, a exemplo do Portal dos Ex-
Combatentes de Itapetininga, a 28 de agosto de 2011.
Com o passar dos anos pós-guerra, foram-se também,
um a um, os ex-integrantes itapetininganos da FEB do nosso
convívio, prestando cada qual a sua derradeira continência
à morte.
José Ribamar de Montello Furtado a prestou em 27 de
maio de 1983, outros companheiros de FEB houve que o
antecederam e o precederam.
Mais recentemente, outros dois o fizeram.
Os pracinhas Amasilio Paulo de Campos, em 6 de
outubro de 2013, aos 93 anos de idade, e Higino Mendes de
Andrade, com a mesma idade, a 29 de junho de 2014.
Dos trinta e dois pracinhas itapetininganos que partiram
para a Itália, Victório Nalesso (93 anos) e Argemiro de Toledo
Filho (92 anos) são os dois remanescentes em vida e que
conosco estão nas comemorações dos 70 anos do Dia da
Vitória neste ano de 2015.
Victório e Argemiro são os herdeiros das tradições de
seus camaradas combatentes da FEB. Dignos heróis de
Itapetininga, a quem devemos nosso respeito, reconhecimento
e todo elogio.
São a eles dois em vida e à memória de seus outros trinta
companheiros falecidos que faço dessa nota de abertura de
Continência à Morte: Edição Comemorativa dos 70 anos do
Dia da Vitória, um preito de agradecimento e reconhecimento
pelo que realizaram na defesa dos ideais da Liberdade e da
Democracia num dos momentos mais decisivos da história
de nosso Brasil e do mundo.
Que esta obra poética de José Ribamar de Montello
Furtado e as fotos de todos os seus camaradas pracinhas
que a ilustram possam permanecer os próximos setenta
anos do Dia da Vitória no conhecimento e no imaginário das
gerações presentes e futuras na imorredoura certeza de que
no Brasil de ontem, hoje e sempre, o filho não foge à luta e
nem teme a quem adora a própria morte.
Nesse sentido, contribuem abrindo caminho nesta
edição comemorativa de Continência à Morte seis
prefaciadores de escol, iniciados por Ana Paula de Ribamar
Furtado Araújo Neves, neta de José de Ribamar Montello
Furtado e representante de toda sua digna família; o 1°
Tenente Edomar Wiedtheuper, delegado do Serviço Militar
em Itapetininga nos anos de 2013 e 2014, representando
o Exército Brasileiro; Afrânio Franco de Oliveira Mello,
amigo de décadas de José Ribamar de Montello Furtado e
de sua família, vice presidente-fundador do Portal Paulistas
de Itapetininga, entre outros méritos; Padre Mário Donato
Sampaio, nosso pároco mais expressivo e presidente da
Academia Itapetiningana de Letras; o intrépido jornalista
Helio Rubens de Arruda e Miranda, presidente do Instituto
Histórico Geográfico e Genealógico de Itapetininga; Edmundo
José Vasques Nogueira, jovem e dedicado jornalista, vice
presidente do Portal dos Ex-Combatentes de Itapetininga,
paladino da verdade como fora seu saudoso pai, Edmundo
Prestes Nogueira e, por fim, o entusiasta Derek Destito
Vertino, gestor do Portal FEB um dos maiores e mais
expressivos portais de resgate e divulgação digital da saga
Febiana na Segunda Guerra Mundial.
Abalizada por essa plêiade de colaboradores, não
poderia Continência à Morte estar melhor apresentada
e iniciada aos leitores do século XXI, aos quais esta obra,
certamente nos seus versos mais incisivos, fará retumbar em
seus corações sua energia e vibração, como o fez no meu, a
certeza de que

Unidos viveremos.
E quando a morte chegar
espatifando a vida, unidos partiremos
para o seio paternal de Deus,
em busca do reino universal do Amor.
E é nesse amor que José Ribamar de Montello Furtado
soube tão bem nortear seus versos de guerra em Continência
à Morte que reconheço o seu profundo e dedicado amor à
Pátria Brasileira, o mesmo que o escritor e capitão da Guarda
Nacional João Simões Lopes Neto (1865-1916), anos antes
da Epopeia da Força Expedicionária Brasileira na Segunda
Guerra Mundial, já soube tão bem definir e aquilatar seu
significado e relevância para o Brasil de outrora, de hoje e
sempre:

O homem morre, as gerações se sucedem, mas a


Pátria fica, sobrevive e segue adiante, e mais e sempre,
ancorada na saudade dos que a construíram e já
tombaram e nas esperanças dos que nascem.
Nenhum povo pode ser grande sem esse sentimento.
Nenhuma nação pode ser forte sem nele apoiar-se. E o
amor a Pátria é o mais sólido elo da nacionalidade e o
mais forte estímulo aos cidadãos.
Que o amor à Pátria se desenvolvia e se fortalecia com
o conhecimento de seu passado e presente e com fé
em seu futuro.
João Simões Lopes Neto
(1865 - 1916)

(*) Jefferson Biajone é professor universitário. Membro da


Academia Itapetiningana de Letras e confrade benemérito
do Instituto Histórico Geográfico e Genealógico de Itapetininga.
Pesquisador de História Militar Terrestre do Brasil. É presidente
fundador do Portal Paulistas de Itapetininga (Revolução Con-
stitucionalista de 1932) e do Portal dos Ex-Combatentes de
Itapetininga (F.E..B - Segunda Guerra Mundial).
1° Prefácio de Continência à Morte:
Edição Comemorativa dos 70 anos do Dia da Vitória

Ana Paula de Ribamar Furtado Araújo Neves (*)

José Ribamar Montello Furtado, um poeta que recitava


seus versos sentado em sua cadeira junto à janela.
Essa é a imagem que tenho de meu avô.
De um leitor ávido, de quem herdei a paixão pelos livros.
De um verdadeiro patriota, com quem aprendi a cantar
a maioria de nossos hinos, não somente cantá-los, mas
também senti-los no âmago de meu ser, a amar minha pátria
e a fazer dela um lugar melhor para se viver.
Através de suas memórias contadas em versos, Santo
Montello nos transporta à visceral realidade vivida por estes
grandes homens que lutaram na Segunda Guerra Mundial,
marchando junto a outros povos em nome de um bem maior,
em combate a incontáveis atrocidades.
Continência à Morte é um convite a uma viagem
envolvente, de emoções a fios desencapados nos enviando
impulsos elétricos por onde lemos.
Continência à Morte nos leva “à Luta”, “ao Sonho” e “a
Glória” de maneira bruta, real e inusitada.
Continência à Morte nos transporta aos pensamentos
e sentimentos de quem viveu a realidade da guerra. Ela nos
envolve como se pensássemos e sentíssemos nós mesmos,
como soldados.
Assim, em irrecusável convite, Santo Montello nos diz:

“Eis teu primeiro contacto com a luta.


Vê.
Aspira.
Sente.
Quanto é duro viver”

Convido você caro leitor, em meu nome e de minha


família, a viver por alguns momentos nesse mundo e a refletir
sobre as palavras de meu avô.
Palavras tão antigas quanto atuais, como por exemplo :

Certo o homem em nada se modificou.


O exemplo exposto assim violentamente,
para mal dizer mais tarde o esquecimento.
Em quanto houver no mundo essa ambição
que leva o homem em sonhos de grandeza
ao império do ódio e à prepotência,
as grande concepções do pensamento,
calar-se-ão a ferro, a fogo e a sangue

Boa leitura!

(*) Ana Paula de Ribamar Furtado Araújo Neves é neta do


1º Tenente José Ribamar de Montello Furtado. Bacharel em
Direito e em Educação Física pela Fundação Karnig Bazarian de
Itapetininga. É especialista em Yoga pela Centro Universitário
das Faculdades Metropolitanas Unidas em São Paulo e diretora
do estúdio Winning de pilates, yoga e personal training. Casada
com o sr. Roberto Gonçalves Neves, possuem os filhos Samara,
Gabriel e Ana Clara.
2° Prefácio de Continência à Morte:
Edição Comemorativa dos 70 anos do Dia da Vitória

Edomar Wiedtheuper (*)

O Brasil com sua neutralidade nos conflitos mundiais,


teve que tomar decisões importantíssimas diante de
fatos ocorridos no litoral do Nordeste do Brasil, devido o
torpedeamento de navios mercantis e de passageiros, por
submarinos nazistas, sendo obrigado defender a honra,
a liberdade e a pátria, ingressando na 2ª Grande Guerra
Mundial.
Nesse contexto histórico, foram organizadas tropas
brasileiras, para que em conjunto com as tropas aliadas
viessem a combater os nazistas em terras da Itália.
Mas a grande figura que se destaca nessa guerra é o
soldado brasileiro, que soube combater o bom combate, e
com altivez e galhardia vivenciou o dia a dia do “front”.
E dessa maneira, sobrevêm os feitos de guerra de
muitos pracinhas, alguns que se perderam no tempo e outros
que foram trasladados aos livros.
E nessa ótica, o 1º Tenente José Ribamar de Montello
Furtado traz a lume no livro Continência à Morte detalhes
riquíssimos dos fatos vividos e, pensamentos do cotidiano
dos pracinhas, revelando fortemente o sentimentalismo
desses bravos e fortes soldados.
Livro escrito em versos que fora idealizado nas
trincheiras da grande guerra e, escrito por soldado para outros
soldados, com percepções do perigo iminente enfrentado
pelos jovens brasileiros, revelando a angústia, o medo e o
terror de uma guerra.
Nessa obra, descreve-se as lutas, os sonhos e as vitórias
desses nobres e bravos soldados. Na viagem, a caminho da
terra a ser libertada, ficavam as lembranças da pátria amada
e dos entes queridos, encontrando pelo caminho águas
deslumbrantes e os desenhos de lindos relevos.
E nessa viagem, perpassa na imaginação desses
pracinhas, fragmentos da história da humanidade, dos
soldados guerreiros que modificaram a história mundial,
seria esta, a vez dos soldados brasileiros fazer a história!
Conta, sobriamente, que a força para a luta, fora
amparada nos feitos dos nossos heróis do passado.
Intrinsecamente, os maiores dilemas aparecem quando
chega a guerra, e o ser humano indaga-se da finalidade ou
propósito de sua existência.
Dessa forma, a iniquidade se apresentou quando a
metralha e o canhão soou, não havendo mais retorno, foi a
vez do combatente da força expedicionária brasileira fazer o
seu batismo de fogo.
Os relatos em versos nos colocam no contexto da história
da guerra, e a par de todos os acontecimentos de outrora
e, trazendo a sensação de estarmos inseridos em meio da
brutal tônica, inclusive, no imaginário de cada pracinha. E,
diante dessa crueldade, narra os pensamentos de cada
combatente, retratando o cotidiano das lutas travadas nos
gélidos campos de batalha da Itália.
Assim, nos versos que foram apresentados pelo 1º
Tenente José Ribamar de Montello Furtado, cada soldado
nutria sonhos, pela terra que deixara, da mulher amada e
dos entes queridos, e estes sonhos cresciam com o passar
do tempo.
Soube descrever a euforia de todos os pracinhas
quando adveio a glória da vitória, que podia ser interpretada
de diversas formas nas aparências do rosto de todos os
soldados.
A obra prima escrita pelo militar, trouxe à tona toda a
aflição do ser humano e da sociedade como um todo, quando
o conflito foi gerado, e impossível de ser equacionado pelo
meio diplomático, advindo a indagação do quanto o homem
pode fazer pelo poder ou pela vingança.
E nessa temática, ao relembrar os feitos da história e de
nossos bravos pracinhas, em comemoração dos 70 anos do
término da Grande Guerra e a libertação do povo mundial de
um regime ditatorial e autoritário, o livro Continência à Morte
é pertinente, pois retrata a realidade do combatente, que traz
em seu bojo as aspirações de um soldado, enaltecendo os
pracinhas que defenderam bravamente a nossa pátria.
Obra-prima, digna de elogios, que possui leitura
agradável que marca essa importantíssima data comemorativa
do Dia da Vitória, que pode ser representada pelos pracinhas
como “missão cumprida”.
(*) Edomar Wiedtheuper é Segundo-Tenente do Quadro Auxiliar
de Oficiais do Exército Brasileiro. Membro correspondente do
Instituto Histórico Geográfico e Genealógico de Itapetininga.
Bacharel em Direito e Pós-Graduado em Direito Tributário. Foi
Delegado de Serviço Militar em Itapetininga durante o Biênio de
2013 e 2014.
3° Prefácio de Continência à Morte:
Edição Comemorativa dos 70 anos do Dia da Vitória

Afrânio Franco de Oliveira Mello (*)

Conheci três pessoas que possuíam um dom ímpar ao


contar histórias, que era o de colocar os ouvintes dentro da
mesma.
Uma era o meu tio Abrahão Orsi (Neluxo) que nos
transportava para suas caçadas, onde víamos o cão todo
arrepiado amarrando uma codorna e depois o bater de suas
asas ao levantar voo.
A segunda, meu pai, Antenor de Oliveira Mello Júnior,
sobre as histórias de suas caçadas e da Revolução de
1932, quando ele, ao contar a troca de tiros entre as tropas,
ouvíamos o sibilar das balas cruzando o ar e a terceira,
Dr. Ciro de Albuquerque, nosso político mor, dono de uma
oratória inigualável.
Certa vez ao fazer uma palestra sobre Tiradentes, ao
falar e ao movimentar as mãos, como que fazendo uma
estátua do Mártir, a plateia toda acompanhava com os
olhos levantados e bem abertos, o traçado delas, como se
estivessem a ver a estátua.
Ao ler o livro Continência à Morte, aparece mais um,
o Tenente José Ribamar de Montello Furtado, este de forma
diferente, pois é escrito em poesia.
José Ribamar o faz de forma não convencional,
deixando a metrificação de lado, sem se apoiar na tonicidade
das palavras, e abandonando em parte o parnasianismo, que
é só a realidade, para, ainda com realidade, arrebanhar a
emoção, integrando-a à narrativa, fazendo transparecer ora
a realidade, ora o sonho, ora uma fantasia, mas o faz, no meu
entender, magistralmente, pois me levou a andar dentro da
luta como se estivesse vendo os desfiles da tropa, ouvindo
o reboar dos tiros, andando nas cidades históricas da Itália,
vendo corpos de soldados mortos, feridos, enfim, todos os
horrores da guerra levada a efeito por pessoas insensíveis,
cheias de cólera, dominadoras e que queriam transformar o
mundo segundo suas convicções.
Que viagem mais atemorizante.
Vê de antemão, nos vagalhões violentos, jogando toda
a sua força no navio, fazendo este balançar terrivelmente, nos
momentos da chuva, com os seus raios que, na imensidão
do mar, eram brilhantes, mais pertos, mais ensurdecedores,
vendo nas nuvens negras as imagens, que quando crianças
víamos, todas elas de monstros coléricos e prontos a atacar
a nau que os transportava, parecendo a todos que já estavam
dentro da batalha e que iriam sofrer muito na caminhada para
o fim da guerra.
Nos momentos de calmaria, à sua lembrança vinham
os grandes homens que tinham habitado o teatro da guerra:
Gutenberg, Goethe, Shiller, Voltaire, Rousseau, Robespierre,
entre tantos outros que nos seus pensamentos, nas suas
escritas tinham mudado o pensamento e a postura dos
homens e, era nessa terra, que teriam que lutar para libertar
o mal que avassalava todo o mundo.
Termina o Oceano Atlântico e começa o Mar
Mediterrâneo, a nau chega ao Estreito de Gibraltar que com
uma largura de 13 quilômetros separa a costa da Espanha,
na Europa, de Marrocos, no continente Africano e se deparam
com um enorme rochedo, o Penedo de Gibraltar, o Vigilante
da entrada ao palco da guerra.
Este, como um sonho, aparece ao Tenente Ribamar
travestido à moda dos antigos moradores de Castela, com
fitões, aventais, espadas, gorros, calções de seda e veludo,
guardando a entrada e fazendo a costumeira inquisição de
quem ali chega:
Quem vem lá? Que pretendem? De onde vindes?
Os soldados de dentro da nau respondem: Somos
homens de bem, livres e aqui estamos munidos da intrepidez
e do ardor para lutar pela Liberdade, contra os que a
ofenderam e honrar a tradição de nossa terra, o Brasil. Vem
a resposta do Vigilante Penedo.
Se é assim, passem e lutem como gigantes para libertar
a nossa terra dos tiranos.
E assim foram ao encontro de outros Vigilantes pelo
caminho até aportar em Nápoles, nas terras da Itália.
Entram todos, enfim, no teatro da guerra. Mundo
horrível, fedorento, sujo, estraçalhado, ruínas, fome, tudo
que, nas palavras do Tenente Ribamar, fazia sucumbir a
civilização.
Luta insana, dura, tremenda.
Os soldados batiam-se, ficavam feridos e matavam-se.
Tinham que avançar, pois o objetivo pelo qual tinham
vindo, era lutar, lutar e lutar, independentemente de quem
ficasse ferido ou morria. A ordem era sempre avançar e
nunca recuar.
Na luta ele narra os horrores.
Fogo por todos os lados, tiros de fuzil, de canhão, aviões
bombardeando a tropa diuturnamente, não deixando espaço
para o descanso ou o esquecimento de tudo que havia visto.
A morte rondava por todos os lados desorientando a
todos e deixando-os insanos naquele momento, fazendo-os
sonhar com a sua morte diante de sabres, cimitarras, alfanjes,
fuzis, canhões, jipes e depois, ainda sonhando, com o desfile
em sua honra pelos homens fardados e armados.
Narra as cartas que os pracinhas recebiam e a alegria
que isso gerava em todos.
Nos conta da dureza da vida nas cidades destruídas
pelas guerra. Mulheres oferecendo o corpo em troca de
comida, de cigarros e em busca de um pouco de afeto.
Os homens se entregam e sonham nos braços das belas
mulheres, esquecendo-se, mesmo que momentaneamente,
dos horrores que estavam vivendo.
Nas noites vem o sonho. Lembra-se chorando de casa.
Do amanhecer, da tarde, do crepúsculo, das matas virgens,
dos rios, dos campos, do gado, estrelas, fadas, pássaros,
flores, o lago, do céu, da cidade, dos familiares, dos amigos,
da infância, do circo, dos estudos, das alegrias, das dores, da
mãe cantando, meditando e sorrindo, da partida, do adeus,
da despedida da terra e dos entes queridos, a tristeza da
possibilidade de passados muitos anos o esquecimento de
sua pessoa, imagens que vêm e que se vão e no despertar,
se dá conta de que, pelo som do matraquear das balas, está
acordado no meio da batalha.
Chora, chora ...
Vem a noticia...
A guerra acabou. Vamos voltar.
Voltaremos levando em nossa mente e no coração, a
batalha, o sangue, a tristeza, vamos procurar restabelecer
a razão, deixar os ressentimentos de lado, lutaremos contra
outros males.
Conheci o Tenente José Ribamar de Montello Furtado
e sua família.
Eu morava no último quarteirão da Rua Saldanha
Marinho e eles, no primeiro da Rua dos Expedicionários
Itapetininganos.
Passavam regularmente defronte minha casa a caminho
da parte central da cidade.
Sempre vi o Tenente Ribamar, com passos calmos,
fisionomia serena, cabisbaixo, dando a impressão que
carregava dentro de si todos os horrores que viu e sentiu.
Creio que a guerra causou-lhe um sofrimento tão grande
que, ao morrer, levou junto com ele tudo o que narrou neste
livro Continência à Morte.

(*) Afrânio Franco de Oliveira Mello é genealogista e


membro do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico
de Itapetininga, vice presidente do Portal Paulistas de
Itapetininga e secretário de méritos e honrarias do Portal dos
Ex-Combatentes de Itapetininga.
4° Prefácio de Continência à Morte:
Edição Comemorativa dos 70 anos do Dia da Vitória

Helio Rubens de Arruda e Miranda (*)

Nestes tempos em que a Cultura não é devidamente


valorizada pelos poderes competentes e onde a informação
é passada como comida fast-food, sem o aprofundamento
necessário para a boa compreensão, é altamente significativo
o lançamento de uma obra literária como Continência à
Morte organizado por Ana Paula de Ribamar Furtado Araújo
Neves, Afrânio Franco de Oliveira Mello e Jefferson Biajone.
Saúdo esse lançamento literário por entender que ele
é resultado da soma de vários fatores positivos. Primeiro, a
decidida dedicação ao resgate da História Militar de nossa
cidade pelos pesquisadores do Portal dos Ex-Combatentes
de Itapetininga, já amplamente conhecida e facilmente
comprovada através dos vários trabalhos comunitários
realizados, sem quaisquer fim lucrativo, mas muito ricos em
valores culturais.
Somem-se ao trabalho que realizam os integrantes
deste Portal, as atividades culturais nesta jornada histórica
que relembra a vitória do Brasil e do mundo civilizado sobre
a prepotência do regime ariano ditatorial.
A meu ver, existe ainda mais um motivo de euforia
pelo lançamento da edição comemorativa de Continência à
Morte: trata-se do apoio oferecido por importantes entidades
culturais, como o Portal Paulistas de Itapetininga, a Academia
Itapetiningana de Letras, o Tiro de Guerra e a Delegacia do
Serviço Militar em Itapetininga e o IHGGI – Instituto Histórico
Geográfico e Genealógico de Itapetininga.
O livro Continência à Morte conta uma história e não
uma estória, ainda que em versos despreocupados com a
forma, mas sim concentrado em seu conteúdo, baseado em
fatos e não em versões fantasiosas ou idealísticas.
Nele, o leitor tem a oportunidade de saborear a
singeleza dos textos que, propositadamente não rimados,
revelam os sentimentos de seu autor, Santo Montello, um
pracinha que vivenciou in loco, como partícipe importante, os
acontecimentos que ajudaram a construir a nossa sociedade
atual. Um livro que não foi escrito segundo os padrões
habituais da literatura livresca, eis que, de modo poético, nos
conta episódios e situações vividas pelo próprio autor, num
ineditismo notável recheado de nobres sentimentos.
Mesmo não se preocupando com a combinação dos
sons das palavras, Montello Furtado leva ao leitor mais do
que rimas: transmite sentimentos e sensações vindas da
alma e do coração através de versos criados pela ternura e
pela afeição. Ele não escreve como um poeta, mas obtém
o mesmo resultado das grandes narrações, pois leva até o
leitor o lirismo que existe em tudo, inclusive em cenários de
guerra.
São textos que envolvem a ponto de nos fazer ouvir
o rufar dos canhões, o fragor das batalhas e os passos
apressados e agressivos dos soldados em luta.
São versos que afloram da alma, mostrando a grandeza
dos verdadeiros patriotas!
O 1° Tenente José Ribamar de Montello Furtado,
itapetiningano ilustre, é também um herói nacional!
E graças a ele e aos organizadores dessa edição
comemorativa de Continência à Morte, nós, brasileiros –
principalmente os mais jovens – ficamos conhecendo o que
significa amar à pátria, uma sensação tão em falta ultimamente,
mas que marcou e encheu de gloria os soldados da nossa
Força Expedicionária Brasileira, corajosos combatentes que,
muitas vezes, mesmo sem as condições de preparo mais
adequado, alimentados em seus ideais sobejamente estavam
para a defesa da honra da pátria, dos sagrados panteões
verde-amarelos e dos princípios dogmáticos da Liberdade e
da Democracia.
Assim, quero lembrar que este livro tem a função,
entre outras também dignas de nota, de resgatar fotos e
textos desses heróis nacionais, alguns em seus uniformes
que outrora no campo de batalha envergaram com energia e
vibração.
A maioria desses heróis já encerraram suas missões
no planeta, mas não morrerão nunca enquanto houver
iniciativas como Continência à Morte.
Quero finalizar lembrando que, como já é sabido
por alguns – mas infelizmente não por todos! – não existe
maneira mais significativa e mais eficiente de se conhecer o
futuro do que conhecendo o passado!
Salvo seja, Continência à Morte, edição comemorativa
dos Setenta Anos do Dia da Vitória! Leia e viva! (em todos os
sentidos dessa palavra, leitor) e aproveite esta oportunidade
para conhecer um pouco mais sobre o passado de nosso
país e depois utilize esse conhecimento para contribuir para
a melhoria e o aperfeiçoamento de nossas instituições!

(*) Helio Rubens de Arruda e Miranda é jornalista e editor


do jornal eletrônico ROL – Região On Line; presidente do
IHGGI – Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de
Itapetininga; membro da Academia Itapetiningana de Letras,
onde ocupa a cadeira dedicada ao presidente Julio Prestes
de Albuquerque; secretário do MIS-I Museu da Imagem e
do Som de Itapetininga; fundador e ex-secretário do INICS
– Instituto Nossa Itapetininga Cidade Sustentável e fundador
do Instituto Julio Prestes.
5° Prefácio de Continência à Morte:
Edição Comemorativa dos 70 anos do Dia da Vitória

Mário Donato Sampaio (*)

Insensato! O que tu semeias não é vivificado, se primeiro


não morrer. E, quando semeias, não semeias o corpo
que há de nascer, mas o simples grão, como o de trigo,
ou o de outra qualquer semente. Mas Deus lhe dá um
corpo como lhe aprouve, e a cada uma das sementes
um corpo próprio. Porque é necessário que isto que é
corruptível se revista da incorruptibilidade e que isto
que é mortal se revista da imortalidade. (Primeira carta
aos Coríntios, Cap. 15, v. 36 a 38 e 53)

Tendo sido convidado para compor um grupo de


prefaciadores desta obra, senti-me honrado e represento
nesta tarefa a Academia Itapetiningana de letras (AIL).
A História ciência deve ser fruto de investigações para
serem traduzidas em escritos. Podem produzir opiniões
diversas fazendo outros historiadores buscarem novas
interpretações.
Embora contra fatos não existam argumentos, as
interpretações ou até as interposições podem trazer a
necessidade de releituras e mais releituras.
Na minha infância acompanhava, por meio de revistas,
o andamento da segunda grande guerra.
Depois que brasileiros entraram no combate meu
interesse infantil aguçou-se ainda mais.
Meu entusiasmo foi enorme quando encerrada.
Dia da Vitória! Vencemos!
Que alegria a minha quando pude estar presente, por
escolha de meu pai, entre três irmãos, numa festa em minha
cidade para receber aquele laranjalense expedicionário.
Apertei-lhe a mão. Grande herói!
Pareceu-me um Sansão da Bíblia.
Na minha leitura de Continência à Morte fui levado a
rever posicionamento diante do fato guerra, ainda mais que
estamos recebendo em nossos noticiários diários informação
de violentas e terríveis situações de guerra em diversos
pontos do planeta Terra. Foi ótima a leitura que cito deste
mesmo livro

No furor do entusiasmo que o agitara, o Comandante


terminou nervoso e feliz a todos proclamando que o
inimigo capitulara e que capitulando, dava por finda a
luta. A guerra terminara

Surpreso pela reação do batalhão, continuou o


Comandante:

— Que se passa convosco? Este silêncio?


— Tendes alguma coisa que dizer? Falai!
Diversos manifestaram-se.

Citando apenas um descrito nesta obra.

Tenho um lar, uma esposa e um filho pequenino. Eu era


o mais feliz dos homens sobre a terra, embora na miséria
enorme que vivia. Dentro do nosso lar, mesmo faltando
pão, sobrava-nos amor. E se nos faltava o estímulo
da vida sobrava-nos a fé. E quando vendo alegria
sobejando aos outros ou víamo-nos nós envoltos na
ansiedade, sentíamos a esperança arder dentro de nós.
Tínhamos Deus. Pouco importa a vida que se tenha.
Quer no seio da miséria, quer no seio da abastança,
não chega poder viver, é preciso ter fé, ter esperança.
Vivíamos assim. Um dia, porém, a guerra sobrando aos
outros, veio por ironia, sobrar para nós também. Como
os outros, parti. Como os outros, lutei. Desde o primeiro
dia, a cólera da luta despertou em mim um sentimento
estranho. Queria estar sempre onde estivesse a morte.
O primeiro a morrer nas minhas mãos, ao tombar junto
a mim ensanguentado, acordou no cérebro um bandido
que eu trazia comigo inconscientemente Desde então
não me posso conter. Com a sensação da luta e a ânsia
de viver, vem-me esse desejo horrível de matar. Agora,
voltando à miséria do passado, sabendo que poderei
matar e destruir, constrange-me entretanto, o horror
tremendo de não resistir. Voltando a encarar meu filho,
a hediondez do mal que pratiquei, temo sentir no olhar
do pequenino. Vim para a guerra quase um santo. Volto
para casa um assassino.

Vale muito ler outros depoimentos de surpresos


combatentes.
Eles narram, sem fazer cientificamente a História, sei
muito bem o valor dessa ciência, não a desprezo, mas foram
eles que descreveram com muita clareza o grande mal que
é uma guerra.
Mata não o Homem, na verdade mata a Humanidade.
História contada por outros difere da história do indivíduo
participante no fato para os quais sobram argumentos.

(*) Mário Donato Sampaio é presidente da Academia


Itapetiningana de Letras. Graduado em Filosofia e Teologia
pelo Seminário Maior Imaculada Conceição do Ipiranga, SP.
Bacharel em Teologia Moral pela Academia Alfonsiana de
Moral, em Roma e em Direito pela Faculdade de Direito da
FKB em Itapetininga. É licenciado pleno em Filosofia pela
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Fundação Dom
Aguirre em Sorocaba. Padre da Diocese de Itapetininga,
Igreja Católica, onde exerce o ministério de Vigário Paroquial
na Paróquia Nossa senhora das Estrelas. É membro eleito do
Conselho Municipal de Assistência Social e membro fundador
e vice-presidente da Organização não governamental “Lar
Celia Teresa Rodrigues Soares Hungria”.
6° Prefácio de Continência à Morte:
Edição Comemorativa dos 70 anos do Dia da Vitória

Edmundo José Vasques Nogueira (*)

A segunda Guerra mundial marcou e marca até hoje a


história da humanidade. É possível encontrar vasto material
sobre as movimentações das tropas, do teatro de operações,
das estratégias militares, dos combates e dos acontecimentos
que fizeram o mundo tremer durante aqueles dias sangrentos
de incertezas. Muito já se escreveu e muito ainda será escrito
sobre o maior conflito bélico de todos os tempos, que mudou
profundamente a nossa sociedade.
Considero o livro Continência à Morte, do 1°Tenente
José Ribamar de Montello Furtado como uma obra única e
fundamental, uma vez que ao contrário do senso comum
ela faz uma viagem ao interior do principal protagonista da
Guerra: o soldado.
Dotado de grande conhecimento e cultura, José Ribamar
Montello Furtado demonstra sua sensibilidade de poeta para
penetrar nas profundezas do espírito do homem, que desceu
ao inferno da guerra e voltou, trazendo consigo as cicatrizes
e as marcas da insanidade e da miséria humana.

Esta celeuma infernal é o tumulto da luta.


É o grito da metralha.
É o berro do canhão.
É o egoísmo embrutecido da canalha destruindo com
raiva a civilização.
Chegou a tua vez.
Vai.
Fere e mata.
Voltaste a ser o que tu eras no início da existência
humana: - uma fera entre outras feras,
A luta foi tremenda.
Não havia lugar no mundo para indecisões.

Ao mergulhar na alma do soldado, José Ribamar


Montello Furtado encontra mais do que a miséria daqueles
que combatem, matam e morrem: é possível ver refletida
na alma do soldado as chagas expostas da sociedade
destroçada pela violência e pelo medo, onde mulheres e
crianças buscam perdidas um pouco de proteção ou mesmo
saciar a fome a qualquer custo.
Em Continência à Morte, José Ribamar de Montello
Furtado nos revela que o soldado é duplamente um herói:
herói da defesa da sua gente, da sua terra e de seus ideais e
também um herói de si mesmo, obrigado a conviver e vencer
todos os horrores ao qual conviveu nos campos de batalha.
E a saga do soldado herói não para por aí: o retorno
a sua terra, a vida que nunca mais será a mesma... pois o
soldado voltou outro homem, forjado a ferro, fogo e sangue.
Após a luta, a entrega total e o sacrifício supremo, muitas são
as decepções do soldado com a sociedade que ele encontra
ao voltar.
Como jornalista, sempre tive uma grande admiração pela
obra de escritores como Ernest Hemingway, que participou
dos grandes conflitos da humanidade de sua época e teve a
capacidade de descrever o que sentia o coração do homem.
Hoje posso incluir, sem sombra de dúvidas, entre os
escritores que admiro, José Ribamar de Montello Furtado,
com a satisfação de ser ele um brasileiro como eu.
Por ocasião dos 70 anos da Vitória da Segunda Guerra
Mundial, nada é mais oportuno que a reedição e a leitura
de Continência à Morte, um verdadeiro marco da nossa
literatura.

(*) Edmundo José Vasques Nogueira é filho de Edmundo


Prestes Nogueira e Cecília Pimentel Vasques Prestes
Nogueira. Cursou jornalismo na Faculdade de Comunicação
Social Cásper Líbero, onde foi presidente do Centro
Acadêmico Vladmir Herzog e participou ativamente do
movimento estudantil, durante a abertura democrática dos
anos de 1980. Atuou como jornalista na imprensa das cidades
de São Paulo e de Manaus. É membro da AIL – Academia
Itapetiningana de Letras e vice presidente do Portal dos Ex-
Combatentes de Itapetininga. Casado com Patricia Duarte
Nogueira tem quatro filhos: Raisa, Augusto, Gabriel e Laura.
7° Prefácio de Continência à Morte:
Edição Comemorativa dos 70 anos do Dia da Vitória

Derek Destito Vertino (*)

A tropa brasileira provou na Campanha da Itália


que, apesar das barreiras no processo de treinamento e
adaptação, mostrou ser uma tropa eficiente e combativa com
grande empenho dedicado na realização de cada missão.
A Força Expedicionária Brasileira era composta
basicamente por pessoas simples e comuns que mesmo sem
todas as exigências para uma guerra moderna, transformaram-
se em heróis superando momentos de extremo sacrifício. Os
nossos heróis deram o seu sangue para libertar dezenas de
vilas italianas, colaboraram ativamente para a queda do nazi-
fascismo na Europa e no processo de redemocratização do
Brasil.
Hoje, os jovens carecem de exemplos de pessoas
dignas de admiração como aqueles rapazes que, na década
de 40, cumpriram o dever de cidadania e registraram uma
das mais marcantes páginas da História do Brasil.
A obra Continência à Morte resgata o mais importante
fato histórico do Brasil no Século XX com grande habilidade
do autor em seus versos bem estruturados na composição
literária. Tal obra cria um laço de identidade com a comunidade
de Itapetininga nos 70 anos do Dia da Vitória.
O Sr. José Ribamar de Montello Furtado que, além
de verdadeiro Herói Nacional, contribuiu para incrementar
a bibliografia da História Militar Brasileira e enaltecer a
contribuição de seus colegas de farda. Todos eles - heróis
de diferentes etnias - herdaram do passado o mesmo espírito
de união daqueles que venceram a Batalha dos Guararapes
e deram origem ao Exército Brasileiro.

(*) Derek Destito Vertino é licenciado em História,


Especialista em História Militar e Organizador do Portal da
Força Expedicionária Brasileira. Autor do livro “Da Glória ao
Esquecimento: Os Socorrenses na Segunda Guerra”.
Pracinhas Itapetininganos

1º Regimento de Infantaria

Soldado Joaquim Antonio de Oliveira


Falecido em combate ao 197º RI Alemão
em Monte Castello a 29 XI 1944
Falecidos em Combate

6º Regimento de Infantaria

Soldado Sebastião Garcia


Falecido em combate ao 348º RI Alemão
em Collechio a 28 IV 1945
«

Primeira Parte

À LUTA

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Santo Montello

—I—

Mar e céu nas transmutações da noite em dia.


O mar tinha arremessos bruscos, violentos,
de quem esconde há muito instintos assassinos.
Vezes desenrolava vagalhões enormes,
arrojando-os com fúria ao dorso do navio.
Na impotência da luta, enraivecido, louco,
arcava-se tremendo e blasfemava e bramia.
Às vezes vinha manso, ledo e paternal,
em longa secreção de vagas pequeninas,
qual rebanho de ninfas nuas em folguedos,
bailando sobre o dorso verde do oceano.
De súbito, porém, mais colérico ainda,
na transfiguração de uma raiva profunda,
jogava para o céu montanhas de água escura,
numa explosão violenta, plena de desvelos
de mães a quem roubassem filhos pequeninos.

E nas toras das naus, jogando espumas,


as feras acordavam dos abismos.

— 41 —
Continência à Morte

E no zênite, um sol endoidecido e quente,


que ia devorar as searas do nordeste
na volúpia escaldante e acerba do calor,
sorria para o mar entre cintilações
que fulgiam nas águas, no cume das vagas.

Alto, o céu, quieto e azul sorrindo eternamente,


espiava curioso, entreabrindo a cortina
de nuvens que toldava a paz do firmamento.
Esperava um desastre, um crime, uma tocaia.
Parecia aguardar uma tragédia horrível,
Onde houvesse terror e medo e luta e sangue.
Depois, quando o sol rubro e exausto se escondia,
além e muito além, na terra dos gigantes,
e a noite, a noite amiga, tentava esconder
o segredo da vida em ânsias sobre o mar,
ele abria milhões de furos pequeninos
e ficava escutando através das estrelas.
Receando talvez que as trevas lhe roubassem
essa tragédia horrenda que aguardava há muito,
acendia uma lua branca e gigantesca,
que como um “very light” enorme e vagaroso
pairava indiferente iluminado o mar.

E os transportes seguiam cautelosos


Espreitando o silencio, o mar e o céu.

No bojo dos transportes, entre o céu e o mar,


a flor da mocidade arrancada à pátria.

— 42 —
Santo Montello

Tudo o que de melhor a terra dos gigantes


tinha de intrepidez, de força e de coragem,
entre bravos e bravos fortes, escolhidos,
frutos da conjugação de raças diferentes,
era mandado agora, em holocausto a deuses
que viviam de sangue alimentando a guerra.

A guerra estava do outro lado... Lá,


de onde Gutenberg, furioso, louco,
atirava panfletos sobre o mundo
destruindo a ignorância e a escravidão.
Onde Goethe e Shiller apedrejavam
com blocos calcários de poemas,
a injustiça, a ambição e a hipocrisia.
Onde Voltaire, o excomungado rico
solicitara altares à razão.
Onde Rousseau, chorando a humanidade,
acendera o rastilho da hecatombe
que demoliu o trono e a realeza.
Onde Robespierre, enlouquecendo,
fez derramar o sangue da nobreza
para matar a dúvida da cor.
Lá, onde a arte com fúria armazenou
o que de belo a vida produziu
para deleitar séculos famintos.

— 43 —
Continência à Morte

Onde as cinzas dos mártires repousam


na derradeira prece da agonia.
De onde partiu Colombo em-pós-de um sonho,
para encontrar a terra dos atlantes,
De onde partiu Cabral dissimulando,
para roubar-lhe o sonho, a terra e a glória.

O Atlântico tingira-se de sangue.


Em cada canto armar uma tocaia,
mantinha em cada vaga um assassino.
Multiplicavam-se nos horizontes,
Olhos seguindo a presa que fugia.
E afrontando ou fugindo das armadilhas,
chega uma tarde, a esquadra, a Gibraltar.
Daqui retorna a escolta. Para frente,
menos perigos há para temer.
Hora pungente. Tristes despedidas.
Em continência desfilam navios
com marujos em forma nos conveses
do transporte, no largo tombadilho,
a tropa entoa o hino das Américas.
Há emoções que vibram um momento,
mas tão grandes são, fortes se apresentam,
capazes de alterar o esforço humano.

— 44 —
Santo Montello

E nos olhos sombrios dos gigantes,


Lágrimas põe, escandalosamente.

É que por muito mau que seja, o homem


guarda consigo uma afetividade,
que o prende sempre à terra em que nasceu.
E aqueles que partiam retornando,
levavam ao Brasil último adeus.

— 45 —
1º Regimento de Infantaria

2º Sargento Nelson Barreiros


Santo Montello

— II —

Ainda se achava à vista Gibraltar, penedo,


que na história, a força vem simbolizando,
quando das áridas costas de Castela,
surge um vulto soberbo e majestoso.
Trajava de cavaleiro, à moda antiga:
— gorro, gibão, calções de seda ou de veludo.
Envolvia-lhe a garganta o branco da golinha.
Na destra sopesava enorme espada
que a ponta vinha mergulhar nas águas.
A sinistra, porém, já lhe faltando,
disfarçava o coto nas ilhargas.
Forte era. Podeis acreditar-me.
A voz que em volume ao corpo se casava,
Reboou solene dominando o vento:
— Parai! Quem sois vós? De onde vindes
e para onde ides? Respondei!
Presto satisfazei minha curiosidade.
Se sois homens de bem, passai, convosco
o desejo de vos servir e amar.

— 47 —
Continência à Morte

Mas se sois vilões, cruéis, malditos,


à cata de aventuras velejando, parai!
Pois à fé de quem sou e a que me obriga
ofício tão nobre escolhi,
jamais daqui vos deixarei passar.
E a cavalo ou a pé, com espada ou lança,
hei de certo impedir o vosso intento.
Quer lutando convosco de homem a homem
ou se afrontando a vossa vilania,
com todos de uma vez. E embora
me custe a vida o feito, não desisto.
Eu sou daqueles nomes de Castela
que afrontando perigos e incertezas,
novos mundos a força conquistaram.
Aqueles, cujo ardor e intrepidez,
ampliaram as fronteiras da pátria
e a cristandade. E entre remota gente
poderosos impérios construíram.
Aqueles que na espada a cruz honrando,
elevaram tão alto a própria fé,
glorificando o sangue dos vencidos.

Da costa da África, vulto semelhante,


no tamanho, no aspecto e no trajar,
com um olho vazado, consequência
de lutas que tivera, ergueu-se e incontinente
respondeu-lhe com voz soberba e forte: —
- Calai-vos! Que dizeis! Ignoras por certo
estirpe e valor dos que transitam.
Não são como pensais, aventureiros nômades,

— 48 —
Santo Montello

nem vilões, nem cruéis e nem malditos.


São bravos. Filhos e netos de gigantes
e trazem no sangue heroico por herança,
força e valor da lusitana gente.
Bravos filhos de terras gloriosas,
veem as tenebrosas águas velejando,
em inimigos covardes castigar
ofensas a Deus, à Pátria e à Liberdade.

Passai! – ambos disseram então. Passai!


Em frente para a Vitória!
E quedaram-se imóveis e em silêncio,
que ao vê-los assim se duvidava,
se um gigante fitando outro gigante,
se um penedo fitando outro penedo.

— 49 —
1º Regimento de Infantaria

2º Sargento Nelson Medeiros


Santo Montello

— III —

Com a tristeza da tarde, iam morrendo,


os contornos das terras que ficavam.
A Espanha legendária, acidentada e nua.
Ninho de águias que ampliaram a terra.
E as costas da África, arenosas,
pontilhadas de cubos, núcleos de serralhas,
minaretes pontiagudos de mesquitas.
Por detrás, muito além, se adivinhavam,
desertos, oásis, caravanas.

Com as emoções chocava-se a saudade


e no embate a dor se entorpecia.

Aqui é o Mare Nostrum, quase um lago.


Sulcado outrora pelas naus fenícias

— 51 —
Continência à Morte

que de Cartago demandavam a Ibéria.


Por aqui passaram as naus romanas
em meio de horríveis pesadelos
modificando as páginas da história.
Isso foi no passado. Agora, no presente,
quem modifica a história somos nós.

Despertai tenazes bandeirantes


que em busca de aventuras alargaram
as fronteiras da terra de Cabral.
Vinde heróis dos Guararapes. Vinde!
Vinde também silvícolas e bravos
Tupis, Tamoios, Aimorés, Timbiras!
Vós que edificastes nas glórias do passado
os feitos heroicos do presente.
Vinde ver! Os filhos dos gigantes
vão escrever em terras estrangeiras
um capítulo de sangue e de bravura
em desagravo à honra do Brasil.

Quando a vingança arma braços fortes


e o ódio a ela se alicia,
é preciso temer.
Nem mesmo a morte,
o direito de vingar impediria.

— 52 —
1º Regimento de Infantaria

2º Sargento Domingos Barreira Sobrinho


1º Regimento de Infantaria

3º Sargento Pedro Gomes de Oliveira


Santo Montello

— IV —

Nápoles tinha um aspecto canalha


de meretriz devassa que em vícios se esgotou.
A face, era a face de um palhaço
que de tanto sorrir
embruteceu e se petrificou
na expressão histriônica e ridícula
de quem não pode já deixar de rir.

Dentre os trapos sujos que envolviam


os restos que a que a guerra recusara, saltava
como um bolo de festas, meio cru,
mordido pelo vício,
um seio quase nu.

O Vesúvio fumava devagar

— 55 —
Continência à Morte

Um cigarro barato e continuadamente,


cuspia para o mar,
a saliva que escorria da boca incandescente.
De vez em quando,
abafava com fragor o ruído profundo
de uma tosse que vinha da garganta do mundo.
Em baixo, a seus pés, enrodilhada
na resignação inata das cadelas,
Pompéia, suja, escura e estraçalhada,
procurava esconder nos mármores de pé,
a vergonha caída nas vielas.

Nápoles não estancara ainda a hemorragia


das últimas feridas
e expunha ao sol os braços macilentos
e as pernas nojentas carcomidas.
Por aqui passara a guerra, vendaval gigante,
carregando gigantes sobre os ombros.
Por aqui viera um cataclismo e a morte
espreitava incautos dentre escombros.
Por aqui passara a guerra e se podia ler
nas faces magras dos sobreviventes,
o horror do epílogo da luta.
Avaliar podia-se a tragédia,
em que melhor fora parecer
a sofrer os males consequentes.

Numa agonia lenta e dolorosa,

— 56 —
Santo Montello

aos berros sucumbia a civilização.


Em torno, qual prole faminta e numerosa:
luto, miséria e pranto. Confusão.
Ruínas por toda parte se chocavam
multiplicando-se na aridez da terra.
Cidades que existiram desapareceram.
De algumas não se sabia mesmo se viveram
e de outras se duvidava ainda se existiam.
Ruínas só. Já não se distinguiam
as herdades do tempo das fornadas na guerra.

A moral sucumbira à força da razão


e cedera aos impulsos da necessidade.
A fome não respeita preconceitos
e ignora até a moralidade.
E a fome era tão grande, era tão forte,
que não cedia a imposições de morte
nem aos argumentos fatais da raiva do canhão.
Sobre tudo isso, indiferente,
a natureza impunha-se arrogante.
Em cada esquina, uma boca ardente,
manchada por resquícios fracos de pudor,
Abria-se num sorriso vago e estonteante
que era um convite franco para o amor.
Amor que era uma troca rude de prazer
por algo que saciasse essa fome brutal
que roia as entranhas e fazia sofrer.
Por onde passava a guerra enraivecida e louca,
o amor permutava a sensação carnal,
saciando a avidez famélica da boca.

— 57 —
1º Regimento de Infantaria

Cabo José Rolim de Oliveira


Santo Montello

—V—

Livorno, fora uma cidade


que florescera outrora na grandeza
de uma Itália opulenta, rica e má,
agora, é apenas a recordação
dum passado ridículo de glórias
que não resistiu à força da razão.
Assemelha-se mais a outra Pompéia
que em erro geográfico gravara
no solo acidentado da Toscana.
Perto, dorme Pisa, outra relíquia
que um acaso feliz arrebatou
da fome insaciável que alucina a guerra.
Mas entre os monumentos do passado,
uma coluna em pedaços, uma ponte
destruída, um passeio em lances extirpado;
uma fonte, uma estátua a revolver-se em terra
e esqueletos de prédios, tudo enfim,
que lembra a violência, força, luta,
agita-se berrando,
dentre as recordações que os séculos honraram.

Ruínas e ruínas. Quanto sangue

— 59 —
Continência à Morte

custou a humanidade esta tortura!


Quanto pranto inútil derramado
sob a pressão da dor, do sofrimento!
Certo o homem em nada se modificou.
O exemplo exposto assim violentamente,
para maldizer mais tarde o esquecimento.
Enquanto houver no mundo essa ambição
que leva o homem em sonhos de grandeza
ao império do ódio e à prepotência,
as grandes concepções do pensamento,
calar-se-ão a ferro, a fogo e a sangue.

Era este povo de certo, entre outros povos


que com o espólio de Roma enriqueceram,
o que mais herdou virtude e vício
que destruiu o império dos romanos.
Se lhe sobrou tenacidade e empenho,
com que engrandeceu as artes e a ciência
e criou gênios na literatura,
faltou-lhe contudo esforço belicoso,
espírito combativo e senso de justiça,
o que fez de Roma o marco primitivo
da lógica, do direito e da razão.
Fracassando ante a ganância dos germanos
que tinham mais respeito pela força,
sucumbiu com a própria experiência.
Hoje, paga, desgraçadamente,
não só pelo mal que praticou,
como pelo mal maior que desejou fazer.

A moral deixa à posteridade:


— Não se esbofeteia impune a liberdade.

— 60 —
1º Regimento de Infantaria

Soldado Argemiro de Toledo Filho


1º Regimento de Infantaria

Soldado Benedito Ayres de Campos


Santo Montello

— VI —

Eis teu primeiro contato com a luta.


Vê.
Aspira.
Sente.
Quanto é duro viver.

No lar.
Na sociedade.
A luta cotidiana pela conquista do pão
é apenas simulacro de luta,
onde a razão de ser,
a fome e o receio de perecer,
embrutecem a força da razão.
Aqui, a luta é diferente.
Vieste a um “ rende-vous” com a morte
e pela primeira vez,
vais encontrá-la frente a frente.

— 63 —
Continência à Morte

Nasceste.
Nem tu sabes por que.
Na verdade,
és como todos esses desgraçados
condenados à vida, condenados
também a sofrimentos,
a mais feliz concepção biológica
que encheu a história de lamentos.
Lutaste até agora contra o inevitável.
Não foste um covarde, eu sei,
não foste
lutaste como um bravo e como um forte.
É mister porém, nesta partida,
em que se joga a vida pela vida,
vencer para viver.
E a vida, não sei porque, antecipou-se à morte.

Escuta.
Esta celeuma infernal é o tumulto da luta.
É o grito da metralha.
É o berro do canhão.
É o egoísmo embrutecido da canalha
destruindo com raiva a civilização.

Chegou a tua vez.


Vai. Fere e mata.
Voltaste a ser o que tu eras
no início da existência humana:

— 64 —
Santo Montello

— uma fera entre outras feras,


a disputar com ardor,
a presa que iria saciar-te a fome
ou a fêmea que iria saciar-te o amor.

Chegou a tua vez.


Vai. Estruge. Berra. Mata.
A vida é mesmo assim.
Prevalecerá na existência,
aquele que não tiver escrúpulos demais
capazes de embotar-lhe a inteligência.
Na arena do mundo, subordinado à fome,
na luta entre o forte e o fraco,
nenhuma indecisão há entre os dois.
Chegou a tua vez.
Vai. Estruge. Berra. Mata.

Morrerás depois.

— 65 —
1º Regimento de Infantaria

Soldado Benedito Nunes da Costa


Santo Montello

— VII —

A luta foi tremenda.


Não havia lugar no mundo para indecisões.
Numa orgia de sangue, tétrica e brutal,
à música das armas vomitando a morte,
batiam-se, feriam-se e matavam-se.
Corpos tombavam em pandemônio
violentamente estraçalhados .
Recuar... Impossível. Quem podia
recusar a luta se em disputa
a honra, a liberdade e a pátria.
Deixar-se abater, cair vencido,
ceder ao inimigo a palma da vitória,
era morrer outra vez depois de ter morrido.

A noite, ao clarão das chamas


iluminando o circo e a arena ,
o horror da luta estarrecia.

— 67 —
Continência à Morte

Era como se o mundo em chamas se extinguisse


transformado num inferno.
O campo, entre os recortes da montanha,
refletindo na neve, a luz e as chamas,
dava impressão de cuba tenebrosa
onde corpos estranhos se movessem
na ígnea matéria em ebulição.
Era um espetáculo terrível, que a pena
não pode descrever com precisão.

Quando a manhã medrosa despertara


trazendo consigo o tímido clarão
de um sol a tremer no firmamento,
ainda se ouvia o estrépito da luta
e o riso dos canhões esquartejando
corpos que enterrava em neve e lama.
Mas quando morrendo ao sol, morrerá o dia,
uma calma dolente se esboçava.
A luta pouco a pouco se extinguia.

No campo ficara apenas a memória,


entre destroços e corpos mutilados,
de uma sonegação brutal da história.

— 68 —
1º Regimento de Infantaria

Soldado Guiomar da Costa Pinto


1º Regimento de Infantaria

Soldado Luiz Folegatti


Santo Montello

— VIII —

Fox-Hole. Noite fria de inverno.


Expectativa de luta. Pela estreita abertura
por onde passa a noite, a neve e o frio,
veem-se estrelas brilhar no firmamento.
Flocos de neve, como plumas,
dançam no espaço ao sabor do vento.
Leves ruídos veem-se aproximando
com a fricção do medo
em folhas ressequidas dum arvoredo,
no silêncio inquieto de uma noite escura.
Granadas rebentam continuamente,
ressoando com fragor nos côncavos do morro.
Passam gemidos rastejantes
nas padiolas das turmas de socorro.
Sobre o esplendor fosforescente
da brancura da neve, sobre o fundo
azul contínuo do infinito,
rebenta como um
um “very-light” que desce iluminando o mundo.

— 71 —
Continência à Morte

Esse lampejo
de luz silvando pelo céu,
é o sorriso da morte precedendo um beijo.
E ao sinal desse gongo, reboa afinal
do fundo do silêncio,
a gargalhada fatal
da “ponto trinta”.
E o homem que dormia indiferente,
esquecido da guerra,
nos buracos de neve escavados na serra,
desperta abruptamente
para uma luta terrível, onde a vida se lança,
despedaçando-se em convulsões horrendas,
para satisfazer um sonho de vingança.

Tinta de sangue, a neve se desfaz


ao calor da vida que apodrece.
É mais um sonho que fenece
e outra ambição cruel se satisfaz.

Mas depois...
Tudo estará depois como estava antes.
O homem será ainda mais feroz.
E a vida continua.
Os jardins se enfeitarão de flores e crianças.
Surgirão na terra novas esperanças.
No céu ainda brilhará a lua
e brilharão estrelas que brilhavam já
milhões de anos luz longe de nós.

— 72 —
1º Regimento de Infantaria

Soldado Manoel Evaristo de Moura


6º Regimento de Infantaria

2º Sargento João Domingues


Santo Montello

— IX —

A vitória já se aproximava, quando,


o gume de um estilhaço
decepou-lhe um braço
e uma bala fatal atravessou-lhe o peito.
Ele tombou bruscamente sobre a neve
como outrora ao voltar do trabalho
tombava cansado sobre o leito.

A lividez da morte se estampava


na face, espantando a mocidade e a vida.
Quiseram levá-lo a força.
Ele porém, já pressentindo o fim,
Com energia feroz se recusou,
- Não. Quero morrer assim.
Foi sempre assim que desejei morrer.
Num campo de batalha.
Balas silvando ao vento.

— 75 —
Continência à Morte

Azas ferozes flamejando


entre massas de nuvens pelo azul.
Canhões com furor saudando outros canhões.
Homens em luta violentando a sorte.
Quero morrer assim. Entrar na eternidade
na cadência grave das fanfarras.
Entre fileiras de guerreiros rudes.
Sabres. Alfanges. Cimitarras.
Luzindo ao sol em continência à morte.
E eu vou chegar esfarrapado, mutilado, exangue,
como o leão que volta de uma luta, ferido,
todo coberto de pó,
todo manchado de sangue.

— 76 —
6º Regimento de Infantaria

Cabo Davino da Costa Calhares


6º Regimento de Infantaria

Cabo Luiz Braitt


Santo Montello

—X—

Na esteira do comboio na rota das estradas,


mordendo o asfalto e arrancando pedras das calçadas,
vão os tanques de guerra
martelando a terra
com algumas dezenas de toneladas de aço.
Metralhadoras atentas visam o céu.
Canhões repousam no regaço
como braços enormes tateando a frente.
Tanques. Mais tanques. Leves e pesados.
Segue a fila imponente da blindagem.
Caminhões gigantes atulhados
de caixas e mais caixas de rações.
Canhões. Jipes. Canhões. Ainda Canhões.

As ambulâncias sucedem-se ambulâncias


com enfermeiras bonitas nas boleias.
Soldados que vão para o hospital.

— 79 —
Continência à Morte

Feridos evacuados da luta


que voltam para os lares.
Meio-homens. Meio-feras.
Sobejos de canhões. Deteriorados.

Jipes. Canhões. Munição, Metralhadoras.


Florestas de fuzis. Um carro com tropa.
Soldados que voltam de Florença
com seis dias de sono e noites de prazer,
ruminando os restos da licença
numa canção pastosa da Toscana.
Roucos de gritar e de beber
enchem de vinho o luar, a terra e o vento.
O Arnor reflete o firmamento.
Eles beberam nas taças das mulheres,
o espumante do amor,
procurando esquecer na embriaguez,
a raiva de uma dor
ou tentando afogar no bojo das garrafas
uma dúvida cruel
que teimava em boiar na tepidez do vinho.
Há ideias como, mulheres, com fôlego de gato.
Não morrem nem mesmo com carinho.

Na poeira do comboio
as cidades saltam das estradas.
Pistoia, Porreta, Sila, Gajo Montano
e lá no fim,

— 80 —
Santo Montello

carrascos armados de cutelo


destroçando ilusões.
Soprassasso, Belvedere, Monte Castelo.

— 81 —
6º Regimento de Infantaria

Soldado Benedito Bento Mariano


Santo Montello

— XI —

É o correio, meu Deus – Alguém gritou.


E saem todos correndo
em busca de uma carta que chegou.

Este recebeu carta da mamãe. Coitada!


Diz
Que está satisfeita e que se sente feliz.
Não lhe manda nada
Pois, não tem certeza de poder mandar.
Dizem coisas por lá que ela não entende
Mas, ele compreende...
O resto a censura não deixou passar.
E concluindo:
- “Tudo está bem. O cafezal floriu.
O milharal cresceu.
Sòmente o cão, desde que tu partiste,
foi-se tornando triste, cada vez mais triste,
e numa tarde quente,
quando o sol morria no poente
deitou-se. Cerrou as pálpebras. Morreu”.

— 83 —
Continência à Morte

Aquele, diz a mulher,


que apesar de ausente,
julga-o sempre presente
e cada dia que passa mais o quer.
“O garoto está crescido. Está andando.
Pergunta sempre por você”
Às vezes quero dizer... Quero falar...
e termino chorando.

A este outro, diz a noiva querida:


- “Amor, tu és a minha própria vida,
toda a minha razão de ser.
Esperarei por ti chorando ainda.
E se a beleza expande o sofrimento
e nela se transforma,
quando voltares estarei mais linda
de tanto sofrer”.

E o correio passou. Só eu não fui correndo


em busca de uma carta que sei não escreveste.
Pois aos poucos vou me convencendo,
na terra triste onde me encontro, aqui,
que de tanto chorar já te esqueceste,
de quem não pode ainda se esquecer de ti.

— 84 —
6º Regimento de Infantaria

Soldado Higino Mendes de Andrade


(Veterano da Revolução de 1932)
6º Regimento de Infantaria

Soldado João Luizon


Santo Montello

— XII —

No inextrincável labirinto de Roma,


eles, um dia se encontraram.

A tarde, ao clarão do sol de Julho,


tinha reverberações metálicas de balas.
O Coliseu, velharia imunda,
manchando a limpidez da Via Império,
evocava as legiões de Tito.
O Tibre se enroscava em contorções felinas
por entre colunatas, templos, monumentos,
lavando a podridão chagada das misérias
das cortesãs que o tempo amancebara.
A hora tinha a lassidão histérica
De Pompéia, de Rubia ou Messalina.
O ambiente lembrava a era das orgias.
Em torno crepitava o fogo das vestais.

— 87 —
Continência à Morte

Ela era loira, sublime, linda e moça.


Acabava de sair do sonho de um pincel.
Olhos azuis, nervosos, cintilantes.
Boca papaverina, onde um sorriso
dúbio se esboçava em curvaturas
para mostrar os dentes como pérolas.
Dentes que saíam do repouso
forçado dos racionamentos.

Ele moreno. Híbrido dos trópicos,


da conjugação de raças diferentes.
Tinha forma de um deus ou de um demônio.
No relevo muscular dos membros,
que Atlas com certeza invejaria,
estampava-se a raiva, a força e a luta.
Falaram-se e sorriram.
Falando pouco se entenderam, mas sorrindo
entenderam-se melhor do que falando.
A atração sexual que impões a vida
e multiplica os seres no universo,
não se traduz em frases coloridas,
nem se demonstra em equações algébricas.
Ela se manifesta vaga num sorriso,
para se precisar na sucção de um beijo.
Ele encontrara nessa forma estatutária,
a materialização dum sonho de criança.
E ao vê-la assim risonha e enlanguecida,
sob o fundo monumental da velha Roma,
O sonho acordou num sobressalto.
O destino apagara o fogo das vestais.

— 88 —
Santo Montello

Ela não tinha ilusões artísticas.


As recordações que à mente lhe acudiam,
eram correrias loucas de gendarmes.
Multidões em tropel, fugindo em massa.
Emboscadas na noite, a horas mortas.
A miséria, a desonra e a impunidade
de crimes que a história registrou.
Guardava do amor apenas ilusões.
Formas que divisava em sonhos, fugidias
e que a realidade ao sol assassinava.
O seu ideal então se resumia
num desejo teimoso de fugir.
Fugir à dúvida terrível
que o futuro mostrava retalhada
de fome e perseguição e de misérias.
No rosto sublime do gigante
que o destino atirara em seu caminho,
lia-se a história homérica de lutas
do homem contra a própria natureza,
divinizadas pela liberdade.

Liberdade!... Isso doeu-lhe como um berro


que o pensamento soltasse em pesadelo.
Liberdade!... Florestas imensuráveis ensombradas.
Campos que abarcar, a vista não podia.
Rios enormes, longos, arrancando
com a força poderosa das correntes.
troncos gigantescos que rolavam
sobre os nervos das águas como folhas.
A variedade de asas coloridas

— 89 —
Continência à Morte

bailando sobre os ramos trinados.


Liberdade!... Agora lhe nasciam asas
e ela iria viver em voos sobre o Universo.

Falando talvez não se entendessem.


Mas sorrindo
se entenderam melhor do que falando.

— 90 —
6º Regimento de Infantaria

Soldado José da Silva Reis


6º Regimento de Infantaria

Soldado Mário de Souza


Santo Montello

— XIII —

A neve já se extinguiu nas faldas das montanhas


e a terra ressequida,
ante as fulgurações do sol irradiando vida,
ergue-se para o céu em vibrações estranhas.

Já se escutam gemer as águas nos penedos


Despertando as sombras das estradas
e o silêncio espectral dos arvoredos.

Em breve a vida sorrirá contente


aos beijos sensuais de um sol mais quente.

E os sonhos que se aqueciam ao fogo das lareiras


virão confundir-se ao riso dos pardais.

— 93 —
Continência à Morte

Voltarão enfim, os figos das figueiras,


o ouro dos trigais
e as rosas das roseiras.

E as aves que arribaram para o Sul em bando,


retornarão do Sul cantando.

E aqueles que ficaram nos buracos de neve,


encravados na serra,
ouvindo o trepidar da música da guerra,
volvem o olhar sombrio para o céu azul,
sentindo-se agitar
no desejo ardente de querer voar
como voaram as aves para o Sul.

— 94 —
6º Regimento de Infantaria

Soldado Reinaldo Rolim


11º Regimento de Infantaria

2º Sargento Aniceto Vieira Branco


Santo Montello

— XIV —

No leito, a meu lado, ela repousa.


E como tudo o que é belo ela está nua.
Pela janela do quarto, olhando o céu,
escuto os berros da cidade,
no eco abrupto que me vem da rua.

Passa um regimento para o “front”.


Carros, canhões, fuzis, metralhadoras.
A materialização terrível da verdade
destruindo entre nós a arte e o belo.
Ficam apenas visões aterradoras,
Com arrojos de ferocidade,
dinamitando a alma em pesadelo.

Em meio da noite desperto.

— 97 —
Continência à Morte

Gemem perto as barreiras


estraçalhando as nuvens pelo céu.
Cones de luz cruzam as trevas
rasgando estradas para os projeteis.
Berram sereias lúgubres alertando.
Minutos de pavor. Estrondos espaçados.
Gritos em fugas com o gemer do vento.
Agonias de pedras explodindo
com berros de granito.
O medo freia a terra nas curvas do infinito.

Estremecem quadros nas paredes.


Dança tudo em redor desmoronando.

Quando à noite sucede a luz do dia,


entre os escombros do silêncio escuto
a alegria da vida que me vem da rua.
Entre os destroços do meu leito, ao lado,
ela adormece para a eternidade.
E como tudo que é belo ainda está nua.

— 98 —
«

Segunda Parte

AO SONHO

«
11º Regimento de Infantaria

3º Sargento Francisco Mathias de Campos


Santo Montello

—I—

Tarde-noite. Crepúsculo de inverno.


Estrelas brilham alto no céu como diamantes.
Dançam visões de sonhos sobre a neve.
Estrondos, berros e explosões,
rasgam o esplendor quieto da paisagem.

Fugindo ao frio e à tortura do pavor,


ele se recolheu ao abrigo desse lar estranho
e ao calor confortável da lareira.
Lá fora, a neve, o frio, o pesadelo – a guerra.
Ali dentro, o calor, o entorpecimento – a paz.
Pelas paredes nuas, perfuradas,
entre sombras que as chamas exageram,
descem recordações em desalinho.
Veem de longe, da recuada infância,
desde os primeiros anos de existência

— 101 —
Continência à Morte

e trazem o calor de maternais carícias.


E na forma de um berço, em cujo bojo, o branco
de lençóis, fronhas e cortinados,
envolvem a inocência em sono negligente,
canta uma voz sonora que lhe embala os nervos.

O dragão saltou do leito de nuvens


e perguntou berrando :
— Quem foi que eu ouvi chorando?
— Quem foi que eu ouvi chorar?

As estrelas no céu estremeceram


e responderam lindas, cintilando:
— Nós não estamos chorando.
— Não ouvimos ninguém chorar.
— Não foram as brancas espumas
sobre o dorso verde do mar?

Mas as brancas espumas responderam


entre as vagas do mar se estraçalhando :
— Nós não estamos chorando.
— Não ouvimos ninguém chorar.
— Não foram as rosas da terra
ouvindo o vento sibilar?

— 102 —
Santo Montello

Mas as rosas vermelhas responderam,


pétalas rubras para o chão jogando:
— Nós não estamos chorando.
— Não ouvimos ninguém chorar.
— Quem sabe se as águas do rio...
— Elas gemem sem cessar.

Mas as águas do rio responderam,


correndo entre caniços, murmurando:
— Não foi o grito da estrela
sobre o azul a cintilar?
— Não foi o grito da espuma
se estraçalhando no mar?
Nem o soluço das rosas
quando o vento as veio beijar?
— Há sempre luzes no céu.
— Há sempre sons sobre o mar.
— Há sempre vozes na terra.
— Ruídos estranhos no ar.
— Nós não estamos chorando.
— Não ouvimos ninguém chorar.

— 103 —
11º Regimento de Infantaria

Cabo Honorio Negrisoli


Santo Montello

— II —

E adormece como adormecia.


E sonhos que na memória se esconderam,
rompem de chofre, o véu do esquecimento.
Estrelas que riem.
Flores que falam.
Fadas loiras e lindas adejando
como pássaros em bando, sacudindo as asas.
Alegria.
Felicidade.
Matas virgens e verdes.
Rios em soluços arquejando,
rasgam sulcos na terra engalanada.
A vida em todo o esplendor se manifesta.
E no fundo, sinfonia em acompanhamento,
a voz da saudade cantando à beira da floresta.

Do fundo ameno do passado,

— 105 —
Continência à Morte

formando o palco das reminiscências,


abre-se em flor a terra onde nasceu.
Feliz aquele que na vida pode
recordar sem pejo os anos que viveu.
Feliz quem teve a infância e pode um dia,
mesmo no meio de estranhas coincidências,
rever sem sobressaltos e repugnâncias,
quadros cheios de vida e plenos de harmonia.
Feliz de quem, como esse desgraçado,
mesmo ante a força da morte que aniquila,
silencioso desce ao fundo do passado
e arranca do seio das recordações,
uma visão escondida atrás de outras visões.

E faz bailar nos olhos da lembrança,


a terra em que viveu quando feliz criança.

Havia um grande lago e um rio ao sul.


Ao norte,
uma floresta verde inteiramente.
E sobre tudo isto, admirável, forte,
pairava um céu azul eternamente.
No meio ficava a minha terra, uma cidade
ataviada em cores.

— 106 —
Santo Montello

Rutilante.
Embelezava de jardins com flores.
Mirando-se nas águas com vaidade
e fitando com ansiedade
o empíreo a refletir-se em fundo tão distante.

Não havia para mim, no mundo,


coisa alguma que se comparasse
ao verde da floresta,
ao lago azul profundo,
ao rio que passava entre chorões de festa
e ao céu eterno a predizer bonança.
Apenas uma coisa eu compreendia,
era o fasto de tudo que existia
nessa cidade que me viu criança.

Mas eu parti.
A cidade já sei que me esqueceu.
Talvez já lhe dissessem que eu morri.
Talvez ela não saiba mesmo quem sou eu.
Eu que lhe faço agora esta canção
e que conduzo pelo mundo, ao léu,
no fundo escuro do meu coração,
o lago, o rio, a floresta e o céu.

— 107 —
11º Regimento de Infantaria

Soldado Amasilio Paulo de Campos


Santo Montello

— III —

Era assim que lhe acudia à mente,


a magnificência que lhe cercava a infância.
É um estado nostálgico em que o cérebro
toma aspecto de circo ou de ribalta.
Parece que a alma caracterizada,
entra para o palco. Curva-se. Sorri.
E avisa a plateia que ansiosa a espera:
— Vão desfilar agora em forma de comédia,
os dolorosos minutos que eu vivi.
Logo, recordações que enervam,
que alucinam, pejadas de saudade,
despertam como remorsos.
Um gesto que ficou no coração da gente,
plantado como um punhal
ferindo eternamente,
salta dos bastidores com um bandido embuçado.
Um sorriso triste. Um adeus. Uma despedida.
Uma angústia que o tempo não desbaratou
E ficou a roer-nos o coração e a vida,
vem despedaçar-se em cheio no tablado.

— 109 —
Continência à Morte

Assim acudira-lhes à lembrança,


o minuto que marcara a sua independência
e arrebatara o seu último riso de criança.

Foi numa tarde límpida e sombria,


de um mui tristonho mês de primavera.
Logo ao cair da tarde, à Ave-Maria,
quando já no horizonte se escondia
o último raio da luminosa esfera.

Era a hora em que as meigas andorinhas


voltavam para os seus ninhos gorgeiando,
desenhando no céu, sinuosas linhas,
como um grupo de muitas estrelinhas
pelo infinito a fulgurar cantando.

Quando eu parti. Deixei minha cidade.


Os verdes campos num painel de luz.
O doce lago a chorar de saudade.
A floresta virgem e a infinidade
de borboletas soltas nos paúis.

Mas eu parti. Com um esforço ingente,


Tentei afogar essa dor tenaz.
Tinha nas mãos o coração fremente.
Não via o mundo rindo à minha frente.
Via somente o que ficava atrás.

— 110 —
11º Regimento de Infantaria

Soldado Benedito Morelli


11º Regimento de Infantaria

Soldado Itaboraí Marcondes Machado


Santo Montello

— IV —

E parte para a jornada através da existência.


Atrás, repleta de desejos,
ansiosa e cheia de acidentes,
ficara a infância entre brinquedos fúteis.
Em frente, sinuosa, áspera e rude,
rasgava-se afinal a estrada do futuro.

Como quem leva uma mensagem urgente


e precisa entregá-la antes que a noite chegue,
meteu-se pela estrada alucinadamente,
no passo dos correios, em demanda
da primeira posta ou do primeiro albergue.
Em caminhadas rudes se esgotara.
Vencera com denodo as atribuições.
Às horas da miséria. Os dias de labor.
Às noites prolongadas de vigílias.
E fugindo ao sorriso das mulheres
foi cair na armadilha que lhe fizera o amor.

— 113 —
Continência à Morte

Ela era linda, sim. E a uma mulher tão linda,


ele daria a vida se pudesse ainda
começar a viver uma outra vez.

E dentro da noite que se estende agora


na dramaticidade atroz do pensamento,
fica esperando-a como a esperava outrora.

E esta noite que não acaba mais!...


E noite, noite sempre...
E sempre noite.

Lá fora a agitação elétrica da rua:


— o trepidar dos bondes
— o chiar dos autos sobre o asfalto.
— O grito das novelas
na voz colérica dos alto-falantes,
fugindo pelos rasgões escuros das janelas.
Um ruído nervoso, elástico e profundo,
que cresce cada vez mais e se acentua
como um ladrar de cães, enchendo o mundo.
Das sombras das lâmpadas revoa,
com arrulhos de pombas ofegantes,
a volúpia do amor em nuvens de garoa.

— 114 —
Santo Montello

E noite.
Noite sempre e sempre noite.

E com a noite
meu quarto se encheu de vultos gigantescos.
Tantos são que não posso contê-los.
E das sombras dos móveis, oscilando
ao clarão da lâmpada pendente,
surgem continuamente
mais sombras que se vão avolumando.
Fere-me o tormento
de não poder fazer dormir o pensamento.
Parece que a noite se encheu de pesadelos
querendo amedrontar-me
porque me encontro só, na nostalgia
desta noite longa. Longa e fria.

E noite.
Noite sempre e sempre noite.

Amanhã, porém, se ela chegar. Vir ter comigo.

Na graça inebriante de uma deusa nua.


No sonho medieval de um quadro antigo.
Quero que essa rua
se encha de alegria,

— 115 —
Continência à Morte

de ruídos de bondes e de ladrar de cães.


E essa tristeza
se afunde em nuvens densas de garoa.
Quero que a cidade enlouqueça de vida e os campos
se enfeitem de luzes e de pirilampos.
Tudo endoideça de felicidade.
E seja sempre noite. Noite sempre.
Uma noite que dure a eternidade.

— 116 —
11º Regimento de Infantaria

Soldado Joaquim Arcanjo de Carvalho


11º Regimento de Infantaria

Soldado Leandro Paulino da Cruz


Santo Montello

—V—

Diante do fogo a arder no conforto do quarto,


desfilavam as imagens como um filme.
Vivo. Colorido. Real.
Ali estava o seu quarto abandonado e triste
e ele fitando através da vidraça embaçada,
a agitação da noite entre a garoa.
Um toque-toque de saltos na calçada.
O ranger suave dos degraus
sob o peso de um corpo pequenino.
Enfim, entre o retângulo da porta,
em toda a amplidão do pensamento,
a grandeza da ansiedade num casado de lã.

Ela voltara. Mas depois. Um dia, a morte


cerrou-lhe os olhos dolorosamente.
E seu coração angustioso se desfez
em versos lacrimosos.

— 119 —
Continência à Morte

E a alma se transformou nas rimas borbulhantes


que cantavam a dor de uma separação.

Ela voltou. Não sei por que voltou.


E agora vai partir.
Vai deixar-me como de outra vez já me deixou.
Era melhor não vir.
Que veio fazer?
Veio trazer recordações
e despertar em minha alma angustiada,
uma rubra manada de novas ilusões.

Eu já a tinha esquecido felizmente.


Nem mais pensava nela, quando,
um dia voltou tão triste e docemente,
chamou por mim chorando.
- Que queres? – perguntei.
Ela, mais triste, murmurou:- Voltei.
Vim buscar aqui,
a felicidade que eu perdi
e que não pude levar.
Quis dizer-lhe, embora contrafeito:
- Já não encontrarás aqui, felicidade.
Do nosso lar antigo, da nossa amizade,

— 120 —
Santo Montello

nada existe mais.


Nosso amor está desfeito.
Eu já esqueci tudo o que foi teu.
Até o fantasma da ausência
que vivia a atormentar-me a consciência,
desapareceu.
Mas eu não pude resistir.

Com ela,
os sonhos regressaram.
Tornou-se a vida para mim, tão bela,
que os meus temores todos se esquivaram.
Ela trouxe consigo
nas espirais de seu perfume antigo,
nas ondulações de etérea fluidez,
aquele mesmo sorriso impreciso,
com que me cativou mais uma vez.

E agora vai partir. Que desventura!


Vai deixar o nosso ninho.
Vai fazer regressar toda a amargura
do isolamento. Eu vou ficar sozinho
entre ilusões
e recordações que despertou.
O castelo destruído,
após reconstruído
desabou.
Mas agora que vai definitivamente,
deixar-me doido sem poder contê-la
e sem poder esquecê-la
novamente.

— 121 —
11º Regimento de Infantaria

Soldado Miguel França


Santo Montello

— VI —

Perto, o vendaval da guerra estraçalhava a vida


escavando túmulos na neve.
Era o ensurdecedor barulho da tormenta
derrubando troncos gigantescos.
E por onde passava em rolo compressor,
sepultava na terra o esforço humano
que na imponência da arte se imortalizara.
Ia a miséria na trilha tenebrosa,
vergastando corpos, almas dilacerando.
Era o ódio livre em bacanal de sangue,
num sadismo oriental estrangulando
mil esposas impúberes num dia.

Longe, o pensamento se arrimava


Em reminiscências doces, evocando
saudades em verso. Nesse entorpecimento,
sem sentir que a morte se aproxima,
recorda um materno sorriso, o derradeiro.

— 123 —
Continência à Morte

Saudade!... Uma casinha branca meditando


à beira da floresta e o lago murmurando
apaixonado, perto, uma canção sombria.
Saudade!... Muito longe, a velha casaria
da cidade distante , ri-se e reverbera
à luz do sol a arder no fim da primavera .
Saudade!... O céu deserto, ardente e luminoso,
Com tons róseos de luz. O campo majestoso,
onde o gado rumina à sombra das mangueiras,
sob ventilação dos leques das palmeiras.
Estradas ondulantes, brancas e arenosas,
por onde vão passando tristes, vagarosas,
as manadas que veem do fundo dos sertões,
tocadas pelo canto grave dos peões.

E à sombra da casinha branca, meditando,


sorrindo para mim, a minha mãe cantado.

Saudade!... O sol tombando por detrás do monte,


entre nuvens de sangue presas no horizonte.
Bando de aves alegres, volta em revoada
ao silêncio dos ninhos. Em trote, a manada,
de bois, deixando o campo e a sombra dos mangais,
regressa taciturna ao sonho dos currais.

— 124 —
Santo Montello

Indefinida, a noite, contorcendo o céu,


estende sobre o campo, um nebuloso véu.
Na capela isolada em meio da serrania,
vibram sinos gemendo tristes. Ave Maria!
Tudo é tristeza enfim. Na solidão intensa,
arde em meu coração uma fogueira imensa,
em que se vai queimar o próprio pensamento,
jogando-se depois num mudo esquecimento.
No torpor, abstrato em torno do que existe,
eu me sinto mais só, mais desgraçado e triste.

Na soleira da porta, pálida e fitando


O céu escurecendo, a minha mãe rezando

Saudades!.... E depois, a mocidade. A vida,


para lá das montanhas negras escondida.
Misteriosa e fugaz... Um barco a balouçar.
Um lenço que se agita sobre o azul do mar.
Um adeus que se diz a alguém que se despede.
Um beijo que se manda e um beijo que se pede.
Esse momento triste que se grava forte
em nossos corações e vai até à morte.
Chorando a toda hora ou rindo a todo instante.
Trazendo sempre perto, um ser que bem distante,
vive por nós orando. E nessa ansiedade,
a vida se resume enfim numa saudade.

Na soleira da porta, os braços levantando,


num adeus para mim, a minha mãe chorando.

— 125 —
11º Regimento de Infantaria

Soldado Victório Nalesso


Patrono do Portal dos Ex-Combatentes de Itapetininga
Santo Montello

— VII —

Súbito, a noite se tingiu de luz,


qual Árvore de Natal, enorme,
que se apoiasse nos flancos da montanha
e fosse esconder os ramos no infinito.

O matraquear contínuo das defesas,


risca nas trevas traços fulgurantes.
Estradas de luz cruzam a noite.
Movem-se feixes luminosos
rebuscando os côncavos do céu.
Lâminas de aço cortam cintilando,
asas que fogem, perfurando-as,
após rastro de fogo e fumo, tombam
aves estranhas pelo firmamento.

— 127 —
Continência à Morte

E nessa trajetória, com os destroços,


veem corpos ardendo , esfacelar-se em terra.

Ele sonha ainda.

O fogo na lareira se extinguira


quase apagado pela mão do instinto.
Dentro das trevas, alongando-se,
o pensamento agarra-se a fantasmas,
numa embriaguez sedenta de carícias.
Um grito corta a noite.
Um corpo monstruoso, pesado e indefinido,
arrebenta-se no solo espatifando-se.
E funde-se depois em chamas projetando
estilhaços mortíferos em torno.

Tudo derrui num estrondo.


Sob os escombros desse lar estranho,
a arder numa fogueira,
sepulta-se o pracinha com os seus sonhos.

— 128 —
«

Terceira Parte

À GLÓRIA

«
Placa do Monumento aos Pracinhas Itapetininganos na sede do Tiro de Guerra (2014)
Santo Montello

—I—

Manhã de primavera. Luz por toda parte.


O sol aquece o dorso das pedreiras.
Cantam pássaros em torno das ameias
de velhos castelos medievais.
Há risos de crianças nas sombras das ruínas.
E entre os ramos verdes das roseiras,
desabrocham rosas voluptuosas
como bocas vermelhas suplicando beijos.

Assim deve ser a paz, quando o Universo,


abalado na forma e na estrutura
modificar o rumo essencial da vida.
Assim deve ser no fim, quando as trombetas
reboando no vale do silêncio, anunciarem
a vinda do Senhor e o momento fatal,

— 131 —
Continência à Morte

em que se abrirá de vez a sepultura


onde se encerrará definitivamente,
toda a incoerência tétrica do mal.
E os leões, os tigres e as panteras,
as feras que habitam as selvas ignotas,
monstros esquecidos, tudo o que a terra produz
de perverso e cruel, pastar como cordeiros,
entre os seres felizes que viverem
sob as radiações divinas de uma nova luz.

................................................
................................................

A tropa , em silêncio, comprimida


pela disciplina austera das fileiras,
aguardava a leitura da ordem que, diziam,
para ela traria novas alvissareiras.
O comandante, no alto de um tablado
erguido sobre caixas vazias de rações
lera um longo discurso adrede preparado.
Elogiara a moral e o ânimo da tropa.
Agradecera a cooperação dos que combateram
e dos que serviram em todos os misteres
na luta que fora um inferno. Essa conflagração.
No furor do entusiasmo que o agitara,
terminou nervoso e feliz a todos proclamando
que o inimigo capitulara e que capitulando,
dava por finda a luta. A guerra terminara.

— 132 —
Santo Montello

Quem não viu, lendo dá o que pensar,


que um berro, um berro titânico, perfeito,
acordasse dos peitos fortes desses homens
e reboasse uníssono como um grito
terrível e descomunal de estranho peito.
Assim deveria ser. É a lei das deduções
com que se estabelece o peso da matéria
e a trajetória sequente das estrelas,
no acaso feliz das relações.
Assim deveria ser. O próprio confronto
das expansões de nossos sentimentos,
impele-nos a pensar que assim seria.
Se contar-vos fosse que assim foi,
cometeria um crime – eu mentiria.

O assombro final foi bem diverso.


Alongou-se um silêncio tão grande que não cabe
dentro das dimensões harmônicas de um verso.

Quem sabe o assombro. O espanto.


A alegria de viver, de voltar a sentir outra vez
o sabor da existência que mantinham ativo
dentro de um círculo vivo de saudades?
Quem sabe se a dúvida acordada
pela notícia abruptamente ouvida?
Quem sabe, tudo isso tolheu-lhes a expansão
e o gesto se imobilizou no pensamento?
Deve ter sido assim. Só pode ter sido assim.

— 133 —
Continência à Morte

Engana-se se assim pensa alguém.


Nessa suposição eu me enganei também.

Como é difícil penetrar o pensamento alheio


e querendo satisfazer uma curiosidade
o comandante veio:
— Que se passa convosco? Este silêncio?
— Tendes alguma coisa que dizer? Falai!

Sentem-se os homens à vontade.


E rompendo o silêncio, o primeiro falou.

— “Tenho um lar, uma esposa e um filho pequenino.


Eu era o mais feliz dos homens sobre a terra,
embora na miséria enorme que vivia.
Dentro do nosso lar, mesmo faltando pão,
sobrava-nos amor.
E se nos faltava o estímulo da vida
sobrava-nos a fé.
E quando vendo alegria sobejando aos outros
ou víamo-nos nós envoltos na ansiedade,
sentíamos a esperança arder dentro de nós.
Tínhamos Deus.
Pouco importa a vida que se tenha.
Quer no seio da miséria, quer no seio da abastança,
não chega poder viver,

— 134 —
Santo Montello

é preciso ter fé, ter esperança.


Vivíamos assim. Um dia, porém,
a guerra sobrando aos outros,
veio por ironia, sobrar para nós também.
Como os outros, parti.
Como os outros, lutei.
Desde o primeiro dia, a cólera da luta
despertou em mim um sentimento estranho.
Queria estar sempre onde estivesse a morte.
O primeiro a morrer nas minhas mãos,
ao tombar junto a mim ensanguentado,
acordou no cérebro um bandido
que eu trazia comigo inconscientemente.
Desde então não me posso conter.
Com a sensação da luta e a ânsia de viver,
vem-me esse desejo horrível de matar.
Agora, voltando à miséria do passado,
sabendo que poderei matar e destruir,
constrange-me entretanto,
o horror tremendo de não resistir.

Voltando a encarar meu filho,


a hediondez do mal que pratiquei,
temo sentir no olhar do pequenino.
Vim para a guerra quase um santo.
Volto para casa um assassino.

................................................
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— 135 —
Continência à Morte

Um outro falou. Chorava.

“ Eu não quero voltar.


Também não quero ficar nesse inferno.
Voltar por que?
Nada me prende mais à terra onde nasci”.
E num soluço forte – “Minha mãe morreu.
Morreu na noite do mesmo dia em que parti.
Não pôde conformar-se com a separação
do filho que partira para a guerra.
E o coração matou-a. O coração...”
Interrompeu-se outra vez a soluçar.
Um soluço terrível e profundo,
Com intermitências coléricas, ferozes,
que saiam como berros insultando o mundo.
Depois, num suspiro trágico e nervoso:
— “ Era tudo o que ainda me prendia à vida.
Todas as tardes, quando eu regressava
exausto, da oficina, ao abrir a cancela
que dá para o jardim,
lá estava minha mãe sorrindo
entre a moldura verde da janela,
qual uma santa implorando ao céu por mim”.

E rude, com a raiva brilhando no lampejo do olhar:


— “Agora eu vou voltar.
Rever o esplendor do mesmo céu azul.
A mesma floresta verde e exuberante
afrontando com os ramos o infinito.
Rever os morros que se alongam

— 136 —
Santo Montello

quais monstros de pedra ressoando


em sonos de granito.
Rever as praias brancas voluptuosas
entre os beijos do sol e as carícias do mar”.
E com mais raiva ainda: - “Rever a minha terra
coberto de cicatrizes e condecorações.
Um herói que a vida arrebatou dum inferno – a guerra,
para um inferno maior cheio de decepções”.
E mordendo nos lábios a dor que o compungia,
concluiu grave e desoladamente:
— “ Sei que tudo estará assim como estava outrora.
Cheio de sonhos da minha meninice.
Cantam pássaros em bando nas ramagens.
Correm rios em leitos de pedras, entre flores.
Rolam fontes a rir dos seios das pedreiras.
Pastam rebanhos soltos nas campinas.
Sobre a alegria fulgida na terra,
tombam raios de luz de um sol ardente.
Mas quando eu voltar exausto da oficina
e pressuroso correr para a cancela,
encontrarei a casa, as flores, o jardim,
mas não encontrarei a minha mãe sorrindo,
como estava sempre a esperar por mim “.

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Um terceiro falou. Este não chorava.


No olhar sombrio, onde visões de sangue

— 137 —
Continência à Morte

plasmaram tragédias violentas,


brilhava a cólera dos bravos,
com impotentes lampejos de furor.
Vibrava sem sua voz, a dor encarcerada
de algo que ele sentia e não compreendendo,
não podia com acerto definir.

— “É preciso voltar. Nós voltaremos.


A luta para nós, porém, não terminou.
Se fosse apenas matar, lavar com sangue
a grandeza do ideal que nos trouxe à guerra,
seria preferível morrer. Sobreexistir
após a hediondez da luta em que vivemos,
com os mesmos vícios e as fraquezas
que jogam contra si as multidões,
é retardar o momento
de uma explosão maior, mas desastrosa.
A luta para nós não terminou. É preciso destruir
preconceitos enraizados nas nossas tradições.
É preciso aniquilar aqueles que insultam
os nossos sentimentos,
explorando a negligência da miséria humana”.

Oh! vós que viveis no seio da opulência


desfrutando os erros da desgraça alheia. Tremei!
Há uma raiva surda a arder como um rastilho
dentro dos corações que a sorte apedrejou.
A humilhação sublime a que se obrigam

— 138 —
Santo Montello

aqueles que rasgam à força, a selva da existência,


tem o mesmo pendor da nitroglicerina.
A negligência em que viveis, espanta.
Cuidado! Ela pode um dia, por descuido,
atear o incêndio retardado
pela esperança dos reivindicações.
Nazismo! Fascismo! Comunismo! Nada. Monstros
tentando saciar a fome na utopia.
Tudo o que se funda na desigualdade,
Estabelecendo castas e hierarquias,
Não pode resistir ao exame da razão.
É preciso destruir ressentimentos,
ambições, complexos malévolos,
as fúrias imorais do instinto humano.
Dar ao dever mais força que ao direito.
Dar amplitude à lógica da vida,
dentro dos princípios morais das leis divinas.
Mas se o vosso egoísmo se recusa, vivei!
Destruí o foco do descontentamento,
eliminando o ovo da miséria antes de fecundar.

É preciso voltar. Nós voltaremos.


A luta para nós, porém não terminou.

— 139 —
Desfile dos pracinhas itapetininganos na Avenida Campos Sales (1945)
Santo Montello

— II —

O último berro do canhão morreu.


Morreu com ele também o último gemido.
A guerra terminou.

Mutilações. Membros esfacelados.


Órbitas vazias. Olhos que não veem.
Cidades em pedaços.
Arames. Máquinas ao léu.
Destroços fumegando.
Ecos de estampidos que já se extinguiram.
A morte devora os restos.
Risos de esperança em faces macilentas.
Trustes. Explorações.
Especulações ilícitas.
Filas.
Miséria.
Fome.
A guerra terminou.

— 141 —
Continência à Morte

Ao último tiro sucede o grito frenético


de multidões em jubilo.
Flores por toda parte.
Música.
É a alegria que volta
fantasias de cores, enganando.
A glorificação dos vivos que regressam.
Preces aos mortos que não voltarão.
Explosões de entusiasmo em chamas.
A vida retorna o ritmo do esforço,
como quem volta à atividade
depois da enfermidade longa e perigosa.
Sobre a face da terra, uma alegria doida,
enche de encanto a vida.
Música.
Flores.
Entre tudo isto,
Expande-se num sonho o riso da mulher.
E a mulher tem na boca avermelhada e linda,
rubro como a pele sanguínea das maças,
o beijo sensual intoxicante,
que o homem sabe que mata envenenado
mas vai se deixando sempre envenenar.

Olhos azuis entre cachos dourados.


Olhos negros a rir entre cabelos negros.
Beijos. Risos de mulher.
A alegria a romper do bojo das garrafas.
Música.
Flores.
Filas.

— 142 —
Santo Montello

Miséria.
Fome.
A guerra terminou.

E o homem,
O herdeiro do símio das cavernas.
Estúpido. Brutal. Dominador.
Atira-se com fome à glória das conquistas
e aos sonhos de ambição.
Rouba do mar as pérolas.
Da boca da terra ensanguentada
ouro, brilhantes, pedras coloridas.
E das entranhas escuras das cavernas,
arranca o carvão e o ferro
para fundir o aço,
para forjar canhões
para outras guerras.

A guerra terminou.
Preparemos a guerra.

— 143 —
Monumento aos Pracinhas Itapetininganos na sede do Tiro de Guerra de Itapetininga (2014)
Santo Montello

— III —

Este voltou cego.


As órbitas agora,
acomodam olhos que não são os seus.
O cérebro, o coração e o sangue vivem.
Faltam-lhes contudo, os órgãos da visão
por onde absorvia a seiva da existência:
-- as formas e as cores –
que dão força e vigor ao pensamento.
Sente-se feliz. Regressa.
Chega afinal ao lar que há muito almeja.
Avança tateando pelos degraus da entrada.
Procura mover o trinco como outrora,
quando voltava ansioso do trabalho.
Entra sofregamente .
Vem-lhe ao encontro a esposa apaixonada.
Aperta-a nos braços.
Busca-a com os sintéticos olhos e ante
a impossibilidade de vê-la
e sentir-lhe o olhar,
explode numa cólera que abrasa
com termos que ferem o senso da moral.

— 145 —
Continência à Morte

A dor é como a fome. Não se amolda


às pragmáticas de moral pregada.
Surge. Explode. E ao explodir
arrebenta com a força da desgraça
as férreas cadeias do decoro.
A blasfêmia é a panaceia universal que aplaca
o vulcão que acende em nossos corações
o despeito, a ira ou a dor.
Mas num verso não cabe uma blasfêmia.
O poeta vos diz então, que ele dizia :
- Como hei de saber se há luz
se não vejo o sol!
Como hei de saber se és tu se eu não sinto
o brilho do teu olhar buscando o meu!
Como hei de viver se já não vejo
estrelas no céu e flores no jardim!

Malditos sejam aqueles que criaram


os tiranos, os sátrapas e os reis
e humildes os serviram como escravos!
Malditos sejam aqueles que jogaram
com a confiança dos povos deturpando
a expressão fiel do pensamento!
Malditos sejam os que fundiram o aço
e os que forjaram as armas
e os que fizeram as guerras!
Pode o que vê avaliar um instante
uma existência encarcerada em trevas!
Diante do esplendor da vida
pode o que vê sentir-se como me sinto agora?

— 146 —
Santo Montello

E tu que enriqueceste com a minha desgraça


hás de sentir um dia a minha maldição!
Minha voz reboará no grito da metralha,
no berro do canhão
e no estilhaço das granadas
distribuindo morte!

Dentro de sua noite infinita


surge a voz da esposa meiga e dedicada:
- “Meu amor, escuta. Exulta
na eternidade do amor que nos enlaça.
Viverás por mim e eu viverei por ti.
Através dos meus olhos sentirás
o deslumbramento da vida em evolução.
Vê. É dia. Há sol e o céu é sempre azul.
Pássaros em bandos revolteiam
em torno das árvores em flor.
Sob o signo feliz da primavera
desabrocham rosas no jardim.
Aperta-me em teus braços.
Na tua imaginação, o colorido
do último dia em que me viste
cerca o perfil da minha juventude.
E assim me verás eternamente.
Aperta-me mais e muito mais!
Unidos viveremos. E quando a morte chegar
espatifando a vida, unidos partiremos
para o seio paternal de Deus,
em busca do reino universal do Amor.

— 147 —
1º Regimento de Infantaria

1º Tenente José Ribamar de Montello Furtado


Santo Montello
Um esboço biográfico

José Ribamar de Montello Furtado (Santo Montello),


autor de Continência à Morte, nasceu a 17 de outubro de
1901, no município de Viana, Maranhão. Filho do Sr. José
Mariano Furtado e de D. Balbina de Santo Montello Furtado,
ele foi primo do economista Celso Furtado (1920-2004) e
do embaixador Josué de Souza Montello (1917-2006), 4°
ocupante da cadeira de n° 29 da Academia Brasileira de
Letras.
Desde a adolescência, o jovem maranhense José
Ribamar soube dar mostras de seu elevado senso de civismo
e cidadania, mesmo em meio às dificuldades que enfrentou
e obstáculos que superou nas humildes origens que teve
no pequeno vilarejo interiorano de Viana no início do século
passado. Sua vocação pela carreira das armas manifestou-
se logo cedo em resposta ao seu crescente anseio por servir
à Pátria.
Certo desse desiderato, José Ribamar se muda para
a capital São Luís, onde senta praça no 24° Batalhão de
Caçadores (atual 24° Batalhão de Infantaria Leve) a 1° de
novembro de 1922.
Fundado em 1839, o 24° BC recebeu por portaria
ministerial de 12 de julho de 1997 a denominação histórica
de “Batalhão Barão de Caxias” em memória ao então coronel
de infantaria Luiz Alves de Lima e Silva, futuro Patrono do
Exército Brasileiro e Duque de Caxias, o qual a 4 de fevereiro
de 1840, assumiu a presidência e o comando da armas da
província do Maranhão para pacificar a rebelião regencial da
Balaiada (1838-1841).
Em matéria publicada na edição de 31 de outubro de
1922 do jornal Diário de São Luiz do Maranhão, Anno III, n°
256, constam principais deliberações do Boletim Interno do
24° BC referentes ao dia 1° de novembro de 1922, entre as
quais destacamos (na ortografia da época):

Foram mandados inspeccionar de saúde, para efeito de


matricula ao exame de admissão à E.S.I. as seguintes
praças: ... anspeçada ... soldados ... José Ribamar de
Montello Furtado ...
Na Revolução de 1924

Na Revolução de 1932
Desta publicação e no que consta no Decreto nº 14.331,
de 27 de Agosto de 1920, o qual aprova o regulamento da
Escola de Sargentos de Infantaria (E.S.I) inferimos que
o jovem José Ribamar ingressou no Exército Brasileiro,
na referida data com destino à carreira militar que ali se
iniciava na graduação de soldado, mas tinha em vista sua
futura matricula como aluno daquela escola de formação de
sargentos para a arma de Infantaria.
O exame de admissão para essa escola exigiria de
José Ribamar, além da aprovação em Inspeção de Saúde,
duas outras aprovações, quais foram, prova escrita sobre
conteúdos de língua portuguesa, aritmética e geometria e
uma prova oral versando sobre conteúdos dessas mesmas
disciplinas. Segundo o artigo 11 do regulamento da E.S.I,
essas duas provas tinham por finalidade aferir o “gráo de
intelligencia e de vivacidade dos examinandos” (ortografia
no original).
Outras informações referentes a carreira militar de
José Ribamar após a conclusão do curso de formação de
sargentos puderam ser colhidas junto à 14° Circunscrição
do Serviço Militar em Sorocaba e na Diretoria de Civis,
Inativos, Pensionistas e Assistência Social em Brasília, tendo
contribuído também para elas documentos pessoais dele em
posse dos descendentes.
De fato, quando de seu casamento com D. Anezia
de Oliveira Rosa, no município de Taquaritinga, a 10 de
dezembro de 1929, encontrava-se José Ribamar servindo no
Tiro de Guerra daquela cidade do interior do Estado de São
Paulo e na graduação de 2º Sargento da arma de Infantaria.
De informes colhidos com familiares, constatamos
que ele participou na Revolução de 1932, ao lado de São
Paulo, em unidade do Exército Brasileiro que aderiu à causa
constitucionalista. Com o armistício em outubro daquele ano,
acreditamos que ele deva ter permanecido no Estado de São
Paulo.
Não muito depois, serviu José Ribamar no Tiro de
Guerra de Catanduva, SP. Sua atuação como instrutor e
chefe da instrução na formação de reservistas para o Exército
Brasileiro parece ter sido uma constante em sua carreira
militar na qual dedicação, austeridade e profissionalismo
foram sempre suas características mais marcantes.
Já no ano de 1944, encontrava-se José Ribamar
servindo no 5° Batalhão de Caçadores, unidade de Infantaria
Em Camaiore
1944

No Coliseu de Roma
1945
que sediada esteve em Itapetininga nos anos de 1935 a
1947. Foi dela que partiram três dezenas de voluntários
itapetininganos para integrarem a Força Expedicionária
Brasileira (FEB) com destino ao teatro de operações italiano
nos vários escalões que para lá seguiram nos meses de
julho, setembro e novembro de 1944.
Ocupando então a graduação de Subtenente, José
Ribamar de Montello Furtado, aos 42 anos de idade e 22
anos de carreira militar foi um desses voluntários, sendo
transferido do 5° BC para o 1° Regimento de Infantaria da
FEB, o lendário “Regimento Sampaio”.
O 1° RI em que José Ribamar foi um de seus integrantes
participou de operações divisionárias nos Apeninos, do Reno
ao Panaro e, depois, no Vale do Pó, mas foi nos combates ao
Monte Castello que seu regimento logrou uma das maiores
glórias para as armas brasileiras. As palavras de elogio
consignado ao Regimento Sampaio no Boletim do Exército
de 12 de Janeiro de 1946 melhor ilustram as resultantes
desse inesquecível feito:

... a conquista da forte posição inimiga de Monte


Castello, em cujo ataque, na manobra da Divisão,
desempenhou com ardor a ação principal e decisiva
e depois sua denodada resistência no combate de La
Serra, que constituem, sem dúvida, as passagens mais
dignificantes e de maior emoção vividas pela Força
Expedicionária Brasileira no Teatro de Operações da
Itália. Nesses árduos combates, contra um inimigo
obstinado e aguerrido, os soldados do 1º Regimento
de Infantaria fizeram reviver as virtudes militares dos
soldados de Sampaio.

De fio a pavio, o Subtenente José Ribamar esteve em


campanha na Segunda Guerra Mundial. Do que ele viu,
vivenciou e lutou, sua inteligente pena e perspicaz percepção
consignaram nas poesias que perfazem sua obra literária
máxima, Continência à Morte, seu maior legado que ele, no
seu íntimo, sabia que haveria de deixar às gerações futuras.
Outrossim, após o fim da guerra em maio de 1945,
retornou ele a Itapetininga, município onde já havia
estabelecido família e vínculos sociais que levaria para o
restante da vida.
José Ribamar de Montello Furtado
aos 70 anos
Pelos relevantes serviços prestados junto à FEB em
ações de combate no teatro italiano contra forças nazi-
fascistas, José Ribamar foi agraciado com a Medalha de
Campanha e a Medalha de Guerra.
Pouco menos de ano e meio depois de seu retorno ao
Brasil, por decreto de 18 de outubro de 1946, o Subtenente
de Infantaria José Ribamar deixava o serviço ativo para
ingressar na reserva de 1° classe do Exército Brasileiro em
concordância com o Artigo 74 do decreto lei de n° 3940 de 16
de dezembro de 1941. Por força do Artigo 54 desse mesmo
decreto lei, sua passagem para a reserva lhe conferiu o direito
à promoção ao posto de 2° Tenente da reserva de 1° classe.
Por decreto de 16 de outubro de 1952, José Ribamar
foi promovido ao posto de 1° Tenente pelos seus serviços de
guerra na Itália em concordância com a Lei n° 288 de 8 de
junho de 1948.
Por ter atingido a idade limite como 1° Tenente da
reserva de 1° classe, em concordância com a Lei n° 2379
de 9 de dezembro de 1954, José Ribamar teve sua carreira
militar encerrada ao ser reformado neste posto por decreto
de 26 de maio de 1964.
Mas alguns anos antes de sua reforma, estando na
reserva, José Ribamar ainda prestaria um serviço à sua
Pátria que foi a publicação de Continência à Morte, no ano
de 1951, sob o pseudônimo de “Santo Montello”, nome do
meio de sua mãe D. Balbina de Santo Montello Furtado.
E foi por intermédio desse livro, na essência e
profundidade dos versos que escreveu, que possível foi a
ele arregimentar a memória e os feitos de todos os seus
camaradas itapetininganos que com ele deixaram o 5°
Batalhão de Caçadores para tomarem das armas na luta
pela Liberdade pela Democracia.
Nestes setenta anos de comemoração do Dia da Vitória
(1945-2015), seus dignos amigos, familiares, admiradores,
estudiosos e entusiastas podem ter em mãos suas palavras,
sua expressão última que sobrepujou a morte à qual ele
prestou a sua derradeira continência em 27 de maio de 1983,
três dias depois do Dia da Infantaria, 24 de maio, arma que
José Ribamar soube honrar, tanto na paz quanto na guerra,
desde quando sentara praça soldado no lendário Batalhão
Barão de Caxias.
José Ribamar de Montello Furtado foi sepultado no
Cemitério de Itapetininga. Seu túmulo encontra-se à poucos
metros do jazigo do 5° Batalhão de Caçadores, unidade na
qual fora um de seus melhores subtenentes.
Homenageado pelo Tiro de Guerra de Itapetininga
com sua fotografia na Galeria dos Ex-Combatentes da FEB
(1995), pela Prefeitura Municipal de Itapetininga com seu
nome inscrito no Monumento aos Pracinhas Itapetininganos
(2005), pelo Portal dos Ex-Combatentes de Itapetininga
com uma placa alusiva a sua condição de pracinha da
FEB afixada em seu túmulo (2014) e com a organização
desta edição comemorativa dos setenta anos do Dia da
Vitória de Continência à Morte (2015), José Ribamar de
Montello Furtado, bem como seus trinta e três companheiros
itapetininganos partícipes da Segunda Guerra Mundial, longe
estão de serem esquecidos.
Seus cinco filhos, Rachima, Maria Aparecida, Thomyres,
José Ribamar, e Terezinha, onze netos Nadia, Wladmir,
Alexander, Leonardo, Ana Paula, Luis Fernando, Márcia,
Antônio Edison, Sandra, Flávia e Márcia, seus quinze bisnetos
Karen, William, Natália, Felipe, Samara, Gabriel, Ana Clara,
Lorenzo, Giovani, Gustavo, Guilherme, Juliana, Gabriela,
Isabela e Beatriz e seus descendentes futuros serão sempre
testemunhas incontestes disto.

Professor Jefferson Biajone


Portal dos Ex-Combatentes de Itapetininga

8 de maio de 2015
À Memória

Dos que tombaram no campo de batalha


Lutando peito a peito
ou afrontando com o peito o fogo da metralha.

Dos que desceram do céu, em negros novelões,


em longa espirais de fumo, fogo e gás,
na trajetória fatal dos aviões.

Dos que afrontando com furor insano


a raiva do oceano,
de corpos encheram o mar de sul a norte.

Dos que, no cumprimento do dever


e em defesa da pátria,
fizeram também seu “rendez-vous” com a morte.

José Ribamar de Montello Furtado


1º Tenente e Pracinha da Força Expedicionária Brasileira

8 de maio de 1951
Monumento Nacional aos Mortos da II Guerra Mundial no Rio de Janeiro (2015)
Comemorações dos 70 anos do
Dia da Vitória em Itapetininga/SP
Na noite do dia 8 de maio de 2015, sexta-feira, realizou-
se na Câmara Municipal de Itapetininga a solenidade
comemorativa dos 70 anos do Dia da Vitória promovida pelo
Portal dos Ex-Combatentes de Itapetininga.
Nesta solenidade, homenagens foram prestadas à
memória e aos feitos dos trinta e dois pracinhas itapetininganos
partícipes da Segunda Guerra Mundial, realizado o
lançamento desta edição comemorativa de Continência à
Morte e promovida a outorga de condecorações e honrarias
às seguintes entidades e personalidades:

Medalha Pracinha da Força Expedicionária Brasileira


(Portal dos Ex-Combatentes de Itapetininga)

Pracinha Victório Nalesso


Pracinha Argemiro de Toledo Filho

Medalha Heróis do Brasil


(Associação Nacional dos Veteranos da FEB - Seção SBC)

1° Tenente José Ribamar de Montello Furtado


(In Memoriam)

Exército Brasileiro
Tiro de Guerra 02-076 de Itapetininga/SP
2° Tenente Edomar Wiedtheuper
1° Sargento Cláudio Bento Garcia

Polícia Militar do Estado de São Paulo


22° Batalhão da Polícia Militar do Interior
1º Sargento PM Dante Orsi Neto

Corpo de Bombeiros Militares do Estado de São Paulo


Capitão PM Paulo Monteiro Filho
1° Tenente PM Adriano Augusto Freitas de Brito
Câmara Municipal de Itapetininga
Vereadora Maria Lucia Lopes da Fonseca Haidar
Guarda Civil Municipal de Itapetininga
Comandante Adules Cerejo Dias
Academia Itapetiningana de Letras
Padre Mário Donato Sampaio
Instituto Hist. Geográfico e Genealógico de Itapetininga
Jornalista Hélio Rubens de Arruda e Miranda
Museu da Imagem e Som de Itapetininga
Dr. Roberto Soares Hungria
Folha de Itapetininga
Jornalista Dirceu Campos
Associação de Jornalistas e Radialistas de Itapetininga
Jornalista Silas Gehring Cardoso
Loja Maçônica Firmeza
Gráfica Regional
Carlos Scudeler
Portal dos Ex-Combatentes de Itapetininga
Antonio Edison Camargo
Afrânio Franco de Oliveira Mello
Marcelo Antonio Ribeiro Camargo
Dr. Hiram Ayres Monteiro (In Memoriam)
Terezinha de Ribamar Furtado Camargo
Medalha MMDC
(Sociedade Veteranos de 32 - MMDC)
Pracinha Higino Mendes de Andrade
(In Memoriam)
1° Tenente José Ribamar de Montello Furtado
(In Memoriam)
Diploma de Honra ao Mérito Expedicionário Itapetiningano
Fabio Henrique Silveira
Marcos Antonio Gonçalves Scudeler
Referências Bibliográficas
ALVES, F. F. Garoa de Minha’alma. Editora Nelpa. São
Paulo, 2013.

BIAJONE, J, MELLO, A. F. de, NOGUEIRA, E. J., CAMPOS,


D. Itapetininga: Heróis, Feitos e Instituições. Gráfica
Regional, Itapetininga, SP. 2012.

CAMARGO, J. A. Patriotas Paulistas na Coluna Sul.


Livraria Liberdade. São Paulo. 1925.

CAMARGO, J. A., BIAJONE, J. Patriotas Paulistas na


Coluna Sul: Edição Comemorativa dos 91 anos da
Revolução de 1924. Edição Digital. Itapetininga. 2015.

DEL PICCHIA, M. A Longa Viagem. 2ª Etapa da Revolução


Modernista – a Revolução de 1930. Liv. Martins Ed. São
Paulo. 1972.

LEONEL, M. de M. 1° Centenário de Nascimento do


Presidente Dr. Júlio Prestes de Albuquerque. Coletânea
de artigos. Folha de Itapetininga, 1982.

MONTEIRO, H. A. Livre terra de livre irmãos; a saga de


Itapetininga Republicana, de Venâncio Ayres a Júlio Prestes.
Grill Gráfica Editora Taquarituba, 2009.

NOGUEIRA, E. P. Heroísmo Desconhecido. Gráfica


Regional. 1987.

NOGUEIRA, E. P., BIAJONE, J, MELLO, A. F. de, NOGUEIRA,


E. J. Heroísmo Desconhecido: Edição Comemorativa dos
90 anos da Revolução de 1924. Gráfica Regional. 2014.

NOGUEIRA, J. L. Genealogia de uma cidade - Itapetininga.


Gráfica Regional. Vol. II. 2005.

TAMBELLI NETO, F., SOUZA FILHO, O. de. Itapetininga,


antiga em fotos. Crearte Editora, Itapetininga, 2009.
Portal dos Ex-Combatentes de Itapetininga
http://pec.itapetininga.com.br

Mantendo aceso o Cachimbo da Vitória!


1945 - 1951 - 2015

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